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Última atualização: 31/07/2017 - Fanfic finalizada!

Capítulo 1


Quando decidiu ficar em Nárnia e viu sua família também escolher aquele mundo, ela sabia que ali começariam os momentos mais felizes de sua vida. Pela primeira vez em muito tempo a sensação de pertencer a um lugar a preenchia. Ninguém ali lhe virava o rosto quando a avistava, como era bastante comum em sua antiga escola – aparentemente alunos não gostavam de filhos de professores –, mas sim lhe mostravam um largo sorriso e faziam uma leve reverência, mesmo ela não sendo nada importante.
Claro que ela havia batalhado por Nárnia, mas isso não era grande coisa aos seus olhos.
Nárnia era o lugar onde ela queria estar, e isso podia ou não ter algo relacionado à Caspian.
Nos últimos dias eles não se viram muito. Desde a batalha com os Gigantes do Norte o rei estava ocupado com a mudança para Cair Paravel, que estava mais próxima do que nunca. , entretanto, estava encarregada de tanto conhecer Nárnia como apresentá-la a seu pai e irmão, o que também não lhe deixava com muito tempo livre. O maior tempo que passavam juntos era durante a primeira e última refeição do dia, onde eles relatavam de forma breve o que haviam feito ou o que viriam a fazer, já que esses momentos não costumavam ser muito longos: às vezes o café-da-manhã mal se iniciara e já havia uma fila de oficiais e nobres à espera de Caspian para alguma reunião; e mesmo no fim da noite, nos já costumeiros encontros na cozinha, eles não conseguiam conversar muito tempo já que Ahava fazia questão de lembrá-los dos inúmeros compromissos que os esperavam no dia seguinte.
Por isso ficou extremamente decepcionada ao perceber que acordara mais tarde do que de costume, o que significava que Caspian já estava trabalhando.
Suspirando alto, a garota jogou as pernas para fora da cama, indo à procura de um vestido mais leve já que a temperatura tornara a aumentar. Ela chegou a se adiantar para pegar sua espada, mas hesitou ao lembrar que talvez não fosse sair do castelo hoje, o que tornava dispensável carregar a arma para cima e para baixo. Era melhor ver com seu pai e Charlie se eles iriam querer conhecer mais algum lugar para não ter que carregar sua espada sem necessidade.
- Pai? – chamou ela, batendo de leve na porta. Se Ahava não havia a acordado, também não teria acordado o resto dos O’Neil, e por isso ela estranhou não receber resposta – Pai?!
Ao abrir a porta, ela encontrou o quarto vazio e perfeitamente organizado. Se dirigindo para o quarto de seu irmão, ela encontrou o mesmo cenário.
Certo, quem tinha morrido?
Sem conter a curiosidade, praticamente correu pelos corredores a procura de Ahava, esbarrando com um homem quando se aproximava da cozinha. O homem, uns bons dez centímetros mais alto que ela, de cabelos curtos e escuros, não pareceu muito feliz com o acidente.
- Lorde Dafar, me perdoe – pediu ela, fazendo uma reverência exagerada.
- Não entre mais em meu caminho, garota – bufou o homem, antes de continuar seu caminho, deixando uma garota inconformada e confusa parada no corredor. Desde que chegara a Nárnia, havia o visto algo como três vezes, no máximo, e não se lembrava de algo que fizera para receber aquele tratamento. Aquela seria mais uma incógnita do dia.
Embora fosse uma bem menos importante.
Desacostumada a entrar na cozinha naquele horário, se viu perdida com a intensa movimentação de pessoas preparando a próxima refeição. Algumas das mulheres sorriram para ela enquanto trabalhavam, pedindo que ela esperasse à mesa que logo alguém a serviria.
- Na verdade, eu queria saber onde estão meu pai e Charles – disse a garota – Aparentemente, eles acordaram mais cedo do que eu.
- Acredito que eles estão em reunião com o rei Caspian, minha querida – sorriu Namish, uma das cozinheiras do castelo, colocando um prato com pães e um copo com suco na mesa central da cozinha e sinalizando para que ela se sentasse e comesse – Ahava disse que o rei pediu que te deixassem descansar hoje, por isso ninguém a chamou.
- “Reunião”? – repetiu ela – Que tipo de reunião eles poderiam participar se eles acabaram de chegar a Nárnia?
Namish chegou a abrir a boca para responder, mas a entrada súbita de Ahava na cozinha fez com que todas se virassem para ela, confusas. A mulher parecia à beira de um ataque de nervos.
- Por Aslan, ! – grunhiu ela, colocando uma mão no peito e outra na cintura enquanto tentava controlar sua respiração acelerada – Pensei que você tivesse sumido de novo! Não me assuste mais assim!
- Mas eu sequer saí do castelo! – riu a garota, depositando o copo na mesa para ir pegar as mãos trêmulas da mulher – O que aconteceu? Namish disse que a ordem era me deixar dormir até não querer mais.
- Seu irmão pediu sua presença.
- Na tal reunião que eu não sei sobre o que é?
- Acredito que seja sobre Cair Paravel, já que é basicamente o que o rei tem cuidado essa semana – suspirou Ahava, indo cuidar de seus afazeres.
Mais curiosa do que antes, pegou um pedaço de pão e saiu para procurar a sala onde a tal reunião acontecia, inconscientemente repassando todos seus atos nos últimos dias que poderiam resultar em uma bronca na frente de nobres de Nárnia. Ela havia se comportado consideravelmente bem, então não poderia ser isso. Pedir que ela participasse da discussão também parecia fora de cogitação, já que Caspian nunca fizera algo do tipo, embora a garota fosse se sentir muito mais útil caso ele a colocasse para trabalhar.
Ao chegar à porta da sala, a única coisa que tinha era dúvidas, por isso não enrolou e bateu logo na madeira para anunciar sua entrada e matar de vez aquela curiosidade.
Assim que a voz de Caspian a autorizou a entrar, a garota encontrou a sala cheia de rostos conhecidos. Seu pai e Charles estavam sentados próximos ao rei – o que mostrava que eles estavam tendo mais voz ali do que ela imaginava, já que aquela era uma posição importante à mesa. Diversos nobres e oficiais que ela conhecera nas últimas semanas também estavam ali, e nenhum deixou de se virar para ela.
- ...! – sorriu Caspian, visivelmente surpreso – O que faz aqui?
- Ahava disse que eu estava sendo chamada – disse ela, fechando a porta com cuidado e escondendo as mãos as suas costas, desviando o olhar do rei para o irmão – O que queria comigo, Charles?
- Quando que você pediu que a chamassem? – estranhou o rei, se virando para o garoto.
- Quando saí para ir ao banheiro – riu ele, apontando para irmã em seguida sem desviar o olhar de Caspian – Você pediu para mim, mas acredito que é uma topografa muito melhor que eu. Eu estou mais para ilustrador.
Aquilo era verdade. podia ter uma memória horrível para decorar caminhos, mas seus mapas eram de uma precisão incrível. Em todas as viagens de exploração que os O’Neil faziam, ela era a responsável por registrar os relevos do local, coisa que seu irmão não conseguia fazer como tanta maestria.
- Você estava tentando desenhar mapas? Você já não se envergonha demais sem fazer esforço? – brincou a garota, recebendo um olhar nada contente do irmão. Alargando seu sorriso, ela se virou para Caspian – Do que precisa, meu rei?
- O último topógrafo que fez os mapas da região de Cair Paravel fez um trabalho horrível – contou ele – Não conseguimos terminar de mobiliar o castelo porque os relevos reais da região e os relevos no mapa estão muito contrastantes, o que causou um problema imenso com o transporte. Até mesmo a planta do castelo está diferente do que realmente é: em algumas partes faltam quartos e em outras há quartos que não existem.
- É um trabalho urgente, pelo que entendi – murmurou ela, caminhando para o lado do irmão e analisando os mapas errados que estavam na mesa – Quanto do castelo já está... morável? Vou precisar de uns três ou quatro dias para conseguir desenhar tudo e economizaria muito tempo se eu não tivesse que viajar de um castelo para outro todo dia.
- Acredito que nosso quarto seja o único completamente mobiliado – disse Caspian, sem perceber que a garota corara em um tom forte de vermelho. Eles precisariam ter uma conversa muito séria sobre “assuntos que podem ser comentados na presença de terceiros” – Talvez alguns outros quartos menores já estejam com camas também.
- Três dias é um prazo muito longo, majestade – se intrometeu Lorde Dafar, olhando rapidamente para a garota antes de continuar. Por algum motivo desconhecido, ele parecia mais mal-humorado do que de costume – A mudança da nobreza para o castelo deveria acontecer no final dessa semana.
- Imprevistos aconteceram. Ninguém planejava ter que combater os Gigantes do Norte nesse meio tempo – retrucou Caspian, levemente irritado. Ele mais do que ninguém sabia o que não estava saindo como planejado e os prazos que estavam sendo ultrapassados, não precisava de lembretes. Respirando fundo e relaxando a expressão, ele se virou para – Se você usar os mapas antigos e apenas alterar o que tiver errado, economizaria mais tempo? Claro que vou precisar de algo mais completo futuramente, mas não temos esse tempo no momento, , me perdoe.
- Se eu usar os mapas antigos e sair agora, talvez consiga terminar até a hora do jantar de amanhã – suspirou ela, apoiando as mãos nos ombros do pai, que colocou suas mãos sobre as dela – Vou ter que checar toda a área e comparar com o mapa, então não tem como ser mais rápido.
Caspian apenas sorriu, verdadeiramente agradecido pela ajuda da garota. Ter aquela dor de cabeça resolvida já era uma satisfação, que só aumentava por aquela solução vir dela.
- Peça que providenciem meu material enquanto me preparo e eu já parto – pediu ela, já se adiantando para a porta – Tudo bem se Thomas for comigo? Ele é uma boa companhia.
- Acho bom Thomas ir contigo, mas vou pedir para que alguns guardas te acompanhem – suspirou ele, remexendo em alguns papéis sobre a mesa para descobrir qual o próximo tópico precisava ser abordado, sem perceber que parara no meio do caminho, se virando lentamente para ele.
- Isso não é necessário, Caspian. Além de ser uma área segura e com pessoas trabalhando lá – argumento ela, ignorando seu pai a repreendendo com o olhar – Um grupo muito grande vai apenas fazer com que demore mais.
- É perigoso você andar sem companhia, – insistiu Caspian, se virando na cadeira para fitá-la com determinação – Apenas aceite.
- Não é como se eu não soubesse me cuidar sozinha – retrucou ela , cruzando os braços – E Thomas vai estar comigo.
- Leve pelo menos Ripchip contigo – ele se deu por vencido, sentindo que aquilo poderia se estender por longas horas – Ficarei mais tranquilo.
deixou seus ombros caírem.
- De todas as pessoas do reino, você tinha mesmo que escolher Ripchip?
- Pensei que vocês tivessem feito as pazes – estranhou ele.
- Sim, mas isso não o deixou menos chato.
Caspian apenas pode rir, mas não tirou o pedido de seus olhos, e acabou por ceder. A companhia do rato não era por completo tão ruim. Talvez ele até a distraísse um pouco, já que seriam horas de trabalho focado. Sabia toda a dor de cabeça que o rei estava passando por essa mudança, e, para ele ter pedido ajuda de seu irmão em um primeiro momento, era porque as coisas realmente não estavam fáceis.
- Tudo bem, meu rei – suspirou ela, se curvando de leve – Irei me preparar, se minha presença não for mais necessária.

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Animada por ter uma tarefa dessa vez realmente designada a ela, praticamente correu de volta para seu quarto, embora se alguém perguntasse, aquela pressa toda era apenas porque seu prazo era apertado. Ela não estava nem um pouco ansiosa.
Pensando que no novo castelo estaria ainda mais quente, já que era bem no litoral de Nárnia, ela manteve o vestido que já usava, apenas amarrando sua espada na cintura – que passara os últimos dias embainhada, já que nem tempo para treinar ela tivera –, e jogando uma capa em seus ombros. Seu irmão viera minutos antes, a mando de Caspian, lhe entregar uma bolsa com todo o material que ela precisaria, junto com a mensagem de que ele a esperava na entrada do castelo para se despedirem.
- Caspian gosta de você – comentou Charles, jogado na cama da irmã enquanto ela arrumava outra bolsa com coisas que ela julgava poder vir a precisar.
- Se ele não gostasse de mim, ele não teria me pedido em casamento, Charles.
- Realeza vive realizando casamentos apenas por política, ... – riu ele, se divertindo ao ver o rosto da garota ficar cada vez mais rosado – Você foi uma heroína na última batalha que Nárnia participou e ele poderia apenas utilizar da imagem positiva que você carrega para fortalecer seu reinado, mas ele não está fazendo isso. Você não vê como ele a defende.
- “Me defende”? – estranhou , soltando a bolsa na cama e virando o rosto para seu irmão com o cenho franzido – O que diabos isso quer dizer?
- Os outros nobres acham que Caspian te dá muita liberdade e que você abusa disso – disse Charles, sério – E não é exatamente mentira.
- Eu não abuso de nada!
- É a sua postura que eles estão criticando, . Caspian é um rei jovem, está nos primeiros anos de reinado e escolheu uma estrangeira para ser sua esposa. Ele te respeita, faz de tudo para te deixar mais confortável, mas aos olhos da nobreza, você está sendo ingrata. Você não respeita Caspian.
- Mas é claro que eu respeito! Que ideia idiota! – rosnou , não querendo acreditar que seu irmão tivera tamanha audácia para aparecer em seu quarto para dizer tremenda bobagem – Você mal nos vê juntos, sequer sabe como me comporto perto dele. Caspian cuidou de mim desde o momento que cheguei e você não tem o direito de supor algo tão horrível!
- Desculpe, me equivoquei – disse ele, percebendo sua péssima escolha de palavras e como isso havia irritado sua irmã – Você não respeita o Rei Caspian.
parou as mãos no meio do caminho para pegar a bolsa novamente, tentando ao máximo entender a que ponto seu irmão queria chegar, mas sentindo que ele não falava mais coisa com coisa.
Será que teria entrado areia no cérebro de Charles durante o naufrágio?
- Agora estou confusa.
- Você não respeita a figura real dele, – continuou ele, envolvendo as mãos da garota nas suas – Não estou dizendo que você precisa acatar cada ordem que ele te der, mas vocês vivem batendo de frente na frente de súditos. Esse tipo de coisa enfraquece a imagem dele.
Fitando o chão, se viu incapacitada de argumentar, já que aquilo era a mais pura verdade. Ela tinha o hábito horrível de contestar tudo que lhe diziam, mas nunca antes convivera com alguém que precisava manter certa imagem de influência.
Que tipo de população gostaria de ser governada por um rei que se deixava ser questionado com uma estrangeira?
- Preciso me esforçar mais – disse ela por fim, erguendo o rosto para Charles, que ficou surpreso por ver tanta determinação no olhar da irmã – Caspian é meu rei agora. Preciso começar a demostrar isso em minhas ações.
Charles não conseguiu controlar o sorriso largo em seu rosto, puxando a garota para seus braços.
Nárnia havia feito com que ela crescesse muito em pouco tempo, e, embora sentisse falta da versão mais infantil de sua irmã, Charles se sentia orgulhoso. estava se tornando uma pessoa em que os outros iriam se espelhar, assim como sua mãe fora.
- Papai te mandou ou você simplesmente pensou “vou agir como adulto”? – perguntou ela em um sussurro, com a voz abafada contra o pescoço do garoto.
- Pensei em agir como seu irmão mais velho. Sei que você também gosta de Caspian, mas ele precisa de mais do que isso. Ele precisa de uma rainha ao seu lado.
fechou os olhos e sorriu, se afastando lentamente de Charles. Enquanto uma de suas mãos estava no ombro do garoto, a outra passeava por seu cabelo, o deixando ainda mais bagunçado.
- Parece que Caspian e eu encontramos um bom conselheiro sem sequer procurar – sussurrou ela, lhe beijando a testa, pegando suas bolsas e se direcionando para a porta do quarto – Nos vemos quando eu voltar, Charlie.

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Como passaria muito tempo em Cair Paravel, vez uma parada estratégica na cozinha do antigo castelo para ter o que comer durante seu tempo fora, mas talvez tenha exagerado, já que a bolsa com comida estava pesada demais até para ela carregar.
- Há um corpo aí dentro, majestade? – perguntou Thomas, assim que ela prendeu a bolsa na sela do cavalo.
- Para alguém que insiste em me tratar como realeza, você anda bem engraçadinho – resmungou ela, tentando permanecer séria, mas seus olhos brilhavam de diversão.
- E para alguém com prazo tão apertado, você está enrolando demais – repreendeu-a Ripchip, pulando em cima do cavalo, que bufou ao ver o rato – Já devíamos ter partido, milady.
- Apenas mais cinco minutos – disse ela, se apoiando em Thomas e acariciando seu pelo – Se Caspian não chegar nesse tempo, nós partimos.
- Me perdoe se estou te atrasando – ela ouviu uma voz conhecida as suas costas e não conseguiu controlar o sorriso ao se virar para o rei.
- Rip que é muito apressado. Você ainda está no prazo – disse a garota, tendo as mãos envolvidas pelas de Caspian – Como terminou a reunião?
Caspian suspirou alto, olhando para cima antes de voltar sua atenção à garota, que mantinha um sorriso piedoso no rosto.
- Não quero discutir isso agora... Nem aqui – sussurrou Caspian, colocando uma mecha do cabelo escuro da garota atrás da orelha com uma mão enquanto a outra seguiu para suas costas, a puxando para mais perto – Desculpe passar esse problema para você. Eu enviaria outra pessoa, mas até encontrar alg...
- Para, Caspian! – riu ela, passando os dedos pelo rosto do rei, que fechou os olhos com o gesto – Estou feliz em poder ser útil. Você não precisa me deixar à toa. Pode me colocar para trabalhar também.
- Rainhas costumam apenas cuidar da aparência do castelo e garantir que os serviçais estão trabalhando direito – lembrou Caspian, ouvindo a risada indignada da garota.
- Ainda bem que você não vai casar com uma dessas, não é? – lembrou ela, tentando ficar séria em seguida – Você não precisa cuidar de tudo sozinho, não espero que você faça isso, e não espero que você espere que eu fique parada. Não fui criada para isso e você sabe.
- Se você tivesse noção de quanto trabalho vai ter caso esses seus mapas fiquem realmente muito bons... - brincou o garoto, a tirando chão e girando devagar.
- Nós discutimos as formas de pagamento quando eu voltar, tudo bem? – riu ela, jogando os braços envolta do pescoço do rei, que apenas alargou o sorriso e concordou, aproximando seus rostos.
Algumas pessoas próximas à entrada do castelo pararam seus afazeres para assistir a cena. Poucas vezes o rei aparecia fora do castelo na companhia de sua noiva, e, mesmo já estando acostumados com a constante presença da garota tanto no castelo como nos arredores, suas aparições ainda causavam alvoroço entre telmarinos e narnianos. Todos queriam cumprimentar a futura rainha, que nunca se mostrara irritada com tanta atenção.
O sorriso de se tornara mais discreto, sem nunca deixar sumir de seu rosto quando tudo que ela conseguia ver eram os olhos de Caspian, que se aproximava sem pressa. Porém, como de costume, quando seus narizes estavam prestes a se tocar, uma voz pigarreou às costas dos dois, que se viraram lentamente para Thomas e Ripchip, fitando-os com as sobrancelhas erguidas.
- Acredito que seu tempo para se despedir do rei tenha acabado, milady – disse o rato, sorrindo cínico e fazendo Caspian bufar, embora risse.
- Um dia eu vou entender o que todos têm contra permitir que eu te beije – sussurrou o rei em seu ouvido, abraçando sua cintura com força – Mesma coisa toda vez...
- Talvez seja porque você nunca escolhe bons momentos para isso – sussurrou ela de volta, virando o rosto para o garoto e acariciando os braços que a envolviam – Duvido que isso aconteceria sem ninguém por perto.
- Excelente observação, – resmungou ele, a soltando – Realmente, nunca tinha pensado nisso.
Achando graça do bom humor matinal do rei, a garota se virou para ele, ficando na ponta dos pés para alcançar seus lábios em um beijo rápido para que não atraíssem mais atenção.
- Acredito que você precise estar em alguma reunião nos próximos minutos e eu tenho muito trabalho a fazer – sussurrou ela, sorrindo antes de se afastar e fazer uma reverência para se despedir – Meu rei.
- Milady – suspirou Caspian, se curvando para a garota antes dela montar em Thomas e seguir seu caminho.
Sua vontade era acompanhá-la, mas estava tão atarefado que sabia a dor de cabeça que teria se fosse junto para fazer sua guarda. Embora estivesse Ripchip com ela, isso não tranquilizava muito o jovem rei. estava prestes a ser uma governante daquele reino, e por estar acompanhada por apenas um soldado real, ela era um alvo fácil para qualquer um que fosse contra a atual gestão. Como a garota nunca se afastava tanto e por tanto do castelo, nunca haviam chegado a discutir sobre sua proteção, e agora ele se arrependia.
Talvez ele poderia ter insistido mais um pouco para que ela levasse mais soldados, mas Caspian estava tão cansado que não queria discutir com a garota, principalmente na frente dos outros.
Ele teria que dobrá-la a sós.

Capítulo 2


Mais uma vez, Caspian passara a manhã trancado em uma sala, discutindo os problemas que lhe eram trazidos e tentando encontrar a melhor solução. Como já estava se tornando costume, os dois O’Neil mais velhos sempre estavam ao seu lado, se esforçando o máximo para se sentirem úteis. O garoto estava contente com o auxílio de Patrick, que usava a experiência adquirida em seu antigo mundo para tentar ajudar nos assuntos narnianos.
Porém o que mais o surpreendia era Charles.
Do que sua irmã contara e da primeira impressão que ele tivera, o garoto parecia ser agora outra pessoa: não fazia comentários desnecessários e apenas se pronunciava para perguntar o essencial, ou sugerir alguma solução depois de muito refletir. O contraste com o Charles das horas livres, rindo alto pelos corredores e debochando da irmã caçula com o Charles que parecia nas reuniões era grande, mas era um bom sinal.
Charles parecia estar ciente da sua posição em Nárnia e queria honrá-la.
- Precisa de ajuda com mais alguma coisa, meu filho? – perguntou Patrick, quando os homens se levantaram para deixar a sala e o rei continuou sentado, organizando vários papéis em pilhas diferentes.
- Não, Patrick – sorriu o garoto – Só preciso assinar algumas coisas e já desço para almoçar.
- Quer que lhe faça companhia? Charles foi entregar a mensagem a Trumpkin e eu particularmente não gosto de comer sozinho.
Caspian ergueu o olhar para o homem, lhe mostrando um sorriso discreto.
- Ficarei feliz com sua companhia, meu caro.
Aparentemente, a maior parte dos moradores do castelo estavam mais atarefados do que o habitual, o que acabou por deixar que Caspian e Patrick almoçassem sozinhos.
O rei tinha que admitir, se comparasse com o quanto conversava com Charles, ele e o patriarca dos O’Neil quase não se falavam. Talvez fosse por vê-lo menos do que seus filhos, ou fosse um certo receio por aquele ser o pai de sua noiva, e não querer ter a chance de falar alguma besteira e ofendê-lo. Só que Patrick era um homem extremamente calmo e amigável, que deixava todos a sua volta confortável.
Aquela era a primeira vez que os dois ficavam sozinhos.
Namish, a serviçal que servira o almoço naquele dia, lançou um sorriso encorajador ao rei, gesticulando pelas costas de Patrick para que ele puxasse assunto.
- Não precisa se sentir tão desconfortável perto de mim, meu filho – sussurrou o homem, se curvando na mesa para fitar o rei mais de perto – Não é como se eu fosse proibir minha filha de se casar com você caso diga algo que eu não goste.
- Acho que apenas não sei como agir nessa situação, senhor – confessou Caspian – Apenas não quero soar desrespeitoso.
- Então você sabe que eu não consigo obrigar minha filha a fazer o que quero? – semi esbravejou Patrick, até batendo o punho fechado na mesa, meus seus olhos lhe entregavam e Caspian começou a rir. Contente por ter arrancando uma reação mais espontânea do jovem rei, o homem continuou – Mas sem brincadeiras, você sabe que é uma garota difícil que vai acabar te causando problemas. Que já causou, na verdade. Por isso sei que esse casamento será duradouro.
A interrogação nos olhos de Caspian era óbvia, e Patrick ficou feliz com isso. Ele planejava há dias aquele discurso e finalmente conseguira um momento oportuno para poder expô-lo.
- Você não vê esse casamento como uma manobra política – sorriu Patrick, levando a taça aos lábios – Você verdadeiramente gosta de minha filha, e eu percebi isso sem Aslan contar, antes mesmo de saber que você era rei. Por isso aprovo essa união, e fico feliz em saber que seremos família em breve.
- Obrigado, senhor – murmurou Caspian, com o olhar baixo antes de erguê-lo para Patrick – Significa muito para mim.
- Majestade! – exclamou uma voz feminina, entrando no salão. Patrick havia visto a garota, que devia ser da mesma idade de sua filha, pelos corredores do castelo algumas vezes, mas não se recordava de terem sidos apresentados. E ela, por sua vez, não se preocupou em cumprimentá-lo – Por acaso viu meu pai?
- Ele s...
- Rei Caspian! – uma segunda voz interrompeu a conversa, um dos soldados do castelo, parecendo bastante abalado – Não estamos encontrando Ripchip! Ele deveria começar seu turno de vigia agora!
- Ripchip está fazendo a guarda de Lady em Cair Paravel – suspirou Caspian, passando a mão na testa – Ele deve ter se esquecido de pedir que alguém o cobrisse na vigia...
- Hm, desculpe me intrometer, meu rei... – começou o soldado depois de pigarrear, reunindo um pouco de coragem para questionar o garoto mesmo com ele não parecendo muito disposto a dar explicações. Há dias que todos os súditos podiam ver o cansaço no rosto de Caspian, o que somado aos constantes problemas da mudança, deixava o rei levemente irritadiço – Mas o que Lady faz em Cair Paravel? O novo castelo ainda não está completamente pronto.
- Ela está encarregada do mapeamento da região – anunciou Caspian, com um brilho orgulhoso nos olhos e um sorriso discreto nos lábios.
- Nossa futura rainha ainda tem mais habilidades não reveladas, então? – brincou o soldado, receoso por não saber se o pai da garota reprovaria sua ação.
- Felizmente aqui ela não precisará cozinhar. Caso contrário, vocês veriam que ela não tem tantas habilidades assim – murmurou Patrick, e o soldado respirou aliviado, até soltou uma risada leve.
- Encontre alguém para cumprir o turno de Ripchip, por favor – ordenou Caspian – Amanhã à noite ele retorna com e voltará para suas obrigações rotineiras.
O Soldado se curvou e se retirou do salão, deixando Caspian e Charles para terminar sua refeição.
- Hm, majestade? – arriscou a garota, que ainda estava fora do campo de visão dos homens.
- Meu perdoe, Lady Pollua – suspirou o rei, rindo sem graça – Seu pai saiu com o Lorde Euturiel há alguns minutos. Não sei exatamente para onde foram.
- Mesmo assim agradeço, majestade – disse a garota, antes de se curvar e marchar para fora do cômodo.
- Ela é Pollua, filha do Lorde Dafar – contou Caspian, ao ver que o cenho de Patrick se mantinha franzido desde que a garota saíra – Ele estava na reunião mais cedo.
- Ah, sim. Sei quem é... – murmurou o homem, voltando a atenção para sua comida – Embora não soubesse que ela era sua filha.
- Com o tempo você vai começar a perceber as relações entre as pessoas no castelo – continuou ele, tomando de seu vinho – está começando a ficar boa nisso.
- Tem certeza disso? – estranhou Patrick, rindo – Alguns colegas dela estudaram com ela em todos os anos de escola e ela sequer conseguia lembrar seus sobrenomes, quem diria saber dizer quem era parente de quem na sala.
- Ela era tão ruim assim?
- Ela nunca foi de ter muitos amigos... Desde pequena – contou ele, apoiando as mãos na mesa e deixando sua mente viajar nas lembranças de seu antigo mundo: a pequena que se recusava a brincar com crianças de sua idade para ficar com a mãe, a criança que escondia o rosto atrás de um livro sempre que alguém tentava puxar conversa no pátio da escola. Era quase um milagre ela estar se dando tão bem em Nárnia – Apenas no fim do colegial que ela conseguiu um amigo mais próximo, e foi mais por influência minha e de um amigo meu de infância – Digory, um professor incrível também –, mas duvido que ela consiga lembrar seu sobrenome... Acho que ela nunca frequentou tanto aquela casa como quando esse garoto foi morar com ele.
Patrick assistiu a expressão de Caspian mudar de contente para incomodado, e ele logo entendeu o motivo chegando até em achar graça.
- Mas não precisa ter ciúmes de alguém que ela nunca mais vai voltar a ver – ele se apressou em dizer, não querendo estragar aquele momento agradável entre os dois – Ambos se viam mais como irmãos, o que era engraçado. O garoto era o mais velho de seus irmãos, mas era um ano mais velha, e vivia dando ordens a ele, que achava a coisa mais estranha do mundo.
- Se lembra do nome dele? – perguntou Caspian, tentando não parecer tão incomodado.
- Ah, minha memória para nomes não é das melhores... Mal de professor – riu Patrick – Você consegue se lembrar dos rostos de seus alunos, mas não consegue nomeá-los. Não sei por que milagre consigo lembrar o nome de meus filhos.
Caspian riu, se levantando junto com Patrick, que também acabara a refeição. Ele voltaria para o escritório enquanto o homem se despediu e foi para a biblioteca, sob o pretexto de “estudar mais um pouco a história daquele belo mundo”.

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Já se aproximava do fim da tarde quando Caspian ouviu alguém bater em sua porta, e olhou para o relógio da sala antes de permitir que a pessoa entrasse. “Uma hora e dezessete minutos”, constatou ele. “Acho que esse é meu novo recorde de tempo sem alguém me procurar”.
- Entre – disse ele por fim, voltando a ficar sério.
- Com licença, majestade – disse Lorde Dafar, parando à porta – Está ocupado?
- Depende do assunto que quer tratar.
- É sobre Lady .
O primeiro impulso de Caspian foi saltar da cadeira e correr em socorro da garota, mesmo sem saber se ela corria algum risco ou não. No fundo era apenas medo de que algo ruim acontecesse por ele ter permitido que ela viajasse com um baixo número de guardas a acompanhando. Se algo sério tivesse acontecido a , ele nunca se perdoaria. Era sua responsabilidade cuidar da segurança da garota e ele fora descuidado, confiando que ela podia se virar sozinha.
- Você é inteligente, jovem rei – suspirou Dafar, vendo que Caspian estava perdido em pensamentos. Como o assunto era delicado e devia ficar apenas entre eles, a porta logo foi fechada, mas o lorde não ousou se aproximar da mesa do rei, sabendo que sua reação poderia não ser a que ele esperava – Sabe muito bem que Lady não se encaixa na imagem de rainha.
Então Caspian voltou à terra, pego de surpresa e consideravelmente indignado. Ninguém até aquele momento havia se oposto à presença da garota, e ele queria que as coisas continuassem daquela forma.
- Acho que sua imagem de rainha não é a mais adequada – retrucou o jovem, tentando manter a calma. Ele não era apenas um garoto defendendo sua namorada, era alguém da realeza discutindo com outro nobre, precisava manter a compostura, tanto em sinal de respeito como para preservar a sua imagem – Ela não vai ser uma rainha telmarina. Vai ser uma rainha narniana. Não adiantar tentar encaixá-la em moldes antigos.
- Ela pode ser uma boa representante narniana, mas você se esquece da população telmarina de seu reino, meu rei – insistiu o homem – Você deve saber que ela não será bem aceita.
- Você veio me atormentar para dizer isso? – resmungou Caspian, fechando um livro com força e o colocando de lado na mesa – já é bem aceita e acredito que seja melhor você esquecer essa conversa e me deixar trabalhar.
“Bom”, pensou Dafar, sorrindo mentalmente. Se fosse um tópico que nunca tivesse passado pela cabeça do jovem rei, ele não se alteraria daquela forma. A postura de deveria ser então algo que o preocupava, e isso era tudo que o lorde precisava saber.
- Nem mesmo você consegue controlar a garota, meu rei. Ela pode ter lutado ao seu lado, mas me recordo muito bem das suas ordens estritas para que ela não deixasse o castelo enquanto você não retornasse – continuou Dafar, permitindo se alterar um pouco para ver até onde Caspian iria – Seu passatempo preferido é questionar cada decisão que você toma, meu rei, e você não se incomoda! Ela foi para Cair Paravel na companhia de apenas dois narnianos e você não conseguiu convencê-la do contrário.
Caspian não respondeu e Dafar interpretou isso como o máximo de concordância que conseguira do garoto, mas já era mais que o suficiente. Agora ele tinha certeza de que nem mesmo o rei tinha completa confiança em sua futura rainha, e não poderia estar mais feliz.
Quanto menos aliados a garota tivesse, mas fácil seria expulsá-la do castelo.
- Ela tem personalidade para ser da realeza, admito – murmurou o homem, tentando ser menos agressivo, já que agora Caspian também saíra da defensiva – Mas para ser rei, não rainha. destruirá sua imagem de rei e afundará seu reinado, majestade. Pense a respeito antes que seja tarde demais.
Sem mais delongas, Dafar deixou a sala, mas suas palavras não abandonaram a mente do jovem rei.
estava em Nárnia com a benção de Aslan, e ele também aprovava a união dos dois.
Ele não permitiria a permanência dela e a união caso ela fosse causar algum mal a Nárnia e a ele.
Ou iria?

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Fora uma noite difícil para Caspian, que se virava na cama a cada três minutos, mesmo sabendo que o incômodo que ele sentia não era de origem física, mas sim mental. A conversa com Lorde Dafar parecia ter envenenado sua mente, apontando em suas memórias cada momento em que fora um perfeito exemplo do que uma rainha não deveria ser. Ele se sentia mal por duvidar do potencial da garota, mas era algo que ele não conseguia controlar.
Talvez se ele a visse, todas aquelas dúvidas desapareceriam, por isso a primeira coisa que ele fez quando os primeiros raios de sol invadiram sua janela foi se preparar para fazer uma visita surpresa ao novo castelo.
Mais para ver do que o novo castelo, na verdade.
- Bom dia, majestade! – sorriu Ahava, arrumando a mesa – Acordou mais cedo do que de costume.
- Quero ver como está em Cair Paravel – contou ele, começando a comer logo para não perder tempo – Quero saber se ela passou a noite bem.
- Ah, meu rei! Então vou preparar um pacote para que você leve para ela! – exclamou a mulher, rumando de volta para a cozinha – A garota levou tão pouca comida ontem... Como ela vai trabalhar de estômago vazio?!
Rindo, Caspian a seguiu, concordando com tudo que a mulher falava enquanto sua boca estava ocupada com um pedaço de pão. Ele sabia que provavelmente quem estava trabalhando no novo castelo iria providenciar as refeições para , mas o garoto preferiu deixar Ahava acreditar que ele estava indo nobremente socorrer sua amada.
Agradecendo por não encontrar ninguém no caminho até o estábulo – pessoas não gostavam de vê-lo desocupado e sempre o enchiam de trabalho –, ele se pôs a procurar Destrier, que parecia estar se divertindo em seu sono.
- Ah, majestade...! – bocejou o cavalo ao lado, se pondo de pé – Quer que eu o leve a algum lugar?
- Quem sabe em uma próxima ocasião, Ortis – sorriu Caspian, indo acordar seu cavalo e prepará-lo para a viagem. Ortis apenas assentiu e voltar a se deixar, fingindo voltar a dormir enquanto o rei não deixou o estábulo, levemente inconformado de ele preferir um cavalo não falante.
“Rainha pelo menos não abandona seu cavalo narniano”, pensou ele antes de adormecer mais uma vez.

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Assim como ele previra, estava instalada no que seria seu futuro quarto de casada no novo castelo, e para lá Caspian rumou. Ao entrar no quarto, ele passou mais tempo admirando a figura adormecida da garota do que os detalhes do cômodo, que ele não havia visitado já pronto.
- ... – ele a chamou com a voz baixa e calma, tocando seu ombro. O que ele não esperava era o silêncio do quarto ser quebrado pela movimentação rápida da garota e o som de metal cortar o ar.
Aparentemente, dormira com sua espada ao lado da cama, com sua mão descansando no cabo da arma, arma essa que estava agora perigosamente próxima de seu pescoço desprotegido.
- Creio que descobri o porquê de Ahava não gostar de te acordar cedo – comentou o jovem rei, vendo a compreensão passar pelos olhos de , que derrubou a espada na cama e deixou que seu corpo caísse novamente no colchão.
- Mas... Como... Você... Hein?! – exclamou a garota, esfregando os olhos, desistindo de tentar entender o que acontecia.
- Queria ver como você estava – explicou Caspian, se sentando na cama.
- Você veio para cá apenas para ver como eu estava? – perguntou ela, incrédula – Você está até o pescoço de coisas para resolver, Caspian! Não precisava vir. Por Aslan, eu volto amanhã de noite...
- Não importa o que você fale, não vou me sentir culpado por me preocupar com sua segurança – sussurrou, passando a mão pelos cabelos bagunçados da garota – Eu assumi que você não tinha trazido comida o suficiente para hoje. Ahava assumiu, na verdade.
- Algumas das pessoas que estão trabalhando aqui iam trazer comida extra para mim – contou ela, sabendo que não resolveria nada discutir. Ele já estava ali, de qualquer forma – Mas agradeço a preocupação, meu rei... Comeu antes de vir para cá?
- Sim, mas não vejo mal nenhum em te acompanhar.
- Me espere lá embaixo. Vou me trocar.
Caspian assentiu e beijou sua testa antes de deixar o quarto. teve que ter um bom autocontrole para não se jogar novamente no que ela julgava ser o melhor colchão em que já dormira.
No dia anterior ela conseguira cobrir uma boa parte dos arredores do castelo enquanto ainda estava claro, e aproveitou a noite tanto para corrigir alguns erros dos mapas como para cobrir o castelo, já que não precisava da luz do sol para isso. Quem não gostara da ideia foi Ripchip, que se recusou a deixar seu lado até ela resolver que deveria dormir um pouco, o que não fazia exatamente muito tempo. Por isso estava difícil se afastar da cama.
Decidindo que era melhor ela descer antes que Caspian subisse para chamá-la, ou até mesmo o nada intrometido Ripchip, a garota levantou para se aprontar: trocou o vestido leve com que dormira pelo que usara no dia anterior, prendera sua espada embainhada na cintura assim como amarrara seu cabelo no topo da cabeça, pegara o caderno que estava usando para anotar detalhes para os mapas antes de sair do quarto, não estranhando o seu guarda-costas a esperando do outro lado da porta.
- Você não dormiu aqui, certo? – resmungou ela, marchando em direção às escadas com o rato em seu encalço – Você disse que ficaria com Thomas no estábulo.
- Rei Caspian me incumbiu de sua segurança e a hora do sono é o momento em que estamos mais vulneráveis, majestade – explicou Ripchip, em um tom arrogante que deixava claro que ele estava tentando ensiná-la.
- Vou fingir que não ouvi isso... – cantarolou ela, atraindo a atenção de Caspian, que colocava à mesa parte do que Ahava preparara para ela – Acredito que o rei sozinho é capaz de assegurar meu bem-estar, não é mesmo, Rippy?
O rato apenas ergueu os olhos para a garota, tendo que se controlar para não erguer também sua espada e desafiá-la para um duelo até a morte por ela não parar de chamá-lo por aquele apelido ridículo.
- Estarei com Thomas esperando para retornar às suas atividades, majestade – rosnou o rato, causando riso nos dois jovens no salão.
O café da manhã seguiu sem interrupções, com Caspian ouvindo atentamente os relatos da garota sobre suas explorações ontem. preferiu não comentar, mas algo no semblante do jovem rei a incomodava. Não conseguia identificar com certeza o que era, embora pudesse afirmar que algo o atormentava, e, quando ele anunciou que precisava voltar para o antigo castelo, a garota julgou que talvez fosse melhor abordar aquele assunto quando ela também retornasse, com mais tempo para conversar.
Talvez fosse apenas o excesso de trabalho que estava pesando em seus ombros, e, mesmo sabendo que pouco podia se fazer a respeito disso, estava determinada a ajudar.

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Pela posição do sol, podia afirmar que já se aproximava da hora do almoço. Principalmente porque seu estômago já pedia por comida.
Faltavam poucos dados para a garota recolher e poder trabalhar dentro do castelo, e mesmo assim ainda havia muito que fazer. Querendo agilizar o processo, ela enviara Ripchip de volta ao castelo para pedir que alguém providenciasse a refeição para eles, e embora tivessem discutido bastante, ele acabou indo acompanhado de Thomas, que também não ficou muito feliz em deixá-la sozinha.
, por sua vez, se sentiu bem mais confortável.
Não que não gostasse da companhia dos dois, mas eles em seu encalço desde a manhã do dia anterior já estava a dando nos nervos. Se ao menos eles conseguissem ficar quietos a maior parte do tempo e a deixassem trabalhar em paz, sua tarefa teria sido muito mais fácil. Talvez eles também tivessem cientes de sua inquietação, já que acabaram por concordar em retornar para o castelo antes dela.
E o fato de eles não estarem tão longe e terem homens circulando nas proximidades talvez também tivesse ajudado.
Querendo ter uma visão melhor do local, a jovem subiu em um amontoado de pedras no final de um pequeno barranco, voltando a atenção para seu caderno quando analisou tudo o que precisava.
Porém algo fez com que ela parasse.
Um barulho peculiar que havia escutado minutos atrás, como se fosse a movimentação de algum animal entre as folhagens de arbustos. Só que dessa vez ela conseguiu identificar o som de tecido sendo rasgado. Se fosse um dos homens trabalhando, ele estaria fazendo muito mais barulho, sem contar que teria se anunciado, já que a ordem era não cruzar o caminho da garota.
Aquilo só podia significar que era alguém que não deveria estar ali.
- Quem está aí?! Apareça! – ordenou , desembainhando sua espada e ficando em guarda – Eu não vou repetir duas vezes. Apareça!
O barulho de galhos a suas costas avisou a garota que, quem quer que fosse que a tivesse a espionando, havia se revelado. Respirando fundo, se virou de uma vez, abaixando a espada em confusão.
- Olá, milady.

Capítulo 3


- Pollua? – estranhou , descendo da pedra e guardando o caderno na bolsa. Embora estivesse surpresa com a aparição da garota, ela estava aliviada: aquilo não era um ataque, nem nada do gênero. Além de que, se algo tivesse acontecido no castelo nesse tempo que ela estava fora, não usariam a garota como mensageira. Logo a surpresa deu lugar à desconfiança, já que ela não tinha motivos aparente para estar naquela região – O que você faz tão longe do castelo?
A garota inicialmente apenas sorriu, escondendo as mãos atrás das costas e lançando o olhar mais suspeito que vira a vida toda, principalmente porque ela causava um grande contraste no cenário: Pollua raramente saia do castelo, e, mesmo apenas descendo para almoçar, sempre parecia que ela estava pronta para alguma comemoração, embora às vezes achasse que fosse algo natural dela. A garota pertencia ao cenário luxuoso do castelo, cercada de serviçais para atendê-la, não ali, no meio da floresta, parecendo incrivelmente incomodada com o chão desnivelado, e folhas que voavam em seu rosto e grudavam em sua roupa.
Pollua podia ser considerada uma representação perfeita de como alguém da realeza deveria parecer, o perfeito oposto da futura rainha.
- Vim ver como está ficando Cair Paravel – sorriu a garota, colocando uma mexa de seu cabelo escuro atrás da orelha, assistindo arriscar mais alguns passos em sua direção.
- Seria melhor ver o novo castelo já pronto para receber a realeza, minha cara – disse ela, forçando um sorriso, não exatamente convencida do que ouvira. Desde que chegaram, não vira uma vez sequer a garota demonstrando interesse pela mudança – Há muitas pessoas trabalhando no momento e visitantes circulando podem atrapalhar.
- Você não veio dias atrás com Caspian?
O sorriso forçado abandonou o rosto da futura governante, que assumiu um semblante mais sério. Era considerado falta de respeito com o rei chamá-lo pelo primeiro nome, e pela primeira vez desde que chegara entendeu como isso incomodava os ouvidos.
Apenas ela tinha permissão para chamá-lo assim.
- Rei Caspian precisava vir aqui inspecionar o andamento dos últimos detalhes, eu apenas pedi que eu pudesse acompanhá-lo. Não me parece que você está fazendo companhia a alguém – retrucou , sem se importar de estar transparecendo sua irritação ou de estar mentindo, embora ela não precisasse saber desse detalhe. Caspian de fato havia a acompanhado até lá quando tentara retornar a seu antigo mundo.
- Claro, para você todas as permissões são concedidas! – esbravejou Pollua. Desde sua chegada, ela via a estrangeira a cada dia tendo mais liberdade naquele mundo, sem que suas ações imprudentes fossem devidamente repreendidas, e a cada dia ficava mais difícil presenciar isso e permanecer indiferente.
- Você está com algum problema comigo, Pollua?
- Por que acha isso, majestade? – a garota soltou uma risada debochada – Não estão todos felizes com a escolha de nossa futura rainha?
- Se você tem alguma coisa para me dizer, guarde para si – murmurou , já lhe dando as costas – Tenho trabalho a fazer e um prazo extremamente curto para realizá-lo.
Pollua teve que controlar sua vontade de pegar uma pedra e jogar na garotinha insolente que Caspian escolhera para ser sua rainha. Porém ela não podia ser insensata naquele momento, ou tudo seria posto a perder. Paciência lhe era mais do que necessário para que tudo voltasse a ser como era, por isso ela respirou fundo algumas vezes e assistiu marchar em direção oposta.
- Os narnianos podem aclamá-la como futura rainha, mas os telmarinos não estão felizes com a escolha – gritou ela, o que fez a estrangeira hesitar em continuar – Você não é capaz de nos representar.
- Engraçado... Desde que cheguei... Das inúmeras pessoas que conheci, nenhum pareceu reprovar minha presença, ou fingir simpatia – contou , se virando e levando uma mão ao queixo – Exceto por você, é claro. E talvez lorde Dafar, que coincidência ou não, é seu pai. Engraçado, não é?
- Talvez sejamos os únicos que vemos a ameaça que você realmente é – retrucou ela, sem se abalar.
- Ou talvez o problema não seja eu – concluiu , sorrindo cínica e voltando a ficar séria em seguida – Se eu fosse você, não me incomodaria mais com assuntos desse tipo, ou teria que reportar isso a Caspian. Agora, se me der licença, tenho algo importante a fazer, diferente de você.
Pollua apenas pode retribuir o sorriso e murmurar um malcriado “sim, milady” antes de virar as costas e rumar de volta para o castelo. Ela viera apenas para dar um aviso, e ele estava dado. Se fosse inteligente, logo pediria para retornar ao seu mundo natal. Embora quisesse, Pollua não podia fazer algo mais significativo contra ela, já que as chances de o rei ficar sabendo e ela receber severas punições seriam imensas. Sem contar que destruiria sua imagem e acabaria com seus planos.
Paciência era a chave para alcançar seus objetivos.
, por sua vez, quase teve que gritar com Ripchip quando o encontrou para que ele acreditasse que nada a incomodava.
Não iria comentar com ninguém seu encontro com Lady Pollua, era melhor assim. Não era como se a garota pudesse lhe ser alguma ameaça, mas levar esse assunto a Caspian parecia ser algo exagerado. Afinal, muitas garotas já deveriam ter sido candidatas a noivas do rei, então não era de se estranhar certa antipatia vinda de algumas telmarinas. Só havia demorado a aparecer a primeira.
Não era algo a se preocupar.
O problema era que aquele assunto não saía de sua mente, por mais que ela focasse em seu trabalho. Principalmente porque a conversa que tivera com Charles ainda a assombrava.
Ela não havia sido treinada para ser da realeza, e dificilmente sabia agir como uma. Pollua provavelmente seria uma rainha muito melhor que ela, mesmo que apenas vegetando no trono. Apesar da recém-adquirida antipatia pela garota, tinha que reconhecer que ela cumpria todos os requisitos para representar o reino, coisa que ela própria não se julgava capaz. Até mesmo os narnianos, que estavam costumados com rainhas mais ativas e guerreiras, tinham como modelo a Rainha Susana, que sempre acatava as ordens de seu irmão Grande Rei, dificilmente o contradizendo, e isso não fazia exatamente parte da personalidade de .
Então quanto ela teria que mudar para ser uma boa rainha?

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Os últimos raios de sol começavam a sumir no horizonte quando se aproximava dos arredores do antigo castelo. Faltavam poucos detalhes para adicionar nos mapas, e, como seria difícil e perigoso viajar sem a luz do dia, ela e Ripchip acharam melhor retornar mesmo assim, já que todos os dados necessários para terminar o trabalho estavam anotados em seu caderno. O rato ainda estava um pouco intrigado pela mudança repentina de comportamento da garota – e pela forma rude que ela se dirigira a ele enquanto ainda estavam em Cair Paravel –, por isso permaneceu em silêncio todo o trajeto. Apenas Thomas tentava puxar assunto durante a viagem, embora também se sentisse incomodado com a postura de , mas julgou melhor continuar agindo como sempre.
O cavalo se considerava um bom amigo da futura rainha. Queria acreditar que, se ela precisasse conversar, ela iria procurá-lo, que ele não precisava pressioná-la.
- Precisa de ajuda com mais alguma coisa, majestade? – perguntou o cavalo, assim que os pés cansados da garota tocaram o chão. Sorrindo cansada depois de respirar fundo, ela passeou a mão pela crista de Thomas.
- Preciso terminar isso para poder descansar um pouco – suspirou ela, erguendo o canudo onde os mapas estavam – Mas é algo que preciso fazer sozinha.
Ambos assentiram e lhe desejaram boa noite, e ela seguiu para dentro do castelo.
planejava se arrastar para a biblioteca, já que se parasse em seu quarto as chances de acabar adormecendo eram bem maiores. O que ela não calculou bem foi o horário que chegara, se surpreendendo ao encontrar a mesa do salão principal cheia.
- Não pensei que você fosse levar o prazo ao pé da letra! – brincou Caspian, vendo a garota cruzar o salão com um sorriso cansado no rosto.
- Assim que terminei as últimas anotações achei melhor voltar enquanto ainda estava claro – contou ela, cruzando o salão com o máximo de delicadeza que seus pés permitiam – Mas ainda não terminei os mapas. Vou para biblioteca terminar.
- Jante conosco primeiro, – se apressou o rei em dizer - Vou precisar dos mapas apenas amanhã cedo.
- Não estou com fome ainda. Peço para Ahava preparar algo para mim mais tarde – disse ela, se curvando de leve para todos à mesa e se direcionando para a larga porta – Se precisarem de mim, estarei na biblioteca.
Caspian até chegou a afastar sua cadeira para se levantar, mas a intervenção de alguém fez com que ele parasse no meio do caminho.
- Não, majestade. Deixe que ela vá – interrompeu-o Charles, atraindo a atenção de todos à mesa – Ela quer cumprir o prazo que prometeu. Não quer desapontá-lo.
- Ela não precisa se sacrificar dessa forma – insistiu o garoto, levemente inconformado com o jovem O’Neil – Ela está cansada. Deveria fazer uma pausa.
- Creio que Charles tenha razão, meu caro – suspirou Patrick, bebericando seu vinho antes de continuar – Talvez seja bom ela criar esse senso de responsabilidade. Ela não está pensando em cumprir sua promessa ao seu noivo, mas ao governante desse reino.
Caspian não viu outra saída a não ser voltar a se sentar à mesa, sentindo o olhar de todos em si enquanto ele fitava o copo a sua frente sem o menor interesse. Quando o jantar terminou, ele foi um dos primeiros a se levantar, sabendo que todos observavam seus movimentos e sabiam para onde ele rumava.
Ao se aproximar da biblioteca, Caspian encontrou a porta entreaberta, o suficiente para que ele conseguisse ver o que acontecia dentro da sala: estava na mesa que costumava ocupar, com uma determinação no rosto que parecia que ela empunhava uma espada e duelava com um inimigo, não quando em sua mão tinha um pincel e seu alvo era um frágil pedaço de pergaminho.
Sorrindo, Caspian acabou por se dirigir para seu quarto.
Era melhor deixá-la trabalhar em paz.

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Assim que estava completamente satisfeita com o resultado final, deixou que suas costas chegassem ao encosto da cadeira, sentindo uma intensa necessidade de dormir ali mesmo. Apesar de ser um lugar extremamente aconchegante – já havia adormecido na biblioteca não fazia muito tempo –, queria mostrar o trabalho a Caspian, embora aquilo no fundo fosse apenas uma desculpa. Ela queria vê-lo, mas não iria atormentá-lo àquela hora sob o argumento de “estar preocupada/com saudades”. Com certeza o rei também tivera um dia corrido e cansativo, não queria ser alguém que atrapalhasse seu descanso com bobagens.
Sem contar que havia prometido entregar os mapas prontos hoje, e queria honrar seus compromissos.
Recolocando os mapas no canudo e limpando da melhor maneira que podia a tinta de suas mãos no tecido de seu vestido, deixou seu material organizado em cima de uma das mesas e saiu da sala, encontrando os corredores escuros do castelo. Por sorte para chegar a seu quarto ela teria que passar próximo ao quarto de Caspian, então ela não precisava se esforçar muito para lembrar o caminho e não se perder.
A garota estava tão exausta de um dia cheio e uma noite mal dormida que não percebeu uma movimentação às suas costas, apenas se dando conta de que não estava sozinha quando alguém puxou seu braço, e ela se viu perdida quando sua mão foi em busca do cabo de sua espada, que ficara na biblioteca. apenas não gritara por ajuda porque uma voz conhecida lhe pediu que fizesse silêncio.
- Lorde Dafar! – ofegou ela, levando uma mão ao peito enquanto se virava para o homem – O que faz a essa hora perambulando por essa parte do castelo?!
- Lhe pergunto a mesma coisa, milady – devolveu ele, em um tom de voz que não a agradou.
teve que morder o lábio para não perguntar com que autoridade ele exigia que ela o respondesse.
“Isso é exatamente o que uma rainha não faria”.
- Preciso falar com rei – respondeu ela simplesmente.
- Para lhe mostrar os mapas? – deduziu o homem, apontando para o canudo nas mãos da garota – Deixe-os comigo. Amanhã eu os mostro para ele na reunião.
- Não será necessário – disse ela, inconscientemente apertando-o em suas mãos – Eu mesma entrego a ele.
- O jovem rei já deve estar dormindo, minha cara – lembrou ele, se adiantando para a garota, que teve o cuidado de recuar o mesmo número de passos que Dafar avançara, o que pareceu irritá-lo – Ele teve um longo dia, não é aconselhável perturbá-lo.
- Agradeço sua preocupação, mas preciso vê-lo – insistiu ela, e foi o suficiente para que o homem perdesse a paciência.
- Por que tanta teimosia, garota? Por que não apenas não deixa o mapa comigo?
Aquela era a deixa que precisava.
Não havia engolido ainda as palavras de Pollua, e agora seria o momento para descobrir o quanto Lorde Dafar sabia do posicionamento de sua filha.
- Por que assume que o único assunto que tenho para tratar com Caspian é sobre os mapas? – indagou a garota, tentando manter sua expressão o mais neutra possível, apesar de sua vontade ser pular no pescoço do lorde e de sua filha – Se esqueceu de que não sou apenas uma topógrafa do castelo? Se minha preocupação fosse entregar os mapas nas mãos de Caspian, eu esperaria pela manhã. No momento, os mapas são apenas um segundo assunto a ser discutido. Agora poderia me explicar o motivo de você estar agindo dessa forma?
Dafar arregalou os olhos. Algo havia mudado na postura da garota: sua fala baixa e brincalhona havia dado lugar à confiança e seriedade que ela mostrara no campo de batalha dias atrás. E isso não era bom. Embora mostrasse o lado indomável da garota, que era prejudicial à imagem do rei, aquele comportamento revelava o lado de que tinha potencial em se tornar uma boa governante, que transmitia firmeza e confiança.
- Ou você está sofrendo da mesma perturbação que sua filha?
Se antes o homem estava surpreso, agora ele estava assustado, e isso não passou despercebido por . Mesmo se não estivesse agindo com sua filha, Dafar sabia de alguma coisa, caso contrário não estaria óbvio em seus olhos como ele queria sumir dali. Levemente satisfeita, achou melhor continuar, já que não achava que o homem fosse ter coragem de tomar participação nas ações da garota.
- Lady Pollua foi até Cair Paravel falar comigo. Expor suas preocupações sobre Nárnia – contou ela, cruzando os braços e esboçando um sorriso inocente – Você compartilha desses pensamentos, Dafar?
- Não sei do que está falando, milady – disse ele por fim, depois de segurar a respiração por um longo tempo.
- Realmente espero que não saiba. Caspian confia em seu julgamento, e eu também. Não quero que isso mude, embora possa mudar – alertou ela, e o homem assentiu – Agora, se me permite, preciso falar com o rei. Passar bem.
Dafar permaneceu no mesmo lugar mesmo depois da garota sumir no corredor, mentalmente repreendendo sua filha. Ele havia a avisado que não podia agir descuidadamente perto da estrangeira, que ela era mais esperta do que parecia. E estava certo. Agora já estava alerta a qualquer movimentação suspeita sua e de sua filha, o que os obrigaria a mudar de estratégia.
Teriam que tomar medidas mais drásticas.

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Se Caspian estivesse acordado, já deveria estar ciente de sua presença do lado de fora do quarto, de tanto que ela ia e vinha no corredor, se questionando se devia ou não o chamar. O principal motivo para querer vê-lo era para perguntar o que estava o perturbando, já que a garota percebera que algo não estava certo durante a manhã, porém não queria o incomodar. Tinha medo de se intrometer nos assuntos de Caspian.
- Meu rei? – ela o chamou de vez, depois de bater de leve na porta. Em instante, ela ouviu a maçaneta ser girada, e um jovem sonolento a recebeu.
- Você que estava sapateando na minha porta? – bocejou Caspian, esfregando os olhos e só então vendo o canudo nas mãos da garota – Não precisava me trazer os mapas assim que terminasse, . Podia ter esperado até a manhã.
- Eu queria conversar com você, na verdade – disse ela, brincando com a alça do canudo para tentar aliviar a tensão que sentia – Mas se você estiver muito cansado, eu posso esperar até amanhã, ou quando você estiver de boa também, ou qualquer outro dia, eu só não quero atrap...
- Desacelera, – riu o garoto, a segurando pelos ombros e a puxando para dentro do quarto.
Enquanto Caspian fechava a porta, a garota esqueceu um pouco do que atormentava sua mente e se pôs a estudar o ambiente. Em comparação ao quarto do rei em Cair Paravel, aquele realmente era bem menor, embora estivesse bem mais desorganizado, mesmo com ela tendo passado uma noite no quarto do novo castelo. Em contrapartida, aquele ambiente era muito mais aconchegante, pois logo se via que era um local habitado.
- Você nunca entrou aqui, não é? – comentou Caspian, atraindo sua atenção.
- E vamos dizer que nunca entrei – ela se apressou em dizer, rindo ao ver a expressão confusa do rei – Não consegue ouvir os gritos de Ahava se ela sonhar que eu estive aqui, ainda mais no meio da noite?
- Melhor não comentarmos sobre isso – concordou ele, se sentando na beirada da cama e sendo acompanhado – Sobre o que quer tratar?
- Não acho que “tratar” seja uma boa escolha de palavra... Não é algo sério. Pelo menos espero que não seja – suspirou ela, deixando seu olhar vagar pelo tapete colorido abaixo de seus pés – Apenas achei que você parecia um pouco... Incomodado hoje cedo. Apenas queria saber se está tudo bem.
Caspian não conseguiu segurar a risada leve que lhe escapou pelos lábios, se rendendo à urgência de tê-la mais perto, puxando a garota para um abraço, que deixou sua cabeça descansar no peito do rei.
- Vamos dizer que eu não tinha tanta dor de cabeça desde que fui coroado – suspirou ele, brincando com alguns fios do cabelo escuro de – Reestabelecer o controle de Nárnia em Cair Paravel é um grande passo e cada dia aparecem mil coisas novas para resolver.
- Tem algo em que eu posso ajudar?
- Você já está – respondeu ele, erguendo o queixo da garota para que ela o fitasse – Seus mapas vão resolver uma boa parte dos problemas da mudança... E sua presença também já melhora muito as coisas.
Pega de surpresa, fechou os olhos, sentindo seu rosto esquentar. Desde que decidira ficar, era comum Caspian soltar alguns comentários como aquele por dia, mas ela não conseguia se acostumar, tendo sempre a mesma reação: suas bochechas em um tom intenso de rosa, um sorriso tímido brincando em seus lábios enquanto ela abaixava o olhar. Em seguida, o toque leve de Caspian em seu rosto fez com que ela voltasse a atenção para ele, que se aproximava lentamente.
Já acostumado a ser interrompido, o garoto hesitou por alguns segundos, o que resultou nos dois rindo antes de seus lábios se encontrarem.
- Acho que podemos descartar a teoria de existir algum tipo de alarme que soa quando estamos muito próximos – brincou ele, a apertando em seus braços. apenas forçou um sorriso, e Caspian logo se lembrou que algo na garota também o incomodava – E com você, está tudo bem? Você estava um pouco estranha quando chegou.
- Você veio me tratando como uma princesa desde que cheguei – sussurrou ela, passando as mãos pela gola do camisa que ele usava – E eu trabalhei quase que por dois dias seguidos. Acho que eu estava apenas ficando sedentária.
- Você não precis...
- Eu quero ajudar, Caspian – ela o cortou, puxando seu queixo – Faço parte disso agora. Deixe que eu colabore.
Caspian apenas assentiu, e, depois de um abraço consideravelmente longo, perguntou se podia ver os tais mapas. Enquanto estudava o trabalho da garota ele chegou a uma decisão: seria idiotice desperdiçar aquele talento com apenas funções de rainha. seria responsável pelo mapeamento de Nárnia. Os mapas que os telmarinos tinham da região eram incompletos, já que não ousavam avançar muito floresta adentro. Sem contar que o território mudara muito durante os mais de trezentos anos de governo telmarino. Uma atualização nos dados seria bem-vinda.
Antes de se despedirem, ele considerou contar a garota seus planos, mas acabou por optar em fazer uma surpresa. Apenas pediu que ela acordasse mais cedo para participar da reunião pela manhã, onde seus mapas seriam apresentados. Lá ele faria o anúncio, era melhor dessa forma. Sem contar que algo na garota ainda estava o incomodando. Alguma coisa acontecera e ela não queria contar, e Caspian temia magoá-la caso insistisse no assunto, embora também o magoasse acreditar que ela estava escondendo algo.
Cansado física e mentalmente, Caspian se jogou mais uma vez em sua cama, sentindo que estava com mais preocupações do que na noite anterior.

Capítulo 4


Os corredores estavam estranhamente vazios para aquele horário, mas não era isso que atormentava Pollua. A ameaça da estrangeira era o que não permitia que sua mente se ocupasse com outra coisa, embora não fosse o que pudesse fazer que ela temesse, mas sim o que Caspian faria.
- Lady Pollua – chamou-a uma voz conhecida as suas costas, e logo ela avistou Ahava – Por que não está no salão com os outros nobres?
- Não estou com fome – respondeu ela, sem se preocupar em soar amigável – Vou me recolher.
Sem querer ser mais abordada, a garota praticamente correu para seu quarto, apenas parando ao passar pelo corredor do quarto da estrangeira, se demorando a analisar a madeira escura da porta. Um quarto simples e sem nenhuma segurança para alguém que almejava ser uma personalidade importante. Era como se Caspian estivesse implorando para que alguém tomasse uma providência em relação à garota, e era apenas uma questão de tempo.
Ao finalmente alcançar seu quarto, Pollua se pôs a procurar o antigo livro que há décadas pertencia sua família. Nada nele estipulava sua idade, mas poderia facilmente ser classificado como da tal Era de Ouro de Nárnia.
Sentando em sua cama, a garota folheava as páginas com cuidado e calma, estudando pacientemente as palavras que apareciam, procurando o trecho que lhe seria mais útil. Aquela era sua cartada final e erros não seriam permitidos.
Sua procura apenas foi interrompida quando sua porta foi aberta de supetão.
- Meu pai? – ofegou a garota, fechando o livro em um movimento rápido e o colocando de volta em seu lugar, meio a outros na estante – O que faz aqui a essa hora?
- Estou tentando descobrir o que diabos você tem na cabeça – disse Dafar simplesmente, o que intrigou a garota. Raramente o homem era rude com ela, e, mesmo quando era, o motivo era sempre bem claro.
- Desculpe? – arriscou ela, recuando alguns passos por instinto.
- Você tentou afrontar a futura rainha – começou ele e sua filha empalideceu. Não teria como seu pai saber disso sem que a estrangeira tivesse contado a terceiros, e se ele sabia...
- Ela contou ao Caspian?
- Não. Diferente de você, ela é inteligente – rosnou ele, escondendo as mãos em seus bolsos – Não quer envolvê-lo em problemas que ela pode lidar sozinha.
- Ela acha que pode lidar comigo sozinha?! – explodiu a garota, e Dafar bufou.
- Você é mais imatura do que eu pensava – murmurou o homem, irritado – Com essa postura, aquela garota seria uma rainha muito melhor que você.
Suas palavras causaram a exatamente a reação que o homem queria em sua filha: Pollua se calou, refletindo sobre suas escolhas. Dafar tinha completa ciência dos pontos negativos da garota, e ninguém sabia como ele se esforçava para que ela melhorasse, que pudesse ser uma boa governante, mas embora ele mesmo em alguns momentos perdesse a paciência, logo se sentia mal por ser tão rígido com ela.
- Eu já havia dito antes, Pollua: palavras não assustam Lady – suspirou ele, parando à frente da garota e passando a mão por seus cabelos – Ela não teme sequer o rei, quem diria uma garota idiota como você!
- Não vai se repetir – sussurrou ela, com o olhar no chão – Não serei tão imatura novamente.
- Ela não vai partir com ameaças infantis – continuou ele, lhe lançando um olhar sugestivo.
- Você quer que eu... – começou ela, se adiantando para a estante.
- Ainda não – interrompeu-a ele, segurando seu braço – Lady é inteligente, vai acabar ligando os pontos. Espere alguns dias. Deixe que ela esqueça o ocorrido. Aí você age.

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Ahava respirou fundo antes de entrar no quarto, já ciente da dificuldade que teria para fazer com que a jovem levantasse. Se já era um sacrifício fazê-la levantar no horário habitual, fazê-la acordar ainda mais cedo seria ainda mais complicado.
- Milady... – Ahava a chamou pela terceira vez, se adiantando para as cortinas – Você irá se atrasar para a reunião.
- Eu não tenho reunião hoje... – resmungou a voz rouca da garota, escondendo o rosto em suas cobertas.
- Rei Caspian pensa o contrário, milady – riu a mulher, sentando na beirada da cama, tentando lhe arrancar os tecidos – Ele está no salão a esperando para começar o café da manhã.
- Mas eu não sinto meus pés... – choramingou a garota, se sentando, vendo de relance o olhar divertido da mulher provavelmente pelo seu cabelo desgrenhado – Aparentemente cansa muito mais andar a pé do que a cavalo.
- Excelente observação, milady – riu a mulher, puxando-a pelas mãos, ouvindo mais resmungos em protesto – Agora levante e se arrume. A futura rainha deve estar apresentável na reunião.
Futura rainha.
Ahava não pode deixar de notar a reação que causou na garota aquelas simples palavras, logo se levantando e tentando abaixar seus cabelos enquanto procurava um vestido adequado para a ocasião. Em questão de minutos estava pronta, mais apresentável do que em qualquer outro dia e, mesmo com sua cara entregando seu descontentamento com o horário, Ahava não pode deixar de sorrir ao assistir a garota descer o corredor com passos levemente apressados.
Comprometida a garota era. Agora era mostrar isso para toda Nárnia.
apenas entendeu que era realmente muito mais cedo do que ela costumava acordar quando encontrou apenas Caspian no salão. Quando ela descia o salão sempre estava vazio porque todos já haviam comido, agora o salão estava vazio porque mais ninguém havia decido ainda.
- Eu diria “bom dia”, mas não parece que você tenha acordado – debochou Caspian quando ela se sentou em seu lugar – Não dormiu bem?
- Acho que não dormi o suficiente... Sinto como se pudesse dormir por uma semana – confessou ela, se servindo do suco.
- Você vai ter o resto do dia para descansar, se quiser – disse ele, tomando na sua a mão da garota que descansava na mesa – Mas sua presença hoje é essencial, embora concordo que o horário não é dos melhores.
- O problema não é por completo o horário... – riu ela, apertando de leve a mão do garoto – Mas poucas horas dormidas é um sério problema.
- Não vai dormir enquanto eu estiver falando na reunião, não é? – brincou ele, colocando uma mecha do cabelo da garota atrás de sua orelha enquanto ela fechava os olhos com o gesto.
- Agora que você falou, com essa voz macia... – disse ela em sussurro, sorrindo travessa em seguida –... vai ser bem difícil.
Caspian apenas riu, voltando sua atenção para a comida.
- Não acho que você vai querer perder o que eu tenho a falar... – disse o garoto, fingindo indiferença assim que percebeu que tinha conseguido atiçar a curiosidade de sua acompanhante.
- Okay, o que você não está me contando?
- O que você quer dizer com isso?
- Você está escondendo algo. Fala logo. Aí eu durmo a reunião toda sem culpa – brincou ela, cruzando os braços. Caspian apenas riu de leve e voltou sua atenção para sua comida – É sério, me conta.
Satisfeito, o jovem rei afastou sua cadeira para se levantar, sem tirar o sorriso travesso do rosto.
- A reunião começa em dez minutos – anunciou ele – Preciso pegar seus mapas antes, mas você já pode ir para a sala.
- Caspian X... – resmungou ela, tentando soar ameaçadora e falhando. Quando ele já estava perto da porta, ela se deu por vencida, deixando o guardanapo na mesa e também se levantando – Quero apenas registrar para o futuro que não gosto de surpresas, meu rei.
- Então vamos ter sérios problemas, minha noiva – disse ele apenas, sumindo pelos corredores em seguida.
As reuniões daquele horário aconteciam geralmente na mesma sala, então não foi preciso muito esforço para encontrá-la. Para sua surpresa, a sala que costumava ser bem tranquila durante a manhã estava cheia, tanto de pessoas que ela via com frequência como de pessoas que ela sequer tinha conhecido.
- Lady ! – sorriu Lorde Moe, que estava do lado da única cadeira desocupada, sem ser a cadeira do rei. O silêncio se estabeleceu na sala assim que aos poucos todos se viraram para ela. Alguns dos homens se mostravam felizes com sua presença, já que acreditavam que ela se encaixava muito bem no reino, e que sua coroação era algo desejável. Já outros se mostraram desconfortáveis, até um pouco ofendidos com sua aparição, coisa que ela não havia notado até aquele dia. Talvez a conversa com Pollua realmente tivesse a deixado paranoica – Vai nos fazer companhia hoje, milady?
- Rei Caspian pediu que eu participasse hoje – contou ela depois de respirar fundo e se direcionar para a mesa, agradecendo quando o homem puxou a cadeira para que ela se sentasse – Ele foi buscar os mapas e já vem.
- Ele não nos mencionou sua participação na reunião de hoje – comentou um homem, na ponta oposta da mesa – Me perdoe a intromissão, milady, mas até o momento você não estava envolvida na burocracia do reino.
- Acredito que estou aqui apenas pelos mapas que me foram encomendados, mas não me oporia caso Rei Caspian deseje que eu me envolva na “burocracia do reino” - disse ela, da maneira mais educada que conseguia. Os homens a mesa tentaram manter a discrição e respeitar sua presença, mas não conseguiram controlar a necessidade de fazer comentários sobre a fala da jovem entre eles.
Não demorou muito para que Caspian chegasse, com um brilho animados nos olhos, iniciando a reunião sem muitas delongas.
- É gritante a diferença entre os traços antigos e seus traços nos mapas, milady – comentou Lorde Ortis, sorrindo para a garota, que abaixou a cabeça de leve em agradecimento enquanto seu trabalho era exposto para todos – Há muitas áreas de Nárnia que não ousamos explorar por centenas de anos, meu rei. Acredito que seja aconselhável incumbir Lady dessa função.
- Assim que as coisas já estiverem ajeitadas em Cair Paravel e a equipe dela formada... – sorriu Caspian, atraindo o olhar intrigado dela.
- “Equipe”, meu rei? – repetiu ela.
- Não é trabalho para apenas uma pessoa, milady – explicou ele, desviando sua atenção para uma pilha de papéis – Você vai coordenar uma equipe de topógrafos para que tenhamos os melhores mapas já feitos. Uma equipe que você irá organizar, topógrafos que você poderá escolher a dedo.
sentiu seu rosto esquentar e um sorriso discreto aparecer nos cantos de seus lábios.
- Na verdade, já pedi que anunciassem que você selecionaria os novos topógrafos reais, então acredito que a partir de amanhã você deve começar as entrevistas – contou Caspian, fazendo um esforço imenso para manter sua expressão neutra. não era a melhor pessoa do mundo em disfarçar suas emoções, e ele, modéstia à parte, conseguia a ler muito bem. A garota estava surpresa acima de tudo, mas contente – Tudo bem para você?
- S-sim! – soltou ela, pigarreando em seguida para recuperar sua voz e a seriedade, já que ali não falava com Caspian, mas sim o rei – Claro, majestade.
Caspian abriu um largo sorriso para ela, que abaixou a cabeça para esconder seu rosto corado.
- Guerreira e excelente topógrafa – suspirou Lorde Moe, a sua direita – Você é um achado para Nárnia, milady. Será uma excelente rainha.
Lorde Dafar se remoia perto da outra ponta da mesa, enquanto todos sorriam e direcionavam elogios à única figura feminina da sala, embora nem todos estivessem sendo verdadeiros.

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Como esperava, os assuntos a serem tratados relacionados a seus mapas foram brevemente discutidos e outros tópicos foram sendo abordados na reunião, muito que sequer tinha conhecimento ou não sabia opinar, mas não podia deixar a sala por ser falta de educação. Mesmo quando todos foram dispensados, não deixou o cômodo, já que Caspian pedira para que ela o ajudasse a organizar os documentos.
Apenas quando o último homem deixou a sala e fechou a porta as suas costas que se permitiu jogar os braços ao redor do pescoço do rei.
- Como você ousa esconder isso de mim?! – disse ela entre risadas, sem mais sentir seus pés no chão – Desde quando você planejava isso?
- Assim que coloquei meus olhos em seus mapas – confessou Caspian, colocando-a no chão e brincando com seus cabelos – Não consigo pensar em outra pessoa melhor para liderar a equipe. De verdade, tenho pena de quem não seguir suas ordens... Você é bem rígida.
lhe dera um tapa estalado no braço, rindo embora tivesse que concordar o ele. Aos poucos seu sorriso foi sumindo, dando lugar a uma expressão compenetrada, com suas mãos acariciando os ombros do garoto em um movimento sutil.
- Você realmente acredita? – perguntou finalmente, erguendo seus olhos para ele – Que eu posso fazer tudo isso.
- Pensei que era isso que voc...
- Querer e ser capaz são coisas bem distintas, Caspian – cortou-o ela, séria – Perguntei se você acha que sou capaz.
- Acredita que não tenho fé em você?
- Acredito que você às vezes me superestima.
- E sei que você às vezes se subestima – retrucou, se afastando da garota para tomar suas mãos nas deles – Questionamentos são importantes, mas você precisa acreditar um pouco mais em si. Eu já acredito.
assentiu, um pouco sem graça, mas não teve muito tempo para continuar com aquela postura. Tanto ela como Caspian precisavam descer para o salão já que a hora do almoço se aproximava, e, enquanto o garoto tinha outras obrigações pelo resto do dia e tinha que se preparar paras as entrevistas no dia seguinte. Naquela tarde ela havia conversado com mais pessoas do que estava acostumada: muitos a paravam apenas para parabeniza-la, outros para lhe dar conselhos de como lidar com as entrevistas. Ninguém lhe pareceu nada menos do que contente em colaborar, e isso a deixou uma pouco menos apreensiva.
Se haviam pessoas contra sua presença naquele mundo, talvez elas não fossem tão numerosas assim.

Capítulo 5


Nunca em toda sua vida teve que se esforçar tanto para respirar.
Era como se seu corpo não estivesse mais disposto a aceitar o oxigênio, impedindo-o de entrar e clarear sua mente. Seus pés seguiam o caminho sem lhe consultar, sabendo exatamente para onde deviam ir, mesmo que sua vontade fosse seguir em direção contrária. Sabia muito bem como Caspian estava confiando nela, mas aquela insegurança chata não a abandonava, não importava quanto seu irmão e seu pai lhe aconselhassem. Em cada olhar encorajador que recebia, conseguia enxergar por trás a dúvida iminente que todos mantinham a seu respeito, e o pior é que ela própria se via na mesma situação.
E se ela não fosse adequada para aquela função?
Não era uma brincadeira, era um reino inteiro cheio de expectativas.
- Milady – a cumprimentou o soldado que fazia a guarda do corredor e que ficaria na sala com ela, Datom. Ali no corredor estavam diversos homens de todas as idades, e a conversa entre eles parou assim que perceberam sua presença – Esses são os candidatos que você deve analisar hoje, milady.
Como mandava o protocolo, ela cumprimentou todos ao mesmo tempo, explicando brevemente como as coisas funcionariam e o que ela esperava dos candidatos. Esses eram dos mais variáveis: alguns jovens e alguns de mais idade, alguns ela acreditava ter visto pelos corredores do castelo e estavam bem vestidos, outros lhe eram familiares e acreditava tê-los vistos pelas vilas próximas, e, embora parecessem trajarem suas melhores roupas, havia um grande contraste com os já habituados àqueles corredores. O que mais chamou sua atenção foi a falta de representantes femininas. Bem, se estranhavam ela estar participando tanto do funcionamento do reino, não fazia muito sentido se surpreender com aquilo.
Datom lhe entregou um pergaminho com o nome dos candidatos organizados na ordem que eles deveriam ser entrevistados, e sinalizou para que ela entrasse na sala para ajeitar a mesa como ela desejava antes de começar as entrevistas. A sala era um ambiente semelhante ao escritório de Caspian, mas em proporções menores. A arquitetura sombria do castelo também estava presente ali, e ela não conseguiu se impedir de comparar aquele cômodo com os escritórios de Cair Paravel. Seria definitivamente muito mais agradável trabalhar por lá.
Como sabia que aquela tarefa ocuparia boa parte das horas daquele dia, não se demorou para organizar a sala a seu gosto, deixando poucos objetos sobre a mesa bem polida, já que os mapas que os candidatos trariam não deveriam ser pequenos e precisavam descansar sobre uma superfície plana para serem melhor analisados. Depois que tais preparativos estavam prontos, Datom pediu que o primeiro candidato entrasse e voltou ao seu posto ao lado das portas, praticamente virando uma estátua que apenas ouvia o que acontecia ao seu redor.
O primeiro candidato era um homem já mais velho chamado Mesdoc, um dos homens bem vestidos que ela acreditara ter visto alguma vez pelos corredores, mas que não chegara a ser apresentada. Ele lhe apresentou um sorriso forçado antes de fazer uma leve reverência e se sentar à sua frente, respondendo com certo descaso às perguntas da garota, lhe entregando com prontidão o mapa que trouxera assim que ela pedira.
fingiu grande interesse pelo mapa, deixando que o homem acreditasse que ela estava admirando seu trabalho quando na verdade estava o estudando. Ele era um cartógrafo talentoso, ela não podia negar, mas algo lhe dizia que no corredor estavam os melhores de Nárnia, então precisava estabelecer novos critérios de seleção.
E talvez ela tivesse acabado de ter uma epifania.
- Hm... Mesdoc? – murmurou ela com calma, deitando o mapa sobre sua mesa e ajeitando sua postura, tudo sob o olhar atento do homem, que mantinha o sorriso arrogante.
- Sim, milady?
- Acredito que tenha encontrado um erro em seu mapa.
O semblante de Mesdoc mudou imediatamente, se tornando raivoso. Seu corpo se inclinara sobre a mesa da garota, uma clara tentativa de a intimidar, ainda mais pelo tom de voz que adotou.
- Talvez vossa majestade não tenha conhecimentos o suficiente da área – retrucou ele, ríspido – Conheço essa região como a palma da minha mão. Não há um erro sequer no mapa.
O homem não suavizou a expressão nem quando a garota manteve por mais um tempo o sorriso educado, à espera de que ele percebesse o erro tremendo que cometera. apenas riu de leve.
- Acho que me enganei – disse ela por fim, suas mãos voltando a trabalhar no mapa, o enrolando mais uma vez para devolver ao canudo – É um mapa muito bom.
- É claro que é, majestade – replicou o homem, parecendo um tanto ofendido pelo tom da garota – Não apresentaria nada menos do que perfeito a você, milady.
- Sei disso – concordou – Agradeço pelo seu tempo, Mesdoc. Peça para que o próximo candidato entre assim que sair, por favor.
Mesdoc arregalou levemente os olhos ao entender que a entrevista estava encerrada, e quão pouco ele havia falado sobre si. Talvez seus traços e sua precisão tivessem surpreendido a garota, e ela não julgava necessário recolher mais informações. Porém algo no rosto da futura rainha lhe dizia o contrário, por isso ele se levantou mal-humorado, fazendo uma leve reverência sem muito empenho e marchando para fora da sala.
passara a maior parte da tarde naquilo que estava quase se tornando um ritual: candidato entrava, candidato se mostrava uma péssima pessoa, candidato saia acreditando que seria chamado mais tarde. Até que um dos mais jovens que vira do lado de fora entrou. Um rapaz de deveria ser talvez da sua idade, alguns palmos mais altos do que ela, um corpo robusto, e cabelos escuros rebeldes que pareciam ter sido penteados para trás às pressas. Antes mesmo de estar perto o suficiente para se sentar na cadeira vaga, pode notar que o garoto suava, talvez tanto por nervosismo como plenas grossas vestes de segunda mão que usava.
- M-majestade.
- Sente-se, por favor.
O nome do garoto era Saric, era filho mais velho de cinco irmãos, e seu avô um dia fora cartógrafo do castelo, por isso aquela prática era comum em sua família. Ele sentira o rosto esquentar de vergonha na hora que a garota pediu para ver seu trabalho, já imaginando o riso de deboche que ela daria. Ele virara a noite trabalhando naquele mapa – o seu melhor mapa até agora – apenas para encontrar pela manhã sua irmãzinha brincando com suas tintas perto demais de seu trabalho. O resultado era que algumas marquinhas de dedos podiam ser encontradas nas laterais do mapa, e, como os comentários que passeavam pelas bocas dos candidatos já entrevistados era sobre o rigor que a futura rainha estava demonstrando, suas esperanças de que aquilo passasse batido eram nulas.
Assim como ele esperava, Saric ouviu a garota rir logo que passou a analisar seu trabalho, mas o que o surpreendeu foi ter sido uma risada baixa e amigável, não a cruel e insensível que esperava.
- Estou assumindo que você tem uma pequena ajudante, a julgar pelo tamanho dessas digitais – brincou , desviando os olhos rapidamente dos desenhos para checar a expressão constrangida do garoto – Uma de suas irmãs, eu presumo?
- A mais nova, milady – respondeu ele, depois de pigarrear e fingir observar qualquer outra coisa no ambiente, já que uma vez ou outra ela voltava a fitar com um brilho divertido nos olhos. Sentindo que seu calor apenas aumentava, Saric puxou a gola de suas vestes e começou a se abanar – Ela queria fazer um mapa para você, milady.
- Ficarei feliz em receber.
Antes que o garoto pudesse conseguir expressar sua surpresa, o interrompeu, depositando seu mapa sobre a mesa com cuidado, puxando sua cadeira para mais perto e apontando para uma área específica de seu trabalho.
- Acredito que tenha encontrado um erro de projeção... – suspirou ela, se esforçando para manter a expressão neutra enquanto a do garoto se contorcia em confusão – Tenho certeza que esse relevo é bem maior.
Saric sequer olhou para a garota, murmurando um baixo “não é possível!” enquanto se debruçava sobre a mesa para observar com mais cuidado. Ele conhecia aquela região como a palma de sua mão, podia desenhar toda a área de olhos fechados, e se recordava muito bem dos mapas que seu avô produzira, assim como os de seu pai. Não havia erro. Era impensável todos estarem reproduzindo o mesmo engano, algo não estava certo.
Tomado pela incompreensão e pela revolta de descobrir aquilo logo naquele momento, Saric se adiantou para uma das penas da mesa, molhando sua ponta com agilidade no tinteiro ao lado para fazer anotações de todas as informações que Lady poderia lhe dar sobre aquela região. Seu intuito era circular a área para não se esquecer mais tarde, porém uma mão da garota entrou em seu caminho, segurando seu pulso.
- O que pensa que está fazendo? – perguntou ela exasperada. O garoto estava em silêncio a quase um minuto, olhando compenetrado para o mapa, e abruptamente passara a pegar material de sua mesa. No fundo até entendia o que ele planejava, mas não deixara de achar a atitude um tanto rude.
- Com todo perdão, milady... Mas eu cresci nessa região. Conheço essa área como a palma de minha mão – contou ele, e por um breve segundo pensou que tinha se enganado a seu respeito, até ele completar – E a familiaridade é um fator importante para deixar detalhes passarem despercebidos. Alguém pouco habituado à região às vezes pode perceber detalhes que quem mora há anos nunca vá notar. Peço perdão por desperdiçar seu tempo, milady, mas gostaria que me desse todos os detalhes que se lembra. Quero checar a região assim que sair daqui.
se flagrou rindo descrente, tirando a pena das mãos do garoto, que a olhou confuso.
- Sabe de uma coisa? – suspirou ela, se jogando em sua cadeira, e sinalizando para que ele fizesse o mesmo. só continuou quando ele mais uma vez estava sentado – Todos os cartógrafos que entraram aqui são igualmente talentosos. Porém não é apenas de talento de que é feita uma pessoa. Todos nós temos qualidades e defeitos, e alguns defeitos são piores exatamente por não se saber controlá-los.
Saric fitava a mulher com intensidade, simplesmente porque não entendia uma palavra do que ela dizia. O que ele havia feito de errado?
- Sabe o que todos os outros que entraram nessa sala fizeram quando eu questionei algo de seu trabalho? Me mostraram arrogância – continuou ela, finalmente abrindo um sorriso divertido – Você deu uma pequena surtada antes, mas depois mostrou uma maturidade que mais ninguém demonstrou. Aceitou a possibilidade de estar errado e de que alguém que aparentemente tem menos conhecimentos que você pudesse estar certo.
- Então... Isso foi um teste? – perguntou o garoto incerto, respirando aliviado quando ela assentiu – Uau, isso foi cruel. Legal, mas ainda cruel.
- É um mapa muito bom, Saric – se levantou, agilmente devolveu o mapa ao canudo e o entregou ao garoto, que logo também estava de pé – Eu não deveria dizer isso agora, mas te quero na equipe.
Saric não sabia como reagir. Havia se inscrito apenas por insistência de seu pai, já que acreditava que a futura rainha nunca o escolheria para integrar a nova equipe de cartógrafos reais. E agora ela estava ali, o elogiando. sentiu que o desejo do garoto era a abraçar pela felicidade, mas se manteve um tanto distante, já que precisava manter uma imagem mais séria.
Acabou que teve que lhe dar instruções do que fazer, já que o garoto parecia ter perdido a habilidade da fala. Os outros candidatos selecionados – ela teria que aprovar mais alguém, Caspian a mataria se sua equipe fosse formada apenas por ela e mais uma pessoa – seriam avisados se foram aprovados ou não quando todas as entrevistas já estivessem sido realizadas, mas, como ele já estava recebendo a informação naquele momento, já estava dispensado, e só precisaria voltar no outro dia, para que a equipe fosse apresentada ao rei. Saric assentiu com tudo que ela dizia, e no fundo a garota questionava se ele estava realmente a compreendendo. Apenas por garantia, pediria para que algum dos guardas do castelo levasse um bilhete escrito a ele mais tarde, para frisar todas as obrigações que ele teria dali para frente e seus compromissos.
- Estava começando a ficar preocupado que ninguém passaria nesse seu teste, majestade – comentou Datom, assim que a porta foi fechada quando Saric saiu despois de agradecer algumas vezes, e a garota parou ao seu lado, com uma mão ainda na maçaneta. riu.
- Não vou mentir, eu também estava preocupada com isso... – confessou ela, se apoiando contra as portas de madeira escura – Mas se não entrar mais nenhum Saric da vida, vou ter que escolher alguns daqueles prepotentes...
- Otimismo é tudo, majestade – lembrou o homem, um tom em sua voz que tentava transmitir sabedoria, mas que no fundo apenas queria fazê-la sorrir.
- Tudo que eu não tenho no momento – brincou ela, se virando para voltar para sua mesa – Mande o próximo entrar.

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estava tão mentalmente exausta que nem se lembrava se havia se despedido das pessoas à mesa quando saiu no meio do jantar. Aparentemente aquele dia estava sendo atarefado para metade do castelo, já que Caspian ainda estava em reunião com alguns lordes quando ela se retirara, e pelo visto eles não tinham previsão de que horas iriam terminar.
Fosse o cansaço ou apenas algo inédito até aquele dia, ela não encontrara ninguém nos corredores até seu quarto, fazendo todo o trajeto em silêncio – embora uma vez ou outra ela tivesse tropeçado nos próprios pés e cambaleado para os lados, esbarrando em algumas armaduras que ameaçaram cair, mas permaneceram no lugar.
Assim que entrara em seu quarto, uma sensação estranha lhe atingiu. Em um primeiro momento, ignorou, mas aquele sentimento ruim apenas se intensificou quando se adiantou para a janela aberta do quarto, que àquelas horas já deveria estar fechada. Parecia que algo em sua mente tentava lhe avisar sobre algo, ela só não compreendia o que, e isso começava a preocupar.
Talvez fosse melhor retornar para o salão, com a desculpa que talvez a fome fosse maior que o sono, o que renderia algumas risadas e logo todos esqueceriam do assunto. É, talvez fosse melhor.
Quando o último sopro do vento frio da noite passou pela janela antes de ser fechada, pensou ter ouvido alguém murmurar algo ao longe, girando o corpo em um movimento rápido apenas para se encontrar sozinha no quarto.
- Ahava...? – sussurrou ela, sua voz cheia de incerteza. A mulher nesse horário ainda deveria estar na cozinha, não tinha como ser ela. Além de que uma brincadeira daquele gênero não fazia seu estilo.
Balançando a cabeça para afastar tais pensamentos, se voltou mais uma vez para a janela, girando o trinco para garantir que ela não voltaria a se abrir caso um vento mais forte soprasse. Assim que seus dedos se afastaram do metal frio, ela voltou a ouvir alguém murmurar, agora com mais clareza. Aquilo fora a última coisa que ela ouvira antes de simplesmente apagar.

“Pessoas são livres para ir e vir,
mas algumas não deviam cruzar o mar.
Quem não é bem-vindo aqui,
não tem outra escolha senão retornar.”


Capítulo 6


Alguém a chamava, isso podia afirmar com completa certeza, embora não conseguisse identificar a quem aquela voz pertencia.
Desde que chegara, o quadro de soldados que protegiam o castelo não havia se alterado muito, então mesmo que não conseguisse lembrar o nome de todos, ao menos a voz de todas ela conhecia. Mas não aquela voz, mesmo lhe soando tão familiar.
Apesar de tentar, a garota não conseguia abrir os olhos, muito menos se mexer, e isso começava a assustar. Principalmente porque não conseguia se lembrar de ter ido dormir. Lembrava de estar em uma das salas do castelo entrevistando os candidatos que viriam a trabalhar com ela futuramente, de se retirar no meio do jantar pelo seu cansaço, de ouvir uma voz baixa ao longe e perder os sentidos em seguida. O mais estranho era que ela não sentia que ainda estava no chão, lugar que ela teria caído por provavelmente desmaiar próxima à janela que fechara, e também não sentia que estava em sua cama, lugar que estaria caso alguém a encontrasse. Ela estava apoiada em uma mesa, com a cabeça descansando sob seus braços e seu cabelo solto impedindo que qualquer luz chegasse a seu rosto, enquanto aquela voz familiar insistia em lhe chamar, e cada vez mais alto e mais impaciente.
- Você disse que ia corrigir meus exercícios se eu fosse buscar comida, ! – resmungava a voz, seguida do som de prato sendo depositado na mesa sem delicadeza – Quero partir para outro assunto, mas preciso saber se já sei pelo menos o suficiente desse... Anda, !
Começando a se sentir assustada, a garota tentava se mexer, mas seu corpo não a obedecia. Seu corpo só respondeu quando ela sentiu uma mão encostar em seu ombro. Ela se erguera em tamanha velocidade que a cadeira onde ela estava sentada tombou para trás, e a garota acabou por acompanhá-la, ficando alguns segundos olhando para o teto enquanto o silêncio dominava o ambiente. Ela só se levantou quando concluiu um fato curioso:
Aquele não era um teto do castelo.
Se levantando em um pulo, ela avistou o dono da mão que a sacudira e dono da voz que lhe chamava, mas isso não explicava o que estava acontecendo.
- P-pedro? – ofegou ela, com seu olhar travado no do garoto, que parecia tão assustado quando ela.
No entanto, logo Pedro Pevensie começou a rir com gosto, abraçando a própria barriga.
- Eu te disse para não cortar sua franja – soltava ele entre risadas – Agora parece que ela tem vida própria!
por sua vez continuava parada no mesmo lugar, assistindo enquanto o garoto se divertia, sem entender exatamente como ele poderia estar ali.
Ou pior.
Como ela poderia estar ali.
- Desculpe, vou parar de rir – disse Pedro, vendo que sua companhia não compartilhava de sua diversão. Na verdade, prestando mais atenção, ela não parecia estar irritada por seus comentários que já duravam semanas. Ela parecia assustada – , você se machucou?
Ao não receber resposta, ele se adiantou em sua direção, vendo-a arregalar ainda mais os olhos quando suas mãos tocaram seus braços, tentando transmitir algum conforto.
- Você está começando a me deixar preocupado, – murmurou ele, e começou a perder o controle de sua respiração. Eles não estavam em Nárnia, isso era uma certeza. Por estarem naquela sala cercados de livros e cadernos com anotações, eles só podiam estar na casa do Professor Kirke, se é que isso fazia algum sentido.
- Como eu voltei? – ofegou ela se levantando, levando em seguida ambas as mãos a boca.
- Voltou de onde, criatura? – estranhou Pedro, arriscando um sorriso confuso – Eu saí, você estava aqui. Eu voltei, você ainda estava aqui.
- Não... Mas eu escolhi não voltar! – exclamou ela, sentindo seus olhos arderem – N-não tinha como simplesmente... E-eu não...
- ! – chamou-a Pedro, apertando seus braços e atraindo agora por completo sua atenção. A preocupação dominava tanto o rosto do garoto que ela viu sua mente apenas parando por alguns segundos – Do que você está falando? Você nunca partiu!
- E-eu parti – retrucou ela, recuando alguns passos e se livrando das mãos do loiro – No acidente...
- Que acidente, ? Você nunca teve em um acidente na sua vida inteira.
- O acidente na Austrália.
De repente os olhos de Pedro se encheram de compreensão, e ele chegou a soltar uma risada leve e despreocupada.
- Então é isso? – suspirou ele, voltando a tomar seu lugar a mesa, em frente a alguns livros abertos – Você está assustada por viajar para tão longe? Não vai acontecer nenhum acidente, . Vai correr tudo bem.
- Do que você está falando?! O acidente já aconteceu! O barco naufragou! – exclamou a garota, dividida entre confusão e um sentimento ofendido – Como você pode não se lembrar?! Como pode agir como se não tivesse acontecido?!
Assustado, Pedro se virou para a garota. Não se conheciam há tanto tempo assim, mas nunca vira a tão alterada.
- ...? – arriscou ele novamente, com cuidado – Você apenas teve um pesadelo. Você só vai para Austrália nas próximas férias... Daqui a uns seis meses.
- O quê?!
- Estamos em janeiro, – continuou ele, apontando para um pequeno calendário sobre a mesa, que ela apanhou com desespero – Essa viagem vai ser seu presente por entrar em uma faculdade, lembra? Você só se forma em maio.
sentiu uma imensa vontade rir, mas a seriedade em Pedro a impediu.
Prestando mais atenção à sua volta, ela avistou o antigo casaco de sua mãe, que ela fora obrigada a parar de usar depois de acidentalmente rasgá-lo no último inverno antes de terminar a escola. Aquele inverno.
- Não! – gritou ela, jogando o calendário longe, assustando o garoto ¬– Não minta para mim! O navio naufragou! Todos caíram no mar! Eu... Papai... Charlie... Nós quase morrermos! Só não morremos p-porque... P-porque... Fomos parar em outro mundo.
Assim que seus olhos se encontraram com os de Pedro, tudo o que ela podia ler neles era “entendeu?”.
- E-eu... Eu estava sonhando? – as palavras lhe pareciam tão estranhas em sua voz que a afirmação acabou se tornando uma pergunta. Algo em seu peito se incomodou, como se pronunciar aquelas palavras fosse algum tipo de crime.
- Pelo que você disse, me parece mais um pesadelo do que um sonho – brincou Pedro – Você ainda está impressionada com a história do Titanic, pelo jeito.
- Foi tudo, menos um pesadelo – disse ela, levantando a cadeira e se jogando nela.
A mágoa na voz da garota era tanta que Pedro se viu puxando sua cadeira para o lado dela, passando um braço por suas costas e a puxando para si quando se sentou, tentando reconfortá-la.
- Talvez você só não esteja acostumada com toda essa coisa de vida adulta – sussurrou ele, apoiando o queixo na cabeça da garota, que agora o abraçava de volta.
- Não... – resmungou ela, com a voz embargada, passando uma mão pelo rosto para tentar sumir com os rastros de lágrimas que apareciam em seu rosto – Era algo muito mais forte do que isso... Eu me sentia em casa lá...
- Talvez você devesse tentar fazer com que o nosso mundo fique mais parecido como esse mundo que você sonhou – comentou Pedro, a afastando apenas para fitar seu rosto, tirando com cuidados alguns fios que grudaram em sua pele, até tentando abaixar a franja da garota no processo, que esboçou um sorriso fraco com o gesto – É por isso que sonhamos com esses outros mundos... Não é só porque são sonhos que devemos nos esquecer deles.
- Isso não está me soando como um discurso improvisado – brincou ela, respirando fundo – É a voz da experiência falando?
- Um pouco – riu ele, se virando para a mesa e puxando o último livro que ele estava estudando, fingindo interesse – Mas acho que já aprendi tudo o que precisava em outros mundos. Não é como se eu fosse esquecer, mas preciso prestar um pouco mais de atenção no que tenho que aprender nesse mundo.
De canto de olho, Pedro viu a garota assentir e ele então voltou a atenção a seus estudos. O que ele demorou a perceber foi que continuava a encará-lo.
- O que foi agora? – perguntou ele, levemente incomodado com a atenção que recebia.
- Você deve ser um bom irmão mais velho – murmurou ela, vendo o garoto corar alguns tons, mas sorrindo travessa em seguida – Agora vamos ver se você também é bom em química!
Rindo, ele deixou o livro de lado para prestar atenção na correção que fazia dos exercícios que ele terminara de resolver antes de buscar comida, assentindo em cada comentário que ela fazia sobre suas resoluções, até anotando algo quando achava que seria difícil lembrar depois.
Assim eles passaram o resto do dia, fazendo uma pausa apenas quando Dona Marta chegou aos berros à porta da sala, dizendo que eles não podiam comer a hora que quisessem, mas sim nos horários certos. Ambos apenas riram baixo quando ela deu as costas e marchou para longe, já que aquela cena acontecia todo dia. Embora tentasse agir normalmente, sabia que não estava fazendo um bom trabalho, já que até o Professor Kirk aparecera em seu quarto antes de ela dormir, perguntando o que tanto a atormentava. A garota até considerou relatar seu sonho, mas desistiu logo.
Nárnia era seu mundo, não queria dividir com terceiros.

Capítulo 7


Depois do café-da-manhã, voltou para seu quarto com o livro que terminaria de ler naquele dia, já que Pedro ficaria estudando com a ajuda do Professor, a deixando com bastante tempo livre para ocupar com leitura, já que não tinha como aproveitar os arredores graças à neve que caíra durante a noite anterior. A garota já se esforçava a continuar a leitura mesmo que as frases não estivessem fazendo sentido nenhum, a ponto que em um momento ela estava na metade do livro e não fazia a menor ideia do que ele tratava. O sonho do dia anterior ainda assombrava sua mente, e nada conseguia fazer com que ela o esquecesse.
- ?
- Sim, Pedro? – suspirou ela, virando uma página do livro a sua frente mesmo que não tivesse terminado de ler a anterior apenas para parecer mais ocupada. De qualquer jeito teria que reler todo o livro, não tinha muita importância pular alguns parágrafos. Pedro abriu a porta do quarto, mas não chegou a entrar, se apoiando no batente com os braços cruzados.
- Dona Marta pediu que nós fizéssemos as compras – avisou o garoto, e ela deixou o livro cair no colo e o olhou feio, os ombros caídos – Essa foi minha reação também. Anda logo.
Bufando, a garota abandonou o livro sobre a cama, pegando seu casaco pendurado próximo à porta antes de seguir Pedro para a entrada da casa. O garoto teve que voltar assim que saíram, já que esquecera a lista de compras que lhe fora entregue na cozinha, o que a fez rir de leve enquanto ele resmungava.
- Nevou muito ontem à noite – constatou ela assim que Pedro retornou reclamando da temperatura baixa enquanto apertava mais seu casaco contra o corpo – Melhor nos apressarmos antes que fique mais frio.
- Mas não adianta irmos correndo se eu tiver que te ajudar a levantar a cada passo errado que você der...
- Mas que audácia! – resmungou ela, empurrando o garoto, que quase patinou no gelo.
- Você mal consegue ficar em pé em solo estável.
- E o solo coberto de gelo não é considerado estável, Sr. Pevensie? – debochou ela, um sorriso sabichão no rosto que fez com que Pedro revirasse os olhos, mesmo rindo.
- Você entendeu, engraçadinha.
até chegou a abrir a boca para retrucar, mas seu pé escorregara no gelo, seu corpo caindo para o lado dos arbustos que agora eram só galhos pontudos. Pedro tentara segurá-la antes que ela caísse, chegando até a desabar junto com a garota, mas pelo menos para o lado da neve fofinha.
ficou longos segundos no chão antes de soltar um baixo “ai”.
- Você está bem? – perguntou Pedro tentando segurar a risada, já que estava preocupado com a garota. Uma queda daquelas com aquele frio não era nada fácil.
- Quando meu corpo entender que eu devo sentir dor eu não vou estar tão bem – ofegou ela, antes de se curvar e apertar seu braço esquerdo – Ai. Começou.
- Acho que você rasgou um pouco seu casaco, ... – comentou Pedro agachou próximo a ela, lhe servindo de apoio. Ele próprio escorregou um pouco, mas logo conseguiu se estabilizar e a ajudar a levantar. Assim que ambos estavam de pé, ele notou o tecido danificado no braço esquerda da garota.
- “Um pouco”? Dá para passar toda a frota inglesa nesse rasgo, Pedro! – choramingou ela, jogando a cabeça para trás – Vamos voltar para eu trocar de casaco. Vou congelar se insistir sair com ele.
O garoto ficara na entrada da casa enquanto correu para dentro, gritando pelo professor. Como não passaria tanto tempo ali, não trouxera muitas roupas, e aquele era o único casaco que tinha. Como de costume, encontrou o homem em seu escritório atrás de um livro, apenas com uma sobrancelha erguida a questionando sobre aquela barulheira toda.
- Professor, você por acaso teria um casaco para me emprestar? – pediu ela, sorrindo inocente, em um tom de voz bem mais baixo e educado – Aconteceu um acidente com o meu e eu não trouxe outro.
- No corredor no andar de cima há um quarto com apenas um guarda-roupa – respondeu Kirke, logo voltando sua atenção para o livro – Há vários casacos lá, minha querida. Pegue o que mais lhe agradar.
A garota rapidamente agradeceu, correndo para fora do escritório já que seu prazo era curto. Depois de tentar quase todas as portas do corredor, achou o tal quarto. Realmente a única mobilha do cômodo era um largo guarda-roupa, com imagens curiosas esculpidas na porta.
Ignorando a sensação estranha em seu peito, a garota apenas se adiantou para o móvel, suspirando alto ao abrir a porta e não conseguir ver nada do lado de dentro, graças aos inúmeros casacos ali guardados. Mesmo prendendo a respiração, o cheiro de roupa guardada há muito tempo começou a irritar seu nariz, então achou melhor entrar lá de uma vez e pegar o casaco mais discreto que achasse.
- ... – uma voz ao longe a chamou, o que a deixou assustada. A voz não parecia vir de suas costas, direção onde a porta do guarda-roupa estava, mas sim do fundo do móvel. Sem perceber, ela adentrou mais em meio os casacos e a voz foi se intensificando – ... Não me abandone...
Mesmo sem entender o que acontecia, se aquilo era algum tipo de brincadeira sem graça, ela continuou a adentrar mais no móvel, até trombar com o fundo o guarda-roupa com um barulho alto, e a única coisa que ela ouvia era sua respiração acelerada.
Ela conhecia aquela voz, mesmo com a parte mais sensata de sua mente lhe dizendo que aquilo era sua imaginação lhe pregando uma peça. Não importava o quanto ela tentara tirar aquele sonho de sua mente, ele sempre voltava. E ali ele parecia intensificado. Tão intensificado que, quando a voz voltou a chamá-la, ela não parecia mais ao longe.
Parecia ao seu lado.
No susto, tentou recuar, tropeçando no degrau no guarda-roupa ao sair e caindo de costas no chão. Ela continuou naquela posição por vários momentos, os olhos marejados sequer ousando desviar do guarda-roupa.
- ? – ela ouviu a voz de Pedro a chamar, o encontrando à porta quando se virou. Se ontem ele parecia assustado quando ela caiu da cadeira ao despertar, agora ele estava desesperado – Eu escutei um barulho. O que aconteceu?!
- E-eu... – começou ela, tentando achar alguma desculpa válida – Acho que eu vi um rato lá dentro.
- Mesmo? Um rato? – continuou o loiro, sem parecer se acalmar – Tem certeza? Não viu outra coisa?
- O que eu veria em um guarda-roupa velho, Pedro? – resmungou ela, se levantando e batendo as mãos na saia para tirar a poeira – Vai lá dentro e pegue um casaco para mim. Não vou entrar lá dentro de novo nem que me paguem.
estranhou quando ele não atendeu seu pedido de imediato, principalmente quando parou para estudar sua expressão. Pedro estava completamente petrificado no lugar, seus olhos temerosos não abandonando o móvel a sua frente, como se esperasse que algo acontecesse. Se não soasse completamente bizarro, parecia que ele estava com medo do guarda-roupa.
- Pedro – chamou-o ela, estalando os dedos à frente do rosto do garoto, que a olhou assustado – Casaco. Lá dentro. Pegue para mim.
Pedro assentiu sem jeito e caminhou até o móvel, respirando fundo antes de entrar. Quando saiu, com um casaco em mãos, ele parecia extremamente incomodado e isso não passou despercebido pelos olhos de .
- Fazia muito tempo que eu não entrava lá – foi o que ele respondeu quando foi questionado.
- No guarda-roupa? – estranhou a garota enquanto ele depositava o casaco em seus ombros – O que há de tão importante em entrar naquele guarda-roupa velho?
De repente, o garoto parecia imensamente magoado, como se ela tivesse dito algo cruel, mas não conseguia identificar o que dissera de errado.
- Se eu te contasse, você não acreditaria – disse ele, sorrindo travesso antes de deixar o quarto, esperando que ela o acompanhasse, o que não demorou muito.
- Tente! – disse ela risonha, começando a gritar com o garoto quando percebeu que ele não iria voltar – Pedro, me espera!

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acordou com um trovão ensurdecedor.
Abriu os olhos a tempo de ver seu quarto sendo iluminado mais uma vez por um relâmpago, um som mais baixo o seguindo, mas mesmo assim ainda alto. O barulho das gotas de chuva batendo com violência contra o vidro da janela a impediram de voltar a dormir, principalmente depois que ela ouviu os sons de passos pesados de alguém correndo no corredor, como se algo tivesse acontecido.
Mais desperta do que antes, chutou suas cobertas para longe e jogou as pernas para fora da cama, tendo que buscar seu casaco emprestado jogado em uma cadeira quando percebeu que não aguentaria aquela temperatura baixa demais por muito tempo. Assim que saiu de seu quarto, a primeira coisa que ela percebeu foi a porta aberta do quarto de Pedro, o encontrando vazio. Talvez os passos apressados que ouviram fossem dele.
O problema era que ela não ouvia mais nada além da chuva lá fora.
- P-pedro? – chamou ela incerta ao alcançar as escadas, se agarrando ao corrimão com um pouco de desespero – Professor Kirke? Dona Marta? Alguém?
Em meios aos trovões, ela voltou a ouvir passos ao longe, e o barulho de algo caindo no chão e se quebrando.
Tentando achar a origem do barulho, desceu as escadas rezando para não tropeçar e se perder na escuridão, mas se viu ainda mais assustada ao sentir água em seus pés quando estava quase nos últimos degraus. Com o clarão de um relâmpago, ela pode ver que aquele andar estava enchendo de água.
- ...? – uma voz se destacou em meio aos sons da tempestade – Filha...?
- Pai?! – berrou ela, ignorando o frio que já sentia e descendo o fim da escada, com a água chegando à altura de seus joelhos.
Gritando pelo pai, ela avançou no andar, até que o chão debaixo de seus pés sumiu e afundou, sentindo todo seu corpo gritar pelo contato com a água gelada. A luminosidade dos relâmpagos que a ajudou a se localizar no espaço, o teto da casa parecendo mais distante do que o tanto que ela imaginava ter afundado. Acostumada a estar em barcos desde pequena, era uma excelente nadadora, mas tinha algo errado: por mais que ela se esforçasse para alcançar a superfície, parecia que ela não saia do lugar, e seu fôlego já estava acabando.
Quando sua boca em desespero se abrira em busca de ar e só encontrara aquela água gelada, ela tentara dar mais um impulso para cima, e o mais estranho foi que ao mesmo tempo que ela finalmente pareceu subir alguma coisa, a água também pareceu diminuir.
Assim que atingiu a superfície, toda água que a envolvia desapareceu, embora a sensação de estar congelando permanecesse. deixou que seus pulmões reunissem todo o ar que queriam, o que resultou em um interminável acesso de tosse enquanto alguém alisava suas costas.
- Chame o rei! Agora! – gritou o dono da mão para alguém, que a puxou para mais perto. Ele diminui a altura da voz, passando a murmurar palavras calmas enquanto aos poucos a garota ia se acalmando – Vai ficar tudo bem, minha filha... Vai ficar tudo bem...

Capítulo 8


Quando criança, Caspian vez ou outra era repreendido por correr pelos corredores do castelo, principalmente quando esbarrava com alguém em seu trajeto. Agora como rei, ninguém ousaria o repreender, ainda mais na situação que se encontravam. Os mais pessimistas assumiam que o quadro da futura rainha talvez tivesse piorado de vez, e por alguns momentos até esperavam a pior notícia, mas logo suspiravam aliviados quando alguém lhes passava a boa e correta informação: tinha acordado.
O rapaz sequer estava muito longe do quarto quando fora comunicado, já que a agonia que sentia não permitia que ficasse muito afastado, mas de repente o percurso pareceu muito maior do que de costume, assim como as poucas pessoas entre ele e a cama da enferma parecia uma multidão quando entrou no quarto, impedindo de confirmar com os próprios olhos de que ela estava realmente bem. Mesmo assim, Caspian quase não acreditou quando seu olhar finalmente conseguiu focalizar a garota, seu rosto com aparência cansada e doente, mas finalmente desperta.
- ... – ofegou ele desesperado, quase chorando ao vê-la esboçar um sorriso fraco em sua direção, desabando ao seu lado, em abraço um tanto torto. Seus olhos se fecharam com ainda mais força quando ouviu ela murmurar um “oi, meu rei” – Você está bem...!
- Devagar, majestade. Ela está muito debilitada – pediu um dos médicos, uma mão no ombro do jovem rei – Ainda não sabemos dizer o que ela teve, majestade. É um mistério.
- O que importa é que ela está bem agora – disse o rapaz, sem muita convicção, o que apenas fez com que risse de leve, acariciando o rosto pálido do garoto com seus dedos que estavam demorando demais para voltar a temperatura habitual. O estado frágil da garota era visível, mas precisava se convencer de que tudo logo ficaria bem. Não podia deixar tudo de lado quando um reino dependia dele.
- Mas é importante saber o que causou isso para caso aconteça novamente, senhor – insistiu o médico – Não fazemos ideia do que aconteceu.
- Eu aprecio a preocupação comigo, mas... – optou por interferir, Caspian logo entendendo a que ponto ela pretendia chegar.
- Você precisa descansar, claro – ele próprio concluiu, se levantando brevemente do colchão apenas para se sentar com uma postura melhor em seguida, ambas as mãos da jovem entre as suas – Nunca mais me assuste desse jeito.
- Juro que não faço de propósito – tentara usar um tom brincalhão, mas um acesso de tosse interrompeu o seu momento, logo os médicos se mobilizando para socorrê-la, algo como três copos diferentes de água aparecendo ao seu redor. Como fora aconselhado, Caspian rapidamente se despediu da jovem, mas não antes de fazer diversas promessas que retornaria o mais rápido possível.
Praticamente o resto do dia seguiu naquele mesmo esquema: não ficava muito tempo acordada, o que causava alguns picos de muita movimentação em quem quer que fosse que estivesse no quarto quando ela recobrasse a consciência, obrigavam que ela comesse algo mesmo que não sentisse fome, e algumas perguntas ocasionais sobre o que poderia ser aquela tão misteriosa doença. já havia feito tanto um resumo de tudo que fizera antes de desmaiar que praticamente todo o castelo já estava perto de decorar o relato, mas tudo continuava apenas incógnitas. Talvez teria sido algo contraído na visita a Cair Paravel, dias atrás? Se sim, como apenas ela havia apresentado um quadro como aquele, quando havia dezenas de pessoas na região? Era uma situação bastante estranha, e Patrick apenas ficava mais intrigado e preocupado com o passar dos dias. Em nenhum momento ele abandonava o quarto da filha, deixando com Charles qualquer responsabilidade que ele pudesse ter a vir com o reino, e demorou mais do que ele se orgulhava para notar um comportamento estranho na jovem.
Já havia visto ficar doente mais vezes do que podia numerar, e nunca ele a vira tão quieta, até mesmo um pouco assustada.
não queria comentar com ninguém o que atormentava sua mente, mas a insistência crescente de seu pai não estava exatamente lhe dando muitas opções. Por mais que tentasse se concentrar em outra coisa – até mesmo alguns papeis sobre a equipe que ela estava organizando de topógrafos ela conseguira ter acesso, sob a desculpa que precisava ao menos tentar se ocupar com algo se não tinha permissão de deixar o quarto –, mas aquelas imagens continuavam a se reproduzir em sua mente, um lembrete nada discreto de ela não fazia ideia do que estava acontecendo, e isso apenas a amedrontava.
- Pai... Eu não sei o que está acontecendo – confessou ela, depois de muita insistência do pai para que disse o que a perturbava, aproveitando um dos poucos momentos em que ficavam sozinhos no quarto. Seu tom fraco e desesperado apenas fez com que o coração de Patrick se apertasse no peito, logo sentando-se ao lado da filha e a segurando em seus braços, tentando aliviar aquele sentimento ruim que o dominava naquele abraço firme.
- Tenho certeza que vão descobrir o que você teve, meu amor.
- Eu acho que eu sei... – sussurrou , depois da falha tentativa do pai de fazer com que se sentisse melhor. Mais do que tudo, ela queria assumir as palavras dele como verdade, mas no fundo ela sabia que estava longe da realidade – Acho que enlouqueci.
Patrick piscou algumas vezes e se afastou minimamente da filha, no intuito de fitar seu rosto. havia realmente dito aquelas palavras, e pior, realmente parecia acreditar naquilo.
- Enquanto estive apagada, eu tive um sonho – contou ela, com cuidado. Se sentia idiota por colocar aquilo em palavras, e a expressão de quem não estava acompanhando de seu pai não estava ajudando no quesito se manter calma. Se nem ele estava botando confiança no que ouvia, quem diria um dos médicos. – Só que não foi bem um sonho, e estou confusa.
- Temo não estar te entendendo, filha...
- Era uma memória, mas não parecia ser uma memória. Parecia... – parou quando seu pai solicitou, um pedido calmo para que ela respirasse mais devagar, aproveitando a pausa para tentar formular melhor a ideia confusa – Eu já sabia de algumas coisas que iriam acontecer, mas... Estava tudo bagunçado.
Patrick estudou rapidamente o rosto da filha, sem saber se estava mais preocupado por ela não estar mentindo do que se estivesse de fato.
- Que tipo de doença pode ter lhe causado alucinações? – murmurou o homem baixo, mais para si próprio do que qualquer coisa, mas não deixou de retrucar.
- E se não foram alucinações? – lembrou ela, a voz tão baixa que Patrick não teria ouvido se não continuasse a mantê-la próxima. Ele nunca gostara daquele tom de voz da garota, e antes que percebesse o que fazia, ele a abraçava com mais vontade – Pai, estou com medo.
Não demorou muito para que um dos médicos retornasse, acompanhado de uma das criadas do castelo com a refeição que ela pelo menos precisava experimentar. Se não se alimentasse, eles diziam, sua recuperação seria ainda mais lenta, mesmo que parecesse estar se saindo muito bem. Agora ela já passava a maior parte do dia acordada, não dormindo, e sua concentração aos poucos parecia estar voltando ao normal – pelo menos eles acreditavam nisso. O que estava melhorando de fato era sua memória: quando ela passava tempo demais encarando um pedaço de pergaminho, ela era capaz de dizer o assunto que se tratava ali não por estar lendo com atenção, mas por já saber praticamente de cor seu conteúdo antes de toda aquela confusão. Sempre que parecia concentrada em alguma tarefa, na verdade estava tentando juntar os pedaços de sua memória para entender melhor o que acontecera.
O problema é que lhe faltava estímulo.
A peça que faltava do quebra-cabeça foi algo tão simples e de considerável fácil acesso que ficou pelo menos uns cinco minutos encarando a porta fechada de seu quarto, praticamente não ouvindo os chamados de Datom, que fazia a guarda do lado de dentro do cômodo, assustado com a repentina mudança na postura da jovem. Eles até que estavam mantendo uma conversa agradável sobre as entrevistas realizadas dias antes enquanto ela analisava sem muito interesse alguns pergaminhos, quando simplesmente abandonara uma frase pela metade, seus olhos logo congelados na madeira das portas com um medo quase palpável.
Uma voz. Sequer palavras foram ditas, apenas uma risada forçada para que não parecesse mal-educada com quem quer que fosse seu interlocutor, mas que fora material o suficiente para se recordar de sua voz com perfeição.
Era aquela voz.
- Majestade, devo chamar alguém? – apenas notara o desespero do guarda quando ele se adiantou em sua direção, parecendo pronto para correr para fora do quarto e chamar ajuda, se necessário. Tudo que ela foi capaz de fazer foi erguer a mão para que o soldado parasse, permitindo que ela tivesse mais algum tempo para compreender o que acabara de desvendar.
- Datom, preciso que seja honesto comigo – pediu ela depois de um tempo, todo aquele medo em seus olhos sendo substituído por uma determinação que o rapaz nunca chegara a presenciar, mas que não se cansava de ouvir as histórias sobre – A quem pertence a sua lealdade?
- A você, minha rainha – respondeu ele sem pensar duas vezes, quase rindo quando soltou um “não sou sua rainha” – Você é a mais tempo do que imagina, milady. O que quer que esteja planejando, ficarei mais do que feliz em ajudar.
assentiu em agradecimento, gastando mais alguns segundos para decidir quais seriam seus próximos passos. Sabia que era uma escolha arriscada e ela podia estar imensamente equivocada, mas não voltaria atrás. Olhando rapidamente para a janela aberta do quarto, ela notou que já começava a escurecer, então todos deveriam estar se preparando para o jantar. Jogando os pés para fora da cama para o que seria sua primeira caminhada em dias, a jovem foi explicando o plano para Datom, que ouvia tudo com atenção, mesmo que vez ou outra não conseguisse se controlar e acabava por a interromper, mesmo que sem alguma colocação importante, apenas para expressar sua indignação.
Se estivesse errada, eles enfrentariam duras repreensões por seus atos, mas se ela estivesse certa...

Capítulo 9


O jantar seguia como de costume, o ar mais animado voltando aos poucos agora que a preocupação em relação à saúde da futura rainha não atormentava mais a todos com a mesma intensidade. Algumas poucas pessoas pareciam estar mais tensas, e isso não passava despercebido pelos olhos atentos de Caspian. Darfar, e principalmente sua filha, aparentava sempre estar preocupado, quase beirando angústia. Algo em seu interior dizia que precisava investigar mais aquilo, só não esperava que fosse ser, na verdade, espectador naquela noite.
Um silêncio curioso se estendeu em um momento durante a refeição, o jovem rei tendo que girar em sua cadeira para compreender o que acontecia ao avistar sua noiva passando pelas portas recém-abertas, acompanhada por dois soldados do castelo, que faziam sua guarda. Algumas pessoas à mesa até tiveram o instinto de cumprimentar a moça, mas sua expressão fechada não estava muito convidativa. O próprio Caspian estava um pouco receoso.
- Peço desculpas, não queria interromper a refeição de vocês – disse depois do que pareceu uma eternidade em silêncio. Nem quando se forçara em um campo de batalha ela se sentira tão nervosa, a palma de sua mão suando contra o apoio da espada que voltara a habitar sua cintura depois de tantos dias. Se ela estivesse errada, nunca voltaria a ter crédito naquele reino, só que também temia estar certa. Ela definitivamente tinha mais medo da crueldade dos outros – Mas temo que vocês terão que fazer uma pausa um tanto longa.
- Não veio de juntar a nós, milady? – perguntou um lorde à mesa, que buscou alguma explicação em Caspian quando a jovem apenas negou com a cabeça. Ele conhecia bem demais como era um homem prestes a entrar em combate, e, por algum motivo, estava se portando da mesma forma. Quando notou a arma presa à cintura da garota, assim como a postura já defensiva dos guardas que a acompanhavam, o homem se colocou de pé, exigindo explicações.
- Na verdade, eu vim atrás da mesma coisa – respondeu ela, se virando para a mulher mais jovem à mesa, que não tirava os olhos amedrontados de sua direção – Algo de errado, Lady Pollua?
- V-você deveria estar descansando – disse ela por sua vez, tão baixo que poucas pessoas conseguiram de fato a ouvir, apenas entendendo suas palavras graças sua concentração no que ela diria. No fundo, talvez seu nervosismo se comparasse ao dela, seus medos semelhantes mesmo estando em lados opostos.
- Já me sinto bem melhor... Por que não está comendo? – respondeu ela, unindo as sobrancelhas ao descer o olhar para o prato de Pollua, que apenas disse não estar muito disposta depois de engolir em seco.
- Talvez deva ir para a área medica – sugeriu Datom, se adiantando mais um passo para perto da futura rainha, em nenhum momento sua mão abandonando o cabo de sua espada – Creio que Lady não vai se importar se eu te acompanhar.
- Excelente ideia!
- Talvez seja melhor você retornar a seu quarto – Darfar se intrometeu na conversa, nada satisfeito com o sorriso enigmático da garota. Ela planejava algo, isso era certeza. Precisava agir de alguma forma – E seria muito gentil de sua parte não perambular pelo castelo armada. Em seu estado, não deveria estar portando sua espada.
- Talvez eu não me sinta segura no castelo para andar desarmada – disse ela, sua voz adotando um tom muito mais calmo e amigável, que não combinava em nada com seu olhar frio e determinado – Especialmente com você e sua filha nas proximidades.
As reações foram das mais diversas, mas nenhuma fora exatamente controlada. Praticamente toda a mesa imediatamente se colocou de pé, ou ao menos se virou para a jovem. A maior parte exigia explicações de tamanha acusação aos gritos a ela, enquanto uma parte menor assistia Darfar e a filha tentar escapar despercebidos do salão. Os soldados que acompanhavam estava a postos para não permitir que os dois fugissem, mas a própria jovem estava mais atenta.
- , o que você pensa que está fazendo? – questionou Patrick, seu tom sério distraindo momentaneamente a filha, que quase não conseguiu segurar Pollua quando ela tentou passar correndo ao seu lado. Facilitaria muito sua vida explicar a situação ao pai, que não hesitaria em sair em sua defensa, mas a proximidade da garota fez com que ela esquecesse as prioridades.
- Dessa vez você não vai fugir – sussurrou , a voz áspera fazendo com que a garota se encolhesse, ainda mais quando sentiu o metal frio da lâmina da espada da heroína de guerra contra seu pescoço – Diga onde está o livro!
- A garota perdeu a cabeça! Alguém a segura!
Darfar não parecia disposto a sair em proteção da filha, mas mesmo assim Datom se colocou entre os dois, ciente de que deveria em um primeiro momento separar as duas, já que não estava exatamente seguindo o plano que compartilhara mais cedo e aquilo podia trazer complicações para ambos. Talvez ela tivesse realmente perdido a cabeça.
- Onde está?! – exigiu , a voz o mais baixo que conseguia, mas não o suficiente para que algumas pessoas próximas não ouvissem – Isso é entre você e eu agora. A única coisa entre essa lâmina e o interior da sua garganta é um pouco de pele e a porcaria da resposta.
- Lady ...! – Datom estava prestes a interferir e explicar toda a situação ao rei, visto que aquilo havia saído do controle. Teria feito exatamente aquilo se Pollua não tivesse surpreendido tanto a ele como , seu choro engasgado dificultando a tarefa de compreender suas palavras, mas não impossibilitando.
- No meu quarto – contou ela entre soluços, suas mãos trêmulas tentando afastar a arma de seu pescoço – Debaixo da cama!
- Milady – Datom a chamou, a repreensão clara em sua voz. Com um simples gesto, ele pediu pela espada da garota, que hesitou um pouco antes de recuar um passo e entregar a arma, mesmo sem sua bainha. Caspian logo se colocou do outro lado da garota, o aperto de suas mãos sobre os ombros protegidos por poucas camadas de tecido ajudando a fazer com que ela aos poucos voltasse a si – Eu vou atrás do livro, Emm vem comigo. O restante fica com o rei e lady .
Um burburinho se iniciou assim que a dupla de guardas deixara o salão, comentários confusos que nunca se direcionavam à garota, mesmo ela sendo o assunto e os olhos nunca deixando sua figura. Sua família logo a cercava, em uma abordagem muito mais respeitosa do que os outros, mas conservando a urgência por respostas.
- , se explique – exigiu seu pai, seu olhar hesitando entre os três homens antes de responder.
- Eu nunca estive doente. Era um feitiço, um feitiço que ela lançou – contou ela, Pollua fazendo de tudo para ignorar os olhares estupefatos que ganhava. Seu pai, por outro lado, estava levemente esquecido próximo à mesa, parecendo tentado a aproveitar a falta de atenção que recebia para deixar o salão sem ser percebido, não contando com o olhar atento de acompanhando todos seus movimentos. Inconscientemente, sua mão dominante seguiu para sua cintura em busca do cabo de sua espada, praguejando mentalmente ao se lembrar que o guarda havia a recolhido – Onde pensa que vai, Darfar?
- Que autoridade você acha que tem p...?
- Ela pode não ter, mas eu tenho – Caspian não permitiu que ele terminasse a frase audaciosa – Você não vai a lugar nenhum até que tudo seja explicado. Sente-se. Você também, Pollua.
O jovem rei chegou a oferecer sua cadeira para , algo que ela recusou sem pensar duas vezes. Se mal conseguia controlar o nervosismo que corria por suas veias estando em pé, não queria sequer imaginar o que aconteceria se se sentasse. A cada segundo que Datom demorava para retornar, mais forte seu coração batia contra suas costelas, sua mente a traindo, dizendo que talvez não houvesse livro nenhum e ela realmente tinha perdido a sanidade. Aquele definitivamente era o pior cenário possível.
Depois do que pareceu uma eternidade, Datom e Emm retornaram, o primeiro com um livro grosso de capa deteriorada embaixo do braço. Alguns narnianos foram chamados para tentar fazer algum tipo de reconhecimento, já que feitiçaria não era algo que telmarinos conheciam. Cornelius, que fora responsável pela educação do jovem rei e tinha descendência narniana, não teve dificuldades em classificar o livro como da Era de Ouro, provavelmente confeccionado por seguidores da Feiticeira Branca. Depois de ter permissão para fazer a busca necessária Datom ocupou um lugar qualquer na mesa, e passou a folhear as páginas, à procura de algo que colocasse um ponto final naquela história.
- Lembra como era, milday?
- Algo com ir embora, e mar... – contou , a incerteza clara em sua voz e rosto. A memória era confusa e conturbada, mas algumas palavras eram constantes em seus pensamentos, tinha que significar algo.
- “Pessoas são livres para ir e vir...”
- Não leia em voz alta! – grunhiu a garota exasperada, se desculpando em seguida ao notar que que ele se assustara, indo logo para seu lado checar as tais palavras perigosas demais para serem pronunciadas. Mesmo no material antigo, as letras bem desenhadas se destacavam, um frio ruim se espalhando pelo corpo de ao reconhecer os versos – É esse. Lembro perfeitamente agora.
- Um feitiço? - a pergunta se repetiu várias vezes pelo salão, um silêncio se estendendo quando a autoridade máxima do reino se pronunciou.
Nos últimos anos, eles já haviam presenciado Caspian em situações delicadas, onde um controle emocional era requisito básico, mas nunca tiveram tanto ódio em seus olhos. Um atentado direto contra a futura realeza, vindo de dentro do castelo. Ele sequer sabia como proceder nesse cenário, e com certeza os desejos que passavam por sua mente apenas trariam mais instabilidade para seu governo.
Cientes ou não do que se passava em sua cabeça, todos esperavam o pronunciamento do rei, olhos apreensivos e inquietos passando pelo ambiente à procura de algum indício do que seria decidido
- Acredito que seja o adequado que Lady decida seu destino – disse ele por fim, buscando algum sinal de aprovação da garota ao seu lado, que apenas negou com a cabeça.
- Você decide, meu rei – diante de tal decisão, Caspian aconselhou que ela retornasse para seus aposentos, já que sua aparência não era das melhores e ela parecia ter regredido alguns dias, voltando a parecer mais fraca. Datom não foi sua companhia, já que o rei pediu sua presença por ter estado ao lado da futura rainha durante todo aquele desenrolar, assim, Emm ficou encarregado de fazer sua guarda, e ela agradeceu. Talvez ainda tivesse um pouco cedo para andar sozinha pelo castelo, mesmo com as ameaças identificadas e detidas. estava ciente que demoraria um pouco para que recobrasse sua confiança, e seu pai e irmão terem ficado no salão para acompanhar o desfecho da história a deixou um pouco desconfortável, já que uma companhia familiar e mais próxima viria muito a calhar.
Emm estava a sua espera, próximo a uma das saídas do salão, estranhando quando a garota iniciou uma rota diferente. O jovem parou de respirar por dois segundos ao entender que ela seguia em direção de Pollua, temendo mesmo não estando armada. Parando atrás da cadeira em que a garota se encontrava, apoiou ambas as mãos no encosto estofado, curvando seu corpo minimamente sobre o dela.
- Se você quer conquistar o coração de alguém, você não deve mostrar que a concorrência é pior que você, mas sim que você é melhor que a concorrência – sussurrou ela, a delicadeza de seu tom de voz não presente em suas palavras – Aprenda sua lição. Não haverá segunda chance, especialmente comigo.
quase sorriu satisfeita ao notar que a garota se encolhera consideravelmente em seu lugar, depois disso se deixando ser guiada para fora do salão, se sentindo até um pouco mais leve. Suas suspeitas foram mais do que confirmadas, e o destino de pai e filha não lhe dizia respeito. Agora ela só precisava se acalmar.

Capítulo 10


Era um daqueles dias em que tudo corria na mais perfeita harmonia, onde nada parecia dar errado: toda a mudança estava completa, o castelo de Cair Paravel mais uma vez era o centro de Nárnia, música ecoava por todos os corredores, comemorando não apenas a volta para onde o reino era comandado séculos atrás, mas também pela coroação da nova rainha.
Narnianos se tumultuavam no salão e corredores próximos para acompanhar a cerimônia, assim como em frente à sacada onde rei e rainha fariam sua primeira aparição. Caspian ainda sentia certa tensão em devido os últimos acontecimentos, e ela definitivamente tinha se tornado muito melhor em disfarçar aquilo, mesmo com ele ainda sendo capaz de dizer que algo a incomodava. Fora por desejo seu que nenhum compromisso foi adiado. sozinha optara por aquilo, acreditando que era melhor seguir como se nada tivesse acontecido. Seu pai e irmão pediram pelo contrário, mas ela não deu ouvidos. Era melhor daquela forma.
Apenas a família tinha aquela preocupação, ninguém mais via outra coisa na rainha do que seu sorriso contente e contagiante. No fundo, não estava fingindo. Ela estava feliz, radiante. Mesmo com tudo que acontecera, não se arrependia de suas escolhas, de ser agora o braço direito do rapaz que amava. Havia muitas coisas que ela teria que melhorar, com certeza, mas estava disposta a dar o seu melhor. Mesmo com as recentes descobertas de oposição, era um reino inteiro acreditando em sua capacidade, tinha que significar algo.
Em algum momento da festa, se distanciou de todos, apenas determinando um destino quando viu uma cauda familiar sumir depois de dobrar em um dos corredores.
- Pelo que me falaram, você não costuma ficar tanto por aqui – comentou ela, assim que chegou em um amplo quarto do castelo, Aslan parado à sacada, assistindo o sol aos poucos se aproximar mais da linha do horizonte. O leão transmitia tanta calma que se viu respirando com muito mais facilidade ao parar ao seu lado.
- Não posso partir quando uma rainha está angustiada – foi o que ela obteve de resposta, o leão se virando em sua direção depois de respirar fundo e soltar o ar lentamente – O que atormenta seu coração, majestade?
sabia que Aslan estaria presente naquele dia, e já planejara aquela conversa diversas vezes em sua mente. Só que agora, diante dele, era difícil controlar a hesitação. Seu maior medo era parecer ingrata, mas ao mesmo tempo parecia muito pior não tocar naquele assunto. Ficar ainda mais tempo com aquele tópico atormentando seus pensamentos parecia uma péssima ideia.
- Você permitiu que eu ficasse aqui.
Aslan sorriu quando ela finalmente iniciou o assunto, a forma ansiosa que seu corpo se comportava, principalmente depois que as palavras deixaram seus lábios. Fazia pouco tempo desde a última vez que se encontraram, e mesmo assim ela tinha crescido tanto que, se já não esperasse todo aquele desenvolvimento, dificilmente seria capaz de reconhecê-la.
- Me recordo disso – assentiu o leão, o sorriso de quem já sabia o que ia acontecer sem nunca deixar seu rosto. por sua vez não parecia tão confortável.
- Mas eu ainda sou digna desse lugar? – questionou ela, o peso de finalmente verbalizar aquilo parecendo criar vida própria e parar ao seu lado, a julgando sem discriminação – Eu assumi que isso tudo era um sonho com tanta facilidade.
- Tem certeza disso? – Aslan devolveu a pergunta, o nervosismo explícito nos olhos inquietos da garota – No fundo você sabia da verdade.
- Mas eu duvidei desse sentimento – insistiu ela.
- Você foi exposta a magia muito poderosa – lembrou o leão, sua voz lenta e grave aos poucos fazendo com que desacelerasse um pouco. Ele estava certo. Certo? – Não há mal nenhum em ter questionamentos, contanto que você saiba onde seu coração pertence.
Suas palavras pareceram ter certo efeito na jovem rainha, que não economizou tempo em absorver sua mensagem. Aslan tinha fé que ela encontraria seu caminho mais uma vez, que não seria desapontado, mas mesmo assim acabou por insistir um pouco mais, confirmar que tinha feito a escolha certa desde o começo.
- Você gostaria? – perguntou ele de repente, sua seriedade se mantendo mesmo quando a jovem fez uma careta confusa, sem saber a que ele se referia – Que eu refizesse a oferta? De voltar para seu mundo natal?
A pergunta a pegou de surpresa, e não fazia sentido tentar disfarçar, já que nenhum detalhe passaria batido pelos olhos atentos do leão. Por todos aqueles dias, todas as noites mal dormidas, em nenhum momento aquela possibilidade lhe ocorrera, de voltar a seu mundo natal. Era aquilo que Aslan queria? esperava ali talvez um julgamento, ter a confirmação de ser ou não digna daquele novo mundo, mas não esperava que a oferta de retorno seria mais uma vez lhe oferecida. Ela estava ali em busca de formas de melhorar, não saídas de emergência.
- Não, eu sou uma narniana agora – respondeu ela, uma firmeza e determinação em sua voz que chegou a surpreender a própria garota, aquele tom em sua fala parecendo tão pouco recorrente nos últimos tempos – Não importa de onde vim, o que importa é onde vou ficar.
Os olhos do leão chegaram a brilhar com mais intensidade diante sua satisfação daquela resposta. Ali estava sua Rainha Ousada, a jovem com sua determinação inabalável.
- Fico feliz em saber disso – confessou ele, algo em sua voz anunciando que tinha alguma revelação a fazer, algo que não notou, caso contrário teria ficado menos surpresa – Principalmente porque nunca realmente sua volta para seu mundo foi possível.
Aslan chegou a rir da expressão completamente confusa da jovem, que demorou bem mais do que se orgulhava para conseguir pedir mais explicações.
- Se você optasse por retornar, acabaria perdida no meio do oceano, sem socorro.
- Eu teria morrido – deduziu ela, algo em seu peito se apertando quando viu o leão assentir – Você permitiria?
- Tinha esperanças de que você tomaria a decisão certa, e você nunca me decepcionou, majestade – agora sim, Aslan conseguiu notar o poder de suas palavras na jovem, a forma como sua postura foi mudando ao ouvir exatamente o que precisava ouvir – Gostaria de que se lembrasse disso quando for necessário: eu confio no seu julgamento.
Não demorou muito para que eles se despedissem, e, para a surpresa de Aslan, a garota não pareceu abalada quando disse que não sabia voltariam a se encontrar. disse que não tinha problema, se fossem se encontrar novamente, ela ficaria mais do que feliz, mas, caso contrário, agora ela sabia exatamente o que precisava fazer.
Não foi difícil avistar Caspian assim que retornou para o salão onde a maior parte das pessoas estavam concentradas, já que ele também procurava por ela. O fato de que todos abriam caminho e se curvavam quando a jovem rainha se aproximava também facilitava bastante para o rapaz avistá-la.
- Sua coroa está torta – comentou Caspian antes de ajeitar a tiara que continuava a escorregar pelo cabelo da garota. O sorriso nunca deixava seu rosto, e, ao notar como parecia bem mais leve e confiante, ele apenas pode sorrir ainda mais – Muito pesada?
- Na verdade, não – respondeu ela, tomando as mãos dele nas suas para que voltasse a dançar. As pessoas ao redor diminuíam o ritmo de seus próprios passos quando eles começavam a dançar pelo salão, seus olhares contentes acompanhando o jovem casal que conversavam baixo e riam alto vez ou outra, parecendo que em momentos se esqueciam que não estava sozinhos.
Todos sabiam que estavam diante de um casamento duradouro.
Claro que não era incomum alguém presenciar suas discussões sobre opiniões diferentes pelo castelo, mas sempre concordavam com a palavra do outro quando era necessário, e, apesar de bastante jovens, sabiam muito bem reconhecer quando estavam errados e se desculpar – mesmo que às vezes esse processo levasse mais tempo do que o aconselhável.
Pouco tempo depois, juntos eles construíram o Peregrino da Alvorada, embarcação onde foi revelada a ligação mais antiga da rainha com aquele mundo, já que o Grande Rei Pedro para ela não passava de um dos alunos de seu pai que ela tinha como função auxiliar em seus estudos. Rei Edmundo revelar que eles e seus irmãos a chamavam de rainha desde aquela época causou um sentimento estranho no peito de Caspian, algo que aprendera a lidar com o tempo.
Anos mais tarde, a rainha fora morta. Seu único filho, Rilian, desaparecera logo em seguida, quando saiu em busca de vingança contra a serpente que matara sua mãe, apenas para descobrir que se tratava de uma bruxa. A dor da dupla ausência se estendeu pelo reino por anos, assim como coração do rei.
Mas não tinha problemas. Eles se encontrariam novamente.

Fim.



Nota da autora: Tô me sentindo de novo no meio de 2012 sem saber como viver depois de finalizar A Caverna. Pensei que ia me sentir menos perdida do que da última vez, mas não tá rolando. A diferença é que dessa vez não vou prometer continuação porque né, aprendi com o último erro, risus. Pelo visto adaptar livro não é minha praia, e o filme de O Peregrino da Alvorada não ficou lá essas coisas, então melhor deixar quieto. Não foi a continuação que eu planejei, mas gostei de como ficou O Trono mais do que eu tinha pensando pra PdA. Teve seus momentos fofinhos da Ousada e Caspian, e ainda pegou um pouco da transição dela pra Rainha, então acho que todo mundo saiu ganhando, né? Açskdlçaskd
O grupo no Facebook eu vou deixar aberto por motivos de: adoro ele porque melhores pessoas, tem o lançamento de A Cadeira de Prata logo mais e muito bom ter um lugarzinho pra surtar, e, mesmo não tendo mais histórias da Ousada e do Navegador, quem sabe não aparece mais fics de Nárnia mais pra frente, não é mesmo? Eu sou doida e adoro voltar pra terra de Aslan, então...

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