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Última atualização: 23/01/2023

Capítulo Único

Nota: cada trecho da música significa uma passagem de tempo incerta.



And you throw your head back laughing
Like a little kid
I think it's strange that you think I'm funny
'Cause he never did...


Férias.
Era disso que estava precisando nos últimos meses: passar um tempo bem longe de sua cidade natal. Aproveitar os dias em um outro país, ter a chance de conhecer uma outra cultura e, o principal, conhecer novas pessoas.
Ainda mais depois de terminar uma relação de nove anos às vésperas do casamento. Isso era motivo mais do que especial para espairecer.
Viver em uma cidade pequena era pior do que melhor: sempre as mesmas pessoas, sempre os mesmos casos e todos se conheciam.
Por isso, quando André anunciou, a dois dias da cerimônia linda que ela vinha organizando na praia, que não queria mais se casar, foi difícil esconder da cidade.
A desgraça dela, como ela mesmo chamava a situação, era fato conhecido de todos os membros da pequena cidade em que ela morava. Eram olhares piedosos em sua direção quando ela caminhava pela rua, eram perguntas constrangedoras sobre o motivo pelo qual André havia a deixado e mais uma série de pessoas sem noção.
Porém, ela não podia correr. Não tinha para onde correr. Seu trabalho continuava sendo na cidade e sua vida estava ali, não havia para onde ela fugir. E não teve nada para fazer, senão continuar vivendo a sua vida normalmente como se os últimos nove anos não tivessem acontecido.
Gostaria de poder dizer que havia passado os últimos nove anos em cima e havia acordado sem se lembrar de nada, especialmente no que dizia respeito ao casamento.
Por isso que suas férias tinham suma importância em sua vida. Havia pegado todo o dinheiro das coisas que tinha vendido da casa que iria morar com o ex-noivo e pagou uma viagem de um mês e meio para a França.
Havia escolhido como destino um pequeno hotel em Paris. Não era dos mais luxuosos, nem tinha a vista para a Torre Eiffel, mas, ainda sim, pelas fotos parecia ser aconchegante e possuía uma vibe muito rústica como ela gostava.
Claro que aquela não seria sua única parada. Ela havia passado semanas pesquisando na internet e o seu roteiro incluía as cidades de Giverny, onde ficavam os jardins de Monet; Provins, que ainda possui uma série de construções medievais; Auvers-sur-Oise que possui pontos turísticos relacionados a Van Gogh; e Rouen, a cidade onde Joana D’Arc foi queimada viva pela inquisição.
Todas as suas escolhas refletem algo que ela tanto gostava: história. Fosse medieval, mitologia ou qualquer tipo, ela adorava visitar o passado dos lugares para aprender mais sobre eles. Adquirir conhecimento é o seu sobrenome.
encarou seu reflexo no espelho localizado no banheiro do hotel. Embora não desse para ver toda a sua figura, conseguia ver a blusa branca que havia escolhido, a calça preta e o sobretudo nude que havia jogado por cima para compor o look escolhido, já que o mês frio começava em Paris naquela época — no entanto, ainda era possível caminhar pelas ruas sem correr o risco de congelar a qualquer momento. Nos pés, havia optado por tênis brancos, já que pretendia caminhar bastante pela cidade.
Pegou o celular e uma pequena bolsa que gostava de carregar neste tipo de passeio – apenas para levar seus documentos porque ela era terminantemente contra deixar os documentos dentro do hotel — e deixou o quarto.
Caminhar por Paris era revigorante. A ruiva tentava focar apenas nas partes boas, como as belas estruturas das casas e das lojas, na bela forma que o francês soava nas vozes dos nativos — embora ela não entendesse muito sobre o idioma, mesmo após alguns bons meses de curso — e não nas coisas que acabavam com todo o encantamento como o tráfego conturbado da Champ Elysée ou o número alto de pessoas caminhando de forma apressada pelas calçadas.
Mais cedo, havia pesquisado no Google indicações de bons lugares para tomar um café na cidade. Era quase três da tarde e aquele horário era comum para ela se sentar em sua casa no Brasil para apreciar um bom café enquanto se preparava para o restante do dia que havia pela frente.
Na verdade, qualquer horário era um bom horário para um café.
Assim que conseguiu ver os vidros e o letreiro do Café du Trocadéro, um sorriso surgiu em seu rosto. O local era lindo e, para a sua sorte, não estava tão cheio, o que lhe fez conseguir uma mesa perto do vidro, o que significava que ela iria tomar o seu café da tarde encarando a Torre Eiffel tão próxima.
Naquele momento, tudo que ela queria era que seus olhos pudessem registrar cada detalhe daquele local. Desde a decoração clean até cada movimentação das pessoas que estavam ali — a maioria parecendo muito bem ambientada com o local.
Seus olhos pararam sobre um rapaz, a algumas mesas de distância, que lia um livro. Os olhos estavam completamente vidrados na leitura enquanto sua mão direita estava envolta na xícara branca em cima de sua mesa. Parecia que ele tinha tentado buscar a xícara, mas estava lendo algo tão interessante que, simplesmente, travou no meio do caminho.
A terapeuta sorriu leve com a cena.
Se perguntou qual seria o livro que ele estava lendo. Qual seria o tema que faria o homem ficar tão absorto na leitura ao ponto de nem mesmo conseguir beber o que havia dentro da xícara ou ao ponto de nenhum ruído atrapalhá-lo.
Assistiu o momento em que ele respirou fundo, retirando a atenção do livro para, finalmente, levar a xícara até a boca. aproveitou esse momento para conseguir observá-lo de maneira plena: a pele branca contrastava perfeitamente com os cabelos negros e o rosto perfeitamente desenhado.
Parecendo perceber que estava sendo observado, o homem correu os olhos pelo local até se encontrar com as írises da ruiva o encarando. Por alguns instantes, os olhares dos dois se encontraram e ele elevou um pouco a xícara que segurava, em um cumprimento silencioso combinado com um sorriso nos lábios, que fez a mulher sorrir fraco ao perceber que havia sido pega no flagra estudando cada detalhe do desconhecido.
Após alguns segundos, os dois retornaram para suas atividades, esquecendo um do outro. Ele retornou para seu livro enquanto ela retornou sua atenção para as coisas que aconteciam do lado de fora do café.
Ela gostava de assistir as pessoas, especialmente as desconhecidas. Era magnífico ver um rosto e imaginar o que se passava na cabeça da pessoa ou até mesmo criar histórias para o que ela podia ver. Fazia sua própria narrativa da vida de uma pessoa que ela havia acabado de ver por uma fração de segundos e, provavelmente, nunca mais veria novamente.
Assim, cruzou os braços e voltou a encarar o desconhecido leitor. Permitiu a sua mente viajar para tentar decifrar o rapaz a alguns metros de distância, não só pensar em uma narrativa de vida para ele, mas também definir a sua personalidade. Gostaria de estar mais próxima para poder saber qual era o livro que ele lia, aquilo ajudaria muito em sua definição, mas decidiu seguir a sua intuição a partir do que estava bem diante de seus olhos.
Pelo cumprimento, ela achava que ele era comunicativo, embora parecesse ser tímido. Talvez só conversasse mesmo com as pessoas que ele conhecia ou gostasse de cumprimentar estranhos que o encarava por muito tempo. Parecia também ser uma pessoa calma, do tipo que demora para se estressar.
Pela fisionomia, era um cara padrão. Embora não tivesse o corpo malhado como os homens padrões do Brasil, poderia ser considerado um padrão para o modelo europeu. Porém, nada disso afetava a sua beleza que se misturava à sua timidez aparente. Parecia ser um charme em especial.
Pelas roupas, uma camisa azul marinho, calças de lavagem escura e um sobretudo preto, parecia, assim como ela, não estar no horário de trabalho. Parecia que ele havia ido ao café de maneira casual apenas para aproveitar a tarde e para ter um lugar para ler o seu livro.
Sua narrativa de vida era incerta. Talvez ele fosse um homem cult como ela sempre sonhou em ter ao seu lado, afinal, tudo se encaixava no que ela tinha em sua mente como um homem dos sonhos, especialmente a parte da leitura.
Era, definitivamente, um crush em potencial.
Lale sorriu consigo mesma, antes de pedir a conta. Ainda tinha passeios para fazer e, apesar de estar gostando de estudar o desconhecido, não poderia trocar desbravar um pouco mais de Paris por ficar ali encarando alguém que talvez nem mesmo a notasse.
Após pagar a conta, pegou seus pertences e se dirigiu à saída do café, mas não sem antes encarar o desconhecido mais uma vez. E, assim como da primeira vez, os olhares se cruzaram e sorrisos foram trocados.
Parecia uma despedida, talvez?
Ela não sabia dizer.

And I've been spending the last eight months
Thinking all love ever does
Is break and burn and end
But on a Wednesday, in a cafe...



Ele não estaria mentindo se dissesse que retornou ao café outras três vezes naquela mesma semana. Sempre com um livro em mãos, pedia para se sentar à mesma mesa e, caso essa estivesse ocupada, ele esperava no balcão para que pudesse se sentar lá.
Em meio à sua leitura, que já não era mais tão concentrada quanto da primeira vez, ele se pegava rondando o Café du Trocadéro a procura da mulher desconhecida de cabelos vermelhos.
Era bobo de sua parte pensar que poderia encontrá-la novamente no local. Se fizesse as contas, a probabilidade de isso acontecer seria quase igual a zero, mas ele ainda preferia acreditar no destino ou em quem fosse o responsável por fazer aqueles encontros casuais acontecer.
As três vezes na semana, encontrou pessoas diferentes na mesa perto do vidro. Nenhuma delas tinha o cabelo vermelho ou o encararam de uma forma tão intensa quanto ela.
Então, ele retornou de novo na outra semana.
E na outra.
Sempre no mesmo horário.
Às vezes, chegava mais cedo, acreditando que ela poderia estar indo ao café em outro horário.
Já estava sem expectativas. Passou a acreditar que o destino não mais estava ao seu lado — ou talvez, nunca tivesse estado de verdade — e que seria apenas aquele encontro.
De longe.
Sem contato.
Um mero sorriso e um aceno.
— O mesmo de sempre, senhor? — O atendente já até havia se acostumado com a presença dele no local.
— Sim, por favor — sorriu, agradecido, e deixou uma nota em cima do balcão para pagar o seu pedido desde já. — Eu vou esperar à mesa.
Ele seguiu o seu ritual: se sentou à sua mesa, abriu seu livro e esperou. Esperou seu café e quis saber se a mulher entraria no local naquele dia.
O rapaz se perdeu na leitura. A forma que a história era conduzida era perfeita e a cada momento o fazia se sentir como parte da história, almejando saber mais do que acontecia ali.
O atendente se aproximou da mesa, sorrindo fraco ao perceber que havia interrompido a leitura dele, mas deixou a xícara sobre a mesa. Agradecido, ele sorriu e deixou seu olhar rodar pelo espaço.
Encontrou a figura ruiva parada a alguns metros de distância. A mulher estava com os olhos vidrados em um livro também e, logo, um atendente levou o pedido dela à mesa.
Como um imã, os olhos foram de encontro aos dele. Ela sorriu em sua direção, acenando com a mão esquerda e dando um sorriso fraco em sua direção antes de tomar coragem.
Ele estava a tanto tempo esperando aquele momento que não iria desperdiçá-lo. Iria deixar a sua timidez de lado, porque o destino, aparentemente, havia lhe dado uma nova chance.
arregalou os olhos ao perceber o homem parado próximo à sua mesa, segurando sua xícara em uma mão e o livro em outra. Um sorriso leve nos lábios que mostravam o pequeno espaço entre seus dois dentes da frente — fofo.
— Isso vai parecer estranho... — ele riu fraco. — Mas eu posso fazer companhia a você?
A pergunta veio em francês. Embora não conhecesse tão bem o idioma, a brasileira conseguiu entender e responder a pergunta, em meio à sua surpresa.
— Claro — sorriu, apontando para a cadeira vazia em sua frente. — Pode se sentar.
O homem se sentou, colocando sua xícara sobre a mesa e o livro junto. resolveu matar a curiosidade que a dominava desde o primeiro dia: saber qual era o livro que o homem lia com tanta concentração.
Xamã? — Ela teve que conter a vontade de gritar de alegria.
Não era possível encontrar alguém que partilhava do mesmo amor que ela por aquela história.
— Me indicaram há algumas semanas — ele sorriu.
— Desculpe — ela pediu em meio a uma risada. — O meu francês é péssimo. Provável que eu não vá entender dez por cento do que você fala.
— Ahn, tudo bem — ele sorriu, falando essa vez em inglês e ela suspirou, aliviada. — Eu estava dizendo que me indicaram esse livro há algumas semanas. Um conhecido me indicou e eu comecei a ler em uma viagem... Não consegui mais parar.
— Realmente, a leitura desse livro é completamente fascinante — a ruiva sorriu. — Eu gosto mais do primeiro, para falar a verdade, porém, apesar de esse não o superar, continua sendo bom também.
— Eu também gostei mais do primeiro — ele riu. — Acho que foi mais por toda a antecipação por ser o primeiro livro e, claro, por ter deixado as minhas expectativas lá no alto quanto aos outros... Mas acho que, no final, esse será o meu favorito. Até eu ler o próximo!
— Eu não tenho isso — a ruiva riu fraco. — Eu fico muito apegada a um deles... Não vou mudar meu livro favorito de um em um quando se trata de uma sequência.
— Isso quer dizer que você é mais centrada quanto aos gostos do que eu — ele deu os ombros antes de dar um gole em seu café. — Aliás, acredito que não nos apresentamos corretamente.
— Não mesmo — sorriu. — Eu sou — esticou a mão para que o rapaz a cumprimentasse e ele sorriu antes de apertá-la. — E você?
.
— Sem sobrenome, ? — ela riu fraco. — Vai ser um pouco difícil te encontrar no Instagram.
— Talvez seja mais fácil do que você pensa — ele riu fraco e o semblante confuso tomava conta da terapeuta naquele instante. — Eu sou piloto de Fórmula 1.
piscou algumas vezes com seus lábios abertos em um formato de surpresa.
A sua frente estava .
O francês piloto da Alpine.
Reserva da Mercedes.
O seu crush em potencial.
Como era possível que ela não tivesse reparado antes?
Talvez tivesse a ver com o fato de ela ter parado de assistir as corridas desde o dia em que fora anunciado que a Mercedes havia retirado Valtteri Bottas, seu piloto favorito da equipe. O motivo era fútil para ela e só demonstrava a opção da equipe pelo outro piloto deles.
Talvez isso a tenha feito esquecer do rostinho bonito de que ela já havia visto tantas vezes em sua televisão.
.
Ele riu, totalmente tímido, e balançando a cabeça ao ser reconhecido enquanto não conseguia acreditar que há poucos minutos estava conversando sobre seu livro favorito com um piloto.
Não estava julgando, mas jamais acreditaria que algum deles perderia seu tempo — se é que esta era a maneira certa de chamar — lendo um livro como aquele.
— Da última vez que eu chequei, ainda era o meu nome.
— Eu não consigo acreditar que eu não te reconheci antes! — Os dois riram.
— Foi bom chegar e ter que me apresentar — sorriu na direção de e ela entendeu que deveria ser um saco chegar nos lugares e as pessoas já acreditarem que sabiam tudo sobre você apenas por ser famoso.
— Podemos voltar a falar sobre os livros de Noah Gordon?
A mulher sorriu, animada, e os dois entraram em uma longa conversa a respeito dos livros do autor, cada um expondo a sua opinião e a terapeuta tentando não dar nenhum spoiler quanto ao terceiro livro que o piloto ainda não tinha lido.
Era uma conversa leve, divertida e tranquila. Os dois abordaram o assunto livros e depois trocaram de assunto diversas vezes porque fluía naturalmente. Ela estava tendo um ótimo momento.

But on a Wednesday, in a cafe
I watched it begin again...


havia se retirado na última semana para fazer os diversos passeios que havia organizado fora da cidade de Paris. A maioria eram cidades próximas à capital porque parecia que toda a magia realmente acontecia naquela cidade, mas as outras que visitou eram tão bonitas e tão encantadoras quanto a primeira.
Cada vez mais se apaixonava por cada detalhe e prometeu a si mesma que voltaria assim que pudesse para desbravar mais cantos do país. Isto porque, em sua lista de cidades para visitar, muitas não foram possíveis de visitar naquela viagem.
Então, Paris, definitivamente, estava em sua lista para uma segunda visita.
Entretanto, a cidade havia dado um presente especial.
Desde o último encontro casual no café, e seguiam conversando, mas por mensagens de texto quase diárias. No início, eram trocas a respeito de livros – a ruiva se sentia feliz por ter alguém que partilhava um gosto parecido que os seus em referência à mitologia, o francês não era muito fã dos romances –, porém, eventualmente, começaram a tratar sobre outros temas mais pessoais.
A mulher descobriu coisas sobre o piloto que jamais imaginaria. Realmente as aparências enganavam e algumas de suas narrativas criadas para ele não estavam totalmente corretas. era tímido, conversava mais quando já conhecia a pessoa.
Haviam marcado de se encontrar novamente. Era a última semana da brasileira na cidade e ela estava, realmente, com o coração partido de ter que ir embora da cidade, já que estava apaixonada por cada detalhe. Ela tentava ir, aos poucos, se despedindo de cada lugar.
A ruiva adentrou o café, no horário em que o relógio em seu pulso marcava exatamente três horas da tarde, acreditando que o francês não fosse tão pontual. Encarou a mesa onde ele estava sentado da última vez, não o encontrando em seu local de origem e soltou uma risada fraca.
Sua atenção se voltou, então, para a parte da janela do café e teve vontade de bufar ao ver que todas as mesas próximas à janela estavam ocupadas. Mais uma vez, deixou seu olhar rodar o salão e encontrou sentado próximo ao balcão.
— Achei que você se atrasaria hoje — ela sorriu fraco ao lembrar que ele havia lhe dito mais cedo que teria alguns compromissos.
— Perder as últimas horas possíveis com você? — balançou a cabeça de um lado para o outro e a mulher riu. — Mas parece que nós estamos atrasados, porque perdemos a nossa mesa.
— Não se pode ganhar todas, não é mesmo?
Os dois riram juntos, encarando as pessoas que estavam sentadas nas mesas que gostavam de sentar porque dava uma vista plena da rua e, principalmente, da Torre Eiffel.
— Acho que podemos nos sentar naquela mesa ali mesmo — ela apontou para a mesa onde o francês estava sentado na primeira vez em que se viram e ele concordou com a cabeça.
A seguiu até à mesa, a ajudando a se sentar na cadeira, e deu a volta para fazer a mesma coisa. Fizeram seus pedidos para a atendente e sorriram na direção um do outro.
— Sua última semana em Paris. Como se sente?
— Triste por ter que voltar para a minha realidade — ela riu fraco. — Mas feliz por ter desbravado um pouco da França.
— Pretende voltar?
Ele não queria que a pergunta soasse tão cheia de expectativa, mas foi uma missão impossível. Os seus olhos brilhavam à espera de uma resposta positiva e teve que sorrir antes de concordar com a cabeça.
— Óbvio. Você ainda precisa me levar para conhecer a sua cidade natal.
Isso é algo que podemos fazer — sorriu. — Podemos marcar para quando?
— Pelo amor de Deus, — a risada da mulher ecoou pelo espaço. — Eu nem terminei de pagar essa viagem ainda e você já quer que eu arranje uma dívida nova! Assim eu vou ter que vender um órgão na deep web.
— Eu poderia arranjar uma forma de você vir sem gastos...
— De jeito algum — ela o repreendeu e ela balançou a cabeça. — Por que não nos vemos no Grande Prêmio do Brasil?
— Ainda faltam sete meses...
— Até lá você verá meu rostinho pelo FaceTime para matar a saudade.
Os pedidos chegaram e a conversa começou a se passar em meio às paradas para comer e beber o que haviam pedido.
contava para sobre sua cidade no Brasil e alguns fatos peculiares que já haviam acontecido por lá, assistindo o rapaz jogar a cabeça para trás em meio a risadas quando algum fato era engraçado.
Era inevitável para ela não fazer comparações mentais com o seu ex. Afinal, por muitos anos, ela acreditou que André seria o amor de sua vida, mas, agora, percebendo a forma doce e carinhosa que falava e a tratava, mesmo sem ter nenhuma relação afetiva diretamente com ela.
A forma carinhosa que falava sobre a própria família também era algo que a encantava. Era lindo ouvir algumas das histórias da infância dele e do seu caminho até a Fórmula 1. Também era incrível a forma apaixonada que ele comentava sobre as coisas que mais gostava.
A ruiva se encantava a cada palavra e a cada sorriso tímido dado em sua direção.
Ficaram cerca de três horas dentro do café. Mesmo após terminarem os pedidos, continuaram conversando por horas — que, para eles, nem parecia tanto tempo assim. Quando terminaram, resolveram deixar o restaurante e fez questão de acompanhá-la até o hotel que ficava a poucos quilômetros dali, mas o rapaz aproveitou para reclamar pela distância que poderia ser facilmente resolvida, se aceitasse que ele a trouxesse em seu carro até o local.
— Bom, é aqui que eu fico — apontou para a fachada do hotel e se virou na direção do piloto para sorrir para ele. — Obrigada por me trazer até aqui.
— Obrigado por ter deixado eu me sentar em sua mesa naquele dia — sorriu na direção da ruiva. — Obrigado pelos últimos dias também. Foram especiais.
Os dois se abraçaram rapidamente e agradeceu aos céus por não ser o tipo de mulher que se emocionava fácil ou, então, acabaria em um mar de lágrimas naquele exato momento.
Os dois se afastaram de uma forma lenta. Os rostos ficaram bem próximos no instante em que desfizeram o abraço e, em um súbito, a coragem surgiu de maneira plena em .
Os lábios foram jogados de maneira forte e o susto tomou conta de por alguns milésimos de segundos, mas logo se permitiu aprofundar o beijo e aproveitar o momento que estava acontecendo.
Eles se exploravam, se conheciam de uma maneira lenta. Era diferente, mas era um diferente bom que sonhou em ter mais tempo para poder aproveitar.
Quando se separaram, as testas ainda ficaram grudadas por alguns minutos, as respirações levemente ofegantes e os sorrisos bobos em seus rostos.
— Nos vemos no Brasil?
As risadas foram compartilhadas e mais um abraço foi dado em sinal de despedida antes de cada um seguir o seu próprio caminho.

I watched it begin again...


Há duas semanas, havia recebido um envelope especial e inesperado em sua casa. Não era costume receber cartas que não fossem cobranças, ainda mais em um envelope tão bonito e com seu nome escrito à mão.
Ela havia deixado todo o seu trabalho de lado para abrir o envelope com cuidado e checar o que havia ali dentro. Deparou-se com uma pequena nota e um outro envelope menor, que a fizeram franzir o cenho.
“Prometemos que nos veríamos no Brasil.
Aqui está a minha parte na promessa.
.”
ainda se lembrava de como sorriu com a nota e a felicidade em seu coração ao se deparar com um crachá vip com acesso total ao Grande Prêmio do Brasil.
Enviou uma mensagem no mesmo instante para . Os dois ainda se falavam, quase diariamente, quando as agendas e o fuso horário permitiam, mas ele não havia mencionado que iria enviar o presente para ela.
Na verdade, a terapeuta havia informado a ele que não conseguiria ir para o GP do Brasil em São Paulo, mas optou por esconder que era pelo alto valor porque sabia que ele faria algo como pagar sua entrada — e tudo que ela menos queria era parecer que estava se aproveitando.
Desde o dia em que recebeu aquela carta, seu corpo estava sofrendo por antecipação para estar no Grande Prêmio e rever pessoalmente. Sem dúvida que não seria igual vê-lo nas outras corridas que assistia na televisão... Seria muito melhor.
Para a ocasião, escolheu uma calça pantacourt vermelha, uma blusa branca com a frase “work hard and be nice” em letras vermelhas e sandálias de salto. Carregava uma bolsa pequena vermelha com seus documentos e uma jaqueta jeans para caso o clima mudasse.
Ela não sabia nem mesmo como fingir costume quando entrou pela área vip do local com o seu crachá que lhe dava acesso total. Enviou uma mensagem para e o rapaz se prontificou em encontrá-la.
Então, próximo ao estacionamento dos pilotos e chefes de equipe, os dois se encontraram e deram um abraço apertado que poderia diminuir toda a falta que sentiam um do outro.
guiou a mulher em direção ao seu trailer para que pudessem conversar sem ser atrapalhados por ninguém ou fotografados por algum dos fotógrafos que andavam pelo paddock.
— Primeiro, eu quero te bater por ter me dado esses ingressos, ! — ralhou. — Você sabe que não precisava! Nós poderíamos nos ver após a corrida.
— A gente prometeu que seria no Grande Prêmio do Brasil... Eu só cumpri a parte que me cabia.
— Mas, se a gente se encontrasse em algum café, também seria no Brasil. — O piloto deu os ombros.
— Eu fico feliz que você esteja aqui, — abraçou-a mais uma vez e a mulher recostou a cabeça no ombro dele, soltando um longo suspiro. — Eu tenho pensado em você desde a última vez que nos vimos. Você não sai da minha cabeça, sabe...
— Isso não pode ser real — a ruiva riu, afastando-se do piloto. — Você tem uma vida super atarefada, cheia de corridas e coisas para fazer. É óbvio que não passou os últimos sete meses pensando em mim.
Foi a vez de ele rir.
Os olhos continuavam fixos na mulher, buscando saber se havia mudado alguma coisa desde a última vez em que se viram, mas ela ainda parecia brilhar da mesma maneira que antes.
— Eu não minto quando digo isso — falou em um tom mais baixo. — Você não saiu da minha cabeça. Eu contei as horas para esse Grande Prêmio, porque a gente prometeu. Eu contei as horas para poder estar junto de você de novo...
respirou com uma certa dificuldade. O francês se aproximava a cada frase dita e, quando ela percebeu, já estavam próximos demais para ser seguro raciocinar corretamente.
Ali, naquela altura, a única coisa que conseguiram fazer foi unir os lábios em um beijo repleto de paixão e muita, muita saudade.
não confessaria, mas não havia pensado em outra coisa a não ser nele. Ignorava todas as vezes que seu corpo se arrepiava com as mensagens ou os sorrisos bobos que surgiam quando enviava uma selfie de alguma situação em que estava. Era tão natural conversar com ele que ela sentia que ele era um amigo, embora suas sensações quisessem lhe mostrar um caminho diferente.

But on a Wednesday, in a cafe
I watched it begin again...


— Está atrasado.
murmurava ao telefone e o homem do outro lado da linha soltou uma risada fraca.
— Culpado. — Ela não podia ver, mas tinha certeza que ele tinha um sorriso no rosto naquele exato momento. — Eu estava em uma reunião, mas já estou chegando.
— O que vocês decidiram?
— Eu posso te contar pessoalmente?
, você não vai me fazer esperar para saber uma fofoca, não é?
Os dois riram ao mesmo tempo, mas, antes que o namorado pudesse responder, ela o viu entrar no Café du Trocadéro. Ele tinha o celular junto ao ouvido e sorriu ao vê-la sentada à mesma mesa em que os dois haviam se conhecido há um ano.
retirou o telefone do ouvido, deslizando o dedo para encerrar a ligação enquanto caminhava em direção à namorada, que guardava o aparelho de qualquer jeito dentro da própria bolsa.
— Feliz um ano que nos conhecemos! — ele sorriu, esticando um buquê de rosas na direção da brasileira.
A ruiva levou as duas mãos à boca, surpresa com a atitude e pronta para chorar, ainda mais quando algumas pessoas no café aplaudiram o momento, causando risadas nos dois.
Levantou-se, pegando as flores da mão do amado e se esticando para depositar um beijo em seus lábios.
— Obrigada, meu amor — sorriu, voltando a se sentar, e fez o mesmo. — Agora você pode, por favor, me contar sobre a reunião?
O francês riu da curiosidade da mulher enquanto ela deixava o buquê sobre a cadeira vazia. Suas mãos suavam e sua garganta não lhe dava certeza se conseguiria pronunciar aquela frase. Ele precisou respirar fundo.
— Eu vou ser o piloto principal da Alpine nesta temporada.
Anunciou, sorrindo, e quase derrubou a mesa, levando consigo tudo que havia sobre a mesma, para que pudesse abraçar o namorado.
Era tudo que ele mais sonhava naquela vaga e mal podia acreditar que agora seria realidade.
Os dois permaneceram abraçados por um longo período e ela, após tanto tempo, conseguia sentir o próprio coração ser mais tranquilo.
Um amor sem pesos, uma felicidade mútua e um sentimento que só crescia. Já não via mais aquela palavrinha como algo ruim, mas sim como uma das melhores coisas que Paris já havia proporcionado a ela.
Naquele café, onde tudo começou novamente.


FIM.



Nota da autora: Essa história foi escrita há algum tempo para uma amiga especial que eu conheci através da Fórmula 1. É até hoje o meu xodó e marca o início da minha ideia chamada Khai’s Versions, versões escritas por mim à músicas que eu amo (a maioria, talvez, seja da Taylor Swift). Espero que vocês tenham gostado tanto quanto eu. Não se esqueçam de comentar! Até a próxima.




Nota da beta: Que delícia de fic, amei a vibe, muito fofa! Parabéns ❤️


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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