Última atualização: 14/01/2024

Capítulo 1 – Send your dreams where nobody hides, give your tears to the tide

Antes


Sete anos antes
South Korea, Busan – Busan Baekyang School


— Que droga, ! Meus pais nunca vão te perdoar por isso! — arregalo os olhos na direção do garoto, tentando transparecer o tamanho da minha frustração.
— Eu já disse que foi mal! — começa a se justificar, mas ele sabe que se ficasse calado seria melhor. — Não queria trazer ninguém para a detenção!
— A gente sempre acaba se dando mal quando aceitamos suas ideias. — , o outro garoto, mantém os olhos no caderno enquanto escreve sua redação. — Precisamos parar com isso. — direciona a frase para mim.
Afinal, que aluno nunca matou aula?
A discussão em questão é culpa de . Ele teve a brilhante ideia de matar aula para assistir ao último filme do Harry Potter que acabou de estrear no cinema e, segundo ele, simplesmente não podíamos perder. Acho que ele só não contava que um dos inspetores nos pegaria no momento em que tentávamos pular o muro para nos livrarmos desse lugar.
— A culpa não foi totalmente minha também.
— Como não? De quem foi a ideia? — ergue os olhos para ele de forma autoritária e ameaçadora. — Eu deveria ter barrado essa história quando você me contou, alguém precisa ser responsável nessa amizade.
— A demorou para pular o muro! — vejo sua voz beirando o desespero e preciso me segurar com muita força para não voar em seu pescoço.
— Que injusto! — rebato, sentindo minhas bochechas esquentarem substancialmente. — Eu sou menor que vocês, não tenho tanta habilidade para escalar paredes! Fiz a escolha de faltar no ensaio do teatro e você quer me culpar por uma ideia sua?
, você poderá beijar na boca do seu garoto outro dia! — zomba. Esse é o jeito de deixar o clima menos pesado.
Sou dois anos mais nova que ambos, mas depois que livrei a cara de no meio do laboratório de química, acabamos por virar bons amigos. Acontece que ele quase explodiu a sala inteira com a professora dentro porque insistiu em fazer um experimento que viu na internet. Eu faço mentoria dessa matéria para horas complementares, e disse que eu mesma havia trocado por engano um dos materiais que estava na bancada.
Como sou boa aluna e os professores confiam em mim, a barra não pesou para o meu lado. E desde então não nos separamos. Porém, ao invés de me ajudar, me enfia em mais problemas do que qualquer outra coisa.
— Você é idiota! — exaspero com as bochechas ainda mais quentes de pura irritação. — É um beijo para uma peça de teatro, eu nem ligo para ele.
E de fato não ligo, mas adora fazer piadas com a minha cara só para me ver nervosa.
— Vamos cumprir essa detenção e não vamos mais nos meter em problemas até o final do ano. Estamos combinados? — a voz de se sobressai no meio da sala de detenção e não penso duas vezes em assentir. — Estamos combinados, ?
— Estamos combinados.
***

South Korea, Busan – Farmer’s Burger

— Animada para sua peça? — indaga enquanto passa os olhos pelo cardápio.
— Tivemos o último ensaio hoje, nos apresentaremos na terça. Conto com vocês?
— Eh... — uma careta surge no rosto de enquanto escolhe uma das incontáveis opções do menu. — Não é meu tipo de história, mas eu vou.
— Quem não gosta de romance? — questiono afetada.
— O . — responde.
O Melhor de Mim é uma história maravilhosa e emocionante, vocês vão se surpreender com o final.
Estou realmente bem animada por ter um dos papéis principais.
Não sou a maluca da atuação e nem fissurada por teatro, eu encaro mais como um hobby que me agrada e me desestressa de todas as outras matérias que exigem demais do meu cérebro, principalmente as exatas. Mas nunca sonhei em ser famosa, esse sonho pertence aos dois garotos sentados à minha frente. O teatro também me rende algumas horas complementares e vários momentos fora de casa, já que eu passo a maior parte do tempo sozinha.
Meus pais, ambos norte-americanos, trabalham feito malucos. Nos mudamos para a Ásia há alguns anos, pois a multinacional em que meu pai trabalha solicitou uma grande inteligência para tocar o polo da Coreia, e ele foi escolhido. Já minha mãe é extremamente argumentativa e intimidadora quando quer, com tudo isso ela lidera uma das maiores empresas de advocacia de Busan.
Por isso as longas horas sozinha em casa muitas vezes são entediantes.
— Quais os planos para as férias de verão? — pergunta após fazer seu pedido.
— Vou para os Estados Unidos visitar meus avós. — sorrio de contragosto, pois realmente não estou com a mínima vontade de pegar um voo de 13 horas para derreter debaixo do Sol escaldante da Califórnia.
— Que maneiro! Aposto que Los Angeles tem algumas gatas. — um sorriso ladeado cresce nos lábios de .
— Meninos... — rolo os olhos. — Vocês se comportem enquanto eu estiver fora, está bem?
***

South Korea, Busan – Busan Baekyang School

— Ótima peça, ! — a professora de química elogia enquanto me abraça. — Final emocionante, não?
— Obrigada, professora. — agradeço, retribuindo o abraço.
— Nos vemos depois das férias. Quero que continue fazendo mentoria nas minhas aulas. Contar com uma cabeça a mais pensando é sempre bem-vindo! — detalha enquanto dá as costas e se retira dali.
— E não é que rolou um beijo mesmo? — escuto a voz de e logo meus olhos o encontram com caminhando em minha direção, e, para minha surpresa, eles carregam flores.
— Flores? — tento, mas não consigo esconder meu espanto.
— Achamos que era o certo a se fazer, não é? — me entrega o buquê de peônias das mais variadas tonalidades de rosa e lilás.
— Faça cara de feliz porque eu rodei Busan inteira atrás de um buquê como esse. — ameaça e não consigo conter uma risada.
— Estávamos pensando em comer no Farmer’s Burger quando sairmos daqui, o que acha? — pergunta enquanto olha as horas no celular.
— Eu estou morrendo de fome! — completa.
— Eu preciso voltar para casa, nosso voo parte às 5 horas e eu ainda não terminei minhas malas. — respondo sentida porque, na verdade, um hambúrguer com milkshake cairia superbem.
— Vou pedir seu lanche preferido e aproveitar por você, prometo.
— Claro, afinal você não seria o se não fizesse isso. — sorrio mais uma vez. — Nos vemos depois das férias! Tenham certeza de que eu chego a tempo para a fogueira de boas-vidas no último dia antes das aulas. — abraço os dois ao mesmo tempo, tendo que ficar na ponta dos pés para alcançar seus ombros. — E, por favor, não aprontem, certo?
— Não vamos aprontar, mamãe. — ironiza quando finalmente os solto. — Prometemos!
***

South Korea, Busan – Haeundae Beach

— Vamos, , beba tudo! — escuto a voz de assim que piso na areia e identifico ambos perto da enorme fogueira. Vejo virando uma garrafa de cerveja inteira na boca, finalizando-a em poucos segundos.
— Vejo que as férias foram tranquilas! — aponto enquanto me aproximo, e os dois ficam tão estranhamente animados quando me veem que não deixo de imaginar que aquela não era a primeira bebida de ambos. — Senti saudades! — os abraço rapidamente.
— Estamos ótimos! — exala uma energia muito além do que costuma ter, e logo distingo um sorriso consideravelmente bêbado em seu rosto.
— Eu consigo perceber! — não consigo conter uma gargalhada do seu estado e confirmo que não está muito diferente.
, não seja estraga prazeres e beba alguma coisa. — a voz de sai consideravelmente enrolada.
— Eu vou passar, obrigada.
No auge dos meus 14 anos, a primeira e única vez que me atrevi a colocar qualquer coisa alcoólica na boca, perdi totalmente o controle e passei mal a noite inteira. Com sorte, estava lá segurando meu cabelo para vomitar, mas claramente não conseguiu deixar de fazer piadas infames acerca do meu estado.
Além de tudo, é ilegal e me senti uma criminosa enchendo a cara como se fosse maior de idade.
Depois desse dia, eu jurei para mim mesma que só voltaria a beber quando estivesse mais perto dos 19 anos, ou quando já tivesse de fato essa idade. Ao contrário de e , que se portavam feito duas crianças quando o álcool entrava em seus sistemas.
— Ei, ... Ele está aqui... Sabe quem...? O seu gato beijoqueiro do teatro. — tem um ar tonto e isso o faz se embaralhar com as palavras, o que deixa tudo ainda mais engraçado.
, quantas vezes vou ter que te falar que ele não é meu gato e que eu não me importo com ele?
— Tanto faz. — solta o ar com a boca, dando as costas e indo em direção à tenda para buscar mais bebidas.
No caminho, não deixa de lançar uma piscadela ou uma palavra aleatória para as meninas que o encaram. Ele de fato tem algo que as garotas não negam.
***

— Minha mãe... Vai te matar, ... — tento completar uma frase sem parecer que minha língua é grande demais para minha boca, porém me sinto incapaz de continuar falando.
— Você... Você disse que não ia beber.
— Estamos mortos. É isso. A sra. vai cortar nossas cabeças. — lamenta, e apesar de ter consumido uma quantidade considerável de álcool, aparenta mais estável que e eu. — Ela tem só 14 anos, não pode encher a cara por aí! — levou as mãos aos cabelos, ilustrando um claramente apreensivo.
— Vamos torcer para ela não vomitar quando entrarmos no metrô. — começa a gargalhar sem motivo, o que me faz querer acompanhá-lo.
— Vocês deveriam tentar... — aponto para um dos incontáveis cartazes pregados na parede da estação, mudando de assunto para algo totalmente aleatório.
— Big Hit? — os olhos de se arregalam em minha direção, as sobrancelhas formando dois arcos. — Não temos potencial para isso, .
— Eles vão olhar para a nossa cara e dar risada. — completa. — Olha só para o . — ele aponta e atraio meu olhar para o outro que se movimenta de um lado para o outro.
— É o sonho de vocês. Nunca terão uma resposta se não tentarem.
— Falando assim você quase me convence. — se volta para nós.
— Guardem esse panfleto. — pego a ponta do papel e o arranco da parede, deixando um resquício de cola no azulejo encardido. Entrego para qualquer um dos dois. — Quando estiverem em plena consciência, vocês pensam em tomar uma atitude.
— O metrô! — anuncia e sou capaz de ouvir o barulho dos trilhos ao fundo e o chão tremer levemente sob nossos pés.
— Eu não sei se.. — interrompo-me, sendo incapaz de segurar tudo que comi o dia inteiro dentro do estômago e esparramando a mistura nos tênis de .
— Ah, que droga! — ele exaspera, vendo a mistura de cor esverdeada respingada em seus pés. — Que nojo, ! Agora eu vou para casa fedendo a vômito! — uma careta distorcida se forma em seu rosto conforme eu tento fortemente me segurar para não rir em meio àquela situação.
***

— Não façam barulho! — viro e sussurro para os dois que andam atrás de mim em passos pesados, fazendo a madeira do chão do corredor no térreo ranger. — Vamos limpar os tênis de e vocês vão embora, está bem?
— Seus pais devem estar dormindo, é quase uma da manhã. — tenta me tranquilizar enquanto rumamos calmamente aos fundos da casa.
— Talvez não. — nos contém com o braço, colocando o indicador nos lábios para fazermos silêncio.
Tudo que eu menos gostaria de ouvir chegou aos meus ouvidos.
Me aproximo da beira da escada e o silêncio ensurdecedor que se instala no térreo entrega toda a confusão que se intensifica no andar de cima. Gritos e mais gritos são ouvidos, proferidos tanto por minha mãe quanto por meu pai.
Não acredito que está acontecendo novamente. Sinto minha espinha inteira congelar quando as vozes atingem meus ouvidos, ainda mais altas. Isso é frequente, mas não quer dizer que me acostumei. Ainda mais com a agressividade tomando cada vez mais conta dos punhos do meu pai.
Encaro e que possuem os olhos arregalados em perfeitas bolas, claramente se questionando o que raios está acontecendo.
Apenas nego com a cabeça como uma súplica quando ambos fazem menção de subir as escadas, eles não precisam presenciar aquela cena. Entretanto, eu mesma não consigo me conter quando escuto um baque alto atingir meus ouvidos. Subo os degraus de dois em dois em questão de segundos, e empurro a porta do quarto com toda a minha força assim que atinjo a madeira.
A cena que toma meus olhos é ainda mais assustadora que todas as outras. Meu pai tem as mãos em volta do pescoço da minha mãe, erguendo-a contra a parede enquanto ela se debate para se livrar do aperto. Seu esforço é em vão.
Não consigo calcular quanto tempo se passa, mas é rápido. e invadem o quarto e montam em meu pai, fazendo de tudo para que ele largue minha mãe antes de atingir a inconsciência, seu rosto já tomando uma coloração roxa. Tento gritar de todas as formas para ele me ouvir, mas meu pai está tomado por uma ira sobre-humana, como se fosse outra pessoa em seu lugar.
Ele larga do aperto quando os dois conseguem puxá-lo pela gravata com força o suficiente para sufocá-lo, e o corpo da minha mãe é lançado no chão com força. Meu pai apenas olha a cena com os olhos arregalados, as veias do pescoço saltadas, e parecendo recuperar toda sua consciência.
Deixo meu corpo escorregar pela parede e as lágrimas saírem livremente por meus olhos, enquanto vejo e ofegantes ajudando minha mãe a se erguer do chão. Os soluços me impedem de proferir qualquer palavra, sinto como se um peso se instalasse dentro das minhas costelas e me impossibilitasse de ir até minha mãe.
Em questão de segundos meu pai parece notar a dimensão do que acabara de acontecer e sai correndo do quarto em um vulto.
Eu não sabia que aquela seria minha última imagem dele.

Capítulo 2 – I’m sorry, gotta leave before you love me

Agora


Sete anos depois
United States, Los Angeles — Hidden Hills


— Cara, eu preciso lembrar de nunca mais deixar o organizar minhas festas de aniversário. — , o “dono” da festa, quase grita ao meu lado para eu conseguir ouvi-lo. — Olha só essa casa! Não conheço metade das pessoas que estão aqui!
— Dê poder ao homem e descobrirá quem ele realmente é. — respondo e ele ri. — Pelo menos ele proibiu a piscina dessa vez. Lembra do ano passado? Parecia uma panela de sopa estragada. — dou um gole na garrafinha de cerveja.
— Eu prefiro não lembrar. — sua expressão se contorce em uma careta. — Eu agradeço as intenções dele, mas preciso ter mais cuidado quando falar que ele ficará responsável pela organização das festas.
— Faz parte do pacote, . — surge entre nós enquanto empilha uma enorme torre de copos plásticos no canto da bancada da cozinha. — Olhem só como ele fica feliz. — aponta para o centro da sala onde se move animado no meio das pessoas.
— Ele está fazendo até o aproveitar. — aponto um pouco mais para longe, onde também dança divertido.
— Ei, irmãos! Vocês já provaram isso? É a melhor coisa que já bebi na vida! — , o mais velho, se aproxima enquanto tenta de todas as formas segurar o copo de vidro sem derrubar nenhuma gota do líquido azul.
— UM BRINDE AO NOSSO ANIVERSARIANTE! — grita no microfone da mesa de equipamentos do outro lado da sala, erguendo o copo em nossa direção. — AMO VOCÊ, IRMÃOZINHO! — finaliza e levanta seu copo também.
— Contamos isso para ele amanhã? — pergunta perto de nós.
— Acredito que ele não vai querer lembrar de nada relacionado a essa festa. — contenho uma risada. — Oh... está... Bem. — não me esforço nem um pouco para segurar a gargalhada quando meus olhos encontram andando em passos cambaleantes até nós com uma garota pendurada em seu pescoço.
— Caras... Melhor festa de todas! — comemora, esbarrando em nós enquanto a loira pendurada em seus ombros parece querer fundir seu corpo no dele. — , por que raios você está sozinho numa festa como essa? — sua frase enfática me faz entender imediatamente a razão daquela pergunta, ele de fato havia selecionado muito bem o público da festa.
— Eu não-
— Quer saber? Não quero ouvir desculpas. — me interrompe, erguendo uma mão em minha frente enquanto cochicha algo no ouvido da loira que rapidamente sai dali. — Sua gata vai chegar em alguns segundos, fique mais atraente. Quero dizer... Mais atraente do que já é. — enfia os dedos nos meus cabelos para ajeitar os fios e isso é invasivo demais.
— Eu não preciso disso. — tento desviar, mas é inútil. — , você pode-
— Nada disso. — me interrompe novamente. — Você está com uma regata cavada e de jaqueta por qual motivo? Está um inferno de calor e esse braço tatuado precisa ficar à mostra. — em um piscar de olhos, estou sem a peça. — Muito melhor agora. — seu sorriso satisfeito me irrita de imediato, eu me sinto um idiota quando ele decide fazer algo sobre minha aparência.
— Mas que droga! — resmunga ao meu lado. — Como cresceu tanto e de repente é o mais bonito de nós?
— Eu me pergunto isso todos os dias. — tem um sorriso orgulhoso no rosto. — Nosso garotinho cresceu!
— Lá vem ela. — exaspera exageradamente animado mirando sua loira acompanhada de outra garota andando em nossa direção. — Depois você me agradece pela noite mais incrível da sua vida, certo?
— Tanto faz. — rolo os olhos e balanço os ombros, pois realmente não preciso que faça todo esse papel comigo.
Eu posso conseguir a garota que eu quero, se eu quero e quando quero.
***

Aperto os olhos com um pouco de dificuldade quando as luzes coloridas piscam em minha direção, um claro sinal de que eu preciso parar de beber neste instante. Estou encostado na parede da sala tentando manter-me equilibrado e consigo erguer um pouco a cabeça.
Sinto a boca da garota alcançar a minha de forma urgente e volto a atenção para de onde eu nunca deveria ter tirado. Eu sequer lembro seu nome ou se havíamos sido apresentados, mas isso realmente não me importa. Com uma manobra rápida e consideravelmente atrapalhada, seguro seus cabelos com um pouco de força e inverto nossas posições, prensando-a na parede. Puxo seu lábio inferior entre meus dentes e escuto um gemido quase contido sair de sua garganta. Sua boca desce por meu pescoço e isso me deixa louco, como se uma onda de calor atingisse o meio das minhas pernas, fazendo tudo formigar.
Respondendo aos instintos, minhas mãos passeiam sem receio por todo o seu corpo e uso um pouco de força, mas ela claramente gosta, porque não para de sorrir. Ela aperta meu braço e ombros com cada movimento meu, e quando uma das minhas mãos sobe por baixo do vestido e toca a alça de sua calcinha, ela respira alto. Seguro sua mandíbula e ataco seu pescoço sem preocupação alguma em deixar algumas marcas por ali, a vontade crescente dentro de mim é maior do que qualquer apreensão naquele momento. De repente, sinto uma de suas mãos tocando o meio das minhas pernas, e, droga, preciso interrompê-la.
Não está nos meus planos transar com uma garota no meio da sala, mesmo estando bem escuro.
— Vamos para outro lugar. — ela sussurra perto da minha boca, seu tom cheio de segundas intenções.
— Sim, precisamos. — concordo abrindo os olhos, porém a imagem que toma minha visão me interrompe.
Os cabelos loiros da garota sem nome foram tomados pelos fios cor lilás, a pele bronzeada da californiana de repente era pálida como a neve e aquele sorriso estava na minha frente, como presenciei em tantos momentos no passado.
Isso é irreal, uma alucinação, mas tão real ao mesmo tempo. Tão real que eu posso tocá-la, sentir seu cheiro, ouvir sua risada. Ela está na minha frente, mas parece inalcançável.
Ergo as mãos em sua direção e de repente sua imagem vira fumaça, dissipando no ar.
— O que há de errado com você? — a voz me desperta e só então percebo que seguro o rosto da garota sem nome nas mãos.
— Ahn, me desculpe, eu... O que aconteceu? — me separo dela rapidamente, balançando a cabeça de um lado para o outro para tentar afastar todas as lembranças que me atingem, fazendo a cabeça latejar.
— Você ficou todo esquisito de repente, me chamando por um nome estranho! — ela me olha assustada.
— Eu preciso... Me desculpe, eu preciso... — tento finalizar a frase, mas ela parece grande demais para passar por minha garganta.
Cambaleio para longe dela, tentando organizar meus passos ao atravessar a sala. Me espremo no meio das pessoas e chego à escada, subindo degrau por degrau com um esforço maior do que o necessário, e seria muito mais fácil se eu estivesse sóbrio. Com um pouco de dificuldade, dado o meu estado, chego a um dos banheiros do andar de cima.
De repente, minha capacidade pulmonar é reduzida a zero e respirar se torna um trabalho torturante. Meu coração pulsa eletricidade o suficiente para iluminar uma cidade inteira, ele bate tão malditamente rápido que é capaz de explodir a qualquer momento. Sinto o suor escorrer por minhas têmporas quando alcanço a pia e me apoio na borda, tentando manter-me de pé. Faço o favor de deixar a porta aberta para o ar circular e me ajudar de alguma forma.
Isso é tão difícil e os episódios estão acontecendo com tanta frequência que estou perdendo o jeito de lidar com a situação.
, o que houve? — não preciso erguer minha cabeça para identificar a voz preocupada de . — Droga, aconteceu outra vez? — indaga tocando meu ombro, o que me faz dar um pulo assustado, empurrando sua mão para longe. — Calma, cara, está tudo bem! — seus olhos transmitem calma e isso me conforta de algum jeito.
— Eu não sei o que aconteceu. — minha voz trêmula é incontrolável, e eu odeio que me encontrem nesse estado. — Ela estava lá, , eu toquei nela!
, você sabe que ela não estava. — responde em seu mais suave tom de voz, mas me atinge como um soco na boca do estômago.
— Os episódios estão mais frequentes. — constatar isso me deixa verdadeiramente nervoso, lidar com essas crises nunca foi a coisa mais fácil do mundo.
— Precisamos voltar ao médico. Só ele sabe o que fazer. — toca novamente meu ombro, porém dessa vez eu deixo. — Agora lave o rosto e coloque alguma coisa no estômago. — demanda da forma mais cuidadosa que consegue. — Faz bastante tempo desde a última vez que comemos algo, está bem?
— Certo. — obedeço, umedecendo as mãos na torneira e levando-as ao rosto. A água gelada em contato com a minha pele manifesta uma sensação de alívio, e em questão de segundos sinto o ar circulando por meus pulmões com mais facilidade e o coração acalmar dentro das minhas costelas.
Passo os dedos por meus cabelos afim de ajeitá-los da melhor forma possível, seco o rosto em uma toalha e respiro fundo, retirando-me dali com em meus calcanhares. Chegamos à cozinha e rapidamente alcanço um pedaço de pizza de queijo dentro da caixa no balcão, sentindo meu estômago mais confortável quando engulo a primeira mordida. faz um sinal perguntando se estou bem e balanço a cabeça positivamente, ele se retira dali sinalizando com a mão para chamá-lo caso precise.
Ele sabe que não vou fazê-lo, mas de toda forma me sinto mais calmo em saber que ele está atento. Não gosto de compartilhar esse tipo de situação com alguém, geralmente lido sozinho e me saio bem em 99% das vezes. Porém com a frequência dos episódios, eu fico cada vez pior em esconder o que de fato está acontecendo.
Estou ficando maluco.
Como se habituar com algo do tipo? Logo após o acidente, os episódios aconteciam pelo menos três vezes ao dia, reduziram para uma vez na semana, uma vez ao mês, até que eles simplesmente sumiram e eu fiquei quase seis meses completos sem uma memória sequer. Quando estava finalmente me acostumando a ficar em paz, a sensação de pânico me atingiu de madrugada em forma de um pesadelo aterrorizante, remetendo àquela noite. Desse dia em diante os episódios voltaram gradativamente até que contabilizei a segunda vez na mesma semana após o que acabou de acontecer.
Finalmente finalizo meu segundo pedaço de pizza escutando minha barriga quase festejar e encontro uma garrafinha de água dentro da geladeira. Rumo ao jardim dos fundos, e quando consigo passar pela sala, esbarrando em casais se prensando pelas paredes, vejo a piscina e sinto a brisa fresca da noite. Tenho certeza de deslizar a porta de correr quando piso do lado de fora, já que a área da piscina está proibida, e fico instantaneamente sóbrio quando sinto o vento me atingir.
Me sento em uma das espreguiçadeiras e abaixo a cabeça, deixando os cotovelos apoiados nos joelhos enquanto a brisa bate na minha nuca, deixando-me infinitamente mais calmo. A mesma dificuldade que tenho em passar pelas crises, tenho em esquecê-las e fingir que nada aconteceu.
— O que o faz aqui fora sozinho? — uma voz chama minha atenção e ergo minha cabeça na direção, só então percebendo que existe uma garota na beira da piscina com os pés dentro da água.
— Ah... Lá dentro está um pouco... Cheio. — espremo os olhos tentando enxergar o rosto dela com mais clareza, ainda com dificuldade pelo excesso de álcool. — Você me parece familiar. — algo nela me lembra alguém, mas acho melhor aceitar que por mais que eu me esforce, não vou recordar de nada agora.
— Pareço? Hm... Vamos ver. — ponderou. — Nos beijamos em uma peça de teatro na escola, isso é suficiente para você lembrar de algo?
? — esfrego os olhos para poder enxergá-la melhor, e de fato é ela.
— Percebo que o beijo foi tão bom que você nem se lembra! — ela sorri. — Por favor, me chame de .
— Eu tenho dois argumentos! — protesto, deixando a garrafinha no chão e me levantando para me aproximar. — Tínhamos 14 anos naquela época e nossa relação se baseou somente nisso. Antes ou depois daquela peça nunca mais tivemos contato! Você se lembra que éramos de salas diferentes?
— Uhum. — ela assente com a cabeça enquanto deixa o corpo deslizar para dentro da água. — Cruzávamos algumas vezes pelo corredor, mas eu realmente nunca me importei.
— E aqui estamos nós. — coloco as mãos nos bolsos da calça, assistindo à cena.
— O que está fazendo aí fora? Não vai entrar? — questiona como se fosse óbvio e eu hesito. — A água está ótima. — seus olhos se fixam nos meus e isso malditamente me intriga. — Venha, . Você não vai se arrepender. — afirma e me dou por vencido, tirando os tênis, as meias e adentrando à piscina sem vacilar.
A água está mais gelada do que eu queria, mas poder me refrescar e manter a cabeça em outro lugar é o que realmente preciso.
Volto a encarar e ela não tira os olhos de mim, sequer pisca. No meio do silêncio sendo preenchido pelo som dos nossos corpos na água, posso perceber que ela está muito diferente de alguns anos, por mais que aos 14 já tivéssemos traços mais amadurecidos por conta da adolescência. Pela vaga lembrança que tenho, não usa mais óculos, estes provavelmente foram substituídos por lentes e isso evidencia ainda mais os enormes orbes . Ela tem a pele lisa com poucas sardas espalhadas pelo nariz e bochechas, um leve sorriso mostra seus dentes alinhados e uma covinha no queixo.
— Você está bem diferente de alguns anos... — sua voz melodiosa me desperta da viagem acerca de suas mudanças. — Com todas essas tatuagens, brincos e piercings.
— Quantos anos se passaram desde aquela época?
— Sete, não é?
— Acho que sim. — dou de ombros. — O que você faz aqui? Quero dizer... Muitos anos e quilômetros se passaram desde então. — pergunto, aquilo não pode ser uma mera coincidência.
me ligou hoje pela manhã para falar sobre a festa. — ela responde e novamente seus dentes se mostraram em um sorriso. — Mas estou aqui porque vou trabalhar com um amigo em comum e ele me convidou.
— Eu imaginei que não era coincidência. Afinal, a Coreia e a Califórnia não são vizinhas.
— Eu sou da Califórnia, . Fato curioso sobre mim. — seu tom de voz prende completamente minha atenção. — Eu estava na Coreia por conta do trabalho do meu pai.
— Então acho que a coincidência é eu estar aqui, não é mesmo?
— Eis a minha pergunta... — pisca levemente com a cabeça pendendo para um lado e consigo visualizar as gotículas de água escorrendo do rosto até o pescoço, colo e parando em sua blusa preta.
— Temos alguns projetos com um novo empresário. — continuo, olhando fixamente a água em seu colo e a esse ponto ela deve achar que sou um tarado.
— Parece interessante! — rebate e distingo seu sorriso julgando até meu último fio de cabelo.
— É, bastante trabalho nos espera. — volto os olhos para os dela, engolindo seco.
— Nada que já não façam, não é mesmo? — continua se movendo até encostar-se à parede da piscina. — Agora me conte. O que você, , está fazendo aqui fora sozinho quando tem uma festa lá dentro? Aposto que metade das garotas que estão aqui são loucas por alguns minutinhos com você.
— Eu gosto de festas, mas, depois de certo tempo, elas passam a ser entediantes. — admito e percebo que ela se aproxima lentamente, o suficiente para sua respiração me tocar.
— Compartilho do mesmo pensamento. Festas ficam entediantes em algum momento. — sinto seu corpo ainda mais perto do meu e algo na forma como ela passa a língua na ponta dos dentes me atrai.
Isso é malditamente sexy, .
Estou me segurando como o inferno para não te agarrar agora mesmo.
— O que você está fazendo? — sinto meu corpo lutar para tirar os olhos dela e tenho uma vontade sobrenatural de arrancá-los das órbitas para facilitar o trabalho.
— Não estou fazendo nada. — replica enquanto toca meu braço com uma das mãos, puxando-me levemente para mais perto. — Só acho que podíamos... Tornar essa noite um pouco melhor, o que acha?
Má ideia. Uma ideia muito ruim mesmo.
— O que quer dizer com isso? — me faço de desentendido para não reagir com seu nariz encostando no meu.
— Nenhuma sugestão? — seus lábios fazem cócegas nos meus e os malditos olhos se fixam na minha boca. Engulo seco mais uma vez.
A garota não faz esforço algum para me provocar, ela sabe exatamente como usar as características a seu favor e isso é algo novo para mim. Geralmente eu tenho o controle da situação, sou o provocador e consigo o que quero. Sinto como se estivesse pisando em um território desconhecido que mal consigo me controlar. E ao olhar em volta, estamos somente nós dois ali. De repente, o pensamento primitivo de agarrá-la na piscina não soa como uma má ideia.
— Você pode me levar para outro lugar. — sussurra e eu concordo sem titubear, soltando algo parecido com um rosnado.
Ela tem total controle da situação. Se me pedir para colocar a cueca por cima da calça, eu coloco.
Saio da piscina e estico minha mão para ajudar a fazer o mesmo. Com seu corpo totalmente fora da água, preciso de um autocontrole sobre-humano para manter-me longe, pois a roupa está completamente colada em sua pele, e é tudo convidativo demais. Pego duas toalhas em uma das espreguiçadeiras e jogo uma para ela, e enquanto bato o tecido para me secar, observo ela fazendo o mesmo. E eu nunca fiquei tão fodidamente entretido vendo uma cena como aquela.
— Ei, um gato comeu sua língua ou algo do tipo? — ela zomba enquanto amassa os cabelos. — Eu perguntei para onde vamos. — segura um sorriso enquanto eu pareço um completo idiota. Nunca estive nessa posição, é como se não tivesse controle sobre minhas reações.
— Ahn... Temos um lugar aqui atrás. — afirmo, tentando não parecer tão ridículo. — Vem comigo. — largo a toalha na espreguiçadeira e a pego pelo braço.
Levo até os fundos da casa, além da piscina e passando pelo jardim dos fundos. Construímos um estúdio para trabalhar em nossas produções quando não conseguirmos ir até a sede da produtora, e este fica escondido pelo jardim e todas as árvores que preenchem o lugar. Lá conseguimos praticar alguns instrumentos, fazer reuniões ou simplesmente curtir um bom tempo de qualidade como amigos, sem questões profissionais envolvidas.
Andamos pelo caminho de pedras e finalmente chegamos à porta, onde me atrapalho na busca pelas chaves no bolso da calça. O tecido úmido deixa o trabalho ainda mais difícil, mas logo consigo abrir a madeira e assim que entramos, tenho a certeza de passar a tranca. Acendo a luz do ambiente e olha admirada em volta, identificando cada instrumento em sua devida posição, tapetes felpudos espalhados por todo o chão e um enorme sofá aconchegante.
Dou as costas e coloco as chaves e carteira no aparador, tentando entender por qual motivo estou ofegando.
— Vamos acabar logo com isso. — não raciocino direito quando sinto as mãos de me puxarem pela camiseta, virando-me de frente para ela.
Rapidamente ela me puxa até encostar na parede, e logo minha camiseta voa pelo cômodo. Com certo receio, ela me beija e pude senti-la retrair quando sua boca toca o meu piercing. Acho engraçado e aparentemente isso a tranquiliza, então seus dedos logo se enroscam nos meus cabelos, me causando arrepios incessantes.
Um pingo de lucidez toma conta da minha cabeça e consigo colocar todos os pensamentos em ordem. Preciso tomar um pouco as rédeas da situação.
Pego seus punhos e seguro-os com uma das mãos acima de sua cabeça, ela não consegue soltar mesmo se fizer muita força. Com a outra mão, seguro sua mandíbula gentilmente e encosto minha testa na sua, observando-a ofegar. Uno minha boca na sua e passo a língua entre seus lábios. arfa e remexe os punhos, tentando se livrar do meu aperto, mas não deixo.
Ponto para mim. Tenho o controle agora.
Parecendo se sentir contrariada, sinto sua língua tocar a minha sem aviso prévio e impulsos elétricos são transmitidos através do contato. Nossas bocas são sincronizadas e, no momento, sem pressa alguma. cede em meus braços e alcanço suas coxas, erguendo-as para se entrelaçarem em meu tronco. Suas unhas se fincam suavemente em minhas costas e um gemido meu é contido por sua boca que abafa a minha.
Levo-a até o tapete e com cuidado me deito na superfície felpuda, mantendo-a embaixo de mim. Com toda a habilidade que tenho, desafivelo seu cinto e abro o botão da calça preta, puxando-a para longe de suas pernas e largando em algum canto. Seguro a barra de sua blusa e conforme revelo a pele de sua barriga, distribuo beijos úmidos e a sinto estremecer. Chego em seu colo e consigo livrá-la de mais uma peça. Ela usa uma lingerie preta básica, mas que evidencia todos os detalhes de seu corpo.
A pele branca levemente bronzeada, os seios preenchendo o sutiã que contorna perfeitamente aquela região, a cintura fina e barriga lisa, o quadril ligeiramente largo e as coxas complementam o corpo totalmente proporcional que ela tem.
brinca com a minha sanidade sem mesmo ter ideia disso.
Volto minha atenção para ela, percebendo que estou com as duas pernas em volta de seu tronco, admirando cada centímetro seu.
— Você vai ficar aí só me olhando? — seu tom de voz é ainda mais provocante, e algo se inquieta dentro de mim.
ergue o corpo do tapete e não consigo reagir quando ela inverte nossas posições e se senta em meu colo, agarrando forte meus cabelos. Sua boca logo toma a minha, e o receio que ela tinha anteriormente de enganchar em meu piercing claramente foi para o espaço. Sentir sua língua tocando a minha, explorando cada canto da minha boca e seu corpo movendo-se tão urgente em cima de mim me deixa a beira de um colapso.
Cem pontos para ela. praticamente rouba o controle de mim e não parece que vai devolvê-lo tão cedo.
A garota é mais ágil do que julguei. Suas mãos descem tortuosamente dos meus ombros por meu peito e barriga, e parecem atear fogo por onde passam. Observo seus dedos abrirem o botão e zíper da minha calça, e ela me empurra sutilmente para trás, me fazendo deitar. Rapidamente estou livre da calça e cueca, e ver engatinhando de volta para mim é a coisa mais louca que eu já presenciei.
***

— Então... É assim que é transar com o ? — sua voz soa ofegante no meu ouvido, fazendo-me sorrir. — Tenho certeza de que se todas as garotas soubessem, nunca mais iriam embora. — ela ergue a cabeça e me encara, uma expressão satisfeita pairando em seu rosto.
— Na verdade, elas sempre falam que não querem ir... — comento convencido, encarando-a de volta enquanto ela se ajeita. — Eu que as dispenso. — finalizo, jogando a cabeça para trás em uma gargalhada.
— Convencido? — me acompanha em uma risada contagiante. — Existe algo melhor do que sexo casual? Você não precisa ter um compromisso com alguém... São só duas pessoas satisfazendo o desejo uma da outra e nada mais!
— Na verdade... — pondero por um momento já que não é muito vantajoso me abrir com garotas aleatórias, apesar de ter certeza que isso não vai se repetir. — Eu me acostumei com isso.
— É mesmo? E qual o motivo? — ela parece interessada no que tenho para falar, e tê-la sentada no meu colo enquanto acaricia meus cabelos é incrivelmente bom.
— Digamos que a política da empresa que agencia o BTS é bem rígida com o assunto “relacionamento”. Eles não proíbem, mas não é um cenário muito interessante.
— Por quê? — sai de cima de mim e veste sua roupa íntima em conjunto com minha camiseta, voltando a sentar ao meu lado no tapete.
— Demoramos muito tempo para construir tudo o que conquistamos, e temos fãs muito... Apaixonados. — volto os olhos para e ela está perto, sem tirar os olhos e a atenção de mim. — Se aparecêssemos na mídia com uma namorada, isso poderia impactar nos nossos números, e é algo que nenhum de nós quer para o grupo. Já sentimos um impacto em suposições, se alguém começasse a namorar, seria terrível.
— Faz todo sentido... E, de fato, os fãs de vocês são apaixonados. — ela concorda, erguendo-se do chão e caminhando na direção do piano que é coberto por um grande lençol branco. — Por isso que sexo casual é perfeito para vocês, não é mesmo? — tem um sorriso brincalhão no rosto ao puxar o lençol de cima do instrumento, se acomodando no banco em seguida.
— Você toca? — apenas observo aquela cena e o fato de minha camiseta não tampar quase nada de suas pernas e seu cabelo estar desalinhado pelos ombros é o suficiente para meus olhos esquecerem de piscar.
— Sei algumas músicas que meu pai me ensinou quando era pequena. — ela abre a tampa do piano e posiciona os dedos nas teclas. — Venha aqui. — pede, batendo ao seu lado. Visto minha calça e, em segundos, estou junto dela. — Você conhece essa? — começa a dedilhar algumas notas e não demoro para identificar Here Comes the Sun, dos Beatles.
— Clássica. — afirmo e teclo algumas das poucas notas que eu sei, acompanhando-a.
— Você é realmente o prodígio do grupo, não é mesmo? — comenta sem tirar a atenção do que faz.
— Eu não sou tão bom no piano, sei algumas músicas simples. — dou de ombros tentando não parecer convencido.
— E quem te ensinou? — segue tocando com a maior facilidade, e de vez em quando arrisca me olhar sem errar uma tecla.
Sinto algo remexer dentro de mim com as embaçadas recordações que aquela questão me traz. A imagem de tocando piano ao meu lado é muito familiar, como se eu já tivesse a vivido antes, como um déjà vu.
— Isso pode ser assunto para outra hora. — tento desviar a conversa e ela parece entender.
— Hm... Me conte mais sobre os projetos com o novo empresário. — ela ergue uma sobrancelha em minha direção, cutucando-me levemente com o cotovelo. — Eu sei que são projetos que cabem somente ao grupo, mas vamos... Alivie um pouco da curiosidade de uma fã. — cantarola, me dando ainda mais certeza que ela é realmente muito boa nisso.
— Não sabia que era uma fã. — continuo a encarando um pouco surpreso.
— Posso garantir que não sou uma fã tão apaixonada quanto a maioria, não sei a letra de todas as músicas e nem qual o tamanho do calçado de cada um... Mas, na verdade, não tem como não gostar de vocês. — admite, sorrindo largo e surpreendendo-me com outra característica em seu rosto, uma covinha afundada na bochecha.
— Ahn... Obrigado? — agradeço um pouco sem graça, coçando a nuca. Na verdade, sou um pouco tímido quando esse é o assunto. — Sabe como é... São projetos sigilosos, então isso não pode-
. — me interrompe, parando de tocar as notas e encarando-me nos olhos. — Eu não vou compartilhar nada, tenha certeza disso.
— Hm... Estamos trabalhando com projetos totalmente em inglês... Queremos atingir mais pessoas em outras partes do mundo. — tento ser breve, não posso abrir tantos detalhes para um desconhecido.
— Acho que vai ser bom. E preciso dizer que seu inglês está ótimo! — não consigo identificar se ela fala a verdade ou ironiza. — Sendo bem sincera, algumas palavras você ainda se enrola ou não conjuga o verbo, mas quem se importa com isso, não é mesmo? — solta uma gargalhada e entendo sua ironia, então não deixo de rir.
— Obrigado por reconhecer meu esforço.
— Por nada. — de repente ela está sentada de frente para mim, aqueles malditos olhos novamente fixos nos meus, e, por Deus, não consigo reagir. — Preciso admitir, seu inglês enrolado é uma graça. — se aproxima de forma sorrateira e em questão de segundos está tão perto que eu consigo sentir seu nariz tocando o meu.
— Nesse caso, não preciso de mais aulas? — pergunto tentando manter o mínimo de controle sob meus atos, e encaro sua boca entreaberta vindo em direção à minha.
— Não precisa. — sussurra de volta enquanto se senta no meu colo, colocando as pernas em volta da minha cintura.
Sem demora, seu beijo toma novamente meus lábios e estamos outra vez enrolados um no outro, voltando para o tapete, ou sofá, ou qualquer outro lugar em que podemos fazer o que quisermos.

Capítulo 3 – Well I’m just gonna do here what I gotta do here

Agora


United States, Los Angeles — Hidden Hills

Abro meus olhos e me arrependo no exato momento em que a luz me atinge. Tento abri-los novamente de forma mais gradual até me acostumar com a claridade que entra pela janela e consigo erguer meu corpo, que reclama no momento em que me coloco sentado. De fato, dormir no chão não é uma boa ideia, por mais macio que seja o tapete e por mais jovem que eu seja.
Já é de manhã, talvez por volta das 06h, e estou sentado no chão do estúdio depois de ter entrado pelo menos umas quatro vezes entre as pernas de .
Tenho um lençol enrolado nas pernas, porém consigo verificar que estou de calça. Olho para o lado e vejo minha camiseta esticada em cima do piano. Me levanto do chão, sentindo minhas costas automaticamente reclamarem, e faço um favor para mim mesmo de alongar-me um pouco para amenizar os gritos que minhas vértebras dão em meus ouvidos. Alcanço a camiseta e a visto, arrepiando-me com o tecido gelado e ainda úmido.
— Você não precisa se apressar para ir embora, . — a voz chega em meus ouvidos e viro, encontrando encostada no batente da porta do banheiro com os braços cruzados na frente dos seios, evidenciando ainda mais o volume tampado pelo sutiã. Ela está quase completamente vestida. Quase. — Como eu te falei ontem, não tenho intenção alguma de ficar no seu pé. Nos divertimos e tudo mais, mas é só isso. — um sorriso brincalhão paira em seu rosto, inquietando algo em mim. — Pode jogar minha blusa, por favor? — aponta para o tecido jogado perto de mim e o faço rapidamente.
— Falta mais alguma coisa? — tento sorrir de volta, mas por algum maldito motivo não consigo me portar normalmente perto dela.
— Não. Agora preciso ir embora. — ela pontua enquanto calça os Vans.
— Te acompanho. — sinalizo e saio em sua frente, abrindo a porta quando checo que ambos estamos devidamente vestidos.
Voltamos à área da piscina onde consigo visualizar que a festa terminou, pelo bem de todos os humanos naquele perímetro. Aparentemente aprendeu a ter limites, pois eu não estou realmente animado em ter que expulsar pessoas de casa para ter minhas devidas horas de sono.
Escuto os passos de acompanhando os meus logo atrás enquanto caminhamos pela grama na lateral da casa, e tenho certeza de ter a maior cautela do mundo ao abrir o portão de madeira para ela sair, já que chamar atenção não é minha intenção. A acompanho até a frente e consigo vê-la encolher os ombros com o vento fresco que bate em sua pele. O Sol não nasceu completamente, então esse horário é um pouco mais frio.
— Quer que eu pegue um casaco para você?
— Não é realmente necessário. — ela se vira para mim, me encarando nos olhos.
— Foi uma ótima noite. — coloco as mãos nos bolsos da calça e retribuo o contato. — E você vai-
— Não precisa se preocupar, isso não vai sair daqui, eu não vou divulgar a nossa noite de sexo casual a troco de dinheiro. — dispara, ela é tão espontânea que tenho dificuldade em não rir.
— Ahn, certo. E como você vai embora?
— Eu tenho um carro para isso. — pontua pegando a chave no bolso da calça e me mostrando. — E não, eu não bebi. — responde antes mesmo de a pergunta sair da minha boca.
De repente um silêncio esquisito se instala entre nós. Ela me olha e eu retribuo, e pela primeira vez desde que a vi na noite anterior, consigo sustentar o contato visual igualmente penetrante e intimidador que ela tem. Na realidade, esse sou eu. Não entendo por qual motivo fico completamente sem controle quando tenho álcool circulando por minhas veias – mesmo sendo uma quantidade suficiente para substituir meu sangue –, injustificável.
O silêncio entre nós é palpável.
— Foi bom me divertir com você, . — pisca com um dos olhos e vira para ir embora.
“O quê? Sério mesmo que você vai deixá-la ir embora dessa forma? Foi só sexo, mas você precisa se despedir, !”, meu consciente grita nos meus ouvidos e por um breve instante entro em uma batalha interna se devo ou não falar mais alguma coisa. Não que seja necessário, porque que ela já se despediu, certo?
Todas as vezes que passo a noite com uma garota aleatória e a dispenso assim que levanto da cama, sempre digo um “até mais”, “nos vemos por aí” ou qualquer merda que seja. Sempre tomo atitudes, sou o cara que comanda a situação. Não entendo por que agora é diferente.
Afasto o impasse da minha cabeça e tomo uma atitude.
Dou um passo para a frente e seguro o punho de , puxando-a e virando-a de frente para mim. Seus olhos confusos encontram os meus e sinto sua respiração ofegar no meu rosto. Abaixo os olhos para seus lábios entreabertos e a puxo para mais perto, esbarrando nossos corpos levemente. Não espero muito para beijá-la. E dessa vez não é nada parecido com a noite passada, urgente como se precisássemos disso para sobreviver. Somente toco seus lábios com os meus, sentindo sua boca na minha, sua respiração entrecortada provavelmente pela surpresa, e sua espinha estremecer.
Afasto-me, me dando conta de que eu a abraço pela cintura e ela segura meus braços com força.
— O que você está fazendo? — indaga em um sussurro, os olhos ainda confusos olhando dos meus para minha boca.
— Temos que nos despedir apropriadamente, não acha? — respondo surpreso com meu próprio autocontrole, sem resquícios do cara da noite interior quase beirando o desespero para agarrá-la.
— Ahn, sim... — limpa a garganta, tentando se recompor. — Acho que sim.
— Agora você pode ir. — a solto e quase não respira tamanha sua surpresa. — Até mais. — pisco com um dos olhos em sua direção.
— Até...? — ela está completamente desconcertada, isso é visível, e me deixa muito satisfeito. — Até mais, . — finaliza, dando as costas e saindo dali.
Faço meu caminho até as escadas da casa, subo os degraus e viro quando chego na varanda, acompanhando os passos de até seu RAV4 estacionado do outro lado da rua. Logo ela está longe dali e eu adentro a casa, com todas as cenas da noite anterior bombardeando minha cabeça.
Faço isso de vez em quando, mas não é algo que dura mais de meio período.
Porém uma coisa é certa. O futuro surpreende, e muito.
— Cara, o que foi aquilo? — chega em meus ouvidos e me assusto brevemente, pois realmente não imaginava que tinha uma alma acordada depois da festa. Ótimo, é tudo o que eu preciso.
— O que você está fazendo acordado? — indago encarando o garoto descabelado com a cara levemente inchada.
— Estava meio sem sono, resolvi descer para tomar café, admirar o movimento da rua pela janela, e de repente me deparei com você malditamente beijando a Olivia! — ele tem os enormes olhos arregalados, contendo um sorriso. — Vai me contar o que aconteceu ou não? Porque você está... — ele apalpa minha camiseta, sentindo o tecido gelado. — Úmido?
— Na verdade, eu nem me lembrava dela. — assumo, e é realmente verdade. — Depois do que aconteceu eu achei que era melhor tomar um ar, encontrei ela lá fora, a acompanhei na piscina e concordamos em passar a noite juntos. Mas foi só isso. — dou de ombros, tentando rumar à escada, porém se coloca em meu caminho.
— Você e a ? Passaram a noite juntos? Eu preciso saber detalhes, , detalhes! — ele parece animado, mas contendo o tom de voz para não acordar os outros.
— Isso é realmente necessário ou eu posso subir para dormir? — não estou no clima de detalhar a noite que tive com , preciso dormir pelo menos umas oito horas, mas se conheço bem ...
— Sim, é muito necessário! Eu quero saber tudo. Te faço café e te dou banho se você quiser, mas preciso saber! É a , cara! — o tanto de empolgação usada é um pouco demais para mim que mal dormi e sinto um martelo batendo dentro do meu cérebro com cada palavra que alcança meus ouvidos.
— Eu não quero café e nem que você me dê banho. — bufo um pouco impaciente, já sabendo que ele não vai me deixar em paz até saber o que aconteceu. — Por que tem que ser agora? — escuto sua risada atrás de mim conforme andamos até a bagunça da sala de estar, e me jogo no sofá, colocando uma almofada em cima do rosto.
— Porque sim, . Você acabou de dizer que passou a noite com a , ela é uma das minhas melhores amigas da escola, cara! Eu preciso saber!
— Transamos algumas vezes, mas não foi nada de mais, . Pode parar com os fogos de artifício.
— Algumas vezes? Quantas vezes? — a animação em sua voz é mais intensa a cada palavra, e a irritação crescente dentro de mim só me incomoda ainda mais. — Eu sei que você não é de ficar com uma garota a noite inteira, mas preciso avisar e concordar que a é algo diferente.
— Três? Quatro? — tiro a almofada do rosto, encarando-o novamente e tem os olhos tão vidrados em mim que sequer pisca. — Você não precisa se animar dessa forma. Ela é gata e tudo mais, mas nós dois concordamos que foi uma noite e só. — tento acalmá-lo, porém é insaciável.
— Quatro vezes? Cara... Sei que temos nossa escolhida da noite... Mas quatro vezes? Com a mesma? O vai ficar maluco quando descobrir!
— Por qual motivo? — minha atenção se volta completamente para ele.
— Ele sempre teve uma queda por ela quando estudávamos juntos. Acredito que isso seja passado, mas ele vai ficar maluco quando descobrir que você entrou nas calças da e ele não. QUATRO VEZES! — grita e me ergo do sofá, dando um soco em seu braço. — EI!
— Você não precisa gritar! — rosno entredentes. — Por isso que você não vai contar nada para ele. — tenho certeza de ser o mais firme possível para ele entender o que quero dizer.
— Eu não vou dizer nada, mas cara... Tem certeza que foi só uma noite, não é?
— Você me conhece, . E na verdade, é o que fazemos, não é? — dou de ombros porque realmente não estou interessando em ter outro tipo de contato com ela. — Eu não posso fazer isso com o grupo, não depois do acidente e tudo o que aconteceu.
— Ótimo, porque o não iria gostar disso acontecendo outra vez. — é cauteloso apesar de ser um pouco maluco. — Quase separou a gente.
— Já tivemos problemas demais com isso, não acha?
— Cara... — se encosta no sofá, apoiando os pés na mesa de centro e os braços servindo de apoio para a cabeça. — Você e , isso é uma coisa que eu jamais imaginei.
— Deus... — bufo, levantando-me do sofá. — Vamos encerrar esse assunto, está bem?
— Eu vou precisar falar com ela sobre isso.
— Faça isso e pergunte o que ela achou de mim! — forço um tom animado em brincadeira, já que eu realmente não dou a mínima para isso.
— Ela quem? — a voz de ecoa pela sala e tento conter um breve susto, mas provavelmente minha cara me entrega.
— Ahn... — gaguejo, encarando-o parado na base da escada enquanto admira divertido e eu nos portando feito duas malditas crianças.
acabou de entrar em casa. — me olha rindo e eu gelo, por mais que ele seja um túmulo quando se trata de segredos, nunca sei o que se passa em sua cabeça. — Ele passou a noite com uma garota aleatória sabe-se lá onde.
— A noite inteira? — parece surpreso também. — Isso é novidade!
— Eu já falei pelo menos cinco vezes para ele que não foi nada importante. — insisto, tentando parecer o mais normal possível. — Foi só uma droga de noite, vocês precisam largar um pouco do meu pé.
***

, acorda! — escuto ao fundo, porém quero continuar dormindo, então resolvo ignorar. — Cara, acorda! — a voz continua e me viro, apalpando a cama ao meu lado até pegar um travesseiro para cobrir a cabeça. — , acorda, cara! — sinto um cutucão nas minhas costas, mas o que uma voz do além pode fazer? — , ACORDA! — grita e sinto um soco forte no meu braço, me fazendo sentar irritado.
— Mas que porra você quer, ? — pela risada que ele segura, minha cara deve estar péssima e meus cabelos arrepiados para cima. — Eu só queria dormir em paz. — choramingo realmente sentido, ainda sentindo minha cabeça pesada de sono.
— Já são 15h. Você dormiu tanto que deu tempo de eu sair com a e voltar. — ele sorri de uma forma irritante.
— Eu realmente não acredito que você falou com ela sobre isso. — desacredito, mas deveria saber que é capaz de qualquer coisa.
— Falei, e foi uma conversa e tanto! — afirma e rolo os olhos, deitando-me novamente. — Não quer saber?
— Eu te falei que o que rolou não significou nada, cara! Eu não quero que você fique perseguindo a garota nem nada parecido!
— Acho que “uma das melhores noites da vida dela” foi como ela definiu. — ele diz pensativo e aquilo remexe algo dentro de mim. Claro que é muito bom saber coisas como essa.
— Tanto faz... Foi uma noite muito boa, mas nós dois concordamos, . Eu já fiz isso com tantas garotas, por qual motivo seria diferente agora? — encaro-o nos olhos e sua empolgação derrete.
— Seria muito legal ver vocês juntos, tá bem?
— Juntos tipo juntos?
— Imagina? Meu irmãozinho mais novo e minha melhor amiga? Maneiro! — as ideias de são mirabolantes demais para meu cansaço.
— Claro, e digo mais. Imagina o descobrindo isso tudo? — ironizo dando o meu maior sorriso. — Seria o fim do BTS, é o que você quer?
— Eu não gosto quando você é irônico dessa forma. — um bico toma sua expressão e eu gargalho, pois apesar de trocarmos algumas farpas, é tudo sempre na brincadeira. — Tudo bem, eu já entendi que foi lance de uma noite, não vou mais tocar nesse assunto.
— Muito obrigado! — agradeço e me levanto da cama, esticando meu corpo infinitamente mais descansado comparado a mais cedo. — Agora se levante daí e vamos!
— Vamos para onde? Fazer o quê? — personifica a confusão de uma forma muito transparente.
— Vamos sair para correr, cara. Depois do tanto de álcool que consumimos ontem, é o que precisamos fazer. — respondo enquanto me perco dentro do closet, rapidamente colocando uma roupa adequada para correr.
— Eu realmente não estou no clima. — se joga na cama.
— Está sim. — insisto e logo eu estou com shorts e camiseta próprios para me exercitar, enfiando as meias nos pés e os tênis em seguida. — Vamos! — pego seus tornozelos e tento puxá-lo da cama, mas ele se agarra ao colchão com força. — Vamos, , sua barriga indica que você bebeu e comeu mais do que o normal nas últimas horas! — tento provocá-lo. Falar de sua aparência é sempre um ponto fraco.
— Está bem! — afirma dando-se por vencido pela minha insistência. — Que fique claro que eu vou para te fazer companhia, e não porque me preocupei com o que você acabou de dizer.
— Eu tenho certeza que sim.
***

United States, Los Angeles — West Hollywood

Um pressentimento esquisito me atinge quando saio do carro e piso no asfalto quente do estacionamento da gravadora, como se algo me avisasse que uma surpresa me espera nesse dia. É segunda, não estamos perto do meio do dia, e eu já senti frio e calor em menos de três horas acordado. O clima da Califórnia é algo realmente curioso e difícil de se acostumar.
Passo pela enorme porta de entrada enquanto sigo um de nossos seguranças e escuto resmungando atrás de mim por uma provável provocação de ao tirar seu boné, e não me importo em virar para entender o que acontece no momento que a gargalhada de me confirma que estou certo. Entro no camarim e largo todos os meus pertences de qualquer jeito no sofá.
— Acabei de receber uma mensagem dizendo que já nos esperam na sala de reuniões. — a voz de preenche nossa sala e olhamos para ele.
— Por qual motivo ele marcou uma reunião bem na segunda-feira? — indaga ao mesmo tempo que nós sete andamos pelo corredor que leva à sala de reunião. — Tivemos uma maldita festa na sexta e eu ainda não tive tempo para me recuperar.
— Por nada! — grita no fundo.
— Essa dor de cabeça que eu sinto até hoje é culpa sua! — rosna.
— Isso é sinal de que a festa foi ótima! — responde soltando uma risada em seguida.
— Meu grupo de ouro! — Ji-hoon, nosso produtor musical, exclama com um largo sorriso conforme entramos na sala e nos posicionamos nas cadeiras em volta da enorme mesa de madeira que fica no centro. Nas paredes é possível visualizar diversos discos de ouro das nossas músicas mais tocadas, dos álbuns de maior sucesso e o disco de platina que conquistamos há pouco nos Estados Unidos. — Vocês estão com uma cara ótima!
— A festa que organizou para o na sexta-feira durou quase um dia inteiro. Ainda estamos nos recuperando. — tenta descontrair, mas realmente competimos entre quem tem a pior ressaca.
— Festas são boas de vez em quando. — o produtor concorda, piscando com um dos olhos para . — Vocês precisam aproveitar! Uma pena que não consegui ficar até o final, queria muito ter presenciado bêbado.
— Nunca mais diga isso. — rebate, passando os dedos levemente pelos olhos.
— Finalmente alguém que concorda comigo! — sorri, encarando-nos como se fosse um super-herói ou algo do tipo.
— Ele quis dizer “aproveitar como seres humanos” e não “aproveitar como animais”. — dispara, massageando as têmporas.
— Ah, vocês curtiram tanto quanto eu, não me venham com essa. — admite um pouco convencido, dando de ombros.
— Vamos ao assunto que nos trouxe aqui? — Ji-hoon atrai nossa atenção e assentimos em conjunto. Me endireito na cadeira com aquele pressentimento ainda me deixando intrigado. — O novo manager está chegando para conhecê-los e ele trouxe uma pessoa que trabalha com ele há pouco tempo. — ele apoia o queixo em uma das mãos, mirando-nos através dos óculos de grau. — Conversei com ele no telefone e acredito que ambos serão ótimos para o futuro de vocês aqui na América.
— Eles devem ser chatos! — bufa e o repreende com o olhar. — O que foi? Você sabe que eu odeio quando as pessoas me intimam com ordens, e esse será o trabalho deles, não?
— Não necessariamente. Eles têm projetos interessantes para o grupo, acredito que dará muito certo. Precisam se acostumar, quanto mais pessoas quiserem atingir, mais membros teremos que contratar para a equipe.
— Você precisa conhecê-los antes, . E teremos que seguir o que propuserem, é para o melhor. — o líder fala de forma calma, mas ainda firme.
— Com licença? — uma batida na porta chega aos meus ouvidos.
— Meninos, esse é o Adam, o novo manager. — Ji-hoon tem um sorriso no rosto quase beirando a empolgação exagerada.
Olho para a porta e um homem alto e grande entra na sala usando terno e gravata. Ele tem os cabelos escuros e uma feição séria, entretanto parece bem descontraído. Quando olhos para trás dele, o ar escapa dos meus pulmões.
— E essa é Olivia, a pessoa de quem falei. — o homem que atende pelo nome de Adam dá espaço para a garota, empurrando-a para frente com uma mão em suas costas.
Isso está realmente acontecendo. Ela está aqui e seus olhos assustados também me encaram, acredito que da mesma forma que eu a olho. Ela tem os cabelos presos em um rabo alto, maquiagem leve e roupa completamente preta.
Não é possível, coincidência demais, não? Como fingir que nada aconteceu? Só de vê-la parada em minha frente me faz lembrar vividamente de cada detalhe da nossa noite juntos.
Droga.
? — exaspera ao meu lado tirando-me do meu transe, eu balanço a cabeça brevemente sem querer realmente parecer tão surpreso. — O que faz aqui? — ele caminha até a garota, abraçando-a sem demora.
— Vamos trabalhar com você agora? — também vai em sua direção, abraçando-a por cima de .
— Aparentemente sim. — ela responde um pouco insegura.
— Vocês se conhecem? — Ji-hoon e indagam quase juntos, encarando a cena de uma forma divertida.
— Nós estudamos na mesma escola quando éramos jovens! — parece tão animado que tento entender como sua bochecha não dói de tanto sorrir.
— Eu não contei a ela exatamente com quem iríamos trabalhar para que não ficasse nervosa ou gerasse muitas expectativas. — Adam admite.
— Nervosa? Com esses aqui? — tem uma expressão mais tranquila e aqui está ela, a mesma personalidade que passou a noite inteira comigo na sexta. — Isso vai ser muito fácil.
— Ela é confiante e não parece autoritária. Gosto disso. — comenta talvez mais alto do que ele imagina, e todos o encararam no mesmo instante.
— Obrigada? — ela responde, sorrindo em nossa direção.
— Esse é o , Olivia. Com o tempo perceberá que ele é tão transparente quanto a água. — se levanta da cadeira e caminha até ela, apertando sua mão gentilmente. — Eu sou o , líder do grupo. Esse é o , e sentado na ponta da mesa. — aponta para nós respectivamente e forço um sorriso, rezando para todos os deuses que eu não esteja com uma cara esquisita.
— É um prazer conhecê-los. — ela nos lança um sorriso, acenando com a cabeça.
— Conte um pouco para eles quais são os planos. — Ji-hoon solicita, voltando a sentar em sua poltrona.
— Temos algumas mudanças a fazer para que consigam atingir o público que gostariam. O BTS já é mundialmente conhecido, mas sempre podemos alcançar mais pessoas. — Adam tem um sorriso vitorioso no rosto, e arrisco em dizer que é até conquistador demais. — Estou em contato com alguns produtores de renome por aqui, o plano é trabalharmos em um novo álbum completamente em inglês.
— Ainda estamos no começo do ano, temos muitas coisas para organizar enquanto isso, e como acabaram de voltar das férias, estão com a energia necessária para colocarmos tudo em prática. — pontua, emendando a fala de Adam.
— Enquanto trabalho em toda a parte administrativa e contato com novos produtores, vai ajudá-los com todo o backstage. — Adam se apoia na mesa com as duas mãos, transmitindo um ar completamente confiante. — Essa garota é uma máquina de ideias, quero que ela esteja o mais perto de vocês possível.
— Vocês já tem a essência real de cada um em todos os projetos, mas queremos que isso seja ainda maior. — a garota fala de forma extremamente profissional como se já fizesse isso há anos. — Isso vai aproximar as pessoas de vocês, o público busca algo para se identificar, então vamos atrás disso.
— Quando você diz que ela vai ajudar no backstage, seria exatamente como? — indaga, interessando no assunto tanto quanto nós.
— Ela vai me ajudar em algumas coisas, mas vai supervisionar também os outros setores. Figurino, maquiagem, som e imagem, produção de músicas, gravações... Queremos ter certeza de que tudo estará de acordo com o que vocês pedirem, e que será executado corretamente. Claro que respeitando as demandas da agência. Mas como eu disse... Queremos transparência, isso vai atrair ainda mais pessoas.
— Maneiro! — responde, animando-se com as propostas.
— Acredito que seremos um ótimo time! — ergue a mão na direção de e ela bate.
— Tem tudo para dar certo, não é? — respondo também animado.
Não existem motivos para ficar apreensivo em tê-la tão perto, afinal, está fazendo seu trabalho e eu só preciso segui-la.
Eu tenho o controle.
***

Não me lembro de ficar tão cansado em uma coreografia tão fácil.
Alguns anos atrás, praticar Fire para mim era moleza, fazia de olhos fechados e podia repeti-la por dez vezes se fosse necessário. Com certeza os anos passados começaram a me atingir nos ombros e estou ofegando, buscando por ar como se ele fosse incapaz de chegar nos meus pulmões.
— Cara, o que está acontecendo com a gente? — tem a voz cansada, pesada, conforme se larga no chão ao meu lado.
— Estamos velhos. — respondo, encarando seu reflexo no enorme espelho que toma uma parede inteira.
Estamos na sala de ensaios praticando para uma performance de um talk show importante, vamos cantar e dançar três músicas. Alinhamos em grupo que serão as três músicas que mais demandam do nosso físico, pois dependendo da apresentação, podemos ser indicados a três ou quatro categorias de uma premiação musical.
é sempre o primeiro a se dispor em me ajudar com as coreografias, já que a dança é a área dele. Começamos com o grupo todo, até ficarmos nós dois e , que se cobra muito mais que eu para a perfeição enquanto performamos. Até o momento que ele também foi embora e eu praticamente implorei para repassar alguns passos que foram esquecidos.
E ficar com a cabeça ocupada é tudo que eu preciso no momento, então só uni o útil ao agradável.
— Acho que deu para relembrar, não acha? — sua voz tira-me dos meus devaneios. — Você está muito bem nessa coreografia, . Não tem com o que se preocupar.
Mal sabe ele que eu só preciso ter minha cabeça cheia com qualquer outro assunto. Ficar divagando pode me levar a coisas que eu não quero me recordar no momento.
— Eu também acho. — respiro fundo, largando meu tronco no chão de madeira e fechando os olhos, finalmente recuperando a respiração.
— Vou passar em algum lugar e pegar algo para comer, depois vou para casa. Quer uma carona? — indaga e sinto ele se levantando ao meu lado.
— Vim com meu carro, não precisa me esperar.
— Nos vemos mais tarde! — seu sorriso toma minha visão quando abro os olhos e logo eu estou sozinho.
A sensação de silêncio é muito boa. Gosto de ficar com meus próprios pensamentos por algum tempo, mas nos últimos dias isso não tem sido tão agradável assim, então busco ouvir música, ver algum filme, desenhar, pintar, dar alguns socos no saco de boxe, me exercitar, correr, praticar dança até os músculos das minhas panturrilhas queimarem de dor, qualquer coisa que alimente minha mente e não a deixe descansar.
— Você vai dormir aí? — me assusto com a voz que chega aos meus ouvidos, me fazendo sentar. Viro para trás só para confirmar quem é, porque internamente eu já sei. Ela está parada na porta, levemente encostada na parede e os olhos fixos nos meus.
. — solto o ar pela boca, levantando-me do chão e indo em direção à mesa com várias garrafinhas de água dispostas. Abro uma rapidamente e viro quase metade garganta abaixo.
— Sabe, praticar tanto assim não pode ser bom.
— Eu sei que não. — respondo simplesmente, finalizando a água em segundos. — Só preciso ocupar minha cabeça. — certifico-me de que a chave, a carteira e o celular estão em meus bolsos e faço menção de deixar o ambiente, mas paro na porta ao seu lado. — Preciso te perguntar algo antes de sair. — olho para ela, que ergue brevemente as sobrancelhas.
— Sou um livro aberto, . — seus ombros se movem e ela está de frente para mim, ficando consideravelmente mais perto.
— Você sabia que ia trabalhar com a gente naquele dia? — não posso negar que uma pontinha de irritação cresce dentro de mim com a possibilidade de ela ter me usado dessa forma.
Eu já fiz isso com tantas pessoas. Eu uso, sempre com o consentimento da pessoa que é usada, claro. Mas nunca fui usado, e nessa situação eu me senti. Muito.
— Claro que não. — sua resposta me parece bem sincera. — Foi uma surpresa tanto para mim quanto para vocês. Adam disse que o motivo de não ter me contado antes foi ter achado que eu ficaria nervosa. Eu não sei por que raios ele achou isso, eu apenas aceitei sua justificativa.
— Certo. Por um momento achei que você já sabia.
— Nunca espere surpresas de mim, . — pisca para mim outra vez. — Agora vamos, eu preciso trancar as portas.

Capítulo 4 – I know that we were made to break, so what? I don’t mind

Agora


United States, Los Angeles — West Hollywood

— Como infernos vocês querem que eu respire? — resmunga enquanto sua staff aperta o que parece ser um espartilho em volta de seu corpo. — Não é possível que eu tenha aceitado essa peça no meu figurino.
— Você aceitou, eu estava aqui e escutei quando você disse “essa peça é demais, me deixa sexy!”. — respondo, tentando conter uma risada enquanto relaxo na cadeira e minha staff ajeita alguns fios do meu cabelo.
— Eu estava fora de mim, essa é a única explicação! — ele segue reclamando, e pelo espelho consigo ver e gargalhando da impaciência de . — Droga, é possível afrouxar um pouco?
— O nó está cego, eu não consegui fazê-lo direito com você se mexendo o tempo inteiro enquanto eu ajustava. — a staff se justifica, mas ela também tenta não rir.
— Ótimo, precisamos cortar, eu estou sem ar! — não consigo identificar até que ponto ele está realmente falando sério ou se existe um pouco de drama em suas palavras, já que é o que ele mais adora fazer.
— Vou atrás de uma tesoura. — ergo-me da cadeira quando estou pronto e retiro-me do camarim, rindo daquela cena.
A loucura se instala entre nós quando temos alguma performance se aproximando. Fazemos prova de figurino, ensaios somados a mais ensaios, passagem de som. Toda a equipe trabalha o dobro e as emoções ficam à flor da pele. Eu e os membros somos, além de tudo, os responsáveis por dissipar a tensão que fica no ar, já que temos a facilidade de amenizar qualquer tipo de clima pesado com algumas brincadeiras ou piadas sem graça.
Não vejo desde segunda-feira. Em seus primeiros dias, ela passou o tempo inteiro trancada na sala de reuniões com Adam, produtores e publicitários. Muitas vezes chegamos ao estúdio cedo e fomos embora depois das oito da noite sem ver nenhum deles. Isso indica claramente que mais trabalho está a vista. Não é um problema para mim, já estou acostumado com a rotina insana, sem tempo para pensar em projetos pessoais. Afinal, estou no grupo desde muito novo e não consegui aproveitar muito da minha adolescência, então não tenho muito parâmetro do que eu deveria fazer ou não. Trabalho é sempre uma prioridade uma vez que estou vivendo a realização do meu maior sonho.
Alcanço a porta do depósito e abro, colocando-me para dentro rapidamente. Apalpo as paredes de perto para encontrar um interruptor, porém é em vão, a maldita sala é onde guardamos todos os itens de emergência e raramente tem uma lâmpada funcionando.
— Finalmente! — assusto-me brevemente com a voz que chega em meus ouvidos, sentindo meu coração quase sair pela boca.
— Mas que droga! — estendo as mãos em minha frente.
— Ei, cuidado onde toca! — reconheço a voz de no mesmo instante que encosto em seu busto totalmente por acidente já que está escuro. Busco impaciente por meu celular no bolso da calça e ligo a lanterna assim que consigo, tendo a imagem de se esclarecendo em minha frente com a meia-luz do telefone.
— O que está fazendo, ?
— Eu não conheço nada por aqui, achei que era o banheiro! Aqui não tem luz e, graças a você, ficaremos presos porque aparentemente a maçaneta está quebrada! — suas bochechas estão levemente rosadas e consigo sentir sua respiração pesada chegar em mim, pois é um espaço consideravelmente pequeno para tudo que guarda mais duas pessoas.
— Calma, não precisa ficar com medo, estou aqui. — tento brincar para descontrair.
— Muito engraçado! — ela força um sorriso.
— Logo alguém deve vir atrás de mim, estamos terminando a prova final dos figurinos. — balanço os ombros. — Não vamos ficar aqui por muito tempo.
— Eu espero. Tenho muita coisa para fazer. — consigo observá-la sentar-se no chão em um canto onde encosta-se à parede, e faço o mesmo ao seu lado, tocando seu braço com o meu. — Você não acha que está muito perto? — ela questiona e eu miro a lanterna em seu rosto, os enormes olhos encarando-me sem piscar.
— Olha só onde estamos. — ilumino o ambiente e volto para ela. — Precisamos concordar que não tem muito lugar livre.
— Ainda assim, muito perto.
— O que houve? Te incomoda estar perto de mim? — indago quase em um sussurro, inclinando minha cabeça em sua direção e sendo capaz de sentir o calor que sua pele emana.
— Claro que sim. Você é você, não imagina o quão difícil é estar do seu lado e não poder fazer nada? — suas palavras me impressionam imediatamente, ela tem uma facilidade sobrenatural em falar qualquer coisa que está em sua cabeça. — O que foi? Ficou envergonhado?
— Você é muito... Direta.
— Já me disseram isso. — ergue as sobrancelhas rapidamente, como se fosse algo realmente natural. — O que estou fazendo trancada aqui? Tenho nove passagens a reservar para uma viagem para NY amanhã! — sinto sua tenção pairar no ar.
— Você vai com a gente?
— Claro. Quando disseram que eu estaria perto, era verdade. — ela sorri satisfeita. — Preciso supervisionar tudo de vocês. Não é algo fácil, afinal, vocês são em sete.
— Tudo?
— Sim. Tenho o script de cada equipe. Figurino, cabelo e maquiagem, equipamentos de som, fotografia e até o que fazer se um de vocês ficar doente. Preciso checar se o planejado está realmente em prática.
— Então se acostume, . Ficaremos muito mais próximos do que você gostaria. — abaixo meus olhos para sua boca com o objetivo de provocá-la e o nervoso que toma conta dela é transparecido no mesmo instante.
— Vamos precisar aprender a conviver, não é mesmo? — ela passa a ponta da língua entre os lábios e sinto um colapso acontecendo bem dentro da minha cabeça.
? — a voz abafada de chega em meus ouvidos e me levanto do chão em um sobressalto, afastando-me o mais rápido possível de . — Cara, só você consegue se perder dentro do estúdio!
Hyung, aqui! — respondo para a porta que logo é aberta e pude vê-lo, finalmente conseguindo sair dali.
? — tem uma ruga entre as sobrancelhas, intercalando os olhos de mim para ela.
— Essa droga de maçaneta está quebrada. — ela sai do depósito logo atrás de mim. — E seu amigo não me viu quando entrou, então acabamos presos! — bate levemente na calça para se livrar dos resquícios de pó.
— O importante é que estamos aqui, consegui a tesoura, agora podemos livrar . — ergo o objeto em minha frente.
— O que houve com ? — a garota indaga curiosa.
— Ele não consegue parar quieto quando estamos nos arrumando. A staff deu um nó impossível de soltar no colete de seu figurino, ele está quase roxo. — tenta conter uma risada. — Mas a gente não sabe se é real ou se ele só está fazendo drama.
— Clássico . — assente, rindo junto com enquanto ambos caminham à minha frente.
Algo na forma como reagem perto um do outro é realmente intrigante, nunca vi tão confortável perto de uma garota em todo o tempo que o conheço. Lembro-me no mesmo instante de quando contou que ele sempre teve uma queda por ela na época da escola. Obviamente ele não superou, é claro em todos os gestos e movimentos de seu corpo direcionados à .
De certa forma, fico pensando sobre isso, perdura até depois do ensaio, ainda mais porque ficou o tempo inteiro conosco para se certificar de que nada mais daria errado.
Eu estava muito enganado quando comprovei que somente ela fica inquieta perto de mim.
***

United States, New York — Equinox Hotel

Me largo no espaçoso sofá da sala do quarto quando o mensageiro deixa minhas malas e sai pela porta. Por mais que seja uma viagem de quatro horas entre a Califórnia e NY, são três horas a mais de fuso que deixam minha cabeça completamente bagunçada e meu estômago reclamando por comida agrava ainda mais a situação.
Trato de puxar as malas até o quarto, e por mais que eu goste de relaxar nas banheiras dos hotéis quando viajo de avião, não estou realmente com tanta paciência de virar uma uva passa dentro da água enquanto tenho tanta fome. Tomo um banho rápido e meus músculos tensos relaxam, liberando um pouco do desconforto preso neles. Me jogo na cama depois de estar devidamente vestido e abro as redes sociais, preparando-me para responder alguns directs enquanto passo os olhos pelo menu do serviço de quarto. Nunca fui muito ativo nesses aplicativos, mas é como consigo me aproximar de quem realmente valoriza meu trabalho, e respondê-los é uma forma de demonstrar o quão grato sou por me enviarem tanto carinho.
Coloco Leave Before You Love Me para tocar enquanto faço essa tarefa.
Distraio-me com o barulho da maçaneta da porta de entrada se movendo insistentemente. Em um pulo, me levanto da cama e abro a porta dupla que divide o quarto da sala, sendo capaz de observar a luz do corredor entrando pelo vão entre a madeira e o chão, e uma sombra movimentando-se ali. Olho o interruptor que está ao lado oposto onde estou e desisto de acender a luz no mesmo instante.
Depois de alguns longos segundos a porta se abre, revelando a garota com um olhar divertido no rosto quando seus olhos encontram os meus, provavelmente confusos. Ela usa um vestido com estampas escuras de cumprimento até um pouco abaixo dos joelhos, uma jaqueta de couro e botas pretas. E receber sua visita não anunciada no meu quarto de hotel é tudo que eu menos esperava.
— Como raios você conseguiu entrar? — indago realmente curioso.
— Eu disse que estaria em todos os lugares, lembra? — ela se aproxima, erguendo uma sacolinha transparente em minha frente, e identifico diversos cartões dentro. — Eu tenho acesso aos quartos de vocês, posso entrar a hora que eu quiser. Claro que não vou fazer isso livremente. — lança-os no sofá enquanto se aproxima, e ela tem aquele maldito olhar provocante sem distrair de mim.
— A hora que quiser? — sustento seu olhar sem mover um centímetro sequer ao observá-la tão perto. — Ótimo. — é a última coisa que digo antes de sentir sua boca na minha.
É incrível como pensamos a mesma coisa, ela sabe exatamente o que eu quero sem precisar expor em palavras, e me confirmou isso no momento que me beijou.
— Espera. — interrompo, gerando uma expressão frustrada em seu rosto. — Você não está trabalhando ou algo do tipo?
— Estamos fora do horário comercial. — responde prontamente, voltando a me beijar sem demora.
se movimenta calmamente perto de mim, ela é sutil e urgente ao mesmo tempo, algo que não consigo explicar. Sua boca é perfeitamente sincronizada com a minha e ela sente o arrepio que me causa quando puxa meu lábio inferior entre seus dentes. Suas mãos se erguem dos meus braços até alcançarem meus cabelos, puxando-os delicadamente. Como uma permissão, envolvo sua cintura, guiando-a detidamente na direção da cama e empurrando a porta com um dos pés quando adentramos o quarto.
***
Abro os olhos preguiçosamente, encontrando o quarto escuro sendo iluminado somente pela luz da cidade que passa através da enorme janela ao lado da cama. Tateio a mesa de cabeceira e alcanço meu celular, certificando-me de que ainda não são 06h. Olho o outro lado da cama e contesto que estou sozinho, porém com os lençóis remexidos o suficiente me lembrando que estive acompanhado há algumas horas.
Sentindo que não consigo mais dormir, me levanto e visto um moletom, aceitando que o termômetro do meu celular marca 4 ºC do lado de fora. Coloco os tênis de corrida e desço, certificando-me de passar no buffet do café da manhã para roubar uma maçã, a qual devoro em questão de segundos já que eu não me alimentei na noite anterior. De comida.
Piso na calçada do lado de fora e o vento gelado dá a impressão de cortar a pele, mas é algo que estou acostumado.
— Está um pouco cedo, não acha? — olho para trás e encontro caminhando em minha direção com um sonolento ao seu lado.
— Está um pouco cedo para ele, não acha? — aponto para o garoto que boceja de forma preguiçosa, completamente alheio ao que dizemos.
— Tenho orientações que todos precisam se exercitar. Alguns facilitam meu trabalho e não precisam que eu vá acordá-los para isso. — ela cutuca com o cotovelo e ele parece acordar de um transe.
— Estou com sono. Esqueceu que estamos três horas na frente? Eu odeio jetlag. — esfrega os olhos, dando mais um bocejo. — E está um maldito frio nessa cidade!
— Pare de ser mole e vamos logo. — dou um leve soco em seu braço e ele resmunga.
— Ei, espera aí. — me interrompe quando faço menção de dar as costas, segurando meu punho e virando-me para ele. — Você está com aquela cara.
— Que cara? — indago, tentando disfarçar seja lá o que ele vê.
Aquela cara, ! — de repente seu rosto se ilumina. — Você dormiu com alguém!
— Existe cara para isso? — tenta descontrair, mas me lembrar que ela está aqui não ajuda em nada.
— Eu não estou com cara alguma. Me deitei para dormir assim que chegamos ontem. — minto, torcendo para ele não perceber.
— Você dormiu com alguém, está escrito na sua testa!
— Não tem nada escrito na minha testa! — protesto.
— Acho que deveríamos ir logo, vocês precisam voltar às 07h. — a garota se coloca entre nós, me salvando do julgamento.
— Não precisa falar quem foi, eu vou descobrir! — ele avisa, desafiando-me com o olhar, e sai correndo em nossa frente. e eu trocamos um olhar um tanto aliviados e o seguimos.
***
United States, New York — Rockefeller Center
The Tonight Show with Jimmy Fallon

— Estamos de volta, e aqui comigo está o maior grupo de k-pop do mundo! — Jimmy anuncia e a câmera foca em nós, a plateia grita e aplaude animada. — BTS! — completa, olhando para nós. , , e estão sentados no grande sofá ao lado da mesa do apresentador, e eu, e estamos atrás, alocados em bancos altos. — Muito obrigado por aceitarem o convite e virem até aqui!
— É um prazer para nós estarmos em seu show. — sorri com suas covinhas e a plateia grita.
— Tudo certo na viagem até aqui? — o apresentador pergunta.
— É difícil passarmos pelo calor de LA e o frio de NY em menos de 24 horas, mas estamos felizes em estar aqui! — responde, sorrindo simpático.
— Você também precisa nos visitar em LA. — convida.
— Com toda certeza! — Jimmy sorri surpreso. — Vamos ao trabalho! — prossegue, dando continuidade ao show. — Como nós sabemos, vocês conquistaram um lugar nos ouvidos de todas as pessoas, escutamos BTS em todos os lugares, vocês estão no topo dos charts da Billboard por diversas semanas seguidas. — ele fala virado para o grupo. — Nos digam, como é lidar com toda essa atenção? A agenda lotada, shows, ensaios, gravações... Sobre algum tempo para aproveitarem a vida pessoal?
— Sempre que temos uma brecha, fazemos o que gostamos. — começa. — A empresa que nos gerencia promove algumas coisas legais também. Temos alguns programas como o In The Soop e o Bon Voyage que apesar de serem gravados, é bom passarmos um tempo em grupo sem pensar em todas as obrigações que temos com o trabalho pesado.
— Alguns episódios do Run são tão divertidos que sequer percebemos que estão nos filmando. — completa.
— Temos nossas férias, que é o único momento em que nos separamos porque cada um tem alguma coisa para fazer. Mas se eu pudesse passá-las com os membros, também seria divertido. — completa, sorrindo um pouco tímido.
— E o que gostam de fazer no tempo livre? — Jimmy pergunta.
— Gosto de visitar museus, quando estamos em outros lugares e culturas sempre procuro um tempo para fazer isso. — continua. — gosta de jogos, ele passa horas nos videogames. — encara o mais velho e todos rimos. — , conte o que gosta de fazer, não vão acreditar se eu contar!
— Muitas pessoas acham que eu sou doido por gostar de produzir músicas em meu tempo livre, porque realmente não sinto o peso de um trabalho nisso. — completa dando um breve sorriso, ele sempre foi o mais sério de nós. — Mas também gosto de jogar basquete, acho que não conta realmente como um trabalho.
— Ele tinha o sonho de ser jogador de basquete, porém não cresceu o suficiente para isso. — cutuca com o cotovelo e trocam um sorriso, fazendo a plateia inteira rir.
poderia passar o dia inteiro comendo e dormindo, são os hobbies preferidos dele. — chama minha atenção, fazendo-me sorrir.
— Aproveitando o assunto, como é a rotina de vocês? Digo isso porque não podemos viver em função do trabalho 100% do tempo. — Jimmy tem um sorriso quase colado no rosto, suas bochechas provavelmente dormentes de manter o movimento por tanto tempo.
— Procuramos nos alimentar bem sempre que podemos, temos horários para dormir e fazer exercícios, são coisas que nos mantém em forma. — desenvolve extremamente bem qualquer tipo de entrevista, sua concentração é invejável enquanto os demais ficam sempre se cutucando ou interagindo silenciosamente com o público. Não tiro minha parcela de culpa disso.
— Quando estamos em turnê, manter tudo isso fica mais difícil. Acredito que o sono seja o mais prejudicado, são muitos fusos horários diferentes em pouco tempo, poucas horas de sono... Estamos exaustos no último show. — complementa.
— Acredito que seja o único que consegue manter os exercícios. Independentemente de onde estamos, ele sempre sai para correr, vai até a academia, e isso nos incentiva a não perder o hábito. — me olha e eu consinto.
— São coisas que me ajudam no desempenho em todas as tarefas que temos a fazer no palco. As danças são muito complexas, e cantar ao mesmo tempo que fazemos uma coreografia é desafiador. Sinto que os exercícios melhoram minha capacidade, então sempre procuro puxá-los comigo. — finalizo, dando mais um sorriso. Gosto de talk shows, porém sorrir o tempo inteiro faz os músculos da minha face tremerem.
— Então todos cuidam muito bem da aparência, podemos comprovar isso! — Jimmy comenta, tirando uma risada de nós. — Quem de vocês usa mais desse atributo? — arqueia as sobrancelhas em nossa direção, um olhar totalmente sugestivo. — Sabe... O mais paquerador?
— Ah, essa é uma boa pergunta! — exaspera, olhando para nós. — Quem vocês acham? — indaga e sem pensar, todos apontam para mim, proferindo meu nome em uníssono.
— Eu? Claro que não! — tento me defender, e naquele momento pude sentir meu rosto pegando fogo. Não gosto de entrar em assuntos como esse em rede nacional, sempre tenho dificuldade em me expressar da forma certa e ridiculamente me embaralho com as palavras. — Com certeza é o !
! — Jimmy profere meu nome com certo divertimento.
— Ele não gosta de falar sobre isso em público. — tenta me defender e eu agradeço internamente por isso, não estou realmente com vontade de gaguejar na frente de tantas pessoas. — Acho que na verdade cada um tem um momento.
— Não é para menos! — o apresentador continua divertido. — Vocês não conquistaram somente nossos ouvidos, conquistaram também nossos corações! E alguém conquistou o coração de vocês?
— Estamos tão focados em nossa carreira nesse momento que não pensamos sobre isso. — continua, tentando demonstrar que não é para insistir tanto nesse assunto. — Estamos aproveitando a vida!
— Muito bem! As fãs terão que esperar um pouco mais! — todos riem. — Vamos para os comerciais e em seguida teremos BTS apresentando três hits no nosso palco! Fique ligado!
***
United States, New York — The Halph Lauren Polo Bar

— Foi uma boa entrevista, . — Adam comenta enquanto adentramos o restaurante. — Mesa para 10, por favor. A reserva está em nome de Adam Miller. — pontua para a hostess do restaurante.
Todos conversam sobre assuntos aleatórios enquanto estou atrás, tentando de todas as formas esconder meu rosto no boné dos paparazzo que praticamente se grudam no enorme vidro que separa o restaurante do lado de fora. Eu sinto fome, e após performar Fire, Black Swan e BS&T ao vivo, meu corpo praticamente grita por um descanso.
, e conversam descontraídos em minha frente, e ri tão alto de cada palavra que ela diz que não consigo deixar de rir de sua espontaneidade.
— Seria ótimo aproveitar uma festa em NY, mas voltamos para LA amanhã cedo. — repreende e o mesmo a encara com uma careta frustrada.
, peça para nos levar em uma festa. — ele me direciona a frase e está com aqueles enormes olhos voltados para mim.
— Mesmo se ele pedir, a resposta continua sendo a mesma. — ela responde. — Me desculpem, mas precisam descansar. Vão me agradecer por isso depois. — pisca com um dos olhos para nós e finalmente somos direcionados à enorme mesa ao fundo do restaurante, onde há um menor movimento de pessoas.
, olha só pro . — cutuca o que estava ao seu lado e ambos me fitam. — Pela cara dele, suspeita que tenha acontecido algo?
— Sobre o que estamos falando especificamente? — admira meu rosto assim como . Rolo os olhos já sabendo onde aquele assunto vai chegar.
estava comigo de manhã quando encontramos ele no lobby do hotel com aquela cara. — explica, e abre a boca de forma surpresa.
, você dormiu com alguém? — indaga quase em um sussurro, ele não quer chamar a atenção dos demais.
— Idiotas! — respondo tentando conter uma risada, pois apesar de não querer que ambos descubram sobre mais uma noite com , é uma situação que mostra o quanto eles me conhecem.
— Vocês homens são muito esquisitos. — a voz de surge no meio de nós. — Como podem dizer que ele dormiu com alguém só pela cara? — ela está sentada ao meu lado, então me cutuca com o cotovelo de forma descontraída.
— Eles não podem dizer. — respondo dando um gole no vinho disposto na taça em minha frente. — Eles falam isso para me encurralar e eu contar o que fiz. Mas a verdade é que dessa vez eu não fiz nada! — fixo os olhos neles novamente, principalmente em , torcendo para ele entender o que eu quero falar somente em uma expressão.
— Não sei se acredito. — olha desconfiado.
— É verdade. Ontem quando fui ao quarto de vocês verificar se estava tudo certo, já estava no quinto sono. — mente e por um instante parece acreditar.
— Você precisa parar de lutar contra os fatos. — pisco com um dos olhos para ele, rindo em seguida.
— Vamos ao que interessa? — Adam chama a atenção de todos e miramos para ele. — , você gostaria de contar a novidade? — incentiva e ela assente.
— Como se sentem sobre uma turnê mundial?
— Mundial? A partir de quando? — questiona um pouco ansioso, se o conheço bem.
— Pensamos em começar o quanto antes. — responde, fazendo o intermédio entre o grupo e os produtores, mas na verdade ele tenta nos acalmar quando as notícias parecem intensas demais. — Fiquem calmos, temos tudo bem planejado.
— Quais são os planos? — é a vez de questionar.
— Temos toda a parte estrutural organizada. Pensamos em iniciar aqui nos Estados Unidos, ir até o México e América do Sul, seguir para Europa e finalizar na Ásia, com alguns shows no Japão e um de encerramento em Busan. — ela explica tudo de forma detalhada, e seu tom de voz transmite certa calma.
— Queríamos discutir as cidades com vocês. — Adam toma a fala.
— E queríamos a opinião de vocês no título, músicas a serem performadas, afinal quem faz o trabalho duro são vocês. — finaliza, lançando-nos um sorriso compreensível.
— Eu acho uma superideia! — comenta. — Afinal, faz um tempo desde a última turnê mundial, seria legal poder ver ARMY do mundo inteiro novamente! — ele é exageradamente animado.
— Se planejarmos tudo direito, não tem como dar errado. — comento, dando de ombros. — Está um pouco em cima da hora, mas tenho certeza que quando divulgarmos, os fãs vão adorar!
— Eu pensei em divulgar algo como “BTS World Tour: Love Yourself”, e podemos fazer um compilado das músicas de todos os álbuns que tiveram mais sucesso nos últimos anos. — explica conforme bebe seu vinho, belisca algumas crostatas e anota os principais pontos em seu iPad. Repenso várias vezes como ela consegue fazer tudo ao mesmo tempo.
— Gosto do nome! — comenta animado. — Acho que podemos discutir amanhã sobre a setlist. Chegamos por volta das 10h em LA, conseguimos nos reunir para definirmos todas as músicas.
— Sim! — exaspera, respondendo tanto ao comentário de quanto a bandeja de comida que começa a ser servida em nossa mesa.
— Um brinde! — Ji-hoon finalmente sai do celular, erguendo a taça no centro da mesa. — À turnê Love Yourself! — diz animado e todos nos juntamos a ele.
***

United States, Los Angeles — Hidden Hills

Sinto minha cabeça pesada e abro os olhos no mesmo instante, sendo incapaz de enxergar à minha frente. Está embaçado e escuro.
Escuro?
Tento erguer um dos braços para esfregar os olhos, porém meu corpo inteiro dói, é como se algo estivesse me esmagando.
Faço um pouco mais de esforço e alcanço meus olhos, conseguindo esfregá-los. As pontas dos meus dedos umedecem em um líquido quente e viscoso. Sangue.
Conforme minha consciência é recuperada, elevo os dedos até minha cabeça e sinto um corte de alguns bons centímetros, pelo que consigo calcular. Ele está úmido e fresco, indicando que é dali que sai todo o sangue que banha meu rosto.
Minha cabeça continua pesada porém consciente, consigo enxergar que estou dentro do carro, o vidro para-brisas em minha frente estilhaçado em milhões de pedacinhos. Olho para o lado e vejo o asfalto com um poste de luz iluminando o ambiente, só então percebo que o carro está de ponta cabeça. Uma dor excruciante atinge a região do corte, se expande por toda a cabeça, descendo pela nuca, coluna e terminando na ponta dos pés. Puxo todo o ar que consigo para dentro dos pulmões, fazer essa função de forma natural de repente se tornou muito difícil. Meus olhos pesam para se entregarem à inconsciência, mas preciso lutar para continuar acordado.
Espera. Eu não estou sozinho.
Sinto a presença de alguém ao lado de fora do carro, no meio do asfalto.
Viro minha cabeça na direção e consigo visualizar os cabelos lilás sem demora. Identificar aquela imagem me traz uma sensação instantânea de alívio. Ela está aqui, não estou sozinho.
— Amy. — falo, porém a voz sai completamente falha, um sussurro. Tento limpar a garganta antes de proferir novamente o seu nome. — Amy! — consigo e seu olhar se direciona a mim.
Com muito esforço espremo os olhos e pude vê-la mover os lábios, porém não escuto nenhum som. Ela continua movendo a boca, e percebo que repete a mesma frase em um looping.
— Amy! — falo um pouco mais alto e seus joelhos cedem no asfalto. — Não te escuto! — grito e ela continua mexendo os lábios, ajoelhada no meio da rua, segurando os cabelos nas laterais da cabeça e transparecendo um desespero sobre-humano.
Desespero.
De repente o sentimento toma conta de cada extremidade do meu corpo. Minhas palmas começam a suar, o coração começa a acelerar e o ar faltar em meus pulmões. Rapidamente seguro a fivela do cinto, apertando a trava de segurança para me livrar dali, porém está emperrado.
— Amy, espere, estou indo! — grito enquanto forço a fivela, sem sucesso.
Olho para a imagem da garota completamente em pânico no asfalto e alguém a acompanha, mas não consigo ver o rosto. Seu acompanhante está vestindo uma espécie de capa preta com um grande capuz que tampa qualquer resquício de pele, impossibilitando ser identificado. Quando ela parece sentir a presença, sua feição fica ainda mais atônita, e ela tenta gritar, porém nenhum som é proferido. Me debato no banco para tentar soltar o cinto, mas ainda está emperrado. O fato de o sangue escorrer com mais intensidade por meus cabelos não é algo que me impede. Eu preciso sair daqui.
Eu preciso sair daqui.
! — seu grito chega até mim e olho novamente para sua imagem, sendo completamente coberta pela capa preta. — Por favor, me ajude!
Por algum motivo não consigo mais me mover. Eu sinto meu cérebro enviar os estímulos para minhas pernas e braços, mas eles estão imóveis, congelados.
— ME AJUDE! — ela grita novamente e quando a encaro, está sendo puxada para longe. — , POR FAVOR ME AJUDE! — insiste enquanto lágrimas escorrem por suas bochechas vermelhas.
Tento novamente me mover, mas a sensação de paralisia é angustiante. Eu quero sair correndo e buscá-la, mas sou incapaz.
!


Abro os olhos no mesmo instante e a imagem de toma minha visão.
— Cara, você está bem?! — ele tem os olhos arregalados de preocupação.
Tento de todas as formas processar o que acabou de acontecer. Ainda sinto a respiração acelerada, a cabeça pesada e o coração quase saindo pela boca. Meu corpo inteiro dói e eu juro por breves segundos que tudo foi real. Ergo a mão em minha cabeça em busca da cicatriz, porém não sinto nada, somente meus cabelos úmidos de suor.
Olho ao meu redor e está parado na porta do quarto com os olhos assustados e a mão no peito, ofegando como se tivesse acabado de correr uma maratona. Encaro novamente e ele tem uma expressão assustada estampada no rosto.
? — me segura pelos ombros, atraindo novamente minha atenção que divagava em todos os lugares. — O que houve?
— Eu... Eu... — tento, porém as palavras parecem grandes demais para passarem por minha boca.
, você nos deu um baita susto! — adentra completamente o quarto, sentando-se na ponta da cama.
— O que aconteceu? — indago confuso.
desceu desesperada dizendo que você estava gritando. Nós subimos no mesmo instante, já sabíamos o que estava acontecendo. — explica, ainda me segurando pelos ombros de forma cuidadosa.
?
— Sim. Depois que terminamos de discutir os detalhes sobre a turnê e você subiu para dormir, ficamos lá embaixo conversando sobre assuntos aleatórios. Ela veio ao banheiro e em menos de três minutos estava lá embaixo assustada com seus gritos. — explica calmamente.
— Eu não sei o que aconteceu... Eu... Foi um pesadelo fodido. — enterro o rosto nas mãos, soltando uma respiração pesada.
— Você precisa voltar ao médico, . — aconselha ainda preocupado.
— Eu não sei...
— Ele está certo, . — interrompe minha resistência. — Isso está voltando com frequência, precisamos que faça isso antes da turnê. Não vai ser nada legal ter um desses episódios em cima do palco.
— Não falamos somente por isso. Mas é por você, cara. — completa. — Vamos na segunda-feira.

Capítulo 5 – I don’t wanna know what it’s like when you’re gone

Antes


United States, Los Angeles – Westlake Village

Largo a última mala no chão de madeira quando finalmente passo pela porta.
Observo o quarto, sorrindo com todos os detalhes da decoração ainda um pouco infantis e com as lembranças que o acompanham. Ali eu passava as férias quando vínhamos da Coreia para visitar meus avós, então nunca pensamos em reformar, é trabalho demais para ser usado em situações pontuais.
Depois que meu pai nos deixou, minha mãe achou que o melhor era voltarmos para Los Angeles assim que eu terminasse a escola, e foi exatamente o que fizemos. Por mais que tenha sido difícil me despedir de e , entendi que era muito mais difícil para minha mãe ficar longe de sua família quando ela mais precisava. Não foram dias fáceis depois que meu pai saiu pela porta, deixando-nos muito assustadas, mas um pouco aliviadas.
Minha mãe precisou trabalhar o dobro para sustentar nosso aluguel e os custos da casa, e eu quase não a via. Muitas vezes, por medo de ficar sozinha e ele aparecer, e passavam a noite comigo, garantindo minha segurança e tentando me distrair das coisas ruins que enchiam minha cabeça.
No último ano da escola, comecei a aplicar para universidades da Califórnia, e não demorei a receber diversas cartas de aceitação. Na minha área de desejo, Stanford tem um corpo docente incrível e que me deu a certeza de que é lá que eu quero me formar. Isso me deixou animada em ter um novo começo, mas dar a notícia para os meninos foi algo realmente desafiador. Eles ficaram tristes com a minha partida, mas felizes por eu realizar um sonho longe das memórias ruins que foram criadas nos últimos anos.
E agora, depois de voltar para casa, me sinto verdadeiramente feliz.
, querida. Seu avô está terminando o jantar, desça para comer. — minha avó para na porta do meu quarto.
— Já vou, nonna. Estava aqui olhando tudo isso e tendo algumas lembranças. — respondo para ela, voltando-me para a janela e apoiando-me no banco almofadado acoplado logo abaixo da madeira.
— O garoto da casa do lado saiu na semana passada para a faculdade, . — encaro-a de imediato e sorrio.
— Eu não estava pensando isso! — me defendo e ela me lança um sorriso sugestivo. — Lily também?
— Sim, Lily e os pais se mudaram faz pouco tempo para outra cidade.
Lily era a vizinha do lado direito e Noah do lado esquerdo. Sempre que eu visitava Los Angeles, passávamos as férias inteiras grudados feito chicletes, íamos para todos os cantos juntos. Cinema, shopping, brincávamos na rua, íamos à praia. Inclusive muitas vezes até dormíamos juntos nos acampamentos arranjados por meus avós no jardim dos fundos.
Sempre que nos encontrávamos, tínhamos um ano de diferença entre a última visita, e as mudanças físicas ficaram cada vez mais evidentes. Lily começou a namorar um garoto mais velho, mas ele não se identificava com as coisas que gostávamos de fazer em grupo.
Um belo dia, Noah e eu entramos em um acordo de termos a primeira vez juntos. Foi uma porcaria, até que não era mais. O passar dos anos acabou criando uma atração mútua entre nós, e então resolvemos passar as férias aproveitando de uma amizade com benefícios extras até um dos dois começar a namorar. Noah era um verdadeiro príncipe na época, então claro que não demorou a ter uma namorada para chamar de sua.
E eu fiquei sozinha outra vez.
***

United States, Los Angeles – Vons Supermarket

Nonna Angela, a senhora não pode comer tantos doces, está um pouco acima do peso! — comenta ao lado da minha avó enquanto empurra o carrinho de compras com ela.
— Garoto abusado! — ela responde olhando para ele. — Já viu o tamanho do seu traseiro? Está enorme!
— É um decreto, a partir de amanhã todo mundo entra na dieta. — o garoto rebate, tentando impedi-la de colocar o saco de M&Ms no carrinho.
— Quem você pensa que é? Está passando as férias na minha casa e quer determinar o que podemos ou não comer?
— Exatamente isso! — diz como se fosse óbvio e os dois trocam um sorriso.
— Eles parecem gato e rato. — comenta mais baixo, assistindo a cena em sua frente assim como eu.
— Minha avó adora vocês. — pontuo, acompanhando os passos mais lentos do garoto ao meu lado enquanto os outros caminham mais à frente. — Por mais que muitas vezes ela tenha vontade de torcer o pescoço de .
— Quando você vai embora para a faculdade? — seus olhos encontram os meus e logo desvio para uma das prateleiras, não quero que ele veja a dificuldade que tenho em mantê-lo.
— Quando forem embora na semana que vem. — respondo simplesmente, evitando o contato visual. É malditamente difícil encará-lo por muito tempo. — Mas quero que me visitem no campus quando puderem, está bem?
— Vamos garantir que estão cuidando de você. — ele sorri e me abraça de lado.
— Se não forem famosos demais até lá, claro.
— Acabamos de debutar, . Isso não vai acontecer tão cedo.
— Nunca duvidei do potencial de vocês, . Tenho certeza de que serão grandes! — vejo seus olhos sorrirem quando finalizo essa frase. — E quero visitá-los quando puder. Preciso conhecer os outros membros do grupo!
— Você nem imagina quem está no nosso grupo.
— Quem?
— O seu gato do teatro, acredita?
— Não! — exaspero, sorrindo. — Mas como?
— O garoto manda bem em tudo, . Pense em qualquer coisa, ele sabe fazer.
— Por essa eu realmente não esperava!
— Quando você for até a Coreia, vou ter certeza de que ele estará longe. — dispara e o encaro em dúvida. — Ele era seu gato do teatro, quem me garante que não vai querer continuar de onde pararam?
— Eu já disse que foi só teatro, ! — dou um tapa em seu braço e ele sorri. — Eu não ligava para ele naquela época, certamente não vou ligar agora, posso te garantir. E orientais não fazem meu tipo. — minto e gargalhamos alto.
Nonna Angela, largue esse bolo agora mesmo! — grita do fundo do corredor quando seus olhos captam minha avó escolhendo um dos bolos da padaria do mercado.
— Vou acertá-lo na sua cabeça, garoto. — ela ameaça.
— Só vamos levar se for o bolo de chocolate com cobertura e recheio de chocolate. — segreda para ela, mas conseguimos ouvir.
, querido. Você precisa ensinar esse garoto a ser mais educado. — minha avó passa as mãos no rosto de , apertando suas bochechas levemente. — Espero que case com você um dia.
***

United States, Stanford – Stanford University

, não hesite em me ligar se quiser voltar para casa, tudo bem? — o sorriso que fica constantemente estampado no rosto de minha mãe dá lugar a olhos marejados e um bico nos lábios.
— Ficarei bem, mamãe. — asseguro e ela não demora para me abraçar.
— Vou sentir sua falta, criança. — ela funga, apertando os braços em volta do meu corpo. — E não esqueça que a vida sexual fica mais ativa na faculdade, deixei preservativos dentro da sua mala.
— Meu Deus! — rio em seu abraço. — Mamãe, fique tranquila. Estou na faculdade para estudar e ser a melhor publicitária do campus, não vou me distrair com essas coisas.
— Eu duvido, mas se você diz... — se separa de mim, ainda sorrindo. — Preciso ir. Seus avós estão sozinhos e sabe que não posso deixá-los por muito tempo.
— Oh, sim! Da última vez vovô deu uma festa com um grupo de motoqueiros e foi a maior bagunça! — gargalho com a lembrança.
— Eu te amo, . Se cuide. — minha mãe me abraça novamente e finalmente entra no carro.
Estou animada em começar a faculdade e com todas as experiências que me aguardam. Sempre fui “irritantemente sociável”, como diz meu avô, então esse não é um fator que me assusta.
Mesmo lutando para me manter nos eixos, ver o carro sumindo no fim da rua faz meu coração apertar. Nunca fiquei longe da minha mãe por tanto tempo, e agora temos seis horas de distância entre nós.
No caminho de volta para o dormitório, resolvo passar em um café para beber algo e aproveitar para conhecer os arredores. Todos aparentam ser jovens demais, e é esquisito não ter a presença de pessoas mais velhas por perto.
— No que posso te ajudar? — o garoto de óculos atrás do caixa indaga com sua voz esganiçada e sorriso cativante.
— Quero um frapuccino descafeinado com leite de amêndoas. Gostaria de acrescentar xarope de morango na base e espuma de chocolate no topo, tudo bem? — respondo enquanto olho o painel de opções acima de sua cabeça. — Quero adicionar um cookie de frutas vermelhas ao pedido.
— Certo. Frapuccino descafeinado com leite de amêndoas, xarope de morango na base e espuma de chocolate, e um cookie de frutas vermelhas. Confirma? — seus olhos leem rapidamente o computador.
— Isso. — assinto, retribuindo o sorriso.
— Qual nome posso colocar no copo?
, por favor.
— Obrigado! Seu pedido ficará pronto em breve. — explica enquanto eu digito a senha na máquina do cartão.
Viro-me para sair da fila, mas esbarro em algo grande. Algo não, alguém.
Ergo o olhar para cima, alguns bons centímetros acima de mim, e orbes verdes encaram-me sorridentes. Ele tem sobrancelhas grossas e claras acima dos olhos, e os cabelos são de um tom loiro escuro com algumas mechas mais claras acentuadas pelo Sol. Suas bochechas e nariz estão levemente corados, indicando que suas férias foram bem aproveitadas na praia, talvez, e um sorriso alinhado acompanhado de uma covinha afundada no queixo brinca em seus lábios. Ele tem traços marcantes, uma mandíbula forte e bem desenhada. Seus ombros são largos, capazes de tampar a maior parte da visão que eu tenho atrás dele. Ele usa uma camiseta branca ligeiramente justa nos braços que evidencia seus músculos e o tom bronzeado da sua pele.
Provavelmente é uma atleta de futebol, o físico o entrega completamente.
— Me desculpe. — peço gentilmente, dando um passo para o lado para sair de sua frente, mas não consigo parar de olhá-lo.
— Sem problemas. Eu entrei aqui para encontrar a garota que deixou isso aqui cair no meio do campus. — ele ergue uma correntinha diante dos meus olhos, que se arregalam assim que encontram o objeto. Toco algumas vezes no pescoço para me certificar que é realmente minha, e só então percebo que não estava comigo.
— Oh, meu Deus! — exaspero, pegando-a de sua mão. — Eu não percebi que tinha caído. Obrigada!
— Não há de que, . — suas sobrancelhas se erguem para mim, novamente acompanhadas de um sorriso. — Pela sua reação, vejo que é algo importante.
— Ah, ganhei do meu pai quando era muito pequena. — explico brevemente, sem querer entrar em detalhes. — Mas, espera, como sabe meu nome?
— Escutei você fazendo seu pedido. E, por sinal, a combinação que pediu é um pouco... Peculiar.
— Fica uma delícia! — me defendo.
— Podemos testar isso se aceitar uma companhia para o café.
Ele está realmente se convidando para ser minha companhia? Isso foi mais fácil do que imaginei.
Aceito sua sugestão e assim que ambos os pedidos ficam prontos, escolhemos uma mesa perto da janela com vista para o prédio da reitoria, que é enfeitado por uma grande fonte na faixada. O dia está incrível lá fora, o Sol brilha no céu azul sem resquícios de nuvens e combina perfeitamente com o garoto sentado à minha frente.
— Pelo jeito que você olha tudo, posso dizer que é seu primeiro dia aqui, certo?
— Acertou em cheio. — respondo, voltando a olhá-lo, e, droga, ele é sem dúvidas um dos garotos mais bonitos que vi na vida.
— Em qual curso você está matriculada? — o garoto sem nome parece interessado em me ouvir falar enquanto brinca com o canudo entre os lábios, e eu demoro um tempo para pensar na resposta porque acho o gesto muito convidativo.
— Publicidade e propaganda.
— Oh, isso é interessante! Me conte um pouco mais.
— Desde muito pequena eu sempre tive ideias criativas demais dentro da minha cabeça, então precisava de algo para colocá-las em prática. E aqui estou eu. — sorrio brevemente, direcionando minha atenção para seus olhos já que todo o resto me faz querer agarrá-lo. — E você?
— Estou no terceiro ano de Direito. Acho que talvez resolver conflitos e julgar casos é a minha coisa.
— Hm... — analiso sua expressão e consigo identificar que ele me olha da mesma forma que eu faço. — Então você quer ser juiz?
— Digamos que... Gosto de colocar ordem nas coisas. — ele sorri novamente e sinto minhas entranhas derreterem.
Vou me apaixonar por você, garoto sem nome.
Contesto isso quando sinto meu coração batendo rápido demais por simplesmente observar alguém tomar café.
Pessoas entram e saem diversas vezes do café, mas tudo parece não existir ao nosso redor, eu só quero ouvi-lo e ter mais tempo com ele. Quero mais tempo para observar seus olhos verdes, os cabelos loiros, o sorriso alinhado, ouvir sua gargalhada, e entender que esses olhos são os mais bonitos que já encontrei, o sorriso é o mais perfeito de todas as pessoas que já sorriram para mim. O som de sua risada soa como música para meus ouvidos e não quero que ele pare de fazer isso nunca mais.
Eu quero tocá-lo, sentir se sua pele é quente como ele, se cheira tão bem quanto aparenta, se seus cabelos levemente ondulados são macios, se sua boca beija tão bem quanto brinca com o canudo.
Os minutos se tornam horas enquanto conversamos sobre assuntos aleatórios.
Fomos de universidade para gostos particulares, o que fazemos em horas vagas, esportes, programas de televisão favoritos, livros favoritos, habilidades, hobbies, animais de estimação, acontecimentos da infância. Descobri que o garoto sem nome gosta de calor e praia – o que não é uma novidade –, surfa nas férias e admitiu ser particularmente bom nisso, e joga futebol americano pelo time de Stanford que ganhou alguns dos últimos campeonatos. Apesar de gostar de ler, ele não é muito fã de estudar, mas se esforça mesmo assim. Ele tem um cachorro de estimação na casa dos pais, um labrador chamado Spike, do qual sente muita falta e gostaria de poder trazer ao campus.
Descobri que ele é realmente muito dedicado e apaixonado em tudo que faz. Pude dizer isso pela forma que me contou suas histórias cheias de detalhes, sempre sorrindo com os olhos em cada uma delas.
Já está escuro do lado de fora quando finalmente me dou conta que já se passam um pouco das 20h. Decidimos sair para que pudessem fechar o café e ele me acompanha até o dormitório, andando ao meu lado de forma descontraída, com as mãos dentro dos bolsos da calça.
— Eu já sei o nome do seu cachorro, mas ainda não sei o seu. — encosto-me no batente da porta aberta, amaldiçoando-me por não conseguir tirar os olhos dos dele.
— Justo. Primeiro tenho uma dúvida. — ele se apoia com a mão no batente, ficando um pouco mais perto e me permitindo sentir o cheiro incrível do seu perfume.
Esse definitivamente é meu novo cheiro favorito.
Você cheira maravilhosamente bem, garoto sem nome.
é seu nome mesmo ou é abreviação?
é de . — admito sorrindo, tentando disfarçar o tanto que inalo para absorver o máximo que posso de seu perfume.
— Muito prazer, . — sua mão se estende em minha direção, e o sorriso nos olhos está novamente aqui. — Eu sou Will, de William.
***

United States, San Jose – San Jose International Airport
Primeiro Spring Break


Olho no relógio do celular pelo que parece ser a quinta vez e além de ver que passou mais de uma hora, não tinha sinal de vida de ninguém.
Pessoas passam apressadas por mim, correndo para todos os lados com suas malas, e eu espero apreensiva no portão de desembarque enquanto quase tenho um ataque cardíaco com cada um que aparece em minha frente.
Faz exatamente uma hora que o voo pousou, e minhas mãos suam de tanta ansiedade. Eu mal pude contê-la durante a hora que dirigi de Stanford até San Jose.
A ansiedade se dissipa quando meus olhos finalmente encontram os dois garotos sorridentes caminhando em minha direção. Não penso muito antes de correr e abraçá-los, sentindo toda a saudade escorrer para fora do meu corpo.
— Ah, ! Quanto tempo! — finalmente diz com a voz abafada por meu abraço.
— Eu quase morri do coração! — exaspero, ainda abraçando os dois.
— Calma, você vai quebrar nossos ossos! — Tae reclama, mas posso escutar sua gargalhada fazer cócegas no meu ouvido.
— Faz uma hora que o avião pousou! Podiam ter me enviado uma mensagem! — dou um tapa no braço de quando os solto.
— Estamos sem serviço de telefone, . — se defende.
— Vamos. Precisamos comprar chips para os celulares e quero apresentá-los ao campus antes de irmos para a festa.
***

Estamos parados há alguns minutos na frente da enorme casa do time de futebol que fica há alguns minutos do campus. Existe um gramado com várias pessoas do lado de fora, e mais algumas entrando pela porta da frente. A música alta pode ser ouvida de longe e garotas estão paradas na entrada com tintas neon pintando a todos, enfiando um shot de tequila pela garganta como um prêmio de boas-vindas de cada pessoa que passa pela porta.
— Antes de entrarmos, , por favor me prometa que não vai exagerar. — peço, puxando ambos pelo punho quando chegamos ao gramado da casa. — E você também. — me direciono a .
, esse é nosso primeiro Spring Break, claro que vamos exagerar. — me lança um sorriso animado.
— E o trabalho de vocês?
— Começamos no grupo faz pouco tempo, o BTS ainda não é famoso, agora é o momento para aproveitarmos. — defende o amigo, fazendo-me rolar os olhos enquanto rio.
Entramos na casa assim que nossos corpos e rostos são cobertos de tinta e a luz negra os faz brilhar. Eu caminho na frente entre as pessoas, em direção ao bar montado ao fundo, e me segue junto de . insiste incansavelmente por um shot de tequila, e depois de pedir para o acompanharmos, finalmente cedemos.
Impossível esquecer a sensação de queimação do líquido passando por minha garganta, consigo sentir cada mililitro se dissipando pelo meu corpo assim que engulo completamente a bebida.
— Você veio! — viro-me na direção da voz que me chama e encontro Will com seus olhos verdes caminhando até mim. — Achei que não te encontraria aqui! — ele tem um sorriso combinado com uma camiseta regata branca e tintas coloridas brilhando por seu rosto, pescoço e braços.
— Estou aqui! — comemoro também, sorrindo e o abraçando. — Esses aqui são e , meus amigos da Coreia. — apresento e eles se cumprimentam com um aperto de mão, mas por algum motivo, não gosta muito do gesto.
— Venha, vamos dançar! — Will me puxa pelo punho, olhando para os meninos em um pedido de permissão
— Volto logo. — aviso, piscando para ambos.
— Acho que seu amigo não gostou de mim. — Will fala perto do meu ouvido quando chegamos no meio da pista de dança.
é como um irmão mais velho, ele fica desconfiado. — respondo em seu ouvido, podendo sentir seu perfume sendo um pouco mais memorizado no meu nariz. — Não tem com o que se preocupar. — asseguro e ele sorri. Maldito sorriso.
Alguma música eletrônica aleatória toca alto, mas tê-lo perto me faz esquecer tudo ao nosso redor. É como se fossemos somente nós dois.
Will se move com a música, me puxando para meu corpo acompanhar o seu. Ergo as mãos até seu pescoço, tomando a liberdade de acariciar sua nuca levemente, e seus olhos fixos nos meus são um sinal de que ele gosta. Ter esse contato por muito tempo me deixa desconfortável, e sentir meu coração bater tão rápido me dá a impressão de que as costelas vão se quebrar em breve.
É algo surreal. Nunca imaginei que um ser humano pudesse sentir o tanto de coisas que estou sentindo. É tudo demais para mim. Suas mãos encaixadas perfeitamente na minha cintura, seu corpo tocando o meu, sua respiração banhando meu rosto. Estou prestes a entrar em surto.
Desvio os olhos para sua boca entreaberta, e os lábios se curvam em um sorriso quando ele contesta isso. Sigo para seu pescoço, ombro, braços, acompanhando o caminho que as tintas trilham em seus músculos. Seus dedos tocam meu queixo, erguendo minha cabeça para olhá-lo novamente, e, dessa vez, os verdes parecem mais intensos que nunca.
Estou me apaixonando por você, Will.
Enquanto escuto minha cabeça gritar em meus ouvidos e meu coração quase sair pela boca para agarrá-lo, Will se aproxima lentamente de mim, encostando nossas testas e narizes por alguns segundos.
Não me responsabilizo pelo que vai acontecer em seguida se você me beijar, Will.
O espaço entre nós fica cada milésimo menor, e as cócegas dos seus lábios nos meus faz minhas pernas tremerem.
Agarro seus ombros com força quando sua boca cobre a minha, pois com certeza cederia no chão caso não o fizesse. Nunca senti algo parecido em toda minha existência, parece noite de ano novo e fogos de artifício explodem dentro do meu estômago. Quando sua língua toca na minha, sinto as memórias de todos os outros beijos que já recebi se esvaírem da minha cabeça.
De repente, ele é o único que quero sentir, o único que quero provar.
Contesto, exatamente um mês depois de conhecê-lo, que estou apaixonada por Will.

***


, estou falando com você! Não me dê as costas! — exaspera em meus calcanhares ao adentrarmos o campus.
— Me deixe em paz! — rebato, firmando ainda mais meus pés no asfalto.
— Vamos dormir no mesmo quarto, como espera que eu te deixe em paz?
— Encontre e durmam juntos em um hotel!
— Vamos conversar. — pede, a voz um pouco mais mansa.
— Não sei se quero. — abro as portas do dormitório e rapidamente estou em meu quarto com entrando exatamente um segundo depois.
— Precisamos nos resolver, .
— Não vamos nos resolver enquanto não aceitar que agora estou na faculdade e vou me relacionar com outros. — viro-me para ele, finalmente encontrando seus olhos que rapidamente fixam-se nos meus.
— Aquele cara é muito esquisito, ! Não me parece uma boa companhia! — seu tom de voz se eleva, e me sinto instantaneamente intimidada pelo seu timbre mais grave. — Não acredito que você beija um cara que acabou de conhecer!
— Ah, e tudo bem quando você faz isso? Quanta hipocrisia!
— Só estou tentando te proteger! — se defende, erguendo as mãos em rendição.
— Will não tem sido nada além de uma companhia extremamente educada, . — solto o ar pela boca, tentando desviar os olhos dos seus, mas ele continua me procurando. — Você não tem o direito de determinar quem eu posso ou não beijar.
— Você está certa.
— Como?
— Você está certa. — repete e o silêncio se instala entre nós.
Tento me livrar de seus olhos, mas é impossível.
E quando menos espero, avança em minha direção, segurando-me pelo pescoço e tomando minha boca na sua.
Isso é errado, muito errado. Não posso beijá-lo e querer Will ao mesmo tempo. Mas também não posso negar que me atrai e beija malditamente bem. Mas é errado.
— Não... — murmuro em sua boca, afastando-o pelos ombros. — Não podemos. — continuo ofegando, sentindo sua respiração se misturar com a minha.
, eu-
— Não diga nada. — quase suplico, abrindo os olhos e encontrando os seus a milímetros dos meus. — Vamos dormir e esquecer que isso aconteceu, está bem? — seguro suas mãos em meu pescoço e as tiro dali.
— Me desculpe. — solta o ar pela boca, frustrado. — Eu não deveria ter feito isso, . Me desculpe. — repete, sentando-se na beira da cama.
— Está tudo bem. — me sento ao seu lado. — Agora posso dizer que já beijei meu melhor amigo. — o cutuco com o cotovelo, fazendo-o rir.
— Vamos esquecer que aconteceu.
— Isso. Agora vá tomar um banho gelado, você precisa diminuir um pouco o efeito do álcool em seu corpo para dormir bem.
— Te amo, . — sua voz suave chega aos meus ouvidos e eu sorrio, entendendo que nada mudou.
— Te amo, . — respondo, dando-lhe um breve beijo no rosto.

Capítulo 6 – These high walls never broke my soul

Agora


United States, Los Angeles – Hidden Hills

— Meninos, foi ótimo passar 72 horas completas vendo a cara de vocês, mas preciso ir embora. — se levanta do sofá depois de largar a borda da pizza dentro da caixa que repousa na mesa de centro da sala. — Falamos o suficiente de trabalho, agora descansem. — ela sorri encarando todos nós. — Muito obrigada pela pizza, estava ótima!
— Você tem como voltar para casa? — pergunta enquanto se levanta do sofá.
— Ah, não precisa se preocupar. Eu ligo para um táxi. — responde, indo atrás de suas malas que estão espalhadas pelo hall da casa.
— Nem pensar. Eu posso te levar. — o mais velho continua, sacando as chaves de um dos carros que fica em cima do aparador. — Eu não faço ideia de onde está a chave do meu carro, mas posso te levar com o carro do... . — responde depois de espremer os olhos para identificar as iniciais pintadas no controle da chave.
— Eu não quero que saia daqui só para me levar em casa, .
— Ela está certa. Fique aqui, eu posso levá-la. — interrompo, pedindo as chaves para ele, que hesita. — Vamos, eu dormi de tarde, estou menos cansado que todos vocês. — peço novamente e ele me entrega.
— Tome cuidado por aí, criança. — grita do sofá.
sempre me tratou como um irmão de sangue. Na verdade, ele trata todos dessa forma, mas comigo o cuidado é um pouco excessivo. Talvez seja pelo fato dele ser o líder e responsável por nós, ou também porque depois do acidente ele ficou extraprotetor. E ter o título de mais jovem do grupo também me direciona todo esse cuidado dos demais membros. Eu não acho ruim, pois estou distante da minha família desde muito novo, tê-los tão perto ameniza um pouco do sentimento.
— É, ! Vê se não vai aprontar por aí. — me encara com uma feição divertida, alternando o olhar com ambas as sobrancelhas elevadas de mim para .
— Volto logo. — asseguro, acenando para todos.
Abro a porta da frente e dou espaço para sair em minha frente, e antes de fechá-la, percebo a expressão totalmente sugestiva de , encarando-me com os braços cruzados na frente do corpo. Rolo os olhos, tentando conter uma risada, e finalmente saio. Direciono-a até a rampa da garagem onde todos os carros estão estacionados e, por sorte, o meu é o último de trás. Aperto o botão na chave e destravo, abrindo a porta do passageiro para ela entrar. Pego suas malas e guardo-as no porta-malas, colocando-me para dentro do carro no banco do motorista em seguida.
— Você não precisa fazer isso. — ela diz quando ligo o motor.
— Claro que preciso. Você trabalhou tanto quanto todos nós nos últimos dias. — dou de ombros, saindo com o carro da rampa. — Digite seu endereço, por favor. — peço, mencionando o computador de bordo.
— Sabe como me sinto sobre estar em um ambiente tão pequeno com você, não é? — dispara e eu a olho. começa a gargalhar. — É brincadeira! Fique calmo, . Eu não sou uma ninfomaníaca ou algo do tipo. Não precisa levar tudo que eu falo tão a sério.
— Muito engraçada! — rio, voltando minha atenção para a estrada.
— Acostume-se com isso. Vamos passar alguns meses nos vendo 24 horas por dia! — posso sentir ela sorrindo.
Não consigo identificar a origem do sentimento que remexe dentro de mim com essa afirmativa.
O caminho até a casa de não é tão longo, ela está há 15/20 minutos de onde moramos, em Westlake Village. Conversamos sobre coisas aleatórias no trajeto, ela fuçou algumas das minhas playlists no computador de bordo e disse ter “enriquecido” algumas delas com sugestões de músicas para que eu escutasse mais tarde, outras para quando estivesse me exercitando, ou sem sono durante a noite.
Não demoro muito e logo estamos parados no meio fio em frente à sua casa. Há um jardim bem cuidado na fachada, uma casa mediana de dois andares com tons de bege e telhado escuro, uma luz está acesa na varanda e é uma estrutura confortável, com aspecto de lar. Tenho a impressão de já ter visto a imagem em algum lugar, e o pensamento me deixa intrigado.
Devido às crises recentes, tenho grandes dificuldades em diferenciar o que é real e o que é somente coisa da minha cabeça.
— Chegamos. — a voz de me tira dos meus devaneios e a olho, voltando novamente para a casa ao fundo.
— Você sempre morou aqui? — indago realmente curioso. Odeio a sensação de familiaridade quando não consigo discernir se é real.
— Sim. Mesmo depois de ficarmos um tempão morando na Coreia, essa sempre foi a casa dos meus pais. — ela acompanha meu olhar para a casa e suspira, deixando os ombros relaxarem. — Meus pais não moram mais aqui, então é tudo meu. — sinto certo tom de pesar em sua voz.
— Por que sinto que essa é uma notícia ruim? — pergunto de forma cautelosa, analisando todos os seus movimentos.
— Não é uma notícia ruim. Faz um tempo desde a última vez que os visitei, só sinto saudades.
— Eles moram tão longe assim?
— Itália. Na verdade, meus avós se mudaram para lá depois que voltamos da Coreia, minha avó nasceu em Florença. Depois que iniciei a faculdade e consegui um emprego que me sustentasse sozinha, todos resolveram partir. E não é sempre que consigo visitar a Itália.
— Estaremos na Europa em breve, por que não tenta visitá-los?
— Não tem Itália no nosso trajeto. — suspira pesado. — E acho que não ficaremos lá tempo suficiente para pegar um voo até a Itália e voltar a tempo de sair com vocês.
— Pequenos detalhes, . Pequenos detalhes. — pisco com um dos olhos em sua direção e ela sorri.
Droga, ela tem um maldito sorriso que cativa, com as covinhas e todo o conjunto. Me perco em seu rosto por alguns segundos, é incrível que quanto mais eu reparo, mais detalhes encontro. Detalhes estes que a deixam ainda mais única.
? — me chama. — Você ouviu o que eu disse? — nego com a cabeça, tentando não parecer desconcertado. — Posso te fazer uma pergunta?
— Depende. — respondo com certo receio, já sentindo o cheiro do caminho que vamos traçar.
— O que aconteceu de tarde? — bingo! — Sabe? Quando você estava dormindo? Foi assustador.
— É um assunto um pouco delicado, . — tento não parecer grosseiro em frustrar suas expectativas, realmente não é minha intenção, entretanto, seus enormes olhos me encaram como um cachorrinho pidão. Inferno. — Em resumo, sofri um acidente de carro há alguns anos e isso me trouxe uma Amnésia Dissociativa de presente.
— Oh. É mesmo? — ela está claramente surpresa e talvez até um pouco arrependida por sua pergunta.
— Sim. Eu não me recordo de uma parte de eventos antecedentes ao acidente. E de vez em quando tenho umas crises de memória... Lembranças que voltam para a minha cabeça, sabe? E é como se eu estivesse vivendo tudo de novo. — ela assente, completamente atenta ao que estou dizendo. — Isso pode acontecer quando estou acordado durante o dia, ou em forma de sonhos e pesadelos. Inclusive, muitas vezes tenho o sono bem agitado. Uma vez acordei na cama ao lado do , ele estava dormindo de boca aberta e roncando feito louco, tomei um baita susto! — gargalho com a lembrança e me acompanha.
— Meu Deus! Isso é...
— Assustador, eu sei. Fica ainda mais assustador se você acordar no meio da noite e me encontrar em pé na beira da sua cama. — tiro outra risada dela. — Fique tranquila, os episódios de sonambulismo não aconteceram mais, então acredito que esteja salva por um período.
— Você precisa ir em algum médico ou algo do tipo se isso é frequente, não?
— Eu vou antes da turnê. — afirmo, tentando não prolongar mais o assunto. — E me desculpe se te assustei.
— Tudo bem. — ela afirma de forma amigável, preparando-se para sair do carro. — Obrigada por me trazer. — me olha como se estivesse em um conflito interno sobre o que fazer a seguir.
fica nesse impasse por longos dois minutos. Ela olha para mim, para a sua mão que segura a maçaneta, e depois de volta para mim. Quando finalmente abre a porta, coloca-se para fora do veículo, indo sem demora até o porta-malas pegar suas bagagens. Acompanho seus passos pelo caminho de concreto até as escadas e varanda, onde ela se abaixa rapidamente para pegar alguns papéis que foram jogados ali. lê os papéis brevemente para se certificar do que se tratam e abre a porta, puxando suas malas para dentro.
Depois de esvaziar as mãos, ela para encostada na porta aberta, olhando diretamente para mim sem mover mais um centímetro sequer.
Tento interpretar o que aquilo quer dizer. Ela está realmente esperando que eu faça algo?
Todos os meus sentidos dizem para eu ligar o carro e acelerar para longe. Porém meu instinto fala mais alto em meus ouvidos que eu não posso perder uma noite com ela.
Saio do carro certificando-me de trancá-lo com o controle da chave até ouvir o bipe, sem tirar meus olhos da garota parada à alguns metros enquanto caminho até ela. Subo as escadas e paro em sua frente, entendendo que seu sorriso ladeado é a resposta que eu preciso para me mostrar minha interpretação perfeita do seu gesto.
— Você entendeu muito bem o que eu quis dizer. — ela diz em um suspiro.
Não espero mais um segundo para tomá-la em meus braços e beijá-la.
Poder sentir sua boca na minha e suas mãos puxando meus cabelos é a permissão que ela me concede para passarmos mais uma noite juntos. E não quero demorar para isso acontecer.
me puxa para dentro da casa e a porta batendo atrás de nós é a última coisa que consigo escutar.
***

Passa um pouco de 00h quando estaciono na rampa da garagem.
Como infernos vou explicar para quem quer que esteja acordado que eu demorei esse tempo inteiro só para levar em casa? Claramente não vão acreditar em mim.
A cada passo que me aproximo da porta, rezo para que todos estejam dormindo. Ou que se alguém estiver acordado, que seja . Será muito mais fácil explicar pra ele uma vez que ele já sabe da noite que passei com na última festa.
Abro a porta com toda a cautela que consigo e me coloco para dentro, fechando a madeira delicadamente para não gerar nenhum ruído. Em passos calmos, me direciono até a escada, porém a luz da televisão que vem da sala indica que alguém está acordado. Merda.
Piso no primeiro degrau com a expectativa de, quem quer que seja, que esteja cochilando no sofá e não tenha acordado com a minha chegada.
— Nem pense nisso. — a voz interrompe meus passos no quarto degrau, frustrando completamente todas as expectativas criadas. — Venha até aqui. — rolo os olhos e desço, guiando meus passos até a sala. Pelo menos tenho a sorte de ser . — Quero fatos. Me conte o que aconteceu. Sente aqui. — ele dá tapinhas ao seu lado no sofá e eu me sento, tentando olhá-lo com a expressão mais natural que consigo.
— Fui levar em casa. — respondo prontamente, desviando o olhar do dele.
— Eu sei que sim. Mas ela não mora em outro estado para você demorar duas horas no percurso. — ele tem um olhar divertido no rosto, contendo um sorriso.
— O que você quer que eu fale?
— Quero que me conte! — tem os olhos cheios de expectativas, esperando as palavras saírem da minha boca como uma criança espera presentes no Natal.
, o que acontece com a é só sexo. — tento ser claro para ele não esperar algo maior. — Só isso!
— Eu entendo toda a sua força de vontade para ser só sexo, . — se aproxima quase sussurrando. — Mas é a !
— É algo que ambos concordamos. É bom para ela, bom para mim, não tem motivo para ser diferente.
— Só não quero que nenhum dos dois saia frustrado disso tudo.
— Não vamos. Inclusive pensei em parar com isso, está tomando uma frequência maior do que eu gostaria. — dou de ombros, sem realmente me importar.
— Claro. Até porque admitiu esses dias que ainda é um pouco caído por ela. — profere palavras que me trazem zero surpresa, é nítido que ainda sente algo por .
— Estou zero surpreso nesse momento. — respondo indiferente. — Ótimo. Era tudo que eu precisava para acabar de vez com isso.
— Que frieza!
— É o que fazemos, não é? — me levanto do sofá. — Não é algo que me importo de toda forma.
***

United States, Los Angeles – West Hollywood

Passamos três horas ininterruptas em reunião com toda a equipe, alinhando os detalhes finais da turnê, que vai iniciar em março. A setlist já está finalizada, os figurinos precisam de alguns ajustes, e está ajustando um cronograma com o pessoal de imagem para gravarmos conteúdos extra do backstage para os fãs que não conseguirem participar dos shows ao vivo.
Não me canso de lembrar o quão sortudo sou por realizar um sonho que no começo pareceu tão impossível, tão inalcançável. Jamais pensei em trocar minha carreira por qualquer outra coisa, por mais cansativa e demandante que ela seja.
Além da rotina de ensaios, passagem de som e ajustes, tenho toda a questão com martelando na minha cabeça. ainda gosta dela, então preciso me afastar o mais rápido possível. Preciso afastar da minha cabeça tudo que remete a ela.
Gosto muito de trabalhar com algo que não sinto ser um trabalho, sempre sinto o frio na barriga antes dos shows, como se fosse a primeira vez. Conhecer lugares diferentes, culturas diferentes e ter contato com fãs de vários lugares do mundo é uma das melhores partes. Fui feito para isso. Mas preciso confessar que ter por perto o tempo inteiro tem dificultado um pouco esse trabalho.
, vamos jantar no The Nice Guy, vai nos acompanhar? — a voz de atinge meus ouvidos e olho para a porta da sala. Ele está parado com uma ruga entre as sobrancelhas, provavelmente tentando entender o motivo de estar tudo fora do lugar.
— Sim. Assim que achar minha carteira. — respondo voltando minha atenção para os assentos do sofá espalhados pelo chão. — Não precisa me esperar, trouxe meu carro. — aviso sem me distrair novamente.
— Não encontrei em lugar algum. Se a encontrar, leve-a com você, certo? — pede e eu apenas assinto, indiferente.
Paro no centro da sala, olhando para os lados com a cabeça completamente perdida. Onde infernos está a maldita carteira? Com toda certeza no meio de toda bagunça que eu fiz, vai ser ainda mais difícil de encontrá-la.
— Eu realmente espero que essa bagunça não seja por conta disso aqui. — olho na direção da porta e encontro encostada ao batente, segurando minha carteira para cima com um sorriso contido no rosto.
— Onde você achou? — questiono realmente curioso, pegando-a de suas mãos.
— Na poltrona que você estava na sala de reuniões.
— Tão idiota! — praguejo, me repreendendo.
— Eu te ajudo a arrumar isso aqui. — adentra o camarim, e nesse mesmo instante uma corrente de ar passa pelo corredor, batendo a madeira com certa força. — Esquisito! — ela diz na direção da porta.
— Foi só o vento. — afirmo. — Quando terminarmos aqui, pediram para que eu levasse você para jantar com a gente, tudo bem? — explico enquanto coloco as roupas novamente nos cabides.
— Tudo bem.
Pela primeira vez juntos no mesmo ambiente, não falamos nada um ao outro nos minutos que se seguem. Eu a escuto cantarolando uma música ou outra enquanto arruma tudo que tirei do lugar e eu estou concentrado em fazer minha parte, sem querer realmente me distrair com o fato de que estamos sozinhos no estúdio e que todos os outros estão há alguns bons quilômetros de distância.
Como combinei com , isso precisa de um fim. E precisa ser breve.
— Acho que terminamos. — olha em volta, checando se não tem mais nada fora do lugar.
— Acho que sim. — acompanho. — Antes de irmos... Eu queria, ahn... Falar algo.
— Pode falar. — sua atenção é atraída para mim e lá estão eles, os enormes olhos me encarando sem piscar.
— O que nós fazemos... Fizemos nos últimos dias. Eu acho melhor pararmos. — tento falar de forma amigável, porque, na verdade, não é formal, eu só não quero simplesmente começar a ignorar sua presença.
— Eu também acho. — concorda balançando os ombros, mais indiferente do que eu esperava.
— Acha? — indago surpreso, talvez eu não esteja acostumado com esse tipo de reação e sim com algo totalmente o contrário. Geralmente é onde eu parto corações.
— Uhum.
— Oh. — é tudo que sai da minha boca, pois realmente estou surpreso. — Então está bem.
— Não é isso que você quer?
— Ahn, sim... Quero dizer... Era só sexo e nada além. — rebato também indiferente. Se é insignificante para ela, para mim também é.
— Isso, só sexo. — concorda, logo desviando os olhos de mim para sair pela porta e sumir do meu campo de visão. Fico no meio do camarim encarando o corredor, tentando assimilar que nós resolvemos mais fácil do que já presenciei. — Vamos, . Tem pessoas nos esperando para jantar e estou faminta.
***

O resto do mês passou mais rápido que minhas expectativas. Quando pisquei, já estávamos no primeiro dia de março, há uma semana de distância da turnê.
Depois da conversa com , ela não me olhou mais daquele jeito. Nosso contato é estritamente profissional, apesar de termos momentos descontraídos com todos. Ela está mais presente do que eu realmente gostaria, talvez por ter um contato tão próximo com dois dos membros do grupo. Entretanto, sua aproximação ainda mais intensa com me causou certo estranhamento. Eles vão para todos os cantos juntos, e até quando não estamos em ambiente propício ou falando sobre trabalho, ela está lá.
É terça-feira e recebemos os dias restantes antes da turnê para descansar e poupar nossas energias para o show de abertura. O Sol brilha bem em cima da minha cabeça, indicando que faz pelo menos 30 graus. Isso é uma coisa que preciso me acostumar dia após dia, estamos no final do inverno e o clima na Califórnia é extremamente inconstante.
Com o maldito calor que está do lado de fora, organizou um churrasco na piscina, chamando toda a equipe para participar. Incluindo .
, traga gelo! — grita do jardim quando passo pela porta balcão da cozinha, indo buscar o restante das bebidas que estão na geladeira.
Pego tudo, equilibrando um saco cheio de gelo em cima da caixinha de cervejas e duas garrafas de água, uma em cada mão. Chego novamente do lado de fora e deixo tudo em cima da mesa de madeira, voltando-me para a piscina, ponderando se entro na água ou não.
De repente, a imagem de cruzando o caminho da casa até o jardim invade meu campo de visão. Ela usa um vestido que cobre até metade das coxas, o que malditamente atrai meus olhos para lá. Tem algo na forma como ela anda, a coluna sempre ereta e os ombros movendo-se de forma suave, é até elegante. Seus cabelos estão soltos e óculos de Sol cobrem seus olhos, o que me deixa curioso em saber se ela vê o quanto tenho os olhos fixos nela.
Ela logo é acompanhada de , que a agarra por trás pela cintura, levantando-a sem muita dificuldade. começa a se debater enquanto ele a leva até a piscina, sem demorar a jogá-la na água e entrando em seguida.
— Eu vou te matar! — diz entre gargalhadas, jogando um pouco de água nele. — Eu não podia pelo menos tirar meu vestido? Como vou embora depois com a roupa toda molhada?
— Posso te emprestar uma camiseta, vai parecer um vestido de toda forma! — responde, acompanhando-a na risada enquanto a ergue para fora da piscina.
caminha até uma espreguiçadeira enquanto pende a cabeça para o lado, tentando tirar um pouco de água que entrou no ouvido pela queda na água. Rapidamente se livra do vestido grudado em seu corpo, e a cena que levou segundos pareceu passar em câmera lenta. Ela usa um biquíni branco que realça o tom de sua pele, e posso visualizar uma pequena cicatriz nas costelas ao lado direito que não percebi antes, deixando-me instantaneamente curioso em como ela conseguiu aquela marca.
Quando sinto que estou olhando demais, desvio para , que se debruça na borda da piscina, vendo a mesma cena que eu.
— Cara, fecha a boca! — chega ao lado dele, dando um tapa em seu ombro. — Tem uma poça de baba bem aqui.
— Para de ser idiota. — tira os olhos de para responder , e juro ter visto suas bochechas corarem.
— Maldito calor! — sai da casa usando um boné para proteger o rosto e rapidamente se ajeita em uma sombra. — Podíamos ficar quietos dentro de casa, mas claro que vocês preferiram fritar nesse Sol.
— O dia está incrível! — o acompanha logo atrás, praticamente pulando de alegria. Eu simplesmente sou fã da sua personalidade.
— Saiam da minha frente! — vem correndo da casa até chegar à borda da piscina, dando um mortal para cair na água em seguida.
— Ótimo clima para um dia na piscina, não acha? — a voz de me assusta brevemente e olho para o lado, tendo a imagem da garota a centímetros de mim.
— Incrível. — ergo as sobrancelhas em sua direção. — Acho que vou entrar na piscina. — tento me afastar, mas ela parece gostar muito de compartilhar meu espaço.
— Eu também-
— Você vai comer algo. — a interrompo, empurrando-a para perto da mesa de comida. — Você parece faminta, quando foi a última vez que comeu algo?
— Eu tomei-
— Não tomou. , dê algo para ela comer. — continuo enquanto me afasto, jogando-me na piscina sem demora.
Contesto nesse exato momento o quanto quero que o dia acabe logo para estar seguramente distante dela.
***

Já é possível ver o Sol se pondo quando entro na casa. está deitado em uma das espreguiçadeiras ao lado de enquanto ambos conversam sobre assuntos aleatórios e mexem nos celulares. , , e se divertem na mesa de biliar e eu os acompanhava, mas acabaram por me tirar do jogo após vencer três partidas seguidas. Segundo eles, precisei sair para dar chance de outros ganharem, então resolvi buscar algo interessante para assistir na televisão.
Observo deitada em uma das pontas do grande sofá, sendo praticamente engolida pelo estofado, e a camiseta que usa é pelo menos uns dois números maiores que o seu. Ela dorme profundamente, encolhida e agarrada em uma das almofadas, sendo coberta por uma manta. Em certo momento precisou carregá-la no colo após ela relatar que não estava se sentindo tão bem pelo excesso de álcool.
Me sento na ponta oposta sem intenção alguma de atrapalhar seu sono e ligo a televisão no volume mais baixo, parando no canal que passa a reprise da nossa participação no Jimmy Fallon. Foi um bom programa e que me tirou algumas risadas, porém rever o quanto fiquei envergonhado com as perguntas é ainda mais constrangedor agora.
— Preciso ir para casa. — a voz fraca de chama minha atenção e olho em sua direção, encontrando-a erguida do sofá, sustentando-se com um dos cotovelos.
— Você não está em condições de voltar para casa agora. — respondo, identificando uma tonalidade verde em sua pele.
— Preciso. Não estou... Me sentindo muito bem. — fala um pouco enrolado e com certa dificuldade em manter a cabeça equilibrada no pescoço.
Como se eu pudesse prever o que está por vir, me levanto rapidamente do sofá e em uma manobra rápida e cuidadosa, a tomo em meus braços e em segundos estamos no lavabo. Abaixo atrás dela, sustentando seu corpo entre minhas pernas para ela conseguir suporte para se apoiar. Abro a tampa do vaso sanitário e seguro seus cabelos, deixando que ela coloque para fora tudo o que a esteja fazendo mal.
— Em tempo, não? — comento descontraído e ela apenas murmura, a cabeça mole pendendo para o lado.
— Você sabe que... — tem a voz rouca. — me falou hoje cedo que sente algo por mim... — é muito clara a influência da bebida em sua voz, ela não está completamente sóbria e tem dificuldade em segurar as palavras na boca.
— É mesmo? — passo a mão livre por sua nuca, livrando-a de alguns fios que grudam por ali.
— Sim... Combinamos de tentar. — admite e fico um pouco surpreso, considerando toda a política de relacionamentos acordada entre o grupo. — Mas shhhhhh... É o nosso segredo... Ninguém pode saber...
De repente, uma culpa sobrenatural me atinge em cheio, bem no meio da cara. A culpa de estar ali com ela ao invés de chamar para isso. A culpa de ter dormido com mesmo sendo visível a possibilidade de ele ainda sentir algo por ela. A culpa de ser um belo maldito com uma das pessoas mais importantes da minha vida.
Jamais vou me perdoar se decepcionar .
, preciso que tente se manter equilibrada, está bem? — falo perto de seu ouvido para chamar sua atenção, já que ela praticamente dorme com o rosto apoiado no vaso. — Volto em um segundo.
Deixo o lavabo e corro até o lado de fora, chamando assim que o encontro. Em questão de segundos ele está lá, segurando seus cabelos e rosto, assoprando levemente seu pescoço para secar o suor que toma sua pele. Encosto a porta e me retiro dali, deixando ambos sozinhos, como deveria ser desde o começo.
***

United States, Los Angeles – Staples Center

— Nós somos o BTS e essa é a Love Yourself Tour! Muito obrigado, Los Angeles! — fala ao microfone para o público que ovaciona nossa presença no palco, os fãs gritam alucinados e me recordo que fazia um tempo desde a última vez que isso aconteceu.
Estamos em cima de uma plataforma suspensa, acenando para todos enquanto o instrumental de Mikrokosmos toca ao fundo e pedaços de papel metalizados são lançados do teto formando uma chuva prateada. A plataforma começa a se mover para baixo lentamente e chegamos embaixo do palco, no backstage, finalizando o show de abertura da turnê.
Eu ofego e minha roupa inteira está molhada de suor. A primeira coisa que faço assim que saio debaixo do palco com cuidado o suficiente para não bater minha cabeça nas estruturas de ferro, é me largar no chão, sentindo o ventilador refrescar imediatamente todo o meu calor. Em segundos, as staffs estão ao meu redor, secando minha testa, me abanando e segurando o cilindro de oxigênio em minha boca e nariz para recuperar meu fôlego.
— Ah, estou exausto! — se joga ao meu lado no chão.
— Foi um ótimo show, pessoal! — se senta no sofá com uma expressão orgulhosa no rosto.
— Minha voz falhou nas últimas duas músicas. — admite, um ar decepcionado pairando em seus olhos.
— Você foi incrível. — tento tranquilizá-lo, pois sempre se cobra para tudo ser perfeito. — Todos nós fomos.
— Esse show foi demais! — chega no ambiente largando garrafas de água gelada na mesa e jogando uma para cada um. — Foi uma ótima abertura!
— Preciso descansar para ficar inteiro para o show de amanhã. — comenta. — Acho que estou ficando velho, me sinto malditamente cansado! — todos riem.
— Eu poderia fazer isso por mais duas horas! — se move por todos os lados enquanto a staff tenta alcançá-lo de todas as formas.
— Se eu pudesse descansar pela próxima hora, também conseguiria. — comenta, sorrindo e se sentando no chão entre e eu.
— O que querem comer? Posso pedir hambúrguer ou pizza. — tem o foco no celular, porém minha atenção é direcionada para , que acaricia a perna da garota brevemente.
É oficial. e estão juntos.
Não declarado para todos. Oficial de forma sigilosa. Teoricamente somente sabe, tirando o fato de que bateu a língua nos dentes quando o efeito do álcool foi demais para seu organismo e ela me contou tudo. Mas além do casal e , eu também tenho a infelicidade de saber, o que é outro segredo.
E não sou muito fã de segredos.
Infelicidade porque esse assunto jamais pode chegar em , ou , ou até mesmo . Eles são estritamente rígidos com as regras da empresa, então se algo do tipo for descoberto, é o fim. Literalmente o fim.
As regras ficaram ainda mais rígidas depois do meu relacionamento com Amy há alguns anos. Pelas vagas lembranças que tenho, estávamos tão malditamente apaixonados que não tínhamos tempo para mais nada além de nós dois. Coisas foram expostas na mídia, a agência quase rompeu nosso contrato, e eu realmente não estava ligando para isso. Queria ficar com ela e nada mais. Até que aconteceu o acidente, Amy se foi, e eu esqueci todos os sentimentos que um dia tive por ela. Ou fui obrigado a esquecer.
e são discretos, evitavam o contato físico na maior parte do tempo. Claro que algumas vezes acaba escapando uma coisa ou outra, entretanto, na última semana que estiveram juntos de verdade, foram extremamente cautelosos.
E está tudo bem. Como deveria ter acontecido desde o início.
— Voto em hambúrguer! — levanta a mão. , , e eu acompanhamos.
— O que vocês escolherem! — dá de ombros, finalmente relaxando no sofá.
— Certo. Vou fazer o pedido e quando chegarmos em casa provavelmente já estará tudo pronto. Cerveja? — indaga, porém é uma pergunta retórica, ela já sabe a resposta.
Chegamos em casa por volta de 01h depois de organizarmos tudo no backstage. Nos reunimos na sala de jantar onde nossos lanches nos esperam com diversas garrafinhas de cerveja dispostas na grande mesa. E por mais que as horas voem quando temos comida e a companhia um do outro, existe outro show nos esperando e para isso é necessário um voo de três horas até o destino. Precisamos de algumas horas de sono para chegarmos inteiros.
Depois de devidamente alimentados, nos dividimos para limpar a bagunça, já que é nossa última noite em casa pelos meses seguintes. Eu, e ficamos responsáveis em separar o lixo orgânico do limpo e levá-los ao lado de fora, , e ficaram ajeitando toda a bagunça na sala de jantar, e organizando os utensílios dentro da lava louças.
Depois de fazer minha parte, paro na bancada da cozinha enquanto mexo casualmente no celular. e trabalham há alguns metros de distância e sequer notam minha presença, parece que tudo ao redor deles não existe. passa água nos utensílios e os entrega para , que ajeita cada um cuidadosamente dentro da máquina. Nesse meio, tempo ele fica atrás dela e arrisca alguns beijos em seu pescoço de forma sorrateira e quase imperceptível.
Fico um tempo admirando a cena, tentando entender por qual maldito motivo isso desperta uma sensação esquisita dentro de mim. Preciso parar de pensar sobre isso no mesmo instante que vejo a felicidade estampada no rosto de . Ele está genuinamente feliz.
, você vai acabar quebrando o celular se apertá-lo com mais força. — aparece ao meu lado, olhando para onde eu olho e compreendendo minha reação no mesmo instante. — Isso é errado e você sabe.
— Isso o quê? — guardo o celular no bolso e o encaro, tentando parecer normal.
— O jeito que olha para ela. É errado.
— Eu não estou fazendo nada. Só parei aqui para ler umas notícias no celular. Você viu que a cotação do dólar está nas alturas? — tento mudar de assunto, mas essa é uma das tarefas que não consigo fazer.
, eu te conheço. Apenas não, está bem?
— Seja lá o que você está pensando, não vai acontecer. — dou de ombros tentando mostrar certa indiferença. — Agora se me permite, vou subir para dormir. Boa noite.

Capítulo 7 – If I can’t be close to you, I’ll settle for the ghost of you

Agora


United States, Chicago – United Center

— Nós somos o BTS e essa é a Love Yourself Tour! Muito obrigado, Chicago! — repete pela quinta vez na semana e nós sorrimos.
Nos unimos no centro do palco molhado devido à chuva torrencial que cai do céu, damos as mãos e nos curvamos, ouvindo a plateia gritando e aplaudindo em nossa direção. A plataforma começa a descer, e logo estamos no backstage.
Uma dor excruciante atinge meu tornozelo, arrancando um grito de dor da minha garganta. Sou capaz de ouvir também gemendo de dor, e em segundos temos médicos nos examinando, e, além deles, os staffs nos cercam, fornecendo todo o equipamento necessário para nos recuperarmos.
Está chovendo em Chicago desde que pisamos na cidade, e apesar de tomarmos todos os cuidados necessários para apresentar nessas condições, não evitamos alguns acidentes. escorregou quase uma vez em cada coreografia, e enquanto performávamos Best Of Me juntos, pisei em uma maldita poça e deslizei com o pé, sendo esmagado por meu peso somado ao de que caiu sobre mim. O show inteiro foi um verdadeiro show de horrores, todos tinham algum arranhão por conta disso.
No calor do momento não senti resquício algum de dor, meu sangue estava quente durante as músicas e a adrenalina de apresentar para uma plateia com 100% de comparecimento foi outro impeditivo. Porém, quando meu corpo começou a esfriar, toda a dor que não me atingiu durante o show apareceu como facadas.
Ótima maneira de terminar um show com mais dois à vista no fim de semana.
está bem? — aparece rapidamente, certo tom de preocupação tomando sua voz.
— Ele só está com o cotovelo ralado e um pouco de dor na lombar. — o médico reporta. — Um relaxante muscular resolve o problema.
— E você, ? — o líder direciona a pergunta para mim, igualmente preocupado enquanto outro médico limpa um arranhão em seu joelho, visto através da calça rasgada.
— Ele está com o tornozelo inchado. De toda forma, acho melhor levarmos ambos até a urgência. Precisamos realizar um raio-x para determinar se houve uma lesão mais grave.
— Eu os acompanho. — o líder se dispõe.
— Não. Acabou de sair de um show de duas horas, precisa se recuperar. Não podemos ter o líder do grupo sem voz por esforço excessivo. — reconheço a voz de mesmo sem conseguir vê-la. — Eu os acompanho até o hospital e vocês retornem para o hotel. Já estamos contatando a equipe médica para irem ao hotel verificar cada um de vocês.
***

— Eu consigo subir sozinho, . Não precisa se preocupar. — afirma enquanto esperamos o elevador no lobby. — precisa de mais ajuda que eu. — direciona a palavra para mim, que demoro em organizar sua frase por conta do efeito dos medicamentos em meu corpo.
Passa um pouco das 2 horas quando pisamos no nosso andar. não tem lesões graves, somente uma contusão na lombar e alguns arranhões nos cotovelos, os remédios administrados no hospital podem fazê-lo se sentir um pouco melhor. Eu tenho uma leve torção no tornozelo, e para conseguir performar no show que está há quatro dias de distância, preciso de repouso absoluto, sem sequer pensar em colocar o pé no chão. E ainda assim estou limitado de fazer alguns movimentos.
— Aqui está sua prescrição caso sinta dor. — entrega um pacote para quando paramos em sua porta.
— Pode deixar, . Estou bem. — ele responde, piscando em nossa direção. — Boa noite. — diz por fim e adentra o quarto.
, eu preciso que me ajude um pouco, está bem? — ela pede enquanto eu tenho um braço em volta de seu ombro, liberando uma parte considerável do meu peso em cima dela. — Seu quarto está logo ali, vamos lá.
O caminho até meu quarto parece ter dez quilômetros. é menor e mais leve que eu, então para ela carregar metade do meu peso é um esforço desmedido. Por mais que eu tente ajudá-la de todas as formas, o tornozelo ainda dói e os medicamentos possuem um efeito triplicado por conta do meu cansaço. Depois de alguns longos minutos, entramos no quarto e me coloca com cuidado na espaçosa cama king size, pegando alguns dos travesseiros e colocando embaixo do meu tornozelo para deixá-lo um pouco mais alto.
— Aqui tem um remédio que precisa ser tomado às 8 horas e esse outro às 10 horas. Você vai lembrar? — afirmo ao que diz enquanto ela organiza os potinhos na mesa de cabeceira, deixando uma garrafa de água junto. — Em hipótese alguma apoie o pé no chão, está bem? Já pedi suas muletas, elas chegam aqui no hotel amanhã cedo.
— Pode deixar. — respondo, compreendendo tudo que ela fala. — Como faço com o banho? — a encaro com as sobrancelhas erguidas, transmitindo uma impressão que eu realmente não queria. — Essa pergunta não saiu da forma certa.
— Eu posso te ajudar, afinal, não tem nada que eu não tenha visto. — rebate e eu rio. Me esqueci o quão direta ela é.
— Quero tomar banho. — proponho em tom de brincadeira e ela contém gargalhada. — Obrigado.
— Não tem o que me agradecer. Só siga as instruções do médico e se recupere. E caso queira tomar banho, aguarde amanhã e seus amigos te ajudam. — pisca com um dos olhos enquanto se afasta da cama.
— Está bem.
— Boa noite, .
— Boa noite, .
***

! — escuto a voz ao fundo e vejo uma luz brilhando forte, me fazendo espremer os olhos.
Demoro um tempo até me ambientar, e quando me acostumo com a claridade, percebo que estou em um enorme campo coberto das mais diversas flores. Faz Sol e um vento fresco atinge meus braços. O céu se expande acima da minha cabeça e não existe uma nuvem sequer pintando o azul intenso com leves manchas alaranjadas. Movo meus pés e sinto o cheiro de gardênias misturado com grama cortada, alguns pássaros voam sem rumo, espalhando seu canto até atingirem meus ouvidos.
Se existe um lugar que chamam de paraíso, com certeza é algo parecido com isso.
! — ergo minha atenção na direção da voz que chama meu nome e consigo ver os cabelos lilás ajeitados em cachos esvoaçando com o vento.
— Amy? — dou alguns passos em sua direção conforme sinto um calor gostoso atingir meu estômago. Ela usa um vestido branco e uma tiara de flores, aparentando um verdadeiro anjo.
— Venha! Preciso te mostrar uma coisa! — estende a mão em minha direção e eu seguro.
Andamos por breves segundos, porém as manchas mais alaranjadas e avermelhadas pintando o céu ficaram mais intensas, indicando que o tempo passa mais rápido nesse lugar. Paramos em frente a um grande espelho disposto no meio do campo, este com uma moldura dourada, e ao contrário do que espelhos fazem, ele não reflete nossa imagem. Só consigo ver o campo de flores completamente vazio e o pôr do Sol se mostrando ao fundo refletido no vidro.
— Não enxergo nada. — sinto uma ruga entre minhas sobrancelhas enquanto olho para meu lado e Amy sorri.
... — suas mãos seguram meu rosto, virando-me para ela. — Você precisa querer enxergar. — sussurra perto do meu rosto. — Está tudo bem, você precisa ver. — encosto minha testa na sua, respirando fundo. — Está pronto?
— Não sei. — respondo sincero, sem querer abrir os olhos e não a ter mais ao meu lado.
— Você está. Apenas abra os olhos, está bem? — assinto e volte-me novamente para o espelho.
Suspiro fundo antes de abrir os olhos e quando o faço, encontro minha imagem refletida. Tenho os dedos entrelaçados nas mãos de alguém, e ergo meu olhar dali para o rosto da garota ao meu lado. Ao contrário das minhas expectativas, os cabelos lilás são tomados pelos fios lisos de cor marrom, enormes olhos piscam calmamente em minha direção e o sorriso alinhado com covinhas é inconfundível.
? — seu nome sai da minha boca como se eu não tivesse força suficiente na voz.
Ela assente ainda sorrindo, e, por algum motivo, sinto alívio com sua afirmação.
— Você consegue ver? — balanço a cabeça e me viro novamente para ela, certificando-me de que é realmente ao meu lado.
— Mas... Por quê? — pergunto um pouco confuso apesar de sentir uma sensação boa remexer dentro de mim em tê-la perto.
— Shhhhhh... — fica na ponta dos pés ao se aproximar do meu rosto, tocando sua testa na minha. — Está tudo bem. — sussurra nos meus lábios antes de finalmente senti-los.

? — abro os olhos em um susto, sentindo minha respiração travar na garganta quando vejo sentada na ponta da cama.
Há quanto tempo ela está ali? Que maldito sonho foi esse? Será que falei algo enquanto dormia?
? O que faz aqui? — me sento na cama, coçando os olhos.
— Acabei de chegar. — ela tem uma expressão confusa no rosto, internamente se perguntando o motivo do meu susto. — Não quero saber o que estava sonhando, pode ser constrangedor descobrir sonhos de outras pessoas. — ela ri, levantando-se da cama e caminhando até a mesa de cabeceira. — Escute. Eu pedi para o serviço de quarto trazer seu café, já são quase 8 horas e você precisa colocar algo no estômago antes do remédio.
— Eu tinha colocado o despertador. — olho confuso para o telefone desligado em minhas mãos.
— Eu liguei duas vezes para te lembrar da hora e caiu na caixa postal.
— Eu juro que coloquei.
— Claro que sim. — concorda ironicamente, e desisto de tentar convencê-la já que eu não tenho muita coisa ao meu favor. — Você acha que consegue tomar banho sozinho se eu te ajudar a entrar no chuveiro?
— Ahn... Acho que sim... — respondo, sem querer que ela realmente faça isso. — Mas...
— Você saiu de um show de duas horas dançando o tempo inteiro, a staff precisou torcer sua roupa como uma toalha molhada. Ficar sem tomar banho depois disso é um pouco nojento. — seu nariz se torce em uma careta e eu rio.
— Eu não tive muita opção ontem, .
— Certo. Agora você tem, e está escolhendo ficar suado.
— Eu posso esperar alguém acordar para me ajudar, você não precisa...
— Olha, . Os outros estão dormindo tanto que um terremoto 8.0 na escala Richter não os acordaria. Vamos fazer isso logo? — propõe, estendendo a mão em minha direção.
— Está bem. — seguro sua mão e me levanto da cama, apoiando-me em seu ombro para não colocar peso em cima do tornozelo.
Com certa dificuldade caminhamos até a suíte e me coloca sentado na tampa do vaso sanitário, ligando o chuveiro para a água esquentar. Estendo o tornozelo em sua direção para observá-la tirar a bandagem apertada com todo o cuidado. Alguns segundos depois suas mãos pegam a barra da minha camiseta, erguendo-a até passar por minha cabeça, largando-a em cima da pia. Enquanto se concentra em tirar minha bermuda de moletom, tento não desviar a atenção do fecho da corrente que tenho em volta pescoço, mas é uma tarefa muito difícil, ainda mais com seus dedos roçando levemente em minha pele. Quando estou livre das peças e usando somente cueca, me ajuda a entrar embaixo da água.
— Você vai ficar aí? — questiono quando vejo ela parada na porta do box.
— Tem certeza que consegue sozinho? E se escorregar?
— Se escorregar, tem o chão para me proteger. E consigo te chamar se precisar de ajuda.
— Certo, estarei lá fora se precisar de mim. — avisa enquanto sai do banheiro, deixando a porta aberta.
Depois do show de ontem, um banho é tudo que desejo. Meus músculos precisam da água quente para relaxar, então não me importo em ficar bons minutos embaixo da ducha, e isso me traz pensamentos que precisam ser organizados.
O fato de as crises de memória acontecerem com mais frequência deixa minha cabeça completamente enrolada, não consigo distinguir o que são lembranças do que realmente aconteceu e o que são sonhos. E ter em um desses sonhos é algo ainda mais estranho. Será um sinal? Mas que sinal, quem está mandando? Significa algo? Eu nem sei se acredito em sinais...
Preciso achar uma resposta para todas essas dúvidas, mas como? Internet? Livros? Alguma figura divina ou guru que tem contato com o sobrenatural? Eu definitivamente estou ficando maluco. Sobrenatural, sério? Quão improvável!
Estamos no começo da turnê, passamos por duas cidades da Califórnia, Chicago e estávamos rumo NY, não é possível que três shows são capazes de me deixar completamente louco.
— Você sabia que os peixes precisam de água para sobreviver? — a voz de me tira dos meus devaneios e a encontro novamente parada na porta do box. — Eles não vão conseguir fazer isso se você acabar com toda a água do planeta.
— Eu já terminei. — aviso, fechando o registro.
Passo as mãos pelos cabelos para tirar o excesso de água e percebo que ela me olha, mas sinto certo esforço para manter os olhos no meu rosto.
— Depois de me localizar na bagunça que são suas malas, consegui achar as cuecas. — ergue a peça em minha direção e depois larga em cima do balcão da pia. — Me dê sua mão. — seguro sua mão estendida em minha direção e me apoio em seu ombro até ela conseguir me colocar sentado novamente no vaso. — Ahn... Precisa de ajuda para se enxugar?
— Acho que consigo fazer sozinho. — respondo enquanto passo a toalha pelos ombros, tronco e tiro o excesso de água da cueca que tomei banho, já que por algum motivo não queria me ver sem ela.
— Você está com as costas toda molhada. — ela pontua enquanto se esgueira para enxergar atrás de mim.
, eu sei o que estou fazendo.
— Não parece! — exaspera, tomando a tolha das minhas mãos. — Aqui, você está se enxugando igual sua cara.
— Devo estar bem seco, já que minha cara é incrível. — viro para encará-la com minha mais convencida expressão.
— Oh, meu Deus! Quase sufoquei! — volta para frente, abaixando-se para ficar da minha altura e perto demais.
— Por que eu sou demais? — dou de ombros enquanto contenho uma risada, e ao fundo, escuto alguém batendo na porta.
— Não, com seu ego! — ela rola os olhos, lançando a toalha em meu rosto. — Termine isso sozinho. Se alguém do divino ouviu meu pedido de ajuda, mandou um dos seus amigos. — segue falando enquanto dá as costas, indo em direção à entrada do quarto. — É um milagre! — comemora quando abre a porta e logo identifico parado na frente do banheiro, encontrando-me sentado no vaso somente de cueca.
— O que estava acontecendo aqui? — ele pergunta com uma ruga no meio das sobrancelhas.
— Eu precisei ajudá-lo a tomar banho. — gesticula enquanto empurra para dentro. — Não precisa se assustar, ele tomou o banho todo de cueca. Agora, por favor, ajude ele a se trocar e fazer todo o restante.
— Tudo bem, comandante! — faz continência, sorrindo em sua direção.
— Deixei as muletas aqui! — grita de volta para nós e finalmente sai, deixando-nos a sós.
— Que ridículo. Eu preciso de alguém para fazer tudo em meu lugar! — solto o ar pela boca enquanto me entrega as peças de roupa, virando de costas quando preciso trocar de cueca.
— Você está machucado, . Não tem um grande problema sobre isso. — ele tenta me reconfortar, mas ser dependente é algo que desaprendi muito jovem. — Terá um pouco da sua independência de volta com as muletas.
— São só mais quatro dias. — afirmo, ainda frustrado por não poder fazer todos os movimentos mesmo repousando completamente como recomendado. — Só mais quatro e não vou precisar de uma garota me ajudando a tomar banho.
— Essa é a , você precisa se acostumar. Ainda mais se é algo que compete ao trabalho dela. — ele se volta a mim, ajudando-me a vestir a calça jeans preta. — Se a conheço bem, ela só vai deixá-lo fazer as coisas sozinho quando puder pular sobre o pé que está lesionado sem reclamar de dor.
— Ótimo. — ironizo.
— Por isso é tão malditamente difícil não gostar dela. — escutá-lo dizer isso faz algo se contorcer dentro do meu estômago.
— Qual o lance entre vocês, afinal? — questiono descontraído, erguendo-me com sua ajuda e colocando a camiseta por fim. — Quero dizer... Não tem como não perceber...
— É complicado... não pode sonhar que isso está acontecendo.
— Agradeça por ele ser desligado o suficiente e não viu vocês juntos. Anda, desembucha, isso não vai sair daqui. — quero saber o que está acontecendo, e acima de tudo, quero entender por qual motivo estou tão curioso sobre o assunto.
— Não temos um título, mas estamos meio que... Juntos? — eu posso apalpar a insegurança que as palavras transparecem.
— Ela quer isso também?
— Ela disse que sim.
— Então por que parece que você está prestes a molhar as calças? — dou um tapa em seu braço enquanto me leva de volta ao quarto, sentando-me na beira da cama.
— Eu não sei... Da última vez que quebramos a regra de relacionamentos, quase acabou com a gente. Não se lembra? — ele parece um pouco mais tranquilo em poder colocar as palavras para fora, mas por alguma razão eu não estou feliz em ter essa conversa, ainda mais tendo que lembrar de Amy, o acidente e tudo que isso me trouxe.
— Como eu poderia esquecer? — arqueio as sobrancelhas, tentando disfarçar minha insatisfação.
— Gosto dela e sei que posso fazer dar certo, mas como eu explico isso pro ? — ele se abaixa em minha frente, ajudando-me a colocar as meias e tênis.
— Isso é uma coisa que você vai precisar descobrir. E também. — pego as muletas apoiadas na cama ao meu lado e me levanto, finalmente um pouco mais independente do que quando entrei no banho.
— Ele vai nos matar. Já é ruim o suficiente sendo um relacionamento. Tem como ficar pior? Claro, ela trabalha para nós.
— Você gosta dela a ponto de correr esse risco?
— Eu não sei. Quero dizer, eu gosto... Mas não sei se vale colocar tudo em jogo. — seus olhos confusos encontram os meus, e parece um maldito ursinho indefeso quando quer.
— Se você gosta dela, o resto são detalhes. — completo. — Agora vamos, temos um ensaio para fazer antes de voarmos para NY. — finalizo, sentindo certa impaciência em minha voz.
Dou as costas e saio do quarto, conseguindo fazer todo o caminho somente com as muletas suportando meu peso. Com certeza vai me incomodar a longo prazo, mas sinto que preciso encerrar o assunto antes de ter uma síncope.
***

, você está atrasando toda a fila! — grita ao fundo do corredor do avião enquanto tento andar sem esbarrar com as muletas. — Vai mais rápido! — sua voz segura uma gargalhada.
— Vê se não me enche! — viro para trás e ergo o dedo do meio em sua direção, agradecendo por termos o voo vazio o suficiente para a primeira classe ser exclusivamente nossa.
— Vocês precisam se respeitar. — direciona a fala para mim. — é mais velho que você, cuidado com os gestos em público. — ele toca meu ombro de forma amigável, me repreendendo com muito cuidado nas palavras, e eu apenas lanço com um pedido silencioso de desculpas.
— Essas muletas... — resmungo, completamente atrapalhado em como me acomodar no assento e tê-las ao meu lado, e falta pouco para eu não as atacar com força até chegarem ao fundo do avião. — Eu as odeio!
— Vamos deixar elas aqui embaixo. — pega as muletas quando consigo finalmente me sentar, e as guarda embaixo dos assentos.
— Precisa de algo da sua bagagem de mão? — aparece ao meu lado e eu apenas nego, observando-a guardar a mochila no compartimento superior. Logo seus olhos mencionam o assento ao meu lado.
— Você vai se sentar aqui? — indago, rezando para sua resposta ser não e eu não precisar passar quatro horas de voo ao seu lado.
e estão assistindo uma série juntos, eu não podia separá-los. — ela mira os olhos para os dois que já estão devidamente acomodados, compartilhando os fones de ouvido e atenção completa na tela em sua frente. — Então sim, seremos parceiros de viagem hoje. — pisca com um dos olhos, passando em minha frente.
Acho melhor tentar ignorar o fato de que está sentada há centímetros de distância com somente uma divisória nos separando, então coloco meus fones, ajusto o cinto, e largo a manta de qualquer jeito em cima das minhas pernas erguidas em minha frente, apoiadas no assento reclinável. E tudo fica ainda mais fácil quando o avião finalmente decola, as luzes se apagam, e somente os leds azuis escuro iluminam o teto e o corredor do avião.
Eu só preciso cair no sono pelas próximas quatro horas, o que não será difícil em meio a um voo noturno e com o silêncio se espalhando pela cabine.
. — escuto um sussurro acompanhado de um leve cutucão em meu braço. — . — ela sussurra de novo. Abro meus olhos e tiro os fones, encontrando com o queixo apoiado sobre a mão que segura a divisória entre nós.
— Sim? — respondo tentando manter distância de seu rosto, ela está invadindo grande parte do meu espaço agora.
— Acabou a bateria do meu celular, você pode compartilhar seus fones comigo? — consigo visualizar seus olhos sendo iluminados pela luz azul, e eles são ainda maiores estando tão perto. — Eu preciso escutar alguma coisa ou morro de tédio. — finaliza e eu hesito.
— Tudo bem. — ergo um dos fones em sua direção e abre a divisória entre nós, arrastando-se para mais perto. — Mas temos uma condição.
— E qual seria?
— Eu escolho as músicas.
— Certo, eu espero que tenha seguido minhas indicações, tenho certeza que suas playlists ficaram ainda melhores com elas. — dá de ombros, convencida.
Espero se ajeitar, o corpo praticamente colado no meu, para dar play na música.
Ela precisa ficar sempre tão malditamente perto a ponto de me fazer distinguir seu shampoo de pêssego?
***
United States, New York – Citi Field

A estrutura para o show já está completamente montada dentro do estádio de baseball. O palco se localiza ao fundo, acrescido de uma longa passarela que chega quase à metade do campo, onde podemos caminhar livremente para ficarmos ainda mais perto dos fãs. Há um telão de milhares de polegadas atrás de nós e mais dois posicionados em cada lado do palco, onde teremos uma transmissão simultânea do show.
A abertura dos portões está programada para as 18 horas, então temos algum tempo de ensaio para ajustar os últimos detalhes.
Love you so bad, love you so bad, 널 위해 예쁜 거짓을 빚어내. — canto no microfone enquanto tento ajustar o tom da minha voz. — Preciso que aumente a voz do no meu retorno, por favor! — solicito, encaixando melhor o fone no meu ouvido.
, você está cantando mais rápido que a melodia, atrase um pouco. Preciso do seu tempo para ajustar o meu. — diz em seu microfone e sua voz soa alta em meus ouvidos.
— Agora preciso que diminua a voz do ! — peço novamente. — Love you so bad, love you so bad, 널 위해 예쁜 거짓을 빚어내. — repito, tentando segurar um pouco mais a velocidade dos versos. — Agora está melhor? — questiono para e ele ergue o polegar em minha direção.
— Como está seu tornozelo? — um dos coreógrafos questiona.
— Acho que não consigo performar completamente todas as danças. — contestar isso me deixa malditamente frustrado, mesmo depois de conseguir substituir as muletas por uma bota que imobiliza meu pé.
— Não seria melhor você só se mover pelo palco sem precisar se esforçar nas coreografias? — aparece ao meu lado, segurando um iPad com uma caneta e um fone nos ouvidos que o conecta em um rádio preso no cós da calça. — Acredito que se polpar nesse show, terá mais liberdade para os próximos.
— Pode ser. — balanço ombros e ela imediatamente anota essa informação.
não vai realizar as coreografias no show de hoje. — ela fala para o microfone preso no fone. — Claro que não! Vamos precisar substituir Euphoria, ele está com o tornozelo lesionado, pelo amor de Deus! — exaspera enquanto se afasta dali, e eu posso ver fumaça saindo de seus ouvidos.
— Preciso dos seis reunidos aqui! — o coreógrafo pede e os demais chegam na parte do palco que estamos. — , acha que consegue fazer as partes de nas coreografias em que somente ele dança?
— Consigo. Só preciso repassar alguns passos e dou conta. — responde, seguro.
, preciso que venha ao backstage. Sessão de fisioterapia. — a voz de me chama pelo retorno, mas com certeza ela esqueceu de desligar os demais, então todos recebem a mensagem.
— Anda, . Não demore, o dever te chama! — ironiza e todos riem, inclusive eu.
— Podem brincar. Eu vou me vingar! — respondo, mirando o olhar em cada um dos seis e retirando-me dali na velocidade que a bota me permite
***

United States, New York – Equinox Hotel

Meus músculos praticamente se contorcem em um nó quando consigo relaxar na cama, nada é mais prazeroso do que finalizar um show e me deitar para dormir. Mesmo não performando nenhuma das coreografias para poupar o tornozelo, ainda assim sinto cansaço por cantar durante duas horas seguidas.
Me sento no colchão com a coluna ereta, erguendo os braços para cima e os segurando dessa forma, sentindo cada articulação se alongar com esse movimento. Relaxo e consigo me livrar da bota, deixando-a ao lado da cama. Estico as pernas em minha frente e me curvo até tocar a ponta dos pés, sentindo minha coluna agradecer por estar fazendo isso. Com o corpo devidamente alongado e relaxado, o despertador de 01h00 toca, indicando o último horário de anti-inflamatório pós-torção.
Olho para a mesa de cabaceira, e para minha surpresa, não vejo o frasco.
Claro que fez o favor de levá-lo em sua bolsa para eu não esquecer. Ótimo.
Como já não sinto tanto incômodo em andar com um pouco de peso sobre o tornozelo torcido, desço da cama com cuidado e manco para fora do quarto. Minha sorte é que todos do BTS Team estão alocados no mesmo andar, e fica ao lado oposto do meu quarto.
Paro na frente de sua porta e ergo minha mão para bater, porém escuto vozes alteradas vindo do lado de dentro, então não o faço.
Eu não consigo entender essa droga! — escuto , e é agressivo.
Você não consegue ou não quer? rebate, sua voz mais baixa e trêmula. — Eu preciso fazer isso, ! Não é uma escolha!
Enquanto isso, eu fico aqui te esperando como um idiota, não é?
Claro que não! Não precisa falar dessa forma! — ela insiste. — Mas preciso que confie em mim!
Isso é um inferno! — escuto os passos pesados de se aproximarem. — Continuamos isso em outra hora! — rebate ríspido e a porta se abre, seus olhos encontram os meus. — Com licença. — ele pede e abro espaço. sai furioso, batendo forte a porta de seu quarto quando a alcança.
— Está tudo... Bem? — questiono voltando-me para dentro do quarto de .
— Sim. — sua voz ainda é trêmula e ela respira fundo, passando as mãos abaixo dos olhos. — Está tudo bem. — me encara quando se recompõe, fingindo que nada aconteceu, e preciso admitir que ela faz isso muito bem. — Precisa de alguma coisa?
— O remédio de 01h00. — menciono ainda um pouco desconfortável. — Acho que está com você. — dou alguns passos receosos para dentro do cômodo.
— Ah, é verdade. Me perdoe, está aqui. — ela pega a bolsa, rapidamente tirando o frasco de dentro e entregando para mim.
— Obrigado. — agradeço e dou as costas, sem ter certeza se eu deveria ou não ir embora.
Olho de relance de volta para ela e se apoia com ambas as mãos nas costas do sofá, seus ombros movendo-se grosseiramente com a respiração pesada, totalmente o oposto do que ela naturalmente faz.
?
— Não precisa se preocupar comigo, . — ela pronuncia meu nome inteiro em um sussurro, e sinto que ela luta internamente para não chorar. — Está tudo bem.
— Não acho que esteja.
— Mas está. — seus enormes olhos me encaram e os identifico cheios de água, uma lágrima lutando para não escorregar para fora. — Essas coisas são normais. Pessoas brigam o tempo inteiro, era assim com meus pais, por que seria diferente comigo? — escutar isso faz meu estômago reduzir ao tamanho de um feijão.
— Isso não deveria ser normal, .
, eu realmente não estou no clima de debater sobre esse assunto. — as palavras saem ríspidas de sua boca, e me ocorre que essa é a primeira vez que a presencio diferente de sua calma e delicadeza. — Me desculpe, não quis soar grosseira. — uma lágrima escapa de seus olhos e a limpa rapidamente, virando-se para a enorme janela que toma uma parede inteira, permitindo uma vista dos enormes arranha-céu da cidade.
— Sem problemas. — coloco as mãos nos bolsos da calça enquanto encaro suas costas perfeitamente alinhadas com os cabelos que caem sobre ela. — Você quer descer até o píer? Acho que tomar um ar será bom pra você. — se vira lentamente para mim e nossos olhos se encontram outra vez, ela força um leve sorriso.
— Pode ser.

Capítulo 8 – I can taste the danger, but I don’t wanna run

Agora


United States, New York – Pier 76 Hudson River Park

— Tem certeza que está tudo bem em sairmos agora? — pergunta enquanto atravessamos o lobby do hotel. — Quero dizer, não sente dor no seu tornozelo?
— Estou bem, . — afirmo e coloco o gorro do casaco antes de finalmente sairmos.
Caminhamos por cinco minutos até chegarmos no píer do rio Hudson que fica praticamente em frente ao hotel. Não está frio, mas também não é como se estivéssemos no verão, é agradável e vazio na rua, então não teremos problemas com outras pessoas no meio do caminho. caminha ao meu lado sem dizer uma palavra, acompanhando minha velocidade que está um pouco prejudicada. Não dói, mas ainda não posso colocar tanto peso sobre ele.
Percorremos todo o cumprimento da ponte de madeira e se apoia no parapeito quando chegamos ao fim, fechando os olhos quando uma brisa fresca nos encontra. Eu continuo olhando sua imagem ao meu lado, vez ou outra uma ruga surge no meio das suas sobrancelhas e ela respira fundo como se precisasse disso para se manter calma. Não posso impedir a curiosidade que cresce dentro de mim acerca disso, eu quero ler seus pensamentos e entender tudo que atormenta sua cabeça, todas as inseguranças, incertezas, histórias do passado...
— Se sente melhor agora? — quebro o silêncio entre nós e vira para mim, abrindo os olhos até encontrar os meus.
— Um pouco, sim.
— Você quer conversar sobre o que aconteceu?
— É complicado, . Muito complicado. — seus lábios se curvam em um breve sorriso e ela volta a olhar o rio, o vento afastando os cabelos de seu rosto.
— Eu sou bom em ouvir, fique à vontade. — também me apoio no parapeito, me aproximando um pouco mais.
— Não tenho bons exemplos de relacionamentos saudáveis, e isso me persegue. O casamento dos meus pais era uma droga e meu último namorado também foi dos melhores. — respira fundo, como se estivesse travando uma batalha interna contra as lembranças. — Achei que seria diferente. — tento parecer surpreso, afinal, eu supostamente não sei que eles escondem algo. — Não me olhe com essa surpresa, . Eu sei que você sabe sobre e eu, me lembro de te contar isso.
— Você se lembra?
— Sim. Me lembro que você estava lá e lembro também de ter contado sobre isso. Obrigada, por sinal. — mira os olhos para mim, cutucando-me com o cotovelo.
— Sem problemas.
— Na verdade, eu e ele sempre brigamos por termos opiniões muito diferentes em tudo. Na época da escola, o fato dele gostar de verde e eu de azul já gerava uma discussão que durava a semana inteira. — ela sorri, aparentemente feliz com a lembrança. — Todos os dias tínhamos argumentos para tentar convencer um ao outro qual cor era a melhor. Quando decidi parar de comer animais, foi mais uma semana com levando diversos artigos para me mostrar o quão importante eles eram para minha saúde, e ele não me deixou em paz até que eu voltasse a comer.
— Opostos deveriam se atrair, não?
— Minha mãe sempre falou que nós íamos nos casar. Mas eu não me sinto segura com esse pensamento. Não conseguimos passar cinco dias completos sem brigar. — solta o ar pela boca, apertando o parapeito com força.
— O que aconteceu com seu outro namorado? — pergunto curioso.
— Você quer realmente saber? — ergue a cabeça e se vira para mim, fixando os olhos nos meus. — Preciso contar do começo.
— Por favor.
— Nunca sonhei com os clichês dos filmes, mas algo na forma como meu pai cuidava da minha mãe me despertava o desejo de ter alguém que fizesse isso por mim. Só que era tudo uma mentira. Ele a tratava diferente talvez porque eu era nova demais, e assim que completei 13 anos, as coisas mudaram. — dá um longo suspiro e os ombros caem, como se fosse tudo pesado demais. — Primeiro ele a pegou no punho tão forte que carimbou os dedos na pele dela. Ele se desculpou a semana inteira por isso, dizendo que não teve a intenção de machucá-la. Depois aconteceu novamente em uma discussão sobre o meu pai chegar às 03h00 sem avisá-la, ele a segurou pelos braços com força capaz de erguê-la do chão. — ela se volta para o rio e a luz do poste acima de nós me permite ver o nível de água aumentando em seus olhos. — Depois disso, todos os dias era uma discussão nova. Meu pai ficou mais agressivo até que bater nela se tornou normal, mas eu não conseguia aceitar, e muitas vezes que tentei defendê-la também me renderam alguns hematomas.
, isso é terrível. — meu estômago se contorce em um nó e malditamente dói.
— Pode ficar pior. — continua e eu respiro fundo, tentando encontrar forças para manter-me de pé. — Se lembra da fogueira que tivemos de volta às aulas? — confirmo. — Aquela foi a última vez que vi meu pai.
— Para onde ele foi? — pergunto, mas sem ter a certeza de que quero uma resposta.
— Não sei... Ele poderia ter matado a minha mãe se não fosse e . — sua voz soa pesada. — Ele foi meu super-herói por treze malditos anos, vê-lo sair desse lugar foi difícil. Então conheci Will e achei que ele me mostraria que meu pai era uma exceção. — aproxima seu corpo lentamente e não consigo distinguir se ela faz isso involuntariamente. — Vivemos um ano perfeito juntos. Estudávamos em Stanford, ele Direito, e eu Publicidade. Fazíamos as aulas no período da manhã, ele me buscava para almoçar, depois voltávamos para as aulas e de noite me deixava em meu dormitório, e muitas vezes ele fugia do seu para passarmos a noite juntos. Estudávamos na biblioteca do campus quando as provas se aproximavam, visitamos a família dele no feriado de Ação de Graças, achei que ele era “O” cara.
— E o que aconteceu?
— Ele começou a questionar até o ar que eu respirava. Minhas roupas eram curtas ou justas demais, eu estava muito magra ou muito acima do peso. Meu cabelo era muito curto ou muito comprido, muito liso ou excessivamente ondulado. — vira o rosto na direção oposta, mas consigo ver uma lágrima fazer um caminho por sua bochecha. — Certo dia fui ao salão para mudar o cabelo e fiz algumas mechas mais claras para tentar agradá-lo, e quando me viu, perguntou se eu queria chamar a atenção de alguém. Eu passei a me sentir insuficiente o tempo inteiro, como se eu fosse a culpada por tudo. Ele questionava minhas amizades e não gostava quando eu saía sem ele. Um dia, resolvi ignorar as coisas que ele me falava e lembro como se fosse hoje. — ela me encara, e vejo em seus olhos como é difícil lembrar daquilo.
— Você não precisa continuar se não quiser. — tento confortá-la.
— Já foi muito doloroso falar sobre isso, não é mais. — sorri fraco, desviando o olhar de volta para a água que se movimenta com a leve brisa da madrugada. — Saí com algumas amigas para jantar, havíamos passado na matéria mais difícil do semestre, e cheguei no meu dormitório por volta das 02h00. — aperta o parapeito até os nós dos dedos ficarem brancos. — Will estava sentado na minha cama no escuro quando passei pela porta, e eu sequer consegui apertar o interruptor antes dele me pegar pelo pescoço. Ele me segurou muito forte e quando consegui me soltar, me lançou para longe como se eu fosse uma bola de baseball. Me rendeu uma costela quebrada e alguns hematomas no pescoço que só eram disfarçados com peças de roupa. Eu passei o verão inteiro usando blusas de gola alta e fingindo uma gripe, além do colete para imobilizar o tronco, porque precisei fazer uma cirurgia para colocar a costela quebrada no lugar.
— Por Deus, . Me diga que terminou com ele depois disso. — minha voz sai em uma súplica e ela ri ironicamente.
— Nas semanas seguintes eu não o vi, ele praticamente sumiu. E eu chorei quase todos os dias sentindo sua falta.
— Mas como...?
— Foi quando eu percebi que dependia emocionalmente dele. — seus olhos encontram os meus novamente e sinto todo o meu interior se apertar. — Isso é péssimo. Ele voltou depois de duas semanas, me pediu desculpas e eu malditamente aceitei. — outra lágrima cai para fora de seu olho. — Me afastei das minhas amigas, ele não me deixava sair de Stanford para visitar minha família em LA, dizia que era para me proteger. Eu ficava sozinha no dormitório estudando enquanto ele ia aos jogos de futebol, saía para comemorar os campeonatos, e quando eu o questionava sobre isso, ele sempre encontrava uma forma de me atingir, de me fazer sentir culpa. Ele nunca escolhia ficar comigo nos tempos livres.
— Você ficou quanto tempo dentro disso? — dou um pequeno passo para o lado, aproximando-me dela o suficiente para sentir nossos braços se tocarem.
— Alguns meses. Depois disso, começou a acontecer sempre que estávamos sozinhos, mas o basta foi no Spring Break, na casa de um amigo. Ele havia bebido e todos se divertiam na piscina, achei que não seria um problema eu fazer o mesmo. Ele tinha uma ira sobre-humana quando me viu na piscina. Me pegou pelo braço e literalmente me arrastou para dentro da casa, me rendendo mais algumas lesões, dessa vez no rosto. Consegue enxergar essa cicatriz? — ela vira para mim, apontando para uma pequena cicatriz no final da sobrancelha direita, e tenho vontade de vomitar em imaginar. — Seus amigos assistiram a cena como se fosse um espetáculo. Lauren, uma das namoradas, conseguiu me livrar dos braços dele, me vestiu com uma de suas roupas e me ajudou a limpar os ferimentos. Depois ela dirigiu até LA e me deixou na casa dos meus pais, e eu nunca mais voltei para Stanford. Transferi minha inscrição para UCLA e finalizei a faculdade. Desde então não vi mais Will e ele guardou só para ele toda a expectativa que eu tinha sobre me apaixonar.
— Você falou sobre isso com alguém? — pergunto, tentando digerir palavra por palavra, mas elas são malditamente amargas.
— Não consegui. Não podia deixar minha mãe saber que aquilo tinha acontecido comigo também. Eu disse que caí da escada e pedi para Lauren não contar para ninguém. Ela prometeu, foi embora e nunca mais nos vimos. Você é a primeira pessoa para quem conto isso. — um sorriso fraco aparece em seu rosto, e penso se agradeço por isso ou se explodo de repulsa ao saber dos detalhes. — Retomei os estudos na UCLA e comecei a dar aulas de balé em um estúdio perto de casa, isso me ajudou a pagar o que eu precisava para morar sozinha além de ser como uma terapia. Então minha mãe se mudou para Itália com meus avós, e não os vejo desde então.
— Uau. Eu realmente não imaginava isso. — suspiro, tentando empurrar toda aquela história para meu estômago.
— Já se passaram três anos, mas essa coisa toda de amor, de se apaixonar, não existe pra mim há muito tempo. Não preciso me conectar verdadeiramente com ninguém. — balança os ombros, voltando a me olhar.
— Não acha que futuramente sentirá falta de ter alguém? Quero dizer... Quer mesmo passar o resto da vida sozinha?
— Saber o que quero para o meu futuro é tão vasto, tanta coisa pode acontecer. Prefiro não pensar muito adiante. — seus olhos piscam calmamente e eu tenho uma maldita dificuldade em não os olhar. — Eu sei que nunca vai fazer algo do tipo, confio nele com os olhos vendados. Mas o fato de discutirmos tanto me desperta alguns fantasmas, entende? Passar um tempo com ele é bom, nos divertimos juntos, mas é só.
— Nada é definitivo, não é mesmo? — concordo.
— Como eu disse, muita coisa pode acontecer. Mas é como me sinto agora.
Permanecemos em silêncio por um tempo, ainda admirando o rio em nossa frente como se fosse sua primeira vez ali. E por mais que ela não veja, eu não consigo desviar os olhos dela. Quero muito enxergar o mundo como ela o faz, pois mesmo depois de tanta coisa, é como se tudo fosse tão bonito e único, nunca vi nada do tipo. O vento brinca em sua pele, afastando os fios de cabelo de seu rosto e permitindo-me visualizar ainda melhor todos os seus detalhes. A pele branca, as sardas espalhadas pelo nariz e bochechas, a boca simétrica com um arco perfeito entre o nariz e o lábio superior, os olhos enormes coberto por longos cílios que piscam tão suavemente que parecem estar em câmera lenta.
Droga, os olhos estão me olhando. Será que ela me viu olhando para sua boca?
Pare de olhar para ela agora, .
— Então... — pigarreio, tentando disfarçar. — Aula de balé?
— Fiz balé desde muito pequena até 17 anos. Dar aulas enquanto estava na faculdade era mais um hobby do que um trabalho, eu gosto da dança. Eram coisas que eu incluía na minha rotina para ocupar a cabeça, já que meus pais trabalhavam o dia inteiro e eu ficava sozinha. O teatro também ajudava nisso.
— Argh, o teatro. — solto o ar pela boca, lembrando da época na escola. — Eu não gostava muito, mas precisava preencher a única hora de aula complementar que faltava.
— É mesmo? Eu jurava que você tinha nascido para atuar. — silêncio se prossegue e explode em uma gargalhada contagiante, eu a acompanho.
— Obrigado por valorizar minhas habilidades de atuação. — coloco a mão no peito, afetado. — Eu sou um pouco tímido em frente a tantas pessoas quando preciso fazer algo diferente de cantar ou dançar.
— Você se lembra quanto tempo demoramos para conseguirmos nos beijar no ensaio? — ela ainda ri, abraçando a barriga com um dos braços. — Fomos péssimos!
— Foi muito ruim! Não sei como os professores ainda disseram que fizemos um bom trabalho. Lembro que seu cabelo acabou enroscando no meu alargador e você quase arrancou minha orelha.
— São boas lembranças, . — completa, finalmente conseguindo controlar a risada. — Acho que agora já passou um pouco da hora de voltarmos. Temos um voo para Fort Worth em poucas horas, precisa descansar.
Assinto e caminhamos de volta para o hotel, e como o trajeto não leva mais de cinco minutos, não trocamos mais nenhuma palavra até subirmos no elevador. aquece as mãos nos bolsos do casaco quando descemos no sétimo andar, e a acompanho até sua porta. Ela abre e entra, se virando para mim enquanto encosta no batente. Ficamos um tempo ali, parados, olhando um para o outro sem proferir nenhuma palavra, e eu já não sei o que fazer com as mãos. Não sei se as mantenho nos bolsos do casaco, se coloco nos bolsos da calça ou se faço qualquer outra coisa.
Por que é tão difícil ir embora?
Apoio uma das mãos no arco da porta, ficando consideravelmente perto dela. Sinto sua respiração ofegar em mim e ela não consegue piscar.
— Está tudo bem? — pergunta e sorri, me mostrando os dentes perfeitamente alinhados e as covinhas afundadas nas bochechas e queixo. — Tem alguma coisa errada com meu rosto?
Não tem nada de errado com seu rosto, . Ele é perfeito. Eu só preciso me comportar, não passa de um sorriso como todos os outros.
— Sim, está tudo bem. — respondo, balançando a cabeça. — Boa noite, . — digo por fim e faço menção de sair, porém sua mão envolve meu punho, puxando-me de volta para ela.
— Obrigada por hoje. — agradece e fica na ponta dos pés, e parece que meu corpo congela em instantes.
está perto. Ela tem os olhos fixos em mim enquanto aproxima o rosto do meu, tão perto que consigo distinguir seu hálito sabor chiclete de morango.
Ela vai me beijar.
Nós não podemos. Eu não posso.
Num piscar de olhos, sinto seus lábios tocarem minha bochecha, perto demais da minha boca.
— Boa noite, . — diz em um sussurro na minha pele, e se afasta enquanto segura um sorriso.
fecha a porta e eu fico um tempo encarando a madeira até conseguir mover-me de volta ao meu quarto, ainda sentindo o toque da sua boca em meu rosto.
***

United States, Las Vegas – Aria Resort & Casino

A semana passou num piscar de olhos.
Depois de NY, passamos por dois shows seguidos em Fort Worth, no Texas, e havíamos acabado de sair da T-Mobile Arena, finalizando nosso primeiro show em Las Vegas com ingressos esgotados em poucos minutos e 100% de comparecimento. Não lembro de ter visto um público tão grande em todos os shows.
Outro show nos espera sábado, mas mesmo exaustos, é algo que precisa ser comemorado.
— Não podemos ficar muito tempo, está bem? — direciona a frase para todos nós antes de entrarmos no salão do hotel, onde acontece alguma festa aleatória.
, estamos em Vegas! — responde. — Relaxe um pouco e aproveite a cidade!
— Não vamos, . — assegura, porém nós o conhecemos o suficiente para saber que ele é incapaz de nos controlar uma vez que o assunto “bebida” entra em questão.
Passamos pela porta do salão cheio, um DJ toca alguma música eletrônica no palco ao fundo, que não reconheço de imediato. Preciso beber algo para relaxar toda a tensão que se acumula no meu corpo, então não desperdiço muita atenção nisso.
Caminho até o bar sentindo olhares me acompanhando todo o caminho e os demais se dispersam pelo ambiente. Me encosto no balcão e peço uma cerveja assim que o barman me atende. Apoio as costas no mármore enquanto observo o movimento e já está em uma roda com algumas garotas, para minha surpresa. , e conversam entre eles enquanto leem algo no celular, não sou capaz de achar , e está sentado no grande sofá verde no canto ao mesmo tempo que seus olhos seguem , que vem em minha direção.
— Quero uma água com gás e limão, por favor. — ela pede e se encosta no balcão ao meu lado.
— Água com gás? — indago rindo e olhando para ela.
— Não acho uma boa ideia beber hoje, quero manter o controle em vocês.
— Faz sentido. — dou de ombros, observando o jogo de luzes brincar em seu corpo. — Como estão as coisas com ?
— Nos falamos um dia depois da briga, ele disse que vai se esforçar para não acontecer e eu concordei em fazer o mesmo. Acho que estamos bem. — acompanho seus olhos e vejo que ela olha para .
— Isso é bom. — forço um sorriso.
— Quais os planos para hoje? — ela me olha. — Porque sinceramente, estou um pouco incomodada com o tanto de garotas que estão olhando para nós.
— Não sei o que tem de errado.
— Eu posso te dizer o que tem de errado. — se volta para o bar, apoiando os cotovelos no balcão. — Como já te falei, você é... Você. Preciso sair logo daqui antes que me peguem pelos cabelos. — dá um gole em sua água e pisca para mim.
?! — outra voz feminina vem em nossa direção e meus olhos encontram uma garota surpresa parada a alguns centímetros de distância.
— Maggie? — se vira e a abraça assim que a reconhece. — O que faz aqui?!
— Eu não acredito que é você mesmo! — ela parece excessivamente animada. — Estou aqui faz pouco tempo! Precisei mudar de universidade para finalizar o curso de fotografia! — a garota tem o cabelo na altura do pescoço, um sorriso largo que mostra todos os dentes e vejo um piercing em sua língua porque ela abre demais a boca para falar ou sorrir. — Quanto tempo!
— Não nos vemos desde que fui para Stanford! — a abraça novamente. — Não acredito, depois de tanto tempo!
— Precisamos conversar, muitas coisas mudaram! — pontua enquanto se afasta de . — Agora me diga... Quem é o seu amigo? — os olhos verdes me olham imediatamente em conjunto com um sorriso cheio de segundas intenções.
— Ahn... — pigarreia. — Esse é o -
— Do BTS? — Maggie a interrompe, olhando-me novamente da cabeça aos pés. — Eu não acredito!
— Sim, sou eu. — sorrio, achando graça da sua reação.
— Você é muito diferente pessoalmente! Com certeza muito melhor. — enfatiza, aproximando-se e mantendo o contato visual fixo em mim.
— Você não estava noiva? — fala um pouco alto demais, puxando-a pela mão e erguendo o enorme anel de brilhante no dedo anelar diante dos olhos. — Esse anel é enorme!
— Não estou mais. — Maggie sorri ladeado. — Mas me recusei a devolver o anel, porque... Fala sério, ele é lindo! — solta sua mão de e se volta para mim. — O que acha de me pagar uma bebida? — arqueia as sobrancelhas em minha direção, praticamente ignorando a presença da amiga.
— Pode ser. — afirmo, sorrindo de volta.
— Não fique até muito tarde, está bem? — olho para e ela tem as bochechas vermelhas, não difiro se isso em seus olhos é raiva ou outra coisa.
— Está bem. — concordo e ela bufa, retirando-se dali. A acompanho com o olhar até a mesma chegar em e puxá-lo pelo braço para longe do meu campo de visão.
— Ela é sua babá ou algo do tipo? — Maggie me cutuca brevemente com o cotovelo para voltar a atenção para ela.
trabalha com a gente. — afirmo, encarando os olhos verdes.
— Isso parece interessante. era como um general na época da escola, vejo que nada mudou.
— Ela é ótima. — balanço a cabeça, dando um gole na cerveja. — Você faz fotografia? — troco o assunto, querendo livrar minha atenção de qualquer coisa que remeta a .
— Sim, estou no último semestre. Acabei atrasando um ano por conta da transferência. — ela vira os olhos teatralmente. — Você gosta?
— Tenho uma câmera, gosto de fotografar. Mas não entendo muito da técnica. — admito, já que é um hobby que pratico sem muita habilidade.
— Posso te ensinar algumas coisas quando quiser... — sinto ela se aproximar, as pontas dos dedos subindo do meu antebraço até o ombro.
— Seria ótimo. — relaxo os ombros com seu toque. — Mas temos um show amanhã, e depois partimos para o Canadá. — fecho os olhos quando sua mão chega ao meu pescoço e nuca, e não consigo conter breves arrepios.
— Uau, uma turnê. — Maggie se aproxima um pouco e sinto seu hálito atingir meu rosto. — Podemos fazer isso agora. — dispara e meus olhos param nos seus. Decido então entrar em seu jogo.
— Tenho algumas regras a serem cumpridas. — tento conter a frustração, mas aquilo não parece um impeditivo para ela.
— Podemos subir para um quarto. nunca vai imaginar que você não está dormindo de fato. — suas sobrancelhas se erguem ao mesmo tempo que um sorriso brinca em seus lábios pintados de vermelho.
— Podemos. — confirmo e viro o restante da cerveja para dentro. — Vamos. — a puxo pelo braço para fora dali.
***

Abro os olhos e as luzes dos prédios ao lado de fora iluminam o quarto através das enormes janelas. Olho para o lado e o relógio digital marca 03h15. Droga, preciso dormir. Viro para o outro lado e encontro os cabelos curtos espalhados pelo travesseiro branco, o lençol a cobrindo até a cintura, a faixa preta do sutiã contrastando a pele e a cabeça apoiada nas mãos. Maggie dorme profundamente e não sei como acordá-la.
E eu realmente não preciso... Posso simplesmente sair como já fiz outras vezes.
Sento-me na cama e me espreguiço brevemente. Uma batida na porta desvia minha atenção para a entrada do quarto. Estou sonolento, provavelmente ouvindo coisas a essa altura.
Me levanto da cama e estico as costas, agradecendo por estar pelo menos de cueca. Busco minha calça pelo quarto escuro e a visto quando alcanço o tecido preto. Tenho certeza de deixar o cartão da porta na mesa de cabeceira e guardar a carteira no bolso. Encontro minha camiseta e a coloco enquanto procuro os tênis pelos cantos, sem sucesso.
Em situações como essa nunca levo a garota para meu quarto, geralmente peço outra chave e acerto o custo na recepção depois. Não posso usar a hospedagem paga pela agência para lazer ou até correr o risco de alguém me pegar acompanhado. Ainda mais com acessando livremente nossos quartos.
Outra batida na porta chama minha atenção, e tenho certeza que é bem real.
Chego na porta em passos calmos e apoio a orelha na madeira, tentando escutar qualquer barulho do lado de fora.
— Quem é? — sussurro.
— Abra a porta, . — droga, eu conheço a voz.
Passo as mãos nos cabelos e rosto rapidamente, ajeito minha camiseta e calça para não aparentarem muito amassadas. Seguro a maçaneta e abro, encontrando parada em minha frente com os braços cruzados na frente do corpo.
Ela não tem uma expressão amigável.
— Errou de quarto? — algo em seu olhar me desafia.
— Eu... Ahn... — pigarreio, apoiando uma das mãos no batente. — Eu perdi o cartão do meu quarto. — minto, e muito mal.
— Certo... E achou melhor pagar por outro quarto ao invés de pedir uma cópia?
— Eu não pensei nisso. — sorrio sem graça. Eu sou inacreditavelmente ruim em mentiras.
— Onde está Maggie?
— Eu não sei.
— Vou perguntar mais uma vez e quero a verdade, está bem? — dá um passo em minha direção e eu dou um para trás. — Onde está Maggie?
— Ela está... Maggie? Eu não sei onde ela está.
— Tenho certeza de que posso encontrá-la. — me lança mais um olhar desafiador antes de passar pelo espaço entre mim e a porta, pisando forte para dentro do quarto.
Respiro fundo, amaldiçoando-me internamente por ser tão ruim em situações como essa, e sigo lentamente os passos de .
Não consigo identificar sua expressão quando ela aperta o interruptor e ilumina o quarto. Suas bochechas possuem uma tonalidade tão vermelha quanto pimentão, os olhos cerrados são uma mistura de raiva e contradição, e eu posso ver fumaça saindo do seu nariz.
— Ela está bem aqui! — aponta para onde Maggie dorme. — Isso é inacreditável! — caminha até a cama, pegando um dos travesseiros e lançando na garota adormecida. — Maggie, acorda! — aumenta algumas oitavas, mas não tanto para não ser ouvida nos outros quartos. Maggie se senta assustada, esfregando os olhos enquanto tenta se ambientar.
— Por Deus, . O que aconteceu? — os olhos verdes miram de mim para .
— Vocês aconteceram! — ela aponta para nós. — Eu te pedi para não dormir tarde! — profere as palavras para mim e seu rosto inteiro está prestes a explodir.
— Relaxa. Ele estava dormindo! — Maggie ergue as mãos em rendição enquanto se levanta da cama em busca de seu vestido. — Só que ele dormiu acompanhado. — o tom malicioso vem acompanhado de uma risada.
— Aqui está a droga do seu vestido. — lança o tecido preto com certa força para a amiga. — Eu vou abrir a porta e contar até cinco para te ver fora daqui. — avisa, voltando para Maggie que se veste rapidamente.
Coloco a cabeça na porta entre o quarto e a sala, e tento conter uma risada enquanto segura a madeira aberta, batendo um dos pés no chão e a mão na cintura. Maggie passa por ela rapidamente agarrando os sapatos de forma desajeitada.
— Conversamos amanhã. — avisa para a amiga que para no corredor.
— Deixei um papel com meu telefone em cima da mesa! — Maggie pisca para mim, intensificando a ira de e meu divertimento. — Me liga!
— Vá embora, Maggie! — exaspera e bate a porta. Seguro uma risada e me encara com uma feição assustadora. — Isso é mesmo muito engraçado!
— Fique calma, só estava aproveitando um pouco. — dou de ombros, voltando para o quarto. — Sua amiga queria uma companhia e eu também. E ela é bem gata.
, eu só pedi que não ficasse acordado até tarde. — escuto seus passos acompanharem os meus e ela para quando me sento na beira da cama.
— Não subimos tarde! — tento me defender. — Mas isso também não quer dizer que dormimos. — ironizo, contendo mais uma risada.
— Você acha que é tudo uma brincadeira? — ela dá alguns passos em minha direção e fica somente alguns centímetros mais alta que eu dessa forma. — Sabe o que não é uma brincadeira? As ordens que me passam e eu tenho a simples função de fazê-los cumprir! — ela tenta conter o tom de voz, e isso fica ainda mais engraçado. — Sabe quando vou conseguir a permissão de outra noite dessas se descobrirem que você transou com a primeira pessoa que passou na sua frente? Nunca!
— Por isso ninguém vai descobrir. — pontuo, tentando transmitir minha calma para a garota que está prestes a entrar em erupção. — Não precisa contar para ninguém. Pode ser nosso segredo. — explode em uma gargalhada. — Qual a graça?
— Você achar que esse é nosso segredo! — ela abraça a barriga, ainda gargalhando. — Me dê um bom motivo para eu não contar.
— Qual é, ! Eu já fiz isso outras vezes, não é como se fosse diferente!
. — ela respira fundo, finalmente parando de rir e se aproximando um pouco mais. — Você dormiu com a Maggie! Maggie era minha melhor amiga na escola!
— Isso não interfere em nada! — me levanto, aumentando nossa diferença de altura e fazendo-a olhar para cima.
— Claro que interfere!
— Interfere ter sido Maggie ou o fato de que eu dormi com alguém? — a desafio e sinto a inquietação que a pergunta lhe causa.
— Que tipo de pergunta é essa?
— Apenas responda.
— Interfere que você dormiu com alguém no meio de uma turnê! — ela está desconcertada e pensando demais nas respostas. Gosto disso.
— E é ruim por conta da turnê ou... — busco seu olhar até encontrá-lo e a prendo ali. — Isso te incomoda?
— Há! — exaspera, os olhos fixos nos meus. — Você está sugerindo que estou com ciúmes? — cruza os braços, debochando.
— É o que parece. — sustento o olhar sem permitir que ela desvie de alguma forma, dando alguns passos para frente e ela para trás, mantendo a distância.
— Você sabe que eu estou com seu melhor amigo, não sabe?
— Você está? — continuo andando até encurralá-la na parede.
— Claro que sim. — pigarreia, os olhos assustados conforme me aproximo.
— Você disse que não é nada sério... — apoio as mãos na parede em cada lado de sua cabeça. — Não disse? — sussurro, abaixando meu rosto na direção do seu e prende a respiração. — Não acho que você estremeça assim quando está perto dele. — ela ergue a cabeça para manter o olhar fixado no meu e toco sua cintura.
me desafia da mesma forma que eu a desafio. Isso me incomoda.
— Você está maluco. — sua voz sai apertada.
— Pode ser que sim... — encosto nossos narizes, sentindo as cócegas que seus lábios causam nos meus. — Mas eu sei o autocontrole que você precisa ter perto de mim. — olho para sua boca e desvio para a bochecha, arrastando minha boca por sua pele até a mandíbula, pescoço e chegando em seu ouvido. — Isso acontece comigo também, . — falo baixinho em seu ouvido e ela solta a respiração pesada no meu pescoço. — Só admita. — seguro o lóbulo da sua orelha entre meus dentes e ela estremece.
... — diz meu nome em um suspiro, sinto suas mãos tocarem minha pele e subirem por minhas costas debaixo da camiseta. — Não faça... Isso.
— Não estou fazendo nada. — respondo, voltando meu rosto para o seu até encostarmos as testas. — Quer que eu pare? — indago, voltando a olhar para sua boca e ela fecha os olhos, contendo a respiração na garganta. — É só dizer que eu paro. — continuo enquanto puxo seu lábio inferior com os meus.
— Eu quero... — olho para seus olhos. — Eu quero...
— Quer o quê? — subo meus dedos lentamente por suas costas, segurando-a pelo pescoço e trazendo-a para mais perto.
aperta as unhas em minhas costas e me arrepia em lugares que nunca imaginei arrepiar. Ela quer que eu me sinta da mesma forma que ela, e consegue. Tento me manter agarrado ao único pingo de sanidade que resta em minha cabeça para não deixá-la sair dali nunca mais, mas ter sua boca tão perto da minha só dificulta ainda mais o trabalho.
Me afasto novamente dela e seu pescoço se estica, deixando o espaço para minha boca caminhar livremente por ali. Beijo seu maxilar e pescoço com cuidado para não marcar a pele, mesmo querendo muito. pressiona a boca contra meu ombro contendo um gemido, e não consigo segurar um sorriso satisfeito. Suas mãos apertam meus ombros e se usar um pouco mais de força, com certeza terei marcas de unhas por ali amanhã.
— Eu quero que pare. — sua voz sai o mais firme que a situação permite e minha cabeça demora para processar cada palavra, porque eu não quero realmente parar.
Respiro fundo e afasto minha boca lentamente de sua pele, parando onde posso manter contato fixo nos seus olhos.
— E, por favor... — ela pisca algumas vezes enquanto solta o ar pela boca. — Não me toque assim outra vez.
— Tudo bem. — cumpro a promessa e me afasto.
Continuo sentindo os olhos de sobre mim quando finalmente encontro meus tênis e os calço, saindo do quarto o mais rápido que posso.
Preciso ter algumas paredes entre nós para considerar que é uma distância segura o suficiente.

Capítulo 9 – That’s where she lies, broken inside

Agora


United States, Las Vegas — Aria Resort & Casino

Jesus Cristo. O que acabou de acontecer?
Estou com as costas na parede, sozinha dentro do quarto, mas ainda está em todos os lugares.
Eu o sinto no ambiente, sinto suas mãos, sua boca, sua respiração arrepiando meu pescoço, seu corpo pressionado no meu, seu cheiro grudado nas minhas roupas. Eu posso sentir o metal do seu piercing em contraste com a minha pele. Sinto seus dentes puxando meu lábio e sua voz ecoando nos meus ouvidos como se ele ainda estivesse aqui. Eu posso ver seu rosto perto do meu, os olhos fixos na minha boca enquanto umedece os lábios com a língua.
Ele está em cada cantinho da minha cabeça, e não consigo achar um espaço para pensar em qualquer outra coisa que não seja ele. Seus olhos escuros prendem-me como peças de um quebra-cabeças, e seus músculos reagindo ao meu toque é tudo que ainda sinto nas minhas digitais. Ele gera dependência em cada terminação nervosa do meu corpo sempre que me toca, sempre que sua respiração quente e pesada me atinge.
é como aquela música que você não sabe o nome, mas não sai da sua cabeça, e quando descobre, tudo que você quer fazer é escutá-la o dia inteiro no repeat. Eu quero exatamente isso. Eu o quero todos os segundos, todos os milésimos, o tempo inteiro.
Mas não posso.
Eu preciso sair daqui, tomar banho e me livrar de todos os seus toques que insistem em gravar minha pele. Quero que vá embora pelo ralo, eu preciso que ele vá embora. Eu preciso esquecer tudo, ele tem que ir embora da minha mente junto com tudo que causa em mim.
Respiro fundo e me recomponho antes de finalmente sair. Pego o elevador e volto ao décimo andar, entrando no quarto de assim que identifico sua porta.
Ele está sentado na beira da cama sem camiseta e usando somente uma calça de moletom, os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça se ergue assim que nota minha presença. Os cabelos bagunçados e expressão confusa indicam que está acordado há pouco tempo, e eu simplesmente amo sua aparência.
parece flertar comigo a cada segundo. Existe algo na forma que me olha, passando a língua na ponta dos dentes e os olhos semicerrados, que me provoca incansavelmente. A meia-luz do abajur o ilumina parcialmente e o sorriso torto que surge em seus lábios quando me vê é o motivo do meu colapso.
Ele faz isso porque eu faço exatamente o mesmo com ele. E não posso olhá-lo de outra forma. tem uma beleza naturalmente sedutora, ele não precisa se esforçar para arrancar suspiros onde quer que esteja. E se esforça muito menos para me fazer querê-lo.
Caminho lentamente até ele, sem desconectar nossos olhos. Me sento em seu colo com os joelhos apoiados no colchão em cada lado do seu corpo e agarro seus cabelos, fazendo-o inclinar o tronco com as mãos apoiadas atrás dele.
— Onde você estava? — sua voz é áspera e ao mesmo tempo aveludada, me causando arrepios internamente.
— Precisei verificar se estavam todos dormindo. — não me atrevo em deixar voltar para minha cabeça, mantenho minha atenção no sorriso de .
— E está tudo em ordem? — ele aproxima o rosto do meu pescoço, depositando leves beijos por ali.
— Nada que realmente valha a pena me preocupar. — respondo, soltando minha respiração lentamente.
Puxo seus cabelos levemente até sua cabeça tombar para trás e ele sorri novamente. Toco sua boca com a minha enquanto o empurro para se deitar na cama.
Eu posso facilmente esquecer o que aconteceu minutos atrás, então não demoro em fazê-lo.
***

Alguns dias se passaram rapidamente com a agenda cheia de shows e voos a cada três dias. Meu corpo já passou por tantos fusos diferentes que ele não sabe mais discernir qual é seu real horário de funcionamento. E juntando isso com a alta demanda de trabalho, estou prestes a explodir.
Ainda tem o agravante que sempre encontra um espacinho vazio na minha cabeça para habitar.
De Las Vegas fomos para Ontário, Vancouver, e acabamos de pousar em solo mexicano. Como a equipe resolveu nos hospedar em Cancún, fomos recebidos com coroas de flores, drinks e dançarinas de hula-hula assim que entramos no hotel.
Nossa estadia está programada para o período de cinco dias completos, um dia de ensaio, um de show, e os três restantes para aproveitarmos a cidade.
Bate uma brisa da praia enquanto esperamos no lobby pelo check-in, trazendo um pouco de areia para o lado de dentro. É um grande hotel composto por diversas portas de vidro e madeira que estão abertas dando vista para o bar na piscina e a praia ao fundo, e longas colunas completam toda a arquitetura com várias plantas espalhadas pelos cantos. Todos os quartos ficam no térreo com vista para o mar e fácil acesso à piscina, à praia e às demais áreas comuns.
Quando coloco as mãos no cartão, pego o corredor principal para chegar ao meu quarto. Abro a porta e o ar escapa dos meus pulmões por breves segundos. Nunca me hospedei em um hotel parecido, tudo é uma surpresa. O quarto tem uma sala integrada com paredes brancas e bege harmonizando com quadros de cores neutras, móveis de madeira clara e tapetes cor de areia. Existem enormes vasos em todos os lugares, um sofá bege aconchegante em frente à televisão e a porta balcão está aberta para a brisa da praia entrar, fazendo as cortinas esvoaçarem para dentro.
Me largo no sofá tendo certeza de agradecer o mensageiro por deixar minhas malas antes de sair. Esse de fato não é um lugar ruim para passar os próximos cinco dias.
Me levanto e caminho até a sacada de madeira, apoiando-me ali assim que consigo identificar o mar ao fundo, reproduzindo o som das ondas até meus ouvidos. Olho para o lado e me arrependo, porque meu corpo quer reagir instantaneamente.
está saindo para a sacada do seu quarto, ao lado do meu, e trava os olhos em mim assim que me percebe ali. Ele não usa mais o casaco que o acompanhou durante a viagem, revelando a camiseta preta que deixa o braço tatuado à mostra. Contenho minha respiração na garganta enquanto tento assimilar sua aparência, ele cortou o cabelo recentemente, deixando os fios mais curtos nas laterais e mais compridos no topo. E isso em conjunto com os brincos, piercings e tatuagens me deixa à beira de um surto.
Os cinco dias acabaram de ganhar um novo significado.
Tortura.
***

México, Guadalupe — BBVA Bancomer Stadium

Passamos por um dia inteiro de ensaio que foi finalizado em uma pizzaria famosa perto do hotel. A manhã do dia do show ficou reservada para ajustes de alguns equipamentos de som, e os meninos tiraram o restante do dia para dormir e ajustar o fuso horário, pois é algo que está começando a atrapalhar o desempenho de todos nas apresentações. Eles estão mais lentos e fisicamente exaustos.
É a primeira vez do BTS apresentando um show solo no México e, superando nossas expectativas, está lotado.
O calor da cidade intensifica a dificuldade que temos com qualquer tarefa, e essa é a primeira vez que duvido que eles conseguem terminar o show antes de desabarem no chão.
— Preciso de alguns minutos! — chega correndo no backstage, largando-se em uma cadeira de frente para o ventilador.
— Ah, . É possível adiantarmos as músicas solo de , e ? — para onde é capaz de receber vento e apoia as mãos nos joelhos, ofegante.
— Podemos alterar a ordem? — para ao meu lado, e por mais que ele tente se manter bem, vejo em seus olhos a súplica para eu acatar ao que dizem. — Podemos deixar primeiro, em seguida e por último, o que acha?
— Uma pausa de dez minutos cairia bem. — se senta no sofá enquanto uma staff o cerca. — Por um breve momento tive a impressão de estar no inferno de tão quente. — continua e eu rio, sendo acompanhada pelos demais.
— Pode ser por vocês? — viro-me para o trio mais novo e estão igualmente largados em suas cadeiras, assentindo positivamente para minha pergunta. — Vamos inverter a ordem das músicas agora. — digo no microfone do meu rádio. — Vamos retomar com Euphoria, seguir para Serendipity e Singularity. Depois retomamos de Best of You e mantemos a ordem normal.
— Posso ir primeiro. — mal se sentou e já está novamente de pé.
— Tem certeza? — o contenho e nossos olhos se cruzam por mais de um segundo desde a noite que chegamos ao hotel. Percebi que ele está evitando esse tipo de contato comigo, mas não sei o motivo.
— Estou bem. — responde simplesmente, soltando seu punho da minha mão.
Acompanho seus passos e de suas staffs até a entrada do palco, e paramos quando ele finalmente entra.
Euphoria começa a tocar e não consigo voltar ao backstage como devo. Meus olhos ficam malditamente presos em quando sua voz começa a ecoar pelo estádio. Ele é leve enquanto performa, transmite uma facilidade e tranquilidade únicas ao andar pelo palco, como se estivesse em cima de uma nuvem. Seu corpo se move no ritmo da música, acompanhando os outros dançarinos, e um sorriso se mantém em seu rosto durante toda a música. Ele usa uma roupa toda branca e isso é só mais um impeditivo para eu parar de admirá-lo.
Posso ficar aqui o assistindo dançar pelo tempo que for, meus olhos não vão cansar.
— Precisamos da sua ajuda no backstage. — a voz de surge atrás de mim e eu o acompanho com os olhos até estar ao meu lado.
— Já estou indo. — respondo prontamente, desviando novamente o olhar para .
— Está tudo bem?
— Claro que sim, por que não estaria? — tento desconversar, pois não sei se disfarço tão bem o motivo de eu não conseguir tirar os olhos do palco, e me lança um sorriso sugestivo. — O que foi? Por que está me olhando assim?
, você não me engana. — seu cotovelo toca o meu, e o sorriso continua lá. — Você está olhando para ele daquele jeito.
— Que jeito, ? Está maluco? — ironizo, tentando não olhar em seus olhos. É impossível mentir sobre qualquer assunto quando fixa os olhos em mim.
Daquele jeito, .
— Não estou. Te falei que depois do Will isso nunca mais aconteceria. — asseguro.
— Diga o que quiser, é o que vejo.
— Você vê coisas onde não tem, então. — dou de ombros e volto para o backstage com em meus calcanhares.
— Você pode negar até o fim, . Mas eu consigo sentir a tensão reprimida entre vocês desde o momento que você começou a trabalhar com a gente. — ele continua falando e eu paro em um rompante no meio do caminho, fazendo-o esbarrar em mim.
— Pare com isso agora. — peço, desafiando-o. — Não tem nada acontecendo, você está vendo e sentindo coisas que não existem! Isso só vai gerar problemas com , e estamos há uma semana completa sem discutir, quero manter assim.
, não tem nada de errado em gostar dele. — ele segura meu punho, me impedindo de voltar.
— Eu não gosto dele! E se não se lembra, não são permitidos a terem relacionamentos! — rebato entredentes, e por mais que eu não esteja brava com , o pensamento de escutar a conversa me incomoda.
— Então você quer ter um relacionamento com ele? — brinca ainda rindo, e não consigo segurar a risada.
— Você é idiota! — dou um tapa em seu braço. — Assunto encerrado, . Eu não me sinto pronta para um relacionamento. E sinceramente, acho que nunca vai acontecer.
— Foi realmente grave?
— Mais do que imagina.
***

United States, Stanford — Stanford University
Três anos antes


Meus pés descem os degraus rapidamente conforme meus olhos confirmam as horas no relógio do celular. Estou atrasada, muito atrasada.
Para minha sorte – essa frase contém ironia –, minha prova foi no último andar do prédio mais alto do campus, e mesmo se eu correr o mais rápido que consigo, chego ao final do jogo.
Atravesso todo o campus correndo, sentindo minhas panturrilhas queimarem, até que finalmente alcanço o campo e já posso ouvir a torcida gritando animada. Quando chego no portão, o apito anunciando o final do jogo atinge os meus ouvidos e sinto algo pesar dentro das costelas. Largo minha mochila e cadernos no chão, apoiando as mãos nos joelhos e respirando fundo para tentar conter meu cansaço, e não me importo com algumas pessoas esbarrando em mim conforme esvaziam a arquibancada.
— Onde você estava? — a voz de Will chama minha atenção e o olho, apoiado na grade enquanto me encara em desaprovação.
— Eu tinha prova no horário do jogo, te contei ontem no jantar, lembra? — me aproximo dele, ainda tentando controlar a respiração ofegante. — Terminei correndo para tentar chegar a tempo de acompanhar o final.
— Não me lembro, . E o jogo acabou, não sei se percebeu.
— Sim, me desculpe, eu-
— Eu não quero escutar qual a desculpa dessa vez. — Will apoia o capacete abaixo do braço e vejo seus olhos rolarem impacientes. — Tem certeza que estava mesmo em uma prova ou desviou seu caminho para algum outro lugar?
— Isso é uma besteira! — respondo, para sua irritação. — Onde mais eu estaria?
— Não sei. Já disse que não confio nas suas amizades.
— Eu estava realmente fazendo a prova, Will. — repito, tentando manter-me calma. — Podemos comer uma pizza naquele lugar que você adora para comemorarmos a vitória, o que acha?
— Perdemos de 32 a 7, . Não faz sentido algum comemorarmos. E não quero estar com você agora. — rebate e aquilo faz meu coração apertar. — Vou para meu dormitório tomar banho e vamos jogar vídeo game na casa de um dos caras. Te vejo amanhã. — Will me lança um olhar frio, dando as costas para mim.
— Eu posso passar no seu dormitório amanhã para irmos para a aula juntos! — grito enquanto o vejo se afastar de mim.
Ele apenas ergue o polegar em minha direção, sem sequer olhar para mim.
Uma culpa sobre-humana atinge meu peito, fazendo-o comprimir como uma embalagem à vácuo. Culpa por tê-lo decepcionado tanto.
***

Minha camiseta fica cada segundo mais transparente conforme eu tento limpar a enorme mancha de vinho tinto espalhada pelo tecido branco.
Resolvi ir contra o que Will me fala todos os dias sobre não confiar nas minhas amizades e vim a um restaurante comemorar a nota da matéria mais difícil do semestre. Não estava com planos de beber, mas como todas da mesa pediram vinho para brindar, resolvi acompanhá-las.
Certamente fui desastrada o suficiente para virar toda a taça de vinho em cima de mim.
— Droga, droga, droga. — praguejo enquanto esfrego a peça, sentindo meus dedos sensíveis pelo atrito. — Certo. Isso não é nada demais, . Está tudo bem. Você sujou a camiseta que seu namorado te deu de presente, ele vai entender que foi um acidente. — sussurro, fechando a torneira e pegando alguns papeis para me secar. — Está tudo bem. — repito, retirando-me do banheiro e voltando à mesa. — Meninas, foi ótimo estar com vocês, mas preciso ir. — finalizo, pegando minha bolsa.
— Não quer que eu te deixe no dormitório? — uma delas pergunta.
— Não precisa. Só tenho que voltar logo. — respondo rapidamente. — Nos vemos amanhã, está bem? — solto um beijo para todas e me retiro dali.
Passa um pouco de 01h e o vento me dá ainda mais frio quando bate na camiseta úmida, colando-a no meu corpo. O restaurante fica a cinco minutos do campus, então resolvo voltar a pé, e como tenho pressa, faço o trajeto em pouco mais de três minutos.
Continuo apressando os passos quando passo em frente ao prédio da reitoria e atravesso o jardim pela grama para chegar aos dormitórios mais rapidamente. Entro pela porta de vidro e o hall do prédio está vazio, as luzes apagadas, sendo iluminado somente pela máquina de snacks e bebidas perto da mesa de biliar. Pego o corredor principal e subo um lance de escadas para finalmente chegar ao meu quarto. Abro a porta e me coloco para dentro.
Pela luz que entra da janela, identifico uma silhueta grande sentada na ponta da minha cama. Pelo tamanho e largura dos ombros, com certeza é Will. Ele tem com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça solta entre os ombros.
— Onde você estava? — ele pergunta baixo, um sussurro ensurdecedor.
— Ahn, saímos para jantar depois que recebemos a nota daquela prova que te contei. — respondo cuidadosamente.
Algo paira no ar, o clima está estranho e o silêncio que se segue é ameaçador. Não posso sequer ouvir sua respiração, mas consigo ouvir as batidas aceleradas do meu coração me suplicando para sair. Um sinal de alerta.
— O que houve com sua camiseta? — indaga, sua voz provocando arrepios em minha espinha.
— Deixei cair uma taça de vinho, foi por isso que vim embora.
— Sabe que já são mais de 01h, ?
— Sim, estávamos conversando e-
Não consigo terminar a frase, é tudo rápido demais.
Suas mãos no meu pescoço, apertando-o com força. Uma força capaz de impedir que o ar passe por minha garganta. O chão escapa dos meus pés e só então percebo que ele me ergue, empurrando-me contra a parede.
— Will... — tento suplicar, mas a voz quase não sai, parece grande demais para passar pelo espaço apertado por suas mãos.
Continue respirando, . Inspire pelo nariz e solte pelo nariz.
Preciso manter a calma.
— Me... Solte... — peço novamente, tentando erguer os braços em sua direção, mas é inútil.
Will continua apertando meu pescoço com força, seus olhos possuem um reflexo escuro, as orbes verdes não estão ali. São olhos de outra pessoa.
— Me conte a verdade, ! Que porra você estava fazendo a essa hora na rua? — sua voz é rouca como um rosnado perto do meu rosto enquanto me chacoalha.
Tento me debater com os braços e as pernas, mas a falta do ar no meu corpo começa a ser sentida, minha visão fica escura e preciso respirar. Em outra tentativa de me soltar, acerto com um dos joelhos no meio de suas pernas e ele afrouxa o aperto do meu pescoço, lançando-me para longe dele como uma bolinha de papel.
Meu corpo bate desajeitado na cômoda do outro lado do quarto antes de cair no chão, e sinto uma dor atingir meu tórax. Inalo o quanto consigo de ar enquanto tento controlar as tosses que tomam minha garganta, tentando regular minha respiração e a visão turva. Continuo respirando, apoiando-me com as mãos no chão para tentar me erguer, mas a dor nas costelas me impede de respirar fundo o suficiente.
Escuto a porta bater e contesto que estou sozinha.
Está escuro, e quando tomo noção do que acabou de acontecer, lágrimas se libertam dos meus olhos para minhas bochechas, transformando o silêncio em um conjunto de soluços incontroláveis e pedaços do meu coração espalhados por todos os lugares.
***

México, Cancun — Mercedes Benz Classe V
Agora


— Ele quebrou sua costela? — os olhos de me encaram arregalados.
— Fale baixo, eu não quero compartilhar essa história com todo mundo. — peço, olhando para os bancos de trás e confirmando que os demais dormem.
, você precisa contar isso para alguém!
— Estou contando. Para você. — respondo tentando sorrir, mas não me acompanha. — E contei para alguns dias atrás. — admito e seus olhos estão surpresos.
— Como assim? Por quê?
— Saímos para conversar quando estávamos em NY e eu acabei contando. Havia brigado com aquele dia e precisava colocar para fora.
— Oh... Uau. — é tudo que ele diz, um brilho divertido brincando em seus olhos.
— Mas sobre Will, não foi só isso. — eu continuo, e o brilho de some em questão de segundos.
— Aconteceu mais alguma coisa? , se você disser que sim, eu pego um avião agora e vou atrás desse maldito. Se eu ponho minhas mãos nele, arranco suas bolas com as unhas! — tenta sussurrar, mas seu grau de irritação o impede de fazer isso.
, eu juro por Deus que se alguém descobrir sobre essa história, eu arranco sua cabeça! Principalmente ! — sussurro ainda mais baixo, já que está há duas fileiras de distância, aparentemente dormindo e servindo seu ombro de travesseiro para .
, ele quebrou sua costela! — repete, como se fizesse a história parecer mais acreditável.
— Ele quebrou muitas coisas naquela noite e em outras que se seguiram, . — solto o ar pela boca, sentindo meu coração se apertar com a lembrança. — Eu estava apaixonada por ele. Tão apaixonada a ponto de perdoá-lo quando o vi uns dias depois disso.
— Não é possível...
— Eu fiquei com ele por mais seis meses achando que seria diferente. Mas não foi. Piorou a cada dia. — olho para a janela ao meu lado, observando a praia passando rapidamente pelo vidro. — Entenda que eu o amava, . E o fato de escutar suas desculpas era tudo que meu coração precisava para voltar correndo para seus braços.
— Como você conseguiu suportar tudo sozinha sem contar a ninguém? — volto a olhar , encontrando em seus olhos o conforto que preciso depois de contar outra vez o que aconteceu.
— Fingi que nada aconteceu. Fiz a cirurgia para reparar a costela, repousei conforme orientação do médico, e segui em frente. Voltei para Los Angeles quando atingi meu limite, e desde então não o vi mais.
, se eu soubesse... Se eu soubesse disso antes... — seus olhos tomam um brilho diferente. — Eu sairia da Coreia a hora que fosse para estar com você.
— Eu sei que sim. Por isso não liguei. — admito, dando de ombros. — Não queria atrapalhar o momento de vocês, cada dia foi determinante para conseguirem chegar aonde estão hoje.
— Não pense isso, . Nossa amizade é tão importante para mim quanto o BTS. — ele sussurra de volta, encostando a cabeça na minha.
— Isso só me deixou malditamente insegura para ter relacionamentos, entende? Por isso desde então não tive mais nada sério.
— Faz sentido. Mas não pode se fechar para sempre. — aconselha enquanto acaricia minha mão amigavelmente. — O próximo cara que cruzar seu caminho precisará passar por um processo seletivo para determinarmos se é o suficiente para você ou não, está bem? — ele ri e eu acompanho.
— Está bem, .
***

México, Cancun — Isla Mujeres

— Precisamos conversar. — fala perto do meu ouvido conforme andamos pelo corredor do hotel.
— Está tudo bem? — pergunto de volta, andando ao seu lado.
— Entre. — menciona a porta do seu quarto quando abre.
Antes de entrar atrás de , vejo os olhos de mirando-me preocupados do corredor, como se quisesse dizer algo. Aceno com a cabeça em sua direção e fecho a porta atrás de mim, voltando-me para dentro do quarto. Caminho até o centro da sala e está em pé perto da sacada com as mãos segurando a cintura, e posso escutar sua respiração sair pesada pela boca.
— O que aconteceu? — pergunto, tocando-o no ombro, mas ele desvia. — ?
— Por que não me contou? — finalmente vira o corpo em minha direção e vejo seus olhos levemente avermelhados.
— Contei sobre o quê?
— Vamos, . Eu escutei tudo o que conversou com no caminho de volta.
, são quase 02h, você quer realmente ter essa discussão? — tento me manter calma, entretanto ele não parece querer o mesmo.
— Não me importo que horas são, . — rebate impaciente. — Eu quero que me conte. — sua insistência faz crescer uma ponta de irritação dentro de mim.
— Você ouviu tudo que eu disse para ele. Preciso realmente repetir?
— PRECISA! PRECISA REPETIR PORQUE EU QUERO OUVIR DE VOCÊ!
— ENTÃO VAMOS LÁ. QUER OUVIR QUE VOCÊ ESTAVA CERTO E WILL FOI UM BOSTA COMIGO? — não consigo conter a voz alterada. — É ISSO QUE QUER OUVIR? DIGA, ! DIGA “EU TE AVISEI, ”!
O silêncio se instala entre nós enquanto luto muito forte para manter as lágrimas dentro dos meus olhos e o soluço preso na garganta. Realmente não preciso que me cobre para entender que fui uma maldita idiota em acreditar que havia encontrado alguém para mim. Ainda sinto meu coração em milhões de pedaços, incapaz de ser recuperado pelo resto da vida, e ver o olhar de decepção de direcionado para mim parte esses pedaços em ainda mais pedaços.
— Por que raios você contou isso para e não pensou em contar para mim? — indaga ríspido, quase cuspindo as palavras.
— Você está com ciúmes?
— EU SABIA! EU MALDITAMENTE SABIA QUE SE VOCÊ O CONHECESSE, CAIRIA DE JOELHOS POR ELE! — seu tom irônico é como uma punhalada nas minhas costas, e dói como o inferno.
— NÃO ESTOU CAÍDA DE JOELHOS POR NINGUÉM, ! — exaspero, perdendo completamente o controle. — ELE SÓ FOI UMA PESSOA LEGAL EM UM MOMENTO QUE EU ESTAVA TRISTE POR TER BRIGADO COM VOCÊ!
— Por ninguém? E o que nós temos? — ele dá alguns passos em minha direção e eu me afasto. Tê-lo tão perto me amedronta por mais que eu saiba que jamais fará mal a mim.
— Desde o começo eu fui sincera com você. — continuo, tentando não exceder o tom de voz outra vez. — Não estou pronta para outro relacionamento.
— Se você tivesse me contato isso desde o começo, teria ficado mais claro, não acha?
— Você entende? É difícil eu contar para todo mundo o que aconteceu, ! Eu tenho vergonha! Vergonha de ter sido tão fraca e idiota para chegar a esse ponto! — as paredes da minha garganta parecem se fechar ainda mais, dificultando a tarefa de conter o choro.
— E conseguiu contar para o .
— Vá para o inferno. — digo entredentes. — Me deixe em paz, !
— Eu acho realmente melhor não continuarmos com seja lá o que temos. — suas palavras me atingem com força e eu apenas concordo com a cabeça antes de sair do quarto e bater a porta.
Preciso ficar sozinha para colar mais uma figurinha no meu álbum de decepções.

Capítulo 10 – I’m beeing cruel to be kind

Agora


México, Cancun — Isla Mujeres

Passa um pouco das 03h e rolo no lençol pelo que parece ser a quarta vez. Me sento no colchão, observando as cortinas voarem para dentro do quarto pela porta da sacada. Está calor, e por mais que a brisa seja fresca, não é o suficiente para eu conseguir dormir. Levanto e coloco uma camiseta, saindo assim que calço os tênis.
Atravesso o lobby e encontro a recepcionista da noite quase dormindo no balcão da recepção. As portas de vidro estão abertas, dando uma visão completa da noite limpa lá fora. Um jazz calmo toca ambiente pelas caixas de som e todas as demais áreas comuns estão fechadas. Piso para fora e meus ouvidos rapidamente captam o som do mar. Caminho até o outro lado da piscina, onde percebo uma das portas do restaurante aberta. Coloco a cabeça para dentro, identificando o ambiente escuro sendo iluminado pela luz da noite e alguém no piano no meio do salão. Espremo os olhos e consigo ver , sentada no banco com as mãos apoiadas nos joelhos, encarando as teclas em sua frente.
Caminho silenciosamente em sua direção e conforme me aproximo, posso ver seus ombros movendo-se levemente em uma respiração funda enquanto canta algumas notas.
, está tudo bem? — pergunto quando estou perto e ela apenas assente.
— Sente-se. — pede, mencionando o banco ao seu lado.
Eu o faço, sentando perto o suficiente para sentir seu braço tocando o meu. suspira sem trocar nenhum contato visual comigo, e apoia as mãos levemente nas notas, começando a tocar uma música. Ela dedilha as teclas com cuidado, completamente concentrada no que faz. É uma melodia calma e até um pouco triste, e tento entender se é isso que ela sente agora.
Continuo acompanhando seus dedos e arrisco olhar para seu rosto, encontrando os olhos cheios de água prestes a transbordarem, e me arrependendo de tê-lo feito. Ver triste é como um dia cinza de muita chuva. Algo com certeza está errado, e não consigo conter a vontade de abraçá-la.
continua tocando sem desviar a atenção e sem sequer notar o tanto que admiro cada detalhe seu. E eu continuo assim até escutar a última nota.
— Sabe o nome dessa música? — sua voz trêmula indaga em meio ao silêncio e seus olhos marejados encontram os meus. Nego com a cabeça. — Rainbow, do Dylan John Sparkes.
— É uma música muito bonita. — avalio.
Olhamo-nos por um tempo, sem mover um músculo sequer. Eu quero decifrá-la, mas aceito que isso jamais será possível.
se volta para as teclas, apoiando as mãos nos joelhos, e escuto soluços contidos saírem de sua garganta. Olho seu rosto e lágrimas banham suas bochechas. Sem pensar, a abraço forte, ouvindo os soluços aumentarem de volume e frequência. Eu apenas a deixo ali, molhando minha camiseta com suas lágrimas, sem me importar com nada mais além. Aperto meus braços ao seu redor quando sinto suas mãos segurando minha camiseta, estremecendo junto com os soluços que por um momento parecem incessantes. dessa forma se tornou a pior cena que posso ver, machuca como o inferno, meu coração parece estar amarrado em um nó cego.
Continuamos abraçados durante longos minutos, e quando parece que o choro vai cessar, uma nova onda de lágrimas e soluços mais altos aparece, e muitas vezes lhe toma o ar.
começa a se acalmar em meus braços conforme acaricio suas costas, apenas acatando sua vontade de ficar em silêncio sem questionamentos ou justificativas.
— Me desculpe. — sua voz é fanha e eu sinto a dificuldade com que as palavras saem por sua boca.
— Não precisa se desculpar.
— Preciso sim. Eu manchei sua camiseta de rímel. — diz enquanto funga, sorrindo. Olho para baixo e identifico duas enormes manchas pretas no tecido branco.
— Está tudo bem. Se te ajudei de alguma forma, a camiseta é o que menos me importa.
— Ajudou. — ela se afasta, finalmente olhando nos meus olhos.
— Tenho uma porção de camisetas como essa, não vai me fazer falta. — mantenho o contato visual, e seus olhos ainda estão marejados em conjunto com as bochechas e o nariz vermelhos. — Você está com o rosto todo borrado.
— Ah, droga. — pragueja, soltando o ar pela boca.
— Aqui. — coloco as mãos em seu rosto, passando os polegares nas bochechas quentes para limpar o rastro de lágrimas escuras.
Sinto seus olhos nos meus, mas não tenho certeza se devo fazer o mesmo, estamos perto demais para eu raciocinar sobre qualquer coisa.
Continuo passando os polegares em sua pele até limpá-la completamente e no momento que faço menção de soltá-la, suas mãos seguraram as minhas e meus olhos automaticamente encontram os seus. Vejo um misto de expectativa e apreensão em seu rosto e penso: o que ela espera? Ela deveria esperar algo? Eu a fiz criar expectativas para esperar algo de mim?
Estamos há um tempo na mesma posição, minhas mãos ainda em seu rosto e as suas nas minhas. Noto que estamos um pouco mais perto, consigo dizer isso pelo tamanho dos seus olhos e o calor do seu corpo atingindo o meu. olha para minha boca e volta para meus olhos, e sinto meu interior estremecer quando sua respiração se mistura com a minha, um pouco ofegante.
— Acho que... — tento falar, mas as palavras travam em minha garganta quando seu rosto se aproxima ainda mais.
Sinto uma ansiedade brincar dentro do meu estômago, e sequer percebo escorregando pelo banco para mais perto. Suas mãos me agarram pela nuca e tento me afastar, soltando seu rosto, mas volto atrás quando sua boca faz leves cócegas na minha.
Eu preciso sair, mas não consigo.
Tento me agarrar à sanidade que grita para me afastar. Ela é a garota do meu melhor amigo, não posso seguir com isso. Mas ao mesmo tempo todos os meus instintos correm em sua direção, com uma vontade sobre-humana de beijá-la, e finalmente atingem a linha de chegada. A boca de se encaixa na minha como se fossem peças separadas há tempo demais e que não pretendem se distanciar tão cedo. estremece quando toco seus braços, descendo para a cintura e a abraçando, puxando-a para se sentar em meu colo. Ela solta a respiração quando toco sua língua com a minha e o leve sabor de morango toma a minha boca.
É incrível como tudo em mim reage diferente na presença dela. Sempre tive o controle da situação, mas com é de outra forma. Parece que meu corpo tem uma memória falsa do seu gosto, parece que já o senti antes, quando, na verdade, nunca nos beijamos dessa forma nas vezes que dormimos juntos.
Sua mão é gelada quando toca meu braço e me causa arrepios, mas só a tempo de me acostumar com seu toque para aquecê-lo, porque parece que está tudo pegando fogo, cada canto de mim está prestes a entrar em erupção. Ela tem certa urgência enquanto se move em cima de mim, sua língua enrolada na minha, explorando cada parte da minha boca ao mesmo tempo, e eu acompanho, tentando conter tudo que ela me causa.
Minhas mãos escorregam até suas coxas, apertando-as levemente, e isso arranca um gemido de , o qual ela tenta conter, mas consigo escutar. Sorrio durante o beijo e ela afasta a boca da minha, mantendo nossas testas juntas. Sua respiração ofegante se mistura com a minha e abro os olhos, olhando os seus e a boca entreaberta, os lábios um pouco avermelhados buscando por ar.
“Por isso é tão malditamente difícil não gostar dela”. A voz de martela na minha cabeça e afasto meu rosto dela, que me olha com uma feição confusa. Tento mandar o pensamento para longe, mas é inútil, ele continua repetindo cada vez mais alto.
Eu preciso me afastar. Mas por que é tão difícil? É como se meu corpo estivesse conectado ao dela de alguma forma. Isso é errado em tantos níveis que nem sei dizer. Tantas pessoas vão se decepcionar se descobrirem. É muito errado.
— Fiz alguma coisa de errado? — seu sussurro chama minha atenção.
— Não... Na verdade, nós fizemos. — tento manter a voz controlada enquanto seguro sua cintura, tirando-a delicadamente do meu colo. — Isso não devia ter acontecido, .
— Ahn, me desculpe, eu achei que-
— Você não tem culpa. Nós só... Não podemos. — meu racional tenta explicar, mas a voz de em minha cabeça faz a culpa crescer cinco vezes mais a cada vez que a frase é repetida. — Isso não pode acontecer, nunca. Eu disse que não ia mais te tocar dessa forma. — passo as mãos pelos cabelos, desviando o olhar dela para pensar com clareza.
— Tudo bem. — escuto-a soltar o ar e percebo com a visão periférica que se levanta.
— Eu posso te acompanhar.
— Sei o caminho de volta. — responde e sai na frente em passos consideravelmente rápidos, como se quisesse fugir.
Voltamos aos nossos respectivos quartos sem trocar uma palavra sequer. anda em minha frente e a observo abrir a porta e se colocar para dentro. Me tranco em meu quarto sem ter o trabalho de ligar as luzes. Caminho até a cama e me deito, encarando o teto como se ali tivesse a resposta de quando foi exatamente o momento que eu perdi a cabeça.
***


Sinto o perfume floral atingir meu nariz assim que abro a porta e encontro Amy. Ela me espera do lado de fora, usando um vestido rosa e o cabelo preso, as mãos atrás do corpo e um sorriso brincando nos lábios, olhando-me em expectativa, como se fosse a primeira vez que nos encontramos.
Sou simplesmente fascinado na forma que ela me olha, existe um brilho diferente em seus orbes em todas as vezes que encontram os meus.
— Vamos, . Preparei uma noite especial. — sua mão segura meu punho e me puxa para fora.
Acompanho seus passos enquanto sinto o carpete do corredor embaixo dos meus pés descalços, e não posso deixar de inalar seu perfume que me acompanha por todo o caminho. Chegamos ao hall e uma mesa de jantar está posta com a comida e taças de vinho branco servidas, e várias velas estão espalhadas pela mesa, chão e prateleiras.
— Você preparou tudo isso? — pergunto, me recusando a soltar sua mão.
— Sim. Nós dois precisamos de um tempo sozinhos, não acha? — apenas assinto, tentando conter o sorriso idiota que insiste em aparecer no meu rosto toda vez que a olho.
Sentamo-nos à mesa e toda a comida some em segundos, ou talvez em horas. Escutar a voz de Amy contando histórias, sorrindo com as partes engraçadas e suspirando quando me abre sobre um sonho é tudo que preciso para me sentir em paz.
É bom tê-la por perto.
— A comida estava ótima. — elogio, vendo seus olhos piscarem lentamente em minha direção.
— Você sabe que é delivery, não é?
— Eu sei que sim. — sorrio de volta quando ela também o faz. — Mas ainda assim, a escolha estava ótima.
— Só você para elogiar tudo que eu faço!
— Dentro de todos os seus defeitos e imperfeições, você é perfeita. — admito e vejo suas bochechas corarem.
... — ela suspira, pegando minha mão por cima da mesa. — Mesmo depois de dois anos, você ainda me surpreende. — continuamos o contato, ela segurando minha mão e acariciando-a com o polegar, enquanto seus olhos se fixam nos meus, como se nada mais ao nosso redor existisse. — Gosto dessa música, dança comigo?
Me levanto e estico a mão em sua direção, ajudando-a a levantar da mesa. Paramos no centro do hall enquanto You Are the Reason sai pelo rádio. Amy me abraça pelo pescoço, precisando ficar na ponta dos pés para seu rosto ficar um pouco mais perto do meu, e a seguro pela cintura, puxando-a para perto.
Movemo-nos no ritmo da música, apenas sentindo a presença um do outro, e não sei descrever a sensação de tê-la. Todos os dias são como o primeiro. Meu coração bate tão rápido que parece participar de uma corrida para chegar em primeiro lugar. Minhas palmas suam e as pernas tremem, é malditamente estranho ter esse sentimento por alguém... Mas ao mesmo tempo é um dos melhores sentimentos que conheço.
Amy ergue o rosto em minha direção e encosta a bochecha na minha, acariciando minha nuca levemente.
Afasto meu rosto só o suficiente para a enxergar melhor e sinto um sorriso crescer na minha boca instantaneamente, assim como ela também faz. Seguro sua mão e a afasto de mim, girando-a e a puxando de volta, esbarrando nossos corpos levemente. Porém não é mais Amy em meus braços, e sim , seus olhos são inconfundíveis.
Aproximo meu rosto do seu e respiro fundo em busca do perfume de Amy, mas tudo se foi. me encara com um sorriso confuso, voltando a abraçar meu pescoço.
Tudo de antes é substituído por uma onda de sentimentos ainda mais intensa. Meu estômago parece inflar quando tenho certeza que seguro perto de mim, minhas pernas esquecem completamente a capacidade de se mover e meus olhos não sabem como pisca.
aproxima o rosto do meu, puxando-me um pouco para baixo para me beijar, e um misto de alívio e apreensão explode dentro de mim. Mas prefiro ficar só com a parte boa.


— Senhor? — uma voz ao fundo me chama e sinto um cutucão no ombro. — Senhor? — abro os olhos e a moça de óculos dá um breve sorriso quando preenche minha visão. — Senhor, me desculpe acordá-lo.
— Onde estou? — levanto o corpo e vejo que estou em um sofá no meio do saguão do hotel. — Meu Deus. — passo as mãos nos cabelos e massageio as têmporas, tentando organizar as ideias. Fazia tempo que eu não tinha um episódio de sonambulismo.
— Eu só precisava acordá-lo, pois algumas pessoas passaram e precisei tirá-las antes que começassem a tirar fotos.
— Obrigado... E me desculpe, eu... Isso não costuma acontecer, foi um incidente.
? — aparece atrás da recepcionista, preocupado. — Que susto! Tocamos no seu quarto e ninguém atendeu, abriu a porta para nós e você não estava lá.
— Não sei como vim parar aqui... Quero dizer, eu sei, mas faz tempo desde a última vez.
— Vamos tomar café, você precisa comer algo, está bem? — sua mão toca meu ombro e me levanto, caminhando com ele até o restaurante.
Minha cabeça ainda pesa de sono, e parece que não dormi a noite inteira, pois cada extremidade do meu corpo reclama de dor.
Preciso achar uma forma de entender o que esses sonhos querem dizer. Ou se são realmente sonhos. Como aparece neles tão de repente?
— Não vai comer nada? — volto a atenção para quando paramos no buffet, e resolvo pegar alguma coisa enquanto ele faz o mesmo. — Você está descalço. — pontua e eu olho os pés, confirmando.
— Que bagunça. — respondo, me esforçando um pouco para me lembrar de algo.
— Você se lembra de ter se deitado no quarto ontem? — ele pergunta, sinalizando uma das mesas para nos sentarmos.
— Estava sem sono, comecei a rolar na cama e resolvi dar uma volta, me lembro que encontrei... — paro de falar no instante que percebo a besteira que vou fazer.
— Encontrou quem?
— Encontrei... — solto o ar pela boca e ele percebe minha insegurança. — Encontrei a recepcionista do turno da noite dormindo em cima do balcão. Saí, fui até a praia, voltei e finalmente consegui dormir. — minto, sem a certeza de que as palavras são convincentes.
— Ontem fez algo que fugiu da sua rotina? Seu médico disse que quando faz algo diferente ou que te deixa muito ansioso, pode desencadear um episódio.
— Não me lembro de ter feito nada diferente. — minto de novo, e me sinto péssimo. — Ando sonhando com frequência, . Se vocês pudessem ao menos me contar eventos de antes do acidente, eu conseguiria saber o que é só sonho e o que é real...
— Acho melhor não tocarmos nesse assunto, pode ser pior para suas crises, não acha? — ele me analisa cuidadosamente enquanto coloca um pedaço de fruta na boca.
— Talvez sim. — balanço os ombros, frustrado. Sempre que pergunto algo sobre isso, eles dão um jeito de desviar o assunto.
— Vamos esperar acabar a turnê, e quando voltamos ao seu médico podemos trabalhar isso.
— Tudo bem.
***

Há exatamente uma hora estou deitado na cama olhando para o teto, escutando músicas aleatórias que tocam na playlist. Por algum motivo, o sonho da noite passada ficou mais vívido em minha cabeça que todos os outros. Pego o celular e desbloqueio, quando deslizo o dedo para cima na tela, visualizo todos os aplicativos abertos, e um deles é o bloco de notas, o qual não me lembro de ter usado. Clico nele para abrir a página, e sinto uma sensação esquisita quando leio o que está escrito:
Arrisque, erre, acerte. Só não fique na dúvida. A vida é uma coleção de escolhas. Viva. Em resumo, não seja um idiota.
Pisco algumas vezes como se fizesse as palavras desaparecerem, mas não acontece. Elas são reais.
Em que momento escrevi isso? Tenho certeza absoluta que não fui eu. Se existe um aplicativo que eu não uso, esse é o aplicativo de notas. Ou será que escrevi em algum momento de madrugada, no meio de algum sonho?
Bloqueio o celular e me levanto, parando em frente ao espelho para ajeitar a camiseta que acabou amassando enquanto estive deitado, coloco os tênis e saio.
Para deixar sua marca registrada no México, resolveu organizar uma pequena recepção no salão de festas do hotel só para os integrantes da equipe do BTS, que somando todos que viajam conosco em turnê, são aproximadamente 100 pessoas. Ainda conseguiu a liberação para convidar alguns dos hóspedes, com o compromisso de que essas pessoas não tirem fotos, gravem vídeos, ou divulguem qualquer conteúdo relacionado a nós.
São aproximadamente 23h30 quando entro no salão e já consigo ver quase todas as pessoas que conheço espalhadas por ali, e claramente algumas que não reconheço. Um DJ toca uma música animada típica do México, existem tochas acesas em todos os lugares e garçonetes vestidas de hula-hula andam pelo salão distribuindo drinks além do enorme bar que fica ao lado aposto de onde estou parado.
Vejo apoiada no bar assim que meus olhos a encontram. Ela usa um vestido com decote nas costas, e é impossível não reconhecê-la mesmo não estando de frente para mim. Caminho entre as pessoas até alcançar o bar para pedir uma cerveja, e percebo que ela me olha assim que o faço.
Faz quase um dia inteiro que não nos vemos ou interagimos depois do beijo, acredito que ela esteja me evitando. Até agora.
— Está tudo bem com você? — ela pergunta e olho para o lado, vendo-a virar o corpo para minha direção. — Me disseram que você acordou no sofá do saguão hoje pela manhã.
— Estou bem. — balanço os ombros e pego a cerveja, dando um gole em seguida. — Já me acostumei.
— Não existe algum tipo de terapia que te ajude? Talvez ter suas memórias de volta ajudariam...
— Realmente não sei se seria bom eu descobrir sobre isso. — balanço os ombros, bebendo mais um pouco.
— E quem é Amy? — sinto seu tom de voz um pouco vacilante, como se estivesse receosa em fazer a pergunta. — Você gritou esse nome no dia que voltamos de NY e você dormiu sozinho no andar de cima.
— Amy é... — solto o ar pela boca, desviando o olhar dela para a garrafinha de cerveja. — Amy era minha namorada, ela morreu no acidente. Isso é a única coisa que me lembro.
— Ela era especial? — sua pergunta me faz olhá-la novamente.
— Acho que sim. Se os sonhos que eu tenho forem reais, eu a amava muito. — afirmo e ela sorri sincera.
— Tenho certeza que sim.
— Como pode dizer isso?
— Consegui ver nos seus olhos quando falou dela agora. — dá um gole em seu drink quando ele chega, erguendo as sobrancelhas em minha direção.
— Bom saber que sustento um sentimento por minha namorada morta. — sorrio irônico, um pouco frustrado.
É uma droga ter um pedaço da sua vida arrancado de você e ninguém parecer se importar com isso.
— Esqueça esse assunto, . — ela vira a bebida inteira na boca e larga o copo no mármore. — Esse é meu terceiro drink e estou com vontade de dançar. Venha comigo. — sua mão envolve meu punho, me puxando para a pista de dança, e eu apenas acompanho.
não vai ficar feliz em te ver dançando comigo. — comento perto do seu ouvido para ela conseguir me ouvir.
não precisa ficar feliz, não tenho nada com ele. — comenta descontraída, movendo seu corpo conforme a batida da música. — Por sinal, ele saiu daqui faz pouco tempo acompanhado de outra garota. Realmente não me importo. — sou incapaz de interpretar se aquilo em seus olhos é decepção ou indiferença. — Todos os outros saíram acompanhados, só sobrou o ali no sofá. — ela aponta com a cabeça e olho na direção, vendo junto de uma garota, e para minha surpresa, estão apenas conversando.
— Ele parece entretido. — dou de ombros, rindo.
— Só falta você se divertir, . — segura meu queixo e vira meu rosto de volta para ela.
— Estou me divertindo. Olha só. — ergo as duas mãos no alto enquanto acompanho o ritmo da música, e solta uma gargalhada.
Seguimos dançando juntos todas as músicas que são tocadas, das mais antigas às mais atuais, e percebo que gosta disso, provavelmente por ter feito balé. É bem claro na forma como ela se move que praticou por muitos anos, ela realmente sabe o que fazer e a hora que fazer cada movimento.
parece não se importar com ninguém ao seu redor, e isso é incrível.
Meus olhos estão fixos em sua cintura, que se move facilmente, e mantenho minha concentração na música para ela não perceber que faço isso. ergue os braços, segurando os cabelos no alto e prendendo os fios, deixando toda a pele da nuca e costas livre para minha visão, e minha cabeça parece fritar.
Ela continua dançando quando vira em minha direção e aproxima seu corpo, os olhos presos nos meus. Suas mãos sobem dos meus braços até meu pescoço, me puxando para mais perto, e sustento o olhar. Ela precisa se sentir pelo menos um pouco intimidada para não perceber tudo que causa em mim com um toque.
Seus lábios roçam na pele do meu rosto e levo alguns segundos para tomar consciência de onde estamos.
, não estamos sozinhos. — sussurro em seu pescoço que está perto demais da minha boca.
— Não estamos fazendo nada de mais, . — algo na forma como ela pronuncia meu nome faz meu estômago se contorcer. — Só estamos dançando. — ela se vira de costas, o corpo colado no meu, e rebola para acompanhar a música, mas entendo como uma maldita provocação.
— Preciso beber água. — me retiro enquanto escuto sua gargalhada direcionada a mim.
Me apoio no balcão do bar enquanto espero pela água que pedi ao barman e deixo a cabeça cair entre os ombros, tentando recuperar um pouco da minha sanidade que se perde completamente quando estou perto de .
, você precisa tomar alguma atitude. — a voz de preenche meus ouvidos e viro em sua direção.
— O que você está falando?
está praticamente gritando para você beijá-la e você só se afasta. — responde como se fosse óbvio.
— Eu não posso, .
— E qual o motivo? — ele se aproxima um pouco mais para conseguirmos conversar sem termos que gritar.
. E o fato de que não podemos. Mas a maior parte é pelo .
e não tem nada, . — toca meu ombro. — Eles tinham, mas tenho 100% de certeza que não mais.
— Isso não muda nada. Ele continua gostando dela, e continua sendo fodidamente errado.
— Eu acho que você passa tempo demais pensando nos “e se”...
— Eu não posso beijar a hora que eu quiser! — tento me justificar sem parecer nervoso. — Se eu fizer isso, vamos ultrapassar uma linha que não tem volta.
— E?
— E? Pode ser o fim do BTS, nunca vai me perdoar, posso continuar?
— Que se danem as regras da empresa, .
— Você está bêbado? Porque só estando bêbado para falar essas coisas.
— Não bebi nada hoje. Só quero que faça o que quiser da sua vida sem pensar tanto em como vai afetar os outros. — ele firma os olhos nos meus, e foram poucas vezes na vida que vi falando tão sério. — Você só tem 21 anos e sempre faz o que é imposto para você.
— Talvez seja porque trabalhamos numa empresa com regras, e a última vez que decidi quebrar uma delas, quase acabei com tudo.
— Você se apaixonou pela primeira vez com Amy, e é normal fazermos besteiras, é tudo novidade. Anos se passaram, agora é diferente.
— Não diga isso como se eu estivesse apaixonado por , . — dou de ombros, pegando a garrafinha de água que foi posta em minha frente para dar um gole. — Não estou, não vai acontecer.
— E se você quiser só transar com ela, está tudo bem. Vá e faça! Só malditamente faça! — ele bate as duas palmas no balcão, e consigo sentir sua impaciência. — Deu pra ver nos seus olhos há alguns minutos o quanto você quer, mas é idiota demais para admitir.
— Eu não quero que ela crie expectativas. Não gosto de brincar com o coração de outras pessoas dessa forma.
— Você já fez isso incontáveis vezes, por que agora é diferente?
faz a mesma pergunta que me faço todos os dias que tenho qualquer tipo de contato com . Por que agora é diferente? É difícil me afastar, é difícil não pensar, é difícil negar.
— Não é diferente. Só não quero deixar mais ninguém frustrado.
— E ao invés disso, você fica frustrado. Entendo. — suas sobrancelhas se erguem em desaprovação. — Não existe problema algum em aproveitar um pouco a vida, . Só faça, está bem? — ele toca novamente meu ombro, pegando uma garrafinha de água também e se retirando dali para voltar à garota que permanecia esperando por ele no sofá.
Viro para a pista e está se distanciando em direção à saída. Finalizo a garrafinha de água e atravesso o salão no meio das pessoas com um pouco de dificuldade, indo atrás dela. Consigo chegar ao corredor e vejo caminhando até seu quarto segurando as sandálias na mão, e quando abre a porta, avanço rápido o suficiente para a impedir de fechá-la, segurando a madeira com a mão.
, mas que droga! Me assustou como o inferno! — ela sussurra a última frase. — O que você quer? — seus olhos prendem os meus, e como não tenho nada a responder, resolvo agir.
Abraço sua cintura, a empurrando para dentro do quarto e batendo a porta. Posso ver sua expressão confusa iluminada pela luz baixa do abajur enquanto me analisa, e ela amolece em meus braços quando tomo sua boca na minha. Rapidamente escuto as sandálias atingindo o chão, e suas mãos agarram forte meus cabelos. Toco sua língua com a minha e é suficiente para eu perder o chão, não tem possibilidade de isso acabar bem se continuarmos dormindo juntos com frequência, mas por que se importar com isso agora?
dá um impulso e eu auxilio suas coxas com as mãos para se entrelaçarem em meu tronco. Ela suspira com o corpo colado no meu, sem se importar com qualquer lei da física, afinal, nunca estamos juntos o suficiente para saciar todo o desejo que tenho, e saber que é recíproco só mexe ainda mais com meu equilíbrio. O calor parece intenso, três vezes mais quente que o clima, e ignoro completamente os gritos da lógica quando chegamos à cama em passos atrapalhados. Afasto minha boca da sua, mantendo as testas juntas, e seus olhos cintilam para os meus.
— Você mudou de ideia rápido. — sussurra perto da minha boca, causando cócegas incessantes onde toca.
— Shhhhhh... Eu só preciso passar essa noite aqui, com você, se concordar. — afirmo, e o sorriso que surge em seus lábios é a confirmação que preciso para seguir em frente.

Capítulo 11 – You’re in my head always, I just got scared away

Agora

Checo a hora no celular assim que abro os olhos. 03h52.
Olho para o lado e vejo dormindo de bruços, os cabelos espalhados pelo travesseiro, o lençol a cobrindo até a cintura e as costas à mostra. Viro o corpo lentamente, me aproximando de seu ombro para sentir o perfume de sua pele. Deposito um leve beijo na região e me arrasto para fora da cama em silêncio, com cuidado para não movimentar o colchão e não a acordar.
Sou um verdadeiro imbecil.
Tateio pelo chão e encontro minha calça, vestindo-a em seguida. Calço os tênis e olho pelo quarto em busca da camiseta. Assim que a acho, caminho em passos silenciosos até a sacada ao mesmo tempo que visto a peça. Como estamos em quartos vizinhos, é menos arriscado ir até o meu pulando a sacada do que sair pelo corredor e correr o risco de ser pego por alguém.
Chego no quarto e me deito na cama sem me importar em tirar a roupa que tem o cheiro de . Encaro o teto por um tempo e posso sentir que ele me julga por ter dormido com ela mais uma vez mesmo sabendo que é errado em todos os contextos.
Nada sobre mim e é certo. Não tem um parágrafo ou vírgula que faça sentido, a não ser o ponto final.
Preciso descobrir o que fazer, e dormir com ela não vai me ajudar de modo algum.
Me pego pensando nela outra vez. Suas curvas encaixam perfeitamente nas minhas mãos, sua boca parece ter sido feita para a minha, sua voz chamando meu nome quando faço algo que ela gosta. É até injusto pensar que nossa combinação é errada, porque nunca tive uma química tão intensa como tenho com ela. Meu corpo inteiro arde em chamas quando a tenho por perto, e sinto que é recíproco.
Continua sendo muito errado, mesmo eu sentindo ser malditamente certo.
***

United Kingdom, London – Wembley Stadium

Os dias no México acabaram.
Consegui organizar um pouco melhor minhas ideias em relação a , e ela pareceu entender bem que aquela noite foi só para aproveitarmos a companhia um do outro, nada mais, então sequer questionou o motivo de eu ter saído no meio da noite como sempre fiz.
Acabamos de chegar no estádio Wembley, um dos maiores que vamos performar em toda a turnê, e é nosso primeiro show na Europa.
— Estive pensando em uma coisa. — pontua quando confirma que estão somente os membros no backstage. — Temos quatro dias de folga quando terminarmos o último show aqui, certo?
— Sim, são três shows seguidos. Quando isso acontece, precisamos de uma folga para conseguirmos cumprir a agenda. — explica, a atenção presa no garoto ao meu lado.
— A família de mora na Itália e ela nunca conseguiu visitá-los depois que se mudaram de Los Angeles. — explica, olhando para cada um. — Podemos tentar organizar uma viagem para lá nesse período.
— Ela vai ficar muito feliz. — observa. — Faz realmente bastante tempo que eles se mudaram.
— Onde a família dela mora? Precisamos pensar nos gastos com estadia, não sabemos se a empresa vai cobrir isso. — detalha, apoiando o queixo nas mãos.
— Florença. Eu tenho o telefone da mãe dela. Posso ligar e tenho certeza de que não vão nos deixar ficar em outro lugar a não ser na casa deles.
, a casa é grande o suficiente para nós sete? — é a vez de perguntar.
— Sim, é enorme! Nunca visitei, mas já me mostrou fotos.
— Se temos uma estadia, podemos pagar nossas passagens. — se pronuncia, um ar de animação tomando sua voz. — Acho que é a nossa vez de fazer algo por .
***

United Kingdom, London – Shangri-La The Shard Hotel

— Acabamos de bater a marca de 25 shows em dois meses, e nesse gráfico conseguimos ver que mantemos a constante de comparecimento de 95% em quase todos, com exceção de três shows que foram 100%. — Adam aponta para a tela projetada na parede, sem tirar a atenção de nós. — A venda de ingressos bate recorde em cada país, a mais rápida até agora foi em cinco minutos, todos os ingressos esgotados no Brasil.
— Isso é um bom indicativo. A procura está maior porque mais pessoas estão escutando vocês. — explica atualizando o slide e mostrando os dados para nós. — O número de streamings nas plataformas de música e vídeo quase triplicaram desde a divulgação do MV de Make It Right.
— A ideia de fazer um MV com takes do backstage e dos shows foi brilhante. — Adam complementa, acenando positivamente para .
— Ficou realmente muito bom! — também elogia e ela apenas sorri.
— Isso é o que queremos fazer, deixar os fãs mais perto de vocês. Mostrar pra eles até quando não é tão bom assim. — o manager finaliza.
— Vamos continuar trabalhando dessa forma. — afirma.
— Por hoje é só. — Ji-hoon se levanta da cadeira apoiando as mãos na mesa de reunião. — Ótimo trabalho, meninos! Agora subam para os quartos e descansem, está bem? Já está tarde e precisam se recuperar de três shows seguidos. — finaliza, deixando a sala com Adam em seu encalço.
— Ei, ! — detém a garota que faz menção de sair. — Queríamos falar algo com você.
— Os sete? Juntos? — seus olhos se arregalam. — Coisa boa não pode ser.
— Apenas sente. — a segura pelos ombros, levando-a até uma cadeira.
— Pensamos nos últimos dias... — começo, aproximando-me dos demais. — Que está na hora de nós fazermos algo por você. — pisco na direção de e ele sorri tão animado que mal pode se conter.
— O que estão aprontando? — a garota nos olha receosa.
— Primeiro precisamos deixar claro que isso não costuma acontecer. — sorri. — Mas concordamos em grupo que abriremos essa exceção porque você é... Você.
deu uma ótima ideia, . Estamos ansiosos! — foi a vez de exasperar animado.
— Não quero ser grosseira, mas... Vocês podem falar logo? Estão me deixando nervosa. — ela pede, e consigo ver seu corpo se chacoalhando por conta do movimento das pernas embaixo da mesa.
— Você precisa dar um jeito na sua ansiedade. — completa, tirando um envelope do bolso e entregando para ela.
— Por favor, me digam que não é uma carta de demissão. — ela brinca, sorrindo ainda um pouco ressabiada, e os dedos rasgam a abertura do envelope cuidadosamente. pega o ticket nas mãos e espreme os olhos para conseguir entender o que está escrito, mas do italiano ela certamente não consegue traduzir. — Certo... Eu falo coreano, inglês e arrisco no espanhol, mas a única palavra que conheço do italiano é “nonna”. — comenta e todos rimos.
— São passagens de trem. Para Florença. — explica, esperando uma reação que não teve.
— O que vamos fazer em Florença? Não me lembro de tê-la no nosso roteiro.
— Por Deus, ! — toca seu ombro, contendo uma risada. — Você está realmente pegando os nossos trejeitos.
— Como temos quatro dias de folga depois do show de amanhã, pensamos em visitar sua família em Florença. — completa e quando finaliza a frase, arregala os olhos.
— Ah... Oh... Meu Deus! — coloca as mãos na boca quando solta os tickets na mesa, sem tirar os olhos deles. — Isso é... Isso é... Como vocês...?
— Tenho meus contatos! — zomba divertido, cruzando os braços na frente do corpo.
— Eu não acredito... — tem a voz um pouco apertada, e consigo ver lágrimas crescerem em seus olhos.
— Vai ser demais! Você vai conseguir ver sua família! — esfrega os ombros da garota que se esforça para não começar a chorar.
— Eu não sei como agradecer. — tenta se conter, mas algumas lágrimas escorrem em suas bochechas. Lágrimas de felicidade, com certeza.
— Não é necessário. — se senta na cadeira ao lado de , apoiando a mão sobre a dela em cima da mesa. — Só garanta que sua avó vai fazer a pasta ao molho pomodoro que e tanto falam e está tudo certo. — finaliza e gargalha, sendo acompanhada por nós.
— De quem foi essa ideia? — ela indaga, fixando os olhos em mim e eu estremeço internamente.
! — responde, cutucando o amigo com o cotovelo. — Ele ligou para a sua mãe e organizou tudo.
— Ah, foi? — desvia o olhar para e se levanta, passando os dedos embaixo dos olhos. — Vamos esperar que minha avó não te dê uns petelecos por enfiar sete homens na casa dela de uma só vez.
— Nonna Angela vai adorar ter sete homens gatos dentro da casa dela. — zomba, sorrindo vitorioso, mencionando a porta de saída da sala de reuniões.
e contaram que seu avô faz parte de um clube de motoqueiros, é verdade? — segue , e todos saímos juntos.
— É verdade. Ele tem calça e jaqueta de couro, é meio que um dos líderes. O conjunto completo.
— Seu avô deve ser maneiro! — pontua.
— Meus avós são um pouco... Ahn... Não consigo defini-los. — ela rola os olhos. — São adolescentes de 18 anos no corpo de senhores de 60.
— Com certeza vou pedir para seu avô me ensinar a andar de moto. — comento enquanto dou espaço para todos entrarem no elevador e entro por último.
— Ele vai adorar! Se tem algo que meu avô dá muito valor, é para sua coleção de motos!
— Ele tem uma coleção? Vovô Charles está bem mais rebelde do que me lembro! — é a vez de dizer.
— Você vai ver. — suas sobrancelhas se erguem para e trocam um sorriso. sai do elevador quando chegamos no décimo andar, sendo seguida por nós. — Obrigada pela surpresa. — ela começa a abraçar forte cada um. — Prometo que vou falar com a minha avó sobre a pasta. — comenta sorrindo quando chega em . — Tenho certeza que serão quatro ótimos dias!
Tento me afastar sutilmente para não trocar contato físico com ela, porém só falta eu.
Encaro os olhos de e ela parece hesitar por alguns segundos, mas logo joga isso longe. Ela fica na ponta dos pés e me abraça pelo pescoço, e para não ficar estranho, envolvo sua cintura com os meus braços.
Não sei quando tempo se passa, mas parece que o relógio paralisa no momento que meu nariz esbarra em seu pescoço, transmitindo o tão familiar perfume que ficou preso na minha roupa da última vez que estivemos tão perto. Fecho os olhos e tento manter a respiração no ritmo normal. O pensamento de que com certeza sente meu coração batendo feito louco contra as minhas costelas me atinge, e nos afasto rapidamente, talvez até rápido demais.
Eu disfarço muito mal.
— Boa noite. — diz a última frase e entra no quarto, me lançando um olhar completamente sugestivo antes de fechar a porta.
Verifico os outros membros e todos eles parecem alheios à situação, mas se soubessem tudo que acontece dentro de mim, me mandariam para a Coreia sem direito a passagem de volta.
Entro no meu quarto e não me preocupo em fazer nada além de tirar os tênis, as meias e me deitar na cama no escuro, ligando somente a televisão para deixar um jogo de futebol aleatório iluminar o quarto. A imagem passa em minha frente, mas minha atenção está dispersa em outro lugar, e sequer sei o nome dos times que estão se enfrentando. É quase como eu fosse incapaz de pensar em qualquer outra coisa além de .
Em certo momento me assusto com o som da televisão e percebo que estava cochilando, então resolvo desligar e deixar somente o abajur ao lado da cama ligado. Não tenho o trabalho de me ajeitar, prefiro ficar deitado de bruços do lado contrário, agarrado a um travesseiro e com vários outros em volta. Quando estou quase pegando no sono outra vez, escuto o barulho da porta de entrada do quarto e imediatamente me levanto, mas sem me assustar porque tenho certeza do que está por vir.
Me encosto no arco que divide o quarto da sala e cruzo os braços, vendo passar pela porta, parando assim que me vê ali.
— Há quanto tempo está aí?
— Eu escutei o barulho na porta, imaginei que era você.
— Estava me esperando? — ela me olha desconfiada.
— Na verdade, não. Mas imaginei que essa conversa viria em algum momento.
— Ótimo. — ela sorri de contragosto e se aproxima. — Se estava esperando essa conversa, então me diga.
— O que exatamente você quer saber?
— Você me disse que era melhor pararmos com o que estávamos fazendo, não disse?
— Uhum. — assinto com a cabeça, tentando manter o contato em seus olhos intimidadores.
— Então o que raios aconteceu três dias atrás? — sinto certa rispidez em sua voz, e ela tem razão até certo ponto.
— Dormimos juntos? — me esforço para não parecer um idiota, mas é o máximo que a situação permite.
— Sim, exatamente isso. — ela passa a língua nos lábios, sem tirar os olhos dos meus. — E você simplesmente foi embora no meio da noite.
— Foi o que fizemos das outras vezes, não foi? — balanço os ombros, indiferente, mas ela não gosta.
— Sim, até concordarmos em não continuar com isso. Ou você acha que pode me dispensar quando quiser, e sempre que tiver vontade é só bater na minha porta que eu vou correndo pra você?
— É o que eu acho. — quando me dou conta, as palavras já saíram da minha boca e sou um imbecil por isso.
— Eu não sei o que infernos está acontecendo com você. — ela dispara segurando a cintura, e perco todas as palavras para minha atitude injustificável. — Agora vai ficar aí parado sem dizer nada? Me diz o que você quer! — indaga, e me mantenho calado apenas observando sua expressão mudar de frustração para irritação em segundos. — De quem foi a ideia da viagem, ? — olho para o lado procurando algo para me distrair, mas a esse ponto nada ajuda, então continuo com a boca fechada. — ? — seus dedos seguram meu queixo, virando meu rosto para ela, e não consigo desviar. — Me ignorar não vai adiantar de nada. Apenas me responda. — ela pede outra vez, expectativa beirando seu olhar, mas tudo que consigo entregar é meu silêncio. — Tudo bem. Eu tentei. — ela ergue as mãos em rendição e se afasta. — Seu silêncio já me dá a resposta que preciso. — finaliza, abrindo a porta e se retirando.
Solto todo o ar preso pela boca, ainda sentindo o toque de em meu rosto.
Volto a deitar na cama e pego o celular, entretanto, no momento em que desbloqueio a tela, o aparelho é lançado para longe da minha mão, batendo na parede com força. Sou capaz de ouvir o barulho da tela se espatifando em milhares de pedaços.
Fico um tempo olhando da minha mão para o celular no chão, tentando encontrar uma explicação plausível para o que aconteceu, mas minha cabeça não vai tão além, e concluo que é inexplicável.
Mas que raios?
***

Italy, Firenze – Oltrarno

— Como o celular voou da sua mão, ? — os olhos confusos de miram em minha direção enquanto ele pula para fora da minivan.
— Eu não sei o que aconteceu, parece que alguém arrancou ele da minha mão e o atacou na parede. — respondo pensativo.
— Tipo um fantasma? — contém uma risada. — Você devia estar com sono, ou sonambulo. Não perca tempo com isso. — pontua, agarrando sua mala no porta-malas.
— Eu estava acordado. — afirmo, também pegando a minha. — Bem acordado. Foi esquisito.
, já passou da idade de você ter medo de fantasmas. — se direciona a mim, fazendo os outros rirem.
— Tanto faz. — dou de ombros.
! — vejo uma senhora abrir a enorme porta de madeira na entrada da casa, um sorriso largo nos lábios e cabelos brancos quase refletindo a luz do pôr do Sol. — Você chegou, querida!
— Nonna! — corre em direção à avó, a abraçando forte.
— Charles, Claire, vejam quem chegou! — a senhora diz para o lado de dentro e outras duas pessoas saem, um senhor com cabelos grisalhos e roupa preta, e uma mulher mais jovem que os outros dois, uma versão de com alguns anos a mais.
— Mãe, nonna, vovô, esse é o BTS. — nos menciona e acenamos na direção deles.
— Conheço esses dois aqui. — a avó dá um beijo na bochecha de e , desviando para os demais.
— Eu sou , nonna Angela. É um prazer conhecê-la.
— Que covinhas mais lindas! — ela segura o rosto de , sorrindo de volta.
— Meu nome é . E estou aqui só para comer sua pasta.
— Oh. Então temos mais um atrevido no grupo além de ? — ela o abraça, gargalhando. — Farei tanta pasta que vão sair daqui querendo comê-la só daqui um ano.
— Nonna Angela, finalmente! — a abraça, animado como somente ele sabe ser. — Eu sou o ! fala tanto da senhora que não consegui conter a ansiedade!
, você trabalha com um grupo de homens maravilhosos! Já encontrou seu namorado? — a avó dispara, saindo do abraço de e se direcionando a . — Você deve ser o , certo?
— Sou eu. — o mais velho responde sem graça.
— Descobri seu nome porque te acho o mais bonito de todos nos vídeos que me mandou. — admite quase em um sussurro, ainda sorrindo. — E você é o mais novo, estou certa? — se vira para mim, me medindo até o último fio de cabelo.
— Sim, sou eu. — sorrio de volta e ela me abraça.
— O mais novo com esses braços musculosos?
— Nonna... — segura a avó pelo braço, puxando-a para dentro.
— Entrem, meninos. A casa é de vocês. — sra. menciona a porta, esperando todos passarem para dentro para fechá-la. — e vovô vão ajudá-los a se acomodarem lá em cima enquanto terminamos o jantar.
sobe as escadas conosco em seu encalço, e a casa é grande o suficiente para acomodar todos nós mais um time de futebol, então temos um quarto para cada.
— Qual deles é seu namorado, ? — o avô pergunta quando chegamos ao corredor do andar de cima.
— Nenhum deles é meu namorado. Por Deus. — ela responde e vejo suas bochechas corarem instantaneamente.
— Não podemos nos relacionar enquanto estamos no grupo, vovô Charles. — toca o ombro do senhor. — E não podemos ter esse tipo de relacionamento com pessoas que trabalham conosco. Mas e eu garantimos que só vai namorar um cara com a sua personalidade, está bem?
— Esse é meu garoto. — o avô sorri vitorioso. — Se eu fosse vocês, arrumaria uma garota em cada cidade.
— Vovô! — o repreende, e todos rimos.
— Ei, , seu avô é maneiro! — pisca com um dos olhos na direção dela, se colocando para dentro do quarto.
— Vovô Charles, me contou que tem uma coleção de motos? — os olhos verdes me olham de imediato. — Gostaria de dar uma volta, se o senhor concordar em me ensinar!
— Primeiro, não precisa me chamar de senhor, ainda sou jovem. — pontua, se aproximando de mim. — Segundo, claro que vamos dar uma volta de moto! Posso te mostrar minha coleção e você escolhe a que quiser, está bem? — continua, e eu assinto. — Terceiro, tatuagens maneiras! Onde consigo uma?
— Amanhã vamos de moto a um estúdio de tatuagens. — idealizo e um sorriso se expande no rosto do avô.
— Meu Deus. — vejo rolar os olhos enquanto se retira para ajudar os demais, e seguro um sorriso.
***

querida, nos conte. Esses rapazes estão cuidando de você? — a avó pergunta, olhando para todos e voltando para a neta.
é como nossa irmã, nonna Angela. Cuidamos muito bem dela. — responde sem tirar a atenção do enorme prato de pasta posto em sua frente. — Puta merda, isso é maravilhoso. — comenta e recebe um cutucão de .
— Eles cuidam de mim, vovó. — garante, sorrindo. Percebo certo esforço dela em evitar qualquer tipo de contato comigo, seja visual ou verbal.
já encontrou uma namorada? — sra. pergunta e larga o garfo no prato, fazendo-o ruir alto. Se ela soubesse o que ele faz, ficaria espantada.
— Estou concentrado demais na minha carreira, sra. . — ele responde, mas sua voz é tão apertada que parece quase impossível de sair pela boca. Eu seguro uma gargalhada. — Não tenho espaço para ninguém agora.
— Todos estamos assim. — pontua, também concentrado em sua comida.
— Vocês ainda são jovens. — é a vez do avô comentar. — Têm bastante tempo para aproveitar o quanto quiserem.
vai ficar com , então não vá atrás de ninguém, está bem? — nonna Angela direciona a frase para que sorri amarelo, e eu me seguro para não rolar os olhos, pois meu estômago se contorce.
— Vovó, e eu não vamos nos casar. — toca o braço da senhora.
— Na idade de vocês, eu estava aproveitando a vida! — vovô Charles descontrai.
— Na idade deles, você estava de joelhos me pedindo em casamento, Charles. — a avó corta e todos rimos.
— Mais alguém aceita vinho? — sra. menciona a garrafa e assentimos.
O jantar passa devagar, já foram dois pratos de pasta e incontáveis taças de vinho, o suficiente para deixar minha cabeça levemente pesada. Durante todo o tempo, evita qualquer tipo de contato comigo. Ela está sentada entre mim e sua avó, então involuntariamente nossas pernas se tocam.
Não posso deixar de achar engraçado o tanto que ela fica desconcertada quando isso acontece.
Tê-la sentada ao meu lado é um constante teste com o meu próprio autocontrole. Ela usa um vestido de alças e o cabelo em um coque, o que faz seu perfume caminhar livremente até mim. É inebriante, parece algum tipo de droga. E eu posso viajar nela durante um tempão. Inclusive faço isso em todas as vezes que o assunto desvia para como e vão acabar se casando futuramente.
— Vou pegar mais uma garrafa de vinho para nós. — sra. faz menção de se levantar da mesa.
— Eu pego. — a interrompe.
— Fica na prateleira de cima dentro da despensa. — a mãe menciona com um sorriso apaixonado no rosto. — Esse garoto é um doce.
— Ele realmente é. — a filha concorda, e sinto toda a comida do jantar voltar para minha garganta.
— Todos são, mas foi feito para você. — a avó concorda e vejo que sorri, porém não está confortável.
foi feito para você”.
é educado, elegante e bonito o suficiente pra ela. Ele a olha como se fosse a única garota existente no planeta, quase estendendo um tapete vermelho para ela caminhar em cima. Ambos se complementam, acho que é pelo fato de terem crescido juntos. usa palavras corretamente aplicadas na gramática, faz contas de cabeça e tem ótimas piadas. Ele usa camisa social e calça de alfaiataria no dia a dia.
E tudo que eu faço é afastá-la.
Claro que a família diz que eles combinam. Como diriam que ela combina comigo? Tatuagens, piercings e roupas largas jamais vão ser o que precisa. E tenho que me conformar com isso.
O pensamento me deixa irritado, e fico enjoado sempre que escuto qualquer frase sobre o assunto. Tão enjoado que quero vomitar. Vê-los trocando gargalhadas com a conversa não ajuda em muita coisa. Na verdade, pela primeira vez tenho vontade de dar um soco no meio da cara .
, está tudo bem? — se inclina em minha direção, sussurrando para mim.
— Tudo ótimo. — respondo, mas só depois que a frase é proferida que percebo meus dentes cerrados.
— Então por que está com as bochechas vermelhas e apertando tanto os talheres?
— Eu disse que está tudo bem. — largo os talheres com cuidado e relaxo o maxilar. — Preciso dormir. — levanto da mesa tentando conter o que quer que seja que se irrita dentro de mim, mas o impacto das minhas pernas na cadeira faz a mesma ranger alto no chão de madeira, e todos me olham, incluindo .
— Ainda falta a sobremesa, querido. — a avó tenta me impedir.
— Me desculpe, nonna. Estou com muita dor de cabeça, acho que é do fuso horário. — minto, evitando os olhos de . — Preciso subir para dormir.
— Precisa de uma aspirina? — a mãe me pergunta realmente preocupada.
— Não é necessário, sra. . Estou bem, só preciso dormir. Com licença. — tento dar meu melhor sorriso e me retiro, sentindo minha pele fritar com o olhar furioso de .
***

São exatamente 02h51 quando me dou conta que estou há sete horas olhando para o teto. Os italianos são acostumados a jantar cedo, então ainda não era oito horas quando subi para o quarto. Eu só precisava sair daquele ambiente, estava me sufocando. E ficar sozinho sempre acaba sendo o melhor remédio.
Resolvo me levantar e trocar a roupa que estou usando desde a viagem por uma bermuda de moletom e uma camiseta larga.
Escuto uma leve batida na porta e duvido se escutei bem. Continuo olhando para a madeira até a batida se repetir, e quando acontece, caminho até a entrada do quarto. Já sei que é do lado de fora, mas meu corpo sempre reage exagerado quando sente ela por perto.
Ela está parada na minha frente, os braços cruzados e olhos furiosos em conjunto com as sobrancelhas franzidas. Volto para dentro e escuto seus passos atrás dos meus, com cautela ao fechar a porta.
— Olha só. Tudo bem ser um idiota comigo, mas não com a minha família. — sua voz é mais baixa, ela tenta se conter para não ser ouvida nos outros quartos.
— Me desculpe, eu realmente precisava subir. — tento me defender, mas ela não compra minha justificativa.
— Consigo ler na sua cara que estava dormindo. — ironiza, e me irrita. — Guarde o show para outro momento, . Aqui não é lugar para isso.
— O que você quer de mim, ? — fixo meus olhos nos seus, e mesmo somente com a luz que entra do lado de fora, vejo que ela vacila com a pergunta.
— Eu só quero que não seja um idiota!
— É difícil, está bem? — largo os braços na lateral do corpo.
— O que é difícil? — ela continua. — Eu preciso que me fale o que você está sentindo, não consigo ler a sua mente. — sua voz sai fraca, e sinto que ela está tão cansada desse assunto quanto eu. Sigo em silêncio enquanto percebo ela se aproximando. — Olhe para mim. — pede e suas mãos seguram meu rosto, erguendo meu olhar para o seu.
É tão difícil olhar seus olhos cheios de expectativas e saber que não posso fazer o que ela me pede. Por mais que eu queira, é errado. Eu quero ignorar todas as chances que são contra nós, mas simplesmente não posso.
. — chama meu nome e volto minha atenção para ela. — O que você quer? — repete e seu rosto está mais perto, aumentando ainda mais o nível da minha tortura. — Se me der silêncio outra vez, vou sair por aquela porta e nunca mais volto nesse assunto.
continua me olhando, ela oscila dos olhos para minha boca com uma expectativa surreal para a resposta.
Não me olhe assim, .
Por mais que eu saiba dentro de mim o que eu quero, é difícil proferir em palavras.
Sua respiração bate no meu rosto e meu coração parece tomar consciência de que ela está por perto, então começa a se chocar feito louco contra as costelas. Ele quer sair pela boca para dizer a resposta que ela me pede, mas minha razão martela com força dentro da minha cabeça. É simplesmente demais para mim.
Arrisque, erre, acerte. Só não fique na dúvida. A vida é uma coleção de escolhas”.
Me lembro da frase que li no celular há alguns dias e, em segundos, imagens de bombardeiam minha cabeça. Cada segundo que passamos juntos desde o dia que nos conhecemos, dos momentos que compartilhamos, da sua risada que faz pequenas rugas surgirem ao lado dos olhos, de como sua voz soa em meus ouvidos, e como seu toque é o único que faz meu corpo inteiro formigar.
Não seja um idiota, .
Tento coincidir minha razão com a emoção, mas aceito que é humanamente impossível. Se seguir a razão, vou frustrar a emoção. Se seguir a emoção, terei que lidar com as consequências da razão. Cabe a mim fazer o que acho certo. Mesmo que o certo seja errado a outros olhos.
Volto minha atenção para e vejo uma lágrima escorregar em sua bochecha. Suas mãos largam meu rosto e ela dá as costas, caminhando em direção à porta.
Ótimo, ela está chorando.
Faça alguma coisa, . Só faça alguma coisa!
— Você. — meu sussurro ecoa no silêncio do quarto e é como se as palavras fossem mais fortes que minha consciência, elas simplesmente saem da minha boca sem meu próprio consentimento.
— O quê? — ela se vira lentamente para mim e novamente nossos olhos se encontram.
— Eu quero você. — repito, sentindo meu coração bater ainda mais veloz ao ter ciência das palavras que proferi. se aproxima outra vez e fica na ponta dos pés para segurar meu rosto entre as mãos. — É errado, é tão errado. Mas eu quero você. E foi por isso que eu não terminei o jantar, não podia ficar lá ouvindo sua família e dentro de mim praticamente gritar que eu quero você. Faz tempo que eu sei disso, mas fugir sempre foi mais fácil. Eu só não consigo mais guardar isso. Eu quero você inteira, cada pedacinho seu... Eu quero te beijar e-
— Então me beija. — ela me interrompe, e esse é o momento que entro em colapso.

Capítulo 12 – They say love is pain, well darling let’s hurt tonight

Agora


Avanço em sua boca assim que o pedido chega em meus ouvidos e ignoro completamente qualquer pensamento contrário. Eu preciso de mais urgente do que imagino, e ter ciência de que ela está nos meus braços e em nenhum outro lugar, me alivia.
Seguro seu pescoço com uma das mãos, agarrando os cabelos com firmeza para ter controle dos movimentos, e toco sua língua, fazendo-a estremecer. agarra minhas costas com força, incendiando cada lugar que toca. Nossas línguas têm uma sincronia única como nunca senti antes, e cada parte de mim se encaixa nela.
Abraço sua cintura, nossos corpos se esbarrando levemente, e isso é capaz de fazer o mundo desmoronar debaixo dos meus pés. Meus poros reagem ao seu toque e meu coração está prestes a quebrar minhas costelas em resposta à sua presença numa sensação nunca sentida. Estou pisando em território desconhecido, e pela primeira vez eu não ligo. Quero descobrir cada cantinho disso, e dar espaço para que entre e nunca mais vá embora.
Não nos damos o trabalho de chegar na cama, o tapete parece o lugar perfeito enquanto ela me puxa pela gola da camiseta para nos deitarmos no tecido felpudo, e eu apenas a acompanho. Eu quero tocar e beijar cada extremidade do seu corpo, quero criar uma memória que só eu tenho acesso, e rezo para que nunca mais seja apagada.
Inverto nossas posições, a colocando sentada em meu colo, e quebramos o beijo.
Os olhos de buscam os meus um pouco inseguros, como se esperassem uma resposta, e eu não consigo pensar em mais nada, porque ela domina cada espaço vazio da minha cabeça. Eu só consigo pensar nela, respirar ela, e tento transparecer isso na forma como a olho. Ela parece entender quando acaricia meu rosto com um dos polegares, e esse se torna meu gesto preferido a partir de agora.
Desço as mãos até a barra do vestido e ergo para cima, a livrando da peça. Paro um tempo para admirá-la, e por segundos me esqueço como respira, me esqueço até como pensar.
Seguro sua cintura que parece tão pequena e ela agarra meus cabelos, me puxando para beijá-la outra vez. Desvio a boca para sua mandíbula e queixo, e pende a cabeça para trás, deixando o pescoço livre para eu beijar toda a região. Com cuidado, deito suas costas no tapete e desço os beijos para o colo e entre os seios. Encontro a cicatriz nas costelas direitas e a toco com a ponta dos dedos. estremece, afastando minha mão involuntariamente.
— Não precisa ter medo, . — minha voz sai em um sussurro e ela suspira.
Ergo o corpo até ficarmos da mesma altura, me posicionando entre suas pernas e apoiando os braços nas laterais de sua cabeça.
— Me desculpa, eu só... — tenta falar, mas ela tem dificuldade em formular a frase. Eu apenas toco seu rosto com os dedos.
, quero que entenda uma coisa. — prendo seus olhos nos meus, afastando alguns fios de cabelo do caminho. — Você não precisa se sentir assim comigo. Não precisa ter medo de nada, e eu vou fazer o que tiver perto das minhas mãos e até longe delas para você nunca mais sentir isso. — asseguro e ela desvia os olhos para os lados rapidamente, voltando para mim.
— Eu sei que não. — assente, sorrindo leve, e meu estômago infla.
Sinto suas mãos puxando minha camiseta para longe de mim e logo seus dedos tocam minha pele, fazendo o desenho dos músculos da barriga até chegar de volta ao meu pescoço, e meu corpo inteiro parece pegar fogo. Volto a fazer meu trabalho e quando chego outra vez em suas costelas, beijo a cicatriz como um sinal para ela se sentir mais segura, e parece dar certo. Subo os beijos de volta ao pescoço e não demora em se livrar da minha bermuda, ajeitando as pernas em volta do meu troco.
Ter consciência de que somente um fino tecido nos separa me deixa completamente louco, mas me controlo para entregar a ela o que me pede com os olhos.
busca minha boca de forma urgente, as unhas fincadas em minhas costas, e o ar está prestes a faltar, mas isso realmente não importa.
— Eu preciso de você... — ela murmura na minha boca. — Agora. — finaliza, contendo um gemido na garganta quando consigo finalmente livrá-la do sutiã.
Olho para ela e seguro seu rosto, querendo que ela veja dentro dos meus olhos tudo o que causa em mim ao proferir as seguintes palavras:
— Eu sou seu, .
***

Abro os olhos e vejo a luz do dia atravessar a pequena brecha das cortinas, indicando o Sol brilhando do lado de fora. Viro a cabeça para o lado e dorme tranquilamente com a cabeça virada para mim, usando minha camiseta e com os cabelos espalhados pelo travesseiro.
Me lembro da noite passada. Nós fizemos amor e recordar isso faz meu coração bater rápido.
Suspiro e viro o corpo na direção dela, e meu movimento a faz abrir os olhos. dá um sorriso enquanto esfrega os olhos e vira de bruços, apoiada sobre os cotovelos.
— Estava me olhando dormir? Isso é um pouco assustador, sabia? — ela ri e eu acompanho.
— Não. Acabei de acordar. — admito.
— Você não foi embora no meio da noite dessa vez.
— Na verdade, você que está no meu quarto, quem deveria ter ido embora é você. — atinge um leve tapa no meu braço e gargalhamos juntos.
— Eu prefiro acordar e ver que você está aqui. — sua frase me pega desprevenido e desarma toda e qualquer proteção que existe em volta de mim. E é ainda pior quando ela sorri.
— Gosto de estar aqui. — respondo e se esgueira em minha direção, se apoiando no meu peito.
— Agora só precisamos achar um jeito pra eu sair daqui sem ninguém perceber.
— Precisamos falar sobre isso. — me ajeito, apoiando a cabeça sobre um braço e puxando-a para mais perto com outro.
— Eu já sei. Podemos fazer isso, contanto que seja só entre mim e você, certo? — ela nos menciona com o dedo e eu confirmo.
— Pelo menos por enquanto, está bem?
— Está bem. É divertido, não acha? Fazer as coisas escondido. — suas sobrancelhas se erguem em dois perfeitos arcos.
— Você é uma desordeira.
— Você sai primeiro e veja se estão todos lá embaixo tomando café. Me envie uma mensagem se a barra estiver limpa. — pontua, se levantando e esticando a mão em minha direção para me ajudar.
— Ditando os passos assim, até parece que você já planejava isso tudo. — provoco, observando-a tirar minha camiseta, ficando outra vez somente de calcinha e sutiã.
— Não planejei nada. — se defende, e só então percebe o quanto a olho. — Anda, pega logo sua camiseta e vá.
— Não consigo. — faço menção de ir em sua direção sem tirar os olhos de seu corpo e ela se afasta, indo rapidamente para o banheiro e se escondendo atrás da porta. — Droga, , não faz isso!
— Você vai descer e eu vou tomar banho sozinha enquanto espero sua mensagem. — provoca, atiçando algo quase incontrolável dentro de mim.
— Sozinha? — me aproximo, mas ainda mantém a porta entre nós e estica o pescoço em minha direção, eu abaixo a cabeça para ficar mais perto de seu rosto.
— Sozinha. — frisa perto da minha boca e me beija. — Agora vá. — sussurra outra vez, me empurrando para fora.
Tento me recompor antes de sair do quarto, passo os dedos pelos cabelos e ajeito a camiseta e bermuda, só então saio. Desço os degraus contando um a um para acalmar toda a confusão de e escuto vozes na sala de jantar. Hesito em aparecer, sou tão malditamente ruim em mentiras que talvez não seja uma boa ideia me verem exatamente agora.
— Que cara é essa? — a voz de me assusta, mas me mantenho inexpressivo.
— Não estou com cara nenhuma. — me defendo, evitando seus olhos. — Não começa com suas paranoias.
— Paranoia? — ele me encara e não consigo desviar, mas é a vez dele de olhar mais abaixo. — O que é isso no seu pescoço?
— Isso o quê? — toco a região e busco algum espelho por perto, felizmente encontrando um enorme no hall de entrada. Existe uma mancha um pouco roxa avermelhada na curva do meu pescoço quase no trapézio, e a noite passada acerta me acerta em cheio. — Ah, merda! — exaspero, tentando afastar da minha cabeça.
— Eu não acredito! — contém o tom de voz e percebo que ele segura um sorriso. — Estamos na casa da família dela, !
— Não é isso que você está pensando.
— É sim. Você e estão transando de novo!
— Cala a boca! — peço, me aproximando dele enquanto tampo a mancha com a mão.
— Aqui. Me deixa te ajudar. — seus dedos agarram minha gola e ele ajusta a camiseta no meu pescoço. — Assim não vai aparecer.
— Obrigado. — agradeço, lhe lançando um sorriso cúmplice.
— Não pense que terminamos aqui. — me detém antes de entrarmos na sala de jantar. — Vamos conversar sobre isso e quero saber de tudo.
***

O vento bate no meu rosto conforme piso no acelerador e não é realmente um problema o fato de meus cabelos bagunçarem no processo. Olho pelo retrovisor e vejo a outra moto me seguindo, e consigo ver o sorriso do senhor refletir em minha direção. Diminuo a velocidade quando chegamos no endereço indicado pelo GPS e ele para ao meu lado, tirando o capacete quando finalmente estacionamos.
— Você é ousado, garoto! — vovô Charles admite, pendurando o capacete no guidão da modo, e eu faço o mesmo.
— Gosto de motos. Meu pai tinha uma quando eu era pequeno e eu sempre ficava olhando ele sair de casa. — sorrio com a lembrança, passando os dedos pelos cabelos para ajeitar os fios.
— Eu consigo entender por que tem uma queda por você. — ele comenta, me surpreendendo completamente. — Você é maneiro com essas tatuagens. Preciso admitir que não sou muito fã de piercings e brincos, mas combina.
— Ahn, obrigado, mas... Queda por mim? — tento parecer desentendido.
— Rapaz, posso não entender de muitos assuntos, mas eu conheço minha neta como a palma da minha mão. Até hoje ela acha que eu não sei o que aquele idiota do namorado da faculdade fez com ela, mas a verdade é que não foi feita para mentir, ela sequer consegue mentir sobre a roupa de alguém. — ele se aproxima como se fosse segredar algo. — Nunca vi olhar para alguém do jeito que ela olha para você. Ela evita porque sabe que não consegue disfarçar uma vez que te olha, mas dá pra ver o que ela sente. É o que sinto quando olho para minha esposa.
Tento não parecer surpreso, entretanto meu cérebro se esquece como formular uma frase, então não sei o que dizer. Olho para os pés enquanto coloco as mãos nos bolsos, mas sinto que ele me encara, esperando qualquer tipo de sinal para confirmar que aquilo que me disse é recíproco.
— Tudo bem. — sua mão toca meu ombro e olho para ele. — Só me garanta que não vai machucar minha menina, está bem?
— Ahn, senhor... Me desculpe, mas não faço ideia do que está falando. — minto outra vez e, de repente, me torno o maior mentiroso dos últimos tempos.
— Leio na sua testa o que está tentando me esconder aqui, rapaz. — o olhar do avô lê a minha alma e entendo de onde herdou isso.
— Não posso me relacionar dessa forma, vovô Charles.
— Exatamente por isso que estou dizendo para me garantir que não vai machucar . — ele pisca para mim com um dos olhos como se soubesse exatamente tudo mesmo sem eu dizer. — Agora vamos, temos uma tatuagem para fazer.
***

Deve fazer quase 30 minutos que estou deitado virado para e ela virada para mim, e estamos nos encarando sem dizer uma palavra sequer. Nunca, em toda a minha existência, foi tão fácil fazer isso. Eu posso ficar por mais horas se for preciso.
Ela acaricia meu rosto e sorri. Deus, como eu gosto quando ela faz isso.
Eu a beijo. Falo que ela está linda usando pijama e o cabelo enrolado em um coque cheio de nós.
Ela fala que eu cheiro bem, chega mais perto para fungar meu pescoço e me arrepia.
Puxo ela para mais perto e a beijo outra vez. Nos beijamos por um tempão, mais de cinco minutos com certeza, e é muito bom. E quando nos separamos, meu corpo anseia por mais.
Olho para sua boca e ela sorri novamente, com as bochechas vermelhas.
Afasto alguns fios de cabelo do seu rosto. está envergonhada e fica ainda mais linda assim.
— As coisas mudaram, não é? — ela finalmente fala, piscando algumas vezes. — Antes eu te intimidava, agora é você quem faz isso.
— Você consegue me deixar muito nervoso quando quer.
— É mesmo? Quando?
— Quando você me olha assim, sem piscar. — pontuo rapidamente, fixando os olhos nos seus. — Ou quando estamos nos beijando e você morde meu lábio.
— Ah, é? — aproxima a boca da minha. — Assim? — ela sussurra e puxa meu lábio inferior com os dentes levemente.
Eu balanço a cabeça positivamente e solto um longo suspiro quando ela se distancia, se divertindo enquanto tento controlar todos os impulsos que me dominam.
Não gosto quando ela se afasta, e acho que ela vê isso no meu rosto, porque está perto outra vez.
— Quando voltarmos para a turnê, vamos continuar fugindo um para o quarto do outro no meio da noite?
— É o melhor a se fazer, eu acho.
— Você não acha arriscado fazer isso em um hotel? Quero dizer, fazíamos de vez em quando, é diferente quando isso acontece todas as noites.
— Por que isso agora? — dobro o braço e apoio a cabeça na mão. — Você está com medo?
— Não é medo, é só... — solta o ar pela boca e desvia os olhos dos meus para seus dedos que acariciam minhas tatuagens. — Não sei o que pode acontecer se descobrirem isso, . Eles são muito rígidos com relacionamentos, você sabe. Ainda mais comigo, que trabalho para vocês e assinei um compromisso cheio de páginas com parágrafos bem detalhados sobre o assunto. É a segunda vez que estou quebrando minha própria palavra.
, eles só vão descobrir se formos descuidados. — toco seu queixo e ergo seu olhar de volta para mim, tentando tranquilizá-la.
— Podem te encontrar no corredor do hotel, ou podemos descuidar como na noite passada, que eu te deixei marcado. É fácil de acontecer, estamos nos encontrando no meio da noite quando você deveria estar dormindo. — seus olhos estão aflitos, e não gosto que ela se sinta assim. — Se você não dormir, vai ficar cansado e vão perceber que não está rendendo.
, isso é-
tem um olhar muito aguçado para isso, sabia? Ele pegou com uma garota enquanto estávamos nos Estados Unidos.
— Todos eles saem com garotas, principalmente no meio de uma turnê, .
— O problema é que ele não passou só uma noite com ela. Ela viajou atrás de nós em todas as cidades, eles se encontravam quase todos os dias.
— Isso é inacreditável. — me irrito porque na verdade todos mentem e eu me sinto um merda em esconder essas coisas.
— Mas aconteceu. Ele sente, . Ele sente como o inferno. Faltou muito pouco para ele descobrir sobre .
— Vocês não eram os mais discretos. — tento não soar irônico, mas rola os olhos em resposta.
— Eu não quero que isso aconteça com você. — a forma como ela me olha faz toda a irritação desaparecer. — Você sabe que o fim disso não é bom.
— E qual é sua solução?
— Eu não sei. Talvez-
— Não me diga que o melhor é não continuarmos. — a interrompo, tentando controlar o que a possibilidade me causa. — Não vai acontecer. Sem chances.
, não seja cabeça dura!
— Eu não sou cabeça dura, . — me sento na cama, passando as mãos pelos cabelos. — Demorou um tempo até eu conseguir admitir o que eu quero, não vou voltar atrás.
Ela fica em silêncio e isso me incomoda. Não sei se devo olhá-la, então prefiro me manter onde estou.
Sinto o colchão se mexer e as pequenas mãos de tocam meus ombros, me puxando para ela outra vez.
Seus olhos estão presos nos meus e ela se senta no meu colo, enrolando os dedos nos meus cabelos.
— Não vamos continuar com esse assunto, está bem?
— Uhum. — murmuro e fecho os olhos no instante que seu nariz toca o meu.
— Só precisamos ser cuidadosos. — continua explicando com a boca perto da minha. — Também não gosto da ideia de ficarmos longe.
Ela me beija. Sua boca toca a minha com cuidado, mas ao mesmo tempo urgente, e isso só acende ainda mais a vontade que tenho dela.
Aperto suas coxas e subo as mãos por baixo da larga camiseta que ela usa como pijama, podendo sentir a pele quente da sua cintura. Uma de suas mãos puxa meu cabelo e a outra arranha minhas costas, e ela contém um gemido na garganta quando minha boca vai parar no seu pescoço.
Ela quer, e eu também. E ambos entendemos que não adianta nada tentar nadar contra a correnteza.
Meu corpo arde pelo dela, e sequer seria necessário gritar para o mundo o quanto ela me quer. Eu sinto isso em cada toque seu.
Nem precisamos tirar as roupas. Em questão de minutos estou dentro dela e é a melhor sensação que existe.
E cada vez que fazemos isso, sinto que é ainda mais difícil ficarmos distantes.

***

Sinto um perfume e percebo que tem pouca luz onde estou. Um perfume masculino que eu conheço, com certeza.
Minha visão está embaçada, mas é tudo muito familiar. O cheiro, o lugar... Eu já senti e estive aqui antes. Mas... Onde estou?
Escuto um baque alto e olho para o lado, vejo Amy debruçada em uma das incontáveis prateleiras, olhando a caixa que acabou de cair no chão.
, ilumine aqui, não estou enxergando direito! — ela sussurra.
Olho para baixo e estou segurando uma lanterna, então obedeço ao que ela pede.
— O que você está fazendo? — pergunto baixo.
— Precisamos achar uma prova!
— Prova do que, Amy? Do que está falando?
— Eu não posso te contar antes de achar!
— Amy, você está falando coisas sem sentido!
— Não estou! — no momento que ela desce das prateleiras e vira o rosto completamente para o meu, vejo sua testa sangrando. Muito.
— Sua testa está sangrando. O que aconteceu? — tento alcançar seu rosto, mas ela desvia.
— Eu preciso que acredite em mim! — ela responde com voz de choro e seus olhos começam a marejar. — , eu não sou real, está bem? — Amy passa as mãos embaixo dos olhos para secar as lágrimas. — Eu sou só um sonho, mas eu preciso que acredite em mim!
— Acreditar em você sobre o quê? Do que está falando? — uma ponta de desespero começa a crescer dentro de mim, mas não consigo chegar a uma explicação.
— Você precisa ver e descobrir a verdade! Só assim eu consigo ir!
— Ir pra onde, Amy? — seguro seus braços, forçando-a a me olhar. — Eu não te entendo!
— Só basta procurar!


? — acordo e vejo os olhos arregalados de ao meu lado, estou ofegando tanto que me falta o ar. — Está tudo bem? — sua mão toca meu rosto e eu a afasto bruscamente, me sentando no colchão.
— Eu não sei... Eu preciso... — as palavras entalam em minha garganta e me forço a respirar fundo. — Droga, está calor?
— O que aconteceu? — ela insiste.
— Um sonho. Ou pesadelo. Não sei o que foi! — tento conter o tom de voz, mas se eu pudesse, gritaria.
— Você está pálido.
— Preciso de ar.
? — sua voz calma me traz para a realidade e olho para ela tentando pedir desculpas por tê-la afastado. — O que aconteceu? — é cautelosa enquanto se aproxima e toca meu rosto outra vez. — Está tudo bem, você está bem. — afirma, e minha respiração se acalma com sua voz.
— Me desculpe... Eu... — solto o ar pela boca. — Sinto que preciso te falar sobre isso, é só que... Agora eu não consigo.
— Não precisa ser agora. — responde compreensiva e eu balanço a cabeça. — Venha, tente voltar a dormir.
— Acho que não vou conseguir. Não consigo dormir quando acontece. — sigo o que ela me pede e me deito com parte do corpo sobre o seu, repousando a cabeça na curva do seu pescoço.
acaricia meus cabelos levemente e eu fecho os olhos em uma tentativa falha de dormir. Tento contar até dez enquanto acompanho a respiração, mas de nada adianta.
— Você precisa tentar relaxar. — ela fala no meu ouvido, os dedos se enrolando levemente nos meus cabelos.
— Eu não consigo.
— Claro que consegue. O que você faz que te acalma?
— Não sei... Ouvir música?
— Eu vou tentar cantar pra você, mas não garanto que é maravilhoso. — sinto que ela sorri, e eu faço o mesmo. — I’m out of my head, out of my mind oh, I, if you let me I’ll be out of my dress and into your arms tonight, yeah I’m lost without it... — cantarola baixinho perto do meu ouvido, e é muito mais afinado do que eu esperava.
— Ei, você canta bem! — ergo a cabeça em sua direção e ela solta uma risada. — Estou falando sério, você canta muito bem, !
— Eu fiz alguns musicais na escola, acho que sou afinada por isso.
— Você não é só afinada. Sua voz é incrível!
— Certo, certo... Tente dormir, . — ela volta a acariciar meus cabelos conforme apoio minha cabeça outra vez em seu colo. — Feels like I’m always waitin’, I need you to come get me, out of my head and into your arms tonight...




Continua...



Nota da autora: Sem nota.

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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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