Road to LOVE

Última atualização: 13/02/2024

Parte 1: Prólogo

O céu estava escuro e parecia noite, por mais que o relógio marcasse apenas 15h. Não havia ninguém nas ruas, lojas, farmácias, mercados, tudo parecia deserto. O rei olhou apreensivo para sua esposa.

— Temos que fazer isso. — ele sussurrou. Apesar de baixa, sua voz era firme.
— Você tem certeza? Nós podemos protegê-la, nós podemos vencer isso. — ela disse nervosa, enquanto lágrimas escorriam deliberadamente pelo seu jovem rosto. Em seu colo havia um bebê embrulhado com cobertores roxos. Apesar de todo o caos ao redor, a menina dormia tranquilamente.
— Não temos escolha. A Grande Nuvem logo vai cobrir todo o reino, essa é a única forma de a protegermos. Se ela ficar aqui, todos morreremos. — ele segurou o rosto da esposa com suas duas mãos, limpando as lágrimas com uma delas. — É a melhor chance que temos. — disse olhando profundamente em seus olhos.

A jovem rainha abaixou a cabeça olhando para a neném que dormia em paz, registrou cada detalhe, seus cabelos pretos espetados, seu nariz em forma de bolinha, sua boca que tinha levemente o formato de M. Guardaria cada pedacinho daquele pequeno ser em sua memória para sempre.

— Eu não posso fazer isso. — ela olhou nos olhos de seu marido, balançando a cabeça freneticamente. — Não posso.

O rei a abraçou forte, observando a bebê nos braços dela. Sentiu seu coração se quebrar em mil pedacinhos, mas não podia se dar ao luxo de deixar que suas emoções tomassem o controle, não hoje, não agora. Deu um beijo na testa de sua esposa e pegou a menina de seus braços.

— Eu faço.

Capítulo 1

Luzes amarelas iluminavam todo o salão, havia uma grande árvore de natal no centro e pequenas árvores formadas por pisca-pisca em cada cantinho, mais luzes de LED em cascata desciam pelas paredes e guirlandas de natal adornavam os pilares brancos. Os cristais dos lustres brilhavam fortemente, dando um ar ainda mais encantador. Pessoas andavam de um lado para o outro no enorme salão, dançando, conversando e se divertindo, parecia um sonho.

estava usando um vestido vermelho e, pela primeira vez, ela se sentia completamente linda, sem defeito algum, como uma verdadeira princesa. No entanto, ela estava visivelmente ansiosa, seus olhos não estavam parados no baile que acontecia no salão principal, ou nas pessoas que lá estavam, eles procuravam por algo... ou melhor, por alguém, incansavelmente. Ali, em pé nas escadas, procurando por uma pessoa que poderia não aparecer, ela se sentiu uma boba.

Cadê ele? A mulher pensou nervosa, estava tentando não deixar os pensamentos ruins tomarem conta de sua mente, mas o medo dele não aparecer a deixava agitada.

— Procurando alguém? — ele disse atrás dela, fazendo se sobressaltar. Ela colocou a mão no peito, respirando fundo, estava assustada, mas aliviada.
— Quer me matar do coração? — ela se virou ainda com a mão no peito. Ele sorriu. Por mais que tentasse esconder, era visível a felicidade que de repente tomou conta da mulher de cabelos escuros. — Eu só queria dar uma olhada daqui de cima. É tudo tão lindo que parece até um sonho. — ele se juntou a , olhando a festa de Natal que acontecia no salão abaixo deles. Era realmente muito lindo.
— Você está linda. — ele disse após a encarar por um tempo, em silêncio, sem que a mulher percebesse. o olhou e sentiu o coração bater mais rápido. Era difícil pensar quando ele a olhava assim tão de perto.
— Obrigada. Você também está lindo. — disse tímida. Ele abriu um sorriso de lado. O homem se afastou do corrimão e estendeu a mão a ela.
— Vem, dança comigo.

o olhou incerta, ele sabia que a mulher não dançava em público, mas não se importava. Ela sabia que ele não desistiria se recusasse. E mais uma vez se viu ali, enfrentando outro medo junto com ele, esse em especial era um que a assombrava desde pequena. Não entendia como ao lado dele se sentia capaz de fazer qualquer coisa.

— OK. Mas cuidado com seus pés! Não me responsabilizo pelo que pode acontecer com eles. — ele deu risada enquanto segurava sua mão e desciam juntos as escadas.

Quando já estavam perto do centro do salão, onde todos dançavam animadamente, uma música lenta começou a tocar. Ele parou, se virando para a mulher de vestido vermelho e colocando as mãos em sua cintura, colocou as mãos ao redor de seu pescoço e dançaram ao ritmo da música. Ela agradeceu mentalmente pelo som mais lento, só precisava balançar de um lado para o outro e pronto, estaria dançando lindamente.

No entanto, dançar não era a parte mais difícil e sim evitar olhar para ele. Por mais que tentasse, era impossível parar de olhar para seus olhos de jabuticaba, e cada vez que tentava desviar, ela acabava voltando para o mesmo lugar, como ímãs. Os olhos dele brilhavam cada vez mais, como uma noite de céu estrelado. Estar tão perto assim a deixava nervosa, mas tudo que ele fazia era sorrir ainda mais, aquele sorriso que faz os cantinhos dos olhos curvarem e o coração de acelerar. Abaixo de seus lábios, uma pequena pinta era um pouco convidativa demais.

— Parece que eu vou acordar desse sonho a qualquer minuto. — ela disse baixinho, desviando seus olhos para as pessoas dançando ao redor.
— Você poderia, se isso fosse um sonho. Mas não é. — ele respondeu com a voz rouca. — Quer que eu te belisque para provar? — arqueou uma das sobrancelhas.
riu. Talvez fosse a proximidade, talvez fosse a taça de champanhe que tomara mais cedo ou as mãos dele em sua cintura, mas sem pensar muito no que estava fazendo, sussurrou:
— Me beija. — ele a olhou intensamente, surpreso, mas como se esperasse que ela dissesse isso. — Assim eu saberei que não é um sonho.

O moreno olhou para os lábios de , voltando aos seus olhos por alguns minutos, até que finalmente se aproximou lentamente, parando a alguns centímetros de seus lábios. A respiração dos dois estava agitada e seus narizes se encostavam. De uma só vez ele juntou seus lábios aos dela, num beijo apaixonado.

Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, ouviu-se um barulho forte. Ela abriu seus olhos sem entender, o corpo doía e tudo estava escuro. Quando seus olhos se acostumaram, ela entendeu o que havia acontecido: de fato, tudo aquilo havia sido apenas um sonho e ela havia acordado, encontrando apenas seu quarto, sem ninguém além dela ali. Quando seu cérebro terminou de raciocinar onde estava e o que havia acontecido, a morena puxou o travesseiro da cama, o colocou no rosto e gritou. A vida poderia ser bem frustrante quando queria.

POV

Ainda era de madrugada, o céu estava especialmente estrelado e não havia nenhum barulho na rua a não ser o das cigarras cantando. Era bem incômodo para falar a verdade, no verão elas sempre pioravam e deixavam todos na vizinhança quase doidos. Contudo, não era o barulho, o calor ou o colchão gasto da minha cama que me impediam de voltar a dormir, mas sim o sonho que eu acabara de ter.

Por mais que quisesse e me esforçasse para esquecê-lo ou deixá-lo para lá, simplesmente não conseguia. Toda vez que eu fechava os olhos e ameaçava voltar ao sono – o que nunca foi um problema para mim, sempre dormia quase instantaneamente, mesmo quando tinha pesadelos –, imagens dos olhos de jabuticaba mais brilhantes que já vi e um certo vestido vermelho voltavam ferozmente.

Olhei para o céu escuro, sem nenhuma nuvem, suspirando. Aquele sonho era como se minha vida fosse finalmente mudar e eu pudesse sentir como era um relacionamento de verdade, me apaixonar – algo que eu nunca tinha vivido até agora – e ser correspondida. Já havia tido milhões de sonhos, é claro, mas nenhum tinha sido tão real assim. Fora palpável demais, perfeito demais, as cores eram vívidas e eu conseguia sentir cada toque em minha pele. Como poderia só fingir que nada aconteceu e voltar a dormir? Como esqueceria daquele sentimento tão... tão bom, onde tudo parecia feliz e certo?!

Eu queria tanto que tudo pudesse se tornar verdade, que pudesse vivê-lo. Mas a minha realidade era completamente diferente. Nela não tinha vestidos vermelhos, bailes, muito menos... ele, seja lá quem ele fosse. Talvez nem existe e tudo não passou de uma invenção da minha mente, afinal, é isso que os sonhos são, certo?! Uma historinha que parte do nosso cérebro conta para a outra parte. Sim. Por melhor que tenha sido, era apenas um sonho e nada mais.

Chegar a essa conclusão doeu mais do que um soco na boca do estômago. Sem querer ficar mais nenhum minuto ali pensando, levantei-me de uma só vez e fui para o banheiro tomar meu banho. Não sabia exatamente que horas eram e nem me importava, mesmo que fossem 3h da manhã, apenas tinha que fazer alguma coisa e desligar a minha mente. Odiava me frustrar, odiava não saber lidar com a frustração e, principalmente, como superá-la. Por isso eu apenas a ignorava. Não dá para sentir o que não existe.
***

A cozinha exalava um cheiro incrível de panquecas e chocolate quente que fazia minha barriga roncar. Me apressei pelas escadas, mas ao passar pelo corredor tive que voltar alguns passos para me encarar no grande espelho pendurado. Meus cabelos escuros, quase pretos, caíam sobre os meus ombros e costas, com leves ondulações e a franja na altura do nariz se repartia ao meio, como eu sempre os penteava. Meus olhos pequenos com grandes cílios e sobrancelhas retas também continuavam iguais. A boca não tão fina, levemente em formato de M, estava num tom de rosa queimado por causa do meu batom preferido. Na bochecha, uma pinta na altura do maxilar, que por alguma razão eu gostava muito, parecia ainda mais fofinha. Não tinha feito nada de muito diferente, mas me sentia bonita. Havia algo em mim que não conseguia decifrar, uma luz ou... vibe, algo que não estava ali antes. E era bom.

Saí do meu transe ao ouvir vovó cantando e cheguei de fininho. No relógio pendurado no alto da parede de azulejos brancos com desenhos na cor salmão os ponteiros marcavam 06h30. Eu sempre acordava por volta das 07h40 e enrolava até me atrasar, estar pronta tão cedo era realmente inédito.

Minha vó colocava mais panquecas na frigideira. Aproximei-me lentamente e lhe dei um beijo de surpresa.

— Oh! Minha pequena! O que faz acordada a essa hora? — seus cabelos brancos se enrolavam ao redor das bochechas fofinhas. Qualquer um que a visse acharia que ela era uma senhorinha calma e simpática. E ela realmente era.
— Caí da cama. Literalmente. — respondi com um sorriso amarelo. Sem que pudesse controlar minha mente, flashes do beijo no sonho voltaram sem aviso. Meu coração acelerou. — Hmmm. Teve algum sonho de tirar o fôlego? — vovó perguntou em um tom de provocação enquanto colocava um prato cheio de panquecas já prontas na mesa. No mesmo momento, derramei o chocolate quente que estava colocando na xícara. Como é que ela sabia? — Sua mãe costumava cair da cama quando tinha algum sonho bom. — ela disse de repente melancólica, aparentemente por causa da lembrança.

Meus pais haviam desaparecido quando eu ainda era um bebê, minha avó era tudo que eu tinha. Ela estava lá quando dei meus primeiros passos, me ensinou a comer sozinha, pagou meus estudos e me ensinou praticamente tudo que eu sabia. Eu não sei o que faria sem ela. Mas, apesar de ser muito grata por tudo que ela fizera, sentia falta dos meus pais.

Quando era pequena, costumava perguntar o tempo todo sobre onde eles estavam e por que não estavam comigo e ela sempre respondia que também não sabia. Conforme fui crescendo e percebendo que essas perguntas a faziam chorar, parei de fazê-las. Todas as perguntas continuavam, mas eu já tinha entendido que vovó não tinha as respostas de que precisava.

Essa era uma das raras vezes em que ela acabava deixando escapar alguma lembrança sobre eles. E eu amava quando ela fazia isso. Considerei se deveria aproveitar a deixa e tentar perguntar mais sobre minha mãe.

— Não! — me apressei em dizer, desistindo de falar sobre mamãe quando percebi que ela limpava as lágrimas. — Na verdade, faz muito tempo que não sonho com nada. — menti.
Vovó me encarou por alguns longos segundos, como se pudesse ver até mesmo minha alma. Ela me conhecia bem demais para saber quando eu estava mentindo ou escondendo alguma coisa. Peguei um pano na pia e comecei a limpar o chocolate derramado, na tentativa de desviar sua atenção. Seu olhar sobre mim me deixava nervosa, mais um pouco e eu acabaria abrindo minha boca.
— Minha pequena! — ela colocou o resto das panquecas na mesa e veio em minha direção para me abraçar. — Você está tão crescida! — disse me abraçando. Correspondi, ainda confusa. O que eu tinha perdido?
— Está tudo bem, vó? — perguntei quando ela me soltou. Talvez lembrar de mamãe a tivesse deixado sensível.
— Está sim, pequena! Sua vó está velha e falando nada com nada, não se preocupe. Ande, coma um pouco! — ela se sentou na mesa, me dando algumas panquecas num outro prato. Assenti. — Um dia tudo fará sentido. — ela acrescentou, baixinho, falando mais com ela mesma do que comigo, aparentemente.

Tentei sorrir enquanto mastigava. Havia algo me incomodando na vovó, mas desisti de tentar entender o que quer que estivesse acontecendo. Iria me contentar com o que tinha e quando o próximo problema chegasse, aí sim lidaria com ele.
***

Andei a passos largos no longo corredor, tentando ao máximo ser uma das primeiras a entrar na sala de aula. Queria me sentar logo e começar a estudar, não porque gostava ou porque era estudiosa, não, tudo que eu queria era ocupar minha mente com alguma coisa. Havia pensado no garoto misterioso o caminho todo até a faculdade, imaginando se ele realmente existia e se estava por perto. Com uma ajudinha do destino, nos esbarraríamos por aí, cruzaríamos nossos olhares e nos apaixonaríamos. Seria maravilhoso, certo?

Sempre que me lembrava de algum detalhe do sonho uma euforia me tomava por completo. A sensação era de como quando você quer se lembrar de uma palavra e ela está na ponta da língua. Parecia que o sonho queria falar algo, mas nada saía. Em contrapartida, a necessidade de encarar a realidade e colocar os pés no chão me puxava como uma âncora, não importava o quanto quisesse viver aquilo... era apenas impossível e não havia nada que eu pudesse fazer a respeito disso. Tão frustrante.

Eu sabia que era uma sonhadora, essa era minha especialidade desde pequena. Por causa disso, minha professora de matemática do 7º ano me nomeou “carinhosamente” de encantada. Ela tinha se formado em psicologia primeiramente e um dia alguém na classe teve a brilhante ideia de pedir para que ela analisasse e falasse sobre cada um. Segundo ela, eu vivia sonhando com meu príncipe encantado. Embora eu não soubesse como ela sabia daquilo, ela não estava errada. Sempre que podia, eu imaginava um cenário totalmente diferente para a minha vida, com meus pais ao meu lado dizendo o quanto me amavam, viajando para outros países, conhecendo o amor da minha vida. Na minha mente, era tudo exatamente como eu queria.

Isso mudou quando a escola acabou e eu tive que encarar a realidade, que não era nada como eu imaginava. Agora, não tinha mais vontade ou tempo mais para sonhar, tudo parecia longe e difícil demais, quase como se não houvesse esperança, ou como se ter esperança fosse uma fraqueza.

Aquele sonho, no entanto, havia me acordado. Não somente no sentido literal, mas como se eu estivesse vivendo entorpecida, sem sentir nada e agora sentia tudo de uma vez só. Tinha a certeza de que se contasse para qualquer um, até mesmo vovó, provavelmente ririam da minha cara. Amor à primeira vista? Difícil, mas ainda assim, minimamente possível. Agora, amor ao primeiro sonho? Qual é, isso era um outro nível até para mim.

Ao adentrar a sala 24, avistei Lilian numa mesa ao canto na enorme sala. Ela conversava com uma menina do curso de Arquitetura enquanto mexia no celular, como sempre. Minha melhor amiga era do tipo que se dava bem com todo mundo e fazia mil coisas ao mesmo tempo. As duas riam bastante e eu me perguntei mentalmente se queria saber o que era tão engraçado assim. Quando nossos olhos se cruzaram, a loira sorriu animada.

Ela atravessou o lugar com uma velocidade impressionante, seu rosto, seus olhos e sua boca denunciavam sua surpresa. Conhecia Lilian há muito tempo e sabia exatamente o que estava pensando e como faria alguma piada sobre eu estar adiantada. Respirei fundo, independentemente do que acontecesse, eu só precisava evitar a qualquer custo o assunto no qual não parava de pensar. “Eu consigo” repeti, pelo menos, umas 10 vezes antes que ela chegasse.

— Bom dia, flor do dia. O que faz aqui tão cedo? — ela disse com um leve tom sarcástico. Dei um meio sorriso enquanto a abraçava.
— Ha, ha, ha, engraçadinha. Não sabia que milagres acontecem?! — respondi igualmente irônica. — Eu acabei acordando muito mais cedo do que deveria e não tive outra escolha senão me adiantar.
— Aconteceu alguma coisa? — Lily franziu as sobrancelhas loiras.
— Não, eu só fiquei sem sono. — dei de ombros evitando encará-la. Minha amiga pareceu me fitar por alguns minutos, tentando saber se estava mentindo. Como quase nunca mentia, quando eu o fazia era perceptível, gaguejava, demorava para responder, sempre deixava algo escapar... mas não dessa vez. Me dirigi à mesa ao lado da que ela estava sentada anteriormente, deixando minha bolsa no chão.
— OK... então você nem chegou a ver o que aconteceu, né? — ela perguntou estranhamente animada, voltando a se sentar.
Encarei o livro de fotografia à minha frente, tentando me concentrar no que estava escrito. Após ler mais de sete vezes a mesma linha, ainda sem entender o que a frase queria dizer, desisti de tentar prestar atenção e olhei para Lily, que parecia tagarelar sobre alguma coisa.

— Tá me ouvindo? Alô, , sai do mundo da Lua! — ela balançou a mão na minha cara.
— Estou ouvindo. O que aconteceu? — fechei o livro à minha frente e a fitei.
— Bom, parece que o novo príncipe de Busan chegou aqui em São Paulo essa madrugada. — ela abriu um sorriso enorme. Príncipe? Do que ela estava falando?
— Que... — comecei a falar, mas ela me interrompeu, sem paciência.
— Ai, , pelo amor de Deus! Em que caverna você vive? O príncipe de Busan! Tá todo mundo falando dele! Parece que ele é um gato e solteiro. Aparentemente toda mulher solteira de São Paulo está indo atrás dele. — ela mordeu os lábios, balançando os cabelos.

Lilian era linda, seus cabelos eram lisos, na altura da cintura, em um tom de loiro dourado. Seus olhos eram castanho-claro, quase verdes, tinha uma boca carnuda e dentes brancos e perfeitamente retos. Arrastava olhares por onde passava, já que sua beleza não era tão comum e lembrava alguma modelo do exterior.

— Uau! Ele é o novo príncipe Harry, então?
— Aí, amiga! Como você é velha! — ela deu uma risada. — Bom... Talvez, em uma escala muito maior. A mídia de vários países e todo mundo nas redes sociais só falam sobre ele e a vinda para o Brasil.
— Mas por quê? O que ele veio fazer aqui? — encarei ela com uma sobrancelha erguida. Lily revirou os olhos, irritada.
— Porque ele é um príncipe e é bonito, ! — replicou, como se fosse óbvio. — Ou ao menos é o que dizem. A Coreia do Sul está com um tipo de projeto novo de diplomacia e como ele se tornou príncipe recentemente, é solteiro e ninguém o conhece, o enviaram em turnê para diversos países. Estão fazendo um grande mistério em relação a aparência dele e o Brasil foi escolhido para ser o primeiro país da turnê, onde ele vai finalmente mostrar o rostinho. — ela bateu palminhas, algo que fazia sempre que estava muito feliz.
— Mas se estão fazendo um mistério sobre a aparência dele, como sabem que ele é bonito? — murmurei após alguns minutos tentando entender aquela história.
— Ué, informações de quem já viu ele. O marketing da Coreia tá super forte, só se fala da beleza dele e de como ele é um partidão e super romântico, tá todo mundo nas redes sociais muito curioso. Fizeram algo super secreto, com jatinho e muitos seguranças para que ele chegasse sem que ninguém o visse, mas as poucas pessoas que puderam ver ele estão vendendo informações e falando nas redes sociais que ele é perfeito. — explicou.
— Eu não sei com o que estou mais impressionada. Você saber tanto sobre isso ou como o marketing da Coreia é bom, quero dizer, criar um buzz sobre a aparência desse tal príncipe? Quase como se fosse um debut... simplesmente genial! — refleti, admirada. Lily assentiu.
— E é aí que a coisa fica boa! — ela passou as mãos pelos cabelos, colocando-os de lado. — O grande evento onde vão revelar a aparência dele é hoje. Parece que será no estádio Allianz Parque, às 14h. Eu não tenho certeza, mas acho que é alguma parceria com a FIFA, ele vai falar sobre ele, alguns projetos e vão revelar o próximo evento. — fiz uma careta. Eu trabalhava em frente ao estádio e toda vez que tinha algum evento, aquilo ficava impossível de transitar. — E nós duas vamos!

Ri sem humor.

— Nem se quisesse conseguiria ir. Lily, eu trabalho, esqueceu? — naquele exato momento, o Sr. Davius entrou na sala fazendo todo mundo falar mais baixo.
— Eu sei, mas se você tirar a hora do almoço mais ou menos no horário que ele vai estar lá, conseguiríamos ver, você come um lanche e volta para o trabalho. Por favor! — ela suplicou.

Eu amava Lily, ela era minha melhor amiga, mas um de seus maiores defeitos era que ela não sabia ouvir não. Para qualquer desculpa que eu inventasse, ela teria uma saída. Se eu me atrasasse, minha chefe provavelmente me mataria. Se eu ficasse com fome, iria ficar de mau humor. Tinha inúmeras coisas que poderiam dar errado e, na verdade, eu só queria comer minha comidinha, descansar e andar pelo shopping no meu horário de almoço, não enfrentar uma fila enorme para ver um príncipe coreano. Mas um dos meus maiores defeitos era que eu também não sabia dizer não.

— Que horas vai ser isso mesmo? — suspirei, desistindo de explicar como aquilo era uma má ideia.
— Às 14h. É a hora que você sempre almoça e eu já comprei os ingressos. — ela sorriu amarelo. — Por favor, amiga. Vamos! Eu preciso conhecer ele! Ele pode ser o amor da minha vida, e se eu não for, nunca vou descobrir. Preciso ver ele e que ele me veja, mas não quero ir sozinha, vai, vamos comigo. — ela juntou as mãos e fez uma cara fofinha. Quando colocava algo na cabeça, por mais que não fizesse sentido, ela ia até o fim.

Como diria para ela que o príncipe não era o amor de sua vida? E que não vivíamos em um conto de fadas, onde eles se olhariam, se apaixonariam e viveriam felizes para sempre? Eu não podia e ela provavelmente ficaria brava. Não tinha como fugir, mas pelo menos era na frente do meu trabalho. Que mal faria, certo?

— OK. — disse derrotada. — Eu vou.
— Obrigada, amiga linda do meu coração. — ela me abraçou. — Agora, o que acha? Estou muito feia para ir assim? — ela apontou para seu vestido florido.
— Não, está linda. Vai conquistar o coração do príncipe. — brinquei. Ela estava realmente linda, mesmo que estivesse apenas com um vestido curto florido rosa e um tênis branco.
— É o que eu espero! — ela dançou na cadeira, bastante animada.

O sinal tocou, interrompendo a conversa e logo o professor de fotografia se levantou para começar a aula.
***

Todo dia era basicamente igual. Eu acordava, tomava café, ia para a faculdade, à tarde trabalhava e voltava para casa já de noite. Sem muitas emoções ou descanso, viver a rotina era como viver em looping. Não poderia me dar ao luxo de não trabalhar ou não estudar, afinal, precisava me esforçar para ter um bom futuro e ajudar vovó, que já fez tanto por mim, mas não conseguia fugir da sensação de estar presa. Nunca contaria isso para ela, mas eu ansiava pelo dia que poderia finalmente me sentir livre, quando deixaria só de existir e começaria a viver realmente.

Nunca fui do tipo de pessoa que esperava o sábado ou domingo, mas agora que havia crescido, entendia porque todos aguardavam ansiosamente pela sexta-feira. Os finais de semana eram meu único tempo livre, mas apenas dois dias não eram suficientes para tudo que precisava fazer e descansar. Geralmente ajudava vovó com idas ao médico, ou só passávamos tempo juntas, tentava colocar as coisas da faculdade em dia, mas na maioria das vezes sempre que me sentava na mesa para estudar, me lembrava de que deveria arrumar meu guarda-roupa ou a estante de livros precisava ser limpa, e acabava fazendo tudo, menos estudar. Ninguém havia me dito quão difícil era crescer, ou eu havia sido teimosa demais para dar ouvidos.

Não sabia se era o cansaço de não ter dormido direito à noite, ou se estava com algum tipo de burnout, mas naquela tarde, eu não estava sendo nada produtiva no trabalho. Algumas horas já haviam passado desde o início do meu turno, mas tudo que tinha feito fora arrumar algumas planilhas e alimentar os relatórios, nada muito importante. Estava distraída demais e, por alguma razão, minhas colegas estavam muito falantes, o que dificultava ainda mais minha concentração.

Por sorte, o horário do almoço chegou mais rápido do que o normal. Desci do prédio quase correndo e encontrei com Lily na porta, que me agarrou pelo braço e correu até o estádio. Minha barriga roncava de fome, mas a fila de garotas à minha frente me fez perceber que não conseguiria comer tão cedo.

Minha amiga tagarelava sobre algum assunto, mas eu não prestei atenção em absolutamente nada. Ela poderia estar falando de um plano para chegar até o príncipe ou roubar a casa da moeda e eu não conseguiria saber. Minha mente estava perdida naquele bendito sonho, revivendo cada momento de novo, de novo e de novo. Havia sido assim a tarde toda no trabalho também, e não importava o quanto eu evitasse, era só me distrair e lá estavam os pensamentos de volta. Além disso, aquela estranha sensação de tentar lembrar algo que estava na ponta da língua continuava e a minha vontade era de dar um grito, honestamente.

— Ouviu? — Lily se virou para mim assim que conseguimos entrar no portão do estádio.
— Desculpa, o quê? — olhei para ela, perdida.
— Amiga, pelo amor! O que deu em você? Faz meia hora que eu tô te falando vários ângulos que dá para você gravar com o seu celular. Certeza que eu vou acabar surtando e não vou conseguir gravar nada, então se puder me ajudar, por favor! — ela andou rápido em direção a uma porta gigante.
— Ah, sim! Claro, pode deixar!
— Por que hoje você tá tão desatenta? Você nunca fica assim!
— Acho que é o trabalho, tô com muita coisa para fazer. — disse levemente apreensiva. Ela apenas assentiu, sabia que meu trabalho no escritório era bem... intenso.

Assim que chegamos à área do gramado, Lily foi em direção ao palco montado no meio do campo. O estádio estava extremamente lotado e se eu não estivesse lá, vendo com meus próprios olhos, duvidaria se alguém me contasse. Ela realmente não mentiu quando disse que todo mundo realmente só falava sobre isso, milhares de pessoas se acomodavam ao redor do pequeno palco com uma grande passarela, as arquibancadas estavam lotadas e muitos jornalistas montavam seus equipamentos, era uma loucura.

— Ainda bem que o evento é de cadeira sentada. Olha quanta gente! — Lily comentou, chocada. — Vem, os nossos são na terceira fileira, bem pertinho do palco.

Chegamos na frente do palco e minha amiga se sentou na cadeira C3, me sentei ao seu lado, na C4. Logo a música parou e um apresentador subiu no palco. Ele começou a discursar sobre o novo projeto de diplomacia da Coreia e antes que eu me desse conta, minha mente viajava novamente para o baile com um garoto de olhos de jabuticaba.

— Você tá com o celular? Ele vai entrar. — Lilian gritou para que eu ouvisse. Muitas garotas gritavam ao nosso redor e era difícil ouvir, mesmo que estivesse ao seu lado. Assenti, pegando o celular.
— Sem mais nem menos, senhoras e senhores, vos apresento, Vossa Alteza, , o príncipe de Busan. — o apresentador disse animado no microfone.

No minuto seguinte, um jovem que aparentava ter uns 23 anos subiu ao palco, de cabeça baixa. E a plateia foi ao delírio, era quase como um jogo de futebol ou um show. Os gritos eram ensurdecedores. Eu segurava o celular, gravando o momento para minha amiga. Assim que ele foi andando pela passarela e chegando mais perto, as milhares de garotas gritavam ainda mais. O príncipe então finalmente chegou ao palco principal, levantando a cabeça.

E foi aí que meu coração parou. E depois voltou a bater tão forte que parecia que sairia do peito a qualquer momento. Minhas pernas ficaram bambas e eu senti a visão ficar cada vez mais turva.

Nada mais estava fazendo sentido, eu não conseguia entender o que as meninas gritavam ao meu redor, ou o que o apresentador falava no microfone, tudo ficava cada vez mais longe e eu sentia que desmaiaria a qualquer minuto.

Tentei fechar os olhos com força e abri-los novamente repetidas vezes, mas nada mudava. Ele continuava ali sorrindo e acenando, com seus olhos de jabuticaba percorrendo por todo o estádio.

Como? Como aquilo era possível? Como isso estava acontecendo? Será que estava alucinando? O garoto que até então só existia no sonho que eu havia tido na noite anterior, estava em cima do palco, sendo apresentado como o príncipe de Busan. Como isso fazia sentido? Tudo que eu conseguia fazer era segurar aquele celular idiota e tampar minha boca em completo choque.

— Boa tarde! — ele falou pelo microfone, em português. Um arrepio percorreu meu corpo e o celular caiu da minha mão. Seus olhos pararam nos meus por alguns segundos, ele acenou, ainda sorrindo, e eu tive a sensação que tudo ao meu redor tinha parado. As pessoas pareciam se mover em câmera lenta e nada mais tinha tanta importância. No segundo seguinte, ele voltou a olhar para o resto do público.

Aqueles tão conhecidos olhos de jabuticaba que não saíam da minha mente desde o primeiro momento que os vi. E sua voz? Exatamente igual, até a parte levemente rouca. O mesmo cabelo preto na altura dos olhos, penteado para trás, de forma que a sua testa ficava à mostra e a pele clara. Eu estava enlouquecendo.

Abaixei rápido para pegar o celular que havia caído, ainda sem conseguir nem mesmo respirar. Lily gritava ao meu lado, pulando, sem perceber nada. Eu não sabia o que fazer, se voltava a gravar, se ia embora dali, se ficava. Tudo parecia girar muito rápido e os gritos não ajudavam.

O apresentador pediu para que todos se sentassem e começou a falar com o príncipe, fazendo o que parecia ser algumas perguntas. Ele respondia sorrindo e em alguns momentos, seus olhos passavam por onde eu estava, rapidamente. Mas meu cérebro estava em completo choque, eu não conseguia raciocinar e provavelmente devia estar parecendo uma boboca na frente dele.

Diversas perguntas começaram a entrar na minha mente. Se ele realmente existia, então isso significava que meu sonho poderia se tornar... realidade? Não, isso era loucura demais. Mas ele estava ali, bem na minha frente. Isso também era loucura demais. Como era possível? Como eu havia sonhado com alguém que nunca tinha visto, nem sequer sabia da existência? E agora ele estava bem ali, em carne e osso.

O tempo foi passando e flashes do sonho voltavam, me fazendo lembrar de cada mínimo detalhe, e chegar à conclusão que realmente não tinha como negar, era ele. Me peguei sorrindo, como nunca havia sorrido antes. A cada palavra que ele falava, mesmo eu não entendendo nada – já que ele falava em coreano –, cada sorriso, cada balançar de cabeça, eu estava completamente encantada. Como ele era real?
E pior: ele era ainda mais bonito do que em sonho. Toda vez que ele sorria ou olhava para a plateia, meu coração disparava. Eu era uma verdadeira piada, essa era a verdade.

A apresentação logo acabou com ele fazendo um discursinho fofo sobre estar amando cada momento no Brasil. Ele colocava a mão no peito, realmente comovido e todas as garotas dentro do estádio gritaram loucamente. No final, um vídeo dele em algum prédio alto, com roupas azuis e botas brancas, acompanhado de pessoas segurando algumas bandeiras de países atrás dele apareceu nos telões. Ele deixou o palco, sorrindo e acenando.

Um minuto depois a minha ficha resolveu cair como se o Dumbo caísse de repente em cima da minha cabeça. Caraca. O garoto do meu sonho realmente existia, ele estava ali, ele existia. Não era uma invenção da minha mente, alguém que eu havia idealizado, era alguém real. O que que eu ia fazer da minha vida agora?

— Eu estou em completo choque! — Lily gritou, caindo na cadeira ao meu lado. — Ele é simplesmente ma-ra-vi-lho-so. Você viu? E ele me olhou várias vezes, eu tô muito chocada. — a encarei, confusa. — Sério. Você viu, né? Eu não estou louca! — ela se virou para mim, enquanto se abanava com uma das mãos. Dei de ombros, ainda confusa. Será que ele tinha a olhado mesmo? — Mas por mais que ele seja perfeito, achei o segurança dele maravilhoso também.
Não fazia ideia do que minha amiga estava falando, não havia notado a existência de nenhum segurança ao lado dele. Tudo parecia um grande borrão e a única coisa que me lembrava eram seus olhos e seu sorriso.
— Ele não conseguia parar de me olhar! E até sorriu, eu gravei o exato momento! — ela continuou falando, animada.
Senti um leve incômodo e uma irritação crescendo dentro de mim. Típico de Lilian, sempre achando que o universo girava em seu entorno.
— Bom, preciso voltar ao trabalho. — murmurei após olhar a hora em meu celular.
— Mas já? Você nem viu o meu vídeo. — ela levantou preocupada. — Sua chefe não vai se importar se você atrasar alguns minutos.
— Ah, ela vai sim, preciso correr, amiga. Me manda o vídeo por WhatsApp, tá? Te falo o que eu achar por lá. — a abracei, me despedindo, e saí apressada.

Conforme passava por todas aquelas pessoas, minha cabeça começou a girar. Estava sem comer nada desde de manhã, minha barriga doía e sinceramente ainda não sabia como estava em pé.

Assim que consegui sair do mar de garotas e chegar na rua, corri em direção à lanchonete em verde e branco em que sempre comia, do outro lado da calçada. Iria pedir algum salgado e correr para o escritório, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, um carro preto parou bem perto da calçada. Dentro dele, o príncipe acenava freneticamente enquanto abaixava o vidro escuro. Havia algumas poucas garotas ao meu lado, assim que notaram que era o príncipe, começaram a dar gritinhos finos e pular. Se antes eu estava em choque, agora meu cérebro havia entrado em pane. Eu não conseguia raciocinar. Levantei a mão, sem conseguir acenar, enquanto dava um sorriso confuso. Ele continuou acenando para as meninas e quando percebeu minha reação estranha, levantou uma sobrancelha, dando uma risada logo após. Logo muitas outras meninas chegaram, se aglomerando a nossa volta, e o carro deu partida.

Ótimo. Agora o meu papel de boba estava completo.
***

Voltei para o escritório correndo com metade de uma esfiha de calabresa na mão. Por sorte, minha chefe ainda não havia chegado e minhas coordenadoras estavam em uma reunião. Era proibido comer no escritório e se alguém sentisse o cheiro, eu estaria ferrada.

Terminei de comer rapidamente — em tipo, três mordidas — e comecei a pesquisar quais assuntos estavam em alta para começar a desenvolver algum projeto. Precisava começar a fazer alguma coisa, logo. Mas, se antes eu não estava conseguindo produzir, agora é que não conseguiria fazer nada mesmo. Minha cabeça estava completamente em outro lugar, tentando entender tudo que tinha acabado de acontecer, e eu não conseguia nem mesmo fingir que estava focada.

Ao meu redor, as meninas riam muito sobre algum assunto. Me senti aliviada, pelo menos não era a única que não estava focada. Automaticamente, comecei a ouvir a conversa.

— Uh... ela tá caidinha! — Karen empurrou com os ombros a Luísa, que sentava ao seu lado.
— Para! Qual é? Ele é um gato! — ela retrucou.
— Olha, vou ter que concordar. Quero dizer, os músculos, o cabelo, o pacote todo, chega me dá um calor. — Mariana, que se sentava ao meu lado, se abanou.
Não conseguia entender sobre quem estavam falando. Será que Luísa estava de namorado novo?
— Estão falando de quem? — resolvi perguntar, me virando para elas.
— Aeeee! Finalmente resolveu voltar pro planeta Terra! — Karen fez piada. — Você não vai acreditar por quem a Luísa está caidinha.
— Ei, eu não estou caidinha assim. Só disse que talvez amanhã à tarde estarei esbarrando nele quando estiver passeando pela paulista e ele vai se apaixonar por mim, oras. — ela deu de ombros, ajeitando os cabelos castanho-claros.
Olhei para Mariana, sem entender.
— O tal príncipe da Coreia do Sul que todos estão falando. Luísa não para de falar nele. — ela explicou sem tirar os olhos do computador. No mesmo momento, senti meu coração acelerar. — Parece que ele vai dar um passeio pela paulista amanhã à tarde, e a Luísa já está toda fanficando. Imagina se vão deixar ele caminhar livremente pela Paulista, a ponto de você esbarrar nele. — Mariana se virou para Luísa, que revirou os olhos.
— E imagina quantas meninas não estão planejando a mesma coisa que você! — Karen acrescentou.
— Ai, por que vocês são tão negativas? Quem sabe ele é o amor da minha vida! Se for o destino, a gente vai se esbarrar, vocês vão ver. — Luísa disse confiante. Mariana e Karen se entreolharam por cima do computador, prontas para caírem na risada.
— Na verdade, vai ser um evento fechado na Paulista. Só quem conseguir as primeiras duzentas senhas vai poder estar lá. — murmurei, tentando parecer indiferente. Mas todas me encararam como se eu fosse um ET. — Eu acabei de ver em alguma matéria. — tentei me explicar. O que era uma mentira, a informação do próximo evento só havia sido liberada para quem estava no Allianz e não seria postada por nenhum meio de comunicação, a pedido da equipe do príncipe.
E agora eu havia vazado para todo mundo no trabalho, sem razão alguma. Ótimo. Eu realmente não estava pensando direito.
— Bom — Luísa suspirou após me encarar por alguns segundos —, não tem problema. Como eu disse, em algum momento vamos nos esbarrar.
— Não acha que é cedo demais para achar que ele é o “amor da sua vida”? Você nem o conhece! Ele pode ser o oposto do que você procura em um cara. — perguntei, levemente incomodada. Que droga. Por que todo mundo achava que ele era o amor da vida delas?
— Ai, , bobinha! Ele é lindo, isso já conta 50% do que eu busco em um cara. — ela riu escandalosa.
— E você acha que ele é o amor da sua vida só por que ele é lindo? — arqueei uma sobrancelha. Estava ficando cada vez mais irritada e não conseguia esconder.
— Pela personalidade brilhante dele que não é. O que deu em você, hein? — disse sarcástica. — Qual é, vai me falar que não acha ele maravilhoso? Que se encontrasse com ele na rua não se jogaria em seus braços? — ela cruzou os braços. Eu queria dizer que não, mas sabia que não seria verdade. É claro que eu me jogaria em seus braços, era tudo que eu mais queria. Mas, diferente de Luísa, eu o conhecia. Certo?!
— Ele é realmente muito bonito, mas acho que só isso não é o bastante. — respondi algum tempo depois.
— Tá, sei. Enfim, para mim basta. — ela se voltou para o computador e começou digitar no teclado, fazendo barulho com seu alongamento de unhas.

Passei o resto do expediente com raiva. Aquela conversa havia me irritado até o último fio de cabelo. Como Luísa conseguia ser tão superficial? De repente, o príncipe era o amor de sua vida só porque ele era bonito, isso era ridículo. Como se uma boa aparência definisse quem era a pessoa certa. E pior: quantas meninas não deveriam estar pensando a mesma coisa que ela?! Afinal, ele era um príncipe. Quem não queria um príncipe? E bonito ainda por cima?

Quanto mais pensava, mais me sentia... furiosa. Quando Lily havia me falado mais cedo que toda garota solteira queria encontrar com o príncipe de Busan eu não havia me importado, porque não fazia ideia de quem ele era, mas agora que sabia que ele era simplesmente o cara do meu sonho, aquilo me incomodava. E muito.

Por uma fração de segundo desejei não tê-lo encontrado. Era bom saber que ele não era uma invenção da minha mente, no entanto, um príncipe não era bem a pessoa mais acessível do mundo. Para ele, eu era só mais uma no meio de uma multidão. E não era nem uma das mais bonitas, era apenas... eu. Pior do que ele não existir, era saber que ele existia, mas que eu nunca poderia alcançá-lo.

As horas passaram mais rápido do que eu conseguia acompanhar e quando me dei conta, já era hora de ir embora. Assim que percebi que todo mundo se preparava para sair, me levantei para pegar a bolsa. No mesmo momento, minha chefe entrou avoada no escritório, assustando todas.

— Meninas, vamos fazer uma reunião agora. Tem algumas coisas que precisamos alinhar.
— Claro, Miranda! — a coordenadora respondeu prontamente.
Respirei fundo, contando até 10. Que maravilha! Quanto mais eu queria ir embora, mais isso demorava para acontecer.

Eu e minhas colegas de trabalho nos dirigimos até a sala de reuniões. Miranda mexia no celular silenciosamente, não parecia estar de muito bom humor.

— Algum problema, ? — minha chefe disse após alguns minutos. Olhei para ela confusa. Eu não havia dito nada. — Sua cara. Não está nada boa. Aconteceu alguma coisa? — disse sem nem mesmo me olhar. Sorri nervosa, balançando a cabeça.
— Não, Miranda. Está tudo bem — menti.
— Sabe, garotas. Nosso corpo fala muito. Ele nos diz quando estamos nervosas, desinteressadas, animadas, focadas. Está tudo na linguagem corporal. Estudem sobre isso, é extremamente importante. — ela afirmou de forma contida, mas extremamente indelicada. Após me olhar com um sorriso cínico, começou a falar sobre o tema da reunião. E eu quis me enfiar num buraco.

Por volta das 19h, Miranda finalizou a reunião e eu – finalmente – estava a caminho de casa. O ônibus estava cheio, tão cheio que mal dava para respirar direito. O percurso durava no máximo 40 minutos, mas parecia que eu estava ali há horas, sentia as pernas doerem e a pressão baixando. Contudo, aguardei pacientemente até que o ônibus chegasse ao ponto final, enquanto lutava para me segurar e não cair em cima de ninguém.

Senti uma vontade de rir com a ironia. Eu tinha certeza de que estaria agora provavelmente num banheiro luxuoso tomando um bom banho de banheira. Ele sairia, colocaria seu roupão real e pediria algum serviço de quarto, enquanto se deitava em sua cama king size. Sem muitos problemas ou preocupações. Bem diferente de mim naquele momento.

Não sabia como ou por que tinha sonhado com ele, mas, naquele momento, parecia mais uma piada de mau gosto da vida. Nossas realidades não poderiam ser mais diferentes. Afinal, o que eu queria? Ser a plebeia que o príncipe se apaixonou? Isso se ele chegasse a me notar. Não queria ser negativa e só ver todas as coisas ruins, mas não podia pagar o preço de tirar os meus pés do chão e acabar com a cara na parede. Poderia estar sendo uma covarde? Bom.. na verdade não, estava sendo sensata.

Alguns minutos depois, o ônibus chegou ao ponto final e eu pude voltar a respirar normalmente. Enquanto andava de modo despreocupado até minha casa, senti o celular vibrar dentro da bolsa. Era perigoso atender uma ligação na rua, por mais que essa fosse a principal utilidade de um telefone celular – infelizmente, ladrões não se importavam com isso e eu não poderia arriscar –, então apressei o passo, atravessando a já conhecida avenida e virando à direita. Corri em direção à casa verde um pouco mais à frente, onde minha vó me esperava na porta.

— Oi, vó! O que faz aqui fora? — entrei depressa em casa, procurando o celular na bolsa para ver quem estava ligando.
— Era eu quem estava te ligando, querida. — minha vó disse, incerta, desligando o telefone. — Há algo que eu preciso conversar com você.
Pisquei, sem entender a reação dela.
— O que aconteceu? — coloquei a mochila no chão e me sentei no sofá. Nunca havia visto vovó desse jeito, o que quer que fosse, era algo muito sério.

Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, seu telefone tocou, fazendo com que ela saísse da sala para atender. Estranho. Vovó nunca saía para atender nenhuma ligação. O que estava acontecendo?

Depois de alguns bons minutos falando, ela desligou, se voltando para mim com um sorriso calmo no rosto. Bem diferente de como ela estava minutos atrás, preocupada e nervosa.

— O que aconteceu, vó? — perguntei curiosa. Francamente, a cada hora eu entendia menos daquele dia.
— Nada, querida. Só estava preocupada se você já estava chegando, estava trabalhando além do seu horário de novo? — ela fez uma cara de brava. Apenas assenti com a cabeça.
— Mas e a ligação? Quem era?
— Ah, era Rose. Ela só estava colocando o papo em dia. — vovó foi até a mesa, apontando para um prato. — Já deixei sua comida pronta, vou tomar um banho, querida. — subiu as escadas e me deixou sozinha na sala, completamente desnorteada.

Ela estava escondendo alguma coisa. Mesmo que eu atrasasse horas, quase nunca vovó me esperava na porta. Além disso, estava toda tensa antes da ligação. Alguma coisa estava acontecendo e ela não queria me contar. E o que quer que seja, parecia que tinha haver com a ligação. Será que Rose estava fazendo fofoca de novo? Da última vez, a doida inventou que eu estava saindo escondida de casa, só porque a minha janela estava aberta durante a noite. E se ela tivesse inventado mais alguma coisa e minha avó acreditou? Era por isso que ela queria conversar? Tudo que eu menos precisava nesse momento era de mais confusão.

Cansada demais para fazer qualquer coisa, me assentei na mesa e comi a janta que estava sobre a mesma, enquanto assistia um filme da Disney que passava na televisão naquele momento. A Bela Adormecida, um dos meus favoritos, havia acabado de começar. Parecia que todo meu esforço para evitar a todo custo pensar em príncipes estava dando completamente errado. Tudo me fazia lembrar mais ainda dele.

Estava na parte em que a Aurora começou a cantar a música “Era Uma Vez No Sonho”. Eu amava ela e já tinha decorado sua letra, mas nunca havia feito muito sentido... até agora.

Foi você o sonho bonito que eu sonhei. Foi você, eu lembro tão bem, você na linda visão. — ao ouvir a princesa cantar junto com os animais, quase engasguei com o suco de laranja. — E aqui está você, somente você, a mesma visão aquela do sonho que sonhei. — ela continuou. Encarei o desenho a minha frente incrédula. Estava ficando louca, louca, louca.
No momento seguinte, o príncipe Philip juntou-se a Aurora na canção e eu fui obrigada a desligar a televisão. Era demais. Tudo isso era demais. Subi as escadas o mais rápido que conseguia e entrei no banheiro.

Enquanto tirava a roupa para tomar banho, comecei a cantar “lalalala” para impedir que a minha mente ousasse ter qualquer pensamento. Eu estava proibida de pensar.

Tentei ao máximo focar no banho e me lavar o mais rápido possível para conseguir dormir. Essa era a solução: dormir. Se com uma noite de sono tudo ficou estranho desse jeito, com outra noite de sono tudo iria voltar para a sua normalidade, certo? Certo, tinha que funcionar.

Lidar com meus sentimentos para que eu poderia dormir. Além do mais, foi só um sonho. Um sonho que me deixou triste porque eu queria viver aquilo com um cara que eu nunca vi na vida, mas que de repente descobri que ele realmente existia e era um príncipe, por sinal, muito famoso? Sim. E, de repente, uma canção de um conto de fadas da Disney começou a fazer sentido? Sim, como a Aurora cantou na canção, era ele o sonho bonito que eu sonhei, mas qual é! Essa é a vida real, não um conto de fadas.

Possivelmente havia alguma explicação para essa loucura toda, uma que eu não sabia no momento, porém eu iria descobrir e aí darei risada de mim mesma por estar tendo todos esses sentimentos por algo tão... louco, impossível e sem sentido? Sim!

Ao fechar meus olhos enquanto a água quente escorria, um flash do sonho veio em minha mente. Nós estávamos dançando, perto demais, sua mão quente na minha cintura e seu nariz tocando no meu. E então ele sorriu e seus olhos de jabuticaba brilharam como se carregassem centenas de estrelas dentro deles. Era tão real que quase podia sentir seu toque. Quase.

Abri novamente os olhos, encarando o banheiro vazio à minha frente. Droga. Qual a parte de proibida de pensar eu não entendia? Cerrei as mãos em punhos e gritei, sem emitir nenhum som, fazia isso sempre que precisava extravasar mas não podia, de fato, gritar.

Minha vida estava longe de ser um filme, ou uma história, ela era real, muito imperfeita, difícil e monótona. Não era A Bela Adormecida ou qualquer outro conto de fadas. E no mundo real, o príncipe não havia sonhado comigo, nem sabia da minha existência, e tinha milhões de garotas, ao redor do mundo, querendo ficar com ele. Muito mais bonitas que eu ou inteligentes, que chamem mais atenção. Ele nunca me notaria. Fim.

— Ouch. Essa doeu. — murmurei para mim mesma ao sair do banheiro e me deitar. Era duro, mas era a verdade. Eu esqueceria que um dia havia sonhado com o , estava decidido.

Desliguei o abajur, forçando meus olhos a se fecharem. Eu acordaria amanhã e tudo voltaria ao normal. Bom, assim eu esperava.
***


Havia uma luz roxa por todo ambiente, que se misturava com tons de azul e rosa, como uma aurora boreal, vindo de um abajur. Era tão lindo. No chão, havia um mar de pétalas de rosas vermelhas com velas em todos os cantos do enorme quarto. Balões vermelhos se espalhavam por todo o teto perto da cama, onde havia um grande buquê de rosas.

A jovem começou a chorar ao olhar para tudo aquilo. Era clichê, mas nunca tinha imaginado que aquilo realmente aconteceria, ainda mais com ela.

Com cuidado, foi até o buquê e tirou um grande cartão.

— Amanhã é nosso aniversário de namoro, mas, como você sabe, infelizmente estou em mais uma viagem. Esse é apenas um lembrete de que eu te amo, vejo você em breve. Com amor, . — ela sorriu ao terminar de ler, não importava quanto tempo passasse, ele nunca parava com as surpresas.

Antes que pudesse fazer qualquer coisa, a televisão no grande quarto começou a tocar, uma música que ela não conseguia entender o que cantava e diversos momentos dos dois juntos começaram a aparecer na tela. Eles andando de mãos dadas à beira do mar, comendo sorvete de chocolate de menta, o príncipe tirando fotos dela, eles rindo e se beijando. A morena notou como em todos os vídeos, sem exceção, ela parecia estar extremamente feliz.

— Você achou mesmo que eu perderia nosso aniversário? — uma voz levemente rouca disse atrás de . Ela se virou, surpresa. estava ali, sorrindo com os braços em volta de sua cintura. Ele só voltaria de mais uma turnê do reino daqui a alguns dias.
— O que você está fazendo aqui? — o olhou sem acreditar. — Você não deveria estar na Austrália?!
— Eu antecipei e consegui terminar a turnê antes, queria te fazer uma surpresa. — acariciou sua cintura.
— Você é inacreditável! — ele riu.
— Não é todo dia que se faz 5 anos de namoro, querida.
o encarou séria.
— Muito menos completar 5 anos de namoro e 2 de casados. Quero dizer, é uma vitória e tanto, você não acha? — o príncipe arqueou uma das sobrancelhas. Ela concordou.
— Para mim, sim. Para você... — mas JK a interrompeu.
— Não, não, não. — ele começou a lhe dar selinhos. — Ninguém pode falar assim da princesa de Busan, nem mesmo você.
gargalhou, mas se conteve ao encarar seus olhos de jabuticaba. estranhou.
— Não está feliz que eu cheguei antes? — Ela suspirou.
— Não é isso, amor. Claro que estou feliz.
— Então o que há de errado? — ele acariciou seu rosto.
— Eu sei que isso é um sonho e que a qualquer momento eu vou acordar. — murmurou com os olhos cheios de lágrimas.
— O quê? Isso não é um sonho, . Aqui, me bate. — ele deu o braço, mas a mulher apenas sorriu triste.
— Coisas assim... não são reais. Só pode ser um sonho.
O príncipe suspirou com um olhar doloroso.
— Quando vai começar a aceitar que o seu passado não é mais seu presente e nem o seu futuro? Não é porque as coisas foram difíceis que serão sempre assim. — ela assentiu.
— Eu acredito que as coisas podem ser diferentes. Mas... isso? Isso é bom demais para ser verdade, é muito além do que uma mudança, é apenas impossível. — ela colocou a mão em cima da de . — Eu queria que pudesse ser a minha realidade, mas não é.
. — ele sussurrou. — Você precisa acreditar.
A jovem apenas sorriu, enquanto as lágrimas caíam.
— É seu destino, mas ele só vai acontecer se você conseguir acreditar. Se esperar que coisas ruins vão acontecer, elas vão te encontrar. — continuou. — Você precisa acreditar que isso vai acontecer, há muitas coisas que dependem de você.
franziu as sobrancelhas, sem entender.
— Vossa Alteza Real, Princesa . Há um oficial do reino a sua procura. — um dos funcionários do príncipe anunciou na porta, após bater. Mas o som de batidas na porta não vinha dali, na verdade, acordou com sua avó batendo em sua porta.
— De novo não. — ela cobriu o rosto com seu travesseiro.




Continua...



Nota da autora: Oii gente! Eu sou a Leh!
O que acharam do primeiro capítulo?
Espero que gostem da história, ainda tem muuuita coisa boa para acontecer.
Não esqueçam de comentar, obrigada por lerem! <3

Nota da beta: Eu tô igual à PP sonhando com os bias.
Bem, o Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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