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Capítulo Um


Eu estava segurando o choro. Ainda me lembro do cheiro de amêndoas do shampoo da mamãe quando nos abraçamos uma última vez na entrada da universidade. Não imaginei que ela fosse chorar, e muito menos que eu fosse chorar, mas lá estávamos nós duas, nos debulhando em lágrimas e pagando mico na frente dos estudantes.
Um cara legal chamado Jeremy me ajudou com as malas, carregando a maioria delas ao caminhar ao meu lado. Eu observava sua expressão pelo canto do olho, notando como todos ao redor o reconheciam e o cumprimentavam. Ele me guiou pelo campus na direção do quarto que eu dividiria, pelos próximos quatro anos, com uma magricela.
- Qual é o seu nome mesmo? – Jeremy perguntou. Ele era alto e forte, além de ter feições agudas e um sotaque extremamente fofo.
- . – pigarreei antes de falar, sentindo meu rosto corar a medida que Jeremy me analisava. Estava consciente de que eu não tinha um corpo desejável, e meu cabelo cenoura não ajudava em nada o meu caso.
- Você vai dividir o quarto com a Agatha, ela é bem legal.
“Ela é bem legal”, na linguagem de Jeremy, possivelmente queria dizer: “ela é bem gostosa”.
- Nós vamos dividir uma casa, não é? – me lembrei que meu nome tinha ido parar em uma casa mista de dois quartos: um para os rapazes, e outro para as garotas. Meus pais não se importaram muito - eu já era maior de idade e sempre fui responsável.
- Vamos sim! O chalé Evil’s Doom. É aquele ali, ó.
A primeira coisa que eu notei, é que aquele era um excelente nome para um chalé de uma universidade na Califórnia. A segunda coisa foi o chalé em si, que se erguia imponente às margens do lago Helmet, feito de madeira escura e com janelas pintadas de vermelho.
- Vamos entrando?
Jeremy não esperou que eu respondesse, ele simplesmente abriu a tela do chalé com um chute certeiro e carregou minhas malas porta adentro. Eu fiquei ali parada, do lado de fora, um tanto desconfortável, olhando para o tapete sob os meus pés que dizia “WELCOME MOTHERFUCKERS!”, e então desviando o olhar para os chalés e árvores ao redor.
- Hey, Weasley. – Jeremy chamou, se aproximando da tela. – Você não vai entrar?
Eu sorri. Aquele não era o pior apelido do mundo.
Seria um longo ano.



Capítulo Dois


A rotina na universidade tornou-se prazerosa dentro de poucos meses. Acabei me apaixonando pelas paisagens da Califórnia, além da comida deliciosa do campus, e a sua biblioteca que possuía uma seção inteirinha só de Harry Potter (Sim! Eu disse uma seção inteirinha!), com pelo menos vinte e cinco exemplares diferentes d’A Pedra Filosofal, sendo que treze deles estavam em línguas distintas.
E até que as pessoas por ali não eram ruins – O zelador, querido Mr. Marcus, era quem sempre me acompanhava nas caminhadas até a biblioteca, e a Megan, uma veterana que fazia faculdade de moda, costumava se sentar comigo na hora do almoço. Ela nunca parava de falar sobre League of Legends, e sobre conseguir as tais das varinhas explosivas que precisava no jogo.
Mas você deve estar se perguntando sobre os meus colegas de chalé, certo?
A personalidade do Jeremy não foi nenhuma surpresa para mim, pois ele realmente era o tipo de cara que pegava várias garotas em uma só noite. E ele não só “pegava” como transava com elas, e ainda levava a prova dos seus feitos durante o jantar no chalé.
- Três calcinhas hoje! - Jeremy parou na ponta da mesa e tirou três calcinhas minúsculas do bolso, mostrando-as uma a uma com um sorriso no rosto.
- Isso é nojento. - Agatha declarou fazendo uma careta.
Agatha tinha longos cabelos negros e olhos tão azuis que, às vezes, olhar para ela era como sofrer um choque elétrico. Eu não me importava de dividir o quarto com aquela magricela, e sabia que o sentimento era mútuo, mas também não éramos grandes amigas.
Quanto ao quarto e último inquilino, er... Bem, ele estava, naquele exato momento, com a cabeça repousada sobre minhas pernas, olhando para o meu rosto com suas pupilas castanhas sonhadoras.
- Você tem um lindo queixo, Rose. – Disse , acomodando sua cabeça em meu colo e pousando o prato de noodles em cima do próprio umbigo.
Meu rosto esquentou, e eu apoiei as mãos na mesa o mais longe possível da cabeça dele.
- Meu nome não é Rose, Harry. – Falei a última palavra com ênfase só para irritá-lo.
O rapaz deitado no meu colo se fez de desentendido.
- Meu nome não é Harry, Rose. – Ele falou com um sorriso nos lábios. – E eu sei que Rose não é o se nome...
- Então, qual é o problema de usar o meu nome? – Eu o interrompi, em seguida jogando um guardanapo em seu peito ao perceber que sua boca estava suja de noodles. – E por que me chamar de Rose?
- Você tem um cabelo muito vermelho, Rose. Parece uma rosa. – replicou.
Ele era mais alto que Jeremy, ainda que não tivesse o típico corpo de atleta californiano. Seus olhos eram escuros e rodeados por ruguinhas de tanto sorrir. Mas o mais incrível em seu rosto eram suas sobrancelhas – elas eram espessas e incontroláveis!
- Apesar de estranho, o meu nome não é feio! – Fechei a cara ao me defender.
- É claro que não. – se tornou subitamente sério. – é um lindo nome, bem original. – Ele comentou sabiamente. – Eu posso encontrar inúmeros empregos maneiros para ele. Como por exemplo, se um cara idiota faz alguma cagada, você pode chegar para ele e dizer “ YOU!”.
A mesa explodiu em gargalhadas, e Jeremy riu tanto que derrubou as calcinhas nojentas na nossa refeição. Agatha começou a xingá-lo, é claro, mas eu estava ocupada demais rindo da piada idiota com o meu próprio nome.
Eu podia dizer que depois disso todos nós nos tornamos grandes amigos, mas não foi bem verdade. Tínhamos uma típica rotina de chalé, onde dividíamos as tarefas domésticas e respeitávamos a privacidade uns dos outros. A única vez no dia em que parávamos para conversar, era durante o jantar, pois todos trabalhavam e estudavam ao mesmo tempo, por isso só nos víamos a noite.
Às vezes eu acordava de madrugada e não conseguia mais dormir, então descia para a nossa sala de estar e começava a assistir um filme qualquer. Em uma dessas noites, Jeremy desceu para beber um copo d’água e acabou se sentando no sofá para ver o filme comigo. Desde então, todas as noites que eu perdia o sono, chamava o bonitão para assistir um filme de ficção científica.
- Essa cena é muito foda. – Jeremy comentou. Estávamos dividindo um balde de pipoca.
Era o famoso Blade Runner, e aquela era a cena da chuva, a última cena. Na minha opinião, a melhor cena do filme!
- A fala dele é extraordinária. – Concordei sem nem pestanejar, pegando uma mão de pipoca enquanto os créditos do filme apareciam.
Quando fui perceber, Jeremy estava me encarando sério, me scaneando com os seus olhos verdes fundo de garrafa.
- Sabe... Eu estava errado, . – Ele declarou, desviando o olhar do meu. – Você é bem legal, e é bem geek. É a garota certa para o .
Eu subitamente me engasguei com a pipoca, dando fortes tossidas enquanto os créditos do filme acabavam. O que eu havia acabado de ouvir?
- Como é que é? Do que você tá falando?
Jeremy se virou para mim surpreso.
- Como assim?
- Eu não tenho nada a ver com o , ok? – Declarei, sentindo meu rosto esquentar novamente. – Por que você diria uma coisa dessas?
- Bem... – Ele franziu a testa. – Ele com certeza gosta de você.
Meu rosto queimou e eu perdi o fôlego.
- Não gosta não. – Me encolhi nas almofadas.
Jeremy deu uma gargalhada.
- É claro que sim! – Ele confirmou. – Ele tá sempre me fazendo perguntas sobre você. – O cara encheu a boca de pipoca. – Mas eu não te conheço muito bem ainda, então não posso dizer muita coisa.
- Por que o gostaria de mim? – Eu encarava um ponto fixo no tapete.
- Ãaah – Jeremy me olhou como se eu fosse idiota. -, porque você é gostosa...?
Mesmo que Jeremy tratasse a resposta como óbvia, eu passei a ficar totalmente insegura. Era muito estranho ter um cara gostando de mim. Isso queria dizer que ele estava prestando atenção, e isso me deixava desconfortável. Sem falar que... Eu ainda não acreditava totalmente no que Jeremy havia dito. parecia tão... Diferente de mim.
Até que comecei a notar algumas coisas, que subitamente passaram a fazer sentido. Toda a vez que eu parava para lavar a louça, descia até a cozinha para conversar comigo. É claro que nossa conversa era cheia de provocações (totalmente culpa dele), e que nosso tempo de papo era bem limitado, mas eu gostava de ter alguém para me distrair enquanto lavava uma enorme pilha de louça.
- Pronto, . – Botei o último prato limpo no escorredor. – A louça acabou, já tá na hora de dormir.
O rapaz olhou no relógio, ainda mostrando um sorriso do nosso último assunto sobre vacas voadoras.
- Mas já, Rose? – Ele me olhou impressionado. – Você lava muito rápido.
- Estamos aqui há uma hora! – Eu reclamei.
- Ah. – Ele deu de ombros em descaso. – Eu nem vi passar.
- Vamos subir. Já está tarde. – Declarei.
Pelo canto do olho, eu pude perceber quando o sorriso de murchou e foi substituído pelo desânimo. Seus olhos se entristeceram quando eu o puxei pela mão escada acima, e de repente ele parecia um cachorrinho pidão.
- Que tal jogarmos Mario Kart? – Ele ofereceu.
- Absolutamente não! Você sempre ganha, de qualquer forma. E eu estou muito cansada. – Já estávamos na frente do meu quarto. – Boa noite, .
- Boa noite, Rose. – Um sorriso triste formou-se em seus lábios perfeitos.
Então eu fui abrir a porta para entrar no quarto, mas a mesma não cedeu. Tentei a maçaneta mais algumas vezes, mas a porta permaneceu fechada.
- Agatha! – Bati com força na madeira. – Você trancou a porta de novo!
Soquei a porta mais algumas vezes e tentei chamar seu nome novamente, mas a magricela não respondeu.
- E agora? – Me voltei para , que por sua vez olhava a porta embasbacado. – Será que ela dormiu?
Ele estava prestes a responder quando a porta do quarto dos garotos se abriu, e lá de dentro saiu um Jeremy muito sonolento e sem camisa.
- Uau! Que barulheira é essa? – Ele perguntou com a voz pastosa.
- A Rose está tentando entrar no quarto dela. – explicou, falando o meu apelido como se eu fosse alguém importante.
- Ah, ela não vai conseguir. – Jeremy se apoiou no batente da porta do quarto deles. – A Agatha saiu numa noitada e deixou a porta trancada.
- O QUÊ? – Raiva subiu na minha cabeça. – POR QUÊ?
O bonitão deu de ombros e me olhou com cara de culpado.
- Hmm... Eu posso ter tentado roubar algumas calcinhas de vocês. – Jeremy olhou para o chão. – Infelizmente, ela me pegou no ato, e agora sempre tranca a porta antes de sair.
Eu olhei para ele sem acreditar, sentindo que o meu queixo havia caído e o meu corpo todo estava congelado. Por que a universidade não podia ter me colocado para viver com pessoas normais? Agora eu estava presa em um chalé com um cheirador de calcinha, uma magricela vegetariana, e um geek que, aparentemente, gostava de mim.
- Fecha a boca, Rose. O seu queixinho bonito vai despencar. – riu da situação. Eu queria poder voltar a xingar a Agatha, mas infelizmente o tanquinho do Jeremy me distraiu, e eu me vi babando ao olhar para o seu abdômen desnudo.
- Jer, eu acho que você devia vestir uma camisa. – Falei. Meu rosto estava vermelho de novo. Droga!
- Nãããão. – Jeremy se espreguiçou e deu de ombros. – Eu gosto de dormir sem camisa.
Aquilo me lembrou que eu queria dormir também. Sentindo um bocejo querer escapar, me virei em direção às escadas pensando no dia cheio que teria amanhã.
- Hey, aonde você vai? – perguntou.
- Vou dormir no sofá até a Agatha chegar. – Me expliquei, sentindo seu olhar queimar a minha nuca.
- Não, não. Rose, venha cá, nada de dormir no sofá. – Sua voz pareceu severa e carinhosa ao mesmo tempo.
- Eu não vou dormir no seu quarto. – Fiz uma cara de “eca”, quarto de garotos!
- Vai, sim senhora. Nada de dormir no sofá. Não é mesmo, Jeremy? – se virou para o amigo, mas o mesmo já havia voltado para cama.
Suspirei sem paciência.
- Harry, eu vou só tirar um cochilo no sofá, nada demais.
- É , Rose. . Não Harry.
- É , Harry. , NÃO ROSE. – Eu estava para lá de cansada.
- Tudo bem. – O rapaz entregou os pontos.
Eu achava que ele ficava engraçado, ali, na luz amarela no topo das escadas, olhando para mim como se eu fosse louca por querer dormir no sofá. Por que eu tinha que ser a louca? A minha colega magricela trancou o quarto contra um furto de cheirador de calcinha! Eu não podia ser a louca naquela história.
- Tudo bem, tudo bem. – repetiu. – Você vem dormir na minha cama, e eu nunca mais te chamo de Rose.
Meu queixo caiu em surpresa.
- Na sua cama? – Lá vou eu ficar vermelha de novo...
- Sim, Rose. Na minha cama. – revirou os olhos e arqueou uma sobrancelha espessa.
- Com você?
Foi a primeira vez que eu o vi enrubescer. E o que deveria ser fofo, acabou saindo pragmático, pois era como uma prova de que gostava de mim; eu não sabia se estava pronta para ser gostada.
- Eu vou dormir no chão, e você vai dormir na minha cama, ok? – Ele falou, depois de um longo silêncio constrangedor.
- No chão? , pelo amor de Deus...
- No sofá, então. Eu vou para o sofá. – Dizendo isso, ele começou a descer as escadas. Quando estava quase me alcançando, passamos por mais um momento constrangedor onde ninguém sabia se deveria virar para a direita ou para a esquerda. No fim, acabou segurando os meus braços e me movendo para que ele pudesse passar. – Bons sonhos.
- Você também. – Minha voz saiu fraca. – E obrigada.
Fui ao banheiro, passei mais uma vez na porta de Agatha para ver se, por um milagre, ela estava aberta, e depois decidi fazer uma última ronda pela casa. Dessa forma, encontrei um em sono profundo no sofá, e sorri ao ver o quão confortável ele parecia. Percebi que estava caindo de sono, e quando me dei conta, estava entrando no quarto dos garotos e me jogando na cama do .
Ela era muito mais confortável que a minha, e ainda tinha o cheiro dele por todo o lado. Não tinha percebido antes como gostava do seu cheiro até aquela noite. A cama era tão fofinha e aconchegante que demorei para dormir, impressionada com o conforto. Nem me importei com o ronco de Jeremy ao longe, e quando pude ouvir Agatha chegando no chalé no meio da madrugada, simplesmente virei para o lado e continuei dormindo.
Meu sono foi extenso e profundo, sentia como se não descansasse dessa forma há séculos. Na manhã seguinte, fui acordada ao sentir dedos brincando com o meu cabelo.
- ?
- Não, sua boba. – Agatha riu. – Por que você está dormindo na cama dele, afinal?
Bufei em frustração; não queria acordar.
- Você deixou a porta trancada. – Falei entre dentes.
- Aaaah, é, desculpa por isso. – Ela se afastou para que eu pudesse levantar. – Tudo para o Jeremy não pegar nossas calcinhas.
Eu sorri, me espreguiçando e alargando meu sorriso ao ver Jeremy resmungando no sono em sua cama.
- Você precisa levantar, depressa. – Agatha me apressou. Havia uma expressão determinada em seu rosto.
- Por quê?
- Porque precisamos planejar a festa surpresa do Jeremy. Ele ta fazendo vinte anos hoje, e sempre pede festa surpresa.
- Ele pede festa surpresa? Que coisa mais imbecil. – Esfreguei os olhos e me levantei.
- Pronto. Uma já foi. – Ela me puxou pela mão. – Agora vamos acordar o sobrancelhudo.
Eu ri, e algo borbulhou no meu estômago quando entramos no nosso quarto e eu me deparei com jogado na minha cama. Sem camisa. Com a cabeça esmagada contra o meu travesseiro, e os meus lençóis envolvendo suas pernas.
- Acorda, Bela Adormecida! – Agatha abriu as cortinas de repente, fazendo grunhir. – Dia de festa surpresa!
- Argh, de novo não. – Ele cobriu os olhos com o meu travesseiro. – Não fizemos isso ontem?
- Parece que foi ontem. – Agatha fez uma careta. – Mas foi ano passado.
- É tão ruim assim essa festa surpresa? – Perguntei.
saltou da cama, subitamente consciente de que eu estava ali dentro do quarto.
- Bom dia, Rose. – Ele falou sem fôlego, vestindo uma camisa qualquer rapidamente. – Como foi a sua noite?
- Hm, eu dormi bem. – Encolhi os ombros.
- Que bom.
Naquele momento, eu sabia que se encontrasse seus olhos, eu iria me derreter.
- A festa em si não é tão ruim. – Agatha explicou. – O problema é depois, quando precisamos limpar o chalé e mandar toda aquela gente bêbada para casa.
Foi a vez de fazer uma careta. Ele se espreguiçou no meio do quarto e ainda me mandou outros olhares de culpa, como se não tivesse a intenção de ter dormido na minha cama. Quando Agatha saiu do quarto, me senti obrigada a aliviar a barra dele.
- Está tudo bem. Nós só trocamos de cama, não foi nada demais. – Encolhi os ombros e sorri, torcendo para que ele se sentisse melhor.
sorriu agradecido, e logo nos vimos descendo as escadas e nos dirigindo para a cozinha.
- Er... A sua cama é bem confortável. – Seus olhos seguiram o perímetro da cozinha como quem procura aonde se esconder. – Gostei bastante do seu travesseiro.
- Do meu travesseiro? – Ergui as sobrancelhas.
- Ãhhnn... É. – Ele coçou a nuca, completamente envergonhado. – Você quer trocar?
Eu gargalhei e peguei um suco na geladeira, pronta para a volta de Agatha do banheiro e sua lista de afazeres para a festa do Jer. Nós estávamos mortos se passaríamos o dia inteiro cumprindo ordens daquela magricela de olhos elétricos, mas eu me sentia incrivelmente disposta.
- Vamos às compras, crianças. – Agatha pegou sua bolsa e nos guiou para fora do chalé.



Capítulo Três


Já era de noite quando finalmente voltamos, e Jeremy passara o dia inteiro com a família em um hotel fazenda ali perto. Passar o dia inteiro ao lado de Agatha e foi uma experiência estranha para mim, mas foi incrível poder conhecê-los melhor e perceber que ficava confortável em sua presença.
Quando a magricela declarou na sala de estar que todos os preparativos estavam perfeitos, nós subimos para nos arrumar antes que os convidados chegassem e o Inferno se instalasse no chalé Evil’s Doom.
- Uau, quem são todas essas pessoas? – Desci as escadas para e me deparei com um grupinho estranho conversando no sofá.
- É o pessoal do chalé Rock’n Heaven. Eles vêm todo o ano. – explicou, passando uma mão nos cabelos na esperança de alinhá-los.
Ele estava extremamente charmoso naquela noite, usando uns sapatos italianos que alegava terem sido um presente do seu pai, uma camisa de botões azul marinho e uns jeans novos que Agatha o forçara a comprar. Parecia bem desconfortável, mas eu suspeitava que sempre estava desconfortável na minha presença, e sentia que em breve teria que mudar isso.
- Você tá bem bonita hoje, Rose. – Ele declarou com um sorriso torto. – Parece um quadro.
Olhei para o meu vestido vermelho de alcinhas e saltos bicolores, sentindo o peito aquecer ao me lembrar que já era a terceira vez que ele dizia aquilo.
- Obrigada, . – Já havia desistido de chama-lo de “Harry” há tempos. Entendi que não lhe causava o mesmo efeito que “Rose” tinha em mim.
Encontrei Agatha debruçada na mesa da cozinha, enfeitando um enorme bolo decorado com glacê azul e velas explosivas. Seu cabelo caía em cachos recém feitos ao redor do rosto perfeitamente maquiado. Eu estava prestes a deixá-la a sós com a sua obra prima quando percebi que o bolo estava decorado com uvas.
- Uvas? – Ergui as sobrancelhas.
- Ah, é você. – Agatha relaxou, claramente preocupada que eu fosse o Jeremy e estivesse chegando antes da hora. – Sim, uvas. – Explicou. – O Jer prefere uvas à morangos.
Fiz uma cara de nojo.
- Uvas no bolo?
- Relaxa. É de chocolate. – Ela me dispensou com as mãos.
- Agatha, você parece bem preocupada com essa festa – Puxei uma cadeira e me sentei. -, tem certeza que tá tudo bem?
A magricela se afastou do bolo e me olhou seriamente. Primeiro pareceu que ela estava prestes a me dar uma resposta automática, mas então sua expressão mudou, como se ela mesma estivesse pensando na razão de estar tão preocupada com aquela festa toda. Seu nariz se enrugou de uma maneira peculiar para o lado, e suas sobrancelhas se ergueram como se acabasse de se dar conta de algo. Seus ombros subiram e a respiração foi suspensa.
- Hm, ...– Ela falou com um olhar distante. - Eu acho que eu gosto do Jeremy.
Naquele momento, eu estava cheia de inveja de Agatha Hudgens. Ela não tinha nenhum problema em declarar em voz alta como se sentia, e eu jamais teria uma confiança dessas.
- Hã... Tem certeza? – Como alguém podia ter tanta certeza? Será que tinha tanta certeza assim de que gostava de mim?
- Absoluta. – Então Agatha sorriu, iluminando o cômodo com a sua luz de top model prestes a deslumbrar os paparazzi. – É por isso que eu ando tão estressada! – Ela falou como se agora fosse óbvio.
- E o que você vai fazer? – Eu a olhava embasbacada.
- Bom – A garota voltou a se concentrar no bolo, como se nada tivesse acontecido. -, eu não posso simplesmente contar a ele. Então, terei que seduzi-lo.
O meu queixo teria caído na mesa caso não tivesse um pote de chá na minha frente. Meus olhos se apertaram, e eu estava prestes a perguntar à Agatha de onde ela tirava tanta confiança, quando um afobado entrou na cozinha.
- O pessoal do Rotten Heart já chegou, e os caras do Bloddy Ol’Mule já vieram e foram embora. – Ele falou depressa.
- Nossa – Olhei impressionada. -, nunca vou entender por que esses chalés têm nomes tão estranhos...
- É parte da tradição da faculdade.
- Calem a boca. – Agatha declarou, subitamente afastando o bolo de si. – Isso quer dizer que já podemos chamar o Jer...
- Não, não podemos, lembra? – Disse . – É parte das regras. Alguém de outro chalé precisa chamá-lo, e ainda precisamos pagar essa pessoa para guardar segredo sobre a festa surpresa.
- Mas ele já sabe que é uma festa surpresa! Ele mesmo que pediu! – Franzi a testa. – Quem fez essas regras?
- Quem você acha? O Jer! – Agatha falou exaltada.
- Essa é a coisa mais estúpida que eu...
- Vou mandar alguém. Já vai pedindo para algumas garotas tirarem a camisa quando ele entrar... – declarou, e saiu da cozinha apressado para fora do chalé.
Agatha me olhou com um pedido silencioso.
- O quê? – Levantei furiosa. – Nada disso! É você que quer seduzi-lo, você que tire a camisa!
- Nem pensar! Esqueci de botar um sutiã decente. – Ela declarou exasperada, e logo depois formou um biquinho. – Ah, vamos, , é uma tradição.
- Nenhuma tradição é firmada em apenas um ano de faculdade. – Cruzei os braços. – E eu só estou aqui há dois meses!
- Esse é um problema no mundo de hoje em dia, não acha? – Agatha me olhou profundamente pela primeira vez. – Que as coisas sejam tão temporárias, que tudo acabe tão rápido e possa ser facilmente esquecido. – Ela se aproximou e tocou meus braços. – Vamos fazer tradições enquanto podemos, ! Vamos deixar a nossa marca!
Eu respirei profundamente e relaxei.
- Agatha, isso é muito legal, mas eu não vou tirar a minha blusa...
A magricela gargalhou, e seus olhos elétricos se encheram de lágrimas de tanto rir.
- Tudo bem, ruiva. Mas você vai beijar pelo menos um carinha essa noite.
Minha espinha congelou ao pensar em beijar um daqueles caras que agora habitavam a nossa sala de estar. Eles eram bonitos, é claro – devia ser uma espécie de herança californiana dos anos noventa. Mas nenhum tanquinho aliava o fato de que, no fim do dia, eles se reuniam em nome do álcool e das drogas e agiam feito macacos loucos.
- Para de fazer pirraça, to pedindo para você beijar e sair correndo. – Agatha se explicou a caminho da sala. – Se você deixa-los ficar ao redor, é como se envolver em arame farpado. E aposto que eles pensam o mesmo de nós.
- Caras californianos são bem diferentes. – Encolhi os ombros e deixei-a passar um cordão de ula ula sobre a minha cabeça. – Eles são...
- Estúpidos? Idiotas? Egocêntricos? Bem vinda à Califórnia! E é ainda mais raro achar garotas que não sejam assim, então dê graças aos céus por ter me conhecido. – Agatha botou o próprio colar e me empurrou para dentro da sala. – Agora, vamos fazer isso dá certo.
Havia tanta gente no Evil’s Doom naquele momento que era impossível dar dois passos sem esbarrar em alguém. A magricela foi me puxando através da multidão até estarmos de frente para a porta, prontas para a chegada do Jeremy.
- Quero ver a cara dele de surpresa. – Cruzei os braços satisfeita.
- Não mais do que eu. – havia chegado e estava parado atrás de nós, coordenando a galera atrás dele a assumirem suas posições. – O merda do calouro me tomou trinta dólares. Eu vou matar o Jer.
Sorri para ele e fiquei ao seu lado, ajudando-o a formar o pessoal da festa em um semicírculo para o aniversariante. Até notar que usava três cordões de ula ula, e eu só tinha um, e por uma estranha razão do universo, aquilo pareceu terrível no momento.
- Heeey! – Chamei sua atenção. – Por que eu só tenho um e você tem três? – Toquei minhas flores coloridas.
A expressão do geek estava congelada em um sorriso pelo o que estávamos fazendo, e o mesmo se alargou quando lhe perguntei sobre a diferença absurda.
- Não seja por isso, Rose. – Ele puxou os seus cordões de ula e passou a outra ponta sobre a minha cabeça, e agora estávamos presos em quatro ula ulas. – Viu? Agora você tem quatro cordões e um , ruiva. – O rapaz piscou.
Revirei os olhos e sorri, percebendo que Agatha me cutucava nas costelas. Nos viramos para entrada a tempo de ver um Jeremy sorridente escancarar a porta, usando um enorme lagarto neon cintilante no pescoço. Seus olhos se arregalaram quando gritamos “SURPRESA!” e um grande “UAU” saiu da sua boca, seguido por um “NÃO ACREDITO NISSO!”. Então ele levou as mãos ao rosto e deu uma alta gargalhada, como se fosse o melhor presente de todos.
Foi quando eu me dei conta de que alguém capaz de ter uma reação daquelas merecia cada esforço de uma festa surpresa.
- FELIZ ANIVERSÁRIO, EVIL JEREMY! – deu um abraço de urso no amigo, e quando vi já estava no abraço também, sendo puxada pelo ula.
- Obrigado, Evil , obrigado. – Jer passou as mãos nos olhos como se estivesse chorando. – Essa festa está digna de membros do Evil’s Doom.
- Só falta alguém tirar a roupa, não é? Eu tentei convencê-las, mas ninguém deu o braço a torcer. – O geek se justificou.
Agatha fez uma careta e entregou-lhes copos de ponche, sorrindo na minha direção quando novos caras se aproximaram para cumprimentar o Jer.
- Olá, bonitões! Chalé Trackin’ Mug, certo? Eu sou a Agatha, e essa aqui é a minha amiga , ela é novata. – Ela nos apresentou para um grupo de rapazes amigos do Jeremy, todos bem bronzeados e com sorrisos brilhantes.
- ? Nome esquisito. – Disse um deles, se aproximando com a testa franzida e um sorriso torto. O cara parecia um tremendo idiota, e bufou sobre o meu pescoço. – Mas o seu cabelo é legal. É dessa cor entre as pernas também?
Congelei no lugar, sem saber como reagir perante àquela pergunta. Agatha decidiu afastar o ser repulsivo antes que o geek preso no meu cordão tomasse qualquer providência. Ela se afastou puxando o cara e formando as palavras “me desculpa” com os lábios.
- Uou, , tá todo mundo caindo em cima de você. – Jeremy comentou, abrindo uma cerveja quando as pessoas finalmente pararam de cumprimentá-lo.
- É só porque ela é novata. – falou com irritação. – Tudo isso vai passar em breve.
- Deixa de ser ciumento, garotão. – Agatha retornou e revirou os olhos. – A tem o direito de conhecer o campus.
- Não tenho muita certeza se desejo conhecer ninguém depois desse cara.
- Tá vendo? – se virou para a magricela. – Ela não quer conhecer ninguém.
- Oi, !
Nós três nos viramos para a nova garota que se aproximou. Ela tinha cabelos curtos e loiros e brincos enormes de espaçonaves. Ela era bonita demais para ser real, e olhava para o geek como se quisesse transar com ele ali mesmo.
- Hey, Amber. O que tá achando da festa? – Percebi que a voz do havia se tornado aveludada de uma hora para a outra, como se a presença daquela garota o afetasse de alguma forma.
- Ah, você sabe. – Amber corou sob o escrutínio dele. – A festa do Evil’s Doom é sempre a melhor.
concordou satisfeito, e logo os dois estavam enredados em uma conversa interminável sobre os testes finais de história americana. Eu queria tirar os cordões do meu pescoço e me afastar deles o mais depressa possível, mas achei que o gesto seria rude e aborreceria ele.
- E quem é essa? – Os olhos verdes curiosos de Amber pousaram em mim.
Agatha me apresentou antes que Jeremy pudesse dizer qualquer coisa. Eu disse que era um prazer conhece-la, ou algo do gênero, mas descobri que não estava nem um pouco interessada em conversar com ela.
- Ah, nós estamos estreando o nosso novo Xbox lá no chalé. Você não quer vir? – Estava claro que Amber estava convidando apenas o , pois não olhou para ninguém além dele.
Antes que pudesse se sentir desconfortável por não saber o que dizer, eu tirei os seus cordões de ula do meu pescoço e o deixei livre para ir aonde quisesse.
- Vai lá, . – Dei-lhe uma piscadela, sentindo meu estômago se retorcer. – Pode deixar que controlamos as coisas por aqui.
Amber deu um sorriso radiante, e eu saí de perto deles antes que pudesse ouvir qual a resposta do seria. Era possível que eu tivesse toda aquela festa sob controle, mas não estava conseguindo controlar nenhum dos meus sentimentos no momento. A vontade de pular no pescoço da Amber naqueles poucos minutos de conversa foi tão grande que eu estava começando a duvidar da minha capacidade de viver em sociedade.
Eu até mesmo tentei engajar em uma ou outra conversa entre os nossos convidados (bem longe de e Amber, é claro) mas me senti deslocada com toda aquela gente falando sobre o campus; todos fofocavam sobre professores e estudantes que eu não conhecia. No fim das contas, sentei em um canto da cozinha e fiquei quebrando nozes. Quem sabe se eu me escondesse por tempo suficiente a festa não acabava mais rápido?
- Ah, desculpa. – Um cara falou. – Achei que não tivesse ninguém aqui.
Eu saltei do banco em surpresa e tentei esconder todas as minhas cascas de nozes com o corpo.
- Você precisa de alguma coisa? – Juntei todas elas depressa e envolvi numa sacola. – O ponche acabou?
- Não, não, só queria me afastar da multidão um pouco. Eu não conheço você, conheço? O cara se aproximou e contornou a mesa. Ele era alto e atlético, e claramente popular, como o Jer. Tinha um corte de cabelo militar, uma mandíbula proeminente, e uma camada brilhante de suor nos seus bíceps firmes. Resumindo, era um maravilhoso pedaço de mal caminho.
- Não, eu sou novata. – Ofereci minha mão para ele apertar. – .
- Ah, sim. – Ele apertou de leve. – O falou de você. Eu sou o Jack.
- De qual chalé você é? – Estranhei que ninguém tivesse o mencionado.
- Sou desse aqui. – Ele abriu os braços e me deu um enorme sorriso de dentes bem brancos. Por poucos segundos, era como se Jack fosse parte integral daquela cozinha.
Franzi a testa sem entender muito bem.
- Ninguém me falou...
- Eu me formei no semestre passado. – O rapaz esclareceu, puxando um banco para si mesmo. – Mas sabe como é, old habits die hard.
Eu assenti sem falar nada, voltando a me sentar no banco e percebendo que o Evil’s Doom já devia ter sido o lar de muita gente. Será que eu conseguiria achar o registro de todos os inquilinos antigos?
- Uau, vocês ainda guardam o alcaçuz no mesmo lugar. – Ele pegou a caixa de doces vermelhos no armário. – Então, , você não parece antissocial. O que tá fazendo escondida aqui?
- Não sei. – Encolhi os ombros e alisei o vestido vermelho. – Acho que vai levar algum tempo para eu me acostumar. – Acenei para a música lá fora.
- Você tem um sotaque legal do Arizona. O mencionou isso também. – Jack falou, e então me olhou intensamente como quem diz “você sabia que ele gosta de você?”.
- Ãh, sobre isso... – Senti minhas bochechas arderem.
- Não há nada o que dizer. – Ele deu de ombros e me jogou um alcaçuz. – Mas acho que se você não estivesse interessada já teria dito alguma coisa. Ou não? – Então Jack me olhou como quem tenta adivinhar que tipo de pessoa eu sou.
- O é muito legal, Jack, mas...
- Você já tem namorado? – Percebi que aquele era um cara bem mão na massa. – Porque se não for isso, você vai me dizer que tem uma espécie de problema, só para justificar o fato de que acha que ele é bom demais para você, o que não faz o menor sentido.
- Com todo o respeito, quem você acha que é, Jack...
- Campbell. Jack Campbell. – Ele pegou a minha mão e apertou de novo. – Prazer.
Dei um suspiro de raiva e puxei minha mão, de repente querendo estar em qualquer lugar que não fosse a cozinha.
- Eu acho que eu sou o cara mais legal que já morou nesse chalé, . – Seus olhos brilhavam. - Tipo, o cara mais legal mesmo, porque você sabe que o Jeremy Sanchez é um cara muito legal, mas eu sou mais. – Jack estufou o peito como quem usava uma medalha invisível.
Fiquei sentada ali, olhando para ele e achando engraçado como caras californianos são capazes de se divertir fazendo monólogos.
- Eu não quero machucar o .
- Eu sei. – Ele guardou os alcaçuzes no armário. – E hey, também sei como é ruim todo mundo ficar falando sobre essas coisas. Não acho que você precisa fazer nada, . Sério mesmo. O parece bem feliz só com a sua existência.
Jack sorriu, e eu senti o peito aquecer porque ele era um cara ridiculamente atraente, e nem devia estar me dando atenção numa festa.
- Mas isso não quer dizer que eu não tenha que fazer alguma coisa, não é? – Peguei novas nozes na gaveta. – Você não sabe como é desconfortável estar perto dele e não poder conversar sobre os livros que gostamos porque existe essa coisa pendente entre nós.
- Livros? Ah, meu saco. – Jack riu para si mesmo e abriu uma cerveja. – Olha no que eu fui me meter.

Mais tarde ele me mandou tomar um gole daquela cerveja texana, dizendo que era a pior cerveja que ele já tinha tomado, e que eu tinha que ver como era ruim porque ele não podia julgar o produto sozinho. Acontece que era realmente ruim, e eu cuspi a maior parte do gole na pia. Jack gargalhava sozinho na bancada, e eu ri também porque a situação foi bem ridícula.
- Cerveja mijo. – Ele repetia.
Então, o ex inquilino se aproximou e me beijou, sorrindo depois de ter sugado o meu lábio inferior e achando graça do meu cabelo vermelho que ele chamou de “Mechas Weasley”.
- Isso foi um beijo de tradição. – Jack beliscou o meu nariz. – Seja bem vinda, Evil .
- Ouch!
- Nós somos o estado dourado. Temos madeira vermelha para dar e vender, e drama a torto e a direito. Você vai perceber que a vida fica bem mais fácil depois de ter morado aqui. – Ele suspirou. - Evil, esse lugar vai te amar, e você vai amá-lo de volta.
Eu me apoiei na bancada com um sorriso sonhador, querendo dizer a ele que eu já amava.




Capítulo Quatro


Como a casa esvaziou depois da meia noite, obviamente eu achei que a festa já havia acabado. Doce engano. Os únicos que ainda perambulavam o Evil’s Doom, além dos moradores, eram o pessoal do chalé vizinho, Rotten Heart. As duas garotas, Emily e Luiza, eram tão legais que se ofereceram para me levar no shopping no sábado, depois que deixei escapar que aquele era o meu único vestido no momento.
Agatha gostava delas também, e logo as três estavam em um jogo intenso de Cards Against Humanity misturado com a última cachaça do armário do Jer. Quanto aos caras, Kevin e Benji não eram tão ruins. Eles passaram a maior parte da festa falando sobre as bundas das garotas, e sobre o final fantástico de Breaking Bad. Pareciam extremamente antissociais, e eu estava com um pouco de pena deles.
Minha pena evaporou quando eu saí do chalé e vi Kevin Reynalds jogando as calcinhas que o Jer colecionava no lago Helmet.
- Para quê tantas, cara? E o que diabos você faria com elas, de qualquer jeito? – Ele jogava as calcinhas, enquanto Benji Harrison e Jack Campbell seguravam Jeremy para que não avançasse para cima do cara.
- Hey! O que você pensa que tá fazendo? – Me aproximei do idiota de maneira desengonçada, tentando equilibrar os meus saltos sobre as pedras. – VOCÊ QUER MORRER?
- , O QUE HOUVE? – Agatha gritou de dentro do chalé.
- Me dá isso aqui! – Atirei meu braço na direção do Kevin para que ele me desse as calcinhas. – Aquele cara vai te matar, seu imbecil! – Apontei para o Jer.
Agatha saiu do chalé aos tropeços como eu havia feito a pouco, se apoiando em Jack assim que o mesmo deixou Jer para que segurasse.
- Relaxa, cara. Elas só molharam, nós vamos recuperar todas. – dizia para o amigo.
Jer, por sua vez, não parecia nada bem – uma coloração vermelha tomou conta do seu rosto, e algumas veias saltaram no pescoço. Kevin Reynalds estava a um de ser assassinado.
- O que é aquilo? São calcinhas? – Agatha tentava enxergar no escuro.
Tirei os meus saltos bicolores antes que alguém fizesse qualquer movimento. Minha raiva pelo Kevin ultrapassava qualquer tonalidade de vermelho do meu cabelo, e quando entrei no lago gelado para pegar as calcinhas, eu desejei que ele estivesse morto.
- Sua idiota, o que você tá fazendo? – O imbecil falou enquanto eu alcançava uma calcinha. – Hey, para! Você não devia...
Então ele pegou o meu braço com força e me puxou para fora da água. Eu caí com tudo nas pedras, mas extremamente contente por ter tirado todas as calcinhas da água e arrancado o resto das mãos daquele panaca. E foi aí que o Inferno chegou à Terra. se revoltou, largou o Jeremy, e os dois correram na direção do Kevin. Quando o primeiro soco foi dado, Agatha deu um gritinho histérico que trouxe Luiza e Emily para fora do chalé.
- PAREM! – Gritei quando os três avançaram a luta para dentro do lago. – Vocês vão se matar!
Entrei na água gelada e tentei alcançar o capuz do moletom do , mas foi em vão, ele estava tentando estrangular Kevin enquanto o rapaz dava uma chave de braço no Jer. De repente, Kevin conseguiu agarrar e empurrá-lo para baixo d’água.
- NÃO! Seus idiotas.
Tirei um Jeremy sem fôlego do meu caminho e pulei em cima do Kevin, envolvendo minhas mãos em seu pescoço e puxando-o para cima. Agatha e as outras garotas gritavam tão alto que em breve todo o campus estaria em nosso chalé. De novo.
- Sai de cima de mim! – Kevin gritou inutilmente.
tentou dizer algo, mas tudo soou incoerente porque ele estava embaixo d’água. Finquei minhas unhas no pescoço do idiota do Kevin e ele finalmente soltou o geek, me empurrando para longe com um grito de dor. Então Jeremy se ergueu e deu um soco certeiro no cara, fazendo o nosso vizinho sair correndo do lago segurando o próprio nariz.
- Você tá bem? – Esperei até que o recuperasse o fôlego.
- Não. – Ele fez uma careta, sacudindo a cabeça e tirando o excesso da água do cabelo. – Você sabe fazer respiração boca a boca?
- Você não precisa de uma. – Virei o rosto e sorri.
- Mas e se eu quiser uma? – Disse . Ele estava mais próximo agora, gotas de água caiam do seu cabelo para o meu ombro.
- Não seria respiração boca a boca, seria um beijo. – Puxei-o para fora do lago, achando graça dos seus sapatos italianos ensopados. – Você não devia sair pedindo coisas para a pessoa que acabou de salvar a sua vida.
- Tem razão. – Ele piscou, tirando os sapatos antes de entrar no chalé. – Eu é que deveria estar te beijando em agradecimento.
Aparentemente, Agatha Magricela estava ouvindo a nossa conversa, pois tentou abafar os risinhos um pouco tarde demais. Minhas bochechas estavam tão vermelhas que eu devia estar me fundindo no meu vestido.
- Aqui, camaradas. – Jack se aproximou de nós com uma enorme toalha. Ele estava andando um pouco estranho, e imaginei que fosse o efeito das cervejas com gosto de mijo.
- Sinto muito por isso. – apontou na direção do Kevin e se voltou para mim. – Você se machucou quando caiu? – Ele segurou a minha mão e tentou me examinar.
- Não, eu to bem. – Talvez terminasse com um roxo no bumbum, mas nada muito grave. Jack nos envolveu com a toalha enorme e saiu da sala, provavelmente para ir ao banheiro liberar toda aquela cerveja. Eu me senti agradecida, morrendo de vontade de poder sentar no sofá para dar uma descansada, mas sabendo que precisava de um banho quente.
- CADÊ A NOSSA EVIL ? – Jeremy anunciou a sua presença na hora de entrar no chalé. Ele estava com um enorme sorriso no rosto, mesmo depois de ter a metade da sua coleção de calcinhas jogada no lago Helmet. Seu lindo topete castanho estava todo bagunçado, e o cabelo apontava para todos os lados de um jeito sexy.
- Eu to aqui. – Falei timidamente.
- Eu sei, impossível te perder com esse seu cabelo. – Ele parecia bem satisfeito consigo mesmo. – Primeiramente – Jer entoou sua voz de discurso. -, eu quero parabeniza-la por se tornar oficialmente uma inquilina no Evil’s Doom.
- UAU, SÉRIO? – Agatha explicou, correndo até aonde estávamos.
- O quê? – franziu a testa confuso.
- Pessoalmente, eu queria ser aquele a fazer as honras, mas o Jack me falou que ele foi mais rápido e te deu o beijo da transformação. – Jeremy explicou.
- “O Beijo da Transformação”? – Eu gargalhei segurando a toalha. – Que dramático!
- Não zombe da nossa tradição, Evil . – Agatha assumiu um ar sério, para logo depois abrir um enorme sorriso sonhador. – Quem me dera ser iniciada pelo Jack, mas o Jeremy aqui acabou com tudo.
- Isso aí. – Ele falou orgulhoso. – Lasquei um beijo de quebrar barraca.
- Foi horrível.
- Duvido muito. Deve tá morrendo de vontade de repetir. – Jeremy riu maroto.
Agatha corou copiosamente.
Depois de um tempo todos nós relaxamos, e Luiza e Emily foram embora depois de terem nos ajudado com parte da bagunça. Jeremy deixou suas calcinhas batendo na secadora, e quando eu finalmente saí do banho quente, Agatha já estava adormecida na própria cama.
Desci as escadas para tomar um copo de leite e encontrei na cozinha.
- Hm, que cara é essa? – Perguntei.
O geek estava com uma expressão fechada enquanto terminava de guardar o restante dos copos de plástico. Seu semblante era tenso quando se virou para mim, mas eu estava distraída demais apreciando o visual “cabelo úmido” dele.
- Eu não gosto disso, Rose. – falou, fechando os armários da cozinha e se afastando de mim. – Não gosto nem um pouco.
- Do que você tá falando?
- De você? Com Jack Campbell? Isso não é legal. – Ele parecia bem chateado. Eu diria até mesmo puto. – Jack não tem uma boa reputação, não vai ser legal quando ele ferir os seus sentimentos.
- Eu não acredito que eu to ouvindo isso. – Arrumei o decote do meu roupão quando vi encarando os meus seios, e olhei para ele com raiva antes de falar: - você mesmo ouviu o Jeremy! Foi só o tal beijo da transformação, não tem nada entre a gente.
- Mesmo assim, você deve ter cuidado. – continuava com a expressão fechada, mas vi certo alívio em seus olhos quando ele se virou na minha direção. – E eu queria me desculpar de novo pelo o que aconteceu mais cedo, você ter tido que entrar no lago e tudo mais. Rose, eu não queria que a sua primeira festa fosse assim.
- Não se preocupa, . Eu me diverti. – Encolhi os ombros e sorri. Ainda estava um pouco machucada pela maneira como ele tinha falado comigo, como se eu fosse uma criança, mas eu teria a chance de me vingar uma hora ou outra. – Boa noite.
me desejou boa noite de volta. Percebi que apesar de ter dito que não havia nada entre Jack e eu, ele ainda estava chateado pelo beijo.



Capítulo Cinco


- AAAAAHHHHH!
Acordei subitamente, ouvindo o maldito grito da Agatha e desejando, por poucos momentos letárgicos de puro sono, que eu nunca tivesse nascido. Puxei as cobertas rapidamente para longe do corpo e abri a porta do quarto, dando de cara com um sem camisa. Me distraí por alguns segundos com o seu abdômen magro e os seus respectivos gominhos, até encontrar os seus olhos e perceber que ele olhava para as minhas pernas. Ugh, eu estava usando um pijama minúsculo.
- O que foi isso? – Estremeci.
- Acho que veio da cozinha. – A voz dele estava pastosa de sono.
Disparamos escada abaixo, ultrapassando um ao outro até chegarmos na cozinha, só para encontrar uma Agatha de camisola apoiada na pia. Ela não parava de chorar, e seu cabelo estava coberto de açúcar.
- Agatha!
- NÃO!
Tentei correr para ir ampará-la, mas meus pés deslizaram sobre uma montoeira de cacos de vidro, e quando me dei conta, havia deixado um rastro de sangue por tinha passado.
- Ai, , cuidado! – Agatha falou chorando. – Nossa, olha quanto sangue.
- Ai ai, Rose, deve ter aberto o pé. – se moveu com cuidado até aonde eu estava e me pegou no colo rapidamente. – Nada de andanças para você.
Eu olhei para o teto e me perguntei como era capaz de me meter em situações tão desconfortáveis e peculiares como aquela. O peito de era bem quente ao tato, mais do que eu havia imaginado. Ou talvez eu é que estivesse bem gelada por ter visto tanto sangue.
- Vamos dar uma olhada. – Ele me pousou no sofá.
- AGATHA, VOCÊ TÁ BEM? – Gritei bem alto, antes que pudesse pegar no meu pé e fazer tudo doer.
- Relaxa, o Jer tá cuidando dela. – O geek teve a audácia de rir dos meus esforços enquanto acariciava o meu calcanhar. Sim. Ele estava acariciando o meu calcanhar. – Você tem joelhos muito fofos, sabia?
Olhei para ele sem acreditar. O cara era um romântico incurável.
- Cuidado! – Exclamei quando ele tocou o meu pé.
- Não vai precisar de pontos, Rose. – cantarolou satisfeito. Seu cabelo escuro estava todo bagunçado de quem recém saiu da cama, e ele mordiscava os lábios toda a vez que eu me remexia sob o seu toque. – Mas não vai poder andar. Nunca, nunca mais. Eu vou ter que te carregar para sempre. – Ele brincou.
- Eu iria preferir a morte. – Falei entre dentes. Meu pé estava doendo.
- Ai, meu coração. – Ele se fingiu de ofendido e limpou o corte no meu pé, desviando quando eu joguei uma almofada certeira na sua cabeça. – Olha essa raiva toda, Rose.
- Tô feliz que você não esteja mais com raiva. – Dei de ombros e sorri para ele.
- Eu não sei do que você tá falando.
- É claro que sabe. – Revirei os olhos. – Você ficou três dias sem falar comigo porque o Jack me beijou, , e isso não faz o menor sentido.
- Eu não fiquei sem falar com você. – Ele grunhiu e abaixou a cabeça, cutucando o meu pé para ver se doía.
- Ouch! – Senti lágrimas se formarem enquanto o murmurava desculpas. – Se você acha que falar comigo é resmungar sobre o tempo, então há algo de muito errado com você, .
- Bom dia, Evil Geeks! – Jeremy entrou na sala carregando uma sacola de lixo. – A situação na cozinha já está sob controle. O pote de vidro de açúcar caiu do armário, e Agatha já está devidamente recuperada do susto. Nada que alguns beijinhos não resolvam. – Jeremy deu uma piscadela.
- O que nós iremos almoçar? – apoiou o queixo na minha perna.
- Lasanha de microondas. – Jer disse feliz. – Comprei umas seis, assim ninguém precisa cozinhar. O Jack vem aí daqui a pouco, e nem adianta fazer cara feia, , nós precisamos dele para o projeto de metalurgia.
grunhiu e acenou, olhando feio para mim quando eu sorri com a ideia de ter o Jack passando o dia conosco. Então ele simplesmente passou a mão na minha perna, de forma lenta e totalmente inapropriada, e deixou o Jeremy ali nos olhando de boca aberta.
- Supera, . – Joguei uma almofada na cara dele. – O Jack me iniciou, e eu acho que ele é um cara legal. Somos amigos agora. – Deixei a última frase bem clara. – Se você ficar de cara amarrada, eu vou começar a ficar também.
É claro que ele não me respondeu, e Jeremy segurou o riso, claramente achando a minha falta de autoridade uma enorme piada. Considerei atirar uma almofada nele também, mas o ladrão de calcinhas correu da sala com o rabo entre as pernas. Como era sábado, voltei para o quarto e me atirei na cama, puxando conversa com Agatha que tirara o dia para arrumar o guarda roupa.
- Ugh, você é tão sortuda! – A magricela comentou antes de se jogar na cama com um pacote de doritos. – Recebeu um beijo do Jack!
- Hey, você não devia estar comendo isso agora, é quase hora do almoço. – Tentei repreendê-la. – Falando em beijos... Ouvi dizer que alguém recebeu muitos hoje.
As bochechas de Agatha esquentaram no ato, e a garota até tentou disfarçar o desconforto ao virar-se para o lado e largar o pacote de salgadinhos, mas a emoção de fofocar entre amigas já estava no ar.
- Ok, tá legal, o que você quer que eu diga? – Ela soltou o fôlego. Seus olhos brilharam. – Sim, nós nos agarramos na cozinha, , muitas pessoas fazem isso.
- Tudo bem. – Ergui minhas mãos, explicando que me rendia. – Não está mais aqui quem falou.
Passamos alguns segundos em silêncio, até que Agatha voltou seus olhos elétricos na minha direção.
- Eu gostei. – Ela sorriu. – Muito.
Meu peito se encheu de alegria por ela, e nós trocamos risinhos femininos patéticos. Nem acreditava que um dia me sentiria tão confortável ao lado de Agatha, e de repente percebi que sentira falta de ter uma amizade entre meninas.
- Foi mágico, é claro. – Ela falou, apesar de haver algo por trás da sua voz. – Mas acho que ele gosta de outra garota.
- Sério? – Ergui as sobrancelhas, repensando sobre as reações de Jeremy naquela manhã. Ele realmente tratava o que tinha com Agatha como uma brincadeira, de maneira que eu não tinha como saber se gostava realmente dela ou não. – Que chato, magricela.
- Pois é. – Ela suspirou.
Até pensei em perguntar quem era essa outra garota, mas a campainha do chalé soou antes que pudesse dizer qualquer coisa.
- É sábado. – Franzi a testa.
- Aaaah, deve ser o Jack! – Agatha pulou da cama agitada. – Tenho certeza que ele vai te convidar para sair.
Senti meu rosto esquentar enquanto a doida da magricela procurava algo para vestir. Por que eu tinha que me envergonhar tão fácil?
- Hm, o Jack não faria isso, ele deixou bem claro que éramos amigos quando me beijou. – Pensando bem, eu não me lembrava dele ter deixado isso claro. – E além do mais, o está chateado por causa disso.
- Uau, se acalma! – Agatha me olhou sem acreditar. – Eu sei que ele vai te convidar porque deixou escapar numa conversa ontem a noite, e Jack só vai fazer isso para incomodar o .
- Ãh, por que?
- Porque incomodar o é divertido, ué. – Ela me deu uma piscadela.
- Não parece divertido. Eu não quero que ele fique chateado comigo.
- Ele nunca fica chateado com você. Quando o sobrancelhudo faz aquela cara feia, é porque está chateado com ele mesmo.
Cocei o meu braço, olhando para ela com descrença.
- Confia em mim! – Agatha continuou. – Aquele cara adora você, e vai fazer três meses que ele não pensa em outra coisa.
- Não é legal o Jack ficar zombando dele. – Fechei a cara.
- Isso é problema dos meninos. – Ela deu de ombros. – Na festa você se meteu em um desses problemas, e acabou saindo ensopada!
- Não podemos pensar que é problema só deles, Agatha! Essa linha entre garotos e garotas é completamente inexistente, sabe?
- Tudo bem, revolucionária! Mostre-me o caminho. – A magricela sabia ser dramática.
No fim das contas, nós descemos as escadas uma atrás da outra, com Agatha sempre sussurrando como o Jack era maravilhoso e excelente cozinheiro, com um brilho nos olhos muito parecido com aquele que ela usava ao falar sobre Jeremy.
- Ah, vocês estão aí. – falou entediado, segurando uma panela enorme cheia de panelinhas menores. – Achei que nunca mais fossem descer.
Agatha se afastou discretamente, provavelmente indo se atirar nos braços do Jack numa tentativa frustrada de fazer ciúmes do Jer. Já eu fiquei ali parada, olhando para o de boca aberta porque ele estava lindo (obviamente) e usando os cordões de ula do aniversário do cheirador de calcinhas.
- Hm, eu lembrei que você gostou deles. – O geek encolheu os ombros.
- Uhum.
Ofereci a ele um sorriso enorme, e o geek pestanejou ao carregar as panelas para a cozinha ao meu lado. Cada milímetro do meu corpo estava ciente da sua presença, e era como se subitamente fosse insuportável não poder tocá-lo. Estar naqueles dias logo depois de uma menstruação não estava ajudando em nada.
- Ah, aí está você, Weasley. – Jack falou com um enorme sorriso no rosto assim que entramos na cozinha. enrijeceu ao meu lado. – Como estão as coisas no Evil’s Doom?
- Paradas desde que você se foi, Jack. – Falei docemente.
- Contente em ouvir isso. O Jer comprou um monte dessas coisas congeladas, mas eu trouxe umas sobras lá do restaurante.
Fiquei maravilhada de termos comida de verdade para o almoço, e me sentei na mesa da cozinha ao lado da Agatha, que agora olhava para o Jack como se ele fosse um deus grego. Apesar de ter pouco espaço, se sentou ao meu lado, olhando para o cozinheiro com cara de poucos amigos. Quando coloquei meu braço sobre a mesa, nossos cotovelos se encontraram, e eu sorri pedindo desculpas, mas o geek pegou a minha mão dizendo que estava tudo bem.
Assim que Jeremy entrou na cozinha, um tanto decepcionado pelas suas lasanhas terem sido renegadas, o celular da Agatha tocou e a garota atendeu animada.
- Laura? – Sua voz soou estridente. – Uau! Que bom! Sim, nós temos muito o que conversar...
Então ela saiu da cozinha levando o telefone consigo, e, de uma maneira bem estranha, Jeremy saiu da cozinha também, mesmo tendo acabado de entrar. De repente só estávamos Jack, e eu no cômodo.
- E aí, – Jack colocou uma mega macarronada no meu prato. -, como se sente sendo uma Evil oficialmente? – Ele me ofereceu uma piscadela.
- Ah, eu nunca tive a chance de te agradecer por ter me iniciado. Mesmo sem saber na hora o que estava acontecendo.
Jack caiu na gargalhada, mostrando o seu sorriso lindo e contraindo os bíceps. O seu braço direito era todo tatuado, e quando ele falava dava para ver que tinha um piercing na língua. É claro que não gostou nada do que eu tinha falado.
- Acho que você devia ter falado da cerimônia antes, Jack. – Sua voz cortava como gelo, e a mão que estava perto da minha se fechou em punho. – Não é nem um pouco legal sair beijando as garotas dessa forma.
- Fica tranquilo, . – Jack não estava mais sorrindo, e havia um aviso de precaução em seus olhos. – A estava bem suscetível ao beijo. – Ele me olhou afetuosamente.
O punho de não relaxou.
- O que foi que eu perdi, evils? – Jeremy voltou para a cozinha com uma cara suspeita de quem andou aprontando. – Uau, Jack! Macarronada, cara!
Pelo resto do almoço, nem mesmo olhou para mim. Ele simplesmente encarava o seu prato vazio, se recusando a comer a comida que Jack havia trazido, com o maxilar trincado e o pensamento distante. Obviamente, eu não aguentei a tensão por muito tempo, e me retirei da mesa mais cedo. Não sabia o que pensar ou o que fazer para que relaxasse. Honestamente, toda aquela babaquice dele já estava me enchendo o saco.
Quando cheguei na sala a campainha tocou, e eu me perguntei quem poderia ser até abrir a porta e dar de cara com a Luiza, a loira que morava no chalé vizinho e veio nos visitar na festa surpresa outra noite.
- Ah, oi, ! – Ela me cumprimentou com um sorriso nervoso.
Luiza era bem bonita, daquelas que tem um corpo de dar inveja e um cabelo brilhante que fica sempre lindo independente da luz. Mas naquele dia ela parecia bem nervosa, como quem não tem certeza se deveria estar ali.
- O Jack está? – Ela perguntou.
- O Jack? – Fiquei surpresa, nem mesmo sabia que ela conhecia o Jack.
- Sim, o Jack. – Luiza confirmou.
- Ah, claro, ele está lá dentro almoçando, você quer...
- Não! – Ela me interrompeu. – Quer dizer, não precisa. Você pode só... Passar um recado para ele, talvez? – A garota deu um sorriso inseguro.
- Claro. – Retribuí o sorriso e dei de ombros.
- Pode dizer que eu aceito? – Luiza perguntou.
- Que você aceita? – Repeti, numa tentativa inútil de ter mais informação. Desde quando eu era tão fofoqueira?
- Sim. Que eu aceito. – Ela clareou a garganta. – Só isso.
- Pode deixar que eu falo sim.
- Muito obrigada! – Seus olhos brilharam, e de repente ela pareceu se lembrar de algo. – Ah, a Emily também pediu para eu perguntar se aquela saída para o shopping ainda está de pé?
Me lembrei do que havia combinado com elas, e sorri ao pensar em roupas novas.
- Sim! Vocês estão saindo agora?
- Daqui a uma hora. Nós viremos te buscar. – Luiza sorriu mais uma vez e se despediu, andando na direção do seu chalé.
Quando fechei a porta da entrada, pude ouvir alguém pigarreando na sala de estar, e me virei imediatamente a fim de julgar o ser humano com os olhos. Tinha que ser o . Ele estava sentado no encosto do sofá, me olhando com uma expressão inocente como quem diz “eu não sei por que você está tão transtornada”. De repente eu estava desejando que Kevin Reynalds tivesse afogado ele naquele maldito lago.
- Não olha assim para mim, seu idiota. – Bufei e cruzei os braços, atravessando a sala como se fosse alérgica a sua presença. – Você deve estar se achando o maioral ao agir assim perto do Jack.
encolheu os ombros e evitou o meu olhar, coçando aquela barba estúpida enquanto eu tremia ao evitar socar a sua cara.
- Você não está acostumada com a Califórnia, Rose. Pode muito bem...
- E você não tem o direito de se intrometer na minha vida, HARRY. Eu nunca te dei permissão, HARRY. E se você não parar de me chamar de Rose, eu vou enfiar a sua cara naquele lago e te afogar eu mesma. – Minhas mãos tremiam quando tomei fôlego. – Pouco me importa se esse é só um joguinho dos seus amigos com você, não vou ser parte dessa brincadeira estúpida.
O geek fez uma careta amarga, bagunçando o cabelo rebelde em um gesto nervoso.
- O único brincando aqui é o Jack, eu não faria algo assim. Ele só agiu dessa forma para me atingir. – Ele trincou o maxilar. – E claramente funcionou.
- Brincadeira ou não, o Jack tem me tratado muito melhor do que você ultimamente.
- Me desculpa por isso. – Suas feições se suavizaram. – Eu não pretendia ser rude.
- Bom, foi exatamente o que você foi, . Rude.
- Jack não tinha o direito...
- Que maldito direito ele precisa ter? Hun? Droga, eu queria ser beijada! Tenho tanto o direito de me divertir quanto você, . – Fechei os olhos numa tentativa falha de controlar os pensamentos. – E aposto que foi bem divertido ver o novo Xbox da Amber, não foi?
Levou algum tempo até ele entender do que eu estava falando, e quando finalmente entendeu, abriu a boca na tentativa de se explicar, mas grunhiu de frustração.
- Você pegou isso, né? – O geek retorceu os lábios em desgosto. – Muito esperta, Rose.
- Você não respondeu a minha pergunta. – Meu coração batia descompassado.
- Eu não fui ver a merda do Xbox! – Aquilo me assustou, porque diferente de Jeremy, não era muito de falar palavrões. – Eu não vou mais cair nos joguinhos da Amber, se é isso que você pensa.
Arregalei os olhos, pensando nos detalhes da conversa entre a loira e o geek na festa do Jer.
- Então, você gosta dela? – Havia algo entalado na minha garganta.
- O quê? É claro que não. – falou, e logo cobriu o rosto com as mãos. – Eu já gostei muito dela. A Amber é a minha ex namorada.
Calor se espalhou pelo meu rosto, só em pensar que os dois um dia foram muito mais do que próximos. É claro que passou pela minha cabeça que o já deveria ter tido várias namoradas, mas por alguma razão eu achei que Amber e ele nem se conheciam direito.
- Ah. Eu não sabia disso. – Não sabia nem para onde olhar.
- Nós namoramos no início do ano passado. De acordo com ela, a gente tinha uma “relação aberta” – Seus olhos estavam virados para o lago. –, eu não me dei conta do que isso significava até vê-la aos beijos com Jack Campbell no october fest.
Oh boy. Minhas entranhas se retorceram, e eu me culpei por nunca antes ter conversado com sobre os detalhes da sua vida. Eu sabia qual era o seu sabor de suco preferido, que ele tinha ganhado doze medalhas em competições de xadrez no Ensino Médio, e também sabia que ele odiava sopa, e que seus pais eram judeus, mas nunca tinha passado pela minha cabeça perguntar sobre suas ex namoradas (até porque eu imaginava ser uma conversa desconfortável, como estava sendo agora).
E minha culpa só aumentava por saber que Jack estava envolvido, e que eu pensei que ele visitara Amber no chalé dela.
- Sinto muito, . Eu não sabia que você não gostava do Jack. – Percebi que estava torcendo a barra da minha camisa com as mãos. – Também não sabia que a Amber era sua ex. Ela claramente ainda tem sentimentos por você.
- Rose, eu não odeio o Jack. Nós somos amigos, e eu não posso culpa-lo pela loucura da Amber. – Ele encolheu os ombros e mordeu o lábio antes de me olhar. – Eu só não queria que você se machucasse. – deu um sorriso sem humor. – Por um momento achei que você gostasse dele.
Eu soltei um suspiro e me sentei a sua frente, desviando os olhos dos seus a medida que a tensão na conversa relaxava.
- É claro que eu não gosto do Jack, pelo menos não dessa forma. Mas gostei de beijá-lo, gostei de ser aceita no chalé, dessa nova Agatha que agora é minha amiga, e dessa mania do Jer de fazer festas surpresas para ele mesmo. – Sorri ao me lembrar da outra noite, percebendo que já me sentia nostálgica. – O que eu não gostei foi de não conseguir falar com você direito, porque sempre fico envergonhada demais, ou você está sempre mal humorado.
Dessa vez eu não consegui encará-lo, e sentia o olhar de arder em meu rosto.
- Eu também queria falar mais. – Disse o geek, se aproximando de mim e tocando o meu joelho. – Mas fico sempre sem graça, por conta de... Por causa de outras coisas... Outras coisas que eu quero fazer com você.
O silêncio que se seguiu foi tão absoluto que foi possível ouvir os pássaros lá fora, além dos cochichos da Agatha no telefone, e o som das garfadas dos rapazes no macarrão. A mão de pousada em meu joelho esquentava minha pele, e era impossível respirar.
- , eu... Eu gosto muito de você. Não é nem perto do que eu...
- Espera!
me olhou assustado, provavelmente com medo que eu mudasse de ideia e saísse correndo dali.
- Você me chamou de ?! – Minha voz saiu estridente, e meu coração batia tão rápido que eu era capaz de senti-lo nas pernas.
Foi a primeira vez que ele me chamou pelo nome. Ele não disse Rose, ou Ruiva, ou Louca, ou sequer You. me chamou de “”, pronunciando de um jeito completamente charmoso, a ponto de parecer que ele estava chamando alguém realmente importante.
- . – repetiu e sorriu, mostrando suas covinhas natas e bagunçando o cabelo no seu gesto nervoso.
E foi a gota d’água para mim.
Peguei a sua mão que estava pousada em minha perna e o puxei para perto, envolvendo os braços ao redor do seu pescoço e colando o meu nariz com o seu.
- Escuta aqui, seu geek...
- Não, eu não vou quebrar o seu coração – Ele me interrompeu, como se já soubesse o que eu iria dizer, acariciando o meu nariz com o seu. – Não, não vou deixar você ir a lugar algum, e não importa o quanto eu ache que é um nome badass e extremamente sexy, você também sempre vai ser a minha Rose.
Confirmei, sentindo quando nossas respirações se misturaram.
- E nada de relações abertas. – Lancei-lhe um olhar severo.
- Pelo amor de Deus, , eu não suportaria te dividir com ninguém.
Grunhi satisfeita, e perdeu a paciência quando eu sentei no seu colo e encostei nossos lábios, estremecendo quando sua mão encontrou a minha nuca. Ele aprofundou o beijo e fundiu os nossos corpos, e quando me dei conta, já estava por baixo dele no sofá, enquanto o geek espalhava beijinhos pelo meu maxilar.
- Deliciosa, Rose. – Sua voz saiu abafada quando ele enterrou o rosto no meu cabelo.
Eu estava prestes a reclamar quando se ergueu e me beijou novamente, mordendo o meu lábio inferior e brincando com a minha língua na sua. Àquela altura eu já estava mergulhada em sensações que nem era capaz de nomear, e o calor era tão grande que se não me afastasse dele logo nós nos arrependeríamos do que viria a seguir.
- Hey! Esse é meu zíper!
- Diz a ruiva que está praticamente tirando a minha camisa. – avaliou.
Eu corei e afastei minhas mãos do seu peito, acariciando a sua nuca quente e caindo na gargalhada quando os óculos do geek se prenderam no meu cabelo.
- OPA! NADA DE SEXO NO MEU SOFÁ! – Jeremy surgiu do nada gritando conosco.
O cheirador de calcinhas olhou surpreso na nossa direção, como se não acreditasse que nos encontrássemos ali, grudados um no outro no sofá dele. Jer começou a gritar um monte de ultrajes, se fingindo de furioso enquanto humor tomava conta dos seus olhos.
- Isso aqui é o chalé Evil’s Doom, olha o respeito!
É claro que dali em diante tudo começou a entrar nos eixos. Percebi que tudo o que faltava era que eu tivesse um pouquinho mais de coragem para encarar as diversões que o chalé Evil’s Doom me proporcionava, assim como um pouquinho mais de confiança em mim mesma para acreditar ser parte dele.
Depois de muitas sessões de amassos e conversas melosas às escondidas, finalmente me convidou para um encontro oficial, mas de acordo com a lei duzentos e doze, artigo quinto: nenhum inquilino do chalé Evil’s Doom poderia ter relações com outro inquilino a menos que esse mesmo indivíduo beijasse todos os outros moradores do chalé. Não preciso nem dizer que beijar o Jack outra vez foi desconfortável (ainda mais com um de cara feia), e que beijar Jeremy Sanchez nos lábios foi a coisa mais inusitada e cômica que eu já fiz, mas nem de perto se comparou ao enorme beijo que eu dei em Agatha Hudgens depois de ter ganhado dois jogos de beer pong seguidos.
Depois disso, obviamente, e eu fomos felizes para fazermos o que bem entendêssemos, ou pelo menos até que alguém no chalé inventasse outra regra absurda. O importante, de acordo com o Jeremy, era que o tédio nunca reinasse, e que sua coleção de calcinhas permanecesse intacta.

Fim



Nota da autora: (02/01/2016) Hey, gurls! Essa foi Rose's Geek, espero que tenham gostado. Ela faz parte da série Evil's Doom, de 3 shortfics, cada uma com 5 capítulos. Eu fiz a shortfic da Rose de aniversário para a minha amiga Effie Guess, e comecei essa série em meados de outubro. Muito obrigada por lerem e adoraria saber a opinião de vocês <3 Beijooos

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