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Running Low






Parte I


Enquanto a via caminhar pelo longo corredor em direção ao altar, sobre um tapete claro que estava instalado nos fundos da casa dos meus pais, pude sentir meu coração mudar de ritmo e um sorriso se formou em meu rosto. Era a melhor sensação que eu já havia experimentado em toda minha vida. Naquele momento, eu tinha uma longa lista de adjetivos para ela. Ela era linda. E parecia ter sido feita para usar aquele vestido branco.
Eu me lembrava de todas as milhares de vezes que nós tínhamos brigado. Me lembrava de perder a razão e socar o capô do meu carro uma porção de vezes enquanto ela saía andando mais uma vez, me acusando de ser um completo lunático. Eu também podia enumerar as vezes em que fui atrás dela em todos os lugares possíveis para me desculpar. Nós não éramos um bom exemplo de casal para ninguém. Na verdade, ninguém entendia bem o porquê de estarmos juntos. E eu desconfiava que, às vezes, nem nós mesmos entendíamos.
Era difícil explicar tudo que se passou em minha mente desde a primeira vez que a vi. Ou a primeira vez que tive um sorriso dela só para mim. Naquele dia, eu me senti como que em completo regresso. Eu havia me tornado um personagem ridículo dos filmes adolescentes que eu costumava repudiar. Tudo nela parecia me atrair: o jeito como ela andava, o jeito como ela sorria, o jeito como ela me dispensava e até a paixão boba e platônica que ela nutria pelo Bruno Mars que costumava me tirar do sério. Algumas vezes, eu tinha vontade de procurar o desgraçado do Mars e jogar na cara dele que aquela garota era minha. Era uma pena que ela não achasse que me pertencia, mas sim a ele.
De qualquer forma, depois de vários nãos dela, estar com ela se tornou questão de honra. A conversa que rodava por aí era que quem a quisesse teria que pagar um preço muito alto. E foi por isso, que num dia ensolarado, em mais um dos grandes jogos que o time de brutamontes do colégio costumava protagonizar, eu decidi que faria uma performance de Uptown Funk que o próprio Bruno Mars aplaudiria de pé. Foram semanas e mais semanas ensaiando com os poucos amigos que resolveram pagar aquele mico comigo. Mas eu tinha que fazer algo digno, pois ela também era grande apreciadora de filmes dos anos 80 e achava que Patrick Verona era o homem ideal para qualquer mulher. Considerando que o Verona tinha passado por poucas e boas pela Kath, eu deveria fazer melhor do que ele!
E foi assim que, naquele dia ensolarado, eu consegui o primeiro sim da garota que agora caminhava em direção ao altar improvisado nos fundos da casa dos meus pais, com os nossos familiares espalhados pelo jardim e a observando de pé. Ela ainda tinha aquele jeito de andar que me fazia perder a noção e aquele sorriso que ainda parecia ser o primeiro que ela havia me dado.


Parte II


Eu costumava ser um namorado ciumento. Ela me parecia um pedaço do paraíso e eu realmente tinha problema com tudo e com todos. Qualquer um que se aproximasse dela me tirava do sério.
Era quase natal quando decidimos ir à festa de um cara babaca do colégio. Eu não havia achado que aquilo era uma boa ideia desde o princípio, mas ela insistiu para irmos. Nós nos desentendemos logo que a vi com um vestido preto que eu julguei como curto, justo e decotado demais, além daquele batom vermelho que fazia com que a boca dela parecesse bastante beijável.
Passado esse primeiro embate, onde eu, obviamente, havia me dado mal, chegamos à festa. Logo que entramos na casa que parecia pequena devido ao grande número de pessoas que estavam lá dentro, pude sentir o cheiro de suor se misturar a bebida e cigarro e fiz careta enquanto a garota ao meu lado deu o maior dos seus sorrisos. Uma das características marcantes da minha namora era ser simpatizante de bebidas alcoólicas típicas de outros países. Tequila, em especial. Acontece que álcool a deixava mais simpática que o normal.
Quando Blackbear, um cara meio babaca, meio alternativo, começou a tocar alto pelo alto falante instalado na sala, ela logo se colocou no meio da pista de dança, acompanhando o ritmo lento da música. A letra dizia algo sobre uma garota problema, que se parecia muito com a minha. Aquela história de miss independência caía bem para ela.
Eu me deliciava na vista privilegiada que minha namorada me proporcionava, mas acontece que não era só eu e aquilo parecia alimentar algum tipo de obsessão no meu ser que eu não conseguia controlar. Meus pés me levaram até ela e pedi que ela fosse comigo para outro lugar. É claro que ela não me deu ouvidos. Eu a puxei levemente pelo braço, e ela simplesmente se desvencilhou do meu toque, seguindo para o outro lado da pista com um sorriso largo no rosto. Respirei fundo.
– Podemos sair daqui? – sussurrei ao ouvido dela.
– Meu amor, – disse, mais alto que o normal. – Vamos nos divertir!
– Isso não é divertido! – exclamei.
– Você está sendo chato. – ela saiu, andando em direção à cozinha. Me limitei a segui-la.
Depois de colocar mais algumas doses de tequila para dentro, ela decidiu me provocar um pouco mais na maldita pista de dança. Larguei meu corpo em algum sofá perto de onde ela estava, observando minha namorada, já fora de si, rebolar por ai. Eu estava inquieto.
Respirei fundo novamente antes de ir até o lado de fora, peguei um cigarro velho no bolso da jaqueta que usava e dei uma boa tragada, como se aquilo, de alguma forma, pudesse trazer minha razão de volta.
Me distrai com o cigarro por alguns minutos e logo caminhei de volta para a sala.
Meu sangue pareceu aumentar a temperatura quando avistei minha namorado dançando com Robert, um moleque branquelo do time de futebol. Segui a passos duros até eles e segurei firme o braço de :
– Estamos indo embora! – berrei.
– Que porra você está fazendo? – ela praguejou.
– Isso sou eu quem pergunta. – disse, a puxando para o lado de fora da casa.
Ela desceu a escada que dava para o jardim da casa aos tropeços, enquanto reclamava sobre a cena ridícula que acabara de protagonizar. Ela pedia para que eu a soltasse, mas meu cérebro parecia se negar a fazer aquilo. Coloquei-a no carro e saí correndo para o lado do motorista. Arranquei com o carro indo para alguma direção que eu mesmo não sabia qual era.
– Qual o seu problema, ? – ela gritou.
– O meu problema? O meu problema é você agindo como uma idiota com aquele garoto pateta. O que você esperava? Que eu aplaudisse? Você estava me fazendo de idiota na frente de todo mundo, ! – gritei de volta.
– Te fazendo de idiota? Como se eu precisasse te fazer de idiota depois dessa!
Nós gritamos um com o outro por todo o caminho até algum ponto isolado da cidade. Eu saí do carro e ela saiu logo atrás, eu berrava sobre como ela havia sido uma filha da puta e ela dizia que eu era ridículo e estava ficando doente. Eu chutei a roda do carro e soquei o capô e ela me encarava num misto de perplexidade e ódio.
– Você precisa se tratar. – ela caminhou lentamente até o carro, apanhou suas sandálias de salto alto do lado do passageiro e saiu andando.
– Para onde você vai? – ela parou de andar, se virou devagar e mordeu o lábio inferior como que tentando se controlar.
– Não é mais da sua conta, . Acabou! Você está descontrolado e doente. Acabou. – ela continuou a caminhar e logo eu a perdi de vista.
Depois disso, ela nunca mais retornou minhas ligações. Eu não a encontrava em parte alguma.
Em algum momento, eu ouvi de alguém que ela havia se mudado. Era difícil continuar sem ela, mas chegou um momento em que eu não tinha mais opções. Eu a perdi e o mérito disso era meu. Era ridículo o fato deu ter afastado quem eu amava.

Parte III


Fazia um tempo desde que me mudara para Boston, deixado a cidade pequena onde costumava viver. Porém naquela data, um 4 de julho, eu estava fazendo o papel de filho pródigo. Eu passaria o feriado em casa com meus pais e a recepção era sempre calorosa, tanto para mim quanto para os meus irmãos, que também já não moravam ali.
Meu quarto ainda era o mesmo, assim como o cheiro da roupa de cama e o ar da cidade. Aquele lugar, no entanto, trazia a lembrança dela e aquilo costumava abrir uma ferida que, na verdade, não cicatrizara. Mais de uma dúzia de mulheres haviam passado pela minha vida e nenhuma delas tapara o buraco que uma mera adolescente havia deixado. havia feito um estrago maior do que eu poderia prever há alguns anos. Pensar naquilo me fazia querer visitar os mesmos lugares de antes, como se de alguma forma isso pudesse trazê-la de volta.
Depois de rodar por alguns daqueles lugares, parei em um bar local qualquer, que cheirava a cigarro e tinha pouca luz. O lugar era basicamente composto por um amontoado de madeira que poderia incendiar a qualquer momento devido ao grande número de letreiros que havia ali. Pedi uma dose de um whisky barato e passei mais tempo observando o copo do que me servindo do drink.
Eu me distraí ali por horas e estava prestes a ir para casa quando observei a silhueta feminina que brincava com os dardos a alguns metros de mim. Eu a observava jogar os dardos com precisão. Me parecia tão familiar, como todas as mulheres que eu encontrara em outros bares nos últimos 8 anos. Ri pelo nariz.
– Um duplo de whisky. – pedi para o bigodudo do outro lado do balcão.
Eu me afundei em uma porção de pensamentos sobre no balcão daquele bar. Eu devia estar ficando louco. Eu ainda podia sentir o cheiro dela por aí, eu ainda ouvia o som da voz dela nos meus sonhos de vez em quando. A verdade é que eu ainda precisava de tratamento, como ela me dissera anos antes.
– Eu achei que você tivesse uma política contra bebida alcoólica. – aquela voz soou pelos meus ouvidos e uma porção de dardos foi deixada em cima do balcão. Eu senti meu corpo gelar. – Oi pra você também! – ela disse com um sorriso quando se sentou ao meu lado. – Eu quero o mesmo que ele. – pediu ao bigodudo.
Ela sorriu de lado e mordeu o lábio inferior.
– É bom te ver .– me encarou. – Quer dizer, faz um tempo, não é? – ela riu pelo nariz.
– Faz um tempo. – concordei me endireitando no banco.
– Como você está? – perguntou.
– Bem. E você?
– Bem! – ela sorriu.
Depois de várias doses daquele whisky, eu estava relaxado com a situação. Nós ríamos das coisas que lembrávamos e fazíamos piadas da nossa própria desgraça. era advogada em Chicago, assim como o pai. Não que ela sentisse grande prazer naquilo, mas era o que fazia. Eu contei a ela sobre estar ocupado com a pequena editora que abrira com um amigo há alguns anos. Era bom estar ali, com ela. Onde, na verdade, eu sempre deveria ter estado.
– É melhor irmos. – ela disse.
– Sim. – eu ri.
– Então vamos! – ela jogou um punhado de notas amassadas no balcão e me puxou pela mão para o lado de fora do bar.
– Eu poderia ter pago. – eu disse.
– Você pode pagar na próxima.
– Então teremos uma próxima vez? – mordeu o lábio inferior e sorriu. Me puxou até seu carro e se sentou no capô, me dando um espaço para fazer o mesmo.
– Então...
– Então, o quê? – perguntei.
– Eu não sei. – riu sem motivo aparente. Sorri com aquilo.
– Eu senti sua falta.
– Eu também! – ela sorriu com animação. – Se eu quisesse te levar para um lugar, você iria? – seu sorriso aumentou.
– Sim. – respondi sem pensar.
– Então podemos ir! – ela desceu do capô em direção ao motorista enquanto eu corri para me acomodar do lado do passageiro.
Ela dirigiu por alguns minutos, até chegar ao mesmo lugar onde eu a vira pela última vez. Aquele era um lugar quase que amaldiçoado para mim. Mas lá estava eu. Respirei fundo.
– O que estamos fazendo aqui?
– Da última vez que estivemos aqui não foi legal. Eu queria arrumar as lembranças que nós temos desse lugar, quer dizer, eu gosto daqui. E eu queria me lembrar daqui de uma forma boa, com você.
Olhei para frente e era como se pudesse nos ver brigando de novo e ela indo embora. Senti minha respiração descompassando e apertei os olhos enquanto jogava a cabeça de encontro ao encosto do banco.
– Eu sinto muito. Por aquele dia. – eu disse, ainda de olhos fechados.
– Tudo bem. – pude sentir um sorriso na forma como ela falou.
Encarei-a por alguns segundos e ela continuou com aquele meu primeiro sorriso no rosto. Antes que eu pudesse pensar, os lábios dela já estavam sobre os meus, assim como seu corpo. Suas pernas estavam uma de cada lado do meu corpo. Era bom senti-la ali, comigo.
Haviam coisas entre nós que não precisavam ser verbalizadas. Eram coisas nossas e como tais eram quase imaculadas. Existia algo, como que uma energia, entre nós. Era inevitável que estivéssemos juntos. Nós nunca poderíamos dizer que não nos amávamos, porque a verdade era que sim, apesar de tudo, nós ainda nos amávamos. Tudo que eu sentia por ela era recíproco e aquilo ficou nítido naquela noite. Uma noite que se tornou nossa, num lugar que se tornou sinônimo de felicidade.


Parte IV


Música do capítulo

Bati à porta do pequeno escritório e pude ouvir a voz de me responder. Entrei com um sorriso e o dela aumentou assim que me viu.
– Sabia que ver a noiva antes do casamento dá azar?
– Eu sei. Mas minha maré de azar já passou, estou tranquilo. – respondi com um sorriso e ela riu. – Você está linda!
– Obrigada! – sorriu de lado.
– Estão todos te esperando. – informei.
– Eu sei. – ela se olhou no espelho grande que fora instalado ali apenas para aquela ocasião. O vestido branco que ela usava tinha alças finas e um corte reto e longo, com algumas pedras prateadas espalhadas da cintura para baixo. Os cabelos estavam presos numa trança longa e bem feita. Era a coisa mais linda que eu já vira em toda minha vida e me coloquei atrás dela de forma que visse meu reflexo no espelho.
– Você tem certeza? – perguntei a olhando pelo espelho.
Ela me olhou por alguns segundos e pude ver seus olhos marejarem. Ela se virou para mim com um sorriso pequeno e assentiu. Eu sorri em resposta e segurei suas mãos, cruzando nossos dedos.
– Eu sempre vou amar você. – sorri e ela assentiu.
Estávamos denovo falando sobre coisas que não precisavam ser verbalizadas. Eu sabia que era recíproco.
– Você está maravilhoso. – ela disse, ajeitando minha gravata. Uma lágrima desceu por seu rosto e molhou aquele seu primeiro sorriso.
Segurei suas mãos na gravata como que as afagando e depositei um longo beijo em sua testa. Eu sorri abertamente e ela me respondeu da mesma forma.
– Amo você. – ela sussurrou.
– Também amo você. – eu disse enquanto caminhava até a porta. Dei meia volta antes de sair. – É melhor se apressar. – sorri antes de sair.
Quando me coloquei no altar, eu estava quase que desesperado. Minha respiração falhava vez ou outra e vê-la a poucos metros daquele 'sim' me fazia tremer as pernas. Ela era, de longe, a mulher mais linda que eu já vira. Eu não poderia estar mais feliz. As coisas estavam certas, o mundo parecia girar no tempo exato para que conspirasse a nosso favor. Ela estava ali, com o maior sorriso que eu já vira, de braços dados com seu padrasto, um cara sensacional que chamávamos de Andy. Minha mãe suspirava ao meu lado. Minhas tias e minha avó, e todos os outros convidados, estavam embasbacados com a beleza da noiva. Assim como eu.
Desci um degrau quando ela finalmente chegou ao altar, sorri em sua direção. Andy cumprimentou meu irmão e entregou a enteada a ele com um sorriso. me entregou seu buquê, ela insistira que me queria como madrinha, nós rimos daquilo uma porção de vezes.
A verdade é que, na maior parte do tempo, eu não era o cara certo para ela. Aquela história de que o amor vence tudo nem sempre é verdade, nós éramos a prova viva daquilo. Havia um amor imenso entre nós, mas nós não éramos um para o outro. Tudo que ela queria e precisava, ela encontrou no meu irmão. John tinha aquele par de olhos verdes que, segundo , eram os mais doces que ela já vira. Sem me esquecer de um sorriso de lado que todos sempre comentaram e o mais importante, uma sanidade que eu nunca tivera. sempre fora meu ponto fraco e mais que isso, minha instabilidade. Eu era inteligente o suficiente para admitir que eu não poderia fazê-la feliz, mas John podia. Quando eles se conheceram, por acaso, numa exposição no centro de NY, John só comentava sobre a tal garota por quem se apaixonara em menos de um dia. Não demorou até que eles estivessem noivos.
Quando John me mostrou uma foto de em seu celular, minha reação não foi das melhores. Demorou até que eu estivesse pronto para aceitar aquela situação, mas ao final das contas, tudo estava certo. Nós estávamos bem, todos nós. E a partir daquele dia, seria, oficialmente, parte da família.



Fim.



Nota da autora: (28/11/2015) Oi de novo! Espero que vocês tenham gostado (muito, bastante, muito mais do que muito)! E que comentem bastante para me deixar feliz! Obrigada por ler! Qualquer coisa, estou no twitter: @biancagonzaga_.
Beijos,
Bia.




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