Serendipity é uma palavra em inglês que significa uma feliz descoberta ao acaso, ou a sorte de encontrar algo precioso onde não estávamos procurando. O termo serendipity foi criado no século XVI pelo escritor inglês Horace Walpole.
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O molho de chaves chacoalha em minhas mãos enquanto busco pela chave certa, de maneira receosa e um tanto lenta. Passo por ela uma, duas, três vezes, até me convencer de que meu cérebro condicionado para aguardar pelo caos não precisa mais guiar minhas ações, porque o mundo inteiro é diferente de como era ontem. Eu sou diferente do que era ontem, e ele também. Ignoro a ansiedade que desabrocha em meu peito e destranco a porta da frente, ouvindo o som da fechadura soar como um alarme de perigo, que me faz prender a respiração.
Não consigo decidir se o silêncio que encontro do lado de dentro é um conforto ou uma ameaça, e não sei se algum dia vou ser capaz de chegar em casa sem que isso me assuste. Como de costume, meus olhos atentos e treinados começam a fazer uma varredura completa pelo apartamento pequeno, em busca de algo que me faça descobrir se meus próximos passos serão guiados por meu desespero, ou serão dados em segurança.
Na mesinha de centro da sala, uma jarra de água repousa ao lado de um copo meio cheio, meio vazio - depende mais do humor de quem observa do que de um ponto de vista, aprendi.
No espaço ao lado, antes ocupado por uma variedade extensa de pequenos potinhos brancos com rótulos de difícil compreensão e nomes ainda mais complexos, agora repousam vários vasos brancos. Os medicamentos ansiolíticos e antidepressivos substituídos por espécies variadas de cactos, cujos espinhos se parecem tão nocivos quanto as pílulas de antes.
Mas acho que ele tenta ver isso de outra forma…. Como se os espinhos fossem um lembrete de que há algo que precisa ser protegido, cuidado.
Lembro do que ele me disse uma vez, quando chegou em casa com uma nova flor.
“Você sabe o que falam sobre os cactos? Que os espinhos servem para proteger a água que eles armazenam. Eles podem parecer perigosos, mas só estão tentando sobreviver. ”
Eu ainda me pergunto o que ele acredita que precisa proteger, e às vezes acho que estou próxima o bastante de descobrir a resposta, mas assim como um cacto, também há partes dele que não posso tocar, e que parecem protegidas por espinhos invisíveis. Mas eu sei que ele também só está tentando sobreviver, e isso é o suficiente.
As grades de ferro que antes repousavam nas janelas, em um aviso mudo de que não deve haver conforto algum no voo de um pássaro ferido, que não sabe como bater as asas, agora não existem mais. A paisagem quadriculada de antes, que se parecia com a visão vista de dentro de uma prisão, agora exala liberdade, e a ideia de que não é preciso voar para alcançá-la… E eu espero, o tempo todo, que ele também perceba isso.
O restante do apartamento também parece em ordem, e porta-retratos com fotos de momentos importantes ocupam espaços que antes pertenciam a cinzeiros lotados. Meus passos, então dados em segurança, me fazem seguir em direção ao quarto, e meu instinto me faz prender a respiração enquanto abro a porta, para encontrar uma cama vazia. Os lençóis brancos perfeitamente arrumados sobre a cama me dão uma sensação nostálgica, e não consigo evitar que uma série de lembranças de dias pertencentes a um passado remoto surjam em minha mente.
Eu me lembro do contraste de fios dourados de cabelo escondidos sob o edredom branco, e me lembro do relógio na parede me fazer pensar de que era cedo demais, ou talvez tarde demais para ainda se estar na cama. Os meios de tarde ensolarados pareciam implorar por uma dose, ainda que mínima, de atenção, mas naqueles dias aprendi que ele era um filho da lua. Eu lembro de me arrastar pelo colchão até ficar ao seu lado, e de pensar que nada disso fazia sentido. Não fazia sentido ele acreditar ser feito da escuridão, quando ele próprio era, na verdade, o sol. E sua luz reluzia sobre mim com a força de um meteoro rasgando a atmosfera terrestre e se desfazendo em pedaços para sobreviver ao impacto.
E era assim que era sobreviver ao lado dele.
Ter que suportar seus eclipses constantes, e aceitar seus pedaços. E precisar observar em silêncio enquanto ele precisava aprender a se aceitar e se amar, para que eu também pudesse amá-lo.
“Me deixa te amar, por favor.” Eu pedia baixinho, dia após dia, e ele me fitava sem entender, quase sem conseguir acreditar que um pedido desses pudesse ser feito a alguém como ele.
Quase sem acreditar que ele pudesse realmente ser amado por alguém.
“Por quê? ” Sua voz embargada perguntava, mas eu sei que ele sabia a resposta, mesmo naquela época.
Porque o universo se transformou para que a gente pudesse se encontrar. Porque nossa felicidade está destinada a acontecer, e porque eu tive a sorte de te encontrar sem saber que estava te procurando, e o acaso nunca foi tão pré-determinado.
“Porque nossos destinos se cruzaram, e eu sei que não tem como desfazer isso. Eu sei que eu não quero desfazer isso. ”
Um miado baixinho e infantil me faz voltar para o presente, e Calico se esfrega em minhas pernas, dançando entre elas e me desejando boas-vindas. Me abaixo para apanhá-lo em meus braços, mas ele foge de meu toque, correndo na direção da escadaria improvisada que leva até o terraço, e desaparecendo de minha vista. Resolvo seguir seus passos pequenos, na direção da escada de madeira antiga que leva a uma abertura no teto antes sempre bloqueada, trancada por um conjunto de chaves que agora não tem mais utilidade alguma.
Antes disso, porém, olho para a porta fechada do banheiro. O medo me paralisa, mas essa sensação não é novidade, e vencê-la parece se tornar mais fácil a cada dia. Meus passos tão curtos quanto os de Calico me fazem caminhar até a porta, e a hesitação que toma conta de mim enquanto giro a maçaneta fria também já é minha antiga conhecida. O peso da preocupação que pareço carregar sobre meus ombros finalmente cede quase que por completo.
Encontrar a banheira vazia é um alívio.
Volto então para minha direção anterior, assim que venço a distância entre os degraus e o terraço sou recepcionada por um pôr-do-sol que tinge o céu em tons de amarelo e laranja. Mas não é isso que rouba minha atenção, e também não são os raios ultravioletas os responsáveis por fazer com que uma onda de calor se alastre por minha pele, aquecendo todo meu interior e me fazendo sentir em casa. Assisto Calico correr na direção de seu dono, sentado próximo da linha tênue que separa o terraço da queda livre, e enrolado em uma coberta amarela. O som de meus passos é alto o suficiente para chamar a atenção de Jimin, que dá as costas para o sol e se volta para mim.
O sorriso que ele abre é como as cerejeiras desabrochando para dar boas-vindas à primavera, e seu olhar sereno se parece com uma brisa quente de verão que me acalma de forma tão natural, como se toda minha existência houvesse sido planejada para viver isso. Para sentir isso. Eu coloco fim na distância entre nós e me sento ao seu lado.
No segundo em que seus dedos se encaixam entre os meus, em um toque íntimo e tão rotineiro, mas que sempre se parece novo e diferente, tenho certeza de que o destino deve sentir inveja de nós.
“Achei que você não fosse chegar a tempo de ver o sol.” Ele diz, a voz calma e cheia de um equilíbrio que restaura todas minhas energias.
“Mas eu sempre vejo o sol, e a lua, e as estrelas…” Digo brincando, olhando dentro de seus olhos intensos e cheios de vida e luz. Sua resposta não vem na forma de palavras, e o que recebo em troco é uma visão de suas bochechas coradas e de sua boca desenhada buscando pela minha.
Desde a criação do universo…. Tudo parece determinado, porque eu amo ele, e sei que ele também me ama.
Nos perdemos nos braços um do outro e somos uma confusão ordenada de risos extensos e sorrisos compartilhados. Nossas pernas entrelaçadas e nossos corações batendo em sintonia continuam assim por todo o tempo, desde o segundo em que o sol se esconde e dá lugar a lua cheia. Os olhos de Jimin passeiam entre o céu acima de nós e o meu olhar, e sei que quando o toco, ainda há lugares em que consigo sentir seus espinhos... Mas há tanto, tanto mais a ser sentido.
Porque o mundo inteiro é diferente de como era ontem, e te amar como sempre não pode ser só uma coincidência.
Um oceano infinito de estrelas se estende a nossa frente, e Jimin não sabe disso, mas… a galáxia mais bonita que consigo enxergar, e que se parece muito mais com o meu lar, do que a própria via láctea, é aquela que se esconde por trás de suas íris estelares.
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