Sob os Flocos de Neve

Enviado em: 10/01/2021

Capítulo Único

Chanyeol estava voltando do trabalho. A cada quarteirão, observava as ruas cobertas de neve e luzes brilhantes que enfeitavam as casas e os parques. Andava com calma, afundando os pés, vez ou outra, na neve acumulada e se perguntando por que as pessoas não limpavam suas calçadas. Correu para atravessar a rua e esbarrou em alguém. Na pressa de chegar a tempo na loja, as pessoas corriam de lá para cá, tentando recuperar o tempo perdido, quando deveriam ter antecipadamente comprado os presentes.
Ignorou e seguiu seu caminho. Com as mãos no bolso, tentava aquecê-las. Esquecera as luvas e, como resultado, sentia os dedos gelados. Não entendia toda aquela correria. Oras, para ele, era apenas mais um dia comum. Por que as pessoas ficavam tão loucas com aquela data? Não entendia. Chanyeol só queria chegar em casa e descansar, era seu único desejo.
Parou despreocupadamente na faixa de pedestres, vendo que até o sinal estava com uma decoração natalina. Focou seus olhos do outro lado, esperando que o sinal abrisse e pudesse atravessar. Duas ruas depois era sua casa. Estava tão perto que já se sentia melhor.
Entretanto, definitivamente não esperava que uma moça de cabelos castanhos curtos, terrivelmente desastrada, fosse cruzar seu caminho. Chanyeol pareceu ver a cena em câmera lenta, e, contraditoriamente, seu coração batia tão acelerado que até doía no peito. O sinal estava prestes a fechar, a moça – que viera correndo de algum ponto que a visão do Park não alcançou – estava com várias sacolas na mão, provavelmente fazia parte dos que estavam correndo atrás dos presentes atrasados. Talvez sua visão a tenha pregado uma peça e ela achou ver o sinal mudar. No entanto, ainda estava laranja e, em sua pressa, pouco antes de chegar à calçada onde Chanyeol estava, seus saltos lhe fizeram escorregar na neve do acostamento. As sacolas "voaram" no ar e caíram longe. A moça se levantou do chão, e, quando parecia que o carro ia lhe acertar em cheio, os braços do moreno envolveram sua cintura e lhe puxaram para a segurança da calçada.
Caíram juntos, cada um com um murmúrio de dor devido à pancada, mas sãos e salvos.
— Você está bem?! — a jovem exclamou. Seu rosto estava pálido e ela tremia um pouco. Mas parecia mais preocupada com Chanyeol.
Ele demorou a responder, provavelmente um pouco tonto pela queda, mas assentiu.
— Sim, você se machucou?
Ela negou. Ambos levantaram com a ajuda de alguns pedestres que pararam ao ver a cena. Já de pé, olharam um para o outro.
— Muito obrigada por ter me salvado!
— Não foi nada, só tome mais cuidado.
Ela sorriu, suas bochechas finalmente ganhando um pouco de cor.
— O que posso fazer para retribuir? — indagou, mas, de repente, olhou para o chão e, logo em seguida, novamente para o Park, outra vez preocupada. — Quebrei alguma coisa sua? Oh meu Deus! Vou pagar!
Chanyeol a olhou sem entender, mas deu por falta da sacola que segurava e olhou para o chão, vendo-a amassada. Suspirou. Lá se ia seu jantar.
— Está tudo bem, era apenas meu jantar. — disse, sorrindo um pouco, para ver se a expressão de preocupada da moça desaparecia.
Ela levou as mãos à boca, com uma cara de espanto que até assustou Chanyeol.
— Estraguei o prato que você levaria para a ceia! — o moreno olhou em volta, meio constrangido. A moça gritava, falando mais sozinha que com ele. — Vamos, vou com você e explico o porquê de você estar sem seu prato.
— Ah, não. Não iria me juntar à ceia na casa de ninguém, só estava indo para casa. — esclareceu, dando de ombros.
A garota o olhou chocada. Parecia que ele havia dito que era um fantasma ou algo assim.
— Você não pode jantar sozinho! Vem, vamos até a minha casa!
— Ah, não é nece….
— Você irá jantar comigo e com a minha família. Não vai passar a véspera de Natal sozinho! — disse, decidida, agarrando o braço de Chanyeol e o fazendo dar a volta, indo para longe de sua casa.
Alguém havia recolhido as sacolas da jovem e lhe entregado assim que ela levantou, portanto seguiram sem interrupções. Ela andava animada, falava tanto que o Park não conseguia acompanhar, apenas escutava-a falar sem pausa e se perguntava como alguém tinha tanto fôlego.
Quando pararam em um pequeno restaurante, que estava fechado, a garota, que se chamava Dahae, abriu a porta do estabelecimento e puxou Chanyeol para dentro. O moreno sorriu constrangido para as cinco pessoas que já estavam lá. O lugar era estreito, com cinco mesas, cada uma com quatro banquinhos. Um balcão de madeira e uma porta, que provavelmente era a cozinha. Tudo bem simples. Mas, ainda assim, completamente decorado para a data tão especial.
— Quem é esse, querida? — a mãe da jovem perguntou, trazendo a filha para seu lado.
— Esse é o Park Chanyeol, ele salvou a minha vida!
Todos olharam espantados para a menina, procurando algum machucado nela e fazendo inúmeras perguntas. Após ela esclarecer o ocorrido, a família de Dahae agradeceu Chanyeol por tê-la salvado.
— Não foi nada de mais. — reafirmou, meio constrangido com tanta atenção.
— Já está quase tudo pronto. — a senhora disse, indo até o balcão e pegando um gorrinho para Chanyeol.
— Ah, não, eu não…
— Ficou uma graça! — Dahae falou quando a mãe pôs o gorrinho no Park.
Ele queria tirar, mas o grande e doce sorriso de Dahae e a possibilidade de acharem que ele estava sendo rude o fizeram apenas ignorar. Mas pela primeira coisa, é claro.
— Pode me ajudar, Chanyeol? — Ela se aproximou de uma das mesas, esta que estava repleta de vasilhas de plástico.
O moreno foi até ela, e Dahae, em uns cinco minutos, colocou, por cima da roupa mesmo, um vestido vermelho muito bonito. Era bem simples, mas bem feito e a deixava ainda mais bonita.
Depois de pegarem duas sacolas, que também tinham estampas natalinas, Chanyeol e Dahae seguiram para o lado de fora do estabelecimento.
— Vai ser rápido, não se preocupe. — ela disse, com um sorriso sincero e muito bonito.
Chanyeol a seguiu pela vizinhança mesmo, onde distribuíram as vasilhas que continham alimentos. Todo o bairro era bem humilde.
— Minha mãe me trazia com ela desde que eu fiz sete anos. Ela sempre ajudou as pessoas, e me deixa muito feliz poder fazer isso também.
Chanyeol não sabia em que momento foi, mas as entregas já estavam acabando e ele estava completamente perdido na beleza, na delicadeza, na animação e na simplicidade de Dahae, assim como em seu coração tão bom.
— É uma tradição nossa.
— É um gesto muito bonito. — disse, se referindo à entrega de alimentos.
— E você? Sua família tem alguma tradição assim?
Chanyeol ficou um tempo em silêncio. Na verdade, ele não tinha nenhuma tradição. Desde os quinze anos, já não comemorava as datas festivas como antes. Seus tios, com quem ele fora morar depois de uma tragédia, saíam para comemorar, mas sempre sem ele. Isso, junto ao fato de que não se sentia mais à vontade em festejar essas datas especiais, fez Chanyeol simplesmente passar anos sem comemorar o Natal.
— Feliz Natal, Dahae!
— Olá, senhor Kim, feliz Natal!
Park acordou dos devaneios ao ouvir um morador de rua cumprimentar Dahae com um grande sorriso. Ela retribuiu, e Chanyeol se viu encarando-a sem nem notar.
— Você está bem? — Dahae indagou. As lembranças não fizeram bem a Chanyeol.
— Eu estou bem.
Chanyeol era um péssimo mentiroso e Dahae percebeu isso. Ela parou em frente a ele. O moreno congelou no lugar.
— Quer conversar sobre nosso? Não parece que você está bem.
— Mas eu estou. — tentou disfarçar.
— Vem.
Dahae não acreditou e pegou na mão do grandão, puxando-o para um banco da praça com bastante neve ao redor. Uma árvore grande coberta com o manto branco fazia uma boa sombra no verão.
— Eu sei que nos conhecemos agora, e talvez você não confie em mim. Mas pode contar comigo se quiser desabafar. — ela disse, sincera, segurando a mão dele. Era um toque gentil e tímido. Chanyeol olhou para ela e sorriu.
— Obrigado, mas, por ora, prefiro não comentar nada.
Ela balançou a cabeça, respeitando a privacidade dele e assentindo.
— Tudo bem, vamos nos animar, então. Afinal, é Natal! A melhor época do ano! É tempo de sorrir, de se divertir e estar junto daqueles que amamos e dos nossos amigos!
— Você gosta mesmo do Natal, não é?
Os olhos de Dahae brilhavam quando ela falava, e não só por sair por aí distribuindo comida, os serviços comunitários, a felicidade sincera ao ajudar alguém, ou a alegria ao enfeitar a casa. O Natal sempre significou muito para ela. Era um momento verdadeiramente mágico, em que ela estava reunida da família e acreditando em milagres, quando coisas incríveis acontecem.
E, apesar da tristeza que Chanyeol sentia nessas ocasiões, depois de voltar todo o caminho com Dahae fazendo-o rir e até brincar com a neve depois de tanto tempo, de divertir numa ceia simples na casa dela e até mesmo cantar uma canção, Chanyeol sentiu seu coração se aquecer por todos os momentos naquela noite.
— Eu amo a neve! — Dahae gritou. As crianças com quem eles estavam brincando até agora já haviam ido, e os dois sentaram-se do lado de fora da casa, observando a pouca neve que caía e o céu, que estava realmente muito bonito, em especial aquela noite.
Chanyeol assentiu.
Sempre gostou também. Havia muitas memórias boas de quando brincava com seus pais construindo bonecos e fazendo guerras de bola de neve. Eram lembranças reconfortantes.
— Eu também, e fazia tempo que não me divertia tanto. Obrigado.
Dahae parou de mexer na neve sob seus pés e olhou para o moreno.
— Por que está me agradecendo?
— Ah — ele coçou a nunca, envergonhado, mas respirou fundo. —, é que você me mostrou hoje que eu ainda posso me divertir.
— É claro que você pode! Eu sei que deve ter acontecido algo no seu passado, mas não se prive de viver e ser feliz por causa de lembranças ruins. Infelizmente, momentos ruins acontecem às vezes, mas não podemos viver para sempre com essa tristeza nos impedindo de seguir em frente, de aproveitar nossa vida.
Ele assentiu. Sempre soube que seus pais não gostariam de vê-lo tão isolado e nem deixando de fazer as coisas que gostava por causa do que houve. Onde quer que eles estivessem, é claro que estavam olhando por ele. Ele nunca realmente esteve sozinho, como se sentiu por tantos anos.
— Você tem razão, não posso deixar isso me consumir.
— Você é uma pessoa incrível, Chanyeol. Só te conheço há algumas horas e já sei que você é alguém bondoso, cuidadoso e com um coração enorme, ainda que pareça tentar esconder isso.
Ele riu, percebendo que, de fato, era verdade. Passou a adolescência tão sozinho que se privou de externar suas emoções e até mesmo de tentar fazer amizades. Se isolando sem nem perceber.
— Quando eu era criança e estava no jardim com meus pais e começava a nevar, meu pai estendia a mão — Chanyeol fez o gesto, deixando alguns focos caírem em sua palma. — O primeiro floco que caísse ele fazia um pedido, ou agradecia por algo e o assoprava. — sorriu em pura nostalgia, sem nem perceber quando os olhos lacrimejaram. Quando se deu conta, tentou disfarçar rapidamente. — É meio bobo.
— Ei, claro que não é! — Dahae o repreendeu, estendendo a mão também. — Eu gostei disso. Vou aderir e agradecer todas as vezes que um floco pousar em mim.
O grandão olhou para ela, vendo-a tão linda com as bochechas avermelhadas e os olhos brilhando ao tentar pegar um floco.
— Eu agradeço por ter conhecido você. — soltou sem nem perceber, fazendo-a virar o rosto rapidamente e encará-lo, surpresa. Chanyeol não se envergonhou dessa vez, estava sendo completamente sincero. — Seria mais um ano sozinho e me sentindo mal, mesmo sem querer admitir. Estou feliz que passei hoje com vocês, obrigado.
Park com certeza não estava preparado para as lágrimas que deslizaram pelas bochechas da garota. Ela o encarava emocionada e sorriu, segurando a mão dele e fazendo um leve carinho com o polegar.
— Eu também estou feliz por ter conhecido você, parece até mágica!
— É um milagre. — Chanyeol falou, enxugando a bochecha dela com delicadeza. — Meu milagre foi você ter aparecido na minha vida essa noite.
Dahae jogou os braços para cima, passando-os pelo pescoço de Chanyeol, em um abraço apertado.
— Você também é o meu milagre!
Chanyeol retribuiu o abraço, e eles ficaram juntos até a neve começar a cair mais intensamente. Até o frio obrigá-los a adentrarem o pequeno restaurante e, mesmo assim, ficaram observando pela janela a noite lá fora, felizes com a presença um do outro, e não só por aquele Natal, mas por todos os que se seguiram depois daquele, por anos e anos mantendo seus corações conectados e aquecidos com tanto amor.


Fim



Nota da autora: Sem nota.



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