CAPÍTULOS: [Capítulo Único]





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Capítulo Único



Toda sexta-feira à noite eu podia ouvir a porta de se fechar com força seguido do barulho de coisas caindo, sendo logo substituídos por seus gemidos de prazer. Ela não levava nenhum deles para o seu quarto, do contrário não seria possível ouvir as coisas que eu ouvia. Eu sabia disso porque contava tudo para sua melhor amiga , minha irmã.
Fiquei sentado no sofá encarando a tela preta da televisão e pensando nas mãos daquele total desconhecido passando pelo corpo de . Fechei as mãos com força e comecei a respirar fundo. Enquanto ela fazia sexo com um desconhecido, eu ficava ali ouvindo tudo e morrendo de ódio.
Meu celular começou a vibrar na mesa de centro e respirei fundo antes de pegá-lo. O rosto sorridente de apertando minhas bochechas iluminava a tela e pensei em diversos motivos pelo qual ela estava me ligando aquela hora numa sexta-feira.
- O que foi? – falei entediado.
- Nossa, boa noite para você também, , como está? De mau humor como sempre?
- Fala logo o que foi, .
- Vamos sair. – ela falou empolgada.
- Você viu que horas são? – pude ouvir pessoas gritando atrás dela e o barulho alto de alguma música – Onde você está? Já passou da sua hora de dormir, sabia?
- Já tenho vinte anos, irmãozinho, acho que sei qual é a minha hora de dormir. – eu podia imaginar ela revirando os olhos ao falar aquilo – Qual é, , vamos sair, está uma noite linda.
soltou um gemido extremamente alto que qualquer pessoa do prédio seria capaz de ouvir.
- ?
- Oi.
- Para de ficar se punindo desse jeito, não é legal.
- Que jeito? – fingi não entender do que ela falava.
- A saiu daqui com um cara tem um tempinho, então não finja que não sabe do que eu estou falando.
- Tchau, .
Não me importei em desligar o telefone na cara dela. Em instantes ela ficaria tão bêbada que esqueceria completamente que ligou para mim.
Continuei encarando a televisão e ouvindo do outro lado. As coisas em seu apartamento duraram mais rápido do que as outras vezes, pois quinze minutos depois a porta se fechou e ela começou a gritar em seu apartamento. Liguei a televisão e cenas do novo Mad Max pularam na minha frente.
Fui para a cozinhar pegar uma cerveja e assim que abri a porta da geladeira, minha campainha começou a tocar. Respirei fundo e me arrastei até a porta. Eu ia matar se fosse ela ali àquela hora.
Destranquei a porta com o único fio de paciência que ainda restava e vi parada em minha porta com o cabelo bagunçado e vestindo apenas uma camiseta velha que deixava em evidencia o bico rijo de seus seios. Olhei atentamente para seu corpo e vi que aquela camiseta era minha.
- Aqui, idiota. – ela estalou os dedos na frente do meu rosto.
- Oi. – cocei a nuca.
- Você está com uma cara terrível, sabia? – ela falou rindo e passou por mim.
Assisti ela caminhar rebolando até a cozinha, uma parte de sua bunda aparecendo e mostrando sua calcinha de renda preta. abriu a geladeira e pegou uma cerveja, sentando-se no balcão logo em seguida. Parecia que nada tinha mudado, exceto que quase tudo tinha mudado.
- O que foi? – ela me encarou com um sorriso – Você está péssimo.
- Obrigado. – fechei a porta e respirei fundo antes de me aproximar dela.
- Por nada. – ela ergueu a garrafa de cerveja e virou praticamente tudo – Você devia sair, sabia?
- E por qual motivo você chegou a essa conclusão?
- , meu irmão pervertido está te ouvindo transar novamente. – ela disse imitando .
- Eu estava vendo filme. – apontei para a televisão.
- Mentiroso. – ela riu – Você tem que parar com isso, . – ela acariciou meu rosto e meu coração se acelerou. Eu odiava aquilo. Odiava que ela me tocasse como se estivesse tudo bem entre nós.
- Vai falar que você também não fica ouvindo o que eu faço aqui.
- Eu até te ouviria transando se você trouxesse alguém para cá... ou transasse. – ela riu.
- Você fala como se eu fosse um virgem de treze anos. – revirei os olhos.
- Ei, . – ela falou rindo por conta do meu gesto – Você está prestes a se tornar um se continuar com isso.
- Isso o quê?
- Essa punição estúpida. – ela virou o restante de sua cerveja – Já faz o que? Nove meses?
- Seis. – corrigi – Eu não estou... pronto.
- , você é homem, lembra? São os homens que saem transando por aí para esquecer um relacionamento, não as mulheres. A gente chora com as amigas, se entope de comida e depois sai transando. Você está na fase da comida tem seis meses e está sozinho.
- Eu não quero ficar falando sobre isso com ninguém, simples.
- Mas as vezes é bom. – ela deu de ombros – Eu falo com a quando me dá vontade.
- E ela conta tudo para mim, você sabe, né?
- Sim. – ela riu – E você devia conversar com ela...
- Para ela ir correndo te contar? É bem capaz dela te ligar enquanto fala comigo só para você saber tudo em tempo real.
- Ela não ligaria. – cutucou minha barriga desnuda com o pé. Senti um arrepio na espinha com o toque de sua pele gelada contra a minha – Ela provavelmente enviaria mensagem.
- Engraçadinha. – afastei seu pé.
- A gente pode conversar... se você quiser. – ela mordeu o lábio.
- Não, obrigado. – respirei fundo – Se você quiser mais cervejas pode pegar. Eu vou dormir.
- Deixa de ser um pé no saco, . – ela resmungou – Eu quero te ajudar. – ela pulou do balcão e segurou minha mão.
- Eu não preciso de ajuda. – me afastei dela.
- Caralho, você é impossível, sabia? – ela disse brava.
- Eu? – gritei – Você quem apareceu na minha porta. minutos depois de transar com outro cara, . Eu não quero e não preciso de ajuda, ok?
- , você não pode ficar assim para sempre, sabia? – ela me empurrou contra a geladeira – Você mudou completamente. Se afastou de todo mundo, não sai mais, fica trancado dentro de casa sempre que possível.
- Eu saio para trabalhar.
- Sai para trabalhar e é um filho da puta com todo mundo. Você desconta suas frustrações em todo mundo. Desconta em mim, , não nos outros.
- Você deveria estar bem foda-se para mim e não se preocupando com o meu bem-estar. – respirei fundo.
- , eu te amo, é por isso que me preocupo. – ela acariciou meu rosto – Você tem que voltar a ser quem era antes.
- E se eu não quiser? Eu gosto da minha vida agora.
- Que vida? – ela colocou as mãos na cintura e me encarou – Isso não é vida. Você só está existindo, não vivendo.
- O que a foi falar dessa vez? – revirei os olhos.
- Eu moro do seu lado. Trabalho junto com você, ou seja, minha rotina é quase a mesma que a sua, exceto que eu saio de casa para algo além de trabalhar.
- Eu vou tentar sair mais, ok?
- E você também tem que parar de ser um babaca com as pessoas que tentam ser legais com você. – ela sorriu vitoriosa.
- Ok. – respirei fundo.
- E conhecer garotas novas. – ela alargou o sorriso.
- Você já está pedindo demais. – suspirei – Quem era... o cara que estava ai com você? – eu simplesmente não conseguia manter minha boca fechada em momentos como esse. Era como se eu sempre sentisse a necessidade de dar um nome para quem estava ali tomando meu lugar.
- Você não conhece. – ela deu de ombros.
abriu a geladeira e se abaixou de um jeito muito sexual para procurar algo na parte debaixo. Será que ela sabia que aquela posição era extremamente provocativa para mim? Sua bunda no ar, a calcinha cavada... meu pênis coçando e quase ereto. Ela se levantou e abriu um pote de salada de frutas comprada pronta.
- Você costumava ser menos preguiçoso. – ela apontou para a geladeira cheia de coisas (quase) prontas.
- É. – peguei uma colher na gaveta do balcão e lhe entreguei.
- Sabe uma coisa que sinto muita vontade de comer? – ela me olhou com os olhos brilhando – Seu macarrão com queijo e bacon.
- Sério? – falei rindo.
- Uma risada. – ela gargalhou – Fazia tempo que você não ria. – ela encheu a boca com as frutas e me olhou – Sim, estou com muita vontade.
- Eu posso fazer para você algum dia.
- Vou amar. – ela sorriu – Desde que terminamos minha dieta é basicamente comida congelada e suco industrializado. Perdi totalmente o paladar refinado que você me ajudou a criar. – ela riu – Você me mataria se visse minha dispensa.
- Não acho que esteja tão horrível assim. – sorri de lado.
- Sempre que vou comprar algo eu penso “será que o me mataria por comprar isso? ” e se a resposta for sim, eu compro. – ela riu.
- Você precisa seriamente mudar seus hábitos alimentares, . – peguei a colher de sua mão e coloquei algumas frutas na boca.
- E pensar que a gente raramente comprava coisas industrializadas.
- Você provavelmente esqueceu como se cozinha levando em conta que quem sempre cozinhava era eu.
- Amor, estou muito cansada, você pode fazer a janta hoje? – ela colocou a mão no peito e falou rindo. Era exatamente isso que ela dizia todas as noites para mim.
- , eu vou sair um pouquinho, você pode terminar o almoço para mim? – imitei-a – Você só deixava as coisas em cima do balcão. – sorri com a lembrança – Alguma dessas vezes você chegou a pelo menos sair do prédio?
- Teve uma vez que fui até o outro lado da rua porque achei que você tinha descoberto minha mentira. – ela riu.
- Eu sempre soube. – encolhi os ombros – Nunca falei nada porque era engraçado você achar que eu acreditava nas suas desculpas.
- Eu devia ter ficado por perto enquanto você cozinhava. – ela riu – Não sei nem mais como fritar um hambúrguer.
- Acho que acabei te mimando demais. – sorri de lado.
- Sim. – ela suspirou – Meu Deus, eu sinto tanta falta da sua comida. – ela deitou a cabeça no balcão – Esses dias eu sonhei que você aparecia na minha porta com um crème brûlée.
- Se você tivesse prestado atenção nas vezes que eu fiz.
- Eu prestava atenção em você e não nas coisas. – ela riu – É melhor eu ir, você provavelmente quer que eu vá embora logo pra poder começar a socar a parede. – ela caminhou devagar até a porta – Só não brigue com a parede que dá pro meu apartamento, ok? – ela sorriu triste.
Não tinha nada que eu pudesse falar sobre aquilo, pois era verdade. Tinha dias que eu estava completamente farto de tudo e ficava socando as paredes de raiva.
abriu a porta e saiu sem nem olhar para mim. Talvez ela se sentia culpada por isso, mas não tinha um porque quando o verdadeiro culpado era eu. Respirei fundo e senti o seu cheiro no ar que provavelmente ficaria ali por alguns dias igual da última vez que ela entrou no meu apartamento.
O pote de salada de frutas ainda estava pela metade, mas o joguei na pia com raiva, espalhando pelos cantos. Respirei fundo algumas vezes tentando parar de pensar nela.
Cerrei os punhos e caminhei pesadamente para o quarto e me joguei na cama. Enfiei a cabeça embaixo de vários travesseiros e gritei até não aguentar mais. Minha garganta queimava e doía, a cabeça rodava e o peito subia e descia com força.

Acordei com o barulho de tiros na televisão que esqueci ligada na noite passada e com uma dor de cabeça terrível.
Pensei minuciosamente no que eu faria em um sábado de manhã e minha resposta de sempre seria “nada”, mas apesar da dor de cabeça e a garganta dolorida, eu parecia bastante disposto a fazer algo.
Tomei um banho rápido e arrumei a bagunça da cozinha. Limpei a casa e quando olhei no relógio vi que eram dez e meia. Sai correndo e fui para o mercado de agricultores que tinha no bairro todos os fins de semana. Fazia seis meses que eu não ia até lá e algumas das pessoas das quais eu costumava ser cliente assíduo me olharam surpresas e felizes.
- Oi, , quanto tempo. – Rose, uma senhora de uns oitenta anos me cumprimentou – O que vai ser hoje?
- O de sempre. – sorri. Eu esperava que ela se lembrasse do que eu sempre comprava, porque minha mente tinha apagado isso.
Ela entregou-me uma sacola com alguns legumes e lhe entreguei o dinheiro. Eu não lembrava nada do que eu comprava porque ultimamente eu simplesmente pegava o que fosse orgânico e já cortado nas geladeiras do mercado. Passei por outras barracas e peguei algumas outras coisas.
Caminhei até o açougue que eu costumava comprar antes de me render para carnes a vácuo e fatiadas. Minha alimentação estava mesmo uma bosta, mas a de parecia estar pior.
Escolhi minuciosamente os pedaços de carne e uma peça grande de bacon com bastante carne, exatamente do jeito que e eu gostávamos.
Cheguei em casa por volta do meio dia e me surpreendi por ter demorado tanto em algo que parecia ter sido rápido. Procurei por uma caixa de macarrão no armário e não encontrei nenhuma.
Eu não queria sair de casa novamente, mesmo sabendo que o mercado era no quarteirão ao lado. Respirei fundo até criar coragem de bater na porta de , sendo recebido com uma cara mal-humorada.
- O quê? – ela falou com os olhos fechados – Você sabe que horas são? São tipo... – ela olhou para o braço – Sete da manhã.
- Primeiro que você não está usando relógio e segundo que já é mais de meio dia. – passei por ela e caminhei em direção a cozinha.
- Caramba. – ela bocejou – Dormi demais. – ela deu uma risadinha – O que você quer? Eu não tenho açúcar, nessa casa só entra adoçante.
- Sério? – apontei para um pote de açúcar que estava em cima do balcão.
- Isso é crack. – ela riu.
- Você tem macarrão?
- Oi?
- Eu não tenho mais macarrão em casa e não quero ir comprar, achei que você tivesse já que entra na lista de coisas industrializadas. – abri o armário onde ela guardava comidas.
- Você não costumava fazer seu próprio macarrão? – ela coçou os olhos.
- Já não faço mais isso tem uns seis meses. – falei envergonhado. Eu estava com vergonha em admitir o que todo mundo dizia: eu tinha parado minha vida por causa de .
- Eu tenho aquele macarrão gourmet, serve? – ela abriu os olhos e ficou olhando para os lados.
- Sim.
Ela se agachou e abriu a porta do balcão, tirando de lá uma caixinha de macarrão que eu deveria pegar, mas não conseguia. Meus olhos não saiam do corpo de . Ela empurrou a caixinha contra o meu peito e revirou os olhos.
- Obrigado.
- Não precisa devolver. – ela bocejou – Nem sei porque tenho isso se só sei fazer macarrão instantâneo.
- Você vai fazer algo hoje? Tipo daqui uma hora mais ou menos? – cocei a nuca e ela me olhou desconfiada.
- Não, por quê?
Apenas ergui a caixinha de macarrão e vi sua expressão ir de mau humor para extrema felicidade.
- Tenho que usar alguma roupa especial? – ela colocou uma mão na cintura.
- Algo que tape a sua bunda, por favor. – falei rindo.
apareceu pontualmente na minha casa exatamente uma hora depois e a comida nem estava pronta. Ela ficou sentada no sofá fuçando nos canais de televisão enquanto continuei na cozinha preparando as coisas.
- O que você está aprontando? – ela falou atrás de mim tentando inutilmente ver pelo meu ombro. Eu era uns vinte centímetros mais alto, mas ela nunca entenderia.
- Crème brûlée. – levantei o potinho.
- Não. – ela colocou a mão na boca – , não.
- Quê? – olhei para ela.
Ela me abraçou com força e senti meu corpo todo se arrepiar. Coloquei meus braços ao redor dela e acariciei seus cabelos.
- Você é o melhor namorado do mundo, sabia? – ela falou rindo, mas parou repentinamente – Ah... foi mal. – ela se afastou.
- Quer fazer? – apontei para o maçarico tentando mudar de assunto.
- Sim. – ela falou empolgada.
Meu relacionamento com sempre foi extremamente diferente. costumava dizer que eu era a mulher da relação enquanto era que mandava em tudo. Segundo ela, quando um casal brigava, a mulher era quem insistia em continuar na discussão enquanto o homem só queria que ela calasse a boca, mas com a gente era totalmente o contrário. Uma discussão rápida era o suficiente para , mas uma briga de mais de dez minutos era o fim do mundo. Eu era quem perpetuava no assunto e só parava quando achava que estava resolvido. Ela esquecia tudo rapidamente, enquanto eu conseguia ficar magoado com ela por dias.
Ela ia logo esquecer que tinha dito aquilo, mas eu ainda conseguia lembra do “eu te amo” que ela disse noite passada.
- Está certo? – ela perguntou enquanto fazia a casquinha do creme.
- Sim. – sorri.
- Prontinho. – ela falou vitoriosa – Ficou lindo. – ela passou a ponta do dedo na casquinha – Eu sou a melhor nisso.
- Menos, bem menos, . – entreguei-lhe outro potinho.
- Chato. – ela pegou da minha mão e ligou o maçarico.
Deixei que ela se divertisse com o creme e comecei a arrumar o balcão com os pratos e talheres. Enquanto ela colocava a comida na mesa, fui preparando um suco natural de laranja cheio de pedaços do jeito que ela gostava.
- Será que ainda continua do jeito que eu gosto? – ela disse enquanto enrolava o macarrão no garfo – Eu acho que não.
- Você não vai ter coragem de falar que está ruim. – falei com a boca cheia.
- Você sabe que eu vou. – ela riu.
Ela teria coragem de falar. Eu amava seu jeito “desbocado” como minha mãe costumava dizer sempre para ela. não se importava em falar o que estava pensando, tanto que em uma das vezes que fomos a um restaurante, ela pediu que chamassem o chef apenas para que ela pudesse dizer a ele que a comida estava horrível.
- Está maravilhoso. – ela disse rindo – Parece melhor que das outras vezes. O que você colocou?
- Nada diferente. – dei de ombros.
- Você nunca fala o que coloca nas coisas. – ela resmungou.
- Se você prestasse atenção.
- Eu cheguei aqui e já estava quase tudo pronto. – ela fez bico.
Eu não conseguia prestar muita atenção no que eu estava fazendo. Meus olhos estavam pregados em e em cada movimento seu. Estávamos conversando naturalmente como se nada tivesse acontecido entre nós, nenhuma briga, nada. Parecia tudo exatamente igual, exceto que não estava. Ela agora morava no apartamento ao lado, comia comida industrializada e transava com caras diferentes.
O celular dela começou a tocar e ela deu uma risadinha quando viu quem era.
- Oi. – ela falou enquanto apertava algo no celular.
- , tem como você dar um murro na porta do meu irmão e falar para ele atender o celular? – disse irritada.
- O que você quer? – falei entediado.
- Será que vai ter alguma vez que você não esteja de mau humor comigo?
- Ele está em um ótimo dia, . – me olhou com os olhos brilhantes.
- Calma, por que vocês estão perto um do outro? Quem está na casa de quem?
- Eu. – riu – está com um humor maravilhoso, até cozinhou para mim.
- O quê? – gritou – Vocês voltaram?
- Não. – falei meio magoado – O que você quer? Estou ocupado.
- Só queria te dar bom dia, irmãozinho. – ela riu.
- Tchau, .
- , eu quero saber tudo depois. – disse antes de eu pegar o celular da mão de e desligar.
- Como você a aguenta?
- Qual é, , ela é sua irmã. – ela gargalhou.
- Ela é minha irmã e eu a amo, mas não vou negar que quero matá-la desde que aprendeu a falar.
- se preocupa bastante com você, sabia?
- Eu sei. – revirei os olhos – Quando você se mudou ela me ligava a cada três horas para saber se eu estava vivo.
- O quê? – ela riu – Eu estava no apartamento ao lado.
- Para mim parecia que você estava a quilômetros de distância. – cutuquei minha comida.
- Ela é meio dramática as vezes. – ela bagunçou meu cabelo – Você precisa cortar isso.
- É. – assenti envergonhado.
Não queria falar para ela que sempre que precisava de um corte de cabelo eu mesmo cortava e de um jeito bem ruim. Ela sempre fez isso por mim desde que começamos a namorar e eu não conseguia mais deixar que outra pessoa o cortasse para mim.
- Posso cortar para você. – ela sorriu.
Eu me sentia um idiota por ter me tornado dependente dela em coisas tão simples. Depois que ela foi embora tive que me virar para decorar o tamanho de roupas que usava ou simplesmente aprender a cortar meu próprio cabelo.
Ela morava do meu lado e minha mãe sempre dizia que eu devia perguntar essas coisas para ela e não aprender na marra igual estava fazendo, mas eu não conseguia. Diferente de mim, nas primeiras semanas aparecia frequentemente querendo saber coisas do tipo como trocar o chuveiro ou que produto que eu comprava para limpar a casa.
Queria ser como ela que levava a história de terminar e continuar amigos a sério, mas parecia extremamente difícil e doloroso fazer isso.
- Já posso comer a sobremesa? – ela disse de um jeito infantil e eu assenti.
Coloquei os pratos na pia e ela pegou os potinhos de crème brûlée e os levou para a mesinha de centro. Demorei o máximo possível para lavar as louças, mas logo percebeu o que eu estava fazendo e me puxou para o sofá.
- Eu preciso aprender a fazer isso. – ela disse em um gemido e senti o meio de minhas pernas formigarem – Acho que eu sobreviveria o resto da minha vida só com crème brûlée.
parecia uma criancinha quebrando a casquinha do creme e olhando para o doce com os olhos brilhando.
Passamos o restante do dia assistindo a um filme que eu não conseguia entender nada, mas parecia saber exatamente tudo. Eu desconfiava que ela já tinha assistido, pois ela tinha o costume de me enganar falando que nunca viu só para me fazer a assistir filmes que ela adorava e queria que eu adorasse também.
Eu odiava essa sensação de que nada tinha mudado. Parecia que a minha mente estava me pregando uma peça, fazendo-me acreditar que estava tudo igual, que nada tinha acontecido só para depois me fazer perceber que era uma ilusão da minha cabeça.
- Que filme maravilhoso. – ela disse maravilhada assim que os créditos começaram a subir – E ai? O que você achou? – ela me encarou.
- Eu acho que você já assistiu esse filme. – falei rindo e ela colocou a cabeça entre as pernas.
- Droga. – ela riu – Ficou tão óbvio assim?
- Sempre fica, .
- Porcaria. – ela me cutucou com o pé – Por que você está com essa carinha murcha?
- Carinha murcha?
- Você sabe... – ela encolheu os ombros – Você está triste com algo. O que foi?
- Nada. – neguei com a cabeça.
- Sei. – ela semicerrou os olhos.
- Sério. – sorri tentando mostrar confiança e ela sorriu.
- Eu sinto falta disso. – ela se encolheu no sofá e sorriu triste – Nós dois juntos fazendo nada de importante, apenas aproveitando a companhia um do outro. – ela encarou a televisão – E você? Sente falta?
Não queria que ela soubesse que eu sentia falta. As coisas estavam toleráveis o suficiente para mim, eu não precisava de uma namorada para abraçar no frio ou cozinhar nos fins de semana, e também não precisava transar com ninguém porque minha vida estava suficientemente tolerável.
- Quando você vai parar de se punir e deixar as coisas voltarem ao normal, ? – ela se virou para mim – Você disse para eu seguir com a minha vida, mas não tem como eu seguir com a minha se você não faz o mesmo.
- Já falei que as coisas estão boas do jeito que estão. – levantei-me irritado – Vocês não precisam ficar se preocupando comigo, ok?
- Nós falamos sobre isso ontem, , você está apenas existindo. Casa, trabalho, trabalho, casa. – ela se levantou – Eu moro aqui do lado, do mesmo jeito que você consegue ouvir o que eu faço, eu também consigo ouvir o que você faz.
- Ótimo. – joguei os braços para cima – E o que eu ando fazendo que não está agradando você e minha irmã?
- Nada. – ela gritou – Você não está fazendo nada e é isso que nos incomoda.
- É só vocês seguirem a vida de vocês e esquecer de mim por um tempo, saco. – baguncei o cabelo.
- Eu não vou esquecer de você. – ela deu um soco em meu peito – Eu te amo, porra. – ela segurou-me pelo pescoço e me empurrou até a parede – Eu me importo com você, . Você não quis mais ficar comigo e eu até entendi um pouco, mas não tem o porquê você ficar se punindo por algo que não é sua culpa, ok? – ela gritou e começou a socar meu peito – Foi minha culpa, inferno, minha culpa. – ela começou a chorar.
- . – abracei-a – Para com isso...
- Se alguém tem culpa de algo, esse alguém sou eu. – ela me apertou – Você não fez nada de errado, , então para de se culpar pelo amor de Deus. – ela se afastou.
- Não adianta vocês ficarem falando que não é minha culpa, ok? – respirei fundo algumas vezes – É tudo culpa minha, se eu fico aqui toda sexta-feira te ouvindo gemer enquanto outro cara transa com você é porque foi o jeito que encontrei de me punir pelo que aconteceu. Eu não tenho porque sair de casa, conversar com pessoas sobre a vida delas que está melhor que a minha. Ver quem ficou noivo ou foi morar junto. A minha vida está uma bosta. – gargalhei alto – Tá uma grande bosta.
- Deixa eu te ajudar. – ela acariciou meu rosto.
- E quem vai te ajudar? – suspirei – Eu tinha que ajudar você, ficar ao seu lado, mas eu não conseguia...
- , eu estou bem. – ela sorriu confiante – Já esqueci disso. Vida que segue.
- E por que você não seguiu de uma vez? Ainda continua tentando tirar essa culpa de mim?
- Porque eu te amo. – ela tirou a blusa e a jogou para o lado, deixando a vista seu sutiã branco – E você me ama. – ela foi tirando o shorts lentamente – E fomos feito para ficarmos juntos. – ela sorriu de uma forma carinhosa.
Olhei-a dos pés à cabeça umas duas vezes até me dar conta de que aquilo era real e não um sonho. estava seminua na minha frente seis meses depois de termos terminado nosso relacionamento de anos.
- O que você tem para me dizer? – ela colocou as mãos na cintura.
- Nada. – suspirei.
Observei-a se abaixar e retirar a calcinha, jogando-a junto com seu shorts e camiseta. Suas mãos foram para suas costas e ela lentamente abriu seu sutiã, tirando-o mais lentamente ainda. Seus seios rijos pareciam tão convidativos e que eu não conseguia me controlar. Meu pênis se apertava contra minha bermuda, e ela sabia disso. Suas mãos foram até o botão da mesma e ela abriu rapidamente, sem tirar os olhos dos meus.
Ela tocou meu pênis carinhosamente por dentro da cueca e suspirei com seu toque. segurou meu queixo com força, cravando suas unhas em minha bochecha enquanto me masturbava.
- Eu te quero, . – ela sussurrou contra os meus lábios e tirou sua mão da minha bermuda – Sabe porque eu grito de frustração depois que algum desses idiotas vão embora? – ela perguntou sensualmente e neguei com a cabeça. Ela tirou minha camiseta e abaixou a bermuda junto com a boxer – Nenhum deles é você. – ela beijou meu peito – Você não vai me deixar aqui fazendo papel de idiota, né? – ela disse rindo e embrenhei minha mão em seus cabelos.
Fiquei acariciando suas costas enquanto ela dormia com um sorriso no rosto. Eu sentia falta daquilo. Seu corpo contra o meu, ela se movimentando embaixo de mim, gemendo meu nome e pedindo por mais. Agora sim parecia que as coisas não tinham mudado de jeito nenhum.
Suspirei alto com a lembrança terrível de meses atrás e senti uma pontada forte no peito. A sensação de culpa tinha voltado e dessa vez mais forte do que nunca.
se remexeu ao meu lado e deitou a cabeça em meu peito.
- Que horas são? – ela disse sonolenta.
- Já é noite. – acariciei sua bochecha.
- Como passou rápido o dia. – ela me olhou com um sorriso – Está tudo bem? – assenti – Para quem ficou seis meses sem transar você não estava tão ruim hoje. – ela deu uma risadinha e sorri de lado – Um oito, talvez.
- Oito? – fingi estar ofendido.
- Sim. – ela se apoiou no cotovelo – Você me fez ficar esperando igual boba para finalmente me tocar.
- Eu estava meio que em choque com você pelada na minha frente.
- Não é como se fosse a primeira vez que você me via daquele jeito. – ela riu – E também não vai ser a última. – ela sorriu maliciosa.
- Como assim? – perguntei surpreso.
- Você entendeu. – ela revirou os olhos.
- , isso não significa que a gente... sei lá, que estamos juntos de novo.
- Tudo bem. – ela disse com um sorriso no rosto – Mas nós podemos ser amigos com benefícios.
- Amigos com benefícios? – olhei-a curioso e ela assentiu.
- Transar quando tivermos vontade sem que isso interfira na nossa amizade.
- , te conheço desde que tínhamos dezoito anos e fui seu namorado por cinco anos. Isso acontece antes de namorar com a pessoa, não depois. – caminhei até o guarda-roupa e coloquei uma boxer – Transar ocasionalmente depois do fim do relacionamento se chama recaída. – olhei para ela que estava enrolada nos lençóis e me encarando brava – O quê?
- Você é um imbecil. – ela se levantou brava e foi para sala.
- . – corri atrás dela.
- o caralho, . – ela me empurrou e começou a se vestir – Eu estou aqui tentando fazer as coisas voltarem a ser como antes, mas você insiste em sentir culpa por algo que já aconteceu faz tempo.
- Seis meses. – rosnei – Seis meses não é muito tempo.
- Para mim é. – ela vestiu a camiseta – Toma. – ela me entregou sua calcinha – Fica de lembrança para você se masturbar à noite, babaca.
- . – segurei-a quando ela abriu a porta.
- Vai se foder. – ela deu um tapa em meu rosto e saiu resmungando algo.
Meu peito se apertou ao vê-la sair com raiva. Era impossível não lembrar de seis meses atrás quando ela saiu desse jeito e quando voltou as coisas não eram mais as mesmas entre nós.
Permaneci o restante da noite sentado no sofá assistindo série e por volta das três da manhã ouvi o barulho de coisas caindo no apartamento de . Parecia até o alerta dela para me avisar de que estava com alguém. Aumentei o volume da televisão e rezei para que os vizinhos não começassem a bater vassouras, mas se eles não se importavam com o sexo barulhento de então não se importariam com minha tentativa de não ouvir ela transando loucamente.
Queria ir até lá e dar uma surra no cara e colocar ele para fora, mas eu tinha perdido qualquer autoridade já fazia tempo.
Continuei tentando assistir por mais meia hora, mas minha cabeça parecia que ia explodir a qualquer momento. Coloquei um moletom e sai decidido a fazer uma caminhada para espairecer. E pensar que antes de toda essa coisa com a acontecer, eu costumava ser uma pessoa atlética e que frequentava a academia regularmente.
Fechei a porta do apartamento com força e quando me virei para o corredor vi um cara saindo do apartamento de e ela escorada no batente da porta. Era a primeira vez que eu dava de cara com algum dos imbecis que transavam com a minha ex-namorada.
Olhei para ela e depois para ele, mas minha expressão de surpresa parecia ter deixado ele confuso, já que ele também olhou para ela. Fechei as mãos com força e me esforçando para não enfiar a mão nele. Finalmente eu tinha um rosto para uma das pessoas que tomavam meu lugar.
Respirei fundo e caminhei até o elevador, rezando para que ele não se atrevesse a entrar naquele cubículo comigo. Ele era mais idiota do que eu imaginava, pois assim que apertei o térreo ele entrou. Fechei os olhos e comecei a contar até onde minha paciência aguentava. Queria segurar aquele babaca pelo pescoço e mandar ele não chegar mais perto da minha namorada, mas eu não podia. Nós não namorávamos mais e eu tinha dito para ela seguir em frente, e era isso que ela estava fazendo, seguindo em frente enquanto eu só andava para trás.
Assim que o elevador abriu a porta no térreo, sai rápido como se estivesse sufocando lá dentro. Coloquei os fones no ouvido e comecei a correr sem um destino certo. Continuei correndo até que minhas pernas começassem a doer, e quando isso aconteceu corri mais rápido ainda.
O sol já estava nascendo e algumas poucas lojas estavam abrindo. Olhei no celular e vi algumas mensagens da minha mãe e . O relógio marcava seis e meia, e me surpreendi por ter conseguido correr por mais de duas horas.
Eu não queria parar, queria continuar correndo até cair e não conseguir mais andar. Parei para respirar calmamente por alguns minutos e ler as mensagens. provavelmente contou para que contou para minha mãe. Era como se as três fossem uma família extremamente unida para acabar comigo.
“Onde você está, ? ”
“A contou que você viu um cara saindo da casa dela, você está bem? ”
“Se você não responder eu vou avisar a mamãe”.
“Avisei ela, se vira agora! ”
“Querido, onde você está? Sua irmã me ligou preocupada, está tudo bem com você? ”
, por favor, querido. Ligue para mim, estou preocupada”.
“Idiota, se você não quer me responder pelo menos responde a mamãe”.
, ligue para mim assim que possível”.
Eu queria matar . Ela sempre tinha que colocar nossa mãe no meio, isso quando não era ligando para ela.
Disquei seu número e meu pai atendeu bravo.
- Onde você se meteu, garoto? – meu pai rosnou – Sua mãe ficou preocupada com você.
- Eu fui correr um pouco.
- Voltou a se exercitar?
- Estou voltando.
- Bom, bom. – eu podia imaginar ele assentindo ao falar. Meu pai e tinham jeitos tão parecidos que conseguia imaginar suas expressões e gestos ao falar. – Cadê o telefone? Eu quero falar com ele. – ouvi minha mãe gritando ao lado. – , onde você está?
- Estou perto de casa, eu estou bem. – suspirei.
- Sua irmã ligou aqui toda preocupada com você...
- Vocês não precisam mais ficar se preocupando comigo, sabia? Já estou bem perto dos trinta...
- Isso não é desculpa, , você sai de madrugada sem avisar ninguém.
- Agora vou ter que ficar avisando vocês toda vez que for sair?
- Você não atendia o celular...
- Fala pra e a começarem a cuidar mais da vida delas. Eu saí para correr, ok? Vocês estavam sempre me enchendo o saco para voltar a fazer coisas que eu gostava e eu voltei.
- Tudo bem, querido. – ela disse num suspiro.
- Já estou chegando em casa, estou inteiro e bem. Tchau, mãe.
- Tchau, querido.
Me esforcei ao máximo para correr de volta para casa e quando cheguei na rua pude ver sentada na escada. Assim que me aproximei do prédio ela se levantou e arrumou sua saia. Tirei o moletom e passei pelo meu rosto suado. Ela ficou encarando meu peito e pareceu envergonhada por ter sido pega.
- Oi. – ela alisou a saia.
- Oi.
- Você me assustou hoje de madrugada. – ela colocou o cabelo atrás da orelha.
- Eu não conseguia dormir. – dei de ombros – O barulho estava muito alto. – sorri cínico.
- Desculpa.
- Tudo bem. – suspirei – Vou subir, preciso tomar um banho.
Subi os degraus até o hall de entrada e ela me chamou.
- Oi?
- Você quer fazer algo hoje? Tomar um café ou coisa assim.
- Não, obrigado.
Dei as costas para ela e caminhei até as escadas. Subi correndo até o sétimo andar, coisa que eu achava que não ia conseguir, mas cheguei vivo até meu apartamento.
Tomei um banho gelado e fiquei o restante da tarde bebendo todo meu estoque de cerveja. Era uma péssima ideia encher a cara desse jeito, pois eu tinha que trabalhar no dia seguinte, mas isso era uma coisa que o antigo fazia e todo mundo achava superengraçado.
tinha razão, eu estava apenas existindo. O antigo eu costumava fazer brincadeiras com os colegas de trabalho e convencia todo mundo a ir para o bar em plena segunda-feira, mas o atual ignorava qualquer pessoa e recusava até as confraternizações no trabalho.
Tentei levantar para ir até o quarto, mas assim que fiquei em pé minha cabeça começou a rodar e cai sentado no sofá. Eu não conseguia distinguir se estava bêbado ou apenas tonto.
A campainha ficou tocando por uns cinco minutos e achei que fosse , então resolvi ignorar como quase sempre, mas me assustei quando ouvi a porta abrindo e adentrando meu apartamento.
- Como você entrou? – perguntei rindo. Ela ergueu um chaveiro de ursinhos e sorriso cínica para mim – Como você conseguiu uma chave?
- Eu morei aqui por quase três anos, lembra? – ela revirou os olhos.
- Ah, verdade. – falei rindo.
- Você está bêbado.
- Não. – neguei com a cabeça – Você não pode entrar no meu apartamento assim, sabia? E se eu estivesse com alguém?
- Quem? A calcinha que deixei para você se masturbar? Acho que ela não se incomodaria. – ela sorriu falsa.
- Eu nunca faria isso. – falei sério e ela me encarou.
- Isso o quê? Se masturbar?
- Me masturbar com a sua calcinha. – falei rindo – Eu tenho vinte e nove anos, não treze. – encostei a cabeça no sofá – O que você veio fazer aqui?
- Não sei. – ela suspirou.
- Ah. – mordi o lábio – Que horas são? – olhei ao redor atrás do meu celular.
- Dez da noite. – ela arqueou as sobrancelhas.
- Caramba. – coloquei a mão na testa.
- Quanto você bebeu? – ela cheirou o ar e fez uma careta fofa.
- Tudo isso aí. – apontei para as diversas garrafas em cima da mesinha.
- Não acredito, . – ela me olhou surpresa – Vem. – ela se levantou.
- O quê? – olhei-a rindo.
- Você precisa tomar um banho e dormir, do contrário vai ter uma ressaca horrível.
- Não vai ser pior do que o porre que tomei quando a gente terminou, então está de boa. – dei de ombros e ela me olhou triste.
- Anda logo. – ela falou autoritária.
A autoritária costumava aparecer geralmente quando o beberrão dava as caras. Ela olhava brava e me obrigava a fazer coisas que impediriam uma ressaca no dia seguinte. Ela também evitava que eu vomitasse pelos cantos quando meu corpo não aguentava mais o álcool.
- Você realmente acha que vou conseguir levantar? – gargalhei.
- Eu te ajudo. – ela passou o braço pela minha cintura e me ajudou a caminhar até o banheiro.
Ela me agachou em frente a privada e comecei a negar freneticamente quando percebi o que ela queria que eu fizesse.
- Não. Você sabe que eu odeio vomitar. Eu estou bem, é só tomar um banho e pronto. – sorri nervoso.
- , você sabe que não adianta. Eu não te pediria para fazer isso se não fosse necessário. – ela se ajoelhou na minha frente e acariciou meu rosto.
- Por favor. – choraminguei.
- Você precisa ir trabalhar amanhã e tem que estar inteiro, ok? – ela beijou minha bochecha – Eu prometo que vai ser rápido e você vai melhorar.
- Eu não consigo. – joguei a cabeça para trás – Eu pareço uma menininha.
- Sim. – ela riu – Eu faço para você.
Ela levantou a tampa da privada e abaixou minha cabeça. Fechei a boca com força quando ela tentou abri-la.
- , por favor. – ela disse brava – É rápido, vamos.
- Amor, eu não quero, por favor, eu juro que vou ficar bem. – juntei as mãos. Eu não ia ficar bem, mas preferia ficar com uma ressaca desgraçada do que vomitar.
Ela me segurou com força pelos cabelos e abriu minha boca, enfiando dois dedos na minha goela. Era horrível fazer isso. continuou forçando e arrotei umas três vezes até vomitar. Ela segurou minha cabeça enquanto eu despejava tudo o que comi nos últimos dias. Vomitei mais umas três vezes, mas ela não me deixou levantar até que tivesse certeza de que não teria mais nada.
Continuei sentado no chão enquanto ela ligava o chuveiro e via se a temperatura da água estava boa. Infelizmente tinha que admitir que vomitar tinha feito com que me sentisse muito melhor, mas eu não falaria isso para ela.
- Consegue levantar? – ela me olhou preocupada e assenti.
Tirei toda minha roupa e entrei embaixo da água morna. segurou minha cabeça e me ensaboou, o que era extremamente engraçado. Comecei a rir sozinho e ela me encarou sem entender nada.
- Você é muito linda, sabia? – falei com um riso frouxo nos lábios – Fica mais linda ainda quando está preocupada ou brava. Você continua linda mesmo com o dedo na minha garganta. – gargalhei.
- Cala a boca. – ela disse irritada.
- Eu estou te elogiando.
- Não quero seus elogios.
Ela saiu do banheiro irritada e terminei meu banho sozinho.
Enrolei-me na toalha e fui para o quarto, encontrando olhando as nossas fotos que ficavam na prateleira. Ela olhou para mim rapidamente, mas logo voltou a ver as fotos. Troquei-me rapidamente prestando atenção nela e tive a impressão de vê-la soluçar. Aproximei-me e toquei seu ombro, fazendo-a se arrepiar.
- Eu sou uma idiota. – ela limpou os olhos e respirou fundo – Por que eu sai de casa naquele dia? – ela me olhou triste – Me desculpa por você ter visto ele saindo de casa...
- Relaxa. – abracei-a – Você pode trazer quem quiser para sua casa, ok? – segurei seu rosto – Eu realmente preciso parar de te ouvir, pareço um pervertido.
- Não são sempre caras diferentes.
- Oi?
- Eu nunca transei com mais de cinco, nem sei se chegar a ser cinco. – ela riu – Você desconta sua raiva e frustração de um jeito, e eu desconto a minha transando com pessoas que são extremamente diferentes de você.
- Diferente como? – perguntei curioso.
- Sem tatuagens. – ela passou as mãos pelos meus bíceps cheios de tatuagens – Que não sejam tão altos, personalidade diferente da sua...
- Então seus parceiros sexuais são pessoas diferentes de mim. – cocei o queixo e ela deu uma risadinha.
- Você ainda está bêbado?
- Provavelmente.
- Vêm deitar, você precisar acordar cedo amanhã. – ela segurou minha mão e me puxou para a cama.
- Por que você nunca os leva para o seu quarto? – perguntei triste.
- Achei que a tivesse lhe contado. – ela colocou o cabelo atrás da orelha.
- Ela é minha irmã, mas não deixa de ser sua melhor amiga.
- Aquele pode não ser o nosso quarto e nem a nossa cama, mas é como um santuário para mim.
- Como assim?
- Eu não levo ninguém lá, porque a única pessoa que quero ter comigo naquele cômodo é você. – ela sorriu triste.
- ...
- Não precisa falar, nada. – ela suspirou – Eu sei que você precisa de um tempo para si mesmo, para esquecer tudo o que aconteceu e eu te dei esse tempo, eu estou te esperando, esperando você tirar essa culpa que sente, mas não sei até quando vou conseguir aguentar, , você não foi o único que sofreu com o que aconteceu.
- Eu sinto muito, . – acariciei seu rosto.
- Por enquanto ainda estou aguentando, mas uma hora não vai dar mais. Eu te amo e realmente quero que fiquemos juntos, mas parece que você não quer e se você não quer eu não vejo motivo pelos quais ficar tentando. – ela deixou uma lágrima escorrer – Nós dois temos que seguir em frente e eu quero muito fazer isso com você, mas parece que você não quer esquecer.
- Não sou como você, não consigo esquecer as coisas com facilidade...
- Você pensa que eu esqueci o que aconteceu fácil assim? – ela se levantou brava – Eu levei um tempo até esquecer tudo aquilo, , se você parar para pensar eu sofri muito mais do que você. Essa sua culpa que você carrega é algo imaginário, não é real, você colocou isso na sua cabeça e não consegue tirar. – ela gritou – A minha culpa é real, foi realmente minha culpa. Eu fui descuidada, tudo o que aconteceu no momento em que eu saí por aquela porta é culpa minha e não sua, então para de tentar se punir, porque ao fazer isso você pune a mim também e acho que a punição que tive já foi suficiente.
saiu chorando e me obriguei a não ir atrás dela. Ela tinha razão com relação a parte de que eu acabava punindo-a, mas eu simplesmente não conseguia esquecer de que poderia ter evitado aquela briga se não fosse um idiota e tivesse a ouvido.

Acordei com uma dor de cabeça mais fraca do que o esperado. Pelo visto vomitar tinha realmente ajudado a combater uma parte da ressaca.
Tomei um banho rápido enquanto deixava que a cafeteira fizesse seu trabalho. Pude ouvir em seu apartamento e pensei em como ela estava depois da noite passada. Bebi meu café com rapidez e peguei minha mochila, certificando-me de que meu maço de cigarros estava ali.
Eu tinha um acordo comigo mesmo: não fumar nos fins de semana e principalmente nas sextas-feiras a noite. A parte dos fins de semana foi desde que comecei a fumar aos dezenove anos, a parte das sextas tive que acrescentar logo que começou a trazer homens para seu apartamento.
Mesmo morando lado a lado e trabalhando no mesmo lugar, nós não íamos juntos para o trabalho desde que terminamos. No início até oferecia carona, mas pediu que eu parasse, pois ainda não se sentia segura dentro de um carro.
Assim que entrei no elevador pude ouvi-la gritando para que eu segurasse. Ela entrou meio atrapalhada e derrubando coisas no chão, tentando guardar o mundo na bolsa como sempre. Era incrível como ela conseguia ser linda sem nem tentar.
- Bom dia. – ela sorriu para mim quando finalmente conseguiu se ajeitar.
- Bom dia. – sorri de volta.
O elevador rapidamente chegou no térreo e caminhei em direção a garagem enquanto saia do prédio.
Cheguei no trabalho antes de como sempre e cumprimentei algumas pessoas enquanto caminhei até minha sala. Me dei conta de que tinha sido um completo babaca durante esses meses ao ver os olhares surpresos das pessoas para mim.
Liguei o computador e fingi que estava esperando ele ligar, mas, na verdade, eu estava no meu ritual de esperar chegar. Por mais que eu tivesse a visto minutos atrás, eu ainda sentia necessidade de vê-la assim que ela chegasse.
- Oi. – Peggy entrou toda sorridente na minha sala.
- Oi. – sorri sem tirar os olhos do corredor por onde passaria para ir até sua sala.
- Ouvi dizer que você está de bom humor, isso é verdade? – ela se sentou na cadeira em frente à minha mesa e ficou mexendo em algo no iPad.
- Estou normal. – me levantei um pouquinho assim que entrou no corredor e caminhou sorridente para sua sala.
- Aham. – ela falou rindo – Gostei da camisa. – ela olhou para mim e voltei meu olhar para a camisa de botões de mangas curtas cheia de flamingos e palmeiras – Bem antes do término. – ela voltou a olhar para o iPad.
- antes do término? – perguntei rindo.
- É assim que a gente se refere a você por aqui. Você não sabia? – ela riu.
- Não. – olhei para o computador.
- Quando você chegou dando bom dia o Trent veio correndo me dizer que você chegou meio antes do término.
- Eu andei mesmo sendo um babaca todos esses meses? – suspirei e ela me olhou com um sorriso carinhoso.
- Sim. – ela se levantou – Mas você teve seus motivos e espero que esteja tudo resolvido agora que você chegou todo alegre para trabalhar.
- Uhum. – mordi o lábio.
- Mandei sua agenda de hoje para o seu e-mail. – ela se encostou no batente da porta.
- Você ficou aqui esse tempo todo e não pode me falar? – disse rindo.
- Eu não sou sua empregada não, . – ela saiu rindo.
Abri o e-mail com a agenda do dia e a única coisa que eu tinha para fazer era testar um novo jogo que seria lançado daqui um mês.
Segundo minha irmã, eu tinha a melhor profissão do mundo. Trabalhava em um escritório do qual eu não precisava ir vestido de terno e gravata, era um ambiente aconchegante e eu ganhava dinheiro para mexer no computador e jogar videogame.
Peguei meu maço de cigarros na mochila e caminhei até o elevador para ir ao telhado fumar. Peggy me dava uma hora livre do momento que eu chegava para trabalhar e era essa a hora que eu usava para o fumar o primeiro de muitos cigarros do dia.
- , preciso saber qual horário você acha melhor para fazermos a gravação do game play do jogo hoje. – Trent me parou quando cheguei na frente do elevador.
- Daqui uma meia-hora, pode ser? – ele assentiu – Vou estar no telhado.
Apertei o botão para chamar o elevador e fiquei esperando impacientemente. Assim que as portas abriram, Jessica Fisher saiu toda elegante e digitando algo rapidamente no celular. Ela me encarou com um sorriso malicioso e mordeu o canto do lábio.
- Oi, . – ela sorriu.
- Oi. – sorri de lado e entrei no elevador.
Jessica era o sonho de quase todos os caras ali e mesmo não tendo políticas sobre funcionários namorarem, ela evitava todo homem do escritório, exceto eu, por que era o único ali que tinha um relacionamento com alguém do trabalho, e Trent, pois era extremamente tímido e ficava vermelho cada vez que ela olhava para ele.
não se importava com os olhares e insinuações de Jessica para mim, para ela o olhar de outras mulheres sobre mim ressaltava o quão sortuda ela era por estarmos juntos. dizia que ainda não se importava com os olhares de Jessica para cima de mim, pois ela tinha quase certeza de que voltaríamos e que eu não ficaria com Jessica de jeito nenhum.
Assim que o elevador parou no penúltimo andar, retirei um cigarro do maço e coloquei entre os lábios, subindo correndo a escada para o telhado. Acendi o cigarro e senti meu corpo relaxar quando o cheiro da nicotina entrou em meu nariz.
Encostei-me no parapeito e fiquei olhando a movimentação de carros e pessoas lá embaixo. Traguei com força e deixei toda a fumaça presa em meus pulmões, soltando segundos depois e novamente sentindo a sensação de ter meu corpo relaxado.
Fumei mais três cigarros até voltar para minha sala e encontrar e Peggy conversando. Fiquei escondido atrás da porta entreaberta e nenhuma das duas pareceu perceber.
- Eu meio que dei um ultimato, eu acho. – falou triste – Quer dizer, eu tentei.
- Uma hora ele vai ter que se tocar, , talvez ele já tenha, afinal chegou todo feliz hoje. – ela riu.
- Jura? – disse contente e Peggy assentiu – Ele vem sendo um idiota com todo mundo, menos comigo que sou a pessoa que merece a idiotice dele.
- Você não merece, . Ele esteve chateado por tempo demais, é meio normal.
- Só que isso me irrita, sabe? – ela colocou o cabelo atrás da orelha – A culpa foi minha, ele não tem culpa nenhuma, mas deixei que ele acreditasse que tinha porque parecia ser o melhor para ele. Tudo o que fiz foi pensando nele.
- , eu sinto muito. – Peggy a abraçou.
- Eu estava sofrendo também, eu precisava dele ao meu lado e.... ele vai lá e termina comigo porque acha que é o melhor para mim. – ela suspirou.
finalmente percebeu que eu estava ali e adentrei a sala.
- É feio ficar ouvindo conversa dos outros, sabia? – se levantou irritada.
- É.... é a minha sala. – falei confuso e ela revirou os olhos.
- Não importa. – Peggy disse – Você é muito xereta, .
- Mas...
- Vamos, vocês têm que ir para gravação. – ela esbarrou em mim de propósito e saiu andando com seu jeito meio mandão.
- Eu sinto muito. – olhei para .
- Tanto faz. – ela falou com escárnio.
- . – segurei seu braço quando ela tentou passar por mim – Não estou te pedindo desculpa por ter ouvido a conversa, vocês estavam na minha sala... – falei rindo, mas ela continuou brava – Pedi desculpa por ter terminado com você.
- Tanto faz também. – ela puxou o braço.
- Eu quero mudar. – segurei-a novamente – Não consegui parar de pensar no que você me disse ontem... sobre a sua punição. Eu não quero mais que você se sinta assim. Eu vou tentar esquecer o que aconteceu.
- Não é esquecer, . – ela se soltou de mim – É só deixar o passado no passado, é diferente. Não quero que você esqueça e eu também não quero esquecer, só quero que a gente deixe isso no passado e consiga seguir em frente com as nossas vidas, de preferência ao lado um do outro.
Ela caminhou brava pelo corredor e eu a segui derrotado.

Já fazia três meses que e eu tínhamos transado. Três meses que ela não trazia ninguém para casa. Um mês que o velho tinha ressurgido.
Voltei a ir para a academia e a correr todas as tardes depois do trabalho, comecei a sair todas as vezes que minha irmã me convidava e tinha até pego o número de uma garota que beijei em um bar. parecia bem contente com a volta dos meus velhos hábitos. Talvez ela achasse que eu estava fazendo aquilo apenas para agradá-la, e era verdade.
Era bom voltar a fazer coisas que eu costumava fazer e gostava, mas era estranho fazer isso sem . insistiu que agora que minha vida estava voltando ao normal, voltar com também era necessário, mas algo em mim dizia que era errado e eu acabaria magoando-a.
Dei uma última tragada no cigarro e permaneci na escada em frente ao meu prédio observando o pouco movimento do fim de tarde da sexta. Peggy me convidou para irmos tomar algo com o pessoal do trabalho, mas dei uma desculpa qualquer e ela começou a discutir comigo, dizendo que eu já estava com um pé no babaca de novo e que ela não iria me deixar vivo se isso continuasse.
e apareceram sussurrando algo uma para a outra e com sacolas contra o peito como se estivessem escondendo algo.
- O que você está fazendo aqui? – disse assustada.
- Eu moro aqui. – falei rindo – O que você está fazendo aqui?
- Não é da sua conta.
Observei as duas subirem as escadas correndo e as segui. Elas reviram os olhos quando entrei no elevador e as olhei de forma curiosa.
- Quê? – disse impaciente.
- O que vocês duas aprontaram?
- Nada. – rosnou e apertou a sacola contra o peito.
- O que você tem aí? – apontei para a sacola e ela se apertou mais ainda e olhou assustada para .
- Nada, . Você não pode ficar sem se intrometer na nossa vida?
- Espera aí, não era vocês duas que se intrometiam na minha vida até um tempo atrás? – falei rindo e revirou os olhos.
- Não é da sua conta, está bem? – abriu a bolsa e as duas tentaram enfiar as sacolas na bolsa, mas as coisas começaram a cair.
Fui mais rápido que elas e me abaixei no chão para pegar. Balas, caixas de remédio, e pelo menos umas sete caixas de teste de gravidez, um de cada marca. Elas começaram a juntar as coisas do chão e colocaram na bolsa sem olhar para mim.
- Quem... – encarei as duas perplexo.
A porta do elevador se abriu e elas saíram correndo. Segurei pelo braço antes que ela pudesse entrar no apartamento de .
- Vocês vão me explicar isso agora. – puxei para dentro a fiz se sentar no sofá – Para quem são esses testes?
- Ninguém. – disse impaciente.
- Eu não estou mais pra brincadeiras. – olhei para ela impaciente – Pra quem são esses testes?
- Para mim. – suspirou – São para mim.
Meu corpo relaxou por alguns instantes, mas apenas alguns, pois logo comecei a respirar fundo e andar impacientemente pela sala.
- Você nem tem namorado. – gritei para ela.
- Obrigada por lembrar que minha vida amorosa é pior que a sua. – ela revirou os olhos.
- Isso não é brincadeira, garota. – segurei seu braço.
- Ok, pai. – ela se soltou de mim – Eu ainda nem sei se estou mesmo.
- Então entra naquele banheiro agora e só saia de lá até ter mijado em todos esses palitinhos. – me sentei no sofá e ela se levantou emburrada.
As duas se entreolharam e lhe entregou os testes. Eu não queria ficar nervoso, mas era a minha irmã. A minha irmãzinha... grávida. era completamente irresponsável, ela não tomava conta nem de si mesma. Sempre que dormia fora de casa nossa mãe tinha que ligar para ela não se esquecer de tomar seus remédios, e isso ainda continuava.
se sentou ao meu lado e me olhou com um sorriso nervoso no rosto.
- Desde quando você sabe disso?
- Tem pouco tempo. – ela confessou.
- E por que não me contou?
- Isso é uma coisa dela, , não tinha o porquê eu te contar, eu sei que ela é sua irmã, mas ela também é minha melhor amiga...
- Ela tem vinte anos, você tem vinte e nove. – olhei-a entediado.
- Qual o problema nisso agora? – ela colocou as mãos na cintura.
- Ela é uma irresponsável, .
- As pessoas mudam.
- Ingenuidade da sua parte pensar que a vai se tornar responsável da noite para o dia só porque pode se tornar mãe. – revirei os olhos – Vai precisar de muito bebê caindo no chão e noites no hospital para um filho tornar ela responsável.
- Nem sabemos se ela está mesmo grávida.
- Eu espero de verdade que não esteja. – cocei os olhos – Ela pelo menos sabe quem é o pai? – encarei-a e ela me olhou assustada – O que foi?
- Ela sabe. – se levantou – Quer beber algo? Água, cerveja ou um suco?
- Cerveja, de preferência com veneno. – joguei a cabeça no encosto do sofá – , você morreu ai dentro? – gritei para ela.
- Vai se foder. – ela gritou em resposta.
- Eu... eu vou ver como ela está.
As duas ficaram lá dentro por uma meia hora até sair com todos os testes na mão e jogá-los no meu colo.
- Aproveite, titio. – ela se sentou ao meu lado e a olhei surpreso.
- Não. – falei incrédulo e ela deu de ombros.
Comecei a olhar o resultado dos testes de todos deram negativo. Ela começou a gargalhar ao meu lado, mas parecia apreensiva.
- Eu me cuido, ok? – ela disse rindo – Tomo anticoncepcional e sempre uso camisinha, tudo bem que sempre pode dar merda, mas eu me cuido.
- E por que você achou que estava gravida? – encarei-a.
- Minha menstruação atrasou. – ela deu de ombros.
- Será que não é bom você ir ver o porquê atrasou? – falei sério e ela riu.
- Nós vamos. – falou tensa – Ela vai. Eu vou com ela.
- Pronto, não precisa mais se preocupar, titio. – disse rindo.
- Eu vou indo, mas estou de olho em você. – me levantei – Tchau, .
Ela estava com uma mão na boca e acenou com a outra, correndo para a cozinha logo em seguida. e eu olhamos preocupados para ela, mas apenas ficou apoiada na pia por alguns segundos.
- Está tudo bem? – perguntei preocupado.
- Sim. – ela sorriu nervosa – Acho que foi o sushi que nós comemos antes de irmos a farmácia.
- Ah... ok, então. Se precisar...
- Obrigada.
Caminhei até a porta sem parar de olhar para ela. estava muito estranha e comecei a me preocupar com o fato dela poder estar com intoxicação alimentar, coisa que não seria a primeira muito menos a segunda a acontecer.
Entrei em meu apartamento e joguei o maço de cigarros em cima do aparador. Peguei meu celular na mesinha de centro e vi uma mensagem da minha mãe pedindo que fosse almoçar com ela e meu pai no domingo.
Peguei meu notebook no quarto e me sentei na sala, fuçando nas redes sociais da minha irmã atrás de algum idiota que poderia engravidá-la cedo ou tarde. As opções eram muitas, e de vários garotos, dois ou três tinham cara de serem responsáveis. Um deles estudava direito, o outro era barman em uma casa noturna e estudava artes, o terceiro não tinha trabalho ou escola em seu Facebook. Apenas o primeiro garoto podia ser salvo e o segundo era possível dar uma chance, o terceiro nem pensar.
Resolvi jogar um dos últimos jogos que tinha sido enviado para que eu fizesse uma análise e perdi completamente a hora. Era um jogo quase que de exploração onde era sempre possível encontrar novos mundos e espécies, sem contar que era quase impossível encontrar outros jogadores por causa da imensidão de lugares que o jogo tinha.
Achei estranho ter deixado que eu ficasse com a análise desse jogo já que era do jeito que ela gostava, mas segundo Peggy, estava cheia de outras coisas para fazer e eu estava começando a parecer um desocupado no escritório. Eu deveria ficar ofendido, mas apenas dei de ombros quando ela disse isso.
Eu não tinha muita ideia do que fazer de janta, pois ainda achava bem difícil cozinhar algo bacana para uma pessoa. Nove meses morando sozinho novamente e eu não tinha conseguido me adaptar em quase nada.
Pensei em chamar e para jantarem comigo, mas era óbvio que elas iriam querer ficar conversando sobre o possível falso alerta de gravidez.
Deixei a televisão ligada em um canal infantil e resolvi inventar uma salada. Coloquei quatro ovos para cozinhar e cortei alguns tomates e repolho. Se minha mãe estivesse ali, ela ficaria inconformada com aquilo. Piquei os ovos assim que ficaram prontos e misturei com o tomate e repolho, acrescentando um pouco de milho e croûton.
Peguei uma cerveja na geladeira e me sentei no sofá. Meu celular começou a vibrar em cima da mesa de centro, mas desliguei assim que vi o nome de na tela. Ela ligou mais uma vez e desliguei novamente.
Alguém começou a praticamente socar a porta e coloquei minha salada ainda intacta ao lado do celular. Eu amava a minha irmã, mas tinha momentos que eu queria matar ela.
- O que foi, ? – falei bravo.
Ela estava com os olhos inchados e parecia muito nervosa.
- O que aconteceu? – segurei-a pelos ombros e ela tentou respirar fundo algumas vezes – Não, , por favor, ataque de asmas agora não.
Minha mãe sempre nos instruiu a não ficar nervosos quando minha irmã tivesse um ataque de asmas, mas eu não conseguia não ficar nervoso.
- ? – segurei seu rosto – Droga. – peguei-a no colo antes que ela pudesse se encostar na porta e a coloquei no sofá.
Eu tinha uma bombinha guardada em casa só para o caso de emergência e nunca pensei que você ter que usar. Procurei em todos os lugares possíveis e fui encontrar dentro de um nécessaire que deixou para trás quando foi embora.
Corri até minha irmã e coloquei a bombinha em sua boca, pressionando três vezes conforme ela respirava.
- Está tudo bem. – abracei-a.
- A . – ela choramingou.
- O que tem?
- Ela não está bem. – ela começou a chorar.
Coloquei a bombinha em suas mãos e corri para o apartamento de . A porta estava escancarada e pude ouvi-la gritar no banheiro. Essas mulheres iam me deixar louco.
Ela estava apoiada na privada tentando vomitar, mas ela parecia já ter vomitado tudo o que era possível.
- . – apareceu e prendeu de novo os cabelos dela – É melhor não insistir, pode ser pior.
- Ok. – ela suspirou.
Ajudei-a a levantar e ela caminhou até a pia e lavou a boca. Seu rosto estava pálido e seus lábios roxos. Olhei preocupado para que mordeu o lábio e segurou na mão de .
- O que você acha de irmos no médico? – disse preocupada e ficou encarando seu reflexo no espelho.
- Vamos, eu te levo.
- Não. – ela negou com a cabeça e começou a chorar – Não, por favor, não.
- , olha para mim. – segurei seu rosto – Está tudo bem. Eu vou dirigir devagar.
- Eu... eu vou melhorar, só preciso descansar um pouco.
- Nós vamos de metro então, ok? – abracei-a – Vai demorar um pouco, mas é melhor do que nada.
- , ela precisa ir logo antes que seja pior.
- Ahhh. – deu um grito estridente e caiu no chão.
Ela pressionava a barriga e começou a chorar freneticamente, fazendo com que também começasse a chorar. Eu não sabia o que fazer. Ela precisava ir para o hospital, mas não iria querer ir de carro e muito menos de ambulância.
- Uma de vocês duas precisa se acalmar e me ajudar, porra. – gritei e começou a respirar fundo.
- Confia em mim, ok? – segurei o rosto de e ela me olhou assustada.
- Tá doendo muito. – ela começou a chorar.
- É só uma intoxicação alimentar, ok? Você vai melhorar. – desgrudei seu cabelo do rosto – Pega as coisas dela e eu já volto.
Corri para o meu apartamento e peguei meu celular com documentos e as chaves do carro. Forçar ela seria horrível, mas continuar ali seria pior.
- Pegou tudo? – perguntei para e ela assentiu.
Deitei a cabeça de em meu peito e passei o braço por trás de seus joelhos, pegando-a no colo. Ela me olhou assustada e começou a se debater contra mim.
Ignorei seus pedidos e tentei pensar em qualquer outra coisa enquanto o elevador descia. Assim que entramos na garagem ela começou a berrar e implorar para que eu não a colocasse no carro. Entreguei a chave para e ela abriu a porta de trás para mim.
- Você dirige. – olhei para ela – Com cuidado, mas... rápido. – sussurrei a última parte – Presta atenção, você entendeu?
- Sim. – ela disse nervosa.
Coloquei no banco de trás e ela começou a lutar comigo para sair carro.
- PARA. – gritei – Vai ficar tudo bem, ok? Nós vamos para o hospital e essa sua dor vai passar, eu prometo. Vai ficar tudo bem com você. – segurei seu rosto.
- , por favor, você sabe que eu não quero, por favor... – ela segurou meu rosto e sussurrou contra meus lábios – Por favor.
- É o jeito mais rápido...
- Eu não me importo que demore. – ela começou a chorar quando ligou o carro.
- Eu me importo. Eu me importo com você e ai sim que eu não vou me perdoar se algo acontecer com você novamente.
- ...
Abracei com força e apertei-a contra meu peito. Suas unhas estavam cravadas contra meu braço e eu não estava mais conseguindo suportar a dor. Quando passou em uma lombada, mordeu meu peito com força e começou a chorar. Respirei fundo algumas vezes e tentei não entrar em pânico.
O hospital nem era tão longe assim de casa, mas parecia levar uma eternidade para chegar.
Tentei acalmá-la de todas as formas e olhei para o rosto assustado da minha irmã que parecia estar quase em colapso.
Ela estacionou o carro na frente do hospital e me entregou a bolsa de quando sai. Puxei pelas pernas e ela estava tremendo toda. Ela deu dois passos, mas assim que fechei a porta ela pulou em meu colo e me apertou com força.
Carreguei-a até a recepção e uma enfermeira veio até nós com uma maca. Coloquei-a deitada lá, e ela entrelaçou nossos dedos.
- O que aconteceu? – a enfermeira perguntou enquanto empurrava a maca para a emergência com a ajuda de um médico.
- Ela vomitou bastante e está sentindo dores na barriga. Ela disse que comeu algo à tarde que não lhe fez bem...
- Ela já teve intoxicação alimentar alguma vez?
- Quatro vezes. – falei preocupado.
- Quando foi a última vez?
- Tem um ano, talvez.
- Vamos levar ela para a emergência e ver o que pode ser isso, ok? – o médico me olhou e eu assenti.
- Enquanto isso você vai ter que ir até a recepção e preencher a ficha dela, ok? – assenti – Você é o que dela?
- Namorado.
- Ok, assim que possível eu veio te chamar. – ela seguiu o médico para a ala emergencial e me senti um completo inútil longe de .
Fui até a recepção e preenchi toda a ficha dela. A recepcionista disse que ligaria para , o contato de emergência dela, mas expliquei a ela que não era necessário.
Eu podia pedir para que ligassem para os pais dela, mas dá última vez a mãe dela quase teve um infarto, então achei melhor ligar para seu irmão mais velho. Olhei no relógio e era quase onze da noite, ele provavelmente não atenderia, mas tentei. Precisei ligar umas três vezes até que ele atendesse.
- ? – ele disse meio sonolento – Aconteceu alguma coisa.
- Mais ou menos. – respirei fundo – A estava vomitando e com umas dores fortes então eu a trouxe até o hospital...
- Do que vocês foram? Ela está bem? Não me diga que você enfiou minha irmã dentro de um carro...
- Era isso ou estar até agora esperando pelo metrô. – falei com raiva.
- Droga. É o hospital perto da casa de vocês?
- Sim.
- A está no hospital, liga pros meus pais. – ele falou com alguém ao fundo – Eu estou indo aí.
- Ok. – suspirei.
apareceu tremendo e se sentou ao meu lado. A bombinha de asma estava em suas mãos e eu a peguei, colocando na boca e bombeando algumas vezes. Tentei respirar fundo e me acalmar, mas eu não conseguia.
- ? – minha irmã me chamou preocupada – , está tudo bem?
Não podia acontecer ali e agora. Fazia uns quatro anos que eu não tinha mais ataques de asma e eu me recusava a ter um naquele momento. Bombeei mais algumas vezes até minha respiração se normalizar um pouco. me abraçou com força e começou a chorar contra o meu peito.
- Ela vai ficar bem, não vai?
- É claro que vai. É só uma intoxicação alimentar, ela vai ficar bem igual sempre, você vai ver. – beijei sua cabeça.
Já fazia uma hora que estávamos ali e nada do médico aparecer. Conor e sua esposa chegaram e ele me olhou furioso, mas pareceu se acalmar ao ver ao meu lado. Ele talvez estivesse achando que fosse minha culpa novamente.
- Cadê ela? O médico já disse algo? – ele perguntou com seu jeito autoritário.
- Ainda não.
- Como assim ainda não? – ele gritou – Dá hora que vocês chegaram ninguém disse mais nada?
- Amor, se acalma, daqui a pouco seus pais chegam, você precisa estar calmo para acalmar eles.
- O que aconteceu?
- Ela estava com a e começou a passar mal.
Ele foi até a recepção e começou a discutir com a recepcionista atrás de respostas. Ele fez o mesmo com cada enfermeira que saia da ala de emergência até que uma delas disse que ia chamar o médico. Eu tinha quase certeza que ela chamaria os seguranças.
Os pais de chegaram e a mãe dela me abraçou com força quando Conor disse que eu quem a tinha levado ao hospital.
- Muito obrigada, . – ela acariciou meu rosto – Eu sei que vocês não tem mais nada um com o outro, mas, mesmo assim, me sinto agradecida pela que você fez por nós hoje. Não sei se conseguiria forçá-la a entrar em um carro para vir até aqui.
- Eu amo sua filha, senhora , era minha obrigação trazer ela até aqui por mais que ela não quisesse. – sorri triste e ela me abraçou novamente.
Continuamos sentados esperando qualquer notícia, mas ainda nada. Conor estava a ponto de explodir e ele não era o único.
passou o dedo pelo meu braço e senti dolorido quando ela apertou. Eu estava com os braços cortados e com um pouco de sangue já seco. Olhei por dentro da camisa e a marca dos dentes de estavam perfeitamente carimbados em meu peito.
O mesmo médico que a levou para a emergência finalmente apareceu e olhou surpreso para todos nós.
- Estão todos com ? – ele olhou para a prancheta e depois para os outros.
- Sim. – a mãe dela disse – Então, doutor, como ela está?
- Não era intoxicação alimentar como esperado, mas ela e o bebê estão perfeitamente bem. – ele sorriu – Ela está sendo medicada e logo vocês poderão ir vê-la.
- Bebê? – Conor perguntou surpreso.
- Ah, vocês não sabiam? – ele olhou para nós – Ela está entrando na décima terceira semana de gravidez. – ele sorriu para mim – Parabéns, papai. – ele apertou meu ombro e voltou para a ala de emergência.
Afundei-me no sofá e respirei fundo. Eu sabia que todo mundo estava olhando para mim, até eu olharia para mim se pudesse. Meu peito começou a se apertar e não conseguia mais respirar.
- ? – segurou meu rosto – , por favor. – ela começou a chorar.
Ela colocou a bombinha na minha boca e logo voltei a respirar normalmente. Respirei fundo pelo menos umas cinco vezes e contei até cinquenta antes de olhar para ela.
- Eu vou te matar. – rosnei.
- O que está acontecendo? – Conor perguntou bravo.
- Eu vou te matar, , dessa vez eu juro que vou acabar com a sua vida. – eu nem tinha vontade de me acalmar, eu só queria estrangular ela.
- Desculpa, , ela me pediu para não te contar até ter certeza....
- Cala a porra da boca. – gritei – Você podia ter escondido tudo de mim, , tudo, mas você não podia ter escondido isso.
- Eu sinto muito. – ela choramingou.
- ... – o senhor colocou a mão em meu ombro – Ela provavelmente teve seus motivos para isso.
- A teve sim, ela sempre tem. – falei bravo – Por isso que vocês estavam assustadas e depois toda aquela conversinha idiota sobre você estar grávida.
- Desculpa, , eu queria te contar, eu juro que queria, mas ela me fez prometer que ia esperar até ter certeza e disse que se fosse confirmado ela te contaria.
- Como que eu vou saber se é meu? – esfreguei o rosto com força.
- Toma cuidado com o que você fala da minha irmã .
- Se você soubesse o inferno que era minha vida cada vez que eu ouvia sua irmã com uma cara diferente, você não ficaria tão surpreso assim.
- , o filho é seu. – choramingou.
- Cala a boca. – respirei fundo – Eu não quero mais saber de nada que você falar, , eu estou de saco cheio de te ouvir. Eu sou o irmão mais velho, eu, não você. Eu não preciso da sua ajuda, ok? A única coisa que eu preciso agora é que você sente aí e cale a boca antes que eu cale por você, entendeu? – ela assentiu.
Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Sempre que algo acontecia, uma parte de mim era sim e a outra não, mas nesse exato momento tudo levava ao sim. Ela dormiu com outros caras, então era possível até demais que qualquer um deles fosse o pai e não eu. Pensar nessa possibilidade era horrível. Eu não suportaria vê-la tendo um filho com outro cara que não fosse eu.
Ninguém disse mais nada até o médico voltar e dizer que só podia entrar duas pessoas por vez para vê-la.
- Ela ainda está bastante fraca, mas está tudo bem com ela e com o bebê. Foi apenas um vômito comum de gravidez, porém as dores abdominais poderiam se tornar um aborto espontâneo se demorassem mais para chegar. – ele disse firme – A bolsa dela estava prestes a se romper.
- Mas está tudo bem de verdade agora? – a mãe dela perguntou preocupada – Ela vai poder ir para casa em breve?
- Sim, mas a gravidez dela é de risco, ou seja, nada de trabalho ou qualquer esforço ou situação que possa deixá-la nervosa. A partir de agora o que ela e a criança precisam é de repouso.
O médico perguntou quem iria primeiro e a mãe dela me chamou para que fossemos juntos. Ela entrelaçou seus dedos no meu e deu um beijo em minha bochecha antes de entrarmos.
- Vai ficar tudo bem, querido. – ela sorriu terna.
Abri a porta devagar e vi cheia de coisas colada nos braços enquanto conversava avidamente com a enfermeira. A senhora abraçou com força e acariciou seus cabelos enquanto lhe deseja os parabéns. Ela olhou triste para mim e respirei fundo antes de me aproximar.
- Eu não queria que você soubesse desse jeito. – ela disse triste.
- Pelo visto você não queria que eu soubesse de jeito algum. – suspirei.
- Eu juro que queria te contar, , eu juro. Eu tive a minha menstruação normal no primeiro mês, e aí ela atrasou no segundo e eu não me importei porque não tinha tido relação com ninguém... – ela suspirou – Mas aí essa semana atrasou novamente e eu comecei a me preocupar.
- Você e a minha irmã tem que parar de esconder as coisas de mim. – esfreguei o rosto.
- Ela não tem culpa de nada, , ela queria te contar assim que falei para ela, mas eu implorei para ela não falar nada porque eu queria te fazer uma surpresa.
- Como você sabe que é meu? – falei ríspido – Não vem com essa história de eu sou mulher e eu sei porque eu não caio nessa.
- Eu não seria idiota de transar sem camisinha com qualquer outro homem que não fosse você. – ela sorriu.
- E aquele? Do sábado de madrugada? – suspirei.
- Ele não pode ter mais filhos. Ele fez cirurgia e esse era um dos motivos pelo qual ele era mais frequente que os outros. Não corria nenhum risco de engravidar.
- E o da sexta?
- . – a mãe dela disse incrédula.
- Era o mesmo do sábado. O cara do sábado foi o único que eu vi durante aquele mês. – ela sorriu triste – Se você quiser nós podemos fazer um teste de DNA. – ela disse séria – Já é possível fazer testes assim durante a gravidez.
- Eu acredito em você. – suspirei.
- Então o porquê do monte de perguntas sobre quem poderia ser o pai?
- Porque eu não consigo acreditar que isso está acontecendo.
- ? – ela me chamou, mas sua voz parecia tão longe.
Abri a porta do quarto e sai correndo de lá. Passei pela recepção e correu até mim enquanto eu saia do hospital. Ela me abraçou com força assim que parei no estacionamento e a apertei contra mim.
- Nunca mais faça isso. – sussurrei contra sua testa – Nunca mais.
- Eu prometo. – ela choramingou – Eu prometo. A partir de hoje eu não vou esconder mais nada de você. Você tem razão, . Você é o irmão mais velho.
- Eu te amo. – beijei sua testa.
- Eu também te amo.
- Cadê as chaves? Eu vou para casa. – suspirei.
- Você não vai ficar aqui com ela?
- Volto mais tarde, mas agora eu preciso ficar longe desse lugar.
Ela me entregou as chaves e dei um beijo em sua testa antes de deixá-la sozinha no estacionamento. Dirigi com o máximo de cuidado possível até em casa e quando cheguei vi o prato de salada na mesa de centro. Eu não estava mais sentindo fome, eu não estava sentindo quase nada. Peguei o prato em cima da mesa e virei tudo dentro do lixo.
Caminhei até a porta ao lado do meu quarto e fiquei encarando-a. Eu não entrava ali fazia muito tempo. Na verdade, eu tinha realmente conseguido esquecer que aquela porta esteve ali durante os últimos nove meses. A única pessoa que entrava nele era minha mãe. Ela insistia em vir até minha casa uma vez por mês especialmente para limpar aquele cômodo.
Segurei na maçaneta com força e a virei, empurrando a porta. Estava tudo escuro lá dentro. Eu podia sentir um cheiro bebê com desinfetante. Tateei a parede atrás do interruptor e acendi a luz, sendo tomado por uma áurea infantil.
As paredes brancas com cinza, cheia de adesivos feito especialmente para aquelas paredes. A cômoda branca, a cadeira reclinável, os ursinhos e todos os móveis, tudo parecia estar no exato lugar. Olhei para a parede que tinham adesivos maiores e vi o berço que nunca foi usado sem um grão sequer de pó.
Todos os móveis e enfeites estavam exatamente onde deixamos. Nem parecia que minha mãe entrava ali uma vez por mês se não fosse a falta de sujeira.
Deixei a porta aberta e me deitei no sofá, tentando não ter um ataque de pânico ou outro qualquer.
“Sentei-me no chão extremamente cansado e recostei-me contra a madeira do berço. O manual dizia que levaria uma hora e meia para montar, mas tive que pedir licença no trabalho porque aquilo não ficava pronto nunca. Olhei no relógio em meu pulso e os ponteiros marcavam duas e meia da tarde.
Eu tinha começado a montar ele por volta das oito, poucos minutos depois do entregador aparecer na porta com ele. Meu pai tinha insistido para me ajudar, afinal ele era o carpinteiro da família, mas para mim não montar o berço do meu filho me faria menos pai.
estava rindo sobre algo na sala e gritei para que ela fosse até lá ver.
Ela estava entrando no quinto mês de gravidez e a barriga já estava aparecendo bastante nas roupas, o que significava uma acariciando e segurando a barriga como se o bebê pude cair a qualquer instante.
- Ai. Meu. Deus. – ela colocou a mão na boca e olhou para o berço.
- O que foi? – me levantei assustado e segurei-a pelo ombro.
- Ficou linda, amor. – ela me deu um selinho – Mas está faltando uma parte. – ela apontou para onde ficaria o colchão.
- Não. – respirei fundo.
- Amor, é só encaixar. – ela disse rindo e se aproximou do berço.
- Eu devia ter deixado meu pai montar.
- Devia mesmo. – ela riu.
- Era para você dizer que não, que o berço está maravilhoso e que meu pai não montaria melhor, não concordar comigo. – baguncei os cabelos.
Peguei a madeira onde seria colocada o colchão e tentei encaixá-la, mas uma madeira de encaixe tinha ficado para o lado contrário.
- Merda. – resmunguei.
- ...
Ignorei os chamados de e comecei a desparafusar os lugares necessários para arrumar o encaixe. Eu não conseguia acreditar que passei a manhã toda montando o berço para no final ficar errado.
- Amor, nós ainda temos muito tempo...
- Não. – gritei – Nós combinamos que teríamos todos os móveis prontos até o quarto mês, mas você já está no quinto e nem terminei de comprar as coisas.
- , depois a gente monta e eu te ajudo, o que você acha? – ela tocou meu ombro.
- Não, eu vou montar essa merda hoje. – soquei a madeira para que ela se soltasse.
- Eu tenho uma consulta daqui a pouco, vamos comigo e quando voltarmos nós montamos. – ela falou carinhosa.
- Você sabe o trabalho que deu para montar isso? – me aproximei dela – Eu vou terminar isso, ok? Vai para a consulta e quando você voltar estará tudo pronto, até a cômoda. – beijei-a.
- , montar essas coisas não vai te fazer mais pai do que você já é. – ela me empurrou – E daí que nós planejamos ter o quarto pronto antes do quinto mês? O bebê ainda vai demorar para nascer.
- Eu quero montar agora para termos tempo para outras coisas... – me defendi e ela deu um grito.
- Tempo para quê? Ficar sentado no sofá esperando pelo bebê? – ela me deu um soco no peito.
- ...
- Vai se foder, você conseguiu me irritar com essa história de berço. – ela saiu do quarto arrastando os pés.
Corri até ela na sala antes que ela pudesse pegar a bolsa dela.
- Para de graça. – peguei a bolsa.
- Fica aí, monta o berço. – ela pegou a bolsa da minha mão – Eu vou para a minha consulta. – ela respirou fundo – Droga. – ela tocou a barriga.
- O que foi? – segurei seus ombros e a olhei preocupado, mas ela me afastou.
- O bebê chutou. – ela revirou os olhos.
- Sério? – olhei-a contente, mas sua cara irritada tirou meu sorriso do rosto.
- Você não vai tocar nessa barriga, não vai sentir essa criança chutar, , não hoje enquanto estou uma fera com você. – ela caminhou até a porta.
- Para com isso, , é a primeira vez que o bebê chuta. – segurei-a pelo braço e ela o puxou.
- E não vai ser a última. – ela sorriu cínica – Se você não vai esperar para montar o berço, então vai ter que esperar para sentir ele chutar.
- ... – segurei sua mão quando ela abriu a porta.
- Quando eu chegar quero esse quarto pronto, . Berço, cômoda... tudo. Quero esse quarto pronto para receber meu filho daqui uns meses você entendeu? – ela rosnou.
- Eu posso montar depois. – peguei a chave do carro no aparador e ela a tirou da minha mão.
- Não, você não vai ir atrás de mim só para poder sentir o bebê chutar. – ela tentou fechar a porta, mas eu coloquei meu pé antes – Me deixa ir, .
- , desculpa. – abri a porta.
- Você me irritou, , parece que faz de propósito, sabe como eu ando ficando irritada fácil e faz isso. – ela choramingou – Você podia ter decidido ir comigo antes, mas preferiu ficar bravo porque montou o berço errado.
- Já pedi desculpas, amor.
- Desculpas aceitas, mas eu quero ir sozinha. – ela me empurrou – O bebê ainda estará aqui quando eu voltar.
Ela puxou a porta com força e a fechou.
Eu podia correr atrás dela, eu devia fazer isso, mas ir atrás só a deixaria mais irritada. Esses surtos meio bipolares dela estavam sendo frequentes e eu não conseguia lidar muito bem. Acabava esquecendo que era só uma fase e logo ia passar.
Se ela chegasse e as coisas não estivessem todas montadas, isso faria com que entrássemos em uma discussão de como eu a deixei nervosa por nada.
Fui para o quarto do bebê e respirei fundo ao ver o berço incompleto. Peguei meu notebook em cima do balcão da cozinha e fiz uma chamada de vídeo com meu pai.
- Caramba, garoto, o que você aprontou? – ele disse rindo quando viu meu maravilhoso trabalho.
- Eu coloquei uma parte de encaixe para o lado ao contrário e agora não tem como colocar o apoio do colchão.
- E por que está metade desmontado?
- Fiquei irritado e comecei a desmontar as coisas.
- Tudo bem. – ele gargalhou – Vamos lá.
Meu pai foi me passando as instruções sempre que eu começava a fazer alguma coisa errada. Com a ajuda dele consegui remontar o berço em menos de meia hora, e depois de vários minutos montei a cômoda.
Nos despedimos e fiquei pensando se eu deveria guardar as roupas do bebê que estavam ocupando quase toda a minha parte do guarda-roupa. talvez fosse querer fazer isso, mas ela disse que quando voltasse queria tudo pronto, então ela teria tudo pronto.
Procurei sobre qual a melhor forma de guardar as roupas de bebê em um dos mil livros de maternidade que comprou, mas nenhum deles ensinava. Guardei as coisas do jeito que eu achava que era o certo e fiquei olhando para o quarto pensando se ela gostaria.
Era o menor cômodo da casa e costumava ser nosso escritório, mas logo que descobriu que estava grávida ela o esvaziou e me levou até lá como uma surpresa. Quando cheguei em casa e vi todas as coisas esparramadas na sala achei que ela estava fazendo uma faxina, e quando perguntei o porquê de o quarto estar vazio ela apenas soltou a surpresa. “Estou grávida e nosso bebê precisa de um quarto, não é mesmo, papai? ”.
parecia estar totalmente preparada. Ela tinha comprado todo o kit mãe de primeira viagem. Livros, ia a palestras, reuniões, até começaria a fazer um yoga para grávidas nos próximos dias. Sempre que ela sentia alguma dor já sabia o que fazer e se deveria procurar alguém, diferente de mim, obviamente.
Qualquer careta de dor que ela fazia eu já surtava e queria levá-la ao médico. Eu não tinha paciência para ler os livros que ela comprou para mim e aceitava qualquer produto que os vendedores diziam que era ótimo para bebês. Diferente de que conseguia se controlar, eu não escondia minha ansiedade de jeito nenhum.
A primeira vez que o bebê chutou há poucos dias, eu estava no banho e sai correndo quando ela começou a gritar que o bebê chutou. Quando toquei sua barriga não senti nada. Ele tinha parado. riu descontroladamente da minha cara de tristeza por não ter conseguido chegar a tempo. O bebê também chutou ontem no escritório e eu corri feito um louco para chegar. Todo mundo sentiu a mascote (era assim que se referiam ao bebê por lá) chutar, até Jessica, menos eu.
Ela sabia o quanto eu queria sentir o bebê chutar e ela se aproveitou disso para me punir. Eu merecia, devia ter ouvido ela e parado de surtar porque o berço tinha dado errado, mas eu queria muito ver a cara dela quando chegasse e visse todo o quarto pronto.
Fiquei deitado no sofá esperando que ela ligasse pelo menos para dizer que ainda estava com raiva de mim, mas ela não ligou. Também não mandou mensagem.
Troquei de canal várias vezes seguidas tentando achar algo que ocupasse minha cabeça e me fizesse esquecer que eu novamente não consegui sentir o bebê chutar, mas estava impossível. Pensei em cozinhar algo, mas ultimamente sempre que eu fazia alguma comida sem perguntar para , ela sentia vontade de outra coisa.
Ouvi meu celular tocar no quarto do bebê e corri até lá. O nome do pai dela piscava incansavelmente na tela e eu o atendi.
- Oi...
- , a sofreu um acidente e....
A campainha começou a tocar e eu corri até lá na esperança de que aquela ligação não passasse de uma brincadeira dela com o pai, mas quando abri a porta encontrei Susan parada ali com o rosto vermelho e chorando.
Desliguei o celular e segurei Susan pelos ombros gritando para que ela me falasse o que tinha acontecido, mas ela simplesmente não conseguia falar nada. Liguei para várias vezes até que a mãe dela atendeu e pediu para que eu fosse até o hospital que ficava perto de casa.
Tudo o que eu fiz até lá foi totalmente automático. Eu não conseguia me lembrar do caminho que fiz, se passei em algum sinal fechado, muito menos se tinha trancado a porta. Só me dei conta de que estava no hospital quando a mãe dela correu para me abraçar.
Era verdade. Não tinha sido uma brincadeirinha de mau gosto dela. Algo tinha realmente acontecido, mas ninguém tinha muita informação do que, apenas que ela sofreu um acidente de carro. A única coisa que eles sabiam era que ela nunca chegou para a consulta.
Ela se envolveu em um acidente por minha culpa, porque eu insisti em ser um idiota e não a acompanhar quando ela me pediu. Na minha cabeça eu seria um pai de merda se não montasse a porcaria do berço, mas agora eu podia deixar de ser o pai e namorado de alguém.
Quando o médico apareceu pela primeira vez não entendi muito bem o que ele disse. Foi algo sobre cirurgia e hemorragia interna. Ele não falou nada sobre o bebê. Ele também não falou se estava bem, apenas disse o que estavam fazendo com ela.
A mãe dela tentou fazer com que eu me acalmasse, mas era impossível. Seu irmão Conor estava sentado ao meu lado e estava quase mais nervoso do que eu. Meu corpo estava à beira de um ataque de pânico e asma, porque a cada minuto estava ficando mais difícil de respirar. Obriguei-me a regular minha respiração. Eu não ia ter a merda de um ataque de asma ali naquele momento.
Tentei pensar em outras coisas. Na cara de felicidade dela quando saísse dali e visse o quarto. Ao ver o jeito bagunçado que tentei arrumar as roupinhas. A decoração horrível que tentei fazer na esperança de agradá-la. Nada disso adiantava. Uma coisa em mim dizia que ela nunca voltaria para casa, nunca mais veria a decoração ou se sentaria na sala com os pés na mesa de centro para ler algum livro de cuidados com bebê. Ela nunca mais iria me chamar enquanto eu estivesse no banho para ir sentir o bebê chutar. Nada de desejos estranhos no meio da noite. Crises de choro porque estava se sentindo gorda. Não ia ter mais nada. Essa coisa horrível em mim dizia que não ia ter mais nada. Nada de ou bebê. Ia ser só eu naquele apartamento vegetando. Essa mesma coisa dizia que era minha culpa. Eu deixei-a nervosa e fiz com que ela se envolvesse em um acidente.
O médico apareceu novamente e comecei a enchê-lo de perguntas. Eu precisava deixá-lo falar, mas não conseguia.
- , se acalma. – a mãe dela segurou minha mão – Vai ficar tudo bem. Eu prometo.
- Ela está bem. Vamos transferi-la para o quarto em breve...
- E o bebê? O bebê está bem? – perguntei ansioso – Aconteceu algo?
- Ela infelizmente perdeu o bebê.
Não dava para acreditar. A segundos atrás só parecia uma paranoia da minha cabeça e agora era real. Eu não ia mais ser pai, não seria mais mãe... nós não teríamos mais nosso bebê com a gente daqui alguns meses.
Se eu tivesse ouvido ela na primeira vez que ela me disse para esquecer o berço nosso bebê ainda estaria ali. Se eu tivesse insistido e ido atrás dela, por mais que isso a deixasse mais irritada ela não teria se envolvido em um acidente e ainda teríamos nosso bebê.
Eram tantos “se eu tivesse...” que não dava nem para acreditar. Nosso sonho.... O sonho de ... destruído por minha culpa, porque achei que seria mais homem e pai se eu conseguisse montar a porcaria de um berço.
Agora eu não era mais pai, não era mais homem, não era ninguém. Eu não conseguia ouvir nada do que diziam para mim porque a voz da ecoava na minha cabeça. “Estou grávida e nosso bebê precisa de um quarto, não é mesmo, papai? ”. “, corre, o bebê chutou... o bebê chutou “. “Eu tenho uma consulta daqui a pouco, vamos comigo e quando voltarmos nós montamos”. “, montar essas coisas não vai te fazer mais pai do que você já é”.
A culpa fazia minha cabeça latejar tanto que parecia que ia explodir.
Permaneci sentado esperando mais notícias do médico. Os pais dela aliviados porque ela estava bem, mas não escondiam a tristeza de terem perdido o neto. O irmão dela ao meu lado angustiado porque queria vê-la logo.
Todo mundo ali estava com seus sentimentos estampados no rosto e eu também devia estar com o meu. Eles me olhavam de um jeito como se soubessem que eu estava me sentindo culpado. Não adiantaria quantas vezes falassem que não. Era tudo minha culpa.
Uma enfermeira apareceu e disse que já estava no quarto e poderia receber visitas, mas que ela queria me ver antes de todo mundo. Eu congelei quando ela disse aquilo. Eu não ia conseguir olhar nos olhos de e tentar esquecer que ela estava ali por minha causa, que ela tinha perdido o bebê porque fui um imbecil.
- ? – Conor tocou meu ombro – Você está bem?
- E-eu... eu não posso ver ela. – falei assustado – Não.
- Ela não tem culpa... – ele começou a falar, mas eu o interrompi.
- É minha... é minha culpa. – esfreguei o rosto – A gente discutiu e ela saiu de casa brava comigo. É minha culpa... eu não posso ver ela. Não posso. – suspirei – Desculpa, mas eu não consigo.
Sai correndo dali antes que alguém viesse atrás de mim e quando cheguei na entrada do hospital, vi meus pais e minha irmã chegando. Ela correu atrás de mim, mas gritei para que ela me deixasse sozinho. Era assim que eu tinha que ficar. Sozinho. Tinha de deixar a culpa acabar comigo do mesmo jeito que eu estraguei a família que estávamos criando”
.
Acordei assustado e olhei no relógio para ver as horas. Quatro e cinquenta e sete.
Minha barriga roncou alto e ignorei o barulho. Tomei um banho rápido e passei pelo quarto do bebê antes de deixar o apartamento.
Procurei pela chave extra de e a encontrei colada no batente da porta próximo do chão. Abri a porta e fui em direção ao seu quarto. Eu nunca tinha entrado ali, em seu novo quarto. A casa toda tinha alguma decoração, mas o quarto era simples. Uma cama de solteiro, um guarda-roupa e uma mesinha amarrotada de caixas com um espelho na parede.
Peguei sua bolsa de viagem no guarda-roupa e coloquei algumas coisas para ela. Procurei por seus produtos de higiene e qualquer outra coisa que ela fosse precisar.
Tranque a porta e coloquei a chave no mesmo lugar. Esperei pacientemente que o elevador atingisse o térreo e caminhei até meu carro. Olhei para a vaga ao lado onde o carro dela costumava ficar e tentei tirar o maldito acidente da minha cabeça.
Eu ia fazer tudo certo dessa vez. Eu precisava fazer certo. Não por mim, mas por ela.
Quando resolvi que ia terminar com ela foi logo que ela voltou do hospital duas semanas depois do acidente. Eu ficava todos os dias lá, mas me recusava a ver ela. Fechei o quarto do bebê e tentei esquecer que ele existia.
No momento que ela entrou no apartamento com a ajuda de foi como se eu tivesse tomado um soco no estômago. Eu tinha dito para que não queria que ela me visse, mas minha irmã nunca fazia o que eu pedia. Com isso, fui obrigado a olhar os olhos tristes de e mal consegui corresponder seu sorriso magoado. “Eu sinto muito” foi a primeira coisa que ela me disse. Eu não queria que ela se culpasse por algo que eu fiz, mas não tinha nada que eu pudesse fazer.
Logo após ela dizer isso, olhei para sua barriga que costumava aparecer nas roupas. Nada. Ela começou a chorar quando percebeu o que eu fiz e implorou o meu perdão. Eu não tinha o que perdoar, ela não tinha feito nada. tinha sido perfeita em todo o seu ser exatamente como ela sempre era com tudo. Quem estragou as coisas fui eu.
A coisa mais difícil da minha vida foi dizer a ela que nós precisávamos terminar porque eu não queria que ela olhasse todos os dias de manhã paro rosto daquele que a fez perder o bebê que ela tanto queria. Ela não aceitou, gritou, me bateu e chorou, mas duas horas depois dela ter se trancado no nosso quarto, ela saiu com todas as suas roupas.
“Você precisa de um tempo para si mesmo e vou te dar isso. Quando você me quiser de volta sabe onde me encontrar, eu vou esperar por você”.
Quando ela disse aquilo eu não esperava que na semana seguinte eu pudesse encontrá-la se mudando para o apartamento ao lado do nosso.
Ajeitei a alça da bolsa de no ombro e tentei caminhar confiante até a entrada do hospital, mas eu estava morrendo de medo. Eu queria que as coisas dessem certo, mas eu estava morrendo de medo de alguma coisa sair do controle.
Assim que passei pela porta de entrada, vi Conor olhando para a entrada desesperado como se esperasse alguém.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntei.
- Estava esperando você. – ele suspirou aliviado – Você vai ficar do lado dela, não vai?
- Eu estou assustado. – confessei.
- Relaxa, garoto. – ele deu um tapinha no meu ombro – O que aconteceu aquela vez não foi sua culpa, você precisa entender isso e parar de acreditar nessa bobagem. Discussões acontecem. – ele sorriu – Quando Susan ficou grávida nós tivemos uma baita discussão, foi logo no fim da gravidez. Ela foi embora de casa e eu só a vi no dia que o bebê nasceu. – ele riu – É normal, .
- Não consigo acreditar que isso está acontecendo de novo. – sorri – Eu queria ficar feliz, mas o médico me assustou bastante quando disse que a gravidez é de risco.
- O único risco aqui é a te fazer de escravo porque precisa de repouso. – ele riu – Vamos logo, ela estava perguntando por você.
Logo que adentrei a sala de espera, vi meus pais conversando animadamente com . Aproximei-me deles e os dois me abraçaram com força, desejando-me os parabéns. Minha irmã pegou a bolsa do meu ombro e começou a fuçar para ver o que eu tinha pegado.
- Não precisa tudo isso. – ela resmungou.
- Eu não sabia o que ela ia querer. – dei de ombros e ela revirou os olhos.
- Você está melhor? Comeu alguma coisa?
- Ainda não.
- Vou pegar alguma coisa para você. – ela se levantou.
- , não precisa. – suspirei.
- Cala a boca.
Ela saiu andando com seu jeitinho meio superior e voltou uns cinco minutos depois com um café em mãos.
- Não tinha nada ainda. – ela mordeu o lábio.
- Tudo bem. – sorri forçado – Eles disseram mais alguma coisa depois que eu sai?
- Nope.
Eu queria vê-la e saber se estava tudo bem, mas o médico disse que ela precisava descansar e que mais tarde poderíamos. Tentei me acalmar, mas eu precisava falar com ela. Fiquei esperando lá até onde minha paciência me deixou, mas acabei saindo atrás de algum lugar que estivesse aberto naquela hora e vendesse cigarros.
Encostei-me no meu carro e tentei pacientemente não acabar com todo o maço de cigarros, mas dá hora que comprei já tinha ido quatro.
Quando ficou grávida da primeira vez, até tentei parar de fumar, porém era difícil acabar com um hábito que eu tinha a anos. Agora mais do que nunca era preciso. Eu não poderia mais ficar longe dela por muito tempo para fumar e também não poderia fumar na janela do apartamento.
- . – minha mãe acenou da porta do hospital.
Apaguei o cigarro no solado do tênis e guardei-o no maço, caminhando lentamente até ela. Assim que me aproximei ela sentiu o cheiro de cigarro e revirou os olhos.
- Você precisa parar com isso. – ela disse brava.
- Pode deixar. – pisquei para ela.
- O médico disse que você já pode ir ver ela. – ela acariciou meu ombro.
Tentei não parecer desesperado, mas eu nunca conseguia esconder muito as coisas. Corri pelo corredor até o quarto dela e quando abri a porta a vi conversando com uma enfermeira.
- Olá. – a enfermeira sorriu para mim.
- Oi. – falei olhando para – Ela... está tudo bem? Com ela e o bebê?
- Sim, os dois estão muito bem de saúde, mas a gestação dela ainda continua sendo de risco, então todo cuidado é pouco. – ela falou antes de sair.
Sentei-me na cadeira ao seu lado e ela ficou me encarando com um sorriso enorme no rosto.
- Está tudo bem? – ela disse brincando com meus cabelos e eu assenti.
- Eu abri o quarto do bebê. – sussurrei.
- . – ela me puxou para um abraço e acariciei suas costas – Você não precisava fazer isso.
- Uma hora eu tinha que entrar lá.
- Não precisava ser agora.
- Eu estou com medo. – apertei-a contra mim.
- Você não precisa ter medo, ok? – ela segurou meu rosto – Eu estarei com você o tempo todo.
- Me desculpa por ter te colocado no carro daquele jeito.
- Se você não tivesse feito isso eu provavelmente teria perdido o bebê. – ela sorriu carinhosa – Você foi meu herói. Obrigada por não ter feito o que eu pedi.
- Eu podia ter feito... da última vez. – suspirei – Eu podia ter ido com você.
- Está tudo bem, , já te disse que eu esqueci isso e você também precisa esquecer, agora mais do que nunca. Nós temos outro bebê a caminho. – ela beijou minha testa – Vai dar tudo certo, eu prometo.
- O berço... eu consegui. – sorri triste – Eu montei tudo naquele dia. O berço, a cômoda, arrumei as roupinhas e todo o resto. – abaixei a cabeça – Eu não via a hora de você chegar e ver que eu tinha conseguido montar.
Ela começou a soluçar e abracei-a com força. Já tinha começado errado.
- , não precisa chorar. – afaguei seus cabelos.
- Me perdoa, . – ela me apertou – Eu ainda me sinto culpada por aquele dia. Não o acidente ou a nossa discussão. Eu nem estava nervosa com você, só um pouco irritada, mas eu me sinto culpada por não ter deixado você sentir o bebê.
- Está tudo bem, .
- Não. – ela negou com a cabeça – Eu disse que quando voltasse o bebê ainda estaria lá e.... ele não estava. Você nunca pode sentir ele chutar porque eu fui uma idiota.
- Ei, olha para mim. – segurei seu rosto – Você não precisa se sentir culpada por causa disso...
- Você se sente culpado por exatamente tudo o que aconteceu naquele dia, não é justo...
- A vida não é justa. – dei uma risada nasalada e ela revirou os olhos – Nós não vamos mais brigar, ok? Nunca mais.
- Mas as vezes eu gosto de brigar com você. – ela fez bico.
- Tudo bem, você pode brigar comigo depois que o bebê nascer.
- E antes?
- Antes você pode ficar só um pouquinho irritada comigo.
- Mas e você? Não vai poder brigar comigo quando eu estiver errada?
- Quando você estiver errada eu me viro. – passei meu nariz por sua bochecha.
- Então nós estamos bem? – ela sussurrou.
- Se você ainda quiser ficar comigo.
- Óbvio que quero. – ela riu – Eu te amo, .
- Eu também te amo.
Puxei seu rosto de encontro ao meu e colei meus lábios ao seu. Eu sentia tanta falta dela que não conseguia explicar. Ela era minha novamente, minha . As coisas estavam voltando a ser exatamente como eram. Nós dois juntos e esperando um filho.
só teve alta a noite, e não pensou duas vezes antes de entrar no carro comigo. Entrelacei nossas mãos e ela a apertou com força. Não seria fácil fazê-la se sentir confortável dentro de um carro tão rápido. Ela fechava os olhos a cada curva e respirava fundo a todo o momento. O médico pediu que evitássemos que ela andasse muito de carro durante a gravidez por conta do trauma, mas no momento em que ele disse isso, me olhou de um jeito quase confessando que não acataria todas as recomendações médicas.
Quando o elevador parou no nosso andar, fiquei parado entre as nossas portas sem saber para onde ela queria ir.
- O que foi? – ela me olhou curiosa.
- É.... para onde você vai? – perguntei nervoso. Estava morrendo de medo que ela dissesse que iria para o apartamento dela.
- Para nossa casa. – ela sorriu alegre – Quero ver o quarto do nosso bebê. – ela ficou na ponta dos pés e me deu um selinho.
Abri a porta e dei espaço para que ela entrasse. Observei-a caminhar até a porta aberta e entrar lentamente no cômodo. Fui até ela e a abracei por trás, dando beijinhos em sua cabeça. foi se abaixando devagar e começou a chorar baixinho.
- Amor, o que foi? – sussurrei.
- Está lindo. – ela falou rindo e chorando.
- Você gostou mesmo? – virei-a de frente para mim e ela assentiu – Nós podemos mudar a cor das paredes se você quiser.
- Talvez mudar os móveis. – ela deu de ombros e eu assenti – Só para ver você se matando para montar os novos. – ela deu uma risadinha e beijei seu queixo.
- Já aprendi minha lição. – peguei-a no colo – Mas se você quiser nós podemos trocar tudo. – falei enquanto caminhava com ela para o quarto.
- Está ótimo do jeito que está. – ela sorriu – Você fez um ótimo trabalho.
- Quer comer algo? – falei assim que a coloquei sentada na cama e ela me olhou com os olhos brilhando.
- Sim. – ela riu.
- O quê? – perguntei desconfiado.
- Você sabe. – ela se jogou para trás.
- Tudo bem. – beijei a ponta de seus dedos.
- Eu quero fazer a casquinha. – ela falou manhosa.
Fui para cozinha e comecei a separar os ingredientes do crème brûlée. Ela apareceu segundos depois e se sentou no balcão. Olhei-a sem entender e ela deu uma risadinha maliciosa.
- Vim aprender como faz. – ela deu de ombros.
- Não sei se posso te ensinar. – suspirei – Cozinhar é a única coisa que eu sei fazer de melhor.
- Você sabe fazer bebês maravilhosamente. – ela me cutucou com o pé – A gente não sabe ainda como eles ficam. – ela passou a perna pela minha cintura e me puxou para perto – Mas você sabe fazer muito bem. – ela mordeu o lábio.
- .
- Ok, vai fazer meu doce logo. – ela me afastou – Podemos transar depois que eu comer. – ela falou maliciosa e roubei-lhe um selinho.
- Você quem manda.
Intercalei o tempo todo entre prestar atenção no que eu fazia e prestar atenção em . Ela estava digitando algo animadamente no celular e percebi que ora ou ora ela ficava me olhando com um sorriso enorme no rosto.

Já estava ficando impaciente em ter que esperar por alguma notícia de . O dia tinha sido totalmente normal, fui trabalhar, depois fui para casa preparar o almoço e levá-la em uma consulta no hospital. Eu ainda ia voltar para o trabalho depois da consulta, mas meia hora depois uma enfermeira veio até mim avisar que tinha entrado em trabalho de parto.
Como uma pessoa sai de casa para ir a uma consulta e entra em trabalho de parto uma semana antes do planejado?
Eu tinha que ir para casa pegar a bolsa que ela preparou para quando chegasse a hora, mas eu não conseguia sair dali nem para ir ao banheiro. mal tinha chegado e já tinha saído para ir até meu apartamento pegar as coisas, principalmente a cadeirinha. Era óbvio que a cadeirinha já devia estar no carro mesmo que ainda tivéssemos alguns dias.
- Faz quanto tempo já? Duas horas? – Conor perguntou.
- Quase quatro eu acho. – falei num suspiro.
Nos últimos meses a gravidez de tinha feito ótimo avanços e o médico disse que o bebê não corria mais riscos, mas era sempre bom evitar diversas coisas. Para ela tinha sido um alívio, mas eu não acreditava naquilo. Era como se a qualquer momento algo de ruim pudesse acontecer com eles dois. A primeira palavra do médico era a que valia para mim, então até aquele momento eles dois ainda estavam em risco.
- Quanto tempo dura mais ou menos? – perguntei impaciente.
- Depende, filho. – minha mãe disse calma – Quando você foi nascer levou pelo menos umas dez horas, mas com a sua irmã foi apenas duas.
- Ela é a primeira gravidez, , é normal demorar um pouco. – a senhora disse mais calma ainda. Toda aquela calma delas duas ia me fazer explodir.
- Será que aconteceu algo? – perguntei preocupado e minha mãe suspirou – E se eu tiver que escolher entre um dos dois? Eu não vou saber o que escolher. Eu não quero ter que escolher. – choraminguei.
- , relaxa, vai ficar tudo bem com os dois. Você não vai ter que escolher ninguém, entendeu? – ela me olhou séria e eu assenti.
- Por que eles fazem isso com as pessoas? Não é certo. Eu quero saber se ela pelo menos está bem. – levantei-me e fiquei andando em círculos pela sala.
Os médicos disseram que eu não podia entrar para ver, mas pelo visto eu tinha que ficar ali angustiado também. Eu queria ir lá fora fumar, mas se eu saísse era bem capaz do médico aparecer para falar algo.
me puxou para o sofá e me segurou todas as vezes que tentei levantar até que eu desistisse.
Uma hora e meia depois – sim, eu estava contando os minutos – o médico apareceu junto de uma enfermeira.
- Doutor, a criança pelo menos começou a sair de dentro dela? – falei tão rápido que nem eu tinha entendido.
- Sim. – ele deu uma risadinha – O bebê já nasceu e os dois estão bem.
- Eu posso ver eles?
- Foi para isso mesmo que vim até aqui. – ele sorriu – Ela está impaciente para que você veja o bebê.
A cada passo que eu dava até o quarto eu sentia meu coração disparar. Quando o médico abriu a porta, vi a bolsa que trouxe perto da janela enquanto estava com o bebê no colo amamentando. Ela abriu um sorriso enorme ao me ver e fez sinal para que eu me aproximasse.
Nós tínhamos decidido não saber o sexo do bebê, mas já tínhamos alguns nomes em mente. Ambos queríamos que fosse uma menina, mas insistia que seria um menino. A família toda resolveu apostar contra e eu.
Fiquei em pé ao seu lado vendo-a amamentar nosso bebê com um enorme sorriso no rosto. Ela estava extremamente pálida e de um jeito natural como nunca vi em minha vida. estava mais linda do que eu jamais imaginei e poderia vê-la fazer aquilo pelo resto da minha vida.
Eu queria saber o sexo do bebê e ver o rostinho para saber com quem se parecia, mas estava rolando um enorme suspense com o rosto quase todo tampado.
- Você não vai acreditar. – ela disse olhando para mim com um riso nos lábios.
- O quê? – perguntei curioso.
- É uma menina. – ela sorriu maravilhada – É comilona igual a mim pelo visto. – ela acariciou a bochecha do bebê – Mas o rostinho dela... – ela falou sonhadora – É uma mistura perfeita de nós dois.
Meu coração estava mais acelerado do que antes e estava difícil acreditar. Era realmente uma menininha.
- Ei, você tem que parar um pouquinho porque o papai quer te ver. – sussurrou com uma voz infantil e afastou o bebê um pouco.
Ela fez uma cara de choro, mas a balançou um pouco e ela parou. Passei a ponta do dedo em sua bochecha e ela grudou meu dedo e começou a chacoalhá-lo. Ela era mesmo uma mistura perfeita de nós dois, não tinha como negar.
- Ela tem os olhos da . – falei rindo.
- Achei que você não fosse perceber. – encostou a cabeça em meu braço – Ela vai achar um máximo isso.
- Não vamos contar. – beijei sua testa – E se ela falar algo nós vamos negar.
- vai ficar muito metida quando perceber. – ela riu.
- Eu achava que você fosse o bebê mais bonito que eu já tinha visto, mas a nossa filha ganha. – falei orgulhoso.
- Eu disse que você fazia bebês maravilhosamente. – ela riu – Aqui está o resultado.
Era difícil tirar os olhos do rostinho dela e ela parecia não ter intenção alguma em soltar meu dedo, pois ficou segurando-o o tempo todo enquanto voltava a amamentá-la.
- Eve Rose . – disse assim que a bebê dormiu – O que você acha?
- Perfeito. – beijei-a carinhosamente.

Tinha passado a noite em claro para preparar os doces da festa de aniversário da Eve. Parecia que foi ontem que ela tinha nascido e hoje já estava completando quatro anos. Essa seria a primeira grande festa de aniversário dela, com coleguinhas da escola, vários doces e outras coisas que ela tinha pedido.
e eu tínhamos combinado de fazer uma festa só quando ela entendesse o que era, pois não queríamos que ela ficasse ali só aceitando presentes sem entender muito bem o que estava acontecendo. Foi um mês atrás quando ela começou a perguntar do aniversário dela que percebemos que estava na hora.
Muita gente começou a indicar lugares que faziam bolos e outras coisas, mas recusou tudo educadamente dizendo que o namorado dela era o melhor cozinheiro e confeiteiro que ela conhecia. De início fiquei bastante feliz por ela querer que eu fizesse as coisas, e até disse que ajudaria, mas foi só quando ela e Eve saiam escondido que eu percebi que não teria ajuda nenhuma.
Os doces já estavam todos prontos e só faltava decorar o bolo. Eve disse que queria estar ali para decorar, mas ela ainda estava dormindo e eu não iria acordá-la cedo no dia do seu aniversário.
Sentei-me no balcão encarando o bolo incompleto sem saber o que fazer.
- Já é meu aniversário, papai? – Eve e sua voz infantil acordaram-me dos meus pensamentos.
- Sim. – sorri.
Pulei do balcão e a peguei no colo, enchendo seu rosto de beijos enquanto ela gargalhava alto.
- Ei, ei, quietos, não vamos acordar a mamãe. – falei baixinho e ela deu uma risadinha.
- Ela é muito dorminhoca. – Eve fez careta – Eu posso comer meu bolo agora?
- Ainda não, só na festa, mas você pode comer o que sobrar da cobertura depois de você decorar o bolo, que tal?
- Tudo bem. – ela disse empolgada.
Arrumei uma cadeira para ela em frente ao balcão e coloquei o glacê com as outras coisas em fácil acesso para ela.
Eve parecia saber exatamente o que fazer, pois diferente de , ela ficava sempre me cercando para ver o que eu estava fazendo. Era quase dez da manhã quando ela terminou e começou a jogar várias framboesas em cima do seu bolo todo colorido.
- Gostou? – ela me olhou com os olhos brilhando e o rosto sujo de glacê.
- Ficou lindo. – sorri.
- Mas será que está bom? – ela me olhou sapeca.
- Sim, está ótimo, fui eu quem fiz. – falei rindo.
- Eu não sei, papai, melhor a gente experimentar um pedacinho. – ela gesticulou com o polegar e o indicador.
- Eve, eu disse que você podia comer o glacê depois.
- Mas não tem mais glacê. – ela fez bico.
- Você usou tudo só para comer o bolo, não é? – falei rindo e ela assentiu.
- Desculpinha?
Caminhei até a geladeira e peguei um bolo pequeno que tinha feito para cantarmos parabéns para ela de manhã. Eu sabia que ela iria querer comer antes, ela sempre fazia isso com qualquer sobremesa.
Coloquei o bolo em cima do balcão e seus olhos brilharam. Desci ela da cadeira e Eve foi correndo para o quarto atrás de .
- Mamãe, acorda, o papai me deixou comer bolo de aniversário. – ouvi ela gritando – Sim, é verdade, vem ver.
Eve voltou correndo e apareceu logo em seguida com cara de sono e os cabelos bagunçados. Ela olhou para o bolo da festa e deu uma risadinha.
- É mentira. – Eve começou a gargalhar e pegou-a no coloco.
Peguei quatro velinhas na gaveta e enfiei no bolo. Eve já tinha começado a bater palmas antes mesmo que eu pudesse acender. Cantamos parabéns para ela e na hora do primeiro pedaço ela o guardou na geladeira.
- É para tia . – ela falou animada – Se eu der pro papai a mamãe fica triste, e se der pra mamãe o papai fica triste.
- Mas se você der para tia o papai fica triste. – deu um beijo estalado na bochecha dela.
- Por quê? – Eve perguntou inocentemente.
- Tia fica muito metida quando você faz as coisas para ela. – falei rindo – Mas tudo bem, um dia eu me conformo.
- Agora posso abrir os presentes? – ela perguntou ansiosa e olhou para mim.
- Daqui a pouco o tio Conor e a tia Susan vão chegar para levar as coisas do seu aniversário, você não quer esperar para abrir tudo na casa da vovó junto com os outros? – falei pacientemente e ela negou com a cabeça – Tudo bem. – suspirei.
Fui até o quarto e peguei as caixas de presente que estavam guardadas em cima do guarda-roupa. De início elas estavam dentro, mas Eve começou a se esgueirar no quarto a noite, então foi preciso um lugar bem mais alto onde uma cadeira não ajudaria.
Quando viu as caixas em minhas mãos seus olhos brilharam e ela abriu um sorriso enorme. Era engraçado o fato de que agora aquele sorriso com dentinhos pequenos era o maior motivo pelo qual eu acordava de manhã. Nas poucas vezes que Eve ficou doente e precisou ir ao hospital, era como se eu fosse morrer. A sensação era uma das piores da minha vida. Era horrível ver minha garotinha toda fraca em uma cama de hospital sem que eu pudesse fazer nada.
Da última vez que ela adoeceu, a pior delas, eu prometi a mim mesmo que faria de tudo para que ela sempre ficasse feliz e saudável, sem nunca mais ter que ir para um hospital enquanto eu estivesse vivo.
- Quero abrir o pequenininho primeiro. – ela pulou no sofá.
- Por que o pequeno? – perguntei curioso e lhe entreguei.
- Porque se for ruim pelo menos o grandão eu tenho certeza que vai ser bom. – ela rasgou avidamente a embalagem.
- Como você tem tanta certeza disso?
- Porque é grande. – ela deu de ombros.
Ela jogou no chão os vários papeis de seda que colocou na caixa para enganá-la e ergueu três pedaços de papel colorido que estavam lá.
- O que ta escrito? – ela semicerrou os olhos – É mais um daqueles cupons de abraço da mamãe?
- Então você não gosta dos meus cupons de abraço? – se sentou ao lado dela e a abraçou forte.
- Gosto, mas não dá pra brincar com eles. – ela disse envergonhada – Da próxima vez você podia fazer uns cupons de brincadeira com a Eve, ai eu posso usar eles quando eu não quiser que vocês vão trabalhar.
- Você vai usar eles todos os dias. – falei rindo e ela assentiu – Então você não faz ideia do que está escrito aqui? – ela negou – Tudo bem, vamos dar esses ingressos da Disney para uma criança que saiba ler, o que você acha, amor?
- Adorei. – disse rindo quando Eve me olhou incrédula.
- Eu vou para a Disney? – ela perguntou com os olhos marejados e eu assenti – De verdade? A Disney de verdade?
- Sim, meu amor. – acariciou seus cabelos e ela começou a chorar enquanto ria.
- Quando nós vamos? É depois da festa? Eu preciso fazer as nossas malas. – ela tentou sair correndo, mas eu a peguei no colo.
- Se acalma, baixinha, não vamos depois da festa.
- Então quando a gente vai? – ela perguntou empolgada.
- Semana que vem. – falei.
- Semana que vem é que dia? Tem quanto tempo até lá?
- Nós podemos marcar no calendário quando é, assim você vai saber.
- Tudo bem, vamos marcar agora, papai. – ela se debateu no meu colo e saiu correndo para o quarto dela.
Olhei rindo para que apenas deu de ombros com um sorriso no rosto. Me sentei ao seu lado e beijei-lhe rapidamente.
- Bom dia. – sussurrei.
- Bom dia, papai. – ela deitou a cabeça em meu ombro – A gente não vai conseguir dormir até a semana que vem.
Eve voltou correndo com canetinhas e um calendário da Dora que ficava em seu quarto. Ela gostava de saber o aniversário de todo mundo, então nós anotávamos para ela e depois Eve apenas ia riscando os dias que já tinham passado.
Anotei o dia da viagem para Disney e ela ficou analisando atentamente.
- Mas falta muito. – ela resmungou – Falta uma linha inteira.
- Você vai ter uma linha inteira de dias para descansar e guardar energias para Disney. – pegou a outra caixa e lhe entregou.
- Esse nem faz barulho. – ela chacoalhou a caixa.
Ela rasgou o embrulho com a mesma empolgação de antes e retirou de lá uma fantasia de Valente e começou a correr pela sala.
- Eu posso usar na minha festa hoje? – ela pulou em meu colo e apertou minhas bochechas.
- Só se eu ganhar um abraço.
Eve passou os bracinhos pelo meu pescoço e me abraçou o mais forte que podia. Ela fez o mesmo com e depois subiu na mesa de centro para abrir a caixa maior.
- Gostou? – perguntou curiosa e Eve assentiu.
Ela tirou da caixa o arco e as flechas de ventosa, com um dinossauro de pelúcia gigante. Uma das coisas que eu amava em Eve era o fato dela não se importar com brinquedo de meninos e meninas. Ela sempre dizia que era mais opções e que poderia dividir mais para frente quando tia lhe desse um priminho.
Ajudei-a a encaixar uma flecha no arco e ela o atirou desajeitadamente, acertando a parede.
- Posso levar para minha festa? – ela perguntou empolgada – Vou usar o tio Conor de alvo. – ela gargalhou.
- Pode, contanto que quando acabar a festa o papai não vire o alvo, ok?
- Tudo bem, mamãe. – ela jogou um beijo no ar – Agora podemos comer o bolo?
- Calma que ainda tem mais um presente. – se levantou.
- Tem? – olhei-a confuso e ela assentiu – Mas a gente...
- Shhhh. – ela colocou o indicador na frente dos lábios.
Olhei-a sem entender muito bem o que estava acontecendo e ela sorriu de um jeito travesso para mim. Nós dois sempre comprávamos o presente de juntos e nunca dávamos um presente separado.
- Tá, o que foi? Agora estou curioso. – falei impacientemente e riu.
- Eu quero bolo, vai rápido, mamãe.
- Tudo bem. – respirou fundo e olhou para mim – Eu vim pensando a um tempo e eu acho...
- Você não vai terminar comigo e dar isso de presente para ela, né? – falei assustado e ela riu.
- Eu não quero ter duas casas. – Eve me abraçou com força.
- Vocês dois nunca me deixam terminar nada. – ela colocou as mãos na cintura e respirou fundo – Eu acho que esse apartamento está ficando pequeno demais para nossa família.
- Você vai dar um apartamento novo de presente? – falei rindo.
- Claro que não. – ela riu – Eu estava pensando que agora nós podíamos nos mudar para uma casa com um quintal e essas coisas já que agora vamos ser quatro. – ela mordeu o lábio.
- Quê? – Eve perguntou confusa.
- Você só pode estar brincando comigo, . – ela negou com a cabeça.
Fiquei olhando para ela sem mal conseguir piscar. Meu coração estava batendo tão rápido e começou a ficar muito difícil de respirar.
Pude ouvir ao longe a vozinha de Eve perguntando o que era, mas me olhou preocupada. Ela provavelmente devia achar que eu tinha odiado a novidade, mas a verdade era que eu estava muito feliz.
- O que foi? – Eve segurou meu rosto.
- Você vai ganhar uma irmãzinha. – falei contente.
- Ou irmãozinho. – deu de ombros.
- Quando chega? – ela tocou na barriga de .
- Vai demorar um pouquinho porque ainda é bem pequenininho, do tamanho de uma uvinha. – a pegou no colo.
- Eu vou poder brincar de mamãe com ele? – ela perguntou empolgada e assentiu – Será que ele vai gostar de mim?
- Pode ser ela. – falei.
- Não. – Eva disse emburrada.
- Por que não uma irmãzinha?
- Porque eu não quero dividir você com nenhuma irmã. – ela fez bico – Você é o meu papai.
- Mas você divide a mamãe. – colocou-a em meu colo e se sentou ao nosso lado.
- É diferente. – ela cutucou minha tatuagem – Você vai ter que fazer comidinhas para duas pessoas brincarem.
- Não tem problema. – falei rindo.
- Mas e se ela não gostar da sua comida? – ela apertou minha bochecha.
- Aí sobra mais para você.
- Você não vai deixar ela pintar suas tatuagens, né? – ela falou magoada – Nem tomar chá da tarde com ela. Você é meu convidado de honra para sempre.
- Estou ficando com ciúmes desse jeito. – deu um beijo em meu ombro – E eu? Eu posso fazer todas essas coisas com você.
- Sua comida é ruim, mamãe. Você vai envenenar a gente. – Eve suspirou.
- Ei. – disse ofendida – Quando seu pai tem que viajar é a minha comida que você come. – ela riu.
- Amor, você só coloca a minha comida no micro-ondas.
- Tudo bem, fiquem vocês dois com seu chá da tarde. – ela cruzou os braços – Eu vou dar todos os cupons de abraço e brincadeira para ela.
- NÃO. – Eve pulou no colo dela – Desculpa, mamãe, não fica triste. – ela beijou o rosto de – Eu prometo que vou te chamar para o chá, mas só as vezes porque você come tudo, pode ser?
- Pode. – sorriu largamente.
- Você promete que sempre que for dar cupons de abraço vai colocar mais cupons no meu envelope?
- Prometo. – levantou o dedinho para ela e Eve juntou o seu.
- Posso comer o bolo agora? – ela olhou para mim e eu assenti.
Eve saiu correndo e se sentou na cadeira, pegando uma colherada cheia de bolo.
olhou para mim com um sorriso no rosto e olhei-a desconfiado.
- O quê?
- Você não está bravo, né? – ela remexeu na minha barba e eu neguei com a cabeça.
- Faz quanto tempo que você sabia?
- Uma semana mais ou menos. – ela beijou meu pescoço e senti um arrepio na espinha – Eu tinha desconfiado, mas deixei para lá, só que minha menstruação atrasou e resolvi ir no médico fazer um teste.
- Tem quantas semanas? – puxei para se sentar em meu colo e ela riu maliciosa.
- Oito. – ela me deu um selinho – O que você acha que vai ser? – ela acariciou a barriga.
- Eu queria outra menina, mas pelo visto terei que me conformar que eu sou o único nessa casa que quer isso. – suspirei.
- Logo passa.
- Como você sabe?
- Porque sua mãe disse que você não queria ter uma irmã e quando ela nasceu você adorou.
- É mentira. – revirei os olhos.
- Vocês brincavam de casinha com ela e também tomava chá da tarde. – ela riu – É por isso que você quer meninas, porque você lembra da .
- Não. – neguei com a cabeça – Eu tenho um lado feminino dentro de mim.
- Você tem um lado “sinto falta da minha irmãzinha”, isso sim. – ela me beijou.
- Não fala para ela. – falei rindo – Se você falar ela vai começar a aparecer aqui todo dia para tomar chá da tarde.
- Eu prometo se você me prometer algo. – ela arranhou meu peito.
- O quê? – arqueei a sobrancelha.
- Que você vai continuar me amando não importa quantas vezes eu fique gorda porque estou grávida.
- Você está pensando em ter mais quantos filhos depois desse? – perguntei rindo.
- Talvez mais dois, o que você acha? – ela falou envergonhada.
- Acho que a casa que eu tinha em mente é pequena para quatro crianças.
Com a primeira gravidez eu achava que ia surtar a qualquer momento e no final aconteceu uma tragédia. Com Eve eu ficava em estado de alerta e sempre achava que ela seria nossa primeira e última filha, porque eu ainda ia ter um ataque cardíaco de tanta preocupação, mas agora eu já não me importava mais de quantas noites teria que correr atrás de alguma comida estranha. Eu não me importava com as noites em claro, fraldas sujas e o cheiro de cocô que parecia nunca sair do meu nariz.
Eu queria ter mais do que dois filhos. Eu queria uma família enorme para eu cozinhar, garotas brigando comigo por ter comprado o absorvente errado ou ficar com ciúmes demais quando elas começassem a namorar. Queria muitos meninos para passarmos o fim de semana jogando videogame e dando conselhos amorosos, mas mais do que isso, eu queria passar o resto da minha vida ao lado de .



Fim



Nota da autora: (13.08.2016) twitter / grupo no facebook / wattpad / ask.fm ; blog


Nota da beta: Jamile, você arrasou, que isso! Um tiro atrás do outro, eu amei tudo achei linda a história de amor dos dois e sofri horrores com eles <3! Parabéns!





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