Finalizada em: 20/07/2022

Capítulo único

Em tempos modernos, onde tudo o que pudéssemos desejar estava logo ali, há um clique de distância. Onde a comunicação, em tese, estaria facilitada e acessível para a grande maioria das pessoas no planeta, ali estava eu. A tela acesa na conversa com o advogado ambiental, que estava atrasado há quase uma hora para o encontro às cegas orquestrado por minha melhor amiga Amanda. O homem havia ligado mais cedo confirmando o encontro, mas algo em sua voz havia me alertado sobre sua falta de interesse. Relia a mensagem que perguntava se ele ainda viria e me arrependia por talvez soar desesperada, mas é o que se espera estando solteira pela primeira vez em oito anos.
Sobre o balcão do bar os pequenos copos de tequila, agora vazios, se enfileiravam e se eu ainda estivesse vendo direito, havia seis deles. Pedi uma água para o barman que me sorria condescendente, provavelmente vendo estampado em meu rosto que eu havia levado um bolo. Tirei algumas notas da bolsa e respirei fundo, me sentindo uma verdadeira idiota por não ter ido embora quando um dos garçons me convidou a me retirar do salão, pois, segundo ele, havia um casal esperando pela mesa. Como se não fosse constrangedor o suficiente, agora o barman me olhava com pena enquanto me equilibrava sobre os saltos e caminhava com o fim de orgulho que ainda me restava para fora do estabelecimento. Ao passar por uma mesa mais afastada perto da porta de saída, um grupo barulhento de homens comemorando o que parecia ser uma despedida de solteiro soltaram cantadas baratas, palavras destorcidas pelo teor alcóolico nelas. O loiro se desculpou, usava o que parecia uma coroa na cabeça e suas bochechas estavam cobertas de marcas de batom que desciam por seu pescoço e manchava a camisa social branca pelas golas. Ele sorriu sem graça, os olhos atentos aos movimentos dos amigos, que estavam muito mais embriagados que ele. Rolei os olhos, farta de homens ridículos que não respeitam suas futuras esposas ou não mandam mensagens para cancelar um encontro. Me virei para a porta e a empurrei, senti o ar frio da noite arrepiar minhas coxas descobertas e apertei o casaco no corpo, andando um pouco na calçada. A noite no Brooklyn estava bonita e caminhar neutralizaria os efeitos da tequila.
Algumas quadras mais distante do restaurante onde eu nunca mais pisaria, decidi pegar um táxi e ir para casa. Me peguei pensando no suposto noivo, as bochechas coradas pelo álcool e a face se contorcendo numa careta culpada pelas besteiras que os amigos diziam parecia também um pouco cansada. Quem sabe o que pode ter acontecido antes daquele jantar, as marcas de batom pelo corpo do homem eram como insígnias de suas vergonhas. O homem estava para se casar e ali estava ele, cercado de gente bêbada demais para julgar o que é apropriado ou não. Me perguntava o que significa estar prestes a declarar seu amor eterno há somente uma pessoa. Estar apaixonado o suficiente para amar o pior e o melhor igualmente, aceitar as diferenças e seguir em frente juntos. Eu achei que conhecia tal sentimento, até que ele foi inundado por dúvidas e inseguranças.
Como qualquer pessoa com um pingo de esperança em si, eu acreditava em amor. Ultimamente, o amor parou de acreditar em mim. Não havia pressa para o "sim", é só que, a sensação de ter perdido a oportunidade de um dia poder declarar esse amor diante de todos aqueles que eram importantes pra mim, era um tanto desesperador.
Ao chegar no apartamento, ouvi o som de música e conversas animadas vindas de dentro de meu apartamento. Suspirei pesado antes de girar a maçaneta e dar de cara com uma pequena reunião de amigos. Amanda, minha colega de quarto e melhor amiga jantava com nossos amigos e se me lembrava bem, a ocasião se tratava de uma promoção de trabalho de , meu ex-namorado.
Sorri sem graça quando fui notada, tirei os saltos ao lado da porta e apoiei a bolsa e o casaco sobre o aparador ao lado da porta.

— Cheguei tarde? — Perguntei, indo até eles e cumprimentando Amanda com um beijo na bochecha.
— Não. Na verdade, chegou cedo, como foi o encontro? — Ela se virou, pousando as esmeraldas brilhantes sobre mim carinhosamente.
— Não foi um encontro. Seu advogado furou comigo. — Bufei frustrada. Cumprimentei Sophie e Andrew com beijos na testa. Havia algum tempo que não via o casal.
— A que eu conheço certamente iria até a casa desse sujeito lhe dar uma lição. — Andrew comentou, o sotaque inglês enchendo meus ouvidos.
— A que eu conheço não vai a encontros às cegas. — falou finalmente, a sobrancelha erguida e a expressão quase indignada. Ainda estava em dúvida sobre seus verdadeiros sentimentos acerca da ideia de eu estar saindo com outras pessoas. Quando contei a ele que sairia com o advogado que Amanda conhecera na editora, ele pareceu não se importar e isso me incomodava de uma forma sem precedentes.
— Parece que estou desesperada. — Respondi, o tom brincalhão mais fraco do que gostaria atraiu seu olhar preocupado, o que tratei de remediar. — Aliás, parabéns pela promoção. Você é o que agora? Presidente daquela loucura sem fim? — O abracei de lado, um tanto desajeitada por não o esperar se levantar.
— Ainda não. — Ele deu de ombros. Ainda tocava minha cintura quando o soltei. — Sabe como é, muita responsabilidade e eu não gosto de ser pressionado. — Comentou rindo, assenti o olhando orgulhosa.
trabalhava numa empresa de tecnologia e estava desenvolvendo um projeto maravilhoso que levaria internet a áreas carentes, sitiadas em locais onde as empresas convencionais ainda não operavam. Seu sonho de unir as pessoas através da inclusão delas na globalização se tornava cada vez mais próximo e eu não poderia me sentir mais orgulhosa e feliz por ele.
— Parabéns, mesmo. — Apertei meu toque em seu ombro, percebendo que fazia um bom tempo que não o tocava assim e percebendo que seus ombros estavam mais fortes, inteiro parecia ter encorpado mais e o tempo que fiquei notando isso foi percebido por ele, que sorriu ladino e voltou sua atenção para o bonito prato em que ainda comia.
— Obrigado, . — Disse antes de abocanhar um pedaço do peixe.
— Você quer que eu pegue um prato? — Amanda ofereceu, me acordando bruscamente de meu transe por memórias bastante divertidas com o homem sentado ao meu lado.
— Não, não. Aproveite seu jantar. — Sorri para minha amiga, a fazendo voltar a se sentar na cadeira.
— Tem certeza? — Perguntou e eu neguei veemente.
— Sim, estou sem fome. — Assegurei, sendo analisada por algum tempo até Amanda ter certeza de que eu falava a verdade.
— Bom, pelo menos fique e beba algo conosco. — Andrew ergueu o próprio copo, pela metade numa dose de uísque puro.
— Isso eu aceito. — Sorri pegando seu copo e dando um bom gole, Andrew riu animado. — Desde quando peixe harmoniza com uísque? — Direcionei a pergunta para Sophie, que era uma chef particular.
— Nunca. Mas você conhece o Andrew, qualquer coisa harmoniza com uísque. — Rolou os olhos, mas também ria das predileções controvérsias do marido, um roteirista renomado por suas ideias mirabolantes para filmes de ação.
— Desde que o uísque tenha idade suficiente para se auto beber. — Andrew gargalhou, levando o restante de nós consigo.
— Lembra quando escapávamos dos muros da escola para beber cerveja quente e barata? — Amanda ria ao se lembrar de uma adolescência que agora parecia distante.
— Eu me lembro de furando o fundo da lata com uma pedra e bebendo mais rápido do que eu jamais conseguira beber. — lembrou com um meio sorriso no rosto. — Amassava a lata quando terminava e tudo, lembro que me apaixonei por você quando te vi fazer isso pela primeira vez. Achei sensacional uma menina tão pequena ter tanta tolerância para a bebida. — Riu sem se dar conta do que havia dito. sempre fora o tipo que dizia o que sentia, sem medo das consequências. Desde o término, havíamos estabelecido uma amizade madura e nunca tocamos no assunto ou falamos sobre nossos sentimentos, nem no passado e nem no presente. Tivemos poucos encontros desde então, ele mais ocupado que nunca e eu tentando seguir a vida do jeito que era possível. Apesar de difíceis, os desafios tinham gosto diferente, mais atraentes para mim.
Percebi que trocava um olhar intenso com , como se as memórias unissem nossas mentes numa só, reunindo os melhores fragmentos da melhor época de nossas vidas.
Andrew nos fez rir nos lembrando de um verão onde nossos pais juntaram suas forças e tentaram impedir nossa amizade, o que resultara em um plano frustrado, pois, de alguma forma, as coisas funcionavam melhor quando estávamos juntos. Independente dos problemas insignificantes na escola, as confusões em que nos enfiávamos e as noites de preocupação. Nós éramos bons adolescentes, no final do dia, estávamos sempre em algum porão jogando vídeo game e ficando chapados com maconha ruim, não é exatamente certo, mas não fazíamos mal a ninguém.
— É louco pensar que você e o Andy estão casados agora! — Amanda suspirava, contente pelos amigos.
— Quem diria, não é mesmo?! — Andrew brincou, abraçando a esposa pelo quadril carinhosamente, eles trocaram olhares apaixonados. Amanda me olhou rapidamente, erguendo as sobrancelhas e mantinha um sorriso doce nos lábios, nós sabíamos bem que eles foram feitos um para o outro.
— Eu diria! — comentou, fazendo o casal rir.
— E eu podia apostar que vocês se casariam antes de nós! — Andrew olhou de mim para e eu sorvi o último gole em seu copo, evitando seu olhar provocador. Sabia que ele não aprovava o término, mas na verdade não entendia que nós tínhamos que seguir caminhos diferentes.
— Vocês dois sempre foram tão intensos. Até mesmo antes de namorarem, sempre tiveram uma conexão única. Palpável, eu diria. — Sophie comentou, as bochechas rosadas e a fala arrastada de quem acompanhava o marido no uísque há algum tempo.
mordia o interior da boca pensativo, os olhos fixos na taça de vinho pela metade pareceram perdidos por um tempo, até que eu percebesse o rumo para onde a conversa se levava. Limpei a garganta num pigarro desconfortável, evitava olhar para , pois, se o fizesse me lembraria de todas as conversas acerca do assunto. Conversas regadas de carícias e promessas, tão secretas quanta a saudade que sentia de estar em seus braços novamente.
A fim de afastar tais lembranças que faziam uma pontada nascer em meu peito e se instalar ali tão melancólica e patética, me direcionei até o pequeno carrinho de bebidas que pousava ali estrategicamente para manter os copos dos convidados cheios durante o jantar. Repus a dose de Andrew e lhe devolvi o copo. Amanda percebera o silêncio constrangedor que se acomodava junto a mesa e pousou seu talher sobre o prato.
— Alguém quer sobremesa? — Ofereceu, recebendo resmungos animados. — Espero que você goste, Sophie. Tentei reproduzir sua receita de mousse de chocolate e dessa vez, acredito que tenha acertado. — Explicou orgulhosa enquanto se levantava e recolhia o próprio prato.
— Eu ajudo. — se levantou também, retirando os pratos de Andrew e Sophie após seus respectivos consentimentos. Tomei sua cadeira, o observando se afastar para a cozinha.
— Sinto muito pelo que disse sobre vocês. — Sophie comentou baixo, empurrando Andrew pelo peito para aproximar o rosto do meu. — Estou acostumada a ver vocês dois juntos, é estranho que tenham terminado. — Continuou ela, comprimindo os lábios lamentando.
— Está tudo bem. — Sorri alcançando sua mão com a minha. — Nós estamos bem. — Garanti.
— Estão mesmo? — Insistiu Sophie. — Ele pareceu triste quando citei o casamento. — Deu de ombros, voltando a encostar na cadeira.
— O cheiro disso está sem igual. Sem ofensas, Sophie. — voltava para a sala de jantar carregando uma travessa bonita que deixava o doce ainda mais apetitoso.
— Não posso me ofender. Se minha receita tem sucesso, eu tenho sucesso! — Sophie retrucou, afiada. riu, pousando a travessa sobre a mesa e aguardava Amanda trazer o restante dos utensílios.
Enquanto comíamos a sobremesa, o assunto foi se amornando e após o café, Andrew rumou para a sacada e acendeu um cigarro, sendo acompanhado por .
Ajudava Amanda com a bagunça, mas me via distraída sempre que ouvia sua risada mais alta, lançando meus olhos em direção a sacada vez ou outra.
— Você devia falar com ele. — Amanda cochichou enquanto secava um prato que Sophie acabara de lavar.
— E dizer o que exatamente? — Me virei pra ela.
— Que você ainda o ama e que só o deixou ir porque achou que seria a melhor coisa a se fazer. — Rolei os olhos, rindo descrente. — Me interrompa se eu estiver errada. Você achou que o relacionamento de vocês o engessava numa posição onde ele não conseguia mais crescer. — Amanda era minha melhor amiga, o melhor tipo de amiga que se pode ter, mas, as vezes eu odiava sua capacidade de se lembrar de tudo o que eu a dizia.
— Bem, eu não estava completamente errada. Três meses depois, ele está sendo promovido! — Disse na defensiva, vendo Amanda sorrir abertamente.
— Sim, mas isso aconteceu porque ele ajustou sua abordagem no trabalho e se impôs. Vocês terem terminado nada tem a ver com isso. — Amanda encostou o corpo no balcão, me olhava com as sobrancelhas erguidas.
— Eu o ouvi dizer para Andrew que passou por semanas difíceis sem você. — Sophie comentou, o tom animado como o de uma adolescente.
— Não está sendo fácil pra mim também. — Confessei, fechando os olhos com pesar ao ouvir sua gargalhada gostosa novamente.
— Você ainda o ama? — Sophie perguntou.
— Claro que amo. Ele é meu melhor amigo, meu companheiro de eras e o amor da minha vida. É claro que ainda o amo. — Confessei sentindo a mistura de bebidas começar a fazer seu efeito, mesmo que contido, um choro cansado se acumulara em minha garganta e fazia meus olhos esquentarem. — Mas é exatamente por isso que não devemos ficar juntos. Nós não conhecemos nada além de um ao outro e acabamos nos tornando mais amigos do que um casal. Estamos juntos desde os dezoito anos e tive medo de que ele me trocasse por alguém que tenha mais a ver com ele do que eu. — Ali estavam os dois espelhos que eu não conseguia evitar, as duas sorriam como se soubessem de algo que eu não sabia.
— E deixar o caminho livre para essa suposta pessoa é melhor do que entender as diferenças entre vocês? — Amanda perguntava como se fosse óbvio, me irritando ligeiramente. Não gostava de sentir que as pessoas ao meu redor entendiam mais da minha própria vida do que eu.
— Eu passei pela mesma coisa com Andrew. — Sophie desabafou, me fazendo olhá-la com o cenho franzido. — Eu sei, não somos mais o tipo de casal que deixa transparecer que tem problemas, mas, bem, somos um casal. — Deu de ombros, rindo antes de continuar. — Quando achei que estávamos seguindo caminhos diferentes, decidi que devia fortalecer meu relacionamento e respeitar a pessoa que meu namorado se tornava assim como ele respeitava quem eu me tornara. Andrew propôs após vender seu primeiro roteiro para a Netflix, disse que não conseguiria sem meu apoio e que se eu não estivesse lá, ele desistiria da primeira vez que lhe disseram não. — Sophie suspirava apaixonada ao dizer as palavras, seu relacionamento com Andrew sempre fora visto por nós como algo a se observar com carinho. Os dois sempre foram apaixonados um pelo outro, quando se casaram de última hora em Las Vegas, não tivemos como nos chatear com a ausência de convites. Vê-los felizes e juntos para sempre nos bastava.
— Vocês são lindos! — Amanda abraçou Sophie por trás, que ria sem graça.
— O que quero dizer, , é que vocês dois têm muita história e claramente se amam demais para deixar tudo isso para trás. As vezes isso é um motivo a mais para continuar tentando. — Deu de ombros, me fazendo refletir em suas palavras.
As risadas ficaram mais intensas, me vi desconcertada quando e Andrew entraram pela porta. Seus olhos encontraram os meus e eu senti minhas bochechas esquentarem, desviei o olhar do dele e observei Andrew puxar gentilmente a esposa para um abraço, ele beijava seu pescoço e cochichava algo em seu ouvido que a fez rir baixo. Ambos trocaram um olhar cúmplice, me fazendo sorrir diante de tanto amor.
Amanda engajava uma conversa com o casal, me fazendo perceber que cinco pessoas deixavam a cozinha superlotada, me virei para a porta para sair do cômodo, dando de cara com um que me olhava com o cenho franzido.
— O quê?! — Perguntei impaciente, passando as mãos pelo rosto.
— Não há nada no seu rosto. — disse rindo.
— Então? — pedi, agitada. Sentia os olhos ainda úmidos e tê-lo me olhando daquela forma não ajudava. passou os olhos pela cozinha e me deu espaço para passar. Fui até a sacada afim de tomar ar fresco e suspirei quando ouvi passos atrás de mim e percebi a presença dele.
— Você corou duas vezes ao olhar pra mim hoje — comentou ele, se encostando na parede ao lado da porta. Me virei para ele, sentindo que devia manter a postura de quem não sabia do que ele estava falando.
— Eu bebi bastante antes de vir pra cá, sabe que minhas bochechas ficam vermelhas quando bebo — expliquei, cruzando os braços. O frio da noite não combinava com o vestido curto que usava.
— É uma pena o seu encontro não ter dado certo — comentou. guardou as mãos nos bolsos da calça e tombou a cabeça para trás, os olhos abertos, fixos em mim.
— É mesmo? — desafiei, com uma sobrancelha erguida. riu e depois umedeceu os lábios antes de responder.
— Certo... A parte egoísta em mim ficou um pouquinho feliz. — Ele juntou os dedos demonstrando o quanto, me fazendo rir.
— Achei que já tinha me superado e desejava o meu bem — brinquei, me derretendo ao ouvir sua risada. Podia passar horas lhe contando piadas sabendo que receberia aquele som tão gostoso como recompensa.
— Eu desejo o seu bem, mas, você é insuperável. — Disse assim, como se não fosse nada.
— E você tentou? — perguntei, encarando meus dedos descalços, sem coragem para encará-lo enquanto ele respondesse.
— Está me perguntando se eu saí com alguém nesse período? — assenti, ainda sem olhá-lo.
— Sim. Uma vez. — Disse rápido. Mordi meu lábio inferior, sem conseguir esconder a decepção hipócrita que sentia. Afinal, onde estaria agora caso o advogado tivesse aparecido?
— E... Como foi? — coloquei uma mecha de cabelo atrás das orelhas, refletindo minha pergunta. — Não, não responde isso — pedi rindo, mas por dentro estava prestes a desabar.
— Se eu pudesse responder, diria que foi horrível — riu, se desencostou da parede e passou por mim, apoiando o peito na balaústre da sacada. Soltou a respiração pesada enquanto olhava a rua seis andares abaixo. — Não sei se vou ficar à vontade de verdade com alguém além de você. — mantinha um sorriso triste enquanto me confidenciava aquilo e eu não sabia o que responder. Sabia que medo de se relacionar com alguém novo não era motivo suficiente para voltarmos a ficar juntos. Mas e se houvesse outras razões?
Abri e fechei a boca algumas vezes, buscando algo que pudesse dizer além do quanto eu o queria naquele momento. Por sorte, Andrew e Sophie vinham se despedir e o assunto se perdeu no meio de convites de encontros que poderiam não acontecer nas próximas semanas, mas era reconfortante a promessa de rever meus amigos em breve.
— Bem, acho que já vou indo também. — disse após o casal entrar no elevador.
— Deixa eu preparar um prato com as sobras pra você. — Amanda disse rápido, indo até a cozinha na mesma velocidade.
— Não precisa disse ele mais alto, sendo ignorado pela mulher. — Ela só faz isso pra evitar que a comida estrague — bufou frustrado, mas ria.
— Você conhece a Amanda, sem desperdício — comentei, também rindo. Ficar sozinha com ele agora parecia perigoso, como se estivesse diante de uma bomba que poderia explodir a qualquer momento. Uma bomba feita de tensão sexual e um histórico longo. Eu não era a única a me agitar com a companhia dele. mordia o interior da boca, fazendo o arranjo no vaso sobre o aparador parecer muito interessante. — Bem, acho que vou me deitar — comentei, vendo que ele assentia.
— Claro. Boa noite, . — me olhou rápido, sorrindo pequeno.
— Boa noite, . Parabéns pela promoção! — repeti, me aproximando dele e passando os braços por seus ombros, agindo com a memória muscular. passou um dos braços por minha cintura, acariciando a parte de trás de minha cabeça com a mão livre, meus cabelos se embrenhando entre seus dedos, uma sensação tão familiar e acolhedora.
O abraço durou um pouco mais do que esperava, mas sentia ali em sua respiração calma, que nós dois precisávamos daquele abraço. Me afastei quando senti que seu cheiro começava a me confundir e seu toque me fazia querer mais.
— Obrigado — disse ele. A voz falhara um tanto e ele pigarreou, desviando o olhar do meu para Amanda, que vinha com dois potes em suas mãos.
— Aqui está. Coloquei um pouco mais de mousse pra você — piscou um dos olhos, entregando os potes a ele. a beijou na bochecha agradecido.
— Obrigado pelo jantar, estava tudo ótimo! — disse educado, Amanda abanou a mão no ar.
— Eu adoro alimentar quem eu amo — explicou ela, nos fazendo sorrir. — Porém, fazer tudo isso cansa, boa noite — disse ela, acenando enquanto se afastava no corredor, indo para seu quarto.
Quando a porta do quarto de Amanda se fechou, voltamos a nos encarar. Se fizéssemos bastante silêncio, poderíamos ouvir meu cérebro fabricar milhares de frases para serem ditas, coisas que mudariam o curso da noite. Talvez para sempre.
— Já vou indo. — disse de novo, as mãos ocupadas demais para girar a maçaneta. Me adiantei e o fiz, assistindo-o passar por mim.
morava no apartamento da frente. Houve tempos que eu não precisava vir até o meu apartamento por dias, tinha tudo o que precisava com ele, em vários sentidos.
— Boa noite — disse baixinho, assistindo-o abrir a porta do próprio apartamento e deixar os potes no balcão da cozinha, próximo à entrada.
! — chamou quando eu fechava a porta — Espera! — pediu, se colocando entre a porta e sua moldura. — Nós somos amigos, certo? — perguntou. Assenti devagar, confusa com a pergunta de repente.
— Claro que somos — disse, encostando o rosto na porta. estava tão próximo que sentia sua respiração bater em meu rosto.
— Eu tenho pensado... — mordeu o lábio inferior, olhando de relance para os meus. — A verdade é que sinto sua falta. E pensei que em nome da nossa amizade, poderíamos ter uma última... Vez. Juntos. — sempre fora honesto com seus sentimentos e pensamentos, sempre verdadeiro consigo mesmo e comigo. Vê-lo gaguejar e se enrolar com as próprias palavras era algo com que eu não estava acostumada. Foi lisonjeiro sentir que o intimidava daquela forma, como antigamente. A ideia não era ruim, afinal, se havia algo em que éramos bons, esse algo era o sexo. Mas a possibilidade me deixara nervosa e isso também era novo.
— Você quer dizer... — pisquei algumas vezes, me certificando se havia escutado corretamente.
— Isso. Como eu disse, você é insuperável — deu de ombros, um sorriso travesso ameaçando despontar os lábios que agora eu encarava sem pudor.
— Eu não sei... — troquei o peso de uma perna para outra, sentindo que a hesitação vinha de um lugar profundo, contrariando meus pensamentos mais rasos e desejosos.
— Não precisa responder agora, não há pressa — ele explicou. — Não quero que faça nada que não queria e vou entender se não quiser — guardou as mãos nos bolsos novamente. Me peguei o olhando com tanta saudade que se ficasse ali mais um minuto, deixaria qualquer sanidade de lado e me entregaria em seus braços ali mesmo.
— Preciso pensar nisso com calma — dizia assentindo, talvez afirmando para mim mesma que não era sábio agir ignorando as consequências que aquela proposta poderia trazer. Se eu ainda estivesse mesmo apaixonada por e ele não correspondesse, uma última noite de prazer certeiro com ele me machucaria muito mais do que ajudaria a curar.
— Tome o tempo que precisar — disse compreensivo, deixando absurdamente difícil lhe negar qualquer coisa. — Não deixe isso lhe influenciar, mas, sinto sua falta. Mesmo. Não só o sexo que é sensacional. É só... Ainda te procuro por perto quando penso algo engraçado e saber que não posso mais vir aqui te contar, me deixa triste de um jeito que não me preparei para ficar — disse baixo, o cenho franzido numa careta que se assemelhava a dor física. Vê-lo daquela forma me dilacerava.
— Nunca pense que não pode vir me contar coisas engraçadas — disse rindo, mas sentia a angústia se acumular em algum ponto de minha garganta. — Venha sempre. Nós moramos tão perto que é até um pecado evitar. — assentiu, rindo nasalado.
— Não achei que devesse depois que... Você sabe — piscou devagar, suspirando ao se lembrar do término quase três meses atrás.
— Você deve! Nós somos amigos, não somos? — inquiri. assentiu novamente.
— Então, espere por visitas minhas — disse após uma longa pausa. Eu não sabia o que sentia ou pensava naquele momento, mas se seus olhos estivessem me dizendo a verdade, ele estava tendo problemas para se manter tão próximo de mim. Os olhos castanhos desciam o caminho dos meus para meus lábios vez ou outra e eu podia vê-lo engolir em seco, tamanha dificuldade em desviar o olhar. O simples gesto me incendiando por dentro, só aflorava minha imaginação e boa memória.
— Vou te deixar descansar agora. Você pensa melhor quando está dormindo — piscou um dos olhos, malicioso. Ri de seu gesto e assisti enquanto ele se afastava andando de costas, os olhos sem desviar dos meus. rolou os olhos quando esbarrou na parede, errando por poucos centímetros a entrada. Mordia o lábio inferior enquanto sorria vendo-o tão atrapalhado por minha causa.
Ao fechar a porta, me encostei nela sorrindo como uma adolescente boba. Suspirava e refletia sobre suas palavras e principalmente sobre sua proposta, a que eu estava tentada a aceitar, mesmo que estivesse com medo do que pudesse acontecer.
A semana se passou vagarosa, o tempo frio com ventos gelados e chuvas finas sem misericórdia me fizeram optar por trabalhar de casa naquela sexta-feira. Trabalhava como analista de redes sociais em uma agência renomada no ramo, apesar de não ter interesse nenhum em participar do controle do famigerado algoritmo na vida pessoal, eu era boa no que fazia, sendo a analista de uma gama interessante de influenciadores digitais e celebridades do mundo da música. O fato de estar imune ao brilho do glamour por trás da coisa toda, me fazia enxergar aquelas pessoas pelo que realmente eram, pessoas. Transmitir isso de forma honesta e levemente bem-humorada não era tão difícil quando a fachada de pessoa inalcançável caía por terra.
Eu havia conhecido gente famosa o suficiente para não as condecorar; todos nós estávamos correndo o risco de fazer algum tipo de besteira. A diferença de nós, anônimos, é que todos estão vendo o que eles fazem quase em vigia, esperando que cometam o menor dos deslizes para os deslikes começarem a surgir. Alguns deslizes eram maiores que outros, esses mais difíceis de remediar, nem com todo auxílio de mídia digital.
Chequei pela última vez a postagem promocional de lançamento de uma cantora pop e me lembrei porque gostava tanto de trabalhar com aquilo, a resposta do público-alvo era algo fantástico. A popularidade da cantora era indiscutível. A espera ansiosa pelo álbum e a saudade dos fãs estava presente na majoritária maioria dos comentários, com poucos e bem menos engajados comentários de ódio ou desprezo. Os fãs dessa cantora não perdiam seu tempo massacrando seus contraditores, eles respondiam dando a ela quebras de recordes e prêmios conceituados. Nada se compara ao amor de um fã dedicado, eu aprendi isso à duras penas, mas foi divertido.
Dei uma pausa para esticar o corpo um pouco, saí do quarto que havia transformado em escritório com uma cama no canto, o lugar estava deprimente e necessitado de atenção. Me sentia cansada acordando e trabalhando no mesmo lugar, as coisas não se separavam e então, me lembrei também porque não gostava de trabalhar de casa.
Batidas tímidas na porta me fizeram parar o alongamento que iniciara no meio da sala. Suspirei, indo até a porta para abri-la, me surpreendi com um de camiseta e shorts, uma caneca vazia na mão e o computador fechado na outra.
— Oi — disse ele. sorria sem graça, me fazendo olhá-lo curiosa. — Tem café? — ergueu a caneca. Assenti, lhe dando passagem para entrar.
— Acho que não sobrou do café da manhã, mas posso fazer um pra você — disse andando em direção a cozinha, abaixando o short de pano leve que usava sob o moletom quatro vezes maior que o indicado para meu corpo, que um dia pertenceu a e eu havia obtido total custódia após o término, assim como eu lhe deixara meu cobertor preferido. Verde escuro e tão quente quanto um abraço de mãe. Eu havia deixado com ele porque, acima de tudo, ele tinha lembranças demais de nós dois e eu simplesmente não podia tirar dele o artigo testemunha de tanta cumplicidade e amor.
— Como você pode fazer um café tão bom sem ao menos gostar de café? — ele perguntou após um longo gole do líquido quente. Vi quando seus ombros murcharam em puro deleite e ele fechara os olhos apreciando o café tão simples quanto respirar.
— É só café — falei óbvia, me virando para a pia para reagir honestamente, comprimindo um sorrisinho convencido. Chequei a cor do chá instantâneo que fazia para mim e ajeitei disfarçadamente a bagunça que estava meu cabelo e eu só notara agora, pelo reflexo da bebida já escura.
— Então... — começou dizendo, apoiou a caneca no balcão, se erguendo e se sentando ao lado da caneca. — Nós vamos instalar a primeira antena — disse rápido, me fazendo me virar pra ele surpresa, ele sorria tão abertamente que era impossível não sorrir junto.
— Isso é incrível! Onde? — Sequei as mãos em um pano, me aproximando dele.
— No Brasil! É uma cidade pequena, tipo uns três mil habitantes. Cercada de floresta fechada e um verdadeiro desafio, mas nós decidimos começar por onde parece impossível. Se conseguirmos lá, não há lugar em que não possamos estar — ele dizia empolgado. Sem perceber, me coloquei no meio de suas pernas, ouvindo atentamente o que ele dizia. — O prefeito da cidade estava receoso, mas acabamos o convencendo. É perigoso que as pessoas não consigam se comunicar, mesmo sendo tão poucas — ele explicava, me fascinando com a paixão pelo projeto.
— O que você diz parece revolucionário — comentei, sentindo o peito se encher de orgulho.
— E é! É loucura! Nós estamos levando oportunidades pra essas pessoas, quem sabe os comércios que podem surgir com a chegada da internet, o avanço na educação é imenso. Eu estou muito feliz, são tantas possibilidades! — ele riu, pegando a caneca novamente. Deu um gole e só então prestou atenção em como eu estava próxima. Minhas mãos pousavam sobre suas coxas e eu brincava distraída com a barra de seu short enquanto esperava que ele prosseguisse.
— Espera... Você disse Brasil? — O olhei com o cenho franzido enquanto ele assentia e bebia mais café.
— Ainda estou estudando a pronúncia do nome da cidade, assim como toda a língua. Imagina um engenheiro de comunicação com problemas para se comunicar?! — comentou preocupado, mas parecia não perceber que eu o encarava de olhos arregalados, processando que ele estava indo pra outro país.
— Por quanto tempo você vai ficar lá? — senti a boca seca e me afastei bruscamente dele, indo até minha xícara e soprando o líquido antes de tomar um gole.
— Não sei — comprimiu os lábios, percebendo finalmente qual era o meu ponto. — Preciso me certificar de que as coisas vão funcionar — explicou enquanto descia do balcão, se aproximou incerto, confuso com minha mudança de humor repentina.
— Foi por isso que você propôs aquilo? — acusei, deixando a xícara de lado para encará-lo séria.
— O quê? Não! — disse rápido. — Eu só soube disso há pouco tempo. Eu propus que ficássemos juntos uma última vez porque não consigo parar de pensar em você — explicou. parecia ofendido com o que eu sugerira. — O que te fez pensar isso? — Fechei os olhos com pesar, minha precipitação havia deixado o homem magoado e eu não conseguia encará-lo.
— Eu... Não sei — respirei fundo, voltando a encará-lo. — Acho que a ideia de você ir embora me assustou um pouco. — Confessei rindo, mas estava desconcertada e triste.
— Eu não estou indo embora. São só alguns meses até treinarmos o responsável pela matriz, eu vou voltar — explicou calmo. Mordi o lábio inferior, pouco convencida, mas não se tratava de mim. A paixão dele quando falava sobre o projeto quando era somente uma ideia me fez sorrir em meio a dor antecipada por sua partida.
— Estou tão feliz por você! — O abracei forte, ouvindo sua risada abafada em meu pescoço. — Eu também tenho uma parte egoísta em mim — brinquei, citando sua confissão na conversa anterior, mas uma lágrima solitária corria livre em minha bochecha.
— Eu vou voltar, — repetiu, me abraçando de volta pela cintura. Beijou minha bochecha e secou o caminho que a lágrima fizera antes. — Não vou conseguir fazer isso se você chorar, sabe que é meu ponto fraco — falou rindo, mas podia ver que seus olhos se enchiam também. — Preciso que prometa que não vai chorar. — Soltou minha cintura e pegou minhas mãos com as suas, me olhando fundo nos olhos.
— Não sei se posso prometer isso. — Virei os olhos pra cima, a língua tocando o céu da boca e pensamentos felizes numa busca árdua por calma para meu coração.
— Para com isso! — pediu, secando os cantos dos próprios olhos.
— Você que está chorando! — O empurrei de leve pela barriga, o fazendo rir e o acompanhando. Uma lágrima escapou de sua prisão e eu decidi que aquela seria a última, pelo menos na frente dele.
— Certo... Nossa, como nós somos emotivos! — Rolou os olhos vermelhos, umedecendo os lábios. Respirou fundo e voltou a me olhar e eu sorri.
— Eu prometo — disse, ouvindo minha voz rouca pela emoção, suspirei e voltei a abraçá-lo. Independente da saudade que sentiria, eu estava imensamente orgulhosa dele e queria que ele fosse feliz e aprendesse coisas novas por onde passasse. Sei que o Brasil o receberia muito bem e como um povo de coração forte e acolhedor, eles saberiam como agradecê-lo pelo novo olhar para o mundo que eles teriam com sua nova lupa tecnológica.
sorriu também, se afastando novamente para terminar seu café. Apertou os olhos para checar algo no computador aberto sobre a mesa de jantar um pouco mais distante de onde estávamos.
— Eu vou sentir falta desse café! — murmurou. Rolei os olhos enquanto pegava minha xícara de volta, bebendo um pouco do líquido quente.
— Quando vai ser a viajem? — perguntei, vendo-o passar por mim e parar na pia, lavando sua caneca.
— Temos mais uma reunião para acertar questões de verba e estaremos prontos para ir. Isso pode durar uma ou duas semanas — disse cuidadoso. Assenti devagar, digerindo a ideia.
— Amanda vai querer dar uma festa de despedida. — Escolhi focar no menor dos fatos, começando pelas beiradas fáceis de lidar.
— Convença-a de fazer algo pequeno, só nós cinco — riu, eu sabia bem que ele se sentia desconfortável diante de muita gente, ainda mais em momentos vulneráveis.
— Pode deixar — pisquei um dos olhos e ele riu, balançando a cabeça de um lado para o outro.
— Escuta, posso trabalhar daqui um pouco? O vizinho de cima está me deixando maluco arrastando os móveis — disse rolando os olhos. Eu ri, sabendo que aquele era um problema recorrente, assenti vendo que ele arrastava uma cadeira para se sentar na mesa.
— Quer ir para o quarto? — levantou os olhos do computador para mim, as sobrancelhas erguidas e um pensamento cheio de luxúria atravessou sua mente, eu sabia, pois, estive diante daquele olhar por muitos anos e a sensação que ele me causava, me fez rir nervosa. — Acredite, meu quarto é o lugar menos sexy do mundo agora, parece o quarto de um adolescente viciado em jogos online e pornografia — brinquei, ouvindo sua risada enquanto andava pelo corredor. pegou o computador e me seguiu até o quarto.
Fui até as cortinas, abrindo-as um pouco, mesmo chovendo lá fora, havia certa claridade naquela tarde.
— Você não estava brincando — disse ele entrando incerto no quarto, passou os olhos pela mesa e a cama. Se sentou na cadeira e me assistiu tirar meu computador de cima da mesa, lhe dando espaço para colocar o seu. Me sentei na cama com as pernas dobradas e chequei se não havia recebido nenhum e-mail. Quando me virei para , ele já me olhava com um sorriso nos lábios.
— O quê?! — pedi, vendo que ele negava com a cabeça.
— Eu adorava esse moletom — comentou, passando os olhos pela peça.
— Eu adoro mais — puxei as mangas para cobrir minhas mãos pela metade, me sentindo quentinha.
— Eu sei, eu sei... Ele é seu. Fica melhor em você de qualquer forma — deu de ombros, voltando sua atenção para o computador.
O observei trabalhar concentrado por alguns segundos, sempre achara absurdamente sexy seu foco e profissionalismo. digitava números e letras em seu computador, construindo códigos que se tornariam em algo funcional em algum momento. Não foram poucas as vezes que explicara seu trabalho, mas tirando poucas coisas que conhecia por associação a coisas que fazia no meu trabalho, eu não entendia exatamente o que ele fazia. Talvez fosse parte de seu charme, um certo mistério por trás do cara bonzinho. Vê-lo ali com o cenho franzido e os olhos passando rápido pela tela, me faziam lembrar das noites acordados em que dividimos o quarto nos amando e esporadicamente trabalhando, cada um com seu mundo de responsabilidades e prazos.
Mais tarde, e eu havíamos encerrado o dia de trabalho produtivo contentes. Amanda ficaria até mais tarde na editora devido à uma reunião de última hora e mesmo sendo sexta feira, o mau tempo não era convidativo para sair. Entediados e cansados de uma semana cheia, nos deparamos parados na sala.
— Quer fazer alguma coisa? — perguntei inocente, recebendo o olhar malicioso pela segunda vez no dia.
— Quer ver um filme? — sugeriu após umedecer os lábios, comprimindo o sorriso que acompanhava o olhar cheio de segundas intensões.
— Não sei se consigo me concentrar tempo suficiente... — reclamei, me jogando no sofá. me seguiu, puxando a manta dobrada na ponta do sofá para cobrir a nós dois quando eu liguei a televisão e zapeava entre os canais em busca de algo pouco edificante, que não nos fizesse pensar de mais.
— Ah, gente bonita se pegando na praia... O que quer sugerir, ? — O tom falsamente inocente me fez rir.
— Escolhe você... — lhe ofereci o controle, ao que ele negou veemente.
— Mulheres de biquíni jogando bebidas uma na cara da outra! — Levantou os braços e falsa animação narrando a cena.
— Tem razão... — mudei de canal, uma pontada de ciúmes questionando quão falsa era aquela animação toda. — Ah... Perfeito! Documentários sobre crimes não solucionados é a melhor coisa que já inventaram! — Me acomodei melhor no sofá, aumentei o volume da televisão e vi quando passou seu braço por trás de mim, pousando a mão em meu quadril descoberto pelo short que se enrolara nele mesmo e subira um pouco, mas por ser curto, já bastava para me deixar seminua. Com o cobertor sobre nossos colos, ele não veria nada, mas tocava gentilmente.
Assistíamos a triste história de uma garota que havia sido raptada no halloween há vinte anos e mesmo com os esforços da dedicada cidade onde a família da menina morava, ninguém foi capaz de encontrá-la. Os suspeitos por seu desaparecimento eram pessoas próximas à família, o que fazia crescer o sentimento de revolta que esse tipo de crime planta em nossa alma. Me arrepiava ao pensar que ela poderia ter a nossa idade e milhares de possibilidades na vida.
— Esse programa está me deixando deprimido. — comentou baixo, virou seu rosto para o meu e eu o olhei tão de perto, senti a boca secar sob seu olhar. O arrepio se intensificou e mudou de motivo, sua mão que agora pousava no início de minha coxa, acariciou a área arrepiada e um sorriso satisfeito despontou os lados de seus lábios.
Chovia forte do lado de fora do apartamento, uma chuva torrencial que parecia não ter mais fim. Era tarde e estávamos sozinhos. Engoli em seco quando senti as pontas de seus dedos tocarem meu rosto, a mão que antes acariciava minha coxa, agora espalmava meu quadril, me puxando para si. Fechei meus olhos quando seus lábios tocaram os meus, minhas mãos subiram para seu pescoço, buscando por mais contato e aprofundando o beijo. Nossas línguas se tocavam curiosas e sedentas, o beijo era quente e urgente, se intensificando e acalmando ao mesmo tempo, se ajeitando melhor quando me sentei em seu colo. Suas mãos passeavam por minhas pernas e cintura com avidez, com vontade. Apalpando com firmeza e propriedade por baixo dos tecidos. Comprimi um gemido quando ele beijou meu pescoço, um beijo molhado e provocante. Arfava sobre ele, sentindo que nossos corpos se fundiriam a qualquer momento. Sua ereção já presente no meio de minhas pernas me fazia mover o quadril, provocando a nós dois. passou suas mãos por baixo do moletom e me abraçou, voltando a me beijar de forma intensa e torturantemente devagar. Uma de suas mãos passou por minha barriga, subindo para o vale entre meus seios e logo ele massageava um de cada vez, com atenção.
... — chamou entre o beijo, me fazendo abrir os olhos para encarar os dele me incendiando. — Eu te quero tanto — apoiou a testa na minha, fechando os olhos com força quando rebolei devagar sobre seu colo, as mãos apertavam minha cintura, me puxando para baixo. Me afastei para tirar sua camiseta, puxando pela barra com a ponta dos dedos.
Quando estava prestes a passar sua camiseta por seus ombros e cabeça, o som do molho de chaves de Amanda chamou minha atenção, me fazendo sair de seu colo rapidamente e voltar a me sentar no sofá. abaixou a camiseta a tempo de Amanda entrar pela porta e nos encarar com estranhamento, já que ambos respirávamos pesado e os cabelos de estavam bagunçados de um jeito diferente do normal.
— Boa noite, pessoal... — Amanda disse comprimindo um sorriso, se virou para fechar a porta e só então percebi que ela trazia consigo uma caixa de pizza.
— Comida! — Apontei, ainda recuperando o vocabulário. Me levantei, abaixando o short envergonhada, sendo observada atentamente por , que ajeitava a manta sobre o colo.
— Vamos comer, ? — chamou ela, olhando de mim para o homem no sofá.
— Eu... Já vou — ele respondeu, fazendo Amanda cobrir a boca para não rir e deixá-lo ainda mais envergonhado com a situação. A repreendi com o olhar e ela me devolveu com olhos cerrados.
— O que vocês estavam fazendo? — cochichou ela, maliciosa e curiosa.
— Nada — disse rápido, ouvindo sua risada divertida. Me servi de um pedaço de pizza e voltei a me sentar no sofá, dessa vez, longe de .
Quando ele se recompôs, se serviu de um pedaço e comia enquanto dava as boas notícias para Amanda, que assim como eu entendia pouco das tecnicalidades do trabalho, mas sabia da importância dele. Amanda ficara imensamente feliz com as boas novas e como eu previra mais cedo, já planejava a festa de despedida. Os observava conversar um tanto absorta do assunto, mesmo que não conseguisse parar de pensar nisso. Na verdade, eu pensava em duas coisas. O que quase aconteceu no sofá tinha agora um lugar especial em minha mente, mas, estava grata por não ter acontecido. Se nossa última noite fosse acontecer, ela deveria ter algumas regras básicas para que nós reduzíssemos ao máximo os danos.
Era tarde quando foi embora. A conversa com Amanda se estendeu muito mais do que o esperado, mas mesmo entretido com a conversa, vez ou outra, me olhava e eu sabia o que ele estava pensando, pois, o pensamento se espelhava no meu.
Tudo o que eu queria era voltar para seu colo e arrancar os tecidos que nos separavam.
Estava em meu quarto batalhando contra a frustração, havia um tempo desde que transara pela última vez, alguns dias antes do término. Quando me dei conta de algo que havia dito na noite passada, sobre ter tentado me superar. Na hora, não havia dado a verdadeira atenção ao fato de que havia transado com outra pessoa enquanto estávamos separados e apesar de grande parte de mim estar bem com isso, pois, não estávamos mais juntos, uma pequena parcela de meu ser sentia ciúmes da ideia de ele tocar outro corpo, ser beijado e sentir o calor de outra mulher que não fosse eu e aquilo doeu como nunca havia doído.
sempre me deixara segura em nosso relacionamento, sendo poucas as vezes em que senti ciúmes em situações bobas, que foram resolvidas com diálogo e maturidade, até mesmo quando éramos mais jovens. Então, sentir aquilo quando já não estávamos mais juntos me fazia repensar a ideia de dormir com ele novamente. O medo irracional da comparação e o mais racional, que era de me machucar com sua partida.
Mas eu o queria.
Sua voz rouca dizendo que me queria também, com tanta urgência e desejo me faziam grunhir frustrada e com tesão. Os ciúmes só intensificavam essa vontade e eu me via em meio a um dilema deliciosamente tortuoso.

No meio da semana seguinte, estava trabalhando em casa novamente, mas tinha a companhia de Amanda, que também tinha trabalho a fazer e dividíamos a mesa de jantar, o tempo mais ameno nos permitiu abriu as portas da sacada, um ar novo e refrescante nos agraciando com sua presença vez ou outra.
— Preciso de um cigarro! — Amanda resmungou, estalou o pescoço e fechou o computador a sua frente com certa força.
— Está tudo bem? — levantei meus olhos da notícia que lia e a encarei preocupada.
— Não — resmungou de novo, chamando minha atenção. Amanda puxou o maço de cigarros da bolsa e se levantou, pegando o isqueiro sobre a mesa de centro no caminho até a sacada. A acompanhei com o olhar e me levantei também, a seguindo.
— O que houve? — perguntei, apertando o casaco fino que usava devido ao frio, Amanda se encostava na balaústre da sacada, soltando a fumaça do cigarro já acesso entre os dedos.
— Estou cansada. Não do trabalho, eu amo trabalhar e adoro todos na editora. — Ela explicava olhando para além do que via, Amanda tinha o ar permanente de pessoa bem-humorada e quando não estava de bem com a vida, não se tornava exatamente uma nuvem carregada. Secretamente, invejava seu controle emocional e a inteligência acerca de seus próprios atos, Amanda agia sempre com razão e graça, o que me fazia estranhar a mulher de cenho franzido e corpo inquieto diante de mim.
— Então, cansada de quê? — pedi, tomando o cigarro de seus dedos e dando um trago também.
— De me sentir sozinha — confessou, devolvi o cigarro a olhando com atenção, reparando que minha amiga vinha dando sinais de não estar bem há algum tempo. — Eu sei que o que vou dizer é horrível, mas, ver a Sophie e o Andy tão bem naquele dia me fez sentir falta de algo que nunca tive. Foi a primeira vez que senti inveja do relacionamento deles, não por eles, mas, pelo que eles têm. Sinto que nunca vou ter essa conexão com alguém, porque, eles se conhecem há anos. — Ela explicava, a voz titubeava e Amanda não sabia a coragem necessária para assumir isso.
— A Sophie mesmo disse que eles tiveram algum trabalho para construir isso. Sei que não sou a melhor pessoa para dizer isso devido aos últimos acontecimentos, mas, quando você amar alguém que te ame de volta, vocês vão construir o tipo ideal de relacionamento pra vocês. — Amanda ria descrente enquanto eu falava.
— Esse é o problema, não se consigo amar alguém. Não sei se sou capaz de sentir isso por alguém que eu não conheça. — Amanda parecia perturbada por seus próprios sentimentos e o que antes parecera sólido, escorria por entre seus dedos.
— Você é a pessoa mais amorosa que conheço. Se tem alguém que sabe amar, esse alguém é você — alcancei seu ombro com minha mão, Amanda sorriu, mas ainda estava triste.
— Você acharia estranho se eu saísse com aquele advogado? — pediu incerta. Estava envergonhada e eu segurava o riso para não a constranger mais.
— Claro que não! Vai ver ele me deu um bolo porque queria sair com você, não comigo — cutuquei sua costela de leve com meu cotovelo, me encostando ao seu lado.
— Foi mais ou menos isso que aconteceu. Achei ele meio cafajeste por te deixar esperando e não enviar nem uma mensagem cancelando, mas, ele se esforçou para tentar me explicar e pareceu sincero — deu de ombros, falava devagar e eu sentia o cuidado dela em não me magoar com a informação.
— Vamos ficar de olho nele, então... — comentei enquanto encarava o céu nublado, sentia falta do verão e de ver nuvens no céu azul.
— E como você está com relação a partida do ? — perguntou de uma vez, mudando o assunto bruscamente.
— Ele não está indo embora — falei rindo, mas Amanda me olhava séria.
— Ele não sabe quanto tempo vai ficar lá... Você está bem com isso? — Amanda reformulou enquanto estudava bem meus olhos, como se fosse tirar a resposta dali.
— Eu sei que o projeto é maior que nós dois e que ele vai ser muito feliz enquanto estiver lá. Não vai ser fácil, mas, ele vai estar feliz e é só com o que eu me importo — disse devagar, me certificando de que ela entendia o que eu dizia.
— Não, ... — Ela bateu a mão na própria perna em frustração — Você vai acabar perdendo o para sempre achando que qualquer coisa é mais importante que você na vida dele. Aquele homem é devoto a você, . Sei que você sabe disso também, não sabote isso por medo do desconhecido, lembre-se que sempre vai ter alguém lá pra segurar sua mão. — Amanda parecia irritada e por mais pessoal que fosse o assunto para ela, eu sabia que ela não estava irritada comigo diretamente.
— Bem... O que eu faço agora? — perguntei, sentindo o nó na garganta tomar mais corpo e meus olhos esquentarem.
— Eu não sei — deu de ombros, soltando a respiração com pesar. — Você vai esperar por ele? — Voltou a me encarar.
— Eu pensei nisso — confessei, Amanda assentiu compreensiva. — Mas ele já esteve com outra pessoa nesses últimos meses e nada impede que ele encontre alguém por lá. Eu descobri que tenho ciúmes dele! — ri, vendo Amanda me acompanhar surpresa.
— Eu sabia! — acusou, me fazendo gargalhar.
— É horrível! Os pensamentos que vão se tecendo, tramando toda uma situação para te deixar paranoica. Não é justo — reclamava enquanto Amanda ria de minha desgraça.
— Certo, isso me lembra porque escolhi ficar solteira. — Amanda falou, se lembrando do último relacionamento que havia sido breve e cheio de brigas por ciúmes.
— Deve ter um jeito saudável de lidar com isso. Não vou me comprometer esperando por ele sabendo que vou me sentir assim, então, o mais maduro é deixar as coisas acontecerem sem interferência — disse obstinada, Amanda meneava a cabeça considerando meu ponto de vista.
— Acho que vocês deviam transar uma última vez como o encerramento de uma era. Assim, o que acontecer depois é uma história completamente diferente. — Amanda dizia animada, a olhei com os lábios entreabertos, a palavra engasgada no susto. — O quê?! — perguntou, confusa.
sugeriu isso. Antes de saber da instalação, segundo ele, mas... Sim, ele perguntou na noite do jantar e desde então temos agido de forma bastante... — estalava os dedos em busca de uma boa palavra quando Amanda rolou os olhos.
— Vocês estão agindo como agiram desde sempre. O estranho era ver vocês evitando olhar para o outro quando um se virava para olhar... A tensão sexual de vocês era enorme, ser a terceira pessoa na sala era sempre sufocante. Não parecia que vocês tinham terminado, mas que tinham sido amaldiçoados por algum tipo de magia e voltado aos dezessete anos, quando perceberam que sempre se amaram e estavam loucos para transar. — Eu a encarava perplexa, Amanda recuperava o fôlego e eu me sentia patética.
O problema de namorar alguém do seu ciclo de amigos, é que os outros amigos vão sempre ser expectadores do seu relacionamento. Essa também é a parte boa se eles forem bons amigos, quando um momento difícil chegar, eles te mostrarão quão patéticos e infantis nós ainda somos.
Amanda me encarava séria, mas eu analisava a situação ridícula em minha mente e comecei a rir, uma risada que moveu meus ombros e a contagiou imediatamente.
Estávamos rindo na sacada quando a porta se abriu bruscamente e segurava seu telefone no ouvido, a mão erguida evitando que fizéssemos perguntas enquanto ele assentia e concordava verbalmente com seja lá que fosse que estivesse do outro lado da linha. andava de um lado para o outro e ouvia atentamente. Amanda apagou o cigarro no cinzeiro no chão e tossiu antes de entrar e se sentar no sofá, olhando andar de um lado para o outro. Eu o olhava preocupada, assisti apreensiva quando ele pigarrou e deu uma daquelas risadas sociais, se despedindo logo em seguida. Tirou o telefone da orelha e pude ver seus olhos checando a chamada ser encerrada.
— O que aconteceu? — Amanda perguntou impaciente. ainda respirava pesado e seus olhos encontraram os meus e ele pareceu se dar conta do que acabara de ouvir.
— A viagem é amanhã — ele disse baixo, a voz estava rouca e sua expressão confusa parecia a afirmação se parecer mais como uma pergunta.
— Ai meu Deus! — Amanda o abraçou, o felicitando, a abraçou de volta, mas parecia estar em choque. Respirei fundo, me lembrando de minha promessa e mais importante ainda, vendo que ele precisava de mim. Fui até eles devagar, não desviava meu olhar do dele, que estava assustado. O orgulho que sentia por sua vitória era o bote no meio do mar de sentimentos que me acometeu.
— Ei... Isso é incrível! Você é incrível! — disse me aproximando quando Amanda o soltou. me abraçou pelos ombros, deitei minha cabeça em seu peito e senti seu queixo no topo dela, seu coração batia forte e rápido em meu ouvido. Passei minhas mãos por suas costas, um carinho singelo em seu ombro, na tentativa de acalmá-lo.
? — me afastei para olhá-lo e o olhar em seu rosto estava completamente perdido. — Estou com medo — falou ainda mais baixo, como se fosse um segredo. O abracei de novo, agora pelos ombros, fiquei na ponta dos pés para alcançar seu ouvido e cochichar.
— Você trabalhou muito por isso, o projeto é perfeito e ter medo só significa que você se importa, que tem algo a perder — me afastei para encará-lo nos olhos. — E você não gosta de perder, é o filho da mãe mais competitivo que já conheci. — O provoquei com um erguer de sobrancelha. Ele se desmanchou num riso aliviado, mas voltou a me abraçar forte.
— Alô? Andrew? — Amanda falava no telefone, andando em volta de nós. — Pegue sua mulher e toda bebida que achar na cidade. está indo embora! — O grito do homem pode ser ouvido de onde estávamos e riu, secando algumas lágrimas.
— Você está bem para isso? Posso intervir sobre a festa — sugeri e ele negou com a cabeça, mordendo o lábio inferior enquanto respirava fundo. — Vai dar tudo certo — fiquei na ponta dos dedos do pé novamente para alcançar sua bochecha com um beijo estalado.
Desde a sessão de amassos no sofá há alguns dias não tinha visto , só ouvira sua voz quando passou para devolver os potes para Amanda. Não era certo me aproveitar de seu momento vulnerável.
— Obrigado, — soltou minha cintura, mas segurou minha mão com a sua, que ainda tremia um pouco. — Pode ficar um pouco comigo no seu quarto? Juro que não vou tentar nada, só quero ficar sozinho com você antes de eles chegarem — pediu e eu assenti, o puxando pela mão em direção ao corredor e quando passamos pela porta, a fechei atrás de nós. Ainda podíamos ouvir Amanda falar com Andrew no telefone, se deitou em minha cama e fechou os olhos, fui até ele, me sentando ao seu lado.
— Acha que sou pretencioso? — perguntou, os olhos ainda fechados.
— Não. Mas é preciso alguma pretensão para inovar — disse após refletir rapidamente. agora encarava o teto, digerindo o que eu dissera.
— Eu concordei com uma redução considerável no meu salário para ajudar a verba do projeto sair, alguns colegas fizeram o mesmo e isso explica a decisão tão antecipada — ele dizia, como se refizesse a história em voz alta para que lhe fizesse sentido. — Howard Jenkis, o engenheiro mais velho da equipe e alguém que eu admirei por tantos anos devido a mente avançada e curiosa, sugeriu que minha ação era falsamente altruísta. Como se eu quisesse algum prêmio creditando a minha participação no projeto. A ideia é minha! — reclamou, a expressão irritada diante da injusta acusação do colega. Eu o ouvia atenta, como sempre fazia. Era engraçado perceber que cientistas podiam se comportar como verdadeiras crianças as vezes. Me fascinava como as concepções formadas através de grandes expectativas por um certo grupo de pessoas eram frágeis e refutáveis. — Nunca pensei que ele fosse ter um pensamento tão mesquinho, o que é crédito diante de tudo o que será proporcionado para essas pessoas, o projeto é para elas. O crédito é todo delas — bufou irritado, me deitei ao seu lado e se virou de lado, enterrou o rosto na curva de meu pescoço e me abraçou pela cintura.
— Quanto você ganha? — perguntei após um longo silêncio. Havia voltado a esse detalhe e imaginado o quanto é necessário para financiar tal projeto e de quanto ele havia aberto mão.
— Você não sabe quanto eu ganho? — Levantou o rosto, me olhando confuso. Segurei uma risada.
— Amor, eu não sei nem que você faz! — ri vendo que ele rolava os olhos, mas também ria.
— Eu não vou explicar mais — resmungou, voltando a ajeitar o rosto em meu pescoço, se escondendo atrás de meus cabelos.
— Tudo bem. Ninguém sabe o que você faz. — Ele riu de novo, fazendo cócegas em meu pescoço.
— Eles são artistas, eu entendo. Agora você... — apertou minha cintura como punição.
— Está bem assim, é legal que um de nós tenha um emprego que pareça secreto. Andrew gosta de dizer que você é um espião estrangeiro — falei rindo, parou seus movimentos se dando conta do que eu dissera.
— Para quem ele diz essas coisas? — perguntou preocupado, me fazendo rir mais.
— Você não está em perigo, não se preocupe. Ele não aceita que eu não seja uma hacker de famosos. — O assegurei, ouvindo sua risada gostosa me deixar ligeiramente menos preocupada.
— Acha que ele nos imagina como algum de seus personagens? — quis saber, assistia seu polegar acariciar minha barriga devagar, quase imperceptível, mas o suficiente para me perder em meus pensamentos.
— O quê?! — perguntei, a voz falhada e a respiração entrecortada. Meu corpo me traía para reagir como queria a seus toques.
— Acha que Andrew nos imagina como personagens em seus roteiros? — repetiu a pergunta, me puxando para mais perto, se é que era possível.
— Andrew é o tipo de pessoa que pode inventar versões melhores de nós para não se entediar. Eu não o culparia, a versão dele de mim é muito mais legal. — Aquilo sim se parecia com o normal. As pernas entrelaçadas sobre a cama, as risadas quase sincronizadas e somente a presença um do outro para aliviar qualquer dor.
Me virei para ele e o encarei, percebendo que ele parecia bem menos assustado que antes. Ele brincava sobre algo e eu o admirava em silêncio por sua coragem, na verdade, havia tido exemplos lindos de aceitação e vulnerabilidade com duas pessoas que amava tanto. Vê-los entendendo seus sentimentos e os expondo em segurança, era inspirador.
A tarde caía lá fora e após algumas horas conversando e rindo com , sentia que tinha pouco tempo para organizar os pensamentos e expressar o que sentia. Tinha menos de vinte e quatro horas para colocar tanto em ordem, sabia que durante a festa, teria de dividi-lo com nossos amigos, pois, não era justo impedir que eles se despedissem. — ? — O chamei, após um silêncio confortável, sua mão pousava em minha coxa, que agora estava sobre sua perna e ele mantinha os olhos fechados. Me respondeu com um resmungo preguiçoso que eu achei adorável. — Sei que vai estar ocupado até ir para o aeroporto, mas, espero que não seja tarde para aceitar sua proposta. — abriu os olhos rapidamente, me fazendo gargalhar com tamanha astúcia quando o assunto era esse.
— Sério? — mordeu o lábio inferior e eu assenti devagar. se aproximou e me beijou calmamente, como se agradecesse. Batidas na porta fizeram com que nos afastássemos e Andrew entrou no quarto, equilibrava três garrafas de cerveja nas mãos e abrira a porta com a ajuda de Sophie, que entrou logo depois dele.
— Espero não estar atrapalhando nada! — Andrew anunciou, se aproximando e encostando a cerveja geladas em minhas costas expostas.
— Seu bastardo! — xinguei, arqueando as costas.
— Meus pais são casados! — Andrew retrucou, me entregando a cerveja e olhando de mim para .
, parabéns! Nós estamos tão felizes por você! — Sophie disse, estendendo a própria cerveja em direção a ele.
— Vamos ficar felizes por mim lá na sala. Nós já vamos — respondeu, sem graça, mas sorria. Andrew riu, levando a esposa para fora.
Nos entreolhamos e encostou sua cerveja na minha, brindando e dando um longo gole.
— Vamos lá? — disse após sorver da bebida gelada, estendia a mão para me ajudar a levantar.
— Você vai na frente — disse já de pé, os dedos entrelaçados aos dele. — Eu te encontro em um minuto. — Me aproximei segurando um sorriso que não se sustentaria por muito tempo.
— Não demore — pediu baixinho, se aproximando e deixando um beijo carinhoso em meus lábios e saiu pela porta. O observei andar pelo corredor e encontrar Sophie passando da cozinha para a sala, antes que eu fechasse a porta pude ouvi-lo se desculpar pela grosseria há poucos minutos e pela risada da mulher, tudo estava bem.
A chegada de Sophie e Andrew ao apartamento havia trazido consigo a realidade, que era péssima convidada e me acertara com um soco no alto do estômago.
estava indo embora.
Por mais que quisesse acreditar na teoria de que ele voltaria em alguns meses e que eu teria tempo de colocar a vida em ordem para recebê-lo de volta, eu não havia pensado em como iria fazer isso. Eu estava tão acostumada a tê-lo logo ali, do outro lado do corredor. A ideia de não o ver todos os dias parecia inconcebível e agora eu estava diante de sua partida.
Sentia que meu peito se encolhia conforme eu soltava o ar devagar. Não podia chorar e estragar sua festa, então, deveria encontrar alguma força para sair do quarto e deixá-lo aproveitar a presença dos amigos. Minha despedida viria depois, eu sabia.

A sala decorada pela metade mostrava que Amanda se esforçara para reunir artigos de despedida, mas a faixa que agora caía de um lado dizia "Parabéns, menino!", me aproximei e toquei o tecido dobrado no meio, escondendo o restante da frase "é um". Olhei de soslaio para Amanda que dava de ombros, rindo. Ela me observava do outro lado da sala e eu fui até ela.
— Você sempre dá excelentes festas — comentei, Amanda balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Eu esperava ter uma semana para planejar! — falou alto o suficiente para fazer o homenageado a olhar de soslaio e crispar os lábios em desdém. — Tive que usar o que sobrou do chá de bebê da Donna... — explicou. Amanda podia não dar o braço a torcer, mas estava odiando o resultado de seu empenho nas últimas horas.
— Não se preocupe, está ótimo! A melhor parte são os detalhes — apontei a faixa, que daquele ângulo parecia até charmosa a sua tentativa de se descolar do alto da parede. Enquanto a olhávamos, a faixa se soltou, se desdobrando e fazendo todos rirem.
— Parabéns pelo bebê... — Andrew comentou, batendo de leve sua cerveja na de em um brinde desajeitado. voltou seus olhos em nossa direção de novo e ria, uma risada gostosa e contagiante.
— É só o que ele merece mesmo... — Amanda deu de ombros, se virando para mim. — E então... Rolou? — perguntou com seus olhos brilhantes e curiosos.
— Do que você está falando? — me sentei na bancada, recebendo seu olhar feio, mas não desceria dali. A vista era bela como uma pintura.
— Do que vocês estão falando? — Sophie se aproximou; ainda dançava sozinha. Veio até nós mexendo seus quadris e girando o corpo lentamente, tirando alguns gritinhos animados de minha parte e de Amanda, que chegou a arriscar alguns passinhos junto com ela.
— Eu disse que e deveriam transar uma última vez antes de ele viajar. — Amanda disse um tanto alto, não suficiente, graças a música e a conversa calorosa que os meninos levavam focados.
— Amanda! — a repreendi, chutando o ar ao lado dela.
— É genial! Claro que vocês têm que passar a noite juntos. — Ela disse, se aproximando de mim.
— Eu sei... — assumi, um tanto incomodada por estar discutindo algo tão íntimo e ainda tão incerto para mim.
— Ah... É tão romântico! — Sophie suspirou.
— Ele com certeza vai dar o sangue nessa transa... — Amanda olhava para além do balcão, como se imaginasse a cena.
— Amanda! — a repreendi novamente, sentindo as bochechas corarem, pois, era a mais cruel verdade. normalmente era incrível, incontáveis as vezes em que me encontrei curvando os dedos dos pés e contorcendo o corpo na mísera lembrança de tê-lo em mim, me tocando e me beijando como ele sabia que eu gostava.
— Você devia ver seu rosto agora! — Amanda ria, me fazendo rolar os olhos, mas, acabar rindo junto. — Ele parece ser bom no que faz... — Mordeu o lábio inferior, lançando um olhar um tanto interessado de mais para , que estava de braços cruzados e a expressão séria, ouvia a opinião controversa de Andrew sobre alguma coisa que não conseguia prestar atenção por estar derretendo a cabeça de Amanda em minhas mais profundas, mesquinhas e ciumentas projeções imaginárias.
— Amanda! — Sophie a repreendeu, a fazendo rir.
— O quê?! Ele está solteiro agora... — Ela me lançou o olhar provocativo e eu rolei os olhos, descendo do balcão e pegando uma cerveja na geladeira. — Qual é?! Sabe que estou brincando, não é? — perguntou e eu assenti enquanto bebia para evitar falar qualquer coisa de que pudesse me arrepender depois.
— Não é engraçado. Se eu tivesse em uma crise com o Andy e você falasse dele assim, eu te daria uma surra. — A mulher baixinha, de corpo franzino e olhar doce falava sério e eu quase me engasguei num gole de cerveja, quando uma risada explodiu de meu peito me fazendo cuspir o que ainda não havia engolido.
— Isso sim é uma piada. — Amanda comentou rindo e Sophie acabou por rir também, é claro que Amanda estava brincando.
Brincadeiras duvidosas à parte, a festa correu bem tranquila, como havia pedido para ser. Podia vê-lo conversar com todos de longe, alguns compartilhavam histórias com ele e eu sorria me lembrando como se visse um filme de tudo aquilo.
Às vezes é louco olhar para trás e nos ver com aparelhos nos dentes e com os joelhos machucados, aquelas crianças não tinham a menor noção do que se tornariam, mas, de alguma forma, conseguiram fazer de suas vidas algo produtivo e tirando problemas como todos têm, naquela sala estavam cinco pessoas felizes.
— Ei! — se virou para mim de repente, fez um gesto com a mão para que eu me aproximasse e eu o fiz. — Você ficou longe de mim a noite toda, o que houve? — perguntou baixo, os olhos preocupados me estudando antes que eu respondesse.
— Só estou te dando espaço. Quero que se divirta! — O abracei de lado, evitando olhá-lo diretamente.
— Acho que vou ter espaço o suficiente em breve, agora eu te quero aqui do meu lado. Pode ser? — entrelaçou os dedos nos meus e eu assenti, concordando em ficar ali enquanto ele quisesse. Podia gravar cada detalhe dele enquanto isso, marcando em minha memória cada aspecto que gostava nele. O tique com a cabeça, inclinando levemente enquanto ouve ou vê algo que o faz ter ideias, a paixão nos olhos quando falava sobre algo que o interessava e a forma como era genuinamente expressivo. Era nítido quando algo não o agradava, a forma como era fiel naquilo que acreditava e em como era esforçado em seu trabalho, sempre se aprimorando e sendo leal a si mesmo.
é um bom homem, com uma vida inteira para cometer erros e aprender lições e viver da melhor forma possível, pois, era o que ele fazia desde que o conheci há quase vinte anos atrás. Pude vê-lo crescer e se tornar no homem que ele era e nada me deixava mais orgulhosa. De repente, senti que não estava o perdendo, eu nunca o perderia. Eu teria um pedaço dele em mim pra sempre e a coisa certa era deixá-lo ir fazer o que amava e amá-lo por isso. me inspirava e agora iria levar essa inspiração mundo afora.
Foi quando percebi que me despedir dele seria fácil e que a teoria seria uma promessa de que ele voltaria.
Sorria comigo mesma, absorta das conversas que aconteciam ao meu redor. Vez ou outra se virava para mim e reagia em silêncio a algo Andrew dizia, os homens adoravam discordar e o faziam como cavalheiros, sempre gentis ao apontar o equívoco um do outro e usando de formas absurdamente engraçadas para não levar a discussão saudável a uma discussão real.
Sophie engajou numa conversa mais privada com o marido, Amanda estava ao telefone pedindo comida e vi a oportunidade perfeita para beijá-lo. Só porque a lua cheia nos olhava melancólica. Só porque ainda podia.
sorriu surpreso, virando mais o corpo em minha direção, acabando por me esconder atrás de seu corpo. Encostei o quadril no balaústre da sacada e o puxei para mais perto pelo rosto, aprofundando o beijo. Seu corpo pressionava o meu contra a pequena parede, sentia que a cada beijo ficava mais difícil parar, ficava mais difícil tirar minhas mãos dele. E eu não me esforçava nem um pouco para isso.
— Não, não... — resmungou quando me afastei arfando por ar.
— Nós precisamos respirar! — disse rindo, espalmando minha mão em seu peito quando ele se aproximou novamente.
— Eu não preciso... — cochichou em meu ouvido, deixando uma trilha de beijos dali até a base de meu pescoço. Reprimi um gemido quando percebi que estávamos sendo observados e escondi o rosto em seu ombro ao ouvir os gritinhos animados.
— Arrumem um quarto! — Andrew gritou, seu sotaque inglês carregado como sempre nos fizera rir.
— Não! Ainda não. Vamos jantar primeiro. — Amanda interveio, enquanto os outros ainda riam. me abraçou forte e ficamos abraçados assim até a comida chegar. Cada segundo parecia precioso e nós não queríamos perder nada.
Durante o jantar, o assunto motivo da festa já havia sido discutido à exaustão. Nos sentávamos em volta da mesa conversando sobre tudo e nada, aproveitando a companhia uns dos outros. Aquele era o último jantar que tínhamos enquanto todos estávamos reunidos.
— Isso é loucura! — Andrew dizia, não conseguira manter os assuntos polêmicos fora da mesa e agora discutíamos sobre a importância cultural dos imigrantes na América, mas Andrew discordava de pontos que nos faziam olhá-lo com estranheza.
— Loucura é ouvir você dizer isso com seu sotaque inglês, de anglo-americano. Sua esposa é ítalo-americana, assim como a . Eu sou coreano, cara! A única não miscigenada nessa mesa é a Amanda e até ela entende a necessidade da troca cultural entre países. — explicava, apesar de falar sério, o tom informativo e divertido soava descrente do amigo, que olhava cada uma de nós conforme a ideia se acomodava melhor em sua cabeça.
— Não acredito que tenha esquecido que não é americano, senhor-chá-com-leite. — Amanda comentou, recorrendo ao apelido antigo.
— Em minha defesa, eu esqueci completamente que somos todos de origens diferentes. Nossa bolha está exclusa dessa discussão! — Andrew se defendia, nem sua própria esposa o apoiava nessa empreitada.
— Como? — perguntou ela, os olhos cerrados na direção do marido que piscava sem parar, ultrajado com a ideia de ser o único errado na mesa.
— Não quero mais falar disso. Vamos falar de e voltando a namorar tarde demais... — sugeriu e nenhum de nós desviou o olhar dele.
— Só... Fique calado. — Amanda disse, fazendo com que voltássemos a rir e deixar Andrew refletir sobre sua falta de consciência.

Após o jantar, estávamos todos na sacada. Andrew e Amanda fumavam seus cigarros e o restante de nós os acompanhávamos naquela noite fresca de céu limpo.
— Vamos sentir sua falta, . — Sophie disse em meio a um silêncio acolhedor.
— É mesmo, você pode ser um nerd chato, mas nós te amamos. — Amanda bagunçou os cabelos de .
— Vou sentir saudades também. Vai ser estranho passar tanto tempo longe de vocês, estamos os cinco juntos pelo menos uma vez por mês e agora... — olhava para todos com carinho, podia perceber que ele ia ficando cada vez mais saudosista.
— Mas nós te apoiamos muito também. Não é, ? — Sophie disse, a mulher tinha lágrimas nos olhos doces, que os faziam brilhar como uma constelação.
— Com certeza — comentei, me virando para ele e sorrindo. Precisava sorrir porque estava feliz demais por ele, mas talvez não pudesse aguentar manter a promessa se todos eles começassem a chorar.
— Nós te amamos, cara! — Andrew disse. Apagou seu cigarro na mureta e nos juntou para um abraço coletivo em volta de , que ria sem jeito.
— Certo! Eu amo todos vocês, mas... — dizia com a voz abafada. — Vocês estão me machucando um pouco — confessou, me fazendo rir.
— É, a mim também — comentei, sentindo um cotovelo embaixo de minhas costelas.
— Não sei se vocês conseguem me ouvir, mas acho que vou desmaiar. — Sophie disse baixinho, sendo a menor de todos, imaginava que ela estava espremida entre os rapazes.
— Só mais um pouquinho! — Amanda pediu com a voz embargada, nos mantivemos daquele jeito por alguns segundos, podia ouvir fungadas e risos nervosos, algo que o grupo tinha em comum era achar graça no choro. Talvez nossa melhor qualidade.
— Agora chega! — Andrew disse, se afastando e desfazendo o emaranhado que havíamos formado em volta de , que agora tinha os olhos cheios de lágrimas também. Respirei fundo e tratei de animar aquela gente para o meu próprio bem.
— Já podemos ir para o quarto agora, Amanda? — perguntei baixinho, mas todos ouviram e riram. tinha as bochechas coradas, mas cobria a boca ao tirar sarro de mim também.
— Vão! Se ele continuar aqui, nós não vamos deixar ele ir mais! — Amanda avisou, se afastando de nós e se sentando no sofá.
— O que garante que a vá deixar? — Andrew indagou, o tom malicioso me fazendo rolar os olhos.
— Cala a boca, cara. Me dê um abraço, pois, não discutiremos por um bom tempo e eu não podia estar mais aliviado. — comentou, o abraçando pelos ombros. Os homens ficaram sérios e assistimos eles se despedirem. — E você... — Se virou para Sophie que já chorava compulsivamente. — Cuidado com as facas, aqueles bichos já estão mortos — comentou fazendo a mulher rir entre as lágrimas.
— Eu vou tentar. — Ela respondeu, fazendo com que ele gargalhasse. — Nós te amamos, se cuida, está bem? — pediu ela, segurando seu rosto com as duas mãos. assentiu e a abraçou brevemente mais uma vez.
— De você eu me despeço amanhã — deu um peteleco no braço de Amanda quando passou por ela e veio até mim, segurando minha mão com firmeza, pois, a dele tremia. — Obrigado pela festa, não vejo a hora de ver vocês todos de novo. Agora eu tenho umas coisas para fazer — me puxou aos risos, nos passando pela porta e no corredor, ainda podíamos ouvir as risadas e os gritinhos cheios de malícia vindos de nossos amigos no apartamento ao lado.
Ainda ria enquanto abria a porta, ele balançava a cabeça de um lado o outro e me deu espaço para passar por ele. O apartamento sempre impecável, me envolveu em boas memórias. Eu não pisava ali há meses, entrar e perceber que nada havia mudado de lugar me dava uma sensação de calma.
— Seus amigos são barulhentos, como vocês não são multadas? — perguntou casual, tirou os tênis e esticou o corpo, soltando um gemido longo e profundo.
— Quem disse que não somos multadas? São tão sagradas quanto o aluguel... — comentei ouvindo sua risada.
— Nós somos barulhentos... — Ele ainda ria quando me sentei no sofá, olhando para tudo com atenção.
— O que vai fazer com esse lugar? — perguntei. Era uma das muitas questões que vagavam minha mente.
— Não sei. Pensei em manter e ver como as coisas andam. Eu gosto desse apartamento, não queria devolvê-lo — explicou enquanto se sentava ao meu lado. Assenti concordando, afinal, se ele fosse passar somente alguns meses fora, não valia a pena voltar com a dor de cabeça de uma mudança iminente à sua espera.
— Então... — ri nervosa, estávamos finalmente sozinhos e toda aquela tensão havia se transformado em timidez. — Você quer ajuda com as malas? — perguntei o olhando de soslaio, meneava com a cabeça.
— Sim, mas... Não agora. Eu esperava ter mais tempo para me organizar — explicou, coçou a nuca enquanto mordia o lábio inferior. Os olhos evitavam os meus e eu sabia que ele estava tão nervoso quanto eu.
— O que tinha em mente? Digo... Quando você perguntou se eu... Você sabe — sentia minhas bochechas esquentarem e resolvi não o olhar, para que ele pudesse responder sem a pressão de meus olhos curiosos.
— Para ser sincero, não pensei em nada além disso. Acho que só queria te ter aqui de novo, como éramos antes. Uma última vez pra lembrar pra sempre, algo assim — falou um tanto hesitante, escolhia bem as palavras.
— Parece bom — disse, sentindo seus olhos em mim. — Certo, o que faríamos agora se ainda estivéssemos juntos? — me virei para encará-lo e olhava para além de mim, pensando numa boa resposta.
— Acho que tomaríamos um banho de banheira — disse enquanto assentia, concordando com a própria sugestão.
— Ah, eu senti falta dos banhos de banheira — me joguei no sofá, em puro deleite precoce. Lembrava do quão relaxada eu me sentia após uma sessão de bolhas e água quentinha.
— O que acha? — assenti vendo o sorriso malicioso que lhe tomou os lábios.

Com a banheira cheia pela metade, eu espalhava os sais de banho e agitava a água, vendo a espuma se formar. Usava um robe que tinha o cheiro de e passava os olhos pelas velas, me certificando de que era seguro ter tantas num espaço tão pequeno.
— Você caprichou dessa vez. — disse de repente, fechando a porta atrás de si e apagando a luz do banheiro. A luz quente das velas nos levando para uma atmosfera romântica e de repente, as inibições que foram construindo uma barreira entre nós se dissolveram, nos deixando o mais próximos possível.
entrou primeiro, se acomodando na banheira e deixando espaço para eu me sentasse entre suas pernas. Prendi o cabelo no alto, me virando para tirar o robe e o acomodar sobre a pia. Me sentei na banheira e imediatamente tive os braços de me abraçando pela cintura, deitei minha cabeça em seu peito e suspirei satisfeita com a sensação gostosa que me preenchia. Me sentia segura e sua respiração pesada batendo em meu colo me acalmava como nada nunca era capaz de fazer.
Fechei os olhos aproveitando o toque de seus lábios em minha clavícula e ombro, suas mãos passaram por minha barriga, soltando do abraço e começando um passeio por meu corpo, apertando minhas coxas e quadril, colando nossos corpos.
Queria mais contato e então, me virei em seu encontro, me sentando em seu colo e tomando seus lábios com os meus, num beijo necessitado, urgente. Emaranhava meus dedos em seus cabelos e movia meu quadril sobre sua ereção já bem presente, enquanto suas mãos espalmavam minha bunda, ditando meus movimentos. mordeu meu lábio inferior, me fazendo abrir os olhos para encará-lo. E só bastou nossos olhos se cruzarem para eu saber o quanto o queria dentro de mim, sem esperar nem mais um segundo. O gemido aliviado que saiu do fundo de nossas gargantas quando nos conectamos da forma mais primitiva e transcendental, foi o mais sensual possível. Como se me desse permissão para voltar a me mexer e senti-lo pulsar em mim, conforme eu descia e subia.
Os sons da água se agitando em volta de nós se misturava com os gemidos cada vez mais descompassados e espontâneos. Seus olhos pareciam queimar cada centímetro de pele exposta diante deles, tamanho desejo e esse desejo era demonstrado através de suas investidas cada vez mais profundas.
Voltei a beijar seus lábios de forma despudorada, lambendo e sugando seus lábios, os tomando para mim e fazendo o mesmo com sua língua. Um beijo insano e completamente devasso. Eu estava entregue.
abraçou minha cintura, respirava forte e eu sabia que se continuasse a fazer o que estava fazendo, ele chegaria ao ápice antes de mim. Rebolava em sua ereção, sentindo que ele não aguentaria muito mais. Olhava em seus olhos quando ele os fechou e um gemido rouco saiu pelos lábios entreabertos. Suas mãos acariciavam minha cintura e eu ainda me movimentava cada vez mais lentamente, extasiada com sua expressão satisfeita.
— Você é maravilhosa! — disse com a voz rouca, engolia em seco ainda de olhos fechados. Um sorrisinho despontando seus lábios era conhecido, me fazendo sentir um tipo de satisfação também, mas ainda não acabara. Me levantei de seu colo, e puxei o robe sobre a pia.
— Vem cá... — disse baixo, saindo da banheira. Sentia seus olhos me acompanhando e a sensação de me sentir a pessoa mais linda do mundo me invadia.
Secava as pernas quando senti as mãos de puxarem o robe para baixo, voltou a beijar meu pescoço e me virou para si, abraçava minha cintura e me beijava com carinho. Abriu a porta e começou a dar passos lentos em direção a cama e quando caí sentada nela, ele se pôs de joelhos, afastando minhas pernas gentilmente e se pondo a beijar minhas coxas, dedicando atenção a uma de cada vez, se aproximando cada vez mais de minha intimidade. Arqueei minhas costas num gemido surpreso quando senti sua língua me invadir sem delongas, sugando e passando a ponta da língua por toda a extensão, fazendo meu corpo tremer em seus lábios.
Eu queria mais, queria o peso de seu corpo sobre o meu. Arfava sentindo que chegava a meu próprio ápice, puxando pontas do lençol com as mãos e curvando os dedos dos pés. Gemia tanto que sentia minha garganta arder, mas pedia que ele não parasse, a voz rouca e desejosa soava melodiosa, o que só o incentivava a continuar. Senti o choque passar por todo meu corpo, num orgasmo poderoso que me fez morder o lábio inferior com força para não gritar. sorria ladino, satisfeito com os espasmos que faziam minhas pernas prenderem sua cabeça entre elas.
— Eu quero mais... — pedi manhosa, me sentando na cama enquanto ele subia nela.
— Vem cá. — Agora ele me chamava, me sentando em seu colo novamente. Sua virilidade me fazendo rolar os olhos em puro deleite, seu toque me fazendo sentir a mulher mais deliciosa que já viveu. Seus olhos fixos nos meus, ardendo em paixão.

Senti minha garganta arranhando quando se deitou ao meu lado, seu peito subia e descia numa respiração ofegante e sua testa estava suada, assim como a minha. A noite lá fora estava mais escura, prestes a se tornar dia e nossos corpos cansados se ajeitavam em um abraço aconchegante. acariciava minha cabeça, enrolando alguns fios em seus dedos enquanto se recompunha. Eu o olhava em silêncio, ouvindo seu coração bater rápido, mas, se acalmar aos poucos com meu toque carinhoso em seu peito. Sorria cansada e sonolenta, mas não queria dormir. Queria passar cada minuto que ainda me restava daquele jeito, em seus braços.
— Eu amo você, . — beijou o alto de minha cabeça, me fazendo sorrir mais abertamente.
— Eu amo você também, — abracei seu corpo com um pouco mais de força, ouvindo sua risada nasalada.
— Sabe que vou voltar para você, não sabe? — perguntou, buscando meus olhos com os seus, assenti o assegurando de que ele não deveria se preocupar com isso. — Isso não significa que você deve esperar por mim sozinha. Te deixar aqui é o que mais me incomoda agora, saber que vai ficar sozinha me faz duvidar da minha capacidade de fazer isso — confessou, me fazendo sentir um incômodo no estômago. Não era hora para assuntos tristes.
— Não vou estar sozinha, eu tenho nossos amigos e não é como se nós não fôssemos nos falar mais — disse, sentindo que o desespero lutava para tomar conta do lugar da calma que sentia.
— Eu sei. É só... Não queria que ficasse sozinha. Pode ser narcisismo da minha parte achar que vai estar sozinha na minha ausência, mas só quero que você fique bem — deu de ombros, me puxando novamente para um abraço.
— Eu vou ficar bem. Podemos não falar mais disso agora? — pedi, assentia se ajeitando melhor em meu abraço.
Perdi a batalha contra o sono pouco depois de adormecer em meus braços. A última coisa que vi antes de fechar os olhos foi um tranquilo e fui acometida por um sono tão profundo e pesado, como se não dormisse há meses. Era inexplicavelmente melhor dormir ao lado dele.
Na manhã seguinte, ao abrir os olhos, não estava na cama. Me sentei enquanto esfregava os olhos, tentando mantê-los abertos. Ouvi barulhos vindos da cozinha e me levantei indo até lá, o cheiro de café fresco me tomou de assalto, me despertando imediatamente. Vi virando panquecas enquanto falava ao telefone, o apoiando entre o ouvido e o ombro. Sorri indo até ele e o abraçando pelas costas, apoiando minha cabeça ali e aspirando o cheiro gostoso do café da manhã que ele preparava.
concordou e comentou alguma coisa sobre seu horário de voo, desligando logo depois e se virando para mim.
— Bom dia, meu amor! — disse ele, um sorriso enorme no rosto me acolhendo logo cedo.
— Bom dia, meu amor — repeti, dando ênfase no substantivo, pois, sabia que era uma das coisas que mais sentíamos falta.
— Eu achei que fosse dormir mais, ia levar isso para a cama — apontou com a cabeça para a bandeja pronta pela metade sobre o balcão.
— Eu te ajudo e assim, podemos voltar logo pra lá — comentei ouvindo sua risada.
E assim o fizemos, comemos entre os lençóis com calma, partilhando aquele momento gostoso de antes dos preparativos para a viagem começarem.
Passava das onze da manhã quando Amanda bateu na porta, ela ajudaria com as malas e até disponibilizou uma delas para que pudesse levar seu equipamento com mais cautela.
Enquanto dobrava as últimas camisetas e as colocava na mala, observava correr de um lado para o outro, se certificando em sua lista mental de que estava com tudo organizado.
— Está levando camisinha? — Amanda parou em sua frente, os braços cruzados demonstrando que falava sério.
— O quê?! — perguntou, ligeiramente irritado e me fazendo rir.
— Tem razão... Eles têm camisinha no Brasil. — Amanda ponderou, saindo do caminho do homem que a olhou com estranheza. Ainda ria quando o assunto fez um clique em minha mente. Não havíamos usado camisinha na noite anterior.
— Ah, não! — parou de repente, procurava dentro da mochila por alguma coisa e os olhos preocupados me tiraram do devaneio cheia de novas boas memórias para ir ajudá-lo.
— O que foi? — perguntei, o fazendo bufar frustrado.
— Meu passaporte não está aqui! — reclamou, fechando os olhos com força.
— Não acredito que perdeu o passaporte... — Amanda dizia rindo, a repreendi com o olhar.
— Calma, nós vamos achá-lo — disse me direcionando para Amanda, que começara a olhar as malas já prontas com cuidado, evitando desdobrar qualquer peça.
— Vocês não viajaram no começo do ano? — Amanda indagou, distraída com sua tarefa.
— Ah, claro! — bati a mão na testa, saindo do apartamento dele e entrando no nosso, corri até o quarto e abri a gaveta da mesa de cabeceira, tirando dois passaportes, o dele e o meu. Suspirei aliviada e me certifiquei de que guardava o meu e levava o dele de volta para seu apartamento. — Eu havia guardado na minha bolsa, lembra? — agitei o passaporte em minha mão e ele sorriu, vindo até mim para selar nossos lábios.
— Obrigado — disse, suspirando aliviado.

Assisti se organizar e com tudo pronto, assisti também quando ele ligou para a família, contando só agora o que estava prestes a fazer. Estranhei quando sua mãe perguntou por mim, o que eu achava de ele ficar tão longe por tanto tempo, quase como se não soubesse que estávamos separados. Ele respondeu com naturalidade, dizendo que eu o apoiava e que nos falaríamos todos os dias. Notei quando ele me lançou ou olhar rápido, se certificando de que eu ouvira.
— Cadê ela? Eu duvido que ela esteja tranquila assim como você diz — disse a mulher em descrença, me olhou novamente e eu me levantei do sofá, indo até ele e aparecendo também na chamada de vídeo compartilhada entre os pais e a irmã, que assim como ele havia ganhado o mundo e estava sorridente, orgulhosa pelo sucesso do irmão. Ela trabalhava com moda na França, uma estilista em ascensão.
— Oi, gente! — disse sorrindo, ouvindo os cumprimentos alegres do senhor e senhora , pessoas que haviam sido extremamente generosas e carinhosas comigo, me acolhendo na família mesmo quando eu era somente a melhor amiga irritante de .
— Como você está, minha querida? — perguntou a senhora .
— Estou bem, bastante orgulhosa do nosso menino — disse, fazendo com que ela sorrisse e então, ela trocou olhares com o marido.
— E vocês vão se casar quando ele voltar? — O senhor perguntou sem delongas, como sempre.
— Ahm... Senhor ... Nós... — ria nervosa, sem saber bem o que responder, busquei pelos olhos de para que ele me ajudasse a responder à pergunta de seu pai.
— Não vejo por que não... — comentou, fazendo a alegria dos pais e da irmã. Pisquei algumas vezes, sorrindo quando lembrei que estava sendo filmada.
— Eu tenho uma tonelada de desenhos de vestidos pra você, — Jiji, minha cunhada comentou, me fazendo sorrir ainda mais nervosa.
Ao contrário de meus pais, o senhor e senhora sempre fizeram questão de estar por dentro de cada decisão que tomávamos, sempre sugerindo o casamento como solução para tudo. Era engraçado no começo, mas agora, ainda mais com o término, era um assunto delicado para nós dois como casal.
Me despedi dos pais dele com a promessa de que os visitaria em sua ausência, mesmo sendo uma viajem longa, eu concordei e aproveitaria para visitar meus pais também.
Saímos para almoçar e eu via a ansiedade começar a tomar conta do homem que eu amava, sentir que não havia nada que pudesse fazer para aliviar aquele incômodo me deixava igualmente inquieta. segurava minha mão sempre que podia e, ao voltar para o apartamento, ele se despediu de Amanda, que tinha uma reunião dali há alguns minutos e após um longo abraço e algumas lágrimas por parte dela, estávamos em seu apartamento sozinhos de novo.
— Certo, a que horas quer que eu chame o táxi? — perguntei com o aplicativo aberto, estava distraída com as funções dele quando parou diante de mim, os olhos perdidos em meu rosto.
— Eu faço isso, não se preocupe — disse ele, pigarreando antes de voltar a falar. — , sei que vai parecer estranho o que vou pedir agora, mas por favor não entenda mal. Eu não sei se consigo ir se você for até o aeroporto comigo — desabafou, me fazendo olhá-lo com a cabeça tombada. Estava confusa, acreditava que ainda tinha algumas horas até ele embarcar.
— Você não quer que eu vá? — perguntei, o tom perplexo escapando sem que eu controlasse.
— Por favor... Tem sido difícil desde que recebi aquela ligação ontem. Não quero me despedir de você lá, não vou conseguir. — quebrara a promessa que fizemos, as lágrimas rolavam por suas bochechas mesmo que ele quisesse sorrir. Secava as lágrimas com as costas da mão quando se aproximou de mim, abraçando meu corpo sem reação pelos ombros. Seu choro se intensificou, mas ele o fazia em silêncio. O corpo dele tremia abraçado ao meu e eu lutava para não chorar também, precisava manter minha parte da promessa nem que isso me matasse, e parecia que me mataria.
— Está tudo bem... — disse com a voz embargada, respirei fundo e o abracei de volta. O mais forte que pude. — Está tudo bem — repeti mais para mim mesma, pois, agora encarava a verdade cruel de que não o teria em meus braços tão cedo.

Quando o motorista interfonou avisando que esperava na calçada, senti meu coração pular batidas. Assisti tudo em câmera lenta, e o porteiro levavam as malas dele para baixo, as acomodando no bagageiro do táxi com a ajuda do motorista bem-humorado que tentara brincar comigo algumas vezes, mas eu estava tão absorta que só conseguia sorrir de forma polida, sem me esforçar para entender o que ele dizia.
Com as malas guardadas, ajeitava a mochila no ombro enquanto respondia alguma mensagem em seu celular. Eu encarava meus chinelos azuis em contraste com a calçada de concreto, insípida e inerte, como eu me sentia naquele momento.
— Acho que é isso... — esfregou uma mão na outra, me olhava com um sorriso triste e eu tombei a cabeça para olhá-lo mais uma vez.
— É... Nós vamos ficar bem, vamos cuidar um do outro — disse novamente, me certificando de que ele sabia que íamos ficar bem, de uma forma ou de outra, era verdade.
— Eu quero te ligar todos os dias. Posso fazer isso? — pediu, se aproximando e espalmando as mãos em minha cintura.
— Com certeza — passei meus braços por seus ombros, tomando seus lábios com os meus num beijo calmo e já tão cheio de saudade. — Agora vai, senão Andrew vai estar certo sobre eu não te deixar ir. — Apoiei as mãos em seus ombros, o olhando fixamente nos olhos, dizendo o que não conseguia mais. Eu o amava e sentiria sua falta como uma louca todos os dias.
— Eu te amo — cochichou mais uma vez, selando seus lábios nos meus e entrando no táxi sem me deixar responder de volta, até porque não conseguiria. Conforme o táxi se afastava, sentia as lágrimas se acumularem em meus olhos e se libertando da promessa uma a uma. Quando os perdi de vista, voltei para o interior do prédio aos prantos. O porteiro apertara o botão do elevador e eu tentava agradecê-lo em meio a soluços e fungadas e ele assentiu rápido, deixando claro que entendia.
Apertei as chaves do apartamento dele em meus dedos, sentindo a vontade de voltar para lá e me cercar com o cheiro remanescente de seu perfume no ambiente, mas sabia que aquilo só me machucaria mais.
Entrei em meu quarto sentido que nunca pararia de chorar, deixei as chaves dele sobre a mesa de cabeceira e abracei meu travesseiro, sendo intoxicada com a leve essência dele ali, deixada no dia anterior quando passamos a tarde conversando.
Meu corpo se chacoalhava num choro compulsivo que se estendeu até tarde naquele dia, me fazendo adormecer de puro cansaço emocional.
Ao acordar com a movimentação de Amanda se deitando ao meu lado, bufei frustrada, me virando na cama.
— Ei... Você está bem? — Amanda perguntou, a voz baixinha e cautelosa. Neguei com a cabeça, sem vontade de falar ou abrir os olhos. Amanda esfregou meu braço num carinho rápido, se deitando ali. Não saberia dizer quanto tempo passamos deitadas ali, fiquei adormecida até a manhã do dia seguinte.
Ao acordar, ainda me sentia cansada. Encarava o teto como se ali fosse projetado todo o dia anterior, memórias frescas e gostosas, mas que não me faziam sorrir. Refletia sobre tudo o que fizemos e dissemos um ao outro. Por algumas horas, pudemos ser como éramos antes do término e agora eu nem me lembrava mais o motivo de ter sugerido que nos afastássemos. é o amor da minha vida e eu nunca tive dúvidas disso, estava sendo devorada pelo remorso. Eu queria aqueles três meses de volta. Eu queria de volta.
Era uma verdadeira pena ter percebido isso agora que ele estava há 6.683 quilômetros de mim.
Ouvi batidas na porta e sequer tivera tempo de cobrir a cabeça com o cobertor e Amanda marchava para dentro do quarto com um copo de suco em uma das mãos.
— Bom dia, meu amor! — disse ela, a animação contida, pois, provavelmente eu não sustentava uma expressão amigável. — Você dormiu bastante, como está se sentindo? — fechei os olhos, respirando fundo. Conseguia sentir a movimentação de Amanda no quarto, deixou o copo na mesa de cabeceira e andou até a janela, afastando as cortinas e a abrindo, o ar gelado daquela manhã de dezembro me deixou com menos vontade ainda de me levantar.
— Sinto como se tivesse sido atropelada por um caminhão de lixo — senti a garganta seca, olhando de soslaio para o suco e medindo o quanto estava com sede e quanto tempo o suco passaria por meu sistema digestivo e me faria levantar para fazer xixi. Me virei na cama, decidindo que não queria me levantar, definitivamente.
— Bastante específico. — Amanda comentou, dando uma risadinha sem graça quando eu não reagi. — Vou trabalhar de casa hoje, o que quer para o almoço? Posso pedir naquele tailandês que você adora e... — Amanda parou de falar e se aproximou da cama, se sentando na ponta, perto de meus pés. — Eu sei que sente falta dele, por isso você precisa seguir em frente e sair dessa. não iria gostar de saber que você ficou mal assim. — Amanda tentava ajudar, mas, só me fazia sentir culpa por já sentir a falta dele. Pisquei os olhos algumas vezes, procurando algo para dizer. Algo que a convencesse de que eu estava somente cansada e que em breve não seria mais motivo de preocupação.
— Nós viramos a noite acordados, só estou colocando o sono em dia — expliquei, recebendo um carinho na perna. Amanda assentiu, mas claramente não acreditava no que eu dissera. — Tailandês parece ótimo — acrescentei, um tanto incerta. Amanda sorriu e se levantou, a caminho da porta.
— Estarei logo ali se precisar — disse, apontando em direção a sala quando saiu do quarto.
Respirei fundo quando estava sozinha de novo, a culpa tomando espaço por entre as brechas da certeza de que só estava reagindo de forma coerente. Meu coração estava partido, por que eu não podia tirar um dia para não fazer nada além de sentir a ferida pulsar a cada batida? Parecia maduro e saudável, aceitar minhas falhas e aprender com elas. Entender aquele sofrimento e passar por ele com alguma dignidade.
As coisas foram deixando aos poucos de serem saudáveis quando aquele dia se estendeu por mais dois e eu ainda estava na cama, tendo levantado por pouquíssimas vezes devido a necessidades fisiológicas, mas a contragosto. Trabalhava bem menos do que gostaria, usando as funções de postagens programadas e adiantando tudo o que precisava fazer com calma e dedicação, me atentando minimamente com os detalhes e me agarrando ao único ponto forte de minha vida nesse momento, o trabalho era fácil.
Passava as mãos por entre os cobertores procurando por meu celular, que eu não via há horas. Tentava me convencer de que não estava paranoica esperando pela ligação de , me lembrando de que ele ligaria quando tivesse tempo ou sinal de celular.
Quando a noite estava escura e eu não tinha sono, me distraía com as fotos e vídeos de minha galeria. Relembrando aqueles momentos tão vividamente que sorria involuntária diante das imagens.
As fotos da nossa última viagem, me abraçava pela cintura no pôr do sol da Colômbia, na praia do pequeno conjunto de ilhas em Islas del Rosario. As noites quentes e beijos gelados devidos aos drinques doces e decorados com pequenos guarda-chuvas. O último natal em que todos combinamos de usar a mesma cor de suéter, nos fazendo parecer uma família incestuosa e esquisita, mas que nos rendeu bons presentes e histórias.

Com o recesso de fim de ano, não sentia vontade de festejar ao lado de meus amigos, não quando uma parte de nós faltava. Seria muito para suportar. Com o convite insistente de meu pai para fosse visitá-los, acabei por ceder e me enfiei em um ônibus numa viagem de cinco horas até Franklin, o pequeno condado onde nossos pais moravam. Não havia muito o que fazer na cidade, mas, ao nos aproximarmos da rodoviária, pude ver os lugares onde costumávamos nos reunir. A loja de bebidas onde o irmão mais velho de Andrew nos comprava cerveja e a pista de skate onde passávamos grande parte dos dias no verão, quando estava muito quente para ficarmos nos porões de nossas casas.
Ao descer do ônibus, pude ver meu pai apertar os olhos para ler algo na tela do celular. Sorri indo até ele e o surpreendendo.
— Você quer matar seu velho pai do coração?! — disse alto, quando me reconheceu.
— Nada disso, senhor Bertoni. Eu poderia ser um assaltante e você seria um alvo fácil — alertei categórica, o fazendo rir e lançar seus braços em volta de mim num abraço apertado.
— Que saudade de você, minha pequena! — Ainda me abraçava, me balançando de um lado para o outro. Um típico pai italiano, apaixonado e devoto.
— Também senti saudade, pai — disse com a voz esganiçada, tamanho o aperto. — Onde está a mamãe? — perguntei quando ele finalmente me soltou, pegando a mala pela alça e a carregando até a traseira do velho carro que eu havia roubado algumas vezes durante as madrugadas. Tudo ali me remetia a alguma memória.
— Está atarefada com o jantar, sabe que ela convidou metade da cidade — reclamou enquanto fechava a porta do bagageiro. Deu a volta no carro e abriu a porta, fiz o mesmo e logo estávamos a caminho de casa. A sensação de nostalgia parecia me sufocar, era impossível não ter lembranças de nós cinco ali naquela rua. Se fizesse silêncio, podia ouvir a risada de e os gritos esganiçados de Amanda, correndo atrás dele por ter dito alguma coisa sobre algum dos muitos garotos que Amanda gostou durante a adolescência. Ao parar em um sinal vermelho, olhei para o beco onde vimos Sophie e Andrew se beijando pela primeira vez na volta da escola e me lembrava nitidamente de me sentir enjoada pela ideia de ela estar beijando um de nossos amigos. Mal sabia que alguns anos depois, eu faria o mesmo, mas com e o namoro duraria por anos.
— Como estão as coisas? — meu pai perguntou, me acordando de meus devaneios nostálgicos.
— Bem, bem. Uma loucura como pode imaginar, mas tudo vai bem — assentia para assegurá-lo do que dizia, escolhi esconder os dias em que fiquei na cama, sem vontade de existir. — E por aqui? O senhor conseguiu se livrar daquele problema com mofo no sótão? — perguntei, me lembrando das milhares de vezes que ouvira ele reclamar sobre isso nas ligações mensais.
— Ah, nem me fale! Se não fosse por sua mãe, eu venderia esta casa e iria morar em algum lugar cercado de mato. Plantaríamos nosso alimento e viveríamos disso. — Ele dirigia concentrado enquanto dizia, eu ouvia aquele desejo profundo dele desde que era pequena.
— E o que prende ela a essa cidade? — meu pai deu de ombros, estacionando o carro em frente da casa decorada para receber as festas de fim de ano.
— Sua mãe adora essa cidade sem graça. Eu adoro a sua mãe, então, fico para agradá-la — confessou enquanto tirava o cinto. Tomei alguns segundos para observar como meu pai envelhecera, era estranho olhá-lo de frente quando estava acostumada a olhá-lo de baixo, sempre admirando o homem calmo e bem-humorado que sempre fora. Eu admirava meu pai por ser tão paciente e acima de tudo, por amar minha mãe, que não era uma mulher exatamente fácil de se lidar.
O ajudei a pegar a mala maior e ajeitei a mochila no ombro, respirando fundo enquanto me preparava para entrar na casa. O cheiro dos biscoitos de gengibre podia ser sentido com a porta ainda fechada, quando minha mãe a abriu, o cheiro acolhedor amaciou a carranca com a qual ela me encarava.
— Você está atrasada! Não podia ter se arrumado um pouco mais? Temos visita — reclamou enquanto eu a abraçava ignorando tudo o que ela dizia.
— Oi, mãe. Feliz natal! — disse enquanto ela ainda reclamava sobre algum dos pratos que preparava.
— E você?! O que faz parado aí fora? Entre já aqui e coloque um pouco mais de lenha na lareira, esta casa está congelando! — dizia enquanto voltava para a cozinha.
— Claro, querida! — meu pai disse alto, rolava os olhos ao passar por mim, me fazendo prender um riso.
O ajudei a subir as malas e recebi um beijo na testa quando ele saiu do quarto, me deixando sozinha para recuperar da viagem. Senti meu estômago embrulhar e uma ânsia de vômito fez com que eu corresse para o banheiro no corredor. Respirava fundo, sentindo o cansaço da longa viagem desconfortável me fazer me sentar na cama.
Olhei em volta e me senti numa capsula do tempo, tudo estava igual. As paredes pintadas num tom claro de azul, os posteres de bandas que eu não ouvia mais descascavam nas pontas, mas ainda estavam lá. Os ursos de pelúcia acumulados na infância organizados por tamanho na prateleira, dividindo espaço com alguns de meus livros preferidos. O aparelho de som coberto de adesivos não funcionava mais, mas o disco do Blink-182 ainda estava dentro dele, eu me lembrava.
Me deitei na cama de lençóis ligeiramente empoeirados e suspirei, repensando a decisão de ter aceitado o convite de meu pai. Queria me distanciar das memórias, mas estava sendo engolida por elas.
Mais tarde, vesti um vestido vinho de mangas cumpridas, optando por não agitar a mente de minha mãe com críticas sobre a forma como eu estava vestida. Ajeitei o cabelo para o lado e o prendi, descendo em seguida. A casa estava cheia e fui cumprimentando os vizinhos educadamente conforme passava por eles na busca por meu pai. Ouvi sua risada na sala de estar e fui até lá, parando ao seu lado e ouvindo pela centésima vez a história de um fim de semana de pescaria que acabou em desastre, pois, seu amigo Earl foi atingido por um anzol no pescoço e mesmo perdendo a consciência aos poucos, o homem fora capaz de fisgar um peixe enorme e trazê-lo ao barco antes de desmaiar e acordar no hospital. Sorri contente ouvindo a gargalhada dos homens, alguns deles estavam presentes no fatídico dia e podia ver em seus olhos a saudade dos bons tempos. O conceito de nostalgia se desdobrando diante de meus olhos, afinal, são as memórias e as sensações que essas memórias nos trazem que fazem da vida ser o que ela é. Um emaranhado de acontecimentos que te marcam, até o último deles.
Pude ver que não me encaixava muito bem nos assuntos ali, perdida entre tantos rostos esquecidos por mim. Me retirei da sala sem que ninguém realmente notasse, saindo pela porta da frente e encontrando com Emily, a filha de um dos sócios da firma de advocacia em que meu pai trabalhava. Ela fumava um cigarro fino e longo do outro lado da calçada e acenou para mim quando me viu, fui até ela com um sorriso no rosto. Apesar de não ter exatamente uma amizade com ela, me lembrava de pegar carona com ela e a mãe muitas vezes na época do primário.
— Também está solteira nesse final de ano? — perguntou, me oferecendo o cigarro que eu aceitei, talvez um trago ou outro deixasse a situação menos intimidadora.
— O que te faz pensar isso? — perguntei de volta, soltando a fumaça pelo nariz. Emily tombou a cabeça para trás, rindo alto.
— Porque eu também estou solteira. Só isso para me fazer voltar para este fim de mundo — explicou tomando o cigarro de meus dedos quando eu o devolvi.
— Bom ponto — ri, vendo que ela me estudava atentamente.
— Você ainda vê aquele pessoal do tempo de escola? — perguntou ela, se encostando em uma moto que estava parada ali, pela forma como ela estava confortável, pude deduzir que a moto era dela.
— Você quer dizer meus melhores amigos? Amanda é minha colega de quarto! — disse ouvindo sua risada alta novamente.
— E aquele nerd que era apaixonado por você? — Ela levantou as sobrancelhas, me fazendo morder o interior da boca. Eu não a conhecia bem o suficiente para desabafar. — Oh... Então, vocês sobreviveram à faculdade. — Estranhei a surpresa em seu tom, refletindo brevemente, pois, na minha bolha, os relacionamentos eram fortes o suficiente e saíam de momentos de desventuras com ainda mais força.
— Acho que foi a vida adulta que acabou com a gente — falei sem perceber, a fazendo sorrir ladina.
— Então... Quem terminou? Por favor, diga que foi você! — disse ela, alcançando minha mão com a sua.
— Ahm... Na verdade... Eu tenho que ir a um lugar agora — falei me afastando um pouco, me lembrando de repente da promessa de visitar os .
— Estou te deixando nervosa, ? — perguntou ela, o tom de voz sinuoso e a expressão sedutora, me deixando confusa por somente um segundo. Abri a boca em surpresa com minha constatação e ri sozinha pela minha falta de percepção.
— Não — ri, balançando a cabeça de um lado para o outro. — Eu só preciso mesmo ir. Você está aqui com seus pais? — indiquei a casa de meus pais com o polegar e ela assentiu. — Ótimo, nos vemos no jantar — disse rápido, atravessando novamente a rua e caminhando na calçada num ritmo considerável. Eles moravam há alguns quarteirões adiante e eu me sentia com vontade de esticar as pernas.
Ao chegar diante da porta da casa deles, segurei meu punho fechado no ar, prestes a bater. De repente, sabia que não devia estar ali, não saberia como mentir para eles caso me perguntassem como estavam as coisas. Andei devagar pelo jardim, espiando pela janela e vendo o casal conversar entre si enquanto se esquentavam com bebidas quentes próximos a lareira. Sorri dando meia volta, fazendo o caminho de volta para casa. Estava bastante frio, apesar de ainda não ter nevado, em minha cabeça, travava uma discussão com Andrew sobre aquecimento global e sorria ao pensar em algum argumento controverso que ele poderia me oferecer.
Ao entrar em casa, senti um par de olhos contornados com delineador me fitando de longe e fui até Emily, que era a única pessoa da mesma idade que eu presente, eu poderia suportar seu flerte em nome da necessidade de não me entediar e acabar ainda mais triste do que já me encontrava.
— Certo, vai ou não me contar o que te trouxe aqui? — Emily inquiriu, assim que parei ao seu lado. Suspirei desistente, afinal, um olhar de fora não faria mal.
— Bem, para encurtar muito drama, nós nos afastamos porque eu tenho uma ligeira tara em me sabotar as vezes e agora ele está envolvido em um projeto incrível e viajou para o Brasil, por tempo indeterminado — sorri sem emoção, Emily assentiu. Expliquei a ela que era nosso vizinho da frente e sem entrar em muitos detalhes, expliquei sobre nossa última noite e assumi a chateação crescente por não ter ouvido sua voz desde então. Emily sorria pequeno enquanto me ouvia e sua expressão se suavizava em um entendimento quase pessoal da situação.
— Deixa eu adivinhar, você entrou na paranoia de que não era suficiente para ele e terminou por medo, agora percebeu que foi uma burrice, mas é tarde demais. — A olhava com a expressão de estranheza, incrédula com sua percepção. — Passei por algo parecido no ano passado — explicou, me impedindo de acusá-la de bruxaria, tenho certeza de que metade daqueles senhores brancos gostariam de fazer o trabalho de queimá-la viva, a forma como a olhavam, com total desprezo e alguns até cochichavam entre si. Certamente a condenando por somente ser quem ela era.
— Por que chegamos a um certo ponto da vida que tudo o que fazemos é questionável? — perguntei rindo, Emily riu ainda mais alto.
— Quando descobrir me avise — piscou um dos olhos.
— E então, o que você fez? — indaguei, me referindo a sua experiência no campo.
— Bem, ela se mudou para L.A. pra tentar ganhar a vida como atriz e eu fui logo depois. Quando cheguei lá, ela estava envolvida com o colega de quarto e a pior parte foi a surpresa dela. Como se ela não soubesse que eu a amava o suficiente para fazer aquilo por ela — deu de ombros, os olhos perdidos pelo carpete da sala.

O relato de Emily havia mexido comigo muito mais do que eu esperava. A ideia de ser capaz de seguir em frente com muito mais facilidade que eu, me fazia sentir patética. Se em menos de três meses em que estávamos separados, ele havia conhecido alguém e dormido com ela. Não parecia difícil imaginá-lo se envolvendo com alguém agora, estando tão distante.
O jantar fora servido e tratei de me sentar mais afastada de Emily, evitando que ficássemos juntas lambendo nossas feridas.
Assistia a todos conversarem entre si, comendo felizes a boa comida que minha mãe servira orgulhosa. Troquei olhares com ela algumas vezes, sempre lhe sorrindo e com uma luzinha acesa em esperança de que ela o fizesse de volta.
Conforme os convidados iam se retirando agradecidos pela boa comida e bebida, ficava firme ao lado de meus pais diante da porta. Cumprimentando e agradecendo a companhia daqueles que eu não tinha contato algum.
Com a ida de Emily, seu pai e a madrasta, ouvi minha mãe suspirar e lançar um olhar sugestivo para meu pai que parecia ler a mente da mulher baixinha.
— O que quer que eu faça? É a filha dele... — comentou baixo, evitando que o restante dos convidados o ouvisse.
— Qual é o problema? — perguntei, sendo repreendida por minha mãe.
— Ela deixou um bom noivado com o filho dos Sandersons para se aventurar... Com uma mulher. — Ela dizia ultrajada pela ideia. — E então a suposta namoradinha dela a trocou por um traficante de drogas na Califórnia... — cochichou, o pavor em seus olhos me fazendo segurar uma risada diante de tanto preconceito. Como educar uma mulher feita? Como fazê-la perceber seus equívocos? saberia, ele o faria com humor e de forma imperceptível.
— Eu não acredito! Na Califórnia? Não é esse o estado da depravação total? — indaguei, sem conseguir não fazer graça com o desespero infundado de minha mãe. Era a forma de mostrar o quanto ela estava sendo ridícula de uma forma não tão direta.
— Não, filha. Você está falando de Nevada — meu pai corrigiu arqueando as sobrancelhas e me fazendo rir, minha mãe o acertou com um tapa de leve na barriga. Balançava a cabeça de um lado para o outro, mas o esboço de um sorriso lhe puxava os cantos dos lábios e ali estava meu presente de natal, um ligeiro ensaio de uma expressão feliz no rosto de minha mãe. Não que ela não fosse feliz, mas alguma coisa dentro dela a fazia parecer sempre de mau-humor e as tarefas que nunca acabavam a deixavam ranzinza, mesmo que fosse o grande prazer de sua vida cuidar da casa e de meu pai, desde que eu me mudara para a cidade grande.
— Vocês dois... Sempre contra mim! — resmungou ela, sumindo de nossas vistas ao entrar de volta na cozinha. Meu pai ria enquanto me cutucava com o cotovelo, a alegria e energia de um menino.
Nos dias que se seguiram, tentei me inserir na rotina de meus pais, buscando passar mais tempo com eles e me desligar das dúvidas e preocupações que rondavam minha mente. Assisti a reprises dos jogos preferidos de meu pai ao longo do ano, vendo que ele se gabava por ser bom nas estatísticas e em adivinhar as estratégias de seu time do coração. Tentei ajudar minha mãe em algumas de suas tarefas, como otimizar os agradecimentos pelos cartões de natal de forma digital e rápida. Usava o computador na ilha da cozinha, ela sentada ao meu lado, apertando os olhos por trás dos óculos para se certificar de que eu digitava exatamente o que ela ditava.
Com o trabalho feito, minha mãe parecia satisfeita.
— Obrigada, minhas amigas do clube vão ficar com inveja por ter que escrever à mão os agradecimentos. — Se gabou ajeitando os cabelos curtos.
— Fico feliz por poder fazer isso por você — disse, sem graça, minha mãe sorriu pequeno e apoiou a mão em minhas costas.
— Quer um chá? — Se levantou de repente e eu assenti a assistindo encher o bule com água e separar duas xícaras e um par de pires. — Como estão as coisas entre você e o ? — perguntou, me confundindo com seu interesse repentino.
— Ahm... Bem — respondi rápido, recebendo um olhar de soslaio por parte dela.
— Vamos, não minta. Você parece arrasada, vi assim que pus os olhos em você — comentou, me fazendo morder o interior da boca, incomodada. Não queria que ela se preocupasse comigo.
— Bem, nós estamos dando um tempo — comecei ainda incerta, sabia que ela reprovaria minha atitude.
— E por quê? — Se debruçou sobre a ilha, de frente para mim. Com ela me encarando daquele jeito, eu sabia que não tinha jeito a não ser dizer a verdade.
— Eu fiz besteira, mãe — assumi, sentindo a garganta apertar. — Eu achei que ele ficaria melhor sem mim e agora eu sei que é a mais pura verdade. Só não sabia que eu ficaria tão... Mal — ri, me sentindo patética.
— E ele simplesmente aceitou? — Ela perguntara, as sobrancelhas unidas em um sinal prévio de que estava chateada.
— Você conhece o , mãe... Ele faria qualquer coisa por mim, inclusive se afastar se eu pedisse — apoiei a testa na ilha, encarando o mármore de perto.
— Bom, o que te impede de voltar atrás? — levantei os olhos para minha mãe, vendo-a apoiar o rosto em uma das mãos.
— Ele viajou a trabalho — expliquei, minha mãe assentiu e foi até o fogão quando o bule começara a apitar. Assisti minha mãe servir a água quente nas duas xícaras, cada movimento gracioso executado com perfeição.
— Filha, eu sei que não fui muito a favor desse relacionamento no começo. Sempre achei aquele menino estranho e inteligente demais para a própria segurança. — Ela soprava o chá enquanto construía sua linha raciocínio. — Mas quando percebi como ele te amava e o quanto ele a fazia feliz, fui obrigada a deixar meu preconceito de lado e para ser sincera, comecei a gostar dele. Sempre tão perspicaz, mas fazendo isso com muito respeito a mim e ao seu pai. Eu não desejo nada além de boas coisas a vocês dois. Tenho certeza de que um amor assim, construído aos poucos por tanto tempo não deve ser jogado fora dessa maneira — levantei a cabeça, a olhando com estranheza. Certamente esperava uma conduta diferente dela, até evitei tocar no assunto para que não me magoasse com suas opiniões fortes sobre meu relacionamento com . Saber que ela aprovava e que até gostava dele era uma grande surpresa. — Se houver alguma chance de vocês reatarem, fale com ele, filha. Não te criei para perder oportunidades por ser orgulhosa. Não seja como eu, que depende da sorte de ter me casado com um homem paciente e maravilhoso como o seu pai é para mim — pisquei algumas vezes ao ouvi-la rir antes de bebericar o chá. O som tão curto e distinto, uma risada doce e espontânea que só o amor é capaz de trazer, até para os corações mais fechados.
— E se for tarde demais? — indaguei num pensamento alto, a fazendo me olhar repreensiva.
— O jeito como ele te olhava aos doze anos só se intensificou aos dezoito. É claro que ainda dá tempo, filha, aquele menino esperaria por você a vida inteira. — Ela se aproximou, tomando meu rosto com as mãos quentes. — Você é uma menina de ouro, ele seria louco se não achasse que você é suficiente. — Aquele olhar materno, tão carinhoso e diferente do sempre tão atarefado. Minha mãe me via, minha mãe sentia minha dor mesmo que eu mesma não a entendesse completamente. Ela voltou a se sentar ao meu lado, bebemos chá em um silêncio reconfortante, um cuidado silencioso que eu não sabia que precisava até tê-la ali, ao meu lado.
Alguns dias depois, me despedi de meus pais na mesma rodoviária e viajei de volta para o Brooklyn, me sentindo descansada e menos tensa.

A árvore de natal mediana ainda tinha luzes piscantes sobre ela quando cheguei no apartamento, dois presentes ainda embrulhados jaziam aos pés da árvore e eu sorri com a consideração de meus amigos em me presentear mesmo que eu não tivesse presente. Tirei os tênis e deixei as malas na frente da porta, me aproximando dos presentes e os abrindo. O de Sophie e Andrew era um pequeno globo de neve, onde os flocos de neve se pareciam com pequenas folhas de maconha e o papai-noel, que se deitava sobre um monte de "neve", fumava um baseado minúsculo, que de alguns ângulos, era possível ver o desenho da fumaça que ele soltava. Um presente inútil que me faria rir. Eu adorei. O de Amanda era um livro sobre as vantagens e desvantagens das redes sociais, um ponto de vista psicológico da coisa e um assunto que muito me interessava, devido a minha profissão e o desejo de fazê-lo com responsabilidade. Sorri agradecida e levei os presentes e as malas para meu quarto, as desfazendo.
Mais tarde, Amanda chegou animada de um encontro que tivera. As bochechas rosadas e o riso frouxo denunciavam que as coisas haviam se saído melhor que o esperado.
— Oi! — disse quando ela me percebeu sentada no sofá.
— Você voltou! Como foram as coisas na casa dos seus pais? — me levantei para cumprimentá-la com um abraço.
— Foi legal, sabe como é... Tantos convidados que a família nem se encontra na sala — disse rindo, Amanda se sentou no sofá. — E como estão as coisas por aqui? — me sentei também, erguendo as sobrancelhas e sorrindo maliciosa.
— Ah, você sabe... — deu de ombros, mas ria sem graça.
— Eu não sei de nada, lembra que ele me deu um bolo? — cutuquei a fazendo rir.
— Ele me pediu para se desculpar, ele pretende fazer isso pessoalmente, mas quis se certificar de que você não o odiasse — comentou, me fazendo sorrir.
— Então, ele já está pensando em agradar seus amigos? Isso tem cheiro de namoro vindo por aí... — Amanda rolou os olhos, mas sorria esperançosa.
— Seria tão horrível já estar apaixonada depois do primeiro encontro? — ela perguntou, os olhos verdes brilhavam em expectativa.
— Claro que não! Vocês se conhecem há algum tempo, não tem nada de horrível em percebê-lo com outros olhos — pisquei para ela, que riu como uma adolescente. Era bom vê-la apaixonada, a paixão deixa as pessoas engraçadas e se tinha alguém que merecia a brisa fresca de uma nova paixão, esse alguém era Amanda.

Quase um mês se passara e por mais que eu tivesse me convencendo de que não esperava mais, ainda me pegava checando o celular em busca de alguma ligação perdida ou mensagem que pudesse ter deixado, mas nada. Com a rotina se reiniciando com o início de um novo ano, eu começava a me conformar com sua ausência, me afundando em trabalho para me manter distraída o suficiente para não pensar nele.
Era fim de tarde quando Amanda entrou no apartamento sendo seguida de Sophie, ambas carregando sacolas de compras.
— Adivinha quem vai cozinhar pra gente hoje? — Amanda disse alto, interrompendo o breve cumprimento entre mim e Sophie.
— A... Sophie? — perguntei óbvia, fazendo-a rolar os olhos.
— Você esqueceu de deixar a sua lista para o mercado de novo, então tive que olhar as suas coisas e descobrir o que estava faltando. — Amanda disse alto, se afastando para entrar na cozinha.
— Acho que devo te agradecer por isso... — disse ainda confusa, fazendo Sophie rir.
— Deve mesmo. — Amanda voltara para a sala, se sentando no sofá. — O que aconteceu que você ainda tem absorventes o suficiente para um batalhão de mulheres? — perguntou com o cenho franzido, me fazendo arregalar os olhos de repente.
— Talvez ela não tenha usado tantos esses últimos meses... — Sophie comentou, cobri a boca com a mão, tentando disfarçar o desespero que crescia em meu peito.
— Parece que ela não usou nenhum! — Amanda brincou, rindo alto. Até que parou de repente, me olhando com os olhos arregalados também. — ! — me repreendeu. Sophie olhou dela para mim, confusa com o assunto que corria sem que disséssemos uma palavra sequer.
— Sua menstruação deve ter atrasado, foi um mês bem estressante. — Sophie se sentou ao meu lado e eu não conseguia raciocinar direito.
— Vamos fazer um teste! — Amanda levantou os braços, animada de repente com a ideia que eu rejeitava a todo custo.
— Não! — gritei de repente, chamando a atenção das duas. — Vamos nos acalmar, respirar fundo e nos acalmar — pedi, fazendo contas mentais para entender quanto a minha menstruação havia atrasado. Me lembrei de sentir enjoo quando cheguei na casa de meus pais, mas achei que poderia ser devido a viagem longa de ônibus. Não sentia meu corpo diferente em nenhum aspecto, exceto a ausência de fluxo menstrual. Entretanto, Sophie estava certa, havia sido um mês bastante complicado emocionalmente e eu tinha um histórico de ter impactos físicos diretos por estar em altos níveis de estresse. Sentia meus olhos se encherem de lágrimas e o silêncio de minhas melhores amigas não ajudava em nada no quesito me acalmar.
— Ok. Você precisa fazer um teste, só para ter certeza. — Amanda disse devagar, mas não conseguia deixar de sorrir, o que só me irritava aos poucos.
— Eu vou comprar na farmácia do outro lado da rua! — Sophie também sorria, mais discreta. A observei sair pela porta em silêncio, batia o pé no chão sem parar, um sinal claro da ansiedade que me corroía.
Amanda tamborilava os dedos sobre a mesa enquanto esperava por Sophie voltar com o teste de gravidez. Mesmo que não dissesse nada, seus olhos indicavam uma inquietação.
— Eu já estou uma pilha de nervos, Amanda. Diga de uma vez o que se passa nessa sua mente — pedi, sentindo seus olhos sobre mim logo em seguida.
— É que eu acabei de pegar a nossa correspondência e... Tem uma carta para você. — Amanda disse incerta, desviando o olhar de mim para o monte de correspondência empilhadas sobre o aparador ao lado da porta.
— Uma carta? De quem? — pedi rindo incrédula, eu nunca havia recebido uma carta antes. Tudo o que deveria ser pago ou respondido era recebido por e-mail.
— É, uma carta do — parei de rir imediatamente, surpresa com a informação. Me levantei e fui até lá, descartando o que não era endereçado a mim. Li o envelope com a letra de e senti meus dedos segurarem a carta trêmulos. Levantei meus olhos para Amanda que sorria de boca pequena, talvez somente ela tenha presenciado o quanto eu não estive bem esperando por qualquer contato dele.
Sophie entrou pela porta segurando uma pequena sacola em uma das mãos. Me olhou com a sobrancelha erguida e se virou para Amanda.
— Você mostrou a carta logo agora? — perguntou a repreendendo. Amanda deu de ombros e eu andei por elas enquanto engatavam uma pequena discussão acerca de minha proteção. Me sentei no sofá encarando o envelope e tentada a abri-la e consumir o que quer que ele tivesse escrito.
? — ouvi Amanda me chamar e a respondi com um murmúrio distraído. — Sabe que estamos aqui para você, não sabe? Você escolhe o que quer fazer primeiro e nós vamos te apoiar independente do que acontecer — avisou, respondi com um aceno de cabeça.
— Mas, se você quiser uma sugestão... Eu faria o teste primeiro e leria a carta quando já soubesse do resultado. Não sei, parece um jeito razoável de fazer isso. O que acha, Amanda? — Sophie disse, me fazendo me virar para ela, rindo de nervoso.
— Acho que ela deve decidir. — Amanda repetiu absoluta.
Me levantei ainda segurando a carta, fui até Sophie e peguei a sacola com o teste, rumando para o banheiro. Parei na metade do caminho, me virando para elas, que me olhavam esperançosas.
— Tudo bem se eu fizer isso sozinha? Não me entendam mal, eu vou fazer xixi nisso aqui e provavelmente chorar em cima disso — levantei o teste e a carta conforme os citava. Sophie sorriu e Amanda assentiu.
— Só precisa gritar, e nós estaremos lá com você — comentou Amanda enquanto eu fechava a porta do banheiro.
Eu sabia que se tratava de um momento delicado, então resolvi fazer as coisas com calma.
O nervosismo me impedindo de fazer xixi no copinho que acompanhava o teste, me fez bufar frustrada. Abri a torneira devagar, fechando os olhos e me concentrando ao máximo no que estava fazendo naquele momento, sem pensar no que poderia ter na carta e ignorando suposições absurdas sobre como seria uma gravidez a esse ponto da vida.
Com o teste já feito, precisava esperar alguns minutos até que o resultado pudesse ser visto. Respirei fundo enquanto lavava as mãos, os olhos fixos na carta sobre a pia. Sequei as mãos e peguei a carta, me sentando com as costas contra a porta. Rasguei o envelope e a desdobrei, passando os olhos pela folha preenchida com a letra bonita dele. Suspirei e comecei a ler, como se a voz dele soasse em minha mente conforme passava os olhos pelas palavras dele.

", meu amor.
Finalmente consigo pronunciar o nome da cidade em que estou morando agora. Se chama Benedito Lourenço em homenagem a um homem importante para a cidade que foi morto devido a um conflito de território. A parte bonita e menos assustadora da história, é que ele se apaixonou pela filha do mandante de seu assassinato e eles trocavam cartas secretas de amor durante o relacionamento proibido. Essas cartas foram encontradas e publicadas como um livro de anedotas, muito famoso por aqui. A história conta que a mulher por quem Benedito se apaixonou, escreveu cartas para seu amado até o final da vida e que essas cartas foram enterradas com ela. O que me fez pensar, o que pode ser dito para um amor considerado perdido? Celina, era como ela se chamava, levou consigo sentimentos traduzidos em palavras, talvez pensamentos preciosos e eu fiquei furioso com ela, pois, talvez o que ela tivesse a dizer explicasse como me sinto agora.
Nossa situação é diferente, graças a tudo o que pode ser mais sagrado neste mundo, você está viva e bem, eu espero. Mas ainda assim, há coisas que não consigo explicar, há sentimentos que não consigo traduzir em palavras e inspirado neles, achei que poderia tentar.
Confesso que naquela quinta-feira, quando você entrou no meu apartamento com o olhar perdido e amedrontado, eu sabia o que aconteceria. Só não sabia por quê.
Eu entendo agora, depois de refletir muito em suas palavras naquele dia, que nada teve a ver comigo. O que não deixa mais fácil, pois, se houvesse algo que eu pudesse fazer, eu faria. Mas não tinha a ver comigo, tinha a ver com você e como você via a si mesma. Algo estava errado e se o que eu podia fazer era lhe dar algum espaço para descobrir o que estava errado, então eu faria. E assim o fiz.
Algo mudou em mim quando terminamos, tive que lidar com uma solidão que nunca sentira antes, porque você estava lá.
Quando você saiu pela porta, você quebrou meu coração, . E mesmo assim, ainda sou louco por você. Não sabe quantas vezes precisei me convencer de que precisava fazer isso, precisava vir para cá e deixar que o tempo e a distância fizessem com que eu te amasse menos, que colocasse você em um lugar diferente em meu coração. Mas é você. Não teria como não ser você.
Eu te amo desde que te vi pela primeira vez, no dia da mudança. Você era péssima no skate e caiu feio na calçada enquanto tiravam os móveis do caminhão. Lembro de me assustar com o barulho surdo e alto que uma menina tão pequena podia produzir, você recuperou o skate que continuava o caminho sem você e se sentou no meio-fio, não chorava pelo joelho sangrando. Você só se sentou lá e respirou fundo, jurando que nunca mais iria subir naquela prancha outra vez e a melhor decisão que tomei, foi a de ter a curiosidade de saber que você cumpriria sua promessa. E você o fez. Mesmo quando todos nós estávamos nos empenhando para fazer manobras, você só nos apoiava, sem nem titubear. Você me ensinou desde sempre que manter uma promessa é muito importante, quando cresci, entendi que isso se tratava de um caráter cristalino. Você é perfeita, . Não saber disso só te torna ainda mais surreal. Não precisei de tempo e distância para saber disso, eu sempre soube. Mas tenho rezado para que você descubra isso também.
Sei que pedi para não me esperar, não faço ideia de quanto tempo ainda vou ficar aqui, mas, eu quero que saiba que eu estou esperando por você. Eu tenho bastante experiência nisso, você sabe.
Não sei em quanto tempo essa carta vai chegar até você, espero ter conseguido algum avanço por aqui até isso acontecer. Estou louco para te contar tudo sobre esse lugar de gente simples, mas muito carinhosa e acolhedora. Suas histórias de vida te fascinariam e sei que as cores desse lugar te deixariam sem ar. Tudo é tão colorido e feliz, é impossível não andar pela cidade sorrindo.
Eu estou bem e espero de verdade que você também esteja, percebi só agora que em função do quanto eu estava me sentindo horrível por te deixar, ainda pedi que você reprimisse suas emoções, só para que fosse mais fácil para mim. Imagino que isso não tenha te feito bem e me odeio por ter feito isso, sabendo como você leva as suas promessas a sério.
Espero poder reparar tudo isso em breve, toda a distância e a falta de comunicação. Eu não vejo a hora de te ver de novo, mas sinto que estou morrendo aos poucos sem ouvir a sua voz.
Estou fazendo o possível para cumprir a minha promessa. Eu vou voltar para você, . E talvez possamos conversar mais sério sobre essa ideia maluca de casamento, tenho certeza de que não temos mais pelo que esperar.
Eu te amo.
Para sempre seu,
."

Com o rosto molhado e o peito apertado, segurava a carta em minhas mãos trêmulas. Sorria relendo partes da carta, sentindo que nunca amara tanto quanto amava agora. Me levantei do chão suspirando, dobrando a carta e a guardando no bolso short que vestia. Fechei os olhos sentindo a calma que só ele me proporcionava, surpresa e aliviada que seu poder ainda tinha efeito, mesmo de longe. Independentemente do que acontecesse dali em diante, eu saberia que tudo ficaria bem. Uma certeza maciça e concreta, uma verdade absoluta e inexplicável.
Me aproximei do teste esperançosa, não sabia bem pelo que esperava. Me sentia apavorada, mas sentia uma agitação crescente tomar forma dentro de mim. Os dois pontos coloridos no teste se pareciam como torres imponentes. Inconscientemente, toquei meu baixo ventre absorvendo a grandiosidade de ter uma vida crescendo dentro de mim, fruto do amor de dois melhores amigos completamente apaixonados um pelo outro.
Abri a porta do banheiro ainda atordoada, Sophie e Amanda me esperavam apreensivas, seguravam as mãos com tanta força que podia ver os nós de seus dedos entrelaçados esbranquiçados.
— E então? — Sophie pediu primeiro, os olhos arregalados em antecipação, como um torcedor esperando por um gol.
— Eu... Eu vou ter um bebê — disse estranhando o som de minha voz dizer aquilo em voz alta. Minhas amigas abriram a boca em sincronia, um grito preso no fundo de suas gargantas. Eu ainda piscava, rindo de puro nervosismo, no melhor sentido possível da palavra.
— Nós vamos ter um bebê! — Sophie gritou finalmente, se virando para Amanda que assentia soltando gritinhos agudos de pura alegria.
Fui até elas, que me envolveram num abraço caloroso e genuíno, a alegria delas me mostrando que eu não estaria sozinha.
Ao longe, ouvi meu celular tocando me desvencilhei do abraço de Sophie e Amanda enquanto elas ainda celebravam. Peguei meu celular sobre a mesa, estranhando o número cumprido que minha tela anunciava.
— Alô? — Um som chiado e agudo me fez tirar o celular do ouvido, esperando que ele cessasse para que pudesse tentar ouvir melhor o que diziam do outro lado. — ? — pedi esperançosa, ouvi a ligação se estabilizar e uma gritaria em comemoração se fez presente.
— Ah, , você não sabe como é bom ouvir a sua voz! — meus olhos se encheram de lágrimas, o som calmo de sua voz me preenchendo em lugares que eu não imaginava que pudessem estar vazios. Sua risada gostosa me fazendo rir também. Dividia a alegria entre finalmente poder ouví-lo e o orgulho que sentia por ele ter conquistado a primeira etapa do processo longo que ainda estava por vir.
— Você ligou na hora certa, meu amor! — disse, me sentando no sofá enquanto acariciava minha barriga ainda inexistente. — Na hora certa! — repeti. Suspirei sentindo que agora a vida seria diferente e eu não poderia estar mais animada com isso. Nosso amor sobreviveria a 6.683 quilômetros de distância, superaria fuso horário e a promessa não se quebraria. Diante de tantas incertezas pela frente, eu sabia disso ao menos. E decidi que era o suficiente por enquanto.


FIM?



Nota da autora: Primeiro quero dizer que dedico esse pedacinho do meu coração em formato de história para o meu avô Benedito, que nos deixou há um ano e à minha avó Celina, que segue cumprindo a promessa de ama-lo para sempre.

Bom, eu nem sei por onde começo direito, essa história provavelmente significa muito mais para mim do que uma simples fanfic. Ela foi como um caminho que eu escolhi criar a partir de palavras para que eu não ficasse mais tão perdida. Tanto que sinto até que posso ter prejudicado um pouco do desenvolvimento dos meus personagens porque eu não queria que eles sofressem. Queria que eles se amassem e aproveitassem a presença um do outro, não só os principais, mas, a família que todos eles formam juntos. Cada um com seu jeito peculiar de ser.

Eu estou trabalhando numa segunda parte e prometo me desapegar desse cuidado extremo. Trazer, quem sabe, um lado mais humano dessa PP tão intensa, afinal, até às melhores pessoas cometem erros.

Obrigada a todes que leram, é incrível pensar que de alguma forma, eu te fiz companhia enquanto você lia essa minha loucura. Dividir minhas ideias parecia uma coisa maluca, mas, é tão divertido e libertador. Eu super recomendo.

Escrevam, leiam, amem, sonhem.

Tear.

Nota da Beta: Tô tão tocada com essa fic que me faltam palavras. Parabéns pelas palavras, Tear! <3

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