Finalizada em: Maio/2024

Capítulo I

O céu cinzento combinava com o meu estado de espírito atual. Do alto daquela montanha, meus olhos vigiavam a raça inferior. Sua ganância me causava repulsa, humanos eram como pragas, se proliferavam rapidamente, tomando a vida por onde quer que passassem. Meus olhos nunca se desviaram deles durante eras, o tempo passava e eles não mudavam, sua natureza desprezível piorava a cada nova geração. A floresta, os animais e até mesmo os seus semelhantes sofriam com os atos grotescos que eles cometiam. Nada parecia suprir sua fome voraz por mais, era impressionante que eles não haviam sido varridos da superfície terrestre. Amantes dos prazeres, seres sem moral, violentos, repugnantes… odiava-os! Como um dragão que vivia no alto da montanha, evitava me transformar em uma forma mais vulnerável. Não precisava de alimentos, apenas a água me mantinha forte, de pé. O alimento só era necessário se eu precisasse lutar, mas não seria qualquer batalha, era necessária uma grande guerra que durasse anos para provocar alguma fome. Se isso acontecesse, a fome que seria despertada poderia causar um desastre. A fome de um dragão, quando provocada, era notável!
Enquanto protegia o cume da montanha, lar de seres e criaturas mágicas, uma pequena raposa começou a se aproximar, sua pelagem avermelhada possuía rajados pretos. Por volta do nascer e entardecer, ela surgia e se acomodava em meu colo enquanto observava o sol subir e descer. Às vezes ela subia em minha cabeça ou costas, as cores do céu tomavam todo o seu interesse enquanto estavam ali. Às vezes ela me permitia tocar seu pelo, outras vezes me mordia caso fizesse carinho; não que uma pequena criatura como aquela pudesse me machucar, seus dentes não poderiam atravessar a minha pele de couraça. Havia vezes em que a pequena raposa parava em minha frente, seus olhos pareciam carregar uma tristeza não dita, perguntas que jamais seriam pronunciadas, e o pequeno animal não parecia intimidado com a minha forma draconiana. Passei a contar as estações a partir dos encontros com a pequena raposa, ela sempre surgia faltando exatamente cinco minutos antes que o sol atravessasse o horizonte.
No entanto, enquanto eu observava do alto da montanha, notei um ponto avermelhado se esgueirando entre as construções dos homens. O padrão preto em sua pelagem gelou minha alma, o que aquela pequenina estava fazendo por ali? Originalmente, eu não desceria a vila dos humanos, não interferiria, mas não poderia permitir que aqueles desprezíveis humanos a tocassem. Voei até o limite da aldeia humana antes de tomar uma forma menos ameaçadora, o mais próximo que eu tentaria me tornar semelhante àquelas criaturas inferiores. Minha visão continuava muito boa, embora não fosse excelente como quando estava na forma draconiana. Meus olhos vagaram pelos becos e corredores, atrás de um vislumbre avermelhado. Um guinchar atraiu minha atenção, eram garotos jogando pedras em uma mãe gata com seus filhotinhos. Meu sangue efervesceu em minhas veias, o fogo queimava o céu da minha boca, pronto para tornar aqueles garotos em cinzas. Respirei fundo, tentando manter a calma enquanto me aproximava dali. Empurrei os garotos para o lado, enquanto me abaixava e tomava aqueles pobres animaizinhos em meus braços. Talvez eu não houvesse administrado muito bem a minha força quando os empurrei, porque, quando me virei, todos estavam mortos jogados contra a parede.

— Parece um bom fim para criaturas como eles — resmunguei, enquanto me afastava com a mamãe gata e seus filhotes em meus braços. Levei-os para o mais longe na floresta. — Se eu os encontrar por aqui quando localizar o que eu procuro, os levarei comigo. — Fiz um carinho na cabeça da mamãe gata e então retornei para a aldeia humana, ouvindo o choro de mulheres. Não me incomodei em verificar, eu poderia dizer que eram as mães dos garotos que havia matado.

Quando estava atravessando uma ponte perto da outra margem da floresta, um som atraiu minha atenção. Segurei uma lança que fora jogada em minha direção, meu olhar se voltou para a direção de onde a lança viera, e, encostada contra um tronco de árvore, estava uma belíssima mulher em trajes que apenas homens usavam.

— Eu deveria adivinhar que você pegaria essa. — A mulher suspirou, embora houvesse um sorriso zombeteiro em seus lábios.
— Nós nos conhecemos? — Joguei a lança no rio que corria abaixo da ponte, meu tom de voz revelava o quão desinteressado estava naquela mulher. Ela estava vestida como membro do exército do lorde local, mas mulheres eram proibidas, isso me intrigou.
— Você costumava ser tão sagaz… — Ela balançou a cabeça, fingindo uma decepção, embora os cantos curvados de seus lábios indicassem o oposto. — Está tão diferente em sua forma humana, mas devo dizer que seu tratamento frio me magoou. — Ela colocou a mão em seu peito de modo teatral.
— Kitsunes… — Fechei meus olhos enquanto massageava minhas têmporas. Havia descido daquela montanha por causa de uma kitsune irritante.
— Assim você fere meus sentimentos. — Ela riu, enquanto cruzava a ponte, e ficou de frente para mim. — Seus olhos continuam na mesma coloração, eles são mais interessantes quando vistos de perto.
— Diga-me o seu nome — ordenei em um tom baixo, ranzinza.
— Por que você está sempre mal-humorado? — Ela subiu no corrimão da ponte com graça e agilidade, andando com um sorriso irritantemente provocante. — Admita que você está preso demais àquela montanha que nunca interage com os outros. — Ela pulou a distância entre os corrimões, se firmando no outro com firmeza. Ela se movia com graça.
— Você ainda não me respondeu. — A encarei ainda irritado.
— Ninguém sabe o seu nome, meu senhor. Sabemos que você é o nosso guardião, você sempre esteve lá, e permanecerá quando partirmos, e ainda assim ninguém chegou perto de descobrir o seu nome — ela divagou, antes de dar uma pirueta no ar, parando à minha frente. — Façamos um acordo, eu digo o meu nome e você revela o seu. — Ela sorriu, inclinando sua cabeça em minha direção, parecia ansiosa em causar qualquer reação em mim.
— Então você se aproximou para ser a primeira? — Arqueei minha sobrancelha, enquanto a olhava com desaprovação. Ela era uma criança diante meus séculos de existência.
— Raposas são naturalmente curiosas — ela me respondeu, girando ao meu redor. Havia algo nos kitsunes que os tornavam extremamente irritantes: sua persistência em incomodar os outros.
— Você deveria subir a montanha, parar de se arriscar, criança — a respondi, enquanto dava um tapinha em sua cabeça e passava por ela.
— Criança? — O tom ofendido dela quase me fez curvar o canto dos meus lábios, quase. — Por que está me chamando assim? — Ela correu para me alcançar.
— É o que você é aos meus olhos — a respondi, sem dar muita relevância, enquanto atravessava a floresta. A cada passo mais profundo na floresta, minha forma mutava, estava retornando ao meu eu draconiano. Ela pulou em minhas costas quando meus passos se tornaram muito rápidos para ela me acompanhar.
— Você é muito muito ranzinza — ela me respondeu. Eu poderia não estar a vendo, mas sabia que uma expressão de desagrado estava em sua face.
— Você fala de forma muito confortável com o senhor da montanha. — Me limitei a respondê-la, enquanto voava baixo entre as árvores. Ela agarrava meu pescoço com força, então mudei um pouco minha forma para conseguir se segurar melhor. — Segure firme, criança. — E então movi minha cauda mais rápido, enquanto seguia em direção ao leito do rio, sobrevoando mais alto e mais rápido.
— Eu não sou uma criança! — ela gritou brava, o vento uivava devido à velocidade em que me movia.

Acabei rindo baixo, o mais baixo que um dragão poderia rir. Não me importei em observar o nosso entorno, ela provavelmente havia retornado à sua forma natural, senti a mudança em minhas escamas. Como um transmorfo, kitsunes eram consideradas criaturas traiçoeiras, devido em parte ao seu humor um pouco mais ácido, suas brincadeiras deixavam outras criaturas mágicas irritadas. Era por esse motivo que ela estava usando roupas masculinas quando a encontrei, ela deveria ter alterado sua forma para me encarar, afinal, sabia o quanto eu desprezava os seres humanos. A deixei na clareira dos kitsunes com um aviso para não se envolver com os humanos outra vez e assim retornei ao meu local, vigiando, jamais dormindo.


Capítulo II

Ele partiu, o grande dragão retornou ao cume da montanha, o mistério em seus olhos como labaredas jamais era revelado. Histórias heroicas do grande dragão circulavam pelos moradores daquela montanha, o respeito pelo grande dragão era inegável. Mesmo que nenhuma das criaturas mágicas o tenha visto, eles poderiam sentir o olhar do grande dragão sobre eles. Essa também era a razão da paz entre os moradores da montanha, ninguém queria problemas com o lendário dragão. Eu não poderia controlar meus impulsos, histórias eram apenas isso até que se tornassem realidade. Em uma madrugada, eu fugi do conforto do meu quarto para descobrir se o grande dragão existia. A sua áurea poderosa era forte demais para permanecer de pé enquanto me aproximava do cume da montanha. Sentindo, enfim, o medo, me transformei em uma raposa pequena, vermelha como as dálias perto do rio à oeste, que tinha sua nascente no santuário do dragão, o seu lar.
Admitia que estava aterrorizada, admitia que estava intrigada, admitia que estava ansiosa. A montanha era o meu lar, minha família vivia ali, mas, como todo kitsune, não nos limitávamos a permanecer apenas ali, porém, a cada vez que olhava para a montanha que era o meu lar na vila humana, o olhar do dragão era real, o peso de seu olhar era forte, e apenas as criaturas mágicas o sentiam. Em minha primeira aventura para o santuário do dragão, eu desacreditava de sua presença, até, é claro, senti-la e o ver, em sua completa totalidade. Sua forma gigantesca, suas escamas escuras feito a noite sem estrelas, mas brilhantes como o brilho prateado da lua. Seus olhos eram hipnotizantes. Sua face aterrorizante não me impediu de chegar perto de sua forma monstruosa. Ali havia entendido que a ausência do dragão era mais do que poderíamos imaginar, o dragão estava nos protegendo do medo, dos humanos e das possíveis guerras que poderíamos causar por caprichos. Ele mantinha a paz, sua figura monstruosa não era conhecida, mas, se fosse, aterrorizaria até o mais corajoso entre todas as criaturas, nada poderia abater aquele imenso dragão.
Me lembrava daquele encontro com nostalgia. Ele havia me deixado naquela clareira com cuidado, sua gentileza contrastava com sua forma robusta, que se tornou ainda maior quando ele me colocou no chão. Sorrir foi inevitável, a forma como ele cuidava dos outros dizia mais sobre ele do que as histórias poderiam descrever. Uma raposa sempre procuraria um novo interesse, uma nova aventura, mas o grande dragão nunca me cansava. Nada o fazia reagir, mas o ouvir rir após minha resposta mal-humorada me fez corar. Talvez eu fosse uma criança aos seus olhos, talvez sua descida à vila dos humanos tenha sido uma coincidência, ou então eu havia conseguido o atrair até lá com uma ilusão da pequena raposa que eu me transformava andando pelos becos e vielas da aldeia. Talvez eu estivesse desejando a atenção dele, talvez eu estivesse tão interessada em sua história que buscava qualquer desculpa para o encontrar. Eram muitos talvez, eram muitas razões, eram muitas desculpas.
O grande dragão era o meu segredo, ninguém sabia dos meus encontros diários com a sua gigantesca figura. Naquele mesmo dia, ao entardecer, passei a linha de árvores que limitavam seu lar e me aproximei em minha forma natural, a real. Estava com dificuldade para fazer minhas sete caudas ficarem quietas e tentava não mostrar o quanto eu realmente me interessava nele. O mistério dele era meu encanto, um feitiço do qual eu não conseguia me desfazer. Eu o queria desvendar até a última gota, seus séculos de existência guardavam histórias as quais jamais poderia imaginar. Era uma sede avassaladora, era um risco. Kitsunes eram tendenciosos, sua atenção era difícil de ser conquistada, mas era fácil de se perderem. Estava interessada demais nele, de uma maneira que nunca havia me interessado por nada.
Cada cauda de um kitsune representava seus poderes e anos de existência. Embora estivesse viva por um pouco mais de dois séculos, não se comparava aos milhares de séculos do dragão.

— Vá embora, criança — ele me ordenou com seus olhos fixos no horizonte, nem ao menos se virou ao me ver ali. Era óbvio que tinha conhecimento da minha presença enquanto eu subia a montanha atrás dele, ele conseguia ouvir meus estúpidos batimentos acelerados e minha cauda inquieta.
— Não. — Atravessei a distância, me sentando sobre a rocha aos pés dele. — Por que você insiste em manter todos afastados? — o questionei, olhando entre a chateação e a irritação.
— Eu gostava mais de você quando não falava. — Ele pensou alto, o que me fez rir.
— Bem, como você descobriu que a raposa sou eu, não preciso mais me disfarçar. — Me coloquei de pé enquanto o olhava, ficava minúscula perto dele.
— Por que você se aproximou como uma raposa? — ele me indagou, virando, enfim, sua face para mim. Com um suspiro entediado, ele mudou sua forma para uma menor, nada parecida com um humano. Seu corpo era forte, seus músculos estavam em evidência embaixo das camadas de roupa. Sua pele possuía um brilho fora do comum, ele parecia uma pedra preciosa feita sobre o calor de um vulcão.
— Você não conhece sua própria fama. — Acabei me sentando sobre a rocha, os olhos dele estavam na altura dos meus. A rocha era grande, mas não tão grande quanto ele.
— Eu realmente deixei vocês sozinhos por tempo demais — ele me respondeu com desagrado.
, sim, meu nome soa como o de uma humana, mas o que eu posso fazer se meu povo interage com eles? — Acabei rindo assim que eu vi um brilho de desagrado passar pelas íris dele.
— Definitivamente deixei vocês sozinhos demais — ele reafirmou, enquanto sua voz ficava mais grave devido à sua irritação latente.
— Eles nunca nos descobriram, você sabe que kitsunes não são tolos — o respondi, pulando da rocha. Ele me segurou como se eu não pesasse nada. — Somos mais inteligentes e mais interessantes que os outros. — Pisquei para ele, sorrindo de forma zombeteira, antes dele me colocar no chão.
— Vocês estão se arriscando demais, são imprudentes, irresponsáveis! — ele me repreendeu, sua voz grave fez maravilhas ao meu coração. — Você está sorrindo? — A percepção dele me fez rir alto.
— É um privilégio poder fazer com que você reaja. Não importa qual seja a emoção, seu estoicismo é irritante — o respondi, dando de ombros e me encostando contra a pedra.
— Sua criança imatura — ele voltou a me repreender, seu olhar sério era estranhamente atraente para mim.
— Você ainda não me disse o seu nome — o respondi, o pegando completamente de surpresa.
— Por que meu nome é tão importante? — ele me questionou, com o seu característico tom mal-humorado.
— Porque eu quero saber a quem eu devo agradecer por nos manter seguros — falei com sinceridade. Uma emoção que eu não soube nomear passou pelas íris dele.
— Você realmente é uma pirralha irritante — ele me respondeu, embora não parecesse realmente bravo. — Me chame de — ele me disse, por fim. Seus olhos possuíam um brilho intenso, sua voz profunda e grave pareceu arranhada, como se não falasse o nome havia muito tempo.
… combina com você. — O nome dele pareceu diferente, como uma iguaria em meus lábios.
— Agora que você sabe meu nome. Volte para casa, seus pais estão procurando-a. — olhou sobre meus ombros como se estivesse vendo algo além do bosque.
— Você realmente pode enxergar todos na montanha? — o questionei, o olhando de forma admirada, como uma criança encantada por um truque dos mais velhos.
. — me olhou com seriedade. — Vá, já está ficando tarde — ele continuou, enquanto voltava para sua forma de dragão.
— Eu voltarei. — Sorri de forma zombeteira, enquanto corria até a borda do bosque. Olhei sobre meus ombros para vê-lo uma última vez. — Nos vemos ao nascer do sol, — gritei para ele animada, antes de entrar no bosque. O peso do olhar dele já não me incomodava mais.


Capítulo III

Aquela criança voltou no dia seguinte, como havia prometido, e sua boca irritante não permaneceu calada durante um só segundo. Os kitsunes eram conhecidos por serem seres irritantes, mas aquela garota estava testando minha paciência como ninguém antes. Ela, às vezes, trazia invenções que os humanos haviam feito, e era muito curiosa, suas perguntas nunca tinham fim. Essa rotina se seguiu por dias, semanas, meses, anos, séculos. Mas, então, houve um dia em que ela não apareceu mais e não estava mais na montanha. Seu rastro havia desaparecido. Sua família estava tranquila, ainda vivendo entre os kitsunes dali, o que não foi alarmante. Ela não estava entre os moradores da vila, eu não sentia mais sua essência, sua presença no raio que cobria aquele país. Ela havia ido embora.
Eventualmente, eu comecei a descer da montanha, investigar os humanos, os matar ocasionalmente quando estavam sendo cruéis. Nunca descia com a mesma forma, eu os controlava, a montanha continuava a ser protegida, intocada. Nenhum humano entrava ali, a regra permanecia rígida de sem humanos ali. Não queria que o lar das criaturas da montanha fosse descoberto e arruinado pelas mãos imundas daqueles seres desprezíveis.
Com a mudança e evolução dos humanos em suas construções, e como sociedade a montanha logo se tornou um interesse, a integridade do lar das minhas criaturas foi ameaçada. Aqueles seres desprezíveis já não mais usavam ferramentas rudimentares, eles já eram monstros, mas suas ferramentas eram ainda mais monstruosas.
Em segundos, eles colocavam uma construção abaixo. Em minutos, derrubavam árvores que haviam levado séculos para se tornarem frondosas.
Porém, quando as criaturas da montanha pareciam agitadas demais, preocupadas com o que poderia acontecer, eu senti a essência de outra vez. Eu a vi entre os humanos, e, os encantando com seus discursos, ela os persuadiu e se tornou importante entre eles.
Eu a via com certa frequência no terraço de um prédio, seus olhos estavam na montanha em que havia crescido. Seu olhar era algo que eu não sabia nomear, havia tristeza, mas também sabedoria.
Os moradores da montanha eram como minhas crianças. Eu os observava crescerem, formarem família e envelhecerem. Alguns envelheciam mais rápido que outros, dependendo da raça, eles viveriam séculos, outros não viviam até a primavera. Cada morte era guardada em meu peito. Eles possuíam nomes, faces, histórias… A razão de não viver no meio deles era porque eu sabia que um dia todos partiam.
O desaparecimento daquela criança que estava entre os humanos me deixou preocupado. Mesmo que eu não estivesse presente, eu cuidava de todos.
era um kitsune, ela tinha habilidades para se misturar, então não havia razões para eu estar naquele maldito prédio naquele momento. Eu não precisava verificar as razões que a levaram para longe da montanha, ela era uma raposa crescida, mas, como uma maldita martelada, ela estava sob minha pele. Era irritante o quanto eu estava preocupado com ela!
Respirando fundo, contei até dez e então bati o mais suavemente que conseguia na porta do apartamento dela. Os sons que os humanos produziam eram irritantes, enchiam meus sentidos com suas besteiras, seus aparelhos gritantes. Eles minavam meus sentidos, eram muitos estímulos visuais, auditivos e sensoriais.
A surpresa inundou as íris de , ela parecia igualmente feliz e irritada. Acabei arqueando minha sobrancelha, como se a questionasse se ela me convidaria ou não para entrar.

— Ao que devo a honra de sua visita, senhor ? — me deixou passar. Seu apartamento era pitorescamente intrigante, havia muitas coisas chamativas. Como uma boa curiosa, ela juntou tudo o que achou interessante.
— Minha criança, eu não posso ver como você está? — a respondi, enquanto a olhava, ainda de pé.
— Não me chame assim — me respondeu, enquanto passava por mim, o desagrado estava evidente em seu tom de voz.
— A chamar como? Como minha criança? — a respondi calmamente, enquanto a olhava sem me alterar.
— Eu não sou uma criança, o que eu estava pensando? Que você me veria diferente quando eu voltasse? — ela murmurou, enquanto passava a mão por seus fios de cabelo. Estava agitada.
— Você sempre será uma criança aos meus olhos — a respondi, enquanto me aproximava dela. Estava confuso com sua reação reativa.
— Mas eu não quero que você me veja assim! — Ela se aproximou de mim. Sua fúria era algo adorável, nunca havia a visto daquela maneira.
, me conte o que te perturbas — sugeri, em um tom paciente, a levando para um móvel estranho, no qual ela se sentou assim que nos aproximamos.
— Por que eu deveria esperar que você me entenderia? Logo você? — Ela riu, enquanto cobria sua face com as mãos.
. — Segurei os pulsos dela suavemente, enquanto a virava para mim. — O que há de errado? — a questionei, genuinamente confuso.
— Seu dragão tolo e cego! — me deu um olhar melancólico, triste. — Eu estou apaixonada por você! Por que você acha que eu fui embora? Por que você acha que eu voltei e estive empenhada em proteger a montanha? A montanha é o seu precioso lar. Eu te amo, seu dragão estúpido de meio milênio! — Ela despejou sua raiva, seus pensamentos, tudo o que estava guardado em seu peito.

Meus olhos piscaram enquanto o peso das palavras dela me atingiam. Seus olhos estavam com lágrimas não derramadas. A verdade crua em suas palavras atingiu meu coração com força, como flechas venenosas, intoxicando meus sentidos, tirando minha razão. A criança à minha frente tomava forma de mulher, como se uma nuvem de fumaça se dissipasse e, pela primeira vez, eu notasse suas curvas, seus atributos que a tornavam tão atraente. Recuei enquanto me colocava de pé. Eu possuía milênios de existência, estava vivo há gerações e permaneceria vivo por mais tempo que ela.

, você sabe que eu não posso retribuir seus sentimentos — a respondi, após alguns minutos em silêncio, principalmente após pôr meus pensamentos em ordem. Não poderia deixar uma pirralha me afetar.
— Você não pode ou não quer? — A veemência em suas palavras evidenciava sua determinação em obter uma resposta honesta.
, somos de espécies diferentes, eu sou mais velho que você — a respondi, como se explicasse a uma criança que ela não deveria comer frutas as quais não conhecia.
— Você está arrumando desculpas para mim, . — Ela se colocou de pé, seus passos determinados em se aproximar. — Me olhe nos dois olhos, seu dragão tolo. Se vai me contar tolices, as diga olhando em meus olhos.
— Você sempre foi tão destemida, até mesmo para o seu próprio bem. — A olhei de forma suave. Um sorriso de diversão curvou o canto dos meus lábios enquanto tirava os fios rebeldes da face dela. — Você é muito nova para mim, minha criança.
— Pare, por favor, pare de me chamar assim! — Ela bateu com suas mãos em meu peito, seus olhos derramaram as lágrimas que estava segurando havia algum tempo.
— Essa é a realidade, minha pequena raposa. — Toquei a face dela, secando suas lágrimas. — Você é nova demais. Deveria encontrar o amor em outro de sua espécie. — Beijei o topo de seus cabelos antes de me afastar.
— Eu deveria encontrar um humano? Talvez eles não se importem com a idade — ela me respondeu acidamente, para me provocar. Sabia o quanto desprezava aqueles seres.
— a repreendi, enquanto me virava para ela outra vez. — Você não se deitou com esses seres desprezíveis… — Meu tom ficou baixo, irritado. Eu não conseguia imaginar a minha pequena raposa em um enlace com aqueles vermes.
— O mundo é muito maior do que aquela montanha, e um kitsune sabe como atrair os humanos, embora eu não tenha precisado fazer esforço para conseguir o que eu queria deles — me respondeu, em um tom baixo, como se estivesse me revelando um segredo.
, o que você fez? — Cobri a distância entre nós com duas passadas, a encarando irritado. Minha voz poderia estar baixa, mas eu estava longe de estar sob controle.
— Você é um dragão inteligente, pode adivinhar o que acontece entre uma fêmea e um macho quando estão sozinhos — me respondeu, enquanto sorria com satisfação. Seus olhos sustentavam o meu olhar.
— Eu me recuso a acreditar que a minha raposa se deitaria com vermes. — A olhei desacreditado, meu tom evidenciava o nojo que eu sentia apenas de cogitar tal possibilidade.
— Até vermes sabem dar prazer a uma fêmea — ela respondeu, sentindo prazer em me enfrentar.


Capítulo IV

A fúria nos olhos dele me agradou. Vê-lo perturbado com a ideia de um ser humano me tocando me encheu de prazer. Era reconfortante vê-lo fora de controle, sua máscara inflexível havia caído, o verdadeiro dragão estava reagindo. Ouvi-lo me chamar de sua raposa também me perturbou. Eu sabia que, no fundo, não poderia ser apenas eu que sentia algo, tinha esperanças, ansiava que não fosse apenas eu que sentia algo, que havia apreciado o tempo que passamos juntos.

— Diga-me a verdade, . Não minta para mim. — A voz grave, baixa, revelava uma raiva gutural. Era a fúria de um dragão que teve seu tesouro roubado.
— Eu não minto. Não para você, — o respondi, enquanto mantinha minha postura firme, inabalável, embora o tom de voz dele estivesse fazendo maravilhas em meu coração. Ele estava tão irritado que não havia percebido meu coração acelerado ou minha respiração irregular.
— Sua pirralha. — Ele me prendeu contra a parede, seus olhos pareciam chamas. — Me diga a verdade, toda a verdade. — Ele segurou meu queixo, o erguendo. Seu aperto era firme, porém gentil. Sua mão direita estava na minha cintura. Eu sentia como se ele estivesse tomando posse, declarando que eu era sua.
— Você quer ouvir como e o que eles fizeram para me dar prazer? — sussurrei, enquanto meus lábios roçavam os dele. Eu estava queimando sob seu olhar. — Quer que eu descreva?

Eu pude ver quando ele perdeu o controle, quando sua raiva nublou sua razão. Seus lábios crisparam e eu jurei ver fumaça sair de seus lábios e narinas. O dragão estava desperto! Ele segurou minha face com força antes de enterrar seus lábios nos meus. Seu braço trouxe o meu corpo para o dele e eu estava me afogando no prazer. O corpo dele era puro músculo, ele me segurava firme, sem hesitação, enquanto seus lábios me beijaram como eu nunca havia sido antes. Nada poderia se comparar a . Ele havia me estragado para qualquer outra criatura. Eu precisava do toque dele, dos lábios dele, do corpo dele, DELE!

“Eu era dele para o que ele desejasse. Ele queria que eu subisse em seu colo? Eu subi. Ele queria saber onde estava meu quarto? Eu indiquei direções confusas, mas ele o encontrou. Ele queria que eu obedecesse suas ordens ali, sob o colchão do meu quarto? Claro! Sem hesitar! Tudo o que ele desejasse de mim, eu o entregaria… porque eu sabia que, desde o momento em que meus olhos encontraram os dele pela primeira vez, eu era dele.


A boca de desceu pelo meu pescoço, seus lábios estavam quentes, sentia incandescente, como se ele pudesse me incendiar com apenas seus lábios. Meus olhos se fecharam enquanto jogava a cabeça para trás, dando a ele mais acesso.

— Você nunca mais será de ninguém, além de minha. — O olhar dele revelava uma possessividade que me atraiu. Eu balancei minha cabeça, incapaz de encontrar minha voz naquele momento. — Você é minha raposa, apenas minha. — As mãos dele tocaram a lateral do meu corpo, enquanto seus olhos permaneceram nos meus. — Eu vou devorá-la, minha raposa, e você vai gostar — ele sussurrou em meus ouvidos, sorrindo satisfeito quando o segurei, me transformando em um kitsune em seus braços.


π


Estar nos braços de era como o céu. Eu estava na mais completa alegria, seus traços eram de tirar o fôlego. Eu amava como ele me segurava com força, mas não ao ponto de me machucar. Eu sabia que ele não estava dormindo, não precisava dormir, mas, por mim, estava de olhos fechados, me permitindo o observar calmamente.

— Você está com muita energia para alguém que acabou de acordar, minha raposinha. — levantou suas pálpebras sem pressa, seus olhos eram sempre impressionantes.
— Eu nunca tenho o bastante de você, — o respondi, com um suspiro escapando dos meus lábios quando um sorriso enfeitou os lábios hipnotizantes.
— Não fique suspirando, minha adorável raposinha… — Ele levou sua mão à minha face, seus dedos traçaram a lateral do meu rosto suavemente. Em seus olhos, havia verdade, havia honestidade, eu me sentia como a mais bela criatura. — Ou eu terei que ceder ao meu desejo novamente. Você é muito ingênua para o seu próprio bem. — Seu tom era baixo, mas deixava claro o quanto ele me queria.
— Eu não vejo alguém disposto a te interromper — o provoquei, enquanto mordia a ponta de seu dedo indicador, suave demais para causar dor a ele, mas tentador o suficiente para fazer suas íris escurecerem de desejo.
— Não se provoca a fome de um dragão, minha raposa. — deslizou a ponta de seu nariz pela minha clavícula, absorvendo meu cheiro. Eu estava marcada por ele, eu era dele. — Estive tempo demais longe de uma fêmea, raposinha. Agora que eu a tenho, não te deixarei ir. — Senti os lábios dele tocarem a base de meu pescoço. Seu toque era paciente, sua mão direita dedilhava a lateral do meu corpo, movendo seus dedos sem pressa, em uma carícia efêmera, suave demais para deixar marcas, mas intensa o suficiente para marcar presença.
— Como se eu quisesse ir a qualquer lugar. — O olhei completamente rendida.
— Minha raposa. — ergueu sua face apenas o suficiente para alcançar meus lábios, me beijando com intensidade, suavidade e certa possessividade.
— Apenas sua — o respondi, deixando que meus dedos segurassem o cabelo dele, entremeando os fios. — Meu dragão.
— Apenas seu. — Ele sorriu sobre meus lábios, enquanto me erguia contra o peito dele.

Naquela manhã, eu experienciei a concretização de um enlace verdadeiro, único e intenso. poderia não pertencer à mesma raça que a minha, ele poderia viver mais que eu, mas não tinha arrependimentos. Amá-lo fora a escolha mais corajosa que havia feito. O amor que eu sentia por ele me causou apreensão enquanto mantinha o sentimento abaixo da superfície, me deitando com humanos que jamais conheceriam meu verdadeiro eu. Apenas, e somente apenas, sob o olhar de eu me sentia vista. Ele me enxergava, cada micropartícula, e entre elas os defeitos e as qualidades. era brutal em suas palavras, mas também poderia ser suave. Ele poderia destruir, mas sabia proteger. Eu não lamentava mais. Com ele ali, eu finalmente poderia descansar, baixar minha guarda. Eu não sabia por quanto tempo eu viveria, mas não me esconderia, ficaria firme ao lado dele, e, quando fosse a hora, iria em paz.


Epílogo

As folhas das árvores àquela época do ano me lembravam da minha amada raposinha. Seus tons em diversos tons de laranja mudando gradativamente para o marrom antes de caírem ao chão eram semelhantes a pelagem de . Uma kitsune, uma transmorfa, um ser único, minha mulher. Ela e eu sabíamos que o tempo inevitavelmente a levaria de mim, seu tempo sobre a terra era infinitamente menor que o meu, mas cada década e século vivido ao lado dela havia valido a pena. Ela deixara para trás três milagres.
De seu ventre, nasceram três crianças. Cada uma delas não era apenas kitsune ou dragão, a mistura das raças não ocorria, o que tornava nossos filhos algo único, milagroso! Heiko, Zafir e Safira, três crianças que haviam crescido e herdado o melhor das duas raças. Eram fortes, curiosos, habilidosos e enérgicos como a mãe. Poderiam alternar entre as formas que preferissem.
O fim de um dragão nunca foi discutido, mas havia lendas do meu povo em que geralmente o dragão escolhia sua hora.
Meus três filhos haviam crescido e, após dois séculos sem , estava difícil demais para mim suportar sua ausência. Fiquei vivo por Heiko, Zafir e Safira, mas os três estavam bem.
Safira se tornou a protetora da montanha, contrariando todas as possibilidades, enquanto seus irmãos escolheram explorar o mundo. Minha adorada filha era a mais responsável e a mais parecida comigo em sua personalidade, embora fisicamente lembrasse muito sua mãe.
Ela foi a primeira a notar que eu havia decidido partir desse mundo. Sua reação partiu meu coração, mas ela sabia que eu não conseguia mais estar vivo sem a presença de , minha adorável raposinha.
Meu fim foi pacífico. Sob o colchão de folhas laranjas do outono eu parti. Zafir e Heiko cuidariam da minha pequena Safira. Ela era uma mulher feita, mas para mim sempre seria minha pequenina filha, embora Zafir e Heiko não fossem muito diferentes, eles eram apenas mais estruturados psicologicamente. Meu último suspiro saiu trêmulo, triste por deixar minhas crianças para trás, mas ansioso para reencontrar .

!
— Minha , minha raposinha!


FIM



Nota da autora: O título da história é por conta da música de Frank Sinatra, quem disse que fanfic não é cultura? Eu quero agradecer a cada leitor que chegou ao final dessa história, espero sinceramente que a tenham apreciado. Quero agradecer a toda equipe do ffobs, eu sou grata a cada uma de vocês. Originalmente, escrevi a história usando o Keegan de COD (Call Of Duty). Eu sei, muito aleatório. 🤭✨ Nos vemos na próxima história, especial ou ficstape.



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