Fanfic finalizada

Capítulo único

A luz, cegava meus olhos , eu não conseguia enxergar nada além do microfone a minha frente, meu coração se derramava a cada nota e melodia da canção, a qual proferia como uma maldição, sussurros melancólicos, uma sentença…O que um bar estava fazendo aberto na véspera de Natal? Abrigar aqueles que não tinham família para voltar, sua solitude era apaziguada no meio de semelhantes. Eu me via neles, eu era um deles, sem família, sem um lar para ir, amores…o que uma cantora de bar podia dizer sobre?!
Todas as noites, subia naquele palco, declamava cada canção, entretia o público, fazia a casa lotar, boa o suficiente para me sustentar, mas não digna para me tornar uma estrela…A tragédia parecia quase minha marca registrada, assim como as cicatrizes em meu coração deixadas por ex-amantes. Naquela altura da vida, eu não deveria me surpreender com o término na véspera de Natal, eu não deveria me surpreender com o canalha do último cara com quem havia ficado…Eu não deveria mas doía tanto, ironicamente a letra da música exprimia exatamente como me sentia, lágrimas do meu tolo e imprestável coração, caíam por minha face, deixando um rastro molhado e salgado em minha cuidadosa maquiagem.
Quando a música chegou ao fim, me retirei para os fundos, entrei no espaço apertado com um sofá e uma arara para colocar as roupas, eu o usava para me preparar antes de subir no palco. Ao entrar na salinha, abracei meus joelhos, odiando a ardência em minha garganta, o aperto em meu peito, a vida não me permitia uma única chance de ser feliz…Eu havia tentado tudo, havia dado o meu máximo, corri atrás do meu sonho para acabar como a cantora fixa daquele bar, vivia num apartamento com vista para um cemitério, abandonada cedo demais para entender algo, e as chances no amor eram tão altas quanto meus fracassos no resto da minha vida. Mesmo que tudo desmoronasse em cima de mim, eu não havia me submetido ao fundo do poço: álcool e drogas. A minha vida já era ferrada demais para isso! Sequei minha face, encarando meu reflexo no espelho manchado que usava para me maquiar todas as vezes, o emprego era bom o suficiente para pagar o aluguel e me manter alimentada, roupas eram caras, por isso conhecia cada maldito brechó da cidade, sabia encontrar as melhores peças por preços mínimos.
Limpei a maquiagem, a última canção havia acabado comigo, não conseguiria subir no palco outra vez naquela noite, havia derramado muito de mim ali para voltar a encarar o público. Coloquei minha jeans, moletom por cima de uma blusa de lã, desfiz o penteado elaborado o deixando solto embaixo da touca e enrolei o cachecol, passei pela cozinha após guardar minha roupa, sapatos e maquiagens dentro da mochila, Jonas me entregou o que seriam minha ceia natalina, almoço do dia seguinte e jantar também. Agradeci a Horácio, o dono do estabelecimento, pela noite e deixei o local, minha casa ficava a alguns quarteirões, a estação de metrô da região havia sido fechada, vândalos tomaram o local, não surpreendente que as brigas de gangues estivessem crescendo. Naquela noite, o céu estava mais escuro, o frio espantou todos para dentro da sua própria casa, eu só queria um banho quente enquanto assistia a programação de Natal para passar o tempo. Eu deveria ter prestado maior atenção aos sinais, antes que tragédias ocorresse, haveria indícios, pistas, etc. Passos ritmados, respiração calma, uma figura que não me deixava mesmo que estivesse rodando em círculos, eu estava cansada, de coração partido, o que aquele homem queria? Não bastava ser ferrada o suficiente? A vida desejava que eu virasse a droga de uma manchete sensacionalista?! Ficaria famosa pelo crime que me ocorreria e não por ser uma cantora?! Eu não deixaria que isso acontecesse! Encaixei os socos ingleses que carregava no molho de chaves, e me virei para encarar o estranho, máscara cobrindo metade de sua face, ele não me assaltaria! A malícia em seu olhar denotava sua crueldade irracional, respirei fundo deixando a sacola e bolsa ao meu lado no chão.
Com um aceno o convidei a dar o primeiro golpe, quando se passa tempo demais sobre a face mais vil da humanidade, você aprende a revidar. Já havia apanhado muito em lares adotivos, orfanatos e em escolas preparatórias; quando você vai muito no chão, aprende a se reerguer, aprendi a lutar muito cedo, após muitas quedas e lesões, por algum milagre ainda permanecia bela, o suficiente para colecionar uma longa lista de decepções amorosas. Observei o estranho, analisei seus movimentos enquanto desviava de seus golpes, o homem que encarava não era qualquer amador, sua precisão ao direcionar os golpes, seu olhar analítico, pensativo, quase como estivesse diante um desafio. Aquela véspera de Natal parecia tudo, menos uma data aconchegante, afável, mágica, se eu perdesse aquela luta, eu morreria, não era uma mera hipótese! Ninguém investigaria a morte de uma cantora fracassada, órfã , ainda mais no feriado de Natal. Portanto, estava dando tudo de mim naquela luta, devolvendo cada golpe com o dobro da intensidade, ganhando espaço, abrindo brechas, procurando minha salvação!
O esmagar da carne, era uma melodia que me obrigava a criar, bater era o que me restava, o cheiro ferroso do sangue inundava meu nariz, a máscara do desconhecido já estava no chão, entre as poças de sangue, eu sentia meu corpo cansado, o dia havia sido terrível…Quando o desconhecido caiu aos meus pés, inconsciente, liguei para a polícia, o Natal havia sido arruinado, embora ele não tivesse qualquer chance de ser um dia memorável.


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, será a última vez que vou te perguntar, apenas para confirmar: você nocauteou um homem com o dobro do seu peso e estatura? — O comandante , me encarou com seus olhos , ele assim como toda a delegacia, frequentava o bar do Horácio, era por isso que nós conhecíamos, ele estava tomando o meu depoimento naquela noite.

— Você conhece toda a minha história, eu não sou tão frágil quanto aparento, . — Cruzei os braços sobre meu abdômen, meu olhar sustentava o dele.

— Estamos atrás do homem que você derrubou, há dias . — O comandante massageou suas pálpebras, ele parecia estar cansado.

— Eu apenas dei sorte, há algo mais em que posso ajudar? — O indaguei, eu só queria tomar um banho e dormir, estava cansada de mais para comer.

— Não. — Ele me respondeu sem enrolação, seus lábios soltaram um suspiro olhando para o relógio acima na parede. — Feliz Natal.

— Eu não tenho o que comemorar. — O respondi, meu tom saiu indiferente, não era como se a data possuísse qualquer relevância.

— Todos têm uma razão para comemorar. — me respondeu, surpreendentemente, aquele policial parecia animado tal como uma criança de 7 anos.

— Claro, agora posso ir para casa? — O respondi de modo indiferente, concordar com ele era a maneira mais rápida de silenciá-lo, não era como se eu tivesse energia para debater

— Fique, se junte a nós nessa noite meu caro ). — se aproximou, seus olhos pareciam enxergar minha alma. — Eu não posso deixá-la partir dessa maneira…

, eu não tenho razões para ficar. — Virei minha face para o outro lado, encarava meu próprio reflexo, eu estava um caco sem a maquiagem.

— Eu te vejo cantar, quase todas as noites, ansiando pelo dia em que notaria minha existência meu doce rouxinol. — estava agora diante os meus olhos, ajoelhado de modo que nossos olhos estavam no mesmo nível, o brilho quase lúdico permeava os orbes daquele policial, supunha que estávamos sozinhos, sua pose rígida havia desaparecido.

— Isso não basta, eu não irei me arriscar por razões ligadas ao coração. — O respondi de maneira resoluta, não poderia deixar outra pessoa adentrar meu coração quando ele já estava tão profundamente destruído.

— Eu não me importo, mas não poderia deixá-la partir e passar a noite sozinha, todos merecem ter com quem compartilhar essa noite. — se levantou, suas mãos passeando suavemente por minha face antes de se afastar.

— O que há em mim que possa o atrair tanto? — O questionei me levantando subitamente, nossas respirações se misturaram, torcia desesperadamente para que ele não dissesse minha voz ou a aparência física, eu não podia suportar mais essas carteiras superficiais, ansiava pelo dia em que alguém notaria as profundezas da minha alma.

— A pergunta correta seria: o que não há de atraente em você, . — sussurrou meu nome como se fosse o maior dos segredos, carinhosamente, afetuoso, não lembrava o policial frio e impossível da vigésima divisão.

— Você ainda não me respondeu . — Retirei a mão dele da minha face, me afastando alguns passos, não confiaria em mais nenhum homem, apenas me decepcionaria como todas as vezes.

— Nas dependências não, passe o Natal por aqui e te contarei tudo, temos um acordo? — tentou justificar, olhei dele para a bolsa aos pés da cadeira, dividida, mas estranhamente curiosa.

— Tudo bem, não é como se eu tivesse algo importante. — Voltei a me sentar, mesmo que agora não conseguisse parar de sorrir.

— Isso é o suficiente, por ora. — Ele riu, me ofereceu sua mão, num pedido mudo para que o seguisse. — Vou te mostrar aonde está a verdadeira família da vigésima divisão do departamento policial!

Suspirei mas concordei, pegando as sacolas com a comida que Horácio e o pessoal do bar haviam separado para mim. pegou a bolsa, e a colocou sobre seus ombros enquanto me levava pelos corredores, sua mão áspera, mas ao mesmo tempo macia, transmitia confiança. Respirei fundo e tentei soltar a mão dele, o que não gostou e então entrelaçou nossas mãos, seu ato não fora brusco, a gentileza me surpreendeu, sua aparência fria se desvanecia diante meus olhos, a covinha em seu meio sorriso me intrigava.
Em silêncio, prosseguimos até atingirmos os fundos da delegacia, uma sala ampla com uma única mesa, gigantesca, repleta de comidas típicas da data. Policiais que durante seus turnos, possuíam semblante taciturnos, mal encarados, riam com gorros de Papai Noel em suas cabeças enquanto conversavam animadamente entre si. Observei aquilo fascinada, havia um calor agradável na sala, por conta do carinho que sentiam entre si, eles eram unidos e se importam uns com os outros.

— Eu te disse, todos merecem ter alguém com quem partilhar essa noite.

Me assustei, o sussurro baixo de me surpreendeu, sua face estava próxima da minha, suas írises escureceram, ele desviou a face recuando um passo.

— Nosso caro trouxe alguém, quem diria.

Um desconhecido apareceu, seus olhos escuros analisando nossas mãos unidas, com um ar cômico. Eu conhecia essa espécie, pessoas por fora amigáveis, mas com um carácter horrível. Duas caras, deveria ter visto a figura do estranho e isso o fez fechar sua expressão.

— Não vamos estragar a noite Xavier. — o respondeu num tom de aviso, sua voz grave ecoando as ameaças não ditas para o homem à minha frente.

— Mas eu não disse nada de errado, certo )? — Xavier desviou a atenção para mim de repente, me pegando de surpresa, seus olhos frios, analíticos, procurando brechas de , as quais ele pudesse explorar.

— Não a chame assim. — passou para o meu lado, seus ombros tensionados, era como se ele tivesse se segurando para não socá-lo.

— Eu não tenho a menor ideia de quem você seja, mas todos aqui conseguem ver esse seu complexo de inferioridade; não se humilhe tanto, é patético. — O respondi antes que tomasse alguma atitude, puxei ele para perto da mesa de comidas.

— Obrigado. — me respondeu pegando um prato, me oferecendo outro, ele havia abaixado sua guarda.

— Você me salvou de uma noite tediosa, estamos quites. — Empurrei seu ombro levemente, vendo-o rir com isso.

— Eu faria mais, mas você fugiria assustada, enfim vamos te fazer embarcar no espírito natalino. — piscou para mim, passando seu dedo sobre a maionese antes de lambuzar a ponta do meu nariz.

Ri embora estivesse surpresa, eu me sentia leve, preenchida por todo aquele calor do ambiente, eu jamais imaginaria que minha noite acabaria daquela maneira. Entre risos, comidas caseiras, policiais mal encarados que faziam palhaçadas uns com os outros, eu me sentia incluída…Entre conversas, risos, gargalhadas, algumas alfinetadas, e assuntos relevantes, a noite de Natal se estabeleceu.

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— É só virar na próxima rua, a esquerda. — Orientei , depois que seu turno acabou ele estava me levando para casa.

— Você mora ao lado do cemitério? — questionou assim que estacionou em frente ao meu prédio.

— Algum problema? — O respondi virando minha face para o encarar.

— Não, é só… — Ele se calou, notando que se prosseguisse falando diria algo desastroso.

— Okay, obrigada pela noite, foi divertido. — O respondi abrindo a porta do carro após soltar o cinto.

. — me chamou, sua voz grave reverberando em cada célula do meu frágil coração.

. — Me inclinei e depositei um beijo em sua bochecha. — Não vamos tornar isso em um momento constrangedor.

— Eu não ia dizer nada, só gosto como meu nome soa em sua voz. — Ele piscou para mim, seu sorriso ladino, travesso, mas verdadeiramente atraente.

— Claro, boa noite ou melhor, bom dia. — Sorri em resposta saindo por fim do carro.

, eu estava falando sério quando eu te disse que gostava de você. — Ele saiu do carro trancando-o com apenas um clique.

…— Comecei, mas ele colocou seu indicador sobre meus lábios.

— Fizemos um trato, estou cumprindo a minha parte . — Ele me respondeu calmamente, seus dedos traçando o contorno dos meus lábios. — Seus olhos são afiados, atentos, o olhar de um felino arisco, mas ainda possuem, se olhar com cuidado, uma névoa de doçura, como se estivesse sendo mantido longe da superfície com receio de ser magoada. — Ele deu mais um passo, seu corpo se sobrepondo ao meu, seu perfil era iluminado pelo brilho amarelado do poste. — Sua superfície é bela, qualquer um pode concordar com isso, mas o que me fascina está além do que os olhos podem alcançar. — A voz de não passava de um sussurro, a rua silenciosa a deixava alta naquela madrugada, intensa e estava me afetando mais do que gostaria de admitir. — Há uma afabilidade que você esconde, atrás da cantora, seu coração já foi partido inúmeras vezes por ser entregue a canalhas, sua persistência é admirável, sua confiança no palco é fascinante, mas acima de tudo, sua bondade, respeito, empatia por todos é o que me atrai. Estive te observando tempo demais , sua personalidade doce se esconde atrás de uma fachada para sobreviver, eu quero cuidar de você, não a colocar numa gaiola, você nasceu para alçar voo e não permanecer no concreto.

— Eu estou ferida demais Alexandre, não posso te dar esperanças quando estou despedaçada. — O respondi sinceramente, ele me atraía, mas eu ainda estava tentando me recuperar da última decepção.

— Eu sou paciente, eu posso esperar, por você, não há nada que eu não possa fazer meu doce . — beijou o topo de meus cabelos, seus olhos honestos, repletos de um afeto que nunca havia visto. — Eu só precisava que você soubesse de como é preciosa.

…— Minha voz esmoreceu, havia um turbilhão em meu peito, afetado pelas palavras de .

— Shh, você não precisa me dar uma resposta, você não está mais sozinha, . — Ele sorriu, seus lábios a centímetros dos meus, se eu me inclinasse, poderia selá-los.

O abracei, era a alternativa mais segura, de algum modo ele provocava tantas dúvidas quanto respostas, mesmo destruída podia sentir afeto. Eu não sabia o que a vida ainda aprontaria, mas talvez houvesse esperança, eu deveria persistir mais e quem sabe acabaria ao lado daquele incomum policial. O natal havia sido salvo por sua incomum figura, presenteada através de um infeliz incidente…O incomum, e desastroso parecia ser parte da minha vida, o amanhã podia ser indefinido, mas não me abalaria, mesmo que caísse, agora havia alguém em que eu pudesse me apoiar.


Fim



Nota da autora: Um incomum conto de Natal, parece loucura mas através dessa shortfic quis também trazer a tona que existe pessoas desesperançosas, você ai, não desiste não! Mesmo que nada na vida esteja dando certo, ainda há esperança mesmo que o amanhã pareça tão difícil! Você é importante, e que nesse Natal você possa sorrir.
Boas festas, a todos ✨🤍✨❤️✨



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