Capítulo Único
Glasgow, Escócia.
Quando entrei no elevador pude respirar fundo ao me encostar em uma das paredes. Apertei o botão do térreo e olhei para a mulher que refletia no espelho: quem era aquela pessoa? Fiz uma careta ao notar como eu estava cansada, com o aspecto de quem não dorme bem, não come bem e a saúde mental se encontra inexistente. Passei as mãos pelos meus cabelos, amarrados em um rabo de cavalo, e observei que alguns fios estavam bagunçados. Suspirei. Assim que as portas se abriram fui em direção a saída do prédio onde trabalhava determinada a mudar aquela situação. Era produtora de um telejornal da manhã que lidava com a baixa audiência e a probabilidade de cancelamento. Aquelas pessoas que trabalhavam comigo se tornaram minha família e não queria decepcioná-las.
O frio de Glasgow me abraçou no instante em que coloquei os pés na calçada, eram cerca de cinco e meia da tarde e o movimento no centro da cidade era gigantesco, carros pra lá e pra cá e pessoas do mesmo jeito, sempre com pressa.
Estava tão distraída em meus pensamentos imersos no dia que tivemos hoje de manhã no jornal com nosso ancora tendo um colapso ao vivo e discutindo com um dos repórteres, que não prestei a mínima atenção no trânsito e simplesmente atravessei, só constatei um carro próximo demais, quando ouvi a freada e me assustei. Cai pra trás, totalmente desequilibrada e acabei batendo a minha cabeça no chão.
Enquanto a minha visão ficava turva só consegui ouvir passos e alguém se ajoelhou ao meu lado, ouvi murmurarem o meu nome e acabei apagando.
— Ela está acordando!
Ouvi uma voz bem ao fundo à medida que eu estava entre o dormindo e o despertar. Abri os olhos lentamente, piscando algumas vezes e reparando que me encontrava em um hospital. Lembrei da freada, do carro e da minha queda. Abri os olhos assustada e quando dei de cara com quem estava ali, dei um grito e me sentei na cama com uma das mãos no peito.
— , sou eu. Não se assusta.
Tarde demais. Franzi o cenho. . Meu coração batia forte pelo susto, mas também por ser ele. . Pisquei várias vezes como se quisesse ter certeza.
— Você está bem? — ele me questionou carinhosamente ao aproximar uma das mãos e colocar sobre o meu ombro.
Acompanhei seu gesto, no entanto, voltei a olhar para o seu rosto. Há quanto tempo eu não o via? Uns 10 anos? Nunca fui boa em Matemática. Fiz uma careta e meneei minha cabeça negativamente.
— Não? Você não está bem? Quer que eu chame um méd...eu...
— Eu estou bem. — respondi com a voz rouca e pigarreei. — Isso aconteceu de novo.
Cacete! Sempre fui apaixonada por esse homem, todavia, quando ele me disse que no fim do Ensino Médio que faria faculdade em outro lugar para realizar um dos seus maiores sonhos eu decidi guardar pra mim tudo que sentia. Claramente a vida aconteceu e estamos. Aqui. De novo. Sim. Nós. Dois.
Contemplei ele sorrir e uma covinha aparecer em seu rosto com a minha fala. Ri leve disso e nos olhamos por algum tempo até eu suspirar.
— Aquela vez na biblioteca quando nós nos conhecemos eu também te atropelei. — riu soprado.
Concordei compartilhando uma risada e lembrei exatamente do dia mencionado. Talvez eu soubesse a data exata? 22 de Março. Terceira semana de aula no inferno que era o Ensino Médio. Cheguei apressada na biblioteca para pegar um livro de Química para a próxima aula, perdida e desatenta que sou, entrei em um dos enormes corredores enquanto mexia no celular e fui atropelada por ele e seu carrinho cheio de livros. ajudava a mãe que era bibliotecária.
— Você sempre me atropela. — brinquei. — Ei, que horas são? — tentei olhar para a janela, mas estava um pouco distante e por ser Inverno o dia anoitecia muito mais cedo.
— Oito e meia. — olhou no relógio de pulso e eu arregalei os olhos. Eu estava desacordada desde as cinco e meia? Porra!
— Você deve ter coisas mais importantes pra fazer você... — fui pra falar, mas ele me interrompeu.
— Não tenho mais nada importante pra fazer, .
Senti meu rosto corar tão imediatamente quando ele me chamou de , que era um dos meus apelidos, de , que fui abruptamente levada para o Ensino Médio. Por mais que eu não gostasse dessa época por bem, ser adolescente, o fato de estar com ele eram com certeza uma das melhores partes e das quais eu tenho as mais nítidas lembranças.
— Me conta o que você anda fazendo. — se sentou ao meu lado na cama e acariciou uma das minhas mãos carinhosamente.
— Sou produtora do Notícias das 7h. — comentei com um sorriso em meus lábios e via que ele prestava atenção em todas as minhas palavras, sempre foi assim. — Mas estamos com a audiência muito baixa, sabe? E a emissora está seriamente pensando em fazer uns cortes.
Suspirei fortemente ao falar aquilo e fiz um bico triste, vi que ele concordou com a cabeça e foi pra dizer algo, mas alguém bateu na porta, entrando logo depois. Era um rapaz alto, da mesma estatura de , com terno, gravata, bem arrumado.
— Fico feliz que esteja bem, . O Senhor ficou muito preocupado com você. — o ouvi dizer e meu rosto corou, olhei para , testemunhei que ele estava do mesmo jeito e quis rir.
— Obrigada. — sorri pra ele.
— Senhor, acabei de receber uma ligação do diretor, ele quer saber a que horas vai chegar no jantar...
— Diz que eu vou amanhã. — respondeu sem olhá-lo, ainda me olhando, e franzi o cenho com a sua fala.
— Mas senh...
— Peter! Por favor!
O rapaz concordou com a cabeça por educação e olhou para mim acenando com uma das mãos antes de nos deixar sozinhos novamente no quarto. Acompanhei com paciência a sua saída e voltei meu olhar para .
— Que jantar é esse e por que você vai só amanhã? — ri ao perguntar.
Eu já sabia a resposta.
— Eu não vou te deixar sozinha.
Desde que nós nos conhecemos sempre foi muito protetor comigo. Perdi a conta de quantas vezes me defendeu, mesmo que eu não pedisse, e me ajudou em situações que não sabia como agir. No entanto, hoje, tantos anos depois era um pouco diferente.
— Você é famoso. Precisa ir.
Lembranças de quando recebi sua mensagem bons meses depois de terminarmos o Ensino Médio dizendo que estava feliz em uma Escola de Interpretação em Londres e como tudo lá era diferente daqui, lembro dos meus olhos marejarem com a notícia, ao mesmo tempo por estar feliz por ele e por sentir muita a sua falta e não poder contar os meus verdadeiros sentimentos.
Atualmente ele era um dos atores mais requisitados. Estava cotado em vários papéis importantes, mas eu sabia que um dos seus maiores sonhos era interpretar um personagem que exigiria tudo dele e ele conseguiu. A série do Coringa seria filmada nos próximos meses em Londres.
— Eu falei ali em cima, não falei? Não tenho mais nada importante pra fazer hoje, .
Senti a sua mão acariciando a minha e fechei os olhos momentaneamente sentindo aquele calor em minha pele. O calor dele. Que eu não sentia há muitos anos.
O silêncio predominou entre nós por longos minutos. Nós tínhamos daquilo. Ficar em silêncio como se fossemos adivinhar o que o outro estava pensando só com o olhar.
— Eu tive uma ideia. — o ouvi dizer com um sorriso sapeca em seus lábios.
Se eu disser que cenas quentes não passaram pela minha cabeça estaria mentindo.
Arqueei a sobrancelha e esperei que ele continuasse.
— Eu poderia te ajudar com o seu jornal.
O carinho ainda continuava na minha mão e era tão bom. Tão bom.
— O que você tem em mente? — sussurrei com certo receio.
— Eu ainda não contei pra ninguém sobre o Coringa. Tudo está sendo feito em completo sigilo, você sabe disso. — mordeu o lábio inferior enquanto sorria. — O que acha, da minha primeira entrevista, falando sobre esse novo papel ser no seu programa?
Engoli seco.
Caralho!
Seria uma matéria e tanto. Gravaríamos? Ao vivo? Por Glasgow? Na casa dele? Minha mente rapidamente se encarregou de fazer mil perguntas.
— Eu não posso te pedir isso, . — neguei com a cabeça ao falar.
— E quem disse que você está me pedindo? Eu quero fazer. — respondeu de um jeito sério.
Porra!
Eu queria comemorar. Se isso acontecesse de fato a nossa audiência melhoraria e quem nunca nos assistiu poderia vir a dar uma chance e...
— Mas com uma condição, claro.
— Até duas. — brinquei.
— Nós vamos sair pra jantar. Eu e você. Amanhã.
Pisquei várias e várias vezes depois da sua frase.
— Sair pra jantar? — indaguei como se tivesse ouvido algo completamente diferente.
apenas balançou a cabeça com aquele sorriso sapeca.
Meu corpo se arrepiou.
— Um encontro. Eu e você.
Fim.
Nota da autora:Sem nota.
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