Prólogo

Jungkook olhou para a porta de novo, um minuto depois da inspeção anterior.
Mingyu revirou os olhos, pensando seriamente que o garoto havia perdido o controle da própria cabeça.
— Jungkook! — Ele gritou, enfim chamando a atenção do amigo distraído. — Tira o papel!
Jungkook olhou para os pedaços embolados na mão de Mingyu e demorou pelo menos um minuto para se lembrar do que estava acontecendo ali um momento antes.
— Já disse que podem me dar qualquer quarto.
— Você diz isso agora, mas se pegar o quarto do térreo, vai ficar reclamando até o dia de ir embora — Yugyeom murmurou do outro lado, enquanto tinha os olhos grudados no celular.
— Eu não vou… — Jungkook tentou, mas estalou a língua e suspirou. — Tá bom, tanto faz. — Ele pegou um dos papéis da mão de Mingyu e abriu. — Número 7.
— Sortudo de merda, pegou a suíte master! Meus parabéns, assim ninguém precisa aguentar seu violão tarde da noite. Agora você, Jaehyun. Um papel.
— Ei, esse lance de tarde da noite vai existir nessa viagem?
Mingyu cerrou os olhos, ainda com as mãos estendidas para Jaehyun, que parecia concentrado em algum ponto do lado de fora.
— Você sabe do que eu ‘tô falando — ele murmurou, virando para o outro amigo. — Acelera, Jaehyun. As meninas já estão chegando.
Jaehyun olhou para os papéis com cuidado, como se pudesse olhar o resultado dentro de cada um deles caso encarasse por muito tempo.
Por fim, puxou um deles, entregando para Mingyu.
— Número 3, final do corredor. É o suficiente também para tocar aquele seu teclado o quanto quiser. — Ele sorriu, embaralhando o restante dos números em suas mãos e oferecendo aos outros.
Jungkook esperou que o rodízio de distribuição dos quartos terminasse para verificar suas mensagens de novo, não que já não estivesse fazendo isso há um intervalo de tempo cada vez mais curto. Eunwoo cutucou seu ombro, indicando as bolsas jogadas desordenadamente no hall de entrada, concedendo um típico aviso para que ele desse um jeito de se mexer e começar a se acomodar.
Jaehyun, por outro lado, já começava a empilhar as suas e, de quebra, alguma outra de Yugyeom, que havia sido o feliz sorteado a pegar o quarto do térreo. Ele não reclamou, como era de se esperar. Ao voltar para a sala, observou Jungkook juntar a mochila preguiçosamente, junto ao violão nos ombros, com olhares nada disfarçados, porém rápidos, para a janela.
— Quer ajuda? — Jaehyun perguntou, caminhando até o garoto.
— Não precisa, eu só trouxe isso — ele respondeu, puxando a única mala de mão e indo em direção à escada em semi espiral.
— Aposto que trouxe roupas contadas para os exatos três dias de feriado. — Jaehyun soltou uma risada enquanto seguia o amigo escada acima.
Jungkook riu antes de suspirar e responder:
— Não sou ambicioso só porque estamos em época de colheita, obrigado.
Jaehyun balançou a cabeça até alcançarem o topo das escadas, arrastando as malas até o final do corredor, passando por Jungkook e sua rápida entrada no quarto de número 7.
O último quarto era grande, porém isolado e com o maior déficit de luz natural do que todos os outros. As janelas eram direcionadas para um ponto central onde o sol parecia se esquecer de passar e as cortinas eram escuras e grossas, como uma versão blackout exagerada feita especialmente para vampiros. Ou, quem sabe, para…
— Nossa, aqui é irado! — Ele ouviu a voz de Jungkook em suas costas enquanto ainda despejava a bagagem em cima da cama no centro do cômodo. — Mingyu estava errado, você tirou a sorte grande por aqui.
— Você é doido? — O garoto respondeu, abrindo as cortinas e se deparando com a vegetação densa que impedia quase totalmente a luz. — Acha que eu sou fã das trevas que nem você? Vou precisar ligar as luzes durante o dia.
— Desde quando você ficou tão exagerado assim? — Jungkook revirou os olhos, ainda observando o quarto. — Vamos fazer o seguinte, vamos trocar.
— Não precisa…
— É sério, de que adianta ganhar a suíte master se meus olhos quase doem com toda a luz que entra por lá? Garanto que é bem mais a sua cara.
— Mas…
— E aqui é praticamente uma toca de coelho, vamos concordar. Mingyu não vai ter motivos para reclamar do meu violão, talvez eu até possa cantar. — Ele sorriu, dando de ombros. — Vamos, vai, tem certeza de que a ideia de claridade desnecessária e um mega banheiro próprio não te atraem?
Jaehyun mordeu o lábio inferior, examinando o quarto mais uma vez, pensando seriamente que não seria uma má ideia abandoná-lo.
— Ok, me convenceu. Vamos trocar.
— Muito bem, Jae! E pode ficar tranquilo, Mingyu e Sophie vão estar no quarto ao lado, mas eu confio na acústica dessas paredes…
— Como é que…
— ‘Tô indo buscar minhas malas! Não dá tempo de voltar atrás! — Ele riu e se virou para o corredor, mas retornou depois de três passos. — Ah, e não precisa contar aos outros sobre isso, ‘tá? Se Mingyu ficar sabendo que cedi a suíte pela livre e espontânea escuridão, ele me manda de volta para Seul com um belo chute no traseiro. Agora, se me permite…
O garoto voltou saltitando para o quarto mais à frente, enquanto Jaehyun revirava os olhos e ria mais uma vez da situação.
Antes de fechar a porta do agora antigo quarto, ele olhou mais uma vez para as horas. Em seguida, encarou a janela, mesmo que não tivesse qualquer visão da entrada da casa. Ainda assim, se viu tomado pela ansiedade de novo.
Ela deveria chegar a qualquer momento.


01 – Confissão

's POV

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Mariposa – Peach Tree Rascals


Meu estômago embrulhou pela quinta vez.
As sacudidas terríveis que o avião dava não estavam ajudando e já tinha perdido a conta de quanto tempo eu já estava naquele voo. Rezei para que pousássemos de qualquer maneira, mesmo se fosse em cima do oceano. Eu só precisava parar de flutuar no ar há mais de cem metros do chão.
Voltei ao assento depois de sair do banheiro de novo. A aeromoça já olhava preocupada para a cor verde do meu rosto. Dei um sorrisinho de canto para ela, indicando que eu estava bem — ou tentava ficar.
Depois do que pareceu uma verdadeira eternidade, o avião pousou no Jeju International Airport e tive que lutar para não atropelar as pessoas à minha frente para que saíssem mais rápido. Respirar o ar puro foi um grande alívio e não demorou muito para avistar uma enorme — exageradamente imensa — placa branca com os dizeres coloridos “Welcome to Jeju, que cobriam o rosto da pessoa que estava por trás, mas as pernas altas como uma banqueta a entregavam.
— Ok, já chega, quer esconder isso? — Afastei aquele constrangimento absurdo e olhei para Sophie. — Oh meu Deus! Você cortou o cabelo!
— Você gostou? — Ela jogou os cachos loiros de um lado a outro. — Não sei como não fiz isso antes, é maravilhoso!
— Ficou realmente maravilhoso em você. — Sorri, sentindo ainda mais uma pontinha de inveja por ela ter ficado absurdamente mais bonita.
— Ótimo, então vamos antes que Mingyu comece a gastar toda a conta de telefone ligando pra mim. — Ela pegou uma de minhas malas. — Como foi seu voo? Por falar nisso, você está pálida como uma privada, nem parece que estava em Miami. — Ela torceu o nariz.
— Você sabe o que são mais de vinte horas em um avião? E nem venha se gabar da sua viagem ao Japão, não tenho estômago nem para escutar isso.
— O seu corpo é fraco, nem parece que come por três. — Ela balançou a cabeça.
— Fiz o favor a mim mesma de começar a dieta nas férias. Inclusive, trouxe o doce de banana que você pediu.
— Graças a Deus! — Ela levantou as mãos aos céus de forma teatral e caímos na risada.
Apertei minhas malas no carro de Sophie (ou de Mingyu, era difícil saber) e entrei no banco do carona. Liguei o bluetooth do som, colocando meu R&B favorito e comecei a tirar os sapatos.
Liguei o celular, que vibrou freneticamente com as novas mensagens e notificações de ligações perdidas. Todas vindo da mesma pessoa.
Encarei a tela do aparelho por um momento enquanto lia uma mensagem de cada vez. Jungkook não sabia se comunicar no Kakao sem mandar fotos suas seguidas da mensagem, e isso me fazia rir sozinha em qualquer ocasião. As últimas haviam sido uma série de fotos em sequência dele fazendo uma cena enquanto escorregava do sofá e perguntava a cada meia hora: “Já está chegando?”, “O avião quebrou?”, “Por Deus, qual é o nome desse piloto? Ele é muito devagar!” e assim por diante.
— Jungkook? — Sophie perguntou depois de um tempo, ao me ver sorrindo como uma idiota, obviamente. — Ele estava tão ansioso que acabou dormindo, nem vai ver você chegar. Pelo menos ele se distrai muito fácil quando está com os outros, se não, já teria atravessado a nado pra te buscar.
— Que exagero, Sophie. — Balancei a cabeça, tentando disfarçar o formigamento no estômago ao ouvir aquilo. — Ele só deve estar animado para me mostrar a cidade, só isso.
— E você está animada para vê-lo, não é? Ou melhor, para colocar seu plano em ação... — ela disse, enquanto dava partida no carro.
— Plano? — quase gritei. Eu não imaginava que ela se lembrasse disso. — Eu não sei do que…
— Agora vai dizer que a ligação da semana passada não existiu? Quando você me contou que já estava na hora de se declarar pra ele? — Ela arqueou as sobrancelhas, me deixando sem resposta. — Inclusive, espero que você tenha se planejado bem para essa empreitada, pois temos um passeio de barco em… — ela olhou para o relógio no painel de controle — 10 minutos! Cacete! — Ela cantou os pneus ao sair do aeroporto e tive que me segurar no banco para não bater com a cabeça na janela.
Então era isso, eu não receberia o itinerário daquela viagem e ainda nem me deixariam passar na casa para tomar um banho. Apesar de tudo, não conseguia reclamar. Jungkook havia sido tão fofo e solícito ao me convidar para passar o feriado Chuseok em Jeju com os amigos que me vi incapaz de recusar. Estávamos em um nível que mesmo se Sophie, minha melhor amiga, não estivesse aqui e, convenientemente, namorasse um dos amigos de Jungkook, ainda assim eu estaria perfeitamente confortável.
E era exatamente por conta desse nível de amizade — que só aumentava — que eu havia decidido fazer o que pretendia fazer.
Não que eu não gostasse da nossa amizade, nem nada disso. Conhecer Jungkook fez com que minha adaptação na Coreia fosse mil vezes mais fácil, antes mesmo de conhecer Sophie e desfrutar de uma decente e divertida amizade feminina com outra estrangeira. E apesar de estar estimulando uma amizade com um idol mundialmente famoso, ele não fazia com que parecesse desse jeito quando estávamos juntos. Ele era apenas Jeon Jungkook, um cliente — que ganha muito dinheiro, inclusive — interessado em consultoria financeira pessoal em um dos escritórios de contabilidade de Yongsan-gu.
E era exatamente pela sua questão de agir tão normal ao meu lado que as coisas aconteceram. Elas deveriam? Não sei. Eu realmente não sabia, mas estava sendo incômodo e desgastante acordar com uma vontade maluca de ser ele a primeira pessoa que eu queria ver. Ou sair para almoçar quando ele está na Coréia e conversar até tarde da noite na minha varanda bebendo um vinho barato. Essas e outras mínimas coisas culminaram para onde eu estava hoje: apaixonada. E planejando contar tudo para ele na primeira oportunidade que parecesse conveniente o bastante.
Eu só não contava que Sophie se lembraria dessa confissão após minha noite de bebedeira no habitual jantar de equipe do escritório. Ela normalmente mal se lembrava de suas últimas refeições.
Sophie estacionou como uma louca em uma vaga ao lado de outros tantos carros, onde reconheci o de Jungkook na mesma hora. Faltavam dois minutos para o tal passeio, mas não me segurei ao admirar a casa: a fachada branca moderna, a arquitetura retangular e as janelas de vidro do chão ao teto me tiraram o fôlego. Pude sentir a brisa da maresia vindo logo atrás dela. Onde eles haviam arrumado essa casa mesmo?
Ouvi o grito de Mingyu assim que passamos pela porta:
— Finalmente chegaram! Achei que tinham voltado para Seul.
Ele caminhou até Sophie, dando-lhe um selinho e virando-se para mim.
— Você veio pra ficar, certo? — Ele olhou para trás de mim, claramente procurando as malas.
— Sophie disse que estamos atrasados. — Dei de ombros, olhando para Sophie. — E eu não faço ideia da onde está minha roupa de banho no meio de toda aquela bagunça…
— Por isso mesmo ela vai ter dois minutos para vestir o que eu vou emprestar! — Sophie começou a me conduzir para a escada. — Pode deixar que buscamos a mala dela mais tarde. Vai chamando todo mundo.
Mingyu não teve tempo de responder, e muito menos eu. Seguimos em um corredor largo com fileiras de portas dos dois lados até entrarmos em uma perto do canto esquerdo. O quarto era impressionante, com vista para a parte da frente da casa, com todas as árvores e o verde. A maresia não penetrava tanto nesse ângulo, mas ainda assim trazia um frescor palpável.
— Eu realmente posso ir do jeito que eu estou… — tentei começar a dizer, mas ela rapidamente levantou o dedo para me calar.
— Você precisa deixar claro pro Jungkook o que ele vai estar perdendo sem nem sequer pensar nisso — ela disse, enquanto revirava o armário de portas brancas no canto. — Não que ele vá te rejeitar e nem nada disso, mas tenho certeza de que você pensou nessa possibilidade.
— Na verdade, eu não pensei. — Ela virou a cabeça com tudo para me olhar. — Quer dizer, eu literalmente não pensei muito em nada disso. Isso não é uma cobrança pra ele, não quero dizer o que eu sinto para que ele também diga, eu só… Sei lá, quero dizer. — Suspirei, percebendo como estava perdida em relação a tudo aquilo. — Eu quero que continuemos amigos acima de qualquer coisa.
— Se você quer tanto isso, não pensaria em abrir o jogo. — Ela me jogou um conjunto de biquíni azul marinho ainda na etiqueta. — As pessoas não se confessam a outras esperando que absolutamente nada aconteça. E se der certo, várias questões são envolvidas, porque infelizmente — ou felizmente —, esses caras aí embaixo não são pessoas normais, mas no final eles…
— Tudo bem, tudo bem — interrompi antes que ela começasse um monólogo sobre a realidade de se namorar um idol. — Ainda temos dois dias, prometo que vou fazer a lista dos prós e contras.
Sophie juntou as sobrancelhas confusa, como se não se lembrasse de ter me pedido pra fazer tal coisa, mas não dei chance para falar e entrei no banheiro.

☀️⛱️


Sophie não tinha noção alguma de conveniência.
Tudo bem, estávamos na praia e devia estar fazendo pelo menos uns 27º. Era compreensível, quase obrigatório que eu estivesse usando um biquíni. Mas o que ela havia me dado ultrapassava o limite da palavra desinibido. Eu pretendia usar o maiô que estava na minha mala, se ela ao menos me deixasse pegá-lo. Não tive sucesso nisso também.
Tratei logo de colocar um vestido sem mangas por cima de toda aquela falta de pano. Não que eu fosse tímida e nem nada parecido, mas eu não era, bem, tão descontraída assim.
— Onde eu vou dormir? — perguntei enquanto saímos para o corredor, observando de novo as várias portas.
— Eu te coloquei na frente do quarto do JK. — Ela me lançou um sorriso malicioso. — Fica tranquila que pedi pro Mingyu arrumar tudo, ele e os meninos dividiram os quartos enquanto eu fui te buscar e…
— Você contou pro seu namorado? — Parei repentinamente, o olhar em choque.
— Contei? — Ela revirou os olhos e eu bufei, recomeçando a andar, agora mais rápido. — Ei, você acha mesmo que ele vai abrir a boca? Inclusive, ele é um dos maiores torcedores do casal, não vê a hora do JK começar a namorar…
— Ok, podemos só ter um passeio de barco normal? Sem falar sobre isso? Obrigada.
Sophie deu de ombros e entramos na sala, onde todos os garotos já estavam prontos e discutindo algo entre si. Jungkook me viu na mesma hora enquanto eu me aproximava do grupo, e sorriu daquela forma tosca e divertida que me fazia retribuir no mesmo instante.
Me aproximei do grupo enquanto cumprimentava os demais: Eunwoo e Yugyeom, que eram os que mais me faziam rir junto com Mingyu e Jungkook quando estavam juntos, de uma forma que fazia a barriga doer. E havia Jaehyun. Como sempre, ele apenas me cumprimentou timidamente e não disse mais nada. Ele era assim: quieto, até mais do que quieto, e tímido. Mesmo com os outros meninos.
Depois de discutirem sobre armazenamento de bebidas e medidas de segurança do barco, finalmente começamos a seguir para fora. Senti braços passarem pelos meus ombros enquanto prendia o cabelo em um rabo de cavalo, certa de que, se não fizesse isso, o vento faria um estrago ainda maior.
— Você se atrasou muito — disse Jungkook, enquanto passávamos pela porta de entrada. — Digo, mais do que o normal. Tem certeza de que o piloto não comeu algum peixe estragado igual naquele filme antigo Airplane?
Ri de imediato. Era disso que eu estava com saudades, principalmente disso.
— Se foi esse o caso, o boneco inflável que me trouxe soube pilotar muito bem, obrigada. E, Jesus, pode parar de usar referências de filmes ruins? É como se eu não te ensinasse nada.
— Você passou duas semanas em Miami, perdemos duas sextas para assistir os filmes que você sempre fal…
— Vocês sabem que o aluguel do barco é por hora, não sabem? — Eunwoo gritou com a cabeça do lado de fora do banco de trás do carro de Mingyu, o mesmo em que Sophie havia me buscado. — Podem deixar essa fofoca para outro lugar que estamos pagando?
Dei um sorriso tímido para Jungkook enquanto afastava seus braços de mim e caminhava para o mesmo carro de um Eunwoo irritado e ansioso para beber num convés em alto mar.
— Ei, ei, pra onde você está indo? — Jungkook me fez parar e virar de novo. — Você vai comigo.
— O quê? — Juntei as sobrancelhas e olhei para a Mercedes estacionada logo ao lado do Ford de luxo de Mingyu, onde o banco do carona já estava devidamente ocupado por um Yugyeom completamente absorto no instagram.
Jungkook desferiu um tapa no vidro, fazendo o garoto pular de susto e eu levar a mão à boca para não rir alto demais. Ele arqueou as sobrancelhas e os dois se comunicaram por um tipo de telepatia por pelo menos um minuto até Yugyeom sair e ir para o carro de Mingyu.
Fazendo uma reverência da mais ridícula, ele manteve a porta aberta para que eu entrasse e me acomodasse. Revirei os olhos para esconder o batimento maluco que tomou conta de mim.
Pelo espelho retrovisor interno, vi Jaehyun sentado no banco de trás, concentrado em algum ponto fora da janela. Mas, por alguma ilusão de ótica maluca que às vezes a gente tem por virar a cabeça muito rápido, pareceu que ele estava olhando para frente um segundo antes. Mais especificamente na direção do meu banco. Mas tenho certeza de que foi impressão.
— Agora sim! Cintos — ordenou Jungkook, enquanto virava para se certificar de que estávamos obedecendo.
Uma confusão de barulhos do couro sendo puxado e o clic do cinto sendo prendido encheu o carro, mas nenhum deles veio do meu. Jungkook olhou para frente, avaliando algo no painel e ligando o som enquanto algo havia prendido meu cinto em algum lugar daquele carro maluco e extremamente caro que me dava medo de tocar no lugar errado. O que estava acontecendo? Eu não sabia mais como colocar um cinto de segurança?
Levantei a mão para verificar o que havia de errado no sulco por onde o couro se desenrolava e encostei em outra que chegou antes de mim, por trás de mim. A mão de Jaehyun desfez o que pareceu ser um nó do outro lado de forma rápida e o cinto deslizou pela minha mão. Em um movimento rápido, ele puxou o cinto até a outra extremidade e finalmente ouvi o click ao lado do meu quadril.
Olhei rapidamente para o lado e Jungkook continuava na mesma posição, agora aumentando o volume da voz de Paul Klein em Thru These Tears. No retrovisor, Jaehyun olhava algo no celular de cabeça baixa, o boné para frente escondendo metade do rosto. Esperei que ele me olhasse para que eu pudesse agradecer, mas ele não fez.
O ronco do motor me fez balançar a cabeça e começar a olhar para frente, enquanto Jungkook cantava alto e desafinado de propósito, principalmente nas partes que eu sei que ele mais gostava. Depois ele batucava os dedos no volante nas partes mais animadas de um pop em alta qualquer e agia exageradamente como se estivesse em um MV.
Ele fazia essas e outras reações com a finalidade de me irritar, eu sabia. Ele estava ciente da minha preferência por músicas um tanto mais calmas. Mas eu não podia negar que só de estar com ele já me fazia rir, e rir de coisas que, bem, não acontecia com qualquer um.
O barco estava ancorado em um porto extremamente deserto, o que fez eu me perguntar o que exatamente estava sendo pago ali. Claro, eu estava metida com caras nada normais que precisavam usar máscara, boné e óculos escuros para zanzar por aí, mas alugar um porto inteiro em um ponto turístico? Não me admira a insistência de Eunwoo para irmos mais rápido.
Tinha que admitir: eles tinham caprichado para valer na escolha do barco. Era gigante — ao menos para mim, que nunca havia entrado em uma coisa daquelas na vida —, com dois andares. Yugyeom e Mingyu se apressaram a subir primeiro, e os demais foram um a um até chegarmos ao pequeno convés equipado com um sofá lateral de couro branco, espaço para bebidas e até um pequeno leme, decorativo, eu imagino, já que o transporte era equipado com um motor.
Depois de um tempo, o som já estava ligado nas alturas e os outros já haviam entornado uma caixa e meia de cerveja misturada com soju. Jungkook havia tentado me “ensinar” a beber nesse estilo coreano e os resultados foram desastrosos, portanto eu estava mais que satisfeita com apenas a cerveja normal.
O céu já estava laranja. Por um momento, fiquei hipnotizada pela beleza do sol indo de encontro à linha do horizonte, cada vez mais pertinho, sem pressa, me passando uma sensação de tranquilidade. Como se ele estivesse me aconselhando que sim, existe hora certa para tudo, e que o momento certo estava para chegar. O momento certo… aquele momento certo…
Um par de braços molhados me agarrou repentinamente, me fazendo quase berrar. Jungkook gargalhou com a minha cara de surpresa enquanto se sentava na beirada do sofá, balançando o cabelo pingando e me molhando ainda mais.
— Você realmente se assusta com tudo. — Ele riu de novo enquanto abria os braços pelo encosto branco. — Admirando a vista? Achei que já tivesse tido o bastante disso em Miami com seus colegas de trabalho americanos.
— Um espetáculo desses nunca é demais. E calma lá, você está com ciúmes de novo? — Levantei as sobrancelhas e ele riu mais uma vez, dessa vez um pouco mais engasgado.
— Como é, de novo? Da onde você tirou isso?
— Eu minto quando digo que você não suporta que eu tenha outros amigos?
— Você não tem outros amigos, por isso são chamados colegas de trabalho.
— Cala sua boca.
— Você foi a Miami a trabalho, então repito: você não tem outros...
— Jeon Jungkook, cala a su… — Levantei o braço para dar um tapa de leve em seu braço molhado, mas uma onda sorrateira pareceu crescer com mais gosto levada pelo vento forte naquela hora, fazendo o barco dar uma leve balançada e acionar o meu modo desastrada, fazendo com que eu me desequilibrasse para trás.
Tentei travar meus pés no chão, mas como todo mundo praticamente já tinha mergulhado e voltado tantas vezes que eu havia parado de reparar, o chão estava encharcado. Dei um gemido seco enquanto já me preparava para a queda iminente e vergonhosa que provavelmente me traria um estampado roxo bem no meio da coxa.
Mas o tombo feio não veio. Digo, o tombo aconteceu. Mas não cheguei a ir ao chão como era de se esperar. Em vez disso, bati a cabeça em algo forte, porém macio, e… forte… mas o quê?
Abri os olhos e me deparei com um peito nu. Nu e muito bem definido — com certeza pedia pra gente olhar só mais um pouquinho —, mas percebi, com choque, que eu estava bem em cima daquele tórax, com um aperto firme na cintura que não me deixou bater com a lateral do corpo no chão molhado e duro. Ergui a cabeça e dei de cara com um Jaehyun tentando disfarçar uma careta de dor. Ele encontrou os meus olhos ao mesmo tempo e só então percebi como estávamos ridiculamente perto.
Fiquei tão constrangida que mal dei ouvido às risadas que explodiram ao nosso redor. Yugyeom havia finalmente tirado a cara da tela do celular para nos observar, Mingyu e Sophie deram um tempo na pegação e Eunwoo desviou a atenção da carne assando na pequena churrasqueira. E Jungkook…
Me desvencilhei quase na mesma hora para olhar para trás, mas deveria ter me lembrado da minha péssima coordenação motora, pois meus pés vacilaram praticamente na mesma hora que tentei. Escorreguei e caí pro lado, fazendo Sophie soltar uma gargalhada alta. Jaehyun pareceu apertar ainda mais o laço em minha cintura enquanto tentava se levantar também, me protegendo de mim mesma.
— Desculpa, desculpa… — murmurei de forma desconexa, tentando me apoiar em algo que não fosse aquele peito estupidamente maravilhoso para me levantar. Céus, desde quando ele tinha tudo isso?
Uma mão se fechou um pouco acima do meu cotovelo, me puxando em um único solavanco para cima. Jungkook estava rindo, mas de forma um pouco estranha. Era leve, parecia quase forçada. Eu jurava que teria de buscar ele escada abaixo da embarcação, pois ele rolaria para lá de tanto rir.
— Você não tem jeito mesmo — ele falou, mas foi tão baixo e as risadas abafaram tanto que mal escutei. Ele ajeitava algo no meu vestido que eu não estava vendo.
Mas então eu vi. Com horror, percebi que, na queda, meu vestido tinha subido até o umbigo, pelo menos, deixando à mostra o terrível biquíni no melhor estilo brasileiro que Sophie havia me emprestado. E eu havia caído bem de costas para ele. Céus, bem de costas! Ele viu tudo!
Novamente constrangida em tempo recorde, puxei o vestido para baixo com toda força, sabendo que meu rosto estava inteiro pintado de vermelho. Eu não conseguia encará-lo, não naquela hora.
— Você está bem? Se machucou em algum lugar? — Jaehyun perguntou, já de pé. Ele também parecia um pouco vermelho, mas eu preferia acreditar que era trabalho do sol e do tempo que ele havia passado no mar junto com os outros.
— Sim, estou bem, e sinto muito, muitíssimo por isso tudo, eu não sei o que aconteceu, eu sou tão desastrada, eu não queria… — disse, enquanto me aproximava dele.
— Não tem nada demais, mesmo. — Ele deu um passo para trás, um pouco ansioso, nervoso, e olhou rapidamente para trás de mim. Para Jungkook. Mas na hora eu não tinha percebido isso. Eu estava ocupada demais sentindo as bochechas queimarem por ter caído pateticamente na frente do cara que eu gostava.
— Tudo bem, mas se você precisar…
— Jaehyun, nosso herói! — Eunwoo gritou de repente, tirando um pedaço grande de carne do fogo, colocando-o em um prato ao lado. — O jeito como você correu para salvar a garota, aish! Fico preocupado desse pedaço não ser prêmio suficiente! Vem pra cá, meu rapaz, pode vir, é toda sua!
Outro coletivo de risadas explodiu, até a minha, apesar de ter saído mais baixa e fina por não estar entendendo absolutamente nada. Jaehyun não riu. Na verdade, ele olhou para Eunwoo como se fosse matá-lo se ele não calasse a boca.
Eles estavam bêbados, é claro. Todo mundo estava. Nem todas as situações — e nem piadas internas — precisavam ser prontamente compreendidas em um ambiente alcoólico como aquele.
Jaehyun sumiu da minha frente em um piscar de olhos, descendo rapidamente as escadas para a cabine abaixo, ignorando o seu presente oferecido por Eunwoo, que, por sua vez, deu de ombros e começou a fatiar o pedaço grande. Olhei para a Sophie, que tinha uma expressão vitoriosa no rosto, e tenho certeza de que perguntei o porquê através de nossa linguagem peculiar por olhares, mas ela também deu de ombros e se voltou novamente para Mingyu.
— Lindo biquíni, . — Ouvi a voz de Yugyeom repentinamente por trás da minha orelha, seguido de risadinhas divertidas enquanto ele ia desfrutar da carne de Eunwoo. Ah, céus, que humilhação.
Olhei para Jungkook novamente, que estava concentrado em algum ponto entre as escadas por onde Jaehyun havia sumido e as costas de Yugyeom enquanto comia. Tinha algo muito estranho naquela expressão dele, e as sobrancelhas franzidas eram só a primeira da lista. Ele estava sério demais em uma situação que ele deveria estar morrendo de tanto rir, pelo amor de Deus!
Quando percebeu que eu estava encarando, ele endireitou a posição e fez nascer o sorriso que eu estava esperando, mesmo que não estivesse nada espontâneo como sempre era.
— Você tá legal? — ele perguntou, cruzando os braços. — Você caiu bem feio ali.
— Estou bem. Fui salva por um membro da 97 line, posso publicar isso no twitter, você sabe, não é? Meu número de seguidores vai triplicar. — Ri, meio desengonçada e arfante, mas ri. Ele não riu. Foi estranho.
— É… Acho que vou aproveitar para dar um último mergulho antes de voltarmos. — Ele balançou a cabeça e nem esperou eu dizer mais alguma coisa, simplesmente deu as costas e pulou para o mar.
Comecei a sentir um extremo desconforto e não entendia por quê. Eu com certeza tinha perdido alguma coisa, ah, como tinha, mas, mesmo olhando em volta, ninguém parecia perceber a mesma coisa que eu. Será que eu o havia envergonhado tanto que ele estava incomodado de ficar do meu lado? Isso era impossível, visto que eu já havia tido minha cota de momentos constrangedores ao lado de Jungkook para tornar aquela situação de hoje um mero episódio normal, com a única variável sendo a minha seminudez.
Bufei e voltei a me sentar, pegando outra cerveja da bolsa térmica e sentindo a maldita desesperança que eu não esperava que desse as caras tão cedo, não no dia em que eu pretendia fazer o que ia fazer.

☀️⛱️


Dez e meia.
Eu sou capaz de abrir um buraco no chão a qualquer momento.
Sophie me fez usar esse vestido ridiculamente chamativo, pois “o vermelho é a cor que representa as paixões, do amor ao ódio, não me faça reler esse texto inteiro, estou dizendo, é o vestido certo!” e agiu daquela forma que não, você não tem escolha alguma.
E atribuo a culpa totalmente a ele quando saímos para a varanda de trás e fui bombardeada por alguns olhares curiosos e confusos, como se a Ariana Grande tivesse decidido aparecer de surpresa na festa particular. Não que estivesse rolando exatamente uma festa. Era apenas a continuação da bebedeira de mais cedo.
Mas tinha um certo clima de comemoração no ar quando tirei os sapatos para pisar a grama naquela noite. A mesa retangular ao lado da piscina estava recheada da mais variada culinária típica coreana; algumas reconheci logo de cara, outras eu tinha certeza de ainda não ter experimentado, muito menos visto.
Eu estava exausta e algo no álcool me fazia lutar para manter os olhos abertos. Não posso dizer que consegui tirar ao menos uma soneca longa no avião, não, isso não era possível, eu nunca conseguia. O embrulho insistente da cinetose no meu estômago não me deixava.
Mas eu tinha alternado as breves três cervejas do barco com café ao longo do dia e, claro, aquilo poderia acabar tão mal que eu não me atrevia nem a pensar. Eu só pensava em uma única coisa, e uma certeza bizarra gritava dentro de mim, dizendo que se eu não fizesse aquilo hoje, eu nunca mais iria conseguir.
Pelo menos consegui pescar boa parte da conversa que rolava quando cheguei à mesa, procurando algo um pouco mais apimentado que o habitual, ou qualquer coisa que não me deixasse chapada de nenhum dos lados; nem café, nem álcool.
Os meninos pareciam felizes com muitas coisas, felizes até demais. O álcool tornava tudo demais. Eles cantavam quando estavam muito felizes. Eunwoo e Mingyu tentavam reproduzir alguma coreografia maluca de algum grupo da segunda geração em frente ao karaokê, mas os movimentos estavam um pouco desordenados, para ser simpática. E eles riam, riam tanto. Os demais sentados na mesa batiam palmas e assobiavam, a plateia ligeiramente dividida entre pedir por mais ou jogar pequenos rolinhos primavera na performance mal-sucedida. Vi rapidamente Jungkook sentado entre eles, os demais, rindo como louco. Os demais…
Cansada era pouco, o mínimo, para o que eu estava sentindo, mas ainda conseguia enxergar bem. Havia mais pessoas na mesa grande, pessoas que não estavam aqui à tarde em nosso passeio de barco, pessoas que não fui informada de que participariam das confraternizações posteriores.
Três garotas que eu nunca vi na vida estavam espalhadas em cadeiras entre Jungkook, Jaehyun e Yugyeom, e um outro cara que eu não reconheci de imediato. Queria dizer que eu havia travado no meu lugar e olhado um tanto surpresa apenas pelo fato de ter pessoas que eu não conhecia ali, mas não foi só isso. Jungkook estava no meio de duas garotas, que conversavam animadamente com ele enquanto alternavam com as palmas e os gritos para Eunwoo e Mingyu dançando.
E não havia cadeiras vazias perto dele. Nada do que eu, ridiculamente, estava esperando, como uma delas ao seu lado, uma que ele guardaria para mim, lógico, porque éramos melhores amigos, e todo esse papo que repetimos sempre.
— E agora essa vai… — falou Mingyu em tom embriagado em seu microfone de celular. — Para minha namorada, que gosta de coisas bregas e vergonhosas! — Ele apontou o dedo com uma euforia louca para Sophie, que chegava comigo até perto deles. Todos os rostos presentes se viraram para nós, em meio às palmas e gritos.
Percebi alguns olhares pousarem em mim por mais tempo do que o necessário. O primeiro foi de Eunwoo, de pé ao lado de Mingyu, que balançou a cabeça em minha direção como se estivesse me “parabenizando” pelo visual, para depois começar a rir como um idiota e o som do karaokê começar a soar e sua atenção ser puxada para as letras da música.
Jaehyun levantou os olhos do copo e me observou com muita atenção, mas foi breve, mais breve do que todos os outros, mesmo que tenha sido intenso de uma forma quase estranha. A outra garota estava sentada ao lado dele e parecia muito disposta a conseguir sua atenção, mesmo que ele, claramente, não parecesse muito interessado no que quer que fosse.
As costas de Jungkook se viraram para mim e ele deu aquele sorriso de canto icônico, o sorriso que geralmente direcionava a mim — pelo menos era a forma como eu gostava de pensar. Apesar de, agora, ver esse mesmo sorriso sendo direcionado para todas as direções.
Então ele não estava bravo, ou nervoso, ou o que quer que tenha sido aquela atitude no barco mais cedo. Ele tinha voltado a ser o Jungkook que eu conheço? Eu esperava que sim.
Mas ele não pediu licença a uma das meninas e disse que o lugar, na verdade, já tinha dona — oras, ele já tinha feito isso em um restaurante qualquer que fomos com Sophie e Mingyu e mais uns outros amigos dela para comemorar algo relacionado à sua nova exposição no Centro de Artes da cidade. E tudo bem que ele confessou mais tarde que, na verdade, queria realmente se livrar de uma das garotas, que era insistente a ponto de reunir toda a sua paciência, mas contava, não contava? Ele queria afastá-la e pensou em mim imediatamente —, mas ele não fez nada disso. Também não apontou onde eu poderia sentar e nem disse algo engraçado sobre a minha roupa — ele sempre tinha algo engraçado para dizer sobre as minhas roupas. Ele apenas olhou para trás, sorriu de canto, pareceu me estudar por uma fração de segundos e foi pego pelo falsete de Mingyu, nada muito promissor para um rapper.
As risadas me trouxeram de volta ao eixo e estudei a posição das cadeiras vazias enquanto Sophie corria até o namorado e mandava para o inferno todo o papo de “nada de demonstrações de afeto em público, eles são idols”. Do outro lado da mesa, havia uma cadeira vazia do lado direito de Jaehyun, e a segunda estava ocupada com o cara que eu não conhecia, que encarava pacificamente a apresentação enquanto fumava um cigarro. Na outra extremidade, na coluna de Jungkook & cia, ambas as cadeiras ao lado das garotas estavam vazias.
Eu não gostava do cheiro, mas me acomodei entre Jaehyun e o fumante, dando um sorriso simpático para ele, enquanto automaticamente começava a beliscar alguma coisa da mesa. Senti Jaehyun olhar para mim e arrastar um copo de água em minha direção.
Franzi o cenho, agora virando para ele.
— Acho que você precisa disso. — Ele deu de ombros, seguido de um sorriso complacente que, me dei conta, era bem bonito.
— Com certeza preciso. — Ri um pouco, aceitando a água com gratidão, me perguntando de repente como deveria estar meu rosto para ele perceber daquele jeito. — Inclusive… Eu nem te agradeci direito por mais cedo. E pelo cinto de segurança também.
— Ah… isso. — Ele desviou os olhos, com as bochechas corando, ou era a distorção da realidade devido ao meu cansaço. — Não foi nada, eu só quis ajudar.
— E ajudou! Acho que você estaria assinando seu nome no meu gesso nesse momento se não fosse aquele ato heroico. Imagino que sua estatística de ajudar pessoas sem coordenação seja bem alta.
— Não, nada disso. Foi o mínimo que pude fazer para sua segurança. — Piscou de forma engraçada, me fazendo rir baixo. — Sem contar que você realmente parecia quase comprar uma briga com o cinto, não era como se fosse conseguir colocá-lo a tempo.
— Ugh. Esse é o problema de ser atrapalhada. Parece que nada está ao meu favor.
— Também não é assim, vá. Mas não posso deixar de lembrar que sua queda foi um pouco, hm... Como posso dizer? — Colocou uma das mãos no queixo, pensativo. — Memorável?
— Ah, não! Você vai mesmo ficar lembrando disso? Que vergonha. — Coloquei uma das mãos no rosto, sentindo as bochechas queimarem de constrangimento. Eu não queria mesmo me lembrar daquilo, mas só de saber que Jaeyhun comentava de forma engraçada me fazia ficar mais sem jeito ainda.
— Está tudo bem, relaxa. Essas coisas acontecem. E não foi como se você tivesse feito de propósito. — Deu um meio sorriso ainda sem tirar os olhos de mim. — Então já posso dizer que sei que é um pouco desastrada. O que mais posso saber de você?
Abri a boca em surpresa inicial, mas soltei mais uma risada, dando de ombros.
— Você acredita na lei de Murphy? — perguntei, diminuindo a voz.
— Com certeza, o Kenny morto por um bebê alienígena me fez acreditar.
Gargalhei e ele me acompanhou espontaneamente. Por um momento, me esqueci da onde estava e de todos os planos que tinha em mente. Apenas pensei em apreciar o momento raro que era bater um papo com Jaehyun.
— Digamos que minhas histórias estão presas na palavra “azar”.
— Matthew McConaughey em Interstellar diria que você está discriminando essa lei. — Ele me passou mais um copo de água, com resquício das risadas anteriores. — As coisas apenas acontecem, fim da história.
— Céus, nem acredito que estou ouvindo referências de verdade, nem parece com… — Travei, e automaticamente olhei para o outro lado da mesa.
Jungkook ainda tagarelava com as outras duas garotas lado a lado, mas virou a cabeça na mesma hora que eu, como se estivesse prestando atenção em meus movimentos esse tempo todo.
Ele travou o olhar em mim por um momento, até voltar ao que estava fazendo. Desviei os olhos, notando que Jaehyun puxava um prato com tteokbokki à minha frente.
— Devo estar parecendo faminta, não é? — Soltei uma risada constrangida, aceitando a gentileza e dispersando o pensamento de Jungkook.
— Se eu tivesse vindo atravessando o oceano, também estaria. — Deu de ombros, depositando alguns pedaços de carne e folhas variadas em outro prato, também passando pra mim. — Inclusive, fez algo de interessante por lá?
Eu não precisava perguntar como ele sabia da onde eu estava vindo, mas quando percebi já estava falando pelos cotovelos. Até mesmo de quando troquei os documentos finais do acordo entre as duas empresas e me destrambelhei ao entrar no carro do meu chefe na volta pro hotel. Depois de acontecido, essas situações tinham um cunho hilário que eu quase nunca percebia, e ver o jeito com que Jaehyun gargalhava ao me ver contando me fez ter certeza disso. Ainda mais porque eu nunca tinha visto ele sorrir tanto.
Eu não sabia mais quem estava cantando, ou até quem se levantava e voltava da mesa. Nem o cheiro do cigarro do cara ao lado me incomodava mais, apesar de que ele havia se afastado bruscamente de mim em algum momento da noite. As reações engraçadas de Jaehyun às minhas desgraças conseguiram me distrair de praticamente tudo que estava acontecendo ao redor.
— Espera, então você foi à Disney? Muito legal, nunca vai deixar de ser o melhor clichê do mundo — ele disse quando comecei a entrar no assunto do que fazia no tempo livre. — Você foi ao Expedition Everest? Me diz que sim.
— Ah, isso… — comecei a falar, pensando em como explicaria que passei longe de qualquer coisa que se elevasse do chão.
Quando abri a boca para responder, uma voz saiu na minha frente:
— Ela tem medo de altura.
Eu e Jaehyun olhamos para o lado no mesmo momento. Jungkook terminava de secar um copo enquanto nos encarava fixamente. Olhei pra ele com uma clara expressão de surpresa enquanto ele simplesmente fitava o cara ao meu lado.
— É, é exatamente isso. — Soltei uma risada um pouco engasgada, ignorando o clima esquisito que eu não fazia ideia de onde tinha surgido. Olhei para Jaehyun, que ainda tinha uma cara estranha de quem tinha visto algo desagradável enquanto olhava para frente. — Se não achar exagerado a palavra pavor, posso dizer que é exatamente o que eu sinto. Mas tirei uma foto na frente do Gringotes, isso conta? — Dei de ombros, torcendo pra que ele abrisse um sorriso.
Ele finalmente virou o rosto, suavizando a expressão antes inesperadamente séria. Sorriu como eu esperava, mas desta vez parecia mais contido, até um tanto constrangido. Estava prestes a perguntar se tinha algo de errado, quando ele falou primeiro:
— Acho que vou dormir, o dia hoje foi cheio. — Ele arrastou a cadeira para trás, enchendo mais um copo de água e trazendo em minha direção. — Você comeu o suficiente? Precisa de mais alguma coisa?
Queria responder que cansada estava eu, e que nisso ele conseguia disfarçar melhor do que ninguém, pois até dois segundos atrás parecia disposto a correr uma maratona, mas apenas concordei com a cabeça e mostrei um sorriso simpático.
— Não, não, está tudo bem. Obrigada pela companhia, tenha uma boa noite — respondi com um sorriso torto. Não sabia o que dizer. Será que eu havia dito alguma coisa que o deixou entediado? Será que ele aguentou até agora por pura educação? Eu tinha certeza de que não havia derramado comida nele, ou pisado no seu pé.
Mas tinha soterrado seu peito mais cedo, então acho que as opções anteriores não seriam tão graves assim.
Ele me deu um sorriso em linha fina e se levantou, lançando um último olhar para o outro lado da mesa antes de se retirar.
Olhei ao redor novamente. Mingyu e Candice haviam tomado chá de sumiço, e do jeito que estavam se pegando hoje, eu sabia bem o que significava. As duas garotas ao lado de Jungkook se reduziram a uma só, e ela ainda tagarelava ao ouvido dele enquanto mostrava algo no celular com animação. Ele encarava o conteúdo com grandes “hum”, “ah” e “sim” sem grandes reações, e pude jurar que ainda olhava para mim.
Bebi a água oferecida por Jaehyun, sentindo de repente o peso do cansaço novamente recair sobre minha cabeça. A música estava mais baixa e todos pareciam acompanhados, exceto Eunwoo, que continuava zapeando as opções restantes do karaokê.
Olhei pra Jungkook novamente. Ele já estava olhando pra mim. De uma forma estranha, devo pontuar. Não parecia nem 1% interessado na conversa ao lado, muito diferente da impressão que tive quando cheguei. Mas agora era como se esperasse que eu dissesse alguma coisa.
Olhei pra trás, me certificando pela última vez se aquilo era mesmo pra mim e então disse:
— Estou com o nariz vermelho?
— Não, mas por que o seu vestido está? — ele perguntou de imediato, apoiando um dos braços no encosto da cadeira vizinha. A garota se calou.
Tentei rir. Era o único jeito de contornar mais uma piadinha que ele faria sobre as minhas roupas, é claro.
Mas ele não riu. De novo. E foi mais estranho do que a primeira vez.
— Empréstimo da Sophie. Acho que ela odeia minhas roupas mais do que você.
— Nunca disse que odeio suas roupas — ele respondeu, e não se mexeu um centímetro sequer. Isso estava começando a me deixar irritada. A garota ao lado olhava de um ao outro, perguntando-se o que eu estava fazendo para deixá-lo daquela forma.
Eu também estava louca pra saber.
— Tudo bem, senhor “jardineiras são pra garotinhas”. — Ergui as sobrancelhas, ainda mantendo o semblante risonho, como sempre ficava com ele. Só esperava que minha cara de cansada não estivesse atrapalhando tanto.
— Com esse vestido você está bem longe de parecer uma garotinha.
O tom de sua voz baixou várias oitavas, se transformando quase em um sussurro. Me fez diminuir o sorriso.
Então, ele simplesmente piscou os olhos várias vezes e balançou a cabeça de um lado pro outro, soltando uma risada pesada e irônica.
— Meu deus, acho que bebi demais… — murmurou, se levantando também, virando-se para entrar na casa.
De repente, ele parou, deu meia volta e seguiu para a outra extremidade da mesa, cortando um pedaço de algo parecido com um bolo vermelho e branco que não reparei antes, colocando-o num prato, andando até minha frente novamente e depositando ali.
— Você gosta de comer um doce depois do jantar — ele disse, as bochechas tão vermelhas quanto a cor do glacê. — Espero que goste desse. Eu vou voltar pro quarto… Durma bem.
E ele simplesmente foi embora.
Acompanhei suas costas por mais tempo do que o normal. Eu estava sinceramente confusa. Não pelo doce, ou pelo “durma bem”, ou pelo primórdio de zombaria das minhas roupas, não. Jeon Jungkook fazia todas essas coisas normalmente e nada seria diferente se eu analisasse apenas isso. Mas tinha, sim, alguma coisa estranha.
Porque o jeito que me olhou quando fez tudo isso não era normal. Desde o barco, nada estava na vibe esperada de “olá, pronta pra passar três dias inteiros comigo testando os limites da sua paciência?”. Será que ele estava passando por algum problema e era incapaz de me contar? Estava chateado com alguma coisa que eu fiz?
Independentemente do que fosse, encarei o bolo por muito tempo antes de comê-lo. O comportamento diferente dele havia causado coisas em mim, coisas que eu já sabia, já tinha aceitado, mas em algum momento daquela noite decidi adiar.
E de repente mais uma cerveja não parecia uma má ideia.

☀️⛱️


Era agora, eu sabia que era.
Minha cabeça girava, mas eu sabia bem onde estava pisando. Sabia para onde estava indo. O texto dançou em minha cabeça o dia inteiro, às vezes abafando sua presença e se escondendo em algum canto, mas estava aqui o tempo todo. Pensando profundamente, acredito que ele estava aqui há mais tempo do que imagino.
Eu sabia o que diria. E seria rápido, sem rodeios, assim como tudo em nossa relação. Eu só precisava chegar à droga do quarto.
As vozes foram ficando cada vez mais distantes e inaudíveis à medida que eu subia degrau a degrau em direção ao andar de cima, pelo caminho já conhecido até meu quarto. Um quase tropeço em um deles fez eu me questionar se precisava realmente fazer aquilo hoje (eu não estava nas melhores condições), mas daí estaria lúcida depois. E eu não conseguia encarar aquela empreitada com lucidez.
Parei em frente à porta do meu quarto e olhei para frente, encarando a maçaneta da suíte vizinha. Comecei a imaginar a visão que ele tinha de suas janelas (aquele era o lado de frente para o mar), em como seria um ótimo lugar para se tomar um vinho e rir até de madrugada, dormir abraçada com ele e acordar com o sol nascendo em uma chama viva no horizonte… desfrutar da banheira…
Não.
Aquilo seria apressar as coisas.
Eu deveria voltar lá para baixo, mesmo não sabendo direito quem ainda permanecia acordado ou sumido de repente.
Ele se espreguiçou na cadeira e disse que estava cansado. Que voltaria para o quarto. Olhou bem nos meus olhos quando falou isso. Como se me chamasse.
Não, aquilo foi impressão minha. Ele só estava avisando.
Eu deveria voltar agora mesmo e deixar toda essa história de lado.
Toquei a maçaneta e girei de leve. Eu poderia ter batido. E, mesmo sendo eu, ele poderia negar a presença. E eu precisava acabar com aquilo hoje.
Céus, eu precisava dormir. Eu definitivamente dormiria por uma semana depois dessa loucura.
O quarto estava um breu impenetrável quando abri a porta. Até mesmo as enormes cortinas que pendiam do teto estavam fechadas, frustrando minha curiosidade de admirar a mesma paisagem que ele tinha das janelas. Todo o ambiente era tão grande que precisei apertar os olhos para adaptar minha visão ao local.
Fechei a porta atrás de mim e o procurei. Nenhuma luz foi emitida com a minha chegada, apenas um som. Ele se moveu em cima de uma cama bem no centro do quarto, as coxas acariciando o linho. Eu conseguia ver apenas sua silhueta, movendo-se lentamente sob a escuridão. Ele estava dormindo.
— Desculpa te acordar — falei, com a voz rouca pela secura inesperada da minha garganta. — Preciso te dizer uma coisa.
Ele não disse nada. Ainda parecia estar acordando, tentando se sentar na cama, mas eu não tinha como ter certeza.
Eu precisava fazer isso agora. Se eu não estivesse encarando seus olhos, era melhor ainda.
— Bem… pareceu bem mais fácil quando pratiquei no espelho nas últimas semanas. — Ri de nervoso, sentindo a cabeça dar um giro louco de 90 graus. — Você sabe que pratico bastante no espelho antes de encontros importantes, não é? Sempre fiz isso para não correr o risco de amarelar ou dizer besteira na hora. Sempre foi uma abordagem muito eficaz no meu trabalho, mas isso é bem mais difícil do que convencer clientes bancários — suspirei, olhando para o lado, mesmo que não importasse, pois cada metro quadrado era um negrume profundo. — Talvez porque mostrar para outras pessoas que meus números estão corretos seja mais simples do que admitir os meus sentimentos. Deus, isso é tão complicado… — Senti meu rosto arder, como se estivesse falando para o meu pai quando menstruei pela primeira vez. — É complicado porque, ao mesmo tempo que eu me preocupo com o que será depois, eu simplesmente não posso, não consigo mais guardar essa maldita coisa dentro de mim, e às vezes dói, e me sinto sufocada, e fico mal por não ser corajosa, mas decidi que não posso mais engolir esse tipo de coisa porque posso explodir. Pois é, sinto que vou entrar em combustão se não dizer que te amo!
Eu sabia que estava falando, mas as palavras pareciam estar vindo de quilômetros de distância, proferidas por outra pessoa, outra garota maluca que invadiu outro quarto de outro melhor amigo para abrir seu coração.
Mas eu tinha dito. Eu havia soltado aquelas palavras. E, passado o primeiro segundo de choque, comecei a rir, uma risada estranha e baixa, totalmente desesperada.
— Eu sei que você não estava esperando isso, acredite, eu também não esperava sentir isso. Às vezes me pergunto se devo, se é prudente, mas… — Dei alguns passos à frente, em direção à cama, sem perceber. — Todos os momentos que passamos juntos, por mais breves e descontraídos, eram a melhor coisa do meu dia. O seu sorriso é de outro mundo e me passa uma calmaria absurda, mesmo que você escute muito isso. Tenho certeza de que já deve ter ouvido elogios mais bem elaborados e declarações menos fajutas do que essa, mas o fato é que eu não podia mais continuar escondendo isso, ou continuar te vendo e agindo como se tudo estivesse normal, porque nada está normal, nada aqui dentro fica normal quando você chega perto de mim, é tão… deus do céu…
Ouvi a cama ranger na mesma hora que me atrevi a dar mais um passo à frente. Os passos indicavam que ele havia levantado. Oh, meu Deus, que ele não me expulse, que ele não me atire para o corredor…
Ele estava se aproximando de mim e o resto das minhas falas tinham se perdido no mar do esquecimento. Meu coração bateu tão forte que eu era capaz de desmaiar.
Ele não disse uma palavra sequer. Baixei os olhos quando ele se prostrou à minha frente, de repente desejando que o chão cedesse por alguma força gravitacional maluca para que eu sumisse para todo o sempre. Uma náusea repentina tomou conta do meu organismo, e eu iria desmaiar, ah, eu ia…
E então ele me tomou em seus braços, lenta e intensamente. Foi tão rápido que fiquei rija em minha posição por pelo menos cinco segundos antes de fechar os olhos e ceder ao choque de realidade: Jungkook estava me beijando, e dessa vez eu não estava sonhando!
Eu tinha certeza disso, pois seus cabelos e braços parecem reais demais ao meu toque. No exato momento em que sua língua começou a dançar em minha boca, eu perdi absolutamente tudo. Eu não era mais eu mesma, não fazia mais parte do mundo, e estava sendo desejada por Jeon Jungkook, porque, sim, a forma como ele firmou suas mãos em minha cintura e segurava em minha nuca pareciam um tanto desesperados, como sentimentos há muito trancafiados em um cárcere escuro que finalmente conseguiram liberdade. Assim como eu.
Senti nossos pés, juntos, caminharem até a cama, e adivinhei o que iria acontecer. O que eu queria que acontecesse. Mas, como uma conexão mútua e telepática, eu o abracei. Ele permaneceu com os braços ao redor da minha cintura e eu afundei minha cabeça em seu peito nu, e, seja pelo cansaço extremo que eu sentia, tive a impressão de que ele estava mais alto. Mas eu não me atentei a isso naquele momento.
Ele deu uma risada rouca por cima da minha cabeça e eu o acompanhei. Assim que falei, desejei que ele dissesse alguma coisa, qualquer coisa, mas agora isso não parecia importar. Ali, naquele silêncio e naquele abraço, eu entreguei meu coração para ele.
— Estou tão cansada… — murmurei grogue, bêbada de sono. Fechei meus olhos enquanto ele me conduzia até a cama, deitando-se ao meu lado em seguida, puxando as cobertas sobre nós até que eu me deitasse novamente em seu peito.
Percebi pela primeira vez que seu cheiro havia mudado. Eu jurava ter sentido o mesmo cheiro de seu perfume hoje durante todo o dia, mas agora era um cheiro diferente, mais suave e ao mesmo tempo mais presente. Mas eu novamente não deveria estar me atentando a esse tipo de coisa agora.
Ele me deu mais um beijo antes de eu me encaixar definitivamente naquele espaço que parecia reservado para mim desde sempre. Senti o sono e a exaustão me carregarem, me levando no barquinho da inconsciência, e não importava que ele não tivesse respondido, nem se tínhamos que conversar sobre aquilo alguma hora. Aquele abraço, aquele carinho e o calor de seu corpo eram as únicas coisas as quais eu conseguia me apegar. Até a escuridão me tomar completamente e eu adormecer nos braços dele.


02 – Equívoco

's POV

🎧 Dá o play:

Passionfruit – Drake


Não sei o que me acordou primeiro.
A luz e a brisa quente eram perceptíveis até de olhos fechados. Eu podia ouvir o barulho do tecido da cortina se chocando entre si por causa do vento, e o cheiro da maresia salgada me fez abrir os olhos de uma vez.
Sentei-me em um solavanco, esfregando os olhos para ver melhor. A cama bagunçada me dizia tudo que eu precisava saber para me lembrar da noite anterior, apesar de que agora ela estava vazia, assim como o todo o quarto. Olhei meu vestido amassado e passei a mão nos cabelos para desembaraçar o máximo possível. Fiquei de pé em um salto, procurando meu celular em cada ponto do colchão, analisando o piso e os demais lugares e me dando conta de que não me lembrava onde tinha colocado. Mal me lembrava de como vim parar aqui.
Mas me lembrava perfeitamente do que tinha acontecido na noite passada.
Depois do momento de surpresa inicial, um sorriso brotou nos meus lábios com a lembrança maluca, porém maravilhosa. A maior loucura que já cometi em um momento de pura insanidade, afinal, tinha acabado bem, de uma forma que eu nunca pensei — convenhamos, as coisas não costumam acabar tão bem pra mim.
Parecia um verdadeiro sonho, nada ao contrário disso.
Já do outro lado do quarto, aceitei que meu telefone não estava em ponto nenhum do cômodo e que, possivelmente, deveria estar largado em algum lugar do andar debaixo. Girei o pulso e percebi que também estava sem meu relógio, o que me fez pensar quanto tempo do dia eu havia passado ali. Jungkook não estava, e seu histórico de acordar somente depois de meio dia nas folgas me fez começar a me aprontar para sair, porque ser vista por ele daquele jeito logo depois de tudo que eu disse poderia facilmente transformar meu sonho num pesadelo. Era mais do que improvável. Baforei na palma da minha mão e comecei a imediatamente sair dali.
Agarrei os sapatos jogados na base da cama e saí quase correndo até a porta, olhando para trás uma última vez para me certificar de que tinha mesmo acontecido — qual é, era muito difícil aceitar a realidade quando ela era tão boa assim. Talvez o dia se iniciasse de forma ainda mais apocalipticamente perfeita se eu tivesse admirado a imagem do mar ao longe deitada sobre o peito dele, ganhado um beijo de bom dia, admirando-o tocando o teclado no canto do quarto…
Parei. Teclado? Era essa uma das novidades que Jungkook tanto queria contar na semana passada? Um novo passatempo?
Dei de ombros e abri a porta, enfiando a cabeça para fora cautelosamente enquanto me certificava de que nenhuma viva alma me veria rastejar para fora do quarto de um cara. Ao ver a área segura, me coloquei a correr para a porta do outro lado do corredor, fechando-a atrás de mim e me deixando finalmente dar meus gritinhos abafados de alegria e os pulinhos de excitação que costumava dar com Candice quando conseguíamos alguma promoção da Luxury no centro da cidade. Claro, tudo isso antes que eu quase derrubasse o abajur de um metro ao lado da porta. Depois, me contentei em respirar fundo e seguir para o banheiro, certa de que nada tiraria minha felicidade hoje.

☀️⛱️


O cheiro do café estava forte quando finalmente desci.
Senti um alívio sem igual ao perceber que não tinha dormido por tanto tempo assim. Quando cheguei à base das escadas, não dava pra acreditar que tinha sentido frio na noite passada; o bafo quente do lado de fora entrava por todas as janelas e varandas, adiantando a folia que os mosquitos fariam na minha pele hoje. O barulho alto de vozes vinha do centro da cozinha, próximo ao fogão, onde os garotos cozinhavam alguma coisa enquanto discutiam qual era o melhor tempero para se colocar em cima da sopa — e de qual, igualmente, deveriam se livrar — enquanto Sophie deslizava os dedos sobre o tablet apoiado em cima da mesa.
Me aproximei dela devagar, sem chamar a atenção para que não recebesse olhares dos outros (ou dele, em específico), mas tinha a tendência a esquecer do jeito majestosamente escandaloso da minha amiga.
! Até que enfim acordou! — gritou ela, e senti todos os olhares da cozinha finalmente sobre mim. Virei a cabeça lentamente, dando um sorrisinho fraco de bom dia pra todos sem realmente olhar pra eles e me sentei na cadeira em frente a Sophie, com um olhar feio. Ah, se aqui fosse um acampamento…. — Fui ao seu quarto te acordar, mas…
Ela parou e olhou para o lado, notando que diria algo proibido. Corei da cabeça aos pés e agradeci aos céus pela atenção em mim já ter se dissipado. Quis chutar Sophie por debaixo da mesa de madeira, mas ela não conseguiria disfarçar a careta e não duvido nada de que quem acabaria se machucando seria eu.
A comunicação por olhares entregou o que eu queria que ela soubesse: quieta! Eu sei que eu não estava no meu quarto e é exatamente isso que você está pensando que aconteceu, dá pra agir como gente agora?
O sorriso malicioso que atravessou seus lábios foi o suficiente para que eu soubesse que ela tinha entendido. Menos mal. Só esperava que minha amiga pudesse manter suas perguntas ansiosas para um lugar e horário mais propício.
— E aí, . — A voz de Eunwoo veio pelas minhas costas enquanto ele trazia uma pilha de pratos e os depositava na mesa. — Você foi a última a acordar. Achei que seu corpo fosse mais resistente à cerveja.
— A cerveja de vocês é um pouco diferente do meu país. — Revirei os olhos e ele riu. Eunwoo ria de absolutamente tudo, parecia tão diferente dos papéis que fazia nos dramas de TV. — O que estão preparando ali?
— Um pouco de tudo, eu acho. Vamos tomar um café bem reforçado pra sairmos cedo hoje. O dia é longo, mas o feriado não.
— Pra onde vamos hoje? — perguntei e vi os demais começando a caminhar para junto da mesa. Vi Jungkook juntar uns pratos de acompanhamento enquanto os trazia com concentração absoluta, sem me encarar, e adivinhei que talvez ele estivesse sentindo o mesmo que eu.
— Pro melhor clichê do mundo: parque de diversões! — Yugyeom respondeu na frente, sentando-se ao meu lado enquanto já puxava um prato, faminto. — Alguma coisa tem que balançar o nosso estômago que não seja soju com cerveja…
Sophie soltou uma risada e Mingyu se sentou logo depois. Finalmente, Jungkook olhou pra mim enquanto organizava os acompanhamentos. Senti algo gelado na boca do estômago e não segurei o sorriso, que planejei que saísse mais contido, mas não sei se tive sucesso. Ele retribuiu com outro de canto e se aproximou para se sentar na cadeira ao meu lado, mas ela foi puxada antes por um Eunwoo, que mastigava uma maçã descontraidamente, e ocupada por ele. Abri a boca para dizer alguma coisa, mas nada saiu. Não é como se fosse fazer sentido. Jungkook desviou os olhos e se acomodou em uma cadeira próxima, começando a se servir de seu café da manhã.
Eunwoo não percebeu nada. Ele nunca percebia.
Bufei e puxei o hashi, tentando disfarçar a frustração. Procurei não olhar muito para ele naquela hora, então fiz uma vistoria rápida sobre a mesa, percebendo as conversas ociosas entre todos e notando que algo não estava certo. Estava faltando alguém.
Onde estava o...
— Jaehyun, vem rápido! — gritou Mingyu, com a boca cheia de uma porção de arroz. Virei para trás instantaneamente, a tempo de ver o garoto descer as escadas com os ombros baixos, olhando para a mesa com certo desânimo. Quando me viu, ele tinha o rosto impassível, um pouco duro de preocupação, e trazia na mão uma garrafa de água e a outra passou para as costas tão rápido que não visualizei o conteúdo, que foi escondido dentro do bolso. — Vamos definir o itinerário depois do café.
Jaehyun apenas assentiu e se aproximou, sentando-se em qualquer lugar vago da mesa enquanto me cumprimentava com um sorrisinho tímido. Retribuí com um bom dia alegre e carinhoso. Depois da noite passada, eu sentia uma certa expectativa em rir de novo com ele, mesmo que fosse sobre as coisas constrangedoras da minha vida.
— Minha nossa… — Yugyeom tossiu contra o cotovelo, fazendo uma careta para a sopa. — Onde você se meteu, Jae? Você tinha que estar aqui pra não deixar esse povo fazer merda na comida. Olha só, parece que ‘tô bebendo água do mar…
— Que exagero! — disse Mingyu.
— Você fala demais, Yug, como sempre. — Eunwoo revirou os olhos, tomando um pouco da sopa. A mesma careta veio logo em seguida. — E talvez esteja um pouco certo…
Sophie largou a colher antes de tirar a prova. Mingyu arregalou os olhos pra ela e se virou para todos com indignação.
— Vocês estão brincando comigo? Isso é um complô? — bufou, apontando para Jungkook. — Vejam só, o cara mais rico da roda não tá reclamando de nada.
Jungkook ergueu as sobrancelhas, mas não podia dizer nada pelas bochechas já cheias de comida. Eunwoo soltou uma risada nasalada.
— E desde quando o Jungkook é parâmetro? Ele literalmente come qualquer coisa que pareça comestível.
— Ei, que isso… — Jungkook tentou dizer.
— Foi aquela terra alucinógena de Busan que ele comeu quando era criança… — disse Yugyeom, me dando um leve cutucão com os cotovelos, o que me fez rir.
— A areia de Busan não tem nada a ver com a minha sopa. Aish! — Mingyu estalou a língua. — Você, , o que achou dela então?
Vi todo mundo olhar pra mim de novo e quis me esconder por baixo da mesa. Yugyeom e Eunwoo ainda explodiam em risadas, Sophie conseguia disfarçar, Jungkook tentava se esquivar dos tapas de Eunwoo e Jaehyun me encarava fixamente, com um sorrisinho divertido enquanto remexia em sua comida.
— Ah… — comecei a dizer. — O arroz tá ótimo.
Eunwoo deu um tapa na mesa quando gargalhou, e Mingyu cerrou os olhos pra mim. Ouvi até mesmo a risada de Jaehyun, o que me fez rir também enquanto tentava voltar pra minha comida.
— Em minha defesa, a culpa é toda do Jae. Ele simplesmente sumiu enquanto deveria decidir o tempero — Mingyu se defendeu.
— Ótimo ponto. Pra onde você foi, Jae? Isso aqui virou um caos por causa da sua saída repentina com a garrafa de água.
Jaehyun limpou a garganta e respondeu:
— Era só mais um pouco de molho de pimenta.
Eunwoo revirou os olhos. Mingyu resmungou alguns palavrões em coreano que eu ainda não entendia e Yugyeom só voltou a comer. Eu quis rir de novo, mesmo sabendo que Jaehyun tinha dado o assunto como encerrado. Era perceptível aquele jeito dele: fugir de certas perguntas e não fazer muitas delas também. Não parecia nada com o que me mostrou na noite passada, mas eu não sentia que tinha experiência suficiente pra dizer qualquer coisa sobre ele.
Antes que eu voltasse a comer, ainda rindo, senti seus olhos em cima de mim de novo e sustentei com um levantar de ombros. Existia algo cúmplice no meu sorriso, mas ele apenas pareceu desconcertado e revirou os olhos rapidamente, voltando para a expressão fechada de antes.

☀️⛱️


Eu não tinha ideia de como me comportar.
Esse negócio de pós-declaração era um saco. Eu devia ter lido algo na internet ou sondado melhor Sophie antes de tomar uma decisão daquelas. Ela com certeza seria uma ajuda bem melhor do que as colunas da Vogue — ou, no meu caso, do que qualquer revista adolescente. Os minutos se passavam e a dúvida não saía de mim: qual era o próximo passo?
Nenhum dos lados parecia ter a resposta certa.
Isso porque, enquanto eu me aprontava com a cabeça no mundo das prováveis atitudes que eu deveria tomar, minha amiga entrou no meu quarto se preparando para me lotar de perguntas sobre a noite de ontem. Eu bem que queria — ou precisava — responder todas elas, mas Mingyu e sua pressa foram mais rápidos e não abriu vazão pra nenhuma conversa mais longa. Quando ela saiu de novo, viu meus olhos pedintes por socorro, tenho certeza, mas infelizmente não tínhamos tempo pra isso.
Ah, céus, era possível estar tão feliz e tão apreensiva daquele jeito?
Não havia nenhuma mensagem dele no meu celular. Quando desci de novo e fui para a entrada, onde todo mundo parecia animado e conversando sobre toda a nossa programação, vi que Jungkook me encarou de novo, mas sem nenhuma expressão importante. Nenhum sinal de: alô, eu lembro do que fizemos ontem, só não quero dar muito na telha, entendeu?
Eu não vi nada disso. Na verdade, ele parecia um tanto confuso toda vez que eu encarava, e eu esperava que não fosse porque eu estava encarando demais.
Meu deus, eu precisava me acalmar.
Antes que eu metesse os pés pelas mãos, me aproximei de Sophie novamente, que tinha os braços de Mingyu pelos seus ombros, enquanto ele conversava com Yugyeom e Jaehyun. Vi que ele me olhava daquele mesmo jeito do café, como se eu estivesse com algo no rosto, mas decidi ignorar. Sabia que ele não faria isso por muito tempo mesmo.
— Então — Mingyu começou a falar —, Yug e JK vão no carro com a gente, então vocês três podem ir juntos. — Ele apontou para mim e Jaehyun. Franzi o cenho para Sophie.
— Como…
— Aquele pateta tá de ressaca. Tô fazendo um favor pra vocês levando-o no meu carro e correndo o risco de encher meu banco com matéria orgânica — respondeu Mingyu, jogando um bolo de chaves para Jaehyun. — Ele disse que só confia em você para dirigir aquela lata velha. Vamos sair em 5 minutos.
Ele piscou para nós três e se retirou, gritando algo para Jungkook e Eunwoo logo mais à frente, que conversavam sobre algo em voz baixa. Senti a mão de Yugyeom afagando meu ombro, me lançando um sorriso quadrado.
— Parabéns, . Com o Jaehyun, suas chances de sofrer um acidente diminuem bruscamente. — Ele riu e começou a andar em direção ao carro de Mingyu.
Fiquei parada por alguns segundos, tentando desesperadamente não deixar que minha paranoia me tomasse e eu começasse a pensar que: Jungkook não queria ir comigo de propósito. Ele inventou uma ressaca para não ter que passar 40 minutos comigo em um carro e o que isso afinal queria dizer? Depois de ontem, o que era pra acontecer hoje? Mas que mer…
? — Ouvi a voz de Jaehyun ao meu lado, naquele tom baixo e aveludado que eu só escutava dele. Virei e o encontrei mais próximo de mim do que eu me lembrava. — Temos que ir. — Ele inclinou com a cabeça para a Mercedes estacionada ao lado do carro de Mingyu.
— Ah, claro — foi só o que consegui responder, antes de seguir para o carro preto aos trotes, temendo que minha sorte na verdade era uma coisa frágil de vidro ou tão falsa quanto uma taça de plástico. Sério, o que seria desse dia?
Me preparei para abrir a porta de trás, desejando de repente ficar sozinha por alguns minutos e colocar o pensamento — e a ansiedade — em ordem. Ela estava trancada, mas não precisei tentar por mais tempo. Jaehyun surgiu ao meu lado, apertando a trava da porta do passageiro e abrindo-a para que eu entrasse.
Por um motivo estranho, me senti constrangida.
— Não precisa, posso ir atrás — falei rápido, apontando para a porta.
— Que tipo de cavalheiro eu seria te deixando ir no banco de trás? — A voz de Eunwoo veio por trás de minhas costas, em um tom divertido como sempre. — Muito bem, Jaehyun. Sempre disse que sua criação foi a melhor de todos nós. — Ele deu um soquinho no ombro do amigo e abriu a porta de trás, enfiando-se para dentro.
Jaehyun soltou uma risada nasalada, inclinando a cabeça novamente para o banco. Eu desviei os olhos e entrei. Não era como se eu pudesse negar alguma gentileza.
Devidamente instalados, era hora de partir. Jaehyun ainda esperou — de forma sutil e discreta, como sempre — que eu colocasse os cintos de segurança sem nenhuma interferência, como da última vez. Sentir seu olhar esporádico sobre mim me causava um sentimento estranho de proteção, mas não era algo válido para que eu pensasse demais.
Feito isso, ele digitou alguma coisa no celular e levou os dedos ao aparelho de som. Eunwoo estalou a língua, erguendo o corpo para a frente, perto da marcha.
— Pode botar algo que não seja Justin Bieber?
— Estou tentando — respondeu Jaehyun, finalizando a conexão com seu telefone. Quis rir com a aflição na voz de Eunwoo; Jungkook realmente precisava escutar outra coisa que não fosse Justin Bieber. — O que você quer ouvir?
Levei alguns segundos pra perceber que ele estava falando comigo.
— Que não seja Justin Bieber — completou Eunwoo, dando de ombros.
— Ah… — Puxei os lábios, fazendo uma anotação mental do que eu gostava e que fosse decente o bastante para se escutar em grupo que não fosse algo melancólico ou triste demais. — Vocês gostam de R&B?
Vi Jaehyun abrir um belo sorriso. Era um que eu ainda não tinha visto.
— Frank Ocean? — disse ele.
— Com certeza! — respondi animada. Logo ele explorou os botões e Pink + White começou a soar na melhor vibe soul que deixaria os longos minutos no carro muito mais agradáveis.
Eunwoo desabou no banco novamente, pegando o celular como antes.
— É, vocês têm bom gosto.
Virei o rosto para Jaehyun com um sorriso mútuo. Depois, o Range Rover de Mingyu diminuiu a velocidade quando passou pela Mercedes, a buzina soando alta de dentro da janela pra chamar a atenção. Revirei os olhos, ouvindo o motor ser ligado logo em seguida e Jaehyun colocar o carro em movimento.

☀️⛱️


Eu não tinha pensado na multidão.
Também não tinha imaginado que não estaríamos sozinhos.
Sair com idols em lugares públicos poderia facilmente se transformar em uma dor de cabeça, mas aquele grupo pareceu planejar essa parte muito bem. Os portões do parque estavam abertos e com a lotação esperada do feriado, mas quando estacionamos em algum lugar afastado, de repente 7 pessoas se transformaram em 14 e reconheci algumas da confraternização de ontem — incluindo as garotas, que não perderam tempo para cumprimentar Jungkook da forma mais calorosa possível.
Suspirei, tentando não pensar nesse e em nenhum outro assunto que envolvesse a noite passada. Não era hora e nem lugar pra isso. Andei ao lado de Jaehyun, que colocava seus óculos escuros, até entrarmos no espaço amplo do parque, que me lembrou bastante a vibe Beto Carrero World, e tentei ao máximo ser indiferente aos eventuais olhares que as pessoas lançavam para o grupo todo, juntando as sobrancelhas em confusão e surpresa misturadas.
Não era apenas por vê-los. Parecia mais por vê-los ali, todos juntos, em um parque pequeno e familiar, quando eles poderiam claramente ter pegado algum avião particular e ido diretamente para a Disney do Japão.
Por sorte, toda essa atenção não desafiou ninguém a se aproximar. Em pouco tempo, os olhares sumiram, mas algo me dizia que voltariam novamente na primeira oportunidade de situações humilhantes começarem a acontecer — mais especificamente comigo. Afinal, era pra isso que parques de diversões serviam para pessoas como eu.
Confesso que também foi uma das coisas que eu não tinha pensado sobre.
Foi então que Yugyeom disse:
— Vamos à montanha-russa.
Engasguei.
— É o quê?
Recebi pouca atenção, porque os outros já estavam devidamente vibrando de felicidade com a ideia. Uma vertigem fraca começou a me tomar e eu esperava que ainda tivesse um pouco de livre arbítrio.
— Até parece que você precisa ir — disse Sophie, acrescentando meu pensamento. — Pode tomar aqueles milk shakes de bolhas enquanto espera.
Comecei a sorrir, mas então Yugyeom falou na frente:
— Tá zoando, né? — Ele estreitou os olhos — Assim não tem graça. Todo mundo tem que ir.
Olhei para Jungkook imediatamente. Ele tinha o olhar cravado em mim, mas desviou logo em seguida para responder à pergunta de uma das garotas de ontem. Eu não me importava de revelar do meu explícito medo de altura, mas ninguém com esse conhecimento prévio pareceu querer dizer alguma coisa.
— Tem um milhão de brinquedos pra ir, ela não precisa ir a esse — Jaehyun falou na minha frente, levantando os ombros como quem encerra o assunto.
— Medo de altura, é? — ele perguntou. Apenas concordei com a cabeça, dando um sorriso amarelo. — Ótimo. Assim fica melhor ainda. Vamos fazer uma aposta!
Fiquei em silêncio. Metade do grupo parecia estar em revezamento na fila dos ingressos, mas os que estavam ali se agitaram novamente com a proposta de Yugyeom. A energia dele era contagiante e eu seria fisgada por ela se não estivesse com o estômago embrulhado nesse exato momento.
— De que merda você tá falando? — Jungkook perguntou, olhando para mim e o restante dos amigos. Sua intenção era que a pergunta saísse despreocupada, mas reparei na pontinha de raiva que escapou.
— Calma aí, é muito tranquilo. Ou vai à montanha-russa ou ela paga as bebidas de hoje à noite!
Quando até Sophie riu, eu sabia que estava ferrada.
Olhei zangada para Yugyeom. Ele era bom naquilo; sabia mesmo conquistar as pessoas. Eunwoo pareceu adorar a ideia, colocando as mãos nos meus ombros e Jungkook apenas coçou a cabeça antes de voltar a conversar com a garota.
— Ah, qual é… — gemi, buscando ajuda. Cheguei a realmente pensar quanto exatamente eu tinha no banco pra chapar toda aquela gente, mas não cheguei nem perto de terminar essa conta.
— Que isso, , se anima! Vai ser legal! Mas vai ser legal também beber às suas custas, então você que decide… — disse Eunwoo, rindo logo em seguida.
Outro que sabia muito bem usar as artimanhas de Yugyeom. Eu queria não ser a única imune àquela tática.
Se eu fosse esperar que alguém dissesse algo contra, eu certamente me frustraria.
Vi Sophie juntar as duas mãos na minha frente e sussurrar: por favor. Só desta vez.
Revirei os olhos e me preparei para responder.
— Eu vou com ela — respondeu Jaehyun.
Olhei pra ele com esperança. Ele não parecia estar brincando.
— Ótimo, então vamos lá! Nada como uma boa dose de adrenalina natural — Mingyu gritou, enquanto pegava na mão de Sophie, puxando-a para o restante dos amigos que só voltavam agora com pencas de ingressos nas mãos. Jungkook caminhou em minha direção com certo nervosismo, mas Yugyeom foi mais rápido ao passar um braço por seus ombros e puxá-lo para a frente, murmurando algo enquanto ele dava um ligeiro olhar para Jaehyun — aquele mesmo olhar esquisito do barco — e saiu novamente.
Esse comportamento dele tinha algum prazo de validade?
De qualquer maneira, olhei pra Jaehyun. Ele já estava olhando pra mim. Soltei um sorrisinho fraco, tentando esconder meu nervosismo, mesmo que sentisse que com ele eu não precisava realmente fazer isso.
— Fica tranquila — disse ele. — Só fecha os olhos e se imagine em outro lugar.
— Vou me imaginar comendo um hambúrguer no McDonald’s em Yongsan-gu — respondi, mas pensei melhor. — Se bem que comida não seria um pensamento muito correto…
Ele gargalhou e começamos a andar atrás dos outros. Um cara alto, que eu não me lembrava o nome, dizia algo sobre comprar bolinhos de peixe, mas ninguém pareceu interessado em colocar alguma coisa na barriga antes da experiência alucinante.
O brinquedo cheirava a gasolina e ferro, mas parecia estar em boas condições. As curvas horrendas que se cruzavam umas com as outras acima da minha cabeça fizeram a cor fugir do meu rosto. Quando falei, minha voz era fraca, porém ácida:
— Espero que Yugyeom sente na frente — murmurei, preparando-me para subir. — Se der alguma coisa errada, ele que sofra as consequências.
Jaehyun riu mais uma vez, e desta vez me deixei levar. A pior coisa que poderia acontecer era que eu caísse no choro lá em cima, mas antes de me antecipar, eu poderia desfrutar da minha própria desgraça.
Sophie me mandou um beijo no ar antes de se acomodar ao lado de Mingyu. Jungkook olhou pra mim e engoliu em seco antes de ser puxado por Eunwoo e respirei fundo. Queria acreditar que o plano inicial dele era de ir comigo ou dizer alguma coisa pra pontuar que a ideia de Yugyeom era péssima, mas nada feito. Aceitei meu destino e senti a palma da mão de Jaehyun nas minhas costas, me conduzindo pra dentro daquele pesadelo.
Aquilo me acalmou. Eu estava feliz por ir com ele, afinal.
Nos sentamos no banco duplo e ele me ajudou com os cintos e apetrechos, verificando umas três vezes se eu estava bem presa. O espaço ali atrás era pequeno e apertado, o que me levou a pensar que talvez nem tivéssemos mais idade pra coisas como essas, mas ninguém parecia se importar com isso. Os joelhos de Jaehyun se achatavam contra a traseira do banco vizinho, e decidi olhar pra eles como um jogo mental contra o pânico; ter um ponto fixo pra não soltar tudo pra fora de imediato.
Ele me encarou contente e eu realmente tentei pensar em outras coisas. Mapas amassados, folhas impressas do escritório, o diário que eu sempre quis ter, lanternas, varas de pescar, os joelhos de Jung Jaehyun…
O brinquedo deu um tranco, anunciando a partida, me tirando do meio da bagunça da minha mente. Fechei os olhos com força e não me importei se já estava sendo observada pelos outros e com certeza sendo alvo da gravação de Yugyeom. Instantaneamente, lembrei de um momento feliz e lento, como eu e Jungkook pedindo pizza no meu apartamento, apesar de que pizza não era a melhor coisa a se pensar agora, e de qualquer forma a lembrança se dissipou junto às outras assim que o brinquedo começou a se mexer.
Durante todo o percurso, parecia que tinham batido meu cérebro no liquidificador e jogado nas profundezas do Tártaro. Devo ter gritado uma ou duas vezes (ou mais), mas eu não me ouvia. Os gritos vinham de todos os lados, e se aquela risada alta que me lembrei de captar com meus ouvidos totalmente atentos fosse de Yugyeom, eu jurava que pularia em seu pescoço assim que recuperasse meus sentidos lá embaixo.
Tentei abrir os olhos alguma hora para que eu desse pelo menos uma imagem para o pavor, mas a vertigem me tomou de tal forma que um berro saiu pela minha garganta assim que o compartimento se preparava para uma descida rasante. Levei uma das mãos ao rosto, porque a outra foi segurada bruscamente, o que me deixou aliviada por me lembrar que não estava sozinha.
A atmosfera não era nada mágica. Na primeira curva, o medo foi tão grande que cravei as unhas na camiseta de Jaehyun e afundei o rosto em algum lugar perto dele, temendo que o maior pesadelo de um acrofóbico se tornasse real: a coisa toda de metal despencar e eu sair voando há centenas de metros do chão.
Possivelmente o peito de Jaehyun não era o melhor lugar pra acalmar minha angústia, mas era a coisa mais sólida em que eu poderia pensar até que tudo acabasse. E, por algum raio de motivo maluco e confuso, ao chegar mais perto dele, senti seu cheiro quase que completamente e uma fagulha se acendeu no meu cérebro e me levou de volta pra noite passada, onde eu abracei Jungkook e senti o mesmo cheiro…
Era um pensamento bom pra fixar a mente no momento. Não que eu esperasse relacionar as duas pessoas por aquele motivo — todas as fontes me diziam que os 5 amigos presentes naquela viagem compartilhavam bastante coisa além da idade, então pensar em um perfume igual fazia bastante sentido.
Eu só esperava que tudo acabasse logo. E daí acabou.
Quando senti tudo parando de novo, soltei de Jaehyun e engoli em seco, constrangida. Eu tive que pensar em algo pra me distrair e tinha conseguido, mesmo que não estivesse absolutamente certa do que foi aquele algo.
— Desculpa — tentei dizer, entrelaçando os dedos uns nos outros. Ele apenas balançou a cabeça, ainda com o sorriso no rosto e começou a desatar os seus cintos rapidamente para passar pra mim. Tinha alguma coisa naquele sorriso dele que me remeteu de novo àquela comparação maluca do meio da confusão, mas decidi deixar minhas alucinações lá em cima e seguir a vida.
Ainda mais porque notei que ele mordia os lábios na tentativa de segurar o riso.
— Você está rindo — falei.
— Não estou rindo — ele respondeu imediatamente, soltando a última fivela, mexendo os ombros para afastar a vontade de gargalhar.
Eu mesma ri daquela tentativa. Ele era extremamente fofo às vezes.
— Pode rir, vá. — Respirei fundo, me levantando finalmente. Uma tontura me fez segurar discretamente no aro do banco da frente e Jaehyun se levantou imediatamente, pondo uma das mãos em meu ombro.
— Tá tudo bem? Deu tudo certo?
— Claro. Eu e minha conta bancária sobrevivemos. — Dei de ombros, começando a descer de volta para a terra firme.
Encontrei o celular de Yugyeom apontando pro meu rosto logo quando coloquei os pés no chão.
— Afastem-se, usuários da Nike! se aproxima com toda a sua matéria orgânica recheada de café da manhã do Mingyu…
Grunhi, ouvindo as risadas ao redor enquanto corria para acertá-lo com meu chute. Ele e suas pernas odiosamente longas foram mais rápidas, rindo como um idiota enquanto virava o celular pro meu rosto. Sério, tinha alguma coisa muito errada com Kim Yugyeom, e quando eu o pegasse, ele não teria como recorrer a nenhum tipo de proteção.
No fim, eu estava rindo também, porque isso não era bem uma escolha no fim das contas. A partir do momento em que eu estivesse no mesmo ambiente que aqueles garotos, eu estaria rindo de qualquer coisa.
E é claro que não consegui alcançar Yugyeom.

☀️⛱️


Quando a noite caiu, eu já estava em um campo verde, que se estendia em uma ladeira até as árvores.
Mais adiante, existiam umas montanhas muito altas, mais altas do que as que já estávamos, e o mar podia ser visto lá de cima, escuro e impenetrável. Sophie havia dito algo sobre o lugar ser o resort mais caro da Ilha de Jeju, bem no topo do declive, iluminado e privativo.
Mas nem daqui de cima eu consegui me livrar da areia. Não que ela me incomodasse em condições normais. A coisa era que Sophie havia me dado sandálias caras e altamente frágeis, que eu insisti que não deveriam ser usadas na praia, mas ela implorou que fossem usadas e que, com elas, eu saberia sair por cima de qualquer situação. Fala sério. Eu só saberia me portar com aqueles sapatos se andasse sobre uma linha sobrenatural de energia que não me deixaria cair ou, simplesmente, fosse à prova de poeira. É claro que isso não aconteceu.
E por isso eu já estava devidamente descalça.
A brisa do mar corria em meus ouvidos, assim como as conversas no centro do espaço. Ao ar livre, o sentimento de viagem em grupo parecia mais real, palpável. O cheiro de cerveja com soju me lembrava de onde eu estava e a cantoria só servia pra reforçar com quem.
Um grito distante dentro de mim me fez lembrar exatamente de tudo isso. Inclusive dos últimos acontecimentos. E de como eu estava perdida.
A questão era que eu não estava no melhor clima pra uma festa. Toda a minha energia tinha sido gasta no parque de diversões, tanto indo a brinquedos aleatórios, quanto esperando ansiosamente qualquer contato com Jungkook. A diversão tinha acabado e nada tinha acontecido. Sophie me emprestou roupas bonitas para o encontro da noite, junto aos sapatos e os brincos brilhantes, para continuar na mesma. Eu não fazia ideia do que esperar. A magia que eu esperei ser o dia de hoje não estava acontecendo.
Cheguei a me perguntar se tudo não tinha sido realmente coisa da minha cabeça e agora ele estava tão arrependido que não suportava olhar na minha cara.
Não era mais um segredo as doses que eu tinha tomado desde que cheguei. Pareceu mais fácil pra mim sentar e jogar conversa fora com o barman, que cedeu drinks coloridos e fortes enquanto contava sobre a clientela, do que agir como se eu não tivesse um bolo entalado na garganta. Não tinha conseguido relatar nada pra Sophie mais cedo, e duvidava muito que conseguiria agora, no meio da música alta e debaixo de toda aquela luz azul que batia nas flores brancas que ela tinha prendido no meu cabelo.
Por favor, me digam que Jungkook só não quer revelar sua opinião sobre ontem e não que o ontem não existiu de fato. Acho que pensei nisso olhando pra um pedaço de morango que flutuava na vodka.
Antes que meu coração doesse mais pelo sofrimento antecipado, senti a taça pequena escapar de minhas mãos quando Sophie me empurrou uma garrafa de água pela bancada, erguendo as sobrancelhas em seguida.
— Até quando vai ficar parada aqui? Vamos dançar! — Ela se sentou ao meu lado, e estava tão bonita com aquele colar de flores que era difícil explicar. — Não sem antes lotar seu organismo com essa água, é claro.
Revirei os olhos e abri a garrafa, sem qualquer interesse em lutar contra. Sophie bufou e parou atrás de mim, pondo as mãos nos meus ombros e massageando-os de um jeito desengonçado.
— É sério, você precisa me contar o que aconteceu. — Ela abaixou até falar em meu ouvido. — Ele te rejeitou? Foi um babaca? Ele disse alguma coisa…
— Não — interrompi, suspirando, sentindo a batida da música praticamente nos meus pés. Larguei a garrafa e me levantei. — Eu não sei. Ainda não conversamos, se posso dizer isso.
— Vocês tentaram?
— Ainda não. Eu não… — Parei, sem saber o que responder. — Eu vou tentar falar com ele. Hoje.
Sophie assentiu e então Eunwoo se aproximou de nós duas aos tropeços, passando os braços pelos nossos ombros e falando alto o suficiente para que fosse ensurdecedor.
— Ei, vocês não vão dançar, é isso mesmo? Eu e os meninos nos oferecemos pra ensinar as coreografias, suas mal-agradecidas… — disse ele e só consegui rir. No fundo, eu sentia que não havia bebido o suficiente, mas foi o bastante para achar graça em coisas como aquela. Sophie apenas deu de ombros e eu concordei, deixando-me levar pelo nosso amigo bêbado até a pista de dança.
O colar floral de Eunwoo estava torto e, não muito tempo depois, pisoteado no chão. A gola de sua camisa estampada grudava na pele pelo suor e eu ria sem parar com os passos de dança mal executados que ele insistia em fazer na minha frente, mas, por fim, fui conduzida pela alegria dele.
Quando ele de repente me pressionou contra seu corpo em alguma dança que (talvez?) precisasse disso, olhei de relance para o lado até topar com Jungkook, que estava sentado em alguma poltrona enquanto olhava fixamente pra minha dança atrapalhada agora perto de Eunwoo. Meu companheiro cantava trechos da música que eu não conhecia e não percebeu em nenhum momento meu sorriso diminuindo.
A mão de Jungkook estava muito bem fechada em torno da garrafa de vidro da cerveja.
A troca de olhares foi breve. Logo, Sophie disse algo para Eunwoo, que olhou pra trás ao visualizar alguém chamando seu nome, e o que ele disse depois pra mim foi irreconhecível até se afastar e se juntar a Mingyu perto do bar. Bufei, ainda rindo, acompanhando Sophie até uma das mesas e agradeci pelo clima fresco da maresia. Quando me sentei, as sobrancelhas franzidas dela e a cabeça inclinada para o cara na poltrona perguntavam: O que isso significa?, e meus ombros levantados responderam: Eu não sei, me diga você.
Ela revirou os olhos e eu suspirei, olhando para a frente de novo. Topei com Jaehyun, que conversava animadamente — ou tão animado quanto Jung Jaehyun poderia parecer — com dois caras que eu não conhecia, até que ele se virasse para me ver também. Soltei um sorriso automático, que ele retribuiu e imediatamente pareceu encerrar o assunto com os outros e caminhar em minha direção.
Jaehyun pegou uma garrafa de água de uma bolsa térmica — tinham muitas espalhadas pela areia — e então disse:
— Você parece estar precisando de uma dessas.
Sorri como de costume e Sophie pareceu finalmente notar que tínhamos companhia.
— Olha só quem parece animado. Quer fazer uma dupla com esse mulherão enquanto vou dar atenção ao meu namorado? — perguntou Sophie.
— Não precisa perguntar duas vezes — ele respondeu, com um sorriso tímido e ela deu uma piscadela antes de sair saltitante em direção a Mingyu. Jaehyun se sentou na cadeira à minha frente, encostando-se relaxado, e notei como ele ficava bonito debaixo daquelas luzes escuras e a camisa de botões meio aberta no peito.
Jesus Cristo, o que eu estava pensando…
Abri a garrafa de água numa atitude rápida, não fazendo o menor esforço para checar se ela não escaparia das minhas mãos ou cairia por cima da minha roupa.
Assim como Eunwoo, ele usava o mesmo colar fino de flores, apesar de que nas suas em questão faltavam ainda menos ramos do acessório, sobrando apenas a corda branca em volta do pescoço. Ela brilhava em roxo na luz negra.
Eu só esperava não estar parecendo uma pateta completa ao ficar olhando sem parar pra ele.
Eu não sabia como estava minha roupa, ou minha maquiagem, mas de repente me preocupei com esse fato. Afinal, antes de sair, eu estava ligada totalmente no modo desdém da vida.
— ‘Tá se divertindo? — perguntou ele finalmente, com um sorriso fino. Ele sempre dava esses sorrisos por aí?
O dono desse sorriso sempre foi tão bonito assim?
O que eu estava pensando?
— Eu estava, até Eunwoo me colocar nessa de dançar — respondi, tentando me concentrar em outra coisa. — Ele disse que era uma coreografia nova e eu tentei ficar bonitinha e não fazer nada de errado, mas acho que ele vai ter uma surpresa quando tirar os sapatos.
Jaehyun riu com vontade pelo meu comentário, e de repente me incomodava o fato de ele ter visto toda a minha destrambelhação na pista de dança, mas afinal, qual era o sentido disso?
Tentei não pensar no olhar estranho de Jungkook e lembrar que minha liberdade não poderia estar nas mãos de ninguém, mesmo que me soltar demais pudesse ser perigoso até pra mim mesma — todo o lance de cair e essas coisas que ‘Murphys’ entendiam muito bem.
E, de novo, troquei a garrafa de água pela taça.
— Acredito que ele vai entender — disse ele, levantando os ombros. — Hoje à noite você pode fazer o que quiser.
— Não me iluda, Jung Jaehyun. Já tive minha cota de ‘fazer o que quiser’ o bastante ontem à noite.
As palavras saíram de mim como se acionadas por uma mola. Ele me fitou com um olhar incisivo, diminuindo o sorriso, mas não por muito tempo.
— O que aconteceu ontem à noite? — perguntou, a voz repentinamente baixa.
Lutei contra uma terrível vontade de abrir a boca e despejar minhas frustrações e só respondi:
— Não foi nada. — Bebi mais um gole. — Acho que estou me preocupando muito no lugar errado. Você devia dançar também, não? Não te vi na pista de dança hoje.
— Não gosto de misturar trabalho com a vida pessoal, sabe? — ele respondeu e eu dei uma gargalhada, sentindo todo o clima ruim fugir pra longe. — Eu vou se você me acompanhar.
— Ah, não acho que você mereça passar ainda mais vergonha comigo.
— Tá preocupada de eu ter o pé esmagado? — ele perguntou, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Não é como se eu me importasse.
— Então é completamente indiferente aos danos que posso te causar, devo me preocupar com isso? — Cerrei os olhos e ele retribuiu com um sorriso singelo, os olhos penetrando a minha pele, algo muito vivo e delirante que senti até o fundo.
Minha nossa, eu estava bêbada!
— Não é esse tipo de dano…
Antes que ele terminasse, Yugyeom nos surpreendeu com uma aparição repentina e animada, esbarrando na cadeira de Jaehyun aos tropeços.
— Caros amigos, o que estão fazendo aqui parados? Vamos, vamos pra fogueira! — Ele pegou em um dos braços de Jaehyun, puxando-o para cima. — Precisamos acalmar os ânimos. Vamos mostrar nossos talentos, finalmente, Jae…
Juntei as sobrancelhas enquanto ria ao ver Jaehyun ser levado por Yug. Não demorou para que eu visse Sophie acenar pra mim ao longe, avisando para que descêssemos a pequena e estreita escadinha de madeira até a beira da praia de fato, onde a fogueira já estava enorme e com espaços devidamente delimitados ao seu redor.
Vi alguém passar com um violão e a música dar uma abaixada brusca. Imaginei imediatamente o que eles planejavam fazer.
— É isso mesmo que eu estou pensando? — perguntei para Sophie, ao alcançá-la na base da escada. A areia ainda estava quente pelo resquício do sol de mais cedo.
Ela suspirou e sorriu animada.
— Não sei o que você está pensando, mas acho que é.
Revirei os olhos e caminhei com ela até o entorno da fogueira, sentando-me ao seu lado em um tronco muito bem polido e que tirava toda a imagem “selvagem” do ato. Olhei em volta e vi que todos se acomodavam com risadas e mais bebidas, inclusive Jungkook, que se sentou bem de frente a mim do outro lado e parecia ter o riso solto enquanto conversava com Jaehyun. Ele não parecia muito interessado em devolver a minha encarada, mas isso já estava sendo sua marca registrada dessa viagem. Era impossível que eu calculasse quão profundo era o seu desinteresse.
E onde tudo havia começado.
O violão agora estava na mão de Jaehyun, que apoiou o instrumento em cima da calça jeans enquanto tentava algumas notas e murmurava com Jungkook. Respirei fundo, sentindo o peito ser arruinado pelo aperto que senti, aceitando a lata de cerveja antes mesmo que chegasse a mim.
— Não sabia que tocava essa coisa, Jae — disse um dos caras aleatórios, completamente chapado e grogue. — Maneiro.
Jaehyun deu apenas um sorriso de canto e soltou um som ínfimo do violão.
Ele e Jungkook discutiram mais um pouco em voz baixa. Eu já tinha entendido o teor da apresentação. Jungkook cantaria e eu com certeza seria descuidada e o olharia daquele jeito escrachado — aquele de “estou completamente apaixonada por você, socorro?” — e isso poderia gerar algum clima estranho, por mais descontraído que fosse. Essas coisas geralmente aconteciam comigo: me dar conta das consequências dos meus atos só quando fosse tarde demais.
— E então, JK, o que vai ser? — Outra voz surgiu ao redor da fogueira. Jungkook riu e coçou a parte de trás da cabeça.
— Eu estava tentando criar uma coisa esses dias, mas não sei se está tão bom assim. O Jae me deu uma mãozinha, mas ainda não sei o que quer dizer. — Ele repuxou os lábios e seu olhar correu até mim, desviando-se no mesmo minuto. Ele gesticulou na direção do violão. — Vamos nessa.
Jaehyun se virou para contemplar a fogueira e deslizou os dedos pelas cordas. Jungkook começou a cantar, no belo tom gostoso que era a sua voz, e que eu sempre admirava. O silêncio era absoluto no começo, até as palmas começarem e os sorrisos pintarem os rostos de todos. Eu estava imóvel, com os olhos totalmente focados nele, mas absorvendo suas palavras como se falassem diretamente comigo:

“I'll give you whatever I can
But honestly, there's not a lot where I stand
Nobody knows where we'll go
But I've got a hunch that it feels like home, mm
And nobody knows you like
I do, ooh, ooh”


Uma pausa. Jungkook estalou um dedo lentamente e olhou para mim.

“So take me down to earth
I'll listen to everything you say
If nothing else gets you through, gets you through
Then darling I'll cry with you, cry with you”


Ele cantava e as palavras pareciam dançar na minha frente, muito vivas. Era lenta e tinha muitas partes cortadas por um “nanana” de quem esquecia a própria letra, o que mostrava seu status de não finalizada, mas ainda assim tinha certo impacto. Seus olhos vagavam para o fogo e para mim, mesmo que fosse imperceptível, e eu calava todas as vozes da minha mente que tentavam me dizer que eu estava vendo coisas.
Sabia que devia estar gravando esse momento, mas tinha certeza de que ele ficaria eternizado no meu coração.

“And even though you hurt
I'm always a phone call away
As long as I'm here with you, here with you
Then darling I'll cry with you, cry with you”

(Trechos da música Cry With You, do Jeremy Zucker)


Ele estalou os dedos mais algumas vezes e parou. A uma distância, as vozes femininas gritaram. Uma garota se aproximou e se sentou ao seu lado. Ele me encarou por mais tempo e então virou-se para as vozes ao lado. Engoli em seco, balançando a cabeça e voltando ao mundo real. Isso era tudo?
O que isso queria dizer?
Quando ergui os olhos de novo, encontrei os de Jaehyun totalmente fixados em mim, daquele mesmo jeito de quando o encontrei ao pé da escada. Ou de quando se sentou na minha frente mais cedo. Como se dissesse alguma coisa que eu não entendesse.
Sophie disparou um olhar desconfiado para mim, e eu sabia o que ela perguntaria. Alguma coisa estava escondida sob toda aquela comoção, mas nem eu mesma sabia explicar o que era. Apenas balancei a cabeça e espalmei o ar como quem não quer falar sobre isso. E não queria mesmo.
Ela murmurou alguma coisa, mas apenas dei um sorriso fraco e me levantei, ignorando todas as perguntas e respostas que ela desejava. Não queria exibir minha cara fechada no meio de todo mundo, e talvez mais um drink colorido seria o bastante pra me fazer pensar em outra coisa que não fossem as minhas dúvidas e a pessoa que era fonte delas, então caminhei rapidamente até a mesa pequena de madeira prostrada na areia, enquanto a multidão começava com as conversas altas e o violão voltava a soar novamente.
E então, depois de um tempo que não soube identificar quanto exatamente, a voz surgiu pelas minhas costas, desencarnada e um tanto fraca:
— Posso falar com você?
Lancei meu olhar rápido para trás, vendo Jungkook parado enquanto respirava devagar pela boca entreaberta, tirando e colocando as mãos nos bolsos de forma repetitiva, como se estivesse nervoso.
Jungkook jamais ficava nervoso do meu lado. Seu hábito era mais para o lado de rir o tempo inteiro de mim.
Parei de ponderar sobre as coisas e finalmente disse:
— É claro.
Ele assentiu e inclinou a cabeça para além das escadas da onde estávamos antes, em um espaço igualmente aberto, e mais alto. Eu tentava desesperadamente não pensar em nada, não adiantar nada, não fazer absolutamente nada até que ele começasse a falar. Talvez eu não conseguisse soltar a respiração até lá, mas disso eu já não tinha muito controle mesmo.
— Ô esperta, o seu copo tá rachado — ele disse de repente quando paramos, tirando o copo de plástico da minha mão, que pingava a bebida pelo meu joelho e vestido.
— Droga… — grunhi, pensando imediatamente em Sophie e sua reação indignada quando visse o meio estrago, mas já estava feito. É claro que alguma coisa iria acontecer. — Eu não reparei e Sophie vai me matar por isso, eu acho que… — parei e mordi o lábio inferior. — Esquece. Então, o que queria dizer?
Gelei. Era agora. Tinha que ser.
Ele olhou pra mim de forma profunda e confusa. Enfiou as mãos nos bolsos novamente, tentando pensar nas próximas palavras.
— Você… Ouviu a música que eu cantei lá embaixo?
Engoli em seco.
— Claro. Ela é linda.
— Não vai me perguntar o que estava acontecendo quando escrevi ela?
Não perguntei. Apenas continuei olhando pra Jungkook, o que era a mesma coisa.
— Não estava acontecendo nada. É isso. Eu só estava voltando pra casa depois de ter passado uma madrugada inteira assistindo uma maratona de Star Trek com você e as coisas simplesmente… Vieram. Claro, com uma dose de drama porque preciso vender essa música.
Ele soltou uma risada nasalada e eu não sabia se estava conseguindo captar as coisas direito. Mal sabia se estava com a postura certa; a voz dele parecia passar por mim através de uma linha e isso explodiria no final como uma dinamite.
Ele percebeu meu silêncio e trocou o peso de uma perna a outra.
— O negócio, … — continuou ele. — É que eu sou um idiota. Pelo menos a respeito da noite de ontem. Preciso me desculpar com você por todo aquele comportamento, e hoje também…
Uma espécie de impulso extracorpóreo tomou conta de mim e, de uma forma imprevisível, dei um passo à frente e colei meus lábios no dele. Meu corpo agiu antes da minha mente.
O corpo dele carecia de movimentos. Uma sensação estranha me tomou; não foi o fato de ele não parecer estar retribuindo. O esquisito em tudo isso foi o não reconhecimento; de sentir que estava beijando aquela boca pela primeira vez.
Ele me afastou em um movimento rápido, me olhando com repreensão e surpresa. Me convenci a ficar quieta, não sabendo como agir imediatamente.
… — ele arfou. — ‘Tá doida? O que foi isso?
Olhei confusa.
— Não queria que eu fizesse isso?
— Do que está falando? Isso foi… — Ele deu um passo pra trás, a expressão claramente assustada, atônita.
— A música, eu pensei que… Ontem à noite, nós… — Gesticulei, nervosa, a língua embolando mais que o normal.
— Foi só uma música, não é nada disso que você ‘tá pensando. E o resto, eu não… Minha nossa, eu não ‘tô entendendo. Você… Ah. — ele bufou e balançou a cabeça, dando as costas e desaparecendo pela direção que viemos.
Fiquei parada, imóvel, me perguntando o que diabos tinha acabado de acontecer.


03 – Reflexão

's POV

🎧 Dá o play:

Robbery – Juice WRLD


Sentir o mundo desabar não era nada legal.
Causava uma série de sensações anestésicas, mas não no sentido bom. Era literalmente como se alguém tivesse me dado um soco no estômago, e outro na costela, e mais alguns espalhados pelo rosto. Tudo que era necessário para te deixar completamente desnorteada ao fim do dia e não te fazer lembrar nem em que momento você foi parar na cama.
Mas no meu caso, infelizmente, eu me lembrava de tudo.
E o motivo de eu estar esparramada naquela cama imensa, com todos os músculos sedados e a cabeça em pane era porque tinha beijado Jeon Jungkook. E ele não se lembrava disso.
A humilhação com certeza era um ponto de chegada inevitável pra mim. Maldita condição Murphy de ser!
Ser encarada daquele jeito quando repeti a dose não foi nada bacana, ainda mais vindo dele. Eu juro, eu não era louca, e tinha plena certeza de que ele sabia disso, mas aqueles olhos de repente não tinham certeza de mais nada. E eu muito menos.
A ideia de tudo ter sido uma grande alucinação da minha cabeça me invadiu novamente de forma nada educada. A festa tinha acabado há muito tempo, os quartos estavam devidamente ocupados com seus integrantes e era certo que eu era a única pessoa ainda de olhos abertos às 5 da manhã, repassando toda a noite anterior. E a anterior a essa também.
Aquele não estava sendo exatamente meu feriado dos sonhos.
Quando senti o sol no rosto, ele veio acompanhado da voz de Sophie e suas mãos sacudindo meus ombros até que eu abrisse os olhos pelo susto.
— Ai! Sophie! — gemi, virando o rosto para o outro lado, escondendo meu rosto da luz forte — Eu ainda ‘tô dormindo!
— Bem, isso eu sei — ela grunhiu, e ouvi o barulho das cortinas sendo ainda mais afastadas — Mas você já está atrasada e ainda não me contou nada. Vamos sair daqui a pouco.
— Podem me esquecer aqui e… Espera — desenterrei a cabeça do travesseiro, sentando-me num jato para observá-la — O que você disse?
— Que você teve uma aventura romântica em algum trecho desse paraíso e não me contou nada ainda?
— Não, não. A outra parte.
— Que vamos sair daqui a pouco? — ela franziu o cenho, confusa. Fiz uma careta de desespero.
— Por quê?! — voltei a me afundar nas cobertas, visualizando mais um dia terrível em 3D — Por que precisamos sair hoje?
— Qual é o seu problema? — Sophie puxou as cobertas e vasculhou meu rosto de cima a baixo, com aquele mesmo olhar que eu já começava a sentir aversão: como se eu estivesse a um passo de ficar maluca de vez — Você recebeu o itinerário há semanas, hoje vamos naquela praia Hyeopjae, com aquela água linda e transparente que até parece de mentira. Pensa só nas fotos que vamos tirar! — ela disse animada enquanto eu me sentava de novo, com a cara ainda mais fechada e apavorada que antes. Vendo que eu não estava retribuindo seu entusiasmo, Sophie suspirou e se sentou ao meu lado — Qual é o drama dessa vez? São seus biquínis bregas ou a preocupação de escorregar e cair em cima de alguém de novo, igual no barco? Se for isso, não se preocupe, eu tenho uma coleção imensa que comprei em uma liquidação daquela loja em Itaewon que respeita a boa vontade de estrangeiras que querem mostrar mais do que só o…
— Eu beijei o Jungkook.
Minha voz saiu anormalmente infantil e delicada, tão baixa e suave que Sophie precisou segurar a respiração para me ouvir e absorver a informação.
— O que você disse? — ela arqueou as sobrancelhas, e percebi como Sophie devia estar claramente pensando que eu ainda estava dormindo.
— Disse que beijei um garoto — desviei os olhos, sentindo meus dentes cerrarem, a lembrança da noite anterior me dando mais um dos socos violentos que me deu a noite toda. Sem perceber, eu estava me levantando, iniciando o vai-e-vem frenético dos meus pés no piso.
— Não, não, você disse que beijou o Jungkook — Sophie também se levantou, parando na minha frente com os olhos alarmados — E ele é claramente um garoto, mas que se dane, o que quero dizer é: como assim você beijou o Jungkook e não me contou?
— Eu tentei te contar. Mas não ficamos sozinhas depois do parque, e durante a festa seria impossível, e ele não estava me olhando direito, estava levando uma eternidade para que um dos dois fizesse alguma coisa, e ontem ele… Ele…
— Espera, você o beijou ontem na praia? Depois daquela música linda que ele claramente fez pra você?
Argh! — Grunhi, me afastando para as janelas, como se o ar inteiro daquela casa me sufocasse de repente. Se eu tivesse um desejo, gostaria de uma máquina de teletransporte. Sendo menos ambiciosa, um buraco no chão já estava de bom tamanho. Mas se tivesse alguma dessas coisas aqui, eu já teria encontrado faz tempo e não estaria querendo morrer só de contar a história pra Sophie — Não foi nada disso que aconteceu. Ele me beijou no primeiro dia quando eu invadi o quarto dele pra fazer a confissão, e ontem eu mesma o beijei quando ele me chamou… E então, ele simplesmente não sabia do que eu estava falando, o que eu estava fazendo, foi horrível, Sophie!
— Como é? — ela arfou, puxando meus ombros para ela de novo — Aquele moleque tratou você mal?
— Não foi exatamente isso, Sophie — bufei, largando suas mãos — Pareceu realmente que nenhum beijo aconteceu entre a gente, nunca. Ele ficou totalmente chocado, e eu não entendi nada… Até agora não estou.
— Sophie! ! — Mingyu vociferou do lado de fora, com intensas batidas na porta. Aquele cara tinha que se lembrar do tamanho daquelas mãos, ou colocaria a casa inteira abaixo — Já estão prontas? O pessoal ‘tá descendo!
— Estamos no meio de algo importante, Kim Mingyu! Dá pra você descer também?! — o berro de Sophie foi como um tsunami dentro dos meus ouvidos. Ela poderia limpar móveis empoeirados com aquela voz.
Um segundo de silêncio se passou até que ele respondesse do outro lado:
— Credo, não precisa gritar! — disse, gritando. Depois, os passos pesados no corredor se afastaram. Ele também precisava lembrar do tamanho dos pés.
Sophie revirou os olhos e voltou para mim.
— O que você acha que eu devo fazer? — perguntei em outro gemido. Eu parecia prestes a chorar igual uma criança. Ou ficar eternamente naquelas lamúrias, o que era tão humilhante quanto.
— Primeiro precisa tirar essa cara de derrotada e vestir o que eu trouxe pra você. Acredite, vou ter que vendar os olhos do Mingyu porque vai ser um colapso geral — ela andou até a cama, pegando um pacote transparente que não reparei que estava ali e jogando-o pra mim — Depois você vai respirar e tentar esquecer essa história pelo menos nessa parte da manhã. Você e Jungkook precisam conversar porque tudo isso ‘tá muito mal contado e preciso ter certeza dos fatos antes de chutar aquelas bolas, mas isso não vai ser agora, me entendeu? Vista essa roupa e me deixa dar um jeito nesse cabelo e pronto, o mundo vai entrar nos eixos.
Assenti, cabisbaixa, e caminhei até o banheiro, suspirando como um cachorro abandonado. Quando me preparei para fechar a porta, uma lâmpada de epifania se acendeu em minha cabeça, e me virei de volta para o quarto rapidamente.
— Ele me beijou depois da confraternização no jardim no primeiro dia — falei, e Sophie franziu as sobrancelhas como em um grande “e daí?” — Ele estava bêbado quando subiu, tipo muito bêbado, eu também estava, mas tenho certeza do que aconteceu, certeza absoluta, tanto que acordei na cama dele. Mas e se ele não se lembra disso?
— Você acorda frequentemente na cama dele em dias normais? — ela arqueou uma sobrancelha, sem qualquer mudança de expressão depois da minha teoria.
— Ah… Não, claro que não. Mas ele pode ter se esquecido do beijo, acordado e me visto ali e ficado totalmente confuso, e por isso…
— Sinto muito, , mas não existe a menor possibilidade desse garoto não estar pagando de maluco. E já disse pra não pensar nisso agora! Agora vai se trocar antes que Mingyu venha gritar de novo e eu precise gritar de volta.
Resmunguei uma afirmação, arruinada, voltando a entrar no banheiro e fechar a porta.

☀️⛱️


Corri os dedos sobre as diferentes texturas do biquíni e tive certeza que Sophie mentiu descaradamente sobre a liquidação. Porque aquilo não poderia ter sido comprado por menos de 50.000 wones e isso me deixava pior ainda, porque eu claramente não estava com um pingo de auto estima para usá-lo.
Mesmo assim, deixei que ela surtasse e tentasse alimentar o meu ego com os elogios e encorajamento que eu sabia serem sinceros, mesmo que meu sorriso mal saísse.
Quando fiquei definitivamente pronta, percebi que Sophie estava certa; não adiantaria em absolutamente nada ficar repassando dezenas e dezenas de vezes a cena tenebrosa com Jungkook, mesmo que a ansiedade corroesse meu estômago só de pensar em descer e encará-lo de novo. Só me restava levantar a cabeça, sorrir alegremente e curtir o dia como se minha dignidade não estivesse afundando em um pântano de areia movediça — bem, com aquele biquíni, pelo menos ela afundaria com muito estilo — e esperar pelo momento em que eu e Jungkook conversaríamos e as coisas seriam esclarecidas. Se o erro foi meu em beijá-lo pela segunda vez — mesmo diante de toda a minha ilusão de que ele claramente queria aquilo depois do jeito que me agarrou naquela primeira vez —, eu me apressaria em simplesmente me desculpar e tentar reaver a nossa amizade, em vez de sair correndo e tirar todos os recortes e colagens que eu tinha dele escondidos no meu diário.
No momento em que chegamos ao pé das escadas, uma base sólida de alguma coisa muito grande e muito pesada passou acima da minha cabeça, e por pouco não me pegou desprevenida e me fez afundar a cara no chão. Sério, seria ótimo, o início de um verdadeiro dia incrível.
— Presta atenção, Yugyeom! — Ouvi o grito de Eunwoo surgindo por trás de minhas costas enquanto eu andava para fora com o dobro de atenção.
— Não acredito que eles vão mesmo fazer isso — agora Sophie suspirava enquanto observávamos algo que até eu, com meu histórico de Murphy e meu pouco conhecimento em experiências alucinantes sabiam que seria um desastre.
Eu não sei da onde tinha surgido aquele Jeep, mas era nele que os garotos empilhavam, um a um, pranchas enormes e perigosas, acompanhadas de coolers e um guarda-sol. Eunwoo passou correndo ao meu lado, vestido com uma roupa colada de neoprene pra mergulho, pousando a última das quatro pranchas no topo. Olhei para Sophie, com mais um daqueles olhares que diziam “isso é sério mesmo?” e ela apenas balançava a cabeça que sim, era exatamente aquilo mesmo.
— Até que enfim desceram! Estamos saindo! — Mingyu falou enquanto se aproximava com uma grande superfície de metal, e mais um fardo de cerveja na outra mão. — , você vai com o JK ou…
— Eu vou com vocês! — Interrompi depressa, virando a cabeça logo em seguida para ver se mais alguém tinha escutado. Infelizmente, pesquei um olhar de esguelha de Jungkook, que virou o rosto na mesma hora e voltou a se concentrar nas caixas de isopor — Não é, Sophie? — busquei ajuda, erguendo a sobrancelha para ela.
— Claro, ela vai com a gente — Sophie confirmou, não me deixando na mão dessa vez. Eu não esqueceria da sua traição da montanha russa.
Mingyu pareceu parar por uns instantes em mim, como se percebesse que alguma coisa estranha estava acontecendo, o que era péssimo porque ele tinha a fama de ser língua solta — e sabia demais dos meus segredos — mas no fim, não disse nada e só jogou a chave na mão de Sophie.
— Tudo bem, podem ir entrando, só vou enfiar essas coisas no porta malas. — ele andou na frente, até que virou o rosto em perfil e balançou a cabeça — Belo biquíni, . Minha garota sabe o que faz. — Piscou para Sophie, andando até o Jeep.
Sophie bateu com o ombro no meu, animada, e caminhamos até a Land Rover, que estava parada no meio do caos dos garotos que falavam ao mesmo tempo sobre a altitude das ondas, força do vento e onde comprar mais cerveja. Um momento de puro constrangimento aconteceu quando Eunwoo, agora menos elétrico, virava em nossa direção e soltava um assovio que bagunçou meus ouvidos pela segunda vez no dia.
— Uau, , a maresia realmente levou toda a sua timidez embora.
Cerrei os olhos pra ele. É claro que com aquele trombone no lugar da boca, Eunwoo chamaria a atenção de todo mundo pra um único foco: eu e minhas bochechas vermelhas, combinando perfeitamente com o biquíni rosa e a saia branca. E estaria tudo bem, se aquela parte de cima não fizesse meus peitos parecerem muito maiores do que eram.
Os olhares eram intrigantes, mas desnecessários; qual é, era eu! A garotinha que faltava pouco pra ser considerada como mascote da 97 line, e agora até Kim Yugyeom levantava o rosto do celular para me encarar como se nunca tivesse me visto.
— Fala sério… — murmurei pra mim mesma, abrindo a porta de trás imediatamente e me acomodando, escorregando para baixo o máximo que pude. Quem quer que tivesse produzido esse biquíni, devia amar a caçada romântica de homens e mulheres, o processo de sedução e todas essas coisas que a Vogue ensinava na página 15. As propriedades estéticas daquilo não podiam ser acidentais; era uma obra de arte para acabar em um motel.
Coloquei meus óculos escuros e pensei o quão desagradável seria se eu apenas voltasse pra dentro da casa. Mas bem, olhando para Jungkook rindo com Jaehyun enquanto os dois conferiam algumas bolsas no porta malas da Mercedes, eu realmente não tinha motivos para fazer aquilo. Se ele estava aqui, era porque se sentia confortável o suficiente para isso e que as coisas que aconteceram ontem — ou anteontem, vai saber, agora eu duvidava da minha própria sanidade — não tinham o peso que estavam tendo para mim. Portanto, eu poderia curtir um dia à deriva de sol forte e água salgada sem me preocupar com essas coisas.
Isso é o que uma mulher empoderada diria, tenho certeza. Eu só precisava descobrir onde essa mulher estava dentro desse biquíni escandaloso.
Meus ombros desabaram quando vi a cabeça de Jaehyun virar para o lado e cruzar o olhar comigo. Instintivamente, abri um sorriso e acenei com uma das mãos. Ele também sorriu e me cumprimentou do mesmo jeito. Era uma atitude incansavelmente apropriada, que eu esperaria de qualquer um: retribuir um aceno. Mas o sorriso de Jaehyun era tão genuíno e ele passava uma aura tão tranquila e feliz que me trouxe um certo tipo de paz. Ou um sentimento muito bom de que, independente de todas as armadilhas escondidas e muito bem posicionadas que esperavam por mim naquela imensidão de areia, eu ainda poderia ter um dia legal.
E é claro que, passado esse torpor de esperança, cruzei com o olhar de Jungkook logo ao lado, que me encarava sem expressão alguma, mas com um atributo parecido com o meu: desconforto. Limpei a garganta e não consegui devolver o olhar. Alguma coisa me dizia que eu me decepcionaria ainda mais se ficasse olhando.

☀️⛱️


O vento estava exatamente como os garotos disseram: perfeito para carregar um elefante. Mal terminamos de estacionar e a afobação em pegar as pranchas e vestir as roupas de neoprene foram maiores do que a organização inicial dos outros objetos importantes, como a churrasqueira e a tenda. Essa era a graça de se misturar com garotos: eles sempre agiam como garotos.
O único a ficar para trás foi Jaehyun, que se mostrou muito pró-ativo em fincar os pés de alumínio na areia, montar a churrasqueira e organizar o gelo dentro do cooler, que seria a primeira coisa a ser aberta assim que eles voltassem. Depois de poucos minutos, outros carros começaram a se achegar perto dos nossos, e não demorei a reconhecer as mesmas pessoas do parque, agora andando em nossa direção com ainda mais cerveja, pranchas e comida.
Em pouco tempo, uma tenda se transformou em duas e agora o dia tranquilo na praia pareceu ter se transformado em mais uma “comunhão” que acontecia com frequência desde que pisei nessa cidade, e que frequentemente terminavam em som alto e muitos gritos que se assemelhavam a uma festa. Pude ver Sophie embalar uma conversa com uma garota de cabelos azuis enquanto a bebida começava a ir embora, ao mesmo tempo em que eu tentava subir em um cooler vazio para amarrar a última parte do toldo de proteção.
Estava realmente ventando muito, e o sol forte dificultava minha visão mesmo com os óculos escuros, o que me levou a pensar tardiamente que eu provavelmente não deveria estar fazendo o que estava fazendo.
Dito e feito: quando me preparei para dar mais uma volta na linha grossa, o cooler balançou de forma estrondosa, como se um par de placas tectônicas decidisse se mexer bem embaixo de mim — e de mim — e me desequilibrei para o lado, indo de encontro à areia branca e quente. Mas o impacto não chegou. Em vez disso, voltei ao eixo com a ajuda de braços firmes em minha cintura, que me puxaram direto para o chão.
— Deixa que eu resolvo isso — Jaehyun subiu no cooler em meu lugar, esticando e amarrando as cordas de um jeito rápido e eficiente. Muito rápido e muito eficiente.
Em um piscar de olhos, ele já estava descendo e eu sabia que devia estar com a maior cara de tacho enquanto o encarava desconcertada. Sério, não tinha outro jeito de olhar.
— Acho bom você descobrir se quer mesmo ser idol, sabia? — consegui falar depois de um tempo abrindo e fechando a boca algumas vezes.
Ele riu e, puxa, eu não estava esperando ver aquele tipo de sorriso logo pela manhã, ou não esperava achá-lo tão bonito daquele jeito estando totalmente sóbria. Mas qual era o meu problema?
— Você não vai querer saber o que eu queria ser antes dos palcos — ele disse com confiança e, se eu me permitisse pensar demais, com mistério. Franzi os lábios, tratando como uma brincadeira pra não ver minha curiosidade falar mais alto e eu cair naquele papo que claramente era fantasioso — Vem, vou buscar uma bebida pra você.
Assenti, seguindo-o até a mesa mais próxima, onde ele puxou duas cervejas de dentro de outra bolsa térmica em cima dela, passando uma pra mim.
— Tem algum motivo pra você não ter entrado nessa com os outros? — perguntei e tomei um gole, inclinando a cabeça direto para o mar, onde os garotos se encontravam em um looping infinito de ficar de pé sob a prancha por seis segundos antes de serem derrubados pelas ondas como copos de plástico.
Jaehyun encarou a cena e abriu mais um sorriso de canto.
— Na verdade…
Aish! — um grito veio de longe e de perto ao mesmo tempo. Virei a cabeça para o lado até encontrar um Eunwoo lutando contra as ondas pequenas até chegar na areia, chutando a prancha com um olhar raivoso e cansado, pegando-a logo em seguida e fincando uma de suas extremidades na areia perto da tenda. Sua cara não estava nada boa — De quem foi essa ideia ridícula de surfar? Olha pra mim! Eu sou bonito demais pra isso.
Segurei uma risada enquanto Eunwoo se aproximava, indo direto para a bolsa térmica.
— Não sabia que você desistia tão fácil assim, Eunwoo — comentei. Ele cerrou os olhos em minha direção, puxando uma garrafa.
— Pois então, acontece que eu desisto! Não sou igual ao JK que ‘tá disposto a levar um zilhão de caldos pra provar que pode ser tão bom quanto esse paspalho — ele gesticulou na direção de Jaehyun. Franzi o cenho, confusa, e olhei para o cara ao meu lado. Ele deu de ombros e suspirou.
— Como eu ia dizendo… — Jaehyun largou a cerveja quase intocada na mesa — Eu só estava esperando uma prancha vagar.
E então, falando isso, ele simplesmente arrancou a camisa. Melhor dizendo, ele arrancou a camisa bem na minha frente, daquele jeito natural e despojado que o tornava ainda mais bonito, com uma pequena correntinha saindo à mostra e o peito recheado de pintinhas espalhadas em trechos estratégicos, da barriga ao pescoço, como se fossem um caminho a seguir e chegar ao paraíso que era…
Deus do céu, o que eu estava fazendo? Alguém precisava urgentemente arrancar os meus olhos antes que mais um minuto se passasse e eles continuassem cravados naquele corpo que eu nunca tive ideia de ser tão atrativo.
Pelo menos ele pareceu não perceber nada. Simplesmente passou por mim, deu um tapinha no ombro de Eunwoo e falou em voz baixa, só pra ele:
— Termina a minha cerveja, ela ainda ‘tá gelada.
Aquilo fez com que Eunwoo fizesse uma careta de desgosto enquanto via Jaehyun pegar a prancha enterrada e correr em direção ao mar, como a cena clichê de algum filme de comédia romântica. Passado o torpor da visão daquele abdômen perfeito, eu não fazia ideia de como aquela tábua reta e escorregadia poderia ser conduzida em cima de toda aquela água atribulada. Eu já achava perigoso demais pilotar motos ao longo de estradas perfeitamente lisas e quietas.
— Mas o que é isso que eu estou vendo? — Sophie se aproximou de nós, olhando para o mar, onde Jaehyun acabava de deitar de bruços sobre o plano da prancha, remando com as mãos para se aproximar do fundo.
— Acho que ele vai fazer companhia para os meninos — falei, sem perceber, ainda acompanhando cada movimento dele.
Ouvi a risada de Eunwoo enquanto ele passava para o meu lado, bem onde Jaehyun tinha deixado sua cerveja cheia em cima da mesa.
— Fazer companhia é um pouco grandioso pra ele, . Mostrar como se faz parece um jeito mais certo de se dizer.
Olhei para Sophie. Ela tinha a mesma expressão confusa no rosto: como se fosse algo um tanto difícil de acreditar, à primeira vista, que Jeong Jaehyun pudesse ter um lado competitivo, mesmo que fosse na aglomeração dos amigos.
Por fim, ela apenas deu de ombros e apontou para a minha saia.
— Hora de mostrar para o que viemos, . Vamos pegar um sol!
E então, como mais uma banalidade de cenários praianos, ela já estava com o tapete preparado embaixo dos braços e o estendeu há alguns metros da barraca, sentando-se gloriosamente enquanto puxava a cerveja para seu lado.
Bufei, olhando para Eunwoo, que estava concentrado demais em tirar aquela roupa colada para prestar atenção em mim. Tirei a saia e sentei ao lado de Sophie.
— As coisas podem piorar se alguém nos encontrar aqui, não acha? — perguntei enquanto pegava uma de suas cervejas. Sophie franziu as sobrancelhas.
— Fala de paparazzis?
— E sasaengs. Se elas enxergarem qualquer indício de idol por aqui, vão abrir fogo, as fotos vão estar por toda parte amanhã.
— Relaxa, , acha mesmo que esses garotos não pensaram em nada disso? — agora ela ergueu uma sobrancelha, como uma daquelas duas expressões que ditavam o óbvio — Estamos muito bem protegidas em um canto reservado e sem vizinhos civis. Por acaso 'tá vendo alguma coisa ao redor além de pedras? Pois então. Esses garotos sabem como gastar dinheiro — ela sorriu, e me senti um pouco mais relaxada — Agora vamos tirar a prova se Jeong Jaehyun é um grande homem ou só mais um riquinho frouxo.
Soltei uma gargalhada, virando para a frente e recebendo uma sequência de imagens inacreditáveis demais para serem descritas.
Jaehyun embalou em movimentos velozes e precisos, sumindo por debaixo de ondas ainda crescentes e saindo pela outra extremidade, como se entrasse dentro de um túnel. Jungkook o encontrava onde esse túnel terminava, e os dois riam, e tentavam de novo logo em seguida. Jaehyun se mantinha de pé mais fácil do que imaginei, e JK e Yugyeom passavam grande parte do tempo tentando não afundar pelas ondas fortes. A pessoa que se igualava nas habilidades era Mingyu, que se colocava de pé e driblava ondas mais afastadas, sem esperar os amigos e suas propensões a perderem o equilíbrio. Vemos claramente alguém que não nasceu para o ofício de professor.
Aos poucos, um grande espaço vazio ia nascendo entre todos eles à medida que se afastavam para tentarem sozinhos. Mingyu e Jaehyun se deslocavam para as áreas mais tranquilas, longe de todos, muito longe. Aquela parte do mar onde a linha do horizonte ficava mais próxima era interminavelmente plana em comparação ao restante e, de certa maneira, estava sempre mais calma e colorida que o resto, como se tanto o sol quanto o vento o evitassem na maioria das horas. Senti Sophie suspirar ao meu lado, e eu soube exatamente o que ela estava olhando e o que sentia ao olhar: os dois garotos, que não passavam de um pontinho risonho bem ao longe, sentados em cima daquela tábua em mar aberto, passavam uma imagem terrível de paz e sossego no meio do isolamento.
Odiava ficar pensativa a essa hora da manhã, mas uma sombra de reflexão pairou sobre mim e pensei com tristeza no grande esforço que eles tinham que fazer para ter um pouco de harmonia e serenidade sem ter a vida constantemente invadida 24 horas por dia.
Seja lá por quanto tempo ficamos em silêncio, ele foi totalmente quebrado por um Yugyeom que se aproximava ofegante, correndo com a prancha debaixo dos braços, ao mesmo tempo que Eunwoo fincava uma cadeira do meu lado e se sentava relaxadamente, tomando sua cerveja.
— Garganta ressecada, amigo? — Eunwoo zombou, estendendo a pequena lata na direção dele. Segurei um riso, enquanto Sophie fez isso abertamente.
— Gostei da performance, Yugyeom! Alguma das garotas ali atrás certamente vão pedir seu telefone depois de hoje!
Yugyeom estreitou os olhos e deu uma risada sarcástica, largando a prancha e começando a tirar o zíper da roupa.
— Acho que as garotas gostam mais de quem fica por último, Sophie, então melhor colocar uma placa no Mingyu antes que seja tarde demais — ergueu uma sobrancelha. Sophie ainda riu, mas menos do que o esperado. E então eu tive certeza de que teria que aguentar uma pequena discussão por pelo menos quinze minutos no carro por todo o caminho de volta para casa.
— Bem, se nem o Jungkook esperou até o final, não se sinta tão mal assim. Ele costuma ser tão resistente quanto um peixe-boi — Eunwoo comentou, apontando para as costas de Yugyeom, onde Jungkook balançava os cabelos enquanto alcançava a margem — Não é mesmo, ?
Levei um tempo até entender a malícia da pergunta de Eunwoo e senti como se tivesse sido balançada e tirada de um ponto morto. Percebi os olhares engraçados de Sophie e o sorriso debilóide de Eunwoo e senti a boca ficar seca.
— O quê? Não. Claro que não — respondi, atrapalhada — Yugyeom foi muito bem, fiquei impressionada, foi o que mais manteve a boa aparência durante todo o processo — e ri. Ri daquele jeito engasgado, entrando em pânico. Eunwoo chacoalhou em risadas, daquelas que escapam do nada, enquanto Yugyeom levantava uma sobrancelha em minha direção.
E Jungkook se aproximava cada vez mais.
— Caramba, , você não ficou do lado do seu melhor amigo dessa vez? Acho que alguma coisa séria deve ter acontecido — Eunwoo continuava rindo, bebendo alegremente. Olhei-o aborrecida, com as bochechas assando não apenas pelo sol, percebendo como minha língua perdia o controle quando me sentia implicitamente encurralada.
— Não é nada disso…
— Não precisa tentar me seduzir, , nós nunca daríamos certo — Yugyeom levantou os ombros e me lançou uma piscadinha, juntando os dois dedos em um gesto de continência e então, se retirando para debaixo da tenda. As gargalhadas de Sophie e Eunwoo encheram os dois lados dos meus ouvidos. A humilhação recaía sobre mim como as ondas enormes que quebravam lá na frente.
Eu juro que a ideia do buraco poderia ser um sucesso no meio dessa areia, era só eu me esforçar.
O pior de tudo foi quando Jungkook se aproximou no exato momento em que Yugyeom saiu, acompanhando o amigo com os olhos. Algo naquela expressão apreensiva me disse que ele com certeza tinha ouvido a última parte. Sem pensar muito, olhei pra ele e foi como chamá-lo para me olhar também, e então todo o ambiente pareceu ter se transformado em uma cabine fechada e ela começava a feder com tensão e mal-entendido.
— Meus parabéns, JK! Você ficou em terceiro lugar, e ainda vai receber uma ligação de uma daquelas garotas bonitas ali atrás — Eunwoo levantou a bebida em um brinde, e Jungkook desviou os olhos para ele em repreensão. — Claro, você precisa estar acordado para atender.
Sophie riu pelo nariz e Jungkook balançou a cabeça, se retirando para a tenda enquanto bagunçava os cabelos de Eunwoo. Ele não voltou a me olhar.
Apoiei o queixo nos joelhos, desejando que o sol me transformasse em poeira e assim eu desse um jeito mais hábil de desaparecer.

☀️⛱️


Já era hora do almoço quando Sophie decidiu dar um mergulho. Mesmo deixando claro que essas coisas não funcionavam para mim, deixei que ela me arrastasse para a água, onde algumas pessoas da tenda vizinha já se aventuravam, e agradeci aos céus por minha amiga ser auto suficiente o bastante para me largar na margem e ir bater os pés para longe sozinha.
Olhei para trás instintivamente. Nessas horas, era natural que eu estivesse em modo de alerta para um Jungkook totalmente sacana que estaria à espreita em busca do melhor momento para me pegar desprevenida e me lançar ao mar como uma jaca podre. Eu ficaria extremamente irritada e ele extremamente feliz. Mas algo me dizia que, desta vez, eu não precisaria me preocupar com nada disso.
Comecei andando, pé ante pé, para dentro da água gelada, entrelaçando uma mão na outra em frente à barriga, rezando para não escorregar em lodo ou pisar em pedras, ou até mesmo sentir algas ou coisas desconhecidas roçando nos meus pés. O que seria extremamente vergonhoso, porque nada era capaz de se esconder naquela água linda e transparente.
! — disse Sophie bem alto, para ser ouvida apesar da distância que já tinha percorrido — Anda, entra logo!
— Espe…
Um jato de água banhou toda a lateral do meu corpo quando alguém pulou de barriga, esparramando tudo ao redor. Virei pelo susto, dando de cara com Mingyu, que emergia tirando o cabelo molhado da testa, balançando igual a um cachorro.
— Foi mal, , era pra ver se você acelerava — ele piscou como um idiota e tratou logo abrir os braços enormes para nadar em direção à Sophie antes e ouvir meu grunhido de raiva.
— Ah, seu…
— Você precisa de ajuda? — Disse uma voz atrás de mim, e me surpreendi internamente por já reconhecê-la de imediato.
Jaehyun chegou ao meu lado, e dei um sorriso constrangido. Se existisse alguma explicação plausível para que eu ainda estivesse com a água até os joelhos e estivesse estupidamente nervosa por avançar naquele além desconhecido, ela tinha se perdido no meu embaraço. No entanto, não precisei falar nada. Ele apenas assentiu, inclinando a cabeça para o lado, me chamando discretamente para a frente.
— Vem comigo. Vou te mostrar o melhor caminho sem pedras ou plantas — ele riu, e tentei fazer o mesmo.
— Eu não sei nadar — minha voz saiu quase em um sussurro, e lá se foi toda a minha dignidade de novo. Eu me sentia patética.
Ele não parecia se importar com isso.
— Vamos ver até onde você consegue.
Franzi o cenho, vendo ele começar a ir em frente, me chamando com a cabeça. Suspirei e fui atrás. Considerando que eu já tinha tropeçado e caído em cima dele, falado pelos cotovelos até tarde da noite e gritado como uma louca na montanha-russa em um tempo de 24 horas, acreditava que mais um vexame não faria tanta diferença na conta.
Mas não aconteceu nada disso. Era fantástico como Jaehyun era uma ótima companhia também para momentos divertidos no mar, que me renderam boas risadas e piadas estúpidas sobre tubarões e ouriços que brotavam do subterrâneo naquela região. Depois, Sophie e Mingyu se aproximaram ao constatar que eu tinha conseguido ficar mais de 30 minutos com a água até o queixo e quiseram loucamente apostar alguma corrida de quem nadava mais rápido, mas era óbvio que tudo tinha um limite. Calma lá.
No mais, as horas passaram de uma forma espantosamente rápida e, quando me toquei, o céu começava lentamente a ser infestado com aquele tom laranja vivo. Em algum momento da tarde, Jungkook e Yugyeom tinham dado um mergulho pela mesma área onde eu estava, mas não prestei atenção. Também pesquei alguns de seus olhares para mim enquanto eu fugia dos jatos de água de Jaehyun, mas outra vez não me importei o suficiente, mesmo uma que uma vozinha intrometida e insegura me dizia que eu deveria. Mas decidi ignorá-la com sucesso. Eu definitivamente não fecharia a cara e estragaria o dia de alguém, e me censurei imediatamente por ter pensado em fazer isso em qualquer momento desde que saímos de casa. Porque sim, eu estava me divertindo muito, mais do que imaginei. Jungkook tinha me deixado esquecer como era se entreter e espairecer assim com outras pessoas, e a ausência dele nesse momento singular era surpreendentemente perturbadora, mas também um pouco libertadora.
Aquelas horas foram ótimas para me fazer não pensar sobre o depois. E o que seria de nós dois após aquele momento maluco e incompreensível.
Quando finalmente saímos da água, eu sentia meus dedos enrugados como um maracujá e o cabelo duro e grudado pela água salgada, mas estava contente. Jaehyun havia feito piruetas engraçadas demais e me ensinado a nadar cachorrinho de uma forma muito adorável para que eu ficasse triste. Foi então que, me guiando pelo seu cotovelo, ele me levou pelas pedras vizinhas até uma região costeira mais afastada porque insistia em me mostrar algo que garantiu que eu adoraria.
— Você lembra quando me disseram que eu também adoraria a montanha russa? — perguntei com insegurança. Ele riu andando em frente, enquanto eu segurava firme para não escorregar no lodo, que dessa vez era bem real.
— Fica tranquila, não é nada tão grande e tão perigoso.
Ergui uma sobrancelha, mesmo que ele não pudesse ver. Quando parou, estávamos diante de uma abertura média no chão, uma grande poça com água até o limite que formava uma pequena piscina. Jaehyun ficou de joelhos e então, simplesmente, enfiou uma das mãos em uma das fendas entre uma pedra e outra, sem qualquer visão do que tinha embaixo delas.
— Jaehyun! — arfei sem perceber, abaixando-me ao seu lado. Um medo maluco me tomou, como da primeira vez que andei de bicicleta e foi tão desastroso que jamais voltei a fazer de novo — Você é doido?! Como tem coragem de fazer isso? Meu Deus, por favor… — resmunguei negativamente, sentindo um arrepio como se o braço enfiado no escuro fosse o meu e que ele seria devorado pelos monstros subterrâneos que ele tinha inventado mais cedo.
— Calma, — ele riu, ainda movendo os braços pelo buraco por pura intuição. Se ele passasse mais um minuto naquela posição, eu podia jurar que surtaria — Se tudo der certo, vou achar um… Agora mesmo — e então, puxou para fora um caranguejo pequenino e laranja, quase branco, que cabia perfeitamente na palma de sua mão.
Parei por um segundo, tentando ligar os neurônios para assimilar o animalzinho que andava devagar por sua mão, como se nem notasse que tinha saído de seu buraco escuro.
— Minha nossa — sorri, de repente pensando com gratidão no fato de eu ter permanecido aqui. Estendi um dedo em sua direção, e uma de suas patinhas locomotoras roçaram em minha pele — Como eles são pequenos.
— Esses são os filhotes de Ocypode quadrata, ou maria-farinha. São muito encontrados embaixo da areia, nessas pedras e normalmente conseguimos achá-los aos montes. Os outros amigos dele devem ter saído bem rápido quando notaram a minha mão — ele deu de ombros, e o animalzinho andou totalmente para a palma da minha mão — Se eu fizer uma busca mais minuciosa, talvez eu encontre um ouriço ou até uma estrela-do-mar, que vão começar a migrar pra cá daqui a pouco quando a maré subir. Se tentar de madrugada e de manhã vai ser um sucesso, é quando a festa deles começa.
Não controlei mais uma gargalhada, agora olhando para Jaehyun enquanto o bichinho ainda corria pela minha palma. Outro ser magnífico da natureza poderia ter irrompido sorrateiramente e talvez estivesse ali, subindo pelas minhas costas ou mordiscando meus dedos do pé, mas eu não atendia mais a qualquer estímulo. Alguma coisa muito louca me deixou hipnotizada, ou melhor dizendo, paralisada, enquanto Jaehyun sorria e apontava para as direções que provavelmente teriam outros membros da fauna oceânica de Jeju naquela madrugada, mas não consegui prestar atenção em toda aquela aula, o que foi estranho. O sol estava descendo bem na lateral de seu rosto, o vento fraco balançava seu cabelo e o efeito daquela luz nele era radiante, o estava deixando bizarramente lindo.
Deus do céu, qual-era-o-meu-problema? Agora eu não sabia mais me controlar quando estava na frente de um cara bonito?
Ainda mais de Jaehyun?!
? — ele tocou em meu ombro e eu acordei — Tá tudo bem?
Meu. Deus.
— Sim! Sim, estou! — balancei a cabeça, sentindo o meu novo amigo chegar perto do meu pulso — Acho que me distraí. Essa investigação dos hábitos dessas coisinhas é muito nova pra mim, aliás, o ambiente todo é surreal, principalmente porque nunca pensei que conseguiria trilhar esse caminho todo sem cair — fiz uma careta. Ele riu — Quer dizer, melhor não falar nada ainda porque ainda temos que voltar, então vai saber.
Jaehyun riu pelo nariz. Nada do que eu dissesse parecia deixá-lo desconfortável, nem no modo estranho como eu agia normalmente. Alguma coisa muito séria deveria faltar em Jeong Jaehyun, e a impaciência era só a primeira delas.
— É, precisamos voltar… — seu suspiro foi intenso, até mesmo triste. Bem, eu também me sentia da mesma forma por ter que sair daquela vista incrível.
— Obrigada por isso, Jaehyun — esbanjei meu melhor sorriso genuíno, apontando para o reflexo da luz do sol batendo na superfície da água da pequena piscina. Acredito que era isso que ele queria que eu visse também — Nunca pensei que me divertiria tanto jogando contra o meu azar de nascença em várias ocasiões hoje.
— Ah, vamos, você sempre parece se divertir muito.
— Estudei em um lugar com regime de internato, é claro que sei me divertir — falei, divertida. Ele ergueu uma sobrancelha, sem perder o sorriso — Mas hoje em especial eu não estava com nenhuma expectativa — dei de ombros, passando o caranguejinho para a outra mão — Nada demais — respondi, antes que ele perguntasse.
Mesmo não dizendo nada, ele pareceu curioso. Mas Jaehyun apenas franziu os lábios e assentiu com a cabeça.
— E existe algum programa específico para que você volte a sentir a expectativa de quatro anos de perambulação como menor de idade?
Deixei escapar outra gargalhada, dessa vez um pouco mais chocada e proeminente. Esse cara não podia existir e não podia estar falando sério.
— Já disse isso, mas não me iluda, Jeong Jaehyun. Aqueles foram meus anos favoritos, mesmo que meu karma de Murphy ainda estivesse em construção.
— Já conversamos sobre essa denominação errônea da Lei de Murphy. Seus anos de internato te encaminharam para uma universidade de prestígio, não é mesmo?
— É, mas descobri que meus pais queriam que eu tivesse ido para o Senado, então de alguma forma eu perdi — contei, puxando meu companheiro para frente antes que ele tomasse meu antebraço. Jaehyun continuou rindo, baixando os olhos para esconder a pele levemente avermelhada.
Os desejos de meus pais eram absurdos e, às vezes, medonhos para uma garota que sempre apreciou coisas muito simples. Isso significava que eles só ficariam satisfeitos me colocando em uma das escolas mais difíceis que um ser humano pode estudar, tecendo um futuro nos bastidores que eu jamais fui capaz de dar.
Apesar disso, eu era adulta e, pensava eu, um ser humano leve, tirando toda a nuvem negra que pairava sobre mim e que eu acreditava também ser alguma maldição de minha mãe. Antes da Coreia, eu havia feito a defesa da tese do mestrado como principal atividade, um ato feito por mim e para mim, e a minha vida social estava em um distante segundo plano. Eu sempre fui inteligente e boa aluna, e isso se refletiu no meu emprego, então faltar ao trabalho no outro dia ou empurrar algumas tarefas nada urgentes pro fim da lista depois de alguma festa esporádica em que Sophie ou Jungkook me arrastavam, não se tornava um grande problema.
— Não tinha como ter notas baixas — continuei, depois de ter, mais uma vez, aberto a matraca e contado exatamente tudo para ele — Se elas caíssem abaixo de B, aquele lugar te colocava na rua. E meu pai me deixou claro que se eu não conseguisse me virar em uma escola particular, eu estaria fora do testamento. Mas ele foi amigável, falou enquanto comíamos um fettuccine.
— Tá brincando! — seus olhos se sobressaltaram. — Então você realmente poderia pagar as bebidas de ontem?!
— É, mas se contar isso pro Yugyeom, eu coloco esse meu amiguinho dentro do seu nariz.
Ele riu, estendendo o dedo indicador para que o caranguejinho passasse para as costas de sua mão. Em um impulso, nossos dedos se entrelaçaram para facilitar a passagem do bichinho. Senti uma agitação anormal e momentânea nas pálpebras, e me afastei rapidamente, vendo o sorriso de Jaehyun se tornar fino e rígido, como se tivesse estranhado a mesma coisa.
Esse era o problema: não era estranho. Era aquela sensação maluca de novo, como se eu reconhecesse o toque dele, ou a simples sensação de estar perto. Era a impressão de que alguma coisa faltava na minha memória.
Jaehyun limpou a garganta, olhando firmemente para mim.
, eu… — começou, a voz ficando mais baixa e um pouco mais distante — Eu deixei de te contar uma coisa…
Assenti.
Esperei.
— Sim…?
Ele balançou a cabeça, desconcertado, parecendo tentar chegar ao cerne da questão.
— É que… Naquele dia no jardim…
O barulho de passos escorregadios em cima da areia das pedras tirou toda a minha concentração de Jaehyun. Um barulho alto do fundo da garganta me fez virar para trás e ver Jungkook parado, já de regata e chinelos, revezando o olhar entre mim e Jaehyun.
— Mingyu mandou dizer que vamos sair em quinze minutos — disse ele, parecendo estranhamente desconfortável — Todos estão esperando.
Assenti, começando a me levantar, apoiando as mãos seguramente nas pedras úmidas e sentindo o velho temor como um calafrio nos pulmões. Afinal, eu tinha conseguido esquecer por vários minutos que estava ajoelhada à beira de um pseudo precipício. Um precipício muito lindo e muito atraente, é claro.
Vi Jaehyun devolver nosso companheiro para a fenda e dei um sorriso involuntário. Em seguida, me virei na direção da saída. Jungkook continuava parado, olhando para mim com intensidade, como se estivesse distraidamente me esperando.
Não entre em pânico, pensei comigo mesma. Você estava errada sobre ele na noite passada. Vocês precisam conversar e dar um jeito de voltarem a ser amigos. Ou precisam dar um jeito de reaprender os cumprimentos básicos para não deixar um grupo inteiro desconfortável.
Você precisa parar com isso.
Jaehyun passou para a frente, andando com cuidado nas pedras até parar de novo, quase ao lado de Jungkook. Os dois me olharam, esperando que eu me mexesse.
Olhei de um para o outro e de repente senti uma súbita vontade de sair dali o mais rápido possível. Talvez tenha sido por isso que a merda quase aconteceu. Desatenta em todas as minhas questões humanas de coordenação, avancei para a frente sem olhar para o chão, de um jeito rápido e impulsivo, esquecendo dos pés descalços e da umidade excessiva por causa das ondas que batiam por todas as horas do dia.
E então senti a sola dos pés deslizarem para o lado, somado à fenda exposta há poucos centímetros que me causou um desequilíbrio imenso que até embaçou minha visão.
Foi como sentir que a morte poderia estar mais próxima do que eu pensava.
! — os dois disseram ao mesmo tempo.
Fora o pensamento mórbido da queda iminente, de novo eu consegui não cair. Mas dessa vez, não foi apenas Jaehyun que estendeu os braços para ser meu salvador da pátria. Jungkook, ao mesmo tempo, chegou para a frente, passando um dos braços pelas minhas costas, enquanto Jaehyun chegava pelo outro lado, fazendo o mesmo movimento, e então eu me apoiava em dois ombros diferentes de dois caras diferentes, que me olhavam com preocupação nítida.
Eu tinha quase certeza que prendi a respiração.
— Você está bem?
— Se machucou?
Não sei quem falou o quê. As duas perguntas aconteceram ao mesmo tempo e de repente eu estava confusa demais e desnorteada. Me soltei dos dois, balançando os braços com um sorriso patético.
— Eu ‘tô legal obrigada precisamos ir agora rápido é isso.
Falei sem pausas, seguindo em frente uma vez mais, agora com os olhos cravados devidamente no chão, com um motivo adicional: não cair novamente e não revelar meu rosto queimando em um milhão de brasas.


04 – Disputa

's POV

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Say So – Doja Cat


Era impressionante como climas infelizes de paranoia me acompanhavam por onde quer que eu fosse.
Desviei os olhos para o rosto de Sophie enquanto Mingyu dava a última curva em direção à casa. Agora minha amiga estava sorrindo e acariciava a mão do namorado em sua perna, como uma perfeita e odiosa cena romântica. Fala sério, eles estavam discutindo não tinha muito tempo atrás, como bem previ depois daquele comentário infeliz de Yugyeom, mas olha só, em três segundos estavam melhor do que quando saímos naquela manhã.
Deixando todo o lado perplexo e confuso dos relacionamentos, eu estava com sono. Os indícios do conflito entre Sophie e Mingyu serviram para me deixar acordada e intervir caso algo mais grave acontecesse — como Sophie me colocando no meio da conversa com o argumento “você também viu aquele dia, não viu? Responda ou ele vai achar que eu sou louca!”. Bom, eu não respondia nada, mas o barulho das vozes não me deixavam descansar do mesmo jeito.
Quando chegamos, saí do carro com alívio e cansaço triplicados. Tenho certeza que se Sophie olhasse bem para o meu rosto, não me reconheceria. Dormir por apenas duas horas na noite passada e passar o dia inteiro na praia como fazia com minha família na infância sugou toda a minha energia, e a disposição que tinha com 23 anos era muito diferente da que tinha com 8.
Eu só precisava dormir até amanhã e, assim, poderia aproveitar o último dia da viagem.
Mas aparentemente, existiam forças que não sossegariam enquanto não testassem meu último limite de paciência — e de ânimo.
, nosso horário está marcado para às oito — Mingyu fechou a porta ao comunicar, enquanto a barulheira dos demais carros e demais pessoas descarregando as coisas agora bem mais baixo — Coloca uma roupa bem confortável.
Arregalei os olhos, prevendo o pior.
— Perdão? — limpei a garganta, me fazendo de desentendida.
— Não venha com essa — Sophie revirou os olhos e puxou meu cotovelo, guiando-me para dentro da casa — Esse lugar é muito grande e muito espetacular para que fiquemos em casa dormindo e chorando as mágoas por causa de um cara com só um par de neurônios funcionando — sussurrou, olhando em volta para não ser pega — Hoje vamos ao boliche, um lugar perfeito pra descontrair e não deixar que você escreva outras cartas de amor.
— Eu nunca escrevi uma carta de amor — engasguei com o absurdo, sentindo o rosto queimar.
— Você se ouviu no dia em que me contou seu plano? Preciso invadir sua privacidade e pegar o seu diário para provar? — disse ela, ácida. Franzi os lábios e desviei os olhos, me sentindo ainda mais ridícula do que quando a contei das colagens de Jungkook. Aquilo com certeza era algo a se manter para si e somente para si.
— Eu não sei jogar boliche — disparei, como uma última esperança de me livrar, mas ela apenas cerrou os olhos e puxou uma das bolsas térmicas do chão.
— Ninguém sabe, essa é a parte divertida — recebi uma piscadinha, e soube que não existiriam mais argumentos que me livrasse daquilo. — Fora que você vai ter um ótimo companheiro pra te ajudar nisso.
Juntei as sobrancelhas, confusa.
— Do que…
?
Já tínhamos chegado ao pé das escadas quando ele disse meu nome. Eu sabia quem era antes mesmo que me virasse para verificar. Sophie olhou de um para o outro, como se avaliasse um grande momento de tensão em um péssimo reality show.
— Oi — minha voz saiu mais baixa que o normal. Jungkook coçou a cabeça, estranhamente agitado.
— Será que eu poderia falar com você?
Antes que eu respondesse, Sophie soltou uma risada ridiculamente animada e começou a se afastar para a cozinha.
— Eu vou guardar o restante das bebidas, ainda temos muitos happy hours pra aproveitar antes que os momentos nesse paraíso acabem. Então… — e saiu rápido, e eu não sabia dizer se ela estava se sentindo desconfortável ou se estava só tentando me apoiar.
Não era uma boa hora para receber esse tipo de apoio, Sophie Vermont.
Olhei pra ele, implorando para que meu coração parasse de bater como um louco e apenas balancei a cabeça para mostrar que eu estava ouvindo.
Ainda levou um tempo até que ele terminasse de limpar a garganta e voltasse a falar.
— Quero me desculpar com você. Por ter saído daquele jeito ontem à noite.
Ah, não. Ele não podia estar falando disso agora. Aqui.
— Ah… — umedeci os lábios, olhando para baixo automaticamente, encarando meus pés e sentindo o rosto arder em chamas pela segunda vez. Então, fazendo um esforço evidente de solicitude, respondi: — Não tem problema, sei que te assustei. E não precisamos falar disso. Agora. Então…
— Tudo bem, não precisa se sentir obrigada a me responder. Ainda estou confuso por tudo que aconteceu, e não sei porque você fez aquilo, mas não quero ter que dar tchau pra você e esse lugar nesse clima…
— Você não sabe porque fiz aquilo? — interrompi, surpresa com meu próprio tom de voz alarmado — Você realmente não se lembra de nada?
Não se lembra como acordei estupidamente na sua cama depois?
— Me lembrar do quê, ? — ele grunhiu, passando uma das mãos nos olhos — É sério, eu não estou entendendo isso, e tá me matando. Sei que eu bebi demais quando você chegou aqui, e talvez tenha falado coisas sem sentido no jardim, mas ainda não consigo compreender o que eu preciso lembrar. Não faço ideia do que eu possa ter feito para dar a entender aquela coisa para você, mas mesmo assim…
— Tudo bem, Jungkook, chega — balancei as mãos, sentindo uma faísca de humilhação, ou quem sabe mais uma enxurrada de constrangimento — Que tal assim, podemos esquecer que isso aconteceu, tudo bem? Assim nenhum dos dois precisa falar sobre isso...
— Você gosta de mim, é isso? — ele perguntou de repente, se aproximando há vários passos de mim, roubando todo o ar em volta.
Abri e fechei a boca várias vezes. Um apagão queimou toda a lógica do meu cérebro e danificou as minhas cordas vocais.
Ali, olhando em seus olhos, eu vi o quanto ele genuinamente não sabia de nada. E me senti ainda mais louca. Ele parecia seriamente agoniado quando repetiu:
— Responde, por favor,
O que raios eu diria?!
Sim, eu sou completamente apaixonada por você desde que nos conhecemos e não, eu não pretendia ultrapassar os limites de fã desde o início, mas quem poderia imaginar que esse lance de não controlar os sentimentos é mesmo real? Você não concorda comigo? Ah, bem, parece que as coisas são um pouco mais complicadas pra você, e agora mesmo estou achando que não tenho saúde mental o suficiente para lidar com isso, então podemos, por favor, enterrar isso para sempre e continuarmos com a nossa vida?
Deus, eu faria de tudo pra entrar em um DeLorean e voltar para dias atrás, quem sabe anos, quem sabe de volta para o útero da minha mãe.
Ele aguardava uma resposta, eu sabia que sim, e eu ainda não sabia o que dizer. Vi Jaehyun entrar para dentro da casa, carregando a prancha embaixo do braço e tentando controlar os fios desajeitados e ainda um pouco molhados do mar. Quando me viu, ele deu um sorriso gentil e complacente que rasgou o escuro da minha mente e finalmente fez minhas engrenagens voltarem a funcionar.
— Preciso ir. A gente se vê mais tarde. — falei rápido, sem olhá-lo, abrindo caminho pela escada e passando como um furacão para o andar de cima, me perguntando o que diabos estava acontecendo comigo.

☀️⛱️


Sophie apontou para as luzes antes mesmo de chegarmos à entrada.
Também pudera: elas eram facilmente capazes de cegar com aquele letreiro em neon e o design old school muito parecido com as aesthetics americanas dos anos 80. Aquele tipo de coisa te transportava direto para o século 20 em pleno clima de Sixteen Candles, ou com a terceira temporada de Stranger Things. Era o próximo filme que eu assistiria com Jungkook, e a ideia me deixou murcha e ainda mais desconcertada com a conversa que tivemos mais cedo.
Se é que eu podia chamar aquilo de conversa.
O lance é que, seja lá o que tivesse sido aquilo, ele simplesmente não parava de me encarar — e nem precisei dos olhos de águia de Sophie para me avisar isso. Era simplesmente um tipo novo de comportamento que nunca vi Jungkook fazer com ninguém — talvez com o G-Dragon e o Justin Bieber, seus grandes ídolos do oriente e ocidente, mas com outro mortal? Não. E não importava o quanto fôssemos amigos, ele ainda se esquecia às vezes da minha data de aniversário, então o que diabos poderia estar acontecendo?
Ele não poderia estar pensando naquele beijo da mesma forma que eu estava pensando. Aposto que ele estava conseguindo dormir depois daquilo, muito diferente de mim.
Seja como fosse, não queria perder tempo e sanidade com esse assunto essa noite, não esta noite, quando eu já estava com sono demais e fugindo de todas as cervejas que poderiam colocar na minha mão.
Sono e álcool agora eram motivo de trauma pesado. Eu não queria mais aquela viagem alucinógena nem tão cedo, onde eu beijava pessoas e elas não se lembravam depois.
Sophie me mandou logo entrar com o restante das pessoas — os outros amigos, os mesmos conhecidos que estavam sempre conosco, mesmo não estando hospedados na mesma casa — enquanto ela e os outros resolviam a burocracia na recepção, como as horas alugadas e a garantia de nenhuma interferência no espaço. Desta vez, troquei algumas palavras com um cara muito alto e muito simpático, até perceber que ele era o mesmo cara do cigarro daquela primeira noite e me fazer soltar uma série de risos nervosos ao pensar que ele poderia puxar aquela coisa mortífera e nada saudável de repente. Ele foi o primeiro a me oferecer uma cerveja e já estava pronta para negar, mas então fui convencida a experimentar um drink bonito amarelo e laranja, e sabemos bem o que acontece quando drinks bonitos começam a aparecer na nossa frente; eles são devorados, pela boca e pela alma.
Quando Sophie voltou com um par de tênis desgastados e os colocou em meu colo, arregalei os olhos imediatamente e me levantei.
— ‘Tô incrivelmente insultada — arfei, estendendo o calçado dois números maior do que o meu.
Ela não respondeu enquanto sentava-se no banco ao meu lado e tomava um grande gole do meu drink.
— Você ‘tá insultada pela indisponibilidade do seu tamanho ou porque vai ter que jogar?
— Os dois! — respondi e ela não mudou a expressão, dando de ombros e me puxando de volta para baixo.
— Para com esse drama e vamos nos divertir. Não ouviu nada do que eu disse em casa?
— Sabe quantos acidentes podem acontecer comigo só por ficar em pé nesse piso liso? Não ouviu nada do que eu disse há dois anos?
está preocupada de sair rolando junto com a bola? — Mingyu apareceu pelas costas de Sophie, colocando as mãos em seus ombros em uma pequena massagem — Não é uma má ideia, você é mais leve que a bola e é maior para strikes.
Cerrei os olhos, ouvindo uma risada divertida de Eunwoo, que mexia no celular mas tinha os ouvidos atentos na conversa. Até Jaehyun pareceu estar rindo, concentrado em amarrar seus cadarços. Ridículos. Tão logo eles se colocassem na minha frente, sentiriam na pele os estragos de me colocar naquela brincadeira.
Todos já estavam devidamente com seus calçados, e Yugyeom já puxava o painel de placar para ficar bem ao lado da entrada. Ou seja, eu dificilmente tinha como fugir daquilo.
Pelo menos, era nítido o quanto algumas pessoas estavam ali pelo simples prazer da companhia. O tilintar de vidros mostrava que as cervejas estavam sendo distribuídas, e uma conversa sobre pedidos de hambúrguer e batatas já estava sendo devidamente conduzida. Uma coisa era certa: essas pessoas não davam a mínima para as misturas bizarras que faziam no estômago, mas para um povo que comia ramen 2x Spicy sem chorar não dava pra se esperar muito juízo.
Dois grupos foram divididos e todos jogariam em revezamento. Eu estava com Mingyu, Sophie e Jaehyun, enquanto Jungkook estava com Eunwoo, Yugyeom e o cara do cigarro. Me lembrava vagamente que seu nome era Xiao Zhan, e sabia que era chinês sem ele precisar abrir a boca. Afinal, quem mais poderia ser tão alto quanto Mingyu e não estar em um grupo de kpop?
Sem mais delongas, ele foi o primeiro a se aproximar da pista e lançar a bola. Não fiquei nada surpresa quando, em sua primeira jogada, ele derrubou todos os pinos brancos no fim da pista, concedendo assim o primeiro ponto do time adversário. Vê-lo comemorar alegremente também não foi nada estranho; afinal, gente confiante geralmente tinha bastante energia mesmo.
Infelizmente, o lugar não tinha nenhuma janela pra onde eu pudesse correr e desaparecer.
Andei de um lado para o outro ao longo da mesa, aceitando meu destino com uma garrafa de cerveja que estava quase no fim, vendo Mingyu e Candice jogarem praticamente juntos, Jungkook entrar no seu modo competitivo que era assustador e Jaehyun fazer um strike lindo e muito pacífico, sem grandes comemorações exageradas como os outros garotos. Esse lado sereno e tácito dele era estupidamente atraente.
Atraente? Qual era o meu problema de novo?
Quando Mingyu apontou a pista para mim, paralisei. Pensei em perguntar se eles queriam realmente vencer, ou se não tinham nenhum amor no coração pra estarem me obrigando a fazer aquilo, mas nada disso teria qualquer efeito na decisão deles. Pensei em questionar se eu poderia jogar uma vez e apenas uma vez, mas hesitei. Eu não fugiria da minha cota de humilhação diária que me eram impostas além da minha condição de Murphy.
Talvez ser amiga dessa gente já era um azar escancarado, mas estava tudo certo.
Fuzilei Sophie gentilmente com os olhos e caminhei até a prateleira da house ball, onde tinham as bolas da casa. Haviam números em cada uma delas, e diversas cores diferentes, algumas até mesmo estampadas e de diferentes pesos. Olhei para meus amigos, que agora se distraíam brevemente em uma conversa e eu não sabia o que fazer. Na verdade, eu poderia simplesmente perguntar, mas hesitei de novo. Parecia errado fazer uma pergunta sobre o jogo quando ninguém tinha feito nenhuma até agora.
Suspirei e puxei a primeira bola à minha frente. Ela era tão pesada que me deu um susto, quase escapando de meus dedos e indo de encontro aos meus pés, que não saíram de casa naquele dia esperando ser esmagados. Se não fosse pelas mãos surgidas do nada — de novo, e desta vez eu o reconheci até pelo cheiro — agarrando aquela coisa, Sophie teria que me dar uma carona até o hospital.
Jaehyun colocou a bola de volta no lugar, rindo abertamente, o que me causou o constrangimento de praxe. Por que ele sempre tinha que me ver nesses momentos de falhas idiotas? Era terrível.
— Aí veio o salvador de moças indefesas — falei em tom divertido. — Talvez esse jogo seja tão desagradável quanto minha auto sabotagem diz.
— Não, que isso — ele riu, se aproximando de mim e das bolas — ‘Tá vendo essas numerações? São os pesos específicos de cada bola. Como você não tá familiarizada com o jogo, melhor pegar a mais leve. Essa aqui — ele puxou uma bola verde vivo, colocando delicadamente na minha mão — Fecha os seus dedos bem aqui, desse jeito — puxou meus dedos, colocando-os levemente em cada buraco da bola, com a voz calma e mansa, perfeitamente equilibrada — Agora é só jogar. Posso te mostrar, se quiser.
— Por favor — gemi, e ele riu ainda mais.
— Tudo bem, vamos lá.
— Você é incrível, sabia? — falei enquanto caminhávamos para a pista — Vou anotar a sua placa de salvador da pátria. Talvez eu divulgue pra mais pessoas os seus outros talentos além de cantar e dançar.
— Prefiro que você não faça isso — ele sorriu em linha fina, e repuxei os lábios, levantando os ombros.
— Então espero que elas nunca encontrem você — levantei os ombros, me posicionando em frente à pista.
O ar ficou mais quente quando senti sua presença nas minhas costas. Sua voz soprou ao lado de meus ouvidos, e um arrepio intrometido passou voando pela ponta das orelhas.
— Coloca os dedos como eu disse, levanta a bola até o peito — minhas mãos foram erguidas pelas dele embaixo — Abaixa um pouco os joelhos e olha para os pinos, esqueça os seus pés. Pense no objetivo, não em como cruzar a linha de partida.
Tenho certeza de que ele tinha falado mais coisas, mas o meu cérebro não conseguiu captar a maior parte. A partir do momento em que ele se aproximou, teve o cheiro, o hálito, e alguma coisa se contorcendo no meu estômago, aquela familiaridade de novo que já estava sendo ridícula porque não ia para lugar algum.
Concordei com a cabeça, recuperando-me do recente torpor e vi quando ele se afastou para o lado, olhando-me em apoio.
— E aí, , vai desempatar esse jogo ainda hoje? — ouvi Eunwoo no outro time.
— O hambúrguer esfria e o lámen incha, sabia disso? — agora foi Yugyeom.
Cerrei os olhos, soltando um suspiro pesaroso.
— Vocês são horríveis — estalei a língua, focando nos pinos — As pessoas precisam de tempo para fazerem esforço.
— Acho que vai precisar de bem mais do que isso pra conseguir vencer — Yugyeom riu de novo, recebendo um tapinha de suporte de Eunwoo. Revirei os olhos e não os escutei mais.
Avancei mais para a pista, parando rente à linha vermelha que me impedia de atravessar. A ansiedade me consome. Balancei a cabeça e olhei para a frente, focando nos pinos. Objetivo. Mudar de direção. Firmei meus dedos na bola, olhei para Jaehyun e lancei-a pelo meio da trilha de madeira.
A esfera pesada rolou a uma velocidade surpreendente, até mesmo para mim. O estrondo de sua gravidade foi alto e passou, e então, ela correu em linha reta, desviando-se minimamente perto da chegada, mas se corrigindo a tempo de se chocar com todos os pinos brancos, bagunçando-os em um caos barulhento e frenético.
As comemorações soaram ao meu redor, mas ainda permaneci estática, com a boca entreaberta em confusão, como se aquele strike tivesse vindo de outra pessoa, não de mim. Quando senti as mãos de Sophie balançarem meus ombros e seu grito invadindo meu tímpano, acordei do estado de abalo que foi como um chute e gritei junto com ela, recebendo seu abraço enquanto Mingyu celebrava com seus xingamentos habituais.
Quando ela me soltou, olhei para o lado e corri em direção à Jaehyun, que batia palmas com orgulho, e joguei os braços em volta de seu pescoço de forma automática, gritando novamente minha vitória, sentindo o corpo ser erguido do chão de um jeito distante, mas real. Aquilo tinha sido real.
— Você viu aquilo? Meu deus, você viu mesmo aquilo?! — balbuciei, agitada, na curva de seu pescoço. Suas palavras passavam por mim, ainda muito incompreensíveis; parabéns, eu sabia que você ia conseguir, você é incrível, Esse tipo de coisa que fez com que eu me sentisse bizarramente feliz.
Eu tinha acertado um strike de primeira. E estava abraçando Jaehyun por isso.
Abraçando Jaehyun.
A constatação trouxe o velho constrangimento de volta.
Me soltei rapidamente quando pousei os pés no chão, arrumando os cabelos como uma desculpa para olhar para baixo e limpar a garganta.
— Que bonitinhos! Não sabia que vocês estavam nessa vibe! — gritou Eunwoo, e quando olhei para ele, soube que eu estava ligeiramente ferrada com aquela situação.
Porque todos os olhares estavam centralizados em mim, absolutamente todos, até de quem não estava jogando. Reparei principalmente em Jungkook com a testa franzida de confusão ou descontentamento, Sophie com os olhos arregalados e uma pergunta interna como “o que deu em você?” e Mingyu revezando entre mim e Jaehyun em uma análise embaraçosa.
Eles estavam certos: o que diabos foi aquilo?
— Você gostou mesmo do posto de salvar garotinhas. Quer pegar a estrada e levá-la pra casa sozinho também? — Yugyeom riu alto, mas recebeu um tapa imediato e pesado de Jungkook, que ainda tinha os olhos grudados em mim, o que me fez prender a respiração e desviá-los imediatamente. Não estava afim de confrontar algo tão árduo e pesado quanto aquele olhar.
Me preparei para pedir desculpas a Jaehyun quantas vezes fossem necessárias, porque eu não era burra e nem nada disso para não saber das diferenças culturais entre nós dois, e aquele abraço certamente era o primeiro da lista, mas o encontrei com a mão atrás da cabeça, corando como eu porém com um sorriso ínfimo de canto, e entendi que, talvez, a situação não fosse tão complicada assim.
— Me desculpa, Jaehyun, eu fiquei… Bem, você sabe — pedi mesmo assim, enrolando a língua mais do que o normal — Não sabia que momentos de sorte podiam deixar a gente sem juízo nenhum.
— ‘Tá tudo bem, não precisa se preocupar — balançou a cabeça, levando os olhos para algo além dos meus ombros — Eu vou… Pegar uma bebida. Parabéns, de novo. Sabia que você conseguiria.
E então, me dando mais um sorriso contido, ele se retirou para perto dos outros ao mesmo tempo em que Mingyu gritava por tempo para a próxima partida.
Olhei para trás e vi quando Jungkook desviava sua atenção de Jaehyun e voltava a focar na pista de boliche, pensativo e calado, como estava desde aquele maldito beijo na praia.
Comecei a sentir um estranho clima de tensão no ar e isso não era nada bom. Eu tinha me enlaçado com Jaehyun por pura gratidão, para começar, e me sentido tão envergonhada quanto ele, para terminar. E, entre essas duas coisas, Jungkook interferiu com seu estranho olhar acusador, o que me deixava confusa e irada, porque não fazia sentido.
Encarei Sophie e balancei as mãos em uma clara resposta de não quero falar sobre isso.
Talvez eu nunca quisesse.

☀️⛱️


As comemorações vieram em forma de brindes e gritaria. Nada fora do normal do que já estava acontecendo diariamente naquela viagem.
Em algum momento entre as duas coisas, as luzes ao redor ficaram baixas e negras, transformando linhas rentes à pista e letreiros nas paredes em neon, deixando tudo como um cenário de boate cara em Gangnam. Música saía das paredes e a comida não parava de chegar, o que significava que a noite seria longa.
Mas agora ela começava a se tornar deliciosamente divertida.
Enquanto Sophie e Mingyu aproveitavam o escuro de um jeito nada convencional que dispensava meus comentários, as pessoas estavam espalhadas pelo ambiente, que tinha concedido um karaokê improvisado e agora um aparelho de data show transmitia na parede branca as letras dos maiores grupos da primeira e segunda geração, e reconheci quando Eunwoo e o chinês alto tentavam cantar “Haru Haru” sem chorar pelo MV. Posso dizer com confiança que eles estavam conseguindo estragar uma pérola, e esperava que G-Dragon jamais soubesse disso.
Eu, em contrapartida, podia estar ligeiramente me sentindo emocionada pela minha primeira vitória significava em muito tempo (quando eu digo muito tempo é porque realmente é muito, ok?). Ora essa, eu sei que tinha sido apenas um strike e que não impediu que perdêssemos o jogo, mas ainda assim, aqui estava eu, tentando lançar bolas de basquete na cesta fincada na parede há poucos metros do meu rosto e que soltava um enorme “péeeee” e brilhava em vermelho vivo quando eu errava, como se estivesse caçoando de mim. Bem, contando o fato de que eu estava numa série contínua de erros, dava pra entender as interferências elétricas sem paciência. Toda a minha sorte tinha sido gasta naquele arremesso na pista de boliche.
O resultado foi que mal ouvi quando Jaehyun chegou ao meu lado, e agora eu não tinha dúvidas quando ele se aproximava desse jeito, o que era totalmente estranho e inesperado.
— Quer ganhar uma dessas de aniversário? — perguntou, depositando a cerveja na bancada ao lado da máquina. — Quem sabe como dona de uma você tenha mais tempo para tentar.
Semicerrei os olhos, me sentindo ao mesmo tempo contente por ouvir sua voz e irritada porque ele tinha toda a razão. Não irritada de verdade, isso era um pouco impossível em relação a Jaehyun. Observar meu azar em ação já tinha se tornado algo trivial para ele.
— Muito engraçado, Jeong. Sempre caçoa de meninas que se dão mal a maior parte do tempo ou só nos fins de semana?
— Só com aquelas que eu me dou bem — deu de ombros, estendendo a mão para a bola que eu segurava — Permita-me?
Entreguei a bola, vendo-o se aproximar até à frente da cesta e encará-la por dois segundos antes de lançá-la, que fez um giro perfeito no ar até afundar no centro do círculo, fazendo a máquina vibrar em um barulho que eu ainda não tinha escutado: o “plim-plim” da vitória.
— Fala sério — murmurei, desatando uma risada seca, sem surpresa — Vocês, idols, são uma espécie rara e complicada. Acho que você, especialmente, não ajuda muito — balancei a cabeça e ele riu, pegando outra das bolas amontoadas no espaço em frente ao painel.
— A maioria finge ser algo que não é na frente dos outros — mais um barulho de pontos. — E você é facilmente surpreendida, sabia?
— Não precisa fazer cerimônia, você é bom em quase tudo — ele riu ainda mais abertamente, o que me contagiou. Observei-o pegar mais uma das bolas e jogá-la na cesta com uma mão só, pontuando de novo sem nenhum esforço. Abri a boca em um “o” teatralmente afetado — É sério, você precisa parar com isso, ‘tá me deixando pra baixo.
Uma outra música irrompeu do nada. Agora eu claramente escutava a voz de Yugyeom enquanto cantava I Like Me Better do Lauv de forma totalmente grogue.
— Você também é boa em muitas coisas. Só tem medo de tentar.
— Tem coisas que a gente simplesmente não nasceu pra fazer, já aceitei isso. — e não precisava contar o quanto já tinha ficado ligeiramente furiosa com esse fato, mas dei um jeito de me recuperar rápido — Você já teve a sensação de não nascer pra alguma coisa? — perguntei em um tom engraçado, mordendo o canto da bochecha.
— Não nasci para gravar datas — respondeu prontamente, levantando os ombros. Ele jogava uma bola de um lado a outro, e a forma como riu não me convenceu de que aquilo poderia ser verdade — E com certeza não nasci pra fazer o que você faz. É um campo de conhecimento muito além da minha capacidade.
Ele me ofereceu uma das bolas. Olhei com desdém, mas logo sorri e me deixei levar pela esportiva do jogo, mesmo que ele se lembrasse bem de como essas coisas estavam contra mim.
— Lidar com números não é nada empolgante, mesmo que se trate do seu próprio dinheiro. — suspirei, atirando o lance com menos força e, instintivamente, mais confiança. Por incrível que pareça, ela acertou a borda da cesta e retornou para baixo, sendo o mais perto que cheguei de pontuar naquele jogo — Mas gosto de saber que pelo menos alguma coisa na minha vida ‘tá sendo bem controlada.
— Agora quem ‘tá fazendo cerimônia? — A outra bola que peguei escapou de minhas mãos e ele a girou nos dedos. Fala sério! — Bem, espero que você não controle a sua vida do mesmo jeito que está fazendo com essas bolas.
— Mas você com certeza controla bem. Jesus, não tenho o menor interesse em competir com você — ele baixou os olhos, e aquele sorriso foi muito parecido com o da praia mais cedo, um sorriso que me fazia olhar um pouco mais — Ser idol em tempo integral era realmente seu único sonho? Ou tinha alguma outra coisa misteriosa competindo em meio período?
— Vamos começar com isso de novo?
— Ah, eu posso ser mais curiosa do que imagina. E a curiosidade traz insistência, sabia disso? Você deveria ter permanecido quieto e na sua como todos os dias sem se aproximar tanto de mim como fazia normalmente.
Jaehyun franziu os lábios, virando-se de frente para mim, ainda com a bola nas mãos. Percebi que minhas últimas palavras tinham saído sem qualquer filtro, mas que me revelavam uma verdade contida: ele realmente nunca tinha se aproximado ou falado tanto comigo como estava fazendo nessa viagem. E não que eu esteja reclamando, mas me fazia pensar o que diabos pode ter acontecido com ele, porque eu claramente não tinha muitos atributos atrativos que fazia meia dúzia de pessoas se interessarem em fazer amizade comigo.
Na verdade, Jaehyun não precisava de mais amigos. Era um fato estampado no seu comportamento. As pessoas costumavam ir até ele, e não o contrário.
Talvez fosse o fato de que sua profissão envolvia a atenção de milhares de pessoas e ser gentil e carismático fazia parte do pacote, mas ele não estava falando comigo e me fazendo companhia por diversas vezes pela pura força do hábito. Não havia o que fingir ou forçar no meio de seus amigos em um ambiente informal. Mas me lembro de inúmeras vezes em que nos encontramos nos bares variados de Seoul que Jungkook me arrastava e de como ele parecia sempre tenso e calado, bebendo e falando somente o necessário, sendo o membro do grupo com quem eu menos tinha formado um vínculo.
Quando tinha sido a última vez que tivemos uma conversa que durasse mais de cinco minutos? Em maio?
— Decidi que estava na hora de dar mais atenção para a nossa mascote — zombou, e semicerrei os olhos de novo por estar sendo implicitamente comparada a um labrador — E eu tinha sim um outro sonho antes de ser idol mas você não vai querer saber, então relaxe a sua curiosidade.
— Ei! Claro que não! — rosnei no mesmo tom que o motor da máquina ao anunciar mais pontos — Agora você tem a obrigação de terminar, Jeong Jaehyun.
Ele riu ao mesmo tempo em que o letreiro piscou com a palavra vencedor e o barulho de fogos imaginários e plateias ensandecidas invadiu o pequeno espaço entre nós.
— Quer um sorvete? — ele começou a se retirar, indo até um pequeno equipamento de sorvete expresso, ao lado de um fliperama colorido e ilustrado com um desenho de três garotos de camiseta sem manga apontando armas de chumbinho para a tela.
Fui atrás dele, vendo-o pegar um copo colorido e colocá-lo embaixo do bico de metal.
— Ei, você não vai fugir de mim, mocinho. Pode ir me contando. Qual era seu outro sonho? Tem alguma coisa a ver com Hollywood?
— Qual sabor você gosta? — perguntou, ignorando minha pergunta como se segurasse um telefone no ouvido.
— Baunilha. Você não vai conseguir fugir assim.
Ele puxou a alavanca de um jeito peculiar, e vi o copinho azul se encher de sorvete branco cremoso. Quando me ofereceu, senti algo estranho no peito, como se estivesse denominando o que acontecia entre nós dois como amizade. Um estranho pertencimento a alguma coisa e, de novo, a familiaridade que sua presença estava me trazendo desde que pisei nesse lugar.
— Não tô tentando fugir. Só não sei como dizer isso.
— Acha que é grave? Você queria ser um serial killer ou coisa parecida?
— Não — riu, pegando um outro copo. — Digamos que é bem mais frenético do que isso.
— O que é?
— Queria ser pai.
Não sei como aquele copo frágil e de plástico não escapou da minha mão.
Quero dizer… Oi? Ele tinha dito isso mesmo?
— Não brinca.
— Eu disse que você não ia querer saber. — o cara simplesmente levantou os ombros, sorriu de canto e pegou seu copo de sorvete. Eu ainda estava chocada demais para falar. Vendo isso, ele virou para o outro e parou em frente a um dos fliperamas antigos, onde um jogo muito parecido com Street Fighter Alpha esperava seus próximos aventureiros.
Engoli em seco, conseguindo movimentar meus pés para ir até ele de novo depois do meu intenso estado de abalo.
— Estamos falando de pai de crianças, pequenos humaninhos com catarro e piolhos e não pai de pet, certo? É isso mesmo? Você queria um filho? — questionei, talvez um pouco mais alarmada do que pretendia, e não sei como ele poderia estar interpretando minha expressão; se era pena, ou talvez… Um sincero susto.
De qualquer forma, Jaehyun não parecia estar se importando com a minha reação inquieta. Acho que era algo totalmente esperado para quem declara uma coisa daquelas. Quando me olhou debaixo de toda aquela luz vermelha e rosa que saía do teto e dos monitores arcade, parecia na verdade estar achando graça do meu comportamento.
— É, desse jeito pasmo e detalhado que você disse, mas sim. — O sorriso dele que veio a seguir foi tão espontâneo e tranquilo que me vi obrigada a retribuir, mesmo que não conseguisse tirar meus olhos dele em busca de algum trejeito inconsciente que ele poderia demonstrar para refutar toda aquela declaração.
Onde eu estava com a cabeça? Era lógico que Jaehyun não mentiria sobre uma coisa dessas, e por mais que tivesse sido espantoso, era louco como a ideia combinava com ele.
Mordi o sorvete, desviando os olhos para o cenário colorido que mais parecia um set de filmagens de Stranger Things e suspirei, findando minha perturbação pela informação.
— Eu genuinamente não sei o que dizer — concluí. — Quer dizer, tenho certeza que nunca ouvi e nem imaginei essa resposta antes e ‘tô um pouco comovida. Existe um porquê disso?
Vi meu novo amigo umedecer os lábios e virar de novo na direção contrária, dessa vez andando até as poltronas acolchoadas da parte de jogos de corridas automobilísticas, apontando com a cabeça para o assento vizinho, me chamando. Nós dois nos ajeitamos em frente ao pequeno volante que fazia parte da realidade virtual do jogo. O banco era macio e confortável, e eu não sairia dele caso batesse em muros e em outros parachoques na tela à frente. Talvez fosse a única forma que eu poderia dirigir com segurança, sem riscos de ter um ataque de pânico.
— Sinceramente, não sei. — Jaehyun suspirou, apoiando uma das pernas na lateral da base de controle, onde as embreagens e os freios eram mais altos do que o normal. Naquela posição, ele atingia um estado nítido de dualidade absurda entre seu eu artista e seu eu civil - e seu lado social gostava de jeans largos e rasgados nos joelhos e nos tornozelos, camisetas pretas com trechos de City of Stars de La La Land e tênis all-star azuis que eram personalizados com suas iniciais. Ah, e ele gostava de sorvetes de chocolate duvidosos. Muito diferente do Jaehyun artista que se vestia polidamente em moda dândi. Nesse momento, ele se parecia com um estereótipo malvado e caipira pobre ao mesmo tempo, o que o deixava atraente das duas formas e deve ter me hipnotizado por alguns segundos como uma idiota, porque sua boca se mexia sem sair nenhum som, mas limpei a garganta e dei um jeito de me recuperar: — Li um livro uma vez que dizia que nosso insconsciente grava experiências da infância e as transformam num padrão que dita nossos comportamentos, emocional e toda essa coisa, mesmo que não nos lembremos de nada. Até nossos sonhos e objetivos estão atrelados a alguma coisa que passamos, mecanicamente. Bem, eu não sei como explicar isso no meu caso. Meus pais são professores e sou filho único, então fiquei sozinho e me virei em casa a maior parte da infância, e quando eles chegavam o jantar estava na mesa, conversava sobre futebol com meu pai e sobre a escola com minha mãe e não passei por muitas coisas complicadas. Sempre gostei de cuidar deles, seja como fosse. E vi naquele casamento algo que eu queria pra mim. A família que eu almejava. Mesmo que isso não signifique exatamente um plano de vida. — Virando a cabeça em minha direção, ele piscou aqueles olhos castanhos várias vezes de uma forma intensa, como se tentasse ver o que eu estava pensando. Depois, gracejou sem graça, apoiando a cabeça na parte superior do banco — Desculpe, isso é um pouco chato.
— Não, de jeito nenhum! — Arfei, um tanto desesperada para que ele não entendesse aquilo — É muito impressionante ouvir isso, mas nada esquisito, sério. Em qual parte você desiste disso tudo?
A fisionomia dele se transformou em algo sério, vivo. Muito diferente do Jaehyun que normalmente era.
— Tive alguém que me fez perceber que esse sonho não passa de fantasia quando se sonha sozinho. Algumas pessoas pensam que ter um filho é o mesmo que viver em um estacionamento de trailers, como se a vida automaticamente se tornasse mais difícil e miserável, então encarei a realidade. Talvez algo na minha relação com minha família tenha me deixado com vontade de ser pai jovem, de poder compartilhar experiências com ele mais cedo, ou a chance de amadurecer mais rápido. Mas não precisei de uma responsabilidade tão grande pra isso acontecer, então fui aprender coisas novas. Tecnicamente, fiz de tudo um pouco até finalmente aceitar o convite da SM e chegar aqui.
Abri a boca e voltei a fechá-la. Senti que o sorvete estava derretendo nos meus dedos, mas não me importei. Minha testa se enrugou de confusão e uma vontade absurda de fazer perguntas.
— Mas quem foi essa garota que não estava disposta a morar em uma linda casa pré-fabricada? — debochei, tentando rir da situação, mas odiando minha enorme boca logo em seguida. — Quer dizer, desculpa, não precisa…
Ele balançou a cabeça, totalmente zen, como sempre.
— Ela já está bem longe, de qualquer jeito. E sonhar em ter uma família não é exatamente uma coisa rentável, ainda mais quando se tem 16 anos. A sociedade e a realidade conseguem remover isso de você à força. Então, depois dela, eu queria parar de pensar nisso e fazer outra coisa. E aqui estou eu — levantou um dos braços, ironicamente. — Sua curiosidade foi satisfeita agora?
Soltei uma risada perplexa, dando a entender que adiar um sonho, tradicional ou não, não era exatamente acabar com ele.
— Sinceramente, não! Como assim? O que ela fez? O que aconteceu pra não ter dado certo?
— Essa história vai ficar pra um outro dia, tá bom? — murmurou, brincalhão — Seria muito sem graça se você me conhecesse de uma vez só. Assim não teria motivos pra falar com você de novo.
Senti uma reviravolta no estômago e tive vontade de me xingar dos piores nomes. Por que eu estava pensando, por um mísero segundo, que ele estava flertando comigo? Isso não era possível, certo? Jaehyun jamais flertaria comigo. É sério, não tinha como. Ele era o tipo de cara que não dava para saber exatamente o que pensava ou gostava, além das informações que dava em entrevistas e das brincadeiras que se envolvia com os meninos, como se interessar por livros esquisitos da Nova Era e gostar de filmes musicais, mas fora isso, os sites de k-pop sabiam apenas o que ele queria que soubessem. Porém, era totalmente verdade que, há dois anos atrás, tinha se envolvido com aquela atriz super linda Song Hye Kyo, então eu estava plenamente convicta em como aquela ideia era totalmente sem noção.
Não era hora de deixar minha paranoia sair para fora e me causar tiques esquisitos.
— Você fala como se eu fosse muito interessante. — revirei os olhos, com uma risada de depreciação. Talvez, tenha saído mais engasgada do que pensava — Eu já disse mil vezes: não me iluda, Jeong Jaehyun.
De alguma maneira, ele pareceu enrijecer a postura e limpar a garganta.
— Peço a mesma coisa — falou em um quase sussurro. Na verdade, se eu estivesse analisando direito, diria que ele parecia tenso, mas não podia negar o quão pobre era minha habilidade de ler as pessoas — Mas então, o que ‘tá achando da viagem?
No momento em que passou a língua no sorvete mais uma vez, percebi o quão parecido com um cara normal ele ficava daquele jeito. Um cara normal que poderia me levar para um encontro normal em um lugar normal como esse em qualquer dia.
— Melhor do que eu esperava. E mais louca do que eu esperava — baixei os olhos com a minha voz encurtada. Ah, droga, era só o que me faltava nesse momento: lembrar da situação. Aquela que me fazia ficar ainda mais vermelha debaixo dessas luzes que já eram vermelhas o suficiente.
Louca é uma palavra muito ambígua. Aconteceu alguma coisa que te desagradou?
— Talvez. Na verdade, parece ter desagradado outras pessoas do que a mim, então estou tentando superar isso.
Na verdade, eu estava testando se todo aquele tempo que passei amadurecendo lentamente para me tornar tudo o que meus pais tinham medo que eu me tornasse estava funcionando direito — a maturidade de passar por cima de momentos constrangedores. Bem, de certa forma, não fazer minhas malas ou ficar escondida embaixo da cama a maior parte do tempo parecia ser um resultado legal.
Ele parou o olhar em mim, parecendo me analisar profundamente.
— Foi naquele primeiro dia no jardim?
— Ah, não. Quer dizer, sim. Digo… Não sei o que dizer… — repuxei os lábios, e esfreguei um dos olhos. — Beijei uma pessoa e estou meio perdida sobre isso.
Revelei automaticamente, mas não me arrependo por isso. Uma confiança repentina por Jaehyun já estava morando dentro de mim, o que achei absurdo porque estava há menos de uma semana aqui. Ele virou o corpo totalmente para mim, pousando o sorvete na frente do monitor e abrindo ainda mais os olhos, como se estivesse ligeiramente e totalmente surpreso com a informação.
— Então você se lembra? — perguntou, desconcertado. Franzi o cenho, balançando a cabeça.
— Claro que me lembro, como não poderia? — dei uma risada sem graça. Eu me lembraria para o resto da vida, como quando Jungkook tinha aparecido de surpresa no meu aniversário do ano passado depois de ter dito várias vezes que estava no Japão — Mas parece que ele não se lembra.
Agora foi a vez de ele franzir o cenho e ficar ereto enquanto me olhava com uma expressão… Embaraçada? Estupefata? Eu não sabia o que era aquilo. Ele balançou a cabeça algumas vezes, ainda parecendo desorientado.
— Não! Ele se lembra, tenho certeza que sim. Só não sabe como dizer isso… Só… — sua voz se perdeu, e continuei olhando-o em espera. Algo parecia ter se desligado em seu cérebro, e Jaehyun buscava as palavras de volta — , eu… Naquele dia…
Uma sensação gelada na minha coxa me fez desviar os olhos dos seus e flagrar a quantidade de sorvete que pingava na minha calça preta. Com um solavanco, larguei o copo em cima do controle, o que não foi nada inteligente, porque ele logo se desequilibrou e despencou para o chão, fazendo a maior bagunça no carpete.
— Droga… — trinquei os dentes, balançando as mãos para me livrar do doce, quando Jaehyun jogou as duas pernas para o lado e pegou em minhas mãos.
— Calma, vou pegar um guardanapo pra você — ele ainda se recuperava do estado estranho de antes, e sentia que estava prestes a ouvir algo de importante antes de ser interrompida pelo sorvete, mas isso logo saiu da minha cabeça quando ele voltou a se sentar, trazendo agora alguns guardanapos de papel da máquina de sorvete.
— Você realmente ‘tá sendo premiado nesse feriado — resmunguei, soltando uma risada sibilante. Ele puxou meus dedos e começou a limpá-los. Instintivamente, levei a outra mão para colocar uma mecha atrás da orelha, totalmente alheia ao fato de que o antebraço estava arruinado com algumas linhas do sorvete que foram parar ali pela confusão em me livrar do copo. A sensação gelada agora estava na minha bochecha e Jaehyun me fitou, soltando uma gargalhada.
— Olha só pra você — com outro guardanapo, ele se aproximou do meu rosto.
— Não precisa, eu posso fazer… — parei de falar. Na verdade, foi mais como ser absolvida por um tipo de frenesi. Minha intenção era bancar a durona e dizer que eu poderia muito bem arrumar minha bagunça, mas ficou difícil dizer qualquer coisa quando o rosto dele ficou tão perto de mim que era possível sentir sua respiração no meu nariz.
Foi uma cena totalmente inexplicável. Era como se eu estivesse deitada na sala do meu apartamento ouvindo minha playlist chamada “Os sons do amor platônico” enquanto fantasiava com um beijo que parecia impossível de acontecer. Na verdade, as fantasias sempre eram apenas um beijo, eu não me atrevia a pensar em nada além disso e não deixava que o futuro estragasse tudo. Porque bem, ele poderia nem existir.
Mas o que estava acontecendo ali era diferente. Era algo desconcertante que não permitia que minhas pupilas se mexessem. Não me deixava desligar o torpor e sair, e tinha certeza de que percebi a mesma coisa vinda de Jaehyun.
Eu queria que ele me beijasse. De repente, eu precisava que ele me beijasse.
— Ei, vocês!
Para o grande alívio da minha sensatez, acordei imediatamente e me afastei para trás, limpando a sujeira do meu rosto com as costas da mão. Foi como se abelhas carpinteiras gordas e brilhantes se precipitassem sobre a minha cabeça, e agora tudo ao redor parecia mais real.
Tão real quanto Yugyeom que se aproximava correndo.
— Acho que vamos ter que ir nessa. Parece que a Sophie bebeu demais e bebeu a coisa errada. Mingyu ‘tá chamando vocês lá fora.
Juntei as sobrancelhas e encarei Jaehyun por um instante antes de me levantar e organizar a minha situação.
— Que merda aconteceu com você? — perguntou ele, apontando para os meus dedos melados.
— Não importa, onde ela está? Ela destruiu alguma coisa? — comecei a caminhar para fora, ouvindo os passos atrás de mim. Ainda tentava me distrair do que tinha acontecido ali atrás, seja lá o que foi aquilo.
— Só a dignidade dela, mas já estamos acostumados com isso.
Semicerrei os olhos e visualizei a porta de entrada. Se Sophie estivesse bem o bastante, eu não sabia se a agradeceria ou me estressaria pela interrupção da fantasia mais absurda que já experimentei.

☀️⛱️


Sophie era a extensão de um pesadelo bêbado.
O estacionamento era plano e feio, lotado de grama morta, que agora desaparecia por debaixo de toda aquarela que habitava no estômago da minha amiga. Deus do céu, era nojento. O fato de ela comer e beber tudo que acha bonito pela frente não me ocorreu antes, enquanto estava distraída com Jaehyun no playground.
Quando terminou de soltar tudo que precisava, puxei-a pelos ombros até a Land Rover, sentando-a no banco do carona com as pernas para fora. Ela imediatamente repousou a cabeça para o lado e fechou os olhos, respirando pela boca entreaberta. Não importava quantas vezes eu dissesse para ela que era sem noção tomar um drink só por soltar fumaça colorida ou ter açúcar salpicado nas bordas, Sophie não parecia ficar nem um pouco mais sábia quanto a isso.
— Preciso levá-la pra casa — disse Mingyu ao se aproximar com Jaehyun depois de os dois alegarem que iriam avisar aos demais e conferir se o desconto de primavera ainda valia mesmo se, hipoteticamente, as câmeras do estacionamento flagrassem alguma depredação não intencional às plantas do local. — Acho que ela ‘tá um pouco mal.
— Você percebeu? — levantei uma sobrancelha afiada de propósito, porque era totalmente inaceitável que Mingyu soubesse de como era todo o processo para que Sophie terminasse a noite daquele jeito e não fizesse absolutamente nada para impedir. — Não adianta olhar para mim desse seu jeito sombrio, ela não é tão adulta quanto diz que é.
— Eu disse pra ela me avisar quando estivesse se sentindo mal. Temos um sinal, sabia? São duas batidas na testa, ela só deu uma — ele respondeu com frustração, e revirei os olhos para sua ingenuidade. Depois disso, um estalo discreto veio da direção de Sophie quando ela meteu a palma da mão na testa e começou a rir.
— Agora foi a segunda — Jaehyun deu de ombros.
— O que ‘tá pegando? — Agora Eunwoo se aproximava junto com os outros, incluindo Jungkook. Todos eles eram sombras sorridentes e bêbadas que andavam no mesmo ritmo, sem tirar o sorriso do rosto. Às vezes, aqueles garotos pareciam ter os mesmos traços alongados, ou os mesmos olhos arregalados de um boneco de ventríloquo quando bebiam. — Uau. É a Sophie? Sophie, é você? — ele cambaleou até a porta, apertando os olhos para a cabeça tombada de Sophie — Sophie, o que houve com a nossa amiga Sophie? Sophie! — gritou, arrancando uma gargalhada de Yugyeom.
— Para de gritar, cacete! — Mingyu puxou seus ombros para longe, ignorando o quanto Sophie também tinha recomeçado a rir. Comparado a como estava antes, agora ele parecia bem responsável. — Não vê que ela está passando mal?
— Ela parece velha e sofrida — Jungkook falou, olhando para os cabelos loiros de Sophie puxados para a frente do seu rosto como uma imagem daquela mulher louca de Misery. Automaticamente, quis soltar uma risada pela referência, mas puxei os lábios e me controlei.
Mingyu estalou a língua e começou a puxar os joelhos da namorada para dentro do carro.
— Tenho que levá-la embora antes que ela vomite nos fundos do porta-malas. Alguém…
— Temos que passar na farmácia. Ela vai precisar de Tylenol amanhã — eu disse, antes que ele pudesse perguntar qualquer coisa.
— Tem aspirina em casa.
— Ela não toma aspirina — argumentei, ouvindo Sophie soltar um “nãoooo” grogue e infinito, que morria a cada segundo. Olhei-a de relance e desviei o olhar, sabendo o que significava — ‘Tá legal, ela não toma nada que venha em formato de pílulas que são criadas artificialmente em laboratório, mas só um chá de ervas e um banho gelado não vão impedir sua cabeça de explodir amanhã.
Mingyu analisou meu ponto sem me encarar, enquanto um ronco veio do nariz de Eunwoo quando ele desatou a gargalhar mais uma vez.
— Chá de ervas?! Fala sério, Sophie, que coisa mais brega!
— Pelo visto mais gente aqui vai precisar do Tylenol — Jaehyun murmurou enquanto segurava por um dos ombros de Eunwoo antes que ele despencasse de tanto rir.
Revirei os olhos de novo. Mingyu passou o cinto em volta de Sophie, que ria abertamente de Eunwoo e de motivo nenhum, o que não foi a melhor ideia do mundo. Sua cor verde se transformou em amarelo e, em um segundo, ela precisou levar as mãos à boca para não soltar tudo em cima do próprio colo.
— Caralho babe, aguenta firme! — O grito de Mingyu era uma reação clara ao seu medo dos estragos que Sophie poderia causar naquele banco caro. Eu nunca deixava de me surpreender com suas condutas exageradas sobre aquele carro — ‘Tá legal, vou levá-la direto para casa e você vai comprar o remédio. ‘Tá combinado assim?
— Eu?! Mas… — Mingyu não me deu atenção e já caminhava direto para a porta do motorista, acomodando-se ao lado de Sophie.
— JK pode te levar. É melhor que você seja vista em um lugar cheio de preservativos e bebidas baratas do que a gente. Feriado em Jeju, , as ruas estão cheias, sei que você entende. Enquanto isso, vou fazer o maldito chá de ervas — ele agora colocava seu próprio cinto, e estava tão agitado que não percebeu a palidez que tomou meu rosto.
— Não, eu posso ir com vocês, vai ser rápido, não vai levar nem dois minutos…
— Isso! JK e vão juntos! Vão juntoooos… — Sophie bateu palminhas e, se não fosse pelo cinto de segurança e a porta fechada, já tinha caído para fora — Fofos, vocês são tão shippáveis, mas você, JK, se você se atrever…
— Eu posso ir com ela — agora Jaehyun falou na frente. Me virei em sua direção, que ainda tinha um Eunwoo apoiado nos ombros e um Yugyeom chutando pedrinhas para atingirem os calcanhares dos amigos — Temos o carro do Yug, eu posso…
— Ele disse para eu ir junto. — Fui obrigada a me virar quando ouvi a voz de Jungkook. Estava diferente de tudo que eu já tinha escutado. Até seu olhar na direção de Jaehyun era sério e afiado.
Jaehyun devolveu esse mesmo olhar. Um olhar que dizia tudo que Jungkook precisava saber sem ele ter que abrir a boca. Eu só não sabia que coisa era essa.
— Não lembra que bebeu um pouco demais? É mais responsável ir direto para casa.
— Obrigado pela preocupação, mas também é responsável comprar o remédio da Sophie. E sou perfeitamente capaz de levá-la em segurança, já fiz isso mais vezes do que imagina.
Jaehyun desviou os olhos e soltou uma risada engasgada. Alguma coisa parecia estar crescendo ali no meio e dei um passo à frente para tentar dar uma opinião, mas Jaehyun foi mais rápido e deu dois.
— Não se preocupe, não vou arrancar o seu selo de melhor amigo, mas talvez seja melhor eu levá-la dessa vez — as palavras dele pareciam serragem na boca. Atingiram Jungkook de um jeito muito nítido para quem estava sóbrio. Quando vi, ele também estava se aproximando e agora os dois se encaravam de perto.
— De qualquer maneira, eu já disse que eu vou levar. E não tem mais discussão sobre isso.
Jaehyun puxou os lábios, fechando ainda mais a boca e fortalecendo mais aquele olhar feroz que era devolvido em dobro por Jungkook.
— Qual é a sua, Jeon?
— Qual é a sua, Jaehyun? — a palma da mão de Jungkook estava no peito de Jaehyun de um jeito involuntário, e foi quando tudo se concretizou como: alguma merda está realmente acontecendo — Acha que eu não percebi o que você ‘tá fazendo? Na minha cara, ainda por cima…
— Você não sabe de nada.
— Ah, não sei?! — JK deu uma risada perplexa — Ficou falante do nada perto dela e acha que não sei?! Acha que é assim que as coisas funcionam? Que você chega de repente e estaciona em uma garagem que não é sua? O que você pensa…
— Não vou discutir com um cara que não sabe nem o que sente, quanto mais o que fala.
— Cala a sua boca…
— Calem a boca, os dois! Que merda vocês estão fazendo? — gritei, empurrando Jungkook para trás antes que ele avançasse ainda mais em Jaehyun. Os dois tinham os maxilares trincados como esqueletos e uma respiração ofegante escapando do nariz.
Mingyu buzinou forte da Land Rover. Em seguida, colocou a cabeça para fora da janela e gritou:
— Parem com essa porra agora ou vou colocar Sophie pra vomitar em cima de vocês! Manés do caralho! Decidam nos próximos dois minutos ou vou buzinar de novo!
Olhei para Mingyu por um segundo de um jeito mortal. Se ele apertasse aquela coisa de novo, eu o jogaria embaixo daquele carro e ainda o usaria de rampa.
, você não precisa… — começou Jaehyun. Balancei as mãos para que ele se calasse e me voltei para Jungkook.
— Vai logo ligar aquele carro antes que eu prefira envenenar minha amiga com aspirina — grunhi, vendo-o piscar os olhos — Jaehyun, eu…
— Ótimo! Jae, leva o Eunwoo e o Yug antes que eles comecem a ligar para as ex-namoradas! Eu vou nessa!
O ronco do motor suprimiu todo o silêncio constrangedor que tinha se instalado de uma forma nada convencional. Em poucos segundos, a Land Rover agora era um ponto invisível nas sombras azuladas e frias da cidade.
E de repente eu queria ser uma lata de óleo vazia para me embrenhar em algum canto daquele veículo e ter ido embora junto com eles.
— É só isso? Não vai ter socos? — Eunwoo falou grogue, agora se encostando em Jungkook — Ei. Você não vai pra cima dele? Parecia que você queria muito fazer isso lá dentro quando nossa garota abraçou ele…
— Eunwoo, já deu — Jaehyun puxou o amigo para perto, olhando para mim de um jeito terno — Você vai ficar bem?
Um ruído de escárnio veio de Jungkook, e assenti com a cabeça antes que ele dissesse outra coisa que me estressasse.
— Vai sim. Te vejo mais tarde.
Ele deu um sorriso de canto e começou a se afastar com os outros dois alcoholizados do grupo.
Suspirei e virei para Jungkook. Ele ainda estava parado, me analisando, como se não soubesse qual o próximo passo a seguir, mesmo que eu tenha dito claramente a ele qual deveria ser.
— O que ainda está fazendo aqui? — ergui a sobrancelha, gesticulando para o amontoado de carros ao lado — A Mercedes.
Ele pareceu “acordar” e limpou a garganta antes de andar até ela. Esperei mais algum tempo antes de segui-lo. Quem observasse direito, saberia que eu estava fazendo isso para evitar ficar sozinha no mesmo ambiente que ele. Mas eu o conhecia bem demais para saber que, se ele estivesse em um estado minimamente alterado e, por acaso, perdesse aquela discussão para Jaehyun, o tópico voltaria no próximo e no próximo dia. Jungkook tinha uma mania inconveniente de querer ser o campeão. Mesmo que eu ainda não entendesse qual competição estava acontecendo ali.
Isso era ridículo. Não tinha competição nenhuma. Jungkook também era campeão em falar asneiras quando bebia.
Caminhei até ele e dobrei os joelhos para me impulsionar para dentro do banco do carona, fechando a porta sem encará-lo. Ele batucou os dedos no volante por alguns segundos, como se quisesse dizer algo, mas não disse. Simplesmente pisou na embreagem e saiu do estacionamento.


05 – Azul

's POV

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Sundress – A$AP Rocky


Queria que Jungkook permanecesse em silêncio por todo o trajeto, mas é claro que não tive esse privilégio.
Ele parecia tão durão e distante dirigindo daquele jeito atento, o que revelava que as palavras de Jaehyun conseguiram atingi-lo de algum jeito, mas também era para esconder o quanto alguma coisa pesava ali dentro. Algo tão sólido quanto aquele carro, tão enorme quanto aquela ilha.
E isso não era nada bom. Na verdade, era péssimo e agora eu me perguntava porque diabos tinha aceitado aquela ordem ridícula de Mingyu.
Porque ele sabia, era lógico que sabia, ele era o namorado de Sophie e eu tinha certeza que o maior passatempo daqueles dois era rir do meu presente e planejar o meu futuro.
Apesar disso, o mínimo que eu poderia fazer era não demonstrar o quanto minha relação com Jungkook estava frágil e delicada nos últimos dias, e tentei continuar com a expressão plena enquanto acompanhava as ruas e bares lotados de Jeju pela janela do carona enquanto ele procurava algum lugar convenientemente vazio, sem chance de alguma sasaeng se desenterrar de alguma moita.
É sério, não dava para duvidar de nenhuma delas.
Mesmo assim, preferi manter a viagem sem dizer nada. E Deus, como aquilo era estranho. Anormal. Ridículo, de certa forma. Dividir um carro com Jungkook sempre era motivo de risadas, piadas sem graça e Lauv no último volume. Agora tinha apenas a parte do Lauv, e ele cantava Never Not tão baixo que parecia uma canção de ninar, o que não era suficiente para engolir todo o constrangimento sufocante daquele espaço.
Era nessas horas que eu xingava os malditos cientistas que ainda não tinham inventado um vira-tempo de verdade e colocado à venda na Amazon.
Foi então que Jungkook limpou a garganta e decidiu começar a falar:
— Acho que a gente podia conversar.
Mordi o lábio inferior, ainda olhando para fora, onde um amontoado de gente havia combinado de sair com roupas coloridas e brilhantes, pulando e gritando como em um mini-bloquinho de carnaval. Se eu me enfiasse no meio deles, poderia conseguir a localização da farmácia mais próxima e, de quebra, ainda ganharia cerveja de graça.
— Claro. Podemos falar.
Ele não pareceu gostar da minha resposta, pois ouvi seu suspiro pesado e soube que eu não estava ajudando muito.
Mas oras, eu não era boa nessas coisas de parecer normal estando a sós com um cara que eu beijei e que praticamente me rejeitou.
Aquilo foi tipo uma rejeição, certo?
— O que achou do seu primeiro jogo de boliche?
— Ah… — respondi, relaxando um pouco mais a posição. — Foi divertido, mesmo que eu tenha feito o time perder, mas acho que Sophie já estava preparada para isso.
— Tenho certeza que estava — disse ele, com a expressão mais anuviada. Não era sobre isso que iríamos falar, não é? Eu sei que não era.
Mais alguns outros minutos se passaram enquanto Paris in the Rain soava agora como uma canção mórbida, incômoda, porque era como tudo dentro daquele carro parecia. Sério, alguém precisava me explicar como o constrangimento parecia de início uma erva daninha pequena e inocente, mas que tinha o poder de se transformar no pé-de-feijão do João em questão de segundos.
, eu… — ele recomeçou, dessa vez com o tom mais sério, o que não me adiantava coisas boas — Eu preciso saber o que está acontecendo.
Olhei para ele de relance, me empertigando no banco.
— Não estou entendendo.
— O que ‘tá rolando entre você e o Jaehyun?
Fui encarada severamente com aquela pergunta. Fiquei parada, piscando os olhos, completamente atônita e confusa.
— Que tipo de pergunta é essa? — Ri de nervoso, talvez não apenas pela pergunta ridícula, mas porque a expressão de Jungkook parecia tão excepcionalmente séria que senti a necessidade de quebrar aquilo — Não tem nada rolando entre eu e Jaehyun.
— Essa resposta vale pelos dois? — Ele arqueou uma sobrancelha, e parecia querer rir, mas ela sairia tão forçada que ele preferiu continuar na mesma posição — Sei que somos culturalmente diferentes, mas mesmo assim, não te vejo abraçar ninguém daquele jeito, quanto mais um cara. Não acha que pode ser um pouco mal interpretado?
— Do que você está falando? — virei a cabeça para ele com o cenho franzido. Se Jungkook estivesse bêbado e falando asneiras, ele tinha que me mostrar que estava fazendo isso agora mesmo.
, qual é, não se faz de desentendida — ele murmurou em um tom baixo e rude. Tive vontade de arregalar os olhos e soltar um grito de sarcasmo, mas aquele tom foi uma coisa tão alarmante de se ouvir que só consegui trincar os dentes e cruzar os braços.
— Você está entendendo tudo errado — balancei a cabeça, querendo de repente que toda aquela nossa aura descombinada permanecesse descombinada e que o carro voltasse a ficar silencioso de novo — Não tem nada demais em um abraço. Até porque eu abraço você daquele jeito.
Jungkook esfregou a mão sobre a maçã do rosto, como se estivesse ganhando tempo até achar uma resposta. Eu esperava que ele não dissesse nada relacionado a “me abraça do mesmo jeito e acabou me dando um beijo e dizendo que me amava no meio da noite, então sim, posso saber se existe uma chance brutal de Jaehyun ser sua próxima vítima?” — isso considerando que ele se lembrasse de todas essas coisas.
No entanto, ele simplesmente disse:
— É diferente.
— Por que é diferente?
— Porque nós somos amigos. Você é minha melhor amiga, não existe comparação, , pelo amor de Deus, vocês mal se falavam antes dessa viagem e agora vejo o braço dele em prontidão pra te ajudar ou segurar ou até vigiar, não sei, não acha nem um pouco estranho essa aproximação toda?
Abri a boca para responder, mas percebi que não passaria de pirraça. Porque sim, é claro que eu achava estranho que Jaehyun estivesse sendo atencioso e muito amigável comigo, como se um irmão gêmeo dele estivesse nessa viagem, ou um diagnóstico de dupla personalidade, mas eu me recusava a deixar Jungkook saber disso.
— Então toda aquela discussão com Jaehyun antes de vir era por isso? — aquela pergunta provavelmente não devia ser feita porque estenderia o assunto que eu estava louca para terminar, mas a expressão de Jungkook estava me deixando terrivelmente confusa — Porque você está com ciúmes que eu esteja me aproximando de um dos seus amigos?
— Não seja ridícula — ele estalou a língua. Eu ergui uma sobrancelha sugestiva — Meus amigos fazem os amigos que quiserem. Estou falando de você, não entendeu isso ainda? — agora a voz dele soava um pouco mais suave. Senti um frio pesaroso no estômago — Só queria dizer que você às vezes é inocente e pode não perceber as verdadeiras intenções das pessoas.
Eu ainda estava custando a acreditar que Jungkook havia incorporado toda aquela pose de presidente do conselho para me dizer, no fim de tudo, que me achava inocente? Era isso mesmo?
— Realmente, devo ser muito inocente — falei irônica, erguendo agora as duas sobrancelhas enquanto olhava para o rosto emoldurado do meu amigo imbecil — Mas gosto do Jaehyun, de qualquer forma. Ele é um cara legal e me ensinou a jogar, um abraço não faria mal a ninguém.
— Eu nunca disse o contrário.
— Mas agiu como se fosse.
— Você ainda não entendeu…
— Quem não entendeu é você, Jungkook. Fala sério, eu e Jaehyun? O que você tem na cabeça? Isso é impensável, é…
Suspirei, mordendo o lábio para parar. Não fazia sentido discutir aquilo, eu nem sabia porque aquela ideia estava na cabeça dele desse jeito. Não era impensável porque Jeong Jaehyun tinha um caráter duvidoso ou zero coisas em comum comigo, mas sim porque um cara daqueles não se apaixonaria por mim em três dias. Fala sério. Se fosse o caso de ele estar interessado apenas em um beijo sem compromisso, isso já teria sido demonstrado há muito tempo, antes daquela confusão toda, antes dessa ilha, e eu com certeza teria percebido.
É claro que eu teria.
Estranhamente, pensar em beijar e Jaehyun na mesma frase fazia minha língua tremer, porque era tão ridículo que me fazia rir de nervoso. Parecia mais válido imaginar eu e Jungkook do que eu e Jaehyun pelo simples fato de Jungkook já ser parte da minha rotina.
Ele permaneceu calado até também soltar uma respiração pesada e continuar.
— Tá legal, não quero discutir sobre isso — concluiu, com cautela, mesmo que eu ainda visse um pingo de aborrecimento em seu queixo trincado — Só queria entender. Planejei essa viagem com os outros porque queria que você conhecesse cada lugar desse paraíso, queria que ríssemos juntos enquanto ficávamos no time vencedor, ou vendo você tentando nadar, ou dançar, não sei… Queria que você se sentisse bem comigo, mas se trocamos 10 palavras desde aquele dia foi muito, eu não…
— Não fale como se eu tivesse feito isso sozinha.
— Tudo bem, tudo bem, eu também não ajudei, mas eu não sabia o que fazer, . Você simplesmente me beijou! — E pronto, foi desta forma que Jungkook conseguiu estourar o balão já cheio do constrangimento e despejá-lo sem dó em cima de nós dois. Me encolhi no banco, assim como ele, e continuei olhando para a frente, onde agora o sinal vermelho era a peça que eu mais odiava na vida. Onde estava a maldita farmácia?
De qualquer forma, não senti a vontade de clamar para ser abduzida por extraterrestres naquela hora porque o jeito como Jungkook soltou o fato não era uma inverdade e pareceu tirar um pouco do peso que ele mesmo carregava por não ser capaz de repetir a palavra.
— Ok, certo, não é que eu queira trazer isso à tona assim, foi estranho e surpreendente… — ele baixou o tom de voz, limpando a garganta — Mas também não quero mais arrastar isso pra debaixo do tapete e fingir que nada aconteceu. Essas coisas nunca funcionam.
Assenti, passando a língua nos lábios. Era possivelmente verdade que nunca houvera tanta vergonha entre eu e Jungkook antes.
— Então o que quer falar? — perguntei, sem olhá-lo.
— Você não respondeu minha pergunta de mais cedo.
— Essa camada do tapete não pode esperar? — resmunguei mais para mim mesma, porém consciente que ele escutava.
— Ok, tudo bem. Então… O que aconteceu naquela noite, ? — ele deu uma pausa, e retornou: — De verdade.
O sinal verde não fez com que o carro continuasse em frente. O maldito trânsito de Jeju piorava a atmosfera, mesmo que fosse necessária para que as cartas fossem colocadas à mesa. Mas certamente até mesmo um corvo poderia chegar e pousar em cima da tensão entre nós dois, o que era uma lástima porque parecia que ainda demoraríamos bastante naquele carro.
— Me confessei pra você. Nós nos beijamos. E depois pensei que seria ideal repetir a dose, mas parece que eu estava errada — respondi em voz baixa. Jungkook virou quase todo o corpo para mim, parecendo completamente estupefato.
— Você se confessou pra mim?! Mas o que… — ele arqueou as costas para trás, perdido, como se as minhas palavras tivessem roubado algo dele — Isso foi no primeiro dia? Depois do jardim?
Concordei com a cabeça e ele pareceu ainda mais louco, e eu ainda mais patética. Qual é, isso já estava ridículo.
— Eu entrei no seu quarto e falei todas aquelas coisas, pelo amor de Deus, como pode ter se esquecido disso? — meu tom já beirava à indignação. Eu não conseguia me segurar, era absurdo.
— Entrou no meu quarto? , isso não é possível, você nunca entrou no meu quarto…
— Tudo bem, Jungkook, acho que essa camada do tapete também pode ser descartada — bufei, olhando para a frente, odiando todas as vezes em que ele dizia que não se lembrava enquanto o acontecimento não saía da minha cabeça, como se eu fosse uma louca que tinha imaginado tudo. Ele tinha feito eu parecer sombria, maluca ou alguém que tivesse entrado em seu quarto e lhe dado um beijo durante o sono como uma maníaca, mas aqueles braços me agarrando estavam muito bem acordados.
— Ok, me desculpa — ele sussurrou, talvez sentindo o mesmo que eu, com um toque a mais de desespero porque provavelmente jamais tinha bebido tanto a ponto de esquecer tanto, mas meu nervosismo não deixava eu me importar com isso — Mas… Então é verdade? Você gosta mesmo de mim?
Não respondi. Estava terrivelmente barulhento do lado de fora, com buzinas e sons altos vindo de grupos grandes na rua. Não queria parecer pirracenta e nem nada disso, mas por que ele precisava fazer perguntas tão óbvias?
— Sim, eu gosto — limpei a garganta. — Mas não falei para receber uma resposta em troca ou nada disso. Eu só queria que você soubesse.
A maneira como eu disse o deixou em silêncio e preferi assim. Não era mentira que eu não fazia questão de uma resposta, no entanto, agora eu pensava seriamente nas palavras de Sophie quando me disse no primeiro dia: “Se você quer tanto isso, não pensaria em abrir o jogo.”
Por que como diabos eu pensei que era falar? Que nada mudaria depois disso? Que Jungkook simplesmente fosse sorrir, fazer um carinho na minha cabeça e dizer: Tudo bem, agora vamos almoçar?
Deus do céu, como eu era insensata. EU era a pessoa que tinha estragado tudo.
Jungkook pressionou um dedo na pulsação logo abaixo do maxilar, o que significava que estava nervoso e pensativo e agradeci pelo carro estar em movimento e eu tivesse com o que me distrair enquanto observava as luzes magníficas de Jeju. As vozes na cabeça dele já estavam altas demais e eu não interromperia isso.
— Ali! — falei de repente quando notei as luzes esverdeadas e estouradas de uma loja de conveniência. Ao lado, luzes esbranquiçadas indicavam a farmácia, com a vitrine decorada com uma torre de pasta de dente em promoção por 500 wons cada.
Jungkook girou o volante e parou no meio-fio, enquanto eu imediatamente já começava a retirar o cinto de segurança.
— Vou levar dois minutos, não precisa desligar o motor.
— Espera — chamou com a voz arrastada, meio baixa e aérea. Parei e olhei para ele. Era nítido o quanto alguma coisa estava gritando dentro de sua cabeça. Algo que precisava ser posto para fora — Eu estou… Sei lá, totalmente confuso agora. Sei que não é hora de conversarmos sobre isso, mas fazer isso em alguma outra, não é?
Jungkook se contraiu no banco. Acreditei em cada uma de suas palavras porque não tinha motivos para duvidar da sua própria linguagem corporal. Mas ele me comunicava algo bem mais importante naquele momento, que só percebi quando entrei na loja e encarei as embalagens de remédios de dor variando em cores e formas.
Ele não sabia o que sentia e, por isso, não me comunicaria nenhuma resposta. Não deixaria sair nada que não fosse verdadeiro e isso fez com que eu me conectasse com ele novamente e desse um sorriso fino, porém sincero. Nós éramos amigos. Provavelmente nunca passaríamos disso, mas eu ficaria feliz só por passarmos por cima daquele clima constrangedor.
— Claro. Podemos conversar sobre qualquer coisa — afirmei com meu tom casual — Sei que tenho te evitado por todos esses dias, mas agora vou dizer: me desculpa por essa situação. Pelo beijo. Acho que me precipitei com algo incerto e acabei tornando as coisas estranhas entre a gente, então peço desculpas.
— Não precisa de desculpar, . Se eu fui a pessoa que não se lembra…
— Acho que agora não importa quem fez ou quem se lembra do quê. Podemos esquecer tudo isso e voltar ao que éramos antes. O que acha? — balancei os ombros, lançando a pergunta retórica ao mesmo tempo em que estendia minha mão para a frente — Amigos? — Apesar de que esquecer e voltar à estaca zero era a última coisa que eu quisesse fazer, eu não colocaria isso à frente da minha amizade com Jungkook. Se ele quisesse ser só meu amigo, eu aceitaria sua decisão de bom grado.
Talvez ele ainda estivesse entendendo do que tudo se tratava, mas mesmo assim, sorriu e apertou minha mão estendida.
— Claro. Amigos.
— Boa escolha, Jeon. Você não ia querer ser meu inimigo — ri, voltando a abrir a porta de novo, mas olhei para ele e imediatamente disse, com os olhos cerrados: — E se eu te ver brigando com seus amigos de novo, vou ser obrigada a te colocar de castigo.
Ele gargalhou, daquele jeito familiar e despojado, mostrando que estava voltando ao normal aos poucos.
— Por que você teria que vir com ele? — argumentou, e eu revirei os olhos.
— Não consegue discernir sobre isso sozinho? — levantei uma sobrancelha — Ele é mais gentil do que você. Agora tenta não colocar a cabeça para fora como a garotinha de Hereditário que eu volto em dois minutos.
Saí do carro antes que ele completasse qualquer outra frase.

☀️⛱️


A rota tortuosa de salvamento de Sophie acabou sendo em vão, porque minha amiga já estava dormindo como uma criança quando eu e Jungkook entramos pela porta. Franzi o cenho para o corpo jogado no sofá ao lado de Mingyu, tentando entender a situação. Ele explicou que parece que o maldito chá de ervas e o banho gelado a colocaram para dormir sem nem vomitar. Fala sério.
Deixei o remédio em cima da bancada da cozinha de qualquer forma e me preparei para voltar ao meu quarto, mas é claro que Jungkook daria um jeito de me impedir.
, espera — ele me chamou em um tom baixo e ruidoso, e eu fechei os olhos com força antes de me virar. Não mencione o mesmo assunto, não mencione, não mencione, não mencione. — Nós estamos bem mesmo? Depois de hoje.
Engoli em seco, sentindo a pele quente, sem ter uma resposta certa para isso, mas de qualquer forma, assenti.
— Claro. Nós somos amigos. Estamos bem.
— Então podemos fazer alguma coisa amanhã? — perguntou, aproximando-se a alguns passos — Digo... amanhã é nosso último dia de viagem e combinamos de ir ao aquário, então quero saber se você vai comigo. Quero dizer, no meu carro e tudo mais. Como nos velhos tempos.
Limpei a garganta, me perguntando porquê um convite tão comum fazia com que eu esquentasse como um condutor elétrico, mas, por fim, concordei.
— Claro, eu vou.
Ele sorriu e percebi que não vi Jungkook sorrir muito desde aquele primeiro dia, o que foi um alívio maior do que posso descrever porque poderia significar que estávamos voltando. A ideia fazia com que faíscas de todas as partes viajassem através de mim e me senti confortável para o passeio. Um passeio que seria muito bem aproveitado entre amigos.
— Boa noite, Jungkook.
— Boa noite, . Até amanhã.
Deixei também que um sorriso escapasse e subi as escadas com rapidez, sentindo que esse mesmo sorriso tinha diminuído bruscamente assim que cheguei à porta do meu quarto. Olhei para a porta em frente, lembrando daquela noite, e me perguntei porque o dia de amanhã estava me deixando mais apreensiva do que animada.

☀️⛱️


O cheiro da cozinha me acordou primeiro do que o despertador.
Estiquei o corpo com vontade na cama, abraçando o colchão com saudade antecipada, sabendo que só tinha mais uma mísera noite pra aproveitá-lo nesse paraíso e isso era motivo para um bom ritual de despedida. Essa noite eu deveria estar planejando fazer algum deles, se as coisas não tivessem dado bruscamente errado.
Meu estômago faminto fez com que eu finalmente erguesse o corpo, sentindo o cheiro ainda mais presente. O que estaria acontecendo no andar debaixo? Um banquete?
Me levantei e desci ainda meio sonolenta, encontrando a conjunção de todos os garotos sentados na mesa enorme da cozinha, conversando e rindo alto enquanto Sophie ainda estava deitada no sofá e Jaehyun picava coisas em cima de uma superfície na pia. Dei um sorriso automático quando o vi, mas ele não pareceu perceber, firmemente concentrado. Andei primeiro até Sophie, que tinha os olhos fechados, mas estava acordada porque soltou um grunhido pesado quando me sentei ao seu lado, sem que eu precisasse gritar a contagem regressiva para jogar um copo de água gelada em sua cabeça.
— Ainda não, Mingyu, caramba, me deixa... — ela murmurou e eu revirei os olhos, sacudindo seus ombros ruidosamente.
— Sou eu, Sophie. Você está melhor?
— Ah! Graças a Deus! — ela puxou meus braços para abraçá-los de um jeito meio atrapalhado. Antes que eu perguntasse, ela começou: — Mingyu quer que eu levante daqui e eu não quero isso, ! Não deixa ele me tirar desse sofá e me dar mais chá de ervas, por favor, eu não aguento mais aquilo!
— Eu trouxe o seu remédio ontem à noite, ele não te deu?
— Acho que eu o mordi quando ele tentou me dar — ela deu um sorriso amarelo e eu estreitei os olhos. Era claro como Mingyu parecia ser o líder daquele pequeno bando de garotos de 97, mas era totalmente submisso com minha amiga raivosa. Mas isso não funcionava exatamente comigo — Ok, tudo bem, eu vou tomar essa bomba de substâncias artificiais que sabe-se lá o que tem dentro! Mas se daqui há 40 anos eu descobrir um problema sério no coração ou um novo braço nascendo das minhas costas, a culpa vai recair sobre todos vocês.
— Relaxa, acha que vai chegar aos 60 anos com esse aquecimento global? — dei de ombros e ela gemeu em desespero. Soltei uma risada e apontei para a caixa de plástico em cima da mesa de centro — Tome o remédio e venha tomar o café da manhã.
— Espera, espera — ela puxou meu braço quando quase saí — E ontem à noite, como foi? — agora Sophie estava sussurrando. Franzi o cenho em dúvida do que ela dizia — Não se faça de idiota. Você e Jungkook! Eu estava bêbada, mas Mingyu fez questão de me contar!
Arregalei os olhos, um pouco horrorizada. Dois fofoqueiros. Os dois eram piores do que idosos ou garotinhas, eles não pensavam isso?!
— Fala sério, Sophie, não vou falar sobre isso agora — sussurrei porque ela devia estar louca de querer falar sobre aquilo a um cômodo de distância dos outros cinco garotos — Mais tarde conversamos, agora toma esse remédio!
— Mas, mas... — ela fez aquela carinha de cachorro abandonado quando a soltei e apenas balancei a cabeça, apontando para a caixinha.
Voltei à cozinha, que agora só tinha Mingyu sentado com as pernas apoiadas em outra cadeira e Jaehyun ainda picando coisas. Segui olhando para a mesa e chutei os tornozelos de Mingyu para que saíssem do caminho e ele gritou um "ei" em alto e bom som, tirando os olhos de Peaky Blinders rolando no celular e lhe lancei meu melhor olhar feio. Esperava que fosse uma pista que ele conseguisse interpretar e notar que o que tinha feito e falado com Sophie sobre mim era ridículo.
— Vá buscar Sophie para o café nem que você precise carregá-la nas costas.
Apontei para a sala e ele resmungou alguns palavrões em coreano antes de se levantar e ir até lá, e pareceu que já estava nessa tentativa de transportar a namorada há algumas horas, mas não me importei. Esses garotos não sabiam nada sobre ressaca? Fala sério.
Finalmente, andei até onde Jaehyun estava. Ele já me observava e ria, porque era sempre engraçado quando alguém tentava transformar Kim Mingyu em gente.
— Bom dia — falei, também rindo no final das contas.
— Bom dia, general — ele juntou os dois dedos na testa como uma continência, e balancei a cabeça. Me senti um pouco melhor em relação a toda a turbulência daquele fim de noite. Tinha algo na energia de Jaehyun que era muito instantâneo.
— Você precisa de ajuda aí? — perguntei, me aproximando dele na pia. Os alimentos já picados estavam separados em pequenos recipientes sobre o tampo: tomates, abobrinha, maçã, rabanete, cebolinha e outros que já tinham sido misturados. A organização dele me dava uma certa inveja.
— Acho que não precisa, você pode ir se sentar e esperar, não vai demorar muito — disse enquanto voltava a se concentrar. Também era legal essa parte de parecer saber fazer várias coisas ao mesmo tempo, porque esses momentos me davam a chance de observá-lo um pouco mais, sem a necessidade que eu formasse frases que provavelmente morreriam no meio da minha fala e eu não conseguiria manter uma conversa.
Meu deus, eu queria observar Jaehyun um pouco mais enquanto ele picava legumes? Eu ainda estava bêbada?
— Tudo bem, se eu me sentar vou ter que ajudar a trazer Sophie, e eu não quero que ela me morda também — me virei para ele e dei de ombros. Jaehyun riu, assentindo.
— Tudo bem, então... — ele olhou para a pia em análise — Não vou te pedir pra picar o resto dos legumes porque é melhor não colocarmos objetos cortantes na sua mão. Que tal...
— Ei! — espalmei seus ombros enquanto ria.
— Questão de segurança, questão de segurança, eu juro — ele se defendeu, mas nossa troca de olhares era impagável — Pode fazer o arroz e separar os pratos. Vai adiantar o processo porque parece que vamos sair cedo.
— Vamos ao aquário mesmo? — perguntei enquanto abria o armário de cima para pegar a panela elétrica. Aquilo era mais alto do que pensei e tentei esticar as mãos para pegá-la, mas meus dedos só batiam até o nível da primeira prateleira e comecei a pensar que um banco faria trabalho melhor, mas então, como uma atitude que meu corpo já esperava, Jaehyun surgiu pelas minhas costas e pegou a panela de inox sem nenhum esforço, colocando-a na minha frente na pia. Era isso que estava acontecendo ultimamente.
— Você e esses braços desbravadores — ele riu com a piada, voltando a se concentrar na sua tarefa enquanto fiquei lá, parada, olhando-o com cara de idiota.
Porque foi estranho. Não era a primeira vez que Jaehyun vinha a meu socorro, mas agora a voz de Jungkook ecoou nos meus ouvidos sobre ontem como se aquele desgraçado estivesse bem do meu lado: "vocês mal se falavam antes dessa viagem e agora vejo o braço dele em prontidão pra te ajudar ou segurar ou até vigiar, não sei, não acha nem um pouco estranho essa aproximação toda?”
Balancei a cabeça. Ridículo. Ridículo! As pessoas não podiam ser gentis agora? Não podiam ajudar alguém com síndrome de Murphy quando viam uma? Como vamos fazer um mundo melhor quando as pessoas só fariam coisas de acordo com os próprios interesses? Fala sério.
Gritei para o meu estômago parar de se agitar com essas coisas porque se tornavam tão ou piores do que Jungkook.
— Aquário... Legal... — Ri pelo nariz enquanto abafava meus pensamentos, puxando o arroz e o enfiando na panela para distrair também minhas mãos e braços.
— Vai dizer que é aquela coisa cheia de peixes que podem achar algum jeito magnético de ultrapassar o vidro e te abocanhar quando estiver passando perto?
— Exato, por isso não contem comigo na área dos tubarões. Nem seus braços poderiam me salvar deles — dei de ombros e ele soltou uma gargalhada, misturando alguns ingredientes que cortou em uma panela e colocando-a em cima do cooktop.
A maneira como estava relaxado me fez achar melhor ajudar mesmo que ele não tenha pedido, então peguei o resto das coisas e as coloquei ao lado dele enquanto a panela de arroz fazia seu próprio serviço. Jaehyun percebeu minha presença em volta e limpou a garganta, virando-se um pouco pra mim.
— Então.... foi tudo bem ontem à noite? — perguntou, em voz baixa, aparentemente distraído e vago.
Entendi o que ele quis dizer de imediato, o que fez meu estômago se apertar de nervosismo, mas apenas soltei um suspiro antes de responder.
— Sim, foi tudo bem. Foi como qualquer outra situação que já passei com Jungkook: nós bebemos, negligenciamos as leis de trânsito ao sair dirigindo, ouvimos Lauv no carro, foi normal — é, tirando o fato de que praticamente me confessei de novo e que ele ainda não se lembrava da primeira vez, o que significa que fui derrotada junto com o constrangimento sufocante, mas fora isso, realmente, não havia nada de anormal — E eu sei que preciso me desculpar pela forma idiota com que ele agiu ontem...
Jaehyun balançou as mãos na frente do rosto, negando com a cabeça.
— Para com isso. Você jamais tem que se desculpar pelas atitudes de outras pessoas — disse simplesmente — E convenhamos, também não ajudei nem um pouco. Mas se quiser saber, já tivemos uma conversa e está tudo bem. Jungkook pode ser um pouco temperamental, acho que você sabe disso, e bêbado fica pior ainda. Mas ele é um ótimo amigo.
— Sim — concordei com sinceridade, pela segunda vez — Ele é um ótimo amigo.
E eu não queria perder esse amigo. De jeito nenhum. Não por causa dos meus sentimentos, ou pelos sentimentos dele. Mesmo que todas circunstâncias tenham me empurrado para um lugar onde eu não me sentia muito confortável: o lugar de amiga apaixonada e rejeitada. Não importava. Jungkook tinha uma importância vital para mim além de uma paixão. Ele esteve do meu lado em momentos em que eu me senti perdida, zangada e desesperançosa, e minou cada uma dessas sensações uma de cada vez. Então era no mínimo injusto querer que tudo isso mudasse daquela forma drástica.
Depois de alguns minutos, eu e Jaehyun começávamos a colocar a mesa quando Mingyu finalmente surgiu com Sophie na cozinha, os dois se sentando à mesa em uma discussão ridícula sobre quem deveria dar carinho em quem quando um deles está de ressaca. Revirei os olhos, mandando que se calassem e comessem antes que Sophie inventasse mais motivos para voltar ao sofá.
Em pouco tempo, as vozes de gritaria e risadas altas indicaram que o resto dos meninos estava voltando. Yugyeom empurrou Jungkook para o lado quando ele lhe jogou alguma coisa no ar desconhecida, que eu não fazia ideia do que era, mas fez com que Eunwoo saísse correndo para trás de Jaehyun, que acabava de colocar o último prato na mesa.
— Cai fora, JK, ou vou contar pra todo mundo a cueca que você tá usando!
— Não acha que é estranho você saber a cueca que eu tô usando? — Jungkook rebateu. Eunwoo ficou sem respostas por um segundo antes de dizer:
— Vou contar só pra então!
Revirei os olhos e me sentei. Jungkook pareceu mais apreensivo e bateu os pés até o banheiro mais próximo do térreo, ligando a água logo em seguida.
— Esse cara louco acha que é normal achar uma barata morta no carro e querer fazer piada com isso — Yugyeom resmungou enquanto se sentava ao lado de Mingyu. Ao ouvir barata, Sophie fez um som de refluxo, que fez Eunwoo recuar mais do que já tinha, mas considerando que ela não tinha mais o que soltar, sua cabeça apenas despencou no ombro de Mingyu e ficou.
— O que vocês estavam fazendo? — perguntei enquanto me sentava entre duas cadeiras.
— Tivemos que limpar todos os carros de toda aquela areia e lama de ontem — disse Eunwoo, que tinha os braços vermelhos de todo o sol forte que pegou ontem — Seria um trabalho mais interessante pra você e Sophie fazerem, sabia? De preferência de biquíni, com um hip hop dos anos 80 rolando enquanto despejam água no vidro... Ai!
Jaehyun deu um tapa na nuca de Eunwoo.
— Senta e para de falar besteira — sugeriu ele enquanto se voltava para pegar o último recipiente da sopa.
— Cruzes, nem o Mingyu tem toda essa pose defensiva — Eunwoo resmungou, se sentando ao meu lado em uma das cadeiras, puxando um dos pedaços temperados de rabanete.
— Estou muito ocupado servindo de apoio e muito cansado pra isso — Mingyu suspirou, acariciando o cabelo de Sophie com mais força enquanto recebia outro tapa em resposta.
Quando Jaehyun voltou à cozinha, depositou a última panela na mesa e se preparou para sentar ao meu lado, mas então, surgido de lugar nenhum, Jungkook reapareceu, fazendo exatamente isso: puxando a cadeira e se sentando comigo, como nos velhos tempos.
Desta vez, olhei para Jaehyun rapidamente, como um pedido inaudível de desculpas, mesmo que isso não fizesse sentido porque não existia nenhum combinado único entre nós, mas ele logo se sentou em outro lugar na ponta, ouvindo algo que Yugyeom tinha a dizer.
Jungkook olhou pra mim, um pouco inquieto, mas logo limpou a garganta e começou a juntar a comida como todo mundo.
— Você dormiu bem? — perguntou só pra mim.
Assenti com a cabeça.
— E você? — devolvi a pergunta, e o vi balançar a cabeça que sim, enquanto terminava de colocar uma porção de arroz em um pequeno bowl.
Esse mesmo bowl foi depositado bem embaixo do meu nariz em um gesto delicado, muito diferente do que Jungkook fazia normalmente. Agradeci em voz baixa, só pra receber depois outro com alguns legumes e a carne já pronta bem em cima deles. Olhei ao redor, preocupada em estar sendo observada e captei os olhares de Sophie e seu sorriso enorme e sugestivo, que cutucou Mingyu, que me lançou o mesmo olhar, como se estivessem na quinta série. Fofoqueiros, eu disse!
Outro par de olhos a se virar foi o de Jaehyun, que os desviou assim que olhei para ele e pareceu menos interessado nas coisas que Yugyeom falava enquanto mastigava. Arranhei a garganta e puxei o prato para mim rapidamente, sentindo as bochechas corarem.
— Tá tudo bem, obrigada — falei rápido para Jungkook, antes que ele inventasse de me dar mais coisas.
Coloquei a comida na boca e mastiguei rápido, incomodada com o fato de ter que fazer as coisas assim com ele ou um de nós teria que sair. Mas ele me tratar como se eu fosse quebrar não significava nada.
Não era nada.

☀️⛱️


Li uma vez que a cor azul representa frieza, monotonia e depressão.
Eu sempre gostei de azul, sem me atentar em nenhuma dessas características. Era uma cor que remetia ao meu país, às praias que eu sentia falta e as luzes de led que espalhei pelo meu quarto pra me ajudarem a dormir.
Quando entrei naquele aquário, a primeira coisa que vi foi uma frase em cima do suporte de madeira para os panfletos com informações e mapas que dizia: "Bem-vindo ao nosso paraíso azul, que pretende te fornecer momentos tão aconchegantes quanto seu significado — tranquilidade e serenidade. Aproveite!"
Naquele momento, eu me senti realmente feliz.
Nunca tinha pisado em um aquário antes e estar andando literalmente debaixo de superfícies envidraçadas onde animais grandes e pequenos passavam ao seu lado era um pouco assustador, mas o visual era incontestável. Com as luzes baixas, tudo lá dentro brilhava em anil, e os peixes passavam serenamente, tal qual o significado do panfleto. Eu passaria horas olhando pra eles, ouvindo o som ruidoso das bombas de água e admirando o contraste dos corais coloridos.
Em algum momento, senti que todo mundo se separou. Quando chegamos, era parte do plano que seguíssemos a "trilha" da guia turística e passássemos por todas as seções juntos enquanto ela explicava as espécies e seus habitats, como uma visita escolar ao zoológico. O espaço não estava muito cheio porque aquele era um tipo de programa totalmente família, que foi escolhido por Mingyu porque Sophie claramente insistiu muito, mas em algum momento olhei pra trás e não vi mais ninguém.
Claro, eu devo ser a pessoa que deve ter se perdido. Fiquei tão hipnotizada pelos peixinhos que não me contive em sair andando igual uma criança.
Ouvi alguns gritos ao longe, como uma plateia. De repente, me lembrei que no roteiro do passeio existia um momento de exibição de golfinhos em uma arena aberta, que já devia ter começado. Peguei meu celular, vendo que o sinal ali dentro logicamente não deveria funcionar com tantas acústicas e tudo que fazia parecer que era noite enquanto o sol estava forte do lado de fora. Suspirei e apenas aceitei meu destino, andando um pouco mais rápido pelos corredores e visualizando os mapas e placas para conseguir chegar pelo menos à arena, onde o restante do pessoal deveria estar.
Quando curvei em mais uma corredor, avistei um garotinho ao lado da faixa de segurança e alguém abaixo à sua altura, conversando com ele. Eu poderia pedir informação, porque era literalmente a minha última esperança. Chegando mais perto, olhei de relance para o boné colocado para trás das costas da pessoa e… aquele era Jaehyun?
Quando riu, eu finalmente tive certeza. Ele murmurava coisas e apontava para os corais e os peixes-espada à frente, o que fazia o garotinho rir e puxar suas pulseiras de couro. Jaehyun sempre brincava com aquelas pulseiras quando estava distraído, e não sabia se devia quebrar aquele momento agora, ainda mais porque não me sentia mais exatamente perdida.
Logo mais, uma mulher se aproximou a passos rápidos para perto dos dois e falou alto quando disse: “Muito obrigada por encontrá-lo!”, apertando a mão de Jaehyun e levando o garotinho de volta. Quando se levantou, ele era bem mais alto do que todos os guias que vi e a luz azul batendo na sua calça cargo verde o tornava quase parte do cenário se ignorarmos a camiseta preta. Eu gostava de vê-lo assim, de um jeito único e despreocupado.
Mas se eu continuasse parada aqui enquanto encarava um cara de costas, as pessoas começariam a perguntar se eu não precisava de uma maca. Então, limpei a garganta e comecei a me aproximar.
— Como pude duvidar de primeira quando disse que queria ser pai? — falei ao chegar mais perto dele.
! — Ele pareceu surpreso, e um pouco aliviado — Onde você esteve esse tempo todo? Sophie deve estar com 10 anos a menos enquanto te procurava.
— Ela é uma dramática, só me perdi como mais uma dessas crianças que você acabou de resgatar — apontei na direção em que o garoto tinha ido. Como eu poderia ser diferente dele nesse quesito? Nós dois nos comportamos bem e não choramos, eu acho — Inclusive, o que você faz aqui? Achei que tinha ido com os outros.
— Falei que ia te procurar porque eu tinha visto você ir para o corredor das algas pela última vez — ele deu de ombros e eu ri.
— Me perder pelo corredor de coisas tão assustadoras quanto algas que prendem os pés é bem a minha cara mesmo.
— Pelo menos não foi na parte dos tubarões.
— Ah, sim, tudo menos os tubarões.
Jaehyun deu um belo sorriso enquanto passava uma língua pelo lábio inferior. Minha nossa, se ele falasse alguma coisa comigo nos próximos cinco segundos será como se não falasse nada porque minha mente acabou de dar um delay.
— Mas e então... estava procurando alguma coisa específica?
Senti minha bochecha corar. Não importava o que eu queria, já que tinha me perdido completamente tentando achá-la, mas mesmo assim, respondi:
— Acho que eu queria ver a Dory. — ergui os ombros ao admitir — Não literalmente a Dory, claro, mas a espécie da Dory, fiquei sabendo que se chama cirurgião-patela e eu queria vê-la na vida real, queria ver de perto, e também o pai do Nemo, e... — parei de falar ao perceber que eu não estava me dando pausas e parecia estar justificando algo extremamente engraçado, porque Jaehyun estava tremendo os ombros de tanto rir e eu revirei os olhos, tentando não fazer o mesmo — Ok, eu queria ver a Dory, senhor sabichão. Por isso me perdi nessa imensidão de azul.
— Pois então nos encontramos no lugar certo. A Dory fica bem ali na frente.
— Jura?! — Jaehyun ergueu uma sobrancelha como se dissesse “é isso mesmo” e colocou as mãos nos bolsos, começando a caminhar até parar há alguns metros à frente, parando em frente ao vidro.
Travei os pés no que era provavelmente uma das imagens mais lindas que já vi. O cenário do chão ao teto revelava vários recifes, de todas as cores e tamanhos e, entre eles, vários cirurgiões-patela nadando livremente em um espaço que parecia infinito, desconhecido e pacífico, tudo isso dentro dos limites de uma caixa gigante. Devo ter perdido o fôlego e um pouco de equilíbrio, porque segurei na barra de metal que nos afastava do vidro para conseguir ver mais de perto.
— Meu Deus, ela é tão linda na vida real. Elas. São tantas. Várias Dorys.
— Uma para cada vez que assisti o filme — disse ele. Larguei a barra, me virando para ele.
— Sério?! Eu também! — cheguei um pouco mais perto dele pela empolgação, pousando os dedos de novo sobre a barra — Os filmes da Pixar fazem uma criança se sentir uma criança. Até os adultos, na verdade. É uma nostalgia necessária.
— Gosta de relembrar as coisas do passado, não é?
— Gosto. O passado existiu e não vai mais voltar. Isso pode ser bom, mas também pode ser ruim. Todas as coisas tem essa dualidade.
— Igual a cor azul — disse ele, e virei a cabeça de novo. Jaehyun olhava diretamente para a água, o corpo apoiado para a frente pelos braços no corrimão, falando em um tom mais denso: — Sabia que a cor azul pode ter um significado depressivo e quase claustrofóbico? Mas ela também significa felicidade e serenidade. As pessoas geralmente tiram uma única conclusão sobre tudo que acontece na vida, mas não é assim que as coisas devem ser interpretadas. Tudo tem seu lado bom e ruim.
Ele olhou para mim e compartilhamos uma espécie de conversa privada com os olhos. Era o tipo de coisa que eu estava acostumada a ver surgir entre mim e Sophie, ou às vezes entre mim e Jungkook quando víamos algo engraçado em público, e não achava que seria capaz de ceder isso a mais alguém. E não cedi. O que estava acontecendo ali agora com Jaehyun era algo diferente, completamente diferente, e louco, de certa forma.
O fato fez com que eu me sentisse estranhamente atraída; meu corpo reagiu com um bater de coração descompassado, e, quando senti nossos dedos se tocando pela aproximação na barra de metal, senti tantas borboletas vibrando em meu estômago que elas seriam capazes de sair pelos meus poros. O olhar dele estava me matando.
Eu queria que ele me beijasse. Era como se estivesse gritando isso agora mesmo pelo olhar, um pedido que transcendia as palavras. Não sei o que está acontecendo, mas me beije, é sério, me beije agora.
A cabeça de Jaehyun se inclinou devagar na minha direção em resposta a qualquer coisa não dita por mim e tentei manter meu coração no lugar, tentei manter os pensamentos lógicos bem longe daqui e comecei a fechar os olhos.
— Ei, vocês! — uma voz masculina assustou até mesmo as Dorys que tinham nadado para mais perto do vidro, tão fofoqueiras quanto Sophie e Mingyu. Eu e Jaehyun nos afastamos a vários passos pelo susto, e baixei os olhos imediatamente — Vocês são e Jaehyun?
Levei um tempo para perceber que ele tinha falado meu nome, mas Jaehyun já confirmava a pergunta na minha frente, com a voz estranhamente abafada.
— Uma tal de Sophie foi até a torre de comunicação e disse que vocês estavam perdidos. Vocês estão bem?
Desta vez, olhei para Jaehyun ao mesmo tempo em que ele virou a cabeça e soltamos uma risada ao mesmo tempo; meio nervosa, nasalada e fraca, mas era uma risada, porque era melhor imaginar Sophie aos berros enquanto mobilizava aquele lugar enorme do que pesar o clima com o que iria acontecer há alguns segundos atrás.
Deliberei por alguns instantes e falei com o segurança:
— Precisamos chegar à arena dos golfinhos. Nos perdemos um pouco do pessoal.
O homem assentiu e apontou para o corredor ao lado.
— Venham comigo, vou levar vocês até lá.
Ele foi na frente e me preparei para segui-lo. Jaehyun andou ao meu lado, me lançando um sorriso singelo e, embora nós dois ainda levaríamos pelo menos 10 minutos até ficarmos confortáveis de novo, era sua maneira de entender isso e não forçar para que tudo voltasse ao normal antes do tempo. Era o lado bom de toda aquela confusão.
Deus do céu, o que diabos estava acontecendo comigo?
Isso queria dizer que existia, também, uma dualidade em Murphy?
Me perder pareceu um azar, à primeira vista, porque coisas como essa eram do meu feitio. Mas me perder com Jaehyun pareceu como uma sorte disfarçada. Uma luz bonita e elegante no fim do túnel.
Além de meu salvador, Jeong Jaehyun também parecia ser a personificação do lado bom das coisas. E isso estava mexendo comigo mais do que imaginei.


06 – Epifania

's POV

🎧 Dá o play:

Umbrella – Rihanna, JAY-Z


Tudo bem, as coisas estavam estranhas. Do tipo bem estranhas. De um jeito totalmente repentino.
Os golfinhos eram legais e a apresentação que mostrava-os pulando e agarrando coisas no ar, ou cruzando o vento entre si e performando uma queda visualmente linda com a água esguichando para todo lado faziam Sophie pular do banco e bater palmas. Era incrível, realmente louco de se pensar que era possível que esses animais fossem tão inteligentes e sincronizados, mas eu mal conseguia prestar atenção.
Porque, logo do meu lado, separado por duas pessoas, estava Jaehyun, sentado junto de Yugyeom, e pensar nele estava me dando um intenso e estranho ataque de pânico. Ou o nome de qualquer doença que faça o coração quase sair pela boca e o estômago entrar em chamas.
Minha nossa, o que estava acontecendo comigo?
A volta pra casa não foi muito diferente. Pela primeira vez, agradeci por estar no carro de Jungkook, e sua falação sobre a apresentação dos golfinhos e que meu sumiço tinha me feito perder a melhor parte do início onde eles jogaram bolas para o alto foram suficientes para que eu não precisasse falar muito, e eu realmente não queria falar. Tinha alguma coisa muito errada comigo e eu precisava me livrar dela nesse exato instante.
Porque a cada momento livre, eu lembrava do aquário de Dorys e da sensação do toque de Jaehyun no meu dedo mindinho. Lembrava dele se aproximando pra me beijar. Lembrava que eu queria isso! Era como se tudo tivesse acontecido rápido demais e só agora eu estava conseguindo absorver tudo apropriadamente.
Nem reparei quando estacionamos na frente da casa, e muito menos quando Jungkook desligou a música. Eu só lembrava do azul, do momento azul e do toque...
! — acordei com o grito de Jungkook do banco do motorista — No que você está pensando? Vamos entrar.
— Credo, não precisava gritar — desafivelei o cinto rapidamente, não sabendo como não me embolei com ele e saí do carro, limpando a garganta e jogando pra fora todo pensamento maluco sobre Jaehyun. Havia algo de esquisito e complicado a respeito daquele cara, e eu não iria pensar nisso agora.
Esquisito e complicado, assim como minha nova/velha amizade com Jungkook era esquisita e complicada.
Quando eu estava conseguindo limpar minha mente e seguir caminho para dentro da casa, senti braços atravessarem meus ombros e vi Jungkook se achegar ao meu lado. Como nos velhos tempos, como costumava fazer sempre, deixando minha cabeça plantar fantasias de que nossas vidas estavam interligadas e toda essa baboseira romântica que ia se desprendendo da minha mente a cada dia que passava. Agora, pensando bem, ele fazia o gesto de um jeito mais acanhado, apreensivo, como se dissesse que sabia de tudo mas estava tudo bem, ele faria tudo que pudesse para que não nos desprendêssemos da nossa teia de amizade.
— Hoje é o nosso último dia aqui, o que você quer fazer? — ele perguntou enquanto andamos juntos, e soltei uma risada pelo nariz.
— Não importa o que eu quero, Jeon, vamos fazer algo todos juntos.
— Mas vou levar o seu querer em consideração, é claro. Esqueceu que você sempre escolhe programas que vão fazer as pessoas rirem no final?
Estreitei os olhos, vendo-o dar de ombros quando relembrou implicitamente de todas as minhas ideias de atividades mirabolantes que não condiziam bem com minha propensão ao azar e em como isso era divertido para quem via de fora. Como quando pedi para patinar na pista de gelo no inverno ou tentei ter uma aula teste com seu professor de boxe. Enfim. Acho que deu para entender.
— Infelizmente, meu passado e meu futuro são uma piada, então podem escolher qualquer coisa que não vou ter escolha a não ser comparecer.
— Realmente, o livre arbítrio é algo irrelevante. O que você acha de um luau?
— Já não tivemos um luau no dia do parque de diversões? — falei em voz baixa, soando tão despreocupada como podia depois de lembrar que aquele fatídico dia foi quando agi por impulso de forma ridícula ao acreditar que sua música tinha sido pra mim. Quando meu constrangimento não cabia dentro daquela sala enorme da casa.
— Sim, mas agora seria mesmo um luau. Aquilo foi totalmente improvisado. Hoje vamos montar tendas na praia, encomendar um jantar decente, algumas luzes, ter números ridículos com Yugyeom e Eunwoo, o que você acha?
— Quero bolo de sorvete — dei de ombros, arrancando uma gargalhada dele, o que me fez rir também e de repente o tempo parecia circular e as coisas voltavam aos eixos.
— Certo, , vamos ter bolo de sorvete. Também vai ter aquela coisa de maracujá, é assim que fala? Eles são uma fortuna por aqui, mas posso te dar esse presente.
— Nada mais do que justo, amanhã vamos estar em Seul e já estou começando a sentir o calor ir embora...
— Beleza, por que não pedimos...
Não ouvi o resto da pergunta de Jungkook porque travei um pouco os pés quando avistei Jaehyun ao lado das escadas, levando uma cadeira para a cozinha e olhando pra mim e os braços que passavam ao redor da minha nuca. Me senti um pouco nervosa, como se precisasse me explicar, e a queimação na boca do estômago voltou e não durou muito. Ele me lançou um sorriso de canto e subiu as escadas, desaparecendo no andar de cima.
Qual é, eu e Jungkook éramos amigos, é sério! Ele é a pessoa que eu tinha beijado nessa viagem, mas foi tudo um mal entendido, não vamos ter nada além disso aqui, você consegue compreender?
— ...E tem aquelas coisas azuis que se colocam em cima da mesa... O que foi? — A voz dele me tirou dos devaneios de novo e percebi que seus braços não estavam mais em mim. Quer dizer, pelo jeito que ele me olhava, parecia que eu tinha os afastado, o que era estranho porque eu não percebi nada disso.
Ele ele estava parado na minha frente.
— Nada, o que são as coisas azuis? Precisamos de coisas azuis? Por que não podem ser, sei lá, verdes? — falei, caminhando até a cozinha, buscando o primeiro copo de água bem cheio e bem gelado que eu pudesse encontrar.
— Mas azul é sua cor favorita.
— Não hoje!

☀️⛱️


Eu não sabia se vestir aquilo era uma boa ideia.
Conhecendo Sophie, aquilo tinha cara de planejamento desde muito antes que eu entrasse no avião. Desde antes de Jungkook me informar dessa viagem. Antes que eu decidisse aceitá-la. Se eu for exagerar, ela devia estar guardando essa coisa desde a primavera passada. Aquilo parecia muito ter saído da mente maquiavélica da minha amiga.
O vestido branco tinha brilho, para começo de conversa. Era colado no tronco e solto na cintura, com uma faixa de metal atravessando o abdome como se eu fosse alguma garota do Pinterest. Mas era mais confortável do que tudo que ela já havia me emprestado e talvez por isso eu não tenha reclamado tanto.
Porque as mesmas sandálias caras e delicadas voltaram a desenhar meus pés, mesmo ela tendo noção de que iríamos para a areia. Os brincos grandes também me pareceram uma loucura, mas combinados com a maquiagem me deixaram tão absurdamente bonita que também fui incapaz de reclamar.
Era realmente o último dia da viagem.
Quando desci, tive aquela mesma sensação do primeiro dia: olhos furtivos para cima de mim, explicitamente surpresos e sem palavras. Me perguntei sinceramente como essas pessoas deviam me ver antes e se eu realmente ficava tão diferente assim quando colocava uma sombra nos olhos, mas a atenção sobre mim se dispersou muito rápido porque aparentemente estávamos atrasados e alugar uma parte de uma praia naquele país parecia ser absurdamente caro.
O lugar era exatamente como Jungkook me prometeu: tendas com luzes circulares, mesas de té tradicionais onde comeríamos no melhor estilo oriental, sentados no chão; um pequeno tablado que seria palco para as vergonhas alheias e bêbadas dos garotos e uma cabana de madeira bem perto, onde provavelmente eles reabasteceriam o estoque de bebidas.
Tinham muitas tendas para um grupo de sete pessoas, o que me fez notar — é claro — que eles pretendiam dar uma festa. Luau o caramba.
A visão dali era magnífica. Era perto e longe do mar ao mesmo tempo. Afastado o suficiente para que a maré não nos pegasse de surpresa e próximos o bastante para que sentíssemos a brisa no rosto e o odor da maresia. Parecia genuinamente uma noite de férias. Me fazia ter vontade de amarrar meus pés naquela mesa e nunca mais voltar para Seul.
Senti um aroma de hortelã quando Jaehyun chegou ao meu lado na mesa das bebidas. Foi fácil me afastar de Sophie e dos outros assim que chegamos, já que levou apenas dois segundos para que outro combo de carros estacionasse na estrada e as mesmas pessoas de todos os dias saíssem deles, indo cumprimentar todos os demais. Era impressionante como esses garotos tinham tantos amigos comuns. Me sentar e jantar também foi fácil, já que eu estava repentinamente com muita fome enquanto o resto do meu grupo parecia estar preocupado apenas em beber. Aquela música no melhor estilo Jaden Smith estava deixando a vibe muito enérgica e criativa, e não demoraria muito para o palco receber sua primeira apresentação.
Bem, antes disso eu precisava começar a beber.
Quando ele chegou mais perto, senti meu coração saltar incerto. Minha garganta ficou um pouco mais seca que o normal e puxei a primeira bebida que encontrei, afogada em um balde de gelo, sem me preocupar sobre o que era realmente.
— Te assustei? — perguntou ele com um sorriso de canto, puxando duas cervejas. Ele estava com aquele mesmo boné preto para trás e com o mesmo modelo de calça cargo, desta vez preta, com a camiseta igualmente da mesma cor. Ficava extremamente charmoso naquele tipo de conjunto, mais despojado e simples. Nunca pensei que ficaria tão muda vendo esse tipo de coisa — ?
— Sim! — respondi no automático, balançando a cabeça logo em seguida — Quer dizer, não, claro que não. O que vai fazer com esse leque de cervejas na mão? Pretende dar trabalho hoje?
Bebi um gole para abafar o nervosismo enquanto ele deu uma risada. O que estava acontecendo comigo era ridículo. Pensar que o cheiro dele era familiar também soava absurdo.
— Não, hoje não. Alguém precisa ser o responsável desse time, se não todos iriam escrever cartas de retratação aos fandons todo fim de semana — ele deu de ombros e quem riu fui eu.
— Deve ser uma barra ocupar o posto de mais velho.
— Acho que seria pior ocupar o posto de líder. Deixo essa tarefa pro Mingyu. Ou deixo ele pensar que tem — ri novamente pelo comentário, sendo acompanhada por ele, que ainda prestava atenção na arrumação das cervejas, mas me olhava de perto pelo canto do olho. Vendo-o assim, notei a curva de seus ombros e a ponta de seu nariz, e então me lembrei agudamente do aquário, e também do boliche, do garoto que me olhava de uma forma tão profunda como se quisesse me beijar. Ou mais do que isso. Como se estivesse apaixonado por mim.
Deus, era tolice até mesmo pensar nisso.
Limpei a garganta, baixando os olhos e bebendo outro gole. Ela me salvaria esta noite, tinha que salvar, tinha que me tirar daqueles pensamentos incoerentes antes que eu fizesse outra besteira e estragasse mais coisas do que poderia consertar nessa viagem.
Jaehyun pareceu sentir uma certa estranheza no ar, porque também ouvi um ruído de sua garganta e vi suas mãos trabalharem com mais rapidez.
— Você está muito bonita — disse em tom grave, baixo, quase em um sussurro. Foi como uma sombra falando, uma sombra que não tinha nada da confiança jovial e desembaraçada daquele cara que dançava em roupas sexy para milhares de pessoas.
Mesmo assim, fez meu coração pensar que estava em um baile funk. É isso que acontece com todo mundo quando você faz elogios assim, Jaehyun?
— É o poder de um vestido caro, sabe como é. Você já deve ter topado com vários na vida — ri nasalado, me perguntando porque não conseguia dizer um simples obrigada.
— Não precisa se tornar a pessoa que diminui a própria beleza por vergonha. Ou atribuí-la a outras coisas materiais. Você está linda e isso vai muito além de todo esse brilho.
Ergui o olhar para ele, abrindo a boca para falar mas me calando em seguida. Ele me fitava daquele mesmo jeito e isso não estava ajudando. Dessa forma, eu precisaria me limitar a apenas aquela cerveja na minha mão, e nenhuma outra mais.
— Ei, Jeong! — A voz de Mingyu surgiu de debaixo da tenda, onde o som estava aumentando e as risadas também — Chega de conversa e trás as cervejas!
Jaehyun piscou os olhos e se virou para mim novamente, desta vez com um vinco entre as sobrancelhas, como um pedido implícito de desculpas pela interrupção de Mingyu.
— Então, eu vou… — ele apontou para a frente.
— Tudo bem, vai lá. Infelizmente, não dá pra escolher amarrar o Mingyu na margem e deixar que o mar faça o resto do serviço — dei de ombros. Jaehyun riu abertamente, segurando as cervejas com facilidade.
Ele parecia não saber como se despedir, ou se era uma despedida já que estávamos no mesmo lugar, mas, quando andou alguns passos em direção à tenda, de repente parou e se virou para mim de novo, parecendo pensar com cuidado antes de falar.
, você… — ele parou. Umedeceu os lábios. Eu esperei — Você já soltou lanternas de papel?
— Aquelas que voam como balões?
— Sim, mas… Já as soltou no mar?
Balancei a cabeça em negação.
— Quer soltar algumas? — ele perguntou rápido, e logo estalou a língua e continuou — Quero dizer, pode ir apenas ver, se preferir. Mais tarde a maré vai subir e a lua vai estar mais no centro, é como um ritual místico, mas é bonito visualmente. Tem essa coisa de desejos e tudo mais.
— Jura? — me aproximei dele um pouco mais, empolgada — São os pontos brilhantes que vão navegar por essa coisa enorme e perigosa levando meus desejos?
— São — ele riu. Ele tinha covinhas. Elas eram adoráveis — Mas não precisa escrever nada, se não quiser…
— Você pode escolher uma para mim? — interrompi, e podia sentir meus olhos brilhando — Digo, funcionaria assim? Se você escolhesse a minha lanterna?
Jaehyun avaliou meu rosto com um cuidado pleno e concordou com a cabeça.
— Claro. Vou escolher uma para você — ele deu um sorriso de canto, e se afastou a meio passo antes de dizer, desta vez com a voz mais baixa e abafada, igualmente a que usou no elogio — E também… Tenho uma coisa pra te falar. Mais tarde. Nas lanternas.
Pelo canto de olho, vi Eunwoo soltar um grito no microfone quando cambaleou para o palanque. As risadas se transformaram em gritos e a noite estava prestes a começar a se tornar caótica. Mas ali na mesa fincada na areia, entre eu e Jaehyun, todas as coisas ao redor se tornaram irrelevantes, pelo menos por alguns instantes. Pelo menos até eu acordar e me mexer, ignorando o embrulho de excitação no meu estômago que aquela frase causava. “Tenho uma coisa para te falar”. Qual é, Jeong Jaehyun! E se eu tivesse um problema no coração?
— Tudo bem. Combinado, então.
Mais um sorrisinho singelo e ele se retirou, andando até a baderna e deixando uma garota totalmente desorientada para trás. Desorientada em todos os sentidos, e senti de repente que eu nunca precisei tanto falar com Sophie sobre garotos do que naquela hora.
Porque, encarando as costas dele se afastando e a risada que soltou quando se aproximou do grupo, me fez ver o quanto eu estava cada vez mais propensa a não tirar os olhos dele. Jaehyun parecia carregar um ímã preso no inconsciente que grudava toda a minha atenção. E agora tinha o estranho fato de que ele se aproximava e meu coração não sabia mais como se comportar. E também tinha o fato de que eu estava louca para que ele me beijasse. Algum fantasma dessa cidade devia ter tomado o meu corpo, só isso.
Porque me declarar e ser rejeitada por Jungkook não parecia mais tão ruim assim. Digo, foi ruim, de várias formas, traumático até, mas eu já estava perdendo as esperanças desde que eu o beijei pela segunda vez e a conversa do dia anterior só serviu para deixar tudo em pratos limpos. Eu e Jungkook éramos amigos e eu estava feliz com isso. Mas algo me dizia que tinha outra coisa acontecendo na vibe dessa viagem, algo que me ajudou a atravessar essa maré depressiva de rejeição muito rápido. E era exatamente por isso que eu precisava de Sophie, porque o que eu estava pensando era um verdadeiro paradoxo.
Eu sabia o que ela diria. Sophie diria que era a minha chance. Que o que aconteceu com Jungkook não podia reger minha diversão nessa viagem e que se Jaehyun quisesse, que mal faria me deixar levar? Um beijo não faz mal a ninguém. Tinha a sensação de que o dele me faria bem até demais.
Mas eu também tinha a sensação de que tudo isso ficaria apenas nessa viagem e amanhã a realidade me socaria com o lembrete de que ele era Jeong Jaehyun e tinha coisas mais interessantes para conquistar do que… Eu. É.
Melhor não arriscar a ter outra desilusão e aceitar que ser amiga de todos era meu destino. E com mais um grande gole da bebida, voltei para o meio dos outros, pronta para começar a rir da vergonha alheia.

☀️⛱️


Eu não fazia ideia de que horas eram.
Queria dizer que era porque eu estava tão alucinada que tinha esquecido do tempo, mas a verdade era de que fui obrigada pelos meus queridos amigos a deixar o celular na casa, como todos os outros, que prometiam a melhor última noite de todos os tempos.
Não posso dizer que eles não estavam fazendo isso. Eunwoo estava apagado no tapete ao meu lado, sem se importar nem um pouco de ter uma montanha de areia no cabelo. Yugyeom estava beijando uma garota de cabelo verde que tinha beijado outra garota de cabelo rosa alguns minutos antes, quando os três estavam dando o beijo triplo mais desengonçado que eu já vi. Mingyu tentava forçar um rap do Eminem totalmente zonzo, o que foi o pior cover que já ouvi na minha vida, mas ninguém o avisaria isso. Eu não sabia nem se tinha alguém prestando atenção naquilo, a não ser Sophie e seus gritos misturados com risadas enquanto pediam para que ele parasse, pelo bem dos ouvidos de todos.
Franzi o cenho quando avistei Jaehyun em um grupo mais afastado que incluía o cara do cigarro e mais duas garotas. Ele estava rindo mais do que o normal hoje, e juro que o vi passar de 4 cervejas, o que me deixou com vontade de perguntá-lo se estava tudo bem, mas aquilo seria uma asneira. Por que eu estava me preocupando com ele? Não é como se ele precisasse, ainda mais quando a morena escultural ao seu lado ficava colocando as mãos em seu cotovelo, e descia para os braços…
Uma voz do nada disse atrás de mim:
— Se você quiser uma surpresa, precisa levantar agora.
Virei para trás e dei de cara com Jungkook agachado ao meu lado, inclinando a cabeça para o lado em um chamado. Arqueei as sobrancelhas em desdém.
— E se eu odiar a surpresa?
— O que vale é a intenção — acrescentou ele, e por fim dei de ombros, porque eu merecia algum tipo de diversão inesperada nessa festa que estava mais parada do que eu esperava.
Comecei a me levantar, com a ajuda de Jungkook, que pegou na minha mão e me puxou para cima de uma vez só, o que fez minha cabeça rodar por um instante e me fazer acreditar que eu não estava tão sóbria quanto pensei. Ninguém estava.
Ele olhou para os lados antes de me puxar pela direção contrária à cabana de madeira, como se estivéssemos literalmente fugindo. Quanto mais nos afastamos, mais escuro o ambiente ficava pela falta das luzes, mas um outro ponto iluminado brilhava quando nos aproximávamos da costa, onde o mar fazia aquele barulho relaxante quando batia nas pedras com violência e o verde escuro da vegetação parecia deixar as estrelas mais evidentes.
Foi nesse cenário que vi outra tenda. Ela era muito menor do que as outras e servia apenas para cobrir uma outra mesa pequena de té onde um mar de cores estava organizado em cima do tampo: amarelo, vermelho, laranja e verde. Eu não sabia o que era até me aproximar e ver de perto, perdendo um pouco do ar e tapando a boca com uma mão.
— Não acredito nisso — arfei, olhando a salada de frutas dentro de um abacaxi, o recipiente com o mousse de maracujá e, claro, bolo de sorvete. Enfeitado com muitas frutas. E aquele suco avermelhado parecia minha batida preferida de pitaya com morango.
— Você só precisa escolher — ele deu de ombros, agitando os braços para a frente e mostrando que a degustação era livre. Soltei mais uma risada e me aproximei da mesa, notando rapidamente que nossas mãos ainda estavam juntas e ele estava olhando para isso. Soltei-as depressa, focando principalmente em não queimar todo o clima entre nós desta vez.
— Por favor, que isso esteja bom — sentei com as pernas cruzadas, pegando uma das colheres separadas e afundando-a no mousse, comendo de uma vez. O gosto azedo dançou na minha língua, e eu fechei os olhos como se tivesse um orgasmo — Deus, é disso que eu estava falando…
Enfiei a colher de novo e ele soltou uma gargalhada, sentando-se meu lado.
— Ei, isso é para duas pessoas. Acha que eu preparei um leque de comida só pra você?
— Problema é seu, Jeon, no Brasil as pessoas não compartilham coisas como maracujá, morango e abacaxi. São coisas bem caras em algumas regiões, sabia? Então tudo nessa superfície é meu, pode comer um pedaço do bolo se quiser…
Ele riu de novo e eu faria o mesmo se não estivesse com a boca tão cheia. Dava pra deixar meus dedos flutuarem por aquela atmosfera leve. Ele puxou um pedaço de morango em cima do bolo, e fez um sinal de OK com os dedos.
— Bem, , como eu sou um ótimo amigo que não se importa com a cultura alheia, vou dividir o ganho com você. Não sou tão pão duro quanto as fanfics insistem em contar.
— Você rouba comida de programas de TV e amostras grátis de perfume, o que você queria que elas pensassem?
— Ei, as coisas não acontecem bem assim, eu não faço isso sozinho — ele rebateu, indignado, e ri com um pedaço do bolo na bochecha.
— Faz sim! Você comanda a gangue do contrabando de comida do BTS, não sei como o Namjoon não te dá uma advertência — balancei a cabeça, e recebi um pedaço de morango cortado e gosmento de calda doce no ombro — Ei!
— Outro argumento: a pessoa que cuida do meu dinheiro não devia me acusar de ser avarento.
Puxei uma uva roxa em cima da mesa e lancei-a no seu queixo.
— Eu não cuido exatamente do seu dinheiro, senhor Jeon, é o meu chefe. Eu nem tenho sala própria, pelo amor de Deus, isso é um insulto… — agora foi uma porção do bolo, que bateu no meu peito e derreteu para baixo.
— Posso fazer isso a noite inteira até você retirar o que disse — ele disse em falso tom sério, se segurando pra não rir enquanto eu endureci o olhar e bufei.
— Você quer morrer, Jeon? — coloquei uma mão inteira dentro do mousse e joguei direto em sua camisa aberta no peito, pegando-o de surpresa, que grunhiu pela temperatura — Sabe quanto deve ter custado esse vestido, imbecil? Eu não sei, mas Sophie deve saber e isso vai fazer com que ela me mate, era isso que você queria esse tempo todo? Me matar? — deixei escapar uma risada seca do fundo da garganta quando o joguei mais um morango, que bateu na bochecha.
— Ah, quem está se preocupando com dinheiro agora? — ele passou as costas das mãos no rosto, mordendo o lábio para não rir — E quer parar com isso? Sabe quanto foram essas frutas? Quer começar a montar uma planilha?
— Eu não vou montar… — agora senti a coisa gelada e gosmenta do pedaço do bolo na lateral do meu rosto, e senti que pegou em meu cabelo, empapando ele com a calda melada que prenderia todos os meus fios. Um momento de silêncio durou por dois segundos antes de Jungkook roncar quando a risada avassaladora saiu para fora, uma gargalhada tremenda que me deu raiva. Franzi os lábios, passando um dedo pela bochecha e colocando-o na boca, puxando um dos guardanapos da mesa para limpar o estrago.
… Eu juro… — o desgraçado mal conseguia falar de tanto que ria — Eu vou te ajudar, me deixa só… — um de seus dedos foram até os resquícios de calda perto da minha orelha, e eu continuava franzindo os lábios para não rir, afastando suas mãos enquanto abria um sorriso amarelo.
— Tudo bem, Jungkook, já deu. Podemos comer como pessoas civilizadas agora? — falei e ele limpou a garganta, relaxando na risada. Foi quando levei as mãos à mesa e puxei uma tangerina, golpeando-o com uma delas, que bateu direto em sua clavícula, e em seguida uma outra, que pegou em sua orelha.
— Ai! Tá doida?! — ele riu novamente, afastando-se para trás.
— Cretino — lancei outra e ele ficou de joelhos, querendo se levantar, mas acertei-o bem nas coxas. Ele não conseguiria se levantar de tanto que ria, e eu não conseguia ter mira porque também estava rindo como uma idiota — Pra onde pensa que vai, JK? Tenho uma vingança pra cumprir!
— Foi só um pedaço de bolo, … Ai, cacete! — agora tinha batido em seu quadril quando ele ficou de pé. Peguei mais 3 nas mãos enquanto ele se abaixava para resgatar as que eu já tinha jogado — É assim que você quer jogar? Essas coisas doem, sabia? Não me faz revidar nessa batalha.
— Acha que eu sou frágil assim? Quero ver você tentar.
Joguei mais uma tangerina e o filho da puta retrucou. Achei que ele me lançaria outra imediatamente, mas de repente ele começou a correr e se afastar enquanto eu ia atrás como a boa trouxa e competidora que sou.
Não sei por quanto tempo ficamos nessa brincadeira e muito menos como não caí dezenas de vezes naquela areia instável e nem quantas voltas devo ter dado pela pequena tenda, e nem como minha barriga não explodiu de tanto rir. Eu estava me sentindo bem, me sentindo ótima, e nem me importava mais que Sophie fosse me assassinar pelo estrago do vestido, ou que eu tivesse perdido suas sandálias, ou que eu talvez estivesse mais bêbada do que pensava. É só que estar ali, agora, me divertindo com Jungkook como nos velhos tempos parecia certo. Me fazia sentir a empolgação do começo, quando só pensava nele como amigo e curtia os momentos ao seu lado, sem nenhuma outra intenção.
Uma vez minha avó havia me dito que as situações corretas davam uma sensação de calor ou formigamento quando estávamos próximas a elas. Situações específicas, preparadas pelo destino, não que eu acreditasse nessa baboseira. Era algo que eu inegavelmente estava sentindo ali, mas podia jurar que também já tinha sentido esse tipo de coisa em outro momento, que aquele formigamento era familiar, que ele me pegou em um ocorrido antes disso aqui, bem antes…
Não consegui concluir o pensamento porque, finalmente, é claro, tropecei no que parecia ser a sandália de Sophie, escondida sob a areia, pronta pra me pegar desprevenida. Dei um grito quando caí, e mais outro quando senti o tronco de Jungkook despencando por cima de mim, levantando areia para o meu pescoço, grudando na parte melada do meu rosto, o que me fez rir ainda mais porque todo o caos era engraçado e idêntico aos piores pesadelos que eu poderia ter em ambientações litorâneas, mas estava tudo bem. Mesmo.
Amigos. Eu me sentia mais amiga de Jungkook do que jamais me senti.
— Você é maluca — ele arfou para se recuperar, e percebi que seu rosto estava em cima do meu, ainda manchado com os resquícios de mousse e morango — Tem ideia do trabalho que foi arrumar essa coisa? E olha só… — soltei mais uma gargalhada e ele riu, sacudindo a cabeça.
— Tem morango no seu nariz — ri, passando um dedo nele para tentar tirar.
— É, esperta, tem areia no seu cabelo, e aí? — ele disse e ri novamente. Meu deus, eu devia estar um caos e se estava rindo disso era porque aquela coisa doce e colorida na minha bebida era mais do que vodka — Olha o seu queixo, fala sério, você não tem jeito…
Ele estendeu as mãos para o meu rosto, passando os dedos pela minha bochecha e pela lateral, onde os estragos eram maiores, afastando o máximo de doce misturado com areia dali.
Se me perguntassem antes, eu diria com certeza que não percebi nada. Era completamente ridículo pensar uma coisa daquelas. Mesmo quando ele diminuiu o ritmo da limpeza e começou a perder o sorriso, não pesquei nada no ar. Se algo estava acontecendo, eu não tinha notado. Meu subconsciente tinha sido ordenado a parar de criar fantasias com Jungkook, e ele estava me obedecendo surpreendentemente bem. Mas até ele e todos os meus neurônios entraram em colapso quando meu amigo simplesmente se abaixou e me beijou.
O choque me deixou tão atônita que não consegui me mexer. Eu mal consegui fechar os olhos! Senti meu coração dar pancadas no meu peito e um universo inteiro se desintegrar e reintegrar no meu estômago, mas a reação foi breve. A confusão travava todos os meus músculos.
Foi quando tudo explodiu e comecei a notar as coisas, uma a uma. Não era pela falta de satisfação em beijá-lo, era pelo não reconhecimento. Pelo frenesi, pela imagem de erro. Meus pensamentos e memórias estavam em combustão. Aquilo não era um beijo comum, ele estava me beijando de verdade, usando a língua e tudo, pegando no meu rosto com certo desespero enquanto eu só conseguia me manter parada.
Porque aquele beijo era bom, ele era o máximo, eu reconheço, alguma coisa muito louca estava acontecendo com meu coração que ainda não acreditava que Jungkook estava me beijando. No entanto, eu não conhecia aquele beijo. Não era aquele beijo.
E foi por isso que o empurrei para longe de mim, acordando para a realidade, porque a constatação estourou de tal forma que escorreguei para o outro lado, completamente desnorteada.
, eu…
Coloquei um dedo na têmpora, ficando de pé e batendo o vestido para me livrar da areia. Eu a sentia na curva do meu pescoço, nas minhas costas e no meu cabelo, mas não importava, eu precisava urgentemente sair dali. Existiam várias formas mais inteligentes e educadas de se lidar com um beijo inesperado, e eu tinha escolhido essa.
, desculpa — ele também se levantou, piscando os olhos enquanto se livrava da sujeira. Jungkook começou a se aproximar novamente, parecendo genuinamente perdido, abrindo e fechando a boca várias vezes — Olha, não queria fazer as coisas assim, mas não sabia a maneira certa de fazer. Quer dizer, eu ainda não sei, eu só… — ele bufou, passando as mãos pelo rosto, impotente — Você não gostou, é isso?
Ergui o olhar pra ele, ainda meio distante, como se o ouvisse há quilômetros de distância, mas franzi o cenho e balancei a cabeça da mesma forma. Era como se ele olhasse para mim sem entender o que via no meu rosto, e eu igualmente não sabia responder isso.
— Não é isso, mas… Deus do céu, o que está acontecendo? — murmurei para mim mesma, colocando as duas mãos na cabeça, tentando desesperadamente lembrar. Lembrar daquele dia, e lembrar direito. Parecia que alguém estava rindo de mim, e é sério, não tinha mais graça, Astros, Deus, Buda ou seja lá quem for, não tinha mais graça!
Ouvi seu suspiro antes que ele dissesse:
— Vou te mostrar o que está acontecendo.
Em um impulso, Jungkook pegou firmemente em meu rosto, me beijando mais uma vez, desta vez com mais vontade, e senti suas mãos passarem ao meu redor e me puxarem pra mais perto. Dei passagem para sua língua de forma mais convincente e recebi um baita beijo em retorno. Um beijo bom, delicioso, fulminante em todos os aspectos, completamente satisfatório.
Mas não era aquele beijo.
Cristo.
Soltei-o novamente, agora tendo certeza. E se antes eu achava que estava maluca, agora eu tinha a clara impressão de que estava virando uma lunática.
— Não era você — falei em um sussurro, aérea, levando a palma da mão à testa e olhando para cima, como se a verdade tivesse me caído em cima de mim como um meteoro. Eu ainda ouvia a respiração dele ofegante, os olhos um pouco arregalados pela interrupção repentina, enquanto eu estava em um estado catatônico.
Deus do céu, o quanto eu estava bêbada naquele dia? O quanto o álcool é capaz de me fazer esquecer coisas desse tipo? O quanto ele pode me jogar em cima de camas e bocas desconhecidas? E agora eu não havia mais ninguém para culpar por esquecer porque ele realmente não sabia do que eu estava falando. Ninguém se lembrava do que aconteceu, a não ser eu mesma.
O que eu tinha feito?
— O-o que não sou eu? — ele perguntou, mas mal escutei. Automaticamente, comecei a me mover de volta para as pessoas, bem longe de Jungkook — Ei, ei, espera! — ele segurou em meu pulso, me virando de volta — Sei que você está confusa e sinto muito por ter feito as coisas assim, mas queria dizer que eu pensei melhor. E que fui um completo babaca em todos esses dias desde que chegamos porque eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Você estava sempre comigo e assim era fácil me acomodar, mas passei a morrer de ciúmes de ver você com Jaehyun e tive atitudes deploráveis porque percebi que eu queria estar assim com você, eu queria te levar para a costa e curtir a praia com você, eu queria…
— Puta que pariu — arfei, me soltando dele novamente e começando a andar mais rápido, dessa vez correndo, sentindo o coração apertar. Jaehyun! As lanternas! Merda!
, espera!
Trinquei o maxilar, me virando para trás assim que ouvi seus passos tentando me alcançar.
— Não posso conversar sobre isso agora com você, na verdade não consigo, estou muito confusa pra assimilar isso, então até depois! — me virei e corri. Ele ainda deu alguns gritos tentando me chamar de volta, mas ignorei. Era como se tudo aquilo tivesse sido a cena de algum filme brega que tinha visto com Sophie, e não algo que tinha acontecido comigo, porque era muito louco se colocar em uma situação maluca dessas.
Eu estava sonhando com um beijo que nunca aconteceu. Ou que aconteceu, mas que não tinha sido com o cara dos meus sonhos. Então existia o beijo dos meus sonhos e o cara dos meus sonhos, e eles eram duas pessoas diferentes. Eu estava apaixonada por um beijo, caramba!
O saldo dessa noite tinha mudado bruscamente em questão de segundos.
Esbarrei em uma garota quando cheguei à aglomeração de novo, e pelo jeito que ela me olhou de cima a baixo, minha aparência não devia estar nada legal. Rolei os olhos, procurando por Jaehyun, que não estava no mesmo lugar, e segui sem rumo até mais perto da parte rasa, tentando olhar para os lados e notando o que ele tinha dito antes: a lua bem no meio do céu, formando uma passarela de luz por cima da água, tão serena e distante. O cenário perfeito que ele queria me mostrar e ver aquilo sozinha foi triste e frustrante.
? — não me virei quando ouvi a voz de Sophie, ainda absorta pela visão. Ela agarrou meus ombros e me puxou para mais perto da luz, arregalando os olhos — Mas que merda aconteceu com você?!
— Cadê o Jaehyun? — perguntei imediatamente, ignorando sua fisionomia de choque — Você viu ele? Viu se ele foi pro outro lado? Onde está…
— Ei, calma, respira! Eu não vi o senhor cavalheiro, mas estou vendo muito bem esse estrago no seu vestido! Porra, , virou cachorro? Por que se esfregou não areia desse jeito?! É um Louis Vitton, caramba!
— Ele tinha algo pra me dizer, Sophie! Nós íamos soltar lanternas, me diz onde ele está! — balancei seus ombros com um grunhido, e ela fechou os olhos como se estivesse tonta, o que não era difícil porque ela estava completamente bêbada.
— Ai, eu não sei, cacete! Não. Sei. Ele deve estar por aí, por que você quer tanto saber? E lanternas? Que coisa mais brega, , fala sério. Você não precisa do Jaehyun, você precisa de um banho.
— Eu não preciso…
! — Vi Jungkook se aproximando novamente e trinquei meus dentes de nervosismo. Essa não. Agora não, Jeon, fala sério, agora não! — Dá pra você parar um pouco pra gente conversar? Eu posso esclarecer meu lado, é sério…
— Jungkook, agora não…
— Opa, opa! Que tipo de conversa é essa que os dois não estão querendo contar pra mim? — Sophie abriu um sorriso débil, e revirei os olhos, pensando em uma forma de fazê-lo escolher outra hora para aquele papo.
— Não é nada. Jungkook, acho melhor falarmos disso amanhã, eu preciso encontrar…
— Amanhã não vai fugir de mim como fez agora há pouco?
— Você está fugindo dele? — Sophie puxou o ar em surpresa teatral, apontando de mim para Jungkook — Por que está fugindo dele? Você rejeitou a minha amiga, é isso mesmo, Jeon?
— Não!
— Sophie! — gritei, puxando ela para o meu lado.
— Espera, espera, você respondeu ‘não’? Quer dizer que não rejeitou ou não quer responder a pergunta?
— Vermont, vou me irritar com você. Ninguém vai conversar sobre isso agora — olhei pra ela com minha típica expressão raivosa, que não aparecia muito, mas que era autoexplicativa. Sophie parou por um momento. Não importava o quanto estivesse bêbada, usar seu sobrenome era um sinal claro de limites sendo atingidos.
— Mas… — tentou falar suavemente, mas eu apenas gesticulei com a mão, desautorizando-a.
— Outra hora — insisti, tanto pra ela quanto para Jungkook.
Por fim, ela bufou e assentiu.
— O que há de errado com as fofocas ultimamente? — balbuciou para si mesma, até estalar a língua e nos encarar de novo — Ok, vocês se resolvam, estou bêbada demais pra prestar atenção na novidade. Você, Jeon, estou dando a ordem pra levar a minha amiga pra casa e tentar consertar todo esse estrago que ela causou a si mesma e ao meu vestido. Agora. Ou vou chamar meu namorado pra subir nas costas dele e falar isso de novo, só que do alto. Dá mais autoridade.
— Sophie, não precisa…
— Sem essa, , olha pra você, tá um bagaço. E essa festa já está quase no fim ou chegou ao fim, vai saber quem ainda está acordado. Leva ela pra casa e coloca pra dormir que amanhã temos um dia cheio de volta pra selva de pedra.
Jungkook umedeceu os lábios e não esperou nem um segundo para concordar com a cabeça. Ou até mesmo fazer alguma pergunta.
— Tudo bem, pode deixar.
— Sophie!
— Adios, meus amores! Se essa faísca entre vocês explodir e os dois se atacarem, tomem um banho primeiro, por favor! ‘Tá um pior que o outro — ela fez uma careta e acenou com uma mão, voltando satitante para as pessoas enquanto chamava o nome de Mingyu com energia.
Olhei para suas costas sem palavras. E depois olhei para Jungkook, que bagunçou os cabelos em nervosismo, e respirava fundo pelo nariz.
, eu…
— Não fala nada. Vamos só ir pra casa, tudo bem? — interrompi, com a voz cansada. Não era para parecer grossa ou irritada, mas bem, eu não estava tendo muito controle sobre meu comportamento no momento. Quando começamos a caminhar em direção ao estacionamento na rua de cima, me virei para ele de novo — E se tentar me beijar de novo, vou acertar alguma parte sua com meus joelhos, tá legal?
Ele piscou os olhos, um pouco chocado, mas assentiu e voltamos a andar.
Não queria pensar que agora a situação tinha ficado diferente de uma hora para outra e eu mesma teria que escolher qual o melhor caminho para resolver aquilo. Eu. Que já tinha aceitado o rumo da amizade eterna.
Ainda não sabia dizer se meu azar estava agindo ou se a sorte estava finalmente batendo na minha porta. Ou as duas coisas. A maldita — e bendita — dualidade de Murphy.

☀️⛱️


Jungkook estacionou na frente da casa mais silencioso que o normal.
Eu não imaginava que ele fosse realmente levar a sério meu pedido para que fechasse a boca durante a viagem e não tentasse ter a conversa que eu não queria ali, mas foi o que aconteceu. Quando desatei o cinto, ele mexeu a boca, tentando dizer alguma coisa, mas desistiu no último segundo e não disse nada. A areia no meu cabelo estava agora totalmente espalhada pelos fios de um jeito dramático, e não queria imaginar quantas lavagens seriam necessárias para tirar tudo aquilo com eficiência. Eu só estava louca por um banho e, talvez, só talvez, louca para ir embora dali o mais rápido possível.
— Você ‘tá com fome? — perguntou quando saí do carro e comecei a andar. Apenas balancei a cabeça em negação, sentindo que ela começava a doer.
Ele veio atrás de mim até as escadas, e depois continuou atrás de mim até a porta do meu quarto, o que me deixou um pouco impaciente. Se ele me oferecesse um sanduíche ou um leite quente eu o fuzilaria com os olhos. Com um grunhido, virei o rosto para ele, soltando um suspiro profundo.
— Você não precisa me seguir, Jungkook, eu já disse que nós vamos conversar amanhã.
Ele franziu o cenho, colocando uma das mãos nos bolsos da bermuda.
— Não ‘tô te seguindo, só ‘tô indo pro meu quarto — apontou para o corredor que se estendia à frente e eu bufei, me sentindo ridícula.
— Claro, me esqueci que somos vizinhos, foi mal — inclinei a cabeça para a porta na frente da minha.
— Vizinhos? — ele encarou a mim e a porta adiante com o cenho franzido — Não somos vizinhos, . Esse não é meu quarto.
Parei com tudo com a mão na maçaneta. Olhei para ele com uma grande interrogação no rosto, uma interrogação desesperada. Quando pareceu se tocar do que havia falado um segundo depois, Jungkook bagunçou ainda mais o cabelo e suspirou.
— Esqueci que não devia contar isso… — ele estalou a língua, arregalando um pouco os olhos, mas logo se recuperou, cansado demais para se preocupar em segredos soltos sem querer — Eu e Jaehyun... antes de você chegar de viagem, fizemos um sorteio para decidir quais seriam os quartos, e eu e Jaehyun trocamos os nossos. Esse era pra ser o meu, e é o que todos pensam que é, mas Mingyu não podia saber porque ia ficar puto daquele jeito pela falta de organização e querer fazer outro sorteio e, enfim, aquele maluco tem muitos problemas. Tenho sorte de ele não pisar aqui. Mas meu quarto é aquele bem no final do corredor.
Ele apontou para a direção que dizia, mas minha cabeça não me obedecia. Meus olhos só conseguiam focar na porta diante de meus olhos, a única porta que importava, a única que eu havia entrado.
— Mas… Mas eu te vi entrando aqui um dia, eu… Eu juro.
— Claro que já entrei aqui, , é o quarto do Jaehyun. Vim pegar umas camisas, bater um papo, esse tipo de coisa…
Ele falava, mas eu não ouvia. Senti a mão ficar fraca a ponto de não se manter na maçaneta. Um gelo enorme invadiu meu peito e tudo girou à minha volta.
Minha nossa.
Não, por favor.
Eu entrei naquele quarto naquele dia. Eu beijei a pessoa daquele quarto.
Eu beijei Jaehyun?!
O teclado... A organização... O cheiro! É claro, Jungkook nem toca teclado! Onde eu estava com a cabeça?!
Minha nossa, o mundo estava desabando.
... Ei, ! — seus dedos estalaram para chamar minha atenção, me assustando por um momento. Sua imagem na minha frente parecia um pouco irreal, distante — Você está bem? ‘Tá passando mal? Quer que eu busque algum remédio?
— Não. Não, eu só preciso de um banho e dormir um pouco, está quase amanhecendo, então bom dia e tchau! — puxei a porta e entrei antes que ele dissesse alguma coisa, fechando-a imediatamente e me encostando na mesma, ainda abalada pelo choque.
Foi automático. Eu simplesmente surtei e fui escorregando parede abaixo até me sentar, com os olhos focados em lugar nenhum, pensando em um só nome: Jaehyun.
Aquele era o quarto de Jaehyun. Foi como se toda a verdade explodisse bem na minha cara, igual uma bala no paintball. A confissão que fiz naquela noite tinha sido totalmente direcionada, e o beijo que recebi foi como se tivesse tirado o número vencedor de uma rifa. Perfeito demais, sortudo demais. Era o dia que mais implorei para que tudo desse certo, da forma como planejei.
O que eu deveria pensar depois de tudo isso?
Lembrei que Jaehyun sempre tentava me falar alguma coisa. Lembrei da forma como me tratava, como passou a me tratar. Lembrei que entrei naquele quarto completamente desvairada e não citei nome nenhum! Lembrei que ele desapareceu no final da festa. O final da festa onde Jungkook estava me beijando.
Tá legal, eu estava surtando.
Com agitação, me levantei do chão, buscando meu celular que estava em cima da cama. Peguei e disquei o número dele, sem me preocupar se isso fosse algo completamente inesperado, já que eu só tinha o número dele por causa do grupo do Kakao. Liguei e caiu na caixa postal. Nervosa, comecei a ligar de novo e andar pelo quarto, desesperada por uma confirmação, desesperada por qualquer coisa...
Meus pés chutaram algo que fez barulho quando bateu na parede. Desliguei o telefone, andando até o local do ruído embaixo da cortina e vi um pequeno brilho esbranquiçado, que se tornava rosa e então azul. Meus dedos tocaram de leve a ponta e puxei o objeto, perdendo o fôlego quando encarei a pulseira de apenas uma tira, cravejada de pequenas conchinhas coloridas, as mesmas que ele estava colocando nos bolsos naquele dia na praia. E com a minha inicial em uma delas.
Ali eu tive a sensação estupefata de que precisava vê-lo.
Saí do quarto sem pensar, indo até a outra porta do outro lado do corredor e fechando os punhos para bater. Nada aconteceu nos primeiros dois segundos e bati de novo, com mais força, o coração saindo pela boca. Nada aconteceu novamente, mas, desta vez, a madeira fez um pequeno rangido quando foi aberta, mostrando que nunca esteve fechada totalmente.
Prendi a respiração. Entrei e vi o mesmo lugar da minha memória, completamente escuro e silencioso. Vazio.
Contemplei a cama arrumada e a ausência dos elementos que tinha reparado antes: os tênis enfileirados ao lado do banheiro, o teclado encostado, as camisas penduradas na arara… Não havia mais nada. Só havia o mesmo cheiro impregnado nas paredes e um outro objeto que escapava por debaixo da cama, a única coisa que fugia do aspecto limpo do resto do cômodo.
Andei devagar até ele, puxando o papel frágil e branco de tamanho médio, que reconheci imediatamente como as famosas lanternas de papel que tanto vi em dramas. Haviam duas. Uma delas estava em branco. A outra tinha pequenos caracteres escritos desordenadamente, que se expandiriam com o fogo e flutuariam na água, deixando a mensagem bem clara:
“Eu também amo você.”
E ali, tive certeza que ele tinha ido embora. Que ele tinha visto tudo. E que eu tinha arruinado alguma coisa que eu nem sabia que era possível de se arruinar, porque não sabia mais o que estava sentindo.
Sorte o caramba! O universo não se alinha para pessoas como eu. E se estavam rindo, tudo bem, eles poderiam começar a rir de uma garota jogada no chão em posição fetal com bolo de sorvete no vestido e areia no cabelo, que não sabia que era possível magoar tantas pessoas e se magoar por tabela em apenas uma noite.


07 – Ébia

Jaehyun's POV

🎧 Dá o play:

Heart to Heart – Mac DeMarco


Ela era tão linda.
A primeira impressão de Yugyeom foi que ela era diferente. Eunwoo dissera que ela parecia normal. Mingyu não tinha muito a acrescentar, mas garantiu que ela era engraçada. Pensei que tinha uma coisa muito errada com aqueles caras por não verem o que eu vi.
Inteligente, espontânea, adorável. Uma junção de características tão marcantes que era impossível ignorar. E, quanto mais a conhecia — ou observava —, essa lista ganhava mais e mais adjetivos.
Era literalmente como atravessar a rua na frente de um ônibus. Você vê chegando, mas não consegue se mexer. E aí é bruscamente atingido, lançado há quilômetros de distância.
Nos últimos dois anos, não consigo me lembrar de em algum momento não ser apaixonado por .
Foi aquele tipo de coisa que acontece no silêncio, crescendo escandalosamente no peito sem uma boa razão, não uma que percebi de imediato. Quando vi, já estava ali. Eu já tinha certeza. Como quando a olhei da cozinha de Jungkook em seu aniversário do ano passado e soube que eu estava fodido porque simplesmente não conseguia parar de encará-la. A voz dela era suave e soava sempre alegre e enérgica, e lidar com isso sem exatamente participar era bem difícil. Porque saber dos meus sentimentos era fácil, agora lidar com eles é diferente. Eu poderia estar apaixonado por , mas o que eu poderia fazer com isso? Parecia muito tarde para evitar atravessar a rua na frente do ônibus, afinal.
Tinha tentado parar de sentir. Eu juro. era o tipo de aquisição inesperada no grupo, e estaria tudo bem se fosse só isso. Mas desde que ela tropeçou em cima dos próprios pés naquela festa na casa de Yugyeom quando JK a apresentou para todos e ela fez uma piada sobre Sexta-feira Muito Louca, eu sabia que estaria nessa situação hoje.
E também sabia que ela provavelmente já sentia algo por outra pessoa.
Eu não queria perceber tanto essas coisas. Mas tinha certeza que estava apaixonada e obviamente não era por mim.
Também era fácil me concentrar no trabalho e em outras obrigações durante os dias, mas quando ela estava por perto... Era como ser tomado por um tipo de frenesi. Sempre silencioso, mas intenso. Meus olhos não conseguiam parar de segui-la, mesmo que eu soubesse disfarçar isso bem. Eu só queria que...
Já havia aceitado que eu era covarde em relação aos meus sentimentos e que não precisava enchê-la com eles.
Até aquela noite.
Quando ouvi sua declaração, foi como ser atacado por dezenas de raios, que eu insistia em levar para me provarem que eu não estava sonhando. Eu acreditei. Mesmo que, pensando agora, não sei como pude beijá-la de uma forma tão impulsiva, sem dizer absolutamente nada, mas foi como ser tomado por algo muito maior do que eu. E acordar com ela foi como a extensão desse sonho maluco que eu não sabia se devia estar alimentando.
Não sei como pude pensar que ela também estava apaixonada por mim. E pensando isso, esperei. Esperei até a hora certa porque não podia agir do nada com ela. Não podia aparecer como se tivesse começado a sentir isso agora. Mas queria que ela soubesse de tudo.
Eu iria contar no último dia. Iria me abrir sobre absolutamente tudo.
Mas vi que tudo não tinha passado de uma invenção da minha cabeça. Um grande e terrível mal entendido.

☀️⛱️


Respirei fundo quando despenquei no piso liso do estúdio, colocando os joelhos para cima enquanto Taeyong permanecia sentado, ainda que ofegante. Ele sempre cansava menos do que eu, menos do que todos. O ar condicionado não estava forte o suficiente para lutar contra o calor do fim do verão. Com um suspiro, falei:
— Se esse for o passo principal, vou acabar quebrando uma perna.
Taeyong lançou uma careta em minha direção.
— É uma música do primeiro álbum, não vai quebrar sua perna.
— Há 5 anos, eu tinha mais flexibilidade, sabe… — dei de ombros, vendo-o varrer o ar com as mãos, como se sacasse minha ironia. Soltei uma risada fraca, encarando o teto.
Ouvi seus pés deslizarem enquanto levantava, caminhando até o outro lado e voltando logo depois, mastigando algo que fazia muito barulho entre os dentes.
— Mas e então, o que você faz aqui tão cedo? — perguntou bem em cima do meu rosto, fazendo uma enxurrada de migalhas de pão voarem em cima de mim. Estalei a língua, me sentando imediatamente.
— Como assim, hyung? O feriado já acabou e nós temos uma apresentação. Eu tinha que vir.
— Não vem com essa, você entendeu. Era para estarmos ensaiando daqui há dois dias junto com os outros quando a folga de fato acabasse, então quer dizer que você voltou mais cedo da sua viagem com seus amigos. Só não entendo porquê. — ele levantou os ombros, sinceramente confuso — Jeju anda desfalcada de diversão ultimamente?
Revirei os olhos, trazendo as pernas para cima e erguendo o boné para bagunçar o resto do cabelo.
— Eu precisava rever alguns passos, não viu? Continuo errando a mesma coisa, então foi certo voltar mais cedo. Não quero que o melhor cenário da performance seja minha cara indo ao chão bem no meio de Firetruck.
— Ah, qual é, Jaehyun. Até esses erros bobos estão estranhos, você não tem essa falha de memória que tá querendo inventar pra mim. Vai, me diz o que houve.
— Não houve nada, falo sério — respondi de um modo muito, muito astuto. — Você diz como se eu tivesse saído no meio da diversão quando só vim algumas horas antes, não tem nada demais.
— Ainda é um problema, não é? Você sair antes dos seus amigos, que maluquice foi essa? Sei que você faz o tipo caladão, mas sempre fica até o final. E ainda em Jeju, fala sério. Aconteceu alguma coisa, não é?
— Por que teria acontecido alguma coisa? — Levantei, andando até a garrafa de água repousada ao lado do espelho.
— Porque dá pra ver pela sua cara de merda desde que chegou em Seul. Vamos lá, com quem você arrumou confusão?
— Pareço alguém que arruma confusão? — Suspiro, desentendido. Agora entendi porque eu quis movimentar o corpo como a primeira opção desde que cheguei, e em como soube desde o começo que Taeyong não seria a melhor companhia para isso. Ele era curioso demais — Não venha me analisar uma hora dessas.
— Já estou fazendo isso, mas não importa, você e aquele bando de garotos de 97 brigam até por causa de bolinhos. Mas você teve alguma decepção, não é?
Repeti um “ah” com os lábios apertados, como se refletisse sobre sua pergunta.
— Acho que estou decepcionado agora mesmo porque meu líder não quer voltar a treinar.
Taeyong sorriu com um sarcasmo que não era muito típico dele e então disse:
— Vai se ferrar, Jeong, não lembra do que eu sempre digo? A mente é tão importante quanto o corpo. Precisa estar bem nas duas partes se quiser a excelência — ele se aproxima de mim com aquele ar de Buda incorporado que não me incomodava na maioria das vezes, mas hoje eu só queria soltar um palavrão para que ele entendesse que não era hora para isso. — O que você viu por lá?
— Garotos com fantasias de corvos — respondi, ocupando a garganta com a água gelada, finalizando o assunto ou dando a entender isso sem usar de grosseria. É claro que Taeyong preferiu não entender.
— Todo mundo se fantasia de corvo naquela merda, parece Itaewon no Halloween — ele estreita os olhos, percebendo meu joguinho. — Vamos lá, quem te deu um soco? Hein? Ou mexeram no seu teclado. Já sei, desorganizaram seus sapatos. Te colocaram em um quarto no térreo? Falaram mal de La La Land
— Você sabe que só está jogando coisas aleatórias no ar, não sabe? — Balanço a cabeça, erguendo as sobrancelhas ao mesmo tempo — Desde quando eu reclamo dessas coisas?
— Não reclamar não quer dizer que gosta, só te torna mais educado do que os outros. E fala sério, tá na cara que você não gostou de alguma coisa.
Esfreguei a ponta dos dedos na camiseta, como se estivesse limpando deles a memória das lanternas, das conchas e de todas as vezes que a toquei, porque doía um pouco lembrar, daquele jeito que revelava culpa e frustração. Para Taeyong, pareceu só que eu me livrava das gotas da garrafa molhada.
— Tá bom, se não vamos treinar, vou tomar um café. Qual você…
— Não foi uma garota, foi? — Parei antes de sequer ter começado a me mexer. Foi como se ele tivesse cutucado algum espaço estranho muito visível dentro de mim, o que só mostra como todas as coisas que tanto tentei esconder estavam sendo brutalmente expostas sem meu consentimento.
Nem consegui responder. Mas eu sabia que tinha tanta coisa saindo de mim naquela paralisação que não deveria ser possível que ele entendesse outra resposta.
— Minha nossa, a última opção sempre está certa. Foi uma garota. — Ele sorriu vitorioso. Não acredito nisso. Desviei os olhos, pensando debilmente em começar aquele assunto besta da semana passada da notícia de uma mulher que apareceu grávida de quádruplos, mas nem isso tiraria a atenção de Taeyong — Não vai me dizer que foi aquela estrangeira amiga do Jungkook…
— Não quero falar sobre isso. — Respondi, finalmente movendo os pés para longe dele, para o outro lado do estúdio onde eu tinha jogado a minha mochila. Só assim para que talvez eu pudesse fazer todas as minhas caras e bocas estranhas em paz.
Eu normalmente não ligava para perguntas insistentes, só que Taeyong era pior, muito pior.
— Sou um gênio, sabia que você gostava dela esse tempo todo. — Ele já estava praticamente do meu lado enquanto eu remexia em coisas aleatórias que não precisavam ser mexidas. Minha nossa, ainda dá tempo de roubar a sua atenção com o assunto da mulher grávida? — Mas o que houve? Ela te rejeitou?
— Você entende quando eu digo que não quero falar sobre isso? — Perguntei em tom informal, e um tanto cansado.
Na verdade, não sei dizer como exatamente a pergunta saiu, mas ele pareceu enrijecer a postura e limpar a garganta, como se tivesse notado que eu falava sério — ou criando aquela velha barreira sentimental contra meus problemas que ele já devia estar acostumado. Levantei de novo, bebendo o restante da água.
— Foi mal, Jae, só… Eu percebo quando algo te fez mal, entendeu? E você não é um cara facilmente atingido. Imaginei que a coisa fosse séria.
O assunto tinha um aspecto sério para mim, mas nem por isso eu estava disposto a bater nessa tecla ou ficar lembrando porque não queria criar mais do que já estava criando. Já fazia 1 semana. Jeju estava para trás e a vida em Seul tinha retornado para todos. Mensagens foram respondidas e explicações foram dadas, fim.
Bom, nem todas.
— Tá tudo bem, não importa mais agora. — E fui sincero. Não sabia como colocar melhor do que isso para que o assunto acabasse — A culpa foi minha, eu crio coisas demais. Não foi você mesmo que disse isso uma vez?
— Não sei que tipo de criação você está se referindo — disse sugestivo, esperando uma resposta melhor. Ele não a teria tão cedo.
— Estou sempre criando coisas, é uma merda às vezes. Agora, você prefere latte ou americano?
Taeyong riu enquanto batia as mãos nas calças e passava um braço pelo meu ombro, parecendo muito confortável nessa posição mesmo que eu fosse maior. Esse tipo de atitude velha era o que me fazia lembrar do porquê éramos amigos.
— Não importa, vamos tomar o que você quiser. Pobre menino, vou perguntar pra moça do café o que melhora um coração partido… — Ele estala a língua enquanto caminhamos para fora da sala. Soltei uma risada fraca porque era exatamente o que eu estava precisando: esquecer. Aceitar. Tratar. Porque meu estúpido coração estava mais do que partido, estava quebrado, internado, mancando e eu nem sabia de qual direção tinha vindo o impacto.
Esperar foi culpa minha. Me iludir também. E essa ideia permanece tão firme na minha cabeça que não consigo entender porque meu celular ainda treme de mensagens com o nome dela, chegando vez ou outra desde o fim da viagem, como se ela esperasse algo de mim também.
Enquanto Taeyong se afastava para completar o registro do estúdio e eu pegava no celular, mais uma chegou. Desta vez com a dúvida de qual seria a melhor forma de cortar cenouras e torná-las ainda melhores para o café da manhã.
Bloqueio o celular, me sentindo ainda mais estúpido. Não era como se eu fosse ignorá-la. Suas mensagens eram respondidas pontualmente no mesmo dia, mas confesso que não me permitia abrir ainda mais brecha do que abri. Não vou respondê-la imediatamente, mesmo que o assunto seja tão banal e simples como “oi, você está bem?” ou “o que você recomenda para assistir numa noite de terça?”. Não, eu preferia me afundar em trabalho e não pegar o que já existia entre a gente e transformá-lo em algo mais. Não mais. Já tinha feito isso na viagem e os resultados estavam bem aqui, com meu coração capengando de muletas.
— Estava pensando — Taeyong reaparece do meu lado, erguendo um dedo para cima enquanto volta a passar um braço pelos meus ombros — Já que você quer ser produtivo, que tal voltarmos ao estúdio depois e você me mostra o que andou escrevendo naquele caderno?
Reviro os olhos e coço a nuca com desconforto.
— Vamos voltar nisso de novo?
— Como não? Você é um instrumentista e rabisca seus pensamentos em um papel quando se sente sobrecarregado. Isso existe no dicionário, se chama composição. É o que a maioria das pessoas chama de criatividade também.
Quis dizer que a última coisa que eu estava me sentindo no momento era criativo, mas suspeito que a intenção de Taeyong era pra que eu aproveitasse esse momento de merda e passasse a ser um. Monetizar nossas decepções e todo esse papo que rola muito nesse ramo.
Mas ser criativo de verdade era uma vertente mais inflexível, como fazer uma coisa onde antes não havia nada. No meu caso, eu pensei que tivesse, e descobrir o contrário podia servir de exemplo. Aquela frase era totalmente a minha.
Eu tinha me fodido de um jeito escandalosamente ridículo.
Acho que Taeyong reparou isso na minha expressão, porque logo aproximou-se ainda mais de mim e disse:
— Eu nunca mandei você fazer alguma coisa antes, Jae. Mas vou mandar agora: fique longe de whiskeys e, principalmente, longe do telefone dela. Você vai encontrar seu caminho e ficar melhor.
Assenti, olhando para a frente, com medo de que se eu o encarasse, ele visse o quanto eu não acreditava mais nisso.

's POV

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Peaches – Justin Bieber, Daniel Caesar, Giveon


— O senhor quer que eu faça o quê?!
Saiu mais alto do que eu pensei. Mas estava tudo bem, o senhor Kwon já tinha se acostumado com a falta de formalidades da minha parte.
— Você ouviu bem, senhorita . Preciso que me faça um favor. Considere como hora extra.
Umedeci os lábios e me contive em não responder de imediato. Confesso que minha língua andava um pouco mais solta desde o feriado, porque agora eu percebia como era um saco quando você queria ficar quieta e se afundar nos seus próprios pensamentos autodepreciativos e nenhum raio de ser humano te deixava em paz.
Na primeira noite em Seul depois da viagem, eu sabia que aquele estado chamado de constante pilha de nervos iria durar até que eu deixasse de ser uma completa covarde sobre a situação. Mas enquanto isso não acontecia, aqui estava eu, segurando todo o meu ranço para não xingar meu chefe e toda a geração que veio antes dele.
— Mas… O senhor precisa mesmo? — Sorrio daquele jeito amarelo, forçado — Porque se for só uma questão de querer…
Ele emitiu um ruído nada familiar, prestes a pular a parte do pedir educadamente para a parte onde eu não teria escolha e tateou os olhos até arrancar os óculos de grau.
. — Ele só disse isso, mas eu não precisava de mais. Só aquele olhar duro em cima de mim explicava o quanto aquilo não era realmente um pedido.
Levantei uma das mãos, indicando que ele não precisava continuar.
— Tudo bem, tudo bem. Eu ouvi direito? O senhor quer que eu leve sua filha ao festival?
— Exatamente. Lugares barulhentos com outras crianças barulhentas é como o passatempo preferido dela, mesmo que deixe de estudar para ficar obcecada por esses garotos. Ela só tem 14 anos, precisa começar a pensar na faculdade, você não acha?
— Claro que deve, senhor — concordo com uma risadinha aguda do fundo da garganta, fruto da minha falsa educação que eu já estava cultivando há dias. Soou um pouco como se eu estivesse sendo morta por um gambá, mas tinha certeza que encontraria tipos piores no grande festival de música da KBS.
Kwon aceitou a resposta como sempre. Não era difícil convencer esse homem quando se tratava de palavras, ele simplesmente não entendia sarcasmo.
Mesmo assim, ele era um bom chefe e sempre teve muita paciência comigo e meu alter ego Murphy, mas isso significava que eu teria que aceitar sua ordem implícita de ir à um show onde os gritos da plateia sub–15 eram como os momentos finais de uma briga fatal entre gatos?
Bem, parecia que eu tinha sim.
— Pois então. Tenho uma reunião super importante com o grupo Wang nesse horário e não posso cancelar meu compromisso com ela, sabe como é, adolescentes surtam por qualquer coisa. E a governanta que pago uma fortuna precisou ir à Paju porque a mãe caiu de uma escada. Mas fica tranquila que quando ela estiver na frente do palco, não vai ter tempo de ficar brava com mais nada e ninguém.
— Eu imagino. — E espero que sim, porque a única adolescente que conheci até hoje foi eu mesma, quando era uma.
— E tem outra coisa também. — Ele suspirou e me encarou por um minuto inteiro antes de falar: — Não estou te pedindo para levá-la só porque confio em você e sei que vai ser responsável, mas também porque sei que você conhece aqueles garotos.
Arregalei os olhos, ficando em posição de rigidez cadavérica. Não conhecia bem os detalhes de uma pessoa em choque daquela maneira, mas tinha certeza que existia uma sensação de morte envolvida.
Conhecer? Como o senhor pode saber disso?
— Por favor, , acha mesmo que as pessoas não fofocam? Te ver entrando numa Hyundai Palisade no fim do expediente é pra ser uma coisa normal?
— Bem, poderia ser? Posso estar saindo com um cara muito rico, só isso.
— Então está saindo com um deles?
— Senhor Kwon! — O grito veio antes que eu me tocasse. Ele me encarou um pouco aborrecido. Continuei parada, agora desviando os olhos para baixo em uma expressão de desculpas. Sim, aparentemente meu chefe poderia admitir que era um fofoqueiro e que sabia que eu saía com caras ricos e famosos e eu só poderia permanecer com uma expressão patética e sofrida porque ainda não estava disposta a perder esse maldito emprego.
— Tudo bem, isso não me importa de verdade, e vou fazer o favor de não contar à Eunbi sobre suas amizades secretas, mas preciso que você dê um jeito de levá-la ao camarim depois.
— É o que?! — Outro grito. Ok, eu precisava fazer isso parar.
Desta vez, ele apenas estreitou os olhos e relaxou na cadeira.
— O que? Você não faria isso de qualquer jeito depois?
— Eu… Eu… — gaguejei como culpada. O assunto que envolvia a mim e minha relação com idols era um tanto sagrada, e nessa semana especificamente, também queria que fosse ainda mais discreta, principalmente quando me lembrava de toda a situação terrível em que tinha me metido no feriado.
No entanto, ali estava eu, tentando responder que nem sabia se iria ao camarim porque não tinha o menor plano de ir naquele evento depois de ter bebido uma garrafa inteira de vinho sozinha na minha casa duas vezes naquela semana toda vez que me lembrava quem estaria lá.
— Eu não sei se consigo fazer isso, senhor. — Foi minha resposta final, mas senti que não seria o suficiente porque era claramente uma mentira descarada.
Ele respirou fundo, pegando uma caneta para brincar.
— Acredite, srta. , não foi um plano maléfico te pedir esse favor, mas já comprei o ingresso mais caro e ele cobre apenas o espaço VIP bem em frente ao palco, que ainda vai manter Eunbi muito separada de seus amores, segundo as palavras dela. Realmente não é minha intenção ficar de pé durante 3 horas para assistir esses garotos cantando e dançando, mas posso te pedir pra fazer isso e ainda por cima conceder um pouco de felicidade à minha garotinha que vai poder conhecer todos eles depois.
— Senhor Kwon…
— Sabe, … Aquela promoção que você tinha comentado comigo ainda está na balança. Mesmo depois de ter trocado os papéis 3 vezes e esbarrado no CEO da Alemanha aquela vez em Miami, não cheguei a descartar seu nome em nenhum momento.
Foi como se ele tivesse me dado um empurrão. Aliás, teria sido melhor. Aquele olhar significava que finalmente tinha me pegado, e senti raiva por ter que me curvar diante daquela chantagem ridícula.
Devo contar para ele todas as minhas besteiras e aventuras na ilha de Jeju na semana passada para que sinta um pouco de pena de mim e me tire daquela situação?
— Claro, senhor Kwon. Sabe como eu almejo essa promoção — lancei mais um daqueles sorrisos forçados — E pra melhorar minha imagem, acho que eu deveria aceitar realizar esse favor, não é mesmo?
— Boa garota. Você é preciosa. Vou levá-la às 7, tudo bem?
— Claro. Vai ser um prazer.
Volto para minha mesa como se tivesse acabado de ver Kwon de samba canção. Algo que misture repulsa com pavor. Seis meses antes, eu seria capaz de fazer qualquer baboseira que esse homem me pedisse para agradá-lo e elevar meu valor como profissional, mesmo que tivesse de ficar de babá, mas agora muitas coisas pareciam ter mudado e uma delas era que eu não era tão paciente assim.
Encaro a tela do meu computador com a mente aérea. Tenho uma vontade súbita de levantar e parar no primeiro estúdio de tatuagem que encontrar, pedindo o primeiro desenho negro e intrincado que cubra a maior parte das minhas costas e suba pelo pescoço porque precisaria apenas disso para receber um grito de demissão. Quero gritar também, o que irritaria o homem de qualquer jeito. Quero fazer qualquer coisa pra tirar essa sensação claustrofóbica de mim.
Se o favor se limitasse em levar a adolescente ao festival estaria tudo bem. Mesmo. Eu realmente não estava pretendo tirar minhas roupas monocromáticas do armário e correr para a arena do estádio onde seria o show, mas encarar várias apresentações da plateia era melhor do que entrar no backstage e ver ele. Ver todos eles. Porque isso era possível, era muito possível, na verdade se eu estivesse lá e não o fizesse, seria automaticamente exilada como mascote.
Mas meu medo e minhas lembranças confusas eram mais reais do que qualquer outra coisa.
As palmas das minhas mãos suavam só de pensar em encontrar Jaehyun de novo. Jaehyun, o cara que iria se declarar para mim na semana passada, o cara que me concedeu o melhor beijo da minha vida e o cara que não respondia minhas mensagens desde que tinha ido embora mais cedo da viagem. Digo, não respondia da forma como eu queria. Era só um conjunto de palavras em ciclo, que incluíam sim, não, claro, tudo bem. E eu já tinha esgotado todas as formas peculiares de me aproximar.
? — Jiwon se aproximou da minha mesa ao mesmo tempo que depositou uma pasta com possíveis relatórios e um café gelado — Preciso dessas planilhas atualizadas até às 6. E chegou o seu café.
Fiquei confusa.
— Mas eu não… — Tentei, mas ela já tinha ido embora. Típico. — Não pedi um café.
Suspirei, pegando a encomenda e sentindo o cheiro violento e agradável do café expresso com leite e caramelo. É o meu favorito, e também tão lindo visualmente que sempre que via, queria comprar um.
Um bilhete estava jogado dentro da caixinha de papelão. Um desenho de um sol junto com montanhas e o mar acompanhavam a frase com a caligrafia torta e familiar: “Espero que esteja tendo um bom dia no trabalho. Sábado à noite combina com comédias românticas dos anos 70, o que você acha? Podemos tentar fazer aquela coisa nojenta que leva sorvete e coca-cola, claro, caso você queira. Eu aceito tudo.

P.S: pode responder minhas mensagens, por favor? Levar um gelo é mais perverso do que imaginei. Já disse que podemos conversar. Pensa nisso.

JK.
Nunca quis tanto ter uma foice e cavar uma abertura na parede.
Afasto o recipiente do café com um som áspero que ressoou pela mesa inteira, fazendo o garoto sentado à minha frente olhar por cima dos óculos. Aquilo era um pesadelo. Ainda era difícil de acreditar que a expressão mudar da água para o vinho realmente existia e fazia todo o sentido.
Mas no que diabos eu tinha me metido?
Pego meu celular imediatamente, digitando o convite para beber diretamente para Sophie, de uma maneira bem-humorada, mesmo que minha expressão da vida real diga o contrário. Como sempre, ela me respondia muito rápido quando eu mencionava caipirinhas e cerveja artesanal.
Olho de novo para os pontinhos de mensagens não lidas e sinto vontade de desligar o telefone. O nome de Jungkook era o que piscava com mais números e o nome de Jaehyun mostrava eu mesma sendo totalmente ignorada. Porque eu sou incapaz de mandar alguma mensagem que preste. Porque sou incapaz de puxar um assunto interessante ou pertinente. Mas a verdade mesmo era que eu sabia de tudo e, mesmo assim, era incapaz de falar sobre aquilo.
Coloquei meus fones de ouvido, ligando-os no computador e jogando o celular no fundo da bolsa. Planilhas e números seriam mais fáceis de lidar do que toda a bagunça que minha vida tinha se tornado.

☀️⛱️


— Que porcaria! — Sophie cuspiu o gelo de seu drink para dentro do copo, fazendo um barulho significativo que foi abafado pela música cafona ao redor. Estendi as mãos para puxar o meu próprio copo, que só tinha cerveja usual e barata porque aquela noite não era uma comemoração — Isso aqui definitivamente não é rum.
— E nós definitivamente não estamos em Itaewon — ergo uma sobrancelha para suas expectativas frustradas. Não estamos em Itaewon e nem em qualquer lugar que parecesse vender o que dizia que vendia.
Sophie apenas suspira e estala os dedos para qualquer pessoa do caixa que a visse. A música subia como um lamento no ar.
— Não tem problema, ainda temos soju — ela levantou a cabeça enquanto vira um shot pequeno da bebida e faz a careta usual — Mas e então! Teremos companhia amanhã no festival? Amo apresentar carne nova às after parties, será que…
— Ela tem 14 anos, Sophie, foco! — interrompo, percebendo que esperei ela beber demais antes de explicar todas as minhas frustrações — Meu chefe quer que eu leve a filha dele para o evento da KBS amanhã e eu não tive nenhuma escolha a não ser aceitar. Eu nem queria ir, você sabe disso. Não sei o que fazer… — apoiei um dos cotovelos na mesa e, quando o fiz, Sophie recebeu mais três garrafas de cerveja de um cara alto com uma regata de estampa de flores e omoplatas bem definidas.
— Como não sabe o que fazer? Você vai e ponto.
— Acorda, ele quer que eu a leve ao camarim depois. Como vou olhar pra ele, Sophie? — solto um gemido de indignação e, talvez, até um pouco de sofrimento.
Minha amiga revira os olhos e tenho certeza que ela já está com um belo sermão em formação pra mim. Mas antes, não se esqueceu de virar mais um grande shot de soju.
— Olhando, ! Eu não acredito que ainda não pegou um táxi e foi bater na porta daquele apartamento dele, fala sério, o que está esperando?
Inclinei a cabeça para trás, abrindo e fechando a boca várias vezes antes de responder como uma idiota.
— Eu não sei, tá bom? Eu só… Não sei. Tenho medo de perguntar o que aconteceu de verdade, tenho medo de ver tudo ganhando vida, tenho medo…
— Você tem medo de viver, isso sim! Qual é, já basta todo o mal entendido de ter pensado que Jungkook te beijou e perdido sanidade e saúde tentando entender o que se passava naquele único neurônio, e agora que sabe disso, precisa tentar colocar as coisas no lugar.
— Deus do céu, não vamos falar do Jungkook — puxei o copo mais uma vez, comunicando pelas minhas sobrancelhas arqueadas o quanto aquele assunto era uma porta fechada. Fechada até que eu entendesse tudo que estava acontecendo.
— O que? Ele se transformou no grande emocionado da vez, é isso? — agora ela quem estreitou os olhos, falando como se já soubesse da resposta. Se eu tivesse uma pinça, gostaria de arrancar todos os pelos daquela sobrancelha prepotente, obrigada — Minha nossa, você tá muito encrencada. Por que não conta logo a verdade pra ele?
— Mas que verdade? — exasperei, largando a bebida na mesa — A verdade que enchi a paciência dele com um beijo que não aconteceu? Ou que, na verdade, beijei um dos seus melhores amigos? E fiquei completamente alucinada com isso, mas agora… Argh, ele me beijou, Sophie! Cacete, isso é muita loucura! — escondi o rosto entre as mãos, e se eu cheguei ao nível de choramingar em plena mesa de bar, o álcool já estava fazendo efeito — O cara que eu gosto me beijou e disse que também gosta de mim, e eu sei que deveria ficar nas nuvens com isso e achar que literalmente zerei a vida, mas eu não consigo, tá legal? Não sei explicar. Eu olho para ele e só consigo lembrar do beijo no quarto. Então não sei o que fazer. Desta vez, o meu azar literalmente exagerou.
Sophie soltou um muxoxo antes de inclinar o corpo até colocar mais soju no meu copo. Aceitei de bom grado, mesmo que tivesse consciência que já estava passando do ponto. Tinha deixado claro para mim mesma que as noites eram feitas para dormir, mas meu corpo estava ignorando isso completamente naquela semana.
— Você sabe sim. Tem que falar com ele — Sophie deu de ombros.
— Estou tentando, esqueceu? — inclinei o queixo para o celular jogado.
— Mensagens de texto são uma porcaria, , esses garotos mal têm tempo de pegar em um celular. E mesmo que tivessem, não é conveniente mandar um “olá, podemos conversar sobre o beijo que demos naquele dia? É que descobri recentemente que foi você e não outro cara, e isso está me enlouquecendo” e esperar que ele responda. Essas coisas acontecem cara a cara.
— Talvez pra você — choraminguei porque sim, eu estava sendo uma covarde completa. Se Jaehyun tinha realmente visto meu beijo com Jungkook, provavelmente me odiava agora e eu nem tinha coragem de confirmar isso.
— É o seguinte: não vamos chorar hoje à noite, tudo bem? Aqui, bebe isso — e mais cerveja encheu o meu copo, que ainda tinha soju, e aquela mistura era sempre tiro e queda para ressaca — Vamos encher a cara e comprar um pterodátilo de pelúcia quando sair daqui, e amanhã, quando olhar para ele, você vai se lembrar do recado principal: falar-com-Jaehyun. Pessoalmente.
— Como vou falar com ele se vou estar no meu ofício de babá? — eu a desafio a me responder.
Sophie abre os braços sobre a mesa naquela posição como se eu estivesse cega para o óbvio. Sua risada perplexa também fazia um barulho bastante audível naquele lugar minúsculo.
— Aô! As crianças me adoram, esqueceu disso?
— Não adoram, não.
Em resposta, ela simplesmente abanou uma mão no ar e encheu agora dois shots.
— Bom, essa é adolescente, não é? Posso ter mais sorte com essa espécie — ela estalou a língua e passou uma das bebidas para mim, e eu tive certeza que teria que dormir com um saco plástico em cima do meu cobertor — A um acerto de contas.
Encarei o líquido, que parecia diferente do soju com cerveja habitual, mas sinceramente não queria saber qual substância de brinde tinha naquilo.
— E se ele não quiser falar comigo? — me entristeci uma última vez. Sophie ainda mantinha o copo para o alto.
— Você só vai saber quando tentar. — Ela balançou os olhos. Tão logo ouvi o ruído de sua garganta, pedindo para que eu me apressasse, brindei com ela, mandando tudo para dentro — Ah, e responda o Jungkook antes que ele comece a mandar mensagens pra mim.
Bufei em desalento e bebi outra vez. O resultado dessa brincadeira amanhã não seria legal, mas não havia o que fazer quando sua cabeça estava desmoronando.
Ainda não sabia o que fazer. Só sabia que precisava fazer.


08 – Embaraço

's POV

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Supalonely – BENEE, Gus Dapperton


Alguém podia ter me avisado da superlotação, mesmo na área VIP.
Também podiam ter falado do choro e da gritaria, dos empurrões e xingamentos, e que tudo isso viria de adolescentes de 15 anos que não estavam dispostas a se lembrarem da lei básica da Física de que dois corpos não ocupam o mesmo espaço.
Eu repensaria a oferta. Mesmo que aquilo que recebi do senhor Kwon não pudesse ser considerado como uma alternativa.
Meus pés já estavam me matando com míseras 3 horas de evento. Depois do anoitecer, aquela arena podia muito bem ser o mundo particular de ladrõezinhos em formação, mesmo que fosse um show privado. Eu nunca acreditei na eficácia de nenhuma segurança quando se lidava com tanta gente, era impossível.
Sophie não aguentou nem a metade da segunda apresentação sem beber, pedindo logo uma cerveja enquanto HIT do Mamamoo estava no auge. Tentei fazer cara feia e dizer que a colocaria atrás de uma cerca de madeira se não se comportasse e lembrasse que estávamos acompanhadas, mas a garotinha, Eunbi, nem se deu ao trabalho de virar o rosto. O senhor Kwon estava certo, ela estava ali única e exclusivamente para o show, e era mais tranquila do que pensei que seria.
Bem, é claro, se eu a mantesse seguramente abastecida com chocolate e refrigerante. Ah, e pilhas para suas 10 lightsticks.
Eu queria muito estar brincando sobre essa parte.
Ainda assim, os lugares escolhidos pelo senhor Kwon eram melhores do que a maioria. Dava para se movimentar sem muito esforço e não seríamos obrigadas a dividir o espaço com garotas vestindo chapéus cobertos por uma madressilva bagunçada, o que achei confuso desde o início, mas Eunbi explicou ser um protesto de fandom qualquer. E eu não saber sobre essas coisas me deixava ainda mais estupefata. As gerações de fãs mudavam em algumas particularidades, mas no fim eram sempre as mesmas, não importava a época.
Um grande defeito de se estar na área VIP é que não existia a opção de bloquear as luzes do palco. Quando elas recaíam sobre o público, você recebia o maior golpe e não existia nada que pudesse fazer sobre isso. Parecia realmente uma estratégia de vendas de um lugar privilegiado: os artistas olhariam primeiro para você, interagiriam primeiro com você e, caso a euforia da performance batesse de repente, jogariam pertences primeiro para você. Se alguém me contasse isso em casa, eu começaria a rir porque não era bem assim. Mas ali, na Gocheok Sky Dome, isso foi mais real do que pensei.
Principalmente quando os grupos dos meus queridos amigos da 97 line começaram a se apresentar.
Não sei como aconteceu, porque aquele palco era tão enorme e com tantas câmeras, holofotes e mais dezenas de coisas acontecendo para a transmissão na TV, e a estrutura era tão inescrutável que impedia até mesmo a passagem da luz do luar, e só me deixou saber que era noite depois de uma verificação minuciosa do céu quando as luzes superiores se apagaram para se preparar para a chegada de um novo grupo. Mas então, quando ASTRO entrou no palco e terminava o toque de ONE para passar para a próxima música, Eunwoo me avistou e deu um tchau descarado para mim e Sophie.
Eu também gostaria de estar brincando sobre isso.
Normalmente, não se contava por aí que você era amiga de idols. Claro, se você quisesse perder sua vida normal e ter sasaengs no seu pé como carrapatos, então sim, a escolha era toda sua. Eu gostava da minha vida e da minha privacidade, Sophie igualmente, já que namorava um deles, então quando Eunwoo fez o favor de dar um tchau daquele jeito, torci para que fosse interpretado como uma reação involuntária de um artista cumprimentando seu público, mas suas sobrancelhas eram tão arqueadas e seus olhos tão direcionados que temi o pior.
Foi desse ponto em diante que entendi completamente que o senhor Kwon tinha aberto a boca pra valer com Eunbi.
— Então era verdade! — ela me sacudiu quase instantaneamente — Você conhece mesmo eles! É amiga deles, vocês duas! Não acredito! Como eles são? O que gostam de comer? Vão me levar pra vê-los, não vão?!
E finalmente conheci o significado de não ter mais paz.
De qualquer forma, eu sabia que não teria como fugir daquilo.
E gostaria de dizer que eu teria o máximo de apoio para guiar uma garotinha ao backstage, mas quando Sophie saiu para, aparentemente, resolver as burocracias sobre nossa entrada e sumiu pra sempre lá dentro um pouco depois da apresentação do Seventeen, eu sabia que ela estava tirando todas as casquinhas possíveis de Mingyu e se esqueceria de mim e meu trabalho de babá. Tudo bem, afinal. Se Eunbi prometesse não arrancar nenhum dos meus membros, eu poderia aguentá-la até a última apresentação.
Quando as luzes se acenderam novamente, precisei de vários longos minutos pra que meus olhos se ajustassem ao novo cenário sem escuridão. A noite já havia caído, e com o outono cada vez mais perto, era melhor ter trago pelo menos um casaquinho, mas não naquela noite. Duvido muito que algum fio de vento gelado penetrasse naquela multidão, mas mesmo assim, senti um arrepio profundo. E nada teve a ver com o clima em geral.
O NCT 127 surgiu em sua entrada tipicamente colossal, forçando os olhos de todos a encararem. Era impossível não sentir algo maluco quando tantos efeitos pirotécnicos e luzes ficavam perfeitamente equilibrados na sua frente. Não demorou muito para os garotos se colocarem em paralelo no palco e a multidão ir à loucura quando Kick It começou a tocar.
Naquela noite, Jaehyun estava mais bonito do que quando me lembrava da viagem.
Bem, ele sempre foi bonito, é claro. Mas ali, debaixo daquela luz estranha, incerta, bruxuleando em seu rosto e nos demais, não consegui me manter normal e imparcial perto de Eunbi. Em minha defesa, tenho certeza de que ela nem estava lembrando da minha existência desde que viu o Seventeen cantar Left & Right, mas meu coração bateu tão rápido e minhas pernas hesitaram tanto que tive medo de chamar a atenção de algum segurança da arena perguntando se eu estava passando bem.
Isso não aconteceu entre Kick It e Lemonade, mas quando os garotos pararam para cumprimentar e dar um boa noite, e quando a luz crepitante fez aquele efeito odioso de sair de cima deles e se deslocar até a área VIP, tenho certeza que desmaiaria de nervoso. Porque tenho certeza que Jaehyun olhou para mim. E mais do que isso: tenho certeza que ele parou de sorrir a partir do momento em que isso aconteceu.
Fiquei pálida, tenho certeza. Merda.
Senti Eunbi colocar as mãos na lateral dos meus ombros, me balançando até não querer mais em completo surto. As palavras que ela dizia eram desconexas, já que a multidão inteira parecia estar em um estado tosco de delírio enquanto eu só queria me enfiar em um buraco e não sair mais.
Eu estava me descobrindo como uma completa covarde nos últimos dias e não sei se gosto muito disso.
Quando enfim, os garotos se apresentaram mais uma vez e deixaram o palco logo em seguida, o silêncio que se seguiu era um adianto para o maior êxtase da noite. Vinha coisa pesada por aí e, é claro, todo mundo sabia do que se tratava. O BTS fecharia a noite com chave de ouro.
Quando a luz ínfima e roxa apareceu no telão, o calor do dia tinha sido determinadamente transportado para toda a noite. Eu tive certeza.
Não tenho o que dizer porque foi uma loucura. Ainda mais porque em b-sides, o BTS simplesmente se dispersava pelo palco a Deus dará, e tudo virava um caos. Jungkook com certeza me viu e acenou umas 3 vezes, mas nem eu mesma reparei, quanto mais os outros, que jurei estarem mesmo passando mal. Me inclinei pra frente quando alguém das grades de trás não estava conseguindo se conter e precisou ser barrada pelos seguranças imediatos, que nesse caso estavam recebendo muito bem pelo ótimo trabalho imediatista. Dali, a visão era realmente magnífica, e Eunbi devia ser um pouco louca de reclamar dessas coisas com o senhor Kwon, mas como eu poderia julgá-la? Ver idols de perto é realmente outra coisa.
E o momento que tanto corri tinha finalmente chegado.
Quando algum apresentador falava aos montes sobre patrocinadores e gritava agradecimentos, Eunbi estava muito ocupada gritando em voz aguda sobre ser o melhor dia de sua vida e que soltaria velas quando chegasse em casa, enquanto eu tentava estupidamente ligar para Sophie, que tinha literalmente me abandonado para adicionar mais um lugar à lista sórdida dela e Mingyu.
— O que aconteceu? — disse ela quando me atendeu, a voz explícitamente enrolada.
— Onde você está, cacete? Não podia esperar pra sumir? — não quis parecer tão grossa ou louca, mas Eunbi começava a se acalmar, e isso significava que me faria a pergunta de novo, e eu já tinha sido avisada de que, se tivesse mentido para o seu pai sobre minhas amizades, as consequências seriam providenciadas.
É isso que se ganha quando a ganância fala mais alto.
Ouvi a respiração alta de Sophie ao mesmo tempo em que sua voz aumentou de volume.
— Pois estou exatamente aqui, darling — e então, dedos longos cutucaram meus ombros e virei, dando de cara com ela ao mesmo tempo em que alguém da produção teve a brilhante ideia de soltar fogos, o que deixou o ar carregado de fumaça trêmula. Sorri aliviada com sua chegada, e ela estendeu os três crachás em verde neon, gritando animada: — Temos as entradas!
Eunbi não deixou o aparecimento de Sophie passar despercebido. Vi sua boca abrir e fechar, aumentar e diminuir várias vezes. Olhando para os lados, Sophie se aproximou e passou a corda por sua cabeça, abaixando-se até sua altura para dizer:
— Entendeu, fofinha? Pronta pra conhecer uns idols?

☀️⛱️


— Eu não sei quanto meu pai está te pagando, mas dessa vez ele arrasou, é sério! Espero que não estejamos falidos depois disso!
Eunbi apertou ainda mais o meu pulso, e fiquei preocupada de encontrar a marca de suas unhas em mim depois. Ela era o próprio significado de êxtase e não conseguia conter os murmúrios e o queixo caído desde que deu o primeiro passo no pátio de tijolos avermelhados a caminho dos camarins.
Era louco pensar que outro ano se passava e eu fazia aquele mesmo trajeto que muita gente nem sequer tinha ideia: da plateia para os bastidores. Passar na frente dos seguranças sem ser barrada era uma sensação inigualável de autoridade, mesmo que eu ainda olhasse para trás de relance e escondesse um pouco o rosto para não ser pega por nenhum flash.
— Ele pagou o suficiente — respondi com um sorriso amarelo, porque aquilo com certeza seria pago de algum jeito.
— Alguém nos observou quando entramos? Será que preciso trancar o meu perfil do twitter? Mas ainda não postei nenhuma foto, o que meus seguidores irão pensar? Eu disse que estaria aqui, mas não tenho material! — ela gemeu, freando os passos por um segundo para se virar em minha direção — Não posso decepcionar os fandoms, você me entende, não é?
Desviei os olhos direto para Sophie em um pedido de socorro. Ela me encarou de volta, levantando os ombros como quem dizia: “de quem foi a ideia de aceitar esse projeto-promoção mesmo?”.
Soltei uma risadinha aguda, passando uma das mãos para suas costas e voltando a guiá-la pelo corredor que não demoraria muito a ficar congestionado pelo fim do evento.
— Não se preocupe, Eunbi. Você vai poder tirar quantas fotos quiser. Já preparou tudo? — apontei para seu outro braço, onde uma bolsa estava pendurada na curva de seu cotovelo e guardava um emaranhado de lightsticks, faixas e cartazes que tomariam metros de tamanho. Ela apenas fez que sim com a cabeça com força — Então, só tenta se manter de pé até lá.
Sophie riu alto e, em pouco tempo, estávamos curvando em um corredor um pouco mais estreito, com menos portas de cada lado e araras de roupas escuras passeando junto com pessoas carregando caixas com garrafas de água sem se preocupar com três garotas estranhas parecendo perdidas no espaço.
Bom, pelo menos duas garotas, porque Sophie se apressou para uma das portas, abrindo-a e dando passagem para que entrássemos, totalmente familiarizada com o lugar.
! — o grito de Eunwoo atravessou o saguão inteiro. Em um segundo, eu tinha o corpo erguido para cima em um abraço de urso, e o mesmo acontecia com Sophie logo depois. Nunca estive tão agradecida por estar com minha calça de tecido — Eu sabia que era você na plateia, nem acreditei. Por que não assistiu o show daqui de dentro, como sempre? E você também, Sophie!
Houve uma pausa entre o momento em que Sophie deu de ombros e andou livremente até uma das dezenas de garrafas de água paradas em cima da penteadeira, que refletiam a luz das lâmpadas esbranquiçadas ao lado do espelho e entre o momento em que Eunwoo percebe a terceira presença que nos acompanha.
— Hoje eu não estava exatamente de folga — expliquei, limpando a garganta, e puxei a garotinha para mais perto de mim de novo — Eunbi, esse é o…
— Cha Eunwoo! Minha nossa, minha nossa! — ela explodiu de repente, fazendo Eunwoo tremer os ombros de susto e Sophie se virar de repente. Escapando de minhas mãos, Eunbi se aproximou dele, esticando os braços para tocá-lo, mas recuando logo em seguida — Não acredito! É a superfície de Cha Eunwoo, oh meu deus! Você é tão mais lindo pessoalmente, como é possível?
Sophie segurou uma respiração pesada, que se pareceu muito com uma risada, enquanto dava passos para perto de nós.
— E é por isso que viramos pessoas comuns — disse, apontando para a adolescente eufórica de blusão solto e saia longa e rodada em nossa frente.
Subitamente, tive medo que ela se ajoelhasse ou qualquer coisa próxima disso.
Mas quem se abaixou foi Eunwoo, flexionando os joelhos para ficar na mesma altura que ela, acariciando levemente seus ombros.
— Ei, e aí? Quem é nossa nova amiga?
Esperei dois segundos e me apressei em responder antes que ela não conseguisse.
— Essa é a Eunbi, filha do meu chefe. Tô tentando conseguir um aumento, você entende? — estreitei os olhos direto para ele, que arqueou as sobrancelhas e levantou os belos dedos em formato de OK.
— Claro. E eu deveria te ajudar sendo muito simpático com a nossa amiga, não é? — ironizou, mas fez Sophie rir. Eu apenas levantei um ombro, pedindo implicitamente que fizesse seu trabalho — Então, Eunbi, o que achou do show? O oppa dançou bem?
— Sim! Sim, sim! — os pés de Eunbi se chacoalharam com rapidez, o que me assustou de novo, porque antes parecia tão imóvel quanto aquela arara de roupas e tão pálida quanto aquelas luzes — Vocês foram absolutamente incríveis, principalmente em ONE, tão talentosos e maravilhosos! Por favor, diga ao Moonbin que ele fica ótimo naquela roupa preta!
— É claro, vou dizer. Mas e eu…
— E diga ao Sanha que sempre amamos vê-lo de center! Ele é tão alto como parece de longe? E tem aquelas covinhas de verdade? Aish, ele parece tão bem nas coreografias, e canta como um anjo… — ela parou de novo, perdendo deliberadamente o fôlego ao falar de Sanha. Sophie sufocou uma gargalhada. Eunwoo entortou o sorriso, fechando ainda mais os dentes e então disse:
— Claro, Sanha é incrível, lindinha. Mas e o oppa…
— E diga ao Rocky que seus raps são totalmente eletrizantes, ele melhora a cada dia, leva a multidão à loucura! Ele e o Jinjin…
— Claro, vou dizer tudo isso, eles vão adorar, mas eu…
— Que tal uma foto? — interrompi a conversa antes que Eunwoo começasse a chorar. Ele ergueu os olhos para o meu rosto de um jeito indistinto e indiquei com as sobrancelhas para que ele desistisse — Temos mais camarins pra passar, então podemos adiantar essa parte?
Sem objeções — pelo menos ditas —, Eunwoo se levantou e se posicionou ao lado de Eunbi, colocando um sorriso no rosto como se não estivesse no ponto de aborrecimento tristonho há poucos segundos atrás.
Quando Eunbi pegou o celular da minha mão para verificar a foto, o fôlego lhe faltou novamente, e ela lutou mais uma vez para não pular e abraçar a cintura de Eunwoo. Pra uma garotinha de 14 anos totalmente alucinada, até que ela estava conseguindo se segurar muito bem.
— Obrigada! Eu vou ganhar milhares de seguidores depois disso — ela encarou o telefone, estupefata, e dei um sorriso singelo pela situação, porque oras, é um estado realmente muito especial do ser humano.
Não demorou muito para algum staff surgir na porta e gesticular alguma coisa que fez Eunwoo prontamente se despedir e deixar a sala, deixando Eunbi ainda suspirando, como se a surpresa por tê-lo visto de perto se renovasse a cada segundo.
Mas o assombro de Eunbi não pararia apenas por aí.
Antes que eu ou ela disséssemos qualquer outra coisa, mais um cara vestido com roupas brilhantes e in-ears nos ouvidos entrou pela porta, distraído com os olhos no celular e o cabelo ainda grudando na testa pela última apresentação.
— Sophie, que mensagens são…
Ele parou ao me ver. E se existisse algo mais forte e cortante do que gelo passeando pela espinha, com certeza era o que eu senti naquele momento.
— Oh — ouvi o sussurro petrificado de Eunbi antes que eu fosse esmagada por mais um abraço corpulento daquele dia.
! Que surpresa! — Jungkook falou na curva de meu pescoço, o que era um erro, principalmente da forma como o gesto se parecia para quem olhava de fora. Meu corpo inteiro estava preso naqueles braços, e, mesmo que eu estivesse abraçando-o de volta, ainda me senti um pouco constrangida pelo enlace nada convencional, e principalmente por tudo que ele escondia: minha vergonha, minha covardia e muitas palavras não ditas.
Quando se afastou, ele deu um sorrisinho tímido e limpou a garganta, vendo meu estado de completo embaraço.
— Desculpe. Eu não sabia que você viria hoje, tentei mandar mensagens mas você não me respondeu.
Sua voz também era tomada de acanhamento, e eu não soube o que responder. Não soube nem se iria responder, não ali, não agora. E dei graças a Deus porque, antes que eu pudesse emitir qualquer ruído, outra pessoa falou na frente. Ou melhor, gaguejou:
— Minha nossa! Meu. Deus! É o J-J-J-Jungk…
— Ah, lá vamos nós — Sophie revirou os olhos, e tenho certeza que pensou o mesmo que eu: espero que não precise usar essa água para reanimar Eunbi caso caísse dura no chão.
Quando ele se virou na direção do som e olhou mais de perto, viu uma garotinha se aproximando aos tropeços, o dedo indicador trêmulo apontado para nós dois enquanto dizia em voz aguda:
— Jeon Jungkook acabou de dizer que mandou uma mensagem pra você?!
Pois é. Acredito que ela não tinha conhecimento nenhum de que Jeon Jungkook também era um cliente de seu pai, e eu não posso nem julgar o sr. Kwon. Eunbi tinha todos os requisitos para se tornar uma sasaeng: rica e obcecada.
Vi Jungkook engolir em seco, mas colocando o sorriso profissional no rosto, e me apressei em puxar a garota para mais perto novamente. Acho que ela não conseguiria fazer isso com os olhos tão fora de foco.
— Jungkook, essa é Eunbi, uma fã muito especial. É a filha do senhor Kwon lá do escritório, lembra? Meu chefe. — Frisei a palavra com as sobrancelhas erguidas, o tipo de comunicação que ele entendia muito bem. Quase não suportei ver seu olhar de dúvida até que entendesse o que eu dizia: a promoção, lembra? O aumento! Meus tênis novos e meu novo papel de parede do apartamento, sei que você se lembra…
— Ah, sim! — ele finalmente entendeu, sorrindo lindamente enquanto imitava a pose de Eunwoo: joelhos flexionados na altura da menininha — E aí, Eunbi? Gostou do show?
Eunbi respirou fundo de um modo estranho, mas logo se recuperou a tempo de detonar as cordas vocais de novo.
— Sim! Mas é claro! Vocês são sempre tão fabulosos, tão marcantes, é como se mandassem em tudo! Por favor, diga ao Namjoon o quanto ele é extraordinário, e ao Suga que o cabelo dele estava maravilhoso, e diga ao Jimin que cantou tão bem, e Hobi estava tão radiante! Minha nossa, será que eles poderiam curtir uma foto minha no instagram?
Cocei a garganta quando percebi que ela avançava para perto dele a ponto de tocar em seus ombros, e eu não tinha certeza como ele deveria lidar com isso, mas Jungkook apenas riu, e riu de verdade, sem toda aquela pose ofendida de Eunwoo que o deixava sem expressão ao não receber toda a atenção do ambiente.
— É claro, vou garantir que todos eles fiquem sabendo. Mas além de uma curtida, posso te oferecer uma foto também? — seus ombros se levantaram em divertimento. A cabeça de Eunbi assentiu com tanta força que fiquei preocupada em ter de pegá-la de volta caso rolasse por aí.
— S-sim, claro! ! — ela estendeu o celular para qualquer direção, sem exatamente me olhar. Estava tão agitada que quase o deixou cair. Peguei o aparelho enquanto ela se colocava ao lado de Jungkook, agora curvando apenas as costas enquanto fazia o sinal de coração com os dois dedos, totalmente espontâneo ou demonstrando isso ao máximo.
E ele era exatamente assim até mesmo quando os flashes se desligavam. Sempre admirei isso em Jungkook com todas as forças. A maioria dos idols, depois que observei bastante o meio, adquiriam um olhar vazio e sobrancelhas sem forma assim que saíam dos holofotes. Na maioria das vezes, eu não julgava. Eles deviam passar por tantas coisas não contadas ou mostradas que se tornavam cada vez mais humanos e humanos ao meu ver, cheios de problemas internos que a mídia não estava interessada em saber.
Tirei várias fotos porque Eunbi não conseguia fazer uma cara menos assustada ou chocada, e quando finalmente a entreguei o celular de novo, ouvi mais um grito.
Daebak! Você é mesmo tão bonito — ela abraçou o celular contra o peito, olhando pra ele com os olhos brilhando. Jungkook deu um sorriso de canto, acariciando levemente sua cabeça.
— Obrigado, você é muito fofa, Eunbi. Espero que nos encontremos de novo.
Ela paralisou totalmente com aquelas mãos e se virou para mim, a boca totalmente aberta em um susto.
— Acho que vou desmaiar — murmurou. Soltei uma risada descontraída. Sophie bufou do canto, largando a garrafa na penteadeira.
— Por favor, Jeon, não a faça desmaiar, precisamos levá-la pra casa.
Jungkook riu alto quando seu telefone apitou mais uma vez, e ele leu a mensagem por dois segundos antes de guardá-lo de volta no bolso.
— Então… Acho que preciso ir. Precisamos chegar na Hybe antes das nove — explicou, e eu apenas assenti com um singelo sorriso, verdadeiramente agradecida por toda sua simpatia com Eunbi.
Ele continuou parado, me olhando, como se estivesse esperando por informações, ou qualquer coisa que explicasse o meu sumiço repentino da última semana, ou como se tentasse apenas ler os meus olhos, adivinhar o que eu estava pensando. Engoli em seco, procurando quebrar aquele clima o mais rápido possível.
— Claro, vai lá. Foi bom te ver — o tom saiu mais formal do que o costume, mas eu não conseguia fingir. As coisas não estavam normais. Pelo menos não por enquanto.
— Tudo bem, eu… Eu te ligo — foi um aviso. Um comunicado. Algo que soava também como um pedido, como um ‘vou te ligar, então seja gentil e atenda desta vez, ok? Precisamos conversar e você sabe disso’. Eu sabia, eu sabia! Mas no momento, era como se eu e Jungkook fôssemos duas linhas neutras e retas, paralelas um ao outro, e não duas linhas que se entrelaçavam e não se desgrudavam como antes. Sendo bem sincera, sabia que não era só por causa do beijo, e nem de sua recente declaração. Era mais, muito mais, era uma confusão e uma trava que nada tinha a ver com ele.
Por fim, ele se virou para Eunbi, dando um último sorriso.
— Foi um prazer te conhecer, Eunbi. Espero que faça uma boa propaganda da minha amiga aqui pro seu pai. Ela é uma garota e tanto — e então, com um último aceno de cabeça, ele virou e se retirou rapidamente.
Olhei para Sophie. Meu primeiro pensamento foi de certa maneira clínico — não havia situações de choque em que a pessoa simplesmente agia normalmente como se nada tivesse acontecido? Ou que permanecesse imóvel, sem conseguir processar? Bom, não sei. Não queria que Jungkook pensasse que eu estava tão traumatizada pelo beijo e pela confissão que não conseguia mais agir como antes, mas genuinamente, ali, eu não conseguia me importar com isso.
Ainda mais quando Sophie descolou as costas da parede e disse:
— Próxima parada, madames! — disse, pegando na mão de uma Eunbi ainda trêmula e suspirando e levando-a para fora, me deixando para trás alguns minutos enquanto eu me decidia se ainda tinha todo o discurso pronto na ponta da língua ou se precisaria de alguém para traduzi-lo para mim, porque meu coração já começava a saltar pela boca e eu precisava dela para falar.
Eu só esperava conseguir dizer o que precisava dizer.

☀️⛱️


Mingyu ofereceu suco de uva e cranberry depois de 5 minutos em que se apresentou para Eunbi.
Aparentemente, os outros membros do Seventeen entravam em um estado imerso de meditação depois das apresentações. Mingyu foi o que mais ficou e jogou conversa fora, mas pra quem conhecia, aquela era sua personalidade de sempre. Pelo menos foi por isso que Sophie tinha se apaixonado por ele, porque se fosse por todas as palavras ácidas e os palavrões que soltava sem perceber…
De qualquer forma, não ficamos muito tempo ali, mesmo que eu quisesse muito porque sabia perfeitamente do próximo destino. Não parecia que Sophie estava se lembrando disso, ou simplesmente fingia não saber pra não me deixar mais nervosa, mas a verdade é que eu não ligaria de continuar ali e interromper mais sessões de meditação só para adiar o próximo encontro.
É claro que não deu certo e ela já me arrastava pro outro camarim.
Esse em questão era mais longe, quase no fim do corredor. Não se parecia muito com o dos outros, o que me surpreendeu porque jurei que a única cabine diferentona que veria naquele lugar fosse do BTS, mas o NCT 127 também tinha uma boa distribuição. Eles eram mais silenciosos do que me lembrava, e menos bagunceiros depois de uma grande apresentação, em relação aos outros. Não se ouvia nenhum ruído quando Sophie bateu na porta levemente e quando gritaram que poderíamos entrar, demos de cara com um rapaz muito alto que me lembrava ser Johnny e fui obrigada a sentir de novo as unhas enormes de Eunbi se cravarem na palma da minha mão.
Agora ela parecia mais do que pálida, parecia roxa.
Eu precisaria fazer um ritual de ressuscitação pra essa garota até o fim dessa tour.
Com algumas palavras rápidas pra ele, Sophie se adiantou para dentro enquanto o cara simplesmente saiu pelos corredores como um foguete depois de um aceno simpático de cabeça. Quando entramos, entendi o silêncio repentino: estava praticamente vazio, com alguns poucos staffs sussurrando entre si, mexendo em araras e com um cara ainda com as roupas da apresentação, um conjunto preto e couro se olhando no espelho enquanto retirava fones e bebia um grande gole de água.
Um cara que estava debaixo das luzes fortes e me deu uma visão tão completa de seu rosto que senti que Eunbi teria de fazer o processo de reanimação em mim. E não sei como aquela sala podia estar em tamanho silêncio quando meu coração batia tão forte como um sino de igreja.
Pff. Fala sério, nem minha mãe tem rituais de beleza tão demorados assim — Sophie comentou com uma piada, forçando o olhar de Jaehyun para a porta. Ele nos encarou imediatamente através do espelho. E quando me olhou, senti todo o meu joelho tremer, e minha pressão desabar em alguns números.
Não sei interpretar o que vi naquele olhar. Surpresa? Frustração? Irritação? Não faço ideia. E, se eu ainda pudesse ter esse direito, gostaria muito que ele não estivesse me considerando como uma bruxa terrível ou algo parecido.
Certa vez, disse a Sophie que eu odiava conflitos e tinha tendência a fugir dos meus problemas, mas isso não me tornava uma pessoa má. Não me fazia uma bruxa, não é? Pelo menos não queria que fizesse. Eu só era covarde, e estava tentando consertar isso.
Mas depois daquele olhar, talvez fosse melhor deixar pra outro dia.
De qualquer forma, eu não poderia correr nem se quisesse. Quando Jaehyun se virou, ele deu um sorriso tão sincero e bonito que por um minuto eu estava de volta a Jeju com aquele cara que sorria todos os dias pra mim, e me fazia sentir nas nuvens com pequenos gestos. Sentir isso não te dava vontade de ir embora para lugar nenhum.
— Sua imagem não está à venda, Vermont, então por que iria se preocupar com isso? — ele disse afiado, mas em um tom divertido que arrancou uma risada de Sophie. Quando se virou pra mim, vi sua glote descer e subir quando engoliu em seco e murmurou, numa voz baixa e pesada: — .
Assenti levemente com a cabeça, dando um sorriso de canto. Não estava certa de quais eram as regras nessa situação. Estava pronta para puxar Eunbi de novo e acabar logo com isso, quando ela falou primeiro:
— Me belisque — sua voz era distante, completamente petrificada, mais petrificada do que os outros — Oh Deus, por favor, me diga que estou sonhando…
Franzi o cenho diante da reação. A mão dela estava suando contra a minha e Jaehyun acompanhou o movimento, encarando a garotinha com confusão cômica. Sophie estalou a língua, balançando os cachos loiros.
— Acho que agora ela pifou de vez — e então, andou até a mesa grande de comida e bebida e afanou alguns petiscos que ainda não tinham sido afanados, é claro — Melhor pegar um livro em latim e perguntar quem está dentro desse corpo agora, porque estou preocupada.
Estreitei os olhos na direção dela. Jaehyun, como sempre, pareceu entender o recado bem rápido e se aproximou, abaixando-se na altura da garota, como todos os outros, curvando menos o pescoço do que Mingyu.
— A quem devo a honra da visita? — perguntou ele de um jeito formal, mas muito, muito natural. Eunbi abriu a boca para responder, mas nada saiu, e comecei a me preocupar seriamente de ela estar tendo um troço dessa vez.
Depois de quase um minuto sem resposta, me abaixei também, passando o braço por seus ombros nas laterais e falando só pra ela:
— Eunbi, ele perguntou o seu nome. Vai deixar que ele pense que você não tem nenhum? Ele quer ouvir a sua voz — disse em seu ouvido, mas de um modo que todos escutassem. Quando olhei para ele na mesma direção, percebi que a ponta de nossos joelhos se tocaram e senti as bochechas corarem imediatamente.
— M-meu nome… Sou a Eunbi! Kwon Eunbi — ela respondeu, mas não era a voz dela. Era algo mais profundo e distante, totalmente impactado.
Jaehyun assentiu, passando uma língua levemente nos lábios quando desviou o rosto para arrumar o cabelo e aquilo foi tão legal que precisei me concentrar para não ficar igual Eunbi. Me levantei rapidamente, sentindo um pequeno calafrio desagradável subir pelos meus braços, aquele tipo de coisa que me faria passar uma vergonha desnecessária na frente dele.
— Eunbi. Bonito nome. O que achou do festival?
Finalmente, algo estalou em algum lugar da cabeça de Eunbi e ela voltou a ficar elétrica quando respondeu:
— Maravilhoso! Tremendamente espetacular! Não consigo explicar o quanto você estava bonito, e dançou tão, mas tão bem… Não consegui tirar a coreografia da cabeça. Suas partes em Bring the Noize e Focus são impecáveis, não sei dizer qual delas é a minha favorita. E tem Kick It, e o clássico Firetruck, me senti em 2017 de novo…
Sophie deu um silvo, mastigando alto o que parecia ser salgadinhos apimentados. Não me virei para saber que ela devia estar rindo, ou se segurando muito para isso.
— É mesmo? Que bom, fico feliz, todos os meninos trabalham duro pra ter esse resultado que você diz. Então obrigado por reconhecer e me deixar saber. Tem alguma coisa que você queira que eles…
— Tenho todos os álbuns desde 2016 e coleciono todos os seus cards, Jaehyun! — Eunbi o interrompeu em um impulso, as duas mãos voltadas para o meio do peito — Tenho 6 pôsteres onde destaco seu rosto e minha nossa, vou em todos os shows e fansings, mas ver você de perto… Aish, vou começar a chorar — e ela realmente começou a fazer uma careta de choro, me desesperando por um momento, mas logo se recompôs quando Jaehyun acariciou a lateral de seus ombros. Ele parecia muito calmo e tranquilo diante de surtos iminentes, ou pelo menos parecia isso.
— Obrigado, Eunbi, isso me deixa muito feliz…
— Posso te dar um abraço? — ela o interrompeu de novo, e agora eu mesma girei o corpo para olhá-la com surpresa. Gritei com meus olhos “venha para a luz, Eunbi, não diga uma coisa dessas, vai deixá-lo constrangido, pelo amor de Deus!”, mas só consegui mesmo dizer entre os dentes:
— Eunbi…
— Claro — Jaehyun respondeu imediatamente, se movendo para mais perto — Não tem problema.
Eunbi parou por alguns longos segundos até conseguir andar mais um passo e passar os braços pelos ombros de Jaehyun, recebendo um aperto delicado em volta de suas costas. Por um momento, tive certeza de que a veria chorando se estivesse na minha frente, ou não passaria meramente de um reflexo de movimento.
Quando se afastaram, Jaehyun logo perguntou:
— Aceita tirar uma selfie comigo?
— Por favor! — ela bateu palminhas e eu já estava em prontidão. Peguei o celular enquanto ela se posicionava ao lado dele e bati várias fotos, entregando-a logo em seguida, que encarou a tela por mais tempo e suspirou explicitamente por mais tempo ainda. Pelo menos eu estava disfarçando — Essa eu não vou postar. Vou enquadrar! Vou guardar só pra mim! Pode autografar minha lightstick?
— É pra já.
Ela puxou o objeto de dentro da bolsa nos braços, já junto com uma caneta, que não sabia que estava ali até agora. Jaehyun assinou em um ponto apertado que quase escapava do meu campo de visão e voltou a devolvê-la para Eunbi, que deu mais alguns pulinhos de alegria.
— Tem mais alguma coisa que posso fazer por você?
Ela se surpreendeu com a pergunta e, pela forma como abriu e fechou a boca várias vezes, não sabia o que responder. Quando finalmente falou, seu sorrisinho foi meigo e sua cabeça balançou em negação.
— Acho que não quero mais nada. Só tenho uma pergunta… Você disse no fansign do mês passado que estava preparando uma música autoral nova, um solo. Quando pretende lançá-la?
A leveza em torno dos olhos de Jaehyun de repente se tornaram duras, e jurei ter recebido um olhar de relance rápido, tão rápido que achei que estava delirando e, no momento seguinte, ele estava de pé, rindo pesadamente com uma rouquidão que não estava ali antes.
— Acho que ela ainda não está pronta. E também não é o momento certo de lançá-la, mas espero que seja em breve. Você vai esperar por isso, Eunbi?
Ela se colocou na ponta dos pés, agarrando a lightstick enquanto abria um enorme sorriso:
— Vou! Claro que vou! Vai ser incrível, oppa, por isso sou a maior das Valentines!
Jaehyun riu, e desviei os olhos para a outra extremidade da sala, direto para Sophie, que agora fazia uma careta enquanto bebia um líquido que parecia uma poça de água escura.
— Eu que agradeço, Eunbi. Na próxima live faça um comentário, vou fazer questão de dar um olá só pra você.
O rosto de Eunbi apagou e acendeu em um recorde de tempo e, em seguida, eu tinha a cintura agarrada por aqueles braços e uma garota fungando no meu quadril, travando o queixo na minha barriga enquanto me olhava de baixo.
— Obrigada por isso, ! Vou mandar meu pai te dar quantos aumentos quiser! Tudo que você quiser! Hoje é o dia mais feliz da minha vida até o show do mês que vem!
Olhei para Jaehyun com uma risada contida enquanto fazia um mísero carinho nos cabelos de Eunbi, que eu ainda não acreditava que estava em prantos de verdade. Ele me lançou um olhar simpático, e menos vazio do que antes.
— Não precisa agradecer, Eunbi. Agora…
— Tudo bem, garotinha, tá na hora da gente começar a ir embora — a voz de Sophie rasgou a minha, e seus saltos bateram com força no piso até nos alcançar, puxando Eunbi para perto dela, que secava os olhos com força — Mas antes posso te levar ao camarim pra roubarmos um calendário do evento, que tal?
— Mas e o Yugyeom… — Eunbi choramingou, e eu tinha até me esquecido que era a quarta vez que ela perguntava dele. Sophie deu um sorriso amarelo e começou a guiá-la para fora.
— O grupo dele saiu da empresa, não se lembra? Longa história, podemos falar disso no caminho se preferir… — ela arqueou as costas por um momento perto do batente e se virou para mim, fazendo um sinal de OK com os dedos na cara dura e finalmente se retirou, me deixando sozinha com Jaehyun.
A sensação do gelo na espinha voltou com tudo.
Talvez eu poderia inventar uma emergência e sair correndo?
Não seja covarde, não seja covarde, não seja covarde, caramba!
Ao me virar, pude ver os olhos dele brilhando em minha direção, tão agitados como os meus, mas eu poderia estar equivocada. Sua agitação não se tratava do mesmo motivo que o meu. Nem sei como ele reagiria ao meu motivo.
O silêncio constrangedor que se instalou por um minuto pareceram horas, e me dei conta de que precisava falar, nem que fosse a última coisa que vinha à minha cabeça.
E a última coisa era:
— Oi.


09 – Investida

Jaehyun's POV

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BEST INTEREST – Tyler, The Creator


Eu devia estar me ocupando em sair por aquela porta do camarim agora mesmo.
Fazia parte de um princípio. Não tente ter conversas importantes quando você claramente não está pronto pra dar respostas eficientes. E eu até que era bom em seguir minhas próprias diretrizes. Jungwoo observou certa vez que eu não tinha animais de estimação porque cuidar dos meus princípios já consumia tempo demais.
Mas sempre dava um jeito de me fazer esquecer das minhas próprias regras.
O silêncio que ficou era esmagador. Sophie se dedicava a muitas coisas, principalmente quando era para plantar algum constrangimento, e soube imediatamente que tudo aquilo era mais um dos seus planos.
Eu só esperava que meu coração respeitasse minha privacidade e não batesse tão forte, ou tão alto como sempre fazia quando ela chegava perto. Que, pelo menos, ele não me fizesse trocar as pernas quando eu decidisse me mexer.
— É… Desculpa por ela. Acho que deixou bem claro que você é o ultimate bias finalmente falou, referindo-se à Eunbi. Sorri com simpatia. É claro que eu faria isso.
— Tudo bem, não tem problema. Gosto de conhecer a galera do fandom assim, sem tanta burocracia. — Respondo sem rodeios. Quando mais uma onda de silêncio voltou a tomar o espaço, deixo sair a primeira coisa das muitas que abarrotavam minha cabeça: — Não sabia que você viria.
Ela abre e fecha a boca algumas vezes antes de conseguir responder.
— Eu não ia. Quer dizer, meu chefe me designou esse trabalho de babá e confesso que eu diria não, mas… Tive um bom motivo. É isso. Vou ficar sabendo de vários elogios no trabalho na segunda, pelo menos assim espero. Não foi uma desculpa nem nada.
— Não pensei que fosse — disse, e era sério. Não gostaria de saber que se desdobrou em cima de sua agenda pra achar o melhor horário pra entrar por aquela porta depois de uma apresentação que assistiu da plateia. Fazer coisas que não faria antes só pra conseguir falar comigo. Ela não precisava de nada disso.
— Mas acho que poderia ser — ela cortou o silêncio mais uma vez e franzi o cenho, confuso — É, digo… Você… Como você está? Faz um tempo.
Umedeci os lábios, sabendo que não era a hora certa de lembrar da viagem e dos motivos reais, mesmo que fosse inevitável.
— É, acho que faz. Trabalhei muito desde que cheguei e com a preparação do novo álbum acho que vai ser a mesma coisa.
— Ah, entendo. Você… Desde que foi embora muito cedo, você sumiu. Tentei… Enfim, tentei falar com você.
Não repliquei de imediato. Não sei o que diria. Mentir ainda mais era me colocar em um beco sem saída onde ela claramente me pegaria, e isso era a última coisa que eu queria agora. Com um riso fraco, passo os dedos no cabelo, desfazendo toda a arrumação de antes.
— É, eu vi. Desculpa não dar respostas melhores. Era o que eu podia fazer no momento — falei. Sem perguntas, sem explicações, sem nada que pudesse estender o assunto — Então, acho que daqui a pouco vão começar a me ligar pra chegar na van e no estúdio, você sabe. Acho que eles a estacionaram no fim da calçada, então…
— Eu sei o que aconteceu no primeiro dia, Jaehyun.
As palavras cortaram as minhas no exato momento em que fixei o olhar no adesivo na porta à minha frente. CAMARIM 36! A frase veio e passou pelos meus ouvidos como se fossem vento, irreal o bastante, puxando minha atenção total e completa para o rosto de sob aquela luz. Ela se remexeu no próprio lugar por dois minutos antes de se aproximar a um passo.
— No início foi bizarro, mas sei que você estava naquele quarto naquele dia. E sei que foi você que eu beijei, e não o Jungkook.
Continuei parado, olhando-a de cima como se ainda esperasse que um beliscão me acordasse pra realidade. Ela sabia? Sabia mesmo? Como sabia?
Eu também achava que sabia antes, mas a última cena do feriado ainda voltava à cabeça, vez ou outra. Meu rosto não tinha nenhuma expressão significativa. Encaro sua franja, que sempre foi grande e fofa, e seus olhos, que não exibiam um pingo de confusão ou mentira, e implorei para que meu coração permanecesse no lugar.
— E quando exatamente você descobriu isso? — pergunto, sentindo a garganta imediatamente seca.
O semblante dela se apagou por um momento. É difícil encontrar situações em que perdia o brilho nos olhos. Não gostei que esse momento fosse aqui e agora.
— Acho que você sabe quando — sussurrou, baixando os olhos por um instante — Você viu, não é? Viu ele me beijando na praia naquele dia.
O embrulho característico no estômago me tomou de novo. O mesmo que senti naquela noite, o mesmo que vim sentindo por todo o caminho, o que me fez ter vontade de exclamar: Sim, eu vi! Vi com um ótimo ângulo, com minha perfeita visão, em todos os detalhes! Mas meus dentes trincavam automaticamente com a imagem e apenas consegui responder:
— Vi.
apertou os lábios. Outra torrente de mudez ameaçava começar e tomar ainda mais tempo, o que me deixou ainda mais ansioso para sair por aquela porta. Eu não nutria um ódio puro e irascível por qualquer coisa que pudesse ser classificada como conversa fiada, mas estava começando a sentir que não queria participar daquela. Não queria avançar em um papo que serviria apenas como esclarecimento; um esclarecimento claramente doloroso, porque tinha certeza que eu não estava conseguindo esconder a verdade no meu rosto.
— Eu sabia — ela finalmente estalou a língua, agora erguendo o queixo para me encarar com certa ferocidade — Tentei ir ao seu quarto depois, tentei… Achei a lanterna. Aquela que ia me dar.
Mais silêncio. Seus braços eram agitados. Assenti levemente, juntando as sobrancelhas logo depois porque algo dentro de mim queria entender o que era tudo isso.
— Onde exatamente você quer chegar com isso?
— Por que não me contou antes? — perguntou — Fiquei o tempo todo pensando que tinha beijado ele, que você nunca…
— Isso não importa agora, não é? Suas palavras foram pra ele, não pra mim — respondi com rapidez, como se as possibilidades do que poderia ter acontecido fossem filhotinhos filhotinhos indesejados; ninguém precisava disso — Não entenda mal, não quero cobrar alguma coisa. Tudo foi muito confuso e eu devia ter pensado no fato de você estar bêbada e não saber de toda a confusão da distribuição dos quartos, mas preferi acreditar… — parei e suspirei, desviando os olhos para a porta por um momento, voltando logo em seguida — Enfim. Acho que meti os pés pelas mãos, e tá tudo bem. Você não precisa explicar nada.
— Não. Você não entende — respondeu ela, atrapalhada, dando mais um passo para a frente — Preciso explicar que aquele dia na praia, ele me beijou. Foi quando eu me lembrei de tudo, me toquei da confusão, e depois descobri sobre o combinado, foi isso. Eu soube que era você e bati na sua porta, mas você não estava mais lá… — ela parou com a voz fraca, à procura do que diria em seguida — Jamais imaginei que fosse você naquele quarto.
Minha cabeça anuiu automaticamente, e tudo tomou um teor cansativo. Ela queria me pedir desculpas. Apenas isso.
— Eu imagino que sim — coloquei uma das mãos nos bolsos e tentei abrir um sorriso, que sumiu na metade do caminho — Mas não precisa se preocupar com isso, é sério. Já passou, não precisa me pedir desculpas…
— Acha que vim aqui te pedir desculpas? — ela disse sugestiva, como se tentasse adivinhar minha postura rígida — Não quero isso. Eu não sabia que era você naquele quarto, mas isso não impediu que eu não parasse de pensar naquele beijo. E depois, desejei que fosse mesmo você. Será que dá pra entender isso?
Tive certeza que minha consciência foi e voltou duas vezes antes que eu conseguisse falar, tentando parecer coerente:
— O que você quer dizer com isso?
Ela se aproximou ainda mais de mim, de um jeito que senti claramente o cheiro do seu cabelo, visualizei o formato de seus cílios, a curva de seu nariz, cada pequeno detalhe já gravado na minha mente que me faziam ter certeza que sempre recebia flores de homens apaixonados.
— Que eu quero tentar, Jeong Jaehyun. Pensei muito pra dizer isso porque você não me respondia e eu tinha certeza que tinha te magoado, mas é isso. Acho que podemos tentar.
Me concentrei totalmente em seu rosto. As palavras pareciam estar vindo de outros lugares, lugares muito distantes de Seul, e isso me deixou tonto por um instante. Era um estado de euforia interna que não me permitia formar uma única palavra.
Em um futuro imaginário, não receberia apenas flores de mim. Minhas intenções sempre foram tão secretas e bregas que era melhor não pensar e muito menos falar sobre elas. Envolviam pacotes de spa, jantares românticos, outras viagens, cestas de frutas, pinturas terríveis e memoráveis à óleo que faríamos com algum artista de rua e beijos, declarações, e ainda mais beijos…
Ela continuava se aproximando de mim, e não sei em que exato momento comecei a me inclinar em sua direção da mesma forma que fiz no aquário, visualizando seu perfil ficar cada vez mais perto e mais perto…
Ergui o tronco, dando dois passos para trás de uma só vez. Ela se assustou com o afastamento repentino, me observando com um olhar confuso, e tentei limpar a garganta da forma mais elegante possível, que não deixasse tão óbvio o quanto eu estava desorientado.
— Espera. Você… Você tem certeza disso?
As maçãs de seu rosto coraram levemente.
— Como assim?
— E o Jungkook? Tem certeza que não sente mais nada por ele?
Seu lábio tremeu instantaneamente. Os olhos, que sempre achei amendoados e românticos, fugiram para todas direções até retornarem, agora com as pálpebras pesadas e titubeantes. Era uma resposta clara, sem voltas. Uma resposta enorme.
— Você não entendeu…
— Estou louco por você agora, . Completamente alucinado. E não tenho mais porque esconder isso — falei com a voz mais firme e decidida, um traço que normalmente não gostava muito, mas agora eu precisava, mais do que nunca, sair dali — Mas se você ainda hesita desse jeito quando toco no nome dele, não posso avançar. Sinto muito.
Rompi com todas as barreiras que prendiam minhas pernas imediatamente e comecei a caminhar para a porta.
— Jaehyun, não é assim. — Sua voz soou entre os dentes, e parei de novo — Eu sei o que eu sinto. Talvez não saiba expressar porque as coisas ainda estão loucas, e me perguntei várias vezes se teríamos mais de 3 minutos de conversa, mas sei o que eu quero agora. Sei o que podemos fazer agora.
Em um primeiro momento, passei a palma da mão pelo rosto, visualizando a porta como o único lugar em que eu deveria prosseguir agora, mas me virei para ela de novo, sem sair do lugar, tentando soar compreensivo e ao mesmo tempo encerrando o assunto.
— Podemos ser amigos, como sempre fomos ou como estávamos sendo, mas… Faz muito tempo que sinto isso por você, . Mais tempo do que eu mesmo imagino. E exatamente por isso que não posso aceitar você pela metade, ou com qualquer parte faltando. Espero que entenda.
— Jaehyun…
— Quando você tiver certeza do que quer, aí podemos falar sobre isso de novo. Mesmo. Agora eu preciso ir.
Ela abriu a boca para dizer algo, mas me empurrei na direção da saída, pegando de volta todos os cacos do meu coração que queriam correr para ela, aceitar o seu discurso, se entregar completamente sem nenhum bloqueio, mas não podia fazer isso.
Eu amava , mas amava ainda mais a ideia de que ela me amasse de volta.

's POV

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Maple Syrup Tears – Huron John


Eu não sabia que 2 semanas podiam durar tanto.
Quando Sophie voltou para o carro, tudo que eu via era o teto estofado e a paisagem melancólica do estacionamento dos fundos do Mc Donald’s. Tinha um cara lá na frente com um arranjo de flores nas mãos, o que me embrulhou o estômago na mesma hora, e juro que dessa vez não tinha a ver com as oito doses de soju que eu tinha tomado há uma hora atrás. Era apenas um ramo de cravos-de-amor em torno de um cravo branco; umas flores que eram mais cheirosas do que bonitas, mas muito, muito parecidas com os crisântemos brancos que eu tinha pago hoje.
— Aqui — Sophie depositou a caixa com dois lanches, duas batatas e dois refrigerantes no meio do câmbio, fechando a porta logo em seguida — Como é o nome daquela expressão que você vive dizendo? Saco vazio não para em pé, é isso? Muito estranho, mas muito coerente. Anda, come.
Quis comentar alguma coisa mais coerente do que isso, mas meus olhos continuavam no cara lá na frente, que agora sorria enquanto falava no telefone antes de entrar no seu próprio carro.
— Eu até mandei flores pra ele — falei debilmente com o rosto colado no vidro — Achei que não tivesse problema. Foi tão simples, sabe? A entrega custou mais do que as flores, mas… Eu mandei flores pra ele. Tem noção disso?
Sophie mastigou uma batata frita enquanto tateava pelo painel em busca do aparelho de som, aparentemente distraída, mas eu sabia que tinha me escutado. Na verdade, tinha escutado aquilo a noite toda, e por isso apenas suspirou e deu de ombros, antes de infestar o carro com 2NE1.
— Acho que Mingyu me mataria se eu mandasse flores pra ele.
— Ele é machista?
— Não, só é pão duro mesmo. Flores no pico da primavera? Uma fortuna. Com cartão ainda por cima? — ela fez um barulho de “pff” com os lábios — Não sei se eles superfaturam os produtos ou papel vagabundo na Coreia vira artigo de luxo nessa época.
Mandei uma batata para dentro, agora apoiando a cabeça no encosto do banco logo depois que o cenário aparentemente feliz do cara das flores sumiu do estacionamento. Até mesmo se ele estivesse levando aquilo pra amante seria mais condizente do que eu e meu pedido de crisântemos com um pequeno cartão e meu garrancho feminino quando escrevi: Espero que você ainda queira que eu ligue — .
Ei, o pequeno ramo de crisântemos brancos fazia sentido. Elas combinavam com o ar misterioso e elegante de Jaehyun, fora que simbolizavam minha sinceridade. Um ar minimalista que era chique ao mesmo tempo, não minimalista de avareza. Enfim, foi o que eu li no Google. E o Google sempre sabe de tudo.
Devia ter lido também qual era o timing correto para se presentear um cara que estava sendo inflexível sobre seus sentimentos, mas acho que até o senhor Google ficaria me devendo dessa vez.
— Você está corando — disse Sophie de um jeito desaprovador — Está corando porque CL está cantando sobre sentir saudades de um cara gato ou porque sabe que fez besteira?
— Qual você acha? — estendi as mãos para pegar mais uma batata, mas Sophie a afastou com uma palmada.
— Não desconta nas minhas batatas — frisou, trocando os pacotes de lugar. Com sarcasmo, ela acrescentou: — E essa foi só mais uma besteira que você fez desde que chegou aqui, mas agora com um cara diferente.
Estreitei os olhos e mastiguei uma batata devagar, olhando de novo pela janela.
— Pra quem quer que tenha sido, acho que agora eu consegui chegar no ponto em que ele me ignora de vez e passa a atravessar a rua quando me vê. Como fui chegar nessa situação, Sophie?
— Você descobriu que tá apaixonada por um cara depois de beijar outro. Isso se chama cilada, e pode ser resolvida, é normal, você não é a primeira nem a última a passar por isso — ela deu de ombros, fazendo barulho ao sugar o refrigerante pelo canudo — Se bem que agora você realmente se esforçou, não é mesmo?
Toquei uma das batatas na ponta do meu queixo em uma atitude completamente mórbida, mas que explicavam o teor da bagunça na minha cabeça, que ia de bêbada até uma tentativa de não estar mais bêbada.
— Em todas essas situações, eu tenho certeza que o cara acreditava quando a garota dizia que estava apaixonada — mordi metade daquela coisa crocante e salgada; estava tão leve que nem parecia que meus dentes estavam tocando em alguma coisa.
Sophie bufou, girando o corpo em minha direção do banco do motorista.
, eu já disse: não importa quantas flores, retratos, cestas de frutas ou coisas dramáticas que você enviar, não é essa a questão. Não é que o Jaehyun não acredite em você. Ele só não quer pular de cabeça em algo que parece muito incerto para ele. As pessoas têm direito de duvidar das intenções das outras depois de verem uma cena daquelas, é normal — concluiu ela, afundando no banco enquanto dava uma mordida generosa no hambúrguer — Mas confesso que não pensei que ele fosse estar se fazendo tão de difícil assim, fala sério. Aquelas flores eram tão pequenas e simples, o que custava ligar?
Sim. Pequenas, simples e frugais, assim como ele. Eu não era boa de timing, mas podia ser boa com flores, ao que parecia.
— Eu não sei mais o que fazer — suspirei, segurando agora o refrigerante — Eu gosto dele, Sophie. Droga, gosto de verdade. E talvez eu queira sim conhecê-lo melhor e ir devagar, como manda a situação. Confesso que chegar e dizer que queria tentar ficar junto foi inusitado e precipitado, mas isso não muda o fato de que quero ficar com ele. Isso vale, não vale?
Ela arqueou as sobrancelhas para concordar enquanto a boca estava ocupada com a mastigação do hambúrguer. Seus olhos grandes e azuis ficavam ainda mais em evidência assim, e eu particularmente achava Sophie Vermont muito bonita quando fazia essas caretas desengonçadas.
— Sim, vale, e eu acredito em você! Mas o que você tem feito para mostrar que o Jungkook é carta fora do baralho?
— Ai, fala sério! — bufei, erguendo as costas como se tivesse levado uma picada de mosquito. Tive que morder o lábio para evitar gaguejar mais do que já estava — O Jungkook, ele… Sabe, eu pedi um tempo, disse pra gente se concentrar em ser amigos, falei pra esquecer aquela história, falei mesmo… — pontuei, mas imaginei logo de cara que eu devia estar parecendo tão ridícula quanto meu reflexo naquele copo molhado de Sophie. E isso estava me deixando tão maluca, tão frustrada comigo mesma que eu só queria abraçar aquela grande garrafa de soju que largamos no restaurante e sair dançando com ela por aí, porque era o meu destino; dançar com uma garrafa, não com o cara que eu gosto.
— Você saiu pra jantar com ele ontem!
— Ei, espera aí, eu não saí exatamente, ele foi até o meu apartamento com pés de galinha, Sophie, pés de galinha, caramba! Empanadas ainda por cima. Queria que eu o mandasse embora? — disse em um tom óbvio, porque mandar alguém embora depois de trazer pés de galinha era no mínimo uma atitude insensata.
— Queria que você mandasse a real pra ele!
— Eu disse que não teríamos nada e que ele sofreria as consequências no meio das pernas caso me beijasse de novo, isso não conta?
— E quem é ele? Um cara que segue regras? Ah, por favor — ela revirou os olhos, mordendo mais uma vez o hambúrguer, falando em seguida com a boca cheia: — E por acaso contou pra ele porque ele sofreria as consequências? — perguntou, e eu simplesmente puxei o meu lanche e permaneci calada.
Todas as soluções temporárias em um tempo de minutos estavam entre aquela carne e aquele cheddar, mesmo que Sophie tenha simplesmente grunhido e entendido tudo sem eu dizer uma palavra sequer.
— Pois então, . Você está ferrada porque por mais que saiba que não sente isso pelo Jungkook, não consegue dar um chega pra lá definitivo porque tem medo de perder ele. Não é isso?
— Prefiro não dizer — estreitei os olhos, ainda comendo.
— Anda, diz. E tome as suas batatas, ficam mais gostosas dentro do pão — ela empurrou o outro pacote de papelão jogado no nosso meio, o que tinha dito antes que era dela.
— Ele é meu melhor amigo, Sophie.
— Sei disso, mas ele é um melhor amigo que do nada diz que te ama e que quer ficar com você depois de te ver se divertindo com outro? E todos os anos desde que você chegou e que não se desgrudavam nenhum minuto? Toda aquela sua cara de pamonha que ficava cada vez mais pamonha a cada dia que passava? — ela revirou os olhos e estendeu o braço de maneira que, agora, todas as batatas se juntaram e viraram uma porção única — Por favor, ele não é tão lerdo assim, ele só não tinha motivos pra dizer nada porque você estava sempre ali, revestida dentro de uma lona, disponível a hora que ele bem quisesse.
— Isso foi tão vulgar — estendi os dedos para pedir o refrigerante. Ela escorregou seu corpo para minha mão.
— Antigamente você não negaria nenhuma vulgaridade com ele.
Não falei nada. Apenas balancei a cabeça e suguei a bebida de uva que normalmente acharia horrível, mas era uma das poucas opções de frutas que eram boas o bastante para substituir a coca-cola. Sophie era uma das únicas pessoas que me conheciam que não parecia incomodada com a chance iminente de que meus dedos perdessem o equilíbrio ou tivessem espasmos estranhos que deixariam todo aquele líquido cair em cima de seus bancos de couro, e por isso ela merecia estar no meu top 3 de pessoas favoritas no mundo.
Um toque de mensagem soou bem no fundo dos meus pés. Devagar, tateei o chão abaixo do porta-luvas para sentir o aparelho ali jogado, que não faço ideia de como foi parar lá, e entreguei a bebida para Sophie, pegando o celular com certa ansiedade porque só depois me toquei de quem poderia ser.
Mas meu lado romântico foi bruscamente frustrado com o nome que apareceu no visor.
— Yugyeom tá mandando mensagem sobre a festa de lançamento de novo.
— Nem me fala. Vamos ser obrigadas a frequentar aquela pouca vergonha, não é mesmo? — Sophie perguntou com outra de suas caretas — Você acha que eu conto pra nova peguete dele o caminho pro quarto principal do apartamento? Vou morrer de rir se ela entrar lá e ver outra já esperando. Fora isso, preciso de motivos mais fortes para largar meu momento de paz com minhas pinturas.
Fitei ela por tanto tempo quanto um olhar da Monalisa fake que ela tinha na parede, e estalei um dedo na sua direção, lembrando do principal.
— Pelo menos vamos conhecer o Jay Park. Não é motivo o suficiente?
Ela arregalou os olhos e disse:
— Ô se é, bebê! Não vejo a hora de observar aquelas tatuagens de perto, e aquele sorriso… E claro, tudo isso ao lado do meu namorado mais lindo e perfeito.
— Gosto da sua queda por rappers, isso diz que nunca vamos nos interessar pelos mesmos caras.
— Isso aí — ela ergue a palma da mão e batemos um hi-five — Sabe que o macho Jeong vai estar lá, não sabe?
— O que faz você pensar que eu não saberia disso? — grunhi, perdendo o interesse em morder meu hambúrguer — Argh. Estava tentando não lembrar disso.
— Ei, você é adulta. Essa é sua chance — respondeu Sophie, batendo com um ombro no meu — Não importa que você diga que está cansada e que ele está sendo esquivo e minimamente simpático, você vai conversar com ele. Essa é uma das coisas que a gente aprende até chegar na fase adulta: conversar de verdade, sem insistências e sem colocar o pobre homem contra a parede. Você precisa sondar o cara pra saber seus próximos passos.
— Não acha que ele vai perceber se eu começar a fazer perguntas estranhas?
— Que perceba! Jeong Jaehyun não pode ser tão frio e não valorizar uma garota que está se mostrando interessada o suficiente, ainda mais quando ele disse que também está. Fala sério, ele é educado demais pra isso — ela moveu os dedos para pedir agora um pedaço do meu lanche, que só tinha o diferencial de ter o dobro de picles — E espero que ele se decida logo, antes que eu precise usar minha tática de te arrumar um fake dating para as coisas andarem.
Baixei os olhos. Alguém tinha respondido a Yugyeom no grupo, confirmando sua presença para amanhã. Alguém que eu já sabia, mas queria adiar esse pensamento até o fim.
— Jungkook também vai estar lá — disse em um sussurro cansado.
Não posso dizer que não via Jungkook com frequência, mesmo depois do festival, mas era algo tão… formal. Não formal de sério, era um formal de limites, de aceitação de amigos, de ter uma linha muito clara passando entre nós dois, dividindo as coisas muito bem. Ele não era mais o motivo do meu coração bater tão forte, mesmo que continuasse aparecendo de surpresa na minha casa, mas agora eu ficava acordada à noite por causa das palavras de Jaehyun e pela sugestão de escolha que ele me deu quanto à Jungkook. Quando você tiver certeza do que quer, vamos conversar. Puta merda. Eu tinha certeza que queria pular em cima dele, não era o suficiente?
— Mais um motivo — continuou Sophie, terminando de engolir um enorme pedaço de picles — Talvez te ver longe do pivete dê a ele um motivo a mais pra acreditar que vocês são só amigos e não gêmeos siameses. Você me entendeu?
— Claro. Vou cortar o cordão umbilical com meu BFF.
— Pois muito bem, é assim que se fala. Talvez eu o assedie com a ideia de que possa ter enchiladas em algum canto daquela casa, mesmo que Yugyeom deteste qualquer coisa com pimenta. Talvez o Jungkook aceite. Só talvez, ele não é tão burro quanto eu gostaria — Sophie largou o hambúrguer pela metade dentro da caixa e colocou os pés na direção — Agora vamos sair desse estacionamento e abrir as janelas antes que a gordura dessas batatas penetre na minha roupa. Deus do céu, minha nutricionista não pode nem sonhar que estou fazendo isso.
Assenti com a cabeça, continuando na mesma posição, olhando de novo na direção do cara das flores desaparecido e pensando que eu estava ficando sem opções para fazer aquele coração secular dentro do peito de Jaehyun bater mais rápido de novo, mas poderia deixá-lo saber que eu queria. Acima de tudo, deixá-lo saber que eu queria aquela lanterna que nunca recebi.

☀️⛱️


Quando alguém perguntar como deve ser uma festa entre jovens adultos em Seul, e rirem logo depois porque de jeito nenhum uma coisa nesse país pode ser no estilo American Pie, acabe com esse mito imediatamente.
Se Yugyeom morasse em uma grande casa com piscina, isso aqui com certeza teria virado um Spring Break. Mas com toda a galera reunida, bebendo e falando alto, misturadas com a fumaça que vinha de cigarro ou de erva criminosa, eu realmente agradeci por ele só morar em um apartamento perto de Gangnam.
Perto de Gangnam já soava bastante caro. Tipo, bem caro.
Mais importante do que qualquer uma dessas coisas era o motivo da festa. Yugyeom recentemente tinha lançado seu trabalho solo pela nova empresa, AOMG, e devo dizer que seu nível de popularidade arrebentou todas as barreiras que qualquer um ali imaginou. Acho que no fim, seria mesmo muito engraçado se Sophie fizesse sua piada em fazer as várias peguetes de Yugyeom se reunirem em um só lugar. O rosto dele com certeza ficaria igual àquele cara da pintura de Edvard Munch, O Grito, mas eu não pararia de rir, com certeza.
Quando passei pelo batente da porta com Sophie, os ombros de um garoto salpicado pela chuva que caía no centro esbarrou no meu de um jeito nada delicado, e quase recebi a primeira enxurrada de cerveja nos sapatos, que pelo menos eram meus amáveis tênis Converse que já estavam acostumados com aquele tipo de coisa.
Aish! Foi mal aí — ele disse em sua melhor voz de bêbado, e me olhou de cima a baixo quando estendeu a mão — Woosung. Você é…?
— Visita. É só isso — respondi rápido, puxando Sophie para longe, me embrenhando na multidão o mais rápido que os outros ombros me permitiam.
— Quer fazer o bolão de quantos babacas vamos encontrar hoje? — Sophie murmurou, espichando o olhar à procura de um certo cara de 1,86 que tinha chegado desde à tarde para ajudar nos preparativos.
— A resposta vai ser muitos, mas não quero calcular esse número exato.
Assim que vimos o cara super alto, é claro que ele já estava andando em nossa direção. Mingyu cruzou a sala através da fumaça, abraçando Sophie daquele jeito fofo que me deixava depressiva ou apaixonada, não sabia bem ao certo, e a soltou logo depois, entendendo o meu lado de ser uma solteira real e ainda não fazer parte disso.
! Bonita roupa. Amor? — ele perguntou sugestivo para a minha amiga loira, que apenas deu de ombros, atestando o fato. Sim, Sophie Vermont não me deixaria sair por aí usando minhas jardineiras e não havia a menor possibilidade de que eu fizesse alguma coisa pra mudar isso.
— Não conta pra minha mãe que estou usando uma blusa que deixa meu umbigo à mostra — falei, usando o sarcasmo para arrancar uma risada dos dois.
— Você é gostosa, devia ter aceitado a saia que mostrei e não ter colocado esses jeans que escondem a melhor parte.
— Já conversamos sobre a maneira de falar sobre mim como se eu fosse uma cabeça de gado — suspirei. Mingyu segurou uma risada.
— Que tipo de gado ela seria? — perguntou para Sophie. Ela deu de ombros.
— Um cabritinho covarde, eu acho.
Estreitei os olhos. Com um resmungo evasivo, gesticulei:
— Onde estão as bebidas desse lugar? E sim, vou surtar se alguém começar a me oferecer narguilé. Isso é coisa de adolescente.
Mingyu riu alto e apontou para o outro lado do cômodo, onde um tambor enorme e totalmente gourmetizado guardava o balde de cerveja. Outro ao lado tinha as opções de bebidas destiladas engarrafadas para quem tivesse coragem suficiente de misturá-las no mesmo copo.
A porta abriu subitamente, e pelo menos 6 cabeças de uma vez estavam entrando. Apontei o tambor para Sophie, que gritou um “te vejo depois” e eu assenti, sabendo que se não saísse dali seria atropelada por um dos novos convidados.
E um deles era Jackson Wang, o que fiz o possível pra fingir que não vi e ir logo atrás da bebida. Ainda não sabia fingir costume o suficiente para não dar uma de fã.
Quando cheguei ao destino, vi que uma pequena escada em espiral estava abarrotada um pouco na frente com dezenas de buquês e cartões vermelhos de parabéns, o que foi impressionante. Uma mistura e tanto de culturas, e Deus do céu, mais flores.
Mal tinha colocado algo pra pesar no meu copo quando escutei a voz gritar do meu lado:
— Como você demorou! — Jungkook surgiu de algum lugar do meio daquela multidão, e eu pensei que podia ser uma boa fingir um susto e manchar aquela camiseta branca do Michael Jordan com ponche, mas me mantive com meu olho aberto em surpresa — Te liguei 5 vezes pra dizer que ia te buscar. Onde você colocou seu telefone?
— Os eletrônicos ultimamente estão acabando com a minha visão e rendimento, então tô fazendo um detox. Você devia experimentar qualquer dia desses — dei um sorriso sarcástico, bebendo um gole do líquido vermelho. Para Jungkook, pareceu a pior piada do universo.
— Aham, claro. Qual foi o documentário que você viu na Netflix dessa vez? E sem mim, ainda por cima.
— Nenhum, Jeon. E o que você faz aqui? Achei que você e os outros precisavam ir às Filipinas, ou ensaiar a nova coreografia, esse tipo de coisa que você faz numa quinta-feira à noite.
— É bonitinho você ser irônica em relação à minha falta de rotina, tenho que admitir. Mas não, hoje é um dia de mudanças, um muito importante pro Yug então todo mundo tinha que estar aqui.
Fiquei comovida com a forma como ele disse “hoje é um dia muito importante pro Yug” e virou a cabeça para observar nosso amigo lá do outro lado, cercado pelos seus companheiros antigos e pelos novos, sorrindo abertamente em felicidade plena.
— Também acho, mas não diz isso pra ele — falei, na verdade pensei alto, o que fez Jungkook franzir o cenho — Para todos os efeitos, vim por causa do Gray.
— Você não curte rappers.
— Mas curto caras bonitos — dei de ombros, em um tom óbvio — E Sophie diz que no futuro, os rappers vão ficar cada vez mais populares e mais bonitos ainda. Então, vou parar de ouvir essas previsões e vivê-las imediatamente.
Soltei uma risada antes de mais um gole. Jungkook apertou os lábios, revirando os olhos de um jeito nada convencional. Não era divertido, era irritado. Se eu não o conhecesse tão bem, diria que ele parecia com…
— Sabe como é doloroso elogiar outros caras na frente de um pobre rapaz que tá apaixonado por você, não sabe? — ele deu um passo à frente, e a música ao redor não foi capaz de dispersar nenhuma de suas palavras; todas elas me atingiram muito claras, muito coesas.
Ah, não. Ciúmes, não. Que ele não começasse com essas coisas, e que não começasse a se aproximar assim como se fosse aceitável.
Antes que eu dissesse alguma coisa para afastá-lo, um grito característico de Eunwoo surgiu a poucos passos da entrada, onde mais um convidado entrava. A visita mais requisitada desse dia caótico.
Empurrei Jungkook na mesma hora, não me virando para verificar se Jaehyun tinha me visto, ou visto Jungkook, ou até mesmo virado a cabeça para fugir do aperto de Eunwoo. Não tinha coragem de olhar pra ele ainda e Jungkook não percebeu meu estado de agitação repentino. Ele ainda não sabia que eu estava apaixonada pelo cara de camisa gola alta, casaco escuro e todo montado em preto que certamente acabou de sair uma sessão de fotos na porta.
— Já falei pra não voltar a dizer essas coisas, não falei? — sussurrei raivosa. Ele passou uma das mãos no cabelo, assentindo.
— Desculpa, é automático. Ainda é estranho ter que desligar esse botão, entende?
— Então é melhor desligar e proteger seu bendito coração, tá legal? Não quero machucar ele mais vezes — falei com um levantar de ombros, vendo que ele soltou uma risada engasgada e, com alguma coragem, voltei a olhar para o lado.
Queria dizer que eu estava louca, mas juro que vi Jaehyun olhando para mim. E ele continuou olhando mesmo depois de eu também começar a encarar, e nenhum dos dois desviou os olhos por nenhum momento. Não sabia interpretar o que aquela expressão queria dizer, mas vi quando suas pálpebras baixaram tão depressa pra me olhar de corpo todo e logo depois retornaram ao que Eunwoo e mais 3 pessoas ao redor diziam.
— Posso pelo menos dizer que você tá muito linda hoje, não posso? — a voz de Jungkook me trouxe de volta. Demorei alguns segundos pra me livrar da distração anterior e assenti, dando um sorriso simpático. Era louco como Jungkook dizia que eu estava bonita, enquanto Jaehyun mostrava isso só na forma de me olhar.
E talvez isso tenha sido um sinal verde pra que eu não perdesse tempo.
— Claro, valeu. Eu vou ali rapidinho, tudo bem? Já já eu volto. Não se esqueça de maneirar na bebida porque não vou te levar pra vomitar.
— Ei, calma aí, eu ia te chamar pra dançar…
— Dançar?! Por favor, me deixa passar só um vexame por ano. Mas aposto que Eunwoo está doido por isso. Até mais.
Pousei o copo em cima de qualquer superfície e me embrenhei na multidão.


10 – Festa

's POV

🎧 Dá o play:

Endless Summer – Jaden, Raury


A sensação era de que eu nunca o alcançaria.
A cada passo para a frente, alguém corria ou simplesmente esbarrava no meu ombro, me distraindo do caminho. Perdi as contas de quantas vezes precisei erguer os pés para enxergá-lo do outro lado. Quando finalmente me desvencilhei da aglomeração, ouvi uma voz direcionada há alguns metros:
— Você vem com a gente? — um cara de uns 1,85 que não era Mingyu gritou do outro lado da sala para Jaehyun, que balançou a cabeça e gesticulou com as mãos, respondendo qualquer que fosse o assunto.
Eu ainda não tinha chegado perto dele. E só conseguia torcer para conseguir fazer isso antes que mais alguém o chamasse e ele se locomovesse e se perdesse para sempre no ambiente.
Assim como em Jeju, todo lugar onde aqueles garotos estavam, era motivo para uma aglomeração pesada. Quando eu digo muito, é realmente muito! E, geralmente, não é nada decente ou convencional.
A começar por aquela bebida barateada e misturada que fazia eu me sentir como se eles quisessem testar os limites dos amigos e se divertir às custas dos estômagos embrulhados, e não porque realmente não queriam gastar. Essa coisa de cervejas artesanais só era legal pra curtir sozinho, aparentemente. Ninguém queria apreciar essas coisas boas em grupo — e em uma festa, o objetivo principal era a diversão, nada mais.
A fumaça também era um obstáculo difícil de driblar. Estava em toda parte, dificultava minha visão e, às vezes, a respiração também, dependendo de quem estava por perto, mas, por fim, dobrei o corpo para passar por um cara muito alto e muito magrelo e praticamente tropecei até chegar em Jaehyun, que tinha acabado de murmurar algo para Bambam enquanto este deixava a mesa meio torta com os petiscos. Não foi uma primeira visão muito agradável. Como eu disse: eu tropecei.
O olhar dele demonstrou mínima surpresa, mas eu já esperava essa reação.
— Oi — murmurei, sentindo-me pequena e estúpida por alguns segundos apenas por estar na presença dele. Apenas por me lembrar de todas as atitudes que vinha tomando nas últimas duas semanas e de como não cheguei a pensar se ele realmente queria falar comigo.
Mas, em suma, podando suas vogais de garoto de Seul da melhor forma possível, ele respondeu:
— Oi, .
Vi um mínimo sorriso brotar do canto de seus lábios e relaxei os ombros.
— Então… Você chegou. Bela roupa — falei meio atrapalhada, me inclinando sobre a mesa para pegar uma bebida nova à disposição, mesmo que tenha deixado a minha quase intocada na outra extremidade da casa. Ergui uma mão, apontando-a para todo o seu corpo, como se só o reparasse agora. A atuação de centavos, é isso — Deve ser o cara mais arrumado da festa.
Ele pareceu achar o elogio divertido, olhando brevemente para o próprio ombro de algodão polido e sorrindo vagarosamente.
— É, tive um trabalho antes daqui, mas não deixaria de vir. É um dia muito especial para o Yug.
Aquela frase de novo. Desta vez, vinda de Jaehyun, era acompanhada por seu sorriso cortês e generoso, igualmente feliz e orgulhoso da conquista do amigo. Até o momento, aquela forma de agir me deixava estranhamente desconcertada; era sutil e adequado. Como se nossa conversa recente do camarim nunca tivesse existido, ou como se aquela grande confusão e decepção na viagem fosse algo do passado.
Eu não queria pensar nisso agora. É claro que Jaehyun era educado demais para demonstrar qualquer apatia, mágoa ou até uma cara feia na frente de tanta gente.
— Claro, claro — concordei, absolutamente contida, mesmo que meus olhos focados no ponche tenham parecido um pouco rudes. Terminei de colocar o líquido no copo, endireitando o corpo agora para firmá-lo de vez de frente para ele e percebi seus olhos atentos em um ponto de mim.
Estavam direcionados para o meu pulso, onde a pulseirinha de conchas estava amarrada de um jeito meio débil, mas consistente. A pulseira que eu tinha encontrado jogada no meu quarto em Jeju. Um presente feito por ele. Feito para mim.
Mas seu olhar denunciava algo ruim — o primeiro e único sentimento ruim que deixou transparecer naquela noite.
Atrás dele, o mesmo cara da entrada o cutucou e cumprimentou. O silêncio reinou logo depois. Fora a música eletrônica terrível que trotava nas caixas de som enormes no chão, aquela pulseira parecia ter saído do meu braço e virado uma pessoa, um edifício de 500 metros, algo muito grande que pairava ali no meio, que o fez comprimir os lábios e se perder no personagem indiferente por alguns segundos, me deixando imóvel e bebericando aquele drink horrível enquanto tentava controlar as borboletas estabanadas no meu estômago.
Eu não sabia o que falar. Se ele dissesse algo, eu diria de volta. Se falasse sobre a pulseira, eu seria capaz de dizer porque guardei. Eu seria capaz de abrir o jogo de novo, mesmo que isso o deixasse um pouco embaraçado. Jaehyun parecia mais do tipo que ficava calado e se retirava caso algo o incomodasse, mas que se dane. Ele saberia pelo menos que não estou mais com tanta paciência pra decifrar seus critérios de confiança pelas minhas palavras.
Quando estendi uma das mãos, pronta para falar, ele também começou e as duas coisas saíram juntas:
— Então…
— Você…
Paramos também juntos. Soltei uma risadinha surpresa, dizendo logo em seguida:
— Você primeiro.
— Recebi suas flores. São muito bonitas. Desculpa não ter agradecido antes.
Apenas um pouquinho da minha compostura cedeu, e balancei a mão no ar, como se fosse irrelevante. Bem, era irrelevante agora, que eu já tinha me embebedado e me martirizado o suficiente sobre o assunto ontem.
— Ah. Que nada. Recebi sua mensagem depois — aquela mensagem automática de ‘muito obrigado’ que poderia ter sido escrita pelo seu gato, mas sim, recebi.
Ele abaixou a cabeça rapidamente, umedecendo os lábios enquanto trocava o copo de uma mão à outra em busca do que dizer.
— Eu queria ter ligado, mas… — e parou de novo. Seus olhos vacilaram em minha direção, o que foi o suficiente para eu ver mais uma vez que aquela indiferença era parte de sua máscara de sou cortês demais para isso. Me fez ficar ainda mais curiosa sobre Jeong Jaehyun no geral, e quantas coisas ele deveria guardar para si apenas para satisfazer essa imagem pacífica para todo um público em geral. Ou talvez só soubesse ser desse jeito, mesmo que detestasse às vezes.
Bem, ele poderia surtar comigo. Sobre qualquer coisa. Poderia me contar suas frustrações e pensamentos, assim como fez no camarim, quando agiu da forma mais nervosa e impulsiva que já vi, mas claramente descarregava algo importante que não tinha sido descarregado antes. Eu não ligaria se ele fizesse de novo, mesmo que fosse pra me afastar.
Mesmo assim, deixaria aquele meu lado ansioso por querer vê-lo sendo mais sincero bem onde estava. Tudo que eu menos precisava agora era deixá-lo desconfortável sem dar motivo suficiente pra isso, e então, apenas balancei a cabeça para dispersar o assunto.
— Tá tudo bem, Jeong Jaehyun. Eu li a notícia do repackage. Eu sigo uma conta no twitter especializada em multifandom, sabia? Sei tudo sobre o que vocês estão aprontando.
Ele riu ao mesmo tempo em que alguém berrou muito perto dali, e vi agora Yugyeom ser esmagado por um abraço de Jaebum. O cara na minha frente pareceu tão relaxado quanto o anfitrião e seus parceiros de grupo, o que era um alívio. Eu ainda não tinha estragado tudo.
— Existe alguma conta dessas sobre assistentes de contabilidade?
— Ei, eu não sou mais uma assistente, sabia? — tive que gritar a última palavra porque, aparentemente, tremer as paredes com o som alto não parecia estar sendo o suficiente para a galera, porque o volume foi subitamente aumentado. Instintivamente, me aproximei para falar melhor — Esqueceu da minha boa ação no festival da quinzena passada? Aquela garotinha era minha galinha de ovos de ouro, ainda bem que você a tratou bem, salvou uma garota chantageada.
A risada dele cortava qualquer música terrível. Era gostosa, instigante, contagiosa. Precisava me esforçar para não olhar tanto antes que minha cabeça começasse a girar sem álcool o suficiente pra isso.
— E o pai dela te deu a promoção?
— Aham. De assistente para supervisora de tributos indiretos. Um marco na minha vida, se quer saber.
As batidas da música praticavam vociferavam. Elas batiam contra os meus ouvidos, mais como um sentimento do que como um som. Ele também se aproximou.
— Jura? O que é isso?
— Basicamente, eu faço cálculos o dia todo pra traçar umas estratégias pro escritório gastar menos em médio prazo e ganhar mais a curto prazo. Essa coisa de contabilizar e visar o lucro. Coisa simples.
— Hum. Ambiciosos.
Dei de ombros, apontando para mim mesma teatralmente.
— Obrigada. Eu gosto um pouco de dinheiro, você sabe.
Jaehyun riu mais uma vez, enquanto Jackson agora gritava de volta para Mark Tuan — puta merda, Mark Tuan! — que acabava de entrar pela porta.
— E o que seria antes das contábeis? — perguntou ele, e não parecia uma pergunta vazia, sem propósito, só para preencher um silêncio. Pareceu uma curiosidade genuína, mesmo que eu não quisesse me agarrar a isso e começar a imaginar coisas demais.
— Seria trapezista, é óbvio — respondi em um tom sério, mas ele percebeu rápido demais e gargalhou na frente. Eu o acompanhei. Fiquei feliz por ele retomar, gradativamente, aquela informalidade poderosa quando se despia de toda a delicadeza que regia seus passos. Era só o Jaehyun. O mesmo de Jeju, o mesmo que ficava junto com os amigos — O que? Quer uma profissão mais foda pra desenvolver a síndrome de Murphy? É um princípio simples: vá de encontro à toda merda que já vem pra cima de você. Dizem que uma hora ela cansa ou você consegue espantá-la, sei lá. Podia fazer isso como forma de tratamento qualquer dia desses.
Ele ainda estava me observando, agora com menos graça e com mais curiosidade.
— Tá bom, e agora a resposta séria.
Suspirei, perdendo um pouco o sorriso. A pergunta era razoável e, caso toda a merda não tivesse acontecido naquele último dia, sinto que Jaehyun teria me feito ela antes. Talvez minha expressão tenha se tornado um pouco mais fechada, e ele continuou impassível à minha frente, seguindo minhas deixas para saber como reagir. Na verdade, eu fazia a mesma coisa, estava fazendo desde que ele tinha entrado por aquela porta, e não me importaria em permanecer parada aqui, só observando a forma como ele me observava, debaixo daquela luz escura e de toda a fumaça incômoda impregnada.
Mas aquele era um segredo que ele já tinha contado pra mim. Nada mais justo. Anui uma vez, brevemente, e disse:
— Acho que eu sempre quis fazer isso. Mas com a palavra empreendedora na frente. Ou chefe. Sabe? Abrir a própria empresa de investimentos, ser a versão fêmea do Jordan Belfort, sem toda a parte da cocaína e prostitutas, é claro.
— E sem o FBI e as mulas de aeroporto, eu suponho — ele riu mais uma vez, bebendo um gole farto da cerveja. Sua máscara de desconforto escorregou um pouco mais, o que me fez sorrir mais abertamente. Sua conduta de Valentine chegava a sumir completamente quando ele estava com os amigos, o que, naquela hora, me fez sentir parte deles e, consequentemente, mais tranquila em relação a tudo que tinha se passado.
Talvez o Jaehyun que tenha me mostrado em Jeju era o que se encontrava no seu íntimo, e minha nossa, isso me deixava ainda mais encantada!
— Seria interessante, mas não. Eu só acho muito emocionante toda essa adrenalina de investir com base em 1 minuto de alta que chega a gelar o sangue. Você não sabe o que vai acontecer depois, entende? — respondi, um pouco animada demais — Eles podem cair de uma hora pra outra. Podem dar uma caída leve ou colapsar totalmente como na queda de 2008. A gente nunca sabe. Não importa os especialistas e a nova área que criaram de Econofísica pra tentarem prever isso, simplesmente não tem como saber.
— Mas talvez eles apliquem um pouco da Lei de Murphy nesse cálculo, você não acha? — perguntou ele, bebendo mais um gole.
— Ou você aplica ou você não é gente, isso é fato — declarei com as sobrancelhas erguidas. Arranquei mais uma risada sua — Sempre pode dar ruim. Na verdade, a possibilidade de dar errado é sempre maior do que de dar certo. É um pensamento desalentador. A pessoa já entra preparada pra isso.
— Igual sua tão amada concepção da lei de Murphy? — sua voz se tornou mais intensa. Parei e o olhei. O ar rugia à nossa volta, assim como a música, e aquele sorrisinho era sacana demais para quem não queria uma conversa informal.
Achei que meu coração sairia voando pra longe porque era uma sacanagem a forma como esse homem sorria desse jeitinho e eu ter que ser obrigada a permanecer emocionalmente estável.
— Ultimamente percebi que a gente pode se confundir um pouco nessa concepção — respondi meio engasgada, sentindo aquele olhar em todos os poros da pele, mas não desviando os meus de jeito nenhum — Quando dá errado, dá muito errado. Mas quando dá certo, é muito certo também. E a gente não tá no controle de nada. Só acontece.
Ele umedeceu os lábios e ficou quieto, baixando os olhos por um instante. Quando voltou a me olhar, senti toda a intensidade daquele contato como se fosse físico. Como todo o contato que eu desejava ter com ele desde que me toquei de toda essa loucura, ou antes mesmo dela. Era como se, novamente, aquele edifício estivesse bem ali, abafando todo o som da festa e da gritaria, e a tensão sexual ou emocional ou simplesmente passional emanasse de cada parte da parede. Mas que porra, era muito óbvio que era um clima, era muito óbvio que ele me queria e era ainda mais óbvio que eu queria a mesma coisa, então por que estávamos ainda há tantos centímetros longe um do outro?
Ah, por favor, , se controla. Agora não. Agora não é a hora de perder a compostura, você está indo bem.
— É, acho que você tem razão — ele disse, um pouco mais baixo, retornando um pouco à formalidade. Então perguntou: — Como você anda?
Ansiosa. Louca. Apaixonada por você.
— Eu ando bem — optei pela resposta mais segura — Me preparando psicologicamente pra um outono gelado e um inverno mais ainda. E você?
— Ando… Trabalhando. É, acho que só isso — ele fez uma careta logo depois, expirando pelo nariz — Jesus, eu ando fazendo isso mesmo. Acho que deixei todo o resto da minha vida social naquela praia.
— Por trabalho você quer dizer a sua música inacabada descaradamente cobrada por uma garotinha de 14 anos?
— É. — ele respondeu com uma risada gostosa — Eu fiquei um pouco surpreso porque definitivamente ser cobrado por algo pessoalmente é muito diferente do que ver isso nos comentários do instagram. Fez eu me sentir atrasado, de certa forma. Mas foi interessante, gostei da experiência — ele levantou os ombros com divertimento, bebendo mais um pouco, e me aproximei mais sem perceber — Me fez tirar a partitura da gaveta, pelo menos. Tentar de novo, eu acho.
— Achei que escrever músicas comerciais era fácil. Só sentar, escrever algumas coisas que encaixem em um ritmo milimetricamente chiclete e voilá, temos um hit — ironizei. Ele riu pelo nariz, passando uma mão pela nuca.
— Acontece que essa música não é comercial. Ela é minha, e… Sei lá, só é minha mesmo. — Balançou os ombros, comprimindo os lábios — Sem intervenções de empresa, profissionais e todas essas coisas que transformam uma composição em hit.
Mais um silêncio pairou ali. E esse veio do nada, sem aviso, sem precedentes. Foi o mais estranho de todos porque foi o único que eu não conseguia ler os olhos de Jaehyun. Ainda eram intensos, ainda eram extremamente honestos, mas agora eles falavam alguma coisa e eu não entendia. Ele disse todas as palavras com eles fixados em mim e eu não sabia interpretar.
Se ele iria vir com parágrafos codificados pra me deixar ainda mais louca, eu precisava estar um pouco mais bêbada pra ter coragem de ser direta.
Mas na hora da dúvida, eu procurava dizer coisas muito inteligentes como:
Uh. Profundo, Jeong — e bebi um grande gole daquela coisa vermelha pra tentar amenizar o quanto aqueles olhos me desestabilizaram por um instante — Vou encontrar umas palavras bonitas na sua próxima música?
— Depende do que você considera bonito.
— Você é bonito — soltei sem perceber. Por um segundo, minha concentração estava em franzir o rosto para dispersar o gosto forte daquela coisa que não acabava nunca, e, quando percebi o que saiu da minha boca, tentei automaticamente me corrigir: — Quer dizer, você tá bonito hoje. É isso que quis dizer.
Quis rir, mas um soluço escapou da minha garganta em vez disso. Prepara-se e vamos nessa, , pensei com desgosto, imaginando que uma sessão daquele inferno começaria justo agora para afundar minha dignidade de vez. Mas Jaehyun sorriu de uma forma terna e satisfeita, confessando logo depois:
— Você tá bonita sempre.
Eu estava cansada de constatar que muitos intervalos de silêncio estavam acontecendo entre a gente porque, bem, não tinha literalmente um silêncio — era um festa, caramba! Mas nenhum dos dois disse nada por um tempo. De um lado, eu apertei o copo com um pouco mais de força e tentei respirar normalmente enquanto ele permaneceu na mesma posição, sem desviar os olhos.
Me abaixei um pouco quando me aproximei mais da mesa e coloquei o copo quase vazio por cima do tampo, engolindo em seco duas vezes antes de perguntar:
— Você quer dançar?
Vi seu lábio inferior tremular. Ele parecia preso em um dilema por um milésimo de segundo, e quando abriu a boca para responder, outro grito surgiu no espaço, mais alto do que os outros, perfurando a minha bolha imaginária romântica:
— Jeong! Cara, você demorou! — Jungkook chegou subitamente, ancorando os braços nos ombros de Jaehyun — Achei que ia deixar a Prada te aliciar até amanhã.
— A palavra certa é fotografar, mas por que esperar termos certos de você, não é mesmo?
— Não enche — Jungkook revirou os olhos, voltando-se para mim — E você, , sai do nada e some. A gente não tá num barzinho de Itaewon, não.
— Acha que eu não notei? Lá as bebidas são menos duvidosas — meu sorriso não foi do mais verdadeiro, mas o sarcasmo servia bem para esconder o quanto eu tinha ficado um pouco nervosa com a vinda de Jungkook. Bem na hora errada, pra variar.
— É porque lá não tem o Yug — Jaehyun respondeu, dando de ombros.
— Então esse é meu novo critério de qualidade pra essa cidade inteira: sem Yugyeom, sem bebida de merda.
Os dois riram da minha piada péssima, e pareciam tão felizes juntos que, subitamente, me senti um pouco assustada. Não assustada, exatamente, mas era louco o quanto eu, hoje, conseguia identificar exatamente o que sentia por cada um deles sem todo aquele drama e sofrimento que tinha passado quando a viagem acabou. Ver as coisas virando de pernas para o ar me deixou sem certeza de coisa alguma, me fazendo repassar quase uma vida inteira de afirmações.
Eu não estava preparada psicologicamente para ver todas as minhas convicções irem ao chão com um monte de garotos de 97 quando aceitei o convite de Jungkook para a viagem. Pra mim, o plano do feriado consistia em acabar com aquela tormenta de gostar de alguém e não fazer ideia da reciprocidade da outra pessoa. Minha vida girava em torno de trabalho, barzinhos com Sophie e encontros simplórios e fora de hora com Jungkook, eu não tinha tempo nem disposição para pensar em refazer esse diagrama, refletindo sobre a organização dele e sobre adicionar mais pessoas. Quando pensava que, quando cheguei perto de fazer isso, acabei conhecendo Jaehyun e, muito provavelmente, tenha sentido algo por ele antes mesmo de descobrir sobre o beijo, tinha vontade de entrar em um helicóptero e me isolar no ponto mais alto das Maldivas.
Mas queria fazer isso com ele. E era aí que morava o problema.
Porque agora meu melhor amigo insistia que estava apaixonado por mim e não entendia porque eu, aparentemente, não parecia estar mais apaixonada por ele. Porque eu não tinha coragem de contar a verdade. Porque tinha medo do que poderia acontecer.
Covarde. Eu era a droga de uma medrosa.
— Ele sempre disse que queria ganhar uma homenagem — Jaehyun continuou rindo ao dizer, e pude ouvir bem, apesar de todo o ruído musical da festa, que agora tocava as próprias músicas do anfitrião.
— Se a homenagem dele não for um olho roxo assim que a Yeri chegar, ele já tá no lucro. Vai preferir muito mais as piadas depreciativas da .
— Yeri é a ficante número 2? — perguntei, não confiando na minha memória extremamente frágil.
— 3. — Respondeu Jungkook.
— 1. — Respondeu Jaehyun, ao mesmo tempo. Jungkook franziu o cenho e se virou para o amigo na mesma hora.
— 1?! Você tá sabendo de alguma coisa que eu não tô?
— Yeri é a modelo, esqueceu? Tava na Espanha há uns dois meses, por isso é fácil esquecer. E fala sério, todo mundo sabe, JK. Só quem não sabe são elas.
— Tontas — reviro os olhos e volto a pegar meu copo de cima da mesa. A situação atual implorava que eu bebesse. Mesmo que eu tenha feito uma cara estranha de quem não se agradou em nada com aquela coisa vermelha, estava feliz pelo efeito futuro que ela traria.
— Tonta vai ficar você se continuar virando desse jeito como se não houvesse amanhã. Não acabou de reclamar da bebida?
— Já ouviu o ditado: ‘fazer o quê?’. Tô usando ele agora mesmo — sorri sem mostrar os dentes. Agora, era indispensável que eu conseguisse outra bebida, de preferência uma cerveja, mas meu estômago reclamou só pelo pensamento.
Jungkook bufa em descontentamento, estreitando os olhos na minha direção. Sei exatamente o que ele está pensando, mas não ligo de tirar um dia para desobedecer nosso código da amizade em festas: só fique bêbado se seu amigo ficar sóbrio. Bem, não teve sequer um par ou ímpar hoje, então eu interpretaria como noite livre.
— Tudo bem, . Se você acabar passando mal, vai sobrar pra mim mesmo — ele se aproxima e passa os braços pelos meus ombros em uma atitude tecnicamente natural, mas bem mais perto do que antes era — Jae, você precisava ver o estado em que ela ficou há uns 4 meses, quando estava triste porque errou 3 palavras com um cara da Alemanha em uma reunião importante. Bebeu até não poder mais naquela barraquinha do rio Han, tive que carregá-la nas costas e tudo — ele confessou para Jaehyun com um sorriso sacana nos lábios.
Tento me afastar dele instintivamente, mesmo que tê-lo ali, aparentemente, não fosse nada demais, e Jaehyun só pareceu mover os olhos com um pouco mais de rapidez; talvez um bom disfarce ou apenas reflexo de uma reação involuntária, eu não sei dizer. Solto uma risada contida, movendo os ombros para que o braço dele caísse para o lado, querendo gritar para que ele não fizesse isso de novo — um grito sem sentido, que sairia alto o suficiente para sobrepujar o lamento de Falling in Love pela voz de Yug.
— Menos, Jungkook. Quer acabar com a minha reputação agora?
— Que reputação? Você não tem nenhuma, igual a dignidade da Sophie — seu tom foi explicitamente óbvio — Também teve o dia em que ela apagou no meu sofá depois de beber dois copinhos de makgeolli, foi uma vergonha, tive que colocá-la na cama…
Nunca quis tanto dar um desmaio espontâneo.
Olho rapidamente para Jaehyun, totalmente apreensiva. O rosto dele estava normal, tranquilo. Mais do que isso: parecia se divertir com o relato impróprio de Jungkook sobre a construção da minha tolerância alcoólica. Ele vira o olhar para mim e os meus gritam de volta para ele: você está ouvindo as datas, não está? Isso faz dois anos, e essa outra história faz 8 meses, ele é meu melhor amigo, dá pra entender, não dá? Não quer dizer que eu ainda sinta alguma coisa por ele.
Balanço a cabeça repentinamente. É claro que eu sentia algo por Jungkook. Ele era meu melhor amigo e não existia nenhuma possibilidade de que eu não o amasse. E amor engloba muitas coisas intensas, como abraços, presentes, saudade e companheirismo, mas não queria dizer paixão. Tinha total certeza de que não me derreteria se ele colocasse a boca no meu ouvido para dizer besteiras como sempre fazia.
Porém, ouvindo meu querido amigo contar sobre nossas aventuras em par, pude entender o ponto de Jaehyun pela primeira vez, entender de verdade. Era totalmente compreensível imaginar que a chama do meu sentimento por Jungkook ainda estaria ali, um pouco reclusa e desgastada pelo terremoto que se apossou da minha cabeça nos últimos dias, mas ainda ali. Era coisa pra caramba pra se ouvir sobre a gente, tantas que eu nem mesmo me lembrava.
Suspiro, virando a cabeça para Jungkook de maneira que eu pudesse ouvi-lo com toda a atenção. O jeito como contava as situações, baseadas apenas em sua visão, me deixaram afoita em pensamentos por um instante. Como na vez em que, durante o verão, chamei ele pra me acompanhar em uma loja de conveniência em Sokcho só pra comprar um xampu barato. Minha ideia de verdade era enrolar na cidade até o último segundo para esperar o show de luzes no parque Seoraksan, mas ele contara a situação em plenas gargalhadas, dizendo que tivemos que voltar mais cedo porque eu não tinha achado a marca que eu queria — quando, na verdade, voltamos antes do previsto porque ele achava a proposta das luzes sem graça e inferior à da ponte do rio Han. Mas a apresentação do rio Han não tinha a crença de que casais que assistiam ao espetáculo juntos tinham a tendência de ficar juntos, e toda essa baboseira oriental que me peguei acreditando naquela época. Ele nem se tocou!
Ou quando comprei uma pizza para nós em formato de coração e disse que tinha sido um engano do restaurante, quando claramente ninguém em parte alguma do mundo faz pizzas em formato em coração por engano e ele agora ria à beça como se fosse a maior piada do ano, falando sobre a textura da massa e a falta do queijo extra. Ou quando disse a ele que sentia cócegas do umbigo aos pés em uma indireta parecida com: “faça cócegas em mim”, e ele nunca mais chegou a cinco centímetros de mim porque cócegas podem matar, não leu aquela matéria do Google?
Jungkook contava todas essas fábulas com risadas e um grande sorriso no rosto, como se literalmente não tivesse se atentado. Como se eu fosse mesmo sua amiga engraçadinha que simplesmente estava presa em um looping infinito de desgraças cômicas. Sem nenhuma segunda intenção, nunca. Ele falava e ria como se realmente estivesse alheio a tudo isso.
Foi quando eu percebi. E Sophie tinha toda a razão. Eu voei na maionese se algum dia cheguei a acreditar que ela estava louca.
Jungkook não gostava de mim, caramba! É humanamente impossível alguém não ter notado que eu estava caída por esse cara nos últimos dois anos, ou que eu estava caída por alguém, e eu o invejava por pensar que era apenas amizade, mas era exatamente isso que ele estava querendo dizer ali, com suas risadas e respostas ácidas. Jungkook não sentia o que dizia sentir por mim porque essas coisas não se descobrem em um estalo repentino; elas incomodam por um tempo, crescem aos poucos e explodem, mas você sabe que já estavam ali. E ele claramente não tinha parado para pensar sobre o assunto.
Ri de repente, fazendo-o apontar pra mim e rir mais ainda, como se eu estivesse participando da conversa. É claro. Jungkook devia ter tanto ou mais medo do que eu de que tudo entre nós ruísse e acabasse, e achou que sentir vontade de me beijar me taxasse como a garota certa.
Minha nossa, essa merda não parava de crescer.
Olho pra Jaehyun de novo. Ele desviou na mesma hora, como se já estivesse fazendo isso. Eu esperava que ele estivesse captando a mesma coisa que eu. Que ele estivesse percebendo a diferença de perspectivas que eu pensava estar vendo agora mesmo.
Finalmente, uma batida muito característica e muito semelhante a algo que me deixava eufórica começou a tocar e já senti a mão de Jungkook tocar o meu braço, virando-me para ele de súbito.
— Puta merda, é Twice! Twice, cacete, , é nossa hora! — ele gritou bem perto do meu nariz, e sua respiração era quente na minha pele. Afastei-o levemente, mas imediatamente.
— O que? Mas…
— Vem! Eu te ensinei a coreografia naquele dia! Só se joga! — e tive as mãos roubadas por ele, que já começava a me puxar para o centro da pista. Ou da sala, o que quer que fosse aquele espaço.
— Mas… — tentei, totalmente paralisada. Olhei para Jaehyun automaticamente, que parecia igualmente sem reação. Mas, por fim, apenas sorriu em cumprimento e ergueu o queixo para que eu fosse. Que estava tudo bem se eu o deixasse ali.
Tudo que eu conseguia pensar era: isso é tão próximo de um voto de confiança quanto deve ser. Parecia tão glorioso quanto eu esperava, mas confesso que eu ainda queria conversar. Falar, entender, instigar, perguntar, observar. Queria guardar as palavras dele na memória, queria saber mais, queria reiterar o pedido da dança. Acrescentar, novamente, como ele estava bonito hoje.
Aborrecida, não vi a hora em que esbarrei levemente em Yugyeom, ainda cercado por outros tantos caras, e seu sorriso abriu de imediato.
! Você não perde tempo! O que achou do ponche?
— Odiei — dei um sorriso forçado, e bati de leve em seu ombro — Mas gostei da música, parabéns, Yug. A número 3 vai adorar.
Ele arregalou os olhos e olhou para a porta na mesma hora, girando o corpo inteiro. Quando me olhou de novo, dei um tchauzinho e voltei a ser arrastada por Jungkook.

☀️⛱️


Um momento se passou depois da quinta música seguida do Twice em que eu e Jungkook finalmente paramos e rimos, imóveis.
Foi mais divertido do que pensei. Era louco notar que eu perdia grande parte da inibição quando me misturava com ele, seja em qual ambiente fosse, sem precisar encher o organismo com soju e cerveja como era de se esperar. Na verdade, eu estava ofegante, suando pela nuca e sorrindo abertamente sem precisar de mais nenhuma gota da bebida ruim. Ele ainda estava terminando o passo principal de TT quando finalmente parou, bagunçando o cabelo para arrumar os fios colados na testa.
— Você errou o refrão! — gritei, fechando o punho debilmente em seu ombro. Ele gargalhou, agarrando minha mão no mesmo lugar.
— Foi de propósito, pra ver se você reparava. Viu? Deu certo. Pelo menos agora eu sei que você aprendeu.
Revirei os olhos na mesma hora em que a tão temida batida lenta começou. Era algo parecido com Jeremy Zucker, ou até mesmo LANY, eu não fazia ideia. Instintivamente, olhei para o lado. Jaehyun não estava no mesmo lugar e, mesmo se estivesse, dificilmente eu o acharia no meio de tanta gente. Porém, cachos loiros e médios balançavam há alguns metros de onde eu estava, perto da primeira mesa de bebidas, e julguei ser uma salvação mais do que pertinente no momento.
Quando me virei para avisar à Jungkook que nosso momento de covers vergonhosos tinha acabado, meus cotovelos foram puxados para a frente junto com o corpo, e então ele estava próximo de novo, mais próximo do que no início da festa.
— O que ‘tá fazendo? — perguntei apressada, juntando as sobrancelhas pelo susto.
— Dançando com você — sua resposta veio simples, com um levantar de ombros, mas senti a conotação clara de sua verdadeira intenção quando passou as mãos para as minhas costas — Esse é o jeito certo de se dançar Malibu Nights.
Abri a boca para responder, mas seus olhos focavam exatamente no ponto entre meu queixo e o lábio inferior e uma onda de pânico me tomou. Precisava lhe dizer que ele não podia me beijar — de novo, como já tinha dito antes, mas agora de um jeito desesperadamente sério. Dei um passo para trás, vasculhando o loiro de Sophie novamente, e ri com nervosismo quando tirei seus braços devagar de mim, me preparando para dizer que ia encontrar minha amiga quando ele franziu a testa de repente e tateou os bolsos de trás, puxando seu telefone aceso e encarando a tela por um tempo.
— O que foi? — perguntei. Ele suspirou alto e voltou a guardar o celular.
— Não sei, parece que o Namjoon quer acertar um detalhe da música nova agora — ele respondeu confuso, e um tanto aborrecido — Parece que vai ser rápido. Você se importa?
Levei um tempo até me tocar do que ele pedia e respondi:
— Não, claro que não. Vai lá.
Ele bagunçou rapidamente o meu cabelo e saiu, me deixando meio confusa pela mudança repentina, mas estava tudo bem. Era sempre satisfatório ver Jungkook correndo de encontro ao seu verdadeiro amor.
Me voltei para a rota de Sophie, preparada para dar uma descansada e aproveitar para destilar o relatório completo das tentativas falhas que tinha feito até então, mas outra imagem chamou minha atenção antes que eu chegasse até ela.
Há alguns metros da minha amiga, perto da varanda de trás, Jaehyun ria e conversava com uma garota alta e belíssima. Eu normalmente não rotulo mulheres aleatórias desse jeito porque acredito fielmente nesse papo de que uma beleza não anula a outra, mas aquela beleza específica era facilmente a maior da festa. Era linda, com tranças, pele morena e vestido branco brilhante. Ela poderia facilmente ter saído de uma capa da Vogue, ou de um desfile da Dior.
E eles pareciam entretidos o bastante no assunto, como se já se conhecessem, talvez até mesmo dos desfiles da Prada, isso se toda a minha rápida adivinhação de que ela era uma modelo estivesse correta. Mas não tinha como pensar outra coisa. E não tinha como supor que Jaehyun não gostasse de modelos. Quem não gosta de modelos, caramba?
Murchei instantaneamente, sem motivo. Ou por um motivo muito do estúpido. Rivalidade feminina era uma imbecilidade, mas ciúmes era natural, mesmo que controlável. Era o que eu estava sentindo naquela hora, e tive mais certeza quando tive o ombro balançado, tirando minha atenção da visão que tinha levado uma parte da minha animação.
? Tá tudo bem? — Sophie tinha a testa enrugada de preocupação. Eu não disse nada, mas também não precisei; em um segundo, ela já seguia o meu olhar direto para os dois — Uau. Quem é aquela deusa?
Estreito os olhos. Deusa?! Ela tá de brincadeira?
— Desculpa — se corrigiu, abrindo um sorrisinho amarelo — Mas sério, não conheço ela, parece uma modelo. Será a número 3?
— Não faço a mínima ideia. E parece que é a 1 que está vindo.
— Hum… Ele pode estar distraindo ela para o amigo — ela tentou me convencer, ou melhorar a situação. Creio que minha cara não mudou em nada — Ah, por Deus, não fica assim, eles só estão conversando. E rindo a beça, mas e daí, ele ri de tudo, você sabe. Não quer dizer que ele vai beijá-la.
— Eu não gostaria disso — falei sem perceber, me achando tremendamente ridícula logo depois. O que eu tinha que gostar? Nada! Como eu poderia dizer isso sobre um cara sem nem saber se ele ainda queria realmente me beijar de volta?
Bem, doeria um pouco se acontecesse. E eu me veria novamente na situação deplorável de juntar os caquinhos do meu coração e seguir em frente, mas olha só, não era uma experiência tão traumática assim. Não morri da primeira vez e não seria agora que morreria.
Mas dói, não é? E sentir dor é uma merda.
Senti Sophie pegar em minha mão, chamando minha atenção de novo. Minha palma estava suada, mas ela não parecia se importar.
— É só chegar e falar com ele. Já não fez isso hoje?
— Você viu? — a pergunta não precisava exatamente de resposta, que veio com sua cabeça assentindo devagar. Era óbvio que Sophie e Mingyu devem ter cochichado pelos cantos quando bateram os olhos na interação do início. E pelos seus olhos esperançosos, eu estava indo tão bem quanto imaginei. Mas agora, apenas repuxo os lábios e baixo os ombros, suspirando para dizer: — Acho que preciso de uma bebida primeiro. Talvez duas.
Vendo que era um pedido razoável, já que eu não estava bêbada, Sophie apenas assentiu e passou um dos dedos nas minhas bochechas, afiando os olhos na permanência da minha maquiagem e mandei-lhe um beijo no ar, seguindo na direção contrária à Jaehyun, enxergando a primeira bancada móvel parada perto de um círculo na sala, onde tinham dois sofás e alguns pufes completando o ciclo.
Agarrei uma cerveja e despenquei no sofá de couro, tomando o líquido gelado com pressa. Odiava isso. Odeio voar nas minhas inseguranças, deixar que elas ditassem o que eu sinto — que, geralmente, não era nada que ajudasse. Sophie estava certa, eles estavam apenas conversando. Por que sentia que, a qualquer momento, os dois sairiam pela porta em direção a um helicóptero escrito felizes para sempre?
Deus do céu, a insegurança e o ciúmes juntos era uma conjugação extremamente catastrófica.
Encosto a cabeça para trás, deixando a cerveja pela metade na mesinha frágil e redonda de madeira ao lado do braço do móvel. Luto contra a vontade de olhar por sobre o ombro para eles. Ridículo, ridículo. Será que eu seria capaz de dar um sorriso confuso se os visse de mãos dadas?
Um barulho estranho de náusea me faz olhar para a frente. Um cara parado há alguns centímetros de mim coloca as mãos na boca, olhando desfocadamente para o chão, onde os meus pés estão bem ordenados em cima do tapete azul marinho.
Mais um barulho e o bolo sobe em sua garganta, mas não tive tempo de pensar ou de agir.
— Opa! Opa! Calma lá, amigão, aqui não — Perto do pior acontecer, o garoto some da minha visão panorâmica quando é empurrado para a frente, recebendo o tranco que precisava para tropeçar e sair correndo em direção a um banheiro - ou os pés de outra pobre coitada.
Quando olho para cima, encontro Eunwoo com os olhos semi abertos e se jogando ao meu lado do sofá imediatamente, recostando a cabeça como eu fazia antes.
Aish. Odeio isso — ele gritou para si mesmo — É louco o que o álcool faz com o organismo de uma pessoa. Esse cara ia vomitar as tripas bem aqui no pé da senhorita… Ah, é você, !
— Meu deus, era só o que me faltava… O que você bebeu? — pergunto ao notar os sinais claros de sua embriaguez total. As bochechas estavam vermelhas como os olhos, e o cabelo parecia ter sido bagunçado e arrumado 40 vezes em um espaço de horas.
— Eu bebi umas cervejas. Aquela coisa vermelha tinha uma cara estranha… E Yugyeom me deu um cigarro… Que agora acho que não era bem um cigarro.
— Sei. Minha nossa. Tomara que nenhum vizinho chame a polícia, seria vergonhoso pra vocês.
— Qualquer coisa, o JK paga. Sabe, não é? Ele é rico e tudo mais — ele berrou uma gargalhada, e sufoquei minha própria risada para não cortar suas asas e dizer que o amigo milionário não estava mais aqui.
— Você não acha que é rico também? — levanto os ombros enquanto mando mais um pouco de bebida para dentro. Ficava quente a cada minuto que passava.
— Eu sou bonito, isso conta? — Eunwoo arqueou as sobrancelhas daquele jeito magicamente ordinário, que era mais engraçado do que sedutor — Ei, por que você tá aqui com essa cara triste e não tá dançando como todo mundo? Tem espaço o suficiente pra todos os passageiros darem o seu show, ninguém vai ficar nos fundos.
— Desde quando sou boa em dançar como todo mundo, piloto? — ri, porque ouvi-lo dizer passageiros foi mais engraçado do que pareceu.
— Você dançou bem na viagem naquele dia.
— Você estava me conduzindo, lembra? Pisei no seu pé várias vezes.
— Ah, então é por isso que estavam doendo no outro dia — ele refletiu com os olhos ainda vagos. Bem, como ele poderia se lembrar disso se tinha voltado para casa deitado no banco de trás do carro enorme de Yugyeom preso pelos cintos de segurança de cinco pontas que pareciam pertencer a um caça de Guerra nas estrelas — Mas não tem problema, podemos dançar agora, eu posso te ensinar…
— Não, de jeito nenhum. Você sabe o que é não estar no clima de alguma coisa, Eunwoo? Essa sou eu agora, tudo bem? Sem-clima. Fora que sou uma passageira especial que precisa ser amarrada de maneira mais segura que o resto pra não cair nesse chão ensebado, me entende? Só me deixa sentar e sofrer em paz.
— Por que você quer sofrer em paz? Aliás, por que você quer sofrer? É uma festa, caramba! — ele escorregou para mais perto de mim, genuinamente indignado — E para de falar como se esperasse que as pessoas te joguem contra a parede caso você dê uma escorregada. É um dia muito importante pro Yug.
— Juro que se alguém repetir essa frase mais uma vez hoje, vou enlouquecer.
— O que? Que é uma festa? Mas o que você acha que isso é, ?
Ele estava seriamente confuso e desentendido. Olho para ele com uma expressão meio atônita, até revirar os olhos e desistir de explicar antes mesmo de começar. O álcool fazia Eunwoo se tornar mais lerdo do que todos os lerdos juntos.
— Eu acho que você tá chapado e que tem muitas coisas mais interessantes de se fazer chapado do que perder tempo com alguém infeliz que só quer se isolar num sofá. Então… — e ele começou a rir, afundando-se ainda mais no assento, balançando a cabeça de forma totalmente desorientada.
— Meu deus, acho que não entendi nada do que você falou, mas você ficou bonitinha falando.
Levantei uma sobrancelha, não sorrindo quando olhei para ele.
— Ah, que legal, obrigada?
— Eu sempre te achei bonitinha, na verdade. Mesmo que você fosse muito mais engraçadinha — rindo de novo, ele deu um soquinho no meu braço, me confundindo com um dos seus amigos de 1,82 — Mas é bonita, você é mesmo bonita.
Reviro os olhos de novo, tendo certeza de que, se não o desse a atenção que queria, ele logo se levantaria ou simplesmente dormiria naquele sofá. Olhei para o lado de novo, como uma última esperança, vendo Jaehyun no mesmo lugar, com a mesma pessoa. Quis levantar daquele assento e me enfiar no meio da massa humana, chamar Sophie para dançar na outra extremidade bem longe daquela visão e ficar bêbada de uma vez porque era o único jeito que me faria esquecer de Jeong Jaehyun por algum tempo.
— Posso fazer uma pergunta? — Eunwoo questionou de repente, com o restante de um sorriso enquanto brincava com as faixas amarradas no pulso.
— Vai fazer você sair daqui logo depois? — perguntei com um suspiro. Eunwoo juntou as sobrancelhas, claramente confuso, e revirei os olhos — Claro, fala. Não tô fazendo nada mesmo.
— Você tem algum namorado ou seu foco é mesmo o JK?
Giro o corpo subitamente, inclinando a cabeça para o lado em uma surpresa atrapalhada.
— Da onde você tirou isso?
— Qual parte?
— As duas, elas… Vocês… — tento, mas é claro que não ia dar certo explicar. Alguns minutos mais tarde, desisto completamente. Porque é claro que paixonites como as minhas não passavam batido, é claro que alguém perceberia de Jungkook, e me pergunto agora por quanto tempo já devem ter chegado àquela conclusão óbvia. Talvez desde que me conheceram, ou dois dias depois disso — Tá bom, esquece. A resposta é não. Para as duas perguntas — e fui totalmente sincera. Chego mais para a frente no assento do sofá, apoiando os cotovelos nos joelhos, e Eunwoo acompanha o movimento.
Vi que ele sorriu largamente, e não soube interpretar aquilo de imediato.
— Sério? Sempre achei que você gostasse dele. E ele é meio pateta, mas sempre acaba descobrindo no fim, então se você desistiu pelo cansaço…
— Não tô apaixonada pelo JK, Eunwoo. Pode ficar sossegado e não forçar demais sua cabeça por causa disso — fui efusiva e sincera, de novo. Estava tudo bem pensarem que eu nutria uma paixão pelo meu melhor amigo; também estava tudo bem pensarem que isso durava há mais tempo do que imaginavam. Mas se Eunwoo decidiu perguntar agora, talvez algo tenha mudado na concepção de todos, e não sei o que pensar sobre isso.
Quanto tempo duraria até se tocarem do outro cara que eu gostava?
— Sério? Isso torna as coisas melhores, então — falou, virando-se para mim, incrivelmente animado com o que quer que estivesse planejando — Acho que tô muito doido, mas quero fazer uma coisa.
Espero para ver o que é mas, aparentemente, aqui as coisas precisam ser faladas para mostrar que estávamos escutando.
— O que você quer fazer, Eunwoo? — pergunto com a voz um pouco entediada. Ele, então, emite um sorriso lascivo, com olhos brilhando de empolgação quando salta para cima de mim.
Eu até tinha uma compostura minimamente refinada a alguns momentos atrás. Mas agora, ao ver e entender horrorizada o que Eunwoo pretendia, não pensei duas vezes antes de colocar os braços para a frente do corpo, empurrando seu peito para o lado e derrubando não só ele, mas a bebida no braço do sofá inteira em meu tronco, descendo perigosamente para o colo.
— Eunwoo! Você ficou maluco, seu idiota? — grito, já de pé. Ele gemia no chão, pondo uma das mãos no joelho, que não me lembro de ter chutado.
— Ai! ! Sem agressão, lembra? — ele geme mais uma vez, tentando agora se sentar. A esta altura, toda a alegria íntima que impregnava a festa tinha se esvaído e os pares de olhos observavam atentamente à pequena confusão, que consistia em uma garota de pé e encharcada com cerveja e um cara chapado resmungando no chão.
— Você pediu por isso, imbecil! Qual é a sua? — continuei grunhindo, sem dar atenção aos demais. Estava com raiva, com muita raiva. Esperava atitudes como aquela de uma hora para outra de qualquer babaca daquela festa, menos de Eunwoo, porque era Eunwoo, caramba!
— O que tá acontecendo aqui? — Mingyu costurou a rodinha junto com Sophie, encarando a mim e ao amigo sentado no chão com as sobrancelhas juntas. Sophie se colocou entre nós dois, olhando para o meu estado com uma feição nada animadora.
— Puta que pariu, isso era um Balenciaga!
Bufei. Me inclinei para ela como se estivesse prestes a dizer algo, que soaria como um “me tira daqui imediatamente, por favor”, mas, quando girei a cabeça, vi outra pessoa bem ao lado de Mingyu, encarando a situação com a mesma confusão, e com os olhos chamuscados de compreensão.
A modelo da Dior estava muito longe, lá no fim da outra parede. Sozinha.
— Era só um beijinho, , que horror… — Eunwoo continuou se lamentando. Antes que eu dissesse alguma coisa, outro grito saiu na minha frente:
— Você fez o quê?! — Jaehyun deu um passo à frente, as veias saltadas na têmpora de um jeito anormal.
Eunwoo apenas balançou a cabeça, ainda meio desorientado.
— Foi sem maldade, cara, eu juro. , foi mal…
— Caralho, seu…
Mingyu colocou uma mão nos ombros de Jaehyun, olhando para ele com a testa franzida, balançando a cabeça em negação logo depois. Jaehyun pareceu entender o que quer que fosse, e Mingyu puxou Eunwoo do chão pelo cotovelo, jogando-o no sofá.
— Da próxima vez, vai ser sem erva pra você — Ele murmurou, e percebi Sophie olhando para dois pontos: um era o rosto vermelho e sonolento de Eunwoo e o outro era a face também avermelhada de Jaehyun, mas com os lábios cerrados e expressão endurecida de raiva, que também focava em Eunwoo.
Vi Sophie sorrindo pelo canto do olho, mas ignorei. Não era engraçado, caramba. Mingyu também percebeu isso, porque abriu os braços e disse diretamente para o amigo:
— Ele tá doidão, como sempre. Não lembra da última vez que ele ficou assim, Jae, lá em Itaewon? É um idiota — Mingyu deu tapas nada afetivos nos ombros de Eunwoo, que balançaram seu corpo inteiro, como se ele fosse uma piada complicada demais para explicar.
— Tá, tá, ele foi um idiota, mas ele tá bêbado e chapado, tá de boas. Só ganhei um banho e uma decepção, é sério — Intervi, caminhando um pouco na frente, trazendo o olhar de Jaehyun até mim. Ele me encarou e revirou os olhos, agarrando um tufo de cabelos devagar, relaxando.
— Você precisa ir se limpar — Sophie chegou novamente do meu lado, e me virei pra ela.
— Pra ser honesta, eu preciso ir pra casa, Sophie. Se você não se importa.
— Mas…
— Eu pego um táxi, tá tranquilo. Cuidem do Eunwoo.
— Eu te levo pra casa — Jaehyun disse, a voz mais tranquila do que pensei, mas os olhos ainda mirando Eunwoo com seriedade, o que me surpreendeu um pouco. Eu precisava que ele parasse de olhá-lo antes que o atacasse como um animal selvagem.
— Tem certeza? — perguntei, trazendo seu rosto com o nariz incrivelmente reto em minha direção de novo.
— Claro. Faço questão.
E seu tom de voz era mais incisivo do que antes. Faço questão. Eu senti que ele fazia mesmo. Como se também estivesse doido para ir.
Bom, nisso queríamos a mesma coisa.
— Tudo bem. Vamos.


11 – Beijo

's POV

🎧 Dá o play:

Orange Dreamer – Ay Wing, Chuuwee, Shuko


Minha sala era bela como um supercomputador.
À primeira vista, já se entendia o que ela mais entregava: luzes. Com um estilo elegante, mas utilitário, claro. As luminárias eram um conjunto de know-how de ponta, caro demais para a maioria das pessoas entender porque eram tão úteis.
Bom, era uma das poucas coisas que tinha comprado de acordo com minha própria cabeça, para ser sincera. Porque quando se tratava de dinheiro, eu não era facilmente influenciada.
Jaehyun pareceu impressionado. Quando falei aos quatro ventos para que as luzes principais se acendessem, um fundo falso na parede bem ao seu lado respondeu em uma voz extremamente real, e a lâmpada acima de sua cabeça piscou em várias cores diferentes até estacionar na alaranjada padrão.
Deixei meus sapatos na soleira, andando rapidamente até onde pudesse pegar o primeiro guardanapo de papel para melhorar o aspecto da minha roupa enquanto ele se manteve retraído na entrada, olhando para os lados como se entrasse em um beco desconhecido.
Bom, minha casa era, de certa forma, desconhecida pra ele, mas sua expressão demonstrava também um certo receio.
— Vai ficar parado aí até quando? — soltei uma risada divertida, apontando para dentro da casa — Relaxa, não tenho nenhuma vidraria cara o bastante. Eu protejo minha casa de mim mesma.
Ele deu um leve sorriso fraco. Minha mãe colecionava pratos decorativos raros com o mesmo fervor obsessivo que eu me mantinha longe deles, então morar sozinha era um espaço amplo, seguro e, de certa forma, simples. A ideia de que Jaehyun, agora, se libertava das amarras e retirava os sapatos enquanto olhava para todos os cantos completamente interessado no meu cantinho, me deixou muito feliz sem motivo aparente.
E, bom, quando pousou os olhos mais atentamente em cima dos porta retratos enfileirados perto da TV, soube que fotos de família eram bem mais interessantes que pratos decorativos que custam uma fortuna. Eu tinha muita dificuldade em ver atração em um objeto roubado de sua finalidade original.
E a coleção dela ainda tinha aparecido em revistas e tinha um seguro bem maior que o do meu pai, então claramente ela não estava sozinha em sua paixão.
— Bonita casa — murmurou ele, com um leve suspiro — Parece bem a sua cara.
— Você acha? — ergui uma sobrancelha porque fui genuinamente pega de surpresa, mas o calorzinho no peito se seguiu como eu esperava. Ele disse isso porque reparava em mim, certo? Porque ainda fazia isso, independente de tudo que se passou.
Jaehyun estava sério. Provavelmente porque pensou a mesma coisa que eu, que tinha demonstrado o que não devia.
— Claro. Tudo se parece com você.
Assenti devagar, mordendo um lábio e desviando os olhos.
— É… Eu vou lá dentro trocar essa roupa, talvez tomar um banho porque acho que alguma coisa pegou no meu cabelo também, então… Você não precisa ir embora — me adiantei, dando alguns passos para trás em direção ao quarto — Na verdade, você pode ficar à vontade, eu não vou demorar. Se ouvir algum barulho estranho pela casa, é só o meu aspirador robô, ele anda ligando e desligando sozinho às vezes. Então…
— Você já comeu? — perguntou ele antes que eu dissesse mais alguma besteira.
— Não — balancei a cabeça em negação, sentindo uma onda de expectativa. Por favor, diga o que estou pensando, diga o que estou pensando…
— Tudo bem, você… Quer jantar ou algo assim?
Ah, Deus!
Prometo que esse ano vou comprar presentes de natal para todos os desabrigados de Seul.
— Quero! Claro que eu quero — ri de maneira nervosa, brincando com a barra suja da minha blusa — Tem alguns números de delivery na geladeira, se você quiser…
— Na verdade, vou ver o que tem pra cozinhar, se não se importa.
Meu estômago afundou. Abri a boca para dizer alguma coisa, mas eu não dizia nada. Tinha medo de que saísse um: minha nossa, você vai cozinhar? Tem como se segurar aí antes que meu coração exploda?
— Claro, claro. Como eu disse, fica à vontade. Eu não me importo — dei um grande sorriso, que acho que estava grande demais e comecei a caminhar de vez para o banheiro — Eu volto já.
Vi seu último sorriso pairar no ar antes de me virar e quase correr para a porta, encostando as costas nela assim que a fechei. Minha nossa, eu não acreditava que estava acontecendo. E talvez eu devesse me controlar e levar a situação como normal porque não queria dizer nada, absolutamente nada; eu devia me tornar as vidrarias da minha mãe e me manter parada sem quebrar, porque não queria confundir as coisas, não queria. Eu não precisava disso, mesmo que a euforia tomasse conta de mim como um tsunami.
Tomei um banho relativamente longo, mas não tinha a nada a ver com fazer charme. Meu cabelo estava com cheiro de cigarro e minhas pernas meladas com a bebida, igualmente minhas roupas e fora a maquiagem toda fora do lugar. Quando saí, penteei o cabelo, coloquei meu pijama, que consistia em uma blusa enorme de mangas com um shorts não tão enormes assim e respirei fundo antes de sair de novo.
O cheiro de cebola e molho de pimenta me pegou de jeito assim que coloquei os pés para fora. Senti a barriga roncar de um jeito tremendo e caminhei em direção à cozinha, vendo uma cena difícil de ser superada:
Jeong Jaehyun cozinhando. Jeong Jaehyun mexendo em uma panela. Jeong Jaehyun cozinhando e mexendo em uma panela de gola alta.
Quis perguntar ao universo o que, afinal, ele queria de mim.
Sanidade não era a resposta.
— Uau — comentei, me aproximando da bancada. Ele levantou os olhos imediatamente — Eu devia ter dito pra você cozinhar desde o início. Então ignora o que eu disse sobre os deliverys.
Ele deu uma risadinha e vi que ficou desconcertado por um momento. Olhou de mim para a panela várias vezes até limpar a garganta e se concentrar no molho vermelho que remexia, e vou colocar a culpa disso no cheiro do meu xampu e um pouco nos shorts.
— Pode sentar, já tá quase pronto.
— Tudo bem, chef — zombei, sentando-me na mesa redonda não muito longe dali, puxando um joelho para cima — E não se preocupe em procurar travessas, nem todas elas são de vidro, pelo menos não por aqui. Quer dizer, eu não compro nada de vidro, sabe.
Ele riu pelo nariz e depositou a comida já dentro do prato. De apenas um prato.
— Acho que sua mãe não ia gostar de travessas de plástico.
Meu rosto de repente passou de duro a muito duro. Olhei para o prato que ele depositou na minha frente e pra ele logo em seguida, ainda de pé.
— Não vai comer? — perguntei, soando ligeiramente magoada.
Ele desviou brevemente os olhos até responder.
— Eu…
— Quem faz o jantar pra não comer? — olhei carrancuda para o relógio brega na parede — Ainda é cedo, e ainda tem comida. Vamos.
Jaehyun coçou a nuca. Eu não queria pensar em quanto tempo ele tinha investido naquela receita de macarrão com molho, manjericão e tomates cereja, mas queria sua companhia ali. Queria mais do que tudo. Queria ele utilizando as únicas coisas de vidro que eu tinha na minha casa.
Ele assentiu depois de um tempo, sentando-se do outro lado à minha frente, colocando os antebraços na mesa.
— Tudo bem, vou te fazer companhia — disse, segurando um sorriso, e eu não parecia mais desapontada. Mas apenas concordei, sem demonstrar tanto a ponto de o deixar desconfortável e comecei a comer sua grande criação.
— Você é um homem de muitos talentos — estreitei os olhos, distraída enquanto enrolava alguns fios de macarrão no garfo — Teve a audácia de fazer um espaguete pra mim à moda italiana.
— Já foi pra Itália?
Eu dei de ombros.
— Uma vez. Com 10 anos, eu acho. Mas tem coisa que fica gravada na memória, sabe.
— Se eu te dissesse que nem pensei nisso na hora de fazer e simplesmente coloquei o que tinha?
— Eu ia adorar. Juro. Conhecimento demais é mesquinho, arruina refeições perfeitamente saborosas.
Ele riu, e que sorriso. Acompanhei sua risada com gosto, até que o silêncio pairasse novamente no ar.
Ele dominou por um tempo, até que Jaehyun erguesse mais os ombros e saísse da postura de relaxado.
— Desculpa pelo Eunwoo hoje — disse quase em um sussurro — Quando ele fica bêbado é uma dor de cabeça, você sabe. Mas bêbado e chapado é realmente um combo complicado, então desculpa… Tenho certeza que ele vai se sentir mal amanhã.
Neguei com a cabeça. Não queria começar a pensar em Eunwoo. Eu estaria mais zangada se ele, por acaso, tivesse conseguido o que queria, mas não. E ver Jaehyun preocupado com o assunto só reforçou o que sempre pensei: aqueles garotos se matavam quando estavam juntos, mas se defendiam e cuidavam no primeiro dar de costas. Jaehyun, como o mais velho do grupo, parecia ter isso de sobra.
Algo sobre esse fato sempre me desconcertava. Desde antes de todas as minhas descobertas internas. Como se ele, de algum jeito, sempre teve meu respeito e admiração.
— Tudo bem, não precisa se preocupar. Eu poderia ter jogado algo mais pesado pra ele apagar de vez, Eunwoo não saberia dizer o que o atingiu no outro dia — dei mais uma garfada no macarrão. Ele fez o mesmo — Você está bem calmo pra quem parecia que estava prestes a dar um soco nele.
— Disse que ele errou, não disse que não merecia um soco.
— Ah, claro, ‘tá certo. Gosto dessa amizade — tirei uma folha de manjericão do prato, afastando-a até o canto. Jaehyun notou e ouvi sua risadinha — Desculpa, não sou muito fã de manjericão.
— Eu sei que não é. Por isso não coloquei — ele trouxe a folha para mais perto do meu prato de novo — Isso é folha de hortelã. A folha de manjericão tem um aspecto mais liso. Devem estar quase vencidas pra não exalar tanto cheiro, mas as diferenças visuais são bem perceptíveis.
Dentro do recipiente onde tinha depositado a comida, havia várias. Ele pegou e colocou uma na boca, encarando pensativamente sem foco como quem aprecia e investiga a qualidade de um sabor, mesmo que provavelmente já tivesse feito isso antes. O jeito como os cantos de seus lábios se mexiam e seus cotovelos se mantinham parados e retos na mesa me trouxe uma imagem familiar; Jeju, céu azul, cafés da manhã e areia branca serpenteando abaixo de nós.
Queria sentir o gosto daquele hortelã. Queria sentir o gosto daquela boca.
Minha nossa, qual era o meu problema? Meu juízo estava fora do ar.
Limpei a garganta seca e voltei a comer, um pouco mais rápido dessa vez, torcendo para espantar todos os pensamentos afoitos que me fariam meter os pés pelas mãos.
— Sempre com informações legais e relevantes, Jeong — murmurei, engolindo a comida a ponto de quase finalizá-la — Como no dia dos caranguejos, lembra? Foi quando você pegou aquelas conchas e fez isso aqui… — trouxe o pulso para perto do peito, colocando-o no centro da luz do pendente em cima da mesa. A pulseira refletiu e se destacou.
Jaehyun desviou brevemente os olhos, mas ainda lançou um pequeno sorriso de canto.
— É. Fico feliz que gostou.
— Queria ter agradecido antes. Quando recebesse pessoalmente…
Ele se remexeu em seu lugar, e juro que quis me jogar pra debaixo da mesa porque não queria fazer uma curva tão perigosa no assunto, mas era mais forte do que eu. Minha voz exalava tristeza e arrependimento, mesmo que nenhum dos dois tivesse culpa de nada. Ele bateu com o polegar algumas vezes no tampo, franzindo os lábios por um momento antes de suspirar.
— Acho melhor eu ir.
E então, arrastando a cadeira para trás, ele simplesmente se levantou e começou a caminhar para a entrada.
Fechei os olhos com força, tomada pela frustração e pela raiva da minha própria burrice, mas também pelo descontentamento com sua atitude frígida em não conversar. Bufei, me levantando poucos segundos depois e indo ao seu encontro já no meio da sala.
— Essa é a hora que poderíamos falar sobre isso — soltei, agarrando em seu cotovelo, fazendo-o parar sem grande esforço, o que me mostrou que ele não queria realmente ir embora. Qual era o problema comigo? Qual era o problema com ele? — Falar de verdade, eu quero dizer.
— Você precisa de mais alguma coisa? — perguntou em um tom incisivo. Apenas sacudi a cabeça negativamente — Então podemos deixar isso pra outro dia?
Foi uma pergunta sincera, igualmente receosa. Seus olhos eram literalmente os olhos de um fugitivo. Eu suspeitava que ele estava escondendo mais do que mostrava, escondendo muitas coisas. Como se ele mesmo suspeitasse de todos os seus instintos, assim como eu fazia com os meus.
Mesmo assim, preferi apenas segurar o bolo na garganta e não ir em frente com toda a minha bravura que acabava de murchar.
— Tudo bem — concordei a contragosto. Ele esperou um momento até anuir e recomeçar seu trajeto.
Tinha algo naquela feição que me tirava a compostura. Tinha algo nas veias saltadas nos braços que chacoalhava minha mente. Tinha uma resposta que eu precisava saber para, finalmente, ficar mais calma e tranquila e que só Jaehyun poderia me dar.
Andei mais rápido, puxando-o novamente para trás antes que ele alcançasse a soleira. Tomei meus 5 segundos de coragem insana e perguntei:
— Você ainda pensa? — olhei fixamente em seus olhos confusos e continuei: — Ainda pensa naquele beijo tanto quanto eu?
Vi todo o seu maxilar trincar em um segundo. Os olhos saíram, rodaram pelo ambiente e voltaram para os meus, escurecidos. As pupilas se dilataram ainda mais do que antes.
— Não vamos falar sobre isso agora…
— Corta essa, Jeong Jaehyun, sei que você ‘tá apaixonado. E também 'tá com medo, eu entendo. Descobrir que gosto de outro cara depois de achar que sempre gostaria de um também é um terreno estranho pra mim, é sério. Mas quer saber? É o que está acontecendo.
… — disse ele, com uma das mãos na nuca.
— Você foge daquele beijo porque pensa que não foi pra você, então por que não me deixa te dar um beijo de verdade? Um beijo seu.
Levantei uma sobrancelha, chocada com a minha naturalidade. Não houve resposta por um tempo, mas Jaehyun não moveu um único músculo.
, você…
Não deixei que ele falasse ou me impedisse; só fiz. E fiz rápido, antes que o medo me tomasse e eu voltasse atrás. Levantei os pés para agarrar sua nuca e beijar sua boca com força, com afinco, com todo o desejo que eu estava guardando desde o fim daquela viagem, toda vontade mínima e sorrateira que apareceu até antes dela.
Como imaginei, Jaehyun não mostrou resistência em nenhum instante.
Com as mãos em torno de seu pescoço, senti que o chão ali naquela sala tinha virado geleia e seu corpo era o único lugar que eu poderia segurar pra não ser levada. Ele estava inclinado na minha direção, agora espalmando os dedos em volta do meu quadril e me beijando com uma intensidade tão maluca que deixou minha mente em pane. Fui transportada para a primeira noite em Jeju imediatamente. Em cada detalhe e sensação.
Eu não tinha mais dúvidas que foi aquele cara que tirou meus pés do chão naquele dia. O cheiro, a língua, as mãos, os braços… Era genuinamente o mesmo, e torci para que meu coração ficasse onde estava, que eu pelo menos chegasse consciente ao fim daquilo tudo.
Não sei como minhas pernas foram movimentadas, mas senti a parede de encontro às minhas costas como um baque distante. O som de um objeto indo ao chão era como se tivesse acontecido do outro lado da rua. Minha blusa tinha subido e pude sentir aqueles dedos firmes delineando o longo e delgado triângulo das minhas coxas, junto com a outra que se mantinha parada na minha cintura porque tinha medo de avançar para qualquer lado.
Ah, pelo amor de Deus, já não tinha dado sinais suficientes de que ele tinha sinal verde? Eu estava pegando fogo!
A mão de Jaehyun estava retesada sobre o meu corpo, mas sua boca fazia um trabalho perfeitamente satisfatório, como eu nunca havia provado antes. Infelizmente, eu precisava respirar. E, infelizmente, isso fez com que eu me afastasse a alguns centímetros, puxando o cós de sua calça para que ele se colasse ainda mais em mim.
, porra… — ouvi sua voz invadir minhas narinas, e estremeci instantaneamente porque Jaehyun não falava muito palavrão, e quase me vi pedindo para que fizesse de novo, mas balancei a cabeça rapidamente e falei em cima de sua boca ofegante:
— Fica aqui.
Tempo suficiente para recuperação de oxigênio finalizado. Voltei a beijá-lo, com a estranha sensação de que nunca era o suficiente, nunca seria o suficiente. Os nós de seus dedos ao redor de mim eram pálidos, presos em pavor de deixá-los perder o controle e tocar onde aparentemente não podia. Muito aparentemente, porque essa parede já tinha me cansado e queria começar a seguir para o outro cômodo, um que ficava no final do corredor com a minha cama queen.
— Não… Não, não posso… — ele soprou por entre os beijos, ainda de olhos fechados, totalmente imerso, enquanto suas mãos me apertavam mais uma vez, acompanhadas de mais um beijo intenso, ultrajante, selvagem antes que ele me soltasse de vez e desse vários passos para trás, bagunçando os cabelos.
— Jaehyun… — tentei dizer com a voz que me restava, atestando meu estado deplorável: o cabelo era uma moita bagunçada, a blusa levantada até o meio da barriga, as pernas meio curvadas uma na outra, a respiração totalmente descontrolada. Ele me encarou e seus olhos faiscaram. As íris se tornaram escuras e opacas.
Havia algo particularmente íntimo a respeito da maneira como Jaehyun me olhava. E isso me tocava de um jeito irracional.
— Eu não… Não quero fazer isso, não desse jeito, não… Desculpa — ele parecia seriamente desnorteado. Andando de costas, ele alcançou a maçaneta da porta e algo na cena fez com que eu me sentisse estranha, deixada, frustrada — Preciso ir.
E ele saiu, quase correndo, e eu não queria pensar que tinha feito algo desagradável e que ele torceria para esquecer as palavras e tudo isso depois, mesmo que, fala sério, olha o jeito que ele me deixou. E o jeito que eu o deixei, é claro, porque logicamente ele estava tão maluco quanto eu.
Não sei por quanto tempo permaneci parada, imóvel, ponderando se me arrastava pela parede ou terminava meu jantar, ignorando todo o pesar que o modo como Jaehyun me beijou tinha me deixado, mas não queria me sentir para baixo depois de um amasso daqueles, então apenas bufei de consternação e corri para o armário embaixo da pia.
Isso mesmo, o lugar onde o álcool salvador de crises era guardado.
Se eu ficasse realmente bêbada essa noite, poderia gritar pela minha janela todo o bolo que se acumulava na minha garganta nesse exato momento; todo o bolo que não pude despejar em sua presença para que ele não fosse embora, mesmo que, no fim de tudo, ainda tenha ido de qualquer jeito.
E pelo menos o vinho não tiraria seu gosto da minha boca. Não se eu não quisesse. Porque ele estava gravado muito mais forte em minha mente, no coração e tudo isso.
Quando enchi a primeira taça, a campainha soou.
Virei a cabeça de súbito, o coração martelando no peito em expectativa. Larguei o vidro em cima da bancada, que rodopiou minimamente pela minha pressa e corri até a entrada, abrindo a porta apressadamente, o rosto sobressaltado.
Porém, meu pico de energia foi desligado aos poucos quando vi quem era.
— Mas o que houve?

Jaehyun's POV

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Month or Four – My Favorite Color


Eu não sabia para onde estava indo.
O prédio dela não era tão grande quanto parecia. Mesmo assim, tive dificuldade em me apressar para me colocar dentro de um elevador, apertando o primeiro botão do térreo, forçando todo o meu juízo a se rastejar de volta para o meu cérebro.
Soltei a respiração finalmente quando a porta dupla se fechou. Apertei os olhos com força, inclinando a cabeça para cima, ofegando como se tivesse saído de uma maratona.
Pense em idosas, minha voz seguia em um pedido. Pense em desastres naturais. Em filmes de terror. Em coisas ruins, asquerosas ou vergonhosas. Só não pense no gosto de , é sério, não pense, não pense!
E eu já estava pensando de novo. Merda!
Os pratos decorativos da mãe dela, isso. Eles certamente quebrariam toda a harmonia do espaço particular de , que tinha sua personalidade gravada nos mínimos detalhes nas paredes. E era divertido ouvi-la falar sobre o que não teria, ou conversar sobre suas paranóias, que eram um tanto adoráveis, ou conversar… Só conversar.
Eu estava totalmente fodido. Totalmente.
Aonde eu iria parar com todo esse auto controle de merda que minha parte racional tanto insistia em manter?
Mal ouvi quando a porta do elevador finalmente abriu, sugando o ar fresco do lado de fora e me dando um motivo para mover as pernas. Pernas que andavam sem um destino, totalmente desorientadas, confusas.
Quando finalmente achei meu carro, não arranquei de imediato. Na verdade, estando ali dentro, escondido das luzes e dos estímulos do ambiente daquela caixa de concreto, só consegui respirar fundo e relaxar a testa no volante, desejando mais do que tudo refazer o caminho até o andar de cima, até aquela sala de novo, até a garota que bagunçou todas as minhas estruturas.
A voz dela estava gravada na minha cabeça, repetitiva como um sino de igreja, abafada e ofegante quando dissera: Fica aqui. Ficar. Uma palavra que resumia toda a pressão interna que me sufocava, o desejo perturbador que atropelava meu próprio eu.
Ficar era tudo que eu mais queria. E ficar era tudo que eu não podia.
Era como se tivesse invadido o espaço onde minha lista de princípios estava muito bem estabelecida e simplesmente transformado-a em uma folha de papel amassada. Todas as soluções que se passavam pela minha cabeça em esperar a hora certa já não tinham mais tanta importância. Nada tinha. Eu só conseguia pensar em seu rosto, seu cheiro, o beijo intenso que me torturava, testando meus limites, alucinando todas as minhas células.
Respirei fundo, agora tombando a cabeça para trás, bagunçando o que ainda não estava bagunçado do meu cabelo. O dia tinha sido cheio, recheado de flashes e fundos brancos, conversas razoáveis sobre o futuro da coleção e outra conversa sobre projetos prometidos que eu insistia em atrasar.
Alisei o porta-luvas, abrindo-o e encontrando o amontoado de papéis com rabiscos onde existia as únicas evidências de que eu estava realmente criando alguma coisa. Ali, os registros dos meus devaneios sobre tomavam forma em frases como I’d be a fool not to love you. Tosco, sem graça, pobre. Nada que chegava aos pés dela. Nada que chegava aos pés do que eu estava sentindo agora.
Porque a ansiedade desequilibrada do momento não me deixava ficar parado. Não me deixava seguir o caminho mais seguro e confiável da razão. Afinal, o que é plausível quando se trata de paixão, caramba? Tinha uma garota há alguns andares acima, completamente louca pra ficar comigo e eu só conseguia pensar na cena da areia em Jeju, naquele beijo perverso que me desestruturou por completo.
Olhei para os papéis atentamente, pensando no aqui e no agora. E aqui e agora, eles importavam. Eles diziam exatamente o que eu sentia, mesmo que de um jeito desorganizado e ilírico, mas guardavam toda a sinceridade que jamais pude dizer. Mas que não significava que eu não podia dizer.
Fechei a entrada, abrindo a porta do motorista ao mesmo tempo. Que se foda a razão. Que se foda Jeju. Eu tinha algo a ganhar ao me desorientar, ao me deixar levar pelos impulsos, e se isso fosse tirar todas essas amarras ridículas e fazer o que eu quero, eu faria agora. Sem me esquivar das soluções, e muito menos me esquivar da felicidade.
Apertei o botão do andar, jogando todos os pensamentos pra longe. Voltei a posição original de bagunçar o cabelo, respirar fundo e trocar o peso de uma perna a outra, sentindo a eternidade dos segundos passando, a eternidade dos números subindo e subindo e subindo…
Os controles do painel pararam quando o elevador estacionou e abriu, e meus pés se moveram por conta própria, dispostos a chegar o mais rápido possível, assim como meus braços quando apertaram a campainha, assim como meu coração que se debatia desesperado em ansiedade maluca, e minha boca que não estava disposta a falar, só em beijá-la de novo, e beijá-la pelo resto da noite…
Não demorou muito para que a porta abrisse. Soltei uma respiração pesada pelo nariz e mantive os olhos meio bêbados para a frente, ansiosos para vê-la, ansioso para deixá-los explicar por conta própria porque voltei, mostrando que tinha, finalmente, deixado todas as minhas neuras para lá, em algum ponto do mar de Jeju, onde eu nunca mais as encontraria e que, finalmente, minha resposta era sim.
E quando abriu a porta, esboçou a surpresa inesperada em seus olhos arregalados.
— Jaehyun… — ela sussurrou por entre os lábios, genuinamente chocada, e me segurei no batente para não jogar tudo para o alto e simplesmente atacar o que meus olhos estavam focando de um jeito frenético: sua boca, seu cabelo, seu quadril…
Tentar segurar um frenesi era mais difícil do que se pensava.
, eu pensei e não quero mais pensar. Eu só quero que nós…
— Jaehyun?
Fui pego atentamente por uma voz masculina soando no fundo do apartamento. Inclinei a cabeça para seguir na direção do som, mas os passos já se aproximavam do batente. Passos familiares, assim como os trejeitos e, claro, o rosto revelado na luz baixa do limiar da porta.
— Ei, cara — Jungkook apareceu atrás de , abrindo um sorriso forçado, enrugando a testa em confusão — O que tá fazendo aqui?
Agora direcionei o olhar para , e depois para Jungkook, voltando para ela, que engolia em seco constantemente e abria e fechava a boca em tentativa de dizer algo, mas nada saía. Toda a adrenalina queimando nos meus músculos se esvaíram como fumaça. Qualquer brilho no meu olhar se apagou como o desligar de uma lanterna.
E toda a razão, que trancafiei na mais profunda gaiola da inconsciência, voltou a tomar toda a minha percepção.
— Eu… Só vim ver se ela estava bem — pareceu que tinham se passado quarenta minutos até aquela resposta sair. ainda não conseguia dizer nada e, quando tentou, Jungkook falou na frente:
— Ah, entendi! Por causa daquela merda do Eunwoo, não é? Mingyu me contou tudo quando voltei pra lá, quase fui pra cima daquele imbecil, a sorte foi que ele já tava apagado em um dos quartos.
Assenti no automático, sem saber para onde encarar primeiro. Jungkook ainda me olhava com confusão, sem entender porque eu demonstraria tamanha solidariedade com a ponto de dirigir até seu apartamento de novo, mesmo depois de Jeju e toda a volta de rotina frenética da cidade.
— Ele veio fazer a mesma coisa — ela disse rápido, cortando o momento, olhando de um para o outro com certo desespero — Digo, Jungkook apareceu aqui do nada…
— Do nada porque você decidiu desaprender a atender um telefone. E como eu não viria depois daquilo? Esqueceu que prometi te proteger dos meus amigos?
Desviei os olhos para baixo, travando a próxima lufada de ar na garganta. Ele não sabia. É lógico que não sabia. Mas, olhando para a forma com que ele me encarou quando cheguei, eu não a julgaria por causa disso.
Mas também não me julgaria por querer fugir daquele lugar de helicóptero naquele momento. Era mais rápido, e mais efetivo no quesito de desaparecer.
— Tudo bem, então… Fico feliz que você esteja bem — disse, com a voz enclausurada, sentindo tudo em mim desabar — Eu vou nessa.
— Jaehyun — rangeu os dentes.
— A gente se vê.
Não ouvi o resto. Meus pés, automáticos de novo, já partiam de volta para o elevador, pensando agora apenas nos quinze minutos de carro que levavam até minha casa e que eu provavelmente os faria em sete.
Ou menos. Ou mais. Ou o tempo que levasse para que todas as minhas frustrações fossem descarregadas pela janela.


Continua...

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N/A FIXA 📌: Olá! ESTAMOS EM MINI-FÉRIAS!
Muito, muito, muito obrigada por ter acompanhada essa história comigo. Que o feriado da 97 line tenha te trazido conforto e divertimento em dias difíceis e um pouco de distração da correria da vida. Espero que tenham gostado tanto quanto eu, desculpem qualquer coisa HUSHAUSH e voltem sempre pra mais histórias minhas <3


OLÁ! DEIXE O SEU MELHOR COMENTÁRIO BEM AQUI.

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