Fanfic finalizada.

I

Se tinha uma coisa que me dava satisfação, era pichar os muros daquela cidade. Eu não era nenhuma artista, nunca fui. Meus desenhos eram toscos e até os bonecos do tipo palitos que eu fazia não eram lá muito atrativos, porém eu não ligava. A ideia não era fazer algo bonito, era só pela adrenalina de que eu poderia ser pega em flagrante a qualquer momento.
Naquela noite, ninguém quis ir comigo só porque a ideia era enfeitar os muros de uma escola, a escola onde eu havia estudado durante toda a minha vida. Eu odiava aquele lugar e meus amigos viviam reclamando, mas tudo bem. Sozinha mesmo eu daria uma lição naquela diretora que pegou no meu pé até o dia em que eu finalmente me formei.
Fazia uns meses que eu havia me livrado da escola e meus pais enchiam minha paciência todos os dias para que eu entrasse em uma faculdade, só que não era para mim. Para ser sincera, não tinha nada que eu sentisse vontade de fazer. Eu não podia casar com um homem rico e viver o resto da vida sem trabalhar? Claro que eu podia.
Assim como eu podia pichar todos aqueles muros sozinha.
Abri um sorriso de canto enquanto desenhava uma boneca com os cabelos arrepiados, uma cara de braba e a boca aberta como se estivesse gritando com outros bonecos menores. Uma representação de com quem aqueles alunos eram obrigados a conviver todos os dias. Eu sentia pena deles, de verdade.
Escutei um barulho de carro, mas não dei muita atenção, embora devesse. Eu estava concentrada em acabar minha “obra de arte”. Foi só quando a sirene tocou alto demais e as luzes azuis e vermelhas me acuaram que eu me dei conta de que tinha sido burra.
— Parada, mãos na cabeça! — um dos dois policiais gritou, saindo do carro e vindo na minha direção.
— Ah, pelo amor de Cristo! — resmunguei, fazendo o que foi pedido bem de má vontade, sem nem tentar jogar a lata de spray longe. Reconheci de imediato que era o policial Duncan e ele também me reconheceu, porque soltou um muxoxo.
— Você de novo, ? Quantas vezes vamos passar por isso? — negou com a cabeça.
— Quantas eu não sei, mas não estou nem aí para a sua opinião — resmunguei, com azedume.
— Dessa vez você não vai se safar, senhorita. Entre na viatura — ele perdeu a paciência e mandou, com o tom pouco amigável. Revirei meus olhos e de novo fiz o que ele pediu.
Eu ia me livrar daquilo sim e nós dois sabíamos disso. Ser filha de um dos empresários mais influentes daquela cidade tinha suas vantagens.
Mas completamente diferente do que eu tinha certeza de que ia acontecer, meus pais resolveram se cansar de livrar a minha pele e por causa deles, eu não só fui presa como tive que passar por um julgamento ridículo na corte da cidade.
Minha vontade foi de mandar a juíza tomar naquele lugar no exato momento em que a vi, mas a minha raiva triplicou quando escurei a sua sentença.
— Pelo crime de vandalização de patrimônio público sentencio a ré a 700 horas de serviço comunitário no lar Eternal Sunshine para idosos — soltou, me olhando e sorrindo de um jeito que fez lembrar do próprio diabo se fingindo de bonzinho.
Bufei e levei um cutucão do advogado. Ele não me deixou abrir a boca durante toda aquela palhaçada e por mais que eu soubesse que ele o fazia para evitar que eu recebesse uma sentença ainda maior ou voltasse para o xilindró, tinha um lado meu que ficava murmurando que ele estava era testando o limite da minha paciência a mando de meus pais.
Acabei por fim mordendo minha língua e abrindo um sorriso amarelo enquanto mentalmente eu desejava que todos ali explodissem. Quanto mais eu convivia com as pessoas, mais eu me irritava com a humanidade. Até com meus próprios amigos eu não tinha muita paciência. Às vezes eu não aguentava nem a mim mesma.
O primeiro dia do meu “trabalho” ficou marcado para uma semana depois do meu julgamento e eu não me surpreendi nem um pouco com o fato de o tempo passar voando. Eu andava numa maré terrível de má sorte e num piscar de olhos eu já estava indo até o tal lar Eternal Sunshine para idosos.
Precisava lembrar de procurar algum ritual para espantar o azar assim que voltasse para casa. Eu não acreditava nessas coisas, mas vai saber.
Meus pais fizeram questão de me deixar em frente ao local, como se eu fosse capaz de mentir que havia ido cumprir o serviço voluntário e fugir para outro lugar onde com toda certeza seria mais divertido.
Acabei contendo um sorrisinho enquanto os encarava, assim que o carro parou. Tudo bem, eu com toda certeza tentaria algo do tipo se não fossem eles ali.
— Aqui estamos nós — meu pai disse, numa tentativa de parecer animado, mas estava claro o seu receio de que eu fosse explodir a qualquer minuto. Será que era para tudo isso? Provavelmente sim.
— Tchau para vocês, traidores — resmunguei, enquanto abria a porta. Eu ainda não havia perdoado aqueles dois por terem me metido naquela enrascada.
— Espere, — minha mãe me parou e quando eu a encarei soltou um suspiro. — Tente se comportar, filha. Dê uma chance ao lugar. Tenho certeza de que se você fizer isso, vai ver as coisas de uma forma diferente.
Pisquei meus olhos na direção dela algumas vezes, processando as suas palavras com um tremendo ponto de interrogação na cabeça. Ela nunca tinha me falado que havia trabalhado ali.
— Quando foi que você trabalhou aqui? — questionei o que estava em minha cabeça, em um tom acusatório.
— Faz muito tempo, querida, mas isso não vem ao caso. Você precisa ir, já são quase dez horas — era o horário que estabeleceram para que eu começasse, mas eu não estava ligando. Eu já estava ali mesmo, que diferença faria uns minutos de atraso? Abri a minha boca para contestar aquela resposta, mas pelo olhar de minha mãe eu soube que não adiantaria discutir, por mais teimosa que eu fosse.
— Você não vai escapar dessa conversa depois, Senhora — estreitei meus olhos para ela e saí do carro.
— Boa sorte, querida — ouvi meu pai murmurar.
— Tá — respondi, de má vontade, sentindo que a irritação subia de novo conforme eu caminhava em direção à entrada daquele lugar.
Era uma casa grande, com uns portões enormes e um jardim imenso. Se eu ligasse para esse tipo de coisa, ficaria encantada, mas eu não ligava. Só o que me importava era cumprir logo aquelas horas e me mandar dali.
No portão, eu tive que perder tempo explicando que tinha ido até ali fazer serviço voluntário e o porteiro me fez esperar horrores enquanto ligava para alguém de dentro da casa e confirmava minhas informações. Eu não fiquei surpresa que ele fosse velho, afinal, aquela era uma casa cheia deles mesmo.
A mulher que veio me receber, no entanto, devia ser apenas alguns anos mais nova do que minha mãe. Era bonita, alta, ruiva com olhos verdes e um penteado tão impecável quanto o vestido social azul escuro que ela vestia. Por uns segundos eu quase esqueci que ela seria a minha carrasca naquele pesadelo, porque eu era doida para ficar ruiva, mas tinha medo de ficar esquisita ou de o tom ficar muito artificial.
— Bom dia! Você deve ser a senhorita — me abriu um sorriso cheio de dentes branquíssimos e bem alinhados.
— A própria, mas pelo tanto que você e ele ali conversaram, não é nenhuma descoberta do ano, né? — resmunguei, não fazendo questão de ser educada. Os segundos de admiração pela aparência daquela mulher já haviam passado e o mau humor voltou com força. Ter que trabalhar num lugar que eu não queria não era sinônimo de ter que ser agradável com ninguém durante o processo.
— Está certa. Eu sou Regina Sartre, a diretora da casa de repouso e também quem vai contar para a juíza se a senhorita se manteve na linha ou não — continuou sorrindo para mim, como se eu não tivesse acabado de lhe dar uma resposta atravessada.
— Certo, acho que você pode me explicar o resto enquanto a gente entra logo. Eu odeio ficar parada do lado de fora dos lugares — nem esperei que ela aceitasse o que eu tinha dito nem nada do tipo e comecei a caminhar na direção da casa, já que o portão já tinha sido aberto para mim.
— Até mais tarde, Carl. Não estou esperando mais ninguém durante a manhã, está bem? — escutei ela conversando com o porteiro e não parei de andar, só o fazendo quando estava diante da porta.
Bati o pé com impaciência porque Regina não aumentou o ritmo de seus passos para me alcançar. Ela veio tranquilamente, como se tivéssemos o dia todo para coisas idiotas.
Bom, desde que aquelas horas valessem, talvez eu pudesse aceitar a perda de tempo.
— A maioria de nossos pacientes está nos jardins aproveitando o sol durante esse horário da manhã. Alguns exigem cuidados especiais porque não podem sair dos quartos, mas não se preocupe, logo você pega o jeito de saber o que cada um precisa.
— Não estou preocupada, acredite — resmunguei, vendo-a me encarar de relance. Talvez estivesse contando mentalmente até cem para não socar a minha cara. De novo, eu não ligava.
— Como sou a diretora, não terei exatamente muito tempo para te explicar todas as coisas ou mostrar outros detalhes daqui, mas já encarreguei nosso outro voluntário a te dar todas as informações que você precisar — foi explicando, então eu franzi o cenho em confusão.
— Voluntário? Que nem eu? — pareceu uma pergunta idiota, mas na verdade eu só queria saber se a pessoa também estava ali obrigada.
— Não, não que nem você. Ele é voluntário mesmo e deve chegar aqui a qualquer inst... Ah, ! Aí está você! — voltou a sorrir, daquele jeito que eu descobri que me irritava bastante, mais do que a lerdeza do Carl porteiro, enquanto olhava para algum ponto atrás de mim. Eu não me dei o trabalho de virar para trás, acabaria sendo apresentada para o sujeito de qualquer forma.
— Senhora Sartre, desculpe. Precisei levar o remédio do Senhor Campbell — precisei conter a vontade de espiar porque eu jurava que conhecia aquela voz. Não que eu tivesse a ouvido muitas vezes porque não conversava com ele, mas ainda assim.
— Não tem problema, querido. Sua voluntária enfim chegou. Esta é — apontou para mim e eu arqueei uma sobrancelha para ela. — , esse é , ele vai ser mais seu supervisor do que eu, já que vai te ensinar tudo e você vai acompanhá-lo durante esses dias.
Confesso que ouvi metade do que ela havia dito, porque as suspeitas de que eu conhecia aquela voz se confirmaram e assim que eu resolvi me virar para encarar o garoto, bufei alto e revirei meus olhos.
— Não acredito nisso! Eu só posso ter dançado Macarena na Santa Ceia para merecer isso — reclamei, ignorando os olhares arregalados, tanto dela quanto de . — Não basta eu ter que passar dias cuidando de gente velha, vou ter que fazer isso com o nerd esquisitão da escola que eu odiava? Me diz que isso é brincadeira ou um pesadelo dos piores — levei minhas mãos às têmporas, pressionando porque, minha nossa, de repente parecia que minha cabeça ia explodir.
A resposta aos meus questionamentos e desabafos foi uma risada. Sim, uma risada do nerdzinho infame. Eu poderia pulverizá-lo com apenas um olhar. Nunca quis tanto ter super poderes para isso.
Céus, a nerdice devia ser contagiosa, por que mesmo eu estava pensando em super poderes?
— Do que é que você está rindo, idiota? — praticamente gritei com o garoto, nem ligando se eles tinham uma regra de falar baixo ou sei lá o quê.
— É um prazer revê-la também, . Deixe-a comigo, vou explicar tudo o que for necessário — se dirigiu primeiro a mim, ignorando o jeito que eu havia falado com ele, depois à diretora, que sorriu para ele de maneira cordial.
— Tudo bem. Eu preciso mesmo resolver umas coisas. Qualquer coisa me chamem. Até mais, — se despediu de mim e antes que eu pudesse lhe responder, me deixou sozinha com .
Ela não tinha medo de que, sei lá, eu o atirasse de uma escada ou algo assim? Ter me ignorado foi muito pior do que me retrucar.
— Ótimo. Agora você pode me deixar em paz bem aqui enquanto volta ao que estava fazendo antes — fiz um sinal de pouco caso e olhei em volta, procurando um lugar onde pudesse me sentar e ficar fuçando no meu celular. Eu tinha certeza de que tinha baixado alguns episódios de Elite para o caso de ficar entediada. Já tinha assistido àquela série uma vez, mas não me importaria de ver outra porque eu tinha gostado muito.
riu de novo, dessa vez mais alto, como se eu tivesse dito a piada do milênio. Dessa vez não resmunguei, apenas o fuzilei com os olhos.
— Desculpa. Achei ter escutado você dizer para eu te deixar fazendo nada — ele disse e ao ver que minha expressão não mudou, arqueou uma sobrancelha. — Você não espera que vá receber horas de serviço voluntário sem fazer essas horas, não é?
— Claro que vou. Qualquer pessoa em sã consciência me deixaria bem longe de gente velha, aliás — o alertei, vendo fazer uma careta.
— Não é assim que as coisas funcionam por aqui, . Querendo ou não, você vai colocar a mão na massa e sabe do que mais? Nós já perdemos tempo demais com papo furado — então estendeu a mão para mim e eu o olhei confusa. — Venha comigo. Vou te mostrar tudo o que precisa saber.
— Que seja — bufei, ignorando a mão dele e passando na sua frente, mesmo não sabendo para onde eu estava indo.
Pelo canto de olho, apenas vi negar com a cabeça e confesso que me incomodou a expressão dele de quem continha um sorriso.


II

Aquele casarão era muito maior do que eu tinha imaginado ao olhá-lo de fora, o que não era elogio porque significava que eu teria que ficar circulando exaustivamente naquele lugar. era um pé no saco e pelo jeito ia descontar em mim toda a frustração com o ensino médio. Por outro lado, seria bom me exercitar, mas não compensava o tanto de energia que eu ia precisar resgatando paciência do fundo do meu estômago. Sim, era estômago, já que as pessoas diziam que eu não tinha coração.
O trabalho era chato e cansativo. Eu tinha que ficar dando atenção e ajudando com coisas tipo levar remédios, verificar as camas e eu quis estrangular quando ele me entregou uma vassoura e me fez varrer as folhas na entrada da casa.
Por que ele mesmo não podia fazer isso?
No meu primeiro dia, eu nem consegui falar com ninguém ao chegar em casa. Só queria tomar meu banho, pedir comida chinesa e desmaiar na cama. Ignorei totalmente meus pais, que me fizeram milhões de perguntas e mesmo que eu estivesse morrendo de curiosidade para saber a história de minha mãe com aquele lugar, minha cabeça já não absorvia mais nada, então resolvi que no dia seguinte eu a questionaria sobre o assunto. Só que, para meu desagrado, minha mãe tinha hora marcada no salão e não achou necessário desmarcar só para me levar ao Eternal Sunshine, então fomos apenas eu e meu pai. Até me surpreendi com isso. Pelo jeito, os dois estavam realmente de olho em mim.
Meu segundo dia conseguiu ser pior que o primeiro. Não tive nada muito braçal para fazer, mas eu não tinha muita paciência para ficar de papo furado com gente velha, então passei por uma verdadeira sessão de tortura. Cheguei à minha casa com o triplo de exaustão.
Eu não conseguia entender alguém que em sã consciência se voluntariava para trabalhar em um lugar como aquele. Imagine só passar o dia naquilo sem receber um centavo? Mas sempre achei que não fosse muito certo das ideias, afinal, ele era esquisito. Toda a escola achava isso e eu tenho quase certeza de que na maior parte do tempo eu lhe encarava como se ele fosse um ser de outro planeta. No entanto, ele parecia nem ligar e isso me surpreendeu um pouco, não iria negar.
No meu quarto dia de trabalho, me pediu para fazer algo que eu nunca imaginei que faria na vida.
, pode vir comigo? — escutei ele me chamar. Eu tinha acabado de trocar os lençóis de uns dos quartos e saía por uma das portas, vendo-o vir na minha direção.
— Não. Eu não terminei com os lençóis — apenas dei de ombros e ia seguir para o lado oposto.
— Termine e vá até a cozinha, por favor — ignorou o meu tom de deboche, dando as costas para mim e voltando por onde tinha vindo.
Bufei de irritação. Sabia muito bem que o papel dele como supervisor era me mandar fazer as coisas, mas eu odiava isso. Não ficava obedecendo ordem nem de meus pais, imagina de um garoto que era até uns meses mais novo do que eu (eu tinha quase certeza de que era, mas nunca iria perguntar isso a ele).
Confesso que eu enrolei mais do que o necessário para trocar o restante de lençóis. Só tinha mais dois quartos, mas fiz questão de protelar o máximo que pude. Estava com esperança de chegar à cozinha e ter se cansado de esperar e feito sei lá o que ele queria que eu fizesse.
Doce ilusão. não era como meus pais.
Assim que coloquei minha cara na cozinha, eu o encontrei sentado diante da mesa onde havia duas facas e uma bacia cheia de cebolas.
— O quê? — questionei-o, sem nem ligar para o susto que ele levou porque olhava algum ponto aleatório.
— Ah, ótimo! Você chegou. Tudo certo com os lençóis? — sorriu para mim de forma simpática e eu o odiava por me tratar sempre assim, mesmo que eu lhe desse patada atrás de patada.
— Desembucha logo, . O que é para eu fazer agora? — resmunguei, revirando meus olhos por estar completamente sem paciência.
— Hoje vamos ajudar a preparar o jantar. Pode pegar uma faca e começar a descascar — apontou para as cebolas e eu arregalei meus olhos, sentindo meu rosto até esquentar.
— Eu não vou descascar cebolas — disse, enfática, querendo pegar a faca para fazer outra coisa só por ele considerar aquela possibilidade.
, as cebolas não vão te morder — me olhou como se eu fosse doida ou tivesse algum tipo de problema. A vontade de esfaqueá-lo só aumentou.
— Você esqueceu com quem está falando, ? Olhe bem para as minhas unhas! Eu não vou estragá-las e ainda ficar com minhas mãos fedendo. Além disso, eu não sei descascar cebolas — meu rosto esquentou ainda mais e eu o odiava demais por isso.
— Isso é brincadeira, certo? — ele parecia genuinamente surpreso.
— Qual parte?
— A de que você não sabe. Sua mãe nunca te fez descascar uma cebola? — perguntou, com uma cara de espanto que eu até achei engraçada.
— Para que se eu tenho cozinheira em casa? — retruquei, em tom óbvio.
— E se a tua cozinheira ficar doente, o que acontece? Vai ficar sem comer? — arqueou uma sobrancelha para mim e eu imitei o gesto, lhe desafiando.
Delivery serve para que mesmo? — em vez de revirar os olhos ou bufar como eu teria feito se estivesse em seu lugar, apenas riu.
— Bom, é verdade. Mas não tem segredo — ele pegou uma faca e uma das cebolas, então mostrou como se fazia e realmente não era difícil, mas eu jamais daria meu braço a torcer. — Viu só? É simples.
— Eu não vou fazer isso, — voltei ao tom enfático. Não havia santo que me obrigasse a fazer aquilo. O cheiro forte já tinha invadido o lugar e isso que era a primeira. Credo, não obrigada.
— Tudo bem, — tão fácil assim? Precisei conter a vontade de abrir a boca em em surpresa. — Sabe que quando eu te via na escola eu achava que não havia nada que não pudesse fazer. Nunca pensei que você seria derrotada por uma simples cebola — estreitei meus olhos com o que ele disse em seguida. Eu sabia o que ele estava fazendo, não era idiota, mas o meu orgulho falou bem mais alto.
— Céus, como sai tanta besteira da sua boca se você é nerd? — revirei meus olhos, puxando uma cadeira para me sentar no lado oposto a . Peguei uma cebola e a faca, então fiquei olhando de uma para a outra.
— Assim ó, você consegue — começou a descascar outra e eu bufei.
— Você é ridículo, já te disseram isso? — resmunguei, embora imitasse o gesto dele, prestando atenção para não fazer errado ou me cortar.
— Acho que já, mas eu não dou bola — deu de ombros de um jeito tão simples que me deixou intrigada.
— É sério que não liga? Ninguém é de ferro, — duvidei daquela postura dele.
— Realmente. Ninguém é, mas alguém me ensinou que guardar só gentileza e espalhá-la é muito mais saudável para a mente e o coração — não sei por que eu senti como se levasse um tapa na cara, mas eu senti e isso me fez revirar meus olhos irritada.
— Isso sim é uma grande baboseira. O que combina com você — consegui descascar minha primeira cebola e enquanto isso já tinha feito com mais umas duas.
Ele não disse nada, continuou seu trabalho e longos minutos de silêncio se seguiram. Tudo o que eu queria era ficar em paz, sem precisar ficar de conversa furada, mas eu me senti incomodada com o silêncio e isso me deixou ainda mais irritada.
Para piorar tudo, comecei a sentir que meus olhos ardiam, o cheiro da cebola me enjoou e quando eu fui piscar tudo doeu ainda mais. Parecia que pingaram aquilo em meus olhos.
— Porcaria de cebola, — reclamei, largando tudo na mesa em um rompante e me colocando de pé.
— Relaxa, . Tem uns óculos ali na gaveta. Esqueci de te entregar, desculpe — ele se levantou também.
— Não quero droga de óculos nenhum, . Eu odeio cebolas, odeio essa gente velha, odeio esse lugar e odeio você. Não estou nem aí se vou ser presa, não fico mais aqui nem um dia a mais — bati meus pés no chão enquanto gritava com ele e sem nem lhe dar a chance de responder, deixei aquela cozinha, correndo para a primeira sala vazia que eu encontrei.
Eu não sei bem por que fiquei irritada daquele jeito, a ponto de dar um tremendo chilique, mas logo ficou claro para mim que não importava o quanto eu tentasse bancar a durona, as coisas acabavam me afetando do mesmo jeito. E passar aquele tempo com aquelas pessoas no fim de suas vidas era algo pelo qual eu jamais havia me imaginado passar, mas fez com que algo dentro de mim questionasse se na minha velhice aconteceria o mesmo comigo. Era muito provável que sim, já que eu me esforçava bastante para manter as pessoas longe de mim.
Suspirei, balançando minha cabeça, numa tentativa de espantar aqueles pensamentos. Bipolaridade era o que eu tinha, não havia outra explicação. Ou a culpa era mesmo daquele lugar, que ficava mexendo com meus pensamentos e bagunçando tudo dentro de mim. Eu precisava sair dali, mas por que eu não saí porta a fora e me contentei apenas com uma sala vazia? Talvez eu não quisesse realmente ir embora dali.
Parei diante de uma das janelas e enquanto foquei minha visão nos jardins e o dia lindo que estava fazendo lá fora senti que meus olhos ficavam embaçados por lágrimas. Droga, eu não podia chorar, não ali onde qualquer pessoa poderia aparecer a qualquer momento. Não quando poderia aparecer a qualquer momento.
Me irritava a forma como ele era querido por todas aquelas pessoas, como parava para cumprimentar qualquer um que passasse por ele e como sempre mantinha um sorriso no rosto, não importava se havia recebido um elogio ou se lhe tratavam com grosseria. Qual é! Todo mundo tem defeitos, não era possível que aquele garoto não tivesse um. A ideia de pensar que ele não era tão esquisito assim me fez chorar mais ainda e sentir mais raiva dele. Imediatamente, sequei as lágrimas de meu rosto, tentando contê-las para recuperar a compostura.
— Não faça isso, minha querida — levei um pequeno susto ao perceber que não estava sozinha e com um olhar em volta encontrei uma senhora sentada em uma poltrona a poucos metros de mim. Como eu não havia a visto ali? Talvez eu estivesse distraída demais em meu próprio mundo.
Meu primeiro impulso foi o de sair dali e buscar privacidade para que eu pudesse chorar em paz, mas alguma coisa na forma como ela me olhava me vez ficar.
— Não fazer o quê? — perguntei, ouvindo minha própria voz soar mais fraca do que eu gostaria.
— Reprimir a vontade de chorar. Não é errado expressar seus sentimentos e chorar lava a nossa alma — e eu podia mandar ela cuidar da própria vida por se meter no meu sofrimento, mas de novo não consegui.
— Errado pode até não ser, mas eu não quero que ninguém me veja como uma pessoa fraca — as palavras saíram de minha boca sem que eu tivesse tempo de refreá-las. — Desde pequena, eu aprendi que chorar não nos leva à lugar algum. Só faz com que as pessoas sintam pena de você e eu não suporto que sintam pena de mim.
— Ah, menina, já parou para pensar em quantas vezes você demorou tempo demais para resolver as coisas porque o orgulho não permitiu que pedisse ajuda? Ou talvez em quantas precisou desistir? — pisquei meus olhos algumas vezes em sua direção, sentindo que mais lágrimas vinham, mas ainda mantendo minha pose de forte.
— A senhora está enganada, nunca precisei de ajuda. Sempre consegui tudo sozinha — retruquei, por pura birra.
— Ninguém consegue fazer tudo sozinho. Nós somos seres humanos, afinal de contas. Quando eu era novinha, costumava pensar que nem você e olhe só como eu estou hoje? Mal consigo caminhar sem ter alguém em quem me apoiar — abriu um sorriso, como se estivesse realmente tudo bem.
— Eu... — abri minha boca, mas de repente eu não soube o que dizer, em vez disso, eu acabei me aproximando mais um pouco daquela senhorinha.
Claro que eu já havia visto ela antes e com certeza ela sabia quem eu era, mas isso não parecia lhe incomodar, muito pelo contrário.
Me sentei em um sofá pequeno na frente dela, então encarei seu rosto, ficando meio perdida em seus olhos. Ali eu conseguia enxergar que ela já havia passado por uma infinidade de coisas. Que tinha muita experiências e centenas de histórias para contar. Não era muito diferente do que os outros idosos daquele lugar, mas pela primeira vez eu senti que gostaria de saber delas. Talvez fosse a fragilidade do momento, eu não saberia dizer.
— Você é igualzinha a minha filha, sabe? — ela quebrou o silêncio, abrindo um sorriso generoso e notei que seus olhos brilharam quando ela mencionou a filha.
— É mesmo? — retribuí, instigando-a a continuar falando.
— Monica. Ela é maior orgulho de minha vida — contou, emocionada. — Deu à luz ao meu primeiro netinho. Nesse fim de semana ela vem me fazer uma visita, então posso apresentar vocês duas. Ah, a Monica irá adorá-la! — achei linda a forma como ela estava animada.
— Eu não teria tanta certeza da última parte, mas será um prazer conhecer a sua filha. Aposto que é tão linda quanto você... digo, a senhora — me corrigi rapidamente, sentindo meu rosto esquentar.
— Ela irá adorá-la sim, não seja teimosa, menina — acabei rindo daquilo. — Vocês duas têm muitos traços em comum na aparência. Minha menina é um pouco mais velha, no entanto, e é arquiteta. Desde pequena sempre me deu muito orgulho.
— Uma arquiteta? Isso é muito legal. Eu sempre achei muito interessante, mas os cálculos me assustam — soltei uma risadinha, que ela acompanhou.
— Tenho pavor de números, minha filha, mas Monica sempre gostou. Desde pequena. Sabe o novo prédio da Lincoln street? Foi ela quem projetou. O talento vem desde o berço — contou, orgulhosa.
Eu sinceramente não lembrava de nenhum prédio naquela rua, mas eu também não costumava prestar atenção quando estava na rua, principalmente quando eu andava de carro.
Dali em diante, eu me vi completamente imersa em tudo o que aquela senhora me dizia. Ela me contou histórias sobre a filha e até eu estava ansiosa para conhecê-la, do tanto que aquela visita era mencionada. Da filha ela passou para sua adolescência e eu ficava cada vez mais encantada, não só pelas histórias, mas pela época em que ela havia vivido.
Eu nunca havia me sentindo tão bem em um lugar quanto me senti naquela sala.
— Oh, aí está você, senhora Gaunt. Nós estávamos lhe procurando por toda parte, mas ainda bem que a senhora tem companhia — era uma das enfermeiras, acompanhada por , com quem eu não fiz contato visual por pura vergonha.
— A melhor delas, minha querida — respondeu, sorrindo para mim.
— Vim buscá-la para tomar seu banho, dona Ilana — a enfermeira anunciou, arrancando uma careta.
— De novo? Mas eu já não tomei banho? — Ilana questionou, com uma pose que me fez querer rir.
— Isso foi ontem. Está na hora do de hoje — insistiu e a senhora negou com a cabeça enquanto sorria.
— Se é o que diz — fez menção de se levantar e eu corri em sua direção para ajudá-la. — Nos falamos mais tarde, querida. Tenho algumas fotos da Monica para te mostrar.
— É claro, dona Ilana — chamei-a pelo nome e retribuí seu sorriso gentil.
Depois que ela saiu com a enfermeira, me vi sozinha naquela sala com e fiz até menção de saiu dali, mas ele bloqueou minha saída.
— Espera, . Eu gostaria de... — parou de falar, como se estivesse bem nervoso para conversar comigo.
— O quê? — insisti, quando o silêncio durou segundos demais. Ele suspirou.
— Quero lhe pedir desculpas se fiz algo que a ofendeu lá na cozinha. Sei que não deve estar sendo fácil para você trabalhar em um lugar como esse — notei que ele havia ficado sem jeito e algo dentro de mim achou aquilo fofo.
— Tudo bem, . Eu é que não devia ter feito um monte de coisas, mas enfim — pareceu surpreso ao ouvir o que eu havia dito, mas decidi não comentar.
— Vejo que conheceu a dona Ilana. Ela é uma mulher admirável — puxou assunto comigo e eu assenti.
— Ela é ótima. Estava me contando as histórias dela de adolescência e não para de falar na visita da filha — contei e uma careta se formou no rosto de .
— Te contou da filha, é? Ela conta de tudo mesmo quando gosta de alguém — mas olhar estava desconfortável e eu fui obrigada a insistir.
— Não entendi a sua cara, desculpa — fui sincera.
— Bom, é que a filha da dona Ilana nunca fez nenhuma visita. Ela só liga para cá para confirmar pagamentos, mas vir aqui só aconteceu quando ela trouxe a mãe.
Aquilo me atingiu como um soco muito bem dado no rosto. Como assim a filha nunca havia a visitado?
— Mas e todas as coisas que ela conta, como se...
— Como se fossem verdade, eu sei. É uma espécie de negação.
Pensar que dona Ilana não era a única ali que passava por isso me deixou com uma sensação horrível de remorso, principalmente pela forma como eu havia tratado muitos deles naqueles dias.
Senti tanta vergonha que meus olhos se encheram de lágrimas e eu desabei de uma vez.
— Ei, calma. O que foi? — senti me envolver em seus braços e eu o agarrei, trazendo-o o mais perto possível.
— Não sei se quero comentar isso agora, só quero ser abraçada.
atendeu ao meu pedido e eu me senti segura de um jeito que nunca havia sentido antes.

III

Depois daquele dia, eu passei a enxergar as pessoas de uma maneira diferente, me colocando no lugar de cada uma delas. Não era um processo fácil. Eu ainda tinha um milhão de coisas que precisava mudar dentro de mim, mas estava agarrada à ideia de que todo mundo podia mudar, bastava querer.
Ilana Gaunt me ajudava imensamente com isso. Passei a lhe fazer companhia todos os dias, suas histórias aqueciam o meu coração e eu sentia uma vontade imensa de ligar para a filha dela ou até ir buscá-la e trazê-la pelos cabelos para uma visita. Não custava nada ela vir ver como a mãe estava.
Pensar em uma senhora tão bondosa abandonada dava um aperto no peito. Eu não desejaria aquilo nem para meu pior inimigo.
— Vamos lá, . Por que está aí parada feito um dois de paus? Aproveite a música conosco — escutei a voz de Ilana me chamar e saí do transe, percebendo que ela, e mais duas senhoras dançavam no meio da sala. Não era uma música que eu conhecia, era uma daquelas antigas, mas eu nem me importei.
Com um sorriso bem largo no rosto, eu me juntei a eles e fui imitando alguns passinhos que dona Ilana dava. Dei uma risada alta quando me estendeu a mão e eu a segurei, sentindo-o me puxar para perto dele e depois me fazer rodar para longe.
Ninguém ali era um exímio dançarino, nós apenas estávamos nos divertindo e quando a música acabou, deixamos que a próxima viesse sem pararmos de dançar.
Aquele era um dos momentos que devia ser gravado para nunca escapar da memória.
Senti que me puxava novamente para perto dele e como daquela vez não esperava, acabei me desequilibrando, me apoiando em seu peito para não cair. Foi quando nossos olhares se encontraram e em meio aos nossos sorrisos eu me dei conta de que eu poderia beijar naquele momento.
Isso mesmo, , o nerd da escola e quem eu nunca havia imaginado ter um momento como aquele.
Pela forma que ele encarava meus lábios, eu entendi que ele queria o mesmo que eu, mas antes que pudéssemos de fato nos beijar, um turbilhão de pensamentos veio à tona. E só de lembrar de quantos insultos eu já disparei para ele, a vergonha me fazia ter vontade de me esconder.
Não foi surpresa alguma eu deixá-lo ali com a mão estendida para mim enquanto me afastava às pressas.
, espere! — escutei a voz dele me chamar, me surpreendendo porque não imaginei que ele viesse atrás de mim.
Parei em meio a um dos corredores e suspirei.
— Desculpe, , mas eu não posso te fazer passar por isso. Você merece alguém muito melhor do que eu — disparei, suplicando para que ele entendesse aquilo.
— E se eu te disser que não quero ninguém melhor? — ergui meu olhar, surpresa com o que havia acabado de ouvir. — , esses seus dias aqui têm sido os melhores da minha vida. Desde que você chegou, eu sinto uma motivação extra para me levantar da cama e vir para cá — suspirou, subitamente nervoso. — O que eu estou tentando dizer é que eu gosto de você.
E por vários segundos aquelas palavras ecoaram em meus pensamentos, me deixando absurdamente nervosa, acelerando meus batimentos de um jeito que eu sentia vontade de gritar de emoção.
gostava de mim e de um jeito bastante inesperado eu me dei conta de que era recíproco.
Minha expressão então murchou, ele não podia gostar de mim.
— Como? Como você conseguiu a façanha de gostar de mim, ? — perguntei, de uma forma quase triste. — Esqueceu do motivo de eu estar aqui? Eu faço birra com meus pais, me falta o respeito com as pessoas e empatia nunca foi o meu forte. Eu sou uma pessoa insuportável e péssima. Então me diz, por favor, como?
suspirou, levando alguns segundos para me responder.
— Eu sempre achei você bonita, mesmo quando estávamos na escola e você nem fazia questão de olhar para o nerd esquisito — deu uma risadinha. — E eu também sempre achei que você fosse muito mais do que deixava os outros verem. Não gostava do modo como você tratava as pessoas, mas julgar nunca coube a mim. O que eu gosto em você é que você tem garra, , e nunca desiste das coisas. Esse lugar nos transforma em pessoas melhores e é essa versão de agora que eu gosto. A que reconhece que precisa mudar. Não é um caminho fácil, mas eu quero te ajudar, se você deixar.
Pisquei meus olhos para ele diversas vezes, processando suas palavras, sentindo que meu coração se aquecia ao mesmo tempo que acelerava. acreditava em mim, acreditava que eu podia sim me tornar alguém cada vez melhor, deixar a antiga para trás.
Sem pensar em mais nada, eu me aproximei dele, jogando meus braços ao redor de seu pescoço e iniciando o beijo que devíamos ter trocado minutos atrás. retribuiu de imediato e de todos os dias que passei trabalhando como voluntária na Eternal Sunshine, aquele era com certeza o melhor.


IV

Quando meu último dia da sentença chegou, eu tive a sensação de que tudo havia passado rápido demais e eu não fazia ideia de como ia conseguir ficar longe de pessoas como Ilana Gaunt. Ela era o verdadeiro raio de sol daquele lugar e a companhia dela e a de fazia meus dias muito mais felizes.
Eu estava um tanto triste por me despedir e durante meu trajeto até a casa de repouso, me dei conta de que aquele não precisava ser um adeus. E se eu continuasse sendo voluntária lá, sem realmente receber nada em troca daquela vez?
Descobri que cuidar daquelas pessoas era algo que no fim das contas eu gostava muito de fazer e pela primeira vez cogitei ter algum propósito na vida.
Fiquei empolgadíssima com minha ideia, mas quando cheguei e notei os olhos vermelhos de , murchei porque soube que havia algo de errado.
, o que houve? — praticamente corri até ele, sentindo que meu corpo todo começou a tremer de nervoso.
, eu sinto muito — a voz de estava chorosa e meu coração se apertou. — É a dona Ilana. Ela faleceu essa noite.
Senti como se o chão desabasse sob meus pés. Meus olhos ficaram fixos nos dele por segundos ou talvez minutos até e eu não consegui mover um músculo sequer. Não podia ser, não era verdade. Ela não podia ter partido daquele jeito, na calada da noite.
Eu não havia me despedido dela direito no dia anterior, mas quando a morte chega a gente percebe o quanto deixa de fazer algumas coisas porque tem a certeza de um amanhã e no entanto esse amanhã é incerto.
Meus lábios começaram a tremer e as lágrimas vieram torrencialmente. Me joguei nos braços de , como eu havia feito semanas atrás e me permiti soluçar, molhando a camiseta dele e sentindo ele estremecer junto comigo. Eu não sei por quanto tempo ficamos os dois ali abraçados e compartilhando aquela dor.
— Eu posso vê-la? — questionei, encarando-o subitamente. Eu precisava me despedir de Ilana, mesmo que fosse tarde.
— Claro — ele me respondeu, então entrelaçou seus dedos nos meus e me conduziu ao quarto, onde o corpo dela estava aguardando pelo serviço funerário.
Ilana Gaunt estava deitada em sua cama, com a manta cobrindo até um pouco acima de sua cintura e se eu não soubesse que estava morta, poderia dizer que estava dormindo. Sua expressão era serena, como a de quem havia partido em paz e aquilo acabou me confortando.
Mordi meus lábios, parando ao seu lado, então juntei forças para lhe dizer algumas palavras.
— Minha melhor amiga querida, eu sinto muito não ter estado aqui no momento de sua partida — engoli o choro, tentando manter minha voz equilibrada. — Só queria dizer que a senhora mudou a minha vida. Talvez tenha noção disso desde o início, talvez esteja sabendo apenas agora, mas desde aquela nossa conversa onde eu cheguei chorando por causa de cebolas você me fez querer ser alguém melhor. Alguém com mais empatia, com mais amor pelo próximo. Eu te agradeço por isso do fundo do meu coração. Você e me ensinaram que eu poderia sim tratar as pessoas com mais gentileza e me permitir ser amada por elas. Eu te amo, Ilana Gaunt, lembre-se disso onde quer que esteja. Vou transmitir todo o seu amor para a sua filha, tudo bem?
Toquei em uma de suas mãos frias e deixei de novo que as lágrimas descessem pelo meu rosto.
Eu nunca esqueceria de Ilana Gaunt e agora eu tinha mais um motivo para ser alguém melhor.


FIM



Nota da autora: Eu confesso que essa história foi difícil de escrever, mas finalmente saiu! Ela foge completamente da minha zona de conforto, espero de coração que vocês tenham gostado.
Quer ficar por dentro de novidades sobre minhas histórias? Me siga no instagram e curta minha página no facebook! Eu também tenho um grupo no face para interação, caso queira participar.
Até a próxima. Beijos da Ste!





Clique aqui para ler minhas outras histórias!


DEIXE SEU COMENTÁRIO AQUI 🌻.



comments powered by Disqus