Prólogo
É estranho quando você conhece um amigo e, então, um mês depois ele não está mais lá. Tudo o que vocês viveram em três semanas de repente se torna sua vida inteira e você percebe que uma amizade não é determinada pelo tempo. Não, de maneira nenhuma. Uma amizade é determinada pela cumplicidade. Pelo amor, pela confiança, pela distância talvez, mas nunca pelo tempo. Eu posso ter um amigo de anos, mas ele nunca vai se comparar a aquele amigo que eu conheci em meados de fevereiro. Aquele amigo que sempre bancava o espertinho, que tinha um sorriso petulante e uma mania doida de tatuar siglas nos braços e nas pernas. Vou falar do meu melhor amigo. O melhor amigo que eu poderia ter arrumado para a minha vida.
Nós éramos totalmente disfuncionais, totalmente opostos, mas acho que era justamente isso que fazia a gente funcionar tão bem juntos.
O que eu vou contar é só uma pequena parte de tudo que aconteceu. Alguns dias merecem mais descrição que outros e alguns acontecimentos merecem mais espaço que outros. Só para avisar que essa não é parte de uma história de amor, pelo menos não do jeito que você está imaginando. É uma história de amizade. A melhor e mais perfeita que eu já tive.
Eu queria poder contar tudo, mas isso me faria afligir mais. Não foi uma separação fácil para nenhum de nós dois, e até ele concorda que fui eu quem sofreu mais quando nossos exatos vinte dias de amizade finalmente chegaram ao fim.
Dia 0
- Por favor, o uso de celulares e outros equipamentos eletrônicos, como calculadora e relógio de pulso, estão totalmente proibidos, assim como qualquer conversa durante a prova. Vocês podem sair da sala depois de decorrida duas horas e meia do exame. Eu desejo boa sorte a vocês.
Terminou a mulher, me sentenciando a morte, embora ela não soubesse disso, e fazendo eu ter um colapso mental muito forte. Minha mente sofreu um choque tão grande que eu simplesmente comecei a chutar tudo para sair logo dali, até porque eu não estava com a menor vontade de fazer a prova. Eu não ia para a faculdade ano que vem mesmo e a ideia de fazer um "vestibular de treineira" não foi minha, logo, não havia culpa em meus ombros.
Porém até mesmo chutar estava ficando chato, além de eu não querer ser a primeira a sair da sala, então lá pela questão quarenta e três eu comecei a tentar fazer de verdade, por amor aos meus pais (até porque pagaram bem caro nessa prova).
E foi aí que eu escutei uma música chatinha vinda do meu lado e comecei a rezar o Nossa Senhora, para uma luz acender na cabeça do cara cujo celular estava tocando e ele desligar logo. Minha reza não foi atendida, óbvio. A mulher que estava na sala com a gente ouviu o barulho, e eu juro que nunca vi uma pessoa ficar tão vermelha.
- Você pode me acompanhar? E traz suas coisas também, acho que não vai voltar para essa sala. – O garoto riu e pela primeira vez, atraída pelo som de sua risada, olhei para a cara do infrator.
Lindo. Essa é a palavra que eu usaria para descrevê-lo. Ele era estranho, mas um estranho bonito, se é que dá para dizer uma coisa dessas. Usava um alargador preto não muito grande, porém visível, e roupas que pareciam ser pelo menos dois números maiores do que as roupas que ele deveria usar. Por causa da camiseta clara, era possível enxergar várias tatuagens espalhadas pelo seu tronco, mas estranhamente haviam apenas siglas em seus braços e a única que consegui identificar a tempo estava em seu antebraço, um solitário M.H, que eu fiquei morrendo de vontade de perguntar o que significava. Se é que tinha significado. E, além disso, ele tinha um sorriso maravilhoso.
Eu recentemente tinha lido uma história muito boa e esse cara na minha frente era ridiculamente parecido com o Gael. Meu Gael particular.
Certo, talvez você diria que essa minha obsessão por bad boys não é lá muito saudável, mas, por favor, cale a boca e guarde sua opinião para si mesmo.
Obrigada.
Eu ainda estava olhando o sorriso dele como uma idiota quando ele abriu a boca e saiu dela a voz mais perfeita do planeta.
- Oh, com todo prazer. – Falou de um jeito tipicamente sarcástico, se levantando em seguida. –Eu nem queria fazer mesmo.
Terminou, largando a caneta em cima da mesa e usando sua voz mais perfeita do planeta para dizer palavras não tão perfeitas assim.
E então, quando se abaixou para pegar a jaqueta e dar o fora dali ele me viu e me encarou com uma expressão meio indignada. Eu sou capaz de jurar que ele iria me dizer mais alguma coisa, mas a megera fez meu príncipe encantado do cavalo branco sair porta afora. Suspirei tristemente enquanto voltava minha atenção para a prova, sabendo que nunca mais na minha vida iria vê-lo novamente.
No final das contas, fui a última a terminar a prova. Fiquei tão chateada que acabei refazendo todas as questões que eu tinha chutado, não deixando de pensar nele nem por um momento. Digamos que ele faz meu tipo perfeito de amor platônico.
Terminei a prova a tempo, e sai da sala onde eu tinha prestado o primeiro vestibular da minha vida.
Minha linda e maravilhosa amiga se encontrava no fim da escada da faculdade onde estávamos fazendo prova me esperando super pacientemente. Por paciente quero dizer que ela estava batendo os pés no chão, bufando e conferindo o relógio a cada cinco segundos. (Ela olhou para o relógio quatro vezes enquanto eu descia as escadas).
- Oi, Rafa. – Manifestei minha presença batendo com o Caderno de Questões na cabeça dela. Rafaela nunca foi muito amigável. E ela não sabia brincar. Levei o maior pedala em troca da cadernada na cabeça e foi tão forte que eu até cambaleei, esbarrando em alguém atrás de mim. Virei automaticamente para a pessoa que eu tinha atropelado.
- Ai meu Deus, mil perdões eu... - Encarei o garoto duas vezes, obrigando meus olhos a pararem de me iludir. – Você ainda está aqui?
Logo em seguida balancei a cabeça, como que para afugentar o que tinha acabado de dizer e até tentei concertar, mas o príncipe encantado do cavalo branco me deu um sorriso debochado, falando antes de mim.
- Não, não, é que eu sou um holograma, o verdadeiro está ali naquela esquina. – Ele comentou, ainda debochado, apontando para o fim da rua.
A parte mais idiota foi que eu olhei para a tal esquina.
Tudo o que pude fazer foi olhar para Rafa que deu um tapa em sua própria testa depois do que eu havia acabado de fazer. Um gesto que podia ser interpretado como: Não acredito que você fez isso.
- Não acredito que eu fiz isso. – Comentei, sem pensar. O garoto começou a rir da minha confusão. – Desculpa, eu geralmente não sou tão tonta.
- Normal ficar assim em frente pessoas bonitas. – Sugeriu, normalmente.
Tão normalmente que eu concordei com ele.
- É, deve ser. – Ele ergueu as sobrancelhas para mim e eu instintivamente cobri a boca com as mãos. Eu realmente devia estar parecida com um cosplay de tomate naquele momento. – Quer dizer, hm... que...
- Relaxa. - Arqueei a sobrancelha para ele. - Minha vaga já era mesmo, só eu que tenho que me sentir mal por aqui.
Eu sabia que ele ia fazer piadinhas, eu sentia isso desde o começo. Ninguém pode me julgar pela minha explosão.
- Está dizendo baseado em meus óculos e olhos levementes puxados?
Ele segurou a risada, e depois me encarou, sério.
- Não. Minha vaga já era porque meu celular tocou durante a prova.
Outch. E por essa eu não esperava.
- , meu pai chegou! – Gritou Rafa nas minhas orelhas, fazendo com que eu amasse todas as gerações futuras da família dela.
- Hm, tchau e desculpas de novo! – Falei apressadamente ao garoto, que me deu um sorrisinho do tipo que me fazia pensar que ele sabia de uma coisa que eu não sabia.
-Tchau, . -Falou baixinho.
Eu nem olhei para trás, queria mais era esquecer esse incidente que foi provavelmente a pior conversa que eu já tive com um crush na história das piores conversas com crushs.
Sabia que não iria vê-lo novamente. E dessa vez é sério, se eu ver esse menino de novo, eu agarro, porque significa que o destino realmente está querendo nos juntar.
Não pensei nele por muito tempo, até que finalmente o esqueci.
Terminou a mulher, me sentenciando a morte, embora ela não soubesse disso, e fazendo eu ter um colapso mental muito forte. Minha mente sofreu um choque tão grande que eu simplesmente comecei a chutar tudo para sair logo dali, até porque eu não estava com a menor vontade de fazer a prova. Eu não ia para a faculdade ano que vem mesmo e a ideia de fazer um "vestibular de treineira" não foi minha, logo, não havia culpa em meus ombros.
Porém até mesmo chutar estava ficando chato, além de eu não querer ser a primeira a sair da sala, então lá pela questão quarenta e três eu comecei a tentar fazer de verdade, por amor aos meus pais (até porque pagaram bem caro nessa prova).
E foi aí que eu escutei uma música chatinha vinda do meu lado e comecei a rezar o Nossa Senhora, para uma luz acender na cabeça do cara cujo celular estava tocando e ele desligar logo. Minha reza não foi atendida, óbvio. A mulher que estava na sala com a gente ouviu o barulho, e eu juro que nunca vi uma pessoa ficar tão vermelha.
- Você pode me acompanhar? E traz suas coisas também, acho que não vai voltar para essa sala. – O garoto riu e pela primeira vez, atraída pelo som de sua risada, olhei para a cara do infrator.
Lindo. Essa é a palavra que eu usaria para descrevê-lo. Ele era estranho, mas um estranho bonito, se é que dá para dizer uma coisa dessas. Usava um alargador preto não muito grande, porém visível, e roupas que pareciam ser pelo menos dois números maiores do que as roupas que ele deveria usar. Por causa da camiseta clara, era possível enxergar várias tatuagens espalhadas pelo seu tronco, mas estranhamente haviam apenas siglas em seus braços e a única que consegui identificar a tempo estava em seu antebraço, um solitário M.H, que eu fiquei morrendo de vontade de perguntar o que significava. Se é que tinha significado. E, além disso, ele tinha um sorriso maravilhoso.
Eu recentemente tinha lido uma história muito boa e esse cara na minha frente era ridiculamente parecido com o Gael. Meu Gael particular.
Certo, talvez você diria que essa minha obsessão por bad boys não é lá muito saudável, mas, por favor, cale a boca e guarde sua opinião para si mesmo.
Obrigada.
Eu ainda estava olhando o sorriso dele como uma idiota quando ele abriu a boca e saiu dela a voz mais perfeita do planeta.
- Oh, com todo prazer. – Falou de um jeito tipicamente sarcástico, se levantando em seguida. –Eu nem queria fazer mesmo.
Terminou, largando a caneta em cima da mesa e usando sua voz mais perfeita do planeta para dizer palavras não tão perfeitas assim.
E então, quando se abaixou para pegar a jaqueta e dar o fora dali ele me viu e me encarou com uma expressão meio indignada. Eu sou capaz de jurar que ele iria me dizer mais alguma coisa, mas a megera fez meu príncipe encantado do cavalo branco sair porta afora. Suspirei tristemente enquanto voltava minha atenção para a prova, sabendo que nunca mais na minha vida iria vê-lo novamente.
No final das contas, fui a última a terminar a prova. Fiquei tão chateada que acabei refazendo todas as questões que eu tinha chutado, não deixando de pensar nele nem por um momento. Digamos que ele faz meu tipo perfeito de amor platônico.
Terminei a prova a tempo, e sai da sala onde eu tinha prestado o primeiro vestibular da minha vida.
Minha linda e maravilhosa amiga se encontrava no fim da escada da faculdade onde estávamos fazendo prova me esperando super pacientemente. Por paciente quero dizer que ela estava batendo os pés no chão, bufando e conferindo o relógio a cada cinco segundos. (Ela olhou para o relógio quatro vezes enquanto eu descia as escadas).
- Oi, Rafa. – Manifestei minha presença batendo com o Caderno de Questões na cabeça dela. Rafaela nunca foi muito amigável. E ela não sabia brincar. Levei o maior pedala em troca da cadernada na cabeça e foi tão forte que eu até cambaleei, esbarrando em alguém atrás de mim. Virei automaticamente para a pessoa que eu tinha atropelado.
- Ai meu Deus, mil perdões eu... - Encarei o garoto duas vezes, obrigando meus olhos a pararem de me iludir. – Você ainda está aqui?
Logo em seguida balancei a cabeça, como que para afugentar o que tinha acabado de dizer e até tentei concertar, mas o príncipe encantado do cavalo branco me deu um sorriso debochado, falando antes de mim.
- Não, não, é que eu sou um holograma, o verdadeiro está ali naquela esquina. – Ele comentou, ainda debochado, apontando para o fim da rua.
A parte mais idiota foi que eu olhei para a tal esquina.
Tudo o que pude fazer foi olhar para Rafa que deu um tapa em sua própria testa depois do que eu havia acabado de fazer. Um gesto que podia ser interpretado como: Não acredito que você fez isso.
- Não acredito que eu fiz isso. – Comentei, sem pensar. O garoto começou a rir da minha confusão. – Desculpa, eu geralmente não sou tão tonta.
- Normal ficar assim em frente pessoas bonitas. – Sugeriu, normalmente.
Tão normalmente que eu concordei com ele.
- É, deve ser. – Ele ergueu as sobrancelhas para mim e eu instintivamente cobri a boca com as mãos. Eu realmente devia estar parecida com um cosplay de tomate naquele momento. – Quer dizer, hm... que...
- Relaxa. - Arqueei a sobrancelha para ele. - Minha vaga já era mesmo, só eu que tenho que me sentir mal por aqui.
Eu sabia que ele ia fazer piadinhas, eu sentia isso desde o começo. Ninguém pode me julgar pela minha explosão.
- Está dizendo baseado em meus óculos e olhos levementes puxados?
Ele segurou a risada, e depois me encarou, sério.
- Não. Minha vaga já era porque meu celular tocou durante a prova.
Outch. E por essa eu não esperava.
- , meu pai chegou! – Gritou Rafa nas minhas orelhas, fazendo com que eu amasse todas as gerações futuras da família dela.
- Hm, tchau e desculpas de novo! – Falei apressadamente ao garoto, que me deu um sorrisinho do tipo que me fazia pensar que ele sabia de uma coisa que eu não sabia.
-Tchau, . -Falou baixinho.
Eu nem olhei para trás, queria mais era esquecer esse incidente que foi provavelmente a pior conversa que eu já tive com um crush na história das piores conversas com crushs.
Sabia que não iria vê-lo novamente. E dessa vez é sério, se eu ver esse menino de novo, eu agarro, porque significa que o destino realmente está querendo nos juntar.
Não pensei nele por muito tempo, até que finalmente o esqueci.
Dia 1
Não aconteceu nada demais durante as férias e os meses seguintes ao vestibular foram normais. Para mim pelo menos. Quer dizer, finalmente saí com o e ficamos algumas vezes, mas parece que com o início das aulas ele esqueceu completamente que eu existo. Então o Natal e o Ano-Novo foram os mesmos de sempre, minhas amigas também eram as mesmas, e minha escola era a mesma também.
Meus pais estavam em êxtase, pois por um milagre divino da mãe natureza eu havia feito uma pontuação de 78 em 90 questões, então para eles, eu já era uma universitária. Eles comentavam com tudo e com todos o quanto a filha deles é inteligente e blá blá blá. Eu vi, com horror, minha mãe postar isso no Facebook dela. E ela ainda me marcou!
Ah, minha vida estava para acabar, de verdade. Inclusive comentaram com os vizinhos, acho que todos os moradores do prédio já me queriam para nora/sobrinha/neta/filha/irmã/prima etc por eu ser uma pessoa assim tão inteligente e exemplar.
Eu tive que rir. Não era nada menos que cômico. Eu nem ia para faculdade, por que ficaram tão felizes? Fala sério.
Bom, o caso é que era exatamente isso que meus pais estavam fazendo quando cheguei do shopping naquele domingo. Comentando com os novos vizinhos da frente o quão inteligente sua filha era.
Minha vontade era de bufar, por que aquilo já estava me dando nos nervos, mas então lembrei que eles estavam falando bem de mim e resolvi passar uma imagem boa.
- Olá, família! – Gritei feliz depois de abrir a porta, fingindo que não sabia que tinha visita em casa.
- Que felicidade é essa, arrumou um namorado? – Meu pai comentou, me deixando com uma adorável cara de pastel, sendo obrigada a mostrar um par de bochechas rosadas para o desconhecido casal sorridente na sala de estar.
Eu era a "encalhada" da turma. Todas as minhas amigas tinham namorados, que viraram amigos e agora eram todos best friends forever. Vou até falar quem é namorado de quem para você não se perder.
Letícia namora com o Renato, que é um dos meus melhores amigos de infância. E ele tem orelha de abano. Anna, a pessoa mais fofa da face da Terra, namora com o Pedro, um cara super legal, três anos mais velho que ela. E por fim tinha Rafaela, minha doce (sóquenão) melhor amiga, cujo namorado atende pelo nome Victor.
Todos éramos muito unidos e felizes e arco-íris, unicórnios, pôneis e leprechauns. Mas é claro que no meio desse ninho de amor tinha uma vela no meio: eu.
Já tive vários ficantes, mas nenhum deles durou. Na verdade, eu não estava assim totalmente encalhada agora, mas acho que o não vai durar também, de acordo com o episódio do recente afastamento e tal. Detestava sair com os seis sabendo que eu não me encaixava, principalmente quando eles faziam o "campeonato do beijo". Era um jogo ridículo onde eles apostavam que casal ficava se beijando por mais tempo. Até agora nosso recorde foi de onze minutos e trinta e seis segundos, título dado a Rafa e Victor. E eles só pararam porque Rafa viu uma barata no chão, o que cortou o clima (e ainda bem, não agüentava mais olhar aquela pegação toda).
Enfim, já deu para perceber que eu sempre era motivo de piada quando jogavam a falta de interação social no campo amoroso na minha cara.
Lancei um olhar cruel para o meu pai, e minha mãe apenas riu.
- , esses aqui são Laura e Wilson, os vizinhos da frente.
- Oh, mas ela é linda! – Exclamou a mulher, bem jovem, enquanto se levantava para me cumprimentar.
Fui até ela, e trocamos a famosa bochechada. Doeu, mas tentei não demonstrar. Ao lado dela, o homem, Wilson, estendeu a mão, com um sorriso amigável no rosto, e eu a apertei, sorrindo também. Ah, se pudesse eu faria tudo sorrindo. Era bom sorrir. Convence as pessoas. Então com um sorriso educado, anunciei:
- Bom, já volto. – Eles não estavam mais prestando atenção em mim, então foi seguro fugir e fingir que demorei no chuveiro até eles irem embora. Não queria ter de dizer que meu sucesso na prova se deu basicamente graças a um coração partido.
O chuveiro do meu quarto estava interditado, já que sem querer meu pai queimou a resistência quando ironicamente estava arrumando o chuveiro, então tive que pegar minhas coisas e ir tomar banho no banheiro do corredor mesmo. Antes de ir ao meu quarto, passei no banheiro apenas para conferir se minha toalha estava lá ou se ia precisar pegar uma limpa no armário. Fui cantarolando em direção ao cômodo e abri a porta.
Mas já tinha outra pessoa lá. De todas as outras pessoas do mundo, justo ele estava no meu banheiro. Com aquele toráx de fora.
- Ai meu Deus, você já ouviu falar que deve trancar a porta quando for usar o banheiro? – exclamei, olhando para o teto, tentando a todo custo não encarar aquele belo peitoral desenhado (desenhado no sentido literal do termo, tinham muitas tatuagens).
- Sua mãe me disse para me sentir em casa e, lá em casa, eu não tranco a porta. – retrucou, fazendo-me rolar os olhos e cruzar os braços. Ele não parecia surpreso por ter me encontrado lá, o que achei estranho. Arrisquei uma olhada para baixo. Oh, veste logo essa maldita blusa. E eu não sabia porque estava assim, tão encabulada. Quer dizer, eu nem era virgem! Ou talvez fosse exatamente esse o problema, mas não vamos falar sobre isso. Era uma coisa muito difícil obrigar meus olhos a olharem para qualquer lugar que não fosse aquela tatuagem de diabinho bem no gominho da barriga.
- Argh. – resmunguei, quando percebi que ele tinha me visto olhar. Ele cruzou os braços, me encarando.
- Eu sei, é difícil resistir, né? – Tapei os olhos, na minha mais completa onda de infantilidade.
- Quer fazer o favor de colocar essa camisa? – Falei, com os olhos fechados.
- Eu colocaria, se ela não estivesse tão molhada.
Aproximei-me da pia.
- O que aconteceu? – Perguntei, vendo que a camiseta estava toda suja de geleia.
- Eu derrubei geleia nela, talvez? – Respondeu irônico, revirando os olhos.
- Acho que meu irmão tem algumas aqui, se quiser emprestado... – Falei não me aguentando e olhando para baixo. Percebi que o diabinho da tatuagem tinha um sorriso lunático. Ele sorriu.
- Eu moro aqui na frente, então não. – Fiquei em silêncio, sem saber o que dizer.
- Não sei mais o que falar. – Disse, sincera. Existe alguém nesse mundo mais tonta do que eu?
- E que tal você sair do banheiro e me deixar terminar o que estava fazendo? – Pela primeira vez, o que ele disse fez todo o sentido. Fiquei mais envergonhada ainda.
- Desculpa. – Disse, enquanto saia do banheiro de ré, olhando sem querer para aquelas tatuagens perfeitas, e ele riu.
- Você pede muitas desculpas, vizinha. – Falou, com um sorriso torto perfeito. Foi a última coisa que ouvi antes de fechar a porta.
De todas as pessoas do mundo para serem meus vizinhos da frente, tinha que ser ele? O príncipe do cavalo branco com alargador, tatuagens e roupas largas que sempre tinha respostas para tudo? Oh, droga.
- Toc toc. – Falou uma voz de menino na porta do meu quarto um tempo depois. Ele havia colocado a camiseta, mesmo molhada, para minha decepção.
- Tem certeza que não quer uma camiseta seca? – Perguntei.
- E correr o risco de ver você me secando de novo? Não, obrigada, .
- . – Corrigi.
- Certo, . Meu nome é .
- ? – Questionei, dando uma risadinha. Ele sorriu.
- Não. .
Fiquei um pouco sem graça, me levantando da cama para pegar meu celular na cômoda.
me empurrou para o lado, sem a menor cerimônia, me fazendo cair no chão durante esse processo.
- Oh, não se incomode comigo. Eu ia mesmo me sentar. – Falou, se convidando para sentar em minha cama. Não satisfeito em sentar-se apenas, ele deitou nela. Com a camiseta molhada e tudo. E nem me ajudou a levantar do chão. Bufei, levantando sozinha.
- Okay, , será que você, por favor, poderia ir um pouquinho mais pra lá?
Ele ocupou minha cama toda e não parecia sentir a menor vergonha por isso. Esse... Babaca monstruoso e tatuado.
- Claro que não, . Eu sou um cara de família, imagina se minha mãe pega nós dois na mesma cama? – Revirei os olhos para esse engraçadinho. Sério mesmo que ele ia ser meu vizinho, Deus? De verdade?
- Acontece. – Comecei, tentando puxar a perna dele para fora da minha cama. – que essa cama é minha. A sua está a menos de cem metros daqui, até onde eu sei. Você mesmo frisou essa parte.
Não obtive sucesso em tirar ele da minha cama. Pelo contrário, isso só o fez rir mais.
- Acontece que não, não está. Chegamos antes do caminhão que, uau, estava com a minha cama dentro.
Suspirei, contei até três e dei meia volta. Eu nem tinha chegado à soleira da porta quando senti sua presença bem atrás de mim.
- Você podia mostrar o prédio, hm? – Perguntou, com um sorriso.
- Argh, se eu soubesse que você era tão babaca, eu não teria desejado te encontrar de novo! – Gritei, enquanto andava pelo corredor. Infelizmente, havia me esquecido que nossos pais estavam conversando amigavelmente na cozinha e os dois casais pararam de falar quando eu gritei.
- Eu disse que eles iam se dar bem. – Laura foi a primeira a se manifestar. O marido deu de ombros, parecendo prender o riso.
- Querida? – Disse meu pai.
Eu provavelmente estava mais vermelha do que tudo.
- Eu vou, hã... mostrar o prédio para o . – Declarei, indo em direção à porta de entrada.
- Desejou me encontrar de novo? – Perguntou , ao mesmo tempo em que eu ouvia "Mas ele já conhece o prédio!", seguido de um repetido, "Eu realmente acertei quando disse que eles se dariam bem". E eu nem precisei olhar para meu vizinho para saber que o sorrisinho zombeteiro estava lá.
- Claro que não. Era modo de falar. – Retruquei, mesmo sabendo que ele sabia que era mentira.
- Ah, vamos lá, , nós dois sabem...
- Aqui, é o nono andar! Bem- vindo ao nono andar, senhor , temos aqui na frente um mecanismo chamado "elevador" e é nele que entraremos agora. – Comecei, abrindo a porta do elevador. Quando olhei para meu Gael particular de novo, uma de suas sobrancelhas estava arqueada.
- O que diabos você está fazendo?
- Te mostrando o prédio, dã. Entra, vamos descer. – Ele revirou os olhos, mas entrou.
- E eu sei o que é um elevador. – Disse simplesmente. Okay, acho que meu vizinho ainda não conhecia o termo "ironia". Dei risada, mas não falei mais nada.
Chegamos ao térreo e pela primeira vez conversamos. Conversamos de verdade. Sem sarcasmo ou coisas assim. Ele me falou como era em Londrina, a cidade que ele morava e como foi difícil abandonar tudo e vir para São Paulo de última hora. Falou de seu irmão, que morava no interior de Natal e eu falei do meu, que tinha ido para o Rio de Janeiro por causa da UFRJ. Então ele ficou meio desconfortável e eu mudei de assunto, perguntando o motivo de ele estar em São Paulo. Ele ficou pior, mas pelo menos me respondeu. E eu talvez estivesse surda, mas ele respondeu algo como:
- USP.
Quer dizer, ele estava falando da USP? Universidade de São Paulo? Cuja prova eu fui super bem, mas só porque era treineira? Que, por um acaso, era o mesmo vestibular do qual eu vi ele sendo expulso? Céus, como ele podia estar na USP? Na verdade eu tenho certeza que ouvi errado, ele tinha que ter 17 anos, como eu!
A conversa estava legal até, e eu estava realmente começando a gostar dele, quando este tirou um cigarro do bolso.
E fez pior: Acendeu.
- Oh, por favor, me diga que você não fuma! – Ele me olhou de soslaio, ainda sem colocar o cigarro na boca.
- Eu não fumo. – Disse.
Lancei um sorriso para ele. Na verdade, eu ri.
- Ah, é tipo o Gus de "A culpa é das estrelas", né? Coloca o cigarro na boca, mas não fuma. É uma metáfora para a morte. – Falei, arrancando uma risada dele.
Mas ele arrancou minha alma quando colocou o cigarro na boca e deu uma senhora tragada. E ainda jogou a fumacinha na minha cara.
- Você disse que não fumava! – Falei, depois de tossir meu pulmão. Ele deu de ombros.
- Foi você que me pediu pra dizer.
- E se eu pedisse para parar de fumar, você pararia? – Perguntei, com um fundinho de esperança.
- Não.
- Você pode morrer, sabe disso, né?
- Sei, mas e daí?! Vou morrer de qualquer jeito. – Retrucou. Ele parecia meio bravo agora.
- Sim, mas você meio que está antecipando sua morte e... Onde você vai? – Perguntei quando o vi se afastando de mim.
- Para um lugar onde não tenha uma consciência me enchendo o saco. – Falou, enquanto andava para longe de mim.
- Mas nosso tour ainda não acabou! Você... Você nem conheceu o playground! – Reclamei, correndo muito para chegar até onde ele estava.
Quando o alcancei, ele deu uma risadinha fria e jogou a fumacinha na minha cara de novo.
- Eu é que digo quando acaba. E já acabou sim, vizinha. Até o mais ver. – Despediu-se, dando uma acenadinha.
E eu fiquei lá, parada no hall de entrada com a maior cara de bunda, tentando entender o que tinha acontecido hoje.
Cada doido que aparece na minha vida...
Eu mereço, sei disso.
Dia 2
- Vai se atrasar, querida. – Apressou meu pai, mesmo que eu, na verdade, estivesse adiantada.
Respondi com uns resmungos pouco compreensíveis por causa da pasta de dente na minha boca e acenei para que ele esperasse, mesmo que meu pai não fosse capaz de ver através da parede. Quando terminei de escovar os dentes, fui ao meu quarto pegar minhas apostilas e meu carregador e meu livro e minha...
Onde estava minha carteira?!
- ! – Foi a vez da minha mãe.
Meu Deus, eles precisam aprender que eu não funciono sob pressão. Carteira, carteira, carteira...
- Não esquece de pegar uma blusa! Grunhindo e chegando à conclusão de que teria que roubar o lanche de alguém hoje, só peguei a primeira blusa que eu vi na frente e deixei meu quarto, berrando um "Tchau, mãe!" enquanto saía apartamento afora.
Não achar a carteira quando estava precisando era um tremendo de um azar. A vida mostrou que eu estava errada quando, sem querer, sentei em cima da minha blusa ao subir no carro e senti um troço duro na minha bunda e, ao me levantar para investigar, minha carteira foi revelada. Satisfeita, a guardei na bolsa depois de conferir o dinheiro e meu pai abriu a porta do carro e entrou.
- Você nem tomou café. – Comentou, pegando os óculos de sol. Meu pai nunca dirigia sem óculos de sol, mesmo que agora fossem exatamente seis e dezenove da manhã e não tivesse sol nenhum do lado de fora. Vai entender.
- Sem fome.
- Dormiu bem? – Perguntou, arrumando o retrovisor. Acho que já deu para perceber que meu pai tinha um tipo de ritual no carro antes de finalmente dirigir.
- Sim.
- Que bom, querida.
Eu posso explicar meu silêncio. O negócio é o seguinte: antes das sete, eu não falo. E meu pai não era exceção a essa regra.
Cheguei à escola atrasada, graças a mim mesma, e Renato tirou a bolsa dele da carteira que estava atrás de Let para que eu me sentasse. Eu bem ia dizer um "olá" monossilábico, talvez mudo, para meus amigos, mas a professora Fátima entrou na sala naquele exato momento, me poupando de interagir com quem quer que fosse.
- Bom dia, tchurma! – É, ela falava desse jeito mesmo. Como se estivéssemos na quarta série, ou terceira. – Antes de começar a aula, quero lembrar da doação de roupas ao orfanato. Levanta a mãozinha quem se voluntariou para ajudar a levar as roupas.
Meio rindo, Victor, Anna, Let, Renato, Rafa e eu levantamos as nossas mãozinhas, ao mesmo tempo em que mais três garotas na frente da sala.
- Ótimo. Não se esqueçam de dar seus nominhos na secretaria, docinhos. – Completou, nos olhando por cima dos óculos. Foi a deixa para abaixarmos as nossas mãos... zinhas. Eu gostaria de dizer que a professora Fátima era uma senhora fofa com cara de vovó, mas na verdade, ela não tinha nem trinta anos. Alô, tia, todos nessa sala tem entre dezesseis e dezessete anos, se toca!
- Bom, vamos lá. Gostaria que meus lindinhos abrissem na página quarenta e três. Vamos começar fazendo uma pecinha, que tal? Vem cá, Juliana, você vai ser Anna Bolena. E você, querido Renato, vai ser o...
E já dá pra ter uma ideia de como é a aula dela. Bem, é uma aula bastante divertida se você considerar que é história, mas ainda não havia passado das sete e, portanto, para mim nada seria divertido até o relógio virar.
Depois do intervalo, andei até minha sala, fiquei confinada naquele mesmo espaço por um longo tempo e só quando fui liberada que me perguntei onde estaria meu vizinho. Será que ele havia cabulado? Ele chegou ontem, talvez ainda estivesse se recuperando da viagem e coisas assim.
Quando voltei ao apartamento, porém, não dei mais de cara com ele.
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Let: Oxe, da onde?
: Nós três fizemos a FUVEST no mesmo prédio ano passado
Let: Ah. Que coincidência
Anna: Isso é destino! Haha 😍
Victor: Pqp que coincidência
: Ai gente, meu pai tá chamando.
Bloqueei o celular e fui ver o que meu pai queria.
Pensei em , e na nossa conversa de ontem. Ao longo da tarde imaginei que ele, seu sorrisinho babaca e suas respostas engraçadinhas iriam dar o ar de sua graça, mas isso não aconteceu.
Fiquei esperando por muito tempo, e como não rolou, resolvi desencanar.
Ele deve ter fugido de casa. Deve ter cabulado. Deve ter voltado para o Paraná. Não sei.
Aliás, por que eu estou tão interessada?
Dia 3
No terceiro dia já estava mais ou menos conformada.
- Filha, está aqui! – Gritou minha mãe. Eu tinha acabado de chegar da escola, estava descabelada, fedida e pior: de lingerie. Mas mesmo assim, fiquei feliz e dei um gritinho quando recebi a notícia.
Pois bem, eu disse mais ou menos conformada. Troquei de roupa bem rápido (desnecessariamente rápido) e fui para a sala.
- Olá, badboy. – Falei. Ele riu.
- Olá, little prince.
- Eu não sou princesinha! – rolou os olhos, me analisando.
- Cara, olha como está vestida. E eu olhei. Estava de shorts, uma cropped meio indiana, havaianas e uma faixa no cabelo. Uma roupa bem inocente, eu diria.
- Nada demais.
- Não, isso aí é fruto de alguém que é filhinha de papai.
Foi minha vez de revirar os olhos.
- Que seja. Você está bem?
Ele ficou vermelho. Levou as mãos para o rosto em uma tentativa de disfarçar, mas eu sabia que ele sabia que eu tinha percebido. E foi aí que eu identifiquei outra. Outra sigla. Tinha a sigla M.H e agora, uma outra que era V.S. Quis perguntar o que significavam, mas algo me deteve.
Ele pareceu notar e revolveu que, me explicar as tattos era menos constrangedor do que simplesmente responder se estava bem ou não.
- Isso são siglas.
Eu ri.
- Meio que está óbvio. Vai me contar o que significa?
- Meio que não. Ainda não. Mas elas representam fases da minha vida. Tudo o que acontece vira uma tatuagem.
- Seus pais não ligam? – Perguntei, curiosa. Afinal, meus pais não deixavam nem eu fazer um segundo furo na orelha, quem dirá uma tatuagem.
- De eu fazer tatuagens? – Assenti com a cabeça. Ele deu um longo suspiro. – Meus pais têm a irritante mania de fazerem tudo o que eu quero. Então não, eles não ligam.
- Depois eu que sou a filhinha de papai. – Provoquei, rindo.
me lançou um sorriso triste. Eu tinha vontade de dizer várias coisas, mas decidi por não dizer nada. Ele devia ter os motivos dele. Mas ainda estava intrigada com o fato de não ter nenhum desenho em seus braços, só em seu tronco.
Dei uma risadinha. Quem era ?
Dia 4
Quarta- feira. Faziam exatos quatro dias que eu conheci o e ainda não o vi em nenhum lugar da escola.
Porque será que ele não vai? Talvez seja mais velho. É minha única explicação. Escutei Rafa e mais alguém me chamando, porém fingi que não ouvi. Já se passava de meio dia e quarenta, então eles tinham o direito de me chamar e eu tinha a capacidade para responder, mas não queria. Até que:
- Seu vizinho gostoso está ali no portão.
- Onde?! – Praticamente gritei. Rafa riu e eu percebi que não tinha vizinho nenhum em portão nenhum.
- Vadias. – Resmunguei.
- Estamos tentando te chamar faz pelo menos cinco minutos.
- Está pensando em que, girl? – E essa era a contribuição de Anna para o "vamos encher o saco da ".
- A pergunta correta seria "em quem". – Foi a vez de Letícia ajudar.
- No vizinho badboy delícia dela, é claro!
- Aaaonw, está apaixonada, ? – Exclamou Anna, como os olhinhos brilhando. – Que linda!
Rolei os olhos para todas elas.
- Não, eu não estou pensando nele. – Mentira, eu estava. – E muito menos apaixonada. – Isso era bem verdade. Eu o conhecia à apenas quatro dias, afinal de contas.
- Ela acha que ele vai vir estudar aqui. – Explicou Rafa. Arqueei as sobrancelhas.
- Mas é claro que não acho. Não era isso o que eu estava pensando.
- Estavam se pegando em pensamento, então? – Perguntou Let, fazendo as outras duas rirem.
E quando achei que a sessão "vamos encher o saco da " não ia acabar nunca mais, o sedã preto do meu pai apareceu na portaria da escola. Acho que essa sessão terá um fim antecipado hoje, meninas.
Abri um sorriso triunfante para elas antes de ir até o meu pai.
- Olá, crianças. – Saudou meu pai, abaixando o vidro para poder vê-las melhor. Elas riram.
- Oi, tio Bernardo. – Anna foi a única a se manifestar. Era bem fofinha. Baixinha, com os cabelos pretos bem enrolados e sempre, desde que eu me entendo por gente, ela usa ou um lacinho ou um lenço por cima dos volumosos cachos.
- Tchau, ! – Gritou Let ,quando coloquei meu cinto de segurança. – Mande um beijo pro vizinho gato!
Essa Let não tinha a menor vergonha na cara, mas eu tive que rir dessa. Principalmente pelo meu pai ficar o caminho todo "De que vizinho gato ela está falando, querida?". Eu ri comigo mesma, ignorando a pergunta.
Assim que meu celular pegou o sinal de wifi, milhões de centenas de mensagens apareceram no WhatsApp. Amostras grátis a seguir.
*conversa no WhatsApp*
•Rafa Mozao 💙
Ô menina!
!
Ouuuuu
•Victor
A Rafa tá mandando msg
•TÁ TUDO DOMINADO 🔞🍻
Rafa Mozao: Gente, cadê a babaca da ?😒😒😒😒
Victor: Acabei de mandar msg pra ela, amor, nem ficou azul
Anna: Relaxa, Rafinha, ela nem deve ter chegado ainda.
Pedro: Verdade, ela não liga o 3G na escola.
Rafa Mozao: Lerda.
Let: Vocês falam muito. Deixa a menina quieta
: O que você queeeerrr, Rafaela? 🙄🙄🙄🙄
Renato Zoreba: Do que vocês estão falando?
Rafa Mozao: Me responde no privado
Let: Acho que é pra falar do rolê, .
Let: Aff, chegou atrasado.
Let: A Rafa está procurando a , Renato.
Let: Sinal?
Let: PQP odeio essa TIM 😡😡
Dei risada, ligando para Rafa de uma vez para saber o que ela queria.
- Oi.
- Oi, Rafa.
- Hm.
Ri mais uma vez.
- Menina, que foi que você está desesperada atrás de mim?!
- Ah, é. – A ouvi dando um tapa em sua própria testa. – Escuta, alguma chance de sair hoje?
- Hm, não sei. Para onde?
- Lembra daquele bar de rock que o Pedro falou semana passada?
- Uhum.
- Então, a banda do amigo dele vai tocar hoje. O Pedro disse que eles fazem uns covers bem legais.
- Sério? Aí meu Deus! – Respondi, interessada. – Vou ver com meus pais e já te mando a resposta.
Desliguei sem me despedir, fiz minha cara mais fofa, imitando a Anna, e fui até a sala.
- Papis! Tudo bem? – Perguntei, fazendo um cafuné no seu cabelo. Ele suspirou.
- Para onde você vai hoje?
- Pedro encontrou um bar de rock bem legal.
Ele deu uma risadinha.
- Querida, não é porque deixamos uma vez que agora poderá ir para quantos bares quiser.
- E hoje é quarta feira, não sexta. – Completou minha mãe, entrando na sala.
Fiz um beicinho.
- Pai, não vamos beber. Só queremos ir pela música. – E era verdade, nós realmente não íamos para beber.
Meu pais se olharam, talvez até pensando em negar, mas a vontade de me mimar deve ter falado mais alto.
- Certo, pode ir. Mas com uma condição.
- Obrigada, pai! – Gritei, o abraçando. – Qual?
- Só se uma das meninas dormir aqui. Não quero que volte sozinha. E é só até onze e meia.
Dei um sorriso.
- São duas condições, pai. – Contestei. Ele deu risada, bagunçando meu cabelo.
- É melhor que ficar em casa, hm? – E dizendo isso, esticou os pés e aumentou o volume da TV, dando nossa conversa por encerrado.
*conversa no WhatsApp*
•Rafa Mozao 💙
E aí?
, tá demorando muito!
Vai ou não?
Oi, meu deus. Vou sim, meu pai deixou.
•Rafa Mozao💙
Beleza, sete e meia eu passo aí pra te buscar.
Espera, pode dormir aqui?
Meu pai não quer que eu volte sozinha.
•Rafa Mozao 💙
E ter a sorte de ver de novo seu vizinho?
Ahahaha é claro que eu durmo.
Safada 😂😂😂 vou tirar print e mandar para o Victor
•Rafa Mozao 💙
Manda isso também:
🖕🏼
Empenhei-me de verdade em fazer as tarefas da escola, sabendo que eu sairia mais tarde. Fiquei tão compenetrada que olhei no relógio e já passava das seis.
Corri para arrumar a escrivaninha e separei minha roupa, terminando de me arrumar uma hora depois. Meu cabelo estava mais ou menos bom, então foi muito de boas para dar um jeito nele, prendendo em um rabo de cavalo. Coloquei minha calça jeans escura de cintura alta, uma cropped com manga três quartos, listrada em branca e preta, e minha sapatilha preta.
Quando me declarei pronta, finalizei com um perfume doce e meu batom vermelho queimado favorito, além de um rímel. Senti que estava bem apresentável. Tive uma discussão comigo mesma sobre ir de óculos ou deixá-los em casa, e optei por deixar. Os óculos faziam meu visual ficar nerd.
Exatamente às sete e meia em ponto, o interfone tocou. Dei um tchau animado para os meus pais e corri para fora.
- Onze horas! – Lembrou-me meu pai quando fechei a porta. Percebi que ele reduziu trinta minutos do horário combinado, mas nem falei nada. Ele tinha deixado eu sair, pelo menos.
Rafa já estava me esperando do lado de fora do carro, junto com sua mãe.
- ! Quanto tempo, tudo bem? – Cumprimentou tia Grazi, quando subi no carro.
- Oi, tia!
Tia Grazi era muito legal. Rimos o caminho inteiro até chegar ao bar, e Rafa me informou que seriamos as últimas a chegarem, pois o Pedro digitou o horário errado para o Victor que informou errado pra mim e pra Rafa.
- Prontinho, meninas! Divirtam-se e fiquem longe do álcool! – Gritou pela janela quando a gente saiu.
Rafa e eu demos uma risadinha, caminhando pela calçada. Ah, bem, na verdade, o único do nosso grupo que bebia era justamente o Pedro, que era justamente namorado de Anna, que era justamente a mais fofa da turma. Mas ele não era o que a gente chamaria de "má influência", principalmente se considerar que ele nunca ofereceu ou nos incentivou a beber, nem nada do tipo.
Além do mais, Pedro tinha vinte anos, devia contar para alguma coisa.
- Até que enfim! – Reconheci a nem tão escandalosa Letícia berrando e foi para aquela direção que Rafa e eu fomos.
Assim que observei melhor os componentes da mesa, estaquei no lugar.
- Rafaela do céu, o que ele está fazendo aqui? – Questionei, apontando para com a cabeça. Ela riu.
- Querida, vocês já saíram juntos mais de cinco vezes. Ele é um de nós agora, desencana!
- Ele é o quê?
-Bom, é um de nós o suficiente para alguém ter o número dele e alguém o ter convidado. – Ela parou de rir quando viu minha cara, e então apenas sorriu. – é um cara legal, . Nós gostamos dele. Daqui a pouco vocês podem até entrar no campeonato de beijo!
E dizendo isso, correu até onde estava Victor, que a recebeu com um beijo no pescoço fenomenal. Acho que a marca estava até em mim de tão forte que foi.
Eu tinha passado despercebida até então, mas chamou minha atenção, quando eu, imperceptivelmente, caminhei até onde ele estava.
- Oi, . – Saudou, sorrindo. Sorri de volta, encantada.
Vamos a verdade. Eu gostava do . Eu sempre gostei, mas parecia que nunca iria rolar. Então me aconteceu algo que eu pensei que só acontecesse nos filmes: Nos esbarramos no corredor da escola e meus livros caíram e ele ajudou a pegar. Na semana seguinte, ele pediu meu número e então evoluímos até o que somos hoje. Que seria, hm, ficantes, aparentemente. Ele era legal comigo.
Na verdade, era legal com o mundo todo. Ele era super meigo e simpático, e eu juro que nem conseguia imaginar a mais remota possibilidade dele estar bravo com alguém, de tão fofo que ele era.
-Dormiu bem? – Perguntou, quando me sentei.
- Claro. E você? – Ele sorriu.
- Muito bem. – Coçou a cabeça e olhou para algo que estava atrás de mim. – É a terceira vez que esse garçom vem aqui, mas não sabia o que ia querer. Pode pedir.
- Certo. – E quando virei de costas para chamar o garçom, estaquei no lugar. O garçom em questão não era nada mais nada menos que... ?
- Posso ajudar? – Arqueei as sobrancelhas para ele, rindo. – ?
- Oi! Vou querer suco de laranja. – Ok, ele ficava extremamente sexy com aquele sorriso e naquele avental.
- Sério, quem vem em um bar pra pedir suco de laranja? – Ele desdenhou, rindo. Eu ri também e até deu uma risadinha.
- Eu ?
Ele me mandou mais um sorriso torto sabidinho e se afastou com meu pedido em mãos.
- Quem era? – não parecia com ciúmes, só parecia... Bem, só parecia curioso.
- Meu novo vizinho, .
- Ele parece um gibi humano. – Disse Let, entrando na conversa. Devo ter enrubescido.
- Let! Ele é uma boa pessoa.
Cinco minutos depois, voltou com meu suco, sem nenhum absurdo das piadinhas petulantes. Só com o sorriso petulante, toda vez que passava pela nossa mesa. e eu conversamos muito, mas com os olhares maliciosos do meu vizinho, até mesmo eu percebi o quanto estava aérea na conversa.
Eram dez e meia da noite quando resolvi acabar com a graça de Rafa e dizer que precisava ir embora. Ela fez uma carranca e saiu da mesa para ligar para sua mãe.
Em suma, a noite foi bem legal. A mãe da Rafa nos deixou no meu prédio, e é claro que o senhor Bernardo estava de plantão no sofá e conferindo o relógio.
- Bem a tempo. – Exclamou quando nos viu. – Oi, Rafa. A Maria já arrumou uma cama para você lá no quarto da .
Ah, meu pai... Tão hospitaleiro. Rafa sorriu em agradecimento.
Trocamos de roupa e nos jogamos na cama. O grupo começou a falar, quase todos de uma vez.
*conversa no WhatsApp*
•TÁ TUDO DOMINADO 🔞🍻
Pedro: Esse seu vizinho é legal, .
Let: E gato também 🤤
Renato Zoreba: Ô Letícia? Oi?!
Let: Oi? Ops
Let: Fica com ciúmes não, amor, te amo.
Renato Zoreba: Tbm te amo.
Renato Zoreba: mas vou te bloquear, love
Victor: Bloqueia meeesssssmoooo.
Rafa Mozao: nossa amor, que maldade
Let: pode me bloquear, isso não faz o visinho ser menos gato
Anna: 😂😂😂😂😂😂😂
Rafa Mozao: OOOORRRRA RENATO
: OOOORRRRA RENATO 2
Pedro: OOOORRRRA RENATO 3
Renato Zoreba: Visinho, Letícia? Assim, com "s"?????? viSinho??????
Anna: OOOORRRRA RENATO 4
: Cara, se até a ANNA está te zuando, cê não tem mais moral não
Pedro: 😂😂😂😂 SE FU
Renato Zoreba: a Let escreveu vizinho com s, porque ninguém zoa ela!??????? 😒😒😒😒
Victor: Af
Anna: qual é mesmo o nome dele, ?
Renato Zoreba: Pergunta pra Let 🙄
Let: É , Anna.
Victor: Caraca, sabe até o sobrenome KKKKKKK
Rafa Mozao: sei não hein, ou o Renato fica sem a Let ou o fica sem a 😂😂😂
Tive que parar de digitar para dar um tapa na minha amiga do colchão debaixo, que ria mais que não sei o que.
Só vi um "Gente, a tá me espancando" antes de dizer boa noite e desligar o wifi.
Dia 5
-, qual é a resposta da cinco b? ?
-! – Gritou a voz de Let na minha orelha.
Assustada, só disse a primeira coisa que me ocorreu. – Ah, a Segunda Guerra Mundial.
As pessoas riram, e até o professor deu uma risadinha amarela.
- Tenho certeza que essa é a resposta para alguma coisa da aula de história. – Frisou o professor Marcos, me fazendo enrubescer. – Mas eu só queria saber a tangente de noventa graus. Sabe como é, aula de trigonometria e tal.
Para o meu completo desespero, eu não sabia a tangente de noventa graus. Eis que uma mão se levanta, destacando- se da multidão.
- Não existe tangente de noventa graus, professor. – Falou , me livrando de uma bronca e de mais humilhação.
O garoto sorriu cúmplice para mim, desviei o olhar depois de sorrir de volta. O professor olhou de um para outro, antes de retomar a aula.
- Sim, isso mesmo, . Tangente de noventa não existe e eu vou mostrar o porquê.
E então voltei ao torpor da aula chata com vários círculos e eixos e raios e ângulos que eu não fazia a mínima questão de aprender.
É sério gente, eu sou de miçangas. Matemática não entra na minha cabeça, nunca vai entrar. Nem matemática e nenhuma matéria exata, isso inclui física e química também. Se você quer saber, eu sou tão de miçangas que nem biologia aprendo.
Miçangas nível infinito.
Logo após o professor ter nos liberado (dois minutos antes do sinal bater), fui procurar , porque tinha sido mesmo muito meigo me salvar daquela forma. O encontrei conversando com seus amigos da outra sala que eu não sabia o nome e fiquei em conflito sobre ir chamá-lo ou não.
Foi o próprio quem decidiu por mim.
- Ei, ! – Falou, vindo até onde eu estava. Sorri para ele.
- Oi! Escuta, eu queria te agradecer por... Sabe, ter me salvado lá dentro. Ele gesticulou para um banco, me convidando para sentar. Aceitei, me sentando graciosamente ao seu lado (com isso entenda que eu me joguei no banco).
- Não foi nada. Eu sei que você não manja de matemática. – Ele fez uma pausa. – Bom, nem eu, você sabe, mas o professor estava de costas e nem me viu pesquisando no Google.
Fiquei encarando por uns quinze segundos inteiros e só comecei a rir quando ele sussurrou um envergonhado "É verdade".
- Não acredito que você fez isso! Podia ter sido pego com o celular, sabe disso, né?
- É, podia. Mas não fui. Além disso, foi bom me sentir o príncipe do cavalo branco só por alguns minutos. – Eu juro que fiz o maior esforço do mundo para permanecer com o sorriso, mas não sei se deu certo.
"Príncipe do cavalo branco" era justamente o jeito que eu me referia ao ! Se percebeu alguma anormalidade, não disse nada.
Conversamos mais um pouco, até que o sinal bateu e fomos para a nossa sala.
Depois de mais quatro aulas lindas de geografia e gramática, fui para a portaria com meus amigos esperar meu pai, como sempre fazia. Ainda não havia visto na escola e estava com aquela preocupação boba de que ele não iria estudar lá. Ora, porque ele iria para uma escola mais longe, se essa ficava tão perto do prédio? Não fazia sentido nenhum.
Fiquei mais uns dez minutos de pé esperando meu pai, quando ele mandou uma mensagem dizendo que ficou preso no trabalho e não podia mais ir me buscar.
Bufei, dando tchau para meus amigos e me preparando para ir a pé. Subi uma longa ladeira debaixo de um sol de cinquenta graus e finalmente cheguei ao prédio.
Olha só, eu estava suada, fedida, querendo um banho super gelado, e aí quando finalmente chego ao meu amado 92 do nono andar, dou de cara com . Que aparentemente estava limpinho e cheiroso.
- E aí, vizinha! – Falou, levantando-se do chão. – Fiquei preso do lado de fora, então se quiser fazer uma gentileza...
Eu sabia que ele só estava querendo usufruir da minha boa vontade e do meu delicioso ar condicionado. Não tinha permissão para levar garotos a minha casa quando meus pais não estavam (nem mesmo meus amigos), mas por outro lado, Joana estava em casa hoje, talvez não houvesse problemas. E não houve mesmo, pois minha mãe chegou uns cinco minutos depois de nós e até perguntou a se ele queria almoçar com a gente.
- Hm, claro. – Falou, me dando um sorrisinho.
Minha mãe disse que iria à manicure, enquanto Joana fazia a afabilidade de preparar o almoço e assim, eu e ficamos esparramados no sofá com o ar condicionado marcando dezessete graus.
- Você quer água? – Ofereci, com uma voz meio mole. Ele riu.
- Não.
- Ótimo. Minha vontade de levantar estava em zero por cento.
- Sabe, vizinha, agora me deu uma sede... – Provocou, se levantando do sofá e piscando para mim. Grunhindo, o segui até a cozinha.
Peguei a água gelada dentro da geladeira (avá) e coloquei nos copos de vidro que fez o favor de pegar no armário.
- Por que nunca vai para escola? – Perguntei de repente.
Ele arqueou uma das sobrancelhas.
- Você está louca? Eu não tenho que ir à escola. – Fiquei confusa, sem entender o que ele estava querendo me dizer.
- Oi? Como assim?
- Cara, quantos anos você acha que eu tenho? – Questionou, cético, bebendo um gole da sua água.
- Dezessete? – Ele riu. – Dezoito?
- Eu tenho vinte anos, . Não estudo mais.
- Não?
- Não. Quer dizer, eu vou para a faculdade e essas coisas.
O encarei, surpresa.
- Faz que curso na faculdade?
- Rádio e TV. – Lancei um sorriso.
- Isso é bem a sua cara. E onde você faz faculdade?
De novo, à simples menção de uma pergunta aparentemente inofensiva. levou as mãos ao cabelo em uma demonstração clara de desconforto. Algo me dizia que ele não responderia à pergunta. Eu até ia pressionar, mas meu celular tocou. E era .
- Alô.
- ?
- Oi, , sou eu.
- Ah, sim. – Ele fez uma pausa. Respirou fundo. – Então, liguei para saber se você está a fim de sair.
Oh.
- Hm, quando? – Perguntei, incerta. Ele deu uma risadinha.
- Agora.
- Meio que não vai dar, . Hm, está aqui.
- O vizinho? – Agora sim ele parecia com ciúmes. Que fofo.
- Sim, meu vizinho.
- E você não vai sair porque seu vizinho está ai?
- Aham.
- Poxa vida,. – Ele hesitou, mas parece que não ficou bravo. – Tudo bem, outra hora eu te chamo de novo.
Sorri.
- Claro. – E desliguei.
abriu um sorriso radiante para mim.
- Deixou de sair com seu namorado só porque estou aqui? – Não sei explicar, mas parecia feliz com isso. Parecia... Deslumbrado. Dei risada.
- Sim, mas ele não é meu namorado. E aonde vamos não vai ter ar condicionado. – Brinquei.
Minha mãe voltou junto com meu pai (que também não viu problema nenhum em estar ali) e nós cinco (Joana incluída) comemos juntos.
ficou a tarde inteira comigo na sala, assistimos três filmes seguidos, e apesar disso, ainda conseguimos conversar bastante. Ele zoava meus gostos, mas eu não conseguia zoar os dele, porque eram mesmo muito bons.
No final da tarde, meu pai apareceu na sala para assistir o final do último filme e quando este acabou, foi a deixa para ir embora. O segui até a porta da sala.
- Obrigado, . Foi uma tarde muito interessante. – Falou com a sobrancelha arqueada. Dei risada.
- Obrigada eu. Podíamos fazer isso mais vezes. – Ele alargou o sorriso.
- Certo. – Ele já estava na porta do apartamento noventa e quatro quando soltou a bomba. – E eu estudo na USP.
Foi a última coisa que ele disse antes de fechar a porta. Que tipo de pessoas lança uma bomba dessas e some? , aparentemente.
Com um sorriso, fechei minha porta.
Eu teria que esperar um pouco mais se quisesse mesmo conhecer todos os segredos que cercavam .
Dia 6
Estava esperando na frente da cantina, ele disse que tinha algo para falar comigo. Estava quase achando que iria levar um bolo, quando o ouvi me chamando do mesmo banco que a gente sentou ontem.
- Ei. – Cumprimentei, quando sentei ao seu lado. Ele me surpreendeu ao me dar um beijo no rosto.
- Oi, . – Falou, com um sorriso. Deus, onde clica para esse garoto ser menos fofo?
E onde clica para eu parar de sorrir que nem uma bobona?
- E então?
- Ah. – Ele levou as mãos ao cabelo, exatamente o mesmo gesto que fez ontem quando ficou desconfortável. E eu preciso parar de comparar os dois o tempo todo. Eu mal conheço . – Hm, então, queria saber se hoje você pode sair.
Sorri. É claro que eu podia. Minha mesada estava intacta, hoje era sexta e meus pais estavam amáveis, tinha de tudo para dar certo.
- Com certeza. – Hesitei. – Mas...
- Mas o quê?
- terá que ir junto. – O queixo dele caiu e eu não consegui me segurar, começando a gargalhar. Várias pessoas, em um raio de dez metros, se viraram para nos olhar.
- Boba. – Falou, rindo também.
- Bom, falando sério. Eu tenho que estar em casa às dez.
Ele levou minha mão a sua boca, depositando um beijo fraco ali. Sentia falta de beijar , ah, como eu sentia. A possibilidade de passar a noite inteira pegando ele me deixou satisfeita.
Corei com a audácia do meu próprio pensamento.
- Ótimo. Pode estar na Prudente às seis?
- Sim.
- Então está combinado.
Sorrimos juntos quando o sinal bateu. Eu podia sentir um sentimento se formando ali. Ele parecia real e certo. E eu estava amando isso.
Quando cheguei em casa, fui surpreendida com uma mensagem de no meu celular. Não me lembro de ter dado meu número a ele.
*conversa no WhatsApp*
• +55 53 95645- 9980
Vizinha?
Oi!
Esperei, mas a mensagem dele havia sido enviada há quatro horas e ele nem estava online. Salvei o contato dele e fui fazer outra coisa, tipo, separar minha roupa para sair com mais tarde.
Precisava decidir se era com que queria passar minha noite. Quer dizer, eu meio que tinha me acostumado com e essas coisas, talvez eu tenha até me apegado a ele e tal.
Que seja.
Escolhi minha roupa e liguei o notebook que já estava logado na Netflix para continuar assistindo Teen Wolf sem maiores interrupções (ainda estava com muita vontade de matar Let por ter me viciado nessa série inútil).
Depois de uma hora e meia fazendo vários nadas, resolvi checar meu celular novamente. Ainda estava sem mensagens dele, mas assim que eu travei meu iPhone, uma mensagem brilhou na tela.
*conversa no WhatsApp*
• Vizinho 👑
Qnt tempo
Kkk isso é saudades?
Vizinho 👑
Não mesmo
😂😂😂😂😂 SEI
Vizinho 👑
Não é mesmo. Só achei que você morreria se não visse minha beleza fenomenal hoje,
Daí estou avisabdo que não vou p sua casa
avisando*
E?
Vizinho 👑
E você não verá
minha beleza fenomenal hj
Aham
Acho que é você quem vai morrer se não ver a minha
Vizinho 👑
Negativo
Sim
Vizinho 👑
Não
SIM
Vizinho 👑
NÃO
Tchau, vou sair com
Vizinho 👑
Af, aquele namoradinho
E isso é ciúmes, dear?
Vizinho 👑
PFFF n tenho ciúmes de você
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK e essa foi minha risada de descrença
Tchau
Vizinho 👑
DIVIRTA- SE 🖕🏻
Ainda estava rindo quando desliguei o celular e fui direto para o chuveiro. era um bom amigo. Sim, definitivamente um bom amigo.
- Ainda está me devendo uma Coca, você sabe.
Dei risada.
- Qual é, foi um acidente! – Ele mostrou as covinhas, entregando minha bolsa.
- Eu diria que você fez de propósito. – Arqueei as sobrancelhas, sem entender o que ele dizia. – Foi um truque. Para sair comigo de novo e tal.
Dei risada.
- Olha, eu detesto te desapontar, foi mesmo um acidente.
- Outch! – Falou com uma carinha triste. A essa altura já havíamos chegado à entrada do meu prédio. Dei um sorrisinho levado.
- Mas confesso que te devo uma coca. Vamos sair de novo?
Ele sorriu.
- Quando quiser, linda. – E então se inclinou para beijar minha testa. – Tenha uma boa noite.
- Você também.
Sorri comigo mesma à medida que subia até meu andar. O saldo da noite havia sido positivo.
Um: Meu pai pediu para conhecê-lo, mas felizmente isso não rolou. Menos mal.
Dois: me recebeu com uma rosa. E não era qualquer rosa, era uma rosa feita de chocolate. Hm, ponto para ele.
Três: Ele não inventou moda. Simplesmente fomos ao cinema, assistimos a um filme legal e depois nos enfiamos no Burger King. Essa é minha ideia de "encontro perfeito".
Quatro: Ele não foi meloso. Claro que rolou uns amassos, normal, mas não foi a todo momento. Era só quando pintava um clima. E acredite, isso não aconteceu quando estávamos comendo (não sei como as pessoas conseguem se pegarem em um restaurante. Quem tem capacidade suficiente para se desviar da comida? Claramente, não eu).
Cinco: Foi perfeito em todos os sentidos. Sem mais.
Desci do elevador ainda suspirando que nem uma boba e soube que nada, nem ninguém, poderia me fazer descer das nuvens naquele momento, exceto com um nariz ensanguentado na porta do meu apartamento.
- ? O que houve? Você está bem? – Corri desesperada até onde ele estava, me agachando para ficar na mesma altura que ele.
- Sim, eu... Pode me ajudar? – Perguntou baixinho. Ele estava suando muito, estava pálido e estava sangrando. Levantei-me, prestes a bater na porta do seu próprio apartamento, me perguntando por que diabos ele não fizera isso antes. Mas seu braço me deteve. – Por favor, não chame eles. Só... Me ajuda.
Eu não fazia ideia de como podia ajudá-lo, mas assenti preocupada e abri a porta de casa para que ele entrasse. O guiei direto para o banheiro de hóspedes e pedi para ele tirar a blusa.
- Como nos velhos tempos, hm? – Ri, encantada que ele podia estar fazendo piadinhas em um momento como esses.
- Apenas tira essa camisa, .
- Hmmm, é assim que eu gosto... Mandona. – Falou, fazendo uma careta. Não aguentei ficar sem rir de novo. Dei um tapa em seu peito desnudo quando ele se livrou da camisa. – Ui, violenta também.
- Você está parecendo um bêbado. – Ele deu de ombros. – Tá, que seja. Senta aí na privada.
sentou, mas como eu estava em pé seus olhos ficaram bem na altura dos meus seios. Ele sorriu e me lançou um olhar mortalmente malicioso. Eu sabia que ele estava fazendo gracinha, então só revirei os olhos.
– Cale a boca.
Peguei uma gaze na maletinha de primeiros socorros e limpei todo o sangue da sua cara, mesmo que ele não tivesse parado de tentar sair de seu corpo. Era muito sangue. Até no pescoço dele tinha sangue. ainda estava suando e quente, percebi que era febre. Que tipo de pessoa passando tão mal ainda conseguia ficar fazendo gracinha?
Em algum momento o sangue parou de jorrar e foi seguro limpá-lo completamente. Aquela situação estava longe de ser constrangedora, mas eu queria saber porquê diabos estava sangrando e porquê eu não podia chamar seus pais.
Quando o declarei limpo, fui até a cozinha pegar um comprimido e um copo d'água que ele engoliu sem fazer perguntas. Levei um pálido e suado até a sala, pedindo para ele permanecer no sofá e corri para a lavanderia em seguida. Lavei o sangue que tinha ficado em sua camisa e coloquei na secadora.
- Ei, sua camiseta está secando. – Falei, quando entrei na sala. piscou.
- Certo.
Sentei-me ao seu lado e coloquei minha mão em cima de sua perna. Um gesto de conforto, ou assim pensei.
- Obrigado, . Por tudo. – O escutei falar um tempo depois.
Sorri.
- É isso que os amigos fazem.
- Isso que eu sou? Seu amigo? – Perguntou, se virando um pouco no sofá para me olhar.
- É, se quiser ser.
Ele sorriu.
- Eu quero ser seu amigo.
- Ótimo. – Dei um dos meus fones de ouvido para ele. – Aqui, escuta essa música comigo.
Ele aceitou o fone e seus olhos brilharam.
- We built it up so high and now I'm falling, it's a long way down. – Cantou, junto com a música.
Era One Direction (culpem a Let de novo, sou inocente). Como ele poderia conhecer uma música do One Direction?
Arqueei uma sobrancelha para ele, que riu.
- Yeah, digamos que eu tenho uma quedinha por gaybands.
- Você sabe que seu posto de badboy já era, né? De verdade, já era. – Ri.
- Ah, c'mon, não fale para ninguém. – E ele parecia mesmo constrangido.
Coitadinho.
- Não vou falar. Só vou usar isso como suborno para conseguir tudo que eu quiser a partir de hoje. – Ele rolou os olhos e eu sorri, satisfeita, me levantando para ver se a camiseta dele já tinha secado.
E tinha. Joguei a camisa na cara dele (gentilmente, é claro) quando voltei para sala e pude ver os olhos dele brilhando de gratidão. A cor voltou ao seu rosto, para o meu alívio. Ainda assim, ele parecia um pouco magro.
- Bom, já vou indo.
- Okay.
Ele se aproximou de mim e me deu um beijo na bochecha. Já estava se afastando quando voltou e me envolveu em um abraço.
- Obrigado por tudo, . – Sussurrou em minha orelha.
- Não há de que. – Sussurrei de volta. Ele deu um sorriso triste e foi embora, fechando minha porta com cuidado ao sair.
Deixando-me sozinha com minhas músicas chorantes de boybands estúpidas.
Dia 7
A prova.
Foi isso que meu cérebro registrou quando acordei naquela linda manhã de sábado, com passarinhos piando na minha janela no maior estilo Branca de Neve.
Exceto que faltou eu estar no bosque, ter um Bambi adorável para me lamber ao acordar e não ter prova para fazer.
Branca de Neve, sua sortuda.
Joguei-me para fora da minha cama e fui me arrastando pelos corredores para chegar até a cozinha. Meus pais não estavam lá, talvez estivessem no clube. Bem a cara deles, me abandonar aqui, a mercê da minha própria sorte. Sozinha, abandonada, com fome...
Decidi parar de ser uma Drama Queen mental e depois de comer meu café da manhã, troquei de roupa e me enfiei debaixo dos livros. No sentido literal do termo, sabe como é, vários livros espalhados pela minha escrivaninha e essas coisas.
Estava achando meu celular quietinho demais, porém assim que tive tal pensamento, ele vibrou. E não com uma, mas duas mensagens, de duas pessoas diferentes.
Respirei fundo, contei até dez e rezei para estar tomando a decisão certa.
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• 😍
? Dá para devolver minha coca hoje à noite?
Oi! Não vai dar, tenho prova segunda Quem sabe outro dia? BJ
• Vizinho 👑
Posso ir aí?
A porta tá aberta
Meus pais sabiam que visitava nosso apartamento com frequência, então nunca falaram nada sobre ele não ir mais lá sem a presença deles.
- Isso definitivamente não é seguro. – Falou , assim que apertei o enter.
- Cara, você tem a senha do meu Wi- Fi?
Ele deu de ombros.
- Somos muito íntimos, vizinha. Ri.
- Conta outra.
- Vai sair com seu namoradinho hoje?
Arqueei minha sobrancelha esquerda, desconfiada.
- Nop. Tenho que estudar. E ele não é meu namorado.
- Hoje é sábado. – Contestou. – Vocês vivem juntos, ele é seu namorado.
- E daí? Ainda assim tenho que estudar. – Respirei fundo, sorrindo. – Ele não é mesmo meu namorado.
Ele suspirou.
- Por que me deixou entrar, então, se você tem que estudar?
- Eu não sei. Meu sexto sentido me diz que você pode ser útil. Surpreenda- me, vizinho. – Comentei, apontando para uma segunda cadeira na minha escrivaninha.
- Você nem faz ideia... – Sussurrou com um sorriso sacana.
Para minha eterna surpresa, apesar de fazer um curso bem simples na faculdade, ele estava longe de ser de humanas. Pelo contrário, dominava as ciências exatas de uma maneira maravilhosa.
Explicou tudo que eu não havia entendido e tinha uma paciência infinita quando eu repetia errado algo que ele tinha acabado de me ensinar. Ele só ria e me explicava de novo.
- Você não fica bravo quando respondo errado?
Ele sorriu.
- A vida é muito curta para perder tempo com isso. – Falou ele, colocando a resposta do exercício no espaço em branco da página.
Foi um sábado de estudos que realmente rendeu muita coisa. E ainda descobri que era bom em matemática, quem diria?
Depois do estudo, minha mãe fez um bolo de chocolate para nós e aí fomos para o nosso programa preferido que era se esparramar na sala e assistir um filme qualquer.
Minha mãe possuiu o notebook e eu estava com preguiça de conectar a Netflix na TV, portanto, assistimos a um filme que estava passando na TNT. Muito chato por sinal.
No meio do filme comecei a tirar foto dele e postar no Snap, coisa que o fez ficar bravinho e me fazer cócegas como castigo.
Tirei uma foto nossa pela câmera frontal. Eu estava horrível, mas ela tinha ficado tão fofa, tão espontânea. Ele estava com uma almofada em cima da cabeça, prestes a jogar em mim e eu estava olhando para a câmera com uma expressão de socorro.
- Vou revelar essa. – Falei, mostrando para ele a foto em questão.
Ele riu.
- Desde que não seja para mandar para mim, está tudo bem.
- Ah, por que não? Ficaria tão fofa na sua escrivaninha! – Comentei, salvando a foto na galeria.
-Querida, eu não quero ter um ataque cardíaco toda vez que acordar ao ver essa sua cara feia.
Joguei uma almofada na cara dele.
- Babaca.
Assim foi meu sábado.
E em meu coração, eu sentia que queria que todos os meus sábados fossem exatamente iguais aquele.
Dia 8
-? Está pronta? Let e Rafa estão lá na sala. – Falou minha mãe, entrando no quarto.
Eu estava equilibrada na ponta da minha cama, pegando minha boneca favorita que ainda estava dentro da caixa, em cima do guarda roupa. Minha mãe pareceu preocupada.
- Querida, o que vai fazer? – Puxei a caixa com as pontas do dedo e desci da cama.
- Vou doar.
- Mas você adora essa boneca. E tinha toda aquela história de querer passar de geração em geração e...
- Mãe.
- O quê?
- Eu quero fazer isso. Sabe se lá quantas meninas ficaram sem presente de natal e... Eu nem brinco mais com ela. – Argumentei, encarando a boneca pelo plástico da caixa. – Só acho que alguém precisa mais dela do que eu. E quanto a passar de geração em geração... Bem, generosidade. É isso que eu espero passar.
Minha mãe sorriu e seus olhos estavam meio aguados.
- Estou tão orgulhosa de você, . – Falou, me abraçando.
- Mãe, são só sete da manhã, vamos deixar a gayzice para mais tarde. Quem sabe nunca? – Brinquei, dando um beijo em seu rosto e saindo do quarto.
- Que linda! – Exclamou Rafa quando apareci na sala. Corei.
- Bom, estou tão normal quanto sempre, mas obrigada, Rafa.
Let riu e Rafa fez uma cara de "WTF?".
- O quê? Eu estava falando da boneca, idiota.
E aqui está a mais pura essência da fofura, senhoras e senhores!
Rolei os olhos.
- Que seja. Estão prontas? Querem tomar café?
- Não, obrigada. Já tomamos na padaria.
- Podemos ir, meninas?
- Com certeza, tia Maria. – Concluiu Let quando nenhuma de nós falou mais nada. Minha mãe nos despachou para fora de casa e trancou a porta do apartamento.
- Cadê a Anna? – Perguntei a Rafa quando estávamos do lado de fora.
- Disse que o Pedro a levaria.
Passamos o caminho em silêncio embora já passasse das sete e, portanto, eu poderia muito bem falar. O caso é que era domingo, e domingo, principalmente um domingo muito escuro, frio e chuvoso, não era o tipo de dia que inspirava as pessoas a conversarem, mesmo que fossem minhas melhores amigas.
- Deixo vocês aqui. Vão voltar de ônibus?
- Se a malha de transportes de São Paulo assim permitir, com certeza. – Falou Let, com uma pitada de ironia na voz. Minha mãe riu, desejando que nos divertíssemos.
A professora Fátima estava nos esperando na entrada do local junto com Victor e Renato, ambos com a maior cara de sono, e mais algumas outras pessoas do ensino médio. Anna estava um pouco afastada, conversando com Pedro e eles pareciam estar tendo algum tipo de discussão. Fiquei preocupada, mas logo abandonei o pensamento quando os vi aos beijos.
- não vai vir?
- Hm, ele não falou nada.
- Você o chamou? – Perguntou Let, interessada.
- Deveria? – Pergunta errada. Levei um tapa na testa, vindo de Rafa.
- Ai!
Ela revirou os olhos.
- Lerda.
Nesse momento, professora Fátima nos chamou, e acredite ou não, nos pediu para fazer uma fila. Menores na frente e maiores atrás.
Eu sei, inacreditável.
Entramos na construção bem acabada (no bom sentido) que era o orfanato. Era bem moderno, parecia quase recente. Claro, aberto, agradável.
Quando chegamos ao que parecia ser uma recepção, uma senhora de aparência amigável se inclinou para nos receber.
-Sejam bem-vindos, e mais uma vez, obrigada por se voluntariar. Vocês podem deixar as roupas dentro daquela caixa no fundo da sala, e se quiserem conhecer as crianças, elas já estão acordadas naquela sala atrás da grande porta ali. – Essa mulher sim, tinha cara de vovó legal. Será que ela topava ser a nova professora Fátima?
Muitas pessoas deixaram as roupas e foram para o lado de fora, mas Anna e Let me olharam com um sorriso fraco e eu entendi que era para a gente entrar lá. Suspirando, a coração de pedra, vulgo Rafa, se virou e nos seguiu. Deixamos as roupas dentro da caixa, como a senhora instruíra, e fomos até a grande porta de madeira. Enfiei a boneca debaixo do braço e assim que Anna empurrou a porta, entramos.
As crianças pareciam estar brincando (onde arrumavam energia aquela hora da manhã?) e estavam todas uniformizadas, porém pararam assim que nos viu.
Anna sorriu, hesitante.
- Hm, oi!
- Oi! – Responderam todas as crianças, em uníssono. E depois dessa fatídica receptividade, elas voltaram a seus afazeres infantis.
Anna e Let se enfiaram lá no meio, brincando com algumas crianças de pega-pega, e Rafa (depois de rolar os olhos, que eu vi), ensinou a uma garota a maneira correta de lançar um dardo. E elas viraram melhores amigos depois disso. Eu ainda estava na minha, vendo tudo à distância, quando a vi.
Uma garota sozinha, um pouco menor que as outras. Parecia ter uns seis, talvez sete anos. Ela estava em um canto, de cabeça baixa, fingindo que era invisível. Pior, querendo ser invisível.
- Ela chegou aqui faz pouco tempo. – Falou a senhora da entrada, subitamente aparecendo do meu lado. Tentei disfarçar o susto, mas acho que ela percebeu. – A família morreu em um incêndio e não havia mais ninguém para ficar com ela. O nome dela é Yana.
- Eu posso... Posso falar com ela? A senhora sorriu.
- Você pode tentar. Mas não posso garantir que ela vai te responder. Yana nunca fala com ninguém aqui.
Algo em meu coração me dizia que eu tinha que ir até lá, precisava ao menos tentar. Fui me aproximando da garotinha. Conforme fui chegando mais perto, percebi que ela era muito mais nova do que eu imaginei. Tinha provavelmente quatro ou cinco anos. Seu cabelo era castanho e todo enroladinho, sua pele era bem escura e seu rosto oval trazia consigo um beiço carnudo e rosado. Os olhos eram pretinhos e redondos. Eu vi muita tristeza neles.
Ela me viu chegando e se assustou, por mais que eu estivesse me aproximando muito vagarosamente. Levantei minha mão em um gesto automático, como quem diz para não ter medo, mas de minha boca não saiu som algum. Vi sua mão gordinha cobrir seu rosto, comprovando minha triste teoria de que ela não queria ser vista.
- Yana? – Chamei, chegando mais perto. Ela se assustou mais, indo para trás, embora já estivesse encostada na parede. Parte de mim cogitou desistir, mas ela era tão adorável que eu não queria deixá-la para trás. – Ei. – Falei, sentando- me ao seu lado.
Ela se mexeu, inquieta, e afastou um pouco as mãos gordinhas para poder me ver. Lancei um sorriso para ela, que para minha grande surpresa, sorriu de volta. – Eu estava limpando o meu guarda roupa e achei isso. – Comentei, entregando a boneca.
Os olhinhos pretos dela brilharam e bem devagar ela esticou os braços para pegar a caixa da minha mão. Era uma criança como qualquer outra, afinal.
- Obrigada. – Disse, mostrando um sorriso com uma janelinha embaixo.
- De nada! Por que não vai lá brincar com as outras? – Ela parou de sorrir por um momento, olhando para baixo.
- Não gosto. Brinco sozinha com ela. – Explicou, me apontando a boneca que acabara de ganhar. Dei-lhe um sorriso.
- Está tudo bem. Eu vou embora agora, posso te abraçar? – Pedi, bem hesitante. Eu só tive tempo de respirar fundo quando Yana jogou seus braços ao redor do meu pescoço.
- Tenha um bom dia. – Disse, sorrindo e em seguida, sentou-se no chão onde estava e com cuidado, tirou a boneca da caixa. – O nome dela vai ser Makaila.
- É?
- É. Era o nome da minha irmãzinha. – E dirigindo-se a boneca, falou: – Eu vou cuidar de você direitinho.
Sorri novamente, com uma sensação boa de dever cumprido. Se todos pudessem ver a alegria que essa garotinha sentiu... Anna e Let me chamaram para ir embora, mas antes perguntei onde era o banheiro.
Passeando pela bela casa, e antes de finalmente encontrar o banheiro, escutei uma música muito bonita vinda de umas das salas. Minha parte ajuizada me dizia para escutar de onde eu estava, mas a parte curiosa insistiu para eu ir ouvir de mais perto. E foi isso mesmo que eu fui fazendo, até encostar o ouvido na porta.
Mas é claro que graças a meu incrível e grande carma que é o azar, porque aparentemente eu tinha colado chiclete na cruz na vida passada e estava sendo punida, acabei apoiando todo meu peso na porta e o que não era para ter acontecido, aconteceu: A porta se abriu, o que me fez cair de cara no chão. A música parou e eu pude sentir o olhar de todos os presentes sob mim.
E depois de três segundos de silêncio mortal, a risada começou de uma vez só.
Resisti ao impulso bobo de ficar batendo minha testa no chão até fazer um buraco e ir para a China, até que levantei a cara e vi . Que, olha que novidade, estava rindo da minha cara, junto com os demais presentes na sala.
- ?
- Oi. – Respondi rabugenta, me levantando sozinha do chão. Nem ajuda ele ofereceu. Babaca.
- O que está fazendo aqui?
- Voluntária. E você? – Ele sorriu.
- Voluntário.
- Certo.
As crianças, que já eram bem maiores que as do salão, com seus onze anos, olhavam de um para outro com uma certa curiosidade no olhar. suspirou.
- Pessoal, essa é minha curiosa vizinha, . Eu já peguei ela me olhando enquanto eu tomava banho.
Eles riram e eu fiquei um pouco, talvez muito, vermelha.
- Minha janela nem dá para seu banheiro. – Retruquei, achando um pouco de graça também. Ele só riu, cruzando os braços por cima do violão. Olhei para baixo. – Eu lamento, muito, por ter atrapalhado a aula. Hm, tchau.
Ele tinha uma expressão diferente no rosto. Parecia mais cansado, talvez nem estivesse dormindo direito, mas ali estava ele, ensinando crianças pequenas a tocar violão. Eu nem sabia que ele tocava violão. Ou cantava.
Quem eu quero enganar?
Eu não sabia nada sobre ele. A cada dia eu descobria algo novo. Descobria sua idade, seu gosto musical, seus defeitos, suas qualidades. E hoje descobri que ele é muito bom em me surpreender.
Eu não queria ir embora, mas não podia simplesmente pegar uma cadeira e sentar. Estava quase saindo, quando ele falou com uma voz rouca e baixinha:
- Fica comigo até o fim da aula.
E eu fiquei.
Até o fim.
Dia 9
Passei a manhã inteira evitando o . É, também não sei o porquê.
Rafa disse que eu estava bem aérea durante a aula, Let me chamou três vezes antes de eu finalmente respondê-la, e Anna precisou me furar com a ponta da caneta para eu prestar atenção no que ela falava. Minha prova estava até fácil, mas sem querer, disse uma das respostas em voz alta quando Victor me chamou, e quase fui parar na diretoria. Para ter uma noção da minha situação, Renato escondeu meu celular na primeira aula e devolveu quando meu pai estava virando a esquina para eu ir embora.
Ele tinha pegado meu celular e eu nem havia percebido de tão lenta que estava naquele dia.
E o motivo era um só: .
Ontem ele estava diferente dos outros dias. Parecia mais cansado, mais pálido, mais magro, porém de alguma forma, seu sorriso estava mais claro, seus movimentos mais vivos e ele estava inspirando uma felicidade que nem eu mesma sabia de onde vinha. Tinha alguma coisa acontecendo com ele. Isso era um fato.
E eu não descansaria até descobrir o que era.
Assim que cheguei ao apartamento, corri para dentro a fim de pegar o sinal do Wi-Fi, mas para minha grande decepção, não havia mensagens de e ele não estava online. A última mensagem tinha sido a minha, um solitário "Tenha uma boa noite você também". Dei de ombros.
Fui ao meu quarto, troquei de roupa e fingi que estava tudo certo. Almocei com meus pais, mas não escutei o que eles conversavam. Apenas comi.
Veja bem você: Eu não estava apaixonada por . Eu saberia se estivesse e eu não estava. O que sentia por ele era tão grande que fugia do interesse amoroso da coisa. E olha que eu só o conhecia há nove dias.
Quando deu três horas da tarde e ainda estava sem mensagens dele, resolvi ligar. Liguei três vezes e apesar de ter chamado da primeira vez, as duas seguintes caíram direto na caixa postal, como se ele tivesse ignorado minha ligação de propósito e desligado o celular em seguida.
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• 😍
E a minha coca?
Sorri ao ver a insistência de nessa coisa toda. Respondi a ele dizendo que a gente podia se encontrar na sorveteria de sempre e corri para tomar banho. O frio de ontem passou muito rápido e São Paulo voltou ao seu maravilhoso calor de cinquenta graus.
Coloquei uma regata, um short e meu chinelo, amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo e corri porta fora, depois de deixar um bilhete "Fui até a sorveteria, volto logo e te amo" para minha mãe.
Antes de pegar o elevador, bati na porta do noventa e quatro, mas ninguém estava. Franzi a face, mas deixei para lá. Estava quase trancando a porta quando vi uma mensagem de Rafa.
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• Rafa Mozao 💙
Pedro disse que viu seu boy saindo do bar
Junto com a polícia
Oi?! Queria muito saber a fundo essa história, mas não tinha tempo. Apenas tranquei a porta e sai, sem responder minha amiga.
- Olá! – Cumprimentei com uma acenadinha quando cheguei à sorveteria. Ele sorriu para mim, acenando de volta. Fui até onde ele estava. O filho da mãe já estava comendo.
- Nem me esperou? – Reclamei, com um biquinho.
- Não. Mas... – E aí ele apontou para um sorvete super chique na frente dele. – O seu já está aqui. Perdoado?
Baguncei o cabelo dele, sentando ao seu lado e puxando o sorvete até mim.
- Claro que está.
Ficamos conversando por mais umas duas horas, até meu pai ligar e pedir gentilmente que eu voltasse para casa.
E assim eu fiz, depois de um beijo de cinema espetacular na entrada do prédio.
Na volta para casa, porém, não resisti. Eu tropecei e quando fui ver, nossa, já tinha tocado a campainha do 94.
Nossa, uau.
- ?
Finalmente algum humano naquele lugar!
- Oi, Laura. Hm, o está? – Ela deu um sorrisinho mínimo e se afastou para eu entrar.
- Claro. Vira à esquerda, última porta do corredor.
A casa deles ainda estava cheia de caixas fechadas, mas era, claro, bem parecida com a minha e dessa forma o quarto dele ficava exatamente no mesmo lugar que o meu.
- ? – Chamei, batendo na porta. Ele não respondeu, mas eu sabia que ele estava lá. – Vizinho?
- ? O que está fazendo aqui? Vai embora. – Resmungou baixinho. Ouvir aquilo doeu, mas não desisti.
- Estou te procurando desde quando cheguei da escola. Me deixa entrar. Por favor. – Pedi, calmamente. Esperei mais uns dois ou três minutos atrás de sua porta e quando estava prestes a ir embora a porta abriu.
estava horrível. O queixo arranhado, o olho roxo, o galo na testa. Parecia que tinha sido atropelado.
- Mas o quê...?
Ele rolou os olhos.
- Me meti em uma briga. No bar.
Suspirei, me jogando na cama dele.
- Está de castigo? – Ele riu.
- Castigo? Eu tenho vinte anos de idade, .
- E ainda mora com seus pais. – Alfinetei, revirando os olhos. Ele coçou a cabeça, mas não pareceu envergonhado. Só triste. – Eu não quis dizer isso...
- Não, está tudo bem. – Ele hesitou. – Eu estou bem, . Não precisa se preocupar comigo.
Encarei o chão.
- Certo. Bom. Então já vou indo. – Ele sorriu, vindo até mim e beijando meus cabelos. Tinha uma certa tristeza no gesto.
- Vai lá.
Cheguei em casa ainda meio atordoada. Tomei outro banho, conversei um pouco com meus pais, apaguei a luz do quarto e peguei um pouco meu celular antes de ir dormir.
E ela estava lá, clara e objetiva. Poderia ter sido uma mensagem fofa, por isso fingi que não reparei nas figuras obscenas no final dela. E depois de lê-la e sorrir, guardei o celular e me afoguei na inconsciência.
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• Vizinho 👑
Boa noite, , sonhe com coisas boas 🍌🍆🌶
Dia 10
- Alô.
- Querida!
- Você está parecendo gay falando. – Comentei, desamarrando meus tênis ao mesmo tempo que equilibrava meu celular na orelha.
- O quê? Ninguém te contou ainda, meu bem? – Falou com a voz afetada.
- Seu posto de badboy caiu de vez.
- Que preconceito! Por que não pode existir um badboy gay? Um... Badgay? – E ele riu com a própria piada. Incrível como ele fazia aquilo.
- , acabei de pisar em casa. O que você quer? – Perguntei, sentando na minha cama e encarando meu ursinho de pelúcia Caramelo (sim, é esse o nome dele).
- Te compensar por ontem. Vamos lá pra baixo?. – Respondeu, dessa vez com sua voz normal.
- Você vai fumar?
- Não, prometo que não.
Suspirei, tirando as meias e calçando o chinelo.
- Certo, estou descendo.
E assim que eu desliguei o celular, escutei uma batida na porta. Dou uma jujuba de uva para pessoa que acertar quem era que estava do outro lado.
- Cara, será que eu posso almoçar? – Perguntei para , que já foi entrando como se fosse de casa. E ele era mesmo.
- Acho que te ouvir dizer que já estava descendo... – Disse, sentando na mesa da cozinha. Isso, sentando na mesa.
- Tira essa sua bunda ossuda da minha mesa e senta na cadeira. – Pedi, pegando a alface na geladeira.
- Mas... E se eu não quiser?
Rolei os olhos.
- Argh, morre, .
Ele ficou quieto e eu percebi que ele tinha ficado bem triste, pelo seu semblante.
- Talvez o que você queria aconteça mesmo. – E saiu da mesa, mas não para se sentar na cadeira.
Foi para ir embora.
- Ei! – Gritei, correndo atrás dele. – Desculpa, só falei brincando. Eu jamais iria querer que você morresse, nunca.
Ele me encarou com pânico nos olhos, mas depois sorriu. Às vezes ele parecia tão sentimental, como se uma criança ocupasse seu lugar. E eu não era esse tipo de pessoa.
Não era do tipo que magoava os outros. Pelo menos eu achava que não era.
Eu até perdi a fome. Sorri para ele e fomos para a área de lazer do prédio. A gente ia entrar no clube, mas ele disse que estava cansado e por isso, nos sentamos no banquinho da churrasqueira. Sentei um pouco na frente dele e levou suas mãos para os meus cabelos.
Não falamos nada por um tempo, até que ele colocou os braços para frente quando estava se arrumando no banco e eu vi outra. Outra tatuagem.
- Vai me contar o que elas significam? – Perguntei, apontando para o solitário M.H em seu antebraço esquerdo. suspirou.
- Maria Helena. Minha irmã. – Contou, todo triste. – Ela morreu faz dois anos. Era fã de One Direction e tudo. Esse ano ela iria fazer quinze anos e... Acho que você iria gostar dela. – Falou, com um sorriso.
Eu não podia nem imaginar o tamanho da sua dor. Céus, o que seria de mim se meu irmão se fosse? Eu morria aos poucos só de ele estar em outro estado, imagina se ele tivesse realmente ido?
Meus olhos marejaram quando pensei na possibilidade. Devia ser algo horrível.
Mas estava bem. Ele me olhava bem, seguro de si. Parecia estar com saudades, isso é claro, mas não estava tão triste. Por algum motivo, o fato de ela ter ido era um alivio para ele.
Imaginei que a causa da morte da garota a fizera sofrer ou que todos sofreram junto com ela. E ele pode ter essa expressão por entender que Maria Helena finalmente encontrara sua paz. Ele pode estar pensando que, seja qual fosse à mensagem que ela deixou, o legado que ela passou, seu dever estava cumprido.
E ele estava bem.
Claro que, o simples fato dele saber de cor as músicas de uma banda que sua irmã gostava era prova de que sim, ele sentia falta dela.
Seja como for, meu desejo era pensar como . Não surtar. Lembrar só das coisas boas.
Sorri para ele.
- E essa? – Perguntei, apontando para uma sigla em seu ombro que era E.T.C.
ficou pálido.
- Essa não. Escolhe outra, por favor. – Pediu, abandonando meus cabelos. Dei um muxoxo de desagrado, apontando para um T.N no seu tornozelo.
Ele sorriu.
- Terminei meu namoro. – Contou, suspirando. – E ainda bem, ela era um pé no saco.
Dei risada, me virando de frente para ele.
- Coitada, o que ela tinha de tão ruim? Ele demorou um pouco para responder.
- Ela não era você.
Levei um susto, levando minha cabeça um pouco para trás. O que ele quis dizer com isso? Tive o prazer de ver corando.
estava envergonhado.
- Quer dizer, ela não era... hm... Ah, você entendeu! – Resmungou, se virando de lado para mim.
Cheguei mais perto dele, apertando suas bochechas.
- Fofo.
revirou os olhos, rindo.
- Cale a boca, !
Dia 11
-Eu vou lá mais tarde. – Disse , me dando um selinho.
Ali. Na escola. Na frente de todo mundo. Não podia dizer que tinha ficado constrangida, só fui pega de surpresa.
- Certo, pode ir. Vou deixar seu nome com o porteiro.
Ele sorriu, acenando e nesse exato momento meu pai chegou. Merda.
- Hey... Pai! Esse é o . – O coitado do menino estava indo de branco a roxo, e eu estava quase tendo um ataque de risos.
Meu pai é de boas com esse negócio de garotos, mas veja bem, eu nunca havia tido um namorado, então digamos que isso é novo para ele.
Senhor Bernardo abaixou o vidro do carro e sorriu, e em sua defesa, devo dizer que estava tentando ser gentil.
- Oi, .
- Hm... É isso ai. – Falei, dando um beijo de tchau no rosto do e entrando no carro.
- Mas, querida... E o ?
- O que tem o ? – Perguntei, ocupada demais arrancando meus tênis. Ótima hora para se ter uma unha do pé encravada, ótima hora.
- Vocês vivem grudados... – Opa. Parei de tirar o tênis no meio do caminho e olhei para ele.
- Certo, pai, é só, apenas e nada mais, que um bom amigo.
Meu pai riu.
- São amigos, então. Certo.
Quando cheguei ao apartamento, vi minha mãe toda praiana com um protetor solar na mão.
- Olá, dear. – Cumprimentou, com um beijo na testa.
- Aonde vai?
- Ah, só para piscina. Meu Deus, nem esse negócio está resolvendo. – Reclamou, apontando para o ar condicionado na sala. Dei risada.
- O ar condicionado está bom pra mim. – Comentei, me jogando no sofá.
Minha mãe deu uma risadinha, pegando a bolsa que estava do meu lado antes de sair porta afora.
- Duvido que você continue aqui daqui a duas horas.
E, droga, ela estava certa. Duas horas depois, eu ainda estava suando e mesmo com o ar condicionado na temperatura mínima (dezessete graus), o calor não tinha me deixado.
Bufando, coloquei meu biquíni, um short e uma blusinha larga por cima. Calcei os chinelos e gritei para o meu pai que estava descendo.
Passei pelo portão do clube e vi jogando vôlei na quadra aberta. Fiquei parada, que nem uma retardada na frente do arame da quadra, até que me notou.
- ? Vem jogar! – Convidou. Eu neguei, mas ele abandonou seu posto e me arrastou para debaixo do sol quente.
Ao contrário do que pensei, foi bem divertido. Ninguém ali sabia jogar, o que facilitou minha vida e, hm, ver sem camisa de novo, tinha valido bem a pena também. A bola rolava para fora do campo o tempo todo, e em um determinado momento, um dos jogadores que estavam do outro lado da rede chegou a sugerir que abandonássemos a regra que dizia que quando a bola saísse da quadra o ponto não valia.
Os outros concordaram com ele, é claro, mas mesmo assim meu time e de acabou ganhando com uma boa margem de pontos.
e eu estávamos suados e com calor, quando o jogo acabou, arrastei ele até uma casinha onde ficava o bebedouro.
- Tá com calor? – Perguntei, depois de beber água.
- Muito.
- Já conhece a piscina, senhor ?
Ele riu.
- Ainda não.
- Ótimo. É para lá que nós vamos. Acho que minha mãe está lá ainda.
Abri o portãozinho de grade que separava a piscina do resto do clube.
Minha mãe não estava mais lá, e para minha surpresa, havia poucas pessoas, a maioria eram casais com crianças pequenas.
estava quase pulando, quando o segurei.
- Tem que tomar ducha antes.
Ele revirou os olhos.
- Por que ser tão certinha?
- Porque está muito calor para ser suspensa. – Expliquei, apontando para a placa grande que dizia "Favor, tomar ducha antes de entrar na piscina – sujeito a suspensão". – Mas faça o que quiser.
- Ah, e eu farei.
E piscando para mim, ele se jogou na piscina. Sem tomar a ducha. Ri, indo até uma mesa para deixar minha roupa. Com um pouco de vergonha, admito, tirei meu short e minha regata. Devia ter vindo de maiô, mas não é hora de pensar nisso. Só sei que depois que dobrei minhas roupas e olhei para , seus olhos passearam pelo meu corpo sem a menor vergonha.
Quando chegou para minha face, sorriu. Mas não foi um sorriso malicioso, foi apenas um sorriso.
Entrei no chuveirinho e depois de desligá-lo, me joguei na piscina ao lado dele.
- Qual é seu problema? – Quis saber, jogando água nele e mergulhando até encostar minha barriga no piso liso da piscina. É, eu fazia isso.
- A vida é muito curta para seguir às regras, vizinha. – Falou, quando emergi na superfície depois do mergulho.
E aí ele mergulhou, mas não foi um mergulho inocente. Senti sua mão pegar meu tornozelo e ele me puxou para baixo. Eu até daria risada, se a eminência de morrer afogada não estivesse diante de mim.
Quando voltamos à superfície, arfei, jogando água nele.
- Seu estúpido, entrou água no meu nariz! – Reclamei, mexendo no nariz.
- Era esse o plano. – Disse, simplesmente.
- E eu quase fiquei pelada!
- E eu não me importaria nem um pouco. – Comentou, nadando para longe depois que fiz uma cara assassina.
Ficamos brincando na piscina por mais algumas horas, até que chegou o pôr- do- sol e começou a escurecer. As poucas pessoas que estavam ali começaram a ir embora e logo ficamos apenas nós dois na área da piscina.
Sentei na rede para me secar um pouco, pois não queria molhar minha roupa e havia esquecido de pegar minha toalha.
- É melhor a gente ir embora. – Falei, me levantando.
Ele deu uma olhada descarada para minha barriga, mas ignorei. Resolvi colocar pelo menos meu short antes de subir, e segurei minha blusa na mão.
- Ok, vamos.
Como éramos os últimos, fechei o portãozinho quando passamos por ele. não tinha me esperado, e por isso, tive que correr até onde ele estava.
- , cuidado, um sapo! – Gritou . Eu não sei se ele sabe disso, mas tenho um pânico muito grande de sapos e por esse motivo, sem nem pensar, pulei bem no colo dele. Por reflexo, talvez, me segurou.
E, nossa, que belo momento para ver na minha frente.
Esqueci completamente que ele vinha.
- ! – Falei, sorrindo amarelo. Ele provavelmente estava encarando e eu no escuro, basicamente seminua e para variar, no colo dele. Eu podia muito bem sair de onde estava, mas o sapo ainda estava lá e, bem, não ia rolar.
- Tchau, .
- Corre, , anda. – Sussurrei, ainda no colo dele. ficou sem entender, mas andou rápido comigo no colo. – , espera! Não é o que você está pensando, a gente estava na piscina, e tinha um sapo e...
- Ele já foi, . – Disse , me colocando no chão. Quando olhei para ele, seus olhos estavam cheios de culpa. – Me desculpe.
- Não foi culpa sua, hon. – Falei, rindo. – Foi só um mal entendido. Amanhã eu me explico para ele.
- Sério, se eu soubesse, nem tinha...
- !
- O quê?
Sorri.
- Não vamos estragar nossa tarde maravilhosa. E você salvou minha vida lá atrás. – Comentei, apontando para o lugar que o sapo nojento estava.
- Eu quero... Hm, quero a selfie. – Pediu, me fazendo rir. Eu tinha pulado para fora da piscina e tirei uma selfie nossa. Eu do lado de fora, e ele batendo na água, do lado de dentro. A foto ficou bem legal, porque quando ele tentou jogar água, o sol bateu e aí ficou parecendo brilhinhos. Era uma boa foto.
Eu devia pensar seriamente em uma carreira de fotógrafa.
- Te passarei a selfie assim que pisar em casa. – Prometi. – Agora vamos.
- O último que chegar é a mulher do sapo! – Berrou, correndo na minha frente. Dei um pulo e um gritinho de nojo, e sai correndo atrás dele.
A título de curiosidade, fui eu quem cheguei primeiro.
Dia 12
Hoje era o dia que me ignorava.
E era uma droga.
O chamei nas duas primeiras aulas e ele fingiu que não me ouviu. Na hora do intervalo, fui procurá-lo, mas parecia que ele não queria ser encontrado. Lá pelas tantas, acabei desistindo e Let até sugeriu uma surdez repentina para o problema dele, tudo para eu não ficar mais tão chateada.
- Quer ajuda? – Perguntou um Renato bem irritado depois que eu suspirei pela terceira vez seguida. – A gente te ajuda.
Ajudaram, como ajudaram. Prenderam pelo braço depois da última aula, o levando até mim. Ótimo, agora estava bravo e com medo.
- . – Me manifestei. Ele suspirou, impaciente. – Soltem ele, anda.
Renato sorriu e Victor revirou os olhos.
- De nada. – Sussurrou.
Dei um soquinho em seu braço quando ele passou por mim, e olhei para .
- Não foi o que pareceu.
Ele fez menção de ir embora, mas segurei seu braço.
- É verdade, . Eu estava na piscina com e quando a gente estava indo embora, apareceu um sapo na minha frente e eu pulei em cima dele, porque fiquei com nojo e... – Ele estava sorrindo. Maldito. – O quê?
- Tudo bem, . Desculpa. Eu tenho um certo complexo de inferioridade com esse seu vizinho e...
- Ei! – Chamei. Ele parou de falar. – Para com isso. É com você que quero estar, mesmo.
sorriu. Ah, que lindo sorriso.
- Ok. Eu tenho que ir agora.
- Mas... – Hesitei. – Está tudo bem entre a gente, né?
olhou para os dois lados do pátio e o que aconteceu em seguida foi muito rápido: puxou-me pela cintura e me beijou. E, ok, não foi um simples selinho dessa vez.
- Isso responde a sua pergunta? – Questionou, sorrindo e se afastando.
Eu só acenei, incapaz de dizer qualquer coisa. Fui pega de surpresa de novo e percebi que amava quando ele fazia isso, quando era imprevisível. O sentimento que percebi que existia, estava crescendo e notei que gostava mesmo de .
Eu gostava do .
Meu Deus, eu realmente gostava do .
- Não pense que não vimos, porque nós vimos. – Falou Rafa, me olhando abobada. Anna estava com aquela carinha romântica dela e Let provavelmente estava pensando em algo espetacular para dizer.
- Claro que viram, vocês têm olhos. Mas vocês já sabiam que a gente se pegava. – Murmurei, sentindo minha bochecha esquentar.
- A gente estava falando da mão dele na sua bunda. – Não disse? Espetacular. Essa frase veio da Let, claro. E é claro, a mão dele estava mesmo na minha bunda.
- Você gosta dele, né? – Perguntou Anna. Como eu poderia negar. Acho que só meu sorriso retardado respondeu à pergunta dela.
- Gosto.
Rafa bateu palmas.
-Olha só! Acho que temos um novo membro no grupo! – Comemorou, mas Let fez que não com a cabeça, discordando.
- Vocês só me colocaram no grupo quando virei oficial, não vale!
- Verdade, Let. Esperemos até ser oficial. – Rafa concordou, para a alegria de uma Let satisfeita.
- O que não vai demorar muito, pelo visto! – Disse Anna, com um sorrisinho.
Meu pai chegou bem naquele momento,e eu fui embora, depois de dar tchau a elas.
Não quis contar, mas sabia que eu estava totalmente apaixonada pelo .
Eram sete horas da noite e nem sinal do . Eu enviei de manhã a selfie que ele me pediu, mas o mesmo apenas visualizou e não me respondeu nada. Sabia que tinha visualizado por causa daqueles risquinhos azuis na minha tela (obrigada tio que inventou isso).
Meus pais resolveram que aquela quinta era um dia excelente para uma saída de casal (com os pais de ) e me deixaram em casa com uma caixa de lasanha instantânea. Era instantânea, ok, mas ainda era uma lasanha, não é mesmo? Quer dizer, não era nenhum Outback nem nada, mas era definitivamente uma lasanha. A coloquei caixa no microondas e fui até meu quarto, quando uma mensagem apitou, me assustando.
*conversa no WhatsApp*
• Vizinho 👑
?
pode vir aqui?
Preciso de ajuds
A pota ta aberta
As últimas mensagens eram recentes, mas a primeira delas havia sido enviada há quase quinze minutos atrás. Arregalei os olhos.
Esperei a lasanha ficar pronta, coloquei em dois pratos e corri até o apartamento dele depois de trancar a porta.
- ? – Perguntei, já entrando. Deixei os pratos em cima da mesa da cozinha e fui até onde ele estava.
O encontrei no banheiro, tentando lavar o nariz, que estava sangrando de novo.
Ótimo.
- !
Ele se virou para mim com os olhos arregalados de pavor. Estava péssimo, com uma cara branca e com profundas olheiras debaixo dos olhos.
Pedi para ele esperar e corri até minha casa, pegando debaixo da pia do banheiro a mesma caixa de primeiros socorros que a gente tinha usado da outra vez.
O sangue já tinha parado quando voltei e ele estava sem camisa, portanto só o limpei. A face, o queixo, o tórax. Só o deixei limpo. Ele estava com febre de novo, então fui até a cozinha pegar água e lhe dei um antitérmico.
Ao contrário do outro dia, ele não estava disposto. Estava falando, mas falava baixo e muitas coisas sem sentido.
Ele não estava nem um pouco bem.
- , o que está acontecendo? – Perguntei, quando dei meu trabalho por encerrado. Ele olhou para mim de soslaio.
- Briguei de novo. – Respondeu baixinho, com a respiração meio entrecortada. Podia até ser verdade, mas eu não acreditei nele.
Não insisti, também. Levei ele até seu quarto, o fiz tirar os tênis e o sentei na cama.
- Não quero dormir, quero ficar com você... – Resmungou, olhando para mim.
Mas suas pálpebras fechavam, querendo se render. Sorri e o fiz se deitar. Ele deitou depois que eu tirei a coberta de cima da cama para ele não deitar em cima dela. Estava calor, não tinha necessidade.
- Estou com frio...
- Não, sem coberta. Você vai morrer cozido. – Falei, fazendo cafuné em seus cabelos. Ele se calou e percebi que tinha dormido. – Boa noite, .
Dei um beijo em sua testa, receosa por deixá-lo sozinho. Fechei um pouco a porta e fui para o banheiro limpar o sangue.
Sabia que ele não queria que os pais vissem, então fiz a sujeira desaparecer.
Peguei os pratos de lasanha intocados na cozinha e fui até meu apartamento, triste.
Eu sabia que tinha algo horrível acontecendo com meu novo melhor amigo.
E alguma coisa na minha cabeça me dizia que eu não ia gostar do que era quando descobrisse.
Dia 13
O dia de hoje estava fadado a ser um fracasso, simplesmente por ser sexta feira 13. Eu não era muito supersticiosa, mas devia ter permanecido em casa, onde era o meu lugar.
Mas é claro que não iria. Eu tinha que achá-lo.
- ?
- Oi, Laura, está? – Perguntei, esperançosa. Laura fez uma cara triste.
- Oh, não. Ele saiu hoje cedo e não voltou até agora.
- Ah, eu volto outra hora.
Ela apenas sorriu para mim e fechou a porta.
Estava assustada. Nunca tinha visto tão sereno, tão fraco e tão vulnerável como ontem à noite. Fiquei preocupada com ele, ainda mais por ter ignorado todas as mensagens que eu enviei de manhã e também todas as ligações. Sei que ignorou porque, de novo, graças à tecnologia de hoje em dia, todas as mensagens ficaram azuis.
Vergonha. Esse tinha que ser o motivo. Na verdade, só podia ser o único motivo de ele estar me ignorando.
Resolvi começar uma busca. Procurei na academia, no clube, na churrasqueira, mas ele não estava em nenhum lugar. Perguntei para o porteiro se havia saído, mas ele disse que o garoto voltara ao prédio horas antes.
Ele estava lá. Mas onde? Entrei no elevador e deixei ele me guiar até o terraço. Quem sabe?
Soube que o mesmo realmente estava lá quando ouvi a música. Era a mesma música que o ouvi tocando no orfanato, era ele.
Desci do elevador, o encarando. estava de costas para mim, não me viu. Estava sem camisa, sentado em uma das muitas caixas que estavam espalhadas por todo o terraço. Seu violão estava no colo e quando me aproximei mais um pouco, vi que ele estava fumando. Seus olhos estavam fechados e por um momento, me senti mal por ter invadido a privacidade dele.
Deveria deixá-lo sozinho, era aparentemente o que ele queria.
Mas abriu os olhos antes que eu pudesse sair dali.
- O que faz aqui? – Perguntou, parando a música.
- Eu estava te procurando desde cedo. – Respondi, chegando mais perto. Ele deu uma risada fria.
- E não estava óbvio que eu não queria ser encontrado? – Retrucou, batendo uma nota no violão.
Dei um passo incerto para trás, surpresa com o ódio. Ele me tratava tão bem, da onde saía esse rancor?
- Me desculpe. – Falei, tão baixo que nem sei se ele ao menos ouviu.
Se ouviu, apenas deu de ombros e recomeçou a tocar.
- ...
- Eu quero ficar sozinho, . – Falou alto, encarando meus olhos.
Sensível como era, fiz de tudo para não chorar. Fiz de tudo para não lembrar dos nossos bons momentos, nem para lembrar de ontem. Fiz de tudo para esquecer o quanto eu gostava de e o quanto me machucava estar agindo dessa maneira.
Eu fiz o impossível para esquecer a pessoa que estava sendo naquele momento.
- Eu estava preocupada com você, depois do que aconteceu ontem.
Ele pareceu bravo. Levantou-se e me encarou, mais bravo do que eu nunca vi.
- Eu não ligo se está preocupada.
- Você não está bem, está acontecendo alguma coisa e...
- Eu estou ótimo! – Gritou, me interrompendo.
- Pessoas ótimas não sangram pelo nariz, ! – Gritei de volta, com os olhos quase transbordando em lágrimas. – Eu estou preocupada.
- Eu realmente não estou nem aí. Melhor cuidar da sua própria vida, . O que acontece ou não comigo não é da sua conta. – Disse simplesmente, voltando a se sentar.
E eu só fiquei encarando suas costas, inexpressiva.
Fazer de tudo não é o suficiente, afinal. As lágrimas escaparam dos meus olhos antes mesmo que eu ousasse impedi-las.
Por que ele estava fazendo isso? Por que ele estava me afastando? Ele não era assim, não podia ser.
Ele continuou na dele, tocando seu violão, fumando seu cigarro. E era como ele havia dito, realmente não estava nem aí.
Ele não se importava com nada além dele mesmo, pelo visto.
sabia que eu ainda estava lá, mas não se virou para pedir desculpas, nem nada. Apenas continuou tocando, continuou fumando.
Fungando, saí do terraço correndo antes que ele me visse chorando.
Dia 14
Estava determinada a esquecer de vez, e comecei aceitando o convite de almoçar na casa de Renato.
A família dele tinha um costume estranho de se reunir todo sábado, cada sábado na casa de algum membro da família e toda vez que esse almoço caia na casa de Renato, ele convidava a gente.
Meu pai me levou quando já havia se passado do meio-dia e por isso, fui uma das últimas a chegar.
Decidi ir com meu sorriso na cara. Estava triste, mas afinal, ninguém se importava. Estava triste por ver que o badboy estava lá. Estava triste por ele ter me tratado tão mal. Estava triste por ele.
- , desembucha. – Falou Rafa, com uma Anna preocupada atrás de si. Let e Renato desapareceram e o resto estava dividido entre jogar futebol, piscina e beijos (provavelmente o caso de Renato e Let). Suspirei.
- e eu brigamos. Mas não foi uma briguinha, ele me olhou como se me odiasse. – Desabafei, me controlando para não chorar ali.
- Onw, , o não te odeia. – Interveio Anna.
- Mas foi o que pareceu. – Bufei, sentando na cadeira fofa.
- de novo? – Perguntou , parado do meu lado. Mas que droga!
- Nós brigamos. – Disse a ele.
- Mas é uma pena! – E eu percebi que tinha sido muito sarcástico. Muito.
- , o é só meu amigo, pelo amor de Deus! – Foi só nesse momento que percebi estar sozinha com ele. Rafa e Anna se mandaram, muito lindas.
Foi por estarmos sozinhos e por eu gostar muito de , que contei tudo.
Quando digo tudo, é tudo mesmo, desde a implicância dele no começo até o sangue em seu nariz. Contei como nossa amizade tinha evoluído tão rápido, contei que eu gostava muito dele e como eu queria estar sempre ao seu lado. Contei as piadinhas que ele fazia, contei sobre nossas fotos e minha carreira de fotógrafa. Contei toda a história de como o socorri na sua casa e contei sobre sua frieza de ontem, sobre como ele tentou me afastar e quanto foi grosso comigo. Contei tudo.
No final do meu relato, percebi que chorava e notei o braço de ao meu redor.
- Eu demorei para entender, mas agora eu sei. – Disse ele. – Eu aceito a amizade de vocês.
Dei risada.
- Você não tem que aceitar nada, não é meu namorado.
sorriu.
- Só se você não quiser que eu seja.
Olhei para ele, pasma.
- Isso foi...?
- Ah, interprete como quiser!
- Ótimo. – Sorri para ele. – Namorado.
Ele pegou em minha mão e Rafa deu um sorriso malicioso quando viu nossas mãos unidas. Mostrei a língua para ela.
Ao longo da tarde, tentei não pensar em . Tentei esquecer seu sorrisinho zombeteiro, suas piadas fora de hora. Tentei esquecer o jeito que ele havia me tratado ontem. Na verdade, eu não esqueci, mas tive que achar uma maneira de fazê-lo, ou então, às lágrimas transbordariam.
Tentei, eu realmente tentei não me lembrar dele, mas não houve jeito.
Tudo me fazia lembrar de .
Quando vi os meninos jogando futebol, lembrei da nossa tarde na quadra de vôlei. Quando vi Anna e Let na piscina, lembrei de nossa selfie com brilhinhos de sol. Quando vi Rafa sentada sozinha no sofá mexendo no celular, lembrei do nosso costume de ficar sentado na sala sem fazer nada.
E isso me machucava, mesmo que eu não quisesse.
Depois que cheguei em casa, resolvi manter minha decisão de não correr atrás dele e permaneci na minha. e eu trocamos algumas mensagens fofas e foi aí que comecei a acreditar em destino.
Meu pai pediu para que eu levasse o lixo até a lixeira de baixo, e quando voltei, dei de cara com um carrancudo. Os machucados do outro dia ainda estavam visíveis, porém mais brandos.
Em nome da nossa precoce amizade, resolvi falar.
- Ei.
E ele nada respondeu. Ele me ignorou. realmente me ignorou.
- ? – Chamei. Ele se virou para mim, seco.
- O que é?
- O que... O que aconteceu com você?
- Estava na cadeia. – Respondeu, ainda seco.
Oi? Cadeia? Por que diabos estava na cadeia?
- O que foi que você fez, ?
- Roubei dinheiro no bar. – Achei mesmo que nossa amizade tinha ido para o espaço, mas dei um pedala na cabeça dele mesmo assim.
- Por que fez isso? – Questionei.
Ele deu de ombros.
- Eu quis.
Eu me recusava a acreditar que esse era o mesmo de dois ou três dias atrás. O que escutava músicas pops adolescentes, que ensinava criancinhas carentes a tocar violão, que me dissera coisas desconexas, porém fofas quando estava todo vulnerável no outro dia... Eu não acreditava que aquele era o mesmo que estava na minha frente agora.
- Por que está fazendo essas coisas, ? – Perguntei baixinho.
Ele revirou os olhos, suspirando.
- Porque não estou nem aí.
E ele não estava, mas dessa vez era diferente. Tinha alguma coisa acontecendo, e eu ia sim descobrir o que era. Eu precisava dele e não iria desistir tão fácil.
Mas amanhã. O deixei ir embora, sem dizer mais nada. E ele se foi sem me dizer mais nada.
Mas amanhã eu tentaria de novo. E depois, ou depois, eu tentaria até ele voltar para mim.
Até ele voltar a si mesmo.
Dia 15
Mantendo a promessa que fizera a mim mesma, comecei elaborar um plano para a operação "Resgate ao " (um nome bem idiota, eu sei, mas minha criatividade estava zero no momento).
É claro que nada do que eu escrevi no papel ia mesmo acontecer, então só ri da minha própria idiotice e joguei o papel no lixo. Afinal, eu era muito boa em improvisar também.
- Bom dia. – Cantarolou minha mãe quando entrou na cozinha. Exibi um sorriso radiante para ela.
- Adivinha só quem não é mais a encalhada? – Perguntei. Minha mãe levou as mãos a boca, se contendo para não dar um gritinho.
- É ele? Esse ? – Assenti com a cabeça. – Aí, , quando vou conhecer meu genro?
- Que genro? – Perguntou meu pai do banheiro. Quando apareceu no cômodo onde estávamos, vestindo o robe da minha mãe (achei que ele super combinou com rosa choque), estava com uma cara linda de descrença. Meu pai não brigaria se eu contasse, mas queria que estivesse comigo quando fosse para ele saber.
-Nenhum genro, pai querido. – Falei com um sorriso angelical. Minha mãe arfou.
- Mas você estava dizendo que...
- Que aquele filme era muito bom, lembra? "Um Genro Dos Meus Sonhos", super recomendo, pai. – Expliquei, sabendo que ele jamais teria interesse em assistir.
O homem pareceu desconfiado ainda, mas deixou passar, dando de ombros e indo fazer seu café.
Pedi licença e fui ao meu quarto tirar o pijama e por outra roupa comum.
Resolvi que era a melhor hora para tentar reconquistar e corri para o lugar onde ele provavelmente estaria, que era o terraço.
Antes de sair, vi uma mensagem de na minha tela.
• 😍
Oi, namorada
Vamos sair, namorada?
Beijo, namorada
Dei uma risada bem idiota, com direito a print para o grupo e tudo. Renato riu e falou que isso era uma oficialidade, mas Rafa retrucou dizendo que ainda não era a hora. Estava esperando o que, ele me dar uma aliança?
Respondi a escrevendo que mais tarde o encontraria e corri para o terraço.
Assim como eu previra, estava lá. Ainda sem camisa, ainda tocando violão, ainda fumando.
Ainda nem aí.
Com um longo suspiro e três segundos de coragem insana, disse minha primeira palavra.
- Oi.
Eu sei que ele ouviu. Sei que ouviu porque errou a nota. No dia que eu ficara para assistir à aula no orfanato, ele brincou dizendo que toda vez que ficava nervoso, acabava errando a nota.
E mesmo tendo me ouvido, após errar a nota não fez nada além de continuar tocando.
Eu ainda não sabia, mas tinha que ter um motivo para ele estar agindo assim. Não era possível que ele pudesse mudar de personalidade assim, tão rápido. Queria saber qual era a dele, e porque estava fazendo aquilo.
Pensando nisso, ignorei que ele tinha me ignorado e voltei a falar.
- Eu não sei o que está acontecendo com você, ou com a gente, mas... – Hesitei, porque não sabia bem o que deveria falar. Talvez eu não fosse tão boa de improviso. – Bom, você tem sido um amigo muito bom para mim esses dias e eu... Eu sinto falta disso, . Sinto falta de conversar, de fazer nada, sinto muita falta de você.
Ele continuou tocando, na dele. Mas estava mais calmo agora, e eu percebi que ele estava prestando atenção.
- E não sei porquê você acha que precisa tanto ser esse badboy, mas você não precisa. Não precisa brigar, não precisa roubar, porque no fundo, você é uma boa pessoa. E não vai ser os piercings e as tatuagens que vão fazer de você uma pessoa ruim, como a parte conservadora da sociedade pensa.
parou de tocar, se virando para mim, com o cigarro meio pendurado na boca. Tirou o cigarro. Cruzou os braços.
E pela primeira vez em dias, abandonou sua voz cruel e se dirigiu a mim de um jeito quase ele mesmo.
- Eu não sou uma boa pessoa. – Resmungou, colocando o cigarro na boca de novo. – Não sou.
Aproximei-me um pouco dele, assustada.
- Você é! – Praticamente gritei. – Você tem esse complexo de achar que a vida é curta e essas coisas, mas você só tem vinte anos, pelo amor de Deus!
E talvez, eu estivesse surda de vez, porque o ouvi dizer baixinho:
- E terei vinte anos para sempre, . – Eu ia pedir uma explicação, mas ele continuou falando. – Eu não sou uma boa pessoa. Você não sabe de nada.
- Você é!
- Não sou, ! – Gritou. Ele nunca tinha gritado assim comigo antes. – Você acha que me conhece, mas não conhece! Você vê essa pessoa que acha que eu sou, mas não faz nem ideia de quem eu era antes de conhecer você. Eu não sou uma boa pessoa! Desde que eu me mudei, tenho me esforçado, mas não dá. Eu não consigo esquecer as coisas deploráveis que eu fazia. Eu era horrível como irmão, eu era péssimo com as mulheres e não consigo consertar isso. Você é alegre demais, você é luz demais para minha escuridão. Não quero te contaminar com isso, . – Ele fez uma pausa. Nunca o vira tão aberto assim antes. – Eu só posso me sentar aqui nesse banco, tocar meu violão, fumar meu cigarro e tentar amenizar a minha culpa. Começando por não tentar agir como uma pessoa que eu não sou.
- Eu não sei. – Comecei. – Quem você era ou o que fazia de tão ruim antes de te conhecer, mas conheço bem o que você foi depois, e posso garantir que ele era bom.
levou as mãos ao cabelo.
- Não sou. Para de tentar ser minha amiga, eu não sou bonzinho.
Lembrei da paciência dele ao ensinar as crianças tocarem violão. Quando ele estava tentando forçar matemática para dentro da minha cabeça. Uma má pessoa não fazia aquilo.
Fiquei brava. Senti cada célula do meu corpo se esquentar e decidi dar a cartada final. E aos berros, deixei que as palavras me guiassem.
- ! Você está tendo uma chance! Por que não a aceita?
- Porque uma pessoa que faz as coisas que eu fazia está condenada a passar a eternidade queimando no inferno!
- Dane-se! Apenas, dane-se! Se o que você faz é tão ruim, se suas atitudes são tão deploráveis, que seja, eu vou queimar no inferno com você!
E com essa frase de efeito, dei uma última encarada antes de sair do terraço.
Quando cheguei ao meu quarto, lembrei- me de e me senti uma péssima namorada quando tive que cancelar nosso encontro. Ele parecia chateado do outro lado da linha do telefone, mas me entendeu e desejou melhoras.
Joguei o celular para o lado e imaginei o que poderia fazer para cair em si. Amanhã tentaria de novo, mas o que poderia fazer?
Por que ele estava fazendo aquelas coisas? Por que estava tão detestável? Por que estava tentando me afastar? Foram essas perguntas que vagaram pelo meu consciente até que eu finalmente, dormi.
Dia 16
- E aí, como foi com ele ontem? – Perguntou assim que me viu.
Ele parecia estar totalmente engajado em me ajudar a trazer de volta para mim. Achei estranho, mas relevei.
- Péssimo. Brigamos de novo. Tentei dizer coisas boas, mas ele simplesmente não quis deixar pra lá. – Comentei, triste. apertou minha mão.
- Ele vai voltar ao normal. Deve ter algo muito ruim acontecendo com ele, e ele não deve estar sabendo lidar com isso.
Definitivamente, tinha mesmo alguma coisa muito ruim acontecendo, e nós dois sabíamos disso.
Dei de ombros.
- Foi o que pensei. E não vou desistir também. – De repente, sorri. – Você tem que ver a carinha dele quando está ensinando, . No orfanato, as crianças já estavam chamando ele de tio e tudo.
sorriu junto comigo.
- Você gosta mesmo dele.
- É, eu gosto. – Estava feliz não apenas por ter um namorado, como também por ter um namorado que me entendia. estava aceitando nossa amizade numa boa e meu coração até palpitava de felicidade.
- Ele vai cair em si. Prometo. – Falou, beijando minhas mãos. – Devo passar a tarde toda fora hoje... Tudo muito chato.
- Vai fazer o quê?– Perguntei, interessada.
- Ajudar meu pai no treino. – Resmungou, rolando os olhos. O pai de dava aula de Muay Thai em uma academia, e constantemente, chamava o filho para ajudá-lo. O problema era que odiava e sempre chegava roxo no dia seguinte.
Dei um abraço de solidariedade nele.
- Boa sorte.
- Muita, eu vou precisar. Para você também, aliás.
Depois disso nos despedimos de um jeito gay e mela cueca, que não preciso registrar aqui, cada qual foi para o seu canto: Eu para meu prédio e para a academia.
Quando cheguei ao meu andar, algo chamou minha atenção.
Flores. Tinham flores na porta do meu apartamento quando cheguei da escola naquela segunda.
Apesar de estar sorrindo que nem tapada, estava quase matando o por deixar as coisas assim tão óbvias entre nós. E foi quando percebi que não eram flores de .
Eram de .
E eu só percebi isso quando li o cartãozinho fofo que ele me mandou.
"I will burn with you
I don't want to dream without you
I don' want to bleed without you
I'll do anything you want me to
'Cause I know you'd burn with me too"
Não é One Direction, mas acho que essa música nos representa a partir de agora. Desculpa por tudo, eu só estou cansado. Essa droga toda acontecendo comigo é um saco e eu não queria descontar em você. Me perdoa?
Bj, do vizinho mais gato da galáxia.
Eu conhecia aquela música, era uma da Lea Michele. Concordei mentalmente com ele, a música definitivamente nos representava. E foi bom ele te deixado isso mais ou menos implícito, mas o caso é que agora, eu tinha provas de que tinha um segredo. Um segredo ruim.
- Mandei muitas? Nunca enviei flores para mulheres antes. – Perguntou aquela voz zombeteira atrás de mim. Yeah, estava de volta!
- Não, são ótimas. – Comentei. – Mas você podia ter trazido algumas rosas brancas também. Sabe, não sou fã das vermelhas.
Ele riu.
- Da próxima vez, prometo de todo meu coração que você só receberá rosas brancas.
- Obrigada. Mas espero que não exista uma próxima vez.
Ele parou de sorrir e segurou minha mão.
- Me perdoa, por favor. Eu não sei o que deu em mim.
- Está tudo bem. Sério, eu te perdoo.
- Eu mesmo nunca vou me perdoar por isso.
- Não, por favor. Não se culpe mais do que já se culpou. Eu te perdoo.
Ele suspirou.
- Eu te tratei de uma maneira que você não merecia, não depois de ter cuidado de mim e tudo. – sorriu. – Você é um anjo, . Eu estava falando sério, demais. Você é... luz. Desde quando coloquei meus olhos em você, eu soube que você é luz para todo mundo ao seu redor. Suponho que seja fofa sua ideia de ir pro inferno comigo, mas eu te garanto que tem um lugar no céu pra você, por ser uma pessoa assim tão boa.
- Mas eu não quero ir para o céu se você não estiver lá. – Falei, apertando a mão dele. sorriu seu sorriso mais sincero antes de me soltar.
- Tenho uma coisa para você. – Falou, sorrindo com os olhos.
- O quê?
- Isso aqui. – Respondeu, me estendendo um papelzinho. Tive que rir ao ler o conteúdo do papel.
- Vale apelido?
Ele concordou.
- Estou sendo legal. Use-o bem.
Sorri para ele.
- Usarei.
- Quer fazer algo agora? Pelos velhos tempos? – Ofereceu.
E eu tive uma ideia brilhante.
- Tudo. Vamos relembrar os velhos tempos.
E assim fizemos.
Ele me esperou trocar de roupa e descemos até o clube.
Começamos jogando vôlei, dessa vez apenas nos dois, e em seguida, apesar de não estar tão calor, nos jogamos na piscina. Depois de muito boiar lá dentro, nos secamos (havia levado a toalha dessa vez) e fomos ao meu apartamento assistir a um filme.
Colocamos doze dias em um e chamamos o dia dezesseis de "dia de compensar o tempo perdido".
estava deitado em uma ponta do sofá e eu em outra quando ele começou a tossir. No começo, era uma tosse fraquinha, mas depois de uns dez minutos, ela ficou mais forte. Em um determinado momento, se levantou, assustado.
- , tenho que ir. – E tossiu de novo. Assenti com a cabeça e dei um abraço nele.
- Tchau, .
Ele nem me respondeu, só saiu correndo, com a mão tampando o queixo.
E eu só descobri o que ele escondia quando fui apagar a luz da sala e vi, no mesmíssimo lugar onde estava há poucos minutos atrás, uma mancha de sangue.
*conversa no WhatsApp*
• 😍
? Posso subir?
Chocada, respondi a dizendo que sim, mesmo que eu não tivesse permissão para fazer isso. Eu precisava chorar com alguém.
O que estava acontecendo com meu vizinho?
chegou e me viu chorando e, preocupado, me pediu para contar o que tinha acontecido. Emudecida, apontei para a mancha de sangue no sofá.
- Amanhã você vai lá. – Falou. – E exija saber o que está acontecendo.
Eu assenti com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa.
ficou mexendo em meus cabelos enquanto eu chorava, e consequentemente acabei dormindo.
Quando acordei não estava mais comigo.
Dia 17
Meu pai cruzou os braços, me encarando.
- . – Meu pai nunca me chamava pelo nome, nem mesmo pelo apelido. Ops.
- Sim? – Estava desconfortável, e apertei minha mochila nos ombros.
- Eu sei que aquele garoto estava aqui ontem à noite. Não sou burro, sabe. – Engoli em seco. – É sério?
Eu sabia que ele não era burro, mas aparentemente subestimei a esperteza do velho.
Minha mãe me encarou com um sorriso malicioso, e eu lutei contra a vontade irresistível de rolar os olhos para ela.
- Pai! Estamos atrasados! – E a minha sorte era que nós estávamos mesmo, por isso ele não disse mais nada e saímos do prédio apressados.
- Nós vamos com você. – Insistiu Rafa pela décima vez quando eu disse que não precisava. – Você está chateada por causa de e precisa de nós.
Let concordou com ela, com o "com certeza" de sempre.
Bufei.
- Certo, certo. Vamos logo. – Apressei quando vi meu pai chegando. Elas se entreolharam vitoriosas e me seguiram para o carro.
Uma vez dentro do apartamento, elas fizeram de tudo para me distrair, mas eu estava em outra dimensão. Em alguma hora da tarde, Rafa exigiu saber o que é que eu tanto escondia, e aí eu desabei.
Contei tudo que tinha acontecido de ruim com , desde os sangramentos no nariz, até ele parecer mais pálido e mais magro de uns dias para cá. Contei sobre as frases desconexas e de como ele ficava vulnerável. Rafa e Let ouviram tudo com atenção, me consolando.
Let deu a ideia de eu ir visita-lo logo de uma vez e é isso que iria fazer.
Bati na porta do 94 meio receosa, mas ninguém me atendeu. Fiquei uns cinco minutos tocando a campainha, mas ele não estava.
Não tinha ninguém lá.
- Não tem ninguém em casa. – Falei baixinho, quando voltei. Let entrou no apartamento atrás de mim.
- Não mesmo, o carro deles não está na vaga.
Rafa suspirou, apertando minha mão.
- Eu não vou poder ficar, mas a Let vai dormir com você.
- Não, não precisa. – Elas não insistiram e lá pelas nove da noite, foram emboa.
Em suma, o dia dezessete foi um dos mais agonizantes que já vivi. Mas não se comparava ao que me esperava.
Antes de dormir, tentei ligar para , mas ele não me atendeu. O carro ainda não estava na vaga e ainda não tinha ninguém em casa.
Mandei uma mensagem para ele. Não me lembro do horário que finalmente adormeci por estar cansada, mas lembro que fiquei com os olhos grudados na tela do celular, esperando ele me responder.
E eu adormeci, esperando por uma resposta que não chegou.
• Vizinho 👑
, pelo amor de Deus, onde você está?
Dia 18
O dia dezoito começou bem.
Se considerar o fato de ter sido escolhida como representante da turma, ter tirado umas das melhores notas do primeiro bimestre e conquistado uma bolsa de sessenta por cento no colégio, o dia dezoito realmente começou bem.
Exceto que não tive notícias de , o que fez o dia dezoito ser mais um dia agonizante.
Quando meu pai saiu com o carro naquela manhã, dei uma olhada para a vaga que o carro dos pais dele ocupada e continuava vazio, como se eles nem tivessem vindo para casa. E por fim, quando cheguei da escola, a vaga continuava vazia.
Let tinha vindo comigo e iria dormir lá em casa, ela se recusou a aceitar um não como resposta. Decidimos começar com um filme, mas infelizmente para a Globo, eu já havia assistido aquele filme com e antes que eu começasse a chorar, Let mudou de canal.
- Levanta essa bunda dai e vamos procurar ele, anda. – Falou do nada.
Confusa, levantei e calcei o chinelo, enquanto ela desligava a TV e prendia os cabelos. Possuiu minha chave e trancou a porta, liderando por todo o caminho até chegarmos a quadra.
E ele não estava lá. Tampouco na piscina.
Derrotadas, voltamos ao prédio, esbarrando com minha mãe quando fomos entrar.
- ! – Exclamou ela, quando me viu. – Preciso de um favor! Tenho várias coisas pra fazer e preciso que vá ao supermercado urgente comprar sabão em pó.
E ela nem me deixou falar, só enfiou uma nota de dez reais na minha mão e foi para a garagem.
Let deu de ombros, indo para a portaria, mas eu bufei, resmungando o caminho todo.
Estávamos indo embora já, quando reconheci aquele cabelo castanho claro da minha vizinha Laura.
Arregalei os olhos.
- Let. – Chamei. – Let, é ela!
- Hã?
Saí da fila sem pagar nem nada, correndo atrás de Laura.
- Quem é essa? – Perguntou Let atrás de mim.
- É a mãe do ! Vai pagar meu sabão em pó que eu corro atrás dela.
Laura estava quase chegando ao seu carro quando finalmente a alcancei.
- Laura! – Chamei, alto.
Seus olhos estavam profundos, com olheiras e parecia que ela não dormia há séculos. Apesar disso, sorriu para mim, um sorriso cansado que lembrava muito o de . Esse pensamento só me deixou com mais saudades.
- Oi, .
- Por favor, sabe onde está? – Pergunta errada. Seu sorriso se deformou em uma careta e ela começou a chorar, bem ali na minha frente.
- Ele está no hospital, querida. – Explicou, triste.
Meu coração começou a bater mais rápido.
- Por quê? Ele está bem? Posso ir?
- Oh, lindo gesto, mas ele não gostaria disso. Ele é todo orgulhoso, você sabe. Mas prometo que o farei te ligar, tudo bem? – Assenti com a cabeça. Ela enxugou a lágrima e sorriu de novo. – Bem, tenho que ir levar esse chocolate para ele.
Sorri também, mas acho que não saiu um sorriso lá muito feliz. estava em uma merda de um hospital.
- E aí? – Perguntou Let, chegando até onde eu estava.
- Ele... Ele está no hospital. – Disse, olhando para baixo. Let pegou minha mão.
- Vai ficar tudo bem.
E eu queria acreditar nela.
Mas sabia que não estava nada bem, e analisando o quadro como um todo, ele não estava nada bem há dias, há quase duas semanas se fosse parar para pensar.
Como sou burra.
Assim como ontem, Let não conseguiu me distrair e acabei indo dormir cedo.
E assim como ontem, dormi encarando o celular, esperando uma ligação que não chegou.
Dia 19
Acho que Let contou para minha mãe o negócio do hospital, porque acordei às dez da manhã com a campainha na porta. Eles me deixaram faltar. Gritei um "já vai" para quem quer que fosse e coloquei meu short e minha camiseta mais próxima, antes de ir correndo atender.
Assim que abri a porta, um vulto grande e magro correu para me abraçar. Quando escutei um soluço, descobri que o nome do vulto era .
Feliz, o abracei de volta com toda a força que tinha, mas depois notei algo triste.
chorava. E foi aí que percebi que ele não estava me consolando, pelo contrário.
queria ser consolado.
Com essa nova informação em minha mente, sem interromper o abraço, nos guiei até o sofá.
Eu nunca tinha visto chorar e aquela cena estava acabando comigo.
Comecei a chorar com ele, mesmo sem saber o motivo. Sei que não deveria, mas não aguentei.
- , o que foi? Por que estava no hospital? O que está acontecendo com você?
se afastou de mim, com o rosto magro ainda molhado de lágrimas.
- Desculpa, . Desculpa, por favor, me desculpa! Eu achei que tinha mais tempo, me desculpa! – Ficou murmurando, antes de esconder a face nas mãos.
Afaguei suas costas sem entender nada.
- Do que está falando? Desculpar pelo quê?
- Por tudo. Por ter me conhecido. Você não merecia. – Exclamou, ainda chorando.
Sem entender, apenas arqueei a sobrancelha para ele, esperando uma explicação.
Ele apontou para a sigla E.T.C em seu ombro, a mesma que ele não quis me dizer o que significava no outro dia.
- Essa foi a primeira que eu fiz. Significa... – Ele fechou os olhos, se livrando das lágrimas remanescentes. – Significa Eu Tenho Câncer.
Levei as mãos ao coração. Até aquele momento nada fazia sentido para mim e só com aquelas duas palavras eu entendi todas – todas – as atitudes de desde então.
Entendi porque ele tinha aquela mania de dizer que a vida era curta, entendi porque ele roubou e porque ele brigou, entendi porque ensinava música para crianças, entendi porque fazia siglas para tudo, entendi porque ele trabalhou por apenas uma semana, entendi como ele conseguiu passar na USP, e principalmente, entendi porque ele estava tentando me afastar.
Entendi tudo de repente, e mesmo assim, nada fazia sentido.
tinha câncer. E pessoas com câncer morriam.
"E terei vinte anos para sempre, ". Lembrei dele dizendo. Era isso que ele estava querendo dizer? Que jamais sopraria a vela de vinte e um? Que jamais se formaria na faculdade? Que jamais quebraria nenhuma regra, porque não estaria mais aqui para quebrá-la? Ele, por um acaso, estava querendo dizer que tinha apenas dias de vida? Por que não me disse antes?
Às lágrimas começaram antes que eu ousasse impedi-las e não falei nada. Não fiz nada, a não ser olhar para um ponto fixo no sofá. Minha garganta ficou seca e eu já encarava como se ele não estivesse mais aqui.
Quando olhei para cima, tinha parado de chorar, mas eu ainda não. Sentia a enxaqueca chegando, mas não liguei. Eu ia ter várias enxaquecas.
O dia dezenove foi um dos piores dias da minha vida. Se fosse para receber uma notícia dessas, eu preferia não receber notícias.
- Ei. – Ele chamou, depois de não sei quanto tempo. Olhei para ele. – Isso não é o fim do mundo.
- É, sim. – Consegui dizer, baixinho.
- Vai passar, , vocês vão superar.
E assim descobri a causa da morte de Maria Helena. Ela morreu de câncer, então, era por isso que não ficava triste quando falava dela. Ele estava passando pela mesma situação. pegou minha mão, dando um beijo nela.
- Eu só faço siglas nos braços, porque fechei meu tronco, não tem mais espaço. Mas antes de fechar, reservei um espaço para fazer uma sigla especial. – Contou ele, ainda segurando minha mão.
- E onde é esse espaço?
- Perto do meu coração. – Contou. Em seguida, soltou minha mão e ergueu a camisa, apontando para o local. – Bem aqui.
E quando vi o que ele tinha feito, chorei de novo.
Era eu. Ele tatuou uma sigla com as iniciais do meu nome.
- O que vai ser de mim sem você? – Perguntei, enxugando as lágrimas.
- Exatamente a mesma pessoa que você era sem mim. – Respondeu, terno. Funguei.
- Isso não pode ser. Eu jamais vou esquecer você. Nunca.
suspirou.
- Eu lamento muito, muito mesmo.
- Não lamente. Mesmo que por pouco tempo, você foi uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida. – Confessei, o abraçando. – Eu não quero dizer tchau para isso, mas a culpa não foi sua. Você só estava vivendo, e isso é normal.
sorriu.
- Adeus, .
Recomecei a chorar.
- Isso foi uma despedida? Você... Você...?
Vi uma lágrima escorrer do rosto dele.
- Eu precisei...
- Por que escondeu isso de mim?
- Como você iria agir se soubesse que só tinha dias de vida,? Hein?
- Não sei. – Respondi, sincera.
- Olha, eu... Eu preciso voltar para o hospital. – Falou, se levantando.
- Por quê?
- Não me deram alta. Eu fugi. – Levantei também, prestes a dar uma bronca. – Eu precisava te ver, ! Não sei quanto tempo tenho e hoje acordei bem.
- Por que não me ligou? Eu teria ido visitar você!
- Não quero que me visite no hospital! Quero que lembre de mim assim, saudável, inteiro.
- Certo! Mas não podia ter fugido. Não precisa ser certinho, mas não quebre as regras, .
E com um sorrisinho, ele simplesmente disse:
- A vida é muito curta para seguir às regras, vizinha.
Dia 20
Faltei da escola de novo. Minha mãe e meu pai ficaram sabendo do que estava acontecendo através de Laura, que fora ao apartamento naquela manhã pegar roupas para ela.
Depois de muito insistir, ela acabou concordando em me deixar ir ao hospital com ela.
Quando chegamos ao quarto dele, Laura me deixou entrar primeiro.
- Até que enfim, mã... ? – Perguntou, assim que me viu. Ele estava todo entubado, pendurado em vários fios e uma bolsa de soro estava pingando em sua veia.
- Bom dia, hon. – Exclamei, sentando na poltrona.
Ele bufou.
- Falei para você não vir.
- A vida é muito curta para seguir às regras, vizinho.
riu.
- Você não pode usar minhas próprias frases contra mim.
- Claro que posso. Adivinha com quem eu aprendi. – Sorrimos um para o outro. – Tenho uma coisa para você.
- O quê?
Estendi os dois papéis para ele, rindo antecipadamente.
- Por que diabos você me deu um vale beijo?
- Vi na internet. Digamos que veio de brinde.
Ele deu uma risada fraca.
- Hm, o vale cala a boca veio a calhar, porém. – Joguei uma almofada nele, rindo.
parecia bem. Mas não.
Do nada, ele começou a ficar menos presente na conversa e quando fui ver, ele já tinha dormido.
Resolvi investigar o hospital, mas me entediei e fui procurar um lugar para comer. Depois de fazer isso, voltei para o quarto onde estava acordado novamente.
- Oi.
- Oi. – Respondeu fraco.
Ficamos conversando mais um pouco, até que adormeceu novamente. Sua mãe apareceu no quarto e ficamos observando no seu sono de uma hora e meia. Laura saiu de novo, alegando que ia tomar um ar e eu me aproximei dele, sentando na cadeira que Laura ocupara há pouco.
O observei por algum tempo. Tão fraco, tão magro e tão pálido. Mas ainda assim, era o mesmíssimo príncipe encantando do cavalo branco que sentou ao meu lado no dia da prova. Ainda era o mesmo badboy tatuado com roupas largas. Ainda era o mesmo babaca que me fez corar. Ainda era o mesmo engraçadinho com respostas para tudo. Ainda era o garoto da minha selfie de sol. Ainda era o meu Gael particular.
Ainda era o meu vizinho.
Mas não seria por muito tempo. Ele tinha dias de vida. Apenas dias.
- Não sei o que vai ser de mim quando você for. – Sussurrei para ele, enquanto mexia em seu cabelo. – A minha sala vai ficar tão sem graça e a piscina de repente vai parecer maior. Não vou ter com quem brigar e não vou ter ninguém para me mandar mensagens maliciosas antes de dormir. Eu achei que nós íamos ser amigos para sempre, mas... Mas...
Acabei-me em lágrimas. Eu não conseguia parar de chorar, mas tinha que dizer tudo que eu podia para , antes que fosse tarde demais.
- Eu sempre vou me lembrar de você assim. Saudável, impertinente, espertinho. O rapaz que escuta boyband e ainda se acha o badboy. – Ri. – Vou lembrar de você feliz, pulando na piscina, lembrar de você ativo, jogando vôlei. Vou me lembrar de você com aquele sorriso de satisfação, ensinando violão para os pequenos. É assim que vou... Assim que vou lembrar de você. Ainda não caiu a ficha, , você... Você não pode estar indo embora!
Recomecei o choro, porque realmente a ficha não tinha caído. E então, a mão de se moveu bem devagar e ele pousou um papel na minha mão.
VALE CALA A BOCA
- , por favor, cale a boca. – Resmungou, me fazendo rir. – Não fique pensando no que fazer quando eu não estiver mais com você. Pense no que fazer enquanto eu ainda estiver aqui.
Ele estava certo.
- Não consigo evitar. – Funguei, limpando o nariz na manga da blusa. – Se você estivesse saudável e bem, você iria ser meu padrinho de casamento.
sorriu.
- Não, . Eu iria ser o noivo.
- Oi? – Perguntei, rindo também.
- Acho que é impossível conviver com você e não se apaixonar. Você é altamente apaixonável. tem sorte. – Ele sorriu mais ainda. – Então, se eu fosse saudável, você estaria comigo, porque eu iria te conquistar com meu charme natural. Digamos que eu não esteja em forma, então não me esforcei muito.
é... Apaixonado por mim?
Parei de sorrir, descrente.
- Você... Você nunca me disse.
- E por que eu diria, ? Olha minha situação! Isso só iria te deixar confusa e não ia mudar nada. Fiquei bem guardando isso para mim.
- Faz tempo?
Ele me deu um sorriso malicioso.
- Sim. Ano passado, quando fomos conhecer o prédio e sua mãe nos convidou para beber um café. Tinha uma foto sua na sala. E então te vi na faculdade duas semanas depois! Parece coisa do destino, não parece?
Dei um meio sorriso, lembrando da situação na faculdade.
- Você podia ter dito, mesmo assim.
- Hm, eu não disse, mas já que você fez essa gentileza... Queria aproveitar e fazer isso antes que fosse tarde demais. – Sussurrou, se aproximando de mim.
- Fazer o quê? – Sussurrei de volta.
- Isso.
E ele me beijou.
Foi o beijo mais calmo e doce que já recebi. Não foi um beijo carregado de luxúria, um beijo carnal, um beijo qualquer. Quando senti os lábios de nos meus, senti segurança.
Senti calma, paz.
Senti saudade. Senti que estava tudo completo. Eu não interrompi o beijo, porque eu gostei.
Era errado, se considerar que eu tinha um namorado e tudo o mais, mas mesmo conhecendo ele há apenas vinte dias, eu amava e ele estava morrendo.
Eu precisava desse beijo. Desse único beijo. Eu não tinha me apaixonado por , mas sabia que tinha a possibilidade de as coisas serem diferentes se ele estivesse disposto a me conquistar.
- Obrigado. – Sussurrou quando se afastou de mim. Colocou outro papel na minha mão.
VALE BEIJO
Sorri, segurando as lágrimas. Não era hora de chorar.
- Disponha.
- Você é uma boa pessoa. Foi uma honra enorme poder conhecer você.
- Por favor, não fala comigo como se estivesse se despedindo.
- , eu sinto que preciso me despedir. – Falou, com uma lágrima solitária escapando de seu olho. – Eu não sei para onde estou indo, mas você vai ficar aqui e sei que vai sofrer. Mas por favor, não sofra tanto. Eu estou até paralisado de tanto remédio que tomo para dor, mas sei que isso não vai ser nada comparado a dor da minha mãe quando eu for. Então, por favor, cuida dela. Cuidem uma da outra. Ela só tem o Lucas agora, e ele está longe e...
- Vou fazer o que você quer. Prometo. – Falei quando ele se perdeu nas palavras. – E foi um prazer enorme ser sua amiga, . Tenho uma surpresa número dois.
me olhou com expectativa, enquanto eu ia até minha bolsa e pegava o porta-retratos.
Era a foto que ele disse que não queria receber, aquela onde eu estava com uma cara de socorro.
sorriu quando a recebeu e colocou na mesinha de cabeceira ao lado da cama.
- Eu amei, .
- E você ainda está me devendo rosas brancas, não se esqueça.
- Jamais me esqueceria.
Sorri. começou a falar mais baixo, e começou a só me ouvir e então, dormiu novamente.
Não queria deixá-lo. Não queria, mas precisava. Sua mãe estava no quarto com a gente, e quando Wilson chegou, achei melhor sair. Era um momento de família.
Beijei a mão de e sai do quarto, fazendo um flashback dos nossos melhores momentos juntos e torcendo em silêncio para ele estar acordado quando eu voltasse lá amanhã de manhã.
Dia 21
morreu na madrugada do dia 21 de fevereiro de 2015, aos vinte anos de idade.
Quando me encontrei com sua mãe na porta do hospital e ela negou com a cabeça, caí no chão. E berrei. Gritei.
Meu pai me abraçou, me consolando.
Minha mãe chorava, Rafa chorava e eu berrava.
Não acreditava no que estava acontecendo, porque eu jamais imaginaria que ele iria embora tão rápido.
Achei que ele tinha dias e não um dia.
O dia vinte e um foi horrível. Não merece descrição. Não merece palavras.
Aliás, eu nem mesmo tinha palavras para descrevê-lo.
Acordar e ter a ideia de que tinha falecido, tinha ido embora... Eu não conseguia parar de chorar. Não conseguia aceitar a ideia de que nunca mais na minha vida iria vê-lo novamente. Isso simplesmente tinha que ser um terrível pesadelo.
- Você é ? – Perguntou uma enfermeira.
Eu gritei tanto na recepção, que me enviaram para o pronto socorro, a fim de tomar um calmante. Fiquei mais calma, mas não tinha parado de chorar.
- Sim. – Respondi, vagamente.
- Ele pediu para te entregar isso. – E então, vi minha rosa branca. Ele cumprira sua promessa.
Sorri, em meio às lágrimas, indo pegar a flor. Tinha um bilhetinho nela.
Devia ter dado antes de você ir embora, mas peguei no sono e quando acordei, você já tinha ido, desculpa. Com amor, . (Também conhecido como: O vizinho mais gostoso de todas as galáxias)
Voltei a chorar, abraçando a flor. apareceu lá, e eu chorei em seu ombro até meu pai me chamar para irmos embora. Antes de sairmos, dei de cara com Laura, que para minha surpresa, não chorava. Fui até ela e a abracei.
- Eu sabia que vocês iam se dar bem. – Comentou, me soltando.
Assenti, chorando mais ainda e entrei no carro com meu pai.
O velório seria ainda hoje, a partir das seis, e o enterro seria amanhã, às dez da manhã. Eu não iria ao velório. Recusava-me a ver ali deitado, com os olhos fechados, todos os órgãos parados, nada funcionando. Eu não iria, não podia.
E pelo resto da noite, só me restaram as lágrimas. Peguei a mesma foto que havia dado a e coloquei em um porta-retratos do lado da minha cama.
Às lágrimas não paravam de cair, e molharam o vidro, mas não me importei. Apenas sequei e fui para trás, para admirar a foto de longe.
Parecia que nossa amizade inteira estava bem ali, naquela foto.
Tomei um ou dois comprimidos antes de dormir, mas continuei chorando.
Não sabia como tinha se dado essa reviravolta, só o que eu sabia era que queria meu vizinho de volta.
E essa era justamente a única coisa que eu jamais teria.
Epílogo
Hoje faz exatamente três semanas que conheci . Três semanas pode parecer pouco tempo, mas isso é o que você acha.
Não é pouco tempo.
Em três semanas você pode se apaixonar. Em três semanas você pode amar alguém. Em três semanas você pode fazer um novo amigo.
Três semanas não é pouco tempo, mas um dia é.
Porque ao passo que em três semanas você conquista um novo amigo, em apenas um dia você pode perdê-lo.
Um dia é pouco tempo.
- , está pronta? Estava usando meu único vestido preto. Estava de luto.
- Sim.
Minha mãe estava triste também, afinal, ela conviveu com tanto quanto eu.
Fomos os últimos a chegar ao cemitério e a família dele inteira estava lá. Vieram do Paraná. Conheci o Lucas, irmão mais velho dele, e este também não chorava.
Comovi-me quando a mãe dele me apresentou como "a melhor amiga de " e tive que me esforçar muito para não voltar a chorar.
O homem encarregado de colocar o caixão dentro da lápide começou a abrir um buraco na frente de uma placa bonita. Devia ser recente se considerar que eram todos do Paraná.
Quando o homem terminou o trabalho, meu coração quase saiu pela boca e meu controle em segurar as lágrimas quase escapou de mim.
- -15/01/1995 +21/02/2015
Observei o caixão dele ser enterrado dentro da lápide.
estaria eternizado em um corpo de vinte anos para sempre. Conservado dentro de um caixão, debaixo da terra, onde ninguém jamais veria sua face novamente, onde ninguém jamais teria o prazer de ouvir sua risada, ou escutar sua voz, sentir seu perfume.
Ali estaria o corpo de , mas ele não estava mais lá. Não importava exatamente onde ele estava agora, mas eu esperava que fosse no céu. Nunca acreditei quando ele disse que iria ao inferno, isso não aconteceu.
Uma vez enterrado,as pessoas só paravam para dizer tchau e iam saindo. Laura e Wilson estavam em um canto chorando, sendo consolados pelo filho mais velho, quando a mulher murmurou um "vamos embora, por favor" e eles saíram dali.
Pensei em Laura, perdendo o segundo filho em um intervalo de dois anos. O quão difícil pode ser para uma mãe passar por isso? Lembrei da leveza com que falava da irmã. Com saudade, não com dor. Queria isso para mim. Queria me lembrar de , e falar dele com saudade, mas não com dor.
- Sabe o que eu fiz quando me contaram que minha irmã tinha morrido? – Perguntou, do nada. Para mim ele estava dormindo, mas então abriu os olhos para me encarar.
- Não. O quê?
- Nada. Eu não fiz droga nenhuma. Eu peguei o carro e fui para nossa casa no interior. Tinha acabado de tirar minha carta e meus pais ficaram desesperados. Me ligaram, mas eu os ignorei. Eu sumi por dias, . – Contou de uma maneira suave.
- Por quê?
Ele fez uma pausa.
- Porque eu tinha acabado de receber meu diagnóstico. Duas bombas no mesmo dia. Foi demais para mim.
- Por que esta me contando isso?
suspirou, se arrumando na cama.
- Eu não quero que isso aconteça com você. Não quero que você suma. Quero que se lembre de mim como se eu tivesse ido para outro país bem longe. Como se eu estivesse em uma expedição no mar que vai durar a vida toda. Qualquer coisa, mas, por favor, não use a palavra morte para se referir a mim.
Eu ia honrar o desejo dele. Eu prometi isso. Porém iria também me dar ao luxo de presenciar a realidade e me manter machucada, pelo menos por hoje.
Meu pai pareceu entender que eu precisava ficar sozinha, e segurando minha mãe pelos ombros, me deixou ali.
Aproximei-me da lápide, chorando. Mas um choro calmo. O último choro.
- Eu estou quebrada. – Disse. – Mas isso vai passar. O importante é que você não tem mais dor e não sofre mais. – Remexi em meu bolso até encontrar o papelzinho que eu procurava. – Descansa em paz. Eu te amo para sempre, .
Terminei, jogando o VALE APELIDO que ele havia me dado dentro da lápide.
Conhecer me ensinou muita coisa. Aprendi que a vida é realmente muito curta. Aprendi que reviravoltas são necessárias para que a gente cresça. Aprendi que devemos aproveitar o agora com quem estiver conosco. Aprendi que há pessoas que vêm para mudar a sua vida, não importa o tempo que elas fiquem.
Quando perguntassem por ele, eu jamais iria dizer que ele perdeu a batalha. Jamais diria que ele foi embora. Eu diria que ele ainda estava por aqui, em algum lugar. Que perdemos contato. Diria que ele estava em uma expedição no mar que iria durar a vida toda.
Eu sabia de todo meu coração que nunca me esqueceria de e de todos os nossos vinte dias.
E se minha memória falhasse, a nossa foto no meu quarto me faria lembrar disso para sempre, pelo tempo que eu vivesse.
Fim!
Nota da autora: Olá meninas! Essa fic escrevi tem uns anos, é verdade, só reescrevi algumas coisas para deixar nossa leitura mais gostosa. Essa história é muito importante para mim por vários motivos, então espero que ela reconquiste o coração de quem está lendo novamente e conquiste o de quem está lendo pela primeira vez!
Comentem o que acharam da história, vou responder todas! Um beijo grande!
.
Outras Fanfics:
The Only Girl (original/em andamento)
Take Me Back To San Francisco (especial A Whole Lot Of History/ em andamento)
Comentem o que acharam da história, vou responder todas! Um beijo grande!
.
Outras Fanfics:
The Only Girl (original/em andamento)
Take Me Back To San Francisco (especial A Whole Lot Of History/ em andamento)