Finalizada em: 07/01/2020

Capítulo Único

Nada. Absolutamente nada.
Mais uma vez, não importava quanto tempo ela tivesse o laptop aberto sobre o colo, nem uma palavra sequer saía. A conexão entre seus dedos e seu cérebro parecia ter sido cortada como o fio de cobre roubado de uma linha telefônica.
Tirou os óculos de grau, repousando-os sobre o colo enquanto esfregava o rosto em um misto irritante de raiva e angústia ao qual ela tinha se tornado extremamente familiar nos últimos dias. Bufou alto, completamente decepcionada consigo mesma. Recusava-se a acreditar que aquilo realmente estava acontecendo àquela altura do campeonato.
, por favor - Todd chamou, assinalando a grande porta de vidro da sala de reuniões.
A mulher reposicionou os óculos na face, fechou o laptop e seguiu o empresário, já ciente de que não gostaria nem um pouco da conversa que estavam prestes a ter.
— Pode se sentar.
— Pode ir direto ao ponto, Todd. Eu sei porque eu estou aqui - assinalou. — Quanto tempo?
O empresário respirou fundo, ajeitando a gravata ao redor do próprio pescoço, sabendo plenamente que, qualquer deslize da mulher e se enforcaria junto dela.
— Os representantes da editora declararam entender perfeitamente a situação e disseram que apoiam qualquer decisão que você julgue mais certa para enfrentar esse bloqueio criativo pelo qual está passando.
— Mas? Sempre tem um ‘mas’.
— Mas você tem seis meses no máximo para finalizar o quinto livro.
buscou a própria voz durante alguns segundos antes de conseguir, de fato, vocalizar sua preocupação.
— Todd, seria um ótimo tempo se eu estivesse bem, mas não é o caso. Eu não sei se consigo.
O homem coçou a própria nuca, sem saber ao certo o que sua cliente esperava que ele dissesse.
— Eu sei e entendo. Mas não há nada que qualquer um de nós dois possa fazer para adiar esse prazo. E eles têm razão, sabe? Você acabou de explodir no mundo literário, alavancou quatro best-sellers em sequência. Seu nome está em alta agora, mas eles não podem deixar que esse fogo no qual os consumidores de romance se encontram apague. É muito mais difícil retomar seu sucesso se deixarmos que as pessoas te esqueçam.
rodou seus anéis nos dedos, completamente nervosa com a situação. Claro que compreendia o posicionamento da editora e, comercialmente falando, tudo aquilo fazia total sentido. Mas, honestamente pensando, ela não tinha confiança alguma de que seria possível.
— O que eu vou fazer, Todd? Já assisti a todas as comédias românticas possíveis e imagináveis da Netflix. Filmes e séries. Já tentei escrever qualquer merda em fluxo de consciência. Eu até li fanfics. Todd, eu voltei a ler fanfics e, por mais que eu ache isso o máximo, o fato de não ter ajudado em nada é realmente preocupante.
— Eu não sei, . Você é jovem, talvez precise viver um pouco a vida em vez de só ficar tentando criar as coisas. Vá conhecer novas pessoas, novos ares, novos pontos de vista. Talvez você precise sair desse computador antes de conseguir voltar para ele.
A mulher revirou os olhos amplamente.
— E você espera o quê? Que eu chame o primeiro estranho que passar na rua ali embaixo para sair comigo e tentar viver um primeiro encontro perigoso e despreparado para testar novas emoções?
Todd soltou uma risada abafada.
— Talvez seja mais fácil começar por coisas que têm menos chance de te colocarem para dar uma volta com um serial killer ou um pervertido. Tipo uma viagem.
— Será que funciona?
— Não sei. Mas acho que não custa tentar.
assentiu, sorrindo educadamente antes de agradecer e se retirar com o laptop debaixo do braço. Tão rápido retornou ao seu apartamento, abriu a máquina sobre a mesa e buscou pela primeira coisa que veio à sua cabeça: “Passagens para a Europa”.
Sentiu-se burra no mesmo instante em que incontáveis opções surgiram em sua tela. Passando os olhos rapidamente por aquelas que lhe caberiam, decidiu pelo país em forma de calçado. Embarcaria no dia seguinte. Não tinha tempo algum a perder quando cada hora que passava significava um prazo se aproximando para assustá-la.
— Eu só espero que dê certo - murmurou antes de fechar o laptop e decidir tomar um banho fresco para se livrar da pressão que aquele dia havia colocado sobre os seus ombros.


✈✈✈



ainda se sentia um pouco enjoada enquanto esperava que suas malas aparecessem na esteira do aeroporto. Aviões estavam muito longe de poderem ser considerados seu meio de transporte favorito. Principalmente quando se tratava dos momentos cruciais de decolagem e pouso. Não era agradável e nada mudaria sua opinião sobre aquilo. Nem o almoço razoável que havia consumido uma hora antes do desembarque.
Havia alugado um quarto em um hotel próximo e decidiu largar as malas lá antes de retornar para iniciar seus momentos turísticos. Afinal, não perderia por nada a sua chance de começar a visita italiana na famosa Torre de Pisa.
O sol não estava de brincadeira e agradeceu mentalmente por ter levado seus grandes óculos de sol e um chapéu tão largo que protegia seu rosto todo. Ergueu a cabeça, levantando o olhar em direção à Torre. Era realmente magnífico vê-la de perto em toda sua grandiosidade. Ficar somente vendo as fotos na internet era um ótimo hobby para quando não tinha nada para fazer em casa, mas não se comparava em nada à sensação de estar ali. Talvez fosse exatamente esse o tipo de coisa a que Todd se referia quando pediu para que ela buscasse viver as próprias histórias um pouco.
Vendo uma pequena lojinha embaixo de um toldo colorido, decidiu se aproximar imediatamente. As pessoas estavam saindo de lá com gelatos bonitos demais para que ela não cedesse.
Seu incrível conhecimento sobre a língua italiana deveria se resumir a algo em torno de umas quinze palavras, incluindo o básico como ‘ciao’, ‘per favore’, ‘salute’ e ‘arrivederci’ e o próprio ‘gelato’. Mesmo assim, tentou usar o pouco que conhecia para realizar o seu pedido.
Rapidamente, a senhora simpática entregou seu doce com um largo sorriso.
— Grazie - respondeu antes de dar meia volta e liberar o seu lugar na fila para o próximo turista animado em experimentar o tal sorvete que não era sorvete.
O gelato era menos doce, menos gorduroso e mais natural que os sorvetes a que as pessoas estão acostumadas. Com a gordura oriunda de ingredientes mais naturais como o próprio leite fresco e a entrada de ar sendo natural na mistura em vez de industrialmente injetada, a textura do gelato era bem diferente e muito mais gostosa, em sua opinião. Não era à toa que os Estados Unidos tinham instituído até mesmo leis que proibiam produtores de chamar sorvetes comuns de gelato, pois seria algo como uma propaganda enganosa.
? - Uma voz a interrompeu em seus devaneios gastronômicos. Ao olhar para a frente, viu um rapaz que deveria ter algo em torno de seus dezessete anos.
— Sim?
O rapaz expirou com força, aliviado.
— Ótimo! Por cinco segundos, eu tive certeza de que estava fazendo confusão. Mas daí eu pensei “Como poderia estar me confundindo se eu já vi as fotos dessa mulher um milhão de vezes?”.
A mulher agradeceu mentalmente por seus óculos serem grandes demais. Ao menos, o suficiente para esconder a provável cara de interrogação completa que ela tinha no momento.
— É que você é a autora favorita da minha namorada e, sério, ela é muito apaixonada por você. Posso tirar uma foto? Ela simplesmente vai surtar quando souber que eu te conheci. E ainda por cima no meio da Itália! Esse mundo é muito pequeno mesmo, né?
abriu um sorriso, concordando. Aproximou-se do rapaz e sorriu para a foto rapidamente.
— Caramba! Obrigado mesmo!
— Não há de quê. E mande um beijo para a sua namorada. Diga que eu agradeço pelo carinho.
— Pode deixar - ele concordou antes de se afastar até sumir de sua vista.
riu sozinha, meneando a cabeça. Ainda ficava meio perdida ao lidar com aquelas situações, mesmo depois de quatro lançamentos causadores de alvoroço.
Puxou a própria câmera fotográfica do pescoço e começou a tirar fotos do lugar. A pobrezinha já estava meio velha, abandonada desde que ela trocara de vez a fotografia pela escrita, mas ainda funcionava bem o suficiente para bater algumas fotografias para recordação pessoal da viagem.
Olhando ao seu redor, viu várias pessoas se desdobrando em estratégias e tentativas de conseguir uma daquelas fotos em que criava-se a ilusão de que a torre inclinada estava sendo sustentada pelas mãos do turista, ou que este a segurava em toda a sua extensão, como se seu tamanho fosse tão ínfimo como o de um simples lápis. Mesmo de longe, era um tanto divertido perceber que a maioria daquelas tentativas provavelmente estava dando muito errado.
Correu a câmera sobre o verde campo, fotografando crianças brincando e casais passeando de mãos dadas. Uma adolescente sentada em um canto, de pernas cruzadas, chamou sua atenção. Estava com um livro aberto sobre o colo e, pelo zoom, pôde perceber que se tratava de ‘Sempre Foi Você’, o último de seus livros lançados. Tirou uma foto rápida, enquanto seu sorriso se alargava no rosto. Era ótimo ver que as pessoas tinham a leitura como passatempo, assim como ela sempre teve. E, mais legal ainda, ela deveria admitir, era saber que ela era em partes responsável por aquele momento.
No entanto, sua autossabotagem logo berrou no fundo de sua mente, substituindo aquela alegria por uma sensação incômoda de tristeza e frustração ao se lembrar do simples fato de que não estava conseguindo escrever absolutamente nada.
Sádica como só ela sabia ser, abriu o twitter para ler as menções mais recentes, deparando-se com todo o tipo delas. Fotos de adolescentes e jovens adultas com seus livros, alegando que não sabiam como seguir a própria vida sem um homem como o protagonista em suas vidas. Comentários ameaçadores sobre personagens que ela tivera que matar ou tornar maus ao longo de suas tramas. Mas, principalmente, pedidos desesperados pelo próximo livro e expectativas que ela não sabia mais se era capaz de cumprir. Rumores circulavam com supostos trechos vazados - que com certeza não eram dela e ela sequer imaginava de quem poderiam ser. Até suposições de títulos já existiam.
— Coitados - disse, entre um suspiro e outro. — Mal sabem que eu não escrevi nadinha além do meu próprio nome.
Lendo alguns dos trechos, torceu o nariz para vários, mas, devido a outros, pensou seriamente se não deveria tentar usá-los como algum tipo de fonte de inspiração para que pelo menos um parágrafo ou uma frase decidissem sair. Mas não adiantava. Ela já tinha tentado aquilo há um mês e tinha fracassado brutalmente.
Prosseguiu com o seu passeio até sentir que seus olhos e pés precisavam de descanso imediato. Caminhou até o hotel, disposta a dormir tanto quanto pudesse antes que precisasse acordar no dia seguinte para pegar seu trem até Roma.
Fechou os olhos, apertando-os enquanto fazia algum tipo de prece para que as divindades romanas a auxiliassem com alguma luz ou inspiração.
— Não vai adiantar nada - murmurou, enquanto apagava a luz do abajur ao lado da cama. — Musas são gregas. Mais fácil eles me castigarem por heresia mitológica.


✈✈✈



Roma era inexplicável. Simples assim. Ela sequer se arriscaria a tentar.
Tinha passado horas felizes caminhando pelo Coliseu e ouvindo todas as histórias que os guias e demais funcionários tinham a contar sobre ele. A ordem para que o local fosse construído partira do Imperador Vespasiano e as obras foram finalizadas quando seu filho detinha o poder. Tinha sido erguido sobre o lago da Domus Áurea, casa de Nero e chamado Colosseo (Coliseu), pois lá haviam encontrado uma estátua gigante do imperador.
Eterno símbolo do Império Romano e da cidade eterna, o monumento, em sua época de uso, tinha capacidade para 80 mil pessoas e contava com 80 escadarias de saída, capazes de evacuar todo o público em menos de três minutos em situações de emergência. Entre grandes estruturas de concreto armado, arquibancadas, fileiras de arcos magistrais e janelas retangulares, o Coliseu era impactante o suficiente para tê-la deixado de boca aberta por longos minutos, sem se importar com a garganta ressecando.
— As arquibancadas eram divididas em três setores - o guia dizia. — O podium para as classes altas, a meaniana para a classe média e os pórticos para a plebe e para as mulheres, excluídas da sociedade independentemente de seu poder aquisitivo. Tudo isso aqui era mármore.
Subiram até o podium, seguindo-o.
— Aqui também ficava a Tribuna Imperial, com os assentos dos senadores e magistrados por toda a sua volta. Isso colocava os poderosos ao lado dos ricos, mas sem contato, entendem? Ainda havia uma hierarquia velada, mas muito clara e passível de ser reforçada.
— E as histórias dos gladiadores? - Alguém perguntou.
— Verdadeiras, assim como o que contam sobre a relação violenta entre os cristãos e os leões - o guia respondeu. — Para vocês terem uma leve noção da dimensão disso tudo, saibam que a inauguração do Coliseu durou algo em torno de cem dias e, neles, entre festas e jogos, morreram mais de cinco mil animais e centenas de gladiadores e combatentes. Além disso, ao passarem pelo camarote do Imperador, os gladiadores entoavam a saudação mórbida: “Salve, César! Aqueles que vão morrer te saúdam!”. Bem intenso e pesado, não?
Todos assentiram. Não havia como não concordar.
não sabia onde focar o olhar, preocupada em observar todos os cantos o tempo todo, a cada passo que dava. Estava tentando imaginar como seriam os momentos em que o local era alagado para as simulações de batalhas navais. Os romanos realmente eram incansáveis e completamente criativos quando se tratava de criar algum tipo de entretenimento para as massas.
Pensou em quantos monumentos e igrejas católicas até os dias atuais eram ornamentadas com o mármore e o bronze saqueados daquelas estruturas. Até a tão famosa Basílica de São Pedro, no Vaticano, contava com a pedra furtada em sua decoração.
O clima do local realmente tinha tomado conta de . Ela teve certeza disso ao se pegar imaginando se poderia escrever um romance histórico fictício sobre um relacionamento proibido entre um gladiador e uma filha de algum membro importante do Senado. Havia todo o drama relacionado à hierarquia e também com a predestinação dele à morte em batalha. Poderia ser uma história realmente maravilhosa, mas ela logo afastou a ideia. Amaria imensamente ler um livro daqueles, mas não fazia o seu tipo ser aquela a escrevê-lo. Sequer tinha tempo para fazer pesquisas a fundo e, se fosse embarcar em algo do tipo, queria se jogar de cabeça e cumprir até os mínimos detalhes. Era melhor voltar a pensar em seu próprio estilo, ao menos por enquanto, adepto às comédias românticas que tanto agradavam seus leitores do gênero “Young Adult”.
Com a excursão dada por encerrada, a mulher pegou um táxi em direção à ‘Fontana di Trevi’. Poderia ter ido andando, mas a caminhada razoavelmente longa não a chamava atenção em nada enquanto o calor esquentava seu corpo e o fuso horário a mantinha cansada como se fosse algum tipo de influenza sazonal.
Aproximou-se da fonte, vendo todos os turistas animados lançando suas moedas ali e tirando fotos do momento em que arremessavam seu dinheiro por cima do ombro como se fosse o momento mais mágico e memorável do ano. Parecia bem tonto na verdade, mas era exatamente isso o que ela esperava ver. Tinha lido algumas coisas ao longo da vida e muitas durante a madrugada anterior sobre a tão famosa fonte e algumas curiosidades aleatórias. Ficava impressionada com o tempo que conseguia gastar na internet lendo dezesseis guias sendo que só queria pesquisar uma coisa. Era como entrar em um buraco negro.
Mas ela aprendera bastante. Por exemplo, tinha lido que o costume estranho e sustentado na atualidade de arremessar moedas em fontes e poços vinha da Grécia Antiga. Foram os gregos que começaram a jogar as próprias moedas nos poços de água, acreditando que a divindade que os protegia receberia aquele agrado e responderia de forma a fornecer água abundante durante todo o ano, além de sorte e fertilidade em alguns casos.
A ‘Fontana di Trevi’, como nada menos que a fonte mais famosa do mundo todo, com isso, tinha virado quase literalmente um poço de dinheiro. Aproximadamente 900 mil euros eram recolhidos nela por ano, sendo que parte era destinada para uma instituição católica de assistência social - a Caritas - e o resto recebia a incumbência de forrar os cofres municipais.
Continuava soando tosco para ela, mas ela já não via muita esperança nos meios tradicionais de qualquer forma. Não custava nada tentar.
Aproximou-se da fonte, apertando a moeda entre os dedos e pedindo com todas as suas forças para que alguma inspiração divina, mágica, terrena ou não simplesmente a atingisse logo. Qualquer coisa que a fizesse escrever um capítulo decente que fosse.
Bufou ao abrir os olhos e ver o brilho da moeda que estava prestes a arremessar:
— Eu não acredito que você vai fazer parte dos milhares de euros que o Estado vai lucrar de turistas tontos, mas eu definitivamente não sei mais o que fazer. Então, por favor, funcione.
E jogou, ouvindo o barulho que a mesma fez contra a água antes de afundar de vez junto a tantas outras que já forravam o fundo do monumento.
— Caramba! Você é provavelmente a pessoa mais desesperada que eu vi nessa fonte - um rapaz comentou, chamando a sua atenção. Ele carregava uma mochila enorme nas costas e sustentava um sorriso travesso, brincando por seus lábios finos.
não pôde evitar a careta. Quem aquele cara pensava que era para simplesmente sair se intrometendo daquele jeito em um momento tão pessoal? Será que nunca tinha ouvido falar sobre privacidade?
— Eu sou escritora e estou com um bloqueio criativo de meses - explicou, sentindo uma vontade enorme de completar a informação com um lembrete grosseiro de que não era da conta dele. — Eu tenho seis meses para finalizar um livro que eu nem comecei. Então, é, eu estou bem desesperada.
O rapaz assentiu.
— Entendi. Puxa, moça. Que barra. Espero que as coisas funcionem para você - disse sinceramente.
concordou com a cabeça e pediu para que ele tirasse uma foto dela, entregando a câmera que estava pendurada no pescoço. Afastou-se dele e se aproximou da fonte. Ao ver a feição desentendida dele, ficou também perdida, pensando se tinha feito algo de errado.
— O que foi?
— Eu pensei que você quisesse uma foto comigo - ele se explicou, soando realmente confuso.
Agora, eram dois confusos. abriu e fechou a boca algumas vezes antes de se decidir sobre como responder àquilo.
— Você até que é bonitinho e tudo mais, mas por que eu ia querer uma foto com você?
A pergunta não havia melhorado a situação. Ele só parecia mais perdido. E talvez até mesmo um tanto ofendido.
— Sei lá. Mesmo quem não curte muito o meu trabalho costuma pedir fotos só para postar nas redes sociais e poder contar vantagem para os outros.
— Ah é? Você trabalha com o quê? Canta em algum lugar aqui perto? Você tem uma cara de integrante de boyband que faz garotas de dezesseis anos arremessarem calcinhas no palco.
O rapaz abaixou a câmera, sustentando um contato visual mais intenso enquanto soltava uma risada irônica e anasalada.
— Ok, eu tenho que admitir que meus amigos têm razão - disse. — Eu sou mesmo muito lerdo. Só percebi agora que você está tirando uma com a minha cara.
franziu o cenho.
— Eu o quê?!
— Você sabe quem eu sou.
— Eu realmente não faço a mínima ideia de quem você seja.
— Tom Holland? Peter Parker? Homem aranha? Teioso? Cabeça de teia? O amigo da vizinhança? Isso não te lembra de nada? - Ela negou com a cabeça. — Apareci em alguns filmes da Marvel, estrelei os meus próprios… Ah, não. Você está me zoando.
— Sinto em te dizer, mas não estou mesmo. Não gosto de filmes. Deve ser por isso. - simplesmente deu de ombros.
— Isso é mentira - ele interveio. — Ninguém no universo não gosta de filmes.
A mulher inspirou com força, preparando-se para o discurso impopular que já tinha feito para vários parentes e amigos que haviam entrado nesse mérito em discussões repentinas.
— Filmes são versões preguiçosas, forçadas e cansativas dos livros. São só uma pseudo-arte cujo único fim é o lucro em cima de pessoas preguiçosas demais para se darem ao trabalho de ler qualquer coisa que tenha mais de cem palavras.
Ele soltou um resmungo ofendido e descrente.
— Isso é uma piada. Filmes são incríveis! São cheios de ação, sentimentos, efeitos especiais e fazem você se apegar aos personagens, rir e sofrer junto com cada um deles.
— Bom, isso acontece na literatura. E você se apega de verdade aos personagens porque eles fazem parte direta do seu processo criativo de construir a história na sua mente com cada um dos detalhes de ambientação, inserção temporal… Tudo! E os filmes vêm e te entregam tudo isso mastigado. É ridículo!
Continuaram naquela pseudo-conversa-argumentativa-pseudo-discussão por mais algum tempo até decidirem que não entrariam em um consenso nunca. Estavam realmente chocados com as opiniões fortes e, em sua percepção, tão limitadas do outro.
Tom bufou, decidindo que, se não conseguiria driblá-la com palavras, faria com a prática.
— Eu tenho uma ideia - começou. — Eu vou ficar por aqui mais uns dias e já conheço o país relativamente bem. Posso ser seu guia turístico particular e te mostrar coisas tão incríveis que seu bloqueio vai passar em um segundo.
encarou o rapaz desconfiada.
— E o que você ganha com isso?
— Eu vou ajudar a trazer sua inspiração de volta. Mas você vai, no mínimo, assistir a Vingadores.
A mulher riu alto.
— Não vai acontecer.
Tom tirou um papel da mochila e anotou o próprio número, estendendo o contato e a câmera para ela.
— Então, pode continuar fritando o seu cérebro até um livro sair daí magicamente. Não é por mal, moça, mas se você quer viajar pela Itália para que o país te inspire, não adianta só tirar umas fotos no Coliseu e jogar uma moeda fora.
E com um meio sorriso, afastou-se com a mochila enorme, deixando-a para trás com uma sensação de quem precisava se perguntar o que raios tinha acabado de acontecer.


✈✈✈



O maldito laptop estava aberto mais uma vez. O documento do Word permanecia completa e irritantemente vazio. Cada palavra digitada era também uma palavra deletada com raiva, deixando-a em um saldo nulo que continuava não a levando a lugar algum.
Estava na cafeteria há pelo menos uma hora e, além de não ter aproveitado nada seu tempo, os funcionários provavelmente iniciariam uma agressão coletiva por ela não ter consumido nada.
Decidida a evitar pelo menos a parte possível, pediu um café gelado. Ao puxar a carteira da bolsa para separar o dinheiro do pedido, encontrou um pequeno papel com números atrapalhados escritos. O contato de Holland estava ali há dois dias e ela tinha simplesmente se negado a sequer cogitar aceitar a oferta dele. Apesar de ter cumprido parte dela por pura curiosidade.
Agora, no entanto, o desespero infinito a fazia se arrepender de não ter cedido. A intenção da viagem não era, de fato, viver algo diferente o suficiente para mudar sua vida? Mas agora provavelmente era tarde. Ele já devia ter colocado a mochila nas costas e seguido com a sua viagem, aproveitando as férias entre as gravações.
Bom, não custava nada tentar. Digitou os números apressadamente no próprio celular e apertou o botão de “ligar”, sentindo o coração nervoso com aquela decisão tão repentina.
Ouviu o barulho irritante da chamada tantas vezes que tinha certeza de que o próximo bipe a avisaria sobre o direcionamento para a caixa postal. Mas não.
— Alô?
— Tom?
? Achei que não fosse me ligar.
A mulher ficou um tanto impressionada por ele reconhecer sua voz com tanta facilidade. Talvez tivesse gritado tanto com ele sobre como livros eram melhores do que filmes que a cabeça dele simplesmente ainda ouvia os ecos.
— Você ainda está por aqui?
— Sim.
— Pode me encontrar? Envio o endereço por mensagem.
— Vou pensar no seu caso. Brincadeira, manda. Até mais.
enviou o endereço da cafeteria por mensagem e logo recebeu um “Pertinho de onde estou. Já já chego.” em seguida. Estava tão nervosa que comprou um doce sem sequer saber do que se tratava. Não importava, pelo menos tinha açúcar e era só daquilo que ela precisava naquele momento.
Assim que terminou de comer, ouviu o sininho do lugar, avisando que um novo cliente tinha entrado. Acenou para o rapaz, que caminhou até a mesa em que ela estava com um sorriso simpático.
— Tudo bom?
— Mais ou menos - ela respondeu. — Cabelo molhado. Você acabou de tomar banho? Achei que estivesse aqui perto.
— Estou hospedado a menos de duas quadras. Já tinha tomado banho antes de você me ligar.
— Entendi.
não sabia muito bem o que dizer na sequência. Não fazia ideia de como começar aquela conversa.
— Conseguiu alguma coisa? - Tom perguntou, apontando para o laptop.
— Nada - ela assumiu. — Continuo na mesma. Quer dizer, mais ou menos.
— Como assim?
— Não consegui escrever absolutamente nada. Mas, em compensação, eu vi os quatro Vingadores e estou parecendo um guaxinim com o rosto inchado até agora. Eu te odeio.
— Tenho certeza de que adorou.
— Quero o contato dos Russo. Vou processá-los por terem destruído a minha vida com a decisão horrível de matar o Stark.
— Bem vinda ao sentimento de grande parte da população mundial. De nada por te obrigar a viver isso como uma pessoa normal.
— Mas eu vi mais do que Vingadores. Eu vi você de Rihanna e, sinceramente, essa foi a melhor coisa a que eu assisti em muito tempo.
Tom riu.
— Fico feliz que tenha conseguido te entreter - respondeu simplesmente. — E, agora, estou a seu dispor para levá-la onde quiser.
— Você é o guia - argumentou. — Estou aguardando as sugestões de quem sabe.
— Então, eu acho que já tenho uma ideia.


✈✈✈



— Queria ter menos de seis anos só para não pagar - brincou, enquanto esperava com o rapaz. — Se você dissesse que é menor que isso, eles com certeza aceitariam.
— Pela décima vez, eu nem sou tão mais novo que você - Holland respondeu.
— Três anos é bastante, Tom. A vida cobra.
Ele revirou os olhos. era divertida, mas continuava com esse papo de que poderia ser a sua mãe sem nenhum tipo de noção só para reforçar a cara de bebê que ele tinha.
Pagaram as entradas e Tom riu com a reação surpresa da atendente ao reconhecê-lo. tirou uma foto de ambos e seguiram seus caminhos em direção aos Museus do Vaticano.
— Século dezesseis, Papa Júlio II colecionava estátuas - comentou, assinalando o pouco que ela se lembrava de suas aulas de história da arte sobre as origens do lugar em que estavam.
— E vamos começar por elas mesmo.
Passaram um bom tempo andando por estátuas gregas e romanas que faziam com que meneasse a cabeça em negação o tempo todo.
— Lindas, não? - Tom perguntou.
— Maravilhosas - ela respondeu, ainda extasiada. — Olha só para esses detalhes! Fica até difícil de acreditar que sejam todos esculpidos por uma pessoa quebrando pedra. Tipo, eles fizeram transparências e texturas quebrando mármore e eu não consigo escrever a droga de um livro! É até meio injusto, sabe?
Tom riu, puxando-a pela mão para que o seguisse.
— Sem discurso autodepreciativo. Aprecie a arte dos outros sem menosprezar a sua.
Os dois continuaram passeando, visitando o museu egípcio e também o etrusco. As estátuas egípcias eram belas, mas não chamaram tanta atenção depois da arte greco-romana. No entanto, as estelas com inscrições hieroglíficas, os talismãs, objetos litúrgicos e oferendas zoomórficas foram o que realmente chamou a atenção de nas salas do povo faraônico. Quanto à composição etrusca, o que mais lhe encantara havia sido o conjunto de afrescos com cenas da vida de Moisés e Aarão, em meio à decoração gregoriana cheia de objetos e inscrições diferentes de tudo o que ela já havia visto.
A Pinacoteca Vaticana era o lugar que mais fazia se sentir inteligente o suficiente por lembrar características sobre cada período artístico que a auxiliavam a elaborar comentários detalhados sobre as obras que viam. Oriundas desde o período gótico até o século XIX, as obras confiscadas por Napoleão Bonaparte tinham retornado ao Vaticano com todo o seu louvor. Incluíam Caravaggio, Fra Angelico, Giotto, Rafael, Ticiano, Botticelli e outros. Comparar o modo com que cada um expressava, à sua época, coisas semelhantes e figuras religiosas de modos tão únicos e diferentes entre si era exatamente o que conferia a graça e a beleza de toda a exposição. Cada detalhe, cada nuance, cada escolha de cor e a opção de manter as características mais próximas do realismo ou da visão onírica… Era simplesmente espetacular. Era isso o que a arte fazia com quem a apreciava.
— Acho que já podemos ir embora - Tom caçoou ao ver a entrada das Salas de Rafael, sabendo que elas tinham sido um dos motivos principais para sequer decidir ir até ali.
— Holland, mais uma ameaça do tipo e eles vão ter que encontrar outro ator para a continuação do Homem-Aranha. Talvez o Asa Butterfield.
— Que absurdo! Por que as pessoas insistem nele? O que ele tem que eu não tenho?
deu de ombros, segurando a risada para tentar se manter séria.
— Sei lá. Mas ele é incrível. Se um dos meus livros fosse ganhar uma versão cinematográfica, eu com certeza pediria o Asa para ser o meu protagonista.
— Você vai terminar essa visita sozinha - Tom avisou. — Não vou aceitar ser desprezado. Aliás, não era você que odiava filmes? Que história é essa agora?
empurrou o rapaz de leve.
— Eu não vou recusar divulgação e retorno financeiro, querido. E, como autora, um filme me garantiria as duas coisas.
— Credo, que interesseira. Cadê o “Eu escrevo por amor”?
— Eu escrevo por amor e para não morrer de fome - ela pontuou. — Mas é bom saber desse seu ponto de vista. Vou me lembrar disso para te contratar para algum papel secundário. Sem remuneração alguma. Sabe como é, não é? “Atuo por amor.”
Tom revirou os olhos antes de pararem em frente à grande atração.
— Já percebeu como eu me ofereci para ser seu guia e eu não fiz absolutamente nada até agora? Literalmente nada além de te trazer até aqui.
— E nem me deixou processar os Russo - ela lembrou.
— É por causa deles que eu tenho um emprego, então não. Mas vou assumir meu papel, então vamos começar: são quatro salas.
— Sim - concordou.— Essa é a parte que eu sei.
— Quatro aposentos que Júlio II basicamente entregou para que Rafael redecorasse. - Os dois adentraram a primeira. — A Sala de Constantino era basicamente destinada a recepções e cerimônias oficiais. Inclusive, ele morreu antes de terminar. Foram os seus aprendizes que finalizaram a sala.
A sala dedicada ao imperador responsável pelo reconhecimento do cristianismo como uma religião permitida em Roma era ampla e composta por painéis. Estes ilustravam cenas consideradas de triunfo da fé cristã: ‘A Visão da Cruz’, a ‘Batalha de Constantino contra Maxêncio’, ‘O Batismo de Constantino’ e ‘A Doação de Constantino’. Acompanhando os quatro principais adornos, estavam retratos de papas anteriores e algumas figuras alegóricas. Pareciam completar o ambiente com a delicadeza e perfeição que um bom arquiteto e designer de interiores teria. Era o que pensava ao se dar conta de como a irmã, que vivia disso, adoraria aquele lugar de trás para frente.
— Sala de Heliodoro - Tom anunciou, ao adentrarem o segundo cômodo. — O centro das audiências privadas, então, basicamente, tem muita política aqui. Obviamente sem descartar a religião. Tem mais que só Rafael aqui, mas a pegada toda vai além do Antigo Testamento, esbarrando em toda aquela fase de libertação italiana em relação ao domínio francês.
adorava quando a arte e a história conversavam além das técnicas das pinceladas. Provavelmente era essa a alusão que ela mais gostava naquela sala.
— Terceira sala - ele comentou, interrompendo-a antes de entrarem. — Só vai entrar se prometer não surtar.
— Por que eu surtaria?
— Porque essa é provavelmente a sala mais impressionante para alguém que realmente admira o trabalho de Rafael Sanzio.
entendeu o porquê do comentário do ator assim que adentrou a Sala da Segnatura e se percebeu totalmente sem ar. Aqueles eram os afrescos mais impressionantes do universo e nada a convenceria do contrário. Em cada canto que ela olhava, recebia uma avalanche de cores, traços e formas. E parecia perceber um detalhe diferente a cada instante que tornava a olhar para um ponto pelo qual já tinha passado.
— Essas são todas obras centrais da Alta Renascença na Itália. A Escola de Atenas eu tenho certeza de que você conhece perfeitamente - comentou. — Aquela é a Disputa do Santíssimo Sacramento. As duas opõe o que seriam a verdade sobrenatural e a verdade racional. As Virtudes expressam o Bem, o Parnaso representa a Beleza.
— Maravilhosos. Todos eles - ela falava, ainda embasbacada. — É surreal.
— Agora, preste bastante atenção no teto - ele pediu. — Chega a ser absurdo como um teto fora da Capela Sistina pode ser tão incrível.
ergueu o olhar mais uma vez, analisando todos os pequenos desenhos e os detalhes que uniam todos em uma única composição, tão harmoniosa que deixava os olhos em algum tipo de transe artístico-visual.
Entre representações romanas monocromáticas e desenhos mitológicos coloridos, um tema central jazia: os quatro elementos da natureza. Terra, fogo, ar e água; considerados pela filosofia clássica como as bases da formação da matéria como a conhecemos. Nos cantos, as figuras de Apolo e Mársias, a Contemplação da Esfera, Julgamento de Salomão e a Queda do Homem, representada pelo pecado de Adão e Eva. Cada um deles conectado a uma das virtudes maiores elucidadas por Rafael: a poesia, a filosofia, a jurisprudência e a teologia.
— A quarta sala é até sem graça depois dessa, mas vale ser visitada. A Sala do Fogo no Burgo foi usada para ilustrar as aspirações políticas do papa Leão X.
Terminadas as Salas de Rafael, seguiram para a grande obra de outro dos gigantes artistas renascentistas. Apesar de todas as histórias, nenhuma delas jamais negaria a grandiosidade da Capela Sistina, de arquitetura inspirada pelo Templo de Salomão do Antigo Testamento.
Internamente, cornijas horizontais dividem as paredes em outros níveis. O primeiro, junto ao chão de mármore, simula tapeçarias refinadas. No intermediário, ficam os afrescos, preferencialmente representativos das vidas de Moisés e Jesus Cristo. No alto, as pilastras e as lunettes.
Tudo era lindo. Mas a experiência adquiria uma dimensão ainda mais elevada quando a análise encontrava o famigerado teto de Michelangelo, um dos maiores tesouros artísticos da humanidade.
— Você deve conhecer as histórias - Tom comentou. — Aquelas que ninguém sabe ao certo se têm uma ponta de teoria da conspiração ou não. Michelangelo era um escultor e ficou realmente possesso quando o colocaram para pintar um teto inteiro. Ele tinha certeza de que era algum tipo de complô de seus rivais para rebaixar sua arte e desviá-lo daquilo em que ele realmente era bom.
— Coitadinho - disse. — Dá claramente para ver nesses afrescos que pintura jamais poderia ser a praia dele.
— Pois é - ele concordou. — Queria ser ruim assim nas coisas em que eu sei que sou ruim.
— Maldito - a mulher xingou Michelangelo. Ele era mesmo um grandissíssimo filho da mãe por aquilo.
— Qual a sua favorita?
levou um tempo para pensar.
— Acho legal o que A Criação de Adão representa uma cena legal e de um jeito que levanta vários questionamentos e possibilidades. Mas minha preferida não podia não ser aquela belezinha. - Ela apontou para a parede ao fundo do altar. — O Juízo Final. Se minha mãe estivesse aqui agora, ela diria que é por causa da minha veia dramática.
Tom riu alto, mas acabou concordando.
— Não tem como não se impressionar com esse.
Caminharam mais um pouco, apreciando alguns aspectos da paisagem e das artes aos quais passaram levemente despercebidos e, por isso, mereciam uma atenção extra. Aquele lugar era uma fonte inesgotável de apreciação e encantamento. Dias ali provavelmente ainda não seriam suficientes para realmente parar e observar cada um dos pequenos detalhes; as pequenas coisas que tornavam as obras muito maiores do que simples pinturas.
Com o sol já se pondo, decidiram que era hora de ir embora e colocar os pés para cima após um bom banho. Eles mereciam algum descanso.
— Nos vemos amanhã? Café no mesmo lugar?
assentiu, concordando. Tom tinha se mostrado uma pessoa fácil de lidar no fim das contas. Era engraçado, fofo e sempre preocupado em tornar o ambiente agradável e leve, sem deixar de ser interessante. Era um cara muito bacana afinal. Um daqueles que você realmente gostaria de ter por perto.
Por alguns instantes, a mulher até pensou que ele se parecia em muito com o tipo de homem que ela tentava construir em seus livros, em especial quando se tratava dos personagens principais. Era o tipo apaixonante que fazia as garotas leitoras surtarem querendo um daqueles só para elas.
Mas ela não era uma daquelas garotas. Não mesmo.
Despediu-se de Tom com um beijo na bochecha e não conseguiu não sorrir quando ele sorriu. Era impossível não acompanhá-lo. Mas era apenas por pura educação.
Uma pura educação que a fez demorar para pegar no sono enquanto pensava sobre o dia e sonhar com um par de olhos castanhos que vieram atormentá-la durante a noite.


✈✈✈



Tom e tinham passado os últimos dias juntos durante a maior parte do tempo. Visitaram todos os lugares possíveis nas redondezas, independentemente se eram grandes lugares, pontos de importância histórica ou restaurantes com massas que levavam ao que ela chamava de orgasmos gastronômicos. E, quando os locais se tornavam cansativos, simplesmente iam até o próximo e reiniciavam todo o processo.
Eram praticamente o único contato fora da família mandando mensagens diárias para o outro e tinham descoberto perfeitamente como fazer para se divertirem.
E lá estavam eles novamente, com seus chás gelados e seus pães exageradamente cobertos pela geleia de um vermelho fresco e vistoso, aproveitando o clima matinal menos agitado antes de decidirem quais seriam os planos para aquele dia.
— Quais os planos para hoje? - perguntou, enquanto usava o canudo de metal para cutucar um dos cubos de gelo de sua bebida.
— Então - Tom começou. — Na verdade…
A mulher franziu a testa ao ver a feição do rapaz. Alguma coisa havia destoado e não estava mais dentro dos parâmetros aos quais ela tinha praticamente se acostumado nos últimos dias.
— Que cara é essa? Você vai embora sem mim?
— Não! - Holland respondeu prontamente. — Não é nada disso. Na verdade, eu queria te fazer um convite. Mas, sabe como é, você pode recusar se quiser. Eu não vou ficar chateado, nem nada. Não vou ficar triste também.
— Thomas - o interrompeu. — Para de falar. Para de surtar, pelo amor de Deus. Respira.
O rapaz conseguiu provar que era capaz de ficar ainda mais vermelho do que ela julgava humanamente possível.
— Faça o convite - ela pediu. — De preferência, sem surtar dessa vez.
Tom respirou fundo, batendo os pés de leve, mas de forma impaciente, contra o chão.
— Tem um restaurante muito legal nessa região, que nós ainda não visitamos. E eu pensei em jantarmos lá hoje.
não conseguiu disfarçar uma pontinha de decepção. Era isso o que eles estavam fazendo nos últimos dias. Com o desespero e a vergonha, ela meio que esperava algo, no mínimo, diferente.
— Bom, não tenho motivos para recusar algo que nós já fizemos algumas vezes, não é? - Tentou falar de forma descontraída, mas logo percebeu que falhara em seu objetivo. Soava até levemente ressentida.
Tom desviou o olhar, levando a mão aos cabelos, bagunçando-os avidamente. cogitou fazer uma piadinha sobre sentir inveja por não poder fazer aquilo ou conseguiria nós nos próprios fios que levariam bons dias para serem desfeitos após muita dor e alguns puxões da escova de cabelo que, ou a deixariam careca ou com dentes a menos na própria escova.
— Sim, nós já saímos, mas não é desse tipo de saída que eu estou falando - ele disse, frustrado. E foi aí que a ficha de não só caiu, mas despencou. Bem na sua cara.
— Você está me chamando para sair, mas tipo em um encontro - constatou o óbvio, vendo o rubor nas bochechas dele.
— É. Algo assim - respondeu, envergonhado.
Agora, quem estava morrendo de vergonha era ela. E, mesmo assim, mal conseguia evitar um sorriso bobo e quase infantil. Parte do motivo era saber que causava esse efeito nele, mas a outra parte só estava verdadeiramente animada com a proposta.
— Desculpa - pediu, sinceramente. — Eu estou me sentindo uma completa idiota por ter entendido de outra forma. Mas, se você não estiver me odiando completamente agora e quiser voltar atrás na proposta, eu aceito o convite.
Tom pareceu confuso. Pensava que tomaria o famigerado pé na bunda e destruiria o que vinha sendo uma viagem extremamente agradável por não conseguir guardar seus sentimentos para si.
— Sério?
— É claro que é sério. - Ela riu. — Mas você precisa me prometer uma coisa.
— Qualquer coisa. Quer dizer, depende - Tom voltou atrás prontamente.
— Sem aquela parada de beijo de ponta cabeça, viu? Eu fico enjoada só de pensar em um absurdo daqueles.
Tom deu uma risadinha nervosa e um longo gole em seu chá. Tinha ido do medo da rejeição a uma insinuação de que poderia receber um beijo até o fim da noite em um tempo curto demais para que ele processasse a situação. Não que ele fosse reclamar. Só teria de aprender a lidar melhor com as próprias expectativas. E essa era uma missão muito difícil de desempenhar quando a mulher incrível que tinha à sua frente não parava de sorrir para ele.


✈✈✈



— Eu acho que vou pedir a polenta com ragu - comentou, terminando de correr os olhos pelo cardápio do restaurante.
— Acho que vou de bisteca à fiorentina - Tom acrescentou e fizeram os pedidos.
Normalmente, estariam conversando abertamente e falando sobre qualquer coisa que passasse por suas cabeças. Mas Tom estava estranhamente quieto. Quieto demais para alguém que geralmente não sabia a hora de fechar a boca.
tinha passado um bom tempo analisando-o. Estava com uma camisa branca coberta por uma jaqueta jeans e tinha os cabelos relativamente divididos ao meio, mas sob um tom bagunçado e desleixado que o deixava incrivelmente atraente, ela era obrigada a admitir.
— Aconteceu alguma coisa?
— Quê? - Tom não entendia. — Não. Por quê?
— Você está tão quietinho - ela ponderou.
— Acho que é nervosismo - admitiu.
arregalou os olhos.
— Você está nervoso? Por minha causa? Garoto, do jeito que você fala, parece que nos conhecemos ontem e nunca trocamos mais que cinco palavras.
— Eu já expliquei. - O tom de voz dele era um pouco mais baixo que o normal. — Não é a mesma coisa.
— Você precisa se soltar - ela comentou. — Eu tenho uma ideia.
— Desde que você decidiu pagar para molharem os turistas na fonte, eu tenho bastante medo das suas ideias.
torceu o rosto, tentando segurar a risada ao se lembrar da cena.
— Você vai ter que confiar em mim - disse simplesmente e caminhou até o bar sem dar qualquer tipo de explicação ou evidências do que ela poderia estar prestes a fazer.
Tom mantinha os pés hiperativos, batendo contra o piso de madeira. Não conseguia se tranquilizar, mesmo sabendo que ela tinha completa razão. Ele precisava mesmo relaxar um pouco. Seu medo, agora, estava nos métodos dela para tal.
não o deixou esperando. Logo estava de volta à mesa com um sorriso travesso nos lábios e uma garrafa sobre a mesa, bem como dois pequenos copos.
— Isso é pegadinha? - Tom perguntou, analisando o rótulo da tequila à sua frente. — Isso nem deveria existir na Itália. É um absurdo.
— Eu confesso que fiquei um pouco apreensiva pensando que pudesse não ter. Mas parece que essa belezinha é algum tipo de ponto de encontro universal. Fazer o quê? Os italianos não têm bom gosto só para suas comidas.
A mulher serviu a bebida para ambos e o encarou com a sobrancelha arqueada, emoldurando um olhar desafiador.
— No três - avisou e viu o rapaz puxar a dose para si, ainda parecendo ligeiramente contrariado com a ideia. — Um, dois e três.
Ambos viraram a bebida de uma só vez, sentindo-a escorrer queimando pela garganta. respirou fundo. Tinha se esquecido de como adorava aquela sensação. Chegava a ser tosco quanto tempo tinha passado sem fazer algo tão banal, simplesmente porque estava ocupada demais ficando sozinha em casa, esquecendo-se de viver suas próprias histórias. Sentia vontade de revirar os olhos sempre que percebia como Todd estava certo quando disse aquela exata frase.
estendeu a mão, pedindo o copo dele de volta.
— Duas seguidas? Você quer me matar? - Tom perguntou.
— Não. Você acabou de voltar do estalar de dedos do Thanos, se eu fizesse isso provavelmente teria de lidar com vários fãs seus e da Marvel me perseguindo e destruindo minha relativa reputação. Sabe como é, né? Eu sou o elo fraco aqui, como autora.
Mais uma dose. Tom chacoalhou a cabeça, tornando a se situar.
— Mas não era você mesma que dizia que literatura era infinitamente superior ao cinema?
sorriu. Esse era o Tom que ela tinha aprendido a adorar.
— Infinitamente superior, de fato. Mas também muito mais subestimada e desvalorizada nos tempos atuais.
— E como estão as coisas com o quinto livro sem nome e sem palavras?
— Continua sem nome e sem palavras. Mas talvez não mais sem ideias.
Tom se esticou na cadeira, demonstrando toda a sua surpresa.
— Sério? Que ótimo! Sinceramente, eu não estava esperando essa resposta.
— Caramba! Eu realmente não tenho credibilidade alguma. É esse o voto de confiança que você me dá?
— Claro que não. Não foi isso o que eu quis dizer. É só que você não comentou mais nada e eu fiquei torcendo em silêncio. Você já deve ter suas próprias expectativas altas o suficiente. Pensei que era melhor guardar a minha torcida para mim e evitar de te sobrecarregar ainda mais do que o seu prazo já faz.
— Agradeço a consideração - ela pontuou. — É bem fofo da sua parte, na verdade. Nunca tinha parado para pensar por esse lado.
Tom deu mais um de seus sorrisos extremamente fofos, enquanto seus maravilhosos pratos eram colocados à mesa. O aroma que rapidamente chegou às suas narinas foi de fazer qualquer um salivar instantaneamente.
— Eu sinto cheiro de perfeição. E o meu estômago quer muito experimentar tudo isso.
— Idem - Tom pontuou. — Então, buon appetito!
Ambos soltaram suspiros profundos de prazer ao comerem as primeiras garfadas de seus respectivos pratos.
— Não é à toa que eles têm a maior avaliação da cidade nesses sites de viagem.
— Sabe como eu chamo isso, não sabe? - perguntou.
— Orgasmo gastronômico - disseram juntos, enquanto faziam questão de logo voltar a ocupar a boca com a comida incrível.
Comeram até praticamente raspar o prato, como uma boa mãe ordenaria. Não que estivessem fazendo um grande esforço para tal. Na verdade, não demandava esforço algum.
— Precisamos brindar esse momento incrível - avisou, puxando a garrafa mais uma vez.
— Não, não. - Tom tentou esconder o próprio copo. — Você quer me matar, eu sabia!
— Só se vive uma vez. Anda, passa o copo.
— Só se vive uma vez, mas você não precisa encurtar a minha vez.
— Thomas - ela avisou. — Não me irrita. Chega de charme.
Tom revirou os olhos e empurrou o copo para ela, aceitando o seu destino. Não estava sendo forçado, afinal. Era mesmo um pouco de charme da sua parte.
Viraram as últimas doses e decidiram deixar o restaurante. Aproveitando a brisa suave do ambiente externo para caminharem um pouco e simplesmente apreciar a paisagem sob a luz das estrelas.
, em um movimento pouco calculado e quase instintivo, ergueu a mão levemente na direção de Tom, esperando que ele entendesse. Seria bastante deprimente e embaraçoso se ela tivesse que explicar o que estava tentando fazer acontecer ali. Era nesses momentos em que ela quase implorava para que as coisas na vida real pudessem ser como nos livros, nos quais ela simplesmente controlava seus personagens para fazer o que ela queria, sem se preocupar com a possibilidade de ser surpreendida.
Por sorte, Tom respondeu exatamente como ela torcera ansiosamente no fundo de sua mente para que ele o fizesse. Não demorou para ele tomar a mão dela na sua e entrelaçar os seus dedos em um aperto tão confortável quanto um carinho de fato. Juntos, retomaram a caminhada, ajustando o tempo de seus passos e movimentos de braço para que não precisassem se separar. Algo tão simples que, de repente, parecia fazer um grande sentido quase metafórico sobre moldar a si e ao outro de forma a encontrar uma harmonia no meio do caminho que permitisse sua coexistência da melhor forma possível.
Um par de garotos passou correndo por eles, entre gritos e ameaças de violência gratuita que, imediatamente, fizeram murmurar uma conclusão:
— Irmãos.
Holland riu, movendo a cabeça em concordância.
— Sei bem como é.
— É verdade, você tem uma família relativamente grande - lembrou. — Nunca me falou sobre os seus irmãos.
— Sam, Harry e Paddy são ótimos, mas também sabem ser os maiores pentelhos do universo inteiro. Temos uma relação bem legal, tanto que isso nos permitiu criar o ‘The Brothers Trust’, que é uma das coisas de que mais tenho orgulho nesse mundo de fama, dinheiro e tudo mais. É onde eu sinto que estou retribuindo ao mundo um pouco do que tenho, sabe? Mais do que caridade, acho que tem muito de gratidão nisso.
A mulher assentiu, concordando. Tinha exatamente a mesma impressão sobre esse tipo de atitude. Sempre dizia que fazer o bem para os outros, frequentemente, fazia um bem ainda maior para si mesmo.
— Os gêmeos literalmente cresceram me atazanando. Hoje, além das pegadinhas, dos celulares escondidos e dos tapas na nuca, eles também adoram me lembrar de como são claramente mais altos que eu. O bullying virou um dos passatempos favoritos deles.
— Você realmente não é um grande exemplo de altura - pontuou, recebendo um olhar de reprovação que a fez rir.
— Jura? Nunca tinha percebido.
Nem todos os esforços do mundo conseguiria fazer com que não rissem.
— Paddy não fica para trás. É ótimo ser o irmão mais velho, mas também é terrível. Principalmente quando ele usa o fato de ser o caçula para conseguir o que quer. Ele tem a desculpa de ser o mais novo, Sam e Harry têm um ao outro e eu sobro. E mesmo assim eles têm a cara de pau de dizer que eu sou o filho preferido.
— Normal - ela comentou. — Minha irmã faz exatamente a mesma coisa.
O papo sobre família rendeu por um bom tempo. Tempo esse que passou sem que eles se dessem conta do horário ou de onde estavam, até que sua caminhada os fizesse parar na frente do hotel em que estava passando as últimas noites.
— Acho que ficamos por aqui - Tom disse, virando-se para a sua acompanhante. — Nossa trilha de amanhã ainda está de pé?
assentiu, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.
— Está sim. Eu que provavelmente não estarei de pé ao fim do dia - brincou. — Mas vou superar.
— Bem, boa noite, então - Tom desejou, sem saber ao certo qual era o próximo passo. Seria melhor simplesmente sorrir e se afastar? Talvez abraçá-la? Será que tinha direito de beijá-la? Deveria perguntar se podia ou apenas se aproximar e esperar um possível sinal que demonstrasse permissão ou negação? Como proceder?
Estava perdido entre as possibilidades, sentindo que talvez suas mãos estivessem tremendo um pouco mais do que poderia ser considerado normal e pouco passível de ser percebido pelos outros. Por sorte, não tinha a mesma paciência que ele. E nem a mesma dificuldade em tomar aquele tipo de decisão.
Ela deu um passo à frente e colocou a mão na nuca do rapaz, colando os seus lábios com uma delicadeza que o fez expirar todo o nervosismo dos últimos instantes. A pressão sobre sua boca o fez separar os lábios, permitindo-se àquele beijo que ele sabia que vinha desejando ansiosamente nos últimos dias. Tinha desperdiçado algumas horas de suposto sono imaginando qual seria a sensação de tê-la ali tão perto, com os braços ao redor de seu pescoço, explorando e experimentando tudo o que podia ali de uma forma inexplicavelmente doce e suave.
Separaram-se, mesmo a contragosto, e decidiram que a noite havia mesmo terminado. Do contrário, a trilha pelas montanhas seria uma ideia totalmente impossível de ser colocada em prática no dia seguinte.
— Boa noite - disse, aproximando-se mais uma vez para selar os seus lábios em um longo selinho antes de decidir se afastar de vez e adentrar o hotel.
Quando a silhueta dela desapareceu pela porta, Tom fechou os olhos e teve certeza de que não a tiraria da mente tão rápido. Não quando ela já havia sumido há minutos e ele ainda a enxergava e sentia perfeitamente, bem ali em sua frente.


✈✈✈



— Nós não vamos subir até o topo disso, vamos? - perguntou, olhando para cima, enquanto arrumava a calça legging na cintura e estendia a barra da blusa por cima da mesma novamente.
Tom deu uma risada alta, passando o braço por seu ombro em um abraço torto que fez com que ela tentasse engolir um meio sorriso de apreciação pelo gesto.
— Não, linda. Tem uma parada na trilha um pouco acima da metade do caminho. E tem uma vista maravilhosa, eu garanto.
— Não sei, não - ela estava quase desistindo de toda aquela ideia.
— Você confia em mim? - Holland perguntou, estendendo a mão como ela havia feito na noite anterior.
estreitou os olhos em sua direção.
— Filme errado, Thomas. Você é o Homem-Aranha, não o Aladdin. Inclusive, você provavelmente é britânico demais para sequer tentar ser o coitado.
— Para quem dizia odiar filmes, acho que você sabe um pouco demais sobre eles.
— Mais uma palavra e eu desisto de dar um passo em direção a essa porcaria de montanha.
— Que bom que eu adoro caminhar em silêncio, então. - Tom sorriu, puxando-a para onde a trilha seguia. Se pretendiam mesmo fazer aquilo, era melhor começarem. Como tudo na vida, independentemente da dificuldade atrelada, tudo o que era necessário era dar o primeiro passo. O segundo viria depois e só se pensava no terceiro quando fosse a vez dele. No fim das contas, talvez uma trilha na Campania se parecesse mais com a vida do que seria de se esperar a princípio.
Davam passos médios, canalizando a força das coxas para impulsionar melhor o corpo pela altura, mesmo com a inclinação controlada pelo próprio trajeto previsto pela trilha. tinha certeza de que estaria andando com dificuldades quando tentasse sair da cama na manhã seguinte. Provavelmente precisaria atualizar a própria lista de palavrões conhecidos para reclamar da maldita dor nas pernas.
O verde era espaçado pelas pedras e cascalhos que cobriam o solo. Isso apenas fazia com que eles tivessem que tomar um contato extra para não escolher uma rocha pouco firme para pisar. Não que fizesse muita diferença. Na verdade, era até levemente divertido poder chutar os pequenos pedregulhos pelo caminho, competindo silenciosamente para ver quem conseguia chutá-los mais longe. Tom estava definitivamente ganhando, mas responsabilizaria o intenso treinamento dos Vingadores por isso. Jamais daria o braço a torcer.
Continuaram caminhando, afastando alguns raros insetos e desejando que o Sol pudesse magicamente se transportar para o sentido contrário, de forma a atacar seus olhos com menos objetividade.
Tom percebeu claramente os olhos apertados da mulher e a mão direita tentando cobrir os olhos vez ou outra.
— Aguenta só mais um pouquinho - ele pediu. — Juro que lá em cima tem como desviar um pouco dessa luz.
— Eu espero que sim - admitiu. — Talvez eu devesse ter sido parte de Crepúsculo ou algo do tipo, porque minha relação com o sol está longe de ser a de um dos maiores amores que eu já vi.
— Mais um filme - Tom pontuou.
— Eu estou falando do livro. Supere.
Continuaram caminhando até alcançar o plano de visualização a que Tom se referira desde o início. Encontraram algumas pedras grandes sobre as quais decidiram se sentar para apreciar aquela vista. Era para isso que toda aquela subida valia a pena afinal.
— Caramba - murmurou ao olhar lá para baixo e também ao erguer o olhar, encontrando a linha do horizonte bem distante. — É lindo.
— Eu sei, já me disseram isso antes - Tom interrompeu, com o sorriso brincalhão que ela tanto adorava no rosto. — Mas eu agradeço de qualquer forma.
A mulher mostrou a língua como a adulta incrivelmente madura que era. Não conseguia não se sentir em um dos melhores humores possíveis enquanto via o céu tão lindo e ouvia o som calmante das ondas calmas se quebrando lá embaixo. Talvez alguma reação fisiológica do mar causasse uma sensação semelhante a de um remédio apropriado para isso, de fato.
— Você é um tonto - comentou. — Não que seja um problema.
Tom sacudiu as mãos, sinalizando um pedido para que ela se aproximasse.
— Senta aqui. Vem - pediu.
A pedra que o rapaz escolhera era grande o suficiente para ambos. sentou-se ao lado dele, pernas e braços se encostando de um jeito que não parecia nada constrangedor. Era confortável até. Mesmo com o calor. O calor do tempo e o calor que emanava do corpo dele. Era interessante de uma forma que ela via nas descrições de livros e achava totalmente sem noção e aleatório. Ela aproveitou o momento para deitar a cabeça sobre o ombro dele. Não podia vê-lo, devido à posição de seu rosto, mas Tom estava sorrindo largamente.
— Aquela nuvem parece um hipopótamo - comentou, apontando para uma massa branca flutuando para longe deles..
— E aquela parece um cachorrinho. - Foi a voz dela. — Sempre quis ter um cachorro, mas minha mãe se negava totalmente.
— Eu tenho a Tessa. É a coisa mais maravilhosa e preciosa desse mundo inteiro.
— Ela é linda mesmo. Trocaria você por ela em dois segundos.
— Acho que eu desisto de você. É sério.
riu, dando um tapinha de leve no rapaz.
— Para com isso. Já sei. Me conta sobre as suas viagens.
Tom respirou fundo, pensando, enquanto inclinava a própria cabeça contra a dela que ainda repousava tranquilamente em seu ombro.
— Você deve imaginar. Já deve ter viajado a muitos lugares também por causa dos seus livros.
— Na verdade não. Quer dizer, eu já fui para alguns lugares para lançamentos, entrevistas e sessões de autógrafos, mas eram viagens extremamente cansativas que duravam uns dois dias e não me permitiam ver absolutamente nada que estivesse um milímetro sequer fora do planejamento que a editora tivesse colocado no cronograma.
— Que droga - ele lamentou. — Bom, não é como se minhas viagens de divulgação fossem férias paradisíacas, mas elas com certeza eram melhores do que as suas. Eu conseguia sair um pouco pelo menos.
— Deve ser bem legal ter todo o elenco da Marvel para sair contigo - ela pontuou. — Quem é o mais legal?
— Se eu não disser que é o Robert, ele provavelmente consegue me cortar do elenco em dois segundos. Mas ele realmente é um cara muito legal e a companhia dele é super agradável. Foi com ele que eu aprendi a ser assim tão engraçado.
— Coitado. Com certeza, ele não está nada orgulhoso do humor do garoto prodígio.
— Falou a engraçadona, né - Tom brincou, correndo os dedos pela cintura dela em movimentos que a causavam cócegas. — Mas e você? Quem são os seus companheiros de viagem?
— Acho que, fora a minha família, você é meio que o primeiro - admitiu. — Meio deprimente, eu sei. Mas é a verdade. A vida como escritora é ótima, mas o processo criativo é geralmente solitário. E tudo depois dele também.
— Bom, fico feliz de ter mudado isso. Mesmo que acidentalmente.
sorriu, passando o dedo pela mão dele em um carinho que mais parecia com o desenho sem propósito de um quase labirinto.
— Eu sou a pessoa mais medrosa e provavelmente uma das mais metódicas que eu conheço. Se uma coisa sai dos planos, eu fico com aquela sensação entalada na garganta de que preciso encontrar uma forma de consertá-la e colocá-la nos eixos novamente o mais rápido possível. Não gosto da definição de controladora que minha mãe colocou em mim, mas ela provavelmente está certa no fim das contas. Enfim, meu ponto aqui é: eu odeio acidentes, odeio coisas fora do planejamento e detesto surpresas que me tirem dos eixos. Mas você com certeza foi o meu protótipo de acidente favorito.
Holland sorriu, virando-se e puxando o queixo dela para deixar um beijo terno e demorado em seus lábios. Ele não podia concordar mais com aquilo.
— A primeira vez em que eu viajei para a Inglaterra foi uma das coisas mais assustadoras de toda a minha vida - começou. — Quer dizer, era meu primeiro livro publicado e eu não tinha feito absolutamente nada fora dos Estados Unidos ainda. Tudo o que eu conseguia pensar era em como tudo tinha acontecido meio rápido demais e talvez eu precisasse de mais tempo para me preparar para aquilo. Era um país totalmente diferente, sabe? Eu só conseguia pensar em como ninguém me conhecia e ninguém gostaria de mim.
— Para a sua informação, nós ingleses somos maravilhosos e super receptivos.
— Eu sei! E foi ótimo mesmo! Mas eu tive uma baita crise de ansiedade e as coisas sempre parecem infinitamente piores do que de fato são nesses momentos.
— Eu sei bem disso - Tom comentou. — Eu comecei muito cedo a atuar. Eu era pequeno na minha primeira premiere e, conforme fui crescendo, pensei que isso tornaria tudo mais fácil conforme eu fosse crescendo porque já estaria acostumado. Bom, adivinha só?
— Continuava assustador?
— Completamente. Só porque a gente aprende a lidar com as coisas, não significa que elas tenham se tornado fáceis de repente, não é?
— Com certeza. E, de bônus, o Todd meio que estava certo, sabe?
— Todd? Tipo, o empresário Todd?
moveu a cabeça, assentindo.
— Ele quase me empurrou para dentro do primeiro avião, porque eu não vivia o suficiente e eu precisava sair por aí, conhecer o mundo, viver um pouco a minha própria vida.
Tom assentiu. Lembrava-se da história que tinha ouvido dias antes.
— E ele meio que estava certo, sabe? Para você ter uma noção, essa é a primeira vez que eu faço uma trilha e, possivelmente, uma das poucas vezes na vida em que eu parei assim para olhar a paisagem e só… Fiquei assim. Não que precisasse necessariamente ser na Itália, mas eu tinha que começar em algum lugar, não tinha?
O rapaz riu, apertando-a em um abraço.
— Fico feliz de poder fazer parte desses momentos contigo.
— Sem desmerecer a Europa nem nada, mas você é provavelmente a melhor parte da viagem - admitiu, sentindo-se meio boba após se dar conta do que havia dito.
Passaram algum tempo ali, apenas observando o céu e aproveitando a presença um do outro. Não precisavam de mais do que aquilo mesmo.
— Eu estava pensando… Suíça? - Parecia um bom próximo destino para ela.
— Com certeza.


✈✈✈



Já estavam há alguns dias na Suíça e tinham escolhido um café preferido em Zurique. Faziam isso praticamente em todas as cidades pelas quais passavam e aquilo tinha praticamente se tornado um hábito. Um dos tão adorados planejamentos de , que tinha o laptop aberto sobre a mesa, enquanto esperava Tom ansiosamente.
— Vou pedir nossos chocolates - ele avisou, entrando no estabelecimento sem ela perceber, e deixando um beijo leve em sua cabeça.
A mulher ficou o observando no balcão, analisando cada detalhe dele. Queria decorar cada centímetro, fazer um exercício mental para descrever cada pedacinho que ela tanto adorava naquele homem que tinha conseguido causar, em dias, um impacto muito maior do que várias pessoas que estavam em sua vida há muito mais tempo.
Tom tinha um sorriso largo, enquanto retornava, carregando as duas canecas de chocolate cremoso e fumegante.
— Então, eu tenho uma proposta a fazer - Tom anunciou. — Quero seguir para a Áustria depois daqui e eu realmente queria que você fosse junto comigo.
— Interessante. Vou pensar no seu caso - ela brincou, mas ambos sabiam que a proposta seria aceita imediatamente. — Mas, antes, eu quero te mostrar uma coisinha.
Tom torceu a sobrancelha, sem saber ao certo o que esperar.
, por sua vez, deu alguns cliques no laptop e virou a máquina para que ele visse do que se tratava.
Ali, naquela tela, havia uma capa de cores mescladas, perdidas entre tons avermelhados e róseos, com o título “Voe Comigo” escrito em letras redondas e cheias de detalhes.
— Isso é mesmo o que eu estou pensando? - Ele estava absolutamente surpreso e também animado ao extremo. Existia um outro sentimento, forte e avassalador, preenchendo seu peito naquele momento. Parecia muito com orgulho.
— É sobre duas pessoas com gostos e vidas totalmente diferentes, que se conhecem aleatoriamente em uma viagem qualquer e decidem seguir suas respectivas aventuras juntos.
Tom não pôde evitar o sorriso frente à familiaridade daquela história.
— Acho que aquela moeda não foi um desperdício gigante no final das contas - ela comentou, ainda deslumbrada com o sorriso iluminado dele.
— Quer dizer, então, que eu sou sua musa inspiradora? - Holland arriscou.
riu alto, chamando a atenção do casal de idosos na mesa ao lado.
— É. Algo assim.




FIM



Nota da autora: Tem séculos que eu estou planejando e me coçando para escrever uma fic com o Tom Holland. Então, enquanto a long não sai (mas vai sair, porque eu já tenho ela todinha na cabeça), ficamos com essa short aí, que eu sinceramente me diverti bastante escrevendo por ter demandado MUITA pesquisa. Viajei sozinha via notebook e agradeço a esse especial perfeito por me proporcionar isso.
Espero que vocês tenham gostado e quero saber o que acharam aí embaixo, nos comentários.
Para mais informações sobre minhas histórias e atualizações, entrem no grupo





Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. If Walls Could Talk
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Robot
11. Nós
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
14. Tonight
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallfower


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