Última atualização: 24/11/2019

Prólogo


SEGUNDA-FEIRA
SALÃO OVAL - CASA BRANCA





- Senhor Presidente, é uma honra conhecê-lo.
- Igualmente, Agente , porém, gostaria que fosse sob melhores circunstâncias.
- Normalmente isso seria algo a ser feito pelo Serviço Secreto, mas com as recentes descobertas, mesmo eles estão sob análise. - Afirmou o chefe de , gesticulando para que ela se sentasse a seu lado para avaliar os documentos sob a mesa.
- Encontraram uma escuta telefônica no celular de meu filho. Isto está um pandemônio. Semana passada esteve muito perto de ser exposto e os agentes demoraram duas horas para descobrir que ele havia deixado a casa.
- Alguma ameaça pendente? - Indagou a agente, observando a escuta dentro de um pequeno saco zip-lock.
- Sempre há quando se trata da família do político mais importante da nossa nação. Mas nenhuma que se destaque. Por isso, precisamos de alguma proteção extra para Dawson, ao menos enquanto a fiscalização das atividades do Serviço Secreto esteja em andamento.
- E meu papel nisso, senhor?
- Será designada para a guarda pessoal do Senhor Dawson. E eu mesmo me encarregarei de zelar por Kate e Mary Dawson.
- Espero que não leve esta responsabilidade levianamente, agente . - Disse o Presidente Kenneth.
- De forma alguma, senhor Presidente. - Replicou, apertando a mão do político.


não estava particularmente feliz com o sua missão de babá do garoto mimado e infantil que era Dawson. Isto ficou evidente para seu chefe assim que saíram do Salão Oval e ficaram fora do radar de possíveis ouvidos curiosos.


- Calma.
- Jerry, você só pode estar brincando! Me prometeu uma promoção para o cargo que esperei durante toda a minha carreira e no lugar me deu a missão de ser babá por uma semana?
- Quando o Presidente te passa uma missão, você tem que escolher e recomendar seu melhor agente.
- E esta sou eu? - Perguntou , com uma sobrancelha erguida.
- Não, mas a primeira opção não estava disponível. - Brincou, somente continuando ao perceber que ela não embarcaria em sua lábia. Não desta vez. - Prometo que depois dessa semana, se fizer seu trabalho bem feito, te indicarei para o cargo.
- Se você diz... - Suspirou, alisando seu terninho. - Quando conhecerei a criatura?
- Quão cedo podemos chegar a Manhattan?



Capítulo Único


Agente
FORÇA-AÉREA UM





- Por que está vindo comigo? - Perguntei, com um bico.
- Tenho assuntos para tratar em Nova York. Na verdade isto só é uma carona. Precisarei logo retornar para tratar do resto da família presidencial.
- Eu não posso acreditar que logo após receber uma ameaça de morte ele simplesmente resolveu que era a hora de festejar. - Reclamei, cruzando os braços dentro do avião particular.
- Achou que seria fácil? Vai ter que ir buscá-lo e trazê-lo em segurança.
- Convencê-lo a voltar a Washington? Sério mesmo?
- E inteiro, de preferência. - Completou meu chefe, apertando o próprio cinto. - Descanse, .
- Claro. - Resmunguei, virando meu mirar para a pequena janela.


Por que logo eu? Eu me perguntava. Por que logo eu teria de virar a babá de um filhinho do papai mimado como Dawson. Que resolve pegar o jatinho presidencial para visitar clubes em Nova York. E pelo que soube, aquele que se mete em brigas de bar e só mancha a imagem do próprio pai.
Não que Kenneth ou mesmo Margaery Dawson fossem completos inocentes. Políticos nunca eram ao meu ver, mas fazia parte da democracia. Sujar as mãos eram seus ofícios, gostassem ou não. Ou ao menos essa era a desculpa tácita de ambos.
Recordava-me muito bem do dia em que o Kenneth virara o mais novo comandante em exercício. Não fora uma surpresa para mim sua grande vitória, apesar de ser para muitos que conhecia. Mesmo quem havia votado em Dawson o fizera com certa esperança vaga de que ele realmente acabasse eleito. Nenhuma pesquisa o previra, nada parecia indicar sua vitória.
Mas como eu sabia?
Eu votara em seu opositor. Roger Wilkins era um osso duro de roer. Eu acreditava que por sua força, ele seria capaz de dirigir o povo norte-americano com uma mão de ferro, necessária às duras escolhas que viriam com o cargo.
Pelo contrário, Kenneth me parecia do tipo que seria balançado por qualquer ventinho da oposição no lado oposto de suas propostas. Pois eu preferia o político que eu saberia a direção que tomaria, a um ao qual qualquer pessoa com algum tipo de poder pudesse manipular.
Está claro como eu não confio nesse tipo?


- O senhor Dawson costuma frequentar este clube frequentemente. - Comentou um dos homens sob meu comando, quando penetramos os edifício Rockfeller center. Centro histórico povoado por turistas de dia, e reduto de festas em seu clube VIP para “pessoas importantes” durante a noite. O agente a meu lado fazia parte do Serviço Secreto e parecia saber bem seu papel. Uma sombra que absorve tudo, mas não tem opinião. Alguém que seleciona informações a serem comentadas, e sabe bem por somente interferir quando extremamente necessário. O lema do serviço secreto se minha memória não me falhava. Somente mais uma escolha errada que eu fizera antes de cair de paraquedas no FBI.
- Se espalhem pelas saídas do prédio, não podemos levantar muita bandeira. Se misturem como puderem. Eu vou buscar o garoto. Crickett, comigo!
- Copiado!


Penetramos o clube, ouvindo a música alta e as luzes pulsantes. Tudo ao redor de uma vista de tirar o fôlego sob toda a cidade. Acenei para que Crickett buscasse pelo lado oposto, circulando o recinto para encontrar-me. Fui em direção ao bar, reconhecendo alguns filhos de políticos e celebridades locais. O que mais surpreendeu, contudo, foi a aparência de Thomas Wilkins.
Filho do candidato à presidência que fora derrotado por Kenneth Dawson, Thomas possuía uma reputação impecável, ao menos diante dos tabloides. Ele era o próprio queridinho da América e ele mesmo parecia estar sendo encaminhado para o caminho que o pai seguira.
Por isso, a última pessoa que esperava ver ao receber um toque em meu braço era o filho do homem que eu votara. Ou uma parte sua que ainda estava consciente, a julgar pela quantidade de álcool que devia ter ingerido.


- Ora ora, o que temos aqui. - Murmurou, exalando um cheiro de líquido de isqueiro.
- Senhor Wilkins. - Limpei a garganta, afastando-me em busca de espaço pessoal.
- Senhor é meu pai, por favor, chame-me de Thomas.
- Er… ok.
- O que a senhorita… - Aguardou, sem obter resposta, enquanto encarava meu corpo. - … Faz por aqui? Não parece fazer seu tipo de clube.
- Na verdade, Thomas, estou procurando por Dawson. - Abri um - sorriso inocente, e suspirei sonhadora. - Soube que ele frequenta este clube com alguma regularidade.
- Ora ora, finalmente o Dawson se meteu em alguma enrascada? - O homem pronunciou com arrogância. - Olha só, meu tempo vale muito mais do que o que está me oferecendo. Agora porquê não me diz logo quem é? Não me diga que é uma das novas conquistas do filhinho de papai?! - Avaliou-me da cabeça aos pés antes de continuar. - Não parece que é o tipo do Dawson, é só um garoto. Se beneficiaria muito mais do que … - Passou a língua por seus lábios invadindo meu espaço pessoal com sua colônia cara e todo seu ego. - ...alguém como eu pode te oferecer.
- E o que seria isto? Três minutos de puro êxtase? - Gargalhei.
- Do que está rindo? - Cuspiu com raiva nos olhos, apertando meu pulso até machucar e puxando-me para o corredor.
- Ok! Está bem. - Repliquei entredentes após encarar o garoto por uns segundos. Girei meu pulso em uma manobra que torceu seu braço em suas costas e segurei-lhe naquela posição contra a parede até terminar de falar. - Vou te dar uma liçãozinha sobre como tratar as pessoas. Primeiro, nunca toque uma mulher que claramente não deseja que o faça. Segundo, nem tudo é da sua conta. Como saber o que é? O que envolve Thomas Wilkins é da conta de Thomas Wilkins e o que envolve Dawson, advinha? Não. Lhe. Concerne.
- Sua…
- Acho melhor não terminar essa sentença. - Adverti.
- Me solte, não sabe quem eu sou? O que eu podia fazer com você? - Indagou, fazendo-me soltá-lo.
- Eu sei exatamente quem você é. Mas mais importante, você não sabe quem eu sou, então eu teria cuidado. - Repliquei, bufando. - E só uma dica, nunca insulte o filho do Presidente na frente do Serviço Secreto. - Pisquei, olhando para Crickett que já estava atrás do garoto. - Pega mal.
- Não encontrei o Senhor Dawson lá dentro. O que quer que eu faça, agente ?
- Faça umas perguntas e depois o libere. Parece odiar o Dawson junior por algum motivo. - Respondi, subitamente tendo uma ideia. - Assim que acabar me aguarde lá embaixo junto com o resto do pessoal, acho que sei onde está.


Caminhei até a área externa do clube, onde havia uma pequena varanda aberta para o impiedoso ar noturno. E como previra, ali estava , bebericando um copo de uísque e observando tudo abaixo de si como se fosse seu reino. Estava apoiado no corrimão, a meu ver de forma perigosa para alguém embriagado e tinha seu cabelo com mechas desarrumadas de um jeito estranhamente ordenado.


- Dawson?
- Sim. - Replicou, sem olhar para mim.
- Me chamo e …
- Olha, já pedi para deixarem esta parte da boate para mim, não foi? E além disso, não estou no humor para… - Finalmente olhou em minha direção, parecendo sem palavras por uns segundos.
- Se o senhor me deixar terminar, preciso levá-lo de volta para Washington.
- Pode me levar aonde quiser. - Piscou, pousando o copo vazio na mesinha do pátio e aproximando-se.
- Fui encarregada pelo FBI para mantê-lo seguro por alguns dias até que a ameaça recente a sua vida seja neutralizada pelo Serviço Secreto.
- Como quiser, agente … . - Abriu um meio sorriso, analisando-me por um momento. Mas não de um jeito rude, somente parecendo estar absorvendo o mesmo que eu tivera de lidar mais cedo. Que com seus vinte e tantos anos recebera uma babá.




TERÇA-FEIRA
SALA DE MAPAS - CASA BRANCA



- Frankie? - Perguntou , esperando qualquer reação, mesmo que mínima em minha face. Estava há um dia para cima e para baixo atrás do homem, e se achara que vê-lo bebendo e me encarando de vez em quando fora irritante, imagine as brincadeiras que vieram a seguir. Meu plano de restringir aos limites da Casa Branca pelo resto da semana não iria funcionar, como logo percebi. Porque se ficasse presa a ele por mais algum tempo, eu mesma acabaria o matando.
- Robin? - Perguntou novamente, descartando a primeira pergunta. Ele estava na fase do tédio, em que irritar a mim pareceu o passatempo perfeito. Depois de ficar tentando me dar sustos a cada vez que eu o deixava sozinho, e de pintar em uma tela uma imagem distorcida e abstrata de mim. Eu achava que nada poderia piorar. Para um garoto de vinte e cinco anos, parecia mais uma criança de cinco.


O estopim para minha paciência se estourar, fora quando a criatura resolveu começar uma busca enervante por meu primeiro nome. Acontece que era meu sobrenome, mas eu somente respondia por ele como se fosse o único que tinha, já que odiava meu nome próprio com todas as forças.


- Pamela? - Perguntou, fazendo-me bufar do canto da sala em que estava de prontidão e resolvera finalmente responder.
- Sério? Acha que eu tenho cara disso? Olha, nem responde, sabe que não vou te contar, então fica quietinho.
- Estou entediado, se é que não percebeu. Sabe que não pode me manter aqui até o final de semana se não ambos iremos enlouquecer, certo?
- Tudo bem. - Rangi os dentes. - O que quer fazer?
- Tenho planos de sair para jantar. - Replicou, somente.
- Com quem? - Olhei, com certo interesse.
- Por que quer saber? - Elevou as sobrancelhas em presunção.
- Pre...preciso fazer planos de segurança com o Serviço Secreto. - Repliquei, virando-me para que não visse minha face corada. Controle-se ! Repeti para mim mesma antes de respondê-lo. - Só temos que nos manter nos arredores da Casa Branca, ok?
- Pois então, vamos senhorita Gabbie ? - Balançou as sobrancelhas, dessa vez fazendo-me rir.
- Nome errado. - Pisquei, deixando o quarto para que o garoto se arrumasse para a saída. - Mas boa tentativa.


Fiz arranjos com o detalhe do Serviço Secreto que tinha à disposição e aguardei por Dawson no átrio central.


- Wow. - Ouvi uma exclamação, finalmente virando-me para vê-lo com vestimentas mais informais.
- O que? - Indaguei, pendurando minha mochila aos ombros.
- Você parece… Limpa. - Completou, engolindo em seco. Olhei para as roupas simples que havia trocado, para poder permanecer mais perto ao garoto e misturar-me na multidão.
- Antes parecia suja? - Estreitei as sobrancelhas.
- Não. - Bateu a mão em sua própria testa. - Só quis dizer que está linda.
- Que exagero. - Acenei com a mão, ignorando a aceleração súbita de meu coração. - Vamos?
- Atrás de você. - Piscou, com um sorriso abobalhado.


O passeio de carro fora silencioso e confortável. observava a janela do banco de trás, vez ou outra trocando um olhar comigo pelo retrovisor. Tentava me manter séria e focada no trabalho: mantê-lo seguro. Mas o babaca ficava fazendo caretas para tentar fazer-me rir. Minha impressão de fora equivocada ao que me parecia. Não era justo julgar que já o conhecia através dos artigos das revistas de fofoca. Apesar de tudo ter um fundo de verdade, os fatos podiam ser facilmente distorcidos para se tornarem mais escandalosos, e muitas matérias poderiam ser meras especulações até onde eu sabia.
Embora extremamente sedutor nos flertes direcionados a mim aquilo o tornava mulherengo? Sua infantilidade casual o tornava um irresponsável? Seu tédio significaria falta de habilidade de se comprometer e deslealdade? Eu somente via perguntas sendo levantadas sobre o homem que eu fora paga para observar e seguir cada passo. Não bateria o martelo sobre sua personalidade até que me desse motivos para desconfiar de si. Aquilo era certo.


- Mu-shu Dinner. - Li o letreiro decadente em voz alta. - Tem certeza sobre este lugar?
- Hey, não julgue um livro pela capa. - Interjeitou , com um meio sorriso. - Além disso… - Começou, desencostando-se do carro e puxando-me pela mão. - Pensei que eu que era para ser o fresco aqui.
- Ah, não se preocupe, entre você e eu, você ainda é o bad boy mimado. - Pisquei, amando mexer com o temperamento de . - Só estou com pena de quem vai jantar com você.
- Costuma ter muita pena de si mesma? - Estreitou as sobrancelhas, fazendo-me suspirar com a pequena emboscada.
- Sua missão é me envergonhar na frente do serviço secreto, certo? - Balancei a cabeça, indicando os agentes de binóculos em um carro do outro lado da rua. - Ou me matar com intoxicação alimentar. - Brinquei novamente, olhando a nosso redor.
- Da próxima vez não te trago para um lugar bom como esse. - fez um bico, encaminhando-nos direto para o que aparentava ser sua mesa habitual.
- Fico imaginando sua definição de lugar ruim, e isso me dá arrepios. - Brinquei, ao olhar em volta novamente e ao menos constatar que por dentro o estabelecimento parecia um mínimo de decente.
- Ah, querida , com essa refeição eu vou abalar o seu mundo. - Sorriu, com uma expressão desafiadora que fez com que eu tivesse de segurar minha própria risada.


O jantar acabou sendo, para minha surpresa e muita presunção de , um verdadeiro sucesso. Aquele frango Xadrez que eu devorara - apesar da enorme porção que recebera - me elevara ao céu dos temperos. A pequena sopa que viera antes do prato principal já me ganhara com seu viciante sabor apimentado. Mas nada chegara aos pés da sobremesa achocolatada que fora literalmente a melhor experiência gastronômica que eu já tivera. E olha que culinária nunca fora uma área que eu me identificava muito (apesar de ser uma comilona de marca maior).
Mas além da boa comida, a experiência de jantar com o Filho do Presidente não fora nada má. Embora eu nunca, nunquinha mesmo, fosse admitir isto para ele. Não daria mais munição para sua fraca humildade. E seria assim que aquela noite seria lembrada, como um pequeno não-encontro agradável e interessante.
Isso se não tivesse me enganado e escapado por meus dedos no segundo que fui ao banheiro. A princípio pensei que fosse algum tipo de pegadinha. Voltar para nossa mesa e encontrá-la completamente vazia. Isso até perceber a nota. Um pequeno e relevante pedacinho de papel com uma mensagem escrita às pressas. Li seu conteúdo, prevendo que aquela seria uma longa noite.


- Eu vou matá-lo. - Rugi, agarrando minha jaqueta e correndo para a porta.




, sinto por escapar deste jeito, mas tenho assuntos a resolver na cidade.
Não se preocupe com a conta, já cuidei de tudo. Prefiro que me espere na Casa Branca, devo demorar somente algumas horas.
Até mais tarde,
.”



--


Demorei exatos vinte e sete minutos para localizar o filho do presidente. Lembro-me exatamente da faixa de tempo pois foi a mesma duração que meus ouvidos queimaram de exclamações e rugidos irritados de meu chefe pelo telefone. Finalmente, consegui autorização para rastrear o celular da peste até a boate que acabara de entrar. A má reputação de , tanto divulgada por tabloides, me veio como um raio assim que pus os pés naquela pocilga. Com a raiva que estava, eu mesma podia matá-lo.
Dei duas voltas ao redor daquele verdadeiro antro de perdição, mas não o encontrei. Com os segundos se desdobrando em minutos, comecei a ficar seriamente preocupada. E se ele não estivesse ali, mas seu celular houvesse sido roubado. Não sabia mais o que fazer, então resolvi seguir a menina extremamente bêbada no bar que perguntara pelo banheiro. Abri a porta do banheiro masculino, determinada a fazer a egípcia se alguém questionasse minha presença ali.
Assim que vi o corpo de no chão, toda minha irritação se esvaiu. Corri até ele, girando-lhe de lado e percebendo uma seringa enfiada em suas costas. Entrei em modo alerta de imediato, pressionando o intercomunicador.


- Ele está aqui no banheiro. Alguém o drogou. - Foi a última coisa que disse antes de sentir um cordão apertando meu pescoço. Relutei tentando acertar quem quer que fosse, mas fora em vão. Só consegui acertar uma cabeçada bem dada em quem quer que fosse.
- Você não devia estar aqui. - Murmurou uma voz, ao pé de meu ouvido, largando minha cabeça ao chão assim que estive prestes a desmaiar.


Somente voltei a mim ao sentir um saco sendo retirado de minha cabeça algum tempo depois. Olhei em volta do que parecia ser um armazém empoeirado, verificando amarrado assim como eu, em uma cadeira à minha frente.


- O que significa isto? - Tentei pronunciar, engasgando com minhas cordas vocais ainda tremulantes e um pano em minha boca.
- Agente , que bom que decidiu se juntar a nós. - Falou a mesma voz feminina que ouvira mais cedo naquela noite. - Talvez o Dawson esteja mais disposto a falar se ele tiver um pequeno incentivo. - Sorriu amplamente, caminhando até um baú o qual não podia ver o conteúdo, mas sim ouvir um atemorizante barulho de metal se chocando.
- HUMMPF… - protestou, com uma mordaça em sua boca.
- O que é isto, querido? - Perguntou a ruiva, com uma mão elevada ao ouvido. - Agora está disposto a parar de mentir? - Perguntou, caminhando até e retirando a mordaça.
- Não a machuque.
- Isto é muito simples. Basta dizer-me onde escondeu o pen-drive.
- Já expliquei que não sei de pen-drive algum!
- Tem certeza? - Perguntou a mulher, com uma expressão decepcionada.
- Sim. - Suspirou , comprando aquela fachada até ver meu olhar. Já sabia o que viria depois.
- É uma pena, querido. - Replicou, recolocando a mordaça. - Pena que isto terá um preço para sua amiga.


Senti a dor antes mesmo de saber o que havia lhe infligido em meu corpo. Um repuxar visceral na pele de minhas pernas fez com que eu gemesse de dor. O brilhar da faca que cortara próximo a meu joelho quase cegou-me de dor. Imediatamente fiquei mais consciente do peso de meu corpo com a perda de sangue.
O barulho de dois toques na porta me deu a esperança necessária para manter-me acordada.


- Pense nisso por uns segundos, Dawson. Vai que se lembra de algo. - Disse a mulher, limpando a lâmina na camisa branca de e saindo pela porta.


Foi então que vi minha oportunidade. Tateei a parte de trás de minhas calças, agradecendo aos céus por não ter sido despida. Alcancei a aparente costura de couro da marca, que na realidade guardava dentro de si um pequeno pedaço de canivete.
Trabalhei uns minutos em tirá-lo dali e em retirar as amarras que prendiam meus pulsos unidos. Porém, em pouco tempo e com alguns arranhões, consegui soltar-me por completo. Logo que retirei minha mordaça, usei-a para amarrar em minha perna para estancar o sangramento. Enfim, caminhei com dificuldade até , soltando-lhe amarra por amarra.


- . - Suspirou, ajudando-me a sustentar-me em pé. A gravidade só fizera aumentar a dor da pressão do sangramento de minha perna. - Sinto…
- Depois. - Murmurei, olhando rapidamente para a porta. - Acha que está trancada?
- Sim. Ela não arriscaria não fazê-lo. Creio que estamos no subsolo da boate.
- Me ajude a chegar naquele baú. - Pedi, mancando com sua ajuda. Vasculhei-o assim que pude pegando uns ítens. - Não há armas, guarde estas facas com você. Eu ficarei com estas.
- Não seria melhor fingirmos estar ainda cativos e pegá-la de surpresa?
- Supondo que aqui não tenha uma câmera, eu estou respingando sangue pela sala inteira. - Balancei a cabeça em negação. Preciso que você fique atrás da porta. Eu ficarei do outro lado e esperamos para abatê-la assim que tentar entrar na sala.
- Shh… - Sibilou, ajudando-me até nossas posições assim que ouvimos um barulho.


Passos aproximaram-se deixando-nos alerta. Quase tive uma parada cardíaca ao notar que quem abrira a porta fora Crickett seguido de dois homens do Serviço Secreto. Estive prestes a seriamente esfaqueá-lo.


- , está bem? - Perguntou, fazendo-me franzir a testa em confusão. Ao menos até notar o quanto meu corpo estava leve e flutuando.
- ! - Ouvi chamar, ao lado de meu corpo desmaiando.


Graças a Crickett, eu e fomos extraídos do local do sequestro em pouco tempo. Haviam conseguido capturar dois homens que estavam agindo com a tal ruiva, mas infelizmente ela conseguira fugir. Agora eu me recuperava dentro de uma ambulância que levava a mim e ao filho do presidente (que exigira menores cuidados) de volta para casa.


- “Prefiro que me espere na Casa Branca”, ?! O que acha que estou fazendo aqui?
- Não previ que as coisas fossem dar tão errado. Não espera que eu tivesse adivinhado algo assim, não é?!
- Eu estou te acompanhando a trabalho, ! -Rugi, recebendo um olhar desaprovador dos paramédicos. - Recentemente houve uma ameaça a sua vida e grampearam seu celular para buscar alguma informação que possua. O que exatamente esperava sumindo dessa forma?!
- Você não entenderia, eu precisava muito falar com uma pessoa.
- Você o que?! Nunca ouviu falar de uma coisa chamada telefone?
- A Valerie, é a irmã do Thomas Wilkins e frequenta muito essa boate. Tenho tentado falar com ela faz tempo sobre algo importante e ela tem ignorado cada ligação.
- É e você lidou perfeitamente com o assunto. Espero que tenha valido à pena.
- Pensei que seria algo rápido, mas tudo se complicou quando a ruiva me drogou! Não faço ideia do que ela estava falando, ou juro que teria evitado que a machucasse.
- Fale comigo, tente se comunicar, caramba! Não sou sua carcereira, só estou para zelar por sua vida avaliando previamente os riscos que vai tomar.
- E se chegasse à conclusão que não valeria a pena correr o risco? É minha vida, eu não deveria ter uma opinião nisso?
- Não estamos chegando a lugar nenhum assim… - Murmurei balançando a cabeça.
- Não mesmo. - fechou os olhos em irritação, calado por uns segundos até chegarmos à Casa Branca. - Boa noite, agente .




QUARTA-FEIRA



No dia seguinte, fez questão de me evitar. Não que eu quisesse muito assunto com ele depois do que aprontara no dia anterior. Mas o que mais me perturbava era desconhecer o motivo para tudo aquilo. O que Dawson devia a Valerie Wilkins que o fizera correr tanto perigo só para vê-la?
Senti um aperto quente em meu peito. Era um incômodo do tipo que guiava minha intuição para caminhos de cautela. O máximo que ele sairia de casa seria para o jardim presidencial privativo. O que fiz questão de dizer a sua figura emburrada, que é claro, fez questão de ir o mais longe possível. Penetrei o jardim atrás dele, revirando os olhos.


- Agente , preciso que leve essas caixas para perto da fonte. -Proferiu , com um olhar perspicaz.
- Não sou burro de carga. - Resmunguei.
- Por favor… - Pediu com jeitinho, me fazendo ceder e conceder-lhe o benefício da dúvida. Quando virei de costas para ajuda-lo até pensei inocentemente que ele se redimiria de alguma forma. Mas ao chegar até a fonte com a primeira caixa, ouvi um latido de cachorro seguido por um tiro e soube que iria me fazer desenvolver uma úlcera.
- ! - Corri até onde o jovem idiota estava, segurando uma arma desajeitadamente, parecendo em choque. - Que merda você fez! Onde encontrou esta arma?
- Ela só disparou… - Afirmou, tão branco como papel.
- Você… o quê? - Proferi, sentindo meu ventre doer da necessidade de rir da situação toda. E foi o que fiz, enquanto o homem me fuzilava com o olhar. - Me entregue esta arma, criança…
- Eu sei me defender. - Revirou os olhos, deixando a arma em cima da mesa e caminhando para longe. Repliquei em meu comunicador que estava tudo bem e recolhi a arma, ativando a trava de segurança.
- Ele sabe se defender de um latido de cachorro… - Murmurei para mim mesma, enquanto balançava a cabeça. Aquele moleque ia me matar algum dia.


QUINTA-FEIRA
SALA AZUL - CASA BRANCA



Havia uma intimidade única entre um protetor e seu protegido. Algo que ia muito além do fato de que aquele que protege está pronto para dar sua vida pelo protegido. Era uma ligação que se devia mais ao fato de o segurança se tornar o observador do segurado. Cada movimento de naqueles primeiros dias era catalogado em minha mente. Isto me dava um bom insight sobre sua personalidade e me fazia enxergar um lado humano que para as gerações produto da era tecnológica, era muito fácil de ser esquecido.
Eu o via respirando, falando, trabalhando, … Oh, deus! Pareço uma stalker. Pensei, desviando o olhar de enquanto tomava café da manhã com sua mãe e as irmãs. E assim que retirei meus olhos de sua figura, senti que o homem percebera a mudança de meu mirar. Como se também fosse acolhido por meu vigiar atento e de certa forma aquilo o reconfortasse.


- Não se esqueça de escolher seu terno para o baile beneficente de amanhã, . - Margeary murmurou, em seguida dando um gole em seu café.
- Como poderia esquecer, mãe? - Ele fez uma careta, que levou sua irmã mais nova a engasgar com seu suco.
- Mary Ann, tenha mais classe ao comer. - Margeary entregou um guardanapo para a filha com uma expressão reprovadora.
- Mãe, ela tem dez anos. - Kate, a mais velha, revirou os olhos, ajudando sua irmã a alcançar outro pão na mesa.
- Ah, mas com essa idade a mamãe já estava publicando livros e estudando política, Kate. - Brincou , fazendo com que todos gargalhassem, menos a matriarca, que suspirou exasperada, mas com certo amor nos olhos.
- O que diabos vou fazer com vocês?! - Balançou a cabeça, levantando-se.
- A mamãe falou palavrão! - Exclamou a pequena Mary, com a mão cobrindo a boca. Finalmente Margeary cedeu ao riso, dando um beijo no topo da cabeça da mais nova antes de sair do salão de jantar.
- Hoje tenho um dia cheio, . Não se meta em muitos problemas, que eu não estarei disponível para pagar a fiança como sempre. - Brincou Kate.
- O que é faança? - Perguntou Mary, sendo ignorada.
- O Wilkins já está velho demais para continuar com a caça às bruxas, Kate. Ele nem deve estar lá hoje.
- Você duvida do ódio dele contra nossa família? - Indagou a irmã de , cruzando os braços.
- Não sou tão burro quanto pensa, aliás, tenho aquela ali para me dar sermões e “pagar minha fiança” se preciso. Muito obrigado. - Completou, levantando-se e assustando Mary. Pegou a mais nova em seu colo e saiu do recinto, fazendo-me virar, confusa com aquela conversa exaltada.
- Agente . - Chamou Kate, impedindo-me de sair da sala e acenando para que o resto do Serviço Secreto nos deixasse.
- Vá atrás dele, Blake. Provavelmente vai para a Sala de Música, mas se for para o Quarto de Lincoln sabe que pode deixá-lo que logo estarei lá. - Murmurei, antes de aproximar-me da mulher. - Sim, senhorita Dawson.
- Ah, por favor, me chame de Kate. - Riu, acenando para que me sentasse junto a ela na sala de chás adjacente. - Perdão por ter presenciado isso.
- Faz parte de meu trabalho, Kate. Não se preocupe. - Sorri para a jovem adulta. - Mas há algo no assunto que deva me preocupar? - Perguntei, subitamente preocupada.
- De forma alguma. Bem, talvez devesse saber sobre Thomas Wilkins.
- O filho do oponente do Presidente Dawson?
- Exatamente. - Suspirou. - Tommy e eram grandes amigos na infância. Talvez por ambos serem filhos de políticos influentes, acabaram se tornando próximos.
- Imagino que não seja fácil estar nos olhos do público desde tão cedo.
- Não foi, não é. Para mim e creio que para minha mãe também, parece natural. Minha mãe se encaixou tremendamente bem no cargo de primeira dama. Se dedica muito a empreender ações humanitárias e sinceramente? - Aproximou-se, para sussurrar. - Ela ama atenção. - Gargalhou. - A pequena Mary ainda não sei como vai sair, ainda está nova demais para saber. Eu também sou muito propensa a seguir por um ramo do Direito que envolva muito confronto e estar dentro da mídia, assim que acabar a faculdade.
- Entendo… Mas então, seu irmão?
- não só não escolheu esse caminho, como é uma pessoa muito reservada. Particularmente sofre ainda mais com isso. E assim que meu pai ganhou a campanha, Thomas teve problemas com a mãe, o pai dele virou um homem mais amargo e deixou de falar com o papai. Enfim, Thomas passou a guardar muito rancor de . O que virou um problema pessoal quando Valerie, a irmã de Tommy teve uma paixão não retribuída por .
- Sabe porquê ele queria falar com Valerie na noite do sequestro?
- Só sei que meu irmão tem um bom coração. Se Valerie demonstrasse qualquer sinal de estar em problemas, apesar de tudo, ele iria ajudá-la. Ela pode ter usado isso a seu favor, ou mesmo Thomas.
- Acha que os Wilkins podem ter algo a ver com o sequestro? - Abri a boca incrédula.
- Não sei se esses eram o plano deles, mas certamente algo bom não era.
- Mas a mídia sempre mostrou Thomas como o menino de ouro, enquanto
- Meu irmão fica ressentido com toda essa atenção negativa, mas não faz nada para desmenti-la. Tommy vive se metendo em confusão e plantando falsas notícias como se fosse a arrumar encrenca.
- Isso é tão baixo. - Balancei a cabeça, compreendendo enfim toda aquela nova personalidade de Dawson que eu desvelara ao conhecê-lo fora dos tabloides. - Ficarei atenta ao Wilkins se aparecer no evento de hoje. Não se preocupe, Kate.
- Obrigada, agente .
- Para você é Sunny. - Pisquei, revelando meu primeiro nome odioso, sabendo que a menina adoraria ter material para torturar o irmão que tentava descobri-lo. Ela simplesmente fez um gesto de zíper sobre a boca e sorriu, pegando o jornal para continuar a ler. Esta foi minha deixa para retomar meu posto.



SEXTA-FEIRA
FUNDAÇÃO WRIGHT - BAILE BENEFICENTE



- Odeio essas merdas. - Reclamou , repuxando sua gravata em nó Windsor. Eu me limitei a olhar feio para o homem por falar assim de um evento de fim tão nobre. Mas no fundo, meus pés estavam me matando naqueles saltos finos que fora obrigada a usar para me misturar com o resto da realeza política no evento. Além do vestido longo que pinicava nos braços, mas não barrava propriamente o impiedoso frio que atingia mesmo a meu decote.
- Fique próximo de mim, mas não levante suspeitas de quem eu sou.
- Com esse vestido, chamará muita atenção, eu lhe garanto. - Replicou. Olhei para baixo, como se tivesse uma mancha em algum lugar.
- O que quer dizer? - Perguntei, mesmo sabendo o que ele se referia, mas por algum motivo estranho, precisando ouvi-lo falar.
- Que está linda? Que seria um pecado este vestido nunca ter sido usado por você? - Olhou de esguelha enquanto caminhávamos pelo evento, vez ou outra parando para cumprimentar algum Ministro do Interior ou Diplomata. Virara rotina ele apresentar-me como “amiga” para depois recebermos um olhar duvidoso de todos os que nos viam.
- Nossa, Dawson, que atrevimento.
- Você já sabia o que eu ia dizer, , só pediu por isso. - Riu, estendendo a mão para dançarmos.
- Justo. - Repliquei, concedendo-lhe aquela pequena vitória.


Dançamos uma valsa por alguns minutos. Suas mãos em minha cintura faziam-me sentir coisas que havia negado a mim mesma por tempo demais. Será que poderia entregar-me a alguém como ele novamente confiando que não estraçalharia meu coração?
Paramos de dançar e fomos até o átrio que se encontrava vazio. De lá da entrada da construção semelhante a um castelo medieval, podíamos enxergar muito mais longe do que ao redor da cidade. Muitas estrelas que nunca havia catalogado se dispunham pelo céu como se sempre estivessem lá. Mas sempre estiveram mesmo. Assim como seus sentimentos por . Minha cabeça martelou, pegando-me de surpresa com sua crueza.
Não. Simplesmente berrei mentalmente virando-me de costas para o homem.


- Sabe, seria muito mais crível que eu trouxesse uma namorada. - Disse ele, alheio à meus questionamentos internos. Senti uma carícia em meu braço e afastei-me como se fosse uma labareda de fogo que precisasse apagar para não me queimar por inteiro.
- Vamos. Vou levá-lo para casa. - Balancei a cabeça, passando pelo homem, que permaneceu irritantemente plantado no mesmo local.
- O que houve ? O que eu fiz? - Perguntou, com um ar perdido. Estava de tirar o fôlego naquele terno bem cortado, e sua gravata realçava os olhos extremamente expressivos que pareciam exigir mais do que eu poderia revelar.
- Está tarde. - Repliquei simplesmente. - Inspirando fundo e voltando a me aproximar dele.
- Você algum dia vai me dar uma chance? - Perguntou, fazendo os alertas laranja em minha mente virarem bandeiras vermelhas de zona de conversa proibida.
- Você é Dawson. - Dei de ombros, evitando seus olhos.
- E você é a agente . O que tem isso?
- Eu. Não. Posso. Ficar. Com. Você. - Pontuei, retirando forças de sabe-se lá onde. - Nem agora, nem nunca vou ficar. - Continuei, ao vê-lo abrir a boca novamente. - Temos uma relação profissional maluca, talvez uma amizade, mas é isso.
- É isso ou tem medo de ser algo mais? De como isso poderia te expor?
- Criança, eu já vivi bem mais do que você e acredite, se meu problema fosse me abrir, nós nem estaríamos tendo essa conversa. - Repliquei, sentindo-lhe encolher com o que eu disse. Se havia algo pior para ele do que eu dizer em sua cara que nunca teria chances, era me referir a nossa diferença de idade.


O homem olhou-me como se memorizasse minha face ou analisasse se estava sendo verdadeira. Esperava por muitas reações, menos a que ele finalmente tivera, provavelmente cedendo a favor de nossa amizade.


- Bem, não vou desistir, então boa sorte afastando a alguém que supostamente deve proteger. - Respondeu, cruzando os braços em teimosia. - E eu não quero ir embora, então vamos que estou a fim de tomar uns drinks.
- Acha mesmo a melhor ideia?
- Não sei, mas você estará aqui para me salvar, não é?! Talvez tenhamos outra situação de perigo que a faça esquecer de fingir que não se importa comigo.


Voltamos para dentro, com certa tempestividade em nosso semblante. Eu nem mais me forçava a sorrir, somente andava por aí observando-lhe em seu habitat natural, apesar do que dizia sobre não se encaixar. Vez ou outra captava um olhar seu discreto para checar que eu ainda estava ali. O que não pude evitar de achar carinhoso. Além de toda a atenção feminina e masculina que ele afastava com certa veemência. Em uma delas, ele até apontara para mim, de onde eu o observava há alguns metros de distância. Somente compreendi o que o homem dissera ao sentir a mulher passando por mim com ódio no olhar.


- Sortuda, você. - Murmurou. - Não vai durar, você é velha demais para .
- Eu vivo dizendo isso para ele. - Repliquei, dando de ombros. - Ele nunca me escuta, gargalhei. - Você como a mulher bonita que é, faça um favor a si mesma e encontre um parceiro que a olhe como merece.
- Desculpe. - Disse a mulher vermelha com o que havia dito anteriormente.
- Eu sei como é gostar-se do que não se pode ter. - Murmurei. - Não se preocupe, não precisa de ninguém além de si para ser feliz. - Pisquei, sem retirar os olhos de . Observei a presença de seu velho amigo a seu lado e retirei-me pensando em um plano.


Wilkins faria um discurso naquela noite, e quando pegou o microfone no palco, mal esperava a surpresa que eu havia preparado.


- Boa noite. - Sorriu amplamente de forma desprezível. Não por muito tempo, sorri pensando. Adicionei o efeito que queria à sua voz e saí correndo da cabine de som. - Esta noite é muito import…- Começou a falar, com a voz fina como a de um esquilo. Conversas paralelas e risadas discretas se dispersavam ao mesmo tempo que eu pegava a mão de um parecendo no paraíso.
- Vamos! - Ri, sentindo-me uma criança.
- Você? - Arregalou os olhos, correndo a meu lado até a limusine presidencial. - Não acredito, . Por que?
- Ele merecia ao menos uma pontinha de humilhação depois do que fez contigo nos tabloides. - Repliquei. - Sim, sua irmã me contou tudo. Agora vamos, para que eu não perca meu emprego.


--


- Boa noite, .
- Boa noite, . - Sorriu, abraçando-me forte. Ao perceber o que fizera, porém, soltou-me em um rompante, afastando-se e coçando sua nuca antes de entrar em seu quarto com a face vermelha.




SÁBADO
TELHADO - CASA BRANCA



- Obrigado por aceitar ter esse encontro.
- Não é um encontro, . - Repliquei, revirando os olhos. - Mas me senti mal sobre como deixamos as coisas ontem.
- Se você diz… Vai, primeiro as damas! - Gesticulou para a janela. - Só vamos sentar no parapeito, relaxa. - Replicou ao receber meu olhar insano.
- Desculpe por meu atraso, soube que o FBI conseguiu localizar a ruiva. É só questão de tempo até que ela seja presa. Meses atrás em Camp David seu pai recebeu informações urgentes de um espião no estrangeiro. Tudo estava em um pen-drive que por algum motivo ainda a ser avaliado, acreditaram estar com você.
- Você podia me dizer detalhes deste tipo?
- Nem eu mesma sei de toda a história. Mas achei que merecia saber porque querem te matar. - Dei de ombros.
- Como virou agente do FBI? - Indagou , sentando-se na telha, com cuidado.
- Foi algo natural, eu acho. - Murmurei, seguindo-o com um olhar repreensivo. - Tem certeza de que aqui é seguro?
- Isso não foi uma resposta. - Fez um bico, cruzando os braços. Pareceu ainda mais jovem que seus vinte e cinco anos naquele momento, ainda mais para os olhos mais experientes de alguém como eu.
- Queria fazer algo que combinasse com minha personalidade e pudesse satisfazer meu vício por adrenalina. Era isso ou a Força Aérea. Mas a curvatura de minhas costas escolheram por mim.
- Suas curvas parecem perfeitas para mim. - Piscou ele, com uma de suas cantadas sem graça.
- Não começa… - Franzi o cenho, impedindo de revirar os olhos novamente. Por isso que sempre tinha dor de cabeça após um dia com o garoto. - Como achou esse lugar afinal? - Perguntei finalmente, apreciando a vista do Jardim à nossa frente.
- Quando eu tinha acabado de me mudar, sempre me incomodei com o excesso de olhares sobre tudo o que fazia.
- Imagino que deva ser difícil ter tantas lentes sobre você desde jovem.
- No primeiro mandato de meu pai eu tinha apenas dezessete anos. Era um simples garoto fazendo besteiras para chamar atenção e tendo de suprir a falta de atenção que meus pais davam à minhas irmãs.
- Mary tinha o quê? Três anos?
- Quatro. - Ele corrigiu, com um meio sorriso. - Eu e Kate tentamos ajudar, mas é difícil substituir a presença de um pai, quem dirá dois. De alguma forma, tudo piorou ainda mais com a reeleição. Mesmo ela sendo mais velha, parecia que o pesadelo estava se repetindo e não tínhamos o que fazer.
- Consigo entender isso. Bons pais não adiantam se quase nunca estão presentes. - Encostei levemente a cabeça no ombro do homem, como que para lhe transmitir um pouco de minha força.
- Exato. - Assentiu, pensativo. - E este lugar foi um dos únicos que o Serviço Secreto nunca encontrou. É onde venho para pensar.
- Obrigada por compartilhar seu segredo comigo. - Eu sorri, abraçando minhas pernas e encarando o pôr do sol.
- Não poderia pensar em ninguém melhor para revelá-lo. - Replicou, como sempre com seu ar galanteador.
- Acha que com o fim do mandato, seus pais vão mudar? - Perguntei, após uns minutos de silêncio confortável.
- Eles sempre serão políticos. - Afirmou, balançando a cabeça. - Mas sempre há esperança, certo? - Finalmente desviou seu olhar perdido para mim, buscando respostas nos meus olhos de mais velha.
- Em minha experiência pessoal, a ocasião pode forçar pessoas a mudarem. Seja para o bem ou para o mal. - Respondi.
- Você sabe que é só dez anos mais velha do que eu, certo? Trinta e cinco não é o fim da linha.
- Dez longos anos em idade corporal. Já na mental… - Brinquei, quebrando o clima mórbido que havia se instalado.
- E além disso, - continuou, imperturbável. - Não sei se já te disseram, mas discursos motivacionais? Não são seu forte. - Gargalhou, recebendo um soco em seu braço.
- Ainda não aprendeu, Dawson?
- O que, agente ?
- Tudo é meu forte.




SALÃO OVAL



- Nunca poderia agradecer o suficiente por tudo o que fez por minha família, Agente .
- Era meu dever e meu prazer, senhor Presidente.
- Querida, depois disso tudo, pode me chamar de Kenneth. - Corrigiu, com um sorriso sincero para mim, mas sabendo que eu era demasiado formal e apegada às regras para passar a chamá-lo pelo primeiro nome. - Obrigado.
- Eu que agradeço pela oportunidade, Senhor… - Olhei para as faces de meu chefe e do presidente, cheias de expectativa. - Kenneth. - Assentiu, com um sorriso contido.
- Realmente agiu muito bem, e como prometido, será promovida a chefe da força tarefa em crimes do colarinho branco. - Afirmou meu superior, com certo orgulho da pupila, como deveria mesmo ter. Eu trabalhara duro para aquilo.
- Obrigada, senhor. - Forcei um sorriso, um pouco hesitante quanto a meu caminho dali para frente. O chefe olhou-me com certo estranhamento, mas não fez comentários, nem mesmo ao saírmos do Salão Oval. Somente adicionou um “Embarcaremos amanhã, 12 horas” e deixou-me no jardim da entrada, com meus próprios pensamentos. Alcançara o emprego dos sonhos, mas aquilo significava mudar-me para outro estado e ficar muito longe de uma certa pessoa que cativara meu coração, por mais que quisesse negá-lo.
- Ah, … - Murmurei sozinha, preparando-me para a ligação que teria de fazer a seguir. Felizmente o homem não atendeu, tornando mais simples o que teria de fazer.
- “Você ligou para… Dawson… Deixe sua mensagem após o bip.”


* BIIIP*
“Hey , é a … Você deve saber que chegou a hora de seguir em frente. Capturaram a ruiva nesta tarde e… Quando isto tudo começou, tive a promessa de uma promoção, e bem… A recebi. Estarei me mandando de Washington D.C. amanhã e liguei para me despedir de você. Tivemos um começo difícil, mas você me provou não ser o garoto mimado e infantil que eu sempre pensei que fosse. Ao menos não tão mimado.” Ri, balançando a cabeça. “Espero que descubra o que o futuro guarda para você, tenho certeza de que o que quer que seja, vai arrasar com tudo.” Pausei, respirando fundo. “ Adeus, garoto.” Terminei, desligando.





DOMINGO
AEROPORTO INTERNACIONAL DE WASHINGTON



- ? O que faz aqui?
- Duh! Achou que eu não viria me despedir em pessoa, fujona? - Indagou o homem, abrindo os braços como se aquilo fosse absurdo.
- É seguro estar em um local tão cheio? - Perguntei, olhando em volta até encontrar alguns homens e mulheres do serviço secreto disfarçados de turistas e atendentes de voo pela área de espera do aeroporto.
- Você que me diz, sempre que estou contigo acabo me envolvendo em alguma situação estressante de vida ou morte.
- Não brinque com isso! Também não é como se fosse culpa minha, né, senhor roleta russa.
- Eu atirei sem querer!
- Tanto faz. - Bufei, terminando meu check-in virtual.
- Pronta, Sunflower? - Perguntou , brincalhão. Avaliou bem minha reação, empertigando-me após perceber que o bastardo finalmente descobrira meu verdadeiro nome.
- Não creio. - Balancei a cabeça, rindo para mim mesma.
- Seus pais claramente previram sua personalidade ensolarada e sua delicadeza de flor do campo, querida Sunny. - Piscou, ao passo que a eu parecia capaz de matá-lo a qualquer momento.
- Sem comentários, Dawson.
- Here comes the sun…. Dodododo…. - Cantarolou ele, fazendo-me pedir arrego em poucos segundos. Sabia o suficiente para constatar que com o garoto era melhor dizer diretamente o que queria antes que enchesse minha paciência.
- Ok, ok. Meus pais eram Hippies, tiveram uma fase meio nômade na vida deles e escolheram este nome alternativo. Mas não combina comigo, por isso que eu atendo pelo sobrenome.
- Mas porquê não mudar o primeiro nome? Ainda acho que Robin combina muito contigo.
- Não queria que eles ficassem tristes— Neguei, veemente, ajeitando a mochila no ombro. - E gosto de .
- É lindo que nem…
- Vou te interromper aí antes que essa despedida acabe virando seu funeral.


Gargalhamos juntos e trocamos um longo olhar antes de compartilhar um abraço apertado já na área de embarque. queria dizer muitas coisas, mas ao mesmo tempo estava extremamente embaraçado ante minha aparente confiança inabalável. Que era exatamente isso, só uma fachada. Mas não fui eu que comecei a dizer adeus.


- Agente , foi um prazer te ter como “babá” durante esses dias. - Mordeu o lábio inferior, e passou a mão pelo cabelo nervosamente. - Obrigada mesmo por… você sabe.
- Salvar sua reputação e sua vida? - Sorri, apertando o braço do homem. - De nada, garoto.
- Vou sentir sua falta, .
- , combinamos de não ter isso de sentimentalismo, certo? - Comentei, piscando rapidamente para abafar a súbita emoção.
- Ceerto. - Assentiu, entendendo o que eu quis dizer com as palavras não ditas. E não precisavam ser pronunciadas, não quando minha expressão claramente demonstrava o carinho que sentia por ele.
- Adeus, então. - Apressei-me em dizer, dando um selinho na bochecha do homem.
- Hey. - Chamou, segurando meu braço antes que pudesse me afastar.


Pude perceber que pensou seriamente na possibilidade de beijar-me ali mesmo. Mas não era o momento, por mais que muito o desejasse. Não na frente de olhos curiosos e do Serviço Secreto. Porém, não se desesperou com o impedimento temporal. Sabia que eventualmente aquele romance aconteceria. De onde vinha sua certeza? Do fato de o que sentia por mim ser tão real quanto a necessidade de eu ter de seguir meu próprio caminho por agora.


- O que foi? - Virei a cabeça, curiosa.
- Em alguns anos vai me dar uma chance, certo? - Repetiu a pergunta que a princípio fizera para me irritar, já esperando a negação veemente de sempre.
- Talvez, , quem sabe. - Abri um meio sorriso para ele, afastando-me mas ainda voltada em sua direção. - Só tente não morrer em minha ausência.
- O homem não respondeu senão com sua expressão abobalhada e surpresa com a minha resposta. Não esperava que eu fosse admitir aquilo, muito menos considerar uma parca possibilidade de ficarmos juntos no futuro. Sinceramente, nem eu esperava. Mesmo que com pequenas chances, ele provavelmente nunca conhecera ninguém tão teimosa. Por esse motivo, a última animada expressão que ouvi-lhe dizer antes de entrar no avião em busca do emprego de meus sonhos foi:
- Progresso!





Fim



Nota da autora: Olá, pessoal! Obrigada por terem lido! Espero que tenham gostado da fic e que entrem para o grupo no Face! Amarei ler seus comentários <3. Até a próxima!





Outras Fanfics:
One More Dream (Longfic/ Em andamento - Originais)
Codinome Blackwell (Longfic/ Em andamento - Originais)
Her Eyes (Originais - Shortfic)


comments powered by Disqus