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Postada em: 23/07/2020

Capítulo Único

Sentada em um banco afastado dos caminhos principais do parque, mantinha as pernas cruzadas e a atenção focada no livro aberto na sua frente. Usualmente, costumava ler ficções bobas, para distrair a mente do constante embaralhamento de pensamentos por conta da sua pesquisa. Contudo, com um prazo importante chegando e a pressão apoderando-se de seus ombros, ela escolheu ler uma das obras da bibliografia.
Ou seja, estava lendo por puro e espontâneo surto. Não tinha qualquer prazer naquilo e só queria terminar o mais rápido possível.
Pelo seu foco estar inteiramente no material diante de seus olhos, em vez de sua rotineira leitura mais distraída, não percebeu quando uma pessoa se aproximou.
— Sabia que a encontraria aqui.
A voz de a pegou de surpresa e, sem querer, ela fechou o livro para olhá-lo. Imediatamente se arrependeu, porque perdeu a página que estava. Bufou sonoramente e sentiu uma irritação começar a borbulhar no seu ser.
— O que é que você quer, ? — questionou, ainda procurando o parágrafo exato. Ouviu dar uma risada baixa pelo seu óbvio estado de nervosismo e o fuzilou com os olhos. — Se só veio aqui pra acabar com a minha paciência, parabéns, conseguiu.
— Relaxa, mulher. — Sentou-se ao lado dela e deu seu sorriso mais irônico. — Você me superestima. Não é como se precisasse de muito pra te irritar.
— Ai, na moral… — massageou a testa para diminuir a dor de cabeça que começava a se formar, acomodando-se um pouco mais para a esquerda para não ficar tão perto dele. — Sério, o que você ‘tá fazendo aqui?
percebeu que não conseguiria responder se pudesse ver a reação de , então decidiu observar pessoas um pouco ao longe fazendo exercício. Não sabia como elas tinham vontade de correr despretensiosamente com um short e camisa de manga comprida naquele tempo de 15 graus. Chegava a ser inumano.
Mas, apesar de haver escapatória para seus olhos, não havia para suas palavras.
— Eu terminei com a Amy.
Aquilo fez fechar o livro pela segunda vez, mas agora conscientemente. Na verdade, sabia que não iria se preocupar com qual parágrafo estava ou o quanto deveria voltar para seus estudos por algumas horas.
— Quê?! — exprimiu, espantada. — Como assim?
— Ela não… Quer dizer, eu sabia que não deveria ter começado a namorar com ela. Não fazia sentido. — Ele começou a gesticular mais, como fazia quando estava nervoso. — Ela gosta de rúcula, . Rúcula!
, um detalhe de preferência alimentícia dificilmente é um indicativo de incapacidade de estabelecer um relacionamento. Para de graça.
— Ok, ok. Eu sei. Mas mesmo assim… Eu acho que só tava enganando a mim mesmo. Queria gostar dela, então eu falei que gostava. Só que, no fundo, era pra não admitir que não sentia algo por ela.
assentiu com a cabeça e guardou o livro, sentando lateralmente no banco para poder olhá-lo de frente. Apesar de ter tomado cuidado para não estar tão próxima do corpo de , estendeu uma mão e colocou em cima da dele. Conseguiu ouvir as batidas do seu coração se acelerarem e resolveu ignorá-las por ora.
A mão de começou a aquecer pelo contato. Aquilo o confortou, mesmo que minimamente. Então, ele percebeu o quanto devia ser ridículo algo tão singelo quanto um toque ter causado aquela sensação em seu peito.
— Sim, . Sei que sou patético.
Ao parar de contemplar os espécimes correndo com roupas finas e leves, encarou e, notando a proximidade dos dois, tentou resistir ao impulso de afastar a cabeça um pouco.
Eles faziam aquela dança há muito tempo, perto e ao mesmo tempo longe, próximos lentamente se afastando. Pareciam manter uma distância que achavam suficiente para não tornar as coisas… esquisitas? Provavelmente não era essa a melhor palavra.
— Patético? — ela repetiu, sem entender.
Era o jeito que olhava para ele, preocupada e atenta, como se nada fosse mais relevante naquele momento do que acalentá-lo e ouvir o que ele tinha para dizer. Aquilo deixava todas as interações ao vivo dos dois com algo oculto no ar, um silêncio de palavras não ditas. não tinha forças suficientes para não deixar que o lado carinhoso dela o esquentasse.
Talvez o espaço entre os dois era necessário para que aquele silêncio não se transformasse em honestidades fora do tempo.
— É, faço uma besteira qualquer e você segura minha mão pra que eu me sinta um pouco melhor.
Os dedos de agarraram-se um pouco mais na mão dele. O aperto inundou a cabeça de com uma memória específica, uma frase interrompida que retornava à sua mente sempre que se encontrava naquela situação com ela. Piscou os olhos para que lembrança sumisse, mas ainda a ouvia em alto e bom som.
“Meu melhor beijo foi aquele que só dei nos meus sonhos com...”
Com quem, se perguntava havia dois anos.
Com quem?
, isso não é ser patético. — abriu um sorriso sincero. — É ser dependente de mim, o que é, no mínimo, cômico.
Ele olhou ironicamente para a mulher, não achando graça na provocação.
— Muito boba, você. — comentou.
Ela riu um pouco do tom de voz que usou e voltou a olhá-lo com afeição, sem tirar o sorriso do rosto.
— Boba ou sincera? Acho que você pode dizer que sou sempre honesta com você, queridinho.
Honesta. Ela era? Normalmente sim, nunca deixava de dizer o que estava achando de algo. Se se chateava com alguma atitude de , prontamente o deixava ciente e tentava resolver.
Mas qual era o limite da sua honestidade? Seria possível que ela escondesse algo dele?
virou a palma da mão para cima, em um movimento delicado, colocando os seus dedos quase entrelaçados aos de . Aquilo fez as feições da mulher saírem do seu estado de contemplação para uma de surpresa. Não percebeu quando abriu a boca de leve, inspirando descompassadamente, enquanto fitava as mãos dos dois como se fossem um exemplo de profanação.
, o que você…
— Terminei com Amy porque quis acreditar que pudesse me apaixonar por ela. — ele a cortou, completando o movimento que fazia e, então, de fato segurando a mão de . — Mas nunca conseguiria realmente sentir algo profundo pela Amy.
Havia algo no jeito que ele falava que fez com que sentisse que pisava em uma densa camada de perigo. parecia querer expressar algo sem necessariamente usar todas as palavras para isso. E, o que era pior, deixava-a nervosa por juntar os seus dedos aos dela. Se fosse para tentar compreender algo daquela situação, como ela faria isso?
— Por que não? — perguntou. — Quer dizer, por que insistir em um sentimento que você já sabia que não iria crescer?
Um vento gelado passou entre as árvores do parque, balançando suas folhas e fazendo algumas delas caírem no chão. Tal como um tapete costurado sem estruturas, sem muito pensamento por trás, as folhas caíam na terra umas sobre as outras. O mesmo vento atravessou os dois corpos sentados no banco e arrepiou os pelos de seus braços. Apesar de estar de casaco, tirou sua mão do enlace de e usou-a para se esquentar.
Uma pergunta estúpida foi formulada na cabeça de .
“Quer que eu te esquente?”
Ele a suprimiu rapidamente.
— Porque as pessoas são burras, .
Ela gargalhou com a frase de efeito e esperou continuar o pensamento.
— Porque… Acho que é mais fácil mentir para si mesmo do que admitir coisas que prefere não lidar no momento. Era menos doloroso ter um relacionamento que não daria em nada do que se arriscar.
— E o que seria se arriscar?
— Se arriscar com alguém incrível que, se desse errado, eu não saberia onde colocar os pedaços do meu coração.
— Em um potinho? — ela sugeriu, de forma lúdica. — Para eu te ajudar a remendar depois?
Porque, claro, ele não poderia estar falando dela.
Não, assegurou internamente. Ele não pode estar falando de mim.
cruzou os braços, talvez por conta do vento, talvez por se sentir contrariado.
— Você é realmente uma boba, . — afirmou, indeciso sobre como continuar aquela conversa com ela.
— Que isso?! Por quê?
Ele tinha que falar. Inferno, ele precisava falar. Tinha que assumir aquele risco. Por mais magoado que fosse ficar, por mais apavorado que estivesse… Ele a estava chamando de boba, mas o bobo era ele.
deveria tê-la beijado.
Deveria tê-la beijado quando teve chance, em todos os eventos da faculdade com bebida alcoólica e música no máximo, em todas as vezes que ela estava perto o suficiente e sorria para ele, em qualquer situação que poderia perguntar se ela queria.
Quando ela disse aquela frase que martelava incessantemente na sua cabeça, “meu melhor beijo foi aquele que só dei nos meus sonhos com...”, e foi interrompida, deveria ter insistido. Deveria ter segurado no seu ombro, a impedindo de sair de perto, e perguntado: com quem, ?
Ele ainda tinha tempo? Ainda não era tarde demais?
reparou na pausa que tinha feito para respondê-la, como se seus pensamentos estivessem em outro lugar. Aquilo deu a ela tempo para refletir no que tinha acontecido até aquele momento, tentar entender onde queria chegar com aquilo.
Ele tinha terminado com a namorada. Aparentemente, a primeira pessoa que ele quis contar a notícia foi ela. O que não era novo, já que eram amigos próximos há algum tempo. Só que ele poderia ter mandado uma mensagem, até ligado para , mas escolheu ir atrás dela em um lugar que sabia que ela deveria estar.
Queria estar perto dela.
Ver a sua reação, talvez?
E o que isso mudaria?
A verdade era que ela já tinha desistido. Se sentisse algo por ela, já poderia ter dito, no mínimo dado algum sinal. não queria ser a pessoa a dar aquele passo de novo e ver sua amizade estragada. Não iria admitir nada mais.
Já é tarde demais para criar coragem, de qualquer forma, era o que dizia para si mesma. Se fôssemos ter algo, deveria ter rolado quando começamos a nos falar e éramos universitários inconsequentes.
Ou quando o tinha dado uma explícita abertura e ele escolheu ignorá-la.
, por que eu sou boba? — reforçou a pergunta, percebendo que ele não parecia que ia respondê-la.
Ele suspirou pesadamente. Encarou-a mais uma vez, observando como iria reagir ao que ele falaria.
— Porque ainda dá corda pro que quer que seja isso entre a gente.
franziu a testa.
Como é que é?
— Dar corda? Como assim dar corda? O que porra você quer dizer com isso, garoto?
— Eu não sei, , me diz você. — Ele apontou para o espaço entre os dois, em um movimento nervoso. — Olha isso aqui. Me diz pra que isso.
Os olhos de se arregalaram naquele momento não por choque, mas por irritação.
— Pra que isso? — ela repetiu, em uma voz irônica. — Você não pode estar falando sério, .
— Na verdade, eu tô sim.
— Por que você acha que isso imitou o gesto dele, ainda atônita. — existe?
— Tô pedindo pra você me explicar, .
— Ah, claro, muito mais fácil, não é mesmo?
O sarcasmo na frase da mulher afetou porque ela não podia estar mais do que certa. Assim como tudo aquilo que havia dito a respeito de Amy, ele estava tomando a via fácil, não a que o impedia de fugir do que verdadeiramente sentia.
— Sim — ele concordou, envergonhado. —, é mais fácil.
— Muito bem, então, . Considere isso um desafio. Não, não. — Ela levantou um dedo, se corrigindo. — Uma tentativa de aprimoramento pessoal. Me responda você por que nós dois ficamos sempre distantes um do outro.
— Posso te responder por que eu fico, mas não falo por você.
bufou para ele, sua irritação inicial daquela interação retornando.
— Para de enrolar, criatura.
— Ok, ‘tá bom. — disse, levantando as mãos, como se desistisse de argumentar com ela. Respirou fundo antes de continuar. — Sendo sincero, eu não me lembro quando reparei que tínhamos esse hábito de não nos aproximarmos tanto quanto poderíamos entre si. — Abriu um sorriso de lado. — E acho que essa distância só serve pra ignorarmos algo.
As palmas das mãos de começaram a suar nervosamente. O que seria esse “algo” para ?
Era realmente tarde demais?
— Ignorarmos o quê? — questionou, firme. Se fosse para se abrir, tinha que ser com tudo.
Não havia mais espaço para palavras não ditas.
— O que não temos coragem de falar. — respondeu sucintamente.
sacudiu a cabeça em discordância. Percebeu que sua irritação misturava-se com seu nervosismo, e aquilo não estava a ajudando.
— Errado. O que você não tem coragem de dizer, .
— Ah, agora sou só eu? — ele indagou. Não estava entendendo por que agia daquele jeito. — Por acaso em algum momento você chegou para mim e admitiu alguma coisa?
— Sim! — exclamou, quase engasgando na palavra. — Sim, , eu fiz isso. E você fingiu que não era nada.
O quê?
— Do que é que você está falando? — O espanto no tom de voz do homem fez com que tivesse que se segurar para não o esganar.
— Não é possível, sério. — Ela fechou os olhos enquanto apertava as têmporas da testa, abaixando um pouco o rosto. Por mais que tivesse feito aquilo para aliviar o retorno da sua dor de cabeça, aquilo também a impedia de ver as reações de . — Dois anos atrás, . Na casa daquele seu amigo. Eu estava sentada com você no chão, ia te falar um negócio, alguém me chamou pra ajudar com uma menina passando mal e não consegui completar.
— Mas isso-
— Aí, quando voltei — o cortou, não querendo ouvir o que ele iria dizer. —, eu te disse, . Te disse que devia um “você”.
Um “você”?
Ela não tinha dito aquilo. Não poderia.
se lembraria se ela tivesse dito.
— E, claro, você se fez de bobo! Virou pra mim e me perguntou o que você me pagou pra eu estar te devendo. — Sem perceber, uma das mãos apertou o tecido do casaco que usava, como se tentasse se confortar da sensação de vergonha que havia sentido tanto tempo atrás e que relembrava naquele momento. notou aquilo sentindo uma pontada no peito. — Você sequer prestou atenção no que eu tava te falando?
Então, percebendo a mágoa por trás da pergunta e puxando o máximo que conseguia da sua memória daquela noite, tentou racionalizar o que foi que deu errado.
Ele não tinha escutado direito?
A música estava alta demais?
Doía pensar que ela já esteve a uma batida de coração dele e, por um mísero artigo indefinido perdido, ele não pôde alcançá-la.
O que era o tempo para eles?
Era um obstáculo, algo que tecia as possibilidades entre os dois? O desgaste dos dias, semanas e anos era algo incontornável?
ficaria preso nas amarras de um “deveria”? O futuro do pretérito iria eternamente lapidar o seu relacionamento com ela?
Não, não poderia.
Ela tinha completado. Tinha realmente falado aquela frase, não fazia diferença há quanto tempo havia sido.
O seu melhor beijo foi com ele.
— Não deveria ser em sonho, .
A mulher abriu repentinamente os olhos, sem se mexer. Enquanto ainda processava as implicações do que havia dito, ele se levantou do banco de madeira e ficou em pé na frente dela. Colocou uma mão no braço erguido de .
— Olha pra mim. — ele pediu sutilmente.
Ela não apresentou qualquer resistência, mas também não ergueu a cabeça. abaixou o braço dela e usou a mão livre para colocar em seu queixo. engoliu em seco com aquele gesto e deixou seu rosto ser levantado. Quando seus olhos encontraram os de , tão quentes e decididos, ela percebeu que toda sua raiva e frustração haviam desaparecido.
… — ela falou, fraco, parecendo hesitar com o que sabia que estava prestes a ocorrer.
— Eu deveria ter te beijado desde que te vi, há cinco anos, naquela festa horrível da faculdade. Deveria ter te dito que gostava de você, que queria uma chance, só um date, qualquer coisa. Mas eu achei mais fácil te ter na minha vida como amiga porque não quis arriscar te perder. Eu fui burro, .
Ela sentiu seus olhos ficarem marejados pela intensidade com que falava, ainda sem acreditar no que estava ouvindo.
— É tarde demais pra eu te beijar? — ele perguntou, sabendo que, se ela dissesse que sim, que não tinha mais espaço para um envolvimento entre eles depois de tanto tempo, pelo menos não iria ficar preso se questionando o que poderia ter sido.
— Não. — Impulsivamente, se levantou. Uma sensação de alívio passou pelo seu corpo, como se liberasse uma tensão de anos acumulada com uma simples palavra. — Não é tarde demais, .
Então, com a bolsa no chão guardando um livro já esquecido e o som vagaroso do vento atrás deles, diminuíram qualquer distância que ainda mantinham um com o outro. Delicadamente, colocou a mão na lateral do rosto dela, puxando-a para si. Quando seus lábios se tocaram, percebeu que nem seus melhores sonhos poderiam chegar ao que realmente significava beijá-lo.
Seu corpo parecia se encaixar ao dele perfeitamente pelo jeito assertivo que ele a segurava. Beijavam-se como se aquilo não pudesse ser real, com todo o desejo acumulado do que sentiam. agarrou os fios do cabelo dele e deixou-se levar pelo o que sabia que precisava, que era apenas ele. Com isso, algo intenso e forte apoderou os sentidos de . Tentou passar tudo aquilo que ainda queria dizer para com aquele beijo profundo e verdadeiro. Aquilo parecia certo. O momento correto. A situação perfeita.
Não importava o tempo que levaram até ali, os mal entendidos, os medos.
Ainda não era tarde demais.


Fim



Nota da autora: Olá, pessoal! Espero que vocês tenham gostado.
Essa fic foi escrita nos 45 minutos do segundo tempo, mas não poderia deixar de mandar algo pro especial 1D. Eu tinha que honrar a pequena Caroline de 12 anos surtando com essa banda.
Beijos no core iluminado de vocês,
Caroline.





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