Capítulo Único
— Como escritor eu pretendo começar dizendo que não curto escrever nada em primeira pessoa, mas nada que é sobre ela pode ser tão imparcial, neutro ou sem intimidade. é a pessoa mais verdadeira, inteligente e leal que eu conheço. Alguns dizem que ela é um furacão… De ideias, de personalidade, de liberdade. Mas eu acredito que ela é todo e qualquer tipo de fenômeno natural existente nesse planeta. E talvez dos outros planetas também. Eu a conheço há sete anos e me lembro de todos os momentos que eu simplesmente soube que a amava...
⏮️⏮️⏮️
Quando tangerina ganhou um nome novo
No dia em que nos conhecemos em uma aula optativa que tínhamos juntos, e eu tivemos nosso primeiro encontro no bandejão da faculdade. Depois do almoço, enquanto conversávamos no restante do tempo livre que tínhamos, me lembro perfeitamente dela mexendo na bolsa de tecido que, com certeza, era brinde de algum congresso científico que ela tinha participado.
Ela tirou uma tangerina embalada em um saco plástico e então a descascou com rapidez.
— Quer mexerica? — ela perguntou, erguendo um dos gomos na minha direção.
— Mexe o que?
— Ah, me desculpe! — ela pareceu se lembrar e então riu, envergonhada — No meu país essa fruta tem vários nomes e bem, às vezes eu esqueço que estou na Inglaterra.
— Eu nunca tinha ouvido nada além de tangerina. — ri também, achando que o rosto dela ganhava um tom rosado encantador quando ela se sentia envergonhada. — Quais nomes existem?
Ela mordeu um dos gomos, olhando pra mim de forma engraçada.
— Mexerica, bergamota, tangerina, mimosa, laranja-cravo… Caralho, como seus olhos são lindos! — dizia em seu idioma, enquanto eu provavelmente parecia um idiota encantado olhando para ela, que retribuía o olhar na mesma intensidade — Tô fodida, tenho certeza vou me apaixonar por você.
— É legal te ouvir falando português… — confessei e ela riu de novo.
— Você sabe que eu poderia ter te xingado e você nem saberia, né?
— Algo que me diz que você provavelmente já fez isso.
Ela deu de ombros, sorrindo e então colocou um dos gomos da fruta na minha boca.
— Talvez eu tenha feito mesmo.
Em uma tarde, três meses depois daquela, tive um tempo livre no espaço das aulas e decidi ir até a feira comprar algumas coisas que faltavam em casa. Foi quando eu olhei para as tangerinas e me peguei sorrindo como um tremendo bobo, sendo despertado pelo vendedor perguntando se eu ia ou não querer a fruta. Eu balancei a cabeça, rindo de mim mesmo e então tirei a carteira do bolso e peguei uma nota de dez libras.
— Vou querer um quilo de mexericas, por favor.
E é claro que ele não entendeu nada.
⏮️⏮️⏮️
Quando eu li Harry Potter
Meu aniversário estava chegando e , que odeia surpresas, estava deitada no meu peito quando começamos a debater sobre o presente que ela poderia me dar.
— Eu sei que é clichê devido ao contexto geral da sua vida, mas eu queria muito te dar um livro. — murmurou enquanto desenhava com o indicador na minha pele.
— Não é clichê, linda. — eu ri e beijei o topo de seus cabelos — Na verdade é o meu tipo preferido de presente.
E então ela se sentou, analisando com calma a minha prateleira de livros.
— Você não tem Harry Potter? — ela constatou com uma pergunta, olhando pra mim confusa.
— Não? — eu respondi como se fosse óbvio e parecia que eu havia dito um insulto.
— Como você, um inglês e estudante de literatura, não leu Harry Potter, ? É uma piada?
Eu ri do choque explícito em seu rosto.
— Eu nunca vi graça...
— Tirando a autora e o Snape, não há um só defeito em Harry Potter, sério!
Ficamos por longos minutos conversando sobre o universo bruxo. No final, ela acabou me dando de presente um livro clássico da literatura brasileira chamado Dom Casmurro. Mais meses se passaram e em meio a uma promoção de black friday acabei comprando um box de Harry Potter em uma versão exclusiva que ela ainda não tinha. Quando fui embrulhá-los, me peguei folheando o primeiro por pura curiosidade… Acabei terminando de ler Pedra Filosofal algumas horas depois. Em uma semana eu já estava terminando o quarto livro e, para minha surpresa, sabia que pertencia a Lufa-lufa.
Para começo de história: EU SABIA O QUE PORRA ERA LUFA-LUFA!
E então, para o meu completo desespero, chegou no meu apartamento e me encontrou aos prantos minutos depois de eu ter terminado Relíquias da Morte.
— O que aconteceu, meu bem? — ela disse preocupada, entregando pra mim um pacote de lenços de papel que guardava na bolsa.
— A CICATRIZ NÃO O INCOMODOU MAIS!
franziu o cenho, analisando o ambiente e então viu o livro na mesinha de centro, passando a olhar pra mim.
— É amor, eu sei… — ela se sentou ao meu lado e me abraçou, sem saber ao certo se ria ou se chorava junto comigo.
— Como aquela maldita matou o Fred? E o Lupin e a Tonks? Pra que criar personagens tão interessantes se vai matá-los no final?
— Mas você matou o personagem principal do seu livro e…
— Não estamos falando de mim, ok? Ela não tinha esse direito! — ergui o indicador, afinal eram situações diferentes, e ergueu os braços em rendição segurando a risada.
— Certo, mas porque você decidiu ler Harry Potter? — ela cruzou os braços achando graça enquanto pendurava o casaco.
— Eu ia te dar de presente e decidi ler… — disse ao sentir o cheiro único de seus cabelos enquanto a abraçava pela cintura. — Eu quero conhecer os gostos da minha namorada. Se é importante pra você… É importante pra mim.
Ela se virou, grudando a testa na minha e me olhando com ternura. Foi a primeira vez que eu vi seus olhos brilhando daquela forma.
— Foi uma boa resposta, então… Cem pontos para a Lufa-lufa! — sorriu marota antes de selar nossos lábios.
⏮️⏮️⏮️
Quando a camiseta do Guns ‘n Roses ficou muito melhor nela
No nosso primeiro mês juntos eu decidi fazer algo piegas para pedir ela em namoro. O plano era fazer um espaguete ao molho sugo (lê-se: a única coisa que eu sei cozinhar), acender umas velas, colocar a playlist que fizemos juntos em um domingo chuvoso deitados no tapete da sala de estar do apartamento dela para tocar e dar de presente um colar que havia comprado.
Ela estava linda, usava uma calça jeans e uma blusa de cetim branca, seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo e ela tinha abandonado os saltos em algum canto do meu apartamento.
Mas, assim como eu, é um completo terror na cozinha e então, quando ela conseguiu me convencer a deixar que ela ajudasse, o resultado foi o mais previsível de todos: ela conseguiu derramar parte do molho de tomate na própria blusa.
Não que eu esteja reclamando, visto que depois disso nós tomamos um banho bem quente e demorado juntos.
Enquanto eu limpava a bagunça na cozinha, permiti que ela pegasse qualquer uma das camisetas no guarda-roupa. Eu só não esperava que ela iria escolher justamente minha camiseta favorita, uma camiseta do Guns ‘n Roses verde militar. Muito menos que a peça ficasse infinitamente mais bonita nela.
Os planos mudaram drasticamente. Acabamos comendo pizza no sofá enquanto assistíamos a um episódio repetido de The Big Bang Theory. Mas eu não me importei nem um pouco...
Não quando a mulher na minha frente — que tinha o rosto sem maquiagem, os cabelos molhados cheirando ao meu shampoo, usava uma peça de roupa minha e devorava seu quarto pedaço de pizza — havia aceitado ser minha namorada.
⏮️⏮️⏮️
Quando eu aprendi a cantar High School Musical
Eu sabia que era fissurada no filme da Disney, me recordo claramente do dia em que estávamos viajando para a casa dos meus pais no interior e que ela ficara responsável pelas músicas que tocariam durante o trajeto.
Ela era conhecida por ser uma pessoa extremamente eclética, então eu simplesmente não me surpreendi quando depois de uma música do Blink-182, Start of Something New começou a tocar. Diferente do que eu imaginei que ela faria, ruborizou e mudou imediatamente a faixa.
— Foi mal, às vezes minha playlist não tem o mínimo sentido.
— Ela só é inusitada. — ri levando minha mão até a coxa dela em um carinho já que não podia desviar os olhos da estrada — Combina com você.
fez com que a música voltasse a tocar de imediato com um sorriso radiante nos lábios.
— Livin’ in my own world, didn’t understand… That anything can happen tan, tan, tan, tannnn. — ela fingiu tocar um piano enquanto cantava — When you take a chance.
Naquele momento eu soube que ela se sentia amada, mais do que isso… sentia que podia ser ela mesma perto de mim, que eu a amava com todas as peculiaridades que ela tinha, que essas inclusive, eram, em grande parte, as responsáveis por fazer com que cada dia eu me apaixonasse mais por ela. Aquela foi, sem sombra de dúvidas, uma das cenas mais adoráveis que presenciei em toda minha vida.
Desde então, essa tornou-se uma das nossas músicas e, não é incomum encontrar nós dois performando como Troy e Gabriella pelos cantos.
⏮️⏮️⏮️
Quando eu virei o Netter
Ainda quando estávamos no comecinho do namoro, certa vez, estava completamente apreensiva com sua primeira prova prática de anatomia do curso de medicina. Ela vivia carregando seu livro de anatomia para cima e para baixo, sempre folheando e balbuciando o nome dos ossos.
Já até brincávamos que Netter era o namorado e eu o amante. Isso quando ela não carregava o Guyton, de fisiologia também.
No dia anterior à prova, ela foi dormir no meu apartamento e acabou esquecendo o bendito livro e então começou a chorar copiosamente.
— Amor… — murmurei enquanto distribuía beijos desde a altura de sua nuca até a de sua testa. — Você estudou muito nos últimos dias, já sabe de cor todos os ossos, vai tirar nota máxima com certeza.
— Eu não consigo! — ela disse antes de começar a choramingar novamente — Eu fico nervosa e esqueço…
— Mas você não vai ter o livro na hora da prova amanhã, … Se quiser podemos baixar um epub ou pdf na internet, o que acha? — sugeri a abraçando.
— Eu não consigo ler pelo celular…
— Então estuda em mim, ! Pelo amor de Deus! — exclamei já impaciente e, milagrosamente, ela parou de chorar.
Eu já estava usando somente cueca mesmo, então só me deitei enquanto ela ponderava por um tempo.
— Até que não é uma má ideia… — cochichou, mais para si mesma do que para que eu ouvisse. Observei ela prendendo os cabelos e segurando minha mão. — Falanges distais, médias e proximais. Ossos metacarpais… Trapézio, trapezoide, capitato, hamato, piramidal, pisiforme e semilunar.
Sua mão esquerda subiu até a altura do meu cotovelo enquanto ela usava a outra para apontar.
— Processo estiloide do rádio… — ela dizia nome a nome e nem que eu ficasse a noite inteira lendo o tal Netter poderia dizer se estavam certos ou não. Mas eu sabia que estavam pela alegria nos olhos dela quando se lembrava de um nome. — … Olécrano.
— Quando você vai chegar neste osso aqui? — questionei, apontando para o meu pau e ela riu.
— Não tem osso aí, idiota.
Não sei quanto tempo ficamos ali, na verdade eu amei cada segundo, já que além de sentir as mãos dela passeando pelo meu corpo eu podia admirar sua dedicação e inteligência. pareceu gostar da tática, visto que repetira para estudar os outros sistemas anatômicos e até mesmo o exame físico semestres depois.
Dos quatro métodos propedêuticos a palpação sempre será a minha preferida.
⏮️⏮️⏮️
Quando eu pedi desculpas ao som de McFly
Deixar irritada pode ser considerado uma modalidade de esporte radical e com risco iminente de morte, eu diria. Nunca tinha a visto tão brava antes até aquela noite.
Eu havia prometido que a ajudaria em um trabalho da faculdade, onde eu seria seu paciente para que ela treinasse como fazer e interpretar um eletrocardiograma ou algo assim. Mas devido às inúmeras provas que eu havia feito naquela semana, acabei saindo da última e indo direto para um bar para comemorar o fim daquela semana caótica e esquecendo o compromisso marcado com ela.
Quando cheguei no meu apartamento e a encontrei, descobri palavrões que eu nem imaginava que existiam. Eu tentei explicar, mas ela não quis ouvir, apenas pegou a mochila e saiu do meu apartamento.
Eu sabia que estava errado e sabia que ela precisava de um tempo sozinha para se acalmar, nossas discussões são sempre assim. Tudo que me restava era esperar a poeira baixar.
O sábado se passou e à noite eu decidi começar a tentar fazer algum contato e… Nada, ela não me atendeu. No domingo eu já estava preocupado, sempre fora defensora de uma boa conversa para resolver problemas, sumir daquela maneira não era de seu feitio.
Então eu comecei a pensar em uma maneira de me desculpar pela minha imensa falta de consideração com ela.
Flores? Ela certamente bateria em mim com elas.
Simplesmente aparecer pedindo desculpa não daria certo, ela estava chateada demais. Então, despretensiosamente, enquanto rolava uma das playlists que ela havia compartilhado comigo tive uma ideia. Duas coisas eram perfeitas para fazer com que falasse: McFly e comida.
Era o plano perfeito.
Minutos depois eu já estava à frente da porta dela, com uma pizza em uma mão e uma caixinha de som na outra. Talvez ela me enxotasse dali a ponta pés? Sim. Talvez os próprios vizinhos dela fizessem isso? Sim também, mas isso até ajudava para que ela me puxasse para dentro e a barulheira toda acabasse logo.
Respirei fundo uma última vez, buscando não pensar muito no que estava fazendo e então apertei o play no celular para que a música começasse a soar na caixinha. Os primeiros acordes de “Sorry’s not good enough” começaram e depois do primeiro refrão, minha namorada abriu a porta.
Ela usava seu pijama preferido do Mickey e seus cabelos estavam presos em um coque alto e desajeitado. Assim como eu imaginei que faria, agarrou meu punho e me puxou para dentro de seu apartamento.
— O que você tá fazendo, seu maluco? — resmungou, embora o tom agudo de sua voz denunciasse sua vontade de rir.
— Te pedindo desculpa, ué. Você sumiu, não atendeu o celular… Fiquei preocupado.
sorriu, os olhos brilhando enquanto a música continuava ao fundo. Ela passou os braços envolta da minha cintura e me abraçou forte, aconchegando a cabeça na curva do meu pescoço. Retribui o gesto meio desengonçado graças as coisas que ainda segurava.
— Eu quis te ligar, mas achei que você estivesse bravo. Não fui muito compreensiva… E para melhorar, o meu carregador quebrou e meu celular simplesmente morreu.
— Então está tudo bem agora? — murmurei, deixando um beijo no topo de sua cabeça. ergueu o rosto e selou nossos lábios.
— Definitivamente esse não é o fim. — ela sorriu, fazendo menção a música. — Fico feliz que esteja te contagiando com meu bom gosto musical.
— Pra você ver como amo você, te comprei uma pizza e ainda te fiz uma serenata!
— Não foi bem uma serenata…
— Eu reinventei a serenata com uma JBL! Claro que foi uma serenata!
acompanhou minha risada e se aninhou ainda mais ao meu abraço.
— Eu sei, nunca imaginei que alguém faria algo tão especial assim por mim… E é por isso que amo você!
Meu peito aqueceu de imediato. Era engraçado que mesmo depois de tanto tempo juntos eu me sentisse um completo idiota do lado dela. E se fosse para tê-la nos meus braços daquela forma, com certeza eu colocaria algumas músicas de McFly para tocar mais vezes.
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Quando eu aprendi a gostar de feijoada e Caetano Veloso
, como uma boa brasileira, é completamente enlouquecida quando o assunto é carnaval. Principalmente naquele ano, quando o aniversário dela caía no mesmo período. Então quando tínhamos cerca de dois anos de namoro ela decidiu que era chegada a hora de me apresentar ao seu país.
Nossa primeira parada fora em sua cidade natal, São Paulo, onde a parte materna da família dela se encontrava. E pude conhecer brevemente as ruas movimentadas, a vida apressada e as luzes da cidade da garoa. Mas foi no quarto dia da viagem que ela disse que era a Bahia que me traria as experiências mais brasileiras possíveis.
A cidade de Salvador era linda, a alegria contagiante e confesso que ver tão imersa e apaixonada pela cidade onde passara boa parte da infância acabava me trazendo um sentimento de pertencimento também.
Fomos ao pelourinho, às praias do rio vermelho, da barra e a que me deixou completamente sem fôlego: a praia de Itapuã. Também fomos ao Elevador Lacerda e, então, quando o feriado finalmente chegou (embora sua energia já estivesse presente por todos os cantos e em todas as pessoas) eu conheci o tão falado carnaval de Salvador.
Foi uma experiência única, a qual apreciei muito. Uma pena que eu tenha sido tão burro ao ponto de achar que minha pele seria tão resistente ao sol quanto a da minha namorada, o que resultou em protetor solar de menos e insolação demais.
— Alguém já te disse que você é um camarãozinho lindo? — questionou ela, enquanto esperávamos o almoço que sua avó paterna preparava jogando uma partida de dominó com seus tios.
— Muito engraçado rir do gringo inocente, . — murmurei enquanto tentava ao máximo não me mexer para não sentir o corpo doendo.
— Vovó está fazendo feijoada, acho que vou tentar fazer algo mais leve pra você. — ela ponderou e então pareceu explicar o mesmo ponto para sua tia em português, que acenou com a cabeça de imediato.
— Não! — neguei prontamente — Eu quero experimentar, sua avó está fazendo com tanto carinho pra você que eu nunca faria uma desfeita dessas.
Ela sorriu, acariciando minha mão e então concordou com a cabeça.
— Mas qualquer coisa você me fala, tudo bem?
Acenei com a cabeça e voltei a partida de dominó. O cheiro começou a invadir todos os cantos da casa, e, minutos depois, uma grande panela era colocada no centro da mesa.
A avó de a cutucou, sorrindo pra mim e disse algo baixinho. Minha namorada sorriu para a mais velha, enquanto afagava uma de suas mãos.
— Ela disse que fez com carinho e que espera que você goste.
— Obrigado. — arrisquei em um português péssimo e a avó de sorriu. Eu entendia algumas poucas coisas quando ditas lentamente, mas assim como ela, todo mundo ali parecia sempre estar ligado no 220v, então era praticamente impossível acompanhar.
Observei minha namorada montar o prato com entusiasmo, colocando feijão preto, o arroz, muita farinha de mandioca (o que eu notei que era bastante comum e indispensável por ali) e então montei um semelhante. Um potinho era passado de mão em mão e recebido com entusiasmo pelo pessoal.
— A pimenta daqui é forte. — ela avisou quando o tal potinho com pimenta em conserva chegou em suas mãos. — Meu avô que faz. Qualquer coisa, coloca só umas gotinhas...
Coloquei duas solitárias gotinhas no cantinho do feijão para experimentar e então comi a primeira garfada. Era como se a família de assistisse uma clássica partida de futebol entre Bahia e Vitória — que havia explicado ser como o North West Derby do campeonato baiano. Mastiguei meio envergonhado e me surpreendi com o sabor, entendendo por que aquela era a comida preferida da minha namorada e de tantos outros brasileiros.
— Isso é muito bawn. — arrisquei em português arrancando risadas de todos os presentes na mesa. Eu repeti o prato duas vezes, enquanto ainda me olhava com preocupação.
Depois do almoço, um dos tios dela resolveu ligar o som. Assisti encantado os avós dela dançando abraçadinhos enquanto nós tirávamos a mesa. observava a cena com os olhos brilhando, certamente sentindo-se privilegiada por ter um exemplo tão belíssimo de amor verdadeiro tão perto de si.
Assim que terminamos de arrumar a bagunça do almoço, alguns tios dela continuaram conversando enquanto seus avós entraram para dormir um pouco. me explicou que geralmente depois da feijoada batia um soninho por conta da digestão do alimento pesado, e eu já sentia os impactos dos três pratos sobre mim.
— Vem gringo. — ela segurou em minha mão, me puxando em direção a rede.
A abracei de forma que sua cabeça ficasse encostada a centímetros do meu rosto, o que permitia que eu sentisse o aroma embriagante de seus cabelos que lembravam muito melancia, melão ou algo do tipo. Ficamos ali em silêncio apreciando a música de fundo enquanto desenhava com os dedos em meu peitoral em uma carícia boa. A voz já extremamente conhecida por meus ouvidos de Caetano Veloso soou pela caixinha de som nos fundos da casa e minha namorada se ajeitou de maneira que conseguisse fazer carinho em meus cabelos enquanto cantava.
— Gosto de ver você no seu ritmo, dona do carnaval. Gosto de ter, sentir seu estilo, ir no seu íntimo. Nunca me faça mal...
Mesmo que a voz dela não fosse a de uma cantora, poucas vezes eu me sentira tão em paz na minha vida. Era o timbre da voz dela suave e baixo que soava como um carinho no peito, era como se nada nem ninguém pudesse estragar aquele momento tão nosso. Eu sempre achava que eu não podia amar mais , mas era como se ela risse da minha cara e segundo depois fizesse algo que me deixasse ainda mais bobo por ela só para me contrariar. O fato de ser algo que ela fazia sem perceber me deixava mais apaixonado ainda.
Me conquistar todos os dias um pouco mais era algo dela, natural. Uma batalha que ela nem sabia que lutava, mas que eu perdia com um sorriso no rosto e ansiando pelo próximo golpe.
E então não demorou para que eu adormecesse em seus braços.
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— Acontece que desde que coloquei meus olhos em eu soube que faria absolutamente qualquer coisa para tê-la. Não houve um só livro que eu tenha escrito que ela não tenha inspirado algo! Eu poderia ficar anos falando sobre cada momento, mas eu teria que narrar todos os dias desses últimos sete anos. Pois não há um momento sequer que não sirva para confirmar o amor que sinto por ela. O dia de hoje é um dia que sei por que a amo e certamente amanhã também será.
Assim que terminei de falar, sob os olhares atentos e úmidos dos nossos convidados, sorri envergonhado e tornei a fixar meu olhar em , que conseguira a proeza de ficar ainda mais estonteante em um vestido de noiva. Seus olhos castanhos emanavam carinho, admiração. Eu me sentia amado a cada vez que ela me olhava daquela maneira e não existia nada que pagasse essa sensação. E então, enquanto os nossos amigos e familiares aplaudiam, eu caminhei até abraçá-la mais uma vez.
Agora eu a tinha como minha esposa, e até quando a vida me permitisse existir, meus braços sempre seriam o lugar ao qual parece ter sido feito sob medida para ela se encaixar.
No dia em que nos conhecemos em uma aula optativa que tínhamos juntos, e eu tivemos nosso primeiro encontro no bandejão da faculdade. Depois do almoço, enquanto conversávamos no restante do tempo livre que tínhamos, me lembro perfeitamente dela mexendo na bolsa de tecido que, com certeza, era brinde de algum congresso científico que ela tinha participado.
Ela tirou uma tangerina embalada em um saco plástico e então a descascou com rapidez.
— Quer mexerica? — ela perguntou, erguendo um dos gomos na minha direção.
— Mexe o que?
— Ah, me desculpe! — ela pareceu se lembrar e então riu, envergonhada — No meu país essa fruta tem vários nomes e bem, às vezes eu esqueço que estou na Inglaterra.
— Eu nunca tinha ouvido nada além de tangerina. — ri também, achando que o rosto dela ganhava um tom rosado encantador quando ela se sentia envergonhada. — Quais nomes existem?
Ela mordeu um dos gomos, olhando pra mim de forma engraçada.
— Mexerica, bergamota, tangerina, mimosa, laranja-cravo… Caralho, como seus olhos são lindos! — dizia em seu idioma, enquanto eu provavelmente parecia um idiota encantado olhando para ela, que retribuía o olhar na mesma intensidade — Tô fodida, tenho certeza vou me apaixonar por você.
— É legal te ouvir falando português… — confessei e ela riu de novo.
— Você sabe que eu poderia ter te xingado e você nem saberia, né?
— Algo que me diz que você provavelmente já fez isso.
Ela deu de ombros, sorrindo e então colocou um dos gomos da fruta na minha boca.
— Talvez eu tenha feito mesmo.
Em uma tarde, três meses depois daquela, tive um tempo livre no espaço das aulas e decidi ir até a feira comprar algumas coisas que faltavam em casa. Foi quando eu olhei para as tangerinas e me peguei sorrindo como um tremendo bobo, sendo despertado pelo vendedor perguntando se eu ia ou não querer a fruta. Eu balancei a cabeça, rindo de mim mesmo e então tirei a carteira do bolso e peguei uma nota de dez libras.
— Vou querer um quilo de mexericas, por favor.
E é claro que ele não entendeu nada.
Meu aniversário estava chegando e , que odeia surpresas, estava deitada no meu peito quando começamos a debater sobre o presente que ela poderia me dar.
— Eu sei que é clichê devido ao contexto geral da sua vida, mas eu queria muito te dar um livro. — murmurou enquanto desenhava com o indicador na minha pele.
— Não é clichê, linda. — eu ri e beijei o topo de seus cabelos — Na verdade é o meu tipo preferido de presente.
E então ela se sentou, analisando com calma a minha prateleira de livros.
— Você não tem Harry Potter? — ela constatou com uma pergunta, olhando pra mim confusa.
— Não? — eu respondi como se fosse óbvio e parecia que eu havia dito um insulto.
— Como você, um inglês e estudante de literatura, não leu Harry Potter, ? É uma piada?
Eu ri do choque explícito em seu rosto.
— Eu nunca vi graça...
— Tirando a autora e o Snape, não há um só defeito em Harry Potter, sério!
Ficamos por longos minutos conversando sobre o universo bruxo. No final, ela acabou me dando de presente um livro clássico da literatura brasileira chamado Dom Casmurro. Mais meses se passaram e em meio a uma promoção de black friday acabei comprando um box de Harry Potter em uma versão exclusiva que ela ainda não tinha. Quando fui embrulhá-los, me peguei folheando o primeiro por pura curiosidade… Acabei terminando de ler Pedra Filosofal algumas horas depois. Em uma semana eu já estava terminando o quarto livro e, para minha surpresa, sabia que pertencia a Lufa-lufa.
Para começo de história: EU SABIA O QUE PORRA ERA LUFA-LUFA!
E então, para o meu completo desespero, chegou no meu apartamento e me encontrou aos prantos minutos depois de eu ter terminado Relíquias da Morte.
— O que aconteceu, meu bem? — ela disse preocupada, entregando pra mim um pacote de lenços de papel que guardava na bolsa.
— A CICATRIZ NÃO O INCOMODOU MAIS!
franziu o cenho, analisando o ambiente e então viu o livro na mesinha de centro, passando a olhar pra mim.
— É amor, eu sei… — ela se sentou ao meu lado e me abraçou, sem saber ao certo se ria ou se chorava junto comigo.
— Como aquela maldita matou o Fred? E o Lupin e a Tonks? Pra que criar personagens tão interessantes se vai matá-los no final?
— Mas você matou o personagem principal do seu livro e…
— Não estamos falando de mim, ok? Ela não tinha esse direito! — ergui o indicador, afinal eram situações diferentes, e ergueu os braços em rendição segurando a risada.
— Certo, mas porque você decidiu ler Harry Potter? — ela cruzou os braços achando graça enquanto pendurava o casaco.
— Eu ia te dar de presente e decidi ler… — disse ao sentir o cheiro único de seus cabelos enquanto a abraçava pela cintura. — Eu quero conhecer os gostos da minha namorada. Se é importante pra você… É importante pra mim.
Ela se virou, grudando a testa na minha e me olhando com ternura. Foi a primeira vez que eu vi seus olhos brilhando daquela forma.
— Foi uma boa resposta, então… Cem pontos para a Lufa-lufa! — sorriu marota antes de selar nossos lábios.
No nosso primeiro mês juntos eu decidi fazer algo piegas para pedir ela em namoro. O plano era fazer um espaguete ao molho sugo (lê-se: a única coisa que eu sei cozinhar), acender umas velas, colocar a playlist que fizemos juntos em um domingo chuvoso deitados no tapete da sala de estar do apartamento dela para tocar e dar de presente um colar que havia comprado.
Ela estava linda, usava uma calça jeans e uma blusa de cetim branca, seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo e ela tinha abandonado os saltos em algum canto do meu apartamento.
Mas, assim como eu, é um completo terror na cozinha e então, quando ela conseguiu me convencer a deixar que ela ajudasse, o resultado foi o mais previsível de todos: ela conseguiu derramar parte do molho de tomate na própria blusa.
Não que eu esteja reclamando, visto que depois disso nós tomamos um banho bem quente e demorado juntos.
Enquanto eu limpava a bagunça na cozinha, permiti que ela pegasse qualquer uma das camisetas no guarda-roupa. Eu só não esperava que ela iria escolher justamente minha camiseta favorita, uma camiseta do Guns ‘n Roses verde militar. Muito menos que a peça ficasse infinitamente mais bonita nela.
Os planos mudaram drasticamente. Acabamos comendo pizza no sofá enquanto assistíamos a um episódio repetido de The Big Bang Theory. Mas eu não me importei nem um pouco...
Não quando a mulher na minha frente — que tinha o rosto sem maquiagem, os cabelos molhados cheirando ao meu shampoo, usava uma peça de roupa minha e devorava seu quarto pedaço de pizza — havia aceitado ser minha namorada.
Eu sabia que era fissurada no filme da Disney, me recordo claramente do dia em que estávamos viajando para a casa dos meus pais no interior e que ela ficara responsável pelas músicas que tocariam durante o trajeto.
Ela era conhecida por ser uma pessoa extremamente eclética, então eu simplesmente não me surpreendi quando depois de uma música do Blink-182, Start of Something New começou a tocar. Diferente do que eu imaginei que ela faria, ruborizou e mudou imediatamente a faixa.
— Foi mal, às vezes minha playlist não tem o mínimo sentido.
— Ela só é inusitada. — ri levando minha mão até a coxa dela em um carinho já que não podia desviar os olhos da estrada — Combina com você.
fez com que a música voltasse a tocar de imediato com um sorriso radiante nos lábios.
— Livin’ in my own world, didn’t understand… That anything can happen tan, tan, tan, tannnn. — ela fingiu tocar um piano enquanto cantava — When you take a chance.
Naquele momento eu soube que ela se sentia amada, mais do que isso… sentia que podia ser ela mesma perto de mim, que eu a amava com todas as peculiaridades que ela tinha, que essas inclusive, eram, em grande parte, as responsáveis por fazer com que cada dia eu me apaixonasse mais por ela. Aquela foi, sem sombra de dúvidas, uma das cenas mais adoráveis que presenciei em toda minha vida.
Desde então, essa tornou-se uma das nossas músicas e, não é incomum encontrar nós dois performando como Troy e Gabriella pelos cantos.
Ainda quando estávamos no comecinho do namoro, certa vez, estava completamente apreensiva com sua primeira prova prática de anatomia do curso de medicina. Ela vivia carregando seu livro de anatomia para cima e para baixo, sempre folheando e balbuciando o nome dos ossos.
Já até brincávamos que Netter era o namorado e eu o amante. Isso quando ela não carregava o Guyton, de fisiologia também.
No dia anterior à prova, ela foi dormir no meu apartamento e acabou esquecendo o bendito livro e então começou a chorar copiosamente.
— Amor… — murmurei enquanto distribuía beijos desde a altura de sua nuca até a de sua testa. — Você estudou muito nos últimos dias, já sabe de cor todos os ossos, vai tirar nota máxima com certeza.
— Eu não consigo! — ela disse antes de começar a choramingar novamente — Eu fico nervosa e esqueço…
— Mas você não vai ter o livro na hora da prova amanhã, … Se quiser podemos baixar um epub ou pdf na internet, o que acha? — sugeri a abraçando.
— Eu não consigo ler pelo celular…
— Então estuda em mim, ! Pelo amor de Deus! — exclamei já impaciente e, milagrosamente, ela parou de chorar.
Eu já estava usando somente cueca mesmo, então só me deitei enquanto ela ponderava por um tempo.
— Até que não é uma má ideia… — cochichou, mais para si mesma do que para que eu ouvisse. Observei ela prendendo os cabelos e segurando minha mão. — Falanges distais, médias e proximais. Ossos metacarpais… Trapézio, trapezoide, capitato, hamato, piramidal, pisiforme e semilunar.
Sua mão esquerda subiu até a altura do meu cotovelo enquanto ela usava a outra para apontar.
— Processo estiloide do rádio… — ela dizia nome a nome e nem que eu ficasse a noite inteira lendo o tal Netter poderia dizer se estavam certos ou não. Mas eu sabia que estavam pela alegria nos olhos dela quando se lembrava de um nome. — … Olécrano.
— Quando você vai chegar neste osso aqui? — questionei, apontando para o meu pau e ela riu.
— Não tem osso aí, idiota.
Não sei quanto tempo ficamos ali, na verdade eu amei cada segundo, já que além de sentir as mãos dela passeando pelo meu corpo eu podia admirar sua dedicação e inteligência. pareceu gostar da tática, visto que repetira para estudar os outros sistemas anatômicos e até mesmo o exame físico semestres depois.
Dos quatro métodos propedêuticos a palpação sempre será a minha preferida.
Deixar irritada pode ser considerado uma modalidade de esporte radical e com risco iminente de morte, eu diria. Nunca tinha a visto tão brava antes até aquela noite.
Eu havia prometido que a ajudaria em um trabalho da faculdade, onde eu seria seu paciente para que ela treinasse como fazer e interpretar um eletrocardiograma ou algo assim. Mas devido às inúmeras provas que eu havia feito naquela semana, acabei saindo da última e indo direto para um bar para comemorar o fim daquela semana caótica e esquecendo o compromisso marcado com ela.
Quando cheguei no meu apartamento e a encontrei, descobri palavrões que eu nem imaginava que existiam. Eu tentei explicar, mas ela não quis ouvir, apenas pegou a mochila e saiu do meu apartamento.
Eu sabia que estava errado e sabia que ela precisava de um tempo sozinha para se acalmar, nossas discussões são sempre assim. Tudo que me restava era esperar a poeira baixar.
O sábado se passou e à noite eu decidi começar a tentar fazer algum contato e… Nada, ela não me atendeu. No domingo eu já estava preocupado, sempre fora defensora de uma boa conversa para resolver problemas, sumir daquela maneira não era de seu feitio.
Então eu comecei a pensar em uma maneira de me desculpar pela minha imensa falta de consideração com ela.
Flores? Ela certamente bateria em mim com elas.
Simplesmente aparecer pedindo desculpa não daria certo, ela estava chateada demais. Então, despretensiosamente, enquanto rolava uma das playlists que ela havia compartilhado comigo tive uma ideia. Duas coisas eram perfeitas para fazer com que falasse: McFly e comida.
Era o plano perfeito.
Minutos depois eu já estava à frente da porta dela, com uma pizza em uma mão e uma caixinha de som na outra. Talvez ela me enxotasse dali a ponta pés? Sim. Talvez os próprios vizinhos dela fizessem isso? Sim também, mas isso até ajudava para que ela me puxasse para dentro e a barulheira toda acabasse logo.
Respirei fundo uma última vez, buscando não pensar muito no que estava fazendo e então apertei o play no celular para que a música começasse a soar na caixinha. Os primeiros acordes de “Sorry’s not good enough” começaram e depois do primeiro refrão, minha namorada abriu a porta.
Ela usava seu pijama preferido do Mickey e seus cabelos estavam presos em um coque alto e desajeitado. Assim como eu imaginei que faria, agarrou meu punho e me puxou para dentro de seu apartamento.
— O que você tá fazendo, seu maluco? — resmungou, embora o tom agudo de sua voz denunciasse sua vontade de rir.
— Te pedindo desculpa, ué. Você sumiu, não atendeu o celular… Fiquei preocupado.
sorriu, os olhos brilhando enquanto a música continuava ao fundo. Ela passou os braços envolta da minha cintura e me abraçou forte, aconchegando a cabeça na curva do meu pescoço. Retribui o gesto meio desengonçado graças as coisas que ainda segurava.
— Eu quis te ligar, mas achei que você estivesse bravo. Não fui muito compreensiva… E para melhorar, o meu carregador quebrou e meu celular simplesmente morreu.
— Então está tudo bem agora? — murmurei, deixando um beijo no topo de sua cabeça. ergueu o rosto e selou nossos lábios.
— Definitivamente esse não é o fim. — ela sorriu, fazendo menção a música. — Fico feliz que esteja te contagiando com meu bom gosto musical.
— Pra você ver como amo você, te comprei uma pizza e ainda te fiz uma serenata!
— Não foi bem uma serenata…
— Eu reinventei a serenata com uma JBL! Claro que foi uma serenata!
acompanhou minha risada e se aninhou ainda mais ao meu abraço.
— Eu sei, nunca imaginei que alguém faria algo tão especial assim por mim… E é por isso que amo você!
Meu peito aqueceu de imediato. Era engraçado que mesmo depois de tanto tempo juntos eu me sentisse um completo idiota do lado dela. E se fosse para tê-la nos meus braços daquela forma, com certeza eu colocaria algumas músicas de McFly para tocar mais vezes.
, como uma boa brasileira, é completamente enlouquecida quando o assunto é carnaval. Principalmente naquele ano, quando o aniversário dela caía no mesmo período. Então quando tínhamos cerca de dois anos de namoro ela decidiu que era chegada a hora de me apresentar ao seu país.
Nossa primeira parada fora em sua cidade natal, São Paulo, onde a parte materna da família dela se encontrava. E pude conhecer brevemente as ruas movimentadas, a vida apressada e as luzes da cidade da garoa. Mas foi no quarto dia da viagem que ela disse que era a Bahia que me traria as experiências mais brasileiras possíveis.
A cidade de Salvador era linda, a alegria contagiante e confesso que ver tão imersa e apaixonada pela cidade onde passara boa parte da infância acabava me trazendo um sentimento de pertencimento também.
Fomos ao pelourinho, às praias do rio vermelho, da barra e a que me deixou completamente sem fôlego: a praia de Itapuã. Também fomos ao Elevador Lacerda e, então, quando o feriado finalmente chegou (embora sua energia já estivesse presente por todos os cantos e em todas as pessoas) eu conheci o tão falado carnaval de Salvador.
Foi uma experiência única, a qual apreciei muito. Uma pena que eu tenha sido tão burro ao ponto de achar que minha pele seria tão resistente ao sol quanto a da minha namorada, o que resultou em protetor solar de menos e insolação demais.
— Alguém já te disse que você é um camarãozinho lindo? — questionou ela, enquanto esperávamos o almoço que sua avó paterna preparava jogando uma partida de dominó com seus tios.
— Muito engraçado rir do gringo inocente, . — murmurei enquanto tentava ao máximo não me mexer para não sentir o corpo doendo.
— Vovó está fazendo feijoada, acho que vou tentar fazer algo mais leve pra você. — ela ponderou e então pareceu explicar o mesmo ponto para sua tia em português, que acenou com a cabeça de imediato.
— Não! — neguei prontamente — Eu quero experimentar, sua avó está fazendo com tanto carinho pra você que eu nunca faria uma desfeita dessas.
Ela sorriu, acariciando minha mão e então concordou com a cabeça.
— Mas qualquer coisa você me fala, tudo bem?
Acenei com a cabeça e voltei a partida de dominó. O cheiro começou a invadir todos os cantos da casa, e, minutos depois, uma grande panela era colocada no centro da mesa.
A avó de a cutucou, sorrindo pra mim e disse algo baixinho. Minha namorada sorriu para a mais velha, enquanto afagava uma de suas mãos.
— Ela disse que fez com carinho e que espera que você goste.
— Obrigado. — arrisquei em um português péssimo e a avó de sorriu. Eu entendia algumas poucas coisas quando ditas lentamente, mas assim como ela, todo mundo ali parecia sempre estar ligado no 220v, então era praticamente impossível acompanhar.
Observei minha namorada montar o prato com entusiasmo, colocando feijão preto, o arroz, muita farinha de mandioca (o que eu notei que era bastante comum e indispensável por ali) e então montei um semelhante. Um potinho era passado de mão em mão e recebido com entusiasmo pelo pessoal.
— A pimenta daqui é forte. — ela avisou quando o tal potinho com pimenta em conserva chegou em suas mãos. — Meu avô que faz. Qualquer coisa, coloca só umas gotinhas...
Coloquei duas solitárias gotinhas no cantinho do feijão para experimentar e então comi a primeira garfada. Era como se a família de assistisse uma clássica partida de futebol entre Bahia e Vitória — que havia explicado ser como o North West Derby do campeonato baiano. Mastiguei meio envergonhado e me surpreendi com o sabor, entendendo por que aquela era a comida preferida da minha namorada e de tantos outros brasileiros.
— Isso é muito bawn. — arrisquei em português arrancando risadas de todos os presentes na mesa. Eu repeti o prato duas vezes, enquanto ainda me olhava com preocupação.
Depois do almoço, um dos tios dela resolveu ligar o som. Assisti encantado os avós dela dançando abraçadinhos enquanto nós tirávamos a mesa. observava a cena com os olhos brilhando, certamente sentindo-se privilegiada por ter um exemplo tão belíssimo de amor verdadeiro tão perto de si.
Assim que terminamos de arrumar a bagunça do almoço, alguns tios dela continuaram conversando enquanto seus avós entraram para dormir um pouco. me explicou que geralmente depois da feijoada batia um soninho por conta da digestão do alimento pesado, e eu já sentia os impactos dos três pratos sobre mim.
— Vem gringo. — ela segurou em minha mão, me puxando em direção a rede.
A abracei de forma que sua cabeça ficasse encostada a centímetros do meu rosto, o que permitia que eu sentisse o aroma embriagante de seus cabelos que lembravam muito melancia, melão ou algo do tipo. Ficamos ali em silêncio apreciando a música de fundo enquanto desenhava com os dedos em meu peitoral em uma carícia boa. A voz já extremamente conhecida por meus ouvidos de Caetano Veloso soou pela caixinha de som nos fundos da casa e minha namorada se ajeitou de maneira que conseguisse fazer carinho em meus cabelos enquanto cantava.
— Gosto de ver você no seu ritmo, dona do carnaval. Gosto de ter, sentir seu estilo, ir no seu íntimo. Nunca me faça mal...
Mesmo que a voz dela não fosse a de uma cantora, poucas vezes eu me sentira tão em paz na minha vida. Era o timbre da voz dela suave e baixo que soava como um carinho no peito, era como se nada nem ninguém pudesse estragar aquele momento tão nosso. Eu sempre achava que eu não podia amar mais , mas era como se ela risse da minha cara e segundo depois fizesse algo que me deixasse ainda mais bobo por ela só para me contrariar. O fato de ser algo que ela fazia sem perceber me deixava mais apaixonado ainda.
Me conquistar todos os dias um pouco mais era algo dela, natural. Uma batalha que ela nem sabia que lutava, mas que eu perdia com um sorriso no rosto e ansiando pelo próximo golpe.
E então não demorou para que eu adormecesse em seus braços.
— Acontece que desde que coloquei meus olhos em eu soube que faria absolutamente qualquer coisa para tê-la. Não houve um só livro que eu tenha escrito que ela não tenha inspirado algo! Eu poderia ficar anos falando sobre cada momento, mas eu teria que narrar todos os dias desses últimos sete anos. Pois não há um momento sequer que não sirva para confirmar o amor que sinto por ela. O dia de hoje é um dia que sei por que a amo e certamente amanhã também será.
Assim que terminei de falar, sob os olhares atentos e úmidos dos nossos convidados, sorri envergonhado e tornei a fixar meu olhar em , que conseguira a proeza de ficar ainda mais estonteante em um vestido de noiva. Seus olhos castanhos emanavam carinho, admiração. Eu me sentia amado a cada vez que ela me olhava daquela maneira e não existia nada que pagasse essa sensação. E então, enquanto os nossos amigos e familiares aplaudiam, eu caminhei até abraçá-la mais uma vez.
Agora eu a tinha como minha esposa, e até quando a vida me permitisse existir, meus braços sempre seriam o lugar ao qual parece ter sido feito sob medida para ela se encaixar.
FIM
Nota da autora: Olá! Bem-vindas a mais um surto da autora que vos escreve hahahaha QESQTA foi um delírio que foi escrita majoritariamente em uma madrugada, depois de um sonho que tive. O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira me deixar feliz com um comentário, é só clicar AQUI. Que essa história sirva para você querida leitora (como serve para mim) lembrar de não aceitar menos do que você merece – tanto em relacionamentos quanto em qualquer outro sentido que você achar que couber.
Com muito amor,
Ju
Com muito amor,
Ju