Última atualização:15/11/2023

UM

O clichê é muito comum nos livros e filmes, principalmente os de romance ou terror. Mas pouco se fala sobre quando o clichê entra na vida real e atravessa o caminho de pessoas ordinárias. Quando os acontecimentos clichês que caem sobre os protagonistas surgem na história, todo personagem principal deseja ser figurante.

Vira! Vira! Vira!

Gritava o grupo em coro, enquanto no centro da roda, em volta da mesa de madeira clara com mais de vinte anos de manchas de copos, os caras do time descobriam quem virava o chopp em menos tempo. Era uma das festas de início de semestre entre os alunos da Arizona State University e a festa na fraternidade era o marco inicial para os eventos. A fraternidade Delta Alpha Pi era nacionalmente conhecida por ser um importante berço de atletas, tinha sido fundado por um e gostava de cumprir a tradição de se manter relevante naquele cenário. Seu lema – diferente das outras da universidade, que pregavam o sucesso acadêmico e missões sociais – era ser forte, ser disciplinado e um vencedor – no esporte.
O exame para os novos membros consistia em testes físicos tão intensos e cuidadosamente preparados que quase se tornavam piores que os testes para os times. Era uma fraternidade para homens onde todos eram atletas, mas nem todos atletas do campus estavam nela. Alguns se dividiam em apartamentos ou repúblicas, em quartos no dormitório do campus, outros em outras fraternidades que tinham objetivos e planos diferentes da Delta Alpha Pi. Havia uma semelhante, mas para mulheres, era uma das poucas sororidades no campus para garotas. A Delta Beta Pi era menos lotada que a Delta Alpha Pi, mas igualmente muito procurada nas feiras.
Durante a primeira semana do semestre, junto ao cronograma de trotes, as festas nas fraternidades e sororidades, o encerramento da semana de recepção era com a grande festa na fogueira. A festa acontecia depois do cronograma de jogos do dia, a universidade contava com 26 tipos de esportes diferentes e o calendário do primeiro sábado era o seguinte: pela manhã golfe, atletismo e corrida, tênis; à tarde era natação, baseball, ginástica artística, patinação; pela noite tinha início a luta, basquete, futebol e hockey. As atividades eram milimetricamente planejadas junto a um comitê especial para que o público conseguisse acompanhar o máximo de eventos. Além da comissão de organização desportiva, havia a comissão para organização dos trotes e festas de boas-vindas aos calouros.
O sábado era organizado assim: logo cedo os mais interessados se reuniam em silêncio para assistir as duplas e equipes no golfe (as disputas femininas e masculinas aconteciam simultaneamente); ao lado do campo de golfe ficava a pista de corrida e logo a massa ia ocupar as arquibancada para acompanhar as provas de corrida, corrida com obstáculos, arco e flecha e arremesso de peso; as onze todos já estavam a postos para assistir a primeira partida de tênis (masculino e feminino também acontecia ao mesmo tempo); depois do almoço era hora da natação; em seguida o baseball, no ginásio - mais tarde - era o momento das ginastas mostrarem seu potencial em provas entre os alunos para apresentação e formação do ranking; ainda no ginásio, a patinação enchia o rinque com apresentações para o público que começava a chegar para os eventos da noite; e então uma breve pausa, era preciso que o Zamboni ajeitasse o gelo para o primeiro jogo da noite e por isso o público se entretinha com a luta; logo depois os atletas do hockey no gelo davam início ao primeiro jogo da temporada; o jogo era seguido pelo jogo de basquete; depois, todos iam para fora, onde o campo e o jogo de futebol os aguardava.
A grande fogueira era montada próximo ao campo e por isso o futebol era a última atividade programada para a noite. O resto da semana que precedia o sábado era movimentado apenas para as comissões de organização, os atletas e os calouros e veteranos envolvidos na recepção e trotes.
Para quem acumulava uma ou duas dessas tarefas, o nível de estresse no início do semestre já era mais do que o recomendado para o resto do ano. Era assim com , aluna do curso de moda. fazia parte da Delta Beta Pi, era ginasta e líder de torcida – uma das únicas a acumular as duas tarefas, também era membro da comissão de organização desportiva, era membro representante do corpo estudantil junto ao comitê de assuntos estudantis da Universidade.
estava em seu segundo ano, estampava os folhetos da sororidade e da Arizona State University. Era irmã de , a estrela do time de hockey Sun Devils, ele era dois anos mais velho e estava no quarto ano do curso de Ciência do esporte e programação de desempenho. namorava o número dois do time, , matriculado na turma de jornalismo esportivo. Eram namorados desde a infância, foram juntos a todos os bailes e a escolha de pela Arizona State University foi por causa da presença dos dois lá – e também porque aquela era a universidade da família .
e haviam se conhecido quando e se mudaram com a família para o Canadá. para melhores chances no hockey, se preparando com os melhores técnicos, jogando em escolas de referência, e para treinar com a melhor treinadora do mundo, que na época residia em Toronto. Depois de alguns anos lá, a família retornou para o Arizona – berço da família paterna – e o relacionamento entre e se tornou um namoro a distância.
No último ano fez sua escolha pela Arizona State University, parte porque estar na América significava estar perto de , mas também pelo excelente programa e números da universidade entre os atletas draftado para a National Hockey League. Ela era uma das maiores do país e tinham muitos argumentos bons para convencer o jovem jogador de hockey a deixar seu país. Depois fora a vez de , mas ele não precisou de tantos argumentos para aceitar, era em Arizona, era a faculdade de sua família, um de seus melhores amigos estava lá, eles tinham um ótimo time de hockey. Precisava de mais motivos?
e não eram da fraternidade, achavam uma grande besteira. Só tinham uma família no campus além de , o time. A Delta Alpha Pi era cheia de jogadores de futebol, um terço do time era da fraternidade, mas também alguns poucos jogadores de basquete e baseball, e talvez achasse algum mais antigo de hockey e luta. Um ou outro membro de natação e mergulho, atletismo e golfe, mas esses geralmente não gostavam de se misturar no dia a dia com os alunos da Delta Alpha Pi.
e ficavam no dormitório, junto ao resto do time e eram colegas de quarto. Mas nas festas não se importavam em se misturar com os alunos da fraternidade, até gostavam. As melhores festas eram feitas nas fraternidades, principalmente na Delta Alpha Pi e Delta Beta Pi.

– Não conte comigo para te carregar de volta pro dormitório. – torceu os lábios e cruzou os braços ao se aproximar do irmão, demonstrando sua insatisfação com a bebedeira noturna dele. Estavam no jardim lateral da sororidade, onde um grupo grande de estudantes bebia e fazia jogos com os calouros.
– Não vai precisar, eu levo. – sorriu, jogando-se sobre o ombro de e abraçando o melhor amigo, que apenas assentiu e ergueu o copo. – Relaxa, baby. – O jogador de hockey continuou, largando o amigo e ficando mais perto da namorada, afagando o ombro dela. – Hoje ainda é quinta-feira. A gente pode aproveitar.
– Vocês aproveitarem não é o problema. – rolou os olhos. – Acordar com meu irmão nu no jardim que é. Ou ter que resolver os problemas que ele cria quando bebe demais, como da última vez.
– Já te pedi pra não tocar nesse assunto. – , que antes parecia sequer dar atenção a irmã, adotou uma expressão séria e carrancuda e a repreendeu, endireitando as costas. deu de ombros, mas não cedeu.
– Escute. – chamou a atenção dela, segurando seu rosto e fazendo com que ela o olhasse nos olhos. – Eu cuido dele. Não vai rolar nada, pode relaxar e aproveitar a festa que você fodásticamente organizou. – Ele sorriu grande e não resistiu, nem ao elogio, nem ao sorriso dele.
– Tá. – A garota cedeu com um sorriso bobo, beijando o namorado rapidamente e abraçando-se a ele pela cintura.

Dentro e fora da fraternidade estavam muitos alunos veteranos e calouros, que aproveitavam a festa como se ela antecedesse ao juízo final. Perto de , sua irmã e estava um barril de chopp com uma mangueira, e uma fila de calouros que já estavam bêbados demais para conseguir ficar de cabeça para baixo e beber sem vomitar.

– Eu não sinto falta de ser caloura. – comentou, assistindo aos calouros e novos membros da sororidade beberem e em seguida vomitarem, ou caírem inconscientes no gramado. – Você perde toda a dignidade.
– Só se você quiser. – ergueu os ombros.
– Se querem fazer parte dessa idiotice, ser de fraternidade, então sabem o que estão fazendo. – concordou, erguendo o copo e brindando com o amigo em sinal de concordância.
– Não é idiotice. – discordou negando com a cabeça. – Fazer parte de uma fraternidade é muito mais do que beber, festas...vocês estão confundindo com American Pie, aquele filme.
– Que por acaso é um filme muito ruim. – comentou, o olhou com curiosidade, mas não disse nada.
– Vocês do time já agem como uma fraternidade, só precisam de uma sede no campus. – sorriu e ergueu as sobrancelhas enquanto levava o copo de cerveja aos lábios.

estava prestes a dizer que a única razão para a irmã gostar da fraternidade era porque tinha obsessão em fazer parte de tudo. Mas não teve chance, uma garota cambaleou, chocando-se contra o corpo grande do jogador depois de beber o chopp oferecido pelos veteranos. A garota era loira e estava bêbada o suficiente para que sua postura gritasse “caloura”.
– Ai. – Ela reclamou com uma risada bêbada, apoiando-se ao corpo de e abraçando seus ombros. – Acho que você me segurou.
– É o que faço de melhor no meu tempo livre. – Ele piscou e sorriu, sustentando a garota pela cintura, em seguida olhou para a irmã e o melhor amigo e sorriu, lançando um olhar sugestivo a .
– E o que mais você faz no seu tempo livre? – Apesar de bêbada, pela posição de no time e na faculdade, não se podia dizer que a garota estava naquela situação apenas por coincidência e pelo álcool, ou se só utilizava aquilo como pretexto e coragem.
– Posso te mostrar. – a olhou e arqueou uma sobrancelha, a garota sorriu e prendeu o lábio inferior entre os dentes.

Mas mais uma vez foi interrompido antes que tivesse chance de fazer ou falar qualquer coisa. A garota em seus braços foi arrancada de repente, puxada para longe dele pelo braço, ainda cambaleante.

– Já chega, Chloe. – , irmão dela foi firme, puxando a irmã cambaleante para longe daquela pequena roda.
– Hey, cara. – protestou, segurando o braço de Chloe, logo se posicionou ao seu lado, em alerta.
– Vamos, Chloe. – reforçou depois de olhar por sobre o ombro, mas ignorar o protesto dele.
– Não ouviu? – não deixou que a garota se afastasse. – Falei com você, idiota.
– Não é da sua conta. – respondeu entredentes, ainda puxando a irmã.
– Eu não quero ir com você, . – Chloe se negou, empacando no lugar.
– Não ouviu ela? – entrou na conversa. – Ela disse que não quer ir.
– E eu perguntei? – enfim se voltou na direção dos dois. – Ela é minha irmã e estamos indo. Agora.
– Não se ela não quiser ir. – enfiou-se entre os dois homens e o outro, desconhecido a ela. – Você é irmão, não o dono.
encarou em silêncio por cinco segundos, tentando pensar em soluções que não o fariam acordar o pai durante a madrugada para lhe tirar da cadeia.

– Ela vai agora. – Sentenciou, puxando a irmã, enquanto Chloe protestava.
– Não vou não. – Chloe negou quando conseguiu se desvencilhar, escondendo-se junto a , e seu irmão. – Não quero ir. Estou aproveitando a festa.
– Chloe. – fechou os olhos, respirou fundo, depois abriu os olhos e se aproximou um pouco mais da irmã, falando com calma e mais baixo. – Você já bebeu demais, pode aproveitar outra festa depois. Vamos. Embora. Por. Favor. – Pediu ele.
– Não. – Ela negou.
– Você ouviu. – levantou as sobrancelhas e ergueu o queixo, vaidoso pela sensação de vitória.

correu os olhos pela figura dos três e negou com a cabeça.

– Não, ela não vai ficar aqui com vocês. – negou e segurou firme o pulso da irmã outra vez.

se colocou entre Chloe e , o imitou, estavam em uma proximidade quase alarmante. assistia ao lado e Chloe atrás dos dois jogadores de hockey. riu sem humor, quase como um psicótico, soltou o punho da irmã e ergueu as mãos como sinal de rendição. Ainda sorrindo, afastou-se dois passos, ensaiou dar-lhe as costas, para em seguida se virar e acertar o queixo de com um soco. cambaleou e foi em seu auxílio, reagiu e devolveu o soco em .
Rapidamente se instaurou uma confusão quase generalizada. , e trocando socos, chutes e um pouco de sangue, ao lado gritando para que parassem, Chloe tonta e cambaleante, sem entender o que acontecia.
Como e não eram membros da fraternidade, nem da sororidade e não haviam muitos jogadores do time de hockey do lado de fora da fraternidade, ninguém parecia interessado em se envolver na briga. Apenas afastavam seus copos e barris de chopp quando a distância entre essas coisas e os três era perigosa. Mas tinha alguns conhecidos na fraternidade que vieram depressa ao seu encontro, e também, quando com o choque de seu corpo derrubou um barril inteiro sobre alguns membros do time de basquete, a briga foi separada.

– É só isso? – provocou quando foram separados e segurados por outros alunos. – É o seu máximo?
– Você ainda não viu nada. – rosnou, tentando se desvencilhar de quem o segurava.
– Ei, chega. – Zach, um jogador do time de futebol que era próximo a o segurou com força. – Não vale a pena. – Falou batendo no peito de e olhando para os dois jogadores de hockey.

Depois de algumas tentativas de ambos os lados, os três foram soltos.

– Tá bem, tá bem. – assentiu, olhando para Zach e girando os ombros. – Não precisa me segurar. Eu já estou de saída. – Disse.
– Já vai tarde. – , ainda em sua postura defensiva e agressiva, disse entredentes.

puxou Chloe pelo braço e a garota não lhe ofereceu resistência.

– Isso ainda não acabou. – olhou de para ao falar.

arqueou uma sobrancelha e o dirigiu um olhar debochado. Quando se afastou, levando consigo a irmã e os jogadores que o tinham segurado, o resto da massa que assistia a briga começou a se dissipar, até que todos voltassem a aproveitar a festa da forma mais libertina possível.

– Essa é a sua ideia de cuidar dele? – cruzou os braços e falou ao namorado segundos antes de lhes dar as costas e entrar, pisando firme.

XX


Quando desceu do carro, fez o pequeno caminho até a entrada do dormitório de cabeça baixa, encarando os próprios pés e sorrindo de si mesma. Não era como se ela conseguisse tirar dos lábios o sorriso leve que esteve ali durante toda a noite. Sorria também porque mal acreditava que a noite sem perspectivas tinha se tornado uma das noites mais maravilhosas em seu tempo na faculdade.
Mas assim que passou pela porta, ergueu o olhar e adotou uma expressão mais impassível. Para chegar ao seu quarto, no dormitório da universidade, precisava subir dois lances de escadas. Apesar de silencioso e a penumbra que tomava o espaço, apenas iluminadas pelas luzes das escadas, haviam alguém sentado no primeiro lance. o reconheceu como sendo um dos alunos com quem ela dividiu uma disciplina do curso de direito no último semestre. Ele cursava direito e negócios e ela ciências sociais e comportamentais, dividiam uma aula sobre direitos humanos e direito internacional. Sabia que se chamava , que era extremamente concentrado e já haviam liderado juntos os debates que aconteciam na disciplina – de lados opostos, obviamente.
estava sentado na escada, com uma perna flexionada e a outra esticada, ombros caídos, olhar perdido e péssima aparência, duvidou que ele a havia notado chegar. A estudante o cumprimentou com um boa noite entredentes e deu de ombros, seguindo seu caminho. Precisava finalizar um relatório complexo para o dia seguinte se quisesse pleitear uma nova vaga de pesquisadora junto ao seu professor favorito. Ela subiu as escadas devagar, mas sua consciência a incomodou. Não podia só passar por ele ali e fingir que não o havia notado, ignorando a situação jogada do colega.
Não eram amigos, mas também não eram desconhecidos. Droga, ela pensou rolando os olhos, é muito difícil ser uma pessoa boa hoje em dia, disse a si mesma. Ela girou em seu próprio eixo e começou a descer as escadas, voltando para onde havia encontrado .

– E aí? – Cumprimentou, jogando-se ao lado dele, se sentado no degrau também. – O que aconteceu com você?
– A vida. – suspirou desanimado.
– Ela te atropelou de verdade? – analisou o estudante mais de perto, inclinando-se para enxergar na meia-luz. – Não sabia que você era desse tipo, . – Ela riu abafado.
– Mas o que você sabe sobre mim? – girou o rosto e arqueou uma sobrancelha, mas seu tom não era duro. projetou o lábio inferior e maneou a cabeça, dando razão a ele. – Mas eu não sou mesmo. É o que as festas de fraternidade fazem com você.
– Por isso eu não vou pras festas de fraternidade. – riu, enfiou a mão na bolsa e tirou de lá um pacote pequeno de amendoins.
– Se não estava em festas de fraternidade, onde estava? – a olhou e aceitou o amendoim quando ela ofereceu.
– Eu... – jogou um pouco de amendoim na boca. – Estava num encontro.
– Encontro? – riu pelo nariz.
– O quê? – Ela o olhou ofendida. – Até as feias tem encontros hoje em dia, .
– Não é isso. – Ele deu de ombros, ainda rindo. – É que você é tão parada, não sabia que fazia essas coisas...coisas normais.
– É a minha vez de perguntar o que você acha que sabe sobre mim. – Falou e riu e negou com a cabeça. – O segredo de ser parada é que aí eu não preciso perder tempo indo atrás de caras babacas, eles vem até mim. – Explicou ela, oferecendo mais amendoim que pegou e jogou de uma vez na boca.
– Você podia andar com a minha irmã, ensinar sua filosofia. – comentou, baixando a cabeça e expirando cansado.
– Já tenho uma irmã problemática para lidar, felizmente não viemos para a mesma faculdade. – balançou os ombros. – Devia ter pensado nisso.
– Fácil assim.
– Não disse que é fácil, mas, é aquilo... não é problema meu também. É dos meus pais. – deu de ombros outra vez. – Mas confesso que é até interessante ver você com problemas.
– Não sabia que tinha inimigos declarados entre a turma de direito social. – Ele ironizou e riu com deboche.
– O quê? Achou que as minhas ofensas durante os debates fossem só pelo calor do momento? – riu, empurrando-o pelo ombro. – Você me lembra aquele cara, protagonista de Suits. Só pra constar, eu odeio a série.
– Você é mesmo adorável, . – Ele sorriu sarcástico.
– Você sabe meu sobrenome? – Ela uniu as sobrancelhas, surpresa.
– Conhecimento é poder. – Ele arqueou uma sobrancelha e sorriu de canto. – Mantenha seus amigos perto, os inimigos mais perto ainda.
– Não tenho certeza se as duas frases conversam, mas, vou fingir que você foi brilhante. – Ela estreitou o olhar em uma careta que parece com a que fazem aqueles que mal podem acreditar na besteira que acabaram de ouvir. – Não vai falar quem te atropelou? – o empurrou com o ombro antes de olhar pra frente e comer mais um pouco de amendoim.
– Teve uma questão na festa da fraternidade. – levantou um ombro e falou depois de algum silêncio. – Com uns caras do time de hockey.
– Brigas são como e-mails para jogadores de hockey, cotidiano no meio do expediente. – A garota negou com a cabeça. – Não podia escolher alguém pior? E que não tenha, literalmente, um time para brigar com você?
– Eles que se meteram, não fui lá procurar confusão. – tentou se justificar.
– É, tô vendo que sim. – o ofereceu mais amendoim. – Acho que o time de hockey é um inimigo pior que . – Ela piscou e sorriu. – E com eles o debate não vai funcionar.
– Uau, você está dizendo que atletas são burros? – fingiu estar chocado. – Que preconceituoso da sua parte. Nunca esperava isso de você.
– Cala a boca. – Ela empurrou um dos joelhos dele, enquanto ria. – Quis dizer que enquanto você estiver pensando em abrir a boca, já vai ter sido atingido por uns dois socos. Não disse deles serem burros, é uma opinião que me recomendaram a não dizer em voz alta. – riu abafado e a acompanhou.
– Não tenho medo do time. – Falou ele com coragem. – Briguei contra dois deles hoje, nem saí tão machucado.
– Chame eles pra brigar na piscina, você vai se sair melhor. – A garota riu. – Duvido que eles te superem no nado borboleta.
– Seu date... – sondou, curioso e incerto. – Ele não seria do time de hockey, não é?

ficou de pé e direcionou a ele um olhar atravessado, depois sorriu e deu de ombros.

– É do time de futebol.
– Eu tenho amigos no time de futebol. – pensou consigo mesmo, ficando de pé também.
– Boa sorte tentando convencer o time a trocar socos com o time de hockey para proteger sua honra. – riu pelo nariz.
– Meu pai pode fazer uma doação generosa para o time. – sorriu grande, assistindo a garota a subir as escadas.
Meu pai vai ficar sabendo disso, Potter. falou, tentando soar como Draco Malfoy. – Tá legal, me chame para assistir. Se eu estiver de bom humor, até posso pensar em fazer um cartaz.

Dizendo isso, subiu as escadas, deixando sozinho, que logo também se foi, seguindo o corredor do primeiro pavimento, onde ficava seu dormitório.



DOIS

Era sexta, um dia ensolarado e quente no Arizona e quase todos os estudantes estavam perambulando pelo campus. As razões para isso eram as mais variadas possíveis, os candidatos a membros da Delta Alpha Pi e Delta Beta Pi lavavam carros para arrecadar fundos, os ativistas montavam barracas para recolher assinaturas para as mais diversas causas, os fregueses do mercado de Cannabis ocupavam cada sombra de árvore, tocando músicas dos anos 70 em rodas. As outras fraternidades montavam suas mesas de orientações e guiavam os novos membros em tours pelo campus, os atletas treinavam, cada um em seu respectivo espaço e os alunos comuns circulavam como em um zoológico, assistindo a cada uma daquelas cenas.
tinha estado no campo assistindo ao último treino do time de futebol, e no caminho de volta para o dormitório resolveu fazer uma pequena pausa para acompanhar os calouros sensualizando enquanto lavavam carros.

– Como feminista, no século vinte e um, não consigo aceitar que ainda façam isso. – Lila cruzou os braços e balançou a cabeça negativamente. – Será que elas não entendem que isso só serve para satisfazer os homens?
– Que nada. – balançou os ombros. – Hoje em dia eles colocam os caras novos da Delta Alpha Pi pra lavar também.
– Direitos iguais, Lila. – Catelyn, que as acompanhava, comentou e riu junto a .

permaneceu ali, assistindo a lavagem dos carros junto as amigas. Eram vários calouros com rostos desconhecidos, exceto por uma. Tinha cruzado duas ou três vezes com e sua irmã, além disso, ela se parecia muito com ele, era fácil a reconhecer. Mal sabia o nome da garota, mas pela conversa com na noite anterior, devia ser mesmo ela ali, lavando um sedan prata com uma regata branca molhada, short jeans e um biquíni vermelho.

– Me espere aqui. – pediu para as amigas, entregando a bolsa para Lila. – Preciso falar com uma pessoa.

Lila e Catelyn se entreolharam confusas, mas não disseram nada.

– Oi. – sorriu simpática ao se aproximar da suposta irmã de que esfregava o capô do carro.
– Oi. – Ela respondeu, uma mão segurava uma esponja cheia de sabão e a outra estava na cintura. Ela parecia um pouco impaciente e insatisfeita por ter sido interrompida.
– Você é a irmã de , não é? – Perguntou sorrindo simpática.
– Sou. – Chloe analisou com um pouco mais de cautela e curiosidade. – Chloe.
– Bom te conhecer. – esticou a mão para cumprimentá-la e garota retribuiu o gesto. – Seu irmão e eu somos amigos. – Mentiu. – Só queria dizer um oi, me apresentar e me colocar à disposição caso precise de qualquer coisa. Sei que esse período pode ser meio estressante.
– Valeu. – Chloe assentiu. – Mas eu tô bem.
– Está na Delta Beta Pi? – quis saber, colocando as mãos no quadril e a loira assentiu. – Qual é o seu esporte?
– Tênis. – Chloe contou com orgulho, erguendo o queixo. – Você joga algum?
– Não na universidade. – riu abafado. – Eu prefiro me dedicar a pesquisa. É a minha coisa.

Chloe assentiu um pouco mais relaxada.

– Hora da espuma! – Alguém falou alto e então Chloe e foram surpreendidas por um banho de água com sabão, jogadas de um balde por algum atleta. Era .

Chloe gargalhou e celebrou o banho, mas ficou paralisada, de olhos fechados, se recuperando do choque da água gelada.

– É muita roupa para um dia de lavagem. – Outro atleta riu, abraçando pela cintura. Era . – Quanta grana vocês já fizeram hoje?
– Qual é a porra do seu problema? – questionou entredentes, dirigindo um olhar furioso a , que ainda sorria segurando o balde.
– Qual é? É só água. – O jogador de hockey deu de ombros, ainda sorrindo. – Você tá lavando carros, não é nada demais. – completou.
– É só água. – Chloe rolou os olhos.
– Eu não estou lavando carros, babaca. – rosnou, tentando secar um pouco da água melosa de sabão de sua pele.
– Considere um convite. – , que ainda tinha um braço ao redor da cintura de sorriu e falou perto demais do rosto da estudante.
– Saí pra lá. – Ela enfim o empurrou. – Eca. – torceu a expressão em uma careta de nojo para o rapaz e para a sensação que a água com sabão lhe causava na pele.
– Não seja tão chata. – rolou os olhos e bufou, enquanto a olhava como se fosse algum tipo de aberração da natureza. – Calouras chatas não se dão muito bem aqui no campus.
– Entendo agora o que aconteceu com o ontem. – pensou alto, torcendo a barra da camiseta que vestia, se lembrando do comentário do colega sobre não planejar, mas acabar se metendo em uma confusão com os caras da fraternidade.
? – achou o nome familiar e levou alguns instantes até que fizesse a ligação entre o nome, a situação e a garota chata. O atleta riu pelo nariz, sem humor. – Claro. Como seria diferente?

A estudante o encarou quando o jogador fez aquela pergunta retórica e pelo bico irritado que o jogador loiro de olhos azuis ostentava, não foi difícil compreender o que se passava ali.

– Você é o cara do time de hockey. – Ela uniu os pontos, nesse momento Chloe já tinha se distanciado deles e voltado a lavar carros, a encarava com tédio e algum ressentimento por ela ter dito “eca” a seu respeito. – Vocês dois são. – apontou, sorrindo de lado, notando uma escoriação no lábio inferior de e no supercílio de , além de mais alguns hematomas e sinais da briga. – Realmente, para jogadores de hockey, vocês até que são fáceis de serem batidos. – Provocou sorrindo.
– Não conte vantagem até que termine. – rosnou, erguendo o queixo e estreitando o olhar em uma expressão nada simpática.
– Mas é claro que terminou, jogador. – cruzou os braços sobre o peito. – O único tipo de pessoa que acha um bom programa ficar trocando socos aleatórios por aí são vocês. O resto de nós, estudantes de verdade, tem coisas mais importantes para fazer, tipo estudar.
– Estudar não impede alguém de ter o nariz quebrado. – retrucou, imitando a expressão fechada do melhor amigo.
– E ser do time de hockey também não garante que mesmo no dois contra um vocês saiam vencedores. – piscou. – Aproveitem que não são precisos mais de três neurônios para a lavagem de carros. Divirtam-se. – sorriu antes de se afastar.

Não era que e não quisessem esganar , ou que tivessem muitas coisas para falar para ela. Mas a garota havia tocado em um ponto delicado, um que feriu o orgulho dos dois, e que ambos culpavam a bebida quando iam se justificar. Não tinham perdido a briga, mas não tinha conseguido a vantagem que seria esperada a dois jogadores de hockey contra um cara qualquer. Tinham decidido não tocar no assunto outra vez, pelo menos não até terem outra oportunidade de se acertarem com .

XX


Além das organizações dos movimentos, dos esportes, das grades de horários, das comemorações e das recepções, era preciso organizar o cronograma de atividades extracurriculares. Eram necessárias reuniões, encontros, construção de calendários, seleção de novos membros e todo o resto da burocracia. A liga acadêmica de Direito Internacional era uma dessas coisas, que começava a se reunir mesmo antes do início oficial das aulas.
Era preciso abrir o processo para novos membros, analisar as pendências do último semestre e decidir o que era necessário para o início do semestre. Graças ao destaque obtido pela liga nos últimos semestres, agora eles tinham um espaço físico único e exclusivo para as ações da liga. Como se fosse um pequeno departamento em um dos prédios da faculdade, com três salas, um banheiro amplo e janelas com vista para a área verde.
A reunião do dia seria para finalizar decisões sobre a placa de identificação do espaço, decidir sobre o processo dos novos membros e qualquer outro ponto que os membros quisessem colocar em pauta. O presidente estava concentrado com a lista de membros, a lista de membros para a reunião e os pontos de pauta para a reunião. Tinha uma caneta entre os lábios, segurava os papéis em uma mão enquanto estralava os dedos na outra, sentado em uma das mesas. Ao seu redor, algumas pessoas andavam de um lado para o outro, ajeitando a sala para a reunião.
Tudo na mais inteira paz, até que um pequeno grupo de quatro pessoas passou pela porta falando e rindo alto. O grupo só percebeu que não estava sozinho na sala quando já estavam no meio do espaço e todos os outros já os encarava.

– Esse espaço é reservado. – cruzou os braços sobre o peito e disse. – Vocês não podem ficar aqui.
– E você, quem é? – Jessie, membro da liga respondeu a ginasta com outra pergunta.

sorriu, mais para suprimir a irritação do que como educação, depois passou a língua pela bochecha, baixou a cabeça e respirou fundo.

– A gente veio aqui para a reunião da comissão desportiva. – William, um jogador do time de hockey e membro da fraternidade interveio. – Vocês vão precisar dar licença.
– Não, não vamos não. – enfim deixou seu universo particular, descendo da mesa e se colocando ao lado de Jessie, cruzando os braços e estufando o peito. – Esse espaço agora pertence a Liga de Direito Internacional, e a não ser que vocês queiram preencher um formulário para se juntar a nós... – Ele arqueou uma sobrancelha de modo sugestivo.
– Nos seus sonhos. – empinou o nariz e se aproximou do presidente da liga, que sorriu com deboche. – Esse espaço é utilizado pela comissão há anos. Procure uma salinha no seu prédio.
– Se tem algum problema com isso, pode se dirigir ao diretor do campus. – ergueu as sobrancelhas, a provocando. – Se não se importa, temos uma reunião e vocês precisam sair... – conferiu as horas no relógio de pulso de modo teatral. – agora.
– Não vou sair. – cruzou os braços e devolveu o sorriso sarcástico. – Não vamos sair só porque você está mandando.
– A gente pode chamar a segurança, também. – Jessie voltou a falar, enquanto os outros membros da liga que ali estavam preferiam assistir a interferir. – Se preferir.
– Quero ver quem vai tirar a gente daqui. – bateu o pé, falando com firmeza.
– Você tem alguma ordem do diretor? Alguma declaração? – William questionou o presidente.
– Não preciso te responder isso, mas tenho. – se afastou um pouco, ignorando a presença deles e voltando a organizar as listas que tinha em mãos. – Também não preciso mostrar a vocês. Se não estão satisfeitos, entrem com recurso. O prazo de homologação, junto ao prazo de análise...bem, talvez vocês consigam ser ouvidos pelo diretor no fim do próximo semestre. – Ele falou com ironia, fazendo espumar.
– E se você quiser que a gente saia, é bom ter aí uma ação de despejo. – falou, sentando-se no chão em seguida. – Porque não vou sair.

A estudante conseguiu a atenção de , que a mirou chocado, vendo que William e os outros dois que estavam com eles também estavam sentados no chão.

– Não seja patética. – Ele rolou os olhos. – Vai se amarrar na porta?
– Se for preciso... – sorriu, sentindo-se orgulhosa de sua ideia e de como ela parecia ter atingido .
– Escute aqui, garota. – se abaixou perto dela para que pudesse falar olhando em seus olhos. Ele tinha o queixo tensionado e falava entredentes, irritado. – Essa sala é nossa. Não tivemos todo trabalho com a direção para garantir esse espaço, para depois ceder para membros bêbados de fraternidade que querem planejar suas festas idiotas de fraternidade. Isso é a Universidade, não é American Pie.
– Tô esperando sua ordem de despejo. – sorriu, incentivada pela irritação que fazia uma veia do pescoço de saltar.

se levantou, colocou as mãos na cintura, respirou fundo, apertou a ponte do nariz e baixou a cabeça. Ficou em silêncio por alguns segundos, sob olhar atento de todos na sala.

– Jessie, deixe as coisas prontas para a reunião. – Pediu ele. – Vamos começar as duas e quinze, como planejado. Quero a lista completa dos membros para quando eu voltar. – A garota assentiu enquanto ele falava. – Pode esperar aqui, garota. – sorriu para . – Aproveite o espaço e se despeça dele, enquanto isso, vou buscar sua ordem de despejo.

Ele anunciou e se afastou, deixando a sala. arregalou os olhos, assim como os outros que estavam com ela e o pequeno grupo se entreolhou por alguns segundos. Até que se pusesse de pé em um pulo e fosse atrás de , rumo a sala do diretor.

Os dois representantes andaram rápido até a sala do diretor, que ficava no mesmo prédios, mas dois lances de escada a cima, passaram pela pequena recepção andando rápido. a frente, seguido de perto por , e quando não encontraram a secretária, se enfiaram para dentro através da porta entreaberta. O diretor estava sentado atrás de sua mesa, rosto inclinado sobre alguns papéis. Assim que percebeu o rompante da entrada dos dois estudantes, ele ergueu o olhar, os analisando por sobre o aro dourado da armação de seus óculos. Ele era velho usava uma barba branca e excessivamente longa.

– Suponho que há uma boa razão para uma entrada tão pouco elegante. – Ele disse sem alterar o tom de voz ou sem mover um músculo sequer. – Senhor ? – Incentivou.

fungou uma vez, erguendo o rosto e deu um passo à frente.

– Senhor. – o cumprimentou com um aceno de cabeça antes de prosseguir, o diretor correspondeu. – Acredito que apesar dos nossos acordos ainda existem pessoas confusas com a decisão sobre a sala que o senhor... – olhou por sobre os ombros, para . – Pessoalmente disponibilizou para a nossa liga acadêmica.
– Compreendo. – O diretor endireitou as costas, ajeitando a armação dos óculos no rosto.
– Aquela sala tem sido usada por semestres, para as reuniões da comissão desportiva. – começou a falar, antes que o diretor ou dissesse qualquer outra coisa. – É absurdo e injusto que ela simplesmente seja tirada de nós sem qualquer aviso. Se ela foi cedida para alguém, o mais justo seria que a comissão fosse perguntada a respeito. Ou ao menos comunicada.

Enquanto a colega falava, rolava os olhos, mas o diretor ouvia atentamente, com dois dedos apoiando o queixo.

– Tem razão, senhorita? – Ele ergueu as sobrancelhas na direção dela.
. , senhor. – Respondeu a ginasta.
– Ah, claro! – O diretor exclamou e seus lábios velhos se curvaram em um sorriso sereno. – Sempre ouço esse sobrenome por aí. – Ele piscou em cumplicidade.
– Popularidade nunca foi parâmetro para concessão de salas. – tornou a chamar a atenção para si. – Além do mais, a liga se reúne muito mais vezes do que a comissão desportiva. A relevância acadêmica para a universidade da comissão desportiva não é tão grande quanto a de uma liga premiada internacionalmente. – finalizou com um sorriso presunçoso nos lábios.
– Há verdade em suas palavras, senhor . – O diretor disse pensativo. – Mas também não podemos desconsiderar a importância dos nossos esportes aqui. Nem a importância dos grupos que se reúnem para organizar tão bem os eventos de recepção e seus cronogramas.

Ao ouvir isso, negou com a cabeça – quase sutilmente – e sorriu contrariado.

– Senhor, gostaria de lembra-lo do processo para a concessão daquele espaço. – tornou a falar, aproximando-se um pouco mais. – Foram meses de reuniões, de comprovações das nossas atividades. Temos até mesmo um documento. Assinado pelo senhor. – apontou. – Que nos garante o uso da sala pelo tempo que for necessária a Liga, desde que comprovemos nossas atividades.
– Está correto outra vez. – Disse o diretor.
– Mas a sala era utilizada pela comissão antes, não fomos comunicados, nem tivemos chance de comprovar nossas atividades lá. – também se aproximou da mesa. – E garanto que se tivéssemos tido a chance, teríamos ficado com a sala. – Falou, cruzando os braços sobre o peito e direcionando a um olhar atravessado.

O diretor os observou em silêncio por algum tempo, pensativo, até que enfim resolvesse voltar a falar.

– Bem, acredito que temos um dilema difícil pela frente. – Falou enfim, esticando-se e revirando uma das gavetas da mesa em busca de algumas folhas. – Não há forma de voltar atrás e desfazer o que já foi feito. Seria injusto com a nossa liga, como o senhor já nos pontuou. Contudo, ignorar o despejo da comissão também não seria adequado. E uma vez que, aparentemente, o erro não foi de nenhuma das duas organizações, só posso manter e aceitar a decisão já tomada, em favor da liga. – sorriu vitorioso, enquanto encarou o diretor boquiaberta. – O espaço permanece com a liga acadêmica.
– Mas e quanto a nós? – questionou, após o breve choque.
– Tenho algumas sugestões de espaços vazios que podemos conceder a comissão. – O diretor contou e sorriu, otimista, mas torceu os lábios, temendo o que viria a seguir. Ele pendeu os olhos sobre uma as folhas que tinha em mãos. – Vejamos... – apertou os lábios enquanto analisava as possibilidades. – Que tal a sala um, no ginásio?
– A sala que fica debaixo da arquibancada? – inclinou-se para frente, incrédula com a péssima sugestão. – Sem chance. Não conseguiríamos nos concentrar com o barulho das torcidas sob as nossas cabeças.
– Hum... – O diretor assentiu em silêncio, concordando com o argumento dela, buscando por outro espaço na lista. – Temos também a sala cinco, no prédio básico dois.
– O aquecedor não funciona e o cheiro da cozinha do restaurante toma a sala em todas as refeições e entre elas. – Negou-se , cruzando os braços e batendo um pé no chão, impaciente.
– Vai ser uma longa tarde. – suspirou, sentando-se em uma das cadeiras frente a mesa.

...

Depois de muitas tentativas de conciliação e passarem e repassarem pela longa lista de salas sem que houvesse solução para aquele dilema, o diretor respirou mais fundo, soltou a lista na mesa e descansou as mãos no colo. Depois, olhou demoradamente de um aluno para o outro, estreitou um pouco o olhar e ajeitou a armação dos óculos uma última vez.

– Acredito que sei como podemos pôr um ponto final nessa questão. – Declarou cansado.

ergueu as sobrancelhas, curioso. Já estava jogado de qualquer jeito, pernas esticadas, uma das mãos apoiando o queixo e vez ou outra – disfarçadamente – conferia as redes sociais. Não queria sair e deixar a garota sozinha com o diretor, temia que ela conseguisse o convencer de ter a sala de volta. Por isso, apesar de cansado e entediado, depois da intensa negociação sem resultados, ele permanecia lá, resiliente.

– Como? – quis saber.
– Já que nenhuma das nossas salas disponíveis parece adequada aos propósitos da comissão desportiva, penso que encontrei uma solução que me parece justa para ambas as partes.
– E o senhor vai nos contar. – se remexeu na cadeira. – Não é, senhor?
O mais velho sorriu – quase malignamente.

– Acredito que se tratando de uma liga que estuda direito internacional, o senhor, senhor , entende os benefícios da diplomacia. E creio que vá entender, melhor que todos, minha decisão. Confio também, pessoalmente – O diretor enfatizou com o olhar, duro e direto a . – Que o senhor será o primeiro a garantir que a minha decisão seja cumprida e respeitada.

acenou com a cabeça uma vez, tensionando o queixo, enquanto assistia apreensiva.

– O espaço da liga é onde funcionava, antigamente, o departamento de assuntos estudantis, então são pelo menos três salas em uma só. – Começou a falar o diretor. – Acredito que por mais ocupados que estejam, a liga não fará uso de todo o espaço, todas as horas, por todos os dias da semana. – sentiu o lábio superior repuxar ao perceber onde o mais velho queria chegar. – Será grande o suficiente para acomodar a comissão desportiva em seus encontros e reuniões.

– Mais que suficiente. – concordou, vitoriosa.
– Eu peço desculpas, senhor, mas acho que não entendi. – interrompeu, nervosamente. – Como devolver a sala a eles pode ser justo?
– Não estou devolvendo o espaço a comissão, senhor . – O diretor respondeu com serenidade. – Estamos acordando aqui que, a comissão poderá utilizar uma das salas da liga para se reunir quando precisar. Como disse antes, o senhor fica responsável por organizar e cumprir minha decisão.
– Espera aí. – ergueu a mão, contrariada. – Isso significa que ele vai escolher quando e onde vamos ficar?
– Quando, não. Apenas onde. – Sorriu o diretor. – Apenas até que possamos encontrar um espaço mais adequado às necessidades da comissão. Estamos entendidos?
– Sim, senhor. – concordou, mesmo a contragosto.
– Isso continua sendo injusto. – Reclamou, .
– Bom, ainda há possibilidade de a senhorita preencher o formulário de solicitação e entrar com o processo de requerimento de sala, junto ao departamento. – Explicou o diretor com boa vontade.
– Faça isso, . – Soprou, , com preguiça da birra dela e torcendo para que ela aceitasse, sabia como aqueles processos eram demorados.
– Cala a boca, . – rosnou.
– Se não houver nada mais que possa fazer pelos senhores, além de encaminhá-los para uma conciliação com a conselheira...
– Obrigado, senhor. Estamos indo. – Garantiu , empurrando pelos ombros, em direção a saída, enquanto o diretor sorria.
– Adeus, senhor , senhorita . – Despediu-se o mais velho.
– Mas eu não terminei. – protestou. – Me larga. Eu não terminei. – Ela reclamava enquanto era guiada para fora por .
– Olha, se você, maluca, quer continuar arrumando confusão e ir parar com a conselheira, tudo bem. A escolha é sua. – falava sério, já fora da sala, se certificando de fechar a porta da sala do diretor, apontando para com o dedo indicador. – Mas não vai me levar junto com você.
– Quem você está chamando de maluca? – deu uma tapa do dedo de , afastando-o de seu rosto. – Se colocar esse dedo na minha cara de novo, vai ser a última vez que vai ter dedo.

fez uma careta que misturava confusão e incredulidade, depois balançou a cabeça negativamente.

– O que poderia esperar de vocês. – Ele estalou a língua no céu da boa. – Se me der licença, tenho uma reunião séria agora.

– Babaca. – xingou. – Você me tira da sala, coloca o dedo no meu rosto e eu que estou errada? – Indagou e ele rolou os olhos. – Idiota. Vá para sua reunião. Posso ter perdido hoje, mas isso só está começando.

não deu tempo para que ele respondesse, passou por ele dando um esbarrão em seu ombro, enquanto a assistia partir.

XXX


andava rápido quando atravessou toda a beira da piscina até o canto onde o nadador se secava, ainda de touca, conversando com outros atletas da equipe. Estava ali para colar alguns cartazes de divulgação de projetos de pesquisa e quando viu por perto, resolveu dizer um oi. Quando o pequeno grupo e notaram a aproximação da garota, trocaram olhares rápidos e depois se despediram de , deixando-o a sós para a recepcionar. tinha os olhos estreitos por estar parado contra a luz, as mãos na cintura, usando só a sunga e touca, com os óculos em uma das mãos.

– Não me diga que está aqui para tentar uma vaga para a equipe. – sorriu de canto, sarcástico. – Já adianto que o processo de seleção é sério. Não posso te ajudar.
– Eca. – torceu os lábios. – Se eu fosse praticar um esporte aqui, não seria esse. Só vim porque gosto de ver homens seminus. – Ela ergueu as sobrancelhas e projetou o lábio inferior e também ergueu duas grossas e escuras sobrancelhas. – Tive um encontro bem desagradável na fraternidade ontem.
– Não achei que você fosse o tipo de garota que vai a fraternidades. – Ele provocou, alongando os ombros, desviando o olhar da estudante para a piscina.
– Fui tentar me aproximar da sua irmã. – Dizendo isso, ganhou a atenção de . – Mas acabei esbarrando com a dupla de um só neurônio. Os mesmos que você encontrou quando passou por lá. Ser um bom samaritano esses dias não tá com nada...
– E a minha irmã estava com eles de novo. – suspirou cansado, baixando os ombros.
– Na verdade, não. – cruzou os braços sobre o corpo e deu de ombros. – Estava lavando carros.
– E você veio aqui me contar isso porque...– incentivou, endireitando as costas e recuperando a postura.
– Porque eu provavelmente estou entediada, e aí achei que seria uma boa ideia procurar confusão com jogadores de uma fraternidade. – riu fraco, inclinando e negando com a cabeça. – Dessa vez não tô sendo irônica.
– Pelo menos agora eles têm outro alguém para direcionar a raiva. – riu pelo nariz.
– Não concordo, eles continuam bem focados em te dar o troco. – A garota apertou os lábios e ergueu as sobrancelhas de modo sugestivo. – Você acabou com eles... de verdade.

engoliu o ar quando ouviu aquilo, dirigindo um olhar arregalado a .

– Eles não estão muito felizes... – Ela deu de ombros. – Se eu fosse você, passava longe da fraternidade por esses dias. – Ela soprou, divertindo-se um pouco com a expressão dele.

– Tá brincando, né?! – riu nervosamente. – A fraternidade é caminho saindo daqui para o dormitório. – deu de ombros e começou a andar, rumo a saída. – Tá brincando, não é? ?



TRÊS

mirou o fundo da rede e com precisão acertou o disco com seu taco. Com a força da jogada, o central tocou o chão com o joelho direito, enquanto acompanhava com o olhar a trajetória do biscoito preto em direção aos fundos da rede. Em silêncio, acompanhando os movimentos do resto do time, o capitão deslizou até o canto direito do rinque, buscando outro disco perdido por ali e o trazendo para perto da trave outra vez. Aproveitava para deslizar o máximo que podia, velocidade era um dos seus pontos fracos e sabia que precisava melhorar.
Era grande e pesado, não que a maioria dos praticantes daquele esporte não fosse assim também, mas no número trinta e quatro do Sun Devils aquelas características ressoavam diferente. Tinha resistência contra os choques, conseguia se manter com o disco, com firmeza, mesmo quando encantoado por jogadores rivais. Mas não era um dos mais velozes do time, com duas toneladas de esforço a mais que a maioria, conseguia estar entre os mais rápidos, mas ainda não era suficiente.
Não fazia a linha “eu quero ser o melhor do time”, desde o início, ser uma referência, um atleta quebrador de recordes não era o que almejava. Mas gostava de fazer o melhor que podia sempre, e assim, o resto era pura consequência. era perfeccionista consigo mesmo, se cobrava ser o melhor, não o melhor do time ou da liga, mas o melhor que pudesse ser, até a última gota de suor. Tudo que fazia era em nome do grupo, ser o melhor capitão que o grupo merecia, o melhor central para que pudesse ser para auxiliar o time a obter o maior número de vitórias possível.
Por isso as horas a mais de treino, o tempo passado estudando adversários, pensando em jogadas, treinando na academia. Nem sempre se pode nascer com todos os dons, mas nada nunca impediu ninguém de se esforçar para obtê-los.

– Terminem com os discos e chega por hoje. – O treinador, gritou, batendo palmas para chamar a atenção do grupo.
– Até que enfim. – expirou pesado ao passar por , cumprimentando o amigo com um toque de ombros, deslizando em direção a saída e o central assentiu.
– Podíamos ficar mais um pouco aqui. – reclamou, desabotoando o capacete e o dirigiu um olhar atravessado.
– Cara, treinar demais vai te deixar quebrado aqui. – O ala tocou a própria testa duas vezes com o dedo indicador. – Você e precisam relaxar um pouco.

desviou o olhar e rolou os olhos, entediado com o melhor amigo. Não via mal em treinar por mais tempo do que o treinador propunha, aliás, achava pouco, já tinha tido algumas discussões com o treinador por achar que não treinavam o suficiente. Em sua opinião, podiam exigir mais dos jogadores, eles dariam conta. Ele daria conta.
Com a movimentação ao desviar os olhos do amigo, viu a irmã, que assistia ao treino. devia estar em seu próprio treino, de ginástica, a bolsa de treinos e o cabelo impecavelmente arrumado denunciavam isso.

– Falando nela. – apontou a irmã com o queixo, sorriu ao perceber a presença da namorada, deslizando mais depressa para fora do gelo.

O jogador pulou para fora do gelo – do jeito de ser – e abraçou , que tinha se aproximado para os encontrar. abraçou a garota e a beijou demoradamente, enquanto encarava os pés, apoiando o peso do corpo no taco de hockey.

– Bom treino hoje. – comentou, ainda abraçada ao namorado, esticando uma das mãos para tocar o irmão.

maneou a cabeça, como quem diz “mais ou menos” e assentiu.

– E o seu? – perguntou, sorrindo abobado para . – Aposto que a minha garota arrasou com o resto. sorriu com os olhos e segurou o rosto do namorado antes de beijá-lo outra vez.
– Pessoal. – tossiu e o casal separou o beijo e riu, trocando olhares cúmplices. – A gente pode ir? – Perguntou ao amigo, que assentiu.

Os três caminharam juntos em direção a porta por onde os dois jogadores passariam para o vestiário. tinha o olhar baixo, nada da personalidade saltitante e alegre de sempre, da risada alta e da fala rápida e empolgada.

– O que você tem? – cutucou a cintura da irmã, atraindo o olhar ela para si.
– Nada. – suspirou. – Só um babaca.
– Que babaca? – indagou, adotando sua postura mais protetora. – Quem?
– Não é nada que eu não dê conta. – deu de ombros. – Só um cara da faculdade de direito. Estamos disputando uma sala. A sala da comissão desportiva. – Contou chateada.
– Como disputando? – quis saber. – A sala já não era sua?
– Era. – Ela assentiu. – Mas ele fez a mágica burocrática dele, de formulários e protocolos e o diretor deu a sala. Agora temos que nos contentar com uma salinha dentro da sala maior, que ele vai escolher, no dia e hora que ele decidir.
– Não dá pra fazer mais nada? – tentou também.
– Vencer pelo cansaço. É a minha estratégia. – sorriu, olhando para os dois. – E eu sou muito boa nisso.

Os dois jogadores riram e pararam de andar quando estava perto o suficiente da porta.

– Não é bizarro como nós sempre tivemos paz, e aí, na primeira semana já tem toda essa confusão? – gesticulou ao falar, como se falasse de uma conspiração global.
– Tá falando do quê? – O outro jogador quis saber.
– Como do quê? Do idiota na festa da fraternidade.
– Aquilo foi só coisa de festa, gente bêbada. – deu de ombros, lembrando-se da pequena confusão na festa da fraternidade.
– Talvez. – bateu o taco no chão duas vezes, mantendo a cabeça inclinada.
– Como assim? – notou a expressão de , que rolou os olhos e o tom do irmão. – O que vocês não me contaram.
– Nada. – Respondeu , dando de ombros.
– A gente conheceu a amiga do idiota. – começou a falar. – Uma que apareceu na lavagem de carros, acabando com o clima.
– Metida. – completou. – Chata.
– E por que ela foi até lá? – cruzou os braços sobre o peito, curiosa e um pouco indignada.
– Estava com a garota daquela noite. – contou, tentando relaxar o pescoço enquanto falava, maneando a cabeça para um lado e outro.
– É sério? – rolou os olhos.
– É. É sério. – imitou a namorada. – Fez uma cena porque se molhou um pouco e ainda provocou a gente por causa da briga. – O jogador ergueu o dedo indicador de modo ameaçador. – E é bom aquele cara não aparecer por perto.
– E o que vai fazer? – questionou, apertando os lábios de modo repreensivo. – Não dá pra sair por aí brigando com as pessoas como se estivesse no gelo.
– E ele pode sair por aí se gabando de ter brigado com a gente? – apontou para o próprio peito, chocado. – Contando vantagens? Ele e a amiga dele e os outros amigos estranhos dele?
– Que ótimo início de semestre. – bufou, apertando as têmporas.
– Fantástico. – ironizou rolando os olhos. – Fantástico.

XX


caminhava do modo , com semblante sério, ombros rígidos e caminhar despreocupado. Precisava andar uma distância curta até o centro de treinamentos do time, era sábado e a equipe logo entraria no gelo pelo primeiro jogo da temporada. Estava ansioso, tinha roído as unhas na noite anterior e mordido a parte interna das bochechas durante o dia inteiro. Gostava de chegar mais cedo para ir à academia, treinar cardio sempre o relaxava, ajudava na ansiedade.
A semana não tinha sido das mais fáceis, o que só aumentava os níveis de ansiedade do jogador. Imaginou que aquele semestre seria calmo e tranquilo como os outros, agitado apenas pelas coisas que tinham a ver com o esporte, mas estava terrivelmente enganado. Tinha tido sua primeira briga e nem havia sido dentro do gelo, e o pior, tinha perdido. Na verdade, não estava claro o vencedor, mas considerando que eram e contra um cara aleatório qualquer, pensava que podia considerar uma derrota. Espera-se que jogadores de hockey sejam brutos, gostem de briga e ver sangue e dentes voando. Não era o seu caso. Tinha sido criado bem junto a mãe, valorizava a família, tinha uma irmã e era apaixonado por crianças e cachorros. Apesar do corpo grande e modos grosseiros por causa de seu tamanho, não era menos delicado que sua irmã.
Quando entrou na academia do centro de treinamentos, da parte que dividia com alguns outros atletas e estudantes, tirou a touca e se dirigiu ao vestiário, se trocando para treinar. Queria caminhar um pouco, talvez andar de bicicleta. Colocou uma playlist de músicas antigas e foi para a bicicleta ergométrica. Deixava o olhar passear pela movimentação da academia enquanto pedalava. A academia estava vazia, apenas estudantes que não pertenciam a esportes que se iniciavam naquele sábado, ou estudantes de fora dos times.
sacudiu a cabeça e riu baixo ao perceber as execuções malfeitas dos exercícios pelos colegas. Alguém se lesionaria em breve e o jogador ponderava sobre avisar ou não. Um outro grupo parecia fazer uma pequena e interna competição de levantamento de peso, o que prendeu a atenção do atleta por algum tempo, até que algo mais divertido aparecesse.
No outro canto da academia, afastado por uma quase parede, algumas pessoas praticavam luta. A faculdade tinha a equipe de luta livre e greco-romana, mas não sabia de nenhuma equipe de boxe ou o que quer que fosse aquilo. desprendeu alguma atenção ao grupo de quatro pessoas que assistiam a outras duas, no tatame. Uma mulher e um homem. O jogador de hockey não entendia muito do esporte, já tinha visto algumas lutas de MMA antes e aquilo o fazia lembrar das lutas, mas gastou um tempo observando enquanto pedalava.
A mulher parecia treinar, enquanto o homem recebia e orientava seus golpes. Direto, direto, joelho, ele dizia. Direto, cruzado, gancho, direto, chute. Ela obedecia rigidamente, o som oco dos chutes e socos enchia aquele canto da academia e estreitou o olhar admirado. Estava curioso, nunca tinha pensado na possibilidade de praticar algum tipo de luta, sempre foi dos esportes coletivos, baseball, hockey, seu máximo era o golfe e tênis. Mas de repente, ver a dupla treinando e a energia ao redor deles o tocou, sentiu vontade de se aproximar, conhecer um pouco mais. Podia ser um cardio interessante e mais motivador para os dias tranquilos.
continuo observando, houve uma mudança, um outro homem ocupou o lugar da mulher enquanto ela parecia descansar, com o corpo curvado e mãos apoiadas aos joelhos, de costas para ele. conferia o relógio, queria chegar a marca de vinte quilômetros para então parar e ir até eles, se aproximar. Enquanto isso o grupo se revezava entre quem orientava e dirigia os golpes e quem os desferia. Era interessante de ver.
Quando enfim conseguiu alcançar a marca desejada, saltou da bicicleta, tomou sua garrafa de água nas mãos e se aproximou do grupo devagar. Apoiou o corpo em uma pilastra e ficou observando. Voltou a tempo de ver a mulher voltar a desferir golpes outra vez. Ela usava o cabelo preso em duas tranças, uma camiseta larga e um short mais justo e curto.

– Direto, direto, cruzado, gancho, chute. – Ordenou o homem um pouco mais velho, segurando os aparadores de soco.

A mulher fez a sequência devagar, depois repetiu com força e velocidade mais três vezes.

– Gancho, direto, chute, cruzado. – Ordenou ele outra vez.

A mulher fez de novo, mais quatro vezes, depois juntou as duas séries e a repetiu com força por duas vezes.

– Isso. Perfeito. – O homem elogiou e sorriu. – Já deu por hoje.

Ele finalizou e a abraçou de lado. Os outros começavam a se movimentar, tirando as luvas e se afastando do tatame, alguns trocavam olhares com ao passar por ele, outros até o cumprimentavam com um aceno e tinha os que o ignoravam totalmente. Enquanto esperava aquele que parecia ser o responsável ou o treinador, viu a mulher se aproximar. Ela deixava o tatame, usava os dentes para abrir a luva da mão direita e veio direto até ele.

– Perdido? – Ela o analisou enquanto ainda brigava com as luvas.
– Interessado, eu acho. – riu fechado, um pouco tímido.
– Bom, se for no treino – ela se cansou de lutar e esticou as mãos para que ele lhe ajudasse com as luvas. O jogador de hockey estranhou, mas não quis causar má impressão, então aceitou ajudá-la. – sempre tem espaço para mais um.
– É, é no treino. – Ele assentiu vendo a mulher se livrar das luvas. – Tem outra opção? – franziu o cenho, percebendo só naquele momento o tom da fala dela.
– Não sei, tem? – Ela maneou a cabeça olhando nos olhos dele, podia jurar ter algum sarcasmo na voz dela. – Mestre Russo. – A mulher chamou o treinador quando este passava por eles, conversando com outra pessoa. – Parece que temos um interessado aqui. – Falou e apontou para com o queixo, sorriu fechado e assentiu, cumprimentando com um aperto de mão o homem que o analisava com olhos estreitos.
– É mesmo?
– Ele tem tamanho. – A mulher cruzou os braços, maneou a cabeça outra vez, olhando para e depois voltou seu olhar ao treinador. – É do time de hockey. Pensei, por que não? Acho que podia tentar com ele. Na teoria, ele já briga no gelo.

Quando ouviu aquelas palavras apertou os olhos confuso, olhando do treinador para a mulher.

– Do time de hockey, huh? – O treinador, um homem alto, com orelhas deformadas que denunciavam uma longa carreira no mundo da luta, perguntou ainda o analisando. – Útil ao agradável, não é? – Comentou, olhando de para ela. – Venha no próximo treino, rapaz. – Convidou a , depois voltou-se para a mulher novamente. – Depois mostre a ele como a gente faz as coisas por aqui, não queremos que ele apanhe muito.

A mulher sorriu de lado e assentiu, permanecendo em silêncio enquanto o treinador se afastava.

– Como você sabe que eu sou do time? – , ainda chocado, questionou.
– Você pergunta como se fosse um desconhecido, como se seu rostinho não estivesse espalhado em cada canto desse lugar. – Ela sorriu, andando em direção aos vestiários com em seu encalço, parando justamente bem na frente de um cartaz grande pregado a parede que estampava os irmãos e mais alguns atletas, fazendo propaganda dos esportes da faculdade. Ela olhou para o cartaz e depois para ele e piscou sugestivamente. – O próximo treino é segunda no fim da tarde, lá pelas seis. Mas me encontre aqui por volta das cinco, é melhor, só pra garantir.
– Ele falou sério sobre aquilo de apanhar? – quis saber, incerto e inseguro e ela riu abafado, inclinando a cabeça.
– Não, ninguém vai bater em você. – Ela sacudiu a cabeça. – Mas entre pela porta lateral e venha direto pra cá. O treino é no mesmo horário do treino do , ele pode te ver. – Ela provocou, prestando atenção no caminho e dando as costas para ele.

Demorou alguns longos segundos – mais longos do que o esperado – para que compreendesse a piada dela. Ao fazê-lo, o jogador endireitou a coluna e franziu o cenho.

– Como você sabe disso?
– Sou . – Ela se apresentou, enfiando uma das chaves no armário, sem olhá-lo. – A garota que você e seu amigo ensoparam lavando carros. – Ela explicou e arregalou os olhos. o olhou rapidamente e riu. – Relaxa, eu não guardo ressentimento.
– Você me deixa confuso. – Ele ainda estava atordoado com o quão caótico a cena havia se tornado. – Desculpe.

franziu o cenho e inclinou a cabeça sobre o ombro.

– Eu? – Ela devolveu com outra pergunta ao bater a porta do armário depois de pegar tudo o que precisava e expirou pesadamente.
– Não é meio contra as regras você me ajudar nisso, sendo que seu amigo e eu... – falou, voltando a segui-la em direção aos banheiros.
– Pode ser nosso segredinho sujo. – Ela apertou os olhos e sorriu. – Brincadeira. – sacudiu os ombros e endireitou a postura. – Estamos tentando convencer a universidade a colocar mais categorias de luta no catálogo. Oficialmente. – Ela enfatizou. – Vai ser bom ter um número maior de alunos interessado e também, algum aluno com nome.
– Ah, ela tem os próprios interesses. – Ele sorriu, incerto de ter dito o que acabara de dizer, mas ela riu.
– E você não? – arqueou uma sobrancelha.
– Você sempre vai me responder com outra pergunta? – não conseguia segurar o sorriso bobo que se formava em seus lábios, divertindo-se com aquela conversa.

Ela não respondeu, apenas sorriu e continuou sua caminhada até os banheiros.

– Foi mal pelo banho. – coçou a nuca ao falar. – A gente se empolgou.
– Tá desculpado. – deu de ombros e parou de andar, encarando o jogador com um sorriso educado nos lábios.
– Então. – sorriu aberto. O jogador tentava desesperadamente encontrar algo para falar, mas tudo lhe parecia péssimo.
– Então. – repetiu, erguendo as sobrancelhas.
– Você... você vai ao jogo? Depois? – Perguntou o jogador. – O de hockey, claro. – Sorriu timidamente.
– Talvez. – respondeu, mas os olhos da garota continuavam sobre ele.
– O que foi? – riu abobado, sem jeito. – Por que tá me olhando assim?
– Você poderia dar licença? – Ela lhe trouxe de volta a realidade.

caiu em si, despertando-se de repente e olhando a sua volta. Estavam quase nos chuveiros, nos chuveiros femininos. O jogador sentiu as bochechas esquentarem e baixou a cabeça, envergonhado.

– Claro. Claro. – Respondeu nervoso. – Desculpe.

Ele tentou sair, mas tomou a direção errada, causando risadas em .

– Tente o outro lado, jogador. – Ela apontou, ainda sorrindo.
– O outro lado. Okay. – Assentiu ele, imitando o gesto de e apontando para o mesmo lado. – Já vou. Até. Até o jogo. Ou até segunda. Enfim. Até. – Ele despediu-se, atropelando as palavras enquanto ria.

Ela acenou, dobrando os dedos e se divertindo, enquanto queria procurar um buraco e se esconder dentro, de tamanha vergonha que sentia naquele momento.



QUATRO

A noite do primeiro jogo da temporada sempre demorava a cair. Era como se a ansiedade agrupada de todos os jogadores e torcedores fosse capaz de repelir o pôr do sol. Mas depois de uma longa tarde os jogadores do time de hockey finalmente estavam no gelo para o aquecimento. Tentando controlar os pensamentos e canalizar todas incertezas e possibilidades que despontavam em suas mentes para um só lugar: o fundo da rede.
Além dos exercícios rotineiros, dos tiros ao gol, cada jogador possuía uma maneira única e específica de se aquecer. Em especial, gostava de deslizar por todo o gelo imitando os movimentos que aprendera na infância. Quando precisava esperar a mãe até mais tarde na arena, e assim assistia ao treino de patinação artística. A mãe sempre se atrasava mais que outras mães. O canadense fazia sua série de aquecimentos de joelho e quadril no gelo, dava tiros, corria e deslizava, dava piruetas e rodopios. Era a marca de .
era um pouco mais contido, gastava mais tempo que o geral no alongamento de ombros e braço. Sentia que aquela rotina fazia grande diferença durante os jogos e depois deles. Também tinha, além desse, outro ritual, depois de dominar sozinho os discos, ou de dar alguns tiros, batia as lâminas dos patins no gelo três vezes. Direito, esquerdo, direito, esquerdo, direito, esquerdo. Batia depois o taco no chão, três vezes também, e então os patins mais uma vez. Direito, esquerdo e depois o taco nos patins, duas vezes em cada lado.
Depois disso, e ainda tinham uma rotina juntos. Antes de cada jogo, desde pequenos, agrupavam alguns discos e davam tiros, quatro tiros cada um. Em seguida batiam seus tacos, se cumprimentavam com seu aperto de mão especial e eram os últimos a deixar o gelo. correndo como se sua vida dependesse disso, caminhando como um ser humano normal, com olhos nos pés, desviando o olhar de qualquer outro ser humano.
Naquele momento estavam nos aquecimentos individuais, já tinha executado sua primeira série de rodopios e se aproximou do amigo, que parecia um pouco disperso naquela noite. Talvez surpreso com o público que começava a lotar a arena, pensou o canadense.

– Sei o que tá procurando – O jogador canadense se aproximou deslizando até ele. – apontou para trás do banco e rapidamente olhou na mesma direção. – Ela tá bem ali.
– Onde? – O jogador estreitou o olhar. – Atrás do banco? Não estou vendo.
– Não? – insistiu. – Ali, do lado do banco. Você precisa de óculos, cara. – expirou um riso fraco e continuou negando com a cabeça, se esticando para tentar enxergar. – Ali, do lado. está do lado do banco, de uniforme.
? – olhou para com cenho franzido, para no instante seguinte endireitar a postura. – Claro, minha irmã. . É, agora eu vi. Obrigado, cara.

captou rápido o que tinha acontecido, inclinou a cabeça sobre o ombro e fitou o amigo de olhos estreitos.

– Quem você tá procurando?
– Eu? – começou seu ritual de bater os patins no gelo mais cedo. – Ninguém.
– Você não parava de olhar pra torcida. – apoiou as duas mãos no cabo do taco. – Não era a . Quem é a gatinha?
– Não tem nenhuma gatinha. – Ele negou, deslizando um pouco, alcançando um disco e tentando acertá-lo no fundo da rede. – Não viaja.
– Não tô. – ainda analisava o central, desconfiado. – Eu te conheço. Você finge que as pessoas do lado de fora do gelo não existem, agora estava todo interessado em olhar pra eles.

rolou os olhos e prosseguiu com seu aquecimento.

– Eu sei, irmão. – insistiu. – Eu só sei.

XX


Do lado de fora, enquanto a partida de hockey finalizava e a de basquete estava prestes a iniciar, os torcedores do time de futebol já começavam a se amontoar na arquibancada, escolhendo os melhores lugares. Os jogadores se aqueciam e tinham últimas conversas no campo, preparando-se com calma. Os alunos que não tinham interesse em nenhuma as partidas já começavam a se agrupar onde a grande fogueira seria acessa e onde a música já começava a dar indícios da festa.
estava sentado na carroceria aberta de sua picape, com um copo grande de cerveja nas mãos, rindo com alguns alunos da turma de direito. Não tinha interesse em assistir jogos de nenhum daqueles esportes. Até gostava de hockey e basquete, mas devido aos últimos incidentes, achava melhor não aparecer em jogos de hockey. E não estava com humor para trocar o esquenta de uma festa por um jogo de basquete. Então, já estava junto aos muitos, aguardando o final de um jogo que sequer havia começado, para que a festa de verdade acontecesse.

– Cedo pra beber, não? – se aproximou de repente, pegando o nadador de surpresa.

a olhou, primeiro para reconhece-la, assustando-se com sua aproximação repentina, depois de olhos estreitos e balançando a cabeça. vestia jeans e o moletom da faculdade, também usava jeans e o uniforme de um dos jogadores do time de futebol, Harbor, camisa 07 do Sun Devils.

– Você tem falado mais comigo na última semana, do que falou nos últimos anos de faculdade. E a gente divide o mesmo prédio de dormitório e algumas aulas. – comentou, levando o copo de cerveja ao lábio. – Está querendo ficar comigo? – Ele arqueou uma sobrancelha sugestivamente.
– Não, você não faz meu tipo, gracinha. – lhe deu um sorriso falso. – Só estou aqui em nome das inimizades em comum. – ergueu as sobrancelhas, se lembrando do assunto e depois rolou os olhos. – Ou melhor, suas inimizades.

a encarou.

– Como assim?
– Encontrei um dos caras do time de hockey hoje na academia. – Contou a estudante, despretensiosamente.
– Alguém que assim como nós não gosta da dupla Idi e Ota? – quis saber, mais interessado no assunto.
– Melhor que isso. – sorriu, sentou-se ao lado de sem ser convidada e pegando o copo que o nadador bebia, tomou um gole. – Essa cerveja já está aguada. Eca. – Reclamou, devolvendo o copo a ele. – O próprio .

a olhou em silêncio, esperando que percebesse sua total falta de conhecimento sobre o que ela falava. Quando entendeu, ela rolou os olhos.

– Um dos caras, . – Explicou entediada. – Um dos caras que você brigou na festa na fraternidade era o . Aquele jogador famosinho e estrela que tem o rosto em quase todos os prédios da universidade. – Ela o olhou surpresa. – Não me diga que não percebeu.
– Que eu estava brigando com ele? – , que tinha recuperado seu copo, deu mais um gole e olhou para a mulher por baixo das sobrancelhas. – Não, não fico admirando os cartazes por aí. Nem perguntei o nome dele antes do primeiro soco. Não sou adepto as preliminares.
– Por isso é solteiro. – Respondeu . – Devia escolher melhor com quem briga. – Ela o provocou, rindo pelo nariz. – De qualquer jeito, estive com ele e o foi até legal. Vai treinar com a gente agora.
– O quê? – quase engasgou, chocado com a revelação. – Você vai treinar com ele?
– É, ele quer tentar. – deu de ombros, ficando de pé.
, não sei exatamente que tipo de pacto silencioso tem entre a gente, mas eu acho que uma das cláusulas deve ser não ensinar meu oponente a lutar melhor que eu.
– Você também treina boxe. – Ela deu de ombros.
– É, mas vocês treinam outras modalidades. – se pôs de pé, queria e precisava ser mais efusivo. – Não é nem justo. Isso é uma traição.
– Só uma conversa, te vi de sunga uma vez e você já acha que a gente casou. – brincou e a direcionou um olhar entediado. – Ele quer tentar treinar e o mestre quer tentar colocar outras modalidades de luta entre os esportes da universidade. Desculpe, mas sua briga com o time de hockey não é o mais importante agora. – A estudante estralou a língua no céu da boca, lembrando-se da conversa com o jogador. – Meio que... tenho meus próprios interesses.
– Minha briga? – Ele tocou o próprio peito. – Achei que você também tivesse problemas com eles.
– Eu não guardo mágoa. – mordeu o lábio inferior de modo sugestivo. – Especialmente de morenos altos, de ombros largos e personalidade tímida. – Ela sorriu. – E ele me pediu desculpas, também. – Contou, erguendo um ombro.
– Você não estava com o cara do time? – franziu o cenho.
– Foi só um encontro. – deu de ombros. – Mas tanto faz, só achei que fosse querer saber que na segunda, parte dos seus problemas vai estar na academia na mesma hora que você.
– Essa é a hora que eu te agradeço? – sorriu com deboche, enquanto se afastava de costas.
– É, porque eu pedi para ele entrar pela lateral, pra não encontrar você. E preciso admitir, . – A estudante piscou. – Ele ficou estremecido ao ouvir seu nome.

sorriu, se virou e continuou a se afastar rumo ao campo, onde logo aconteceria o jogo de futebol. Enquanto se vangloriava em silêncio por causa da revelação dela.

XX


🎵 Ouça e se necessário coloque para repetir. Volatile Times (Us Version) – IAMX🎵


O jogo de futebol havia terminado com uma vitória fácil para o time da casa. Não havia sido um jogo muito emocionante, os visitantes não eram um time taticamente forte e pareciam um pouco amedrontados pela muralha rubra de torcedores que gritavam sempre que eles tinham a posse. Aparentemente diabos assustam mais do que se imagina.
A fogueira da festa já tremeluzia suas chamas a grande altura, a música tocava alta, o campo estava tomado de estudantes e algumas pessoas de fora que estavam ali para a primeira grande festa do ano. A área verde estava lotada de jogadores de futebol com rosto marcado de tinta, líderes de torcida em seus uniformes curtos, atletas de outras modalidades que faziam questão de ostentar sinais do time ou dos esportes que praticavam. Haviam torres de cerveja, garrafas de vodca vazias espalhadas pelo gramado e em alguns cantos, as pessoas que as tinham esvaziado também estavam jogadas desacordadas nos arbustos ou perto dos carros.
Pelo adiantar da hora, algumas poucas pessoas já haviam ido embora, principalmente as que tinham começado a festa mais cedo. Mas de forma geral, a cada uma que saia, dez outras chegavam.
, que usava seu uniforme de líder de torcida, depois de animar a torcida para o primeiro jogo do ano, esperava paciente com seu copo da mão. Queria um pouco mais de cerveja e não quis esperar que ou buscassem, eles estavam entretidos como dois adolescentes junto ao resto do time, não sairiam dali tão cedo. O homem que servia a cerveja, no meio de uma roda de outros alunos, vestia o moletom do Sun Devils e girava para alcançar todos ao seu redor.

– Cerveja pra líder de torcida. – Ele sorriu galanteador ao perceber o uniforme de , prestando mais atenção no resto do corpo do que no rosto da estudante.
– Sério? – rolou os olhos e bufou entediada. – Você de novo?

Ao ouvir isso, ergueu o olhar para o rosto da garota e então se lembrou e lhe deu uma risada sarcástica.

– Pra alguém contra as festas, você parece bem enturmado. – alfinetou quando ele acabou de encher seu copo. – E não te avisaram que só pessoas do time podem usar o moletom do time?
– E quem disse que não sou do time? – Ele ergueu uma sobrancelha de modo desafiador e percebeu o quanto ela era grossa e evidenciava seu olhar.
– É meio nítido, sabe? – A ginasta inclinou a cabeça sobre o ombro e projetou o lábio inferior.
– Se você diz. – sorriu e deu de ombros. Podia desmentir, mas não achava que valeria a pena. – O dinheiro pode comprar muitas coisas, gata, até mesmo o casaco do time.
– Não deviam vender pra pessoas como você. – tinha um vinco entre as sobrancelhas irritada com o tom arrogante dele. – Principalmente pra você.
– O quê? Ofendida? – riu pelo nariz e enfim deixou o centro daquele círculo, ficando ao lado de . – Vocês de fraternidade...
– Eu já entendi a sua, . – ergueu o queixo, tentando soar mais ameaçadora, já que era muitos centímetros mais baixa que o aluno de direito. – Você critica o que não pode comprar.
– Uau... – arregalou os olhos teatralmente. – Realmente, você tem razão. Uma vaga em uma fraternidade é algo que não se pode comprar. E definitivamente algo que todos querem.
– Você faz críticas, mas está aqui, numa festa que é organizada pelas fraternidades. Fala mal dos atletas, mas se veste como um. – sorriu, olhando-o nos olhos. – É um recalcado, . E logo vai ser mais ainda, sabe por que?
– Por que, gata? – sussurrou, aproximando-se dela e precisou respirar fundo para não lhe acertar o estômago ao ouvir aquele apelido idiota.
– Porque logo vai perder a sala também, e aí vai ter mais uma coisa para se lamentar. – Ela deu um longo gole em sua cerveja, quase esvaziando o copo.
– Perder pra você? – riu, ainda estava próximo ao rosto de e ela era capaz de sentir seu hálito de cerveja. – Eu não perco, gata. Nunca.
– Se me chamar de gata mais uma vez, vai perder sim. – Ela ameaçou com os dentes apertados, irritada.
– Acho fofo você supor isso, amor, mas minha virgindade já se foi há muitos anos.

estreitou o olhar e o encarou furiosa, tentou erguer o copo para jogar o resto de sua cerveja em , mas ele fora mais rápido e aparou seu golpe, segurando o punho da líder de torcida. – Esse não é bem o jeito que imaginei que você me deixaria molhado. – Ele sorriu malicioso.
– Você não é só um babaca, você é a pessoa mais detestável desse campus. – Ela acusou. – Eu tenho namorado, idiota. E ajudaria você a manter os dentes no lugar se não falasse coisas assim pra mim.
– Ops. – fingiu, cobrindo a boca. – Posso pôr a culpa na cerveja?

Dessa vez, se distraiu por dois segundos, admirando a expressão furiosa nos traços dóceis da líder de torcida, não viu quando ela roubou o copo cheio de alguém que passava ao lado deles e jogou todo o líquido no rosto de , depois saiu pisando firme. Sem olhar para trás.
passou uma das mãos no rosto, tentando limpar os olhos, enquanto assistia a líder de torcida se afastar.

XX


e Luke Harbor aproveitavam a festa um pouco mais afastados do aglomerado de bêbados universitários, de onde se podia ver a fogueira riscar o céu preto sem suar com seu calor. Estavam sentados sobre a mala de algum carro, não sabiam de quem era, só que era confortável estar ali, com os pés balançando enquanto bebiam a cerveja de qualidade horrorosa oferecida na festa.
Luke era do time de futebol, era um dos nomes fortes do time para ser draftado para a NFL, a liga nacional de futebol americano. Estudava engenharia de construção, mas todos sabiam que seu futuro não era em meio as obras. Era bonito também, loiro, de Miami, postura de surfista e daqueles protagonistas de séries que se passam em cidades costeiras. Apesar de ser alto e ter corpo e ombros largos, não era super musculoso e corpulento, o que lhe dava título de um dos jogadores mais rápidos da competição.
simpatizava com ele, apesar de suas incertezas por se tratar de uma atleta, ele parecia diferente dos outros e aquilo a animava. Ele era bonito e gentil, conseguia conversar sem se atrapalhar nas palavras e sem falar só sobre si mesmo, o que já era um avanço.

– Eu estava pensando. – Luke voltou a falar após um tempo em silêncio, onde os dois apenas contemplavam a fogueira e bebiam cervejas. o encarou por sobre o ombro. – A gente podia repetir aquilo. O jantar. – Ele sugeriu e arqueou uma sobrancelha. Aquilo, junto aos olhos azuis do jogador, deixaria qualquer mulher minimamente balançada.
– Um segundo encontro? – sorriu. – Está pensando sobre ou me convidando, Harbor? – Indagou voltando a olhar para a fogueira e ele sorriu aberto.
– Querendo saber o que acha. – Ele tornou a falar, aproximando-se dela um pouco mais, inclinando o corpo para frente.
– Não é assim que se consegue um segundo encontro, quarterback. – levou o copo aos lábios, devagar.
– E como é? – O jogador ainda a observava.
– Não quero ter que decidir, não quero responder perguntas. – apoiou os dois braços a mala do carro e ergueu o corpo para depois descer. – Você não pergunta antes de uma jogada no campo, ou pergunta?
– Estamos num jogo? – Ele perguntou, imitando a estudante e descendo também.
– É, e você está em desvantagem agora. – Ela assentiu o olhando por baixo das sobrancelhas. – O time da casa não está com uma boa postura hoje. Incerto, parece que esqueceram como se joga. Estão inseguros e deixando o time visitante crescer e tomar espaço.
– Alguém precisa fazer alguma coisa. – Luke respondeu se aproximando dela, perigosamente. – E rápido.
– Nisso nós dois concordamos. – assentiu de olhos estreitou envolvendo os ombros do jogador em um abraço, enquanto ele pousava as mãos em sua cintura.
– Te pego amanhã, depois da aula. – Harbor sussurrou perto dos lábios de , mantendo o contato visual.
– Opa, touchdown. sorriu antes de ser beijada pelo jogador.

XX


Talvez a melhor parte depois do jogo – quando se vencia – era falar sobre o jogo enquanto se comemora. amava isso. Amava mais ainda quando fazia algo no gelo de que se orgulhava. Qualquer coisa diferente ou muito legal que o ala fizesse podia virar assunto por vários dias, incansavelmente. E naquela noite, havia salvo o time em um lance quase inacreditável.
Se para o time de futebol a noite tivera sido fácil, o cenário era diferente para o time de hockey. O time visitante era um dos melhores da liga universitária, principal rival do Sun Devils e um time a ser batido. Eram fortes e tinham modos agressivos e pouco ortodoxos de jogar. O hockey não era mesmo um esporte de gentilezas, mas algumas jogadas ainda eram consideradas covardes. Havia e era preciso ter regra no caos. Naquela noite, para alimentar o assunto dos jogadores e torcedores no pós-jogo, estavam a lista de infrações cometidas pelos visitantes que a arbitragem perdoou. tinha sido atingido com um taco no pescoço e depois o mesmo jogador o acertou na coluna, sem nenhuma penalização. Willy, outro jogador do time, tinha tido sua cabeça batida contra o gelo e nada aconteceu ao jogador rival.
Por isso a vitória tinha sabor tão doce. E mais doce que isso, o lance impossível em que havia tirado o disco a centímetros da linha nos últimos segundos de jogo. conversava sobre aquele episódio animadamente, já era a quinta vez que recontava sobre o que pensou e sentiu quando se viu perto o suficiente do disco para tentar salvá-lo. Os companheiros de time ainda pareciam animados e curiosos em ouvir a história, perguntando e celebrando a atitude do ala como se fosse o lance do campeonato. era vaidoso, amava aquela atenção.
, por outro lado, já estava cansado daquela conversa. Gostava de festas e gostava de comemorar vitórias, mas já passava das três da manhã, sentia o corpo doer pelo jogo pegado, o sono chegar, a falta de bateria social gritava. O central balançava o copo, encarando a cerveja que estava pela metade, já sentia o líquido amargar na boca, o que era sempre sinal de que é hora de parar. estava fora, tinha ido buscar mais bebida e parecia um labrador empolgado, olhos estatelados e sorriso mecânico, as vezes pulava de empolgação. Quem não o conhecia poderia jurar que estava sob efeito de alguma droga, mas era apenas o jeito de ser.
O jogador americano tirou a atenção do fundo de seu copo e passou a observar os outros alunos. Era uma mistura caótica de pessoas bêbadas, pessoas desmaiadas e pessoas que pareciam estar desmaiadas, mas que ainda estavam de pé. Chloe estava ali também, junto aos outros estudantes, a mesma garota da festa na fraternidade. Ela sorriu quando cruzou olhares com , mas devia estar ainda mais bêbada do que na noite em que se esbarraram pela primeira vez. Naquela hora não havia mais dignidade em quase todos que estavam próximo a fogueira, todos já estavam bêbados demais para estarem aproveitando a festa de modo consciente e ela certamente era uma delas. deixou que seus pensamentos seguissem livres e rapidamente se percebeu buscando alguém entre as pessoas.
A garota da academia não tinha ido ao jogo, procurou por ela em toda parte e não a encontrou. Talvez não fosse do tipo que vai em festas, ou do tipo que bebe muito em festas. Devia ter pego o telefone, ele pensava. Mas mudava de ideia no momento seguinte, porque era mais fácil assim. Já a veria na segunda, não precisava adiantar aquele encontro. era amiga de , o cara com quem tinham uma pendência mal resolvida e não achava bom se aproximar dela mais que o necessário, mesmo que até quisesse um pouquinho.
não sabia sobre nada, nem , por enquanto era melhor assim. Quando viu se aproximar, ponderou sobre o que ela diria sobre sua aproximação com a garota maluca da lavagem de carros. Não costumava esconder nada da irmã, não queria começar agora. Mas o semblante fechado e irritado de o fez mudar de ideia. A líder de torcida voltou pisando firme, vermelha de raiva.

– O que foi? – quis saber num misto de curiosidade e hesitação. – Não tinha mais cerveja?
– Eu ainda sou capaz de me surpreender em como existem pessoas idiotas e babacas nesse campus. – Ela começou a reclamar e seu tom de voz alto atraiu a atenção de e do time, que estava com ele. Estavam todos sentados em uma das mesas de madeira dispostas por aquela área verde. Alguns sentados sobre a mesa e outros nos bancos.
– Quem? – mudou de seu estado Labrador para o estado Pit Bull. – Quem?
– O cara idiota do curso de direito, o mesmo babaca daquele dia. – Ela rolou os olhos, chutando uma bolsa de equipamentos que estava no chão, perto da mesa. – Um idiota.
– O que ele fez? – ficou de pé, adotando uma postura mais defensiva, enquanto olhava do melhor amigo para a irmã.
– Nada, só falou umas gracinhas. – bufou, sentando-se ao lado do irmão. – Dei um banho de cerveja nele.
– Aonde ele está? – deu as costas para a namorada e começou a avançar em direção a fogueira e onde os outros estudantes estavam reunidos, alguns caras do time o seguiam e se pôs de pé, confuso. – Ele tá morto.
. – empurrou o irmão, para que ele impedisse . – , chega, não precisa disso. – A líder de torcida ordenou, ficando de pé também, enquanto se apressou para impedir o amigo de seguir seu plano.
– É a segunda vez que reclama desse cara. – apontou, desvencilhando-se de e se aproximando novamente da namorada. – Não vai ter a terceira.
– Ele é um idiota, cheio de si, que gosta de me provocar. – falou. – Eu sei me cuidar, não preciso de proteção. E ele está bêbado, não vale a pena. Você não precisa de outra briga.
– É melhor ser inteligente. – tentou ser a voz da razão.
– Isso, ouça o . – pediu, apontando para o irmão.
– Você concorda com ela? – o encarou de olhos arregalados, enquanto o resto do time ouvia a discussão.
– Sim. – Respondeu o central. – Festas são péssimas para brigar, a gente encontra ele sozinho em algum lugar no campus depois. Hoje eu já bebi demais pra brigar, vou funcionar melhor amanhã.
. – o repreendeu e lhe deu um empurrão que mal fez o jogador se deslocar. – Escutem, ninguém vai brigar. Não com aquele cara. – Anunciou a líder de torcida erguendo o dedo indicador. – É isso o que ele quer, me desestabilizar, quer que eu perca a razão para conseguir me tirar da jogada e ficar com a sala. Ele joga sujo, mas não vou jogar o jogo dele. – A estudante explicou, tentando se acalmar para acalmar os nervos do namorado e as ideias estúpidas do irmão.
– Você não precisa jogar sujo, a gente pega ele. – disse como se aquela fosse a solução para a fome no mundo e assentiu com a cabeça.
– Eu vou jogar com ele, mas vou ser mais inteligente. – voltou a falar depois de negar com a cabeça. – É um jogo frio, não vou ceder.
– Você tem um time a sua disposição, mas tá dispensando? – arqueou uma sobrancelha, ainda estava irritado e prestes a ignorar os pedidos da namorada e ir até onde o babaca estava.
– Não quero um time pra me defender, posso fazer isso sozinha. – A estudante sorriu, aproximou-se de e sorriu ao abraçá-lo. – Só preciso do meu namorado, de preferência fora de brigas. – A medida com que ia falando, os outros jogadores se afastavam do casal. – Já odeio ver você brigando no gelo, não quero que se meta em brigas fora dele.
– Mas seria por você. – Ele explicou, abraçando a cintura da líder de torcida.
– Isso é sexy, mas eu sou grandinha, consigo me resolver. – piscou, falando mais baixo.
– Você é mesmo... – sussurrou olhando dos olhos para os lábios da namorada. – Você é realmente uma garota crescida. – Falou de modo malicioso.
– Posso te mostrar melhor mais tarde. – sussurrou de volta, seu rosto estava perto demais do rosto do jogador e quando falou, seus lábios se tocaram, depois a estudante prendeu o lábio inferior do namorado entre os dentes e puxou com suavidade.
– Na minha ou na sua? – arqueou uma sobrancelha, a olhando com seus penetrantes olhos azuis.
XX


Depois do banho de cerveja dado por , perdeu todo interesse pela festa. Estava irado com a garota que parecia ter como missão perturbar seus dias. Reconhecia que talvez suas piadas tivessem passado um pouquinho do ponto, mas era uma festa, estava um pouco bêbado e também não era alguém pura e ingênua. Ninguém depois dos dezoito anos era.
Primeiro a insistência burra pela sala, fazendo perder tempo e se desgastando com aquela situação tediosa, agora, o banho de cerveja. Ela tinha dito sobre ter um namorado e que não dizer aquelas coisas lhe conservaria os dentes. Queria ter dito a ela que já havia brigado com dois jogadores de hockey e se saído muito bem, que um namorado não faria muito estrago. Mas ela tinha ido embora antes que tivesse chance de responder os insultos dela. Droga de garota. Estava melado de cerveja e era uma camisa nova sob o moletom do time, estava frio e agora estava irritado demais para continuar na festa.
caminhava a passos largos e rápidos para o dormitório, sem olhar para trás, quando ouviu alguém o chamar. Era Jessie, membro da liga acadêmica e estudante do mesmo curso. Não eram amigos, mas tinham certeza proximidade por causa das atividades acadêmicas.

, ei. – Ela se apressou para acompanhar seu ritmo. – Já vai? Estava te procurando, queria conversar um pouco. Ainda é cedo pra ir.
– Não é. – Respondeu impaciente.
– Ah, qual é... – Ela tentou sorrir. – A noite é longa, é a primeira festa do ano e tenho certeza que você não está bêbado o suficiente.
– Mas estou sem paciência, sem humor e isso é o suficiente. – Respondeu, não se importava em ser muito educado quando estava de mal humor. – Se for pra falar sobre alguma coisa da liga, finja que eu morri e me procura na segunda.
– Mas e se não for? – Ela disse e capturou a atenção do nadador. – Por que não fica mais? – Jessie o segurou pelo braço, mas se desvencilhou sem cuidado, puxando o braço de modo brusco, para só depois olhar para a garota. – Só quis dizer que pode melhorar. – Ela ergueu as duas mãos em rendição.

maneou a cabeça, analisando rapidamente a postura dela. Estavam um pouco distantes do epicentro da festa, ela o havia seguido até ali e queria descobrir o porquê.

– E como? – Ele estreitou o olhar.
– Por que não volta pra festa? – Ela sorriu. – E aí me conta o que te estressou, posso tentar te relaxar.
– Acho que não. – Negou ele, ainda analisando os sinais dados por Jessie. – Tô molhado de cerveja e sem paciência pra ser gentil.
– Não pedi pra ser gentil. – Ela respondeu e o olhou de modo sugestivo. ergueu o queixo e sorriu de lado, entendendo o interesse dela ali. Ele projetou o lábio inferior e ergueu as sobrancelhas, a incentivando a continuar. – Nem para ficar vestido. – Completou Jessie.
– Pra isso eu não preciso voltar para a fogueira. – ergueu as sobrancelhas outra vez.

Jessie sorriu e então ele a puxou e a beijou.



CINCO

A manhã do primeiro dia de aula do semestre costumava ser sempre muito agitada, os restaurantes e cafeterias lotadas, a correria nos corredores dos dormitórios, o fluxo intenso de pessoas atrasadas ou perdidas. Era o início de mais um ano, para alguns era o último, para outros o primeiro, enquanto alguns permaneciam no limbo de estarem longe demais do início, mas igualmente distantes do fim. Para era o início do fim, cumprindo a parte chata das horas que precisava, as cadeiras opcionais que evitou durante cada segundo da graduação, mas que não podia mais evitar devido ao adiantar do curso.
O primeiro horário do dia seria ocupado pela cadeira de Antropologia Cultural, uma disciplina opcional e que podia ser feita por quase todos os alunos da universidade. Se tratava de uma cadeira que se propunha a estudar a diversidade cultural humana, tanto de grupos contemporâneos, como extintos. Não era uma completa perda de tempo para um estudante de direito, era fácil de passar, apesar de concorrida. Isso significava que não teria tanto trabalho, podendo se dedicar a outras coisas, mas que todo o resto do campus provavelmente teria a mesma ideia, o que faria com que fosse obrigado a lidar com todo tipo de pessoa estúpida e com nenhum bom senso. Mas, compensava, se pensasse sobre o tempo livre que teria graças a cadeira.
Pensando em sobreviver do modo mais confortável possível, estava parado na escadaria que levava ao prédio onde teriam as aulas. Estava com as costas apoiadas a parede, mochila pendurada em um dos ombros, vestia uma camiseta vermelha e jeans, usava óculos escuros e analisava quem chegava para a aula, tinha um plano em mente e só precisava do parceiro perfeito. Os estudantes em sua maioria eram desconhecidos a ele, alguns da sua turma ou do mesmo curso, mas no geral, ninguém que lhe parecesse adequado a sua ideia. Até que viu um rosto conhecido subir os degraus devagar, como se fosse turista ou calouro, conhecendo a universidade pela primeira vez.
tinha os cabelos soltos, também usava óculos escuros, mas estavam sobre a cabeça, os olhos estavam apertados pela claridade da manhã e estreitou o olhar pensando rapidamente se alguém que não conseguia entender a função de óculos de sol era realmente a melhor escolha. usava jeans também, e tênis com uma blusa com florezinhas azuis. conferiu as horas no relógio de pulso, expirou profundamente, fechando os olhos e decidiu que talvez não tivesse tempo para esperar algo melhor.

. – Ele sorriu ao se aproximar dela, fingindo animação e o olhou de canto, uniu as sobrancelhas e sorriu, um pouco confusa com a aproximação.
– Com quem mais você brigou? – Ela perguntou sem parar de andar, enquanto a seguia para dentro do prédio.
– Engraçadinha. – Ele rolou os olhos. – Está aqui pra aula de antropologia cultural?
– Não, é que eu gosto de passear por aí e ver quem são os calouros. – sorriu e rolou os olhos outra vez, mas desta vez se colocou na frente da estudante. – O que é, hein? – bufou.
– Eu tenho uma proposta para você. – falou sem rodeios e a estudante uniu as sobrancelhas, desconfiada. – É uma proposta boa.
– O quê? Quer que a gente sente junto, eu pinte suas unhas e sejamos melhores amigas? – desviou do nadador, continuando seu caminho pelo suntuoso corredor do prédio antigo. – A gente não tem mais inimizades em comum, . Isso é até legal, mas agora as aulas começaram, hora de voltar a ser gente grande. Isso não é Anjos da Lei 2.
– Você muda de personalidade muito rápido. – franziu o cenho, depois sacudiu a cabeça, retomando seu ponto. – Não é nada sobre isso, se você me escutasse, veria.

parou de andar e cruzou os braços sobre o peito e encarou o atleta, arqueando as sobrancelhas uma vez, num sinal silencioso para que ele continuasse.

– Você me conhece e eu te conheço, sabe que eu sou provavelmente um dos caras mais inteligentes do campus... – Ele começou a falar, mas o interrompeu com uma risada nasalada.
– É, sério?
– Me escuta, . – segurou os ombros da mulher. – Eu sou bom, você não é das piores. – Ao ouvir isso, revirou os olhos e juntou os lábios em um bico contrariado. – Essa cadeira é lotada, cheia de gente de todos os cursos e é fácil, o que vai trazer todo tipo de aluno.
– E daí? – Ela franziu o cenho e deu de ombros, confusa. – É assim com qualquer disciplina opcional.
– É, mas essa é fácil de passar, eu gosto de ter tempo livre, você também. – sorriu e tocou com o dedo indicador a ponta do nariz dela. – É pesquisadora, , tempo livre é o que te deixa molhada. – A estudante uniu as sobrancelhas, chocada. – Somos bons e juntos a gente funciona. Já me informei, esse professor vai dividir a turma em duplas, vamos ser nossos próprios tutores.
– Eu não gosto muito desse seu caráter. – o analisou de olhos estreitos. – Você me lembra porque nunca fiz amizade com estudantes de direito. O que exatamente você quer de mim?
– Quero que seja minha dupla. – sorriu com simplicidade. – Eu e você. A gente estuda sozinho, não precisa se encontrar fora das aulas, teríamos tempo livre, ninguém para encher o saco e ninguém se estressaria com parceiros burros.
, você não é bobo. – voltou a andar, a acompanhou. – Não é uma ideia ruim, na verdade é ótima. Mas por que você quer ficar comigo? – Ela ergueu os ombros. – Não tem ninguém do seu curso? E por que acha que você seria minha única opção?
– Não acho, na verdade eu estou contando com a sorte e com o fato da minha beleza ser o que vai te convencer, se a minha inteligência não for o bastante. – inclinou um pouco o rosto para a olhar por sobre os óculos escuros e arqueou uma sobrancelha, enquanto sorria de modo sedutor. – Comensalismo, .
– Você nem sabe sobre o que está falando. – Ela riu e rolou os olhos.
– Ei, vai. – a seguiu para dentro da sala. – Eu acho que você não tem nenhuma opção de dupla, se tivesse, não estaria sozinha aqui e já teria me dispensado. – não respondeu. – Olhe bem. – apontou com o queixo para a sala que começava a lotar com pessoas de maioria desconhecidas aos dois. – Somos nós dois contra o mundo. Você não vai ser exatamente prejudicada. Vai ter um parceiro inteligente, não um calouro tonto ou um veterano de cérebro derretido.

tomou um lugar na primeira fila, ignorando os argumentos de . O nadador jogou a mochila na cadeira ao lado e se abaixou dobrando os joelhos, tentando atrair a atenção da estudante.

– Eu faço as primeiras listas de exercícios ou resenhas, ou o que quer que ele peça. – Prometeu a olhando nos olhos. – Sozinho.
– Agora você está falando, . – apoiou os cotovelos na carteira e o olhou sorrindo.
– E então? Fechado? – sorriu e esticou a mão para um aperto.
– Combinado, dupla. – A estudante piscou quando apertou sua mão.

Um problema a menos, pensou . Agora poderia descansar quanto a aquela cadeira e focar nas que realmente importavam.
Depois de algum tempo, quando já estava sentado ao lado de e conferia as mensagens em seu celular, a estudante se inclinou um pouco para cochichar.

– É mutualismo. – Ela disse e franziu o cenho, perdido no assunto. – E é bom garantir o argumento da beleza, porque pelo visto, o da inteligência não é assim tão forte. – piscou e sorriu enquanto a encarava nada satisfeito.

XX


e não eram as criaturas mais felizes naquela manhã. Para atletas como eles, a única coisa boa em se estar na universidade eram os jogos, as aulas eram totalmente dispensáveis. E igual para os dois, mas mais dispensável ainda eram as disciplinas teóricas, onde era preciso pensar, discutir, ler textos intermináveis e complexos, mais ainda se não fossem extremamente obrigatórias. Não gostavam, não conseguiam, não eram bons. gostava da teoria dos tipos diferentes de inteligência, lembrava exatamente quando tinha escutado aquilo pela primeira vez, através de , que tentava justificar aos pais a dificuldade que o irmão tinha em algumas aulas na escola.
Não era uma pessoa burra, nem se considerava uma. Mas em sua opinião e concepção, não fazia sentido ficar sentado por horas, discutindo e pensando, criando hipóteses sobre algo que não mudaria a vida de ninguém. Principalmente se, enquanto isso poderia estar fazendo algo útil, como treinar ou dormir, comer ou qualquer outra coisa. sabia disso, sabia da dificuldade do irmão e mais ainda da dificuldade do namorado. Se para eram difícil se manter engajado em cadeiras teóricas, para era impossível. era agitado e tinha pensamento muito acelerado, não conseguia acompanhar o raciocínio quando se tratava de alguma coisa meticulosa e reflexiva. Desde sempre era chamado atenção constantemente por não conseguir sequer se manter olhando para o professor ou tutor.
E era pensando nessas dificuldades e sabendo que se deixasse por conta deles, a dupla dinâmica se atrapalharia mais do que era aceito, que assumia a guarda acadêmica dos dois. Ajudava e guiava quando era época de montagem de grade, os acompanhava nos estudos, oferecia ajuda e tudo que lhe fosse possível. Não considerava perda de tempo porque estava ajudando duas de suas pessoas mais amadas, e também porque amava aprender coisas novas. Ajudá-los se tornava uma tarefa prazerosa, tempo de qualidade com e , e ainda se sentia útil e valorizada pelos dois.
Era pelas mãos de que os dois jogadores estavam matriculados naquela eletiva. Era útil aos dois, já que se tratava de uma cadeira disponível a quase todos os cursos, também por ser fácil, o que os ajudaria nas notas. Também e principalmente porque se tratava de uma cadeira onde os três poderiam estar juntos e aquilo era sempre difícil de se conseguir. Por isso, quando e encontraram na porta da sororidade naquela manhã, apesar de estarem irritados e de mal humor pelo tipo de disciplina, estavam conformados porque estaria com eles.
XX


– Eu sei que eu preciso, mas não podia ser outra? – ainda tentava argumentar quando os três chegaram ao prédio onde a aula aconteceria. – Qualquer outra coisa. Não é possível que não tenha nenhuma prática.
, você também precisa desse tipo de cadeira, sabia? – o repreendeu pela oitava vez, estava prestes a perder a paciência de vez. Enquanto isso, viajava em sua própria mente, segurando a mão da namorada enquanto caminhavam para dentro. – E é por odiar tanto que precisa ainda mais.
– Eu não preciso disso pra ser jogador de hockey. – a olhou de lado.
– Até onde eu sei, você ainda não está na liga, ou está? – falou com firmeza, parando antes de entrarem na sala. – E enquanto está aqui na universidade, que tal parar de se comportar como um menino birrento e se comportar como um adulto responsável, pra variar?

🎵 Ouça, se necessário coloque para repetir. Volatile Times (Us Version) IAMX🎵


não respondeu, apenas revirou os olhos e deu as costas ao melhor amigo e a irmã, entrando na sala, seguido por eles. Quando o trio deu o primeiro passo para dentro, era grande o falatório de alunos que já estavam sentados em seus lugares, e os três precisaram dar espaço ao professor, que entrava atrás deles, cumprimentando a todos com voz de trovão. Era um homem alto e magro, com cabelo liso, que usava um terno chique e não parecia ter jeito de professor de antropologia. e trocaram olhares divertidos quando foram quase atropelados por ele, se divertindo com a figura. Mas o riso não durou muito, quando voltaram ao seu caminho, tudo ficou em câmera lenta.
Na primeira fila, sentados juntos e também de olhos nos recém-chegados estavam, para e era o cara da outra noite, com quem tinham brigado e estavam ansiosos para reencontrar; para era , o insuportável concorrente; para , era a garota chata que era amiga do babaca da briga; para era a garota da academia, a da lavagem de carros, e a que e não podiam saber sobre sua aproximação; para , não era ninguém.
Os cinco se analisaram por alguns instantes, alheios a toda movimentação que acontecia na sala de aula. Primeiro reconheceu a garota, , e riu com escárnio, relaxando as costas na cadeira, para só depois reconhecer a figura dos dois ao seu lado e voltar a ficar tenso, apertando o maxilar e mandíbula, enquanto os olhava em alerta. os percebeu e endireitou a postura, tinha as mãos cruzadas sobre a mesa olhava para o trio por cima dos óculos de grau, atenta ao que quer que fosse acontecer dali em diante.
A garota usava uma calça flare colorida e um cropped amarelo, o cabelo estava solto e ela parecia ter caprichado na escolha de acessórios para o dia. Os dois com ela estavam vestidos iguais, moletom do time, apesar de não estar exatamente frio naquela manhã, a diferença entre eles era que usava uma calça de moletom enquanto o outro usava jeans, e os bonés eram de cores diferentes também, apesar de estamparem a logo do time. O semblante era diferente, estava neutro, mas parecia um pouco mais recuado, enquanto tinha olhos estreitos e peito estufado, passava a língua no interior da bochecha e encarava a cena com incredulidade.
Ficaram naquele pequeno “faceoff” até serem obrigados a encontrar um lugar. escolheu um lugar na metade da sala, mas perto da parede, atrás da namorada e ocupou um lugar mais ao fundo, o mais fundo que pode. Entre tantas aulas, tantos horários e tantas possibilidades, tinham mesmo que estar ali, os cinco, juntos? Se perguntavam.

– Bem, já que estão todos acomodados... – O professor sorriu ao se sentar sobre a mesa no centro da sala. – É uma turma grande e bem variada, não é? – Comentou ao correr os olhos pela sala e sorrir para algumas pessoas. – Eu sou Sam Winterbottom, vou lecionar para vocês todos nesse semestre. – Ele usou o dedo indicador para desenhar vários círculos no ar, como quem enfatiza a grande quantidade de pessoas e os alunos riram. – Meu método de ensino aqui, consiste em vocês serem os protagonistas, o aprendizado por meio da cooperação, do relacionamento interpessoal e das habilidades sociais. Por isso, vou dividi-los em duplas.

O professor ainda falava quando ergueu a mão. Ele estava com os cotovelos apoiados a mesa e pernas esticadas, mais que nunca, focado em seu plano com .

– Sim, senhor... – O professor lhe deu atenção.
. , último ano de direito e negócios. – Ele se apresentou e o professor assentiu. – Se me permite, acho a ideia ótima. Afinal, estamos na cadeira de antropologia cultural, numa sala com alunos de quase todos os cursos...é realmente ótimo ter a oportunidade de aprender a partir de outro ponto de vista.

Mas atrás, no fundo da sala, resmungou.

– Exibido.

o fez se calar ao esticar a mão para belisca-lo.

– E eu queria muito saber se poderia opinar quanto ao curso da minha dupla. – continuou, usando de todo seu talento argumentativo. – Todos aqui são bem diferentes do meu curso, mas alguns em específico me deixam mais curioso e eu acredito que podem ser mais interessantes por serem justamente de áreas tão distintas. – Falou.

inclinou a cabeça parar sorrir, incrédula com o papo do novo parceiro.

– Prossiga, senhor . – O professor tinha os olhos estreitos e prestava atenção no aluno, o que motivou e deu confiança para seguir o plano.
– Por exemplo, acho que nunca tive muito contato com cursos da saúde, que lidam com outra perspectiva e olhar sobre o ser humano. Gostaria de tentar ver as coisas pela ótica deles, ao menos um pouco. – tornou a explicar.

– É sério? – se inclinou sobre a mesa para cochichar para . – A gente veio aqui pra ouvir isso? Só pode estar de brincadeira.
– Eu vou cancelar a matrícula. – resmungou de volta. – Primeiro, pegar ele na saída, depois cancelar.

– E o que o senhor sugere? – O professor ficou de pé, ainda prestando atenção em .
– Bem, que tal... – fingiu pensar. – Que tal algo nas ciências comportamentais? Acho que temos muitas áreas afins. – Ele olhou para o professor, que apenas assentiu e tinha um dedo sobre o lábio, como quem pensa. começou a olhar para os lados, primeiro para trás, para a direita e enfim para a esquerda, onde estava sentada. – Espera, você é desse curso, não é?
– Sim. – sorriu e tocou o próprio peito. – Como sabe? – Fingiu, embarcando na história dele, mas sendo quase cômica.

– Por favor, alguém fure os meus olhos. – reclamou, escorrendo pela cadeira e bufou.

– Poderíamos fazer uma dupla, então. – propôs e acenou com a cabeça, depois os dois buscaram o olhar do professor.

O homem se manteve sem expressão, até que riu e balançando a cabeça positivamente disse:

– Você é bom, senhor . – Elogiou enquanto se inclinava sobre sua pasta e retirava de lá alguns papéis. – É muito bom, na verdade. E devido seu esforço argumentativo considerável, eu permitiria que fizesse dupla com a senhorita , se não tivesse já feito as divisões antes da aula.

O professor piscou e ficou estático, o encarando como quem sente o dente quebrar em um evento importante. No fundo, e trocaram olhares cúmplices e sorriram, depois se cumprimentaram com o toque de mãos que sempre faziam antes dos jogos, desde a infância, mas a manifestação dos dois chamou a atenção do professor.

– A dupla feliz, no fundo. – Quando o professor os chamou, e engoliram em seco. – Como se chamam?
, senhor. – respondeu direto.
. – o imitou.

O professor baixou os olhos para uma das folhas que segurava, como se procurasse algo.

– Senhor ... vamos aproveitar sua animação e começar pelo senhor. – Anunciou o professor e sentiu o estômago gelar. – Sua dupla será, o senhor Kyle Weil. – O professor sorriu ao erguer o olhar em busca do outro aluno. – Senhor Weil, se manifeste por favor.

Quando pediu, do outro lado da sala alguém ergueu o braço devagar, timidamente. Era um cara estranho e totalmente desconhecido, na opinião de , mas melhor que ou sua amiga. parecia concordar, mas seu olhar repreensivo dizia que ela ainda teria coisas para dizer sobre aquele assunto.

– Agora, o senhor ...– O professor for interrompido por , que ergueu a mão ansioso e tímido.
– Desculpe, mas... – O mais velho o deixou falar. – Será que eu não poderia ficar com a minha irmã? – O jogador apontou para , mais a frente, que virou o rosto para olhá-lo, assim como toda a turma. – Eu tenho algumas dificuldades e ela me ajuda.
– Não é uma opção, senhor . – O professor negou e logo voltou a olhar para a lista que tinha em mãos.
– E fa-fazer sozinho? Eu eu posso? – tornou a insistir, engasgando-se com as palavras, os olhos da turma ainda estavam atentos a ele e aquilo só o deixava mais nervoso, sentia a testa suar. – É que eu não...não trabalho bem em grupo.

– Qual é a desse idiota? – sussurrou para , que o lançou um olhar repreensivo. Os dois olhavam para trás, para .

– Que bom, senhor . – O mais velho sorriu fechado. – Porque estamos dividindo duplas, não grupos. Mas, vendo a sua nítida dificuldade, vai gostar de saber que teve sorte nessa, porque sem querer o juntei com uma aluna que me acompanha nas pesquisas nessa área. A senhorita .

e trocaram um rápido olhar, mas logo girou o corpo, procurando o professor.

– Professor, será que... – Ela começou a falar e tossiu, tentando limpar a voz. – Eu não esperava realmente ter que fazer isso em dupla, não acho muito justo, sendo sincera. Como disse, eu faço pesquisas nessa área e já fui monitora da disciplina que é um pré-requisito para essa, no meu curso, então...
– Eu concordo. – ergueu a mão.

– Que cara insuportável. – esfregou as mãos no rosto.

– Ela é nitidamente uma vantagem e qualquer pessoa que fizer dupla com ela terá. Não é justo com o resto da turma. – argumentou, do outro lado, , e se entreolharam.
– Isso não é o tribunal de apelação, senhor , não precisa argumentar, não vai adiantar. – O professor não ergueu os olhos da lista para responder. – A senhorita foi monitora do próprio curso, de uma disciplina introdutória para eles, que as pessoas de outros cursos poderiam ou não fazer. Se acha que os conhecimentos dela podem ser tão vantajosos assim, pode se matricular na disciplina no próximo semestre, ou ler a pesquisa dela. Certamente a senhorita não se oporia em compartilhar.

O professor cruzou os braços sobre o peito e ergueu os olhos para a turma, parte o observava com medo, outra parte com agitação.

– Escutem, tentei montar duplas equilibradas aqui. – Disse ele. – E dada a fala do seu colega, acredito que os conhecimentos vantajosos da senhorita estarão em equilíbrio com os do senhor .

, se dando por vencida, recostou-se a cadeira e cruzou os braços, bufando chateada. No fundo da sala, franziu o cenho ao ver aquilo, pensando sobre o porquê da grande demonstração de insatisfação por parte dela, ignorando o ataque nada sutil do professor a sua pessoa. Mas não teve muito tempo para pensar sobre, logo e manifestaram sua solidariedade.

, ao contrário da parceira, ainda não havia se dado por vencido e tentou argumentar outra vez.

– Não perca seu tempo, senhor . – Interrompeu ele. – O senhor, apesar de agora eu julgar ser uma péssima ideia, dado suas inúmeras tentativas de manipulação, está com a senhorita . Ela também foi monitora da disciplina introdutória no curso dela, assim como o senhor também queria, é de um curso bem diferente do seu. Espero que as qualidades dela como estudante consigam pôr a nítida falta que o senhor tem sob controle.

escorreu pela cadeira, amaldiçoando o dia em que havia convencido o irmão e o namorado a se matricularem naquela cadeira, enquanto encarava o vazio, congelado.

XX


– Eu vou cancelar essa cadeira. – resmungava enquanto descia as escadas do prédio, tentando sair dali o mais rápido possível. Seu tom era nervoso, estava agitado e ele gesticulava enquanto falava.
– Vou com você. – completou andando atrás dele, só que mais calmo e com tom de voz apático. O jogador de hockey recebeu um olhar incrédulo da irmã, que seguia os dois. – Não, não vou cancelar essa cadeira. – sorriu em alívio por dois segundos. – Vou cancelar minha matrícula na faculdade. – Completou no mesmo tom de voz de quem avisa que vai ao mercado.
– Ei, chega. – os interceptou, colocando-se à frente deles na escada. – Já chega. Ninguém vai cancelar a cadeira, nem a matrícula – Falou firme, apontando para o irmão, que desviou o olhar. – É um porre estar na turma daquele idiota? Sim. Mas é só mais um lugar em que vou ter que lidar com ele, e se eu não estou reclamando, vocês também não deviam.
– Mas aí que está. – argumentou gesticulando. – Você tá com aquele babaca, com a amiga insuportável dele e eu vou ter... – o interrompeu depois de unir as sobrancelhas.
– Oi? Amiga insuportável? – A líder de torcida colocou as mãos na cintura e olhou para o namorado e o irmão. – O que vocês não me contaram?
– Não é que não contamos, contamos sim. – tentou justificar, suspirando cansado. – Só não te mostramos.
– O que não me mostraram? – tornou a indagar.
– A garota do dia da lavagem de carros. – respondeu entediado, com as mãos nos bolsos. – Era a garota com o .
– A sua dupla? – riu pelo nariz, mas não parecia um riso de felicidade.
– Agora tudo faz sentido. – ainda ria (de modo quase psicótico) e andava em pequenos círculos na frente dos dois. – Não acredito que aquele idiota estava fingindo que não conhecia ela. Ele devia saber da divisão de duplas e queria tentar ficar com ela. Que idiota. Ele tentou manipular a escolha do professor do jeito mais descarado possível. – Enquanto ela unia as peças em sua cabeça, os dois jogadores a olhavam sem coragem para interrompe-la. – Agora faz tanto sentido. A sala, o dia da festa... como ele pode ser tão babaca, arrogante, prepotente e mesquinho e idiota e babaca...
– Fale mais baixo, . – cantarolou ao descer as escadas e passar pelo trio. – ou o babaca pode ouvir você.

Quando os três notaram a aproximação de , avançou em direção a , os dois foram segurados, por e por , que o acompanhava.

– Não me importo que você ouça. – A ginasta falou erguendo o queixo. – Aliás, posso repetir tudo para você agora. Quer?
– Gente, sério. – suspirou. – Não precisa ser assim sempre, o que é que há? A gente não consegue conviver amigavelmente? – A estudante gesticulou, apontando para os dois polos opostos que se encontravam ali.
– Não se mete nisso, ainda não cheguei em você. – devolveu sem afastar os olhos de , dirigia a ele um olhar bastante ofensivo e , ao ouvir aquelas palavras, arregalou os olhos incrédula.
– E a gente achando que todos nessa cadeira iriam ter o mesmo nível. – debochou, olhando para e maneando a cabeça enquanto sorria.
– Você quem tá procurando confusão. – falou firme, olhando para e ignorando a presença da garota ao seu lado.
– E já achou. – completou, cerrando os punhos e tentando se aproximar do nadador.
– Relaxa, você que eu não sei o nome. – suspirou erguendo os ombros e desviando o olhar, depois ajeitou os óculos de sol no rosto, uma das alças da mochila nos ombros. – Não tô atrás de briga, isso é pra quem não se garante em outras coisas. Só estou aqui pra ter aulas, como qualquer um. Mas, se vocês não conseguem, ouvi dizer que enquanto os alunos estão tendo aulas, o gelo fica livre.

e avançaram rápido para , que recuou dois passos quando e entraram entre eles. As duas trocaram olhares rápidos.

– É isso que ele quer. – interveio, olhando para o irmão e o namorado. – Não vale a pena.
– Isso certamente. – soprou, sorrindo sarcástica e a imitou, maneando a cabeça.
– Pode não ser agora. – começou a dizer com dedo erguido em direção ao rosto de , enquanto era puxado por . – Pode não ser aqui, ou hoje, ou nos próximos dias, mas eu vou te pegar. Por aí. Pode ter certeza.
– Eu gosto de merlot. deixou que os óculos pendessem no nariz para olhar para o jogador por sobre eles. e os outros quatro o olharam confusos. – O vinho. Se quer um encontro, é melhor trazer um vinho bom.

Enquanto um injuriado era arrastado por e cerrava os punhos para não acertar um soco no nadador ali mesmo, encarava o estudante de direito, incrédula com aquela cena, enquanto sorria e acenava para o trio.

– É sério? Precisava disso? – tinha os braços cruzados sobre o peito. – Tinha mesmo que provocar os três de novo?
– Não, mas negativas nunca me impediram antes. – deu de ombros. – Sabe o que é melhor do que ficar incomodado com seus inimigos, ? – tinha os olhos sobre os três que ainda discutiam entre si. – Ver que seus inimigos estão ainda mais incomodados com você.
– Por favor. – Ela rolou os olhos e se colocou a frente dele. – Isso já está um pouco infantil. Como você pretende levar essa cadeira a diante estando em pé de guerra com a sua dupla?
– Não vai acontecer, vou descobrir um jeito de acabar com essa ideia idiota de duplas. – Ele respondeu amargo. – Tem que ter alguma forma, nem que seja boicotar o professor. Não vou suportar ficar junto com aquela garota. Qualquer coisa menos isso.
– Não seria mais fácil só cancelar a cadeira? – A estudante deu de ombros. – Se é tão impossível assim conviver?
– Acontece que eu não posso. – respondeu ao tempo em que os dois terminavam de descer os degraus e deixavam o prédio. – Preciso cumprir essa carga horária. Ou isso, ou fico bloqueado e não vou atrapalhar minha formatura. Não existe outra saída.

deu de ombros e continuou andando ao lado do novo amigo – ou o que quer que fosse.

– Mas, tem uma coisa muito estranha nisso. – O estudante de direito pensou alto e mirou a garota ao seu lado com olhos estreitos, baixando os óculos de sol. – Você está muito conformada.
– O que queria que eu fizesse? – ergueu um ombro. – Já vou encontrar minha dupla na academia para o treino hoje. Não odeio ele ou ninguém, mesmo que aquela garota mereça.
– Você tá se bandeando para o lado deles. – acusou. – Até vai ajudar ele a treinar.
– Entre Montecchios e Capuletos eu sou o Frei Lourenço. – A garota piscou, seguindo seu caminho e deixando sozinho no meio do campus.



SEIS

estava nas esteiras quando chegou na academia – atrasado. Esteve perto de desistir daquela ideia e ignorar o combinado, depois do encontro naquela manhã não estava nem um pouco animado em treinar com ou de correr o risco de encontrar . Todo interesse e animação desapareceram depois da primeira aula da manhã, reforçado pelas reclamações de durante todo o dia sobre como odiava e queria encontrar com ele sem por perto para enfim acertar as pendências.
não era um cara agressivo, muito pelo contrário, era preciso muito para que saísse de seu centro. Quando estava realmente irritado, era sarcástico e instigava, mas não gostava de vias físicas, nem ficava feliz quando era levado a aquele extremo. Detestava por isso, por ter o colocado naquela posição estressante de brigas, também pelo tanto que reclamava de , enchendo os ouvidos do capitão do time em todos os momentos possíveis.
Quando viu o jogador se aproximar com uma bolsa de academia pendurada ao ombro, saltou do equipamento sorrindo e foi em direção ao estudante, que caminhava de cabeça baixa para dentro da academia.

– Está atrasado, jogador. – Ela o cumprimentou depois de dar um gole em sua garrafa de água.

“É porque eu não queria vir”, ele pensou, mas não disse, apenas assentiu com a cabeça.

– Como está? Animado para começar? – A estudante esfregou as palmas das mãos, ansiosa.
– Vamos ver. – ergueu os ombros e desviou o olhar para a academia, prestando atenção nas outras pessoas que também estavam lá.
– Qual é o problema? – inclinou a cabeça sobre um dos ombros e uniu as sobrancelhas. – Está nervoso? Ou ansioso?
– Por que? Eu pareço ter algum problema? – devolveu fingindo desdém e estreitou o olhar, surpresa com o tom dele.
– Tá legal, sem papo amistoso, então. – A garota ergueu as mãos, rendendo-se e riu pelo nariz, sem humor. – Qual é o problema aqui? – voltou a estreitar o olhar com a reação dele.
– E você ainda pergunta? – expirou com sarcasmo ao se afastar dela e ir em direção aos armários. o seguiu.
– Isso é sobre o que aconteceu na aula hoje? – Ela questionou o seguindo, mas ele não respondeu. – Eu tentei amenizar, mas a sua irmã...
– É sério? – se virou para ela. – O problema é a gente? Você e seu parceiro querendo burlar a seleção do professor não é o problema? Ou quem sabe todo o resto?
– Não é como se vocês estivessem felizes. – Ela riu abafado, cruzando os braços sobre o peito. – Sua irmã com , seu amigo com alguém aleatório e você comigo, não é como se vocês estivessem felizes com a escolha.
– Eu estava. – deixou escapar, não pensou, só disse e se amaldiçoou no momento seguinte, atraindo para si um olhar surpreso por parte de .
– Como é? – deixou o queixo cair, lhe deu as costas, voltando sua caminhada para os armários. – Ei, espera. – Ela tentou o acompanhar. – Como assim? Não estava... você... – A confissão do jogador não fazia qualquer sentido a estudante.
– O quê? – perguntou de modo retórico ao abrir a porta de seu armário. – é um babaca por continuar com essa briga idiota. E eu já ia ter que encontrar você aqui mesmo, não faria diferença. – Ele deu de ombros, jogando para dentro do armário suas coisas, sem muito jeito.
– Vocês são os mocinhos agora? – se recostou no armário ao lado do de . – Preciso lembrar a você o motivo de tudo isso? A irmã bêbada do naquela festa idiota de fraternidade? Mesmo?
não foi atrás de você na festa depois do jogo, ou eu. – continuou, irritado. – Nenhum de nós fica atrás de vocês debochando e causando problema como ele tem feito com a minha irmã. Então foi mal, , por não sentir peninha do seu garoto. – debochou.
não é meu garoto. – esticou as costas, batendo um pé no chão com firmeza, irritada. – Vocês quem estavam chamando ele de babaca hoje.
– Pobrezinho. – rolou os olhos. – Injustiçado.

cerrou as mãos em punho, mas conseguiu conter seu impulso. Fechou os olhos, respirou fundo e contou até dez, depois abriu os olhos a tempo de ver o jogador bater com força a porta do armário de metal.

– Okay. – Ela voltou a falar. – A gente não vai chegar a lugar nenhum assim. Eu e você.
– E a gente tem algum lugar pra chegar? – a atacou novamente.
. – o reprendeu. – Você não é o , nem sua irmã. Eu não sou o . Não posso responder, nem justificar as atitudes dele, então... eu não quero brigar, acho que essa rixa já deu, também. Não estamos no colégio. – O jogador bufou baixando a cabeça. – Estávamos nos dando bem aqui, nós dois. – A estudante sorriu fraco, tentando buscar a paciência que os anos de faculdade a tinha ensinado. – Vamos ter que trabalhar juntos nas aulas, apesar de o estar empenhado em convencer o professor que duplas são uma péssima ideia...
e minha irmã também. – completou, erguendo o rosto.
– Uma trégua, que tal? – esticou uma das mãos e analisou bem antes de a imitar.
– Uma trégua?
– É, podemos ser Romeo e Giulietta nessa guerra familiar entre Montecchios e Capuletos. – A garota riu franzindo o nariz. se surpreendeu com a fala dela e não teve certeza se havia entendido corretamente, mas no impulso do momento não quis correr riscos.
– Acho que isso está bom pra mim. – O jogador apertou os lábios e projetou o lábio inferior, apertando a mão estendida dela. – Uma trégua então.
– Acho que agora temos um segredo. – voltou a cruzar os braços e apoiou o ombro no armário novamente, sorrindo.
– Parece que sim. – a imitou, sorrindo de volta.

XX


estava cansado, suado e dolorido. Tinha passado por uma sucessão de quedas e tombos, não sabia que era possível cair tantas vezes. Devia ser mais fácil ficar de pé naquele tatame se tratando de um jogador de hockey, afinal, uma das primeiras coisas que havia aprendido era suportar pancadas. Mas as quedas, uma após a outra, já o tinham drenado e não conseguia ficar de pé. As pernas estavam fracas e os braços e troncos não conseguiam se defender dos golpes simples de . Estavam divididos em duplas e a estudante de olhos grandes e semblante sério era a escolhida para ser sua babá.
Durante o treino de Muay Thai, onde esteve sozinho com sua “tutora”, teve alguma facilidade, tanto aparando os golpes de , quanto desferindo sequências de golpes simples que ela lhe indicava e instruía. Pensou que o dia terminaria muito melhor do que havia iniciado, estava otimista e empolgado, treinaria mais três horas com tranquilidade. Mas tudo acabou quando o resto do grupo chegou a academia e o capitão do time de hockey soube que o treino do dia seria Jiu-Jitsu e o que fizera com se tratava apenas de um “aquecimento”. Não fazia ideia do que esperar, mas se fosse parecido com o que havia treinado com antes da chegada dos outros, tiraria de letra.
Obviamente não era.
E embora tivesse sido instruída a pegar leve e tivesse dito isso a ele, já tinha caído de todos os jeitos mais constrangedores possíveis. Se não bastasse aquela humilhação, ainda precisava estar humilhado entre as pernas dela, na frente de todos. Seu braço esquerdo estava entre as pernas de e ela lhe imobilizava o punho, as pernas da mulher estavam sobre seu peito e muito perto de seu rosto que estava amassado no tatame. As coisas estavam indo rápido demais, ele pensava.
Com certeza os outros alunos fariam piadas sobre seu desempenho depois. estava tão envergonhado e cansado que sequer tinha energia para se defender, lutar ou até para pedir ajuda.

– Acho que já está bom, . – O instrutor bateu no tatame duas vezes depois de se inclinar, tentando encontrar o rosto do jogador de hockey, amassado entre as pernas dela. – Ele já aprendeu essa.

A estudante o liberou, relaxando as pernas e soltando o braço de . Quando ela o fez, apoiou o tronco nos cotovelos e manteve as pernas relaxadas sobre o peito de . O jogador respirava cansado e apoiou as mãos, uma mais abaixo do joelho e outra na coxa da estudante, enquanto esperava a vista escura desaparecer e retomar o ritmo de sua respiração. Rapidamente, quando a visão não estava mais embaçada, buscou o olhar de , que ergueu os ombros e sorriu fechado, como quem diz que entende.
ficou de pé em um pulo, tentou ajeitar os fios de cabelo que se soltavam de sua trança frouxa e secou a testa com a manga do kimono antes de estender a mão para se levantar. O jogador foi mais lento, sentiu tudo escurecer quando ficou de pé e precisou apoiar as mãos nos joelhos e fechar os olhos.

– Vai descansar, jogador. – bateu duas vezes no ombro dele enquanto ria.

não se opôs, estava tão quebrado que não se importava com seu orgulho ou com qualquer vaidade, queria uma ambulância. Enquanto isso, e outro aluno voltaram ao centro do tatame, onde outras duplas treinavam também. Levou um tempo, com e o outro cara se puxando pelo kimono, tentavam se derrubar. Até que a estudante, já suada, com rosto vermelho e olhar vazio de concentração conseguiu imobilizar o outro por trás e atingi-lo com um mata leão, finalizando a pequena luta enfim.

– Deu pra mim, vou parar. – Ela avisou cansada, depois de ser ajudada por seu oponente a se levantar. – Deu por hoje.

Ninguém reclamou, então a estudante se afastou, aproximando-se de , que assistia ao treino sentado em um canto, com costas apoiadas a parede e olhar vazio. Estava péssimo, suado, fraco, cansado, muito mais cansado do que quando tinham um treino puxado no gelo.

– Você tá péssimo. – riu pelo nariz, sentando-se ao lado dele e virando na boca o líquido de uma garrafa de isotônico que havia pego no percurso do centro do tatame até o canto onde estava jogado.
– É porque eu achei que fosse um treino. – reclamou, ainda sustentando o olhar perdido e vazio. – Mas você acabou comigo.
– Foi o que ela disse. – A estudante riu da própria piada, mas com a expressão confusa com que o jogador a mirou, ela apenas riu e balançou a cabeça. – Esquece. Eu peguei leve.
– Se isso é pegar leve... – rolou os olhos e expirou pesadamente, passando as mãos nos cabelos suados, afastando-os da testa, mas em seguida pensou sobre como devia estar horrível e tentou ajeitar os fios de modo metódico.
– Foi seu primeiro contato com o jiu jitsu, é normal. – Ela deu de ombros, dando outro gole em sua bebida.
– Obrigado, , agora me sinto muito melhor com a minha humilhação. – riu pelo nariz e ela o empurrou pelo ombro.
– No meu primeiro dia eu vomitei, depois apaguei. – A estudante contou após um breve silêncio. – Então você não está tão mal assim. – ergueu as sobrancelhas e fez uma careta, fingindo como quem está surpreso. – Mas pra um atleta universitário de alto nível você reclama demais.
– É que eu costumo só jogar, não tenho que lidar com alguém tentando me matar. – Ele falou, fingindo falar sério e riu de novo, amou aquilo, como parecia fácil faze-la rir.
– Você joga hockey. Quantos dentes já perdeu? E quanto a ossos quebrados?
– Nunca perdi nenhum dente. – respondeu dando de ombros e ficando de pé com dificuldade, apoiando-se a parede, o imitou, mas sem apoio. – Mas já quebrei dente duas vezes, e uns três ossos. Cinco se contar os que quebrei duas vezes.
– E está com reclamando de ir parar no meio das minhas pernas? – Ela implicou ainda sorrindo.

abriu os lábios para responder, mas um espírito de quinta série se apossou do central no mesmo momento, então ele sorriu, maneou a cabeça e projetou o lábio inferior enquanto baixava os cantos dos lábios, depois sorriu sugestivamente. abriu a boca, surpresa, riu e negou com a cabeça – não havia feito aquela pergunta com malícia.
Os dois começaram a se afastar do tatame, em direção aos banheiros. estava um pouco mais atrás, assistindo a mulher desfazer a trança e balançar os cabelos, depois abrir o kimono, revelando o top escuro que usava. Ainda estava confuso sobre as intenções dela. Ter dito para serem Romeo e Giulietta fora um tanto inesperado, seguido pra proximidade estranhamente saborosa durante o treino, as piadas, o modo como ela parecia rir de qualquer besteira que o capitão falava. Tudo parecia indicar uma só coisa e estava realmente tentado. O rosto de e e toda a cena que fariam sobre aquilo até passou pela mente dele, mas escolheu ignorar. Talvez devesse convidá-la para um suco, depois uma caminhada até o dormitório e o que quer que viesse depois amaria descobrir.
Estavam a caminho dos banheiros, o resto do grupo ainda treinava e a academia estava quase vazia.

– Sabe, hoje eu daria qualquer coisa por um grande sorvete de chocolate. – falou distraída. – Consigo sentir o gostinho. É disso que preciso para finalizar esse dia.

riu nervosamente e sentiu um nó se formar na garganta. Era agora ou nunca, deveria tomar uma atitude.

– Ei, . – Ele parou de andar e a chamou. A garota o buscou com olhar e quando notou que estavam alguns passos atrás, se voltou para ele e sorriu. – Tenho uma pergunta para você. – O capitão sorriu grande e falou baixo.
– Estou curiosa. – Ela imitou seu sorriso e se aproximou.

abriu a boca, estava prestes a falar quando uma figura loira, um pouco mais alto que ele e com uma camisa suada, mas rosto e cabelo em melhor aspecto, se aproximou dos dois. O loiro intrometido se aproximou sorrindo e o abraçou, ignorando por alguns instantes, enquanto o jogador os assistia congelado.

– Achei que o treino não ia acabar nunca hoje. – O outro falou, apoiando um dos braços na cintura da estudante enquanto falava olhando-a nos olhos. – Estava te esperando.

Não. chorou internamente, prendendo a respiração.

– Foi um treino longo, mas produtivo. – respondeu, depois voltou a se lembrar de que ainda estava ali. – Ah, claro. Acho que não foram apresentados, esse é Luke Harbor, do time de futebol.

Claro, tinha que ter alguém, pensou o capitão, engolindo sua frustração a seco.

– Oi. – o cumprimentou rápido e Harbor sorriu, acenando com a cabeça.
– O que ia me perguntar? – inclinou a cabeça sobre o ombro e sorriu.
– Nada demais... – tentou disfarçar, completamente atordoado. – Só... só queria saber quando posso treinar de novo. – O jogador sorriu amarelo, derrotado.



SETE

Do outro lado do campus, a primeira reunião semestral da liga de direito terminava. Havia muito a ser feito, inclusive a seleção de novos membros e isso era o que – junto ao resto – tirava o sono do presidente. Foram tantas inscrições e tantos inscritos que recorreram ao resultado da seleção, que ponderava fingir ter perdido acesso de seus e-mails e tirar uma semana de folga em algum lugar sem acesso à internet. E era só segunda-feira.
A pressão sobre os ombros do estudante o acompanhava desde sempre, mesmo antes que entendesse o que aquilo significava. Ser um . Havia muito em jogo, um império a ser mantido e mesmo que seu pai não cobrasse diretamente, sabia que havia muita expectativa sobre ele, sobre como ele cuidaria de tudo no futuro. Quando conversava com parentes ou amigos, o pai costumava fazer piadas sobre como deixaria o filho aproveitar a vida até os quarenta anos, para que depois então, tomasse seu lugar nos negócios da família.
Eram apenas dois, e Chloe, os dois filhos de mães diferentes, mas com o mesmo pai amoroso e que os apoiava em quase tudo que quisessem fazer. Às vezes sentia inveja de Chloe, pelo fato de ser uma mulher o peso das expectativas do pai caía menos sobre ela. Era quem precisava lembrá-la constantemente de que carregava um nome importante e que por isso era imprescindível que se comportasse, que tivesse uma postura perfeita – fora ensinado assim pelo pai. Tomar conta de Chloe era mais um dos pesos que carregava.
Às vezes, antes de dormir, imaginava como seria largar tudo e correr pelo mundo conhecendo todo e cada país, vivendo em hostels e de trabalho voluntário. Mas sabia que não poderia, não podia se dar a esse luxo, esperavam muito dele, tinha que corresponder, não podia desperdiçar todas as chances que o pai lhes dera, seria muita ingratidão. Nisso que se agarrava quando se sentia cansado, desmotivado, com vontade desistir. Funcionava – quase sempre.
ajeitava alguns formulários e salvava arquivos no computador, sentado atrás de uma mesa que infelizmente lhe dava vista para a sala ocupada por e seu grupo de baderneiros. Agora todos os outros haviam saído, deixando apenas a líder de torcida clichê e insuportável sozinha na sala. No seu lado da sala afastou os olhos do computador pela décima vez. Quando precisava estudar a noite, ou em momentos em que já estivesse muito cansado, usava óculos para ajudar, sentia os olhos cansados com cada vez mais frequência e aquele era um desses momentos. O estudante de direito tirou os óculos de armação grossa cor de chumbo, colocou sobre a mesa e esfregou os olhos, depois subiu as mãos aos cabelos e coçou a cabeça, voltando a apoiar o rosto nas mãos espalmadas.

– Você devia dormir. – Hayden, um dos membros da liga, se aproximou, sentando-se na ponta da mesa e sorrindo para . Era um estudante da mesma turma de , mas ao contrário de , era mais magro, um pouco mais baixo que ele e tinha cabelos claros e curtos.
– Não dá, tenho que terminar de responder esses e-mails hoje. – esfregou os olhos com mais força, bocejou e resgatou o café que esfriava em um copo de papel no canto da mesa. – Vinte alunos entraram com recurso ao resultado da seleção, acredita?
– Tá falando com estudantes de direito, o que esperava? – Hayden deu de ombros, ainda sorrindo.
– Que eles parassem de me encher. Isso já seria um bom começo. – conferiu as horas no relógio de pulso e endireitou a postura. – Preciso de foco.
– Tenho Ritalina na mochila, se quiser. – Ofereceu o outro, erguendo uma das sobrancelhas.
– Não, valeu. – negou rápido. – Não preciso. Além do mais, quero terminar isso e dormir bem essa noite, sem pesadelos com recursos ou líderes de torcida do mal. – Ele fez piada, apontando com o queixo para a sala onde se encontrava, mas sem afastar os olhos da tela.
. – Hayden soprou ao olhar por sobre o ombro e enxergar a estudante na outra sala. – Era minha meta de garota. – Confessou. – Meio que ainda é. Mas é inalcançável.
– Sinto te informar, mas ela namora um pitbull. – rolou os olhos. – Um cara patético, jogador de hockey. Mas, o que esperar de garotas de fraternidade. Tem milhares de opções melhores, Hade. Se quiser mesmo alguém.
– Ela é uma opção boa. – Hayden maneou a cabeça e projetou o lábio inferior, falando sério. riu com deboche.
– É, uma ótima. Certamente.
– Mas é. – Hayden chamou a atenção do colega para si ao arremessar nele uma bolinha de papel amassado. – Minha mãe conhece a dela, elas frequentavam eventos juntas. Tipo, chás beneficentes ou sei lá. Ela é uma boa opção, é bonita, tá envolvida em várias coisas, é muito inteligente. – Ele maneou a cabeça outra vez. – O único problema é que é líder de torcida, a exposição é desnecessária. – Hayden torceu os lábios, ainda analisando em outra sala.
– Estar envolvida em festas e em sororidades não é algo que seja muito considerável, Hade. – recolocou os óculos e riu, se concentrando na tela.
– Não é só nisso, já participei de clubes de debate com ela, ligas acadêmicas. – Contou o outro. – E olha, ela estuda moda ou algo assim. Podia ser como o resto delas, só preocupada com seguidores e roupas e com gente famosa. Mas ela não, ela é realmente inteligente. – Hayden sorriu grande. – É como você, só que de sainha e maquiagem com glitter.

devolveu a bola de papel amassado, acertando Hayden no peito, que riu.

– Ela precisa de muito para chegar perto de mim. – Negou , sorrindo e se permitindo olhar pela porta, vendo encarar um fluxograma organizado, enquanto anotava coisas. – Nunca teria qualquer coisa a ver com alguém como ela.
– Ela está fazendo algo nada divertido, às onze da noite de uma segunda-feira, fora do quarto dela. – Hayden piscou. – Isolada em uma sala. Não sei, mas me parece bem familiar.

não respondeu, fez uma careta para o colega e se recostou a cadeira, deixando que o peso de seu corpo fizesse o encosto se inclinar. O estudante sorriu de canto e se permitiu observar outra vez. Ela estava sozinha ali há horas, parecia realmente empenhada em construir o fluxograma ou o que quer que aquilo fosse. Tinha os cabelos presos em um rabo, usava jeans, moletom e parecia mesmo concentrada, como se não tivesse noção do tempo que estava ali. E talvez fosse mesmo esforçada, admitiu a si mesmo – mesmo a contragosto.

XX


Na terça-feira tinha uma cadeira opcional sobre direitos humanos, era um de seus assuntos favoritos e estava animada. Torcia para que não tivesse mais encontros com e o outro jogador que nunca se lembrava o nome. Para o dia a escolha da universitária era um vestido leve e fresco, fazia calor no Arizona naquela manhã, mais calor do que costumava fazer naquela época do ano.
Assim que a estudante passou pela porta, viu debruçado sobre uma carteira, no canto dala sala, perto da parede, ele parecia estar dormindo. A estudante conferiu o horário no celular rapidamente, ainda faltavam mais de vinte minutos para o início daquela aula. jogou a bolsa no lugar mais perto do estudante de direito e se sentou ao lado dele.

– Bom dia, . – Ela o cumprimentou com tom de guia turístico. – Amanheceu! É um novo dia! – Implicou falando alto e sacudindo o estudante.
– Meu Deus! – Ele reclamou irritado, erguendo a cabeça de uma vez, com olhos arregalados e sobrancelhas unidas, numa reação assustada e irritada.
– Bom dia, colega. – riu outra vez, batendo palminhas. – Você dormiu essa noite? – Ela provocou, apontando para o rosto dele. – Tem umas olheiras sinistras aí.
– Você não tem outro lugar para estar? – rosnou, ajeitando a mochila sobre a carteira e tentando arrumar os cabelos escuros.
– Tenho, bem aqui. – Ela respondeu acenando para alguém que passou por eles. – Tô nessa aula também. Essa é a parte boa.
– Boa?
– É, chato. – o empurrou pelo ombro, ignorando seu tom ranzinza. – A parte ruim é esperar para descobrir se alguém do trio da alegria também está.
– Não me diga uma coisa dessas. – tocou o peito e respirou fundo. – É muito castigo. Essa aula não é opcional pra mim.
– É, eu sei. – assentiu distraída. – Mas acho que eles não vão estar. Duvido que escolheriam alguma cadeira de direito se pudessem evitar. – A estudante o olhou de canto e sorriu mordendo a ponta da língua. – Mas talvez eles não possam evitar.
– Eu acho que estou vivendo um pesadelo. – suspirou, caindo com a testa sobre a mochila, derrotado. – Desde que esse maldito semestre começou e essa família cruzou o caminho da minha.
– Já ouvi isso em algum filme de máfia. – uniu os lábios em um bico, pensativa. – Pelo menos agora você tem alguém pra competir. Digo, realmente competir.
– É, porque você nunca foi uma competidora muito boa. – riu, mas seu riso ficou abafado, ele estava com rosto afundado na mochila, mas ao dizer, girou a cabeça, olhando para .
– E é por isso que você nunca quis ir pra um tatame comigo? – Ela devolveu, rindo também.
– Quem te vê com um vestido de florzinha, não imagina o potencial de quebrar braços que você tem. – Ele implicou de novo, sorriu e ergueu o rosto, apoiando o queixo com a mão.
– O do hockey descobriu isso ontem. – contou tímida, baixando o olhar e sorrindo de canto de modo sugestivo.
– Boas notícias? Quebrou um braço dele? – fingiu empolgação e o encarou com olhos arregalados. – O quê? Você já está treinando com meu rival, eu só quero saber a vantagem que posso ter. – Ele brincou, apoiando as costas a parede.
– Nenhuma, ele aguentou bem. – piscou maliciosa. – Ficou morto depois, mas deu conta. Claro que não peguei pesado, mas...
– Se eu fosse você, andava com seu kimono ou luvas. – fingiu sussurrar. – Se a irmã dele te achar...
– Combinamos que esse vai ser nosso segredinho sujo. – contou erguendo um ombro.
– Me lembre de nunca confiar um segredo a você. – riu alto, pelo nariz.
– Não se trata disso. – negou, rindo abafado. – Ninguém manda em mim. Não é como se eu devesse algo a alguém também.
– Apesar de você estar claramente se bandeando... – a provocou de novo, bagunçando os cabelos de , que estavam soltos. – Vai fundo. Eu já sei que venço o trio Street Fighter no argumento, então, se você quer isso... eu não quero briga, não a física pelo menos. A competição e a intriga me parecem mais interessantes.
– Não vou fundo com ninguém. – Ela negou com a cabeça, baixando o olhar rapidamente. – Até porque, ainda estou saindo com o Harbor.
– Ah tá, tá certo. – assentiu rápido e desviou o olhar de modo proposital.
– É, sério! – riu, empurrando-o de novo.
– Eu só concordei, isso é você se colocando em uma posição de mentirosa. – Ele expôs, também rindo. – Sua postura te entrega. Vou avisar ao Harbor pra aproveitar enquanto pode.
– Cala a boca, . – A estudante cruzou os braços sobre o peito e endireitou a postura, afastando o olhar de .
– Mas sabe... – Ele voltou a falar após alguns instantes gargalhando da expressão fechada de . – Eu tô me divertindo com essa história toda. Já está tudo insuportavelmente chato e pesado esse semestre, mesmo sendo apenas o segundo dia de aula. Senti falta dessa implicância, de ter algo pelo que viver, no caso, superar o Tico e Teco cabeça de gelo e a chata da em todas as instâncias possíveis. – olhou para ele outra vez, ouvindo-o falar. – Você é legal, mas não é muito competitiva, isso já está bem claro. Principalmente se considerar que não demorou nem uma semana para virar amiguinha dos nossos rivais. – Ele riu outra vez e fez careta. – Só não quero mesmo é ser prejudicado academicamente ou ter que fazer dupla com alguém nada a ver.
– Pode não ser tão ruim. – tentou dizer, sorrindo de lado. – O é legal, acho que a irmã pode ser também. E pelo que eu ouvi, ela é bem inteligente.
– E é por isso que eu gosto mais dela no lado oposto. – piscou e balançou a cabeça positivamente. – Se vou ter que argumentar, que seja com alguém que saiba mais de cento e oitenta palavras, não é? – Ele implicou sorrindo. – Mas me conte, como foi ensinar seu novo parceiro de luta? Ele entendeu os comandos? Ou só se comunicam com rosnados?
– Pare. – riu. – Ele não é burro como a maioria deles. Dos atletas. – Ela se corrigiu. – Dos jogadores de hockey.
– Ele conseguiu entender comandos dados em frase? – implicou, celebrando teatralmente. – Que fantástico. Na próxima ele já deve conseguir formular frases sozinho.
– Você é péssimo, . – negou com a cabeça enquanto ria, ajeitando a postura porque o professor havia acabado de entrar em sala.
– Será que se o processo seletivo para sair com você fosse um teste de geografia, quem teria pontuação melhor? ou Harbor? – continuou. – Será que o sabe o que é um quilometro?



OITO

corria apressada até o ginásio onde os treinos das líderes de torcida aconteciam. Estava atrasada, as aulas do dia eram distantes umas das outras e a aula de história da arte havia sido muito mais longa do que devia, bagunçando todo o cronograma milimetricamente pensado pela ginasta. Quando a estudante loira passou pelas portas duplas, foi recebida com alguns olhares das outras meninas que já se aqueciam. ignorou, passou por elas e se dirigiu ao seu pequeno grupo de mais afinidade, Casey e Zoe, que se aqueciam e alongavam em dupla.

– Relaxe, você ainda não está atrasada de verdade. – Casey, que já conhecia o olhar da amiga e sua rigidez quanto a rotinas e atrasos, a consolou sorrindo.

expirou pesadamente e começou a se preparar para iniciar seu aquecimento.

– Você devia repensar sua agenda, . – Zoe começou a falar enquanto alongava o pescoço. – Vai acabar surtando para dar conta de tudo. Como no ano passado.
– Eu só preciso me acostumar com a nova rotina. – Ela deu de ombros. – Tem sido meio cansativo esses dias.
– Ainda é terça-feira. – Casey a lembrou.
– É, mas semana passada foi... – balançou a cabeça negativamente, não queria abrir aquela porta, falar sobre os problemas com . – Vai dar tudo certo, não há com o que se preocupar.
– Você vai na reunião na quinta? – Casey mudou de assunto depois de trocar olhares com Zoe e darem de ombros. – Sobre o projeto do semestre.
– Nossa. – levou uma mão a testa. – É nessa quinta? Me esqueci completamente. – Ela apertou os dentes. – Tinha prometido ao meu irmão e que veria o jogo deles, não consegui assistir ao último.
– Tudo bem. – Zoe expirou devagar. – E se fizéssemos na quarta?
– Reunião do comitê de assuntos estudantis. – mordeu o lábio sem jeito.
– Sexta? – Casey quem sugeriu dessa vez.
– Prometi que ajudaria meu irmão a estudar. – uniu as sobrancelhas, ainda mais envergonhada e culpada, Zoe bufou.
– Sábado? – Sugeriu Zoe outra vez.
– Treino com a equipe de ginástica de manhã, reunião com professor de antropologia a tarde e à noite temos jogo do time de futebol. – Explicou a loira.
. – Casey se aproximou, colocando as duas mãos sobre os ombros de e a olhando nos olhos. – Você não vai dar conta da sua vida, da do seu namorado e da vida do seu irmão.
– Não é isso. – A líder de torcida tentou se justificar. – É só uma coincidência essa semana.
– Eu acreditaria se não te conhecesse há três anos. – Zoe rolou os olhos. – Você precisa parar.
– E se a gente se reunisse no almoço? – retomou a discussão, não queria pensar ou falar sobre sua agenda apertada. – Quinta, no almoço? Que tal? – Ela sorriu, empenhada em convencê-las. – Eu levo o almoço. – Cantarolou a loira.

XX


Na sexta-feira o treino terminava mais cedo do que o usual. agradecia aos céus por isso, apesar de que, após o jogo na noite anterior, o treinador não o tinha liberado para treinos tão intensos, então, passou todo o tempo apenas assistindo outros praticarem, ou aparando golpes de . A mulher agora, além de parceira nas aulas de antropologia, também era sua dupla quase que fixa nos treinos de luta.
A modalidade do dia era o Muay Thai, mais leve que o Jiu Jitsu, na opinião do jogador de hockey. E talvez por isso, ou por ter passado grande parte do tempo apenas provocando para que ela lhe acertasse com mais força, o treino parecia ter passado muito rápido. O grupo estava se dispersando depressa, precisou se apressar para encontrar antes que ela deixasse a academia. Por sorte, viu quando a estudante saiu do banheiro com cabelos molhados e bolsa de treinos nos ombros, caminhando para fora. Estava frustrado por ela já ter alguém e ainda confuso sobre como os sinais dela – várias vezes – gritavam estar disponível. Mas parecia alguém interessante para se ter por perto, além de bonita e também era sua dupla, treinavam juntos e ligar a estudante a atividades físicas faziam o coração do capitão bater mais forte.

– Você está péssima. – implicou ao se aproximar de , usando as mesmas palavras que ela havia usado com ele no primeiro treino juntos. A mulher o dirigiu um olhar de lado ofensivo, depois rolou os olhos. – É brincadeira.
– Não precisa justificar, eu sei que é. – Ela respondeu dando de ombros.
– Como sabe?
– Eu só sei, nem tudo tem uma explicação. – Ela rolou os olhos e expirou, cansada. Até tinha uma explicação, percebia como a olhava, mesmo o conhecendo há apenas uma semana. Como tentava a tocar sempre que tinha oportunidade, como sempre queria conversar, mesmo que falando de coisas aleatórias e desinteressantes, mas não estava disposta o suficiente para explicar.
– Tudo tem uma explicação. – Ele sorriu, insistindo.
– Deixa pra lá, finge que não disse nada. – Respondeu rápido. Estava cansada, preocupada com o trabalho que já se acumulava, com os relatórios de pesquisa que precisava iniciar, as entrevistas para transcrever. O jogador a olhou com lábios torcidos, infeliz com a resposta dela, mas não insistiu mais. – A gente precisa pensar em um horário e dia, eu estou livre nas sextas a noite.
– Oi? – arregalou os olhos, parou de andar e a encarou. Estava pasmo sobre como a personalidade dela, suas ações eram tão contraditórias.
– É, a gente precisa se ver. – Ela rolou os olhos e também parou de andar, voltando-se para ele. – Precisamos achar um tempo na agenda para isso, logo. Eu estou ficando ansiosa.
– Ma-mas... – O capitão do time gaguejou. – O jogador. O Harbor. Ele... tem certeza que quer isso?
– O que tem ele? – deu de ombros. – Ninguém nunca me controlou ou mandou em mim, isso não ia começar agora. Com um cara na faculdade. – A estudante riu pelo nariz. – E então?
– Claro. – endireitou a postura. – Eu adoro. Quer dizer, vou adorar. – Ele coçou a nuca, embolado com as palavras. – Digo, vai ser bom. Passar esse tempo com você e sabe... a gente, a gente pode fazer...
– Que bom. – Ela assentiu sem rodeios. – Quando?
– Que tal amanhã à noite? Ou... – Ele sugeriu enquanto endireitava a postura e se aproximava um pouco mais de , sorrindo de lado e olhando para os pés e depois para os olhos dela, envergonhado.
– Sábado à noite? – Ela inclinou a cabeça sobre o ombro, confusa. – Não, não sei se é um bom dia para isso. – Talvez segunda, depois do treino, ou na quarta. Tenho as noites de quarta, segunda e sexta sempre livres.
– Bem, e se fosse a tarde na terça. – sugeriu, afastando uma mecha do cabelo molhado de do rosto dela e recebendo um olhar por parte da estudante que dizia, “mas que droga você está fazendo?”. – Tem um lugar novo no campus, eles têm um macarrão legal. Dá pra ir no cinema, depois comer.
– Cinema? – fez uma careta confusa e afastou a mão do jogador, que ainda estava mexendo em seu cabelo, segurando-a no ar. – Do que tá falando?
– Como assim? – sacudiu a cabeça confuso. – Do que você disse. Sobre a gente...
– A gente se encontrar para estudar, . – o interrompeu, dura. – Pra estudar. Antropologia. Estudar. Pensar no projeto final.

O jogador de hockey sentiu o cérebro entrar em pane, tudo congelou e ficou branco, como quando ele caia no gelo ou alguém lhe acertava a cabeça. Os olhos perderam o foco e sentiu os pés saírem do chão. Droga. Não. Mas que droga. Não.

– Eu também estou falando disso. – Ele se defendeu, mentindo por instinto de sobrevivência e fora vez de ser pega de surpresa. – Claro que estou. Você não... – O jogador começou a rir, como se achasse graça daquela situação, colocando para fora todo seu nervosismo. – Não achou que eu estava te chamando pra sair, né?
– Achei. – Ela respondeu rápido, cruzando os braços sobre o peito, mantendo um semblante sério. – O papo de sábado à noite, cinema e depois comer macarrão.
– É, se isso se parece com um encontro pra você, você deve ter expectativas bem baixas do que é um encontro de verdade... – Ele implicou sorrindo e abriu a boca, pasma, mas não respondeu. – Eu sou ocupado, sábado à noite é livre, quando eu não tenho festas e bem, você sabe. – fingiu, passando uma mão no cabelo e olhando para uma garota qualquer que passava perto deles.
– E o cinema? O macarrão? – desafiou, estreitando os olhos.
– Sempre passam filmes antigos sobre coisas do Arizona lá. – Ele mentiu usando alguns dos conhecimentos aleatórios que a irmã o tinha transmitido. – Deve ter alguma coisa que dê pra aproveitar. – arqueou uma sobrancelha como se ainda não tivesse convencida. – E o macarrão... eu só queria comer. Não é muito especial, só uma necessidade humana. – deu de ombros e viu se desarmar, expirar pesadamente e baixar os ombros.
– Desculpe. – Ela falou baixo. – Eu acho que... – A estudante ergueu o olhar. – Só desculpe, eu entendi errado. Acho que estou muito acostumada com esses caras tortos daqui do campus. – riu, voltando a caminhar com ao seu lado. – Não sei porque pensei isso, que você estava... é ridículo, você só estava sendo educado. – Ela tornou a rir, se sentindo estúpida e sentia a vontade de desaparecer só crescer dentro de si. – Me sinto uma idiota. Realmente, me desculpe. Não sei o que pensei.
– É, tipo... – seguiu com sua farsa, mas estava nervoso demais para soar confiante ou a olhar nos olhos. – Eu não faria isso. Quer dizer, você nem é meu tipo... – O jogador ria agoniado. – Eu não sairia com alguém como você. Tipo, não tem nada a ver. Eu... você luta, é mais forte que eu, mais inteligente que eu, minha irmã te detesta, você é bem nerd e as vezes ri pelo nariz, e...
. – o cortou, apertando os lábios em um sorriso sem graça. – Eu já entendi. Obrigada, por deixar tão claro.

Ela sorriu sem jeito e depois baixo o rosto, erguendo as sobrancelhas e desviando o olhar, enquanto ele pensava em formas rápidas e indolores de se matar.

– Quartas são boas. – tornou a falar depois de caminharem uma boa distância em silêncio, em direção aos dormitórios. – E os cinemas funcionam. Achei uma boa ideia, a do cinema.
– É, quarta. – assentiu, ainda envergonhado demais para a olhar nos olhos.
– Também pode ser depois do treino na sexta. – Ela sugeriu outra opção.
– Não dá, minha irmã prometeu me ajudar a estudar. – lembrou, fazendo um barulho com a boca, ainda encarando o chão.
– Aquilo que disse na aula, sobre ela te ajudar, é sério? – indagou em tom de uma surpresa divertida e ele enfim a olhou.
– Qual é o problema? – Devolveu ele na defensiva, fechando a expressão.
– Nada, eu só... – sorriu sem jeito. – Só achei que fosse uma tática para ficarem juntos.
– Eu não sou o seu amigo. – estava sem jeito de novo, mas pior dessa vez, mais sisudo, nada feliz com o tom de .
– Foi mal. – Ela se desculpou quando notou a mudança dele. – Não quis ofender.
– Não ofendeu. – Ele respondeu rápido e sério, estavam perto do dormitório, mais alguns passos e chegariam a porta de entrada. – Preciso ir, tenho um encontro. – Ele mentiu, apressando o passo e a deixando para trás. – A gente se fala.
– Okay. – parou de andar, surpresa pela mudança dele. – Até. – Despediu-se com um aceno que fora ignorado por ele.



NOVE

Estavam no dormitório de e , na sexta. aguardava o retorno do irmão, haviam combinado de estudarem juntos. sempre teve muita dificuldade quanto a seus estudos. Era brilhante em matemática, coisas que necessitavam de um raciocínio lógico, memória fotográfica, era capaz de fazer contas grandes de cabeça. Mas com as letras...
O capitão do time reclamava das letras se embolando, de ficar perdido nas palavras, ler o que não estava escrito. Era difícil para , e também fora fonte de muita vergonha e insegurança durante a infância. Com o passar do tempo, ganhando confiança enquanto capitão do time de hockey da escola e da faculdade, sentiu-se desprender da vergonha de suas dificuldades acadêmicas. Além disso, inúmeras pessoas se gabavam do diagnóstico de TDAH, Autismo, ansiedade por aí, porque ele devia se envergonhar quanto ao seu de dislexia?
Isso fora o que com muito custo auxiliou o irmão a acreditar. Funcionava, mas ainda precisava de ajuda da irmã. Talvez, na verdade, estivesse tão acostumado a tê-la, que imaginava nunca conseguir realizar nada sem o apoio ou supervisão de . Claro que aquilo drenava a líder de torcida às vezes, mas era seu irmão, valia a pena. Por isso estava ali, organizando todo o material que usariam juntos, enquanto passava o tempo aguardando o amigo lançando uma bola de baseball para cima e a pegando com a mão, deitado em sua cama.

– Onde ele está? – conferiu as horas no celular pela quinta vez nos últimos dez minutos. – Já devia ter chegado da corrida pelo campus.
– Eu não sei, está estranho ultimamente. – observou, franzindo cenho, cismado.
– Estranho como? – ficou em alerta.
– Não sei, é como se ele estivesse mais... – O jogador demorou para encontrar a palavra certa. – Perdido na própria cabeça. Ele está passando muito tempo na academia, fica olhando para os lados toda vez que a gente sai por aí, ou durante os treinos ou jogos.
– Ai meu Deus. – virou o corpo na cadeira de maneira brusca, olhando para o namorado com olhos arregalados. – Acha que ele está com problemas?
– Não sei. – se sentou, pensativo. – Ele não me falou nada, acho que se fosse um problema assim ele contaria. Pelo menos para mim.
– Você precisa descobrir. – ordenou, ficando de pé e se aproximando do namorado, sentando-se ao lado dele na cama.
– Eu vou se ele falar comigo. – gesticulou depois de puxar para cima a perna da bermuda que usava, estava sentada na beira da cama, com os pés apoiados no chão. – Talvez seja por causa daquele idiota do .
. – rolou os olhos e sorriu, deixando que o ar preocupado caísse por terra, adotando uma postura mais divertida. – não andaria por aí olhando para os lados por ter medo de encontrar o . E o não quer brigar, ele disse naquele dia.
– E você acreditou? – arqueou as sobrancelhas e tocou o peito. – Porque pra mim, alguém como ele sempre está procurando alguma coisa.

rolou os olhos e negou com a cabeça, se levantou e voltou a se sentar na escrivaninha, ignorando o namorado.

– Deixe ele, vamos falar do que importa. – Pediu sorrindo e o jogador voltou a se deitar. – Vou retomar o estágio na segunda.
– Já? – continuou a atirar a bola para cima. – Como vai conseguir tempo para fazer tudo que já faz e o estágio?
– Eu vou dar um jeito. – mordeu a ponta da caneta e tornou a olhar para o namorado, estava empolgada. – É um estágio importante, na sede de um site de moda importante. Só abriram vagas para os três primeiros alunos da turma, não posso deixar passar. – Ela explicou feliz e orgulhosa. – E eu sonhei com isso em cada momento desde que comecei a faculdade. – deu de ombros e se inclinou sobre as folhas espalhadas na mesa, escrevendo um pouco mais nos resumos. – E se ficar difícil posso deixar algo. Sair de algo. Tipo a ginástica ou as líderes de torcida.
– Tá brincando? – Ele ergueu o rosto de repente, surpreso. – Sair da equipe de ginástica? Você trabalha pra isso desde que era criança.
– Eu sei, mas... – Ela hesitou, estava de costas para ele, tomando coragem para verbalizar o que vinha se passando em sua mente há algum tempo. – E se eu tiver mudado de ideia? – Ela girou o corpo na cadeira, buscando o olhar dele. – A ginástica é legal, mas entre atletas você sabe, temos data de validade. – Argumentou a loira. – E também os treinos intensos, uma rotina muito disciplinada, dietas e treinos e exercícios.
– É, mas você sempre gostou disso. – Ele devolveu.
– Você sempre gostou disso. – o corrigiu. – Você respira hockey, meu irmão diz que foi colocado na Terra para jogar hockey, mas eu...
– Foi colocada no mundo para fazer roupas? Pra falar de moda? – ficou de pé. – , você pode fazer isso e ser uma ginasta conhecida. – Ele se inclinou, abaixando-se entre as pernas dela e sorrindo para a namorada. – Quase foi convocada para as eliminatórias, para as Olimpíadas. Você não precisa jogar tudo isso fora para estudar moda. – O jogador de hockey afagou os joelhos dela com carinho. – Pode fazer isso tudo ao mesmo tempo.
– Mas e se eu gostar mais disso? – Ela tornou a dizer, olhando para ele.
. – torceu os lábios e riu. – Eu te amo, sei o quanto você se esforçou pela sua posição de atleta. Não vou deixar você largar tudo assim. – Ele garantiu, beijando a testa dela. – Você só precisa relaxar, deixar um pouco essas coisas acadêmicas pra lá. – ficou de pé e estendeu a mão, quando a segurou, ele a puxou para que ficasse de pé. – Eu tenho uma ideia. – Disse e caminhou de costas devagar, até a porta, trancando.
! – o repreendeu, rindo pelo nariz. – Meu irmão deve estar chegando.
– Ele espera. – O jogador de olhos azuis deu de ombros. – Agora eu preciso relaxar a minha namorada. – se aproximou dela novamente e o abraçou pelo pescoço. – Sem trabalhos e preocupações. – Sorriu ele, impulsionando para seu colo e a erguendo do chão, enquanto a líder de torcida sorria.

XX


Estavam no dormitório de após o treino da sexta-feira, fechando a semana. Era tarde da noite, Luke Harbor estava com a estudante, os dois dividiam uma pizza e tomavam refrigerantes. Na TV o casal assistia pela terceira vez Anjos da Lei, filme favorito de Luke. O jogador de futebol já havia percebido o semblante torto da namorada, mas ainda não a tinha indagado a respeito. Por causa de sua falta de atenção e lentidão nas respostas a perguntas feitas por ele, conversas monossilábicas, Luke resolveu intervir.

– Eu fiz alguma coisa? – O jogador de futebol perguntou de repente, pausando o filme e atraindo de súbito a atenção da mulher.
– O quê? Não. – negou com a cabeça, de cenho franzido. – Por que está perguntando isso?
– Talvez porque você mal está falando comigo. – Ele ergueu os ombros e as sobrancelhas. – E nem riu das partes engraçadas do filme.
– É, mas é a terceira vez que a gente vê, né... – A estudante levantou as sobrancelhas e desviou o olhar, passando a língua na bochecha. O atleta a encarou em silêncio. – Não é nada. Você não fez nada, está tudo bem. – Ela sorriu fechado, esticando-se para beijá-lo na testa. – Só estou chateada com algumas coisas.
– Tipo? – Luke quis saber, enfiando um pedaço de pizza na boca.
– Acho que ofendi uma pessoa hoje. – Ela torceu os lábios, chateada. – Ri da dificuldade de alguém e ele ficou chateado comigo. – Contou desapontada.
– Você riu da dificuldade de alguém? – Luke riu pelo nariz, desacreditado. – Não acredito. Você é chata, certinha... não ia rir de alguém.
– Acredite se quiser. – deixou o tronco pender sobre a cama. – Foi a segunda bola fora no dia, com a mesma pessoa. Ele deve achar que sou uma idiota, essa é a verdade.

Houve um breve silêncio.

. – Luke a chamou, um tanto perplexo. – Essa é a hora que eu fico com ciúmes? – O loiro riu, estreitando os olhos azuis.
– Não, bobo. – A pesquisadora apertou as bochechas dele e riu também. – Eu só não gosto da ideia de pessoas achando que sou uma babaca.
– O que você pode ter falado de tão ruim?
– Se lembra do cara da aula de antropologia? Da confusão com o ? – Ela perguntou e ele assentiu. – Na aula ele mencionou sobre alguma dificuldade de aprendizado. Hoje eu ri disso, mas só porque pensei que fosse papo.
– E não era? – Luke se aproximou da namorada, apoiando o corpo em um dos braços, esticando-os na cama.
– Não. – baixou o canto dos lábios. – Pelo jeito que ele reagiu, na defensiva, não.
– Sei lá. – Luke deu de ombros e se deitou ao lado da namorada. – Ele deve ser inseguro com isso. – O quarterback deu de ombros. – Você não tem culpa disso. Não fica pensando nisso.

riu e rolou os olhos.

– Ah, claro, agora que você disse... – Ela bateu na própria cabeça com a palma da mão, de modo teatral. – Como não tinha pensado nisso antes?
– Engraçadinha. – Luke riu, fazendo cócegas na namorada, rolando sobre ela. – Sabe o que eu quero, ?
– O que, Luke Harbor? – Ela devolveu, abraçando o pescoço dele.
– Curtir a sexta pré-jogo com a minha namorada sem outro cara no meio. – Luke falou, beijando o pescoço dela. – Principalmente o capitão do time de hockey.
– Eu prefiro o quarterback loiro do time de futebol. – Brincou , correspondendo enfim ao beijo dele. – De qualquer jeito.

XX


🎵 Ouça e se necessário coloque para repetir. Cage The Elephant - Ain't No Rest For The Wicked🎵


corria pelo campus na manhã de sábado.
Era uma coisa que gostava de fazer quando acordava bem-disposta, dava ares de ser uma pessoa matutina e saudável, com muita disposição – o que não era bem uma verdade. Mas as manhãs de sábado eram calmas e silenciosas, vazias, ao contrário das tardes. Cada hora mais perto dos horários dos jogos, mais pessoas pelo campus, mais agitação, a banda, líderes de torcida, a torcida organizada dos times, tudo era um caos.
se sentia bem, motivada e energizada. Não estava longe do dormitório quando vislumbrou o carro de parado no estacionamento, em sua vaga de rotina. Estava mal estacionado, invadindo a vaga ao lado. A estudante se aproximou pouco, parando de correr e caminhando até lá, estava curiosa. ainda estava dentro do carro, dormindo – ao menos parecia – com a cabeça apoiada ao volante. Era pouco mais de nove, o sol já estava alto, sorriu com pena do estudante de direito e bateu no vidro devagar, tentando chamar sua atenção.
O estudante de direito custou a acordar, quando enfim o fez, ergueu a cabeça confuso, olhos estreitos, os lábios pareciam inchados e o rosto também. Olhou para os lados e se tateou, como se quisesse se lembrar de onde estava. Quando enfim ele percebeu a colega do lado de fora do carro, baixou o vidro.

– Oi, oi! – acenou com uma mão, empolgada.

grunhiu.

– Amigo, você está acabado. – Ela o chamou para fora, dobrando os dedos. – Vem, te pago um café.

De forma letárgica, abriu a porta do carro. Ele esfregou o rosto e tentou ajeitar a camisa branca amarrotada que usava. Seu cabelo estava um caos e seu rosto inchado com olheiras escuras e profundas.

– Você sabe que eu sou rico, né? – Ele indagou, saindo enfim do carro e se espreguiçando.
– Que arrogante. – deu de ombros e riu. – Vou te perdoar porque você não parece mesmo bem.

Os dois começaram a caminhar em direção a uma cafeteria perto do dormitório, ambos distraídos com o ambiente ao redor e com pedrinhas pelo chão.

– Tá difícil conciliar tudo. – desabafou, cansado, sem que ela precisasse forçá-lo a falar. – Conciliar as coisas.
– Mas é só a primeira semana. – comentou um pouco confusa se estava entendendo sobre o que o estudante de direito se referia.
– E eu não sei? – a olhou com expressão de poucos amigos. – Ser presidente da liga, estagiário de direito... não tá dando. – Ele suspirou quando se aproximaram da cafeteria. – Eu preciso fazer muita coisa. Acho que desde que as aulas começaram só dormi perto de oito horas por noite nos dois primeiros dias, desde então só tenho dormido umas três horas. – riu amargo. – Porque quando consigo dormir mais cedo, tenho insônia e ansiedade.
– Eu não gosto de ser a pessoa a dizer, mas... – hesitou e suspirou. – Talvez você devesse largar a liga acadêmica.
– Eu pensei, ia largar. – respondeu ao passo de que entraram na cafeteria e o estudante segurou a porta para a amiga. – Mas agora, com a Problema no nosso pé, querendo a sala, ficou impossível. – Os dois ocuparam um lugar na fila, esperando para fazer o pedido. – Ninguém lá tem argumentos para defender a liga e ela tomaria a sala de volta. – esfregou as mãos no rosto de forma intensa. – E ainda nem comecei a estudar para o exame da ordem. Meu Deus.
, por que você tem que fazer tantas coisas? – arqueou uma sobrancelha e torceu os lábios em um bico contrariado. – Vai acabar surtando.
– Eu tenho que aproveitar a faculdade. – respondeu erguendo os ombros. – Um expresso. – ergueu um dedo para o atendente.
– Uma vitamina de banana. – o imitou.
– Só posso aproveitar tudo isso agora. – continuou. – Tenho que ser o primeiro da turma. Ano passado eu vi meu pai se gabando para uns sócios sobre e eu não quero que isso mude em menos de seis meses.

o encarou com estranhamento, depois afastou os olhos e suspirou.

– Acho que a única coisa prestes a mudar aqui é o seu endereço. – o olhou com estranhamento e uniu as sobrancelhas. – Do campus para um hospital psiquiátrico.

XX


Na segunda-feira os alunos estavam de volta a aula de antropologia. Ao contrário da primeira semana, onde havia expectativa e ansiedade, até certa animação por causa do início das aulas, agora o clima era completamente diferente. A maior parte dos alunos estava incerto, desconfiado, enquanto certo grupo de cinco alunos compartilhavam as expressões enfezadas e contrariadas por estarem ali.
estava sentado mais atrás, quase no fundo da sala, ao lado de seu novo parceiro, dupla naquela cadeira. O ala do time de hockey não estavam nem um pouco feliz, bufava a cada três minutos contados no relógio e tinha olhos estreitos, fuzilando as costas de . Ocupando um dos lugares a frente estavam e . Os dois se organizavam para início da aula, a ginasta loira anotava e dava check em atividades descritas em seu planner, ignorando o homem ao seu lado.
se remexeu na cadeira, tentando enxergar o que ela tanto escrevia naquela agenda e se afastou, cobrindo as linhas com o antebraço.

– Se tentar ficar a menos de sessenta centímetros de mim, vou furar seus olhos com a caneta. – Ela ameaçou, erguendo a caneta rosa que tinha em mãos.

achou no mínimo ridículo a ameaça dela com uma caneta cor de rosa e com uma miniatura de pompom na ponta, mas deu de ombros e ergueu as mãos em rendição. Depois desviou o olhar dela, ajeitando a postura e olhando para frente, acenando para quando a amiga passou por eles arrastando pelo antebraço. Os dois vinham do fundo da sala, de onde a pesquisadora havia tirado o capitão do time de hockey – a contragosto dele.

– Eu não vou sentar aí. – protestava sendo arrastado pela estudante. Ela usava jeans e uma blusa vermelha que fazia com que ele não pudesse não olhar para ela. – Não vou sentar na frente. .
– Nós vamos. – Ela jogou a bolsa em uma carteira, perto do lugar que e ocupavam. – É claro que vamos.
– Não vou. – ainda tentava argumentar, chateado. – Se ele fizer uma pergunta, não vou saber responder. Por isso que eu não sento na frente. Por isso não gosto de chamar atenção dos professores. – Ele reclamou mais para si mesmo do que para , jogando-se a contragosto no lugar escolhido por ela e fechando o rosto em uma expressão emburrada.

A estudante torceu os lábios, incomodada, sentou-se e virou-se para ele, tocando seu antebraço a fim de ter sua atenção.

– Eu peço desculpas pelo tom que usei no outro dia. – Ela foi honesta e levantou as sobrancelhas e expirou um riso sarcástico. – Não foi minha intenção. Mas eu entendo, digo... acho que entendo um pouco sobre isso tudo e posso tentar ajudar. – Ela sorriu sem jeito e o capitão do time a olhou. – Não sou a , mas posso tentar ajudar você a entender os assuntos. Me ajudaria a revisar também.
– Sério? – Ele estreitou o olhar, desconfiado e ela assentiu com a cabeça. – Por que você faria isso?
– Porque eu não faria? – uniu as sobrancelhas.
– Você está me ajudando com os treinos, mesmo com o problema entre nós e seu garoto. Agora quer me ajudar nas aulas? Além ser minha dupla, sendo que no início você não estava muito feliz com a ideia? – a indagou, cismado.
– Primeiro, não é o meu garoto. – começou a listar. – Segundo, o que há de tão grave em ser legal? É o que eu estou tentando fazer, ser legal. – A estudante cruzou os braços sobre o peito, enfezada e virou para frente. – Mas, se você acha que tem algo de errado ou criminoso nisso, pode ficar por sua própria conta e risco.
Ela projetou o lábio inferior em um bico.
apertou os lábios, irritado e fechou as mãos em punho, não acreditava no que estava prestes a fazer.

– Me desculpe. – Pediu depois de um suspiro, mas sequer se moveu. – Não foi o que eu quis dizer. Eu só... – Ele desistiu do que estava prestes a dizer. – Nada, deixa pra lá. Só me desculpe.

o olhou de canto, ainda contrariada, depois voltou seu olhar para frente outra vez.

– Tá legal. – Ela respondeu ainda com lábios torcidos, emburrada.
– Legal? – sorriu e levantou as sobrancelhas. – Então tudo legal? Estamos legal? – Ele perguntou a , cutucando sua cintura e a estudante tentou conter o riso, até não conseguir mais.
– Tá, tá legal. – Ordenou rindo, mas fingindo não querer, esforçando-se para se manter séria. – Tá legal. Agora pare.
continuou, ele ria de modo infantil, enquanto ela tentava faze-lo parar e de longe, assistia a cena. O jogador bufou e jogou a cabeça para trás, irritado com a cena idiota do melhor amigo com a garota time , e ainda sendo obrigado a contemplar a cena daquele idiota com sua garota. rosnou e quando olhou para o lado, percebeu sua dupla o mirando com uma careta estranha.

– Qual foi? – Indagou retórico, um pouco agressivo, inclinando o corpo sobre a mesa, enquanto balançava a cabeça negativamente. Irritado e incrédulo com aquela situação.

XX


– E é isso, eu espero que se preparem e se empenhem nesse projeto. – O professou falou, sentando-se sobre a mesa na frente da turma. – Não vai adiantar deixar para a última semana. Porque vocês não vão conseguir fazer. – Ele sorriu sádico, dispensando a turma, que aos poucos deixava a sala.

– Vamos nos reunir na segunda para fazer esse trabalho infernal. – rolou os olhos, dirigindo-se ao companheiro de turma enquanto arrumava suas coisas. – O quanto mais rápido a gente começar, mais rápido terminamos.
– Que ótimo. – expirou entediado. – Mal posso esperar para passar mais tempo ainda com você. – Ele revirou os olhos, sarcástico. – Mas ao contrário do que pensa, , o mundo não gira ao redor do seu pompom de líder de torcida. – falou, ficando de pé. – Tenho reuniões da liga na segunda.
– Eu não acho que o mundo gira ao meu redor, babaca. – rosnou, aproximando-se dele e cruzando os braços na frente do peito. – Caso não se lembre, eu também tenho compromisso nas noites de segunda. A gente pode, infelizmente, se reunir antes das reuniões e acabar de vez com esse tormento.
– Legal. – Ele a respondeu entredentes, jogando a mochila nos ombros e ajeitando os óculos de sol na cabeça. – Já que não tenho escolha e não vou deixar nada de lado pra me reunir com você. – O nadador empinou o nariz com desdém. – Mas só pra deixar claro. – Ele ergueu o dedo indicador na direção dela. – Vou ter o prazer de usar essas reuniões para mostrar ao professor o quanto que isso é uma perda de tempo, principalmente fazendo dupla com você. – E saiba que vou fazer o mesmo. – garantiu e se afastou, batendo os pés.

franziu o cenho em uma careta, imitando a expressão dela e rolou os olhos.

– Insuportável. – Xingou-a.



DEZ

e almoçavam no restaurante novo, indicado pelo irmão da ginasta, provando o macarrão elogiado por , já que ele estava ocupado demais para acompanhar os dois no almoço. estava emburrado desde a primeira aula do dia, suas feições só amenizaram quando o garçom trouxe o grande prato de macarrão do jogador. o observava comer.
Ele era lindo, os olhos azuis quase líquidos, o cabelo loiro mel, o rosto liso e sem barba. Se tivesse aquela aparência em 2010 e idade suficiente, seria uma daquelas celebridades adolescentes de capa de revista, por quem as meninas babam. era lindo, engraçado, tinha aquela aura de labrador que as vezes até irritava devido sua agitação, mas ainda era o namorado dos sonhos.
Ele sempre esteve ao seu lado também, não sabia como era a vida sem ali. Não tinha a experiência de relacionamentos ruins, traições, homens babacas, porque sempre foi . O labrador fofo e irresistível, que sempre fazia de tudo para a agradar. Se lembrava com carinho das noites de calor, nos parques de diversão, onde fazia questão de vencer e ganhar para a namorada o maior prêmio da barraca. Ou quando ele a enchia até que aceitasse ir nos brinquedos mais assustadores e radicais, e esperava na fila saltitante como uma criança de sete anos.
Uma das coisas que mais amava em era o fato de que, sempre, ela era a prioridade. Havia o hockey e . Claro que também tinha a família, os amigos, mas estava em primeiro lugar. O jogador havia deixado a família no Canadá para estudar na mesma universidade que entraria e na que mais oferecia chances boas de desenvolver-se como atleta. Claro que, muito da vida dos dois era sobre isso, sobre as metas rígidas que traçavam, sobre a vida planejada até o último segundo. Os dois eram focados, os dois eram atletas e junto de , eram um trio impenetrável.

– Não sei porque não quis comer. – falou enquanto ainda terminava de mastigar, ele comia como um esquilo, que enche a boca com nozes e achava aquilo adorável. – Isso tá bonzão.
– Ele disse que tinha um compromisso. – deu de ombros. – Ele precisa relaxar, tá passando tempo demais na academia. – Ela observou.
– Se eu tivesse que fazer dupla com aquela garota estranha, também estaria estressado. – maneou a cabeça. –Se bem que... eles até estavam rindo hoje.
– É, ele riu a aula toda. – completou, rolando os olhos. – Fiquei preocupada, se continuar assim, vai ser prejudicial demais. – Ela lamentou. – Eu devia ter ficado com ele. Isso e a nossa conversa... acho que tem algo estranho no ar. – franziu o nariz, pensativa.
– Também acho que seria melhor, porque aí eu não seria obrigado a ver você com o idiota do . – rosnou, fazendo careta. – Você devia falar com o professor que se recusa a ficar com ele. Direitos humanos femininos.
– É só um trabalho. – expirou cansada, relaxando na cadeira. – Não quero me queimar com esse professor. E também, já sou obrigada a encontrar com ele nas reuniões da comissão, então...
– Eu ainda vou ter a minha chance e acertar minhas pendências com ele. – cerrou os punhos e uniu as mãos perto do rosto, apoiando os cotovelos na mesa.
– Você devia deixar isso pra lá. – o repreendeu. – Assim como todos nós, como , como . Devia deixar pra lá e focar nas aulas, como ele está fazendo.

a encarou chocado.

– Como ele está fazendo? – O ala riu nervoso. – Tá brincando comigo, né? – passou a língua pelos lábios, negando com a cabeça.
... – tentou falar e tocar o ombro do namorado quando percebeu seu pequeno deslize.
– Como está fazendo. – Ele repetiu chateado e irritado. – Eu devia fazer como o e esquecer de tudo isso. Claro. Eu. – soltou um riso ácido. – Vou no banheiro antes que eu...

O ala não terminou, apenas deu as costas para a namorada e se dirigiu ao banheiro, esbarrando propositalmente em quem encontrava pelo caminho.

XX


havia se atrasado para o treino de luta por causa do treino extra de hockey. Quando o central se juntou aos outros praticantes, já estava no tatame, rolando com outra dupla. não conseguia mudar a expressão de nariz torcido, afinal, era sua dupla e estava treinando com outra pessoa. Estava cansado e por não ter outro parceiro disponível, havia passado a maior parte do tempo do treino sentado, assistindo de longe, amargamente.
Quando a estudante notou o capitão de hockey sentado no canto, abraçando os joelhos com expressão mal-humorada, resolveu se unir a ele.

– Oi. – Ela cumprimentou sem sorrir, sentando-se ao lado dele.
– Qual foi, ? – não a olhou, emburrado. – É só eu me atrasar um pouco e você já troca de parceiro?

o encarou chocada.

– A gente se casou e não me avisaram? – A estudante o empurrou pelo ombro. – Eu hein.

O jogador não respondeu, continuou emburrado, deixou o peso do tronco apoiado nos braços esticados. o olhou de lado e resolveu ignorar, estava cansada e não tinha qualquer energia para gastar com a birra do capitão do time de hockey da faculdade. A estudante resolveu mudar de assunto.

– Dei uma olhada nos filmes disponíveis, no cinema. – Ela comentou, atraindo o olhar de com uma sobrancelha arqueada. – Seguindo sua ideia. Fiquei bem empolgada. – sorriu e deixou o corpo pender, caindo para trás e se deitando ao lado do jogador.
– Que bom, porque eu não sei nada daquela cadeira. – a imitou, deitando-se também, pousando as mãos sobre a barriga e cruzando os dedos. – Tudo que aquele professor fala é grego pra mim. – Ele virou o rosto e riu, estavam perto o suficiente para que notasse as sardas sutis que ele tinha em volta do nariz, em como seu sorriso era bonito e do modo como ele graciosamente sorria com os olhos. Ela sorriu também e ele voltou a olhar para o teto. – Só estou lá porque minha irmã me obrigou.
– Mas você não precisa fazer qualquer coisa porque ela te obrigou. – Da garganta de escapuliu um riso chocado, despedaçando o pequeno momento de admirá-lo tão rápido quanto havia surgido. – Precisa fazer se for o que quer. Já é grande, o capitão do time de hockey, devia ter mais independência.
– Sempre foi assim, sempre me ajudou quando o assunto é faculdade ou escola. Sempre funcionou. – Ele deu de ombros.
– É, da pra ver... – A estudante suspirou, rolou os olhos e ergueu o tronco.
– Como assim? – Por causa do tom de , o jogador também se sentou, um pouco mais acuado.
– Não sei... – o olhou por sobre o ombro. – Só pensei se você se acostumou a receber o apoio da sua irmã, ou a usar ela de muletas pra tudo que tem dificuldade.

Dizendo isso, ficou de pé e começou a se afastar. Demorou um pouco para que coordenasse seus neurônios, primeiro para entender o que ela queria dizer, depois para reagir. Quando conseguiu, ele a imitou e a seguiu.

– Você não me conhece, tá?! – Ele começou a falar, mas o ignorou. – Não precisa ficar tentando em analisar. Não tem nem intimidade pra isso.
– Tentando te analisar? – parou de andar e se virou para respondê-lo.
– É. – não recuou. – Nessa sua coisa de psicologia e comportamento ou o que quer que seja isso. – O jogador gesticulou e fez careta, enfatizando que não sabia mesmo do que falava e que não se importava com isso.
– Eu estudo ciências sociais e comportamentais. – cruzou os braços na frente do peito, enfezada.
– Dá no mesmo. – deu de ombros.
– Eu não tô tentando te analisar, nem quero isso. – se aproximou um pouco mais, enfrentando-o. – Porque, pra isso, eu teria que querer saber de você, sobre você e eu não tenho interesse. Só disse o que é óbvio.
– Eu também não quero que você me conheça. – devolveu.
– Se nada der certo, , você devia tentar a faculdade de psicologia. – falou irritada. – Lá eles vão te aceitar, como caso a ser discutido, certamente.

Ao enfatizar a última palavra, lhe deu as costas, com a falta de delicadeza com que executou o movimento, seus cabelos bateram no rosto de , que apenas fechou os olhos irritado. Depois o jogador bufou, grunhiu e foi para o chuveiro pisando firme, irritadíssimo com a garota.

XX


No fim da tarde de segunda estava na sala da liga acadêmica, tentava organizar uma nuvem de ideias e adiantar o trabalho que teoricamente teria com . O quanto mais rápido se livrasse daquela tarefa odiosa, melhor seria e estava empenhado a isso. Nada o motivava mais do que ter que fazer algo contra sua vontade.
estava sozinho na sala, encarando uma lousa nos fundos da sala quando surgiu como um furacão, pisando duro e emburrada. A líder de torcida vestia um conjunto de moletom do time e jogou suas coisas de qualquer jeito em um canto da sala.

– Odeio estar aqui e ter que fazer isso com você, então vamos acabar com isso de uma vez. – Ela falou rápido, com braços paralelos ao corpo e mãos fechadas.
– Boa noite para você também, . – ironizou, não a olhou (só de soslaio), permaneceu com rosto virado para a lousa. – Do buraco onde você veio não ensinaram o básico das boas maneiras?
– Não enche. – rolou os olhos e se aproximou da lousa, percebendo naquele momento as anotações na letra de , pontuda e pequena. – Que idioma é esse? Aramaico? – Ela fingiu estar pensativa, batendo o dedo indicador no queixo duas vezes. – Não, já sei. – sorriu. – É um tipo de código, né? Muito inteligente, .
– Olha, ela sabe mesmo ler... – O nadador devolveu com um sorriso inabalável e respirou fundo. – Já que passamos das preliminares, quem sabe agora você consiga fingir e acrescentar um pouco no projeto. – falou depois de suspirar. Ele estava com o corpo apoiado a mesa e apertava a ponte do nariz com os dedos indicador e polegar.
– Você é a pessoa mais arrogante e desprezível do campus. – rosnou.
– Sim, obrigada. – Ele ignorou a ofensa. – Agora vamos trabalhar de verdade? Você sabe como isso funciona? Ou precisa de uma tutoria ou coisa assim? – agitou o dedo indicador na direção da lousa.

rolou os olhos e bufou ainda mais irritada. Pegou um pincel que jazia sobre uma mesa e deu as costas para o estudante, enquanto o amaldiçoava com tudo que conseguia lembrar.
Não conseguiu focar nos escritos dele a princípio, estava muito irritada e frustrada, mas depois refletiu que o quanto mais rápido terminassem aquilo, mais rápido se livraria do insuportável estudante. Além disso, queria esfregar na cara daquele ser petulante e metido o quanto era inteligente. suspirou e respirou fundo três vezes e disse a si mesma “Vamos, , mostre a ele”.
O projeto final e mais importante da disciplina seria uma análise antropológica de alguma comunidade ou movimento. Os alunos deviam acompanhar de perto e produzir junto ao grupo, comunidade ou movimento, era um trabalho extenso, que demandaria pesquisa de campo, entrevistas, pesquisa e muito resgate histórico e discussões teóricas. havia esboçado algumas ideias e tipos de grupos e comunidades para pesquisarem.

– Que lista é essa? – franziu o cenho. – Saiu do clube de orgulho hétero?

a olhou atravessado, ofendido.

– Que orgulho hétero o quê. – Resmungou ele, aproximando-se dela. – Isso são lugares bons. Você com seus costumes e nítida falta de cultura não entenderia. – Ele falou, tomando dela o pincel.
– Eu não vou fazer um projeto sobre esses lugares. – cruzou os braços sobre o peito. – Caso tenha esquecido, é um projeto em dupla, você não toma as decisões. – Ela apontou para os dois ao falar.
– Eu não quero tomar as decisões, mas caso não tenha ficado suficiente claro ainda, não tive nenhuma contribuição da minha dupla ainda.

bufou outra vez e se voltou para a lousa.

– Por que esses lugares? – Questionou. – O que houve com seu papinho de diálogo com outros cursos? – A ginasta riu de canto, com deboche.
– Desculpe, não coloquei nenhum salão de beleza? – fingiu conferir suas anotações. – Ou talvez um bar... quem sabe alguma academia...
– Você é tão prepotente, arrogante... – rosnou, virando-se para ele. – Acha que sabe tudo de mim, mas não sabe nada. Você não me conhece!
– Legal, outra crise nervosa. – rolou os olhos e bufou, apoiando o corpo na mesa outra vez.
– Fica aí, como se fosse inteligente e quisesse apenas trabalhar, mas em nenhum momento demonstra isso. – continuou a atacá-lo. – Só quer reforçar seus estereótipos de gênero, fetichistas e machistas, que te dizem que por eu ser líder de torcida e ser uma garota feminina, ou de fraternidade, não posso ser inteligente. Que se me irrito com seu tratamento grosseiro e debochado, é por estar tendo uma crise e não porque você é desrespeitoso. – A cada palavra se aproximava mais do nadador, que se encolhia. – Não sei se na escola de direito ensinam isso, mas ser inteligente também é ser capaz de reconhecer as diferenças, em conseguir ter diálogo com pessoas diferentes de você. Você só é um babaca com potencial de decoreba. Seu repertório é limitado, assim como a sua cultura e educação.

terminou e lhe deu as costas outra vez, respirando fundo, se recuperando. Estava feliz por ter dito tudo que estava atravessado em sua garganta desde que entrara naquela sala, ou desde que o havia conhecido. permanecia em silêncio e a ginasta não quis olhá-lo, decidiu ignorar a presença da dupla e tentar trabalhar um pouco no projeto final, afinal, teriam que terminar, querendo ou não. Depois de certo tempo, quando já havia se esquecido da presença de , concentrada em suas anotações e ideias, a fez lembrar que estava ali.

🎵 Ouça e se necessário coloque para repetir. Pale Waves - She's My Religion🎵


– Você tem razão. – Foi o que ele disse, a estudante precisou de algum tempo para que as palavras dele fizessem sentido em sua cabeça.
– Como disse? – perguntou ao se virar, encarando-o com surpresa.
– Você está certa. – endireitou a postura e declarou outra vez, ignorando e evitando o olhar confuso de . – Pessoas inteligentes são capazes de dialogar com pessoas diferentes, diplomacia. – Ele maneou a cabeça. – Eu sou uma pessoa diplomática.

o olhou com incerteza e cruzou os braços sobre o peito.

– Fácil assim? Vai engolir tudo isso que eu disse e concordar comigo?
– Não tenho problema em reconhecer quando alguém está correto. – a olhou no fundo dos olhos ao dizer. – E também não disse que concordei com tudo. – Ele falou mais baixo e sentiu uma sensação estranha lhe atingir. – Eu só quero terminar essa coisa.
– Eu também. – A loira concordou, engoliu em seco, respirou fundo enquanto o olhava.

Os dois se aproximaram da lousa, em silêncio. ainda o olhava de soslaio, surpresa com a postura de , esperando quando seria o próximo ataque a ela. fingia ler as anotações de , mas não conseguia se concentrar. As palavras da garota haviam encontrado terreno fértil no estudante de direito – surpreendentemente – e não sabia bem o que fazer com aquilo. A estava estereotipando? Não, não fazia isso. Ou estava? Não era machista. Um pouco arrogante, sim, concordava, mas não machista. E por que não podia apenas responder ? Ser irônico e sarcástico, rir mais uma vez?
Por que só tinha a deixado falar todas aquelas coisas e permanecido em silêncio?

– E então? – quis saber quando já estavam mirando a lousa há muitos minutos.
– Ah... – tentou disfarçar, mas ainda estava perdido. – Me explica o que pensou. – Pediu, sem jeito.

tentou limpar a garganta, respirou fundo, queria disfarçar o fato de estar completamente insegura diante dele, principalmente após seu discurso. não pouparia palavras para a ridicularizar na primeira oportunidade.

– Bem, eu pesquisei alguns grupos que podem ser interessantes antropologicamente. – Ela começou a explicar, com voz baixa. – Vi alguns com esse professor, uma vez. Comunidades indígenas, acho que pode ser interessante, sempre discutem muito isso nessa parte do país.
– Tá. – cruzou os braços e inflou as bochechas. – Poderíamos tentar um viés da justiça, alguma coisa que tenha a ver com direitos humanos, quem sabe?
– Marcação de terras? – sugeriu.
– É, é uma boa. – concordou, mas enquanto lia as informações na lousa, seus olhos tocaram palavras esquecidas em um canto. – O que é essa comunidade Q, que está aqui? – Ele apontou.
– Não é nada. – deu de ombros. – É a comunidade Queer que ocupa aquele prédio no centro, pensei na perspectiva da moda, acho interessante como eles se expressam e como tudo se atravessa ali naquele meio, mas é uma ideia ruim.
– Na verdade não. – discordou e se aproximou mais, batendo com o dedo indicador onde a ginasta havia escrito. – Não é está falando da ONG com pessoas que foram expulsas de casa ou que viviam na rua, que a prefeitura alojou em um prédio velho?
– É, eles. – Ela concordou com um aceno. – É um tipo de abrigo, na verdade, uma ocupação. – sorriu. – Eles vendem coisas, moram, produzem arte, fazem muita coisa legal.
– E você quer melhor para um estudo antropológico? – sorriu, animado. – Metade da turma vai falar de índios, é mais fácil.
– Você quer mesmo falar disso? – estava mais que surpresa e , empolgado.
– Pense, temos uma comunidade inteira, uma questão de direitos sociais, direitos LGBTQIA+, que foram quase literalmente jogadas em um prédio velho no centro. Eles perdem o laço cultural, tradicional, as relações familiares, a ligação com território. – Ele maneou a cabeça. – Aprendi isso com a . – continuou a falar enquanto anotava coisas na lousa. – Pela minha lente há muito o que discutir. Acesso a saúde, acesso a moradia digna, ao trabalho.... – O estudante anotava e desenhava linhas entre suas palavras. – Em um bairro que tradicionalmente os rejeita. Uma comunidade inteira vivendo em um prédio antigo, esquecido pela prefeitura, como se fosse um tipo de depósito, mas que mesmo assim conseguem ser potentes.
– E como meio de subsistência eles comercializam entre si, com trocas e com os vizinhos e moradores da região. – completou. – Já estive lá, eles produzem muita coisa bonita e que é comprada aqui e revendida pelo país por cinco vezes mais.
– Ótimo. – celebrou, empolgado. – O que mais você sabe?
– Tem as manifestações culturais, as festas que fazem lá. – tentava lembrar de todo e qualquer detalhe de suas últimas visitas, amava comprar cacarecos e bijuterias ali. – Eles funcionam como um tipo de comunidade que se apoia e ajuda, um prédio todo assim.
– Isso aí, garota. – comemorou e ergueu a mão, cumprimentando , que sorriu empolgada. – Isso é ótimo. Temos o viés cultural, antropológico, da justiça...
– Consigo pensar em um projeto enorme de valorização e viabilização do espaço, valorização da cultura e incentivo ao consumo das peças produzidas pelas pessoas da comunidade. – completou.

sorriu e os dois se cumprimentaram com um toque de mãos novamente. Devido a empolgação, se desequilibrou um pouco e seu corpo se apoiou a lateral do corpo de . Os dois demoraram alguns segundos para se lembrar de que aquela aproximação era estritamente proibida. Quando perceberam, se repeliram imediatamente, como se tivessem tomado um choque, invadidos pelas lembranças de que eram inimigos.

– Então temos. – Disse , apoiando os braços a mesa e olhando para o chão, sem jeito.
– É, temos. – concordou do outro lado da sala, abraçando o próprio corpo, sem jeito. – Temos.



ONZE


Fazia calor no Arizona.
O que não era inesperado, considerando que estavam no deserto.
Era seco e quente, com impressão de estar sendo cozido o tempo todo. sentia falta de sua casa em dia como aqueles. Detestava o calor, exceto nas férias, por períodos muito, muito breves e específicos. Suava muito, as mãos estavam sempre molhadas e o pai sempre lhe disse que homens com mãos molhadas não causavam boa impressão. Odiava o calor, porque isso piorava suas mãos suadas.
Felizmente tudo aquilo estava prestes a acabar, já que com o final da faculdade poderia ir para qualquer lugar – de preferência um bem gelado – trabalhar com o pai.
O aluno de direito estava na piscina, o treino acabara de finalizar e recuperava a respiração, sentado na borda, ainda com touca e óculos. Alguns outros alunos estavam por perto, mas todos em silêncio, absolutamente cansados do treinamento pesado, somado ao desgaste natural causado pelo calor do estado.

– Acho que estamos okay para a próxima competição. – O treinador começou a falar ao se aproximar dos alunos, conferindo algo em suas anotações e tablet. – Mas não é suficiente. – Ele apoiou uma das mãos na cintura e olhou para o grupo.

arqueou uma sobrancelha, surpreso, não entendia como podiam melhorar seus tempos, já estavam no limite, exaustos, prestes a entrarem em estado de fadiga completa.

– Se quisermos resultados melhores do que os do ano passado, precisamos melhorar o tempo. – Continuou o homem de cabelo escuro, penteado para trás. – Diminuir, eu digo. Pelo menos duas vezes, e intensificar o ritmo de treinamento. Quero ver vocês aqui mais vezes, não é uma sugestão.

olhou para os lados, procurando alguém que assim como ele estivesse prestes a fazer alguma objeção, mas todos pareciam satisfeitos. O treinador lhes deu as costas, o estudante de direito se levantou rápido, fazendo barulho e molhando tudo ao seu redor ao deixar a piscina e andou depressa atrás do treinador.

– Senhor, eu entendo que precisamos melhorar. Se diz que podemos, é porque podemos. – Ele começou a falar, mesmo não acreditando muito em suas palavras. – Mas eu não tenho mais janelas para treino.
– Precisa ver o que é prioridade para você, . – O treinador cruzou os braços sobre o corpo e balançou o tronco para frente e para trás. – Precisamos de atletas de ponta, isso exige. Exige tempo, dedicação, abdicação. Precisa escolher o seu caminho aqui.
– Eu quero estar aqui, quero estar na equipe. – sentenciou com firmeza. – Eu gosto de nadar e eu sou bom. – Ele falava com paixão, mas com uma pontada de desespero. – Mas eu...
– Não é mais comigo, . – O homem balançou a cabeça negativamente, depois de torcer os lábios. – É com você. O quanto você quer estar aqui? O quanto você quer treinar? O quanto você quer vencer aqui? Nas piscinas? – Indagou, depois suspirou e se aproximou de e apertou seu ombro. – Você é mesmo bom, não gostaria de substituir um dos nossos principais nomes por outro por causa de falta de tempo para treinos.
– Eu dou um jeito. – apertou os dentes. – Eu consigo. Dou um jeito.

Garantiu o estudante, o treinador assentiu uma vez com a cabeça e se afastou devagar, enquanto encarava seu reflexo na superfície vermelha na parede atrás da piscina, sem conseguir encontrar uma saída ou uma salvação, desesperado com o que fazer.

XX


Na quarta-feira e tinham decidido ir ao cinema e dar início enfim ao projeto de antropologia. Os dois voltavam da sessão, falava disparada desde que deixaram a sala de cinema, enquanto apenas ouvia e assistia sem interromper. Primeiro, porque tinha uma irmã e sabia o quanto podia ser mortal interromper uma mulher enquanto ela falava empolgada sobre algo importante. Segundo, porque mesmo que não se interessasse nem um pouquinho sobre tribos indígenas ou sobre reservas ambientais, ouvi-la falar sobre o assunto o deixava um pouco bobo. A forma com que ela sorria, com que agitava as mãos, o jeito que ela parecia o Chapeleiro Maluco ou o Coelho de Alice no País das Maravilhas, se atropelando nas próprias palavras e falando sozinha.
andava na frente e mais atrás, relaxado, terminando um saco de pipoca devagar e sem pressa, enquanto iam para um restaurante no campus que servia o melhor macarrão do estado. Mas ela parecia nem o notar, falava consigo mesma e com seus neurônios, enquanto o jogador assistia empolgado pela chance de participar.

– Acha que a gente consegue visitar alguma reserva? – começou a andar de costas, para olhar o parceiro de trabalho, parecendo notar que ele ainda estava mesmo ali, o capitão apenas riu e ergueu os ombros. – Porque seria fantástico se a gente fizesse uma experiência de imersão. Poderíamos trazer coisas produzidas por eles, registrar sobre alguma tradição específica, ou quem sabe algum ritual.

tinha seu cérebro funcionando a todo vapor ao entrar no restaurante, empurrando a porta com o corpo, sem usar as mãos e a guiou para uma mesa, no canto, iluminada por uma luz amarela e que toda vez que um carro passava na rua, a luz colorida dos faróis cobria a mesa e refletia vermelho no rosto deles. Alguém trouxe os cardápios.

– O que você pede aqui? – A estudante começou a analisar os pratos, animada com a tarde que estava tendo.
– Macarrão com queijo. – Ele respondeu sorrindo, apoiando os cotovelos na mesa e erguendo os ombros, a assistindo sorrir para o cardápio. – É simples e nada surpreendente, mas é bom.
– Sei. – riu, erguendo o queixo. – Do tipo, não promete nada, mas entrega tudo.

O moreno assentiu, sorrindo fechado.

– Acho que vou confiar em você essa noite. – Disse ela e sorriu, mostrando os dentes. – Suas ideias foram bem boas até agora. Acho que vale a pena.
– Claro que eu valho a pena. – Ele sorriu depois de fazer o pedido, macarrão com queijo e refrigerantes.
– Eu tô realmente muito animada com esse projeto. – tornou a falar, apoiando os cotovelos na mesa. – Acho é uma das poucas oportunidades que temos de explorar os limites, entende? Quer dizer, estamos no deserto, mas quando vamos realmente para lá? Quando é que impactamos a vida das pessoas ao redor da ASU? Ou fora dela?
– Sei lá, eles gostam dos jogos. – ergueu um ombro. – Isso é um impacto, eu acho.
– É, mas... – apertou os lábios, tentando encontrar uma palavra mais adequada. – Mas é muito pouco. Quero mais que isso. Acho que esse trabalho vai... acho que pode ser a ponta que eu preciso.

sorriu, deixando a cabeça pender sobre o ombro.

– Por que está rindo? – Ela quis saber, um pouco envergonhada, sendo tocada pela luz vermelha dos faróis do lado de fora.
– É legal ver alguém tão empolgado com um trabalho de faculdade.
– Acho que isso faz de mim um pouco estranha, né? – afastou o olhar, sentindo sua verdadeira personalidade nerd obcecada emergir.
– Só é diferente. – riu, inclinando-se sobre a mesa, apoiando os braços. – Tipo, de dia você bate em todo mundo no treino, mas quando não tem ninguém olhando você é uma nerd fofinha. Se usasse aparelho nos dentes seria mais engraçado ainda. – Ele implicou e a viu rolar os olhos, depois sorrir.
– A luta... acho que coloca minha cabeça no lugar. – sacudiu os ombros. – Mas oque eu gosto mesmo é de estar no meio dos livros, da pesquisa... acho que acabo usando pouco meu corpo e aí, a luta ajuda.
Isso foi tãooo nerd. fingiu deslizar no banco acolchoado que estava sentado, de modo teatral. – Acaba não usando o corpo. Quem é você, Hermione Granger?

gargalhou e tentou chutá-lo por debaixo da mesa, mas segurou suas pernas, imobilizando-a rapidamente.

– Eu não sou tão nerd assim. – protestou, ainda rindo e tentando se livrar das mãos firmes dele, mas ainda a segurava com firmeza, desenhando círculos nos tornozelos dela com o polegar, enquanto a prendia. – Eu tenho muitos amigos, pratico esportes e vou a festas de vez em quando.
– É, até tem um namorado jogador de futebol. – completou, cedendo e liberando as pernas dela.

maneou a cabeça rapidamente e repuxou um pouco o lábio superior. Mas notou.

– Que foi? – Ele tentou sondar. – Não é mais seu namorado?
– É, claro. – respondeu, desviando o olhar. – É sim.
– E então você fez careta por que?
– Eu não fiz careta. – Negou ela, sacudindo a cabeça.
– Eu tô bem na sua frente, eu vi. – Insistiu , erguendo uma sobrancelha e bufou.
– É só que... sei lá, é meio estranho ouvir alguém se referindo a gente assim. – Ela tentou explicar, sorrindo fraco. – Namorados.
– Mas é o que vocês são, não é? – insistiu, torcendo silenciosamente para que ela desse algum sinal de que as coisas não iam bem no relacionamento.
– É, mas... sabe quando você nunca se imaginou namorando... quando alguém muda isso, pode soar estranho por um tempo. – confessou e o jogador teve alguma dificuldade para disfarçar sua expressão de frustração.

foi salvo por um garçom, que trouxe seus pedidos.
Era bom estar ali, ouvindo tagarelar por horas, fazendo piadas e a ouvindo rir, era boa a sensação. Parecia que ela era até um pouco mais alcançável naquele momento, mas claro, havia o loiro jogador de futebol para destruir seus planos. Sempre tinha que ter um loiro, o jogador resmungava em pensamento.

– E você, . – tornou a falar depois de um tempo, comendo o macarrão. – Tem alguém?
– Eu? – a encarou surpreso, erguendo o olhar.
– É.
– Eu... sabe como são essas coisas... – O jogador tentou desconversar, endireitou as costas e recostou-se. – As festas, os jogos... e aí você visita faculdades fora...
– Já entendi. – apertou os lábios e ergueu as sobrancelhas, parecendo impaciente. – Muitas garotas, claro.
– É, isso. Muitas. suspirou, voltando a se concentrar no macarrão.
– Você e o seu jogador... – O moreno tornou a perguntar, enquanto em sua mente pensava sobre o quanto devia se odiar por continuar naquele assunto. – Há quanto tempo estão juntos?
– Ah, não muito. – A pesquisadora deu de ombros. – Nosso primeiro encontro foi no dia da festa da fraternidade. Estava voltando quando encontrei nas escadas do dormitório e aí dividimos amendoins enquanto ele me contava sobre o acontecido.

repuxou os lábios em uma careta, pensando que tinha atrasado um pouco.

é um cara legal, . – mencionou sem avisar, esticou a mão sobre a mesa, tocando-o de modo repentino e o jogador sentiu a tela branca outra vez e seu cérebro parou de funcionar. – Ele só estava tentando fazer o certo pela irmã. Tenho certeza de que você ou qualquer outro fariam o mesmo. Ele só adora competição e pode parecer ou ser um pouco arrogante e vaidoso, mas ele é uma boa pessoa.
– Tá bem. – respondeu, porque era a única coisa que conseguia responder enquanto segurava sua mão, não porque concordava.
– As coisas viraram uma bagunça desde lá, mas... ele só está tentando ser um bom filho e um bom irmão.
– Sim.

respondeu, ainda travado e desconfigurado pelo toque dela e então sorriu, talvez achando ter alcançado seu objetivo e soltou-lhe a mão, voltando a comer. Enquanto sentia uma pressão grande na cabeça e em outras partes do corpo.

– Você estava certo, Matty... – falou, despertando o jogador de seu transe ao usar aquele apelido inesperado. – Esse macarrão é realmente fabuloso.


XX


deu pulinhos e bateu palmas quatro vezes quando viu do outro lado da rua, com o corpo apoiado a lateral do carro, boné para trás e um sorriso amável nos lábios a esperando do lado de fora do treino de ginástica. A loira atravessou rápido, pulando nos braços do namorado.

– Que surpresa boa. – Ela sorriu contra os lábios dele, sentindo o namorado a apertar com força contra si.
– Tudo pela minha . – disse entre beijos. – Como foi o treino? Arrasou com elas?

riu pelo nariz e negou com a cabeça, entrando no carro quando o namorado abriu a porta. A ginasta assistiu com atenção e ansiedade o namorado circular o carro e entrar pela porta do motorista, enquanto afivelava o cinto de segurança. lhe roubou mais um beijo antes de dar partida.

– Foi bom. – respondeu enfim a pergunta dele, respirando fundo e cruzando os dedos atrás da cabeça. – Esse ano as competições estão mais puxadas. Tem umas meninas de Nova York que estão ganhando tudo, os treinadores estão estressados. – A ginasta riu pelo nariz e a acompanhou, aproveitando uma brecha no trânsito para apertar a coxa da namorada.
– Atletas só funcionam sob pressão. – O jogador de hockey respondeu. – Desde sempre é assim. Quando não gritam comigo no treino, acho até estranho. – riu.
– É, mas eu não sei se estou curtindo tanto isso mais. – A loira desabafou. – Essa pressão, a gritaria, forçar até o limite. Sentir dor, suar sangue... – ela rolou os olhos e a mirou com a visão periférica.
– Faz parte, linda. – ergueu os ombros. – Pra alcançar nossos objetivos, precisamos dar tudo. Tudo mesmo, ultrapassar limites.
– Eu sei disso. – assentiu, com olhos no entardecer sem nuvens, alaranjado, de Scottsdale. – Faço isso desde, sei lá... sempre. Mas é que acho que não estou tão empolgada assim. É como se eu estivesse indo e participando só porque preciso. Entende?

arqueou uma sobrancelha e a olhou com estranhamento.

– De novo esse papo? – O jogador balançou a cabeça negativamente e estalou a língua no céu da boca. – Primeiro aquele papo de deixar a ginástica e as líderes de torcida... agora outra vez. Eu sei que o último ano não foi o melhor para a equipe de vocês, mas não é por isso que deve desistir. Entendo que pode ser difícil ver sentido depois de uma frustração grande, mas...
– Não é por isso. – suspirou, cansada. – Eu não estou mais tão feliz quanto antes por ser da equipe.
– É, mas é por isso que está aqui, lembra? – a olhou com sobrancelhas unidas. – A bolsa. – projetou o lábio inferior, chateada. – E eu acho, sinceramente, que você só tá cansada e não está conseguindo se concentrar. Devia largar alguma coisa, alguma liga ou aula... sei lá. O esporte é mais importante.
– Mas eu acho que estou gostando de outras coisas agora. – A loira suspirou outra vez, desanimada com o assunto.
– Está cansada, amor. – levou uma das mãos a nuca de . – Está cansada e desmotivada. Isso acontece com todo atleta em algum momento, é normal. – Ele sorriu aberto. – A gente vai superar isso. Prometo.

o olhou, sorrindo sem mostrar os dentes.
Torcendo para que ele tivesse razão.

XX


Já era perto das sete da noite quanto chegou do treino naquela sexta-feira, e apenas estava chegando naquele horário porque tinha alguma coisa para fazer com a irmã e por isso foi preciso interromper o que faziam.
Quando entrou no dormitório, a pesquisadora recuou e uniu as sobrancelhas em uma expressão surpresa. Sobre sua cama, jogado, com as pernas para fora e brincando de jogar para o alto e depois agarrar uma bola de futebol estava Luke Harbor, também conhecido por seu namorado.

– O que está fazendo aqui? – indagou sem pensar, deixando a bolsa cair no chão e fechando a porta.
– Catelyn abriu pra mim. – Luke a respondeu ressentido.

O quarterback tinha uma sobrancelha arqueada e olhar desconfiado.

– Acho que ficou com pena de me deixar na porta, plantado. – Ele franziu o nariz.
– Desculpe, eu perdi a noção do tempo estudando hoje. – riu pelo nariz, apoiando-se a um móvel.
– Não só do tempo, não é? – Luke ainda jogava a bola para cima e a pegava no ar, despreocupado. A garota inclinou a cabeça sobre o ombro, confusa. – A gente ia sair hoje, lembra? Cinema. Jantar.

arregalou os olhos, mordeu a língua e depois se xingou.

– Ai, me desculpe. – Pediu, aproximando-se dele, batendo na própria cabeça. – Eu me esqueci completamente. Você ainda não sabe, mas eu tenho essa questão... quando em concentro muito em alguma coisa, eu simplesmente esqueço de todo o resto.

Luke torceu os lábios em uma careta frustrada.

– Tem qualquer coisa que eu possa fazer para me redimir? – perguntou, cutucando a cintura do namorado, que sorriu de canto, mesmo tentando evitar. – Por favor, me diga. – A estudante conferiu rapidamente as horas no celular. – Talvez a gente tenha perdido o cinema, mas o jantar ainda pode acontecer. Tomo banho rápido.
– Pode ser. – Luke tentou parecer desinteressado, mas lhe roubou um beijo e o jogador loiro riu, retribuindo.
– A parte boa é que você vai poder me ajudar com o que vestir. – sugeriu, tentando animá-lo. – O que não é algo comum, então aproveite.
– Pode apostar. – Luke gargalhou, ajeitando-se na cama. – Ainda mais se eu puder assistir ao processo da troca de roupa.

, que estava de pé, o olhou por sobre o ombro e piscou, sorrindo.

– O que você estava estudando? – Luke quis saber, enquanto a namorada tentava procurar algo pra vestir.
– Não era nada específico, na verdade. – começou a contar, feliz por poder falar de algo que nos últimos dias a estava motivando muito. – É um projeto, um processo de trabalho e eu amo processos de trabalho. Sabe aquele projeto, de antropologia?
– Não. – Luke riu pelo nariz. – São tantas coisas... pesquisas, projetos... trabalhos, artigos...

rolou os olhos e sorriu.

– Enfim, é um projeto em dupla, para uma disciplina com um dos meus professores orientadores, então é claro que estou animada. – voltou a falar empolgada. – Escolhemos falar sobre uma etnia indígena daqui do Arizona. e eu fomos ao cinema ontem, porque ele achou que teria algo para aproveitar entre os filmes antigos que o cinema é obrigado a apresentar durante a semana. E tinha muita coisa boa lá. – A estudante riu. – Claro que ainda era algo bruto, a gente precisava sentar, discutir, entender que linha queríamos seguir... porque, sabe? São muitas coisas, nossos cursos são muito diferentes. – riu pelo nariz, refletindo por dois segundos. – Se bem que, ele não está muito interessado nos assuntos do curso dele. – Ela suspirou, olhando para o namorado por sobre o ombro, que a encarava sem expressão. – E aí, hoje, depois do nosso treino fomos para a biblioteca. Acredita que ele nunca tinha ido em várias alas de lá?

riu alto e negou com a cabeça.

– É impensável isso, nunca ter estado na biblioteca toda. – A pesquisadora continuava a rir. – Fiz ele pegar vários livros e o fiz prometer que leria todos, pra gente conseguir trabalhar melhor juntos.

Luke riu abafado, voltando a brincar com a bola, jogando-a de uma mão para outra.

– Não me surpreende em nada, ainda mais por ser ele. – O jogador começou a falar. – Ele é uma montanha latina de músculos e só. Já fiz aulas com ele, e pra ser sincero – Luke riu outra vez. – Me surpreende que ele consiga andar por aí, sozinho, sem se perder. Ou que ele saiba ler alguma coisa que não seja um catálogo de esportes ou a escalação do time com ilustrações.
se lembrou dos filmes, ele quem sugeriu que fizéssemos assim. – ignorou o namorado, irritando-se com o tom depreciativo com que Luke havia se referido a . – Ele descobriu na internet várias comunidades nativas que estão abertas a visitas e que topam conversar com pesquisadores. E aí, vamos tentar ler tudo isso e escolher uma para começarmos o trabalho enfim, e...
– Será que a gente pode falar de outra coisa? – Luke a interrompeu. – Não aguento mais você falando desse cara.
– Mas eu tô falando do meu trabalho. – o olhou, um pouco sentida pelo tom do namorado.
– É, mas agora é a hora da gente ficar junto. – Luke se sentou na cama. – Você estava com ele até agora, se atrasou por causa dele. Desse cara e do trabalho, de mais um. Então, agora, talvez seja a hora de relaxar.

apertou os lábios.
No fundo sabia que o namorado tinha razão, depois de um dia cheio, ninguém precisava ficar a ouvindo falar disparada por horas sobre assuntos da faculdade.

– Ou, eu vou acabar ficando com ciúmes e pensando que você não perdeu a hora só pelo trabalho. – O quarterback ficou de pé e se aproximou da namorada, tomou o rosto dela nas mãos e a beijou. – É sexta-feira. Vamos ser um casal de sexta-feira que finge não ser universitário. – Ele propôs e piscou um dos olhos.
– Acho que posso fazer isso. – garantiu, deixando-se ser beijada por ele outra vez.

XX


Ficava do outro lado do Salt River, a uma distância que do terraço se podia enxergar o brilho do sol tocando as águas do rio. Era um prédio antigo, com seis andares, mas mais largo e grande do que os padrões para aquela área. No hall de entrada, uma grande praça cheia de barracas, como se fosse uma espécie de feira, com baias para comerciantes diferentes, mas que pareciam compartilhar a mesma cultura e costumes. Desde que haviam entrado pela grande portaria arredondada, cheia de arcos antigos no teto, mergulhando naquele mundo de cheiros, cores, sons, e não paravam de trocar olhares. Como se quisessem se comunicar silenciosamente sobre cada coisa que viam ali, cada coisa que os espantava.
A iluminação era amarelada, talvez porque as barracas eram cobertas e divididas por tecidos que ofuscavam a iluminação, ou talvez porque tudo estivesse extremamente velho, incluindo as lâmpadas. O grande salão, que no passado parecia ter sido um hall de entrada luxuoso, com piso de granito com padrões de figuras geométricas, estava abarrotado de barracas e pessoas. As paredes eram de um rosa flamingo que já apresentava desgaste e sujeira em vários pontos, e que complementava o ar de perdido no tempo que aquela cena causava. As barracas vendiam todo tipo de coisa e a medida com que passavam frente a elas, algo lhes era oferecido ou imposto. Laranjas cortadas na hora por um canivete que presumiu não ter sido devidamente esterilizado, bijuterias feitas de arame e contas de plástico, filtros de sonhos, véus, tecidos, bordados e flores, arranjos para cabelos, que insistiam em tentar colocar em , que escapava graciosamente sempre. Temperos, incensos, chás, xaropes naturais, instrumentos musicais, quadros e obras de arte, esculturas, mais frutas, bebidas alcoólicas, roupas, sapatos, doces caseiros, aparelhos eletrônicos e crucifixos.
A cada barraca, os dois estudantes trocavam olhares, em algumas rolava os olhos, em outras ele arqueava as sobrancelhas para , como quem diz “mas o que foi isso?”, em outras ele apenas ria e a provocava. parecia estar se divertindo mais, tocava os tecidos, tentava sentir o cheiro de cada fruta ou coisa que tinha cheiro, como uma turista naquele rio de pessoas e estímulos sensoriais.

– Eu tô começando a repensar a nossa ideia. – O estudante de direito se aproximou da colega, driblando algumas pessoas para chegar mais perto dela. – Como vamos fazer um projeto sobre tudo isso?
– É um universo, não é? – riu, distraindo-se em seguida com uma barraca cheia de amuletos e lenços coloridos.
– É, acho que universo é uma palavra que dá conta de descrever. – inspirou, cruzando os braços sobre o peito. sorriu de lado quando experimentou um lenço azul em volta do pescoço e se virou para ele, mostrando. – Uma coisa eu preciso admitir, Problema . – Ele começou a falar e rolou os olhos teatralmente, mas passou a prestar atenção. – Esse projeto vai ser épico. Você mandou bem com essa ideia. E também fica bem de azul.

arregalou os olhos e tocou o peito, abrindo a boca em uma expressão teatral de surpresa.

– Isso está mesmo acontecendo? – A ginasta fingiu. – Estou sendo elogiada por ?

rolou os olhos e fez careta.

– Engraçadinha. Muito maduro da sua parte.
– Eu preciso aproveitar, isso não acontece sempre. – o empurrou pelo ombro, devagar, enquanto sentia a textura do lenço azul, apertando-o contra o rosto.
– Não mesmo. – O estudante respondeu sem muito entusiasmo, a assistindo manipular o lenço azul, vendo o tecido passar devagar entre os dedos dela.

– Uma leitura de mãos? – Uma mulher de espessos cabelos escuros, já muito misturados com fios brancos, se aproximou dos dois de repente. Ela devia ser a dona da barraca.
– Não, obrigada. – negou rápido e o olhou com curiosidade e atrevimento.
– É de graça. – A mulher insistiu, olhando para outra vez, que a ignorou, mudando seu olhar de foco, dando as costas para ela.
– Mas eu quero. – se pronunciou, oferecendo a mão em um rompante. – Se puder.

A mulher sorriu, tomou a mão esticada de e começou a tocar as linhas de sua pele com a ponta dos dedos finos e já secos pelo avançar da idade. A mulher fazia isso em silêncio, vez ou outra arqueava as sobrancelhas, arregalava os olhos e sussurrava qualquer coisa em um idioma diferente e estranho.

– Está confusa, não sabe qual caminho tomar. – A mulher começou a falar e apertou os lábios, empolgada. – Quando não escolhemos o caminho, ele nos escolhe. Tem alguém na sua vida. Alguém... que compete?
– Sim, meu namorado é um jogador. – respondeu empolgada e rolou os olhos, entediado.
– Ele sabe dar bons conselhos. – A mulher continuou. – Tempos de mudança se aproximam, de desabrochar. Precisa ficar pronta.

Ela finalizou, soltando a mão da estudante de moda, que a segurou junto ao peito como se sua mão não fosse mais sua mão, mas sim um amuleto poderoso.

– E você, rapaz? – Ela insistiu esticando a mão para ele.
– Eu não acredito nisso. – negou, sem tentar soar gentil. – Dispenso, obrigado.

A mulher arqueou uma sobrancelha, como quem sabe um segredo sujo e está prestes a contar. acertou o parceiro de projeto com uma cotovelada.

– Viva a experiência, . – zangou e bufou.

A contragosto, o nadador esticou a mão, emburrado.
A mulher fez o mesmo que com , analisou, fez caretas e sussurrou coisas estranhas, depois ergueu o olhar e sorriu.

– Muito poder. – Disse ela com um sorriso ladino e estufou o peito, vaidoso, mas pego de surpresa. – Mas não é o que você procura. – O estudante murchou. – Você vai saber o que procura quando abrir os olhos e encontrar. Mas não é poder, nada disso.
– Eu já sei o que eu procuro e quero. – a respondeu, mal-humorado.
– O menino, mas não o homem. – Ela o respondeu e a mirou incrédulo.

puxou a mão sem gentileza, a mulher maneou a cabeça, sorriu e lhes deu as costas, oferecendo a leitura de mãos para outro cliente.

– Que bizarrice. – Reclamou , sacudindo a mão e esfregando a palma contra a calça jeans, como se tentasse limpá-la.
– É só um costume antigo. – Foi a vez de rolar os olhos.
– Mas você acredita. – Ele acusou, como se ela fosse a culpada.
– Quem te disse? – o olhou por sobre os ombros, aproximando-se de uma barraca de incensos e chás. – Eu acho interessante. Previsão de futuro é estatística e previsibilidade, alguém sempre estará em tempo de mudança, alguém sempre estará precisando de um conselho.

torceu os lábios, ela tinha razão – de novo –, era besteira.

Depois de explorarem o térreo com seu comércio maluco, os dois subiram para o terraço, aproveitando para visitar os corredores largos, com carpetes antigos e manchados. Do terraço podiam ver o Salt River, algumas construções da faculdade, arenas e estádios. O prédio ficava em um ponto muito estratégico e aquela zona devia ter um grande valor imobiliário.
Quando a dupla estava deixando o terraço, um pequeno grupo de homens bem vestidos e engravatados cruzou com eles. Aqueles homens não eram da área, moravam ou trabalhavam por ali, nem pareciam turistas explorando o empreendimento.

– Pai? – se surpreendeu.

Pai e filho estavam um frente ao outro, Lawrence estava rodeado de outros homens engravatados, que conversavam e anotavam coisas em seus celulares. tinha um vinco entre as sobrancelhas e a presença de ao seu lado, que assistia a cena um pouco surpresa.

, o que faz aqui?
– Uma pesquisa de campo. – respondeu rápido, balançando a cabeça uma vez. – Essa é , uma colega. – Apresentou, ainda perplexo.
– É um prazer. – se esticou para apertar a mão do mais velho, que retribuiu.
– Por que você está aqui? – ainda estranhava a situação. – Num lugar como esse.
– Negócios. – Lawrence respondeu com um sorriso fechado.
– Negócios, aqui? – levantou as sobrancelhas.
– Qual a surpresa? – Lawrence riu, dispensando o grupo que o acompanhava, ficando com o filho e sua dupla. – A cidade tem interesse em tudo a respeito desse lugar. Nós representamos a cidade.
– Ah. – ergueu o queixo, entendendo.
– Interesse? – atraiu a atenção do mais velho. – Que tipo de interesse?
– Em tudo, como disse. – Lawrence respondeu com cortesia. – A cidade precisa desocupar o espaço, era provisório. Já perdemos tempo demais?
– E a comunidade sabe disso? Ela foi indagada? – começou a perguntar, adotando tom mais incisivo e ousado. – Eles parecem ter se estabelecido bem aqui. É uma zona de turismo, eles conseguem fazer seu comércio, é melhor do que onde estavam antes.

encarou a dupla com olhar duro, como quem repreende e pede, em silêncio, para a outra pessoa se calar.

– É uma área de grande valor, não podemos doar a comunidade cigana porque os lenços e o cheiro de chá de laranja atraem turistas. – Lawrence a respondeu.
– Mas também não podem tirar um grupo todo, uma comunidade e mover para cá e para lá, como se fossem uma peça em um tabuleiro. – argumentou, enquanto ouvia tudo de cabeça baixa, ou encarando ora o pai, ora a colega. – São pessoas, não peões. Tem direitos como qualquer um de nós.
– Não acho que vão se opor a voltar para os seus acampamentos, ou conjuntos habitacionais. – Lawrence piscou.
– Aonde vão sofrer preconceito e exclusão da comunidade geral, porque sabemos o quanto os nativos dessa parte do país são acolhedores e nada preconceituosos. – ironizou, cruzando os braços e erguendo o queixo.
– E qual seria a sua sugestão mágica para o problema? – Lawrence devolveu, sorrindo de lado, achando graça naquele assunto.
– Ainda não sei, mas tenho certeza que com o nosso projeto podemos pensar em uma. – Ela garantiu.

Fez-se silêncio, enquanto enfrentava Lawrence com o olhar.
– Pai, eu sinto muito... – começou a se desculpar, de cabeça baixa.

Lawrence, repentinamente, riu pelo nariz, para surpresa do filho e de .

– Você é corajosa, ousada e inteligente. – Lawrence elogiou. – E ganhou um grande interessado nesse projeto. Com altas expectativas.

assentiu uma vez, firme, mas surpresa.

– Me mantenha a par desse assunto, . – Lawrence pediu ao filho, mas ainda com olhos em . – Foi um prazer, senhorita.
– Igualmente. – respondeu sorrindo fechado.

A dupla de estudantes assistiu o mais velho dar-lhe as costas e se reunir novamente ao grupo.

– Então esse é o seu pai? – soprou, respirando normalmente agora que ele havia ido.
– Eu quero ir embora agora. – pediu, ressentido.





Continua...



Nota da autora: Sejam bem-vindas a Arizona State University.
Voltamos após alguns meses, espero que não tenhamos que esperar tanto para os próximos capítulos dessa história.

Muito bom compartilhar com vocês, espero que estejam se divertindo.
Não deixem de comentar.

Um grande beijo e até breve,
Carmen




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