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Capítulo Único


15 de Junho, 1985. Orlando, Flórida. Uma rua qualquer, 11h35min p.m


As luzes dos postes eram quase inúteis, transformavam a escuridão intensa em um jogo de sombras. Seria um silêncio mortífero se não fossem os meus saltos contra o concreto. Vejo minha sombra ao chão ficar mais delineada e negra. Olho para trás e a luz me cega por segundos.
Continuo a andar, ignorando o carro. Logo ouço um assobio agudo e fico um pouco nervosa. Escuto o carro diminuir a velocidade.
- Eu não sou uma prostituta, vá embora. - Grito mostrando o dedo do meio. Escuto a porta se fechar e olho para trás. Três homens de estatura mediana e pele bronzeada caminham em minha direção.
- ? - Os três me cercam.
- Eu mesma. - Eu até poderia mentir, mas não adiantaria. Eles sabiam quem eu era.
- Venha conosco! - O mais robusto agarra o meu braço com uma força desnecessária.
- Por quê? - Pergunto ficando aflita.
- Você saberá... - Enfio o meu salto no pé do homem que me levava à força até o carro. Ele urra de dor e solta o meu braço. Começo a correr, mas sinto puxarem o meu cabelo e volto bruscamente para trás. Vou de joelho ao chão e sinto uma dor insuportável. Minha garganta solta um grito fino.
Escuto os dois que vieram atrás de mim discutirem em espanhol. Eu não entendo nada porque não falava em espanhol e porque o meu joelho tinha toda a minha atenção.
Sinto algo pesado atingir minha cabeça e minha visão fica negra.

Abro os olhos assustada e vejo o cara robusto ao meu lado. Estávamos no carro.
- Se você tentar outra brincadeirinha, você já sabe... - Disse mostrando a arma no quadril.
- Onde estamos indo? – Pergunto, um pouco zonza.
- Está vendo aquela mansão ali? Então... - Olho para frente e vejo portões altíssimos, no fundo a casa com uma arquitetura parecida com a de um palácio.
Eles param o carro, se identificam na entrada e mostram que eu estou junto. Os portões se abrem e a mansão fica cada vez mais perto. Era mais iluminada que a rua em que eu estava. Eles abrem a porta do meu lado e sem esperar que eu saia, pegam no meu braço dolorido. Começo a andar e tropeço nos primeiros passos. A dor no joelho se manifesta.
A porta da entrada é aberta e uma luz ainda mais forte entra em meus olhos. O chão era lustroso, a decoração brega. Havia muitos sofás espalhados no centro do cômodo, o qual era marcado por estar em um nível mais baixo do que o restante do local.
Desço os dois degraus e no último o homem que segura o meu braço me empurra. Caio com as mãos espalmadas no chão e meu joelho dói mais ainda. Escuto risadas masculinas encherem o local.
- Eu disse para não machucá-la! -Uma voz conhecida e afetada por nicotina disse em um tom irritado.
- Mas, chefe, ela machucou o Carlos e tentou fugir...
- Não interessa. Ela só tem dezessete anos! - Mais risadas ecoam. - Obviamente é mais esperta que vocês todos juntos. , olhe para mim.
Olho para frente e vejo Giancarlo sentado no sofá. Charuto na boca e um braço descansando no encosto do móvel. Olho em volta e vejo mais cinco homens pelos sofás. Cada um com pelo menos duas mulheres seminuas no colo. Menos Giancarlo.
- Tão hermosa quanto da última vez. - Sorri maliciosamente e exibe todos os seus dentes amarelos.
- O que o Tyler fez agora? - Pergunto. Eu sabia que estava ali porque ele havia feito algo errado.
- Armaram para cima dele. Ele caiu direitinho. - Sinto o meu queixo cair. - Sim, com o meu melhor distribuidor. O julgamento foi hoje. Cinco anos atrás das grades. Seu irmãozinho tem muita sorte. O Gomez pegou perpétua na Colômbia...
- Por que eu estou aqui?
- Seu irmão não completou sua missão. Quem melhor para finalizá-la? - Sinto meu corpo entrar em choque. - Ouvi dizer que você estava andando sozinha pelas ruas. Então presumi que não tinha nada para fazer...
- Mas...
A porta se escancara e todos os olhares vão até lá. Um homem alto, cabelos bagunçados e braço coberto por tatuagens, entra. Ele era o único que não parecia um latino dentre todos os outros. E parecia ser mais novo que todos ali. Sua imagem era bem agradável.
- Até que fim chegou. - Fala Giancarlo. – Pessoal, este é o cara que venho falando. . - Ele sorri e acena para todos. O homem senta ao lado de Giancarlo e logo fixa os olhos em mim. Suas íris brilhavam intensamente contra as luzes da sala.
- É ela? - Pergunta indicando com a cabeça.
- Ela mesmo. Sorte que não é parecida com o irmão. Nem parece ser latina. Deve ter puxado a mãe, a desconhecida. Juan trepou com uma prostituta europeia e ele ficou com a bebê. Grande homem! Juan morreu há três anos. Desde então, Tyler cuida dos negócios. Mas ele foi pego... - Fala da minha história como se eu não estivesse ali.
- Você já me contou a história. - diz cortando-o. - O que fizeram no seu joelho? - Diz depois de segundos analisando minhas pernas. Sinto-me totalmente desconfortável.
- Pelo visto ela tentou fugir e tiveram de detê-la. - Disse Giancarlo rindo.
- Garota, vá tomar um banho. Saímos em uma hora. Dália, leve-a até um quarto de hóspedes. Prepare as malas dela.
Uma das mulheres seminuas assentiu e veio em minha direção. Pegou-me pela mão e me indicou uma suíte. Tomei banho, limpei minha ferida, a qual ardia, e escovei os dentes.
Ao sair do banheiro, vejo uma mala pronta e uma roupa limpa ao lado. Visto-me e não me preocupo com os cabelos molhados. Desço e vejo que as luzes da sala estavam apagadas.
- . - Ouço a voz de Giancarlo e viro-me. - Eu confio em você para essa missão. Cinco dias. Cinco cidades. Quinze pacotes com a cocaína mais pura dos Estados Unidos. Isso é só um teste. Preciso de você na volta. - Diz colocando a mão em meu ombro.
Afirmo com a cabeça e ele me leva até o lado de fora da casa. O carro já estava ligado. Ele abre a porta e eu entro no veículo.
- , você já sabe. Cuide dela. - Giancarlo fala, mais uma vez, como se eu não estivesse ali. - Agora vão.
acena com a cabeça e da a partida. Espero que a mansão se distancie por alguns quilômetros para quebrar o silêncio.
- Qual a nossa primeira parada? - Minha voz sai firme. Ele não responde. Rolo os olhos e direciono minha mão até o rádio do carro.
- Não toque em nada. - Minha mão para no mesmo instante. - Seu trabalho aqui é despistar os policiais, não fazer perguntas.
- Eu sou uma parte tão importante quanto você nessa missão. E eu quero saber onde estamos indo. - Falo cínica. Ele bufa.
- Naples. Nossa próxima parada é em Naples. - Diz a contragosto. Seguro a risada.
- É uma cidade tão pequena, em relação à população. Já estive lá umas duas vezes quando criança.
- Eles recebem muitos turistas nessa época do ano. Se não fomos parados na estrada, chegamos lá em cinco horas.
- Não podemos parar em um hotel? Teríamos tempo de sobra...
- Poderíamos, mas eu não quero. Além do mais, já reservei um hotel em Naples. Chegamos lá. Dormimos. Entregamos as drogas, passamos um pouco na praia. Estrada novamente.
Confirmo com a cabeça e ficamos uma hora em silêncio. Fecho os olhos e quando os abro novamente, o sol já está nascendo.

16 de junho, 1985. Naples, Flórida. Estacionamento de um hotel barato, 6h08min a.m


Olho pela janela e vejo voltar com chaves em mãos. Saio do carro, com a mala pendurada no meu antebraço e ele me entrega uma das chaves.
- Nossos quartos são lado a lado. 24 e 25. -Concordo. Subimos as escadas e caminhamos pela varanda até eu achar o quarto 24. - Agora são seis e dez. Saímos às três da tarde. Ok? - Concordo mais uma vez e entro no quarto.
Pequeno, com uma janela, um banheiro, uma cama grande, armários e um relógio. Mesmo tendo um cheiro estranho, eu deito na cama. Só então penso na enrascada que estou. Eu não poderia ter recusado. Eles matariam Tyler na cadeia, mesmo Giancarlo sendo padrinho dele. Eles me matariam, mesmo Giancarlo sendo o meu padrinho.
Ele era uma pessoa legal para nós dois, mas desde pequena eu fui instruída a não confiar nele. Quando meu pai morreu, Tyler entrou no lugar e eu tentei me afastar, mesmo só tendo quatorze anos. Terminei o ensino médio a uma semana atrás. Agora, ao que parece, virei uma traficante da Flórida contra a minha vontade. Mas já que eu estou aqui, vou tirar proveito de tudo e tentar fazer com que essa viagem seja divertida.
Acordo mais uma vez. Duas da tarde. Eu havia dormido muito, mas fazia dias que eu não dormia uma noite toda. Coloco um cropped florido e um shorts jeans com cintura alta.
Escuto batidas na porta. Arrumo minhas coisas, que eram poucas, e abro a porta, dando de cara com .
- Ainda não são três horas, mas estou com fome.
- Olha só, você tem sentimentos. - Falo cínica. Tranco a porta e vamos até a recepção devolver as chaves. - O que você tem em mente? - Pergunto quando entramos no carro.
- Ir a uma lanchonete e depois encontrar o pessoal na praia.
- Pessoal?
- As pessoas que entregaremos a droga. Eles são meus amigos. - Ele liga o carro e em cinco minutos vemos uma lanchonete.
- O que vai querer? - Pergunto com um cardápio em mãos. - Estou em dúvida entre uma omelete ou panquecas.
- Quero bacon, ovo frito, panquecas e batata frita. - Diz sério.
- Para onde vai toda a gordura do seu corpo? - Pergunto incrédula. Ele era magro, tinha até bíceps definido.
- Gasto comendo outras coisas. - Fala malicioso e eu rolo os olhos.
A garçonete anota nossos pedidos e decido ficar com a omelete.
- Vocês não sabem como tratar uma dama. Típico. - Retorno ao assunto.
- Está se chamando de dama? - Pergunta rindo. - Você é só uma pirralha.
- Não é isso que tem em mente quando perde os olhos no meu decote, aposto. - Falo sorrindo. Ele não responde e a garçonete chega com nossos pedidos. - Tem alguma loja por aqui? Quero chiclete. - Falo quando termino de comer.
- Se tem, você não vai. Já estamos atrasados.
- Já pensou em parar de ser um pé no saco, ?
- Com você? Não!
- Pois devia. Eu posso virar sua vida do avesso. - Sorrio.
- Essa eu pago para ver. - Diz zombeteiro.
- Quantos anos você tem?
- Trinta.
- Já teve alguma ereção em público? - Roço meu pé na sua perna.
- Isso não funcionar. - Diz rolando os olhos. Dou uma risada e levanto, indo ao seu lado.
- Eu posso não ter uma arma no quadril, mas sou perigosa. - Sussurro ao seu ouvido e, calmamente, passo minha mão por sua virilha. Ele dá um pulo involuntário. Mantenho o trajeto por mais alguns segundos enquanto escuto sua respiração descompassada. - Eu sei que é disso que você gosta. Perigo. - Sorrio e levo uma mão até o bolso da sua camiseta. Pego algumas moedas e conto um dólar. - Estou indo comprar chiclete. - Dou um beijo estalado em sua bochecha e saio com um sorriso maligno nos lábios.
Compro um pacote cheio de chicletes coloridos e batom vermelho na loja ao lado. Vou até o carro e vejo que ele já estava lá, com uma cara não muito agradável. Entro no carro e jogo um chiclete na boca.
- Quer? - Pergunto esticando o pacote. Ele olha e ignora. - Ah, não vai me dizer que está bravo. Foi só uma brincadeira. - Olho para a sua calça e vejo um volume avantajado. - Uma grande brincadeira, eu diria. - Falo rindo. Ele pega um chiclete do pacote e bruscamente empurra meu braço. Liga o carro e seguimos até a praia. Demora quase uma hora até chegar lá.
- Fique aqui. - Diz desligando o carro.
- Mas eu quero nadar.
- Você vai, mas não agora. Espere aqui. - Bate a porta com força e demora vinte minutos para voltar. Havia mais três caras com ele. Todos bronzeados e malhados. Saio do carro e aceno para eles com um sorriso travesso nos lábios.
- Olá rapazes. - Digo escorando no carro. - Esses são seus amigos, ? - Ele afirma. - Interessante. - Eles não eram tão bonitos como , mas tinham charme. abre a porta malas e tira do fundo falso três pacotes. Pego o primeiro antes que chegue às mãos do mais baixo deles. - Eu lhe dou kilos e você me dá keys.
- Por que eu faria isso? - Pergunta aproximando nossos rostos.
- Isso faria com que nossa estadia fosse mais longa. - Ergo a sobrancelha. - Aposto que tem muito assunto para tratar com .
- Façamos o seguinte: Eu dou quantos você quiser, talvez até alguns cristais e bebida, mas vocês tem que ficar conosco para a festa mais tarde.
- Até às onze. - Negocio.
- Duas da manhã. - Estende a mão.
- Meia noite. Minha oferta final.
- Aceito. - Apertamos as mãos e lhe dou os três pacotes, que estavam pesados, por sinal. - Nos vemos mais tarde, . - Os três saem, mas não sem sorrir para mim.
- O que foi isso? - Pergunta se escorando ao meu lado. Não parecia estar zangado, mas sem fôlego.
- Acabei de lhe arranjar bebida e drogas de graça. - Olho sorrindo para ele. - Não quero que se lembre de mim como a pirralha que fez você ter uma ereção no meio de uma lanchonete. - Coloco a mão espalmada no seu peito. - Eu sou muito mais do que isso. - Falo quase encostando nossos lábios.
- Essa é sua maneira de pedir desculpas? - Pergunta soltando uma risada nasalada.
- Desculpa é para aqueles que se arrependem de algo. Isso é só um mimo. - Sorrio e olho para os seus lábios. Pareciam ser deliciosos como refrigerante de cereja. Afasto-me e fecho o porta malas. - Vou dar um mergulho. Você vem? - Pergunto pegando um biquíni.
- Não. Contemplarei a vista por um tempo. - Concordo e vou até o banheiro público colocar a roupa de banho.

Depois de duas horas na água quente e cristalina, saio e junto-me aos outros para apreciar o pôr do sol. Era maravilhoso. Não conseguia desviar o olhar.
- Ainda não sei o seu nome. - Olho para o lado e vejo o cara com quem fiz o acordo.
- Eu também não sei o seu. - Dou de ombros e volto a olhar para o horizonte.
- Marco Ortiga. - Diz com um sotaque espanhol.
- Por que todos nesse ramo são latinos? É tão... Estereotipado.
- Os latinos sabem o que é bom. - Diz rindo. - E o seu nome?
- . Me chame assim. - Olho para trás e vejo que a praia está com o dobro de pessoas desde a última vez que olhei. - A festa começou. - Falo procurando minha roupa. Coloco o shorts e mantenho o cropped em mãos. - Onde está o ?
- Está no fundo daquele quiosque. - Aponta para um quiosque gigante. Posso lhe acompanhar? - Diz estendendo o braço, como um cavalheiro.
- Com toda a certeza. - Falo rindo e aceito o braço.

Passamos por uma cortina de miçangas e entramos em uma sala imensa. Havia uma mesa grande de sinuca, que era usada como uma mesa normal. Havia vinte cadeiras e pelo menos metade estavam cheias. Localizo em uma das pontas. Ele ria, com um copo em mãos e um baseado na boca. Três mulheres estavam ao seu lado. Era uma cena adorável.
- Quero as coisas que você me prometeu. - Falo para Marco. Ele imediatamente tira do bolso um embrulho e um isqueiro. Coloca delicadamente entre os meus lábios e acende. Trago e sinto todos os meus nervos relaxarem. Sorrio para ele e lhe dou um selinho demorado. - Muito obrigado.
Sigo para perto de . Ele não percebe minha presença e me sento três cadeiras longe. Alguém joga um cristal na mesa e todos em volta armam um alvoroço.
- Eu consigo três carreiras. - Todos o zombam, como se fosse mentira. - Eu aposto os lábios doces daquela gracinha ali. - Diz apontando para mim. Sorrio amarelo e todos os homens gritam como leões.
- Eu quebro esse cristal com a testa. Se eu conseguir ela me deve um beijo. Ou até mais... - Um homem desconhecido ri malicioso. Mostro o dedo do meio. Ele se posiciona em frente à pedra e com um movimento rápido inclina-se para frente. A pedra dá lugar ao que pareciam flocos de neve. Era até bonito de se ver, se ignorar que era uma droga ilícita. Mas quem liga?
O lugar vai à loucura. Mulheres batem seus saltos contra o piso e balançam a cabeleira. Metade dos homens aplaudem. A outra metade berra. Eu era a única com os olhos fixos no pó.
Sinto minha nuca ser puxada com força e me assusto. Tento me afastar dos lábios que acabam invadindo os meus. Olho para frente e vejo . Paro de resistir imediatamente e me entrego fechando os olhos. O barulho dobra, mas isso não invade a bolha que havia sido instalada entre nós. Suas mãos são vorazmente direcionadas aos meus cabelos. As minhas cobrem as suas.
O resto era um mero negro no meio das nossas chamas. Seus lábios eram tão deliciosos quanto pareciam. Seu toque queimava mais do que eu jamais imaginara. E nós nos conhecíamos há poucas horas.
O fôlego vai embora e o beijo para. Abro os olhos e vejo que ele havia atravessado a mesa. Ainda meio envergonhada, sorrio e comemoro com o resto.
- Poxa, cara, era para ela ser minha. - Diz o cara que quebrou a pedra com a testa. Nela havia um vergão vermelho.
- Eu não estou nem aí. - Diz de volta ao seu lugar. Com uma habilidade incrível, ele separa três carreiras do mesmo tamanho. Tira uma nota de cem dólares do bolso e enrola rapidamente. Suga o conteúdo em questão de segundos e grita com todo o fôlego que tem. - Deem uma para a . - Diz antes de relaxar o corpo na cadeira.
Como se fosse o novo rei do pedaço, as pessoas em volta obedecem. Em segundos uma carreira fina e longa se encontra no feltro à minha frente. Dão-me um papel enrolado e com toda a pressão em volta eu sucumbo. Minha narina arde, meus olhos lacrimejam e meu cérebro derrete. Levanto da cadeira e solto um urro, o qual foi celebrado.
A noite continuou monótona depois disso. Não saberia dizer se foi a droga ou até o pensamento do beijo. Mas tudo passava como vultos por mim. E aquilo era relaxante.

17 de junho, 1985. A caminho de Jacksonville, Flórida. 3h40min a.m.


Abro os olhos, mas não vejo. Escuto uma fungada, ou um soluço. Poderia ser até um urro. Sei que sai da minha garganta. Talvez. Era tudo negro. A voz ao fundo também era negra.
Como se meu corpo não tivesse mais ossos, eu levanto com dificuldade. Sinto o couro do assento e sei que estou no carro. O rádio estava ligado. O jazz fluía dali. Sei que dirige. Ainda estou de shorts e biquíni, mas com uma jaqueta de couro por cima dos ombros.
- Onde estamos? - Minha voz sai desafinada. Ele parece acordar dos seus pensamentos.
- Quase em Jacksonville. - Diz cansado.
- O que aconteceu? Como eu vim parar aqui?
- Você dormiu no meio da festa. Tremia como um chihuahua. Trouxe você nos braços. Não é tão leve quanto parece. - Solta uma risada nasalada.
- Ando dormindo muito ultimamente, eu sei. - Abraço meus joelhos. - Não sou a companhia ideal.
- Eu não ligo. - Diz dando de ombros. - Não era para você estar aqui. Céus, você só tem dezessete. Esqueço-me disso.
- O que você fazia nos seus dezessete?
- Não pensava em virar traficante, com toda certeza. Eu era um adolescente normal. Mas gosto do que faço, para ser sincero.
- ... Por que você me beijou? - Pergunto mudando de assunto.
- Acho que ninguém naquela sala queria ver aquele nojento beijar você. E foi divertido.
- É, foi. - Concordo rindo. - Você parece cansado. - Comento quando o silêncio paira. - Não acha melhor parar no primeiro hotel que ver?
- Pode ser. E eu estou bem cansado. - Diz fazendo uma careta.
- Pensei que demoraria meses para você voltar ao normal depois daquelas três carreiras. Mas olhe só, está novinho em folha.
- Isso para mim é brincadeira de criança. Me chamam de aspirador de pó. Nada original, mas transmite a ideia certa. - Solto uma risada sonora e ele ri junto. - Olha, tem um hotel ali em frente. - Ele diz diminuindo a velocidade.

Estávamos em quartos separados e essa falta de contato estava tirando todo o meu sono. Já eram dez da manhã. Sairíamos dali às três da tarde. Coloco outro biquíni com um vestido floral por cima. Saio do quarto e vou até o restaurante do hotel. Peço algumas frutas e como. Ando por todo hotel até ver a piscina. Tudo parecia deserto. Tiro o vestido e pulo na água, sentindo uma onda fria e agradável atingir o meu corpo. Volto a superfície e vejo em uma das cadeiras de sol.
- Você me assustou. Até parece um stalker. - Falo alto.
- Acabei de acordar. Imaginei que estivesse aqui. - Apoio meus braços na borda da piscina.
- Não vai entrar? Está deliciosa. A água, no caso.
- Muito engraçado. Prefiro ficar aqui e tomar um sol.
- Tem certeza? - Digo sorrindo maliciosamente. - A escolha é sua. - Viro-me e mergulho mais uma vez. Quando retorno à superfície novamente, vejo-o nadar em minha direção. Vou ao seu encontro e jogo minhas mãos em volta do seu pescoço.
- É. Está deliciosa. - Sinto seus dedos roçarem na curva da minha cintura, em baixo da água. Nós dois sorrimos e ele acaba com a pouca distância entre nós. Sua língua invade a minha boca e sinto todo o meu corpo arrepiar. Em segundos, já estou correspondendo o beijo na mesma intensidade. Cruzo minhas pernas em seu quadril e isso facilita o atrito prazeroso dos nossos corpos. Eu agarro seus cabelos molhados e dou puxões de leve. Ele aperta minha bunda com pouca força, seus dedos quase fazem cócegas.

Ficamos assim por quase duas horas, o que pareceu segundos. Pedimos um almoço e voltamos para o quarto tomar um banho e depois voltar à estrada. Coloco o mesmo vestido florido de mais cedo.

- O dia está lindo. - Digo com a cabeça pra fora da janela. - Vai dar tempo de fazer algo em Jacksonville?
- A próxima parada é um armazém na saída da cidade. Eu fico lá por algumas horas. Jogo baralho e bebo um pouco de cerveja, essas coisas.
- Minha companhia muda algo?
- Não fico lá porque quero, sou praticamente obrigado.
- Como assim? - Pergunto juntando as sobrancelhas.
- Eles sempre tentam extorquir meu dinheiro com infinitas partidas de pôquer.
- E?
- E conseguem.
- Por que você deixa?
- Não me importo. - Dá de ombros.
- Então você só parece ser um cara bravo. - Observo.
- Eu sou bravo quando preciso ser. Você é nova demais para entender. Nesse ramo, você trata dinheiro como água.
- Não foi isso que me foi mostrado nesses anos todos.
- Eu os deixo levarem dinheiro porque eu tenho muito mais, entendeu?
- Mais ou menos. - Digo emburrada. - Não gosto de falar de dinheiro. Não me interesso.
Continuamos em silêncio pela hora seguinte, até chegar ao que parecia ser o armazém. Era afastado, de madeira e alto. Poucos carros estacionados em frente.
- Eles são mais... Barra pesada do que o Marco e o pessoal da praia. Não fale nada, OK? - Confirmo e saímos do carro. Espero pegar os pacotes no porta-malas e rumamos juntos até o armazém.
Perto da porta havia dois homens franzinos com armas no quadril e cara fechada.
- Hey, . - Um diz sem mudar a expressão facial. - Quem é a gracinha?
- . - Falo séria.
- Dwayne... Avise que temos visita. - O homem ao seu lado entra no local. - Terei de revistar ela. Mãos na parede e pernas abertas. - Obedeço ao comando e sinto que suas mãos ásperas passam por minha perna. Ele aperta a minha bunda e toca em meus seios. Tendo certeza de que isso não fazia parte do processo, empurro- o com força. Sinto um lado do meu rosto arder e me desequilibro. Caio de joelhos no chão e o meu machucado incomoda um pouco.
- Está tudo bem? - cochicha ao meu ouvido quando levanto. Aceno com a cabeça.
- Princesa, você está no nosso território. Se eu quiser cuspir na sua cara, eu cuspo. Caso isso aconteça novamente, as consequências serão mais graves. - Diz agressivo. Termino de tirar a poeira do corpo quando Dwayne aparece e diz que podemos entrar.
Sigo por entre as caixas gigantes de madeira. No fundo há uma mesa redonda, com quatro homens. A luz ali era precária e o cheiro era de madeira e mofo.
- , meu amigo! Vejo que está acompanhado. - Diz um cara negro, alto e forte.
- Olhem para essa maravilha. - Diz um ruivo com dentes podres e camisa aberta. Ele pega as embalagens das mãos de e cheira o pacote. - A cocaína mais pura do país. Mais pura que essa belezinha aí. - Aponta com a cabeça em minha direção. - Quantos anos tem? Treze? O corpo está bem desenvolvido, com todo o respeito. - Diz sorrindo e tento controlar a ânsia repentina. Não diga nada!
- Precisam de mais alguma coisa? Tenho mais cidades para ir. - Diz , parecia impaciente.
- Você sabe que precisamos. - O terceiro homem, um latino de olhos verdes, fala com sua voz fina. - Junte- se a nós nessa rodada.
puxa uma cadeira e logo recebe as cartas. Eu não sabia as regras do jogo, então fiquei parada no mesmo lugar por quase três horas. Eles já haviam bebido vários canecos de cerveja, menos .
- Droga, ! Não lembrava que era tão bom assim. - Fala ironicamente. - Agora vamos apostar sério. - Diz com um sorriso maligno nos lábios.
- Você está sem dinheiro, não deseja apostar outra coisa? - O ruivo direciona o olhar até mim.
- Não, na verdade, eu tenho que ir. - Diz olhando o relógio de pulso. - Mais entregas.
- Oh não, esta rodada é a última. É a mais importante.
- É mesmo? E por quê? - Pergunta zombeteiro.
- Não se importaria de dividir a companheira, se importaria? - não responde. - Queremos a garota. - O latino diz sério. Sinto a palma das minhas mãos suarem. Tento não ficar nervosa, mas eu já estava desde que cheguei ali.
- Ela não é negociável. Ela é minha parceira.
- Mas é só uma noite. Nada mais. - Diz o ruivo. - Ela parece ser a virgem mais perfeita que já vi.
- Eu não posso. Meu chefe me mataria...
- Mas isso fica entre nós.
- Levem todo o meu dinheiro, mas ela não. - Diz com a mandíbula travada.
- Olha só Jimmy, não é só você que está encantado pela moça. - Zomba o negro.
- Então ela não é tão pura quanto imaginei. - O ruivo ri. - Carinha de anjo, alma de demônio. São o tipo preferido de todo homem. , eu e você pela mão da dama.
- Não... - Sinto algo pontudo tocar minhas costas. Todos os músculos em meu corpo se atrofiam. - Ok, Ok. O que vai ser?
- Uma briga de facas. Nada muito bruto. Quem cortar o outro primeiro ganha. Simples. - olha em minha direção como se pedisse desculpa.
- Tudo bem. - Diz e o latino lhe estende uma faca. O mesmo cara da entrada puxa meus braços e damos alguns passos para trás.
- Não ouse a se mexer. - Diz ao meu ouvido.
Os dois ficam frente a frente, com alguns passos de distância. Fico oscilando o olhar em direção a eles e ao chão. Eu não sabia se era bom com uma faca, mas acreditar nele era a minha única escolha.
- Sua mulher não vai ligar se você estiver com outra? Ou melhor, uma pirralha. É isso que ela é. Esses dias me infernizou por um saco de chicletes. - Diz com o braço firme.
- Ela não vai nem saber, . - Sorri outra vez.
- Quem teria a coragem de casar com alguém feito você? - Escuto minha voz percorrer o local. Todos olham em minha direção e sinto a pressão da faca aumentar sobre minha pele, mas continuo em silêncio.
- Todas as minhas antigas esposas. - Diz cínico. Todos riem, menos eu e .
- Isso foi antes ou depois de perder os dentes? - A faca é direcionada ao meu pescoço. Tento não demonstrar que estou assustada.
- Não, Eckol. Deixe a moça falar. - A faca permanece no mesmo local. O ruivo se aproxima e logo estamos cara a cara. - Sua mãe não te deu educação? Seu pai não lhe bateu o suficiente, pelo visto. Caso o contrário, ele lhe ensinaria que não se deve falar assim com...
- Meu pai era o rei da cocaína. Ele me ensinou que eu poderia falar o que eu quisesse para traficantes do seu escalão, que convenhamos, é baixo. - Ele chacoalha a cabeça e Eckol, o cara da entrada, tira a faca e se afasta. O ruivo continua imóvel.
- E porque eu acreditaria em você?
- Giancarlo é meu padrinho, se ele souber que você encostou em mim, seus dias estarão contados. - Digo semicerrando os olhos. - Não sei se vocês já ouviram falar em Juan , ele era o meu pai, e Giancarlo faria tudo para salvar a menininha dele, que no caso sou eu.
- OUCH! - Ele grita e eu me assusto. Logo, vejo um filete vermelho sair de seu braço direito.
- Isso é por ter se metido com a realeza da cocaína. - Diz , com a faca ensanguentada. - Será que podemos ir embora? - Diz com a voz alta e grossa. Ninguém responde, só se ouve o choro do ruivo. - Nos vemos da próxima vez. - Ele entrelaça nossos dedos e me guia até a saída, mas antes eu paro perante Eckol. Dou-lhe um tapa na cara e ele capota no chão. Sinto minha mão arder, mas a adrenalina em meu corpo deixa que eu saboreie apenas o gosto da vitória.
- Posso até estar no seu território, mas ele é só mais um entre os vários outros da Flórida. E se você não percebeu, eu sou dona da porra da Flórida. - Digo alto e entrelaço nossas mãos novamente. Saímos do lugar triunfantes. Era como se nada no mundo pudesse nos parar.

Já estávamos na estrada por mais de hora. O sol já havia sumido, e com ele, nossa conversa. Havíamos trocado poucas palavras desde quando entramos no carro. Eu não saberia dizer se era cansaço da estrada, ou vergonha pelo o que aconteceu no armazém.
- Você acha mesmo que eu sou uma pirralha? - A opinião dele era importante, mesmo eu não sabendo o motivo.
- Como assim? - Tira os olhos da estrada por segundos e olha para mim.
- Você sabe... Você sempre diz que eu sou uma pirralha. É isso o que você realmente pensa?
- Não. Você é a dona da Flórida, lembra? - Pergunta sorrindo. - A cada hora que passa, eu descubro algo novo sobre você. Você se mostra mais forte e determinada, e eu fico mais encantado com você. - Tento esconder o sorriso largo que se forma em meus lábios. Ficamos em silêncio por mais tempo, e a felicidade por ouvir suas palavras ia se intensificando a cada segundo.
- Próxima parada? - Pergunto quase uma hora depois.
- Tampa.
- Resposta errada. Eu estou com fome, então vamos parar em um posto.
- É, o carro está sem gasolina. , estou sem dinheiro. Os caras levaram duzentas pratas. É comida ou gasolina. Só vou conseguir mais dinheiro amanhã.
- Você realmente não me conhece. - Rolo os olhos. - Eu posso conseguir os dois de graça. Só pare no próximo posto. - Sorrio maliciosamente.

Demora quase trinta minutos para acharmos um posto deserto, porém era limpo e bem iluminado.
- Vá ao banheiro e volte em três minutos.
- Só isso? - Pergunta surpreso.
- Você sabe que só. - Seguro seu queixo e junto nossos lábios. - Agora vá. - Saímos do carro ao mesmo tempo, mas seguimos por direções diferentes.

Entro na loja de conveniência e vou até o caixa. O lugar estava vazio, além do atendente, e isso facilitaria as coisas.
- Posso ajudar? - Era jovem, cabelos penteados para trás e rosto oval.
- Eu... Queria saber para que lado é Tampa. - Falo parecendo tímida.
- Você está sozinha? Aquele carro é seu?
- Não, é do meu padrasto.
- E onde ele está?
- No banheiro se drogando, provavelmente vou apanhar de novo... Ah, finja que não escutou isso. - Falo aflita.
- Apanhar?
- Está vendo o machucado no meu joelho? Ele me jogou no chão porque estava bêbado. Ai meu Deus, se ele souber que eu saí do carro... - Forço lágrimas. - Eu pensei que... Eu não como há dois dias. Mas tudo bem, eu tenho que ir...
- Moça, acalme-se. Não chore, por favor. - Parecia nervoso.
-Eu preciso ir...
- Espere, leve isso... - Ele sai do balcão e pega inúmeros pacotes. - Leve isso. - Coloca tudo nos meus braços.
- Eu não posso, ele só quer abastecer e ir embora...
- . - Diz entrando na loja. - O que é isso? Por que está aqui?
- Senhor, eu a chamei porque vocês são os clientes número cem do dia. Vocês ganham produtos da loja de conveniência e tanque cheio. - Diz nervoso. Era uma gracinha.
- Que seja, vamos embora . - Vou a sua direção e antes de sair, olho para trás e sorrio agradecida para ele. Ele acena com a cabeça e depois de encher o tanque nós voltamos à estrada rindo.
- Você é incrível. - Ele diz abrindo o primeiro pacotinho. - Nunca mais duvido das coisas que você é capaz de fazer
- Que assim seja. - Digo abrindo outro pacote de salgadinhos.
Conversamos sobre todos os assuntos existentes pelas próximas horas. Eu estava com sono, mas não queria dormir. Queria dar continuidade à nossa coversa sem fim. Ele era engraçado e era o único que me tratava como um ser humano de verdade, não como uma boneca. Ele havia ganhado um espaço especial em meu coração, e acho que o sentimento era recíproco.
18 de junho, 1985. Quase em Tampa, Flórida. 7h02min a.m

Eram sete da manhã quando paramos em uma pousada barata. Ficamos em quartos separados pela manhã toda, descansando. Quando o relógio marca três da tarde, tomo um banho, coloco um shorts e um cropped azul e escuto as batidas na porta.
Retornamos à estrada e em quinze minutos estávamos em Tampa. Os prédios eram luxuosos, as pessoas estilosas e as ruas cheias. Paramos em um restaurante logo depois de pegarmos o dinheiro que uma gangue devia a .
- Vamos passar a noite em um lugar... Diferente. - Diz quando engole a primeira garfada. - Não sei se você se sente bem nesse tipo de lugar.
- Tente. - Digo colocando açúcar no suco.
- Clube de strip. - Dá de ombros.
- Eu ia quando era criança com o meu pai e o meu irmão. Eu ficava com as strippers no "backstage". Foi nesse tipo de lugar que aprendi a me maquiar, usar absorvente e como chamar atenção dos garotos.
- Não estou surpreso, mas não esperava por isso.
- Eu sei que no fundo você está com pena. - Digo mexendo na comida com o garfo. - Acredite, eu era feliz. Meu irmão não era um idiota e meu pai estava vivo.
- Desculpe perguntar, mas o que fez depois do seu pai...
- Eu fui morar com algumas amigas. Dividíamos apartamento. Eu tinha dinheiro, então decidi que sumiria do mapa. Bem, eu sumi, até Giancarlo me achar. Eu não sabia que ele tinha uma mansão em Orlando.
- Como você fazia para ir à escola? Você sabe, sempre tem reuniões e papéis para assinar.
- Eu pagava um amigo para falsificar uma assinatura qualquer. E eu dizia que meus pais viajavam muito, por isso não iam.
Ele concorda com a cabeça e ficamos em silêncio, comendo. Eu não sabia se ele pensava que eu era uma coitada perdida na vida. Eu dava o meu melhor para parecer feliz e independente, e eu me sentia assim.
Ele paga a conta e andamos lado a lado na calçada, com os nós dos dedos se encostando. Havia poucas pessoas ali, e isso me deixou mais confortável.
- Aonde vamos? Já está na hora? - Pergunta sem saber que horas eram.
- Não. Quero tomar sorvete. - Olho-o com o cenho franzido. - Não vai querer?
- De baunilha, por favor. - Dou de ombros e paramos em frente a um carrinho de sorvete. Logo, ele paga e estamos com casquinhas em mãos. - Isso foi um "sinto pena de você e quero lhe fazer algo legal"? - Pergunto logo depois de dar a primeira lambida no sorvete.
- Isso foi um "gosto de você, obrigado pela companhia". - Ele sorri e faço o mesmo sem perceber. - Eu não tenho pena de você por causa do seu pai ou por estar aqui, mesmo achando que é errado. Mas eu gosto da sua companhia, não me sinto sozinho. Até me sinto mais jovem.
- Você é jovem. Essas tatuagens no braço, esse cabelo bagunçado... É o James Dean da nossa geração. - Falo rindo.
- Muito obrigado por levantar minha autoestima. - Diz jogando o braço por trás do meu pescoço. - Estou pronto para pegar todas as strippers do clube... Se você deixar, claro.
- Só se você quebrar o coração de todas elas e guardar um pouco de energia para mim no final. - Dou uma cotovelada de leve em suas costelas.
- Não precisa nem pedir. Você sabe que é a minha preferida.
- É, eu sei. Mas quero que você pegue todas hoje.
- Por quê?
- Depois dessa noite, você não vai conseguir se contentar com qualquer uma. - Sussurro ao pé do seu ouvido e vejo sua pele arrepiar. Levo meus lábios até a curva do seu pescoço e dou um chupão com meus lábios gelados e levemente melados. Essa noite seria a melhor, eu mal podia esperar.

A boate era como eu imaginava: grande, com luzes coloridas, várias plataformas com cano do teto até o chão, vários bares e sofás espalhados pelo local. estava sentado em um com outros amigos. Parecia estar se divertindo com um copo de whisky em mãos. As strippers ainda estavam se arrumando para a hora do show.
Passo por uma cortina de miçangas e sigo reto em um corredor escuro até achar a sala em que elas se arrumavam. Todas direcionam os olhos em minha direção e por um segundo me sinto intimidada.
- Posso ajudar? - A mais experiente delas pergunta cruzando os braços.
- Eu vou me apresentar hoje.
- É mesmo? - Pergunta outra morena. - Não sabia que crianças podiam se apresentar aqui. - Todas riem.
- E eu pensei que eles só contratassem mulheres bonitas, mas é como dizem: "Vivendo e aprendendo". - Ela tenta avançar, mas duas ao seu lado a seguram pelo braço. Eu permaneço imóvel. - Não se preocupem, é só por esta noite, já conversei com o dono.
- Você é a chica que entrou com o ? - Uma loira tingida pergunta e eu afirmo. - Então comece a se arrumar. Entramos em meia hora. - Sento em frente a um espelho e começo a me maquiar.
Escuto elas discutirem em espanhol, mas me concentro em não errar no delineado. Vinte minutos depois eu vou até uma arara e vejo as roupas. A maioria eram calcinhas e sutiãs com enfeites. Escolho um vestido justo com um tecido fino e brilhante. Era vermelho, com alças finas, decote profundo e era tão curto que no andar minha calcinha aparecia.
Escolho um scarpin preto envernizado e elas me dizem que está na hora. Escolho esperar um pouco, pelo menos mais uma hora. Respiro e volto à boate quando da a hora. Estava mais cheia do que antes no quesito público masculino.
Caminho até a plataforma em frente ao sofá em que continuava sentado com um copo de bebida em mãos. A diferença era que agora ele estava cercado por mulheres.
Subo na plataforma e indico para a stripper que estava ali sair. Ela não parece nada feliz, mas sai e eu tomo conta. Na hora em que fecho minha mão no cano, uma música nova começa a tocar. Ela tinha um ritmo sensual e falava sobre drogas.
Começo a dançar com os olhos fechados e torço para estar me olhando. Remexo o meu quadril lentamente e vou descendo até o chão. O momento era só meu e da música, nada mais. Quando abro os olhos, vejo e quase todos os olhos masculinos do recinto me encararem. Alguns tinham o queixo caído, outros um sorriso malicioso nos lábios. era o único indecifrável: um misto de surpresa, prazer, ódio e algo mais.
A música acaba e eu desço da plataforma. Alguns homens vêm em minha direção e me oferecem presentes como notas de cem dólares, baseados e saquinhos com cocaína. Aceito todos, mas não prolongo nenhuma conversa, simplesmente vou em direção a .
Havia uma mesinha de vidro à sua frente, então ajoelho-me em frente e vejo todos os mimos que ganhei. Quase mil pratas, três saquinhos de cocaína e dois baseados.
Guardo o dinheiro no decote, com exceção de uma nota, e levo minha atenção ao pó branco. Separo uma carreira fina e longa pela mesinha. Enrolo a nota e coloco-a em uma narina, logo a droga está dentro do meu organismo, queimando por entre minhas veias.
Jogo minha cabeça para trás e aprecio minha batida cardíaca descompassada e minha visão turva. Levo o meu olhar até ele e sinto-me satisfeita por ver que seus olhos já estavam fixos em mim.
Sem me importar se ele estava acompanhado ou não, chamo-o com o dedo indicador. Ele se levanta e eu pego outro pacote. Logo, ele está sentado ao meu lado. Ficamos cara a cara e abro o outro embrulho com conteúdo branco. Entrego-lhe e ele pega sem hesitação.
Ele acaricia meu rosto com a ponta dos seus dedos e com um toque leve, ele tomba minha cabeça levemente para o lado. Ele faz uma linha branca na minha clavícula e suga rapidamente. Sinto o meu corpo se arrepiar. Sinto seus lábios distribuírem inúmeros beijos por todo o meu pescoço e sem querer solto um gemido.
- Você estava magnífica. Eu nunca, nunca vi um ser humano tão perfeito como você. - Sinto suas mãos entrarem por de baixo do vestido. Seus dedos fazem movimentos circulares através do pano da peça íntima. - Ver todos aqueles babacas babando por você... Tive vontade de matar um por um, mas me acalmei quando lembrei que você é minha.
Normalmente, essa frase me deixaria furiosa e eu lutaria com unhas e dentes para que ele voltasse atrás, mas o momento parecia tão propício.
- Vamos logo sair daqui. - Sussurro em seu ouvido. Ele concorda e me ajuda a levantar.
O carro estava estacionado nos fundos da boate, em uma rua escura e sem saída. Ele abre a porta de trás e eu entro em um pulo. Logo, a porta é fechada e sinto suas mãos puxarem o meu vestido para cima. Eu o ajudo erguendo os braços até onde era possível.
Bruscamente, nossos lábios são selados e com as mãos trêmulas, eu tento abrir os botões da sua camisa. Ele envolve minhas mãos com calma e assim eu consigo finalizar a ação.
Minutos depois, o carro está quente como o inferno. Como era bom estar no inferno! Meus gemidos ficavam cada vez mais audíveis, seu nome saía dos meus lábios sem que eu percebesse. Suas mãos sabiam como me tocar, seus movimentos eram rápidos e precisos, seus olhos me fitavam como se eu fosse a oitava maravilha do mundo. E foi olhando neles, com suor escorrendo pela minha testa, que eu dei o gemido final junto a ele. O mais alto e o mais prazeroso de todos eles.
Fico deitada no banco, com os olhos fixos no teto. Ele estava sentado ao meu lado, passando as mãos trêmulas por minhas pernas. Eu nunca imaginaria que ele se tornaria alguém importante em minha vida, e ele só estava nela por três dias.
Estendo o meu braço até o chão do carro e tateio até achar um baseado e um isqueiro. Acendo-o e logo trago a fumaça amarga.
- Você parece estar adorando sua vida nova. - Diz com um sorriso triste nos lábios.
- Não posso reclamar. Você está aqui. - Dou de ombros.
- Não para sempre. - Diz quase inaudível. Tento ignorar o choque que havia se espalhado por todo o meu corpo.
- Quer me contar algo?
- Só mais duas cidades, .
- Eu sei. Cada um vai seguir um caminho diferente. - Minha voz falha. Levanto o tronco e recoloco o vestido que eu estava, deito minha cabeça em seu ombro, mas não antes de depositar um beijo. - Você volta para as suas drogas e eu para o Giacarlo. - Falo desanimada.
Ele não diz nada, apenas passa seu braço pelos meus ombros e deposita um beijo em minha cabeça.

19 de junho, 1985. São Petersburgo, Flórida. Na banheira de um hotel qualquer, 14h25min p.m


Meu cabelo estava preso em um coque alto, enquanto o resto do corpo estava submerso na água morna. A espuma era escassa. Ouço batidas leves na porta do banheiro e ele entra sem esperar que eu diga alguma coisa.
Senta- se em um banco ao meu lado, fora da banheira, e apoia os cotovelos nos joelhos. Havíamos dormido no mesmo quarto e repetimos tudo e mais um pouco do que aconteceu na noite anterior.
- Você é a única pessoa que toma banho com os lábios pintados de vermelho. - Fala soltando uma risada nasalada. - Na verdade, você é a única em muitas coisas. - Sinto o meu corpo todo arrepiar. Seguro o sorriso que insistia em escapar dos meus lábios toda vez que ele falava algo agradável. - Vai ser difícil amanhã. Sabe, , você é alguém muito especial para mim. Trouxe algo que faltava há tempos na minha vida.
- Sexo? - Olho em seus olhos. Eu sabia que não era disso que ele estava falando.
- Não. - Solta uma risada alta. - Você trouxe alegria, coragem e graciosidade. Essas são palavras que lhe descrevem muito bem, devo dizer. Mas bem, se vista, vamos entregar as drogas e logo depois vamos até Miami. - Diz caminhando até a porta do banheiro.
- ... - Falo com a voz manhosa. Ele se vira imediatamente. - Precisamos ir nesse exato momento? - Afirma com a cabeça. - Mas... Eu pensei em aproveitarmos um pouco mais. - Falo levantando da banheira. Saio e caminho lentamente em sua direção. Seus olhos contemplam o meu corpo nu e molhado como se ele fosse uma obra prima. Tiro a sua jaqueta jeans e ela cai ao chão. - Tenho certeza que você quer como eu quero. - Sussurro olhando em seus olhos e abrindo o seu cinto.
- Você sabe como manipular um homem. - Diz fechando os olhos e engolindo seco.
- Eu lhe disse... Eu sou perigosa. - Sorrio maliciosamente e voltamos para a cama, sem importar se os lençóis iam ficar molhados ou se as pessoas de fora fossem ouvir nossos gemidos.

O local da vez era um bar monótono. Várias mesas vazias, poucos atendentes e a luz era precária.
- Tem certeza que é aqui? - Pergunto ao seu ouvido. - Parece um bar fantasma.
- Acredite, ele fica muito cheio pela madrugada...
- ! - Ouço uma voz fina celebrar atrás de nós. Viro- me e vejo uma mulher magra, bronzeada, morena e alta.
- Cátia! - Diz e a abraça. Eles pareciam ser muito íntimos.
- Quem é a moça?
- . - Digo com um pequeno sorriso nos lábios.
- A famosa princesa da Cocaína. - Diz cruzando os braços. Seu tom sarcástico era perceptível. - É tão bonita quanto disseram. E meus parabéns, todos nós sempre tivemos vontade de socar o Eckol. - Ri. Ela tinha, no mínimo, quarenta anos.
- Foi tão bom quanto você pode imaginar. - Digo rindo.
- Imagino. - Lança um sorriso maternal. - , pague uma bebida a ela e venha até o meu escritório. Foi um prazer lhe conhecer. - Sorri mais uma vez e dá meia volta.
Caminho até o bar ao seu lado e ele me pede algo fraco. Dá um beijo em minha testa e some.
- Ele é o seu namorado? - Pergunta um dos únicos clientes ali. Ele estava sentado no banco do lado.
- Não. - Digo e sinto um peso sobre o meu coração. - É só mais um... Amor de verão. É assim que chamam, certo?
- Certo, mas não sei se essa é a definição. Vocês parecem bem próximos. Parecem se conhecer há anos...
- Quatro dias. - Digo e viro a bebida. Eu estava me abrindo com um estranho, mas quem liga?
- Wow, então isso vai durar mais...
- Não vai. - Corto-o antes que cutuque uma ferida. - A viagem acaba amanhã. - Falo com um nó na garganta. - Infelizmente.
- Antônio. - Diz estendendo a mão. - Traficante de meia tigela.
- . - Aperto sua mão. - Pelo visto, a princesa da cocaína.
- Parece ser muito nova para ter feito tudo o que falam. Quantos anos você tem?
- Não importa. Sou madura o suficiente, é tudo o que você precisa saber.
- É verdade que socou o Eckol?
- É, aquele idiota mereceu.
- Ele é meu primo, de terceiro grau, mas é. E sim, é um idiota. - Diz rindo. - Você é muito bonita. - Diz depois de virar sua bebida. - É uma pena que esteja apaixonada...
- Eu não estou apaixonada. - Digo levantando bruscamente. A ação havia sido fruto do meu instinto. Todos no recinto me olham e eu sento novamente.
- Relaxa, é só uma maneira de falar.
- Só não repita isso... - Digo com um nó no cérebro. Até o momento, eu nunca havia pensado em amor. Na verdade, não era hora para essa tolice. Eu o conhecia há pouco tempo e amanhã...
- Tudo bem, princesa. - Diz passando a mão na minha coxa. O ato não me agrada, mas me limito a levar os olhos até lá. - Quer outra bebida? Eu pago. - Nego com a cabeça. Ele dá de ombros e pede uma bebida forte.
- Você acha que vai demorar? - Pergunto me incomodando com o cheiro de álcool.
- Provavelmente. Ele e Cátia são... Próximos. - Fala maliciosamente.
- Novidade. - Rolo os olhos. Aquela sentença havia me irritado. - Você por acaso tem... Cocaína? - Falo em um tom mais baixo. Ele busca um pacote no bolso da camisa e me entrega. Não era muito, mas já estava bom.
- Faça bom proveito. O banheiro é naquela direção. - Aponta para uma porta no fundo. Agradeço e sigo até lá.
Fecho a porta e me ajoelho em frente ao vaso. Abaixo a tampa e faço a carreira. Sem nada para auxiliar, eu sugo com uma narina diretamente na superfície de plástico.
Sinto meu corpo tombar para trás e minha cabeça bate na parede. Pelo barulho, deveria estar doendo, mas eu sentia todo o meu corpo formigar de uma forma prazerosa. Meu corpo desliza pela parede e minha visão fica negra.
Percebo que me desliguei do mundo quando batidas fortes na porta me acordam. Espero a dormência da minha perna passar e levanto, quase caio novamente por conta da tortura. Destranco a porta e vejo ao lado de Antônio.
- O que você tem na cabeça? - pergunta com a voz possuída por raiva. Olho dele para Antônio, de Antônio para ele e não consigo formular uma frase. - Vem, vamos embora. - Diz entrelaçando nossos dedos.
O bar estava lotado. Pessoas gritavam, caiam e cantavam. Sinto meu corpo ser puxado bruscamente para trás, nossos dedos se separam e meus lábios são tomados por outros. Eu não conhecia o rapaz e todos ao seu redor riam. Ele tinha os olhos fechados, ao contrário de mim. Minhas mãos tentam nos afastar, mas um vulto ao meu lado é o que realmente nos separa. O rapaz cai no chão e continua a distribuir socos por todo o seu corpo. As pessoas em volta agarram pelos braços.
- NUNCA MAIS ENCOSTE NELA. - Berra tentando se soltar dos braços alheios. - Me soltem. - Diz fazendo movimentos bruscos. - Eu já estou indo embora. - Eles o soltam e ele agarra minha mão novamente.

Estávamos no carro por vinte minutos. Ele não havia falado nada, mas parecia muito bravo. Sua respiração era ruidosa e suas mãos pareciam estar coladas no volante. Levo minha mão no painel, tentando mudar a estação de rádio, mas sua voz faz que eu pare no meio do caminho.
- Não toque em nada. - Sinto que se segura para não gritar.
- ...
- Cale a boca.
- ... - Fica em silêncio. - Aquilo foi desnecessário.
- Pensei que você não gostasse que as pessoas abusassem de você. - Diz dando de ombros.
- Eu não gosto, mas você bateu nele...
- Você também bateu em Eckol...
- Mas ele também me bateu. Qual seu problema? Que saco! - Digo irritada.
- Você quer mesmo saber o meu problema? Bom, você aceitou drogas de um estranho e sumiu. Fiquei quase meia hora batendo na porta para você abrir, pensei que tivesse tido uma overdose. Você estragou nossa última noite juntos. - Diz aumentando a voz gradativamente. Meus olhos lacrimejam.
- Isso não teria acontecido se você não tivesse sumido com aquela... Mulher. - Minha voz sai alta e mais fina que o normal.
- Eu estava resolvendo outros problemas. Você não pode esperar que eu passe todos os segundos ao seu lado...
- E você não pode esperar que eu fique no lugar que você me deixou por horas morrendo de tédio enquanto você se diverte com outra. - As lágrimas saem e eu solto um gemido frustrado.
- Espera... Você pensa que...
- Penso! Soube que vocês se conhecem a muito tempo...
- , não fale coisas que não sabe. - Diz soltando um suspiro alto.
- Então me diga o que é. - Minha voz sai falhada. Ele fica em silêncio, olhos fixos na estrada. - Eu sabia... - Dou uma risada cínica. - No final das contas não fui eu que estraguei a noite.
- Eu não posso te contar ainda. Ok? - Diz mais calmo.
Não respondo nada e mantenho meus olhos nos vultos do lado de fora da janela. Fiquei assim por horas, até pararmos em um hotel. Esse era o maior e mais bonito de todos. Vários andares, arquitetura moderna, jardim bem cuidado.
- Um quarto? - Pergunta quando acaba de estacionar.
- Faça o que você quiser. - Digo e saio do carro, batendo a porta bruscamente.
- Você está sendo irracional. - Diz saindo do carro. Paro de andar e olho em sua direção.
- E você é um idiota. - Ele ri e isso me deixa mais irritada. Ele se aproxima e tenta me tocar, mas eu desvio.
- Eu não fiz o que pensa que fiz. - Diz sorrindo. - E mesmo se tivesse feito...
- Não estamos juntos. - Completo a frase pesarosa.
- Isso dói tanto em você quanto em mim, acredite. - Diz tocando minha bochecha. Fecho os olhos e sinto seu toque macio.
Não podia acreditar que eu não sentiria isso pelos próximos meses, ou anos. Abro os olhos e vejo neles a mesma tristeza que habita os meus. O combinado é que eu voltaria de ônibus para Orlando, por motivos confidenciais.
- Um quarto. - Falo e sorrio minimamente.

Segundo ele, estávamos há alguns minutos de Miami e isso me deixou um pouco mais animada, pois eu sempre amei essa cidade. O nosso quarto era no décimo andar, então a vista era incrível. O mar era calmo e a lua grande e brilhante. Contemplo a bela visão pela varanda e vejo pelos cantos dos olhos que ele fica ao meu lado.

- Eu vou sentir sua falta... Até mais do que eu pensava. - Diz soltando um suspiro. - Droga! Eu gosto muito de você. Como é possível? Conhecemo- nos a tão pouco tempo. - Falo sem medo.
- É quase impossível não criar afeição por você. Todos os lugares que passamos... As pessoas se apaixonaram por você.
- Digamos que Eckol não se apaixonou tanto assim. - Digo humorada.
- Acho que Jimmy era mais o seu tipo.
- Ai meu Deus! Que nojo! - Faço uma careta e ele ri.
O silêncio paira e nós dois tínhamos os olhos perdidos nas águas adormecidas do mar. Eu tentava pensar em algo para ficar ao seu lado mais tempo, mas nada vinha em minha cabeça.
- Por que eu tenho que voltar de ônibus a Orlando? Eu sei que você não pode contar, mas...
- Querem você trabalhando com eles.
- Mas por que eu não volto com você?
- Eu não fico em Orlando, . Levar você de volta significa tempo de trabalho perdido. - Concordo cabisbaixa. - Eu não faço as regras, sabe disso.
- É, eu sei. Mas ainda sim... - Solto um suspiro dolorido. - Tenho medo do que eles possam fazer comigo.
- Eles não vão tocar em você. - Fala prontamente.
- Como pode saber? Giancarlo me odeia, por que acha que me enviou aqui?
- Eu prometo que não vai acontecer nada com você. - Entrelaça nossos dedos.
- Posso estar errada, mas sinto que você está escondendo algo de mim.
- Se for sobre eu e Cátia...
- Não, não é. É algo maior, mas fique tranquilo, eu sei que confiar em mim não é uma opção muito viável. - Sorrio minimamente e vou para dentro do quarto.
Vou até o rádio que estava em cima de uma mesa de mogno e ligo-o. Uma música lenta toca e começo a mexer o quadril no ritmo. Suas mãos abraçam minha cintura por trás e nossos corpos ficam roçando.
- Pare de drama, você sabe que eu confio em você. - Sussurra ao meu ouvido.
- Então me conte. - Viro e ficamos cara a cara. Nossos olhos estavam focados.
- Amanhã. - Rolo os olhos. Faço menção de me distanciar, mas ele junta nossos lábios urgentemente. Suas mãos seguram meu rosto. Eu não resisto, obviamente, se fizesse eu me arrependeria mais tarde.
Ele me ajuda a cruzar as pernas ao redor do seu quadril e logo estou sentada em cima da mesa de mogno.
- Me peça qualquer coisa e eu faço, mas isso eu não posso contar agora. - Diz arfante.
- Vamos passar nossa última noite dançando, transando, vamos ficar chapados. E amanhã, vamos à praia, e vamos ficar chapados em Miami também.
- Fechado. - Sorri e busca algo no bolso de trás da calça. Era um pacote com cocaína. Ele tira a minha blusa e faz uma linha branca no meu busto. Sinto sua narina sugar tudo. Também sinto seus beijos nos meus seios depois que tira o meu sutiã.
Pego sua mão direita com as minhas duas e faço uma carreira em seu braço, logo acima das suas tatuagens sem sentido, pelo menos para mim, mas eu as adorava. Sugo tudo e o sentimento de topor invade meu corpo como um todo.
Minutos mais tarde estamos gemendo alto. Nossos rostos estão se contorcendo de prazer, nossos corpos tremem e suas mãos arrancam fios do meu couro cabeludo. Em vingança, arranho cada centímetro das suas costas. Era um sexo entre selvagens, e nós sabíamos que não havia melhor jeito.
Minutos depois do ápice, vamos ao banheiro e tomamos um banho de banheira juntos, entre beijos e risadas. Logo após, já semi vestidos, ele me convida para dançar. Dançamos por horas, até os primeiros raios de sol surgirem, foi aí que decidimos que era hora de dormir.
Eu queria ter ficado acordada, mas o cansaço venceu e eu só acordei quando o sol estava no alto.

20 de junho, 1985. No hotel perto de Miami, Flórida. 10h56min a.m


- Bom dia. - Escuto sua voz ao meu lado.
- Bom dia. - Sorrio. - Dormiu bem?
- Não dormi. - Sorri. - Fiquei vendo você dormir. - Sinto minhas bochechas ficarem coradas.
- Hm... Para onde vamos levar a cocaína?
- Já levei. - Deu de ombros. - Era em outro bar, nada novo. Assim teremos mais tempo.
- Que horas são?
- Onze horas. Seu ônibus é às quatro da tarde. Vamos levantar, colocar uma roupa e vamos tomar café. Ou almoçar.
Concordo com a cabeça e coloco uma roupa com biquíni por baixo. Arrumo minha mala e descemos para tomar café ou almoçar. O dia estava lindo, mas o um sentimento ruim não deixava de carregar o meu peito. Eu tinha vontade de chorar a todo instante e só não fazia pois ele estava ao meu lado.
- Você não parece animada. - Comenta quando a sobremesa chega.
- Está tão na cara assim? - Cutuco o bolo com o garfo.
Ele respira fundo e me pega pelo braço quando levanta da cadeira.
- O que está fazendo? - Pergunto assustada.
- Vem! - Diz me puxando.
Fizemos o checkout no hotel e rumamos até Miami. Demorou apenas vinte minutos até chegarmos à praia. Ela estava cheia de um lado e deserta no outro, era nesse último lugar onde estávamos. As pessoas ao longe não passavam de meros pontinhos, os prédios grandiosos e modernos de Miami se destacam ao fundo.
- Eu amo Miami. - Digo sorrindo e logo tiro a roupa, ficando apenas de biquíni.
- Quem não ama? - Pergunta sentando na areia.
- É, mas tem um significado especial para mim.
- Por que você não senta ao meu lado e me conta? O sol está meio forte, vamos aproveitar a sombra dessa palmeira. - Concordo e sento ao seu lado, sentindo a areia morna.
- Morei minha vida toda aqui, com meu pai e meu irmão. Morávamos aqui perto da praia. - Falo ajeitando algumas mechas de cabelo jogadas pela brisa. - Essa praia significa a minha felicidade. Meu pai pode até ter sido um bandido, mas era o meu herói. Ele me adotou porque a minha mãe não me queria. - Falo com lágrimas se formando nos cantos dos meus olhos. - E ele disse que se apaixonou por mim desde a primeira vez que me viu. - Deito minha cabeça no seu ombro. - Ele morreu implorando para que eu não fosse para o lado do tráfico, principalmente para o lado do Giancarlo. Ele queria que eu cursasse uma faculdade, e eu tentei, mas... - Deixo a frase morrer sem um ponto final.
- O que você pretendia fazer?
- Química. Aposto que não esperava por essa. - Falo rindo.
- Não mesmo, mas se você pensar... Faz sentido. Viveu sua vida em laboratórios onde fabricavam drogas.
- É, faz sentido. O jeito vai ser trabalhar com Giancarlo.
- Pensei que seu pai tivesse lhe dado metade de sua fortuna, o que é o suficiente para você viver uma vida confortável, aposto.
- E deixou, mas não quero viver apenas desse dinheiro. Eu quero trabalhar, quero ser muito mais do que pareço ser.
- Você não precisa de nada disso para ser admirada pelo outros, principalmente por mim. - Ele diz e eu olho em sua direção. - Você roubou o meu coração, . - Diz e roça nossos narizes. Sinto meu coração acelerar e acabo com os milímetros de distância entre os nossos lábios. O beijo era calmo como as ondas que se formavam no mar.
- Eu nunca vou esquecer essa viagem. Muito menos você. - Falo com os meus lábios encostados nos seus. - Eu nunca gostei de ninguém assim.
- Você viveu uma vida rodeada por pessoas erradas. Sempre ouvi Giancarlo falando de você, mais parecia ser um objeto para ele. Você só gosta de mim porque eu lhe trato como você merece.
- É muito além. - Junto nossos lábios novamente.
Ficamos trocando beijos e carícias por muito tempo. O sol fica menos forte e caminho perto do mar. Sinto a água quente molhar os meus pés e sorrio com tal sensação. Era prazerosa e nostálgica.
Ele entrelaça nossos dedos. Ele sempre fazia isso, mas toda vez era uma sensação nova e boa. Escuto um barulho metálico ao fundo e vejo outro carro. Dele sai um homem, e ele corre em nossa direção.
- ... - Falo em um tom baixo e ele leva os olhos até lá. Corre em direção ao outro homem e eu o sigo.
- O que está fazendo aqui? - Pergunta com a voz raivosa, nem parecia ser a mesma pessoa.
- , sabem onde você está. - Diz e há alguns segundos de silêncio. Percebo que conheço o homem. Ele era um dos três que me "raptaram" na noite em que fui à mansão de Giancarlo. - Estão vindo...
- , do que ele está falando? - Minha voz sai falhada. Coisa boa não era.
- , eu te explico no caminho. Precisamos ir. - Diz agarrando meu braço. - Carlos, avise o pessoal para se prepararem... - Diz e me guia até o carro com passos rápidos, mas antes pego a minha roupa jogada na areia.

- O que está acontecendo? - Pergunto me vestindo dentro do carro.
- , eu preciso que você me escute, sem interrupções, não temos muito tempo. - Diz com os olhos grudados em mim. Confirmo freneticamente com a cabeça. Ele liga o carro e passa pelas ruas em uma velocidade mais rápida do que o resto dos motoristas. - Você não vai voltar para Orlando. Eu nunca permitiria isso. - Minha cabeça explode em milhões de perguntas, mas mordo minha língua e espero a explicação. - Pessoas da minha confiança invadiram seu apartamento em Orlando e pegaram todas as suas correspondências e todos os seus documentos. Elas estão no porta-luvas. - Aponta com a cabeça. Abro e vejo envelopes brancos abertos. - São das faculdades que você tentou entrar. Ontem, eu as abri com Cátia no escritório dela e decidimos em qual você ficaria.
- Em qual eu ficaria? Isso significa...
- Sim, você passou em três. - Diz com um sorriso encantador no rosto. –Duas aqui na Flórida. Uma em Boston, Massachusetts. Você vai para esta última.
- ... O que Cátia tem em relação a isso? Ou até mesmo o cara da praia.
- Nós somos amigos do seu irmão. Fui visitá-lo algumas semanas atrás. Montamos um plano para tirar você do Giancarlo da maneira mais simples e menos escandalosa possível. Tyler sabia que você sofreria nas mãos dele. Fiz Giancarlo confiar em mim e indiretamente lhe lancei a ideia de que precisava de um parceiro de viagem, e como o previsto, você foi a escolhida.
- Mas... Por que ele me quer tanto assim?
- Ele tem medo que você vá à polícia, igual o seu irmão. E pelo o que eu ouvi, tem uma fórmula secreta para deixar a cocaína mais viciante que seu pai sabia. , só ele sabia, e ele lhe contou. Você vale muito para eles. - Nada fazia sentido. Minha cabeça era um nó cego. Eu não sabia do que ele estava falando.
- Ele não...
- Eu sei, mas Giancarlo está certo de que você sabe. E nada vai pará-lo até ele lhe achar. Ele vai torturar você pelo resto da sua vida até você ceder.
- Meu irmão foi até a polícia? Está cada vez mais confuso.
- Por que você acha que ele só pegou cinco anos de prisão? Ele contou muitas coisas para a polícia. E depois eu vou me entregar também, contar o que eu sei. Vamos destruir o império de Giancarlo.
- Mas você disse que gostava de ser traficante...
- Eu gosto, mas não quero mais, . Quero fazer o meu tempo na prisão pelas coisas que eu fiz e depois viver uma vida normal.
- Mas o Giancarlo vai saber que você vai falar algo.
- Vai, mas quando isso acontecer ele vai estar na Colômbia, em seu país de origem, com uma pena perpétua. Com sorte, eu pego só oito anos, até menos.
Eu estava chocada, parecia ser mentira. Vejo minhas mãos trêmulas em meu colo. Algo dentro de mim queimava. Meus olhos estavam lacrimejados.
- Seu voo sai daqui a pouco... - Ele respira fundo. - Talvez você esteja me odiando por ter mentido, mas em relação a você, , tudo o que falei, tudo o que sinto, é real. No começo eu só queria chegar em Miami para me entregar, mas meu objetivo mudou quando eu lhe conheci. O seu bem estar e sua educação viraram prioridade maior.
Fico quieta até chegarmos ao aeroporto. Pego minhas malas, as cartas, minha documentação e ele me dá a passagem.
Já dentro do aeroporto, vamos à uma lanchonete perto do portão de embarque. Sentamos nas cadeiras e deixo a bagagem no chão. Ele pede algo para comer e ficamos em silêncio até o pedido chegar.
- Eu não te odeio. - Falo olhando em seus olhos. - Eu nunca odiaria você por me ajudar a realizar um sonho. Ou... Eu nunca odiaria você, nem que eu tentasse. Eu só não entendo porque você não me contou desde o começo.
- Fazia parte do plano eu ter lhe contado desde o começo. Mas quando eu vi você pela primeira vez... Algo me disse que era melhor deixar você excluída disso até o último dia. Você parecia tão indefesa ao lado do Giancarlo, mas com o tempo você se mostrou tão forte e independente. Se eu lhe contasse, você iria fugir de mim, iria embora e me deixaria para trás. Desde o primeiro dia, em Naples, eu lhe quis do meu lado, pois eu sabia que você marcaria minha vida da maneira mais bonita e especial que tem. - Lágrimas escorrem por meus olhos com facilidade.
- Então venha comigo. Eu quero você ao meu lado pelo resto da minha vida. - Ele nega com a cabeça e me vejo sem saídas.
- Eu quero pagar pelo o que eu fiz nesses anos todos, só assim poderei viver uma vida feliz. Quero começar do zero. - Diz com os olhos fixos em um ponto perdido. - Você sabe que esse é o nosso fim, não sabe? - Olha em minha direção e vejo seus olhos cheios de lágrimas. Concordo brevemente com a cabeça. - Mesmo que dure só um ano a minha prisão, você vai achar outro alguém. E ele vai poder te dar uma vida melhor. Você vai se casar, ter filhos, e eu não passarei de uma fase da sua vida.
- Desde o meu pai, você foi o primeiro a ser gentil comigo. Ao seu lado eu me senti alguém especial. - Lágrimas silenciosas escorriam sem parar.
- Eu não sou mais especial que os outros por ter lhe mostrado como você deve se sentir em toda a sua vida.
- Você não é só uma fase, . - Protesto. - E mesmo que eu ache alguém em Boston... Você sempre será o meu primeiro amor. Eu posso me apaixonar novamente, várias vezes, mas no fundo eu estarei esperando por você. - Nos olhamos fixamente, até que uma voz ao fundo fala que está na hora do meu voo.
Silenciosamente, revisamos tudo. Coloco minha bagagem na esteira, confirmo a minha passagem e vamos até o portão 08, o qual eu pegaria o meu voo. Viro- me e o abraço bruscamente, pulando em seus braços. Ele me abraça na mesma intensidade e me ergue do chão, dá um giro e me posa delicadamente no chão.
- Eu ainda não acredito que vai se entregar. - Sussurro ao seu ouvido, com meus braços envoltos firmemente em seu pescoço.
- A prisão não significa nada se você esperar por mim. - Diz voltando atrás.
- Eu vou! - Digo com a voz quase inexistente. - Você sabe.
- , só peço uma coisa... - Diz me soltando, mas entrelaçando nossas mãos. Olha em meus olhos intensamente... Ah, os seus olhos! Seriam as primeiras coisas que eu pensaria todas as noite antes de dormir. - Me prometa que nunca... Jamais voltará para a Flórida. Nem para falar com seu irmão, ou comigo. Nós dois queremos você lá. Entendeu? - Concordo com a cabeça.
- Me prometa que quando sair, seu primeiro passo será vir atrás de mim.
- Eu prometo. - Diz me abraçando novamente. Nossos lábios se tocam levemente e a cada segundo vamos aprofundando. O beijo era indecifrável, não sabia dizer se era calmo ou selvagem. Era para ser memorável, a forma mais concentra de dizer... - Eu te amo. - Diz depois de separar nossos lábios. - Eu te amo. - Repete derramando algumas lágrimas, e eu deixo que as minhas caiam também.
- Eu amo você também, . - Digo com um sorriso mínimo nos lábios. - Tudo vai dar certo.
- Se acontecer alguma coisa comigo na prisão...
- Já ouviu aquele ditado: "As pessoas nunca morrem em Miami"? Mantenha- o em mente. - Ele sorri e nos beijamos mais uma vez.
Depois de toda a enrolação possível, eu ultrapasso o portão e assopro um beijo em sua direção. Ele coloca as mãos no bolso e sorri. Essa seria a imagem que eu manteria dele na cabeça: Jovem, risonho e lindo.
Quando se tratava de , tudo era lindo. Era divertido como Naples, poderoso como Jacksonville, prazeroso como Tampa, enigmático como São Petersburgo e quente como Miami.
E eu... Bem, eu era a rainha perdida da Flórida.


Fim.



Nota da autora: (28/12/2015)
sem nota




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