Última atualização: 14/02/2018
Music Video: Seventeen - Trauma

Capítulo Único


– Eu desisti quando eu estava no 2º ano do ensino médio, basicamente sem amigos. – começou quando a mulher lhe pediu para falar sobre o que ele sentia em relação ao colégio, deitado em um divã de couro vermelho.
Aquilo era tão engraçado para ele! Parecia que estava em um daqueles filmes quando um maluco é levado para se tratar, mas sua mãe dizia que ia o fazer bem, então tinha que obedecer.
– E quanto tempo isso faz? – a voz calma e tranquila da garota era reconfortante para o moreno, que prensou os lábios e olhou para o lado, esforçando-se para lembrar.
Com aquele esforço, ela sorriu para si mesma, talvez houvesse tido algum progresso?
– Bom, não faz muito. Talvez quase três meses, eu acabei de terminar. – respondeu após um tempo, despreocupado e orgulhoso. – Passei de ano direto. Logo as minhas férias acabam e eu vou para o terceiro… Mas, eu não quero ir.
– Não? Por que não?
– Eu disse para você, desisti no segundo ano. Eu não tenho amigos. – o tom de voz do garoto mudou de despreocupado para tenso e rancoroso.
– Você quer falar mais sobre isso, ?
– Não tem muito que falar. Mas eu posso te contar algumas histórias… É por isso que se vai a uma terapia, não?

* * *


Era o primeiro dia de aula após as férias de verão, e o garoto estava com medo. O animado e sociável havia ficado para trás. Ele não conseguia mais nem mesmo levantar a cabeça para olhar para os lados e procurar alguém confiável, porque não havia mais ninguém confiável. Não havia amigos, apenas pessoas ruins no mundo.
– Olha só quem chegou! – a voz masculina não foi o suficiente para fazê-lo erguer a cabeça e ele continuou andando, com os orbes fixados no chão, irritando seu agressor.
– Você achou que só porque chegou em cima da hora ia escapar de nós? – outra voz mais grave perguntou, e mesmo que não estivesse olhando, ele podia ver em sua mente o sorriso que ele estava.
Ele conseguia sentir, e estava com medo.
E foi quando veio. Apenas um baque seco em suas costas que fez com que a arqueasse e segurasse qualquer gemido de dor. Eles parariam se mostrasse ser forte, se não se importasse. O outro veio e derrubou seus livros com força no chão, fazendo com que alguns caíssem em cima de seus pés, mas ele se manteve calmo.
Eles parariam se demonstrasse que não se importava.
– Está fingindo que não se importa, é? – eles pareciam conseguir ler seus pensamentos.
Os poros do corpo do adolescente se arrepiaram ao ouvir isso, mas ele continuou com a mesma pose de antes. Não iria demonstrar, porque era forte, porque eles não mereciam tanta atenção. Mas os agressores estavam ficando irritados com a sua inexpressividade. Não era mais fácil apenas gritar e fugir? Mas já tentara aquilo também no outro semestre e não os fez parar.
– Está tentando se fazer de gostoso. Vamos dar uma lição nele.
Então, o mais alto entre os dois segurou o colarinho da camisa do uniforme do garoto, que fechou os olhos, preparando-se para o que tivesse que vir. Aquela sensação ao fechar os olhos, a respiração acelerada…
– Eles me trancaram no armário. A partir disso, eu me teletransporto; existe um outro lugar para o qual eu vou. Você entende, não é? Não é um lugar bom, mas não é um lugar ruim. Uma realidade paralela.
– E como é essa realidade?
– Ela muda, nem sempre é a mesma. Mas a dessa vez eu lembro claramente que era um quarto.
– Como esse quarto era?
– As paredes eram coloridas, amarelo mostarda. O chão era cinza, ou talvez verde, eu não sei… Estava escuro demais para eu conseguir identificar. Eu estava sentado em uma cadeira, de frente para uma janela do tamanho dessa parede. Lá fora só tinha o céu, e estava claro. Lá fora era bonito, e eu estava tão perto…
– Você tinha vontade de ir para lá?
– Sim, muita. Era o que eu mais queria.
– Quais eram os jeitos de chegar até lá, você sabia?
– Só pulando.
– Você tinha vontade de pular?
– … Às vezes.
– E por que não pulou?
– Porque esse não era o jeito certo de resolver as coisas.
– Que bom que você pensava assim. Você imaginou algum jeito certo de resolver as coisas?
– Bom… Eu estou aqui para isso. Para descobrir o jeito certo.
– O que mais você se lembra do seu Ensino Médio?
– Bem, eles me prenderem no armário era comum, outra vez eu acabei tendo problemas para respirar depois de tanto tempo trancado, e a minha dimensão era apenas um quarto colorido no mesmo tom de mostarda, mas completamente fechado se não fossem buracos no teto que deixavam luz entrar.
– Essa dimensão te incomodava?
– Não, havia algumas que me incomodavam, mas essa não era uma delas.
– Tem alguma em especial que você queira me falar sobre?
– Sim, existe uma que eu nunca consegui entender muito bem.


* * *


não entendia bem como alguém podia estar feliz e puto ao mesmo tempo, mas era exatamente assim que se sentia naquele momento. Mal se aguentava de felicidade, porque aquela viagem era sua última atividade como aluno do segundo ano, mas, ao mesmo tempo, amaldiçoava tudo por ter sido obrigado a ir nela. Não podia simplesmente se formar e continuar em casa, passando suas férias trancado em seu quarto, ouvindo música até que o barulho do mundo e da sua mente fossem completamente cobertos?
Segundo sua mãe, não, tinha que ir para Jeju com seus “amigos”.
Suspirou, ajeitando os óculos escuros no rosto que serviam como uma tentativa falha de se esconder no meio da pequena multidão de alunos que acabavam de descer do ônibus de excursão. Estavam numa área um pouco afastada da praia, em dunas altas e brancas, com a areia fofa fazendo seus pés afundarem um pouquinho a cada passo. Já fazia dois dias de viagem, e voltaria para casa no dia de amanhã. Mais um motivo para ficar feliz, principalmente porque aqueles dois dias foram completamente de paz e tranquilidade.
Mas, não ter sido agredido física ou psicologicamente não era mais o suficiente para o . Ele estava aterrorizado por dentro, esperando uma retaliação a cada mínima respiração que soltasse ou passo errado que desse. Praticamente não saíra do seu quarto durante aqueles dias, a não ser quando não tinha opção, e, caso tivesse a oportunidade ou corresse o mínimo perigo, não hesitaria em fugir para o primeiro lado que pudesse.
Aqueles dois dias de trégua eram piores do que as torturas. Ele se perguntava quando lhe atacariam, porque não atacavam logo e o que fariam consigo quando lhe pegassem em uma área aberta daquelas… Aqueles dois dias de trégua fizeram perceber que não era mais um adolescente normal, ou não seria uma pessoa normal. Ficara marcado pelo o que fizeram consigo e nunca mais conseguiria superar isso ou ignorar as cicatrizes mentais que tudo trouxera para si.
Tentava ficar o mais próximo do monitor que conseguia a maior parte do tempo, torcendo para que isso inibisse qualquer ação que fosse dos valentões, que pareciam lhe rondar como leões famintos, mas não teve como fazer isso quando o garoto deu alguns minutos para que explorassem sozinhos o local e sumiu. sabia que estava sendo observado, ele não precisava olhar para o lado para ter certeza.
E foi por isso que apressou seus passos na areia fofa. Queria chegar o mais rápido em algum lugar mais público para que se sentisse um pouco mais seguro outra vez, o que não foi possível, porque antes que conseguisse, foi alcançado.
– Daquela vez foram cinco, porque eu tentei fugir, então mais amigos deles ajudaram. Eles me bateram até que eu ficasse no chão, e então começaram a me enterrar na areia como se fosse divertido. A areia estava quente, e minha pele começou a ficar vermelha e a queimar, mas eu só me via em um quarto verde, sentado em cima de um montinho de areia tão branca quanto aquela que jogavam no meu corpo. Nesse quarto havia diversos ventiladores espalhados e uma janela quadrada alta que deixava o Sol entrar. O vento que batia em mim era bom, eu me sentia confortável. Mas tudo mudou do nada, eu fui jogado para outra dimensão.
– Como essa mudança te fez se sentir?
– Estranho e desconfortável. Eu sabia que alguém estava jogando areia no meu rosto, mas, nessa dimensão de fundo preto, eu segurava um guarda-chuva branco que não deixava nada chegar em mim. Eu conseguia sentir, ao mesmo tempo que parecia não estar acontecendo. O guarda-chuva era uma proteção, mas ela era real? Eu não sabia o que estava acontecendo comigo na realidade.
– Essa é uma das dimensões que te incomodavam?
– Não, ela era só muito estranha.
– Quais eram as que te incomodavam?


* * *


O Colégio fez um passeio ao parque de diversões no começo do primeiro semestre. Ele não queria ir, mas seus pais o obrigaram, falando que tinha que tentar se enturmar e ser um adolescente normal ao menos agora que o ano estava em seu final. obedeceu mesmo que a contragosto. As agressões ainda estavam em seu início, mas ele queria se manter afastado o máximo que podia do Colégio e todos seus colegas de classe.
Sabia que algo ruim ia acontecer.
– Hey, , você está indo sentado sozinho? – um dos garotos provocou, cruzando os braços à frente do peitoral e começando a dar risada. – Ninguém quer ir do seu lado, não é mesmo? Você sabe o porquê?
O apenas balançou a cabeça, sinalizando que não sabia, o que apenas fez o outro sorrir ainda mais largamente.
– Por que você é uma aberração.
– Você faz alguma ideia do porquê de eles te chamarem assim?
– Essa é a pior parte, eu nem consigo imaginar.
– Entendo. Desculpe a interrupção, pode continuar falando.

Então, após ele falar isso, o menino apenas conseguiu ficar de olhos arregalados, olhando para o outro assustado. Sentiu alguém se aproximando de si, empurrando o ombro do valentão para afastá-lo da passagem e sentar ao lado de . Ele não pode acreditar, sentindo seu coração se aquecer assim que viu.
O caminho passou completamente silencioso entre ele e a garota que se sentou ao seu lado. Ela não desgrudou o olhar do celular nem mesmo por um segundo durante todo o caminho, e ele não desgrudou o olhar do rosto dela, coberto pelos óculos de lente grande e a franja exagerada.
Depois daquilo, era como se tivessem dado uma injeção de ânimo no , que desceu do carro completamente decidido a se divertir. Talvez seus pais estivessem certos sobre sair um pouco. Nem todas as pessoas eram ruins no mundo, não? Ele resolveu aproveitar, mesmo que não tenha falado com a menina após descerem do ônibus.
– Quem era?
– Era ela, . Eu sabia que ela era diferente de todos os outros.
– Como assim diferente?
– Eu gostava dela, não podia negar. Não havia sido a primeira vez que ela me salvara daquilo, mesmo que essa fosse ser a última. Vou contar a outra depois, prefiro terminar essa primeiro.
– Como você se sentir melhor.

decidira que era melhor não falar com , porque ela nunca falara consigo. Talvez, se resolvesse abrir a boca, estragasse o que estavam tendo, se é que estavam tendo alguma coisa. mas na mente dele era muito. Mas ele mudou de ideia quando conseguiu pegar um bichinho de pelúcia em uma máquina que ficava no meio do parque.
Felizmente os valentões pareciam estar muito ocupados vomitando após descer da montanha russa, então com aquele pequeno tempo de sensação de liberdade, ele procurou a garota para dar o pequeno pandinha que conquistara após duas tentativas falhas.
– O-Oi… – a voz tímida saíra baixinho ao chamá-la, mas ela pareceu ouvir ou sentir sua presença, já que virou para trás e tirou um dos fones de ouvido.
– E foi aí que começou. Minha dimensão mudou completamente. Havia duas pessoas grandes, eu e ela, e cordas amarradas em nós dois, que formavam um ninho de gato embaixo de uma linha reta, como uma ponte entre nós. Mas eu, em miniatura, estava no começo daquela corda, do lado do meu eu grande.
– Mas a não era uma pessoa hostil, era?
– Não ainda, mas me deixava muito nervoso. Tão nervoso quanto andar em uma corda bamba.
– Ainda…?

– Oi. – ela respondeu tão fria quanto o próprio gelo, encarando-o com olhos intensos que o fizeram se arrepiar completamente.
– Mas ela havia respondido. Dei um passo na corda bamba sem me desequilibrar.
– Obrigado pelo que você fez no ônibus. Quero que fique com isso. – estendeu as mãos que seguravam o bichinho.
Ela sorriu, um sorriso de canto que nunca havia visto antes no rosto delicado e bonito, mesmo que não tivesse sido aberto.
– Andei mais três passos por causa daquele sorriso.
– Obrigada. – mais dois passos.
Ele esperava ansiosamente ela erguer a mão para pegar a pelúcia, estava com as mãos suando e tremendo. Mas, para seu desespero, não foi isso que aconteceu, e a expressão de se tornou dura e séria.
– Mas nós não podemos ser amigos, .
– Eu caí da corda quando ela me disse isso. Foi uma das piores sensações que eu tive, era como uma queda livre infinita, e tudo que eu ansiava era bater em alguma coisa, se isso significasse parar.
– Você imagina por que ela tenha feito isso?
– Não, eu também não sei. Mas quis que ela ficasse com o urso de qualquer forma.
– E o que você pensa dela?
– Eu não sei, eu queria saber o porquê para poder formular uma opinião depois. Mas o mais difícil para mim é que eu sinto falta dela. Não é ridículo? Ela só falou comigo uma vez, e nem foi bom.
– Você acha que sua dimensão de corda bamba tenha relação ao nervosismo que você sentiu perto dela e por isso te incomodava?
– Sim, foi assim que eu aprendi que não se deve confiar nas pessoas, nenhuma delas. Nenhuma delas se importava comigo de verdade. Eu achei que ela era boa, eu realmente achei…


* * *


Naquele dia, estavam esperando-o no vestiário. , como de costume, não queria ir até lá, ele nem ao menos queria ter ido até a escola. Ele não queria porque sabia que aquilo estava se tornando um hábito e porque sabia que eles estariam lá o esperando. Após ter ganho deles no futebol, sabia que não ia sair barato. Quando iria aprender a parar de tentar? Quando ia aprender que, quanto mais fosse visto, pior seria? Tinha que se acostumar com a ideia de ser invisível, porque, quando conseguisse, eles não poderiam mais lhe enxergar para fazer algum mal.
Já enrolara algum tempo, internamente torcendo para que eles desistissem e lhe deixassem em paz pelo menos naquele dia. Mas, a cada minuto que passava e cada colega de classe que saia do local com exceção deles, sua situação piorava. Não que a presença de algum os inibisse, porque não era o caso, mas ao menos dava uma falsa sensação de esperança de que talvez alguém os detivesse, o que também nunca acontecia.
Finalmente criou coragem, e, com passos lentos e amedrontados, começou a andar em direção ao local. Para o seu temor, não havia mais ninguém ali além dos dois. Apenas eles, maiores do que todo o espaço, fazendo sombra acima de si com aqueles olhos negros e famintos.
– Olha só quem chegou, o bonzão das quadras. – não precisou passar nem mesmo um segundo após pisar no vestiário para ouvir a primeira provocação.
– Será que você vai continuar sendo tão bom depois que eu der um jeito nesse seu joelho? – o outro já se aproximava, e arregalou os olhos ao ouvir aquilo.
Talvez as agressões fossem ficar ainda mais sérias e ele se assustou com a hipótese.
– Não, aqui não. – o primeiro controlou o parceiro que bufou irritado. – Nós podemos ser interrompidos por algum professor. Vamos deixar para quando ele não tiver para quem gritar pedindo socorro.
– É verdade, você está certo. – o sorriso maligno no rosto do garoto fora ainda pior do que ele ter o batido de verdade. Agora, andaria ansioso para que eles cumprissem as ameaças, esperando ser golpeado a qualquer segundo por trás. – Vai lá, vai tomar seu banho.
Os dois saíram, deixando o moreno lá. Sozinho, ele respirou fundo diversas vezes, tentando controlar sua respiração, que estava acelerada, para conseguir raciocinar o que fazer. O aos poucos conseguiu voltar a sua calma, agradeceu por estar sozinho para tomar um banho tranquilamente e se vestir, mas sua paz foi embora quando tentou abrir a porta do lugar e estava trancada.
Haviam feito aquilo de propósito. Se não bastasse o armário, agora o vestiário também…
– Foi então que sua dimensão mudou?
– Sim, foi. No vestiário tinha um espelho no fim do corredor, pequeno e alto na parede. Eu olhei fixamente para ele, e, quando percebi, estava em uma sala completamente espelhada do chão até o teto. Havia vários reflexos de mim, tantos que eu não pude contar.
– O que acontecia lá?
– Eu falava comigo mesmo. Eu era obrigado a me encarar, a me ver e a tentar entender o que tinha de errado comigo para que eles fizessem aquilo.
– Essa dimensão te incomodava?
– Profundamente. De todas, ela foi a pior. Pelo menos eu só fui para lá dessa vez. Era como se eu estivesse vulnerável e pudesse ver todos os meus defeitos, todos os meus lados, até mesmo os que eu queria esconder de mim mesmo. Era muito mais intenso do que qualquer coisa que eu poderia te explicar aqui.
– Você não teve nenhuma resposta?
– Não, eu apenas me questionava. Eu estava acostumando-me a ser esquecido, como estava sendo esquecido ali, trancado. Qual era o motivo da minha existência? Era para isso que eu tinha vindo ao mundo? Eu chorei enquanto me encarava, isso me fazia mais fraco? Por que eu não conseguia esquecer todo aquele blábláblá? Eu estava escondido na minha dimensão, mas por que aquilo continuava me perturbando? Quanto mais eu tentava achar alguma resposta, mais perguntas sobre as perguntas surgiam. Nenhuma explicação, eu só estava ficando louco. Eu não conseguia chegar em um final, precisava de alguma mão para me segurar.
– E você teve alguma?
– Naquele dia, sim. abriu a porta do vestiário, eu não sei quanto tempo depois. Foi a primeira vez que ela me ajudou e não disse palavra nenhuma. Simplesmente abriu e saiu andando depois, mas já era tarde demais. Eu tinha quebrado os espelhos do meu mundo com socos e havia feito o mesmo com o espelho do banheiro. Rasguei minha mão e levei alguns pontos, mas não era nada comparado à dor psicológica que eu senti depois de sair daquele lugar.
– Você ficou algum tempo fora do Colégio depois que se machucou?
– Alguns dias para cicatrizar.
– Isso te deu vontade de se machucar mais vezes para poder ficar em casa?
– Sim.
– Você fez?
– Não. Mas para mim machucados físicos não eram nada. Eu nem mesmo sentia dor, era uma anestesia natural. Existem pessoas que se machucam para poder se concentrar em outra dor que não fosse a psicológica, não é? Para mim essa opção não existia. Eu só me machuquei dessa vez, mas não foi algo que consegui controlar.
– Por que você não fez de novo então, sabendo que não iria doer? Você sabia que ia ficar em casa se estivesse machucado.
– Porque esse não era o jeito certo de resolver as coisas.
– Durante a nossa conversa você conseguiu pensar em um jeito de conseguir resolver as coisas, ?
– Está tudo tão escuro quanto antes.
– Entendo, então vamos continuar conversando até chegarmos a algum ponto. Tem mais alguma história que você queira me contar?
– Sim. Quando eles disseram que iriam esperar para dar um jeito no meu joelho, não era uma brincadeira. Eles não esqueceram.


* * *


O primeiro dia de aula após sua semana de recuperação estava acabando, e mal podia acreditar que o passara totalmente em paz. Sem nenhum xingamento ou nenhuma porta de armário em sua cara, havia tido paz em pelo menos em um dia daquele ano e estava respirando aliviado. Talvez ter se machucado alertara para eles que o que estavam fazendo era mais sério do que achavam, então eles resolveram parar?
Quando saiu do Colégio no fim da tarde e sentiu a luz fraca do Sol batendo em seu rosto, até mesmo sorriu, como se estivesse próximo de uma redenção.
Ou talvez ainda fosse ingênuo demais para entender que aquelas coisas simplesmente não paravam assim. Foi o que descobriu quando saiu da escola e virou a esquina para voltar para sua casa. Puxaram-lhe para o beco pela mão machucada, sem se importar se aquilo ardera como o inferno ou podia abrir seus pontos. suprimiu uma exclamação pela dor, mas não aguentou quando o primeiro golpe certeiro acertou seu joelho e o fez ir ao chão duro.
– Se você me perguntar quanto tempo eu fiquei ali ou onde eles me bateram, eu não sei, mas eu sentia tudo. Era uma das primeiras vezes que me agrediram fisicamente daquela forma, e a minha dimensão não parecia ser forte o suficiente para camuflar aquilo.
– Como ela era?
– Eram apenas colchões. Uma pilha de quatro colchões que eu estava deitado em cima. Mesmo que doesse, os colchões pelo menos não eram como o chão. Eram confortáveis e não eram tão frios. Eles não faziam os machucados doerem mais do que já estavam doendo.


* * *


– Eu não entendia. Por que começar só naquele ano? Se eu era uma aberração para eles, por que ninguém nunca havia se ofendido antes? – suspirou, olhando o teto e sentindo seus olhos arderem ao tocar naquele assunto, fungando discretamente para auxiliar a se controlar.
– Seus pais não perceberam que havia algo de errado acontecendo com você?
– Eu estava trancado no quarto, cantando, durante o tempo todo que eu estava em casa. Aumentava o volume da música a cada vez que tentavam falar comigo, porque quando eu tentei falar com eles, os telefones estavam bloqueados e meus sussurros de desespero também estavam. Eles se importavam de verdade? Bem, eu acho que não, não naquela época quando as coisas estavam controladas. – soltou um sorrisinho de canto ao terminar essa frase, como se tudo aquilo fosse normal.
– Agora você acha que eles se importam, então?
– Bem, eu estou aqui, não estou?
– E as coisas saíram do controle para você estar aqui, ?
– Acho que sim, a partir do momento que eu me recusei a voltar para o colégio. – a mulher suspirou baixo com aquela resposta, anotando mais alguma coisa na prancheta.
– Como você se sentia quando estava na sua casa, o que você lembra que acontecia? Seu relacionamento com seus pais o levava a alguma dimensão também?
– Sobre os meus pais não tem uma cena específica, mas sim, tinha uma dimensão que eu adotava em casa. Ela era a mais comum, mas, às vezes, agoniante. Era como o meu quarto, mas com paredes coloridas, uma poltrona no canto de umas paredes e uma luminária. Havia uma grande janela em formato de retângulo vertical na frente de onde eu estava sentado, que deixava o Sol refletir na cama vermelha com um criado mudo pequeno do lado. Com as costas encostadas na cabeceira da cama, era como se houvesse dois sacos de cimentos amarrados aos meus pés, impedindo-me de levantar, e algo na minha mente que me fazia não conseguir desviar os olhos da janela enquanto cantava. Não havia mais nada para se fazer ali, e nem nada que abafasse tudo o que eu sentia além da música, então eu só cantava, pensando se alguém estava ouvindo.
– Essa janela também te dava vontade de pular assim como a outra que você me contou?
– Essa não, eu só queria observá-la. Havia pessoas do lado de fora, pessoas que eu não conseguia identificar, eram só borrões pretos e silhuetas. Eu observava e invejava a liberdade delas e o companheirismo. Eu percebi que eu estava sozinho e não tinha ajuda nenhuma, nem ninguém comigo. Era por isso que era melhor ficar ali.
– E qual a dimensão que você está agora ou que você esteve pela última vez?
sorriu sem abrir os lábios com aquela pergunta, fechando os olhos que passaram todo aquele tempo encarando o teto acima de sua cabeça. Ficou em silêncio em alguns minutos, como se transportasse para algum lugar além da compreensão, que não era possível de chegar para qualquer um que não fosse ele. A mulher arregalou os olhos, mas não o interrompeu, apenas observou.
– São dois de mim. Os dois estão presos em uma viga de sustentação, amarrados com cordas que dão várias e várias voltas entre nós e depois somem pelo infinito. Essas cordas estão apertadas… Muito apertadas. Eu quase cuspi enquanto respirava, é como se eu tivesse esquecido de como fazer. É por que estão apertadas ou por que eu não sei mais?
, você vê um jeito de se livrar dessas cordas?
– Não. O eu que está atrás de mim está chorando e pedindo ajuda, isso está me incomodando.
, concentre-se. Você precisa quebrar essas cordas de alguma forma.
– Não tem como. Eu não consigo… Ele não para de chorar…
– Você consegue sim. Respire fundo e faça força, você precisa sair daí. Ele vai parar de chorar se você conseguir sair.
– E-Eu…
A terapeuta pode ver movimento do peito do rapaz enquanto as mãos dele tremiam fortemente, ele se enchia de ar e depois esse ar se ia com o esforço que fazia para tentar abrir os braços, que pareciam colados em seu tronco. Ele forçou diversas vezes e, após cinco minutos, começou a ficar tão suado que começou a molhar um pouco sua camisa.
– Você consegue, , eu confio em você. O problema nunca esteve em você, e sim nas pessoas a sua volta. Você não é nada disso que te falaram, você é forte e sabe disso. É por isso que está aqui. Porque você quer resolver as coisas do jeito certo.
As palavras de incentivo que a mulher começou a falar sussurradas naquela sala pareciam fazer efeito aos poucos, e seus braços começavam a desgrudar. Os gritos que ouvia em sua dimensão, misturados com o choro, faziam-no ficar desesperado, queria sair dali o mais rápido possível. Não aguentava ouvir aqueles murmúrios… Não tinha forças para repetir o que ela estava falando e se autoconvencer, mas ela não parou de falar, até que enfim conseguiu. Um grito grave que fora reprimido por muito tempo escapou quando as cordas se soltaram e abriu os olhos, sentindo o cansaço físico e a respiração acelerada.
, você conseguiu?
– E-Eu não sei… É uma sala de estar, com um sofá, uma poltrona, uma mesa pequena e redonda no canto e uma lâmpada na parede. Mais cores fortes e vivas, elas irritam meu olho… Essa sala é um lugar diferente para mim, como se eu tivesse encaixotado na caixa do meu próprio mundo. Preso na minha fantasia, como se sonhar me tornasse realmente vivo. Eu nunca vim até aqui antes. Eu estou sentado no sofá e ele está cheio de cordas do meu lado, espalhadas no chão também, mas elas não me prendem. Na minha frente têm vários fios caindo do teto até o chão, como se fosse uma grande e enrolada teia de aranha… Eu vou tocar dela.
– Você tem certeza?
– Sim. Eu quero puxar os fios… As paredes começaram a se mexer, elas estão diminuindo aos poucos, e-eu não devia ter puxado os fios…
– Fique calmo, está tudo bem.
– N-Não! Onde eu estou, na minha mente, é só um metro quadrado… Ficando menor, menor, menor…
Outro grito, mas dessa vez o tronco de se desencostou do divã e ele acabou sentado, com ambas as mãos se engalfinhando em seu próprio cabelo. Sua testa estava suada, seu corpo todo tremia e a roupa toda branca começava a ficar encharcada. Ainda doía como se houvesse sido esmagado, e, aos poucos, ele tirou as mãos da cabeça para passá-las por todo seu corpo, confirmando que não havia ferimento nenhum nele.
, você está bem?
Obteve o silêncio como resposta por alguns minutos. Ele precisava de algum tempo para desacelerar, para que seus batimentos cardíacos voltassem a velocidade normal. Podia ouvi-lo respirando mesmo que estivessem longe um do outro.
– Sim. – respondeu num murmúrio, voltando a abaixar a cabeça e encostá-la na almofada fofa.
, você entendeu quando você consegue sair dessa realidade, certo?
– Sim… Quando alguém me ajuda.
– Achei que você só pudesse ir para sua dimensão em situações de estresse, mas você conseguiu ir para lá assim que quis.
– Eu nunca disse que não estava estressado aqui. – o tom de voz do rapaz indicava cansaço e a respiração dele estava pesada, assim como seus olhos.
– Entendo.
– Entende mesmo? – o encheu os pulmões de ar profundamente antes de se sentar, agora com as pernas para fora da espécie de sofá, ficando de frente para a mulher que ajeitava os óculos. – Então você vai me ajudar, não é? Você sabe que eu só consigo sair quando alguém me ajuda.
– Como você acha que eu posso fazer isso? – ele pôde ver pela primeira vez as sobrancelhas dela juntando-se levemente, enquanto percebia que ela tentava manter a expressão neutra no rosto.
– Tire-me daqui ou, pelo menos, entre você também.
A porta se abriu sem aviso prévio. Uma enfermeira interrompeu a sessão, segurando algo atrás do corpo.
, você precisa voltar. Vamos te dar o remédio e descansar, você conversou demais com a senhorita hoje, deve estar cansado.
Quando viu e ouviu aquilo, o apenas mordeu a língua e apertou os punhos, não tendo opção se não acenar positivamente com a cabeça e obedecer, levantando-se e saindo. Mas não antes de olhar para trás por alguns segundos e encarar a terapeuta por demorados segundos.
– Tire-me daqui ou, pelo menos, entre você também, .
A porta se trancou num baque seco logo depois, deixando a mulher sozinha com os olhos arregalados e pernas bambas. O que fora aquilo? Ele lhe reconhecera num vislumbre de sanidade ou tivera alguma visão que tornou a de antes em si? A doutora balançou a cabeça para os lados, tentando se estabilizar. Fora só uma visão, ele não sabia quem era.
Olhou então a ficha do paciente. , vinte e cinco anos. Ele estava há oito anos naquele lugar, preso naquele tempo e realidades paralelas e parte da culpa era sua. Por isso, após ver o que havia feito, no início do terceiro ano, decidiu o que queria para sua vida. Foi por isso que estudou durante aqueles anos todos, para consertar o que havia feito errado. Ajudara a estragar a vida daquele garoto, e agora era sua responsabilidade ajudá-lo tirando-o dali ou…

* * *


Seis meses de tratamento se passaram. não entrava mais em dimensões desde aquela sessão, ele nunca mais conseguira. Podia parecer uma vitória ou uma libertação, mas, na realidade, aos poucos aquilo apenas piorara o quadro do homem. Era como se agora ele tivesse que lidar sozinho com toda aquela dor, todos aqueles traumas, e não conseguisse mais de forma alguma saber o que fazer.
sabia que aquilo era culpa dela outra vez. Fora ela que estragara o mundo que o havia criado. Se não tivesse feito com que ele quebrasse aquela realidade… Ele continuaria como antes. Louco, mas não sofrendo como estava. havia parado no tempo, naqueles dezoito anos. Ele não conseguia superar e só piorara tudo.
Dia e noite, noite e dia, ela se culpava por ter estragado a vida dele.
Dia e noite, noite e dia, sabia o que devia para ele, e não estava cumprindo.
Aos poucos, ela deixara de dormir à noite. Não se concentrava no trabalho a não ser que a consulta fosse com ele. Não comia mais. Questionava-se por que fizera aquilo com ele, se nem mesmo precisava defendê-lo, só de falar um oi ele já se sentiria melhor. Em seis meses, ela emagreceu e praticamente sumia aos olhares. E, em seis meses, ela foi demitida. Transferida de terapeuta a outro posto dentro do hospital.
– Doutora, você não sabe como é triste ter que te assistir nessa situação. – uma enfermeira suspirava ao abrir a porta do quarto para tirá-la de lá de dentro.
– Onde ele está?! – a nem mesmo esperou para questionar, levantando-se em um pulo.
– Tomando sol. Vamos, eu vou te levar até lá.
Sim, ela estava obcecada. Tão obcecada em e em sua história que mal podia se controlar, não conseguia nem mesmo esperar a noite passar para vê-lo, e foi por isso que não dormira, de tanta ansiedade. Ele ainda não sabia que cumprira o combinado, como será que reagiria quando a visse ali, com as mesmas roupas brancas que ele usava?
Aos poucos se aproximavam do pátio e ela o reconheceu mesmo que ele estivesse de costas, sentado em um banco cercado por tanto verde que o deixava ainda mais em evidência por conta do branco que vestia. Os cabelos pretos lisos batendo na nuca eram tão únicos mesmo que ele estivesse em uma multidão com o mesmo corte e cor. Ela o decorara completamente.
A enfermeira sorriu para si para lhe encorajar que fosse até ele. Foi difícil, mas com passos tímidos ela se aproximou.
Não precisou chamá-lo. Quando chegou perto o suficiente, o próprio olhou para o lado. O brilho nos olhos dele havia desaparecido gradativamente durante aqueles seis meses, mas quando lhe viu daquela forma, sem maquiagem alguma, cabelos naturais e expressão tímida, ele parecera recuperar um pouco a sua lucidez.

… – ela repetiu baixo para o rapaz, aproximando-se mais um passo, mas parando ao vê-lo se encolher, fazendo-a arregalar os olhos em susto.
– Por quê…?
– Porque eu era uma idiota que não conseguia enxergar quem você era, . A pessoa maravilhosa que você é… M-Me desculpa, me desculpa, me desculpa, me desculpa, desculpa, desculpa… – ela começou a repetir sem parar, sentando-se ao lado do e esquecendo qualquer timidez quando agarrou em suas duas mãos e as puxou para si, beijando-as enquanto pedia perdão incansavelmente.
– Por que você está aqui? – não recusou o carinho, mesmo que estivesse assustado e confuso.
– Tire-me daqui ou, pelo menos, entre você também. – ela repetiu em um sussurro, erguendo os olhos para encarar o mais velho. – Eu entrei por você, .
– N-Não, isso não é a coisa certa… – ele arregalou os olhos ainda mais ao entender o que estava acontecendo.
O arrependimento de ter dito palavras começando a lhe corroer.
– Shh, shh, shh, não precisa se preocupar… Nós dois vamos libertar um ao outro. Nós vamos sair daqui, e quando saímos, vamos sair juntos.
– Você me promete?
… Você só precisa segurar minha mão, e tudo vai ficar bem.


Fim.



Nota da autora: E chegamos ao fim da verdadeira SAGA que foi essa one-shot! AUHAUHAUHA Se quiser deixar a sua opinião ai embaixo em homenagem aos meus dedinhos que travaram depois de eu escrever isso tudo em dois dias, será muito bem-vindo ? AUHAUHAUHA STAN SEVENTEEN QUE HINO DE MÚSICAAAAA, e obrigada Cali por me ajudar a desenvolver esse plot e Lari por ter me incentivado com ele.
Mas falando sério agora, meu Deus, como eu adorei escrever isso, ao mesmo tempo em que me destroçou por dentro. A primeira vez que eu ouvi Trauma eu fiquei completamente chocada porque YEAH MINGYU GIVE ME THAT VOCALS BOY!!!! Brincadeira UAHAUHAUHA mas também porque a letra e o MV eram completamente tocantes. Quem escuta a vibe relax e alternativa dessa música não pode imaginar o quanto essa letra mexe com alguém que sofreu bullying e teve problemas em seguir em frente, o que infelizmente aconteceu comigo e acontece com milhares de adolescentes ao redor do mundo.
Eu tentei colocar um pouquinho do meu coração aqui, e espero que as pessoas se sintam representadas nesse pp, mas não nessa pp. Como ela pensou, só um oi e um sorriso já faz uma diferença enorme na vida de alguém que passa por problemas psicológicos, não esperem a pessoa enlouquecer – e isso não só no sentido de loucura como o pp, mas sim simplesmente ficar triste ou chateada – para fazer alguma coisa. Porque depois que você se arrepende, a culpa é a pior coisa e corroí sua mente. Mas também não fiquem loucas e obcecadas que nem a pp, por favor OIEHWQOEHWQ
E se alguém que leu isso é uma vítima de bullying, por favor, aguente firme! As coisas sempre melhoram, e mesmo que isso pareça frase feita de quem quer te consolar, é realmente verdade, por favor, acredite em mim. Essa one literalmente despertou em mim lembranças ruins que eu nem mesma conseguia lembrar, como se estivessem sido trancadas propositalmente pelo meu cérebro, mas não foi ruim pensar nisso, sabe por quê? Porque eu consegui enxergar a pessoa que eu me tornei e a força que eu tive para superar essas coisas. E também não finja que não está acontecendo nada e não te machuque, se te machucar! Mesmo que você pense que seus pais não se importam, existe sempre um adulto que vai se importar e pode olhar por você.
Se quiser falar comigo ou simplesmente precisar de alguém pra conversar é só me procurar no Twitter! Bullying e depressão são assuntos sérios e se você sofre ou conhece alguém que sofre ficar calado nunca é a solução.
E caso tenha gostado e queira ler alguma outra coisa minha, eu estou com uma long fic em andamento sobre romance e distopia.





Outras Fanfics:
Trespass

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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