MV: Walk

Finalizada em: 06/02/2021

Capítulo Único

Parecia que tinha se passado uma eternidade desde que eu entrara naquele túnel antes de perceber que uma fila enorme de carro se aglomerava. Eu não sabia se tinha acontecido um acidente, se tinham fechado as vias para reparo, ou o que quer que fosse. Pouco me importava também, só queria sair daquela situação.
Já tinha prestado atenção em todos os carros ao meu redor, adesivos de para-choque interessantes, pessoas em seus mundinhos parecendo nada preocupadas com atrasos, um garotinho no carro da frente me encarando (coisa que eu tentava evitar, sei lá, as crianças não eram o meu forte), um cara com chapéu de cowboy cuspindo pra fora do carro, pelo retrovisor do carro do lado eu vi uma moça passando batom efetivamente, o engomadinho de terno tirando meleca do nariz, no carro ao lado um casal ria (e eu me perguntava se eles realmente tinham motivo pra rir naquela fila, ou se eu estava carrancudo demais), o garotinho da frente me mostrou o dedo do meio, me fazendo pensar que, talvez, essa nova geração estivesse “à frente” demais...
É, seria um dia longo e cansativo.
Depois de ler uma frase desenhada na parede do túnel, que dizia punk is dead, eu comecei a sentir a irritação tomar conta. Estava atrasado, muito atrasado. Como se não bastasse isso, me deu vontade de finalmente extravasar e meter a mão na buzina, como se fosse adiantar em alguma coisa, eu ainda gritei, Deus sabe com quem. Repeti o gesto mais algumas vezes, quando comecei a sentir a gravata apertar o me pescoço, foi naquela hora em que eu sufoquei, que eu simplesmente desisti e saí do meu carro. Já era hora de sair daquilo ali.
Somente com o minha guitarra em mãos, eu comecei a passar por entre os carros, pra o mais longe dali possível. Sob protestos de outros motoristas parados, que provavelmente ficariam ainda mais tempo presos devido ao meu carro largado ali, eu me senti livre. Pouco depois, estava passando em cima de uma ponte vazia, me perguntando porque as pessoas não usavam aquela rota, apesar de ser um pouquinho mais demorada, não tinha fila... é, era o que eu devia ter feito.
Peguei o celular no bolso, pesando em ligar pros caras e avisar que eu ia chegar ainda mais tarde, mas aquela porcaria de celular estava descarregado. Falta de atenção minha? Talvez. Fato é que, depois de me irritar com a falta de carga, meu único gesto foi jogar aquela porcaria de celular ponte abaixo, que se foda se eu tinha carregador em casa. Irritado como eu estava, era isso ou minha guitarra. Nem sei por quanto tempo eu caminhei, sei que, checando o meu relógio mais uma vez, eu me sentia na obrigação de informar a meus parceiros de banda que eu ia chegar ainda mais tarde.
Pra minha sorte, encontrei um mercadinho aberto, entrei sem pensar duas vezes e pedi pra o atendente trocar uma nata de 10 dólares em moedas pra eu usar o telefone público que as placas do lado de fora diziam ter por perto. Mas parecia que ele queria tirar uma com a minha cara, me mostrando um quadrinho do lado da máquina registradora dizendo que não faziam troca.

- É pro telefone.

Avisei, mas ele não parecia querer saber, foi quando eu vi a canequinha com gorjetas para o empregado do mês, será que era uma boa ideia? Me perguntei quando eu percebi que o atendente tinha pensado a mesma coisa. Logo em seguida, ele puxou a caneca de lado e pegou um desentupidor de privadas pra me mandar sair do mercado. À medida que ele aproximava aquela coisa nojenta do meu rosto, eu sentia a minha fúria aumentar, ele não sabia com que estava mexendo, o meu dia já estava ruim o suficiente pra ainda passar por aquilo.
Sem pensar muito mais, peguei uma das embalagens de carne seca, que era bem mais “pesado” do que eu me lembrava, e enfiei com tudo na cara dele. Acho que pela surpresa, o cara caiu no chão e eu podia ter deixado assim, mas a raiva era tanta, que me apoiei em cima do balcão e continuei achando um jeito de bater nele. Quando eu me cansei, larguei a tira de carne ali por cima, catei as moedas de gorjeta e saí do lugar com pressa, indo em seguida à cabine de telefone que estava do lado da loja. Mas qual não foi a minha surpresa quando, entrando dentro da cabine, eu vi apenas um cartaz com propaganda de plano de telefone.

- Só pode ser brincadeira.

Falei mais alto do que eu pretendia. Parecia que o dia tinha começado pra me tirar do sério. Fechei a porta da cabine com força e, como se não bastasse, derrubei aquela porcaria, não servia pra nada mesmo, não é verdade? Catei minha guitarra do chão e saí dali ainda com raiva. Caminhei por mais um tempo até sentir fome. Tinha uma lanchonete por perto, talvez não fosse uma má ideia...
O atendente pouco prestou atenção em mim, enquanto eu achava graça do chapéu de batata frita que ele usava, mas disfarcei a risada (ele não tinha culpa de os empregadores fazerem os empregados usarem esse tipo de coisa), encarando o super pôster acima dele. Parecia apetitoso demais o Super Cheesy: pão, alface, uma carne gigante, duas fatias de queijo, rodelas de tomates suculentas, pão... perfeito demais. Então eu fiz o meu pedido, o que fez com que o atendente apontasse pra própria cabeça, com a maior cara de tédio do mundo, perguntando se eu ia querer as batas de acompanhamento. Acenei que sim e comecei a rir um pouquinho, chamando a atenção da moça sentada atrás de mim. Sim, aquele cara tedioso com o chapéu de batata frita era mesmo hilário. Aquilo estava fazendo meu humor ficar um pouco melhor, até o atendente colocar a bandeja com meu pedido na minha frente. Só pode ser brincadeira! Murmurei comigo mesmo antes de respirar fundo.

- Eu pedi aquele hambúrguer do cartaz – retirando o pão da parte de cima, pude ver apenas duas rodelas de picles, numa folha de queijo e uma carne murcha. – Isso é o super cheesy?

Insisti apontando o hambúrguer na minha mão, depois o cartaz. Tudo o que o atendente fez foi dar de ombros. E, como se fosse num passe de mágica, minha raiva voltou e eu me vi esfregando o pão aberto na cara do chapéu de batata. Como se não bastasse, depois de ver ele caindo no chão, talvez um pouco exageradamente demais, e o outro funcionário se afastar, eu ainda joguei uma das bandejas com suportes pra canudo e molho no chão. As pessoas começaram a olhar a confusão, mas eu pouco me importava, queria mais era que se explodissem com aquela propaganda super enganosa.

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Minutos ou horas depois, nunca vou saber porque parei de contar, estava em um parque. Ainda sem avisar meus colegas de banda, ainda sem saber que horas chegaria lá (caso acontece mais contratempos), ainda sem saber se ainda teria um ensaio quando eu chegasse lá, eu estava finalmente confiante, o parque não era lá tão longe assim de onde eu deveria estar. Caminhava tranquilamente, feliz com minha última constatação quanto a localização do parque, quando pisei em cocô de cachorro, ao lado de uma plaquinha que dizia que seus donos deveriam conter seus cachorros, enfim a hipocrisia. Sentei no banquinho do lado e comecei a raspar aquela porcaria do meu sapato.
Será que ainda ia acontecer muita coisa? Quem será que tinha feito pra mim esse roteiro de dia de cão? Será que eu ainda ia ter uma banda quando esse dia acabasse? Por que, oh Deus, isso acontecia comigo?
Foi quando, do nada, dois caras pararam na minha frente. Um deles segurava uma faca na mão e eu tive que ajustar meus óculos pra ver se estava entendo bem. Só podia ser brincadeira. Um deles apontou pra minha guitarra, pedindo que eu entregasse meu precioso instrumento de felicidade. Me agarrei a ela, largando de qualquer jeito o graveto sujo de cocô. Quando ele percebeu a minha resistência, puxou um nunchaku, Deus sabe de onde, e me ameaçou.
Então a minha raiva começou a crescer de novo, não sei de onde eu tirei aquilo, mas, no momento seguinte, eu fazia gestos frenéticos que pareciam ter saído de um jutso do Naruto. O cara com o nunchaku ainda tentou vir pra cima de mim, mas eu fui mais rápido e joguei ele em cima do banco, fazendo com que ele caísse de cara em cima de outro monte de cocô, quando rolou pra o chão. Quando me virei pro outro cara, o que segurava a faca, percebi que ele fazia xixi nas calças, é, parecia que eu era mais perigoso do que o próprio bandido. Ameacei ele mais uma vez e ele decidiu sair correndo pra longe.
Depois de todo o incidente, eu voltei a caminhar, ainda tinha um destino, e estava mais do que na hora de chegar lá. Pra cortar caminho, decidi que, ao invés de circular pelos arredores do parque, eu atravessaria por onde eu sabia que tinha um campo de golfe. Seria mais rápido e talvez eu não atrapalhasse ninguém, não que eu me importasse, na verdade. Agradecendo a Deus por ter conseguido salvar minha amada guitarra, eu ouvi pessoas gritarem comigo, me pedindo pra sair da frente das bandeiras que indicavam onde os jogadores de golfe deveriam acertar suas bolinhas (esporte mais sem graça, viu?). Com toda a minha educação, mandei um dedo do meio pra eles, gritando que eles podiam ir se foder, que era melhor.
O que eu recebi de volta, foi uma bolinha acertada em meu ombro, o que me fez encolher e consequentemente largar a minha guitarra no chão. Se essa guitarra tiver quebrado... Como das outras vezes ao longo do dia, a raiva subiu pra cabeça com tudo e logo eu me vi correndo em direção aos dois golfistas que estavam ali. Sem pensar duas vezes, eles começaram a correr também, o que não me ajudava muito. Nisso eu tive a brilhante ideia de entrar no carrinho de golfe que eles deixaram de lado enquanto resolveram correr, é, aquilo ia ser demais. Comecei a perseguir os dois com o carrinho, não que ele fosse super-rápido nem nada, mas os dois pareciam correr devagar demais, pisei no acelerador o mais forte que pude, passando por cima do engomadinho vestido em tons pasteis. A sensação foi ótima, mas espero que ele não tenha morrido de verdade. Olhei pra trás ainda rindo da situação, foi interessante ver ele estirado no chão. Mas a brincadeira acabou quando, ao voltar pra frente, apareceu do nada, juro por Deus (ou talvez eu só não estivesse prestando atenção), um laguinho de tamanho considerável. Só me deu tempo de sair do carrinho rápido, e eu observei ele ir de encontro a água, foi legal de ver, sinceramente.
Pouco tempo depois, eu podia ouvir sirenes de polícia por perto, eu não sei porque, mas eu tinha a sensação de que era por minha causa. Então eu saí correndo, minha guitarra ainda na mão e o medo de ser pego. A dúvida que ficava era sobre quem tinha chamado a polícia, o atendente da loja onde roubei as moedas, o atendente da lanchonete, ou o cara atropelado do campo de golfe... talvez os três. Quem sabe?
O ponto era que eu finalmente tinha chegado no galpão onde a gente faria o ensaio. Corri tanto pra, quando abri a porta e dei de cara com os amigos, o estresse ir embora como se nada tivesse acontecido no caminho que eu fiz até chegar ali. Abri o meu maior sorriso, afrouxei a gravata que nem estava apertando tanto assim, joguei os meus óculos no chão e logo estávamos tocando como se não houvesse amanhã.
Aquilo me extasiava, me deixava no meu mais profundo estado de relaxamento. Ninguém perguntou o motivo da demora, talvez isso fosse discutido mais tarde e eu com certeza teria uma boa história pra contar, talvez eles acreditassem em mim, não sei. Naquele momento eu só queria que a música fosse sentida por todos nós.
Tínhamos acabado de tocar a primeira música e eu me sentia a pessoa mais leve do mundo, quando a porta do galpão se abriu num baque forte, trazendo um monte de policias pra dentro, não tive tempo de falar nada, a última coisa que eu senti, foi o choque de um taser, antes de perder a consciência por um tempo.
Tudo que eu lembro depois disso, foi de ser carregado pra fora do galpão pelos policiais, ainda tentei olhar pra traz num pedido mudo de ajuda, mas parecia que eles não podiam fazer mais nada por mim...




Fim.



Nota da autora: Sem nota.





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