Umbra
História por Nina Sebastiana | Revisão por Gabriella



1 – A Família

Meu nome é Renesmee Carlie Cullen.
Sou filha de Edward e Bella Cullen. Sobrinha de Alice, Jasper, Emmett, Rosalie e neta de Carlisle, Esme e Charlie e Reneé.
Excluindo meus avôs, Charlie e Reneé (de quem, junto com Esme, herdei o nome), meus outros parentes são vampiros. Eles são diferentes dos vampiros normais por que não matam humanos, e sim animais para se alimentarem. E eu sou meio humana e meio vampira, já que Bella me teve antes de se transformar.
Eu tenho a sorte de ter uma família muito grande e de todos serem extremamente amorosos. Essa consideração pela vida humana como “lema” é o que une a minha família e os tornam tão particulares: vampiros normalmente não têm casa, ou costumam viver bem com outros de sua espécie, em harmonia. Carlisle é o vampiro mais velho, o mentor, apesar de aparentar não ter mais idade que os outros; nada comparado com o vovô Charlie pelo menos (pai de Bella); Esme é sua esposa, ela é doce e maternal; tia Rosalie e tio Emmett: ela linda e ele grandalhão; tia Alice e tio Jasper ela é meio avoada e totalmente alegre e, bem, ele é meio fechadão; e meus pais Edward e Bella. Esses são os Cullen.
Eu nasci em uma cidadezinha chuvosa no estado de Washington chamada Forks que apesar de ser pequena tem também suas particularidades (não estou falando de minha família estar instalada aqui há anos se passando por mortais), por exemplo, existe uma tribo indígena na região chamada Quileutes e, esses, por motivos que alguns poderiam chamar de mágicos, tiveram uma transformação devido à presença de vampiros em suas terras: eles podem se transformar em lobos. Na verdade Super-Lobos. Bella me disse que quando o bando começou a aumentar houve um boato de ursos descontrolados à solta.
Ei, eu ri um bocado da cara de Jacob quando ouvi isso.
Ah, Jacob é meu melhor amigo. Ele é um dos chamados Alphas (isso quer dizer líderes) das duas matilhas de Lobos de Forks. O outro é Sam. Eu nunca falei muito com ele, mas Jacob o respeita bastante, assim como minha família.
Em falar em magia nós somos também cheios de “talento”, por assim dizer. Alguns têm poderes especiais (como os X-Men), como tia Alice, que pode ver algumas cenas do futuro (apesar de eu e os Lobos darmos “interferência” em seu poder); tio Jasper, que “sente” as emoções das pessoas e pode interferir nelas; e, finalmente, meus pais. Edward pode ler mentes. De todo o mundo. Tá, menos de Bella, porque ela tem um incrível escudo que era extremamente forte mesmo quando era humana. Na verdade, foi isso que atraiu os dois, além de outros fatos... Mas Edward também pode ler minha mente.
Bella recentemente conseguiu extrair esse escudo para utilizá-lo como proteção em uma situação recente totalmente assustadora para todos aqueles que eu amo. Deixe-me tentar explicar: Por eu ser mestiça todo mundo ficou meio assustado quando Bella engravidou, por que ninguém sabia o que poderia sair de lá.
Tio Emmett me disse que a situação quase ficou feia com os Lobos, porque eles tinham medo de eu machucar as pessoas de Forks, de ser incontrolável. Eu não sei muito bem como tudo se resolveu, porque no meio da conversa Bella apareceu e ficou muito brava com tio Emmett, que parou de falar. Eu só sei que depois que eu nasci tudo ficou bem com os Lobos.
De qualquer forma, um dia uma vampira que era conhecida da família veio nos visitar, só que antes que conseguisse conversar com alguém ela me viu e achou que eu fosse outra coisa. É que certa vez alguns vampiros transformaram crianças humanas, algumas delas viraram um tipo de monstro, e isso foi errado, então houve uma guerra para poder controlar os danos causados por isso. E essa vampira, chamada Irina, pensou que eu fosse uma dessas crianças.
Eu sei disso porque ouvi um pouco quando Carlisle explicou pra Jacob do por que dos Volturi estarem vindo atrás de nós. Os Volturi são os chefões dos vampiros (como eu penso neles). Eles têm aparência empoeirada (são muito antigos mesmo e a pele deles é branquíssima) e imponente, já que governam todos os vampiros e cuidam para que nada saia dos trilhos, e Irina contou a eles sobre mim. Sobre o que pensou que eu fosse, então eles vieram punir por Justiça.
Alice previu a vinda deles, e todo mundo ficou com medo. Só que eu sou diferente, porque eu cresço bem rápido e meu coração bate, e então alguém teve a idéia de reunir muitos amigos pra testemunharem para os Volturi que eu não era uma criança imortal. Muitos vampiros vieram para casa então, algumas também com talentos especiais. Então quando os Volturi vieram, nossos amigos testemunharam que me viram crescer, que eu tinha sangue correndo em minhas veias.
Os líderes – Marcus, Aro e Caius – tiveram que acreditar nelas. Só que, mesmo assim, eles arrumaram um motivo para atacarem a todos nós: o fato de eu crescer muito rápido e sem perspectiva de parar fez com que eles dissessem que eu era uma ameaça. No entanto, Alice, que tinha sumido desde que teve a visão da vinda deles, voltou com sua própria testemunha: Nahuel.
Ele era mestiço como eu, e ainda tinha irmãs mestiças. Ele relatou que também cresceu rápido – atingiu a maturidade física com sete anos de vida – e desde então (um século e meio depois), estava igual.
Então os Volturi não tinham mais desculpas para nos atacar e foram embora. Nessa época, eu tinha sete meses de vida, mas aparentava ter três anos e meio fisicamente. Intelectualmente, eu era bem mais avançada.
De qualquer forma, no dia seguinte ao de termos nos livrado dessa ameaça, todos tinham ido embora, menos Nahuel e sua tia Huilen, que estavam hospedados conosco. Vale falar que vampiros não dormem, mas eu sim. E os Lobos também.


Quando acordei na próxima manhã, o nível de alegria e tranquilidade era extremamente relaxante em comparação com todos os meses de tensão apenas aguardando os Volturi.
Meus pais me saudaram quando acordei, ladeando-me.
- Tudo bem, Nessie? – minha mãe não gostava desse apelido no começo.
Eu sorri para ela, para eles, tão felizes e bonitos, e de repente perguntei, ou melhor, demonstrei por meio do meu “talento” (Eu podia mostrar lembranças visuais, ou pensamentos através do toque - totalmente sem graça, se me perguntarem) como eles se conheceram.
Eu não sei de onde a pergunta veio, sinceramente.
Bella ergueu as sobrancelhas surpresa e Edward sorriu abertamente. Então eles se entreolharam totalmente envolvidos, antes de Bella rir e se voltar para mim.
- Essa foi surpreendente.
Eu sorri.
Depois de algum tempo ouvir embevecida meus apaixonados pais contarem como tinham se conhecido, o relato deles finalmente foi interrompido por meu estômago que exigia ser preenchido e anunciou o fato com um ronco extremamente embaraçoso. Eles então decidiram que era hora de eu me vestir para irmos à Casa Grande (como eu chamava).
Nós três ficávamos durante a noite em uma casa separada, que estava construída no meio da vegetação a noroeste da casa onde os outros viviam.
Nós ganhamos esta particularidade para que meus pais, recém-casados, pudessem ter alguma privacidade. De qualquer forma, no meio do caminho reparei na quantidade inabitual de vozes dentro da casa.
Quando cheguei e pude visualizar o motivo dei palmas e pulos de alegria. Além dos Cullen, a casa estava tomada pelos Quileutes.
Todos me olhavam quando entrei. Eu acenei para eles enquanto Edward me colocava de pé no chão.
- Eles estão aqui para comemorar – ele me explicou.
Percorri a maré de rostos, ainda sorrindo. Muitos dos Quileutes eu ainda não conhecia ou não tinha tido muito contato.
Então, depois de percorrer grande parte dos presentes, vi Jacob com os braços cruzados no meio de Quil e Embry, sorrindo de volta pra mim. Eu me voltei para meus pais de forma pedinte e Edward assentiu permitindo. Um segundo depois já estava correndo em sua direção.
Jacob provavelmente era a pessoa mais alta do local (tirando tio Emmet), mas como estava abaixado e encostado na parede, eu tinha justificativa por não tê-lo notado de imediato.
Quando me viu correndo para ele, sorriu, como sempre sorria, e então se abaixou, abrindo os braços para me acolher. Eu abracei seu pescoço, feliz, e ele me envolveu com seus braços, levantando-me enquanto se erguia da posição baixa. Sua risada rouca em minha orelha.
- E aí, baixinha? Eu já estava ficando cansado de te esperar. – ele disse, enquanto me ajeitava em seus braços.
Eu coloquei minha mão em seu rosto e mostrei como meus pais me contaram sobre eles naquela manhã. Ele franziu as sobrancelhas por um instante e depois voltou a sua expressão normal.
- Foi uma manhã cheia, então? – eu assenti com a cabeça
Enquanto conversávamos as pessoas ao redor pararam de prestar atenção ao que fazíamos e retomaram suas conversas interrompidas com nossa chegada.
Jacob se virou para mim, então.
- Quer conhecer meus irmãos?
Eu chacoalhei a cabeça em concordância e quando reparei Bella e Edward me ladeavam pelo lado esquerdo.
- Teria como nos apresentar também? Ainda não tivemos a oportunidade de conhecermos seus... novos irmãos – ele disse, franzindo levemente o cenho.
Jacob deu uma risada como se fosse para si mesmo e respondeu:
- Verdade. Acho que Sam quis esconder eles um pouco.
Eles sorriram levemente uns para os outros e eu sorri para eles de volta sem entender totalmente o comentário.
Eu cumprimentei Embry, Quill e Seth, que estavam à sua volta (Seth tinha acabado de chegar, com uma bandeja de salgados) e levei novamente minha mão ao seu rosto para perguntar sobre Leah.
Ele sacudiu a cabeça e me respondeu de maneira séria:
- Ela não estava se sentindo à vontade e resolveu não participar da festa.
Eu considerei a resposta. Apesar de Leah se manter afastada, eu gostava dela.
Jacob se dirigiu para o lado esquerdo, onde Sam estava conversando com Jasper, e surpreendi-me como pareciam amigáveis. Atrás deles, mais próximos à janela, estavam três rapazes, que enquanto nos aproximávamos reparei serem completamente idênticos.
- Nessie, Edward, Bella. Esses são os Redsun. Billie, Rich e River, os trigêmeos.
Eu não poderia compará-los ou identificá-los. Os três pareciam ser bastante jovens, todos com músculos aparentes, apesar de magros. Tinham um rosto bastante afilado em relação aos Quileutes, que eu conhecia seus narizes aquilinos. Os olhos, no entanto, pareciam maiores do que os do restante. A pele luzidia de seus braços tremeu quase uniformemente quando nos aproximamos.
- Por que eles são iguais? – não pude deixar de perguntar, quando percebi suas faces semelhantes.
- Eles são irmãos que compartilharam coisas dentro da barriga da mãe. Todos eles nasceram quase ao mesmo tempo – explicou-me Edward – Isso pode acontecer às vezes.
Eu, bastante curiosa, ergui-me ante os braços que me seguravam.
- Posso tocar vocês, por favor? – pedi.
Os três, que até então apenas alternavam olhares de meus pais para Sam, encararam-me.
- É que eu nunca vi isso! – tentei me justificar, pensando que talvez tivesse machucado eles pelo modo como me expressei. Edward havia me explicado há muito tempo que algumas pessoas poderiam se ofender com perguntas curiosas.
Naquela época eu tinha perguntado para Zafrina se não existiam homens no Brasil, país em que tinha nascido. Eu não sabia da existência de Nahuel ainda.
De qualquer forma, eles pareceram não se importar.
- Como assim, eu sou o mais bonito! – Fez o mais próximo à janela, enquanto o que estava mais rente a nós girou os olhos.
- Por favor, desculpe nosso irmão. – fez ele – River gosta muuuito dele mesmo. – Reparei que o timbre de sua voz parecia um pouco mais grave do que o que tinha se pronunciado antes.
O do meio riu.
- Como se o Billie não fosse mais convencido – fez ele para River, cutucando-o com o ombro.
Eu gargalhei. E então algo me ocorreu.
- Deve ser bom ter irmãos! – exclamei alegre por estarem alegres.
Senti Jacob se endurecer.
- Não se você tiver duas irmãs... – respondeu ele, dando de ombros.
- Eu queria conhecer Rachel e Rebecca – respondi.
- Não sei, Nessie, elas são chatas.
- O que quer dizer “chatas”?
Todos riram.
- São pessoas as quais nos aborrece ficar junto. – Respondeu Bella.
- Eu não sei o que isso quer dizer – respondi.
Todos riram novamente.
- É que você acabou de conhecer os Redsun. – respondeu Jacob, sentenciando.
Depois fomos apresentados aos quatro outros novos membros dos bandos: Peter, que era o mais baixo de todos, apesar de encorpado; Jeremy que tinha um rosto redondo e dentes ligeiramente encavalados; Hawik e Joseph, que também eram irmãos. Hawik – o mais velho –tinha uma mecha branca tingindo o lado esquerdo de seus cabelos curtos; e finalmente Joseph que parecia ser extremamente sério em seu rosto moreno e anguloso.
Emmett e Rosalie estavam acompanhados de Paul e Jared; Carlisle conversava com Esme, Collin e Nahuel, e Alice estava no que parecia uma explicação sobre sentimentos femininos com Brady.
Huilen estava sozinha sentada em um dos degraus da escada, parecendo se sentir muito desconfortável.
Em determinado momento, Sam foi até Carlisle, atravessando a sala. Era impossível não perceber sua importância quando todos os dezesseis Quileutes pararam automaticamente para prestar atenção aos seus movimentos. Inclusive Jacob que naquele momento estava em uma conversa com meus pais sobre as lendas de sua tribo.
Após alguns segundos Carlisle surpreendentemente abraçou Sam.
- Ouçam todos! – disse, assim que se separaram – Sam acabou de me informar que marcou a data de seu casamento com Emily!
Todas deram vivas.
- Apesar de não podermos comparecer nesta oportunidade, estamos honrados em sermos informados e gostaria de desejar o melhor para os noivos!
Alguns aplaudiram e outros gritaram em felicidade ao acontecimento.
Jacob então se virou para meus pais.
- Eu queria levar Nessie. – disse.
Senti a tensão emanar por eles.
- Não sei. – Bella respondeu – Nessie nunca foi a nenhum lugar fora daqui, além da casa de Charlie.
- Vamos lá, Bella. Você ia me deixar cuidar dela se acontecesse alguma coisa com vocês, eu devo servir pra cuidar dela nessa festa!
- Isso foi golpe baixo, cachorro – Edward respondeu, transformando seus olhos em fendas, Bella chacoalhou a cabeça.
- Não, ele está certo. É que eu não fico confortável com a idéia em estar longe dela em um ambiente tão diferente.
Os três ficaram em silêncio um momento.
- De eu ficar com humanos, sem vocês, você quer dizer. – Ponderei
Um arrepio percorreu o braço que me segurava.
- Não se preocupem. Eu sei que machucar eles é errado. – tentei convencer.
Minha mãe suspirou. Reflexo psicológico involuntário.
- Renesmee, você sabe o quanto isso é assustador?
- O que? – perguntei curiosa
- Você não saber o que significa a expressão “chato”, mas conseguir entender exatamente o que eu estou pensando?
Edward esfregou seu braço carinhosamente, sorrindo.
- Acho que vamos ter que a deixar ir.
- É. Eu acho que sim. – respondeu Bella, com uma expressão inconformada e orgulhosa ao mesmo tempo.
Jacob sorriu e eu devolvi toda a felicidade para ele batendo palmas de satisfação.
- Por que vocês não foram convidados? – consegui perguntar finalmente aos meus pais, enquanto me colocavam para dormir após horas de festa e a saída dos Lobos (que terminou com um após o outro se transformando em nosso gramado enquanto partiam – Jacob ficando por último, é claro).
- Houve um acordo há muito tempo atrás, que nos proibia de passar certo território por que poderíamos machucar alguém. – Começou Edward.
Eu fechei a cara. Isso não parecia justo.
- Se fosse por Sam ou Jacob, nós seríamos convidados, mas muitas das pessoas da tribo ainda têm medo de nós. – continuou ele.
- Por quê?
Meus pais se entreolharam.
- Algumas pessoas têm medo do que não entendem, Renesmee – fez minha mãe – elas ficam assustadas, precisam de uma explicação para aquilo estar acontecendo. Além disso, são poucos os vampiros que respeitam a vida humana. Eles têm motivos para terem medo de nós.
Eu chacoalhei minha cabeça, como tinha aprendido com Bella. Eu não entendia direito.
- Agora durma preciosa – falou meu pai.
Ele começou a cantarolar a minha canção de ninar e eu pisquei lentamente e peguei no sono logo depois.

2 - Charlie

No dia seguinte ficamos de ver Charlie em sua casa.
Bella havia falado com ele no dia anterior, assegurando-lhe que tudo tinha melhorado, e lhe prometendo a visita.
Assim, depois que acordei e me troquei, entramos na sala da Casa Grande e encontramos Jacob estirado no sofá, a sono solto. Bella lhe deu uma cutucada na orelha para despertá-lo.
- Bom dia, Bela Adormecida.
Ele fez uma careta e bocejou, sem nenhuma vergonha.
- Ainda tivemos festa quando voltamos ontem. Não tenho culpa se vocês, de mármore, não ficam com sono.
- Eu fico com sono! – tentei defender meus pais.
- Eu sei, Nessie – ele respondeu – só pessoas realmente legais ficam com sono.
Bella suspirou e se virou para Edward.
- Por que mesmo estamos levando essa criatura com a gente?
- Por que de outra forma ele iria chorar para ir. – respondeu Edward para ela.
Jacob bufou e os dois riram. Como era contagiante a risada deles!
Eu toquei o rosto de Jacob, preocupada.
- Eu não vou chorar. Nessie, acredite em mim! - ele respondeu meio irritado – viu o que vocês fizeram? Ela acreditou em vocês!
Eu não entendi.
Estávamos a caminho do carro. quando toquei o rosto de Bella, manifestando minha
confusão.
- Ele teve vergonha de contar pra você que ia chorar. – ela sussurrou pra mim.
Edward riu baixinho.

Fazia tempo que nós não visitávamos o vovô Charlie. Desde o Natal.
Agora estávamos no final de janeiro.
Charlie nos recebeu como sempre. Abraçou a mim e Bella e lançou olhares de aceitação contida para Jacob e Edward.
Sue estava lá também. Quando chegamos, ela nos cumprimentou da cozinha onde fazia alguma coisa que atraiu meu olfato
Eu senti minha garganta seca, como geralmente acontecia nessas ocasiões, mas me desliguei disso rapidamente.
- Como está, minha princesa? – perguntou Charlie para mim, assim que chegamos à sala
Eu não falava na frente de Charlie. Meus pais nunca pediram para eu fazer isso, mas eu sabia que se eu o fizesse assustaria mais do que qualquer outra coisa.
- Ela não cresceu tanto assim desde a última vez que nos vimos – comentou, mais para si mesmo do que para os ouvintes.
- É. Acho que vai ficar baixinha pra sempre – respondeu Jacob.
Eu assoviei do jeito que tinha visto os vampiros fazerem. Meus pais me encararam surpresos e Charlie riu.
- Eu não me surpreenderia se um dia ela ficasse maior do que você, Jacob. – fez Sue da cozinha.
“Isso seria estranho” – não pude deixar de pensar e ficando meio preocupada, toquei o rosto de Bella disfarçadamente, ilustrando o pensamento com uma imagem de minha como um gigante em frente a Jacob.
- Não acho que seja tão provável assim – respondeu ela enquanto esfregava o topo da minha cabeça – os Swan não são tão altos e Edward também é mais baixo do que Jacob.
Jacob riu da expressão de Edward quase até engasgar, e Edward não gostou muito disso.
Logo, porém, Sue trouxe comida e alguns de nós tivemos com o que se entreter por certo tempo.
O assunto do casamento surgiu e meus pais comentaram que não poderiam comparecer. Eles inventaram uma viagem inadiável com os Cullen para isso, apenas por Charlie.
- Mas a Nessie vai. – informou Jacob, notando meu olhar frustrado diante da expressão chateada de Charlie.
- Que bom, Nessie! Vai proteger o vovô das solteironas?
Sue ajeitou os ombros de repente e Charlie limpou a garganta envergonhado, voltou então sua atenção para o jogo da TV.

3 - A Despedida dos Mapuche

O casamento de Sam estava marcado para Maio, e o tempo diante de nossa nova rotina tranqüila voou.
Um mês depois de terem chegado, Nahuel e Huilen anunciaram que voltariam ao Brasil no dia seguinte. Tive certeza que a decisão se deu principalmente a Huilen, pois Nahuel parecia um pouco chateado. Ele tinha se dado muito bem conosco, e apesar de não falar muito, eu sentia que ele estava um pouco fascinado com nosso modo de vida.
Na tarde em que se despediram, ele antes pediu para conversar comigo às sós. Percebi Jacob se erguer de imediato de onde estava sentado.
- Edward de qualquer modo saberá o que vou dizer... Mas eu queria falar com ela sozinho, mesmo assim.
As reações foram da compreensão à indiferença. Bella não estava com uma expressão muito boa, mas concordou. Ele pegou em minha mão e andamos até fora da casa. Eu me senti extremamente estranha: ao mesmo tempo em que estava encantada com sua diferença, sentia-me desconfortável.
Andamos de mãos dadas por um tempo e então ele se sentou na minha frente, cruzando as pernas e olhando em meus olhos. Esperei por um tempo, mas ele não disse nada e o pouco tempo em que o encarei me senti caindo um pouco, como se algo estivesse errado. Como o que eu estava vendo não fosse correto.
Eu não sabia como agir, apenas correspondia ao seu olhar, contemplando sua pele marrom avermelhada e seus olhos ocre, ligeiramente amendoados.
Ele então sorriu de uma maneira triste.
- Talvez agora você não entenda o que eu quero dizer, mas eu não duvido que demore muito para isso acontecer. – Ele levantou os ombros. - Em um momento você vai se sentir perdida, como se nada mais fizesse sentido ao seu redor. – ele fixou novamente seus poderosos olhos nos meus e senti um tipo de raiva neles.- Quando isso acontecer você pode me procurar. Eu moro perto de uma cidade chamada Caracaraí, no Estado de Roraima. Talvez nos encontremos antes de você precisar, talvez não. Veremos.
Ele passou a mão direita na testa, como se a conversa o cansasse.
- De qualquer modo, Renesmee, eu sei que você vai precisar de mim. – então, com um suspiro ele levantou a cabeça, olhando para o céu azulado acima de nós.
Eu me senti mal, como se vivesse em uma esfera diferente da dele.
- Sim, disso eu sei com certeza. – completou como se divagasse.
Ele observou um pouco a vegetação ao redor e então me encarou novamente.
Levantou-se em um átimo.
- Quer apostar corrida até a casa?
Eu sacudi a cabeça confirmando, aliviada.
- Então vamos!
Ele partiu na minha frente. Seus cabelos negros tremulando na longa trança.

4 - Expectativa

O tempo passou rápido e quando percebi faltava apenas uma semana para o casamento de Sam.
Os Cullen iriam aproveitar para caçar durante os dois dias que eu ficaria na tribo. A primeira vez que iriam longe desde que eu havia nascido. Tia Rosalie queria caçar raposas e tio Jasper lobos – ambos não se “deleitavam” com seus pratos prediletos há tempos – não pude deixar de tremer ao saber da preferência de Jasper.
No dia do casamento, eu havia acordado cedo com a expectativa.
Minha família já havia programado a viagem com alguma antecedência, mas todos se mostravam bastante relutantes em me deixarem fora de suas vistas. Eles estavam comicamente incomodados com a questão, mas não se atreviam a falar sobre isso. Tio Emmett me aconselhou a não comer muito, pois isso poderia ser grosseiro; (Jasper riu abertamente do conselho, perguntando onde ele tinha aprendido isso por que nunca demonstrara); Tia Alice só deu um beijo no topo da minha cabeça, mas eu sabia que o fato de ela não poder ver nada do que poderia acontecer na Reserva a preocupava bastante.Tia Rosalie me abraçou apertado e quase exigiu minha presença tanto quanto meus pais.
Eu, a partir de certo momento, sentia-me tão incomodada com a sensação emitida por eles que me sentei no sofá e coloquei o MP3 que Edward me dera no Natal para tocar.
Eu já estava trocada para a festa desde que tinha acordado. Haviam tirado fotos e me dito o quanto eu estava bonita o suficiente por um ano.
No momento em que ouvi Jacob chegando para me buscar na porta da entrada estava escutando Ocean Rain do Echo and the Bunnymen.
Eu me sentiria mal de confessar, mas fiquei tão aliviada com a chegada dele que tentei respirar o mais lentamente possível para meu coração bater mais devagar.
Naquela hora estava sentada no sofá entre Edward e Bella. Tia Rosalie e tio Emmett estavam sob nossos pés; tia Alice e tio Jasper estavam em pé, abraçados e olhando por entre a janela; Carlisle e Esme haviam ficado no outro sofá, o menor, fingindo assistir a TV ligada em um canal de vendas.
Foi como se um arrepio percorresse todos.
Eu me levantei do sofá sozinha.
- Está tudo bem! – não pude deixar de exclamar.
- Nós sabemos, Nessie. – falou Carlisle – é que não podemos deixar de nos preocupar. Amamos muito você.
Eu abaixei meus olhos. Sentia-me inquieta, quase irritada com a reação deles. Eles meio que estavam impedindo a ansiedade da situação me tomar como eu queria.

5 - De Raspão


Jasper abriu a porta, o que era incomum. Eles pareceram demorar mais que o normal para retornarem.
Então, finalmente, eles entraram pela porta. Jacob estava vestindo um smoking!
Eu comecei a gargalhar assim que o vi.
- Brigadão, Nessie! – ele reclamou, abrindo os braços de frustração.
Ouvi todos rindo ao mesmo tempo, como se eu tivesse tirado uma barreira.
Quando meus pais se levantaram, todos se endireitaram em pé atrás deles.
- Bom, – fez Bella – toma cuidado. – ela parecia bastante perturbada.
Então ela se virou para Edward.
- Eu não sei se ainda concordo com isso...
Edward se virou para ela.
- Vamos pensar melhor, então. – respondeu, apertando seu braço.
- Ei! – fizemos eu e Jacob ao mesmo tempo. Voltei minha cabeça para trás, sorrindo em agradecimento.
- Vocês não podem fazer isso!
- É! Eu quero ir! – fiz do chão. Era a primeira vez que falava tão alto, compreendi de repente que minha voz era muito aguda e feia em relação aos dos outros. Aquilo me aborreceu muito. Olhei para Carlisle e Esme com uma expressão incomodada.
- Vamos nos acalmar. – Fez Carlisle. Eu respirei aliviada. - Mas, realmente, talvez seja melhor vocês repensarem suas motivações. – continuou.
Um golpe de choque me tomou e abri minha boca de surpresa.
Então, para nosso total espanto, Esme começou a rir.
Sua risada apenas aumentou impiedosamente apesar de sua tentativa de escondê-la por trás de sua mão direita, mas de nada adiantava para contê-la. A risada crescia como se tivesse tomado totalmente o controle de seu corpo, e ela não conseguiu parar por um bom tempo, tempo esse em que ficamos apenas admirando.
Eu olhei para Carlisle, ainda de boca meio aberta e ele apenas a contemplava, sorrindo abertamente. Era como se ele estivesse hipnotizado com ela, os olhos fixos como se ela brilhasse.
Eu parei de respirar vendo sua expressão.
Nunca tinha visto meu avô daquele jeito. Aquilo, aquele estado momentâneo de êxtase dele, fixado daquela forma encantada, encheu meus olhos de lágrimas.
Quando finalmente Esme conseguiu parar, eu tinha me esquecido da realidade. Olhei em volta de relance para certificar que ninguém tinha reparado em Carlisle, mas Edward também o olhava.
Continuei a percorrer os outros rostos para me certificar de que ninguém tinha reparado em mim. Todos os outros estavam fixados em Esme terminando de gargalhar incontrolavelmente.
Todos menos Bella e Jacob.
A cena toda: Esme rindo; Jasper, Alice, Rosalie e Emmet rindo com ela; Carlisle eletrizado por ela; Edward com um sorriso bondoso contemplando Carlisle, lendo obviamente seus pensamentos espantados, e Jacob e Bella olhando para mim, como se tivessem surpreendido um Volturi na sala de estar de suas casas, durou apenas um segundo.
Alguma coisa, alguma sombra tinha roçado suas asas em meus olhos. O começo de algo muito maior se demonstrou sobre minha realidade.
Eu percebi e inteligentemente a ignorei. Uma maturidade inconsciente acabava de salvar minha inocência por um tempo.
No entanto, Bella e Jacob a viram. De relance, em meus olhos. Talvez nem compreendessem o que tinham visto, eu com certeza não entendia na época.
Um sentimento involuntário de culpa tomou minha mente.
Então percebi outra coisa: Edward, mais do que ninguém. Edward tinha entendido o que se passara. Edward que agora, lentamente se virava para mim, seus olhos tão abertos quanto os meus estariam.
- Por que você está assim, Nessie? – perguntou, enquanto se abaixava.
- O vovô Carlisle realmente te ama muito. Ele surpreendeu a vovó Esme com a
superproteção que demonstrou agora a pouco. E ela riu.
Os ombros de Bella relaxaram, como se ela tivesse decidido ignorar a minha reação.
- Obrigada. – agradeci mentalmente meu querido pai.
Ele sorriu confiante.
Despedimo-nos, e por um momento quase achei que eles iriam realmente voltar atrás com a aprovação, mas então Jacob já me puxava pela mão e segundos depois estávamos caminhando em direção ao Rabbitt.
Ele me levantou e me colocou no banco.
- A propósito, está muito bonita senhorita Renesmee Cullen. – fez ele, sorrindo abertamente.
Senti minhas bochechas corarem.

Capítulos betados por Natália Smith


6 – Convidados.

Chegamos ao casamento à tempo, apesar de Charlie e Sue se atrapalharem na hora de saírem da casa dele. Combinamos de nos encontrar lá para dividir o pessoal entre os carros: Sue Clearwater e o “Chefe Swan” – como minha mãe chamava meu avô às vezes (ele era o xerife da cidade) – iriam na patrulha com Leah. Essa já estava dentro do carro quando chegamos, provavelmente para me evitar.
Ela continuava sendo a mais arisca de todos os lobos e eu me perguntava se era porque também continuava sendo a única mulher entre eles – apesar de ela fazer parte do bando de Jacob, que tinha bem menos “integrantes”.
Seth, porém, era totalmente o oposto da irmã em entusiasmo. Sua felicidade era contagiante quando subiu no Rabbitt ao nosso lado, antes de partimos. Eu não compreendi porque Jacob e ele acharam tanta graça no jeito em que Sue tentava arrumar o nó desfeito da gravata de Charlie, enquanto eu buzinava para apressá-los.
Quando finalmente chegamos à praia de La Push, onde aconteceria a cerimônia, pude sentir do carro o cheiro dos humanos trazido pelo forte vento que entrava pela janela.
Abri as narinas e me permiti receber o cheiro refrescante por um minuto, então reabri os olhos e suspirei tentando controlar a enorme sede que rasgou minha garganta. Coloquei rapidamente os dois dedos para apertar meu nariz e tentei respirar pela boca por um tempo.
Quando recebi um brilhante flash no rosto.
Fechei de novo meus olhos, tentando me controlar para não rugir ou saltar em cima de Jacob, que agora ria com Seth ao meu lado.
- Que legal! Brigadão, Jake.
- Ei, apenas devolvendo, garota! – respondeu ele, piscando para mim.
- Jasper me fez prometer que tiraria fotos de seus melhores momentos – explicou, enquanto passava a máquina para Seth.
Eu me ergui indignada, mas já tínhamos estacionado e a porta se abriu, mostrando Charlie. Seth pareceu se divertir me vendo ter de engolir as palavras que pretendia direcionar à Jacob. Consegui visualizar Sue e Leah conversando dentro da patrulha de Charlie enquanto ele me tirava do banco e colocava no chão.
- Acho que não vou aguentar te carregar, Nessie. Você está bem grande, tudo bem ter de andar?
Eu chacoalhei minha cabeça em concordância.
- Uau! – soltou uma garota que estava de braços com Paul e vinha de longe em nossa direção.
Eu ouvi, apesar de Charlie não conseguir. Virei-me para verificar do que a garota falava e vi Leah em seu vestido azul anil de dama de honra.
Ela estava cruzando o caminho de Paul e sua parceira que havia exclamado, enquanto andava de braços dados com Sue. Seu corpo colava no tecido fino. Olhei para Jacob e ele encarava o espaço em que eles haviam se cruzado de forma compenetrada. Meu estômago embrulhou.
Alguns segundos depois fui apresentada a garota que acompanhava Paul como sendo a irmã de Jacob, Rachel.
- Que bonitinha! – ela falou, enquanto fazia festa nos meus cabelos, que estavam soltos sobre meu vestido cinza claro.
- Então é essa...? – perguntou ela, tentando chegar perto de Jacob sem alertar Charlie que agora circulava os olhos pela festa.
- É sim! – disse impaciente. Cruzou os braços então, como se desafiasse a irmã a dizer algo mais.
- Muito prazer, menina. Nessie, certo? – ela se aproximou de mim até quase ficar meio metro de meu rosto.
- Muito prazer, menina. Rachel, certo? – devolvi entredentes, esperando que Charlie não tivesse ouvido.
Rachel voltou à posição de antes, ereta. Eu me arrependi, por que tinha feito isso? Então me agachei em uma reverência exagerada em sua direção. Como um plebeu diante do rei.
- Que é isso, Nessie? Quer brincar de alguma coisa? – perguntou Charlie reparando em mim.
Eu me levantei e Rachel observava com a sobrancelha esquerda levantada, no entanto ela fez uma mesura de volta para mim. Um sorriso contido nos lábios.
Eu correspondi ao sorriso agradecida.
- Garotas. Tsc – murmurou Charlie antes de cumprimentar o casal (Paul não tinha movido um músculo diante da cena, parecia até que lhe castigariam severamente se ele falasse alguma coisa – o que era incomum dele).
Passamos os quatro – Eu, Charlie, Jacob e Seth – cumprimentando as pessoas ao redor. Localizamos Sue e Leah conversando com dois senhores grisalhos, então começamos a andar naquela direção.
Em meio ao caminho, Charlie havia soltado minha mão, já que segurava comida na mão direita e queria alcançar uma garrafa de cerveja.
Eu olhava para aqueles dois idosos e me senti ligeiramente assustada.
Fui erguida do nada.
Flash!
Eu toquei furiosa a cabeça de Jacob, que havia me erguido. – Mas que droga!
- Há, vai! Pelo menos concorda que você tava engraçada olhando pras próprias mãos! - Eu abaixei a cabeça ponderando e finalmente a sacudi em concordância. Jacob habilmente me levou a sentar entre seus ombros. Charlie se voltou para onde eu estava no chão me procurando e eu soltei uma risada do alto, acenando.
- Você está aí então?
Ele veio até nós.
- Acho que vou falar um pouco com o Billy. – e ele puxou levemente minha cabeça, depositando um beijo em minha testa.
- Divirtam-se, crianças! - ele então se afastou com passos decididos. Eu me agachei em direção à orelha de Jacob.
- E quem são aqueles? – indiquei os idosos. Ele respirou uma vez antes de responder no mesmo tom sussurrado.
- São os dois novos membros do Conselho Ancião. Mehk Redsun e Jeff Oldbear. - Eu reconheci os sobrenomes dos novos Lobos a que fui apresentada na festa em nossa casa.
- Eles foram meio que “convocados” depois que seus filhos se transformaram, eles já eram importantes dentro da tribo, tem dinheiro... Mas não sabiam sobre como as lendas eram verdadeiras. Além deles, ainda estão no conselho: o velho Quil Ateara (que parece ser imortal), Sue Clearwater e Billy Black.
Eu já sabia que Sue e Billy (pai de Jacob) faziam parte do Conselho (Sue havia assumido depois da morte de seu marido, Harry Clearwater), pisquei em direção aos dois velhos senhores que estavam na nossa frente.
O primeiro parecia ter uns 60 anos, os cabelos grisalhos e longos estavam soltos e ele irradiava um tipo de jovialidade da postura ereta, o segundo que estava ao seu lado tinha os ombros mais largos e era dois centímetros menor do que o primeiro. Seu rosto era levemente enrugado e emanava uma seriedade perturbadora, os cabelos com apenas alguns fios brancos eram curtos, o que acentuava a face redonda.
Os dois juntos faziam uma figura impressionante, se comparado aos membros originais do Conselho Ancião.
Flash!
- Seth! Você quase me deixou cego!
- Viu como é bom, lobo? – brinquei. Ele me segurou pelos braços, balançando. Então começou a girar muito rápido.
- Nunca mais me chama assim! – falou ele. Eu gargalhei enquanto me maravilhava com o ar passando rápido sobre minha pele.
- Tá bom, cachorro sarnento. – respondi muito baixo.
- Eu ouvi isso. – ele disse, enquanto aumentava a velocidade.
- Eu também. – disse Seth a dois passos de nós, após isso senti um Flash da máquina que ele portava como uma arma agora.
- Eu também. – ouvi Brady dizer, em volume surpreendentemente audível a dois metros atrás.
- E nós. – disseram os trigêmeos Redsun a cinco metros de onde estávamos, acompanhados de sua mãe.
- E nós. – gritaram Collin, Peter e Jeremy do estacionamento, onde provavelmente tinham acabado de chegar.
- Eu também. – disse Sam da outra ponta da praia.
- Há há há. - Jacob continuava a girar cada vez mais rápido até eu quase acreditar poder voar. Comecei a cantarolar naquela hora e tive vontade de soltar uma das mãos que me seguravam. No momento em que pensei isso uma velha voz se fez ouvir.
- Jacob Black, você vai dar um ataque cardíaco à garota! Comporte-se agora e venha me apresentar seu par! - Jacob retesou o corpo e me jogou em meio à velocidade de volta para seus ombros.
- Uhul! – não pude deixar de gritar. Me segurei em seus cabelos para não cair.
- Ai ai! – reclamou. O velho senhor riu conosco. Jacob se encaminhou para o lado esquerdo, onde ele estava sentado em uma cadeira.
- Muito prazer, eu sou Quil Ateara. - eu me empertiguei como pude diante da voz. Então abaixei a cabeça e respondi o mais baixo que consegui:
- Sou Renesmee Cullen. O prazer é meu, senhor.
- Muito polida, Srta. Cullen. – respondeu ele.
Quando ergui minha cabeça de volta pude reparar melhor em seus traç, vi que seu rosto era reto, a pele muito enrugada e escura e os cabelos surpreendentemente negros pela sua idade aparente.
Encarei seus olhos e a profundeza deles era incrível, como se conversasse comigo por entre expressões.
- Há muito tempo atrás eu conheci seu pai. – disse ele depois de um momento.
- Você me lembra ele, apesar de obviamente ter muita coisa dos Swan. - inclinei minha cabeça como assentimento.
- Tenho certeza que meu pai ficaria honrado com a memória, Senhor Ateara. - ele apenas assentiu levemente.
- Jake, essa garota é muito esperta. Você está de parabéns. – Jacob, que em toda a conversa se manteve quieto, apenas deu de ombros.
- No entanto, devo te avisar que ela vai te dar algum trabalho. - eu me endireitei novamente, sem entender.
- E você, moça, por favor, não ligue para esses velhos rabugentos. Ah... Seu avô está vindo, por favor, está convidada a vir em minha casa assim que puder. - eu assenti mais uma vez de leve com a cabeça.
- Essa menina está venerando todo mundo hoje! – Charlie ergueu os braços em minha direção, pedindo para me segurar. Eu me manti ereta e quieta enquanto era passada para os braços de Charlie, que ofegou sob meu peso.
- Minha nossa, Nessie! Que tal um regime? – fiz uma careta apenas para Jacob ver.

7 – Cerimônia de Samuel e Emily.

Quando ela entrou, estava linda.
O perolado de seu vestido brilhando na luz das estrelas cintilava em contraste com sua pele cobre.
Não havia véu, apenas o vestido que tinha alças grossas caídas dos lados de seus ombros. Seu rosto machucado não era sequer perceptível diante da alegria de seus olhos quanto encontrou Sam diante do Sr. Oldbear, que celebraria a cerimônia na língua de sua tribo e em inglês. Os cabelos castanho-escuros estavam soltos moldando sua expressão de felicidade. Eu senti a alegria deles, mas confesso que estava bastante entediada. Então, apesar de eu saber que talvez fosse uma enorme falta de educação, levemente fui me arrastando do banco ao lado de Charlie para fora da cerimônia.
Assim que me vi livre, corri rapidamente em direção ao mar.
A noite estava extremamente fria, mas como a maioria dos presentes não se importava, o que fazer?
Eu já havia visto o mar na televisão antes. Havíamos parado na praia algumas vezes antes de irmos para a casa de Charlie.
Aquilo à noite, porém, era outra coisa. Que maravilhoso o barulho do mar em contraste com o vento frio que assoviava; as cores do céu e da água se misturando no horizonte sombrio. Em um minuto eu sabia que não estava mais sozinha. Ouvi as ondas baterem em pés atrás de mim.
- Prometo não molhar meu vestido. – disse eu, erguendo a barra frisada de minha saia cinza claro, sem me voltar.
- Quem liga? Elas não iam deixar você usar de novo esse vestido de qualquer jeito, não é?
- Não, não iriam. – então eu corri em direção as ondas baixas, tocando-as com as pontas dos dedos das mãos. - ficamos em silêncio por um tempo quando escutei, ainda de costas, mais gente se aproximando.
- Há. A sua também não aguentou a ladainha, é? – reconheci Quil, o neto do senhor a quem eu fui apresentada, e me virei. Ele estava segurando uma criança alguns centímetros apenas menor do que eu pelas mãos.
- Nossa! – exclamei, e corri na direção deles. Jacob deu sinais de tentar me parar, mas o ignorei, desviando de sua mão.
- Olá – cumprimentei um pouco tímida. Quil se abaixou e olhando para a criança, comunicou:
- Claire, essa é a Nessie. – ela correspondeu seu olhar e retornou a atenção ao meu rosto.
- Oi, nossa, como é bom encontrar você! – exultei. – Você já tinha visto o mar à noite? É realmente lindo, não é? É a primeira vez que vejo. - eu dei uma risadinha envergonhada. - É claro que você já deve ter visto muitas vezes, já que mora próxima, mas eu achei deslumbrante! - não obtendo resposta, voltei a encarar a garota chamada Claire, que continuava me olhando, forçando o lábio inferior para cima. Claire me ignorou e com as mãos seguras pelas de Quill puxou-o no que parecia uma corrida em direção à água.
Eu continuei parada no mesmo lugar.
Jacob suspirou e se sentou na areia.
- Você não percebeu que ela era humana? – ouvi a voz rouca e baixa.
- É claro que percebi, e daí?
- Nessie, as crianças humanas não são como você.
- Eu sei! - todos já tinham me falado sobre isso.
- É só que... Eu nunca tinha encontrado nenhuma antes. – nós ficamos em silêncio, apesar de escutarmos a conversa de Quil e Claire na beira da água claramente. Eu me sentei a dois palmos de onde ele estava, não ligando a mínima para minhas roupas.
- O mais engraçado é que ela é três anos mais velha do que você, sabia?
- Hum. - ficamos em silêncio mais um pouco, apenas o barulho do mar entre nossas respirações.
- Ela é tão idiota, lenta – consegui dizer, fechando a cara
- Nessie, ela é normal. Apenas isso. – fez ele, condescendente.
Flash!
Eu me ergui e saí perseguindo Seth por toda à parte.

8 – A Festa.

A cerimônia continuou por certo tempo – esse em que não consegui alcançar Seth, por mais que quisesse. Acabei desistindo e voltando para a orla onde Jacob continuava sentado.
Então, quando ouvi gritos de alegria, ainda estávamos em silêncio contemplando o horizonte. A cena me lembrou Don’t watch me dancing, do Little Joy. Eu ouvia a música tocando em minha cabeça quando tive que me levantar para me unir aos convidados e festejar o casamento. Houve a situação do buquê em que me mantive afastada enquanto dúzias de jovens se amontoarem em disputa.
Enquanto todos pareciam entretidos e eu, disfarçadamente me dirigi ao balcão de drinques e agarrei um copo de champagne. Antes que pudesse puxá-lo em minha direção, Jacob surgiu ao meu lado.
- O que você pensa que tá fazendo?
- Ah, qual é? Quanto você tem que beber para dar algum tipo de efeito? – sibilei de volta, em tom sussurrado. Ele abaixou a cabeça
- Nessie, para com isso. Pra que você ia querer ficar bêbada? - eu girei os olhos, ainda segurando a taça.
- Eles nunca iam me deixar beber. Por favor, Jake! - ele fez uma cara feia e eu levei o copo aos lábios. Bolhas pularam tocando meus lábios, me surpreendendo, eu deixei o líquido descer por minha língua e engoli. Aquilo parecia muito doce para o meu gosto, mas as bolhas saltitantes me encorajaram e virei o copo antes que ele pudesse me impedir.
- Você quer ficar bêbada mesmo?! - eu sorri para ele.
- Talvez eu queira. - peguei outro copo e rapidamente levei aos lábios, sorvendo todo o líquido antes que ele agisse para me segurar. Parecia petrificado.
- Eu ainda não sei o que isso quer dizer, ficar bêbada... – respondi finalmente, pensando naquilo. Esperei que o líquido surtisse efeito e que me levasse a um estado apopléctico, mas nada aconteceu. Jacob tirou a segunda taça vazia de minhas mãos, exasperado. - Para com isso!
- Desculpa. – mas na verdade não estava me sentindo culpada. Todos ao meu redor estavam bebendo e eu queria provar também. Eu senti seu desconforto. Sabia que uma garota com aparentemente quatro anos não ficaria bem bebendo champagne.
- Você podia por em um tipo de mamadeira para mim – sugeri. Ele riu baixo, mais parecendo um cachorro do que um humano.
- Você tá louca. É só te deixar fora da vista dos seus pais que você quer aprontar alguma coisa... - eu olhei para minhas próprias mãos, ignorando a repreensão.
- Você sabe que Edward vai saber qualquer coisa que você tiver feito de errado.
- Mas eu já vou ter feito. – respondi, ainda olhando para baixo. Ele bufou, irritado.
- É, mas eu quem vou levar, espertinha. O que você acha que eles vão fazer quando souberem? - eu dei de ombros, mas algumas teorias passaram pela minha cabeça.
- Você nunca mais vai poder sair daquela casa – continuou ele. Eu suspirei infeliz. Não queria que nada disso acontecesse.
- Então se comporte. – ele respondeu a minha reação.
- Está bem...
Uma música começou a tocar e Emily abriu a pista de dança com seu pai, logo depois vários pares se juntaram a eles e eu puxei Jacob pela barra do smoking.
- Eu quero dançar também! - ele me rodou por duas vezes antes de eu perceber o álcool fazer algum efeito. Senti apenas uma leve vertigem, os pensamentos um pouco mais lentos. Eu ri.
- Acho que posso fingir ser uma garota de quatro anos agora...
- Por quê?
- Por que me sinto meio idiota. - ele riu baixo. Eu estava em seu colo, então na verdade não dançava, apenas era agitada conforme a música. Eu senti inveja das garotas dançando com seus pares com os pés no chão, seus saltos cutucando o cascalho embaixo de seus pés.
- Um dia eu vou dançar com você de verdade. – olhei em seus olhos castanhos, ele apenas sorriu de leve. Acho que pra ele não fazia a menor diferença, mas para mim sim. Eu queria ser pelo menos capaz de alcançar o chão.
Charlie surgiu de repente com Sue, eu sabia que ele estava ligeiramente embriagado pelo cheiro. Dançamos até a música começar a ficar mais agitada, então eu reclamei de sono, o que era uma poderosa mentira.
Eu sabia que não poderia realmente aproveitar a festa e acabaria impedindo Jacob e Charlie de o fazerem. Então fui levada à casa de Billy (ao quarto de Jacob, especificamente), onde peguei no sono, abraçada a coberta com seu cheiro familiar.

Capítulo betado por Thais M

9 – Segundo Dia.

Acordei e ainda estava escuro. Endireitei-me e sentei na beirada da janela, percebendo pelo silêncio que os outros ainda não tinham voltado. Podia ouvir as ondas de onde estava, a lua nítida e cheia me encarando. Tive vontade de sair andando na orla da praia, mas sabia que se Jacob chegasse e não me encontrasse a situação ficaria feia.
Fiquei muito tempo ali, divagando, quando ouvi o som do carro dos Black se aproximando, logo depois muitos sons se misturaram adentrando a casa. Podia distinguir claramente Charlie e Billy discutindo, mas lesados, como se tivesse uma mola em suas bocas.
Jacob ajeitou Charlie no sofá antes de levar Billy para sua cama. Sue aparentemente tinha voltado para casa com uma carona.
Eu esperei ereta, sentada na balaustrada da janela, que ele terminasse e viesse ao meu encontro. Jacob abriu a porta vagarosamente, mas quando me viu, adentrou e fechou a porta atrás de si.
- Achei que você estivesse dormindo.
Eu dei de ombros.
Ele começou a soltar o nó da gravata e a atirou no chão assim que se viu livre.
- Cansado? – adivinhei.
- Cuidar desses dois marmanjos foi mais difícil do que cuidar de você. O que houve? Está sem sono?
Ele sorriu para mim na penumbra. Acho que nunca esteve tão bonito.
- Vou ao banheiro me trocar e já volto, ta?
Eu sacudi minha cabeça. Havia um colchão no chão, saí de onde estava saltando por sua cama e sentando no colchão. Não queria deixá-lo desconfortável. Quando ele voltou estava de bermuda e camiseta. Pulou na cama e se cobriu em um segundo.
- Que sono!
Eu passei minha mão em sua cabeça.
- Então dorme, ué.

Ele balançou a cabeça, quase adormecido. Eu ainda contemplei seu rosto por um tempo antes de decidir voltar a dormir.
Só acordei novamente com o sol me atingindo da janela. Pela intensidade, calculei que deveria ser quase meio-dia. Eu havia entreouvido Charlie quando partiu mais cedo, mas não me dei ao trabalho de abrir os olhos quando ele veio se despedir, me beijando na testa antes de deixar a casa.
De qualquer forma, agora eu me sentia fraca. As leves fragrâncias de Jacob e de Billy, no outro quarto, encheram minha boca d’água.
Eu sacudi Jake.
- Ei!
Ele resmungou se remexendo e eu ri baixinho.
- Eu to com fome.
Ele continuou desmaiado.
Então uma ideia maluca me ocorreu. Coloquei minha língua para fora e levemente toquei atrás de sua orelha. Ele tremeu e se sentou de imediato, colocando a mão esquerda onde eu tinha lambido. O gosto era levemente salgado. A veia de seu pescoço pulsando fez meu coração bater agitado. Eu lambi os beiços, sentindo-os formigar.
- O que você tá fazendo?
- Eu to com fome, você não me ouviu, então eu decidi tentar saber qual o sabor que você tinha.
Ele ficou levemente corado.
- Você tem algum parafuso solto.
Eu levantei meus ombros.
- Acho que não. Só to com fome mesmo. Daqui a pouco eu ia checar o gosto do Billy.
Ele soltou uma gargalhada.
- Só você pra me fazer acordar tão cedo... – disse enquanto esfregava o rosto.
- Como assim? É quase meio-dia!
- Você entendeu...
Ele foi ao banheiro e enquanto isso, eu peguei o short e a blusinha que tinha trazido.
Tirei o pijama e guardei junto da sacola com o vestido de festa que usara na noite anterior, dentro da bolsa que Alice me dera. Eu ouvi a água do chuveiro correndo no banheiro do outro lado do corredor e cheirei a mim mesma para saber se precisava de um banho. Não senti nada além do cheiro habitual, todos os outros resíduos estavam na roupa da festa. Imaginei se por ter o corpo de uma criança influenciava nisso, então dei de ombros e pulei para fora, pela janela de Jacob. Uma leve chuva fria caía, refrescando minha pele, comecei então a andar em direção à orla e de repente senti uma enorme vontade de correr. Obedeci ao instinto e corri o mais rápido que pude, mas ainda faltavam uns 10 metros para chegar à vegetação que levava até o mar, quando ouvi Jacob se transformando atrás de mim enquanto saltava sua janela. Continuei correndo, precisava chegar antes dele... Eu o ouvia se aproximando em minha direção, o barulho do vento sendo cortado pela sua velocidade. Tentei aumentar o passo, inclinando meu corpo e quase perdendo o equilíbrio, mas quando ainda faltava um metro, ele puxou minha blusa pelos dentes e me jogou facilmente em direção às suas costas. Segurei-me em seus pelos para não cair.
- Droga!
Ele rosnou baixo numa risada.
Eu bufei contendo minha decepção, então quando finalmente me contentei, pus minhas mãos em seu focinho mostrando imagens de ursos e leões que tinha visto na televisão. A visão encheu minha boca d’água. Ele chacoalhou a cabeça negativamente e correu mais rápido em direção aos meus conhecidos habituais; os cervos.
Jacob seguiu o cheiro dos herbívoros enquanto eu, em suas costas, imaginava como seria o gosto de uma caça diferente. Então chegamos próximo o suficiente para ele parar. Os animais estavam a alguns metros de nós, mas não podiam nos ver devido à vegetação alta. O vento também estava ao nosso favor, impossibilitando-os de nos identificar pelo cheiro.
Eu desci de suas costas e me postei ao seu lado. Mirei um jovem macho e dirigi um olhar ao Lobo ao meu lado para que ele soubesse qual seria minha mira. Um som saiu pelas narinas de Jacob e ele chacoalhou a cabeçorra apontando o focinho para dois machos adultos do lado esquerdo.
- Certo – eu fiz. – Eu estou mesmo com fome...
Então eu, silenciosamente, me aproximei por entre a vegetação para a esquerda, onde estavam os adultos. Fiquei uns dois metros na frente de Jacob, geralmente ele me dava uma pequena vantagem para nossas disputas terem alguma graça. Olhei para trás e ele sacudiu seu focinho, assentido.

Eu rapidamente ataquei então. Os machos, a que mirávamos assustados, correram em direção ao resto do grupo que estava à esquerda e eu fui ao seu encalço. Pulei rapidamente no lombo de um dos adultos que estava mais próximo, atacando sua garganta e forçando seu pescoço com uma mordida firme para que ele caísse. Então, surpreendentemente, o outro macho veio em minha direção. Jacob ainda estava distante e não teria tempo de chegar.
Tive uma reação totalmente instintiva: dei um salto de costas por sua galhada que mirava minha cabeça (era como se eu pudesse prever o momento exato em que me alcançaria) e então, enquanto caía, puxei com as duas mãos seu focinho para cima ao mesmo tempo em que aterrissava em suas costas.
Os segundos haviam passado lentamente, antes de seu pescoço quebrar, o primeiro macho finalmente estava no chão e eu abocanhei a garganta do cervo que me atacara.
Jacob chegou um milésimo de segundo antes de eu conseguir morder o segundo macho. Ele saltou sobre o cervo que estava no chão, devorando seus pedaços rapidamente e depois partiu correndo em direção ao resto do grupo que partira.
A Primavera de Vivaldi automaticamente começou a tocar em minha mente, o presente de meu pai estava me fazendo sentir as coisas de maneira completamente nova. Me senti habilidosa. Eu terminei de me alimentar do macho que havia colhido certo tempo depois e, saciada, persegui o cheiro de Jacob até encontrá-lo alguns metros adiante, se alimentando de uma fêmea adulta que estava repartida ao meio.
Comecei a me aproximar lentamente, a música ainda em minha cabeça, mesmo que não compreendesse completamente seu significado. Só corri em sua direção depois de chegar a um metro dele, havia caminhado cuidadosamente para que não me percebesse. Pulei então em seu dorso, mordendo sua orelha esquerda. Ele se levantou um pouco sobre as patas traseiras...
- Hahahaha, eu te assustei!
Ele chacoalhou a cabeça de lobo em negação, mas continuei rindo.
- Quer que eu acabe com o seu? – eu estava brincando, aquele macho já tinha me alimentado o suficiente.
Ele aparentemente ficou irritado, porque rosnou de leve para mim.
- É mesmo? – eu disse. – Não consigo entender uma palavra, mas sei que você perdeu vergonhosamente!
Ele sacudiu a cabeça de novo e quando terminou de se alimentar da fêmea, correu em direção à mata.

Eu fiquei sentada na grama ouvindo ao longe os cervos ainda correndo, e Jacob se transformando e se vestindo.
Ele se aproximou de mim com um olhar carrancudo.
Eu ri.
Ele chacoalhou a cabeça, irritado.
- Você venceu, Nessie, está bem?
Ele sentou alguns metros à minha frente e eu andei até ele, ficando em pé na sua frente. Passei as mãos em seus cabelos curtos.
- Você ta chateado?
- Não é isso... – disse ele, me puxando em um abraço para o seu colo. – Eu fiquei assustado quando aquele bicho tentou te acertar.
Eu me senti feliz em seus braços quentes.
- Para de ser bobo, Jacob. Eu sou mais esperta do que você pensa.
- Eu acho que é mesmo.
- Eu venci?
- Você venceu, Nessie. – repetiu ele, mais enfático.
Me senti exultante. De todas as apostas e brincadeiras essa era a primeira que eu vencia.
Depois de um tempo em silêncio, em que obviamente eu me sentia presunçosa, perguntei:
- O que vamos fazer agora?
Ele olhou para a mata ao redor antes de responder, ouvindo os sons que eu não captava, vendo o que eu não alcançava.
- O que você acha de vermos o velho Quil Ateara?
Eu dei de ombros, havia gostado dele.
Sorri para Jacob, encorajando-o.
Ele me pegou no colo e começou a correr por entre as árvores. Quando eu acabava de me alimentar ficava mais lenta para correr e ele não estava com paciência para me esperar. Eu não liguei.

10 – O Velho Quil.

Quando estávamos próximos a uma pequena casa, Jacob me pôs no chão. Eu olhei inquisitiva enquanto ele se abaixava até o tornozelo para pegar uma camiseta enrolada, que havia estado presa por uma tira negra e grossa. Enquanto ele vestia a camiseta, que eu sabia que ele tinha ganhado de Bella, limitei meu sorriso cobrindo-o com minha mão direita. Estava acostumada a sempre encontrá-lo semi-vestido (“na moda dos cães semi-pelados”, como diziam tia Rosalie e tia Alice nas suas costas), e vê-lo colocar uma camiseta não foi menos do que hilário, a única peça dos Lobos costumeira era uma bermuda ou uma calça – excetuando-se Leah, obviamente.
Ele se virou para mim com uma expressão falsa de zanga.
- O que foi?
- Nada...
- Não, é sério...
- Ele deve ser muito importante para você ter que se vestir...
Agora ele me olhou realmente incomodado, enquanto bufava.
- Queria ver se fosse você que arrebentasse todas as roupas...
Eu sacudi a cabeça, concordando com um absurdo imponderável.
Ele então segurou minha mão enquanto de dentro da casa, uma jovem saiu pela porta.
Ainda ao longe senti sua fragrância de flores, ela usava um vestido dois centímetros acima do joelho de mangas compridas, e enquanto se encaminhava em nossa direção, Jacob reparando em meu olhar sempre inquisitivo, respondeu num sussurro:
- Ela é Joyce Oldbear, a mais velha dos filhos de Jeff (você sabe Hawik e Joseph). Foi designada para tomar conta do velho Quil.
Eu sacudi minha cabeça em compreensão.
Enquanto ela se aproximava, acho que Jake ainda viu algo em minha expressão, porque disse em seguida:
- Embry, hum, se “apaixonou” por ela quando a conheceu há uma semana. Ela veio visitar a família com o noivo, estava vivendo no Canadá.
Eu fiquei mistificada.

- E o que aconteceu com o noivo dela?
- Foi embora. – respondeu Jacob com as sobrancelhas levantadas. – Nunca vai saber o que aconteceu... – completou num volume de voz mais baixo.
- Mas ela gosta do Embry? – perguntei ávida, enquanto a moça ainda percorria o espaço entre nós.
- Acho que sim, ou não tinha se livrado do noivo. – Jacob respondeu, mas senti que ele deixava algum tipo de tensão de fora.
Aguardamos enquanto a moça se aproximava.
O sol bateu em suas feições exatamente sete passos antes dela nos alcançar.
Ela era linda. O rosto redondo na tez acobreada. Os olhos negros despontavam perceptivos, porém tímidos perante a nossa presença, redondos de pestanas longas. O nariz era fino em comparação aos Quileutes, a boca grande de lábios largos impetrava certa atração central em seu rosto. Seu corpo esguio dentro do vestido de flores simples emanava certa inocência.
- Olá. – disse eu, ante o silêncio de Jacob.
- Olá, Srta. Cullen. – respondeu ela, me encarando. Percebi automaticamente que ela se incomodava com minha presença.
Jacob apertou minha mão entre a sua.
- Jovem Sr. Black, – ela continuou – o Senhor Ateara aguarda sua presença.
Ele assentiu enquanto Joyce se voltava de costas, a fim de nos levar até a casa. Nós seguimos silenciosamente.
Enquanto adentrávamos pela porta da cozinha, Joyce se encaminhou até a sala para comunicar nossa chegada. A casa era bastante simples, como a de Jacob, não havia muitos móveis, mas mesmo assim passava algo de confortável.
Joyce fez sinal para nos aproximarmos, o idoso estava sentado em uma poltrona próxima a uma lareira feita de pedras que estava acesa.
Joyce erguia seus cobertores enquanto ele murmurou um desajeitado “Obrigado”, quando terminou ela se virou para nós:
- Deixarei que vocês conversem com privacidade. – e se virando para o velho Quil, acrescentou. – Qualquer coisa, por favor, avise.
Nós estávamos em pé em frente à poltrona, então ele sinalizou para sentarmos em duas cadeiras à sua frente.

- Eu agradeço a Jeff pela menina, mas às vezes é estranho... Ter companhia. – explicou como se estivesse embaraçado.
Ouvimos o som de Joyce subindo as escadas e logo depois fechando uma porta. Ele sacudiu a cabeça morena com os cabelos estranhamente escuros e nos dirigiu um sorriso.
- Eu agradeço por virem me visitar...
Algo estranho então aconteceu, o sorriso que tinha nos lábios morreu e seus olhos se abriram estalados.
Jacob se levantou com um estralo da velha cadeira, provavelmente pronto para buscar por ajuda, porém o velho senhor ergueu a mão esquerda, antes que ele saísse do lugar.
Seus olhos ainda estavam arregalados e fora de foco, como se estivesse surpreso e um pouco assustado. Então ele moveu vagarosamente a cabeça de modo a poder alcançar os olhos de Jacob, enquanto o corpo tremia ligeiramente, havia um visível esforço contido naquele simples movimento.
- Por favor, Jacob, eu preciso que você saia. – disse a ele, a voz entrecortada.
Jacob não deu sinais de se mexer, o velho Quil virou então apenas os seus olhos para mim.
- Eu não estou morrendo, Jacob. – sua voz agora tinha autoridade, meu olhar preso no dele. – Preciso ficar a sós com a menina. – justificou.
Jake se voltou para mim, parecia estar em grande conflito e eu devolvi seu olhar, tão surpresa quanto curiosa.
- Pode ir. – disse a ele.
- Fique longe, não é permitido escutar o que direi para ela. – ele acrescentou enquanto engolia várias vezes em seco. – Isso é uma ordem.
Jacob hesitou levemente.
O velho Quil tremeu mais uma vez e então Jacob já não estava lá.
Passaram-se exatamente três segundos antes que o velho senhor se dirigisse a mim.
- Agora, me dê sua mão. – ele então ergueu suas duas mãos grandes e enrugadas.
Eu lentamente ergui as minhas e depois de hesitar um pouco finalmente as toquei. Suas mãos se fecharam fortemente sobre as minhas enquanto seu corpo chacoalhava. Houve um silêncio enquanto eu continuava encarando confusa e atordoada sua cabeça que havia caído para frente. Algumas respirações se passaram em silêncio e então o seu rosto redondo se levantou, seus olhos assustadoramente entreabertos não deixava entrever a íris, apenas o branco dos olhos. A boca de lábios finos repentinamente se abriu, o que me fez quase soltar suas mãos, mas elas estavam firmemente presas. Nada aconteceu até que, finalmente, uma voz se fez ouvir.

A voz era cava e profunda, totalmente diferente da do velho senhor que parecia gasta pela idade. Essa não tinha nenhuma rouquidão e, apesar de soar com um volume baixo, emanava uma imponência que impediu que eu piscasse:
- O deus terá de ser criança
E terá de ser um mostro
Porque Eles virão;
Outro tremor sacudiu o corpo e a voz grossa foi substituída por uma mais nasalada, que puxava as sílabas como se estivesse cantando-as, eu encarava sua boca e tinha a absoluta certeza que dela é que partiam os diferentes tons que agora me assaltavam.
- A esperança apenas gargalhará
Se os bispos forem ouvidos,
Os peões cegos,
As torres tomadas,
E os cavalos mantidos à distância
- Até que seja a hora. – ouvi, como se as duas vozes se juntassem. Meus pelos dos braços se arrepiaram, minhas mãos, ainda seguras pelas dele, forçavam-me a observar o grande rosto estático.
- Só assim a rainha – continuou a primeira voz, sua profundeza estranha aos meus ouvidos – Levará até o rei
Ou eles virão.
Eu me manti congelada enquanto o corpo do velho Quil relaxou, e suas mãos se soltaram das minhas, que permaneceram erguidas. Eu me esqueci de abaixá-las até que novamente o corpo dele se levantou, dessa vez lentamente, de volta para a postura original. Depois de abrir os olhos, ele fez um som com a garganta enquanto piscava algumas vezes.
- Você poderia me trazer um copo de água, por favor? – perguntou enquanto massageava o pescoço.
Eu demorei alguns segundos, então, conseguindo me mexer novamente, obedeci.
Quando ele terminou de beber dois copos, eu insinuei uma pergunta, mas ele me interrompeu antes que qualquer palavra saísse de meus lábios.
- Há muito tempo isso não acontecia. – informou ele parecendo cansado, enquanto colocava o copo na mesinha ao seu lado.
- O que foi isso?
- Eu acredito que tenha sido uma profecia. – respondeu com humor.
Eu fiquei sem fala, já tinha ouvido falar em profecias em algum dos livros que Bella lia pra mim antes de eu dormir.

- Com o tempo eu acabei sabendo identificar quando elas chegam, como quando estamos com ânsia de vômito... – acrescentou enquanto gesticulava com a mão esquerda.
Eu nunca havia sentido ânsia de vômito e, apesar de não entender o queria dizer, continuei encarando seus olhos, que ao contrário dos sinais no rosto, não tinham humor algum.
- Já aconteceu outras vezes então?
- Oh, sim. Muitas. Mas fazia anos que eu não tinha nenhuma.
Eu abaixei minha cabeça tentando conter minhas emoções.
- Espero que não tenha sido muito assustador... – sua voz frágil soou, rompendo meus pensamentos.
Eu o encarei novamente.
- O senhor não se lembra...?
- Não. Eu nunca me lembro.
Pisquei meus olhos de surpresa, enquanto ficávamos alguns segundos em silêncio.
- Por que pediu para Jacob sair? – estava curiosa, com ele ali teria sido muito menos impressionante.
- Era melhor que ele não estivesse. Às vezes em que outras pessoas ouviram a profecia alheia houve muitos problemas.
Eu provavelmente pareci confusa, porque ele deu um estralo com a língua, que eu identifiquei como impaciência.
- O que foi dito foi apenas para você. Se outras pessoas escutassem tentariam interferir, poderiam interpretar As Palavras de maneira incorreta. Já vi acontecer. Não foi nada agradável...
Eu capturei o significado da informação e tentei digeri-la.
- De qualquer modo, Edward saberá. – afirmei, compreendendo ser impossível evitá-lo.
Ele encarou meus olhos com uma nova urgência.
- Eu acredito que se você realmente não quiser que ele tome conhecimento disso, ele não poderá, mesmo se tentar. – disse lentamente.
Eu fiquei extremamente confusa.
- Como o senhor poderia saber disso?

Ele então deu de ombros, o sorriso ainda preso em seu rosto agora emanava por seus olhos um pouco baços.
- Eu apenas sei. – disse em tom confiante.
Eu chacoalhei minha cabeça. As palavras da Profecia tinham se gravado em minha mente vividamente, eu não acreditava na possibilidade que Edward não pudesse lê-las.
- Os espíritos ancestrais utilizam meu corpo às vezes para passar informações importantes ao meu povo. Mas foi a primeira vez que tive uma Profecia com alguém de fora...
Eu o encarei, novamente surpresa. Isso era estranho.
- Se algumas pessoas da tribo soubessem disso ficariam muito assustadas. Tentariam forçá-la a contar-lhes o que acabou de acontecer.
Ele parecia muito sério agora.
- Tome cuidado com isso. – finalmente disse, abaixando a cabeça em minha direção.
- O senhor não quer saber...
- Por favor, não! – exclamou de repente, me sobressaltando.
- Apenas para você. Por favor, entenda, isso é muito importante. Pode afetar o resto da sua vida, pode traçar seu destino...
Eu não fazia ideia do que ele estava falando, do quanto suas palavras se tornariam verdadeiras.
Interrompendo meus pensamentos, ele ergueu a voz novamente.
- A senhorita poderia fazer o favor de ir agora? Eu estou esgotado e aposto que Jacob está quase a ponto de destruir minha porta para checar você.
Eu me ergui de imediato, ele tocou de leve minha cabeça que chegava apenas nos seus joelhos.
- Adeus, senhorita Cullen.
- Obrigada. – respondi, sentindo a obrigação de fazê-lo, mesmo sem entender o porquê.
Ele sorriu novamente, os olhos calorosos.
- Faça o favor de tocar a campainha antes de sair, sim? Acho que vou precisar de algo quente para a garganta.
Eu assenti e me guiei rapidamente para a cozinha, puxando uma corda gasta que fez badalar um sino no andar de cima. Então saí correndo em direção à vegetação ao encontro de Jacob.

11 – De Volta Para Casa.

O Rabbitt entrava pelo caminho para a Casa Grande quando acordei de meus devaneios, sentindo automaticamente minha pulsação aumentar.
Jacob passara os trinta minutos que levamos para retornar à sua casa, arrumar minhas coisas e entrar no carro, tentando me convencer a contar o que tinha acontecido, sem obter resposta. Diante de sua reação exasperada, eu fiquei tentada a contar tudo, mas me lembrei das palavras do ancião e seu tom de urgência.
Os minutos que levamos para chegar à casa dos Cullen haviam se passado em silêncio. Jacob parecia mais irritado do que magoado, mas eu estava mergulhada nas palavras que haviam sido ditas e ignorei as flamas que pareciam emanar do seu lado do carro.
Eu não tinha entendido nada do que tinha ouvido, e isso me irritava tremendamente. Deduzi que já que as palavras se referiam às peças de xadrez (jogo que até então não me interessava de maneira nenhuma), eu decididamente tinha que aprender a jogar para talvez compreender o significado do alerta dos tais Espíritos. Mas a curva repentina feita pelo carro e a passagem familiar interromperam meus pensamentos, me assustando por estar tão próxima a casa, agora a afirmação sobre Edward seria posta à prova.
Eu tinha bolado o seguinte plano: iria tentar esconder meus pensamentos sobre o que tinha acontecido na casa do Velho Quil em meu desejo repentino e latente de aprender a jogar xadrez. Foi a única coisa que eu consegui bolar em tão curto período de tempo, e com as ideias tão atribuladas, comecei a treinar no mesmo momento em que percebi onde estava. Conti todos os sinais da memória e deixei a imagem do tabuleiro preto e branco e suas estranhas peças preencherem minha mente...
Jacob abriu a porta com um sorriso presunçoso, que eu correspondi transformando meus olhos em fendas, eu sabia exatamente o que ele estava pensando: Ele estava esperando meu pai descobrir tudo o que se passara para que lhe contasse o que eu queria tanto manter em segredo. Isso não era nem um pouco legal da parte dele.
Eu desci do banco, sozinha, e fui andando em direção a casa antes que Jacob pudesse fechar a porta e me pegar pela mão. A irritação me guiando.
Então a porta da casa foi aberta e fui tomada em um abraço de tirar o fôlego. Era Bella.
- Que saudade! – ela disse em tom relutante em minha orelha. Senti meu coração apertar por não poder dizer a ninguém nada do que se passara, mas continuei com o método e fixei a imagem do tabuleiro insistentemente, por cima da cara da minha mãe, como se fosse algo que eu estivesse vendo naquele momento.
Quando finalmente Bella me colocou no chão, consegui ver Edward a meio caminho de onde estávamos, parecia que ele havia congelado no lugar, um estranho olhar em seu rosto. Senti um arrepio de expectativa, imaginando Jacob atrás de mim lendo suas reações tanto quanto eu. Edward provavelmente tentava ler a nós dois da mesma forma, mas com maiores resultados, com certeza.
Finalmente ele voltou a se mexer, se aproximando velozmente e ficando de joelhos para poder olhar meus olhos no mesmo nível. Engoli em seco e ele apenas continuou sorrindo e beijou minha testa com os lábios levemente gelados.
- É muito bom que esteja em casa, Nessie.
Ouvi então a voz de tia Rosalie de dentro da casa.
- Parem de alugar ela só pra vocês!
Eu dei risada, a tensão diminuindo. Eu não podia fazer mais nada do que estava fazendo, então tentei relaxar. Se Edward conseguisse ler o que tinha acontecido não iria ser por minha culpa, eu não tinha nada a ver com o fato de ele poder ler mentes afinal.
Então Edward se levantou, dando uma mão para mim e outra para Bella, mas não em direção a casa e sim em direção a Jacob, que continuava postado ao lado do Volkswagen. Os dois se entreolharam rapidamente e depois encararam Jacob, que permanecia de braços cruzados.
Jacob emitiu um rápido olhar de dúvida de Edward para mim, eu sorria de modo zombeteiro.
Então, como se tivesse enxergado algo que eu não tinha, ele se endireitou enquanto abria um pouco os olhos e franzia as sobrancelhas.
- O que aconteceu agora? – perguntou de forma urgente enquanto soltava os braços e lutava, pelo que percebi, para não se aproximar de mim e tomar minha outra mão.
Eu voltei meus olhos surpresos para meus pais, que pareciam muito sérios.
Bella fez um ruído estranho com a garganta e Edward falou por ela:
- Alice teve uma visão.

12 – A Visão de Alice.

Depois de ser abraçada por todos rapidamente – Jacob estava quase explodindo de curiosidade, o que aumentou a velocidade dos cumprimentos – todos se ajeitaram de modo a poderem se olhar sem interferências.
Estava ansiosa como Jacob e uma parte de meu cérebro tentava entender a potencialidade desse lance de conseguir enxergar o futuro. Estava ficando enjoada com isso, meu estômago fazendo movimentos rebeldes trazia um gosto amargo para a boca, o sangue ingerido anteriormente tentando voltar. Surpreendi-me internamente enquanto relacionava o sentimento às palavras do velho Quil, agora eu entendia a sensação de ânsia... Ele havia profetizado isso também?
Finalmente Carlisle se fez ouvir.
- Nós decidimos que temos de nos mudar.
Percebi Jasper fixando seu olhar em Jacob, provavelmente trabalhando em sua reação, acalmando seus sentimentos.
Este, porém, trincou os dentes.
- Por quê? – conseguiu finalmente dizer.
- Alice previu que poderá haver certa tensão em relação aos Quileutes...
- Na verdade – corrigiu ela – eu não consegui prever nosso futuro de repente.
Jacob tremeu levemente.
- A última visão que tive antes disso foi de dois senhores de sua tribo, furiosos, gritando sobre nós.
Agora ele parecia confuso.
- Mas o que podia...
- Eu não consigo ver. – afirmou ela, de má vontade.
Carlisle então continuou.
- Além disso, Alice já havia previsto um novo médico chegando à Forks, o que levantaria rumores sobre minha idade.
- Por que vocês não nos disseram? – Jacob perguntou, enquanto um leve tremor o fez soltar os braços.
- Estávamos aguardando a imagem se confirmar. Também estávamos ansiosos com a ideia de mudarmos tão cedo depois dos Volturi terem aparecido, talvez estivessem nos vigiando, esperando nos separarmos... – disse Edward, que havia se voltado para me lançar um olhar antes de continuar encarando-o.
- Mas eu já tive uma confirmação de que todos estão de volta à Volterra. – completou Alice, com um tom de satisfação.
Jacob respirou fundo.
- E Charlie? – perguntou, se voltando para Bella. Esta fez uma careta.
- Não posso fazer muita coisa em relação a Charlie. Já foi sorte demais ele saber sobre minha mudança e sobre Nessie e continuarmos a nos ver.
- Isso vai partir o coração dele. – Jacob continuou insistente.
Edward soltou um rosnado baixo em sua direção, apertando os braços em volta de Bella.
- Eu sei. – ela disse em tom triste.
- Já estamos aqui há tempo demais. – Rosalie se levantou de repente, irritada.
- Sim. – Carlisle completou muito calmo. – Nunca ficamos tanto tempo em um lugar, cinco anos... Obviamente as suspeitas apareceriam.
- Nós não temos alternativas. – completou Esme, olhando para Jacob como se pudesse acalmá-lo.
- Não queremos lutar contra seus irmãos. – Carlisle completou no mesmo tom.
Tio Emmett soltou um grunhido baixo, como se achasse a ideia levemente atraente. Eu olhei em sua direção extremamente irritada e ele, reparando, desviou o olhar tentando conter um sorriso.
Jacob sacudiu a cabeça, estava transtornado. Eu ainda não tinha compreendido totalmente a situação. Nós íamos nos mudar? Sair de Forks? Não veria mais Charlie?
Impulsionei uma pergunta para as mãos de Edward, que seguravam a minha. Aquilo me surpreendeu, normalmente eu tinha que tocá-los no rosto para mostrar alguma coisa.
Edward se virou para mim, levantando as sobrancelhas na testa de mármore.
- Charlie não pode ir conosco. – respondeu ele.
Todos olharam para mim.
- Ela acabou...?
- De me perguntar. Sim – respondeu Edward.
Me remexi inquieta enquanto todos fixavam o olhar em nossas mãos entrelaçadas.

Emmett soltou um assovio baixo, e Carlisle me lançou um olhar intrigado, mas a maioria desviou o olhar de nós rapidamente.
Jacob nem se mexeu.
- Jacob vai com a gente, não é?
Perguntei ávida. A ideia de que ele não fosse foi poderosa o suficiente para eu dizê-la em voz alta.
Jacob tremeu involuntariamente, me devolvendo meu olhar ansioso.
- É claro que eu vou.
Assovios voaram dos lábios ao meu redor. Eu encarei a todos, tentando descobrir de quais lábios tinham vindo.
- Vamos conversar. – disse Edward, enquanto soltava minha mão.
- Lá fora. – completou Bella, já se virando para a porta.
Os dois pareciam bastante irritados.
Eu apertei meus dentes. Eles não queriam que ele fosse?
Eu não entendi o porquê de meus pais estarem querendo afastá-lo de nós e essa incompreensão fez crescer uma sensação desesperadora da falta que ele faria. Um poder estranho, uma quentura irrompeu de algum lugar próximo ao meu estômago. Reagi aos sentimentos repentinos de uma maneira que nunca tinha feito: gritei.
- Ele vai também!
Todos se voltaram para mim, minúscula, minha voz fina e feia rasgando o ar. Não conseguia olhar para Jake, para meus tios ou meus avôs. Fechei os olhos apertados, a quentura agora como se engolfasse todo o meu corpo, minha cabeça quente e meu coração mais rápido do que nunca.
- Ele tem que ir também! – não queria que tivessem raiva de mim, não queria contrariá-los, mas ele tinha que ir, eu tinha de mostrar a todos que isso era extremamente importante...
Alguém tocou meu rosto e soube imediatamente quem era pela sensação quente.
- Não precisa chorar, Nessie...
Eu levantei minha mão para meu rosto, realmente estava chorando?
- Desculpa...
- Não é preciso pedir desculpas, também. – essa voz era familiar e, no entanto, cortante como aço.

Olhei para Edward por baixo das lágrimas ridículas, ele estava atrás de Jacob de perfil para mim, a face impassível. Bella segurava em seu braço, sua expressão era ansiosa e talvez um pouco apreensiva.
A tensão cresceu de uma forma surpreendente depois de meu pai ter falado um misterioso silêncio cobrindo a sala. Eu estava com vergonha de ter feito isso, mas era necessário, eu esperava que pelo menos tivessem me escutado, entendido...
Remexi minhas mãos.
- Ora de dormir, Nessie. – a voz de Bella atravessou o silêncio pesado, de repente.
Jacob, que estava ajoelhado na minha frente, mudo, sorriu levemente.
- Você vai mesmo? – transmiti a pergunta por minha mão que tocava sua face quente.
- Ele vai. – respondeu Edward por ele, ainda sem me olhar.
Abaixei minha cabeça, novamente envergonhada. Edward estava bravo comigo.
- Nós só vamos conversar sobre a mudança, Nessie. – disse tia Alice, se aproximando de mim de repente.
- Venha, vou te levar pra cama.
Eu me senti meio tentada a pedir para ficar, mas não queria aborrecer mais ninguém. Assenti, vencida, enquanto Alice me tomava nos braços e me levava em direção à nossa casa, onde eu não poderia ouvir o que se passaria.
Muito mais rápido do que eu gostaria, me vi em meu quarto. Eu desci ajeitando minha roupa, e Alice riu do gesto.
- Obrigada. – eu disse. – Pode voltar agora.
Ela fez uma careta para o meu tom.
- Não se preocupe, Nessie, tudo vai dar certo.
- Claro, claro. – respondi à maneira de Jacob, enquanto ela girava os olhos.
Ela se abaixou e me deu um beijo na bochecha antes de sair, sua voz ainda soou enquanto corria:
- Vá logo dormir!
Eu me troquei e deitei cansada.
- De qualquer jeito, vou saber amanhã. – disse a mim mesma, tentando me convencer.

Capítulo betado por Thaciane Millena

13 – Manhã Seguinte

No dia seguinte, fui acordada por tia Rosalie, o que era inesperado. Eu fiquei feliz, porém, Rosalie tinha uma personalidade franca e direta, ela apenas encobriria alguma informação de mim se fosse estritamente necessário.
Sorri para ela enquanto beijava minha testa e me desejava uma boa manhã, seus cabelos loiros e compridos refletindo os primeiros raios de luz da manhã.
Encostei minha mão na sua, e conforme tinha aprendido no dia anterior, enviei a ela todas as minhas dúvidas e preocupações em relação a nossa mudança. Ela, como sempre fazia, franziu o nariz quando a imagem de Jake surgiu em minha mente.
Tia Rose encarou meus olhos e suspirou, enquanto eu me sentava para receber melhor as informações.
- Ontem mesmo o seu cachorro - eu fiz uma careta indignada - voltou para a Reserva e pediu uma reunião com os Chefes deles, para contar que iríamos embora e pedir autorização para seguir conosco.
- E... – incentivei.
Ela ajeitou os cabelos com a mão esquerda em um gesto de impaciência.
- Por um tempo ficamos tensos esperando que esse fosse o motivo para que aqueles dois velhos que entraram no Conselho se revoltassem contra nós...
Eu arfei. Não tinha sequer pensado nessa possibilidade. Que egoísta! Imprudente!
Levei minhas mãos ao rosto, totalmente envergonhada. O que eu tinha feito?
Ela colocou a mão em meu ombro, para que olhasse para ela. Quando consegui, ela continuou.
- Não houve nada, eles simplesmente aprovaram o pedido. Alguns ajustes foram feitos e pronto.
- Tem... Tem certeza? É só isso? – uma súbita calma me tomou.
- É claro que tenho. – ela sorriu, enquanto começava a pentear o meu cabelo com a escova que estava no criado-mudo.
- Alice consegue ver nosso futuro claramente agora, apesar de ainda ter a imagem nublada de uma indisposição dos Anciões, mas nada o suficiente que os levassem a nos seguir. – ela soltou um curto suspiro. Será que também era atraente para ela a idéia de uma luta com os Lobos?
Eu respirei aliviada, enquanto me perguntava qual o motivo que levaria o Sr. Oldbear e o Sr. Redsun a ficarem com raiva de nós.
- Agora, por favor, pode se trocar? Os outros estão esperando por você.
Eu me levantei automaticamente, ela já havia escolhido um vestido de veludo azul para mim.
- Onde estão Edward e Bella?
- Com o seu cachorro. – dessa vez eu realmente resmunguei alguma coisa.
- Ele não é cachorro...
- Hm. Mas fede como um... – afirmou, enquanto abotoava as costas do meu vestido. Tio Emmett estava do lado de fora da porta de casa, esperando-nos. Mesmo nos braços de tia Rose, ainda tinha que inclinar a cabeça para cima a fim de encará-lo, ele estava brincando com a metade de um tronco de árvore, os largos braços trabalhando em esmigalhar pedaços grandes e joga-los ao relento. Soltou o restante assim que nos viu, o barulho foi alto o suficiente para alguns pássaros fugirem assustados.
- Dormiu bem? – ele perguntou com um sorriso para me provocar.
Eu fiz um bico de zanga, enquanto ele ria alto.
- Ainda tá com raiva de mim por causa daquele comentário de ontem?
Eu não falei nada e voltei meu rosto para tia Rose, enquanto com um toque pedia para ver meus pais e Jacob.
Tio Emmett ainda estava rindo quando alcançamos os fundos da Casa Grande, onde exatamente os três por quem eu pedira estavam em pé em uma conversa que pareceu acabar, assim que me ouviram chegar.
Meus pais me olharam sorridentes assim que me viram, suas peles brilhavam em baixo do sol, ofuscando levemente minha visão. Quando tia Rosalie me passou para os braços de Bella, eu desviei os olhos para Edward e Jacob, enxergando-os apenas com o canto dos olhos; Edward ainda sorria, mas Jacob parecia chateado com alguma coisa e evitava olhar para os meus tios, que tinham me trazido.
Eu estava incomodada, a culpa por meu egoísmo agindo imprudentemente e magoando meu pai, que sorria pra mim como se eu não tivesse feito nada, cutucavam-me.
Toquei Bella, mostrando a imagem de Edward no dia anterior, não olhando para mim; a face de perfil impassível e o rosto preocupado de Jacob que acabara de ver. Eu sabia que Edward leria tudo em minha mente, mas não queria tocar no assunto em voz alta, eu sequer tinha coragem de olhá-lo de frente.
Bella afagou meus cabelos.
- Está tudo bem.
Ela virou meu corpo em seus braços, forçando-me a encarar os dois.
- Está vendo?
Eu estava de olhos baixos.
- Me desculpem. – eu disse, com a voz fina irritando meus ouvidos.
O dedo de Edward em meu queixo me fez levantar o rosto.
- Desculpar o que? – ouvi Jake dizer ao seu lado e o encarei automaticamente, ele estava com a sobrancelha esquerda arqueada, obviamente não me entendendo.
Edward, que estava próximo ao meu rosto, franziu de leve a testa.
- Por ontem à noite. Ela não sabia que poderia causar problemas...
Eu fiquei levemente corada, enquanto os lábios dele se transformaram em uma linha reta, mas seu dedo em baixo do meu queixo evitou que eu abaixasse o rosto.
- Ah, isso. – Jacob disse – Não se preocupe baixinha, a maioria ficou até aliviada...
Foi minha vez de ficar intrigada.
Meu pai sorriu para mim, enquanto largava meu queixo e se endireitava. Minha curiosidade me fez fixar em seu rosto.
- Sem nós por aqui, eles poderão seguir normalmente suas vidas. Jared e Kim anunciaram seu noivado nesta manhã.
- Oh. – Soltei.
- Provavelmente, metade deles vai se casar até o final do ano! – tia Rosalie soltou, em tom de deboche.
Os três se empertigaram com suas palavras, e reparei de novo aquele olhar estranho em Jacob.
- Isso é ruim? – perguntei, tocando o rosto de Edward.
- Não, isso não uma coisa ruim. – respondeu ele em tom ameaçador, olhando de soslaio para a cabeleira loira de tia Rosalie, que adentrava a casa.
Eu senti como se estivessem me deixando de fora de alguma coisa. Isso provocou a sombra da conversa do dia anterior com o Velho Quil, que passou por minha mente de repente.
Tive a sensação repentina de como se os pensamentos estivessem sendo sugados de dentro da minha cabeça para a da de Edward, apaguei a imagem e, conforme o planejado, fixei-me na figura do tabuleiro de xadrez. Aquilo não me rendeu muito esforço, apenas um pouco de concentração.
Lembrei-me então de uma coisa, coloquei minha mão na de Bella, mostrando tia Rose em nossa conversa. Havia tido uma referência para “... alguns ajustes foram feitos...”, em relação a Jacob ir conosco.
- Ah, isso – disse ela – Jake, Nessie está perguntando sobre o que acabou combinado para você ir com a gente.
Jacob coçou a cabeça, enquanto Edward envolvia Bella em um abraço pelas costas.
- Bom – finalmente ele olhou para mim – Quil, Embry e Seth não vão.
Eu chacoalhei a cabeça. Mas, dessa forma, em seu bando seria só ele... E Leah.
- Embry, hum, está “apaixonado” por Joyce, lembra? Quil, hum, e Seth vão ficar por causa de suas mães.
- Leah vai? – perguntei em voz alta
Ele sorriu como se fosse para si mesmo.
- Há. Ela não perderia isso por nada...
Eu agitei minha cabeça, assentindo, havia realmente alguma coisa errada com minha barriga. Naquele momento, por exemplo, parecia que eu tinha acabado de comer cem milhões de cervos irritados.
- Brady pediu para ir também. – disse, enquanto dava de ombros.
Eu respirei. Não me lembrava muito bem de Brady, mas ele parecia ser bem mais novo do que Jacob, apesar de ser quase tão alto quanto Seth. A imagem de seu rosto pequeno era vaga, além dos cabelos lisos e curtos com uma franja escura quase alcançando os olhos.
Ele, percebendo minha confusão, esclareceu.
- Brady é órfão. Seu pai morreu pouco antes dele nascer, de ataque do coração - como Harry Clearwater, pensei - e sua mãe quando ele tinha sete anos, de câncer.
Bella me apertou em seus braços, aquilo era muito triste.
- Ele morava na casa de Jeremy, eles são primos, mas depois que Brady se transformou ele não podia contar pra ninguém, então seus tios não entendiam seu comportamento e ficaram furiosos. Agora que Jeremy também se transformou, a coisa não melhorou. De alguma forma, a mãe de Jeremy culpa Brady.
Jacob bufou com raiva.
- Como se fosse algum tipo de doença-rebelde ou sei-lá-o-que!
Então, ele deu de ombros de novo.
- Mas nenhum deles pode contar a verdade, talvez seja melhor mesmo, acho que a mãe de Jeremy ia pirar se acabasse sabendo... Todo mundo fica feliz se ele for, então os Anciões aprovaram, Sam e eu também.
Eu também me senti repentinamente feliz por Brady vir conosco.
Novamente, a lembrança da profecia me ocorreu e, novamente, foi como se eu percebesse Edward puxando-as. Mais uma vez, apaguei a cena e me fixei na imagem do tabuleiro.
Então, interrompi o silêncio recém-formado.
- Por favor, eu queria aprender a jogar xadrez.

14 – Xadrez

Parece que naquele final de ano os meses passaram tão rápido quanto meu desenvolvimento no xadrez...
Se minha família ficou intrigada pelo meu desejo e afinco em relação ao jogo, apenas demonstrou em entusiasmo. Naquela mesma manhã em que pedi que me ensinassem a jogar, praticamente todos queriam explicar e demonstrar como funcionava:
Eu me sentei em uma cadeira que fora feita especialmente para mim, com um assento mais alto e uma pequena escada que me auxiliava a subir. Fiquei disposta ao lado do tabuleiro, enquanto Jasper e Edward se sentaram um de cada lado das peças, os outros nos circundavam, observando.
O objetivo do jogo me era familiar; eu sabia jogar damas, o que serviu de auxílio na aprendizagem.
- Primeiro você precisa identificar as peças. – começou Jasper, que parecia bastante concentrado - Essas pequenas na frente são os peões. – continuou, enquanto levantava uma delas para eu ver direito – elas “andam” apenas para frente, uma casa por vez...
- Mas, quando saem da primeira fileira eles podem andar duas casas – informou Esme, em um tom que mais tarde eu poderia classificar como didático.
- Os peões tomam o lugar de outras peças, movimentando-se na diagonal. – continuou Jasper, entendi isso como o jargão “comer”, que usava no jogo de damas.
Eu chacoalhei minha cabeça, demonstrando ter entendido.
- Essas daqui são as torres. – mostrou Edward do outro lado, parecendo realmente entusiasmado – elas andam em cruz, para frente e para trás, ou para o lado esquerdo e para o lado direito. Elas podem andar quantas casas quiserem.
Ele demonstrou o movimento mexendo a peça no tabuleiro.
Eu assenti novamente e milhares de sorrisos dispararam em minha direção, talvez como encorajamento.
Quando terminaram de explicar o movimento de cada uma das peças, senti minha cabeça cheia. Jacob, que havia permanecido em silêncio por todo o tempo, explodiu em uma gargalhada no momento em que todos finalmente ficaram em silêncio. Eu encarei raivosa, enquanto seu corpo todo sacudia e ele segurava a ponte do nariz com os olhos fechados.
Alice, se virando para mim, tentou me animar com um sorriso.
- Talvez seja mais fácil para ela se visse vocês jogando...
- Edward e Jasper não! – ouvi Bella, que começou a puxar meu pai da cadeira. - Ela ia morrer de tédio esperando que um deles se mexesse!
Carlisle riu.
- Bella tem razão, ela está vendo pela primeira vez... – seus olhos cintilaram, talvez percorrendo na memória o momento em que ele havia aprendido o jogo. Há quantos anos teria sido?
Então Jasper e Edward se levantaram - parecendo um pouco decepcionados - e deram lugar a Bella e Emmett.
Eu percebi que provavelmente estavam no mesmo nível. Já que não tinham séculos de vida, como os outros, talvez a mente deles fosse mais compatível.
Depois que eles jogaram – Emmett ganhou a primeira e Bella a segunda rodada – Rosalie e Jasper se enfrentaram. Naquela hora os outros já tinham saído do meu lado, e apenas Bella e Edward ficando às minhas costas, soltando comentários de vez em quando.
Passei a tarde toda apenas vendo-os jogar, com meus pais sempre às minhas costas. Os oponentes se alternavam assim que uma ou outra partida acabava, pacientemente, para demonstrar para mim como as regras funcionavam.
Quando começou a escurecer Jacob, que eu não pusera os olhos desde que havia rido de mim, bocejou em algum lugar.
Bella então se inclinou em minha direção pela décima vez.
- Não quer parar agora, Renesmee?
Dessa vez, eu concordei. Levantei-me da cadeira e estiquei os braços, espreguiçando. Minhas pernas estavam apenas levemente incomodadas com tantas horas na mesma posição.
- Ah, finalmente cansou, baixinha? – Jake virou a cabeça em minha direção, sentado no sofá.
Uma pergunta me atravessou.
Peguei na mão de Bella que estava próxima a mim.
Ela piscou, recebendo a indagação.
- Nós decidimos que vamos após o aniversário de vocês. – Edward respondeu por ela, na metade das imagens.
Os outros, apesar de estarem dispostos separadamente, prestaram atenção mudando de posição para nos olhar.
O nosso primeiro ano – o de Bella como vampira e meu de vida – tinha apenas três dias de diferença. Bella nascera como vampira no mesmo dia em que comemorara seu aniversário de 19 anos: 13 de setembro. Eu havia nascido no dia 10.
Alice estava ao nosso lado de repente. Um largo sorriso em seu rosto pequeno.
- Apesar da sua mãe não me deixar dar uma festa apropriada, eu prometo que você vai adorar! – ela disse, empolgada, enquanto Bella pareceu tremer.
- É, só porque o seu senso de apropriado seria convidar metade de Forks para comemorar com a gente!
Alice balançou a cabeça parecendo desapontada.
E então, a partir daquele momento, tudo ao meu redor foi guiado por três fatos: aprender a jogar xadrez, os preparativos para a mudança e a proximidade de nossa festa.
O final do mês de Maio eu basicamente passei assistindo aos jogos, atrevendo-me apenas a disputar contra Bella – Jake quis jogar comigo apenas uma vez e, para seu desprazer, eu ganhei.
De novo. Estava começando a gostar disso.
Os Cullen se ausentavam alternadamente para encontrar um local compatível com o nosso modo de vida. Bella havia decidido adiar a faculdade enquanto eu estivesse em “fase de crescimento”, Edward ficou na dúvida se minha mãe agüentaria voltar para o Ensino Médio, agora que tinha acabado de se formar.
- Eu nunca fui como vampira, vai ser completamente diferente. – respondeu em tom teimosamente decidido e ao mesmo tempo inconformado.
Meu pai tinha chacoalhado a cabeça com um sorriso torto que eu aprendera a identificar como amoroso e unicamente para ela.
- E depois o que vão ser mais três anos? Até lá talvez Nessie esteja tão grande que possa ir com a gente! Imagina acompanhar minha própria filha na escola...
Ela meio que bufou com a idéia.
- Queria ver que cara que Reneé faria se soubesse disso... – ela pareceu realmente incomodada então, meu pai gargalhando a puxou de repente para um beijo, que eu virei com uma careta para não ver.
Finalmente o Canadá foi o escolhido como a região mais compatível, sua parte mais ao Norte. O mês de Junho nos surpreendeu trazendo as chuvas.
Bella decidiu apenas contar a Charlie sobre a mudança quando esta tivesse mais próxima, então continuamos a visitá-lo semanalmente. Além disso, eu apenas saía de casa durante nossas breves excurções de caça, que se alternavam entre a companhia freqüente de meus pais e Jacob.
Eu me alimentava com comida “normal” praticamente a cada dois dias, fora alguma guloseima que me atraísse pelo paladar quando íamos até Charlie, e Sue estava com ele, ou quando Bella ou Esme tinham vontade de preparar alguma coisa para me testar (a primeira para não se esquecer como costumava fazer e a segunda para descobrir como se fazia).
Pelo menos três vezes por semana, no entanto, eu tinha que me alimentar com sangue de animais. Conforme o tempo passava, apesar de eu não sentir fome exatamente, ia ficando fraca e precisava de sangue para me recompor, era como se eu ficasse sem energia. Quando eu tinha acabado de nascer, eu bebia sangue todos os dias, mas a opinião de Carlisle pelas conversas com Nahuel é de que ambas as minhas necessidades de alimentação iriam diminuir conforme eu fosse crescendo. Meu crescimento físico havia obviamente se desacelerado já que eu continuava com a aparência de uma criança de quatro anos e alguns meses.
Durante esse mês, os Cullen finalmente acharam uma casa na cidade de Whitehorse, estado de Yucon. Esme tinha afirmado que era linda; um casarão de cinco quartos com uma pequena construção nos fundos do terreno, que originalmente servia para abrigar os empregados, e que serviria perfeitamente como moradia para os Lobos.
Bella pediu para que Esme ocultasse a primeira função da construção do conhecimento de Jacob. Eu também tinha a certeza de que ele não ficaria assim tão empolgado se soubesse disso.
Eu comecei a ganhar de Bella no xadrez exatamente no dia 23 de Junho. Depois da primeira vez que a venci, não perdia mais, não conseguia. Eu simplesmente sabia o que fazer, como se meu cérebro tivesse captado a essência de Bella em estratégia... O que ela não gostou muito. Joguei com ela exatamente dez vezes, ganhando todas, antes de Emmett finalmente pedir para disputar comigo. Quando joguei contra ele perdi.
Desci com raiva da cadeira para dar uma volta pela vegetação fora da casa, notei um pouco de alívio nos rostos endurecidos de meus parentes, mas sequer adivinhei o motivo.
Agora que eu tinha achado que pegara o jeito da coisa! Mas eu não desistiria tão fácil. Demorei, no entanto, menos tempo do que tinha demorado com minha mãe para “entender” Emmett. Depois de só duas semanas (da mesma forma que havia acontecido quando jogara com Bella) ganhei repentinamente a primeira partida. Após isso era como se houvesse um estalo na minha cabeça e eu descobrisse uma fórmula mágica, não conseguia mais perder. Bella me enfrentou mais uma vez e perdeu, descobri que eu ainda sabia como ganhar dela. Deduzi de repente que meu entendimento das estratégias deles seria algo gradual e fiquei ambiciosa cogitando um dia ganhar de Carlisle, Edward ou Alice.
Aquilo sim seria fascinante...

Quando olhei em volta, eu percebia nitidamente a descrença nos olhos deles, Rosalie chacoalhou a cabeça e pediu para jogar, e eu logicamente perdi. Ao invés de me sentir mal, um choque de entusiasmo tomou meu cérebro, o desafio estava me impulsionando como um tipo de vício.
O sol começou a se atrever mais por entre as nuvens, era Julho e nossos passaportes foram providenciados: Esme e Carlisle teriam o sobrenome Masen, era uma homenagem que às vezes faziam à mãe de Edward. Bella se incomodou, disse que seria estranho trocar o sobrenome Cullen, ela explicou que pensava no nome como uma entidade. Meu pai pacientemente e com uma cara engraçada demonstrou que era muito arriscado usar o mesmo sobrenome nos registros falsos enquanto estávamos em uma mesma década. Ela então deu de ombros resmungando algo como “mais uma coisa de vampiros” e “na mesma década, háha” acabando o assunto com um pequeno suspiro exasperado.
Edward e Emmett seriam Masen também, iam ser apresentados como sobrinhos naturais de Esme e Carlisle; Rosalie e Jasper adotariam o nome Whitlock (original de Jasper) e Alice e Bella ficariam como Cullen, todos seriam “adotados” pelo jovem casal Masen, que pareciam muito novos para terem filhos daquela idade. Bella pareceu satisfeita, afinal.
Eu achei divertida a idéia de mudar de nome, mas não precisaria de nenhuma alteração no meu, por que até então eu não tinha sido “registrada” com nenhum nome em nenhum lugar e eu ficaria escondida o tempo todo, de qualquer forma. Apesar de meu crescimento estar mais devagar do que nos meses após meu nascimento eu ainda crescia rápido demais para ficar próxima à sociedade. Ninguém queria outra visita dos Volturi...
Eu só consegui ganhar de Rosalie no xadrez quase no final do mês de Agosto. Jacob soltou um som estranho com a garganta diante de meus gritinhos de vitória. – ele já havia se acostumado tanto com meu costume que agora tinha uma posição fixa ao meu lado, sentado em uma cadeira embaixo da janela (para ter alguma distração quando ficasse entediado).
Assustei-me quando de repente minha família toda nos circundou, interrompi minha empolgada comemoração com um calafrio. O que era aquilo afinal? Fiz cara feia.
- Nessie, você pode jogar de novo contra Rosalie, por favor? – pediu Carlisle.
Um pressentimento estranho me tomou, eles estavam claramente analisando nosso jogo e comecei a ficar ansiosa. No entanto, no minuto em que Rosalie mexeu seu bispo em uma posição aparentemente defensiva meu cérebro mergulhou na resposta para seu movimento e esqueci que estavam nos olhando.
Agora podia avaliar claramente o processo: a sensação era de que meus pensamentos de repente entrassem em contato com a energia emanada por ela, pelo cérebro dela, a reação era automática. Não era nenhum tipo de poder, só como se meu intelecto aprendesse e se acostumasse com meu oponente, mas era tudo muito rápido, como em uma pequena explosão eu sabia.
Eu venci novamente, e tia Rose fez uma cara inconformada.
Eu olhei para cima e percebi que todos agora encaravam Edward, que olhava fixamente para a parede.
- É incrível... – murmurou finalmente – a concentração dela e análise de jogo são perfeitas, parecem completamente instintivas...
Ele se virou para Bella e Carlisle a seu lado direito.
- Ela praticamente não precisa pensar em nada, pelo menos não em uma velocidade que eu consiga entender.
Eu pisquei totalmente surpresa.
- Como se durante certo tempo apenas coletasse, sem perceber dados sobre o oponente, e então sua cabeça montasse o quebra-cabeça, sem que ela se esforce. Eu quase não consigo alcançar essa parte...
Ele então voltou a me encarar, eu ouvia com os olhos arregalados. Estavam realmente falando de mim?
- Provavelmente ela apenas está começando a exercitar essa parte de sua mente, é algo natural dela...
- Isso é extremamente interessante. – disse Carlisle com a mão segurando o queixo. Ele ficou em silêncio por um segundo.
- Hum... – fez Edward acompanhando os pensamentos dele, Bella e Jacob emitiram sons de evidente curiosidade.
- Talvez essa parte do cérebro dela começou a se manifestar no momento que Nessie nasceu. Como posso explicar facilmente?
Ele olhou para as próprias mãos um momento.
- Talvez seja como um esconderijo, figurativamente como se fosse uma casa, uma parte inteira de sua mente ativa, mas de um modo novo e diferente.
Ele parecia empolgado, olhava agora os outros e gesticulava, dando ênfase a cada palavra.
- Primeiro começou apenas absorvendo imagens e memórias, podia devolvê-las quando fosse provocado, como se tivesse aberto um tipo de porta. Porém, era tão poderoso que ela conseguia transmitir as informações quando queria, alcançando outras mentes pelo tato, como uma conexão. Não há nada de físico no processo, apenas uma energia criada por uma parte incrivelmente impressionante de seu cérebro.
Ele passou mais um milésimo de segundo em silêncio. Olhei ao redor e todos pareciam beber suas palavras, impressionados.
- Agora que ela está trabalhando mais seu intelecto. Essa parte além de armazenar imagens também armazena as reações, está aprendendo a interpretá-las, assim pode aprender com elas e depois apenas devolvê-las processadas, adquirindo conhecimento com elas.
Eu estava atônita, talvez essa parte da minha cabeça tivesse acabado de pifar. Eu tinha certeza de que não tinha entendido nada do que acabavam de falar.
- Então ela é uma espécie de super-gênio? – perguntou Emmett, que pareceu surpreso demais.
- Pode ser encarado deste modo. Um cérebro tão poderoso... – Carlisle parou de falar.
Bella e Edward olharam pra mim um pouco preocupados.
- Mas... A cabeça dela é tão pequena! – disse Jacob totalmente incrédulo, enquanto colocava a mão em cima dos meus cabelos, cobrindo uma parte do meu rosto também.
E é claro que todo mundo riu dele e de mim, enquanto eu sentia o sangue correndo para o meu rosto.
Ouvi, porém, Carlisle murmurar absorto.
- Imagine as possibilidades...

15 – Despedida

A festa de Alice finalmente veio a nosso encontro, tão velozmente que chegou a sobressaltar Bella na manhã da comemoração – ela oficialmente já tinha feito aniversário, mas os presentes haviam ficado reservados para a data da festa, por insistência de tia Alice.
- Um ano... Nessie, você já tem um ano! – ela me encarava com seus olhos amarelados espantados, enquanto observava eu vestir a roupa escolhida por minhas tias para a data.
Edward riu baixo no corredor, nos aguardando. A função dela no caso seria a de me auxiliar, mas como estava paralisada no meio do quarto eu decidi eu mesma me arrumar, e era o que eu estava fazendo naquele momento. No entanto não estava conseguindo alcançar o zíper do vestido rodado vermelho. Bella, notando, fechou-o rapidamente para mim.
Eu me virei e sorri para ela, desconfortável. Para mim a data não tinha tanta importância quanto parecia ter para os outros, eu estava muito mais ansiosa para o dia seguinte, que seria nossa mudança, uma mistura estranha de curiosidade e temor cobria minha mente.
Quanto terminei de por as meias e os sapatos, sem sequer olhar no espelho ela piscou algumas vezes, ainda me encarando de modo estranho. Então fez uma careta pra mim.
Eu gargalhei, não tinha como evitar, se conhecia minha mãe eu imaginava que ela estava se sentindo de alguma forma insegura com meu acelerado crescimento - que agora não era assim mais tão acelerado... -, ou seja, se sentindo “velha”.
Eu abracei suas pernas e toquei sua mão, transmitindo o pensamento de que se ela não se trocasse, provavelmente Alice viria pessoalmente para vesti-la. Ela soltou uma exclamação aborrecida e correu para o quarto e, enquanto eu chacoalhava a cabeça, Edward entrou pela porta.
- Parabéns! – disse ele, imediatamente me segurando em um abraço rente ao chão. Ultimamente eu tinha começado a ficar impaciente com o fato de ficar empoleirada quase o tempo todo nos braços das pessoas – isso me deixava sempre á vista e não conseguia me mexer direito, o que chegou a me deixar às bordas da exasperação.
Eu não tinha tido a intenção de deixar ninguém magoado, mas provavelmente Edward tinha revelado a eles meu incômodo, por que agora evitavam me “pegar” e cheguei a ver tia Rose e Esme estenderem os braços em gestos automáticos – ou pelo menos insinuarem o gesto antes de se interromperem de maneira brusca e com uma expressão de vergonha – com a minha aproximação. Eu agradecia em silêncio e fingia não notar.
- Obrigada – respondi ao seu “parabéns”, com a voz fina em tom baixo.
Ele fez uma cara séria, apenas alguns centímetros do meu rosto.
- Quer saber o que vai ganhar de presente? – eu sorri curiosa.
Ele fingiu hesitar um momento e então, apertando meu nariz, sorriu.
- Mas eu não posso te contar. – eu imitei a careta de Bella, ele estava caçoando de mim.
Ele riu da minha expressão.
- Você acha realmente que sua tia Alice não estaria aqui neste minuto pra gritar comigo se eu falasse para você?
Eu revirei os olhos, enquanto passava a mensagem de uma Alice completamente tirânica por meio de minhas imagens.
Ele deu de ombros.
- Sua tia adora ser extremamente irritante, acho que é o propósito da sua vida...
Eu mostrei uma imagem minha contando o que ele disse para ela. Ele apertou os olhos tão amarelados quanto os de minha mãe.
- Se você fizer isso eu vou pegar de volta o seu presente.
Eu sacudi a cabeça, não acreditando. Ele fez uma cara falsamente irritada.
Eu ri e depois mostrei a língua. Ele me levantou e começou a me balançar, como se fosse me jogar pela janela.
- É isso. Não posso ter uma filha tão mal-educada.
Eu ria como uma criança boba que era, quando ouvi Bella voltar.
- O que vocês estão fazendo?
Edward me colocou de volta no chão.
- Nada. – respondemos juntos.
- Uau – ele soltou então, enquanto a contemplava.
Meu pai estava vestindo apenas uma camisa marrom terra, de mangas curtas, e calça social creme; Bella havia colocado um vestido no mesmo tom de marrom, feito de cetim e seguro por alças finas.
- Salto-alto... – ela meio que grunhiu os maxilares endurecidos.
Ela estava realmente muito bonita, e eu bati palmas, como tinha aprendido nos programas de auditório assistidos na televisão. Bella revirou os olhos e quase se abaixou para me arrebatar os braços, mas acabou congelando em meio ao movimento.
Eu bufei e ergui os meus pequenos braços em sua direção enquanto ela sorria e rapidamente me ajeitava. Edward havia ficado um segundo parado e atento a alguma coisa, o rosto concentrado.
- É isso – ele disse – Alice está pirando, vamos logo!
Enquanto corríamos em direção à casa, Bella resmungava alguma coisa para o meu pai, eu não prestei atenção. Na verdade, além dos presentes - que realmente me interessavam - meu sentimento em relação à noite não era muito pré-disposto. Afinal era uma despedida, não era?
Coloquei a mão no rosto de Bella, repentinamente aflita.
Ela estancou no lugar, seguida de meu pai. Eu tinha perguntado sobre Charlie.
Bella suspirou desnecessariamente, e senti sua aflição quando se virou para mim.
- Eu já contei pra ele.
Eu fiquei estupefata.
- Quando? – não tinha gostado de ficar sabendo só agora.
- Semana passada, antes de irmos embora...
Eu me lembrava de Jacob ter me levado para correr atrás de um pássaro extremamente bonito depois de nos despedirmos de Charlie em nossa última visita.
Eu fiz uma carranca, tinha sido facilmente ludibriada.
- Foi mais fácil... Sem você estar junto, Nessie. – tentou me explicar, enquanto Edward passava a mão em minha cabeça.
Eu tentei avaliar a situação, provavelmente Charlie não tinha ficado muito contente...
Então chacoalhei a mão indicando para irmos logo. Bella sorriu de modo triste e depositou um beijo em minha bochecha enquanto voltava a correr.
Quando adentramos a Casa Grande todos já estavam lá. Alice, como um pássaro pequeno, corria de um canto para o outro, inquieta com nossa demora e quando finalmente pisamos na sala ela e tia Rosalie, que estava mais ao fundo, fizeram expressões idênticas enquanto encaravam meus cabelos soltos - que eu havia me esquecido de pentear e, claro, Bella também.
A sala havia perdido seus móveis habituais e ganhado algumas cadeiras com estampas e uma grande mesa no centro com um bolo e alguns salgados que eu já havia provado anteriormente e aprovado.
Quando paramos no centro da sala, os outros que nos esperavam se ergueram. Foi uma coisa estranha, todo o clima parecia errado. Localizei com os olhos Jacob, ao canto esquerdo – ao fundo, próximo à janela - de camiseta verde musgo (com certeza era nova, nunca a tinha visto com ela antes), a gola em V revelando o pescoço e o começo do peito largo e moreno. A seu lado estava Brady, Seth e Leah e nas cadeiras defronte a eles apenas Charlie, Sue Clearwater e Billy Black em sua cadeira de rodas.
Não olhei novamente para o lado dos Lobos, quando depositei meus olhos em Jake senti uma enorme vontade de chorar.
Uma tensão triste pareceu irromper no momento em que Charlie - que tinha permanecido mais tempo sentado do que os outros - se levantou como se uma mola o impulsionasse. Seu rosto ficou um instante vermelho e ele piscou o olho algumas vezes, então aflito esfregou os mesmos com a mão esquerda e novamente me encarou desta vez sorrindo.
- Meus parabéns! – meio que gritou.
Eu olhei para Bella, e como minha mão estava apoiada em seu braço, ela viu que eu desejava ir ao chão e obedeceu minha vontade. Eu percorri o caminho até Charlie, que me encarava um pouco surpreso, e quando cheguei perto estendi os braços em sua direção. Ele me puxou para um abraço – se sentando logo depois, provavelmente devido ao meu peso, por que ofegou.
Em seu colo, depois de liberta do abraço eu estendi minha mão esquerda em direção ao seu rosto – alguns se enrijeceram – e apertei a sua bochecha com o polegar e o indicador.
Forcei uma cara autoritária.
Meu avô abriu os olhos à confusão e surpresa toldando sua mente.
- O que as pessoas diriam se vissem o Chefe Swan chorando desse jeito? – eu disse enquanto sentia todos a minha volta tomarem ares de admiração.
Charlie, que me encarava como se nunca tivesse me visto antes, ficou um pouco pálido enquanto eu soltava sua bochecha e cruzava os braços com a mesma expressão ligeiramente enfezada.
- Não é como se fossemos desaparecer na Terra, ou algo assim!
Então seus olhos se fecharam um pouco, a cor tomando seu rosto. Ouvi seu coração voltando ao ritmo regular, dessa vez ele que adquiriu uma cara séria.
- Quem disse que eu estava chorando, mocinha?
Ele fechou o olho esquerdo e apertou minha bochecha, como já tinha feito muitas e muitas vezes antes.
- E desde quando você pode falar desse jeito com o seu avô?
Billy deu uma risada baixa.
- Eu vi também, Renesmee! – concordou ele, em tom baixo, a expressão divertida similar a de seu filho.
Charlie chacoalhou a cabeça entre irritado e envergonhado. Enquanto risadas soavam – e alguns disfarçavam, como Carlisle, Esme e Alice, para não provoca-lo ainda mais – o mundo a minha volta relaxou.
Eu inspirei repentinamente o odor de Charlie, Sue e Billy pela última vez, e quando uma leve sede me tomou, ouvi Edward atrás de mim e Jasper alguns metros na frente soltarem alguns sons estranhos, me inclinei então para frente e rapidamente enfiei na boca uma pequena torta de frango, quase engasgando.

16 – A Viagem

Na manhã seguinte, quando acordei, tudo estava diferente.
Depois de receber apenas fotos dos meus presentes – os originais estavam na casa nova – o que havia me causado tanto frustração quanto um desejo intenso de chegarmos logo ao alcance deles – conforme, tinha certeza, era a intenção de minha família desde o início – eu havia adormecido logo após me despedir de Charlie na noite anterior com um “Eu te amo vovô” que o deixou novamente vermelho e com lágrimas prontas para cair.
Seth também havia chorado, mas eu tinha desviado os olhos em meio ao sono e vergonha por ele.
Bella massageou minha cabeça enquanto eu despertava. Em sua pulseira, junto dos enfeites de um lobo esculpido em madeira e um coração de diamante, balançava agora também um pequeno medalhão transparente com uma mecha dos meus cabelos que eu havia dado para ela de aniversário.
- Bom dia!
Eu bocejei enquanto tentava abrir os olhos.
- Preparada para a viagem? – ela perguntou com um falso entusiasmo que me fez sorrir.
Finalmente consegui abrir os olhos e tive que piscar de novo. Os móveis tinham desaparecido e uma estranha camada de folhas estava pelo chão, como se o lugar não tivesse sido habitado a eras.
Ela, acompanhando meu olhar, explicou.
- Bom, se alguém encontrasse essa casa, tinha que parecer que nenhum maluco tivesse vivido aqui... Ou ia começar a acreditar em histórias de bruxas e coisas assim.
Eu estava levemente magoada, mas concordei com a cabeça. Ela então me deu a mão para ajudar a me levantar.
- E a cama? – perguntei por meio de imagens.
Ela, com o braço direito livre, arrancou o lençol e o enrolou de forma engraçada em volta do pescoço, depois puxou o colchão e com os dentes o rasgou rapidamente em duas partes, jogando-o pela janela. Depois segurou a cama e a jogou contra a parede. O móvel se quebrou em várias partes.
Eu a encarei.
- Você está parecendo muito com uma vampira essa manhã. – não pude deixar de comentar em voz alta, logo depois bocejei longamente.
Ela deu de ombros.
- Eu gostava dessa cama. – consegui dizer emitindo por imagens, agora totalmente desperta.
- Você vai gostar da outra também. – dessa vez eu quem dei de ombros.
Ela riu baixo em um tom macio e começou a se movimentar em direção à porta. Então corremos de mãos dadas em meio à floresta. Eu observei em sua expressão enquanto nos afastávamos que Bella também não parecia satisfeita em abandonar nossa casa, estava com a testa branca vincada e os olhos um pouco tristes.
- Nós vamos voltar um dia, não é?
Ela quase se surpreendeu por eu usar minha voz.
- É claro que vamos! – ela respondeu mais como se fosse para si mesma.
Eu suspirei e continuei a correr até que senti cheiros reconhecíveis.
Finalmente encontramos os outros em uma pequena abertura da vegetação, eles estavam separados em grupos e se viraram para nós assim que chegamos. Ouvi Jacob em forma de lobo soltar uma espécie de uivo em minha direção, eu voltei minha atenção para ele, sabendo que ele estava reclamando de nossa demora, e mostrei petulantemente a língua.
Bella rapidamente enterrou o lençol na terra e cobriu o buraco.
- Pronto. – emitiu.
- Então agora que estamos todos aqui podemos partir. Lembre-se de diminuir a velocidade assim que chegarmos perto do ponto de separação. – a voz de Carlisle vinha da frente.
Eu me virei para meus pais e soltei a pergunta para as mãos de Bella.
- Não, não vamos todos juntos. - Meu pai respondeu para mim. - Seria muito arriscado e também estranho se todos chegassem da mesma forma.
Edward não explicou mais então, e tive que me abster em minha curiosidade. Antes de partirmos eu pedi - tenho que confessar, vergonhosamente - para seguir montada em Jacob, assim não teria de ficar imóvel nos braços deles. Edward adquiriu um rosto de desagrado, mas Bella assentiu e eu fui colocada em posição – enquanto Jacob soltava aquele seu tipo de risada grunhida.
Ao sinal de Carlisle todos começaram a correr. Edward tomou à dianteira e eu entendi que talvez fosse para verificar o perímetro antes que nós atravessássemos e déssemos de cara com algum curioso. Bella, no entanto, ainda estava ao meu lado. Um pouco de apreensão toldava sua face, provavelmente por ter de acompanhar nosso ritmo.
Eu então não consegui conter minha curiosidade e perguntei em voz alta:
- Por que estamos indo a pé?
Bella se virou para mim ainda correndo.
- Os carros estão em lugares diferentes. Nós vamos tomar um avião particular em Port Angeles com Jacob, Leah e Brady.
Eu olhei para trás onde os dois mencionados corriam: Brady o lobo maior cor de terra estava por último, enquanto Leah – menor e cinzenta, parecia ávida para correr mais rápido, impedida por nós.
- E os outros?
- Esme, Carlisle, Emmett e Rosalie atravessarão a pé quase até a fronteira e pegarão os carros em um estacionamento próximo. E Alice e Jasper querem ir de carro quase todo o caminho. Alice quer brincar um pouco com o porshe – ela franziu o nariz –, então eles vão parar em Seatle.
Eu sacudi a cabeça, demonstrando entender, enquanto processava as informações.
Edward depois de alguns minutos estava de volta e virou-se para Jacob.
- Leah poderia trocar de lugar comigo por alguns minutos?
Eu ouvi um ganido de urgência atrás de mim, e então o lobo cinza passou rapidamente por nós. Jacob e Edward se entreolharam, Edward sorrindo.
Não demorarmos muito para nos aproximarmos de Port Angeles, então com um aceno desaceleramos, enquanto os outros sussurrando breves “Até logo!” e “Cuidado!” continuaram a correr tentando contornar a cidade – eu não sabia como fariam para passar despercebidos, pois estávamos em plena manhã, apesar de nublada e cinzenta.
Enquanto diversas teorias surgiam na minha cabeça nosso grupo parou completamente e eu fui retirada das costas do Jacob lobo.
Enquanto ele e seus irmãos voltaram à floresta para vestirem roupas que estavam em uma mochila negra que Edward carregara até então, Bella retirou da bolsa de marca que estava presa em seu braço uma blusa para mim.
Eu ergui as sobrancelhas.
- Será estranho se você não estiver com uma blusa, Nessie, está frio para os humanos.
Lembro-me nitidamente do encanto que senti, dos sons, cheiros, e da movimentação da cidade; da apreensão de Brady em estado mudo de timidez ou indiferença (ainda não sabia identificar); Leah permanentemente enfezada, evitando contato com nossos rostos, se mantendo ao lado direito de Jacob (o mais longe possível de nós), sua cara de nojo intenso pelo cheiro de meus pais. De Jacob relaxado e a sorrisos. De meus pais em duras máscaras pensativas.
Lembro-me da empolgação me tomar quando chegamos ao estacionamento fingindo estarmos em uma conversa montada (Bella não era muito boa nisso).
Lembro-me de adentrarmos o aeroporto repleto daqueles a que meus parentes chamavam “humanos” e que tão pouco eu conhecia, seus cheiros diversificados e completamente novos para mim, confundindo minha sede que surgiu poderosa.
Lembro-me de meus pais segurarem ambas as minhas mãos, de eu lançar um olhar entre aflito e inconformado à Bella, que parecia estar sofrendo mais do que eu.
Lembro-me de embarcarmos em um avião pequeno, meu coração aos pulos, totalmente absorvida na nova atmosfera, totalmente curiosa e efusiva.
Lembro-me de alçarmos vôo, meus pais preocupados com minha disposição, observando cada leve movimento. De me concentrar nas nuvens fofas, na terra abaixo de nós, nas sombras que as nuvens gigantes faziam no chão, maiores do que casas, mas tão pequenas e insignificantes – como se fossem pintadas em um quadro, quase irreais vistas de cima.
Lembro-me do tempo passar rápido, como parecia passar sempre quando estava relacionado a uma experiência nova a que não conseguimos absorver totalmente de uma vez, e aterrissarmos (minha barriga se comprimindo).
Lembro-me de nos afastarmos em um ambiente muito parecido ao do que tínhamos enfrentado antes de adentrarmos no pequeno avião, qualquer coisa de encantadora no ar, todo o ambiente novo de aromas e trejeitos, de línguas e tonalidades alçando minha percepção. De ser guiada para fora no ar frio e escuro da noite que havia chegado.
De andarmos algumas quadras ainda naquele fingimento acre que agora me cansava, entretendo mais as pessoas ao redor do que a mim. De nos distanciarmos e nos aproximarmos de uma mata fechada, de suspiros de contentamento e alívio.
- Agora correremos mais um pouco antes de chegarmos onde estão os automóveis – Edward informou os olhos um pouco menos preocupados disparando para mim.
- Está cansada, Nessie? – eu sacudi a cabeça em negativa. Ele estava brincando, certo?
Quando voltamos a correr, como restituídos de nossa liberdade agora mais prazerosa ao anoitecer (eu novamente nas costas de Jacob) cada mudança na paisagem me fascinava completamente. Eu erguia minhas mãos tentando arrancar as folhas das árvores enquanto passávamos, e quando conseguia, achava realmente fascinante pensar que, enquanto uma parte daquela planta agora estava em minhas mãos, a dona da folha deveria estar a quilômetros de distância. Como eu queria correr tão rápido! Mas eu não conseguiria acompanhá-los então me contentei em aproveitar o vento gelado, abrindo a boca e rindo quando minha saliva secava.
Finalmente chegamos perto da orla do que seria um parque, desci das costas de Jacob com um salto, para que caminhássemos para fora das árvores calmamente, o que chamaria menos atenção do que se nos movimentássemos na velocidade com que tínhamos usado até ali (qualquer pedestre que acidentalmente não houvesse sido pressentido não poderia notar algo estranho conosco desta forma). Já conseguia ver o Volvo de Edward atrás das árvores quando percebi Jacob, Brady e Leah ficarem para trás, depois de poucos segundos eles retornaram caminhando sobre as duas pernas, com as mesmas roupas que tinham usado para o vôo.
Como não estava tão acostumada a esses cuidados, cheguei a ficar impressionada antes de uma inconformação perene tomar meus sentidos, aquele fingimento todo era uma chateação.
Entramos todos no carro, Leah rígida e com os punhos fechados no canto direito do banco traseiro, Brady no meio e Jacob comigo no colo no canto esquerdo. Enquanto meus pais se ajeitavam nos bancos da frente algo estranho passou por minha mente. Um pensamento novo e independente, como se tivesse sido provocado por outra pessoa.
Por que eles estavam vindo junto?
Por que Leah agora tão incomodada quanto visivelmente se sentia, havia abandonado sua mãe? Por que Brady havia deixado tudo o que conhecia, mesmo que no momento não estivesse se dando bem com sua família, para se juntar a um novo bando, abandonando seus irmãos? E por que afinal Jacob havia vindo? É claro que eu não poderia suportar a ideia de que ele não viesse. Tanto que até o momento não tinha sequer cogitado outra coisa. Mas por quê? Abandonar seu pai, já idoso, sua tribo? Aquilo me assolou imediatamente, como se um veneno tivesse sido injetado em mim.
Edward se enrijeceu subitamente no banco da frente. Bella não percebeu por que em um piscar de olhos ele havia voltado ao normal, mas eu notei.
Os pensamentos, porém, continuaram. A atitude deles era incompreensível para mim, e eu fiquei imediatamente triste por eles, por Sue, Billy, pelos Cullen, ainda que não entendesse por que exatamente aquilo me afetava, se eu não estivesse lá minha família teria de ir embora da mesma forma... Então, por quê?
- Se quiser pode tirar um cochilo, Nessie. – Bella disse, interrompendo meus pensamentos.
Eu sacudi a cabeça em negativa, Jacob deu uma risada enquanto passava a mão em meus cabelos.
- Você é igualzinha a sua mãe...
Edward rosnou baixo e Jacob tirou a mão de minha cabeça.
Eu pisquei meio surpresa, sempre me sentia estranha quando meu pai reagia assim a Jacob; não acontecia sempre, mas parece que a mudança não havia feito muito bem para o relacionamento dos dois.
Olhei pela janela, estava realmente escuro agora. Como que levada por aquele pensamento profundo, provavelmente o primeiro que eu havia tido, deixei que minha mente fluísse.
Lembrei-me de nossa corrida no começo da viagem, as luzes multicoloridas que minha família irradiava nos breves momentos de luz solar, ou nossos amigos Lobos correndo com suas formas agigantadas. Todos eles eram tão comuns para mim, apesar de eu admira-los fortemente, pois não poderia me comparar a eles de nenhum modo.
Enquanto olhava as árvores passando pela janela me perguntei como seriam realmente esses humanos que apenas cheiravam bem e que eu havia visto aos montes naquele dia. Eu sabia que não era certo machuca-los, que eles não mereciam a dor que poderíamos causar, mas sentiriam eles o mesmo que eu poderia sentir? Como eles se comunicavam? Movimentavam-se? Como eles viviam?
Eu conhecia apenas alguns adultos humanos: Charlie, Sue, Billy Black, Emily, o Velho Quil. O resto da tribo Quileute não se confraternizava realmente conosco.
As imagens da festa de casamento de Sam e Emily surgiram nítidas; a maioria das pessoas ali estavam ligadas ao segredo dos Lobos, mas como se eu agora possuísse uma lente de aumento mágica em minha mente, pude analisar certas expressões, certos gestos relacionados a minha presença.
As incongruências a que antes estava cega emergiram: não havia nenhuma outra criança no local a não ser Claire. Os parentes dos Lobos que eram de outras tribos não haviam sido convidados – e Emily era Makah! Percebi com um misto de revolta e mágoa que a maior parte da tribo havia se protegido de mim.
Vieram por minha memória a imagem de Joyce e sua postura fria ao me encontrar, assim como surgiram seu pai e o Sr. Redsun. Recordei como instintivamente me senti oprimida pela presença deles e finalmente entendi que eles não gostavam de mim.
“Não, pior”. – compreendi – “Eles me detestam”.
- Nessie, querida, talvez você devesse mesmo tentar descansar. – Edward rompeu meus pensamentos.
Eu olhei para ele através do espelho retrovisor e o pensamento saiu como impulso:
“Descansar! Será que eu pareço tão fraca assim que precise descansar o tempo inteiro?”
Edward levantou a sobrancelha esquerda e me olhou de modo estranho.
- Você sabe que não é assim. – ele sussurrou.
Eu instintivamente abaixei a cabeça, envergonhada. Eu sabia que provavelmente Bella e Jacob agora me observavam também. Leah e Brady não se mexeram um centímetro.
- Desculpe. – minha voz horrivelmente infantil soou.
Eu me inclinei em direção contrária a Jacob, tentando não irritar ainda mais Edward, mas assim que fechei os olhos uma mão quente puxou minha cabeça até um colo igualmente quente.
Não houve nenhum rosnado, então suspirei e adormeci em pouco tempo.

Capítulo betado por Natália Smith

17 – Whitehorse

Eu despertei e meus olhos se perderam em um ambiente estranho e, apesar de escuro, eu conseguia visualizar o pequeno quarto perfeitamente. Estava deitada em uma cama um pouco maior que a antiga em comprimento, pelo lado esquerdo, havia uma parede estava rente por toda a extensão do olchão. Nesta parede ao meu lado, avistei uma enorme janela, se eu ficasse de joelhos na cama, provavelmente poderia apoiar os cotovelos na balaustrada para ver a paisagem, porém as esquadrias de madeira escura estavam fechadas. Levantei e me sentei na cama, para poder visualizar melhor o recinto.
Atrás da cabeceira da cama, após um espaço de meio metro, havia uma escrivaninha e uma pequena cadeira, ainda de frente para a mesma parede. A janela era tão grande que provavelmente também poderia olhar para fora sentada ali.
Depois da escrivaninha, estava outra parede onde tinham duas portas, me ergui para checar, a primeira dava para um pequeno banheiro (com chuveiro e tudo) e a segunda abria um closet de uns dois metros de comprimento, que estava recheado de roupas. Paralela à parede da cama, estava outra parede onde havia uma penteadeira e outra porta – que deduzi ser a de saída – e na parede do lado esquerdo havia um armário grande.
Ouvi vozes fora do quarto e deduzi que haviam percebido que eu acordara, mas estavam dando espaço para me acostumar com o novo ambiente. Eu me voltei para a cama e forçando o trinco, consegui abrir a janela, que gemeu levemente – as vozes ao longe hesitaram um momento e depois continuaram – a luz inundou meu quarto novo e eu sorri extasiada. A vista era plana e repleta de vegetação, havia um descampado por certo espaço e então bem ao fundo, antes da mata, podia ver uma construção vermelha de madeira com janelas brancas.
Voltei-me para o quarto, ele fora pintado de azul e os móveis eram todos brancos, inclusive as portas. Abriram a porta, era tia Alice, é claro.
- Oh, ela gostou. – sua voz melodiosa vibrou. Um segundo depois, muitos seres familiares estavam parados na porta, Bella deu um empurrão amigável em tia Alice com os ombros exigindo um espaço, então vendo meu estado de ânimo, sorriu para mim.
- É, ela gostou. – repetiu. Eu corri para minha mãe, segurando sua mão.
- É claro. – ela pareceu um pouco relutante. Edward riu e se voltou para tio Emmett e tia Rosalie, que estavam com eles.
- Ela quer os presentes. – esclareceu. Tia Rose se adiantou.
- Mas primeiro você tem que se arrumar. – olhou para minha aparência com uma cara desaprovadora. Eu passei a mão em cima de minha cabeça, a juba de cabelos parecia estar por toda a parte. Emmett rugiu imitando um leão, eu mostrei a língua pra ele um pouco envergonhada. Tentei empurrá-lo inutilmente para fora.
- Vamos deixar as garotas se divertirem. – meu pai disse a ele, pegando-o pelo braço. Ficamos no quarto minhas tias, minha mãe e eu. Bella se sentou na cama comigo ao lado enquanto Alice escolhia uma roupa para eu colocar e tia Rose penteava meus cabelos. Algum tempo depois, eu estava me divertindo com o pequeno tabuleiro de xadrez que havia ganhado de minha mãe (desde aquela discussão sobre meu cérebro eu não tinha voltado a jogar e agora estava ávida para continuar), as peças eram douradas e prateadas assim como os tons do tabuleiro e podiam-se guardar as peças dentro do mesmo, que se dobrava. Eu tinha achado aquilo fantástico.

No momento em que Jacob entrou na ampla sala, eu estava tentando jogar contra Jasper, mas era extremamente difícil (ele parecia convencido a não se deixar vencer por mim). Haviam horas que eu tinha despertado e percorrido os outros quartos que ficavam no andar de cima.
O quarto dos meus pais era o primeiro depois da escada à esquerda do corredor (o meu ficava na ponta direita), depois vinha o escritório de Carlisle, o quarto de Esme e Carlisle, a pequena biblioteca, o quarto de tia Rose e tio Emmett, um banheiro e na outra ponta, o quarto de Alice e Jasper.
Além do tabuleiro de xadrez, tinha ganhado de Alice e Jasper um aeromodelo (Alice havia previsto desde o começo o meu fascínio por voar, que começou na viagem, daí por diante, qualquer coisa relacionada ao assunto me encantava), um arco e um tubo repleto de flechas de tio Emmett e tia Rosalie (eu tinha pedido depois de ver num desenho animado), Edward tinha me dado um quadriciclo e Esme e Carlisle haviam montado, para meu completo encanto, um espaço do lado esquerdo da casa com um balanço e um espelho d água.
Jacob deu uma breve olhada na sala, todos estavam dispostos em lugares diferentes – meus avós estavam no andar de cima, tia Alice em uma cadeira de balanço daquelas de idosos – parte da nova mobília - meus pais no sofá e tia Rose e Emmett estavam caçando. Ele já deveria ter visto a casa, mas parecia contemplar o ambiente novo em silêncio.
Jacob aguardou educadamente nós terminarmos o jogo (Jasper ganhou de novo) e então eu corri para ele.
- Agora quer dar uma olhada na minha casa? – ele sussurrou. Eu voltei os olhos para meus pais, Bella apenas acenou e nós corremos porta afora. Dirigimos-nos pelo caminho que eu conseguira ver da minha janela e quando nos aproximamos da construção em tons vermelhos, reparei na terra revirada em frente a casa. Jake se abaixou um pouco e me disse:
- Nós vamos fazer uma plantação. - Eu voltei a olhar para a terra remexida, não fazia idéia do que ele estava falando, mas não perguntei, ele já havia passado pela porta. Parecia ansioso então eu o segui.
Havia uma sala grande, provavelmente media metade do térreo de nossa nova casa. Brady estava sentado em um sofá de couro marrom assistindo TV de frente para a porta, do lado direito. Atrás dele estava uma mesa redonda com três cadeiras e a cozinha com apenas um balcão para separá-la do resto do espaço. Aos fundos do lado esquerdo, havia um pequeno corredor com duas portas.
- Esse é o quarto de Leah – me informou, enquanto apontava naquela direção. – A outra porta é o banheiro dela. - à esquerda havia uma escada larga que ele começou a subir e eu acompanhei. No topo dela, me deparei com um pequeno espaço formado por um tapete redondo e três poltronas, algumas estantes com livros estavam rente às paredes. Do lado direito um vitral em forma de triângulo permitia antever a paisagem defronte. Ele seguiu pelo corredor à esquerda, haviam duas portas, uma paralela à outra que ele indicou serem os quartos. O corredor acabou e fiquei me perguntando o que ele estava fazendo parado ali.
Jacob se virou para mim com um sorriso entusiasmado, então puxou uma corda que eu não tinha percebido pender do teto, uma pequena escada desceu.
- Um esconderijo! – não pude deixar de exclamar. Eu subi antes dele e entrei num recinto de tamanho médio, onde alguma mobília antiga estava disposta aleatoriamente. Em minha frente notei uma pequena porta que corri para abrir e, para meu espanto, me vi ante uma nova escada em caracol empoeirada, que subi logo. A escada dava em um quarto de não mais de um metro por um, que estava totalmente vazio. Virei-me pra Jacob que tinha acabado de entrar quase cobrindo todo o espaço.
- Não tem nada aqui! – reclamei. Ele fez uma cara ofendida.
- É por que você não olhou direito... - então ele tateou do lado da entrada e ouvi um “clic” antes de sentir o chão tremer, o piso estava subindo em direção ao teto. Eu olhei para Jake com medo de sermos esmagados, mas como ele continuava sorrindo, eu relaxei. Um segundo depois o teto se abriu, deixando um espaço quadrado que me possibilitava ver o céu se aproximando, vários ruídos de máquinas continuaram por um tempo até que com um estalo chegamos ao telhado acima da casa.
- Uau! – fiz contemplando a paisagem ao redor. A mansão estava um pouco distante as nossas costas, minha grande janela no segundo andar aberta. Quando olhei para baixo, visualizei a parte do teto que tinha se virado para trás, como uma tampa, para dar espaço para subirmos. Então, olhando para frente, vislumbrei um cubículo de paredes gastas e forma arredondada, fixo de maneira estranha no teto da casa onde agora estávamos.
- Entra você, não cabemos os dois. – ele soou. Eu obedeci, e me vi diante de uma cadeira rasgada e um tipo de alavanca que puxei automaticamente. Novos sons metálicos se fizeram ouvir e um tipo de visor desceu do teto, eu olhei por ele tendo que subir na cadeira para isso. Eu via o céu, as nuvens passando.
- É pra poder ver as estrelas à noite. – explicou. Virei-me para a entrada onde ele estava, avaliando a minha reação.
- Eu acho que sua família não deve ter reparado, ou não devem ter ligado. Não sei. – ele deu de ombros. Eu ainda estava imóvel. Ele pareceu incomodado com meu silêncio.
- Eu ia te dar outra coisa, mas isso pareceu mais legal... - eu pisquei ainda de cima da cadeira.
- Dá pra ver as pessoas que moram nas estrelas? – finalmente disse. Ele arregalou os olhos enquanto eu esperava a resposta, então fazendo muita força pra não rir – o que me irritou –, respondeu:
- Ninguém mora nas estrelas, sua bitolada! - e aí ele arrebentou em risadas. Eu continuei extremamente indignada e imóvel, então desci devagar e me postei na frente dele, ainda magoada.
- Eu li em um livro... – comecei devagar, tentando me justificar. Então ele inesperadamente me agarrou em um abraço apertado, levantando-me do chão.
- Esquece. Eu sou um idiota, você não fez nada errado.
- É claro que não! – me ofendi. – Como eu ia saber disso? - ele me afastou um pouco pra me olhar, divertido.
- Não teria como se ninguém te dissesse, você tá certa.
- Nada de pessoinhas nas estrelas? - ele chacoalhou a cabeça em negativa.
- Nem na Lua? - ele riu uma vez.
- Não que se tenha ouvido falar. - eu fiquei um momento em silêncio e então pondo a mão em seu rosto indaguei como desceríamos dali. Ele apenas acenou com a cabeça em direção ao cubículo e vi um botão gasto vermelho que não tinha reparado antes. Sorri e perguntei ainda por meio de imagens se poderíamos voltar à noite.
- Se seus pais deixarem... – deu de ombros, então me encarou por um instante e seu rosto adquiriu um tom de brincadeira.
- Se segura! – eu adivinhei na hora que ele iria pular do teto e ri de satisfação envolvendo seu pescoço.
- Pronta? – eu fiz que sim. E por um instante eu senti que poderia voar.

18 – Primeiras Impressões

Por um tempo, o entusiasmo da mudança ainda ficou preso em meu peito. Todas as manhãs eram formidáveis, os caminhos por entre a vegetação tinham uma doce novidade. Meu tempo nunca era perdido, sempre alguém estava ao meu lado, seja para se entreter ou me entreter.
Eu perdi dias explorando meus presentes: aprendendo a dirigir o quadriciclo, aprendendo a caçar com arco e flecha (eu gostava do silêncio envolvido no processo, também sentia que aquilo poderia me diferenciar dos outros – eu queria sempre tentar alcança-los em habilidade, porque sabia o quanto era deficiente em relação a eles). Testando meus talentos no xadrez, aproveitando meus minutos de silêncio em meu canto especial criado por meus avós. Normalmente me balançava com meus pais sentados na beira do espelho d água até perto do crepúsculo e então me dirigia ao observatório no topo da casa dos lobos, sozinha ou com a companhia de quem se interessasse.
No começo, Brady se manteve silencioso em minha presença e então certa identificação pareceu ocorrer entre nós. Como eu, ele era silencioso, mas observador e um dia nos flagramos sorrindo juntos de algo que Jacob dissera sem intenção de ser engraçado. A compreensão surgiu instantaneamente – ele estimava Jake, tanto quanto eu – depois disso nos comunicávamos por expressões e olhares cúmplices e amigáveis de forma natural. Ele, porém se mantinha reservado na presença da minha família.
Leah continuou arisca como sempre, se escondia em seu quarto sempre que me via na casa deles, mas eu nunca deixei de gostar dela. Eu tinha uma admiração inconsciente por ela e não me sentia mal por ser tratada daquela forma. Eu sabia somente que ela era uma mulher forte e bonita, conseguia ser solitária com uma elegância que me causava inveja. A consciência criada com minhas considerações em relação a ela abandonar sua família em Forks me levou a pensar na coragem que seria exigida de mim se eu tentasse fazer o mesmo, tinha certeza de que eu não era forte o suficiente para sobreviver.

Dois dias depois de chegarmos, Carlisle se apresentou no hospital da região e os outros tinham a previsão de se englobar na rotina da pequena cidade na semana seguinte. Adentrariam na F.H. Collins Secondary School, só que ninguém parecia muito empolgado com a novidade. Eu senti uma leve inveja por poderem se misturar com os humanos: como tinha dormido o caminho todo para nossa nova casa, tinha uma curiosidade pela cidade nova, mas não poderia sair daqueles terrenos tão cedo.
Em comparação com Forks, era uma região menos úmida, mas gelada e com ventos fortes. Eu gostava disso, levava o aeromodelo para longe, planando com seu motor que zumbia mais alto que quaisquer barulhos da mata que nos rodeava. A minha curiosidade era abrandada pelo fato de que tudo o que eu conhecia estava ao meu redor. O que tinha eu para ver naquela cidade?
Eu não tinha idéia do que poderia encontrar e então, a insegurança e o temor conflitavam com minha imaginação. O céu era o único lugar por qual eu me aventurava a ansiar, talvez por saber ser impossível conquistá-lo.
Conforme os primeiros dias se passaram, minha família foi ficando cada vez mais apreensiva, aquilo agora me irritava abertamente. Me sentia sufocada com a superproteção e ao mesmo tempo em que a irritação dominava meu corpo, outra parte da minha mente lutava contra ela, dizendo o quanto eu era ingrata por ter uma família amorosa e que sentir aquilo era uma coisa errada.
Ficava então acabrunhada e me recolhia nessa pequena luta por alguns momentos, antes de conseguir controlar as emoções. Jasper, que obviamente havia percebido essas inquietações, nunca sequer me lançava um olhar, mas só o fato de ele saber fazia meu corpo todo tremer de desconforto. Já meu pai, era uma história diferente. Edward estava me tratando diferente desde que mudamos, nunca com frieza, mas de certa forma, mais distante. Eu não entendia exatamente o que tinha mudado, se eu tinha feito alguma coisa errada, se ele finalmente tinha descoberto sobre A Profecia e que eu tinha tentado esconder o assunto. Ele não dizia e eu não tinha coragem de perguntar. Ás vezes ele me olhava de um jeito estranho, como se estivesse esperando por alguma coisa, desconfiado. Nessas horas eu ficava extremamente tímida e apreensiva.

Na manhã anterior ao primeiro dia de aula de meus pais e tios, estávamos todos na grande sala - excluindo-se os lobos – e Edward me informou que eu teria aulas com Esme que ficaria em casa enquanto todos estivessem fora. Longe de dizer que fiquei entusiasmada, estava era ávida pelo que iria aprender. Mais do que nunca, tinha a consciência de que meu conhecimento do mundo era tão pequeno quanto meu tamanho (a cena no observatório tinha sido uma pequena demonstração de meu “vasto” conhecimento).
Eu teria vergonha de confessar se me perguntassem, mas havia um leve entusiasmo preso em mim – uma voz severa parecida com a do meu pai tinha surgido na minha cabeça me condenando. – É que eu nunca tinha ficado realmente sozinha e uma natural ansiedade se formou como uma bola que ameaçava me sufocar de vez em quando.
Bella começou a ficar frenética em relação a minha presença, me dando uns abraços entusiásticos e apressados e largando-me logo em seguida, um pouco envergonhada. Rosalie me seguia como a uma caça e Alice sorria para mim o tempo todo, nervosa. Edward ficou um pouco frio, mas parecia me observar com olhos mais perspicazes e do nada passava a mão em minha cabeça. Na noite anterior ao primeiro dia de aula nós fomos caçar – meus pais, Jacob e eu. O espírito de meus pais estava quase beirando à animosidade quanto a ele. Imagino que o fato de Jake ficar se vangloriando e fazendo planos comigo para a manhã seguinte teve alguma influência no assunto. Sinceramente ele parecia ofensivamente radiante até para mim.

O dia seguinte finalmente chegou e a despedida foi bem calorosa, Bella teve de ser praticamente arrastada por Edward. Depois que todos saíram inclusive (Carlisle para ir ao trabalho) eu e Esme nos olhamos e sorrimos uma para a outra.
As primeiras quatro horas que se passaram em sua companhia eu fiquei sentada em uma mesa muito antiga de madeira, encurvada sobre alguns livros e um caderno. Eu já sabia ler, mas não tinha ainda exercitado minha escrita. Cada meia hora Esme passava uma lição diferente, sempre amorosa e entusiasmada e eu correspondia ao entusiasmo dela com afinco, absorvendo o máximo que podia e considerando tudo o que era dito.
Então depois de quatro horas, meu espírito começou a ficar impaciente por algo diferente, ela notou e não se ofendeu. Se aproximando de mim ela pegou minha mão e alisou minha bochecha direita.
- O que você quer fazer, Nessie? - eu estava ligeiramente confusa, não estava acostumada a ficar sem muitas pessoas ao meu redor. Então um grande e forte desejo se apoderou de mim e eu coloquei minha mão sobre a dela.
- Você que ler alguma coisa? – ela perguntou meio em dúvida. Eu sacudi a cabeça em afirmação. Eu queria ler alguma coisa não didática, algo que não precisasse de um intermediário para me ajudar a compreender. Ainda segurando minha mão, nós corremos em direção a biblioteca de Carlisle, ela correndo no meu ritmo. Nós paramos juntas na porta, que ela abriu para mim. Eu olhei para seu rosto terno em forma de coração, ela ainda segurava minha mão.
- Esme... - ela se abaixou para ficar da minha altura, eu havia crescido apenas alguns centímetros desde que chegamos.
- Pode falar, minha preciosa.
- Eu, eu acho... – minha voz horrivelmente aguda soou aos meus ouvidos. Olhei minhas mãos criando coragem. – Eu acho que queria ficar um pouco sozinha. - se ela ficou espantada, não demonstrou. Quando olhei para ela estava sorrindo, bondosamente, como sempre.
- Eu entendo. - então, ela se levantou.
- Se precisar de alguma coisa, você sabe que é só pedir, não é? - novamente sacudi a cabeça. - Ótimo. E então, ela não estava mais lá.
Eu ainda estava do outro lado da porta, senti meu coração bater anormalmente mais rápido. Finalmente poderia desfrutar do que eu quisesse sem interferências, eu tinha consciência de que os livros que tinham neste local não eram os que meus pais liam para mim antes de eu adormecer.
Então eu suspirei e entrei. Não sei quantas horas se passaram, só sei que de repente senti uma inquietação que parecia pertencer ao meu espírito, acho que eu não tinha sido feita para ficar mais do que algumas horas concentrada em qualquer coisa que fosse.
Apesar de relutante, deixei a poltrona onde havia me acomodado. À minha frente, dois livros lidos: Razão e Sensibilidade e a biografia de André Breton. No momento estava na metade de um terceiro livro que achei interessante pelo título, que era O retrato de Dorian Gray. Eu havia lido esses livros tão rapidamente quanto tinha sido capaz, na minha cabeça mil imagens, manifestações e possibilidades. Agora que finalmente tinha parado, a biblioteca parecia estranhamente silenciosa comparada com as vozes em minha cabeça.
Quantas horas... Quanto tempo eu havia perdido? Era como se eu observasse o mundo depois de um longo sono.
Semi–inconsciente, caminhei até o quarto de tia Rosalie. Enquanto andava tentava não olhar para meus próprios pés, cheguei até a dar alguns passos de olhos fechados, controlando a respiração como se pudesse controlar também o meu estado de espírito confuso e então, não sem antes hesitar por um segundo, finalmente entrei no quarto.
O que eu queria, o que eu ansiava ao mesmo tempo em que temia, estava logo à minha frente.

19 – Consciência Desperta

Vagarosamente, lutando contra a coragem que parecia querer me abandonar, finalmente ergui minha cabeça. Um enorme espelho cobria quase que inteiramente uma parede, eu vidrei meus olhos, o coração completamente desestabilizado, pisquei algumas vezes um pouco escandalizada enquanto analisava a criatura refletida.
Uma criança de no máximo cinco anos me encarou de volta. Ela usava um vestido rosa extremamente enfeitado, com babados na saia e mangas levemente bufantes.
“Onde? Quem tinha comprado isso pra mim? Eu nem gostava de rosa!”
Me aproximei um pouco da imagem no espelho, os cabelos cor de bronze, ondulados e caindo nas costas deixavam a criança com aparência de ser ainda menor. Meias impecavelmente brancas envolviam os pés pequenos dentro do sapato preto e luzidio.
Voltei a encarar o rosto, bochechas redondas preenchiam o rosto infantil. Um par de olhos grandes e castanhos encaravam a feição redonda com o olhar acusador, cheio de desprezo e horror. A boca era pequena era em forma de coração, mordi os lábios. Uma fita rosa ornava a cabeça da figura.
- Quem é você? – não pude deixar de perguntar, e o som da minha voz, mais do que nunca, me encheu de vergonha. Levei ambas as mãos a boca, como se pudesse conter o tom, conter o corpo infantil que agora me encarava lívido.
Eu entendia agora. A humanidade não era algo físico, era algo muito diferente, eu nunca conseguiria especificar se me perguntassem naquele momento, mas eu sentia. Eu entendia. “Eles não devem saber que eu sei – eu pensei, enquanto respirava lentamente – ficarão preocupados... confusos, eu ainda não entendo. Acho que não deveria entender.“
Eu me sentei automaticamente no divã de tia Rosalie enquanto sentia um leve tremor percorrer meu corpo.
Tanta coisa ainda para saber! Eu precisava saber mais! Muito mais!
Eu respirei mais uma vez, eu estava feliz, pelo menos agora eu tinha uma consciência. Ouvi um barulho lá embaixo e rapidamente voltei à biblioteca e, marcando o último livro que havia começado, coloquei os outros nos seus locais corretos. Lá em baixo risadas soavam. Para tentar amenizar meu cheiro, tentei tocar em todos os locais que pude alcançar, eu não sabia fazer aquilo direito. Muito bem.
Rapidamente desci as escadas e encontrei sentados no sofá, Jacob e Brady. Esme estava na cozinha, provavelmente preparando algo para nós. Senti um rubor involuntário, eu nem ao menos podia me alimentar sozinha...
Jacob parou de falar assim que me viu e virou para mim com um sorriso. Por um momento pensei que ele poderia ler através de mim, mas ele apenas disse, como sempre:
- E aí, baixinha? Então, eles finalmente te deixaram em paz? - eu sorri um pouco, internamente presunçosa, mas tentei reproduzir meu costumeiro sorriso inocente. Ele piscou uma vez, com uma expressão estranha que passou velozmente, antes de voltar ao normal, com o mesmo sorriso de antes.
- O que você estava fazendo? - de repente fiquei rígida. Eu sabia o que normalmente eu faria: me aproximaria e tocaria seu braço, mostrando por imagens o que estivera fazendo todo esse tempo. E agora? Não queria que ninguém soubesse o que tinha acabado de acontecer, minha descoberta, o conhecimento extremo que tinha obtido.
Comecei a entrar em desespero enquanto caminhava em sua direção tentando parecer tranquila. Se ao menos eu pudesse mudar a memória! Tentei forçar dentro da minha cabeça: peguei um livro de contos na biblioteca e adormeci enquanto lia, peguei um livro na biblioteca e adormeci enquanto lia. Tentei visualizar a memória inventada ainda de olhos abertos, como tinha feito antes com o tabuleiro de xadrez pra encobrir A Profecia de Edward. A diferença é que eu teria que passar essa mentira.
Estava a centímetros dele agora. Agitada sentia meu corpo queimar, como se tivesse uma fogueira interna e quase podia ouvir meu cérebro fumegando. Então quando o toquei, concentrando-me o máximo que pude, pude sentir a queimação atravessar velozmente da minha cabeça para minha mão e... Aconteceu. Como um jato, a memória falsa passou para ele. Jacob piscou e assim que senti que havia acabado, retirei rápido a mão, como se algo pudesse me denunciar.
Eu senti que ia arfar, mas forcei um ar indiferente e engoli qualquer reação que poderia ter olhando para a cozinha, como se estivesse esperando impaciente Esme trazer a comida. Voltei então a encará-lo e ele sorrindo passou a mão pela minha cabeça.
- Se você estiver entediada pode ir lá em casa, você sabe, não é? – seu sorriso era carinhoso e ligeiramente preocupado. Eu sorri de volta, me sentindo culpada e sacudi afirmativamente a cabeça.
Nós comemos (na verdade eu me forcei a comer um pouco, o gosto da comida naquela hora estava apenas provocando enjoo) e vendo o relógio, percebi que muito tempo havia passado, eu ainda queria pensar no que havia acontecido durante o dia, então, quando os garotos terminaram de comer, levando uma boa quantidade de comida para Leah, ou para mais tarde, eu decidi não ir com eles. Jacob pareceu desapontado e vi que hesitou levemente antes de decidir voltar para a casa.
Eu impulsivamente segurei sua mão e ainda me sentindo culpada tentei amenizar as coisas:
- Amanhã. – eu sussurrei, olhando pra baixo.
- Ok, então te vejo lá! – ele disse.

Depois que eles se foram, eu disse à Esme que queria tirar um cochilo, ela assentiu, mas disse para eu não dormir demais ou perderia o sono à noite. Subi correndo para meu quarto. Meu cérebro estava uma confusão geral, como eu havia feito aquilo? Fiquei repentinamente excitada, isso era ótimo, era maravilhoso! Pelo menos enquanto eu tivesse que continuar mostrando minhas memórias aos outros, como eles já haviam se acostumado, eu poderia inventar qualquer coisa que eu quisesse!
Então como um tiro gelado algo certeiro me acertou e parei de perambular pelo quarto extremamente enfeitado que me pertencia. Não daria certo! Eu tinha esquecido algo óbvio, algo de que não poderia fugir: meu pai. Edward saberia de tudo! No minuto que entrasse em minha mente notaria que eu havia mudado e iria querer exatamente o que tinha acontecido... Então minha farsa estaria arruinada!
Sentei em minha cama de colcha de coelhos desesperançada.
Eu sabia que havia truques para tentar driblar Edward, mas nenhum funcionaria por muito tempo, não para disfarçar todas as emoções que eu havia provocado naquela única e primeira tarde sozinha.
Eu deitei na minha cama, infeliz. Eles não mereciam isso, que eu fosse uma constante forma de preocupação. Minha família ainda não estaria preparada para lidar com isso.
Esse pensamento me fez rir – meu conhecimento repentino era ligeiramente assustador. Como se tivesse provado do fruto proibido do Éden e percebesse que estava nua. – uma das lições daquela manhã com Esme fora sobre religião, eu realmente aprendia rápido.
Fechei meus olhos e quando dei por mim alguém alisava meu rosto. Bella estava sentada ao meu lado na cama, seus olhos com uma cor mel derretido.
- Olá, Renesmee...
- Mãe!
- Tudo bem, Nessie? Como foi o dia? – e ela me deu um abraço de pedra, seu cheiro doce em minhas narinas me deixando mais culpada do que nunca.
- Onde está Edward? – perguntei, com um frio na barriga.
- Estou aqui. – ele estava parado no batente da porta, logo atrás de Bella. Quando nossos olhares se encontraram ele me encarou com as duas sobrancelhas levantadas. Eu fiquei meio desesperada, tentando não pensar em nada que me comprometesse demais.
Meu medo mudo não durou muito tempo.
- Nessie, você não quer dar uma volta comigo? – a voz dele me sobressaltou. – Esme disse que você não saiu de casa hoje. - eu apenas sacudi a cabeça.
- Eu vou junto né? – Bella perguntou, meio ressentida.
“Por favor, não!”
“Por favor, não! Por favor, não! Por favor, não! Por favor, não!” – foi tudo o que eu consegui pensar.
- Você não acha que andou monopolizando nossa filha demais? – ele respondeu em um tom leve de humor – Não se preocupe, não demoraremos.
Nós descemos pela escada dos fundos, enquanto eu tentava de todas as formas controlar meus pensamentos decompostos.

20 – Conversa com Edward

Nós andamos por certo tempo até ficarmos distantes o suficiente para que ninguém da casa nos ouvisse. Reparei que ele não tentou segurar minha mão em nenhum momento.
Estávamos bastante distantes agora. Edward se sentou em um tronco de árvore para ficar da altura de meus olhos, eu não conseguia encará-lo.
- Olhe para mim, Renesmee. - eu ergui meu olhar. Fiquei aliviada por que não havia raiva. Havia uma expressão que eu não conhecia no rosto dele.
- Eu sei que deve ser extremamente difícil para você, por vários motivos, conviver conosco... - eu sacudi minha cabeça, não estava entendendo. Ele estava culpando aos outros?
“Eu é que fui atrás de respostas! Eu é que tinha quebrado tudo o que era certo para minha idade... mas, afinal, o que era o certo?” - meus pensamentos pareciam pulsar dentro da minha cabeça.
Então ele parou, avaliando minha reação e algo mudou em sua atitude, sua expressão se anuviou um pouco.
- Me explique, por favor, como você se sente. - eu olhei para baixo mais uma vez, encarando os perfeitos sapatos de boneca que calçava.
“Como eu poderia explicar? O que eu deveria explicar? Já não devia estar óbvio...” - Me desculpe, mas não está claro. Há certo tempo não tenho conseguido decifrar exatamente o que você tem pensado. Talvez seja algo que você herdou de sua mãe, não sei. Adivinhei que boa parte dos seus recentes pensamentos te levaria inevitavelmente para longe de nós... E hoje seus pensamentos estão particularmente ilegíveis, como se existissem dezenas de camadas e eu apenas conseguisse pegar partes destas camadas.
- Eu não entendo o que quer dizer. – eu respondi. Ele sorriu de uma forma nova também, meio preocupada, mas doce.
- Penso que talvez tenha tentado adivinhar demais. No entanto, se você quiser confiar em mim o suficiente, você sabe que estou aqui para você. - ele deixou um tempo isso no ar. Eu parei de torcer minhas mãos e o encarei. Eu não havia entendido aquele discurso, mas captei que ele não conseguia decifrar claramente os meus pensamentos. Uma ligeira sensação de alívio me tomou antes que eu decidisse falar.
- Eu me sinto... Diferente – consegui colocar para fora. Ele esperou e eu comecei a caminhar, indo e voltando sem encará-lo.
- Hoje, eu me senti... Bem, sozinha... – minha voz saia muito baixa, mas sabia que ele não tinha problemas em ouví-la. Eu não estava acostumada a fazer discursos, era mais apegada a diálogos mentais.
- Me senti diferente, e ainda não entendi a razão. Eu.. – hesitei um segundo, mas decidi que podia confiar nele. - ... Acho que não me conheço, não sei quem sou.
Então, eu silenciei. Parei de andar também. O barulho do vento frio foi à única coisa entre nós por um tempo. Quando percebi Edward me envolveu em seus braços.
- Você cresceu. - eu suspirei involuntariamente. Tentei não pensar em mais nada, no entanto não consegui deixar de falar.
- Por favor, não fala nada para os outros...
- Eu acho que isso não será necessário. – ele se afastou um pouco e novamente se baixou para me olhar nos olhos.
- Você é uma garota incrível, tão madura em tão pouco tempo...
- Eles iam ficar assustados. – completei. Ele fechou um pouco os olhos e sussurrou, ainda olhando pra mim.
- Falando honestamente, isto me assusta um pouco também. - eu sorri involuntariamente.
- Mas eu sei que você já sabe disso, inteligente como é. – continuou ele. Eu corei um pouco, envergonhada.
Ele se levantou e pegou minha mão para voltarmos para casa. Naquele momento eu soube que ninguém naquela casa nunca me entenderia como Edward e me senti momentaneamente aliviada.
Quando chegamos em casa, Bella nos alcançou em um átimo. Ela estava realmente incomodada por ter ficado fora de nossa conversa. Eu sorri assim que a vi e sua feição se transformou automaticamente, anuviada.
Eu me sentei para assistir televisão no sofá e senti todos os outros se moldarem em minha volta, como uma dança fantástica em que eu era o centro das atenções. Nunca antes tive total consciência da importância que me davam.
- O que vai ser hoje, Nessie? – tia Rosalie me perguntou, sentada no sofá ao lado.
Eu pensei por um minuto antes de responder. Todas as noites nós assistíamos a filmes juntos, eu não lembrava quando o costume havia começado, apenas que até então nós apenas havíamos assistido a desenhos e filmes em que não havia nenhum personagem com alguma profundidade, como dizer que isso agora não me agradava?
- Guerra nas Estrelas. – eu disse.
A risada de tio Emmett soou alta e vi pelo canto de olho tia Rosalie fazer uma ligeira careta. Alice já estava colocando o DVD no aparelho, o fato de ela não poder adivinhar na maioria das vezes qual filme eu iria escolher não a chateava mais como antes, chegava até a diverti- la. Carlisle e Esme se acomodaram ao meu lado direito e Edward e Bella no esquerdo.
- Sabe, Nessie... – Bella soou. - Vou ficar realmente feliz quando você for mais velha.
Eu me sobressaltei, todos os olhos agora estavam fixos nela, uma fenda leve estava entre suas sobrancelhas.
- Tenho certeza de que seu gosto será muito melhor...
- Shh... – fez tio Jasper, que surpreendentemente parecia querer prestar atenção. Atrás de Bella, encarei Edward levemente exasperada, ele me lançou um sorriso e uma piscadela cúmplice.

Capítulo betado por Thais M

21 – Maturidade


O tempo passou e nós entramos em uma rotina feliz.
De manhã, depois que todos saiam, Esme me passava lições e ensinava as matérias básicas que normalmente se aprendia na escola. Agora eu conseguia agüentar pelo menos cinco horas, antes de formigas aparecerem para morder minha bunda na cadeira. Eu havia descoberto que o jogo de xadrez era a única coisa capaz de me fazer esquecer que eu estava imóvel por algumas horas.
Depois disso eu me dirigia à casa dos Lobos – Esme às vezes me acompanhava. Assim que chegávamos, Jacob e Brady nos recebiam animadamente, e Leah, depois de nos cumprimentar com um aceno, retirava-se. Nós combinávamos o que iríamos fazer na plantação e dividíamos as tarefas. Normalmente, todos ficavam ao meu lado, ensinando-me a fazer a coisa certa, em um ritmo lento para que eu pudesse aprender. Eu sentia que isso às vezes exasperava Brady, mas Jacob apenas lhe lançava um olhar de censura e os suspiros de impaciência paravam.
Então normalmente eu saía para caçar com os dois enquanto Esme voltava para a casa. Ela estava estudando Biologia por conta própria e passava horas por dia com um livro na mão e identificando e fotografando animais na propriedade, seu entretenimento era sereno e agradável, como tudo nela.
Eu não precisava me alimentar tanto quanto os lobos, ia junto com eles caçar geralmente para me divertir. Ou simplesmente apostávamos corrida ou alguma outra brincadeira inofensiva.
Voltava então para o casarão, e Jacob sempre me acompanhava. Normalmente, Esme estava cultivando seu jardim há esta hora e me recebia com um beijo na testa. Eu então subia para o meu quarto onde estavam guardados os livros que estivesse lendo no momento.
Eu tinha criado uma espécie de método para tentar não deixar pistas sobre minhas visitas até a biblioteca: retirava um monte de livros de uma vez (a biblioteca era realmente grande e quase ninguém costumava ficar ali, além de Esme e Carlisle) e depois de lê-los deixava-os ao ar livre, em um esconderijo, onde meu cheiro poderia se desvanecer naturalmente. Sabia, no entanto, que não poderia enganar meus avós e que eles provavelmente haviam decidido tentar ignorar o que exatamente eu estava lendo.
Três meses haviam se passado e agora eu aparentava ter quase seis anos, segundo Carlisle, porém poucas mudanças aconteceram fisicamente. Eu estava um pouco mais alta e talvez com um rosto em um formato menos arredondado... E mais nada. Eu ainda deixava tia Alice e tia Rosalie me vestirem, sem reclamar, todas as manhãs. E depois havia as pequenas sessões de fotos, urg!
As duas ficavam realmente empolgadas com este tipo de coisa e entravam em uma espécie de transe encantado enquanto penteavam meus cabelos e me enfeitavam como uma boneca que respirava e tinha ocasionais pensamentos irritados. Geralmente tia Rose ficava responsável pelos cabelos e Tia Alice pelas roupas... Bella normalmente apenas esperava impaciente para ter alguns momentos comigo quando elas acabassem.
Ela era como eu, percebi que não ligava muito para esse tipo de coisa. Eu tinha a cada novo dia um medo maior de perder a paciência com elas, e sempre era obrigada a forçar meu pensamento para outras coisas quando elas brincavam de me enfeitar. Não vou mentir, ás vezes ficava satisfeita com o resultado, mas normalmente... Arg!
Certa manhã destas, depois que as minhas tias tinham acabado de colocar em mim um vestido particularmente enfeitado, eu me sentia tomada de um pensamento enfurecido, apesar de tentar fortemente não demonstrar. Assim que Bella veio me salvar e começamos a caminhar juntas, eu involuntariamente deixei escapar num murmúrio ríspido:
- Será que não vou terminar de crescer nunca?
Bella imediatamente estancou e eu senti o arrependimento me congelar.
Vinha ficando extremamente difícil manter meus hábitos monossilábicos com a cabeça geralmente lotada de pensamentos. Isso às vezes me sufocava, tanto que eu comecei – confesso – a falar sozinha durante minhas tardes solitárias no quarto (eu ainda não sabia que isso era relacionado a pessoas com “parafuso solto”), esse hábito que agora eu maldizia foi o que me levou a deixar escapar a frase que me fazia suar levemente, enquanto eu analisava minha mãe ao meu lado.
Ela me olhou de um modo meio assustado por cima de minha pequena altura. Ela era a única que não se abaixava para falar comigo, o que me levou a pensar que era a pessoa que menos conseguia aceitar minha maturidade acelerada. Bem, tio Emmett também não se abaixava, mas eu sabia que era por que ele simplesmente sentia imenso prazer em ser grande.
De qualquer forma como ela deu sinais de vida (bem não exatamente “vida”, ela se mexeu, pelo menos...) eu achei que ela tinha ignorado o meu comentário.
Levou-me pelo braço para a sala e parecia meio desesperada em encontrar Edward. Eu havia ficado mais tranqüila quando ela decidiu não me responder, mas agora eu entendia seu desespero. Ela tinha percebido alguma coisa e queria respostas dele.
- Droga! Droga! – Aí vinha um piti estilo Bella dos bravos!
Quando os olhos de Edward finalmente nos encontraram ele ainda estava sorrindo de alguma coisa que conversava com Esme, porém sua expressão se tornou intrigada quando visualizou a de Bella e inevitavelmente passou para a minha. Naquele momento eu estava meio relutante, conflitando internamente sobre como Bella receberia a mais simples informação sobre minha personalidade já em tão avançada formação.
Uma calma resoluta, porém, finalmente apareceu. Eu tinha confiança em Bella. Ela era a mulher mais forte que eu conhecia, achava que talvez fosse a hora de ela começar a entender certas coisas.
Para falar a verdade eu não estava mais agüentando fingir o tempo todo ainda ser uma criança (milhares de frases e gestos direcionados para mim agora mais me irritavam do que divertiam, e eu tinha que segurar minha expressão firme quando Emmett soltava uma piada que eu entendia, mas não deveria entender), deduzi que se eles não soubessem pelo menos um pouco das coisas que eu já entendia eu iria explodir em algum momento e isso não seria nem um pouco maduro. E também não era como se eu fosse culpada pela coisa toda, o que eu podia fazer se minha mente estava “crescendo” mais rápido que meu corpo? Qualquer um iria querer aparentar ser fisicamente adulto para tentar consertar isso.
Então, tentando clarear rapidamente a minha mente, deixei uma frase clara o suficiente para parecer gritada:
“Ela deve saber. Todos devem saber.”
Edward ficou compenetrado e me assentiu levemente, Bella que havia seguido nosso olhar parecia preste a ter algum tipo de ataque. De repente aquilo tudo pareceu realmente engraçado, mas eu não seria tão desrespeitosa a ponto de rir de sua expressão. Então dei de ombros, andei até Esme e gritando um “Bom Dia a Todos!” com minha voz aguda, por cima do ombro (que pude sentir como surpreendente) tentei puxá-la em direção a casa de Jacob.
Ela começou a me acompanhar lentamente e já havíamos alcançado a porta quando olhei para trás. Vi Edward e Carlisle sendo cercados por Bella e tia Rosalie que estava sendo segurada por tia Alice, esta tinha uma expressão de curiosidade divertida.
Tio Emmett e tio Jasper estavam juntos atrás delas; tio Emmett tentando não rir e tio Jasper com uma expressão de dúvida que deduzi ser por tentar compreender as emoções à sua volta.
Eu e Esme andávamos vagarosamente agora.
- Você e Carlisle já sabiam, não é? – compreendi repentinamente olhando para ela, que pareceu um pouco envergonhada.
- Sim.
Eu suspirei, eu realmente achei que meu método tinha sido infalível para esconder meus rastros na biblioteca.
- Carlisle sentiu meu cheiro em livros que não deveriam ser lidos por mim.
- Não o culpe, ele apenas ficou curioso e me perguntou se você havia ficado lá por muito tempo. Eu respondi que sim...
- Eu não culpo ele, nem você. – eu disse sorrindo, um tipo novo de sentimento quase me fazendo flutuar.
- Estavam apenas preocupados. Então Carlisle foi conversar com meu pai...- deduzi.
- Nós dois fomos. – ela assentiu.
Ela não parecia nem um pouco surpresa com nosso diálogo, que estava sendo o mais comprido que havíamos tido.
Um frio tomou conta de meu estômago. Eles saberiam cada um dos livros que eu tinha pego? Então a compreensão de meus pensamentos deveria ser mais completa por Edward, eu achava que ele teria ficado mais preocupado...
- Depois disso combinamos em nos afastar da biblioteca, então Carlisle tem usado seu escritório e eu tenho comprado os livros que estou usando.
Eu me virei para ela surpresa.
- Concordamos que devíamos a você um pouco de privacidade. – esclareceu ela.
- Uau. - deixei escapar.
Eu tinha tido uma visão perfeita de uma alta fogueira composta com livros devassos crepitando no fogo enquanto minha família assistia sorrindo... talvez eu tivesse mais de Bella em mim do que imaginava...
Ela sorriu para mim.
- Isso foi realmente difícil para Edward, sabe? Ele não gosta de não saber o que acontece exatamente com você, ele queria separar alguns livros para você não ter acesso...
Eu automaticamente levantei uma sobrancelha. Eu sabia que estava tudo bem demais.
- Mas Carlisle o convenceu que isso não iria adiantar muito, você aparentava ter tanta fome de conhecimento que inevitavelmente procuraria pelas coisas que tivesse curiosidade de aprender.
Eu ri e ela me seguiu com sua risada musical. Estava me sentindo terrivelmente aliviada. Sabia que talvez não fosse tão fácil para Bella e minhas tias, mas algum dia isso teria de acontecer, certo?
Senti meu coração bater mais rápido, agora eu poderia ser verdadeira com todos. Bem talvez não totalmente, deixar escapar alguns comentários mais maduros pelo menos. Teria de fazer algumas coisas aos poucos, mas agora eu não me importava.
Estava particularmente feliz por não ter que usar meu poder idiota também. Ultimamente, eu apenas mostrava mentiras para todos, o que vinha fazendo eu me sentir miserável.
Quando alcançamos a casa dos Lobos, eu estava de excelente humor.
Assim que chegamos, Leah que estava no sofá da sala, levantou-se.
- Por favor, não vá embora. – eu pedi.
Jacob, que havia se virado para mim com seu sorriso amigável pareceu, de repente, ligeiramente ansioso.
- Você não precisa ficar no seu quarto toda vez que chegamos. Não quer nos acompanhar lá fora? – perguntei um pouco insegura.
- Não, obrigada. – ela disse, imóvel.
- Ok. – respondi, enquanto ela se retirava. Jacob veio até mim e passou a mão na minha cabeça.
- Isso foi corajoso. – ele estava visivelmente surpreso, mas sorria.
- Mas nem um pouco eficaz. – eu respondi, um pouco mordaz enquanto tentava me desvencilhar do gesto que sempre me fazia sentir pequena.
Ele arregalou os olhos, a mão estendida de um jeito engraçado e eu sustentei seu olhar divertida.
- O que foi? – perguntou, me vendo afastar.
- Acho que talvez ainda esteja menor do que você por que toda vez que me vê você achata minha cabeça.
Ele levou apenas um segundo considerando aquilo.
- E se eu puxar suas orelhas pra cima?
Esme e Brady riram.
- Eu não tenho interesse em me transformar em um elfo. – respondi sorrindo.
Jacob olhou para Esme visivelmente surpreso, e depois me encarou novamente. Sentia como se faíscas estivessem pinicando minha pele, era uma sensação gostosa e diferente. Eu sabia que estava sendo meio presunçosa, mas estava gostando, como se tivesse alcançado um lado novo de minha personalidade e estivesse tentando fazer Jacob conhecê-la também. Se ele iria gostar ou não isso eu não sabia, mas tinha certeza que as faíscas vinham dessa dúvida.
- Desde quando você tem a língua tão afiada?
- Desde quando você não consegue acompanhar? - fiz uma cara meio preocupada.
- Você tá doente?
- Caramba! Acho que é a primeira vez que eu te vejo conversar sem olhar pra baixo!
Senti um rubor involuntário.
- Talvez eu estivesse considerando se valeria à pena continuar a conversa?
Ele piscou atônito. Toma essa.
Esme e Brady permaneciam mudos ao nosso lado.
Jacob suspirou.
- Mal-educada.
- Convencido.
Então ele riu.
- Muito bem. Empate técnico.
- Ah, você estava contando?
Ele fechou a cara de novo e dessa vez eu ri. Mostrei a língua de forma petulante.
- Por favor, crianças, será que podemos ir lá fora? – Brady pediu em tom cansado.
- Se essa baixinha maluca conseguir acompanhar...
- Ah! Vamos logo, estou louca pra caçar umas minhocas.
Eles riram de novo e nós saímos.

22 – Bella e A Formação da Vida

À tarde fui surpreendida por Bella que adentrou meu quarto como um furacão. Fiquei meio irritada com sua falta de consciência quanto à minha privacidade, mas deixei passar por que ela parecia realmente ansiosa. Coloquei o livro que segurava ao meu lado e me sentei na cama pronta para a conversa que prometia ser difícil.
Ela parou no meio do quarto, um pouco rígida. Como se não soubesse mais como se comunicar comigo.
- Bella?
Ela se virou para mim, ligeiramente angustiada. Em um segundo estava sentada ao meu lado e passava a mão em meus cabelos.
- Nessie, você sabe que não precisa fazer isso, não é?
- Isso, o que?
- Fingir por nossa causa... – ela pareceu um pouco desconfortável.
Eu não sabia o que dizer.
- Eu não quero que você esconda quem você é, nem que isso me assuste, você entende?
Eu assenti com a cabeça. Ela suspirou, apesar de eu saber que isso era apenas uma reação condicionada com sua forma humana recentemente perdida, deduzi que queria dizer muitas coisas.
- O que foi?
- Eu... eu me sinto uma mãe horrível. – ela sussurrou.
Eu não pude deixar de sorrir.
- Você é ótima!
Ela riu pelo nariz, sem humor.
- Tá. Eu nem percebi...
- Eu estava tentando não preocupar ninguém.
- Eu sei. Mas mesmo assim, eu devia ter percebido. Quando Edward conversou comigo eu fui me sentindo cada vez pior. Eu não quero nunca forçar você, Nessie. Você tem de ser apenas aquilo o que você é.
Ela olhou para mim, na verdade encarando. Isso era realmente gostoso de ouvir.
- Mãe, eu sei que deve ser difícil para vocês. Eu só tenho um ano e alguns meses e, bem, olha pra mim. – eu apontei meu corpo. Eu estava ficando meio desengonçada, meus braços e pernas começando a crescer um pouco mais do que o tronco infantil e menor.
- Não tem nada de errado com você. – ela respondeu prontamente.
- Eu cresço rápido demais, mas não só fisicamente. Talvez até mais do que eu mesma compreenda. – eu disse, lentamente – algumas coisas, como sentimentos, eu não consigo entender, por que nunca experimentei e isso me deixa curiosa e um pouco impaciente.
Apesar de eu ter meu intelecto eu ainda sou infantil em um monte de coisas.
Ela me olhava como se nunca tivesse me visto. Um pouco preocupada, um pouco surpresa.
- Se isso é complicado para mim, eu entendo como deve ser pra vocês. Eles todos, apesar de hoje terem séculos, enquanto... eram humanos tiveram um crescimento normal, tiveram tempo para perder sua... inocência, deixar de ser criança. Eu, a cada dia, descubro que apenas uma idéia, como a morte, por exemplo, tem diversas e diversas facetas, dependendo do que você quer acreditar. – eu inconscientemente tinha me levantado, totalmente mergulhada no que estava dizendo.
Ela continuava me olhando cada vez mais espantada, mas mesmo assim um sorriso se formava em seu rosto.
- Eu... acho que entendo. – ela conseguiu dizer – É como se eu de repente tivesse uma filha adulta. Sinto-me velha.
Eu ri, ela fez a careta que sempre acompanhava esse sentimento.
- Eu não acho que sou adulta. – eu me sentei de novo – tem muita coisa que eu não entendo, ainda. Às vezes é como se eu tivesse perdido algum ponto importante...
Eu a senti-a enrijecer por um minuto.
- Você não precisa saber de tudo de uma vez. – ela disse rápido.
- Eu sei. – e suspirei.
Ela então olhou para o livro a que eu estava lendo.
- E O Vento Levou?
- É. Estou na metade.
- O que há de errado com os clássicos?
Eu fiquei um pouco envergonhada aí.
- É que eu sei que tem o filme em casa, e queria assistir hoje à noite.
- Eu gosto do filme. – ela sorriu – não lembro se já tinha lido. Depois você me empresta?
- Eu peguei na biblioteca... – eu respondi, levantando os ombros.
- Faz tempo que eu não leio nada novo – ela falou como se meditasse.
Houve um silêncio. Ela então pareceu realmente desconfortável e olhou pra mim nervosa.
- Você, então já teve tempo de saber... De onde você veio? – a última parte eu quase não consegui escutar.
- Da onde eu vim? – repeti.
- É, sabe. Como você nasceu?
- Eu sei que foi dentro da sua barriga.
- E...?
- Tem mais alguma coisa?
Ela gemeu e então disse um pouco mais alto:
- Edward? Você pode me ajudar aqui?
Ele então estava parado na porta.
- O que foi? – seus olhos passaram da minha expressão de incompreensão para a dela, um pouco desesperada.
- Eu acho... que está na hora de esclarecermos para Nessie, como ela foi gerada. Ele ficou um pouco mais pálido do que o normal, e então olhou pra baixo. Ele estava encabulado?
- Pessoal? Qual o problema? – eu disse curiosa demais, eles se sobressaltaram levemente. Provavelmente levaria um tempo para se acostumarem com meu uso mais constante da voz.
- Isso é mesmo necessário? – ele meio que implorou pra ela.
- Senta aqui. – ela mandou, entre dentes.
- Bom, Nessie... – Edward olhou as mãos, depois de se sentar ao lado dela – Você sabe que homens e mulheres são diferentes, certo?
- Sim.
- Você... já viu algum homem nu? Em desenhos, eu quero dizer.
Bella se mexeu desconfortável. Eu ainda não entendia.
- Não.
- Isso vai ser difícil. – ele disse, olhando para Bella.
- Tá, tá bom. – ela falou de forma impaciente enquanto mordia o canto do lábio esquerdo.
Os dois evitavam se encarar.
- Então, existem diferenças entre homens e mulheres... – ela continuou, olhando para mim.
- Mulheres têm seios... – eu tentei ajudar, nunca tinha pensado muito sobre isso, além do fato de que eu ainda não tinha o corpo de uma mulher crescida – para alimentar os bebês.
- Isso! – Bella exultou, Edward olhava para cima. Parecia querer sair por algum buraco no teto ou algo do gênero.
- Além disso... mulheres têm, bem, embaixo, homens e mulheres são diferentes.
- É? – eu não sabia disso.
- Sim. Embaixo, nós temos você sabe...
- Sim. – eu não estava entendendo por que estava sendo tão difícil para eles dizer aquilo.
- Bella, por favor! – Edward implorou.
- Então vai pegar um livro de biologia pra que ela possa entender do que estamos falando!
- Obrigado. – ele parecia realmente aliviado. Evitava me olhar também, estava começando a achar aquilo engraçado. Edward voltou em pouco tempo, entregou o livro e ficou parado na porta.
Bella olhou pra ele; sua expressão era divertida agora.
- Pode descer, eu continuo.
Ele sorriu, em agradecimento, e sumiu. Segundos depois ouvi a risada alta de tio Emmett lá embaixo. Meus pais estavam bastante envergonhados, eu devia estar também?
Bella soltou um rosnado e a risada parou. Depois como se nada tivesse acontecido ela abriu o livro calmamente e me mostrou as imagens, enquanto continuava a explicar.
Enquanto ela falava, a compreensão foi se formando em mim.
- Urgh!
Ela olhou pra mim condescendente. Alívio passou por sua face.
Eu não pude deixar de imaginar, ela e Edward...
- Argh! – tornei, novamente. Ainda bem que Edward não estava aqui, se ele conseguisse ler minha mente pelo menos eu não tinha de vê-lo fazendo.
- É isso que homens e mulheres fazem? É nojento.
- Você não sabe o quanto eu fico feliz em te ouvir falar assim!
Eu olhei pra ela que parecia realmente exultante.
- E agora, vamos assistir ao filme? Ele é comprido e já está tarde.
- Mas eu não acabei de ler!
- Então vamos assistir outra coisa.
Eu assenti ainda um pouco enojada. Então algo diferente passou pela minha cabeça.
- A gente pode chamar Jacob, Brady e Leah?
Ela abriu bem os olhos, fitando-me com interesse.
- Claro, se é o que você quer.
- Sim! Eu vou chamá-los...
E eu corri até eles na minha felicidade ainda inocente.

23 – A Briga


Agora todas as noites assistíamos aos filmes todos juntos. Grandes vasilhas de pipoca eram distribuídas entre os lobos e até Leah participava, sentando no primeiro andar da escada, o mais longe possível de nós.
Ultimamente, eu estava viciada nos filmes clássicos de Hollywood, em que os mocinhos se beijavam com as bocas fechadas. Qualquer troca de líquidos agora me era insuportável. Naquele dia assistíamos O Corpo que Caí e, como sempre, Emmett, Jacob e Jasper resmungavam sobre os personagens, com leves interrupções de Bella ou Edward.
Eu já estava acostumada com aquilo. Alguns comentários eram divertidos e outros realmente irritantes.
Estávamos na parte em que o personagem principal reencontra a garota loira, quase no final do filme, e a leva ao mesmo local em que supostamente ela tinha morrido da primeira vez.
- Essa loira é uma bruxa suja. – resmungou Leah.
- Estou começando a pensar que todas elas são... – respondeu Jacob, lançando um olhar a tia Rosalie
- O que você quer dizer, cachorro? – Emmett perguntou sério.
Jacob deu de ombros. - Não se preocupe Emmett, ele apenas está com inveja. Nós, pelo menos, não tivemos que depender de nenhum tipo de mágica pervertida para estarmos juntos.
Jacob se ergueu furioso, derrubando a vasilha e espalhando pipoca por todos os lados.
- Retire o que disse agora!
Reparei que ele tremia violentamente.
- Eu não vou retirar nada, cachorro tarado! Aposto que você mal pode esperar! Que conta os dias nos dedos! – tia Rosalie agora estava levantada também, tio Emmett tentava segurá-la.
Brady também estava de pé, tentando confortar Jacob
- Do que ela está falando? – não pude deixar de perguntar.
Eu olhava para os dois, que ainda não tinham se desviado. Voltei-me para tia Alice e tio Jasper que haviam permanecido sentados.
Todos pareciam extremamente desconfortáveis, como se tia Rosalie houvesse tocado em alguma ferida.
- Agora chega, Rosalie. – Carlisle pediu, também de pé.
- Mas é insuportável pensar que...
- Você sabe que eu não permitiria que isso acontecesse, Rose. – Edward respondeu sua frase incompleta com a voz fria.
- Do que ela está falando? – perguntei de novo.
- De nada com que você precise se preocupar, Nessie. – Bella respondeu, enquanto me abraçava.
- Rosalie. - continuou Carlisle – Nós já conversamos tudo o que tínhamos de conversar sobre esse assunto.
- Agora não é a hora. – tia Alice soou.
Tia Rosalie parou de lutar e de forma relutante pediu desculpas.
- Vamos embora! – Jacob disse, e se virou para a saída.
Eu vi Brady seguindo-o e então meu olhar cruzou com o de Leah. Ela me olhava com um ódio fulminante que apesar de durar apenas um segundo, senti me perfurar. Então ela acompanhou os dois porta a fora.
- Vamos para a cama. – Bella disse.
- Mas...
- Vamos, Nessie, já está tarde... – tia Alice pegou minha mão e foi me guiando para subir as escadas, como tinha feito alguns meses antes. Perguntei-me se esse seria o procedimento padrão para me impedir de saber das coisas.
Alguma coisa tinha acontecido, alguma coisa que magoou Jacob.
- Alice, por que Jacob está triste? O que tia Rose quis dizer quanto à mágica pervertida?
- Agora não é a hora Nessie.
- Mas eu quero saber! – senti minha voz aumentar de volume.
- Não. – Edward havia falado da porta.
Ele pareceu realmente assustador, eu me encolhi automaticamente.
- Não assuste a menina desse jeito, Edward!
- Ela tem que aprender a obedecer também, nós não estaríamos dizendo isso se houvesse outro modo. – ele soltou incisivo e frio.
- Jacob está bravo comigo? – perguntei avidamente, lágrimas escapavam pelos cantos dos meus olhos. – Ele nem olhou pra mim, ele não disse boa noite!
- Ele não está bravo com você. – tia Alice garantiu, enquanto limpava minhas lágrimas.
- Mas ele está chateado! – um começo de raiva, ela estava entendendo a importância disso?
Edward me olhava com aflição, como se estivesse lutando contra um grande peso. Porém se manteve imóvel como uma estátua.
- Não se preocupe, Nessie. Bella está conversando com ele agora, ele vai ficar bem.
- Sério?
- Pode ter certeza. Agora vá dormir.
- Por que tia Rosalie disse aquilo?
- Vá dormir, Nessie!
Eu ouvi a porta se fechando e sabia que Edward estava me monitorando, por instinto. Resolvi que seria melhor dormir e dissecar a cena quando tivesse oportunidade.

24 – Abandono

No dia seguinte eu acordei de extremo mau-humor. Ninguém pareceu se importar, todos pareciam tão compenetrados quanto eu estava.
Agora, minhas tias apenas me apresentavam diversas roupas pela manhã e eu escolhia a que eu tivesse gostado mais. Para o desprazer de tia Alice, eu havia criado verdadeiro horror a vestidos e costumava escolher agora apenas calças e blusinhas simples, com o que eu poderia me movimentar melhor. Eu deixava, no entanto, elas fazerem o que desejassem nos meus cabelos. Eles estavam, agora, tão longos que eu não conseguia deixa-los soltos o tempo inteiro.
Tia Rosalie estava extremamente quieta e eu deduzi que haviam dando uma tremenda bronca nela pelo dia anterior.
Eu não estava brava com ela, no entanto. O que ela disse trouxe à tona algum assunto importante que estavam me deixando de fora e que atingia potencialmente Jacob. Se ela não tivesse explodido, talvez eu nunca houvesse ouvido falarem sobre isso.
Eu sabia que não poderia perguntar a nenhuma delas sobre o assunto, mas também sabia que se eu insistisse, o próprio Jacob contaria.
Eu tinha certeza disso. Ele nunca mentiria para mim.
Quando terminei de me vestir, ao invés de Bella, era Edward que estava me esperando.
Isso era esperado. Eu havia deduzido também, que se eu insistisse Bella me contaria sobre o assunto, já que ela era a pior mentirosa do universo. Mas Edward que sabia disso estava me afastando dela, como ontem.
Eu o saudei ainda mal-humorada. Ele pareceu achar graça.
- Onde está Bella? – perguntei, por entre dentes.
- Bella... foi viajar.
- O que? – eu tinha consciência de meus olhos arregalados.
- Ela quis visitar seu avô Charlie, apenas para contar como estão as coisas por aqui. Parece que apenas os telefonemas não o estavam tranqüilizando. Ela levou fotos suas para mostrar como está crescida.
Ele estava sorrindo pra mim.
Se ele achava que aquele sorriso ia me enganar estava muito convencido de si mesmo, ou então não me conhecia muito bem. Como se eu não soubesse o quanto era difícil para os dois se separarem! Era como se tivesse cola entre eles, e Bella ainda era muito frenética com relação a me deixar, também.
Pensei tudo isso em uma velocidade intensa, que ele pareceu não reparar.
Uma parte de meu cérebro se perguntava sobre Jacob, outra se Edward conseguiria me ler claramente, outra se havia sido idéia dele ou de Bella a tal viagem e outra ainda o porquê. Qual seria este assunto que apenas mencionado forçou Bella a se afastar de mim?
- Não se preocupe. – ele falou no curto período que se seguiu, em que talvez ele estivesse tentando decifrar minha mente – Ela não vai demorar a voltar.
- Mas, ela ainda não é nova demais como vampira para viajar sozinha?
- Hum. Jacob foi com ela, parece que ele queria rever Sam e Billy, também.
Meu coração que era acelerado começou a martelar tão freneticamente que comecei a respirar mais rápido para suportar. Os dois se afastaram de mim. Eu arfei, Edward pôs uma mão em meu ombro e eu levantei relutante, meu rosto para olhá-lo.
- Eles vão ficar bem. – ele disse.
Milhões e milhões de coisas atravessaram meu cérebro.
- Tia Alice não pode prever isso. Jacob está com ela. – minha cara, provavelmente deixou um pouco claro a poderosa raiva que sentia.
Edward retirou a mão.
- Ela já viu Bella na casa de Charlie, depois dela se separar de Jacob.
- Sei. Brady e Leah?
- Eles também foram.
- Todos?
- Jacob não queria, até ameaçou usar a palavra de Alpha com eles, mas Brady estava ansioso em deixá-lo ir sozinho e... – ele abaixou a voz -... estava com saudades de Forks também.
- Eles vão voltar, não vão? – agora eu estava poderosamente ansiosa.
Edward olhou para a parede ao lado, como se houvesse algo interessante na pintura amarela.
- Alice não consegue prever isso. – ele estava mais frio de que jamais tinha visto antes. Eu rugi baixo e rapidamente me sobressaltei com isso. Nunca havia feito tal coisa sem estar caçando.
- Renesmee!
Eu corri em direção à porta
“Me deixe em paz!” – gritei dentro de minha mente suficientemente claro para ser ouvida.
Eu não conseguia imaginar como seria sem Jacob, seu sorriso receptivo, o olhar compreensivo. Ele era tão vital para mim quanto qualquer um dos Cullen.
Corri para a pequena casa deles o mais rapidamente que podia. Passei pela plantação onde as mudas começavam a brotar e, assim que as vi, lágrimas caíram sem que pudesse retê-las. Abri a pesada porta em um ímpeto, a esperança de encontrá-lo nos cômodos que me encaram vazios, sem remorso com minha dor, que era aguda.
Eu nunca tinha me sentido daquele jeito antes, todo o meu interior estava vazio como aquela casa. Ajoelhei-me sem querer no chão de madeira dura, não conseguia respirar direito, como se os pulmões estivessem completamente tomados água, sem espaço para o ar. Minha mente começou a girar um pouco, tive que segurar a cabeça com ambas as mãos para deter o efeito.
Ele tinha que voltar! Não era justo! Eu o queria ali, agora! Por que ele tinha que ter ido?
Eu não entendia, não conseguia pensar. Chorei por algum tempo até que conseguisse respirar normalmente, e então recomecei a raciocinar direito.
Eu estava sendo egoísta, aquela era a família dele. Se fosse eu, o que eu faria? Também gostaria de voltar a revê-los, muito tempo havia passado desde que chegamos aqui.
Minha mente pulsou voltando a analisar um assunto que eu havia deixado de lado, por que ele havia se afastado de Forks? Ele não era fã de tia Rosalie, e apesar de falar amigavelmente com Carlisle, Esme e tia Alice, também não era algo que o afastasse da família. Tio Jasper tinha apenas uma relação parcial com ele e sua relação com tio Emmett era mais de disputa masculina do que qualquer outra coisa.
Poderiam ser meus pais? Edward, ele o levava em consideração, eu sabia, com uma rara animosidade. E Bella? Eu sabia que os dois se importavam bastante um com o outro, apesar de discutirem convencionalmente.
E ele gostava de mim. Não entendia por que, mas gostava. Porém ele tinha ido, me abandonou.
Eu sabia que estava sendo infantil, que era algo natural, mas era como me sentia.
Ele tinha ido com Bella. Para protegê-la? Talvez. Talvez para proteger os outros dela, apesar de eu ter total confiança em sua força de vontade. Ela nunca havia matado nenhum humano e seus olhos mostravam o quanto estava acostumada com nossa alimentação “alternativa”.
E havia o tal assunto secreto – o da mágica pervertida – que havia provocado essa viagem. O assunto que talvez eu nunca soubesse o que seria. Mas eu não iria esquecer. Demorando o quanto demorasse, eu saberia. Era uma promessa.

Capítulo betado por Natália Smith

25 – Solidão

Se antes eu gostava de solidão, agora eu implorava por ela. Os momentos com minha família estavam se tornando insuportáveis. Além disso, parecia que quanto mais eu queria me afastar, mais era monitorada, mais se esforçavam para me satisfazer.
Eu havia percebido o quanto era mimada na primeira semana em que os Lobos e Bella haviam viajado. Depois do raciocínio que me levou a concluir que eu apenas estava vendo o meu ponto de vista quanto ao... Abandono, eu entendi que talvez fosse assim com muitas outras coisas. Que havia sempre meu ponto de vista quanto à tudo o que me cercava. Dessa forma tentei mudar as coisas sobre isso.
Sobre a vestimenta, que parecia ser algo tão importante para as minhas duas tias bajuladoras, eu deixei que continuassem a comprar quantas peças achassem necessário, contanto que eu pudesse escolher o que vestir. Meus cabelos estavam se tornando insuportáveis para mim, não conseguia me mexer direito com eles, não conseguia arrumá-los sozinha e quando soltos, eu os enroscava de forma vergonhosa, quando dava movimentos abruptos. Eu sempre estava com a cabeça longe e esquecia que os tinha tão compridos agora.
Aquilo era humilhante em relação aos leves movimentos naturais de todos, e apesar de Edward me confortar dizendo que era algo normal, eu me sentia mais idiota do que se ele não tivesse falado nada.
Sentia falta de Bella, era como se eu nunca tivesse dado o devido valor para sua companhia. A falta de sua humanidade latente, apesar de vampira, me deixava muito solitária neste sentido.
Eu tentava não pensar em Jacob, Brady e Leah. Eu havia chegado à conclusão que talvez Brady e Leah não retornassem. Talvez ambos estivessem infelizes aqui, sem seus irmãos lobos, sua família. Não gostava de pensar em Jacob. Eu sabia que não conseguiria encontrar uma solução para minhas dúvidas, então apenas deixava para depois sempre que algo provocava uma lembrança.
Eu havia pedido que Esme me ensinasse a cozinhar, e quando aprendi o suficiente para ler um livro de receitas, pedi para que eu tentasse aprender o resto sozinha. Assim quando tinha fome podia cozinhar para mim mesma.
Eu continuava a cuidar da plantação todos os dias. Esme me ajudava. Ela era a única, além de Carlisle, que não se incomodava quanto ao meu silêncio. Todos haviam se acostumado rapidamente comigo falando como uma matraca para não perceberem a mudança. Agora eu não falava porque não queria, e sim porque eu não achava que tivesse nada a dizer.
Estava lendo agora coisas mais densas como Sade, Bukowski, Anais Nin, Hemingway, Simone de Beauvoir, Virginia Woolf. Lia até meus olhos arderem. Eu preferia ler a viver minha vida sem graça.
À noite eu havia dito a todos que era muito injusto apenas eu escolher os filmes que iríamos ver – porque continuamos as sessões, conforme o costume – e que deveríamos revezar, então cada noite era de alguém. Todos nós passávamos pelas sessões sem ter uma palavra pronunciada, como se fosse algo profano soltar algum comentário. Depois do filme, eu ia para o meu quarto sozinha e deitava para dormir, automaticamente.
Bella passou uma semana em Forks. Me ligava todos os dias, com Edward ao meu lado todas as vezes. Ela sempre parecia tensa e com saudades, e eu tentava tranquilizá-la. Porém, sarcasticamente, minha mente resmungava que eu estava fazendo o que ela havia pedido. Eu não estava fingindo que não me importava com... A ausência deles. Eu não me fingia de animada e feliz.
Eu sentia a atmosfera pesada e sabia que era, novamente, por minha causa. Mas não conseguia mais sufocar tudo dentro de mim. Eu sentia raiva quase o tempo inteiro e quando não me sentia assim, era como se uma poderosa melancolia me tomasse.
Quando Bella finalmente retornou para casa, me senti bem. E ao abraçá-la e lhe sorrir de volta, eu estava alegre. Porém, não levou nem um minuto para que eu reparasse que a sensação que eu sentia não era aquela que eu procurava. Eu estava bem, estava contente, mas não era o suficiente.
Nós conversamos, ela me contou sobre a viagem, mas entendi, automaticamente, que havia algo grande que ela estava deixando de me contar. Ela parecia aliviada em me ver. Observou que eu parecia maior do que da última vez – deduzi que estava certa, eu estava apenas uns vinte centímetros mais baixa que ela agora – e comentou como Charlie e os outros sentiam minha falta. Mas ela não falou de Jacob e os outros. Eu também não toquei no assunto. Tinha alguma coisa que eu tinha que pensar, mas não agora com Edward em casa. Não agora.
Ela ficou comigo até eu adormecer. Eu me sentia cansada, sem saber do quê, exatamente. Nós combinamos de caçar no dia seguinte, que seria um Sábado. Eu me sentia fraca demais até para pensar, mas me lembrei que há tempos Edward não caçava também. Perguntei-me, enquanto adormecia, o porquê disso.
Depois de eu despertar e me lavar, eu desci para encontrar Bella, Edward, Carlisle e Esme. Os outros ficariam em casa, e eu previ que eles estavam um pouco satisfeitos em ter um pouco de privacidade. “Privacidade adulta”.
Nós partimos rapidamente. Eu ainda não era tão boa nisso quanto os outros. Como sempre, perdida em pensamentos, não conseguia me concentrar totalmente em meus instintos. A lembrança das antigas caçadas de brincadeira com Brady e Jacob também estavam nítidas o suficiente para me distrair. De qualquer forma, eu tinha que comer.
Quando chegamos perto o suficiente para que até eu sentisse o cheiro das renas, nós paramos.
Eles nunca haviam me levado para caçar carnívoros. Como eu era nova ainda e bem, não tão forte ou rápida como eles, era mais seguro que fosse assim. Nós nos separamos, nos posicionando de modo que pudéssemos cercá-los. Ficamos alguns segundos observando os animais pastarem.
Naquele momento, totalmente inapropriado, eu senti a raiva, que habitualmente me comprimia, crescer em meu peito. Eu olhava para aqueles animais e era como se eles tivessem provocado toda a dor que eu vinha sentindo nesses últimos dias, toda a frustração, tudo vinha deles.
Quando Carlisle finalmente deu o sinal para que atacássemos, foi como se tudo à minha volta se dissolvesse. Eu percebi os corpos deles se movendo à minha volta, cercando os animais. Mas, enquanto corria, me desviei deles. Eu queria o macho.
Eu percebi que um dos vultos havia mirado também o macho como alvo, percebi também que não poderia ser rápida suficiente para chegar antes. Então, num átimo, sabia o que fazer.
Eu pulei por cima do filhote que deveria ser destinado para mim, usando-o de apoio para subir em cima da fêmea, que bloqueava a distância entre mim e meu objetivo, como em uma corrida de obstáculos.
Enquanto saltava de um animal para outro, eu segurei o filhote pelo pescoço e, em pleno ar, arranquei sua cabeça violenta e rapidamente, então, mirando no vulto que disputava o meu premio, a lancei. Enquanto o vulto se distraiu, eu pulei na jugular do macho com um rugido.
A sensação de êxtase foi fabulosa, eu sorvi o sangue com prazer. Nunca antes sentira igual sensação na caçada, era como se tivesse exorcizando meus demônios. Quando finalmente me saciei, é que percebi o que tinha feito e olhei para trás.
Parece que não havia se passado muito tempo. Carlisle, Bella e Esme estavam parados ao lado de sua caça morta, olhando para mim e Edward... Bem, Edward segurava a cabeça do filhote na mão direita. Ninguém estava com uma expressão muito boa, principalmente Bella que olhava pra mim enraivecida e incrédula. Esme estava chocada, Carlisle olhava para mim... Como se estivesse desapontado, apesar de não estar surpreso. Olhei então para Edward. Ele segurou seus olhos nos meus por um momento, que pareceu longo demais para mim, que me sentia mais e mais envergonhada a cada segundo.
Então ele deu um meio sorriso sem graça.
- Isso não era necessário, Nessie. Matar o filhote. Você poderia ter dito que queria o maior.
- Eu... Sinto muito. – consegui dizer. Vi, para meu embaraço extremo, que estava chorando novamente. – Eu não sei o que aconteceu...
- Acho que já chega de caçada pra você. – Bella disse, enquanto encarava Edward. Ela parecia um pouco suplicante.
- Vamos para casa, querida. – Esme disse.
- Mas vocês não terminaram... – eu disse, secando convulsivamente as lágrimas ridículas.
- Pode deixar, Esme. – Bella disse. – Eu a levo para casa, encontro vocês depois.
Antes de sairmos, vi que Edward tinha assentido para Bella.
Nós nos dirigimos rapidamente para casa. Bella não falou comigo até chegarmos.

Quando finalmente saímos da floresta, eu me virei para ela. Eu estava composta agora.
- Eu vou para a casa dos Lobos. Queria ficar sozinha, se você não se importa.
Bella parou e me encarou. Parecia que queria falar milhões de coisas.
- Nós não vamos demorar. Estamos com o celular se houver qualquer problema.
Então ela me abraçou, deu a volta e se embrenhou pela floresta.
Caminhei lentamente até a casa. Eu não havia cuidado da plantação naquele dia.
Dobrei minhas mangas e comecei a trabalhar.

O que havia de errado comigo afinal? Sabia que... Desde que Jacob havia partido que eu não me sentia normal. Me lembrei, involuntariamente, da sensação de falta que me tomou apesar de estar contente com o retorno de Bella.
Eu não conseguia compreender. Pra falar a verdade eu nunca havia conversado verdadeiramente com Jacob. Ele nunca falou nada sobre ele, por exemplo. Nunca disse nada sobre por que... Gostava de mim. Eu sabia que Bella e Jacob eram amigos antes, que Billy e Charlie eram como família. Mas eu não sabia de mais nada.
Eu precisava tanto de respostas!
Eu chacoalhei a cabeça. Ele sempre me tratou como uma criança, sempre fui mimada por ele, assim como por todos os outros. Por que era tão difícil de conviver com quem me amava? Eu sempre fazia algo errado, sempre fazia eles se preocuparem. Eu não conseguia mais evitar isso. Não adiantava nada.
Então eu vi algo se mexer e, para minha surpresa, Leah estava parada na porta da casa.

26 – A Oportunidade

Leah parecia tão surpresa em me ver quanto eu em vê-la.
Sem pensar em nada mais, eu me levantei e corri em sua direção, frenética. Eu não sei o que ela pensou, acho que estava tremendo um pouco quando eu a abracei. Eu devo tê-la assustado. Quando dei por mim, estava rindo.
- Você pode me soltar agora, por favor? – ela disse, em meio a meu abraço.
- Me desculpe. – eu disse, ainda sorrindo.
- Se você esperava encontrar Jacob ou Brady, eles não estão aqui.
Aquilo me pegou de surpresa. Eu pisquei atônita.
- Você voltou sozinha?
- Sim.
Eu chacoalhei a cabeça de modo estranho. Mas que droga!
Ela me observou, com a cabeça inclinada.
- É realmente assustador o jeito como você cresce rápido.
- Os outros, eles vão voltar também? – eu sentia aquela emoção quente subindo para os meus olhos, a dor se formando novamente em meu peito.
- Eu acho que não. – ela disse. Parecia me estudar, com a cabeça inclinada e os olhos observadores.
- De qualquer forma, eu não consigo mais ficar lá. Aqui é realmente quieto e sossegado.
- Pensei que você não pudesse se separar do bando. – eu consegui dizer, minhas mãos se esfregavam agora.
- Jacob permitiu que eu viesse. Ele sabia que não me fazia bem ficar ali.
Eu me prendi a isso. Eu não conhecia Leah, nunca havia conversado com ela. Ela agora estava falando, então resolvi aproveitar.
- Eu posso perguntar por quê? – ela abriu os olhos de surpresa e depois os fechou em fendas.
- Não acho que você tenha interesse nisso. E depois – acrescentou ela, olhando para fora – Isso já é passado.
Eu parei de respirar rápido. Estava curiosa, alguma coisa para minha mente se apegar.
- Você me odeia?
Ela sorriu.
- Não. Bom, talvez um pouco. Mas sei que a culpa não é sua.
- Você poderia me dizer por quê?
Ela olhou para mim de uma forma nova, com uma expressão que nunca havia visto. Ela parecia tentada, como se soubesse que faria uma coisa errada. Eu prendi a respiração de novo, ela talvez soubesse o motivo maluco que tinha levado Jacob embora!
- Ele nunca me proibiu de tocar no assunto com você... – ela pareceu meditar em voz alta – Ele não gosta muito de proibir qualquer coisa.
Eu fiz uma cara implorativa.
- Sabe – ela disse – Eu acho que você tem direito a ouvir. Envolve você.
Eu estava consciente da minha sobrancelha direita erguida. Ela deu uma risadinha.
- Quando o resto de vocês volta? – ela perguntou, indicando a floresta com a cabeça.
Eu pensei por um momento. Eles normalmente precisavam de dois dias, pelo menos, para caçar o suficiente para se satisfazerem por um longo período de tempo. E sabendo como Edward vinha me monitorando nesses dias, deduzi que ele ia querer caçar o suficiente para ter de fazê-lo novamente só daqui um ano...
- Eu acho que só ao amanhecer.
- Isso é bom. Essa história vai demorar tempo demais.
Eu tremi involuntariamente.
Ela me convidou para entrar, sentando no sofá da sala. Eu me sentei em uma cadeira em frente a ela. Me sentia inquieta.
- Bom, então, por onde eu começo? Você quer saber por que eu te odeio, mas pra isso você precisa saber em que circunstâncias nasceu, e um bocado de coisas dos Quileutes. Talvez eu me encrenque com isso...
- Por favor! – eu arfei. – Eu preciso saber!

- Tudo bem. Eu sei disso tudo porque, como você sabe, nós temos o leve inconveniente de termos nossas mentes interligadas quando estamos... Transformados. Então tudo o que Jacob pensava, nós ouvíamos.
Eu sacudi minha cabeça, frenética.
- Você sabe que um tempo atrás Edward deixou Bella...
Eu saltei do lugar.
- Você não sabia?
- Eu estou começando a achar que eu não sei de absolutamente nada.
- Certo. Ele deixou Bella porque achava que estava fazendo mal para ela viver com ele. Era perigoso, essas coisas. Eu a vi na mente de Jacob, quando ela foi se encontrar com ele pela primeira vez depois que isso aconteceu. Ela estava um caco, parecia morta. Durante esse período eles se encontravam muito e Bella começou a depender dele, sabe?
Eu tive consciência de que estava na ponta da cadeira, voltei para a posição original.
- Então Jacob se transformou pela primeira vez. É uma droga quando isso acontece, a gente fica muito confuso. Além disso, Bella ainda era humana e existem regras para não contarmos essas coisas para os humanos. Mas os dois não queriam ficar separados...
Senti um frio na barriga. Algo em minha consciência estava me incomodando, eu a ignorei.
- Então, com umas dicas de Jacob, Bella acabou adivinhando o que tinha acontecido. Eles voltaram a se encontrar como antes, mas um dia sua mãe resolveu pular em um de nossos penhascos...
- Como é? – deixei escapar.
- Você vai me deixar continuar ou não? Eu já estou editando um monte de coisas e ainda parece comprido demais pra contar!
- Desculpa, não vou fazer de novo.
- Então, ela pulou e quase morreu. Sam a salvou – aqui ela olhou pra baixo – e ela ficou bem. Só que a sugadora médium (entendi como Alice) teve uma visão incompleta da cena e foi correndo pra Forks. Então a sugadora loira (Rosalie) contou pra Edward que Bella estava morta. Ele, quando soube, foi para a Itália pedir aos... Volturi – eu vi seus pelos se arrepiarem e o maxilar trincar – para morrer.
Eu segurei minha respiração – “O quê?” – mas me contive a tempo de não interrompê-la novamente.
- Bella foi atrás dele e os dois voltaram a ficar juntos.
Então foi assim que Bella conheceu os Volturi?
- Só que agora tinha a relação de Bella e Jacob.
Minhas unhas agarraram os braços da cadeira.
- Os dois se gostavam, mas Bella preferiu Edward.

27 – Choque do passado

Eu rosnei baixo, ela olhou pra mim surpresa.
- Me desculpe. – eu disse lentamente, tentando controlar meus sentimentos. – Quando você diz se gostavam?
- Eles estavam apaixonados. – ela disse com um ar de malícia em seus olhos.
- É mentira! – eu disse, me levantando.
- Eles até se beijaram. – ela disse sorrindo.
Sem pensar no que fazia, eu fui até ela e agarrei, desesperada, os seus ombros. Eu a chacoalhei, enquanto tentava achar a mentira no seu olhar.
- Maldita! É mentira! Fala que é mentira! Agora!
Ela continuava quieta, ela parecia estar exultante de satisfação.
Eu abaixei minha cabeça, ainda segurando em seus ombros. Se eu achava que tinha sentido dor antes, aquilo era incomparável. Não tinha chegado aos pés do que eu sentia agora, ou não sentia. Eu sequer existia. Era apenas dor, um fosso, nada. Queria rasgar minha pele com as unhas, qualquer coisa pra fazer isso parar.
A imagem dos dois se beijando. Aquilo era revoltante, era impossível!
Era por isso! Era por isso que ele tinha vindo conosco! Era por isso que tinha ido embora!
Ele amava Bella! Eu a odiava, odiava ele. Todos mentirosos! Eu queria matar alguém!
Eu abri meus olhos, em meio aos soluços.
Eu não queria ter sabido. Eu não precisava saber disso. Por que eu perguntei? Por que tive que inventar perguntar? E ela, ela não devia ter falado!
Eu olhei para Leah. Ela apenas me contemplava, vazia. Então eu olhei em seus olhos. Eu não estava quente, eu era o fogo. Eu tremia de ódio. Ela nunca devia ter me contado nada. Nunca aberto a boca! Nunca me contou, nada. Eu não sei de nada.
- Não aconteceu! Não aconteceu!
Percebi que estava berrando dois segundos depois do jato ter passado por minhas mãos.
Tirei automaticamente minhas mãos de Leah, que piscou duas vezes antes de perceber que era eu que estava na sua frente.
- O que você está fazendo aqui? – ela perguntou desconfiada.
Eu olhei para minhas próprias mãos, o que eu tinha feito?
- O que está acontecendo? Por que você está chorando? – ela estava realmente confusa.
Eu ainda encarava as minhas próprias mãos, como se tivesse cometido um assassinato.
Então, como se tivesse sido convocado de algum lugar no Inferno, Jacob apareceu na porta.
Ele deve ter perdido um segundo contemplando a cena:
Leah, agora levantada, estava com um dedo levantado em minha direção e eu... Bem, eu mal conseguia entender que Jacob estava na porta. Lembro-me de ter achado que estava delirando.
De qualquer forma, antes que qualquer uma das duas pudesse reagir, ele tirou suas próprias conclusões.
- O que você fez, Leah? – ele se aproximou dela rápido, a voz acusadora, mais como um rosnado do que palavras.
- Eu não fiz nada! Eu juro! – ela estava gritando também. – Quando percebi, ela estava aqui na minha frente, desse jeito!
- Saia daqui! – ele rosnou, entre dentes.
Ela fez uma careta de raiva, mas se dirigiu para a porta.
- Menina maluca. – resmungou antes de sumir.
Ele a seguiu com o olhar, algo de assassino em sua face. Então, quando se voltou para mim, tudo aquilo sumiu. Seu lindo sorriso estava de volta em seu rosto, a cor clara dos dentes contrastando com a pele castanha. Os olhos, me olhando como se eu fosse especial.
Ele hesitou um segundo então me puxou em um abraço apertado.
- Com os diabos! – ele resmungou enquanto me puxava.
Ele nunca havia me abraçado antes, nunca. Antes era mais como se eu envolvesse seu pescoço do que qualquer outra coisa. Ou talvez eu que não me lembrava. Talvez nunca tivesse verdadeiramente sentido seu abraço como naquele dia.
A pele quente do peito nu dele. O cheiro, como era bom! Lembrava madeira antiga, algo como tempero misturado. Eu nunca tinha reparado antes? Eu nunca tinha percebido essas coisas? Eu sentia seu coração batendo contra minha orelha.
Lembro de ter ficado embriagada por sua presença, antes de recordar do que tinha acontecido antes de ele chegar. Então, lutei contra o abraço, contra o cheiro, contra ele. Ele me libertou e eu me afastei dois passos, imediatamente.
Eu me segurei no sofá com a mão esquerda, antes de começar a sufocar com a dor descontrolada de novo. Dane-se! Monstro! Desgraçado! Filho da mãe!
Comecei a tremer de novo, trinquei os dentes. Não queria chorar na frente dele. Nunca mais.
Prometi que nunca mais choraria na frente de ninguém, essa era a última vez. A última. Por que era tremendo, incontrolável. Mas assim que eu conseguisse, que eu conseguisse finalmente parar, então nunca mais eu choraria de novo.
- O que foi, Nessie? Me diz, por favor! O que aconteceu?
- O que está acontecendo aqui?
Eu olhei para a porta e Bella estava parada, nos olhando.
- O que você fez, cachorro sarnento? – Edward apareceu atrás dela.
Eu encarei os dois. Na verdade os três, que agora se olhavam com múltiplas acusações. O que eu tinha a ver com aquilo? Por que eles simplesmente não se resolviam e me deixavam em paz?
- Nós permitimos que você voltasse antes porque achamos que fosse o melhor... – começou Bella.
- Permitiram? Eu iria voltar de qualquer jeito. Já estava quase chegando quando vocês ligaram. Eu faria qualquer coisa...
- Você ia fazer o quê?- meu pai soou ameaçador.
Então uma dor intensa me fez curvar sobre minha barriga, algo parecia estar se rompendo dentro de mim. Essa dor era física e um pouco diferente. Eu gemi. Todos eles gritaram meu nome ao mesmo tempo e vieram até mim.
- Saiam daqui! – eu rosnei. – Me larguem!
Então, devagar, consegui ficar em pé. A dor era totalmente poderosa.
Eles me olhavam mortificados.
- Edward... – Bella chamou, me encarando.
- Não aconteceu, Bella. Eu vi a mente dele. Ainda não, ele vê só a menina.
- Muito obrigado! – Jacob falou, como se tivesse cuspido as palavras.
- Então... – ela olhava pra mim.
- Eu não sei. – Edward disse. – Jacob já a encontrou assim.
Eu não entendia uma palavra do que diziam. As dores me torturavam, eu estava fazendo uma força tremenda para me concentrar. A dor que me perfurava o peito era emocional, estava também se completando com um ódio intenso, como se toda a raiva que eu pudesse sentir estivesse se reunido. A dor física apenas aumentava meu ódio, como se eles fossem responsáveis por isso, também.
- O que foi, Nessie? – Bella perguntou, exasperada. – Nós estamos ficando...

- Eu não ligo a mínima. – consegui dizer, ofegando.
- Renesmee. – Edward rosnou.
- Eu não ligo a mínima. – repeti, encarando-o.
Ele ficou aturdido, depois magoado, depois enraivecido e por fim impassível.
- Se é assim, eu vou deixar você em paz.
Eu sabia que, mais do que nunca, ele queria entrar na minha mente. Porém, olhando significativamente para Bella, ele saiu pela porta e sumiu nas sombras, que agora estavam em toda a parte.

Capítulo betado por Thaciane Millena

28 – Impressão

Depois de um tempo tentando me concentrar, virei-me para eles.
- Isso foi bom. – eu consegui dizer. Eles se mexeram, desconfortáveis. - Bom pra vocês, eu quero dizer - eles se entreolharam sem dizer nada. Talvez estivessem se perguntando se eu não estava louca, não sei.
A dor voltou de novo. A perfurante no meu peito. Tentei apagar a cena do beijo de minhas pálpebras, mas não saia. O ódio crescente continuava a me fazer falar.
- Foi tudo bem quando estavam juntos em Forks, Jacob? - eu o olhei, ele parecia tão torturado quanto eu. Talvez eu tivesse cutucado a ferida. Talvez Bella não tivesse dado bola pra ele.
- Não foi nada divertido. – ele disse. Bella me encarava com rugas entre os olhos, a pele de porcelana fazia parecer fendas.
- Você sabe sobre eu e Jacob, no passado. – ela citou, lentamente. Eu ri. Uma risada suja, dolorida. Encarei os dois, ainda segurando a barriga.
Jacob havia arregalado os olhos. E depois vi um alívio passando por seu rosto e acho que reparei que ele ficou um pouco envergonhado. Ele estava corando?
- Aquilo é passado, Nessie. – ele sussurrou.
- Sei.
- O que ele disse é verdade, Renesmee. – Bella falou, ela parecia séria.
- Tudo mudou depois que você nasceu. – ele continuou, a voz carinhosa. Eu fiz um barulho de desgosto.
- Você já ouviu falar da Impressão, Nessie? – era Bella de novo. Eu a encarei e então chacoalhei a cabeça em negativa. Jacob a havia olhado, agora ele parecia assustado.
- Acho que é hora de te contar, então – ela continuou. – Você não quer se sentar?
- Estou ótima assim. – soltei, entredentes de novo. A verdade é que não tinha certeza se conseguiria me mexer.
- Muito bem. – Bella soou, ela parecia aflita.
- Os lobos tem muitas coisas, você sabe de algumas delas – Bella começou. – Mas outras nós não comentamos com você. Principalmente essa.
- Eu adoraria que vocês não fizessem mais isso. – eu disse, a frase não ficou muito inteira. Dois soluços embaralharam um pouco as palavras. Jacob começou a andar de um lugar para o outro.
- Tudo bem. – ela forçou – A Impressão acontece quando um lobo Quileute encontra, você sabe, o par perfeito.
- Argh! – saiu entre meus dentes. Só me faltava Jacob ter tido isso com Bella. Ela me ignorou.
- É como um tipo de mágica. Todo o mundo não faz sentido sem essa pessoa, ele se torna cativo dela - eu a encarava agora, curiosa. A mágica pervertida era disso? Jacob tinha parado de andar e me encarava ansioso.
- Jacob teve a Impressão por você, logo depois que você nasceu. É por isso que a guerra com os lobos Quileutes parou. As regras mudaram. Eles tinham que respeitar a Impressão
Eu congelei. O quê? Comigo? Mas isso não fazia sentido!
- Ele foi embora! – eu acusei.
- Eu fui embora por que todos estavam preocupados. – Jacob agora argumentava, ele falava com urgência, os olhos assustados com minha possível reação.
– Você cresce rápido demais. Eu não vejo você assim, ainda... - eu engoli em seco, eu estava seca. - Mas poderia acontecer cedo demais. Você poderia não estar preparada. Não era justo pra você estar presa a
isso. - Mas você amava Bella. – eu disse, não entendendo ainda.
- Mas só porque você nasceria dela. – ele completou, extasiado.
- Era inevitável. – ela disse
- Nós não poderíamos nos separar – ela soava mais como Edward do que com ela mesma. Eu olhei para os dois por um minuto, atônita. Os dois, preocupados, esperavam pela minha resposta.
Eu abaixei minha cabeça, a compreensão tomando meu corpo. A Impressão.
Jacob estava preso em mim e eu a ele. Eu estava? Eles tinham estado presos um ao outro também. Era isso, então?
Eu sorri comigo mesma. De repente até a dor física parecia ter parado. A hilariedade da situação me tomou por completo, eu comecei a gargalhar. Minha gargalhada ecoou por alguns minutos. Eu tinha consciência de que provavelmente parecia maluca mesmo, mas não estava ligando.
E os encarei de novo, enquanto enxugava os olhos. Eles pareciam aliviados, estavam sorrindo, também.
Eu ainda dei algumas risadas até conseguir respirar normalmente, ainda estava recuperando o fôlego um pouco quando respondi.
- E vocês acham, realmente, que isso desculpa alguma coisa que vocês tiveram no passado? – eu perguntei, enquanto franzia o cenho. Jacob parecia que tinha levado um soco e Bella parecia envergonhada.
- Devo supor, então, que Jacob sentia uma paixão enorme por Edward também, já que foi ele que ajudou a me gerar, não é? – agora eu estava feroz, o ódio me engolfando.
- Essa é a desculpa mais ridícula que já ouvi. – o desprezo estava implícito em minha voz. - Como se você... - eu me aproximei de Jacob, ainda um pouco inclinada pela dor, que parecia estar voltando. - Como se você não tivesse querido ela! Sonhado com ela! – eu apontava pra ele, que estava sem reação, envergonhado.
- Diga que estou mentindo! – eu pedi, as lágrimas tomando conta de mim de novo.
- E tudo parou por causa de um tipo de mágica! Que ótimo! – eu me movimentava como louca em frente deles.
- Se não fosse isso, Jacob, você não iria querer que eu estivesse morta? Por fazer Bella quase morrer, fazer você perdê-la? – eu o acusava.
Tinha me lembrado dos detalhes de meu nascimento (Bella apenas “sobrevivera” porque tinha sido transformada) agora quase implorando que fosse mentira de novo. Que eu tivesse deduzido errado, enquanto aquela história de Impressão penetrou em mim.
- “...É por isso que a guerra com os Lobos Quileutes parou. As regras mudaram. Eles tinham que respeitar a Impressão...” , não foi isso, Bella? – eu joguei pra ela, um pouco orgulhosa de minha memória e dedução.
Os dois me olhavam agora como se eu os tivesse esfaqueado. Então eu tinha razão. Eu sacudi a cabeça, a dor, eu sabia, ia me tomar a qualquer momento agora. Eu tinha que sair dali.
Eu precisava.
Então saí correndo.

29 – A Fuga

Eu precisava sair dali, de perto deles. Sempre controlada, sempre manipulada. Eu não queria mais aquilo. Tudo me sufocava.
Enquanto corria, eu percebi que a dor não conseguia me tomar, então continuei correndo. Eles não podiam me encontrar, eu não podia voltar, não agora.
Percebi que os sapatos pequenos que tinha escolhido de manhã não me deixavam correr direito, eles pareciam apertar meu corpo inteiro, então parei para retirá-los. Quando o fiz, me arrependi.
Edward estava parado ao meu lado.
- Eu ouvi a última parte, Nessie. – Edward disse. Eu chacoalhei a cabeça como se pudesse espantá-lo.
- Por favor, vá embora. Eu não posso mais...
- Viver entre nós? – ele completou. Eu tentei encará-lo, mas a falta de luz e minhas lágrimas não ajudaram.
- Você sempre soube. – eu soltei, com desprezo.
- Eu adivinhei. – ele disse, a voz sussurrada. Ele então se aproximou rapidamente de mim e me deu um beijo na cabeça antes que eu pudesse impedí-lo, depois se afastou novamente.
- Apenas volte, Nessie. Nós estaremos esperando.
Eu continuei a correr, sem ouvir nada, exceto que ele me deixaria ir. Estava agora sem os sapatos. Sabia que Edward era o mais rápido, mas os outros não estavam muito atrás.
Continuei correndo, a dor agora retornando apesar disso.
Os galhos passavam à minha volta, saltava os troncos caídos e tentava olhar o chão para não tropeçar. Então ouvi o som do rio que tinha abaixo da propriedade. Em um minuto cheguei até ele.
O rio era volumoso e escuro. Tudo estava escuro. Percebi que se só o atravessasse eles me encontrariam rapidamente. Então, como na caçada, sabia o que fazer. Eu arfei, tinha que ser rápida. Atravessei o rio com um salto que quase me derrubou. Fique momentaneamente feliz, nunca tinha conseguido dar um salto desses. Mas a urgência da dor me tomou, assim como a adrenalina. Eu sentia como se estivesse em uma caçada, só que eu era a presa indefesa.
Eu corri o máximo que pude, muito rapidamente. Talvez eu tivesse cerca de cinco minutos até eles me alcançarem. Então cheguei a uma rodovia, alguns carros passavam com velocidade. Torci para a escuridão me ajudar e taquei um sapato, depois o outro para o outro lado, depois das duas pistas. Ouvi o baque surdo e consegui enxergar os sapatos entre o vão dos carros em movimento.
Depois, disso eu me virei e segui exatamente pelo caminho que tinha corrido até ali para voltar ao rio. Eles deviam estar muito perto agora. Então eu inalei e pulei no rio.
Deixei a correnteza me levar enquanto boiava, se eu nadasse talvez fizesse muito barulho. Fiquei assim por pelo menos dez minutos e então comecei a nadar com toda a força que podia.
Enquanto eu estava nadando me senti bem, de repente. Como se tivesse sido feita para aquilo. A dor física amenizou sensivelmente e a outra dor eu enfiei em algum lugar remoto de meu cérebro. Era muita coisa. Eu nadava.
Estava escuro, o céu era realmente lindo acima de mim, eu continuei nadando.
Conseguia ouvir os animais à minha volta e mais nada, um silêncio maravilhoso, continuei a nadar.

A mata passava rapidamente por mim, eu até que nadava rápido. Eu não me lembrava de alguém ter me ensinado a nadar algum dia, eu simplesmente sabia o que fazer, como ir mais rápido, eu só sabia e continuava a nadar.
Estranhamente, eu não estava me sentindo cansada, acho que nunca me senti mais viva do que ali, eu não tinha sono ou que descansar, só nadar.
Quando vislumbrei a luz do sol começando a nascer é que me perguntei se haviam se passado horas, não parecia que tinha sido todo este tempo que estava na água. Eu ainda não estava cansada.Era extremamente relaxante, me perguntei por quê.
Era uma sensação de infinitude, não sei, como se o mundo me pertencesse. Eu era a dona do meu destino. Então continuei nadando. Certo momento, eu achei que o sol estava a pino, me perguntei, novamente quanto tempo tinha passado. Eu não sentia, continuei nadando.
Então, quando várias luzes e sombras já haviam se passado sobre mim sem o meu controle, senti que começava a escurecer novamente, uma grande pontada no baixo ventre retesou meu corpo como se não pudesse esperar mais, na mesma parte do meu corpo onde antes eu havia sentido a dor a uma vida atrás de mim.
Sabia que não tinha mais como evitar que acontecesse, então saí da água. Nadei para a borda ligeiramente encurvada até alcançá-la, então saltei para o seco. Aquilo parecia muito simples agora. Me arrastei até embaixo de uma árvore e esperei. Não demorou muito.
Ela começou como um golpe e então senti como se espalhasse para minhas pernas, amolecendo-as. Me encurvei, será que eu estava morrendo? Eu não ligaria, contanto que a dor passasse, mas ela só continuava vindo, em ondas. Eu gemi alto, não tinha por que ter medo ou vergonha, eu conseguia ouvir cada ser que estava à minha volta.
Eu me ajoelhei, segurando o baixo ventre com ambas as mãos. Aquilo durou certo tempo, as ondas vinham e depois iam ficando mais fracas. Eu segurava um tronco de árvore quando a dor piorava, até que ele quebrou sobre meus dedos. Comecei a me arrastar para outra árvore, mas senti que estava se amenizando. Eu me deitei no chão de terra e fiquei ali, respirando rapidamente até que, sem perceber, adormeci.

Capítulo betado por Thais M

FIM



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