Capítulo Único
Querida Juliet,
Desculpe-me pelo tempo em que estive ausente. Faz algum tempo desde a última carta, sinto muito por isso. Devo dizer-lhe, que esta será a última que lhe escreverei. Meu tempo aqui está se findando, logo, estarei junto a você outra vez.
1986
Lembro-me de estar caminhando com minha mochila nas costas em direção à minha casa, quando me deparei com uma cena não muito comum, na residência ao lado da minha. Uma garota, parecia ter minha idade, mas ela era bem menor e bem magrinha também – constatei isso porque sua magreza era de longe notada - Seus bracinhos finos estavam cruzados em frente ao peito e um bico adorável se formava em seus lábios, enquanto ao seu lado, uma mulher gesticulava e, não podia ouvir com certeza, mas parecia tentar convencer a garotinha de alguma coisa. Quando sai pela manhã para caminhar em direção ao ponto de ônibus que ficava perto de casa, lembro-me que não havia movimentação alguma na casa ao lado. Na verdade, me lembrei, de que não havia movimentação ali já fazia algum tempo. Vizinhos novos. Constatei depois de um tempo.
Continuei caminhando, olhando a cena que se passava a poucos metros de mim, e nem percebi quando, sem querer, troquei os pés e cai estatelado no chão. Em um primeiro momento, senti minhas mãos pegarem fogo e depois todas as outras dores de um belíssimo tombo surgiram sem demora. Torci a boca e comecei a levantar, vagarosamente, e teria chorado com a fisgada que meu joelho deu, se não fosse por uma garotinha vindo correndo em minha direção com os olhos esbugalhados e semblante preocupado. Segurei o choro porque, bem, era uma menina ali. E eu não queria chorar na frente de uma menina. A mãe da garotinha – pelo menos era o que eu achava que ela era - vinha logo atrás dela, com menos pressa, porém não menos preocupada. Pelo menos era o que seu rosto dizia.
- Você está bem? – A mulher perguntou, parando atrás da menina que ainda me olhava com os olhos bem abertos.
- S-sim, foi só um ‘tombinho de nada. – forcei um sorriso, que deve ter parecido mais uma careta tamanha a dor que sentia nos joelhos e, principalmente, em minhas mãos.
- Certo, e onde é sua casa?
- Ali – apontei para a casa ao lado da sua. A mulher sorriu e se ofereceu para me ajudar a chegar em casa. Mesmo que estivesse praticamente em frente, eu não recusei. Meus joelhos realmente doíam. Ela e sua filha – que eu ainda não tinha certeza de ser realmente sua filha – me acompanharam até em frente as escadas que levavam à minha varanda e se despediram. Agradeci e me virei para entrar em casa. Porém, uma vozinha fina me fez parar e me virar para trás novamente. A garotinha tinha um dos braços estendidos em minha direção e um sorriso nos lábios. Seus dentinhos tortos e até mesmo um faltando, me fez rir baixinho. Não por ter achado graça, já que eu mesmo tinha acabado de perder um dos meus últimos dentes de leite, mas por ter achado fofo.
- Oi, meu nome é Juliet, sou sua nova vizinha! – Desci o único degrau que havia subido e estiquei meu próprio braço em direção ao dela, apertando sua mão sem demora.
- Eu sou o Louis – sorri gentilmente em direção a ela.
- Vamos filha, temos muita coisa para arrumar. – E não é que era mãe dela mesmo? Eu sou um gênio! Feliz comigo mesmo, observei a garotinha ir em direção a sua mãe e acenar para mim, que acenei de volta e com muito custo, subi os degraus que me levavam a porta de entrada e entrei em casa.
E foi naquele dia que tudo na minha vida mudou.
1988
- Você corre muito rápido Lou!
- Você que é lerda, Juliet! - parei de correr e voltei a andar normalmente para esperar minha melhor amiga chegar ao meu lado.
- É-é impossível a-acompanhar você! – ela dizia com a voz entrecortada devido a sua respiração desregulada.
Quase dois anos inteiros haviam se passado desde que Juliet se mudou para a casa ao lado da minha. Desde aquele dia, em que nos falamos pela primeira vez, viramos melhores amigos. Aos nove anos de idade é fácil fazer amizade. Agora tínhamos onze, e eu havia crescido um montão desde então, mas Juliet não. Quer dizer, ela estava mais alta, mas ainda continuava magrinha, o que dava a impressão de que não havia crescido praticamente nada. E eu não entendia porque sua aparência continuava a mesma.
- É porque você é muito pequenininha! – falei como se tivesse a maior certeza daquilo.
Chegamos ao parque que tinha perto de casa, com um lindo riacho de águas cristalinas correndo ao meio dele. Tinha vários brinquedos e um enorme lugar com a grama fofinha e muitas árvores para fazer piquenique. Sentamos embaixo de uma dessas árvores, e Juliet suspirou.
- Eu não sei porque não cresço, Lou. – um bico se formou em seus lábios. – Acho que é porque não consigo comer como papai ou como mamãe comem, sabe? Eu não consigo ingerir muito alimento. Às vezes – fez uma pausa para olhar para o céu, que estava simplesmente lindo nesse dia, diga-se de passagem – Eu nem consigo comer nada.
- E por que você não consegue comer? – Perguntei realmente curioso. Como alguém não conseguiria comer um enorme e delicioso pedaço de pizza? Ou uma lasanha? Ou uma incrível macarronada?
- Dói aqui – falou massageando sua barriga – E ai eu coloco tudo o que eu comi pra fora. – Agora ela estava triste. E eu também.
- E o que sua mãe fala que é essa dor?
- Ela diz que vai passar um dia. – Assenti.
- Sua mãe deve ter razão, então. – Concluo por fim, me deitando e fitando o céu. Juliet faz o mesmo, deitando ao meu lado. Ficamos em silêncio, apenas aproveitando o clima agradável e quando alguma nuvem encobria o forte sol que estava fazendo, nós íamos até o parquinho e brincávamos um pouco, voltando para as árvores quando o sol voltava a aparecer.
E esse foi um dos últimos dias normais e agradáveis que passamos juntos.
1989
Juliet e eu não estudávamos na mesma escola. Eu estudava em uma escola pública, e ela, em uma escola particular. Meus papais não tinham uma condição financeira que me permitia ter essa regalia. Mas minha escola era maneira! Não tinha muitos amigos, mas os poucos com quem eu conversava e brincava na hora do intervalo, eram o suficiente para mim. Eu e Juliet não pegávamos os mesmos ônibus também. Já que sua escola era de um lado da cidade e a minha, de outro. Eu chegava antes que ela, mas sempre a esperava no ponto para irmos embora juntos. Estava sentado no banco, brincando com meus próprios dedos, quando o ônibus de minha melhor amiga parou e as portas do mesmo se abriram. E naquele dia, quando vi Juliet sair de dentro dele, com a mochila agarrada em frente ao torço, sua roupa completamente suja e alguns hematomas nos braços, foi quando senti pela primeira vez uma coisa que no momento eu não conseguia explicar. Só sabia que meu coração estava doendo, de tão rápido que batia dentro do meu peito. Levantei rapidamente e meus olhos estavam ardendo. Juliet sequer olhava para mim, estava olhando para seus pés e pude notar uma lágrima caindo, lentamente, e indo de encontro ao chão. O ônibus já havia partido, mas nenhum de nós dois havia movido nenhum dedo ainda.
- Juliet, o que-
- Eu não quero falar. – Ela bradou antes que pudesse concluir minha pergunta, e no instante que terminou de falar aquelas palavras, que para mim já significava que algo de muito ruim havia acontecido, saiu correndo em direção à rua que dava para nossas casas. Eu ainda estava estático no mesmo lugar, mas depois de alguns segundos, tratei de correr na mesma direção, porém dessa vez, minha amiga correu rápido demais e só cheguei em sua casa a tempo de a ver entrando pela porta e fechando a mesma com uma força considerável. Pensei em ir até lá, bater na porta e pedir explicações, oras, eu estava preocupado! Mas no fim achei melhor ir para casa e aguardar até que Juliet quisesse me explicar o que havia acontecido.
E foi o que aconteceu depois de alguns dias. Quando soube o que havia acontecido, a única coisa que fiz foi querer chorar. Mas não podia porque Juliet estava em meus braços, abraçada a mim e chorando copiosamente enquanto com muita dificuldade contava que, naquele dia – pouco mais de uma semana atrás – alguns garotos, entre eles meninos e meninas, no final da aula, a cercaram e lhe falaram coisas horríveis, chamando-a de estranha, esquisita e coisas piores que não consigo lhes escrever aqui. E se já não bastasse, ousaram encostar e machucar minha Juliet. Um sentimento novo, que eu jamais havia sentido antes, despertou dentro de mim e me concentrei nele para ficar forte diante de minha amiga naquele momento. E esse sentimento era a raiva.
∞❤✍
Gostaria de poder dizer que depois daquele dia as coisas voltaram ao normal, mas infelizmente, não foi isso que aconteceu. Juliet não era mais a mesma. Seu sorriso fácil de todos os dias não estava mais presente, assim como sua vontade de brincar comigo. Nós ainda conversávamos, vez ou outra, mas nunca mais fora igual. Às vezes, nos víamos somente duas ou três vezes por mês. Isso porque, com o ocorrido de alguns meses atrás com Juliet na escola, seu pai era quem lhe levava todos os dias e também a buscava no fim das aulas. Ela quase não saia mais de dentro de casa. Soube, em uma das poucas vezes que conversamos, que ela estava indo ao médico e tendo consultas regulares para tratar de sua magreza - que hoje eu sei que se tratava de anorexia e transtorno alimentar.
Estávamos na última semana de 1989 quando minha amiga apareceu em minha porta, em uma tarde ensolarada. A princípio fiquei feliz em vê-la e um sorriso enorme apareceu em meu rosto, mas sumiu segundos depois ao notar que Juliet estava com os olhos inchados e vermelhos, revelando seu choro recente.
- O que houve? Você está bem? – perguntei já me lançando em direção a ela e segurando seu rosto em minha mãos. Ela deu um sorriso mínimo, com alguma dificuldade devido minhas mãos estarem lhe apertando.
- Estou sim Lou – ela fungou e levou suas mãos até as minhas, que ainda estavam em seu rosto, as afastando dali. – Só queria conversar com você. Podemos ir até o parque? – não acreditei em sua resposta sobre estar tudo bem, porém, aceitei de bom grado ir até o parque. Caminhamos em silêncio, um ao lado do outro. Chegamos até a parte das árvores e nos sentamos ali. Juliet ficou calada por alguns minutos, somente olhando para o céu. O clima estava quente naquela tarde, o sol forte demais e eu podia sentir as gotinhas de suor em minha nuca. Mas mesmo com esse calor, minha amiga estava com uma blusa de mangas longas, apesar de usar uma bermuda que ia até seus joelhos.
- Não está com calor? – perguntei, tentando quebrar o silêncio que estava se tornando barulhento demais para mim. Minha amiga negou com a cabeça, ainda fitando o céu. Assenti, e tentei me concentrar em qualquer coisa que me fizesse ficar mais calmo.
- As pessoas não gostam de mim. – Juliet falou, baixinho, e só pude ouvir porque estava praticamente colado a ela. Franzi o cenho, não entendendo muito bem o porquê de ela pensar assim.
- É claro que gostam Juliet, por que acha que não?
- Não gostam não, Lou. Elas são malvadas comigo. – meu coração apertou no mesmo instante e uma sensação de total angustia tomou conta de mim.
- E-eles machucaram você de novo? – me referi ao episódio de quase um ano atrás. Juliet riu, mas foi um riso contido e triste. Um nó se formou em minha garganta.
- As pessoas não precisam necessariamente encostar em você para te machucar. – pela primeira vez desde que iniciamos essa conversa, ela me olhou nos olhos, e eles continham uma tristeza que jamais vi em seu olhar antes. Não soube o que falar.
Naquele instante eu simplesmente perdi completamente minha capacidade de formar frases. Fiquei olhando seus olhos, que eu sabia quererem me contar alguma coisa, mas não me passava pela cabeça o que poderia ser. Conversamos mais depois disso, mas por alguma razão, não consigo lembrar dos diálogos inteiros. Me lembro de tê-la questionado se havia contado sobre aos pais dela, e lembro de sua resposta ser não. Lembro que fiquei estressado por isso, e falei que eu mesmo contaria, mas lembro que sua reação a isso não fora muito boa. Ela não queria que eles soubessem. E eu, naquele dia, soube que as coisas eram mais ruins do que eu imaginava.
Maio de 1990
Estava sentado em meu sofá, lendo algum gibi que não me recordo no momento, quando ouço batidas em minha porta. Franzi o cenho, questionando mentalmente quem poderia ser. Juliet com certeza não era, já que depois de nossa última conversa, quando fiquei realmente chateado por ela esconder dos pais o que se passava com ela em sua escola, ela praticamente não me olhava mais na cara. Literalmente. As batidas continuaram e me levantei, a contragosto, indo até a mesma. Quando abri, uma garota, mais ou menos da minha altura estava parada em minha frente, seus cabelos castanhos ondulados caiam como cascata por seus ombros, usava um vestido florido que ia até seus joelhos e segurava uma bolsa de mão em frente ao corpo. Seus olhos eram verdes e nos lábios carregava um sorriso contido, porém, incrivelmente lindo. Eu nunca a tinha visto antes, porém, depois que pus os olhos nela, não queria deixar de ver nunca mais. No auge dos meus treze anos, posso afirmar com toda certeza, havia me apaixonado. Uma paixão à primeira vista, como nos filmes.
E eu constatei isso ali, na minha porta, um minuto depois de abri-la. Um minuto depois de vê-la.
- Olá – sua voz saiu baixinha, mas foi o suficiente para me tirar do transe em que havia me colocado.
- O-oi – ótimo, Louis, gagueje mais. Seu grandíssimo idiota. É só uma garota, vamos lá!
- Você é o Louis? – Ela sabia meu nome, estranho demais. Porém, mesmo desconfiado, afirmei com a cabeça, o que foi o suficiente para que ela continuasse a falar. – Sou Harriet, amiga da Juliet. Bem, não amiga, amiga mesmo, sabe? Mas estudamos juntas. Enfim, ela me falou de você. Podemos conversar? É sobre algo muito sério! – palavras demais, muito rápido e minha cabeça chegou até a doer. Juliet nunca, nunquinha mesmo havia me falado dessa menina, e apesar de há poucos minutos atrás ter constatado minha paixão eminente por ela, bem, estava desconfiado. Mas, mesmo com uma pulga atrás da orelha, minha preocupação com Juliet me fez ignorar a desconfiança e permitir sua entrada. Sentamos no sofá e a garota não tardou a falar.
- Ela está com problemas!
- Que tipo de problemas?
- Tem um garoto na escola que sempre zoou ela. – meu sangue esquentou na mesma hora, lembrando do que Juliet havia me contado antes de simplesmente fingir que eu morri e não me falar nem um “oi” mais. – E ela gosta dele. – Espera, o que?
- Gosta em que sentido?
- Romanticamente, sabe? – franzi o cenho, o que? – Olha, eu sei que deve estar confuso pra você, mas, eu peço que só escute e depois devemos pensar em algo juntos, tá bem? – Pensar em que? Garota doida, meu pai! Mesmo não entendo nada e estando confuso para um caralho, deixei ela falar tudo o que tinha para falar e quando terminou, tudo o que eu queria era gritar. De raiva, principalmente.
- Ela não pode fazer isso! – falei alguns oitavos mais alto que o necessário. – Eu vou falar com os pais dela! É isso! – Acontece que, Juliet gostava de um garoto que era o maior merda de toda a escola, segundo Harriet. Sempre zoava minha amiga, mas de um tempo para cá está todo o amor do mundo com ela. Ele é cinco anos mais velho que a gente. Não é uma boa pessoa, e Harriet afirmou que ouviu ele falando para os amigos as intenções que tinha com Juliet quando a chamou para sair. Sim, sair. Com minha Juliet. Repare que quando digo minha, é no sentido mais puro da palavra, céus, essa garota era como uma irmã para mim! E mesmo tendo sido deixado completamente de lado por ela, todo o amor e carinho que sentia por ela nunca diminuíram. E eu sei que nunca diminuiriam.
Já estava rumando a passos firmes em direção a porta e Harriet me seguia, tão apressada quanto. Porém, imaginem minha surpresa quando abri a mesma e Juliet estava parada diante dela, com um semblante nada amigável? Pois é. Foi uma surpresa bem grande mesmo.
- O que você está fazendo aqui? – Sua pergunta fora direcionada a garota atrás de mim. Essa que recuou um passo ou dois quando viu minha amiga ali. Diante da falta de resposta, Juliet bufou irritada. – O quanto você está disposta a estragar a minha vida? – Nesse momento eu já não estava entendendo bulhufas do que estava acontecendo. E mais uma vez, Harriet ficou calada. – Tudo o que ela te disse é mentira! Ela gosta dele, é por isso que não quer me ver com ele! – Quem diabos era ele? O garoto que não era uma boa pessoa? Nesse momento me virei e fitei a garota ainda parada atrás de mim, e seu semblante era horrorizado, como se tivesse escutado a maior mentira já contada na terra. E eu, não sabia mais o que pensar. Tudo estava girando e senti que minha cabeça iria explodir com tanta informação em um só dia.
- Isso é ultrajante, Juliet! – Harriet finalmente falou, gritou, e minha cabeça deu uma fisgada. – Eu só quero o seu bem! Sei que não acredita em mim, mas eu sei o que eu ouvi!
- Ah, claro, porque é impossível alguém se interessar por mim não é?
- Não é isso Juliet, por favor! Eu não estou mentindo Louis! – olhei para a menina não sabendo, mesmo, no que acreditar.
- É mentira sim! Ele gosta de mim! Ele até me beijou! – nesse momento encarei Juliet com os olhos arregalados. Treze anos, ela tinha treze anos e o garoto tinha dezoito. Até eu mesmo sabia, com minha pouca idade, que aquilo era errado. Muito errado. E se Harriet tinha falado a verdade, o que ele pretendia fazer com Juliet era ainda pior. Mas Harriet estava falando a verdade?
∞❤✍
Dois dias haviam se passado e eu ainda não havia decidido em quem acreditar. Harriet havia indo embora depois de escutar mais alguns absurdos proferidos por Juliet. Absurdos segundo ela. Eu ainda não tinha certeza se concordava ou não. Uma das envolvidas era minha amiga, praticamente uma irmã que aprendi a amar. A outra, uma menina que havia conhecido a dois dias e que não sabia se era de fato uma boa pessoa, ou não. Se tudo o que Harriet me contou fosse verdade, minha amiga estava correndo perigo. Perigo de se entregar tão cedo para um babaca de merda que estava se aproveitando de seus sentimentos. Perigo de se expor completamente a um turbilhão de coisas horríveis que acarretariam desse seu “relacionamento” com esse garoto. Eu estava, literalmente, surtando. Com treze anos eu não deveria ter que me preocupar com esse tipo de coisa. Deveria gastar meu tempo brincando e jogando bola na rua. Estudando ou fingindo estudar enquanto lia algum gibi de super-heróis. Mas não, estava aqui me preocupando com Juliet. E sentindo uma coisa horrível em meu peito.
Obviamente que naquela época eu não entendia o que era a sensação esquisita no meu peito. Hoje sei que era um mal pressentimento. Uma forma do meu interior me avisar de que algo horrível iria acontecer. Uma forma de me avisar que na manhã seguinte toda a minha vida iria virar de ponta cabeça. Uma forma de me avisar que eu nunca mais iria ver Juliet. Nunca mais iria vê-la com vida.
∞❤✍
Lembro-me perfeitamente daquela manhã. Era sábado. Os raios solares que diariamente invadiam pelas cortinas do meu quarto todas as manhãs, não se fizerem presentes. O mundo quase que literalmente caia do lado de fora. O céu estava escuro e a chuva desabava em pingos grossos. Caminhei até a janela e, instintivamente, parei alguns passos antes de chegar até a mesma. Ignorando meu corpo que não queria se mover, andei os passos restantes até chegar na mesma e senti tudo ao meu redor parar, meu ar faltou e senti meu coração acelerar no peito. Carros de polícia. Carros de polícia em frente à casa de Juliet. Sua mãe estava abraçada ao seu pai, chorando, desesperada e o mesmo chorava também, segurando a mulher nos braços.
Nessa manhã, eu soube que você se foi. Soube que ele havia tirado você de mim.
Tudo o que aconteceu a seguir são como flashes em minha memória. Lembro-me de desabar no chão antes mesmo de pensar em correr em direção da casa ao lado para ter certeza do que havia acontecido. Eu sabia, eu já tinha certeza do que havia acontecido. Não precisava de ninguém me afirmando com todas as letras. Depois disso, tenho a imagem do seu velório, e de tantas pessoas que você nem conhecia chorando por você. Depois o enterro. Muitas rosas brancas foram jogadas em seu caixão, quando este já estava alguns palmos abaixo da terra.
Eu não falei que te amava uma última vez. Eu sequer sabia que seria a última vez. Nunca mais veria seu sorriso. Nunca mais brincaríamos no parque. Nunca mais faríamos planos para o futuro deitados embaixo de uma árvore olhando para o céu. Nunca mais poderia te abraçar e dizer o quanto especial você era para mim. Nunca mais. Nunca mais. Eu não conseguia aceitar isso. Eu só conseguia pensar em te ver de novo.
Ele tirou você de mim.
Mas para a polícia, você havia ido por vontade própria. Eu sabia que não.
Os cortes em seus pulsos, que eu sequer imaginei existirem, foram o aval que precisaram para afirmar com todas letras: Suicídio.
Ele tirou você de mim e eu só conseguia pensar em te ver de novo.
Foi o que tentei fazer três anos depois. Mas os remédios que tomei não foram o suficiente para me levar até você. Dos meus treze anos até os dezenove, eu me lembro vagamente. Mas foi em 1997 que tudo realmente desandou para mim.
1997
O cheiro do sangue estava por todo o lugar. Suas mãos tremiam segurando a faca que a pouco havia tirado a vida de um homem.
Pelas suas mãos.
Apesar da euforia que sentiu ao cortar a garganta do homem que tirou a vida de sua Juliet, sentiu pesar das coisas que o fez depois. Raiva. Esse era o sentimento que o controlava até segundos atrás. No entanto, agora, nesse exato momento, o sentimento que enchia seu peito era o de tristeza. A mesma tristeza que sentiu durante todos os anos que se passaram até ali.
Observou o homem estirado na cama sobre os lençóis banhados em vermelho escuro, com a garganta dilacerada e cortes profundos por todo o tórax. Cortes que formavam a inicial de Juliet. Sua Juliet. Olhou para seu rosto, agora completamente desfigurado, graças a mesma faca que lhe cortou a garganta, e chorou. Chorou por lembrar que esse rosto fora o último que Juliet viu antes de morrer. Acabou caindo de joelhos no chão – que também estava sujo de sangue – e deixou todas as lágrimas rolarem livremente não se preocupando em silenciar seus soluços sofridos. Chorou, tendo consciência do que acabara de fazer. Tirou a vida de um homem. O cortou inteiro como se fosse um pedaço de carne em um açougue. Apesar de sua consciência o atingir em cheio, não conseguia se arrepender. Não. Isso não. Fazer justiça com as próprias mãos não fora sua ideia no início, mas, com o decorrer do tempo e o caso de Juliet continuando fechado como suicídio, mesmo depois de suas incontáveis suplicas para que o investigassem como homicídio, o fez perder a cabeça. Agora sabia que teria que arcar com as consequências de seus atos. Mas não se importava verdadeiramente com isso. Fugir depois de matar o assassino de Juliet nunca fora seu plano. Iria se entregar. E foi o que fez ao sair daquele quarto com um peso a menos nas costas.
O assassino de sua Juliet estava morto.
2010
Estava pronto para dizer adeus à cela que foi minha morada por longos treze anos. Treze anos desde que o matei. Um crime bárbaro, que chocou o país, segundo a mídia. Mesmo depois de tanto tempo, ainda não me arrependo. E acho, verdadeiramente, que nunca me arrependerei. Até porque, meu tempo aqui está acabando. Hoje será a execução de minha sentença. Fui sentenciado a morte, se querem saber. E ainda assim, não me arrependo. Já havia tido minha última refeição. Meus cabelos já haviam sido raspados completamente, e haviam me deixado escolher se queria cadeira elétrica ou injeção letal. Bom, nunca fui uma pessoa adepta a gostar de sentir dor, então a minha escolha foi óbvia. Estava preparado.
Iria reencontrar Juliet. Mesmo com um medo fodido de ir para o inferno, no fundo da minha alma eu sentia uma pontinha de esperança de que ainda teria alguma chance de ir para o céu. Tinha certeza que Juliet estava lá. E eu queria tanto vê-la de novo, que se Deus for minimamente piedoso terá pena de mim.
Um guarda veio, me tirando de meus devaneios sobre céu e inferno, abrindo a porta da cela e me fitando divertido.
- Parece que hoje é seu dia de sorte, Louis. – Não entendi. Se sua intenção era fazer piada de minha situação, iria alertá-lo de que seu senso de humor era extremamente mórbido. – Seu advogado está aí. – Falou simplesmente. Estranhei. Minha sentença iria ser executada hoje. Não tinha mais o porquê de vê-lo. Não tinha mais o porquê do mesmo perder seu tempo comigo. Mesmo estranhando a situação completamente, andei a passos agitados em direção a sala à qual fui guiado. Quando o vi, ele estava com um sorriso no rosto e se levantou no mesmo instante em que passei pela porta. Me abraçou e eu continuei parado, sem saber o que fazer ou como agir. O que estava acontecendo, afinal?
- Veio se despedir? – Perguntei quando ele se afastou minimamente. Seu sorriso continuava ali.
- Pelo contrário meu caro Louis, trago ótimas notícias para você! Nós conseguimos! – exclamou, e eu o olhei como se fosse louco. Conseguimos o que, meu Deus? Percebendo meu silêncio, ele foi até a mesa disposta no centro da pequena sala, pegando uma pasta de arquivo cor de terra, e me entregou. – Abra!
No momento em que abri a pasta e li por cima seu conteúdo, todo o ar dos meus pulmões fugiram e senti minha cabeça girar. Eu precisava sentar. E sentei, no chão mesmo. Não conseguiria andar até uma das cadeiras ao redor da mesa nem se quisesse. Era uma pasta. Uma pasta com o caso de Juliet. Com detalhe das investigações, provas anexadas e muita coisa escrita. Demorei alguns minutos para perceber do que de fato se tratava, e meus olhos encheram de lágrimas quando coloquei meus olhos em uma frase das tantas e tantas escritas ali.
Caso Juliet Mills – Homicídio Doloso.
Estava com os olhos fixos na pasta a longos minutos. Mas ainda não entendia no que isso interferiria na minha sentença. Estava feliz, muito feliz. Não sabia como haviam investigado, quem havia investigado e o porquê de terem investigado – mesmo depois do caso ser fechado. Mas estava feliz. Mesmo sabendo que o culpado já estava morto. Eu o matei. O que nos leva novamente a questão: O que interfere na minha sentença? Externei essa dúvida em voz alta quando recuperei minha voz. E o que eu ouvi, me fez chorar com um bebê.
- As pessoas estão nas ruas, Lou. Estão na rua faz alguns dias pedindo pela sua vida. Alguém pagou agentes particulares para investigarem o caso da Juliet. Não foi só você que sabia que ela havia sido assassinada. Isso, as investigações, ocorrem desde a época do assassinato, porém, estavam paradas sem conseguir avançar durante muito tempo. Com o avanço da ciência e da tecnologia as evidências encontradas no local do crime e no corpo da Juliet foram devidamente investigadas e se comprovou o assassinato. Assim como ligou diretamente Corey Brandon ao crime. Ele a matou. Você sempre teve razão. O que, infelizmente, não apaga o seu crime. Mas as pessoas estão do seu lado. Elas estão do seu lado e gritando nas ruas contra sua condenação! E elas foram ouvidas, Lou! Você provavelmente vai passar por um novo julgamento e sua sentença será alterada. – naquele momento eu só sabia chorar, como já havia dito a cima. Eu achava que estava pronto para morrer, na verdade, eu tinha certeza. Mas depois da sensação de alivio que correu todo o meu corpo quando Bruce terminou de falar, fui perceber que estava pronto para tudo, menos, morrer. - Ah, tem mais uma coisa – ele disse me estendendo uma carta, a peguei e nem procurei pelo remetente antes de abri-la, podia tê-lo feito, assim me pouparia o choque que tive assim que terminei a leitura.
Querido Louis,
Quando Juliet foi brutalmente assassinada por Corey Brandon, uma parte de mim morreu com ela. Assim como você, quase que literalmente, morreu também. Eu sei que você se culpa por não ter acreditado em mim quando lhe contei sobre os planos de Corey. Porém, peço que pare de fazê-lo. Hoje, nós vencemos. Peço que me perdoe por não ter conseguido fazer a justiça alcançar Corey antes que você o alcançasse. Eu tentei, juro que tentei, mas a ciência dos anos 90 não me ajudou em nada. Juliet morreu lutando. Ela morreu por lutar contra o mal que Corey queria lhe fazer. E era isso que queria provar quando convenci meus pais a pagarem por agentes particulares ainda naquela época, quando, nem se quisesse, conseguiria fazer justiça sozinha. Não vou me estender nessa carta, você deve estar um turbilhão de emoções agora e bem, não o julgo nem um pouco. Para finalizar, quero que saiba que quando sair dessa prisão, porque você vai sair – tenha certeza disso já que vou lutar para isso até meus últimos dias -, vou estar esperando por você. Nos vimos somente uma vez, naquela tarde de 1990, mas meu coração é seu desde aquele dia. E será para sempre.
Com amor,
Harriet.
Desculpe-me pelo tempo em que estive ausente. Faz algum tempo desde a última carta, sinto muito por isso. Devo dizer-lhe, que esta será a última que lhe escreverei. Meu tempo aqui está se findando, logo, estarei junto a você outra vez.
1986
Lembro-me de estar caminhando com minha mochila nas costas em direção à minha casa, quando me deparei com uma cena não muito comum, na residência ao lado da minha. Uma garota, parecia ter minha idade, mas ela era bem menor e bem magrinha também – constatei isso porque sua magreza era de longe notada - Seus bracinhos finos estavam cruzados em frente ao peito e um bico adorável se formava em seus lábios, enquanto ao seu lado, uma mulher gesticulava e, não podia ouvir com certeza, mas parecia tentar convencer a garotinha de alguma coisa. Quando sai pela manhã para caminhar em direção ao ponto de ônibus que ficava perto de casa, lembro-me que não havia movimentação alguma na casa ao lado. Na verdade, me lembrei, de que não havia movimentação ali já fazia algum tempo. Vizinhos novos. Constatei depois de um tempo.
Continuei caminhando, olhando a cena que se passava a poucos metros de mim, e nem percebi quando, sem querer, troquei os pés e cai estatelado no chão. Em um primeiro momento, senti minhas mãos pegarem fogo e depois todas as outras dores de um belíssimo tombo surgiram sem demora. Torci a boca e comecei a levantar, vagarosamente, e teria chorado com a fisgada que meu joelho deu, se não fosse por uma garotinha vindo correndo em minha direção com os olhos esbugalhados e semblante preocupado. Segurei o choro porque, bem, era uma menina ali. E eu não queria chorar na frente de uma menina. A mãe da garotinha – pelo menos era o que eu achava que ela era - vinha logo atrás dela, com menos pressa, porém não menos preocupada. Pelo menos era o que seu rosto dizia.
- Você está bem? – A mulher perguntou, parando atrás da menina que ainda me olhava com os olhos bem abertos.
- S-sim, foi só um ‘tombinho de nada. – forcei um sorriso, que deve ter parecido mais uma careta tamanha a dor que sentia nos joelhos e, principalmente, em minhas mãos.
- Certo, e onde é sua casa?
- Ali – apontei para a casa ao lado da sua. A mulher sorriu e se ofereceu para me ajudar a chegar em casa. Mesmo que estivesse praticamente em frente, eu não recusei. Meus joelhos realmente doíam. Ela e sua filha – que eu ainda não tinha certeza de ser realmente sua filha – me acompanharam até em frente as escadas que levavam à minha varanda e se despediram. Agradeci e me virei para entrar em casa. Porém, uma vozinha fina me fez parar e me virar para trás novamente. A garotinha tinha um dos braços estendidos em minha direção e um sorriso nos lábios. Seus dentinhos tortos e até mesmo um faltando, me fez rir baixinho. Não por ter achado graça, já que eu mesmo tinha acabado de perder um dos meus últimos dentes de leite, mas por ter achado fofo.
- Oi, meu nome é Juliet, sou sua nova vizinha! – Desci o único degrau que havia subido e estiquei meu próprio braço em direção ao dela, apertando sua mão sem demora.
- Eu sou o Louis – sorri gentilmente em direção a ela.
- Vamos filha, temos muita coisa para arrumar. – E não é que era mãe dela mesmo? Eu sou um gênio! Feliz comigo mesmo, observei a garotinha ir em direção a sua mãe e acenar para mim, que acenei de volta e com muito custo, subi os degraus que me levavam a porta de entrada e entrei em casa.
E foi naquele dia que tudo na minha vida mudou.
1988
- Você corre muito rápido Lou!
- Você que é lerda, Juliet! - parei de correr e voltei a andar normalmente para esperar minha melhor amiga chegar ao meu lado.
- É-é impossível a-acompanhar você! – ela dizia com a voz entrecortada devido a sua respiração desregulada.
Quase dois anos inteiros haviam se passado desde que Juliet se mudou para a casa ao lado da minha. Desde aquele dia, em que nos falamos pela primeira vez, viramos melhores amigos. Aos nove anos de idade é fácil fazer amizade. Agora tínhamos onze, e eu havia crescido um montão desde então, mas Juliet não. Quer dizer, ela estava mais alta, mas ainda continuava magrinha, o que dava a impressão de que não havia crescido praticamente nada. E eu não entendia porque sua aparência continuava a mesma.
- É porque você é muito pequenininha! – falei como se tivesse a maior certeza daquilo.
Chegamos ao parque que tinha perto de casa, com um lindo riacho de águas cristalinas correndo ao meio dele. Tinha vários brinquedos e um enorme lugar com a grama fofinha e muitas árvores para fazer piquenique. Sentamos embaixo de uma dessas árvores, e Juliet suspirou.
- Eu não sei porque não cresço, Lou. – um bico se formou em seus lábios. – Acho que é porque não consigo comer como papai ou como mamãe comem, sabe? Eu não consigo ingerir muito alimento. Às vezes – fez uma pausa para olhar para o céu, que estava simplesmente lindo nesse dia, diga-se de passagem – Eu nem consigo comer nada.
- E por que você não consegue comer? – Perguntei realmente curioso. Como alguém não conseguiria comer um enorme e delicioso pedaço de pizza? Ou uma lasanha? Ou uma incrível macarronada?
- Dói aqui – falou massageando sua barriga – E ai eu coloco tudo o que eu comi pra fora. – Agora ela estava triste. E eu também.
- E o que sua mãe fala que é essa dor?
- Ela diz que vai passar um dia. – Assenti.
- Sua mãe deve ter razão, então. – Concluo por fim, me deitando e fitando o céu. Juliet faz o mesmo, deitando ao meu lado. Ficamos em silêncio, apenas aproveitando o clima agradável e quando alguma nuvem encobria o forte sol que estava fazendo, nós íamos até o parquinho e brincávamos um pouco, voltando para as árvores quando o sol voltava a aparecer.
E esse foi um dos últimos dias normais e agradáveis que passamos juntos.
1989
Juliet e eu não estudávamos na mesma escola. Eu estudava em uma escola pública, e ela, em uma escola particular. Meus papais não tinham uma condição financeira que me permitia ter essa regalia. Mas minha escola era maneira! Não tinha muitos amigos, mas os poucos com quem eu conversava e brincava na hora do intervalo, eram o suficiente para mim. Eu e Juliet não pegávamos os mesmos ônibus também. Já que sua escola era de um lado da cidade e a minha, de outro. Eu chegava antes que ela, mas sempre a esperava no ponto para irmos embora juntos. Estava sentado no banco, brincando com meus próprios dedos, quando o ônibus de minha melhor amiga parou e as portas do mesmo se abriram. E naquele dia, quando vi Juliet sair de dentro dele, com a mochila agarrada em frente ao torço, sua roupa completamente suja e alguns hematomas nos braços, foi quando senti pela primeira vez uma coisa que no momento eu não conseguia explicar. Só sabia que meu coração estava doendo, de tão rápido que batia dentro do meu peito. Levantei rapidamente e meus olhos estavam ardendo. Juliet sequer olhava para mim, estava olhando para seus pés e pude notar uma lágrima caindo, lentamente, e indo de encontro ao chão. O ônibus já havia partido, mas nenhum de nós dois havia movido nenhum dedo ainda.
- Juliet, o que-
- Eu não quero falar. – Ela bradou antes que pudesse concluir minha pergunta, e no instante que terminou de falar aquelas palavras, que para mim já significava que algo de muito ruim havia acontecido, saiu correndo em direção à rua que dava para nossas casas. Eu ainda estava estático no mesmo lugar, mas depois de alguns segundos, tratei de correr na mesma direção, porém dessa vez, minha amiga correu rápido demais e só cheguei em sua casa a tempo de a ver entrando pela porta e fechando a mesma com uma força considerável. Pensei em ir até lá, bater na porta e pedir explicações, oras, eu estava preocupado! Mas no fim achei melhor ir para casa e aguardar até que Juliet quisesse me explicar o que havia acontecido.
E foi o que aconteceu depois de alguns dias. Quando soube o que havia acontecido, a única coisa que fiz foi querer chorar. Mas não podia porque Juliet estava em meus braços, abraçada a mim e chorando copiosamente enquanto com muita dificuldade contava que, naquele dia – pouco mais de uma semana atrás – alguns garotos, entre eles meninos e meninas, no final da aula, a cercaram e lhe falaram coisas horríveis, chamando-a de estranha, esquisita e coisas piores que não consigo lhes escrever aqui. E se já não bastasse, ousaram encostar e machucar minha Juliet. Um sentimento novo, que eu jamais havia sentido antes, despertou dentro de mim e me concentrei nele para ficar forte diante de minha amiga naquele momento. E esse sentimento era a raiva.
Gostaria de poder dizer que depois daquele dia as coisas voltaram ao normal, mas infelizmente, não foi isso que aconteceu. Juliet não era mais a mesma. Seu sorriso fácil de todos os dias não estava mais presente, assim como sua vontade de brincar comigo. Nós ainda conversávamos, vez ou outra, mas nunca mais fora igual. Às vezes, nos víamos somente duas ou três vezes por mês. Isso porque, com o ocorrido de alguns meses atrás com Juliet na escola, seu pai era quem lhe levava todos os dias e também a buscava no fim das aulas. Ela quase não saia mais de dentro de casa. Soube, em uma das poucas vezes que conversamos, que ela estava indo ao médico e tendo consultas regulares para tratar de sua magreza - que hoje eu sei que se tratava de anorexia e transtorno alimentar.
Estávamos na última semana de 1989 quando minha amiga apareceu em minha porta, em uma tarde ensolarada. A princípio fiquei feliz em vê-la e um sorriso enorme apareceu em meu rosto, mas sumiu segundos depois ao notar que Juliet estava com os olhos inchados e vermelhos, revelando seu choro recente.
- O que houve? Você está bem? – perguntei já me lançando em direção a ela e segurando seu rosto em minha mãos. Ela deu um sorriso mínimo, com alguma dificuldade devido minhas mãos estarem lhe apertando.
- Estou sim Lou – ela fungou e levou suas mãos até as minhas, que ainda estavam em seu rosto, as afastando dali. – Só queria conversar com você. Podemos ir até o parque? – não acreditei em sua resposta sobre estar tudo bem, porém, aceitei de bom grado ir até o parque. Caminhamos em silêncio, um ao lado do outro. Chegamos até a parte das árvores e nos sentamos ali. Juliet ficou calada por alguns minutos, somente olhando para o céu. O clima estava quente naquela tarde, o sol forte demais e eu podia sentir as gotinhas de suor em minha nuca. Mas mesmo com esse calor, minha amiga estava com uma blusa de mangas longas, apesar de usar uma bermuda que ia até seus joelhos.
- Não está com calor? – perguntei, tentando quebrar o silêncio que estava se tornando barulhento demais para mim. Minha amiga negou com a cabeça, ainda fitando o céu. Assenti, e tentei me concentrar em qualquer coisa que me fizesse ficar mais calmo.
- As pessoas não gostam de mim. – Juliet falou, baixinho, e só pude ouvir porque estava praticamente colado a ela. Franzi o cenho, não entendendo muito bem o porquê de ela pensar assim.
- É claro que gostam Juliet, por que acha que não?
- Não gostam não, Lou. Elas são malvadas comigo. – meu coração apertou no mesmo instante e uma sensação de total angustia tomou conta de mim.
- E-eles machucaram você de novo? – me referi ao episódio de quase um ano atrás. Juliet riu, mas foi um riso contido e triste. Um nó se formou em minha garganta.
- As pessoas não precisam necessariamente encostar em você para te machucar. – pela primeira vez desde que iniciamos essa conversa, ela me olhou nos olhos, e eles continham uma tristeza que jamais vi em seu olhar antes. Não soube o que falar.
Naquele instante eu simplesmente perdi completamente minha capacidade de formar frases. Fiquei olhando seus olhos, que eu sabia quererem me contar alguma coisa, mas não me passava pela cabeça o que poderia ser. Conversamos mais depois disso, mas por alguma razão, não consigo lembrar dos diálogos inteiros. Me lembro de tê-la questionado se havia contado sobre aos pais dela, e lembro de sua resposta ser não. Lembro que fiquei estressado por isso, e falei que eu mesmo contaria, mas lembro que sua reação a isso não fora muito boa. Ela não queria que eles soubessem. E eu, naquele dia, soube que as coisas eram mais ruins do que eu imaginava.
Maio de 1990
Estava sentado em meu sofá, lendo algum gibi que não me recordo no momento, quando ouço batidas em minha porta. Franzi o cenho, questionando mentalmente quem poderia ser. Juliet com certeza não era, já que depois de nossa última conversa, quando fiquei realmente chateado por ela esconder dos pais o que se passava com ela em sua escola, ela praticamente não me olhava mais na cara. Literalmente. As batidas continuaram e me levantei, a contragosto, indo até a mesma. Quando abri, uma garota, mais ou menos da minha altura estava parada em minha frente, seus cabelos castanhos ondulados caiam como cascata por seus ombros, usava um vestido florido que ia até seus joelhos e segurava uma bolsa de mão em frente ao corpo. Seus olhos eram verdes e nos lábios carregava um sorriso contido, porém, incrivelmente lindo. Eu nunca a tinha visto antes, porém, depois que pus os olhos nela, não queria deixar de ver nunca mais. No auge dos meus treze anos, posso afirmar com toda certeza, havia me apaixonado. Uma paixão à primeira vista, como nos filmes.
E eu constatei isso ali, na minha porta, um minuto depois de abri-la. Um minuto depois de vê-la.
- Olá – sua voz saiu baixinha, mas foi o suficiente para me tirar do transe em que havia me colocado.
- O-oi – ótimo, Louis, gagueje mais. Seu grandíssimo idiota. É só uma garota, vamos lá!
- Você é o Louis? – Ela sabia meu nome, estranho demais. Porém, mesmo desconfiado, afirmei com a cabeça, o que foi o suficiente para que ela continuasse a falar. – Sou Harriet, amiga da Juliet. Bem, não amiga, amiga mesmo, sabe? Mas estudamos juntas. Enfim, ela me falou de você. Podemos conversar? É sobre algo muito sério! – palavras demais, muito rápido e minha cabeça chegou até a doer. Juliet nunca, nunquinha mesmo havia me falado dessa menina, e apesar de há poucos minutos atrás ter constatado minha paixão eminente por ela, bem, estava desconfiado. Mas, mesmo com uma pulga atrás da orelha, minha preocupação com Juliet me fez ignorar a desconfiança e permitir sua entrada. Sentamos no sofá e a garota não tardou a falar.
- Ela está com problemas!
- Que tipo de problemas?
- Tem um garoto na escola que sempre zoou ela. – meu sangue esquentou na mesma hora, lembrando do que Juliet havia me contado antes de simplesmente fingir que eu morri e não me falar nem um “oi” mais. – E ela gosta dele. – Espera, o que?
- Gosta em que sentido?
- Romanticamente, sabe? – franzi o cenho, o que? – Olha, eu sei que deve estar confuso pra você, mas, eu peço que só escute e depois devemos pensar em algo juntos, tá bem? – Pensar em que? Garota doida, meu pai! Mesmo não entendo nada e estando confuso para um caralho, deixei ela falar tudo o que tinha para falar e quando terminou, tudo o que eu queria era gritar. De raiva, principalmente.
- Ela não pode fazer isso! – falei alguns oitavos mais alto que o necessário. – Eu vou falar com os pais dela! É isso! – Acontece que, Juliet gostava de um garoto que era o maior merda de toda a escola, segundo Harriet. Sempre zoava minha amiga, mas de um tempo para cá está todo o amor do mundo com ela. Ele é cinco anos mais velho que a gente. Não é uma boa pessoa, e Harriet afirmou que ouviu ele falando para os amigos as intenções que tinha com Juliet quando a chamou para sair. Sim, sair. Com minha Juliet. Repare que quando digo minha, é no sentido mais puro da palavra, céus, essa garota era como uma irmã para mim! E mesmo tendo sido deixado completamente de lado por ela, todo o amor e carinho que sentia por ela nunca diminuíram. E eu sei que nunca diminuiriam.
Já estava rumando a passos firmes em direção a porta e Harriet me seguia, tão apressada quanto. Porém, imaginem minha surpresa quando abri a mesma e Juliet estava parada diante dela, com um semblante nada amigável? Pois é. Foi uma surpresa bem grande mesmo.
- O que você está fazendo aqui? – Sua pergunta fora direcionada a garota atrás de mim. Essa que recuou um passo ou dois quando viu minha amiga ali. Diante da falta de resposta, Juliet bufou irritada. – O quanto você está disposta a estragar a minha vida? – Nesse momento eu já não estava entendendo bulhufas do que estava acontecendo. E mais uma vez, Harriet ficou calada. – Tudo o que ela te disse é mentira! Ela gosta dele, é por isso que não quer me ver com ele! – Quem diabos era ele? O garoto que não era uma boa pessoa? Nesse momento me virei e fitei a garota ainda parada atrás de mim, e seu semblante era horrorizado, como se tivesse escutado a maior mentira já contada na terra. E eu, não sabia mais o que pensar. Tudo estava girando e senti que minha cabeça iria explodir com tanta informação em um só dia.
- Isso é ultrajante, Juliet! – Harriet finalmente falou, gritou, e minha cabeça deu uma fisgada. – Eu só quero o seu bem! Sei que não acredita em mim, mas eu sei o que eu ouvi!
- Ah, claro, porque é impossível alguém se interessar por mim não é?
- Não é isso Juliet, por favor! Eu não estou mentindo Louis! – olhei para a menina não sabendo, mesmo, no que acreditar.
- É mentira sim! Ele gosta de mim! Ele até me beijou! – nesse momento encarei Juliet com os olhos arregalados. Treze anos, ela tinha treze anos e o garoto tinha dezoito. Até eu mesmo sabia, com minha pouca idade, que aquilo era errado. Muito errado. E se Harriet tinha falado a verdade, o que ele pretendia fazer com Juliet era ainda pior. Mas Harriet estava falando a verdade?
Dois dias haviam se passado e eu ainda não havia decidido em quem acreditar. Harriet havia indo embora depois de escutar mais alguns absurdos proferidos por Juliet. Absurdos segundo ela. Eu ainda não tinha certeza se concordava ou não. Uma das envolvidas era minha amiga, praticamente uma irmã que aprendi a amar. A outra, uma menina que havia conhecido a dois dias e que não sabia se era de fato uma boa pessoa, ou não. Se tudo o que Harriet me contou fosse verdade, minha amiga estava correndo perigo. Perigo de se entregar tão cedo para um babaca de merda que estava se aproveitando de seus sentimentos. Perigo de se expor completamente a um turbilhão de coisas horríveis que acarretariam desse seu “relacionamento” com esse garoto. Eu estava, literalmente, surtando. Com treze anos eu não deveria ter que me preocupar com esse tipo de coisa. Deveria gastar meu tempo brincando e jogando bola na rua. Estudando ou fingindo estudar enquanto lia algum gibi de super-heróis. Mas não, estava aqui me preocupando com Juliet. E sentindo uma coisa horrível em meu peito.
Obviamente que naquela época eu não entendia o que era a sensação esquisita no meu peito. Hoje sei que era um mal pressentimento. Uma forma do meu interior me avisar de que algo horrível iria acontecer. Uma forma de me avisar que na manhã seguinte toda a minha vida iria virar de ponta cabeça. Uma forma de me avisar que eu nunca mais iria ver Juliet. Nunca mais iria vê-la com vida.
Lembro-me perfeitamente daquela manhã. Era sábado. Os raios solares que diariamente invadiam pelas cortinas do meu quarto todas as manhãs, não se fizerem presentes. O mundo quase que literalmente caia do lado de fora. O céu estava escuro e a chuva desabava em pingos grossos. Caminhei até a janela e, instintivamente, parei alguns passos antes de chegar até a mesma. Ignorando meu corpo que não queria se mover, andei os passos restantes até chegar na mesma e senti tudo ao meu redor parar, meu ar faltou e senti meu coração acelerar no peito. Carros de polícia. Carros de polícia em frente à casa de Juliet. Sua mãe estava abraçada ao seu pai, chorando, desesperada e o mesmo chorava também, segurando a mulher nos braços.
Nessa manhã, eu soube que você se foi. Soube que ele havia tirado você de mim.
Tudo o que aconteceu a seguir são como flashes em minha memória. Lembro-me de desabar no chão antes mesmo de pensar em correr em direção da casa ao lado para ter certeza do que havia acontecido. Eu sabia, eu já tinha certeza do que havia acontecido. Não precisava de ninguém me afirmando com todas as letras. Depois disso, tenho a imagem do seu velório, e de tantas pessoas que você nem conhecia chorando por você. Depois o enterro. Muitas rosas brancas foram jogadas em seu caixão, quando este já estava alguns palmos abaixo da terra.
Eu não falei que te amava uma última vez. Eu sequer sabia que seria a última vez. Nunca mais veria seu sorriso. Nunca mais brincaríamos no parque. Nunca mais faríamos planos para o futuro deitados embaixo de uma árvore olhando para o céu. Nunca mais poderia te abraçar e dizer o quanto especial você era para mim. Nunca mais. Nunca mais. Eu não conseguia aceitar isso. Eu só conseguia pensar em te ver de novo.
Ele tirou você de mim.
Mas para a polícia, você havia ido por vontade própria. Eu sabia que não.
Os cortes em seus pulsos, que eu sequer imaginei existirem, foram o aval que precisaram para afirmar com todas letras: Suicídio.
Ele tirou você de mim e eu só conseguia pensar em te ver de novo.
Foi o que tentei fazer três anos depois. Mas os remédios que tomei não foram o suficiente para me levar até você. Dos meus treze anos até os dezenove, eu me lembro vagamente. Mas foi em 1997 que tudo realmente desandou para mim.
1997
O cheiro do sangue estava por todo o lugar. Suas mãos tremiam segurando a faca que a pouco havia tirado a vida de um homem.
Pelas suas mãos.
Apesar da euforia que sentiu ao cortar a garganta do homem que tirou a vida de sua Juliet, sentiu pesar das coisas que o fez depois. Raiva. Esse era o sentimento que o controlava até segundos atrás. No entanto, agora, nesse exato momento, o sentimento que enchia seu peito era o de tristeza. A mesma tristeza que sentiu durante todos os anos que se passaram até ali.
Observou o homem estirado na cama sobre os lençóis banhados em vermelho escuro, com a garganta dilacerada e cortes profundos por todo o tórax. Cortes que formavam a inicial de Juliet. Sua Juliet. Olhou para seu rosto, agora completamente desfigurado, graças a mesma faca que lhe cortou a garganta, e chorou. Chorou por lembrar que esse rosto fora o último que Juliet viu antes de morrer. Acabou caindo de joelhos no chão – que também estava sujo de sangue – e deixou todas as lágrimas rolarem livremente não se preocupando em silenciar seus soluços sofridos. Chorou, tendo consciência do que acabara de fazer. Tirou a vida de um homem. O cortou inteiro como se fosse um pedaço de carne em um açougue. Apesar de sua consciência o atingir em cheio, não conseguia se arrepender. Não. Isso não. Fazer justiça com as próprias mãos não fora sua ideia no início, mas, com o decorrer do tempo e o caso de Juliet continuando fechado como suicídio, mesmo depois de suas incontáveis suplicas para que o investigassem como homicídio, o fez perder a cabeça. Agora sabia que teria que arcar com as consequências de seus atos. Mas não se importava verdadeiramente com isso. Fugir depois de matar o assassino de Juliet nunca fora seu plano. Iria se entregar. E foi o que fez ao sair daquele quarto com um peso a menos nas costas.
O assassino de sua Juliet estava morto.
2010
Estava pronto para dizer adeus à cela que foi minha morada por longos treze anos. Treze anos desde que o matei. Um crime bárbaro, que chocou o país, segundo a mídia. Mesmo depois de tanto tempo, ainda não me arrependo. E acho, verdadeiramente, que nunca me arrependerei. Até porque, meu tempo aqui está acabando. Hoje será a execução de minha sentença. Fui sentenciado a morte, se querem saber. E ainda assim, não me arrependo. Já havia tido minha última refeição. Meus cabelos já haviam sido raspados completamente, e haviam me deixado escolher se queria cadeira elétrica ou injeção letal. Bom, nunca fui uma pessoa adepta a gostar de sentir dor, então a minha escolha foi óbvia. Estava preparado.
Iria reencontrar Juliet. Mesmo com um medo fodido de ir para o inferno, no fundo da minha alma eu sentia uma pontinha de esperança de que ainda teria alguma chance de ir para o céu. Tinha certeza que Juliet estava lá. E eu queria tanto vê-la de novo, que se Deus for minimamente piedoso terá pena de mim.
Um guarda veio, me tirando de meus devaneios sobre céu e inferno, abrindo a porta da cela e me fitando divertido.
- Parece que hoje é seu dia de sorte, Louis. – Não entendi. Se sua intenção era fazer piada de minha situação, iria alertá-lo de que seu senso de humor era extremamente mórbido. – Seu advogado está aí. – Falou simplesmente. Estranhei. Minha sentença iria ser executada hoje. Não tinha mais o porquê de vê-lo. Não tinha mais o porquê do mesmo perder seu tempo comigo. Mesmo estranhando a situação completamente, andei a passos agitados em direção a sala à qual fui guiado. Quando o vi, ele estava com um sorriso no rosto e se levantou no mesmo instante em que passei pela porta. Me abraçou e eu continuei parado, sem saber o que fazer ou como agir. O que estava acontecendo, afinal?
- Veio se despedir? – Perguntei quando ele se afastou minimamente. Seu sorriso continuava ali.
- Pelo contrário meu caro Louis, trago ótimas notícias para você! Nós conseguimos! – exclamou, e eu o olhei como se fosse louco. Conseguimos o que, meu Deus? Percebendo meu silêncio, ele foi até a mesa disposta no centro da pequena sala, pegando uma pasta de arquivo cor de terra, e me entregou. – Abra!
No momento em que abri a pasta e li por cima seu conteúdo, todo o ar dos meus pulmões fugiram e senti minha cabeça girar. Eu precisava sentar. E sentei, no chão mesmo. Não conseguiria andar até uma das cadeiras ao redor da mesa nem se quisesse. Era uma pasta. Uma pasta com o caso de Juliet. Com detalhe das investigações, provas anexadas e muita coisa escrita. Demorei alguns minutos para perceber do que de fato se tratava, e meus olhos encheram de lágrimas quando coloquei meus olhos em uma frase das tantas e tantas escritas ali.
Caso Juliet Mills – Homicídio Doloso.
Estava com os olhos fixos na pasta a longos minutos. Mas ainda não entendia no que isso interferiria na minha sentença. Estava feliz, muito feliz. Não sabia como haviam investigado, quem havia investigado e o porquê de terem investigado – mesmo depois do caso ser fechado. Mas estava feliz. Mesmo sabendo que o culpado já estava morto. Eu o matei. O que nos leva novamente a questão: O que interfere na minha sentença? Externei essa dúvida em voz alta quando recuperei minha voz. E o que eu ouvi, me fez chorar com um bebê.
- As pessoas estão nas ruas, Lou. Estão na rua faz alguns dias pedindo pela sua vida. Alguém pagou agentes particulares para investigarem o caso da Juliet. Não foi só você que sabia que ela havia sido assassinada. Isso, as investigações, ocorrem desde a época do assassinato, porém, estavam paradas sem conseguir avançar durante muito tempo. Com o avanço da ciência e da tecnologia as evidências encontradas no local do crime e no corpo da Juliet foram devidamente investigadas e se comprovou o assassinato. Assim como ligou diretamente Corey Brandon ao crime. Ele a matou. Você sempre teve razão. O que, infelizmente, não apaga o seu crime. Mas as pessoas estão do seu lado. Elas estão do seu lado e gritando nas ruas contra sua condenação! E elas foram ouvidas, Lou! Você provavelmente vai passar por um novo julgamento e sua sentença será alterada. – naquele momento eu só sabia chorar, como já havia dito a cima. Eu achava que estava pronto para morrer, na verdade, eu tinha certeza. Mas depois da sensação de alivio que correu todo o meu corpo quando Bruce terminou de falar, fui perceber que estava pronto para tudo, menos, morrer. - Ah, tem mais uma coisa – ele disse me estendendo uma carta, a peguei e nem procurei pelo remetente antes de abri-la, podia tê-lo feito, assim me pouparia o choque que tive assim que terminei a leitura.
Querido Louis,
Quando Juliet foi brutalmente assassinada por Corey Brandon, uma parte de mim morreu com ela. Assim como você, quase que literalmente, morreu também. Eu sei que você se culpa por não ter acreditado em mim quando lhe contei sobre os planos de Corey. Porém, peço que pare de fazê-lo. Hoje, nós vencemos. Peço que me perdoe por não ter conseguido fazer a justiça alcançar Corey antes que você o alcançasse. Eu tentei, juro que tentei, mas a ciência dos anos 90 não me ajudou em nada. Juliet morreu lutando. Ela morreu por lutar contra o mal que Corey queria lhe fazer. E era isso que queria provar quando convenci meus pais a pagarem por agentes particulares ainda naquela época, quando, nem se quisesse, conseguiria fazer justiça sozinha. Não vou me estender nessa carta, você deve estar um turbilhão de emoções agora e bem, não o julgo nem um pouco. Para finalizar, quero que saiba que quando sair dessa prisão, porque você vai sair – tenha certeza disso já que vou lutar para isso até meus últimos dias -, vou estar esperando por você. Nos vimos somente uma vez, naquela tarde de 1990, mas meu coração é seu desde aquele dia. E será para sempre.
Com amor,
Harriet.
Fim.
Nota da autora: Olá ♥ Quero deixar uma coisa explicadinha aqui, primeiro, em momento algum minha intenção foi apoiar ou incentivar o ato de fazer justiça com as próprias mãos. Caso tenham entendido isso com o final, saibam que de verdade, não foi isso que eu quis passar, bele? Tanto que ele continua preso, para pagar pelo crime que cometeu. Pensei muito sobre isso na hora de escrever esse final. Confesso que minha ideia inicial seria dar prosseguimento a execusão da sua pena, porém depois de muito pensar cheguei a conclusão de que ele merecia uma segunda chance de viver depois de Juliet.
No mais, espero que tenham gostado, mesmo a história não sendo muito fácil de se ler. Tentei deixar a narativa o mais leve possível, para não deixar muito pesado na hora da leitura. Espero que tenha conseguido.
É isso, se puder deixar seu comentário ai embaixo eu ficaria imensamente grata ♥
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