O JULGAMENTO
Meu pai não parou de chorar o dia inteiro, percebo pelo inchaço em seu rosto.
Às vezes parece que tem uma torneira aberta dentro dele e essa torneira abre em momentos aleatórios. Ou em momentos que ele está perto de mim, não consigo dizer bem se há uma diferença exata. Sinto que acabei com a vida dele de uma forma que não consegui nem mesmo fazer com a minha própria. Respiro fundo, mordendo meu lábio inferior enquanto o olho distante, perdido. Ele não soluça, ele não grita, não funga. São só lágrimas escorrendo, sem nenhuma reação em seu rosto.
Eu também quebrei você, pai?
A policial me empurra para frente, puxando-me pela corrente e só então percebo que estou parada. Ela passa a chave pelo ferro de minhas algemas, soltando-me quando chego perto do grande assento de madeira feito especialmente para pessoas como eu. O juiz observa-me com seriedade por cima dos óculos com aros grossos. Respiro fundo, tentando manter a compostura diante da atmosfera pesada do ambiente. Percebo os olhares sobre mim, fixos, travados, queimando, julgando.
A acusação é lida em voz alta, as palavras ecoam com um martelo e batem diretamente em minha consciência. Se é que eu tinha alguma. Acho que tenho, porque conforme ouço os detalhes do crime, cada sílaba é uma punhalada em meu peito. Eu me debato internamente, seguro tudo o que quer desmoronar, mesmo não tendo forças suficiente.
O meu advogado, levanta-se, iniciando sua argumentação em meu favor. Ele tenta pintar um retrato de inocência, de uma jovem que se viu envolvida em circunstâncias além de seu controle. Suas palavras parecem distantes, abafadas pelo rugido ensurdecedor de meus próprios pensamentos.
Testemunhas são chamadas, evidências são apresentadas e eu vejo minha vida inteira se desdobrar na frente de meus olhos como um pesadelo interminável. Sem fim. Relembrando tudo de novo, como um filme cujo final não existe. Me encolhi na cadeira, olhando para as minhas mãos. As vejo com sangue, as vejo manchadas, as vejo culpadas. O juiz volta-se para mim, sua voz ressoava na sala silenciosa.
— Com base nas evidências apresentadas, este tribunal chega ao veredito. A ré será considerada inocente. — Ouço os murmúrios lamentosos e a expressão decepcionada de Alexandra. Sabia que ela não me queria solta, mas também sabia que seus motivos para me ver em liberdade eram maiores agora. No entanto, é perceptível vê-la em sua luta interna.
Inocente.
A palavra ressoa em minha mente com uma ironia tão cruel que corta mais do que qualquer condenação.
Olho para Alexandra, cujos olhos escuros me penetram com uma intensidade que quase me faz recuar. Ela sabe, assim como eu sei, que a justiça não foi verdadeiramente servida hoje. Mas, por razões que desconheço totalmente, ela optou por me dar uma segunda chance.
Ergo o olhar para meu pai, que me encara com uma mistura de emoções. Seus olhos parecem implorar por uma explicação que não posso dar.
Não agora.
Talvez nunca.
Às vezes parece que tem uma torneira aberta dentro dele e essa torneira abre em momentos aleatórios. Ou em momentos que ele está perto de mim, não consigo dizer bem se há uma diferença exata. Sinto que acabei com a vida dele de uma forma que não consegui nem mesmo fazer com a minha própria. Respiro fundo, mordendo meu lábio inferior enquanto o olho distante, perdido. Ele não soluça, ele não grita, não funga. São só lágrimas escorrendo, sem nenhuma reação em seu rosto.
Eu também quebrei você, pai?
A policial me empurra para frente, puxando-me pela corrente e só então percebo que estou parada. Ela passa a chave pelo ferro de minhas algemas, soltando-me quando chego perto do grande assento de madeira feito especialmente para pessoas como eu. O juiz observa-me com seriedade por cima dos óculos com aros grossos. Respiro fundo, tentando manter a compostura diante da atmosfera pesada do ambiente. Percebo os olhares sobre mim, fixos, travados, queimando, julgando.
A acusação é lida em voz alta, as palavras ecoam com um martelo e batem diretamente em minha consciência. Se é que eu tinha alguma. Acho que tenho, porque conforme ouço os detalhes do crime, cada sílaba é uma punhalada em meu peito. Eu me debato internamente, seguro tudo o que quer desmoronar, mesmo não tendo forças suficiente.
O meu advogado, levanta-se, iniciando sua argumentação em meu favor. Ele tenta pintar um retrato de inocência, de uma jovem que se viu envolvida em circunstâncias além de seu controle. Suas palavras parecem distantes, abafadas pelo rugido ensurdecedor de meus próprios pensamentos.
Testemunhas são chamadas, evidências são apresentadas e eu vejo minha vida inteira se desdobrar na frente de meus olhos como um pesadelo interminável. Sem fim. Relembrando tudo de novo, como um filme cujo final não existe. Me encolhi na cadeira, olhando para as minhas mãos. As vejo com sangue, as vejo manchadas, as vejo culpadas. O juiz volta-se para mim, sua voz ressoava na sala silenciosa.
— Com base nas evidências apresentadas, este tribunal chega ao veredito. A ré será considerada inocente. — Ouço os murmúrios lamentosos e a expressão decepcionada de Alexandra. Sabia que ela não me queria solta, mas também sabia que seus motivos para me ver em liberdade eram maiores agora. No entanto, é perceptível vê-la em sua luta interna.
Inocente.
A palavra ressoa em minha mente com uma ironia tão cruel que corta mais do que qualquer condenação.
Olho para Alexandra, cujos olhos escuros me penetram com uma intensidade que quase me faz recuar. Ela sabe, assim como eu sei, que a justiça não foi verdadeiramente servida hoje. Mas, por razões que desconheço totalmente, ela optou por me dar uma segunda chance.
Ergo o olhar para meu pai, que me encara com uma mistura de emoções. Seus olhos parecem implorar por uma explicação que não posso dar.
Não agora.
Talvez nunca.
487 dias antes
— Você tem um futuro tão brilhante pela frente. — Reviro os olhos, mordendo levemente o lábio inferior. Meu pai era o típico homem orgulhoso, que criava sozinho uma filha e tinha poucas condições para oferecer, mas sempre se esforçava para dar o melhor. Ele tinha orgulho de mim e por mais que eu me escondesse na fachada de uma jovem em crescimento, eu gostava que ele me visse assim. Que tivesse esperança em mim.
— Para, pai. — Resmungo, escondendo o sorriso.
— Estou falando a verdade, . Não é todo mundo que consegue terminar o ensino médio com honrarias e está entre o nome mais desejado das melhores faculdades. — Suspirei, sentindo-me um pouco desconfortável com tanta atenção sobre mim.
— É apenas sorte. Sorte de ter tido bons professores, boas oportunidades e um bom pai também. — Tentei minimizar minhas conquistas para me sentir menos desconfortável, mas uma parte de mim estava tão orgulhosa quanto ele por ter conseguido tanto.
— Não subestime seu próprio mérito. Você é uma jovem incrível, com talento, determinação e tenho certeza que fará coisas extraordinárias.
Sinto um calor reconfortante se espalhar pelo meu peito.
— Obrigada, pai. Por acreditar em mim. Eu prometo que não vou decepcioná-lo.
— Sei que não, bom primeiro dia do último ano, querida.
O abracei, saindo do carro com um sorriso no rosto e mordi levemente meu lábio inferior ao caminhar um pouco mais. A brisa fresca da manhã acariciava meu rosto enquanto eu observava o movimento frenético dos alunos se dirigindo para dentro do prédio. A escola estava viva, com a energia pulsante de adolescentes, para variar. Grupos de estudantes se reuniam nos cantos, conversando animadamente ou compartilhando risadas, enquanto outros se apressavam para encontrar seus amigos antes das aulas começarem.
Apesar de ser uma cidade pequena, nosso colégio se destacava como uma pérola entre as instituições de ensino. Com um investimento generoso, o prédio se erguia de forma majestosa em meio às ruas tranquilas. Os uniformes impecáveis dos alunos contrastavam com o cenário pitoresco da cidade. Ao entrar, o corredor principal se estendia diante de nós, no centro do corredor, avistei os grupos familiares: os atletas populares, envolvidos em suas conversas animadas sobre os próximos jogos; os estudiosos dedicados, discutindo os últimos acontecimentos no mundo acadêmico; e os artistas criativos, compartilhando suas ideias e inspirações.
Entro na sala de aula, sentindo-me familiarizada com o ambiente, mas ainda assim nervosa com o primeiro dia do último ano. Enquanto me acomodo em meu lugar, o professor chega minutos depois e não perde tempo, logo ele se apresenta com uma mistura de autoridade e simpatia, e começa a falar sobre as expectativas para o ano letivo.
De repente, a porta se abre e um novo aluno entra, atrasado. Meus olhos são instantaneamente atraídos para ele, fixando-se ali, incapazes de desviar da presença magnética que ele irradia.
Dominic Vaughn.
Seu cabelo dourado como ouro brilha sob a luz da sala, seus olhos claros parecem capturar a própria essência da luz do sol e um sorriso deslumbrante adorna seu rosto, iluminando a sala de aula, ou talvez, me iluminando por inteira.
Ele não está vestido com o uniforme da escola, mas isso parece não importar. Seu carisma e sua beleza são tão marcantes que ele poderia estar vestido com trapos e ainda assim conseguiria exalar uma elegância inegável.
Os burburinhos se formam na sala de aula e ele apenas sorri, como alguém que já está acostumado a ser o centro das atenções. Todos na sala o conhecem, é claro. Como poderiam não conhecer? A família Vaughn é uma das maiores financiadoras do colégio e, arriscaria eu, da cidade também.
Enquanto ele se acomoda em uma carteira próxima à minha, não posso deixar de notar como sua presença parece preencher o espaço ao seu redor. Ele sorri para mim de forma amigável, e meu coração dá um salto em resposta.
— Perdi muita coisa? — Ele murmura, demoro alguns segundos para entender que é comigo que ele está falando. Levo um momento para processar suas palavras, me perdendo por um instante na profundidade dos seus olhos antes de finalmente responder.
— Ah, não, não perdeu muita coisa. O professor acabou de começar a apresentação do semestre. — Minha voz sai um pouco mais trêmula do que eu gostaria e rezo para que ele não tenha percebido.
Eu luto para manter meu foco, forçando-me a desviar o olhar de seu rosto cativante enquanto tento me concentrar nas palavras do professor. Mas a presença de Dominic é como um imã, atraindo minha atenção de volta para ele a cada poucos segundos. Há algo hipnotizante em sua voz suave e seu sorriso encantador.
— Você é nova por aqui? — Ele continua puxando assunto, deixando-me mais nervosa. Nego com a cabeça de forma rápida.
— Não, na verdade moro aqui a minha vida inteira. — Minha voz sai um pouco mais alta do que o pretendido e eu me esforço para manter um tom casual, evitando chamar a atenção do professor.
Ele parece ponderar minhas palavras por um momento, seus olhos me examinam com curiosidade enquanto processa minha resposta.
— Não lembro de já ter te visto. — Ele finalmente comenta e eu sinto meu rosto corar involuntariamente com a atenção direta que estou recebendo.
— Bem, você deve ver muitas pessoas no dia a dia, com a relevância da sua família e tudo mais. — Tento desviar o foco da conversa. Seu olhar intensifica-se um pouco mais.
— Eu lembraria se tivesse visto você. — Sua afirmação é dita com tanta convicção que me deixa momentaneamente sem palavras, incapaz de formular uma resposta adequada. — Posso chegar mais perto? Não trouxe material.
A solicitação me pega de surpresa e eu sinto meu coração acelerar ainda mais. Ele se inclina em minha direção e eu me viro para encará-lo.
— Claro, pode chegar mais perto. — Minha voz sai um pouco mais hesitante do que eu gostaria, mas tento disfarçar minha ansiedade enquanto faço espaço para ele em minha mesa.
Observo enquanto ele se acomoda ao meu lado, sua presença preenchendo o espaço entre nós com uma eletricidade sutil que me deixa ligeiramente inquieta. É inevitável não ficar embriagada com o seu cheiro. O perfume dele é uma mistura harmoniosa de citrinos frescos e especiarias exóticas, complementado por uma base de madeiras nobres e amoras. Eu não era mestre em perfumes, mas reconhecia cheiros com uma facilidade incomum. Seu aroma evoca imagens de noites quentes estreladas, jantares requintados, carros velozes e cidades exóticas. É o tipo de perfume que custa mais do que a casa em que moro, tenho certeza.
— Você veio para a escola sem material? — Minha surpresa transparece em minha voz.
Ele solta uma risada suave, sacudindo a cabeça com um sorriso travesso.
— No colégio militar não é bem um livro que pedem para tirar de sua bolsa. — Sua resposta é descontraída e há um brilho de humor em seus olhos.
— Imagino que a rotina seja um pouco diferente da que estamos acostumados aqui. — Comento, tentando manter a conversa leve.
Dominic assente, parecendo pensativo por um momento antes de responder.
— Ah, com certeza. Já está valendo a pena, sabe? No colégio militar, era só eu e um bando de caras. Mas aqui, tenho a sorte de estar cercado por mulheres jovens e bonitas como você. — Ele diz, mantendo sua voz tingida de um misto de brincadeira, sinceridade e ousadia.
Sinto meu rosto corar diante de sua franqueza, mas não posso deixar de sorrir.
— Bem, espero que não se sinta muito deslocado entre nós, civis. — Brinco também, tentando manter a atmosfera descontraída enquanto tento processar suas palavras provocativas.
Dominic apenas ri, seu sorriso brinca em seus lábios enquanto ele responde.
— Oh, não se preocupe. Acho que vou me adaptar muito bem. — Seu tom de voz carrega uma certa provocação e duplo sentido, fazendo-me estremecer involuntariamente, consciente do calor que se espalha por minha pele em resposta à sua presença magnética. — Meus pais estão viajando neste fim de semana, então eu decidi dar uma festa em casa. E, claro, a sua presença é obrigatória. — Ele declara com um sorriso travesso, como se soubesse que sua presença tem um efeito avassalador sobre mim. E ele tinha razão.
Antes que eu possa formular uma resposta definitiva, ele estende o celular na minha direção. Seu sorriso charmoso revela uma confiança inabalável, como se já soubesse que minha resposta seria positiva. Aceito o celular com as mãos trêmulas, digitando meu número enquanto tento manter a compostura. O toque suave do aparelho em minhas mãos envia um arrepio pela minha espinha.
— Não se preocupe. Vou te mandar uma mensagem agora para que você tenha meu número. — Ele diz, seus olhos brilhando com determinação enquanto digita rapidamente em seu celular.
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, sinto meu próprio celular vibrar em minha bolsa. Retiro-o rapidamente, surpresa ao ver uma mensagem de Dominic piscando na tela.
Assim que recebo a mensagem, salvo o número de Dominic em meus contatos, sentindo-me como se estivesse dando um passo em direção a um mundo completamente novo e desconhecido.
— Pronto, agora você tem meu número. — Ele diz, seu sorriso se alargando enquanto guarda o celular no bolso.
— Obrigada. Eu não sei se vou conseguir ir, mas... Vou tentar. — Minha voz soa um pouco mais confiante agora. Ele assente, parecendo satisfeito com a minha resposta.
— Ótimo. Me passa seu endereço que eu te pego sábado às 20h. — As palavras de Dominic me deixam momentaneamente sem fôlego. Seu tom confiante e direto é uma mistura irresistível de charme e provocação, deixando-me sem saber o que dizer.
— Eu não disse que iria, eu disse que ia tentar. — Repito, sentindo-me obrigada a esclarecer minha posição, mesmo que sua confiança impenetrável seja um pouco intimidadora.
Dominic arqueia uma sobrancelha, com um olhar perspicaz, avaliando-me por um momento antes de uma expressão de diversão atravessar seu rosto.
— Sei que não, quem afirmou fui eu. Qual é... — Ele olha para meu celular, percebendo que ainda não sabe meu nome, e isso me faz rir. Gostava de sua naturalidade.
— . — Respondo, oferecendo-lhe um sorriso.
Ele sorri em resposta, como se aprovasse minha resposta.
— Não é como se essa festa, no primeiro dia de aula, fosse mudar a sua vida. — Sua observação é casual, mas há uma verdade implícita em suas palavras que me fazem reconsiderar minha hesitação.
Só quando cheguei em casa percebi as suas palavras na mensagem de texto. Quando as reli, vi que ele não disse para eu salvar o seu número ou o seu contato, ele disse para que eu o salvasse. Foi inevitável para mim procurar o significado disso.
Salvar (verbo transitivo)
Tirar ou livrar do perigo ou da ruína, pôr a salvo. Conservar, guardar, poupar, defender, preservar.
— Para, pai. — Resmungo, escondendo o sorriso.
— Estou falando a verdade, . Não é todo mundo que consegue terminar o ensino médio com honrarias e está entre o nome mais desejado das melhores faculdades. — Suspirei, sentindo-me um pouco desconfortável com tanta atenção sobre mim.
— É apenas sorte. Sorte de ter tido bons professores, boas oportunidades e um bom pai também. — Tentei minimizar minhas conquistas para me sentir menos desconfortável, mas uma parte de mim estava tão orgulhosa quanto ele por ter conseguido tanto.
— Não subestime seu próprio mérito. Você é uma jovem incrível, com talento, determinação e tenho certeza que fará coisas extraordinárias.
Sinto um calor reconfortante se espalhar pelo meu peito.
— Obrigada, pai. Por acreditar em mim. Eu prometo que não vou decepcioná-lo.
— Sei que não, bom primeiro dia do último ano, querida.
O abracei, saindo do carro com um sorriso no rosto e mordi levemente meu lábio inferior ao caminhar um pouco mais. A brisa fresca da manhã acariciava meu rosto enquanto eu observava o movimento frenético dos alunos se dirigindo para dentro do prédio. A escola estava viva, com a energia pulsante de adolescentes, para variar. Grupos de estudantes se reuniam nos cantos, conversando animadamente ou compartilhando risadas, enquanto outros se apressavam para encontrar seus amigos antes das aulas começarem.
Apesar de ser uma cidade pequena, nosso colégio se destacava como uma pérola entre as instituições de ensino. Com um investimento generoso, o prédio se erguia de forma majestosa em meio às ruas tranquilas. Os uniformes impecáveis dos alunos contrastavam com o cenário pitoresco da cidade. Ao entrar, o corredor principal se estendia diante de nós, no centro do corredor, avistei os grupos familiares: os atletas populares, envolvidos em suas conversas animadas sobre os próximos jogos; os estudiosos dedicados, discutindo os últimos acontecimentos no mundo acadêmico; e os artistas criativos, compartilhando suas ideias e inspirações.
Entro na sala de aula, sentindo-me familiarizada com o ambiente, mas ainda assim nervosa com o primeiro dia do último ano. Enquanto me acomodo em meu lugar, o professor chega minutos depois e não perde tempo, logo ele se apresenta com uma mistura de autoridade e simpatia, e começa a falar sobre as expectativas para o ano letivo.
De repente, a porta se abre e um novo aluno entra, atrasado. Meus olhos são instantaneamente atraídos para ele, fixando-se ali, incapazes de desviar da presença magnética que ele irradia.
Dominic Vaughn.
Seu cabelo dourado como ouro brilha sob a luz da sala, seus olhos claros parecem capturar a própria essência da luz do sol e um sorriso deslumbrante adorna seu rosto, iluminando a sala de aula, ou talvez, me iluminando por inteira.
Ele não está vestido com o uniforme da escola, mas isso parece não importar. Seu carisma e sua beleza são tão marcantes que ele poderia estar vestido com trapos e ainda assim conseguiria exalar uma elegância inegável.
Os burburinhos se formam na sala de aula e ele apenas sorri, como alguém que já está acostumado a ser o centro das atenções. Todos na sala o conhecem, é claro. Como poderiam não conhecer? A família Vaughn é uma das maiores financiadoras do colégio e, arriscaria eu, da cidade também.
Enquanto ele se acomoda em uma carteira próxima à minha, não posso deixar de notar como sua presença parece preencher o espaço ao seu redor. Ele sorri para mim de forma amigável, e meu coração dá um salto em resposta.
— Perdi muita coisa? — Ele murmura, demoro alguns segundos para entender que é comigo que ele está falando. Levo um momento para processar suas palavras, me perdendo por um instante na profundidade dos seus olhos antes de finalmente responder.
— Ah, não, não perdeu muita coisa. O professor acabou de começar a apresentação do semestre. — Minha voz sai um pouco mais trêmula do que eu gostaria e rezo para que ele não tenha percebido.
Eu luto para manter meu foco, forçando-me a desviar o olhar de seu rosto cativante enquanto tento me concentrar nas palavras do professor. Mas a presença de Dominic é como um imã, atraindo minha atenção de volta para ele a cada poucos segundos. Há algo hipnotizante em sua voz suave e seu sorriso encantador.
— Você é nova por aqui? — Ele continua puxando assunto, deixando-me mais nervosa. Nego com a cabeça de forma rápida.
— Não, na verdade moro aqui a minha vida inteira. — Minha voz sai um pouco mais alta do que o pretendido e eu me esforço para manter um tom casual, evitando chamar a atenção do professor.
Ele parece ponderar minhas palavras por um momento, seus olhos me examinam com curiosidade enquanto processa minha resposta.
— Não lembro de já ter te visto. — Ele finalmente comenta e eu sinto meu rosto corar involuntariamente com a atenção direta que estou recebendo.
— Bem, você deve ver muitas pessoas no dia a dia, com a relevância da sua família e tudo mais. — Tento desviar o foco da conversa. Seu olhar intensifica-se um pouco mais.
— Eu lembraria se tivesse visto você. — Sua afirmação é dita com tanta convicção que me deixa momentaneamente sem palavras, incapaz de formular uma resposta adequada. — Posso chegar mais perto? Não trouxe material.
A solicitação me pega de surpresa e eu sinto meu coração acelerar ainda mais. Ele se inclina em minha direção e eu me viro para encará-lo.
— Claro, pode chegar mais perto. — Minha voz sai um pouco mais hesitante do que eu gostaria, mas tento disfarçar minha ansiedade enquanto faço espaço para ele em minha mesa.
Observo enquanto ele se acomoda ao meu lado, sua presença preenchendo o espaço entre nós com uma eletricidade sutil que me deixa ligeiramente inquieta. É inevitável não ficar embriagada com o seu cheiro. O perfume dele é uma mistura harmoniosa de citrinos frescos e especiarias exóticas, complementado por uma base de madeiras nobres e amoras. Eu não era mestre em perfumes, mas reconhecia cheiros com uma facilidade incomum. Seu aroma evoca imagens de noites quentes estreladas, jantares requintados, carros velozes e cidades exóticas. É o tipo de perfume que custa mais do que a casa em que moro, tenho certeza.
— Você veio para a escola sem material? — Minha surpresa transparece em minha voz.
Ele solta uma risada suave, sacudindo a cabeça com um sorriso travesso.
— No colégio militar não é bem um livro que pedem para tirar de sua bolsa. — Sua resposta é descontraída e há um brilho de humor em seus olhos.
— Imagino que a rotina seja um pouco diferente da que estamos acostumados aqui. — Comento, tentando manter a conversa leve.
Dominic assente, parecendo pensativo por um momento antes de responder.
— Ah, com certeza. Já está valendo a pena, sabe? No colégio militar, era só eu e um bando de caras. Mas aqui, tenho a sorte de estar cercado por mulheres jovens e bonitas como você. — Ele diz, mantendo sua voz tingida de um misto de brincadeira, sinceridade e ousadia.
Sinto meu rosto corar diante de sua franqueza, mas não posso deixar de sorrir.
— Bem, espero que não se sinta muito deslocado entre nós, civis. — Brinco também, tentando manter a atmosfera descontraída enquanto tento processar suas palavras provocativas.
Dominic apenas ri, seu sorriso brinca em seus lábios enquanto ele responde.
— Oh, não se preocupe. Acho que vou me adaptar muito bem. — Seu tom de voz carrega uma certa provocação e duplo sentido, fazendo-me estremecer involuntariamente, consciente do calor que se espalha por minha pele em resposta à sua presença magnética. — Meus pais estão viajando neste fim de semana, então eu decidi dar uma festa em casa. E, claro, a sua presença é obrigatória. — Ele declara com um sorriso travesso, como se soubesse que sua presença tem um efeito avassalador sobre mim. E ele tinha razão.
Antes que eu possa formular uma resposta definitiva, ele estende o celular na minha direção. Seu sorriso charmoso revela uma confiança inabalável, como se já soubesse que minha resposta seria positiva. Aceito o celular com as mãos trêmulas, digitando meu número enquanto tento manter a compostura. O toque suave do aparelho em minhas mãos envia um arrepio pela minha espinha.
— Não se preocupe. Vou te mandar uma mensagem agora para que você tenha meu número. — Ele diz, seus olhos brilhando com determinação enquanto digita rapidamente em seu celular.
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, sinto meu próprio celular vibrar em minha bolsa. Retiro-o rapidamente, surpresa ao ver uma mensagem de Dominic piscando na tela.
“Te salvei.”
“Para que você possa me salvar também.”
Assim que recebo a mensagem, salvo o número de Dominic em meus contatos, sentindo-me como se estivesse dando um passo em direção a um mundo completamente novo e desconhecido.
— Pronto, agora você tem meu número. — Ele diz, seu sorriso se alargando enquanto guarda o celular no bolso.
— Obrigada. Eu não sei se vou conseguir ir, mas... Vou tentar. — Minha voz soa um pouco mais confiante agora. Ele assente, parecendo satisfeito com a minha resposta.
— Ótimo. Me passa seu endereço que eu te pego sábado às 20h. — As palavras de Dominic me deixam momentaneamente sem fôlego. Seu tom confiante e direto é uma mistura irresistível de charme e provocação, deixando-me sem saber o que dizer.
— Eu não disse que iria, eu disse que ia tentar. — Repito, sentindo-me obrigada a esclarecer minha posição, mesmo que sua confiança impenetrável seja um pouco intimidadora.
Dominic arqueia uma sobrancelha, com um olhar perspicaz, avaliando-me por um momento antes de uma expressão de diversão atravessar seu rosto.
— Sei que não, quem afirmou fui eu. Qual é... — Ele olha para meu celular, percebendo que ainda não sabe meu nome, e isso me faz rir. Gostava de sua naturalidade.
— . — Respondo, oferecendo-lhe um sorriso.
Ele sorri em resposta, como se aprovasse minha resposta.
— Não é como se essa festa, no primeiro dia de aula, fosse mudar a sua vida. — Sua observação é casual, mas há uma verdade implícita em suas palavras que me fazem reconsiderar minha hesitação.
Só quando cheguei em casa percebi as suas palavras na mensagem de texto. Quando as reli, vi que ele não disse para eu salvar o seu número ou o seu contato, ele disse para que eu o salvasse. Foi inevitável para mim procurar o significado disso.
Tirar ou livrar do perigo ou da ruína, pôr a salvo. Conservar, guardar, poupar, defender, preservar.
482 dias antes
Eu não tinha falado ou visto Dominic desde a segunda-feira do primeiro dia de aula, mas ouvia os burburinhos sobre ele. Todas as garotas se perguntavam onde estava Dominic Vaughn e, por mais que eu quisesse ser diferente, eu também me fazia a mesma pergunta.
Eu já tinha ouvido falar dos sumiços do príncipe dos Vaughn, histórias que circulavam entre os corredores diziam que esses sumiços eram a razão pela qual ele havia sido enviado para o colégio militar. Uma tentativa de discipliná-lo e moldá-lo em algo mais parecido com o herdeiro que a sua família esperava.
O irônico disso tudo era que o professor murmurava algo sobre álgebra, mas tudo que minha mente viam eram os olhos dele. Observo a cadeira vazia ao meu lado e mordo levemente o lábio inferior. Eu me sentia um tanto quanto obcecada pela sua ausência, mas ainda assim, não sabia o quê me fazia desejar saber mais sobre ele. Talvez fosse a sensação de perigo que o cercava, ou talvez fosse apenas a curiosidade natural de uma adolescente em busca de emoção.
O que quer que fosse, eu sabia que não seria capaz de resistir por muito tempo. E quando isso acontecesse, eu teria que me preparar para o turbilhão de emoções que certamente viria junto com ele.
O sinal finalmente tocou, anunciando o fim das aulas e libertando-nos para mais uma tarde de liberdade. Rapidamente guardei meus materiais, mas não rápido o suficiente já que, para a minha frustração, o ônibus já havia partido quando cheguei no ponto, deixando-me sozinha na calçada enquanto o observava desaparecer na distância.
Suspirando, comecei a caminhar em direção a minha casa. Era longe, provavelmente eu chegaria atrasada, mas não era um caminho impossível ou estritamente perigoso. Minha mente estava tão perdida nas desculpas que daria ao meu pai que eu estava concentrada demais quando um som de motor chamou a minha atenção, me assustando.
Ao me virar, vi um carro vermelho brilhante parando ao meu lado, e meu coração deu um salto surpreso quando reconheci a Ferrari reluzente. Ele estava ali, com os olhos e a atenção voltados para mim e um sorriso travesso brincando em seus lábios enquanto me observava. Por um momento, fiquei paralisada pela surpresa, sem saber o que dizer ou fazer. Mas então, ele parou ao meu lado, me fazendo ter a mesma atitude.
— Perdeu o ônibus? — ele perguntou com sua voz firme e envolvente, enviando arrepios pela minha espinha.
— Sim, parece que sim — respondi, tentando manter uma expressão calma apesar da agitação em meu peito.
Dominic sorriu, e eu senti tudo dentro de mim vibrar. Eu nunca me acostumaria com o quão bonito era esse sorriso.
— Que sorte a minha — ele murmurou, estendendo a mão para abrir a porta do carro. — Posso te levar para casa?
Eu hesitei por um momento, sentindo a adrenalina correndo em minhas veias. Mas então, com um aceno de cabeça nervoso, aceitei sua oferta.
Ao deslizar para dentro do carro dele, me vejo momentaneamente cativada pelo interior luxuoso e impecável. Os assentos de couro macio, os detalhes cromados e o aroma de carro novo criavam uma atmosfera de elegância e sofisticação ao meu redor. Minha atenção não dura ali, logo é desviada para o loiro, bonito como um Deus, ao meu lado.
Acomodando-me timidamente no assento, sinto-me subitamente consciente da proximidade de Dominic. Seus olhos claros brilham com uma intensidade magnética, e o sorriso confiante em seus lábios parece desarmar todas as minhas defesas. Se é que haviam defesas quando se tratava dele.
— Você está bem? — Ele pergunta, possivelmente achando engraçado o meu desespero.
Balbuciando uma resposta sem sentido, assinto com a cabeça, sentindo o calor subir em minhas bochechas enquanto evito seu olhar penetrante.
Dominic sorri, uma expressão de divertimento dançando em seus olhos enquanto dá partida no carro. Eu me seguro ao apoio de braço, enquanto meu coração está batendo descompassadamente. E me perco completamente nos labirintos de seus olhos azuis.
— Você não está indo às aulas? — A pergunta sai um pouco baixa, incerta se eu realmente queria que ele me escutasse, mas ele escuta.
— Não. Às vezes acho tudo aquilo um saco. É tudo tão... monótono. Como se estivesse preso em um ciclo interminável de tédio e conformidade. Todo mundo uniformizado, os professores querendo nos ensinar algo que, convenhamos, ninguém vai utilizar quando sair do ensino médio. Acho que... não sinto que pertenço àquela escola. — Seu desabado é sincero, ao menos parece ser, mas encolhe os ombros despreocupadamente, seus olhos azuis brilhando com uma mistura de desdém e divertimento.
— E esse é o motivo para quatro dias sem ir para o colégio? — Minha voz sai carregada de surpresa enquanto olho para Dominic ao meu lado.
— É, algo assim. — Sua resposta é casual, como se fosse apenas mais um detalhe em sua vida
— Mas então, por que você ainda vai? — Pergunto de forma curiosa. Ele não me parece ser o tipo de pessoa que os pais conseguiriam controlar.
Ele sorri, um sorriso que não chega aos seus olhos. O carro para enquanto aguardava o sinal vermelho e ele se inclinou na minha direção, deixando nossos rostos perigosamente próximos. Senti sua respiração quente contra minha pele, percebi as pequenas sardas em sua pele e o seu cheiro passou a ser inebriante. Eu conseguia ouvir meu coração bater acelerado, sem parar. Mantenho-me parada, incapaz de desviar o olhar de seus olhos azuis hipnóticos.
Dominic, no entanto, parecia estar completamente à vontade, como se estivesse habituado a invadir o espaço pessoal das pessoas sem cerimônia.
Ele retira um cigarro do bolso e o coloca entre os lábios, um gesto casual, despreocupado e mais sensual do que deveria, o que me pega totalmente de surpresa. Seus olhos encontram os meus enquanto ele tira um isqueiro prateado do bolso, segurando-o na minha direção com um sorriso quase malicioso nos lábios.
— Porque, de vez em quando, é divertido ver como o outro lado vive. — Ele murmura, observando-me com tanta atenção que sinto meu rosto queimar em vergonha. — Acende pra mim? — Sua voz sai quase em um sussurro, ecoando em meus ouvidos como uma maldita tentação.
Meus dedos tremem enquanto eu pego o isqueiro. O metal frio do isqueiro contrasta com o calor de sua pele quando eu o seguro. O brilho da chama ilumina seu rosto por um momento, revelando os contornos angulares de sua mandíbula e a suavidade de seus lábios entreabertos. É um vislumbre rápido, mas o suficiente para me deixar sem fôlego. Meu coração bate tão alto que eu temo que ele possa ouvir.
Enquanto ele dá uma tragada no cigarro, o aroma do tabaco misturado com a adrenalina da situação enche minhas narinas, deixando-me tonta e desorientada. O sinal finalmente muda para verde, quebrando o momento hipnótico entre nós enquanto Dominic retoma sua postura no banco do motorista.
Eu me afasto lentamente, sentindo-me como se estivesse emergindo de um transe.
Enquanto o carro diminui a velocidade e se aproxima de um cruzamento, Dominic quebra o silêncio entre nós.
— Então, onde devo deixá-la? — Sua voz é calma, mas há um tom quase que obscuro na forma que ele fala.
— Duas ruas a direita e estaremos na minha rua. Número 42.
Dominic assente, seguindo minhas instruções enquanto guia o carro pela rua tranquila. Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, Dominic para o carro e desliga o motor, olhando-me com uma expressão indecifrável em seu rosto.
— Aqui estamos — ele murmura, me encarando como se seu olhar pudesse me desmontar e surpreendendo a nós dois ao mostrar que realmente podia.
Por um momento, nenhum de nós se move, o silêncio entre nós pesa no ar como um cobertor denso. Eu me pego desejando que esse momento pudesse durar para sempre, mesmo que eu não consiga entender completamente o que está acontecendo entre nós, mas então, com um aceno de cabeça relutante, eu me viro para abrir a porta do carro.
— Obrigada por me trazer até aqui — digo, com o fio de voz que ainda existia em mim.
Dominic sorri de maneira gentil, mas há mais do que gentileza em seu rosto.
— Qualquer coisa — ele responde em um sussurro, enquanto nossos olhos se encontram mais uma vez. Então, quando eu já estava prestes a me afastar, ele me chamou pelo nome. — Ah, . — Ele chama, me deixando surpresa por ele ainda lembrar o meu nome. Ele hesitou por um momento, seus olhos se fixaram nos meus e eu esqueci como respirava por um momento. — Eu te pego hoje às 20h, esteja pronta.
— A festa não seria amanhã? — Perguntei, ouvindo meu coração saltar e meu peito vibrar.
— Sim, a minha festa será amanhã. Mas você será minha hoje.
Suas palavras me atingiram como um choque elétrico que se alastrou por todo o meu corpo e antes que eu pudesse formular uma pergunta, ele já estava indo embora.
Eu já tinha ouvido falar dos sumiços do príncipe dos Vaughn, histórias que circulavam entre os corredores diziam que esses sumiços eram a razão pela qual ele havia sido enviado para o colégio militar. Uma tentativa de discipliná-lo e moldá-lo em algo mais parecido com o herdeiro que a sua família esperava.
O irônico disso tudo era que o professor murmurava algo sobre álgebra, mas tudo que minha mente viam eram os olhos dele. Observo a cadeira vazia ao meu lado e mordo levemente o lábio inferior. Eu me sentia um tanto quanto obcecada pela sua ausência, mas ainda assim, não sabia o quê me fazia desejar saber mais sobre ele. Talvez fosse a sensação de perigo que o cercava, ou talvez fosse apenas a curiosidade natural de uma adolescente em busca de emoção.
O que quer que fosse, eu sabia que não seria capaz de resistir por muito tempo. E quando isso acontecesse, eu teria que me preparar para o turbilhão de emoções que certamente viria junto com ele.
O sinal finalmente tocou, anunciando o fim das aulas e libertando-nos para mais uma tarde de liberdade. Rapidamente guardei meus materiais, mas não rápido o suficiente já que, para a minha frustração, o ônibus já havia partido quando cheguei no ponto, deixando-me sozinha na calçada enquanto o observava desaparecer na distância.
Suspirando, comecei a caminhar em direção a minha casa. Era longe, provavelmente eu chegaria atrasada, mas não era um caminho impossível ou estritamente perigoso. Minha mente estava tão perdida nas desculpas que daria ao meu pai que eu estava concentrada demais quando um som de motor chamou a minha atenção, me assustando.
Ao me virar, vi um carro vermelho brilhante parando ao meu lado, e meu coração deu um salto surpreso quando reconheci a Ferrari reluzente. Ele estava ali, com os olhos e a atenção voltados para mim e um sorriso travesso brincando em seus lábios enquanto me observava. Por um momento, fiquei paralisada pela surpresa, sem saber o que dizer ou fazer. Mas então, ele parou ao meu lado, me fazendo ter a mesma atitude.
— Perdeu o ônibus? — ele perguntou com sua voz firme e envolvente, enviando arrepios pela minha espinha.
— Sim, parece que sim — respondi, tentando manter uma expressão calma apesar da agitação em meu peito.
Dominic sorriu, e eu senti tudo dentro de mim vibrar. Eu nunca me acostumaria com o quão bonito era esse sorriso.
— Que sorte a minha — ele murmurou, estendendo a mão para abrir a porta do carro. — Posso te levar para casa?
Eu hesitei por um momento, sentindo a adrenalina correndo em minhas veias. Mas então, com um aceno de cabeça nervoso, aceitei sua oferta.
Ao deslizar para dentro do carro dele, me vejo momentaneamente cativada pelo interior luxuoso e impecável. Os assentos de couro macio, os detalhes cromados e o aroma de carro novo criavam uma atmosfera de elegância e sofisticação ao meu redor. Minha atenção não dura ali, logo é desviada para o loiro, bonito como um Deus, ao meu lado.
Acomodando-me timidamente no assento, sinto-me subitamente consciente da proximidade de Dominic. Seus olhos claros brilham com uma intensidade magnética, e o sorriso confiante em seus lábios parece desarmar todas as minhas defesas. Se é que haviam defesas quando se tratava dele.
— Você está bem? — Ele pergunta, possivelmente achando engraçado o meu desespero.
Balbuciando uma resposta sem sentido, assinto com a cabeça, sentindo o calor subir em minhas bochechas enquanto evito seu olhar penetrante.
Dominic sorri, uma expressão de divertimento dançando em seus olhos enquanto dá partida no carro. Eu me seguro ao apoio de braço, enquanto meu coração está batendo descompassadamente. E me perco completamente nos labirintos de seus olhos azuis.
— Você não está indo às aulas? — A pergunta sai um pouco baixa, incerta se eu realmente queria que ele me escutasse, mas ele escuta.
— Não. Às vezes acho tudo aquilo um saco. É tudo tão... monótono. Como se estivesse preso em um ciclo interminável de tédio e conformidade. Todo mundo uniformizado, os professores querendo nos ensinar algo que, convenhamos, ninguém vai utilizar quando sair do ensino médio. Acho que... não sinto que pertenço àquela escola. — Seu desabado é sincero, ao menos parece ser, mas encolhe os ombros despreocupadamente, seus olhos azuis brilhando com uma mistura de desdém e divertimento.
— E esse é o motivo para quatro dias sem ir para o colégio? — Minha voz sai carregada de surpresa enquanto olho para Dominic ao meu lado.
— É, algo assim. — Sua resposta é casual, como se fosse apenas mais um detalhe em sua vida
— Mas então, por que você ainda vai? — Pergunto de forma curiosa. Ele não me parece ser o tipo de pessoa que os pais conseguiriam controlar.
Ele sorri, um sorriso que não chega aos seus olhos. O carro para enquanto aguardava o sinal vermelho e ele se inclinou na minha direção, deixando nossos rostos perigosamente próximos. Senti sua respiração quente contra minha pele, percebi as pequenas sardas em sua pele e o seu cheiro passou a ser inebriante. Eu conseguia ouvir meu coração bater acelerado, sem parar. Mantenho-me parada, incapaz de desviar o olhar de seus olhos azuis hipnóticos.
Dominic, no entanto, parecia estar completamente à vontade, como se estivesse habituado a invadir o espaço pessoal das pessoas sem cerimônia.
Ele retira um cigarro do bolso e o coloca entre os lábios, um gesto casual, despreocupado e mais sensual do que deveria, o que me pega totalmente de surpresa. Seus olhos encontram os meus enquanto ele tira um isqueiro prateado do bolso, segurando-o na minha direção com um sorriso quase malicioso nos lábios.
— Porque, de vez em quando, é divertido ver como o outro lado vive. — Ele murmura, observando-me com tanta atenção que sinto meu rosto queimar em vergonha. — Acende pra mim? — Sua voz sai quase em um sussurro, ecoando em meus ouvidos como uma maldita tentação.
Meus dedos tremem enquanto eu pego o isqueiro. O metal frio do isqueiro contrasta com o calor de sua pele quando eu o seguro. O brilho da chama ilumina seu rosto por um momento, revelando os contornos angulares de sua mandíbula e a suavidade de seus lábios entreabertos. É um vislumbre rápido, mas o suficiente para me deixar sem fôlego. Meu coração bate tão alto que eu temo que ele possa ouvir.
Enquanto ele dá uma tragada no cigarro, o aroma do tabaco misturado com a adrenalina da situação enche minhas narinas, deixando-me tonta e desorientada. O sinal finalmente muda para verde, quebrando o momento hipnótico entre nós enquanto Dominic retoma sua postura no banco do motorista.
Eu me afasto lentamente, sentindo-me como se estivesse emergindo de um transe.
Enquanto o carro diminui a velocidade e se aproxima de um cruzamento, Dominic quebra o silêncio entre nós.
— Então, onde devo deixá-la? — Sua voz é calma, mas há um tom quase que obscuro na forma que ele fala.
— Duas ruas a direita e estaremos na minha rua. Número 42.
Dominic assente, seguindo minhas instruções enquanto guia o carro pela rua tranquila. Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, Dominic para o carro e desliga o motor, olhando-me com uma expressão indecifrável em seu rosto.
— Aqui estamos — ele murmura, me encarando como se seu olhar pudesse me desmontar e surpreendendo a nós dois ao mostrar que realmente podia.
Por um momento, nenhum de nós se move, o silêncio entre nós pesa no ar como um cobertor denso. Eu me pego desejando que esse momento pudesse durar para sempre, mesmo que eu não consiga entender completamente o que está acontecendo entre nós, mas então, com um aceno de cabeça relutante, eu me viro para abrir a porta do carro.
— Obrigada por me trazer até aqui — digo, com o fio de voz que ainda existia em mim.
Dominic sorri de maneira gentil, mas há mais do que gentileza em seu rosto.
— Qualquer coisa — ele responde em um sussurro, enquanto nossos olhos se encontram mais uma vez. Então, quando eu já estava prestes a me afastar, ele me chamou pelo nome. — Ah, . — Ele chama, me deixando surpresa por ele ainda lembrar o meu nome. Ele hesitou por um momento, seus olhos se fixaram nos meus e eu esqueci como respirava por um momento. — Eu te pego hoje às 20h, esteja pronta.
— A festa não seria amanhã? — Perguntei, ouvindo meu coração saltar e meu peito vibrar.
— Sim, a minha festa será amanhã. Mas você será minha hoje.
Suas palavras me atingiram como um choque elétrico que se alastrou por todo o meu corpo e antes que eu pudesse formular uma pergunta, ele já estava indo embora.
1560 dias depois
Disco seu número, aperto no ícone verde da ligação e espero que atenda.
Caixa postal.
Sinto o calor subir pelo meu rosto e uma ardência familiar nos meus olhos. É a décima segunda ligação. Olho para cima, disposta a tentar o possível e o impossível para não ser mais uma noite em que volto para casa chorando. Guardo o celular em minha bolsa, saindo do trabalho e voltando para a casa onde estou morando agora.
A caminhada é um pouco longa, mas minha mente é tão fodidamente perturbada que todos os pensamentos que saem dela fazem o tempo passar rápido. Dolorosamente rápido. Sou obrigada a parar no sinal vermelho para pedestres e não consigo tirar o rosto da janela espelhada do prédio. Não reconheço a figura que vejo, acho que não sou mais eu. O que vejo não é o potencial que meu pai via, o que vejo é uma garota.
Perdida.
Infeliz.
Que odeia as escolhas que fez na vida.
Culpada.
Quando percebo que estou me comparando novamente com a minha versão de anos atrás, sinto o pânico subir pelas minhas veias. Sinto medo. Medo de nunca mais conseguir parar de lembrar como eu era com ele e como sou sem ele.
Volto a pegar o celular, sentindo agora a raiva inflar em meu peito. Chama outra vez e, acho que por estar cansada da minha insistência, ela atende.
— O que você quer, ? — A voz do outro lado é dura, firme, cortante e fria.
— Eu quero vê-lo. Por favor, Alexandra. — Mal consigo terminar de falar quando um nó surge na minha garganta, impedindo que a minha respiração saia como deveria. — Ale... por favor, eu só quero vê-lo. É o meu aniversário, você disse que o traria e não o trouxe, então me deixe olhar para ele pela tela do celular, que seja.
— Eu já disse. Não o levei porque Dom está doente, não achei uma boa ideia deixar que ele viajasse 120km para satisfazer os seus caprichos. — Ela murmurou, irritada como sempre. — E não terá como vê-lo, ele está dormindo.
Eram seis horas da noite, eu sabia que ele não estava dormindo.
Minhas mãos tremiam enquanto segurava o telefone, a frustração borbulhava dentro de mim como um vulcão prestes a entrar em erupção. Eu sabia que Alexandra estava sendo uma maldita, mas isso não me impedia de desejar desesperadamente estar ao lado de Dom, especialmente em um dia tão importante para mim. Especialmente em um dia tão dolorido para mim.
— Por favor, Alexandra. — Minha voz era um sussurro rouco, implorando por uma chance de estar ao lado dele, mesmo que fosse apenas por alguns minutos preciosos. — Eu preciso vê-lo.
Houve um silêncio do outro lado da linha, e por um momento eu mantive a respiração suspensa, esperando, desejando por um lampejo de compaixão. Desejando desesperadamente que entre tantos nãos, ela me desse um sim.
Então, a resposta veio, firme e implacável como uma sentença de morte.
— Não, . Isso não vai acontecer. Respeite o meu não.
Por mais que eu desejava desesperadamente estar ao lado de Dom, sabia que não havia mais argumentos que pudesse usar para persuadir Alexandra. Ela tinha decidido, e nada do que eu dissesse mudaria isso.
Com o coração pesado, disquei o número do meu pai com as mãos trêmulas e lágrimas que escorriam do meu rosto livremente a esta altura.
— Pai... — minha voz saiu num soluço, mal conseguindo conter a emoção que ameaçava me sufocar. — É a .
Eu sabia que não precisava dizer mais nada. Meu pai conhecia tão bem quanto eu a situação entre mim e Alexandra, e a simples menção do meu nome em meio a soluços já era suficiente para que ele entendesse tudo.
— O que aconteceu, filha? — A voz do meu pai soava preocupada do outro lado da linha, trazendo um leve alívio para a minha alma atormentada.
— Alexandra não me deixa vê-lo... Ela... ela não... eu não posso... — Minhas palavras saíram entrecortadas, afogadas pelo choro e pela frustração, pela raiva, a mágoa e a tristeza que ameaçava me destruir e consumir por inteiro. Eu chorei em desespero, sentindo-me como se estivesse afundando em um abismo de tristeza e solidão. — Eu não aguento mais, pai. Sinto tanto a falta dele. Eu só quero vê-lo, abraçá-lo... eu sinto que estou morrendo a cada dia que passo longe dele.
Admito, por fim, meu pai não fala nada e agradeço por isso. Acho que no fundo ele concorda que eu não mereço ver Dom, acho que no fundo ele duvida da minha capacidade, do meu amor, mas ele não é como a Alexandra. Ele não me diz isso. Ele me deixa imaginar, o que é pior, mas em momentos assim, é reconfortante porque pelo menos tenho alguém para me ouvir soluçando de chorar.
— Você quer que eu vá te buscar? — Ele pergunta, mas rapidamente nego.
— Não quero ir embora, eu preciso trabalhar mais. Daqui a pouco começa o meu segundo turno. Eu só... só queria desabafar.
O silêncio que se seguiu do outro lado da linha foi alto o suficiente para me incomodar. Por um instante, me vi consumida por uma onda avassaladora de culpa, uma sensação sufocante que me apertava o peito e fazia meu coração pesar ainda mais.
De repente, todas as minhas palavras pareciam vazias, todas as minhas lágrimas insignificantes diante da dor que eu havia causado ao meu pai. Como eu ousara sobrecarregá-lo com meus problemas, com minha dor e minha tristeza, quando ele já havia passado por tanto por minha causa?
Um nó se formou em minha garganta, tornando difícil engolir a culpa que ameaçava me afogar. Eu me sentia pequena e fraca, uma sombra do que um dia fora, diante do peso das minhas próprias escolhas e consequências.
— Eu... preciso ir. Obrigada por me ouvir, pai. — Minha voz saiu num sussurro trêmulo, carregado de arrependimento e autocondenação.
— , eu estou aqui. Você sabe disso, não sabe? — Sua voz era suave e gentil, mas carregava uma nota de preocupação e tristeza que me fazia o coração apertar ainda mais.
Com um suspiro pesado, me despedi do meu pai e desliguei o telefone, sentindo um peso ainda maior se instalar em meus ombros enquanto me preparava para enfrentar o restante do dia. Cada passo que eu dava parecia pesado demais, carregado com o peso das minhas próprias escolhas e consequências.
Enxuguei as lágrimas insistentes que não paravam de cair, respirei fundo algumas vezes, olhei no relógio para saber se já estava na hora e, percebendo que ainda faltavam algumas horas, caminhei para o meu segundo trabalho. A sensação de vazio ainda me ocupava, a mágoa e a raiva ainda estavam presentes, mas eu tinha que engolir isso e continuar vivendo.
Seguir em frente, como as pessoas gostam tanto de falar. O estranho era que a cada passo que eu dava para frente, eu me sentia mais próxima do abismo. Como se ele estivesse ali, me olhando, esperando que eu pisasse em falso para me engolir e me consumir.
No fundo eu merecia isso.
Quando cheguei na lanchonete, entrei no modo automático. Troquei de roupa, guardei minhas coisas no armário e coloquei a chave dele no bolso. Fui para o caixa até que Cassie chegasse e, quando ela chegou, caminhei para a terceira mesa do dia.
Minha mente estava em Dom, em Alexandra, minha mente estava em todo lugar, menos ali. Talvez tenha sido por isso que quase derrubei a primeira bandeja e troquei os pedidos na segunda vez. Talvez seja por isso que o cliente me chamou de incompetente duas vezes e parecia cada vez mais exaltado. Ou talvez Alexandra estivesse certa. Talvez eu fosse ruim em tanta coisa que até o que achava fácil, era um caos completo quando eu colocava a mão.
Algumas pessoas nascem com dom, talvez o meu dom seja estragar tudo.
— Amiga, deixa que eu atendo essa mesa. — Camille diz, se aproximando de mim com um sorriso gentil e pegando a bandeja que estava em minha mão e que, de novo, eu quase havia derrubado sem perceber.
Caminho para o fundo do estabelecimento e não sei quanto tempo passa, não sei quantas horas fico ali. Percebo que o sol fica mais quente, vejo que os carros do estacionamento diminuem, mas não tenho noção alguma do tempo. Só percebo que estamos quase na hora de fechar quando Camille se aproxima com os fios ruivos do cabelo tingido brilhando e um sorriso que sempre cativa a qualquer um.
— Trouxe algo para você. — Ela sussurra, mantendo o sorriso no rosto. Sua mão se estende com um cupcake colorido e uma pequena vela em cima. Meus olhos se enchem de lágrimas no mesmo minuto. — Eu juro que era o mais fresco que tínhamos. — Sorrio em meio às lágrimas, mas acho que é o sorriso mais patético que alguém já deu. — ... Eu sei que não somos tão próximas, mas se você precisar de alguma coisa...
Ela não conclui a frase, acho que tem vergonha de precisar me oferecer ajuda porque eu nunca peço. Olho para o teto, evitando que minhas lágrimas caiam e, então, olho para ela de forma genuinamente agradecida.
— Me ajudaria muito se você fosse uma advogada no seu tempo vago. — Tento falar com humor, mas acho que isso sai mais deprimente que o meu sorriso forçado.
— Como você adivinhou o meu segundo serviço? Juro! Sirvo mesas apenas pelo hobby. — Ela sorri, arrancando-me um sorriso também. Dessa vez o sorriso é verdadeiro. — Eu não sou advogada, infelizmente, mas conheço um escritório. Quando a tia Margot abriu esse lugar, ela precisou de bons advogados porque o antigo dono sonegou todos os impostos e o governo quis cobrar tudo dela. Ela venceu o caso e lembro dela falando sobre eles serem os melhores, que conseguiriam até o impossível. Se imposto não for o seu problema, fiquei sabendo que lá tem advogado para todas as áreas. Vou te enviar por telefone o nome e o endereço do lugar. — Assenti com a cabeça, sentindo a esperança se imantar em mim. Se havia uma possibilidade, por menor que fosse, de estar com ele... Nada seria mais importante que isso para mim.
— Camille... — Ela me olha quando a chamo, demoro alguns segundos para falar e não sei se estou criando coragem ou me familiarizando com o fato de voltar a ter que demonstrar sentimentos por alguém. — Obrigada por tanto.
Ela sorri, se aproximando de mim e entrega o cupcake nas minhas mãos.
— Feliz aniversário, amiga.
É o primeiro feliz aniversário que recebo hoje. É o primeiro feliz aniversário que recebo nos últimos anos, mas não é a felicitação de quem eu queria porque, quem eu realmente queria, não está aqui.
Ainda assim é bom.
Ainda assim dói.
Ainda assim tem algo faltando no dia.
Em mim.
Talvez falte para sempre.
Caixa postal.
Sinto o calor subir pelo meu rosto e uma ardência familiar nos meus olhos. É a décima segunda ligação. Olho para cima, disposta a tentar o possível e o impossível para não ser mais uma noite em que volto para casa chorando. Guardo o celular em minha bolsa, saindo do trabalho e voltando para a casa onde estou morando agora.
A caminhada é um pouco longa, mas minha mente é tão fodidamente perturbada que todos os pensamentos que saem dela fazem o tempo passar rápido. Dolorosamente rápido. Sou obrigada a parar no sinal vermelho para pedestres e não consigo tirar o rosto da janela espelhada do prédio. Não reconheço a figura que vejo, acho que não sou mais eu. O que vejo não é o potencial que meu pai via, o que vejo é uma garota.
Perdida.
Infeliz.
Que odeia as escolhas que fez na vida.
Culpada.
Quando percebo que estou me comparando novamente com a minha versão de anos atrás, sinto o pânico subir pelas minhas veias. Sinto medo. Medo de nunca mais conseguir parar de lembrar como eu era com ele e como sou sem ele.
Volto a pegar o celular, sentindo agora a raiva inflar em meu peito. Chama outra vez e, acho que por estar cansada da minha insistência, ela atende.
— O que você quer, ? — A voz do outro lado é dura, firme, cortante e fria.
— Eu quero vê-lo. Por favor, Alexandra. — Mal consigo terminar de falar quando um nó surge na minha garganta, impedindo que a minha respiração saia como deveria. — Ale... por favor, eu só quero vê-lo. É o meu aniversário, você disse que o traria e não o trouxe, então me deixe olhar para ele pela tela do celular, que seja.
— Eu já disse. Não o levei porque Dom está doente, não achei uma boa ideia deixar que ele viajasse 120km para satisfazer os seus caprichos. — Ela murmurou, irritada como sempre. — E não terá como vê-lo, ele está dormindo.
Eram seis horas da noite, eu sabia que ele não estava dormindo.
Minhas mãos tremiam enquanto segurava o telefone, a frustração borbulhava dentro de mim como um vulcão prestes a entrar em erupção. Eu sabia que Alexandra estava sendo uma maldita, mas isso não me impedia de desejar desesperadamente estar ao lado de Dom, especialmente em um dia tão importante para mim. Especialmente em um dia tão dolorido para mim.
— Por favor, Alexandra. — Minha voz era um sussurro rouco, implorando por uma chance de estar ao lado dele, mesmo que fosse apenas por alguns minutos preciosos. — Eu preciso vê-lo.
Houve um silêncio do outro lado da linha, e por um momento eu mantive a respiração suspensa, esperando, desejando por um lampejo de compaixão. Desejando desesperadamente que entre tantos nãos, ela me desse um sim.
Então, a resposta veio, firme e implacável como uma sentença de morte.
— Não, . Isso não vai acontecer. Respeite o meu não.
Por mais que eu desejava desesperadamente estar ao lado de Dom, sabia que não havia mais argumentos que pudesse usar para persuadir Alexandra. Ela tinha decidido, e nada do que eu dissesse mudaria isso.
Com o coração pesado, disquei o número do meu pai com as mãos trêmulas e lágrimas que escorriam do meu rosto livremente a esta altura.
— Pai... — minha voz saiu num soluço, mal conseguindo conter a emoção que ameaçava me sufocar. — É a .
Eu sabia que não precisava dizer mais nada. Meu pai conhecia tão bem quanto eu a situação entre mim e Alexandra, e a simples menção do meu nome em meio a soluços já era suficiente para que ele entendesse tudo.
— O que aconteceu, filha? — A voz do meu pai soava preocupada do outro lado da linha, trazendo um leve alívio para a minha alma atormentada.
— Alexandra não me deixa vê-lo... Ela... ela não... eu não posso... — Minhas palavras saíram entrecortadas, afogadas pelo choro e pela frustração, pela raiva, a mágoa e a tristeza que ameaçava me destruir e consumir por inteiro. Eu chorei em desespero, sentindo-me como se estivesse afundando em um abismo de tristeza e solidão. — Eu não aguento mais, pai. Sinto tanto a falta dele. Eu só quero vê-lo, abraçá-lo... eu sinto que estou morrendo a cada dia que passo longe dele.
Admito, por fim, meu pai não fala nada e agradeço por isso. Acho que no fundo ele concorda que eu não mereço ver Dom, acho que no fundo ele duvida da minha capacidade, do meu amor, mas ele não é como a Alexandra. Ele não me diz isso. Ele me deixa imaginar, o que é pior, mas em momentos assim, é reconfortante porque pelo menos tenho alguém para me ouvir soluçando de chorar.
— Você quer que eu vá te buscar? — Ele pergunta, mas rapidamente nego.
— Não quero ir embora, eu preciso trabalhar mais. Daqui a pouco começa o meu segundo turno. Eu só... só queria desabafar.
O silêncio que se seguiu do outro lado da linha foi alto o suficiente para me incomodar. Por um instante, me vi consumida por uma onda avassaladora de culpa, uma sensação sufocante que me apertava o peito e fazia meu coração pesar ainda mais.
De repente, todas as minhas palavras pareciam vazias, todas as minhas lágrimas insignificantes diante da dor que eu havia causado ao meu pai. Como eu ousara sobrecarregá-lo com meus problemas, com minha dor e minha tristeza, quando ele já havia passado por tanto por minha causa?
Um nó se formou em minha garganta, tornando difícil engolir a culpa que ameaçava me afogar. Eu me sentia pequena e fraca, uma sombra do que um dia fora, diante do peso das minhas próprias escolhas e consequências.
— Eu... preciso ir. Obrigada por me ouvir, pai. — Minha voz saiu num sussurro trêmulo, carregado de arrependimento e autocondenação.
— , eu estou aqui. Você sabe disso, não sabe? — Sua voz era suave e gentil, mas carregava uma nota de preocupação e tristeza que me fazia o coração apertar ainda mais.
Com um suspiro pesado, me despedi do meu pai e desliguei o telefone, sentindo um peso ainda maior se instalar em meus ombros enquanto me preparava para enfrentar o restante do dia. Cada passo que eu dava parecia pesado demais, carregado com o peso das minhas próprias escolhas e consequências.
Enxuguei as lágrimas insistentes que não paravam de cair, respirei fundo algumas vezes, olhei no relógio para saber se já estava na hora e, percebendo que ainda faltavam algumas horas, caminhei para o meu segundo trabalho. A sensação de vazio ainda me ocupava, a mágoa e a raiva ainda estavam presentes, mas eu tinha que engolir isso e continuar vivendo.
Seguir em frente, como as pessoas gostam tanto de falar. O estranho era que a cada passo que eu dava para frente, eu me sentia mais próxima do abismo. Como se ele estivesse ali, me olhando, esperando que eu pisasse em falso para me engolir e me consumir.
No fundo eu merecia isso.
Quando cheguei na lanchonete, entrei no modo automático. Troquei de roupa, guardei minhas coisas no armário e coloquei a chave dele no bolso. Fui para o caixa até que Cassie chegasse e, quando ela chegou, caminhei para a terceira mesa do dia.
Minha mente estava em Dom, em Alexandra, minha mente estava em todo lugar, menos ali. Talvez tenha sido por isso que quase derrubei a primeira bandeja e troquei os pedidos na segunda vez. Talvez seja por isso que o cliente me chamou de incompetente duas vezes e parecia cada vez mais exaltado. Ou talvez Alexandra estivesse certa. Talvez eu fosse ruim em tanta coisa que até o que achava fácil, era um caos completo quando eu colocava a mão.
Algumas pessoas nascem com dom, talvez o meu dom seja estragar tudo.
— Amiga, deixa que eu atendo essa mesa. — Camille diz, se aproximando de mim com um sorriso gentil e pegando a bandeja que estava em minha mão e que, de novo, eu quase havia derrubado sem perceber.
Caminho para o fundo do estabelecimento e não sei quanto tempo passa, não sei quantas horas fico ali. Percebo que o sol fica mais quente, vejo que os carros do estacionamento diminuem, mas não tenho noção alguma do tempo. Só percebo que estamos quase na hora de fechar quando Camille se aproxima com os fios ruivos do cabelo tingido brilhando e um sorriso que sempre cativa a qualquer um.
— Trouxe algo para você. — Ela sussurra, mantendo o sorriso no rosto. Sua mão se estende com um cupcake colorido e uma pequena vela em cima. Meus olhos se enchem de lágrimas no mesmo minuto. — Eu juro que era o mais fresco que tínhamos. — Sorrio em meio às lágrimas, mas acho que é o sorriso mais patético que alguém já deu. — ... Eu sei que não somos tão próximas, mas se você precisar de alguma coisa...
Ela não conclui a frase, acho que tem vergonha de precisar me oferecer ajuda porque eu nunca peço. Olho para o teto, evitando que minhas lágrimas caiam e, então, olho para ela de forma genuinamente agradecida.
— Me ajudaria muito se você fosse uma advogada no seu tempo vago. — Tento falar com humor, mas acho que isso sai mais deprimente que o meu sorriso forçado.
— Como você adivinhou o meu segundo serviço? Juro! Sirvo mesas apenas pelo hobby. — Ela sorri, arrancando-me um sorriso também. Dessa vez o sorriso é verdadeiro. — Eu não sou advogada, infelizmente, mas conheço um escritório. Quando a tia Margot abriu esse lugar, ela precisou de bons advogados porque o antigo dono sonegou todos os impostos e o governo quis cobrar tudo dela. Ela venceu o caso e lembro dela falando sobre eles serem os melhores, que conseguiriam até o impossível. Se imposto não for o seu problema, fiquei sabendo que lá tem advogado para todas as áreas. Vou te enviar por telefone o nome e o endereço do lugar. — Assenti com a cabeça, sentindo a esperança se imantar em mim. Se havia uma possibilidade, por menor que fosse, de estar com ele... Nada seria mais importante que isso para mim.
— Camille... — Ela me olha quando a chamo, demoro alguns segundos para falar e não sei se estou criando coragem ou me familiarizando com o fato de voltar a ter que demonstrar sentimentos por alguém. — Obrigada por tanto.
Ela sorri, se aproximando de mim e entrega o cupcake nas minhas mãos.
— Feliz aniversário, amiga.
É o primeiro feliz aniversário que recebo hoje. É o primeiro feliz aniversário que recebo nos últimos anos, mas não é a felicitação de quem eu queria porque, quem eu realmente queria, não está aqui.
Ainda assim é bom.
Ainda assim dói.
Ainda assim tem algo faltando no dia.
Em mim.
Talvez falte para sempre.
1563 dias depois
O outro dia sempre é pior. O meu aniversário pode ser um pesadelo, mas o dia depois dele é um verdadeiro inferno. Por isso ontem não fui trabalhar, não sai de casa e não liguei nem mesmo para o meu pai, embora ele tenha me ligado algumas vezes. Por isso me afundei em minha nova cama e chorei todas as lágrimas que tinham em meu corpo. E, também por isso, estava indo em direção ao escritório de advocacia que Camille havia me falado. Porque se eu passasse mais um ano assim, talvez não houvesse mais um ano.
Verifiquei o endereço na tela do celular, apenas para ter certeza que estava no lugar certo. O lugar estava um pouco diferente da foto, um pouco maior, mais luxuoso também. Era o tipo de lugar que eu claramente não teria como pagar, mas eu estava desesperada, então entrei.
Havia muitos espelhos ali, muito dourado e preto também, o nome dos ’s estavam em todos os lugares com as letras imponentes. Me encolhi um pouco, reavaliando se era uma boa ideia, mas eu não tinha nenhuma outra. Caminhei até a recepcionista, que não me deu muita atenção e continuou focada na sua linha telefônica, tentei falar, mas ela continuou não me ouvindo. Um homem se aproxima ao meu lado, falando algo que não presto muita atenção e a minha indignação sobe com uma velocidade assustadora quando percebo que ele sim ela ouve.
— Com licença — Chamo, me virando para o homem ao meu lado, só então vejo que ele é bem mais jovem do que eu tinha prestado atenção. Não deveria ter mais do que vinte e quatro anos, ele era alto, os cabelos escuros e a pele pálida como a minha. De repente me sinto envergonhada por tê-lo chamado, mas não tem como voltar atrás. Lembro das minhas pouquíssimas chances. — Queria saber qual o seu truque para chegar e ser ouvido, porque estou aqui há cinco minutos e essa secretaria não me ouve de forma alguma. O senhor consegue ouvir minha voz? Porque ela claramente não.
— Não me chame de senhor. — ele me pede, fazendo uma pequena careta, mas parece se divertir com a minha postura. Seu sorriso é muito branco. Muito grande e extremamente bonito. — Me chamo . — Ele diz, estendendo a mão. Pego-a, ainda um pouco desconfiada com a sua simpatia.
— Oh, então você me ouve. — É impossível não controlar a ironia em minha voz. — Talvez seja a forma que estou vestida então? Porque alguma coisa deve ter para que essa senhorita não fale comigo quando estou aqui só querendo informações.
— Você está lindamente vestida. — sinto minhas bochechas corarem percebendo que talvez tenha sido um pouco longe demais ao ponto de um desconhecido achar que estou flertando com ele. — Perdoe Karen, ela devia estar com a atenção em outros lugares, mas tenho certeza que ela vai melhorar os ouvidos e a visão. — ela acena com a cabeça de forma constrangida, mas também percebo seu olhar raivoso em minha direção. — Eu mesmo vou te atender. Tem algo que eu possa ajudar?
— Você é o ? — A pergunta, embora afiada, foi quase retórica, ele riu balançando a cabeça para os lados de forma pensativa
— Um deles, sim. — A resposta me faz arregalar os olhos, de repente a timidez toma conta de mim e me encolho, querendo me esconder imediatamente. — Karen, cancele a reunião do meu pai hoje às 15h, ele não vai poder vir. E não me interrompa, estarei ocupado agora pela manhã. — Ela acena com a cabeça e ele sai andando, permaneço onde estou, sem me mover. Sem acreditar que essa tinha sido a primeira impressão que eu havia deixado no advogado que poderia facilmente salvar a minha vida. Após alguns passos, ele para e se vira em minha direção. — Você não vem?
Demoro alguns segundos para entender que era comigo que ele estava falando, mas o sigo. O caminho é silencioso. Ele segura o elevador para mim e entro ainda quieta, bem mais quieta do que segundos atrás.
— Desculpe pelo meu comportamento, eu não quis ser rude com a sua funcionária ou com você. É que... Ela precisa ter mais educação. Eu acho. — Ele continua se divertindo com tudo que falo, já que a cada palavra um sorriso de diferente tamanho ocupa seus lábios
— Não se preocupe com isso, eu mesmo falarei com ela depois. Não é um comportamento que nós incentivamos.
Balancei a cabeça positivamente e continuei o caminho, agora passando pelos corredores. Ele cumprimentava a todos pelo caminho com um aceno de cabeça e eu me encolhi, tentando me esconder atrás dele. Não funcionava muito, aparentemente andar com um era como ser o centro das atenções ali. Alguns minutos depois e estamos na sala dele, tem o seu nome na porta e a visão é perturbadoramente incrível. Olho para a imensa janela de vidro e para todos os prédios, o céu estava azul de uma forma que não era possível ver lá debaixo. Era uma visão que apenas alguém com muito dinheiro, ou em um prédio muito alto, conseguia aproveitar.
— Então, no que posso te ajudar? — Sua voz me desperta, caminho passando pelo grande tapete branco, e me sento em uma das cadeiras que ficavam em frente a mesa de madeira em que ele devia trabalhar. Havia um lindo sofá de couro no outro lado, acompanhado com poltronas e uma parede inteira de livros. Em um espaço havia uma bola de basebol, provavelmente alguém muito famoso tinha autografado pelo alto estado de conservação. Ninguém guarda coisas assim se não tiverem muita importância. — Desculpe, acho que ainda não sei seu nome.
— . — respondo, um tanto quanto desconfiada. Eu deveria revelar toda a minha história para ele agora? Devia falar tudo que buscava? Tudo que havia feito? — Eu... Preciso de um advogado. — Ele ri. A forma que ele sorri com tudo que falo começa a me irritar.
— Está no lugar certo então. Qual seria a causa?
Ele continua me olhando enquanto penso na maneira mais coerente, mais clara e menos idiota de explicar que eu queria ver alguém.
— Eu quero ver alguém. — ele murmura um “tudo bem”, mas percebo a confusão em seu rosto quando ele me encara, esperando que eu continue a falar.
— E esse alguém é o que seu, exatamente?
— É complicado. — digo de forma simples, acho que ele percebe que estou desconfortável, porque logo se afasta um pouco mais, recostando-se na cadeira de couro que estava sentado. — Digamos que eu quero ter o direito de ver alguém frequentemente. E a pessoa que é responsável legal por ele não permite.
Demora alguns segundos para que sua expressão de surpresa saia do seu rosto. — Guarda compartilhada, você quer dizer? — Acho que ele percebe a expressão confusa em meu rosto — Se você tem um filho e o pai da criança não deixa você ver ele... — É a minha vez de rir. Outro sorriso patético. Balanço a cabeça de forma negativa, o interrompendo. Seria muito mais fácil se realmente fosse isso. Se realmente fosse assim.
— Não é isso. Eu só... Deixa pra lá. — Me levanto para sair e faz o mesmo logo atrás de mim. — Você pode me dizer quanto vocês cobram?
— Eu não tenho a tabela de preços exata aqui, mas acredito ser trezentos dólares por hora.
Sinto a aflição percorrer as minhas veias. Eu não ganho trezentos dólares nem por dia.
— Tudo bem, obrigada.
Antes que eu possa sair, ele segura minha mão, soltando-a imediatamente quando percebe o que fez. O olho confusa, sem entender o gesto ou a sua reação exagerada ao toque.
— Eu estou nos últimos semestres da minha faculdade. Se você quiser... Não sei, posso pegar um caso pró-bono. Vai ser bom para o meu currículo e vamos conseguir ajudar você.
De novo a maldita esperança se instaura em meus olhos e acho que ele vê o brilho que causou pela forma torta que sorri. Não gosto quando ele sorri de tudo que digo, mas gosto do sorriso dele. Pelo pouco que entendi, ele é filho de um dos donos desse lugar, é claro que ele não precisa de um currículo bom e é nítido que ele está tentando fazer uma caridade porque viu que eu não tenho a menor condição de pagar alguém daqui. Talvez ele tenha sentido o cheiro do meu desespero também. Não ligo se vou ser a caridade dele porque eu preciso disso e estar com Dom é maior do que qualquer orgulho que eu poderia ter.
Se minha esperança era a caridade de mais um homem que tinha o mundo nas mãos, eu me agarraria a ela.
— Está falando sério?
— Sim, mas você vai precisar confiar em mim. — Ali estava a palavrinha trave para todas as relações, confiança. Eu não conseguia fornecer confiança a alguém e eu certamente não a esperava de volta. Não depois de tudo que aconteceu. — Não precisa me contar tudo de uma vez. Podemos nos reunir, às vezes, e aí você vai me contando o que se sentir confortável.
Ele parecia ler meus pensamentos e eu odiava isso. Meu coração me mandava desistir, mas minha mente me lembrava a todos os segundos que eu não tinha opção.
Eu não tinha outra escolha.
— Tudo bem.
Verifiquei o endereço na tela do celular, apenas para ter certeza que estava no lugar certo. O lugar estava um pouco diferente da foto, um pouco maior, mais luxuoso também. Era o tipo de lugar que eu claramente não teria como pagar, mas eu estava desesperada, então entrei.
Havia muitos espelhos ali, muito dourado e preto também, o nome dos ’s estavam em todos os lugares com as letras imponentes. Me encolhi um pouco, reavaliando se era uma boa ideia, mas eu não tinha nenhuma outra. Caminhei até a recepcionista, que não me deu muita atenção e continuou focada na sua linha telefônica, tentei falar, mas ela continuou não me ouvindo. Um homem se aproxima ao meu lado, falando algo que não presto muita atenção e a minha indignação sobe com uma velocidade assustadora quando percebo que ele sim ela ouve.
— Com licença — Chamo, me virando para o homem ao meu lado, só então vejo que ele é bem mais jovem do que eu tinha prestado atenção. Não deveria ter mais do que vinte e quatro anos, ele era alto, os cabelos escuros e a pele pálida como a minha. De repente me sinto envergonhada por tê-lo chamado, mas não tem como voltar atrás. Lembro das minhas pouquíssimas chances. — Queria saber qual o seu truque para chegar e ser ouvido, porque estou aqui há cinco minutos e essa secretaria não me ouve de forma alguma. O senhor consegue ouvir minha voz? Porque ela claramente não.
— Não me chame de senhor. — ele me pede, fazendo uma pequena careta, mas parece se divertir com a minha postura. Seu sorriso é muito branco. Muito grande e extremamente bonito. — Me chamo . — Ele diz, estendendo a mão. Pego-a, ainda um pouco desconfiada com a sua simpatia.
— Oh, então você me ouve. — É impossível não controlar a ironia em minha voz. — Talvez seja a forma que estou vestida então? Porque alguma coisa deve ter para que essa senhorita não fale comigo quando estou aqui só querendo informações.
— Você está lindamente vestida. — sinto minhas bochechas corarem percebendo que talvez tenha sido um pouco longe demais ao ponto de um desconhecido achar que estou flertando com ele. — Perdoe Karen, ela devia estar com a atenção em outros lugares, mas tenho certeza que ela vai melhorar os ouvidos e a visão. — ela acena com a cabeça de forma constrangida, mas também percebo seu olhar raivoso em minha direção. — Eu mesmo vou te atender. Tem algo que eu possa ajudar?
— Você é o ? — A pergunta, embora afiada, foi quase retórica, ele riu balançando a cabeça para os lados de forma pensativa
— Um deles, sim. — A resposta me faz arregalar os olhos, de repente a timidez toma conta de mim e me encolho, querendo me esconder imediatamente. — Karen, cancele a reunião do meu pai hoje às 15h, ele não vai poder vir. E não me interrompa, estarei ocupado agora pela manhã. — Ela acena com a cabeça e ele sai andando, permaneço onde estou, sem me mover. Sem acreditar que essa tinha sido a primeira impressão que eu havia deixado no advogado que poderia facilmente salvar a minha vida. Após alguns passos, ele para e se vira em minha direção. — Você não vem?
Demoro alguns segundos para entender que era comigo que ele estava falando, mas o sigo. O caminho é silencioso. Ele segura o elevador para mim e entro ainda quieta, bem mais quieta do que segundos atrás.
— Desculpe pelo meu comportamento, eu não quis ser rude com a sua funcionária ou com você. É que... Ela precisa ter mais educação. Eu acho. — Ele continua se divertindo com tudo que falo, já que a cada palavra um sorriso de diferente tamanho ocupa seus lábios
— Não se preocupe com isso, eu mesmo falarei com ela depois. Não é um comportamento que nós incentivamos.
Balancei a cabeça positivamente e continuei o caminho, agora passando pelos corredores. Ele cumprimentava a todos pelo caminho com um aceno de cabeça e eu me encolhi, tentando me esconder atrás dele. Não funcionava muito, aparentemente andar com um era como ser o centro das atenções ali. Alguns minutos depois e estamos na sala dele, tem o seu nome na porta e a visão é perturbadoramente incrível. Olho para a imensa janela de vidro e para todos os prédios, o céu estava azul de uma forma que não era possível ver lá debaixo. Era uma visão que apenas alguém com muito dinheiro, ou em um prédio muito alto, conseguia aproveitar.
— Então, no que posso te ajudar? — Sua voz me desperta, caminho passando pelo grande tapete branco, e me sento em uma das cadeiras que ficavam em frente a mesa de madeira em que ele devia trabalhar. Havia um lindo sofá de couro no outro lado, acompanhado com poltronas e uma parede inteira de livros. Em um espaço havia uma bola de basebol, provavelmente alguém muito famoso tinha autografado pelo alto estado de conservação. Ninguém guarda coisas assim se não tiverem muita importância. — Desculpe, acho que ainda não sei seu nome.
— . — respondo, um tanto quanto desconfiada. Eu deveria revelar toda a minha história para ele agora? Devia falar tudo que buscava? Tudo que havia feito? — Eu... Preciso de um advogado. — Ele ri. A forma que ele sorri com tudo que falo começa a me irritar.
— Está no lugar certo então. Qual seria a causa?
Ele continua me olhando enquanto penso na maneira mais coerente, mais clara e menos idiota de explicar que eu queria ver alguém.
— Eu quero ver alguém. — ele murmura um “tudo bem”, mas percebo a confusão em seu rosto quando ele me encara, esperando que eu continue a falar.
— E esse alguém é o que seu, exatamente?
— É complicado. — digo de forma simples, acho que ele percebe que estou desconfortável, porque logo se afasta um pouco mais, recostando-se na cadeira de couro que estava sentado. — Digamos que eu quero ter o direito de ver alguém frequentemente. E a pessoa que é responsável legal por ele não permite.
Demora alguns segundos para que sua expressão de surpresa saia do seu rosto. — Guarda compartilhada, você quer dizer? — Acho que ele percebe a expressão confusa em meu rosto — Se você tem um filho e o pai da criança não deixa você ver ele... — É a minha vez de rir. Outro sorriso patético. Balanço a cabeça de forma negativa, o interrompendo. Seria muito mais fácil se realmente fosse isso. Se realmente fosse assim.
— Não é isso. Eu só... Deixa pra lá. — Me levanto para sair e faz o mesmo logo atrás de mim. — Você pode me dizer quanto vocês cobram?
— Eu não tenho a tabela de preços exata aqui, mas acredito ser trezentos dólares por hora.
Sinto a aflição percorrer as minhas veias. Eu não ganho trezentos dólares nem por dia.
— Tudo bem, obrigada.
Antes que eu possa sair, ele segura minha mão, soltando-a imediatamente quando percebe o que fez. O olho confusa, sem entender o gesto ou a sua reação exagerada ao toque.
— Eu estou nos últimos semestres da minha faculdade. Se você quiser... Não sei, posso pegar um caso pró-bono. Vai ser bom para o meu currículo e vamos conseguir ajudar você.
De novo a maldita esperança se instaura em meus olhos e acho que ele vê o brilho que causou pela forma torta que sorri. Não gosto quando ele sorri de tudo que digo, mas gosto do sorriso dele. Pelo pouco que entendi, ele é filho de um dos donos desse lugar, é claro que ele não precisa de um currículo bom e é nítido que ele está tentando fazer uma caridade porque viu que eu não tenho a menor condição de pagar alguém daqui. Talvez ele tenha sentido o cheiro do meu desespero também. Não ligo se vou ser a caridade dele porque eu preciso disso e estar com Dom é maior do que qualquer orgulho que eu poderia ter.
Se minha esperança era a caridade de mais um homem que tinha o mundo nas mãos, eu me agarraria a ela.
— Está falando sério?
— Sim, mas você vai precisar confiar em mim. — Ali estava a palavrinha trave para todas as relações, confiança. Eu não conseguia fornecer confiança a alguém e eu certamente não a esperava de volta. Não depois de tudo que aconteceu. — Não precisa me contar tudo de uma vez. Podemos nos reunir, às vezes, e aí você vai me contando o que se sentir confortável.
Ele parecia ler meus pensamentos e eu odiava isso. Meu coração me mandava desistir, mas minha mente me lembrava a todos os segundos que eu não tinha opção.
Eu não tinha outra escolha.
— Tudo bem.
482 dias depois
De repente estou em pé, na frente da casa dela, observando enquanto seus passos se aproximam lentamente de mim. Ela parece tão delicada, tão vulnerável sob a luz da lua que meu coração começa a acelerar.
.
.
.
Repito seu nome várias vezes para entender o que o som causa em mim. Tenho certeza que ela é a próxima menina que vou me apaixonar. Seus olhos encontram os meus e um arrepio percorre minha espinha. Ela é tão linda, com seus cabelos dançando suavemente ao vento e um brilho tão tímido nos olhos.
Quando finalmente estamos lado a lado, sinto meu coração bater descompassadamente no peito.
— Ei. — Minha voz sai mais rouca do que eu esperava.
— Ei. — Sua resposta é um sussurro hesitante e vejo a timidez brilhar em seus olhos, o que me faz sorrir involuntariamente.
— Você está incrível. — E é verdade. Ela está simplesmente deslumbrante.
— Obrigada. — Sua voz é suave e trêmula, o que só faz com que ela pareça ainda mais adorável. Meu coração se derrete um pouco mais. — E então, para onde vamos?
Com cuidado, me aproximo dela, deixando minha mão encontrar uma mecha do seu cabelo e suavemente colocando-a atrás da orelha, apenas para que eu possa vislumbrar melhor seu rosto. Sinto o leve tremor em seu corpo quando meu toque a alcança. Ela endireita um pouco a postura, mas não muito, uma pequena indicação de que ela também está consciente da proximidade entre nós. Sua respiração fica mais rápida, mas apenas o suficiente para ser notada por quem está prestando atenção. Suas bochechas coram levemente, um rubor suave que realça sua beleza, mas não de forma exagerada. Seus olhos brilham com uma centelha de emoção, mas não demais.
Observo-a com admiração, maravilhado com a maneira como ela controla cada reação, como se fosse uma dança cuidadosamente coreografada. Tudo nela parece estar na medida exata.
Enquanto meus dedos deslizam pelos fios de cabelo dela, uma sensação de maravilha me envolve. Cada fio parece perfeitamente moldado para se encaixar entre meus dedos, como se houvesse sido criado especificamente para o toque da minha mão. Percebo que, se houver mesmo uma divindade, ela fez esses cabelos especialmente para que minha mão os tocasse.
Tenho certeza que vou me apaixonar por .
Uma parte de mim se pergunta se é possível sentir o gosto dela e, ao fazê-lo, perder o encanto que ela exerce sobre mim. Talvez, se eu me permitir encará-la por muito tempo, eu não me apaixone perdidamente por cada detalhe de sua expressão, por cada traço de sua beleza. Talvez, se eu me afastar um pouco, eu consiga resistir ao vício que é a visão dela.
Mas então, quando me pego olhando para ela, capturando cada detalhe de sua expressão, percebo que é tarde demais para voltar atrás. Já estou fisgado e não importa quão forte eu tente resistir, sei que estou destinado a me perder em seus encantos, a me render ao poder avassalador de sua presença.
Acho que ela percebe o jeito que estou a olhando, porque seu rosto cora e ela fica tímida imediatamente. Sorrio com quão encantadora ela fica assim.
Meu coração derrete um pouco mais.
— Desculpa, me perdi um pouco — afastei as mãos de seus cabelos, tentando focar novamente na conversa — Para qualquer lugar que você queira. Está tendo uma festa lá em casa, eu gostaria que você fosse.
— Não sei, não gosto muito de festas — murmurou, com uma expressão incerta.
— É uma festa mais adulta, não precisa se preocupar. Meus pais organizaram em prol de uma causa importante que eu obviamente não lembro. Por favor, eu não quero enfrentar isso sozinho. Estou prestes a retornar ao colégio militar, mas lidar com meus pais em uma festa... é demais
Um riso suave escapou dos lábios de , enchendo o ar com uma doçura irresistível.
Eu faria qualquer coisa para ouvi-lo novamente.
— Tudo bem, mas eu serei tipo a Cinderela e vou sumir à meia-noite — ela brincou.
— Não se preocupe, estarei lá para garantir que você não perca seu sapato. — Minha voz saiu suave.
Eu guardaria você inteira, .
— Quero fazer um milhão de perguntas. — Ela diz, me fazendo rir. Um sorriso brincou em seus lábios, iluminando seu rosto de maneira irresistível.
— Então acho melhor você começar.
Merda.
Eu nunca quis filhos, mas tenho certeza que ela será a mãe de todos os filhos que eu tiver.
— Qual é a data do seu aniversário? — sua voz era como uma canção suave, enchendo o carro com uma doçura irresistivelmente dela.
— 17 de novembro. Não ironicamente, vou fazer 17 anos. — respondi, tentando parecer calmo e confiante, mesmo que por dentro meu coração estivesse batendo em um frequência que qualquer médico duvidaria. Um sorriso brincou em seus lábios, iluminando seu rosto de uma maneira que me deixava sem palavras. — E o seu? — perguntei, desejando que o tempo pudesse parar naquele momento.
Ela riu, um som suave e melodioso que parecia preencher o espaço por completo. — Meu aniversário é em 10 de abril. Ficarei ansiosa para você me dar os parabéns — disse ela, com um brilho nos olhos que fez meu coração acelerar ainda mais.
Não demorou tanto até que chegássemos e, quando chegamos, ela deslizou do carro com uma graciosidade que me deixou sem fôlego. parecia um pouco tímida, então coloquei a mão de forma suave sobre seu quadril, deixando-a ali quando percebi que ela não se incomodou.
— Essa casa é incrível. — ela murmurou, deixando que seus olhos vagassem pela arquitetura moderna.
— É, meu pai gosta de fazer as coisas… impressionantes — respondi, tentando disfarçar a tensão em minha voz. — Mas não se espante, é uma das únicas coisas que ele mantém em grande estilo.
— Você… está tudo bem? — Percebi seu olhar curioso em minha direção, sorri em resposta a sua preocupação.
— É complicado... — comecei, minha voz soando mais fraca do que eu gostaria. — Meu pai... bem, digamos que nossa relação não é exatamente a melhor.
— Estou aqui se você quiser conversar. — Há uma sinceridade impressionante em sua voz. Um sorriso brotou em meus lábios ao ver o quanto ela se importava. Me aproximei um pouco mais dela, tentando dissipar a tensão que eu mesmo havia criado.
— Eu quero fazer muitas coisas com você, . Conversar não é bem uma delas nesse momento, mas obrigada. — Eu disse, tentando trazer um pouco de leveza à situação.
Vi seus olhos brilharem mais e sua boca tremer levemente antes de engolir em seco.
— Como você sabe meu sobrenome? Eu não me lembro de te dizer. — ela perguntou, com uma mistura de curiosidade e surpresa em sua voz.
— Eu guardo muito bem as informações que quero. Sei o seu sobrenome porque precisava saber o nome completo da próxima pessoa por quem eu vou me apaixonar. — Respondi, deixando escapar um sorriso travesso.
ficou momentaneamente sem palavras, seus olhos encontraram os meus com uma intensidade que fez meu coração acelerar.
— Você não sabe se vai se apaixonar por mim. — Ela disse, mantendo sua voz em um sussurro suave.
— Olhe para você. — Eu disse, me aproximando ainda mais dela. — É impossível não se apaixonar por você. — piscou, surpresa com minha resposta, e por um momento pareceu sem palavras. Seus lábios se entreabriram como se quisesse dizer algo, mas nenhum som saiu. — Desculpe, eu não quis te deixar sem jeito — eu disse, percebendo que talvez tivesse ido longe demais.
Eu me afasto, mas ela segura minhas mãos. Seguro seu rosto e então ela segura meus braços. A vejo ficar na ponta dos pés e é a visão mais adorável que já tive. Seus lábios encostam nos meus e nossas bocas colidem à medida que nossos corações colidem.
Minha pele fica mais gostosa com o toque dela.
Suas mãos saem do meu braço e deslizam pelo meu cabelo. Afundo minhas mãos no quadril dela, a puxando mais para mim.
Meu cabelo fica mais gostoso com a mão dela.
Peço passagem para que minha língua entre na boca dela, ela permite e em seguida corresponde a dança que nossos lábios parecem ter ao se encaixarem tão bem.
Minha boca fica fodidamente mais gostosa com a língua dela dentro.
Acho que tudo melhora quando ela toca.
Ela me melhora.