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Finalizada Em: 23/11/2018

Capítulo Único

Recomendo ouvir durante a leitura: The Scientist - Coldplay (Boyce Avenue feat. Hannah Trigwell acoustic cover)

Hoje eu consigo visualizar perfeitamente o dia em que nos conhecemos. Era uma tarde de outono, uma das últimas tardes que poderíamos sair para brincar em algum parque qualquer antes do inverno gelado se fazer presente. Eu vi aquele garotinho ao longe, brincando sozinho em baixo de uma enorme árvore, já sem folhas. Você brincava com alguns cavalinhos de plástico. Lembro-me que você era retraído, me disse que seus coleguinhas de classe não gostavam de você. Eu nunca compreendi o porquê, já que aos meus olhos, mesmo naquela idade, você era simplesmente adorável. Eu tinha seis, você sete.
Você ainda lembra da promessa que lhe fiz, naquela mesma tarde que nos conhecemos? Bom, provavelmente não, mas eu lhe falei que a partir daquele momento, eu seria sua amiga para sempre. Que você nunca mais precisaria brincar sozinho. Com um sorriso de dentes tortinhos e um brilho lindo no seu olhar, nos despedimos. Eu lembro perfeitamente das nossas mãozinhas no ar, acenando um para o outro.

Nós demoramos para nos ver novamente, não é? No final de semana seguinte eu fui ao parque novamente, depois de tanto implorar e chorar para meus pais me levarem para brincar com o menino dos dentes tortinhos. Eu fui. Você não estava lá. Lembro do quanto eu chorei aquele dia. Eu tinha lhe feito uma promessa! Poxa, eu precisava cumpri-la. Eu jurei de dedinho que seria sua amiga pra sempre, juramento de dedinho não pode ser quebrado! Eu falei para minha mamãe, eu expliquei, aos gritos, mas expliquei. Ela falou que um dia eu lhe encontraria de novo, que se fosse para sermos amiguinhos para sempre o destino se encarregaria de fazer com que isso acontecesse.
Mesmo com as palavras de mamãe, eu não sosseguei até ela me levar ao parque novamente. E você estava lá. Você estava triste, sentado em um dos bancos com seus pais, de cabeça baixa. Mas eu lhe reconheci. Larguei das mãos de minha mãezinha e corri até você, chamando pelo seu nome, como se tivesse encontrado o maior tesouro de todos os tempos. Nós nos abraçamos e você chorou. Você era mesmo solitário, não era? Você me disse que ficou com medo de eu lhe abandonar também. No momento eu não entendi o “também”, você tinha apenas seis anos, não poderia ter sido abandonado por tantas pessoas assim, poderia?

Mas você não se referia aos amiguinhos quando disse aquilo. Você falava dos seus pais. Esses no banco eram seus pais adotivos. Você tinha sido abandonado por quem lhe dera a vida.

Claro que eu só fui saber disso meses depois. Quando você e seus pais já frequentavam minha casa com frequência. Você lembra que não queríamos nos separar mais? Obrigamos nossos pais a virarem amigos também.
E, nós realmente nos tornamos inseparáveis.
Bom, pelo menos até na adolescência. Que foi quando os fantasmas do passado começaram a te assombrar.

Eu lembro perfeitamente de quando te encontrei no banheiro, desacordado, com uma seringa jogada ao lado do seu corpo imóvel. Eu só havia sentido o mesmo desespero quando pensei, há oito anos atrás, que nunca mais lhe encontraria naquele parque. Minhas pernas não aguentaram o peso de meu corpo, me fazendo cair de joelhos ao seu lado, implorando e gritando para Deus não te tirar de mim.
E céus, ele me escutou.
Você não morreu. Você estava vivo. Internado em um hospital, ainda desacordado sobre aquela cama com lençóis tão brancos feite neve, mas estava vivo. Eu estive ao seu lado, naquela poltrona desconfortável ao lado de sua cama por todo o tempo que ficou sem forças para reagir. Mas quando seus olhos se abriram a primeira pessoa que você viu fui eu. Disso eu sei que você lembra, porque você sempre falava desse momento até um tempo atrás.
Seus pais queriam te internar em uma clínica de reabilitação. Você teve uma overdose de heroína. Já estava usando há tempos e ninguém nunca havia desconfiado. Nem mesmo eu. Você poderia ter me contado pelo o que estava passando, eu poderia ter lhe ajudado e você não precisaria chegar ao extremo que chegou! Por que você não me contou?
O seu vício nos custou dois anos.
Dois anos que chorei incessantemente por todas as noites. Você não estava mais comigo.
Você não queria me ver. Você proibiu que eu lhe visitasse na clínica. Você não queria que eu lhe visse daquela forma.
Foram os dois anos mais difíceis da minha vida.

Até que um dia você saiu. Quando lhe vi parado à minha porta, eu senti a felicidade me invadir novamente. Foi o primeiro sorriso sincero que dei em setecentos e trinta dias.
Você estava diferente. Estava bonito, não somente por fora, por dentro também. Sua alma estava limpa. Naquela tarde nós conversamos. Sobre tudo, sobre nada. Sobre nós.
Eu te amava, eu lhe disse com todas as letras naquele dia o que ansiava poder dizer para você todos os dias em que ficou internado.
Você também falou que me amava. Não somente como a garotinha do parque que jurou ser sua amiga para sempre. Você me amava como mulher.
Naquela tarde, quando nos entregamos de corpo e alma um para o outro, nós fizemos outra promessa. Que ficaríamos juntos para todo o sempre. Dessa vez quem jurou nunca me abandonar novamente, foi você.
Você foi o meu primeiro e único amor. Você cumpriu sua promessa de nunca me abandonar. Mas eu à quebrei.

Eu à quebrei cinco anos depois, quando o câncer, que descobrimos tarde demais que havia se alastrado por meu corpo, me tirou de você. De você e da nossa pequena .
Mesmo sabendo que não foi escolha minha, mesmo sabendo que tentamos e lutamos com todas as armas que tínhamos ao alcance de nossas mãos para me salvar, eu me sinto culpada.
Me sinto culpada sempre que você vem me ver.
Já faz quatro anos, amor. Quatro anos em que você não falha um sábado em vir nesse cemitério me trazer flores.
Mas hoje é diferente. Hoje você veio se despedir. E amor, eu não poderia estar mais feliz por você!
Você encontrou alguém, ela gosta da nossa filha, não é? Eu vejo seu sorriso quando fala dela. Eu estou feliz, amor. Você finalmente vai seguir em frente, em outra cidade, com um outro alguém para chamar de amor.
Você está me contando isso com lágrimas nos olhos, e eu meu amor, estou chorando também. Estou chorando porque vi o seu sofrimento todos os dias que se passaram depois da minha morte. Eu vi quando o peso ficou tão grande que você quase se entregou novamente para as drogas. E eu vi nossa pequena filha sendo sua âncora, lhe impedindo de naufragar novamente por águas turbulentas.
Eu sempre vou estar aqui. Sempre vou estar segurando na sua mão. Sempre serei seu anjo da guarda, sempre serei sua amiga, eu prometi. Mesmo que você não se lembre dessa pequena promessa feita há tantos anos atrás, eu nunca vou esquecer.
Eu sempre vou te amar, meu pequeno menininho dos dentinhos tortos.


Fim.



Nota da autora: Oii! ♥ Bom, primeiramente se fiz alguém chorar eu peço desculpas. Não vou dizer que essa não foi minha intenção, por que minha intenção foi exatamente essa. Esse plot brotou do nada enquanto a música Estrelinha, da Marília Mendonça, ecoava pelo meu carro em uma estação de rádio qualquer. Culpem ela, não a mim.
No mais, peço perdão se estiver muito ruim. Nunca postei nada do que eu escrevo e essa é a primeira vez. Resolvi postar e dar a cara a tapa por esse especial lindo de nove anos do site.♥
Se quiser deixar um comentário - pode ser me xingando, não tem problema algum - fique a vontade!
Beijinhos,
Carol M.



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