Prólogo
6 de abril de 2022.
Finalmente havia chegado o dia que aguardei ansiosamente.
O dia em que, após sete semanas longe um do outro por incontáveis barreiras geográficas, eu finalmente veria outra vez.
Além disso, era o nosso aniversário de três anos juntos.
tinha trinta e um anos e era simplesmente o dono da voz mais linda que eu já ouvi, embora minha amiga Kate discordasse um pouco disso, visto que o marido dela também era cantor. Mas e Hero eram de nichos diferentes. Um era um astro do rock; o outro, um príncipe do R&B.
E eu amo R&B mais do que amo rock.
Desculpa, Kate, mas talvez o amor seja mesmo cego e a gente tá só discutindo à toa.
De qualquer modo, eu estava feliz. estava voltando de uma turnê musical pela Ásia, e há uma semana eu finalmente tive uma folga após acompanhar Katherine Reed em uma mini turnê literária. Eu era sua agente há cinco anos e o quarto livro da minha série favorita de romance com ação e investigação tinha acabado de ser lançado.
Eu não tinha lá muito tempo livre durante épocas de lançamento, então já era de se esperar que e eu tivéssemos alguns problemas de comunicação durante esses períodos em que ficávamos separados.
E é claro, a diferença de fuso-horário também não ajudava muito. Na verdade, complicava ainda mais. Ligações? Eu nem sabia mais o que era isso. A conexão era tão ruim sempre que tentávamos nos falar que acabamos desistindo e nos contentando em enviar mensagens de texto um para o outro pelo menos duas vezes por dia. não era muito falante, então eu não esperava mais do que isso. Eu era tagarela o suficiente por nós dois, e mesmo assim não estava falando muito também.
Na verdade, pouco antes da turnê de Kate acabar, nós tivemos uma pequena discussão. Na ocasião, ainda não tinha certeza de quando voltaria para casa, pois estava recebendo várias propostas para participar de programas de variedades por onde passava e seu gerente estava considerando aceitar algumas. Em um contexto diferente, eu teria achado isso muito legal. Era uma ótima oportunidade de fazer mais pessoas conhecerem o trabalho dele e isso era sempre bem-vindo. No entanto, fazia semanas que não nos víamos e eu odiava incertezas.
Eu sou uma mulher que ama rotinas e se me comprometo com algo, então tento cumprir o que esperam de mim.
E na maioria das vezes, meu namorado também.
tinha prometido voltar antes. Era para termos passado a última semana juntos, mas ele adiou por conta do trabalho. Eu reclamei e fiquei chateada, mas sabia que não tinha muito o que fazer.
Era o trabalho dele e, mesmo chateada, eu respeitava isso.
O que não quer dizer que não fiquei quase que irracionalmente emburrada quando soube. O que resultou em três dias sem falar com ele, e sem responder nenhuma de suas mensagens. E sim, eu sei que foi meio infantil, mas não dá para ser madura toda hora.
Então deixei num vácuo total por exatas setenta e duas horas.
Até que ele veio com uma proposta.
Como um gatinho curioso, isso despertou minha atenção e um sorriso surgiu em meu rosto assim que li sua sugestão de um encontro no nosso aniversário de três anos. Especialmente quando descobri algo que não me deixou muito feliz enquanto estava brava com ele, ainda mais sabendo que precisaríamos ter uma conversa séria a respeito disso.
Mas isso meio que mudou depois da proposta do encontro. sugeriu irmos ao nosso restaurante coreano favorito e enchermos a cara de soju.
Eu ainda não tinha contado a ele que estava há um tempo evitando beber, coisa que meu estômago agradecia e meu corpo também. E eu teria que abrir mão da dieta no nosso encontro, mas já que era uma ocasião especial, tecnicamente não contava, né?
O plano era simples: jantar e depois voltar para casa.
Talvez comer uma fatia gigante de torta floresta negra da nossa confeitaria favorita também. odiava cerejas, e sempre escolhia prestígio ou torta de morango.
Eu era uma garota que não curtia muitas mudanças. Até mesmo a minha prateleira de livros favoritos continuava igual a quando a organizei dois anos atrás, quando me mudei para morar com ele. Havia um escritório chique no apartamento de , mas apenas eu o usava. Normalmente, quando estávamos em casa, eu passava algumas horas trancada lá enquanto trabalhava nos livros de Kate, e ele criava obras de arte musicais em seu estúdio cheio de proteção de som.
Eu odiava às vezes, sendo bem sincera. nunca me deixava ver nada, nem um spoilerzinho. E ele usava a justificativa mais idiota do universo para isso: eu era fã dele e só me deixaria ver algo quando tivesse certeza de que tinha ficado como ele queria e que seria lançado em um futuro próximo.
Ele não estava errado. Eu realmente era fã dele e acompanhei sua carreira desde o início, por cerca de três anos, antes de sequer nos conhecermos.
Eu meio que tentei não surtar quando o vi pessoalmente pela primeira vez, mas enquanto eu aparentava estar tranquila por fora, por dentro meu coração parecia prestes a explodir.
E ele sabia disso.
Porque, como uma idiota, eu contei tudinho. achava divertido, mas mesmo sendo sua namorada há anos, ele ainda me mantinha no escuro quanto às músicas.
Às vezes, eu achava que não tinha nenhuma moral com ele nesse aspecto, mas então lembrava a mim mesma que eu era , uma agente literária de sucesso aos vinte e oito anos, que sabia muito bem identificar um texto bom de um ruim, incluindo músicas.
Considerando isso, talvez tivesse a ver com o fato de que eu também era exigente e , um perfeccionista que tinha total conhecimento disso. Não que fizesse muita diferença quando se tratava dele.
Geralmente, eu gostava de tudo o que ele lançava, tipo noventa e nove por cento das vezes. Havia sempre algumas colaborações com artistas indie aqui e ali que eu fingia que não existiam. Não que fossem ruins, mas nunca curti muito o estilo musical e àquela altura, já me conhecia bem o suficiente para saber que não era nada pessoal.
Ele também não era um grande leitor, então isso meio que dava um equilíbrio no nosso relacionamento. Tínhamos muitas coisas em comum, mas também éramos opostos em vários aspectos. Mesmo assim, costumávamos funcionar muito bem juntos. Até melhor do que eu esperava, inclusive, ou do que sonhei em meus dias mais delulus como fã.
era o melhor parceiro que o universo poderia me presentear, e eu até tive alguns bons namorados antes, incluindo Andrew, um dos donos da editora de Kate.
No entanto, comecei a reconsiderar minhas escolhas de vida como a boa dramática que sou quando, durante a tarde, enquanto eu modelava meu longo cabelo vermelho cuidadosamente para ficar linda à noite, me enviou uma mensagem falando que não chegaria a tempo.
Aparentemente, houve um erro com o voo dele, e ele iria aterrissar em Chicago em vez de Nova York. O que acabava com quaisquer planos de comemoração no dia seis. Com sorte, talvez ele chegasse de manhã cedo no dia sete, caso conseguisse um novo voo logo.
Na pior das hipóteses, ele chegaria depois do meio-dia.
Encarei meu próprio reflexo no espelho, metade do cabelo arrumado e metade presa no topo da minha cabeça no que mais parecia um ninho de passarinhos.
Eu não sabia nem o que responder. Àquela altura, já deveria estar a caminho de casa.
E eu deveria ter notado que havia algo estranho quando não recebi nenhuma mensagem dele dizendo que tinha chegado ao aeroporto, mas achei que talvez ele estivesse tão ansioso quanto eu.
Uma ova.
Encarei a tela do celular novamente e reli a última mensagem.
♥: Sinto muito, amor. Nós podemos comemorar amanhã se você quiser. Prometo te compensar por isso.
Apertei o celular com força, irritada e tentando me controlar para não falar nada ruim quando eu sabia que nem era culpa dele.
Mas se ele tivesse viajado mais cedo, estaria aqui na data do nosso aniversário. Ele sabia que datas comemorativas eram importantes para mim. E eu sabia que mesmo que ele quisesse sair no dia seguinte e me compensar, não ia ter graça nenhuma.
provavelmente estaria mais cansado que o normal, considerando as horas a mais de voo de Chicago para Nova York, e eu não ia andar por aí com um zumbi. Se algum paparazzi ou fãs nos vissem na rua, provavelmente pensariam que ele estava em um relacionamento tóxico ou algo assim, e que eu estava consumindo toda a sua energia vital como um maldito dementador.
De jeito nenhum. Eu podia lidar com fãs sendo idiotas há três anos, mas não daria nenhum material para que rumores infundados surgissem.
Assim, depois de respirar fundo umas três ou sete vezes, eu digitei uma resposta genérica.
: Tudo bem, me avise quando estiver chegando, e preparo algo pra você comer. Vou cancelar a reserva no restaurante, a gente sai outro dia.
Eu não precisava dizer mais do que isso. Morávamos juntos há dois anos, na maior parte do tempo, e estávamos juntos há três. saberia que o meu "tudo bem" não significava que eu não estava chateada e sim que não havia nada a ser feito.
Era só mais um maldito imprevisto do destino. Como se o universo estivesse conspirando contra a gente.
Resmunguei sozinha e coloquei o celular de lado enquanto observei meu reflexo mais uma vez no espelho. Seria uma pena não sair quando meu cabelo estava ficando tão bonito, porque era óbvio que eu não o deixaria pela metade.
Então, enquanto terminava de arrumar ele, repassei mentalmente todas as mensagens com nos últimos dias. Eu ainda precisava conversar com ele, mas adiaria um pouco. Pelo menos até que eu soubesse que ele estaria descansado o suficiente e com o fuso horário de Nova York em dia.
Talvez para me certificar de que ele não fosse surtar muito quando ouvisse a boa ou má notícia.
Tipo o que eu fiz alguns dias antes. Kate quase me deu um tapa na cara para fazer eu me recompor, e nem é piada. Consegui evitar no último instante. Embora seja ex-enfermeira, Kate não era lá muito delicada quando não estava lidando com algum paciente, então era sempre bom ter um cuidado a mais.
Ela sempre escrevia rascunhos de roteiro à mão, e a marca do lápis sempre ficava do outro lado da folha. Eu tinha que ficar falando constantemente que ela não precisava agredir o papel assim. Não era como se ele fosse fugir se ela colocasse menos força ao escrever.
Reflexões à parte, eu decidi sair sozinha mesmo assim. Tomei um banho rápido com cuidado para não molhar o cabelo e vesti uma roupa confortável. Nada a ver com o vestido tubinho de veludo vermelho profundo da mesma cor que meu cabelo e que abraçava meu corpo com maestria.
Eu tinha ganhado cerca de dez quilos desde que e eu começamos a namorar, mas a maior parte eram músculos. Não que eu fosse uma rata de academia; pelo contrário, eu odiava me exercitar. Mas nos meus dias de autoestima normal, eu tinha que admitir que aqueles quilinhos a mais tinham me feito bem.
E concordava plenamente. Eu tinha ganhado alguns centímetros a mais no quadril e ele não estava reclamando.
De todo modo, escolhi um jeans largo, uma camiseta branca curta e um par de tênis da mesma cor para sair. Quando terminei de me arrumar, peguei uma bolsinha grande o suficiente para guardar o celular e minha carteira, e saí de casa.
A primeira parada foi em um Subway. Geralmente, eu evitava comer fast food, mas estava desejando me empanturrar de comida naquela noite. Caprichei na escolha de um sanduíche, peguei dois cookies de sobremesa e uma garrafa de água com gás antes de me sentar sozinha em uma mesa vazia, de frente para a rua.
Foi quando eu estava terminando de comer, que uma ideia me veio à mente. Havia um shopping por perto e pensei que não faria mal assistir a um filme no cinema.
Mesmo que esse filme fosse um que estava doido para ver.
Seria uma pena assistir ao filme primeiro e sozinha, mas parecia a vingança perfeita pelos dias que ele me fez esperar enquanto preenchia sua agenda de trabalho com mais compromissos.
Eu merecia esse pequeno triunfo de saber sobre o filme inteiro enquanto ele estava evitando spoilers a todo custo. Nós poderíamos assistir juntos depois. E dependendo do quão vingativa eu estivesse me sentindo no dia, talvez eu fizesse alguns comentários inapropriados do tipo: que pena que vai acontecer tal coisa.
Eu nem tinha ideia do que seria, mas descobriria em breve.
Horas mais tarde, saí fungando do cinema. Por algum motivo, tive um acesso de espirros depois que saí da sala de cinema e meus olhos até lacrimejaram. Minha maquiagem devia estar borrada, mas não me importei, pois, de todo modo, estava indo para casa.
Já era quase meia-noite quando comecei a atravessar o estacionamento do shopping até o meu carro. Eu ainda esfregava os olhos, que não paravam de coçar, enquanto andava e repensava minha escolha mesquinha de assistir ao filme sozinha. Nem foi tão legal assim. Teria sido melhor com ; ele criaria teorias comigo, tentando adivinhar o que ia acontecer.
No meio disso, ouvi a buzina alta de um carro quando estava a poucos metros do meu e quando virei o rosto, me deparei com a luz forte do farol.
Eu não consegui pensar. Tudo aconteceu tão rápido que eu nem sequer vi, apenas senti. De repente, meu corpo foi jogado para frente com força e eu caí, rolando pelo cimento do estacionamento várias vezes antes de parar.
A percepção de uma forte dor na barriga me fez encolher em posição fetal, em agonia. O carro tinha me atingido de frente, antes mesmo que eu pudesse pensar em desviar, antes mesmo que eu pudesse notar que ele estava mais próximo do que parecia.
Tentei levantar a cabeça quando ouvi gritos ao redor e vi silhuetas de pessoas aleatórias, mas gemi de dor quando ela também doeu. Minha visão continuava embaçada, mas dessa vez eu não tinha certeza se era devido às lágrimas. Senti um líquido quente ao meu redor e pisquei, tentando enxergar.
A dor beirava o insuportável, e consegui discernir as imagens apenas o suficiente para perceber que estava em uma poça do meu próprio sangue.
Coloquei a mão na barriga, que ainda doía, e choraminguei enquanto ouvia pessoas falando ao redor sobre chamar uma ambulância. Tudo parecia distante, como se as vozes estivessem abafadas, o som parecendo ficar cada vez mais baixo. E em um pequeno momento de desespero, uma percepção me ocorreu.
É assim que eu vou morrer? Numa data especial e sozinha?
Eu nem ao menos conseguiria dizer a o que passei dias planejando. E de qualquer forma, naquele momento, era tarde demais. No fundo, eu sabia que era. Que eu nem ao menos conseguiria me despedir.
Lágrimas quentes escorreram pela ponte do meu nariz, e senti meus olhos começarem a pesar. Ouvi o som distante de uma sirene, mas não houve tempo para captar mais coisas.
De repente, tudo ficou escuro.
Finalmente havia chegado o dia que aguardei ansiosamente.
O dia em que, após sete semanas longe um do outro por incontáveis barreiras geográficas, eu finalmente veria outra vez.
Além disso, era o nosso aniversário de três anos juntos.
tinha trinta e um anos e era simplesmente o dono da voz mais linda que eu já ouvi, embora minha amiga Kate discordasse um pouco disso, visto que o marido dela também era cantor. Mas e Hero eram de nichos diferentes. Um era um astro do rock; o outro, um príncipe do R&B.
E eu amo R&B mais do que amo rock.
Desculpa, Kate, mas talvez o amor seja mesmo cego e a gente tá só discutindo à toa.
De qualquer modo, eu estava feliz. estava voltando de uma turnê musical pela Ásia, e há uma semana eu finalmente tive uma folga após acompanhar Katherine Reed em uma mini turnê literária. Eu era sua agente há cinco anos e o quarto livro da minha série favorita de romance com ação e investigação tinha acabado de ser lançado.
Eu não tinha lá muito tempo livre durante épocas de lançamento, então já era de se esperar que e eu tivéssemos alguns problemas de comunicação durante esses períodos em que ficávamos separados.
E é claro, a diferença de fuso-horário também não ajudava muito. Na verdade, complicava ainda mais. Ligações? Eu nem sabia mais o que era isso. A conexão era tão ruim sempre que tentávamos nos falar que acabamos desistindo e nos contentando em enviar mensagens de texto um para o outro pelo menos duas vezes por dia. não era muito falante, então eu não esperava mais do que isso. Eu era tagarela o suficiente por nós dois, e mesmo assim não estava falando muito também.
Na verdade, pouco antes da turnê de Kate acabar, nós tivemos uma pequena discussão. Na ocasião, ainda não tinha certeza de quando voltaria para casa, pois estava recebendo várias propostas para participar de programas de variedades por onde passava e seu gerente estava considerando aceitar algumas. Em um contexto diferente, eu teria achado isso muito legal. Era uma ótima oportunidade de fazer mais pessoas conhecerem o trabalho dele e isso era sempre bem-vindo. No entanto, fazia semanas que não nos víamos e eu odiava incertezas.
Eu sou uma mulher que ama rotinas e se me comprometo com algo, então tento cumprir o que esperam de mim.
E na maioria das vezes, meu namorado também.
tinha prometido voltar antes. Era para termos passado a última semana juntos, mas ele adiou por conta do trabalho. Eu reclamei e fiquei chateada, mas sabia que não tinha muito o que fazer.
Era o trabalho dele e, mesmo chateada, eu respeitava isso.
O que não quer dizer que não fiquei quase que irracionalmente emburrada quando soube. O que resultou em três dias sem falar com ele, e sem responder nenhuma de suas mensagens. E sim, eu sei que foi meio infantil, mas não dá para ser madura toda hora.
Então deixei num vácuo total por exatas setenta e duas horas.
Até que ele veio com uma proposta.
Como um gatinho curioso, isso despertou minha atenção e um sorriso surgiu em meu rosto assim que li sua sugestão de um encontro no nosso aniversário de três anos. Especialmente quando descobri algo que não me deixou muito feliz enquanto estava brava com ele, ainda mais sabendo que precisaríamos ter uma conversa séria a respeito disso.
Mas isso meio que mudou depois da proposta do encontro. sugeriu irmos ao nosso restaurante coreano favorito e enchermos a cara de soju.
Eu ainda não tinha contado a ele que estava há um tempo evitando beber, coisa que meu estômago agradecia e meu corpo também. E eu teria que abrir mão da dieta no nosso encontro, mas já que era uma ocasião especial, tecnicamente não contava, né?
O plano era simples: jantar e depois voltar para casa.
Talvez comer uma fatia gigante de torta floresta negra da nossa confeitaria favorita também. odiava cerejas, e sempre escolhia prestígio ou torta de morango.
Eu era uma garota que não curtia muitas mudanças. Até mesmo a minha prateleira de livros favoritos continuava igual a quando a organizei dois anos atrás, quando me mudei para morar com ele. Havia um escritório chique no apartamento de , mas apenas eu o usava. Normalmente, quando estávamos em casa, eu passava algumas horas trancada lá enquanto trabalhava nos livros de Kate, e ele criava obras de arte musicais em seu estúdio cheio de proteção de som.
Eu odiava às vezes, sendo bem sincera. nunca me deixava ver nada, nem um spoilerzinho. E ele usava a justificativa mais idiota do universo para isso: eu era fã dele e só me deixaria ver algo quando tivesse certeza de que tinha ficado como ele queria e que seria lançado em um futuro próximo.
Ele não estava errado. Eu realmente era fã dele e acompanhei sua carreira desde o início, por cerca de três anos, antes de sequer nos conhecermos.
Eu meio que tentei não surtar quando o vi pessoalmente pela primeira vez, mas enquanto eu aparentava estar tranquila por fora, por dentro meu coração parecia prestes a explodir.
E ele sabia disso.
Porque, como uma idiota, eu contei tudinho. achava divertido, mas mesmo sendo sua namorada há anos, ele ainda me mantinha no escuro quanto às músicas.
Às vezes, eu achava que não tinha nenhuma moral com ele nesse aspecto, mas então lembrava a mim mesma que eu era , uma agente literária de sucesso aos vinte e oito anos, que sabia muito bem identificar um texto bom de um ruim, incluindo músicas.
Considerando isso, talvez tivesse a ver com o fato de que eu também era exigente e , um perfeccionista que tinha total conhecimento disso. Não que fizesse muita diferença quando se tratava dele.
Geralmente, eu gostava de tudo o que ele lançava, tipo noventa e nove por cento das vezes. Havia sempre algumas colaborações com artistas indie aqui e ali que eu fingia que não existiam. Não que fossem ruins, mas nunca curti muito o estilo musical e àquela altura, já me conhecia bem o suficiente para saber que não era nada pessoal.
Ele também não era um grande leitor, então isso meio que dava um equilíbrio no nosso relacionamento. Tínhamos muitas coisas em comum, mas também éramos opostos em vários aspectos. Mesmo assim, costumávamos funcionar muito bem juntos. Até melhor do que eu esperava, inclusive, ou do que sonhei em meus dias mais delulus como fã.
era o melhor parceiro que o universo poderia me presentear, e eu até tive alguns bons namorados antes, incluindo Andrew, um dos donos da editora de Kate.
No entanto, comecei a reconsiderar minhas escolhas de vida como a boa dramática que sou quando, durante a tarde, enquanto eu modelava meu longo cabelo vermelho cuidadosamente para ficar linda à noite, me enviou uma mensagem falando que não chegaria a tempo.
Aparentemente, houve um erro com o voo dele, e ele iria aterrissar em Chicago em vez de Nova York. O que acabava com quaisquer planos de comemoração no dia seis. Com sorte, talvez ele chegasse de manhã cedo no dia sete, caso conseguisse um novo voo logo.
Na pior das hipóteses, ele chegaria depois do meio-dia.
Encarei meu próprio reflexo no espelho, metade do cabelo arrumado e metade presa no topo da minha cabeça no que mais parecia um ninho de passarinhos.
Eu não sabia nem o que responder. Àquela altura, já deveria estar a caminho de casa.
E eu deveria ter notado que havia algo estranho quando não recebi nenhuma mensagem dele dizendo que tinha chegado ao aeroporto, mas achei que talvez ele estivesse tão ansioso quanto eu.
Uma ova.
Encarei a tela do celular novamente e reli a última mensagem.
♥: Sinto muito, amor. Nós podemos comemorar amanhã se você quiser. Prometo te compensar por isso.
Apertei o celular com força, irritada e tentando me controlar para não falar nada ruim quando eu sabia que nem era culpa dele.
Mas se ele tivesse viajado mais cedo, estaria aqui na data do nosso aniversário. Ele sabia que datas comemorativas eram importantes para mim. E eu sabia que mesmo que ele quisesse sair no dia seguinte e me compensar, não ia ter graça nenhuma.
provavelmente estaria mais cansado que o normal, considerando as horas a mais de voo de Chicago para Nova York, e eu não ia andar por aí com um zumbi. Se algum paparazzi ou fãs nos vissem na rua, provavelmente pensariam que ele estava em um relacionamento tóxico ou algo assim, e que eu estava consumindo toda a sua energia vital como um maldito dementador.
De jeito nenhum. Eu podia lidar com fãs sendo idiotas há três anos, mas não daria nenhum material para que rumores infundados surgissem.
Assim, depois de respirar fundo umas três ou sete vezes, eu digitei uma resposta genérica.
: Tudo bem, me avise quando estiver chegando, e preparo algo pra você comer. Vou cancelar a reserva no restaurante, a gente sai outro dia.
Eu não precisava dizer mais do que isso. Morávamos juntos há dois anos, na maior parte do tempo, e estávamos juntos há três. saberia que o meu "tudo bem" não significava que eu não estava chateada e sim que não havia nada a ser feito.
Era só mais um maldito imprevisto do destino. Como se o universo estivesse conspirando contra a gente.
Resmunguei sozinha e coloquei o celular de lado enquanto observei meu reflexo mais uma vez no espelho. Seria uma pena não sair quando meu cabelo estava ficando tão bonito, porque era óbvio que eu não o deixaria pela metade.
Então, enquanto terminava de arrumar ele, repassei mentalmente todas as mensagens com nos últimos dias. Eu ainda precisava conversar com ele, mas adiaria um pouco. Pelo menos até que eu soubesse que ele estaria descansado o suficiente e com o fuso horário de Nova York em dia.
Talvez para me certificar de que ele não fosse surtar muito quando ouvisse a boa ou má notícia.
Tipo o que eu fiz alguns dias antes. Kate quase me deu um tapa na cara para fazer eu me recompor, e nem é piada. Consegui evitar no último instante. Embora seja ex-enfermeira, Kate não era lá muito delicada quando não estava lidando com algum paciente, então era sempre bom ter um cuidado a mais.
Ela sempre escrevia rascunhos de roteiro à mão, e a marca do lápis sempre ficava do outro lado da folha. Eu tinha que ficar falando constantemente que ela não precisava agredir o papel assim. Não era como se ele fosse fugir se ela colocasse menos força ao escrever.
Reflexões à parte, eu decidi sair sozinha mesmo assim. Tomei um banho rápido com cuidado para não molhar o cabelo e vesti uma roupa confortável. Nada a ver com o vestido tubinho de veludo vermelho profundo da mesma cor que meu cabelo e que abraçava meu corpo com maestria.
Eu tinha ganhado cerca de dez quilos desde que e eu começamos a namorar, mas a maior parte eram músculos. Não que eu fosse uma rata de academia; pelo contrário, eu odiava me exercitar. Mas nos meus dias de autoestima normal, eu tinha que admitir que aqueles quilinhos a mais tinham me feito bem.
E concordava plenamente. Eu tinha ganhado alguns centímetros a mais no quadril e ele não estava reclamando.
De todo modo, escolhi um jeans largo, uma camiseta branca curta e um par de tênis da mesma cor para sair. Quando terminei de me arrumar, peguei uma bolsinha grande o suficiente para guardar o celular e minha carteira, e saí de casa.
A primeira parada foi em um Subway. Geralmente, eu evitava comer fast food, mas estava desejando me empanturrar de comida naquela noite. Caprichei na escolha de um sanduíche, peguei dois cookies de sobremesa e uma garrafa de água com gás antes de me sentar sozinha em uma mesa vazia, de frente para a rua.
Foi quando eu estava terminando de comer, que uma ideia me veio à mente. Havia um shopping por perto e pensei que não faria mal assistir a um filme no cinema.
Mesmo que esse filme fosse um que estava doido para ver.
Seria uma pena assistir ao filme primeiro e sozinha, mas parecia a vingança perfeita pelos dias que ele me fez esperar enquanto preenchia sua agenda de trabalho com mais compromissos.
Eu merecia esse pequeno triunfo de saber sobre o filme inteiro enquanto ele estava evitando spoilers a todo custo. Nós poderíamos assistir juntos depois. E dependendo do quão vingativa eu estivesse me sentindo no dia, talvez eu fizesse alguns comentários inapropriados do tipo: que pena que vai acontecer tal coisa.
Eu nem tinha ideia do que seria, mas descobriria em breve.
Horas mais tarde, saí fungando do cinema. Por algum motivo, tive um acesso de espirros depois que saí da sala de cinema e meus olhos até lacrimejaram. Minha maquiagem devia estar borrada, mas não me importei, pois, de todo modo, estava indo para casa.
Já era quase meia-noite quando comecei a atravessar o estacionamento do shopping até o meu carro. Eu ainda esfregava os olhos, que não paravam de coçar, enquanto andava e repensava minha escolha mesquinha de assistir ao filme sozinha. Nem foi tão legal assim. Teria sido melhor com ; ele criaria teorias comigo, tentando adivinhar o que ia acontecer.
No meio disso, ouvi a buzina alta de um carro quando estava a poucos metros do meu e quando virei o rosto, me deparei com a luz forte do farol.
Eu não consegui pensar. Tudo aconteceu tão rápido que eu nem sequer vi, apenas senti. De repente, meu corpo foi jogado para frente com força e eu caí, rolando pelo cimento do estacionamento várias vezes antes de parar.
A percepção de uma forte dor na barriga me fez encolher em posição fetal, em agonia. O carro tinha me atingido de frente, antes mesmo que eu pudesse pensar em desviar, antes mesmo que eu pudesse notar que ele estava mais próximo do que parecia.
Tentei levantar a cabeça quando ouvi gritos ao redor e vi silhuetas de pessoas aleatórias, mas gemi de dor quando ela também doeu. Minha visão continuava embaçada, mas dessa vez eu não tinha certeza se era devido às lágrimas. Senti um líquido quente ao meu redor e pisquei, tentando enxergar.
A dor beirava o insuportável, e consegui discernir as imagens apenas o suficiente para perceber que estava em uma poça do meu próprio sangue.
Coloquei a mão na barriga, que ainda doía, e choraminguei enquanto ouvia pessoas falando ao redor sobre chamar uma ambulância. Tudo parecia distante, como se as vozes estivessem abafadas, o som parecendo ficar cada vez mais baixo. E em um pequeno momento de desespero, uma percepção me ocorreu.
É assim que eu vou morrer? Numa data especial e sozinha?
Eu nem ao menos conseguiria dizer a o que passei dias planejando. E de qualquer forma, naquele momento, era tarde demais. No fundo, eu sabia que era. Que eu nem ao menos conseguiria me despedir.
Lágrimas quentes escorreram pela ponte do meu nariz, e senti meus olhos começarem a pesar. Ouvi o som distante de uma sirene, mas não houve tempo para captar mais coisas.
De repente, tudo ficou escuro.
Capítulo 1
Um som irritante chegou aos meus ouvidos e eu resmunguei sonolenta, tateando a cama em busca do meu maldito celular.
Que despertador horrível. Eu não me lembrava de colocar nenhum som de passarinhos cantando.
Inferno, eu nem sabia que tinha um.
Encontrei o aparelho e deslizei o dedo pela tela, notando que eram seis da manhã. Em seguida, me espreguicei, passei a mão no cabelo e... Espera, onde estava meu cabelo?
Me sentei rapidamente e procurei em vão pelos longos fios que eu passei anos deixando crescer e encontrei... Nada.
Bem, não literalmente, é claro.
Eu não estava careca, mas meu cabelo estava muito curto e um pensamento meio mirabolante veio em minha mente. Será que fiquei bêbada com na noite passada e acabei fazendo uma besteira? Eu e minha irmã nunca fazíamos as melhores escolhas quando nossa mente estava nublada pelo álcool. E por falar em ...
Espera... Aquele não era o apartamento que eu dividia com minha irmã mais velha, notei, um segundo depois.
Olhei em volta e graças à luz que entrava pelas cortinas na janela do outro lado do quarto, consegui enxergar alguma coisa. Alguns pôsteres na parede, desenhos e rascunhos deles. Uma mesa cheia de livros e post-its colados acima dela e muito material de arte. Eu era um completo fracasso no ramo artístico, então tinha certeza de que não era meu.
Será que eu estava sonhando? E se eu estivesse... Que lugar era aquele?
Meu celular vibrou e eu o desbloqueei com minha digital, me deparando com várias notificações de mensagens de pessoas que eu não conhecia.
No entanto, uma delas me chamou atenção. Era em um chat em grupo, aparentemente.
Uma pessoa chamada Karina havia enviado.
Karina: Eu não aguento mais estudaaaaar! Ayla, que tal a gente largar a faculdade e viver na SUA arte, hein? Eu posso ser sua empresária!
Franzi o cenho, confusa, mas então uma nova mensagem chegou.
Ti: Quanto drama, amiga. Falta pouco pra vocês se formarem, relaxa. Vamos almoçar juntas hoje?
Tiana.
Karina e Tiana tinham enviado mensagens para mim. E uma delas me chamou de Ayla! Eu só podia estar sonhando mesmo e que sonho maluco! Agora eu estava começando a entender… Eu tinha parado no corpo da protagonista do meu livro favorito da série de livros da Kate!
A percepção disso imediatamente me fez levantar da cama e procurar um espelho. Encontrei um no banheiro e, em seguida, pisquei algumas vezes para o meu próprio reflexo. Aquele cabelo, um tom de ruivo aberto e alaranjado, bem diferente do meu, até que me deixava mais jovem e... Espera... Eu também estava mais magra, bem mais magra. Levei um segundo para entender que não era o cabelo que estava me deixando jovem e sim o fato de que eu estava mais jovem.
No corpo de uma garota de vinte e um ou vinte e dois anos de idade.
Ayla , protagonista de Tenaz, primeiro livro da série que Kate ainda estava lançando. E cujo sobrenome era o mesmo que o meu, porque era um livro que eu sempre estive entusiasmada para ler. E até mesmo tinha trilha sonora, feita pelo marido dela. Os dois tinham trabalhado juntos nisso enquanto ela ainda desenvolvia o rascunho do romance, quando ainda eram namorados.
Fazia alguns anos que Tenaz havia sido lançado e já estávamos no quarto livro da série. E pensar que Kate estava cogitando engavetar essa obra-prima. Por um curto período no desenvolvimento, devido a alguns problemas pessoais, essa ideia absurda passou pela mente dela, mas felizmente não durou muito tempo.
Na época, até mesmo me propus a ajudá-la a desenvolver o enredo, da forma que fosse possível e acho que meu entusiasmo a contagiou um pouquinho. Além disso, fiquei bem feliz com os agradecimentos no final do livro, depois de enchê-la de ideias mirabolantes para incentivá-la a escrever. Kate estava na dúvida quanto ao protagonista, mas então eu, como a boa fanfiqueira que sou, a apresentei a , meu cantor favorito de R&B.
Até então ela só tinha escrito sobre astros do rock, então considerou a mudança de gênero bem-vinda. E eu fui uma agente que trabalhou com gosto, feliz da vida. Na verdade, até sentia que estava fazendo pouca coisa. Afinal, eu estava sendo paga para ajudá-la a desenvolver uma fanfic.
Tudo bem, não era uma fanfic de verdade.
Na real, estava longe de ser uma. Mas eu consegui convencê-la a transformar no protagonista e ela até usou meu sobrenome para a mocinha porque achou que combinava com Ayla.
No entanto, poucas pessoas sabiam disso. Eu me perguntava até se já tinha ouvido falar sobre esse livro. Não havia nada além da aparência dele presente no enredo e o fato de Dean, o protagonista, também ser um músico, compositor e cantor incrível.
Tá, a Kate tinha descrito a voz dele exatamente como eu tinha descrito a de para ela, mas diferente de Dean, não era o filho bastardo de um vilão odioso.
Pelo menos até onde eu sabia.
Eu nunca cheguei a conhecê-lo pessoalmente e até mesmo ingressos de shows eram difíceis de conseguir, especialmente quando ele passava mais tenho fora do país do que nele, mesmo que tecnicamente morasse em Los Angeles. Fazia sete anos que eu era fã dele e nunca havia nem mesmo ido a um show. Uma tristeza, eu sei. Até pensei em talvez usar meu cérebro trambiqueiro a meu favor.
Eu poderia sugerir a Kate que sugerisse a Hero que convidasse a fazer uma colaboração. Afinal, Hero não era apenas seu marido, mas um astro do rock e vocalista da Cave Panthers, uma das bandas mais legais que já vi. Dificilmente alguém não saberia quem os quatro integrantes eram. Especialmente agora, que eles estavam de volta com tudo após um período de hiatus.
De todo modo, se Hero convencesse a fazerem uma música juntos... Então eu convenceria Kate a me ajudar a me infiltrar em todo o processo para conhecer ele. Eu compraria uma caixa dos chocolates favoritos dela uma vez por mês, por um ano inteiro, em forma de agradecimento.
Era o plano perfeito. E então eu, depois de anos como uma fã fiel, finalmente me tornaria uma fã de sucesso. Nem sei o que diabos aconteceria se eu encontrasse um dia. Provavelmente eu ia travar no lugar ou, quem sabe, surtar com uma maluca. Eu tinha certeza de que seria oito ou oitenta.
Mas por falar em surtar... Espera, eu estava dentro de Tenaz, sabendo que o protagonista tinha a aparência do meu cantor favorito. Mas onde ele estava?
Eu acordei sozinha no apartamento e não encontrei nenhum sinal de que algum homem frequentava aquele lugar. Que parte da história era aquela? Eu definitivamente não lembro de nenhum diálogo entre as amigas como o de alguns minutos atrás.
Eu ia lembrar se tivesse. Li Tenaz pelo menos quatro vezes nos últimos anos e uma delas tinha sido há cerca de seis meses. Eu conhecia aquela história de trás para frente, embora meu cérebro sempre apagasse eventuais detalhes dela.
Mas se aquilo era um sonho em que eu tinha ido parar no meu livro favorito, então só me restava seguir o fluxo até que eu acordasse novamente para mais um dia de trabalho.
***
Com a ajuda do GPS, consegui chegar ao restaurante que Tiana sugeriu que nos encontrássemos. A cidade ao redor me lembrava um pouco da vibe de Nova York, mas eu sabia que era apenas minha imaginação, assim como a aparência das pessoas. Kate não usou locais reais ou descrições muito detalhadas de personagens porque queria que leitores de todo o mundo pudessem imaginar como bem entendessem.
Eu, como habitante de Nova York, imaginei a minha cidade. Quanto às descrições das pessoas, eu sabia que Karina tinha o cabelo loiro com pontas azuis, embora não lembrasse se isso realmente havia sido descrito no livro ou se Kate comentou em algum momento comigo; também sabia que Tiana lembrava um pouco Dianna Dane, minha chefe, que também era amiga e sócia de Kate na editora.
Cores de pele ou etnia não eram citadas e por conta da mistura de sobrenomes, muita gente imaginava que Dean era um cara asiático, mas eu sabia que ele era . E eu estava prestes a encontrá-lo em algum lugar, quando a história finalmente começasse.
Eu só não entendia por que estava vivenciando situações que nem ao menos estavam descritas no livro. Aquele sonho podia pular logo para as partes boas. Tipo o primeiro beijo de Ayla e Dean. E quando esse momento chegasse, eu esperava que parecesse tão real quanto estava sendo até agora. Eu até havia me beliscado algumas vezes para ver se estava sonhando, mas fazia horas que eu estava ali.
Dei uma olhada ao redor procurando por uma mulher de pele clara e outra de pele escura, e levou apenas um segundo para eu avistar duas pessoas idênticas a Dianna e Karol, melhor amiga de Kate.
Karol acenou para mim na skin de Karina e eu sorri enquanto caminhava até elas.
As cumprimentei rapidamente como se não fosse uma estranha no corpo da melhor amiga delas e peguei o cardápio para escolher o que eu ia comer. Estávamos em um restaurante de culinária coreana e eu estava animada por saber que as meninas gostavam tanto quanto eu.
Mais cedo, descobri que Ayla tinha um cartão de crédito que funcionava por aproximação, o que era um alívio, já que eu não fazia ideia de quais eram as senhas dela. Eu só sabia de coisas descritas no livro e não havia nenhuma cena que precisasse daquela informação.
Uma olhada rápida no cardápio me fez uma mulher feliz ao ver a variedade de pratos disponíveis e minha boca salivou quando vi que tinha Jjamppong. Nem pensei duas vezes antes de pedir aquele prato.
— Jjamppong? Tá doida? — Karina me encarou como se eu tivesse batido a cabeça em algum lugar.
— Por quê? — Franzi o cenho, confusa.
— Amiga, você esqueceu que é alérgica a frutos-do-mar? — Tiana perguntou.
Meu Deus! É claro! Ayla era alérgica, eu tinha me esquecido. E aquele prato tinha mesmo um monte de frutos-do-mar.
— Ah, é mesmo. — Eu ri, sem graça, dando adeus ao meu delicioso ensopado. — Então vou querer um kimbap de porco apimentado e uma tigela de japchae.
Bem, pelo menos eu sabia que aquilo não causaria alergia em ninguém. Um sushi de carne e legumes e macarrão temperado com mais carne, legumes e zero frutos-do-mar.
— Vamos no mesmo, então — Tiana sugeriu. — Mas o meu kimbap, eu quero de gado.
Fizemos os pedidos e Karina deu uma risadinha.
— Parece que você anda com a cabeça nas nuvens, hein? — ela comentou, olhando para mim.
— Eu? Por quê? — Será que elas tinham notado que eu não era a Ayla? Mas não tinha como, certo? Afinal, era um sonho.
— Sei lá, talvez por conta de uma visitinha do seu ex-namorado no seu apartamento semana passada. — Ela sorriu com malícia.
Espera, o quê?! Seojun tinha me visitado e... A recaída! Antes das aulas começarem. Ou já tinham começado? Eu não tinha certeza, mas se Karina tinha reclamado dos estudos naquela manhã, então eu achava que sim.
Droga, eu poderia ter parado naquele sonho na noite da visita dele. Pelo menos, seria um pouco mais divertido.
— Ah... Não. Não é como se tivéssemos voltado ou algo do tipo — comentei, sabendo que aquilo realmente não aconteceria.
Aquele sonho não acabava? Por que tava demorando tanto? Eu adorava Karina e Tiana e, definitivamente, amava comida coreana, mas eu não estava nem aí em dividir uma refeição aleatória com elas em um sonho.
Eu queria emoção. Borboletas no estômago. Onde estava Dean?
Voltei a conversar com elas e enquanto comíamos, discretamente as conduzi a dizer algumas informações importantes sobre a faculdade. As aulas tinham começado, de fato. Mas nas primeiras semanas era comum que muitos alunos faltassem.
Felizmente, Ayla havia feito o mesmo curso que eu, então eu não era uma total sem noção a respeito de literatura.
Eu trabalhava com literatura, na verdade. Em uma editora. Sendo agente literária de uma autora, embora minha capacidade de escrita se resumisse mais a melhorar textos e saber se estavam bons ou ruins, do que eu mesma criá-los do zero. Eu tinha uma imaginação fértil, mas colocar no papel era outra história. De todo modo, eu não tinha interesse em escrever.
Mas já que Ayla fazia o mesmo curso que fiz, então tinha que ser moleza! Isso só podia ser algo ao meu favor, embora eu não achasse que fosse precisar de qualquer habilidade. Afinal, era uma história, certo? Kate já tinha escrito tudo, eu só tinha que esperar acontecer.
Infelizmente, no dia seguinte descobri que estava errada. Acordei atrasada e tive que correr para a aula. Passei por um dos prédios administrativos para cortar caminho, mas acabei esbarrando em um cara.
— Desculpa — ele disse e eu arregalei os olhos ao reconhecer aquela voz. Imediatamente, ele se abaixou para recolher meus papéis e eu fiz o mesmo, o encarando enquanto ele estava distraído.
Seu cabelo era preto e ele usava uma máscara da mesma cor, cobrindo metade da face. No entanto, meus olhos se dirigiram imediatamente para o pescoço descoberto. Um pedaço da tatuagem de flores de ameixa aparecia, pegando o lado esquerdo do seu pescoço, e minha boca secou quando lembrei de uma cena do livro em que Ayla a mordia.
Eu reconheceria aquela tatuagem de longe porque era a mesma que tinha. Enorme, e descia até parte do seu peito esquerdo.
Inferno, mesmo que não estivesse à mostra, eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Rouca, profunda e completamente deliciosa de ouvir.
Levei apenas alguns segundos para pensar nisso, enquanto recolhíamos os papéis, e disse a mim mesma para não surtar, afinal aquele não era e sim Dean Kwon, o protagonista do livro.
Assim que peguei tudo, me virei e fui embora como uma maluca.
Aquilo não fazia parte do livro, eu tinha certeza. Kate não tinha descrito nenhuma cena assim. Na verdade, Ayla deveria esbarrar em Zico, o melhor amigo de Dean, do lado de fora de uma sala de aula. Ela deveria conhecer Zico primeiro.
Então por que Dean estava ali?
Levei dois segundos para lembrar que tinha pegado um atalho por um prédio administrativo e cheguei à conclusão de que talvez ele estivesse resolvendo pendências da matrícula.
Mas se mesmo não sendo descrito, aquilo tinha acontecido mesmo com Ayla, como ela poderia ser tão lerda a ponto de não notar aquele deus grego na frente dela? Bem, talvez sua skin estivesse ansiosa demais para isso, eu imaginei por um momento, tentando defender a falta de atenção da minha protagonista favorita.
Algumas horas mais tarde, minha skin de Ayla se tornou extremamente estressada. Comecei a ter pensamentos envolvendo o homicídio de toda a papelada que me aguardava e lembrei que eu mesma odiava o curso de literatura por ter que estudar sobre coisas tão chatas!
"Você gosta de escrever? O curso de literatura é perfeito para você!", disseram. "Você lê muito? Com certeza vai adorar o curso de literatura", disseram. Mas tudo o que eu queria naquele momento era atirar tudo ao ar livre e quem sabe, fazer uma fogueira ali mesmo, em frente à biblioteca cheia de livros chatos e entediantes.
Um momento depois, como se uma luz iluminasse minha mente, eu percebi que a história finalmente havia começado. Aquele era literalmente o início, Ayla estressada, querendo se livrar de tudo.
Eu nunca a julguei por isso, porque ela tinha razão. Sempre sonhei em trabalhar com livros porque amava ler, mas o processo de entendê-los era um trabalho extremamente complexo e chato.
No fim do dia, voltei para casa e algumas horas depois eu estava na cama, pronta para dormir. Se a história já tinha começado, então eu imaginava que Ayla tivesse algumas reações automáticas. Fazia sentido, certo? Eu era uma mera espectadora que, por acaso, estava sonhando que tinha ido parar no corpo dela.
Eu só tinha que esperar as coisas acontecerem e torcer para que acontecessem logo. Já fazia dois dias e a impressão que eu tinha era de que estava vivendo como Ayla, de fato. Não parecia um sonho. Sonhos tinham detalhes que não faziam nenhum sentido e era assim que você tinha consciência de que, mesmo dormindo, nada daquilo era real.
Mas parecia bem real para mim.
Me acomodei na cama, encontrando uma posição confortável para dormir e fechei os olhos, esperando o sono chegar.
No entanto, algo estranho aconteceu.
Um flash rápido surgiu, como se eu estivesse em outro lugar. Abri os olhos, mas continuei vendo aquilo.
Olhei para o teto escuro do quarto e de repente, ele estava claro, tão branco que quase doía nos olhos, havia um barulho de bip ao redor e sem me mexer, percorri o olhar tentando encontrar algo. Tudo piscou novamente e era como eu estivesse no quarto de Ayla e nesse outro lugar ao mesmo tempo.
O barulho de bip se tornou mais alto e me sentindo sonolenta, olhei para baixo, encontrando um acesso venoso na minha mão esquerda.
O que diabos era aquilo? Eu estava em um hospital?
Tudo piscou novamente ao meu redor e, de repente, o quarto de Ayla se tornou completamente nítido outra vez.
Franzi o cenho, confusa, e me sentei rapidamente, olhando ao redor e notando que tudo parecia o mesmo. Mas então outro pensamento me veio em mente.
Eu sofri um acidente?
Era por isso que aquele universo de Tenaz parecia tão real?
Será que, de alguma forma, meu espírito tinha ido parar dentro da história? Eu já tinha lido livros e webtoons assim, mas, normalmente, a mocinha acabava no corpo da vilã. Eu, no entanto, fui direto para a protagonista.
Será que eu viveria tudo o que ela viveu na história?
Se eu estivesse mesmo em um hospital, inconsciente, então tudo fazia sentido, todo o aspecto realista daquele suposto sonho. Porque não era apenas um sonho e sim uma realidade alternativa.
O que não fazia sentido era que estivesse mesmo acontecendo. Eu achava que era uma coisa de histórias fictícias.
Só que eu era uma pessoa real.
Me deitei novamente na cama, tentando imaginar o que tinha acontecido comigo, mas por mais que eu forçasse meu cérebro a pensar, tudo o que eu me lembrava era de ir para casa após ter uma reunião com Kate para discutir um pouco sobre o roteiro do próximo livro, Oblíquo. O último da série. Eu estava em 2022 e tínhamos acabado de voltar de uma mini turnê literária para a promoção de Sutil, o quarto livro, e teríamos folga na semana seguinte inteira.
Mas por que eu tinha a impressão de que estava esquecendo de algo importante?
Enquanto tentava continuar pensando no que diabos tinha acontecido comigo, meus olhos se fecharam naturalmente, e eu bocejei, sonolenta.
Não me lembro de ter caído no sono, mas, quando abri os olhos outra vez, o despertador estava tocando com um barulho irritante diferente, e a luz do dia mais uma vez passava pela brecha entre as cortinas.
Que despertador horrível. Eu não me lembrava de colocar nenhum som de passarinhos cantando.
Inferno, eu nem sabia que tinha um.
Encontrei o aparelho e deslizei o dedo pela tela, notando que eram seis da manhã. Em seguida, me espreguicei, passei a mão no cabelo e... Espera, onde estava meu cabelo?
Me sentei rapidamente e procurei em vão pelos longos fios que eu passei anos deixando crescer e encontrei... Nada.
Bem, não literalmente, é claro.
Eu não estava careca, mas meu cabelo estava muito curto e um pensamento meio mirabolante veio em minha mente. Será que fiquei bêbada com na noite passada e acabei fazendo uma besteira? Eu e minha irmã nunca fazíamos as melhores escolhas quando nossa mente estava nublada pelo álcool. E por falar em ...
Espera... Aquele não era o apartamento que eu dividia com minha irmã mais velha, notei, um segundo depois.
Olhei em volta e graças à luz que entrava pelas cortinas na janela do outro lado do quarto, consegui enxergar alguma coisa. Alguns pôsteres na parede, desenhos e rascunhos deles. Uma mesa cheia de livros e post-its colados acima dela e muito material de arte. Eu era um completo fracasso no ramo artístico, então tinha certeza de que não era meu.
Será que eu estava sonhando? E se eu estivesse... Que lugar era aquele?
Meu celular vibrou e eu o desbloqueei com minha digital, me deparando com várias notificações de mensagens de pessoas que eu não conhecia.
No entanto, uma delas me chamou atenção. Era em um chat em grupo, aparentemente.
Uma pessoa chamada Karina havia enviado.
Karina: Eu não aguento mais estudaaaaar! Ayla, que tal a gente largar a faculdade e viver na SUA arte, hein? Eu posso ser sua empresária!
Franzi o cenho, confusa, mas então uma nova mensagem chegou.
Ti: Quanto drama, amiga. Falta pouco pra vocês se formarem, relaxa. Vamos almoçar juntas hoje?
Tiana.
Karina e Tiana tinham enviado mensagens para mim. E uma delas me chamou de Ayla! Eu só podia estar sonhando mesmo e que sonho maluco! Agora eu estava começando a entender… Eu tinha parado no corpo da protagonista do meu livro favorito da série de livros da Kate!
A percepção disso imediatamente me fez levantar da cama e procurar um espelho. Encontrei um no banheiro e, em seguida, pisquei algumas vezes para o meu próprio reflexo. Aquele cabelo, um tom de ruivo aberto e alaranjado, bem diferente do meu, até que me deixava mais jovem e... Espera... Eu também estava mais magra, bem mais magra. Levei um segundo para entender que não era o cabelo que estava me deixando jovem e sim o fato de que eu estava mais jovem.
No corpo de uma garota de vinte e um ou vinte e dois anos de idade.
Ayla , protagonista de Tenaz, primeiro livro da série que Kate ainda estava lançando. E cujo sobrenome era o mesmo que o meu, porque era um livro que eu sempre estive entusiasmada para ler. E até mesmo tinha trilha sonora, feita pelo marido dela. Os dois tinham trabalhado juntos nisso enquanto ela ainda desenvolvia o rascunho do romance, quando ainda eram namorados.
Fazia alguns anos que Tenaz havia sido lançado e já estávamos no quarto livro da série. E pensar que Kate estava cogitando engavetar essa obra-prima. Por um curto período no desenvolvimento, devido a alguns problemas pessoais, essa ideia absurda passou pela mente dela, mas felizmente não durou muito tempo.
Na época, até mesmo me propus a ajudá-la a desenvolver o enredo, da forma que fosse possível e acho que meu entusiasmo a contagiou um pouquinho. Além disso, fiquei bem feliz com os agradecimentos no final do livro, depois de enchê-la de ideias mirabolantes para incentivá-la a escrever. Kate estava na dúvida quanto ao protagonista, mas então eu, como a boa fanfiqueira que sou, a apresentei a , meu cantor favorito de R&B.
Até então ela só tinha escrito sobre astros do rock, então considerou a mudança de gênero bem-vinda. E eu fui uma agente que trabalhou com gosto, feliz da vida. Na verdade, até sentia que estava fazendo pouca coisa. Afinal, eu estava sendo paga para ajudá-la a desenvolver uma fanfic.
Tudo bem, não era uma fanfic de verdade.
Na real, estava longe de ser uma. Mas eu consegui convencê-la a transformar no protagonista e ela até usou meu sobrenome para a mocinha porque achou que combinava com Ayla.
No entanto, poucas pessoas sabiam disso. Eu me perguntava até se já tinha ouvido falar sobre esse livro. Não havia nada além da aparência dele presente no enredo e o fato de Dean, o protagonista, também ser um músico, compositor e cantor incrível.
Tá, a Kate tinha descrito a voz dele exatamente como eu tinha descrito a de para ela, mas diferente de Dean, não era o filho bastardo de um vilão odioso.
Pelo menos até onde eu sabia.
Eu nunca cheguei a conhecê-lo pessoalmente e até mesmo ingressos de shows eram difíceis de conseguir, especialmente quando ele passava mais tenho fora do país do que nele, mesmo que tecnicamente morasse em Los Angeles. Fazia sete anos que eu era fã dele e nunca havia nem mesmo ido a um show. Uma tristeza, eu sei. Até pensei em talvez usar meu cérebro trambiqueiro a meu favor.
Eu poderia sugerir a Kate que sugerisse a Hero que convidasse a fazer uma colaboração. Afinal, Hero não era apenas seu marido, mas um astro do rock e vocalista da Cave Panthers, uma das bandas mais legais que já vi. Dificilmente alguém não saberia quem os quatro integrantes eram. Especialmente agora, que eles estavam de volta com tudo após um período de hiatus.
De todo modo, se Hero convencesse a fazerem uma música juntos... Então eu convenceria Kate a me ajudar a me infiltrar em todo o processo para conhecer ele. Eu compraria uma caixa dos chocolates favoritos dela uma vez por mês, por um ano inteiro, em forma de agradecimento.
Era o plano perfeito. E então eu, depois de anos como uma fã fiel, finalmente me tornaria uma fã de sucesso. Nem sei o que diabos aconteceria se eu encontrasse um dia. Provavelmente eu ia travar no lugar ou, quem sabe, surtar com uma maluca. Eu tinha certeza de que seria oito ou oitenta.
Mas por falar em surtar... Espera, eu estava dentro de Tenaz, sabendo que o protagonista tinha a aparência do meu cantor favorito. Mas onde ele estava?
Eu acordei sozinha no apartamento e não encontrei nenhum sinal de que algum homem frequentava aquele lugar. Que parte da história era aquela? Eu definitivamente não lembro de nenhum diálogo entre as amigas como o de alguns minutos atrás.
Eu ia lembrar se tivesse. Li Tenaz pelo menos quatro vezes nos últimos anos e uma delas tinha sido há cerca de seis meses. Eu conhecia aquela história de trás para frente, embora meu cérebro sempre apagasse eventuais detalhes dela.
Mas se aquilo era um sonho em que eu tinha ido parar no meu livro favorito, então só me restava seguir o fluxo até que eu acordasse novamente para mais um dia de trabalho.
Com a ajuda do GPS, consegui chegar ao restaurante que Tiana sugeriu que nos encontrássemos. A cidade ao redor me lembrava um pouco da vibe de Nova York, mas eu sabia que era apenas minha imaginação, assim como a aparência das pessoas. Kate não usou locais reais ou descrições muito detalhadas de personagens porque queria que leitores de todo o mundo pudessem imaginar como bem entendessem.
Eu, como habitante de Nova York, imaginei a minha cidade. Quanto às descrições das pessoas, eu sabia que Karina tinha o cabelo loiro com pontas azuis, embora não lembrasse se isso realmente havia sido descrito no livro ou se Kate comentou em algum momento comigo; também sabia que Tiana lembrava um pouco Dianna Dane, minha chefe, que também era amiga e sócia de Kate na editora.
Cores de pele ou etnia não eram citadas e por conta da mistura de sobrenomes, muita gente imaginava que Dean era um cara asiático, mas eu sabia que ele era . E eu estava prestes a encontrá-lo em algum lugar, quando a história finalmente começasse.
Eu só não entendia por que estava vivenciando situações que nem ao menos estavam descritas no livro. Aquele sonho podia pular logo para as partes boas. Tipo o primeiro beijo de Ayla e Dean. E quando esse momento chegasse, eu esperava que parecesse tão real quanto estava sendo até agora. Eu até havia me beliscado algumas vezes para ver se estava sonhando, mas fazia horas que eu estava ali.
Dei uma olhada ao redor procurando por uma mulher de pele clara e outra de pele escura, e levou apenas um segundo para eu avistar duas pessoas idênticas a Dianna e Karol, melhor amiga de Kate.
Karol acenou para mim na skin de Karina e eu sorri enquanto caminhava até elas.
As cumprimentei rapidamente como se não fosse uma estranha no corpo da melhor amiga delas e peguei o cardápio para escolher o que eu ia comer. Estávamos em um restaurante de culinária coreana e eu estava animada por saber que as meninas gostavam tanto quanto eu.
Mais cedo, descobri que Ayla tinha um cartão de crédito que funcionava por aproximação, o que era um alívio, já que eu não fazia ideia de quais eram as senhas dela. Eu só sabia de coisas descritas no livro e não havia nenhuma cena que precisasse daquela informação.
Uma olhada rápida no cardápio me fez uma mulher feliz ao ver a variedade de pratos disponíveis e minha boca salivou quando vi que tinha Jjamppong. Nem pensei duas vezes antes de pedir aquele prato.
— Jjamppong? Tá doida? — Karina me encarou como se eu tivesse batido a cabeça em algum lugar.
— Por quê? — Franzi o cenho, confusa.
— Amiga, você esqueceu que é alérgica a frutos-do-mar? — Tiana perguntou.
Meu Deus! É claro! Ayla era alérgica, eu tinha me esquecido. E aquele prato tinha mesmo um monte de frutos-do-mar.
— Ah, é mesmo. — Eu ri, sem graça, dando adeus ao meu delicioso ensopado. — Então vou querer um kimbap de porco apimentado e uma tigela de japchae.
Bem, pelo menos eu sabia que aquilo não causaria alergia em ninguém. Um sushi de carne e legumes e macarrão temperado com mais carne, legumes e zero frutos-do-mar.
— Vamos no mesmo, então — Tiana sugeriu. — Mas o meu kimbap, eu quero de gado.
Fizemos os pedidos e Karina deu uma risadinha.
— Parece que você anda com a cabeça nas nuvens, hein? — ela comentou, olhando para mim.
— Eu? Por quê? — Será que elas tinham notado que eu não era a Ayla? Mas não tinha como, certo? Afinal, era um sonho.
— Sei lá, talvez por conta de uma visitinha do seu ex-namorado no seu apartamento semana passada. — Ela sorriu com malícia.
Espera, o quê?! Seojun tinha me visitado e... A recaída! Antes das aulas começarem. Ou já tinham começado? Eu não tinha certeza, mas se Karina tinha reclamado dos estudos naquela manhã, então eu achava que sim.
Droga, eu poderia ter parado naquele sonho na noite da visita dele. Pelo menos, seria um pouco mais divertido.
— Ah... Não. Não é como se tivéssemos voltado ou algo do tipo — comentei, sabendo que aquilo realmente não aconteceria.
Aquele sonho não acabava? Por que tava demorando tanto? Eu adorava Karina e Tiana e, definitivamente, amava comida coreana, mas eu não estava nem aí em dividir uma refeição aleatória com elas em um sonho.
Eu queria emoção. Borboletas no estômago. Onde estava Dean?
Voltei a conversar com elas e enquanto comíamos, discretamente as conduzi a dizer algumas informações importantes sobre a faculdade. As aulas tinham começado, de fato. Mas nas primeiras semanas era comum que muitos alunos faltassem.
Felizmente, Ayla havia feito o mesmo curso que eu, então eu não era uma total sem noção a respeito de literatura.
Eu trabalhava com literatura, na verdade. Em uma editora. Sendo agente literária de uma autora, embora minha capacidade de escrita se resumisse mais a melhorar textos e saber se estavam bons ou ruins, do que eu mesma criá-los do zero. Eu tinha uma imaginação fértil, mas colocar no papel era outra história. De todo modo, eu não tinha interesse em escrever.
Mas já que Ayla fazia o mesmo curso que fiz, então tinha que ser moleza! Isso só podia ser algo ao meu favor, embora eu não achasse que fosse precisar de qualquer habilidade. Afinal, era uma história, certo? Kate já tinha escrito tudo, eu só tinha que esperar acontecer.
Infelizmente, no dia seguinte descobri que estava errada. Acordei atrasada e tive que correr para a aula. Passei por um dos prédios administrativos para cortar caminho, mas acabei esbarrando em um cara.
— Desculpa — ele disse e eu arregalei os olhos ao reconhecer aquela voz. Imediatamente, ele se abaixou para recolher meus papéis e eu fiz o mesmo, o encarando enquanto ele estava distraído.
Seu cabelo era preto e ele usava uma máscara da mesma cor, cobrindo metade da face. No entanto, meus olhos se dirigiram imediatamente para o pescoço descoberto. Um pedaço da tatuagem de flores de ameixa aparecia, pegando o lado esquerdo do seu pescoço, e minha boca secou quando lembrei de uma cena do livro em que Ayla a mordia.
Eu reconheceria aquela tatuagem de longe porque era a mesma que tinha. Enorme, e descia até parte do seu peito esquerdo.
Inferno, mesmo que não estivesse à mostra, eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Rouca, profunda e completamente deliciosa de ouvir.
Levei apenas alguns segundos para pensar nisso, enquanto recolhíamos os papéis, e disse a mim mesma para não surtar, afinal aquele não era e sim Dean Kwon, o protagonista do livro.
Assim que peguei tudo, me virei e fui embora como uma maluca.
Aquilo não fazia parte do livro, eu tinha certeza. Kate não tinha descrito nenhuma cena assim. Na verdade, Ayla deveria esbarrar em Zico, o melhor amigo de Dean, do lado de fora de uma sala de aula. Ela deveria conhecer Zico primeiro.
Então por que Dean estava ali?
Levei dois segundos para lembrar que tinha pegado um atalho por um prédio administrativo e cheguei à conclusão de que talvez ele estivesse resolvendo pendências da matrícula.
Mas se mesmo não sendo descrito, aquilo tinha acontecido mesmo com Ayla, como ela poderia ser tão lerda a ponto de não notar aquele deus grego na frente dela? Bem, talvez sua skin estivesse ansiosa demais para isso, eu imaginei por um momento, tentando defender a falta de atenção da minha protagonista favorita.
Algumas horas mais tarde, minha skin de Ayla se tornou extremamente estressada. Comecei a ter pensamentos envolvendo o homicídio de toda a papelada que me aguardava e lembrei que eu mesma odiava o curso de literatura por ter que estudar sobre coisas tão chatas!
"Você gosta de escrever? O curso de literatura é perfeito para você!", disseram. "Você lê muito? Com certeza vai adorar o curso de literatura", disseram. Mas tudo o que eu queria naquele momento era atirar tudo ao ar livre e quem sabe, fazer uma fogueira ali mesmo, em frente à biblioteca cheia de livros chatos e entediantes.
Um momento depois, como se uma luz iluminasse minha mente, eu percebi que a história finalmente havia começado. Aquele era literalmente o início, Ayla estressada, querendo se livrar de tudo.
Eu nunca a julguei por isso, porque ela tinha razão. Sempre sonhei em trabalhar com livros porque amava ler, mas o processo de entendê-los era um trabalho extremamente complexo e chato.
No fim do dia, voltei para casa e algumas horas depois eu estava na cama, pronta para dormir. Se a história já tinha começado, então eu imaginava que Ayla tivesse algumas reações automáticas. Fazia sentido, certo? Eu era uma mera espectadora que, por acaso, estava sonhando que tinha ido parar no corpo dela.
Eu só tinha que esperar as coisas acontecerem e torcer para que acontecessem logo. Já fazia dois dias e a impressão que eu tinha era de que estava vivendo como Ayla, de fato. Não parecia um sonho. Sonhos tinham detalhes que não faziam nenhum sentido e era assim que você tinha consciência de que, mesmo dormindo, nada daquilo era real.
Mas parecia bem real para mim.
Me acomodei na cama, encontrando uma posição confortável para dormir e fechei os olhos, esperando o sono chegar.
No entanto, algo estranho aconteceu.
Um flash rápido surgiu, como se eu estivesse em outro lugar. Abri os olhos, mas continuei vendo aquilo.
Olhei para o teto escuro do quarto e de repente, ele estava claro, tão branco que quase doía nos olhos, havia um barulho de bip ao redor e sem me mexer, percorri o olhar tentando encontrar algo. Tudo piscou novamente e era como eu estivesse no quarto de Ayla e nesse outro lugar ao mesmo tempo.
O barulho de bip se tornou mais alto e me sentindo sonolenta, olhei para baixo, encontrando um acesso venoso na minha mão esquerda.
O que diabos era aquilo? Eu estava em um hospital?
Tudo piscou novamente ao meu redor e, de repente, o quarto de Ayla se tornou completamente nítido outra vez.
Franzi o cenho, confusa, e me sentei rapidamente, olhando ao redor e notando que tudo parecia o mesmo. Mas então outro pensamento me veio em mente.
Eu sofri um acidente?
Era por isso que aquele universo de Tenaz parecia tão real?
Será que, de alguma forma, meu espírito tinha ido parar dentro da história? Eu já tinha lido livros e webtoons assim, mas, normalmente, a mocinha acabava no corpo da vilã. Eu, no entanto, fui direto para a protagonista.
Será que eu viveria tudo o que ela viveu na história?
Se eu estivesse mesmo em um hospital, inconsciente, então tudo fazia sentido, todo o aspecto realista daquele suposto sonho. Porque não era apenas um sonho e sim uma realidade alternativa.
O que não fazia sentido era que estivesse mesmo acontecendo. Eu achava que era uma coisa de histórias fictícias.
Só que eu era uma pessoa real.
Me deitei novamente na cama, tentando imaginar o que tinha acontecido comigo, mas por mais que eu forçasse meu cérebro a pensar, tudo o que eu me lembrava era de ir para casa após ter uma reunião com Kate para discutir um pouco sobre o roteiro do próximo livro, Oblíquo. O último da série. Eu estava em 2022 e tínhamos acabado de voltar de uma mini turnê literária para a promoção de Sutil, o quarto livro, e teríamos folga na semana seguinte inteira.
Mas por que eu tinha a impressão de que estava esquecendo de algo importante?
Enquanto tentava continuar pensando no que diabos tinha acontecido comigo, meus olhos se fecharam naturalmente, e eu bocejei, sonolenta.
Não me lembro de ter caído no sono, mas, quando abri os olhos outra vez, o despertador estava tocando com um barulho irritante diferente, e a luz do dia mais uma vez passava pela brecha entre as cortinas.
Capítulo 2
Uma vez que a narrativa do livro começou, o tempo começou a passar mais rápido. Em certos momentos, eu me sentava em uma sala de aula no início da tarde e, cerca de um minuto depois, via o pôr do sol pela janela.
Me senti um personagem de The Sims.
Um dia acordei e cheguei à sala de aula de Escrita Criativa e antes de entrar, esbarrei em Zico.
Em Tenaz, Ayla o conhecia primeiro e, por volta de duas semanas depois, Dean aparecia. Eu mal podia esperar para que as partes boas chegassem.
Zico se desculpou rapidamente e felizmente eu não estava segurando nenhuma papelada naquele momento. Ele falava ao telefone, então apenas acenei com a cabeça, ouvindo parte da conversa dele que eu sabia que era com Dean. Examinei a sala de aula cheia e me dirigi para uma mesa vazia, sabendo que em poucos instantes, Zico sentaria ao meu lado.
Dito e feito.
Dei uma risadinha mental quando o ouvi falar comigo outra vez. Conversamos um pouco e notei que eu estava dizendo exatamente as falas de Ayla do diálogo dos dois. Me perguntei se isso era alguma lembrança minha após ler o livro quatro vezes, ou se eu apenas estava vomitando palavras no automático.
Depois de alguns minutos, o professor chegou e começou a dar aula. Ele era meio egocêntrico como um bom leonino, e um tanto engraçado, o que me fazia simpatizar com ele, então a aula não foi um tédio. Enquanto isso, Zico ficou ao meu lado em silêncio, como se não prestasse atenção, mas sempre que o professor falava algo engraçado, ele olhava para mim como se perguntasse se eu tinha ouvido o mesmo. Eu lembrava dessa cena claramente. Fazia parte do primeiro capítulo do livro. Quando a aula acabou, fomos almoçar juntos e depois, quando nos despedimos, voltei para o apartamento de Ayla.
Não havia nada a ser feito durante a tarde, então resolvi tirar uma soneca para passar o tempo.
Acordei com o despertador tocando e quando peguei o celular para desligar, já era de manhã. Inicialmente, imaginei que tinha capotado e só acordado no dia seguinte, mas logo notei que a data era diferente. Duas semanas haviam se passado enquanto eu dormia. Se aquilo não era um sonho de The Sims, então eu não sabia o que era.
Encontrei uma mensagem não lida de Zico e descobri que Dean viria para a universidade naquele dia. Instantaneamente, meu coração acelerou um pouco e senti um frio na barriga, sabendo que nada tinha a ver com os sentimentos de Ayla, mas com os meus.
Eu, , tinha notado Dean antes dela. E já sabia o que aconteceria logo mais. Eu o conheceria naquele dia, formaríamos um trio para fazer o trabalho de escrita e, talvez no dia seguinte, eu acabasse em uma mesa sozinha com Dean, enquanto comíamos em silêncio. Depois ele e Zico me levariam ao estúdio dos dois, e cantariam para mim.
Eu mal podia esperar.
Cerca de duas horas mais tarde, eu tinha acabado de encontrar Zico quando ele falou que precisava ir ao banheiro. Eu não lembrava de nada das últimas duas semanas, no entanto, eu e Zico agíamos como se fôssemos melhores amigos. Sentei em um banco vazio do campus e esperei, tentando conter um sorriso, enquanto fingia mexer no celular.
Um instante depois, senti alguém se aproximar e se sentar ao meu lado. Olhei rapidamente para Dean, vestido de preto dos pés à cabeça e voltei minha atenção para a tela do celular.
A aula estava perto de começar, então Ayla deveria enviar uma mensagem de áudio para Zico naquele momento, perguntando algo sobre ele ter ficado preso na privada. Esperei pacientemente, mas nada aconteceu.
Minha skin de Ayla não agiu por instinto como em outras ocasiões. Franzi o cenho e um segundo depois, Zico voltou.
— Quando você chegou? — ele perguntou, olhando para Dean.
Após um breve diálogo, dessa vez automático, nós fomos para a sala de aula.
De repente, minha mente pensava uma coisa, mas meu corpo fazia outra. Palavras saíam da minha boca sem que eu pensasse, e algumas expressões também. Imediatamente, me lembrei de um drama que assisti em 2019 sobre uma protagonista que descobria que nem existia e que, na verdade, era apenas personagem de um livro. Havia algumas ocasiões de palco, em que ela não tinha absolutamente nenhum controle sobre suas ações e emoções, e momentos de bastidores, quando podia agir por conta própria.
Então pensei que algo semelhante estava acontecendo comigo. No entanto, era aleatório. Às vezes, tudo acontecia no automático. Outras, nada acontecia a não ser que eu tomasse uma atitude, como o caso do áudio não enviado para Zico.
Depois de um tempo refletindo enquanto a aula corria, cheguei à conclusão de que as principais cenas provavelmente seguiriam o roteiro do livro, enquanto outras, que não eram importantes, poderiam ser controladas por mim.
Me despedi de Zico e Dean naquele dia depois de dizer que eu iria querer ajuda com o enredo do trabalho, mas que podia escrever sozinha. Eu lembrava que no dia seguinte, Ayla aparecia com um mini roteiro sobre a história de Kate e Hero — sim, Kate colocou isso como uma brincadeira, já que Ayla também era escritora.
No entanto, nada aconteceu quando esperei minha skin de Ayla se mover automaticamente para escrever. Tampouco apareceram anotações mágicas no meu bloco de notas quando acordei no dia seguinte. Com uma careta, percebi que eu teria que bolar algo rápido, mas para que escrever se eu conhecia aquela história toda?
Depois de cinco (ou eram seis?) anos trabalhando com Kate, eu sabia muito bem como ela e Hero acabaram juntos. Ayla só tinha que explanar um pedacinho daquilo.
Quando isso aconteceu, senti vontade de bater palmas para mim mesma por ser uma fanfiqueira nata. Eu não somente anotei o plot da história que supostamente deveríamos escrever, como alguns detalhes a mais. Mais tarde, Zico e Dean ouviram atentamente e, no mesmo dia, me levaram para o estúdio deles.
Quase dei pulinhos de alegria, mas me contive. Eu sabia que era fictício e que Dean não era de verdade, mas era como se eu estivesse prestes a ver cantando na minha frente pela primeira vez. E quando isso aconteceu, eu nem tinha certeza se minhas reações eram mesmo minhas ou de Ayla, mas nós duas certamente estávamos surtando.
Depois que Zico e Dean terminaram de cantar a primeira música, na qual Zico fazia um rap, palavras de elogio jorraram da minha boca automaticamente e pedi para Dean cantar outra vez.
Eu estava me derretendo por ele e nem ao menos fazendo questão de disfarçar. Qual era o ponto, afinal? Ele era o protagonista!
Antes que ele pudesse cantar, um entregador de pizza chegou e me ofereci para ir buscar, sabendo que aquele era o momento em que Zico aproveitaria a oportunidade para encher o saco de Dean sobre como ele parecia caidinho por Ayla.
Ai, como é doce a vida da fanfiqueira.
Peguei a pizza rapidamente e, quando voltei, parei do lado de fora do estúdio, ouvindo a conversa até o momento que sabia que Ayla entrava. Houve um momento daqueles que o tempo passava rapidamente enquanto comíamos e, quando me dei conta, Dean já estava com o microfone na mão outra vez.
Eu sabia exatamente qual vídeo Kate usou para descrever aquela cena. Afinal, eu o mostrei para ela.
E ver "" fazer aquela mini performance enviou borboletas direto ao meu estômago. Assisti hipnotizada. Aquilo era uma obra de arte. Ele era uma obra de arte ambulante.
Bonito, com uma voz incrivelmente sensual e dono de olhos afiados que pareciam enxergar a minha alma.
Foi então que ouvi um bip. Depois outro. E outro. Me perguntei se era algum efeito da música, mas então o cenário ao meu redor começou a piscar, como uma falha de imagem. Pisquei algumas vezes e esfreguei os olhos, mas um flash no mesmo quarto branco de hospital surgiu.
Nessa vez pareceu mais nítido. Ouvi chamar meu nome de longe, mas não me movi. Então meus olhos pesaram outra vez e quando os abri de novo, o despertador irritante de Ayla tocava mais uma vez.
Eu não estava mais no estúdio com os meninos, mas no quarto dela, e não tinha ideia de quantos dias tinham passado. Não me lembrava nem a data do dia em que eles me levaram ao estúdio.
Uma sensação ruim tomou conta de mim, fazendo meu peito se apertar de angústia, mas não entendi porquê. Se eu ainda não havia acordado para a realidade, então devia haver um motivo.
De qualquer forma, pelo menos eu tinha certeza de que estava viva.
***
Poucas horas depois, descobri que algumas cenas do livro se passaram sem que eu as presenciasse no corpo de Ayla.
Zico e Dean tinham conhecido a mãe dela, a detetive Cora , e no momento, eu estava na biblioteca com Karina e Tiana, esperando os meninos chegarem para que eu/Ayla pudesse apresentá-los a elas.
Eu estava sentada de frente para a porta, assistindo enquanto eles se aproximavam. Ambos vestiam roupas casuais, como sempre. Zico estava com um boné branco virado para trás e Dean, diferente do habitual preto, usava uma camisa azul clara.
Um diálogo pronto saiu da minha boca, e um sorriso divertido surgiu em meu rosto.
— Eu tenho certeza de que Dean tem pelo menos umas quatro personalidades dentro dele. Ele nem tá usando preto hoje; só pode ser a personalidade número dois, que eu gosto de chamar de síndrome do bom moço — comentei, fazendo as meninas rirem. — Com exceção da tatuagem no pescoço, que é o que o entrega.
Não ironicamente, aquilo era algo que eu sempre comentava com Kate enquanto ajudava a desenvolver Dean.
O próprio sempre me passou essa impressão.
No início de sua carreira, ele era bem ativo, como um cara normal em seus vinte e poucos anos. Gostava de interagir bastante com os fãs e, de vez em quando, abria lives para responder perguntas ou simplesmente ficar cantarolando à toa. Ele não mostrava o rosto na maioria das vezes, mas tinha algo meio intimista naquilo, que aproximava os fãs.
Era como se estivéssemos em uma sala, conversando com ele.
Até que então tudo isso parou e se fechou para o mundo. De repente, todas as interações com os fãs pareciam um surto coletivo. Houve uma época que eu até transformei a DM dele em um diário.
Passei um ano inteiro escrevendo para o meu -Diary (sim, uma mistura de e diário). Isso aconteceu em 2018 e 2019. Eu não fazia ideia se ele lia ou se sequer via aquilo, mas uma parte de mim gostava de imaginar que sim.
Havia começado como uma brincadeira, mas então se tornou terapêutico e, quando percebi, estava desabafando com ele sobre minha vida. Obviamente, nunca obtive resposta. E às vezes, quando eu estava fazendo algo aleatório, como escovar os dentes, eu me lembrava de todas as coisas que tinha falado para ele e ria como uma maluca, uma súbita onda de vergonha me atingindo ao pensar na possibilidade dele ter mesmo lido.
Ao mesmo tempo, eu esperava que aquilo o divertisse.
Durante essa época, ele aparecia esporadicamente no Instagram só para dizer que estava bem e trabalhando em músicas novas. Mas era a mesma ladainha de sempre. Ele dizia que em breve lançaria um álbum novo, e nada desse bendito sair. Até que 2022 chegou e finalmente reapareceu de vez. Até onde eu me lembrava — considerando que eu não tinha ideia de como tinha ido parar no hospital ou há quanto tempo — estávamos em abril e ele estava concluindo uma turnê na Ásia.
De todo modo, voltando para Tenaz, apresentei Zico e Dean para Karina e Tiana e poucos minutos depois, me vi sozinha com eles, comentando algo sobre marcar um encontro com Dean para ele me ajudar a terminar o trabalho de escrita. Deixei os dois na biblioteca e saí andando pelo campus.
De repente, uma tontura me atingiu e eu cambaleei, sentindo um enjoo terrível. Comecei a suar frio e notei o cenário piscando outra vez entre o céu aberto no campus e o teto branco no quarto de hospital. Até que a percepção de que minha pressão estava caindo me levou ao chão, e eu não enxerguei mais nada.
Fechei os olhos por um instante e...
Quando os abri novamente, eu estava na sala do apartamento de Ayla, sentada no chão sobre uma almofada em frente ao sofá e olhando para uma página em branco do Word, aberta no notebook em cima da mesinha de centro.
Franzi o cenho, tentando me lembrar que parte do livro era aquela, até que a campainha tocou e um segundo antes de abrir a porta, eu soube que Dean me aguardava ali.
Ele me encarou de cima a baixo discretamente, e só então me dei conta que usava uma camisa enorme, que parecia mais um vestido. Eu estava com um short por baixo e automaticamente a puxei para cima, no intuito de ficar mais apresentável, mas Dean segurou meus braços.
Eu lembrava daquela cena. Ele estava se perguntando de quem seria aquela camisa. Talvez de um irmão.
Só que Ayla era filha única. Aquela camisa e várias outras que ela tinha pertenciam a Seojun, o ex-namorado dela e protagonista do segundo livro da série.
Lembrar de Seojun me fez sorrir por dentro. Afinal, ele também era meu queridinho. Assim como Yeong, o prota do livro quatro e Sean, irmão dele e prota do livro cinco, que ainda estava em desenvolvimento. Havia Victor também, que fazia par com Louise, no livro três, mas por algum motivo eu não conseguia me apegar a ele.
Minha skin de Ayla trocou um diálogo automático com Dean e, um instante depois, nos sentamos lado a lado em frente ao computador. Esperei minha skin de Ayla discutir sobre a cena que ela dizia estar travada, e ela e Dean tiveram um papo de gente criativa sobre o livro.
Eu estava grata por não precisar pensar em nada e só assistir em primeira pessoa — praticamente uma realidade virtual — enquanto os diálogos se desenvolviam automaticamente. Até que chegou a hora em que Ayla tinha que escrever a cena.
Esperei um minuto, depois dois, com o som de uma música de Bon Jovi tocando nos meus fones de ouvido, supostamente para inspirar Ayla a escrever, enquanto Dean esperava, trabalhando em uma música.
O problema é que Ayla não moveu um dedo para escrever naquele momento.
Xinguei mentalmente, percebendo que teria controle total sobre a cena, sendo que eu nem sabia escrever, e tentei lembrar do que aconteceria depois daquilo.
Ayla deveria escrever e mostrar a Dean; ele leria a cena enquanto ouvia a mesma música que ela para entrar na vibe dos personagens, então diria que estava perfeitamente descrita e que era ótima. Se os últimos diálogos tinham sido automáticos até ali e eu sabia que aquela era uma cena importante, já que antecedia o primeiro beijo deles, então imaginei que qualquer coisa que eu colocasse no papel serviria para dar impulso às próximas ações.
Escrevi uma cena aleatória de Kate e Hero se encarando e um beijo entre os dois. Deve ter levado uns cinco minutos. Então, cutuquei Dean para que ele lesse.
Aguardei ansiosamente pelo elogio, no entanto, ao invés de ouvir que o texto estava muito bom, tudo o que ganhei foi:
— Hmm, gostei da ideia, mas acho que pode melhorar. Que tal se você descrever mais os sentimentos da Ayla?
Minha cara travou em um sorriso amarelo. Se eu estivesse lendo aquela cena, provavelmente teria rido alto. Mas, ao invés disso, assenti e voltei a trabalhar enquanto ele também se ocupava novamente. Aquilo estava errado. Eu deveria estar vivendo uma fanfic, não trabalhando de verdade, escrevendo um livro que nem era meu. Àquela altura, eu e Dean devíamos estar trocando nosso primeiro beijo, repleto de tensão sexual.
Que palhaçada era aquela?
Respirei fundo, sabendo que ficar parada não ia me fazer ganhar um beijo, então me concentrei de verdade no texto. Eu era boa em corrigir, e ele disse que gostou da ideia da cena, então era só fingir que Kate tinha escrito.
Estalei os dedos e comecei a digitar, notando minhas próprias inconsistências. Dez minutos mais tarde, cutuquei Dean outra vez e saí para beber água, enquanto ele lia.
Então, finalmente ouvi o que queria.
— Tá muito bom, Ayla — ele disse. — De verdade. Você descreveu muito bem.
Talvez eu estivesse no timing errado e o diálogo só deveria acontecer naquele momento. Pensando bem, acho que Ayla realmente havia se levantado para beber água enquanto ele ficava lá, todo concentrado, lendo.
Outro diálogo automático veio, mas de repente fiquei em silêncio, como se tivesse esquecido o que falar.
Dean e eu nos encaramos e ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha enquanto eu sentia o coração acelerar.
É agora, é agora!
Eu beijaria na skin de Dean e então poderia morrer feliz.
Levei a mão ao rosto dele e acariciei sua bochecha com o polegar, notando todas as sardinhas de sua pele, tão claras que só dava para ver com clareza de perto. Não soube dizer quanto tempo aquela troca de olhares durou, mas havia centenas de borboletas no meu estômago. Ou talvez milhares. Eu estava surtando internamente enquanto minha skin de Ayla cumpria o roteiro.
Nos aproximamos um pouco mais e nossas respirações se misturaram. Então fechei os olhos e... Acordei.
Me sentei de uma vez, sentindo a cabeça doer com o movimento e um instante depois, me deparei com o quarto branco dos flashes, definitivamente muito mais vívido e real dessa vez.
— Amor? — Ouvi uma voz conhecida dizer e encontrei Dean ali, em pé, me encarando alarmado.
Será que tinha pulado para a cena em que Ayla ia parar no hospital depois de ser atacada na rua? Mas por que aquele quarto? Eu não lembrava dela ter ficado internada.
— Dean? — Franzi o cenho, tentando lembrar de alguma coisa.
Mas então ele me encarou, confuso.
— Dean? Quem é Dean?
— O quê? — perguntei baixinho.
— Amor, sou eu, . — Ele se aproximou, segurando meu rosto entre as mãos com carinho. — Você não lembra de mim?
— ? — Arregalei meus olhos e comecei a olhar ao redor. — O que é isso? O que tá acontecendo? Por que você tá aqui? É óbvio que eu lembro de você; eu sou sua fã há sete anos! Meu Deus, você é real? — Coloquei minhas duas mãos no rosto dele e belisquei suas bochechas com força.
— Ai. , o que você tá fazendo? — Ele se soltou do meu aperto e esfregou as bochechas.
Parecia real, muito real. Será que minha mente tinha criado um outro universo alternativo?
Me belisquei com força, mas não, não era um sonho. Pisquei várias vezes também, para ver se o cenário mudava, mas continuou a mesma coisa.
Nada aconteceu.
E ainda me encarava em confusão.
— ? — eu o chamei e depois tive um mini surto de fã. — Caramba, eu não sei o que você tá fazendo aqui, mas eu só queria dizer que amo o seu trabalho e, nossa, você é bem mais bonito pessoalmente. De qualquer forma... eu sou, muito, muito mesmo, sua fã.
Sorri, nervosa e ofegante, com o coração prestes a sair pela boca.
franziu o cenho e se aproximou, segurando minhas duas mãos e as beijando carinhosamente.
Quase desmaiei.
— Eu sei que você é minha fã, amor. Mas você não lembra?
— Lembrar... de quê?
— ... — Ele riu, levemente nervoso, talvez preocupado. — Você é minha namorada.
— Na-namorada? — encarei ele com espanto, sem ter ideia do que estava acontecendo.
— É, minha namorada — confirmou novamente. — Há três anos.
TRÊS ANOS...!
Meu Deus, aquilo só podia ser outro sonho bizarro. Abaixei a cabeça por um instante e senti tontura outra vez. Minha cabeça doeu e eu senti o ar escapar de meus pulmões.
Eu tinha tantas perguntas.
Levantei o olhar para encará-lo novamente, mas então, antes que qualquer palavra saísse, fui tomada pela escuridão mais uma vez.
Me senti um personagem de The Sims.
Um dia acordei e cheguei à sala de aula de Escrita Criativa e antes de entrar, esbarrei em Zico.
Em Tenaz, Ayla o conhecia primeiro e, por volta de duas semanas depois, Dean aparecia. Eu mal podia esperar para que as partes boas chegassem.
Zico se desculpou rapidamente e felizmente eu não estava segurando nenhuma papelada naquele momento. Ele falava ao telefone, então apenas acenei com a cabeça, ouvindo parte da conversa dele que eu sabia que era com Dean. Examinei a sala de aula cheia e me dirigi para uma mesa vazia, sabendo que em poucos instantes, Zico sentaria ao meu lado.
Dito e feito.
Dei uma risadinha mental quando o ouvi falar comigo outra vez. Conversamos um pouco e notei que eu estava dizendo exatamente as falas de Ayla do diálogo dos dois. Me perguntei se isso era alguma lembrança minha após ler o livro quatro vezes, ou se eu apenas estava vomitando palavras no automático.
Depois de alguns minutos, o professor chegou e começou a dar aula. Ele era meio egocêntrico como um bom leonino, e um tanto engraçado, o que me fazia simpatizar com ele, então a aula não foi um tédio. Enquanto isso, Zico ficou ao meu lado em silêncio, como se não prestasse atenção, mas sempre que o professor falava algo engraçado, ele olhava para mim como se perguntasse se eu tinha ouvido o mesmo. Eu lembrava dessa cena claramente. Fazia parte do primeiro capítulo do livro. Quando a aula acabou, fomos almoçar juntos e depois, quando nos despedimos, voltei para o apartamento de Ayla.
Não havia nada a ser feito durante a tarde, então resolvi tirar uma soneca para passar o tempo.
Acordei com o despertador tocando e quando peguei o celular para desligar, já era de manhã. Inicialmente, imaginei que tinha capotado e só acordado no dia seguinte, mas logo notei que a data era diferente. Duas semanas haviam se passado enquanto eu dormia. Se aquilo não era um sonho de The Sims, então eu não sabia o que era.
Encontrei uma mensagem não lida de Zico e descobri que Dean viria para a universidade naquele dia. Instantaneamente, meu coração acelerou um pouco e senti um frio na barriga, sabendo que nada tinha a ver com os sentimentos de Ayla, mas com os meus.
Eu, , tinha notado Dean antes dela. E já sabia o que aconteceria logo mais. Eu o conheceria naquele dia, formaríamos um trio para fazer o trabalho de escrita e, talvez no dia seguinte, eu acabasse em uma mesa sozinha com Dean, enquanto comíamos em silêncio. Depois ele e Zico me levariam ao estúdio dos dois, e cantariam para mim.
Eu mal podia esperar.
Cerca de duas horas mais tarde, eu tinha acabado de encontrar Zico quando ele falou que precisava ir ao banheiro. Eu não lembrava de nada das últimas duas semanas, no entanto, eu e Zico agíamos como se fôssemos melhores amigos. Sentei em um banco vazio do campus e esperei, tentando conter um sorriso, enquanto fingia mexer no celular.
Um instante depois, senti alguém se aproximar e se sentar ao meu lado. Olhei rapidamente para Dean, vestido de preto dos pés à cabeça e voltei minha atenção para a tela do celular.
A aula estava perto de começar, então Ayla deveria enviar uma mensagem de áudio para Zico naquele momento, perguntando algo sobre ele ter ficado preso na privada. Esperei pacientemente, mas nada aconteceu.
Minha skin de Ayla não agiu por instinto como em outras ocasiões. Franzi o cenho e um segundo depois, Zico voltou.
— Quando você chegou? — ele perguntou, olhando para Dean.
Após um breve diálogo, dessa vez automático, nós fomos para a sala de aula.
De repente, minha mente pensava uma coisa, mas meu corpo fazia outra. Palavras saíam da minha boca sem que eu pensasse, e algumas expressões também. Imediatamente, me lembrei de um drama que assisti em 2019 sobre uma protagonista que descobria que nem existia e que, na verdade, era apenas personagem de um livro. Havia algumas ocasiões de palco, em que ela não tinha absolutamente nenhum controle sobre suas ações e emoções, e momentos de bastidores, quando podia agir por conta própria.
Então pensei que algo semelhante estava acontecendo comigo. No entanto, era aleatório. Às vezes, tudo acontecia no automático. Outras, nada acontecia a não ser que eu tomasse uma atitude, como o caso do áudio não enviado para Zico.
Depois de um tempo refletindo enquanto a aula corria, cheguei à conclusão de que as principais cenas provavelmente seguiriam o roteiro do livro, enquanto outras, que não eram importantes, poderiam ser controladas por mim.
Me despedi de Zico e Dean naquele dia depois de dizer que eu iria querer ajuda com o enredo do trabalho, mas que podia escrever sozinha. Eu lembrava que no dia seguinte, Ayla aparecia com um mini roteiro sobre a história de Kate e Hero — sim, Kate colocou isso como uma brincadeira, já que Ayla também era escritora.
No entanto, nada aconteceu quando esperei minha skin de Ayla se mover automaticamente para escrever. Tampouco apareceram anotações mágicas no meu bloco de notas quando acordei no dia seguinte. Com uma careta, percebi que eu teria que bolar algo rápido, mas para que escrever se eu conhecia aquela história toda?
Depois de cinco (ou eram seis?) anos trabalhando com Kate, eu sabia muito bem como ela e Hero acabaram juntos. Ayla só tinha que explanar um pedacinho daquilo.
Quando isso aconteceu, senti vontade de bater palmas para mim mesma por ser uma fanfiqueira nata. Eu não somente anotei o plot da história que supostamente deveríamos escrever, como alguns detalhes a mais. Mais tarde, Zico e Dean ouviram atentamente e, no mesmo dia, me levaram para o estúdio deles.
Quase dei pulinhos de alegria, mas me contive. Eu sabia que era fictício e que Dean não era de verdade, mas era como se eu estivesse prestes a ver cantando na minha frente pela primeira vez. E quando isso aconteceu, eu nem tinha certeza se minhas reações eram mesmo minhas ou de Ayla, mas nós duas certamente estávamos surtando.
Depois que Zico e Dean terminaram de cantar a primeira música, na qual Zico fazia um rap, palavras de elogio jorraram da minha boca automaticamente e pedi para Dean cantar outra vez.
Eu estava me derretendo por ele e nem ao menos fazendo questão de disfarçar. Qual era o ponto, afinal? Ele era o protagonista!
Antes que ele pudesse cantar, um entregador de pizza chegou e me ofereci para ir buscar, sabendo que aquele era o momento em que Zico aproveitaria a oportunidade para encher o saco de Dean sobre como ele parecia caidinho por Ayla.
Ai, como é doce a vida da fanfiqueira.
Peguei a pizza rapidamente e, quando voltei, parei do lado de fora do estúdio, ouvindo a conversa até o momento que sabia que Ayla entrava. Houve um momento daqueles que o tempo passava rapidamente enquanto comíamos e, quando me dei conta, Dean já estava com o microfone na mão outra vez.
Eu sabia exatamente qual vídeo Kate usou para descrever aquela cena. Afinal, eu o mostrei para ela.
E ver "" fazer aquela mini performance enviou borboletas direto ao meu estômago. Assisti hipnotizada. Aquilo era uma obra de arte. Ele era uma obra de arte ambulante.
Bonito, com uma voz incrivelmente sensual e dono de olhos afiados que pareciam enxergar a minha alma.
Foi então que ouvi um bip. Depois outro. E outro. Me perguntei se era algum efeito da música, mas então o cenário ao meu redor começou a piscar, como uma falha de imagem. Pisquei algumas vezes e esfreguei os olhos, mas um flash no mesmo quarto branco de hospital surgiu.
Nessa vez pareceu mais nítido. Ouvi chamar meu nome de longe, mas não me movi. Então meus olhos pesaram outra vez e quando os abri de novo, o despertador irritante de Ayla tocava mais uma vez.
Eu não estava mais no estúdio com os meninos, mas no quarto dela, e não tinha ideia de quantos dias tinham passado. Não me lembrava nem a data do dia em que eles me levaram ao estúdio.
Uma sensação ruim tomou conta de mim, fazendo meu peito se apertar de angústia, mas não entendi porquê. Se eu ainda não havia acordado para a realidade, então devia haver um motivo.
De qualquer forma, pelo menos eu tinha certeza de que estava viva.
Poucas horas depois, descobri que algumas cenas do livro se passaram sem que eu as presenciasse no corpo de Ayla.
Zico e Dean tinham conhecido a mãe dela, a detetive Cora , e no momento, eu estava na biblioteca com Karina e Tiana, esperando os meninos chegarem para que eu/Ayla pudesse apresentá-los a elas.
Eu estava sentada de frente para a porta, assistindo enquanto eles se aproximavam. Ambos vestiam roupas casuais, como sempre. Zico estava com um boné branco virado para trás e Dean, diferente do habitual preto, usava uma camisa azul clara.
Um diálogo pronto saiu da minha boca, e um sorriso divertido surgiu em meu rosto.
— Eu tenho certeza de que Dean tem pelo menos umas quatro personalidades dentro dele. Ele nem tá usando preto hoje; só pode ser a personalidade número dois, que eu gosto de chamar de síndrome do bom moço — comentei, fazendo as meninas rirem. — Com exceção da tatuagem no pescoço, que é o que o entrega.
Não ironicamente, aquilo era algo que eu sempre comentava com Kate enquanto ajudava a desenvolver Dean.
O próprio sempre me passou essa impressão.
No início de sua carreira, ele era bem ativo, como um cara normal em seus vinte e poucos anos. Gostava de interagir bastante com os fãs e, de vez em quando, abria lives para responder perguntas ou simplesmente ficar cantarolando à toa. Ele não mostrava o rosto na maioria das vezes, mas tinha algo meio intimista naquilo, que aproximava os fãs.
Era como se estivéssemos em uma sala, conversando com ele.
Até que então tudo isso parou e se fechou para o mundo. De repente, todas as interações com os fãs pareciam um surto coletivo. Houve uma época que eu até transformei a DM dele em um diário.
Passei um ano inteiro escrevendo para o meu -Diary (sim, uma mistura de e diário). Isso aconteceu em 2018 e 2019. Eu não fazia ideia se ele lia ou se sequer via aquilo, mas uma parte de mim gostava de imaginar que sim.
Havia começado como uma brincadeira, mas então se tornou terapêutico e, quando percebi, estava desabafando com ele sobre minha vida. Obviamente, nunca obtive resposta. E às vezes, quando eu estava fazendo algo aleatório, como escovar os dentes, eu me lembrava de todas as coisas que tinha falado para ele e ria como uma maluca, uma súbita onda de vergonha me atingindo ao pensar na possibilidade dele ter mesmo lido.
Ao mesmo tempo, eu esperava que aquilo o divertisse.
Durante essa época, ele aparecia esporadicamente no Instagram só para dizer que estava bem e trabalhando em músicas novas. Mas era a mesma ladainha de sempre. Ele dizia que em breve lançaria um álbum novo, e nada desse bendito sair. Até que 2022 chegou e finalmente reapareceu de vez. Até onde eu me lembrava — considerando que eu não tinha ideia de como tinha ido parar no hospital ou há quanto tempo — estávamos em abril e ele estava concluindo uma turnê na Ásia.
De todo modo, voltando para Tenaz, apresentei Zico e Dean para Karina e Tiana e poucos minutos depois, me vi sozinha com eles, comentando algo sobre marcar um encontro com Dean para ele me ajudar a terminar o trabalho de escrita. Deixei os dois na biblioteca e saí andando pelo campus.
De repente, uma tontura me atingiu e eu cambaleei, sentindo um enjoo terrível. Comecei a suar frio e notei o cenário piscando outra vez entre o céu aberto no campus e o teto branco no quarto de hospital. Até que a percepção de que minha pressão estava caindo me levou ao chão, e eu não enxerguei mais nada.
Fechei os olhos por um instante e...
Quando os abri novamente, eu estava na sala do apartamento de Ayla, sentada no chão sobre uma almofada em frente ao sofá e olhando para uma página em branco do Word, aberta no notebook em cima da mesinha de centro.
Franzi o cenho, tentando me lembrar que parte do livro era aquela, até que a campainha tocou e um segundo antes de abrir a porta, eu soube que Dean me aguardava ali.
Ele me encarou de cima a baixo discretamente, e só então me dei conta que usava uma camisa enorme, que parecia mais um vestido. Eu estava com um short por baixo e automaticamente a puxei para cima, no intuito de ficar mais apresentável, mas Dean segurou meus braços.
Eu lembrava daquela cena. Ele estava se perguntando de quem seria aquela camisa. Talvez de um irmão.
Só que Ayla era filha única. Aquela camisa e várias outras que ela tinha pertenciam a Seojun, o ex-namorado dela e protagonista do segundo livro da série.
Lembrar de Seojun me fez sorrir por dentro. Afinal, ele também era meu queridinho. Assim como Yeong, o prota do livro quatro e Sean, irmão dele e prota do livro cinco, que ainda estava em desenvolvimento. Havia Victor também, que fazia par com Louise, no livro três, mas por algum motivo eu não conseguia me apegar a ele.
Minha skin de Ayla trocou um diálogo automático com Dean e, um instante depois, nos sentamos lado a lado em frente ao computador. Esperei minha skin de Ayla discutir sobre a cena que ela dizia estar travada, e ela e Dean tiveram um papo de gente criativa sobre o livro.
Eu estava grata por não precisar pensar em nada e só assistir em primeira pessoa — praticamente uma realidade virtual — enquanto os diálogos se desenvolviam automaticamente. Até que chegou a hora em que Ayla tinha que escrever a cena.
Esperei um minuto, depois dois, com o som de uma música de Bon Jovi tocando nos meus fones de ouvido, supostamente para inspirar Ayla a escrever, enquanto Dean esperava, trabalhando em uma música.
O problema é que Ayla não moveu um dedo para escrever naquele momento.
Xinguei mentalmente, percebendo que teria controle total sobre a cena, sendo que eu nem sabia escrever, e tentei lembrar do que aconteceria depois daquilo.
Ayla deveria escrever e mostrar a Dean; ele leria a cena enquanto ouvia a mesma música que ela para entrar na vibe dos personagens, então diria que estava perfeitamente descrita e que era ótima. Se os últimos diálogos tinham sido automáticos até ali e eu sabia que aquela era uma cena importante, já que antecedia o primeiro beijo deles, então imaginei que qualquer coisa que eu colocasse no papel serviria para dar impulso às próximas ações.
Escrevi uma cena aleatória de Kate e Hero se encarando e um beijo entre os dois. Deve ter levado uns cinco minutos. Então, cutuquei Dean para que ele lesse.
Aguardei ansiosamente pelo elogio, no entanto, ao invés de ouvir que o texto estava muito bom, tudo o que ganhei foi:
— Hmm, gostei da ideia, mas acho que pode melhorar. Que tal se você descrever mais os sentimentos da Ayla?
Minha cara travou em um sorriso amarelo. Se eu estivesse lendo aquela cena, provavelmente teria rido alto. Mas, ao invés disso, assenti e voltei a trabalhar enquanto ele também se ocupava novamente. Aquilo estava errado. Eu deveria estar vivendo uma fanfic, não trabalhando de verdade, escrevendo um livro que nem era meu. Àquela altura, eu e Dean devíamos estar trocando nosso primeiro beijo, repleto de tensão sexual.
Que palhaçada era aquela?
Respirei fundo, sabendo que ficar parada não ia me fazer ganhar um beijo, então me concentrei de verdade no texto. Eu era boa em corrigir, e ele disse que gostou da ideia da cena, então era só fingir que Kate tinha escrito.
Estalei os dedos e comecei a digitar, notando minhas próprias inconsistências. Dez minutos mais tarde, cutuquei Dean outra vez e saí para beber água, enquanto ele lia.
Então, finalmente ouvi o que queria.
— Tá muito bom, Ayla — ele disse. — De verdade. Você descreveu muito bem.
Talvez eu estivesse no timing errado e o diálogo só deveria acontecer naquele momento. Pensando bem, acho que Ayla realmente havia se levantado para beber água enquanto ele ficava lá, todo concentrado, lendo.
Outro diálogo automático veio, mas de repente fiquei em silêncio, como se tivesse esquecido o que falar.
Dean e eu nos encaramos e ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha enquanto eu sentia o coração acelerar.
É agora, é agora!
Eu beijaria na skin de Dean e então poderia morrer feliz.
Levei a mão ao rosto dele e acariciei sua bochecha com o polegar, notando todas as sardinhas de sua pele, tão claras que só dava para ver com clareza de perto. Não soube dizer quanto tempo aquela troca de olhares durou, mas havia centenas de borboletas no meu estômago. Ou talvez milhares. Eu estava surtando internamente enquanto minha skin de Ayla cumpria o roteiro.
Nos aproximamos um pouco mais e nossas respirações se misturaram. Então fechei os olhos e... Acordei.
Me sentei de uma vez, sentindo a cabeça doer com o movimento e um instante depois, me deparei com o quarto branco dos flashes, definitivamente muito mais vívido e real dessa vez.
— Amor? — Ouvi uma voz conhecida dizer e encontrei Dean ali, em pé, me encarando alarmado.
Será que tinha pulado para a cena em que Ayla ia parar no hospital depois de ser atacada na rua? Mas por que aquele quarto? Eu não lembrava dela ter ficado internada.
— Dean? — Franzi o cenho, tentando lembrar de alguma coisa.
Mas então ele me encarou, confuso.
— Dean? Quem é Dean?
— O quê? — perguntei baixinho.
— Amor, sou eu, . — Ele se aproximou, segurando meu rosto entre as mãos com carinho. — Você não lembra de mim?
— ? — Arregalei meus olhos e comecei a olhar ao redor. — O que é isso? O que tá acontecendo? Por que você tá aqui? É óbvio que eu lembro de você; eu sou sua fã há sete anos! Meu Deus, você é real? — Coloquei minhas duas mãos no rosto dele e belisquei suas bochechas com força.
— Ai. , o que você tá fazendo? — Ele se soltou do meu aperto e esfregou as bochechas.
Parecia real, muito real. Será que minha mente tinha criado um outro universo alternativo?
Me belisquei com força, mas não, não era um sonho. Pisquei várias vezes também, para ver se o cenário mudava, mas continuou a mesma coisa.
Nada aconteceu.
E ainda me encarava em confusão.
— ? — eu o chamei e depois tive um mini surto de fã. — Caramba, eu não sei o que você tá fazendo aqui, mas eu só queria dizer que amo o seu trabalho e, nossa, você é bem mais bonito pessoalmente. De qualquer forma... eu sou, muito, muito mesmo, sua fã.
Sorri, nervosa e ofegante, com o coração prestes a sair pela boca.
franziu o cenho e se aproximou, segurando minhas duas mãos e as beijando carinhosamente.
Quase desmaiei.
— Eu sei que você é minha fã, amor. Mas você não lembra?
— Lembrar... de quê?
— ... — Ele riu, levemente nervoso, talvez preocupado. — Você é minha namorada.
— Na-namorada? — encarei ele com espanto, sem ter ideia do que estava acontecendo.
— É, minha namorada — confirmou novamente. — Há três anos.
TRÊS ANOS...!
Meu Deus, aquilo só podia ser outro sonho bizarro. Abaixei a cabeça por um instante e senti tontura outra vez. Minha cabeça doeu e eu senti o ar escapar de meus pulmões.
Eu tinha tantas perguntas.
Levantei o olhar para encará-lo novamente, mas então, antes que qualquer palavra saísse, fui tomada pela escuridão mais uma vez.
Capítulo 3
Uma dor latejante na cabeça me fez gemer, incomodada.
Devagar, abri os olhos, me acostumando aos poucos com a luz forte do teto e, com a mão na cabeça, me sentei devagar.
— Ai...
— ? — Ouvi a voz de novamente e, mais uma vez, o encontrei sentado em uma poltrona ao lado da cama.
— O que aconteceu? — perguntei, me dando conta de que ainda estava no mesmo quarto de hospital que eu me lembrava.
Passei a mão pelo cabelo e encontrei fios longos e vermelhos. Aquele era meu corpo, supus. Virei o braço esquerdo e encontrei minha tatuagem de libélula, idêntica à que tinha no mesmo local.
Sim, definitivamente era o meu corpo.
Respirei fundo e olhei ao redor, notando que não havia nenhuma falha no cenário.
— . — se levantou e segurou meu rosto novamente, me fazendo encará-lo. — Como tá se sentindo, amor? Você desmaiou há alguns minutos, o médico disse que pode ter sido do susto e...
— ! — Ouvi a voz de e desviei o olhar, no mesmo instante em que ela passou pela porta, levemente afobada. — Finalmente você acordou. Tá sentindo alguma coisa?
— Não faço ideia do que tá acontecendo — foi minha resposta. — Por que tá no meu quarto e me chamando de amor? Isso é um sonho?
exalou o ar de uma vez, se sentando na cama. deu um passo para trás e voltou a se sentar na poltrona, nos dando um pouco de espaço.
— Não, irmã. Não é um sonho — disse. — Você não lembra mesmo do que aconteceu? Não lembra de ?
— Não, não lembro de nada. Que dia é hoje? Eu só lembro de voltar da turnê com a Kate e... Não sei. Só lembro de acordar no corpo da Ayla.
— O quê? Ayla? Tipo, a personagem de Kate?
— A própria. Eu praticamente vivi uma fanfic. — Sorri ao lembrar, mas logo meu sorriso se transformou em uma careta. — Acordei quando tava prestes a dar meu primeiro beijo em Dean. E ele era igualzinho ao-
Parei de falar, lançando um olhar discreto para , que ainda me encarava com atenção. Por um momento, o encarei de volta, mas logo a voz de chamou minha atenção novamente.
— ... Você foi atropelada há quatro dias. Ficou inconsciente desde então, retornando apenas por alguns segundos, mas só acordou mesmo hoje. O médico disse que você poderia acordar a qualquer momento, mas... Nós ficamos muito preocupados. Você não lembra de mais nada além do trabalho?
— Não, . — Franzi o cenho, irritada. — Não lembro de nada. Eu sofri uma pancada na cabeça? Sinto ela doer.
— Você bateu a cabeça quando caiu, mas tudo o que ganhou foi um galo, nada de mais. E alguns arranhões e hematomas pelo corpo.
— Só isso? Tem certeza? — perguntei, desconfiada. Então vi trocar um olhar com por um mísero segundo e fiquei mais desconfiada ainda. — O quê? Que olhar é esse? Tão me escondendo alguma coisa?
— , você tá bem, prometo — confirmou. — Precisamos apenas chamar o médico pra te examinar de novo, agora que você acordou. Eu já volto. — E saiu, me deixando sozinha com mais uma vez.
O encarei com timidez e coloquei o cabelo atrás da orelha, subitamente tentando me tornar mais apresentável. Sorri fraco, sem saber o que fazer, e comecei a brincar com meus próprios dedos. Até que encontrei uma aliança no anelar direito e levantei a mão, franzindo o cenho. Automaticamente, desviei o olhar para a mão direita dele e encontrei uma aliança semelhante.
Percebendo o que eu estava fazendo, até levantou a mão para que eu pudesse ver melhor.
— Sim, é nossa aliança de compromisso. Começamos a usar quando fizemos seis meses de namoro — ele contou, me encarando meio sem jeito. — ... Você não se lembra mesmo de nada? De verdade?
— Sim, não lembro. Não faço ideia de por que você tá aqui. Na minha cabeça, eu nunca te conheci.
suspirou, parecendo frustrado. Ele abriu a boca para falar, mas então voltou com o médico e uma enfermeira.
— Boa tarde, Srta. . Eu sou o seu médico, Keith James — ele se apresentou. — Sou o neurologista que está cuidando do seu caso.
— Neurologista? — indaguei, enquanto o cumprimentava com um aperto de mão.
— Sim. Fomos informados que você acordou sem lembrar de algumas coisas. Me diga, você sabe em que mês e ano estamos?
— Sim, abril de 2022.
— Você se lembra onde mora?
— Com minha irmã, , no Brooklyn — respondi calmamente, mas foi a vez de franzir o cenho. — O que foi?
— Você não mora mais comigo, .
— Como assim? — Eu ri, confusa. — Se eu não moro com você, então... — Encarei rapidamente, antes de voltar o olhar para minha irmã. — Não, né?
— Sim — ela confirmou minha pergunta silenciosa. — Faz dois anos que você e moram juntos.
Eu ri e dei um tapa na minha própria perna, achando engraçado. No entanto, eu era a única rindo.
— Isso é uma pegadinha? Você não é mesmo meu namorado, né? — Encarei . — Isso é, tipo, impossível.
— É claro que sou. Por que seria impossível?
— Ah, pelo amor de Deus! Você é ! Por que ia namorar alguém como eu?
— Como assim “alguém como você”, ? — ele perguntou, um tanto indignado. — Se eu tô dizendo que sou seu namorado, então é porque é verdade. Eu não brincaria com uma coisa dessa.
— Tá, então se você é mesmo, me fala alguma coisa que só você pode saber — o desafiei. — Tipo alguma coisa que eu não contei pra ninguém.
— Tá. — deu de ombros. — Você tem uma pinta minúscula no seio direito. E outra no interior da coxa, perto da virilha.
Abri a boca em choque, colocando as duas mãos sobre os seios automaticamente.
— Como você sabe disso? — perguntei, sem pensar.
sorriu de canto.
— Como você acha que eu sei?
— Meu Deus... — Senti o rosto esquentar instantaneamente e desviei o olhar. O médico pigarreou e eu o encarei outra vez. — Desculpe, doutor. Onde estávamos?
Dr. James e Andressa, a enfermeira, me examinaram um instante depois e fizeram mais uma série de perguntas sobre minha vida. Contei também sobre o suposto sonho que tive, indo parar dentro do meu livro favorito, enquanto ele assentia e anotava rapidamente em sua prancheta. Reclamei da dor de cabeça e ele me recomendou um analgésico padrão para a dor. Então se despediu de mim e pediu para que e o acompanhassem.
Fiquei sozinha no quarto e olhei em volta novamente. Havia uma grande mochila preta em cima da poltrona e um cobertor lilás felpudo. O quarto em que eu estava não era grande, mas era particular e tinha um banheiro próprio. Pensei em me levantar para ir ao banheiro, mas então notei algo pendurado na grade da cama. Que porra é essa? Segui o tubo que ligava ao saco plástico com líquido amarelo e fiz uma careta.
— Por favor, não seja uma sonda, por favor... — Levantei a coberta e vi que o tubo se perdia no meio das minhas pernas.
Choraminguei, completamente mortificada. Aquilo era o cúmulo da humilhação. tinha visto aquele troço em mim! Por que aquilo tava acontecendo? E quando iam tirar aquele troço? Por que eu tive que ficar desacordada por tanto tempo?
Enfiei as mãos no cabelo, sem me importar de bagunçá-lo, e gemi baixinho. Senti uma protuberância do lado esquerdo e lembrei do galo que tinha mencionado.
Um momento depois, minha irmã e meu suposto namorado voltaram para o quarto acompanhados da enfermeira, que trazia uma bandeja de metal com luvas e uma seringa.
— Srta. , agora que acordou, vou retirar sua sonda vesical. O Dr. James planeja te dar alta em algumas horas e então poderá ir pra casa.
Eu a encarei, assustada, enquanto meu cérebro ecoava as palavras retirar e sonda, e então me virei para .
— Sai daqui! — O expulsei, apontando para a porta. — Você não vai ver ela tirar esse troço de mim nem a pau, já basta eu ter perdido minha dignidade no meu período de inconsciência.
Felizmente, não discutiu; apenas assentiu e deixou o quarto em silêncio. se sentou na poltrona em que ele estava e eu sabia que dali a minha irmã também não estaria tendo um vislumbre das minhas partes íntimas.
A enfermeira então colocou luvas e pediu licença para levantar a minha bata hospitalar. Em seguida, pegou uma seringa grande e vazia e aspirou um líquido do tubo. Até ali, tudo bem. Mas então ela começou a puxar o tudo de dentro de mim e estremeci ao sentir arder. Que porra era aquela? Parecia que estava me queimando!
Tudo bem, talvez queimar seja um pouco dramático demais, mas mesmo assim!
Quando ela terminou com a sonda, saiu por um instante e depois voltou para retirar o acesso venoso do meu braço esquerdo. Pelo menos isso não foi doloroso.
— Eu posso tomar banho? — perguntei, assim que ela terminou.
— Claro, há algumas peças de roupa no armário e absorventes. — Ela apontou para o que parecia mais uma mesinha de cabeceira, ao lado da cama. Eu nem tinha notado que havia duas gavetas. — Você sangrou por alguns dias e acredito que parou, mas para o caso de ainda acontecer.
— Certo. Obrigada — eu disse, imaginando se teria menstruado mais cedo, ou se era algum tipo de sangramento de escape.
Me levantei assim que eu e ficamos sozinhas e procurei rapidamente por roupas, toalhas de banho e produtos de higiene. Eu tinha consciência de que no hospital provavelmente estavam me limpando, mas mesmo assim eu me sentia suja. Eu sabia como os banhos no leito funcionavam, Kate já tinha me falado sobre isso; mas nada se comparava a tomar um bom banho de chuveiro, que foi o que fiz, logo em seguida.
Notei um pouco de sangue, de fato, e imaginei que devia ser mesmo algum sangramento de escape devido ao meu anticoncepcional, então resolvi usar um dos absorventes. Felizmente, eu não sentia nenhuma dor na região do ventre.
Dez minutos depois, saí do banheiro devidamente vestida, com um vestidinho leve e sem alças, um pouquinho acima do joelho. Ah, e calcinha. Era bom saber que eu estava usando calcinha. Até espirrei um pouco do meu perfume pós-banho favorito. Me senti uma nova pessoa. Quem diria que eu poderia recuperar, tipo, noventa por cento da minha dignidade só com um pouquinho de higiene básica?
Obviamente, eu ainda estava envergonhada pelo lance da sonda, mas enquanto me trocava, decidi que fingir demência era o melhor remédio.
Era o que Ayla faria, provavelmente. Então decidi me inspirar nela depois de passar os últimos dias vivendo em seu corpo. E pensar que tinham se passado só quatro dias no mundo real... Uma pena que eu tivesse acordado na hora do beijo.
Que tristeza.
voltou para o quarto alguns minutos depois e me encarou com uma expressão séria. Notei olheiras escuras embaixo de seus olhos e, meio sem jeito, tentei puxar papo.
— Você não tá dormindo direito? Parece cansado. — Apontei para o meu próprio rosto. — Suas olheiras...
— É claro que não dormi bem, eu nem sabia quando você ia acordar, .
Franzi o cenho, e encarei , pedindo ajuda silenciosamente.
— tá aqui desde que voltou da turnê. Ele não saiu do seu lado desde então — ela explicou. — O médico disse que é bom você voltar pra sua própria casa, ele acha que pode ser um bom estímulo pra você lembrar do que esqueceu e... Disse que nós devíamos contar as coisas a você aos poucos, o que você esqueceu.
— E você? Tá morando sozinha?
— Sim, mas posso passar uns dias com você se isso te deixar mais confortável. — Ela ofereceu.
Assenti prontamente e se levantou, me deixando a sós com , que ainda me encarava com aquela expressão séria no rosto.
— Eu posso te abraçar agora ou você vai me expulsar de novo do quarto? — ele quis saber.
— Tudo bem agora, eu acho... — respondi baixinho e mal tinha terminado quando me vi envolvida em seus braços.
A primeira coisa que notei foi o cheiro que invadiu minhas narinas. Eu não tinha muita noção de notas aromáticas, mas tinha certeza de que aquilo era algum perfume amadeirado e... Verde. Bem refrescante. Como o que eu estava usando no momento; mas o dele era masculino e... Dei uma fungada discreta em seu pescoço... Delicioso. O corpo dele era quente e aconchegante, ainda melhor do que imaginava. Já os braços... Mais fortes do que eu esperava. Foi a segunda coisa que notei.
De repente, meu cérebro entrou em alerta e eu comecei a raciocinar rápido.
Será que fazia mal eu apertar os bíceps dele? Só um pouquinho... Um tiquinho de nada. Só pra sentir...
Arrastei a mão pelo braço dele sorrateiramente, mas antes que eu pudesse tocá-lo, ouvi soluçar baixinho.
Franzi o cenho e me afastei, alarmada.
— Espera, você tá... Chorando? — Encarei o rosto lindo dele, molhado por lágrimas, e senti o coração apertar. — Não chora — murmurei baixinho e segurei seu rosto, tentando afastar as lágrimas com o polegar.
suspirou, tentando controlar a própria respiração.
— Eu devia ter voltado pra casa antes. Fiquei mais alguns dias fora e era pra termos saído juntos no dia do acidente, foi nosso aniversário de três anos.
— Nosso... Aniversário?
Por que eu não lembrava daquilo?
assentiu e continuou a falar.
— Só que eu tive um problema com o voo e te disse que não ia conseguir chegar a tempo, então você saiu sozinha. Foi tudo minha culpa. Se eu tivesse com você, isso não teria acontecido e nós não teríamos... — A voz dele falhou. — Sinto muito, amor. Sinto muito. — Ele segurou minhas mãos, as beijando.
— Tá tudo bem... Não tinha como ninguém imaginar isso — tentei confortá-lo. — Poderia acontecer com qualquer um.
— Prometo que vou te recompensar, . Vamos fazer o que você quiser. Eu sei que você não lembra da gente ainda, então vamos seguir o que o médico falou e ir devagar.
— Tá, tudo bem...
— Eu te amo tanto, amor. Você não sabe o alívio que foi quando te vi acordada de novo. — Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
Subitamente, lembrei da última cena que vivi no corpo de Ayla.
Então, como se meu corpo tivesse vida própria, levei uma mão até o rosto ainda úmido dele e me aproximei, selando nossos lábios suavemente.
retribuiu o beijo sem hesitar, mas não nos demoramos.
Tecnicamente, eu já tinha beijado ele centenas de vezes, mas meu estômago estava cheio de borboletas outra vez. No entanto, por algum motivo, por fora eu estava calma. Me afastei de e nos encaramos em silêncio por alguns instantes, até que voltou para o quarto.
Algumas horas mais tarde, eu tive alta.
Devagar, abri os olhos, me acostumando aos poucos com a luz forte do teto e, com a mão na cabeça, me sentei devagar.
— Ai...
— ? — Ouvi a voz de novamente e, mais uma vez, o encontrei sentado em uma poltrona ao lado da cama.
— O que aconteceu? — perguntei, me dando conta de que ainda estava no mesmo quarto de hospital que eu me lembrava.
Passei a mão pelo cabelo e encontrei fios longos e vermelhos. Aquele era meu corpo, supus. Virei o braço esquerdo e encontrei minha tatuagem de libélula, idêntica à que tinha no mesmo local.
Sim, definitivamente era o meu corpo.
Respirei fundo e olhei ao redor, notando que não havia nenhuma falha no cenário.
— . — se levantou e segurou meu rosto novamente, me fazendo encará-lo. — Como tá se sentindo, amor? Você desmaiou há alguns minutos, o médico disse que pode ter sido do susto e...
— ! — Ouvi a voz de e desviei o olhar, no mesmo instante em que ela passou pela porta, levemente afobada. — Finalmente você acordou. Tá sentindo alguma coisa?
— Não faço ideia do que tá acontecendo — foi minha resposta. — Por que tá no meu quarto e me chamando de amor? Isso é um sonho?
exalou o ar de uma vez, se sentando na cama. deu um passo para trás e voltou a se sentar na poltrona, nos dando um pouco de espaço.
— Não, irmã. Não é um sonho — disse. — Você não lembra mesmo do que aconteceu? Não lembra de ?
— Não, não lembro de nada. Que dia é hoje? Eu só lembro de voltar da turnê com a Kate e... Não sei. Só lembro de acordar no corpo da Ayla.
— O quê? Ayla? Tipo, a personagem de Kate?
— A própria. Eu praticamente vivi uma fanfic. — Sorri ao lembrar, mas logo meu sorriso se transformou em uma careta. — Acordei quando tava prestes a dar meu primeiro beijo em Dean. E ele era igualzinho ao-
Parei de falar, lançando um olhar discreto para , que ainda me encarava com atenção. Por um momento, o encarei de volta, mas logo a voz de chamou minha atenção novamente.
— ... Você foi atropelada há quatro dias. Ficou inconsciente desde então, retornando apenas por alguns segundos, mas só acordou mesmo hoje. O médico disse que você poderia acordar a qualquer momento, mas... Nós ficamos muito preocupados. Você não lembra de mais nada além do trabalho?
— Não, . — Franzi o cenho, irritada. — Não lembro de nada. Eu sofri uma pancada na cabeça? Sinto ela doer.
— Você bateu a cabeça quando caiu, mas tudo o que ganhou foi um galo, nada de mais. E alguns arranhões e hematomas pelo corpo.
— Só isso? Tem certeza? — perguntei, desconfiada. Então vi trocar um olhar com por um mísero segundo e fiquei mais desconfiada ainda. — O quê? Que olhar é esse? Tão me escondendo alguma coisa?
— , você tá bem, prometo — confirmou. — Precisamos apenas chamar o médico pra te examinar de novo, agora que você acordou. Eu já volto. — E saiu, me deixando sozinha com mais uma vez.
O encarei com timidez e coloquei o cabelo atrás da orelha, subitamente tentando me tornar mais apresentável. Sorri fraco, sem saber o que fazer, e comecei a brincar com meus próprios dedos. Até que encontrei uma aliança no anelar direito e levantei a mão, franzindo o cenho. Automaticamente, desviei o olhar para a mão direita dele e encontrei uma aliança semelhante.
Percebendo o que eu estava fazendo, até levantou a mão para que eu pudesse ver melhor.
— Sim, é nossa aliança de compromisso. Começamos a usar quando fizemos seis meses de namoro — ele contou, me encarando meio sem jeito. — ... Você não se lembra mesmo de nada? De verdade?
— Sim, não lembro. Não faço ideia de por que você tá aqui. Na minha cabeça, eu nunca te conheci.
suspirou, parecendo frustrado. Ele abriu a boca para falar, mas então voltou com o médico e uma enfermeira.
— Boa tarde, Srta. . Eu sou o seu médico, Keith James — ele se apresentou. — Sou o neurologista que está cuidando do seu caso.
— Neurologista? — indaguei, enquanto o cumprimentava com um aperto de mão.
— Sim. Fomos informados que você acordou sem lembrar de algumas coisas. Me diga, você sabe em que mês e ano estamos?
— Sim, abril de 2022.
— Você se lembra onde mora?
— Com minha irmã, , no Brooklyn — respondi calmamente, mas foi a vez de franzir o cenho. — O que foi?
— Você não mora mais comigo, .
— Como assim? — Eu ri, confusa. — Se eu não moro com você, então... — Encarei rapidamente, antes de voltar o olhar para minha irmã. — Não, né?
— Sim — ela confirmou minha pergunta silenciosa. — Faz dois anos que você e moram juntos.
Eu ri e dei um tapa na minha própria perna, achando engraçado. No entanto, eu era a única rindo.
— Isso é uma pegadinha? Você não é mesmo meu namorado, né? — Encarei . — Isso é, tipo, impossível.
— É claro que sou. Por que seria impossível?
— Ah, pelo amor de Deus! Você é ! Por que ia namorar alguém como eu?
— Como assim “alguém como você”, ? — ele perguntou, um tanto indignado. — Se eu tô dizendo que sou seu namorado, então é porque é verdade. Eu não brincaria com uma coisa dessa.
— Tá, então se você é mesmo, me fala alguma coisa que só você pode saber — o desafiei. — Tipo alguma coisa que eu não contei pra ninguém.
— Tá. — deu de ombros. — Você tem uma pinta minúscula no seio direito. E outra no interior da coxa, perto da virilha.
Abri a boca em choque, colocando as duas mãos sobre os seios automaticamente.
— Como você sabe disso? — perguntei, sem pensar.
sorriu de canto.
— Como você acha que eu sei?
— Meu Deus... — Senti o rosto esquentar instantaneamente e desviei o olhar. O médico pigarreou e eu o encarei outra vez. — Desculpe, doutor. Onde estávamos?
Dr. James e Andressa, a enfermeira, me examinaram um instante depois e fizeram mais uma série de perguntas sobre minha vida. Contei também sobre o suposto sonho que tive, indo parar dentro do meu livro favorito, enquanto ele assentia e anotava rapidamente em sua prancheta. Reclamei da dor de cabeça e ele me recomendou um analgésico padrão para a dor. Então se despediu de mim e pediu para que e o acompanhassem.
Fiquei sozinha no quarto e olhei em volta novamente. Havia uma grande mochila preta em cima da poltrona e um cobertor lilás felpudo. O quarto em que eu estava não era grande, mas era particular e tinha um banheiro próprio. Pensei em me levantar para ir ao banheiro, mas então notei algo pendurado na grade da cama. Que porra é essa? Segui o tubo que ligava ao saco plástico com líquido amarelo e fiz uma careta.
— Por favor, não seja uma sonda, por favor... — Levantei a coberta e vi que o tubo se perdia no meio das minhas pernas.
Choraminguei, completamente mortificada. Aquilo era o cúmulo da humilhação. tinha visto aquele troço em mim! Por que aquilo tava acontecendo? E quando iam tirar aquele troço? Por que eu tive que ficar desacordada por tanto tempo?
Enfiei as mãos no cabelo, sem me importar de bagunçá-lo, e gemi baixinho. Senti uma protuberância do lado esquerdo e lembrei do galo que tinha mencionado.
Um momento depois, minha irmã e meu suposto namorado voltaram para o quarto acompanhados da enfermeira, que trazia uma bandeja de metal com luvas e uma seringa.
— Srta. , agora que acordou, vou retirar sua sonda vesical. O Dr. James planeja te dar alta em algumas horas e então poderá ir pra casa.
Eu a encarei, assustada, enquanto meu cérebro ecoava as palavras retirar e sonda, e então me virei para .
— Sai daqui! — O expulsei, apontando para a porta. — Você não vai ver ela tirar esse troço de mim nem a pau, já basta eu ter perdido minha dignidade no meu período de inconsciência.
Felizmente, não discutiu; apenas assentiu e deixou o quarto em silêncio. se sentou na poltrona em que ele estava e eu sabia que dali a minha irmã também não estaria tendo um vislumbre das minhas partes íntimas.
A enfermeira então colocou luvas e pediu licença para levantar a minha bata hospitalar. Em seguida, pegou uma seringa grande e vazia e aspirou um líquido do tubo. Até ali, tudo bem. Mas então ela começou a puxar o tudo de dentro de mim e estremeci ao sentir arder. Que porra era aquela? Parecia que estava me queimando!
Tudo bem, talvez queimar seja um pouco dramático demais, mas mesmo assim!
Quando ela terminou com a sonda, saiu por um instante e depois voltou para retirar o acesso venoso do meu braço esquerdo. Pelo menos isso não foi doloroso.
— Eu posso tomar banho? — perguntei, assim que ela terminou.
— Claro, há algumas peças de roupa no armário e absorventes. — Ela apontou para o que parecia mais uma mesinha de cabeceira, ao lado da cama. Eu nem tinha notado que havia duas gavetas. — Você sangrou por alguns dias e acredito que parou, mas para o caso de ainda acontecer.
— Certo. Obrigada — eu disse, imaginando se teria menstruado mais cedo, ou se era algum tipo de sangramento de escape.
Me levantei assim que eu e ficamos sozinhas e procurei rapidamente por roupas, toalhas de banho e produtos de higiene. Eu tinha consciência de que no hospital provavelmente estavam me limpando, mas mesmo assim eu me sentia suja. Eu sabia como os banhos no leito funcionavam, Kate já tinha me falado sobre isso; mas nada se comparava a tomar um bom banho de chuveiro, que foi o que fiz, logo em seguida.
Notei um pouco de sangue, de fato, e imaginei que devia ser mesmo algum sangramento de escape devido ao meu anticoncepcional, então resolvi usar um dos absorventes. Felizmente, eu não sentia nenhuma dor na região do ventre.
Dez minutos depois, saí do banheiro devidamente vestida, com um vestidinho leve e sem alças, um pouquinho acima do joelho. Ah, e calcinha. Era bom saber que eu estava usando calcinha. Até espirrei um pouco do meu perfume pós-banho favorito. Me senti uma nova pessoa. Quem diria que eu poderia recuperar, tipo, noventa por cento da minha dignidade só com um pouquinho de higiene básica?
Obviamente, eu ainda estava envergonhada pelo lance da sonda, mas enquanto me trocava, decidi que fingir demência era o melhor remédio.
Era o que Ayla faria, provavelmente. Então decidi me inspirar nela depois de passar os últimos dias vivendo em seu corpo. E pensar que tinham se passado só quatro dias no mundo real... Uma pena que eu tivesse acordado na hora do beijo.
Que tristeza.
voltou para o quarto alguns minutos depois e me encarou com uma expressão séria. Notei olheiras escuras embaixo de seus olhos e, meio sem jeito, tentei puxar papo.
— Você não tá dormindo direito? Parece cansado. — Apontei para o meu próprio rosto. — Suas olheiras...
— É claro que não dormi bem, eu nem sabia quando você ia acordar, .
Franzi o cenho, e encarei , pedindo ajuda silenciosamente.
— tá aqui desde que voltou da turnê. Ele não saiu do seu lado desde então — ela explicou. — O médico disse que é bom você voltar pra sua própria casa, ele acha que pode ser um bom estímulo pra você lembrar do que esqueceu e... Disse que nós devíamos contar as coisas a você aos poucos, o que você esqueceu.
— E você? Tá morando sozinha?
— Sim, mas posso passar uns dias com você se isso te deixar mais confortável. — Ela ofereceu.
Assenti prontamente e se levantou, me deixando a sós com , que ainda me encarava com aquela expressão séria no rosto.
— Eu posso te abraçar agora ou você vai me expulsar de novo do quarto? — ele quis saber.
— Tudo bem agora, eu acho... — respondi baixinho e mal tinha terminado quando me vi envolvida em seus braços.
A primeira coisa que notei foi o cheiro que invadiu minhas narinas. Eu não tinha muita noção de notas aromáticas, mas tinha certeza de que aquilo era algum perfume amadeirado e... Verde. Bem refrescante. Como o que eu estava usando no momento; mas o dele era masculino e... Dei uma fungada discreta em seu pescoço... Delicioso. O corpo dele era quente e aconchegante, ainda melhor do que imaginava. Já os braços... Mais fortes do que eu esperava. Foi a segunda coisa que notei.
De repente, meu cérebro entrou em alerta e eu comecei a raciocinar rápido.
Será que fazia mal eu apertar os bíceps dele? Só um pouquinho... Um tiquinho de nada. Só pra sentir...
Arrastei a mão pelo braço dele sorrateiramente, mas antes que eu pudesse tocá-lo, ouvi soluçar baixinho.
Franzi o cenho e me afastei, alarmada.
— Espera, você tá... Chorando? — Encarei o rosto lindo dele, molhado por lágrimas, e senti o coração apertar. — Não chora — murmurei baixinho e segurei seu rosto, tentando afastar as lágrimas com o polegar.
suspirou, tentando controlar a própria respiração.
— Eu devia ter voltado pra casa antes. Fiquei mais alguns dias fora e era pra termos saído juntos no dia do acidente, foi nosso aniversário de três anos.
— Nosso... Aniversário?
Por que eu não lembrava daquilo?
assentiu e continuou a falar.
— Só que eu tive um problema com o voo e te disse que não ia conseguir chegar a tempo, então você saiu sozinha. Foi tudo minha culpa. Se eu tivesse com você, isso não teria acontecido e nós não teríamos... — A voz dele falhou. — Sinto muito, amor. Sinto muito. — Ele segurou minhas mãos, as beijando.
— Tá tudo bem... Não tinha como ninguém imaginar isso — tentei confortá-lo. — Poderia acontecer com qualquer um.
— Prometo que vou te recompensar, . Vamos fazer o que você quiser. Eu sei que você não lembra da gente ainda, então vamos seguir o que o médico falou e ir devagar.
— Tá, tudo bem...
— Eu te amo tanto, amor. Você não sabe o alívio que foi quando te vi acordada de novo. — Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
Subitamente, lembrei da última cena que vivi no corpo de Ayla.
Então, como se meu corpo tivesse vida própria, levei uma mão até o rosto ainda úmido dele e me aproximei, selando nossos lábios suavemente.
retribuiu o beijo sem hesitar, mas não nos demoramos.
Tecnicamente, eu já tinha beijado ele centenas de vezes, mas meu estômago estava cheio de borboletas outra vez. No entanto, por algum motivo, por fora eu estava calma. Me afastei de e nos encaramos em silêncio por alguns instantes, até que voltou para o quarto.
Algumas horas mais tarde, eu tive alta.
Capítulo 4
Já era noite quando chegamos ao apartamento em que aparentemente eu morava com .
tinha ido para casa buscar algumas roupas para passar uns dias comigo e depois nos encontrou novamente no hospital para irmos juntos.
Mal falei com depois de beijá-lo. Me senti uma adolescente inexperiente depois que nos separamos, e os minutos que passamos a sós enquanto estava fora não ajudaram. Peguei meu celular em uma tentativa de ocupar as mãos e me distrair do monumento que se intitulava meu namorado e meio que desistiu de tentar conversar comigo depois de um tempo — ou talvez ele estivesse apenas me dando espaço — e saiu para falar ao telefone com Jace, seu gerente.
Enquanto fiquei sozinha, revirei meu celular e encontrei mensagens com Kate e , das quais eu lembrava, entre outras. Obviamente, minha maior surpresa foi a janela de conversa com , que parecia provar cada vez mais real o nosso suposto relacionamento.
As últimas mensagens dele eram avisando sobre o voo que deu errado e a mais recente, dizia que tinha acabado de entrar no avião que viria de Chicago para Nova York.
Era meio surreal. E pensar que apenas algumas horas atrás, eu estava dentro do meu livro favorito, vivendo uma fanfic.
Então acordei e descobri que minha vida real era uma fanfic.
Eu não parava de lembrar da sensação dos lábios de sobre os meus. E de como ele tinha sido carinhoso e cuidadoso. Mas também não sei o motivo real do impulso que tive de beijá-lo. Eu o via como meu ídolo, a quem eu amava, mas não lembrava de estar realmente apaixonada por ele. Ao mesmo tempo, seu toque não me era estranho. Meu estômago podia estar lotado de borboletas, mas eu também estava, de alguma forma, tranquila.
Como se meu corpo reconhecesse o dele, mesmo que minha mente não.
Era uma sensação agridoce.
Eu sabia de tudo sobre , e até mais do que eu me lembrava, considerando que estávamos juntos há três anos. No entanto, a possibilidade de ficar sozinha com ele ainda me deixava inquieta.
Não era medo, isso eu tinha certeza, mas para mim tudo parecia muito novo.
Encarei a tela do celular, intrigada. Todos os dias nós trocávamos mensagens, mesmo que poucas vezes. Não demorei muito para perceber que eu falava mais, e um sorriso levantou meus lábios ao ler algumas das nossas conversas.
Normalmente, mandava fotos de pratos de comida e era algo tão besta, mas eu achei fofo. Ele também sempre me dava bom dia primeiro e eu, boa noite. Imaginei que minhas noites fossem mais curtas que as dele, considerando que ele estava em turnê.
No período dos concertos da Ásia, nossas mensagens foram mais escassas, com respostas horas depois, provavelmente por conta do fuso-horário. Havia uma troca de mensagens sobre isso especificamente em que concordamos que era horrível ficar horas de distância um do outro.
Mas se estávamos juntos há três anos, eu sabia que não era a primeira vez que aquilo acontecia.
Eu lembrava da carreira dele.
Continuei passando as mensagens, maravilhada por nossa interação e fiquei sorrindo como uma completa idiota ao notar que ele sempre dizia que me amava. E perguntava se eu estava bem e como foi o meu dia. Também me chamava de "meu amor" na maioria das vezes, ou simplesmente "amor". Ele usava "" de forma mais casual e "" em situações mais sérias, como tinha feito mais cedo.
Parei de ler quando chegou. Eu podia dizer que estava meio chateada por ele não estar presente no nosso aniversário de três anos, mas ao mesmo tempo, eu não me entendia muito bem. Era o trabalho dele, certo? Datas comemorativas eram importantes, mas havia mesmo motivo para ficar chateada? Tipo, de verdade?
Será que foi por que eu esperava que ele chegasse uma semana mais cedo?
E o que era aquilo? A coisa que eu disse que precisava conversar com ele. Não parecia algo ruim. Mas se eu não lembrava, então também não saberia de nada já que aquela conversa nunca chegou a acontecer.
E agora eu estava ali.
Levou cerca de quarenta minutos para chegarmos ao apartamento. digitou uma senha na porta e gentilmente me informou que era a data do nosso aniversário: 6 de abril de 2019.
Assenti em silêncio e ele abriu a porta. Entrei primeiro, enquanto ele ajudava com a bagagem, mas parei na entrada quando me deparei com o tamanho daquele lugar.
Era simplesmente enorme.
Eu ganhava muito bem como agente literária de Katherine Reed, mas naquele momento, me senti pobre. Era até engraçado pensar assim, porque não era nenhuma surpresa que fosse muito rico.
Uma pequena tour começou assim que ele entraram. Fomos primeiro ao quarto guardar a bagagem de , e informou que ali era o quarto de hóspedes. Depois ele nos levou ao nosso quarto. Grande, com uma parede inteira de vidro e cortinas blackout automáticas. Chique. Havia um closet que compartilhávamos também e eu me surpreendi com o tanto de coisas que eu tinha. Não me lembrava daquilo também. O apartamento que eu dividia com no Brooklyn não era nem de perto tão grande como aquele, embora fosse de um tamanho razoável. E, definitivamente, o closet que eu tinha lá não chegava aos pés desse. Me senti a própria Carrie Bradshaw.
O banheiro também não deixava a desejar. Tinha uma banheira suficientemente grande para caber duas pessoas e minha imaginação um tanto fértil ficou um pouquinho solta quando vi. O quarto inteiro era decorado em tons de cinza bem escuro, o que eu gostava, e quando comentei isso, disse que eu escolhi a decoração.
Agora tudo fazia sentido.
— Você pode dormir aqui com , se quiser. Ou ir para o quarto de hóspedes, caso não queira dormir comigo ainda.
Ainda.
O jeito que ele falou era como se tivesse certeza de que eu ia querer dividir o quarto com ele em algum momento.
Errado não estava. Que fã não gostaria de dividir um quarto com ? Eu não era de ferro.
No entanto, ainda não estava acostumada com a presença dele, mesmo tendo lido todas as mensagens trocadas dos últimos seis meses para ter um pouquinho de noção de como era o nosso relacionamento.
Mesmo tendo gostado do que li.
Me senti um pouquinho mais apaixonada por depois daquilo, mas não tinha certeza se eram os sentimentos da , namorada dele ou , a fã.
Eu tinha consciência de que era uma pessoa normal como qualquer outra, mas... alguém podia me culpar? Eu não sabia como era a nossa dinâmica e teria que reaprender. Até mesmo por recomendações médicas.
disse que a situação com o livro e o fato de eu não lembrar do meu próprio namorado poderia ser um reflexo do trauma do acidente, mas eu não entendia. Não era como se eu tivesse me machucado muito. Não quebrei nada, e me sentia completamente bem, salvo algumas partes arroxeadas e doloridas do meu corpo.
continuou a tour pelo apartamento e eu descobri que tínhamos um escritório com uma biblioteca e um estúdio de música.
— Normalmente, você trabalha no escritório ou passa o tempo lendo lá quando estou no estúdio.
— Eu não fico no estúdio com você também? — perguntei, curiosa.
— Como você mesma disse, , você é minha fã — abriu um sorriso travesso. — Eu não te dou spoilers.
— O quê?! Como assim? — O encarei, indignada. — Eu sou sua namorada há três anos e você me deixa no escuro?
— Isso mesmo, amor. — Ele deu uma risadinha. — Entrada restrita.
— Que crime, !
Ele sorriu mais, parecendo achar engraçada a minha reação.
Cerca de uma hora mais tarde, eu já tinha colocado um pijama quando se ofereceu para fazer o jantar.
— Desde quando você cozinha? — perguntei, me sentando em um banquinho em frente à bancada para observá-lo. Assim como o resto do lugar, a cozinha também era espaçosa.
— Desde que você me ensinou — ele respondeu, com um sorriso.
— Eu te ensinei? — Apontei para mim mesma, incrédula. — Quando?
— Desde que começamos a namorar. Quando temos tempo, até procuramos receitas novas pra testar.
— Sério? — O encarei, surpresa. Aquilo era muito legal. — Nunca imaginei isso.
— Amor, você me tem comendo na palma da sua mão e nem sabe — ele confessou. — Ou melhor, nem lembra. Não tô nada feliz em saber que você esqueceu tudo o que vivemos, que esqueceu de mim como seu namorado, mas vou fazer o possível pra te fazer lembrar. Não posso te contar tudo pra não te sobrecarregar, mas espero que isso passe logo.
— Sinto muito. — Encolhi os ombros, sentindo o rosto queimar. — Não sei por que tô assim. Deve ser estranho pra você… Tô parecendo uma fã maluca.
suspirou, com o rosto subitamente sério, e então se aproximou de mim. Mais uma vez, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e, estranhamente — ou não —, me senti à vontade com o seu toque.
Eu não sabia o que aquilo significava. Fazia apenas algumas horas que eu tinha descoberto que ele era meu namorado, mas de algum jeito, depois que comecei a digerir aquela informação, consegui enxergá-lo de uma forma mais tranquila.
Eu não estava cem por cento à vontade perto dele, isso era óbvio, e acho que até ele percebia; mas também já não estava mais tão travada. Depois do choque inicial, as coisas pareciam estar fluindo mais naturalmente.
— Você sempre vai ser uma fã meio maluca, amor. A minha favorita — ele confidenciou, como se fosse um segredo. — Pode não lembrar de nada ainda, mas nos conhecemos melhor que ninguém. Você sempre diz que somos como almas gêmeas que se encontraram por acaso, e eu não poderia concordar mais.
Então ele se inclinou e beijou minha testa. Fechei os olhos, apreciando o contato pelo curto instante antes dele se afastar e voltar a se concentrar no jantar.
preparou uma carne suína desfiada e alguns acompanhamentos para montarmos sanduíches. Ele contou que havia uma padaria perto de onde morávamos, onde comprávamos os nossos pães favoritos, e que tinha encomendado alguns depois que soube que eu teria alta.
Pensando bem, ele estava com uma sacola que pegou na portaria quando chegamos, então imaginei que fosse isso. apareceu no momento em que começamos as montagens.
Montei meu sanduíche com abacaxi caramelizado, carne, cebola roxa crua e um pouquinho de pasta de pimenta coreana. contou que tínhamos alguns ingredientes orientais em casa para testar receitas, já que ambos éramos fãs de culinária asiática.
Mordi meu sanduíche e, de repente, me senti o próprio Remy de Ratatouille, com uma explosão de sabores na boca.
— Isso aqui tá uma delícia. Minha nossa... — comentei, dando outra mordida e gemendo de satisfação. A comida em si não tinha nada de mais, mas a junção de tudo foi tipo... Boom! Uma delícia, de fato.
deu uma risadinha ao ver minha reação e o acompanhou.
— Tem alguma coisa que eu esqueci sobre você? — perguntei a ela, de repente.
— Não. Até onde notei, você sabe de tudo.
— Você não casou nem nada assim, né?
— Definitivamente não. — Ela estreitou os olhos, como se eu tivesse acusado ela de um crime.
— Ei, é só casamento. Você não tá com aquele cara, o Garrett? Loiro, alto, que curte hóquei? — comentei, e ela assentiu. — Ele é um gato. Se eu fosse você, eu investiria nele.
engasgou com a comida e tossiu, de repente. Dei tapinhas nas costas dele.
— Investiria, é? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Por que, ele faz seu tipo?
Pisquei, levemente confusa.
O que era aquilo? estava com ciúmes? De mim?
Segurei um sorriso e bebi um gole da minha coca zero — aparentemente, refrigerantes com açúcar não entravam no nosso lar.
— Eita... Por que a pergunta, de repente? Você deve saber muito bem que eu curto caras de cabelos escuros, altos e tatuados. De preferência, com uma voz rouca e sexy.
estreitou os olhos para mim, sério, mas eu sabia que ele também estava segurando um sorriso.
— Se você diz...
Troquei um olhar com e ela balançou a cabeça, rolando os olhos, então entendi que aquilo devia ser algo recorrente entre nós.
— Você vai trabalhar amanhã? — perguntei a , antes de dar outra mordida no meu sanduíche divino.
— Só no estúdio. Terminei a turnê e não tenho nenhum plano de deixar esse apartamento até você se recuperar. Ah, e conversei com Kate. Ela me explicou que vocês tão tirando uma folga de duas semanas.
— Você conhece a Kate? — Arqueei uma sobrancelha.
— É claro que sim. Vocês trabalham juntas. Eu conheço todos os seus amigos, .
Todos? Tentei imaginar uma situação em que e Andrew interagiam, mas não consegui pensar em nada. Eles eram bem diferentes um do outro.
tinha cara de bad boy, o tipo que te seduziria facilmente só com um olhar. Andrew era... um intelectual engraçadinho. Muito divertido, e nós éramos superamigos, mas será que ele e se davam bem?
— Até o Andrew? — perguntei, sem pensar.
— Sim, até ele — respondeu ele, fazendo uma careta.
Foi o suficiente para entender que, ou eles não se davam muito bem, ou era ciumento por eu ser amiga do meu ex, que, por acaso, também era um dos meus chefes.
Por algum motivo, achei aquilo engraçado, mas não comentei nada. Depois do jantar, eu e cuidamos da louça — ou melhor, a lava-louças cuidou — e depois nos recolhemos para o quarto.
— Tá tudo bem? — ela me perguntou, alguns minutos depois de nos deitarmos em silêncio.
— Sim, só tô um pouco confusa. Parece maluquice, . Até algumas horas atrás, eu tava dentro de Tenaz. Juro, foi muito, mas muito real.
— O médico disse que pode ser um mecanismo de defesa, . Se tudo correr bem, logo você vai recuperar as memórias sobre o .
Assenti, um pouco insegura. Minha mente ainda girava com perguntas que eu queria fazer, mas tentei deixar isso de lado e decidi que, assim como tinha feito com Ayla, esperaria a minha história com acontecer. A diferença era que, daquele roteiro, eu não sabia de nada.
Conversei com minha irmã por mais alguns minutos, me certificando de que realmente era a única parte da minha vida pessoal que eu havia esquecido, e caímos em silêncio novamente.
Não demorou muito até a respiração de ficar pesada, e imaginei se já tinha adormecido também. Ele parecia bem cansado, então torci para que sim. No entanto, eu não estava, não depois de ficar inconsciente por dias. Então, depois de alguns minutos tentando encontrar uma posição para dormir, desisti de esperar pelo sono e peguei meu celular.
Abri o aplicativo de leitura e comecei um novo livro.
tinha ido para casa buscar algumas roupas para passar uns dias comigo e depois nos encontrou novamente no hospital para irmos juntos.
Mal falei com depois de beijá-lo. Me senti uma adolescente inexperiente depois que nos separamos, e os minutos que passamos a sós enquanto estava fora não ajudaram. Peguei meu celular em uma tentativa de ocupar as mãos e me distrair do monumento que se intitulava meu namorado e meio que desistiu de tentar conversar comigo depois de um tempo — ou talvez ele estivesse apenas me dando espaço — e saiu para falar ao telefone com Jace, seu gerente.
Enquanto fiquei sozinha, revirei meu celular e encontrei mensagens com Kate e , das quais eu lembrava, entre outras. Obviamente, minha maior surpresa foi a janela de conversa com , que parecia provar cada vez mais real o nosso suposto relacionamento.
As últimas mensagens dele eram avisando sobre o voo que deu errado e a mais recente, dizia que tinha acabado de entrar no avião que viria de Chicago para Nova York.
Era meio surreal. E pensar que apenas algumas horas atrás, eu estava dentro do meu livro favorito, vivendo uma fanfic.
Então acordei e descobri que minha vida real era uma fanfic.
Eu não parava de lembrar da sensação dos lábios de sobre os meus. E de como ele tinha sido carinhoso e cuidadoso. Mas também não sei o motivo real do impulso que tive de beijá-lo. Eu o via como meu ídolo, a quem eu amava, mas não lembrava de estar realmente apaixonada por ele. Ao mesmo tempo, seu toque não me era estranho. Meu estômago podia estar lotado de borboletas, mas eu também estava, de alguma forma, tranquila.
Como se meu corpo reconhecesse o dele, mesmo que minha mente não.
Era uma sensação agridoce.
Eu sabia de tudo sobre , e até mais do que eu me lembrava, considerando que estávamos juntos há três anos. No entanto, a possibilidade de ficar sozinha com ele ainda me deixava inquieta.
Não era medo, isso eu tinha certeza, mas para mim tudo parecia muito novo.
Encarei a tela do celular, intrigada. Todos os dias nós trocávamos mensagens, mesmo que poucas vezes. Não demorei muito para perceber que eu falava mais, e um sorriso levantou meus lábios ao ler algumas das nossas conversas.
Normalmente, mandava fotos de pratos de comida e era algo tão besta, mas eu achei fofo. Ele também sempre me dava bom dia primeiro e eu, boa noite. Imaginei que minhas noites fossem mais curtas que as dele, considerando que ele estava em turnê.
No período dos concertos da Ásia, nossas mensagens foram mais escassas, com respostas horas depois, provavelmente por conta do fuso-horário. Havia uma troca de mensagens sobre isso especificamente em que concordamos que era horrível ficar horas de distância um do outro.
Mas se estávamos juntos há três anos, eu sabia que não era a primeira vez que aquilo acontecia.
Eu lembrava da carreira dele.
Continuei passando as mensagens, maravilhada por nossa interação e fiquei sorrindo como uma completa idiota ao notar que ele sempre dizia que me amava. E perguntava se eu estava bem e como foi o meu dia. Também me chamava de "meu amor" na maioria das vezes, ou simplesmente "amor". Ele usava "" de forma mais casual e "" em situações mais sérias, como tinha feito mais cedo.
Parei de ler quando chegou. Eu podia dizer que estava meio chateada por ele não estar presente no nosso aniversário de três anos, mas ao mesmo tempo, eu não me entendia muito bem. Era o trabalho dele, certo? Datas comemorativas eram importantes, mas havia mesmo motivo para ficar chateada? Tipo, de verdade?
Será que foi por que eu esperava que ele chegasse uma semana mais cedo?
E o que era aquilo? A coisa que eu disse que precisava conversar com ele. Não parecia algo ruim. Mas se eu não lembrava, então também não saberia de nada já que aquela conversa nunca chegou a acontecer.
E agora eu estava ali.
Levou cerca de quarenta minutos para chegarmos ao apartamento. digitou uma senha na porta e gentilmente me informou que era a data do nosso aniversário: 6 de abril de 2019.
Assenti em silêncio e ele abriu a porta. Entrei primeiro, enquanto ele ajudava com a bagagem, mas parei na entrada quando me deparei com o tamanho daquele lugar.
Era simplesmente enorme.
Eu ganhava muito bem como agente literária de Katherine Reed, mas naquele momento, me senti pobre. Era até engraçado pensar assim, porque não era nenhuma surpresa que fosse muito rico.
Uma pequena tour começou assim que ele entraram. Fomos primeiro ao quarto guardar a bagagem de , e informou que ali era o quarto de hóspedes. Depois ele nos levou ao nosso quarto. Grande, com uma parede inteira de vidro e cortinas blackout automáticas. Chique. Havia um closet que compartilhávamos também e eu me surpreendi com o tanto de coisas que eu tinha. Não me lembrava daquilo também. O apartamento que eu dividia com no Brooklyn não era nem de perto tão grande como aquele, embora fosse de um tamanho razoável. E, definitivamente, o closet que eu tinha lá não chegava aos pés desse. Me senti a própria Carrie Bradshaw.
O banheiro também não deixava a desejar. Tinha uma banheira suficientemente grande para caber duas pessoas e minha imaginação um tanto fértil ficou um pouquinho solta quando vi. O quarto inteiro era decorado em tons de cinza bem escuro, o que eu gostava, e quando comentei isso, disse que eu escolhi a decoração.
Agora tudo fazia sentido.
— Você pode dormir aqui com , se quiser. Ou ir para o quarto de hóspedes, caso não queira dormir comigo ainda.
Ainda.
O jeito que ele falou era como se tivesse certeza de que eu ia querer dividir o quarto com ele em algum momento.
Errado não estava. Que fã não gostaria de dividir um quarto com ? Eu não era de ferro.
No entanto, ainda não estava acostumada com a presença dele, mesmo tendo lido todas as mensagens trocadas dos últimos seis meses para ter um pouquinho de noção de como era o nosso relacionamento.
Mesmo tendo gostado do que li.
Me senti um pouquinho mais apaixonada por depois daquilo, mas não tinha certeza se eram os sentimentos da , namorada dele ou , a fã.
Eu tinha consciência de que era uma pessoa normal como qualquer outra, mas... alguém podia me culpar? Eu não sabia como era a nossa dinâmica e teria que reaprender. Até mesmo por recomendações médicas.
disse que a situação com o livro e o fato de eu não lembrar do meu próprio namorado poderia ser um reflexo do trauma do acidente, mas eu não entendia. Não era como se eu tivesse me machucado muito. Não quebrei nada, e me sentia completamente bem, salvo algumas partes arroxeadas e doloridas do meu corpo.
continuou a tour pelo apartamento e eu descobri que tínhamos um escritório com uma biblioteca e um estúdio de música.
— Normalmente, você trabalha no escritório ou passa o tempo lendo lá quando estou no estúdio.
— Eu não fico no estúdio com você também? — perguntei, curiosa.
— Como você mesma disse, , você é minha fã — abriu um sorriso travesso. — Eu não te dou spoilers.
— O quê?! Como assim? — O encarei, indignada. — Eu sou sua namorada há três anos e você me deixa no escuro?
— Isso mesmo, amor. — Ele deu uma risadinha. — Entrada restrita.
— Que crime, !
Ele sorriu mais, parecendo achar engraçada a minha reação.
Cerca de uma hora mais tarde, eu já tinha colocado um pijama quando se ofereceu para fazer o jantar.
— Desde quando você cozinha? — perguntei, me sentando em um banquinho em frente à bancada para observá-lo. Assim como o resto do lugar, a cozinha também era espaçosa.
— Desde que você me ensinou — ele respondeu, com um sorriso.
— Eu te ensinei? — Apontei para mim mesma, incrédula. — Quando?
— Desde que começamos a namorar. Quando temos tempo, até procuramos receitas novas pra testar.
— Sério? — O encarei, surpresa. Aquilo era muito legal. — Nunca imaginei isso.
— Amor, você me tem comendo na palma da sua mão e nem sabe — ele confessou. — Ou melhor, nem lembra. Não tô nada feliz em saber que você esqueceu tudo o que vivemos, que esqueceu de mim como seu namorado, mas vou fazer o possível pra te fazer lembrar. Não posso te contar tudo pra não te sobrecarregar, mas espero que isso passe logo.
— Sinto muito. — Encolhi os ombros, sentindo o rosto queimar. — Não sei por que tô assim. Deve ser estranho pra você… Tô parecendo uma fã maluca.
suspirou, com o rosto subitamente sério, e então se aproximou de mim. Mais uma vez, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e, estranhamente — ou não —, me senti à vontade com o seu toque.
Eu não sabia o que aquilo significava. Fazia apenas algumas horas que eu tinha descoberto que ele era meu namorado, mas de algum jeito, depois que comecei a digerir aquela informação, consegui enxergá-lo de uma forma mais tranquila.
Eu não estava cem por cento à vontade perto dele, isso era óbvio, e acho que até ele percebia; mas também já não estava mais tão travada. Depois do choque inicial, as coisas pareciam estar fluindo mais naturalmente.
— Você sempre vai ser uma fã meio maluca, amor. A minha favorita — ele confidenciou, como se fosse um segredo. — Pode não lembrar de nada ainda, mas nos conhecemos melhor que ninguém. Você sempre diz que somos como almas gêmeas que se encontraram por acaso, e eu não poderia concordar mais.
Então ele se inclinou e beijou minha testa. Fechei os olhos, apreciando o contato pelo curto instante antes dele se afastar e voltar a se concentrar no jantar.
preparou uma carne suína desfiada e alguns acompanhamentos para montarmos sanduíches. Ele contou que havia uma padaria perto de onde morávamos, onde comprávamos os nossos pães favoritos, e que tinha encomendado alguns depois que soube que eu teria alta.
Pensando bem, ele estava com uma sacola que pegou na portaria quando chegamos, então imaginei que fosse isso. apareceu no momento em que começamos as montagens.
Montei meu sanduíche com abacaxi caramelizado, carne, cebola roxa crua e um pouquinho de pasta de pimenta coreana. contou que tínhamos alguns ingredientes orientais em casa para testar receitas, já que ambos éramos fãs de culinária asiática.
Mordi meu sanduíche e, de repente, me senti o próprio Remy de Ratatouille, com uma explosão de sabores na boca.
— Isso aqui tá uma delícia. Minha nossa... — comentei, dando outra mordida e gemendo de satisfação. A comida em si não tinha nada de mais, mas a junção de tudo foi tipo... Boom! Uma delícia, de fato.
deu uma risadinha ao ver minha reação e o acompanhou.
— Tem alguma coisa que eu esqueci sobre você? — perguntei a ela, de repente.
— Não. Até onde notei, você sabe de tudo.
— Você não casou nem nada assim, né?
— Definitivamente não. — Ela estreitou os olhos, como se eu tivesse acusado ela de um crime.
— Ei, é só casamento. Você não tá com aquele cara, o Garrett? Loiro, alto, que curte hóquei? — comentei, e ela assentiu. — Ele é um gato. Se eu fosse você, eu investiria nele.
engasgou com a comida e tossiu, de repente. Dei tapinhas nas costas dele.
— Investiria, é? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Por que, ele faz seu tipo?
Pisquei, levemente confusa.
O que era aquilo? estava com ciúmes? De mim?
Segurei um sorriso e bebi um gole da minha coca zero — aparentemente, refrigerantes com açúcar não entravam no nosso lar.
— Eita... Por que a pergunta, de repente? Você deve saber muito bem que eu curto caras de cabelos escuros, altos e tatuados. De preferência, com uma voz rouca e sexy.
estreitou os olhos para mim, sério, mas eu sabia que ele também estava segurando um sorriso.
— Se você diz...
Troquei um olhar com e ela balançou a cabeça, rolando os olhos, então entendi que aquilo devia ser algo recorrente entre nós.
— Você vai trabalhar amanhã? — perguntei a , antes de dar outra mordida no meu sanduíche divino.
— Só no estúdio. Terminei a turnê e não tenho nenhum plano de deixar esse apartamento até você se recuperar. Ah, e conversei com Kate. Ela me explicou que vocês tão tirando uma folga de duas semanas.
— Você conhece a Kate? — Arqueei uma sobrancelha.
— É claro que sim. Vocês trabalham juntas. Eu conheço todos os seus amigos, .
Todos? Tentei imaginar uma situação em que e Andrew interagiam, mas não consegui pensar em nada. Eles eram bem diferentes um do outro.
tinha cara de bad boy, o tipo que te seduziria facilmente só com um olhar. Andrew era... um intelectual engraçadinho. Muito divertido, e nós éramos superamigos, mas será que ele e se davam bem?
— Até o Andrew? — perguntei, sem pensar.
— Sim, até ele — respondeu ele, fazendo uma careta.
Foi o suficiente para entender que, ou eles não se davam muito bem, ou era ciumento por eu ser amiga do meu ex, que, por acaso, também era um dos meus chefes.
Por algum motivo, achei aquilo engraçado, mas não comentei nada. Depois do jantar, eu e cuidamos da louça — ou melhor, a lava-louças cuidou — e depois nos recolhemos para o quarto.
— Tá tudo bem? — ela me perguntou, alguns minutos depois de nos deitarmos em silêncio.
— Sim, só tô um pouco confusa. Parece maluquice, . Até algumas horas atrás, eu tava dentro de Tenaz. Juro, foi muito, mas muito real.
— O médico disse que pode ser um mecanismo de defesa, . Se tudo correr bem, logo você vai recuperar as memórias sobre o .
Assenti, um pouco insegura. Minha mente ainda girava com perguntas que eu queria fazer, mas tentei deixar isso de lado e decidi que, assim como tinha feito com Ayla, esperaria a minha história com acontecer. A diferença era que, daquele roteiro, eu não sabia de nada.
Conversei com minha irmã por mais alguns minutos, me certificando de que realmente era a única parte da minha vida pessoal que eu havia esquecido, e caímos em silêncio novamente.
Não demorou muito até a respiração de ficar pesada, e imaginei se já tinha adormecido também. Ele parecia bem cansado, então torci para que sim. No entanto, eu não estava, não depois de ficar inconsciente por dias. Então, depois de alguns minutos tentando encontrar uma posição para dormir, desisti de esperar pelo sono e peguei meu celular.
Abri o aplicativo de leitura e comecei um novo livro.
Capítulo 5
A primeira noite que passei em casa após voltar do hospital foi bem mais ou menos.
Minha cabeça estava cheia e fiquei pelo menos duas horas lendo antes de deixar o celular de lado e tentar dormir. Demorei mesmo assim. Fiquei tentada a navegar na internet, mas sabia que não era uma boa ideia. Não quando meu namorado de três anos era um astro do R&B e nosso relacionamento era público. Eu não precisava ver para saber que as pessoas provavelmente estavam fofocando sobre nós. Então decidi me contentar só com aplicativos de leitura e até excluí os de todas as redes sociais que eu tinha.
Acordei no dia seguinte por volta das sete e meia da manhã e me levantei para ir ao banheiro. Fiz minha higiene matinal, notando que o último absorvente que coloquei antes de dormir ainda estava limpo e imaginei que o sangramento já havia passado por completo. Joguei fora e então escovei os dentes e lavei o rosto, antes de deixar o quarto.
Andei pelo corredor até a cozinha enquanto amarrava meu cabelo com um nó em um coque alto e passei pela porta do quarto de (ou melhor, nosso), notando que ainda estava fechada; o completo silêncio ao redor me fez pensar que ele ainda estava dormindo.
Era quinta-feira e eu havia passado metade da semana inconsciente em uma cama de hospital, então talvez fosse por isso que minha necessidade de sono tinha diminuído. Já devia estar o contrário, coitado. Uma parte de mim se sentia um pouquinho mal por ser o motivo das noites mal dormidas dele. Mas a outra estava tipo: ah, isso é o quanto ele se importa com você.
Eu sempre acreditei que atitudes falavam mais do que palavras e não precisei de muitas horas para entender que os sentimentos que tinha por mim eram reais, eu só não sabia ao certo a extensão deles.
Como fã completamente delulu das ideias, sempre me perguntei como seria estar do lado dele. era meu favorito há sete anos, mas por mais delulu que eu fosse — e era divertido —, eu sabia que não passava disso. Ou pelo menos era o que eu acreditava até descobrir que somos um casal há três anos.
Dava vontade de rir de nervoso toda vez que eu lembrava disso. Eu não sabia por que minha mente havia bloqueado essa informação depois do acidente. e eu nem estávamos brigados nem nada e nós nem discutíamos com frequência. Além disso, se eu pudesse escolher, obviamente optaria por nunca esquecer tudo o que vivemos.
Mas tudo estava confuso pra cacete e eu nem tinha o que fazer. Muito legal.
Suspirei, resignada, e comecei a cutucar os armários da cozinha e a geladeira em busca de comida para o café da manhã. Tecnicamente, aquela era minha casa, então resolvi ficar à vontade. Não era como se fosse ligar, já que queria que eu ficasse confortável de novo.
Encontrei iogurte e frutas na geladeira e resolvi fazer uma salada. Havia pão também, de um massa bem macia, e não pensei duas vezes em tirar algumas fatias para fazer torradas na manteiga.
Eu estava no meio do processo quando senti braços fortes ao meu redor. Larguei a faca e enrijeci levemente, surpresa por não ter notado se aproximar, e minha pele arrepiou quando ele encostou o queixo no meu ombro, as pontinhas molhadas do cabelo dele fazendo cócegas no meu rosto.
Minha mão coçou com um impulso de enfiar os dedos no mar de fios negros dele, mas me contive. suspirou e começou a falar.
— Eu sei que você ainda não tá acostumada comigo, mas vamos ficar assim só um pouquinho — ele pediu suavemente.
— Tudo bem… — Relaxei em seu abraço.
Ele respirou fundo e eu fiz o mesmo, sentindo um cheiro diferente. Seu corpo estava levemente frio e, por um instante, achei que estivesse sentindo o cheiro de seu sabonete, mas levou apenas um segundo para saber que era sua loção pós-barba. Eu não fazia ideia de como eu sabia que era, mas tive certeza.
Um sorriso se insinuou em meu rosto e coloquei uma mão em cima das dele, ao redor de minha cintura. Me encostei em seu peito, aproveitando o contato e continuou a falar.
— Eu senti tanta saudade. Passei quase dois meses sem te ver pessoalmente e então descobri que você tinha sofrido um acidente antes mesmo de sair de Chicago. A viagem pareceu tão longa que achei que não fosse chegar. Eu fiquei apavorado, — ele confessou baixinho, mas senti o peso de cada palavra. — Tive medo de perder você, e quando o médico disse... Quando fiquei sabendo de tudo, me recusei a sair do seu lado. Mas a cada dia que passava, fiquei mais preocupado ainda, porque você não acordava. Foi assustador.
Franzi o cenho, me sentindo triste por ele. Eu nunca tinha passado por algo assim com alguém, mas não duvidava que fosse mesmo assustador. De repente, me lembrei de uma cena de Tenaz em que Ayla vai parar no hospital e Dean fica maluco. Eu não voltei mais para o livro (ou sonhar com ele) ao adormecer, então imaginei que fosse temporário.
De todo jeito, quando ouvi falar, me vi confessando baixinho também.
— Foi tão real, . Eu sei que parece maluquice, mas juro que vivenciei mesmo a história de Tenaz por algumas semanas enquanto fiquei desacordada. — Me virei para encará-lo. — Acordei no corpo da Ayla, mas ela tinha meu rosto. Acho que por conta do jeito como Kate narrou, sem dar muitos detalhes para as aparências. Foi como se eu tivesse ido parar naquele universo antes da história começar, sabe? Foi estranho e divertido.
sorriu de leve e eu coloquei uma mão no rosto dele, voltando a falar, enquanto ele me ouvia em silêncio, prestando atenção em cada palavra.
— Você também tava lá. Você era o Dean, meu par romântico. — Sorri ao lembrar. — Por isso te chamei de Dean quando acordei.
— Parece ter sido divertido mesmo, amor. — Ele beijou a palma da minha mão e eu a deixei escorregar pela tatuagem do lado esquerdo de seu pescoço.
Era tão bonita e combinava exatamente com ele. Sorri, admirando o desenho, e passei o polegar por cima de uma das flores de ameixa.
De repente, um flash de memória apareceu. Eu e estávamos sozinhos em um bar amplo e eu o toquei bem ali, borrando um pouco da tinta com o polegar.
Franzi o cenho, confusa.
— Você já retocou essa tatuagem alguma vez? — perguntei sem pensar.
me encarou, surpreso.
— Sim, há três anos.
— Há três anos? Por acaso eu esbarrei nela alguma vez? Me veio uma lembrança, mas não sei se foi real ou algum sonho que tive com você. Nós estávamos em um bar...
— Um bar grande e vazio? — Eu fiz que sim, vendo esperança brilhar em seu olhar. — , foi a noite em que nos conhecemos. Você lembrou, amor?
— Eu... Não sei. Acho que-Ai! — Senti uma dor repentina na cabeça e cambaleei para frente. Teria caído se não fosse me segurando.
— ? O que foi, amor? Tá com dor na cabeça? — Assenti, em silêncio. — Vem, senta aqui. — Ele me guiou para um dos banquinhos da bancada. — Vou pegar o seu remédio.
E se virou em direção a um dos armários da cozinha. Um instante depois, me entregou um comprimido e um copo de água, e agradeci baixinho.
— Foi momentâneo. Eu tô bem agora — tentei explicar, quando me levantei para terminar de fazer o café da manhã, mas ele não deixou.
— Não, não — retrucou. — Fique aí e deixe que eu cuido do café.
— ... São só torradas e salada de frutas. Eu não tô inválida, sabe...
— E daí? Por que você não me deixa te mimar um pouquinho? — ele perguntou. — Eu quero te compensar por todas as semanas que estive longe, . Vou te mimar até você enjoar de mim — prometeu ele, me fazendo rir.
sorriu também, mas ainda havia uma tristeza em seu olhar. Ele ainda estava preocupado. Cerca de dez minutos depois, nós dois estávamos sentados, comendo em silêncio, quando apareceu feito um furacão e roubou uma das torradas de antes dele colocá-la na boca.
— O que houve? — A encarei, sem entender. — Tá correndo por quê?
— Tô atrasada. Hoje é minha folga, mas falei pra uma colega que ia substituir ela hoje e esqueci. Minha aula começa às dez, mas é longe daqui.
— Tá, boa sorte! — falei, no instante em que ela atravessou a porta.
dava aulas de inglês em uma escola do Brooklyn há alguns anos. Fiz uma careta, me sentindo mal por fazê-la percorrer uma longa distância só porque estava aqui. Ela só passou uma noite comigo e já estava com a rotina toda bagunçada. Será que eu precisava mesmo fazer minha irmã passar por isso apenas porque não estava acostumada com ?
Encarei meu namorado (ainda era estranho pensar assim) e ponderei por alguns segundos, antes de voltar a me concentrar na comida. Por que eu precisava ter companhia quando era só o ?
Só o era um eufemismo, é claro, mas fazia quase vinte e quatro horas que tudo o que ele fazia era me dar espaço ou tentar me deixar confortável e à vontade perto dele e na nossa casa. Eu poderia fingir que ele era um colega de quarto. Tá, um colega de quarto que eu conhecia muito mais intimamente do que eu imaginava e vice-versa.
De repente, lembrei da resposta dele sobre como sabia das pintinhas do meu corpo e senti o rosto esquentar.
"Como você acha que sei?"
Meu estômago se apertou com ansiedade só de imaginar e eu o encarei mais uma vez.
era tão bonito. E era o maldito pacote completo. Boa personalidade, rosto bonito e corpo bonito — embora eu não me lembrasse muito.
Eu sabia que ele dificilmente usava camisas de mangas curtas nas apresentações, mas em casa era diferente e estava usando uma naquele momento. Preta, sem estampas, e que marcava deliciosamente seus ombros e deixava os bíceps à mostra. Estreitei os olhos um pouquinho, admirando a visão. Eu tinha um sorrisinho nos lábios e sabia lá no fundo que eu provavelmente estava dissociando enquanto o encarava, mas não me importei.
Fiquei completamente imóvel por alguns segundos, sem nem sequer piscar e quando o fiz, notei um sorrisinho malicioso no canto dos lábios dele, enquanto mexia na própria salada de frutas.
Ah, que safado. Ele sabia muito bem que eu estava secando ele e não disse nada.
Terminei de comer rapidamente e me levantei para colocar a louça na pia. Felizmente, não surtou quando comecei lavar o prato, tigela e talheres que usei.
— Eu tava pensando... Acho que é melhor ficar em casa. Posso lidar com você sozinha — comentei.
— Pode, é? — ele perguntou, enquanto eu ainda estava de costas e dei uma leve surtada ao perceber como aquela frase soou.
— Você entendeu! — respondi rapidamente e ele deu uma risadinha nada inocente. Escutei descer do banquinho e um instante depois, ele estava atrás de mim, colocando a louça suja na pia.
Não seria nada de mais, se ele não estivesse invadindo completamente meu espaço pessoal ao fazer isso. Senti o calor do corpo dele em minhas costas, e nós mal estávamos nos tocando. Um frio se instalou no meu estômago e minha mente fanfiqueira imaginou coisas que não deveria naquele momento.
A imagem de me colocando em cima da bancada após eu me virar para beijá-lo foi uma cena especificamente tentadora que me veio em mente naqueles breves segundos, e minhas mãos clamaram por tocá-lo e ser tocada mais uma vez.
Era impressão minha ou ele estava demorando de propósito?
Não sei o que deu em mim também.
Porque no instante seguinte, eu desliguei a torneira e me virei para ele, passando os braços ao redor de sua cintura. Meu rosto estava na altura do ombro dele e eu respirei fundo, inalando seu cheiro.
— Não sei porque fiz isso — confessei, no mesmo instante. — Mas por algum motivo, eu quero ficar próxima de você e sinto uma vontade constante de te tocar. Eu ainda não lembro da gente, . Mas eu li meses de nossas conversas e acho que me apaixonei um pouquinho por você. Foi como ler um romance da minha própria vida.
suspirou e me abraçou de volta, de forma acolhedora. Seu abraço era aconchegante.
— Você pode me tocar sempre que quiser, amor. Eu sou seu — ele me garantiu. — Você pode não lembrar de nada ainda, mas eu sim. Pra mim, ser tocado por você é a coisa mais natural do mundo.
— Mesmo eu sendo meio fã maluca?
riu, divertido.
— Sim, mesmo assim. Fã maluca ou não, você é minha mulher — esclareceu. Senti meu ego inflar quando ele se referiu a mim daquela forma.
Mas gente...
— Por que você fica falando essas coisas? — perguntei, sentindo o rosto esquentar.
— Porque é verdade. Eu sempre falo assim. E você gosta.
Não neguei. Eu gostava mesmo.
De repente, minha vida real era um fanfic e aparentemente das boas.
Escutei um barulho de vibração e percebi que era o celular no bolso do short dele.
— Acho que alguém tá ligando. — Me afastei.
beijou minha besta e sorriu.
— Eu voltou já, deve ser Jace querendo notícias. — E saiu.
Terminei de lavar a louça e peguei meu próprio celular em cima da bancada em que comemos, notando algumas mensagens não lidas.
A primeira era de Kate.
Kate: Andrew e eu vamos te visitar hoje à tarde. Nos aguarde depois das 15h.
: Sim, senhora.
Havia uma mensagem de Andrew também, basicamente falando a mesma coisa. Respondi rapidamente e depois fiquei sem ter o que fazer.
Enchi um copo de água no filtro automático que havia em cima da pia e bebi, fazendo um pacto comigo mesma de me manter hidratada. Por mais que estivessem fazendo isso no hospital, eu ainda tinha acordado com muita sede. Acordei duas vezes durante a madrugada apenas para beber água. Também fiz umas visitas frequentes ao banheiro depois de tanto líquido.
Fiquei alguns minutos cutucando meu celular mais um pouco, mas honestamente, fiquei entediada.
ainda estava ao telefone e tinha ido trabalhar, então por enquanto eu tinha minha própria companhia para me entreter.
Então resolvi optar pelo que eu fazia de melhor quando estava sozinha. Andei até o grande e fofo sofá da sala de estar e me joguei nele, abrindo o aplicativo de leitura um segundo depois, no arquivo do livro que eu tinha começado a ler noite passada.
E fiquei ali, mergulhada no universo de mais uma obra.
Minha cabeça estava cheia e fiquei pelo menos duas horas lendo antes de deixar o celular de lado e tentar dormir. Demorei mesmo assim. Fiquei tentada a navegar na internet, mas sabia que não era uma boa ideia. Não quando meu namorado de três anos era um astro do R&B e nosso relacionamento era público. Eu não precisava ver para saber que as pessoas provavelmente estavam fofocando sobre nós. Então decidi me contentar só com aplicativos de leitura e até excluí os de todas as redes sociais que eu tinha.
Acordei no dia seguinte por volta das sete e meia da manhã e me levantei para ir ao banheiro. Fiz minha higiene matinal, notando que o último absorvente que coloquei antes de dormir ainda estava limpo e imaginei que o sangramento já havia passado por completo. Joguei fora e então escovei os dentes e lavei o rosto, antes de deixar o quarto.
Andei pelo corredor até a cozinha enquanto amarrava meu cabelo com um nó em um coque alto e passei pela porta do quarto de (ou melhor, nosso), notando que ainda estava fechada; o completo silêncio ao redor me fez pensar que ele ainda estava dormindo.
Era quinta-feira e eu havia passado metade da semana inconsciente em uma cama de hospital, então talvez fosse por isso que minha necessidade de sono tinha diminuído. Já devia estar o contrário, coitado. Uma parte de mim se sentia um pouquinho mal por ser o motivo das noites mal dormidas dele. Mas a outra estava tipo: ah, isso é o quanto ele se importa com você.
Eu sempre acreditei que atitudes falavam mais do que palavras e não precisei de muitas horas para entender que os sentimentos que tinha por mim eram reais, eu só não sabia ao certo a extensão deles.
Como fã completamente delulu das ideias, sempre me perguntei como seria estar do lado dele. era meu favorito há sete anos, mas por mais delulu que eu fosse — e era divertido —, eu sabia que não passava disso. Ou pelo menos era o que eu acreditava até descobrir que somos um casal há três anos.
Dava vontade de rir de nervoso toda vez que eu lembrava disso. Eu não sabia por que minha mente havia bloqueado essa informação depois do acidente. e eu nem estávamos brigados nem nada e nós nem discutíamos com frequência. Além disso, se eu pudesse escolher, obviamente optaria por nunca esquecer tudo o que vivemos.
Mas tudo estava confuso pra cacete e eu nem tinha o que fazer. Muito legal.
Suspirei, resignada, e comecei a cutucar os armários da cozinha e a geladeira em busca de comida para o café da manhã. Tecnicamente, aquela era minha casa, então resolvi ficar à vontade. Não era como se fosse ligar, já que queria que eu ficasse confortável de novo.
Encontrei iogurte e frutas na geladeira e resolvi fazer uma salada. Havia pão também, de um massa bem macia, e não pensei duas vezes em tirar algumas fatias para fazer torradas na manteiga.
Eu estava no meio do processo quando senti braços fortes ao meu redor. Larguei a faca e enrijeci levemente, surpresa por não ter notado se aproximar, e minha pele arrepiou quando ele encostou o queixo no meu ombro, as pontinhas molhadas do cabelo dele fazendo cócegas no meu rosto.
Minha mão coçou com um impulso de enfiar os dedos no mar de fios negros dele, mas me contive. suspirou e começou a falar.
— Eu sei que você ainda não tá acostumada comigo, mas vamos ficar assim só um pouquinho — ele pediu suavemente.
— Tudo bem… — Relaxei em seu abraço.
Ele respirou fundo e eu fiz o mesmo, sentindo um cheiro diferente. Seu corpo estava levemente frio e, por um instante, achei que estivesse sentindo o cheiro de seu sabonete, mas levou apenas um segundo para saber que era sua loção pós-barba. Eu não fazia ideia de como eu sabia que era, mas tive certeza.
Um sorriso se insinuou em meu rosto e coloquei uma mão em cima das dele, ao redor de minha cintura. Me encostei em seu peito, aproveitando o contato e continuou a falar.
— Eu senti tanta saudade. Passei quase dois meses sem te ver pessoalmente e então descobri que você tinha sofrido um acidente antes mesmo de sair de Chicago. A viagem pareceu tão longa que achei que não fosse chegar. Eu fiquei apavorado, — ele confessou baixinho, mas senti o peso de cada palavra. — Tive medo de perder você, e quando o médico disse... Quando fiquei sabendo de tudo, me recusei a sair do seu lado. Mas a cada dia que passava, fiquei mais preocupado ainda, porque você não acordava. Foi assustador.
Franzi o cenho, me sentindo triste por ele. Eu nunca tinha passado por algo assim com alguém, mas não duvidava que fosse mesmo assustador. De repente, me lembrei de uma cena de Tenaz em que Ayla vai parar no hospital e Dean fica maluco. Eu não voltei mais para o livro (ou sonhar com ele) ao adormecer, então imaginei que fosse temporário.
De todo jeito, quando ouvi falar, me vi confessando baixinho também.
— Foi tão real, . Eu sei que parece maluquice, mas juro que vivenciei mesmo a história de Tenaz por algumas semanas enquanto fiquei desacordada. — Me virei para encará-lo. — Acordei no corpo da Ayla, mas ela tinha meu rosto. Acho que por conta do jeito como Kate narrou, sem dar muitos detalhes para as aparências. Foi como se eu tivesse ido parar naquele universo antes da história começar, sabe? Foi estranho e divertido.
sorriu de leve e eu coloquei uma mão no rosto dele, voltando a falar, enquanto ele me ouvia em silêncio, prestando atenção em cada palavra.
— Você também tava lá. Você era o Dean, meu par romântico. — Sorri ao lembrar. — Por isso te chamei de Dean quando acordei.
— Parece ter sido divertido mesmo, amor. — Ele beijou a palma da minha mão e eu a deixei escorregar pela tatuagem do lado esquerdo de seu pescoço.
Era tão bonita e combinava exatamente com ele. Sorri, admirando o desenho, e passei o polegar por cima de uma das flores de ameixa.
De repente, um flash de memória apareceu. Eu e estávamos sozinhos em um bar amplo e eu o toquei bem ali, borrando um pouco da tinta com o polegar.
Franzi o cenho, confusa.
— Você já retocou essa tatuagem alguma vez? — perguntei sem pensar.
me encarou, surpreso.
— Sim, há três anos.
— Há três anos? Por acaso eu esbarrei nela alguma vez? Me veio uma lembrança, mas não sei se foi real ou algum sonho que tive com você. Nós estávamos em um bar...
— Um bar grande e vazio? — Eu fiz que sim, vendo esperança brilhar em seu olhar. — , foi a noite em que nos conhecemos. Você lembrou, amor?
— Eu... Não sei. Acho que-Ai! — Senti uma dor repentina na cabeça e cambaleei para frente. Teria caído se não fosse me segurando.
— ? O que foi, amor? Tá com dor na cabeça? — Assenti, em silêncio. — Vem, senta aqui. — Ele me guiou para um dos banquinhos da bancada. — Vou pegar o seu remédio.
E se virou em direção a um dos armários da cozinha. Um instante depois, me entregou um comprimido e um copo de água, e agradeci baixinho.
— Foi momentâneo. Eu tô bem agora — tentei explicar, quando me levantei para terminar de fazer o café da manhã, mas ele não deixou.
— Não, não — retrucou. — Fique aí e deixe que eu cuido do café.
— ... São só torradas e salada de frutas. Eu não tô inválida, sabe...
— E daí? Por que você não me deixa te mimar um pouquinho? — ele perguntou. — Eu quero te compensar por todas as semanas que estive longe, . Vou te mimar até você enjoar de mim — prometeu ele, me fazendo rir.
sorriu também, mas ainda havia uma tristeza em seu olhar. Ele ainda estava preocupado. Cerca de dez minutos depois, nós dois estávamos sentados, comendo em silêncio, quando apareceu feito um furacão e roubou uma das torradas de antes dele colocá-la na boca.
— O que houve? — A encarei, sem entender. — Tá correndo por quê?
— Tô atrasada. Hoje é minha folga, mas falei pra uma colega que ia substituir ela hoje e esqueci. Minha aula começa às dez, mas é longe daqui.
— Tá, boa sorte! — falei, no instante em que ela atravessou a porta.
dava aulas de inglês em uma escola do Brooklyn há alguns anos. Fiz uma careta, me sentindo mal por fazê-la percorrer uma longa distância só porque estava aqui. Ela só passou uma noite comigo e já estava com a rotina toda bagunçada. Será que eu precisava mesmo fazer minha irmã passar por isso apenas porque não estava acostumada com ?
Encarei meu namorado (ainda era estranho pensar assim) e ponderei por alguns segundos, antes de voltar a me concentrar na comida. Por que eu precisava ter companhia quando era só o ?
Só o era um eufemismo, é claro, mas fazia quase vinte e quatro horas que tudo o que ele fazia era me dar espaço ou tentar me deixar confortável e à vontade perto dele e na nossa casa. Eu poderia fingir que ele era um colega de quarto. Tá, um colega de quarto que eu conhecia muito mais intimamente do que eu imaginava e vice-versa.
De repente, lembrei da resposta dele sobre como sabia das pintinhas do meu corpo e senti o rosto esquentar.
"Como você acha que sei?"
Meu estômago se apertou com ansiedade só de imaginar e eu o encarei mais uma vez.
era tão bonito. E era o maldito pacote completo. Boa personalidade, rosto bonito e corpo bonito — embora eu não me lembrasse muito.
Eu sabia que ele dificilmente usava camisas de mangas curtas nas apresentações, mas em casa era diferente e estava usando uma naquele momento. Preta, sem estampas, e que marcava deliciosamente seus ombros e deixava os bíceps à mostra. Estreitei os olhos um pouquinho, admirando a visão. Eu tinha um sorrisinho nos lábios e sabia lá no fundo que eu provavelmente estava dissociando enquanto o encarava, mas não me importei.
Fiquei completamente imóvel por alguns segundos, sem nem sequer piscar e quando o fiz, notei um sorrisinho malicioso no canto dos lábios dele, enquanto mexia na própria salada de frutas.
Ah, que safado. Ele sabia muito bem que eu estava secando ele e não disse nada.
Terminei de comer rapidamente e me levantei para colocar a louça na pia. Felizmente, não surtou quando comecei lavar o prato, tigela e talheres que usei.
— Eu tava pensando... Acho que é melhor ficar em casa. Posso lidar com você sozinha — comentei.
— Pode, é? — ele perguntou, enquanto eu ainda estava de costas e dei uma leve surtada ao perceber como aquela frase soou.
— Você entendeu! — respondi rapidamente e ele deu uma risadinha nada inocente. Escutei descer do banquinho e um instante depois, ele estava atrás de mim, colocando a louça suja na pia.
Não seria nada de mais, se ele não estivesse invadindo completamente meu espaço pessoal ao fazer isso. Senti o calor do corpo dele em minhas costas, e nós mal estávamos nos tocando. Um frio se instalou no meu estômago e minha mente fanfiqueira imaginou coisas que não deveria naquele momento.
A imagem de me colocando em cima da bancada após eu me virar para beijá-lo foi uma cena especificamente tentadora que me veio em mente naqueles breves segundos, e minhas mãos clamaram por tocá-lo e ser tocada mais uma vez.
Era impressão minha ou ele estava demorando de propósito?
Não sei o que deu em mim também.
Porque no instante seguinte, eu desliguei a torneira e me virei para ele, passando os braços ao redor de sua cintura. Meu rosto estava na altura do ombro dele e eu respirei fundo, inalando seu cheiro.
— Não sei porque fiz isso — confessei, no mesmo instante. — Mas por algum motivo, eu quero ficar próxima de você e sinto uma vontade constante de te tocar. Eu ainda não lembro da gente, . Mas eu li meses de nossas conversas e acho que me apaixonei um pouquinho por você. Foi como ler um romance da minha própria vida.
suspirou e me abraçou de volta, de forma acolhedora. Seu abraço era aconchegante.
— Você pode me tocar sempre que quiser, amor. Eu sou seu — ele me garantiu. — Você pode não lembrar de nada ainda, mas eu sim. Pra mim, ser tocado por você é a coisa mais natural do mundo.
— Mesmo eu sendo meio fã maluca?
riu, divertido.
— Sim, mesmo assim. Fã maluca ou não, você é minha mulher — esclareceu. Senti meu ego inflar quando ele se referiu a mim daquela forma.
Mas gente...
— Por que você fica falando essas coisas? — perguntei, sentindo o rosto esquentar.
— Porque é verdade. Eu sempre falo assim. E você gosta.
Não neguei. Eu gostava mesmo.
De repente, minha vida real era um fanfic e aparentemente das boas.
Escutei um barulho de vibração e percebi que era o celular no bolso do short dele.
— Acho que alguém tá ligando. — Me afastei.
beijou minha besta e sorriu.
— Eu voltou já, deve ser Jace querendo notícias. — E saiu.
Terminei de lavar a louça e peguei meu próprio celular em cima da bancada em que comemos, notando algumas mensagens não lidas.
A primeira era de Kate.
Kate: Andrew e eu vamos te visitar hoje à tarde. Nos aguarde depois das 15h.
: Sim, senhora.
Havia uma mensagem de Andrew também, basicamente falando a mesma coisa. Respondi rapidamente e depois fiquei sem ter o que fazer.
Enchi um copo de água no filtro automático que havia em cima da pia e bebi, fazendo um pacto comigo mesma de me manter hidratada. Por mais que estivessem fazendo isso no hospital, eu ainda tinha acordado com muita sede. Acordei duas vezes durante a madrugada apenas para beber água. Também fiz umas visitas frequentes ao banheiro depois de tanto líquido.
Fiquei alguns minutos cutucando meu celular mais um pouco, mas honestamente, fiquei entediada.
ainda estava ao telefone e tinha ido trabalhar, então por enquanto eu tinha minha própria companhia para me entreter.
Então resolvi optar pelo que eu fazia de melhor quando estava sozinha. Andei até o grande e fofo sofá da sala de estar e me joguei nele, abrindo o aplicativo de leitura um segundo depois, no arquivo do livro que eu tinha começado a ler noite passada.
E fiquei ali, mergulhada no universo de mais uma obra.
Capítulo 6
Não sei onde eu estava com a cabeça quando decidi começar uma série de fantasia de seis livros com bullying, harém reverso e alguns personagens odiosos, mas depois de meia madrugada e cerca de uma hora depois que me joguei no sofá para voltar a ler, eu estava quase terminando o primeiro livro.
ainda não tinha voltado depois de sair para atender a tal ligação de Jace, e eu fiquei entretida demais com o enredo da história. Eu nem tinha certeza se estava gostando, mas me manteve curiosa.
Deitada de bruços no sofá largo e o celular próximo do rosto, eu estava prestes a terminar o último capítulo quando um peso caiu em cima de mim e tremi de susto, um segundo antes de notar que era .
— Hm, que sofá confortável, acho que vou tirar uma soneca aqui — ele murmurou, fingindo que eu não estava ali.
— , cara... Não me leva a mal, mas você é muito pesado...
Ele riu no meu ouvido, me fazendo arrepiar, e deu um beijinho atrás da minha orelha antes de rolar para o lado.
O sofá era tão largo que cabia nós dois ali com folga. Pensei em me virar para ele, mas quis terminar o livro antes, então voltei a prestar atenção na tela do celular. Ele apoiou a cabeça em meu ombro.
— O que você tá lendo? — ele quis saber.
— Uma coisa.
— Que coisa?
— Shh… Eu tô quase acabando. — Corri os olhos rapidamente pela tela, faltavam apenas uns dois parágrafos.
Ouvi suspirar, mas não dei atenção. Um parágrafo, apenas alguns segundos e...
— Que porra. Terminou em cliffhanger. Vou ter que ler o segundo livro agora... — comentei comigo mesma, já procurando a sequência para baixar, quando meu celular foi tomado de mim. — Ei, me devolve!
habilmente escondeu o celular entre as almofadas do sofá, rindo das minhas falhas tentativas de recuperar o aparelho. Suspirei, resignada e levemente ofegante, e me deixei cair em cima dele. Eu estava apoiada em seu peito e só então o encarei.
— Por que seu nariz e olhos estão vermelhos? Você saiu pra fumar?
— Eu parei de fumar, .
— Parou? E eu por que eu não lembro disso, se me lembro de você como fã?
— Porque eu nunca contei publicamente. Além disso, parei por sua causa. Você passou uns seis meses me falando como era ruim pra saúde e como o cheiro de cigarro era desagradável. Me proibiu até de te tocar depois de fumar.
— Eeeu? — O encarei, surpresa. — Por quê?
— Porque você sempre odiou cigarro, e também porque descobrimos que você é alérgica.
— O quê? Desde quando? — Franzi o cenho.
— Você não lembra disso? — perguntou, mas depois pareceu entender. — Acho que deve ser porque eu tava com você. Eu te acompanhei na consulta com um alergologista.
— E como aconteceu? Tipo... Como eu nunca descobri isso antes?
— Acho que foi porque você nunca conviveu com nenhum fumante antes de mim. Mas tá tudo bem agora. No início, foi chato, mas usei alguns adesivos de nicotina por um tempo e, hoje em dia, sempre tenho chicletes no bolso pra ajudar quando dá vontade.
— Caramba... — Eu tinha provocado aquilo? Mas era bom, né? Bem mais saudável para nós dois. — E por que seus olhos estão vermelhos? Aconteceu alguma coisa?
sorriu levemente e passou um braço ao redor da minha cintura. Não enrijeci em surpresa dessa vez, o toque deve era confortável.
— Nada, acho que vou ficar resfriado. Deve ser a mudança de clima depois de viajar — ele explicou. — E agora eu quero atenção.
Sorri, achando engraçado.
— Por quê? Você tá carente, é?
— Você pode me culpar? Nunca ficamos tanto tempo longe desde que começamos a morar juntos.
— Nossa... Quem diria? Eu achava que você era bem mais introspectivo, mas gosta de um grude. E é mais gentil do que imaginei. Atencioso também. Você sempre me deu bom dia primeiro nas mensagens de texto. Achei fofo.
riu baixinho e acho que ele estava se divertindo um pouquinho comigo reconhecendo ele outra vez, por mais que nossa situação fosse deprimente.
— Você disse isso antes, quando a gente começou a namorar. E que achava que eu era meio bad boy.
— Você tem cara de bad boy mesmo — reforcei. — Mas é como um gatinho camarada. Você vai amassar pãozinho na minha barriga também?
— Só se você quiser. Mas acho que te encher de beijinhos é mais agradável. — Ele levantou a cabeça, me roubando um selinho.
Segurei um sorriso e apoiei o queixo nas minhas mãos, ambas espalmadas no peito dele.
— Kate disse que vem me ver hoje, e Andrew vem junto.
— Andrew, é? — perguntou, tentando não fazer uma careta, mas seus olhos denunciavam seu desagrado.
— Você não gosta do Andy, ?
— Andy? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Tá chamando ele por apelido agora?
— Nunca parei de chamar. — Dei de ombros.
— Mas nunca chamou na minha frente. E não é que eu não goste dele, mas ele é seu ex, .
— E daí? Você parece ter ciúmes dele.
— Eu tenho ciúmes de qualquer ex seu.
— Eu só tenho dois e nem faço ideia de onde anda o outro.
— É suficiente. Além disso, Andy foi seu primeiro relacionamento sério. Eu sei de tudo. — Ele estreitou os olhos, meio emburrado.
Achei fofo. Embora estivesse claro para mim que estava falando muito sério.
— Olha pelo lado bom, nós somos amigos. Você nunca terminou em bons termos com uma namorada? — perguntei sem pensar e me arrependi no mesmo instante. — Na verdade, não responda. Eu não quero saber.
— Eu também não queria saber, mas o Andy é seu chefe — ele retrucou, sarcasticamente enfatizando o apelido de Andrew pela segunda vez. — Não posso fazer nada a não ser aceitar. E você passa mais tempo com a Kate, de qualquer forma.
— Mesmo que não passasse, não é como se eu fosse voltar pro Andrew ou algo assim.
Seria burrice. Logicamente falando, quem deixaria por qualquer outro cara normal?
Andrew era bonito também e engraçadinho, mas tinha o molho, um charme a mais. Além disso, quaisquer sentimentos românticos que eu tinha pelo meu ex tinham parado de existir muito antes de eu conhecer ele.
— Não vai funcionar, . Eu ainda vou ficar com um pé atrás.
— Você não confia em mim?
— Claro que confio, só não confio nele. Ou qualquer outro homem que chegue perto de você.
— Que ciumento — brinquei. — Mas idem. Embora eu não tenha muita escolha também. Na verdade, acho bom que você abrace muitas fãs e façam elas felizes.
— Ah, é? Que empática — ele disse, no mesmo tom de voz que eu.
— Eu já tenho você há três anos, então é mais do que justo te dividir um pouquinho, desde que em local público e com testemunhas ao redor.
riu, divertido.
— Quem é que tá com ciúmes agora?
— Eu não lembro, mas tenho certeza de que você deve ser pior que eu nesse aspecto.
— Touché. Sou mesmo — ele admitiu. — Você é só minha. — E me apertou contra ele, me fazendo rir. — E como casamento tava fora de cogitação pra nós dois, arrumei outro jeito de te amarrar a mim, e assim acabamos morando juntos.
— Que papo é esse? — perguntei, rindo, sem saber se ele estava falando sério ou não.
Eu já tinha visto em programas de TV agindo completamente sério enquanto falava a coisa mais irônica ou mentirosa de todas, só para fazer graça.
Ele riu comigo e depois caímos em um silêncio confortável. Ficamos assim por alguns minutos, até eu perceber que ele tinha adormecido. Rolei para o lado, saindo de cima dele e pensei em levantar dali, mas ele me abraçou em seu sono.
Ri pelo nariz e desisti de escapulir. Meu celular ainda continuava perdido nas almofadas, então decidi aproveitar a oportunidade de me aconchegar com ele e tentar tirar uma soneca também.
Adormeci pouco tempo depois.
***
Acordei com um barulho de chuva batendo na parede de vidro da sala — havia uma ali também — e abri os olhos devagar, apenas para encontrar os de , me encarando com uma ternura desconcertante.
Aquele era o olhar que eu imaginava que todos os protagonistas dos romance que eu lia deviam ter quando estavam apaixonados. Eu não lembrava de ver nem mesmo Andrew com um, e nós tivemos um bom relacionamento. Mas talvez tenha sido esse o motivo dele acabar. Sentíamos atração um pelo outro, mas ainda éramos mais amigos que qualquer outra coisa.
Com era diferente.
Ele era um protagonista bobão e cadelinha que faria tudo por mim. Nem sei de onde tirei essa percepção, mas tinha certeza de que era assim. Ninguém nunca tinha olhado para mim com tanto cuidado e amor. Nem mesmo minha mãe.
Mas ela não era alguém que costumava fazer isso com qualquer pessoa, de toda forma. e eu saímos de casa desde a faculdade e fomos morar juntas desde então. Minha irmã era cinco anos mais velha que eu e teve que dividir apartamentos ruins com pessoas odiosas em Nova York. Felizmente, eu a tive como colega de quarto quando foi a minha vez. Nossa mãe era divorciada de nosso pai desde que eu tinha dez anos e agora ambos tinham suas novas famílias. e eu éramos as ovelhas negras, um lembrete do erro que foi o casamento dos dois.
Então não fiquei surpresa que minha irmã nem sequer mencionou nosso pais depois do acidente, eles provavelmente nem sabiam que eu tinha sido atropelada. Ou sabiam, já que eu sabia que tinha vazado na internet. De todo modo, não tínhamos contato. era a única que ainda tinha o número de contato dos dois e vice-versa, mas nunca fez diferença já que não havia interesse de nenhuma das partes, incluindo nós mesmas.
Estávamos nos apoiando uma na outra há uma década e o que menos queríamos era ter que lidar com parentes que mal nos conheciam, apesar de terem nos criado, cada uma, por dezoito anos.
Então sim, ver me encarando daquela forma me fez sentir tão querida que meus olhos arderam com vontade de chorar.
— Oi de novo, bela adormecida. — Ele brincou. Imaginei que ele certamente devia ter acordado alguns minutos antes de mim.
Estiquei o braço para tocá-lo no rosto e saí deslizando suavemente o dedo indicador por seus traços. fechou os olhos com o pequeno carinho e havia o menor dos sorrisos em seus lábios.
Meu coração se apertou mais uma vez, desesperado por lembrar de nós, mas disse a mim mesma para parar de pensar naquilo. Não fazia nem vinte e quatro horas desde a minha alta do hospital. Mas ao mesmo tempo, os momentos que eu passava com ele faziam o tempo parecer lento. Era como se cada minuto fosse precioso. Era como se a cada segundo, eu conhecesse ou ficasse familiarizada com um pouco mais.
Naquele momento, mesmo sem lembrar de nada, eu fiquei incrivelmente confortável, o que era meio estranho. Ele podia ser , meu artista favorito, mas ainda assim era um homem com quem eu não lembrava de conviver.
Meu curto período de desconforto se resumiu a algumas horas e durou até eu descobrir um pouquinho sobre nós, mesmo por conta própria. As mensagens tinham sido o principal fator nisso, mas meu celular também estava cheio de fotos nossas. Nossa química era quase palpável.
— Há quanto tempo você tá acordado? — perguntei baixinho, desenhando rabiscos na bochecha dele com o polegar.
abriu os olhos para me encarar outra vez.
— Uns dez minutos. A gente dormiu por mais de uma hora. Você tá com fome? Pensei em pedir almoço.
Abri a boca para dizer que ainda não tinha fome, mas meu estômago roncou naquele momento e riu.
Fiz uma careta.
— Pelo visto, tô com fome mesmo — admiti e me levantei, dando espaço para ele.
se sentou e tirou meu celular de algum lugar entre as almofadas e o entregou a mim.
— Só porque você foi uma boa menina e me deu atenção.
Rolei os olhos instintivamente, com um sorriso brincando nos meus lábios.
— Tô lendo um harém reverso — comentei. — A protagonista tem cinco parceiros, um mais poderoso que o outro. É fantasia, mas no mundo moderno.
— Caramba, cinco parceiros... — assobiou. — Como ela faz pra administrar esse tanto de gente?
— Eis a questão. Eu ainda tô na parte em que eles tão tratando ela feito lixo. E fazendo bullying.
— O quê? Por quê? Você não disse que eles são parceiros? — Assenti. — Por que eles a tratam mal, então?
— Porque ela provocou isso. Ela fez com que a odiassem e fugiu deles por anos, recusando o laço de parceria. Mas eles conseguiram pegar ela, e um deles até implantou um chip nela que ele ameaçou explodir se ela tentar fugir de novo.
— Quê?! — riu, incrédulo. — Por que você tá lendo essas coisas, ?
— Porque me mantém entretida. — Dei de ombros. — Além disso, é fantasia. É normal acontecer essas coisas nos livros. Não sei se vou ler tudo, mas fiquei curiosa. E são cinco caras, um mais bonito e poderoso que o outro. Quero só ver quando eles começarem a ficar todos protetores pra cima dela — acrescentei com uma risadinha.
balançou a cabeça.
— Você tem uns gostos bem peculiares, amor.
Sorri para ele, piscando os olhos repetidamente e ele riu, antes de pegar o próprio celular e abrir um aplicativo para pedir comida.
Me inclinei para espiar e minutos depois, o pedido estava feito. ligou a TV da sala quando acabamos e abriu a Netflix. Escolhemos ver Pretendente Surpresa, e ali estava outra coisa que eu não lembrava: eu tinha arrastado para o mundo dos doramas e ele não se importava nem um pouquinho em ver comédias românticas bobas comigo.
Aparentemente, além de fã maluca e com gostos peculiares, eu também era uma mulher muito sortuda.
Parecia um sonho muito bom, mas felizmente, agora eu sabia que não era um.
ainda não tinha voltado depois de sair para atender a tal ligação de Jace, e eu fiquei entretida demais com o enredo da história. Eu nem tinha certeza se estava gostando, mas me manteve curiosa.
Deitada de bruços no sofá largo e o celular próximo do rosto, eu estava prestes a terminar o último capítulo quando um peso caiu em cima de mim e tremi de susto, um segundo antes de notar que era .
— Hm, que sofá confortável, acho que vou tirar uma soneca aqui — ele murmurou, fingindo que eu não estava ali.
— , cara... Não me leva a mal, mas você é muito pesado...
Ele riu no meu ouvido, me fazendo arrepiar, e deu um beijinho atrás da minha orelha antes de rolar para o lado.
O sofá era tão largo que cabia nós dois ali com folga. Pensei em me virar para ele, mas quis terminar o livro antes, então voltei a prestar atenção na tela do celular. Ele apoiou a cabeça em meu ombro.
— O que você tá lendo? — ele quis saber.
— Uma coisa.
— Que coisa?
— Shh… Eu tô quase acabando. — Corri os olhos rapidamente pela tela, faltavam apenas uns dois parágrafos.
Ouvi suspirar, mas não dei atenção. Um parágrafo, apenas alguns segundos e...
— Que porra. Terminou em cliffhanger. Vou ter que ler o segundo livro agora... — comentei comigo mesma, já procurando a sequência para baixar, quando meu celular foi tomado de mim. — Ei, me devolve!
habilmente escondeu o celular entre as almofadas do sofá, rindo das minhas falhas tentativas de recuperar o aparelho. Suspirei, resignada e levemente ofegante, e me deixei cair em cima dele. Eu estava apoiada em seu peito e só então o encarei.
— Por que seu nariz e olhos estão vermelhos? Você saiu pra fumar?
— Eu parei de fumar, .
— Parou? E eu por que eu não lembro disso, se me lembro de você como fã?
— Porque eu nunca contei publicamente. Além disso, parei por sua causa. Você passou uns seis meses me falando como era ruim pra saúde e como o cheiro de cigarro era desagradável. Me proibiu até de te tocar depois de fumar.
— Eeeu? — O encarei, surpresa. — Por quê?
— Porque você sempre odiou cigarro, e também porque descobrimos que você é alérgica.
— O quê? Desde quando? — Franzi o cenho.
— Você não lembra disso? — perguntou, mas depois pareceu entender. — Acho que deve ser porque eu tava com você. Eu te acompanhei na consulta com um alergologista.
— E como aconteceu? Tipo... Como eu nunca descobri isso antes?
— Acho que foi porque você nunca conviveu com nenhum fumante antes de mim. Mas tá tudo bem agora. No início, foi chato, mas usei alguns adesivos de nicotina por um tempo e, hoje em dia, sempre tenho chicletes no bolso pra ajudar quando dá vontade.
— Caramba... — Eu tinha provocado aquilo? Mas era bom, né? Bem mais saudável para nós dois. — E por que seus olhos estão vermelhos? Aconteceu alguma coisa?
sorriu levemente e passou um braço ao redor da minha cintura. Não enrijeci em surpresa dessa vez, o toque deve era confortável.
— Nada, acho que vou ficar resfriado. Deve ser a mudança de clima depois de viajar — ele explicou. — E agora eu quero atenção.
Sorri, achando engraçado.
— Por quê? Você tá carente, é?
— Você pode me culpar? Nunca ficamos tanto tempo longe desde que começamos a morar juntos.
— Nossa... Quem diria? Eu achava que você era bem mais introspectivo, mas gosta de um grude. E é mais gentil do que imaginei. Atencioso também. Você sempre me deu bom dia primeiro nas mensagens de texto. Achei fofo.
riu baixinho e acho que ele estava se divertindo um pouquinho comigo reconhecendo ele outra vez, por mais que nossa situação fosse deprimente.
— Você disse isso antes, quando a gente começou a namorar. E que achava que eu era meio bad boy.
— Você tem cara de bad boy mesmo — reforcei. — Mas é como um gatinho camarada. Você vai amassar pãozinho na minha barriga também?
— Só se você quiser. Mas acho que te encher de beijinhos é mais agradável. — Ele levantou a cabeça, me roubando um selinho.
Segurei um sorriso e apoiei o queixo nas minhas mãos, ambas espalmadas no peito dele.
— Kate disse que vem me ver hoje, e Andrew vem junto.
— Andrew, é? — perguntou, tentando não fazer uma careta, mas seus olhos denunciavam seu desagrado.
— Você não gosta do Andy, ?
— Andy? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Tá chamando ele por apelido agora?
— Nunca parei de chamar. — Dei de ombros.
— Mas nunca chamou na minha frente. E não é que eu não goste dele, mas ele é seu ex, .
— E daí? Você parece ter ciúmes dele.
— Eu tenho ciúmes de qualquer ex seu.
— Eu só tenho dois e nem faço ideia de onde anda o outro.
— É suficiente. Além disso, Andy foi seu primeiro relacionamento sério. Eu sei de tudo. — Ele estreitou os olhos, meio emburrado.
Achei fofo. Embora estivesse claro para mim que estava falando muito sério.
— Olha pelo lado bom, nós somos amigos. Você nunca terminou em bons termos com uma namorada? — perguntei sem pensar e me arrependi no mesmo instante. — Na verdade, não responda. Eu não quero saber.
— Eu também não queria saber, mas o Andy é seu chefe — ele retrucou, sarcasticamente enfatizando o apelido de Andrew pela segunda vez. — Não posso fazer nada a não ser aceitar. E você passa mais tempo com a Kate, de qualquer forma.
— Mesmo que não passasse, não é como se eu fosse voltar pro Andrew ou algo assim.
Seria burrice. Logicamente falando, quem deixaria por qualquer outro cara normal?
Andrew era bonito também e engraçadinho, mas tinha o molho, um charme a mais. Além disso, quaisquer sentimentos românticos que eu tinha pelo meu ex tinham parado de existir muito antes de eu conhecer ele.
— Não vai funcionar, . Eu ainda vou ficar com um pé atrás.
— Você não confia em mim?
— Claro que confio, só não confio nele. Ou qualquer outro homem que chegue perto de você.
— Que ciumento — brinquei. — Mas idem. Embora eu não tenha muita escolha também. Na verdade, acho bom que você abrace muitas fãs e façam elas felizes.
— Ah, é? Que empática — ele disse, no mesmo tom de voz que eu.
— Eu já tenho você há três anos, então é mais do que justo te dividir um pouquinho, desde que em local público e com testemunhas ao redor.
riu, divertido.
— Quem é que tá com ciúmes agora?
— Eu não lembro, mas tenho certeza de que você deve ser pior que eu nesse aspecto.
— Touché. Sou mesmo — ele admitiu. — Você é só minha. — E me apertou contra ele, me fazendo rir. — E como casamento tava fora de cogitação pra nós dois, arrumei outro jeito de te amarrar a mim, e assim acabamos morando juntos.
— Que papo é esse? — perguntei, rindo, sem saber se ele estava falando sério ou não.
Eu já tinha visto em programas de TV agindo completamente sério enquanto falava a coisa mais irônica ou mentirosa de todas, só para fazer graça.
Ele riu comigo e depois caímos em um silêncio confortável. Ficamos assim por alguns minutos, até eu perceber que ele tinha adormecido. Rolei para o lado, saindo de cima dele e pensei em levantar dali, mas ele me abraçou em seu sono.
Ri pelo nariz e desisti de escapulir. Meu celular ainda continuava perdido nas almofadas, então decidi aproveitar a oportunidade de me aconchegar com ele e tentar tirar uma soneca também.
Adormeci pouco tempo depois.
Acordei com um barulho de chuva batendo na parede de vidro da sala — havia uma ali também — e abri os olhos devagar, apenas para encontrar os de , me encarando com uma ternura desconcertante.
Aquele era o olhar que eu imaginava que todos os protagonistas dos romance que eu lia deviam ter quando estavam apaixonados. Eu não lembrava de ver nem mesmo Andrew com um, e nós tivemos um bom relacionamento. Mas talvez tenha sido esse o motivo dele acabar. Sentíamos atração um pelo outro, mas ainda éramos mais amigos que qualquer outra coisa.
Com era diferente.
Ele era um protagonista bobão e cadelinha que faria tudo por mim. Nem sei de onde tirei essa percepção, mas tinha certeza de que era assim. Ninguém nunca tinha olhado para mim com tanto cuidado e amor. Nem mesmo minha mãe.
Mas ela não era alguém que costumava fazer isso com qualquer pessoa, de toda forma. e eu saímos de casa desde a faculdade e fomos morar juntas desde então. Minha irmã era cinco anos mais velha que eu e teve que dividir apartamentos ruins com pessoas odiosas em Nova York. Felizmente, eu a tive como colega de quarto quando foi a minha vez. Nossa mãe era divorciada de nosso pai desde que eu tinha dez anos e agora ambos tinham suas novas famílias. e eu éramos as ovelhas negras, um lembrete do erro que foi o casamento dos dois.
Então não fiquei surpresa que minha irmã nem sequer mencionou nosso pais depois do acidente, eles provavelmente nem sabiam que eu tinha sido atropelada. Ou sabiam, já que eu sabia que tinha vazado na internet. De todo modo, não tínhamos contato. era a única que ainda tinha o número de contato dos dois e vice-versa, mas nunca fez diferença já que não havia interesse de nenhuma das partes, incluindo nós mesmas.
Estávamos nos apoiando uma na outra há uma década e o que menos queríamos era ter que lidar com parentes que mal nos conheciam, apesar de terem nos criado, cada uma, por dezoito anos.
Então sim, ver me encarando daquela forma me fez sentir tão querida que meus olhos arderam com vontade de chorar.
— Oi de novo, bela adormecida. — Ele brincou. Imaginei que ele certamente devia ter acordado alguns minutos antes de mim.
Estiquei o braço para tocá-lo no rosto e saí deslizando suavemente o dedo indicador por seus traços. fechou os olhos com o pequeno carinho e havia o menor dos sorrisos em seus lábios.
Meu coração se apertou mais uma vez, desesperado por lembrar de nós, mas disse a mim mesma para parar de pensar naquilo. Não fazia nem vinte e quatro horas desde a minha alta do hospital. Mas ao mesmo tempo, os momentos que eu passava com ele faziam o tempo parecer lento. Era como se cada minuto fosse precioso. Era como se a cada segundo, eu conhecesse ou ficasse familiarizada com um pouco mais.
Naquele momento, mesmo sem lembrar de nada, eu fiquei incrivelmente confortável, o que era meio estranho. Ele podia ser , meu artista favorito, mas ainda assim era um homem com quem eu não lembrava de conviver.
Meu curto período de desconforto se resumiu a algumas horas e durou até eu descobrir um pouquinho sobre nós, mesmo por conta própria. As mensagens tinham sido o principal fator nisso, mas meu celular também estava cheio de fotos nossas. Nossa química era quase palpável.
— Há quanto tempo você tá acordado? — perguntei baixinho, desenhando rabiscos na bochecha dele com o polegar.
abriu os olhos para me encarar outra vez.
— Uns dez minutos. A gente dormiu por mais de uma hora. Você tá com fome? Pensei em pedir almoço.
Abri a boca para dizer que ainda não tinha fome, mas meu estômago roncou naquele momento e riu.
Fiz uma careta.
— Pelo visto, tô com fome mesmo — admiti e me levantei, dando espaço para ele.
se sentou e tirou meu celular de algum lugar entre as almofadas e o entregou a mim.
— Só porque você foi uma boa menina e me deu atenção.
Rolei os olhos instintivamente, com um sorriso brincando nos meus lábios.
— Tô lendo um harém reverso — comentei. — A protagonista tem cinco parceiros, um mais poderoso que o outro. É fantasia, mas no mundo moderno.
— Caramba, cinco parceiros... — assobiou. — Como ela faz pra administrar esse tanto de gente?
— Eis a questão. Eu ainda tô na parte em que eles tão tratando ela feito lixo. E fazendo bullying.
— O quê? Por quê? Você não disse que eles são parceiros? — Assenti. — Por que eles a tratam mal, então?
— Porque ela provocou isso. Ela fez com que a odiassem e fugiu deles por anos, recusando o laço de parceria. Mas eles conseguiram pegar ela, e um deles até implantou um chip nela que ele ameaçou explodir se ela tentar fugir de novo.
— Quê?! — riu, incrédulo. — Por que você tá lendo essas coisas, ?
— Porque me mantém entretida. — Dei de ombros. — Além disso, é fantasia. É normal acontecer essas coisas nos livros. Não sei se vou ler tudo, mas fiquei curiosa. E são cinco caras, um mais bonito e poderoso que o outro. Quero só ver quando eles começarem a ficar todos protetores pra cima dela — acrescentei com uma risadinha.
balançou a cabeça.
— Você tem uns gostos bem peculiares, amor.
Sorri para ele, piscando os olhos repetidamente e ele riu, antes de pegar o próprio celular e abrir um aplicativo para pedir comida.
Me inclinei para espiar e minutos depois, o pedido estava feito. ligou a TV da sala quando acabamos e abriu a Netflix. Escolhemos ver Pretendente Surpresa, e ali estava outra coisa que eu não lembrava: eu tinha arrastado para o mundo dos doramas e ele não se importava nem um pouquinho em ver comédias românticas bobas comigo.
Aparentemente, além de fã maluca e com gostos peculiares, eu também era uma mulher muito sortuda.
Parecia um sonho muito bom, mas felizmente, agora eu sabia que não era um.
Capítulo 7
Pouco depois das três da tarde, como prometido, Kate e Andrew apareceram.
Eu tinha tomado banho e ficado apresentável depois de passar o dia de pijama e fez o mesmo. Tínhamos maratonado alguns episódios de Pretendente Surpresa até que percebemos que estava quase na hora da visita.
Ele estava ao meu lado quando abri a porta, sendo envolvida em um abraço de Kate no instante em que ela me viu.
— Meu Deus, que bom que você tá bem — ela murmurou. — Ainda tá sentindo dor?
— Só um pouco dolorida, mas com quase nenhum machucado — contei, enquanto ela cumprimentava rapidamente com um abraço.
Então foi a vez de Andy me envolver em um, me tirando do chão por um instante em seu abraço de urso. Eu ri, retribuindo, mas dois segundos depois, senti um puxão no meu short.
Era com o dedo enfiado no passador de cinto, não muito discretamente me puxando para ele, enquanto cumprimentava Andrew com um sorriso.
Que ciumento.
— E aí, Andrew? Venham, vou pegar algumas bebidas pra gente — se ofereceu, enquanto eu os levava para o sofá.
— Como você tá, ? — Andrew perguntou, se jogando no sofá ao lado de Kate.
— Confusa. Não sei se ficaram sabendo, mas eu meio que dei uma viajada.
— Como assim? — Kate franziu o cenho.
— Eu tive um sonho enquanto tava inconsciente. Sonhei que fui parar no corpo da Ayla e tava vivendo o enredo de Tenaz. O médico acha que foi um mecanismo de defesa.
— Sério? E como foi? — Minha amiga perguntou. Eu sabia que ela ia achar interessante, afinal, era sobre o livro dela.
— Ela tinha meu rosto e o Dean era o , e... Era como se fosse antes de começar a história. Eu lembro de almoçar com Karina e Tiana e esbarrar no Dean num prédio administrativo. Fiquei até pensando em como a Ayla não reparou nele, por que tipo, ele era a cara do .
Andrew começou a rir e Kate o acompanhou.
— Nossa, que viagem mesmo, — ele comentou.
apareceu com uma jarra de limonada que tinha feito mais cedo e nos serviu, antes de se sentar ao meu lado.
— A gente morrendo de preocupação e você vivendo uma fanfic com seu próprio namorado — Kate disse. — Pelo menos, deve ter sido divertido.
— Mais ou menos. Acordei segundos antes do primeiro beijo.
— Olha pelo lado bom, você pode beijar seu próprio Dean a qualquer momento — ela brincou.
Senti o rosto esquentar e colocou uma mão em cima da minha. Olhei para ele rapidamente, antes de me voltar para os meus amigos.
— Então... Sobre isso... Eu meio que esqueci do .
— Esqueceu o quê? — Andy perguntou, confuso.
— Esqueci do nosso relacionamento. Eu só lembro dele como fã. Pra mim, é como se ontem fosse a primeira vez que nos encontramos.
— ... Isso é... — Kate começou, surpresa, mas sua voz morreu.
— Uma merda — Andy completou. — Vocês moram juntos, como isso é possível?
— Sei lá. — Dei de ombros. — Mas o médico acha que é temporário.
— Você esqueceu de mais alguém ou alguma coisa? — ele quis saber. — Sua irmã, ou o trabalho?
— Não, nada. Só de . — Fiz uma careta. — Mas tenho certeza de que vou lembrar em breve.
— Espero que sim. Eu comecei a escrever Oblíquo — Kate anunciou. — Eu sei que estamos de folga ainda, mas posso te enviar algo semana que vem pra você ir opinando.
— Seria ótimo. Eu meio que tô sem o que fazer.
Conversamos por quase uma hora, até que eles foram embora. Pouco tempo depois, chegou. E pela cara dela, eu já podia imaginar seu cansaço. Mais uma vez me senti culpada por fazer minha irmã atravessar a cidade quando trabalhava tão perto do local onde morava. No trânsito caótico de Nova York, sair de Manhattan até o Brooklyn levava mais de uma hora.
passou direto para o quarto e eu a segui. Ouvi o chuveiro ser ligado e me joguei na cama para esperar até que ela saísse. Levantei a cabeça alguns minutos depois, quando ouvi a porta do banheiro abrir e me sentei na cama.
— Como foi hoje? — perguntamos ao mesmo tempo e rimos juntas.
— Cansativo — ela respondeu, secando o cabelo com uma toalha. — Fazia tempo que eu não percorria uma distância tão longa dentro dessa cidade porque até o hospital era mais perto. E o seu dia?
— Foi bom. Um pouco estranho, mas confortável. e eu ficamos juntos a maior parte do tempo.
— Como você tá se sentindo em relação a ele?
— Ontem foi muito estranho, mas hoje... Me senti bem à vontade. Inclusive, era sobre isso que eu queria falar com você. Acho que não faz muito sentido você ficar percorrendo essa distância toda por minha causa.
— Ei, tá doida? Você é minha irmã. É óbvio que faz sentido. Você nem lembra do seu namorado, deve ser estranho ficar com ele.
— Na verdade... — comecei a falar.
— O quê? — me encarou, atenta. — Aconteceu alguma coisa? Você lembrou se algo?
— Tive um flash de memória pouco antes de você sair feito um furacão. Eu perguntei a , sabe, pra ter certeza de que não era parte de um sonho ou algo assim, mas ele disse que foi a noite que nos conhecemos.
— No bar do Brandon aqui em Manhattan. Eu tava também, fomos nos encontrar com seus amigos, mas fui embora mais cedo. Você ficou conversando com Karol e Brandon e aconteceu alguma coisa que eu não lembro e eles te pediram pra ficar lá por uns trinta minutos porque um cliente importante tinha alugado o bar depois da meia-noite. Era o .
— Sério? Qual a probabilidade disso acontecer? Eu não lembro de dizer a Brandon e Karol que eu era fã do .
— Pois é, não disse. Foi coincidência. Acho que você deve lembrar logo. Nós não podemos te encher de informações, senão...
— Eu sei, posso ficar sobrecarregada. Aconteceu isso hoje. — Suspirei, me jogando na cama outra vez e encarei o teto branco.
— Aconteceu?
— Sim, depois desse flash, visão ou sei lá o que era, eu senti uma dor de cabeça momentânea. surtou e pegou um remédio, depois ficou praticamente o dia todo grudado em mim. Tirando uma ligação que ele teve que atender e quando fomos tomar banho.
riu, divertida.
— Mais cadelinha, impossível. Esse cara ama você, irmã. E não deixa nem espaço pra dúvidas. Todo mundo sabe disso. Ele te adora.
Sorri como uma boboca ao ouvir.
— Por algum motivo me sinto bem perto dele, mesmo que pareça que eu conheça ele pessoalmente só há um dia. Tipo... Parece que faz mais tempo mesmo.
— Porque faz. — rolou os olhos, se sentando na cama também. — Vocês dois sempre tiveram uma química assim. Sempre se deram bem. Mal brigam. O faz tudo por você. Vocês são tão doces às vezes que eu sinto minha glicemia subir só de ver. Daqui a pouco vão começar a se pegar de novo.
Eu ri, divertida.
— Por mais que minha mente fanfiqueira fosse adorar isso, provavelmente seria melhor irmos devagar. De todo jeito, acho que posso ficar sozinha com ele.
— Se você diz... Não era como se eu fosse me opor. — Ela deu de ombros. — Se o fosse um idiota, talvez sim, mas ele cuida de você melhor do que eu poderia. Vou voltar pra casa amanhã. Não venha chorar se você tiver pesadelos ao dormir sozinha aqui. Acorde seu namorado ou se esgueire pra cama dele, tenho certeza de que ele não vai se incomodar.
— Eu ainda tenho Terror Noturno com frequência? — perguntei, me dando conta que daquela parte da minha vida eu também não lembrava.
— Só quando você fica estressada e sozinha. Quando tá em casa, você costuma ficar bem.
— Entendi. Se ele me ajuda de alguma forma com isso, mesmo que seja só fazendo companhia, então acho que faz sentido eu não lembrar.
Talvez a presença dele me acalmasse, de fato. Eu tinha episódios de terror noturno desde o divórcio de nossos pais e embora a frequência deles tenha diminuído à medida que fui crescendo, nunca desapareceu. Eu não tinha ideia como era ter esses episódios sozinha, pois até onde me lembrava, sempre estava a uma ligação ou uma porta de distância.
Quanto a ... Eu não conseguia me ver ligando para ele do outro lado do mundo só para obter apoio emocional por causa de um pesadelo idiota provocado por estresse.
— Além disso, tenho certeza de que tem outros métodos eficazes pra te fazer aliviar o estresse — acrescentou com um sorrisinho, me tirando de meus pensamentos.
— ! — Eu ri, batendo com um travesseiro nela.
— O quê? Não é como se fosse mentira — ela brincou e se levantou, indo em direção à porta. — Vamos continuar essa conversa na cozinha, eu tô morrendo de fome.
***
Uma semana depois, eu ainda estava na estaca zero. Já fazia quase duas semanas desde o meu acidente e eu ainda não tinha lembrado de nada.
Meus últimos dias se resumiram a ler, comer e ver doramas com .
Embora me desse algum tempo sozinha quando se trancava no estúdio, fazia questão de passarmos um tempo de qualidade juntos.
Eu não estava reclamando, é claro.
Depois que voltou para seu próprio lar, eu passei a dormir sozinha no quarto de hóspedes e felizmente não tive nenhum episódio de terror noturno. No entanto — e infelizmente —, eu também não consegui dormir direito à noite, o que acabou me fazendo tirar breves cochilos durante o dia.
Agora eu estava de um lado do sofá com meu tablet em mãos, lendo os primeiros capítulos do próximo livro de Kate, enquanto estava no outro, com fones de ouvido com cancelamento de ruído, encarando a tela de seu laptop.
Eu era extremamente curiosa sobre seu processo criativo e tentei dar umas espiadas ocasionalmente, mas não é como se eu fosse entender algo sem escutar nada. Ele também não me deixava ler as letras enquanto estava escrevendo músicas, o que era um porre. Então em certo momento, eu meio que desisti de tentar. Sabendo que não ia conseguir nada, sugeri que ele voltasse para o estúdio, já que provavelmente era mais confortável trabalhar lá. Eu havia visto o tanto de equipamentos que ele tinha e ficar ali no sofá só para me fazer companhia parecia não fazer muito sentido.
Não é como se eu fosse passar mal nem nada. Aconteceu só o primeiro dia, quando tive aquele flash de memória de quando nos conhecemos, mas depois nada, zero, nadica de nada. Eu achei que iria conseguir lembrar de nós logo, e isso não ter acontecido ainda me deixava ansiosa. No entanto, tentei ao máximo transparecer tranquilidade. Eu não queria que se preocupasse mais ainda comigo.
Desviei o olhar da tela do tablet e o encarei discretamente enquanto ele trabalhava. Aquele arranjo entre nós, cada um trabalhando de um lado, vinha se repetindo há cerca de três dias e eu não podia evitar lembrar de Ayla e Dean.
Não retornei para o livro em nenhum momento durante meu sono, mas eu meio que sentia falta. Porque se o sonho era tão realista, então sim, eu queria viver um pouquinho na pele da protagonista. Menos nas cenas perigosas, é claro. Eu não estava interessada em ter meu celular roubado e ser agredida na rua. De jeito nenhum.
Mas seria bom viver um pouquinho de romance.
Até porque nada aconteceu entre mim e na última semana. Nós tínhamos uma necessidade mútua de tocar um ao outro, mas não tinha passado de nada além de abraços ou beijinhos na testa ou rosto. Nada de mais. O máximo que fizemos foi deitar juntos no sofá para assistir TV juntos.
Então comíamos juntos e à noite, cada um seguia para seu próprio quarto.
Durante aquele tempo, eu li mais de nossas mensagens trocadas e àquela altura eu já tinha lido as do ano anterior inteiro. Eu até sentia que conhecia mais um pouquinho, mas era como conhecer um protagonista. Nossas mensagens eram parte da nossa história e felizmente, eu não tinha deletado nenhuma.
Eu estava feliz por passar tempo com meu então namorado e até nos divertimos juntos, mas honestamente... Eu não era uma grande fã de slow burn.
Eu tinha plena consciência de que tinha planejado levar as coisas devagar enquanto eu não lembrava do nosso relacionamento, mas já estava começando a ficar impaciente. Eu tinha que me policiar para controlar os movimentos de minhas próprias mãos ou àquela altura, elas já teriam criado vida própria e se livrado de todas as roupas de .
Mas ninguém podia me culpar, certo?
Até onde eu sabia, casais que moram juntos eram praticamente casados. Então era normal me sentir atraída pelo meu namorido.
Eu só não sabia até quando o meu autocontrole iria durar. Ou o de . Porque não passou despercebido por mim que ele também tentava se controlar e às vezes forçava certa distância entre nós por causa disso.
Resumindo, éramos dois idiotas querendo se pegar, mas nenhum tomava atitude com medo do outro achar estranho ou ficar desconfortável. E eu meio que tinha certeza de que ele não faria isso de jeito nenhum. Mas eu o queria. Queria reconhecer ele por inteiro. E só o pensamento disso enviava mais borboletas para meu estômago.
Daqui a pouco eu iria vomitar borboletas porque elas não iam mais caber.
E ele parecia tão atraente enquanto trabalhava... Era impossível não admirar a visão. Trabalho braçal? Isso era ultrapassado. Eu sempre gostei mais de cérebros.
E o de era bem sexy. Tínhamos passado horas conversando sobre coisas aleatórias e eu achava fascinante o jeito como ele via as coisas e como era parecido como eu mesma via. Nós éramos opostos em muitas coisas e ele era definitivamente mais sensível do que eu. Às vezes, viajava um pouquinho às vezes com coisas que para mim não faziam o menor sentido e eu tinha que me segurar para não revirar os olhos. Eu amava arte e música desde sempre, mas havia um limite de tolerância entre o que eu achava legal e exagerado. Sempre fui mais prática e tinha coisas que eu simplesmente nem me esforçava para gostar. Por exemplo, música indie. Nada contra, mas não era meu estilo. E adorava várias. Por outro lado, eu curtia punk rock e ele não.
Mas também tínhamos muito em comum. Aparentemente, eu tinha feito igual a Ayla e obriguei ele a aprender todas as músicas dos meus musicais favoritos. Isso era quase como ganhar na loteria porque era de conhecimento geral como era chatinho e seletivo. Foi uma alegria descobrir que eu o tinha convencido a fazer muita coisa. Além disso, ambos amávamos músicas mais antigas, entre os anos setenta e noventa. Algumas vezes coloquei música para tocar enquanto cozinhava algo e logo aparecia cantarolando comigo.
Eu me sentia uma protagonista em meu próprio livro vivendo todos as minhas fantasias de fanfiqueira.
Bem, quase todas.
Eu ainda não havia arrancado as roupas de . E de novo, eu não tinha ideia de quanto tempo eu ia aguentar antes de meter o louco e fazer isso.
Como se sentisse o rumo que meus pensamentos estavam tomando, resolveu me encarar naquele momento, e tirou o fone de ouvido antes de falar.
— O que foi? Tá sentindo alguma coisa?
Eu com meu bom cérebro maluco, respondi sem pensar:
— Tô sim. Vontade de morder você todo.
Eu quis bater na minha própria boca. Meu cérebro devia estar com defeito de filtragem também. Mas então inclinou a cabeça para o lado levemente, um sorrisinho malicioso aparecendo em seus lábios.
— Você sabe que não precisa pedir. Eu sou todo seu. É só vir, amor.
Ah, eu estava a um passo de largar o tablet e pular em cima dele. Mas algum ser celestial deve ter tocado na minha cabeça e me feito rir, como se achasse que ele estava brincando.
Eu não achava. Depois de toda a sabedoria adquirida como fã de e uma semana passando a maior parte do tempo com ele, eu sabia que ele estava falando sério. Aposto que conseguiria me levar pra cama só com um olhar. Eu iria de bom grado, a qualquer momento.
E de verdade, eu merecia um prêmio por controlar meus próprios impulsos.
Me levantei com uma desculpa de preparar um lanche da tarde e aquele curto momento de tensão foi deixado de lado, assim como todos os outros que vieram antes dele.
Naquela noite de quinta, mais uma vez nos separamos para dormir e eu rolei algumas vezes na cama, tentando pegar no sono. Li por duas horas o terceiro livro da série de fantasia que eu tinha começado na semana anterior, e nem assim fiquei com sono.
Não faço ideia de que horas eram quando finalmente consegui adormecer.
Mas no dia seguinte, acordei com um barulho de despertador irritantemente familiar.
Abri os olhos e encarei o teto branco, de repente sabendo exatamente onde eu estava. Só para ter certeza, passei a mão pelo cabelo, percebendo que ele estava curto. Um sorrisinho levantou os cantos da minha boca e me sentei na cama, animada.
Eu tinha voltado para o corpo de Ayla .
Eu tinha tomado banho e ficado apresentável depois de passar o dia de pijama e fez o mesmo. Tínhamos maratonado alguns episódios de Pretendente Surpresa até que percebemos que estava quase na hora da visita.
Ele estava ao meu lado quando abri a porta, sendo envolvida em um abraço de Kate no instante em que ela me viu.
— Meu Deus, que bom que você tá bem — ela murmurou. — Ainda tá sentindo dor?
— Só um pouco dolorida, mas com quase nenhum machucado — contei, enquanto ela cumprimentava rapidamente com um abraço.
Então foi a vez de Andy me envolver em um, me tirando do chão por um instante em seu abraço de urso. Eu ri, retribuindo, mas dois segundos depois, senti um puxão no meu short.
Era com o dedo enfiado no passador de cinto, não muito discretamente me puxando para ele, enquanto cumprimentava Andrew com um sorriso.
Que ciumento.
— E aí, Andrew? Venham, vou pegar algumas bebidas pra gente — se ofereceu, enquanto eu os levava para o sofá.
— Como você tá, ? — Andrew perguntou, se jogando no sofá ao lado de Kate.
— Confusa. Não sei se ficaram sabendo, mas eu meio que dei uma viajada.
— Como assim? — Kate franziu o cenho.
— Eu tive um sonho enquanto tava inconsciente. Sonhei que fui parar no corpo da Ayla e tava vivendo o enredo de Tenaz. O médico acha que foi um mecanismo de defesa.
— Sério? E como foi? — Minha amiga perguntou. Eu sabia que ela ia achar interessante, afinal, era sobre o livro dela.
— Ela tinha meu rosto e o Dean era o , e... Era como se fosse antes de começar a história. Eu lembro de almoçar com Karina e Tiana e esbarrar no Dean num prédio administrativo. Fiquei até pensando em como a Ayla não reparou nele, por que tipo, ele era a cara do .
Andrew começou a rir e Kate o acompanhou.
— Nossa, que viagem mesmo, — ele comentou.
apareceu com uma jarra de limonada que tinha feito mais cedo e nos serviu, antes de se sentar ao meu lado.
— A gente morrendo de preocupação e você vivendo uma fanfic com seu próprio namorado — Kate disse. — Pelo menos, deve ter sido divertido.
— Mais ou menos. Acordei segundos antes do primeiro beijo.
— Olha pelo lado bom, você pode beijar seu próprio Dean a qualquer momento — ela brincou.
Senti o rosto esquentar e colocou uma mão em cima da minha. Olhei para ele rapidamente, antes de me voltar para os meus amigos.
— Então... Sobre isso... Eu meio que esqueci do .
— Esqueceu o quê? — Andy perguntou, confuso.
— Esqueci do nosso relacionamento. Eu só lembro dele como fã. Pra mim, é como se ontem fosse a primeira vez que nos encontramos.
— ... Isso é... — Kate começou, surpresa, mas sua voz morreu.
— Uma merda — Andy completou. — Vocês moram juntos, como isso é possível?
— Sei lá. — Dei de ombros. — Mas o médico acha que é temporário.
— Você esqueceu de mais alguém ou alguma coisa? — ele quis saber. — Sua irmã, ou o trabalho?
— Não, nada. Só de . — Fiz uma careta. — Mas tenho certeza de que vou lembrar em breve.
— Espero que sim. Eu comecei a escrever Oblíquo — Kate anunciou. — Eu sei que estamos de folga ainda, mas posso te enviar algo semana que vem pra você ir opinando.
— Seria ótimo. Eu meio que tô sem o que fazer.
Conversamos por quase uma hora, até que eles foram embora. Pouco tempo depois, chegou. E pela cara dela, eu já podia imaginar seu cansaço. Mais uma vez me senti culpada por fazer minha irmã atravessar a cidade quando trabalhava tão perto do local onde morava. No trânsito caótico de Nova York, sair de Manhattan até o Brooklyn levava mais de uma hora.
passou direto para o quarto e eu a segui. Ouvi o chuveiro ser ligado e me joguei na cama para esperar até que ela saísse. Levantei a cabeça alguns minutos depois, quando ouvi a porta do banheiro abrir e me sentei na cama.
— Como foi hoje? — perguntamos ao mesmo tempo e rimos juntas.
— Cansativo — ela respondeu, secando o cabelo com uma toalha. — Fazia tempo que eu não percorria uma distância tão longa dentro dessa cidade porque até o hospital era mais perto. E o seu dia?
— Foi bom. Um pouco estranho, mas confortável. e eu ficamos juntos a maior parte do tempo.
— Como você tá se sentindo em relação a ele?
— Ontem foi muito estranho, mas hoje... Me senti bem à vontade. Inclusive, era sobre isso que eu queria falar com você. Acho que não faz muito sentido você ficar percorrendo essa distância toda por minha causa.
— Ei, tá doida? Você é minha irmã. É óbvio que faz sentido. Você nem lembra do seu namorado, deve ser estranho ficar com ele.
— Na verdade... — comecei a falar.
— O quê? — me encarou, atenta. — Aconteceu alguma coisa? Você lembrou se algo?
— Tive um flash de memória pouco antes de você sair feito um furacão. Eu perguntei a , sabe, pra ter certeza de que não era parte de um sonho ou algo assim, mas ele disse que foi a noite que nos conhecemos.
— No bar do Brandon aqui em Manhattan. Eu tava também, fomos nos encontrar com seus amigos, mas fui embora mais cedo. Você ficou conversando com Karol e Brandon e aconteceu alguma coisa que eu não lembro e eles te pediram pra ficar lá por uns trinta minutos porque um cliente importante tinha alugado o bar depois da meia-noite. Era o .
— Sério? Qual a probabilidade disso acontecer? Eu não lembro de dizer a Brandon e Karol que eu era fã do .
— Pois é, não disse. Foi coincidência. Acho que você deve lembrar logo. Nós não podemos te encher de informações, senão...
— Eu sei, posso ficar sobrecarregada. Aconteceu isso hoje. — Suspirei, me jogando na cama outra vez e encarei o teto branco.
— Aconteceu?
— Sim, depois desse flash, visão ou sei lá o que era, eu senti uma dor de cabeça momentânea. surtou e pegou um remédio, depois ficou praticamente o dia todo grudado em mim. Tirando uma ligação que ele teve que atender e quando fomos tomar banho.
riu, divertida.
— Mais cadelinha, impossível. Esse cara ama você, irmã. E não deixa nem espaço pra dúvidas. Todo mundo sabe disso. Ele te adora.
Sorri como uma boboca ao ouvir.
— Por algum motivo me sinto bem perto dele, mesmo que pareça que eu conheça ele pessoalmente só há um dia. Tipo... Parece que faz mais tempo mesmo.
— Porque faz. — rolou os olhos, se sentando na cama também. — Vocês dois sempre tiveram uma química assim. Sempre se deram bem. Mal brigam. O faz tudo por você. Vocês são tão doces às vezes que eu sinto minha glicemia subir só de ver. Daqui a pouco vão começar a se pegar de novo.
Eu ri, divertida.
— Por mais que minha mente fanfiqueira fosse adorar isso, provavelmente seria melhor irmos devagar. De todo jeito, acho que posso ficar sozinha com ele.
— Se você diz... Não era como se eu fosse me opor. — Ela deu de ombros. — Se o fosse um idiota, talvez sim, mas ele cuida de você melhor do que eu poderia. Vou voltar pra casa amanhã. Não venha chorar se você tiver pesadelos ao dormir sozinha aqui. Acorde seu namorado ou se esgueire pra cama dele, tenho certeza de que ele não vai se incomodar.
— Eu ainda tenho Terror Noturno com frequência? — perguntei, me dando conta que daquela parte da minha vida eu também não lembrava.
— Só quando você fica estressada e sozinha. Quando tá em casa, você costuma ficar bem.
— Entendi. Se ele me ajuda de alguma forma com isso, mesmo que seja só fazendo companhia, então acho que faz sentido eu não lembrar.
Talvez a presença dele me acalmasse, de fato. Eu tinha episódios de terror noturno desde o divórcio de nossos pais e embora a frequência deles tenha diminuído à medida que fui crescendo, nunca desapareceu. Eu não tinha ideia como era ter esses episódios sozinha, pois até onde me lembrava, sempre estava a uma ligação ou uma porta de distância.
Quanto a ... Eu não conseguia me ver ligando para ele do outro lado do mundo só para obter apoio emocional por causa de um pesadelo idiota provocado por estresse.
— Além disso, tenho certeza de que tem outros métodos eficazes pra te fazer aliviar o estresse — acrescentou com um sorrisinho, me tirando de meus pensamentos.
— ! — Eu ri, batendo com um travesseiro nela.
— O quê? Não é como se fosse mentira — ela brincou e se levantou, indo em direção à porta. — Vamos continuar essa conversa na cozinha, eu tô morrendo de fome.
Uma semana depois, eu ainda estava na estaca zero. Já fazia quase duas semanas desde o meu acidente e eu ainda não tinha lembrado de nada.
Meus últimos dias se resumiram a ler, comer e ver doramas com .
Embora me desse algum tempo sozinha quando se trancava no estúdio, fazia questão de passarmos um tempo de qualidade juntos.
Eu não estava reclamando, é claro.
Depois que voltou para seu próprio lar, eu passei a dormir sozinha no quarto de hóspedes e felizmente não tive nenhum episódio de terror noturno. No entanto — e infelizmente —, eu também não consegui dormir direito à noite, o que acabou me fazendo tirar breves cochilos durante o dia.
Agora eu estava de um lado do sofá com meu tablet em mãos, lendo os primeiros capítulos do próximo livro de Kate, enquanto estava no outro, com fones de ouvido com cancelamento de ruído, encarando a tela de seu laptop.
Eu era extremamente curiosa sobre seu processo criativo e tentei dar umas espiadas ocasionalmente, mas não é como se eu fosse entender algo sem escutar nada. Ele também não me deixava ler as letras enquanto estava escrevendo músicas, o que era um porre. Então em certo momento, eu meio que desisti de tentar. Sabendo que não ia conseguir nada, sugeri que ele voltasse para o estúdio, já que provavelmente era mais confortável trabalhar lá. Eu havia visto o tanto de equipamentos que ele tinha e ficar ali no sofá só para me fazer companhia parecia não fazer muito sentido.
Não é como se eu fosse passar mal nem nada. Aconteceu só o primeiro dia, quando tive aquele flash de memória de quando nos conhecemos, mas depois nada, zero, nadica de nada. Eu achei que iria conseguir lembrar de nós logo, e isso não ter acontecido ainda me deixava ansiosa. No entanto, tentei ao máximo transparecer tranquilidade. Eu não queria que se preocupasse mais ainda comigo.
Desviei o olhar da tela do tablet e o encarei discretamente enquanto ele trabalhava. Aquele arranjo entre nós, cada um trabalhando de um lado, vinha se repetindo há cerca de três dias e eu não podia evitar lembrar de Ayla e Dean.
Não retornei para o livro em nenhum momento durante meu sono, mas eu meio que sentia falta. Porque se o sonho era tão realista, então sim, eu queria viver um pouquinho na pele da protagonista. Menos nas cenas perigosas, é claro. Eu não estava interessada em ter meu celular roubado e ser agredida na rua. De jeito nenhum.
Mas seria bom viver um pouquinho de romance.
Até porque nada aconteceu entre mim e na última semana. Nós tínhamos uma necessidade mútua de tocar um ao outro, mas não tinha passado de nada além de abraços ou beijinhos na testa ou rosto. Nada de mais. O máximo que fizemos foi deitar juntos no sofá para assistir TV juntos.
Então comíamos juntos e à noite, cada um seguia para seu próprio quarto.
Durante aquele tempo, eu li mais de nossas mensagens trocadas e àquela altura eu já tinha lido as do ano anterior inteiro. Eu até sentia que conhecia mais um pouquinho, mas era como conhecer um protagonista. Nossas mensagens eram parte da nossa história e felizmente, eu não tinha deletado nenhuma.
Eu estava feliz por passar tempo com meu então namorado e até nos divertimos juntos, mas honestamente... Eu não era uma grande fã de slow burn.
Eu tinha plena consciência de que tinha planejado levar as coisas devagar enquanto eu não lembrava do nosso relacionamento, mas já estava começando a ficar impaciente. Eu tinha que me policiar para controlar os movimentos de minhas próprias mãos ou àquela altura, elas já teriam criado vida própria e se livrado de todas as roupas de .
Mas ninguém podia me culpar, certo?
Até onde eu sabia, casais que moram juntos eram praticamente casados. Então era normal me sentir atraída pelo meu namorido.
Eu só não sabia até quando o meu autocontrole iria durar. Ou o de . Porque não passou despercebido por mim que ele também tentava se controlar e às vezes forçava certa distância entre nós por causa disso.
Resumindo, éramos dois idiotas querendo se pegar, mas nenhum tomava atitude com medo do outro achar estranho ou ficar desconfortável. E eu meio que tinha certeza de que ele não faria isso de jeito nenhum. Mas eu o queria. Queria reconhecer ele por inteiro. E só o pensamento disso enviava mais borboletas para meu estômago.
Daqui a pouco eu iria vomitar borboletas porque elas não iam mais caber.
E ele parecia tão atraente enquanto trabalhava... Era impossível não admirar a visão. Trabalho braçal? Isso era ultrapassado. Eu sempre gostei mais de cérebros.
E o de era bem sexy. Tínhamos passado horas conversando sobre coisas aleatórias e eu achava fascinante o jeito como ele via as coisas e como era parecido como eu mesma via. Nós éramos opostos em muitas coisas e ele era definitivamente mais sensível do que eu. Às vezes, viajava um pouquinho às vezes com coisas que para mim não faziam o menor sentido e eu tinha que me segurar para não revirar os olhos. Eu amava arte e música desde sempre, mas havia um limite de tolerância entre o que eu achava legal e exagerado. Sempre fui mais prática e tinha coisas que eu simplesmente nem me esforçava para gostar. Por exemplo, música indie. Nada contra, mas não era meu estilo. E adorava várias. Por outro lado, eu curtia punk rock e ele não.
Mas também tínhamos muito em comum. Aparentemente, eu tinha feito igual a Ayla e obriguei ele a aprender todas as músicas dos meus musicais favoritos. Isso era quase como ganhar na loteria porque era de conhecimento geral como era chatinho e seletivo. Foi uma alegria descobrir que eu o tinha convencido a fazer muita coisa. Além disso, ambos amávamos músicas mais antigas, entre os anos setenta e noventa. Algumas vezes coloquei música para tocar enquanto cozinhava algo e logo aparecia cantarolando comigo.
Eu me sentia uma protagonista em meu próprio livro vivendo todos as minhas fantasias de fanfiqueira.
Bem, quase todas.
Eu ainda não havia arrancado as roupas de . E de novo, eu não tinha ideia de quanto tempo eu ia aguentar antes de meter o louco e fazer isso.
Como se sentisse o rumo que meus pensamentos estavam tomando, resolveu me encarar naquele momento, e tirou o fone de ouvido antes de falar.
— O que foi? Tá sentindo alguma coisa?
Eu com meu bom cérebro maluco, respondi sem pensar:
— Tô sim. Vontade de morder você todo.
Eu quis bater na minha própria boca. Meu cérebro devia estar com defeito de filtragem também. Mas então inclinou a cabeça para o lado levemente, um sorrisinho malicioso aparecendo em seus lábios.
— Você sabe que não precisa pedir. Eu sou todo seu. É só vir, amor.
Ah, eu estava a um passo de largar o tablet e pular em cima dele. Mas algum ser celestial deve ter tocado na minha cabeça e me feito rir, como se achasse que ele estava brincando.
Eu não achava. Depois de toda a sabedoria adquirida como fã de e uma semana passando a maior parte do tempo com ele, eu sabia que ele estava falando sério. Aposto que conseguiria me levar pra cama só com um olhar. Eu iria de bom grado, a qualquer momento.
E de verdade, eu merecia um prêmio por controlar meus próprios impulsos.
Me levantei com uma desculpa de preparar um lanche da tarde e aquele curto momento de tensão foi deixado de lado, assim como todos os outros que vieram antes dele.
Naquela noite de quinta, mais uma vez nos separamos para dormir e eu rolei algumas vezes na cama, tentando pegar no sono. Li por duas horas o terceiro livro da série de fantasia que eu tinha começado na semana anterior, e nem assim fiquei com sono.
Não faço ideia de que horas eram quando finalmente consegui adormecer.
Mas no dia seguinte, acordei com um barulho de despertador irritantemente familiar.
Abri os olhos e encarei o teto branco, de repente sabendo exatamente onde eu estava. Só para ter certeza, passei a mão pelo cabelo, percebendo que ele estava curto. Um sorrisinho levantou os cantos da minha boca e me sentei na cama, animada.
Eu tinha voltado para o corpo de Ayla .
Capítulo 8
Depois que me levantei para um novo dia na skin de Ayla, tudo que encontrei foi um caos.
Eu não tinha ideia de qual parte da história eu tinha ido parar, até descobrir que era o último dia de obrigações acadêmicas de Ayla. Isso meio que explicava por que eu estava me sentindo como uma zumbi o dia todo. Além de não dormir direito, ela estava à beira de ter um colapso nervoso, o que meio que aconteceu depois que ela se livrou de tudo.
Minha skin de Ayla encontrou com Zico e Dean e caiu no choro nos braços de Zico, coitado. Ele nem sabia o que fazer, e eu duvidava muito que Dean soubesse. No entanto, os dois murmuram palavras de consolo para ela. Ver Dean novamente era animador, mas minha skin de Ayla estava extremamente cansada e deprimida depois daquela última semana de provas e seminários. Se eu bem me lembrava, ela até havia esquecido o que ia falar no meio de uma apresentação.
Que terror para um estudante precisando de nota.
Mas eu sabia que ia ficar tudo bem, afinal, eu li o livro. He he.
O dia passou rápido e logo me vi olhando para o teto e dando um sorrisinho, feliz por não ter que fazer nada. Obviamente aquela felicidade que eu estava sentindo vinha toda de Ayla. Mas ela também havia falado com Seojun, seu ex-namorado e melhor amigo, então supus que estava feliz por isso também.
Seojun era um ator consideravelmente famoso e havia sido o primeiro e único namorado de Ayla, antes dela se envolver com Dean. Ele era sete anos mais velho, e um amor de pessoa. Também era o protagonista do segundo livro da série, e até hoje eu não havia encontrado nenhuma leitora da Kate que não gostasse desse homem. Era praticamente impossível não gostar dele quando o cara era extremamente gentil, cuidadoso e amoroso.
Tipo o .
Franzi o cenho, percebendo a similaridade com a personalidade dos dois. Embora Dean fosse inspirado em , havia muita coisa que meu namorado tinha em comum com Seojun, e eu só notei isso depois de conviver um pouquinho com ele.
Era como se fosse uma mistura dos dois. E não ironicamente, Dean e Seojun eram meus favoritos na série toda.
Embora eu gostasse do Yeong e do Sean também, os irmãos Lee, protagonistas dos livros quatro e cinco — os últimos da série — respectivamente. Eu não havia conhecido muito do Sean ainda, mas desde que ele apareceu em Perspicaz, o livro três, o idiota já me ganhou. Eu realmente tinha um probleminha com personagens em zona cinza porque Sean não era bem um mocinho habitual e tinha várias atitudes questionáveis, por mais que fossem divertidas também.
De todo modo, meu tipo ideal de cara se resumia a Dean e Seojun, então perceber que meu namorado era uma mistura dos dois fazia meu coração dar pulinhos de felicidade.
Ouvi a campainha tocar e me levantei para abrir a porta, dando de cara com Zico.
— Meu Deus. Se eu não soubesse que era você, eu morreria de susto, sinceramente — ele disse, fazendo uma careta assim que me viu.
Minha skin de Ayla ainda estava meio sem energia, então só perguntou o que ele queria.
Eu sabia muito bem o que Zico estava fazendo ali. Ele tinha ido me buscar para me levar ao clube em que ele, Dean e alguns amigos se apresentariam, e essa era a única coisa capaz de tirar Ayla de casa.
Depois dele me convencer, saí para me arrumar. Esperei minha skin continuar a agir no automático para se arrumar sozinha e depois de alguns segundos percebi que isso não ia acontecer. Suspirei e tirei a roupa que eu vestia, procurando algo confortável para a noite e... Espera aí.
Arregalei os olhos, encarando meu próprio reflexo no espelho. Aquela era a primeira noite que Ayla e Dean também passariam juntos e... Que lingerie feia ela estava usando.
Eu tinha a lembrança de algum protagonista de Kate zoando alguma calcinha estampada de uma mocinha, mas não fazia ideia de quem era. Nem se era daquela série. De todo modo, me recusei a usar uma calcinha branca de bolinhas vermelhas e um sutiã bege. Eu podia fazer bem melhor. Era a primeira noite deles, pelo amor de Deus.
Obviamente, Ayla não sabia daquilo, mas eu sim. E se o Dean era a cara do meu namorado, eu só tinha que aproveitar a situação. Ri sozinha, enquanto escolhia um conjunto de renda preto. Meu inconsciente só podia estar cheio de tensão sexual mesmo para me mandar de volta para o livro justo no dia em que Ayla e Dean dormiriam juntos pela primeira vez.
Ah, que sorte. Eu mal podia esperar por esse momento. Eu podia ter perdido o primeiro beijo, mas isso era bem melhor. Me senti como o próprio emoji roxo com chifrinhos sorrindo.
Terminei de me arrumar em alguns minutos e fiz apenas uma maquiagem leve para disfarçar minha cara de zumbi. Descobri que deu certo assim que encontrei Zico outra vez.
— Minha nossa — Zico colocou a mão na boca, fingindo espanto. — A maquiagem realmente faz milagres em você, Ayla. Sua cara de zumbi já era.
Minutos mais tarde, chegamos ao clube e Zico me apresentou a alguns outros amigos que também se apresentariam naquela noite.
Dean se ofereceu para buscar um refrigerante para mim e eu o observei de longe. Uma garota de vestido preto o parou quando ele estava voltando e eu os encarei, sabendo que ele a rejeitaria em breve. Como se sentisse meu olhar, ele levantou a cabeça, me encontrando no mesmo instante. Ayla teria desviado o olhar, fingindo que observava o local, mas quando ela não fez isso, percebi que eu estava no comando outra vez.
Geralmente era o que acontecia quando não havia diálogos ou descrições detalhadas.
Continuei encarando Dean e, como esperado, ele rejeitou as investidas da garota educadamente, antes de me encontrar outra vez. Ele se sentou ao meu lado em silêncio e deu um gole em seu copo de whisky, antes de se recostar no sofá que estávamos e levantar o quadril levemente para tirar algo do bolso.
Uma carteira de cigarros. Eu já sabia o que ia acontecer e não fiz nem questão de esperar Ayla dizer.
— Você não pode fumar comigo aqui.
— O quê? — Dean me encarou.
— Eu tenho alergia a tabaco, Dean. E estamos em ambiente fechado, por mais que seja um clube. Você não quer me ver tendo uma crise de tosse e falta de ar, né? E eu odeio o cheiro disso.
Não era bem isso que Ayla dizia para ele, mas eu resolvi improvisar.
Dean piscou duas vezes e então assentiu, voltando a guardar a carteira de cigarros.
Imediatamente agradeci mentalmente a por ter parado com aquela merda. Eu realmente odiava cigarros. E se meu namorado não pretendia largar o tabaco pela própria saúde, fiquei feliz em saber que ele tinha feito isso pela minha.
Depois de alguns minutos, os meninos foram para o palco se apresentar e eu me diverti assistindo. Até que chegou o momento crucial em que Dean cantou uma música sozinho.
"Eu vou te foder se você deixar..."
Um sorrisinho apareceu no meu rosto, sabendo que eu deixaria sim e de bom grado. Na verdade, eu estava contando os minutos para ir embora. Já que eu não estava aproveitando na vida real, então eu o faria ali, em sua skin de Dean.
Eu tinha uma queda pela voz de . Foi o que me chamou atenção primeiro, antes mesmo de conhecer seu rosto. E no corpo de Ayla, eu sentia como ela também gostava da voz de Dean. Nós ainda éramos e em um universo diferente, e eu não tinha do que reclamar.
Quando Dean voltou para onde eu estava, nós assistimos uma batalha underground de rap que rolava no palco e tivemos um diálogo automático. Fui uma mera expectadora naquele momento, mas me senti animada por dentro mesmo assim.
Dean perguntou por que Ayla não estava animada durante a apresentação dele e ela deu uma desculpa esfarrapada de que era porque o conhecia. Ele retrucou dizendo que ela havia gritado quando Zico se apresentou e Ayla rebateu falando que Zico não estava cantando "eu vou te foder se você deixar”, mas que teria sido diferente se ela não o conhecesse ou soubesse que não o veria mais. Eu sabia que ela agiria como uma maluca se não fosse por isso.
E acho que Dean também, porque ele apoiou a mão do outro lado da grade da varanda onde estavam, encurralando Ayla. Minha skin se encolheu involuntariamente e eu sorri por dentro. Quem nos visse, pensaria que estávamos abraçados, mas Dean apenas se inclinou para falar em meu ouvido:
— Nesse caso, eu gostaria que você não me conhecesse — ele murmurou, a voz rouca me fazendo arrepiar. Ai, ... Por que você tinha que ser tão bonito e provocante?
Senti um frio na barriga e meu coração acelerou.
— O quê? Por quê? — perguntei, rindo sem graça, olhando para o palco. Dean riu baixinho, antes de se inclinar novamente.
— Porque eu adoraria te ouvir gritando meu nome.
Minha nossa. Que Deus tivesse piedade de Ayla e de mim, porque certamente aquele homem não tinha.
Depois de mais alguns minutos divididos entre diálogos inocentes e mais provocações de Dean, eu (Ayla) anunciei que queria ir para casa e praticamente decretei que ele me levasse embora.
Eu sabia que Ayla dirigia para casa mesmo sabendo que Dean não estava bêbado, mas não me importei. Eu não estava com vontade de dirigir e fiquei feliz quando aquele diálogo não ocorreu. Eu iria tranquilamente no banco de carona e se Dean fosse parado e multado por beber uma dose de whisky, então azar o dele.
Como eu ainda precisava de uma desculpa que o fizesse subir até meu apartamento, falei que daria um pouco de água para ele quando chegássemos com a justificativa de que não o vi tomando nada.
Funcionou. Era melhor do que obrigá-lo a tomar café à noite. Desculpa, Kate.
No entanto, mais um diálogo automático veio e, de repente, Ayla e Dean estavam discutindo e indiretamente mencionando o beijo que ambos passaram um mês fingindo que não havia acontecido. Eu sabia que eles iam começar a se pegar a qualquer momento, então apenas esperei pacientemente enquanto me divertia com a mini discussão cheia de tensão sexual dos dois.
E quando Dean se aproximou no meio da discussão e colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, eu já sabia o que ia acontecer.
— Dean... O que você tá fazendo? — perguntei, sentindo o coração bater na garganta.
Dean me olhou nos olhos e sorriu, roçando o nariz no meu.
— Beijando você — respondeu, antes de me puxar para si, juntando nossos lábios.
Gemi contra sua boca, lembrando da primeira e única vez que beijei , ainda no hospital, e como tinha sido completamente inocente comparado àquele beijo. No próximo instante, estávamos no sofá e eu suspirei baixinho quando Dean levou os lábios até meu pescoço.
— Dean... — o chamei quando ele pressionou nossos corpos, me fazendo gemer com a fricção.
— Eu adoro quando você diz meu nome, Ayla...
Filho da puta. Me seduzindo e sabendo que estava obtendo sucesso. Eu que não iria reclamar.
— Eu vou te foder se você deixar, amor... — ele cantarolou baixinho no meu ouvido, alguns instantes depois.
Quando chegou o momento em que nos movemos até o quarto e Dean me jogou na cama, eu achei que finalmente ia ter um momento de sucesso naquele livro. A hora havia chegado e eu estava mais do que feliz por aquele sonho ser tão real. Começamos a nos livrar das primeiras peças de roupas e então, do completo e absoluto nada...
Eu acordei.
No quarto de hóspedes do apartamento que dividia com . Ri como uma maníaca, irritada para um caralho. Me sentei na cama e soquei o travesseiro, odiando ter acordado naquele momento. Eu estava excitada e agora sexualmente frustrada por causa de um maldito sonho.
Que ódio.
Respirei fundo por alguns segundos, e então decidi me recompor e parar de dar uma de doida. Peguei meu celular e vi que eram oito da manhã. Normalmente eu vinha acordando depois de oito e meia, mas de jeito nenhum eu conseguiria voltar a dormir depois daquela pataquada de sonho.
Decidi agir como uma mulher madura de vinte e oito anos e me dirigi ao banheiro para tomar banho e escovar os dentes. Banho quente, porque de jeito nenhum eu tomaria um frio. Eu podia estar sexualmente frustrada, mas ainda odiava água fria.
Depois de uns dez minutos, vesti um vestidinho azul solto e fui até a cozinha para preparar o café da manhã, enquanto tentava me forçar a esquecer meu momento interrompido com Dean.
Infelizmente, não tive muito sucesso.
Porque quando cheguei na cozinha, a primeira coisa que notei foi , cozinhando sem camisa. E como se notasse minha presença, ele se virou naquele momento, revelando um tronco musculoso e bem construído, com ombros fortes, e músculos na medida, do jeitinho que eu gostava.
Eu ainda não o tinha visto sem camisa nenhuma vez; estava sempre vestido. E certamente eu não lembrava ainda de não vê-lo com roupas.
Assim, meu queixo quase caiu e eu teria sorrido se ainda não estivesse com tanto tesão por ele. O universo definitivamente não estava cooperando ao colocar meu então namorado real semi nu na minha frente. Só podia ser algum tipo de teste de resistência.
— Bom dia. Você acordou mais cedo hoje... — comentou, meio sem jeito, provavelmente se dando conta de que havia sido pego em flagrante sem roupas apropriadas.
Como se eu fosse reclamar disso.
— Bom dia... — respondi, meio distraída, observando ele colocar a comida em um prato.
— Fiz café da manhã pra gente, você quer torradas com ovos mexidos ou geleia? — perguntou, mas honestamente, eu mal ouvi. — ? O que quer comer? — ele reforçou, quando não respondi.
Respirei fundo uma vez, ainda o encarando em silêncio, até que meu cérebro com defeito de filtragem mais uma vez falou por mim:
— Você.
piscou levemente confuso, mas antes que pudesse perguntar algo, eu andei até ele em passos determinados e pulei em seus braços. Instintivamente, ele me segurou e agradeci mentalmente por suas mãos estarem desocupadas ou teríamos feito uma bagunça.
— ? O que-
— Você. Quero comer você, .
E então o beijei.
Se o universo não estava cooperando comigo e minha decisão de me manter comportada, então eu ia aceitar o que ele estava me oferecendo de bom grado.
Eu não tinha ideia de qual parte da história eu tinha ido parar, até descobrir que era o último dia de obrigações acadêmicas de Ayla. Isso meio que explicava por que eu estava me sentindo como uma zumbi o dia todo. Além de não dormir direito, ela estava à beira de ter um colapso nervoso, o que meio que aconteceu depois que ela se livrou de tudo.
Minha skin de Ayla encontrou com Zico e Dean e caiu no choro nos braços de Zico, coitado. Ele nem sabia o que fazer, e eu duvidava muito que Dean soubesse. No entanto, os dois murmuram palavras de consolo para ela. Ver Dean novamente era animador, mas minha skin de Ayla estava extremamente cansada e deprimida depois daquela última semana de provas e seminários. Se eu bem me lembrava, ela até havia esquecido o que ia falar no meio de uma apresentação.
Que terror para um estudante precisando de nota.
Mas eu sabia que ia ficar tudo bem, afinal, eu li o livro. He he.
O dia passou rápido e logo me vi olhando para o teto e dando um sorrisinho, feliz por não ter que fazer nada. Obviamente aquela felicidade que eu estava sentindo vinha toda de Ayla. Mas ela também havia falado com Seojun, seu ex-namorado e melhor amigo, então supus que estava feliz por isso também.
Seojun era um ator consideravelmente famoso e havia sido o primeiro e único namorado de Ayla, antes dela se envolver com Dean. Ele era sete anos mais velho, e um amor de pessoa. Também era o protagonista do segundo livro da série, e até hoje eu não havia encontrado nenhuma leitora da Kate que não gostasse desse homem. Era praticamente impossível não gostar dele quando o cara era extremamente gentil, cuidadoso e amoroso.
Tipo o .
Franzi o cenho, percebendo a similaridade com a personalidade dos dois. Embora Dean fosse inspirado em , havia muita coisa que meu namorado tinha em comum com Seojun, e eu só notei isso depois de conviver um pouquinho com ele.
Era como se fosse uma mistura dos dois. E não ironicamente, Dean e Seojun eram meus favoritos na série toda.
Embora eu gostasse do Yeong e do Sean também, os irmãos Lee, protagonistas dos livros quatro e cinco — os últimos da série — respectivamente. Eu não havia conhecido muito do Sean ainda, mas desde que ele apareceu em Perspicaz, o livro três, o idiota já me ganhou. Eu realmente tinha um probleminha com personagens em zona cinza porque Sean não era bem um mocinho habitual e tinha várias atitudes questionáveis, por mais que fossem divertidas também.
De todo modo, meu tipo ideal de cara se resumia a Dean e Seojun, então perceber que meu namorado era uma mistura dos dois fazia meu coração dar pulinhos de felicidade.
Ouvi a campainha tocar e me levantei para abrir a porta, dando de cara com Zico.
— Meu Deus. Se eu não soubesse que era você, eu morreria de susto, sinceramente — ele disse, fazendo uma careta assim que me viu.
Minha skin de Ayla ainda estava meio sem energia, então só perguntou o que ele queria.
Eu sabia muito bem o que Zico estava fazendo ali. Ele tinha ido me buscar para me levar ao clube em que ele, Dean e alguns amigos se apresentariam, e essa era a única coisa capaz de tirar Ayla de casa.
Depois dele me convencer, saí para me arrumar. Esperei minha skin continuar a agir no automático para se arrumar sozinha e depois de alguns segundos percebi que isso não ia acontecer. Suspirei e tirei a roupa que eu vestia, procurando algo confortável para a noite e... Espera aí.
Arregalei os olhos, encarando meu próprio reflexo no espelho. Aquela era a primeira noite que Ayla e Dean também passariam juntos e... Que lingerie feia ela estava usando.
Eu tinha a lembrança de algum protagonista de Kate zoando alguma calcinha estampada de uma mocinha, mas não fazia ideia de quem era. Nem se era daquela série. De todo modo, me recusei a usar uma calcinha branca de bolinhas vermelhas e um sutiã bege. Eu podia fazer bem melhor. Era a primeira noite deles, pelo amor de Deus.
Obviamente, Ayla não sabia daquilo, mas eu sim. E se o Dean era a cara do meu namorado, eu só tinha que aproveitar a situação. Ri sozinha, enquanto escolhia um conjunto de renda preto. Meu inconsciente só podia estar cheio de tensão sexual mesmo para me mandar de volta para o livro justo no dia em que Ayla e Dean dormiriam juntos pela primeira vez.
Ah, que sorte. Eu mal podia esperar por esse momento. Eu podia ter perdido o primeiro beijo, mas isso era bem melhor. Me senti como o próprio emoji roxo com chifrinhos sorrindo.
Terminei de me arrumar em alguns minutos e fiz apenas uma maquiagem leve para disfarçar minha cara de zumbi. Descobri que deu certo assim que encontrei Zico outra vez.
— Minha nossa — Zico colocou a mão na boca, fingindo espanto. — A maquiagem realmente faz milagres em você, Ayla. Sua cara de zumbi já era.
Minutos mais tarde, chegamos ao clube e Zico me apresentou a alguns outros amigos que também se apresentariam naquela noite.
Dean se ofereceu para buscar um refrigerante para mim e eu o observei de longe. Uma garota de vestido preto o parou quando ele estava voltando e eu os encarei, sabendo que ele a rejeitaria em breve. Como se sentisse meu olhar, ele levantou a cabeça, me encontrando no mesmo instante. Ayla teria desviado o olhar, fingindo que observava o local, mas quando ela não fez isso, percebi que eu estava no comando outra vez.
Geralmente era o que acontecia quando não havia diálogos ou descrições detalhadas.
Continuei encarando Dean e, como esperado, ele rejeitou as investidas da garota educadamente, antes de me encontrar outra vez. Ele se sentou ao meu lado em silêncio e deu um gole em seu copo de whisky, antes de se recostar no sofá que estávamos e levantar o quadril levemente para tirar algo do bolso.
Uma carteira de cigarros. Eu já sabia o que ia acontecer e não fiz nem questão de esperar Ayla dizer.
— Você não pode fumar comigo aqui.
— O quê? — Dean me encarou.
— Eu tenho alergia a tabaco, Dean. E estamos em ambiente fechado, por mais que seja um clube. Você não quer me ver tendo uma crise de tosse e falta de ar, né? E eu odeio o cheiro disso.
Não era bem isso que Ayla dizia para ele, mas eu resolvi improvisar.
Dean piscou duas vezes e então assentiu, voltando a guardar a carteira de cigarros.
Imediatamente agradeci mentalmente a por ter parado com aquela merda. Eu realmente odiava cigarros. E se meu namorado não pretendia largar o tabaco pela própria saúde, fiquei feliz em saber que ele tinha feito isso pela minha.
Depois de alguns minutos, os meninos foram para o palco se apresentar e eu me diverti assistindo. Até que chegou o momento crucial em que Dean cantou uma música sozinho.
"Eu vou te foder se você deixar..."
Um sorrisinho apareceu no meu rosto, sabendo que eu deixaria sim e de bom grado. Na verdade, eu estava contando os minutos para ir embora. Já que eu não estava aproveitando na vida real, então eu o faria ali, em sua skin de Dean.
Eu tinha uma queda pela voz de . Foi o que me chamou atenção primeiro, antes mesmo de conhecer seu rosto. E no corpo de Ayla, eu sentia como ela também gostava da voz de Dean. Nós ainda éramos e em um universo diferente, e eu não tinha do que reclamar.
Quando Dean voltou para onde eu estava, nós assistimos uma batalha underground de rap que rolava no palco e tivemos um diálogo automático. Fui uma mera expectadora naquele momento, mas me senti animada por dentro mesmo assim.
Dean perguntou por que Ayla não estava animada durante a apresentação dele e ela deu uma desculpa esfarrapada de que era porque o conhecia. Ele retrucou dizendo que ela havia gritado quando Zico se apresentou e Ayla rebateu falando que Zico não estava cantando "eu vou te foder se você deixar”, mas que teria sido diferente se ela não o conhecesse ou soubesse que não o veria mais. Eu sabia que ela agiria como uma maluca se não fosse por isso.
E acho que Dean também, porque ele apoiou a mão do outro lado da grade da varanda onde estavam, encurralando Ayla. Minha skin se encolheu involuntariamente e eu sorri por dentro. Quem nos visse, pensaria que estávamos abraçados, mas Dean apenas se inclinou para falar em meu ouvido:
— Nesse caso, eu gostaria que você não me conhecesse — ele murmurou, a voz rouca me fazendo arrepiar. Ai, ... Por que você tinha que ser tão bonito e provocante?
Senti um frio na barriga e meu coração acelerou.
— O quê? Por quê? — perguntei, rindo sem graça, olhando para o palco. Dean riu baixinho, antes de se inclinar novamente.
— Porque eu adoraria te ouvir gritando meu nome.
Minha nossa. Que Deus tivesse piedade de Ayla e de mim, porque certamente aquele homem não tinha.
Depois de mais alguns minutos divididos entre diálogos inocentes e mais provocações de Dean, eu (Ayla) anunciei que queria ir para casa e praticamente decretei que ele me levasse embora.
Eu sabia que Ayla dirigia para casa mesmo sabendo que Dean não estava bêbado, mas não me importei. Eu não estava com vontade de dirigir e fiquei feliz quando aquele diálogo não ocorreu. Eu iria tranquilamente no banco de carona e se Dean fosse parado e multado por beber uma dose de whisky, então azar o dele.
Como eu ainda precisava de uma desculpa que o fizesse subir até meu apartamento, falei que daria um pouco de água para ele quando chegássemos com a justificativa de que não o vi tomando nada.
Funcionou. Era melhor do que obrigá-lo a tomar café à noite. Desculpa, Kate.
No entanto, mais um diálogo automático veio e, de repente, Ayla e Dean estavam discutindo e indiretamente mencionando o beijo que ambos passaram um mês fingindo que não havia acontecido. Eu sabia que eles iam começar a se pegar a qualquer momento, então apenas esperei pacientemente enquanto me divertia com a mini discussão cheia de tensão sexual dos dois.
E quando Dean se aproximou no meio da discussão e colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, eu já sabia o que ia acontecer.
— Dean... O que você tá fazendo? — perguntei, sentindo o coração bater na garganta.
Dean me olhou nos olhos e sorriu, roçando o nariz no meu.
— Beijando você — respondeu, antes de me puxar para si, juntando nossos lábios.
Gemi contra sua boca, lembrando da primeira e única vez que beijei , ainda no hospital, e como tinha sido completamente inocente comparado àquele beijo. No próximo instante, estávamos no sofá e eu suspirei baixinho quando Dean levou os lábios até meu pescoço.
— Dean... — o chamei quando ele pressionou nossos corpos, me fazendo gemer com a fricção.
— Eu adoro quando você diz meu nome, Ayla...
Filho da puta. Me seduzindo e sabendo que estava obtendo sucesso. Eu que não iria reclamar.
— Eu vou te foder se você deixar, amor... — ele cantarolou baixinho no meu ouvido, alguns instantes depois.
Quando chegou o momento em que nos movemos até o quarto e Dean me jogou na cama, eu achei que finalmente ia ter um momento de sucesso naquele livro. A hora havia chegado e eu estava mais do que feliz por aquele sonho ser tão real. Começamos a nos livrar das primeiras peças de roupas e então, do completo e absoluto nada...
Eu acordei.
No quarto de hóspedes do apartamento que dividia com . Ri como uma maníaca, irritada para um caralho. Me sentei na cama e soquei o travesseiro, odiando ter acordado naquele momento. Eu estava excitada e agora sexualmente frustrada por causa de um maldito sonho.
Que ódio.
Respirei fundo por alguns segundos, e então decidi me recompor e parar de dar uma de doida. Peguei meu celular e vi que eram oito da manhã. Normalmente eu vinha acordando depois de oito e meia, mas de jeito nenhum eu conseguiria voltar a dormir depois daquela pataquada de sonho.
Decidi agir como uma mulher madura de vinte e oito anos e me dirigi ao banheiro para tomar banho e escovar os dentes. Banho quente, porque de jeito nenhum eu tomaria um frio. Eu podia estar sexualmente frustrada, mas ainda odiava água fria.
Depois de uns dez minutos, vesti um vestidinho azul solto e fui até a cozinha para preparar o café da manhã, enquanto tentava me forçar a esquecer meu momento interrompido com Dean.
Infelizmente, não tive muito sucesso.
Porque quando cheguei na cozinha, a primeira coisa que notei foi , cozinhando sem camisa. E como se notasse minha presença, ele se virou naquele momento, revelando um tronco musculoso e bem construído, com ombros fortes, e músculos na medida, do jeitinho que eu gostava.
Eu ainda não o tinha visto sem camisa nenhuma vez; estava sempre vestido. E certamente eu não lembrava ainda de não vê-lo com roupas.
Assim, meu queixo quase caiu e eu teria sorrido se ainda não estivesse com tanto tesão por ele. O universo definitivamente não estava cooperando ao colocar meu então namorado real semi nu na minha frente. Só podia ser algum tipo de teste de resistência.
— Bom dia. Você acordou mais cedo hoje... — comentou, meio sem jeito, provavelmente se dando conta de que havia sido pego em flagrante sem roupas apropriadas.
Como se eu fosse reclamar disso.
— Bom dia... — respondi, meio distraída, observando ele colocar a comida em um prato.
— Fiz café da manhã pra gente, você quer torradas com ovos mexidos ou geleia? — perguntou, mas honestamente, eu mal ouvi. — ? O que quer comer? — ele reforçou, quando não respondi.
Respirei fundo uma vez, ainda o encarando em silêncio, até que meu cérebro com defeito de filtragem mais uma vez falou por mim:
— Você.
piscou levemente confuso, mas antes que pudesse perguntar algo, eu andei até ele em passos determinados e pulei em seus braços. Instintivamente, ele me segurou e agradeci mentalmente por suas mãos estarem desocupadas ou teríamos feito uma bagunça.
— ? O que-
— Você. Quero comer você, .
E então o beijei.
Se o universo não estava cooperando comigo e minha decisão de me manter comportada, então eu ia aceitar o que ele estava me oferecendo de bom grado.
Capítulo 9
correspondeu meu beijo sem hesitar.
No instante em que nossos lábios se tocaram, ele me acolheu em seus braços como se eu não tivesse parecido uma maluca me jogando contra ele. Ou pior, como se fosse natural eu fazer isso. Será que eu fazia?
me apoiou na bancada ao lado da pia e envolveu meu rosto com uma mão, aprofundando nosso beijo; a outra, foi direto para a minha bunda, por baixo do vestido e ele apertou com força, pressionando o corpo contra o meu. Gemi contra o beijo e arranhei suas costas levemente, usando as pernas para puxar ele para mais perto, se é que era possível. A questão era que eu queria me fundir a ele e sentia uma necessidade quase dolorosa de tê-lo dentro de mim. Cheguei à conclusão de que meu corpo só podia amar o corpo dele, o que me fazia agir por puro instinto.
Ele partiu nosso beijo para levar a boca ao meu pescoço e usou uma das mãos para abaixar uma das alças do meu vestido, expondo meu ombro. Arfei, ofegante e sentindo a pele arrepiar, mas eu também queria muito tocá-lo. Então empurrei sua cabeça de leve e levei meus lábios até seu pescoço, raspando os dentes de leve pela tatuagem enorme ali. A pele dele se arrepiou e eu sorri quando ele exalou o ar de uma vez.
— ...
Continuei a beijá-lo e puxei o lóbulo de sua orelha, fazendo-o se contrair com cócegas. Eu ri baixinho e ele juntou nossos lábios mais uma vez, as duas mãos sob o meu vestido. Senti ele enganchar os dedos de cada lado da minha calcinha e em um puxão forte e repentino, o tecido se partiu. Quebrei o beijo, surpresa, e sorri quando ele se inclinou mais para frente, baixando a outra alça do meu vestido e então puxando o tecido para baixo, expondo meus seios. Estremeci quando sua boca os tocou e suspirei baixinho, ofegante, me sentindo extremamente sensível em todos os lugares. me beijou e beijou, e eu comecei a perder a noção do tempo.
Então ele se afastou e me encarou por um instante, roçando a boca na minha, sem realmente me beijar. Me perdi na escuridão de seus olhos até que se distanciou outra vez, se inclinando para baixo e abriu minhas pernas, me expondo completamente para ele.
Àquela altura, o tecido do meu vestido estava embolado na minha cintura, meus seios ainda expostos. Eu estava uma bagunça, mas tudo o que eu conseguia pensar era no toque dele.
E como se soubesse exatamente disso, me deu o menor dos sorrisos e então caiu de boca em mim, me devorando como um homem faminto. Gemi, surpresa, e automaticamente levei uma mão ao cabelo dele, desesperada para me segurar em algo. Era como se a qualquer momento eu fosse cair de um precipício e era ele quem estava me empurrando aos poucos. usou sua boca em mim como se soubesse exatamente como me tocar e, em um milissegundo, me dei conta de que ele devia mesmo saber.
Me contorci contra sua boca, sem sentir um pingo de vergonha, e então senti ele deslizar dois dedos dentro de mim, aumentando o estímulo. Me apertei ao redor deles, sentindo a tensão em meu corpo crescer. O precipício estava bem ali e quando cheguei à beira dele, me empurrou sem aviso. Estremeci violentamente contra sua boca e, por um momento, minha visão escureceu e tive um flash de memória de nós dois naquele mesmo lugar, em outra ocasião.
se afastou um momento depois e eu o encarei com os olhos pesados, enquanto ele limpava o canto da boca com o polegar, sem tirar os olhos de mim. Eu estava completamente mole e com o corpo quente, e ele tinha um sorriso satisfeito no rosto, beirando à prepotência.
O idiota sabia o que tinha feito comigo. Ele sabia que tinha me desmantelado toda e, por alguns segundos, só consegui encará-lo enquanto recuperava o fôlego. Quando isso aconteceu, me inclinei para frente e juntei nossos lábios mais uma vez, percorrendo seu abdômen com as mãos até o cós de seu short.
Enfiei minha mão ali e senti sua excitação pela cueca boxer que ele usava. Pressionei um pouquinho e gemeu contra minha boca. Fui envolvida por uma repentina satisfação ao perceber como eu o afetava também e tudo o que eu conseguia pensar era: minha vez.
Brinquei um pouquinho com o elástico de sua roupa íntima e então, quando eu estava prestes a enfiar uma mão ali, a campainha tocou.
se separou de mim no mesmo instante e me encarou por alguns segundos. A campainha tocou novamente e ele virou a cabeça.
— Merda... A encomenda.
— O que foi? — eu quis saber.
— Eu volto já. Fica aqui.
Assenti e o observei se afastar para atender a porta. Desci da bancada e ajeitei meu vestido rapidamente, com receio de algum visitante inesperado surgir. Avistei minha calcinha no chão e senti o rosto esquentar, um sorriso levantando meus lábios.
Isso de partir calcinhas... Eu achava que só existia nos livros. Não esperava vivenciar esse tipo de fantasia feminina, mas era quente demais. Peguei o agora pedaço de tecido e aproveitei que estava ocupado para ir ao banheiro me limpar e me recompor propriamente, para ficar apresentável mais uma vez.
Encarei meu reflexo ainda corado no espelho e sorri para mim mesma.
De repente, me perguntei quantas calcinhas minhas já tinha rasgado. Ainda bem que eu não tinha nenhum apego emocional a roupas íntimas, porque aquela era bonita.
Descanse em paz, calcinha, pensei ao jogar ela no cesto de lixo do banheiro.
Voltei para a cozinha a tempo de ouvir falando com alguém, enquanto voltava para dentro de casa.
— Obrigado, Sr. . Tenha um bom dia — uma voz masculina disse.
— Você também, Levi. Até mais.
reapareceu carregando uma caixa grande que colocou em cima da bancada e então se moveu ao redor para esquentar novamente o café da manhã. De repente, percebi que nosso momento havia passado. perguntou novamente se eu queria ovos mexidos e assenti, enquanto ele começava a se mover ao redor da cozinha para preparar, como se há menos de dez minutos não estivesse com a boca em mim.
— O que é isso? — Apontei para a caixa. Por que aquele entregador tinha que aparecer justo naquela hora?
— Compras de supermercado. Eu comprei online e pedi pra entregarem aqui.
— Aqui e não na portaria? Eu não sabia que podia.
— Eu pago a mais por isso. — Ele deu de ombros. — E sempre dou uma boa gorjeta ao entregador. Não gosto de ficar indo e vindo, o condomínio é grande.
Nossa, ser rico devia ser muito bom mesmo.
Eu também tinha uma quantia razoável de dinheiro na minha conta, mas nunca pensei naquilo.
— Eu faço isso também? Compras online de supermercado?
— Sim, mas você gosta de ir pessoalmente também. Às vezes, eu vou com você, mas não é muito frequente porque tento não ser reconhecido por aí.
— Entendi.
colocou a comida na bancada e nos sentamos juntos.
Comemos por alguns minutos em silêncio, até que ele começou a falar.
— Sabe... Fiquei surpreso por você me beijar de repente.
— Sério mesmo que não esperava que eu fosse pular em cima de você que nem uma maluca? Você não parecia surpreso.
— Na hora eu não pensei, só agi — ele respondeu, contendo um sorriso. — Além disso, não foi nada fora do normal. Tirando o fato de que você não se lembra de mim como seu parceiro.
— Então é normal eu dar uma de doida?
— Amor, eu adoro quando você dá uma de doida. — Ele sorriu como um idiota, e eu pisquei algumas vezes.
— Por que você se apaixonou por mim mesmo? Eu não sou tão interessante. Na verdade, minha vida é até chata comparada a sua. Eu sou chata. E frequentemente tenho pensamentos politicamente incorretos que me cancelariam.
— Eu também. Mas a gente se ama mesmo assim. Além de parceira, você é minha melhor amiga, . Só não lembra ainda — ele comentou, se levantando para deixar a louça na pia.
Em seguida, foi até a caixa que recebeu e começou a retirar as compras de dentro. Levantei também e fui ajudar a organizar tudo para guardar.
— Tenho a impressão de que você viu todos os meus lados nos últimos anos. E me sinto à vontade ao seu redor como nunca estive com ninguém — confessei, de repente.
me encarou com um sorriso de canto e continuou a trabalhar nas compras.
— Você tá certa. Eu conheço a fã de , a que é leitora voraz, que ri como uma menininha ao ler uma cena romântica e fofa, mas que também lê vários livros questionáveis... Até a estressada, quando algo dá errado ou simplesmente te irrita, porque você não é tão paciente assim... E a que faz de tudo pra ajudar a todos como puder. Você se esforça pra ser compreensiva, mesmo quando algo te chateia, até mesmo comigo. Eu conheço todas as suas alergias, manias e gostos e te acho fascinante, amor, por mais que você pense que não é.
Seria possível me apaixonar mais ainda? As lembranças com estavam nubladas por uma névoa espessa em minha mente, mas os sentimentos não. Eu sabia que eles eram reais. E descobrir um pouquinho mais sobre a gente me fazia até ficar assustada por imaginar o tanto que eu o amava. Além disso, fazia eu me sentir amada também. A cada ato gentil, cuidadoso e amoroso dele. Por mais que parecesse novidade para mim, todos os meus amigos pareciam estar habituados a ele agindo assim em torno de mim.
Era como se nós orbitássemos um ao redor do outro.
— Às vezes eu acho que isso tudo é um sonho e vou me decepcionar quando acordar — admiti, sentindo os olhos arderem subitamente.
— Não é um sonho, . É assim que nós somos — disse, parando o que estava fazendo para se virar para mim. Ele segurou minhas mãos e as levou aos lábios, beijando meus dedos carinhosamente. Nossas alianças de compromisso brilharam contra a luz. — Acho que o universo quis assim. Você sempre disse que parece que somos predestinados, e eu concordo. Acho que estávamos fadados a acontecer. E eu amo cada pedacinho seu.
Meus olhos embaçaram com lágrimas enquanto o encarava.
— Eu também... — confessei. — Mesmo não lembrando de nada ainda e mesmo com medo de não lembrar algum dia, ... Eu simplesmente sei que te amo. Você é único pra mim tal qual o Pequeno Príncipe era único para a rosa.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto e ele secou carinhosamente.
— E você era uma em um milhão, mas agora é minha e é isso que te torna diferente de todas as outras. — Ele sorriu, encostando a testa na minha. — Você é a minha rosa, amor.
Eu ri baixinho, e lágrimas grossas escorreram pelo meu rosto.
— Eu não quero mais abafar esses sentimentos com medo de ficar estranho entre a gente — declarei. — Não quero que você fique pisando em ovos comigo, achando que vou me assustar ou algo assim, pelo fato de eu não lembrar. Eu quero tocar você e quero que me toque. Se você é meu, então eu sou sua também, . — Acariciei seu rosto. Ele me encarou com os olhos brilhantes também e um par de lágrimas escapou deles.
As enxuguei com os polegares, assim como ele fez comigo, e se inclinou, selando nossos lábios por um breve momento antes de me envolver em um abraço forte e acolhedor. Ficamos assim por alguns minutos até que o celular dele tocou e ele se afastou para atender.
— É o nosso personal trainer. Eu meio que me atrasei. — Ele me encarou e eu ri, sentindo o rosto esquentar, sabendo exatamente o motivo de seu atraso.
falou com o cara por alguns instantes e de repente um nome me veio em mente.
Quando ele desligou, eu perguntei:
— Por acaso, nosso personal trainer se chama John Kim?
— Sim... Sim, é ele. Você lembrou disso, ?
— Não sei... De repente, esse nome me veio em mente. — Dei de ombros. — E teve outra coisa, quando nós estávamos... — Olhei para a bancada ao lado da pia e voltei a encará-lo. — Nós fizemos aquilo outras vezes, naquele lugar? Me veio um flash de memória na hora, mas foi muito rápido.
— Amor... — sorriu, malicioso. — Nós fizemos várias coisas em todos os cômodos desse apartamento. Então é bem provável que tenha sido real.
— Ah... Isso é bom então, né? Meio que é um progresso. Bem pequeno, mas...
— Isso é ótimo, amor. Me diga sempre que lembrar de qualquer coisa, vou tentar te ajudar como puder.
— Tudo bem. — Assenti. — Você tá atrasado. Vai logo e deixa que eu guardo as compras.
— Vou dizer a John que você vai voltar pra academia segunda-feira. O médico disse que era importante você fazer exercícios.
— Que animador... Logo eu, que odeio.
riu, divertido.
— Mas é bom pra saúde, e é por isso que você faz. Vou pedir a John pra pegar leve com você.
Então ele selou nossos lábios uma última vez e partiu para buscar uma camisa que vestiu antes mesmo de chegar à porta. Um instante depois, ele se foi e eu voltei minha atenção para as compras, me perdendo em pensamentos mais uma vez.
Capítulo 10
Depois de uma hora e meia depois de sair para a academia, eu já tinha guardado as compras, tomado banho, lavado a louça e agora estava acomodada no meu sofá enorme e fofinho, rodeada de almofadas e bebericando um copo grande de chá-preto gelado com limão, enquanto lia mais alguns capítulos de Oblíquo, que eu havia recebido naquela manhã.
Eu não cuidava somente da agenda de Kate, mas também atuava como sua primeira leitora beta e estar dentro do processo criativo dela era algo que eu fazia desde sempre e amava.
Aquele era o último livro da série que ela vinha publicando desde 2019 e estava previsto para ser lançado no próximo ano. Saber que estava acabando me dava uma sensação agridoce e às vezes me fazia economizar capítulos por não querer me despedir da série.
Kate costumava usar um pseudônimo em seus livros e isso não tinha mudado, mas antes ninguém sabia seu verdadeiro nome. Até mesmo os autógrafos de livros eram feitos na editora ou na casa dela durante a pré-venda, e os leitores passaram alguns anos sem ter noção de quem ela era, até Kate decidir largar seu emprego de enfermeira, que àquela altura era mais um hobby, e revelar sua verdadeira identidade.
Ela também era a única pessoa que eu conhecia que teria como hobby algo que envolvia pessoas em risco de morte. Eu nunca entendi isso, mas ainda era a profissão de formação dela. Só que falando por mim, se eu fosse Kate, eu nunca pisaria em um hospital se ganhasse dinheiro trabalhando em casa. E não era pouco dinheiro. Kate era uma autora bestseller.
E eu tive muita sorte de trabalhar com ela. Comecei como uma mera estagiária na editora, depois de passar meses fazendo freelancer enquanto eu procurava um emprego estável. Felizmente, o meu portfólio de freelancer interessou Andrew e ele resolveu me dar uma chance sem ao menos me conhecer pessoalmente.
Isso foi em 2016.
Fui treinada pessoalmente por ele e fiz diversas coisas como estagiária na editora. Eu sabia um pouquinho de tudo, mas às vezes era cansativo. No entanto, o esforço valeu a pena e quando Kate decidiu revelar sua identidade e solicitou uma agente, Andrew me ofereceu a vaga.
Eu meio que surtei por um momento, mas aceitei sem pestanejar. Era de Fleur de Colibri de quem estávamos falando. Uma autora grande, com milhares de leitores. De jeito nenhum eu ia deixar passar aquela chance, mesmo com medo de fracassar.
E foi a melhor coisa que fiz.
Kate era bem temperamental às vezes, e não era nem um pouquinho delicada quando estava fora de sua skin de enfermeira, mas nos dávamos incrivelmente bem. Andrew provavelmente percebeu que seríamos compatíveis antes mesmo de nós duas, e por isso me escolheu. Na época, minha relação com ele não era nada além de profissional e amigável como um bom chefe teria com seus funcionários. Ele e Dianna dividiam o posto de CEO e ambos eram incríveis.
Nunca conheci ninguém da editora que odiasse trabalhar lá e as poucas pessoas que vi se demitirem eram por motivos pessoais que envolviam família ou casamento. A maior parte dos funcionários era composta por mulheres e às vezes acontecia de largarem o emprego para se casar e serem sustentadas pelos seus maridos. Eu achava um tanto curioso e se o relacionamento era saudável, então devia ser legal, mas nunca me imaginei fazendo nada do tipo. Eu amava meu trabalho e era muito bem paga, obrigada.
e eu passamos alguns períodos apertados fazendo bicos e tentando juntar um pé de meia para emergências. Não tínhamos plano de saúde e ainda havia os empréstimos estudantis da faculdade.
Nunca passamos nenhuma necessidade durante esse tempo, mas também não podíamos nos dar ao luxo de fazer muitas coisas. Felizmente, isso melhorou um pouco depois que arrumou um emprego como professora e eu consegui o estágio na editora. Nessa época, ela ainda era a provedora principal da nossa casa, mas eu tentava ajudar o máximo que podia.
Quando me tornei agente de Kate, nossa vida melhorou consideravelmente. Meu salário aumentou e frequentemente eu recebia alguns bônus. Não demorou muito para que eu conseguisse quitar meus empréstimos estudantis e ajudar com o restante que faltava para ela. Nos mudamos para um apartamento melhor e os luxos que não podíamos ter passaram a fazer parte de nossa rotina.
O melhor de tudo era poder pedir comida ou ir a um restaurante sem se preocupar com o valor e, é claro, ter plano de saúde.
No entanto, a nossa evolução financeira não nos fez ficar irresponsáveis. Sabíamos muito bem o valor que o dinheiro tinha e como era não ter muito. Esse era um dos motivos pelo qual eu nunca pararia de trabalhar. Nem mesmo se me pedisse.
Quando comecei na editora, minha conta bancária tinha apenas cento e quarenta dólares que eu estava tentando fazer render enquanto não conseguia nenhum outro trabalho como freelancer. Esse número se transformou em alguns milhares de dólares depois de alguns meses como estagiária, e algumas centenas de milhares quando comecei a trabalhar com Kate.
Eu sempre seria grata a Andy por ter me escolhido. E era bom saber que ele acreditou na minha capacidade quando nem eu tinha certeza dela.
Acabamos nos aproximando um pouco mais desde então. Kate era muito próxima dele e de Dianna, e os três se encontravam com frequência. Como sua agente, eu precisava estar a par de tudo, então eu a seguia a cada compromisso de trabalho.
Andy me ajudou com dúvidas e a resolver coisas que eu ainda não tinha muita experiência. De chefe e funcionária, nos tornamos amigos. Meses depois, ele me convidou para sair, e uma coisa levou à outra. Namoramos por um ano e meio, até que tudo ficou morno.
Fui eu que terminei nosso relacionamento, porque eu sabia que Andrew não teria coragem. Ele não queria me magoar, mas eu era rápida em pegar os sinais. Passamos cerca de dois meses empurrando o nosso relacionamento com a barriga, até que eu percebi que um de nós precisava agir, e tinha que ser eu.
Não foi um término triste e não nos magoou. Tínhamos passado dezoito meses juntos, mas nossa amizade era mesmo mais forte que isso. Nunca nos tratamos com indiferença, e a única coisa que mudou foi a linha de limite imaginária que estabelecemos automaticamente entre nós.
Como não ir a encontros sozinhos e não nos beijarmos mais. Já abraços eram permitidos. Afinal, ainda tínhamos um carinho enorme um pelo outro. Ele tinha sido o cara com quem perdi minha virgindade e era um cavalheiro. De todo modo, Andy e eu éramos pessoas que também funcionavam muito bem sozinhas, sem a necessidade de estar sempre em um relacionamento. Ele estava solteiro desde então e eu... Bem, aparentemente conheci seis meses após nosso término.
E fui amarrada por ele desde a tal noite do meu flashback, noite essa que eu mal podia esperar para lembrar e saber como tinha sido conhecer o amor da minha vida. Porque era isso que era, como eu o intitulava desde que era apenas uma fã — o que para mim foi até poucos dias atrás.
No entanto, como fã, eu não ousava sonhar com algo real. Claro que eu tinha meus momentos delulu porque era divertido e aparentemente saudável, e toda fã tem. Mas na realidade mesmo, eu era bem pé no chão. No máximo, queria encontrá-lo pessoalmente para tirar uma foto e pegar um autógrafo. Mas meu peito se enchia de felicidade por saber que tínhamos ido bem mais longe que isso.
Terminei de beber meu chá com um barulho no canudo de metal no exato instante em que abriu a porta, já se livrando da camisa. Ele estava completamente suado e por mais que eu odiasse suor, aquela era uma visão e tanto.
— O que você tá bebendo? — Ele perguntou, enchendo um copo de água antes de colocar uma dose de whey protein e sacudir.
Eca.
— Chá-preto com limão. Quer que eu prepare pra você? — ofereci, mesmo vendo ele beber aquela nojeira.
negou com a cabeça.
— Talvez mais tarde. Você quer? — ele me ofereceu o shake. Coloquei um dedo na boca e fiz barulho de vômito. riu e rolou os olhos. — Não é tão ruim assim depois que você se acostuma.
— Tirando o fato de que nunca me acostumei. Me arranje um whey que não tenha gosto de nada e aí a gente conversa.
Ele riu de novo e então terminou de tomar A Nojeira de uma vez.
— Vou tomar banho — disse, já se afastando. — John mandou oi e falou pra você se preparar psicologicamente.
— Ei! Você disse que ia pedir pra ele pegar leve.
— E pedi. Mas eu não disse que ele ia concordar com isso. — Ele sorriu com malícia.
Fiz uma careta e mostrei o dedo do meio para ele.
— Vá se foder, .
— Só se você vier também, amor — ele retrucou, com a resposta na ponta da língua.
Rolei os olhos, o ignorando, e voltei a ler. Vinte minutos mais tarde, eu estava fatiando vegetais e a panela de arroz já funcionava a todo vapor, enquanto eu me ocupava com os preparativos de bibimbap. Senti uma súbita vontade de comer aquilo e não avisei . Eu nem sabia se ele gostava, mas se a culinária asiática era comum entre nós, então havia uma grande chance dele já ter comido.
Além disso, era muito prático. Eu só tinha que refogar vegetais, preparar um pouco de carne, e depois montar tudo em duas tigelas grandes. A versão clássica levava um ovo frito em cima também e molho agridoce feito com pimenta, ketchup e mel como base. Era possível acrescentar alguns temperos, mas a versão básica já era muito boa.
apareceu alguns minutos depois, quando eu estava refogando a cebola.
— Hm, que cheiro bom. O que é? Bibimbap? — Ele espiou a tigela de legumes ao meu lado.
— Sim, eu não sabia se você gostava, mas senti vontade de comer. De todo jeito, tô fazendo o suficiente pra nós dois.
— Eu amo bibimbap, amor — respondeu, dando um beijinho na minha têmpora. Sorri de lado, satisfeita. — Quer que eu ajude em algo?
— Você pode preparar o molho? Vou usar a mesma panela pra refogar tudo. Basta colocar no micro-ondas uma mistura de...
— Eu sei como é, . Relaxa, a gente já fez isso um zilhão de vezes.
— Ah, é? — O encarei, interessada.
— Pois é. Mas geralmente você me faz fatiar os legumes.
— Vou lembrar disso da próxima vez. — Sorri, voltando a atenção para a panela.
Uma vez que as tigelas ficaram prontas, nós as colocamos na bancada e tirou uma foto para postar nos stories do Instagram. Ele não me marcou, sabendo que eu ainda estava evitando redes sociais, mas posicionou um emoji de coração entre as tigelas.
Achei fofo.
Durante a tarde, passamos algum tempo deitados no sofá assistindo a um drama aleatório da Netflix, mas em algum momento acabei pegando no sono.
Estava chovendo e tinha esfriado um pouco. era quentinho e macio como um bom travesseiro, e eu estava deitada com a cabeça em seu peito, entre ele e o encosto do sofá.
Meus olhos pesaram depois da metade do segundo episódio e adormeci. Quando acordei, ainda estava lá e também dormia, mas a TV havia sido desligada. A chuva ainda caía lá fora e eu o observei por alguns minutos até decidir voltar a dormir.
À noite, depois do jantar, ele se trancou no estúdio e só saiu quase uma da manhã. Eu já estava deitada e tentando dormir há algum tempo, e ouvi ele andar pelo corredor abrindo e fechando portas. Me virei na cama outra vez, encarando o teto, até que decidi sair dali.
Peguei um travesseiro e um cobertor e fiz um montinho com eles em meus braços, antes de deixar o quarto de hóspedes e seguir até o quarto de . havia até mesmo dito que eu dormia melhor com ele, então por que não?
Bati na porta e esperei até que ele abrisse, mas tive que levantar o olhar rapidamente quando notei que ele usava apenas uma cueca. Não me importei, é claro. Por que eu me importaria com uma visão daquelas?
O universo estava me agraciando.
— ? — Ele chamou, encarando a pilha em meus braços.
— Vim dormir aqui — anunciei, entrando no quarto sem pedir permissão. Aquele lugar era meu também. — Tô com dificuldade pra dormir sozinha e aparentemente você é como uma pílula gigante de melatonina.
Me arrastei para a grande cama em nosso quarto e me acomodei no lado não mexido da cama. Afofei os travesseiros e me deitei, só então olhando para , que ainda estava parado na porta.
Bati do lado dele da cama, o chamando silenciosamente, e então ele se moveu.
— Acho que você não devia passar tanto tempo no estúdio. Você fica meio lerdo quando tá muito cansado — comentei, quando ele se sentou na cama.
— Tem certeza de que tá tudo bem? — perguntou.
Ele era tão certinho que era de dar dó. E eu achando que ele era temperamental que nem eu.
— Depois daquela declaração toda hoje de manhã, você ainda tá com dúvida? — brinquei. Um sorrisinho apareceu no canto de seus lábios. — Vem logo, . Eu quero dormir e você também precisa.
Os olhos dele estavam até meio inchados de cansaço, provavelmente por encarar a tela do computador por muito tempo. Eu conhecia aquela sensação e sabia que dormir era o melhor remédio.
desligou as luzes com um controle remoto, se acomodou ao meu lado e ficamos deitados de lado, olhando um para o outro. Uma mecha de cabelo dele estava sobre a testa e eu a afastei cuidadosamente.
— Boa noite, amor — ele murmurou, já de olhos fechados.
— Boa noite — respondi, recolhendo a mão.
Fechei os olhos e não precisei mais me revirar na cama até me sentir confortável para dormir. Estar com ele era suficiente. tinha razão.
Alguns minutos depois, caí no sono.
Eu não cuidava somente da agenda de Kate, mas também atuava como sua primeira leitora beta e estar dentro do processo criativo dela era algo que eu fazia desde sempre e amava.
Aquele era o último livro da série que ela vinha publicando desde 2019 e estava previsto para ser lançado no próximo ano. Saber que estava acabando me dava uma sensação agridoce e às vezes me fazia economizar capítulos por não querer me despedir da série.
Kate costumava usar um pseudônimo em seus livros e isso não tinha mudado, mas antes ninguém sabia seu verdadeiro nome. Até mesmo os autógrafos de livros eram feitos na editora ou na casa dela durante a pré-venda, e os leitores passaram alguns anos sem ter noção de quem ela era, até Kate decidir largar seu emprego de enfermeira, que àquela altura era mais um hobby, e revelar sua verdadeira identidade.
Ela também era a única pessoa que eu conhecia que teria como hobby algo que envolvia pessoas em risco de morte. Eu nunca entendi isso, mas ainda era a profissão de formação dela. Só que falando por mim, se eu fosse Kate, eu nunca pisaria em um hospital se ganhasse dinheiro trabalhando em casa. E não era pouco dinheiro. Kate era uma autora bestseller.
E eu tive muita sorte de trabalhar com ela. Comecei como uma mera estagiária na editora, depois de passar meses fazendo freelancer enquanto eu procurava um emprego estável. Felizmente, o meu portfólio de freelancer interessou Andrew e ele resolveu me dar uma chance sem ao menos me conhecer pessoalmente.
Isso foi em 2016.
Fui treinada pessoalmente por ele e fiz diversas coisas como estagiária na editora. Eu sabia um pouquinho de tudo, mas às vezes era cansativo. No entanto, o esforço valeu a pena e quando Kate decidiu revelar sua identidade e solicitou uma agente, Andrew me ofereceu a vaga.
Eu meio que surtei por um momento, mas aceitei sem pestanejar. Era de Fleur de Colibri de quem estávamos falando. Uma autora grande, com milhares de leitores. De jeito nenhum eu ia deixar passar aquela chance, mesmo com medo de fracassar.
E foi a melhor coisa que fiz.
Kate era bem temperamental às vezes, e não era nem um pouquinho delicada quando estava fora de sua skin de enfermeira, mas nos dávamos incrivelmente bem. Andrew provavelmente percebeu que seríamos compatíveis antes mesmo de nós duas, e por isso me escolheu. Na época, minha relação com ele não era nada além de profissional e amigável como um bom chefe teria com seus funcionários. Ele e Dianna dividiam o posto de CEO e ambos eram incríveis.
Nunca conheci ninguém da editora que odiasse trabalhar lá e as poucas pessoas que vi se demitirem eram por motivos pessoais que envolviam família ou casamento. A maior parte dos funcionários era composta por mulheres e às vezes acontecia de largarem o emprego para se casar e serem sustentadas pelos seus maridos. Eu achava um tanto curioso e se o relacionamento era saudável, então devia ser legal, mas nunca me imaginei fazendo nada do tipo. Eu amava meu trabalho e era muito bem paga, obrigada.
e eu passamos alguns períodos apertados fazendo bicos e tentando juntar um pé de meia para emergências. Não tínhamos plano de saúde e ainda havia os empréstimos estudantis da faculdade.
Nunca passamos nenhuma necessidade durante esse tempo, mas também não podíamos nos dar ao luxo de fazer muitas coisas. Felizmente, isso melhorou um pouco depois que arrumou um emprego como professora e eu consegui o estágio na editora. Nessa época, ela ainda era a provedora principal da nossa casa, mas eu tentava ajudar o máximo que podia.
Quando me tornei agente de Kate, nossa vida melhorou consideravelmente. Meu salário aumentou e frequentemente eu recebia alguns bônus. Não demorou muito para que eu conseguisse quitar meus empréstimos estudantis e ajudar com o restante que faltava para ela. Nos mudamos para um apartamento melhor e os luxos que não podíamos ter passaram a fazer parte de nossa rotina.
O melhor de tudo era poder pedir comida ou ir a um restaurante sem se preocupar com o valor e, é claro, ter plano de saúde.
No entanto, a nossa evolução financeira não nos fez ficar irresponsáveis. Sabíamos muito bem o valor que o dinheiro tinha e como era não ter muito. Esse era um dos motivos pelo qual eu nunca pararia de trabalhar. Nem mesmo se me pedisse.
Quando comecei na editora, minha conta bancária tinha apenas cento e quarenta dólares que eu estava tentando fazer render enquanto não conseguia nenhum outro trabalho como freelancer. Esse número se transformou em alguns milhares de dólares depois de alguns meses como estagiária, e algumas centenas de milhares quando comecei a trabalhar com Kate.
Eu sempre seria grata a Andy por ter me escolhido. E era bom saber que ele acreditou na minha capacidade quando nem eu tinha certeza dela.
Acabamos nos aproximando um pouco mais desde então. Kate era muito próxima dele e de Dianna, e os três se encontravam com frequência. Como sua agente, eu precisava estar a par de tudo, então eu a seguia a cada compromisso de trabalho.
Andy me ajudou com dúvidas e a resolver coisas que eu ainda não tinha muita experiência. De chefe e funcionária, nos tornamos amigos. Meses depois, ele me convidou para sair, e uma coisa levou à outra. Namoramos por um ano e meio, até que tudo ficou morno.
Fui eu que terminei nosso relacionamento, porque eu sabia que Andrew não teria coragem. Ele não queria me magoar, mas eu era rápida em pegar os sinais. Passamos cerca de dois meses empurrando o nosso relacionamento com a barriga, até que eu percebi que um de nós precisava agir, e tinha que ser eu.
Não foi um término triste e não nos magoou. Tínhamos passado dezoito meses juntos, mas nossa amizade era mesmo mais forte que isso. Nunca nos tratamos com indiferença, e a única coisa que mudou foi a linha de limite imaginária que estabelecemos automaticamente entre nós.
Como não ir a encontros sozinhos e não nos beijarmos mais. Já abraços eram permitidos. Afinal, ainda tínhamos um carinho enorme um pelo outro. Ele tinha sido o cara com quem perdi minha virgindade e era um cavalheiro. De todo modo, Andy e eu éramos pessoas que também funcionavam muito bem sozinhas, sem a necessidade de estar sempre em um relacionamento. Ele estava solteiro desde então e eu... Bem, aparentemente conheci seis meses após nosso término.
E fui amarrada por ele desde a tal noite do meu flashback, noite essa que eu mal podia esperar para lembrar e saber como tinha sido conhecer o amor da minha vida. Porque era isso que era, como eu o intitulava desde que era apenas uma fã — o que para mim foi até poucos dias atrás.
No entanto, como fã, eu não ousava sonhar com algo real. Claro que eu tinha meus momentos delulu porque era divertido e aparentemente saudável, e toda fã tem. Mas na realidade mesmo, eu era bem pé no chão. No máximo, queria encontrá-lo pessoalmente para tirar uma foto e pegar um autógrafo. Mas meu peito se enchia de felicidade por saber que tínhamos ido bem mais longe que isso.
Terminei de beber meu chá com um barulho no canudo de metal no exato instante em que abriu a porta, já se livrando da camisa. Ele estava completamente suado e por mais que eu odiasse suor, aquela era uma visão e tanto.
— O que você tá bebendo? — Ele perguntou, enchendo um copo de água antes de colocar uma dose de whey protein e sacudir.
Eca.
— Chá-preto com limão. Quer que eu prepare pra você? — ofereci, mesmo vendo ele beber aquela nojeira.
negou com a cabeça.
— Talvez mais tarde. Você quer? — ele me ofereceu o shake. Coloquei um dedo na boca e fiz barulho de vômito. riu e rolou os olhos. — Não é tão ruim assim depois que você se acostuma.
— Tirando o fato de que nunca me acostumei. Me arranje um whey que não tenha gosto de nada e aí a gente conversa.
Ele riu de novo e então terminou de tomar A Nojeira de uma vez.
— Vou tomar banho — disse, já se afastando. — John mandou oi e falou pra você se preparar psicologicamente.
— Ei! Você disse que ia pedir pra ele pegar leve.
— E pedi. Mas eu não disse que ele ia concordar com isso. — Ele sorriu com malícia.
Fiz uma careta e mostrei o dedo do meio para ele.
— Vá se foder, .
— Só se você vier também, amor — ele retrucou, com a resposta na ponta da língua.
Rolei os olhos, o ignorando, e voltei a ler. Vinte minutos mais tarde, eu estava fatiando vegetais e a panela de arroz já funcionava a todo vapor, enquanto eu me ocupava com os preparativos de bibimbap. Senti uma súbita vontade de comer aquilo e não avisei . Eu nem sabia se ele gostava, mas se a culinária asiática era comum entre nós, então havia uma grande chance dele já ter comido.
Além disso, era muito prático. Eu só tinha que refogar vegetais, preparar um pouco de carne, e depois montar tudo em duas tigelas grandes. A versão clássica levava um ovo frito em cima também e molho agridoce feito com pimenta, ketchup e mel como base. Era possível acrescentar alguns temperos, mas a versão básica já era muito boa.
apareceu alguns minutos depois, quando eu estava refogando a cebola.
— Hm, que cheiro bom. O que é? Bibimbap? — Ele espiou a tigela de legumes ao meu lado.
— Sim, eu não sabia se você gostava, mas senti vontade de comer. De todo jeito, tô fazendo o suficiente pra nós dois.
— Eu amo bibimbap, amor — respondeu, dando um beijinho na minha têmpora. Sorri de lado, satisfeita. — Quer que eu ajude em algo?
— Você pode preparar o molho? Vou usar a mesma panela pra refogar tudo. Basta colocar no micro-ondas uma mistura de...
— Eu sei como é, . Relaxa, a gente já fez isso um zilhão de vezes.
— Ah, é? — O encarei, interessada.
— Pois é. Mas geralmente você me faz fatiar os legumes.
— Vou lembrar disso da próxima vez. — Sorri, voltando a atenção para a panela.
Uma vez que as tigelas ficaram prontas, nós as colocamos na bancada e tirou uma foto para postar nos stories do Instagram. Ele não me marcou, sabendo que eu ainda estava evitando redes sociais, mas posicionou um emoji de coração entre as tigelas.
Achei fofo.
Durante a tarde, passamos algum tempo deitados no sofá assistindo a um drama aleatório da Netflix, mas em algum momento acabei pegando no sono.
Estava chovendo e tinha esfriado um pouco. era quentinho e macio como um bom travesseiro, e eu estava deitada com a cabeça em seu peito, entre ele e o encosto do sofá.
Meus olhos pesaram depois da metade do segundo episódio e adormeci. Quando acordei, ainda estava lá e também dormia, mas a TV havia sido desligada. A chuva ainda caía lá fora e eu o observei por alguns minutos até decidir voltar a dormir.
À noite, depois do jantar, ele se trancou no estúdio e só saiu quase uma da manhã. Eu já estava deitada e tentando dormir há algum tempo, e ouvi ele andar pelo corredor abrindo e fechando portas. Me virei na cama outra vez, encarando o teto, até que decidi sair dali.
Peguei um travesseiro e um cobertor e fiz um montinho com eles em meus braços, antes de deixar o quarto de hóspedes e seguir até o quarto de . havia até mesmo dito que eu dormia melhor com ele, então por que não?
Bati na porta e esperei até que ele abrisse, mas tive que levantar o olhar rapidamente quando notei que ele usava apenas uma cueca. Não me importei, é claro. Por que eu me importaria com uma visão daquelas?
O universo estava me agraciando.
— ? — Ele chamou, encarando a pilha em meus braços.
— Vim dormir aqui — anunciei, entrando no quarto sem pedir permissão. Aquele lugar era meu também. — Tô com dificuldade pra dormir sozinha e aparentemente você é como uma pílula gigante de melatonina.
Me arrastei para a grande cama em nosso quarto e me acomodei no lado não mexido da cama. Afofei os travesseiros e me deitei, só então olhando para , que ainda estava parado na porta.
Bati do lado dele da cama, o chamando silenciosamente, e então ele se moveu.
— Acho que você não devia passar tanto tempo no estúdio. Você fica meio lerdo quando tá muito cansado — comentei, quando ele se sentou na cama.
— Tem certeza de que tá tudo bem? — perguntou.
Ele era tão certinho que era de dar dó. E eu achando que ele era temperamental que nem eu.
— Depois daquela declaração toda hoje de manhã, você ainda tá com dúvida? — brinquei. Um sorrisinho apareceu no canto de seus lábios. — Vem logo, . Eu quero dormir e você também precisa.
Os olhos dele estavam até meio inchados de cansaço, provavelmente por encarar a tela do computador por muito tempo. Eu conhecia aquela sensação e sabia que dormir era o melhor remédio.
desligou as luzes com um controle remoto, se acomodou ao meu lado e ficamos deitados de lado, olhando um para o outro. Uma mecha de cabelo dele estava sobre a testa e eu a afastei cuidadosamente.
— Boa noite, amor — ele murmurou, já de olhos fechados.
— Boa noite — respondi, recolhendo a mão.
Fechei os olhos e não precisei mais me revirar na cama até me sentir confortável para dormir. Estar com ele era suficiente. tinha razão.
Alguns minutos depois, caí no sono.
Continua...
Nota da autora: Façam suas apostas pra saber quando esses dois vão ficar realmente juntos (se é que me entendem hahaha) O que vc acha que vem por aí? G.G Me diz aqui, ou comenta um emoji pra eu saber que você tá lendo <3 Até a próxima att! XxAlly
PS. Se você chegou aqui, provavelmente leu HERO ou caiu de paraquedas. De toda forma, seja bem-vinda <3 Essa história já está finalizada e será postada um capítulo por semana, nas atts de segundas/terças, assim como RIVER. Os pps são personagens mencionados no universo da CAVE PANTHERS, mas a história deles se passa anos depois~ Dou as boas-vindas a você que chegou até aqui e espero que você se divirta. Essa fic é o meu xodózinho ♥
Ah, a RIVER (Cave Panthers #2) já está disponível também e terá DOIS capítulos por semana! Dá uma olhada lá também!
Para mais informações sobre mim ou meus outros livros em e-book já publicados, visite meu Instagram (@aquelally) ou meu grupo de leitores no WhatsApp pelos links nos ícones abaixo. Podem interagir comigo, tá? xD PPS. Como TENAZ anda sendo mencionado, vou deixar a playlist desse livro nos links abaixo pra vocês também se sentirem um pouquinho na pele da Ayla haha ♥
PS. Se você chegou aqui, provavelmente leu HERO ou caiu de paraquedas. De toda forma, seja bem-vinda <3 Essa história já está finalizada e será postada um capítulo por semana, nas atts de segundas/terças, assim como RIVER. Os pps são personagens mencionados no universo da CAVE PANTHERS, mas a história deles se passa anos depois~ Dou as boas-vindas a você que chegou até aqui e espero que você se divirta. Essa fic é o meu xodózinho ♥
Ah, a RIVER (Cave Panthers #2) já está disponível também e terá DOIS capítulos por semana! Dá uma olhada lá também!
Para mais informações sobre mim ou meus outros livros em e-book já publicados, visite meu Instagram (@aquelally) ou meu grupo de leitores no WhatsApp pelos links nos ícones abaixo. Podem interagir comigo, tá? xD PPS. Como TENAZ anda sendo mencionado, vou deixar a playlist desse livro nos links abaixo pra vocês também se sentirem um pouquinho na pele da Ayla haha ♥
Pra comentar, desça a página mais um pouquinho ou clique AQUI.