free web counter
Última atualização: 29/09/2024

Prólogo



27 de fevereiro de 2016 - Nova York, NY - A caminho de casa

— Eu estou falando sério, Hero. Você tem que ser mais responsável! Você tem uma imagem a zelar e parece que estou lidando com a droga de um adolescente e não com um homem adulto de vinte e nove anos! — Henry vociferou, nervoso, enquanto dirigia.
No entanto, Hero não parecia se importar nem um pouco para o que seu gerente tinha a dizer, distraído demais trocando mensagens com alguma mulher aleatória que conhecera naquela mesma noite. Estava um pouco bêbado, de fato, mas ainda consciente de tudo ao seu redor. Inclusive de ter que largar para trás a bela morena que estivera com ele.
Era uma pena que não pudessem terminar o que haviam começado no pub em que ele estava até meia hora atrás, quando Henry o encontrou e praticamente o obrigou a sair de lá. Hero não queria, mas preferiu evitar mais uma dor de cabeça; era chato demais ter o seu gerente no seu pé o tempo inteiro.
Por que ele não podia se divertir? Não era um velho. Era solteiro, rico, sem filhos (embora já tivessem tentado passar a perna nele uma vez), bonito e dono do seu próprio nariz. Mas Henry o chamava de adolescente outra vez e estava com uma ladainha que parecia não ter fim desde que havia começado a dirigir.
Hero já estava acostumado com seus sermões e, como sempre, tentava ignorar mais uma vez. Entretanto, paciência tinha limites e a dele era bem pouca, quase inexistente. Se aquela ladainha continuasse por mais cinco minutos que fosse, ele não responderia por si próprio.
E para o seu completo desgosto, ele não parou.
— Que droga, Henry! Eu só estava me divertindo. Eu nunca fui um santo e você sabe! Não entendo por que desse alarde todo por causa de fotos ridículas de paparazzi, não seria a primeira vez.
— É claro que não seria a primeira vez, Hero! Eu já perdi a conta do tanto de vezes que isso aconteceu! Você tem que parar com isso. Seus fãs já estão irritados com esse seu comportamento e já faz três anos que a banda não lança um álbum novo! As pessoas estão ficando cansadas de esperar, cara. E ver você assim, pulando de bar em bar, elas acham que você podia trabalhar ao invés de dormir com uma mulher diferente a cada noite.
— Se chama viver e se divertir — Hero retrucou. — E eu já disse que estou trabalhando em algo novo, só preciso… Resolver umas coisas.
— Você não canta há meses! Eu não sei o que diabos anda acontecendo com você. Tipo, é você. Que ficava cantarolando desnecessariamente a todo momento e agora… Nada.
Hero suspirou, revirando os olhos.
— Eu vou dar um jeito, ok?
— Vai, é? De que jeito, bonitão? Enchendo mais a cara? — ele debochou. — Porque é só isso que você vem fazendo ultimamente. Suas fãs estão insatisfeitas, Hero.
— Ora, Henry. Eu tenho uma fanbase muito leal. Não estaria onde estou hoje, se não fosse por isso. E você sabe que amo meus fãs, então juro que não tô fazendo de propósito.
O gerente riu com escárnio.
— Você está onde está hoje por causa de um vídeo ruim de baixa qualidade que uma fã sua postou no YouTube, dez anos atrás. Sabe muito bem que a atenção que ganhou depois disso foi o que fez a banda finalmente conseguir contrato com uma gravadora. Então trate de fazer os fãs felizes, .
— Ah, por favor. Já vai me chamar pelo meu nome real de novo? Assim você parece meu pai, cara. E eu não gosto nem um pingo dele.
Henry suspirou, cansado.
— Hero… você tem que entender-
— Bem, eu não quero mais entender porra nenhuma! — o interrompeu, com raiva. — Por que você não só dirige a droga desse carro e me deixa em paz?
Adeus, paciência. Hero tinha finalmente explodido.
Henry suspirou outra vez, no entanto, não chegou a retrucar. Dessa vez, não foi Hero que o interrompeu, mas sim um caminhão que bateu na traseira do carro e o jogou para fora da estrada, fazendo-o capotar por um par de vezes, até bater em um árvore.
Hero acordou alguns minutos mais tarde ouvindo sirenes ao redor. Sentia uma dor excruciante no braço esquerdo, mas não tinha forças para falar. Aliás, pelo visto ele mal tinha forças para se manter acordado já que da próxima vez que abriu os olhos, a equipe que o socorrera no barranco já estava retirando-o de dentro da ambulância.
Mal tinha aberto os olhos e já os sentia pesando outra vez.
Tentou sustentá-los durante um tempo e conseguiu ver alguns profissionais da emergência do hospital vindo recebê-lo. Havia outra maca para realizar a transferência.
E havia uma mulher que o encarou de perto, com uma expressão preocupada. Uma enfermeira, era o que tinha ouvido ela dizer? Ele não tinha certeza.
Mas sabia que conhecia aquele rosto de algum lugar. E aquela voz também. Tentou se esforçar para recordar-se daqueles grandes olhos castanhos que o encaravam. Buscou olhar bem no fundo deles, mas sua testa devia estar sangrando novamente, já que sua visão ficou mais uma vez embaçada com um líquido escuro.
Seu rosto estava coberto por uma máscara, mas ele a ouviu falar com uma voz calma que tudo ia ficar bem. Ele queria mesmo que ficasse. Especialmente com o seu maldito braço que não parava de doer.
Mas aqueles olhos castanhos… e aquela voz…
Havia uma pequena luz no fundo de sua mente com a resposta, mas ele não conseguiu descobrir qual era.
Aquela mulher foi a última pessoa que viu, antes de apagar novamente.
Diferente da última vez, ele não acordou alguns minutos depois.

Capítulo 1



Dez anos atrás…
9 de abril de 2006, 23:54 - A banda precisa urgentemente de um nome!

Intrepid Heroes? indagou, fazendo uma careta para a sugestão de .
— Dá pra fazer um trocadilho com o nome do Hero. — Ele deu ombros, abrindo outra latinha de cerveja.
Estavam bebendo há algum tempo, no mesmo bar onde tinham se apresentado algumas horas atrás. Felizmente, o dono não se importava muito com carteiras de identidade — embora eles tivessem suas próprias versões falsificadas, já que todos já tinham mais de dezoito anos.
— Nossa banda não vai se chamar Intrepid Heroes, não somos a porra da liga da justiça — Hero rebateu. — Por que não pegamos alguma referência de coisas que gostamos?
— Tipo filmes ou desenhos? — perguntou, enquanto brincava com suas baquetas.
A banda possuía quatro integrantes: Hero, o vocalista que também era guitarrista; , vocal de apoio e guitarrista principal; , o baixista e havia o , que não largava suas baquetas por nada no mundo. Estava formada há um ano e com várias músicas escritas, no entanto, ainda não tinham um nome. O que era até meio estúpido de se pensar, já que essa costumava ser uma das primeiras coisas a serem decididas, mas nada nunca parecia bom o suficiente — exatamente como naquele momento —, o que só os tinham feito adiar cada vez mais.
Eram uma banda pequena, sem contatos, e ninguém nunca quis realmente saber o nome dela, desde que eles tocassem os covers bem, onde quer que se apresentassem. Vez ou outra conseguiam se apresentar em algum bar, na maioria das vezes, tocando covers de artistas famosos e quase sempre eram chamados apenas de “banda do Hero”, já que ele era o vocalista principal.
Mas agora tinham um festival local acontecendo dali a uma semana, com uma inscrição que se encerrava no dia seguinte e não era uma opção. Precisavam de um nome nem que fosse temporário, para que pudessem se inscrever e, se dessem sorte, seriam escolhidos para participar. Isto é, se os avaliadores gostassem da música demo que eles planejavam enviar.
— Eu gosto de assistir Scooby-Doo, cara — falou, um pouco alto devido à bebida, mas ele não era o único. — E Capitão Caverna — acrescentou, rindo em seguida.
Os outros caras o acompanharam.
— Que tal As Panteras? É um bom filme e só tem mulher gata nele. É melhor que Capitão Caverna — sugeriu . — Embora eu tenha agradecido mentalmente por não ter sugerido algo com Tutubarão.
— Por que a gente não faz uma junção, então? — Hero falou. — Clube dos Cinco também era um filme legal. A gente podia pegar algumas palavra e juntar ou sei lá… Eu gosto da palavra clube. — Riu, em seguida e os outros membros o acompanharam, enquanto criavam junções toscas e aleatórias com referências de filmes e desenhos antigos.
Claramente o álcool já tinha lhes subido de vez à cabeça, já que no final da noite Cave Panthers foi o nome escolhido.

10 de abril de 2006, 08:33 — Apartamento de e , Chicago, IL

— Tô dizendo, cara. A gente já enviou o e-mail… E colocamos Cave Panthers — disse, quase choramingando.
Hero revirou os olhos.
— Tudo bem. É só até o festival, certo? Não é como se já tivéssemos um monte de fãs ou coisa do tipo, podemos usar durante ele e depois mudar o nome da banda quando tivermos um mais legal — comentou, enquanto terminava de abotoar a camisa.
— Nossa, Hero. Vindo de você, essas palavras são até estranhas, cara — disse, em tom de deboche. — Não me leve a mal, mas todo mundo sabe que você é meio explosivo…
— Por que você não vai atrás da sua gravata vermelha de borboleta, ? A Sr.ᵃ Petterson já deixou bem claro que é pra gente usar o uniforme completo — rebateu Hero.
— Mas é que sem a gravata, eu atraio mais clientes. Sabe como é… Minha beleza é suficiente — se gabou, com a mão no rosto, exibindo-o.
Hero riu pelo nariz.
— O que você tem é sorte que a Sr.ᵃ Petterson tem uma queda por você, ou a essa altura já estaríamos na rua. Agora, anda logo. Ela pode tolerar você sem gravata, mas sabe que com atrasos é diferente.
Foi a vez de revirar os olhos, enquanto terminava de colocar a maldita gravata borboleta. Logo depois, eles saíram.
Hero e trabalhavam durante o dia em um restaurante a duas quadras de onde moravam. Não eram astros do rock ainda e tinham contas para pagar, então aquilo servia bem. A dona do restaurante simpatizava com eles e ambos tinham uma certa boa aparência, o que lhes rendia algumas boas gorjetas no trabalho, cortesia das clientes femininas, em sua maioria (porque sim, eles também atraíam pessoas do sexo masculino, biologicamente falando).
Após andar algumas quadras, chegaram ao restaurante da Sr.ᵃ Petterson.
O estabelecimento estava ali há quase quinze anos e Hero se lembrava de ter ido algumas vezes lá com seus pais quando era criança, das poucas vezes que estivera em Chicago.
Entraram pela porta dos fundos de fininho. Estavam alguns minutos atrasados — culpa de — e a Sr.ᵃ Petterson era a rainha da pontualidade. Embora torcessem por passarem despercebidos, alguns instantes após entrarem, deram de cara com a chefe os encarando de braços cruzados.
— Bom dia, Sr.ᵃ Petterson! — a cumprimentou, animado. Mas a mulher não moveu um músculo. — A senhora está ótima hoje!
— Eu disse sem mais atrasos, rapazes. Não me façam tomar uma decisão drástica.
— Sinto muito, Sr.ᵃ Petterson. Não vai acontecer de novo — disse, com as mãos cruzadas em frente ao corpo.
Pelo menos, ele não se atrasaria mais. Não por causa de . Tinha sorte de ainda ter aquele emprego e não conseguiria outro como aquele facilmente, caso fosse demitido.
— Sei que não, . Pelo menos da sua parte eu sei.
— Ora, Sr.ᵃ Petterson, prometo até acordar mais cedo a partir de amanhã e chegar cinco minutos adiantado — proclamou, parecendo convincente, mas até mesmo duvidava daquele súbito ato de responsabilidade.
— Quero ver mesmo, . E trate de ajeitar essa gravata.
— Sim, senhora — ele disse de imediato.
Pelo visto, a Sr.ᵃ Petterson não estava de humor para charmes naquele dia.
Nem mesmo de .
O trabalho se iniciou sem mais problemas e o humor da Sr.ᵃ Petterson pareceu melhorar ao ver a eficiência com que e trabalhavam naquele dia. Tinham jeito, afinal.
Conquistavam os clientes instantaneamente, o que era bastante bom para os negócios e um dos motivos — eles suspeitavam — por não terem sido demitidos ainda (embora a culpa dos atrasos fosse de , na maioria das vezes). Podiam ser um pouco irresponsáveis, mas faziam um bom trabalho quando estavam lá e isso já durava pouco mais de um ano.
Assim como eles, também trabalhava, só que um pouco mais distante de onde moravam, em uma loja de música — a mesma onde compraram seus primeiros instrumentos, todos de segunda mão, claro. Afinal, eram um bando de adolescentes tentando viver por conta própria.
Já o caso de … esse era diferente. Ele vinha de uma família rica e o apartamento em que vivia tinha sido um presente de seus pais em seu aniversário de dezoito anos, assim como a permissão de participar da banda. Mas havia uma condição.
Enquanto os outros tinham que trabalhar, os pais de o ajudavam financeiramente em troca de que ele estudasse. Era o único futuro universitário da banda, estudante de negócios, o que poderia ser o terror para a maioria dos músicos, no entanto, gostava. Havia crescido vendo o pai e o irmão mais velho fazendo aquilo. Então, já sabia o que esperar e era inteligente o bastante para conseguir conciliar a faculdade com a banda.
Os quatro rapazes haviam se conhecido um ano atrás na mesma loja de música em que trabalhava há cerca de dois anos. Vinha de uma família simples e desde cedo começou a trabalhar. E foi assim que conseguiu comprar seu primeiro baixo. Ele e eram de Chicago e já tinham se esbarrado algumas vezes na loja, quando aparecia para babar nas baterias novas que chegavam e ouvir música na loja, no seu tempo livre. Tinham conversado algumas vezes, mas a amizade só se desenrolou quando Hero e apareceram.
Ambos do interior, estavam em Chicago há alguns meses tentando a vida em uma cidade grande, tocando em alguns pubs durante a noite, vez ou outra, para tentar algo no meio da música. Amigos de infância, sonhavam em formar uma banda há algum tempo, mas até então não tinham conhecido ninguém que pudesse fazer parte dela — e não dava para montar uma banda de rock só com dois. Obviamente, isso mudou quando se conheceram na loja.
Na ocasião, e discutiam sobre Bon Jovi, quando resolveu se intrometer. Era bem a cara dele se meter onde não era chamado. Sorte dele que tinha carisma.

8 de abril de 2005 — e conhecem e

— Claro que pra levantar o público, “Livin’ on a Prayer” é a escolha certa, cara — falava para , enquanto batucava suas baquetas no balcão. — Para atrair o público, essa é a melhor.
— Mas “Born To Be My Baby” é tão animada quanto. E é outro clássico, todo mundo gosta. É muito clichê chegar de cara apresentando Livin’ on a Prayer — retrucou.
— Na verdade, eu acho que “Always” é a melhor — disse, de repente, atraindo o olhar dos outros dois para si. — Se vocês querem prender o público, comece fazendo eles ficarem nostálgicos. “Always” é sobre traição, músicas assim atingem mais as pessoas do que músicas sobre amor. Mesmo aqueles que nunca foram traídos. Você automaticamente lembra do clipe assim que começa a tocar os primeiros acordes da música, é que nem ver uma novela. E todo mundo sabe cantar!
, eu já mandei você parar de ser tagarela, cara — resmungou baixo ao seu lado. — Para de se meter na conversa dos outros.
— Você é muito chato, . Precisa se soltar mais, estamos aqui há quatro meses e eu ainda sou o único amigo que você tem.
— Uma hora você arranja confusão e eu vou deixar você apanhar só.
— Olha, eu concordo com o grandão, cara. Esqueça “Born To Be My Baby”, “Always” com certeza é melhor — disse, com um sorriso. — Vocês tocam também?
— Violão e guitarra — disse, sorrindo também. — Mas o aqui também adora um piano. E vocês?
— Eu toco baixo — respondeu.
— E eu bateria — disse, batucando outra vez no balcão.
e os encararam atônitos, antes de trocarem um olhar de mútuo entendimento e olhar novamente para eles, com um sorriso esperto no rosto.
— Vocês, por acaso, não estariam interessados em formar uma banda, estariam?
E foi assim que a Cave Panthers nasceu. Exatamente um ano antes de finalmente decidirem pelo pior nome de banda possível.

***


7 de abril de 2006 - Dois dias antes da escolha do não tão ruim, mas extremamente cafona, nome da banda…

terminou de fechar a mochila e a colocou em um pequeno canto da sala da casa de sua avó, Fleur. O Sr. Mulligan, pai de sua melhor amiga , estava indo pegá-la em Rosemont para levá-la até Chicago, onde iria passar uns dias. Tinha acabado de terminar o ensino médio e começaria a fazer faculdade em breve, então decidiu passar o tempo que ainda restava de suas férias em Illinois com sua avó, já não via desde o último natal e aproveitaria aquela última semana antes de voltar para Nova York para reencontrar sua melhor amiga.
Se conheciam há quase dez anos e costumavam ser vizinhas e estudar na mesma escola. Contudo, o pai de , que era um executivo, acabou sendo transferido para Nova York quando ela completou 15 anos, local onde vivia até então, vendo tanto quanto sua avó apenas durante as férias.
Rosemont ficava a cerca de cinquenta minutos de carro de Chicago e o Sr. Mulligan tinha se oferecido para ir buscá-la. o tinha praticamente como um segundo pai e suas famílias acabaram ficando amigas em decorrência dos anos de convivência.
— Tem certeza que vai ficar bem sozinha, vovó? — ela perguntou mais uma vez, assim que ouviu o Sr. Mulligan buzinar, avisando que havia chegado.
— Quantas vezes vou ter que dizer que sim? — a velha senhora falou. — Já disse que é para você ir e se divertir com sua amiga, menina. Vá e arranje algum garoto bonito para dar uns beijos, aproveite sua vida enquanto pode.
riu com gosto.
— Eu bem que queria mesmo, vovó. Mas ainda não apareceu nenhum garoto que me desse borboletas no estômago.
— E nem vai aparecer se você não procurar e apenas ficar aqui nessa cidadezinha que não tem ninguém interessante. Vá logo, menina! O homem está te esperando.
— Sim, já estou indo. Até mais, vovó. Não esqueça de tomar seu remédio — disse, abraçando-a antes de ir ao encontro do Sr. Mulligan.
! Olha só para você, cresceu uns dois centímetros, tampinha? — O homem perguntou, de bom humor, encostado na porta de carona e a ajudou com a mala, enquanto se acomodava.
— Sr. Mully. Eu tenho um metro e sessenta e três, muito obrigada. Não sou tão baixa assim. O senhor que é alto demais — ela retrucou.
O mais velho riu, balançando a cabeça e logo os dois estavam na estrada.
Sr. Mulligan era um daqueles pais legais que toda adolescente sonhava em ter e definitivamente era uma ótima companhia. Mas o mais importante era: ele tinha um ótimo gosto musical.
Assim, a viagem foi regada das melhores músicas de rock clássico, em um disco que continha o que considerava uma das melhores playlists que ela já tinha ouvido.
Levou pouco mais de uma hora e meia para chegarem à casa dos Mulligan, uma vez que o trânsito da cidade não estava lá muito cooperativo, mas a viagem tinha sido tranquila. Ainda era manhã e diante do silêncio da casa, soube que provavelmente ainda estava dormindo àquela hora.
Na cozinha, cumprimentou a Sr.ᵃ Mully e tomou café da manhã com ela e o marido, antes de subir para o quarto da amiga.
Abriu a porta e encontrou sua mala ao lado do armário de e avistou a amiga imóvel na cama — ou pelo menos o monte de edredom formado ali e as mechas de seu cabelo loiro que escapavam dele, denunciando sua presença.
Sem pensar duas vezes, tomou impulso e pulou em sua cama, quase matando-a de susto. Viu o próprio corpo de sair do colchão por um segundo, enquanto a amiga abria os olhos de uma vez, o coração aos pulos.
— Meu Deus, ! Já disse para você parar de fazer isso! — ela reclamou, enquanto tirava o cabelo do rosto.
— E eu já disse pra você acordar mais cedo quando eu vier, eu sou visita! Você devia estar lá embaixo pra me receber também!
— Visita, uma ova! Eu vou voltar a dormir, pois ainda são oito da madrugada. Me acorde delicadamente daqui a uma hora, ou vá dormir também.
Embora estivesse um pouco animada depois da viagem, não podia negar que ainda estava um pouco cansada. Não tinha dormido bem na noite anterior, pois havia ficado entretida lendo um livro durante a madrugada, o que acontecia com certa frequência, sem contar que tinha acordado pouco depois das cinco horas por conta da pequena viagem.
Diante disso, não fez nada a não ser aceitar a sugestão de sua melhor amiga que, por sinal, já tinha adormecido outra vez.

***


— O que você acha dessa combinação? — perguntou, segurando dois cabides junto do corpo. — Essa saia é muito curta?
— Não sei se a saia ou a blusa que é muito curta — respondeu, pensativa, sentada na cama. — Eu não entendo essa moda de mostrar tanta pele.
— Nem eu — concordou com um suspiro e jogou os cabides em cima da mala aberta. — Acho que vou usar um vestido soltinho.
— Você quase sempre usa vestido — a amiga lembrou. — Já pensou em usar um jeans?
— Não gosto de jeans, eles me incomodam. Além disso, se eu sentar, corro o risco de ficar com a minha bunda de fora, então não.
— E eu achando que a pior era da moda tinha sido nos anos 70… — suspirou, se jogando para trás. — Eu queria que as calças de cintura alta voltassem à moda, minha mãe tem um monte delas.
— E que os babados nunca tivessem dado certo — comentou, se juntando a ela. — Odeio babados com todas as minhas forças. É o enfeite mais feio que já vi.
— Mas ainda é melhor que lantejoulas. — A amiga riu. — Sinto como se tivesse vendo um globo de pista de dança sempre que alguém aparece na minha frente usando alguma blusa de lantejoulas e costas nuas.
— Isso é o universo te dando um sinal pra aproveitar a oportunidade de mudar isso — brincou, fazendo a amiga rolar os olhos, em meio a mais um suspiro.
— Quem me dera… Mas não sei nem se vão me aceitar na faculdade. E se eu for aceita, não tem garantia de arrumar um emprego depois — ela comentou, desaminada. — Talvez meu destino seja trabalhar como atendente em lojas de gente rica, com um sorriso falso na cara enquanto aguento mau-humor de um bando de peruas cujo único hobby é fazer compras.
— Só porque é isso que você faz agora, não significa que será pra sempre. Eu acredito no seu potencial.
— Pelo menos você acredita. Mas ter potencial não significa que eu vá ser bem sucedida.
— Você vai estudar em Nova York, . É o lugar perfeito pra você se sair bem. Você podia muito bem virar uma Samantha Jones do mundo da porta. Rica e empoderada.
— E você seria quem? Carrie Bradshaw? brincou. — Se estamos citando Sex and The City, nada mais justo que você ser a escritora rica e famosa.
— Tô mais pra uma enfermeira pobre e sem perspectivas. Mas ainda assim, é o que quero fazer. Profissionais de saúde sempre são necessários.
só esperava gostar do curso, a ponto de continuar nele. Largar a faculdade não era uma opção para ela, não quando estaria investindo tanto tempo e esforço, além do dinheiro de seus pais.
Por mais que sua família vivesse de forma confortável, eles estavam longe de serem ricos. não se iludia a ponto de almejar riqueza, mas queria um pouco de estabilidade. Ou o mais próximo disso que poderia conseguir sendo uma cidadã estadunidense onde todos trabalhavam para sobreviver, o que era sinceramente deprimente.
No Canadá e no Reino Unido, os sistemas de saúde eram gratuitos. Nos Estados Unidos absolutamente tudo era pago e por preços exorbitantes. Era até meio vergonhoso ver o tanto que os hospitais lucravam e o quanto isso não se refletia de forma justa no salário dos profissionais.
não tinha ideia como seria seu futuro e pensar nisso a deixava ansiosa. Mesmo que seus pais não colocassem pressão nela, ela mesma fazia isso.
Queria ser independente e poder fazer o que quisesse sem se preocupar muito sobre o quanto estava gastando com alguma coisa, o que acontecia bastante atualmente, especialmente quando ela não tinha um emprego ainda e quando o dinheiro que ganhava provinha de seus pais.
— Você acha que consigo arrumar outro emprego em Nova York? — perguntou, encarando o teto.
— Não tenho dúvidas. Mas vou procurar um com você. Quero ter dinheiro pelo menos pra comprar comida e sair sem me sentir um peso por gastar o dinheiro dos meus pais.
— A sensação é ótima, inclusive — comentou com um sorriso. — Talvez você consiga algum emprego de garçonete onde todo mundo usa nome falso pra não atrair clientes perseguidores.
sorriu de volta.
— Parece divertido o suficiente. Mas enquanto isso não acontece, vamos lidar com o que temos agora. — Ela se levantou e pegou um vestido de dentro da mala, e um par de roupas íntimas. — Vou tomar banho primeiro, enquanto você decide o que vestir.
— Que com certeza não vai ser uma minissaia e mini blusa — ouviu a amiga dizer assim que saiu do quarto.
Ah, com certeza não. odiava essa exposição toda de pele. Para ela, tudo tinha que ter um equilíbrio, nem que isso fosse apenas tentar deixar apenas a parte de cima ou a de baixo do corpo descobertas, mas nunca as duas.

— Tô ansiosa pra conhecer o Brandon. Quantos anos você disse que ele tem mesmo? — perguntou para a amiga, enquanto sorria para o segurança que as tinha deixado entrar.
— Ele tem vinte e três. — Ela piscou, com um sorrisinho.
— Vinte e três? O que seus pais acham de você estar namorando um cara cinco anos mais velho?
— Eles não acham nada. Meu pai é seis anos mais velho que minha mãe e ela ainda nem tinha completado dezoito anos quando eles começaram a namorar — justificou. — Além disso, eles adoram o Bran.
riu, divertida. Óbvio que ia arrumar uma desculpa bem justificada. Mas para cair nas graças do Sr. Mully, aquele Bran devia ser um cara muito legal mesmo.
— Lá está ele! — apontou com a cabeça e puxou pelo braço em direção a dois rapazes altos do outro lado do salão, próximo ao bar.
Um deles tinha tatuagens nos dois antebraços, expostas pelas mangas levantadas da camisa preta que ele usava. Não havia estampas nem nada do tipo, mas o tecido não escondia os músculos visivelmente definidos nos braços e nas pernas. Parecia ser mais velho que o rapaz a sua frente, que aparentava ser da idade de .
Pelo sorriso anterior de , tinha certeza que aquele era Brandon. E por Deus, sua amiga tinha muito bom gosto.
— Não sei quando a personalidade dele, mas aqueles jeans caem muito bem nele — brincou, fazendo a amiga rir. E então ela reparou no outro cara, de cabelos castanhos um pouco mais claros e mais longos que os de Brandon.
No entanto, antes que pudesse perguntar sobre ele, já estava apresentando Brandon a ela.
— Ah, a famosa ! Eu tava ansioso pra te conhecer. disse que vocês são parceiras de crime — ele brincou, estendendo a mão para que ela apertasse.
— Digo o mesmo. Especialmente depois de saber que você conseguiu conquistar o Sr. Mulligan. — sorriu, o cumprimentando. — Qual o seu segredo?
— Acho que foi meu bom gosto musical. E eu preocupado que ele ia me julgar pelas tatuagens. — Brandon riu, mostrando dentes perfeitamente alinhados que fez se perguntar qual devia ser o problema dele.
Porque ele tinha que ter um, algum defeito que fosse, não era possível ter a beleza de um modelo de passarela e personalidade legal em uma pessoa só.
— Sorte a sua que o Sr. Mully é muito legal.
— O pai dela nunca cairia nessa, Bran — explicou. — Felizmente, os Mulligan curtem o seu visual alternativo. Menos a minha avó, mas ela nem mora aqui, então nem conta.
Brandon sorriu e beijou a têmpora da namorada pela segunda vez desde que chegaram ali.
— Você tá linda hoje, amor. Como sempre — ele comentou e então pareceu se lembrar do cara com quem falava, que tinha dado um passo para trás e observava a conversa calado. — Ah, esse é . Ele é um dos integrantes da banda que vai tocar aqui hoje.
— Uma banda? — perguntou, curiosa. Não tinha visto muitas bandas tocando ao vivo. Não de tão perto, pelo menos. — Qual o nome? — Ela se virou para o tal , dando uma rápida olhada nele de perto. Usava calças jeans largas, camiseta preta de mangas curtas e um par de All Star preto, idênticos aos brancos que usava.
— Ah, ainda estamos decidindo um nome — ele respondeu, sem graça.
— Vocês têm que decidir logo. A competição é daqui a uma semana — Brandon disse.
— Competição de quê? — quis saber.
— De bandas locais. É um festival de música — explicou. — Acho que tem algum prêmio em dinheiro, não é? — Ela encarou Brandon.
— Dez mil dólares e uma chance de assinar com uma gravadora.
— O que claramente não vamos ganhar — comentou, desgostoso, enfiando as mãos nos bolsos.
— Por que não? Vocês são ruins? — perguntou.
— Não, é que-
— Se não são ruins, então há uma possibilidade — ela o interrompeu. — Você precisa ter mais fé em si mesmo e na sua banda.
— É o que eu sempre digo a ele — uma voz disse atrás dela.
se virou e deu de cara com um rapaz tão alto quanto , com cabelo curto da cor de carvão e olhos azuis-claros tão profundos que ela quase engasgou quando os encarou. Todas as suas peças de roupa eram pretas e não havia nenhuma tatuagem à mostra, mas uma pequena argola brilhava na sua narina direita. Ele e pareciam ter a mesma idade, mas diferente do outro rapaz, esse parecia exalar confiança por todos os poros.
— E você é...? — indagou.
. — Ele sorriu, mostrando um par de covinhas e estendeu a mão para ela.
piscou, sem palavras por um instante. Desde quando os caras daquela região eram tão bonitos? Ela não lembrava disso, mas de alguma forma estavam em frente a três homens que pareciam ter saído de uma capa de revista.
— Eu sou , namorada do Brandon. Essa é minha melhor amiga, disse, então sorriu e acenou com a cabeça para ele.
— Prazer em conhecer vocês, meninas. Esse aqui vocês podem chamar de Hero. Ele ainda tem vergonha do nome artístico que a gente escolheu pra ele, mas precisa se acostumar — brincou, apontando para , que revirou os olhos.
— Me faz parecer presunçoso. Você que devia ter adotado esse nome, não eu — ele resmungou, com uma careta.
é meu nome real e já é impactante por si só — o rapaz retrucou. — Além disso, você é o líder. soa chato demais para um líder de uma banda de rock, cara.
— Ele tem razão — Brandon concordou. — Você precisa de um pouco mais de confiança, Hero. É só um nome de palco.
— É verdade. Eu gosto do nome — comentou e levantou os olhos, olhando diretamente para ela.
Verdes. Talvez não tão claros como os azuis de , mas com um olhar tão profundo quanto. Mas dessa vez, podia jurar que sentiu o coração errar uma batida e nem sabia por quê. Tinha acabado de conhecer o cara.
Não fazia ideia de que tipo de pessoa ele era, mas sua curiosidade estava quase transbordando.
Só esperava que eles fossem talentosos mesmo e que não fossem apenas mais uma banda que vivia de aparência.
Talento superava beleza, mas o inverso era mais difícil. Beleza não mantinha interesse a longo prazo.
Pelo menos, não o dela.

Capítulo 2



Bonitos e talentosos.
mal podia acreditar no que estava ouvindo.
Em pé, ali no meio da pista e entre algumas dezenas de pessoas, ela se sentiu hipnotizada por alguns momentos.
Não era qualquer coisa que chamava a atenção dela, nem qualquer música, ou qualquer artista. sabia que existiam diferentes tipos de artes que para muitas pessoas nem seriam consideradas como tal; ela reconhecia, ainda que não ficasse comovida ou tivesse interesse por várias delas. No entanto, era alguma coisa naquela banda… O carisma deles no palco, a harmonia que eles tinham, como se fizessem aquilo juntos há anos.
E a voz de . A maldita voz rouca de que mais parecia uma mistura de Jon Bon Jovi e Bryan Adams, ao mesmo tempo em que soava totalmente original. não sabia explicar, mas tinha quase certeza que tinha o tipo de talento que não importava qual música ele escolhesse para cantar, ela ficaria ótima na voz dele. Agora mesmo ele cantava um cover de “Iris” de Goo Goo Dolls com de apoio e a versão deles soava melhor que a original.
Alguns casais dançavam juntos sob a iluminação baixa que Brandon tinha selecionado e, ah, ele e também estavam lá dançando abraçados, mas estava ocupada demais prestando atenção no rapaz de olhos verdes que agora a encarava.
“I just want you to know who I am... I just want you to know who I am...”
Aquilo devia ser algum tipo de manobra de palco. Membros de diversas bandas encaravam o público, ela tinha noção disso. Jon Bon Jovi fazia isso o tempo todo e ela tinha visto com os próprios olhos alguns meses atrás no concerto que tinha ido com sua mãe, que comprou os ingressos como presente de seu aniversário de dezoito anos.
tinha quase certeza de que aquele garoto tímido a tinha escolhido aleatoriamente na multidão, como aquela pessoa de segurança que você tem quando apresenta um trabalho da escola, pelo simples fato de ter passado os próximos noventa minutos cantando enquanto a encarava.
desviou o olhar, é claro. Para pegar uma bebida ou outra e conversar um pouco com e Bran sobre a apresentação dos garotos.
Além de e , ambos vocalistas e guitarristas, havia mais dois deles, no baixo e na bateria. Brandon tinha comentado que o primeiro se chamava e o outro, , o mais novo dos quatro.
era o único loiro deles e talvez tivesse olhos claros também, como o padrão de garoto americano que as meninas ficavam caidinhas, fora que tocava baixo como se fosse algo tão fácil quanto respirar.
se perguntou como diabos ele fazia aquilo. Ela não conseguia nem mesmo posicionar as mãos corretamente em um violão, nem apertar as cordas do instrumento, como praticamente as acariciava. Por mais que seu pai tivesse tentado ensiná-la tantas vezes que ela tinha perdido a conta até perceber que sua filha não tinha absolutamente nenhum talento musical a não ser para ouvir e identificar algo bem construído ou não.
não parecia muito diferente dos outros, mas era definitivamente o mais empolgado enquanto tocava, como se estivesse sentindo a música correr nas próprias veias. Naquela iluminação, seu cabelo preto tinha um brilho ligeiramente azulado e embora estivesse um pouco grande demais, estava certa que ele tinha tocado de olhos fechados em vários momentos.
Assim como os outros, era um garoto alto e também o menos padrão deles, com seus traços asiáticos fortes e absolutamente bonitos. Havia um par de bolsinhas embaixo de seus olhos e ele tinha um sorriso fácil que fazia parecer que ele estava o tempo inteiro flertando.
Exatamente o tipo de cara fácil de se apaixonar. Em determinado momento, quando eles estavam no meio de um cover de “Give Love a Bad Name” de Bon Jovi, Brandon comentou que ele era o que tinha a personalidade mais fácil de lidar dentre os quatro. Não que os outros fossem um bando de rabugentos — talvez apenas —, mas era o caçula fofo e nerd.
E não porque ele era asiático. O garoto já fugia do esteriótipo só por apenas estar em uma banda, quem diria o que mais ele era capaz de fazer.
adorava uma alma rebelde e talvez a convivência com seus próprios pais tivessem contribuído para isso.
Eles sabiam ser rígidos quando necessário, mas também eram bastante amigáveis e abertos, dando conselhos importantes para prepará-la para o mundo, o que acabou construindo a garota de personalidade forte e responsável que ela havia se tornado.
“Você está autorizada a ser irresponsável uma vez ou outra, , desde que tome cuidado”, sua mãe dizia.
Se ela quisesse beber, então que fizesse isso desde que tivesse alguém com ela, para o caso de algo acontecer, mesmo que estivesse em casa — ainda existia a possibilidade dela cair e bater a cabeça e ninguém queria aquilo.
Quanto a sexo, ela nunca tinha estado com ninguém até então, e o único cara que ela tinha beijado havia sido um intercambista italiano que passou três meses na sua turma no ano anterior.
Mas sua mãe sempre a fazia andar com camisinhas para onde quer que fosse desde que ela completara quinze anos, mesmo que muitas acabassem vencendo já que ela não as usava.
sabia que a maioria das garotas da sua idade não eram mais virgens há muito tempo e ela era provavelmente uma agulha no palheiro, mas isso não a incomodava.
Se acontecesse, seria porque ela queria e não por pressão de alguém ou da sociedade. Seu corpo era seu e de mais ninguém e era ela quem decidia.

Quando a banda acabou a apresentação, os quatro integrantes vieram se juntar a ela, Bran e na mesa em que tinham estado na última meia hora. fez amizade com trinta segundos depois dele se sentar ao seu lado e se engasgar com uma batata frita.
Ela deu-lhe uns tapinhas nas costas e o garoto a encarou com os olhos marejados cheios de gratidão, antes de se apresentar, enquanto os outros ainda riam da situação.
— Eu já falei pra você parar de ser afobado — comentou e o encarou, notando uma cicatriz fina entre os seus lábios, do lado direito deles. — Respire, , mas não tente fazer isso ao mesmo tempo que você engole, seu idiota — ele acrescentou, fazendo todos rirem novamente.
jogou uma batatinha nele, mas não parecia irritado.
— E você acha que fiz de propósito? Tô morrendo de fome, meu corpo simplesmente reagiu.
— Bebe um pouco pra ajudar a descer — disse, colocando uma lata de Coca-Cola na frente dele.
— Você não bebe? — ela perguntou a e ele fez uma careta em resposta.
— O pai dele tá de olho nele hoje — foi quem respondeu.
se voltou para ele.
— O pai dele? E por quê?
— Eu tenho uma entrevista amanhã à tarde e ele não quer que eu vá de ressaca — finalmente disse. — É uma entrevista da faculdade.
— Em Boston — continuou e antes de continuar, colocou a mão na frente do rosto como se contasse um segredo. — UChicago.
— Universidade de Chicago? Que legal! Você deve ser bem inteligente — brincou.
— Você também é bem inteligente, rebateu ao seu lado. — Você foi aceita na NYU, mas fala como se não fosse nada.
— E você vai ser aceita também e vamos ser colegas de quarto — brincou, se arrependendo no mesmo instante ao ver a amiga enrijecer. — , eu sinto muito — ela sussurrou, assim que viu a expressão confusa de Brandon.
Pelo visto, sua amiga ainda não tinha contado a ele sobre a possibilidade de ir morar do outro lado do país.
— Do que ela tá falando? Você vai pra Nova York? — Brandon perguntou, franzindo as sobrancelhas.
E aquelas dez palavras foram suficientes para instalar um clima estranho na mesa.
— Acho que a gente devia pedir mais batata — foi o primeiro a falar.
se levantou e estendeu uma mão para Brandon, o chamando para conversar. O rapaz a segurou e eles seguiram juntos até uma sala que ficava atrás do bar.
— Merda, a culpa é minha — resmungou.
— Acho que a culpa não é de ninguém — rebateu. — Pelo que entendi, ela não falou pro namorado sobre Nova York e você não sabia.
suspirou, bebendo um grande gole de cerveja.
— Ei, relaxa. — a cutucou com o cotovelo. — Brandon é um cara gente boa. Eles vão se resolver.
— É... Espero que sim. — Ela suspirou novamente. — Vocês foram muito bem hoje. E você tem uma voz incrível. — E encarou .
Ele abaixou a cabeça, um pouco sem graça e encarou o copo de whisky que tinha nas mãos.
— Obrigado — ele disse, baixinho.
o viu segurar um sorriso, mas não falou nada.
Alguns minutos depois, e Brandon voltaram para a mesa de mãos dadas e pareciam bem, como se nada tivesse acontecido.
— Eu falei que eles iam se resolver — cochichou ao seu lado.
— Você fala como se conhecesse os dois há anos — ela cochichou de volta.
— Bem, conheço o Bran bem o suficiente. E sou um bom julgador — ele alegou. — Por exemplo, o Hero não tirou os olhos de você desse que te viu. já até encheu o saco dele por isso, antes de subirem no palco — acrescentou, com uma risadinha.
Como se soubesse que estava falando dele, pigarreou, se remexendo no lugar e segurou um sorriso.
Ou ele tinha uma boa intuição, ou tinha conseguido ler os lábios de , enquanto ele murmurava.
— O que vocês tanto cochicham aí, hein? — perguntou, desconfiada.
— Eu tava falando pro que ele toca como se a música corresse nas veias dele e como parece ganhar mais energia com isso — respondeu. E não era de todo mentira, ela tinha mesmo pensado aquilo, só não tinha dito diretamente a ele.
— Aw, sério? — perguntou, emocionado, os olhos brilhando como os de um filhotinho. — Eu também me sinto assim, sabe, . É muito bom ter alguém que me compreende. — Ele sorriu, olhando de relance para .
fez o mesmo e viu o garoto revirar os olhos.
— Eu acho que vou buscar outra bebida — ela disse e se levantou.
— Hero pode ir com você, sugeriu. — Aproveita e traz mais uma cerveja pra gente, irmão. — Ele se inclinou, se apoiando em e dando dois tapinhas no joelho de .
— Tudo bem, então vamos. Vocês querem mais alguma coisa?
— Só outra coca — respondeu. — E mais comida, . Acho que é mais rápido se vocês trouxerem diretamente — Ele sugeriu.
quase riu, percebendo exatamente o que estava tentando fazer, mas não tinha certeza se aquela manobra de cupido iria funcionar com o amigo dele.
Ao seu lado, andou com as duas mãos no bolso, calado, até o bar. Fizeram os pedidos e em seguida ele pigarreou, finalmente olhando para ela novamente — como se não tivesse feito isso durante o show inteiro.
— Então… Você gostou da nossa apresentação?
— Sim, e eu amei sua voz — ela repetiu e podia jurar que ele tinha corado um pouco ao ouvir. — Mas não acho que você tá acostumado a receber muitos elogios, né?
— Ah, sempre tem, mas… Não sei. Ainda é estranho. E não é como se a gente tivesse cantando uma música nova e tal… — Ele baixou a cabeça, chutando uma tampinha de garrafa que tinha caído no chão.
— Se serve de consolo, eu sou muito criteriosa com música e posso não saber quase nada, mas sei que o arranjo de vocês foi ótimo. Vocês tem uma harmonia incrível juntos e é o tipo de coisa que eu gosto. Aposto que vocês vão ser grandes um dia.
— Sério? — Ele levantou a cabeça. — Você acha mesmo isso? Você nem ouviu nada original.
— Mas o potencial e talento está lá. E eu sei que é difícil seguir no ramo da música, mas é só uma questão de tempo até vocês conseguirem.
— Tem certeza que você não é algum tipo de caça-talentos disfarçada de adolescente? — ele brincou. — Porque se for, pode falar. Eu vou ficar feliz em saber.
riu, divertida.
— Bem que eu queria, mas não. Sou só uma adolescente que acabou de fazer dezoito anos. — Ela deu de ombros. — Por falar nisso, quantos anos você tem?
— Ah, fiz dezenove mês passado. Todos nós nascemos no mesmo ano, mas é de janeiro e de dezembro. — Ele riu e fez uma careta. — Nem sei por que tô falando isso.
— Se você não falasse, eu com certeza perguntaria — admitiu. — Por algum motivo, eu gosto de saber a idade e aniversário das pessoas.
— Bem, cada um com suas manias… — Ele deu de ombros. — Você e são amigas há muito tempo?
— Desde crianças. Acho que tínhamos oito anos quando minha família se mudou pro bairro onde ela mora e fomos vizinhas por anos, até meu pai ter sido transferido para Nova York. E vocês?
— Conheço desde o jardim de infância. Nossas mães eram amigas e engravidaram na mesma época. Nós conhecemos e ano passado, alguns meses depois de virmos morar em Chicago.
— De onde vocês são?
— Ah, você provavelmente não conhece. É uma cidadezinha chamada Winchester, do outro lado do estado. Tem menos de dois mil habitantes…
— Menos de dois mil?! — Ela abriu a boca, chocada. — Então, todo mundo se conhece lá?
— Infelizmente. Foi um dos motivos, além da música, que fez a gente querer sair de lá.
— Eu também iria querer se fosse vocês. — Ela riu, com simpatia. — Ainda bem que vocês têm um ao outro. Tem gente que faz isso sozinha, mas acho que deve ser assustador.
concordou com a cabeça, sem falar nada. Mais assustador seria viver preso naquela cidadezinha medíocre com pessoas igualmente medíocres, ele pensou consigo mesmo.
Pelo menos, ali em Chicago ele e tinham paz.
A comida chegou e se ofereceu para levar a bandeja, equilibrando-a com facilidade em uma mão só, enquanto segurava duas garrafas de cerveja com a outra.
— Como você consegue fazer isso? — perguntou, enquanto o via desviar das pessoas sem esbarrar em ninguém.
Mas apenas sorriu em resposta.
Meia hora mais tarde, “Saving All My Love for You” de Whitney Houston começou a tocar e convidou para dançar. Quando chegaram à mesa, tinha tomado seu lugar do outro lado e balançou a cabeça enquanto o caçula deu de ombros, estendendo a mão para pegar um punhado de batata frita assim que as colocou na mesa.
E então ele passou os próximos trinta minutos conversando com , até criar coragem o suficiente para convidá-la para uma dança. Felizmente, quando ela aceitou, seus amigos tiveram a decência de não fazer nenhuma piada, embora o silêncio repentino que surgiu não fosse lá muito agradável.
Na pista, onde outros casais dançavam juntos, levou as mãos hesitantes até as repousar suavemente na cintura de .
— Você sabe que não vou quebrar se você tocar em mim, não é? — ela brincou, colocando as próprias mãos um pouco abaixo dos ombros dele.
— Ah, é que eu não queria te deixar desconfortável — ele explicou, relaxando um pouco mais, tornando o toque mais firme.
E enquanto sentia o calor das mãos gigantes de em sua cintura, sorriu, sentindo o coração derreter um pouquinho com aquela declaração.
— Você tem razão. É bom ter certeza de deixar uma garota confortável.
— Sim, acho que é o mínimo, não é? Pelo menos, foi o que minha mãe e tia Linda sempre disseram. — Ele franziu o cenho.
— Tia Linda é a mãe de ?
— Sim, como…?
— Foi apenas uma dedução. Parece que elas criaram vocês bem.
— É, embora eu tenha morado praticamente minha vida toda com meu avô, eu via minha mãe com frequência. — Ele deu de ombros.
— Seu avô também falava isso?
— Ele dizia pra nunca ser rude. E que as mulheres devem ser tratadas com gentileza, pois a sociedade em si já é cruel demais com elas. Ele costumava ser professor de história, antes de se aposentar.
— Eu nem o conheci e já gosto dele. Você deve ter aprendido muita coisa com ele.
sorriu com carinho.
— Foi ele quem mais me incentivou a seguir meus sonhos. Ele disse que o mundo é grande demais pra eu perder minha vida naquela cidadezinha. — Ele riu.
— Como eu disse, eu já gostei dele — ela repetiu, só então percebendo que uma nova música tinha começado a tocar e ela reconheceu como sendo “You and Me” de Lifehouse. — Eu tenho certeza que essa música ficaria ótima na sua voz.
— Ah, é? Por acaso, você tá flertando comigo agora? — ele brincou.
— Não sei. Será que eu tô? O que você acha? — sorriu, mas apenas deu de ombros. — Você tava olhando pra mim durante a apresentação — ela acrescentou, aproveitando um súbito momento de coragem.
— E você pra mim — ele murmurou no ouvido dela.
sorriu e mordeu o lábio inferior por um momento.
— Você tem olhos lindos, o que posso fazer? Eu fiquei hipnotizada por por um instante também quando conheci ele — ela justificou.
— Mas não era pra ele que você tava olhando durante a apresentação…
— Eu prestei atenção em todos vocês. Mas admito que os vocalistas sempre chamam mais minha atenção. — Ela rolou os olhos, segurando outro sorriso.
A música foi morrendo lentamente, sinalizando o final, e seus corpos naturalmente foram parando de se mover e ambos estavam definitivamente mais próximos do que quando começaram a dançar, inclusive seus rostos.
encarou os olhos verdes encantadores de e teria feito uma piada sobre estar com inveja daqueles cílios grossos e enormes que ele tinha se não estivesse sentindo seu coração acelerar absurdamente naquele momento. Prendeu a respiração quando o viu desviar o olhar para sua boca e então inclinar a cabeça um pouco mais antes de se aproximar; ele estava perto, muito perto.
Então, no último segundo, virou o rosto rapidamente, fazendo com que os lábios de tocassem sua bochecha. O ouviu rir pelo nariz e fez o mesmo, e deu um beijo casto e suave na bochecha antes de se afastar.
— Caramba… Esse foi o pior fora…
— Não foi um fora — ela o corrigiu rapidamente.
— Não? Foi o que pareceu. — Ele riu, sem graça e uma insinuação de covinha, bem leve mesmo apareceu em sua bochecha esquerda.
— Acho que é melhor que aconteça quando nós dois estivermos completamente sóbrios — ela alegou.
— Ah, é? — estreitou os olhos levemente. — Então, isso significa que se eu te convidar pra sair amanhã…
— Conheço uma sorveteria ótima que fica a alguns quarteirões daqui — ela o interrompeu, mordendo o lábio inferior, surpresa consigo mesma por sugerir aquilo. Ela nunca tinha saído realmente com um cara. O almoço no intervalo de uma sessão de estudos com o intercambista italiano não contava.
— Então, sou eu que tô te convidando pra sair ou o contrário? — ele quis saber.
— Você deu a entender primeiro. Eu só sugeri o lugar. — Ela deu de ombros. — Podemos nos ver lá amanhã.
— Às duas tá bom pra você?
— Parece perfeito. — Ela sorriu.
sorriu de volta.
— Posso beijar sua bochecha de novo?
riu com vontade e apenas assentiu, antes de sentir os lábios macios de em seu rosto mais uma vez.
Por um instante, até mesmo conseguiu ignorar as borboletas no estômago.

Capítulo 3


As malditas borboletas no estômago não a deixavam em paz e não estava nem mesmo ali.
Por que ela estava tão nervosa? Ela só ia tomar sorvete com um cara, não era nada de mais.
respirou fundo, enquanto colocava uma fina camada de gloss nos lábios, apenas o suficiente para dar um pouco de brilho; não gostava de senti-los grudando um no outro. Com a maquiagem pronta, ela então se concentrou em fazer uma trança raiz no próprio cabelo, alguns fios loiros escapando entre seus dedos vez ou outra, quase a fazendo desistir. Mas estava com preguiça de usar chapinha ou escovar o cabelo longo demais.
Alguns cabeleireiros falavam que a cor original se seus fios era um loiro bem escuro, mas na cabeça dela aquilo era castanho. Mas até aí não entendia muita coisa sobre cabelos, além do fato de que fazia luzes desde os dezesseis anos para esconder as dezenas de fios brancos que resolveram começar a aparecer quando ela começou o ensino médio.
E tudo por causa de estresse. começara o ensino médio em Chicago e então teve que se transferir para outra escola, quando sua família se mudou para Nova York. Lá, ela terminou os estudos em uma escola particular, já que uma bolsa lhe foi oferecida — ou melhor, foi oferecida ao seu pai, como uma das regalias do trabalho dele. Mas eis que na nova escola, ela não podia escolher suas próprias disciplinas, mas sim estudar todas as disponíveis.
Era uma escola católica comandada por freiras e tinham regras estritas. Algumas disciplinas tinham dois professores no segundo ano. No último, todas tinham dois professores. E embora a carga horária fosse a mesma, aquilo de alguma forma parecia pior e todo mundo odiava, embora ninguém pudesse fazer nada.
O máximo que conseguiram fazer foi limitar a quantidade de provas por dia e isso pareceu uma grande vitória na época para alunos que tinham que estudar o dia inteiro. E embora não fosse nenhum tipo de internato ou houvesse dormitórios lá, sentia como se estivesse estudando em um tipo de prisão infanto-juvenil, às vezes. Eles não tinham o direito de ir e vir, não que nas outras escolas tivesse, mas na sua, até mesmo para sair durante o intervalo de aulas, ela tinha que levar uma permissão por escrito de um de seus pais em sua agenda.
Pelo menos, as freiras acreditavam nas permissões de sua agenda nas vezes que precisou sair para resolver algum assunto. Ela sabia que alguns alunos problemáticos tentavam usar aquilo para matar aula sem se encrencar, o que não durou muito tempo já que as irmãs começaram a desconfiar e passaram a ligar para os pais de alguns para confirmar se era verdade ou não.
E felizmente nunca precisou confirmar, mas ouviu muito que a detenção em escolas particulares são piores que outras. Mas ela não sabia se era pior do que ter seus fios escuros nascendo brancos por conta do estresse ocasionado pela pressão que ela mesma se colocava ao estudar.
Felizmente, aquilo tinha acabado. ficaria feliz em nunca mais ver nenhum de seus colegas de turma.
Bando de filhos da puta.
Não que ela tivesse sofrido bullying nem nada, ela não tinha sido alvo disso. Mas todo o estresse tinha lhe provocado um sério problema de concentração e seus malditos colegas eram dos que insistiam em conversar até mesmo no horário de avaliações. Sim, era meio estranho, mas por mais que os professores reclamassem, a merda já estava feita.
até mesmo fez sua mãe pedir permissão a coordenadora para que fizesse uma avaliação na sala da coordenadora uma vez. E por mais que fizesse apenas cerca de quatro meses desde que tinha se formado, ela mal conseguia se lembrar do nome de ninguém da sua turma, talvez umas duas ou três pessoas — as que não eram terríveis como os outros —, mas algo lhe dizia que dali a alguns anos não iria lembrar de quase nada.
E isso era bom. Que não lembrasse mesmo. Não sabia como havia pessoas diziam sentirem falta do ensino médio. esteve metade do tempo desesperada para que acabasse logo e sentir falta daquele inferno era definitivamente um sentimento que ela não teria.
E ela odiava lidar com o cabelo loiro e longo que insistia em ficar uma porcaria sempre que secava naturalmente. Não era o caso naquele momento, mas o frizz insistente ainda estava lá e ela não tinha tempo nem paciência para arrumar mais que aquilo.
E nem iria se esforçar tanto por um cara. Era só um sorvete, talvez duas horas depois ela já estivesse de volta.
Mas as borboletas no estômago eram definitivamente a coisa mais irritante e desconfortável de todas.
O frio na barriga era uma péssima sensação e ela nem ao menos estava descendo alguns metros de montanha-russa.
Meia hora mais tarde, entrou na sorveteria ainda quase vazia, com exceção de duas amigas sentadas numa mesa ao fundo e , que a esperava a cerca de três mesas de distância das garotas que pareciam fofocar alguma coisa enquanto olhavam para ele. reprimiu um sorriso ao perceber aquilo. Se as garotas soubessem que ele era um artista também, com certeza a próxima coisa que estariam fazendo seria jogar seus sutiãs no palco onde ele estivesse.
! Cadê a sua amiga inseparável? Faz tempo que não vejo você por aqui, garota! — Jane a cumprimentou com um sorriso.
— Ei, Jane. Da última vez que estive aqui você ainda era garçonete andando pra lá e pra cá de patins. — abraçou a garota em frente ao caixa. — Quando foi a promoção?
— Seis meses atrás. — Ela riu. — Mas às vezes, o cargo de gerente pode ser bem estressante. E você, o que está fazendo aqui?
— Eu tô passando uns dias na casa da e vim encontrar um amigo hoje. Parabéns pela promoção, Jane.
— Obrigada. E um amigo, é...? — Ela sinalizou para com o olhar. — Aquele amigo?
deu de ombros e Jane riu enquanto observava a garota se dirigir até a mesa onde o rapaz a esperava.
— Oi — a cumprimentou com um sorriso um pouco tímido.
— Oi — devolveu, se sentando em frente a ele.
— Sua amiga? — ele quis saber.
— Sim, eu costumava vir muito aqui com a . Da última vez que vi Jane ela ainda era só uma garçonete aqui e agora é a gerente.
— Que bom pra ela.
— O que você achou do lugar?
olhou em volta e assentiu com a cabeça.
— É bem legal. Parece como uma das salas que você encontraria na fábrica de Willy Wonka — ele brincou. — E isso não é uma crítica.
riu, divertida.
De fato, a sorveteria tinha a decoração toda em branco e vermelho e metade das paredes erma listradas nas duas cores, enquanto as outras se dividiam em um sólido vermelho ou branco.
As mesas tinham aquele típico formato de banco duplo com um estofado de couro vermelho e a parede que dava visão para a rua era inteiramente de vidro. Além disso, os garçons e garçonetes rodopiavam pelo local com patins tradicionais. Saber patinar era um pré-requisito para trabalhar ali, visto que a dona adorava patinar também e se recusava a fugir do seu tema original. Além disso, ela achava que atendimentos com patins eram mais rápidos, desde que você não esbarrasse em ninguém nem derrubasse as bandejas.
tinha que concordar. Não tiveram que esperar nem dez minutos para receber o pedido que tinham feito. Uma tigela média com cinco sabores de sorvete, muita calda de chocolate e morango, canudinhos de waffle e bastante granulado de chocolate.
não tinha um paladar muito doce então entrou em acordo com para que dividissem a sobremesa.
— Minha nossa, tem certeza que essa é a tigela média? — Ele franziu o cenho.
— Eu te disse que as porções são bem generosas. — riu. — E é bom você se preparar porque eu não aguento comer nem a metade disso, por mais delicioso que seja.
— Se isso não fosse um encontro e eu soubesse o tamanho dessa coisa, eu com certeza teria trazido a tiracolo. Ele ia dar de conta dessa tigela em cinco minutos.
também trabalha com você no restaurante?
— Não, só . Mas a dona se aproveita um pouco da gente pra atrair clientes. E ama atenção, então ele acha divertido.
— E você?
— Acho que ainda me sinto levemente desconfortável com mulheres quinze anos mais velha me olhando como se eu fosse algum tipo de stripper que vai tirar a roupa a qualquer momento em um restaurante em plenas onze da manhã. — Ele fez uma careta, fazendo-a rir.
sorriu levemente, enquanto encarava a garota de riso fácil em sua frente.
— Desculpa, mas o jeito que você conta faz parecer muito engraçado, . Mas acho que deve ser difícil lidar com isso, às vezes.
— Não é como se as mulheres fizessem alguma coisa, elas só olham e sorriem. A diferença é que enquanto eu fico com vergonha, flerta com todas elas.
— Aposto que ele ganha gorjetas maiores por isso.
— Sim, e eu prefiro atender as famílias e o pessoal mais retraído — ele disse. — Eles preferem um menino bonzinho por perto do que um garanhão, se é que você me entende.
— Quer dizer que você é o bonzinho? E eu achava que era o mais quieto — ela brincou.
revirou os olhos.
— Só se for em outro planeta. — Ele riu, mordendo um canudinho cheio de cobertura. — Mas não nos leve a mal, nós somos boas pessoas.
— Eu não estaria aqui se eu não achasse que fossem, ainda que só você esteja aqui. Mas e aí? Vocês compõem também? Você toca mais alguma coisa além da guitarra?
— Eu toco piano e violão. Também escrevo as letras com . Os outros caras ajudam muito na melodia, então a gente meio que se completa. Mas e você? A gente só falou de mim até agora.
— Ah, minha vida é bem chata. Vou pra faculdade e, com sorte, também vai e vamos dividir um dormitório. O plano é arrumar um emprego depois.
— E você tem algum hobby?
— Eu gosto de ler e escrever. Ouço muita música, gosto de arte no geral ou, pelo menos, aquelas que fazem sentido pra mim. E gosto de testar receitas interessantes também, mas odeio lavar louça, então isso não acontece muito.
— Não posso dizer que me identifico com a parte de cozinhar, mas de escrever obviamente sim, embora no meu caso seja apenas música. E eu não leio muito, mas com certeza eu leria algo escrito por você. — Sorriu ele.
— Nossa, você tá flertando comigo agora? Tentando achar coisa em comum e tal? — ela brincou, fazendo o sorriso dele aumentar.
— Alguém já te disse que você tem olhos grandes e bem bonitos?
— Falou o cara de olhos verdes e profundos.
rolou os olhos, tentando não sorrir.
— Mas é a verdade. Eu não consigo parar de olhar pra eles — ele admitiu, sincero.
E se fosse sincera também, ela diria que não conseguia parar de olhar para os olhos dele também. Principalmente depois que percebeu, naquela iluminação, que o meio deles tinha um tom levemente mel que se mistura ao verde. E os cílios grossos e escuros.
Malditos cílios grossos e escuros. Eles eram até mesmo curvados.
Os poucos que ela tinha até mesmo se recusavam a permanecer de outra forma que não fossem retos, apontando para a frente e não importava o quanto ela tentasse curvá-los com curvador e rímel, eles nunca ficavam como ela queria. Mas felizmente, o delineador preto ajudava a disfarçar um pouco disso.
— Então... — Ela pigarreou. — Vocês já se inscreveram pro tal festival que o Brandon falou?
— Ainda não. Vou lembrar de fazer isso hoje, por sinal. A gente precisa decidir um nome pra banda ainda, você tem alguma sugestão?
— Eu sou péssima com nomes, desculpe, então não quero arriscar nenhum. Vocês provavelmente se arrependeriam, se chegassem a usar.
riu e assentiu, aceitando aquela resposta. Algum tempo depois, os dois andavam lado a lado em um parque que havia ali perto. E em algum momento, não sabia dizer quando, os dois entrelaçaram as mãos enquanto conversavam.
A mão dela parecia quase insignificante perto da dele e nem mesmo tinha mãos muito pequenas. Ela já viu caras que tinham mãos menores que as dela, mas as de eram enormes.
— Tem muita gente aqui — ela comentou, avistando alguns pais caminhando com seus filhos.
— Acho que já devem estar indo embora. Daqui a pouco vai escurecer.
— Sério? Que horas são?
— Quase cinco, por quê? Vai dizer que não viu o tempo passar?
— Na verdade não. Na minha cabeça, esse encontro não ia durar muito.
— Caramba. — Ele colocou uma mão no peito, fingindo mágoa.
— Não, não é isso. — Ela riu. — Eu nunca saí com ninguém. Tipo, não assim em um encontro de verdade. Você tem algum compromisso hoje?
— Nós vamos tocar hoje, mas eu ainda tenho algumas horas livres.
— Ótimo, porque eu quero ir no parquinho. — Ela apontou para onde ainda havia algumas crianças.
franziu o cenho, não tendo certeza se ela estava brincando ou não.
— Sério? — ele quis confirmar. — As crianças não vão ficar lá muito felizes com você, se invadir o espaço delas.
— Eu não me importo. Vem. — Ela o puxou pela mão.
Para a surpresa de , ele obedeceu.
E não se arrependeu nem mesmo quando viu bater boca com um menino que devia ter uns dez anos após ele chamar ela de velha lenta como uma tartaruga.
— E quem você pensa que é? O flash? Você nem devia estar aqui, seu pirralho. Aposto que nem tem altura o suficiente pra subir aqui — ela retrucou, olhando para baixo no meio da escada.
— Ah, sai daqui, sua tiazona! — o moleque devolveu, subindo mais rápido e a empurrando com o ombro, fazendo perder o equilíbrio e cair antes mesmo de reclamar.
Para a sua sorte e azar de , ela caiu bem em cima dele, que acabou amortecendo a queda dela e tomando todo o impacto para si na areia.
— Ai... — ele resmungou. Não que fosse pesada, mas ela tinha caído de cerca de dois metros de altura em cima dele.
Enquanto isso, o moleque ria da cara dela.
— Meu Deus, você tá bem? — Ela se alarmou, se apoiando nas duas mãos. Procurou o pirralho que a tinha derrubado, mas o avistou já longe dali.
Já estava um pouco escuro e não haviam mais crianças por perto.
— Na verdade, tá doendo — resmungou, de olhos fechados. — Mas você sabe o que dizem sobre machucados. É só dar um beijinho que sara. — Ele abriu os olhos, rindo quando deu-lhe um tapa no ombro.
A garota tomou impulso para se levantar, mas virou antes, invertendo suas posições, uma mão embaixo da cabeça dela, para que não se sujasse com a areia e a outra em sua cintura.
E então, mais uma vez sentiu.
As malditas borboletas no estômago. estava próximo, muito próximo. De repente, a cena da noite anterior parecia estar se repetindo, mas em um cenário diferente.
— Eu... — ela murmurou, fazendo-o parar por um instante.
— O quê?
— Talvez eu não seja tão boa nisso — ela admitiu.
apenas sorriu. Por um segundo, ele achou que ela fosse dizer não ou recusá-lo novamente, mas não era nada disso.
Podia sentir nervosa, mas não estava o empurrando nem o afastando ou dizendo não. E desde que não fosse nenhuma daquelas coisas, ele não se importava.
— Eu posso? — ele perguntou mesmo assim.
Sua mãe sempre disse que ele deveria ter certeza de ter um sim de qualquer garota com a qual ele se envolvesse e respeitar sem discutir sempre que ela dissesse não, não importa se fosse um beijo ou algo mais íntimo. E seja lá o que fizessem juntos, ele nunca deveria expor uma garota porque isso era desrespeitoso e deprimente. Sua mãe e tia Linda tinham sido completamente firmes quanto a isso com ele e . Ambas diziam que se recusavam a ter um babaca como filho. conseguia entendê-las, mas falando sinceramente, independente de seus conselhos, ele achava a ideia de consentimento algo incrível.
Se havia coisas que ele não gostaria que pessoas fizessem com ele sem que ele quisesse também, por que deveria ser diferente com garotas? Era bem mais divertido quando os dois queriam.
— Sim — finalmente disse, com a respiração levemente descompassada.
segurou um sorriso e se aproximou devagar; eles não tinham porque ter pressa.
Um momento depois, ele descobriu que os lábios de eram tão macios como ele tinha pensado.

Capítulo 4


— Quer dizer que vocês vão se encontrar de novo? — perguntou, os olhos brilhando de curiosidade. assentiu, segurando um sorriso. — Eu sabiaaa! Você não tirou os olhos dele ontem.
Era óbvio que iria perceber aquilo, não era nenhuma surpresa. Sua melhor amiga nunca deixava nada passar batido. Quando chegou em casa, há menos de uma hora, estava no banho e ainda tinha uma toalha enrolada na cabeça enquanto fazia contar absolutamente tudo o que tinha acontecido.
— Ele disse que a banda vai tocar no pub do Bran na próxima sexta — continuou, enquanto tirava a maquiagem. — Vamos nos encontrar lá. E no sábado é o festival que a banda vai participar.
— E por que vocês não combinaram de se ver na semana?
— Ele e os outros meninos trabalham durante o dia e precisam ensaiar pro festival. Eu nem pensei em sugerir, não quero atrapalhar. — Ela deu de ombros.
— Vocês deviam pelo menos trocar o número de telefone.
— Eu estou sem celular, lembra? O meu morreu quando deixei cair na privada — retrucou. — Mas eu passei meu MSN pra ele. Além disso, nem sei se também tem. Não vi ele com um.
— Provavelmente não. Seria legal em termos de trabalho, mas imagina o tanto de ligação que ele ia ter de garotas enchendo o saco. Eles nem são conhecidos e já é assim, imagina se Chicago inteira descobre. — riu.
— Foi o que pensei. — riu junto. — Eu sei que deve ser emocionante ter sucesso em uma banda e fãs aonde quer que você vá, mas deve ser muito difícil também. Você perde a privacidade. O Mcfly tem que se esconder, às vezes.
— O mundo todo conhece Mcfly. Eu fico me perguntando se o Harry pegou mesmo a Lindsay Lohan. Você sabe, os rumores... Mas enfim. Eu acho que o deve ter celular — deduziu, esfregando a toalha na cabeça, para ajudar a secar o cabelo úmido. — O pai dele não ia deixar ele ficar sem entrar em contato por muito tempo. Mesmo que ele tivesse sendo vigiado.
— Ele parece ser bem controlador. Deve ser desconfortável.
— Pelo jeito que ele fala, ele foi criado assim. Então, deve ter se acostumado. Pelo menos, os pais dele permitem que ele barganhe. É melhor do que não deixar ele fazer nada.
— Tem razão — concordou, pegando um pijama da mala e roupas íntimas. sempre reclamava porque ela não desfazia as malas, mas a verdade era que odiava fazer malas, então só tirava o que precisava e depois colocava a roupa suja de volta, mantendo tudo organizado. — Vou tomar banho. Vai preparando a argila das máscaras.
— Será que a gente devia fazer uma esfoliação também? — perguntou, tocando o próprio rosto, enquanto ela e se encaravam em silêncio, como se estivessem trocando uma mensagem telepática. — Quer saber? Eu tenho mel e aveia em casa, vou descer pra pegar.
— Legal. Eu volto já.

Skincare caseiro era uma das coisas favoritas que gostava de fazer com . Claro, desde que Andrew, o irmão mais velho dela, não estivesse em casa.
Ele sempre daria um jeito de entrar no quarto — ele tinha um talento enorme com fechaduras — enquanto elas estivessem fazendo algum tipo de sessão de beleza em casa, regada a máscaras de argila, abacate e outros ingredientes "duvidosos", segundo ele.
Isso porque ele nem viu quando elas resolveram fazer uma máscara com claras de ovo, pois já tinha ido para a faculdade. Andy estudava administração em Columbia e estava no último ano, então ele raramente vinha para casa, a não ser em feriados ou possíveis ocasiões especiais.
Era um cara alto, magro, de cabelo marrom e olhos cor de uma tonalidade avelã que mal podiam enxergar meio metro a sua frente sem ajuda de seu par de óculos com lentes grossas e armação escura que cobria a maior parte de seu rosto (e ele tinha um rosto bonito, como uma versão mais jovem do Sr. Mully); nascido no meio de junho e completamente tagarela, Andy compartilhava um interesse maior em comum com : o amor pela leitura.
O que era provavelmente uma das poucas coisas que ela e cresceram não tendo em comum.
não era exatamente um exemplo de leitora, então era com Andy que sempre conversava e discutia teorias das mais aleatórias histórias, desde fantasia ao romance, terror à comédia. Ele não se importava se o livro era quente, misterioso ou só um romance água com açúcar. Por incrível que pareça, desde que a leitura o prendesse, Andy estava lendo; e não era muito diferente. Então eles viviam fofocando juntos, às vezes com — ela podia até não ler, mas adorava saber o que acontecia nas histórias — e até mesmo costumavam se presentear com livros, a maioria de segunda mão, encontrados em sebos nos momentos mais aleatórios.
Eles adoravam sebos. E fez uma nota mental de passar em um durante a próxima semana, após lembrar disso.
Quando voltou para o quarto, encontrou jogando aveia em um recipiente com mel e imediatamente se sentou em frente a ela.
A esfoliação veio primeiro — e tinham que ter cuidado porque podia ser bastante dolorosa, embora fosse eficiente — e em seguida, uma grossa máscara de argila verde que faria Andy chamar as duas de Fiona. Nos olhos, colocaram duas rodelas de pepino e, embora odiasse o cheiro, gostava de como o legume agia em sua pele. Deitadas lado a lado no chão, rodeadas de almofadas, as duas relaxaram em silêncio durante alguns minutos, antes de tirar todas as coisas verdes que tinham em cima delas.
Era quase como uma espécie de meditação. Tirando o fato de que elas ouviam música o tempo inteiro; E dançavam de pijamas, com as máscaras faciais e segurando escovas de cabelo, “Hollaback Girl” tinha sido a performance escolhida naquela tarde de skincare.
“Uh huh, this my shit! All the girls stomp your feet like this” começou, quando as primeiras batidas começaram.
“A few times I've been around that track, so it's not just gonna happen like that… 'Cause I ain't no hollaback girl, I ain't no hollaback girl…!” — elas cantaram juntas, andando e pulando para lá e para cá pelo quarto.
“Ooh, ooh, this my shit, this my shit…” A música continuou enquanto elas dançavam e riu, feliz, querendo guardar aquele momento para sempre em sua memória.

***


Na segunda-feira, tinha ido passear na cidade sozinha já que estava trabalhando e encontrou um sebo, onde comprou vários livros que ela e Andy vinham querendo ler.
Eram quase cinco da tarde quando chegou em casa e tinha que ligar o computador de para entrar em seu MSN e ver se Andrew estava online, quando viu um convite novo de . Rapidamente aceitou e passou os olhos pela lista de pessoas online, constatando que o nome de Andy não estava lá.
Mas o de sim. E antes que ela pensasse em enviar uma mensagem, uma nova janela se abriu quando ele fez isso primeiro.
Não havia nenhuma foto no perfil dele, assim como no dela, nem frases escritas na frente de seu nome, como muitas pessoas gostavam de colocar.
Sem pensar muito, abriu a janela para visualizar a mensagem.

diz:
Oi, e aí?
diz:
Olá ^^
diz:
Finalmente decidimos o nome da banda. Fizemos a inscrição ontem de madrugada.
diz:
Sério? E aí? Qual o nome?
diz:
Provavelmente o pior nome de todos, mas tava todo mundo bêbado e acabou dando nisso.
diz:
Certo, mas qual o nome?
diz:
Não sei se quero dizer, você vai rir.
diz:
Como assim? É tão ruim assim? Diz logo qual é, eu vou descobrir de um jeito ou de outro porque eu vou estar nesse festival.
diz:
Vai, é? Bom saber que tem mais alguém lá pra ver a gente passando vergonha com esse nome ridículo. Vou me preparar psicologicamente.
diz:
Você tá fazendo drama, não pode ser tão ruim. Diz logo qual é.
diz:
Certo, eu vou dizer. Mas vou dizer pessoalmente. Você tá livre hoje a noite? A gente pode comer uma pizza ou sei lá. O que você acha?
diz:
Eu tô livre, mas achei que você ia trabalhar/ensaiar essa semana.
diz:
E vou. Acabei de chegar do trabalho e hoje não vamos poder ensaiar, então pensei em te chamar pra sair e vim aqui ver se você tava online.
diz:
Você deu sorte, eu tô usando o computador da , então mal entro aqui quando tô viajando. Posso sair com você hoje, mas tenho uma condição.
diz:
Condição? Qual?
diz:
Você vai me deixar pagar a metade da pizza.
diz:
Quê? Não mesmo.
diz:
Vai sim.
diz:
Não vou não.
diz:
Então eu não vou sair com você.
diz:
Por quê? É só uma pizza, . Para com isso.
diz:
Porque eu quero. É pegar ou largar, .
diz:
...
Tá, tudo bem.
Vou deixar você pagar metade da pizza idiota, mas as bebidas são todas por minha conta.
diz:
Ótimo :)

sorriu para a tela do computador e o desligou alguns minutos depois, feliz por convencer . Sabia que muitas garotas nem discutiriam sobre aquilo, mas ela não se sentia à vontade por ter qualquer pessoa pagando coisas para ela, fosse homem ou mulher, em um encontro ou não; e ela preferia que fosse assim, pois gostava de ter esse tipo de independência, mesmo que fossem coisas menores e até bobas.
pagaria por metade das bebidas também, mas sentiu que provavelmente se ofenderia se ela oferecesse, já que ele a estava convidando, então ela decidiu não discutir. Estava escolhendo uma roupa na mala quando chegou e se jogou na cama.
— Ai, eu tô morta — ela resmungou, com a cara do colchão.
— E eu tenho um encontro — disse e riu quando a amiga levantou a cabeça de uma vez.
— O quê? — sorriu, maliciosa. — Achei que você fosse se encontrar com um certo alguém só na sexta.
— Eu também. Entrei no MSN hoje pra ver se Andy tava online e acabei falando com . Ele disse que tá livre hoje a noite e perguntou se eu queria sair com ele. Vamos nos encontrar daqui a uma hora e meia.
— Hmm... — murmurou, deitada de bruços na cama, o queixo apoiado nas duas mãos. — Você gosta dele, não é?
— Não sei, acho que sim. Ele é legal — respondeu, ainda revirando a mala. — Não é como se eu fosse me apaixonar por alguém em dois dias.
— Teoricamente, hoje são três — disse. — O terceiro dia que vocês se falam e vão se ver, eu digo. Além disso, quando tempo você acha que demora pra alguém se apaixonar?
— Sei lá, eu nunca me apaixonei. — deu de ombros. — Acho que sentir atração por alguém já é bom o suficiente — ela acrescentou.
Aquilo quase nunca acontecia. Por um tempo, até mesmo achou que pudesse ter algum tipo de bloqueio emocional, mas viu que não quando deixou que a beijasse.
O toque dele não a incomodava e se ela fosse ser honesta consigo mesma, tinha que admitir que queria sentir mais aquela sensação. Tinha sido apenas um beijo, mas antes disso eles tinham se conectado de uma maneira diferente. era divertido, inteligente e conversava com ela como se estivesse realmente interessado em ouvir o que quer que ela falasse, mesmo que fosse apenas alguma coisa idiota.
gostava disso. E por mais que sentisse um frio na barriga só de pensar nele, isso não a incomodava muito. Mas também não significava que estava apaixonada. Ela também sentia frio na barriga até mesmo lendo livros de romance, então era perfeitamente normal. Além disso, sentir aquilo na pele a fazia pensar que seu corpo apenas estava reagindo a algo novo como um mecanismo de defesa. Era como ficar ansiosa para receber uma nota de uma avaliação, ou mesmo apresentar um trabalho. Não tinha nada a ver com paixão.
Mas ela não disse isso a . Se sua amiga queria fanficar, então que ela fizesse isso.
— Que besteira. Eu me apaixonei pelo Bran praticamente à primeira vista — retrucou. — Eu li numa revista que tem uns estudos que dizem que demora tipo cinco segundos pra algumas pessoas.
sorriu para a amiga e assentiu, embora não acreditasse naquilo.
— Você é uma garota de sorte, então. Comigo não é assim.
— Deve ter algo a ver com o seu signo. Você é uma capricorniana chata pra cacete, .
— Obrigada — disse, fazendo a amiga revirar os olhos. — Vou tomar um banho e me arrumar. Se Andy aparecer no MSN, diz que eu comprei um livro novo pra ele.
— Sim, sim. Claro. Vou aproveitar e fofocar sobre seu novo encontro. Vai ser divertido ver ele nervoso porque não tá aqui pra agir que nem um irmão mais velho.
— Ele provavelmente assustaria de alguma forma — deduziu.
— E sem precisar falar nada — acrescentou e as duas riram.
Não tinha dado certo com Brandon, no entanto. Ele tinha praticamente o dobro de músculos que Andy e parecia assustador, mas segundo , e para a sorte dela, levou menos de cinco minutos até os dois começarem a conversar como se fossem velhos amigos.

***


— Eu não acredito que você consegue comer isso. Eca — resmungou, enquanto mordia um pedaço de pizza havaiana repleta de abacaxi em cima.
Eles tinham ficado alguns minutos discutindo sobre o sabor, até que resolveram pedir metade da que ela queria — que ele chamava de sabor dos infernos — e metade de pepperoni, clássica e sem erro.
segurou um riso enquanto mastigava ao encarar a careta que fazia enquanto a via comer.
— Minha mãe sempre diz que você só pode falar que não gosta de algo depois de experimentar vinte e uma vezes.
— Ah, não, eu experimentei uma e foi suficiente pra mim, obrigado. Parece mais um truque da sua mãe pra ter fazer comer.
— E é, mas eu não disse que funcionava. — Ela deu de ombros. — Foi só pra saber se você ia cair nessa.
riu, divertido.
— Bem, acho que não — ele disse, começando a comer também.
— E aí? Qual o nome da banda? Você ainda não disse.
fez outra careta enquanto mastigava e o observou por alguns segundos, enquanto terminava de engolir e tomava um gole de refrigerante.
a encarou nos olhos uma vez e desviou para a mesa, suspirando antes de finalmente revelar.
Cave Panthers — ele disse, baixinho.
— O quê? — franziu o cenho.
— Cave Panthers — ele repetiu, mais alto. — Eu falei que era péssimo. — Ele pegou outra fatia de pizza, sem olhar para ela, mas não ouviu nenhuma risada.
— Eu não entendi. Você disse que era um nome ruim — ela falou. — Cave Panthers parece legal. Parece nome de banda. Eu gostei.
— Sério? — Ele arqueou uma sobrancelha. — É temporário, a gente vai usar pro festival e mudar depois, já que a inscrição já foi enviada.
— Se eu fosse vocês eu manteria esse nome. Parece divertido.
— Bem, é melhor que Intrepid Heroes — ele resmungou.
riu ao ouvir. Aquele sim parecia pior.
— Certo, eu concordo que Intrepid Heroes é péssimo. Mas Cave Panthers é legal.
— Bom saber que pelo menos você gosta. — Ele riu.
Depois do jantar — e de deixar pagar metade da pizza, como combinado — eles caminharam juntos até o parquinho infantil que tinham estado dois dias atrás. deixou que segurasse sua mão até lá, até ela correr para um dos balanços livres.
Obviamente, não havia crianças ali à noite. Então era apenas eles novamente, e alguns casais a algumas dezenas de distância, sentados nos bancos que haviam ali.
tomou impulso e começou a se balançar. sentou no balanço ao lado dela e fez o mesmo, enquanto ouvia o riso fácil dela e assistia o cabelo dela balançar junto. Até que pulou, depois do balanço atingir uma certa altura e sentiu o coração sacudir de preocupação por meio segundo, até ver ela cair em pé e se virar com um sorriso para ele.
— Vem, eu quero ir pra gangorra.
— Você é doida? Por que pulou daquela altura? Você podia ter se machucado, .
— Eu costumava ter um balanço na casa da minha avó. Fiz isso durante anos. — Ela piscou, ainda sorrindo. — Não se preocupe. Agora, é hora da gangorra. Prometo não pular dela e deixar você cair.
Em resposta, apenas balançou a cabeça e a seguiu. Brincaram por alguns minutos, rindo como duas crianças e depois voltaram a caminhar pelo parque, parando para se sentarem em um dos bancos ali.
— Eu acabei de ter uma ideia — disse, de repente. — Eu tenho uma câmera na minha mala. Vou filmar a apresentação da banda no festival.
— Sério? Que legal, seria ótimo. A gente pode usar pra monitorar erros também.
— Vai ser legal. E duvido que vocês errem. Vocês vão tocar uma música original, né?
— Sim. — Ele assentiu. — Honestamente, eu me sinto um pouco nervoso. Vai ter muita gente lá.
— O que é ótimo. Vocês vão ganhar mais público. Eu tenho certeza de que vão se sair bem — ela disse, parecendo realmente acreditar naquilo, enquanto segurava a mão dele.
sorriu para suas mãos e entrelaçou seus dedos, levando a mão dela até os lábios, depositando um beijo ali.
— Obrigado, . De verdade. — Ele a encarou. — É bom saber que mais alguém acredita na gente, mesmo sem nunca ter ouvido uma canção original.
— Cara, se você cantar brilha brilha estrelinha vai fazer parecer como uma música digna de um grammy. Você canta covers de um jeito que é como se a música fosse sua. Eu mal posso esperar pra ver vocês nesse festival.
riu, baixinho e encarou os olhos arredondados de por um instante, pensando em como eles ficavam bonitos com aquele tipo de delineado com uma pontinha para cima. O batom claro que ela usava já tinha saído por completo, o que fazia com que seus olhos se destacassem ainda mais em contraste com sua pele clara. O cabelo dela, longo e solto estava com uma tiara de pérolas que a deixava adorável e ele só conseguia pensar em como toda aquela combinação era perfeita.
Levou a mão livre até o rosto de e colocou uma mecha de cabelo que escapulia atrás da orelha dela. Encostou suas testas e os dois fecharam os olhos por alguns segundos, antes dele juntar seus lábios pela segunda vez.
soltou a mão dele e instintivamente passou os braços ao redor de seu pescoço, sentindo o toque firme de uma das mãos de em sua cintura.
Quando ele aprofundou o beijo, ela já não sentia mais as borboletas no estômago, o frio na barriga que a deixava nervosa e tudo isso simplesmente porque não se sentia mais assim.
O nervosismo tinha dado lugar ao conforto.
a beijou como se ela fosse uma de suas músicas, feitas especialmente para ele cantar. E ela nem tinha ouvido nenhuma ainda para ter certeza disso, mas por algum motivo sabia que tinha razão.
Para ela, parecia um perfeito personagem fictício escrito por uma mulher que, por acaso, fazia parte da sua própria história. E ela tinha gostado do que viu, e estava curiosa por mais.
Sentindo os lábios de se afastarem de sua boca até seu pescoço, ela manteve os olhos fechados, deixando um suspiro satisfeito escapar por entre seus próprios lábios. Quando os dele retornaram até os seus, ela soube que o queria por inteiro.
E algo lhe dizia que isso não era uma possibilidade tão distante de acontecer; talvez estivesse mais perto do que ela imaginava.

Capítulo 5


achava que não tinha como ficar mais bonito e então descobriu, na noite de sexta, que estava errada.
A apresentação do Cave Panthers estava terminando e ela não conseguia tirar os olhos dele, que sorria e olhava para ela na maior parte do tempo enquanto cantava.
Ele tinha cortado o cabelo, ela percebeu, alguns minutos depois que a apresentação começou. Estava bem curto nas laterais e, por alguma razão, embora a parte da frente e em cima estivessem um pouco maior, aquele corte a fez se lembrar de Dean Winchester, protagonista de uma série de TV da CW, que tinha estreado no ano anterior. até mesmo teve uma quedinha por ele quando assistiu a primeira temporada, mas no momento, todos os seus sentimentos de “queda” estavam voltados para aquele cara no palco.
deu alguns avisos sobre o festival, aproveitando para convidar as pessoas para a apresentação e então a banda finalmente se retirou do palco. Ela e se atrasaram um pouco daquela vez e quando chegaram, eles já tinham começado a tocar.
O que aconteceu foi que sua melhor amiga teve um mini ataque de ansiedade, depois de receber uma carta da Universidade de Nova York naquela tarde. Quando abriu, um misto de alegria e nervosismo tomou conta dela e por um instante, viu sua amiga chorar de felicidade e em seguida, a felicidade se transformar em culpa.
tinha sido aceita na NYU, a mesma universidade que já tinha se matriculado e que as duas sonhavam em estudar juntas há anos. Havia uma segunda opção em Chicago, caso a possibilidade de ir para Nova York fosse para o ralo, mas esse não era o caso.
Agora, ela tinha que contar a Brandon que estava indo embora em poucos dias. O que significava — e ela tinha quase certeza — que era o fim do relacionamento para os dois. Ela tinha que encarar Brandon e contar a ele, mas acabou não fazendo isso naquela noite, provavelmente pelo mesmo motivo que decidiu não contar a que estaria indo para casa dali a dois dias. Queriam um pouco mais de tempo com eles, sem nada para atrapalhar ou deixar o clima ruim. Então, em uma das vezes que foram ao banheiro juntas, prometeram que fariam aquilo depois do festival, na noite seguinte.
estava bebericando um drink sem álcool, sentada sozinha em um banquinho do bar, quando viu os meninos empacotando os instrumentos antes de desaparecerem pelas portas dos fundos, voltando alguns minutos depois sem eles. estava ao lado de Bran enquanto eles conversavam com os integrantes da outra banda que tocaria naquela noite e não pôde deixar de pensar em como ela parecia algum tipo de anfitriã recebendo convidados com ele.
— Oi — uma voz profunda murmurou em seu ouvido e ela tremeu um pouco de surpresa, ouvindo a risada de no instante em que se virou para encará-lo. — Desculpa, eu te assustei — ele se adiantou em falar.
— Eu não vi você chegando. Cadê os meninos? — ela perguntou, olhando ao redor, mas o pub estava cheio com todas as mesas ocupadas.
— Eles devem estar por aí. — deu de ombros. — Seu cabelo tá bonito hoje — ele elogiou, passando a mão no cabelo dela levemente. — Ele tá enorme.
— Obrigada. Eu tô pensando em cortar depois. Dá muito trabalho manter assim. — Ela sorriu. — Percebi que você cortou o seu também. Ficou legal.
— Ah, sim... O tamanho tava me incomodando um pouco também. Você gostou da apresentação? — ele perguntou, sentando no banquinho ao lado dela e pediu uma água pro barman.
— Sim, sinto muito por perder o início, a gente acabou se atrasando. Mas se serve de consolo, minha câmera já está prontíssima pra filmar vocês amanhã.
— Bom saber. — Ele sorriu, antes de tomar um gole de água.
— Vocês ensaiaram muito essa semana?
— Sempre que a gente teve um tempo, mas acho que estamos bem. Eu confio nos caras.
— E a voz principal do líder não devia estar descansando em vez de se apresentando na véspera do festival? — ela sugeriu, brincando com o canudo do drink.
— É por isso que hoje ninguém vai beber — ele explicou, balançando a garrafinha de água na frente dela. — E eu fiz os caras prometerem que amanhã a gente só vai falar o necessário até a apresentação.
— Sério? — Ela sorriu, desacreditada.
— A gente tem que cuidar da voz. Mesmo que seja só eu e cumprindo essa promessa.
— É o suficiente. — deu de ombros. — tá por aí com Brandon, mas perdi os dois de vista. Aqui tá muito cheio — ela acrescentou, meio incomodada.
— Você não curte multidões?
— Não sou muito fã. Não tem ninguém tocando ainda e mesmo assim já é difícil de conversar.
— Quer sair daqui e dar uma volta? Ainda é cedo e é final de semana, então tem muito lugar aberto ainda.
— É verdade, e tem um lugar a algumas quadras daqui que acho que seria divertido ir. Se é que ele ainda existe. Faz anos desde a última vez que fui lá — ela explicou, finalizando o drink. — Me deixe só encontrar pra avisar a ela.
— Eu vou com você — ele se ofereceu.
No meio do caminho, esbarraram em e ganhou um abraço de urso dele, a tirando do chão por um instante, antes de pigarrear e ele se afastar com um sorriso inocente, piscando para ela.
Encontraram e Brandon perto do palco a alguns metros dali e foi até eles, enquanto e ainda conversavam.
— Vou sair com . Não sei que horas eu volto.
— Não sabe que horas ou se volta essa noite? — perguntou, com um sorrisinho malicioso.
suspirou.
— Se eu não voltar... — ela começou, já ouvindo a amiga rir. — Você cuida do resto.
— Vou dizer a meus pais que você bebeu, desmaiou na cama e provavelmente só vai acordar no dia seguinte — ela disse. — Isto é, se eles voltarem hoje.
— Como assim?
— Acho que esqueci de mencionar que ele iam visitar a minha tia na cidade vizinha esse final de semana — a amiga explicou. — Eles saíram quando você tava tomando banho, mas fiquei ocupada demais sendo ansiosa pra lembrar de dizer.
— Ah, pensei que eles tinham saído pra jantar.
— De qualquer forma, não faça nada que eu não faria. — sorriu. — Até amanhã, gata.
— Eu não disse que não ia voltar.
— Mas minha intuição me diz que você não vai.
, tá pronta? — ela ouviu perguntar, enquanto se aproximava.
— Claro, vamos — ela disse, lançando um último olhar para a amiga, que lhe soprou um beijo no ar.
segurou uma de suas mãos e a colocou na frente dele de uma forma meio protetora, enquanto ambos abriam espaço entre as pessoas.
Do lado de fora, o ar fresco acariciou seus rostos assim que saíram e caminharam juntos até o local que disse conhecer.
— Uma pista de patinação? — encarou o letreiro, incerto.
— Sim, não acredito que ainda existe. Vem, hoje eles só fecham às onze. A gente tem mais de uma hora pra aproveitar. — Ela o puxou pela mão e os dois entraram.
— Eu não sei se é uma boa ideia, — Ele disse, observando o local. — Mas se você quiser ir, eu fico aqui.
— Não tem graça ir sozinha, . Você tem que vir comigo.
— Eu não sei patinar, vou cair antes de ficar em pé nesse troço. — Ele fez uma careta, olhando para a pista onde algumas pessoas patinavam.
— Então você deu sorte. Não tem muita gente aqui, então eu vou te ensinar. — Ela decidiu, o puxando novamente.
Alguns minutos mais tarde, estava em pé sobre um par de patins tradicionais, com duas rodinhas de cada lado, enquanto se apoiava na barra de segurança.
, você tem que soltar a barra, pode se apoiar em mim se quiser — tentou convencê-lo.
— Não, eu vou cair e te derrubar também — ele recusou, tentando fazer os joelhos parassem de tremer.
— Eu prometo que não te deixo cair. Você tem que confiar em mim.
— Eu mal consigo ficar em pé, — ele resmungou. — Me sinto patético.
riu, divertida.
— Olha pra mim. Eu vou te dar umas dicas. Se você sentir que vai cair pra trás, jogar os braços pra frente e se agache. Isso faz você ficar no lugar. Caso você queira diminuir a velocidade, você pode aproximar os joelhos assim... — Ela demonstrou, enquanto explicava. — E sempre mantenha os joelhos flexionados, vai te ajudar com o equilíbrio. Não é tão difícil.
— Eu ainda não me sinto seguro.
— Confie em mim, . Prometo que você não vai quebrar um braço.
— Você disse que não ia me deixar cair e agora tá falando sobre eu não quebrar um braço? — ele perguntou, incrédulo, mas ela apenas riu. — Eu vou tentar uma vez, se não der certo, vou desistir.
— Você não pode desistir tão fácil assim — retrucou. — Vamos fazer assim… Me dá uma mão e segura na barra com a outra. Eu vou puxar você pra gente patinar ao redor da pista até você se sentir confiante pra soltar.
— Tudo bem. — Ele fez o que ela pediu.
Cinco minutos depois, tinha um sorriso no rosto.
— Você tinha razão, não é tão difícil quanto parece.
riu, encantada com a animação dele.
— Quer tentar soltar a barra agora?
— Tá, mas não me solta — ele disse, segurando firme na mão dela antes de soltar a barra. — Isso é divertido. — Ele riu como uma criança.
— Parece que você tá flutuando, né? Olha, só tem a gente agora. Aquelas meninas tão saindo. — Ela apontou para o grupo de quatro meninas.
Ficaram patinando juntos por mais alguns minutos, até que decidiu aumentar um pouco a velocidade e perdeu o controle, dando-lhe um puxão que a fez cambalear também e ir parar ao lado dele. mal tinha pensado em se agachar quando inverteu as posições acidentalmente, a arrastando no meio da pista, enquanto se desesperava.
— Como faz pra parar? , a gente vai cair, eu não consigo parar! Aaah!
riu com vontade.
— Espera, tô tentando ajudar. Tenta se agachar agora, aproxima os joelhos, — ela disse rápido, em meio ao riso, enquanto ele obedecia sem pensar.
sentiu a velocidade diminuir até pararem próximos da barra de segurança e soltou um suspiro de alívio, enquanto ria alto da situação e mais ainda quando ele olhou feio para ela.
— Não tem graça, a gente ia caindo — ele disse ainda agachado. Tomou impulso para se levantar de uma vez e mal teve tempo de se arrepender, quando sua bunda bateu contra o chão e gritou, caindo também, mas de altura muito menor, pois ainda estava agachada. Ela gargalhou outra vez, sentindo a barriga doer de tanto rir.
— Você é muito engraçado, — ela disse, enxugando as lágrimas. — Desculpa. Você tá bem?
— Eu sim, minha bunda não — resmungou, um pouco sem ar. — Eu acho que quebrei o cóccix — ele acrescentou, com uma mão no local e então sentiu um tapa na bunda.
— Para de drama, você não quebrou nada.
— Você acabou de me dar um tapa na bunda? — Ele a encarou com os olhos arregalados.
— Um tapinha amigável. — Ela deu de ombros. — Não esquenta com isso. Vem, vou te ajudar a tirar os patins antes da gente sair daqui. Eles vão fechar daqui a pouco.

***


— Não acredito que você bateu na minha bunda — ele resmungou, alguns minutos depois, enquanto tomavam sorvete de casquinha, sentados em um banco no mesmo parque que estiveram antes, mas em um local mais distante que da última vez.
Mais algumas quadras e eles estariam no centro da cidade, percebeu, enquanto desviava o olhar para ela.
o encarou com um sorriso, enquanto mordia o sorvete.
Quem diabos mordia um sorvete? Definitivamente não uma pessoa comum.
— Doeu?
— O quê?
— O tapa, ele doeu? — ela quis saber.
— Não.
— Você se sentiu assediado?
— Não! — Ele a encarou, incrédulo.
— Então tá tudo bem. — Ela se inclinou, dando-lhe um beijo na bochecha com os lábios gelados.
estreitou os olhos por um instante e a imitou, fazendo o mesmo e um pouco mais. Beijou-lhe a bochecha e então selou seus lábios rapidamente.
o encarou surpresa, mas apenas segurou um sorriso enquanto terminava o sorvete.
— Vou me lembrar de você sempre que eu for patinar, .
— Ah, eu também vou lembrar de você quando ver alguém patinando na minha frente.
— Ah, é?
— É, e vou lembrar também de nunca mais pôr aquela coisa nos meus pés de novo — ele concluiu, fazendo-a rir.
— Você é surpreendentemente divertido, sabia?
— Por quê? Você achou que eu fosse um chato?
— Não, mas você parecia bem tímido no dia que te conheci. Claro, você parece outra pessoa no palco — ela lembrou.
— Eu acho que no meu caso é mais introspecção do que timidez. Eu só não me sinto muito à vontade pra conversar com gente que não conheço.
— Nem quando você tá flertando com alguma menina?
— Me diz você. — Ele a encarou.
— Acho que você se garante quanto a isso. Acho que você é alguém que sabe o que fazer pra conseguir um objetivo.
— Eu diria o mesmo de você — ele admitiu, enquanto se levantava. — Vem, vamos andar um pouco. Tem um monte de lugar legal aqui perto.

Na verdade, tinha uma rua cheia de bares, fliperamas, entre outros tipos de estabelecimentos. E tinha muita gente ali também, indo e vindo.
— Olha, um estúdio de tatuagem — apontou para o local, arrastando pelo braço.
— E daí? Você quer fazer uma? — ele perguntou, esperando um não.
— Quero — ela respondeu, sem pensar duas vezes, pegando-o de surpresa. — O que você acha da gente fazer uma tattoo combinando?
— Como assim? Tattoo de casal?
— Não, eca. Nada disso. A gente pode fazer algo divertido e pequeno.
— E o que seus pais vão achar disso quando descobrirem?
— Minha mãe tem cinco tatuagens, . E meu pai deve ter perdido a conta. — Ele riu.
— Seus pais parecem bem legais. O meu provavelmente arrancaria uma tatuagem da minha pele com uma faca, se eu ainda morasse com ele.
— Mas você não mora mais, né? Pode fazer o que quiser.
Ele podia mesmo. E embora nunca tivesse pensado muito em tatuagens até então, naquela noite ele decidiu fazer uma com ela.
— Você tem alguma ideia específica? — ele perguntou, enquanto folheava o álbum de desenhos de um dos tatuadores do estúdio.
— Vamos só encontrar algo que a gente goste e que seja divertido. O que você acha?
apenas deu de ombros em resposta. Ele não ligava muito.
Uma hora depois, eles saíram de lá com um ‘X’ na parte de dentro do braço direito dela, próximo ao cotovelo, enquanto havia um ‘O’ no mesmo local do braço direito dele. Tinha doído e demorado bem menos do que ele esperava.
— Pra onde você quer ir agora? — ele perguntou, enquanto andavam de mãos dadas.
— Não sei, você tem alguma ideia?
— Tá ficando tarde. Que horas você disse que tinha que voltar mesmo?
— Eu não disse. — sorriu, mordendo o lábio inferior. — sabe que tô com você e os pais dela estão fora, então...
parou de andar.
— Você... Quer vir comigo pra casa? — ele perguntou, meio inseguro.
— Você quer que eu vá?
— Só se você quiser. Não quero que você se sinta pressionada a fazer nada, .
— Tudo bem, então vamos — ela disse, puxando de leve a mão dele. — Pra que lado você mora?
pressionou os lábios, contendo um sorriso.
— Virando a esquina, à direita. Deve ser a uns cem metros daqui.
Cem metros depois, encarou um prédio antigo, mas bem bonito, com a fachada inteira de tijolos vermelhos.

Capítulo 6


O apartamento que dividia com era pequeno, mas parecia confortável o bastante para . Com dois quartos, um banheiro, e uma cozinha-sala com um sofá de três lugares, uma TV pequena e um computador com internet discada em um canto, o lugar parecia bem útil, diferente do que admitia ter imaginado antes: apenas um local para dormir.
Por um instante, sentiu vergonha de ter pensado isso apenas porque eles eram dois garotos solteiros morando sozinhos, mas era bom saber que eles tinham uma casa organizada e bem bonitinha. Fofo até. Se não soubesse, acharia que alguma mulher tinha arrumado um pouco ali.
— Adorei as cortinas. — apontou para os dois pedaços de tecido vermelho com estampa florida na pequena janela da sala, que provavelmente tinha vista para o beco entre aquele e o prédio vizinho.
— Ah, comprou mês passado e colocou aí. Ele disse que faz a casa parecer mais viva ou algo assim — ele explicou, fazendo rir baixinho.
— Eu pensei que vocês morassem em algum tipo de dormitório ou sei lá, que vocês fossem bagunceiros.
tem mania de limpeza e eu também não sou muito fã de bagunça, então...
— Vocês fazem o par perfeito.
— A gente dá um geral na casa uma vez por semana. — Ele deu de ombros. — O que não demora muito, já que é pequeno.
— Eu queria morar em um lugar assim um dia — ela disse, olhando em volta enquanto se sentava no sofá, tomando cuidado para a saia do vestido soltinho que tinha escolhido usar naquela noite não levantar. Preto, com uma estampa floral, a peça poderia ser quase uma prima da cortina que tinha comprado. Pensar nisso a vez segurar um sorriso.
— Você não acha pequeno demais?
— É bom o suficiente. Vocês cozinham aqui ou só comem comida congelada?
— Um pouco de cada, eu acho. Depende da inspiração do dia. A gente testa umas receitas, às vezes. A maior parte vem de ideias de , mas ele não sabe cozinhar muito bem, então às vezes compra os ingredientes e traz com o tutorial pra gente tentar fazer.
— Olha, se não fosse sua voz, com certeza seria o meu favorito da banda — admitiu. — Ele é muito espertinho e tem um senso de humor muito legal.
— Agradeço a honestidade, embora eu ainda esteja surpreso. é o cara das atenções, achei que fosse ser assim com você também.
— Bem, não é com ele que eu venho saindo nos últimos dias, né? — o encarou, com uma sobrancelha arqueada.
sorriu, sem graça.
— Você quer, sei lá, tomar alguma coisa? Ver um filme?
— Eu acho que vi um teclado no seu quarto. Será que ia incomodar muito os vizinhos se você tocasse um pouco? — ela sugeriu. — Não precisa cantar, eu sei que você tem que descansar a voz.
— Depende do volume dele. — Ele se levantou e estendeu a mão para ela. — Vem, o que você quer que eu toque?
— Seria inconveniente pedir uma música do McFly? — ela perguntou, enquanto o acompanhava.
riu, divertido.
— Não, eu gosto de Mcfly também.
se sentou na cama de solteiro perfeitamente arrumada com um edredom azul-marinho e pegou um travesseiro, trazendo para o colo.
— Eu posso tirar o tênis? — ela quis saber, enquanto preparava o instrumento.
O rapaz desviou um olhar para ela, pensando que ela podia tirar o que quisesse, mas apenas assentiu com a cabeça, voltando a mexer no instrumento.
— Que música você quer? — Ele encarou a garota sentada em posição de lótus.
— Sei lá, escolhe você. — Ela deu de ombros, apoiando o rosto nas duas mãos, os cotovelos em cima do travesseiro.
Será que ela sabia como parecia linda assim? tinha que se esforçar para desviar o olhar dela. Ajustou o volume do teclado a um nível aceitável e então, sem pensar muito, começou a tocar as primeiras notas de “All About You”.
sorriu assim que reconheceu a melodia. Mal sabia ele que aquela era sua música favorita da banda. Cantarolando baixinho, ela tentou acompanhá-lo até o fim da música e se juntou a ela.
sorriu mais ainda, dando tapinhas nos travesseiros, enquanto acompanhava a melodia.
— Você até que canta bem — ele comentou, indo até a cama.
— Sério? — Ela o encarou, desconfiada.
— Não. — ele riu, se sentando ao lado dela.
— Bem, pelo menos você é sincero. Eu sei que canto mal — ela admitiu.
— Ainda bem que não é um pré-requisito pra escrever, né?
— Só preciso da minha imaginação e isso eu tenho de sobra. — Ela sorriu e então timidamente entrelaçou a mão na dele. — Você pode ser sincero sobre mais uma coisa?
franziu o cenho levemente, mas assentiu, apertando a mão dela com mais firmeza.
— O que você quer saber, ?
— Por que me trouxe aqui, ?
Não era idiota a ponto de não saber a resposta. já imaginava que essa noite aconteceria mais cedo ou mais tarde.
— Pareceu a coisa certa a fazer — ele murmurou, a encarando nos olhos. — Mas se você quiser ir embora, eu posso chamar um táxi e te acompanhar até em casa.
balançou a cabeça, negando.
— Eu quero ficar aqui com você hoje — ela confessou. — Parece a coisa certa a fazer. Acho que é meio óbvio o que costuma acontecer em situações como essa — ela acrescentou, um pouco tímida.
Podia sentir as bochechas esquentando.
— Eu não quero que você se sinta pressionada a nada — esclareceu.
— Se eu não quisesse estar aqui, eu não estaria, . Se eu não quisesse o mesmo, eu não teria aceitado seu convite — ela disse. — Não tô me sentindo pressionada. Mas também não quero que você se sinta assim também.
se inclinou e a beijou suavemente, um mero encostar de lábios, antes de se afastar.
— Eu quero isso tanto quanto você quer, — ele confessou, enquanto acariciava o rosto dela. — Eu quis te beijar desde a primeira vez que te vi, mas você já sabe disso. Você me deu um fora — ele continuou, a fazendo rir.
— Não foi um fora! — retrucou, arrancando uma risada dele. As borboletas em seu estômago dançaram freneticamente e ela juntou as mãos, um pouco nervosa, antes de continuar. — Tem uma coisa que você precisa saber antes. Eu nunca fiz isso com ninguém.
— Nunca? — ele levantou as sobrancelhas.
— Mas você já, certo? — ela quis saber.
— Eu? Ah, sim...
assentiu rapidamente. A realidade de sua pequena expectativa parecendo cada vez mais próxima.
— Ótimo. É melhor assim, na verdade. Alguém mais experiente — ela comentou e pensou que ele não era tão experiente assim, mas sabia o que fazer. E desconfiava que também, ainda que fosse sua primeira vez.
— Você tem certeza que quer isso, ? — ele perguntou, o polegar circulando no dorso da mão dela, ainda entrelaçada a dele.
— Eu decidi que queria você desde o nosso último encontro, — ela admitiu. — E quero que esse momento seja com você. — Ela o encarou nos olhos.
acariciou o rosto dela mais uma vez, a encarando com admiração enquanto tentava decorar os traços de seu rosto. era como uma obra de arte e ele não se referia apenas à aparência dela. Seria hipocrisia dizer que ele não tinha pensado naquela garota a semana inteira, desde o momento em que a conheceu, enquanto se recordava de todas as vezes que eles tinham se beijado e rido juntos.
Às vezes, ele fazia algo aleatório e pensava o que ela acharia sobre tal coisa. Gostava de conversar com ela e de fazê-la rir. Em todo o tempo que morava em Chicago, ela era a primeira garota com quem ele tinha conseguido se conectar a esse ponto. E ele queria tanto que durasse, queria aproveitar cada minuto com ela. Foi pensando nisso que ele se inclinou e selou seus lábios mais uma vez.
Bem ali, ele fez com que ela fosse sua e foi dela também.

(n/a: Sinta-se à vontade para colocar "iF U C Kate" do McFly pra tocar <3)

Um pouco desajeitada, as mãos de tremeram um pouco quando pegou o travesseiro entre eles e o atirou no chão do quarto, sem parar de beijá-la. Sentiu o colchão macio contra suas costas e o calor do corpo dele sobre o seu, enquanto tomava cuidado para não apoiar todo o seu peso contra ela. arfou quando ele se afastou e moveu a boca para seu pescoço, fazendo-a se arrepiar por inteiro.
Insegura, mas decidida, ela enfiou as duas mãos por baixo da camisa dele, enquanto fazia o mesmo com seu vestido. Sentiu ele sorrir contra o beijo e se afastar para tirar a camisa. percorreu os olhos por seu corpo, sem vergonha nenhuma naquele momento. O torso magro, mas definido o fazia parecer um pouco mais velho que um cara de dezenove anos. Ele com certeza era do tipo que gastava um tempo se exercitando diariamente.
era lindo. Completamente lindo. E ela era uma vadia sortuda por ele ser um cara legal também e por tê-lo como seu primeiro amante.
Se sentando na cama também, se moveu para sair debaixo dele e ficou de joelhos na cama, para então puxar o vestido para cima, ficando apenas com o conjunto preto de renda que usava como roupa íntima. A vergonha veio a sua mente e desapareceu no mesmo instante em que ela encarou os olhos de fixos em seu corpo, fazendo-a se sentir linda sem precisar dizer absolutamente nada.
se aproximou dele e apoiou as mãos nos ombros fortes, o beijando mais uma vez, sentindo as mãos dele em suas costelas no momento seguinte, enquanto ela tentava desabotoar a calça que ele vestia. a ajudou rapidamente e ela quase riu quando notou a cor de sua roupa íntima, também preta. Se deitaram novamente e pressionou sua pélvis contra a dela por um instante, fazendo-a arfar de novo. sentiu a região entre suas pernas quase doer, pulsando como nunca antes, e involuntariamente pressionou seu corpo contra o dele também.
Sentiu as mãos dele procurando o fecho do sutiã, aberto segundos depois, antes da peça se juntar ao travesseiro no chão e ser substituída por suas mãos e boca. se contorceu, sensível demais com o toque dele e agarrou sua nuca como se aquilo de alguma forma pudesse amenizar um pouco a sensação que sentia, mas não era o caso.
... Quando...?
— Shh… — Ele a beijou nos lábios. — Ainda não — ele murmurou contra sua boca, antes de se afastar um pouco mais, sentando-se sobre os joelhos. Então, segurando uma de suas pernas e sem deixar de encará-la, ele beijou a parte interna de seu joelho esquerdo, antes de fazer o mesmo com a coxa, subindo cada vez mais.
mal podia esperar para se enterrar nela, mas sabia que tinha que ser paciente para ser bom para ela também. estava tão linda ali, bem na sua frente, que ele não conseguia tirar os olhos dela, nem precisava.
Se livrou da última peça de roupa que ela tinha e tocou seu centro sensível, arrancando um som baixo e rouco da garota. Mas foi quando ele substituiu sua mão por sua boca, que viu a arquear as costas, agarrando em seu cabelo, desesperada por alívio, os sons que ela fazia parecendo música aos seus ouvidos. E quando explodiu em sua boca, com um rosnado rouco e o corpo tremendo por inteiro, soube que tinha atingido seu pequeno objetivo e sorriu fascinado ao ver a garota relaxar na cama, o corpo mole e satisfeito, enquanto tentava recuperar o fôlego.
se sentia como gelatina.
Mal pôde prestar atenção em se levantando da cama e voltando alguns segundos depois, após se livrar da própria roupa íntima. Ele tinha uma bunda bem bonita, redondinha e grande, ela percebeu. As calças largas certamente não faziam jus àquela parte de seu corpo. Era maior do que ela tinha imaginado.
Assim como outra parte dele.
Puta merda. Não vai caber, ela pensou.
? — a chamou, e ela desviou o olhar daquela parte para o rosto dele. — Você tá bem?
— Sim — ela respondeu rápido. — Você pode apagar a luz?
— Por quê? Você ficou com vergonha, de repente? — ele quis saber, os olhos brilhando em diversão.
— Não, mas... Posso dizer que fiquei... Apreensiva.
— Apreensiva? Você quer parar?
— Não — ela disse, firme. — Só não sei se você vai conseguir, se eu vou conseguir... Enfim, eu acho que você... Tem um nariz grande, — ela acrescentou, desviando o olhar para o teto.
— Nariz? — Ele riu, divertido. — Certo, acho que entendi o que você quer dizer. Mas acho que você não devia se preocupar com isso.
— Por quê? — ela perguntou, enquanto ele apagava a luz, deixando o quarto quase completamente escuro, se não fosse a luz que vinha da janela que, felizmente, era alta o suficiente e ficava de frente para outra parede sem janelas.
voltou para a cama e a beijou carinhosamente.
— Eu vou caber direitinho em você — ele murmurou, com aquela voz rouca e sexy que tinha um efeito direto no meio das pernas dela e a fazia querer contorcer uma na outra.
Por sorte, agora ele não podia mais ver ela corando, porque suas bochechas pegaram fogo naquele momento. Em seguida, sua respiração acelerou e sentiu frio na barriga mais uma vez, antecipando o que viria. a beijou novamente e se posicionou entre suas pernas, levantando uma até a cintura dele.
O que veio em seguida, achou ser uma pressão incômoda. Seu corpo parecia se esticar mais e mais e ela franziu o cenho, enquanto tentava se acostumar com aquilo. entrou um pouco mais, dessa vez um pouco mais rápido e ela mordeu o lábio inferior. Sabia que estava pronta e que ele não teve muita resistência ao deslizar para dentro dela, mas a pressão estava lá, como se fosse rasgá-la a qualquer momento.
arfou e respirou fundo, notando que tinha parado.
— Você tá bem? — ele quis saber.
— Sim, só... Deixa eu me acostumar um pouco.
assentiu e voltou a beijá-la, tentando fazer com que ela relaxasse outra vez, até que sentiu ela tentando se mover contra ele.
— Melhorou? — ele perguntou, após quebrar o beijo.
assentiu e então voltou a se mover. Se manteve devagar durante um tempo e quando ela relaxou mais, aumentou a velocidade até chegar a um ritmo constante, que acabou arrancando suspiros dos dois.
... — ela gemeu, baixinho, de olhos fechados. — Droga, isso é bom...
sorriu de lado e a beijou novamente.
— Você é a garota mais linda que eu já vi, .
— Mentiroso. — Ela sorriu. — Você diz isso pra todas?
— Só pra você — ele respondeu, selando seus lábios uma vez, achando difícil manter a boca longe dela. E era verdade, ele nunca tinha dito aquilo para mais ninguém. — Você é tão linda, . E tão absurdamente... Deliciosa — ele murmurou no ouvido dela e acelerou mais, conseguindo um pouco mais de música dos lábios dela.
cravou as unhas em seus ombros sentindo o corpo tensionar outra vez e se contrair contra ele. segurou firme em seu quadril, mantendo-a no lugar enquanto mantinha um ritmo cada vez mais rápido. se contraiu mais e então o abraçou com força.
...
... — eles disseram ao mesmo tempo, tremendo um contra o outro.
sentiu as unhas de cravarem um pouco mais em seus ombros, mas não se importou. Talvez ela tivesse que perdoar possíveis marcas de dedos em seu quadril também, além de uma ou duas em seu pescoço.
Deixou seu peso cair por cima dela por um instante, seus corpos ainda conectados e respirou fundo algumas vezes, antes de se retirar de dentro dela. Ouviu suspirar quando se afastou e murmurou um “eu já volto” enquanto se livrava da camisinha no banheiro. Quando retornou, encontrou em pé, vestida em um de seus moletons. De costas, ele a viu vestir novamente a calcinha e sorriu, a imitando após achar sua própria roupa íntima.
— Confortável? — ele perguntou, quando ela se virou.
assentiu e mesmo naquele escuro, conseguiu ver que ela sorria.
— Posso usar seu banheiro?
— Fica à vontade. — Ele apontou para a porta.
Alguns minutos depois, de bexiga vazia, sentindo-se um pouco mais limpa e após descobrir que não tinha sangrado, voltou para o quarto e encontrou afastando os lençóis. O travesseiro grande dele estava de volta ao seu lugar e ele se sentou na cama, a puxando pela mão. se deitou entre ele e a parede e acariciou seu rosto outra vez, afastando uma mecha de cabelo dali.
— Tudo bem? — ele perguntou outra vez.
— Sim e com você? — ela quis saber.
— Eu me sinto ótimo. — Ele sorriu e a beijou na testa.
— Obrigada por ter sido gentil e paciente. Você fez ser bom.
— Era o mínimo que eu podia fazer, . — Ele continuou o carinho no rosto dela. — Você confiou em mim.
sorriu, satisfeita e selou os lábios nos dele uma última vez.
— Pareceu a coisa certa a fazer. Boa noite, — ela murmurou, fechando os olhos.
— Boa noite, .
E então fechou os olhos também.

Capítulo 7


se espreguiçou na cama e enfiou a mão debaixo do travesseiro, tateando até encontrar o celular que estava tocando.
Era um modelo simples que tinha adquirido há alguns meses e mal usava a não ser para falar com , e a Sr.ᵃ Petterson. ainda não tinha feito questão de ter um, mas o compreendia.
Ele era um cara de uma cidade pequena demais para precisar usar um celular, onde telefones públicos eram mais que suficientes. Além disso, eles moravam juntos, trabalhavam nos mesmos lugares e passavam a maior parte do tempo juntos, então bastava apenas um número para que pudessem entrar em contato com os dois.
Atendeu o celular que vibrava sem parar e logo ouviu a voz de do outro lado.
— Cara, vem abrir a porta. A gente tá com fome e você disse que ia fazer café da manhã hoje — ele lembrou. — Não acredito que você e ainda tão dormindo!
bocejou e avistou o despertador na mesinha de cabeceira, constatando que eram pouco mais de oito horas. Eles deviam estar mesmo a fim de algumas de suas famosas panquecas já que tinham acordado tão cedo.
Mas também tinham ido para casa mais cedo, diferente dele. Quando chegou em casa, pouco depois das duas da manhã, encontrou o apartamento silencioso e a porta do quarto de fechada. Imaginou que ele tinha sido o único a dormir tarde naquela noite.
— Tá, já vou. Me dá só uns cinco minutos — ele respondeu, antes de desligar. Em seguida, foi ao banheiro, esvaziou a bexiga e escovou os dentes ainda meio sonolento, o que foi meio que resolvido após jogar um pouco de água no rosto.
Depois vestiu uma bermuda e, sem se importar em acrescentar mais uma peça de roupa, ele foi até a porta e a abriu, encontrando os dois amigos famintos.
— Você bebeu depois que a gente foi embora? — quis saber. — Porque sua cara tá péssima — ele acrescentou, sem esperar responder, enquanto passava por ele.
— Bom dia! — sorriu, mostrando praticamente todos os dentes, enquanto seguia .
fez uma careta de desgosto.
Ele estava bem em acordar cedo, mas isso não significava que tinha um humor brilhante com o de . Devia ser alguma coisa de família. Ele tinha comentado sobre sua mãe acordar às cinco da manhã para meditar ou algo assim. Já , parecia com o humor infeliz de sempre quando estava com fome. tratou de cuidar logo daquilo e se dirigiu à cozinha, já separando os ingredientes para fazer panquecas.
— Vocês vão querer com mel, geleia ou quê? — ele perguntou.
— Mel e manteiga pra mim — disse.
— Leite condensado, por favor. — sorriu novamente. Ele parecia um filhotinho irritante. — ainda tá dormindo?
— Acho que sim. Ele deve ter resolvido aproveitar um pouco a folga. — deu de ombros. — Mas vou acordar ele daqui a pouco. A gente tem que comer e ensaiar uma última vez antes do festival.
Meia hora depois, ele empilhou algumas panquecas em dois pratos para ele e ; e já estavam praticamente terminando de comer àquela altura, ambos sentados no sofá da sala. Quando tirou a última panqueca do fogo, desligou o fogão.
— Ok, tá na hora. Vou logo acordar aquele preguiçoso, antes que a comida esfrie — ele anunciou, se dirigindo ao quarto do amigo.
Abriu a porta de uma vez já com uma bronca na ponta da língua, mas conteve a própria voz no último segundo, quando viu que não estava sozinho.
Com a mão na boca e os olhos arregalados, espiou por cerca de cinco segundos, encontrando encolhida junto a debaixo dos cobertores, usando um dos moletons dele. Tão rápido quanto abriu a porta, ele a fechou.
Voltou para a sala — o que levou cerca de dois passos — na ponta dos pés e xingou baixinho quando viu com o controle remoto na mão, prestes a ligar a TV.
— Abortar, abortar! — Ele tomou o controle do amigo. — Ele tá com uma garota no quarto — acrescentou, antes que os amigos perguntassem.
? — chutou.
— Sim — disse e então escutaram um barulho vindo do quarto. — Rápido, rápido, pro meu quarto!
Sem nem pensar duas vezes em por que estavam fazendo aquilo, os rapazes se levantaram do sofá e correram para o quarto de , que parou no meio do caminho lembrando de pegar seu prato de panquecas, antes de se juntar a eles. Quando fechou a porta, respirou fundo e então mordeu uma panqueca sem cobertura — não teve tempo de colocar uma antes de correr. Felizmente, ele era um bom cozinheiro e elas tinham um gosto bom até mesmo puras.
— Tá, mas por que a gente tá se escondendo mesmo? — perguntou, depois de alguns minutos. tinha terminado de comer e posto o prato com os outros que os amigos tinham colocado em cima da mesinha de cabeceira.
— Estamos poupando a de uma caminhada da vergonha — respondeu, mas os dois o encararam confusos. — Ela é uma garota — ele explicou. — É meio constrangedor para as meninas sair do quarto do cara com quem ela ficou e então dar de cara com três amigos dele.
— Ah... Verdade — concordou. — Se eu fosse menina, eu iria me sentir desconfortável. Na verdade, eu iria me sentir assim até sendo homem e desse de cara com um monte de meninas depois.
— Pois é, então vamos poupar a menina disso e esperar ela ir embora em paz — sugeriu.
Um segundo depois, ouviram um barulho na cozinha e os três colocaram o ouvido na porta, ouvindo um xingamento abafado de uma voz feminina.
Porra...! Ai, meu dedo — choramingou e viu fazer um barulho com a boca ao prender o riso. o cutucou com o cotovelo e o cutucou de volta, murmurando um “o quê?” baixinho.
Um barulho de talher caindo no chão veio em seguida e, alguns segundos depois, ouviram uma porta abrir e fechar.
— Eu acho que ela já foi — comentou. — Vai lá ver, cara — ele disse a .
Com cuidado, ele colocou a cabeça para fora do quarto, mas então sentiu o corpo ser empurrado de uma vez.
— Porra, não me empurra! — Ele fuzilou com o olhar.
— Ela já foi ou não? — o amigo perguntou, impaciente.
esticou o pescoço e espiou a sala e a cozinha e relaxou quando não encontrou ninguém.
— Ela já foi — ele declarou.
Alguns minutos depois, saiu do quarto e quando foi tomar café da manhã, encontrou uma de suas panquecas pela metade.
Alguém tinha deixado um pequeno rastro para trás além do pequeno bilhete em cima do seu teclado.

***


A primeira coisa que notou quando desceu do táxi foi a garagem vazia, o que possivelmente indicava que o Sr. e Sr.ᵃ Mulligan ainda estavam fora.
Deu a volta pelo jardim até a porta dos fundos e após encontrar a chave reserva que a Sr.ᵃ Mully mantinha escondida em um vaso de planta, abriu a porta, entrando diretamente na cozinha. Serviu-se com um copo de água e pegou dois biscoitos de um pote antes de subir para o quarto, devorando-os pelo caminho.
Abriu a porta de com cuidado, mas logo a viu em frente ao computador.
— Sua danadinha! — sorriu, maliciosa, enquanto ainda mastigava o último biscoito. — Não acredito que você veio usando uma roupa dele — ela acrescentou, apontando para o moletom que estava vestida, que quase cabia duas dela.
— Bom dia pra você também. Achei que fosse te encontrar dormindo — comentou, puxando o moletom pela cabeça.
— Como foi? Me conta tudo! — a ignorou. — Você dormiu com ele?
mordeu o lábio, segurando um sorriso.
— Dormi. Foi bom. Ele foi gentil e cuidadoso e... Mais alguma coisa? Ah, eu não sangrei, mas a dor foi horrível, só que não durou tanto tempo quanto eu achei que fosse — ela disse de uma vez. — Eu acordei primeiro e deixei um bilhete pra ele falando que eu tava levando o moletom emprestado e que era bem provável que eu não devolvesse. E roubei metade de uma das panquecas que podem ou não terem sido pra ele.
não tava em casa?
— Acho que ele tava no quarto. Mas não o vi. Nem sei se ele sabia que eu tava lá.
— Então... Quer dizer que foi romântico? — sorriu. — Tirando a parte que você fugiu sorrateiramente.
— Eu não diria romântico. Acho que foi mais amigável ou coisa assim. Não é como se nós estivéssemos apaixonados um pelo outro. Mas tô feliz que foi com ele — ela afirmou, com um sorriso fechado.
— Você faz parecer como se fosse uma tarefa cumprida.
— E de certa forma foi. Adeus ao peso social de ser virgem e não conseguir me relacionar com ninguém — comemorou, fazendo um movimento com as mãos abertas. — Não é grande coisa. Eu tô um pouco dolorida agora e preciso de um banho quente. Você já decidiu o que vai vestir hoje no festival?
— Acho que um jeans, tênis e uma camiseta. E você?
— Provavelmente o mesmo. Mas acho que vou de short hoje — comentou, enquanto revirava a mala. — O que você tava pesquisando na internet?
— Passagens de avião — respondeu. — Acho que vou com você amanhã.
parou no lugar e levantou a cabeça, encarando a amiga.
— Amanhã? Você ainda tem alguns dias até precisar estar em Nova York.
— Eu sei, mas quero ir antes pra ir me adaptando antes que as aulas comecem.
— E Brandon? Vocês conversaram?
— Vou conversar hoje com ele, depois do festival. Você já falou com ?
— Não, eu também vou falar hoje com ele. Mas é diferente, ele não é meu namorado há quase um ano...
— Brandon vai entender. — deu de ombros. — Ou pelo menos, eu espero que sim. Acho que a gente pode dar um jeito, se for pra ser… Eu não quero ficar remoendo esse assunto e se eu tivesse contado antes, ia só gerar mais estresse pra gente.
— Verdade... — concordou, terminando de pegar suas coisas. — Eu vou tomar um banho e depois descer pra fazer um pouco de café. Eu sinto que tô quase entrando em abstinência de cafeína.
— Você é uma viciada.
— Eu sei. Mas ainda acho melhor do que chá. Não sei como tem gente que ama aquilo, a maioria só tem gosto de remédio. — Ela fingiu estremecer, fazendo rir.
— Vai logo tomar seu banho que eu faço esse seu café — ofereceu.
— Você é a melhor amiga do mundo, sabia? Eu volto já! — E saiu.

***


checou a bateria da filmadora mais uma vez, enquanto Brandon e compravam comida. Ainda não tinha visto os meninos, mas sabia que eles deviam estar em algum lugar se preparando para subir no palco.
retornou carregando dois pretzels repletos de açúcar e entregou um para ela, que o devorou em menos de cinco minutos. Já fazia mais de uma hora que estavam ali e algumas bandas que estavam participando da competição já tinham tocado. Algumas bem talentosas, inclusive, mas ainda preferia a Cave Panthers.
Talvez ela fosse um pouquinho suspeita, mas quem ligava?
Dez minutos depois, uma nova chamada foi feita e as próximas três bandas a se apresentarem foram anunciadas; Cave Panthers era a segunda da ordem, então tratou de procurar um bom lugar para filmar tudo, em vez de assistir de longe, como vinha fazendo até então.
E foi enquanto se enfiava entre as pessoas que alguém acabou a empurrando e ela tropeçou, quase caindo de cara no chão, se não fosse por duas mãos que a seguraram firme.
Mãos essas que passearam por todo o seu corpo na noite anterior.
— Você! Sua ratinha sorrateira e fujona...! — foi a primeira coisa que disse, assim que a encarou, os olhos dele brilhando com humor. — Eu te procurei por todo lado. Onde você tava?
— Perto das barracas de comida. Tava evitando passar o estresse de ter gente roçando em mim até a hora que vocês fossem se apresentar — ela explicou. — E por que eu sou fujona?
— Porque saiu sem falar nada e deixou só um bilhete — explicou. — Você devia ter me acordado, — ele acrescentou, levemente incomodado.
— Eu não queria incomodar. Não é grande coisa, . Mas desculpa se eu te chateei por não dizer tchau.
a encarou por alguns segundos.
— Eu não consigo dizer se você tá sendo sincera ou sarcástica — ele murmurou, se aproximando um pouco mais dela. — Você tá bem?
— Estou ótima. — Ela sorriu, entendendo a que a pergunta dele realmente se referia. Achou fofo. — Não precisa se preocupar comigo.
— É que a gente não conversou muito sobre isso ontem.
— E não tem o que conversar. Foi bom pra mim e acho que pra você também, né?
— Acho que quanto a mim, isso é mais que óbvio. — Ele revirou os olhos. — Mas é claro que foi — falou mesmo assim.
Um coro de gente gritando foi ouvido e eles viram uma das bandas subirem no palco.
— Acho melhor você ir. Vocês são os próximos. E eu ainda tenho que arranjar um lugar bom pra filmar — comentou. — Por sinal, essa roupa ficou ótima em você.
usava uma camisa lisa de mangas compridas levantadas até o cotovelo. Era um tom de verde que parecia valorizar a cor de seus olhos.
— Bom saber. — Ele sorriu e colocou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha. — Te encontro depois da premiação? Vai ser logo depois da última banda.
— Aposto que vocês vão ganhar.
— Não sei quanto a ganhar, mas seria bom ficar no top 3. — Ele sorriu.
— Você é muito modesto, . Vocês vão arrasar. Te vejo depois da premiação. Tem algo que eu quero te contar.
— E por que não conta agora?
— Porque é uma coisa meio chata. — rolou os olhos. — Mas não se preocupe. Não é nada importante. — Ela sorriu.
Ela iria voltar para Nova York no dia seguinte, só isso. E ficava apenas do outro lado do país.
— Tá, tudo bem. Promete que não vai embora sem mim — pediu.
— O quê? — O sorriso de vacilou e nem ela entendeu por quê.
— Não quero que você fuja de novo, sua ratinha. — Ele se inclinou, beijando-a na bochecha. — Vou encontrar você na barraca de pretzels, pode ser?
— Ah, claro. Prometo. A gente se vê depois. Boa sorte, Hero — ela disse e a puxou para um abraço apertado.
— Quando você me chama assim, eu até gosto — ele confessou.
deu uma risada e o encarou por um instante, antes de ficar na ponta dos pés e selar seus lábios suavemente.
— Pra dar um pouquinho mais de sorte — ela murmurou, antes de começar a se afastar, mas a puxou novamente para si.
— Nesse caso, acho que preciso de um pouco mais. Só pra garantir. — E a beijou novamente.
deixou aprofundar o beijo e praticamente se derreteu nos braços dele quando começou a chover lembranças da noite anterior em sua mente. Tudo o que ela podia pensar naquele momento era em suas mãos a tocando, na boca atrevida que a beijou por inteiro e em como ela queria poder sentir aquilo outra vez.
se afastou e encontrou a testa na dela, enquanto ambos recuperavam o fôlego.
— Acho que agora sinto que posso ganhar — ele brincou, fazendo-a rir.
— Vai lá e arrasa, Hero. — Ela deu um passo para trás e cada um foi para um lado.
A banda que estava tocando terminou e aproveitou a oportunidade de se enfiar no meio do público, quando viu algumas pessoas se afastando. Não fazia ideia de onde e Brandon estavam, mas provavelmente ainda em um lugar infinitamente mais confortável do que ao redor de pessoas suadas roçando umas nas outras.
Cinco minutos depois de arranjar um lugar e ligar a filmadora, enfim viu a Cave Panthers subir no palco e começou a gravar ainda enquanto eles falavam seus nomes.
fez uma pequena contagem com as baquetas, mas foi quem começou a tocar, antes dele seguir o som grave de seu baixo. e foram os próximos até que uma melodia rápida e contagiante se formou. Era uma música original e divertida que falava sobre ter alguém que os fazia fortes.
O público foi rapidamente contagiado e viu mais pessoas se aproximando, o que a fez instintivamente firmar mais os braços levantados enquanto filmava. Quando a música acabou, eles desceram do palco e voltaram para o que ela imaginava ter sido o espaço reservado apenas para as bandas.
Já se passava das sete da noite quando a premiação começou e para fazer suspense, os apresentadores anunciaram um top 10 das quinze bandas que participaram, embora apenas os três primeiros colocados tivessem algum tipo de prêmio. Todos estavam espremidos no palco e não demorou para avistar e os garotos. Quando o quinto lugar foi anunciado, ela começou a ficar nervosa. Eles podiam ou não estarem no top 3, como queria.
Faltava apenas mais uma posição. E quando o quarto lugar foi anunciado e o nome da banda deles não foi chamado, viu pôr as duas mãos nos ombros de , o sacudindo de leve enquanto eles sorriam. Era isso. Estavam no top 3.
Mas a Cave Panthers foi chamada apenas no segundo lugar e os garotos comemoraram juntos. estava filmando aquilo também e deu um zoom neles quando foram receber o prêmio: um cheque no valor de cinquenta mil dólares.
Não era a gravação de um EP como no primeiro lugar, mas também não era todo dia que alguém podia ganhar tanto dinheiro.
pulou e comemorou junto, eufórica demais para se importar com a qualidade da filmagem a partir dali. Quando eles saíram do palco, ela voltou a se espremer entre as pessoas, procurando uma saída naquele espaço lotado de gente. E quando conseguiu respirar um pouco de ar fresco, pulou e comemorou sozinha mais um pouco, antes de tentar localizar a banda novamente. Olhou ao redor e avistou a cabeça de de longe. correu, animada, mas se deteve quando um grupo de garotas — e devia ter no mínimo uma dúzia delas — os rodearam parecendo super eufóricas.
Pelo visto, eles tinham ganhado algumas novas fãs naquela noite, ela constatou e riu, divertida. Exatamente como eu tinha previsto.
No entanto, não tinha previsto que seria agarrado por uma garota aleatória e ser beijado por ela no mesmo instante, bem ali na frente dela, a menos de dez metros de distância. Foi quando a ficha finalmente caiu e ela enrijeceu no lugar, as mãos do lado do corpo, uma delas ainda segurando a filmadora enquanto ela era atingida pela realidade.
A realidade que não era nenhuma surpresa, mas que tinha um gosto um tanto amargo. Eles eram parte de uma banda que provavelmente faria sucesso dali em diante, pois mesmo não tendo ganhado o primeiro lugar, ainda haviam conseguido uma boa posição e aquele não era um festivalzinho qualquer. Chicago era enorme e era só uma questão de tempo até surgir algo novo para eles, ela acreditava nisso.
Assim como tinha plena consciência de que o que tivera com na noite passada não iria se repetir. Ela estava indo embora no dia seguinte e sabia que não havia um futuro para os dois quando estariam vivendo em lados opostos do país. E aquela era só mais uma confirmação de que era melhor assim.
Ele teria dezenas de garotas aos seus pés e ela iria viver a vida dela em Nova York. Iria acompanhá-los apenas como fã, pois realmente gostava da banda e dos garotos.
Seria mais saudável assim.
mal tinha se afastado da garota, quando o olhar de encontrou o de , ao lado dele. Ela acenou para ele e sorriu, mas franziu o cenho, parecendo meio preocupado. Isso durou apenas alguns segundos, antes dele se distrair novamente enquanto tentava escapar das mãos atrevidas das garotas.
suspirou e então se virou, pronta para ir procurar .
Assim que se distanciou mais da pequena multidão, avistou a amiga com Brandon, atrás de uma barraca de cachorro-quente e os dois pareciam discutir. Ela franziu o cenho e apressou o passo um pouco mais até que ouviu a voz magoada do namorado dela.
— Sinto muito, . Mas não vejo como isso pode dar certo. — Ele a encarou, parecendo derrotado.
era como seu próprio reflexo.
— Brandon...
— Eu espero que você se saia muito bem na faculdade e consiga realizar todos os seus sonhos — ele continuou. — Boa sorte, . Tenha uma boa vida.
E então ele se afastou. viu tentar segurá-lo pela mão, mas Brandon a puxou e foi embora sem olhar para trás. Viu a amiga colocar as duas mãos no rosto e um soluço escapou de sua garganta, fazendo correr até ela.
... — a chamou, assim que chegou ao lado dela.
se virou com o rosto tomado por lágrimas e a abraçou forte enquanto a amiga soluçava em seu ombro.
— Você viu...?
— Uma parte, sim. Eu sinto muito — murmurou. — Vai ficar tudo bem, amiga.
— Eu vou embora, não tem mais o que eu fazer aqui — declarou, se afastando. Passou as mãos pelo rosto, afastando um pouco as lágrimas, enquanto tentava conter novos soluços.
— Eu vou com você — disse, mas a amiga negou com a cabeça.
— Não, pode ficar. Ainda é cedo e a premiação acabou agora. Você disse que queria ver os meninos.
— Eu já vi eles no palco, foi suficiente.
— Mas você não disse que ia conversar com ...?
balançou a cabeça.
— Acho que não vai ser mais necessário.
— Tem certeza? — a encarou, quase curiosa, mas não estava no clima de insistir muito.
— Tenho. Não tem mais o que eu fazer aqui também — disse, entrelaçando o braço ao dela. — Vamos embora, a gente tem muito chocolate pra comer hoje.
sorriu levemente e assentiu.
E foi naquele momento, enquanto se afastavam, que quebrou sua promessa.

Capítulo 8


não encontrou em lugar nenhum.
Depois de quase uma hora esperando na barraca de pretzels, após finalmente conseguir se livrar das garotas malucas que o perseguiam, ele finalmente se deu conta de que não viria, mas a procurou por mais meia hora, mesmo assim.
Mesmo sabendo que, no fundo, era em vão.
Na premiação, mal conseguiu raciocinar por alguns segundos quando anunciaram o prêmio que sua banda tinha ganhado. Não era o primeiro lugar, mas já era alguma coisa e ele se sentia muito feliz por isso. E enquanto desciam do palco, ele só conseguia pensar em encontrar . Ela tinha certeza de que eles ganhariam algum prêmio e assim aconteceu. Agora só queria ouvir ela proferir o famoso “eu te avisei” e rir com ela.
Infelizmente foi impedido por um bando de adolescentes enlouquecidas que apareceu ao redor da banda, querendo autógrafos e fotos com eles. Os quatro mal conseguiram se mexer direito durante alguns minutos e enquanto ele tentava sair do formigueiro de garotas, se perguntou porque a banda que havia ganhado o primeiro lugar não estava recebendo aquela atenção toda.
Uma garota até mesmo o agarrou e o beijou, de repente. se afastou assustado e surpreso, mas ela não pareceu notar, nem as outras que tentaram fazer o mesmo, coisa que não aconteceu mais, já ele e os caras ficaram em alerta para tentar escapar de qualquer beijo não solicitado. Será que elas tinham confundido as bandas? Bem, se não fosse isso, talvez tivessem caído nas graças do , que ficava o tempo todo fazendo charme no palco.
Quando se viu livre, olhou para os lados à procura de , mas não a encontrou. Já passava das oito da noite e eles deviam ter levado uns bons quarenta minutos até conseguirem respirar direito, sem ninguém ao redor. Não havia mais tanta gente ali, com exceção de alguns casais e umas poucas famílias e os caras tinham ido embora há algum tempo para comemorar. ficou para trás e disse que os encontraria depois. Queria que fosse junto também, mas a barraca de pretzels fechou naquela noite e ela não apareceu.
sentiu uma pontada de decepção invadir seu peito e suspirou, decidindo finalmente ir embora. Não sabia o que diabos tinha acontecido, mas descobriria depois. Talvez fosse uma emergência. Ele também não viu Brandon e por lá, mas imaginou que estivesse com a amiga em algum lugar. Então, empurrou a decepção para o lado e seguiu o plano de encontrar os caras e comemorar com eles o mais novo mérito conseguido.

Na mesma noite, e se empanturraram de salgadinhos e chocolates, enquanto as duas faziam as malas.
Ao som de Mcfly saindo das caixinhas de som do computador, observou se concentrar em fazer rolinhos com suas roupas para economizar mais espaço na mala. Ela ainda tinha os olhos inchados e vermelhos de chorar e, mesmo que houvesse algumas lágrimas silenciosas escorrendo de hora em hora, parecia um pouco melhor depois da crise de choro que tivera mais cedo.
Quando enfim terminaram, abriu uma conta anônima no YouTube e postou o vídeo que tinha filmado para que pudesse encontrar depois. Entrou em sua conta do MSN, enviou o link para ele e manteve o status invisível antes de sair. Em seguida, pronta para dormir, se acomodou na cama com e segurou a mão da amiga em um apoio silencioso até as duas adormecerem.
Naquela noite, ela sonhou que encontrava em uma sorveteria de Nova York, mas sabia que era uma ilusão antes mesmo de acordar.

16 de abril de 2006 — e foram perseguidos!

— Eu acho melhor vocês irem para casa hoje, meninos — a chefe deles concluiu. — Fico feliz por vocês estarem fazendo sucesso com as meninas, mas isso aqui está uma bagunça. Se continuar acontecendo, eu terei que chamar a polícia.
— E se a gente ficar fazendo as entregas? — sugeriu. — O lugar tá super movimentado hoje. A senhora precisa de mais gente.
— E nós já conhecemos bem a área e os clientes que costumam pedir — reforçou.
Além disso, precisavam ganhar quanto dinheiro pudessem e trabalhar no fim de semana pagava duas vezes mais, segundo o contrato formal que assinaram. Também não tinham nada melhor para fazer em casa, então trabalhar era a melhor opção.
A Sra. Petterson os encarou por um instante, desviando o olhar de um para o outro.
— Tudo bem, vou falar para os entregadores trocarem de lugar com vocês, então. — Ela finalmente cedeu. — Mas não baguncem meus pedidos!
O negócio era que os domingos no restaurante eram bem movimentados. Comida italiana fazia muito sucesso e um monte de gente preferia comprar comida ou sair pra comer aos finais de semana. e geralmente trabalhavam mais na semana e faziam rodízio com outros funcionários aos domingos, já que o restaurante funcionava sete dias por semana. Naquele mês tinham pegado dois domingos seguidos, mas não faziam ideia de que veriam tantas adolescentes — e adolescentes maluquinhas — de uma vez só.
Estavam acostumados a lidar com mulheres mais velhas, solteiras, que flertavam com eles e mães que tentavam arranjá-los para suas filhas, o que era um tanto engraçado já que eles eram dois meros garçons que tinham desistido de tentar fazer faculdade para correr atrás de um sonho completamente arriscado. Não que fazer faculdade fosse ser uma realidade fácil para eles, elas eram estupidamente caras. Mas o fato de não terem vontade, tornava tudo um pouco menos pior.
Felizmente, tinha sua mãe e seu avô o apoiando, diferente de seu pai, que ele não via há anos e nem tinha interesse em ver. Não que fosse insensível, mas era indiferente; o homem era como um estranho para ele.
Passou boa parte da infância e adolescência morando com seu avô para evitar o temperamento explosivo do pai, que por algum motivo parecia lhe odiar e isso pareceu se evidenciar mais ainda quando demonstrou sua aptidão para a música. Depois disso, as críticas se tornaram mais fortes, e não importava o que tentasse fazer para agradá-lo, parecia uma tarefa impossível. Até quando ele fazia algo a mando do pai, era tachado de insuficiente ou que estava sendo feito errado.
Depois de um tempo, ele se cansou. Parou de ir para casa e via a mãe quando ela ia visitá-lo na casa do avô. Seu irmão mais novo — a quem seu pai dizia que ele era uma péssima influência —, via apenas na escola. Mas aparentemente, Colin não estava a fim de ter muito contato com ele e nem fazia questão de ser cordial. Quando ia falar com ele na escola, o irmão normalmente revirava os olhos e o encarava com indiferença, antes de sair andando.
Não era nenhuma surpresa que era o favorito de seu pai, além de ser estupidamente parecido com ele também; o mesmo nariz, olhos escuros e cabelo loiro queimado, diferente de que mais parecia com sua mãe.
No início, ele se sentiu chateado pela rejeição do irmão, mas depois de algum tempo, deixou de lado. Que se foda.
achava que não ligação mais para essa questão de rejeição, mas isso foi até descobrir mais tarde o que tinha acontecido com .

16 de abril de 2006 (mais tarde, naquele mesmo dia), 20h36 — Brandon sempre tem as respostas

O vídeo já tinha passado de cinquenta mil visualizações. E considerando que o YouTube era uma plataforma relativamente nova, aquilo era incrível.
mal podia acreditar, mas ao menos aquilo explicava um pouco a bagunça de mais cedo no restaurante. tinha publicado um vídeo no YouTube. Quando chegou em casa, ele pensou em enviar uma mensagem para ela no MSN, mas acabou se distraindo e esqueceu. Até que o arrastou para tomar uma cerveja no pub de Brandon e viu uma ótima oportunidade para saber notícias de . Talvez ela até mesmo estivesse lá com .
Mas tudo o que ele encontrou foi um Brandon cabisbaixo e um tanto irritadiço, pouco antes dele contar que tinha visto o vídeo naquela tarde. No entanto, a euforia de ver uma apresentação deles fazendo sucesso veio e foi embora tão rápido quanto o tempo que conseguia ficar sem tirar sarro de , quando Brandon finalmente falou onde elas estavam.
— Provavelmente desfazendo as malas em Nova York a essa hora.
— O quê? Nova York?
— Sim. Ela não te contou? tinha que voltar hoje. E foi aceita na NYU e decidiu ir mais cedo também — Brandon explicou. — As duas provavelmente vão morar juntas — ele acrescentou, em meio a um suspiro cansado. Também havia olheiras em seus olhos, como se ele não tivesse dormido direito.
— Mas por que elas foram assim? E sem falar nada? — franziu o cenho, olhando de Brandon a , que estava calado ao lado dele. — Que merda é essa?
— Tô me perguntando o mesmo desde ontem. e eu terminamos.
— E por que vocês terminaram? — indagou, falando pela primeira vez em um tempo.
— Porque eu sei que relacionamentos à distância não dão certo. — Brandon deu de ombros e encarou Hero. — Achei que tivesse te dito.
— Nós combinamos de nos ver depois da premiação, mas ela não apareceu. Eu queria que ela fosse comemorar com a gente. — Ele encarou . — Achei que tivesse sido uma emergência, mas…
Ele balançou a cabeça, sentindo-se subitamente derrotado.

— Você disse que ela queria te falar algo — lembrou. — Será que era isso?
— Não sei, provavelmente. Você tem algum computador aqui? — ele perguntou a Brandon.
— No escritório. — Ele apontou a uma porta atrás dele. — Já tá ligado, se você quiser usar.
se dirigiu para a pequena sala atrás do bar e o acompanhou, observando o amigo entrar na conta do MSN e encontrar uma mensagem de com o link do vídeo e mais nada.
Nenhuma mísera palavra.
deixou os ombros caírem e apertou um deles, se sentindo mal pela decepção do amigo. Tinha uma ideia de porque não tinha aparecido, mas sabia que de nada adiantaria falar.
Ela já tinha ido embora.
Naquela noite, ficou bêbado pela primeira vez em muito tempo.
Uma semana mais tarde, o vídeo ultrapassou quinhentas mil visualizações e dois dias depois, eles receberam uma ligação de uma gravadora.
As coisas finalmente estavam mudando. O sonho deles parecia cada vez mais perto de se concretizar. Mas ainda sentia um vazio dentro de si sempre que lembrava de e que tudo aquilo estava acontecendo por causa dela.

Capítulo 9

27 de fevereiro de 2016 — Dias atuais — Hospital Mount Silla, Nova York

Sangue não era algo que costumava assustar .
Tinha assistido a cirurgias extensas e complicadas, visto e atendido vítimas de acidentes em estado extremamente grave entre a vida e a morte e tinha tido inteligência emocional suficiente para lidar com aquilo durante os últimos cinco anos em que trabalhava como enfermeira naquele hospital.
Mas naquela noite, ela precisou de um momento sozinha e decidiu, assim que conseguiu um tempo, se trancar no banheiro por cinco minutos enquanto respirava fundo algumas vezes, tentando afastar a chuva de pensamentos irritantemente realistas e igualmente negativos que tomavam sua mente.
Era só mais um acidente.
Era só mais um paciente.
Ela já tinha visto aquilo centenas de vezes e...
Ainda assim, sentiu o coração acelerar quando viu deitado naquela maca, completamente ensanguentado e desorientado e seu coração não acelerou pela adrenalina do momento do atendimento de emergência, mas sim de preocupação.
Nunca, em todos aqueles anos, tinha se passado por sua mente que reencontraria nesse tipo de situação. Ela nem mesmo trabalhava na emergência, pelo amor de Deus. Tinha aceitado um plantão extra naquele setor para ajudar uma colega que precisou viajar, mas parecia que o universo estava a testando de alguma forma. Apenas quatro horas e meia após assumir o plantão noturno de doze horas, tudo ainda parecia bem, até receberem um aviso de que três homens tinham se acidentado no trânsito. Uma delas morreu na hora com o impacto e os bombeiros tiveram que trabalhar duro para conseguir retirar o corpo do veículo que tinha sido totalmente destruído. Os outros dois tinham conseguido evitar uma batida quando o motorista — Henry, gerente de — conseguiu desviar o carro, antes de perder o controle também, fazendo o veículo capotar cerca de cinco vezes, segundo os relatos das pessoas que testemunharam.
Embora também tivesse sangrado bastante, Henry tinha sofrido apenas uma concussão e alguns cortes suturados enquanto ele ainda estava inconsciente e permaneceu internado ali mesmo na urgência, em observação.
, por sua vez, tinha sido levado direto para o bloco cirúrgico e não permaneceu nem por cinco minutos ao lado dele antes disso acontecer. Ao que parecia, tinha machucado o braço direito com o impacto e quebrado uma das pernas, além de ter sido atingido com diversos estilhaços de vidro, assim como Henry. Ela não teve tempo de descobrir todos os lugares que ele tinha sido realmente atingido e os que foram apenas tomados pelo sangue que tinha se espalhado, mas era uma massa predominantemente vermelha em cima da maca, a ponto de por um instante ela pensar que ele estava usando vestes daquela cor.
não costumava mais pensar nisso com tanta frequência depois de tantos anos, mas assim que o viu, tudo o que ela sabia sobre ele e todas as lembranças dos momentos que tiveram juntos nos poucos dias que se viram retornaram com tanta clareza como se tivesse acontecido na semana anterior.
Ela agiu no automático como o faria com qualquer outro paciente, mas sentiu seus olhos arderem durante todos os minutos que ficou ao lado de , após terem um breve contato visual antes dele perder a consciência. Ela sabia que já não era mais o caso há alguns anos, mas naquele breve instante ela jurou que o garoto de dezenove anos que conheceu ainda estava ali em algum lugar, independentemente do que todas as pessoas, a imprensa e os fãs que o abandonaram diziam.
E nenhuma foto faria jus o bastante para a beleza que era ver aquele par de olhos verdes bem na sua frente.
Odiou absolutamente cada segundo daquela situação. Odiava vê-lo daquela forma. Não durou muito até decidirem que ele precisaria de uma cirurgia de emergência, mas aqueles poucos minutos tinham sido agonizantes e o suficiente para perceber que, diferente do que pensava, uma parte de si ainda não tinha superado o famoso Hero, líder e vocalista principal da Cave Panthers.
Queria pensar que tudo iria ficar bem com ele, mas sua experiência profissional a impedia de ser muito positiva e sabia que até ele sair da cirurgia e estar devidamente estabilizado, tudo podia acontecer. Ela tinha visto até mesmo pacientes estáveis piorarem de uma hora para outra; e não sabia bem o porquê, mas algo lhe dizia que seria um paciente complicado, mesmo estável.
Sentiu o celular vibrar no bolso e viu que a mensagem que tinha enviado minutos atrás tinha sido respondida. Em seguida, recebeu outra.

: Você tá bem? Me fala, se você souber mais alguma coisa dele.

: O problema não sou eu estar bem e sim ele, . Não sei por que você tá me fazendo essa pergunta.

: Ah, sei lá. Deve ser porque você me enviou uma mensagem meio que surtando quando disse que recebeu o próprio completamente ensanguentado no hospital. Mas pelo visto, você já se acalmou.

: Já me acalmei sim, mas não sei de nada sobre ele. Vou tentar saber com algum plantonista, quando as coisas tiverem mais tranquilas. Tenho que ir agora.

: Tudo bem. Não surta.

: Eu nunca surto.

Depois de uns bons cinco minutos de paz no banheiro, voltou ao posto de enfermagem diante do setor movimentado, apenas para sentir o coração acelerar outra vez — dessa vez, de surpresa — quando viu o homem de quase um metro e noventa surgir bem diante de seus olhos.
usava uma máscara branca e boné preto virado para trás e a única coisa visível de seu rosto era o par de olhos azuis-claros. os reconheceria em qualquer lugar, mesmo que ele estivesse de máscara, mas as tatuagens de seu antebraço esquerdo também eram uma boa pista.
Ele olhou para os lados, observando ao redor e se dirigiu a .
— Você é a responsável aqui? — Ele desviou o olhar para o crachá dela. — Srt.ᵃ Reed?
— Sim, como posso ajudar?
— Henry Bailey...-
— O Sr. Bailey acabou de acordar — uma técnica o interrompeu, antes que terminasse de falar.
trocou um breve olhar com , pegou uma prancheta e fez sinal para que ele a acompanhasse. Encontraram Henry semi sentado na cama com uma mão na cabeça, parecendo perceber a faixa que havia ali.
— O que aconteceu com ? Pra onde o levaram? — ele perguntou assim que viu e desviou o olhar para . — Você sabe?
balançou a cabeça, enfiando as mãos no bolso.
— Mas é bom saber que pelo menos um de vocês tá bem.
— Sr. Bailey, eu vou chamar o médico para que ele possa explicar ao senhor sobre o seu caso e...
— Eu já entendi o meu caso, aquela menina me disse — Henry a cortou, impaciente, mas não necessariamente rude. — Eu quero saber do cara que tava comigo.
respirou fundo.
— Eu não atendi seu amigo. Ele ficou aqui por uns cinco minutos, no máximo, antes de decidirem levá-lo ao bloco cirúrgico. Até onde sei, ele ainda deve estar em cirurgia — ela explicou. — Não tive tempo de tomar conhecimento de tudo, mas aparentemente seu amigo estava com uma perna quebrada e talvez o braço... E havia um sangramento no tórax... Mas não posso dar um feedback a vocês sobre ele porque realmente não sei. Ele está com outra equipe agora.
— Eu sou o gerente dele, diga a quem quer que for que podem reportar as notícias a mim — Henry informou.
— E a mim — acrescentou, firme. — Não vou embora antes de ter notícias do .
— Vou pedir ao médico para vir conversar com você, Sr. Bailey — garantiu. — Como está se sentindo? O senhor sente alguma dor? Tontura ou náusea?
— Não, nada. Estou bem. Apenas um pouco dolorido. Quanto tempo terei que ficar com esses pontos? — Ele apontou para as suturas.
— Em torno de dez dias, a depender da sua cicatrização. Algumas pessoas ficam menos tempo e outras mais. — respondeu. — Agora, se me der licença. Chame se sentir algo — ela acrescentou, antes de sair em direção ao corredor agora um pouco mais silencioso devido ao horário, as coisas estavam calmas por enquanto. No corredor, viu apenas algumas técnicas de enfermagem andando para lá e para cá com suas bandejas de medicações de horário já prescritas.
Nem precisou olhar para trás para saber que a seguia. Além da sensação, quando cumprimentou as meninas, algumas delas olhavam por cima de seu ombro para o poste ambulante que a acompanhava.
— Você não quer conversar com seu gerente? — ela perguntou, sem se virar. — Aproveita que ele tá sozinho naquele quarto. Vou ser boazinha e deixar você ficar lá também.
Foi quando ela sentiu sua mão ser puxada, forçando-a a se virar.
— Você tem que fazer alguma coisa. — a encarou nos olhos.
franziu o cenho, incomodada.
— Não tenho o que fazer. Seu amigo tá com outra equipe agora. Você deve aguardar o médico e pedir notícias a ele — ela informou novamente, antes de puxar o braço.
Mas não a soltou.
— Quer mesmo que eu acredite nisso? Você trabalha aqui, então deve conhecer o pessoal. Consiga notícias com alguém do bloco. Tenho certeza que consegue ser mais rápida do que qualquer um se mandar uma mensagem pra alguém.
— Eu não tenho obrigação de fazer isso. Não é meu trabalho e seu amigo não é meu paciente, logo, não é minha responsabilidade. — puxou o braço, dessa vez se livrando do aperto.
Deu as costas para ele e continuou a andar. Mal deu dois passos quando ouviu sua voz novamente.
a chamou pelo apelido pela primeira vez desde que chegou ali e ela parou de andar. — Acha mesmo que vou acreditar que você não se importa?
fechou os olhos e respirou fundo, ainda de costas. Sentiu seus olhos arderem de novo e encarou o teto, soltando o ar devagar.
. Por favor — ele pediu.
— Uma mensagem. Vou enviar uma e pronto. — Ela se virou para encará-lo. — Não vou ficar enchendo outra equipe de perguntas só porque você quer.
sorriu, aliviado. Mal sabia que já ia fazer exatamente aquilo, mesmo que ele não pedisse, mas ela nunca admitiria. Porque não perguntaria para satisfazer ou Henry, mas a si mesma. Pelas próprias razões egoístas.
Não mentiu quando disse que não era de sua responsabilidade perguntar sobre o paciente de outra equipe, especialmente quando nem tinha feito algum procedimento nele. Chegava a ser até antiético e nenhuma de suas colegas tinha que lhe dizer nada. Mas sabia que ela diriam assim mesmo.
No hospital, era comum discutirem sobre os pacientes, independentemente de quem fossem. A equipe de enfermagem e os médicos sempre trocavam experiências juntos. Querendo ou não, alguém sempre sabia de algo e não era qualquer um.
sabia que na manhã seguinte era provável que os jornalistas estivessem sabendo até mais informações que ela, que estava ali dentro. E tinha certeza de que a internet já devia estar comentando sobre o acidente de Hero .
— Obrigado, . Vou ficar te devendo uma — disse, mas ela não respondeu nada. Deixou a prancheta na bancada do posto de enfermagem e caminhou com ele até uma sala de espera vazia, onde se sentaram juntos.
tirou o celular do bolso de seu pijama hospitalar.
— O que você vai fazer quanto aos jornalistas? Tem alguém além de Henry pra lidar com isso? — ela perguntou, enquanto digitava uma mensagem para Veronica, uma das enfermeiras que estava de plantão no bloco cirúrgico.
— Bem, eu não queria, mas se for necessário, eu lido com eles. Ou publico algo na internet, sei lá.
— Acho melhor você pedir a Henry pra ligar pra algum assessor de imprensa e deixar ele cuidar disso — ela sugeriu. — Aposto que antes das oito da manhã já vai ter um monte de jornalistas aqui. Mas não quero ter que lidar com eles, então é melhor você cuidar disso logo. Especialmente antes de descobrirem que você tá aqui.
— Eu tomei cuidado antes de vir, até arrumei uma máscara. — Ele levantou a mão, a máscara agora pendendo entre seus dedos.
o encarou com ironia.
— Você chama isso de disfarce? Você tá parecendo um meliante com essas tatuagens de fora — ela zombou. — Cuidado, talvez a polícia possa te confundir com algum bandido procurado, . Você devia pelo menos ter vestido uma jaqueta.
revirou os olhos, fazendo uma careta.
— Não tive tempo. Nem pensei nisso quando saí de casa. Além disso, não é nada profissional da sua parte falar isso de mim, Srt.ᵃ Reed.
— Ah, desculpe. Você tava sendo informal comigo, achei que pudesse fazer o mesmo. — Ela deu de ombros, revirando os olhos.
O celular vibrou com uma resposta de Veronica e abriu a mensagem. Ao seu lado, se inclinou para ler também.

Veronica: Ele tá bem, ainda se recuperando na SRPA. Vamos esperar ele acordar e ver se tá tudo ok, mas o médico acha que talvez seja melhor mantê-lo sob sedação durante um tempo por conta da dor. Ele teve quatro fraturas no braço direito e uma na perna. O médico decidiu inserir algumas placas na parte superior, mas não houve cirurgia na perna.

: Ele vai ser transferido pra um quarto depois?

Veronica: Provavelmente. Você chegou a falar com algum responsável? Não tive contato com ninguém ainda.

: Tô com um do meu lado. O gerente dele continua na urgência em observação.

Veronica: Precisamos saber se vão querer que ele seja transferido para um quarto ou enfermaria. Ainda que eu meio que já saiba a resposta, ainda preciso perguntar.

— Quarto, óbvio. O mais privado possível. Hero vai surtar de tiver um monte de gente ao redor dele — respondeu. — E o que é SRPA? — ele quis saber.
— Sala de recuperação pós-anestésica — respondeu, enquanto digitava uma resposta.

: Ele disse que é melhor um quarto privado. Transfira ele para o andar VIP.

Veronica: Vou precisar da assinatura dele na autorização. Os documentos estavam com o paciente. Você pode trazer ele aqui?

: Posso. Aqui tá tranquilo. Vou pedir pra uma das meninas ficar de olho e me avisar, caso precisem de mim. Daqui a pouco a gente chega aí.

— Vamos lá. — se levantou, um minuto após enviar mensagem para outra pessoa.
a acompanhou até um elevador para funcionários e os dois entraram juntos. Em seguida, viu se encostar na parede metálica atrás deles e suspirar, cansada. Desviou o olhar para o relógio digital que havia ali e notou que já se passava das duas da manhã.
— Você tá bem? — ele perguntou, se encostando na outra parede, com as duas mãos nos bolsos da calça.
— Por quê?
— Você parece cansada.
— É... Faltam só mais umas cinco horas, e mal posso esperar pra ir pra casa e não chegar mais perto de uma emergência nem tão cedo.
— Quer dizer que você não costuma ficar lá?
negou com a cabeça.
— Eu trabalho na UTI. E por incrível que pareça, lá é definitivamente mais tranquilo.
— E se Hero não vai pra lá é uma coisa boa, não é?
— Sim, mas nem todos que vão pra UTI são casos graves. Às vezes, algumas pessoas aparecem apenas pra tomar alguma medicação específica que normalmente é aplicada lá. Mas isso já não acontece há um tempo. Os médicos procuram alternativas pra evitar a ocupação de leito intensivo, mesmo que seja temporário. Nunca se sabe quando algum caso grave pode aparecer e precisar dele.
— Tem razão. Você acha que Hero vai precisar de muitos cuidados? Não sei se ele vai lidar muito bem com estranhos tocando nele.
— Como assim? Ele vive sendo tocado por estranhos. Vocês vivem sendo tocados assim, .
— Mas é diferente. Dessa vez tem a ver diretamente com a privacidade dele, . Vai por mim, fala pra quem quer que for se preparar. Todas as vezes que teve que ir pra um hospital, ele sempre foi um péssimo paciente.
riu, lembrando da impressão que tivera sobre ele ser um paciente complicado, mas não comentou nada.
— Você avisou a e ?
— Sim, mas eles tão viajando ainda e... É, você já sabe disso. Enfim, pediu pra mandar notícias, assim que souber de algo. Eles vão comprar uma passagem de volta pra cá amanhã, provavelmente.
— Entendi. — assentiu e encarou o visor do elevador, que logo parou no andar do bloco cirúrgico.
seguiu ela por um corredor vazio com portas enormes e viu apertar uma campainha. Menos de um minuto depois, uma parte menor da porta se abriu. Ele nem mesmo tinha notado que havia mais de uma divisão.
Uma mulher de cabelo e olhos escuros surgiu com uma prancheta na mão e ele supôs que aquela era Veronica. Estava usando uma roupa parecida com a de , mas de cor diferente, além de uma touca branca idêntica a dela e uma máscara.
— Você deve ser o responsável. Preciso que leia esse documento. Enquanto vocês vinham para cá, o Sr. acordou, mas já dormiu outra vez. O médico disse que ele reagiu bem à cirurgia — ela comunicou. — Ele tem bons sinais vitais e deve ser transferido em breve, o quarto já foi solicitado e estão o preparando para que ele possa se instalar.
— Que cirurgia ele fez?
Quais — ela corrigiu, e então começou a explicar o que tinha dito por mensagem. — Ele foi atendido por dois ortopedistas e um cirurgião geral. Quebrou a perna esquerda, mas foi algo simples. O braço direito dele sofreu o impacto maior e quebrou em mais partes. Os médicos tiveram que inserir algumas placas com parafusos e fizeram uma imobilização inicial com uma tala de gesso que daqui a algumas semanas será trocada por uma mais leve.
— Você acha que vai demorar muito pra ele se recuperar?
— Recuperações ortopédicas sempre demoram mais. Ele vai precisar de muita fisioterapia, especialmente para reaprender a se movimentar. Os tendões foram atingidos também, como você deve imaginar e... Enfim, é um pouco complicado, mas não tanto quanto imaginávamos. Por volta de três semanas, ele já vai estar usando uma tala removível e poderá iniciar as sessões de fisioterapia.
— E quanto ao tórax dele? — lembrou. — Tinha muito sangue...
— Apenas alguns cortes e duas costelas fraturadas. Houve uma hemorragia, mas apenas um alarme falso. Nenhum órgão foi atingido.
— Ainda bem. — suspirou, aliviada.
assinou o documento e devolveu a prancheta para a enfermeira.
— Obrigada. Agora, vai ficar por conta de Andressa. Acho que ela vai estar de plantão até amanhã à noite. Manda mensagem se quiser saber de algo. Os relatórios diários também são feitos duas vezes ao dia, mas… acho que vocês se conhecem, né?
assentiu, um pouco acanhada. Conhecer celebridades? Aquilo não era para qualquer um.
— Vou convencer a nos manter informado, obrigado. — sorriu.
Alguns minutos depois, eles entraram no elevador novamente.
— Sabe, acho que isso é meio que um sinal, você não acha? — perguntou, de repente.
— Sinal de quê?
— Do destino. Você e Hero se encontrando assim, numa situação de vida ou morte.
suspirou, impaciente.
Ótimo, ele estava prestes a começar a ladainha de novo.

Capítulo 10

rolou os olhos.
— Não é uma situação de vida ou morte. — Ela o encarou.
Agora não, mas era quando ele chegou aqui e você sabe disso. Vai mesmo me dizer que não se importou em nenhum momento?
— Claro que me importei, eu sou fã da banda de vocês e Hero sempre foi o meu favorito.
, já faz dez anos... Eu sei que te prometi não contar a ele que sei sobre você, mas ele ainda pensa em você. Todas as músicas...
— Não, . Ele criou uma personagem para as músicas, vocês criaram. Eu não tenho nada a ver com isso — retrucou. — E como você disse, já faz dez anos. pode ter uma lembrança de mim, mas tenho certeza que se eu aparecesse na frente dele, ele nem iria se lembrar do meu rosto. Não iria me reconhecer agora. E você sabe disso — ela acrescentou, repetindo as palavras dele.
A porta do elevador de abriu e ela saiu apressada, com em seu encalço como um maldito fantasma que estava sempre lá para irritá-la com aquele assunto.
— Droga, ... Você nunca ficou curiosa? De saber como seria se vocês se vissem outra vez? Eu sei que mudou um pouco, mas...
— O quê? Vai dizer que o Simba existente nele ainda tá lá, por baixo dessa pele de Scar que ele construiu? — ela perguntou, sarcástica. — Acho que pelo que me lembro, da última vez em que perguntaram da tal Garota em uma entrevista, Hero disse em alto e bom som: que se foda ela.
— Eu sei que você é mais inteligente que isso e que, no fundo, não levou esse tipo de merda a sério. Você sumiu por anos, . tem boas lembranças de você e sempre quis te ver outra vez, mas ele também sentiu raiva. Ele expressa o que sente nas músicas.
— Então, talvez ele esteja um pouco apático agora já que vocês não lançam nenhum single que preste há anos — ela rebateu, sem se sentir mal por estar sendo meio cruel.
tentava convencê-la a encontrar há anos. Quatro, para ser exata. Fazia dois anos que estava trabalhando no Mount Silla quando encontrou na emergência. Ficou pouco tempo naquele setor, até adquirir sua especialização em UTI e ter uma oportunidade de trabalhar lá.
Na ocasião, ele havia se cortado com uma faca de cozinha enquanto cozinhava e precisou levar alguns pontos na mão. Uma coisa levou à outra e eles tiveram um reconhecimento mútuo. Na verdade, tinha ficado surpresa ao vê-lo ali e acabou ela mesma se apresentando. Mas às vezes, se arrependia disso.
Como naquele momento.

28 de janeiro de 2012 — Quatro anos atrás — Hospital Mount Silla, Nova York

encarou , incrédulo. Então, sem pensar duas vezes, ele a puxou para um abraço apertado. Ele sempre pensou em fazer aquilo caso um dia a encontrasse. O motivo nada mais era do que gratidão. A banda só tinha alavancado o sucesso por causa dela. Por causa do vídeo que ela postou e se tornou viral, seis anos antes.
— Você pode se sentar pra que eu possa enfaixar sua mão?
Ele a obedeceu, ainda sem acreditar naquela coincidência.
— Hero vai surtar quando eu disser a ele. Minha nossa, ...! Por onde você se meteu? Por que você nunca entrou em contato e...?
— Eu sempre acompanhei vocês, . Ainda acompanho. Sou uma fã fiel, mas só isso. Embora eu sinta falta de , às vezes — ela admitiu.
— Só de , é? — ele perguntou, desconfiado. — Aposto que e os caras vão ficar eufóricos quando descobrirem-
— Não, por favor — o interrompeu, rapidamente. — Não quero que conte. Foi bom te ver, mas não quero ver .
— O quê? Por que não? — Ele franziu o cenho, confuso.
— Porque não. Não é como se fosse ser um grande evento...
— É óbvio que seria um grande evento, ! Você é a porra da musa dele, a nossa musa. A Garota de todas as músicas. Você... Ele sempre quis te agradecer pelo que fez. Todos nós, na verdade.
— E vocês escreveram um monte de músicas sobre mim. É o suficiente. Eu já entendi que vocês são gratos, . E como fã, me sinto muito lisonjeada de ser uma inspiração pra vocês... E pra . Mesmo depois de tanto tempo — ela concluiu, terminando o curativo. — Prontinho. Amanhã você pode tirar o curativo e ficar fazendo a higienização com água e sabão e pode usar a pomada que a médica te receitou. Ah, e os medicamentos, caso sinta dor...
Reed. Então esse era o seu sobrenome — disse, ignorando o que ela dizia. — Eu ainda não acredito que você tá aqui na minha frente. E que tá sendo uma maldita cabeça dura. Eu deveria mesmo dizer a Hero que vi a . Ele pediu isso, lembra? "Diga que estou procurando por ela".
riu, divertida com o trocadilho da música do McFly que Hero fez cover alguns meses atrás. O que só levantou a hipótese de que o nome da tal Garota que eles citavam nas músicas era mesmo. Ainda que todos eles nunca tivessem admitido e sempre inventassem um nome diferente quando alguém perguntava.
Dezenas de fanfics sobre a Garota tinham surgido durante o passar dos anos e se divertia muito com isso. Mas nunca quis aparecer. Preferia se manter distante, acompanhando Hero e a Cave Panthers apenas como uma fã faria.
— Por mais tentador que seja... Eu prefiro que você guarde segredo, .
— Ótimo. Então vou dar um jeito de descobrir seus plantões aqui e talvez dar uma surra no pra mandar ele pra cá e ele ser atendido por você. Uma coincidência do destino — ele retrucou.
riu do plano mirabolante.
— Ah, é. Muita coincidência mesmo. Mas é sério. Prefiro manter distância. Sei como se sentem, mas quero apenas permanecer como uma fã-
— Ah, não. Acha mesmo que vou te deixar escapar fácil assim? — a interrompeu. — Nem pensar. Me dá seu telefone, . — Ele estendeu a mão.
suspirou.
...
— Nada de . Passa pra cá — ele insistiu. enfiou a mão no bolso do jaleco, tirando o aparelho e o pegou antes que ela mudasse de ideia.
Sem código de acesso, ele conseguiu desbloquear a tela apenas arrastando com o dedo. E então anotou seu número na agenda dela e ligou para si mesmo. Quando sentiu seu próprio celular vibrando no bolso da calça jeans, ele o devolveu.
— Isso é uma péssima ideia — comentou.
— Isso é uma ótima ideia — ele retrucou. — Você não achou que eu iria calar a boca sem nada em troca, né? Agora você é minha mais nova amiga. Lide com isso.

28 de fevereiro de 2016 — Dias atuais — Hospital Mount Silla, Nova York

— Não precisa agir que nem uma escrota — retrucou, irritado. — Eu não entendo do que você tem tanto medo, sinceramente. não vai te morder. Você não faz ideia do que ele passou nos últimos anos.
— Não mesmo. Tudo o que sei é pela mídia. Até por que você escolheu não me contar nada — ela lembrou, parando de andar no meio do corredor vazio e se virou para encará-lo.
— Já que resolvi manter em segredo do meu melhor amigo que a garota que ele, por sinal, ainda pensa há dez anos, nada mais justo do que manter alguns segredos de você também — ele justificou. — não é só o que ele mostra na mídia, . Eu sei que as atitudes dele nos últimos anos foram decepcionantes e que perdemos muitos fãs por causa disso, mas... Nem tudo é o que parece.
— Você tem razão, . Eu não faço ideia do que você quer dizer com isso.
— É isso aí. E só vai saber quando deixar de ser cabeça dura e finalmente mostrar a cara — ele retrucou, olhando no fundo dos olhos dela, a ponto de se sentir inquieta. Não se surpreenderia se conseguisse manifestar, por acaso, algum poder de congelar ela com aqueles olhos frios dele. Mesmo sabendo que era impossível. — Tem tanta coisa que eu queria te dizer, , tanta coisa... Mas infelizmente eu fiz uma promessa a mim mesmo e não pretendo quebrar.
— Eu também não tenho nenhuma intenção de fazer isso acontecer, . Assim como não tenho intenção de encontrar novamente, em qualquer situação que não seja avistando ele em cima de um palco, enquanto estou no meio da multidão.
— Escondida, você quer dizer. Enquanto você se esconde no meio da multidão — ele corrigiu. — Você é realmente uma mulher cruel, . E dessa vez eu tô falando sério — ele acrescentou, franzindo o cenho, parecendo realmente incomodado.
— Ei, não exagera. Isso não é nada de mais.
— Será que não ia ser nada de mais se tivesse morrido bem ali na sua frente?

— Eu vou pra casa agora — ele a interrompeu, dando aquela conversa por encerrada. — Preciso dormir. E acho que você também. Amanhã eu volto pra visitar e Henry. Se você souber de mais alguma coisa, me avisa, por favor.
apenas assentiu, em silêncio. retribuiu o gesto e foi embora. Ela o assistiu desaparecer quando virou no próximo corredor e então sentiu seus olhos arderem novamente.
Não tentou impedir as lágrimas dessa vez.

***


fechou o zíper da bolsa e juntou o longo cabelo castanho para o alto e fez um rabo de cavalo apertado, tendo certeza de dar três voltas com o elástico. Já não estava mais com a roupa do trabalho, agora devidamente guardada em um saco plástico na bolsa para não se misturar com suas outras coisas. Agora vestia uma calça jeans skinny na cor azul e uma camiseta branca soltinha por dentro dela. O par de tênis que costumava usar no trabalho estava novamente em seus pés, antes dela pegar o jaleco para vestir.
Abotoou apenas dois botões e ajustou a máscara no rosto enquanto andava pelos corredores do hospital até localizar o elevador de funcionários e subir até a área VIP, onde estava internado.
Já eram quase oito da manhã e ela não tinha dormido nada durante as últimas horas de trabalho. Quando a próxima enfermeira chegou para assumir o plantão, passou o caso e evolução de todos os pacientes antes de ir tomar banho. Não gostava de andar na rua de uniforme, como muitos faziam, ignorando que aquilo nem mesmo era recomendado, então sempre fazia isso antes de ir embora.
Quando o elevador abriu, desabotoou os dois botões do jaleco e caminhou pelo corredor até encontrar com Andressa no posto de enfermagem daquela área.
— Você ainda tá de jaleco? — Andressa perguntou, com um sorriso. — Achei que já tivesse terminado o plantão.
— Só por enquanto. Terminou, mas tem gente que não curte muito enfermeiras tatuadas. — deu de ombros. — Não quero dar material pra comentarem algo.
A maioria dos profissionais não gostava exatamente de usar jaleco e faziam isso apenas em algumas ocasiões, já que os pijamas cumpriam um papel muito melhor em termos de eficiência e conforto. usava às vezes, mesmo por cima do pijama, mas nunca era por muito tempo.
Eles podiam sujar com muita facilidade também e ela não era muito fã de branco exatamente por isso.
— Como se suas tatuagens fossem enormes. — Andressa rolou os olhos. Ela mesma tinha tatuagens realmente enormes por baixo do uniforme, mas nenhuma ficava muito visível. — Você veio ver ele? As meninas vão administrar as medicações daqui a pouco.
— Ele acordou alguma vez? — quis saber. — O amigo dele me pediu pra dar notícias, caso eu soubesse de algo antes do relatório matinal, então resolvi passar por aqui.
— Ele ainda não acordou, mas acho que vai fazer isso em breve. O efeito da sedação já deve estar acabando e ele provavelmente vai querer ir ao banheiro — Andressa respondeu. — Tô só pensando em como vai ser isso. Seria bom ter ajuda de um acompanhante. Alguém que ele confie e conheça.
— Vou falar com o amigo dele pra vir. Você acha que ele consegue tomar banho no chuveiro? Não acho que banho no leito seja uma opção muito agradável pra ele — comentou, lembrando do que tinha dito na noite passada sobre odiar ser tocado por estranhos.
— Se cobrirmos bem o gesso da perna e tomarmos cuidado com os movimentos, então acho que sim. E ele tem uma mão livre, então pode ajudar.
Isso era algo fundamental no banho no leito. Se o paciente estivesse consciente e com mobilidade suficiente para auxiliar no próprio banho, então era certo deixá-lo fazer isso, nem que fosse apenas para ajudar com suas partes íntimas. Um paciente por si só já enfrenta algum tipo de vulnerabilidade mesmo não estando em estado grave. Mas isso costumava ser muito mais evidente em vítimas de acidentes, que se tornavam muito mais sensíveis quando se viam com independência reduzida, ou pior, totalmente dependentes de cuidados profissionais para fazer até mesmo as necessidades mais básicas.
era uma grande fã da teoria do autocuidado e da adaptação e tinha o hábito de incentivar muito isso aos seus pacientes, já que eles também tinham sua cota de responsabilidade pela manutenção do próprio bem-estar. Não era o tipo de enfermeira que ficava à espreita a todo momento, pronta para ajudar algum paciente com coisas que ele podia muito bem fazer sozinho. Seu cuidado não envolvia nenhum tipo de adulação.
Se o paciente se recusava a fazer algo, ela não insistia mais que duas, três vezes, no máximo. E por incrível que pareça, quando ela dava sinais de desistir de convencer a pessoa a fazer algo, normalmente elas mudavam de ideia.
Como uma espécie de psicologia reversa. Muitos adultos quando precisavam de cuidados médicos agiam como se fossem crianças grandes, com medo das coisas mais simples e igualmente birrentos e irritantes.
— O amigo dele disse pra vocês ficarem atentas, porque ele costuma ser um paciente difícil sempre que precisa ir a um hospital — disse, arregalando os olhos levemente, no típico olhar que muitos profissionais costumavam trocar quando falavam de pacientes chatos.
Andressa fez uma careta de desgosto.
— E eu achando que ele parecia ser alguém simpático. Pelo menos na TV, ele parece — ela comentou, antes de se levantar. — , eu sei que você tá cansada, mas pode segurar aqui um pouquinho enquanto eu vou ao banheiro? Acho que comi algo ontem que me fez mal.
riu pelo nariz.
— Claro, vai lá. Eu vou ficar por aqui, caso alguém precise de ajuda — ela garantiu.
Um minuto depois, tinha acabado de se sentar na cadeira que Andressa tinha ocupado, quando uma técnica de enfermagem surgiu com uma bandeja de medicamentos.
— Vou fazer a medicação do Sr. agora — ela comunicou. — Quer vir junto?
Não mesmo.
— Vou ficar aqui, caso precisem de mim. Se você precisar de ajuda, me avise — a dispensou suavemente.
Tinha ido saber notícias dele, mas evitaria ao máximo vê-lo pessoalmente, se pudesse.
A mulher assentiu e observou ela entrar em um quarto a cerca de dez metros dali. Alguns minutos depois, já tinha enviado algumas mensagens para , o atualizando e também o intimando a se voluntariar como acompanhante de , quando ouviu gritos e xingamentos vindo do quarto dele, o que alarmou não só ela, mas também outras garotas da equipe, que a seguiram imediatamente quando correu até o quarto.
— Que porra é essa no meu braço?! gritou, em um misto de irritação, desespero e provavelmente dor, também. — Tirem essa merda de mim! Onde eu tô, porra?! Onde eu tô?!
— Senhor, por favor, se acalme. O senhor sofreu um acidente e passou por uma cirurgia, precisa de medicamentos... — a técnica de enfermagem tentou explicar.
— Ninguém vai tocar em mim! Ninguém! — ele continuou a gritar, sacudindo o braço livre até o oxímetro de pulso cair. — Arranca essa porra. Eu não quero isso! Quero que tirem essa porra do meu braço, eu não consigo mexer! Não consigo...
pareceu perder o fôlego por um instante, até que começou a respirar muito rápido, o suor tomando conta de sua pele, enquanto a vermelho de irritação que havia em seu rosto era substituído por uma palidez instantânea.
— Porra... xingou baixinho, percebendo o que estava acontecendo.
— Senhor, os medicamentos... — A técnica tentou se aproximar novamente, com a bandeja nas mãos.
— Vá embora! — gritou uma última vez, antes de empurrar a bandeja das mãos dela, fazendo com que todos os medicamentos caíssem no chão.
— Saiam daqui! — ordenou. — Chamem o médico de plantão e me deixem sozinha com ele.
— E as medicações? — a técnica perguntou, assustada. — Ele não vai deixar a gente fazer...
— Prepare uma nova bandeja e traga para mim — ela disse baixo, as instruindo rapidamente. — Diga ao médico que o paciente está tendo uma crise de pânico e talvez vá precisar de calmantes. Agora, me deixem a sós. O responsável por ele disse que ele não é um paciente fácil e não lida muito bem com estranhos. Vou tentar conversar com ele.
As garotas assentiram e quando saíram de lá, andou a passos firmes até a cama.
— Sr. , está me ouvindo? Eu sou enfermeira, o senhor está tendo uma crise de pânico. Precisa se acalmar. Não vamos fazer nada que não queira — murmurou suavemente, colocando uma mão em cima da dele.
puxou a mão de uma vez, como se o toque dela o queimasse.
— Não. Me. Toque — ele rosnou, irritado, a encarando pela primeira vez. Balançou o braço novamente, tentando se livrar do acesso periférico com soro que havia ali e xingou quando não conseguiu.
— Tira essa merda de mim! Que porra...! Tira isso... O meu braço, eu quero sair daqui, eu quero sair... — ele murmurou, respirando com dificuldade e então lágrimas começaram a escorrer pelo rosto.
... Me escuta. Ninguém vai tocar em você, tá bom? Só tem eu e você aqui e prometo que não vou deixar ninguém chegar perto — garantiu. — Você precisa respirar fundo agora e se acalmar. Você pode fazer isso? Vamos lá, inspire e expire. Inspire, expire. Vamos fazer isso juntos.
Devagar, ele começou a obedecer, respirando fundo em meio a soluços e lágrimas que ainda escorriam pelo seu rosto. podia ver o medo, ansiedade e angústia em seu olhar, e sentiu o peito apertar ao vê-lo daquela forma.
— Isso mesmo, . Respire — ela o incentivou mais e alguns minutos depois, ele parou de chorar e parecia relativamente mais calmo.
Do jeito calmo que uma bomba-relógio era. sabia que ele podia explodir a qualquer momento e quando ele viu ela se aproximar com uma nova bandeja de medicamentos, a encarou com um olhar acusador no rosto.
— Tira isso de perto de mim — ele ordenou, irritado. — Eu não quero. Você disse que não ia fazer nada que eu não quisesse.
suspirou e colocou a bandeja na mesa de cabeceira ao lado da cama.
— E eu não vou. Mas preciso conversar com você primeiro — ela disse, se sentando em uma cadeira ao lado da cama. — Eu não sei até onde você lembra, mas você e Henry sofreram um acidente ontem à noite. Ele está na urgência agora, mas teve ferimentos leves e logo terá alta. Já você, teve algumas fraturas no braço direito e foi necessário fazer cirurgia, além de ter fraturando duas costelas e a perna esquerda.
— E precisava colocar isso tudo no meu braço? — ele perguntou, ríspido. — Como eu vou tocar?! Eu tô parecendo a porra de uma múmia e um zumbi ao mesmo tempo!
Mas pelo menos você está vivo, seu idiota, pensou, respirando fundo, antes de voltar a falar.
— Eles são temporários e vão ser retirados em breve. Durante a cirurgia, os médicos colocaram algumas placas no seu braço. Mas precisa ficar imóvel o máximo de tempo possível — ela explicou. — Seu amigo, , esteve aqui de madrugada e foi quem pediu para que te transferissem para esse quarto. É a ala VIP do hospital. Ele não chegou a te ver ainda porque você tinha acabado de sair da cirurgia e estava inconsciente, mas deve aparecer logo.
— Quanto tempo vou ter que ficar aqui?! Eu quero ir embora.
— É provável que seja necessário alguns dias de recuperação no hospital, antes da sua alta. Vai depender de como você for evoluindo, no entanto, acredito que em poucos dias você estará em casa. Mas para que isso aconteça, nós precisamos que você aceite os medicamentos.
— Eu não quero nenhum estranho tocando em mim. Mande vir. Eu não quero gente estranha entrando e saindo daqui.
— Essas pessoas fazem parte da equipe de saúde. Ninguém vai te fazer mal. Todos nós queremos que se recupere o mais rápido possível...
— Eu não... Eu não sei lidar com isso, tá legal? — Ele esfregou o rosto com a mão livre. — Eu tenho remédios em casa... Preciso deles pra... Respirar direito. — Ele engoliu em seco.
— O senhor tem algum histórico médico? Algum tipo de transtorno? — ela perguntou suavemente.
fechou os olhos por um instante.
— Tenho síndrome do pânico e sempre fui muito ansioso. Geralmente, fico muito nervoso nessas... Situações.
— Entendo. Veja, , eu estou aqui pra te ajudar, tudo bem? Como eu disse, você passou por uma cirurgia e precisa tomar alguns medicamentos. Pode não estar sentindo muita dor agora, mas se não tomar os remédios, isso vai piorar.
— Não gosto de agulhas — ele resmungou, sem olhar para ela.
Uma luzinha se acendeu na mente de .
— Eu não vou te furar. Vou aplicar a medicação direto no soro — ela explicou. — Você deixa eu fazer isso? Prometo que não vai doer.
— Vai demorar? — Ele a encarou com desconfiança e quase riu.
— Não, não vai. Veja. — Ela apontou para a bandeja, onde havia três seringas de 20ml, cada uma com o nome da medicação em uma etiqueta. — Vou usar essa parte. Você já viu isso antes, não é? — Ela apontou para uma parte específica do equipo, usada para injetar medicamentos.
— Tudo bem — ele respondeu, por fim.
sorriu e começou a aplicar as medicações lentamente, enquanto explicava tudo a ele de forma calma e tranquila. Ao fim de tudo, estava mais tranquilo e a palidez de antes havia sumido.
— Prontinho. — Ela devolveu a última seringa para a bandeja.
— Estou com sede — ele disse, encarando um ponto atrás dela, que percebeu ser um bebedouro que havia ali, ao lado de um sofá marrom pequeno. — Eu quero água.
olhou para o relógio na parede e conteve uma careta.
— Você não pode beber água ainda — ela anunciou.
— Como assim? Que porra é essa de não poder beber água?
— Sua cirurgia ainda é recente e você ainda precisa aguentar mais algumas horas sem ingerir nenhum tipo de alimento ou líquido. Devido à anestesia — explicou. — É para evitar efeitos colaterais. Muitos pacientes acabam burlando essa regra e acabam tendo fortes dores de cabeça depois.
— Quer dizer que eu tenho que ficar com sede por sei lá quanto tempo?!
— Sim, mas tem uma coisa que talvez possa te ajudar. Uma alternativa — ela disse. — Só um segundo.
Então ela se levantou e foi até o bebedouro, voltando com um copo com água. Se voltou para a bandeja novamente e encontrou um tufo de algodão não usado, tirando um pedaço. Em seguida, molhou no líquido e tirou o excesso na borda do copo e então mostrou a .
— O que vai fazer com isso?
— Posso? — Ela mostrou o algodão novamente. — Eu vou te mostrar.
— Certo — ele permitiu, ainda meio desconfiado.
Com cuidado, ela aproximou a mão do rosto dele e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. passou a língua entre eles absorvendo a mínima sensação de hidratação oral e suspirou.
— Melhor? — Ele ouviu a enfermeira perguntar e a encarou. Ela parecia sorrir por trás da máscara.
— Um pouco — ele respondeu, a observando melhor.
— Posso confiar em você e acreditar que não vai beber a água se eu deixar ela aqui? — ela perguntou, apontando para o copo que não estava nem mesmo pela metade.
— Como se isso fosse uma grande quantidade... — ele zombou, rolando os olhos.
— Grande ou pequena, você ainda não pode beber. Só umedecer para enganar um pouco a sua mente. É como um disfarce — ela brincou. — Mas eu posso tirar esse copo daqui e deixar você sem nada.
— Isso é uma ameaça?
— É um aviso. Tem médicos que não aprovam nem mesmo isso. Só que eu sou amiga do que está de plantão hoje, então posso lidar com ele, se você quiser. Mas tem que me prometer que não vai tomar água e que vai obedecer à equipe. Quanto mais você cooperar, mais cedo você pode se recuperar, Sr. .
— Nós já nos vimos antes? — ele perguntou, de repente e viu os ombros da mulher enrijecerem por um segundo, antes dela disfarçar.
— Não, creio que não. Mas eu já te vi. Todo mundo te conhece.
— Ótimo. Quer dizer que você deve ser mais uma. — Ele riu, seco.
— Mais uma o quê?
— Das pessoas que devem me odiar.
franziu o cenho.
— Eu não te odeio, Sr. .
. Você me chamou assim antes.
— É o seu primeiro nome, está na sua ficha. Prefere que eu o chame de Hero?
negou com a cabeça.
— Não, é só... Acho que por um instante sua voz me fez lembrar de alguém — ele comentou baixinho, sem encará-la.
— Certo, entendo — ela disse e pela visão periférica, ele a viu se levantar com a bandeja nas mãos.
— Você já vai? — a pergunta saiu, sem pensar.
— Tenho que ir. Tive um plantão cansativo e não durmo há... — Ela encarou o relógio na parede. — Bem, provavelmente umas vinte e seis horas, o que é péssimo já que hoje à noite eu trabalho de novo. — Ela riu, sem graça.
— Quer dizer que mais tarde você volta?
— Para o hospital sim. Aqui, não. Eu não trabalho nessa ala. Vim apenas saber notícias suas com a enfermeira de plantão. Seu amigo me pediu esse favor.
?
— O próprio. Acho que ele pode aparecer a qualquer momento — ela disse e se virou para sair, mas então pareceu se lembrar de algo. — Ah, tem outra coisa que preciso te dizer.
— O quê?
— Sobre seu banho. Você vai precisar de ajuda. Sei que não gosta de estranhos te tocando, mas talvez seja necessário, caso você não consiga ir até o banheiro.
— Como assim? Você tá dizendo que preciso de alguém pra dar banho em mim?
— Ou alguém para te ajudar enquanto você toma banho — ela explicou. — Seu amigo pode te ajudar com isso. Ele pode te ajudar a chegar ao banheiro e você pode usar sua mão livre para tomar banho sozinho. Assim, você pode ficar um pouco mais confortável.
respirou fundo.
— Certo, entendi — ele respondeu, um pouco incomodado.
— Bem, tenho que ir agora. O médico deve aparecer em breve — ela informou e se virou novamente.
Cinco passos, pensou rapidamente. Cinco passos e estaria fora dali. Um, dois, três…
— Espera. — Ela ouviu falar novamente e se virou para encará-lo. — Você não me disse seu nome.
— Meu nome?
— Sim. Qual o seu nome? — ele quis saber.
Um segundo.
Talvez tenha sido esse o tempo que levou para pensar em alguma mentira, mas infelizmente a verdade escapou, antes que ela percebesse. Quatro míseras palavras. Duas frases curtas saindo de seus lábios como se eles tivessem vontade própria.
— É . Reed.
E saiu antes que pudesse ver qualquer reação que pudesse ter.

Capítulo 11

arregalou os olhos assim que ouviu aquele nome e por um momento achou que era sua mente lhe pregando peças.
É . .
Se assustou com a coincidência e não teve nem tempo de reagir, antes dela ir embora. Ele estava pensando exatamente em uma .
.
Sua .
Ela provavelmente ficaria decepcionada se visse como ele estava agora. Suas ações, sua personalidade péssima. Hero não fazia ideia de onde aquela garota tinha ido parar e nem por que ainda pensava nela depois de tanto tempo.
Vinte minutos depois que saiu, o médico apareceu sozinho e explicou novamente tudo o que ela tinha dito e mais um pouco. Pelo visto, ele ainda teria que permanecer com o braço imóvel por pelo menos três semanas, antes de se livrar do gesso e começar a fisioterapia.
apareceu no meio da conversa e trazia consigo uma sacola com os medicamentos que ele costumava tomar. Depois de uma breve avaliação, o médico permitiu a manter os medicamentos e tomar normalmente, enquanto ele lidava com a prescrição dos outros necessários para sua recuperação, com o resto da equipe.
Quando o médico saiu, o acompanhou e avisou que voltaria em breve, após falar com Henry. Aparentemente, havia dezenas de jornalistas na porta do hospital e eles estavam tentando lidar com isso de uma vez, já que permaneceria internado por mais alguns dias.
Depois que foi embora e ficou sozinho, ele pôde avaliar melhor o próprio corpo. Sua perna esquerda estava engessada, mas pelo visto seu joelho estava intacto. Ele espiou por dentro da bata do hospital e descobriu uma faixa em volta do tronco e alguns curativos aqui e ali. O médico comentou que nenhum de seus órgãos tinha sido atingido, mas duas costelas foram fraturadas durante o acidente. Ele também explicou a importância dele manter o jejum durante algumas horas, especialmente quando havia sido operado às pressas. Por sorte, não tinha bebido muito na noite anterior — nem estava com vontade, na verdade — e os paparazzi apareceram antes que ele pudesse pensar em começar a se divertir. Colocou uma mão sobre o estômago, sentindo-o reclamar de fome e suspirou.
Sabia que ficaria o dia inteiro sem comer, mas algumas horas depois ele poderia tomar líquidos. E caramba, ele queria muito, o que quer que fosse.
Encarou o relógio na parede que marcava onze horas. Em seguida, seu olhar caiu até o copo com água junto do tufo de algodão umedecido que de alguma forma tinha conseguido equilibrar na borda dele. Sem pensar muito, esticou o braço e pegou o algodão e o copo e umedeceu os lábios ressecados como havia feito mais cedo.
A sensação era boa. Boa de verdade. Era como se aquele copinho fosse um oásis no meio do deserto. deslizou o algodão molhado pelos lábios mais algumas vezes e passou a língua sobre eles, aproveitando a falsa sensação de saciedade.
No entanto, depois de alguns minutos, isso pareceu patético.
Era patético que ele estivesse com menos de 30 ml de água dentro daquele copinho descartável e não pudesse beber. Já tinham se passado umas nove horas desde que chegara ali, então que mal aquele tiquinho de água podia fazer?
Pensando nisso, colocou o algodão de lado e segurou o copinho com cuidado, encarando o líquido com atenção. Aproximou o copo da boca, mas parou antes que tocasse seus lábios. Não, ele pensou, afastando o copo novamente.
disse que faria mal se ele tomasse. Poderia sentir uma enxaqueca forte... Mas até então, já tinha lidado com várias ressacas horrendas depois de uma noite bebendo, nenhuma dor de cabeça podia ser pior que as que ele já costumava sentir, certo? Uma parte dele tentava convencê-lo de que estava tudo bem, mas a outra ficou martelando em sua mente, como uma vozinha lembrando que ele tinha prometido a ela que iria obedecer...
Não, espera. Ele não tinha prometido nada.
Não falou em voz alta quando ela perguntou, nem mesmo concordou com a cabeça. Na verdade, eles até mudaram de assunto e esqueceu o lance da água. Promessa não feita não é promessa quebrada, outra vozinha falou; provavelmente a do seu lado egoísta e irresponsável, mas...
— Ah, que se foda — ele murmurou para si mesmo. Ele ia tomar e pronto. Depois aguentaria as consequências, se é que elas viriam mesmo.
Estava prestes a virar o copo, quando uma voz o interrompeu.
— Ei, ei, ei! — se apressou até a cama, tomando o copo das mãos dele. — Eu te deixo sozinho por um instante e você já quer fazer o que não deve?
bufou, uma expressão de escárnio em seu rosto.
— Que porra é essa? É só água, me dá. — Ele tentou pegar o copo, mas o amigo se afastou. — Qual é, cara... Não é como se isso fosse algum tipo de droga. É literalmente só água. Você tá agindo como se eu fosse a porra de um viciado.
— Daqui há... — Ele checou o relógio. — Cerca de quatro horas você vai poder tomar líquidos, segundo a enfermeira. O nome dela é Andressa, caso você queira saber. Ela é bem legal, mas eu fiquei sabendo que foi outra enfermeira que conseguiu acalmar a fera que existe dentro de você.
revirou os olhos.
— Eu fiquei assustado — admitiu. Talvez ele tivesse problemas para admitir para qualquer outra pessoa, mas não para o melhor amigo. era a pessoa em quem ele mais confiava no mundo. — Tive uma crise de pânico, acho que ela percebeu. Acho que todo mundo percebeu. Só espero que essa merda não caia em alguma manchete daqui a algumas horas.
— Ter síndrome do pânico não é crime, . Você é velho o suficiente pra entender isso — comentou. — Mas se serve de algo, eu conversei com o diretor do hospital e ele disse que iria tentar fazer o possível pra manter sua privacidade intacta. Poucas pessoas sabem desse problema e vai continuar assim.
— Espero que sim. Odeio hospitais. E odeio ter pessoas estranhas tocando em mim. Ainda mais sem me avisar.
— Você tava dormindo. E ninguém tinha como prever que você reagiria daquela forma. Aposto que você fez isso antes de pensar.
E ele tinha feito mesmo. Era automático, como um instinto. Quando se deu conta, já estava gritando e xingando e então veio a dificuldade de respirar, o suor, e ele ficou momentaneamente tonto e nauseado; até aquela enfermeira expulsar todo mundo do quarto e ele conseguir voltar a respirar.
— Seu silêncio diz tudo. — suspirou. — Mas e aí? disse que pelo menos conseguiu te dar a medicação. Vocês conversaram?
— Como você sabe o nome dela? Você conhece aquela mulher? — indagou, arqueando uma sobrancelha.
— Na verdade, sim. Lembra quando eu cortei a minha mão? Conheci ela naquela noite.
— Ah, ela não é a sua amiga misteriosa, né? Ou seria namorada? — Hero perguntou, com sarcasmo.
— Eu não tenho nenhuma amiga misteriosa — mentiu. — Mas se eu tivesse uma namorada, é claro que você seria o primeiro a saber, seu idiota.
Aquela parte era verdade.
— Tá, vou te dar o benefício da dúvida. Você pode me ajudar aqui? Preciso ir ao banheiro — Hero pediu. — E aproveita pra ir se acostumando porque eu não vou mostrar minha bunda pra nenhum desconhecido quando for tomar banho.
— Ah, mas mostrar a bunda pra mim tá tudo bem, né? Que privilégio — brincou. — Não que eu esteja interessado em ver.
— Eu te conheço desde que nasci, então isso é justificativa suficiente. Além disso, eu ainda tenho uma mão livre, um braço inteiro bom.
— Um braço bom, uma perna ruim. Não acredito que você se meteu nessa — o amigo comentou, enquanto Hero se apoiava nele, sentindo o peso incômodo de todo o gesso em volta de seu braço direito.
Imaginou como diabos o Buck aguentava o peso do próprio braço, ainda mais de ferro? Mas aí ele lembrou que o Soldado Invernal não era um ser humano qualquer.
— Você fala como se eu tivesse provocado a porra do acidente — Hero resmungou. — A gente tentou desviar.
— É, eu sei. Desculpa. Mas tô muito aliviado que você tá bem, irmão — disse. — Você e Henry. A outra pessoa não teve a mesma sorte.
Hero achou por um momento que ele não teria aquela sorte também. Viveu o clichê de ver a vida passando pela sua mente enquanto o carro capotava como um dado recém-arremessado. E tudo o que ele conseguia pensar era nas coisas que gostaria de ter feito e não tinha conseguido.
Queria viajar mais com sua mãe e fazer as pazes com seu pai. Queria aprender a fazer pizza em casa com e terminar aquela música idiota que tinha começado a compor com . Queria retribuir mais todo o amor e carinho que recebia de seus fãs. Queria ter sido uma pessoa melhor, de quem todos tivessem orgulho. Mas quando a aceitação do fim veio, pouco antes dele desmaiar, ele pensou apenas em duas pessoas.
Uma era seu avô, a quem ele encontraria em breve, o que de certa forma o confortava. A outra pessoa era . Sua . Aquela que era sua maior confidente sem nem mesmo saber. Hero não a tinha encontrado. Em dez malditos anos, ele nunca a encontrou sequer uma vez.
E isso era o que ele mais lamentava.

***


Quase trinta horas acordada depois e com o estômago cheio, se jogou na cama e dormiu por seis horas seguidas.
Quando acordou, foi até a cozinha e escolheu uma cápsula de cappuccino para preparar na cafeteira que tinha lhe dado de presente de aniversário no mês passado. amava a praticidade e rapidez com que podia fazer café nela, do jeito que quisesse. Encontrou alguns biscoitos no armário e colocou alguns em um prato, antes de se dirigir novamente para o quarto, quase tropeçando no pequeno robô aspirador pelo caminho.
O apartamento era grande, mas não muito. não ficava muito confortável morando num lugar grande sozinha, então desde que ela e tinham decidido morar sozinhas, quatro anos atrás, tinha escolhido um que tinha apenas dois quartos. A sala era grande o suficiente para acomodar mais pessoas ali, se fosse necessário. Não que isso fosse acontecer, é claro. Ela devia ter menos de dez amigos próximos o suficiente para algo do tipo acontecer e todos eles tinham casa.
No início, quando foi morar sozinha, se sentiu um pouco apreensiva até que, um mês depois, descobriu a comodidade que era estar sozinha em seu próprio espaço, que ninguém invadiria além dela mesma. Cozinhar para si mesma, limpar para si mesma, andar semi nua pela casa, ouvir música alta e dançar loucamente... ela podia fazer qualquer coisa que quisesse como se aquele fosse o seu próprio mundinho.
— Alexa — ela chamou a secretária, assim que chegou ao quarto. — Toque “Uptown Funk” do Bruno Mars.
Um instante depois, o quarto foi preenchido com a música e colocou a caneca de café e o prato de biscoitos em cima de sua mesa de trabalho — seu outro trabalho — e começou a dançar ao som da música, escorregando pelo piso com a ajuda de suas meias roxas de cano médio. Ainda estava frio, e embora seu pijama atual não se passasse de um shortinho e uma blusinha com estampa de uma estrela animada, o aquecedor estava ligado para poupá-la de usar várias camadas de roupa. Já bastava ter que usar isso fora de casa.
Comeu os biscoitos enquanto dançava e quando a música acabou ela se sentou para tomar o café, enquanto abria o arquivo de anotações no tablet. Tinha pensado em usar o computador naquele dia, mas desistiu quando lembrou que tinha outro plantão noturno naquele dia. Outra música começou a tocar, mas ela já não estava mais prestando atenção enquanto anotava rapidamente na tela o roteiro do próximo capítulo do livro que havia começado a escrever há alguns dias.
A ideia tinha surgido a partir de um sonho que ela não fazia ideia de onde veio, mas no dia seguinte quando comentou com Dianna, sua editora, ela insistiu que deveria virar um livro. Uma semana depois, já tinha quatro capítulos e provavelmente teria mais prontos se não tivesse aceitado nenhum plantão extra naquela semana, mesmo que fosse apenas um, não pelo dinheiro, mas por conta de um favor para uma colega. Em troca, ela poderia pagar assumindo um plantão de também. Ela estava mais que bem com isso.
Não precisava do dinheiro, mas do tempo sim.
Seus livros não iriam se escrever sozinhos e mesmo que tivesse com um lançamento prestes a acontecer em menos de dois meses, ela ainda aproveitava todos os surtos de criatividade que tinha e anotava o máximo que podia para manter a organização. Se tivesse sorte, naquela noite não teria nenhuma intercorrência na UTI, então poderia escrever algumas cenas de madrugada no bloco de notas do celular e acessar o texto pelo computador depois.
Isso se nenhum colega resolvesse bater papo com ela aleatoriamente. Se bem que ela sempre poderia usar a desculpa de que estava estudando para que a deixassem escrevendo em paz. Ninguém do trabalho sabia que escrevia, com exceção de Eric Bennett, um dos médicos e também diretor do hospital,
E ele só sabia porque era o marido de Dianna. Eles eram o tipo de casal que não mantinha segredos um do outro, mas que você podia confiar que manteriam um segredo a salvo do resto do mundo.
não sabia muito bem por que, mas gostava do anonimato. E gostava de ter controle suficiente de sua vida para saber que poderia largar a enfermagem quando bem entendesse e ainda viver muito bem como escritora.
Os leitores amavam a tia Fleur. Mas mal sabiam eles que ela era apenas uma mulher de vinte e oito anos recém completos e não uma tiazona solteira que morava em uma casa de campo no interior do Arizona porque a vida movimentada da cidade cheia de tecnologias a estressava um pouco.
Ou pelo menos era isso que a última teoria dizia. A própria nunca tinha falado nada a respeito. Sua avó — a dona do nome, mas não do sobrenome de seu pseudônimo — morava mesmo no interior, mas estava longe de ser alguém que odiava tecnologia. Pelo contrário, ela adorava toda a praticidade que poderia ter com algumas coisinhas tecnológicas tanto quanto amava, especialmente quando as duas odiavam tarefas domésticas. E ela adorava encher a avó com esse tipo de presente.

***


Diferente do plantão da noite anterior, o tempo passou voando naquela noite na UTI, mas sabia que isso era, em parte, porque tinha conseguido escrever naquela noite; ela sempre perdia a noção do tempo quando se concentrava naquilo.
Quando menos esperava, olhava para o relógio e percebia que quatro horas já tinham se passado. Nenhum paciente novo apareceu e nenhum internado teve alta, fosse por recuperação ou óbito, então tudo estava na mesma. E quando amanheceu e passou o plantão para a próxima enfermeira antes de seguir para tomar banho, ela sentiu seu humor nas alturas.
Do tipo que você tem quando acorda após ter um sonho maravilhoso com aquele ator que tanto gosta. não tinha tido nenhum sonho naquela noite, sequer tinha dormido, mas havia finalizado o capítulo seis de seu novo livro, o que era uma meta atingida em cento e cinquenta por cento do que ela tinha planejado fazer, caso tivesse tempo de escrever.
Sozinha no vestiário após o banho, ela dançou pelo corredor com sua toalha rosa choque pendurada no ombro enquanto cantarolava “Sorry” de Justin Bieber e terminou de organizar suas coisas, pensando em talvez fazer um jantar para comemorar a meta cumprida e que aquele era seu último plantão da semana.
Sim, teria um encontro com ela mesma naquela noite. Iria até passar no mercado a caminho de casa para comprar uma boa garrafa de vinho. Por mais que a ideia de ir a um restaurante sozinha fosse tentadora, estava com preguiça demais para se arrumar naquela noite. Então, o encontro seria em casa mesmo. Não tinha trabalho no dia seguinte, então poderia beber o quanto quisesse.
Ou pelo menos era o que ela achava até seu celular tocar com uma ligação de Eric.
— Oi, . Bom dia. Você ainda tá no hospital? — ele quis saber.
— Bom dia, Eric. Tô saindo do vestiário, por quê?
— Você pode passar no meu escritório antes de ir? Preciso conversar com você sobre uma coisa.
— Aconteceu algo? — Dianna não tinha mencionado nada, então não tinha como ser algo relacionado a ela. Na última vez que tinha passado no escritório de Eric, ele queria ajuda para fazer uma surpresa de aniversário para a esposa, mas o aniversário dela já tinha passado. O que poderia ser?
— É sobre o trabalho. Quando você chegar aqui, eu te falo — disse, antes de desligar.
deu de ombros e saiu do vestiário sem se preocupar em colocar uma máscara ou usar jaleco já que não teria contato com mais nenhum paciente naquele dia. Entrou no elevador, apertou o botão que dava no andar da administração e enfiou as duas mãos nos bolsos do moletom lilás que tinha vestido por cima da camiseta, enquanto pensava se deveria ir ou não para a academia naquela manhã. Já fazia uma semana desde a última vez... E embora ela odiasse malhar, talvez devesse mesmo ir antes que seu corpo começasse a reclamar de dor pela falta de exercícios físicos.
Ouviu as portas se abrirem enquanto bocejava e caminhou calmamente até o escritório de Eric. Deu duas batidas na porta e o esperou responder, mas quando entrou, percebeu que ele não estava sozinho. Havia mais duas pessoas com ele e uma delas, conhecia bem.
Desconfiada, ela pigarreou, ignorando a presença de e Henry na sala e perguntou o que Eric queria. Minutos mais tarde, ela descobriu que sua desconfiança era mais do que plausível.
— Não — ela respondeu calmamente, com as duas mãos nos bolsos do moletom.
Sentada à frente de Eric e ao lado de , ela ouviu o que eles três — sim, os três — queriam dizer. Uma proposta infeliz e sem cabimento.
— Por que não? — quis saber.
— Porque eu não quero. — sorriu para ele, sarcástica.
— Nós até podemos te pagar o dobro. O triplo, de você quiser — ele insistiu.
— Dinheiro não é problema — ela dispensou prontamente. — Eu tenho uma vida fora daqui e tenho coisas a fazer. Não vou servir de babá pro seu amigo só porque ele tem fobia social.
— Você sabe que não é apenas fobia social, .
— É, mas uma hora ele ia ter que lidar com isso — ela retrucou. — Além disso, ele parecia bastante calmo ontem quando saí. Pensei que estivesse indo bem.
— Ele estava. Até ter outra crise depois de um pesadelo e assustar todo mundo. Ele tava puto ontem porque não podia comer e agora tá até mesmo se recusando.
— Que péssimo pra ele. — Ela deu de ombros. — Mas Hero não é uma criança, .
soltou um suspiro de frustração e se levantou, de repente.
— Eu posso conversar com você por um instante, lá fora?
arqueou uma sobrancelha e lançou um olhar para Eric, que parecia perdido, sem saber como agir. também estaria daquela forma se estivesse no lugar dele.
Sem fazer questão de esconder a insatisfação, ela se levantou também e seguiu . Caminharam até o fim do corredor administrativo ainda vazio naquele horário, já que a maioria das pessoas só deveria chegar dali a mais ou menos uma hora.
— São só seis horas por dia — ele começou.
— Você só pode estar delirando se pensa que eu vou ter Hero como meu paciente — ela o cortou, irritada. — Que merda é essa?
respirou fundo, tentando manter a paciência.
— Ele gostou de você — ele contou. — Quando a crise veio de madrugada, o médico teve que dar um tranquilizante pra fazer ele dormir, . Ele não se machucou por pouco.
— Como eu disse, que péssimo pra ele. Mas isso não é nenhuma novidade pra mim — ela comentou, fria.
Não era novidade mesmo. E daí que ela conhecia ? E daí que ela se importava com ele? Ela não iria perder o sono com preocupações que ela sabia que não levariam a nada. Ele estava melhor do que ela tinha esperado que fosse ficar. Andressa até tinha comentado que ele estava indo muito bem.
— Por que você tá agindo assim? — franziu o cenho.
— Assim como? Irritada porque você quer me fazer trabalhar todo dia pra satisfazer as vontades do seu amiguinho mimado? — ela rebateu, mal-humorada.
Mas riu, achando aquilo realmente engraçado.
— Ah... Quem vê pode pensar que você não se importa nada com ele. Mas eu sei que não é verdade. — Ele se inclinou para ela, invadindo seu espaço pessoal.
Mas nem mesmo piscou. Sabia que estava tentando intimidá-la de alguma forma, com sua altura ou o que quer que fosse, só que ela já o conhecia bem demais para não cair nos seus joguinhos.
— Que se foda, . Eu não vou e pronto. Sinto muito que esteja passando por tudo isso, mas não tenho nada a ver. E eu realmente, realmente tenho o que fazer fora daqui.
— Tipo o quê? Você arrumou um namorado ou algo do tipo?
— Tipo um trabalho de verdade. Outro trabalho — ela esclareceu. — Então, não importa o que você diga, a resposta ainda vai ser não.
Em seguida, deu as costas e saiu andando pelo corredor.
— Se você não aceitar, eu vou contar tudo pra ele — ouviu dizer.
parou de andar e respirou fundo, antes de ir em sua direção a passos duros.
— Você... Não ousaria — ela falou entredentes, apontando um dedo para ele.
cerrou os olhos azuis, claros como o dia lá fora.
— Você não vai querer me testar, — ele murmurou, a voz terrivelmente séria.
Se ela estava de bom humor antes, tinha acabado com qualquer resquício naquele momento. E ela estava se segurando muito para não dar um soco naquele nariz perfeito dele.

Capítulo 12

— Você é um grande babaca. — Ela o encarou com raiva, mas apenas sorriu.
— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Mas calculista, quem sabe? Talvez…
— Por que você insiste tanto? Daqui a pouco ele vai poder ir pra casa, talvez amanhã...
— Não se ele não cooperar. E Hero é teimoso feito uma mula — disse. — Acredite, eu mesmo daria um soco nele pra fazer ele tomar jeito, mas o cara já tá roxo e estressado o suficiente por conta do acidente. E ele ainda vai precisar de cuidados pós-operatórios em casa...
engasgou, incrédula.
— Ah?! E o que você quer que eu faça, dê banho nele?!
— Bem, não seria a primeira vez que você veria ele pelado, né? — O amigo deu de ombros. — Pelo menos, ele confia em você. Mesmo não tendo ideia do porquê. Mas nós dois sabemos, não é, ?
— Ele não sabe quem eu sou. Provavelmente tá agindo assim por conta do meu nome e-
Ela se calou quando viu o sorrisinho maroto no rosto de . O idiota estava se divertindo com aquilo.
— Sim... Pode ser. Ou talvez o subconsciente dele queira mostrar algo a ele.
— Você acha tudo isso muito engraçado, não é?
— Não sei por que você não acha. Qual é, . Não é como se o cara fosse querer casar com você caso te encontrasse...
— Eu sei. Mas ele iria querer manter contato, assim como você.
— E qual o problema disso? Qualquer fã do Cave nem ia pensar duas vezes antes de aceitar. Ia ser divertido, você ia ser uma fã de sucesso.
— E odiada também. Um monte de gente odeia a Garota e nem sabem quem eu sou. Eles até me transformam na vilã das fanfics...
— Eu sei, o até hoje lê as fanfics e conta pra gente. — Ele riu. — Mas desencana disso, . A gente não ia te revelar se você não quisesse.
O que poderia dizer? Não havia nenhum motivo além de medo, não de , mas dela mesma. Dez anos era muito tempo e seria estranho para eles dois se reencontrarem assim. Seu medo era que todo esse tempo não tivesse servido de nada e todos os sentimentos que sentiu por ele quando eram adolescentes retornassem de uma vez. achava não ser paixão, não teve tempo o suficiente pra isso naquela época, mas...
“Quanto tempo leva para alguém se apaixonar?” A voz de veio em sua mente. Até onde sabia, poderia ser em segundos. Mas também poderia ser apenas uma paixonite de fã que durava anos.
— Eu não sou a pessoa ideal pra cuidar dele. Você não entende. Eu não sou o tipo de enfermeira amorosa e cheia de paciência, .
— Mas é exatamente o que ele precisa: alguém pra dar uma sacudida nele pelos ombros quando for necessário — ele comentou. — Algo me diz que ele vai te ouvir. E acho que no fundo você sabe disso, mesmo que ele simpatize com você apenas por causa do nome, embora nós dois saibamos que é tudo instinto.
suspirou, cansada. Aquilo não estava dando certo. Teria que apelar mais até ele desistir. Melhorar os argumentos. Quem sabe se...?
— Por que você tá fazendo isso comigo? — ela dramatizou, com sua melhor voz e expressão de choro. Podia sentir os olhos ardendo, as lágrimas prestes a aparecer. Só mais um pouco... — Você não parou pra pensar que isso pode me fazer mal? Não parou pra pensar por que eu não queria ver ele pessoalmente, dessa forma?
— Eu sei o que você viu quando foi embora naquele dia — admitiu pela primeira vez desde que a tinha encontrado. — A garota que beijou ele. Você tava vindo na nossa direção e desistiu. Ele esperou por você naquela noite e te procurou depois, mas você desapareceu.
vacilou por um momento.
— Eu... Não achei que você se lembrasse disso.
— Eu lembro de tudo, . Você tá certa em dizer que Hero pode não se lembrar do seu rosto e eu concordo com isso — continuou. — Ele te viu pessoalmente o quê, cinco vezes? Só que eu sei que ele sempre teve alguma esperança que te encontraria um dia. O problema é que ele não sabe nem se você tá viva ou morta. E eu tô disposto a revelar essa informação e mais, se você continuar se recusando.
...
— Eu não vou cair no seu drama, . A gente pode até não se ver muito, mas eu te conheço. E nós dois somos estupidamente parecidos. — Ele riu. — Deve ter sido por isso que o Hero gostou de você. Daria uma boa fanfic, né?
Uma ótima fanfic, ela admitiu mentalmente. Mas provavelmente já existia alguma do tipo. Cave Panthers tinha centenas de fanfics em várias línguas.
— Eu te odeio. — suspirou, voltando a andar, irritada consigo mesma pelo que estava prestes a dizer. — Isso é muito estúpido, sabia? Eu vou ficar só até ele trocar de tala.
— Você quer dizer até ele trocar para a tala removível?
— Não, quero dizer até tirarem os pontos.
— Mas ele ainda vai precisar de ajuda depois disso.
— E é pra isso que os amigos servem, né? — rebateu. — É pegar ou largar. E eu não vou ficar o dia todo.
— Tudo bem — concordou. — Por enquanto, dez dias. Depois a gente conversa sobre o resto. — Ele sorriu, abrindo a porta do escritório de Eric novamente.
— Ah, . Eu já ia te chamar. Veja, eu estava conversando com o senhor Henry e ele propôs algo adicional. Posso falar com você?
— Eu concordei em ficar com Hero por dez dias, Eric. Mas vai ser só isso.
— Que bom, mas o senhor Henry sugeriu três semanas, até o Sr. ser liberado para a fisioterapia, então um novo profissional assumiria os cuidados. E em troca... Eles ofereceram uma doação generosa ao hospital, além do pagamento pelos seus serviços, é claro.
— Oi? Que monte de baboseira é essa? — ela falou, antes que pudesse se segurar.
! — Eric a repreendeu, mas ela já não prestava mais atenção nele.
— Você já tinha tudo planejado com eles, não é? — Ela encarou . — Seu calculista do caralho. Eu vou te matar — Ela tentou ir para cima dele, mas rapidamente a imobilizou em um abraço.
— Eu também te amo, . — Ele sorriu, inocente e voltou a atenção para os outros dois homens enquanto ela se debatia em seus braços. — Não se preocupem. e eu somos amigos há alguns anos, a gente é que nem irmão. — Ele finalmente a soltou e a abraçou pelo pescoço, ganhando uma cotovelada nas costelas que o fez xingar de dor.
— Eu devia bater em outro lugar, isso sim — resmungou. — Eric, uma palavrinha. — Ela o arrastou para fora do escritório.
... Você não deveria agir assim na frente deles.
— Relaxa, o que disse é verdade. Henry não sabia, mas eu já conheço aquele babaca. Mas e aí, quer dizer que agora você cede profissionais para cuidados em domicílio? — ela perguntou, irônica.
— Você tem que admitir que é uma oferta tentadora. — Eric passou a mão pelo cabelo da cor de carvão. — E o paciente parece gostar de você. Basta tratá-lo como qualquer outra pessoa.
suspirou.
— Olha, e se eu fizer a doação? — ela ofereceu.
— Então eu vou ter que negar e todo mundo vai sair perdendo. — Ele a encarou nos olhos, sem nem mesmo piscar as orbes escuras; quase como alguém que evita fazer movimentos bruscos para nada dar errado. Assim como , ele era bem alto e tinha que literalmente olhar para cima para poder encará-lo.
— É? Eu não sei o que eu vou ganhar com isso além de uma grande perda de tempo que eu poderia usar trabalhando. E nem adianta me olhar assim com esses olhos gigantes — ela resmungou.
— Você pode levar o computador pra lá — Eric sugeriu. — Ninguém disse que você vai precisar ser a sombra de Hero , garota.
— Ah, e arriscar ser descoberta? Logo por ele?
— Aposto que ele nunca ouviu falar dos seus livros, um monte de gente escreve sobre eles, — Eric lembrou. — Além disso, você sempre pode usar a desculpa de que tá escrevendo um artigo ou qualquer coisa do tipo.
Ela respirou fundo, andando de um lado para o outro.
— Três semanas, Eric? Sério?
— São só seis horas por dia, . Você nem vai precisar fazer muita coisa. Só ajude ele com o que for possível. O nome do hospital também tá em jogo.
— Eu vou querer uma semana de folga depois disso.
— Eu te dou duas — Eric garantiu.
— Que generoso — ela comentou, sarcástica.
— Apenas tentando te compensar, querida. — Ele sorriu.
Alguns minutos depois, e caminharam em direção do quarto de Hero, enquanto ela terminava de abotoar o jaleco que tinha acabado de colocar.
— Você é um maldito aproveitador, . Me fazer vir até aqui quando acabei de sair de um plantão.
— Preciso da sua ajuda pra convencer ele a comer e tomar os remédios. — de ombros, cumprimentando alguns profissionais pelo caminho.
— Você vai ter que pagar isso cozinhando pra mim — ela reclamou.
— Tudo o que você quiser, , querida. Eu vou estar sempre por perto. Meu apartamento fica um andar abaixo do de — ele disse e ela o encarou, incrédula. — Relaxa, não é o que você conheceu. É um novo. Me mudei há três meses.
Menos mal, então.
Tinha visitado apenas algumas vezes nos últimos anos, mas descobrir que poderia ter trombado em Hero a qualquer momento seria assustador. Felizmente, não foi o caso.
Mas agora ela não poderia mais evitá-lo. Ao menos não pelas próximas três semanas. parou na frente da porta do quarto dele por um instante e respirou fundo, antes de entrar.
Era hora de encarar a fera.

***


Hero observou injetar a medicação no acesso do soro como no dia anterior e trocou um olhar com rapidamente. Seu amigo apenas deu de ombros e ele voltou a encarar em silêncio.
Era a primeira vez que via o rosto dela e ela não parecia nem um pouco feliz por estar ali. E ele sabia que tinha grande parcela de culpa pela frieza da mulher. Sabia que ela tinha saído de um plantão noturno e deveria estar descansando e não cuidando dele porque ele cismou que a queria para si — como enfermeira, é claro.
terminou as medicações no mesmo instante em que alguém bateu na porta, trazendo uma bandeja de comida entregue a . Ela o ajudou a se posicionar na cama, tomando cuidado com o braço machucado e, em seguida, o encarou por alguns segundos.
Hero estava calmo como nunca e ele não sabia dizer se era por conta das medicações em dia ou porque estava com medo de deixar ainda mais estressada do que ela já parecia estar. Do tipo de estresse que você pode explodir a qualquer momento.
Como ele no dia anterior e durante aquela madrugada.
Se sentia estúpido por agir de forma tão infantil, mas realmente não queria mais ninguém ali. Depois que a equipe foi trocada, ele conheceu novas pessoas e se sentiu outra vez desconfortável, embora o estresse tivesse tido o seu ápice após o pesadelo que tivera durante a madrugada. Como de costume, envolvia hospitais, seu avô e o dia de sua morte, três anos atrás.
Também o dia que Hero teve sua primeira crise de pânico e parecia que de repente ele tinha se esquecido de como respirar.
Acordou do pesadelo no meio de outra crise, o que só tornava tudo ainda mais apavorante. Já fazia três anos e ele achava que nunca iria se acostumar com aquilo. Era como se todas as vezes fossem como a primeira. E estar num hospital só tornava tudo pior.
Era o pior dos gatilhos.
Ele mal podia esperar para ir embora. Com sorte, no dia seguinte. Especialmente agora que tinha aceitado cuidar dele em casa durante algumas horas por dia. Hero sabia que não tinha sido fácil convencê-la, mas ele não se importava com o que precisava fazer desde que ela aceitasse.
— Você deveria comer — ela sugeriu, com a voz firme. — Se quer ir pra casa, o mínimo que você pode fazer é cooperar.
E ela estava irritada exatamente porque ele não estava fazendo aquilo.
— Certo — respondeu, mordendo uma torrada com geleia, enquanto ainda a encarava.
Viu se mexer desconfortável, desviando a atenção para a bandeja de medicamentos, mas continuou a encarando mesmo assim. Ela tinha olhos escuros e amendoados e seu rosto tinha um formato oval, com maçãs do rosto altas, mas não marcadas. Era um rosto comum, mas bonito. O cabelo castanho com certeza a faria se misturar sem problemas no meio de uma multidão. Não era o tipo de garota que chamaria sua atenção em um show a menos que a conhecesse. Ou a menos que tivesse a impressão de conhecê-la.
Como em todas as vezes que pensou ter visto em seus shows, em diversas versões diferentes; como uma vez que se deparou com uma garota de cabelo roxo no meio do público, um ano depois da banda estrear oficialmente e ele se lembrou de quando ela disse que queria pintar o cabelo daquela cor um dia. Ou quando viu uma garota de cabelo marrom como o da enfermeira a sua frente e uma garota de cabelo loiro e azul que o fez se lembrar de .
Mas Hero sempre perdia essas garotas de vista. Elas desapareciam como se nunca tivessem estado lá e às vezes ele achava que era sua mente lhe pregando peças.
Assim como naquele momento, o que o irritava consideravelmente.
Como se fosse uma maldita obsessão, um maldito fantasma que o assombrava até quando ele tentava esquecê-la. Não era fácil, é claro, considerando que ele tinha escrito dezenas de músicas sobre ela nos últimos dez anos. Ela era a personagem principal de suas histórias. Mas apenas algumas eram verdadeiras. As outras, apenas memórias fictícias que gostaria de ter feito com ela.
Só que ele sabia que tinha que deixar aquilo de lado. Aquela não era a que ele pensava. Assim como as outras dezenas de que tinha conhecido nos últimos anos não eram.
Depois de alguns segundos, ela se levantou com a bandeja nas mãos e se despediu. Por instinto, quase a pediu para ficar um pouco mais, mas conseguiu segurar as palavras no último instante.
A veria em breve. Pelos próximos vinte dias, para ser mais exato. Em sua casa. Durante seis horas por dia, incluindo sábados e domingos. Devia ser terrível para ela, mas até se sentia mais animado. Iria se recuperar em casa e teria ajuda de alguém que tinha conseguido fazer ele se sentir confortável e passar por uma crise.
Em troca, ele daria o seu melhor para se comportar. Ou pelo menos, tentar, mesmo que fosse difícil. Mesmo que ele tivesse algum pesadelo e ficasse de mau-humor durante o dia. Ou mesmo quando ficasse estressado com a recuperação. De qualquer forma, só de saber que não teria que ficar mais em um hospital, já o fazia se sentir quarenta por cento melhor.
Pelo menos, emocionalmente.
Mas ele queria que se sentisse bem também e faria o possível para isso acontecer.

Capítulo 13

Diferente de , Hero não se importava em esbanjar espaço. O apartamento dele parecia ter o triplo do tamanho do dela e chegava a ser intimidante ver tanto espaço sendo ocupado por uma única pessoa.
— Ele ficou no quarto — disse, assim que fechou a porta e foi em direção ao balcão da cozinha enorme, onde havia alguns papéis empilhados. — A senha da porta é 060406. Aqui tem todas as receitas e horários dos medicamentos que ele toma e ali na geladeira tem uma lista de restaurantes delivery que ele costuma pedir comida, caso precise. Você pode pegar um cartão de crédito com ele, se precisar comprar alguma coisa e...
— Tem certeza que não quer ficar no meu lugar? — ela o interrompeu. — Você provavelmente é um cuidador melhor que eu, .
— Mas é você quem tem o diploma, gata.
— E você tem a experiência de anos em ser mãe do — ela retrucou, fazendo-o rir.
— Vem, eu vou te mostrar o resto da casa.
Alguns minutos depois, estava tendo um daqueles momentos de reflexão sobre por que milionários precisavam de tanto espaço. nem tinha terminado de mostrar tudo e ela já estava cansada. Quando por fim acabou, ele a levou até Hero, que tinha adormecido no meio da cama enorme de seu quarto também enorme. Segundo suas contas, caberia mais umas duas camas daquela ali.
A decoração do apartamento inteiro tinha uma paleta de tons neutros e o quarto não era diferente, embora ali o cinza se destacasse mais. Hero tinha montado um estúdio pessoal em um dos quartos e havia um escritório também, que parecia intocado. Quanto ao resto, o apartamento parecia ser todo funcional e tinha até mesmo uma lavanderia que ela duvidava que tivesse sido usada por ele alguma vez. Talvez o de alguns anos atrás pudesse ter usado, mas aquele com certeza não.
— Quem limpa tudo isso? — perguntou, lembrando-se de seu gracioso robô aspirador que mantinha o piso de sua casa livre de pó.
— Ah, tem uma pessoa que vem duas vezes por semana. Ela trabalha aqui há anos. Existe uma equipe de limpeza particular desse prédio — respondeu.
— A casa é inteligente?
— Inteligente?
— Sim... tem uma Alexa ou algo assim? Alguma secretária virtual?
— Ah, não. Ele não tá nem aí pra essas coisas. O que ele tem de mais tecnológico por aqui são os equipamentos do estúdio e as TVs. — ele riu.
— Cara, como assim? — franziu o cenho. — Ele não tem ainda porque não descobriu como pode ser útil.
riu novamente.
— É, pode ser. Esqueci que você é uma defensora dessas coisas — ele brincou. — Eu vou indo. Se precisar de alguma coisa, é só me chamar. Ah, eu trouxe comida mais cedo e coloquei na geladeira.
— Tudo bem. Eu vou ficar só seis horas aqui, . Não vim pra morar, relaxa.
— É... Esqueci disso. — O amigo riu novamente. — Até mais tarde, .
Com ainda dormindo, pensou em aproveitar o tempo para escrever. Era apenas uma da tarde quando ela se acomodou no sofá enorme da sala — e o tamanho não era nenhuma surpresa — com um computador no colo. Não tinha levado muita coisa na bolsa. Apenas o computador e seu kindle, caso quisesse ler algo. Como não ficaria muito tempo, não viu necessidade de mais e sua carteira que sempre estava com ela.
Começou a escrever e menos de uma hora depois escutou a voz de Hero vindo do quarto.
? — ele tentou. não respondeu, mas se levantou no mesmo instante. — ?
— Tô indo — ela respondeu, pouco antes de entrar. — Oi.
— Quando você chegou?
— Uma hora atrás, mas você tava dormindo. Eu ia te acordar daqui a pouco, você tem uma medicação-
— Eu sei, eu acordei com o despertador do celular me avisando — ele a interrompeu.
— Ah, certo — disse, o observando encará-la de cima a baixo. olhou para o próprio corpo, tentando ver se tinha algo errado com sua roupa, mas não encontrou nada. Usava uma legging preta e um moletom bege sem capuz por cima. — Você precisa de alguma coisa? — ela perguntou, depois de alguns segundos de silêncio.
Hero desviou o olhar para a frente, antes de pigarrear.
— Preciso de ajuda pra ir ao banheiro. Ainda tô com dificuldade de sair da cama.
— Ah, claro. — Ela se moveu para o outro lado da cama e se posicionou para que ele pudesse se apoiar nela. passou o braço bom ao redor de seus ombros e se levantou usando o peso da perna direita, fazendo uma careta quando começou a andar. — Você tá com dor? Quer um remédio?
Ele negou com a cabeça.
— É só incômodo. Acho que minha perna ainda tá sensível, então eu tento fazer o máximo pra não ter que movimentar — ele explicou.
assentiu, sem saber se acreditava naquilo ou não. Nunca tinha quebrado nenhum osso, mas tinha sofrido uma luxação no pé direito uma vez, no último ano do ensino médio e tinha doído muito. Seu pé até dobrou de tamanho de tão inchado que ficou e virou uma massa roxa esquisita. Demorou muito tempo para sarar e mesmo depois de meses, ela ainda sentia dor se o forçasse muito.
Hero tinha sofrido sete fraturas, pelo amor de Deus.
Não tinha como ele não estar sentindo dor. Mas ela tinha que admitir que ele aguentava bem. Ela já tinha visto pacientes chorarem por muito menos. notou que ele usava um short de moletom preto com uma camisa verde-escura com mangas cortadas e chegou à conclusão de que provavelmente era a única coisa que podia passar pelo gesso além das batas hospitalares.
Quando chegaram ao banheiro, ele a expulsou no mesmo instante, meio sem jeito. segurou um sorriso enquanto fechava a porta e esperou do lado de fora. Alguns instantes depois ela ouviu a torneira sendo aberta e pouco depois, a porta. Deixou que ele se apoiasse nela e o abraçou pela cintura, tomando cuidado para não machucar suas costelas.
— Eu não tô tocando em nenhum machucado, né? — ela perguntou, só para garantir. — Eu sei que você tem machucados no tórax, mas não exatamente onde. Você vai ter que me mostrar depois.
— Certo.
— Você quer ficar aqui ou sair do quarto?
— Vamos pra sala.
o levou até lá e o ajudou a se acomodar no sofá, antes de buscar os medicamentos que ele tinha que tomar. Selecionou com cuidado três comprimidos, conferindo na ficha se estava certo e então pegou um copo e encheu com água.
— Você já almoçou? Tem umas medicações fortes aqui. Você tem uma prescrição de um opioide pra tomar duas vezes ao dia.
— Wow… — ele murmurou, fingindo ânimo. — E o que isso quer dizer? Eu comecei a tomar recentemente.
— Quer dizer que vai ajudar muito com a dor, mas pode te dar alguns efeitos colaterais como sonolência, tonturas e dores no estômago.
— Ah, agora sei porque me sinto aéreo o tempo todo. Mas sabe, é até legal. Eu sinto um incômodo de dor, mas não a dor em si... O remédio deve ser bom.
— Você já almoçou?
— Ainda não. Eu pensei em pedir delivery.
— Não precisa. deixou comida na geladeira, eu vou esquentar pra você — ela disse, voltando para a cozinha.
Alguns minutos depois, voltou com um copo de suco de laranja e um prato de macarrão com frango, legumes e molho rosê que parecia realmente apetitoso. Felizmente, nada que não pudesse comer. Ele tinha que evitar comidas pesadas até as feridas cicatrizarem.
— Você não quer comer também? — ele perguntou quando ela sentou ao lado dele, segurando o prato para ajudar, já que não estavam em uma mesa e ela não tinha achado nenhuma bandeja de café da manhã.
— Não, eu almocei antes de vir, não tô com fome.
Hero assentiu e voltou a comer. Quando acabou, ligou a TV e se acomodou do outro lado do sofá com um notebook no colo. Parecia bastante concentrada em sabe-se lá o que estivesse fazendo, então ele decidiu não perturbá-la.
Após meia hora assistindo TV, sentiu os olhos ficarem pesados mais uma vez, provavelmente por conta das medicações. Na posição em que estava, semi-deitado com a cabeça apoiada no encosto macio do sofá, ele não sentia dor. Piscou algumas vezes, encarando a TV com dificuldade de manter os olhos abertos e sentiu como se todo o seu corpo estivesse ficando dormente de repente. Não era a melhor sensação do mundo, mas também não era ruim. Queria ficar acordado, mas era difícil. Então, decidiu fechar os olhos por um momento e talvez apenas tirar um cochilo. Sim, talvez um cochilo ajudasse...
sorriu por trás da tela do notebook quando notou tentando lutar contra o sono. Completamente imóvel, ele se deixou vencer depois de alguns minutos e fechou os olhos devagarinho. Mesmo sabendo que provavelmente era resultado de algum efeito colateral, tinha que admitir que parecia realmente fofo naquele momento. O cabelo castanho estava jogado para frente e a franja levemente bagunçada, dando-lhe um aspecto mais jovem, quase de menino. Parecia tão macio que sentiu os dedos coçarem com a vontade de enfiá-los entre os fios.
Foi quando ela se deu conta de que aquela era a segunda vez que observava dormindo. Ele podia não se lembrar mais de seu rosto, mas lembrava de cada traço dele com clareza e os últimos dez anos em que tinha acompanhado sua carreira, vendo centenas de fotos diferentes, tinham contribuído bastante com isso.
Durante esse tempo, envelheceu como vinho. Seu rosto perdeu um pouco de gordura e ficou mais anguloso; um pouco acima do lábio, no lado direito, havia uma pintinha quase imperceptível e outra um pouco maior no meio da bochecha. Do outro lado, na ponte de seu nariz havia mais uma minúscula. Nenhuma delas estavam lá quando ela o conheceu. Tinham aparecido poucos anos após a estreia da banda, mas mesmo que estivessem lá antes, sabia que se lembraria delas.
Balançando a cabeça para afastar as memórias antigas, ela voltou a se concentrar no livro.
Ayla tinha acabado de escrever uma cena de uma história e Dean tinha acabado de ler. Pouco depois disso, eles tiveram o primeiro beijo, que foi interrompido pela campainha tocando. E então fingiram que nada tinha acontecido.
riu sozinha, divertida com o andamento da história. Aquela primeira parte seria relativamente tranquila e teria um foco maior no romance, antes que outras coisas começassem a acontecer. Alguns minutos depois, ela finalizou o capítulo e o enviou para o e-mail de Dianna. Ela sempre era sua primeira leitora.
Em seguida, aproveitou o tempo para responder alguns e-mails e quando se cansou, desligou o computador e o guardou na bolsa. Pegou o celular, tirou uma foto de dormindo e enviou para .

: Seu filho está sonhando com os anjinhos, mamãe.

Ele enviou uma resposta alguns minutos depois.

: Bom saber que a babá que eu contratei é competente.

enviou um emoji de dedo do meio para ele e respondeu com um emoji rindo.

: Você tá com fome? Eu fiz biscoitos de oreo e estão uma delícia. Vem pegar alguns rapidinho.

encarou Hero por um momento, um pouco hesitante, mas ele continuava imóvel feito uma pedra. Então concluiu que poderia deixá-lo sozinho por cinco minutos enquanto descia para o andar de baixo em busca dos biscoitos.
Com cuidado para não fazer barulho, ela saiu do apartamento e pouco depois apertou a campainha de .
— E aí? O paciente deu muito trabalho?
— Na verdade, não. Eu até consegui trabalhar e cumprir minha meta diária enquanto ele dormia.
— Ah, é. O seu outro trabalho. Se foi bom, então você devia ficar mais — sugeriu com uma piscadela, enquanto colocava alguns biscoitos em um recipiente de plástico transparente.
revirou os olhos.
— A gente vê isso depois — ela disse, sabendo que não iam ver coisa nenhuma e ambos sabiam que aquela era uma resposta padrão para dizer não sem ser rude.
riu baixinho e fechou o recipiente, o entregando a ela.
— Aqui, você pode levar esses. Não sei se pode comer os de chocolate, então coloquei alguns de aveia pra ele com os seus — ele explicou. — E eu quero a minha vasilha de volta.
— Jura? Achei que viesse de brinde com os biscoitos.
— Nem vem. Essas coisas são caras.
— E você é rico. Pode comprar centenas dessa — ela retrucou.
— O que não significa que eu vou.
riu, divertida.
— É o que dizem, você sai da pobreza, mas a pobreza não sai de você — ela brincou.
— Ainda bem, ou eu estaria perdido. — Ele riu junto.
— Você é o mesmo de sempre, . Por favor, não mude nunca — pediu com um sorriso nostálgico que sumiu um instante depois, assim como o dele. — Acho melhor eu voltar agora.
a acompanhou até a porta, mas em um impulso segurou o braço dela antes que saísse.
— O que você conheceu ainda tá lá, — ele murmurou baixinho. — Não foi o Hero que quis te ter como cuidadora.
o encarou por um instante, confusa, mas não disse nada. Se virou e seguiu até o elevador. Hero ainda estava no mesmo lugar e só veio acordar mais tarde, quando já estava se organizando para ir embora.
— Você já vai? Que horas são? — ele perguntou, se espreguiçando o máximo que aquela posição o permitia. Com a ajuda do braço bom, ele conseguiu se sentar sozinho.
— Quase sete. Acabei de falar com . Ele disse que tá vindo pra te ajudar com o banho — ela explicou, enquanto terminava de guardar algo na bolsa.
— Ah... Eu dormi o tempo todo, pelo visto.
riu baixinho e foi até a cozinha, voltando com um prato de biscoitos e uma caneca de café com leite. Hero tinha uma cafeteira igualzinha a sua, o que meio que compensou um pouco não ter uma casa inteligente, ainda mais daquele tamanho.
— Aqui, um presente. — Ela colocou o prato ao lado dele e a caneca em cima do prato para que não virasse.
fez?
— Sim, eu desci pra pegar alguns biscoitos.
— Ele faz o tempo todo. ama e nem se fala, o cara tem um estômago sem fundo — ele comentou, enquanto mordia um.
sorriu sem perceber, até que balançou a mão na frente dela, chamando sua atenção.
— Oi, o que você disse?
— Perguntei por que você tava sorrindo.
— Eu tava? — ela perguntou, sem pensar. — Ah, não era nada. Foi só uma coisa que lembrei. Você precisa ir ao banheiro?
— Preciso, mas posso aguentar até chegar. Você pode ir, se quiser. Eu vou ficar bem.
— Certo. — Ela colocou a bolsa no ombro. — Até amanhã, então. Boa noite, .
— Boa noite, .
O primeiro dia estava concluído.
Agora só faltava mais vinte.

Capítulo 14

Os próximos dias passaram tão rápido quanto o primeiro. Com exceção de algumas vezes — poucas, inclusive — que pedia ajuda para ir ao banheiro, Hero passava a maior parte do tempo dormindo e aproveitava seus momentos de inconsciência para escrever. Ela tinha que admitir que era meio que uma combinação perfeita, visto que não estava realmente atrapalhando seu trabalho.
Chegava uma da tarde e saía às sete da noite, quando subia para ajudar Hero com o banho e passar algum tempo com ele, que depois dormia sozinho. Uma informação que incomodou ligeiramente, mas se aparentemente ele estava bem dormindo sozinho, então ela não comentaria nada.
Talvez ele fosse uma dessas pessoas que não acordavam para ir ao banheiro uma vez que dormiam. Ou talvez... Bem, a opção que envolvia uma garrafa ou algum outro tipo de recipiente não era uma imagem que queria ter em sua mente, então deixou para lá. Não importava muito como ele e estivessem se virando e nem era da conta dela. Ele era seu paciente durante seis horas diárias, nem antes, nem depois disso.
O final do terceiro dia tinha chegado e como os anteriores, foi tranquilo. nem mesmo parecia o paciente chato que ela tinha visto no hospital e ficava quieto a maior parte do tempo, o que era uma surpresa mais do que bem-vinda.
Antes de sair, o deixou no quarto vendo TV. chegaria em poucos minutos, caso ela não o encontrasse pelo caminho. Já estava indo em direção ao elevador quando colocou a mão no bolso e percebeu que tinha esquecido o celular no sofá. Deu meia volta e retornou para o apartamento até então silencioso e tinha acabado de guardar o aparelho quando ouviu um barulho vindo do quarto, seguido de um gemido de dor que a fez correr sem pensar duas vezes.
Encontrou Hero caído no chão, encolhido e com a mão boa nas costelas, o rosto contorcido em uma careta de dor. Imediatamente, se ajoelhou ao lado dele e tomou seu rosto entre as mãos, o obrigando a encará-la.
, o que houve? Você se machucou? Vem, deixa eu te ajudar a levantar.
— Não, espera... Eu fiquei tonto — ele murmurou baixinho, de olhos fechados. A respiração levemente acelerada e entrecortada deixavam claro que ele estava tendo dificuldade em lidar com a dor.
— Você bateu a cabeça? Por que você ficou de pé sozinho?!
— Não bati a cabeça. Eu fui tentar ir ao banheiro e caí.
— E por que você não me pediu pra te ajudar antes de eu sair? Eu te perguntei se você precisava de algo! — ela exclamou. — Você podia ao menos ter esperado chegar.
— Por que você tá brigando comigo? — Ele franziu o cenho, indignado. — Eu só queria ir na porra do banheiro sem ter que incomodar ninguém! Eu fiz isso ontem e deu certo. Só que hoje eu fiquei tonto e tropecei.
— E é exatamente por isso que você não devia ficar sozinho! — retrucou, irritada. — Você precisa ser mais responsável consigo mesmo!
— Eu não gosto de depender dos outros, — ele murmurou, entredentes.
— Eu sei, mas você precisa de ajuda. Não é pecado ficar vulnerável, — Ela disse, parando um momento para tomar fôlego. — Eu também odeio ficar doente e precisar de ajuda e também sou uma cabeça-dura que prefere sofrer calada a dizer a alguém que tô sentindo dor, mas não precisa ser assim. Especialmente na sua situação, mas eu acho que você não entendeu ainda.
— Já acabou? — Hero perguntou, em um tom irônico que só a irritou. pressionou os lábios em uma linha fina, tentando segurar o próprio temperamento.
— Vem, levanta. — Ela o ajudou a ficar de pé. — Melhor você ir ao banheiro logo já que tá com vontade — acrescentou, seca.
Menos de cinco minutos depois, ele saiu do banheiro e ela o levou de volta para a cama, quando viu uma pequena mancha de sangue em sua camisa branca.
— O que foi? Por que você tá-
Mas o interrompeu, dando-lhe um tapa na cabeça.
Ai! — ele reclamou, colocando a mão onde tinha sido acertado e ao mesmo tempo surpreso por aquela reação.
— Seu idiota! — ela o xingou, não conseguindo mais se segurar e puxou a barra da camisa dele para cima. — Levanta o braço! Eu preciso ver o estrago que você fez.
Hero a encarou como se ela tivesse criado uma segunda cabeça, mas obedeceu mesmo assim. retirou sua camisa e respirou fundo outra fez. Pela expressão em seu rosto, ele classificaria seu humor como puta da vida, sem nenhum resquício de dúvida.
Mas foi só quando olhou para baixo que entendeu o porquê. Um de seus cortes tinha se aberto e perdido cerca de dois ou três pontos. E estava sangrando em um nível um tanto incômodo aos olhos, embora não fosse muito.
— Opa... — ele murmurou, tentando sorrir. Tinha achado que sua dor vinha das costelas, mas, na verdade, era do corte. Não que ele pudesse identificar realmente, já que sentia dores por toda a região.
— E eu achando que você não ia dar trabalho — reclamou, o encarando nos olhos. Por um instante, Hero quase a achou assustadora, mas era meio difícil quando ela era bem menor que ele. Ela parecia um pouquinho maior que naquele momento, mas porque ele estava sentado. E não era apenas baixa, era pequena também. Ao menos comparada a caras do tamanho dele, que havia ganhado pelo menos uns vinte quilos de músculos a mais do que tinha quando estreou.
— Desculpa. — Ele sorriu de leve.
— Você não parece arrependido.
— E não estou.
— Então por que se desculpou?
— Porque parecia a coisa certa a fazer. Você acha que tá muito ruim? — Ele voltou a encarar o ferimento aberto.
suspirou, cansada.
— Vou precisar fazer um curativo, alguns pontos que se abriram. Parabéns, vai ser uma cicatrização por segunda intenção agora.
— E o que isso significa?
— Significa uma cicatrização mais longa. Em outras palavras, a ferida vai ficar aberta até o seu organismo fechar. Com os pontos, isso aconteceria em pouco mais de uma semana. Uma pena que o garotão aqui resolveu ser independente e não quis esperar. — Ela sorriu sarcástica, dando um tapinha no ombro dele.
Hero fez uma careta, mas não discutiu. De qualquer forma, o que seria mais alguns dias? Ele só ia poder sair de casa depois de três semanas mesmo. Um curativo a mais e outro a menos não ia fazer diferença. Ia doer de todo jeito.
— Olha pelo lado bom, pelo menos foi só alguns pontos e não todos. — Ele tentou fazer graça.
Mas antes que pudesse responder, apareceu.
— Oi, você ainda tá aqui? Aconteceu alguma coisa? — ele quis saber quando percebeu a expressão dela.
deu um passo para trás e levantou o braço, apontando um dedo acusador para Hero.
— Seu amigo aconteceu. Ele caiu e machucou um dos ferimentos. Os pontos se abriram e eu vou ter que fazer um curativo agora — ela disse. — Mas só depois do banho.
— Espera, como você caiu?
— Eu me levantei pra ir ao banheiro e fiquei tonto — Hero resmungou.
— Ele podia ter caído por cima do braço! E você, deixou seu amigo sozinho à noite! — Ela apontou para . — Vocês são dois irresponsáveis.
— Até ontem você disse que eu era um cuidador melhor que você — brincou, tentando amenizar o clima. — Você sabia que ele tava dormindo sozinho e não disse nada.
— Porque ele parecia bem. Mas pelo visto, tá sentindo outro efeito colateral. Podia ter acontecido algo pior e eu ia ser linchada na rua quando as fãs de vocês descobrissem que deixei ele piorar.
— Não seria sua culpa — Hero tentou falar.
— Mas eu seria julgada mesmo assim!
Hero a encarou por um segundo, antes de desviar o olhar para .
— Tem certeza que essa é a mesma mulher do primeiro dia? Ela não tem nenhuma irmã gêmea malvada, não?
— Por quê? Você ficou com medo?
— Não, mas ela até me deu um tapa. — apontou para o local atingido.
— Um... tapa? — riu. — Por você ter caído?
— Eu ainda tô aqui, sabia? Posso ouvir vocês, idiotas.
— Ela me xingou também — Hero continuou, ignorando . — Ela não parecia o tipo que xingava. Achei ela bem profissional no hospital.
— Se tá achando ruim, é só me demitir. Eu não tenho nada a perder — resmungou, de braços cruzados.
— Tem certeza que ela não é sua namorada? Ela parece alguém que você namoraria. Ela pareceu legal, mas tem um humor meio azedo quando se irrita.
— Ela parece alguém que você namoraria — retrucou.
— Ai, calem a boca! — falou alto, finalmente perdendo a paciência. — Já pro banho, ! E você, ajude ele. Vou preparar o material pro curativo. E não demorem!
E então saiu pisando duro, deixando os dois homens a sós, estupefatos e completamente divertidos com aquela reação.
— Sabe aquele meme do pintinho segurando uma faca? — comentou. — É a cara dela.
Hero riu, com vontade, mas fez uma careta logo em seguida, quando sentiu dor.
— Merda... — Ele colocou a mão no abdômen, acidentalmente sujando a mão de sangue. — Caralho. Dupla merda agora. — Ele levantou a mão suja, mostrando a .
— Deixa eu ver o que você aprontou, irmão. — O amigo se aproximou. — Caramba, acho que é melhor você proteger com a mão no banho.
— É, acho que sim.
Vinte minutos mais tarde, os dois apareceram na sala, onde os esperava pronta para fazer o curativo. Começou limpando a ferida de dentro para fora com uma gaze embebida de soro fisiológico e enquanto Hero se contorcia de dor, mal piscava. Era bom que estivesse doendo mesmo, era a consequência que ele tinha que enfrentar por ser um idiota.
— Porra... — ele xingou baixinho e ela riu, irônica. — Você tá adorando isso, né?
— Claro que sim — ela admitiu. — E que isso sirva de lição pra você.
— Ah, é... Desculpa se eu não queria te incomodar toda hora pedindo ajuda — ele rebateu, malcriado.
murmurou em tom de aviso.
— Eu tô literalmente sendo paga pra te ajudar, mas isso não tá sendo o suficiente. Você é o tipo de paciente teimoso que finge ser bonzinho, mas que na verdade precisa ser monitorado vinte e quatro horas por dia porque é exatamente esse tipo de paciente que apronta quando a gente dá as costas.
— Eu posso dormir aqui, então, . Relaxa — disse. — Não precisa se estressar com isso.
— Não, . Eu tô estressada com isso desde que recebi naquele hospital — ela retrucou, irritada. — Achei que tava tudo indo bem aqui, mas infelizmente isso durou menos de três dias.
— Tá, desculpa. A gente vai entender se você quiser desistir agora — comentou. Hero abriu a boca para falar, mas fechou quando encarou o olhar gélido do amigo. — A gente vai, não é, Hero?
— Sim, é — ele murmurou, resignado. — Sinto muito, . Eu não queria te causar estresse e acabei causando mesmo assim.
encarou um ponto qualquer da sala por alguns segundos, pensativa. E então, de repente, ela riu. Riu de verdade, antes de encarar os dois amigos.
— Desistir? E quem vai cuidar dele? — ela perguntou a , apontando para com a cabeça.
— Se você me explicar tudo, então a gente pode se virar. — deu de ombros. — Posso revezar com e . Você pode ensinar a gente a fazer os curativos e tal...
— Não! — e falaram ao mesmo tempo.
Ela o encarou por um segundo, antes de voltar a olhar para .
— Você só pode achar que minha profissão é uma piada, né?
— Claro que não, eu respeito muito sua profissão, — ele se defendeu. — Eu não quis te ofender.
— Então, por que raios você acha que eu sequer pensaria em deixar vocês ficarem revezando? Mal conheço os outros e por mais que você seja o único com cara de mãe coruja responsável aqui, , e eu não tô querendo confiar nem em você pra isso.
— Então, o que você sugere? Esse bicho do mato não vai querer outra enfermeira — disse, apontando para o amigo.
— Ei! — reclamou.
— Quem disse que vocês vão precisar de outra enfermeira? — arqueou uma sobrancelha. — Eu consigo dar conta. E não vou arriscar perder meu trabalho sempre que eu sair daqui.
— Como assim? O que você quer dizer? Você não vai embora? — Hero indagou.
— Não. — sorriu. O tipo de sorriso que fazia você ter certeza de que a pessoa tinha um plano maquiavélico pronto na cabeça.
— E como vai ser? — quis saber. — Você vai vir pela manhã agora ou sei lá...?
— Não, eu vou ficar aqui a partir de amanhã — ela declarou. — E vai ser do jeito que eu quiser.
Hero encarou com os olhos verdes arregalados e sorriu, nervoso, desviando o olhar para por um instante apenas para descobrir que o amigo não estava muito diferente.
E ... Ah, ela continuava com o sorriso maquiavélico no rosto, como se fosse uma maldita boneca de cera.
Agora sim, ela parecia realmente assustadora.

Capítulo 15

4 de março de 2016, 09h16 - Apartamento de

Se arrependimento matasse, provavelmente estaria começando a ter problemas naquele exato instante quando acordou em sua cama enorme, quentinha e macia e percebeu que aquele era seu último dia em casa pelas próximas três semanas. Ou quando ela tomou uma caneca de cappuccino quentinho em sua varanda, enquanto aproveitava a bela vista que tinha ali e suspirou, meio desanimada.
Pelo menos, Hero tinha uma cafeteira legal; e havia também, que morava um andar abaixo e sempre tinha comida feita em casa.
observou a mala aberta uma última vez, conferindo se não estava esquecendo de alguma coisa, mas tinha tudo o que precisava. Tudo o que ela precisaria para três semanas, pelo menos. Levava cerca de quarenta minutos para chegar até o apartamento de Hero e não fazia muito sentido ficar voltando para casa com frequência para buscar coisas, então o plano era fazer isso o mínimo possível para poupar tempo e estresse no trânsito caótico de Nova York.
Fechou a mala e se preparou para sair de casa. Tomou um banho demorado e escolheu uma blusa preta de mangas compridas, uma saia xadrez cinza e uma meia calça preta para vestir com um coturno da mesma cor. Deixou o cabelo solto e fez uma maquiagem leve, finalizando com um batom vermelho-escuro.
Obviamente, não estava se vestindo para trabalhar, mas teria uma pequena reunião com Dianna naquele dia e as duas iriam almoçar juntas para discutir sobre o livro atual que estava escrevendo e algumas pendências do próximo lançamento. Tendo pouco mais de uma hora até o almoço quando saiu de casa, resolveu passar em um supermercado para fazer algumas compras.
Por mais que fosse ficar na casa de Hero e soubesse que poderia pegar o cartão sem limites dele a qualquer momento para comprar suprimentos para os dois, não era algo que ela se animava muito em fazer. Além disso, ela tinha o próprio cartão sem limites. Não que ninguém além de seus pais e amigos próximos soubessem disso.
Seria estranho uma enfermeira como ela ter um daqueles com o salário que ganhava. Não que fosse ruim, ele era justo, mas não o suficiente para justificar um cartão sem limites. De qualquer forma, ela gostaria de comprar seus próprios mantimentos e faria aquilo, quer Hero soubesse ou não. E só saberia caso checasse sua fatura, porque ela não iria dar com a língua nos dentes.
Tudo o que menos queria era ter que lidar com um ego masculino ferido por conta de algo tão pequeno.
Assim que estacionou o carro em frente ao supermercado, pegou a bolsinha que tinha escolhido usar naquele dia, um óculos de sol no estilo gatinho e o colocou no rosto, checando a maquiagem antes de sair. Fazia algum tempo desde que tinha de fato saído de casa para comer ou até mesmo se arrumado, então havia se empolgado um pouquinho na hora de se aprontar.
Entrou no supermercado e pegou um carrinho para começar suas compras. Meia hora mais tarde, voltou para o carro com três sacolas que colocou no porta-malas, antes de seguir para o restaurante.

***


Sempre pontual, Dianna já a esperava no restaurante de comida coreana. O local era um pouco pequeno, ainda que houvesse algum espaço entre as várias mesas que havia ali, e era mais caseiro do que sofisticado.
já tinha estado ali com ela e diversas vezes. Até mesmo Andy tinha sucumbido ao sabor da culinária coreana, ou pelo menos, à parte dela que não era muito apimentada. O homem mal conseguia aguentar um pouquinho de picância sem suar, mas dizia que era um ótimo remédio para o frio novaiorquino.
Pensando naquilo, considerou se vestir uma blusa de mangas compridas tinha sido uma boa ideia, mas só descobriria depois. De todo modo, sempre podia ligar o ar condicionado do carro caso precisasse.
— Eu tenho menos de duas horas, tomara que dê pra resolver o que precisa aqui mesmo — disse, após cumprimentar Dianna com um abraço.
A amiga usava um vestido preto de alças um pouco acima do joelho por cima de uma blusa branca de mangas compridas e, assim como , uma meia calça preta com um par de sapatos da mesma cor. Havia um largo cinto de couro em sua cintura, enfatizando mais ainda suas curvas e uma maquiagem leve no rosto. Além disso, o cabelo preto e longo tinha os cachos presos em uma trança raiz. Dianna era afro-descendente, um pouco mais baixa que e alguns anos mais velha e era uma das mulheres mais bonitas que ela já havia conhecido, por dentro e por fora.
— Você sabe, apenas formalidades. Preciso que você assine alguns documentos autorizando a tradução do livro para outros países — ela explicou, tirando uma pasta da bolsa. conferiu os documentos rapidamente antes de assinar e os devolveu para ela.
— Era só isso?
— Tem uma livraria que fez uma proposta de sessão de autógrafos. Eu disse que iria falar com você, mas já sei que sua resposta é não — ela continuou.
— Eu posso autografar os livros previamente se eles quiserem. Você pode sugerir isso. É só me dar uma lista de nomes. Mas não vou encontrar nenhum leitor pessoalmente — disse, logo após uma garçonete trazer duas toalhas mornas para que pudessem higienizar as mãos, antes de comer.
— Ótimo, farei isso. Na verdade, acho que vou pedir pra Alexa fazer. Sabe? A nova estagiária do Andy.
— Ah, a garota nova? Acho que ele tem uma quedinha por ela — comentou. Não tivera muito contato com Alexa, mas as poucas vezes que a tinha visto com Andy foram suficientes para notar que o amigo estava interessado.
— Não é?! Pensei que só eu tinha percebido. Até perguntei pra ele, mas ele negou no mesmo instante.
— Andy nunca vai admitir. Faz só uns meses que essa garota chegou, né? Você sabe como ele é no trabalho… Talvez não queira fazer ela se sentir pressionada ou sei lá…
— É verdade — Dianna concordou, assentindo. — Talvez seja por isso que ele é meio carrasco com ela. Mas fico feliz que Lexi dá conta. Ela é determinada e tem talento no ramo editorial. Acho que daria uma ótima agente também.
— Talvez eu a roube um dia se decidir virar uma figura pública convencional, eu iria precisar de alguém assim — brincou, fazendo Dianna rir.
— Agora me conta sobre o novo livro e sobre a fanfic que você tá vivendo pela segunda vez — a amiga pediu, animada.
revirou os olhos.
— Não é uma fanfic. Eu tô cuidando dele e só.
— Tá, e eu vou fingir que acredito nisso. Mas primeiro Ayla e Dean. Eu li o que você me mandou e amei. Mal posso esperar pra ver os dois juntos.
— Você não acha que tá sendo muito rápido o desenvolvimento deles?
— Na narrativa sim, mas na linha do tempo deles não. Mas eles iniciarem o relacionamento não é o ponto principal pelo que você disse, né? E sim o que vem depois.
— Sim, essa é só a primeira parte. Eu meio que fiz um roteiro com três blocos, mas ainda tô trabalhando nisso — explicou. — De qualquer forma, vou querer sua opinião pra me ajudar a decidir o que fazer.
— Sempre, amiga. Pode contar comigo.
— Andy chegou a ler? — perguntou. — Eu esqueci de perguntar a ele.
— Ainda não, ele anda ocupado fazendo negócios com alguns novos escritores e eu mal tem tempo até pra uma conversa de dez minutos. A gráfica que utilizamos vai fechar e Andrew tá trabalhando nisso também.
— E quanto às impressões?
— Eles disseram que vão entregar todas as encomendas, mas não vão fazer novas tiragens depois disso. Então, até junho temos que encontrar uma nova. Tô com medo de que alguns livros atrasem um pouco por conta disso.
— Espero que ele encontre outra logo, então.
A garçonete retornou com os acompanhamentos e a carne para o churrasco que fariam ali mesmo, no pequeno fogão que havia no centro da mesa. Dianna espalhou as tiras finas de carne em cima da chapa de metal redonda e experimentou um pouco da sopa de pasta de soja e tofu que foi um agrado para o seu estômago.
— Agora sim, me fala como tá indo o seu paciente — Dianna pediu com um sorriso, enquanto pegava uma batatinha caramelizada com os palitinhos de um dos pratos de acompanhamentos.
suspirou.
— Vou ficar no apartamento dele pelas próximas três semanas, mas já sinto o arrependimento vindo.
— Como assim? Achei que você só ia trabalhar por seis horas. O que aconteceu? — A amiga quis saber.
Então contou tudo, deixando mais do que clara a sua irritação com o pequeno ato irresponsável de Hero, mas Dianna parecia estar adorando cada segundo da história, seus olhos brilhando com diversão.
— Eu não entendo o que você tá achando de engraçado nisso.
— Como não? Isso é todo um material de fanfic, amiga — Dianna afirmou. — E das mais clichês! Você e um astro do rock, quem diria? Pela segunda vez. E com o mesmo astro do rock!
— Ele não era um astro do rock na primeira vez — resmungou, mergulhando uma colher na sopa. — Era só um cara comum, um garçom aspirante a músico.
— Eu conheço a história, lembra? Sei de tudo. Até porque você transformou em um de seus livros. Aproveita e transforma isso em uma história também. Eu sei que você ama fazer esse tipo de coisa.
E era verdade. A primeira história longa que escreveu e que futuramente se tornou o seu primeiro livro a ser lançado, foi uma fanfic da Cave Panthers, tendo Hero como o protagonista masculino. Na época, a banda já tinha começado a fazer sucesso e ela foi uma das primeiras fãs a escrever fanfics da banda, as quais postava inicialmente em um blog e alguns anos depois em um site especializado em armazenamento de fanfics interativas.
Sorvete, pizza e música tinha sido um sucesso entre os fãs e feito ganhar muitos leitores desde então. Usando o pseudônimo Fleur Colibri, os fãs gostavam de pensar que ela era uma mulher de meia-idade como uma piada, já que nunca apareceu. Mas os mais antigos, que tinham acompanhado seu trabalho desde aquela época, sabiam que ela era apenas uma adolescente quando começou a escrever.
Obviamente, para publicar a fanfic, tinha mudado os nomes e/ou sobrenomes dos personagens — embora tivesse mantido o primeiro nome de Hero — e quaisquer características que pudessem ferir algum direito autoral da banda, como a menção de letras de músicas no texto, que tinham ganhado um novo título e sido transformadas em apenas uma referência à Cave Panthers que apenas os fãs mais perspicazes conseguiam captar.
costumava se divertir com os comentários dos leitores que mal imaginavam que a história tinha mesmo acontecido na vida real. sempre tinha sido seu favorito na banda e era divertido saber que ela tinha vivido o que a maioria dos fãs desejava antes mesmo dele ser famoso.
Mas agora não era uma fanfic. E embora ainda gostasse muito de Hero e tivesse um carinho enorme por ele, ela também não estava feliz com o modo irresponsável e idiota como ele vinha agindo nos últimos anos, se envolvendo em diversas polêmicas com paparazzis e mulheres. Além de não ser fora do comum encontrá-lo bêbado em algum clube. Sempre que lia alguma notícia do tipo, sentia vontade de enchê-lo de socos. E por mais que fosse fã dele, ela não conseguia enxergá-lo como celebridade quando havia o conhecido antes disso, o antigo eu dele que a tinha feito ficar encantada. Uma pena que tivesse desaparecido.
Aff, você só pode estar brincando. Não é a mesma coisa, Dianna. Eu não pedi por isso. E você nem viu nada! e Hero falando como se eu não tivesse lá.
— Amiga, você viu dois astros do rock falando um pro outro que você faz o tipo deles. Se eu fosse você, eu transformava isso em uma história com triângulo amoroso — Dianna sugeriu. — A menos que tenha um outro desenvolvimento. A gente não sabe o que vai sair daí. Mas sendo bem sincera com você... Eu não acho que você deveria esconder quem você é do .
— Por quê?
— Porque o destino fez vocês se encontrarem de novo. E nem mesmo interferiu nisso, sendo que é algo que ele podia ter feito quatro anos atrás.
— Não sei, acho que seria estranho depois de todo esse tempo. Ainda mais agora. Meio desconfortável, você não acha?
— Vocês dois são adultos donos do próprio nariz, que têm suas próprias vidas separadas. Não são mais adolescentes inexperientes. E eu meio que concordo com o que te disse. Não é como se fosse te pedir em casamento ou algo do tipo...
— E seria muito presunçoso da minha parte pensar algo do tipo. Nós nos vimos literalmente por cinco dias. Tudo bem que a gente tinha atração e gostava da companhia um do outro, mas era só isso. Não houve corações partidos nem nada.
— Só naquela música que ele escreveu — Dianna lembrou, com um sorrisinho que fez revirar os olhos outra vez.
— Besteira. Ele me transformou numa personagem do mesmo jeito que fiz com ele. Você sabe de tudo o que aconteceu e sabe que grande parte das músicas são fictícias. E se não forem, deve ter outras mulheres envolvidas que ele usou na personagem.
— É, eu sei. Mas sei lá. — Ela deu de ombros. — É como se… de um jeito ou de outro, o universo quisesse que vocês se reencontrassem.

***


encarou o amigo da cabeça aos pés com uma careta que fez Hero revirar os olhos.
— Caralho, você tá todo fodido mesmo, hein, cara? — ele comentou. — Mas tô feliz que esteja bem. Você sabe, a gente ia voltar logo...
— Só que disse que você tava vivo e a salvo, então a gente desistiu de adiantar as passagens e voltar na data planejada já que eram só três dias de diferença — completou. — Mas e aí, como vocês tão fazendo? Não é difícil tomar banho com esse monte de gesso?
têm me ajudado — explicou. — E esse gesso vai ser trocado daqui a quatro dias por um mais leve, pelo que entendi.
— E tava tudo bem até esse mané cair e abrir os pontos de um dos ferimentos — contou. — A enfermeira deu uma bronca na gente e agora vai ficar aqui pra ficar de olho na criança — ele acrescentou, com um sorrisinho.
— Eu só tava tentando me virar sozinho — retrucou.
— E acabou ganhando uma babá carrasca pra ficar de olho em você. Eu até fiquei feliz porque agora você vai ter alguém o tempo todo do seu lado, mesmo que não queira. Vai ser divertido ver você tendo que obedecer ela.
— Tirando a parte da babá, não é tão ruim. Ela é uma mulher tranquila.
— Tranquila até você irritar ela. E ela vai ficar te testando até você perder a paciência — retrucou.
— Não seria a primeira vez — Hero resmungou, rolando os olhos.
— Tá, beleza. Bom saber que você tá bem, cara, mas a gente tem que ir. Prometemos participar de um podcast de um amigo — disse, se levantando. — Vai dando notícias.
— Sim, manda no grupo. Eu quero saber o que tá acontecendo aqui — acrescentou. — Pelo que disse, essa enfermeira deve ser uma megera.

entrou no elevador e apertou o botão do vigésimo sétimo andar e aguardou, enquanto tentava equilibrar as sacolas de compras em cima da mala. Só não esperava dar de cara com e assim que as portas se abriram, o que a fez se desconcentrar um pouco e derrubar uma das sacolas.
— Droga... — xingou baixinho, se colocando de joelhos para recolher os produtos.
— Caramba, quanta coisa. Deixa a gente te ajudar — comentou, dando uma cotovelada em , que se abaixou com ele para ajudar também. — Você tá se mudando pra esse prédio? — ele perguntou, simpático.
— Ah, sim. Mas é só por um tempo — disse, ficando em pé novamente. — Vim cuidar de um paciente meio trabalhoso — ela acrescentou, com um sorriso.
— Um... Paciente? — perguntou, a encarando da cabeça aos pés e desviando o olhar para que estava de queixo caído.
— Como é? — o amigo indagou. — Você vai pro apartamento 2711, por acaso?
— Sim... — Ela sorriu, sem graça. — Vou cuidar do amigo de vocês.
— Você conhece a gente? — perguntou.
— Quem não conhece? — Ela riu, divertida. — disse que vocês tinham vindo, mas não imaginei que fosse encontrar vocês aqui quando eu chegasse.
riu, meio galanteador, apoiando um braço na parede.
— Ah, é. Talvez a gente faça mais algumas visitas, você sabe…
— Ah sim, claro. De qualquer forma, foi bom ver vocês. Meu nome é — ela se apresentou com um sorriso, estendendo uma mão para cumprimentá-los.
? — franziu o cenho e por um milésimo de segundo sentiu o próprio sorriso vacilar.
— Nome legal, elogiou. — Ah, você se importa se eu te chamar assim?
Ela negou com a cabeça, ainda sorrindo.
— É meu apelido. Fiquem à vontade.
... é um nome que eu gosto, sabe? A gente teve uma amiga com esse nome uma vez. Na verdade, não sei nem se ela considerava a gente amigos já que foi por pouco tempo, mas eu gostava dela — comentou, nostálgico. — Você parece ser uma muito legal também. Adorei o seu coturno — ele elogiou.
— Obrigada. E obrigada pela ajuda.
— Sem problemas — murmurou baixo, ainda a encarando de cima a baixo, enquanto seguia para dentro do elevador.
— Até mais — acenou, pouco antes das portas se fecharem.
E foi então que seu sorriso sumiu.
Maldito Scott.
Ele sabia de alguma coisa. suspirou, tentando ignorar aquele pressentimento, e então se dirigiu ao apartamento.
No elevador, não perdeu tempo em mandar uma mensagem no grupo da banda no WhatsApp.

Capítulo 16

encarou a tela do celular, no mesmo instante em que ouviu rir alto, enquanto digitava uma resposta.

: Adivinha quem a gente encontrou no elevador. *tambores rufando* A tal enfermeira que vai cuidar do bebê adoentado. AGORA eu sei porque você insistiu em ter ela cuidando de você, Hero. G.G
: Foi, é? E aí, cara?
: E aí que ela é uma gata e vocês não falaram nadaaaaaaa!!!

Hero balançou a cabeça e tocou no botão para gravar uma mensagem de áudio.
— Tira o olho, cara. disse que ela não é namorada dele, mas eu não sei se isso é verdade.
— Vai se foder, ! Eu disse que não é — ele retrucou.

: Ela NÃO é minha namorada.
Hero: Você disse que são amigos há quatro anos.
: Ah, aquela amiga misteriosa que ele nunca quis apresentar?
: Que coincidência…
: Eu achei que ela fosse ser uma MEGERA!!
Hero: Eu também tô meio que achando isso agora, cara.
: Mentira, ele gosta dela. Só tá com raivinha porque levou bronca.

Hero lançou um olhar mortal para , que deu de ombros.
— Isso não é verdade — ele resmungou, esticando o braço para pegar um copo de água de cima da mesinha ao lado do sofá. — Você sabe o que aconteceu.
— Eu sei muito mais do que você pensa — o amigo retrucou, misterioso.
Hero levantou uma sobrancelha, desconfiado, e o encarou em silêncio enquanto bebia o líquido do copo, mas antes que pudesse perguntar o que ele queria dizer com aquilo, a porta se abriu e entrou puxando uma mala rosa enorme.
engasgou com a água e começou a tossir violentamente, sentindo a consequência disso direto em suas costelas, para onde sua mão se moveu instintivamente. Um instante depois, estava abaixada ao seu lado, com o cenho franzido.
— Você tá bem? Machucou? — ela perguntou, movendo a mão dele de cima do curativo que tinha feito na noite anterior. Hero estava sem camisa, deixando à mostra todas as marcas do acidente que haviam em seu tronco. Tinha a pele colorida em alguns tons de verde que começava a amarelar e, se não soubesse, diria que ele provavelmente tinha sido atacado e não sofrido um acidente.
Felizmente, o curativo ainda estava limpo e a ferida aparentava não ter sangrado com o esforço da tosse. Mas as costelas dele, com certeza, deviam estar doendo um pouco mais que o normal.
— Só doeu, mas foi mais nas costelas — ele admitiu, quando ela ficou de pé novamente. a encarou dos pés à cabeça, analisando as roupas e a maquiagem dela de perto e uma pergunta brotou em mente, mas foi quem a fez.
— De onde você vem? — ele indagou, do outro sofá. — Você teve um encontro ao meio-dia? — ele brincou.
— Na verdade, sim. Mas não do tipo que você tá pensando. Fui almoçar com uma amiga — ela disse, antes de se afastar para recolher as sacolas de compras que tinha deixado na porta. — Você pode me ajudar a guardar isso?
— Claro, o que você trouxe?
— Ah, algumas coisas de casa e outras do mercado... Não quis deixar estragando em casa. Como foi hoje? Eu encontrei com os meninos no elevador.
— A gente sabe — Hero disse. — já contou no grupo.
— Que rápido. — riu. Parecia estar de bom humor naquele dia, ele notou. E muito arrumada.
Era a primeira vez que a via assim, mas sentia como se não. Será mesmo que ele nunca tinha encontrado com ela em algum lugar? Ele dificilmente se lembrava do rosto das pessoas e menos ainda se estivesse bêbado. Poderia muito bem ter esbarrado em em algum clube, embora ela não parecesse o tipo de pessoa que costumava frequentá-los.
Talvez ela gostasse mais de bares calmos, um lugar onde dava para conversar com quem quer que fosse seu encontro da noite. não sabia porque, mas se sentiu incomodado ao imaginar ela vestida daquela forma em um encontro. Talvez fosse porque tinha acabado de ver um novo lado dela, que o fez ficar curioso em saber como ela era quando não estava trabalhando como enfermeira.
Era natural ficar curioso sobre a vida das pessoas ao seu redor, certo? Claro que sim, ele tentou convencer a si mesmo. Principalmente quando ele não as conhecia. Isso não era nada de mais. Ela era só mais uma mulher arrumada que aparecia na sua frente. Tudo bem que ele não esperava vê-la vestindo nada mais do que leggings e moletons, como havia feito nos últimos dias, muito menos com uma maquiagem completa no rosto… mas mesmo assim.
E daí se ela estava mais bonita que o normal? E daí que ele a achava linda? não era cego nem nada. E ele também não tinha vergonha nenhuma em olhar para o que agradava a seus olhos.
Mesmo que fosse a sua enfermeira que possivelmente era uma megera que o faria sofrer pelos próximos dias sem sentir qualquer remorso, caso ele não a obedecesse.

***


Pouco mais de uma hora mais tarde, voltou a ser a enfermeira e Hero, o paciente dorminhoco depois de tomar suas medicações.
Não importava o quanto ele tentasse se segurar, não conseguia ficar acordado. Mal podia esperar para se livrar de todos aqueles comprimidos que o deixavam sonolento. tinha voltado para casa — com a vasilha que tinha lembrado de devolver — e mais uma vez, ela estava praticamente sozinha já que o dorminhoco do sofá mal se mexia e estava numa posição um tanto estranha.
franziu o cenho, incomodada e se levantou pegando uma almofada macia e a colocando por baixo de , dando um apoio para sua lombar. A última coisa que ela queria era ele sentindo dor em mais um lugar.
Ela sabia bem o quão ruim era machucar a coluna. Tinha machucado a sua no ano anterior e teve que fazer um tratamento de meses, que ainda durava. Depois de tentar anti-inflamatórios, corticosteroides e vários analgésicos diferentes, a dor só passou após uma associação com um opióide semelhante ao que estava tomando. E claro, várias sessões de fisioterapia depois, a solução foi fazer o que ela mais odiava: musculação.
nunca tinha sido uma fã de musculação ou exercícios em geral até descobrir que eles ajudavam com a dor e que se ficasse sem se exercitar por mais de três dias, ela ameaçava aparecer outra vez.
E como não sentia nenhuma falta de sentir dor vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, com intensidade aumentando e diminuindo, mas sem realmente ir embora... Havia adquirido o hábito de se exercitar no mínimo três dias por semana, durante o período da manhã, e se surpreendeu quando descobriu que já não odiava mais tanto assim.
A famosa força do hábito.
De qualquer forma, não era algo que ela desejaria nem mesmo para um inimigo, especialmente Hero, que já tinha dores demais para lidar depois do acidente, por mais que ele tentasse disfarçar o tempo inteiro.
Por volta do fim da tarde, recebeu uma mensagem de . A amiga tinha viajado para Chicago para passar uns dias com os pais e deveria voltar só na próxima semana — as vantagens de ser sua própria chefe. Depois de alguns anos trabalhando para diversas pessoas e passar por três empresas diferentes, resolveu abrir uma para finalmente investir em sua própria marca, cuja era dona de trinta por cento, tendo sido a primeira pessoa a investir, junto com Andy.
Não demorou muito para que a Double ficasse popular. Direcionada para o estilo casual do dia a dia e chique básico, a marca era composta de uma larga variedade de tamanhos, cores e modelos, além de um preço acessível e sistema de fidelidade que garantia ótimos descontos. Consequentemente, a maioria das roupas casuais de e pertencia à Double ). E embora fosse direcionada para o público feminino, já tinha uma coleção masculina pronta para ser lançada, mas ainda precisava encontrar alguns modelos para as campanhas de marketing.
terminou de acrescentar algumas sementes no liquidificador junto com uma polpa de fruta para fazer o suco que tinha começado a preparar e ligou o aparelho. Enquanto o líquido batia, ela abriu a mensagem.

: Primeiramente, preciso conversar com você por ligação sobre esse rolê com o Hero. Mas quero deixar claro já de antemão que concordo plenamente com o que Dianna disse sobre ser fanfic material. ENTÃO, TRATA DE APROVEITAR.
Segundo, acabei de esbarrar no meu ex-namorado. E por ex, eu quero dizer O ex.


abriu a boca em choque.
O Ex não era ninguém mais ninguém menos que Brandon. E não o via há... Dez anos? Talvez um pouco menos que isso, já que ela o tinha visto com uma namorada no final de 2006, quando foi para casa para o feriado de ação de graças. Também foi quando ela tomou a decisão de esquecê-lo de uma vez, assim que o novo semestre começou. não a culpava; provavelmente teria feito o mesmo no lugar de , embora nunca tivesse estado em um relacionamento ou sequer apaixonada por alguém. Mas apoiava a amiga em tudo, assim como ela também fazia, inclusive nas loucuras.
lembrava como se fosse ontem do dia que chegou no dormitório com uma sacola de tintas de cabelo rosa e roxo após um impulso de rebeldia no fim de um semestre péssimo para as duas na faculdade, em 2009.
Também foi naquele ano que Andrew publicou o primeiro livro de através de sua editora.
Pintaram o cabelo uma da outra e, com isso, acabaram reforçando o apelido de Double ) que Andy havia colocado nas duas há muitos anos. Ele até mesmo as chamava de )1 e )2, como uma referência aos Bananas de Pijama. E embora tivesse sido com o propósito de irritar as duas, o apelido acabou tendo o efeito contrário.
Não era à toa que tinha se tornado o nome da marca.

: COMO ASSIM VOCÊ ENCONTROU O BRANDON? E depois eu que vivo uma fanfic, né?
: Fui ao bar dele e a gente acabou se esbarrando.
: Ah, que coincidência. Só que não.
: Eu não fui lá esperando encontrar ele, tá? Mas eu fiquei sabendo que o lugar foi ampliado e passei pra ver. Ele comprou o prédio do lado, que foi um restaurante por um tempo e meio que juntou tudo. Não sei exatamente como, mas deve ter dado um trabalho. Só que não foi só isso.
: E o que foi? Vocês conversaram? Me contaaaaaa!
: A gente conversou por uns dez minutos, eu acho. E adivinha... Ele expandiu os bares e tem DEZ filiais espalhadas pelo país. Vai abrir uma nova em Nova York semana que vem.
: Sério??? Qual o nome? E como foi a conversa? Foi muito estranho?
: Se chama The B’s Bar. E não, eu achei que seria, mas foi... Sei lá. Parecia que eu tava encontrando um amigo.
: E como ele tava? Mudou muito?
: Inferno, não. Ele só ficou mais bonito. Acho que ele fez mais tatuagens.
: Tá, mas a pergunta que não quer calar... Ele tá solteiro, casado?
: Não perguntei, mas não vi nenhum tipo de aliança. Mas a gente sabe que não significa muita coisa.
: A gente devia ir nesse bar depois. De preferência, depois que Hero tirar os pontos. Ele vai sair da medicação pesada também, então vou ficar mais tranquila de sair sem me preocupar com efeitos colaterais.
: Pra quem não queria estar aí, você tá parecendo uma esposa dedicada.
: ¬¬
: Tá sim, nem adianta fazer essa cara emburrada. Vai me atualizando sobre o que for acontecendo. Se você não quer fanficar, então eu vou.
: Tenho que ir agora. O paciente chama. Depois te ligo.
: Tudo bem. Tente não torturar muito ele.
: Não posso prometer nada.

De fato, Hero tinha acabado de chamar e já estava se levantando sozinho quando chegou ao seu lado. Não o segurou dessa vez. Deixou que ele se movesse sozinho, mas ficou ao seu lado para o caso dele precisar de algum apoio.
— Tá tudo bem? — ela quis saber. — Você tá se sentindo tonto?
— Não. Você pode chamar ? Eu quero tomar banho.
— Ah, ele não tá em casa. Mas se você quiser-
— Não, obrigado. Não vou deixar você me ajudar com isso.
— Não é grande coisa, você sabe — ela retrucou. — Você pode ficar de cueca, se isso te incomoda. Prometo ficar de costas se você quiser.
— Isso é uma proposta? Tem certeza que seu namorado não vai ficar com ciúmes?
— É uma sugestão. E meu namorado entenderia, se eu tivesse um. Eu sou enfermeira. Se ele não entendesse esse tipo de coisa, então eu terminaria com ele.
Hero riu, incrédulo.
— Sério? Quer dizer que se ele reclamasse você ia terminar?
— Eu não teria motivos pra ficar com alguém que se incomoda por tão pouco. — Ela deu de ombros.
disse que horas voltava?
— Não, ele mandou mensagem pouco depois de você adormecer, mas não falou nada.
Hero assentiu, parecendo pensativo por um momento. Chegaram ao quarto e ele continuou andando com cuidado até chegar ao banheiro. era praticamente sua sombra, o que o fazia querer se manter cuidadoso na frente dela. A mulher parecia ter olhos de águia e ele sentia que qualquer coisinha errada que fizesse, ela iria apontar para ele.
Entrou no banheiro e saiu pouco tempo depois. Ponderou mais um pouco e chegou à conclusão de que estava certa. Não era grande coisa. Ela só ficaria ali para ajudar caso ele se sentisse mal. E ele já estava sem camisa. Ficar de cueca era tranquilo. Era OK. Não tinha porque dizer não e ficar esperando até sabe-se lá que horas fosse chegar.
Abriu a porta do banheiro e encontrou encarando a tela do celular. Pigarreou e antes que mudasse de ideia, falou de uma vez:
— Você pode me ajudar a vedar o gesso com o plástico? Não consigo fazer sozinho.
levantou uma sobrancelha.
— Ah, você vai acatar a sugestão, então? — Ela sorriu, satisfeita. — Bom saber, Sr. .
— Se você me chamar de senhor outra vez, então pode ser que eu mude de ideia — ele rebateu no mesmo instante.
riu, divertida.
— Você prefere Hero? Tudo bem, então.
— Na verdade, prefiro que você me chame de .
— Ah, pelo visto você ainda se incomoda um pouco com Hero. — Ela riu. — Eu tinha me esquecido disso.
franziu o cenho.
— E como você sabe disso? Eu nunca disse a ninguém.
— Tem certeza? Acho que deve ter comentado algo, então. — Ela disfarçou rapidamente, indo pegar fita adesiva e dois sacos plásticos em um pacote no sofá do quarto.
— Ah, é, tem razão. Deve ter sido.
— Você não sentiu nenhum outro efeito colateral dos remédios hoje além da sonolência?
Ele negou com a cabeça.
— Só ontem, quando caí.
— Certo. Mas vamos ficar de olho, tá bem?
assentiu e começou a cobrir o gesso, terminando alguns instantes depois. Resolvendo brincar um pouco com ela, ele se pôs de pé e a encarou com um olhar inocente.
— Me ajuda com o short? Não consigo tirar sozinho.
E isso sim era uma mentira.
Mas não precisava saber disso.

Capítulo 17


sorriu para Hero e como se fizesse aquilo todos os dias, ela simplesmente colocou as duas mãos no elástico de seu short e o puxou para baixo, revelando uma boxer branca que ela sabia que não cobriria muita coisa uma vez que estivesse molhada.
Tomando cuidado em manter uma expressão neutra no rosto, ela terminou de passar a peça de roupa por suas pernas, não deixando de reparar nas coxas fortes e definidas que ele tinha. sabia muito bem que Hero malhava quase todos os dias e mantinha o corpo em forma, mas não era todos os dias que ela o via sem camisa, ainda mais pessoalmente. E pelo visto, não seria apenas alguns dias sem se exercitar que o faria perder anos de exercícios.
Naquele dia em especial, foi impossível não se atentar para todas as ondulações de seus músculos, principalmente quando ele os molhou, a água dando um brilho especial ao seu corpo. esperou do lado de fora do box embaçado de vapor, de braços cruzados, enquanto Hero terminava o banho e manteve o olhar para frente. Quando ouviu o chuveiro desligar, pegou uma toalha e o entregou, tentando não olhar para a maldita cueca branca molhada. Claro que não havia nada ali que ela já não tivesse visto antes, mas fazia muito tempo e ele nem tinha ideia disso.
Foi quando ele saiu do box que ela percebeu o que tinham acabado de fazer. Tudo bem, ele conseguia tomar banho sozinho e tinham concordado que ele ficaria de cueca. Mas como ele iria trocar de roupa se ele supostamente não conseguia tirar a roupa sozinho?
não tinha pensado naquela parte, mas achava que ele conseguia remover as partes de baixo sozinho. Ela não tinha acreditado nem por um segundo naquele papinho de não conseguir fazer nada.
Mas pelo visto ele também não tinha pensado naquela parte.
— Merda... — ele xingou baixo, encarando a boxer preta em cima da pia, enquanto segurava a toalha na frente do corpo.
Diante da situação constrangedora, tentou agir com naturalidade.
— Certo, acho que temos um problema. — Ela riu, sem graça. — Vou ter que cuidar disso já que você não consegue sozinho, certo?
Hero a encarou, sentindo como se aquela situação fosse algum tipo de castigo. E talvez fosse mesmo, já que ele quis brincar com ela. Ele podia muito bem tirar a cueca sozinho e evitar aquele constrangimento, mas aí ela saberia que ele estava mentindo.
A situação podia ser péssima, mas ele não ia admitir a mentira. De jeito nenhum. Era melhor passar vergonha sendo o paciente dela — pelo menos ele tinha essa desculpa — do que deixar ela descobrir que ele tinha feito de propósito.
— Você pode fechar os olhos? — ele pediu, visivelmente desconfortável.
segurou o riso e assentiu.
— Que tal assim? Você pode continuar segurando a toalha na frente do corpo pra manter um pouco mais da sua privacidade, o que acha?
— Manter a dignidade, você quer dizer — ele resmungou.
— Não tem nada de indigno nisso, . Eu sei que é chato, mas você não é o primeiro paciente a precisar desse tipo de ajuda. Pelo menos, você consegue tomar banho sozinho. Já pensou como seria se fosse tivesse acamado?
Hero fez uma careta. Ela tinha razão, ele estava sendo dramático. Havia milhares de pessoas que não conseguiam fazer nem um por cento do que ele podia, mesmo conscientes de tudo ao seu redor. Ele estava sendo só um idiota egoísta.
— É, você tá certa — ele admitiu e segurou a toalha enquanto tirava sua roupa íntima e o ajudava a vestir outra, fazendo o máximo para tocar em seu corpo o mínimo possível. Do ponto de vista dela, provavelmente só as laterais de seu corpo estavam visíveis, então não foi tão desconfortável como ele achou que seria. Foi tudo rápido demais e em menos de um minuto, já tinha terminado de lhe vestir.
— Prontinho. Não foi tão ruim, né? — Ela sorriu.
Hero sentiu os cantos de seus lábios se erguendo involuntariamente, concordando com ela. o ajudou com o short enquanto ele terminava de se secar e por fim, tirou os sacos plásticos que cobriam o gesso de sua perna e braço.
— Mal posso esperar pra trocar isso. É pesado de um jeito muito incômodo e coça muito por dentro.
— Faz parte do processo de cicatrização. Mas vai melhorar um pouco depois que você tirar os pontos.
— Menos essa. — Ele apontou para o curativo molhado da ferida que tinha aberto.
— Por falar nisso, é hora de trocar. Vem. — Ela estendeu uma mão para ele, automaticamente. Mesmo não precisando, a aceitou e conseguiu chegar mais rápido ao quarto. o levou até o sofá do quarto e ele a observou pegar a maleta de primeiros socorros, onde tinha posto todo o material que vinha usando.
Quando ela começou a limpar a ferida, ele fez uma careta de dor.
— Por que você tem que começar da pior parte? — ele perguntou, quando ela se afastou para trocar a gaze.
— Porque é uma ferida limpa — ela comentou, o tocando com mais uma gaze.
— Se é limpa então pra que você continua limpando? — ele perguntou, meio irritado, depois de mais um momento incômodo de dor.
riu, divertida.
— Não nesse sentido. Quer dizer que não tá infectada, por exemplo. Explicando em termos bem simples. Cicatrizes cirúrgicas são consideradas feridas limpas. No seu caso nem todas foram de cirurgia, mas levaram pontos. E feridas limpas tem uma técnica de limpar de dentro pra fora.
— Por quê?
— Supõe-se que assim você não arrasta “sujeira” para o centro da ferida, por exemplo — ela explicou, fazendo aspas com os dedos. — E se tiver alguma sujeira no centro, ela vai ser trazida para fora, onde não está ferido.
— Ah, faz sentido quando você explica assim. É muito difícil ser enfermeira?
— Provavelmente. Mas acho que todas as profissões são difíceis — ela comentou, passando um pouco de pomada no ferimento, antes de fechá-lo. — É muito difícil ser músico?
Hero sorriu, sem humor.
— Sim, é difícil. Por mais que não pareça — ele respondeu, sem encará-la. — E é mais difícil ainda quando você não consegue fazer o que você supostamente faz de melhor.
sabia exatamente ao que ele se referia.
— Você tá com algum bloqueio criativo?
— Sim, há alguns anos — ele confessou. — Eu simplesmente não consigo trabalhar direito em nada novo.
— Mas os outros caras compõem também — lembrou. — Eu acompanho vocês — ela acrescentou quando ele a encarou, confuso.
— Sim, mas não é a mesma coisa. Depois de anos fazendo isso, parece que eu tô fazendo o mínimo do que eu realmente consigo. E eu sou o líder da banda.
— Você se sente responsável.
Hero assentiu, meio sem jeito por admitir aquilo. Ele sempre evitava aquele assunto com outras pessoas que não fossem , , ou Henry. Mas ele também percebeu que era bom conversar com uma pessoa que não estava diretamente envolvida naquele problema. E ironicamente, essa pessoa se chamava .
— Sabe... Você me lembra alguém que conheci — ele comentou, de repente. — Ela também se chamava .
— Ah, é? — disse, terminando de guardar os material de volta na maleta. — Você deve ter conhecido pelo menos uma dezena de mulheres com esse nome.
Hero riu baixinho.
— Provavelmente. Só que essa foi a primeira que conheci. Mas faz muito tempo.
— Ah, era uma antiga namorada? — ela perguntou, fingindo se ocupar para não encará-lo.
Hero se inclinou para trás, se encostando no sofá.
— Não, foi tudo muito rápido — ele comentou, com um olhar nostálgico. sentiu o coração acelerar ao tocar naquele assunto. — Mas eu gostava dela.
— Ela deve ter sido especial.
— Sim...
— Você nunca mais a viu?
— Eu nunca soube o sobrenome dela. Foi meio estúpido não perguntar, mas... Enfim. Eu tinha só um e-mail. Mas acho que ela parou de usar quando foi embora — ele comentou. — Eu mandei mensagem, mas nunca tive resposta. Foi antes da banda ficar famosa. Cheguei a tentar encontrar ela, mas também nunca consegui.
— Que pena... — disse, sentindo uma pontada de culpa.
— É, eu acho. Eu gostava de conversar com ela. Ela era uma boa ouvinte. E me fazia sentir confiante, sabe? Eu não gostava muito do meu nome de palco porque achava bobo. — Ele riu, meio tímido. — Ainda acho um pouco, mas me acostumei. E ela dizia que amava minha voz.
— Todo mundo ama sua voz, .
— Você disse que acompanha a banda, né? Há quanto tempo?
— Desde o início.
— Caramba. Você deve ter se decepcionado um pouco, então.
de ombros, nem afirmando, nem negando.
— Era meio impossível ignorar a Cave Panthers.
— E quem é o seu favorito?
— Ninguém. Eu sempre gostei de todos por igual.
— Mentira. Todo mundo tem um favorito.
— Nesse caso, é melhor manter o meu em segredo.
— Por quê? Sou eu, por acaso? Não, espera. É o , né? Por isso você é amiga dele. E por isso ele mantinha você escondida — ele supôs, com um sorriso esperto. — Ele não admite, mas é muito ciumento.
— Não faço ideia do que você tá falando. Os outros caras conheceram a sua ?
— Minha ... É engraçado pensar assim. Mas sabe de uma coisa? Vou confiar um segredo a você porque sei que tudo o que eu disser aqui é confidencial já que eu sou seu paciente.
— Que espertinho. — arqueou uma sobrancelha. — Você por acaso não tem nenhum filho perdido por aí não, né? — ela brincou, fazendo-o rir.
— Meu Deus, não! Se eu tivesse, tenho certeza de que já saberia. Não tem nada a ver com o que eu quero contar.
— Então, o que é?
— A Garota da banda. É a minha . Sempre foi. Nunca teve Karina, Kim, Kelly ou o que fosse. Mas a gente sempre curtiu manter o mistério. Só porque era divertido.
sorriu, não esperando por aquilo.
— Você ainda… sente falta dela?
Hero respirou fundo por um instante, parecendo pensativo.
— Às vezes eu acho que foi tudo uma fase, mas... Acho que no fim das contas, eu sinto. Tem muita coisa que eu gostaria de dizer pra ela, e de perguntar também. Mas eu meio que desisti. Dez anos é muito tempo, . Eu nem lembro do rosto dela.
Sim, dez anos era muito tempo. E aquela conversa só a fez se sentir mais culpada ainda. sentiu os olhos arderem por um instante e sorriu, piscando rapidamente, enquanto se levantava.
— Vamos pra sala, eu fiz um suco delicioso e nutritivo pra gente — ela comentou, deixando aquele assunto de lado. — Eu sempre faço pra mim, mas resolvi ser boazinha hoje já que você se comportou, então tem suficiente pra nós dois.
Hero riu e se levantou, pronto para segui-la, sequer notando a pequena mudança repentina de assunto. soltou o ar, aliviada e colocou uma mão na barriga. Talvez o suco acalmasse as malditas borboletas em seu estômago, afinal.
Não tinha ideia se iria gostar de seu suco cítrico cheio de sementes, mas alguns minutos depois ela descobriu que sim e ficou feliz por ter mais alguém compartilhando daquele gosto além dela e Dianna.
E ali, enquanto tomavam um copo grande do suco que praticamente equivalia a uma refeição, entendeu um pouco do que quis dizer.
O que ela conhecia ainda estava lá. E era doloroso e revigorante encará-lo outra vez.
tinha certeza de que aquele sorriso bonito com uma insinuação de covinha um pouco mais profunda do que dez anos atrás sumiria, caso ele descobrisse a verdade.
Mal sabia ele que a Garota estava bem ali. Mas não era só a possibilidade dele descobrir que assustava , mas sim o fato de que cairia facilmente nas graças de se ele continuasse agindo daquela forma, o que só tornaria tudo pior.

Capítulo 18


tinha um processo de cicatrização incrível.
já tinha visto pessoas se recuperarem rápido de ferimentos, mas o modo como as cicatrizes estavam perfeitas após a retirada de pontos era diferente e muito satisfatório — com exceção da dita cuja que ele abriu ao cair. E ela tinha certeza de que se ele tivesse cuidado, as cicatrizes poderiam praticamente desaparecer com o tempo.
Durante os poucos momentos em que Hero ficou sem o gesso, todas as tatuagens de seu braço direito foram descobertas. A pele ainda se recuperava dos hematomas que o impacto no braço tinha ocasionado e podia notar alguns pontos coloridos em meio à tinta preta de suas tatuagens, mas não havia nenhuma incisão em cima delas — sorte a dele — ou danificação que desse para ser vista facilmente. Ela nem ao menos conseguiu identificar algum defeito. Sem o gesso, Hero quase parecia ter voltado ao normal, embora soubesse que ele ainda não poderia ficar movimentando o braço.
Enquanto o novo gesso era substituído, a encarou e quase a fez rir com o olhar que a lançou.
praticamente podia imaginá-lo pensando “que chatice” ou “isso não acaba nunca?” enquanto o procedimento era feito minuciosamente. Quando finalmente acabou, ele se levantou e moveu um pouco o ombro, testando o peso do gesso escondido na tipoia nova.
A perna levaria mais algum tempo de recuperação por estar em um tratamento conservador, mas essa era a menor preocupação que ele poderia ter, afinal, Hero não tocava com os pés. Era um homem destro que precisava de seus dois braços para trabalhar com seus instrumentos, embora isso não fosse acontecer tão cedo.
Nos últimos quatro dias, tinha se comportado e estabelecido quase uma rotina com . Ele não acordava antes das nove e ela sempre acordava às oito para ir à academia que ficava no andar térreo, disponível apenas para os moradores.
Ele sempre passava um tempo acordado na cama antes de chamar por ela e, quando isso acontecia, ela já tinha voltado, tomado um banho e estava preparando o café da manhã. tinha se juntado a eles na manhã do sétimo dia e o ajudado com o banho matinal, mas foi quem cuidou do resto; que se resumia em praticamente a mesma coisa dos dias anteriores: Hero dormia, ela trabalhava, então ele acordava e eles comiam algo juntos, antes dela ajudá-lo com outro banho. Durante a noite, após o jantar, assistia a alguma coisa aleatória na TV, enquanto ficava entretida com o YouTube.
Às vezes, eles conversavam por um tempo, às vezes ficavam simplesmente em silêncio. Ela achou que ele fosse fazer birra e irritá-la enquanto ela estivesse ali, mas pelo visto, Hero era um péssimo paciente apenas quando estava em um ambiente hospitalar. Ou de mau-humor.
— Quero ver só quanto você vai cobrar pelo tempo de babá aqui — brincou na manhã anterior, quando a encontrou na academia.
sorriu, divertida.
— E talvez eu não queira dinheiro como pagamento — ela comentou, pensativa.
— E o que você quer? Sexo?
! — arregalou os olhos, olhando para os lados, mas aparentemente ninguém tinha ouvido a conversa.
— O quê? Você não vai querer se aproveitar do seu paciente, vai, ? Se bem que eu acho que ele ia adorar te pagar assim. Mas seria preciso muito tempo pra quitar a dívida, se é que você me entende.
Ela o encarou em choque por sugerir algo assim, mesmo de brincadeira. Não havia nenhuma regra que a proibisse de sair com pacientes onde trabalhava, mas aquilo nunca tinha acontecido e nem estava em seus planos.
— Eu vou fingir que não ouvi isso e apagar da minha mente o quão estranho você soou por imaginar algo assim. E o que você pensa que eu sou?
— Uma mulher adulta e dona do próprio nariz, ocupada demais tentando negar pra si mesma a atração que sente pelo paciente atual.
riu, incrédula.
— Atração? Eu não faço ideia de onde você tirou isso. Você não tá alucinando, né, ?
— Eu vi a interação de vocês nos últimos dias, só isso. — Ele deu de ombros. — Além disso, eu te conheço. E fico super triste por conhecer você melhor do que o meu melhor amigo te conhece.
fez uma careta ao ouvir aquilo.
— Ele me falou da , três dias atrás — ela comentou, se ocupando com duas anilhas coloridas.
levantou um braço na altura do ombro de , marcando um ponto enquanto ela levantava as anilhas com os braços abertos.
— O que ele disse sobre ela? — ele quis saber. — Ou melhor, sobre você.
— Ele me disse que eu lembrava de uma que ele tinha conhecido. Disse que ela é a Garota de vocês — ela contou, enquanto se exercitava.
— E o que mais?
— Ele falou que sente falta dela. Que seria bom ver ela outra vez porque ele tem muito a dizer.
suspirou, em silêncio.
— Eu já sei o que você vai dizer — resmungou.
— Eu não tenho mais nada a dizer — ele afirmou. — Você sabe o que eu penso sobre isso.
colocou as duas anilhas no chão e respirou fundo, recuperando o fôlego.
— Eu andei pensando... E acho que talvez você tenha razão. Talvez seja melhor contar a ele.
piscou duas vezes e em seguida, franziu o cenho, como se ela tivesse dito um absurdo.
— O quê? Fala de novo, porque acho que eu não ouvi bem. Você tá admitindo que eu tava certo? — Ele riu, incrédulo.
— Não se anime muito. Se eu contar, não vai ser agora. Eu não quero correr o risco de prejudicar a recuperação dele com esse tipo de coisa.
— Por quê? O que tem de mais?
— Eu não sei como ele vai reagir. E se ele tiver uma reação ruim, pode ser que reflita na recuperação dele.
— Você estaria transformando um sonho dele em realidade — ele retrucou, mas depois suspirou, após pensar melhor. — É, tudo bem. Eu não acho que ele vai reagir mal se você contar, mas vai que seja uma grande emoção...
rolou os olhos.
— Eu tô falando sério, ...
— E eu também, . E por mais que você esteja diferente de dez anos atrás, eu ainda não entendi como ele não te reconheceu ou, sei lá, associou que você estava prestes a entrar num curso de enfermagem. Até eu lembro disso.
— E eu não entendo porque você acha isso estranho — ela comentou, secando o rosto com uma toalhinha. — Talvez ele tenha se esquecido. Ele disse que não lembra do meu rosto.
— Ah, mas tem uma coisa... — sorriu, mostrando as covinhas adoráveis. Em seguida, tocou um ponto específico no braço direito de . — Se ele ver essa coisinha aqui, o seu plano de manter segredo vai por água abaixo, meu bem.
não precisava olhar para saber que ele se referia à pequena tatuagem de “X” próxima de seu cotovelo, o perfeito match para o “O” que tinha no mesmo lugar.
— Se ele ver, eu posso dizer que sou uma grande fã do Ed Sheeran — ela brincou.
— Ah, é? Eu gostaria de ver você tentar. Ele pode não ter juntado as pistas ainda, mas tenho certeza que uma enfermeira, com uma tatuagem idêntica a que a dele tem seria coincidência demais.
— Então é melhor não testar a inteligência dele e continuar usando moletom em casa. — Ela deu de ombros. — Eu vou subir. Pode continuar seu treino de rato de academia em paz.
riu, divertido.
— E você não vai me dizer o que era aquele tal pagamento que você tava pensando?
— Ah, ele pode envolver você e — ela comentou.
— Os dois? Olha, ... Eu não sabia que você curtia esse tipo de coisa, mas...
— Cala a boca! — Ela riu. — Não tem nada a ver com sexo, seu pervertido.
— Tudo bem. Então o que é?
— Na hora certa, você vai saber.
E foi a única coisa que ela disse antes de ir embora.

***



olhou de relance para no banco de carona do carro. Tinham saído do hospital há alguns minutos, mas ele estava em silêncio.
— Tudo bem aí? — ela tentou puxar assunto quando pararam em um sinal vermelho. — Você tá mais quieto que o normal. Pensei que fosse ficar mais animado depois de trocar o gesso. Os médicos disseram que você tá indo muito bem, e nem vai mais precisar ficar chapado de remédios — ela brincou, mas Hero não sorriu.
— E eu tô feliz. Parece que eu me livrei da metade do peso que eu tinha antes. E também tá mais confortável agora, sem os pontos.
— Então por que você tá pra baixo?
— Não sei. Acho que nada. — Ele deu de ombros.
— Por que você não posta uma foto? Seus fãs iriam adorar.
— Não tô muito a fim, foi mal — ele respondeu, seco.
— Ah, tudo bem então — ela disse, voltando a prestar atenção na estrada, pensando que talvez ele não quisesse conversar.
O sinal abriu alguns segundos depois e fechou os olhos, respirando fundo por um momento.
— Desculpa, eu não quis ser grosso com você. É só que... minha mãe me contou uma coisa que meio que acabou com o meu humor.
— Quer conversar sobre isso? — ela ofereceu, o encarando rapidamente.
Mas apenas negou com a cabeça e continuou a encarar a estrada. Alguns minutos depois, começou a chover e os pingos de chuva que escorriam pelo vidro da janela do carro de pareciam mais interessantes do que qualquer conversa que ele pudesse ter naquele momento.
Mais uma vez, ele lembrou da mensagem que sua mãe havia enviado, contando que seu pai estava com câncer.
Leucemia.
Iriam começar com o tratamento ainda naquela semana, mas ele precisaria de um transplante de medula. não tinha ideia de como funcionava essas coisas, mas aparentemente o câncer ainda estava em um estágio passível de reversão. Ele sabia que o pai vinha adoentado há algum tempo e esse era um dos motivos de ter recusado que sua mãe voasse até Nova York para visitá-lo após o acidente, mas não esperava que fossem descobrir um câncer.
Ele nem sabia direito como se sentir sobre isso. A única coisa que fez foi responder a mensagem da mãe falando que ela não precisava se preocupar com o dinheiro do tratamento. Ela perguntou como ele estava e ele apenas disse que bem e que depois ele ligaria para ela para conversar um pouco.
nem sabia se iria mesmo ligar ou não, mas não queria que ela pensasse que havia algo de errado. Teoricamente, não havia. Ele só estava desconfortável, sem saber o que dizer diante daquela notícia. E conversar com o pai não era nem mesmo uma opção. Eles não se falavam há anos e normalmente ele não se importava. Tinha parado de se importar com isso há anos, quando qualquer tentativa de trégua entre os dois se mostrou ser em vão.
Mas aquele sentimento estranho estava lá. Respirando fundo mais uma vez, ele encostou a cabeça no banco e fechou os olhos até chegar em casa. Quando estacionou e desligou o carro, já tinha decidido deixar aquele assunto de lado. Seu pai era praticamente um estranho para ele. Àquela altura, todas as lembranças ruins que tivera por causa daquele homem se sobrepunham a qualquer lembrança feliz que ele podia se lembrar, que não passavam de meros borrões em sua memória.
Então, assim que abriu a porta, ele colocou um sorriso no rosto.
— Olha, parece que o humor de alguém melhorou — brincou, sorrindo também.
— É, tá um pouco melhor. Mas ficaria melhor ainda se a gente pudesse comer pizza — ele falou, enquanto descia do carro.
— Hm, acho que pizza ainda não vai rolar, mas eu sei fazer um sanduíche natural delicioso. O que você acha?
sorriu, derrotado.
— Um sanduíche tá ótimo, obrigado. Embora você não precise cozinhar pra mim.
— Eu já ia cozinhar pra mim, então não vai fazer diferença, relaxa — ela comentou com uma piscadinha que o fez rir.
Que assim fosse então, ele que não iria reclamar.
Por algum motivo, o fazia se sentir mais como ele mesmo.

Capítulo 19

Hero era uma coisinha chata e retirava tudo o que tinha dito (ou pensado) sobre ele ser um bom paciente em domicílio.
Os dias que se seguiram à troca do gesso e retirada de pontos foram um teste de paciência para ela. Como não estava mais tomando nenhuma medicação que o fizesse dormir durante o dia, toda a atenção dele se concentrava nela a partir do momento em que ele se entediava da TV. ia e vinha de vez em quando, mas durante as tardes e parte da noite eram apenas e .
Ela ainda estava conseguindo trabalhar no livro novo, mas em um ritmo um pouco mais lento, pois simplesmente não conseguia se concentrar quando sentia o olhar de Hero a observando. E o pior: ele nem falava nada. Ficava ali em silêncio, como se ela fosse a TV. E considerando as últimas conversas que os dois tiveram e que ela tivera com sobre estar pensando em contar a verdade para ele, toda aquela atenção a fazia se sentir exposta.
Era como se soubesse de algo e estivesse esperando tomar a iniciativa de contar, ainda que ela soubesse que havia uma probabilidade muito baixa disso acontecer.
— Tem alguma coisa em mim? — ela perguntou, de repente, na tarde do décimo quarto dia, o olhar fixo na tela do computador.
— Alguma coisa? Tipo o quê?
— Sei lá, acho que deve ter algo já que você não para de me encarar — ela disse, antes de apontar para a TV ligada. — A TV fica ali.
— É, eu sei. — Ele deu de ombros.
soltou um suspiro irritado e o encarou.
— Será que você pode parar de olhar pra mim? Já tá começando a ficar esquisito.
Hero pendeu a cabeça para o lado, percorrendo os olhos por ela. estava na posição de sempre, usando leggings e moletom e meias coloridas com alguma estampa engraçada. Alguns leitores tinham adquirido o hábito de enviar para a editora depois que ela admitiu que gostava e algum tempo depois, acabou virando uma coleção. Aquelas em específico eram um par preto com estampas de ovos fritos. Além disso, ela tinha prendido o cabelo em uma trança naquele dia. Não era um bom dia para ele e a trança foi a única coisa que disfarçava um pouco do frizz que a deixou ligeiramente confortável. Não estava arrumada, nem nada.
Mas o olhar de Hero naquele momento a fazia se sentir como se estivesse usando apenas uma lingerie sexy ali, na frente dele.
sempre evitava olhar nos olhos das pessoas porque quando o fazia, geralmente aconteciam duas coisas: ou ela ficava desconfortável, ou ficava distraída e parava de ouvir o que a pessoa estava falando. Então se concentrava no espaço entre as sobrancelhas, o nariz ou o queixo da pessoa com quem estivesse conversando.
Contudo, no caso de , vinha evitando olhar para qualquer parte dele nos últimos dias. Especialmente quando ele andava com tão pouca roupa, exibindo os músculos de ferro pela casa. Mas o pior de tudo era o rosto dele. Estar ali por horas e horas sozinhas com a fazia ficar se lembrando a quase todo momento de como tinha sido a primeira vez que o vira, que o ouvira cantar e de como eles se davam bem. E se ela tinha a impressão de que o olhar dele parecia mais intenso depois de alguns anos, vê-lo pessoalmente foi a confirmação disso.
Chegava a ser desconcertante.
— Eu gosto de olhar pra você — ele disse, simplesmente.
— O quê? — perguntou, incerta se tinha ouvido direito.
— Eu disse que gosto de olhar pra você.
— Por quê?
— Não sei, mas eu gosto de ver você fazendo sei lá o que com tanta concentração.
— Eu não sei se prefiro você em silêncio ou falando que nem uma matraca, sinceramente.
— Eu só sou meio curioso.
— E eu diria irritante. Mas deve ser porque eu não tô muito acostumada a ter pessoas perto de mim quando tô trabalhando em casa.
— O que você faz? disse que você tem outro trabalho, mas ele nem sabe o que é.
— Eu tenho uma marca de roupas com uma amiga — ela disse a primeira coisa que lhe veio à mente. — Mas agora eu tô... Escrevendo um artigo.
— Você tem uma coleção de roupas? Que coleção?
— É uma marca pequena, que foi lançada há três anos. Era direcionada para o público feminino em geral, mas esse ano minha amiga quis expandir e lançar uma coleção masculina também.
— Nossa, não consigo imaginar você trabalhando com isso.
— Bem, tecnicamente é minha amiga que cuida de tudo. Eu só opino. — deu de ombros. — Ela é a sócia majoritária, de qualquer forma.
— Qual o nome da marca?
Double — ela disse, sem pensar e torceu para que ele não perguntasse o significado.
Felizmente, não ficou curioso quanto a isso.
— Você tem fotos? Posso ver?
— Um minuto — ela pediu e então fechou o arquivo do livro novo, antes de procurar a pasta que tinha enviado com as fotos exemplares da coleção masculina que seria lançada em breve.
Quando a encontrou, se sentou do lado direito de Hero com o computador no colo, tomando cuidado para não esbarrar no braço dele, mas descobriu que havia sido uma péssima ideia apenas alguns segundos depois, quando sentiu o calor que emanava dele. Embora estivesse usando apenas um short preto casual, sua pele estava quente quando se encontrou com a dela e por um instante, cogitou ir buscar um termômetro para checar se ele não estava com febre. No entanto, descartou a ideia logo depois, concluindo que devia ser apenas impressão, pois caso contrário, ele provavelmente estaria com frio. Mas Hero parecia ótimo. Ela só não tinha ficado tão perto dele a ponto de perceber como o corpo dele era, literalmente, quente. O oposto do dela, certamente.
— Parece legal. É o estilo de roupa casual que eu gosto — ele comentou, enquanto ela passava as fotos. — Eu gostei muito dessa aqui. É sua amiga que desenha?
— Sim, é tudo ela — respondeu, orgulhosa. Era sempre bom ouvir sua melhor amiga sendo elogiada.
Ela encarou a jaqueta cáqui de tom levemente mais claro que o comum e uma ideia lhe passou pela cabeça por uma fração de segundo e levou o mesmo tempo para ela ignorá-la.
— Espera... — Ele pôs a mão sobre a dela, a impedindo de rolar a página e a soltou um segundo depois para tocar na tela do computador, onde estava uma coleção de moletons com estampa em traços minimalistas na parte de baixo. — Eu acho que ia gostar disso também. Gostei desse preto. Quando a sua amiga vai lançar a coleção?
— Ah... Ela tá resolvendo umas pendências, mas acho que em maio deve sair. Talvez nem isso.
— Eu quero comprar. Me avisa quando sair.
— Ah, é? — estreitou os olhos, o encarando. — Interessante.
— Por quê?
— Sei lá. Acho que eu meio que me acostumei a te ver andando de camisa social por aí. Esse estilo mais de rua é...
— É legal — Hero a interrompeu. — E eu cansei de roupas sociais. Talvez andando na rua de capuz, as pessoas me reconheçam menos — ele brincou.
— Certo, de todas as conversas que a gente teve, acho que essa foi a mais improvável. — Ela riu, enquanto esfregava um olho que estava coçando.
— Ei, pode não parecer, mas eu entendo um pouco de moda — disse, ao mesmo tempo em que levava a mão até o rosto dela. enrijeceu no lugar. — Tem um cílio no seu rosto.
— Ah...
Um instante depois, ele removeu o cílio caído e mostrou a ela.
— Quer fazer um pedido?
— Você acredita nessas coisas? — ela debochou.
— Nunca se sabe. — Ele deu de ombros. — Vamos fazer e ver. Coloca o dedo aqui.
o encarou com cinismo, mas mesmo assim pressionou o polegar contra o dele, desejando uma boa notícia. Não acreditava muito nesse tipo de coisa e mesmo que acontecesse seria apenas algo genérico, comum, não necessariamente por conta de um pedido feito com um cílio idiota. Aquilo nem fazia sentido e, mesmo que fizesse, não seria ela a ganhar, já que o cílio permaneceu no polegar de quando ela removeu o dedo.
— Eu ganhei. — Ele sorriu. — Só resta saber se vai se realizar ou não.
— O que você desejou? — quis saber. Mal perguntou quando sentiu os lábios dele sobre os seus.
Ela paralisou no lugar e piscou duas vezes, surpresa. Aconteceu rápido e não se passou de um mero pressionar de lábios. No entanto, quando se afastou, a encarou nos olhos e então desviou o olhar para sua boca novamente, antes de se aproximar hesitante, como se estivesse avisando o que iria fazer, dando tempo para ela se afastar se quisesse.
não quis.
Continuou parada e viu aquilo como um sinal verde que ele não perdeu tempo em ultrapassar. Levou uma mão ao rosto dela e pressionou seus lábios juntos novamente, dessa vez mais firme. O corpo de respondeu no mesmo instante, como se tivesse vida própria e de repente foi como se o calor de tivesse passado para ela. Quando ele aprofundou o beijo e suas línguas se tocaram, ela até mesmo se esqueceu de onde estava.
De repente, não era mais 2016.
Era como se eles tivessem retornado dez anos atrás, para o parque onde a beijou pela primeira vez. O frio na barriga e a leve ansiedade estavam lá novamente, mas por algum motivo não se surpreendeu.
Era como se estivesse em transe.
Não soube dizer quanto tempo o beijo durou, até que ouviu um barulho no fundo e, como se fosse um alfinete estourando a pequena bolha deles, ela subitamente se afastou, só então se lembrando que aquele não era mais o rapaz simples que ela tinha conhecido aos dezoito anos, mas uma celebridade. Um astro do rock e seu paciente.
Ofegante, ela abriu os olhos e encontrou os de pegando fogo, tamanha a intensidade com que ele a encarava, os longos e grossos cílios ao redor que davam inveja a qualquer mulher apenas piorando tudo.
— Isso — ele finalmente respondeu.
jurava que naquele instante, os olhos dele até pareceram um pouco mais verdes que o normal.
Ela ouviu passos no corredor e um momento depois, apareceu dizendo que estava entediado e falando sobre assistirem a um filme na Netflix que nem sequer prestou atenção, mas viu aquilo como uma oportunidade para escapulir para o próprio quarto enquanto fingia que aquele instante com Hero não passava de uma alucinação da sua cabeça.
Porque enxergar aquilo como realidade era assustador demais e ela estava acostumada a ter suas emoções e vida sob controle. Tinha conseguido fazer isso com sucesso nos últimos dez anos e agir por impulso não combinava nada com ela. Especialmente com o homem a quem ela escolheu como seu primeiro amante, quando ainda era muito jovem. O quão clichê era aquilo? Ela não era uma das mocinhas de seus livros, projetada para se entregar daquela forma.
agora era Hero, e ela se forçou a lembrar disso uma vez e outra, como se repetir o fato para si mesma fosse surtir efeito em afastar o questionamento que assolou sua mente depois daquele beijo e não parecia que sairia dali nem tão cedo.
Naquela noite, demorou a adormecer, se virando de um lado para o outro na cama do quarto de hóspedes, enquanto continuava pensando naquilo.
Não tinha ideia se o homem que a tinha beijado era o cara que ela tinha conhecido dez anos atrás ou a celebridade que ele se tornou. De todo modo, sendo um ou outro, aquilo não era nada bom.
ainda podia sentir o beijo em seus lábios sempre que fechava os olhos.

Capítulo 20

Dois dias.
Já faziam dois dias desde que havia beijado e ela vinha fazendo de conta que nada tinha acontecido. Ou tentando, já que estava mais do que óbvio que ela tentava evitá-lo a todo custo. Se ele não estivesse precisando de ajuda no momento, então ela arranjaria alguma coisa para se ocupar e assim evitar interagir com ele sobre tudo o que não fosse relacionado ao trabalho.
passou os dois últimos dias a observando sem disfarçar — como sempre — e no começo foi divertido. Ele achou que talvez estivesse tímida, mas depois percebeu que não era nada daquilo; ela estava fazendo de propósito, o ignorando de propósito sempre que surgia uma chance e tinha começado a ficar irritante. Sempre que ele tentava puxar assunto, ela o cortava e dava uma desculpa para se afastar. E naquele exato momento tinha acabado de acontecer outra vez, quando ela o ajudou a terminar de se trocar após o banho, antes de desaparecer para dentro do próprio quarto.
Hero bufou e foi andando para a cozinha, se apoiando nas paredes. Ele conseguia andar sozinho e estava consideravelmente bem mais independente em exercer suas atividades diárias — com exceção de coisas que exigiam duas mãos, como se vestir, por exemplo. Até conseguia, mas exigia algum esforço a mais e paciência. E embora tenha estado relutante no início, ter ajuda era mais prático e poupava tempo.
Mais quatro dias e ele estaria livre do gesso do braço e começaria a fisioterapia. Hero mal podia esperar por isso, mas ao mesmo tempo estremecia só de pensar. já tinha avisado que o processo de recuperação era longo e ele não ia conseguir tocar algum instrumento como antes nem tão cedo. Não era um nunca, mas mesmo sabendo disso, ainda ficava ansioso e pensando no pior.
Na cozinha, encheu um copo de água e tomou um gole. , e viriam naquela noite para jogar alguns jogos de mesa novos que tinha conseguido e iriam trazer pizza e cerveja também. Dezoito dias após o acidente e sem nenhum ponto no corpo, já podia ter uma dieta livre, nem que isso se resumisse a apenas um dia do lixo. Até mesmo o corte que tinha aberto quando caiu já tinha terminado de fechar, três dias antes. nem estava mais fazendo curativos e parecia um pouco surpresa por ter cicatrizado tão rápido.
Ele, por outro lado, sabia que sua alimentação tinha grande papel nisso e embora gostasse de encher a cara vez ou outra antes do acidente, ainda era um cara que se alimentava bem. Tinha feito algumas visitas ao nutricionista nos últimos anos e aprendido uma coisa e outra; se não com ele, então com , que era o cara mais saudável que conhecia. Mas um comendo besteiras não faria mal a ele e nem a ninguém.
E caramba, Hero sentia falta de pizza. Nem lembrava da última vez que tinha comido uma fatia grande e suculenta cheia de recheio. Esperava que trouxesse sabores completamente indecentes daquela vez, repletos de queijo e pepperoni. Só de pensar, já sentia a boca salivar. Mas espera... E ? Será que ela estava bem com pizza? Todo mundo comia pizza, certo? Ele sabia que ela não era do tipo que seguia uma dieta rígida nem nada e até tinha admitido alguns dias antes que tinha muita preguiça de se exercitar.
Mas talvez ele devesse perguntar a ela de que sabor ela gostava, certo? Não custava nada. Sim, isso. Só precisava esperar ela...
Aparecer.
engasgou com um gole de água assim que apareceu na cozinha, absurdamente linda. Durante alguns segundos, de cima a baixo, ele a analisou rapidamente. O cabelo longo estava solto e levemente ondulado, as mechas caindo sobre seus ombros como uma cascata de chocolate.
No rosto, tinha uma maquiagem um pouco mais pesada que enfatizava os olhos, mas a boca estava suave, resultando em um perfeito equilíbrio. Uma joia simples e delicada de corrente fina e com um único diamante adornava seu pescoço; usava um vestido de cetim rosa de decote reto e alcinhas que ia até a metade das coxas, contornando todas as suas curvas perfeitamente. Nos pés, havia um par de sapatos de salto da mesma cor e ela tinha um sobretudo bege pendurado no braço direito. Era a primeira vez que Hero a via com tanta pele à mostra.
Ela até tinha algumas tatuagens ali.
A primeira que Hero percebeu foi um bracelete de flores na parte superior do antebraço esquerdo e abaixo da clavícula esquerda havia uma de escrita pequena demais para que ele pudesse ler daquela distância, mas não se importou.
Ao invés disso, se concentrou no que aquela arrumação toda significava.
— Você vai sair? — As palavras escaparam de sua boca.
assentiu.
— Sim, acho que é o que parece. — Ela encarou o próprio corpo.
— Achei que você fosse ficar hoje. Os caras estão vindo e tal...
— E é exatamente por isso que eu tô saindo — ela disse, dando as costas para vestir o sobretudo.
— Por quê? — Hero indagou, enquanto apreciava a visão posterior dela, encontrando mais duas tatuagens em ambos os tríceps. Um triângulo com um ramo de rosas no braço direito e uma pequena imagem que parecia uma... cabeça de estátua de mármore e um espelho quebrado? E o que era aquilo no fundo? Balões? Hero se inclinou para a frente no balcão e estreitou os olhos para tentar enxergar melhor, mas vestiu o casaco antes disso, se virando novamente para encará-lo e ele se endireitou rapidamente.
— Nada de mais, aproveitei a deixa pra sair também, já que você vai ficar bem com bastante companhia, caso precise de alguma coisa — ela explicou. — Além disso, não quero atrapalhar nada, então vocês podem curtir a noite.
— Você não ia atrapalhar, mas tudo bem. Fuja outra vez, — ele falou sem pensar, sem nem saber porque disse aquilo.
Mas à sua frente, viu enrijecer no mesmo instante, antes de levantar o olhar para ele.
— Fugir...? — ela perguntou, parecendo meio atordoada.
Hero franziu o cenho e pigarreou, vendo o momento como a oportunidade perfeita para colocar as cartas na mesa.
— Você vem fazendo isso nos últimos dois dias — ele falou, o tom de voz saindo um pouco mais hostil que o planejado. — Desde o nosso be-
— Eu não tô fugindo, — ela o interrompeu, meio exasperada.
— Não? Pois é o que parece. Toda vez que eu tento conversar com você sobre qualquer coisa, você dá um jeito de se afastar pra fazer sei lá o quê que você, de repente, lembrou que tem que fazer. Você fica me ignorando de propósito.
— Eu não tô te ignorando. Eu tô aqui pra cuidar de você, tá bom? É meio difícil te ignorar quando tô literalmente morando aqui há duas semanas.
— Tá, então se você não tá me ignorando, vamos falar sobre isso — exigiu, determinado, puxando um banquinho para se sentar no balcão.
— Falar sobre o quê?
— Sobre o nosso beijo.
engoliu em seco e respirou fundo uma vez. Ainda estava se recuperando do pequeno susto que havia levado. Por um instante, quando a acusou de fugir, ela pensou que ele tivesse descoberto tudo.
— Eu tenho que sair agora — ela falou, baixo.
— Ah, é. Você tem. Você sempre tem, não é? Mas eu só preciso de um minuto, .
Um minuto era tempo demais. Tudo bem, ela conseguia admitir para si mesma que, de fato, estava sim o evitando. Mas isso era o melhor para os dois. Ela não podia se envolver com novamente, aquilo nunca daria certo e se ele descobrisse que ela era a Garota
não queria nem imaginar como ele reagiria.
— Eu realmente tenho que ir, . A gente conversa depois — disse, em um tom mais firme.
— Não. A gente vai conversar agora — ele retrucou, teimoso.
respirou fundo, fechando os olhos por um momento antes de voltar a encará-lo.
— O Uber já tá quase aqui…
— Que se dane o Uber, você pode pedir outro.
— Mas que droga! — ela explodiu. — Eu devia ter te deixado pelado naquele banheiro, isso sim! Pelo menos, assim você ia ficar ocupado demais tentando se vestir sozinho ao invés de encher meu saco!
Hero riu, com deboche.
— O que te faz pensar que eu me vestiria? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Eu tô na minha própria casa. Posso andar pelado, se quiser.
— Para de brincar, você não ia sair andando com o pau de fora à toa.
Ela tinha razão e ambos sabiam, mas ele não deixaria passar aquela oportunidade de provocá-la.
— Não ia? Você tá me desafiando? Eu nem sabia que você sabia falar a palavra pau, . Isso sim é uma surpresa.
— Não tô te desafiando. E nem pense em fazer nenhuma gracinha! — ela avisou.
— Tem razão. Ia te deixar muito desconfortável. — Ele assentiu. — Afinal, é meio óbvia a atração que você sente por mim. Deve ser difícil ver e não poder tocar.
engasgou, incrédula com a audácia dele em dizer aquilo.
— Eu o quê? — ela rebateu, sem saber como conseguiu falar.
— Sente atração por mim — ele repetiu, sem pestanejar.
riu, sem humor. Quanta prepotência…
— Você bateu a cabeça por acaso?
— Não, mas eu sei quando uma mulher tá interessada em mim.
— Nossa, que modesto...
— E você quis aquele beijo também — ele continuou. — Mas não sei porque você tá agindo toda estranha por causa disso!
— Eu não tô-
— Tá sim, que eu não sou burro e nem cego, .
— Quer saber? Eu tô indo — ela resmungou, guardando o celular na bolsa. — E talvez eu não volte hoje, então... Até qualquer hora, — ela acrescentou, com um sorriso.
Hero riu com ironia, irritado.
— Isso, vai lá. Se divirta bastante no seu encontro ou seja lá pra onde você tiver indo!
— Não que seja da sua conta, mas vou sim. Muito obrigada!
E então, ela saiu sem olhar para trás.

***


Hero mordeu a fatia de pizza violentamente, ainda sentindo o sangue ferver.
Ela não iria dormir em casa? Problema dela. Que ela tivesse uma noite bem divertida, então. Ele não tinha nada a ver com isso. Ela estava indo embora dali a quatro dias de qualquer forma. Se queria se fazer de maluca e continuar agindo daquela forma, então que assim fosse. E pensar que ele tinha até pensado em perguntar que sabor de pizza ela gostava, sendo que ela nem mesmo tinha feito planos de estar ali. E ele só soube em cima da hora.
Mas por que ele estava com tanta raiva? Tinha sido só um beijo. Um único e mísero beijo. Hero até poderia duvidar de si mesmo e achar que talvez tivesse lido os sinais de forma errada, mas seria inútil. Ele sabia quando uma mulher estava atraída por ele e isso não era arrogância, mas sim um fato.
Ela quis aquilo tanto quanto ele. Não era como se a tivesse atacado ou forçado o beijo. Deus sabia que ele nunca tinha feito isso com ninguém e nunca faria. Se tivesse recuado antes, ele entenderia e aceitaria a rejeição. Sabia aceitar um não, embora fosse raro ouvir um. Na maioria das vezes, ele era o responsável por falar aquilo; mas não estava acostumado com nenhuma mulher fingindo que algo não tinha acontecido.
Que merda era aquela?
E por que ele continuava tão irritado? Ela estava indo passar a noite fora e era uma mulher adulta, independente e que não devia satisfação a ninguém. Eles não tinham nada além de uma relação profissional.
Mas que se dane.
Ela estar ali supostamente também não deveria ter acontecido, se não fosse e Henry, que tinham conseguido convencer o diretor do hospital a um custo de uma alta doação para a instituição. Não que Hero se importasse com isso, já que tinha mais dinheiro do que conseguia gastar e tinha conseguido confiar um pouquinho em no hospital a ponto de querer ela ao seu lado durante a recuperação.
Só que ali estava ele agindo como um maldito ficante ciumento. Que porra era aquela? Respirou fundo, terminando a fatia de pizza e logo pegou outra, mordendo com tanta raiva quanto fez com a anterior.
— Dá pra você parar com isso? Seu esquisitão — reclamou.
— Isso o quê? — Ele o encarou, confuso.
— Você tá comendo com raiva, como se a pizza tivesse feito algo pra você — o amigo respondeu.
— É, e você nem prestou atenção na conversa. No que você tanto pensa, cara? — perguntou. — Tem alguma coisa te incomodando?
— Eu acho que sei o que tá incomodando ele — foi quem falou. — Ou melhor... Quem — ele acrescentou, com um risinho.
...
— Eu vi a pegando um Uber quando cheguei. Ela tava usando um sobretudo e parecia bem arrumada pra sair numa quarta à noite...
— Será que ela tem um encontro hoje? — questionou. — O que será que ela devia estar usando por baixo do sobretudo?
— Um vestido rosa de cetim que mal cobria alguma coisa — Hero resmungou, tomando um gole de cerveja.
— Ah... Droga, eu queria ter visto isso. Você é um privilegiado do caralho — ele resmungou.
— Quer mesmo falar sobre privilégio comigo, ? — Hero retrucou. — Você é o queridinho de todo mundo sem fazer absolutamente nada pra merecer isso.
— Eu não tenho culpa se tenho mais carisma do que você. Além disso, eu sou o caçula da banda. Isso já é suficiente pra ser o queridinho — ele retrucou, fazendo os caras rirem.
— Mas e aí, você discutiu com a enfermeira? — quis saber. — Porque pra você estar com esse humor ridículo, só pode ter sido alguma coisa.
Hero bufou, bebendo mais um gole de cerveja, antes de encarar os amigos.
— Eu beijei ela há dois dias — ele disse de uma vez. Não adiantava esconder nada deles. — Ela correspondeu, mas depois ficou me evitando sempre que podia e hoje eu quis tirar isso a limpo.
— Eu sabiaaa! Apostei vinte dólares com que ia acontecer alguma coisa antes dela sair daqui — contou e cutucou com o cotovelo. — Eu te falei, cara.
— Vocês são dois idiotas — Hero resmungou.
— Certo, mas termina a fofoca — pediu. — O que foi que ela disse?
tirou duas baquetas do bolso de trás da calça e começou a batucar.
— Ela não quis falar no início, mas eu insisti. Então ela explodiu e disse que devia ter me deixado pelado depois do banho porque assim eu ia ficar ocupado por tempo o suficiente pra não ser um pé no saco.
— Pelo visto, você irritou mesmo ela. — riu, divertido. — Conta mais.
— Sim, como foi o beijo? — indagou, curioso, apoiando o rosto sobre as duas mãos.
— Não tem o que contar. Foi um beijo. A gente tava no sofá e eu beijei ela. Fim.
— E você não sentiu nadinha? Eu vi aquela mulher, cara. Eu até investiria nela se não fosse por você, mas vou respeitar o bro code.
— Quanta lealdade, comentou, rindo. — Nem parece o cara que dormiu com a mesma groupie que o pegou. E na mesma noite.
— Ei, isso foi há muito tempo. Eu nem sabia que ela tinha transado com o !
— Tanto faz — Hero disse. — Será que dá pra gente falar de outra coisa? Eu achei que vocês tinham vindo pra gente comer, beber e jogar.
— E por acaso é errado a gente se preocupar com os seus sentimentos? — perguntou, de bom humor.
— Como se vocês tivessem mesmo interesse na minha vida amorosa. Vocês só são um bando de curiosos.
— Exatamente, mas isso tá melhor do que a última fanfic com a Garota que eu li — comentou. — Nessa versão, a Garota tinha escondido uma gravidez do Hero. E ele descobria só depois de uns dez anos. Imagina que louco seria você descobrir que tem uma filha!
— Eu não gosto nem de pensar nisso, sinceramente. Não tenho vontade nem de ser pai de pet, quanto mais de gente — falou, pegando outra fatia de pizza de pepperoni. — Além disso, eu e a Garota usamos camisinha e não teria chance nenhuma disso acontecer na vida real.
suspirou, conformado.
— Tem razão. Mas eu queria muito descobrir o que aconteceu com a . Ela era legal.
— E você viu ela quantas vezes? Duas? — perguntou. — Não dá pra conhecer ninguém de verdade nesse tempo.
— Pois é, nem eu conheci. E olha que passei mais tempo com ela — comentou. — Mas nunca pensei que ela fosse me dar um bolo e sumir de vez.
— Sabe, eu acho que lembro dela comentar que ia estudar enfermagem. Você lembra disso? — perguntou a .
— Você acha mesmo que eu lembro de alguma informação aleatória de dez anos atrás?
— Verdade, o cigarro deve ter estragado seu cérebro também — retrucou. — Mas eu tenho quase certeza disso. Acho que tudo teria sido mais fácil se a gente tivesse tirado uma foto dela. Enfim… — Ele suspirou, voltando a batucar.
Um momento de silêncio natural se instaurou, os batuques eram um toque conhecido, não de uma música deles, mas de uma de suas bandas preferidas. Um instante depois, pegou o violão que tinha encostado ao lado do sofá mais cedo e começou a acompanhar a batida. O som de “Another One Bites The Dust” do Queen cresceu um pouco mais e, em seguida, foi a vez de acompanhar com o baixo ao seu lado, o som era baixo sem uma caixa amplificadora, mas alto o suficiente para que eles quatro ouvissem.
Os três rapazes viraram as cabeças para encarar Hero, que mordia outro pedaço de pizza, enquanto balançava o pé ao som da batida. Sentindo a pressão dos olhares sobre si, ele encarou de volta.
— O quê?
— Como assim o quê? — perguntou, os três parando de tocar ao mesmo tempo.
— Você é o vocalista, cara! — emendou.
— É sua função cantar agora — concluiu.
Hero o encarou com ironia.
— Você também é o vocalista, cante você — ele demandou.
— Nem vem, . Faz meses que você não abre a boca pra cantar, nem mesmo quando tá só a gente. Você tá com algum problema?
— Não. Posso muito bem cantar. Só não tô com vontade — ele respondeu, incomodado. — Além disso, minha voz não tá nem aquecida.
— Isso é desculpa e você sabe — falou. — Você vivia cantando pro vento.
suspirou, sabendo que não podia discutir com aquilo. Então resolveu apelar para outra desculpa.
— Olha, na próxima eu canto, tá? Vou acompanhar a melodia com vocês. O canta dessa vez — ele disse.
Os três rapazes olharam um para o outro, em silêncio.
— Beleza, então. Mas eu vou filmar — falou. — E nós vamos fazer uma selfie antes. Vou postar no Instagram.
— Por quê? — Hero perguntou, um pouco desconfortável.
— Porque você não atualiza o seu há uns dois meses e muita gente sente sua falta, seu idiota — disse.
— E tem gente até especulando se você se machucou de verdade, acredita? — acrescentou.
— Ah, é. Vamos mostrar o meu braço fodido, então. Talvez assim eles acreditem que tudo isso não é uma jogada de marketing — Hero comentou, sarcástico e em seguida encarou . — Por que você não se afasta um pouco pra poder pegar a minha perna fodida na foto também?
— Que tal eu usar um golpe de taekwondo na sua outra perna e fazer ela combinar com a esquerda? — retrucou, um tanto irritado. — Talvez assim você pare de ser um chato.
revirou os olhos, mas não comentou nada e até mesmo sorriu quando o amigo tirou a foto. Não arriscaria um maldito golpe de taekwondo. já o tinha acertado uma vez com um e ele não gostaria de reviver o momento. Dos quatro, ele era, com certeza, o mais perigoso quando estava irritado; porque ele sabia exatamente onde atacar.
Então, se ele queria fazer um pouco de fanservice, que assim fosse.

Capítulo 21

20 de julho de 2007, 23:37 - Nova York, NY


De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Carnegie Hall

“Querida ,
Hoje tivemos um concerto no Carnegie Hall! Foi a nossa primeira vez naquele lugar e foi INACREDITÁVEL. Eu sei que a turnê começou há três meses e que nós já tocamos em lugares bem maiores que o CH, mas sinto que vou lembrar pra sempre da apresentação de hoje. Pareceu mais intimista com o público e lembrou um pouquinho de quando nós nos apresentávamos em bares.
Fiquei um pouquinho nervoso — como sempre — mas ocorreu tudo bem e eu até vi uma garota parecida com você!
Não sei se era você, mas ela tava com uma garota que me lembrou muito a sua amiga . Eu queria ter confirmado, mas não tive como porque tinha muita gente. Eram vocês? Quando tentei procurar as garotas de novo, elas já tinham sumido.
Esses dias estão uma loucura e ainda temos mais um concerto daqui a três dias, mas Nova York está sendo incrível! Estou pensando seriamente em me mudar pra cá, o que você acha?
NY sempre pareceu muito distante pra mim até eu ter oportunidade e condições de vir pra cá. A gravadora tem até uma filial aqui, então acho que não seria um problema... Eu sei que as pessoas preferem Los Angeles, mas estivemos lá na semana passada e não foi muito legal. Parecia que todo mundo que se aproximava da gente queria se aproveitar de alguma forma. Teve uma mulher uns vinte anos mais velha que deu em cima de mim e do AO MESMO TEMPO. Ela não se deu nem ao trabalho de disfarçar e eu achei desconcertante e algo muito, muito feio de se fazer.
Ou talvez isso seja normal e eu seja apenas um caipira de Illinois que ainda não se acostumou com essas modernidades de hoje. Mas não importa, de qualquer forma. Voltando para o concerto, embora eu não tenha certeza, uma parte de mim quer acreditar que era você lá, com o cabelo enorme e roxo.
Sinto sua falta, . Gostaria que você aparecesse mesmo um dia pra gente se ver e conversar um pouco. E se você tiver achando que vai ser muito difícil passar pelos seguranças, então seria bom ter uma senha, certo?
O que você acha de Pizza de Abacaxi? Eu sei que eu disse que odiava, mas até que não é tão ruim assim. Eu não consigo comer muito, nem com muita frequência, mas às vezes eu peço porque me faz lembrar de você.
Sim, EU SEI. Isso soa bem brega, mas releve. Você sabe que eu sou muito grato a você por tudo, mesmo não tendo ideia de por que você foi embora sem se despedir. Mas enfim, isso não é uma crítica, caso você leia esse e-mail um dia (embora eu suspeite que você nem use mais essa conta).
De qualquer forma, caso seja preciso, lembre-se: pizza de abacaxi.

Com amor,
.”


***


20 de julho de 2007, 21:12 - Carnegie Hall, Nova York

segurou firme na mão de , enquanto a amiga se espremia entre as pessoas abrindo espaço para elas passarem, ambas tentando chegar um pouco mais perto do palco; mas o mais próximo que conseguiram ficar foi cerca de vinte metros de distância.
Naquele momento, havia apenas e Hero no palco apresentando um dueto. não sabia onde e tinham se enfiado, mas imaginou que deviam ter aproveitado a oportunidade para ir trocar de roupa, visto o tanto que tinham suado durante a parte mais agitada do repertório da primeira parte do concerto.
já tinha assistido vídeos de alguns concertos da Cave Panthers online, mas era a primeira vez indo em um pessoalmente e ela e aproveitaram os dias livres da faculdade para isso. Tinham até se esforçado para comprar bons ingressos especialmente para aquela ocasião e sua amiga estava querendo fazer valer cada centavo gasto.
Embora quisesse ficar mais próxima do palco, sabia que nenhuma das groupies maluquinhas que estavam ali cederiam um centímetro que fosse de espaço. Tinham tentado uma vez e ela teve que afastar para longe delas após levarem algumas cotoveladas que sua amiga tão graciosamente queria devolver. A última coisa que ela queria era arrumar confusão em um show de rock. Tinha certeza de que iam apanhar, se assim fosse. Ou pior: serem expulsas dali e aí sim perderem toda a diversão.
Felizmente, não quis mais insistir e achava que vinte metros era uma distância boa o suficiente para assistir e Hero sendo lindos, enquanto cantavam “Kisses at Midnight” juntos. Ambos estavam sentados com violões no colo, dando um show de vocais que a fazia se arrepiar a cada trinta segundos.
— Nem dá pra acreditar, né? São realmente eles — comentou, rindo. — Olha o , . Até deixou o cabelo crescer mais. Nem parece aquele cara que só andava de cara fechada.
— Parece mais real ainda agora que a gente tá aqui, né? — sorriu, orgulhosa. assentiu e enlaçou o braço no dela, as duas voltando a encarar os dois rapazes no palco.
Foi também naquele momento que viu levantar a cabeça e encontrar os olhos dela no mesmo instante.
— Ele tá olhando pra você? — perguntou, antes que terminasse de processar a informação. — Parece que tá, né?
Mas não fazia ideia. Viu franzir o cenho, antes de se concentrar novamente na música, mas ele não parecia tê-la reconhecido daquela distância. Não que ela estivesse esperando isso. Tinha dado um bolo nele e ido embora sem se despedir há mais de um ano e aquela era a primeira vez que o via desde então.
não tinha se arrependido da escolha que fez e não planejava voltar atrás, então não sabia por que se sentiu um pouquinho decepcionada quando ele desviou o olhar dela.
Por um momento, achou que talvez ele a tivesse ignorado de propósito, mas não sabia nem mesmo se ele estava conseguindo enxergar bem aquela distância. Não porque tivesse uma visão ruim — e não sabia se tinha ou não —, mas havia muitas luzes ao redor e pessoas tirando fotos o tempo inteiro. Ele e já deviam estar cegos com todos aqueles flashes apontados para eles.
Depois de alguns minutos, e voltaram para o palco tão animados quanto antes e o público virou uma bagunça, mas elas não se importaram. A próxima parte era reservada para um medley de covers, em homenagem aos velhos tempos, antes da fama. As músicas eram imprevisíveis e todos sabiam que Hero e estavam sempre mudando o repertório. Geralmente, um deles começava a tocar e os outros acompanhavam e daquela vez não foi diferente.
Hero foi o primeiro, exibindo algumas notas na guitarra, mantendo o suspense por alguns segundos antes de recomeçar, dessa vez com o acompanhando, segundos antes dele agarrar o microfone.
“Here’s the thing, we started out friends…” — ele começou, levando público à loucura, inclusive . — “It was cool, but it was all pretend… Yeah, yeah, since you been gone…”
continuou a cantar o cover de Kelly Clarkson, enquanto o público acompanhava. Àquela altura e já tocavam também e pouco depois juntaram seus vocais aos de Hero e . pulou e cantou com todos que estavam ali, mas um bichinho no fundo de sua mente se perguntava por que tinha escolhido aquela música, quando na maioria das vezes era sempre uma menos… rancorosa.
“But since you been gone, I can breathe for the first time…” — ele continuou, chegando no refrão. — “I’m so moving on, yeah, yeah… Thanks to you, now I get what I waaaant…”
Rancoroso era uma forma leve de falar como ele parecia cantar naquele momento. olhou para e ela cantou em plenos pulmões, completamente animada. Pouco depois, a música mudou e foi a vez de comandar.
Mais tarde, a energia ainda era contagiante e caótica, enquanto elas pulavam e cantavam juntas as últimas músicas do concerto. odiava multidões, mas aquela nem mesmo a incomodou naquela noite.
O resto fazia valer a pena.

17 de março de 2016, 07:10 - Apartamento de Hero

Hero rolou a tela do celular, observando a lista de e-mails nunca respondidos e sem pensar muito, abriu o primeiro deles.
Era uma mensagem curta, enviada no dia 16 de maio de 2006. Ele e tinham começado a organizar suas coisas para mudarem de casa e resolveu abrir o e-mail uma última vez, antes de desmontar o computador. Quando se deu conta, já estava digitando e menos de cinco minutos depois, enviou a mensagem.

“Querida ,

Faz pouco mais de um mês desde que você foi embora sem se despedir. Não faço ideia de por que você foi assim, mas espero poder te ver de novo algum dia. Espero que esteja indo bem na Universidade.
Hoje, eu e estamos organizando nossa mudança. A gravadora alugou um apartamento maior pra gente em um bairro rico da cidade e nos fez parar de trabalhar no restaurante da Sr.ᵃ Petterson — não que estivéssemos conseguindo de qualquer forma. O vídeo que você postou viralizou e as pessoas continuam nos reconhecendo na rua desde o festival.
Nós assinamos contrato com uma gravadora e estamos tendo reuniões frequentes para trabalhar no nosso primeiro álbum. Mostrei algumas composições junto com e eles gostaram. Tá acontecendo tudo muito rápido, mas nós estamos bem felizes. Parece que nosso sonho tá se tornando realidade a cada dia que passa e em menos tempo do que imaginamos. E nós devemos tudo isso a você. Gostaria de poder te agradecer pessoalmente.
Se você chegar a ler este e-mail, por favor, me deixe saber.

Com amor,
.”


fechou o e-mail e respirou fundo, uma série de memórias antigas retornando à sua mente. Ele se lembrava daquele dia 16 de maio como se fosse hoje e, fechando os olhos, por um instante ele se imaginou de volta ao seu apartamento minúsculo no prédio de tijolos vermelhos.
O lançamento do primeiro álbum da Cave Panthers ocorreu em pouco menos de seis meses depois e não demorou muito até que eles saíssem em turnê. Nesse meio tempo também vieram os contratos de publicidade em grupo e individuais que os fizeram ganhar quase tanto dinheiro quanto faziam com a música. A popularidade só aumentava e era incrível saber que tantas pessoas gostavam deles.
Em menos de um ano, já tinha mais dinheiro do que conseguia gastar e foi incrivelmente satisfatório quando transferiu a primeira soma de cinco dígitos para sua mãe usar como bem entendesse. E enviou uma igual para seu avô. O velho o chamou de maluco no telefone, mas ficou tranquilo quando explicou que aquilo era só uma pequena parte da fortuna que ele agora possuía e que aumentava cada vez mais.
Foi nessa época que ele decidiu que pagaria a faculdade do irmão, mas enviava o dinheiro diretamente para sua mãe como se fosse dela. Se supostamente ela estivesse usando o dinheiro que tinha lhe dado para investir na faculdade do filho mais novo, então era mais provável de evitar algum tipo de conflito com seu pai.
Independente de quanto dinheiro estivesse ganhando, o pai nem sequer tinha o parabenizado ou falado com ele durante todos aqueles meses. Ele não sabia o que esperar, mas se tornar bem-sucedido e não ter nada dito sobre aquilo do homem que supostamente deveria apoiá-lo em tudo era decepcionante e, por mais que ele quisesse evitar se sentir assim, o sentimento ainda estava lá, como uma ferida aberta.
Os e-mails para também se tornaram frequentes e mesmo não obtendo resposta, continuava os enviando. Depois de um tempo, ele já tinha entendido que provavelmente tinha parado de usar aquela conta, mas resolveu continuar escrevendo como se fosse uma espécie de diário. Tinha adquirido o hábito e gostava de imaginar que algum dia ela pudesse ler ou que estava lendo o tempo inteiro em segredo dele e era por isso que ele sempre contava várias coisas para ela, desde as mensagens mais bobas até os momentos de desabafo.
De alguma forma, isso funcionava para como algum tipo de terapia sempre que ele queria extravasar sentimentos. E ele tinha gostado de conversar com , nas poucas vezes em que tiveram a oportunidade de fazer isso.
Hero continuou rolando os e-mails até chegar no último deles, quatro anos atrás. Embora os e-mails tivessem ficado menos frequentes com o tempo, aquele foi um hábito que ele manteve por seis anos. Poderia parecer estúpido para algumas pessoas e era por isso que a única pessoa que sabia durante todo o tempo eram os caras da banda. Nem mesmo Henry, que estava com eles há nove anos, tinha ideia disso.
A última mensagem que Hero tinha enviado para tinha sido amarga e horrível, cheia de ressentimentos em relação a tudo e a todos. Era como se o universo estivesse o testando e ele demorou muito tempo para entender e superar, embora achasse que ainda estivesse fazendo aquilo.
Encarando o e-mail com “Adeus” como assunto, ele estava a um segundo de abrir a mensagem, quando ouviu alguém entrando no apartamento. Entendendo aquilo como um sinal para evitar pensar em memórias que não lhe fariam bem nenhum, fechou o e-mail rapidamente e bloqueou a tela do celular.
Ouviu alguns passos e logo pôde ver na cozinha, tomando um copo de água, ainda usando o sobretudo que tinha posto por cima do vestido antes de sair na noite anterior. Os sapatos estavam em uma de suas mãos, mas ela os deixou cair assim que percebeu sua presença no sofá da sala, dando um pulinho de susto que teria feito rir se ele não estivesse com um humor tão azedo naquela manhã.
Não tinha conseguido dormir direito e sabendo que acordava cedo para malhar, pediu ajuda ao amigo para vedar os gessos de seu braço e perna para que pudesse tomar um banho. Ele achava que talvez pudesse melhorar um pouco e relaxar para dormir, mas a verdade era que o dia parecia simplesmente estar sendo ruim.
Depois que ficou sozinho na noite anterior, se sentiu estupidamente solitário e era como se toda a sua bateria social tivesse se esgotado. Não perdeu tempo antes de ir dormir, mas acordou várias vezes durante a noite, até que, cerca de cinco e meia da manhã, desistiu e mandou uma mensagem para para que ele pudesse ver assim que acordasse.
— Por que você tá acordado tão cedo? — perguntou, surpresa. Se abaixou para pegar os sapatos novamente e deu alguns passos até a sala. Hero estava semi deitado no sofá, apoiado em uma almofada grande em um dos braços e o corpo estendido pelo comprimento, a perna boa dobrada no estofado. Usava uma calça cinza de pijama de tecido leve e uma camiseta branca com as mangas cortadas.
— Não dormi bem — ele respondeu, simplesmente.
então notou que o cabelo dele parecia úmido e arqueou uma sobrancelha.
— Você tomou banho?
Ela tinha dormido no apartamento de depois de saírem do bar de Brandon, mas acordou cedo no intuito de voltar para a casa de antes que ele acordasse. Queria tomar um banho e tirar um cochilo enquanto ele ainda estivesse dormindo, mas parece que o plano tinha ido por água abaixo.
Hero assentiu e pegou o controle da TV para ligá-la. se aproximou um pouco mais.
— Você tá bem? Tá sentindo alguma coisa? — ela quis saber.
— Estou bem — ele respondeu sem encará-la. — Só não dormi direito e não tô muito a fim de conversar, mas pelo visto a sua noite deve ter sido ótima. Tirando o fato de você estar com uma ressaca horrível.
— Como é? — Ela franziu o cenho e então ele a encarou.
— Seja lá quem for o cara com quem você dormiu, parece que ele não fez o trabalho direito. Você não parece nada satisfeita. Que péssimo.
abriu a boca, em choque.
— Eu não acredito que você...
— Eu o quê? Constatei um fato? Relaxa, . Você tá com cara de quem bebeu muito, o que pode ser bem divertido, mas quanto ao resto... Pela sua cara, duvido que você se lembre.
— É claro que eu me lembro! — ela retrucou. — Eu não tenho amnésia quando bebo, .
— Nesse caso, sinto muito.
— Você sente muito?
— Acho que no seu lugar, eu iria preferir não me lembrar de uma noite de sexo ruim. — Ele deu de ombros.
riu, incrédula. Será que ela seria processada por agressão a um paciente se o socasse naquele momento? Por que o idiota estava supondo uma merda daquelas? BABACA!
— Não que seja da sua conta, mas foi boa sim. E eu não tenho nenhum problema com a minha vida sexual — ela rebateu, mesmo sendo mentira. Nem se lembrava da última vez que tinha dormido com alguém, mas provavelmente tinha sido com seu ex-namorado cretino, considerando que ela nunca dormia com homens aleatórios.
— Ah... Que bom pra você — Hero comentou, parecendo não acreditar no que tinha ouvido.
— Eu aposto que você é quem sai esquecendo de tudo — ela disse, antes que pudesse frear a língua. Se ele estava sendo audacioso a ponto de comentar sobre sua vida sexual, então ela devolveria na mesma moeda.
— Ah, eu já esqueci — ele admitiu. — Mas faz muito tempo. E é algo muito raro. Sabe, , nem tudo é o que parece. Eu sempre me lembro como foi no dia seguinte, mesmo que eu possa esquecer de alguns nomes eventualmente.
bufou.
— Você tá mentindo.
— Tô? Por que eu mentiria? — Ele levantou uma sobrancelha. — Além disso, eu sou sempre generoso, se você quer saber.
— Você é muito prepotente. Você não devia se achar tudo isso, Hero. É coisa de gente babaca — ela comentou, antes de dar as costas e começar a andar em direção ao corredor.
— Então por que você não vem aqui e me testa? — ele sugeriu, sem vergonha.
parou de andar e então se virou para ele.
— O que você disse? — ela perguntou, querendo confirmar o que tinha ouvido, mas a resposta foi ainda mais atrevida.
— Eu perguntei se você não quer vir aqui e me testar. Eu aposto que ainda consigo fazer um trabalho melhor do que o cara com quem você dormiu ontem.
O idiota arrogante! A cara dele nem tremia! ficou sem palavras com tamanha audácia. Irritada, também. E por mais que odiasse admitir... Excitada. Uma parte dela queria chutar o balde, ir até aquele sofá, montar em cima dele e deixá-lo tentar provar seu ponto.
Mas a outra queria ir até aquele sofá e dar um tapa naquele rostinho lindo. não escolheu nenhuma das duas. Mesmo que escolhesse a segunda opção, ela não confiava em si mesma para somente dar um tapa nele. Ela provavelmente o beijaria depois e então escolheria a primeira opção.
— Você é um idiota, Hero — disse, mas a voz vacilou um pouco e esperou que ele não tivesse percebido. — Eu vou dormir. Mesmo que minha noite tenha sido ótima, eu ainda não dormi muito bem e acordei com enxaqueca. Então, já que você ficou bem até agora, vai conseguir se virar o resto do dia. Estou tirando o dia de folga.
E então ela se virou, indo direto para o quarto.
Na sala, Hero abriu um sorriso satisfeito, pensando em como aquilo estava ficando interessante. De repente, seu humor azedo tinha sumido. Irritar era muito divertido.
Mas saber que ela o desejava era melhor ainda.

Capítulo 22

13 de agosto de 2007, 11:27 - Nova York, NY

De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Desafio

“Querida ,

Me mudei para Nova York há uma semana. A gravadora disse que os locais mais propícios para nós seria Chicago, NY ou LA. Eu não entendi muito bem, mas embora eu ame Chicago, Nova York me conquistou e acho que deve ter conquistado você também.
Não seria louco se a gente se esbarrasse algum dia por acidente? De qualquer forma, não era bem sobre a mudança que eu queria falar. Nosso tempo aqui é curto e logo estaremos viajando novamente, o próximo concerto é em Atlanta. Durante nossos dias de folga aqui, me propôs um desafio.
Acontece que visitamos um restaurante caro e bem chique com uma comida que pareceu simples demais pra ser vendida naquele preço. disse que sentiu que estávamos pagando apenas pela apresentação do prato e que a comida da Sr.ᵃ Petterson era dez vezes melhor. Nós brincamos um pouco sobre isso e em algum momento, resolvemos fazer uma brincadeira.
Depois de supor quais eram os ingredientes, ele sugeriu que a gente tentasse cozinhar o mesmo prato em casa e fazer e tentarem adivinhar quem tinha feito o quê. Nós até filmamos isso e foi hilário. Henry sugeriu que a gente publicasse algum dia pra entreter os fãs. Ah, eles não conseguiram adivinhar quem fez o quê, mas disseram que a comida tava ótima. Fico feliz por minhas habilidades culinárias estarem sendo apreciadas e ainda que eu cozinhe muito pouco, sempre fui observador suficiente para conseguir reproduzir algo.
Acontece com música também, eu mal sei ler partituras e sempre preferi usar os meus ouvidos pra aprender. Enfim. Talvez eu fique algumas semanas sem escrever, mas virei te atualizar um pouquinho sempre que tiver tempo.

Com amor,
.”


***


Assim que acordou, se alongou, antes mesmo de sair da cama. Após a pequena discussão com Hero na sala de estar, ela tomou um banho rápido, vestiu um pijama e tomou uma pílula para enxaqueca para só então cair na cama, onde adormeceu poucos minutos depois.
Embora estivesse se sentindo cansada, nunca conseguia dormir por mais que algumas poucas horas, a menos que tivesse acabado de sair de um plantão puxado. Nem mesmo uma noite de bebedeira era suficiente para mantê-la inconsciente por muito tempo.
Pegou o celular para checar algumas mensagens e percebeu algumas notificações no chat em grupo que mantinha com Andy, Dianna e .

Andy: Vocês tão inteiras? Acho que aquela vodca de ontem me deu enxaqueca.
: Eu também tive enxaqueca. Mas tomei um remédio, dormi e acordei sem ela.
Dianna: Eu não bebo, então... .
: Eu NUNCA MAIS vou beber!
Andy: A menos que o drink seja feito por um cara em especial, você quer dizer.

riu com a insinuação, relembrando a saída da noite anterior. Tinha chegado ao bar junto com e lá encontraram com Andy e Dianna, que tinham ido direto para lá, após sair do trabalho.
O lugar estava cheio e ficava em um lugar muito alto, em um hotel. Tinha paredes de vidro ao redor com uma vista incrível e algumas mesas redondas com bancos de estofados em torno delas. Era bastante espaçoso e parecia bem sofisticado, mas ainda mantendo um certo ar rústico, que era uma característica comum nos estabelecimentos que Brandon possuía.
E por falar no proprietário, não foi difícil encontrá-lo.
Assim como não foi nada difícil perceber que os olhos dele foram direto para praticamente no instante em que elas entraram.

16 de março de 2016, 20:36 - Um dia antes - Manhattan, Nova York

— Andy? Onde vocês tão? — olhou em volta, com o celular grudado na orelha. — Tá, acho que tô... Vendo — a voz dela morreu quando o homem alto parou em sua frente.
— Se está procurando Andrew, posso te levar até ele — Brandon sugeriu com um sorriso, antes de voltar o olhar para . — ? É você?
— Oi, Brandon — o cumprimentou com um sorriso. — Bom te ver. Adorei o lugar.
— Você tá tão diferente — ele brincou.
— Diferente de um jeito bom, espero. Mas é só o meu cabelo escuro. — Ela deu de ombros.
— Vocês duas estão lindas — ele elogiou. — Venham, vou levar vocês até Andy e Dianna. Acabei de falar com os dois...
Uma hora mais tarde, os quatro estavam sentados em uma mesa, enquanto Andrew compartilhava uma história sobre um livro que tinha acabado de ler.
— E foi uma das histórias mais decepcionantes que li nos últimos tempos... — ele concluiu, depois de alguns minutos.
— Tenho que concordar com você, Andy — comentou. — Eu gostei do livro no início e da escrita, mas a protagonista era muito tóxica e em vez de procurar um tratamento, ela preferiu pular de um relacionamento pra outro, e se manteve dependente emocional do protagonista.
— E o final parece o começo. Nada é resolvido.
— Tem gente que gosta de sofrer — Dianna comentou. — Eu gosto de finais felizes. Acho que entendo o que a autora quis passar, mas também não foi um livro pra mim.
— Será que só eu não li esse livro? — perguntou, mordendo uma batatinha frita. — E nem vale a pena ler, pelo visto.
— Eu odiei e queria poder voltar no tempo só pra mudar de ideia — disse, sem culpa.
— Ainda bem que você não faz esse tipo de coisa, — Andy lembrou. — Você pode até fazer os leitores sofrerem junto com os personagens de vez em quando, mas faz eles rirem tanto quanto e sempre há um final feliz. Um brinde a isso. — Ele levantou o copo de whiskey.
riu, divertida e brindou com ele.
— Viva os finais felizes! Mas por falar em romance, Andy... Você não trouxe nenhuma namorada hoje?
— Não tô saindo com ninguém. — Ele deu de ombros.
— Mas tá de olho em alguém… — Dianna cantarolou.
— Será que ele tá apaixonadinho por ela? — acrescentou, fazendo Andy revirar os olhos.
— De quem vocês tão falando? — quis saber.
— Da novata na editora que o Andy tá treinando, o nome dela é Alexa.
— A nova paixonite do Andy. Ele acha que a gente não percebe como ele olha pra ela.
Andrew riu pelo nariz, cheio de deboche.
— Paixão, Di? Eu já sou apaixonado pelos livros e nossa editora. E já sou grandinho o suficiente para não me iludir com mais ninguém. Além disso, você sabe que eu não consigo me apegar.
— Um dia você vai e eu mal posso esperar por esse momento — a amiga brincou. — Imaginem só, talvez seja com a Lexi. Já pensou se um dia vocês se casam?
— Casar? — zombou. — Talvez ele pudesse fazer isso e se divorciar dois meses depois quando a afobação da lua de mel passasse.
— Ei, como se você fosse um grande exemplo! — o irmão retrucou. — Pelo menos, não fui eu que fiquei a noite toda de olho no meu ex. E não tem nada entre mim e Alexa, parem de encher o saco.
— Eu não fiquei de olho no meu ex!
— Você acha que não ficou. Mas se serve de algo, ele tá sempre te encarando quando você não tá olhando. O Bran devia pelo menos disfarçar na minha frente, que sou seu irmão, mas ele não tá nem aí.
— Eu notei também — declarou. — Pelo visto, o interesse continua sendo mútuo.
— Vocês tão viajando. Acho que já podem parar de beber — retrucou, irônica.
Mas como se universo quisesse contrariá-la, algum tempo depois, quando já tinha cantado e dançado algumas músicas com sua melhor amiga — incluindo a clássica “Hollaback Girl” de Gwen Stefani —, Brandon apareceu na mesa e sentou ao seu lado.
Era quase como se fosse uma provocação e sorriu o tempo inteiro, observando os dois. Era óbvio que eles ainda afetavam um ao outro. Ele era um cara legal e trabalhador que a família dela sempre tinha gostado e não parecia ser diferente agora.
Será que depois de dez anos, poderiam ter um recomeço? fez essa pergunta para si mesma, secretamente desejando que sim. Mas não tinha certeza se pensou apenas na melhor amiga e seu ex-namorado, porque assim que a pergunta surgiu em sua mente, não foi o rosto deles que ela viu, mas o de , no sofá da casa dele, no instante em que ele decidiu beijá-la.

***


17 de março de 2016, 12:30 - Apartamento de Hero, Nova York

se sentou na cama e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo alto, antes de seguir para o banheiro e escovar os dentes. Estava com fome e precisava encontrar algo para comer, mas estava feliz por ao menos ter se livrado da maldita enxaqueca.
Abriu a porta do quarto e passou em frente ao de , que estava com a porta aberta e vazio, assim como a de seu banheiro. Na sala, também não o encontrou e duvidava que ele estivesse no escritório ou no estúdio, já que nele não tinha muito o que fazer. Mas foi só quando parou em frente à geladeira que notou um post-it amarelo grudado lá.
O bilhete não estava assinado e nem precisava. A letra de forma era horrível e torta, pior do que uma criança sendo alfabetizada, então ela supôs que tinha usado a mão esquerda para escrever. Ainda que pudesse apenas ter enviado uma mensagem para ela, admirou seu pequeno esforço.

”Fui almoçar com . Tem suco na geladeira. Coloquei aquelas suas sementes.”

Suco? Ele tinha feito suco para ela?
abriu a geladeira e se deparou com um copo do mixer que sempre usava quase que completamente cheio. Pegou o suco e duas fatias de pizza que tinha encontrado ao lado e as colocou no micro-ondas para esquentar, enquanto tomava alguns goles da bebida surpreendentemente boa.
Mesmo sendo algo bem fácil de fazer, parece que Hero tinha prestado atenção na quantidade de aveia e sementes que ela costumava usar. Não sentia o sabor de nenhuma e nenhum tipo de amargor. Estava bom na medida certa. Nem doce e nem muito azedo e ela bebeu o suco e comeu as fatias de pizza com prazer. Quando acabou, lavou a louça suja e pegou uma garrafa de água para levar para o quarto.
Era hora de trabalhar e tinha alguns planos para Ayla e Dean.

Algumas horas mais tarde, um capítulo inteiro depois e algumas interações nas redes sociais com mini spoilers para seus seguidores repletos de gifs aleatórios, ela se levantou da cama novamente e tomou um banho quente e demorado.
Levou alguns minutos secando o cabelo com uma escova secadora e então vestiu um novo pijama. Antes de ir passar um tempo na casa de Hero, tomou cuidado em selecionar seus pijamas mais comportados e aquele não era diferente. Uma calça de tecido azul e um moletom cinza sem bolsos nem capuz, com uma estampa de panda na frente.
Saiu do quarto, pensando se deveria cozinhar ou pedir alguma coisa para comer quando notou a televisão da sala ligada em alguma série de TV. se aproximou e encontrou dormindo de lado no sofá, encolhido em posição fetal. Estava sem camisa, mas havia um cobertor azul-marinho todo embolado aos seus pés, uma parte do tecido caída no chão.
se abaixou ao lado dele e o observou por alguns segundos, ciente de como pareceria uma maluca, caso ele acordasse e a encontrasse o assistindo daquela forma. E foi pensando nessa possibilidade que ela se levantou e pegou o cobertor para cobri-lo novamente. Mal tinha se afastado quando, de repente, agarrou seu braço e abriu os olhos verdes sonolentos.
se sentou na beira do sofá.
— Você tomou o suco? — ele quis saber. assentiu. — Tava bom?
— Sim.
— Ótimo. — Ele sorriu levemente. — Eu fiz no olho, então fiquei com medo de estragar com as sementes se eu colocasse demais.
— Você acertou — ela murmurou, puxando o braço de volta. — Obrigada. Comi um pouco da pizza também e tava ótima.
— Sinto muito por ter sido intrometido mais cedo — ele disse. abriu a boca para falar, mas ele continuou. — Mas não me arrependo da última parte, você sabe. Não vou me desculpar por aquilo.
sentiu as bochechas arderem.
— Você... É bem atrevido, sabia?
Hero abriu um sorriso de lado e segurou a mão dela, enfiando dois dedos por baixo da manga do moletom.
— Sabia — ele murmurou, desviando o olhar para a estampa da roupa dela. — Gostei do moletom — ele acrescentou, voltando a encarar seu rosto.
engoliu em seco, hiper-consciente dos dedos dele deslizando por baixo da manga do moletom, fazendo um carinho suave em seu pulso. Um toque leve, mas ainda assim provocante e ela tinha certeza de que ele estava fazendo aquilo de propósito, como se estivesse tentando testar alguma coisa.
Mas antes que pudesse questioná-lo, um barulho de vibração soou e Hero afastou a mão para pegar o celular. o assistiu desbloquear a tela e então o viu arregalar os olhos depois de ler algo. No próximo instante, ele estava com o celular no ouvido.
— Como assim você encontrou a ? — ele perguntou, com urgência. — , fala logo!
sentiu o sangue sumir de seu rosto naquele momento. O que estava acontecendo? tinha descoberto alguma coisa? Mas como?
De repente, ela começou a pensar rápido no que diria após o fim daquela ligação, assim que o confronto viesse.
Sinto muito?
Achei que fosse melhor manter distância?
Não aconteceu nada de mais, não sei por que você sempre foi tão emocionado, ...
Não,
se ela escolhesse a última opção, com certeza soltaria uma fera. Felizmente, não teve que escolher opção alguma, pois o confronto não veio.
— Cara, vai se foder! Eu não quero saber de teorias, . Achei que você tivesse falando sério — Hero disse, rolando os olhos. — Tá, tudo bem. Entendi. Tchau.
E então ele desligou, deixando um suspiro escapar.
— O que houve? Vocês acharam a Garota ? — ela perguntou, fingindo estar curiosa, mas ele negou com a cabeça.
— Não, foi alarme falso — respondeu, em meio a um bocejo. — Tô com fome. Acho que vou pedir hambúrguer, você quer?
— Eu ia te perguntar a mesma coisa. — Ela sorriu, se levantando e Hero a acompanhou.
— Ótimo, eu vou ao banheiro e volto já, pra gente escolher. Tem uma hamburgueria aqui perto que é ótima — ele comentou, enquanto se levantava.
assentiu, ainda sorrindo e quando ele deu as costas, ela finalmente respirou aliviada.
Tinha sido um alarme falso.

Capítulo 23

9 de fevereiro de 2009, 11:27 - Nova York, NY

De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Sonhar grande

"Querida ,

Eu nunca achei que minha vida pudesse mudar tanto quanto mudou nesses quase três anos desde que assinamos nosso primeiro contrato com uma gravadora.
Ontem ganhamos um
Grammy com “The Bossy Girl”. Lançamos essa música há seis meses, mas ela quebrou alguns recordes e pelo visto chamou a atenção do pessoal da premiação. Eu nunca — nunquinha — sonhei em ganhar um Grammy. Imagine só... Eu queria apenas fazer algum dinheiro com minha banda, ser conhecido no país inteiro, mas não almejava o mundo inteiro porque sei como é difícil ter uma carreira de sucesso na indústria da música. Sonhar grande parecia algo inalcançável, então eu deixava esse tipo de coisa pro fazer, já que ele parecia ter esperança de sobra por nós quatro juntos.
Só que ontem o universo provou que eu estava errado mais uma vez e que vale a pena SIM sonhar grande porque você nunca sabe o que pode acontecer no dia de amanhã. E pra ser honesto, eu me sinto um pouco em choque ainda. É como se a ficha ainda não tivesse caído.
Liguei pro meu avô assim que fomos embora e nós dois choramos de felicidade ao telefone. Meu avô disse que estava orgulhoso de mim e eu também me senti orgulhoso de mim mesmo, da minha banda e de todos os fãs que sempre nos apoiaram. Não tenho nem palavras suficientes pra dizer o quanto estou grato a todas as pessoas que nos apoiaram, mesmo antes de termos um contrato. A todas as pessoas que acreditaram na gente. Uma delas foi você, e eu nunca vou me esquecer disso.
Não sei nem como consegui fazer um discurso de agradecimento sem chorar como um bebê ali mesmo (talvez o choque tenha me segurado). Mas pra falar a verdade, tô com vontade de chorar agora mesmo, enquanto escrevo esse e-mail, então acho que é uma coisa boa que eu não esteja te contando isso pessoalmente, porque você provavelmente riria da minha cara chorona.
E por falar em te ver, aconteceu de novo. Você sabe, aquela coisa de ver uma garota parecida com você. Mas dessa vez não foi em um concerto e sim em uma livraria.
Faz mais ou menos duas semanas, e eu estava indo com Henry para o aeroporto e o sinal estava fechado. A gente devia estar a uns 30 metros de distância da livraria, quando uma garota de cabelo roxo apareceu. Acho que ela trabalha lá, porque era bem cedo e ela tava literalmente abrindo a livraria. Não pude ver o rosto dela com clareza porque ela entrou e fechou a porta antes que o sinal abrisse e a gente passasse em frente, mas tenho certeza que ela usava um vestido igualzinho ao que você usou no nosso encontro, no dia que fizemos aquelas tatuagens juntos.
Todo mundo me pergunta o que significa esse “O” no meu braço e eu sempre digo que é a lembrança de um momento feliz, embora o que a gente tatuou tenha sido completamente aleatório e meio brega.
A garota de cabelo roxo que me lembrou você não parecia ter nenhuma tatuagem à mostra e eu me pergunto se você chegou a fazer alguma outra nesses últimos anos. Eu fiz três, uma em homenagem ao meu avô, outra que é uma referência ao nosso primeiro álbum e a terceira, que foi a mais recente, foi apenas porque eu curti o design. Parece meio fútil agora, como se eu tivesse gastado pele à toa, mas não me importo muito. Eu sempre posso tatuar algo por cima se eu odiar ela algum dia.
Enfim, vou parar com a conversa aleatória agora. Espero que você esteja bem e tão feliz quanto eu e que você consiga atingir mais além do que aquilo que você almeja. A sensação é boa pra caralho, .

Com amor,
."


***


27 de janeiro de 2009, 10:45 - Livraria Etherea, Nova York, NY

mal podia esperar para sair dali. Não que odiasse trabalhar na livraria — e ela fazia isso cinco dias por semana por meio período —, só que precisava estudar um seminário de primeiros socorros e envenenamento e não era um dos melhores assuntos que sua equipe poderia pegar, mas também não era o pior. Sua equipe podia muito bem ter sido sorteada para falar de traumatismo crânio-encefálico, que era bem maior e mais complicado.
Na verdade, o problema com o seminário de sua equipe no início tinha sido em encontrar referências, mas uma de suas colegas tinha acabado por conseguir a mesma apresentação e conteúdo escrito que uma equipe veterana tinha usado no semestre passado — e que também tinha conseguido com uma equipe veterana do semestre anterior.
Não era raro que os alunos de enfermagem passassem anotações, conteúdos e até mesmo trabalhos prontos para seus calouros. A própria tinha passado anotações de patologia três semestres atrás para uma amiga caloura e essas anotações ainda circulavam de turma em turma a cada semestre. Chegava a ser engraçado como esse tipo de coisa acabava virando uma espécie de herança; até porque não era como se todos ali fossem amigos, longe disso, mas pelo menos se ajudavam como podiam.
A equipe de deu sorte em conseguir o material de uma equipe veterana, mas eles ainda tinham que estudar todo o conteúdo, pois ninguém sabia qual seria a ordem de apresentação, já que a professora escolheria conforme a vontade dela; e isso significava que poderia ser uma ou duas pessoas apresentando, ou todas.
Também significava que tinha que decorar aquela merda inteira de forma didática o suficiente para ninguém — inclusive a professora — fazer nenhuma pergunta. E ela precisaria faltar na aula de Ecologia e Saúde para fazer isso naquele dia, porque sua única opção além daquele horário era de madrugada e há muito tempo, se recusava em virar a noite estudando. Podia fazer isso durante o dia, mas de madrugada ela tinha que dormir ou enlouqueceria. E era sempre assim durante a fase das provas, tão estressante que ela mal conseguia fazer outra coisa de sua vida além de estudar, trabalhar na livraria, comer e dormir.
Sentia falta de escrever também.
Tinha começado a trabalhar em uma história nova, mas não tinha passado do primeiro capítulo ainda, mesmo com sua mente borbulhando de ideias. Infelizmente, estudar ainda era sua prioridade, mas felizmente, só faltava apenas aquele seminário para que ela se livrasse da disciplina e do semestre bagunçado com o calendário mais bagunçado ainda. Depois estaria de férias. Faltar na última aula (inútil) de Ecologia não a reprovaria, já que o calendário estava praticamente fechado. Na verdade, duvidava até que o professor notasse sua ausência.
Mais uma hora e então passaria a tarde inteira decorando o maldito seminário para apresentar no dia seguinte. Depois, teria um encontro na semana seguinte com um veterano dois anos velho do curso de Ciências Políticas. Iria aproveitar as férias para dar uma última revisada no manuscrito de Sorvete, Pizza e Música antes de enviar para Andrew. Ele tinha insistido em publicar aquele livro em sua nova editora e depois de muita enrolação e insegurança por parte de , ela finalmente deixou que ele a convencesse.
Tinha escrito aquela história há dois anos e postado como fanfic da Cave Panthers em um blog independente que ela postava usando um pseudônimo. Até então era apenas um hobby, mas não podia negar que a ideia de poder realmente fazer dinheiro com aquilo lhe parecia ótima e ela rezava todos os dias para dar certo.
Alguns minutos mais tarde, ouviu duas adolescentes comentando sobre a indicação de Cave Panthers no Grammy e sorriu, orgulhosa. Uma indicação já era uma coisa e tanto, ainda mais numa premiação daquele porte. Mesmo que eles não ganhassem — e duvidava muito disso — já era algo digno de orgulho.
— Aposto que eles vão ganhar. Aquela música é muito boa — uma delas comentou, enquanto elas caminhavam até o caixa, cada uma com um livro nas mãos.
— Quem você acha que é a Garota ? Uma ex-namorada, talvez? — a outra perguntou.
— Não sei. Às vezes, eu acho que é só uma personagem que eles inventaram, tipo Tommy e Gina. Eles nunca revelaram nem se ela existia.
— Talvez seja pra manter a privacidade da garota.
— Privacidade? Amiga, se eu fosse a Garota , eu iria correndo até o Hero e não largava ele nunca mais. Só alguém apaixonado pode escrever algo assim. Ou muito criativo.
estremeceu ao ouvir aquilo. Andrew falava a mesma coisa de suas histórias. Mesmo sabendo que o enredo era praticamente um relato do que tinha acontecido, mas definitivamente mais enfeitado e cheio de cenas extras e fictícias que tinha criado para preencher os espaços vazios que a verdadeira história com teve. Além de uma linha do tempo bem maior também.
Aaron e Cat eram eles e não eram ao mesmo tempo, mas as únicas pessoas que sabiam disso além dela eram , Andy e Dianna, sua futura editora e sócia do amigo.
No entanto, diferente do que os amigos achavam, achava que paixão não tinha nada a ver com aquilo, a não ser sua paixão por romances e escrita. Mas quanto a , não era bem do jeito que eles imaginavam.
Talvez ela ainda até tivesse uma queda por ele e criado diversos cenários em sua mente sobre como seria reencontrá-lo, mas nenhuma ideia se transformava em realidade, pois 1) Ela sabia que ele não fazia ideia do seu paradeiro; 2) Mesmo que ela tentasse chegar até ele, seria muito difícil e 3) Ela continuava achando que era melhor as coisas permanecerem como estavam.
era criativa, mas não estava apaixonada. E era tão criativo quanto ela. Só alguém assim poderia compor e escrever tantas músicas boas como ele tinha feito junto dos outros integrantes.

8 de fevereiro de 2009, 19h35 - Pizzaria Domino's, Nova York, NY

observou Jack encher a fatia de pizza de seu prato com ketchup e se controlou para não fazer uma careta.
Ele não sabia que fazer aquilo tiraria todo o sabor da pizza? Não era nem um pouquinho que ele estava colocando e sim um monte de verdade. Não faria diferença se aquela pizza fosse um pedaço de papelão, porque teria o mesmo gosto.
Desviando sua atenção daquele pequeno estrago, encarou a TV grande que havia ali perto, ligada na MTV.
— “Em quem vocês apostam para levar o Grammy na categoria de melhor música? Eu tenho que admitir que a Cave Panthers conquistou meu coração com aquele último lançamento, pessoal...”
Jack riu, chamando a atenção de , que notou que ele também encarava a TV.
— Que besteira — ele zombou. — Essa música nem é legal, existem milhares que nem ela. Não sei porque essa comoção toda.
se remexeu no assento.
— Deve ser porque o público gosta. E se foi indicado é porque mereceu, assim como as outras.
— Ou porque eles são uma modinha estúpida, cheios de fãs adolescentes iludidas. Eles nem sabem que elas existem. — Ele riu novamente.
terminou de comer o último pedaço da fatia de pizza que tinha na mão e bebeu o resto de Coca-Cola que havia em seu copo, antes de batê-lo contra a mesa, causando um barulho um pouco alto.
— Nossa, eu acho que eu devo estar com algum problema auditivo — ela comentou, enquanto o encarava. — Por que parece que eu só escutei merda desde que você começou a falar.
Jack sorriu, divertido, achando que ela estava brincando. Mas então percebeu a expressão séria no rosto da garota.
— O quê? Vai me dizer que você gosta dessa bandinha? Eu não achei que você fosse dessas que curte músicas tão idiotas, .
— Ah, e você virou um avaliador agora? Porque se foi o caso, você tá fazendo um péssimo trabalho, Jack — ela retrucou, irônica. — Qualquer pessoa com o mínimo de inteligência musical pode perceber o quanto esses caras são talentosos.
Ele riu, sem humor.
— Não se ilude, . Caras desse tipo são inalcançáveis e só tão aí pra iludir garotinhas enquanto arrancam dinheiro delas.
— Minha nossa... Quando eu penso que não pode ficar pior, você me mostra o contrário. Eles são ótimas pessoas, sabia? E não são nada disso que você pensa. Nem tudo é sobre dinheiro, Jack.
— Você fala como se conhecesse eles — ele debochou. — Relaxa, princesa. É só uma fase.
— Quer saber? Eu conheço.
— O quê?
— Eu conheço eles. Pessoalmente. Conheci em Chicago, antes de serem famosos — ela disse, de braços cruzados.
— Sério? — Jack levantou uma sobrancelha, sem dar muito crédito. — E o que aconteceu? Você saiu com um deles?
Claro que ele não ia acreditar, pensou. Mas ela não se importava.
— Exatamente — admitiu. — Saí com o líder deles. E adivinha só, Jack? O é muito mais bonito e legal pessoalmente do que ele aparenta ser na TV. Quem me dera que fosse ele aqui agora no seu lugar, porque pelo menos eu não ia perder meu tempo me estressando com um idiota.
— Você não tá achando que vou acreditar nessa baboseira, né? Já entendi que você é fã dessa banda aí, mas-
— Essa banda tem nome e eu tô indo embora agora mesmo. Até nunca mais. — Ela se levantou, pegando o casaco da cadeira.
Jack bufou, irritado.
— Com esse temperamento, eu tenho pena dos seus futuros pacientes.
— E eu espero que você seja um deles um dia. Vou escolher uma cor de cateter especial pra você — ela retrucou, sem se abalar.
— Você é doida, garota. — Ele a encarou com uma careta.
riu, terminando de vestir o casaco e pegou a bolsa.
— Doida? Sou sim. Adeus e passar bem.
Então ela se foi.
E aquela foi realmente a última vez que ela viu Jack.

Capítulo 24

18 de dezembro de 2009, 22:28 - Nova York, NY

De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Formatura do Colin

"Querida ,

Você deve estar se perguntando quem diabos é Colin. Bem, é apenas o meu irmão mais novo. Ele acabou de se formar no ensino médio e vai fazer faculdade de... Bem, não lembro, mas acho que minha mãe disse que era alguma coisa na área de Informática.
Não entendo nada disso e nem sou próximo o suficiente de Colin pra pedir que me explique. De qualquer forma, eu viajei um pouco mais cedo pra formatura dele e vou passar o natal aqui e então sequestrar o meu avô e minha mãe pra eles passarem o ano novo comigo em NY. também veio passar o natal com a família, mas vai ficar até depois do ano novo.
Não posso dizer que tô super animado por voltar pra Winchester, mas eu queria muito ver meu avô e sei que meu pai reclamaria caso minha mãe viajasse pra me ver e deixasse ele e meu irmão pra trás.
O último natal que passei com minha família foi em 2005 e não foi lá muito interessante, considerando que eu e meu pai mal olhamos na cara um do outro e depois da estreia da banda, a minha agenda ficou toda bagunçada. Não que esteja muito diferente agora, mas nós resolvemos fazer uma pausa por um tempo pra focar em trabalhos individuais e tirar um tempo pra nós mesmos, antes de começarmos a trabalhar no novo álbum de estúdio.
Eu sei que você deve estar cansada de me ouvir falando da minha inexistente relação com meu pai, então vou parar agora. Espero que dessa vez corra tudo bem.
E espero que você esteja bem também, .
Vou tentar voltar aqui no natal pra te contar, mas caso eu não volte...
Feliz natal adiantado.

Com amor,
."


20 de março de 2016, 09:37 - Hospital Mount Silla, Nova York

— Isso, Sr. . Flexão e extensão, vamos lá... Devagar — Harry, o fisioterapeuta, orientou, enquanto Hero trabalhava em sua primeira sessão de fisioterapia depois da retirada do gesso do braço.
— Parece que meu braço tá travado. Isso é normal, certo? — ele quis saber.
— Perfeitamente. Como o senhor passou as últimas semanas com ele imóvel, é normal ter essa impressão mesmo — Harry explicou e o entregou uma bolinha de borracha. — Vamos testar agora a sua mão. Segure isto, abra e feche a mão algumas vezes, mas não aperte ainda. Os exercícios de força virão aos poucos.
Hero obedeceu e movimentou os dedos algumas vezes, até que fez uma careta quando sentiu o punho incomodar.
— Está sentindo alguma dor? — Harry quis saber.
— Meu punho tá incomodando.
— Deve ser por conta da repetição. Vamos parar por hoje e continuar a partir de amanhã. O Dr. Eric mencionou que o senhor solicitou atendimento domiciliar, certo? Se importa de fazer as sessões durante a noite?
— Acho melhor, na verdade. Mas nós precisamos fazer todos os dias? — Hero questionou.
— Quanto mais sessões, melhor. Mas nós temos que ir com calma por enquanto. Sugiro fazer três ou quatro sessões por semana, intercalando os dias. O que acha?
Hero desviou o olhar para , que ouvia tudo sentada em uma bola de ginástica, se balançando para frente e para trás.
— O que você acha, ? — ele perguntou, meio indeciso. — Você disse que já fez fisioterapia antes...
— Vocês podem fazer assim durante a primeira semana pra ver como você se sai e se tiver tudo bem, acho que você pode fazer por quatro dias seguidos e então ter o final de semana livre — ela sugeriu. — Funcionou pra mim, mas cada caso é um caso.
— Exatamente — Harry concordou. — Cada caso é um caso, mas confesso que estou esperançoso e acho que o senhor vai conseguir se recuperar bem.
— Eu também acho, Harry. Olha o tamanho do cara — brincou, apontando para ele. — Aposto que mal pode esperar pra voltar correndo pra academia.
Hero revirou os olhos.
— Você acha que consigo voltar a tocar piano em breve?
— Talvez em algumas semanas seja mais confortável. Por agora, deixe-me explicar como funciona a tala removível...
sentiu o telefone vibrar na mão e se levantou assim que viu a mensagem que tinha recebido.
— Eu vou conversar com Eric e volto já — ela avisou a .
— Tá, beleza — ele respondeu, voltando a se concentrar no que Harry dizia.

***


deu duas batidas na porta, antes de entrar no escritório de Eric. Diferente da última vez em que estivera ali, naquele momento ele estava sozinho.
, como está?
— Oi, Eric. Tudo bem e você?
— Ótimo, querida. Sobre o que você queria falar? — Ele foi direto ao ponto.
Era uma das coisas que mais gostava nele. Eric gostava de resolver situações/problemas quanto antes e era algo que os dois tinham em comum.
— Quero diminuir minha carga horária aqui — ela disse, se jogando na cadeira em frente a dele.
— Diminuir? Você quer menos plantões?
assentiu, as mãos ajustando o rabo de cavalo alto que fizera mais cedo.
— De preferência um por semana. Vinte e quatro horas e só. Você pode me deixar fixa na segunda ou na terça, mas se não for possível, eu entro numa escala e me ajusto.
— Por que você quis mudar, de repente? — ele indagou, curioso.
deu de ombros.
— Eu tô trabalhando num livro novo e preciso de tempo. Não quero ter que ficar me preocupando muito com isso e trinta e seis horas pode parecer pouco, mas me atrapalha um pouco com a escrita.
— Nesse caso, não seria melhor você tirar uma licença? — ele sugeriu. — Assim você pode trabalhar no livro em paz e retornar quando tiver mais livre.
— Acho melhor não. — Ela sorriu sem graça. — Ainda quero trabalhar como enfermeira por mais um tempo, Eric. Mas você sabe que eu não amo isso, embora eu goste muito da minha equipe.
— Parece que você tá querendo desapegar aos poucos, garota — ele comentou, com um sorriso leve. — Por que eu tenho a impressão de que da próxima vez que você vier aqui vai ser pra pedir demissão?
riu, baixinho.
— Ainda não.
— Você nunca sabe... Mas se for esse o caso algum dia, não se esqueça do aviso prévio.
— Pode deixar, Eric. Tenho que ir agora. Me manda uma mensagem depois falando como ficaram os meus horários.
— Até mais, .

***


24 de dezembro de 2009, 22:14 - Winchester, IL - A fracassada ceia de natal da família

Era a quarta vez que seu pai reclamava da comida, não que estivesse contando. Mas também era a quarta vez que ele respirava fundo, se segurando para não falar nada.
Sua mãe tinha passado o dia trabalhando naquela ceia e ele e Colin tinham até ajudado com alguns pratos também, enquanto o pai passava o dia fora encontrando amigos sabe-se lá onde. Sua mãe tinha mencionado que era aniversário de um deles e Jonathan tinha decidido ir para não recusar o convite pelo terceiro ano seguido.
não se importou muito com isso, na verdade. Quando seu pai não estava em casa, tudo parecia mais leve e ele se sentia mais à vontade. Enquanto se ocupava com sua mãe e irmão na cozinha, seu avô assistia programas natalinos na TV; era uma das coisas favoritas do velho Anthony naquela época, só perdia para a comida, é claro. E sabia que ele sempre tinha amado a comida que a nora — sua mãe, Darla — fazia. Era impossível não amar.
Mas o pai dele parecia ser uma exceção quanto aquilo. Primeiro, a comida estava salgada demais, depois estava insossa... E então tinha muita canela nos biscoitos e... “Pra que tanto chocolate nisso?”
Depois do jantar, eles foram abrir os presentes de natal. Depois que e seu irmão cresceram, ninguém esperava mais para abrir os presentes no dia 25, então havia se tornado um costume deles durante a véspera.
Tudo estava indo bem até ele pegar um presente da árvore e entregá-lo ao pai, que só então olhou diretamente para ele pela primeira vez naquela noite. Jonathan não tinha herdado os olhos verdes de seu avô e seus olhos escuros eram negros como a noite. Encarou por um instante, antes de uma expressão de zombaria surgir em seu rosto.
E então ele abriu o presente.
Era um relógio Cartier de ouro rosa e pulseira de couro marrom no valor de sete mil dólares. Era um item caro e lindo, mas seu pai fez parecer como um brinde que vinha em uma caixa de cereais.
— Onde você arrumou isso? Agora que você tem dinheiro, você sai por aí comprando coisas e dando de presente? — ele resmungou, fechado a caixa e a colocando de lado.
— É um crime, por acaso? — perguntou. — Dar um presente a um parente?
— Não preciso disso, garoto. Não precisa se exibir em casa só porque agora você tem dinheiro. Você deu sorte.
riu, sem humor.
— Sorte? Talvez eu tenha tido um pouco de sorte sim, mas eu não teria conseguido nada se não tivesse saído dessa cidade ridícula e ido atrás dos meus sonhos — ele comentou, amargo. — Eu trabalhei muito por isso e o esforço valeu a pena. É triste saber que você não reconhece isso, mas nem sei porque eu me importo. Meu avô sempre foi mais meu pai do que você.
A expressão de Jonathan escureceu mais ainda.
— Seu avô só passava a mão na sua cabeça, alimentando sonhos idiotas que ele nunca conseguiu realizar!
— Jonathan! ! Parem já com isso, não é hora de discutir! — Darla reclamou, mas ninguém deu ouvidos.
— Então que bom que eu consegui realizar! — rebateu e então encarou a mãe. — Essa foi a última vez que eu tentei fazer algo, mãe.
— Tentou o quê? — Seu pai quis saber.
— Me aproximar de você, seu imbecil! Mas você sabe o quê, “pai”? — ele fez aspas com os dedos. — Não vou mais perder tempo nenhum atravessando a porra do país só pra ver você aqui reclamando o tempo todo!
Jonathan sorriu, sarcástico e encarou a esposa.
— Parece que seu filho não é mais tão doce quanto você dizia, Darla — ele comentou e então se voltou para o filho outra vez. — Eu sabia que um dia você ainda ia colocar as garras de fora, seu moleque. Aqui, pegue essa droga de relógio. — Ele jogou a caixa em , que felizmente pegou a tempo que lhe atingisse.
— Vai se foder, seu imbecil de merda — ele murmurou, sem hesitar e saiu de lá com o relógio na mão.
No jardim, esbarrou em .
— Ei, o que houve? Eu vim desejar feliz natal pra sua família e ouvi uma discussão...
pôs a caixa do relógio na mão dele.
— Dê isso ao seu pai. Tenho certeza de que ele fará bom uso — ele murmurou, antes de voltar a andar.
! — gritou.
Mas o ignorou e caminhou direto para o único lugar em Winchester onde realmente se sentia confortável: seu quarto na casa onde morou com seu avô.
Alguns minutos depois, se sentou na cama e pegou o laptop que tinha deixado ali mais cedo, ainda ligado. Sem perder tempo, abriu seu e-mail mais uma vez e começou a digitar.

De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Erro

“Querida ,

A ceia de natal foi um fracasso...”

Capítulo 25

9 de janeiro de 2010, 15:37 - Nova York, NY

De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto:Bons momentos

“Querida ,
Minha mãe e meu avô estão voltando pra Winchester amanhã e eu já sinto falta deles. As últimas semanas foram incríveis e fazia muito tempo que eu não me sentia tão feliz assim.
Nenhum dos dois tocou no nome do meu pai nem no que ocorreu durante a ceia de natal e agradeci mentalmente por isso. Não é o tipo de coisa que eu quero ter que lidar agora e nem sei se vou querer fazer isso algum dia.
Pra mim, foi como um basta. Eu lavei minhas mãos.
É uma pena que minha mãe e meu avô ainda insistam em morar em Winchester. Tentei convencê-los a ir pra Chicago com meu irmão, mas minha mãe não vai deixar meu pai pra trás e meu avô se acha velho demais pra se mudar pra uma cidade grande agora, mas espero que algum dia eles mudem de ideia.
Essa semana eu lembrei que você mencionou uma vez que seu aniversário é em janeiro, mas não me lembro bem do dia, sinto muito. Não sei se já passou ou não, mas quero te desejar feliz aniversário agora. Espero que todos os seus sonhos se realizem, . E que você continue saudável física e mentalmente pra poder apreciar quando conseguir o que quer.
Espero que seu dia seja (ou tenha sido) incrível. Você merece isso e muito mais.

Com amor,
.”


***


21 de março de 2016, 11:27 - Apartamento de Hero, Nova York, NY

A primeira coisa que Hero notou quando chegou na sala foi a mala enorme de . Teria arrumado aquilo enquanto ele tomava banho ou já estaria pronta antes mesmo deles saírem naquela manhã para irem ao hospital?
Metódica como ela era, provavelmente era a segunda opção.
Em meio a um suspiro entediado, terminou de apertar a tala que cobria seu antebraço, feliz por não ter que se preocupar em proteger antes de tomar banho, muito menos precisar de ajuda para aquilo. Agora que tinha o braço livre, podia movimentar quase que totalmente quando não estava com a tala. A rigidez ainda estava lá, mas ele se sentia confiante de que em breve melhoraria com as sessões de fisioterapia. Além disso, agora poderia não só se vestir sozinho, mas fazer tudo sozinho.
Contanto que não forçasse o braço, estava tudo bem. Felizmente, não havia tido mais nenhuma crise de pânico, mesmo nas outras duas vezes que tinha voltado ao hospital. Os pesadelos também desapareceram e ele ficou mais do que feliz por conseguir dormir durante uma noite inteira.
O pior já tinha passado e ele voltaria para sua vida normal aos poucos.
Ainda fazia planos em sua cabeça quando surgiu carregando uma sacola de papel grande e uma bolsa de tecido que ela colocou em cima da mala, assim que o viu.
— Parece que você tá pronta pra ir embora — ele comentou, a voz suave.
assentiu e ofereceu a sacola para ele.
— Aqui, é um presente de aniversário adiantado — ela disse, quando o viu franzir o cenho.
Hero observou o logotipo impresso na sacola, onde havia “2K” em um design moderno e elegante.
Double K? — ele indagou, vendo-a assentir e arregalou os olhos, sorrindo animado. — É o que tô pensando?
riu, divertida.
— Não sei. Por que você não abre e descobre?
Ela não precisou falar duas vezes. Na verdade, nem tinha terminado de falar ainda quando Hero segurou a sacola suspensa com o braço direito e usou a mão esquerda para puxar o que havia dentro.
Era um look completo que ela e tinham montado com calça, camiseta, jaqueta e boné. Hero caminhou até o sofá para poder abrir tudo direito e ter onde colocar.
Espalhou as peças cuidadosamente uma ao lado da outra. Uma calça cáqui de estilo urbano, uma camiseta branca com umas das estampas minimalistas originais da marca na parte inferior, uma jaqueta de couro preta e um boné da mesma cor com o logotipo da marca na frente e o nome completo em uma das laterais. Na outra, havia pedido para bordar as iniciais dele.
— Minhas iniciais? — Ele passou o dedo pelo bordado.
— Foi uma exceção que eu pedi pra minha amiga fazer. Originalmente, não há personalização — ela explicou.
abriu um sorriso grande e satisfeito, a covinha na bochecha dele aparecendo um pouco mais. Por um instante, se sentiu hipnotizada e sem perceber, sorriu com ele.
— Obrigado, . Eu amei, de verdade. Vou usar no meu aniversário e postar uma foto marcando a conta oficial da marca.
de ombros e suspirou.
— Eu tenho que ir — ela disse, de repente. — Minha casa deve estar puro pó...
O sorriso de morreu e ele andou em direção a ela.
— Eu vou te ver de novo? — indagou, a encarando nos olhos.
queria dizer que sim, mas sabia que era uma péssima ideia. Estaria apenas estendendo uma mentira, mesmo que por omissão, por mais tempo ainda.
— Provavelmente não.
— Por que não? — Ele franziu o cenho.
— Porque acho que é melhor assim, .
— Eu te deixo desconfortável, é isso? Você tem algum tipo de aversão a mim, ? — ele perguntou. Por acaso, ele tinha imaginado tudo? O desejo nos olhos dela, a hesitação prestes a se romper...?
— Sim, mas não do jeito que você pensa.
— De que jeito, então? — Ele deu mais um passo em direção a ela. sentiu a barriga se contrair quando o olhar dele desviou para sua boca.
— Eu... — ela tentou falar, as palavras morrendo quando ele levantou o olhar. Por que ele tinha que ter olhos tão bonitos?
— O quê? — ele insistiu, quase em um sussurro.
— É melhor eu ir — desviou o olhar, apressada e se virou, pronta para pegar as malas e partir, mas mal tocou nelas, quando Hero puxou seu braço, fazendo-a ir ao encontro do corpo dele.
— Você vai fugir de novo? — ele provocou, inclinando o rosto para frente, os lábios quase tocando os dela. — Por que você sempre tem que ir, ?
Por que ela sempre tinha que ir? Por que sempre fugia? não sabia. Porque naquele momento, toda a distância que tinha mantido nos últimos dez anos, e especialmente nos últimos quatro, quando fez prometer não falar nada... Parecia tão insignificante que ela quase confessou tudo ali mesmo.
Do que eu tenho tanto medo?
— Do que você tem medo, ? — Hero perguntou, como se tivesse lido os pensamentos dela, e levantou a mão direita para acariciar seu rosto, uma parte da tala escura roçando em sua pele.
...
— Eu amo quando você fala meu nome — ele sussurrou, puxando-a pela cintura, a pressionando mais contra ele. — Diga, . Por que você tem que fugir?
— Não é certo...
— Você é casada? Tem algum compromisso com alguém?
— Não, eu...
— Então, o que há de errado? — Ele a beijou no canto da boca.
Droga... — ela xingou baixinho, antes de pressionar os lábios contra os dele.
Maldito seja, Richard por me seduzir tão descaradamente. Mas estava cansada de resistir. Para isso, precisava ter uma força de vontade que naquele momento, com ele tão perto, ela definitivamente não tinha. O último fio de resistência que existia dentro dela se partiu com aquela última provocação e ela resolveu dar a o que ele queria e ter o que queria também.
Entre um beijo e outro, os dois chegaram até o quarto dele, ainda escuro devido as cortinas blackout que ele raramente abria, mas nenhum dos dois se importou. Estavam com pressa demais, ocupados demais arrancando as peças de roupas um do outro entre um beijo e outro até não sobrar nada entre eles.
já não pensava em mais nada além de aproveitar aquele momento o máximo que pudesse. Sentir os lábios de o máximo que pudesse por todo o seu corpo, exatamente como ele fez naquele momento, descendo com a boca até seu ventre e um pouco mais até estar com boca a milímetros de seu ponto mais sensível. sentiu ele soprar de leve, provocando, e desviou o olhar para ele, apenas para descobrir que a encarava de volta. Um sorriso malicioso se ergueu no canto de seus lábios e então ele a beijou bem ali.
contraiu as pernas, tentando fechá-las involuntariamente, mas ele a impediu, as segurando no lugar.
Uma parte racional no fundo de sua mente rezou para que aquela força não tivesse sido o suficiente para machucar o braço dele, mas ela sabia que estava tomando cuidado. E se não estivesse tão distraída por sua boca enquanto ele a devorava ali mesmo, talvez tivesse notado que a pressão que tinha feito em sua perna esquerda havia sido bem mais fraca que na direita, com o braço bom.
Hero a provocou e provocou enquanto se contorcia sob sua boca, uma das mãos dela agarrada ao cabelo dele, a outra apertando e puxando os lençóis, enquanto tentava conter os sons que teimavam em escapar de seus lábios.
Puta merda, pensou. Era a única coisa que conseguia pensar. Por que estava tão bom? parecia saber exatamente onde e como tocá-la, exatamente como tinha insinuado antes, o bastardo arrogante.
sentiu a visão escurecer um pouco quando o orgasmo se aproximou e fechou os olhos com força quando seu corpo tencionou e tremeu violentamente enquanto ela literalmente via estrelas. Naquele momento, não se importou em ser silenciosa também, mas torcia para não resolver aparecer ali de repente. Seria constrangedor para os três.
Ainda mais quando resolveu retribuir o favor de .
Empurrou o homem para que caísse de costas contra a cama e rapidamente o envolveu com a mão, querendo mostrar que ele não era o único capaz de fazer alguém perder o controle, como tinha feito com ela, instantes antes.
roçou as unhas levemente em uma das coxas dele e sorriu quando viu travar a mandíbula.
... — ele a chamou, mas esqueceu o que ia falar quando ela resolveu substituir a mão pela boca sem sequer avisá-lo.
não precisou falar como gostava porque parecia saber instintivamente. Mas já fazia muito tempo que ele não dormia com alguém, mesmo antes do acidente.
E não era nem por falta de opções, por mais machista que esse pensamento fosse. Mas há muito tempo tinha se cansado de se envolver com pessoas aleatórias daquela forma, por mais que todas as manchetes e atitudes dele sempre fizessem todos pensarem o contrário.
Só que com era diferente. E por vários dias ele pensou que a quisesse devido a algum tipo de distorção em sua mente que o fazia lembrar da de dez anos atrás, mas depois descobriu que não. Elas eram duas pessoas diferentes. E o desejo que ele sentia por , aquela que estava com ele naquele momento, era genuíno.
Sentiu uma gota de suor escorrendo por sua testa e engoliu em seco, antes de puxar para longe de si. Ela franziu o cenho, confusa, mas logo entendeu quando o viu abrir uma gaveta na mesinha ao lado da cama para pegar um preservativo.
Sem mais delongas, ele jogou o pacotinho colorido para ela.
— Quero que você monte em mim — declarou, em seguida, os olhos verdes eram apenas um brilho escuro de desejo em meio à escuridão do quarto.
segurou um sorriso e rasgou a embalagem, deslizando o preservativo de forma rápida e precisa, antes de subir em cima dele e se inclinar para beijá-lo nos lábios. Percorreu as mãos pelo corpo forte de , aproveitando o momento para sentir cada pedacinho de músculo que ele tinha esculpido com o passar dos anos de forma quase devota.
A pantera dentro dela se regozijou como a boa fã que era e não conseguia pensar em nenhuma fanfic que tinha lido que fosse tão boa quanto aquele momento real, ali e agora; mas ela conseguia pensar em algumas coisinhas que tinha escrito e gostaria de tentar com ele, fruto de suas fantasias mais devassas.
E era isso que iria fazer. Já que tinha chegado até ali, não era agora que iria recuar.
E com isso em mente, ela se posicionou sobre ele e o guiou para dentro de si devagar, permitindo que seu corpo se esticasse e se acostumasse a ele, porque já fazia um tempo. Mesmo relaxada, se conhecia bem o suficiente para saber que não poderia ir com pressa, para não se machucar. Assim, ficou parada em cima de Hero por um instante e quando o encarou, percebeu que ele tinha entendido perfeitamente.
Um instante depois, ela começou a se mover e ele a puxou para cima dele, selando seus lábios, os quadris se movimentando em sincronia com os dela, como se seus corpos estivessem dançando uma coreografia que sabiam de cor.
quebrou o contato de seus lábios e sentiu mordiscar sua orelha, lhe causando arrepios. Em seguida, deslizou uma mão por entre seus corpos e novamente a tocou em seu ponto mais sensível, mantendo aquele estímulo externo à medida que eles se moviam cada vez mais rápido em busca de alívio.
Quando ele veio, alguns instantes depois, sentiu como se o ar escapar de seus pulmões. Ela choramingou baixinho, tremendo outra vez, enquanto ainda se movia, a acompanhando apenas alguns segundos depois, apertando suas nádegas com força quando finalmente gozou.
sentiu as mãos fortes percorrerem suas costas de forma quase possessiva ao mesmo tempo em que os dentes dele roçaram em seu pescoço.
O momento parecia tão íntimo que era como se eles fizessem aquilo todos os dias, como se conhecessem um ao outro perfeitamente. Não havia qualquer tipo de insegurança ou constrangimento por parte de nenhum dos dois, mas também não havia espaço entre eles para que houvesse.
Só era o que era.
E era bom pra cacete. Mas eles ainda estavam longe de serem saciados e alguns minutos depois, eles repetiram aquela mesma dança outra vez, e mais uma vez quando se recuperaram desta.

***


se virou, sentindo o corpo inteiro doer e teve que esperar alguns minutos para criar coragem para sair da cama macia e aconchegante de .
Tinham adormecido após serem vencidos pelo cansaço e ela não fazia ideia de que horas isso tinha acontecido, muito menos que horas eram naquele momento.
Levantou com cuidado para não acordar e coletou suas peças de roupa do chão do quarto, vestindo uma a uma. Sentiu o estômago reclamar e lembrou que eles não tinham almoçado nada ainda. No bolso da calça, encontrou seu celular e viu que se passava pouco mais de três da tarde. Quis tomar um banho, mas resistiu à vontade ao se lembrar que teria que tirar suas coisas da mala, então resolveu fazer isso quando chegasse em casa. Iria direto pra lá, de qualquer forma.
Tinha planejado trabalhar naquela tarde, mas as rodadas de sexo com Hero fizeram todos os planos dela irem por água abaixo. Mas não se importou. No instante em que decidiu seguir com aquilo, prometeu a si mesma que iria aproveitar sem arrependimentos.
Não era como se ela e estivessem apaixonados um pelo outro. Provavelmente nem se veriam mais depois daquele dia, não tinham motivos para tal. Isso deveria deixar calma e feliz de certa forma, mas a sensação era agridoce. Como se aqueles últimos momentos que passara com ele fossem o despertar de um sonho bom.
Assim que se certificou que não estava esquecendo de nada, encontrou um post-it verde neon na cozinha e escreveu um bilhete, que ela colou no abajur ao lado da cama, logo depois.

“Lembre-se de se alimentar bem hoje, você ainda não comeu nada.
Espero que eu tenha acertado no tamanho das suas roupas. Feliz aniversário adiantado, .
P.S. Sim, foi incrível. Uma boa despedida, talvez? De qualquer forma... Espero que fique bem.

Adeus,
.”


encarou o corpo adormecido de por um instante e sorriu. Era incrível como ele não tinha mudado quase nada nos últimos dez anos e só havia ficado ainda mais bonito. Bem ali, ela sentiu a nostalgia do que viveu uma década antes, quando o deixou naquela mesma posição depois da primeira vez que dormiram juntos.
E se permitindo mergulhar por mais um instante naquele sonho, ela sentou na cama e o observou mais um pouquinho. Tirou uma mecha de cabelo que caía em sua testa e então se inclinou e depositou um último beijo no canto da boca dele, antes de se afastar de vez.
Na sala, pegou as malas, andou até a porta e respirou fundo uma vez, antes de sair.
Do lado de fora daquele apartamento, a realidade a aguardava.

Capítulo 26

22 de junho de 2010, 00:29 - Nova York, NY

De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Insônia

“Querida ,

Eu deveria estar dormindo agora, só que não consigo e não importa o quanto eu tente. Já tentei até contar carneirinhos, mas nada funciona e minha mente tá a mil. Então, resolvi vir aqui contar algumas coisas aleatórias pra você.
Amanhã a Cave Panthers vai participar de um programa de rádio e, pra minha alegria, não tem nenhum tipo de filmagem. Ultimamente, há momentos em que as câmeras me deixam meio ansioso, então participar de algo sem a pressão de estar sempre bonito, sorrindo, etc. me deixa bem mais tranquilo. Não que eu seja antipático! Mas também não quero ter que precisar sorrir toda hora só pros panteras não começarem a pensar que tem algo errado, caso contrário.
E não tem nada errado, mas eu não sou do tipo que ri e sorri toda hora, você deve ter notado. É cansativo ter que reproduzir ações que os outros esperam de você só pra evitar que julguem errado. Isso me incomoda, às vezes, mas sei que não deveria, certo? Eu deveria agradecer por ter pessoas que se preocupam com meu bem-estar e eu, de verdade, sou grato. Não quero que ninguém pense que não me importo os sentimentos de cada um dos fãs da banda, porque me importo sim. Mas também gosto de ficar sozinho.
Talvez eu realmente seja introvertido e introspectivo. Por mais que tenha ocasiões que estou muito animado — geralmente no palco, ou quando bebo e me solto —, no fim, eu gosto de ficar na minha.
Deve ser porque sempre foi assim. Nunca fui de ter muitos amigos e agora todo mundo quer a minha amizade. Devo avisar a eles que não é porque eu venho de cidade pequena que sou um garotinho ingênuo que acredita em qualquer coisa ou qualquer um? Dá vontade de rir quando alguém me bajula, sinceramente. Mas às vezes, dá vontade de apenas ir embora pra evitar alguma situação patética. Enfim... Não é como se fosse algo novo.
Ah, o ainda continua com aquela mania de ler fanfics da banda. E o pior: eu não acho que ele vai parar algum dia. Ele também tá terminando a universidade. Lembra que falei há alguns anos que ele acabou se transferindo pra NY? Ele tentou fazer tudo online por um tempo, mas acabava dormindo ou indo parar em sites de fanfics! Caraaaaa!
O vive enchendo o saco dele por isso, mas não liga. Virou tipo um novo hobby pra ele. Ah, o agora tem uma namorada. Eles estão junto há duas semanas, mas cá entre nós, acho que não vai durar muito. Ela parece ser dessas meninas mimadas e bem... Menininhas (a menos que você prefira a palavra “fresca”, mas eu tô tentando não usar nenhum termo que possa soar depreciativo — mesmo não tendo certeza se esse seria um, mas tem gente que se ofende, né?). Eu não acho que ela faz muito o estilo do , principalmente sendo alguém impaciente e ranzinza como ele é, na maior parte do tempo. Mas vou aguardar os próximos capítulos dessa novela.
decidiu que a gente deveria ser fitness agora e resolveu me arrastar pra academia junto com ele. Nada como a gente fazia antes, nos exercitando como pessoas normais fariam, mas com direito a dieta e tudo. Eu até gosto do cardápio que o nutricionista montou pra gente e é legal ter firme e forte mantendo a disciplina por nós dois, mas mal sabe ele que de vez em quando eu fujo da dieta e como algo bem gorduroso e calórico. Tipo pra aliviar o estresse.
Enfim, acho que é melhor eu tentar dormir de novo agora... Ou talvez eu assista vídeos aleatórios no YouTube até adormecer.
Espero que você esteja bem e saudável.
Ainda sinto sua falta, .

Com amor,
.”


***


22 de março de 2016, 19:32 - Apartamento de Hero, Nova York

Mais uma careta tomou conta do rosto de Hero quando ele tentou repetir o movimento que Harry tinha instruído e o fisioterapeuta franziu o cenho.
— Que estranho. Você parecia bem ontem — ele comentou e então lançou um olhar desconfiado para o paciente. — Você por acaso forçou o punho ou o braço de alguma forma e não tá me contando?
Hero o encarou por um instante lembrando de todas as vezes que tinha apertado e corrido as mãos pelo corpo de na tarde anterior ou quando enrolou o punho no cabelo dela; não sentiu nenhuma dor no punho ou no braço, pois estava ocupado e anestesiado demais para prestar atenção nisso.
Mas obviamente nunca iria admitir aquilo para Harry. De jeito nenhum.
— Eu fui tentar carregar umas sacolas ontem e acabei dando um mau jeito — ele inventou.
Harry suspirou, mas não lhe deu uma bronca. Isso o fez pensar em novamente — tinha passado o dia todo pensando nela — que provavelmente estaria lhe xingando caso soubesse que ele havia se machucado quando os dois se divertiram juntos. Ela foi embora enquanto ele dormia e tudo o que deixou para trás foi um bilhete lhe dando um fora.
Ora, não tinha todas essas palavras, mas dizer que aquilo não deveria acontecer novamente — embora tivesse sido incrível, segundo as palavras dela — tinha sido praticamente um fora. Ao menos ela não disse que era um erro. Uma parte dele ficou chateado pela saída repentina e inevitavelmente o fez lembrar da que ele conheceu uma década antes e fez a mesma coisa, mas ele logo afastou o pensamento.
Elas não eram a mesma pessoa. E precisava parar de lembrar da garota de dez anos atrás porque isso não o levaria a lugar nenhum. Comparar a de agora com a de antes era injusto e desrespeitoso com as duas, ainda que o que eles tivessem tido não se passasse de uma aventura. Ainda assim, era como se a de dez anos atrás estivesse sempre ali, num cantinho de sua mente, como se seu subconsciente estivesse querendo mantê-la guardada ali para sempre. Ultimamente vinha pensando nela mais que o costume, mas convenceu a si mesmo que era porque a enfermeira tinha o mesmo nome que ela.
Tentando afastar os pensamentos, Hero balançou a cabeça e voltou a focar a atenção no fisioterapeuta, que estava tirando alguns aparelhos de uma mala.
— Tudo bem, já que você tá com dor, vamos fazer uma sessão de analgesia, então — Harry decidiu, enquanto terminava de organizar tudo o que usaria.
Em seguida, ele começou a colar algum tipo de adesivo no punho e no antebraço de Hero e então conectou tudo a fios de um aparelho que começou a lhe dar beliscões assim que foi ligado.
Era uma sensação esquisita, muito incômoda, mas suportável. Como se houvesse uma centena de formigas o picando de uma vez só a cada segundo. Ele fez uma careta e tentou controlar a respiração, se distrair com a TV ligada e com o que Harry conversava — ele explicou que o tratamento de choque ajudaria com a dor depois e que avisasse quando os comichões começassem a diminuir.
Mas antes não tivesse feito isso porque assim que avisou, o fisioterapeuta mexeu no aparelho e os choques recomeçaram duas vezes mais fortes, o que quase o fez xingar.
Cerca de quarenta minutos depois, Harry finalmente removeu tudo e para a surpresa de Hero, a sensação era como se seus músculos tivessem derretido durante aquele processo. Estavam dormentes e não havia tensão nem dor, apenas um pequeno incômodo. O tratamento de choque era chato, mas eficaz.
Mesmo assim, não esperava precisar mais daquele aparelho nem tão cedo.

***


22 de março de 2016, 19:48 - Apartamento de , Nova York, NY

apoiou o tablet na plataforma removível antes de entrar na banheira. Ao lado, havia uma taça, uma garrafa de vinho tinto e um prato estreito com petiscos que ela tinha organizado cuidadosamente em montinhos um ao lado do outro.
Já fazia algum tempo que a décima primeira temporada de Supernatural tinha saído, mas estava esperando uma oportunidade de assistir tudo de uma vez. Cinco anos atrás, ela conseguia realmente maratonar uma temporada inteira, mas agora sempre havia uma coisa e outra que a fazia ter que fracionar a quantidade de episódios que conseguiria ver por dia.
Estava acabando o segundo episódio quando o telefone começou a tocar. não viu quem era a princípio e esperou os segundos restantes do episódio até os créditos aparecerem antes de esticar o braço para pegar o aparelho que vibrava sem parar.
— Oi, mãe — ela disse, após atender.
— Seu pai fez uma reserva naquele restaurante italiano que você falou. Vamos jantar lá no sábado — ela informou. Eles costumavam sair para comerem juntos uma vez por mês. — Eu liguei pra e Andrew e perguntei se eles queriam ir junto, mas só Andrew disse que sim. Você não me contou que reencontrou com o Brandon...
piscou, surpresa.
— Ela te disse isso?
— Andrew disse — a mãe falou, fazendo-a rir. — Pelo visto, tá todo mundo torcendo pra eles reatarem. Mas e você? Nenhum namoradinho pra nos apresentar?
— Nenhum, mãe. — Ela revirou os olhos.
— Filha, eu sei que você ficou magoada com o que Peter fez, mas já faz muito tempo e-
Ah-ah! Não diga o nome daquele infeliz, mãe. Só de lembrar eu sinto vontade de enfiar porrada na cara dele — a cortou rapidamente. — Teria sido melhor que ele tivesse me traído com uma mulher. Ou um homem.
Madison suspirou.
— Só estou dizendo que você deveria seguir em frente. Nem todo mundo vai ser que nem ele.
— Eu sei. E eu tô seguindo em frente, mãe. Sozinha e muito bem — retrucou. — Vejo você e papai no restaurante.
— Tudo bem. Se cuide. Boa noite, meu bem.

Alguns minutos mais tarde, terminou de desembaraçar o cabelo e sentiu o couro cabeludo ainda dolorido — e nem era por causa do coque alto que tinha feito antes do banho.
Não. A dor era um lembrete do que tinha acontecido no dia anterior. E mais especificamente de quando tinha agarrado seu cabelo e enrolado o punho nele, puxando sua cabeça para trás para beijar seu pescoço enquanto a penetrava por trás...
sentiu a pele arrepiar só de lembrar de seus dentes raspando contra a pele de seu pescoço e balançou a cabeça, espantando aqueles pensamentos para um canto no fundo de sua mente.
Acessaria eles novamente quando fosse escrever sobre Ayla e Dean, quem sabe. A experiência do dia anterior ao menos lhe renderia algumas boas cenas quentes para o novo livro e seria estupidamente fácil descrevê-las; cada toque e sensação que eles compartilharam.
iria eternizar aqueles bons momentos para si mesma em um livro, principalmente sabendo que eles não iriam se repetir, o que era uma pena, mas ainda assim a coisa certa a se fazer.
Se envolver com era... Perigoso. Para sua mente e seu coração. já tinha se decepcionado uma vez com o último — e único — relacionamento sério que tivera. Tinha acreditado estar apaixonada e no fim de tudo, apenas quebrou a cara diante do fracasso.
Não literalmente, é claro. Mas aquilo a tinha feito endurecer um pouco, mais do que já era. E por mais que tivesse certeza de que nunca faria o que Peter fez com ela, ainda sabia que eles poderiam se magoar caso continuassem se vendo. E mais do que ser magoada, tinha medo de magoar ele.
tinha razão, afinal.
O que ela conheceu ainda estava lá e aparecia de vez em quando no lugar de Hero, o astro do rock mundialmente conhecido. Era quase como se fossem duas partes de sua personalidade se sobrepondo uma à outra. Quase como se Hero fosse seu alter ego, a sua versão mais confiante e ousada.
Talvez tivesse cedido a ele não somente por conta da tentação, mas também pela curiosidade. Tinha se passado dez anos e ela não era mais a garota virgem e inexperiente que tinha dormido com ele pela primeira vez.
Dez anos atrás tinha sido bom.
Mas no dia anterior tinha sido melhor ainda. Hero foi tão bom quanto disse que seria, o idiota arrogante. E ela não se lembrava da última vez que tinha ficado tão satisfeita depois de dormir com alguém.


***


No dia seguinte, o telefone tocou sem parar, mas daquela vez não era sua mãe, mas .
— O quê? — resmungou, esfregando os olhos com dois dedos, por baixo do óculos de grau que usava enquanto estava na frente do computador.
Já era a terceira vez que ligava e ela deixava tocar. Se fosse algo urgente, ele teria mandado mensagem de uma vez quando ela não atendesse.
Mas pelo visto, ele queria perturbar.
O quê? Como assim? Já é a terceira vez que eu ligo e você me ignora! — ele reclamou, indignado.
— Eu tenho o que fazer da vida, sabia? — retrucou, mas ele apenas ignorou.
— Eu achei uma lanchonete nova que tem um rodízio de doces e salgados. Vamos lá amanhã, reservei uma mesa — ele informou.
— Acho que você esqueceu de colocar um ponto de interrogação no convite, — ela comentou, sarcástica.
— Não é um convite. É uma declaração. Na verdade, uma intimação. Nós vamos lá — esclareceu. — E se você reclamar muito, eu te arrasto pelos cabelos — ele acrescentou, antes que ela retrucasse.
riu, divertida.
— Por que isso, de repente?
— Porque eu não quero ir sozinho. E ir com algum dos caras seria estressante, ia atrair muita gente.
— E eu sou sua única amiga?
— Íntima, sim. Eu não quero ir com nenhuma ficante. Não quero que tenham ideias de que é um encontro.
— Mas é um encontro — ela retrucou, só para irritá-lo.
— Mas não do tipo romântico e eu sei que você entendeu, . Agora, pare de ser chata. Eu já reservei uma mesa. Vamos às quatro, eu passo na sua casa, se você quiser.
— Minha casa é longe da sua. Me manda o endereço e eu te encontro lá.
— Tudo bem. Vá com fome! — ele avisou.
— Ah, sim. Vou pular o café da manhã e almoçar cedo — ela disse.
E nem era piada. Iria mesmo fazer isso, mas só depois de sua dose de cafeína matinal, é claro.
Por mais que visse todos os dias enquanto estivera no apartamento de Hero, ainda sentia falta de sair sozinha com o amigo. De ser ela mesma, sem máscara ou omissão nenhuma pairando entre os dois. E foi por isso que nem discutiu muito.
Estava de folga, de qualquer forma.
Seria bom sair um pouco só por diversão. Principalmente se era só para comer.
Ela adorava ir a lugares novos e mal podia esperar.

Capítulo 27

13 de fevereiro de 2011, 00:29 - Nova York, NY


De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Uma surpresa ruim

“Querida ,

Meu avô descobriu que tem câncer.
Isso faz algumas semanas e, felizmente, o tratamento já foi iniciado. No entanto, embora o médico ainda esteja confiante de que irá funcionar, também disse que há sempre um risco, pois o câncer é muito imprevisível e também explicou que os pacientes precisam ser monitorados por cerca de cinco anos depois da cura, pra garantir que não haja uma recidiva.
Eu não entendo muito disso, mas tô tentando ser otimista e não pensar nas coisas ruins que podem acontecer. Meu avô parece normal ainda, mas eu sei que ele tá sentindo dor. Sei que sente a todo momento e que passou um tempo escondendo isso da gente. Escondendo de mim. Ele passou o natal comigo e já estava se sentindo mal naquela semana, mas não me disse nada. Me sinto um idiota por não ter percebido.
Minha agenda tá cheia, mas vou aproveitar todas as folgas que eu tiver pra visitar ele.
Espero que corra tudo bem. Que dê tudo certo.
Mas vai não, é? Vai sim.
Gostaria que você estivesse aqui. Que eu pudesse falar com você pessoalmente, ou por telefone, pelo menos. Sua voz me acalmava e me fazia sentir bem.
PS. (Ainda) sinto sua falta.

Com amor,
”.


***


23 de março de 2016, 15:34 - Apartamento de , Nova York, NY

prendeu a respiração outra vez e se concentrou em tentar alcançar a raiz dos cílios com o pincel gordo da máscara que estava tentando aplicar.
Não podia piscar de jeito nenhum e nem respirar naquele momento, só precisava de muita calma para que saísse algo decente. Depois de alguns minutos, quando ficou satisfeita, encontrou um lip tint e fez um degradê com o tom bordô nos lábios, antes de acrescentar um gloss transparente.
Ele iria sumir todo assim que começasse a comer, mas pelo menos ela podia fazer tirar algumas fotos dela antes disso.
Checou o cabelo mais uma vez no espelho e sorriu, amando o resultado. Tinha ido ao salão durante aquela manhã e saiu de lá com algumas mechas discretas de um rosa muito claro que se destacava em meio ao marrom que ainda ocupava a maior parte de seu cabelo. Agora, os fios estavam levemente ondulados e muito macios e obviamente não podia deixar passar a oportunidade de fazer uma maquiagem combinando. Quanto às roupas, optou por um vestido rosa-claro ombro a ombro com estampa floral, cujo comprimento ia até as coxas e escolheu tênis e meias brancas para completar.
Bem menininha.
Tirando o fato de que ela já tinha vinte e oito anos completos e algumas tatuagens que quebravam o ar de menina doce que a roupa trazia; mas ela não se importava com isso.
Era quarta-feira.
E nas quartas, era dia de usar rosa.

Alguns minutos mais tarde, ela estacionou o carro ao lado do de e o avistou em pé ao lado do veículo, de braços cruzados, batendo o pé com impaciência.
Ela estava quase quarenta minutos atrasada e sabia disso. Assim também como sabia que ele odiava atrasos. Então, antes de descer do carro, pegou a bolsa — também rosa — e abriu seu melhor sorriso para encarar .
Fechou a porta do carro e se virou para ele.
— Desculpa — ela murmurou, fazendo bico.
encarou a mulher segurando a bolsa na frente do corpo e estreitou os olhos. De repente, seus lábios se ergueram em um sorriso.
— Meu Deus, você tá parecendo a versão morena da Ellie Woods — ele brincou, depois de correr os olhos por toda a roupa dela. — Ou eu deveria dizer Woods? Daria um ótimo nome, né? — acrescentou, o sorriso mais largo.
O sorriso de quase vacilou por um momento.
— Eu não vou cair nas suas provocações hoje, — ela disse, decidida. — Até porque sei que é tudo porque eu me atrasei.
— Seu cabelo tá rosa também ou é impressão minha?
— Eu pintei. — Ela sorriu, passando a mão nas mechas como uma patricinha rica e mimada. — Você gostou?
— Gostei, mas isso importa? O que interessa é se você gostou. Não tenho nada a dizer sobre isso. Mas aposto que ia babar em você, caso te visse vestida assim.
riu, divertida.
estava o completo oposto dela. Usava preto da cabeça aos pés e isso incluía os sapatos, boné e jaqueta — que devido ao calor, ele resolveu tirar, antes que saíssem do estacionamento.
— A gente tá parecendo aquele meme das casas — ela comentou, quando eles começaram a caminhar em direção à lanchonete.
— E com as personalidades invertidas, provavelmente — ele brincou, a encarando com um brilho de diversão nos olhos da mesma cor que o céu. — Você é uma megera.
— Como se você fosse muito diferente. Seus fãs não têm ideia do quão irritante você consegue ser, — ela retrucou, observando a fila que se formava nas duas portas, uma estava menor. — Você fez alguma reserva?
— Sim, e no seu nome. — Ele sorriu. — Eles disseram que tem duas entradas, a fila menor deve ser do pessoal que reservou. Eu pedi uma mesa no andar de cima; eles falaram que é mais privado lá.
— E você reservou no meu nome e falou o quê? Que eu sou famosa?
— Eu disse que você tinha fobia social e que poderia passar mal caso tivesse ao redor de muita gente.
— Inacreditável.
— Olha pelo lado bom, não vai ter ninguém além dos funcionários e o pessoal que também reservou as mesas lá. Eu vou até me sentar de costas pra ninguém me reconhecer — ele piscou e então tirou um boné e uma máscara do bolso de trás da calça.
riu, balançando a cabeça e por incrível que pareça, eles conseguiram entrar sem que fosse reconhecido. Parecia mais um cara alto comum com físico de atleta. Não era nenhuma novidade em Nova York, então as pessoas mal olhavam duas vezes.

O primeiro andar do local era bem tranquilo e não havia muita gente. Felizmente, ninguém pareceu reconhecer , ou as costas dele, pelo menos. Ele tinha pensado em tudo e tinha que lhe dar algum crédito, mesmo com a história idiota sobre ela ter fobia social.
Depois de alguns minutos jogando conversa fora com o amigo enquanto tiravam fotos um do outro e juntos, um garçom entregou um cardápio a cada um e explicou como funcionava a dinâmica do rodízio. encarou as dezenas de pratos doces e salgados, fazendo uma lista mental do que escolheria. E melhor ainda, ela e optaram por pratos diferentes para dividirem depois.
O croissant de carne seca e nata foi o primeiro prato a chegar, seguido das bebidas e outro croissant com recheio de queijo que ele tinha escolhido. Nenhum dos dois conseguiu decidir qual era o melhor. Algum tempo mais tarde, levou o copo de refrigerante aos lábios e bebeu um gole, antes de mencionar uma certa festa surpresa para Hero.
— Festa surpresa? Sábado? Eu não posso participar — ela disse, sem hesitar.
— Por quê?
— Eu vou estar de plantão no sábado, então não rola. Além disso, eu nem sou amiga dele, .
— Eu achei que era. Ou pelo menos foi o que pareceu quando vocês começaram a se dar bem.
— Mas não esse tipo de amiga. Não é como se fôssemos próximos.
— Besteira, . Você só tá dando um monte de desculpas esfarrapadas, como sempre. Você nunca nem apareceu em nenhum dos meus aniversários nos últimos anos — ele lembrou, rancoroso.
— Ai, lá vem. Você parece uma velha rancorosa, . Sabe bem porque eu nunca fui, mas eu sempre te compensei depois.
rolou os olhos.
— É, eu sei. Eu tô só sendo dramático — ele admitiu. — Mas eu ainda queria você lá no sábado. gostaria disso.
— Eu acho melhor a gente não se encontrar mais. Ele não é mais meu paciente e não temos motivo pra isso.
— Ah, é. Principalmente depois que você dormiu com ele, você quer dizer?
, que estava a meio caminho de tomar um gole de água, congelou o braço no ar.
— Eu o quê?
Hero tinha contado a ele?
— Ele não me contou, se é o que você tá se perguntando. Mas ele tava meio estranho e eu acabei reparando por acaso em uma embalagem colorida vazia, quase debaixo da cama. — Ele sorriu. — Não que fizesse diferença porque ele ia contar mais cedo ou mais tarde.
abriu a boca, em choque.
— E o que você tava fazendo no quarto dele?
— Nada. Ele tava no banho e eu tava entediado. O quarto tava escuro demais então eu abri as cortinas pra iluminar um pouco o ambiente, e foi aí que eu vi. Mas ele não sabe que eu sei.
— E o que te faz pensar que ele dormiu comigo e não com outra mulher?
— Além do óbvio? — deu-lhe um sorriso felino. — Você era a única mulher ao redor dele no último mês que ele poderia desenvolver algum interesse. Além disso, você não negou nada e isso não só confirma o que eu disse, como mostra que você também tem interesse. Além disso, Hero não sai dormindo aleatoriamente com ninguém há muito tempo. Dá pra contar nos dedos os casos que ele teve, mas essa parte você deve ter conhecimento como uma boa pantera.
fez uma careta, tentando não pensar em todas as mulheres lindas com quem Hero se envolveu nos últimos anos, mesmo que fossem só casos. Ela sabia que não era da conta dela, mas não podia ser hipócrita e dizer que apoiava e estava feliz por ele estar com quem quer que fosse.
Era a maior mentira de todas que a maioria dos fãs dizia, mesmo que nem gostassem da pessoa com quem ele estivesse. Besteira, a maioria apenas tolerava.
E tolerou principalmente o relacionamento de Hero com Megan Park, a primeira e última namorada oficial dele, ou o único de seus relacionamentos que tinha sido admitido publicamente, pelo menos. Os dois tinham terminado e voltado tantas vezes nos oito meses em que ficaram juntos que houve um tempo que realmente se perguntou se eles eram algum tipo tóxico e distorcido de almas gêmeas.
Aí ela traiu ele e ganhou um pé na bunda.
Bons tempos. sorria só de lembrar.
— Certo, eu não vou negar e nem dizer que foi um erro. Eu quis aquilo, . E aproveitei cada segundo. Mas não vai rolar de novo.
— Ele não viu sua tatuagem?
— O quarto tava escuro, como você reparou. — Ela deu de ombros. — Se ele tivesse visto e lembrado, você já estaria sabendo.
suspirou, resignado.
— É, provavelmente.
Não adiantava ele repetir o mesmo discurso de sempre. não iria ouvir, de qualquer jeito; ela sempre fazia o que bem entendia e raramente mudava de ideia.
Aquela vez não seria diferente.

***


26 de março de 2016, 18:52 - Restaurante Colibri, Nova York, NY - Alguns minutos antes de dar merda

Andrew chegou antes mesmo que seus pais. estranhou, mas soltou um suspiro aliviado por não estar atrasada; naquela noite, era seus pais que estavam e ela chutava que devia ser por causa do trânsito.
Entrou na pequena sala onde havia uma mesa de vidro com seis cadeiras e puxou uma para se sentar em frente ao amigo.
— Por que aqui tá tão silencioso? — ela perguntou a ele.
Andy tirou os óculos de armação fina e arredondada do rosto e o levantou contra a luz, procurando alguma mancha.
— Pois é, perguntei à gerente e ela me disse que alguém fez uma reserva do restaurante inteiro, mas como seu pai já tinha feito uma antes, eles resolveram manter — ele contou, enquanto esfregava a ponta do guardanapo nas lentes grossas. — Deve ser algum aniversário.
— Ah, nem me fale. tava organizando uma festa surpresa pra e perguntou se eu queria participar. — Ela riu pelo nariz. — Falei que tava de plantão e ele acreditou.
— Por que você não disse que já tinha compromisso?
— Não sei. Provavelmente porque o trabalho ele sabe que não é dispensável — ela supôs, enquanto checava o celular. — Minha mãe mandou alguma mensagem pra você?
— Por enquanto, não... — ele parou de falar, quando o celular vibrou em cima da mesa. — Acabou de mandar. Devem chegar em uns dez minutos.
— Ótimo.

Uma hora mais tarde, um barulho de gritos e aplausos foi seguido após um coro de pessoas cantarem “Feliz aniversário”. não sabia quem era, mas era inevitável não se lembrar de naquele momento, mesmo ela conhecendo três ou quatro pessoas que faziam aniversário no mesmo dia que ele.
— É, pelo visto é mesmo um aniversário, 1 — Andy brincou.
— Não parece estar muito animado — Ronald , o pai de , comentou. — Aposto que os garçons ajudaram a animar um pouco.
— Tem razão — Andy concordou. — Será que a gente não deveria dar uma mãozinha também, Sr. ?
— É uma ótima ideia, Andy. — Ron sorriu, de bom humor.
— Ah, por favor. Se eles alugaram o restaurante é porque querem privacidade — Madison deduziu.
— Estou apenas dizendo que é estranho. Não parece ter muita gente nesse aniversário, querida — o marido retrucou.
— Eu vou ao banheiro, enquanto vocês discutem — anunciou, antes de se levantar.
Alguns minutos depois, estava prestes a voltar para a sala quando esbarrou em alguém.
— Me descul-
Mas ela parou de falar quando seus olhos encontraram o par de orbes azul-celeste que não pareciam nada felizes em encontrá-la ali.
— Você disse que ia trabalhar! — acusou, a puxando pelo cotovelo para um canto. — Sua mentirosa!
— Eu vim jantar com os meus pais. Minha mãe ligou antes de você falar comigo — ela explicou.
— E por que não me disse?
— Porque você provavelmente iria convidar eles também em vez de parar de me encher o saco! — Ela afastou a mão dele. — Você sabe que eu não queria vir e agora-
? — ela ouviu uma voz dizer e virou o rosto, encontrando Hero na porta do banheiro. — O que você tá fazendo aqui?
— Oi, eu tinha uma reserva. — Ela sorriu. — Acabei esbarrando em , que coincidência, né, ? — Ela deu uma cotovelada no amigo. — De todos os lugares que você tinha que escolher. — Mas mal ouviu essa parte.
E antes de pedir para que repetisse, um homem alto apareceu acompanhado de uma mulher mais velha.
— Por aqui, Sr.ᵃ . — Ele mostrou o caminho. — A deve... Ah, . Aí está você. Seu pai pediu pra checar porque você estava demorando.
— Ele achou que você pudesse ter se sentido mal com o vinho — a mulher murmurou, só então notando a presença dos outros dois rapazes. — Ah, olá. Vocês são amigos da minha pequena colibri?
— Mãe... Larga desse apelido — ela falou entredentes.
— Por que, 1? Você já tá grandinha demais pra ficar com vergonha disso — Andrew brincou.
1...? — Hero murmurou.
Calibri? o encarou. — Ela falou calibri mesmo ou eu ouvi errado? — ele perguntou ao amigo.
— Acho que foi colibri. corrigiu.
fez força para empurrar Andrew dali.
— Cai fora, Andy! Você não disse que tinha que ir ao banheiro?
— Eu não disse — ele rebateu, com um sorriso. — E isso não é jeito de falar com o seu chefe!
— Chefe? Você também é enfermeiro... Ou médico? — Hero perguntou.
— Ah, não — Andrew disse, relaxado. — Eu sou-
— Um pé no saco, é o que ele é. Chefe, minha bunda...
— Ei, olha a língua! — Andy retrucou.
— Olá, eu sou Madison . — A mãe dela se apresentou para os dois homens ao lado da filha, ignorando a pequena discussão que ela estava tendo com Andrew.
— Sr.ᵃ ! É um prazer conhecer você. me falou sobre a senhora, nós somos amigos. — sorriu, simpático. — Meu nome é e esse aqui é o , ele foi paciente da sua filha depois de um acidente...
— Ah, sim. Vocês são da Cave Panthers, claro! — Ela sorriu. — Eu bem que achei que os conhecia de algum lugar.
— A senhora conhece nossa banda? — Hero perguntou.
— Claro, sempre acompanhou vocês. E devo dizer que vocês são ainda mais bonitos pessoalmente, e bem altos… Foram vocês que alugaram o restaurante?
— Ah, sim. Eu aluguei — disse. — Hoje é o aniversário de . Vocês gostariam de se juntar a nós? — ele convidou, olhando de canto para que ainda estava distraída com o amigo.
— Ah, como assim? Nós não vamos incomodar?
— Somos só nós quatro. Henry, nosso gerente, veio também, mas saiu há alguns minutos — explicou. — Fiquem à vontade, caso queiram se juntar a nós. Tava mesmo meio chato só com aqueles três…
— Vou falar com meu marido, ele também estava meio entediado. Principalmente aqui, sem ninguém. Ronald gosta de observar as pessoas e conversar muito.
— Eu e também adoramos conversar — falou. — Posso ajudar a convencer o Sr. , se quiser.
— Convencer meu pai a quê? — perguntou, de repente, pegando só uma parte da conversa.
— Ah, a gente tava convidando vocês a se juntarem a nós. — sorriu. — O que acham?
— Já é! Vou avisar o Sr. — Andy concordou, antes que pudesse negar.
E mesmo que pudesse inventar alguma desculpa boa o suficiente para seus pais não cogitarem aquela proposta, não havia nenhuma que pudesse pensar no momento. Não que fosse servir, de qualquer forma.
Sua mãe parecia ter caído nas graças dos dois homens que a cercaram com seus olhos e sorrisos incríveis. E ainda havia as covinhas.
não podia culpá-la.

Capítulo 28

18 de novembro de 2011, 02:44 - Chicago, IL

De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: A vida é um sopro

“Querida ,

Meu avô faleceu hoje e eu não sei o que fazer. Parece que uma parte de mim foi arrancada contra a minha vontade e o pior de tudo foi que presenciei tudo o que aconteceu.
Eu sei que sumi no último mês por conta do trabalho, mas acabei cancelando um monte de compromissos pra poder vir pra Chicago ficar com ele no hospital. Faz duas semanas que cheguei e na semana passada, ele começou a piorar.
Hoje eu vi a vida se esvair dos olhos dele, pouco antes dele ter uma parada cardíaca. Em seguida, vi os médicos tentarem reanimá-lo por quase uma hora, sem sucesso. Eu estou tão, tão assustado, .
Quando tudo acabou, os médicos tiveram que mandar me tirarem de lá e acho que me entupiram de calmantes porque tudo o que sinto agora é um vazio enorme.
Eu não queria me revoltar com Deus, mas não consigo parar de me perguntar porque ele tinha que levar meu avô assim. Ele era a pessoa mais importante pra mim. Estava tão bem antes, e então, do nada, parecia outra pessoa, de tão frágil que ficou.
De repente, ele era só uma casca e de uma hora pra outra não era mais nada. Foi como se a vida dele fosse a chama de uma vela que se apagou de repente, antes mesmo de completar a queima, e eu me sinto tão triste por ele ter ido assim, por eu não ter conseguido passar mais tempo com ele...
Porque essa doença tinha que existir, hein? É horrível pra quem tem e horrível pra quem acompanha e olha que eu nem vi tudo o que deve ter acontecido, todas as crises dos últimos meses.
Por que ele tinha que ir assim?
Por que ele tinha que me deixar também, ?
Primeiro o meu pai, que praticamente passou a vida me rejeitando e sendo um filho da puta e agora o pai dele, que foi a minha verdadeira figura paterna o tempo todo...
E teve você também, que parece ter evaporado.
Será que o problema sou eu? Era eu o tempo todo? Talvez eu devesse me esforçar pra mudar, então. Talvez assim as perdas que vierem daqui pra frente não se tornem mais suportáveis.
Porque agora tá doendo demais.
Mas eu acho que você também não se importa, né? Aposto que nunca nem viu nada do que escrevi, mas a culpa é minha por ser tão estúpido e continuar fazendo isso, então talvez seja hora de parar. Estou cansado, . Muito cansado de tudo e de todos. Parece que toda a fé e esperança que eu tinha dentro de mim se esvaiu e o que eu tô sentindo agora… sinceramente, não desejo a ninguém.
Espero que você esteja bem e saudável. Vou continuar pensando que é exatamente assim que você tá porque eu odiaria descobrir que algo de ruim aconteceu com você também.
E pela última vez...

Com amor,
.”


***


23 de março de 2016, 13:34, três dias antes - Apartamento de , Nova York, NY

abriu a mensagem de e clicou no link que ele tinha enviado em uma janela privada, antes mesmo de respondê-lo. A manchete parecia maior do que era em sua letras garrafais, todas maiúsculas, seguidas de um texto:

“A GAROTA FOI ENCONTRADA?

Na tarde de ontem (22), o Baxter, integrante da banda Cave Panthers, foi visto em um encontro na companhia de uma mulher misteriosa.
Segundo nossas fontes, ambos foram até o local em carros separados e se encontraram no estacionamento, conforme mostra as fotos abaixo. Soubemos ainda que uma reserva foi feita no restaurante/lanchonete no nome de sua acompanhante e arriscamos dizer que o músico provavelmente não estava interessado em ser reconhecido em tal local público.
O casal passou algumas horas no local e foi um encontro tranquilo, sem interrupções. Mais tarde, ambos se despediram com um abraço no mesmo estacionamento e foram embora em seus respectivos veículos, seguindo em direções opostas.
Descobrimos que a mulher em questão se trata de , uma jovem enfermeira que atualmente trabalha no Hospital Mount Silla, em Nova York, também o mesmo hospital onde o líder e vocalista principal da banda, Hero , esteve internado apenas algumas semanas antes.
A
Garota é uma personagem conhecida entre os fãs da Cave Panthers, presente em diversas músicas, a maioria composta pelo líder da banda, o que levou os fãs por diversos anos a questionarem se ela seria uma ex-namorada do vocalista ou apenas uma personagem. Nenhum dos quatro integrantes jamais admitiu que havia uma pessoa real por trás da Garota , no entanto, as teorias não pararam mesmo depois de uma década. Como brincadeira, sempre que perguntados sobre a tal '', os integrantes costumam brincar com diversos nomes que começam com a inicial, uma brincadeira particular deles com os fãs para aumentar a curiosidade dos mesmos.
Mas o que vocês acham? Seria a Srt.ᵃ a famosa
Garota ou foi apenas uma coincidência? E se a personagem em questão não fosse a garota do Hero, mas a do o tempo inteiro? Comentem suas teorias!
O (possível) casal ainda não se pronunciou sobre o ocorrido, mas nós voltaremos com mais informações, assim que possível!”


— Que porcaria... — murmurou sozinho, enquanto abria o Instagram. Digitou uma mensagem sucinta e clara nos stories, antes de postar:

“A Srt.ᵃ e eu somos apenas amigos. A conheci há alguns anos no hospital em que ela trabalha e fizemos amizade. Ela também foi a enfermeira responsável pelos cuidados domiciliares de Hero. Não somos um casal e nem pretendemos ser um. Por favor, parem de espalhar e acreditar em boatos. Não tomem conclusões precipitadas”.

Em seguida, abriu novamente a janela e digitou um complemento:

“A Garota foi ideia de Hero. Se existe ou não uma pessoa por trás da nossa personagem, ele é a única pessoa que pode confirmar. E é por esse motivo que nós sempre brincamos. Apenas nosso líder pode dizer, SE e QUANDO ele quiser.”

postou o segundo texto e rapidamente silenciou as notificações da rede social, antes de finalmente responder a .

: EIIII, VOCÊ TÁ AÍ?
: Acabei de postar um texto no insta negando tudo, relaxa.
: Por que tão achando que ela é a Garota ? Espera, é SÓ porque o nome dela começa com K???? QUE POVO SEM NOÇÃO!!
: Relaxa, cara. Eu nem sabia que tinha algum paparazzi na minha cola. O cara foi muito discreto.
: Você já falou com Hero? Ele deve tá confuso. Manda logo uma mensagem no grupo pra disfarçar, ou sei lá.
: Vou subir pra falar com ele.

Um instante depois, o celular tocou.

— Antes que você vá, eu preciso contar uma coisa. Preciso falar pra alguém; tá ocupado e Hero não é uma opção — falou rapidamente.
— Tá, diz o que é — respondeu, se sentando no braço do sofá em sua sala.
— É sobre a Garota — ele começou. — Acho que encontrei ela, .
arregalou os olhos ao ouvir aquilo.
— Encontrou? Onde?
— Lembra que eu entrei num grupo de fãs? Então, acontece que lá tem umas fãs muito antigas e elas falaram de umas fanfics antigas que uma tal de Fleur Colibri escrevia. Uma menina tem quase certeza que o nome dela era , mas eu tive certeza assim que li o que ela escreve.
— Sério? — levantou uma sobrancelha, desacreditado.
Devia ser só mais um alarme falso.
— Sério — confirmou. — Tô te falando. O blog dela não existe mais, só que hoje em dia essa Fleur é uma escritora bem famosa, cara. A mulher deve ser rica a essa altura. Eu comprei o primeiro livro dela pra ler porque vi umas fãs especulando que tinha muitas referências que lembravam a gente.
— Ah, é? Que tipo de referências, ? — Ele rolou os olhos, ainda sem acreditar. Talvez houvesse referências, mas não seria a primeira vez que alguém escrevia algo inspirado neles.
— Você tá duvidando, porra?! Eu vou te provar! — disse. Óbvio que ele ia notar só pelo tom de voz de , se conheciam bem demais. — O primeiro livro dela se chama Sorvete, Pizza e Música e cita uma banda no início da carreira, que nem mesmo tinham gravadora ainda. Quatro membros, : Doug, Mark, Richard e Aidan.
— Tá, e daí? Eles tem nossas iniciais. Não é a primeira vez que isso acontece, .
— Acontece que a história é sobre a e o Hero. Tem até uma conversa em um pub. O Mike pegando no pé do Doug e... Cara, é a gente! Não tem como ninguém saber disso — ele insistiu. — Depois a protagonista, Kelly, sai com o Aidan, líder da banda. Tem um festival de música também quando eles ganham o prêmio de segundo lugar e... Cara, o romance. Eu acho que ela inventou algumas coisas pra encher a história, mas tem coisas muito parecidas. Você deve saber mais que eu já que ele te conta tudo.
— Tá, e aí? Você tem algo pra me mandar?
— Tô fazendo isso agora mesmo, não desliga — avisou. — Pronto, mandei cinco trechos que eu marquei enquanto lia. Olha e me diz se isso não é a e o Hero.
suspirou e então abriu novamente o chat privado, lendo cada um dos cinco trechos que tinha enviado.
E maldição. Ele tinha razão.
Mas... Será que era a mesmo? Ela nunca falou que era escritora. Ele sabia que ela tinha uma marca de roupas e acessórios femininos com , mas... Escrever? Ele nem tinha noção de que ela pudesse gostar disso. Mas também nunca disse qual era o outro emprego que ela tinha. apenas supôs que ela falava sobre a marca de roupas o tempo todo, contudo... Aquilo estava claro demais pra não ser ela.
Até o pedaço de panqueca que ela tinha roubado de , antes de sair do apartamento. Aquilo era algo que só ela e a banda poderia saber. Porque eles estavam lá quando aconteceu.
respirou fundo uma vez, tentando imaginar porque ela não tinha dito nada, mas não a culpava por esconder. Se ela estava sob um pseudônimo era porque queria permanecer no anonimato. E talvez porque já tivesse a encontrado àquela altura, caso tivesse conhecimento de alguma que era uma escritora muito famosa.
Talvez fosse exatamente isso, ou pelo menos um dos motivos dela manter o anonimato.
— Cara, você tá aí? Responde! Você já terminou de ler?
— Eu li. Você tem razão, — ele disse, sem pestanejar. — Vai contar pra ele?
— Eu pensei em dar esse livro de presente. Marquei todas as coisas que lembram eles dois. O que você acha?
— Eu acho uma ótima ideia — ele disse, um sorriso se erguendo no canto da boca.

***


— Você vai dizer logo ou vai continuar me encarando? — perguntou de uma vez.
Já fazia cinco minutos que estavam sentados na bancada de — ele tinha levado sanduíches — quando o amigo checou o celular e então caiu em silêncio.
Hero respirou fundo, de braços cruzados e então pegou a deixa.
— Você saiu com — ele começou a falar.
— Saí — respondeu, tranquilo, dando outra mordida no sanduíche.
levantou uma sobrancelha.
— Você tem interesse nela? — ele quis saber.
— Não quando o seu é tão óbvio — respondeu, com um sorrisinho. — E eu sei que você dormiu com ela. Eu vi as provas. Talvez você queira checar se não esqueceu nenhuma embalagem vazia debaixo do lençol da cama. Além disso, ela me confirmou ontem.
— Você... Como você viu?
— Você vive com aquelas cortinas fechadas, seu idiota. Eu fui abrir e acabei vendo por acaso. Não procurei por isso.
— E admitiu pra você? Ela deixou um bilhete falando que foi bom, mas que não podia acontecer de novo.
riu pelo nariz.
— Típico. Nem me surpreende. Você chegou a falar com ela depois disso?
suspirou apoiando o braço machucado em cima da bancada.
— Não. Eu quase mandei uma mensagem, mas acho que ela não quer mais me ver ou falar comigo.
— Que merda.
riu, sem humor.
— Parece a , né? — ele perguntou, sem graça. — Talvez eu devesse colocar na lista de nomes de mulheres com quem nunca devo me envolver. Já é a segunda que faz isso.
— Relaxa, cara. Dá um tempo pra ela. Ela deve tá achando estranho, até domingo você era paciente dela. Se coloca no lugar dela, você é um astro do rock e ela é uma mulher comum — aconselhou.
Mas a verdade era que queria dizer:

Sim, eu acho você devia ligar pra ela, . Melhor ainda, eu acho que você deveria visitar ela na casa dela. Ela nunca me deixou ir lá, mas aposto que você consegue o endereço rapidinho. Confronta ela, cara. Se tu quer essa mulher, vai atrás!

Mas essa opção possivelmente o faria levar uma surra de , mesmo ela sendo bem menor que ele. E tinha feito uma promessa de não revelar nada do que sabia sobre e não se intrometer naquele assunto.
Não diretamente, pelo menos.
Ele deixaria que desempenhasse aquele papel.

***


26 de março de 2016, 21:34 - Restaurante Colibri, Nova York - Aniversário de Hero

estava tendo um sonho.
Só podia ser isso.
Até porque a outra opção era que todos naquela sala estavam tendo um surto coletivo.
Nunca, em todos os seus anos de fanfiqueira, ela imaginou que um dia estaria com sua banda favorita e seus pais dividindo o mesmo (e minúsculo) ambiente. Era estranho e ela não conseguia nem descrever em palavras suficientes o quão surreal parecia; isso até o momento em que se virou para Andy e pediu para ele lhe beliscar para ela saber se estava sonhando ou não e ele realmente beliscou.
— Ai! — ela reclamou, esfregando o local dolorido do braço.
— Você que pediu. — Ele deu de ombros. — Olha, parece que seus pais caíram nas graças deles. — Ele indicou com a cabeça. Ronald e Madison riram animados com algo que estava falando, cada um com uma taça de vinho na mão. e Andrew não estavam bebendo, pois ambos precisavam dirigir e seus pais tinham vindo de táxi. Salvo uma taça que ela tomou há mais de uma hora, tudo o que tinha ingerido até então tinha sido suco de limão gaseificado e comida.
— Isso é um pesadelo — ela disse a Andrew. — Se eles não se manifestarem pra ir embora em, no máximo, vinte minutos, então eu vou e deixo vocês aí.
— E arriscar eles deixarem o álcool falar sobre você, mais do que já tão falando?
— Tipo quando você quase mencionou que é meu editor? — Ela sorriu, sarcástica.
— Aquele cara não para de olhar pra cá, sabia? — ele murmurou no ouvido dela, como se contasse um segredo. ouviu um pigarro, mas não desviou o olhar de Andrew. — Aconteceu alguma coisa que você não tá contando, 1?
— Nada que precise se preocupar, Andy. — Ela sorriu.
O mais velho segurou sua mandíbula e então deu-lhe um beijo na bochecha, fazendo-a rir.
— O que você tá fazendo? — ela perguntou, em um sussurro.
— Lembrei daquele personagem do livro novo, o ex da protagonista, e quis perturbar um pouquinho o seu garoto. — Ele deu de ombros, antes de roubar um gole do copo de suco que ela segurava.
— Você é insuportável, Andy — ela sibilou, apertando uma das bochechas dele.
Andrew reclamou, mas novamente alguém pigarreou.
! — foi quem falou. — Quer dizer que você já pintou o cabelo de roxo? Quem diria, hein?
— Mãe! Acho que tá na hora de parar com o vinho já que você tá começando a contar histórias minhas.
— Foi o seu pai que mencionou, não eu — Madison retrucou. — Eu tava apenas falando sobre a sua avó.
— Falando de quê?
— Ah, querida. Do seu apelido — ela disse e se virou para e Hero, ambos sentados ao seu lado. — Vejam só, nós a chamamos de pequeno Colibri desde que ela era criança. Significa beija-flor em francês.
— Você é francesa, Madison? — perguntou, chamando-a pelo nome; Madison tinha insistido que não era tão velha assim para ser chamada de senhora.
— Minha mãe é. Eu aprendi francês quando era criança e tentei ensinar a , mas ela não tem tanta aptidão pela língua.
— Porque tem umas pronúncias muito difíceis e um sistema de conjugação verbal e contagem piores ainda que me dão sono, mãe — lembrou, rolando os olhos.
— Ah, eu sei como é isso. A parte da contagem, pelo menos — disse. — Às vezes eu ainda fico um pouco confuso no japonês, mesmo sendo a língua que sempre falamos em casa. A pronúncia é mais fácil que francês, mas os kanjis, em compensação...
— Nem me fale. Eu tentei aprender japonês durante um tempo e acabei desistindo — ela contou. — Nem lembro mais de nada.
assentiu em compreensão e apontou para o cabelo dela.
— Adorei a cor. Você tem fotos do seu cabelo roxo? Eu queria ver.
— Ah, não. São fotos antigas, deve ter uns seis ou sete anos e eu mudei muito de lá pra cá.
é uma dessas meninas que se transformam quando mudam de cor de cabelo ou usam muita maquiagem — Andy falou. — Além disso, teve a rino-Ai! — ele reclamou depois de ganhar uma cotovelada dela. — Era pra ser segredo?
— Não, mas foi um acidente — ela disse, antes de virar para . — Eu tinha desvio de septo e fiz uma cirurgia por isso, aí juntei o útil ao agradável.
— E mudou muito? — perguntou.
— Não mudou muuuuito — Andy respondeu por ela. — Talvez um pouco, mas eu tava sempre vendo a , então não faz muita diferença.
— E o que vocês são?
— Ele é o irmão da minha melhor amiga — respondeu. — E meu companheiro de leitura.
— Ei, era eu que ouvia os seus desabafos quando você ficava puta com um livro. Eu até lia junto pra gente comentar. Não sou um mero companheiro.
— E o que é, então? Parceiro de fofoca?
— Parceiro de elaboração de críticas negativas sobre pequenas ou grandes injustiças e furos em uma história.
— Isso é só um jeito chique de dizer que a gente fala mal dos livros que não gostamos...

sorriu para Madison outra vez, mas a maior parte de sua atenção se mantinha na mulher de mechas rosas sentada do outro lado da mesa com o tal de Andy e , que tinha se juntado a eles há alguns minutos depois de esgotar todo o seu repertório de piadas de tiozão com o pai de . O sujeito era um homem tranquilo com um ótimo senso de humor, embora não tivesse tanta certeza se continuaria assim, caso soubesse o que ele tinha feito com sua única filha, sua eterna princesa, poucos dias atrás.
Algo dizia a que Ronald não estaria sorrindo para ele daquela forma, se descobrisse. Apenas alguns minutos depois que começaram a falar sobre , ele já tinha descoberto que embora tranquilo, o ciúme paterno ainda estava lá, mesmo que a filha tivesse quase trinta anos.
Hero não tinha noção de como era ter uma filha ou filho e nem tinha planos de ser pai um dia, então não conseguia imaginar muito bem como devia ser aquele tipo de sentimento. Ele nem se achava um cara ciumento para início de conversa, mas então lembrou de três dias atrás, quando praticamente interrogou a respeito de seu pequeno encontro com sua ex-enfermeira. E ainda havia aquele Andrew, beijando-a no rosto à toa, enquanto ela sequer parecia se importar.
Se fosse ele, provavelmente estaria dando um maldito chilique. Ele nem sabia porque ela agia assim, mas sabia que não era devido à timidez. Ela não teria conseguido lidar com ele e fazê-lo obedecer todas as orientações durante o último mês se fosse tímida.
Claro que ainda havia o fato de que ele se sentia absurdamente confortável perto dela. E depois do primeiro episódio com o banho, provavelmente não havia mais nenhuma situação que pudesse constranger os dois.
No entanto, ela não parecia interessada em interagir com ele. mal tinha trocado algumas palavras com ele naquela noite. Depois de desejar feliz aniversário e o abraçar — de uma forma que parecia que eles nunca tinham se tocado antes —, ela mal falou alguma coisa.
se sentia patético por se importar com aquilo. Eles deveriam pelo menos ter uma conversa, no mínimo. E também sentia vontade de sentar bem no meio entre Andrew e ela, apenas para separá-los.
Maldição. Ele tinha até um apelidinho para ela. 1. O que diabos significava 1, ele não fazia ideia e também não queria saber. Que se dane.
Talvez ele estivesse mesmo com ciúmes, mas não admitiria, de qualquer forma. E se ela queria ter um fim definitivo, não querendo nem mesmo ser amiga dele, era que teria a palavra final.
Uma já desapareceu sem explicações uma vez e ele não deixaria isso acontecer de novo, mesmo tendo noção de como encontrar aquela ali.

Alguns minutos mais tarde, a mãe de anunciou que estavam indo embora e o rapaz que estava com eles — que descobriu que era mais velho do que parecia —, os acompanhou para dar-lhes uma carona. se despediu, em seguida e acenou para eles, antes de ir também.
Por um segundo, Hero pensou em ir atrás dela, mas a ideia se foi tão rápido quanto veio. Ele agiria com calma. Não daria uma de idiota emocionado só porque eles dormiram juntos uma vez.
Não, era só o problema de ser abandonado, de cortar relações, que o incomodava.
“Você tá apaixonado por ela, cara?”, havia perguntado três dias atrás. negou de prontidão, mas hesitou por um segundo, sem nem saber porquê. Provavelmente porque não tinha mais certeza de nada.
Quem sabe ele não era só mais um idiota emocionado mesmo? Escrevendo dezenas de músicas sobre a mesma garota que ele viu por apenas cinco dias, transformando ela em uma personagem, e nem sequer lembrava do rosto dela depois de tanto tempo. E depois se envolvendo com alguém com o mesmo nome que ela e que o lembrava dela.
Patético. Patético, com certeza.
As pessoas provavelmente veriam aquilo como algum tipo de chacota, caso soubessem.
Ele era uma confusão ambulante.

***


Quando foi a vez deles irem embora, antes de entrar no táxi que tinha chamado, entregou um pacote pardo a .
— A embalagem tá feia porque fui eu mesmo que enrolei. É um livro.
— Um livro? — Hero levantou uma sobrancelha. Ele nunca ganhava livros, porque mal lia.
— É um livro muito bom, prometo. Eu ia dizer uma coisa a você, mas aí percebi que é melhor manter o suspense pra você descobrir e ter a surpresa que eu tive — o amigo explicou. — Eu até grifei as melhores partes — ele acrescentou com um sorriso, malicioso e deu dois tapinhas no ombro de Hero, antes de se despedir e enfim entrar no veículo.
caminhou até , que o aguardava no estacionamento e entrou no carro. O amigo era o único da banda que não tinha bebido nem mesmo uma gota de álcool por estar se preparando para filmar um comercial fitness em breve.
— Ele me deu um livro — disse, mostrando o pacote fechado.
— Você não vai abrir?
— Quando eu chegar em casa, eu vejo — ele disse, em meio a bocejo.
— Tá. — sorriu de lado, imaginando qual seria a reação dele quando visse as marcações que tinha feito.
No entanto, assim que chegou em casa e pegou o pacote pardo para abrir, o celular de tocou. Ele encarou o visor, estranhando a mãe ligar àquela hora, mas descobriu o porquê assim que atendeu.
, amor. Oi. Feliz aniversário de novo, desculpa ligar a essa hora.
— O quê foi, mãe? Aconteceu alguma coisa?
— Eu estou em Chicago com seu pai. Nós tínhamos vindo para um retorno no oncologista, mas ele acabou passando mal no caminho. O médico achou melhor que ele fosse internado. Ele disse que é necessário fazer um transplante de medula o quanto antes e... — Ela respirou fundo. — Eu sei que vocês não têm contato, mas eu achei que você merecia saber mesmo assim.
soltou a respiração devagar.
— Certo, mãe. Eu tô indo pra Chicago amanhã, tudo bem? Talvez eu possa ajudar...
, eu não acho que seja uma boa ideia...
— Por que não? Eu posso ser compatível com ele, mãe. Não vou dar as costas pra ele nessa situação, mesmo ele tendo sido um filho da mãe comigo durante mais da metade da minha vida — ele disse, amargo. — Infelizmente, eu sou trouxa assim...
— Querido...
— Vejo você amanhã, mãe. Te amo. — Ele desligou, antes que ela pudesse retrucar novamente.
E o livro prestes a ser aberto, ficou esquecido no sofá de seu quarto.

Capítulo 29

27 de março de 2016, 12:44 - Nova York, NY

Hero observou as ruas através da janela do carro, em silêncio, repassando na mente tudo o que tinha planejado.
— O que você vai fazer quanto a fisioterapia? — Henry perguntou, desviando o olhar do volante por um instante.
— A fisioterapia pode esperar uns dias.
— Se você diz... Ah, quase me esqueci. Você recebeu um convite da Revista Person. Eles querem uma entrevista com você.
— Pra quê? Mais uma entrevista pra saber quando eu vou voltar a compor algo que preste? — ele perguntou, irônico. — Não, obrigado.
— Eles querem saber do nosso acidente, — Henry explicou. — Você não aparece nas redes sociais há um tempo e a última vez que os fãs viram sua cara foi quando te obrigou a aparecer naquela foto que ele postou. Seus fãs sentem sua falta.
Hero suspirou, cansado. Nem mesmo tinha dormido bem na noite passada depois do telefonema com a mãe, e não estava nem um pouco interessado em lidar com trabalho ainda, mas sabia que Henry tinha razão.
— Quando eu preciso dar uma resposta?
— Eles pediram uma resposta o quanto antes, no máximo uma semana.
— Quando seria essa entrevista?
— Em abril, para a edição de maio. A data vai depender da sua agenda.
riu pelo nariz.
— Como se tivesse alguma coisa além de fisioterapia e exercícios físicos...
— Você ainda tá se recuperando, então vai continuar assim por um tempo. — retrucou Henry. — Você chegou a praticar canto no último mês?
— Não. Eu não fiz nada no último mês, Henry. Passei metade do tempo dopado de remédios.
— Tem razão. Foi mal.
— Quero tentar praticar piano de novo assim que eu consegui mover meus dedos com mais agilidade — ele contou, olhando para a mão direita, abrindo e fechando ela. — É estranho saber que tem placas no meu braço. Não é como se eu pudesse sentir, mas às vezes eu tenho a impressão de que sinto.
— Você teve muita sorte, . Nós dois tivemos — Henry murmurou, baixo. — Sinto muito pelo seu braço. Eu sei que você ficou assustado.
— Sim, mas acho que agora eu tô mais tranquilo. Harry tá bem confiante de que eu posso me recuperar em breve, se nós seguirmos o tratamento direito. Quero voltar a tocar... Mesmo que não consiga compor.
— Você vai conseguir. É só uma fase.
— Uma fase que já dura anos — retrucou, desgostoso. — Se eu fosse algum fã, também ficaria com raiva de mim por enrolar por tanto tempo.
— Você é um artista, cara. E não vai ser o primeiro nem o último a ter um bloqueio criativo.
respirou fundo, assentindo, só para deixar aquele assunto de lado. Resolveria isso depois. Tinha que resolver. Talvez só assim as coisas ficassem realmente bem. Quando ele voltasse a ser ele mesmo outra vez.
Assim que chegaram no aeroporto, Henry pegou a mochila que tinha preparado na noite anterior com algumas peças de roupa e o entregou.
— Você vai ficar bem sozinho? — ele perguntou.
— Vou, Henry. Relaxa, eu posso muito bem me virar sozinho. Valeu pela carona.
— Tudo bem. Qualquer coisa, me liga — ele disse, voltando a entrar no carro.
puxou o boné preto para baixo e pegou uma máscara da mesma cor no bolso da jaqueta, colocando-a antes de entrar no aeroporto. Encontrou o guichê de check-in alguns minutos depois e entrou na fila que já estava formada.
— Até que fim, você chegou — uma voz disse, atrás dele.
Hero se virou, encontrando na fila com uma mochila preta no ombro e óculos escuros.
— Pra onde você vai? — Ele franziu o cenho.
— Pra onde você acha? Eu vou te acompanhar — respondeu, como se fosse óbvio.
— Por quê?
— Porque não podia vir e eu não quis arriscar deixar de babá com você.
Claro que ia contar pra eles, como uma maldita mãe-coruja.
— Eu não preciso de babá, .
— Sua opinião não importa, . Isso não tá aberto a debate. A gente não ia deixar você ir sozinho pra Chicago mesmo que você tivesse inteiro.
— Eu estou inteiro — ele retrucou.
deu de ombros.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
suspirou, decidindo não discutir. Por mais que achasse meio irritante, ele sabia que se fosse o contrário, agiria do mesmo modo com qualquer um dos caras.
— Tem certeza que isso não vai te atrapalhar? — Ele encarou o amigo.
— Eu tenho uns dias de folga até o próximo compromisso. Além disso, vou aproveitar pra ver minha irmã.
— Tá, vou fingir que isso não é uma desculpa pra ir.
— Ah, a desculpa é você. Não quero passar muito tempo lá, inclusive, vou ficar no seu apartamento com você.
— Por que você não quer ficar na casa da sua irmã?
— Porque ela tá dividindo apartamento com a Lily e eu não tô a fim de socializar.
— Você conhece a garota desde que ela nasceu.
— E daí? Você sabe que ela e a Mandy são insuportáveis juntas.
— Você fala isso desde que soube que a Lily tinha um crush adolescente em você. Ela foi corajosa em se declarar.
— Isso foi há seis anos, e ela era muito nova.
— Quatro anos mais nova. E ela já era maior de idade na época.
— E daí? Continua sendo a melhor amiga da minha irmã. A gente literalmente jogava lama na cara um do outro quando criança.
Hero riu, divertido.
— Tá… se você diz. Você é muito ranzinza.
— Olha quem fala...
— Aprendi com você.
rolou os olhos, mas havia um sorriso puxando seus lábios.
— Anda logo, é nossa vez. — Ele empurrou quando o guichê ficou livre.
Quarenta minutos mais tarde, o avião decolou.

***


encarou a tela do celular pela quarta vez, após digitar uma mensagem e apagar.
tinha mandado uma mensagem falando que tinha ido para Chicago de repente, após receber um telefonema da mãe contando que o pai dele tinha sido internado em um hospital. Ele não comentou nem mesmo uma vez que o pai tinha sido diagnosticado com leucemia, mas não podia culpá-lo; não é como se eles fossem amigos. E mesmo que fossem, talvez ele não se abrisse para ela tão facilmente, ainda mais sobre um assunto tão delicado.
Hero nunca falava de ninguém além da mãe e do avô na mídia e sempre que perguntavam sobre o pai e o irmão, ele desconversava, o que acabou gerando alguns rumores sobre eles não terem um bom relacionamento. Rumor esse que ela sabia que era real, pois, alguns anos atrás, ele tinha comentado algo a respeito, embora sem muitos detalhes.
suspirou e encarou a tela do computador em sua mesa, checando a hora. Ele e já deviam ter chegado em Chicago há algumas horas. não tinha enviado nenhuma nova mensagem, então ela não sabia nenhuma notícia nova de , o que a deixava mais ansiosa e preocupada com ele.
E um pouco curiosa também. Tinha falado para ele que eles não deviam manter contato, mas lá estava ela, digitando uma nova mensagem para ele, contradizendo sua própria afirmação. E antes que pudesse hesitar outra vez, enviou a mensagem no WhatsApp.
Ele recebeu no mesmo instante.
encarou a tela do celular por alguns minutos até que, cinco minutos depois, a mensagem foi marcada como lida. Ela aguardou mais um pouco, esperando uma resposta, mas não recebeu nenhuma.
Mais cinco minutos se passaram, e então mais dez.
Ainda sem resposta.
Talvez ele não quisesse responder. Talvez ela estivesse sendo invasiva demais. Não era da conta dela, de qualquer forma; ele nem tinha obrigação de responder. Ela mesma tinha deixado claro que não queria qualquer relacionamento com ele desde o início.
Tinha até o ignorado na noite anterior, no aniversário dele.
havia notado os olhares de nela antes mesmo que Andrew percebesse e dissesse a ela. Apenas quando ele se distraía com algo que seu pai ou sua mãe falavam, ela se permitia encarar o homem sentado a menos de dois metros de distância.
Ele estava usando a roupa que ela tinha lhe dado de presente e as peças pareciam ter sido feitas sob medida para seu corpo, de tão bem que ficaram. teve que conter alguns suspiros de admiração sempre que o encarava quando ele não estava vendo. Tinha ficado apenas alguns dias sem vê-lo e já sentia sua falta, o que provavelmente a tornava uma grande hipócrita.
Até tinha considerado contar a ele a verdade sobre quem ela estava omitindo ser antes mesmo de ir embora, mas não teve coragem o suficiente. Não quando imaginava aqueles olhos verdes profundos se voltando para ela com mágoa, por ela não ter dito algo tão importante desde o início.
sabia que tinha que contar mais cedo ou mais tarde a ele, principalmente agora que tinham se reencontrado, mas o momento nunca parecia certo. Então ela disse a si mesma que esperaria alguns dias, talvez algumas semanas, antes de mandar outra mensagem para ele para que pudessem conversar.
Era o mínimo que ela podia fazer. Devia aquilo a ele, por mais que seu medo a impedisse de contar tudo.
E por mais que não parecesse guardar rancor em relação a de dez anos atrás, ele provavelmente o faria com a atual. tinha vivido bem lembrando de como uma boa lembrança, mesmo que tivesse partido sem dizer adeus, mas não sabia como se sentiria caso eles tivessem uma despedida ruim, quando ela finalmente contasse quem era.
A última vez que tinha estado com a de 2006, ele a tinha beijado profundamente antes de subir no palco daquele festival. Ambos trocaram sorrisos cúmplices, como se tivessem mais intimidade do que realmente tinham. A de 2006 era uma garota totalmente diferente da de 2016 e ela entendia o fato de sentir falta dela, porque ela também sentia.
E sentiu ainda mais quando percebeu que o de 2006 ainda existia dez anos depois. Ele não tinha mudado tanto quanto ela tinha pensado e teve razão o tempo todo, o que só tornava tudo pior.
Talvez estivesse com inveja porque ele não tinha, de fato, praticamente se tornado outra pessoa, como ela tinha. Ao menos emocionalmente. Já fazia tempo desde que não se permitia sentir como fazia antes, não se permitindo se entregar emocionalmente a ninguém, nem mesmo a ele. Por mais que houvesse vezes — geralmente quando ele a provocava — em que ela só queria deixar tudo de lado e se jogar em seus braços.
Queria poder entregar seu coração a ele, como tinha feito dez anos atrás — e só depois de muito tempo ela percebeu isso —, mas não sabia se podia fazer isso agora.
Não quando sua mente explodia de avisos para ficar longe. Não quando ela avisava que da última vez que tinha se envolvido emocionalmente com alguém, a pessoa a traiu de uma forma que jamais esperou e ela não estava imune a passar por aquilo de novo, fosse aquele tipo de traição ou qualquer outra, por mais que soubesse que era diferente de Peter.
Ele era tão, tão diferente de Peter.
Mas o idiota traidor tinha deixado marcas emocionais nela que não tinha certeza de que iria se curar um dia. Não quando já fazia quase quatro anos e ela continuava a mesma casca vazia, insegura e emocionalmente indisponível que havia se tornado.
O que era bastante irônico. Definitivamente irônico, já que ela escrevia romances.
encarou o celular mais uma vez e então checou novamente a janela de conversas com , a mensagem ainda sem resposta.
Bem, talvez ele não quisesse responder mesmo.

***


27 de março de 2016, 19:27 - Hospital St. Vincent, Chicago, IL

"Oi, . disse que você precisou viajar de repente por causa do seu pai. Você está bem?"
Não.
Não estava tudo bem, Hero pensou após encarar a mensagem pelo que parecia a milésima vez naquela sala de espera, desde quando a tinha recebido. Mas ele não respondeu nada e nem iria. Se fizesse isso, o assunto levaria a perguntas que ele não tinha vontade de responder, então apenas continuou a ignorar , enquanto ainda tentava digerir o que tinha descoberto há menos de uma hora, e tudo o que sua mãe tinha lhe contado sobre seu pai.
A voz de Jonathan ainda ecoava sobre seus ouvidos.
“Eu não sou seu pai biológico, ”.
Maldito seja.
Maldito seja por fazê-lo sofrer à toa, por fazê-lo correr atrás de uma aprovação que nunca viria porque sempre que Jonathan o encarava, apenas via o amante da esposa no rosto dele.
Seu verdadeiro pai.

Capítulo 30

27 de março de 2016, 18:33 - Hospital St. Vincent, Chicago, IL

Hero e foram direto para o hospital assim que chegaram a Chicago, parando apenas por alguns minutos no aeroporto para fazerem um lanche rápido, antes de pegarem um táxi até o hospital onde Jonathan estava internado.
No caminho, eles passaram pelo bairro que conheciam muito bem; era por ali que ficava o antigo apartamento que ele dividiu com por alguns anos e também era por ali que ficava o pub de Brandon, onde eles tocaram dezenas de vezes antes de alcançarem a fama.
O local trazia um sentimento de nostalgia para e quando ele não esperava que pudesse se surpreender mais, eles passaram em frente ao prédio da pista de patinação que o levou dez anos antes. Não esperava que ainda estivesse aberto, após tanto tempo. Ele ainda se lembrava da dor de cair de bunda e do som da risada alta dela, embora seu rosto agora fosse uma incógnita, depois de tantos anos. Por um instante, se perguntou se a sorveteria do primeiro encontro deles ainda existia também, se ainda faziam sorvetes legais e enormes como ele se lembrava.
Com um suspiro um pouco cansado, ele encarou no banco de trás do táxi pelo retrovisor do veículo. o tinha dispensado de ir com ele até o hospital, mas o amigo insistiu em acompanhá-lo. Sabia que a mãe de Hero era o único parente de quem ele era realmente próximo — principalmente depois da morte do avô, que tinha partido há pouco mais de quatro anos, também vítima de um câncer —, e não quis deixar ele encarar aquela situação sozinho, mesmo que a única coisa que pudesse fazer fosse dar apoio moral ao amigo e batidinhas em seu ombro.
Junto com os outros integrantes da banda, tinha acompanhado todos os dramas familiares de nos últimos dez anos, desde que eles haviam finalmente estreado.
Todos tinham seus problemas, mas o caso de era incômodo até para eles, pois odiavam ver como isso o afetava, em como ele tinha tentado ter um relacionamento saudável com um pai que só o rejeitava. nem mesmo sabia quem era seu próprio pai, mas nunca teve curiosidade. Conseguiu sobreviver muito bem sem um e não sentia falta de uma figura paterna em sua vida.
No entanto, entendia como era complicado para ver o próprio pai o ignorando ou o criticando desde que ele era criança, enquanto mimava o filho favorito. Era meio revoltante e realmente o admirava por ter ido até ali, mesmo sem ter nenhuma obrigação com o progenitor. Não depois de tudo.
Se estivesse no lugar dele, provavelmente não se daria ao trabalho de atravessar o país e se oferecer como doador.
Talvez ele fosse apático mesmo por isso. Ou muito rancoroso.
E teve que se controlar para não entrar no quarto em que tinha entrado, quando ouviu os gritos vindos de lá.

***


De fato, quando chegou ao hospital, a primeira pessoa que ele viu foi a mãe.
— Oh, meu menino. — Ela o abraçou com força. — Como tá o seu braço? Deixa eu ver. — Ela se afastou, avaliando a tala no punho dele, a única parte que era visível por conta da jaqueta que ele vestia.
— Tá tudo bem, mãe. Eu já te disse. Vou continuar com o tratamento e me recuperar em breve. — Ele puxou o braço com delicadeza. — Como ele tá?
Darla suspirou, cansada, as bolsas escuras abaixo dos olhos denunciando as poucas horas de descanso.
— Ele acordou há alguns minutos. Eu não disse que você vinha. Não tinha porque vir, . Você ainda tá se recuperando.
— Mas você disse que ele precisa de um doador e eu quero fazer os exames de compatibilidade.
, não é... Eu não acho que ele vai aceitar isso de você.
franziu o cenho, inconformado.
— Ele nunca aceita nada, né, mãe? Nem mesmo quando a vida dele corre risco — ele murmurou, magoado. — Mas eu vim até aqui depois de engolir meu orgulho e não vou embora enquanto eu não fizer esse teste.
...
— Ele tá nesse quarto? — Ele apontou com a cabeça para a porta a poucos metros dela e seguiu adiante, assim que a mãe confirmou.
Jonathan virou a cabeça para a porta assim que a abriu e ele viu o pai endurecer o rosto e lançar um olhar irritado para a esposa.
— O que ele tá fazendo aqui? — disparou.
— Eu vim fazer o teste de compatibilidade. Minha mãe disse que você precisa de um doador — respondeu, calmo, antes que a mãe sequer abrisse a boca. — Vou fazer o teste e doar, caso eu seja compatível e depois vou embora.
— Eu não preciso que você faça nada, — o pai disse, entredentes, e Hero ignorou o incômodo ao ouvi-lo falando seu nome como se fosse algum tipo de praga. — Vá embora.
— Jonathan, por favor... — Darla tentou apaziguar a irritação crescente do marido.
— Por favor, o quê, Darla? Esse garoto não deveria nem estar aqui!
— Eu sei, eu-
— Você é inacreditável, sabia? — interrompeu a mãe, sua paciência se esvaindo feito fumaça. — Não consegue deixar o maldito orgulho de lado mesmo quando sua vida tá em risco. Ela não me pediu pra vir, eu vim porque quis. Porque diferente de você, eu não tenho nenhum problema em ajudar um familiar doente...
Familiar… — Jonathan o encarou com um sorriso de escárnio um momento antes da expressão séria e irritada retornar. — Seu irmão já fez o teste, falta só o resultado. Você não precisa.
— Eu não pedi sua opinião — rebateu, os olhos verdes encarando com frieza os escuros do pai. — Mãe, chame o médico.
, nós temos que...
— Você não vai fazer esse teste — o pai dele a interrompeu. — Não tem como você ser compatível.
— Jonathan!
— O quê, Darla? Vai continuar protegendo o garoto? Passando a mão na cabeça dele, como você sempre fez? Sabe o que eu sinto quando olho pra ele?
— Eu não tô interessado no que você sente ou não por mim. — se aproximou da cama. — Nós temos o mesmo tipo sanguíneo e somos parentes de primeiro grau. As chances são maiores quando isso-
— Não existe chance nenhuma, porque você não é meu filho! — ele praticamente gritou, impaciente.
tomou fôlego, tentando controlar o próprio temperamento. Seu pai era tão cabeça dura que continuava o rejeitando até numa situação daquelas. Ele abriu a boca para falar novamente, mas o pai o interrompeu antes que um som sequer saísse de sua boca.
Em seguida, falou o que menos esperava:
— Eu não sou seu pai biológico, — Jonathan esclareceu.
piscou duas vezes, sentindo o corpo gelar.
— O quê? — Ele franziu o cenho para o homem acamado, a voz mal se passando de um sussurro, antes de desviar o olhar para a mãe. — Do que ele tá falando, mãe? Que história é essa?
Darla encarou o filho com lágrimas nos olhos.
, eu... O que ele diz é verdade. Eu já estava grávida de outro homem quando me casei com seu- com Jonathan — ela corrigiu rapidamente. — Eu sinto muito por você descobrir assim.
abriu a boca em choque, os olhos ardendo de raiva e mágoa diante daquela revelação.
Vinte e nove anos de uma mentira.
— Você sente muito? E quando você ia me contar isso, mãe? — a encarou com desgosto.
— Eu sinto muito, não queria que você soubesse assim, amor...
— E você algum dia quis? Você nunca, nem mesmo uma vez, pensou em me explicar porque ele me odiava? — Ele apontou para o homem na cama, antes de encará-lo novamente. — Agora tudo faz sentido. Porque eu não me pareço com você em absolutamente nada, porque você passou a vida me rejeitando quando eu comecei a crescer... E porque você me tratou como escória sempre que eu tentava me aproximar. Você via o meu pai em mim, não é? Meu verdadeiro pai.
Jonathan encarou com os olhos semicerrados, antes de levantar o queixo em desafio.
— Sim. E eu odiei cada segundo porque você é idêntico a ele — ele admitiu. — Um aspirante a músico idiota, que seduziu sua mãe quando nós terminamos e foi embora sem deixar nada além de uma maldita foto que ela insiste em guardar.
— Aspirante a músico? — riu, sem humor. — Meu Deus, você me odeia mesmo então. E você deve ter visto muito essa foto se ainda se lembra do rosto dele.
Jonathan o encarou com raiva e uma das máquinas que estavam conectadas a ele começou a apitar. encarou o aparelho incessante e respirou fundo, dando um passo para trás e se virando para ir embora.
, vamos conversar, por favor...
— Agora não, mãe. Eu preciso de um tempo pra digerir a mentira que vocês dois me fizeram passar a vida inteira acreditando — ele disse, a voz embargada como um nó na garganta. — Você me deixou sofrer à toa. Você viu os problemas e sabia como resolver, mas fechou os olhos como se nada tivesse acontecendo. Foi por isso que quando eu me afastei de vez, você não me impediu, né? Você, ele e Colin são a maldita família perfeita de lata de margarina. Eu sou só a sobra que ninguém quer.
, eu sinto muito. Eu juro que não queria que fosse assim.
— Eu também, mãe. Sinto muito apenas por você não ter me contado mais cedo, porque teria evitado muita coisa. Mas honestamente? É um alívio saber que não foi esse homem que me gerou. — Ele apontou novamente para a cama.
— Ótimo. Estamos esclarecidos, então — Jonathan falou, sem um pingo de culpa.
virou a cabeça para ele e sorriu sem humor, no mesmo instante em que uma lágrima — que ele limpou rapidamente — escapou de seus olhos.
Uma parte dele queria que Jonathan queimasse no inferno, mas a outra... A outra parte talvez fosse trouxa demais, bondosa demais, a ponto de se importar depois de todas as mágoas que aquele homem tinha provocado. Porque ele tinha crescido em um tempo, em uma cidade que as pessoas respeitavam os pais acima de tudo; mesmo com abusos, era esperado que os filhos perdoassem os pais simplesmente por serem seus progenitores. E aprendeu da pior forma que uma coisa não tinha nada a ver com a outra.
Jonathan não se arrependia de nada. Inclusive, acreditava — e poderia apostar uma grande quantia em dinheiro nisso — que era algo que não aconteceria nem mesmo no seu maldito leito de morte.
Mas ele também acreditava em castigo. Acreditava que tudo tinha um preço, especialmente o que alguém fazia de ruim a outras pessoas, e que um dia a justiça seria feita. Talvez a doença de Jonathan tivesse sido resultado de todos os sentimentos ruins que apodreciam dentro dele. Talvez aquele fosse o preço sendo cobrado. Um preço alto e apavorante, pois fazia sua mãe e irmão sofrerem também.
respirou fundo novamente e encarou o homem uma última vez.
— Eu espero que Colin seja compatível com você. De verdade — ele disse, com sinceridade. — Espero que você se recupere e que vocês três continuem sendo a família perfeita. Estou mais do que satisfeito em saber que nunca mais vou precisar me preocupar em me encaixar numa família que nunca pertenci e eu até mudaria meu sobrenome... Se ele não fosse o mesmo do meu avô. Ele sabia também, não é? E mesmo assim nunca me rejeitou.
— Seu avô te amou desde o primeiro dia em que te viu, — a mãe declarou, com a voz chorosa. Lágrimas pesadas escorreram de seu rosto e ela as afastou com as mãos trêmulas.
— Assim como eu amei ele, mãe. E é só por ele que eu vou continuar carregando o sobrenome com orgulho — disse, mais lágrimas rolando por seu rosto, mas ele não se importou em limpar novamente. — Pelo visto, minha viagem de volta vai ser mais rápida do que o esperado.
, por favor, não vá ainda. — Darla o segurou pelo braço antes que ele atravessasse a porta. — Converse comigo.
— Eu vou, mãe. Só... Me dá um tempo, tá bom? — ele murmurou tão baixo que apenas ela era capaz de ouvir. — Preciso encontrar e ficar sozinho por um tempo pra... Digerir isso. Eu te ligo quando eu tiver mais calmo.
— Você vai ficar aqui?
— Vou pra sala de espera que vi lá atrás.
— Tudo bem. Me ligue assim que estiver pronto pra ouvir.
não estava pronto para nada e duvidava que fosse estar em apenas alguns minutos, mas estava disposto a ouvir só para colocar um ponto final em tudo aquilo.
Então ele apenas assentiu em resposta, antes de sair sem dizer mais nada.

***


encarou o celular novamente, relendo a mensagem que tinha recebido. Não de dessa vez, mas a de sua mãe, que avisava que estava indo até ele.
Menos de um minuto depois, ela apareceu e, felizmente, não havia mais ninguém na sala; nem mesmo , pois ele havia insistido para que fosse ver sua irmã após contar o que tinha acontecido e mesmo a contragosto, o amigo obedeceu, entendendo que ele precisava de um tempo a sós antes de conversar com a mãe.
Darla andou com passos hesitantes e se sentou em uma cadeira ao lado do filho. estava com o corpo inclinado para a frente, os braços apoiados nos joelhos. Ele a ouviu respirar fundo, mas não desviou o olhar do chão para encará-la.
— Comece do início — ele pediu, antes que ela começasse a falar. — Quero saber o que aconteceu e porque você acabou casada com aquele homem.
— Certo... — Ela assentiu, mesmo sem que ele visse e então começou a falar. — A primeira vez que eu vi seu pai, seu verdadeiro pai, foi em um festival de música de Jacksonville. Eu tava passando alguns dias na casa de uma amiga e acabei o conhecendo por meio de outros amigos que já tinham feito amizade com a banda dele. Na época, fazia alguns meses que eu e Jonathan tínhamos rompido.
— Você... lembra o nome dele? — ele perguntou, devagar.
— Sim... O nome dele era Richard Keller. Mas nós o chamávamos apenas de Rick.
— Richard...? — virou o rosto para a mãe, a encarando pela primeira vez desde que tinha chegado. — Mas...
Adivinhando o que ele tinha notado, Darla sorriu.
— Sim, é seu nome do meio.
— Por quê? Por que colocar o nome dele em mim?
— Porque ele era uma boa pessoa e eu estava apaixonada por ele, .
— Mas ele foi embora. — Ele franziu o cenho. — E você casou com aquele homem. Por quê?
— Foi um romance rápido. Durou apenas alguns dias, mas foi bem intenso. Nós dois sabíamos que só seria aquilo e estava tudo bem.
— Até que você descobriu que tava grávida — ele deduziu.
— Sim.
— Por que você não contou a ele?
— Ele morava em Nova York. Estava de férias da faculdade, viajando com a banda, mas tinha que voltar logo. Não chegamos a trocar nenhum contato e eu nunca procurei por ele. Eu tinha um emprego em Winchester e planejei ter você sozinha, até que Jonathan me procurou novamente, querendo reatar.
— Mas você tava apaixonada por Richard — lembrou. — Por que voltar com ele, então?
— Porque Richard era uma lembrança de algo passageiro. Ele tinha vinte e dois anos na época e eu tinha dezenove. Eu sei que ele seria o tipo de homem que daria o suporte necessário pra mim e você, mas eu não quis contar.
— E você nunca pensou que talvez ele quisesse saber, mãe?
— Sim, mas... Parecia algo tão distante. Eu só queria seguir em frente com você. Na época, não me pareceu uma opção e seria muito difícil encontrar ele sem nenhum contato — ela explicou. — Eu morava com minha avó e quando contei sobre a gravidez que eu pretendia levar adiante sozinha, ela me apoiou.
— Você nunca pensou em... Abortar?
— Claro que não, ! — Darla exclamou, parecendo ofendida.
— O quê? Não é como se você fosse muito religiosa.
— Mas eu queria você. Eu te quis no momento em que descobri. Óbvio que eu fiquei muito assustada, mas você era fruto de algo bom.
— E quanto a Jonathan? Se você não amava ele, porque se casou?
— Eu contei a Jonathan sobre a gravidez no dia em que ele me procurou. Nós tínhamos namorado durante o último ano do ensino médio, mas eu terminei depois de alguns meses porque eu percebi que não tava correspondendo aos sentimentos dele na mesma intensidade.
— Ele não achou que fosse o pai?
— Não tinha como. Eu nunca tinha dormido com ele até então. E mesmo que tivesse, como eu disse, já fazia alguns meses, desde que tínhamos terminado, cerca de dois ou três.
— Sério?
— Minha primeira vez foi com seu pai. — Ela sorriu, por um momento. — Jonathan não disse muita coisa quando eu contei a ele, mas duas semanas depois ele voltou e me pediu em casamento dizendo que iria assumir você.
— Meu Deus... — sorriu, irônico.
— Primeiro eu neguei, mas depois ele acabou me convencendo. Eu ainda não o amava, mas ele me tratava bem e era um homem responsável que me amava.
— Te amava? Mãe, o último natal que passei com vocês, ele reclamou da comida o tempo inteiro. Você chama isso de bom tratamento?
— Ele não era assim, . Eu juro pra você. Acho que ficou assim por minha culpa... — Darla suspirou, encarando as próprias mãos. — Você já era grandinho quando ele acabou encontrando uma foto de Richard nas minhas coisas enquanto procurava um documento. Nós tivemos uma briga por isso e ele queria que eu jogasse a foto fora, mas eu me recusei.
— E aí ele resolveu descontar em mim e você deixou — ele comentou, amargo.
— Quanto mais ele se afastava de você, mais eu me aproximava. Eu fiquei magoada por ele te tratar assim também, amor. Jonathan e eu passamos um bom tempo nos estranhando por conta do comportamento dele.
— E você nunca quis se separar?
— Não, porque na minha cabeça o casamento era pra sempre. Ele tinha sido um bom marido até então e ainda era depois. Mas à medida que você foi crescendo, eu acho que ele foi ficando cada vez mais ressentido de mim e acabava se comportando mal quando você tava por perto.
— Você disse que meu avô sabia que eu não era filho dele.
— Sim, e quando ele viu seu pai começar a te rejeitar, ele quis que você fosse morar com ele, pra tentar evitar que você se magoasse.
— E mesmo assim, me magoei. — riu, sem humor. — Eu queria que você tivesse me contado antes, mãe. Eu passei muito tempo achando que era uma decepção, que eu tinha feito algo errado... — A voz dele embargou novamente.
— Eu sinto muito, meu amor. — Darla se inclinou, o envolvendo nos braços e depositou um beijo em seu ombro. — Eu sinto muito. Não tem nada de errado com você, nunca teve. A culpa foi toda minha. Se eu tivesse só jogado fora a foto...
— Não ia adiantar de nada — disse. — Ele ia continuar ressentido mesmo assim.
— Eu tentei ser uma boa esposa, . Tentei compensar ele. Jonathan ainda me amava e eu tinha aprendido a gostar dele, mas... O ressentimento comigo ainda estava lá. Eu acho que ele se sentia traído por saber que eu ainda tinha aquela foto.
respirou fundo algumas vezes e os dois ficaram em silêncio, a mãe ainda o abraçando. Até que ele falou, após alguns minutos:
— Eu posso ficar com a foto que você tem, mãe?

***


28 de março de 2016, 00:32 - Nova York, NY

encarou a foto enquanto o elevador subia até o andar selecionado. Descobriu que sua mãe a guardava em um pequeno compartimento na bolsa. O homem na foto tinha um sorriso igual ao seu, com uma única covinha um pouco mais evidente que a sua e cabelos da mesma cor. Não conseguia enxergar a cor dos olhos na foto, mas sua mãe tinha confirmado que ele também tinha puxado a cor exata dos olhos dele e não dos dela, como ele achava, embora fossem de um verde bem mais claro.
Ele também parecia alto na foto, mas não tinha como ter certeza já que não havia mais ninguém na imagem. observou mais uma vez suas roupas; a jaqueta de couro preta e camisa branca que o fazia parecer que tinha acabado de sair de algum filme em que ele era o bad boy, até que as portas do elevador se abriram.
Ele rapidamente guardou a foto na mochila e então seguiu pelo corredor, tentando encontrar o número que tinha indicado na mensagem.
Tinha saído do hospital e ido direto para o aeroporto sem avisar a e quando o fez, foi quando já estava no avião. Conhecendo o amigo, ele provavelmente chegaria no aeroporto antes dele assim que desse a notícia para que pudessem voltar juntos, mas ainda queria que ele visse a irmã. Por mais que tivesse dito que a ida era a desculpa para vê-la, ele sabia que o amigo sentia falta dela. E de Lily também, a melhor amiga dela, por mais que ele não admitisse.
Em resposta, é claro, ele acabou ganhando alguns xingamentos bem criativos de que o fizeram rir e esquecer de tudo por alguns minutos. Sem alguém com ele, a viagem de volta foi silenciosa e o percurso, tranquilo. tinha conseguido cochilar um pouco, mas acordou cerca de meia hora antes do avião aterrissar em Nova York.
Por mais que fosse um percurso de menos de três horas, ainda era cansativo ir e vir. Se fosse outra ocasião, ele teria passado a noite em Chicago e então voltado para Nova York no dia seguinte, mas achou melhor se distanciar de sua família o quanto antes. Não tinha sequer encontrado com o irmão enquanto estivera no hospital, e nem queria vê-lo. Apenas se despediu da mãe depois que ela o entregou a foto e foi embora.
Por mais que a entendesse, ainda se sentia um pouco magoado com a omissão e ficar por perto não ajudaria em nada.
Enquanto o avião pousava, pensou na sua cama quentinha e macia e em como seria bom dormir em casa após um dia tão longo e cansativo. No entanto, quando colocou os pés no aeroporto e caminhou para procurar um táxi, ele decidiu que ainda não queria ir para casa, então fez uma ligação para , que como resultado, o tinha levado até ali.
Apartamento n.º 1902.
não tinha ideia do que estava fazendo ali, ainda mais àquela hora. Tocou a campainha e, por um momento, cogitou se virar e ir embora, antes que ela abrisse. Por um momento, ele deu as costas e quase fez isso. Mas quando ouviu a porta abrir, percebeu que era tarde demais.
? — A voz de soou atrás dele e ele se virou, encontrando-a usando um moletom grande e um short curto. — O que você tá-
Mas ele a interrompeu antes que ela terminasse de falar, os braços a envolvendo em um abraço apertado, enquanto ele enterrava o rosto no pescoço dela, absorvendo o cheiro do xampu que exalava de seus cabelos.
sentiu os olhos arderem, outro nó na garganta se formando, mas ele respirou fundo e engoliu o choro.
E por mais alguns minutos, ele apenas continuou a abraçá-la em silêncio.

Capítulo 31

se afastou de Hero alguns minutos depois, apenas o suficiente para que pudesse ver seu rosto.
— Você tá bem? Aconteceu alguma coisa?
balançou a cabeça.
— Eu tô só cansado. Desculpa vir a essa hora sem avisar, eu já tô indo. — Ele deu um passo para trás, prestes a ir embora, mas o puxou pelo braço.
— Voltar pra casa agora depois de vir até aqui? Ah, não. — Ela o puxou novamente para que entrasse no apartamento.
Havia um mini corredor na entrada e depois ele se deparou com uma sala de estar ainda escura.
— Desculpa mesmo, — ele começou a falar, se sentindo culpado. — Eu queria falar com você, mas sei que o momento é péssimo e nem sei porque vim até aqui...
— Ei, eu também tenho um quarto de hóspedes, sabia? Passei quase um mês morando com você, isso não é nada — ela rebateu. — Você comeu alguma coisa decente antes de voltar?
— Não, eu lanchei com quando a gente chegou e só.
— Certo... Acho que você tem roupas nessa sua mochila, então por que não toma um banho enquanto encontro algo pra você comer? — ela sugeriu. — Alexa, lumus.
A luz da sala se acendeu e Hero olhou em volta, impressionado. Havia um sofá grande e confortável no centro do espaçoso cômodo, uma TV grande e estantes. Várias estantes cheias de livros e decorações geek. Uma em especial, tinha vários bonequinhos do que parecia ser os mesmos personagens. Ainda olhando em volta, Hero se deparou com a cozinha, com balcões amplos e que faziam parecer pequena perto deles, enquanto se movia para lá e para cá, abrindo um móvel e outro.
Provavelmente era o sonho de consumo de muitas donas de casa, cheia de equipamentos tecnológicos que ele não fazia ideia para que serviam, mas cada pedaço do lugar parecia ter personalidade, diferente do apartamento enorme dele, com decorações que ele nem tinha escolhido.
— Seu apartamento parece bem legal. Você quer trocar? — brincou, com o rosto ainda sério.
riu enquanto tirava alguns ingredientes da geladeira.
— O quarto de hóspedes fica na primeira porta à direita e o banheiro fica logo em frente — ela disse, sem se virar para encará-lo.
sorriu levemente e se dirigiu para onde ela tinha indicado com a mochila em um ombro. Entrou no quarto e foi direto para a cama, onde depositou a mochila e rapidamente a abriu, tirando algumas peças de roupas. Tanto o quarto, quanto o banheiro pareciam simples, com uma decoração em cinza e branco que achou que era a cara de .
Só não esperava que ao ligar o chuveiro, o banheiro fosse virar uma balada. De repente, luzes piscavam pelo banheiro e uma voz surgiu perguntando que música ele queria escutar. Quando a surpresa passou, alguns segundos depois, riu com diversão e sem pensar muito, ele pediu para que “Hey Jude” dos Beatles começasse a tocar em um volume baixo. O dispositivo obedeceu e logo as primeiras notas começaram a soar. As luzes diminuíram um pouco e mudaram de cor no ritmo da música.
Sem perceber, começou a cantar junto.

***


Era a primeira vez que o ouvia cantar desde o acidente.
Tinha corrido para avisar sobre o chuveiro de luzes automáticas, quando ouviu a risada de ecoar, antes dele resolver escolher uma música para tocar. Alguns instantes depois, ela ouviu a voz dele cantarolando junto e duvidava que ele sequer havia percebido.
ficou ali, apreciando sua voz até o momento em que ouviu o chuveiro ser desligado, fazendo-a voltar rapidamente para a cozinha.
Tinha feito dois sanduíches naturais de frango desfiado com cenoura, cream cheese e alface. Já tinha visto ele comer várias vezes, então sabia que era algo que gostava, ainda mais com fome.
tinha acabado de preparar um pouco de limonada para acompanhar quando ele apareceu na cozinha vestido em uma calça preta de moletom e camiseta branca, e se sentou em um dos banquinhos em frente ao balcão.
— Chuveiro interessante esse seu — Hero comentou, com um meio sorriso.
— Ah, é... Eu curto umas coisas diferentes. — Ela deu de ombros, vendo-o pegar um dos sanduíches.
Menos de dez minutos depois, ele terminou de comer tudo.
— Obrigado, me sinto melhor agora que comi e tomei banho. — Ele riu, sem graça.
— Vou ter que concordar com isso. Como tá o seu braço? — Ela apontou para o membro livre da tala.
massageou o punho levemente.
— Bem, eu acho. Eu tava sentindo ele um pouco inchado, então resolvi tirar a tala por um tempo.
assentiu e resolveu fazer a pergunta que estava rondando em sua mente desde que o viu parado a sua porta. Era meio óbvio pelo desânimo dele que algo havia acontecido, então como não tinha um jeito delicado de perguntar, ela resolveu ser direta.
— Por que você voltou ainda hoje? Aconteceu alguma coisa? disse que você ia fazer um teste de compatibilidade.
— Eu não fiz o teste porque não tenho o mesmo sangue que ele. — deu de ombros, como se não fosse nada de mais. se perguntou se aquele era o motivo do desânimo. — Então acabei conseguindo comprar uma passagem de volta e... O resto você sabe. Eu só avisei a quando estava no avião. Recebi alguns xingamentos, mas tudo bem. — acrescentou, sorrindo ao final, antes de se levantar.
No mesmo instante, Hero sentiu algo roçando em seu pé e levantou a perna boa por instinto, mas logo a abaixou ao sentir a esquerda reclamar com o peso extra, fazendo-o trincar os dentes devido a pontada de dor e se sentou outra vez.
— O que é isso? — Ele encarou o aparelho rodopiando pelo chão.
esticou o pescoço sobre o balcão para ver do que ele falava.
— Ah, é o Alfie, meu robô aspirador. Ele mantém minha casa livre de pó.
— Ah, entendi. — Ele riu pelo nariz. — Depois do chuveiro de balada, eu acho que isso não me surpreende muito.
— Você não tá com sono?
— Um pouco, mas não sei se consigo dormir ainda, logo após comer. Mas se você quiser...
— Ah, não. Eu costumo dormir mais tarde. Vem, vamos pro sofá, é mais confortável lá.
Hero se levantou e a seguiu, se sentando ao lado dela no estofado macio de cor cinza.
— Então... Como foi cantar de novo? Faz muito tempo desde a última vez que eu te ouvi cantar — comentou, distraidamente. — Você não fez isso nenhuma vez enquanto eu tava na sua casa.
— Ah... Acho que eu não tava muito a fim de cantar, mesmo antes do acidente.
— Por quê? Você precisa treinar a voz, não é? Precisa praticar pra manter ela boa.
— Não é como se eu tivesse fazendo shows por aí, .
— E daí? Você é músico. Não pode parar de cantar, , sua voz é linda. Você não gostou de cantar hoje?
respirou fundo, esfregando os olhos.
— Sim, gostei. Acho que parei porque... Não sei, talvez fosse algum tipo de autopunição. Eu não tenho sido um exemplo de músico nos últimos tempos, você sabe. Se eu não tivesse naquele clube atraindo um monte de paparazzis, Henry não precisaria ter ido me buscar e o acidente não teria acontecido. Pelo menos, ele não se machucou feio.
— Não, mas você sim. Acha que isso é algum tipo de punição também? E o que é isso de autopunição antes do acidente? — franziu o cenho, surpresa pela conversa ter tomado aquele rumo.
Parecendo perceber o mesmo, suspirou.
— Nada, esquece o que eu disse. Não sei porque falei isso.
— Não. Não vou esquecer nada. — Ela se recusou. — O acidente não foi culpa sua, e eu vi o quanto você ficou ansioso e desesperado só com a possibilidade disso atrapalhar sua vida profissional. Você ficou com medo de nunca mais poder tocar. Não faz sentido você se privar de cantar também.
, não foi proposital, tá bom? Que merda, isso de autopunição foi só um jeito de falar, sei lá — Hero explicou rapidamente. — Eu não vinha tendo vontade de cantar há meses. Eu... Me sinto culpado por não conseguir trabalhar direito. Sabe quantas músicas eu compus e joguei fora nos últimos anos? Eu nem sei como ainda restaram fãs, mas... Com certeza, eles não ficaram por mim — ele acrescentou, amargo.
chiou segurando um xingamento e antes que pudesse perceber, já tinha uma mão no cabelo de .
Ai! — Ele se afastou, assustado, os olhos arregalados de surpresa. — Você acabou de puxar o meu cabelo?!
— Talvez eu corte ele quando você tiver dormindo, se não prometer agora parar com essa merda de autopiedade! — ela retrucou, irritada.
a encarou nos olhos, a irritação dela sendo refletida nos dele e, sem pensar, a puxou pelo pulso, fazendo-a quase cair por cima dele.
Quando levantou a cabeça, pronta para reclamar, ele segurou seu rosto com as duas mãos e a manteve em silêncio ao selar seus lábios aos dela com firmeza. Durou apenas um instante, antes de se afastar.
— O que foi isso?! — ela perguntou alto.
— Foi minha versão de puxar o seu cabelo. Se bem que eu já fiz isso antes, né? Quando eu tava-
— Não! Não ouse falar. — Ela apontou um dedo para ele.
— ...te fodendo por trás — ele continuou, abrindo um sorriso sacana.
— Ah, eu vou fingir que eu não ouvi isso! Não vou ouvir mais nada — ela disse, tampando os ouvidos com as duas mãos.
Hero gargalhou, jogando a cabeça para trás e algumas lágrimas de riso escorreram pelo seu rosto. Ele as afastou um momento depois e então fez abaixar uma das mãos.
— Você sabe que tá sendo bem infantil agora, né? Só estamos eu e você aqui e pelo que me lembro, você falou coisas bem piores que isso quando a gente tava-
— Ai, por que você resolveu tocar nesse assunto, hein? — Ele virou a cabeça, se recusando a encontrar o olhar dele. — Eu achei que já tivesse se encerrado.
Ele também não sabia porquê. Mas já que ela tinha mencionado...
— Você encerrou por conta própria. Eu não confirmei nada. E nem quero.
— O quê? — virou o rosto para encará-lo, só então percebendo como ele estava próximo.
se inclinou novamente e lhe roubou mais um beijo. Ela não se afastou como antes. Aquele beijo não foi o troco após um momento de irritação.
Era suave e cuidadoso. Um mero toque de lábios que durou apenas alguns segundos, mas enviou uma tempestade de frio na barriga dela e a fez se arrepiar por inteiro.
a beijou como tinha feito na primeira vez. Não no sofá da casa dele, mas no parque infantil em que eles tinham estado dez anos antes.
Se ela já tinha tido a sensação de déjà vu em relação àquilo uma vez, dessa então, foi duas vezes mais forte.
— Eu acho que gosto o suficiente de você pra querer tentar algo a mais, — ele murmurou contra seus lábios. — Mas eu quero saber de você.
sentiu o lábio inferior tremer e engoliu em seco.
— Eu não acho que isso seja uma boa ideia.
— Então me diga porquê — ele pediu.
— Eu... — o encarou por um instante, pensando no que dizer. — Talvez eu não esteja emocionalmente disponível pra isso, .
— Por que não? Eu te fiz alguma coisa? Te ofendi de alguma forma? — ele perguntou, os olhos preocupados a encarando, enquanto ele tentava se lembrar de algo.
— Não... Não. O problema não é você — ela murmurou e então respirou fundo uma vez, antes de continuar. — Eu... Não tive uma boa experiência durante o meu último relacionamento.
— Por quê? Você foi traída? — ele quis saber, lembrando-se momentaneamente da época em que aquilo aconteceu com ele.
— Sim, mas não do jeito que você pensa.
— Bem, se serve de consolo, eu odeio traições. — Ele deu de ombros. — Então, acho que não seria algo que você precisaria se preocupar, caso...
— Eu sei — admitiu, abaixando a cabeça.
Tinha descoberto da pior forma, nos últimos dez anos. Hero havia tido seus casos aqui e ali no início da banda, assim como os outros membros, mas se ela fosse comparar... Ele era um dos mais tranquilos. E de tempos em tempos, quando se lembrava disso, ela se perguntava o que teria acontecido com eles, caso tivesse mantido contato.
Naquele mesmo ano, ele se mudou para Nova York, ainda que mal parasse em casa por conta das viagens a trabalho ao redor do mundo. Ainda assim... O que teria acontecido? Teriam eles ficado juntos e terminado algum tempo depois? Ou quem sabe... Como Tom Fletcher e sua esposa… Talvez estivessem juntos até hoje...? Às vezes, parecia ser um daqueles tipos de caras extremamente leais, mas ela nunca saberia.
A não ser que...
— Então do que você tem medo? — Ele quis saber. — Eu sei que você sente atração por mim, .
— Talvez eu tenha medo de me apaixonar por você, — ela confessou em um sussurro, antes que seu cérebro pudesse filtrar o pensamento.
Quando percebeu o que tinha dito, arregalou os olhos levemente, mas ao encarar Hero, ela encontrou um sorriso iluminando seu rosto.
— Então significa que eu devo me esforçar mais. — Ele levantou uma mão, acariciando o rosto dela. — Porque é exatamente isso que eu quero que você faça.
No momento seguinte, mais um beijo aconteceu, mas não foi Hero que tomou a iniciativa.

***


se revirou na cama outra vez, sem conseguir dormir. Não que tivesse parado alguma vez nos últimos trinta minutos, não por mais que cinco minutos, pelo menos. Sua mente continuava girando, mas dessa vez, havia também um bom motivo para isso.
tinha aceitado tentar.
Só de lembrar disso, ele já sorria involuntariamente. Tinha sido a única coisa boa naquele dia de merda e, teoricamente, tinha sido no dia seguinte, já que já era dia 28. Mas ao menos o tinha feito esquecer por um tempo o que tinha acontecido, até aquele instante.
Sabia que havia notado que algo estava errado, mas estava esperançoso que tinha a distraído o suficiente para acreditar que era tudo chateação pela falta de compatibilidade com o “pai” dele. Além disso, não queria falar sobre isso com ela. Não queria que se preocupasse com isso ou que sentisse pena dele pelo que tinha acontecido.
No entanto... Ainda queria colocar aquilo para fora. Queria poder ser honesto com seus próprios sentimentos, como ele tinha feito durante anos. Como ele tinha feito quando... Mandava e-mails para . E-mails nunca respondidos, que ele duvidava que sequer teriam sido lidos algum dia. Que eram como um diário. De fato, era seu diário, ou ao menos a ideia dela. Ele não sabia se ainda seria assim hoje em dia, e não importava muito.
Mas talvez... Talvez ele se sentisse melhor se, uma última vez...
tateou com a mão debaixo dos travesseiros até encontrar seu celular e rapidamente abriu seu e-mail.
Sem pensar muito, ele começou a digitar.

Capítulo 32

30 de abril de 2016 - Editora Dream House, Nova York, NY

— Nós podemos adiar o lançamento até 16 de maio, no mais tardar — Dianna disse, circulando a data no calendário em cima da mesa de reuniões.
— Dia 16, então — disse, sem hesitar. — Até lá eu já vou ter terminado de escrever o livro novo. Preciso de no máximo uma semana e então vou poder me dedicar às promoções desse.
— Tem certeza, ? — Lexi perguntou. Andy a tinha designado para ajudá-la com o desenvolvimento do livro novo, sob supervisão dele e as duas vinham trocando e-mails desde então.
— Claro, depois que você sugeriu que o Dean parecia Aidan Callaham, minha mente se abriu. Embora eu tenha certeza de que Aidan não tem nenhum pai mafioso por aí — ela brincou.
Alexa deu uma risadinha e concordou.
— Não, não tem. Mas tô ansiosa pelos próximos capítulos.
— Eu também. — Andy acrescentou. — Lexi me conta tudo. Mas e aí? Você pensou sobre as entrevistas e a sessão de autógrafos? — ele perguntou, balançando a própria caneta entre os dedos.
— Eu mantenho a mesma opinião sobre isso, Andy. Entrevistas por e-mail ou chat e livros autografados apenas com uma lista de pessoas.
— Seus fãs querem te encontrar, . Te ver pessoalmente — Andrew insistiu. — Por que não tenta usar uma máscara, então?
— Uma máscara? — levantou uma sobrancelha.
— Você pode usar uma peruca. Pode se fantasiar das suas protagonistas e então usar uma máscara descartável. Ninguém iria conhecer seu rosto e definitivamente não o cabelo real — Dianna continuou. — Seria uma forma de interagir com os fãs sem revelar sua identidade.
cerrou os olhos, pensativa, enquanto Dianna e Andrew trocavam um breve olhar ansioso. Lexi estava ocupada anotando algo na agenda, mas assentiu em concordância também. Fleur De Colibri sempre foi — e ainda era — a escritora mais requisitada da editora deles, assim como também a mais teimosa. Andrew tinha suas dúvidas se se revelaria ao mundo algum dia, pois desde o lançamento de seu primeiro livro, ainda em 2009, ela nunca — nem mesmo uma vez — tinha sido inclinada a aparecer em público.
Na editora, as únicas pessoas que conheciam, de fato, sua identidade eram apenas Andrew, Dianna e agora Lexi, pois precisavam de mais alguém para lidar com a demanda de Fleur. Assim, Lexi era uma espécie de filtro de qualidade antes do material novo de chegar até ele e Dianna. Mas até onde todos os outros funcionários sabiam, era uma amiga deles que os visitava de vez em quando.
Então não era raro ou estranho vê-la ali em algum dia aleatório, fosse no escritório de Dianna, Andrew ou na sala de reuniões que estavam usando naquele momento. Claro, Lexi havia surtado um pouquinho quando descobriu, já que era muito fã de Fleur, mas estava tudo sob controle. Eles três eram os intermediários entre e o restante da equipe que costumava trabalhar nas edições de seus manuscritos.
— Tá, tenho que admitir que essa não é uma má ideia. — disse, após ponderar um pouco. — Desde que eu tenha alguém perto de mim que impeça qualquer fã ousado de tentar tirar minha máscara.
— Eu posso te arranjar um segurança — Andy disse, de prontidão. — Que tal a Lexi? Ela não chamaria atenção.
— Eu tenho pernas bem fortes e reflexos melhores ainda — Lexi garantiu. — Posso virar sua sombra, . E dar um chute na bunda de quem ultrapassar os limites.
riu, divertida com a ideia, mas…
— Ainda não é um sim, Andy... Mas eu vou pensar — prometeu.
— Pense com carinho, K1 — ele pediu, dando-lhe um sorriso doce, enquanto ajustava o óculos que tinha deslizado para a ponta do nariz.
— Mas as entrevistas se manterão por e-mail — ela disse, irredutível.
— Tudo bem. — Dianna assentiu, sem retrucar.
Ao menos pareciam ter feito algum progresso na negociação.

***


Após sair da Dream House — e sim, o nome era por conta da Casa da Barbie, ideia de Dianna e resultado de uma aposta perdida por Andy —, a próxima parada de foi a sede da Double K.
disse que precisava falar com ela pessoalmente e estava ocupada demais para ir até a amiga. a encontrou em seu escritório, falando ao telefone, enquanto apertava incessantemente o botão da caneta que tinha na mão livre. A amiga levantou o olhar por um segundo, notando a presença dela e caminhou calmamente até a cadeira em frente a ela e se jogou, apoiando os dois braços atrás da cabeça.
— Eu entendo, Sr. Murphy. Sei que é de última hora, mas será que não podia me arranjar cinco rapazes...? Quatro, pelo menos. Essa já é a terceira agência... — continuou a falar e então suspirou, resignada. — Sim, certo.
E então ela desligou o telefone, largou a caneta e apoiou o rosto nas duas mãos, antes de enterrá-las no cabelo, bagunçando-o impiedosamente.
— Pelo visto, nós temos um problema — comentou com uma careta.
— Eu vou surtaaar! choramingou. — Esse lançamento tá tirando o resto do juízo que eu tenho.
— Tem certeza que você já não surtou?
levantou a cabeça, a encarando com fogo nos olhos.
— Você não tá ajudando, .
— Então, por que você não me conta o que aconteceu e eu tento ajudar?
— Cinco dos modelos que eu tinha contratado não vão mais poder fazer as fotos pro lançamento do mês que vem.
— O que houve?
— Bem... Dois se acidentaram de moto e embora estejam bem, continuam cheios de arranhões e marcas roxas pelo corpo e sim, foi o mesmo acidente.
— James e Josh? — só podia pensar no casal aventureiro de modelos lindíssimos que tinha conhecido na época da faculdade.
— James e Josh. — A amiga assentiu. — Quanto aos outros, estão fora do país fazendo outros trabalhos pra uma marca grande e não vão chegar a tempo, então pediram pra agência cancelar o contrato. — Ela sorriu, nervosa.
— E quanto às outras?
— Tentei mais três agências que conheço e não tem ninguém disponível. Na verdade, uma delas até tinha, mas queriam que eu pagasse o dobro e isso é inegociável pra mim. Mas agora acho que vou ter que repensar, porque não tem ninguém.
— Você já fez as fotos dos modelos plus size? — quis saber.
— Fiz semana passada. E por sinal, ficaram ótimas. Mas agora preciso dos outros. — suspirou, frustrada.
Uma ideia dançou na mente de e ela sorriu, ardilosa.
— E se eu tivesse seis modelos diferentes e não cinco, sendo que sairia de graça, ou quase isso?
— Como assim?
— Você pode usar permuta. Pode dar roupas a eles.
— Ah, claro, e quem são os modelos que vão aceitar só permuta? — a amiga perguntou, irônica.
— Brandon, Andrew e... a Cave Panthers.
— O quê?! Como se eles fossem sequer cogitar isso! — disse, desacreditada.
— Hero amou as roupas que eu dei pra ele de aniversário e já demonstrou interesse na coleção.
— Tá, e daí? Ele ainda é uma celebridade, ainda que seja o seu namorado — ela disse a palavra com desgosto. , Dianna e agora compartilhavam da mesma opinião, já que ainda não havia contado quem era. — Celebridades que nem ele e os amigos não trabalham pra marcas pequenas. Da última vez que vi, tinha feito um ensaio pra Prada. Prada, ! Além disso, Brandon e Andy? Eles não vão aceitar.
— Eu tenho certeza de que consigo convencer Hero, e sem problemas. Talvez fique meio relutante, mas se os outros aceitarem, então ele provavelmente aceita também — argumentou. — Além disso, você disse que tem se dado bem com o Brandon de novo, que agora vocês são amigos...
— Ah, é, espertinha? E o Andy?
— Ele, a gente obriga.

***


— Uma sessão de fotos? Tudo bem. — Hero deu de ombros, fechando os olhos novamente.
segurou um sorriso, encarando o homem deitado em seu colo.
— Sério? Só isso?
— Sim, por quê?
— Pensei que fosse ser mais difícil de te convencer.
— Seria, se você fosse uma desconhecida. Mas você é minha namorada.
— Bom saber que tenho privilégios.
— Mas eu ainda quero as roupas, não esquece. Eu posso tentar convencer os caras, se você quiser. Se eles não tiverem nenhum compromisso na agenda, acho que dá certo.
— Posso cuidar do e você fala com e pra ver se eles topam fazer. Eu mesma vou acompanhar vocês no ensaio.
— Vai, é? Já fez isso antes?
— Nem sempre minha amiga teve um monte de funcionários. Mas nós podemos fazer em sigilo e pegar todo mundo de surpresa, o que você acha? Faz tempo que vocês não fazem nada em grupo. Aposto que os fãs não tão esperando por nada disso.
— É, provavelmente não...
— E a sua entrevista, como foi?
Hero tinha mencionado que daria uma entrevista sobre o acidente para, segundo suas próprias palavras, “satisfazer a curiosidade das pessoas”. tinha até mesmo dito que muitos fãs ficaram e ainda estavam preocupados com ele desde o acidente, ainda mais sabendo que ele era um típico low profile que mal dava sinal de vida há anos, aparecendo esporadicamente nas redes sociais.
passara uns bons dez minutos dando-lhe um sermão sobre gratidão e que ele deveria interagir mais e como resultado, prometeu abrir caixinhas de perguntas uma vez por mês, e ela fez uma nota mental para lembrá-lo disso. Dez anos observando Hero como fã tinham sido suficientes para que ela aprendesse que aquele homem poderia ser tão perspicaz quanto lerdo, então não iria deixá-lo esquecer daquele compromisso, nem que ela mesma tivesse que anotar em sua agenda.
— Eles perguntaram sobre o acidente, sobre um futuro álbum novo que eles sabem que não vai sair tão cedo já que eu ainda tô me recuperando e sobre a Garota .
— A Garota ? Por causa daquele artigo que saiu do meu encontro com ? — ela perguntou, com um sorriso brincalhão.
— Infelizmente.
— Você ainda sente falta dela? Da Garota ?
Hero abriu os olhos para encará-la.
— Acho que eu seria hipócrita com você se dissesse que não. É um problema?
— Problema nenhum. Eu até quero que vocês se reencontrem um dia.
sorriu levemente, o fantasma de uma covinha aparecendo em sua bochecha.
— Sabe... Eu tinha um hábito, em relação a .
— Hábito? — Ela o encarou, curiosa.
— Eu costumava ter o MSN dela, mas ela parou de entrar quando foi embora. Eu passei vários dias entrando pra ver se ela tava online e ela nunca tava — ele contou. — Então as coisas com a banda começaram a ficar meio loucas e eu não tinha muito tempo, mas algumas vezes por mês eu mandava e-mails pra ela. No início era contando o que tava acontecendo e tinha muita coisa aleatória, mas depois de um tempo foi como escrever em um diário.
— Como assim? — franziu o cenho.
— Eu desabafava com ela — ele revelou. — Por alguma razão, eu achava que ela seria uma boa ouvinte ou, nesse caso, uma boa leitora. Às vezes eu fingia que ela tava lendo tudo em silêncio sem nunca responder. Mas então a realidade batia e eu percebia que tava só me iludindo, achando que um dia eu acordaria e encontraria um e-mail dela.
parou de mexer a mão nos cabelos dele, levemente em choque. Era bom que tivesse fechado os olhos de novo, assim não pôde ver a surpresa que percorreu seu rosto por alguns segundos.
— Quanto tempo durou? — ela perguntou, com cuidado.
— Seis anos. O último e-mail que eu enviei foi quando meu avô morreu.
Seis anos.
Ela prendeu a respiração por um instante, antes de perguntar:
— E você enviava todo mês?
— Sempre que eu podia e lembrava. Talvez duas vezes ao mês, depois do primeiro ano. Mas a maioria deles eram bem bobos.
— Seis anos é muito tempo…
respirou fundo devagar, tentando não chamar atenção. Seis anos. Não seis meses, mas anos. Aquelas duas palavras estavam girando em sua mente e em poucos segundos ela se sentiu atolada em culpa.
— Eu sei... Acho que me acostumei com isso — disse.
Seu tom de voz era nostálgico, mas não parecia haver nenhum sentimento ruim nele.
— E por que você parou? — ela se atreveu a perguntar.
respirou fundo por um momento, antes de responder, em um tom de voz baixo e melancólico:
— Eu perdi a vontade de me abrir depois que perdi meu avô.
Os olhos dela arderam, mas ela piscou rápido para afastar as lágrimas e continuou mexendo no cabelo dele, enquanto ainda fingia conversar casualmente.
— Você se apaixonou por ela, ?
— Às vezes eu acho que sim, mas às vezes penso que não, foi tudo tão rápido que não sei se seria tempo suficiente — ele respondeu, sincero. — Nunca me apaixonei rápido assim, então não sei até que parte era paixão ou ilusão.
— Quanto tempo leva pra alguém se apaixonar? — perguntou, baixinho. Não sabia se para ele ou para ela mesma.
— Quanto tempo leva pra alguém se apaixonar? — repetiu, abrindo os olhos, pensativo.
Ele a encarou por alguns segundos e tinha uma expressão indecifrável no rosto. Mas antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, sentiu o celular vibrar em cima da barriga, onde tinha colocado mais cedo e se deparou com uma mensagem que o fez se levantar de uma vez do colo dela.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa? — ela se alarmou.
— Não foi nada, só preciso ir resolver uma coisa — ele respondeu, bloqueando a tela do celular e se levantou, selando os lábios nos dela rapidamente. — Te ligo depois.
Hero praticamente saiu correndo do apartamento de , mas ela não reclamou. Não achou nem um pouco ruim, pois ela mesma já estava pensando em alguma desculpa para expulsar ele dali.
Precisava ficar sozinha e não conteve um suspiro de alívio assim que a porta se fechou.
E então foi a vez dela correr até o quarto e sentar em frente ao computador, enquanto tentava se lembrar da senha do e-mail que usava dez anos antes.
Quinze minutos depois, ela conseguiu fazer o login.

Capítulo 33

1º de maio de 2016, 14:34 - Apartamento de , Nova York, NY

— Eu só queria dizer que acho o cúmulo você ter me impedido de vir aqui nos últimos quatro anos.
— Nem faz quatro anos que eu moro aqui — retrucou, a resposta na ponta da língua.
a encarou de cima a baixo, os olhos azuis destacando sua pele bronzeada. riu de sua expressão.
— Você entendeu. — Ele deu de ombros, olhando ao redor do apartamento dela. — Mas e aí? Onde conseguiu grana pra ter um apartamento assim? A Double rende muito pra você? Inclusive, não sei por que tive que saber sobre o ensaio por Hero quando era você que deveria falar comigo e me convencer.
— Rende o suficiente — respondeu, com um sorriso. — Quanto ao ensaio, eu disse que ia falar com você, mas você conhece seu melhor amigo. Só que não foi por isso que te chamei aqui hoje.
— Se não era pra implorar aos meus pés nem me deixar ver seu apartamento cheio de nerdices, então o que era? — ele perguntou, mas então um sorriso surgiu em seu rosto. — Ah, não vai me dizer que você finalmente vai contar a verdade pro ...
— Quase — admitiu, fazendo o sorriso dele sumir.
— Quase, por quê? O que aconteceu?
— Os e-mails.
não precisou falar mais nada para descobrir que sabia. Um olhar de compreensão surgiu em seu rosto e ele ficou sério, de repente.
— Como você soube?
— Ele me contou. Me disse que enviava e-mails pra e que isso durou seis anos. Por que você não me falou nada?
respirou fundo, cruzando os braços.
— Não era algo pra falar, . Era muito pessoal e você não queria encontrar com ele. Teria feito diferença?
Teria? Ela não sabia. Talvez a de quatro anos atrás tivesse fugido, mas a atual era madura o suficiente para interpretar melhor as coisas. Pelo menos, na maioria das vezes. Não podia negar que se sentia culpada sempre que ouvia falar da do passado. Esse sentimento a atingiu com mais força ainda quando ele contou sobre os e-mails e um pouco mais, quando ela os leu.

29 de abril de 2016, 17:42 - Apartamento de , Nova York, NY

Cento e sessenta e dois.
Era essa a quantidade de e-mails não lidos que tinha enviado para ela, o primeiro datado em 16 de maio de 2006, apenas algumas semanas depois que ela foi embora. Nele, contava sobre a banda e a gravadora que tinha entrado em contato com eles depois que o vídeo que ela postou havia viralizado.
De repente, era como se ela tivesse voltado no tempo, como se tivesse testemunhando em primeira mão o que ele havia sentido na época.
Assim que terminou de ler o e-mail, partiu para o próximo. E então o próximo e o próximo. Alguns eram mensagens mais curtas e aleatórias, como tinha dito; outros, longos textos dele desabafando sobre alguma coisa.

24 de dezembro de 2009, 22:33
De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Erro

“Querida ,

A ceia de natal foi um fracasso.
Eu sei que pode soar ruim o que vou dizer agora, mas é a mais pura verdade: meu pai é um grande filho da puta.
Não que eu esteja querendo xingar a minha avó, mas você entendeu.
O jantar foi desconfortável e tinha a droga de um silêncio estranho que era quebrado apenas quando eu e meu avô falávamos um com o outro ou com minha mãe, mas que logo voltava à estaca zero quando a gente ouvia meu pai resmungando, como se a gente tivesse falando algo bem estúpido.
Ah, ele também quebrou o silêncio algumas vezes. Geralmente era pra elogiar meu irmão ou então pra reclamar da comida que minha mãe passou o dia fazendo. Tive que me controlar pra manter a boca fechada, mas a gota d'água foi quando eu fui entregar um presente a ele.
Era um relógio Cartier de 7 mil dólares, chique, caro pra cacete (quando eu teria 7 mil dólares pra gastar assim alguns anos atrás com meu emprego de garçom?) e sinceramente falando, não é nem mesmo o tipo de acessório que eu me incomodo em comprar pra mim mesmo porque fui educado pra não gastar à toa e não pretendo mudar, mesmo que uma compra assim nem faça cócegas no meu bolso.
Mas comprei a droga do relógio pra ele como um símbolo de paz. Eu tava disposto a tentar de novo. A tentar mais uma vez. Agora eu tenho sucesso em algo que ele sempre foi contra, então achei que não tinha do que reclamar. Mas sabe o que ele fez, aquele maldito descarado de merda?
Me chamou de exibido e disse que eu tinha dado sorte, . Ele ignorou toda a porra do meu esforço e suor nos últimos anos. É verdade que a gente deu sorte pelo vídeo que você postou ter viralizado. Mas todo mundo ali derramou suor e virou madrugadas e madrugadas trabalhando pra chegar aonde nós chegamos.
As pessoas acham que porque alguém é famoso, isso significa que a vida, o trabalho se torna fácil. Mas a verdade é que às vezes é o oposto e você só entende de verdade quando passa por isso.
Ter dinheiro não significa que você não vai mais ter que dar duro.
Comprar a porra de um presente de luxo pra um parente não te torna um exibido. Significa que você se importou o suficiente a ponto de gastar muito numa tentativa de agradar a pessoa.
Mas meu pai não enxerga assim, infelizmente. Ele disse que não queria nem precisava do relógio. Daí foi quando eu explodi e disse poucas e boas na cara dele, antes de mandar ele ir se foder. E não me arrependo nem um pouco.
Encontrei com quando eu tava saindo e entreguei o relógio pra ele dar pro pai dele, porque acho que o Sr. Baxter vai fazer bom uso, e não reclamar da porra do presente.
Acho que nunca senti tanta raiva na vida, minha vontade é de socar alguma coisa.
Espero que você nunca passe por isso.

Com amor,
.”


Já passava da meia-noite quando terminou de ler os e-mails. Ela riu, se emocionou e chorou com tudo o que tinha escrito e também se sentiu culpada por nunca ter pensado em abrir aquele e-mail novamente.
Depois de entrar para a faculdade, ela criou um novo que usava até os dias atuais, e ignorou por completo o antigo já que não tinha nada de muito importante lá. Como não tinha intenção de falar com , apenas desconectou o e-mail de seu computador e fingiu que ele não existia por dez anos. E teria continuado assim se não fosse a declaração inesperada de Hero.
Ele tinha feito o seu e-mail de um diário. Tinha desabafado ali, como se falasse com ela, por seis anos. Mas o e-mail mais angustiante de todos tinha sido sobre a morte de seu avô.
parecia tão dolorosamente fragilizado naquela mensagem que não conseguiu conter as lágrimas pesadas que lhe caíram dos olhos ao ler, praticamente sentindo absorvendo a dor dele. Tentou buscar na memória alguma lembrança daquela época, mas tudo o que conseguia lembrar era de Hero se ausentando de vários compromissos por motivos pessoais e, consequentemente, vários concertos sendo adiados.
Depois de alguns dias, veio a público que ele tinha perdido o avô e semanas depois, Hero liberou uma música intitulada “Piece of Me”, um hit que bateu várias paradas musicais, embora não fosse uma música feliz. Mas aquela também tinha sido a última composição de sucesso que fizera e duvidava que fosse com a intenção de ganhar algo com aquilo.
Era uma canção dolorosa que o fandom até mesmo evitava mencionar, temendo que trouxesse lembranças ruins a ele, que também raramente a cantava.
A banda chegou a completar os últimos shows da turnê que estavam fazendo nos primeiros meses de 2012, mas Hero estava sempre afastado da mídia o máximo que podia, até que um dia ele apareceu ao lado de Megan Price, a modelo que ele namorou por poucos meses e que, segundo os tabloides, era supostamente o motivo da animação dele.
Animação, minha bunda.
Bando de sanguessugas de merda.
Ela era provavelmente o motivo dele ter se tornado um maldito babaca, isso sim. Não que fosse um agora. Não. De alguma forma, parecia ser ele mesmo agora e achava que o acidente talvez tivesse algo a ver com aquilo. Renascimento era como chamavam as pessoas na internet. Principalmente depois que ele havia voltado a interagir com os fãs nas redes sociais, há alguns dias.
No entanto, não tinha conversado muito sobre o acidente com ele. Ela sabia que nunca era fácil falar daquele tipo de coisa e não queria provocar algum gatilho em . Então o deixaria à vontade para falar quando quisesse, se quisesse. Ela não insistiria a menos que soubesse que evitar fosse pior.
Quando se acalmou depois de ler o último e-mail, excluiu alguns de marketing como costumava fazer com o endereço de e-mail atual e clicou na caixa de spam para fazer o mesmo, enviar todos para a lixeira e esvaziar ali também. Mas ao fazer isso, ela percebeu que o último e-mail que tinha lhe enviado não era sobre seu avô.
Bem ali, na caixa de spam, havia um e-mail recente, enviado há um mês.
Rapidamente ela o encaminhou para a caixa de entrada e sem delongas, abriu a mensagem.

28 de março de 2016, 01:37
De: w87@hotmail.com
Para: r1@hotmail.com
Assunto: Revelação

“Querida ,
Já faz um tempo desde a última vez que escrevi, mas espero que esteja bem.
É estranho aparecer aqui depois de tanto tempo, mas eu precisava falar com alguém. Ou melhor dizendo, escrever pra alguém. Você.
Me sinto sem energia pra verbalizar tudo o que aconteceu nas últimas horas. Na verdade, aconteceu muita coisa nos últimos quatro anos e muitas das quais eu não me orgulho de jeito nenhum, mas não é sobre isso que quero falar.
Há algumas semanas, minha mãe me enviou uma mensagem falando que meu pai tem leucemia. Na noite do meu aniversário, ele passou mal e foi internado.
Mas não se engane, a minha relação com ele continua a mesma: inexistente.
Só que minha mãe mencionou que ele precisa fazer um transplante de medula óssea e que meu irmão ia fazer um teste de compatibilidade... Então na mesma hora me ofereci também e falei que tava indo para Chicago no dia seguinte.
Minha mãe não chegou a dizer a ele que eu tava indo e acho que foi porque ela tinha esperanças de falar comigo antes e me fazer desistir de alguma forma.
Mas então entrei no quarto onde ele estava e... Você pode imaginar como foi. Ridículo, como sempre. Mais um fracasso. Mais uma vez em que tentei fazer algo por ele e deixei todo o meu orgulho de lado porque era uma questão de saúde.
Só que ele me rejeitou e disse que eu não precisava fazer nenhum teste. Eu insisti e ele se irritou e então a verdade veio à tona.
O motivo dele não suportar olhar pra mim. De me rejeitar desde quando entrei na puberdade, desde quando mostrei aptidão por música...
Bem, a verdade é que Jonathan
não é meu pai.
Fui fruto de uma aventura de poucos dias que minha mãe teve com um músico que ela conheceu. Eu até ri quando soube disso porque de repente fez muito sentido.
Ele até tinha uma banda de rock, acredita? E eu, além de ser fisicamente igualzinho ao meu verdadeiro pai, inconscientemente, segui os passos dele também.
Fiquei muito chateado e me senti idiota por minha mãe e ele nunca terem me contado, mas não posso dizer que achei a notícia ruim.
Na verdade, saber que Jonathan não é meu pai foi um alívio do caralho. Minha raiva foi por não ter descoberto antes. Teria evitado muito sofrimento e tempo gasto.
Consegui conversar com minha mãe depois e pedi pra que ela me falasse quem era meu verdadeiro pai. Jonathan mencionou — com muito desgosto e rancor, devo dizer — que minha mãe ainda tinha uma foto dele guardada. Ela me mostrou essa foto e... Porra, , eu sou a cara dele.
Obviamente a foto tem uns 30 anos, mas parecia que era eu ali.
O nome dele era Richard Keller e ele era de Nova York. Se ele ainda estiver vivo, deve ter hoje cerca de 51 ou 52 anos.
Minha mãe disse que se apaixonou por ele nos poucos dias em que estiveram juntos. Também falou que as pessoas o chamavam de Rick e que ela me deu o nome dele porque trazia lembranças boas a ela. Caso esteja se perguntando, meu nome do meio é Richard. Não lembro se alguma vez mencionei isso, mas enfim. Você deve imaginar que isso só alimentou mais ainda o rancor de Jonathan.
Minha mãe não estava com ele quando teve esse caso com meu pai, mas de alguma forma, acho que ele enxerga isso como uma traição. Acho que se não fosse por meu irmão, eles nem mesmo seriam casados hoje em dia. Colin deve ter sido a cola que os segurou por tanto tempo. Eles parecem uma família feliz e perfeita quando não estou lá e eu acho que nunca fiz parte dela de verdade.
Era sempre eu e meu avô e minha mãe, que sempre esteve comigo. Ela não deixou que eu me sentisse rejeitado por ela e mesmo sabendo que ela escondeu esse segredo de mim por tantos anos, eu acho que a entendo.
Depois de tudo, eu não quis ficar em Chicago e acabei voltando pra NY pouco depois. Fiquei o tempo todo pensando nisso no avião e mal dormi. Ainda tô pensando nisso, na verdade. Só que agora eu tô melhor. Cansado, é claro, mas bem melhor.
Alguém especial meio que contribuiu pra isso, ainda que nem tenha ideia.
E agora que consigo pensar com mais calma, decidi qual vai ser meu próximo passo em relação a tudo isso:
Encontrar Richard Keller.
Espero que ele esteja vivo e bem.
E espero que você também esteja viva e bem, .
Ainda sinto sua falta.
Com amor,
.”


terminou de ler o e-mail em choque. Demorou várias horas para conseguir dormir naquela noite e mesmo quando acordou, era nisso que ela pensava.
E ainda era nisso que ela continuava pensando quando confrontou sobre os e-mails e contou a ele sobre o mais recente deles.
— Ele te contou? — a encarou, sério.
— Contou pra — ela corrigiu. — No e-mail. Eu não fazia ideia disso, .
suspirou, encarando o teto por um instante.
— Eu não tinha o direito de contar, . Não sobre os e-mails e não sobre o pai dele. E de qualquer forma, você escolheu outro caminho quando foi embora dez anos atrás.
— Eu sei, eu... Te entendo. Não tô te culpando por esconder, eu só... Acho que a verdadeira culpada fui eu — ela admitiu. — Por ter ido embora e deixado tudo pra trás, mesmo aquele e-mail idiota. Muita coisa aconteceu naqueles seis anos. Nos últimos quatro também. E se eu for sincera com você, também há coisas que não te contei.
— Como o fato de você ser uma escritora famosa e rica pra cacete? — ele perguntou, de repente.
arregalou os olhos, surpresa.
— Como você... Como descobriu?
Fleur de Colibri. Porra, . Não sei se você lembra, mas ama uma fanfic. E de alguma forma ele acabou encontrando seus livros e me mostrou um bem curioso. O primeiro que você escreveu.
— Merda... — resmungou, o fazendo rir. — sabe?
— Só eu e , por enquanto. Mas é só uma questão de tempo até ele descobrir que você é ela. Eu só descobri porque me mandou uns trechos do livro que só a gente sabia.
— Eu não esperava que fosse se tornar uma história tão famosa. As pessoas não sabem que é sobre vocês.
— Sobre você e , você quer dizer. — Ele riu novamente. — Mas não se preocupe, não vou abrir a boca sobre isso. E não pense por um segundo que eu acreditei que esse bando de equipamentos da sua casa veio só do seu salário como enfermeira e uma marca de roupas.
encolheu os ombros.
— Desculpe não falar nada também.
— Tudo bem. Mas acho que você deve contar a ele o quanto antes.
— Eu vou, . Prometo que vou — ela disse. — Só tô tentando encontrar o momento certo.
E se antes ela não tinha certeza de que estava apaixonada por , depois de saber de tudo aquilo, não tinha mais dúvidas. Ainda assim, precisava encontrar o momento certo e as palavras certas também.
Não queria mais perder tempo longe dele.

Capítulo 34

3 de maio de 2016, 03:49 - Hospital Mount Silla, Nova York, NY

Já fazia muito tempo desde que tivera um plantão daquele. Dois pacientes novos sendo admitidos na unidade e mais dois, já internados, que tiveram uma parada cardíaca com pouco mais de uma hora de intervalo entre um e outro.
ainda sentia os braços tremendo depois das séries de reanimação cardiopulmonar que havia realizado junto com a equipe. Felizmente, conseguiram recuperar os pacientes.
Por outro lado, ela não tinha descansado ainda e teria poucas horas de sono antes de entregar o plantão e sair para encontrar os rapazes para a sessão de fotos, que estava marcada para aquele dia. Quando terminasse, enviaria as fotos para a edição. Com sorte, estariam pronta em, no máximo, dois dias.
Só assim não precisaria adiar a data de lançamento da coleção, o que estava fora de questão, nem que para evitar fosse necessário as duas editarem as fotos por conta própria.

Pouco depois das sete da manhã, a primeira coisa com que se deparou ao chegar ao estacionamento, foi a figura alta de braços cruzados, encostada na lateral do carro dela. Parecendo notar sua presença, Hero virou a cabeça em sua direção e sorriu por trás da máscara que tinha no rosto.
Parando em frente a ele, colocou as duas mãos na cintura e o encarou.
— Eu disse que você não precisava vir.
— E eu disse que não me importava. Além disso, acordei cedo pra me exercitar — ele explicou. Tinha voltado a fazer musculação com exercícios leves e acompanhamento profissional durante todo o tempo há cerca de quatro dias.
— Você é muito teimoso.
— Agora me conte uma novidade — ele brincou, estendendo a mão na direção dela. — Passa a chave pra cá, eu dirijo.
Sem forças para discutir, fez o que ele disse e deu a volta para entrar no carro. Talvez ela não tivesse forças para dirigir também, já que adormeceu alguns minutos depois de dar a partida.
Já tinha tomado banho e trocado de roupa, mas ele sabia que ela ainda não tinha comido nada já que era muito cedo e a comida do hospital não era lá muito animadora. Então resolveu fazer uma parada em uma padaria para comprar café da manhã enquanto ela ainda dormia e só a acordou para comer quando chegaram ao estúdio.
despertou quando sentiu balançando seus ombros e se espreguiçou enquanto bocejava, franzindo o cenho quando ele colocou um saco de papel em seu colo.
— O que é isso? — ela perguntou, de olho no pacote.
— Comida. Eu comprei no caminho pra cá, mas não quis te acordar antes, então escolhi opções seguras.
Um sorriso ameaçou aparecer nos lábios de diante daquele pequeno gesto. Ele não precisava ter ido buscá-la também e ainda assim foi. Sempre que fazia essas pequenas coisinhas dignas de personagens literários fofos, tinha vontade de enchê-lo de beijinhos (e talvez abraçá-lo até ele explodir).
— Obrigada. — Ela abriu o pacote, encontrando um croissant amanteigado e um copo de café com leite cuidadosamente embalado. — Que horas são?
— Ainda temos tempo, então você pode comer tranquila. A gente chegou cedo.
— Você não vai comer também?
balançou a cabeça.
— Já comi hoje, não quero exagerar.
Para manter aquele corpo em forma, ele provavelmente não deveria mesmo. Ele não tinha dito nada, mas tinha quase certeza de que o nutricionista já tinha elaborado uma nova dieta com calorias milimetricamente calculadas para ele.
Então apenas deu de ombros e começou a comer.
Minutos mais tarde, e conversavam com o fotógrafo quando os três modelos que faltavam chegaram juntos. Além dele, havia uma assistente da Double responsável pelas roupas do ensaio que, mais tarde, seriam enviadas para o endereço de cada um junto com mais algumas peças. já estava terminando as fotos individuais quando , e chegaram.
Tinham decidido manter a tala nas fotos, já que ele ainda a usava. Embora a fisioterapia estivesse ajudando muito, ele ainda teria mais alguns dias com ela e sendo essa ainda a sua realidade, eles acharam melhor mostrar tal como era, já que ele só tirava quando ia tomar banho ou fazer fisioterapia e, algumas vezes, para dormir.
Ao fim da manhã, acabou o ensaio dos quatro e agora faltavam apenas as fotos de Brandon e Andrew, que viriam para o estúdio à tarde com . Àquela altura, o estômago de já roncava novamente, mas um delivery de comida árabe resolveu isso rapidinho. Agora era hora de ir para casa e finalmente descansar.


***


Depois de uma tarde inteira dormindo e de escrever absolutamente nenhum capítulo do livro novo, se sentia renovada e apenas um pouquinho culpada por não seguir o planejamento habitual, mas não se importou muito. Ela considerava os dias de plantão sempre mais flexíveis em relação à escrita. E se quisesse manter um ritmo constante sem desobedecer um cronograma, então a solução era simples: parar de trabalhar como enfermeira.
Desde que havia pedido a Eric para ficar com um único plantão por semana, vinha pensando no que ele tinha dito antes dela sair de sua sala naquele dia. Talvez acontecesse no próximo ano, ela largar a enfermagem.
Por mais que gostasse um pouco e tivesse acostumada a trabalhar na área, a escrita era o que lhe rendia mais e a permitia viver como bem entendesse sem se preocupar com dinheiro. Não que ela gastasse tanto, pelo contrário. nunca comprava coisas mais caras por impulso. A única exceção era comida.
E naquela noite ela tinha encomendado dezenas de peças do que seria o melhor sushi que ela já tinha experimentado. Bem caro, mas uma delícia. Então valia a pena.
Duas horas depois do jantar e devidamente saciados, agora estava em seu sofá, assistindo a um filme que tinha começado há cerca meia hora, enquanto usava de travesseiro. Ela não tinha certeza se ele, em algum momento, prestara atenção no enredo do filme, pois sua mão e boca não pararam de tocá-la nos últimos vinte minutos com uma despretensão fingida que não enganava ninguém.
O fato era que desde que estavam juntos, ela e não tinham ido para a cama nenhuma vez. havia dito que queria ir devagar agora, mas a verdade era que ela queria contar a ele quem realmente era antes disso acontecer de novo, se é que aconteceria.
Ainda tinha medo de sua reação ao descobrir que ela era a de quem ele sentiu tanta falta nos últimos dez anos, mas ter descoberto sobre os e-mails dele a tinha feito ficar ainda mais determinada a contar, no entanto, era mais fácil pensar do que fazer e algo sempre a impedia.
tinha os próprios compromissos e sua agenda vivia cheia durante a semana desde que ele tinha dado sua última entrevista e voltado a aparecer nas redes sociais. Além disso, com o lançamento de um livro novo prestes a acontecer, também sempre tinha algo a fazer, o que contribuía para que se vissem cada vez menos.
ainda estava determinada a não dormir com ele antes de contar a verdade, mas naquela noite estava especialmente difícil de manter distância.
Hero era uma tentação ambulante e ele sabia disso.
E desde a semana anterior, quando finalmente havia conseguido arrancar de que ele era seu membro da banda favorito, seu ego parecia ter se multiplicado e ele estava insuportável desde então. Jogando indiretas aqui e ali sobre ele ser o favorito dela e tirando proveito disso, já que sabia que a afetava de um jeito que até então não tinha ideia. Mas os momentos mais difíceis eram quando ele começava a cantar em sua presença.
E como se estivesse lendo sua mente naquele momento, começou a cantarolar baixinho uma das músicas da Cave Panthers que sabia que era uma de suas favoritas. Um tanto sexy e animada, e ele improvisou as batidas com a boca, estalando a língua para fazer alguns sons enquanto cantava.
E movia as mãos... Para debaixo da blusa do pijama de mangas compridas que ela usava. Então começou a fazer círculos com o dedo em sua barriga com aquela falsa despretensão que a fazia querer lhe dar um bronca e beijá-lo ao mesmo tempo.
sabia que se fizesse apenas um comentário sobre seu ciclo menstrual, conseguiria fazê-lo parar com aquilo, mas o problema era que estava muito bom. Especialmente quando ele roçou a boca em uma parte sensível abaixo de sua orelha, a mão agora brincando com o elástico da calça dela.
... — Ela colocou a mão em cima da dele, sem realmente pará-lo.
— O quê?
— Você sabe o quê.
— Eu não tô fazendo nada, só te beijando... — ele murmurou. — Porque eu quero muito te beijar...
mordeu o lábio inferior, sentindo a pele de seu pescoço arrepiar quando a respiração dele bateu ali. enfiou um único dedo no cós de sua calça e o deslizou por toda a extensão daquela parte do tecido, acariciando a pele da cintura de suavemente, daquele jeito como quem não quer nada.
Sabia que ela estava próxima do limite de provocação, pois tinha feito bem menos que aquilo quando dormiram juntos pela primeira vez. estava quase se derretendo em seus braços e algo lhe dizia que a qualquer minuto ou ela cederia, ou então recuaria de uma vez só.
Pensando nisso, ele teve uma ideia.
— Posso te beijar, não posso? — ele perguntou, os lábios roçando na orelha dela.
assentiu, sem pensar, mas se alarmou quando sentiu deslizar atrás de si para se afastar. E então o viu passar uma perna ao redor dela e enganchar os dedos das duas mãos no elástico da calça, a encarando com um sorrisinho despontando nos lábios. piscou duas vezes, surpresa com a rapidez, e Hero esperou por um momento, dando-lhe espaço para fugir se quisesse, mas ela não fez nada.
Alguns segundos depois, quando ele puxou calça e calcinha juntos, se viu incapaz de raciocinar qualquer coisa direito.
— Merda... — ela xingou baixo, arfando quando Hero caiu de boca nela, sem cerimônias.
Ele não estava a fim de brincar e provocar como da última vez. Era como se quisesse reivindicar para si todo o desejo dela, como se quisesse fazê-la perder a cabeça enquanto a possuía com sua boca e língua.
As reações dela eram tão divertidas que por alguns minutos ele tinha se esquecido do próprio desejo, as próprias necessidades, que não estavam sendo supridas já que queria ir devagar.
Ele não entendia muito bem por que, e mesmo sabendo um pouco do relacionamento anterior dela, eles já tinham dormido juntos antes de tudo. Não seria algo novo, então não entendia aquela espera toda. Já tinha quarenta e um dias desde a última vez... Não que ele estivesse contando.
Ele não costumava sair dormindo aleatoriamente com tantas pessoas como vinha deixando o público acreditar nos últimos anos, mas também não era um celibatário. Não esperava que fosse ter que esperar tanto tempo para dormir com a mulher que era literalmente sua namorada, com quem ele já tinha dormido antes.
Aquela mulher esperta e mandona o tinha na coleira feito um maldito cachorrinho e ele fazia o que ela queria sem reclamar apenas para deixá-la feliz. Tinha adquirido um prazer especial em fazer aquilo, o que só reforçava o quanto se importava com ela.
Quando tremeu contra sua boca e seu corpo praticamente virou gelatina, Hero sorriu satisfeito e deu-lhe mais um beijinho abaixo do umbigo antes de se afastar. Talvez ele precisasse de um banho frio agora que a tinha feito derreter, mas não podia derreter junto com ela.
Uma lástima, realmente.
respirou fundo uma vez e se inclinou para a frente, prestes a se levantar, quando o impediu pelo ombro. Antes que ele pudesse sequer piscar direito, ela já estava em seu colo, com a boca na sua e desabotoando sua calça.
Seu membro pulou para fora quando ela puxou a cueca e ele gemeu contra sua boca, quando sentiu a mão pequena e quente ao redor dele. Ele não sabia o que exatamente tinha feito para causar aquela reação, mas não iria reclamar de jeito nenhum, até que a sentiu se posicionando contra ele e teve um súbito lapso de consciência.
... — ele murmurou com urgência quando ela levantou o quadril, mas já era tarde demais. — Merda... A camisinha.
Aquela palavra a fazer congelar no lugar por um momento, mas então se lembrou da injeção anticoncepcional que tinha tomado há menos de duas semanas e relaxou novamente, um sorriso malicioso nos lábios quando ela baixou o quadril de uma vez, arrancando um gemido gutural dos lábios de .
inclinou a cabeça para beijar o pescoço dele e mordeu o lóbulo da orelha, antes de murmurar que estavam seguros. gemeu outra vez e agarrou seus quadris com as duas mãos, assumindo o controle por um instante, enquanto entrava e saía de dentro dela com rapidez.
Nunca tinha feito sexo desprotegido com ninguém porque ele não confiava nem mesmo na própria sombra, mas ...
Talvez ela o tivesse feito perder a cabeça de verdade. Era tão bom e deliciosamente quente e tão mais sensível que ele sentia que explodiria a qualquer momento. E foi com esse pensamento em mente que ele se forçou a se acalmar para que ela assumisse o controle mais uma vez, ou tudo acabaria tão rápido quanto começou.
Contudo, para sua alegria, não parecia nem um pouco a fim de prolongar mais do que o necessário. Assim que o aperto de em seus quadris passou a ser apenas de um segurar firme, ela o puxou para um beijo, voltando a se movimentar em busca do alívio que sentia cada vez mais próximo. E como se estivesse ciente disso, pôs uma mão entre seus corpos e a deu um estímulo extra e rápido. Poucos segundos foram necessários para que ela desabasse contra ele, ao mesmo tempo em que o sentiu se derramando dentro dela, seus corpos tremendo violentamente e mais um gemido gutural escapando entre os lábios dos dois, as vozes se mesclando quase em harmonia.
permaneceu parada com ainda dentro dela por mais alguns minutos, enquanto os dois recuperavam o fôlego. Ele estava com a testa apoiada em seu ombro e levantou a cabeça quando percebeu algo: a blusa ainda intacta em seu corpo. Assim como as roupas dele, com exceção da calça aberta.
Não tinham sequer se livrado de todas as peças antes de juntarem seus corpos em um, mas não importava. Mesmo que tivessem sido relativamente rápidos, tinha valido cada segundo.
saiu de seu colo um momento depois e se vestiu novamente, enquanto abotoou a calça e voltou a se deitar com ela no sofá. Alguns minutos depois, nenhum dos dois se lembrava do enredo do filme, tampouco prestavam atenção, quando se virou para encará-lo e falou de repente:
, preciso te contar uma coisa. — Ela finalmente tomou coragem. — Já faz um tempo, na verdade...
— O quê? — perguntou, com calma, colocando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.
— Bem, é uma longa história. — Ela riu, nervosa. — Mas eu tenho que-
O telefone dele começou a tocar naquele instante, a interrompendo mais uma vez. pegou o aparelho, pronto para ignorar a ligação, mas quando viu o número, franziu o cenho e se sentou rapidamente.
— Desculpa, , preciso atender. Só um minuto — ele pediu e então se levantou, desaparecendo pelo corredor dela até chegar ao quarto de hóspedes.
— Alô?
— Encontrei ele — disse Logan, o detetive particular que tinha contratado. — Vou te mandar o endereço e o cronograma de rotina dele.
Seu pai. Seu pai biológico. Estava vivo e bem e era professor de música em uma universidade. Mas até então aquela era a única informação que ele sabia até então, facilmente encontrada na internet. O problema era o resto, que Logan havia passado as últimas semanas procurando.
sentiu o coração dar um pulo de alegria, mas se conteve.
— Como ele é? Ele é casado? Tem filhos? É uma boa pessoa? — Aquilo era o mais importante.
— Ele tá limpo. Completamente limpo. Viúvo, sem filhos. Sem ficha criminal ou denúncias de assédio por parte de alunas. É um bom homem — Logan assegurou. — Você vai encontrar mais detalhes no relatório que mandei pro seu e-mail.
Maravilha. Aquilo era ótimo. Completamente.
quase queria pular de alegria.
— Tudo bem, obrigado. Falo com você depois, Logan — ele disse, antes de desligar.
Hero sorriu de orelha a orelha e socou o ar algumas vezes, comemorando silenciosamente. Precisou de alguns minutos para se acalmar antes voltar para a sala e se segurou para não contar a . Não queria contar a ela, não ainda.
Ele não queria criar mais expectativas ou esperanças a respeito do pai biológico que nem mesmo tinha ideia de que tinha um filho e que o filho era alguém como ele. Não sabia nem se ele queria ter filhos.
E Hero não queria nada além de uma conversa. Queria conhecê-lo e falar a verdade, sem nenhuma intenção. Apenas por dizer. E se ele fosse realmente uma boa pessoa como Logan havia dito — e explicado detalhadamente no relatório que ele leu em menos de cinco minutos —, então contaria a .
E ficaria feliz se ele e o pai pudessem ao menos se conhecer melhor, talvez até serem amigos, porque sentia falta disso.
Só esperava que Rick Keller estivesse tão disposto quanto ele.
Quando voltou para a sala e pediu para que continuasse o que queria dizer, ela apenas sorriu e explicou que tinha tomado um anticoncepcional injetável no mês anterior, por precaução. Ele franziu o cenho, sentindo que não era tudo, mas não discutiu. Se havia algo mais, ela podia contar quando achasse melhor. Alguns minutos depois, ele foi embora, ansioso para ir para casa e abrir o e-mail novamente, dessa vez para escrever em seu diário.
sequer notou que o sorriso de sua namorada não atingiu os olhos quando eles se despediram.

Capítulo 35

16 de agosto de 2012, 21:43 - Nova York, NY

arqueou a sobrancelha outra vez, segurando uma taça de champanhe na altura dos lábios.
— Não me olhe assim, eu já disse que você tá imaginando coisas — disse, rolando os olhos.
— Ele não para de olhar pra cá, pra você — ela enfatizou.
— Quem não para de olhar? — Andrew apareceu ao lado de com duas taças nas mãos e entregou uma a ela.
— Peter Haynes — respondeu. — Faz uma meia hora já.
— Ah, Peter. Eu conheci ele num evento há alguns meses. Ele me perguntou da Fleur — Andy comentou.
— Perguntou? E por que você não falou nada? — a irmã indagou.
— Não é como se fosse fazer diferença. Ele disse que era um fã e que gostaria de conhecê-la, mas falei que a Fleur não se encontra com fãs nem revela a identidade.
— Você fez bem — disse. — Eu não ia mesmo.
Por mais que ele fosse bonito e carismático. Peter Haynes, famoso influencer literário com um canal no YouTube com milhares de inscritos, que contribuía muito para incentivar a leitura no país, inclusive por parte dos homens. Assumir que gostava de romances por puro entretenimento não era algo que muitos faziam e ele vinha mudando isso há algum tempo. conhecia seu trabalho e admitia que era interessante. Peter também tinha uma dicção incrível de causar inveja.
Com vinte e cinco anos, com 1,80 m de altura, olhos avelã, cabelo loiro queimado pelo sol, assim como sua pele bronzeada, Peter tinha a aparência que muitas vezes tinha o feito ser comparado aos príncipes da Disney. nem gostava muito de caras loiros, mas ele a atraía de alguma forma. Talvez por conta da sua sensibilidade, da sua falta de medo em assumir coisas que causariam vergonha a muitos homens que se recusavam a parecer delicados, como se isso fosse algum sinônimo de fraqueza.
— Ele é aspirante a escritor. Fiquei sabendo que ele anda trabalhando num romance há anos, mas nunca fica pronto — Andy contou. — Que bom que ele faz bastante dinheiro com o YouTube, então. Eu odiaria ter alguém como ele na minha editora.
— Andy! Que coisa feia de se dizer — reclamou. — E se ele tiver com algum bloqueio?
— Então que partisse pra outro enredo. Você já teve um bloqueio de meses e conseguiu terminar mesmo assim. Com as técnicas e conselhos certos — ele retrucou. E tinha razão. — Pra mim, parece mais enrolação, . Por mais que ele pareça ser uma pessoa legal, acho que o lance dele é apenas como leitor.
— Nem sempre é necessário ter talento pra escrever.
— Verdade, mas o mínimo de planejamento e rotina não fazem mal a ninguém.
— Vai ver ele tem algum ritual esquisito — sugeriu. — Tem um monte de gente que escreve quando tem inspiração, talvez ele esteja com isso em falta.
Andrew bufou em deboche.
— Eu não vou nem comentar sobre isso — ele disse e olhou para , que suspirou.
— Se alguém for escrever só quando bater vontade ou inspiração, então provavelmente vai demorar anos nisso — ela disse. — Andy tem razão. Sentar na cadeira e criar metas, estabelecer uma rotina de escrita, isso é o melhor para garantir uma maior produtividade. Escrever é um trabalho como qualquer outro.
— E se a escrita sair uma merda? — a amiga perguntou.
— Aí ele aprende com as revisões. Os revisores vão apontar o que tem de errado. Ele pode corrigir e tentar evitar da próxima vez. Tipo quando a gente fazia trabalhos acadêmicos na faculdade — explicou.
fingiu estremecer.
— Meu Deus, nem fala nisso que eu já sinto arrepios. Essa, com certeza, era a pior parte da faculdade. Menos pra você, é claro.
— Eu sofri muito nas mãos da professora de Enfermagem Clínica, nem vem. Escrever academicamente é diferente de escrever por entretenimento.
— Isso até você dominar a escrita acadêmica e fazer de um jeito que gerava entretenimento. Eu ainda lembro da sua banca falando que a pesquisa de campo da sua monografia parecia uma história.
riu, divertida, e Andy abriu um sorriso orgulhoso para a irmã.
— Isso sim é talento — ele comentou.
— Parece que o Sr. influencer literário resolveu criar coragem de vir pra cá — comentou, olhando discretamente para o homem alto que se aproximava enquanto cumprimentava algumas pessoas pelo caminho. Olhava diretamente para . Como se soubesse exatamente quem ela era.
Os dois saíram juntos pela primeira vez na noite seguinte. Mas foi apenas dois meses mais tarde que ela contou a ele quem realmente era — Fleur de Colibri — apenas para descobrir que ele já sabia, mas não disse nada pois não queria deixá-la desconfortável.
Na ocasião, sorriu apaixonada, acreditando que talvez ele fosse o cara certo. Mal sabia ela que em menos de seis meses mais tarde, descobriria que ele, na verdade, era um grande de um...

7 de maio de 2016, 16:46 - Apartamento de , Nova York, NY

Filho da puta! — ela xingou baixo, relendo o e-mail novamente.
Era isso o que Peter Haynes era: um grande filho da puta.
Maldito seja.
E ali estava ele, ressurgindo das profundezas do inferno para parabenizá-la pelo lançamento do novo livro que iria acontecer dali a alguns dias. Ele não tinha mesmo vergonha na cara. Mesmo depois que o fez prometer que ela nunca mais ouviria uma palavra que viesse dele. Não depois do que o babaca fez.
Não depois de trair sua confiança.
— Enfie suas palavras na bunda, Haynes — ela resmungou, abrindo a caixa de respostas depois de considerar por alguns minutos se ele realmente merecia ter uma.
Então rapidamente digitou:

“Obrigada. Mas devo lembrá-lo de sua promessa quando assinou o acordo de confidencialidade, três anos atrás. Que eu não ouviria nenhuma palavra — dita ou escrita — que viesse de você, Haynes. Espero que essa seja a primeira e última vez.”

E enviou. Sem assinatura ou saudações, apenas a mensagem limpa e seca. Afinal, o objetivo não era parecer amistosa, mas exatamente o contrário. No entanto, Peter enviou uma resposta menos de cinco minutos depois.

“Não esperava que você ainda guardasse rancor mesmo depois de tantos anos, . Meus parabéns a você são sinceros. Sinto muito por ter te magoado naquela época. Espero que seu novo namorado não faça nada disso. Ele sabe quem você realmente é?”

Maldito. Então era por isso. Ele estava sondando ela devido ao rumor que tinha vazado. Sem discutir mais, ela respondeu o e-mail uma última vez, sutilmente mencionando acionar seus advogados caso Peter pensasse em fazer alguma gracinha.
No dia seguinte ao ensaio fotográfico da Cave Panthers com a Double K, um novo artigo associando o nome de à banda surgiu. Dessa vez, sugerindo que ela, na verdade, não era a namorada de , mas de Hero; que ela era a Garota dele. Ou algo perto disso, já que ninguém sabia se a Garota realmente tinha existido ou não.
E o problema maior era que o idiota do tinha respondido uma série de perguntas na noite anterior e em uma delas, ele assumiu estar em um relacionamento com uma não-celebridade. havia lhe dado uma bronca depois disso, mas ele apenas revirou os olhos depois de dizer que sentia muito.
Hero nem se esforçou para parecer arrependido, e aquilo a irritou ainda mais. Eles acabaram tendo uma breve discussão em que ela disse que não queria ter a vida pessoal exposta, ao que rebateu ao falar que as pessoas saberiam mais cedo ou mais tarde. A noite deles terminou dez minutos depois, quando ela saiu do apartamento dele batendo a porta da frente.
Ele não a seguiu e nem mandou uma mensagem se desculpando de verdade. não esperava mesmo que ele fosse fazer isso. Não quando estava ocupado demais procurando o pai e voltando a escrever para a Garota dele, em seu antigo e-mail e não contando absolutamente nada daquilo para a namorada.
Para todos os efeitos, , sua ex-enfermeira e atual namorada, não sabia de nada sobre seu verdadeiro pai ou sobre ele voltando a escrever para a garota que de quem ele tanto sentia falta.
E ela sentia vontade de esganá-lo por isso.
Além de, é claro, bater em si mesma, por sentir ciúmes de si mesma.
Mesmo sabendo que também estava errada, se ressentia um pouco por se abrir tão facilmente para alguém que tecnicamente mal conhecia enquanto a deixava no escuro, mas depois decidiu não se estressar mais com aquilo. Tinha coisas melhores a fazer com seu tempo. Como trabalhar, por exemplo. Deixaria a poeira da discussão abaixar e depois conversaria novamente com .
Então talvez ele finalmente admitisse que havia voltado a escrever para outra mulher.

***


7 de maio de 2016, 20:36 - Mais tarde, naquele mesmo dia - Universidade de Nova York

encarou a hora no celular mais uma vez. Estava fazendo isso pelos últimos dez minutos, desde que entrara naquela lanchonete do campus. Estranhamente, não havia muitos alunos por ali e os que estavam, tinham os olhos em seus próprios computadores — provavelmente estudando para as provas finais que se aproximavam com o fim do semestre —, ocupados demais para notar o cara de boné preto e máscara que estava a poucos metros de distância deles.
Os pés batendo no chão incessantemente denunciavam a sua ansiedade crescente diante da espera, até que o sino da porta soou quando se abriu novamente e um homem, que parecia muito mais jovem para a idade que devia ter, passou por ela.
Hero observou Richard Keller olhar em volta do café como se procurasse algo — alguém — e levantou um braço, acenando para o homem.
Havia entrado em contato com o pai biológico por e-mail perguntando se ele se lembrava de Darla Bright e quando o homem respondeu que sim, ele disse que precisava falar com ele sobre algo importante, relacionado a ela. Não disse quem realmente era ou que era filho de Darla. Mas apenas o nome da mãe foi o suficiente para Richard Keller aceitar um encontro naquele café da universidade.
Rick caminhou até assim que o avistou e pediu dois cafés para uma das garçonetes logo que sentou. A garota, que o chamou de Sr. Keller, sorriu, simpática e se afastou para pegar o pedido. acenou com a cabeça levemente para Richard, não dizendo nada até a garçonete voltar com os pedidos.
E como se o universo cooperasse com eles, dois alunos — que estavam sentados nas mesas mais próximas de onde eles estavam — se retiraram naquele momento, deixando o café quase vazio, com exceção deles e de outra garota que estudava em uma mesa dos fundos, rodeada de papéis.
— Você deve ser — Richard foi o primeiro a falar.
— E você deve ser Rick Keller. Eu ouvi muito sobre você.
— Como? Darla falou sobre mim? Você parece conhecê-la bem.
sorriu por trás da máscara e abaixou a cabeça para retirá-la, junto com o boné. Quando levantou, viu o homem empalidecer, como se tivesse vendo um fantasma.
— Eu deveria, já que ela é minha mãe. — Ele sorriu, mostrando a covinha idêntica a que Richard tinha.
O homem em sua frente piscou algumas vezes, parecendo um pouco desconcertado, mas não parecia com raiva ou decepcionado, apenas... Surpreso.
Antes de ir até lá, havia se perguntado se ele seria capaz de juntar as peças assim que o visse de perto e, pelo visto, era isso o que estava fazendo. Richard fechou os olhos por um instante e respirou fundo, antes de voltar a encará-lo.
— Como? — foi tudo o que ele perguntou, o olhar cheio de compreensão. Ele sabia quem era, ou melhor, o que ele era dele.
Em resposta, Hero retirou a foto de dentro do bolso da jaqueta que usava e a deslizou pela mesa.
— Minha mãe me contou recentemente sobre você. Ela disse que nunca te contou nada também. Que não sabia nem mesmo onde te encontrar.
— Meu Deus... Darla, ela... Ela está bem?
— Ela está ótima, na verdade. Casada e com mais um filho, além de mim. Meu irmão mais novo, meio-irmão, na verdade.
Richard pegou a fotografia e encarou a imagem de si mesmo no papel antigo, antes de voltar o olhar para o homem que era praticamente seu clone quando tinha aquela mesma idade. Teve a impressão de que o tinha visto antes, talvez rapidamente, mas não se lembrava de onde...
— Eu tenho a impressão de que já te vi antes.
riu, nervoso.
— No espelho, talvez? — ele brincou.
Os olhos de Richard brilharam com humor, mas o homem não disse nada, então apenas suspirou, antes de continuar a falar. — Talvez você tenha ouvido falar sobre Hero , vocalista da banda Cave-
— Cave Panthers! — Rick completou. — Sim, é claro. Devo ter tido algumas alunas nos últimos anos falando que você e eu éramos parecidos. Sim! Mas como... Como você me encontrou?
mordeu o lábio inferior, ainda um pouco nervoso.
— Quando minha mãe me contou sobre você, a única coisa de que eu me ressenti foi por ela não ter feito isso antes — ele começou. — Eu nunca tive um bom relacionamento com o homem que até então achava que era meu pai e descobri da pior forma possível que ele não era. Então, quando eu soube de você, contratei um detetive particular pra te encontrar...
E então ele contou tudo. Cada pequeno detalhe que conseguiu se lembrar de ter ouvido da mãe, os relatórios de Logan, além do fracassado relacionamento com Jonathan e também sobre seu avô, Anthony.
Richard ouviu tudo em silêncio e permaneceu assim por alguns segundos quando terminou de falar — deixando claro que não tinha qualquer intenção em relação a ele, além de uma possível amizade, caso ele concordasse, e que nunca teria se aproximado dele caso suspeitasse que ele era um homem ruim ou aproveitador.
Rick respirou fundo algumas vezes, sentindo os olhos arderem, quando começou a falar:
— É muito pra absorver, mas... Também é bom saber que eu tenho um filho. Eu sempre quis ter um, mas minha esposa nunca conseguiu engravidar e adoção pra ela nunca foi uma opção — ele disse. — Assim como sua mãe, eu só tenho boas lembranças dela. Fico feliz que Darla esteja bem e satisfeita com sua vida. Ela era uma garota incrível e, pelo visto, te criou bem, assim como seu avô.
— Sim, eles fizeram. — sorriu, sentindo os próprios olhos arderem e engoliu em seco, tentando evitar que a voz falhasse. — Eu fiquei muito feliz quando soube que você era músico. Ninguém da minha família até então tinha se envolvido com música ou qualquer outro tipo de arte, então tudo fez sentido.
— Você puxou a mim. — Rick sorriu. — E conseguiu fazer um trabalho incrível.
fez uma careta ao ouvir aquilo.
— Bem, talvez não tão incrível nos últimos anos.
— Por que não? — Rick indagou, curioso.
— Desde que meu avô morreu... Nos últimos anos, eu não tenho conseguido compor muita coisa. Nada muito decente, como se minha inspiração tivesse sumido.
— Bem, então encontre mais.
— Você fala como se fosse simples.
— Mas é simples, . Olhe a sua volta. Observe. Você já fez isso antes, só precisa se lembrar como. Às vezes, o simples é muito mais atraente do que algo impactante. Escreva sobre o que você sente, não sobre o que acha que a gravadora ou seus fãs irão gostar. Acho que isso não seria uma questão pra eles.
— Eu sei, mas esse é o problema. Talvez eu precise de um gatilho. Você tem alguma dica? De um músico pra outro.
— Hmm... Me diga, você já tentou ler algo? Um livro, talvez?
— Um livro? — franziu o cenho. — Hm, não sou um grande leitor. Nunca tive muito tempo pra isso, na verdade.
— Então, comece daí. Encontre algum livro, quem sabe um romance... Leia de uma visão feminina, às vezes isso pode ajudar muito em termos de inspiração. Ache o que as mulheres procuram e faça algo a respeito disso. A maioria de seus fãs são mulheres, certo?
assentiu.
— Acho que tô entendendo o que você quer dizer.
— Então coloque em prática, mescle com o que você está sentindo. E me ligue sempre que precisar de algo.
O coração de se aqueceu um pouquinho ao ouvir aquilo.
— Quer dizer que podemos nos ver de novo? Você não se sente desconfortável comigo?
— Não se você não se sentir assim. Eu te disse, eu sempre quis ter um filho — Rick deixou claro. — E por mais surpreendente que seja descobrir que tenho um depois de trinta anos, quem sou eu pra te rejeitar?
Tão diferente.
Richard Keller era tão diferente de Jonathan que por um momento, se ressentiu com sua mãe outra vez. Por não ter tido a oportunidade de ter aquele homem em sua vida há muito mais tempo.
— Obrigado, Richard. Fico muito feliz por isso.
— Eu estaria sendo muito careta se dissesse que gostaria que você me chamasse de pai?
riu diante da pergunta e Richard o acompanhou, enquanto lágrimas rolavam nos rostos dos dois. Lágrimas de alegria, ele percebeu. E também, talvez, de alívio mútuo.
— Tá bom, pai — disse por fim, se surpreendendo em como tinha soado natural chamá-lo daquele jeito.
Richard se levantou, parando ao lado dele e fez o mesmo.
— Vem cá, garoto. Deixa eu te dar um abraço. — Ele puxou o filho, que tinha a mesma altura que ele, para um abraço apertado e aconchegante.
Os dois ficaram assim por alguns minutos e choraram mais um pouco, sem se importarem se havia pessoas olhando, talvez apenas a garçonete, mas a encontrou ocupada, limpando as mesas. A garota dos fundos que estudava se encontrava na mesma posição de antes, alheia ao que acontecia.
Era como se ele e o pai estivessem dentro da própria bolha particular. E com o coração cheio de alegria e esperança, desejou que ela nunca estourasse.
Mais tarde, quando voltou para casa, ele encontrou o livro que tinha ganhado de , ainda embrulhado no papel pardo e rasgou a embalagem improvisada.
O título era Sorvete, Pizza e Música, de uma autora chamada Fleur de Colibri, e estava repleto de post-its coloridos que havia colado. não achou o nome estranho, e ainda que não se lembrasse de onde o tinha visto, não deu muita importância a isso.
Sem pensar muito, ele abriu a primeira página.
E começou a ler.

Capítulo 36

Richard nunca bolou um plano tão rápido quanto fez naquela madrugada quando terminou de ler aquele livro.
Nem ele acreditava que tinha virado uma noite lendo, mas entendeu perfeitamente — mesmo que houvesse um bilhete com a péssima caligrafia de no final — porque o amigo havia lhe presenteado com aquele livro.
Fleur de Colibri era . A Garota . A garota que ele tinha conhecido dez anos antes e para quem escreveu durante seis — havia voltado recentemente a fazer isso, inclusive.
Ele mal podia acreditar, mas ali estava ela: sob o pseudônimo de uma escritora famosa e renomada no gênero de romance.
E tinha contado a história deles.
olhou as informações do livro e descobriu que havia sido publicado apenas em 2010, com uma nota (de ) de que a história teve o primeiro rascunho escrito ainda em 2006, como fanfic da Cave Panthers. Ele não sabia como o amigo havia descoberto aquilo, mas não conseguiu parar de ler até terminar a história. Não apenas porque era sobre eles, mas também porque ela escrevia muito bem. Lógico que havia algumas cenas fictícias no enredo, provavelmente para tornar a história mais atrativa, além de um final decente, diferente da realidade, que se separaram sem ao menos uma despedida. De todo modo, Hero sempre quis saber o motivo dela ir embora assim e agora havia a possibilidade de descobrir.
Então ele deixou de lado a página que marcava fim e voltou para o início do livro, encontrando a ficha catalográfica e depois de uma pesquisa rápida na internet, ele se deparou com algumas informações sobre Fleur e um e-mail da editora responsável pela publicação do livro. Sem mais delongas e com a mente fervilhando de ideias, Hero enviou um e-mail para Dianna Dane.

De:w87@hotmail.com
Para: diannadane@dreamhouse.com
Assunto: Parceria com Fleur de Colibri

“Cara Sr.ᵃ Dane,

Há um tempo, no meu aniversário, eu ganhei o livro
Sorvete, Pizza e Música de presente de aniversário de um dos meus amigos e acabei de finalizar a leitura.
Peço desculpas desde já pelo horário de envio deste e-mail, mas creio que não fará diferença, considerando que você irá vê-lo na hora que lhe convier mais.
Meu nome é Hero e eu sou líder e vocalista da banda Cave Panthers, a qual eu ouvi dizer que a Srt.ᵃ Colibri é uma fã. Depois de finalizar a leitura de seu primeiro livro, tive uma ideia que pode beneficiar a nós dois: uma parceria musical.
Eu sei que Fleur não é musicista, mas ela sabe contar histórias e é muito criativa. Exatamente alguém de quem preciso agora. Estou tentando trabalhar em novas músicas e acabei descobrindo que a Srt.ᵃ Colibri também está escrevendo um novo livro atualmente, o que me fez ter a ideia de juntar o útil ao agradável : ela me dá a história, alguma situação baseada no enredo e, em troca, eu escrevo músicas que servirão de trilha sonoras para seu livro.
Quero ter um retorno na indústria musical em breve e acho que seria um ótimo desafio para me ajudar a sair da mesmice de sempre.
Aguardo seu retorno ansiosamente.
Diga a que mandei lembranças.

Atenciosamente,
Hero .


***


Dianna piscou e então esfregou os olhos para ver se estava vendo direito. Só por precaução, pediu a Nancy, sua secretária, para chamar Andrew na sala dele para que fosse lá ter certeza também.
E era realmente aquilo.
— Caramba, Hero quer trabalhar com a Fleur. Será que a sabe disso?
— Acho que não, ela teria dito algo se soubesse que ele encontrou a Fleur.
— Responde o e-mail pra gente sondar um pouco. Diz que a Fleur não aceita se encontrar com ninguém, a mesma coisa de sempre...
Assentindo, Dianna começou a digitar rapidamente.




Re:De:
w87@hotmail.com
Para: diannadane@dreamhouse.com
Assunto: Parceria com Fleur de Colibri
"Caro Sr. ,
Estamos lisonjeados com a oferta de parceria, mas sinto em informar que a Srt.ᵃ Colibri não costuma se associar a ninguém além da própria equipe devido ao seu anonimato, pois é algo de extrema importância para ela, o que nos deixa de mãos atadas.

Atenciosamente,
Dianna Davis.
Editora-Chefe
Dream House.”


Hero estava almoçando em casa quando leu o e-mail com uma expressão de escárnio no rosto. Depois de dormir por algumas horas durante a manhã, ele pulou os exercícios do dia com seu personal trainer por pura preguiça e ressaca depois de uma noite inteira lendo.
Agora estava ali, finalmente lendo a resposta do e-mail que tinha enviado para a agente de Fleur Colibri na noite anterior, mas focou apenas em uma informação contida no texto: sobre o anonimato ser de grande importância para Fleur.
Dianna Dane não tinha sequer mencionado nada sobre . Talvez para que pensasse que ela não tinha visto. Mas ele não iria desistir facilmente. E já estava preparado com as palavras na ponta da língua — ou dos dedos — quando começou a digitar outra vez.

Re: De: w87@hotmail.com
Para: diannadane@dreamhouse.com
Assunto: Parceria com Fleur Colibri

“Cara Sr.ᵃ Dane,
Como sei que a senhora foi a responsável pela publicação de
Sorvete, Pizza e Música, assim como as outras publicações de Fleur, imagino que deva conhecê-la bem. Assim também como deve saber que esse livro conta uma história de algo que ocorreu entre a Srt.ᵃ Colibri e eu, dez anos atrás. Devo enfatizar que o enredo traz informações que apenas quem estava lá poderia saber e, algumas delas, apenas e eu sabemos. Você deve imaginar quais.
Estou supondo, então, que já ouviu falar da Cave Panthers e que temos uma personagem bastante famosa nas nossas músicas, a
Garota .
Então, hipoteticamente falando, considerando que a Srt.ᵃ Colibri preza muito por seu anonimato, mantendo as atenções unicamente em seus enredos, imagino eu, você não acha que seria um tanto interessante se eu dissesse em minhas redes sociais que encontrei a
Garota ?
Por favor, não tome isso como uma ameaça, mas apenas uma sugestão. Não quero que pense que estou sendo maldoso, mas faz uma década que não vejo a
Garota .
Além disso, não tenho problema nenhum em assumir o que aconteceu entre mim e , que ela escreveu no livro, mas pelo visto, ela pensa o contrário.
Repasse essa mensagem a ela, por favor.

Atenciosamente,
Hero .”


— Que traiçoeiro! — Andy exclamou, com um sorriso tomando seu rosto. — Gostei dele!
Dianna balançou a cabeça de um lado para outro, com os braços cruzados, enquanto lia e relia o e-mail recém-chegado.
— O que eu faço? Ele praticamente encurralou a gente. E não dá nem pra ter raiva dele, sabendo que a tá enrolando o cara há meses.
— Faça o que ele disse. — Andy deu de ombros. — Repasse a mensagem. Aproveite e tente convencer Fleur a aceitar a parceria. Ou melhor, consiga que ela aceite, Di.
Consiga? Só isso? Cadê o apoio moral? A vai surtar quando descobrir.
Andrew colocou uma mão no ombro dela e respirou fundo, de forma dramática.
— Boa sorte, amiga. Mas caso seja muito difícil, sugiro que invente algo a mais. Tipo um processo ou algo assim. Mas consiga que ela aceite. Nunca parei pra pensar em trilha sonora de livro, mas vai ser muito bom pros negócios se isso rolar. E a meio que tava escrevendo sobre algo do tipo no livro novo, né? — Ele riu, divertido.
Dianna quase podia ver as cifras de dólares brilhando nos olhos dele.
— Sim, sim... Vou tentar. Mas se eu não conseguir, aí é sua vez de insistir.

***


estava surtando.
À medida que Dianna falava no telefone, mais confusa ela ficava, como se seu sistema tivesse entrado em pane. Hero tinha encontrado Fleur de Colibri, e sabia que ela era a Garota , mas não sabia que Fleur também era ela, sua atual namorada. Era como se seus pesadelos estivessem prestes a se concretizar a qualquer momento e ela tinha que dar um jeito de tentar fazer com que desistisse daquela ideia. Assim também como tinha que conversar com ele e contar toda a verdade que tinha omitido nos últimos meses.
Mas eles ainda nem tinham se falado desde a pequena discussão depois dele assumir que estavam juntos e ela não queria discutir de novo, especialmente quando não sabia nem mesmo se eles voltariam a se falar uma vez que ele soubesse.
— Eu não posso fazer isso, Dianna!
— Tente ao menos conversar com ele, . Não precisa ser por telefone, vocês podem se falar por e-mail ou WhatsApp, você pode usar o seu outro número — ela sugeriu. — Mas tenta, por favor. O Andrew tá tirando o meu juízo pra te convencer a aceitar essa parceria.
— E eu vou tirar o juízo dele se der alguma merda!
Dianna suspirou, cansada.
, não fique com raiva, mas ele tem razão. É bom pra gente enquanto empresa, mas pra você também. Hero pode ter os seus escândalos, mas ele ainda é um músico renomado e respeitado, seus leitores iriam adorar.
Foi a vez de suspirar. Dianna tinha razão. Os leitores que a acompanhavam há mais tempo sabiam muito bem que ela era fã da Cave Panthers. E se aquela informação da parceira vazasse ou Hero assumisse que ela era a Garota … Bem, ela não queria nem imaginar o quanto seria criticada.
Pensando de forma lógica, aceitar era a opção óbvia. Se fosse qualquer outra situação… Talvez nem pensasse duas vezes naquilo, mas agora a deixava apreensiva. Mesmo assim, resolveu ceder um pouco em nome dos amigos.
— Tá, pode passar o meu contato pra ele. Vou conversar com ele, mas que fique claro que tem noventa por cento de chance dessa parceria não rolar.
— Eu já te disse que você é incrível? Obrigada, . Pelo menos agora Andy vai me dar um pouco de paz. Vá com a mente aberta, por favor.
— Tudo bem, Di.
Que o universo a ajudasse.
Mas a Garota e iriam se reencontrar, ainda que virtualmente, pela primeira vez em dez anos.
E ela não fazia ideia onde isso iria parar.
Horas mais tarde, ainda não tinha enviado sequer uma mensagem para sua namorada — que ele parecia ter esquecido da existência durante as últimas quarenta e oito horas —, mas o mesmo não se aplicava para a Garota .
E às oito da noite em ponto, seu celular vibrou com uma notificação de um número no WhatsApp; um olhar sobre a tela foi o suficiente para ela ver e identificar o número que já conhecia muito bem.
Fleur Colibri tinha acabado de receber uma mensagem de Hero .

Capítulo 37

não sabia o que fazer.
Não quando recebeu uma mensagem de Hero naquela tarde, enquanto ele ignorava as mensagens da namorada.
O que diabos era aquilo?
Se ele queria terminar — depois de assumir o relacionamento publicamente, ela reclamar e então ele encontrar a Garota —, era só dizer.
Havia enviado uma mensagem perguntando como ele estava já que a última vez que tivera notícias foi através do antigo e-mail, quando ele contou que iria se encontrar com o pai biológico, mas até agora nada de resposta.
O pior era que agora que ele tinha encontrado a Garota , ⁣ também sentia uma vontade inexplicável de respondê-lo, pois, depois de ler todos os e-mails que havia enviado, se lembrou de uma versão antiga dela que parecia estar adormecida há anos.
Ela já tinha pensado nisso outras vezes, na mudança que tinha sofrido ao longo dos anos. não tinha sido o único, de fato. Nos últimos quatro anos, depois de ser traída de uma forma imperdoável — não que ela considerasse qualquer tipo de traição algo perdoável —, dar confiança a alguém tinha se tornado três vezes mais difícil. Ela sempre pensava que a de alguns anos atrás, antes de tudo acontecer, era uma das suas versões mais legais e cheias de vida.
Agora, se sentia uma alma velha, ranzinza e cheia de mágoa e rancor.
não era amarga apenas com Hero enquanto tinha sido seu paciente, mas com todos ao redor. Mesmo que às vezes não demonstrasse, não se sentia mais a mesma, não como antes. Agora isso acontecia apenas por breves horas quando ela se encontrava em casa, sozinha e escrevendo, mergulhada em um de seus enredos que sempre a faziam ter inveja das protagonistas e querer ter o poder de sentir na pele o que escrevia, de viver naquele universo que ela mesma havia criado. Naquelas horas, ela meio que tinha um vislumbre de seu antigo eu e, de certa forma, isso a acalmava.
Antes de Peter Haynes ela era uma pessoa; e depois dele, tinha se tornado aquela casca que não se apegava a nada nem ninguém além de seus próprios personagens. Ainda era uma surpresa para ela ter aceitado embarcar em um relacionamento com , mas... Novamente, ele parecia trazer o melhor dela à tona. Mesmo que às vezes ela ainda continuasse meio rabugenta — um hábito difícil de largar, especialmente quando havia outra pessoa em seu espaço, quando ela já estava tão habituada a viver sozinha.
Só que isso não parecia incomodar . Ele tinha essa natureza de não sentir raiva por coisas bobas e não dar atenção a elas. Assim como tinha ignorado completamente — e talvez propositalmente — a pequena discussão que eles tiveram há poucos dias.
E agora estava ali, enviando uma mensagem para Fleur de Colibri — a Garota — como se não tivesse praticamente ameaçado Dianna de revelar tudo o que sabia sobre ela. Ou melhor, sobre eles; o que tinha acontecido há uma década.
Não tão ruim quanto a ameaça de Peter Haynes, no entanto. Ele havia sido descarado o suficiente para roubar o manuscrito que ela tinha acabado de escrever — um romance contemporâneo entre um cantor e uma garota pobre e órfã que ele havia encontrado em uma noite chuvosa —, e não tivera nem o trabalho de mudar os nomes dos personagens.
Não tinha sido um plágio, mas literalmente um roubo de manuscrito. E por mais que a história não fosse longa, ainda era uma de suas queridinhas. E abdicar dela tinha sido doloroso, especialmente quando Peter descaradamente ameaçou revelar sua identidade e detalhes de sua vida pessoal que não dizia respeito a ninguém, caso o denunciasse.
Na época, Andrew quis continuar em frente com a ideia do processo, mas se viu de mãos atadas, obrigada a abrir mão de uma história para proteger sua própria identidade. O fato da história ser uma mini novela não fez doer menos quando ela viu Peter fazendo sucesso com ela e conquistando milhares de fãs. Tinha o feito assinar um contrato de confidencialidade em troca e ele fez isso com um sorriso no rosto, o maldito. Estava satisfeito pelo fato de que apenas umas poucas palavras haviam tido um efeito tão recompensador para ele. Já fazia anos, mas ainda tinha vontade de socar a cara dele. Se fosse em outras circunstâncias, ela poderia muito bem provar que ele era uma fraude, um criminoso.
Ainda tinha como fazer isso, mas não sem revelar sua identidade.
Desde o dia em que abdicou daquele manuscrito, ela prometeu a si mesma não revelar nada sobre seu lado escritora a mais ninguém. Especialmente a outros artistas e escritores. Mas agora lá estava Hero , lhe fazendo uma proposta irrecusável.
A fã da Cave Panthers que existia em se regozijava diante da possibilidade de trabalhar com o líder da banda — e o favorito dela.
Fleur e Hero colaborariam de forma impecável, ela sabia.
Mas ainda era uma pessoa cinzenta que não confiava nas pessoas, e tinha medo do que pudesse acabar acontecendo ali. Uma das alternativas que tinha era tentar convencer de que não era uma boa ideia, mesmo sabendo que ele seria irredutível. A outra era nunca, em hipótese alguma, fazer ou aceitar nenhuma ligação dele. Além disso, absolutamente nenhum encontro.
E pensar que ela queria contar a ele que era a Garota , mas não que era escritora… Parecia uma piada, agora ele tinha descoberto um dos dois.
encarou novamente a tela do celular, deitada na cama de seu quarto e pensou por alguns instantes antes de digitar uma resposta para a mensagem que havia acabado de chegar.

Fleur: Olá, Sr. .

Levou um segundo para ela ver que ele estava digitando, sem surpresa, já que também estava online. A resposta veio alguns segundos depois.

Hero: Suponho que a Sra. Bennett tenha comunicado a respeito da minha proposta. É muito bom encontrar você, . Mas seria melhor ainda se fosse pessoalmente.
Fleur: Sim, Dianna me falou. Mas acho que não é uma boa ideia, por mais que eu, como fã da Cave Panthers, fosse gostar. Minha identidade não é algo a se discutir agora.
Hero: Você fala como alguém que mal me conhece. Como se não lembrasse de mim. Mas eu li o seu livro, .
Fleur: Eu me lembro muito bem de você, , de como você era naquela época. Mas não acho que seja possível fazer esse tipo de parceria que você quer.
Hero: Por que não? Eu posso aceitar os seus termos. Desde que eu possa conversar com você, consigo trabalhar online também.
Fleur: Não entendo a sua insistência.

Ele levou alguns instantes para digitar. Por um momento, achou que estava hesitando, mas então a resposta veio.

Hero: Tem muita coisa que eu quero falar com você, . Sério... Você não faz ideia do quanto eu te procurei. Eu até fiz uma coisa boba durante alguns anos…

Bem ali, ela percebeu que ele já não falava mais com a escritora Fleur. Não, agora eram apenas e Hero. Rapidamente, ela digitou uma resposta.

: Tipo me transformar na Garota ? Você não parecia sempre feliz quando falava dela.

Do outro lado, fez uma careta ao ler a mensagem. Mas não demorou muito para responder.

Hero: Tem razão, eu tive uns momentos dos quais não me orgulho. Vários deles, na verdade, e não apenas em relação a você. Sinto muito se te ofendi de alguma forma.
: Você criou uma personagem e eu também, espero que não tenha se sentido ofendido. Se você leu o livro, deve saber que inventei um monte de coisa pra transformar tudo em um romance.
Hero: Tudo bem. Não consegui parar de ler, na verdade. Você escreve muito bem, mas não é uma surpresa. Sabe, eu ainda tenho o e-mail do seu MSN, mas acho que você parou de usar há muito tempo.

O coração dela deu um salto ao ler aquilo.

: Sim, criei um novo quando entrei na faculdade e não usei mais ele.
Hero: Entendo. Eu te mandei e-mails lá por um tempo, mas acho que você nunca viu.
respirou fundo, um pouco nervosa. Era bom saber que ele não podia vê-la naquele momento, pois duvidava que conseguisse disfarçar.
: Sério? Você quer que tente entrar pra ver?

Ela blefou. Não podia falar que já sabia. E diante das coisas que ele tinha enviado, não tinha certeza se ele ainda queria que ela, ou que apenas o diário soubesse.

Hero: Você ainda lembra a senha?
: Mais ou menos, mas tenho como recuperar.

Ela estava mesmo fazendo aquilo? , sua idiota, pensou.

Hero: Caramba, então tenta. Eu falei muita coisa lá pra "você".
: E você não se importa que eu leia só agora?
Hero: Não faz muita diferença. Eu teria contado pra você se nós tivéssemos mantido contato também. Você parecia ser uma boa amiga e eu gostava de você. Mesmo a gente tendo se visto só por uns dias.
: Você lembra de tudo?
Hero: Se eu não lembrasse, seu livro ia ajudar. Mas sim, lembro de tudo, menos de uma coisa.
: O quê?
Hero: Seu rosto.

***


se sentiu meio envergonhado por admitir aquilo para a mulher com quem conversava. E admitiu isso também, mas em resposta, disse que ela provavelmente não se lembraria do rosto dele também se a banda não tivesse se tornado famosa.
E diferente de seu pai — o biológico —, não tinha dado a ela nenhuma foto de lembrança e nem tinha uma da garota que ela costumava ser. Ele apenas lembrava vagamente de seu cabelo longo e cheio de luzes em um tom de loiro claro.
O olhar dele recaiu para o próprio braço tatuado e cheio de cicatrizes das cirurgias e ele suspirou. Alguns desenhos tinham sido danificados, mas talvez ele os deixasse assim mesmo. Como se as cicatrizes que agora ele carregava fossem um novo tipo de tatuagem, algo que representava o que ele tinha passado e para lembrá-lo que tinha sobrevivido. O pequeno "O", no entanto, ainda estava intacto e ele se perguntou se ainda teria o par daquela tatuagem.
Talvez ela tivesse, afinal. Ele fez uma nota mental para lembrar de perguntar depois. Ficou um pouco ansioso quando ela se despediu, falando que tinha conseguido acessar o e-mail antigo e iria ler todas as mensagens que ele havia enviado nos últimos anos. Ainda que quisesse aquilo, torceu para ela não pensar que ele era algum tipo de lunático enviando spam para e-mails alheios.
Seu celular vibrou com uma nova notificação e ele notou que eram quatro mensagens de . Sua namorada, dessa vez.
Ainda não tinha falado com ela desde a discussão idiota que tiveram. Além disso, com o encontro com Richard e a descoberta de , ele acabou a deixando de lado e se sentiu uma pontada de culpa por isso. Respirando fundo e pronto já para se desculpar, ele abriu a conversa.

♡: Se você quiser terminar, é só falar.

O quê? Ele franziu o cenho e desceu para ler o resto das mensagens.

♡: Não custa nada você responder a droga da mensagem, . Se eu tivesse morrendo, você ia descobrir três dias depois e encontraria meu corpo em decomposição. Ou melhor, não ia, porque meus amigos me encontrariam antes e iriam me poupar dessa vergonha pós-morte. Mas você entendeu.

riu pelo nariz, sem conseguir evitar ao ver sendo tão dramática.

♡: Aliás, eu vou terminar com você se você não me responder nos próximos dez minutos. Eu tô te vendo online, seu idiota!

E a última mensagem abaixo, enviada dois minutos atrás.

♡: Você tem oito minutos agora.

Balançando a cabeça e com um sorriso no rosto, resolveu responder a dramática do dia.

: Oi, . Desculpa não ter te respondido antes, eu tava ocupado com umas coisas e acabei esquecendo. Sinto muito mesmo.

Mas ele não mencionou o pai ou a Garota ainda. Uma parte dele queria contar a ela tudo o que tinha descoberto, mas a outra não queria dividir os dois com ninguém. Já bastava ele ter contado aos caras da banda no grupo deles, por mais breve que fosse. até mesmo se vangloriou por ter descoberto que Fleur de Colibri era a Garota deles. Mas Hero não havia dado muitos detalhes sobre ela, nem sobre a troca de mensagens entre eles.
Esperava sinceramente que aceitasse o acordo, pois, por mais que tivesse usado o trabalho como um pretexto para conseguir entrar em contato com ela, ainda era verdade que queria fazer uma parceria.
Depois de ler Sorvete, Pizza e Música, sua mente criou vários cenários e ele se perguntou como seria fazer uma colaboração artística com ela e foi quando a ideia (pretexto) surgiu.

♡: O que você vai fazer pra se redimir? Eu devia dar uns tapas em você até você ficar rosa!

riu, imaginando como seria aquilo e resolveu brincar com ela.

: Vou fazer o que você quiser, amor. Mas eu não conhecia esse seu lado meio dominatrix. A gente devia testar? Nunca tive fetiche com dor, mas sempre tive a mente aberta.
Do outro lado, engasgou com um gole de suco de maracujá — repleto de aveia, chia, gergelim e linhaça — que ela tinha batido no liquidificador com leite e gelo enquanto "Fleur" conversava com ele.
Filho da mãe. Sempre com uma resposta na ponta da língua. E ainda dizia que estava sem criatividade.

♡: Eu devia era fazer você engolir sua língua.
: Aí você ia sair perdendo. Porque eu nem ia poder cantar... e nem te foder com ela. Aí sim você iria ser ameaçada e morta pelos meus fãs, amor.

Que infeliz.
E ele tinha razão.

♡: Tudo bem, vou ter que pensar em outro castigo pra você, então.
: Ou eu posso me redimir. Que tal um jantar? Deixo você escolher o local e a data.
♡: Ou você pode maratonar Supernatural comigo. Do início.
: Tudo bem. Vou levar comida.
♡: Sério? Mas vou logo avisando que já tem onze temporadas.
: Então a gente pode terminar em um mês e assistir metade por dia.

Ele só podia estar brincando. nem tinha falado sério. Ela nem queria assistir Supernatural do início de novo, se bem que... Dean Winchester… Bem, talvez não fosse uma má ideia, afinal. Mas do jeito que a agenda dele e a dela estariam nos próximos dias, talvez eles conseguissem terminar em três ou quatro meses, caso fizessem um esforço.
, principalmente.
Até porque da última vez que eles tinham tentado ver um filme juntos, tinha resultado nele caindo de boca nela e ela o montando em seguida. Não que estivesse reclamando. Mas não queria que acontecesse de novo antes de dizer tudo o que precisava a ele.
Começando pela Garota .
E foi pensando nisso que, na noite seguinte, Fleur/ enviou uma mensagem para dizendo que iria trabalhar com ele. Iria aproveitar essa oportunidade para se reaproximar dele e então preparar o terreno para finalmente revelar a verdade sobre quem ela realmente era.
Uma resposta empolgada foi enviada por alguns minutos mais tarde. Agora era tarde demais para voltar atrás.
E tudo o que ela podia fazer era torcer para dar tudo certo.

Capítulo 38

Ela tinha aceitado.
Ela tinha aceitado! O compositor que habitava em Hero estava dando soquinhos no ar de felicidade pela possibilidade de uma parceria com alguém como Fleur de Colibri — que ele tinha certeza de que seria bom para os dois — e ele também.
Hero socou o ar em comemoração, controlando a própria voz para não gritar também. Estava sozinho em casa, mas agora que a parceria era uma realidade, ele teria que cuidar melhor da voz para as futuras gravações. E talvez fosse uma boa ideia fazer aulas de canto novamente para melhorar a técnica dele e treinar mais, se tornar melhor.
Fazia tempo que ele não treinava, não de verdade.
Naquele mesmo dia, Hero fez tocar várias vezes até acertar a melodia que tocava em sua mente há dias, desde que tinha terminado de ler o livro de . Depois de uma tentativa frustrada, ele descobriu que ainda não podia tocar, seus dedos ainda rígidos demais para o violão.
Por mais que estivesse fazendo as sessões de fisioterapia com regularidade e conseguindo pegar alguns pesos leves para trabalhar o punho e a força, sua coordenação motora fina ainda não tinha voltado a funcionar completamente. Ele ainda não conseguia mover os dedos com suavidade como antes e o tempo que eles ficaram parados não ajudou muito.
O lado bom era que ele tinha um estúdio em casa e poderia usar o teclado e a mão esquerda para produzir alguns outros sons que não precisasse do uso do violão. Mas quando fosse necessário, era bom saber que ele tinha vivendo no andar de baixo. O fato dos dois terem a amizade de uma vida e trabalharem há mais de uma década juntos facilitava o entendimento entre eles. Um olhar e eles já podiam praticamente adivinhar o que o outro estava pensando. E a sinergia dos dois com música era a parte disso.
Em menos de vinte e quatro horas e depois de fazer gravar e regravar o instrumental do violão várias vezes em seu estúdio de casa, enviou o áudio para a escritora pelo WhatsApp.
Era uma melodia calma e tranquila, sem muita profundidade. Um som simples, do tipo que aquece o coração só de ouvir.
E foi exatamente isso que pensou quando escutou pela primeira vez. Ela ainda não tinha falado sobre o novo livro com Hero para que ele tivesse alguma informação antes de compor, mas pelo visto não precisava disso para criar uma melodia, o que fez se perguntar há quanto tempo ele vinha pensando naquele som, mas obteve a resposta antes mesmo de perguntar.
Tinha sido desde que ele lera Sorvete, Pizza e Música. O coração de se aqueceu e se apertou um pouquinho ao ouvi-lo, literalmente ouvi-lo dizer aquilo. Hero frequentemente mandava áudios respondendo às mensagens dela, enquanto apenas digitava.
E alguns dias depois, quando ela teve um pouco mais de tempo após o lançamento de seu livro mais recente — e de assinar centenas de cópias de livros e brindes — os dois passaram a ter encontros virtuais noturnos via Skype.
Obviamente, apenas Hero aparecia e falava na câmera, enquanto respondia o que ele perguntava no chat. Ela estava na reta final da escrita do novo livro quando eles começaram com aquilo, então falar sobre o final, o que ela planejava que fosse acontecer, era fácil. E melhor ainda era saber que não se importava com spoilers.
Ele até mesmo disse que leria o livro quando fosse lançado, nem que ele tivesse seiscentas páginas. Já tinha quase três semanas que os dois se encontravam online para trabalhar na trilha sonora. Ou melhor, para ela contar a história e opinar sobre o que quer que ele estivesse compondo. Tinham até mesmo assinado um contrato de confidencialidade para não falar sobre aquilo com ninguém e, ao que parecia, Hero estava levando aquela regra bem a sério já que nem mesmo tinha falado para a namorada.

— Você já fez o casal reatar? — ele perguntou no quinto encontro deles, parecendo genuinamente curioso.

digitou a resposta no chat.

: Sim. Há uns três capítulos. Talvez mais uns cinco e eu finalize a história. Mas preciso cuidar de outras coisas antes, então meu tempo anda meio curto.

— Entendo. Eu também não tô muito livre, mas a música ainda é uma prioridade. E a fisioterapia.

: Você se sente melhor agora?

— Sim, é bom conseguir tocar um pouco no teclado, mas instrumentos de corda ainda são um problema.

já sabia daquilo, só a Garota que não.

: Espero que você melhore logo.

— Espero que sua história tenha um final feliz também. Que nem a nossa teve. A que você criou, pelo menos — disse, um sorriso despontando no canto da boca. — Eu tenho quase certeza de não tinha nenhuma música de Bon Jovi tocando na noite que dormimos juntos, mas tenho que admitir que a ideia foi legal.
Ela riu pelo nariz, enquanto digitava uma resposta.

: Eu tinha que deixar mais emocionante e romântico para as leitoras. Sem ofensas.

— Caramba, e eu achando que tinha sido bom!

: FOI bom. E foi romântico o suficiente pra mim porque eu não me importo muito. Mas as leitoras não estavam lá pra sentir o que eu senti, então o melhor que posso fazer é descrever os detalhes e tentar fazer com que elas se conectem pelo fator emocional.

— Então, tudo o que você descreveu sobre as emoções da protagonista foi real?

: Sim.

Ela respondeu sem pensar. Sem perceber o que aquilo poderia significar. E então digitou rapidamente outra resposta.

: Eu não acho que estávamos apaixonados de verdade naquela época, . Não de verdade, pelo menos.

— Também acho que não. Mas às vezes penso que sim — ele admitiu. — Você já se apaixonou, ? Eu já, e não é muito diferente do que a gente viveu, mesmo em tão pouco tempo.

Tudo bem, por aquela revelação ela não esperava. Era a primeira vez que conversavam sobre algo além do livro desde o dia em que ela disse que tentaria recuperar a senha do e-mail antigo para ler o que ele tinha enviado. não tinha dito se tinha lido ou não e também não perguntou, o que fez o assunto morrer entre os dois.
Talvez ele não quisesse falar sobre aquilo. Ou talvez pensasse que ela tinha achado algo vergonhoso demais para mencionar. Não era de forma alguma vergonhoso, mas se perguntava aonde eles iriam parar caso tivessem aquela conversa. Era íntimo demais para duas pessoas que apenas trabalhavam juntas agora. Tão íntimo quanto aquela conversa estava sendo.

: Talvez fosse o que as pessoas descrevem por paixonite adolescente. Nós éramos muito jovens naquela época. Mas sim, eu já me apaixonei.

Por ele. Recentemente. Ou talvez naquela época, também, se fosse considerar a "paixonite".
— Sim. Eu gostava de você, sabe? Gostei desde a primeira vez que te vi. Talvez tenha sido um crush instantâneo. — Ele sorriu, charmoso, a covinha aparecendo.

sorriu de volta, enquanto digitava.

: Eu mudei muito nos últimos dez anos. Não acho que você me reconheceria mesmo se lembrasse do meu rosto.

— Por que não? Você fez uma plástica?

: Fiz uma no nariz e agora ele é bem mais bonito. E meu cabelo tá escuro agora.

Ela não mencionou as mechas coloridas, no entanto. Nem que a rinoplastia havia sido feita junto com um concerto de desvio de septo. já tinha ouvido aquela informação antes, no dia em que conheceu os pais dela.

— Tenho certeza de que você deve continuar linda.

sorriu novamente, mas digitou:

: Obrigada. Mas não acho que sua namorada ia ficar feliz se soubesse que você anda por aí chamando outras mulheres de linda.

— Bem, isso seria um problema mesmo. Considerando que ela sabe quem você foi pra mim. Mas se não fosse por esse motivo, não faria muita diferença já que eu chamo todas as minhas fãs assim. Ela não se importa se é com fãs. Teoricamente você é uma. E não é como se eu tivesse te vendo.

Que idiota charmoso e sensato. Ela não podia reclamar mesmo. já tinha dito que achava a Garota bonita quando a conheceu. Além disso, ele estava apenas sendo educado com a garota que ele conheceu um dia, não flertando.
Se fosse outra pessoa, talvez se incomodasse um pouco por conta da importância da Garota na carreira dele, mas aquilo era passado. E ele estava com ela agora, a enfermeira, certo?
Eles estavam apaixonados e se davam bem. Tinham uma boa conversa. Era fácil entre eles quando não estavam irritando um ao outro, mas era excitante também quando isso acontecia — geralmente quando os dois queriam brigar por alguma coisa.
Até porque, até pra brigar era necessário que os dois quisessem.
Geralmente, só entrava nisso quando estava entediado e queria irritá-la; mas se fosse algo bobo de verdade, ele apenas rolava aqueles olhos verdes profundos e se recusava a discutir.
Às vezes, realmente achava que ele tinha preguiça de brigar. Enquanto ela estava sempre montando roteiros e diálogos em sua cabeça, sequer se incomodava em retrucar muito o que ela tinha a dizer, deixando-a frustrada quando não seguia o roteiro que ela tinha criado na mente dela.

: Sua namorada tem um bom nome, por sinal.

— Ah, é. Um lindo nome. Ela até se parece com você, sabia? — ele comentou. — Se bem que a é mais temperamental.

Temperamental? Tudo bem que era verdade, mas ele tava falando disso pra uma amiga que ele não via há dez anos? Eles nem eram amigos de verdade! Mesmo que ela meio que tivesse concordado com aquilo.

: Você tá fazendo uma crítica? Tá falando mal da sua namorada pra outra mulher? Isso é feio!

riu, confuso.
— Não, eu tô só constatando um fato, relaxa. A minha só fica brava quando eu faço alguma merda, tipo ser imprudente e me descuidar.

A minha .
Ela sorriu novamente ao ouvir, mas o sorriso se desfez um segundo depois. Se ele soubesse…

— Quer dizer que eu sou a sua agora, ? — ela murmurou sozinha, enquanto digitava uma resposta.

: Sua ? Nossa, ela deve ser especial, hein?

segurou um sorriso, mas os olhos dele brilharam de diversão.

— Ela é. E cuidou de mim quando eu era um paciente pé no saco. Brigou comigo também, mas ficou do meu lado o tempo todo e ainda tá — ele disse, sem perceber como aquilo poderia soar.
Ele estava dizendo para uma que tinha ido embora que a outra não o tinha abandonado. teve que controlar a expressão para não fazer uma careta, mas a escritora não pareceu perceber o outro significado que aquela frase poderia ter.
A conversa continuou sem problemas.
Ainda que tenha feito pensar por horas no que tinham falado. Não tinha sido nada de mais, nadinha. Mas por algum motivo ele não conseguia parar de pensar — provavelmente porque era algo novo outra vez e que lhe trazia certa nostalgia, já que ele tinha passado anos pensando em como seria um encontro com aquela .
Não esperava que fosse um encontro virtual, é claro, mas estava feliz e satisfeito por voltar a falar com ela.
Por enquanto.

Capítulo 39

11 de maio de 2016, 20:47 - Apartamento de , Nova York, NY

— Você vai trabalhar amanhã? — Hero perguntou, deitado no colo de enquanto brincava com uma das mãos dela. Tinham acabado de encerrar o terceiro episódio daquela noite da maratona de Supernatural que vinham fazendo.
— Sim, essa semana eu fiquei com a quinta-feira. Entro às sete da manhã — ela informou. — E você? Anda muito ocupado?
— Um pouco. As músicas novas tão fluindo bem, mas é um trabalho longo e detalhado. Ainda mais quando eu não consigo tocar muito. Só um pouco de piano ou teclado, só que eu preciso do violão.
— Mas tá te ajudando com o instrumental, né?
— Sim e a gente até trabalha bem, mas não é a mesma coisa. Não pra mim. Eu prefiro compor sozinho durante um tempo, antes de mostrar pra alguém, entende?
Ela entendia. Como escritora, sempre trabalhava sozinha e por mais que estivesse sempre se comunicando com e Dianna, as amigas nunca sabiam com profundidade sobre o que estava acontecendo no enredo atual que ela estivesse escrevendo.
Obviamente era um trabalho solitário, não algo que dava para fazer em grupo já que precisava se concentrar. Talvez Hero fosse igual. Talvez preferisse assim, ela pensou, mesmo sabendo que ele também trabalhava em diversas músicas com os outros integrantes da Cave Panthers.
— Entendo. Eu me sentia assim na faculdade, às vezes. Mesmo com um grupo de trabalho bom, eu ainda preferia se pudesse fazer tudo sozinha, do meu jeito. Lidar com gente era e ainda é irritante.
— E mesmo assim, você faz isso no trabalho. Ainda que agora seja só por vinte e quatro horas semanais — ele lembrou. — Mas se você conseguiu me aguentar e ainda ficar ao meu lado, acho que consegue superar qualquer coisa.
— Você acha que foi o pior paciente com quem já lidei? — Ela riu, com deboche. — Querido, você tava só fazendo birra. Experimente lidar com acompanhantes que querem te ensinar a fazer o seu trabalho.
— Aparece muita gente assim?
— Felizmente, não muito. Mas já tive que lidar com algumas que... Nossa, eu preferiria passar o dia escrevendo evoluções.
— Evoluções? O que é isso?
— Evolução do paciente. As anotações que nós fazemos sobre o caso do paciente e como está indo — ela explicou.
— Aí vocês evoluem ele? — Ele segurou um sorriso. — Tipo Pokémon?
E lá estava. bem que tinha previsto que ele faria aquela pergunta. As pessoas sempre brincavam com aquilo quando viam profissionais usando a palavra "evolução".
— Todo mundo sempre pergunta isso — ela resmungou. — Não entendo a graça.
— Se eu fosse enfermeiro, chamaria meus pacientes carinhosamente de Pokémons. E aí eu diria: tenho que ir ali, está na hora de evoluir meus Pokémons. Ou algo assim — ele brincou.
riu baixinho.
— Contanto que não fosse na frente dos pacientes... — ela comentou.
Foi a vez de Hero rir.
— Sabe, tem um monte de gente perguntando no meu Instagram sobre a Double K — ele comentou. — Os panteras adoraram o ensaio que a gente fez.
— E minha amiga agradece muito por isso. A coleção esgotou no mesmo dia e a Double K tá lotada de novas encomendas. Vocês fizeram nossas vendas dispararem, e não só as roupas masculinas.
— Que ótimo! Uma pena que não conheci sua amiga. Ela deve estar muito ocupada com tudo isso, né?
— Ela lida com a maior parte sozinha, mas dá conta. — deu de ombros.
— Por que o nome Double K, afinal? — perguntou, de repente.
— Por causa das nossas iniciais. Andrew chama a gente de 1 e 2 — ela disse, sem pensar. — E é irmão dela. Começou com isso pra tentar irritar a gente, mas acabou que foi o contrário.
— E você é qual das duas?
— A 1, é claro. Eu nasci em janeiro e sou mais velha — ela disse, como se fosse óbvio, mas lembrou que Hero não conhecia sua amiga. Não como 2, pelo menos.
O rapaz riu, divertido.
— É até criativo. Melhor do que Cave Panthers, com certeza.
— Ei! Cave Panthers é um nome bom. Um clássico. Quer um fandom com nome mais legal do que Panteras? Não tem. Então abaixe a bola aí e pare de reclamar.
— Tem razão. Pelo menos o nome do fandom é legal.
— Sabe o que você devia fazer agora?
— O quê?
— Cantar pra mim. Faz tempo que não te ouço. E aquelas músicas novas que você anda trabalhando?
— Eu te disse, ainda não tão prontas. Tem uma que tá quase, mas ainda faltam uns retoques. E não posso falar disso com você ainda... Mas posso cantar outra coisa.
— Então cante "The K Girl" pra mim — ela pediu.
franziu o cenho.
— Por que essa?
— Foi a primeira que pensei. — Ela deu de ombros. — Mas se você quiser outra...
Ele queria outra. Uma que não falasse de , de preferência. Qualquer uma que falasse de qualquer coisa, menos da Garota .
— Então... Que tal "Closer" de The Chainsmokers? — ela sugeriu. — Você conhece essa?
— Ah, conheço. Tava na minha playlist assim que lançou. — Ele deu um meio sorriso e se levantou, sacando o celular do bolso.
Um minuto depois, o instrumental da música começou a tocar e Hero a cantarolar junto.
sorriu, encantada, apaixonada pela voz rouca dele. , por outro lado, se concentrou na música e se sentiu surpreso pela facilidade com que conseguiu cantá-la. Pelo menos, as aulas de canto que vinha fazendo pareciam estar surtindo algum efeito.
Em determinado momento, ele virou a cabeça para e sorriu, ainda cantando, quando viu a expressão satisfeita no rosto da namorada. Quando acabou, passou um braço pela cintura dela, puxando-a para seu colo e selou seus lábios em um beijo suave.
— Eu adorei, sabia? Ainda acho que qualquer música que você cantar vai ficar maravilhosa na sua voz — ela comentou.
Instantaneamente, teve um déjà vu. A Garota também tinha lhe dito aquilo várias vezes, mas ele não queria pensar nela.
Não quando sua namorada estava bem ali, sorrindo para ele em seu colo. Pensar em outra mulher era injusto com ela. Sequer lembrar de outra enquanto estava com a dele, aquela ali, era injusto.
Já bastava ele se sentir culpado só por não conseguir contar a ela que tinha encontrado a Garota . E o que ele diria a ela quando ela perguntasse por que não tinha contado antes?
Desculpe, eu não estava pronto pra compartilhar minha amiga com você?
Que tipo de namorado escroto ele seria? Ou melhor, já estava sendo?
Já tinha alguns dias que ele e não falavam apenas de livros e música, mas tinham longas conversas sobre coisas aleatórias, como bons amigos. Mas ainda havia algo que o incomodava: o fato do quão bem ele se sentia quando conversava com a escritora e o quão bem se sentia quando estava com sua namorada.
Como se cada uma segurasse um pedacinho de seu coração.
achava isso muito errado. E era um dos motivos de não ter perguntado a se ela tinha conseguido acessar o antigo e-mail, muito menos enviado novos para aquele endereço. O último tinha sido antes de encontrar seu pai biológico que, por sinal, tinha se tornado um bom amigo naquelas últimas semanas.
Richard e ele se encontravam de vez em quando, mas se falavam quase todos os dias por mensagem, geralmente ao fim do dia, quando o professor Keller ficava livre das obrigações da universidade.
Da última vez que haviam se falado, na manhã daquele mesmo dia, comentou com o pai que sua mãe estava vindo visitá-lo em breve. Richard ficou feliz por ele e falou que era uma boa notícia, até que mencionou que queria fazer uma surpresa para a mãe ao fazer com que os dois se vissem novamente.
Rick ficou levemente nervoso com a possibilidade, mas aceitou. Afinal, ele tinha muito o que conversar com Darla e vice-versa. Mas não era somente Rick que queria que sua mãe encontrasse, mas também a mulher que ainda estava ali, sentada no colo dele com a cabeça apoiada em um de seus ombros enquanto se abraçavam carinhosamente.
Estava na hora de revelar ao menos uma coisa para . Pelo menos quanto a sua família — seus pais —, ele se sentia mais à vontade para se abrir com ela. Além disso, merecia saber por que ele andava tão ocupado e com quem saía parte das vezes que ele dizia que tinha um compromisso.
Tinha quase certeza de que sua mãe a adoraria, ainda mais quando soubesse que ela tinha sido a responsável por cuidar dele durante a recuperação de seu acidente. Mesmo que não estivesse se comunicando com Darla tanto quanto antes, pois sentia que precisava de um tempo, não se ressentia dela. Não quando Richard Keller agora tinha se tornado uma figura próxima e receptiva e os dois eram bons amigos.
Ele até o chamava de pai. E Rick parecia mais que satisfeito sempre que ouvia isso. queria que o conhecesse também. E aproveitaria para fazê-la conhecer seus pais na mesma oportunidade.
Ele a apertou um pouquinho mais em seus braços, se deliciando com o cheiro floral que emanava de seu cabelo, e suspirou por um instante.
... Preciso te contar uma coisa.
— Hm. O quê? — ela resmungou, sem se mexer.
— Minha mãe vem me visitar em alguns dias e quero que você conheça ela e o meu pai.
se afastou e o encarou em confusão.
— Seu pai? Achei que não se desse bem com ele.
— Meu pai biológico, não o de criação. Se bem que ele mal me criou...
arregalou os olhos ao ouvir aquela informação. Estava sonolenta no colo de , mas ouvir aquilo a tinha alertado instantaneamente.
— Como assim seu pai biológico? — ela perguntou, surpresa.
Não porque não soubesse — já que -Fleur sabia — mas pelo fato de que queria que ela não somente encontrasse ele, mas também a mãe dele.
— Quando eu viajei pra Chicago acabei descobrindo essa informação. É uma longa história, mas eu conto se você quiser ouvir.
Em resposta, apenas fez que sim. Então ele contou.
Ela ouviu em silêncio, assentindo uma vez ou outra, e ao fim apenas perguntou:
— Você tem certeza disso? Acha mesmo uma boa ideia me apresentar agora pra eles?
— Por mim tudo bem, desde que pra você também.
— Por mim, tudo bem também — ela respondeu. — Na verdade, eu fiquei bem curiosa em conhecer seu pai. E você já me falou tanto sobre sua mãe que eu já sinto como se conhecesse ela.
— Que ótimo. Aposto que vocês vão se dar bem. — Ele sorriu.
— Acho que vou me trocar pra dormir um pouquinho mais cedo hoje. Você quer ficar?
Ele nunca tinha ficado. Sempre ia para casa no fim da noite. Não porque não quisesse ficar, mas por alguma razão parecia melhor assim. Obviamente, já tinha conhecido todo o apartamento de , incluindo o quarto dela, mas eles estavam sempre na sala. E embora soubesse a senha de sua porta, ele ainda tocava a campainha na maioria das vezes.
Como se eles fossem dois jovens com toque de recolher ou algo assim. Como se abrir a porta dela fosse o equivalente a pular uma janela escondido dos pais — que nem sabiam ainda sobre ele, por sinal. sequer o tinha apresentado como namorado para seus pais alguma vez, mas Hero não conseguia decidir se isso o incomodava ou não.
Talvez ela ainda não estivesse muito confortável para fazer isso. E talvez isso fosse resolvido uma vez que ele desse aquele passo primeiro.
Algo lhe dizia que ele ainda iria querer dar outros passos com ela.
E com isso em mente, naquela noite, ele ficou.

Capítulo 40

20 de maio de 2016, 03:37 - Estúdio do apartamento de Hero, Nova York, NY

Hero observou o anexo ser enviado aos poucos no e-mail e, em seguida, enviou o mesmo arquivo para o WhatsApp da Garota .
Não esperava que ela fosse ver tão cedo, mas dez minutos depois, seu celular vibrou com uma notificação.

: Eu AMEEEEEEEEI! Vou passar o dia ouvindo até decorar. Que coisa lindaaaaaaaa! ♥♥♥

Hero riu, surpreso por ela estar acordada àquela hora, mas talvez estivesse trabalhando que nem ele. Ele sempre gostava de aproveitar as madrugadas para produzir música.

Hero: Fico feliz. Divirta-se ouvindo o/

E agora ele tinha que ir dormir. Sua mãe havia chegado na manhã anterior e estava em um dos quartos de hóspedes, mas no dia seguinte os dois sairiam juntos para almoçar com Rick e . Seu pai, no entanto, pediu para ter um tempo a sós com Darla e inventou uma desculpa para a mãe sobre ter que ir buscar depois de deixá-la no local já que era contramão e sua mãe sofria com um pouco de enjoo de movimento.
Darla não se incomodava por esperar sozinha por mais alguns minutos se aquilo evitasse que ela precisasse tomar remédios, mas estava completamente alheia que um outro convidado também viria.
daria tudo para estar presente e ver a reação da mãe quando se reencontrasse com Richard Keller, mas entendeu que era melhor que os dois conversassem a sós antes.
Assim, quando enfim deixou sua mãe no restaurante que tinham escolhido, ele seguiu para o apartamento de , um pouco mais cedo do que tinha combinado com ela. No dia anterior ela tinha ido para o hospital outra vez e provavelmente tinha dormido apenas algumas horas após chegar em casa pela manhã.
Já passava de meio-dia quando Hero parou em frente à porta do apartamento dela e levou o dedo até a campainha, prestes a tocá-la; mas recuou no último instante com medo de acordar caso ainda estivesse dormindo. Ela teria que acordar de um jeito ou de outro, mas eles tinham algum tempo.
Então, pela primeira vez em semanas, ele digitou a senha da porta e entrou.
Não demorou muito até que ele ouvisse o som do chuveiro ligado e uma música tocando. Reconheceu a melodia de "Sorry" de Justin Bieber e sorriu ao ouvir a voz quebrada de tentando cantar.
Estava seguindo até o final do corredor, em direção ao quarto dela, quando a música se encerrou e outra começou a tocar, o fazendo parar no meio de um passo.
se virou, os olhos grudados na porta fechada do banheiro, enquanto reconhecia aquela música também.
Reconheceria de longe, mesmo que ouvisse apenas um segundo dela, pois ele a tinha composto e passado a madrugada anterior inteira dando os retoques finais antes de enviar para .
Mas não aquela e sim a Garota .
Então como sua namorada tinha aquela música tocando naquele momento?
ainda cantarolava a melodia quando ele puxou o celular do bolso traseiro da calça para ver se tinha mandado o áudio por acidente para ela também. Mas não tinha nada lá além da última mensagem que tinha enviado, avisando que tinha chegado em casa.
Subitamente, sentiu seu coração acelerar junto com sua respiração enquanto ele se dirigiu até o quarto que estava com a porta aberta e o computador ligado, com um arquivo do word aberto na tela.
Havia um prato sujo com farelos de biscoito e uma caneca de café vazia ao lado dele e um tablet com a tela em uma página de rascunhos também estava lá, assim como algumas folhas em branco de fichas hospitalares com o verso rabiscado.
E em todos, viu dois nomes: Ayla e Dean.
Os protagonistas do livro atual que Fleur de Colibri, a Garota , estava escrevendo.
Sua mente começou a correr procurando por detalhes e então ele se deu conta. Foi como se sua mente clicasse e uma centena de luzes se iluminasse. Era tão óbvio agora, como ele podia ter sido tão lerdo a ponto de deixar todos os sinais passarem?
Fleur estava acordada naquela madrugada porque estava de plantão.
1 era o apelido que Andrew tinha dado a ela e isso estava no antigo endereço de e-mail da Garota também. Ele nunca tinha se importado em perguntar, mas apostaria um milhão de dólares que a amiga e sócia dela se chamava .
, a 2.
E pensar que tinha tomado todo o cuidado para se segurar de contar coisas para sua namorada e a Garota quando era o que mais queria e ali estava ele... Descobrindo que elas eram a mesma pessoa.
Seu coração bateu forte no peito e ele se sentiu começar a ficar ofegante enquanto tentava inspirar o ar em vão, como se o oxigênio não fosse o suficiente, os olhos ardendo a cada respiração pesada que ele tentava puxar. Seu peito doeu e ele se apoiou na mesa do computador, enquanto tentava controlar a ansiedade.
Tinha respirado fundo três vezes quando ouviu a voz de atrás dele.
?
se endireitou, os ombros rígidos como ferro e respirou fundo uma última vez antes de se virar devagar para ela, os olhos verdes a encarando com o máximo de frieza que ele conseguia demonstrar naquele momento.
estava apenas com uma toalha branca enrolada ao redor do corpo molhado e o encarava com o cenho franzido em confusão, o cabelo preso em um coque desajeitado que já se desprendia. As tatuagens expostas de seus braços, por sua vez, estavam brilhantes devido à água que ainda se acumulava em partes de sua pele. De repente, a mente de teve um clique e ele caminhou a passos largos e duros até ela; não mais que três até estar em sua frente.
Antes que pudesse abrir a boca para perguntar o que ele estava fazendo ali, puxou seu braço direito bruscamente, buscando algo em meio às tatuagens que haviam ali.
Ela não precisava olhar para o local para saber o que ele procurava, mas seguiu os olhos dele mesmo assim. O "X" de seu braço em tinta preta ainda era contrastante em sua pele clara e ela não o tinha coberto com maquiagem naquele dia. Não quando tinha acabado de sair do banho e esperava estar sozinha em casa.
... — murmurou, a voz embargada.
— Foi divertido? — ele perguntou, com a voz tão fria que quase a fez estremecer. — Foi divertido, ? Me fazer de idiota esse tempo todo?
detectou a mágoa na voz dura dele, mas não disse nada naquele instante. Nem sequer olhou para ele, surpresa demais, em choque, por ter descoberto tão de repente e ela nem sabia como. Até que levantou o olhar e viu a tela do computador ligada, o tablet e as folhas de anotações que tinha levado para casa naquela manhã.
A tatuagem era apenas uma confirmação, ela entendeu.
Mas o gatilho...
— A música que você tava ouvindo. Eu só enviei pra uma pessoa — ele murmurou.
E lá estava. O gatilho que o tinha feito perceber tudo. teria se segurado de ouvir aquela música se soubesse que ele estava indo buscá-la mais cedo que o esperado, mas não tinha sido avisada, nem tinha como prever aquilo.
De fato, a única coisa que conseguia fazer naquele momento era tremer enquanto lágrimas quentes escorriam por seu rosto ainda úmido do banho.
a encarou por um instante e sorriu, sem humor.
— Você me enganou — disparou ele, com a voz baixa, sem nem ao menos gritar com ela. — Você... Falou comigo de você mesma como se fosse outra pessoa. Escondeu quem você era de verdade e...
Ele não conseguiu terminar.
, me deixa explicar... Eu ia contar pra você, eu juro! — se apressou em dizer, segurando-o pelo braço.
— Não, — Ele puxou o braço, se desvencilhando dela.
— Por favor, ! Eu queria contar, eu ia...!
— Ia quando? Hein, ? Me diz quando você ia me contar! — exigiu ele. — Porque você teve centenas de oportunidades de fazer isso e não fez. E pensar que eu falava da Garota com você e… Mas que porra!
— Eu tava esperando o momento certo. Eu tava com medo de você reagir assim e no final, eu tava certa. Por isso eu não queria me envolver com você, mas...
— Mas o quê? Achou que seria mais divertido me ter? Quem sabe você não usa isso em um livro, né? — ele sugeriu, seco. — Eu tenho certeza que eu te dei muito material pra isso.
Uma lágrima escorreu de um dos olhos já vermelhos de , mas ele a limpou rapidamente, se recusando a quebrar na frente dela. A mulher que sabia de absolutamente tudo da vida dele, tudo que ele contava e o que achava que não tinha contado.
Subitamente, lembrou de algo.
— Os e-mails. Você leu? — ele perguntou, vendo assentir em silêncio. — Quando?
respirou fundo, antes de responder.
— Quando você me disse que enviava e-mails pra Garota , eu fui atrás de saber... o que você escrevia. Passei uma noite inteira lendo — ela admitiu. — Eu sinto muito por você descobrir assim, . Mas acredite, eu planejei te contar. Eu juro pela minha carreira.
— Sua carreira... — Ele riu, sem humor. — Isso me lembra que a gente tem um contrato de parceria. Vou me comunicar com Dianna sempre que for necessário, de agora em diante — anunciou, em seguida.
— Dianna? Mas por quê? O que você quer dizer com isso? ...
Ele deu um passo para frente invadindo o espaço pessoal dela e a encarou nos olhos. ainda continuava linda, como ele tinha pensado. Linda e uma perfeita enganadora, uma perfeita atriz. E ele não sabia se era só isso ou se ele era mesmo lerdo demais para não perceber todos os detalhes, todas as dicas antes. Não duvidava nem mesmo que já soubesse sobre ela, já que eram amigos; nem que provavelmente tinha feito o amigo prometer não contar nada.
o conhecia o suficiente para saber que ele não quebraria uma promessa.
Mas não esperava aquilo dela, ainda mais por tanto tempo. Estavam juntos há quase dois meses e há quase quatro, eles tinham contato. Não entendia por que tinha feito aquilo e nem tinha certeza se queria saber, mas perguntou mesmo assim.
— Eu queria encontrar o melhor momento — ela repetiu. — E ele não parecia chegar nunca, mas... Eu quase te contei uma vez. Da última vez em que nós...
Ela não precisou completar a frase para ele entender.
— Não era sobre o maldito anticoncepcional que você queria falar, né? — ele deduziu.
assentiu, confirmando sua dedução.
— Eu teria contado naquela noite, mas aí seu celular tocou e você saiu e voltou todo animado e eu nem sabia porquê, mas não quis estragar aquilo. — Ela encolheu os ombros.
— Por que você foi embora, ? — perguntou, de repente. — Dez anos atrás. Por que não se despediu e apenas desapareceu sem aviso? Você nunca tentou entrar em contato.
— Eu... Vi você com uma garota naquele dia. Depois que você saiu do palco, uma menina te beijou de repente e... Eu não sei. Acho que meio que caiu a ficha de que aquele seria o tipo de coisa que você teria dali pra frente e eu achei melhor acompanhar você e a banda só como fã, de longe.
franziu o cenho, indignado.
— E não passou pela droga da sua cabeça que eu queria te encontrar esse tempo todo? Eu passei seis malditos anos escrevendo pra você, . Eu mal te conhecia, mas sentia que você era algum tipo de porto seguro. Mas no fim era tudo coisa da minha cabeça, né? Eu projetei em você algo que você não era e continuei fazendo isso mesmo depois de encontrar a Garota e falar com ela. Talvez eu realmente tenha problemas.
...
— Afinal, alguma coisa foi real pra você? Ou tudo foi só uma aventura? Uma coleta de material pros seus livros, quem sabe?
— Foi real — ela praticamente sussurrou. — Eu me apaixonei por você de verdade. E eu tava com medo, ainda tô, porque...
— Eu não sei se consigo acreditar nisso, — ele confessou. — Não sei nem o que eu quero agora, com exceção de uma coisa: não ver você.
o chamou quando ele passou pela porta do quarto, e o seguiu pelo corredor. — Por favor, não vá embora.
— Eu tenho um compromisso importante hoje, se você não se importa — ele disse, parando de andar. Então se virou para encará-la uma última vez. — Vou encontrar meus pais agora. Sozinho.
Não quero você lá, ele quase disse.
Não quero você em lugar nenhum na minha vida agora e não sei se ainda vou querer em algum momento.
Mas o que os lábios de não falaram, seus olhos com certeza sim. E o soluço que escapou de foi suficiente para ele saber que ela tinha entendido.
Então ele deu as costas mais uma vez e voltou a andar com passos firmes para longe dela.
E pela primeira vez em dez anos, não olhou mais para trás.

Capítulo 41

21 de maio, 12:47 - Restaurante Dallas, Nova York, NY

Darla batucou o dedo indicador na mesa outra vez, incomodada com a demora.
Estava prestes a ligar para e perguntar se tinha acontecido algo quando um homem alto entrou na salinha reservada onde ela aguardava o filho e a nora. Tinha cabelos castanhos com alguns fios brancos à mostra e devia estar na casa dos cinquenta anos. Abriu a boca para perguntar se ele tinha entrado no lugar errado, quando o homem se virou completamente, dando-lhe um vislumbre completo de seu rosto.
Ela o reconheceu de imediato.
Richard Keller não havia mudado quase nada.
Com exceção, é claro, de alguns sinais de envelhecimento e do corpo agora um tanto robusto, embora alguns músculos ainda fossem perceptíveis por baixo da camisa social azul-celeste que ele usava.
te encontrou — ela disse em um murmúrio, quase um sussurro.
Estava chocada, mas não surpresa. Tinha suspeitado que iria tentar encontrá-lo, mas não achou que isso pudesse acontecer tão rápido. E agora Rick estava ali, na frente dela, tão bonito quanto quando era mais novo.
Charme emanava de cada pedacinho dele, enquanto fazia aparecer as covinhas — idênticas às do filho — ao sorrir para ela.
— Oi, Darla. Eu vou me juntar a vocês hoje, mas queria fazer uma surpresa.
Foi então que ela se lembrou de como falar. De respirar, até. Nem notou que tinha prendido o ar nos pulmões quando percebeu que era ele.
— Ele disse que estava indo pegar ...
— Eu pedi pra ele demorar um pouquinho, porque eu queria conversar a sós com você antes — ele gentilmente explicou. Sua voz era suave, mas havia uma expressão séria no rosto.
Darla respirou fundo uma vez e então assentiu, meio que já sabendo sobre o que ele queria falar. Afinal, quantas vezes ela não tinha imaginado aquela conversa? Reencontrar ele ao acaso, da mesma forma como o tinha conhecido.
Obviamente era uma realidade distante, já que pouco depois de descobrir a gravidez, ela aceitou se casar com Jonathan. Mesmo assim, sempre carregou consigo a curiosidade em saber como teria sido se tivesse contado a Rick sobre a gravidez.
— Você não mudou muito — ela comentou, assim que ele se sentou em sua frente.
— Nem você — Rick disse, segurando um sorriso, então suspirou. — Eu não quero enrolar, Darla, então vou perguntar de uma vez: por que você nunca tentou me procurar? Por que nunca me disse sobre e aceitou se casar com outro homem que...
Ah, ele sabia sobre Jonathan. deve ter contado, pensou Darla.
— Eu não tinha nada além de uma foto, Rick. Eu tentei por algumas semanas, mas acabei desistindo e decidi ter sozinha. Então Jonathan apareceu e... Me convenceu a casar com ele. Ele disse que criaria como se fosse seu.
— Até o garoto começar a crescer e ele ver que nós éramos muito parecidos — Rick concluiu. — disse que ele encontrou aquela foto minha que você guardava.
Darla assentiu, cabisbaixa.
— Eu nunca tive coragem de jogar fora. Eu queria contar a ele um dia, mas... Bem, esse dia nunca chegou.
— E você preferiu deixar o garoto sofrer pensando que o pai dele não o amava — ele acusou, ácido. Darla levantou o olhar e encontrou um par de orbes verdes a encarando com frieza. — Eu não preciso falar que ele me disse que sofreu muito com a rejeição, pois tenho certeza de que você sabe disso.
— Sim... E sinto muito por e... Por você também.
Ela nem sabia o que dizer. Tinha imaginado aquela conversa tantas vezes, mas… Agora que estava acontecendo, parecia que as únicas palavras que tinha se resumiam a desculpas que pareciam quase apáticas, como se dissesse da boca para fora.
Richard respirou fundo, alto.
— Sabe... Eu sempre quis ter filhos. Me casei há vinte anos e perdi minha esposa há dez. Ela nasceu com um problema de coração e sofreu um infarto repentino. Tentamos ter filhos durante alguns anos, mas nunca conseguimos. E a adoção não era uma opção pra ela.
— Deve ter sido difícil, sinto muito por sua esposa, Rick — Darla conseguiu dizer.
— Eu nunca quis me casar de novo e acabei me focando mais ainda no trabalho, me tornei professor de música alguns anos depois de terminar a faculdade e continuo nesse emprego desde então. E aparecer de repente foi... — Ele sorriu com carinho. — Como se fosse um bom sinal, um milagre sendo enviado a mim.
Darla sentiu alívio puro recair sobre ela quando ouviu aquilo.
— É bom saber que você não guarda rancor quanto a ele.
— Por que eu faria isso? A única coisa que o garoto fez foi existir. Ele já sofreu demais, Darla. Não quero perpetuar isso. Se o universo me deu a chance de ser pai somente agora, de um homem já feito, então eu vou ser.
Esperança brotou no peito dela. Darla sentiu os olhos arderem.
— Faz tempo que vocês se conheceram? — Ela quis saber.
— Algumas semanas. Mas estamos mais próximos do que achei que seria possível. Achei que fosse ser mais...
— Fechado? Sim, talvez ele passe um pouco dessa impressão. Especialmente sendo alguém famoso. Mas no fundo ele é só um garoto doce que sempre quis ter um bom relacionamento com o pai biológico.
— Ele me contou sobre o avô dele. Pareceu ser um bom homem, mas não posso dizer que acho o mesmo de seu marido.
Darla suspirou, um pouco sem graça.
— Jonathan é complicado. Ele sempre parecia melhor quando não estava por perto.
— E por isso você deixou ele viver com o avô?
— Eu queria que ele vivesse em um ambiente mais saudável do que poderia encontrar dentro da própria casa. Então sim. Eu sempre o via, no entanto. Nunca quis que pensasse que eu também estava rejeitando ele.
Richard encarou a mulher — ainda muito bonita — passar as mãos nervosamente pelo cabelo castanho na altura dos ombros por alguns segundos, antes de assentir.
— Entendo. Eu quis ter essa conversa a sós com você pra esclarecer tudo e... Dizer que eu amo nosso filho independentemente de ter conhecido ele há um mês ou vinte e nove anos — Rick murmurou. — E pretendo me manter próximo dele por tanto tempo quanto me for permitido.
Darla sorriu com lágrimas nos olhos.
— Ouvir isso me deixa muito aliviada, Rick. De verdade. Mesmo que seja agora, estou feliz por finalmente ter encontrado o que sempre quis ao conhecer você. E olha só... Vocês dois são músicos.
— E temos mais coisas em comum do que você pode imaginar. — Os olhos dele brilharam com diversão. — nasceu no dia do meu aniversário, Darla.
A mulher abriu a boca e piscou em choque, surpresa de verdade dessa vez. Então ela riu, algumas lágrimas finalmente escapando dos olhos.
— Isso sim é uma surpresa — ela comentou e Richard riu junto com ela.
— Obrigado — ele disse, depois de um tempo. — Por decidir ter e tê-lo criado tão bem com o avô dele.
Darla assentiu, secando o rosto com um lenço de papel que pegou na mesa.
— Eu também agradeço, Rick. Por você ser como é e aceitar sem questionar.
Foi a fez de Rick rir, com vontade.
— Bem, o garoto é a minha cópia. Eu soube assim que o vi, não tive como questionar. E sabia que só você poderia ser a mãe. Ele tem umas pintinhas no rosto muito parecidas com as suas.
— O quê? Não achei que fosse se lembrar disso.
— Eu até escrevi uma música sobre uma garota de pintinhas no rosto. Mas nunca chegamos a lançar.
— O quê? Você tem que me mostrar depois! — Ela sorriu, animada.
— Só se você também fizer uma coisa por mim.
— O quê?
— Eu quero uma cópia de todas as fotos de infância que você tem do nosso filho.

***


Darla e Richard conversavam animadamente quando apareceu.
O rapaz tinha demorado mais que o necessário para chegar até ali depois de sair do apartamento de , mas tinha conseguido se recompor para encontrar os pais.
Não queria estragar o dia aparecendo de cara feia e dizendo que tinha acabado de romper com a namorada. Ou que o buraco era bem mais fundo que isso. Então ele respirou fundo algumas vezes, tentando engolir a traição, as mentiras, e tentou pensar em coisas boas; em seus pais se reencontrando e em como ele estivera ansioso por aquele momento.
De fato, quando entrou na salinha em que os dois estavam, sorriu ao vê-los sorrindo um para o outro. Que se danasse, ele não ia deixar de aproveitar aquele momento.
Há quanto tempo ele não tinha um momento assim em família? Não desde que seu avô tinha morrido, com certeza. E definitivamente não se lembrava de nenhum em que Jonathan havia estado presente.
No entanto, não reparou quando Darla e Richard trocaram um olhar cúmplice após perceberem que algo estava errado depois de explicar que tivera uma emergência e não poderia vir.
Os pais sabiam que era mentira, mas nenhum dos dois disse nada e agiram com naturalidade.
— Eu estava aqui falando pra sua mãe que quero todas as fotos que ela tem de quando você era criança — Rick comentou.
— Ai... Por que você quer aquelas coisas vergonhosas, pai?
— Porque eu nunca vi e quero ver como você era bonitinho quando era um bebê — Rick brincou. — Sua mãe disse que você era bem gordinho.
encarou a mulher ao seu lado com uma careta.
— Eu devia saber que deixar vocês dois a sós seria uma péssima ideia.
— Na verdade, foi uma ótima ideia. — Darla sorriu. — Tivemos uma conversa esclarecedora e mesmo que eu esteja um pouco brava por você não ter me dito nada, tô feliz por vocês dois estarem se aproximando como pai e filho.
sorriu, orgulhoso. Ele também estava muito feliz por aquilo. Rick era um homem e tanto pelo pouco que ele o conhecia e tinha descoberto. E agora ele sabia de onde o seu talento e inclinação para música tinha vindo.
Não podia dizer que não era vantajoso ter um pai músico quanto se era um também. Frequentemente ele pedia dicas e opiniões a Richard e além de Henry e os caras da banda, o pai era a única pessoa do seu lado que também sabia sobre o contrato de parceria com . Assim como também sabia que -Fleur era a Garota . Rick até mesmo tinha elogiado a Cave Panthers por ter tido a ideia de transformar a Garota em uma personagem recorrente, mesmo eles nunca admitindo se ela era real ou não.
Mas não tinha dito ao pai que nos últimos dias ele vinha se sentindo balançado pela Garota outra vez, e certamente não tinha dito também sobre como se sentia culpado em relação a por estar pensando naquele tipo de coisa, embora soubesse que nunca faria algo para trair a namorada.
De todo modo, Rick não sabia daquela parte de sua vida ainda e Darla tampouco. Não iriam saber, de qualquer forma. Ainda mais quando ele estava certo de que não estaria em sua vida dali por diante.
Ele tinha falado sério quanto a se comunicar apenas com a editora dela durante o restante do tempo de contrato que eles tinham. Não queria ter qualquer conversa direta com e tudo o que ele queria saber já tinha descoberto durante a discussão ridícula que os dois tiveram menos de uma hora atrás.
Ele não via aquilo de forma muito diferente da outra traição que sofreu quando resolveu terminar com Maggie, sua ex-namorada. Ela o tinha traído fisicamente com um homem e mesmo naquela época não tinha doído tanto como estava doendo agora. Pouco depois do término, ele descobriu que não estava apaixonado por Maggie, mas sim a ideia do que ela poderia ser um dia... Uma segunda , talvez, outra musa que o inspiraria a compor novas canções.
Mas Maggie nunca foi nada disso. Ela era o oposto de em tantas coisas que só após romperem, entendeu que nem mesmo fazia sentido eles continuarem juntos por muito tempo. Tiveram idas e vindas tão sem sentido quanto eles eram como casal. Era provável que a traição talvez o tivesse incomodado simplesmente porque havia ferido o seu orgulho masculino.
Ele ainda se lembrava do dia fatídico em que aparecera sem avisar — também — no apartamento dela.

6 de agosto de 2012, 14:45, quatro anos atrás - Apartamento de Maggie, Nova York, NY

Hero encarou a caixa de chocolate importada que tinha nas mãos e sorriu ao imaginar a reação de Maggie. Ela era uma formiguinha por doces. O tipo de garota que preferia chocolates à flores e não tinha medo de engordar, mesmo sendo uma modelo. Ele já podia ver o sorriso em seu rosto quando visse o pacote.
Caminhou até a porta do apartamento e tocou a campainha. Tinha chegado mais cedo de viagem, mas não disse nada porque queria fazer uma surpresa. Os dois tinham discutido semanas atrás, poucos dias antes dele viajar, mas fizeram as pazes por telefone. Era a primeira vez que ele a veria pessoalmente desde então e queria agradar sua namorada um pouquinho.
Contudo, o sorriso de Hero se desfez assim que a porta se abriu. Um homem alto, ruivo, o encarou vestindo nada mais do que uma toalha de banho, o corpo ainda molhado. Num impulso, Hero o empurrou para o lado e partiu para o quarto de Maggie apenas para encontrá-la nua sob os lençóis, com o cabelo rebelde e a pele ainda corada, exatamente como ficava após fazerem sexo.
? — Ela o encarou, surpresa, segurando o lençol contra o corpo.
— Não vem com pra cá, sua traidora! — ele acusou, atirando a caixa de chocolate nos pés da cama. Maggie se sobressaltou por um instante, encarando a caixa, agora amassada, antes de voltar o olhar para ele.
— Não é o que você tá-
— Sério, Maggie? Você ainda quer tentar dar uma desculpa?
— Cara, eu acho melhor vocês conversarem depois — o ruivo se intrometeu e Hero se virou, apontando um dedo para ele.
— Você, fique na sua! — ele disse, antes de se voltar para Maggie novamente. — A partir de hoje, você tá morta pra mim. — E deu as costas, pronto para ir embora, mas parou depois de um passo, quando ouviu a voz dela.
— Ah, é? Pois bem, digo o mesmo a você, . Prefiro ficar longe de você, do que viver um relacionamento com alguém emocionalmente indisponível.
— Emocionalmente indisponível? — Ele se virou novamente. — O que porra você quer dizer?
Maggie nem mesmo piscou, antes de responder.
— Quero dizer que a única pessoa que tem seus sentimentos de verdade é a droga de uma personagem que você criou, a maldita Garota . — Ela riu, seca. — Pelo menos, ela foi alguém real, né? Porque você seria realmente louco se tivesse inventado tudo aquilo que falou nas músicas.
— Meu trabalho não tem nada a ver com a gente, Maggie. Não acredito que você tá com ciúmes de…
— De uma mulher que provavelmente significou muito mais pra você do que eu poderia significar um dia? — ela o interrompeu. — Eu sei que você ainda é apaixonado por ela.
— O quê? — Ele riu, boquiaberto. — Eu não sou apaixonado por ela. Nem tudo que tá nas músicas foi verdade, acredite você ou não. Mas mesmo que eu estivesse apaixonado por outra mulher, pode ter certeza de que você teria sido a primeira a saber. Eu não entrei na porra de um relacionamento com você pra brincar, Margareth!
— Tem razão, eu fui só o escape, a tentativa de algo que supostamente poderia dar certo. E infelizmente, eu tô cansada disso, Hero. A gente tá só levando com a barriga algo que nós dois sabemos que nunca ia dar certo.
— Se era isso o que você achava, deveria ter terminado comigo de uma vez, antes de ir pra cama com outro. Isso se é que essa foi a primeira vez, né? Só Deus sabe o que você fazia enquanto eu tava viajando e com quem. — Ele encarou o ruivo rapidamente, os olhos verdes o acusando também. — Mas que bom que agora estamos esclarecidos.
— Ótimo. Até nunca mais, seu idiota problemático.
— Até, sua traidora de merda.
E com isso, ele foi embora.

21 de maio, 14:05, dias atuais - Restaurante Dallas, Nova York, NY

Maggie também não o amava e sabia disso, assim também como soube mais cedo que que os dois nunca teriam futuro juntos. O problema foi que ela só resolveu falar sobre isso, depois dele flagrar uma traição. E ainda acusá-lo de estar apaixonado por uma personagem! Bem, pelo menos a personagem não o decepcionaria nunca como ela tinha feito.
Na última vez que ele teve notícias dela, descobriu que Maggie havia se casado com o mesmo homem ruivo com quem o traiu, mas não sentiu nada além de indiferença ao saber disso. E sentiu indiferença várias vezes durante os anos que se seguiram, o que levou muitos fãs a acreditarem ser devido ao término, à traição, mas alguns... Alguns ainda pensavam que a Garota era o motivo.
Ninguém tinha pensado no avô dele. Ninguém tinha pensado que , na verdade, estava com medo de se envolver emocionalmente com alguém depois da morte do avô, pois não queria sofrer com mais uma perda quando ele fosse abandonado outra vez. Já tinha sido abandonado pelo pai, por e pelo avô e, talvez ele nem percebesse na época, mas estava cansado daquilo tudo.
Talvez por isso tivesse escolhido Maggie, pois sabia que ela era diferente. Talvez ele quisesse mesmo experimentar algo diferente e essa fosse a solução. No entanto, nunca esperou que apenas um vazio fosse encontrá-lo depois de tudo.
E então após o acidente, veio ; sua enfermeira e agora ex-namorada.
Ela o tinha feito sentir um pouco mais, se acalmar um pouco mais. Mal tivera crises de ansiedade desde que a conheceu e não houve mais nenhuma crise de pânico. Uma parte dele ainda se sentia grato por aquilo, a parte dele entendia.
Mas a outra... A outra não sentia o vazio que ele tinha sentido ao descobrir a traição de Maggie ou mesmo a indiferença que tinha restado. Era uma situação diferente agora.
Porque sua outra parte estava dilacerada, rasgada aos pedaços e seu coração agora provavelmente era composto de dezenas de caquinhos. Mesmo ali, sentado diante dos pais, sorrindo e se sentindo realmente feliz por aquele primeiro momento dividido com os dois que ele sabia que seria um tanto raro de acontecer, ainda sentia um aperto no peito que dava a impressão de que a qualquer momento poderia interromper sua respiração.
Por mais que ele sorrisse, por mais que tentasse afastar aqueles sentimentos para o fundo de sua mente, a dor ainda estava lá.
A tristeza o perseguia.

Capítulo 42

10 de junho de 2016, 11:34 - Apartamento de Hero, Nova York, NY

o encarou de braços cruzados e, por um instante, Hero achou que ele fosse até começar a bater o pé.
— É sério, cara. Já faz três semanas, quando você vai parar de ficar emburrado?
— E por acaso tem prazo de validade pra deixar de ficar puto com meu melhor amigo por ele me esconder algo tão grande por anos? — ele resmungou, dedilhando o teclado no estúdio, procurando uma nova melodia.
suspirou alto, rolando os olhos. Sabia que ficaria chateado com aquilo, mas já estava durando tempo demais. Além do que, a amizade deles era forte demais para ser abalada por algo assim.
— Você sabe muito bem porque eu não disse.
Porque você é um desgraçado leal pra cacete que não quebra promessas.
— Sei, e é só por causa disso que eu ainda não te enchi de porrada — Hero admitiu. — Mas tenho que liberar meu desgosto de algum jeito nem que seja ficando emburrado, né?
— Eu preferiria que você tivesse me enchido de porrada, assim seria tudo mais rápido e prático.
— Você já terminou? Eu ainda preciso tentar terminar essa música e dar um jeito de tocar os últimos instrumentais já que você e não vão estar aqui pra ajudar.
— Por que você não chama seu pai? — sugeriu. — Pede pra ele tocar se essa sua bunda ansiosa não aguenta esperar uma semana.
O fato era que e tinham compromissos em suas agendas individuais em breve e apenas estaria na cidade.
Mas também era o único na banda que não podia tocar instrumentos de corda. Por mais que os três rapazes tivessem tentado ensinar ao mais novo, as lições pareciam entrar por um ouvido e sair pelo outro. Em compensação, havia tentado ensinar japonês aos três, mas tudo o que conseguiam lembrar era konnichiwa, arigatō e itadakimasu.
— Eu mal posso esperar pra voltar a tocar, é sério. Odeio ficar dependendo de vocês.
— Eu sei que você odeia, cara. Mas de qualquer forma, fico feliz por deixar a gente ajudar. E por você estar conseguindo compor, mesmo depois do que aconteceu. De novo, eu sinto muito por não ter contado sobre a pra você. Eu passei os últimos quatro anos tentando convencer ela, sabe...
— Tudo bem, eu já entendi. — Hero rolou os olhos. — Mas ainda tô com raiva de você e dela, principalmente. Ela me fez de otário, . Tem ideia de como me senti? De como ainda me sinto?
O amigo suspirou outra vez.
— Você tentou conversar com outra vez? — ele quis saber.
— Ela passou duas semanas me ligando todo dia, mas eu não atendi nenhuma vez. Não tenho mais nada pra falar com ela e quanto ao trabalho, em breve, a gente encerra o contrato. Metade das músicas já tão prontas e eu preciso só dar uns retoques nas últimas três.
E estava se comunicando com de modo unicamente profissional através de Dianna Dane. Pelo menos, estava dando certo e a agente da escritora era uma mulher tranquila e fácil de lidar.
Estupidamente profissional também.
Hero sabia que ela era uma das amigas mais próximas de , mas em nenhum momento eles tiveram alguma conversa que não fosse sobre o novo livro em andamento de Fleur de Colibri. E tinha gostado muito disso. Ficou apreensivo no início, mas logo o alívio veio quando ele teve certeza de que Dianna não iria se intrometer na vida pessoal dos dois.
encarou o olhar duro do amigo e assentiu, resignado. Não tinha nada a fazer quanto àquilo, a não ser esperar que o tempo amenizasse o que quer que ele estivesse sentindo.
— Tudo bem. Eu vou voltar pra casa agora. Vou receber visita hoje e tenho que preparar uns lanchinhos. Mais tarde, eu passo por aqui. Ah, seu celular tá tocando — ele disse, avistando o aparelho com tela ligada em cima de uma caixa de som, provavelmente em modo silencioso.
— Até mais, cara — Hero disse, ainda concentrado no teclado.

***


Frustração.
Essa era a palavra que descrevia o que Hero sentia a maior parte do tempo enquanto trabalhava e tinha que anotar coisas muito básicas para que alguém pudesse tocar depois.
Já que ele ainda não conseguia.
Maldição.
Não achou que o acidente fosse lhe custar tanto tempo sem poder tocar, mesmo que não estivesse com planos de fazer isso na época. A recuperação estava sendo irritantemente lenta e o fato de Hero agora precisar tocar não ajudava em nada. Mas ele respirou fundo mesmo assim e se concentrou no teclado, já que ainda conseguia se virar bastante com aquele instrumento e seus dedos pareciam um pouco mais confortáveis e ágeis ao dedilhar as teclas macias do que pressionando cordas duras de violão sem qualquer agilidade decente.
Do estúdio, Hero ouviu a campainha tocar e se levantou para atender. Já tinha várias semanas que ele tinha se livrado do gesso da perna esquerda, pelo menos. Era algo a menos que se preocupar, embora a fisioterapia ainda continuasse diariamente.
Ele ainda mancava levemente, mas estava melhorando cada vez mais a mobilidade da perna. De qualquer forma, seria uma preocupação apenas se ele fosse um atleta ou dançarino, e não era nenhum dos dois.
Chegando em frente à porta, Hero a abriu apenas para dar de cara com seu pai parado com duas sacolas de comida que ele descobriu mais tarde ser um tipo de macarrão coreano com legumes e carne dentro. E muitos bolinhos de salmão, bacalhau e atum que estavam deliciosos.
Almoçaram juntos e brindaram com uma cerveja, cada um, gratos pela refeição deliciosa.
— Eu amo esses bolinhos — comentou, depois de comer o último.
Talvez tivesse até comido demais, ele constatou, sentindo como se estivesse prestes a explodir.
— Eu sei, sua mãe me disse. Tentei ligar pra você mais cedo, mas você devia estar ocupado, então eu trouxe a comida até aqui.
— Ah, desculpe. Eu tava trabalhando. até disse que viu meu celular tocando, mas eu nem liguei em checar.
— Tudo bem. — Rick deu de ombros. — O que você tava fazendo? Eu posso ver? Precisa de ajuda com alguma coisa? Eu tô livre hoje.
— Na verdade, preciso sim. De mãos habilidosas pra tocar violão...

10 de junho de 2016, 14:34 - Apartamento de , Nova York, NY

May I have your attention, please? May I have your attention, please? Will the real Slim Shady please stand up?
O som de “The Real Slim Shady” começou a tocar na playlist aleatória de “Anos 2000” que tinha escolhido mais cedo. Ele lançou um sorriso sarcástico para , ao lado dele, enquanto os dois misturavam os ingredientes da receita escolhida em uma grande tigela. Não precisaram falar nada, mas ambos sabiam que os dois estavam pensando no mesmo enquanto a voz de Eminem soava nos primeiros versos da música.
Um instante depois, os dois começaram a acompanhar o rap, na mistura de palavras que mais pareciam um trava-língua que apenas conseguia acompanhar já que tinha uma péssima dicção, soltando apenas palavras emboladas até chegar no refrão.
“I'm Slim Shady, yes, I'm the real Shady, all you other Slim Shadys are just imitating, so won't the real Slim Shady please stand up! Please stand up, please stand up?” — os dois cantaram juntos, pulando e gesticulando com as mãos sujas de farinha, cada um com uma colher de pau na mão, fingindo que era um microfone.
Os dois riram juntos quando a primeira parte da (longa) música acabou e precisaram de um momento para recuperar o fôlego. Alguns minutos mais tarde, no entanto, eles não estavam mais tão amistosos assim.
— Eu já disse que não é assim! Tem que deixar a massa descansar, porra! — reclamou outra vez, dando um tapa na mão de depois que ela tentou mexer na massa de pão italiano que eles tentavam fazer.
— Já tá na hora de fazer as dobras! — ela retrucou.
— Não tá! Ainda faltam quinze minutos, deixe de ser agoniada!
— Aff, que saco! Isso demora demais!
— Foi você que quis testar essa receita, agora aguenta.
— Do jeito que anda, só vai ficar pronta à noite.
— Então que bom que você vai dormir aqui. Preciso que vá ao mercado comprar umas coisas que eu esqueci.
— O quê? Não pode pedir online?
— Por quê se tem um mercado na esquina e você tá sem fazer nada?
Não era bem na esquina, eles sabiam, mas ainda assim era bem perto.
— E por que você não vai? — ela quis saber.
— Eu não vou arriscar deixar você sozinha com essa massa porque eu sei que você vai mexer e eu não quero estragar tudo.
— Aff...! — resmungou. — Seu insuportável…
Maldita hora que inventou de fazer aquilo. Mas assistiu a vídeos de tantas receitas que ela tinha chegado a um ponto de comer ou morrer, e adorava testar receitas, então nada mais justo do que juntar o útil ao agradável.
Mas demorava para um cacete. E prevendo isso, ele até sugeriu que ela passasse a noite em seu apartamento e assistissem a alguns filmes juntos, já que a última vez que tiveram um momento só deles havia sido no dia em que ela resolveu se fantasiar de Penélope Charmosa quando eles saíram juntos em um encontro que os tinha rendido um rumor de relacionamento assumido não por ele, mas por Hero, algum tempo depois.
O público ainda achava que eles estavam juntos, por sinal. E já fazia três semanas desde o término.
— Você tentou falar com Hero outra vez? — ele perguntou, de repente. — Ele disse que você ligou por uns dias.
— Tentei ligar por duas semanas e ele nunca atendeu nenhuma ligação. Eu também fiz uma coisa... Enviei e-mails, mas não acho que ele tenha checado ou, se checou, não surtiu efeito nenhum.
— Ele não comentou sobre receber nenhum e-mail e eu falei com ele hoje, antes de você chegar — contou. — Mas do jeito que ele tá, eu acho que ele ainda não quer te ver nem pintada de ouro.
riu, sem humor.
— Que ótima notícia, hein? Mas não é nenhuma surpresa. A única forma que ele se comunica comigo é pelo trabalho. Ele acha que tá usando a Dianna como ponte, mas sou eu que tô usando o e-mail dela. Acho que ele quer terminar isso o quanto antes, esse contrato.
— Sorte dele, ou sua, não sei... Que vocês não vão ter que fazer nenhuma promoção juntos. Já que você é uma escritora anônima.
absorveu aquele comentário por alguns segundos, refletindo sobre algumas possibilidades.
— Eu não sei. Talvez esteja na hora. Já faz sete anos que eu publico... — Ela deixou no ar.
— O quê? Você vai se revelar? — a encarou, surpreso. — E a enfermagem?
Já fazia mesmo um tempo que andava cogitando aquilo. Facilitaria muito sua vida de escritora, ainda que a exposição a deixasse um pouco desconfortável. Mas não teria que recusar mais pedidos de leitores, sessões de autógrafos comuns… E de quebra ainda havia Peter, seu ex idiota, que não teria nem coragem de enviar outro e-mail para ela, porque aí seria Kate quem poderia dar com a língua nos dentes e comprovar a merda que ele tinha feito antes.
Podia não recuperar seu manuscrito, mas acabaria com a reputação idiota dele. Revelar a identidade e ganhar isso como bônus? Não parecia tão ruim agora.
— Eu não sei se quero continuar na enfermagem. — Ela deu de ombros. — Eu tava fazendo mais como hobby, de qualquer forma. E nos últimos meses eu tenho trabalhado só uma vez por semana. Não é algo que eu ame ou que vai me fazer falta se eu largar pra viver unicamente de escrita.
— Até porque você é rica o suficiente pra fazer isso. Você fez o seu nome, . Eu não imaginava você não sendo enfermeira, mas eu também não imaginava que você fosse essa escritora famosa, Fleur de sei-lá-o-quê.
— Você acha que é muito precipitado? — ela indagou, insegura. — Largar tudo assim?
— Acho que você deve fazer o que seu coração mandar.
— Eu não gosto de pensar com o coração, .
— O que sua mente mandar, então. — Ele deu de ombros. — Quanto a ... Eu acho que você devia tentar outra vez, quando tudo isso acabar. Quem sabe daqui a uns dias... Ele anda meio estressado com o trabalho, mas acho que se manter ocupado com essa parceria de vocês ainda tá ajudando ele de alguma forma, sabe? A extravasar os sentimentos.
— Ah, sim. Extravasar direto nas músicas — ela concordou com ironia.
Ele até tinha escrito uma música sobre como tinha se sentido enganado por ela. Sobre como ele tinha virado uma bagunça de sentimentos. Bem, não ele, mas Ayla, sua nova protagonista.
— Não dá pra culpar ele, você devia saber que isso ia acabar acontecendo mesmo.
assentiu, em meio a um suspiro.
— Eu acho que tá na hora de ir ao mercado mesmo. Não tô muito a fim dessa conversa.
— Tá, vai lá, sua fujona brincou. — Você e são farinha do mesmo saco — ele acrescentou, antes dela sair.

***


Alguns minutos antes...

— Desse jeito? — Rick perguntou, fazendo a demonstração no violão.
— Sim, assim! — disse, animado. — Pode tocar outra vez pra eu gravar? E então acho que podemos parar por hoje.
Richard fez como ele disse e gravou o instrumental no estúdio, não perdendo tempo antes de salvar o arquivo, logo em seguida. O pai colocou o violão de volta no apoio que tinha na saleta e se levantou, fazendo uma careta.
— Filho, por acaso, você tem algum analgésico? — ele perguntou, com a mão na cabeça. Já fazia algumas semanas que ele vinha sofrendo com dores de enxaqueca que normalmente passavam após uma dose de medicação, mas infelizmente não tinha levado nenhuma com ele.
— Analgésico? — franziu o cenho. — Pra quê? O que você tá sentindo, pai?
— É uma enxaqueca. Já faz alguns dias que eu venho sentindo. Acho que é por causa do estresse — ele explicou, se dirigindo até a porta, no entanto, acabou tropeçando nas próprias pernas e tudo se tornou escuro.
— Pai! — gritou, indo até o homem caído na porta da saleta do estúdio e começou a sacudir o corpo pesado, sem obter resposta. — Pai, acorda! — Ele tentou novamente, em vão.
Agindo no automático, passou um braço do homem ao redor de seu ombro e o abraçou pela cintura com outro. Olhou em volta do estúdio à procura de seu celular, mas xingou alto quando não o encontrou.
Precisava agir rápido, então. Fazendo alguma força, ele conseguiu levantar o corpo grande do pai, que acordou naquele instante, parecendo muito sonolento.
— Pai, tenta ficar acordado. Eu vou te levar pro hospital, tá bom? Tem um aqui perto.
... — ele murmurou, os olhos pesados.
— Espera, pai, não dorme... — O filho quase choramingou, enquanto tentava não se desesperar. — Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem... — murmurou diversas vezes, sem saber ao certo se era para Richard ou para si mesmo.
Então ele arrastou o homem até o corredor do apartamento e chegou até a cozinha, onde pegou a carteira que sempre deixava ali, antes de se dirigir até a porta o mais rápido que conseguia ao lado do homem que deveria ter pelo menos metade de peso a mais do que ele. Quando chegou ao elevador, ele comemorou mentalmente por estar vazio e entrou rapidamente. Apenas uma parada no andar de baixo.
. Precisava avisar a e talvez fosse ele que...
Mas quando as portas se abriram, não foi que apareceu na frente dele e sim , sua ex-namorada e (ainda) parceira de trabalho atual.
não pensou nem mesmo por um segundo quando viu os olhos dela se arregalando levemente, alarmados ao ver o homem semi-acordado que gemia no ombro dele. Quando ele percebeu, as palavras já tinham saído.
— Preciso de ajuda.

Capítulo 43

mal tinha terminado de falar quando entrou no elevador e rapidamente o ajudou a apoiar o peso do pai.
— Eu não encontrei o celular pra ligar pra uma ambulância, você pode...
— Vai ser mais rápido se a gente levar ele de uma vez pro hospital mais próximo — ela o interrompeu. — Eu dirijo e você vai no banco de trás com ele. O que aconteceu?
— A gente tava no estúdio e ele se levantou e perguntou se eu não tinha um analgésico pra enxaqueca. Ele disse que vem tendo isso há alguns dias e achava que era de estresse... Mas aí desmaiou antes de sair da sala — ele se apressou em dizer, o rosto tomado de preocupação.
conhecia bem aquela expressão.
, fica calmo. Respira, vai ficar tudo bem. Eu preciso que você se concentre agora — ela pediu, assim que o elevador parou no estacionamento do edifício.
Juntos, eles caminharam até o carro de e ele passou a chave do veículo para ela. Com cuidado, colocaram o homem desacordado no banco de trás com a cabeça apoiada no colo do rapaz e seguiu para o volante, saindo do estacionamento menos de um minuto depois.
— É ele, não é? — ela perguntou quando eles estavam na estrada. — Seu pai — esclareceu, quando o viu franzir o cenho.
— Sim — respondeu baixo, se lembrando que não tinha chegado a apresentar nenhum de seus pais a ela, nem mesmo mostrado alguma fotografia.
— Você é a cara dele — ela comentou, antes deles caírem em silêncio outra vez.
O hospital mais próximo ficava a quinze minutos de carro de onde Hero morava e em vinte, eles conseguiram chegar até o pronto atendimento de lá.
rapidamente explicou o que tinha acontecido quando eles foram atendidos e dois homens carregaram Richard — que tinha acordado outra vez, mas estava muito sonolento — até uma cama da enfermaria da emergência.
Logo em seguida, pediram para que saíssem por um momento enquanto ele era examinado e a enfermeira responsável os guiou gentilmente até uma sala que havia ali. Não parecia uma sala de espera, mas uma pequena cozinha que equipes costumavam usar.
— Creio que será mais tranquilo se aguardarem aqui — a enfermeira explicou. — Para não correr o risco de ser reconhecido, Sr. .
Droga, ele tinha esquecido a máscara. Tinha ficado em cima do balcão, mas Hero não tinha sequer pensado em esconder o rosto, mas sim apenas socorrer o pai desacordado.
— Obrigado — ele conseguiu dizer e a enfermeira assentiu, antes de sair.
A porta mal havia se fechado quando ele deixou o corpo cair em um dos bancos da larga mesa que havia ali, as duas mãos cobrindo o rosto, a respiração ofegante, nervosa. Ele estava morrendo de preocupação.
se sentou ao seu lado e colocou uma mão em suas costas, esfregando o local gentilmente.
, fique calmo. Vai ficar tudo bem. Pode não ser nada de mais — ela tentou tranquilizá-lo.
— Jonathan também sofreu esses sintomas antes de descobrir a leucemia. Meu avô sofreu esse tipo de sintoma também, antes de descobrir que tava doente. E se... Meu pai, ele... — Sua voz falhou, a mente correndo por pensamentos inúteis e desesperados que de nada o ajudavam a se acalmar, mas a se desesperar cada vez mais.
Um soluço irrompeu de sua garganta, sem querer.
— Calma, pediu outra vez, tomando a liberdade de abraçá-lo. — Calma, amor. Vai ficar tudo bem — ela murmurou suavemente, o abraçando forte. Felizmente, não se afastou. Ou estava vulnerável demais para pensar em fazer aquilo.
— E se ele tiver doente também? Eu acabei de encontrar meu pai, . Ele não vai me abandonar agora também, né? Ele não pode.
sentiu o coração se apertar ao ouvir aquilo e teve que piscar algumas vezes para afastar as próprias lágrimas que ameaçavam surgir quando ela sentiu os olhos arderem.
— Ele não vai te abandonar, tá? Como eu disse, isso pode não ser nada de mais. Seu pai disse que andava estressado, certo? Existem infinitas causas que podem fazer com que ele se sinta assim e a maioria, são coisas simples de se tratar — ela explicou. — Não adianta se desesperar antes de saber o que realmente aconteceu, . Por mais que seja difícil, eu preciso que você respire fundo agora. Você tá muito ansioso e eu não quero que você tenha uma crise de pânico agora. Ou você vai se tornar um paciente também, e seu pai precisa de você saudável.
Hero fechou os olhos com força, com duas lágrimas grossas escorrendo por seu rosto, e tentou se concentrar no que ela disse. Respirar fundo, ele precisava respirar fundo porque o pai precisava dele ali, saudável. Ele não poderia ajudar em nada se começasse a passar mal também.
Respirar fundo, respirar fundo...
Inspire, expire, inspire, expire...

E assim ele fez. Aos poucos, conseguiu se acalmar. A mão de ainda esfregava suas costas gentilmente, mas ele não se importou que ela estivesse muito próxima e invadindo seu espaço pessoal. De fato, se sentiu grato por não estar sozinho, por ela estar ali com ele.
Independentemente de tudo.
Hero não afastou a mulher ao seu lado quando ela o abraçou outra vez, pelo contrário. Ele girou o tronco até estar de frente a ela e a abraçou de volta. Forte. Como se ela fosse o que restava de sua sanidade naquele momento.

Quase meia hora depois, a enfermeira que tinha os levado até ali retornou.
— Seu pai está dormindo agora e teve uma queda de pressão. Ele acordou durante um momento enquanto estávamos o examinando e mencionou que se sentiu tonto e que vem se sentindo assim já há algum tempo, além de sentir a enxaqueca.
— E quanto ao diagnóstico? Já sabem o que ele tem? — quis saber.
— O médico achava que pode ser uma anemia ou uma crise de enxaqueca comum. Nós coletamos um pouco de sangue para analisar e daqui a pouco o resultado deve sair — ela informou. — Ao exame físico, não encontramos nenhum tipo de lesão. Se ele chegou a bater a cabeça, não sofreu nada.
— Meu estúdio — disse. — O chão e as paredes são emborrachados.
— Bem, creio que isso tenha contribuído para evitar uma possível lesão, então. — A enfermeira sorriu.
— Você pode nos avisar quando ele acordar ou quando os resultados do exame sair? E por favor, se puder conseguir uma máscara... — pediu.
— Vou providenciar isso. — A enfermeira assentiu, sorrindo novamente, antes de se afastar.
— Não podemos ficar com ele? — perguntou.
— Não enquanto você não tiver uma máscara no rosto. Não é bom arriscar ser reconhecido e ganhar novos rumores de presente. As pessoas iriam querer saber quem é o homem que você trouxe até aqui e creio que você não queira ainda...
— Tem razão — ele a interrompeu, voltando a ficar em silêncio.
estava definitivamente mais tranquilo quando a enfermeira retornou e o entregou uma máscara descartável branca enquanto anunciava que não somente os resultados do exame de sangue tinham saído, mas como também não parecia ser nada grave.
— O médico explicará pra você direitinho o que aconteceu, mas se quer saber de antemão, não vi nada além de uma hemoglobina um tanto baixa no exame dele — ela comentou, enquanto os guiava por um longo corredor vazio.
franziu o cenho e encarou em uma pergunta silenciosa.
— Ela quer dizer que provavelmente é uma anemia por deficiência de ferro — ela explicou. — Seu pai precisa de vitaminas e uma alimentação mais adequada.
Um suspiro de alívio escapou dele ao ouvir aquilo e um outro se seguiu quando o médico confirmou a suspeita.
Hero se sentou ao lado da cama do pai enquanto conversava com o médico de plantão, que parecia ter reconhecido ela de algum lugar. Alguns minutos depois de uma conversa cheia de sorrisos, ele sentiu algo incomodar dentro de si quando viu abraçar o médico carinhosamente, quando os dois se despediram, pouco antes dela se dirigir novamente até ele.
Rapidamente, desviou o olhar e encarou o pai ainda adormecido, enquanto tomava um soro com vitaminas e ignorou quando ela sentou ao lado dele também. O bichinho que havia em seu peito quando a viu abraçar aquele homem ainda o incomodava, mas ele deu a si mesmo uma bronca mental por estar sentindo ciúmes da ex-namorada.
Ela podia muito bem sorrir e abraçar quem quisesse e não era da conta dele. Não importava, certo? Eles já não tinham mais nada um com o outro há quase um mês.
Então por que ele se sentia tão incomodado?
Porque você ainda está apaixonado por ela, ele ouviu uma vozinha dizer em sua mente. Mas se recusou. Se recusou a pensar mais sobre aquilo. E seria mais fácil se não estivesse mais ali também, mas não seria educado da parte dele pedir para que fosse embora depois do que ela tinha feito para ajudar. Deixaria que ela decidisse a hora de ir sozinha; não queria ser grosso e parecer ingrato, ainda mais quando sentia exatamente o contrário.
estava definitivamente grato a ela, independentemente de tudo. Mas se sentiria assim com qualquer outra pessoa que tivesse feito o mesmo que ela. Mesmo tendo certeza que dificilmente deixaria qualquer pessoa se aproximar dele quando estava muito ansioso e prestes a ter uma crise de pânico.
Mas ali, bem ali, ele ainda precisava de algum espaço. Então disse que tinha que ir ao banheiro por um momento, logo após informar que tinha avisado a o que tinha acontecido, e se retirou, colocando um pouco de distância entre os dois.
A constatação que o atingiu agora parecia mais do que óbvia.
Então ela era a visita que tinha para receber naquele dia, afinal. suspirou, pensando naquilo, mas descobriu que não o incomodava. Eles eram amigos há anos, provavelmente mais próximos do que ele tinha sido de no tempo que estiveram juntos, mesmo quando eram um casal.
E se fosse honesto consigo mesmo, ele meio que se sentia aliviado por ela ter um amigo como . Não tinha chegado a conhecer os outros amigos de , mas conhecia desde que os dois ainda usavam fraldas.
E confiava cegamente nele para cuidar dela, caso fosse preciso.

***


— Hm... — Richard gemeu e tomou um longo fôlego ao acordar, levando a mão direita até a testa, apenas para descobrir que tinha um acesso venoso nela.
Piscando durante alguns segundos para ajustar a visão, ele percebeu que estava em um hospital.
— Sr. Keller? — Uma jovem mulher o chamou. Tinha olhos e cabelos castanhos, algumas mechas cor de rosa aparecendo. Ele sabia quem ela era antes dela dizer. — Meu nome é . O senhor desmaiou no apartamento de seu filho e nós o trouxemos até aqui. deu uma saidinha pra ir ao banheiro, mas acho que já deve estar voltando.
Richard respirou fundo novamente e fechou os olhos por um instante, aliviado por não estar sentindo mais enxaqueca, mas ainda assim muito sonolento e fatigado. Era como se estivesse passando por uma ressaca depois de muito tempo sem beber.
— Eu sei quem você é. A Garota do meu filho — ele murmurou, abrindo os olhos outra vez para encará-la. — Nós tínhamos acabado de trabalhar em uma música pra parceria de vocês quando eu me senti mal.
piscou por alguns instantes, em silêncio, tentando absorver o que aquela fala significava, o tanto que significava.
— Ele contou tudo ao senhor?
— Tudinho. E eu não disse a ele ainda, mas acho que vocês estão apenas perdendo tempo. Ele tá perdendo tempo.
— Como assim? — franziu o cenho.
— O que quero dizer é que se eu tivesse a oportunidade de voltar no tempo... Eu teria pedido a mãe dele em casamento antes de ir embora. Antes mesmo de descobrir que Darla estava grávida.
— O senhor estava... — arregalou os olhos, surpresa.
— Apaixonado por ela, sim. Mas eu não disse isso a ou a Darla. Nosso tempo já passou e ela é casada agora, por mais idiota que o marido dela seja — Richard admitiu. — Mas se houvesse uma oportunidade... Sim, eu não perderia tempo tentando superar algo que eu sabia que me levaria anos. E se estivesse na situação de vocês dois, se eu fosse , apenas abraçaria o fato de ter me apaixonado pela mesma mulher três vezes. — Ele sorriu.
sentiu o rosto esquentar diante daquela declaração e um pouco embaraçada, disse:
— Eu já tentei conversar com ele outra vez, mas ele não quer. Tentei até enviar e-mails... — Ela riu, sem graça. — Acho que o que resta pra mim é aceitar, Sr. Keller.
— Ora, menina. Não me chame de Sr. Keller, você não é uma das minhas alunas. — O homem dispensou, com uma sacudida de mão. — Você veio até aqui, não foi? Ainda está aqui por ele, mesmo sem necessidade.
— Eu queria ter certeza de que estava tudo bem, antes de ir — confessou. — O senhor não tem nada grave, por sinal. É apenas uma anemia por deficiência de ferro, mas ficou bem assustado.
— Eu imagino que sim, pelo pouco que consegui ver quando consegui ficar acordado. Mas sugiro a você que pense sobre o que eu disse. Talvez ele tenha ficado com o coração um pouquinho mais mole depois de hoje. Ah, e me chame de Rick. — Ele piscou para ela, com um sorriso que devolveu instantaneamente.
A semelhança entre os dois era inacreditável. A cópia um do outro, de fato.
— Tudo bem, Rick. Vou tentar — ela disse, pouco antes de aparecer ao lado de Hero na enfermaria, usando seu boné e máscara pretos habituais.
— Eu sabia que você tava demorando demais pra ir ao mercado da esquina — O amigo disse, em tom de bronca e apenas encolheu os olhos.
— Desculpa, eu tive que dirigir e acabei lembrando de avisar só quando as coisas se acalmaram — ela explicou, lançando um olhar rápido para , que agora conversava com o pai.
disse que tá tudo bem agora. Você quer ir? Ele disse que vocês vieram no carro dele...
— Sim, acho que é melhor eu ir. Deixa só eu me despedir — ela disse, voltando a se aproximar da cama onde o pai biológico de Hero estava. — Vou pegar carona com . Espero que melhore em breve, Rick. Provavelmente vão te dar alta assim que o soro terminar. — Ela apontou para o saco transparente com líquido amarelado que estava pela metade, antes de se virar para Hero e sorrir enquanto acenava levemente.
Mas quando se virou para ir embora, segurou em seu pulso.
— Como... — ele começou a falar, meio sem jeito. — Como posso te agradecer pelo que fez hoje? — perguntou, baixinho.
abaixou o olhar por um instante, lembrando do que Richard tinha dito e então o encarou outra vez e sorriu levemente.
— Se quer me agradecer de alguma forma, então... Cheque seu e-mail, . E não se esqueça da caixa de spam também.
E então ela se virou para ir embora com . Enquanto se afastavam, conseguiu ouvir os dois comentando algo a respeito de algum tipo de pão italiano que estavam fazendo.
Mais tarde, naquela noite, depois de acomodar Richard em um dos quartos de hóspedes e emprestar algumas coisas ao pai — que felizmente vestia o mesmo tamanho que ele — se dirigiu ao próprio quarto e se deitou na cama com o celular na mão e a mente pensativa.
Então, sem mais delongas, ele abriu seu e-mail.

Capítulo 44

21 de maio de 2016, 20:42, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Você (data: 16 de maio de 2006)

"Querido ,

A faculdade definitivamente não é como o colégio. Também era mentira essa história de você ver um monte de gente bonita. De fato, até tem algumas, mas nenhuma me interessou até agora. Tô mais preocupada em não reprovar na disciplina de Bioquímica (que eu não entendo absolutamente nada, por mais que eu estude) do que em sair pra festas, beber ou namorar. Não sei como tem gente que faz isso e ainda consegue lidar com todas as disciplinas. Mas sei que essas pessoas ou são muito burras, ou muito inteligentes.
Espero que você e gostem do novo apartamento, estou feliz por vocês. Você não tem que me agradecer por nada, apenas publiquei o vídeo porque achei a apresentação de vocês incrível e digna de ser vista por mais pessoas. Confesso que eu não esperava que fosse viralizar, mas que ÓTIMO que isso aconteceu.
Eu vi uma notícia sobre a Cave Panthers na internet; várias, na verdade. Acho que vocês têm um longo caminho pela frente e essa é só a primeira etapa. Talvez a gente se encontre de novo um dia, quem sabe? Até lá, vou acompanhar a banda como uma fã fiel.

Com amor,
."


***


21 de maio de 2016, 21:26, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Carnegie Hall (data: 21 de julho de 2007)

"Querido ,

Eu concordo com você. O concerto no CH foi INACREDITÁVEL! Totalmente incrível e eu amei completamente.
Sim, era eu lá. Você olhou pra mim por um instante, mas eu não tive certeza se você me reconheceu porque depois você desviou o olhar pra outro local, então achei que talvez mal estivesse enxergando com todas aquelas luzes. Não achei que fosse eu reconhecer ou a . Depois do concerto, nós duas pegamos um táxi pra voltar pro campus e deixamos o trabalho de tietagem para as groupies da banda.
Sabia que você tem umas groupies bem loucas? Não? Pois agora você está sabendo.
Sobre Nova York, eu demorei um tempinho pra me adaptar aqui quando me mudei, mas depois foi só amor. Amo Chicago, sim, pois cresci lá, mas Nova York é igualmente apaixonante. Não me vejo mais morando em nenhum outro lugar que não seja aqui, então eu te entendo e acho que seria incrível que a banda se mudasse pra cá!
Los Angeles me parece uma cidade fria (ironicamente, já que fica na Califórnia) e cheia de falsidade, embora eu ache que isso você pode encontrar em qualquer lugar do mundo. Fiquei chocada quando li que uma mulher mais velha deu em cima de você e ao mesmo tempo, mas não fiquei totalmente surpresa. Na verdade, acho que até demorou um pouquinho considerando quem vocês são agora. Espero que se tornem ainda maiores \o/
Dominem o mundo, panteras!
Sobre a pizza de abacaxi... ESSA SIM é a verdadeira surpresa. Nunca pensei que te veria dizer que COME pizza de abacaxi um dia, já que você ficou completamente enojado quando eu escolhi esse sabor, mas é aquela coisa... Você não pode dizer que não gosta de algo antes de experimentar várias vezes.
Fico feliz que ela te lembra de mim, haha. De verdade, não acho brega. Acho fofo da sua parte ainda pensar em mim depois de tanto tempo.
Eu também penso em você, .

Com amor,
."


***


21 de maio de 2016, 21:35, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Desafio (data: 13 de agosto de 2007)

"Querido ,

Como eu disse, amo Nova York e entendo completamente você ter se apaixonado pela cidade também! Espero que você tenha um bom tempo em Atlanta com a banda e que vocês se divirtam bastante!
Queria poder ter visto esse desafio entre vocês dois, eu nunca vi você cozinhando nada e nem sabia que você cozinhava. Bem, talvez você tenha comentado algo sobre as mães de vocês terem ensinado vocês dois a fazer de tudo pra se virarem sozinhos, mas até onde eu me lembro, era o cara que gostava de cozinhar. Que surpresa boa saber que você também tem algum talento, mesmo que não use muito.
Queria experimentar esses pratos que vocês fizeram e dar o meu veredicto também. Se e não conseguiram identificar, então deve ter ficado bom mesmo!
Você devia ter me enviado o vídeo anexado nesse e-mail!
Boa sorte com o trabalho,

Com amor,
."


***


21 de maio de 2016, 22:53, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Sonhar grande (data: 9 de fevereiro de 2009)

"Querido ,

Eu não me importaria de te ver chorando pessoalmente porque eu mesma chorei o suficiente por nós dois quando te vi subir naquele palco com os caras pra agradecer pelo Grammy que vocês ganharam.
Estou tão tão TÃO orgulhosa de vocês que não tenho mais nada a dizer além disso. Apenas que quero que vocês voem cada vez mais alto e conquistem cada vez mais porque sei o quanto são esforçados.
Sobre a garota na livraria... Provavelmente era eu. Eu tô trabalhando de meio período pra fazer uma grana extra e ser atendente em uma livraria foi meio que o emprego perfeito. Não tem muito o que fazer e depois que você cataloga os livros, tudo o que você faz é vender ou emprestar as edições que tem ali — essa que eu trabalho empresta alguns —, então basicamente eu aproveito o tempo de trabalho para estudar quando não tô ocupada, ou pra escrever.
Desde que comecei a faculdade, eu tenho um blog de fanfics onde escrevo *histórias fictícias* pra que outros fãs possam ler. Escrevi algumas fanfics de McFly, mas as minhas melhores histórias e as mais acessadas são as fics da Cave Panthers. E bem... Eu não esperava que uma das histórias fosse se tornar tão famosa.
Mas acontece que um amigo meu, Andrew, o irmão mais velho da , tá abrindo uma editora com uma amiga e me convidou pra publicar uma fic da Cave Panthers chamada "Sorvete, Pizza e Música". Tipo, transformar mesmo em livro!
E bem, talvez eu tenha colocado uma coisinha ou outra sobre a gente e como nós nos conhecemos e o que vivemos durante aqueles dias em que eu estive em Chicago. Talvez eu tenha dado uma enfeitadinha também pra deixar tudo mais dramático e romântico pra atrair mais os leitores e fazer com que eles se conectem emocionalmente com a história de uma forma melhor... Mas enfim. Andy quer publicar essa história e eu não sei se vai dar certo, mas o que tenho a perder? Eu até uso o nome da minha avó como pseudônimo.
Ela se chama Fleur. E meu pseudônimo completo é Fleur de Colibri. Colibri significa beija-flor em francês e meus pais sempre me chamaram de "meu pequeno colibri", então achei que seria uma boa ideia. Parece meio infantil, né? Mas tem um significado especial pra mim, então resolvi manter.
As revisões são bem demoradas e têm de ser feitas várias vezes, então talvez no fim do ano o livro esteja à venda. Ou não, talvez só no ano que vem.
Enfim. Vou parar de falar agora.

PS. Saí com um cara recentemente que acha que ser fã de bandas é uma baboseira. Ele até falou mal da CP na minha frente. Obviamente, eu não deixei barato. Você devia ter visto a cara dele quando eu falei que você era tão legal e bonito pessoalmente quanto parecia ser na TV. Foi hilário.

Com amor,
."


***


21 de maio de 2016, 23:59, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Formatura do Colin (data: 18 de dezembro de 2009)

"Querido ,

Eu não sabia que você tinha um irmão mais novo e sendo bem sincera, isso não é uma informação que me interesse muito, ainda mais depois de saber que vocês não são nem mesmo próximos.
Parabéns pra ele pela formatura, e por estar indo para uma faculdade. Enfim.
Não me incomodo quando você fala sobre seu relacionamento com seu pai porque imagino o quão difícil pode ser se abrir a respeito de algo assim. Fico feliz que você confie em mim pra contar esse tipo de coisa.
Espero que você se divirta com seu avô e sua mãe uma vez que vocês estiverem em NY outra vez, e espero que corra tudo bem em Winchester. Mesmo se não correr, não é sua culpa, lembre-se disso.
Esse ano os Mulligan vêm para NY e nossas famílias vão passar o Natal juntas. Acho que vai ser divertido, como nos velhos tempos quando nós éramos vizinhos.
Além disso, tenho uma boa notícia: meu livro vai ser publicado em breve!
No mais tardar em fevereiro, mas tô tentando convencer Andy a fazer com que ele saia no meu aniversário já que é minha primeira publicação. Espero que seja um bom lançamento e conquiste cada vez mais pessoas.
Me deseje sorte, por favor.
E boa sorte com a sua família também.
Feliz Natal adiantado, .

Com amor,
."


***


22 de maio de 2016, 00:12, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Erro (data: 24 de dezembro de 2009)

"Querido ,

Meu coração dói só de responder esse email. Eu queria que você não tivesse que escrever ele, queria que você e seu pai tivessem apenas ignorado um ao outro como costumavam fazer, e nada disso tivesse acontecido. Me sinto mal por ter tido um Natal tão bom enquanto o seu foi horrível.
Espero que sua noite de Ano Novo seja melhor e que você se divirta bastante com sua mãe e seu avô aqui em NY.
Não vou dizer que você tá errado por ter explodido, pois eu provavelmente teria feito isso em menos tempo, e teria tolerado muito menos do que você conseguiu. Sinto muito por você tentar em vão e sinto muito por sua mãe também, por estar em um relacionamento com um marido que age de modo tão estúpido com ela. Sobre o presente... Tenho certeza de que o pai de deve ter adorado.
Não se sinta mal pelo que aconteceu. Eu acho que você sabe que não foi sua culpa, já que foi você quem resolveu tentar mais uma vez e não ele. Além disso, você não é nada das coisas ruins que aquele homem falou, pois se fosse, sequer se importaria em dar mais uma chance a ele, embora eu ache que ele não tenha merecido nem essa.
Eu sei o quanto você se esforçou e ainda se esforça, eu vejo o quanto você trabalha — o quanto é possível pra uma fã acompanhar, pelo menos — e espero que você saiba que ninguém vai te julgar por ter dito o que você disse e por nunca mais pisar os pés em casa, se for essa a sua decisão daqui pra frente.
Que toda a raiva que você sentiu no Natal se torne alegria no Ano Novo e que você nunca mais passe por isso.

Com amor,
."


***


22 de maio de 2016, 00:34, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Bons momentos (data: 9 de janeiro de 2010)

"Querido ,

É um alívio saber que você esteve tão feliz nos últimos dias e teve um bom tempo com seu avô e sua mãe. Me sinto muito feliz por você.
Espero que sua mãe e seu avô mudem de ideia algum dia. Espero que sua mãe também abra os olhos algum dia para o que está óbvio pra todo mundo; algo me diz que ela não é realmente feliz casada com seu pai, mas talvez se sinta presa a esse relacionamento, como algum tipo de responsabilidade que ela tem que ser obrigada a lidar durante o resto da vida. Posso não ter testemunhado nenhum exemplo de casamento ruim e relacionamentos fracassados, mas sei identificar se é bom e saudável quando vejo um.
Obrigada pela mensagem de aniversário, . Faço aniversário no dia 14 de janeiro, então você ficou perto de acertar. Obrigada por lembrar de mim mais uma vez e por confiar em mim a ponto de me contar tantas coisas.
Espero que todos os seus sonhos e objetivos também se realizem e que você nunca pare de sonhar grande mesmo assim. Acho que a essa altura, você já deve ter percebido que não é errado parar de sonhar mesmo depois de atingir tanto.
Você também merece muito mais.

Com amor,
."


***


22 de maio de 2016, 01:38, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Insônia (data: 22 de junho de 2010)

"Querido ,

Gostaria de te contar sobre algum método infalível pra dormir, mas infelizmente não conheço nenhum. Sei como é a sensação de estar tão ansiosa a ponto de não conseguir dormir e fiquei exatamente assim quando meu livro foi publicado. Felizmente, correu tudo bem, como você sabe.
Eu sou uma escritora que usa um pseudônimo e ninguém conhece meu rosto, então não posso dizer que sei como é estar rodeada de câmeras, mas consigo imaginar como deve ser desconfortável (também foi um dos motivos que resolvi manter minha vida privada, não quero ser alvo de fofocas hoje ou algum dia).
Eu sei muito bem que não é antipatia sua não querer aparecer sempre e você tá no seu direito. Não é porque você é um astro do rock agora que você tem que mostrar a cara em todos os lugares que estiver. Inclusive, eu apoio o uso de máscaras. Na Ásia, os artistas usam bastante. Você e os caras deviam pensar nisso.
Durante os últimos quatro anos em que eu venho te acompanhando, posso dizer com certeza que você só fica hiperativo no palco, ou quando tá bêbado (e apenas às vezes). Você é e acho que sempre vai ser um cara quieto.
Você acha que já leu alguma fanfic minha? Faz tempo que parei de escrever elas, mas o fandom ainda fala de algumas. Acho muito curioso esse hobby dele, mas não posso julgar. Como leitora e escritora de fanfics que fui um dia, sei o tanto de obras legais que a gente pode encontrar. Claro que existem outras muito ruins também, mas conheço um monte além das minhas que também viraram livros. Incrível, não é?
Eu li num site de fofocas sobre a namorada de e concordo com você. Na verdade, eu não imaginava que ele fosse se envolver com algum tipo de menina que pareceu sair de As Patricinhas de Beverly Hills (embora tenha algumas que não são tão fúteis assim). Às vezes as aparências enganam (embora eu ache que esse não seja o caso).
Eu sempre achei que sempre teve cara de quem seria uma dessas pessoas que entrariam pro mundo fitness um dia, se quer saber. Não me sinto nem um pouquinho surpresa com essa informação e acho que pode até ser um hábito muito bom pra banda toda. Vocês trabalham demais e precisam se manter saudáveis de alguma forma. Fugir da dieta é bom também, de vez em quando.
Eu tô bem e saudável, obrigada.
Também sinto sua falta, .

Com amor,
."


***


22 de maio de 2016, 02:44, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Uma surpresa ruim (data: 13 de fevereiro de 2011)

"Querido ,

Sinto muito por essa notícia. Espero que seu avô fique bem logo e que se cure dessa doença. Como profissional e ainda quando era estudante, eu vi diversos casos de pacientes oncológicos e posso dizer que concordo com o que os médicos falaram. O câncer é muito imprevisível. Gostaria de poder te oferecer mais palavras de conforto, mas eu também não quero te iludir de alguma forma.
É uma doença perigosa que precisa de muitos cuidados, mas do mesmo jeito que há pacientes que pioram, também há os que melhoram e assim permanecem. Não sabemos ainda como vai ser com o seu avô, mas espero que fique tudo bem com ele.
Sinto muito por não estar aí com você. Vou orar pela vida de seu avô e pra que corra tudo bem. Vamos pensar positivo.

Com amor,
."


***


22 de maio de 2016, 03:52, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: A vida é um sopro (data: 18 de novembro de 2011)

"Querido ,

Pela primeira vez, eu não sei o que dizer. Gostaria de poder arrancar toda a dor que você tá sentindo agora pra você não ter que sofrer.
Sei o quanto seu avô era importante pra você e como ele foi a sua maior figura paterna. Sei que você deve estar assustado ainda, mas não quero falar que vai passar. Eu sei que você sabe que vai, um dia, mas também sei que você precisa sentir tudo agora pra poder superar no futuro.
Queria poder te confortar. Não sei o que dizer, mas queria poder te abraçar em silêncio e deixar que você chorasse o quanto quisesse em meu ombro. Sei que por mais que isso já tivesse sido previsto, no fim nós nunca estamos prontos pra esse tipo de realidade. Sempre vai ser uma surpresa até quando nossos corações já estejam supostamente preparados.
Sinto muito por ter ido embora sem me despedir, . Sinto muito por ter pensado que não manter contato com você seria o melhor pra nós dois, o melhor pra evitar que eu me apaixonasse por você um dia. Mas não sei se a distância foi suficiente física pra isso. No fim, você ainda é um pouco de cada um dos meus personagens masculinos. Acho que isso diz alguma coisa, certo?
Mas talvez passe também. No fim, tudo passa. E espero que algum dia você volte a ser feliz outra vez. Que algum dia você acorde e sinta seu peito mais leve. Que você fique bem e saudável, física e mentalmente.
É só o que desejo pra você.
Sinto sua falta, .
Hoje, senti mais ainda.

Com amor,
."


***


22 de maio de 2016, 04:09, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Revelação (data: 28 de março de 2016)

"Querido ,

É uma surpresa receber um novo e-mail seu. Confesso que eu não esperava.
Eu estou bem, obrigada. Muita coisa aconteceu nos últimos anos. Muita coisa entre nós, também.
Acho que há coisas que nós dois não nos orgulhamos de ter feito nos últimos anos, mas é isso o que a vida é, né?
Não posso dizer que sinto alguma coisa ao saber dessa notícia de seu pai (padrasto seria o ideal, certo?) pois eu estaria sendo hipócrita. Depois de tudo o que ele te fez sofrer, só consigo sentir indiferença. Esse também é o sentimento que mais tem feito parte de mim nos últimos anos, até você aparecer outra vez. Talvez eu te conte os detalhes um dia.
De todo modo, saber que Jonathan não é seu verdadeiro pai é um alívio não só pra você, mas pra mim também. Seria melhor ainda se você tivesse descoberto antes. Gostaria de poder ver o rosto de seu verdadeiro pai. Como ele deve estar hoje? Será que vocês ainda são parecidos?
Richard Keller é um nome bem bonito. A história de seus pais parece algum tipo de romance épico de verão dos anos 80, o tipo de história que eu gostaria de contar um dia. Imagine só tudo o que teria acontecido, como as coisas poderiam ter sido se eles tivessem escolhido ficar juntos naquela época. Talvez você tivesse um bom relacionamento com ele.
Talvez tudo fosse completamente diferente do que é hoje. Talvez você não fosse um músico renomado, mas um professor. Já pensou nisso? De um jeito ou de outro, ainda acho que você seria incrível, .
Você ainda é e sempre será incrível. E uma pessoa tão boa e gentil (tirando quando você não é, em algumas ocasiões) que eu não sei como não percebi antes que tentar evitar me apaixonar por você era um trabalho em vão.
Você bateu na minha porta tarde da noite e eu não entendi bem por quê, e resolvi não questionar, pois percebi que você não queria falar sobre o assunto. Mas agora tudo faz sentido.
Espero que você fique bem e encontre seu pai em breve. Espero que ele seja uma boa pessoa e que vocês possam construir um relacionamento lindo. Você merece isso e muito mais.
Sinto sua falta.

Com amor,
."


***


22 de maio de 2016, 04:16, Nova York, NY

Re:De: w87@hotmail.com
Para: rk1@hotmail.com
Assunto: Rick Keller (data: 3 de maio de 2016)

"Querido ,
É maravilhoso que você tenha encontrado seu pai. Espero que ele seja uma pessoa boa, como o investigador te disse. Tenho esperanças de que seja verdade e espero que você volte com boas notícias. Eu só quero que você seja feliz.

Com amor,
."


***


6 de junho de 2016, 23:52, Nova York, NY

Re:De: rk1@hotmail.com
Para: w87@hotmail.com
Assunto: Perdão

"Querido ,

Sinto sua falta. Sinto sua falta mais do que nunca e não sei o que fazer pra te ter de volta. Não sei o que mais posso dizer, como posso te convencer de que o que fiz não foi com intenção de te magoar, mas entendo se você nunca mais quiser nem mesmo olhar pra mim.
Eu nunca disse isso pra você e não tenho nada a perder agora, então vou falar mesmo assim.
Acho que me apaixonei por você no instante em que nossos olhos se encontraram naquele clube. Eu mal conseguia distinguir a cor deles naquela iluminação, mas tinha algo em você que me atraía como um ímã. Acho que te quis desde o primeiro instante, , e foi um alívio descobrir que você era uma boa pessoa, e que me queria também.
Talvez eu tenha sido muito imatura na época, talvez eu tenha forçado a mim mesma a pensar que tudo o que eu sentia era passageiro, algo adolescente, que mesmo dez anos depois ainda era passageiro. Mas acho que no fim, nenhum desses sentimentos passaram, eles apenas estavam adormecidos.
Isso até o momento em que você apareceu e despertou todos de uma vez, me deixando apavorada. A cada dia que passava, a cada vez que seu olhar demorava um pouco mais no meu, eu percebia que se continuasse assim não teria mais volta. Então tentei fugir por medo de me magoar, por medo de te magoar também. Eu queria te contar a verdade um dia — sempre me encheu o saco pra fazer isso, acredite —, mas eu não imaginava que nós fôssemos estar em um relacionamento quando isso acontecesse. Então comecei a adiar, a esperar pelo momento certo que nunca veio e você acabou descobrindo tudo sozinho, com os poucos detalhes que você conseguiu juntar. E o resto você sabe.
Eu queria que as coisas tivessem sido diferentes entre nós. Queria ter tido a maturidade suficiente, a coragem suficiente pra te contar quem eu era desde o início, desde quando te vi naquele quarto de hospital pela primeira vez. Eu nunca disse, mas você não sabe como foi assustador de ver naquele estado quando você chegou na emergência, ou o alívio que senti quando você ficou fora de perigo.
Acho que é tarde demais, mas mesmo assim, vou ser egoísta só mais uma vez e me permitir te dizer o que só recentemente eu percebi que sempre senti:
Eu amo você, . Com todas as suas qualidades e defeitos, até as versões ranzinzas e as infantis que sabiam exatamente como me irritar.
Apenas amo você.

Com amor,
(De sua) ."

Capítulo 45

Um por um.
respondeu os e-mails um por um como se estivesse lá o tempo inteiro. Como se eles não tivessem passado dez anos sem contato. Como se ela tivesse sido sua amiga e estado lá para ele desde sempre. Todos os 162 e-mails que ele tinha enviado durante seis anos e os mais recentes, quando contou sobre seu verdadeiro pai.
Foi como se ela nunca tivesse ido embora.
E além de todas as respostas para os e-mails dele, ainda havia aquele último. Um novo, enviado menos de uma semana atrás.
chorou lendo cada um deles, completamente tocado. Não esperava nada daquilo. E tinha respondido todos em apenas algumas horas, em apenas uma noite. Um dia depois que ele descobriu quem ela realmente era, ele constatou, um dia depois que eles tinham rompido.
O rosto de ainda estava molhado quando, sem pensar muito, ele abriu o último e-mail recebido e respondeu com apenas três palavras:

Preciso de você.

Porque era verdade. Não precisava de porque não conseguia viver sem ela, mas porque, bem no fundo, não queria viver sem ela. Só de pensar nisso, se sentia incompleto. havia se tornado parte dele, de sua vida, desde o momento em que a conheceu naquele pub, dez anos antes.
Ele só havia passado tempo demais negando o óbvio, o que todos conseguiam ver. Inclusive seu pai, que precisou de um mínimo de observação para perceber.
então se lembrou da conversa que teve com ele no hospital, pouco depois que foi embora com . Rick sugeriu que ele deveria conversar com , agora que semanas haviam se passado e ambos estavam com a cabeça no lugar.
Não desperdice uma oportunidade como essa, filho. Mesmo que não dê certo, pelo menos você não vai se arrepender no futuro por não terem conversado mais uma vez.
notou o tom nostálgico em sua voz, e teve a impressão de que Rick estava falando por experiência própria, mas não comentou nada. Ainda estava pensando nas palavras do pai quando abriu o e-mail naquela noite, só não esperava se deparar com tudo aquilo, aquela chuva de e-mails. Não depois de tudo o que tinha acontecido. Não quando ele achava que não se importava com ele ou o que eles haviam tido dez anos atrás e naquele ano, no período em que estiveram juntos.
Mas ela tinha mostrado exatamente o contrário, do jeito que podia.
No dia seguinte ao rompimento, naquele dia em que o ajudou a socorrer seu pai sem questionar o que tinha acontecido, e quando permaneceu ao lado dele mesmo não tendo nenhuma obrigação, apenas porque queria.
Porque daquela vez ela queria ficar, assim como ele também queria que ela ficasse, mesmo não admitindo. Mesmo depois de semanas longe dela, a ignorando, poucos minutos foram suficientes para que os sentimentos que vinha suprimindo acordassem mais uma vez.
a queria, sempre quis. E de repente, parecia idiota demais não dar uma chance a mais uma conversa, não dar uma chance a eles.
E foi pensando nisso que Hero se levantou da cama e vestiu a primeira camisa que encontrou, enquanto ainda secava o rosto levemente inchado, os olhos ainda vermelhos devido ao choro. Então se dirigiu até a cozinha e pegou a carteira e as chaves do carro. Estava a meio caminho da porta, pronto para sair, quando a campainha tocou.
Hero parou no lugar, o coração dando um solavanco repentino, e então deu três passos até chegar à porta. Quando a abriu, se deparou com do outro lado, os olhos úmidos e o rosto molhado de lágrimas com uma expressão angustiada.
Seu coração bateu como se fosse pular para fora a qualquer momento quando ele deu um passo, envolveu uma mão no rosto e outra na cintura dela e a puxou para si, selando seus lábios em um beijo profundo e repleto de saudade e desejo.
não a deixaria ir outra vez.
Não se separaria de sua outra vez.
Não quando a amava tanto.
Podia até ignorar que não a tinha amado como mulher durante toda aquela década que se passou, mas como amiga, com certeza sim. Não sabia bem quando aquilo havia mudado, no entanto.
De repente, só existia .
E ela parecia ter sido a única coisa a qual ele tinha se agarrado constantemente em sua vida bagunçada. Mesmo quando ela ainda nem sabia, mesmo quando nem ele tinha percebido.
Naquele momento, estava com ele a de dez anos antes, a escritora e a enfermeira. Três versões da mesma mulher; três versões que ele tinha se apaixonado sem ao menos perceber.
Mas agora tudo parecia tão claro que apenas não sabia dizer, não compreendia como não tinha notado antes. Como não tinha notado que sim, ele tinha se apaixonado e amado a de dez anos antes, com toda a sua inexperiência e curiosidade, sua beleza e personalidade encantadora e, posteriormente, a versão da que ele criara em sua mente, para se agarrar a lembrança que tinha dela.
Tinha admirado a como escritora, com todo o seu talento e profissionalismo, que escrevia coisas que o prendiam a ponto dele não conseguir parar de ler, e então se apaixonado e amado, caído completamente pela enfermeira, que cuidou dele desde o início, mesmo quando ele era um péssimo paciente, mesmo quando ela apenas estava ali para encher o saco dele para que se cuidasse da melhor forma possível; e a versão da que não o tinha deixado de forma alguma, por mais que tivesse tentado afastar ele no início e pouco depois, por medo de se envolver novamente, por medo de se apaixonar, mas que no fim, resolveu arriscar mesmo assim.
Os dois tiveram momentos felizes juntos. E também tiveram seus corações quebrados por causa de palavras não ditas. Omissões que o magoaram, que ainda doíam um pouco, mas não como doía ficar longe dela. Não como continuaria doendo se ele mantivesse a decisão que tinha tomado e que — no fundo, ele sabia — se arrependeria no futuro, assim como tinha acontecido com seus pais, e ele não precisava que nenhum dos dois admitisse aquilo, pois era claro.
Tinha sido claro desde o momento em que ele ouviu um falar do outro com tanto carinho que quase o deixou triste, assim como tinha sido claro semanas antes, quando viu os dois conversando cara a cara, no mesmo ambiente. Sabia que o conselho de Rick era embasado na experiência que teve com sua mãe e Hero não queria passar por aquilo. Não queria viver com aquele tipo de arrependimento só por não fazer algo que queria por orgulho, por medo de se machucar. Parecia até bobo, uma decisão burra, provavelmente.
Quando o ar fez falta e ele quebrou o beijo, tentou falar, ele a interrompeu com outro selar de lábios e murmurou com a testa colada à dela, a mão ainda em seu rosto, acariciando a pele suave:
— Shh, não precisa dizer mais nada. Você já disse o suficiente, meu amor. É minha vez agora.
... — Uma lágrima escorreu do rosto dela, mas ele a secou rapidamente, com um sorriso doce.
— Não chore, . Vamos tentar apenas sorrir de agora em diante, tá? Eu cansei de chorar, cansei de sofrer e agora quero ser feliz e quero fazer isso com você ao meu lado. Sinto muito por demorar tanto para perceber o óbvio, sinto muito por você ter demorado tanto também, embora eu saiba o porquê. — Ele abriu um sorriso triste. — Mas agora, , eu quero deixar tudo isso de lado, não pra começar de novo, mas pra continuar de onde nós paramos. Porque eu meio que ainda sou aquele cara que você conheceu há dez anos e acho que você ainda é aquela garota que eu me apaixonei à primeira vista, mesmo quando não entendia muito bem o que era isso.
— Você...?
— Sim. — Ele riu, feliz. — Parece idiota eu não ter percebido antes. E acho que você também, se for verdade o que me contou naquele e-mail. Em todos aqueles e-mails. Eu não sabia que tinha um pouquinho de mim em cada um de seus personagens. Essa é uma informação nova...
fez uma careta, diante da provocação.
— E você deve estar adorando isso.
— Considerando que eu praticamente fiz o mesmo com você naquele monte de músicas, então sim, adorei saber. Nós estamos meio que quites agora. — Ele a abraçou pela cintura, dando um beijo em seu rosto.
passou os braços ao redor do pescoço dele e se colocou na ponta dos pés para fazer o mesmo.
— Tudo o que eu disse foi sincero — ela murmurou, o encarando nos olhos.
As orbes verdes a encararam de volta, os olhos tranquilos e brilhantes encontrando os seus pela primeira vez em três semanas e tão diferentes da última vez, frios e opacos como estiveram.
Assim que recebeu aquela única resposta, com meras três palavras, ela não pensou duas vezes antes de sair da cama do quarto de hóspedes de e seguir até o andar superior, com o coração batendo freneticamente enquanto ela corria e respirava ofegante, à espera dos poucos segundos que levou para as portas do elevador abrirem novamente.
Ela não ouviu nenhuma movimentação vindo de dentro do apartamento de Hero, pois estava ocupada demais ouvindo as batidas do próprio coração ecoando em seus ouvidos. Tocou a campainha sem pensar duas vezes, sabendo que ele ainda estava acordado, mesmo que já fosse quase uma da manhã. Ele tinha lhe enviado uma resposta, afinal. Tinha feito um pedido; um que ela jamais negaria novamente.
E quando a porta foi aberta e ela olhou em seus olhos vermelhos, assim como os dela provavelmente tinham ficado depois de ler aquelas três palavras na resposta que ele tinha enviado, por um minuto o mundo inteiro pareceu entrar em silêncio. Não que tivesse barulho naquele andar vazio, mas era como se apenas eles existissem durante aqueles meros segundos em que assistiu se aproximar dela, como se fosse em câmera lenta, e enfim puxá-la para um beijo. Se estivessem em um filme, aquela seria provavelmente a hora em que fogos de artifício começariam a explodir no céu, assim como parecia ser dentro dela.
não fez nada além de corresponder, sem forças para qualquer outra coisa. E quando começou a falar, ela agradeceu por ele ainda estar lhe segurando, ou teria desabado ali mesmo.
Agora, aqueles lindos olhos verdes tinham a atenção inteiramente voltada para ela, dessa vez de uma forma boa. sentiu o corpo esquentar diante daquele encontro, e pareceu ler em seus olhos exatamente o que ela pensava — talvez porque estivesse pensando o mesmo.
Então ele a beijou novamente e, segundos depois, a puxou para dentro. Entre beijos e tropeços, mas ainda assim sem pressa, chegaram até o quarto dele.
As cortinas estavam abertas naquela noite, e a luz da lua lá fora banhava o cômodo com um brilho levemente azulado. As peças de roupa, uma a uma, foram se juntando ao chão colorido pelo luar, e quando seus corpos finalmente se encontraram novamente, se tornando um só, tudo pareceu estar no lugar certo.
Eles se amaram até serem consumidos pela exaustão e, pela primeira vez, sussurraram aquelas palavras.
Eu te amo.
E juntos, eles explodiram. Juntos, não recomeçaram, mas continuaram a história deles.

***


15 de julho de 2016, 10:27 - Um mês e cinco dias depois - Nova York, NY

Eles estavam definitivamente atrasados.
Seus pais chegariam a qualquer minuto e a torta ainda estava no forno. provavelmente já tinha todos os pratos que dissera que iria fazer prontos àquela altura; e já deviam estar chegando com as bebidas e ele, ainda estava se enrolando com um maldito balão em formato de coração que não queria ficar em pé de jeito nenhum.
Era aniversário de sua mãe e ele queria fazer uma surpresa. Deixou ela pensar que iria almoçar apenas com ele e , mas mal sabia que seu pai e os outros caras da banda estavam vindo também, com um monte de comida e bebidas que ela gostava. Ele até havia encomendado um bolo, e seu pai ensaiou um cover de presente, depois de Darla comentar que costumava amar a voz dele em uma das ocasiões em que jantaram juntos com ele e , que tinha virado praticamente uma tradição semanal desde que Darla tinha se mudado para Nova York, um mês antes.
Aconteceu que a visita que ela fez a tinha sido não somente para ver o filho mais velho, mas também para assinar o contrato de um novo apartamento. No entanto, fazia menos de um mês que ela tinha contado a ele.
não sabia qual surpresa era a melhor, que Darla tinha se divorciado de Jonathan , ou que ela tinha entrado com o pedido de divórcio antes mesmo que ele descobrisse sobre a leucemia. E embora sua mãe não tivesse admitido tão cedo, ele já sabia que Jonathan — seu agora ex-padrasto — provavelmente o estava culpando pelo fim do casamento e que tinha revelado toda a questão de paternidade porque não tinha mais nada a perder.
Porque já tinha perdido há muito tempo.
Então nada melhor que deixar uma última marca no pivô do seu relacionamento fracassado, segundo ele, certo? Contudo, mal sabia o quão boa aquela revelação tinha sido para Hero.
Quinze minutos mais tarde, foi o primeiro a aparecer com uma torta de limão, panquecas de massa salgada recheadas com frango e molho branco por cima e uma lasanha que adorava. Os próximos a chegar foram e , com as bebidas e um pequeno bolo de aniversário repleto de morangos, a fruta favorita de Darla.
os ajudou a organizar tudo rapidamente enquanto segurava o maldito balão que não parava em pé para que Hero pudesse enchê-lo de fita adesiva e colar na parede. Era o primeiro aniversário em anos que sua mãe passava com ele e não havia presença de Colin ou Jonathan daquela vez, então queria que fosse especial e memorável.
Richard foi o penúltimo a chegar e tinha acabado de afinar o violão, quando Darla enfim apareceu. Usava um vestido solto e leve com comprimento abaixo do joelho e parecia apenas o que ela era agora: uma mulher livre, espontânea e cheia de vida em seus quase cinquenta anos.
Aquele era seu aniversário de quarenta e nove, mas Darla parecia tão jovem quanto uma mulher no meio de seus trinta anos. Ninguém nunca pensaria que ela era mãe de se não soubesse; no máximo, uma tia ou irmã mais velha. Richard admirou o sorriso brilhante dela e, por um segundo, teve que se lembrar outra vez de como respirava. Acontecia de vez em quando, sempre que ele a via. Eram amigos agora, e ainda que não tinham se visto outras vezes além dos almoços semanais que tinham com e , eles trocavam mensagens eventualmente para falar sobre qualquer coisa.
Era saudável, fácil e tranquilo. Como o rápido romance de verão que eles tiveram um dia. E o resultado estava bem ali, ainda reclamando de um maldito balão em formato de coração.
Rick riu baixinho, achando graça do filho e balançou a cabeça encontrando o olhar da Darla por um instante.
Ela também sorria e permaneceu assim por todo o tempo, até mesmo quando chorou ao ouvir ele e o filho cantarem "Heaven" de Bryan Adams para ela. A voz de Rick e se misturaram em uma harmonia de timbres roucos e sensuais, completamente hipnóticos enquanto os dois cantavam. já não tinha mais nenhum gesso ou tala à mostra e estava gradualmente recuperando suas habilidades no violão, mas era o pai quem tocava daquele dia.
observou Rick com espanto, percebendo então de onde tinha vindo todo o talento de para a música, e seu peito se encheu de orgulho. Era satisfatório ouvir os dois cantando juntos e, mais ainda, testemunhar a relação de afeto que tinham desenvolvido nos últimos meses. Ela se sentia tão grata por Rick ter acolhido de braços abertos e pela felicidade do companheiro por finalmente ter um pai como sempre quis, que não podia fazer nada a não ser sorrir.
Captou ainda o olhar que Rick compartilhou com Darla ao final da música e o bichinho da curiosidade lhe mordeu, enquanto ela pensava rapidamente sobre a história dos dois, sobre como daria um romance épico em um livro e como seria mais incrível ainda se houvesse uma continuação após tanto tempo.
Talvez fosse uma possibilidade, ela imaginou.
Seu olhar encontrou o de pouco depois e soube que ele tinha pensado o mesmo. Talvez estivessem apenas sonhando alto demais, grande demais e fosse apenas coisa da cabeça deles, mas o que tinha de errado com isso? Darla era uma mulher livre agora, há vários meses, na verdade, mesmo quando eles ainda não sabiam. E Richard igualmente, viúvo e solteiro há dez anos.
— Você acha que ainda tem alguma faísca ali? — perguntou, minutos mais tarde, quando se aproximou dela, envolvendo os braços em sua cintura.
— Você ainda duvida? — Ela riu baixinho. — Eu acho que ainda pode ter uma continuação ali. Talvez não seja tarde demais.
— Eu também não acho que seja, desde que os dois fiquem felizes. — Ele abriu um meio sorriso. — Não tem mais nada impedindo eles de ficarem juntos.
Ele tinha razão. Não havia nada impedindo Richard e Darla de continuarem a história deles, assim como eles tinham feito.
Quanto tempo leva para alguém se apaixonar? A pergunta brilhou na mente de .
Mas ela apenas sorriu, percebendo que a resposta era bem mais simples do que imaginava.

Epílogo

14 de janeiro de 2017, 15:37, seis meses depois - Sorveteria do 1ª encontro, Chicago, IL

A sorveteria ainda estava aberta.
De fato, não estava somente aberta como tinha passado por uma reforma incrível sem perder a essência do conceito original e ainda vendia sorvetes igualmente incríveis.
Alguns meses atrás, Hero comentou com sobre a tal sorveteria e eles descobriram que ela ainda funcionava. Então ele sugeriu que viajassem no mesmo instante, mas disse que era um desperdício de dinheiro viajar sem nenhum motivo especial, quando não tinham nada para fazer ou com quem encontrar ali. O ex-marido de sua mãe e seu irmão Colin não eram uma opção. Além disso, a mãe dele agora morava em Nova York também, assim como os pais dela e os amigos deles.
Reviver um primeiro encontro não era uma prioridade. E foi exatamente isso que falou.
“Que mulher amarrada e fria”, resmungou ao ouvir o argumento.
Era mais do que óbvio quem era o mais romântico daquela relação. Por mais que escrevesse histórias de amor, a realidade por trás dos livros era um tanto diferente.
Além disso, teve que admitir depois que sua ideia não era tão boa assim. Não quando a Cave Panthers estava no meio da produção de um álbum novo que só Deus sabia quando seria finalizado, e não quando tinha acabado de não somente lançar um novo livro, mas também revelar sua verdadeira identidade. Seu último livro tinha sido lançado há dois meses, no dia 10 de novembro, mais especificamente porque era a data de aniversário de um dos protagonistas. lançou uma das músicas da parceria dos dois no mesmo dia e, como uma bola de neve, ele revelou sobre o relacionamento dos dois.
Com isso, a mídia e os fãs caíram em cima deles, querendo respostas para perguntas muito antigas: “Ela é a garota K?” “Seu primeiro livro é sobre vocês dois?” “Quando vocês se conheceram?”, entre muitas outras às quais eles ainda não se importavam nem um pouco em responder.
resolveu deixar claro que eles tinham passado dez anos sem qualquer contato e que Sorvete, Pizza e Música não era cem por cento verdade, pois muitas cenas tinham sido criadas ou cuidadosamente elaboradas para conectar melhor os leitores. E sedentos por curiosidades sobre as obras, eles amaram saber dessa informação, já pedindo também uma nova continuação da história deles.
De fato, seria um bom romance, e estaria sendo hipócrita se dissesse que não estava cogitando. Hero já tinha dito que não se importava em contar ao mundo a história deles, mas uma parte dela queria manter aquilo em privado. Ou pelo menos não contar tudo, nada que expusesse muito os dois, pelo menos. Não mais do que já estavam expostos.
Ela ainda estava se acostumando com toda aquela atenção. Pessoas reconhecendo ela nos locais, pedindo para ela dar autógrafos ou tirar fotos com elas. Era divertido e assustador ao mesmo tempo. Mas pelo menos nenhuma pantera selvagem tinha aparecido para ameaçá-la, salvo algumas adolescentes emocionadas demais para que desse atenção.
Ela sabia o que era ser fã de alguém e que aquele tipo de mentalidade passaria com o tempo, assim como aconteceu com as panteras mais velhas. Essas pareciam bastante contentes por terem finalmente descoberto o enigma da Garota K, especialmente após saberem que também era uma delas, pois era como uma fanfic que havia se tornado realidade.
E agora os dois estavam ali, de volta à estaca zero de seu histórico de encontros. Hero terminava sozinho de comer a grande tigela de sorvete, enquanto respondia a uma mensagem de ; eles tinham combinado de se encontrar com ela e Brandon em seu pub. Depois de alguns meses, os dois acabaram reatando também e, como gostava de dizer, era como se eles nunca tivessem terminado. A felicidade no rosto dos dois era clara e açucarada, e frequentemente deixa enjoada quando passava muito tempo com os pombinhos.
estava em Chicago desde o Natal, mas voltaria em breve para Nova York, mas tinha decidido ficar mais um pouco, para o aniversário de . Felizmente, os negócios estavam indo bem, e Andrew era perfeitamente capaz de tomar conta da editora (da qual ele tinha ajuda de Dianna), e da marca de roupas delas.
— Vamos nos encontrar às oito mesmo — anunciou, depois de um tempo. Em seguida, encarou a tigela de sorvete que ele ainda comia. — Ai, eu não aguento mais olhar pra essa tigela, acho que comi demais. Preciso de algo salgado.
— Podemos pedir pãezinhos antes de voltar pro hotel — ele sugeriu. — Eu vi que eles têm uma variedade enorme. Fiquei curioso.
— Boa ideia. E eu quero aproveitar para tirar uma soneca de, pelo menos, vinte minutos. Viajar sempre me deixa cansada.
— Você é uma florzinha, amor — ele debochou. — Juro que não sei ainda como você não se despedaçou.
estreitou os olhos para ele.
— Como se você fosse um fodão. Nem todo mundo consegue dormir durante a viagem, seu besta.
riu, divertido, mas antes que pudesse retrucar, uma garota que parecia ter vinte e poucos anos surgiu ao lado dela, pedindo um autógrafo. Em resposta, ofereceu uma foto também. A menina sorriu animada e entregou o celular a ele para que as fotografasse. Depois de um rápido papo de fã, ela foi embora após dar um abraço em .
Aquilo também significava que eles teriam que ir embora em breve. Não demoraria muito para que aquela foto estivesse na internet, acompanhada de um relato de que tinha sido vista ali com ele. Tiveram sorte até então e, por mais que Hero tivesse uma certa prática em parecer discreto, não havia muito o que fazer quando sua namorada tinha um cabelo cheio de mechas cor-de-rosa.
Então, alguns minutos depois, os dois saíram de lá e pegaram um táxi de volta para o hotel.
— E aí? O que tá achando do seu aniversário? — ele perguntou, assim que ela saiu do banho, pouco depois dele. Vestia um conjunto de pijamas curto e leve, embora estivesse fazendo frio.
— Melhor impossível — ela respondeu, se jogando na cama ao lado dele. — Me acorde daqui a uma hora.
— Tudo bem, gatinha. — Ele a aninhou contra ele. — Descanse.
fechou os olhos, relaxando.
— E você? — ela quis saber. — Tá achando o quê de voltar pra cá por uns dias?
— Com você? Melhor impossível.
Por mais que os dois amassem Nova York e não houvesse nenhuma chance remota de saírem de lá, Chicago ainda era o lugar especial deles. Então seria bom voltar de tempos em tempos para onde a história dos dois havia começado.
E Hero tinha um plano para fazer a próxima vez ser ainda mais especial.
Mas por ora, que eles curtissem o presente.
Era o que mais importava.



FIM



Nota da autora: Se você chegou até aqui, então muito obrigada por ter dado uma chance a Hero. Essa fic me traz uma nostalgia de quando eu lia fics do McFly aqui no FFOBS e é um xodó meu. Portanto, aprecio cada pessoinha que tirou um tempo pra ler e acompanhar essa fic e agradeço também por cada um dos comentários. HERO acabou, mas vamos nos encontrar novamente em RIVER (lembra? cada integrante da banda terá sua própria fic!) e em DEPOIS DA MEIA-NOITE, que é um romance contemporâneo com elementos de fantasia. Obrigada mais uma vez e vejo vocês lá! XxAlly
Para mais informações sobre mim ou meus outros livros em e-book já publicados, visite meu Instagram (@aquelally) ou meu grupo de leitores no WhatsApp pelos links nos ícones abaixo. Podem interagir comigo, tá? xD PS. Também tem o link de uma playlist de Hero!





CAIXINHA DE COMENTARIOS:
Pra comentar, desça a página mais um pouquinho ou clique AQUI.