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Última atualização: 10/06/2024

Prólogo



27 de fevereiro de 2016 - Nova York, NY - A caminho de casa

— Eu estou falando sério, Hero. Você tem que ser mais responsável! Você tem uma imagem a zelar e parece que estou lidando com a droga de um adolescente e não com um homem adulto de vinte e nove anos! — Henry vociferou, nervoso, enquanto dirigia.
No entanto, Hero não parecia se importar nem um pouco para o que seu gerente tinha a dizer, distraído demais trocando mensagens com alguma mulher aleatória que conhecera naquela mesma noite. Estava um pouco bêbado, de fato, mas ainda consciente de tudo ao seu redor. Inclusive de ter que largar para trás a bela morena que estivera com ele.
Era uma pena que não pudessem terminar o que haviam começado no pub em que ele estava até meia hora atrás, quando Henry o encontrou e praticamente o obrigou a sair de lá. Hero não queria, mas preferiu evitar mais uma dor de cabeça; era chato demais ter o seu gerente no seu pé o tempo inteiro.
Por que ele não podia se divertir? Não era um velho. Era solteiro, rico, sem filhos (embora já tivessem tentado passar a perna nele uma vez), bonito e dono do seu próprio nariz. Mas Henry o chamava de adolescente outra vez e estava com uma ladainha que parecia não ter fim desde que havia começado a dirigir.
Hero já estava acostumado com seus sermões e, como sempre, tentava ignorar mais uma vez. Entretanto, paciência tinha limites e a dele era bem pouca, quase inexistente. Se aquela ladainha continuasse por mais cinco minutos que fosse, ele não responderia por si próprio.
E para o seu completo desgosto, ele não parou.
— Que droga, Henry! Eu só estava me divertindo. Eu nunca fui um santo e você sabe! Não entendo por que desse alarde todo por causa de fotos ridículas de paparazzi, não seria a primeira vez.
— É claro que não seria a primeira vez, Hero! Eu já perdi a conta do tanto de vezes que isso aconteceu! Você tem que parar com isso. Seus fãs já estão irritados com esse seu comportamento e já faz três anos que a banda não lança um álbum novo! As pessoas estão ficando cansadas de esperar, cara. E ver você assim, pulando de bar em bar, elas acham que você podia trabalhar ao invés de dormir com uma mulher diferente a cada noite.
— Se chama viver e se divertir — Hero retrucou. — E eu já disse que estou trabalhando em algo novo, só preciso… Resolver umas coisas.
— Você não canta há meses! Eu não sei o que diabos anda acontecendo com você. Tipo, é você. Que ficava cantarolando desnecessariamente a todo momento e agora… Nada.
Hero suspirou, revirando os olhos.
— Eu vou dar um jeito, ok?
— Vai, é? De que jeito, bonitão? Enchendo mais a cara? — ele debochou. — Porque é só isso que você vem fazendo ultimamente. Suas fãs estão insatisfeitas, Hero.
— Ora, Henry. Eu tenho uma fanbase muito leal. Não estaria onde estou hoje, se não fosse por isso. E você sabe que amo meus fãs, então juro que não tô fazendo de propósito.
O gerente riu com escárnio.
— Você está onde está hoje por causa de um vídeo ruim de baixa qualidade que uma fã sua postou no YouTube, dez anos atrás. Sabe muito bem que a atenção que ganhou depois disso foi o que fez a banda finalmente conseguir contrato com uma gravadora. Então trate de fazer os fãs felizes, .
— Ah, por favor. Já vai me chamar pelo meu nome real de novo? Assim você parece meu pai, cara. E eu não gosto nem um pingo dele.
Henry suspirou, cansado.
— Hero… você tem que entender-
— Bem, eu não quero mais entender porra nenhuma! — o interrompeu, com raiva. — Por que você não só dirige a droga desse carro e me deixa em paz?
Adeus, paciência. Hero tinha finalmente explodido.
Henry suspirou outra vez, no entanto, não chegou a retrucar. Dessa vez, não foi Hero que o interrompeu, mas sim um caminhão que bateu na traseira do carro e o jogou para fora da estrada, fazendo-o capotar por um par de vezes, até bater em um árvore.
Hero acordou alguns minutos mais tarde ouvindo sirenes ao redor. Sentia uma dor excruciante no braço esquerdo, mas não tinha forças para falar. Aliás, pelo visto ele mal tinha forças para se manter acordado já que da próxima vez que abriu os olhos, a equipe que o socorrera no barranco já estava retirando-o de dentro da ambulância.
Mal tinha aberto os olhos e já os sentia pesando outra vez.
Tentou sustentá-los durante um tempo e conseguiu ver alguns profissionais da emergência do hospital vindo recebê-lo. Havia outra maca para realizar a transferência.
E havia uma mulher que o encarou de perto, com uma expressão preocupada. Uma enfermeira, era o que tinha ouvido ela dizer? Ele não tinha certeza.
Mas sabia que conhecia aquele rosto de algum lugar. E aquela voz também. Tentou se esforçar para recordar-se daqueles grandes olhos castanhos que o encaravam. Buscou olhar bem no fundo deles, mas sua testa devia estar sangrando novamente, já que sua visão ficou mais uma vez embaçada com um líquido escuro.
Seu rosto estava coberto por uma máscara, mas ele a ouviu falar com uma voz calma que tudo ia ficar bem. Ele queria mesmo que ficasse. Especialmente com o seu maldito braço que não parava de doer.
Mas aqueles olhos castanhos… e aquela voz…
Havia uma pequena luz no fundo de sua mente com a resposta, mas ele não conseguiu descobrir qual era.
Aquela mulher foi a última pessoa que viu, antes de apagar novamente.
Diferente da última vez, ele não acordou alguns minutos depois.

Capítulo 1



Dez anos atrás…
9 de abril de 2006 - A banda precisa urgentemente de um nome!

Intrepid Heroes? indagou, fazendo uma careta para a sugestão de .
— Dá pra fazer um trocadilho com o nome do Hero. — Ele deu ombros, abrindo outra latinha de cerveja.
Estavam bebendo há algum tempo, no mesmo bar onde tinham se apresentado algumas horas atrás. Felizmente, o dono não se importava muito com carteiras de identidade — embora eles tivessem suas próprias versões falsificadas, já que todos já tinham mais de dezoito anos.
— Nossa banda não vai se chamar Intrepid Heroes, não somos a porra da liga da justiça — Hero rebateu. — Por que não pegamos alguma referência de coisas que gostamos?
— Tipo filmes ou desenhos? — perguntou, enquanto brincava com suas baquetas.
A banda possuía quatro integrantes: Hero, o vocalista que também era guitarrista; , vocal de apoio e guitarrista principal; , o baixista e havia o , que não largava suas baquetas por nada no mundo. Estava formada há um ano e com várias músicas escritas, no entanto, ainda não tinham um nome. O que era até meio estúpido de se pensar, já que essa costumava ser uma das primeiras coisas a serem decididas, mas nada nunca parecia bom o suficiente — exatamente como naquele momento —, o que só os tinham feito adiar cada vez mais.
Eram uma banda pequena, sem contatos, e ninguém nunca quis realmente saber o nome dela, desde que eles tocassem os covers bem, onde quer que se apresentassem. Vez ou outra conseguiam se apresentar em algum bar, na maioria das vezes, tocando covers de artistas famosos e quase sempre eram chamados apenas de “banda do Hero”, já que ele era o vocalista principal.
Mas agora tinham um festival local acontecendo dali a uma semana, com uma inscrição que se encerrava no dia seguinte e não era uma opção. Precisavam de um nome nem que fosse temporário, para que pudessem se inscrever e, se dessem sorte, seriam escolhidos para participar. Isto é, se os avaliadores gostassem da música demo que eles planejavam enviar.
— Eu gosto de assistir Scooby-Doo, cara — falou, um pouco alto devido à bebida, mas ele não era o único. — E Capitão Caverna — acrescentou, rindo em seguida.
Os outros caras o acompanharam.
— Que tal As Panteras? É um bom filme e só tem mulher gata nele. É melhor que Capitão Caverna — sugeriu . — Embora eu tenha agradecido mentalmente por não ter sugerido algo com Tutubarão.
— Por que a gente não faz uma junção, então? — Hero falou. — Clube dos Cinco também era um filme legal. A gente podia pegar algumas palavra e juntar ou sei lá… Eu gosto da palavra clube. — Riu, em seguida e os outros membros o acompanharam, enquanto criavam junções toscas e aleatórias com referências de filmes e desenhos antigos.
Claramente o álcool já tinha lhes subido de vez à cabeça, já que no final da noite Cave Panthers foi o nome escolhido.

10 de abril de 2006 — Apartamento de e

— Tô dizendo, cara. A gente já enviou o e-mail… E colocamos Cave Panthers — disse, quase choramingando.
Hero revirou os olhos.
— Tudo bem. É só até o festival, certo? Não é como se já tivéssemos um monte de fãs ou coisa do tipo, podemos usar durante ele e depois mudar o nome da banda quando tivermos um mais legal — comentou, enquanto terminava de abotoar a camisa.
— Nossa, Hero. Vindo de você, essas palavras são até estranhas, cara — disse, em tom de deboche. — Não me leve a mal, mas todo mundo sabe que você é meio explosivo…
— Por que você não vai atrás da sua gravata vermelha de borboleta, ? A Sr.ᵃ Petterson já deixou bem claro que é pra gente usar o uniforme completo — rebateu Hero.
— Mas é que sem a gravata, eu atraio mais clientes. Sabe como é… Minha beleza é suficiente — se gabou, com a mão no rosto, exibindo-o.
Hero riu pelo nariz.
— O que você tem é sorte que a Sr.ᵃ Petterson tem uma queda por você, ou a essa altura já estaríamos na rua. Agora, anda logo. Ela pode tolerar você sem gravata, mas sabe que com atrasos é diferente.
Foi a vez de revirar os olhos, enquanto terminava de colocar a maldita gravata borboleta. Logo depois, eles saíram.
Hero e trabalhavam durante o dia em um restaurante a duas quadras de onde moravam. Não eram astros do rock ainda e tinham contas para pagar, então aquilo servia bem. A dona do restaurante simpatizava com eles e ambos tinham uma certa boa aparência, o que lhes rendia algumas boas gorjetas no trabalho, cortesia das clientes femininas, em sua maioria (porque sim, eles também atraíam pessoas do sexo masculino, biologicamente falando).
Após andar algumas quadras, chegaram ao restaurante da Sr.ᵃ Petterson.
O estabelecimento estava ali há quase quinze anos e Hero se lembrava de ter ido algumas vezes lá com seus pais quando era criança, das poucas vezes que estivera em Chicago.
Entraram pela porta dos fundos de fininho. Estavam alguns minutos atrasados — culpa de — e a Sr.ᵃ Petterson era a rainha da pontualidade. Embora torcessem por passarem despercebidos, alguns instantes após entrarem, deram de cara com a chefe os encarando de braços cruzados.
— Bom dia, Sr.ᵃ Petterson! — a cumprimentou, animado. Mas a mulher não moveu um músculo. — A senhora está ótima hoje!
— Eu disse sem mais atrasos, rapazes. Não me façam tomar uma decisão drástica.
— Sinto muito, Sr.ᵃ Petterson. Não vai acontecer de novo — disse, com as mãos cruzadas em frente ao corpo.
Pelo menos, ele não se atrasaria mais. Não por causa de . Tinha sorte de ainda ter aquele emprego e não conseguiria outro como aquele facilmente, caso fosse demitido.
— Sei que não, . Pelo menos da sua parte eu sei.
— Ora, Sr.ᵃ Petterson, prometo até acordar mais cedo a partir de amanhã e chegar cinco minutos adiantado — proclamou, parecendo convincente, mas até mesmo duvidava daquele súbito ato de responsabilidade.
— Quero ver mesmo, . E trate de ajeitar essa gravata.
— Sim, senhora — ele disse de imediato.
Pelo visto, a Sr.ᵃ Petterson não estava de humor para charmes naquele dia.
Nem mesmo de .
O trabalho se iniciou sem mais problemas e o humor da Sr.ᵃ Petterson pareceu melhorar ao ver a eficiência com que e trabalhavam naquele dia. Tinham jeito, afinal.
Conquistavam os clientes instantaneamente, o que era bastante bom para os negócios e um dos motivos — eles suspeitavam — por não terem sido demitidos ainda (embora a culpa dos atrasos fosse de , na maioria das vezes). Podiam ser um pouco irresponsáveis, mas faziam um bom trabalho quando estavam lá e isso já durava pouco mais de um ano.
Assim como eles, também trabalhava, só que um pouco mais distante de onde moravam, em uma loja de música — a mesma onde compraram seus primeiros instrumentos, todos de segunda mão, claro. Afinal, eram um bando de adolescentes tentando viver por conta própria.
Já o caso de … esse era diferente. Ele vinha de uma família rica e o apartamento em que vivia tinha sido um presente de seus pais em seu aniversário de dezoito anos, assim como a permissão de participar da banda. Mas havia uma condição.
Enquanto os outros tinham que trabalhar, os pais de o ajudavam financeiramente em troca de que ele estudasse. Era o único futuro universitário da banda, estudante de negócios, o que poderia ser o terror para a maioria dos músicos, no entanto, gostava. Havia crescido vendo o pai e o irmão mais velho fazendo aquilo. Então, já sabia o que esperar e era inteligente o bastante para conseguir conciliar a faculdade com a banda.
Os quatro rapazes haviam se conhecido um ano atrás na mesma loja de música em que trabalhava há cerca de dois anos. Vinha de uma família simples e desde cedo começou a trabalhar. E foi assim que conseguiu comprar seu primeiro baixo. Ele e eram de Chicago e já tinham se esbarrado algumas vezes na loja, quando aparecia para babar nas baterias novas que chegavam e ouvir música na loja, no seu tempo livre. Tinham conversado algumas vezes, mas a amizade só se desenrolou quando Hero e apareceram.
Ambos do interior, estavam em Chicago há alguns meses tentando a vida em uma cidade grande, tocando em alguns pubs durante a noite, vez ou outra, para tentar algo no meio da música. Amigos de infância, sonhavam em formar uma banda há algum tempo, mas até então não tinham conhecido ninguém que pudesse fazer parte dela — e não dava para montar uma banda de rock só com dois. Obviamente, isso mudou quando se conheceram na loja.
Na ocasião, e discutiam sobre Bon Jovi, quando resolveu se intrometer. Era bem a cara dele se meter onde não era chamado. Sorte dele que tinha carisma.

8 de abril de 2005 — e conhecem e

— Claro que pra levantar o público, “Livin’ on a Prayer” é a escolha certa, cara — falava para , enquanto batucava suas baquetas no balcão. — Para atrair o público, essa é a melhor.
— Mas “Born To Be My Baby” é tão animada quanto. E é outro clássico, todo mundo gosta. É muito clichê chegar de cara apresentando Livin’ on a Prayer — retrucou.
— Na verdade, eu acho que “Always” é a melhor — disse, de repente, atraindo o olhar dos outros dois para si. — Se vocês querem prender o público, comece fazendo eles ficarem nostálgicos. “Always” é sobre traição, músicas assim atingem mais as pessoas do que músicas sobre amor. Mesmo aqueles que nunca foram traídos. Você automaticamente lembra do clipe assim que começa a tocar os primeiros acordes da música, é que nem ver uma novela. E todo mundo sabe cantar!
, eu já mandei você parar de ser tagarela, cara — resmungou baixo ao seu lado. — Para de se meter na conversa dos outros.
— Você é muito chato, . Precisa se soltar mais, estamos aqui há quatro meses e eu ainda sou o único amigo que você tem.
— Uma hora você arranja confusão e eu vou deixar você apanhar só.
— Olha, eu concordo com o grandão, cara. Esqueça “Born To Be My Baby”, “Always” com certeza é melhor — disse, com um sorriso. — Vocês tocam também?
— Violão e guitarra — disse, sorrindo também. — Mas o aqui também adora um piano. E vocês?
— Eu toco baixo — respondeu.
— E eu bateria — disse, batucando outra vez no balcão.
e os encararam atônitos, antes de trocarem um olhar de mútuo entendimento e olhar novamente para eles, com um sorriso esperto no rosto.
— Vocês, por acaso, não estariam interessados em formar uma banda, estariam?
E foi assim que a Cave Panthers nasceu. Exatamente um ano antes de finalmente decidirem pelo pior nome de banda possível.

***


7 de abril de 2006 - Dois dias antes da escolha do não tão ruim, mas extremamente cafona, nome da banda…

terminou de fechar a mochila e a colocou em um pequeno canto da sala da casa de sua avó, Fleur. O Sr. Mulligan, pai de sua melhor amiga , estava indo pegá-la em Rosemont para levá-la até Chicago, onde iria passar uns dias. Tinha acabado de terminar o ensino médio e começaria a fazer faculdade em breve, então decidiu passar o tempo que ainda restava de suas férias em Illinois com sua avó, já não via desde o último natal e aproveitaria aquela última semana antes de voltar para Nova York para reencontrar sua melhor amiga.
Se conheciam há quase dez anos e costumavam ser vizinhas e estudar na mesma escola. Contudo, o pai de , que era um executivo, acabou sendo transferido para Nova York quando ela completou 15 anos, local onde vivia até então, vendo tanto quanto sua avó apenas durante as férias.
Rosemont ficava a cerca de cinquenta minutos de carro de Chicago e o Sr. Mulligan tinha se oferecido para ir buscá-la. o tinha praticamente como um segundo pai e suas famílias acabaram ficando amigas em decorrência dos anos de convivência.
— Tem certeza que vai ficar bem sozinha, vovó? — ela perguntou mais uma vez, assim que ouviu o Sr. Mulligan buzinar, avisando que havia chegado.
— Quantas vezes vou ter que dizer que sim? — a velha senhora falou. — Já disse que é para você ir e se divertir com sua amiga, menina. Vá e arranje algum garoto bonito para dar uns beijos, aproveite sua vida enquanto pode.
riu com gosto.
— Eu bem que queria mesmo, vovó. Mas ainda não apareceu nenhum garoto que me desse borboletas no estômago.
— E nem vai aparecer se você não procurar e apenas ficar aqui nessa cidadezinha que não tem ninguém interessante. Vá logo, menina! O homem está te esperando.
— Sim, já estou indo. Até mais, vovó. Não esqueça de tomar seu remédio — disse, abraçando-a antes de ir ao encontro do Sr. Mulligan.
! Olha só para você, cresceu uns dois centímetros, tampinha? — O homem perguntou, de bom humor, encostado na porta de carona e a ajudou com a mala, enquanto se acomodava.
— Sr. Mully. Eu tenho um metro e sessenta e três, muito obrigada. Não sou tão baixa assim. O senhor que é alto demais — ela retrucou.
O mais velho riu, balançando a cabeça e logo os dois estavam na estrada.
Sr. Mulligan era um daqueles pais legais que toda adolescente sonhava em ter e definitivamente era uma ótima companhia. Mas o mais importante era: ele tinha um ótimo gosto musical.
Assim, a viagem foi regada das melhores músicas de rock clássico, em um disco que continha o que considerava uma das melhores playlists que ela já tinha ouvido.
Levou pouco mais de uma hora e meia para chegarem à casa dos Mulligan, uma vez que o trânsito da cidade não estava lá muito cooperativo, mas a viagem tinha sido tranquila. Ainda era manhã e diante do silêncio da casa, soube que provavelmente ainda estava dormindo àquela hora.
Na cozinha, cumprimentou a Sr.ᵃ Mully e tomou café da manhã com ela e o marido, antes de subir para o quarto da amiga.
Abriu a porta e encontrou sua mala ao lado do armário de e avistou a amiga imóvel na cama — ou pelo menos o monte de edredom formado ali e as mechas de seu cabelo loiro que escapavam dele, denunciando sua presença.
Sem pensar duas vezes, tomou impulso e pulou em sua cama, quase matando-a de susto. Viu o próprio corpo de sair do colchão por um segundo, enquanto a amiga abria os olhos de uma vez, o coração aos pulos.
— Meu Deus, ! Já disse para você parar de fazer isso! — ela reclamou, enquanto tirava o cabelo do rosto.
— E eu já disse pra você acordar mais cedo quando eu vier, eu sou visita! Você devia estar lá embaixo pra me receber também!
— Visita, uma ova! Eu vou voltar a dormir, pois ainda são oito da madrugada. Me acorde delicadamente daqui a uma hora, ou vá dormir também.
Embora estivesse um pouco animada depois da viagem, não podia negar que ainda estava um pouco cansada. Não tinha dormido bem na noite anterior, pois havia ficado entretida lendo um livro durante a madrugada, o que acontecia com certa frequência, sem contar que tinha acordado pouco depois das cinco horas por conta da pequena viagem.
Diante disso, não fez nada a não ser aceitar a sugestão de sua melhor amiga que, por sinal, já tinha adormecido outra vez.

***


— O que você acha dessa combinação? — perguntou, segurando dois cabides junto do corpo. — Essa saia é muito curta?
— Não sei se a saia ou a blusa que é muito curta — respondeu, pensativa, sentada na cama. — Eu não entendo essa moda de mostrar tanta pele.
— Nem eu — concordou com um suspiro e jogou os cabides em cima da mala aberta. — Acho que vou usar um vestido soltinho.
— Você quase sempre usa vestido — a amiga lembrou. — Já pensou em usar um jeans?
— Não gosto de jeans, eles me incomodam. Além disso, se eu sentar, corro o risco de ficar com a minha bunda de fora, então não.
— E eu achando que a pior era da moda tinha sido nos anos 70… — suspirou, se jogando para trás. — Eu queria que as calças de cintura alta voltassem à moda, minha mãe tem um monte delas.
— E que os babados nunca tivessem dado certo — comentou, se juntando a ela. — Odeio babados com todas as minhas forças. É o enfeite mais feio que já vi.
— Mas ainda é melhor que lantejoulas. — A amiga riu. — Sinto como se tivesse vendo um globo de pista de dança sempre que alguém aparece na minha frente usando alguma blusa de lantejoulas e costas nuas.
— Isso é o universo te dando um sinal pra aproveitar a oportunidade de mudar isso — brincou, fazendo a amiga rolar os olhos, em meio a mais um suspiro.
— Quem me dera… Mas não sei nem se vão me aceitar na faculdade. E se eu for aceita, não tem garantia de arrumar um emprego depois — ela comentou, desaminada. — Talvez meu destino seja trabalhar como atendente em lojas de gente rica, com um sorriso falso na cara enquanto aguento mau-humor de um bando de peruas cujo único hobby é fazer compras.
— Só porque é isso que você faz agora, não significa que será pra sempre. Eu acredito no seu potencial.
— Pelo menos você acredita. Mas ter potencial não significa que eu vá ser bem sucedida.
— Você vai estudar em Nova York, . É o lugar perfeito pra você se sair bem. Você podia muito bem virar uma Samantha Jones do mundo da porta. Rica e empoderada.
— E você seria quem? Carrie Bradshaw? brincou. — Se estamos citando Sex and The City, nada mais justo que você ser a escritora rica e famosa.
— Tô mais pra uma enfermeira pobre e sem perspectivas. Mas ainda assim, é o que quero fazer. Profissionais de saúde sempre são necessários.
só esperava gostar do curso, a ponto de continuar nele. Largar a faculdade não era uma opção para ela, não quando estaria investindo tanto tempo e esforço, além do dinheiro de seus pais.
Por mais que sua família vivesse de forma confortável, eles estavam longe de serem ricos. não se iludia a ponto de almejar riqueza, mas queria um pouco de estabilidade. Ou o mais próximo disso que poderia conseguir sendo uma cidadã estadunidense onde todos trabalhavam para sobreviver, o que era sinceramente deprimente.
No Canadá e no Reino Unido, os sistemas de saúde eram gratuitos. Nos Estados Unidos absolutamente tudo era pago e por preços exorbitantes. Era até meio vergonhoso ver o tanto que os hospitais lucravam e o quanto isso não se refletia de forma justa no salário dos profissionais.
não tinha ideia como seria seu futuro e pensar nisso a deixava ansiosa. Mesmo que seus pais não colocassem pressão nela, ela mesma fazia isso.
Queria ser independente e poder fazer o que quisesse sem se preocupar muito sobre o quanto estava gastando com alguma coisa, o que acontecia bastante atualmente, especialmente quando ela não tinha um emprego ainda e quando o dinheiro que ganhava provinha de seus pais.
— Você acha que consigo arrumar outro emprego em Nova York? — perguntou, encarando o teto.
— Não tenho dúvidas. Mas vou procurar um com você. Quero ter dinheiro pelo menos pra comprar comida e sair sem me sentir um peso por gastar o dinheiro dos meus pais.
— A sensação é ótima, inclusive — comentou com um sorriso. — Talvez você consiga algum emprego de garçonete onde todo mundo usa nome falso pra não atrair clientes perseguidores.
sorriu de volta.
— Parece divertido o suficiente. Mas enquanto isso não acontece, vamos lidar com o que temos agora. — Ela se levantou e pegou um vestido de dentro da mala, e um par de roupas íntimas. — Vou tomar banho primeiro, enquanto você decide o que vestir.
— Que com certeza não vai ser uma minissaia e mini blusa — ouviu a amiga dizer assim que saiu do quarto.
Ah, com certeza não. odiava essa exposição toda de pele. Para ela, tudo tinha que ter um equilíbrio, nem que isso fosse apenas tentar deixar apenas a parte de cima ou a de baixo do corpo descobertas, mas nunca as duas.

— Tô ansiosa pra conhecer o Brandon. Quantos anos você disse que ele tem mesmo? — perguntou para a amiga, enquanto sorria para o segurança que as tinha deixado entrar.
— Ele tem vinte e três. — Ela piscou, com um sorrisinho.
— Vinte e três? O que seus pais acham de você estar namorando um cara cinco anos mais velho?
— Eles não acham nada. Meu pai é seis anos mais velho que minha mãe e ela ainda nem tinha completado dezoito anos quando eles começaram a namorar — justificou. — Além disso, eles adoram o Bran.
riu, divertida. Óbvio que ia arrumar uma desculpa bem justificada. Mas para cair nas graças do Sr. Mully, aquele Bran devia ser um cara muito legal mesmo.
— Lá está ele! — apontou com a cabeça e puxou pelo braço em direção a dois rapazes altos do outro lado do salão, próximo ao bar.
Um deles tinha tatuagens nos dois antebraços, expostas pelas mangas levantadas da camisa preta que ele usava. Não havia estampas nem nada do tipo, mas o tecido não escondia os músculos visivelmente definidos nos braços e nas pernas. Parecia ser mais velho que o rapaz a sua frente, que aparentava ser da idade de .
Pelo sorriso anterior de , tinha certeza que aquele era Brandon. E por Deus, sua amiga tinha muito bom gosto.
— Não sei quando a personalidade dele, mas aqueles jeans caem muito bem nele — brincou, fazendo a amiga rir. E então ela reparou no outro cara, de cabelos castanhos um pouco mais claros e mais longos que os de Brandon.
No entanto, antes que pudesse perguntar sobre ele, já estava apresentando Brandon a ela.
— Ah, a famosa ! Eu tava ansioso pra te conhecer. disse que vocês são parceiras de crime — ele brincou, estendendo a mão para que ela apertasse.
— Digo o mesmo. Especialmente depois de saber que você conseguiu conquistar o Sr. Mulligan. — sorriu, o cumprimentando. — Qual o seu segredo?
— Acho que foi meu bom gosto musical. E eu preocupado que ele ia me julgar pelas tatuagens. — Brandon riu, mostrando dentes perfeitamente alinhados que fez se perguntar qual devia ser o problema dele.
Porque ele tinha que ter um, algum defeito que fosse, não era possível ter a beleza de um modelo de passarela e personalidade legal em uma pessoa só.
— Sorte a sua que o Sr. Mully é muito legal.
— O pai dela nunca cairia nessa, Bran — explicou. — Felizmente, os Mulligan curtem o seu visual alternativo. Menos a minha avó, mas ela nem mora aqui, então nem conta.
Brandon sorriu e beijou a têmpora da namorada pela segunda vez desde que chegaram ali.
— Você tá linda hoje, amor. Como sempre — ele comentou e então pareceu se lembrar do cara com quem falava, que tinha dado um passo para trás e observava a conversa calado. — Ah, esse é . Ele é um dos integrantes da banda que vai tocar aqui hoje.
— Uma banda? — perguntou, curiosa. Não tinha visto muitas bandas tocando ao vivo. Não de tão perto, pelo menos. — Qual o nome? — Ela se virou para o tal , dando uma rápida olhada nele de perto. Usava calças jeans largas, camiseta preta de mangas curtas e um par de All Star preto, idênticos aos brancos que usava.
— Ah, ainda estamos decidindo um nome — ele respondeu, sem graça.
— Vocês têm que decidir logo. A competição é daqui a uma semana — Brandon disse.
— Competição de quê? — quis saber.
— De bandas locais. É um festival de música — explicou. — Acho que tem algum prêmio em dinheiro, não é? — Ela encarou Brandon.
— Dez mil dólares e uma chance de assinar com uma gravadora.
— O que claramente não vamos ganhar — comentou, desgostoso, enfiando as mãos nos bolsos.
— Por que não? Vocês são ruins? — perguntou.
— Não, é que-
— Se não são ruins, então há uma possibilidade — ela o interrompeu. — Você precisa ter mais fé em si mesmo e na sua banda.
— É o que eu sempre digo a ele — uma voz disse atrás dela.
se virou e deu de cara com um rapaz tão alto quanto , com cabelo curto da cor de carvão e olhos azuis-claros tão profundos que ela quase engasgou quando os encarou. Todas as suas peças de roupa eram pretas e não havia nenhuma tatuagem à mostra, mas uma pequena argola brilhava na sua narina direita. Ele e pareciam ter a mesma idade, mas diferente do outro rapaz, esse parecia exalar confiança por todos os poros.
— E você é...? — indagou.
. — Ele sorriu, mostrando um par de covinhas e estendeu a mão para ela.
piscou, sem palavras por um instante. Desde quando os caras daquela região eram tão bonitos? Ela não lembrava disso, mas de alguma forma estavam em frente a três homens que pareciam ter saído de uma capa de revista.
— Eu sou , namorada do Brandon. Essa é minha melhor amiga, disse, então sorriu e acenou com a cabeça para ele.
— Prazer em conhecer vocês, meninas. Esse aqui vocês podem chamar de Hero. Ele ainda tem vergonha do nome artístico que a gente escolheu pra ele, mas precisa se acostumar — brincou, apontando para , que revirou os olhos.
— Me faz parecer presunçoso. Você que devia ter adotado esse nome, não eu — ele resmungou, com uma careta.
é meu nome real e já é impactante por si só — o rapaz retrucou. — Além disso, você é o líder. soa chato demais para um líder de uma banda de rock, cara.
— Ele tem razão — Brandon concordou. — Você precisa de um pouco mais de confiança, Hero. É só um nome de palco.
— É verdade. Eu gosto do nome — comentou e levantou os olhos, olhando diretamente para ela.
Verdes. Talvez não tão claros como os azuis de , mas com um olhar tão profundo quanto. Mas dessa vez, podia jurar que sentiu o coração errar uma batida e nem sabia por quê. Tinha acabado de conhecer o cara.
Não fazia ideia de que tipo de pessoa ele era, mas sua curiosidade estava quase transbordando.
Só esperava que eles fossem talentosos mesmo e que não fossem apenas mais uma banda que vivia de aparência.
Talento superava beleza, mas o inverso era mais difícil. Beleza não mantinha interesse a longo prazo.
Pelo menos, não o dela.

Capítulo 2



Bonitos e talentosos.
mal podia acreditar no que estava ouvindo.
Em pé, ali no meio da pista e entre algumas dezenas de pessoas, ela se sentiu hipnotizada por alguns momentos.
Não era qualquer coisa que chamava a atenção dela, nem qualquer música, ou qualquer artista. sabia que existiam diferentes tipos de artes que para muitas pessoas nem seriam consideradas como tal; ela reconhecia, ainda que não ficasse comovida ou tivesse interesse por várias delas. No entanto, era alguma coisa naquela banda… O carisma deles no palco, a harmonia que eles tinham, como se fizessem aquilo juntos há anos.
E a voz de . A maldita voz rouca de que mais parecia uma mistura de Jon Bon Jovi e Bryan Adams, ao mesmo tempo em que soava totalmente original. não sabia explicar, mas tinha quase certeza que tinha o tipo de talento que não importava qual música ele escolhesse para cantar, ela ficaria ótima na voz dele. Agora mesmo ele cantava um cover de “Iris” de Goo Goo Dolls com de apoio e a versão deles soava melhor que a original.
Alguns casais dançavam juntos sob a iluminação baixa que Brandon tinha selecionado e, ah, ele e também estavam lá dançando abraçados, mas estava ocupada demais prestando atenção no rapaz de olhos verdes que agora a encarava.
“I just want you to know who I am... I just want you to know who I am...”
Aquilo devia ser algum tipo de manobra de palco. Membros de diversas bandas encaravam o público, ela tinha noção disso. Jon Bon Jovi fazia isso o tempo todo e ela tinha visto com os próprios olhos alguns meses atrás no concerto que tinha ido com sua mãe, que comprou os ingressos como presente de seu aniversário de dezoito anos.
tinha quase certeza de que aquele garoto tímido a tinha escolhido aleatoriamente na multidão, como aquela pessoa de segurança que você tem quando apresenta um trabalho da escola, pelo simples fato de ter passado os próximos noventa minutos cantando enquanto a encarava.
desviou o olhar, é claro. Para pegar uma bebida ou outra e conversar um pouco com e Bran sobre a apresentação dos garotos.
Além de e , ambos vocalistas e guitarristas, havia mais dois deles, no baixo e na bateria. Brandon tinha comentado que o primeiro se chamava e o outro, , o mais novo dos quatro.
era o único loiro deles e talvez tivesse olhos claros também, como o padrão de garoto americano que as meninas ficavam caidinhas, fora que tocava baixo como se fosse algo tão fácil quanto respirar.
se perguntou como diabos ele fazia aquilo. Ela não conseguia nem mesmo posicionar as mãos corretamente em um violão, nem apertar as cordas do instrumento, como praticamente as acariciava. Por mais que seu pai tivesse tentado ensiná-la tantas vezes que ela tinha perdido a conta até perceber que sua filha não tinha absolutamente nenhum talento musical a não ser para ouvir e identificar algo bem construído ou não.
não parecia muito diferente dos outros, mas era definitivamente o mais empolgado enquanto tocava, como se estivesse sentindo a música correr nas próprias veias. Naquela iluminação, seu cabelo preto tinha um brilho ligeiramente azulado e embora estivesse um pouco grande demais, estava certa que ele tinha tocado de olhos fechados em vários momentos.
Assim como os outros, era um garoto alto e também o menos padrão deles, com seus traços asiáticos fortes e absolutamente bonitos. Havia um par de bolsinhas embaixo de seus olhos e ele tinha um sorriso fácil que fazia parecer que ele estava o tempo inteiro flertando.
Exatamente o tipo de cara fácil de se apaixonar. Em determinado momento, quando eles estavam no meio de um cover de “Give Love a Bad Name” de Bon Jovi, Brandon comentou que ele era o que tinha a personalidade mais fácil de lidar dentre os quatro. Não que os outros fossem um bando de rabugentos — talvez apenas —, mas era o caçula fofo e nerd.
E não porque ele era asiático. O garoto já fugia do esteriótipo só por apenas estar em uma banda, quem diria o que mais ele era capaz de fazer.
adorava uma alma rebelde e talvez a convivência com seus próprios pais tivessem contribuído para isso.
Eles sabiam ser rígidos quando necessário, mas também eram bastante amigáveis e abertos, dando conselhos importantes para prepará-la para o mundo, o que acabou construindo a garota de personalidade forte e responsável que ela havia se tornado.
“Você está autorizada a ser irresponsável uma vez ou outra, , desde que tome cuidado”, sua mãe dizia.
Se ela quisesse beber, então que fizesse isso desde que tivesse alguém com ela, para o caso de algo acontecer, mesmo que estivesse em casa — ainda existia a possibilidade dela cair e bater a cabeça e ninguém queria aquilo.
Quanto a sexo, ela nunca tinha estado com ninguém até então, e o único cara que ela tinha beijado havia sido um intercambista italiano que passou três meses na sua turma no ano anterior.
Mas sua mãe sempre a fazia andar com camisinhas para onde quer que fosse desde que ela completara quinze anos, mesmo que muitas acabassem vencendo já que ela não as usava.
sabia que a maioria das garotas da sua idade não eram mais virgens há muito tempo e ela era provavelmente uma agulha no palheiro, mas isso não a incomodava.
Se acontecesse, seria porque ela queria e não por pressão de alguém ou da sociedade. Seu corpo era seu e de mais ninguém e era ela quem decidia.

Quando a banda acabou a apresentação, os quatro integrantes vieram se juntar a ela, Bran e na mesa em que tinham estado na última meia hora. fez amizade com trinta segundos depois dele se sentar ao seu lado e se engasgar com uma batata frita.
Ela deu-lhe uns tapinhas nas costas e o garoto a encarou com os olhos marejados cheios de gratidão, antes de se apresentar, enquanto os outros ainda riam da situação.
— Eu já falei pra você parar de ser afobado — comentou e o encarou, notando uma cicatriz fina entre os seus lábios, do lado direito deles. — Respire, , mas não tente fazer isso ao mesmo tempo que você engole, seu idiota — ele acrescentou, fazendo todos rirem novamente.
jogou uma batatinha nele, mas não parecia irritado.
— E você acha que fiz de propósito? Tô morrendo de fome, meu corpo simplesmente reagiu.
— Bebe um pouco pra ajudar a descer — disse, colocando uma lata de Coca-Cola na frente dele.
— Você não bebe? — ela perguntou a e ele fez uma careta em resposta.
— O pai dele tá de olho nele hoje — foi quem respondeu.
se voltou para ele.
— O pai dele? E por quê?
— Eu tenho uma entrevista amanhã à tarde e ele não quer que eu vá de ressaca — finalmente disse. — É uma entrevista da faculdade.
— Em Boston — continuou e antes de continuar, colocou a mão na frente do rosto como se contasse um segredo. — UChicago.
— Universidade de Chicago? Que legal! Você deve ser bem inteligente — brincou.
— Você também é bem inteligente, rebateu ao seu lado. — Você foi aceita na NYU, mas fala como se não fosse nada.
— E você vai ser aceita também e vamos ser colegas de quarto — brincou, se arrependendo no mesmo instante ao ver a amiga enrijecer. — , eu sinto muito — ela sussurrou, assim que viu a expressão confusa de Brandon.
Pelo visto, sua amiga ainda não tinha contado a ele sobre a possibilidade de ir morar do outro lado do país.
— Do que ela tá falando? Você vai pra Nova York? — Brandon perguntou, franzindo as sobrancelhas.
E aquelas dez palavras foram suficientes para instalar um clima estranho na mesa.
— Acho que a gente devia pedir mais batata — foi o primeiro a falar.
se levantou e estendeu uma mão para Brandon, o chamando para conversar. O rapaz a segurou e eles seguiram juntos até uma sala que ficava atrás do bar.
— Merda, a culpa é minha — resmungou.
— Acho que a culpa não é de ninguém — rebateu. — Pelo que entendi, ela não falou pro namorado sobre Nova York e você não sabia.
suspirou, bebendo um grande gole de cerveja.
— Ei, relaxa. — a cutucou com o cotovelo. — Brandon é um cara gente boa. Eles vão se resolver.
— É... Espero que sim. — Ela suspirou novamente. — Vocês foram muito bem hoje. E você tem uma voz incrível. — E encarou .
Ele abaixou a cabeça, um pouco sem graça e encarou o copo de whisky que tinha nas mãos.
— Obrigado — ele disse, baixinho.
o viu segurar um sorriso, mas não falou nada.
Alguns minutos depois, e Brandon voltaram para a mesa de mãos dadas e pareciam bem, como se nada tivesse acontecido.
— Eu falei que eles iam se resolver — cochichou ao seu lado.
— Você fala como se conhecesse os dois há anos — ela cochichou de volta.
— Bem, conheço o Bran bem o suficiente. E sou um bom julgador — ele alegou. — Por exemplo, o Hero não tirou os olhos de você desse que te viu. já até encheu o saco dele por isso, antes de subirem no palco — acrescentou, com uma risadinha.
Como se soubesse que estava falando dele, pigarreou, se remexendo no lugar e segurou um sorriso.
Ou ele tinha uma boa intuição, ou tinha conseguido ler os lábios de , enquanto ele murmurava.
— O que vocês tanto cochicham aí, hein? — perguntou, desconfiada.
— Eu tava falando pro que ele toca como se a música corresse nas veias dele e como parece ganhar mais energia com isso — respondeu. E não era de todo mentira, ela tinha mesmo pensado aquilo, só não tinha dito diretamente a ele.
— Aw, sério? — perguntou, emocionado, os olhos brilhando como os de um filhotinho. — Eu também me sinto assim, sabe, . É muito bom ter alguém que me compreende. — Ele sorriu, olhando de relance para .
fez o mesmo e viu o garoto revirar os olhos.
— Eu acho que vou buscar outra bebida — ela disse e se levantou.
— Hero pode ir com você, sugeriu. — Aproveita e traz mais uma cerveja pra gente, irmão. — Ele se inclinou, se apoiando em e dando dois tapinhas no joelho de .
— Tudo bem, então vamos. Vocês querem mais alguma coisa?
— Só outra coca — respondeu. — E mais comida, . Acho que é mais rápido se vocês trouxerem diretamente — Ele sugeriu.
quase riu, percebendo exatamente o que estava tentando fazer, mas não tinha certeza se aquela manobra de cupido iria funcionar com o amigo dele.
Ao seu lado, andou com as duas mãos no bolso, calado, até o bar. Fizeram os pedidos e em seguida ele pigarreou, finalmente olhando para ela novamente — como se não tivesse feito isso durante o show inteiro.
— Então… Você gostou da nossa apresentação?
— Sim, e eu amei sua voz — ela repetiu e podia jurar que ele tinha corado um pouco ao ouvir. — Mas não acho que você tá acostumado a receber muitos elogios, né?
— Ah, sempre tem, mas… Não sei. Ainda é estranho. E não é como se a gente tivesse cantando uma música nova e tal… — Ele baixou a cabeça, chutando uma tampinha de garrafa que tinha caído no chão.
— Se serve de consolo, eu sou muito criteriosa com música e posso não saber quase nada, mas sei que o arranjo de vocês foi ótimo. Vocês tem uma harmonia incrível juntos e é o tipo de coisa que eu gosto. Aposto que vocês vão ser grandes um dia.
— Sério? — Ele levantou a cabeça. — Você acha mesmo isso? Você nem ouviu nada original.
— Mas o potencial e talento está lá. E eu sei que é difícil seguir no ramo da música, mas é só uma questão de tempo até vocês conseguirem.
— Tem certeza que você não é algum tipo de caça-talentos disfarçada de adolescente? — ele brincou. — Porque se for, pode falar. Eu vou ficar feliz em saber.
riu, divertida.
— Bem que eu queria, mas não. Sou só uma adolescente que acabou de fazer dezoito anos. — Ela deu de ombros. — Por falar nisso, quantos anos você tem?
— Ah, fiz dezenove mês passado. Todos nós nascemos no mesmo ano, mas é de janeiro e de dezembro. — Ele riu e fez uma careta. — Nem sei por que tô falando isso.
— Se você não falasse, eu com certeza perguntaria — admitiu. — Por algum motivo, eu gosto de saber a idade e aniversário das pessoas.
— Bem, cada um com suas manias… — Ele deu de ombros. — Você e são amigas há muito tempo?
— Desde crianças. Acho que tínhamos oito anos quando minha família se mudou pro bairro onde ela mora e fomos vizinhas por anos, até meu pai ter sido transferido para Nova York. E vocês?
— Conheço desde o jardim de infância. Nossas mães eram amigas e engravidaram na mesma época. Nós conhecemos e ano passado, alguns meses depois de virmos morar em Chicago.
— De onde vocês são?
— Ah, você provavelmente não conhece. É uma cidadezinha chamada Winchester, do outro lado do estado. Tem menos de dois mil habitantes…
— Menos de dois mil?! — Ela abriu a boca, chocada. — Então, todo mundo se conhece lá?
— Infelizmente. Foi um dos motivos, além da música, que fez a gente querer sair de lá.
— Eu também iria querer se fosse vocês. — Ela riu, com simpatia. — Ainda bem que vocês têm um ao outro. Tem gente que faz isso sozinha, mas acho que deve ser assustador.
concordou com a cabeça, sem falar nada. Mais assustador seria viver preso naquela cidadezinha medíocre com pessoas igualmente medíocres, ele pensou consigo mesmo.
Pelo menos, ali em Chicago ele e tinham paz.
A comida chegou e se ofereceu para levar a bandeja, equilibrando-a com facilidade em uma mão só, enquanto segurava duas garrafas de cerveja com a outra.
— Como você consegue fazer isso? — perguntou, enquanto o via desviar das pessoas sem esbarrar em ninguém.
Mas apenas sorriu em resposta.
Meia hora mais tarde, “Saving All My Love for You” de Whitney Houston começou a tocar e convidou para dançar. Quando chegaram à mesa, tinha tomado seu lugar do outro lado e balançou a cabeça enquanto o caçula deu de ombros, estendendo a mão para pegar um punhado de batata frita assim que as colocou na mesa.
E então ele passou os próximos trinta minutos conversando com , até criar coragem o suficiente para convidá-la para uma dança. Felizmente, quando ela aceitou, seus amigos tiveram a decência de não fazer nenhuma piada, embora o silêncio repentino que surgiu não fosse lá muito agradável.
Na pista, onde outros casais dançavam juntos, levou as mãos hesitantes até as repousar suavemente na cintura de .
— Você sabe que não vou quebrar se você tocar em mim, não é? — ela brincou, colocando as próprias mãos um pouco abaixo dos ombros dele.
— Ah, é que eu não queria te deixar desconfortável — ele explicou, relaxando um pouco mais, tornando o toque mais firme.
E enquanto sentia o calor das mãos gigantes de em sua cintura, sorriu, sentindo o coração derreter um pouquinho com aquela declaração.
— Você tem razão. É bom ter certeza de deixar uma garota confortável.
— Sim, acho que é o mínimo, não é? Pelo menos, foi o que minha mãe e tia Linda sempre disseram. — Ele franziu o cenho.
— Tia Linda é a mãe de ?
— Sim, como…?
— Foi apenas uma dedução. Parece que elas criaram vocês bem.
— É, embora eu tenha morado praticamente minha vida toda com meu avô, eu via minha mãe com frequência. — Ele deu de ombros.
— Seu avô também falava isso?
— Ele dizia pra nunca ser rude. E que as mulheres devem ser tratadas com gentileza, pois a sociedade em si já é cruel demais com elas. Ele costumava ser professor de história, antes de se aposentar.
— Eu nem o conheci e já gosto dele. Você deve ter aprendido muita coisa com ele.
sorriu com carinho.
— Foi ele quem mais me incentivou a seguir meus sonhos. Ele disse que o mundo é grande demais pra eu perder minha vida naquela cidadezinha. — Ele riu.
— Como eu disse, eu já gostei dele — ela repetiu, só então percebendo que uma nova música tinha começado a tocar e ela reconheceu como sendo “You and Me” de Lifehouse. — Eu tenho certeza que essa música ficaria ótima na sua voz.
— Ah, é? Por acaso, você tá flertando comigo agora? — ele brincou.
— Não sei. Será que eu tô? O que você acha? — sorriu, mas apenas deu de ombros. — Você tava olhando pra mim durante a apresentação — ela acrescentou, aproveitando um súbito momento de coragem.
— E você pra mim — ele murmurou no ouvido dela.
sorriu e mordeu o lábio inferior por um momento.
— Você tem olhos lindos, o que posso fazer? Eu fiquei hipnotizada por por um instante também quando conheci ele — ela justificou.
— Mas não era pra ele que você tava olhando durante a apresentação…
— Eu prestei atenção em todos vocês. Mas admito que os vocalistas sempre chamam mais minha atenção. — Ela rolou os olhos, segurando outro sorriso.
A música foi morrendo lentamente, sinalizando o final, e seus corpos naturalmente foram parando de se mover e ambos estavam definitivamente mais próximos do que quando começaram a dançar, inclusive seus rostos.
encarou os olhos verdes encantadores de e teria feito uma piada sobre estar com inveja daqueles cílios grossos e enormes que ele tinha se não estivesse sentindo seu coração acelerar absurdamente naquele momento. Prendeu a respiração quando o viu desviar o olhar para sua boca e então inclinar a cabeça um pouco mais antes de se aproximar; ele estava perto, muito perto.
Então, no último segundo, virou o rosto rapidamente, fazendo com que os lábios de tocassem sua bochecha. O ouviu rir pelo nariz e fez o mesmo, e deu um beijo casto e suave na bochecha antes de se afastar.
— Caramba… Esse foi o pior fora…
— Não foi um fora — ela o corrigiu rapidamente.
— Não? Foi o que pareceu. — Ele riu, sem graça e uma insinuação de covinha, bem leve mesmo apareceu em sua bochecha esquerda.
— Acho que é melhor que aconteça quando nós dois estivermos completamente sóbrios — ela alegou.
— Ah, é? — estreitou os olhos levemente. — Então, isso significa que se eu te convidar pra sair amanhã…
— Conheço uma sorveteria ótima que fica a alguns quarteirões daqui — ela o interrompeu, mordendo o lábio inferior, surpresa consigo mesma por sugerir aquilo. Ela nunca tinha saído realmente com um cara. O almoço no intervalo de uma sessão de estudos com o intercambista italiano não contava.
— Então, sou eu que tô te convidando pra sair ou o contrário? — ele quis saber.
— Você deu a entender primeiro. Eu só sugeri o lugar. — Ela deu de ombros. — Podemos nos ver lá amanhã.
— Às duas tá bom pra você?
— Parece perfeito. — Ela sorriu.
sorriu de volta.
— Posso beijar sua bochecha de novo?
riu com vontade e apenas assentiu, antes de sentir os lábios macios de em seu rosto mais uma vez.
Por um instante, até mesmo conseguiu ignorar as borboletas no estômago.

Capítulo 3


As malditas borboletas no estômago não a deixavam em paz e não estava nem mesmo ali.
Por que ela estava tão nervosa? Ela só ia tomar sorvete com um cara, não era nada de mais.
respirou fundo, enquanto colocava uma fina camada de gloss nos lábios, apenas o suficiente para dar um pouco de brilho; não gostava de senti-los grudando um no outro. Com a maquiagem pronta, ela então se concentrou em fazer uma trança raiz no próprio cabelo, alguns fios loiros escapando entre seus dedos vez ou outra, quase a fazendo desistir. Mas estava com preguiça de usar chapinha ou escovar o cabelo longo demais.
Alguns cabeleireiros falavam que a cor original se seus fios era um loiro bem escuro, mas na cabeça dela aquilo era castanho. Mas até aí não entendia muita coisa sobre cabelos, além do fato de que fazia luzes desde os dezesseis anos para esconder as dezenas de fios brancos que resolveram começar a aparecer quando ela começou o ensino médio.
E tudo por causa de estresse. começara o ensino médio em Chicago e então teve que se transferir para outra escola, quando sua família se mudou para Nova York. Lá, ela terminou os estudos em uma escola particular, já que uma bolsa lhe foi oferecida — ou melhor, foi oferecida ao seu pai, como uma das regalias do trabalho dele. Mas eis que na nova escola, ela não podia escolher suas próprias disciplinas, mas sim estudar todas as disponíveis.
Era uma escola católica comandada por freiras e tinham regras estritas. Algumas disciplinas tinham dois professores no segundo ano. No último, todas tinham dois professores. E embora a carga horária fosse a mesma, aquilo de alguma forma parecia pior e todo mundo odiava, embora ninguém pudesse fazer nada.
O máximo que conseguiram fazer foi limitar a quantidade de provas por dia e isso pareceu uma grande vitória na época para alunos que tinham que estudar o dia inteiro. E embora não fosse nenhum tipo de internato ou houvesse dormitórios lá, sentia como se estivesse estudando em um tipo de prisão infanto-juvenil, às vezes. Eles não tinham o direito de ir e vir, não que nas outras escolas tivesse, mas na sua, até mesmo para sair durante o intervalo de aulas, ela tinha que levar uma permissão por escrito de um de seus pais em sua agenda.
Pelo menos, as freiras acreditavam nas permissões de sua agenda nas vezes que precisou sair para resolver algum assunto. Ela sabia que alguns alunos problemáticos tentavam usar aquilo para matar aula sem se encrencar, o que não durou muito tempo já que as irmãs começaram a desconfiar e passaram a ligar para os pais de alguns para confirmar se era verdade ou não.
E felizmente nunca precisou confirmar, mas ouviu muito que a detenção em escolas particulares são piores que outras. Mas ela não sabia se era pior do que ter seus fios escuros nascendo brancos por conta do estresse ocasionado pela pressão que ela mesma se colocava ao estudar.
Felizmente, aquilo tinha acabado. ficaria feliz em nunca mais ver nenhum de seus colegas de turma.
Bando de filhos da puta.
Não que ela tivesse sofrido bullying nem nada, ela não tinha sido alvo disso. Mas todo o estresse tinha lhe provocado um sério problema de concentração e seus malditos colegas eram dos que insistiam em conversar até mesmo no horário de avaliações. Sim, era meio estranho, mas por mais que os professores reclamassem, a merda já estava feita.
até mesmo fez sua mãe pedir permissão a coordenadora para que fizesse uma avaliação na sala da coordenadora uma vez. E por mais que fizesse apenas cerca de quatro meses desde que tinha se formado, ela mal conseguia se lembrar do nome de ninguém da sua turma, talvez umas duas ou três pessoas — as que não eram terríveis como os outros —, mas algo lhe dizia que dali a alguns anos não iria lembrar de quase nada.
E isso era bom. Que não lembrasse mesmo. Não sabia como havia pessoas diziam sentirem falta do ensino médio. esteve metade do tempo desesperada para que acabasse logo e sentir falta daquele inferno era definitivamente um sentimento que ela não teria.
E ela odiava lidar com o cabelo loiro e longo que insistia em ficar uma porcaria sempre que secava naturalmente. Não era o caso naquele momento, mas o frizz insistente ainda estava lá e ela não tinha tempo nem paciência para arrumar mais que aquilo.
E nem iria se esforçar tanto por um cara. Era só um sorvete, talvez duas horas depois ela já estivesse de volta.
Mas as borboletas no estômago eram definitivamente a coisa mais irritante e desconfortável de todas.
O frio na barriga era uma péssima sensação e ela nem ao menos estava descendo alguns metros de montanha-russa.
Meia hora mais tarde, entrou na sorveteria ainda quase vazia, com exceção de duas amigas sentadas numa mesa ao fundo e , que a esperava a cerca de três mesas de distância das garotas que pareciam fofocar alguma coisa enquanto olhavam para ele. reprimiu um sorriso ao perceber aquilo. Se as garotas soubessem que ele era um artista também, com certeza a próxima coisa que estariam fazendo seria jogar seus sutiãs no palco onde ele estivesse.
! Cadê a sua amiga inseparável? Faz tempo que não vejo você por aqui, garota! — Jane a cumprimentou com um sorriso.
— Ei, Jane. Da última vez que estive aqui você ainda era garçonete andando pra lá e pra cá de patins. — abraçou a garota em frente ao caixa. — Quando foi a promoção?
— Seis meses atrás. — Ela riu. — Mas às vezes, o cargo de gerente pode ser bem estressante. E você, o que está fazendo aqui?
— Eu tô passando uns dias na casa da e vim encontrar um amigo hoje. Parabéns pela promoção, Jane.
— Obrigada. E um amigo, é...? — Ela sinalizou para com o olhar. — Aquele amigo?
deu de ombros e Jane riu enquanto observava a garota se dirigir até a mesa onde o rapaz a esperava.
— Oi — a cumprimentou com um sorriso um pouco tímido.
— Oi — devolveu, se sentando em frente a ele.
— Sua amiga? — ele quis saber.
— Sim, eu costumava vir muito aqui com a . Da última vez que vi Jane ela ainda era só uma garçonete aqui e agora é a gerente.
— Que bom pra ela.
— O que você achou do lugar?
olhou em volta e assentiu com a cabeça.
— É bem legal. Parece como uma das salas que você encontraria na fábrica de Willy Wonka — ele brincou. — E isso não é uma crítica.
riu, divertida.
De fato, a sorveteria tinha a decoração toda em branco e vermelho e metade das paredes erma listradas nas duas cores, enquanto as outras se dividiam em um sólido vermelho ou branco.
As mesas tinham aquele típico formato de banco duplo com um estofado de couro vermelho e a parede que dava visão para a rua era inteiramente de vidro. Além disso, os garçons e garçonetes rodopiavam pelo local com patins tradicionais. Saber patinar era um pré-requisito para trabalhar ali, visto que a dona adorava patinar também e se recusava a fugir do seu tema original. Além disso, ela achava que atendimentos com patins eram mais rápidos, desde que você não esbarrasse em ninguém nem derrubasse as bandejas.
tinha que concordar. Não tiveram que esperar nem dez minutos para receber o pedido que tinham feito. Uma tigela média com cinco sabores de sorvete, muita calda de chocolate e morango, canudinhos de waffle e bastante granulado de chocolate.
não tinha um paladar muito doce então entrou em acordo com para que dividissem a sobremesa.
— Minha nossa, tem certeza que essa é a tigela média? — Ele franziu o cenho.
— Eu te disse que as porções são bem generosas. — riu. — E é bom você se preparar porque eu não aguento comer nem a metade disso, por mais delicioso que seja.
— Se isso não fosse um encontro e eu soubesse o tamanho dessa coisa, eu com certeza teria trazido a tiracolo. Ele ia dar de conta dessa tigela em cinco minutos.
também trabalha com você no restaurante?
— Não, só . Mas a dona se aproveita um pouco da gente pra atrair clientes. E ama atenção, então ele acha divertido.
— E você?
— Acho que ainda me sinto levemente desconfortável com mulheres quinze anos mais velha me olhando como se eu fosse algum tipo de stripper que vai tirar a roupa a qualquer momento em um restaurante em plenas onze da manhã. — Ele fez uma careta, fazendo-a rir.
sorriu levemente, enquanto encarava a garota de riso fácil em sua frente.
— Desculpa, mas o jeito que você conta faz parecer muito engraçado, . Mas acho que deve ser difícil lidar com isso, às vezes.
— Não é como se as mulheres fizessem alguma coisa, elas só olham e sorriem. A diferença é que enquanto eu fico com vergonha, flerta com todas elas.
— Aposto que ele ganha gorjetas maiores por isso.
— Sim, e eu prefiro atender as famílias e o pessoal mais retraído — ele disse. — Eles preferem um menino bonzinho por perto do que um garanhão, se é que você me entende.
— Quer dizer que você é o bonzinho? E eu achava que era o mais quieto — ela brincou.
revirou os olhos.
— Só se for em outro planeta. — Ele riu, mordendo um canudinho cheio de cobertura. — Mas não nos leve a mal, nós somos boas pessoas.
— Eu não estaria aqui se eu não achasse que fossem, ainda que só você esteja aqui. Mas e aí? Vocês compõem também? Você toca mais alguma coisa além da guitarra?
— Eu toco piano e violão. Também escrevo as letras com . Os outros caras ajudam muito na melodia, então a gente meio que se completa. Mas e você? A gente só falou de mim até agora.
— Ah, minha vida é bem chata. Vou pra faculdade e, com sorte, também vai e vamos dividir um dormitório. O plano é arrumar um emprego depois.
— E você tem algum hobby?
— Eu gosto de ler e escrever. Ouço muita música, gosto de arte no geral ou, pelo menos, aquelas que fazem sentido pra mim. E gosto de testar receitas interessantes também, mas odeio lavar louça, então isso não acontece muito.
— Não posso dizer que me identifico com a parte de cozinhar, mas de escrever obviamente sim, embora no meu caso seja apenas música. E eu não leio muito, mas com certeza eu leria algo escrito por você. — Sorriu ele.
— Nossa, você tá flertando comigo agora? Tentando achar coisa em comum e tal? — ela brincou, fazendo o sorriso dele aumentar.
— Alguém já te disse que você tem olhos grandes e bem bonitos?
— Falou o cara de olhos verdes e profundos.
rolou os olhos, tentando não sorrir.
— Mas é a verdade. Eu não consigo parar de olhar pra eles — ele admitiu, sincero.
E se fosse sincera também, ela diria que não conseguia parar de olhar para os olhos dele também. Principalmente depois que percebeu, naquela iluminação, que o meio deles tinha um tom levemente mel que se mistura ao verde. E os cílios grossos e escuros.
Malditos cílios grossos e escuros. Eles eram até mesmo curvados.
Os poucos que ela tinha até mesmo se recusavam a permanecer de outra forma que não fossem retos, apontando para a frente e não importava o quanto ela tentasse curvá-los com curvador e rímel, eles nunca ficavam como ela queria. Mas felizmente, o delineador preto ajudava a disfarçar um pouco disso.
— Então... — Ela pigarreou. — Vocês já se inscreveram pro tal festival que o Brandon falou?
— Ainda não. Vou lembrar de fazer isso hoje, por sinal. A gente precisa decidir um nome pra banda ainda, você tem alguma sugestão?
— Eu sou péssima com nomes, desculpe, então não quero arriscar nenhum. Vocês provavelmente se arrependeriam, se chegassem a usar.
riu e assentiu, aceitando aquela resposta. Algum tempo depois, os dois andavam lado a lado em um parque que havia ali perto. E em algum momento, não sabia dizer quando, os dois entrelaçaram as mãos enquanto conversavam.
A mão dela parecia quase insignificante perto da dele e nem mesmo tinha mãos muito pequenas. Ela já viu caras que tinham mãos menores que as dela, mas as de eram enormes.
— Tem muita gente aqui — ela comentou, avistando alguns pais caminhando com seus filhos.
— Acho que já devem estar indo embora. Daqui a pouco vai escurecer.
— Sério? Que horas são?
— Quase cinco, por quê? Vai dizer que não viu o tempo passar?
— Na verdade não. Na minha cabeça, esse encontro não ia durar muito.
— Caramba. — Ele colocou uma mão no peito, fingindo mágoa.
— Não, não é isso. — Ela riu. — Eu nunca saí com ninguém. Tipo, não assim em um encontro de verdade. Você tem algum compromisso hoje?
— Nós vamos tocar hoje, mas eu ainda tenho algumas horas livres.
— Ótimo, porque eu quero ir no parquinho. — Ela apontou para onde ainda havia algumas crianças.
franziu o cenho, não tendo certeza se ela estava brincando ou não.
— Sério? — ele quis confirmar. — As crianças não vão ficar lá muito felizes com você, se invadir o espaço delas.
— Eu não me importo. Vem. — Ela o puxou pela mão.
Para a surpresa de , ele obedeceu.
E não se arrependeu nem mesmo quando viu bater boca com um menino que devia ter uns dez anos após ele chamar ela de velha lenta como uma tartaruga.
— E quem você pensa que é? O flash? Você nem devia estar aqui, seu pirralho. Aposto que nem tem altura o suficiente pra subir aqui — ela retrucou, olhando para baixo no meio da escada.
— Ah, sai daqui, sua tiazona! — o moleque devolveu, subindo mais rápido e a empurrando com o ombro, fazendo perder o equilíbrio e cair antes mesmo de reclamar.
Para a sua sorte e azar de , ela caiu bem em cima dele, que acabou amortecendo a queda dela e tomando todo o impacto para si na areia.
— Ai... — ele resmungou. Não que fosse pesada, mas ela tinha caído de cerca de dois metros de altura em cima dele.
Enquanto isso, o moleque ria da cara dela.
— Meu Deus, você tá bem? — Ela se alarmou, se apoiando nas duas mãos. Procurou o pirralho que a tinha derrubado, mas o avistou já longe dali.
Já estava um pouco escuro e não haviam mais crianças por perto.
— Na verdade, tá doendo — resmungou, de olhos fechados. — Mas você sabe o que dizem sobre machucados. É só dar um beijinho que sara. — Ele abriu os olhos, rindo quando deu-lhe um tapa no ombro.
A garota tomou impulso para se levantar, mas virou antes, invertendo suas posições, uma mão embaixo da cabeça dela, para que não se sujasse com a areia e a outra em sua cintura.
E então, mais uma vez sentiu.
As malditas borboletas no estômago. estava próximo, muito próximo. De repente, a cena da noite anterior parecia estar se repetindo, mas em um cenário diferente.
— Eu... — ela murmurou, fazendo-o parar por um instante.
— O quê?
— Talvez eu não seja tão boa nisso — ela admitiu.
apenas sorriu. Por um segundo, ele achou que ela fosse dizer não ou recusá-lo novamente, mas não era nada disso.
Podia sentir nervosa, mas não estava o empurrando nem o afastando ou dizendo não. E desde que não fosse nenhuma daquelas coisas, ele não se importava.
— Eu posso? — ele perguntou mesmo assim.
Sua mãe sempre disse que ele deveria ter certeza de ter um sim de qualquer garota com a qual ele se envolvesse e respeitar sem discutir sempre que ela dissesse não, não importa se fosse um beijo ou algo mais íntimo. E seja lá o que fizessem juntos, ele nunca deveria expor uma garota porque isso era desrespeitoso e deprimente. Sua mãe e tia Linda tinham sido completamente firmes quanto a isso com ele e . Ambas diziam que se recusavam a ter um babaca como filho. conseguia entendê-las, mas falando sinceramente, independente de seus conselhos, ele achava a ideia de consentimento algo incrível.
Se havia coisas que ele não gostaria que pessoas fizessem com ele sem que ele quisesse também, por que deveria ser diferente com garotas? Era bem mais divertido quando os dois queriam.
— Sim — finalmente disse, com a respiração levemente descompassada.
segurou um sorriso e se aproximou devagar; eles não tinham porque ter pressa.
Um momento depois, ele descobriu que os lábios de eram tão macios como ele tinha pensado.

Capítulo 4


— Quer dizer que vocês vão se encontrar de novo? — perguntou, os olhos brilhando de curiosidade. assentiu, segurando um sorriso. — Eu sabiaaa! Você não tirou os olhos dele ontem.
Era óbvio que iria perceber aquilo, não era nenhuma surpresa. Sua melhor amiga nunca deixava nada passar batido. Quando chegou em casa, há menos de uma hora, estava no banho e ainda tinha uma toalha enrolada na cabeça enquanto fazia contar absolutamente tudo o que tinha acontecido.
— Ele disse que a banda vai tocar no pub do Bran na próxima sexta — continuou, enquanto tirava a maquiagem. — Vamos nos encontrar lá. E no sábado é o festival que a banda vai participar.
— E por que vocês não combinaram de se ver na semana?
— Ele e os outros meninos trabalham durante o dia e precisam ensaiar pro festival. Eu nem pensei em sugerir, não quero atrapalhar. — Ela deu de ombros.
— Vocês deviam pelo menos trocar o número de telefone.
— Eu estou sem celular, lembra? O meu morreu quando deixei cair na privada — retrucou. — Mas eu passei meu MSN pra ele. Além disso, nem sei se também tem. Não vi ele com um.
— Provavelmente não. Seria legal em termos de trabalho, mas imagina o tanto de ligação que ele ia ter de garotas enchendo o saco. Eles nem são conhecidos e já é assim, imagina se Chicago inteira descobre. — riu.
— Foi o que pensei. — riu junto. — Eu sei que deve ser emocionante ter sucesso em uma banda e fãs aonde quer que você vá, mas deve ser muito difícil também. Você perde a privacidade. O Mcfly tem que se esconder, às vezes.
— O mundo todo conhece Mcfly. Eu fico me perguntando se o Harry pegou mesmo a Lindsay Lohan. Você sabe, os rumores... Mas enfim. Eu acho que o deve ter celular — deduziu, esfregando a toalha na cabeça, para ajudar a secar o cabelo úmido. — O pai dele não ia deixar ele ficar sem entrar em contato por muito tempo. Mesmo que ele tivesse sendo vigiado.
— Ele parece ser bem controlador. Deve ser desconfortável.
— Pelo jeito que ele fala, ele foi criado assim. Então, deve ter se acostumado. Pelo menos, os pais dele permitem que ele barganhe. É melhor do que não deixar ele fazer nada.
— Tem razão — concordou, pegando um pijama da mala e roupas íntimas. sempre reclamava porque ela não desfazia as malas, mas a verdade era que odiava fazer malas, então só tirava o que precisava e depois colocava a roupa suja de volta, mantendo tudo organizado. — Vou tomar banho. Vai preparando a argila das máscaras.
— Será que a gente devia fazer uma esfoliação também? — perguntou, tocando o próprio rosto, enquanto ela e se encaravam em silêncio, como se estivessem trocando uma mensagem telepática. — Quer saber? Eu tenho mel e aveia em casa, vou descer pra pegar.
— Legal. Eu volto já.

Skincare caseiro era uma das coisas favoritas que gostava de fazer com . Claro, desde que Andrew, o irmão mais velho dela, não estivesse em casa.
Ele sempre daria um jeito de entrar no quarto — ele tinha um talento enorme com fechaduras — enquanto elas estivessem fazendo algum tipo de sessão de beleza em casa, regada a máscaras de argila, abacate e outros ingredientes "duvidosos", segundo ele.
Isso porque ele nem viu quando elas resolveram fazer uma máscara com claras de ovo, pois já tinha ido para a faculdade. Andy estudava administração em Columbia e estava no último ano, então ele raramente vinha para casa, a não ser em feriados ou possíveis ocasiões especiais.
Era um cara alto, magro, de cabelo marrom e olhos cor de uma tonalidade avelã que mal podiam enxergar meio metro a sua frente sem ajuda de seu par de óculos com lentes grossas e armação escura que cobria a maior parte de seu rosto (e ele tinha um rosto bonito, como uma versão mais jovem do Sr. Mully); nascido no meio de junho e completamente tagarela, Andy compartilhava um interesse maior em comum com : o amor pela leitura.
O que era provavelmente uma das poucas coisas que ela e cresceram não tendo em comum.
não era exatamente um exemplo de leitora, então era com Andy que sempre conversava e discutia teorias das mais aleatórias histórias, desde fantasia ao romance, terror à comédia. Ele não se importava se o livro era quente, misterioso ou só um romance água com açúcar. Por incrível que pareça, desde que a leitura o prendesse, Andy estava lendo; e não era muito diferente. Então eles viviam fofocando juntos, às vezes com — ela podia até não ler, mas adorava saber o que acontecia nas histórias — e até mesmo costumavam se presentear com livros, a maioria de segunda mão, encontrados em sebos nos momentos mais aleatórios.
Eles adoravam sebos. E fez uma nota mental de passar em um durante a próxima semana, após lembrar disso.
Quando voltou para o quarto, encontrou jogando aveia em um recipiente com mel e imediatamente se sentou em frente a ela.
A esfoliação veio primeiro — e tinham que ter cuidado porque podia ser bastante dolorosa, embora fosse eficiente — e em seguida, uma grossa máscara de argila verde que faria Andy chamar as duas de Fiona. Nos olhos, colocaram duas rodelas de pepino e, embora odiasse o cheiro, gostava de como o legume agia em sua pele. Deitadas lado a lado no chão, rodeadas de almofadas, as duas relaxaram em silêncio durante alguns minutos, antes de tirar todas as coisas verdes que tinham em cima delas.
Era quase como uma espécie de meditação. Tirando o fato de que elas ouviam música o tempo inteiro; E dançavam de pijamas, com as máscaras faciais e segurando escovas de cabelo, “Hollaback Girl” tinha sido a performance escolhida naquela tarde de skincare.
“Uh huh, this my shit! All the girls stomp your feet like this” começou, quando as primeiras batidas começaram.
“A few times I've been around that track, so it's not just gonna happen like that… 'Cause I ain't no hollaback girl, I ain't no hollaback girl…!” — elas cantaram juntas, andando e pulando para lá e para cá pelo quarto.
“Ooh, ooh, this my shit, this my shit…” A música continuou enquanto elas dançavam e riu, feliz, querendo guardar aquele momento para sempre em sua memória.

***


Na segunda-feira, tinha ido passear na cidade sozinha já que estava trabalhando e encontrou um sebo, onde comprou vários livros que ela e Andy vinham querendo ler.
Eram quase cinco da tarde quando chegou em casa e tinha que ligar o computador de para entrar em seu MSN e ver se Andrew estava online, quando viu um convite novo de . Rapidamente aceitou e passou os olhos pela lista de pessoas online, constatando que o nome de Andy não estava lá.
Mas o de sim. E antes que ela pensasse em enviar uma mensagem, uma nova janela se abriu quando ele fez isso primeiro.
Não havia nenhuma foto no perfil dele, assim como no dela, nem frases escritas na frente de seu nome, como muitas pessoas gostavam de colocar.
Sem pensar muito, abriu a janela para visualizar a mensagem.

diz:
Oi, e aí?
diz:
Olá ^^
diz:
Finalmente decidimos o nome da banda. Fizemos a inscrição ontem de madrugada.
diz:
Sério? E aí? Qual o nome?
diz:
Provavelmente o pior nome de todos, mas tava todo mundo bêbado e acabou dando nisso.
diz:
Certo, mas qual o nome?
diz:
Não sei se quero dizer, você vai rir.
diz:
Como assim? É tão ruim assim? Diz logo qual é, eu vou descobrir de um jeito ou de outro porque eu vou estar nesse festival.
diz:
Vai, é? Bom saber que tem mais alguém lá pra ver a gente passando vergonha com esse nome ridículo. Vou me preparar psicologicamente.
diz:
Você tá fazendo drama, não pode ser tão ruim. Diz logo qual é.
diz:
Certo, eu vou dizer. Mas vou dizer pessoalmente. Você tá livre hoje a noite? A gente pode comer uma pizza ou sei lá. O que você acha?
diz:
Eu tô livre, mas achei que você ia trabalhar/ensaiar essa semana.
diz:
E vou. Acabei de chegar do trabalho e hoje não vamos poder ensaiar, então pensei em te chamar pra sair e vim aqui ver se você tava online.
diz:
Você deu sorte, eu tô usando o computador da , então mal entro aqui quando tô viajando. Posso sair com você hoje, mas tenho uma condição.
diz:
Condição? Qual?
diz:
Você vai me deixar pagar a metade da pizza.
diz:
Quê? Não mesmo.
diz:
Vai sim.
diz:
Não vou não.
diz:
Então eu não vou sair com você.
diz:
Por quê? É só uma pizza, . Para com isso.
diz:
Porque eu quero. É pegar ou largar, .
diz:
...
Tá, tudo bem.
Vou deixar você pagar metade da pizza idiota, mas as bebidas são todas por minha conta.
diz:
Ótimo :)

sorriu para a tela do computador e o desligou alguns minutos depois, feliz por convencer . Sabia que muitas garotas nem discutiriam sobre aquilo, mas ela não se sentia à vontade por ter qualquer pessoa pagando coisas para ela, fosse homem ou mulher, em um encontro ou não; e ela preferia que fosse assim, pois gostava de ter esse tipo de independência, mesmo que fossem coisas menores e até bobas.
pagaria por metade das bebidas também, mas sentiu que provavelmente se ofenderia se ela oferecesse, já que ele a estava convidando, então ela decidiu não discutir. Estava escolhendo uma roupa na mala quando chegou e se jogou na cama.
— Ai, eu tô morta — ela resmungou, com a cara do colchão.
— E eu tenho um encontro — disse e riu quando a amiga levantou a cabeça de uma vez.
— O quê? — sorriu, maliciosa. — Achei que você fosse se encontrar com um certo alguém só na sexta.
— Eu também. Entrei no MSN hoje pra ver se Andy tava online e acabei falando com . Ele disse que tá livre hoje a noite e perguntou se eu queria sair com ele. Vamos nos encontrar daqui a uma hora e meia.
— Hmm... — murmurou, deitada de bruços na cama, o queixo apoiado nas duas mãos. — Você gosta dele, não é?
— Não sei, acho que sim. Ele é legal — respondeu, ainda revirando a mala. — Não é como se eu fosse me apaixonar por alguém em dois dias.
— Teoricamente, hoje são três — disse. — O terceiro dia que vocês se falam e vão se ver, eu digo. Além disso, quando tempo você acha que demora pra alguém se apaixonar?
— Sei lá, eu nunca me apaixonei. — deu de ombros. — Acho que sentir atração por alguém já é bom o suficiente — ela acrescentou.
Aquilo quase nunca acontecia. Por um tempo, até mesmo achou que pudesse ter algum tipo de bloqueio emocional, mas viu que não quando deixou que a beijasse.
O toque dele não a incomodava e se ela fosse ser honesta consigo mesma, tinha que admitir que queria sentir mais aquela sensação. Tinha sido apenas um beijo, mas antes disso eles tinham se conectado de uma maneira diferente. era divertido, inteligente e conversava com ela como se estivesse realmente interessado em ouvir o que quer que ela falasse, mesmo que fosse apenas alguma coisa idiota.
gostava disso. E por mais que sentisse um frio na barriga só de pensar nele, isso não a incomodava muito. Mas também não significava que estava apaixonada. Ela também sentia frio na barriga até mesmo lendo livros de romance, então era perfeitamente normal. Além disso, sentir aquilo na pele a fazia pensar que seu corpo apenas estava reagindo a algo novo como um mecanismo de defesa. Era como ficar ansiosa para receber uma nota de uma avaliação, ou mesmo apresentar um trabalho. Não tinha nada a ver com paixão.
Mas ela não disse isso a . Se sua amiga queria fanficar, então que ela fizesse isso.
— Que besteira. Eu me apaixonei pelo Bran praticamente à primeira vista — retrucou. — Eu li numa revista que tem uns estudos que dizem que demora tipo cinco segundos pra algumas pessoas.
sorriu para a amiga e assentiu, embora não acreditasse naquilo.
— Você é uma garota de sorte, então. Comigo não é assim.
— Deve ter algo a ver com o seu signo. Você é uma capricorniana chata pra cacete, .
— Obrigada — disse, fazendo a amiga revirar os olhos. — Vou tomar um banho e me arrumar. Se Andy aparecer no MSN, diz que eu comprei um livro novo pra ele.
— Sim, sim. Claro. Vou aproveitar e fofocar sobre seu novo encontro. Vai ser divertido ver ele nervoso porque não tá aqui pra agir que nem um irmão mais velho.
— Ele provavelmente assustaria de alguma forma — deduziu.
— E sem precisar falar nada — acrescentou e as duas riram.
Não tinha dado certo com Brandon, no entanto. Ele tinha praticamente o dobro de músculos que Andy e parecia assustador, mas segundo , e para a sorte dela, levou menos de cinco minutos até os dois começarem a conversar como se fossem velhos amigos.

***


— Eu não acredito que você consegue comer isso. Eca — resmungou, enquanto mordia um pedaço de pizza havaiana repleta de abacaxi em cima.
Eles tinham ficado alguns minutos discutindo sobre o sabor, até que resolveram pedir metade da que ela queria — que ele chamava de sabor dos infernos — e metade de pepperoni, clássica e sem erro.
segurou um riso enquanto mastigava ao encarar a careta que fazia enquanto a via comer.
— Minha mãe sempre diz que você só pode falar que não gosta de algo depois de experimentar vinte e uma vezes.
— Ah, não, eu experimentei uma e foi suficiente pra mim, obrigado. Parece mais um truque da sua mãe pra ter fazer comer.
— E é, mas eu não disse que funcionava. — Ela deu de ombros. — Foi só pra saber se você ia cair nessa.
riu, divertido.
— Bem, acho que não — ele disse, começando a comer também.
— E aí? Qual o nome da banda? Você ainda não disse.
fez outra careta enquanto mastigava e o observou por alguns segundos, enquanto terminava de engolir e tomava um gole de refrigerante.
a encarou nos olhos uma vez e desviou para a mesa, suspirando antes de finalmente revelar.
Cave Panthers — ele disse, baixinho.
— O quê? — franziu o cenho.
— Cave Panthers — ele repetiu, mais alto. — Eu falei que era péssimo. — Ele pegou outra fatia de pizza, sem olhar para ela, mas não ouviu nenhuma risada.
— Eu não entendi. Você disse que era um nome ruim — ela falou. — Cave Panthers parece legal. Parece nome de banda. Eu gostei.
— Sério? — Ele arqueou uma sobrancelha. — É temporário, a gente vai usar pro festival e mudar depois, já que a inscrição já foi enviada.
— Se eu fosse vocês eu manteria esse nome. Parece divertido.
— Bem, é melhor que Intrepid Heroes — ele resmungou.
riu ao ouvir. Aquele sim parecia pior.
— Certo, eu concordo que Intrepid Heroes é péssimo. Mas Cave Panthers é legal.
— Bom saber que pelo menos você gosta. — Ele riu.
Depois do jantar — e de deixar pagar metade da pizza, como combinado — eles caminharam juntos até o parquinho infantil que tinham estado dois dias atrás. deixou que segurasse sua mão até lá, até ela correr para um dos balanços livres.
Obviamente, não havia crianças ali à noite. Então era apenas eles novamente, e alguns casais a algumas dezenas de distância, sentados nos bancos que haviam ali.
tomou impulso e começou a se balançar. sentou no balanço ao lado dela e fez o mesmo, enquanto ouvia o riso fácil dela e assistia o cabelo dela balançar junto. Até que pulou, depois do balanço atingir uma certa altura e sentiu o coração sacudir de preocupação por meio segundo, até ver ela cair em pé e se virar com um sorriso para ele.
— Vem, eu quero ir pra gangorra.
— Você é doida? Por que pulou daquela altura? Você podia ter se machucado, .
— Eu costumava ter um balanço na casa da minha avó. Fiz isso durante anos. — Ela piscou, ainda sorrindo. — Não se preocupe. Agora, é hora da gangorra. Prometo não pular dela e deixar você cair.
Em resposta, apenas balançou a cabeça e a seguiu. Brincaram por alguns minutos, rindo como duas crianças e depois voltaram a caminhar pelo parque, parando para se sentarem em um dos bancos ali.
— Eu acabei de ter uma ideia — disse, de repente. — Eu tenho uma câmera na minha mala. Vou filmar a apresentação da banda no festival.
— Sério? Que legal, seria ótimo. A gente pode usar pra monitorar erros também.
— Vai ser legal. E duvido que vocês errem. Vocês vão tocar uma música original, né?
— Sim. — Ele assentiu. — Honestamente, eu me sinto um pouco nervoso. Vai ter muita gente lá.
— O que é ótimo. Vocês vão ganhar mais público. Eu tenho certeza de que vão se sair bem — ela disse, parecendo realmente acreditar naquilo, enquanto segurava a mão dele.
sorriu para suas mãos e entrelaçou seus dedos, levando a mão dela até os lábios, depositando um beijo ali.
— Obrigado, . De verdade. — Ele a encarou. — É bom saber que mais alguém acredita na gente, mesmo sem nunca ter ouvido uma canção original.
— Cara, se você cantar brilha brilha estrelinha vai fazer parecer como uma música digna de um grammy. Você canta covers de um jeito que é como se a música fosse sua. Eu mal posso esperar pra ver vocês nesse festival.
riu, baixinho e encarou os olhos arredondados de por um instante, pensando em como eles ficavam bonitos com aquele tipo de delineado com uma pontinha para cima. O batom claro que ela usava já tinha saído por completo, o que fazia com que seus olhos se destacassem ainda mais em contraste com sua pele clara. O cabelo dela, longo e solto estava com uma tiara de pérolas que a deixava adorável e ele só conseguia pensar em como toda aquela combinação era perfeita.
Levou a mão livre até o rosto de e colocou uma mecha de cabelo que escapulia atrás da orelha dela. Encostou suas testas e os dois fecharam os olhos por alguns segundos, antes dele juntar seus lábios pela segunda vez.
soltou a mão dele e instintivamente passou os braços ao redor de seu pescoço, sentindo o toque firme de uma das mãos de em sua cintura.
Quando ele aprofundou o beijo, ela já não sentia mais as borboletas no estômago, o frio na barriga que a deixava nervosa e tudo isso simplesmente porque não se sentia mais assim.
O nervosismo tinha dado lugar ao conforto.
a beijou como se ela fosse uma de suas músicas, feitas especialmente para ele cantar. E ela nem tinha ouvido nenhuma ainda para ter certeza disso, mas por algum motivo sabia que tinha razão.
Para ela, parecia um perfeito personagem fictício escrito por uma mulher que, por acaso, fazia parte da sua própria história. E ela tinha gostado do que viu, e estava curiosa por mais.
Sentindo os lábios de se afastarem de sua boca até seu pescoço, ela manteve os olhos fechados, deixando um suspiro satisfeito escapar por entre seus próprios lábios. Quando os dele retornaram até os seus, ela soube que o queria por inteiro.
E algo lhe dizia que isso não era uma possibilidade tão distante de acontecer; talvez estivesse mais perto do que ela imaginava.

Capítulo 5


achava que não tinha como ficar mais bonito e então descobriu, na noite de sexta, que estava errada.
A apresentação do Cave Panthers estava terminando e ela não conseguia tirar os olhos dele, que sorria e olhava para ela na maior parte do tempo enquanto cantava.
Ele tinha cortado o cabelo, ela percebeu, alguns minutos depois que a apresentação começou. Estava bem curto nas laterais e, por alguma razão, embora a parte da frente e em cima estivessem um pouco maior, aquele corte a fez se lembrar de Dean Winchester, protagonista de uma série de TV da CW, que tinha estreado no ano anterior. até mesmo teve uma quedinha por ele quando assistiu a primeira temporada, mas no momento, todos os seus sentimentos de “queda” estavam voltados para aquele cara no palco.
deu alguns avisos sobre o festival, aproveitando para convidar as pessoas para a apresentação e então a banda finalmente se retirou do palco. Ela e se atrasaram um pouco daquela vez e quando chegaram, eles já tinham começado a tocar.
O que aconteceu foi que sua melhor amiga teve um mini ataque de ansiedade, depois de receber uma carta da Universidade de Nova York naquela tarde. Quando abriu, um misto de alegria e nervosismo tomou conta dela e por um instante, viu sua amiga chorar de felicidade e em seguida, a felicidade se transformar em culpa.
tinha sido aceita na NYU, a mesma universidade que já tinha se matriculado e que as duas sonhavam em estudar juntas há anos. Havia uma segunda opção em Chicago, caso a possibilidade de ir para Nova York fosse para o ralo, mas esse não era o caso.
Agora, ela tinha que contar a Brandon que estava indo embora em poucos dias. O que significava — e ela tinha quase certeza — que era o fim do relacionamento para os dois. Ela tinha que encarar Brandon e contar a ele, mas acabou não fazendo isso naquela noite, provavelmente pelo mesmo motivo que decidiu não contar a que estaria indo para casa dali a dois dias. Queriam um pouco mais de tempo com eles, sem nada para atrapalhar ou deixar o clima ruim. Então, em uma das vezes que foram ao banheiro juntas, prometeram que fariam aquilo depois do festival, na noite seguinte.
estava bebericando um drink sem álcool, sentada sozinha em um banquinho do bar, quando viu os meninos empacotando os instrumentos antes de desaparecerem pelas portas dos fundos, voltando alguns minutos depois sem eles. estava ao lado de Bran enquanto eles conversavam com os integrantes da outra banda que tocaria naquela noite e não pôde deixar de pensar em como ela parecia algum tipo de anfitriã recebendo convidados com ele.
— Oi — uma voz profunda murmurou em seu ouvido e ela tremeu um pouco de surpresa, ouvindo a risada de no instante em que se virou para encará-lo. — Desculpa, eu te assustei — ele se adiantou em falar.
— Eu não vi você chegando. Cadê os meninos? — ela perguntou, olhando ao redor, mas o pub estava cheio com todas as mesas ocupadas.
— Eles devem estar por aí. — deu de ombros. — Seu cabelo tá bonito hoje — ele elogiou, passando a mão no cabelo dela levemente. — Ele tá enorme.
— Obrigada. Eu tô pensando em cortar depois. Dá muito trabalho manter assim. — Ela sorriu. — Percebi que você cortou o seu também. Ficou legal.
— Ah, sim... O tamanho tava me incomodando um pouco também. Você gostou da apresentação? — ele perguntou, sentando no banquinho ao lado dela e pediu uma água pro barman.
— Sim, sinto muito por perder o início, a gente acabou se atrasando. Mas se serve de consolo, minha câmera já está prontíssima pra filmar vocês amanhã.
— Bom saber. — Ele sorriu, antes de tomar um gole de água.
— Vocês ensaiaram muito essa semana?
— Sempre que a gente teve um tempo, mas acho que estamos bem. Eu confio nos caras.
— E a voz principal do líder não devia estar descansando em vez de se apresentando na véspera do festival? — ela sugeriu, brincando com o canudo do drink.
— É por isso que hoje ninguém vai beber — ele explicou, balançando a garrafinha de água na frente dela. — E eu fiz os caras prometerem que amanhã a gente só vai falar o necessário até a apresentação.
— Sério? — Ela sorriu, desacreditada.
— A gente tem que cuidar da voz. Mesmo que seja só eu e cumprindo essa promessa.
— É o suficiente. — deu de ombros. — tá por aí com Brandon, mas perdi os dois de vista. Aqui tá muito cheio — ela acrescentou, meio incomodada.
— Você não curte multidões?
— Não sou muito fã. Não tem ninguém tocando ainda e mesmo assim já é difícil de conversar.
— Quer sair daqui e dar uma volta? Ainda é cedo e é final de semana, então tem muito lugar aberto ainda.
— É verdade, e tem um lugar a algumas quadras daqui que acho que seria divertido ir. Se é que ele ainda existe. Faz anos desde a última vez que fui lá — ela explicou, finalizando o drink. — Me deixe só encontrar pra avisar a ela.
— Eu vou com você — ele se ofereceu.
No meio do caminho, esbarraram em e ganhou um abraço de urso dele, a tirando do chão por um instante, antes de pigarrear e ele se afastar com um sorriso inocente, piscando para ela.
Encontraram e Brandon perto do palco a alguns metros dali e foi até eles, enquanto e ainda conversavam.
— Vou sair com . Não sei que horas eu volto.
— Não sabe que horas ou se volta essa noite? — perguntou, com um sorrisinho malicioso.
suspirou.
— Se eu não voltar... — ela começou, já ouvindo a amiga rir. — Você cuida do resto.
— Vou dizer a meus pais que você bebeu, desmaiou na cama e provavelmente só vai acordar no dia seguinte — ela disse. — Isto é, se eles voltarem hoje.
— Como assim?
— Acho que esqueci de mencionar que ele iam visitar a minha tia na cidade vizinha esse final de semana — a amiga explicou. — Eles saíram quando você tava tomando banho, mas fiquei ocupada demais sendo ansiosa pra lembrar de dizer.
— Ah, pensei que eles tinham saído pra jantar.
— De qualquer forma, não faça nada que eu não faria. — sorriu. — Até amanhã, gata.
— Eu não disse que não ia voltar.
— Mas minha intuição me diz que você não vai.
, tá pronta? — ela ouviu perguntar, enquanto se aproximava.
— Claro, vamos — ela disse, lançando um último olhar para a amiga, que lhe soprou um beijo no ar.
segurou uma de suas mãos e a colocou na frente dele de uma forma meio protetora, enquanto ambos abriam espaço entre as pessoas.
Do lado de fora, o ar fresco acariciou seus rostos assim que saíram e caminharam juntos até o local que disse conhecer.
— Uma pista de patinação? — encarou o letreiro, incerto.
— Sim, não acredito que ainda existe. Vem, hoje eles só fecham às onze. A gente tem mais de uma hora pra aproveitar. — Ela o puxou pela mão e os dois entraram.
— Eu não sei se é uma boa ideia, — Ele disse, observando o local. — Mas se você quiser ir, eu fico aqui.
— Não tem graça ir sozinha, . Você tem que vir comigo.
— Eu não sei patinar, vou cair antes de ficar em pé nesse troço. — Ele fez uma careta, olhando para a pista onde algumas pessoas patinavam.
— Então você deu sorte. Não tem muita gente aqui, então eu vou te ensinar. — Ela decidiu, o puxando novamente.
Alguns minutos mais tarde, estava em pé sobre um par de patins tradicionais, com duas rodinhas de cada lado, enquanto se apoiava na barra de segurança.
, você tem que soltar a barra, pode se apoiar em mim se quiser — tentou convencê-lo.
— Não, eu vou cair e te derrubar também — ele recusou, tentando fazer os joelhos parassem de tremer.
— Eu prometo que não te deixo cair. Você tem que confiar em mim.
— Eu mal consigo ficar em pé, — ele resmungou. — Me sinto patético.
riu, divertida.
— Olha pra mim. Eu vou te dar umas dicas. Se você sentir que vai cair pra trás, jogar os braços pra frente e se agache. Isso faz você ficar no lugar. Caso você queira diminuir a velocidade, você pode aproximar os joelhos assim... — Ela demonstrou, enquanto explicava. — E sempre mantenha os joelhos flexionados, vai te ajudar com o equilíbrio. Não é tão difícil.
— Eu ainda não me sinto seguro.
— Confie em mim, . Prometo que você não vai quebrar um braço.
— Você disse que não ia me deixar cair e agora tá falando sobre eu não quebrar um braço? — ele perguntou, incrédulo, mas ela apenas riu. — Eu vou tentar uma vez, se não der certo, vou desistir.
— Você não pode desistir tão fácil assim — retrucou. — Vamos fazer assim… Me dá uma mão e segura na barra com a outra. Eu vou puxar você pra gente patinar ao redor da pista até você se sentir confiante pra soltar.
— Tudo bem. — Ele fez o que ela pediu.
Cinco minutos depois, tinha um sorriso no rosto.
— Você tinha razão, não é tão difícil quanto parece.
riu, encantada com a animação dele.
— Quer tentar soltar a barra agora?
— Tá, mas não me solta — ele disse, segurando firme na mão dela antes de soltar a barra. — Isso é divertido. — Ele riu como uma criança.
— Parece que você tá flutuando, né? Olha, só tem a gente agora. Aquelas meninas tão saindo. — Ela apontou para o grupo de quatro meninas.
Ficaram patinando juntos por mais alguns minutos, até que decidiu aumentar um pouco a velocidade e perdeu o controle, dando-lhe um puxão que a fez cambalear também e ir parar ao lado dele. mal tinha pensado em se agachar quando inverteu as posições acidentalmente, a arrastando no meio da pista, enquanto se desesperava.
— Como faz pra parar? , a gente vai cair, eu não consigo parar! Aaah!
riu com vontade.
— Espera, tô tentando ajudar. Tenta se agachar agora, aproxima os joelhos, — ela disse rápido, em meio ao riso, enquanto ele obedecia sem pensar.
sentiu a velocidade diminuir até pararem próximos da barra de segurança e soltou um suspiro de alívio, enquanto ria alto da situação e mais ainda quando ele olhou feio para ela.
— Não tem graça, a gente ia caindo — ele disse ainda agachado. Tomou impulso para se levantar de uma vez e mal teve tempo de se arrepender, quando sua bunda bateu contra o chão e gritou, caindo também, mas de altura muito menor, pois ainda estava agachada. Ela gargalhou outra vez, sentindo a barriga doer de tanto rir.
— Você é muito engraçado, — ela disse, enxugando as lágrimas. — Desculpa. Você tá bem?
— Eu sim, minha bunda não — resmungou, um pouco sem ar. — Eu acho que quebrei o cóccix — ele acrescentou, com uma mão no local e então sentiu um tapa na bunda.
— Para de drama, você não quebrou nada.
— Você acabou de me dar um tapa na bunda? — Ele a encarou com os olhos arregalados.
— Um tapinha amigável. — Ela deu de ombros. — Não esquenta com isso. Vem, vou te ajudar a tirar os patins antes da gente sair daqui. Eles vão fechar daqui a pouco.

***


— Não acredito que você bateu na minha bunda — ele resmungou, alguns minutos depois, enquanto tomavam sorvete de casquinha, sentados em um banco no mesmo parque que estiveram antes, mas em um local mais distante que da última vez.
Mais algumas quadras e eles estariam no centro da cidade, percebeu, enquanto desviava o olhar para ela.
o encarou com um sorriso, enquanto mordia o sorvete.
Quem diabos mordia um sorvete? Definitivamente não uma pessoa comum.
— Doeu?
— O quê?
— O tapa, ele doeu? — ela quis saber.
— Não.
— Você se sentiu assediado?
— Não! — Ele a encarou, incrédulo.
— Então tá tudo bem. — Ela se inclinou, dando-lhe um beijo na bochecha com os lábios gelados.
estreitou os olhos por um instante e a imitou, fazendo o mesmo e um pouco mais. Beijou-lhe a bochecha e então selou seus lábios rapidamente.
o encarou surpresa, mas apenas segurou um sorriso enquanto terminava o sorvete.
— Vou me lembrar de você sempre que eu for patinar, .
— Ah, eu também vou lembrar de você quando ver alguém patinando na minha frente.
— Ah, é?
— É, e vou lembrar também de nunca mais pôr aquela coisa nos meus pés de novo — ele concluiu, fazendo-a rir.
— Você é surpreendentemente divertido, sabia?
— Por quê? Você achou que eu fosse um chato?
— Não, mas você parecia bem tímido no dia que te conheci. Claro, você parece outra pessoa no palco — ela lembrou.
— Eu acho que no meu caso é mais introspecção do que timidez. Eu só não me sinto muito à vontade pra conversar com gente que não conheço.
— Nem quando você tá flertando com alguma menina?
— Me diz você. — Ele a encarou.
— Acho que você se garante quanto a isso. Acho que você é alguém que sabe o que fazer pra conseguir um objetivo.
— Eu diria o mesmo de você — ele admitiu, enquanto se levantava. — Vem, vamos andar um pouco. Tem um monte de lugar legal aqui perto.

Na verdade, tinha uma rua cheia de bares, fliperamas, entre outros tipos de estabelecimentos. E tinha muita gente ali também, indo e vindo.
— Olha, um estúdio de tatuagem — apontou para o local, arrastando pelo braço.
— E daí? Você quer fazer uma? — ele perguntou, esperando um não.
— Quero — ela respondeu, sem pensar duas vezes, pegando-o de surpresa. — O que você acha da gente fazer uma tattoo combinando?
— Como assim? Tattoo de casal?
— Não, eca. Nada disso. A gente pode fazer algo divertido e pequeno.
— E o que seus pais vão achar disso quando descobrirem?
— Minha mãe tem cinco tatuagens, . E meu pai deve ter perdido a conta. — Ele riu.
— Seus pais parecem bem legais. O meu provavelmente arrancaria uma tatuagem da minha pele com uma faca, se eu ainda morasse com ele.
— Mas você não mora mais, né? Pode fazer o que quiser.
Ele podia mesmo. E embora nunca tivesse pensado muito em tatuagens até então, naquela noite ele decidiu fazer uma com ela.
— Você tem alguma ideia específica? — ele perguntou, enquanto folheava o álbum de desenhos de um dos tatuadores do estúdio.
— Vamos só encontrar algo que a gente goste e que seja divertido. O que você acha?
apenas deu de ombros em resposta. Ele não ligava muito.
Uma hora depois, eles saíram de lá com um ‘X’ na parte de dentro do braço direito dela, próximo ao cotovelo, enquanto havia um ‘O’ no mesmo local do braço direito dele. Tinha doído e demorado bem menos do que ele esperava.
— Pra onde você quer ir agora? — ele perguntou, enquanto andavam de mãos dadas.
— Não sei, você tem alguma ideia?
— Tá ficando tarde. Que horas você disse que tinha que voltar mesmo?
— Eu não disse. — sorriu, mordendo o lábio inferior. — sabe que tô com você e os pais dela estão fora, então...
parou de andar.
— Você... Quer vir comigo pra casa? — ele perguntou, meio inseguro.
— Você quer que eu vá?
— Só se você quiser. Não quero que você se sinta pressionada a fazer nada, .
— Tudo bem, então vamos — ela disse, puxando de leve a mão dele. — Pra que lado você mora?
pressionou os lábios, contendo um sorriso.
— Virando a esquina, à direita. Deve ser a uns cem metros daqui.
Cem metros depois, encarou um prédio antigo, mas bem bonito, com a fachada inteira de tijolos vermelhos.

Capítulo 6


O apartamento que dividia com era pequeno, mas parecia confortável o bastante para . Com dois quartos, um banheiro, e uma cozinha-sala com um sofá de três lugares, uma TV pequena e um computador com internet discada em um canto, o lugar parecia bem útil, diferente do que admitia ter imaginado antes: apenas um local para dormir.
Por um instante, sentiu vergonha de ter pensado isso apenas porque eles eram dois garotos solteiros morando sozinhos, mas era bom saber que eles tinham uma casa organizada e bem bonitinha. Fofo até. Se não soubesse, acharia que alguma mulher tinha arrumado um pouco ali.
— Adorei as cortinas. — apontou para os dois pedaços de tecido vermelho com estampa florida na pequena janela da sala, que provavelmente tinha vista para o beco entre aquele e o prédio vizinho.
— Ah, comprou mês passado e colocou aí. Ele disse que faz a casa parecer mais viva ou algo assim — ele explicou, fazendo rir baixinho.
— Eu pensei que vocês morassem em algum tipo de dormitório ou sei lá, que vocês fossem bagunceiros.
tem mania de limpeza e eu também não sou muito fã de bagunça, então...
— Vocês fazem o par perfeito.
— A gente dá um geral na casa uma vez por semana. — Ele deu de ombros. — O que não demora muito, já que é pequeno.
— Eu queria morar em um lugar assim um dia — ela disse, olhando em volta enquanto se sentava no sofá, tomando cuidado para a saia do vestido soltinho que tinha escolhido usar naquela noite não levantar. Preto, com uma estampa floral, a peça poderia ser quase uma prima da cortina que tinha comprado. Pensar nisso a vez segurar um sorriso.
— Você não acha pequeno demais?
— É bom o suficiente. Vocês cozinham aqui ou só comem comida congelada?
— Um pouco de cada, eu acho. Depende da inspiração do dia. A gente testa umas receitas, às vezes. A maior parte vem de ideias de , mas ele não sabe cozinhar muito bem, então às vezes compra os ingredientes e traz com o tutorial pra gente tentar fazer.
— Olha, se não fosse sua voz, com certeza seria o meu favorito da banda — admitiu. — Ele é muito espertinho e tem um senso de humor muito legal.
— Agradeço a honestidade, embora eu ainda esteja surpreso. é o cara das atenções, achei que fosse ser assim com você também.
— Bem, não é com ele que eu venho saindo nos últimos dias, né? — o encarou, com uma sobrancelha arqueada.
sorriu, sem graça.
— Você quer, sei lá, tomar alguma coisa? Ver um filme?
— Eu acho que vi um teclado no seu quarto. Será que ia incomodar muito os vizinhos se você tocasse um pouco? — ela sugeriu. — Não precisa cantar, eu sei que você tem que descansar a voz.
— Depende do volume dele. — Ele se levantou e estendeu a mão para ela. — Vem, o que você quer que eu toque?
— Seria inconveniente pedir uma música do McFly? — ela perguntou, enquanto o acompanhava.
riu, divertido.
— Não, eu gosto de Mcfly também.
se sentou na cama de solteiro perfeitamente arrumada com um edredom azul-marinho e pegou um travesseiro, trazendo para o colo.
— Eu posso tirar o tênis? — ela quis saber, enquanto preparava o instrumento.
O rapaz desviou um olhar para ela, pensando que ela podia tirar o que quisesse, mas apenas assentiu com a cabeça, voltando a mexer no instrumento.
— Que música você quer? — Ele encarou a garota sentada em posição de lótus.
— Sei lá, escolhe você. — Ela deu de ombros, apoiando o rosto nas duas mãos, os cotovelos em cima do travesseiro.
Será que ela sabia como parecia linda assim? tinha que se esforçar para desviar o olhar dela. Ajustou o volume do teclado a um nível aceitável e então, sem pensar muito, começou a tocar as primeiras notas de “All About You”.
sorriu assim que reconheceu a melodia. Mal sabia ele que aquela era sua música favorita da banda. Cantarolando baixinho, ela tentou acompanhá-lo até o fim da música e se juntou a ela.
sorriu mais ainda, dando tapinhas nos travesseiros, enquanto acompanhava a melodia.
— Você até que canta bem — ele comentou, indo até a cama.
— Sério? — Ela o encarou, desconfiada.
— Não. — ele riu, se sentando ao lado dela.
— Bem, pelo menos você é sincero. Eu sei que canto mal — ela admitiu.
— Ainda bem que não é um pré-requisito pra escrever, né?
— Só preciso da minha imaginação e isso eu tenho de sobra. — Ela sorriu e então timidamente entrelaçou a mão na dele. — Você pode ser sincero sobre mais uma coisa?
franziu o cenho levemente, mas assentiu, apertando a mão dela com mais firmeza.
— O que você quer saber, ?
— Por que me trouxe aqui, ?
Não era idiota a ponto de não saber a resposta. já imaginava que essa noite aconteceria mais cedo ou mais tarde.
— Pareceu a coisa certa a fazer — ele murmurou, a encarando nos olhos. — Mas se você quiser ir embora, eu posso chamar um táxi e te acompanhar até em casa.
balançou a cabeça, negando.
— Eu quero ficar aqui com você hoje — ela confessou. — Parece a coisa certa a fazer. Acho que é meio óbvio o que costuma acontecer em situações como essa — ela acrescentou, um pouco tímida.
Podia sentir as bochechas esquentando.
— Eu não quero que você se sinta pressionada a nada — esclareceu.
— Se eu não quisesse estar aqui, eu não estaria, . Se eu não quisesse o mesmo, eu não teria aceitado seu convite — ela disse. — Não tô me sentindo pressionada. Mas também não quero que você se sinta assim também.
se inclinou e a beijou suavemente, um mero encostar de lábios, antes de se afastar.
— Eu quero isso tanto quanto você quer, — ele confessou, enquanto acariciava o rosto dela. — Eu quis te beijar desde a primeira vez que te vi, mas você já sabe disso. Você me deu um fora — ele continuou, a fazendo rir.
— Não foi um fora! — retrucou, arrancando uma risada dele. As borboletas em seu estômago dançaram freneticamente e ela juntou as mãos, um pouco nervosa, antes de continuar. — Tem uma coisa que você precisa saber antes. Eu nunca fiz isso com ninguém.
— Nunca? — ele levantou as sobrancelhas.
— Mas você já, certo? — ela quis saber.
— Eu? Ah, sim...
assentiu rapidamente. A realidade de sua pequena expectativa parecendo cada vez mais próxima.
— Ótimo. É melhor assim, na verdade. Alguém mais experiente — ela comentou e pensou que ele não era tão experiente assim, mas sabia o que fazer. E desconfiava que também, ainda que fosse sua primeira vez.
— Você tem certeza que quer isso, ? — ele perguntou, o polegar circulando no dorso da mão dela, ainda entrelaçada a dele.
— Eu decidi que queria você desde o nosso último encontro, — ela admitiu. — E quero que esse momento seja com você. — Ela o encarou nos olhos.
acariciou o rosto dela mais uma vez, a encarando com admiração enquanto tentava decorar os traços de seu rosto. era como uma obra de arte e ele não se referia apenas à aparência dela. Seria hipocrisia dizer que ele não tinha pensado naquela garota a semana inteira, desde o momento em que a conheceu, enquanto se recordava de todas as vezes que eles tinham se beijado e rido juntos.
Às vezes, ele fazia algo aleatório e pensava o que ela acharia sobre tal coisa. Gostava de conversar com ela e de fazê-la rir. Em todo o tempo que morava em Chicago, ela era a primeira garota com quem ele tinha conseguido se conectar a esse ponto. E ele queria tanto que durasse, queria aproveitar cada minuto com ela. Foi pensando nisso que ele se inclinou e selou seus lábios mais uma vez.
Bem ali, ele fez com que ela fosse sua e foi dela também.

(n/a: Sinta-se à vontade para colocar "iF U C Kate" do McFly pra tocar <3)

Um pouco desajeitada, as mãos de tremeram um pouco quando pegou o travesseiro entre eles e o atirou no chão do quarto, sem parar de beijá-la. Sentiu o colchão macio contra suas costas e o calor do corpo dele sobre o seu, enquanto tomava cuidado para não apoiar todo o seu peso contra ela. arfou quando ele se afastou e moveu a boca para seu pescoço, fazendo-a se arrepiar por inteiro.
Insegura, mas decidida, ela enfiou as duas mãos por baixo da camisa dele, enquanto fazia o mesmo com seu vestido. Sentiu ele sorrir contra o beijo e se afastar para tirar a camisa. percorreu os olhos por seu corpo, sem vergonha nenhuma naquele momento. O torso magro, mas definido o fazia parecer um pouco mais velho que um cara de dezenove anos. Ele com certeza era do tipo que gastava um tempo se exercitando diariamente.
era lindo. Completamente lindo. E ela era uma vadia sortuda por ele ser um cara legal também e por tê-lo como seu primeiro amante.
Se sentando na cama também, se moveu para sair debaixo dele e ficou de joelhos na cama, para então puxar o vestido para cima, ficando apenas com o conjunto preto de renda que usava como roupa íntima. A vergonha veio a sua mente e desapareceu no mesmo instante em que ela encarou os olhos de fixos em seu corpo, fazendo-a se sentir linda sem precisar dizer absolutamente nada.
se aproximou dele e apoiou as mãos nos ombros fortes, o beijando mais uma vez, sentindo as mãos dele em suas costelas no momento seguinte, enquanto ela tentava desabotoar a calça que ele vestia. a ajudou rapidamente e ela quase riu quando notou a cor de sua roupa íntima, também preta. Se deitaram novamente e pressionou sua pélvis contra a dela por um instante, fazendo-a arfar de novo. sentiu a região entre suas pernas quase doer, pulsando como nunca antes, e involuntariamente pressionou seu corpo contra o dele também.
Sentiu as mãos dele procurando o fecho do sutiã, aberto segundos depois, antes da peça se juntar ao travesseiro no chão e ser substituída por suas mãos e boca. se contorceu, sensível demais com o toque dele e agarrou sua nuca como se aquilo de alguma forma pudesse amenizar um pouco a sensação que sentia, mas não era o caso.
... Quando...?
— Shh… — Ele a beijou nos lábios. — Ainda não — ele murmurou contra sua boca, antes de se afastar um pouco mais, sentando-se sobre os joelhos. Então, segurando uma de suas pernas e sem deixar de encará-la, ele beijou a parte interna de seu joelho esquerdo, antes de fazer o mesmo com a coxa, subindo cada vez mais.
mal podia esperar para se enterrar nela, mas sabia que tinha que ser paciente para ser bom para ela também. estava tão linda ali, bem na sua frente, que ele não conseguia tirar os olhos dela, nem precisava.
Se livrou da última peça de roupa que ela tinha e tocou seu centro sensível, arrancando um som baixo e rouco da garota. Mas foi quando ele substituiu sua mão por sua boca, que viu a arquear as costas, agarrando em seu cabelo, desesperada por alívio, os sons que ela fazia parecendo música aos seus ouvidos. E quando explodiu em sua boca, com um rosnado rouco e o corpo tremendo por inteiro, soube que tinha atingido seu pequeno objetivo e sorriu fascinado ao ver a garota relaxar na cama, o corpo mole e satisfeito, enquanto tentava recuperar o fôlego.
se sentia como gelatina.
Mal pôde prestar atenção em se levantando da cama e voltando alguns segundos depois, após se livrar da própria roupa íntima. Ele tinha uma bunda bem bonita, redondinha e grande, ela percebeu. As calças largas certamente não faziam jus àquela parte de seu corpo. Era maior do que ela tinha imaginado.
Assim como outra parte dele.
Puta merda. Não vai caber, ela pensou.
? — a chamou, e ela desviou o olhar daquela parte para o rosto dele. — Você tá bem?
— Sim — ela respondeu rápido. — Você pode apagar a luz?
— Por quê? Você ficou com vergonha, de repente? — ele quis saber, os olhos brilhando em diversão.
— Não, mas... Posso dizer que fiquei... Apreensiva.
— Apreensiva? Você quer parar?
— Não — ela disse, firme. — Só não sei se você vai conseguir, se eu vou conseguir... Enfim, eu acho que você... Tem um nariz grande, — ela acrescentou, desviando o olhar para o teto.
— Nariz? — Ele riu, divertido. — Certo, acho que entendi o que você quer dizer. Mas acho que você não devia se preocupar com isso.
— Por quê? — ela perguntou, enquanto ele apagava a luz, deixando o quarto quase completamente escuro, se não fosse a luz que vinha da janela que, felizmente, era alta o suficiente e ficava de frente para outra parede sem janelas.
voltou para a cama e a beijou carinhosamente.
— Eu vou caber direitinho em você — ele murmurou, com aquela voz rouca e sexy que tinha um efeito direto no meio das pernas dela e a fazia querer contorcer uma na outra.
Por sorte, agora ele não podia mais ver ela corando, porque suas bochechas pegaram fogo naquele momento. Em seguida, sua respiração acelerou e sentiu frio na barriga mais uma vez, antecipando o que viria. a beijou novamente e se posicionou entre suas pernas, levantando uma até a cintura dele.
O que veio em seguida, achou ser uma pressão incômoda. Seu corpo parecia se esticar mais e mais e ela franziu o cenho, enquanto tentava se acostumar com aquilo. entrou um pouco mais, dessa vez um pouco mais rápido e ela mordeu o lábio inferior. Sabia que estava pronta e que ele não teve muita resistência ao deslizar para dentro dela, mas a pressão estava lá, como se fosse rasgá-la a qualquer momento.
arfou e respirou fundo, notando que tinha parado.
— Você tá bem? — ele quis saber.
— Sim, só... Deixa eu me acostumar um pouco.
assentiu e voltou a beijá-la, tentando fazer com que ela relaxasse outra vez, até que sentiu ela tentando se mover contra ele.
— Melhorou? — ele perguntou, após quebrar o beijo.
assentiu e então voltou a se mover. Se manteve devagar durante um tempo e quando ela relaxou mais, aumentou a velocidade até chegar a um ritmo constante, que acabou arrancando suspiros dos dois.
... — ela gemeu, baixinho, de olhos fechados. — Droga, isso é bom...
sorriu de lado e a beijou novamente.
— Você é a garota mais linda que eu já vi, .
— Mentiroso. — Ela sorriu. — Você diz isso pra todas?
— Só pra você — ele respondeu, selando seus lábios uma vez, achando difícil manter a boca longe dela. E era verdade, ele nunca tinha dito aquilo para mais ninguém. — Você é tão linda, . E tão absurdamente... Deliciosa — ele murmurou no ouvido dela e acelerou mais, conseguindo um pouco mais de música dos lábios dela.
cravou as unhas em seus ombros sentindo o corpo tensionar outra vez e se contrair contra ele. segurou firme em seu quadril, mantendo-a no lugar enquanto mantinha um ritmo cada vez mais rápido. se contraiu mais e então o abraçou com força.
...
... — eles disseram ao mesmo tempo, tremendo um contra o outro.
sentiu as unhas de cravarem um pouco mais em seus ombros, mas não se importou. Talvez ela tivesse que perdoar possíveis marcas de dedos em seu quadril também, além de uma ou duas em seu pescoço.
Deixou seu peso cair por cima dela por um instante, seus corpos ainda conectados e respirou fundo algumas vezes, antes de se retirar de dentro dela. Ouviu suspirar quando se afastou e murmurou um “eu já volto” enquanto se livrava da camisinha no banheiro. Quando retornou, encontrou em pé, vestida em um de seus moletons. De costas, ele a viu vestir novamente a calcinha e sorriu, a imitando após achar sua própria roupa íntima.
— Confortável? — ele perguntou, quando ela se virou.
assentiu e mesmo naquele escuro, conseguiu ver que ela sorria.
— Posso usar seu banheiro?
— Fica à vontade. — Ele apontou para a porta.
Alguns minutos depois, de bexiga vazia, sentindo-se um pouco mais limpa e após descobrir que não tinha sangrado, voltou para o quarto e encontrou afastando os lençóis. O travesseiro grande dele estava de volta ao seu lugar e ele se sentou na cama, a puxando pela mão. se deitou entre ele e a parede e acariciou seu rosto outra vez, afastando uma mecha de cabelo dali.
— Tudo bem? — ele perguntou outra vez.
— Sim e com você? — ela quis saber.
— Eu me sinto ótimo. — Ele sorriu e a beijou na testa.
— Obrigada por ter sido gentil e paciente. Você fez ser bom.
— Era o mínimo que eu podia fazer, . — Ele continuou o carinho no rosto dela. — Você confiou em mim.
sorriu, satisfeita e selou os lábios nos dele uma última vez.
— Pareceu a coisa certa a fazer. Boa noite, — ela murmurou, fechando os olhos.
— Boa noite, .
E então fechou os olhos também.

Capítulo 7


se espreguiçou na cama e enfiou a mão debaixo do travesseiro, tateando até encontrar o celular que estava tocando.
Era um modelo simples que tinha adquirido há alguns meses e mal usava a não ser para falar com , e a Sr.ᵃ Petterson. ainda não tinha feito questão de ter um, mas o compreendia.
Ele era um cara de uma cidade pequena demais para precisar usar um celular, onde telefones públicos eram mais que suficientes. Além disso, eles moravam juntos, trabalhavam nos mesmos lugares e passavam a maior parte do tempo juntos, então bastava apenas um número para que pudessem entrar em contato com os dois.
Atendeu o celular que vibrava sem parar e logo ouviu a voz de do outro lado.
— Cara, vem abrir a porta. A gente tá com fome e você disse que ia fazer café da manhã hoje — ele lembrou. — Não acredito que você e ainda tão dormindo!
bocejou e avistou o despertador na mesinha de cabeceira, constatando que eram pouco mais de oito horas. Eles deviam estar mesmo a fim de algumas de suas famosas panquecas já que tinham acordado tão cedo.
Mas também tinham ido para casa mais cedo, diferente dele. Quando chegou em casa, pouco depois das duas da manhã, encontrou o apartamento silencioso e a porta do quarto de fechada. Imaginou que ele tinha sido o único a dormir tarde naquela noite.
— Tá, já vou. Me dá só uns cinco minutos — ele respondeu, antes de desligar. Em seguida, foi ao banheiro, esvaziou a bexiga e escovou os dentes ainda meio sonolento, o que foi meio que resolvido após jogar um pouco de água no rosto.
Depois vestiu uma bermuda e, sem se importar em acrescentar mais uma peça de roupa, ele foi até a porta e a abriu, encontrando os dois amigos famintos.
— Você bebeu depois que a gente foi embora? — quis saber. — Porque sua cara tá péssima — ele acrescentou, sem esperar responder, enquanto passava por ele.
— Bom dia! — sorriu, mostrando praticamente todos os dentes, enquanto seguia .
fez uma careta de desgosto.
Ele estava bem em acordar cedo, mas isso não significava que tinha um humor brilhante com o de . Devia ser alguma coisa de família. Ele tinha comentado sobre sua mãe acordar às cinco da manhã para meditar ou algo assim. Já , parecia com o humor infeliz de sempre quando estava com fome. tratou de cuidar logo daquilo e se dirigiu à cozinha, já separando os ingredientes para fazer panquecas.
— Vocês vão querer com mel, geleia ou quê? — ele perguntou.
— Mel e manteiga pra mim — disse.
— Leite condensado, por favor. — sorriu novamente. Ele parecia um filhotinho irritante. — ainda tá dormindo?
— Acho que sim. Ele deve ter resolvido aproveitar um pouco a folga. — deu de ombros. — Mas vou acordar ele daqui a pouco. A gente tem que comer e ensaiar uma última vez antes do festival.
Meia hora depois, ele empilhou algumas panquecas em dois pratos para ele e ; e já estavam praticamente terminando de comer àquela altura, ambos sentados no sofá da sala. Quando tirou a última panqueca do fogo, desligou o fogão.
— Ok, tá na hora. Vou logo acordar aquele preguiçoso, antes que a comida esfrie — ele anunciou, se dirigindo ao quarto do amigo.
Abriu a porta de uma vez já com uma bronca na ponta da língua, mas conteve a própria voz no último segundo, quando viu que não estava sozinho.
Com a mão na boca e os olhos arregalados, espiou por cerca de cinco segundos, encontrando encolhida junto a debaixo dos cobertores, usando um dos moletons dele. Tão rápido quanto abriu a porta, ele a fechou.
Voltou para a sala — o que levou cerca de dois passos — na ponta dos pés e xingou baixinho quando viu com o controle remoto na mão, prestes a ligar a TV.
— Abortar, abortar! — Ele tomou o controle do amigo. — Ele tá com uma garota no quarto — acrescentou, antes que os amigos perguntassem.
? — chutou.
— Sim — disse e então escutaram um barulho vindo do quarto. — Rápido, rápido, pro meu quarto!
Sem nem pensar duas vezes em por que estavam fazendo aquilo, os rapazes se levantaram do sofá e correram para o quarto de , que parou no meio do caminho lembrando de pegar seu prato de panquecas, antes de se juntar a eles. Quando fechou a porta, respirou fundo e então mordeu uma panqueca sem cobertura — não teve tempo de colocar uma antes de correr. Felizmente, ele era um bom cozinheiro e elas tinham um gosto bom até mesmo puras.
— Tá, mas por que a gente tá se escondendo mesmo? — perguntou, depois de alguns minutos. tinha terminado de comer e posto o prato com os outros que os amigos tinham colocado em cima da mesinha de cabeceira.
— Estamos poupando a de uma caminhada da vergonha — respondeu, mas os dois o encararam confusos. — Ela é uma garota — ele explicou. — É meio constrangedor para as meninas sair do quarto do cara com quem ela ficou e então dar de cara com três amigos dele.
— Ah... Verdade — concordou. — Se eu fosse menina, eu iria me sentir desconfortável. Na verdade, eu iria me sentir assim até sendo homem e desse de cara com um monte de meninas depois.
— Pois é, então vamos poupar a menina disso e esperar ela ir embora em paz — sugeriu.
Um segundo depois, ouviram um barulho na cozinha e os três colocaram o ouvido na porta, ouvindo um xingamento abafado de uma voz feminina.
Porra...! Ai, meu dedo — choramingou e viu fazer um barulho com a boca ao prender o riso. o cutucou com o cotovelo e o cutucou de volta, murmurando um “o quê?” baixinho.
Um barulho de talher caindo no chão veio em seguida e, alguns segundos depois, ouviram uma porta abrir e fechar.
— Eu acho que ela já foi — comentou. — Vai lá ver, cara — ele disse a .
Com cuidado, ele colocou a cabeça para fora do quarto, mas então sentiu o corpo ser empurrado de uma vez.
— Porra, não me empurra! — Ele fuzilou com o olhar.
— Ela já foi ou não? — o amigo perguntou, impaciente.
esticou o pescoço e espiou a sala e a cozinha e relaxou quando não encontrou ninguém.
— Ela já foi — ele declarou.
Alguns minutos depois, saiu do quarto e quando foi tomar café da manhã, encontrou uma de suas panquecas pela metade.
Alguém tinha deixado um pequeno rastro para trás além do pequeno bilhete em cima do seu teclado.

***


A primeira coisa que notou quando desceu do táxi foi a garagem vazia, o que possivelmente indicava que o Sr. e Sr.ᵃ Mulligan ainda estavam fora.
Deu a volta pelo jardim até a porta dos fundos e após encontrar a chave reserva que a Sr.ᵃ Mully mantinha escondida em um vaso de planta, abriu a porta, entrando diretamente na cozinha. Serviu-se com um copo de água e pegou dois biscoitos de um pote antes de subir para o quarto, devorando-os pelo caminho.
Abriu a porta de com cuidado, mas logo a viu em frente ao computador.
— Sua danadinha! — sorriu, maliciosa, enquanto ainda mastigava o último biscoito. — Não acredito que você veio usando uma roupa dele — ela acrescentou, apontando para o moletom que estava vestida, que quase cabia duas dela.
— Bom dia pra você também. Achei que fosse te encontrar dormindo — comentou, puxando o moletom pela cabeça.
— Como foi? Me conta tudo! — a ignorou. — Você dormiu com ele?
mordeu o lábio, segurando um sorriso.
— Dormi. Foi bom. Ele foi gentil e cuidadoso e... Mais alguma coisa? Ah, eu não sangrei, mas a dor foi horrível, só que não durou tanto tempo quanto eu achei que fosse — ela disse de uma vez. — Eu acordei primeiro e deixei um bilhete pra ele falando que eu tava levando o moletom emprestado e que era bem provável que eu não devolvesse. E roubei metade de uma das panquecas que podem ou não terem sido pra ele.
não tava em casa?
— Acho que ele tava no quarto. Mas não o vi. Nem sei se ele sabia que eu tava lá.
— Então... Quer dizer que foi romântico? — sorriu. — Tirando a parte que você fugiu sorrateiramente.
— Eu não diria romântico. Acho que foi mais amigável ou coisa assim. Não é como se nós estivéssemos apaixonados um pelo outro. Mas tô feliz que foi com ele — ela afirmou, com um sorriso fechado.
— Você faz parecer como se fosse uma tarefa cumprida.
— E de certa forma foi. Adeus ao peso social de ser virgem e não conseguir me relacionar com ninguém — comemorou, fazendo um movimento com as mãos abertas. — Não é grande coisa. Eu tô um pouco dolorida agora e preciso de um banho quente. Você já decidiu o que vai vestir hoje no festival?
— Acho que um jeans, tênis e uma camiseta. E você?
— Provavelmente o mesmo. Mas acho que vou de short hoje — comentou, enquanto revirava a mala. — O que você tava pesquisando na internet?
— Passagens de avião — respondeu. — Acho que vou com você amanhã.
parou no lugar e levantou a cabeça, encarando a amiga.
— Amanhã? Você ainda tem alguns dias até precisar estar em Nova York.
— Eu sei, mas quero ir antes pra ir me adaptando antes que as aulas comecem.
— E Brandon? Vocês conversaram?
— Vou conversar hoje com ele, depois do festival. Você já falou com ?
— Não, eu também vou falar hoje com ele. Mas é diferente, ele não é meu namorado há quase um ano...
— Brandon vai entender. — deu de ombros. — Ou pelo menos, eu espero que sim. Acho que a gente pode dar um jeito, se for pra ser… Eu não quero ficar remoendo esse assunto e se eu tivesse contado antes, ia só gerar mais estresse pra gente.
— Verdade... — concordou, terminando de pegar suas coisas. — Eu vou tomar um banho e depois descer pra fazer um pouco de café. Eu sinto que tô quase entrando em abstinência de cafeína.
— Você é uma viciada.
— Eu sei. Mas ainda acho melhor do que chá. Não sei como tem gente que ama aquilo, a maioria só tem gosto de remédio. — Ela fingiu estremecer, fazendo rir.
— Vai logo tomar seu banho que eu faço esse seu café — ofereceu.
— Você é a melhor amiga do mundo, sabia? Eu volto já! — E saiu.

***


checou a bateria da filmadora mais uma vez, enquanto Brandon e compravam comida. Ainda não tinha visto os meninos, mas sabia que eles deviam estar em algum lugar se preparando para subir no palco.
retornou carregando dois pretzels repletos de açúcar e entregou um para ela, que o devorou em menos de cinco minutos. Já fazia mais de uma hora que estavam ali e algumas bandas que estavam participando da competição já tinham tocado. Algumas bem talentosas, inclusive, mas ainda preferia a Cave Panthers.
Talvez ela fosse um pouquinho suspeita, mas quem ligava?
Dez minutos depois, uma nova chamada foi feita e as próximas três bandas a se apresentarem foram anunciadas; Cave Panthers era a segunda da ordem, então tratou de procurar um bom lugar para filmar tudo, em vez de assistir de longe, como vinha fazendo até então.
E foi enquanto se enfiava entre as pessoas que alguém acabou a empurrando e ela tropeçou, quase caindo de cara no chão, se não fosse por duas mãos que a seguraram firme.
Mãos essas que passearam por todo o seu corpo na noite anterior.
— Você! Sua ratinha sorrateira e fujona...! — foi a primeira coisa que disse, assim que a encarou, os olhos dele brilhando com humor. — Eu te procurei por todo lado. Onde você tava?
— Perto das barracas de comida. Tava evitando passar o estresse de ter gente roçando em mim até a hora que vocês fossem se apresentar — ela explicou. — E por que eu sou fujona?
— Porque saiu sem falar nada e deixou só um bilhete — explicou. — Você devia ter me acordado, — ele acrescentou, levemente incomodado.
— Eu não queria incomodar. Não é grande coisa, . Mas desculpa se eu te chateei por não dizer tchau.
a encarou por alguns segundos.
— Eu não consigo dizer se você tá sendo sincera ou sarcástica — ele murmurou, se aproximando um pouco mais dela. — Você tá bem?
— Estou ótima. — Ela sorriu, entendendo a que a pergunta dele realmente se referia. Achou fofo. — Não precisa se preocupar comigo.
— É que a gente não conversou muito sobre isso ontem.
— E não tem o que conversar. Foi bom pra mim e acho que pra você também, né?
— Acho que quanto a mim, isso é mais que óbvio. — Ele revirou os olhos. — Mas é claro que foi — falou mesmo assim.
Um coro de gente gritando foi ouvido e eles viram uma das bandas subirem no palco.
— Acho melhor você ir. Vocês são os próximos. E eu ainda tenho que arranjar um lugar bom pra filmar — comentou. — Por sinal, essa roupa ficou ótima em você.
usava uma camisa lisa de mangas compridas levantadas até o cotovelo. Era um tom de verde que parecia valorizar a cor de seus olhos.
— Bom saber. — Ele sorriu e colocou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha. — Te encontro depois da premiação? Vai ser logo depois da última banda.
— Aposto que vocês vão ganhar.
— Não sei quanto a ganhar, mas seria bom ficar no top 3. — Ele sorriu.
— Você é muito modesto, . Vocês vão arrasar. Te vejo depois da premiação. Tem algo que eu quero te contar.
— E por que não conta agora?
— Porque é uma coisa meio chata. — rolou os olhos. — Mas não se preocupe. Não é nada importante. — Ela sorriu.
Ela iria voltar para Nova York no dia seguinte, só isso. E ficava apenas do outro lado do país.
— Tá, tudo bem. Promete que não vai embora sem mim — pediu.
— O quê? — O sorriso de vacilou e nem ela entendeu por quê.
— Não quero que você fuja de novo, sua ratinha. — Ele se inclinou, beijando-a na bochecha. — Vou encontrar você na barraca de pretzels, pode ser?
— Ah, claro. Prometo. A gente se vê depois. Boa sorte, Hero — ela disse e a puxou para um abraço apertado.
— Quando você me chama assim, eu até gosto — ele confessou.
deu uma risada e o encarou por um instante, antes de ficar na ponta dos pés e selar seus lábios suavemente.
— Pra dar um pouquinho mais de sorte — ela murmurou, antes de começar a se afastar, mas a puxou novamente para si.
— Nesse caso, acho que preciso de um pouco mais. Só pra garantir. — E a beijou novamente.
deixou aprofundar o beijo e praticamente se derreteu nos braços dele quando começou a chover lembranças da noite anterior em sua mente. Tudo o que ela podia pensar naquele momento era em suas mãos a tocando, na boca atrevida que a beijou por inteiro e em como ela queria poder sentir aquilo outra vez.
se afastou e encontrou a testa na dela, enquanto ambos recuperavam o fôlego.
— Acho que agora sinto que posso ganhar — ele brincou, fazendo-a rir.
— Vai lá e arrasa, Hero. — Ela deu um passo para trás e cada um foi para um lado.
A banda que estava tocando terminou e aproveitou a oportunidade de se enfiar no meio do público, quando viu algumas pessoas se afastando. Não fazia ideia de onde e Brandon estavam, mas provavelmente ainda em um lugar infinitamente mais confortável do que ao redor de pessoas suadas roçando umas nas outras.
Cinco minutos depois de arranjar um lugar e ligar a filmadora, enfim viu a Cave Panthers subir no palco e começou a gravar ainda enquanto eles falavam seus nomes.
fez uma pequena contagem com as baquetas, mas foi quem começou a tocar, antes dele seguir o som grave de seu baixo. e foram os próximos até que uma melodia rápida e contagiante se formou. Era uma música original e divertida que falava sobre ter alguém que os fazia fortes.
O público foi rapidamente contagiado e viu mais pessoas se aproximando, o que a fez instintivamente firmar mais os braços levantados enquanto filmava. Quando a música acabou, eles desceram do palco e voltaram para o que ela imaginava ter sido o espaço reservado apenas para as bandas.
Já se passava das sete da noite quando a premiação começou e para fazer suspense, os apresentadores anunciaram um top 10 das quinze bandas que participaram, embora apenas os três primeiros colocados tivessem algum tipo de prêmio. Todos estavam espremidos no palco e não demorou para avistar e os garotos. Quando o quinto lugar foi anunciado, ela começou a ficar nervosa. Eles podiam ou não estarem no top 3, como queria.
Faltava apenas mais uma posição. E quando o quarto lugar foi anunciado e o nome da banda deles não foi chamado, viu pôr as duas mãos nos ombros de , o sacudindo de leve enquanto eles sorriam. Era isso. Estavam no top 3.
Mas a Cave Panthers foi chamada apenas no segundo lugar e os garotos comemoraram juntos. estava filmando aquilo também e deu um zoom neles quando foram receber o prêmio: um cheque no valor de cinquenta mil dólares.
Não era a gravação de um EP como no primeiro lugar, mas também não era todo dia que alguém podia ganhar tanto dinheiro.
pulou e comemorou junto, eufórica demais para se importar com a qualidade da filmagem a partir dali. Quando eles saíram do palco, ela voltou a se espremer entre as pessoas, procurando uma saída naquele espaço lotado de gente. E quando conseguiu respirar um pouco de ar fresco, pulou e comemorou sozinha mais um pouco, antes de tentar localizar a banda novamente. Olhou ao redor e avistou a cabeça de de longe. correu, animada, mas se deteve quando um grupo de garotas — e devia ter no mínimo uma dúzia delas — os rodearam parecendo super eufóricas.
Pelo visto, eles tinham ganhado algumas novas fãs naquela noite, ela constatou e riu, divertida. Exatamente como eu tinha previsto.
No entanto, não tinha previsto que seria agarrado por uma garota aleatória e ser beijado por ela no mesmo instante, bem ali na frente dela, a menos de dez metros de distância. Foi quando a ficha finalmente caiu e ela enrijeceu no lugar, as mãos do lado do corpo, uma delas ainda segurando a filmadora enquanto ela era atingida pela realidade.
A realidade que não era nenhuma surpresa, mas que tinha um gosto um tanto amargo. Eles eram parte de uma banda que provavelmente faria sucesso dali em diante, pois mesmo não tendo ganhado o primeiro lugar, ainda haviam conseguido uma boa posição e aquele não era um festivalzinho qualquer. Chicago era enorme e era só uma questão de tempo até surgir algo novo para eles, ela acreditava nisso.
Assim como tinha plena consciência de que o que tivera com na noite passada não iria se repetir. Ela estava indo embora no dia seguinte e sabia que não havia um futuro para os dois quando estariam vivendo em lados opostos do país. E aquela era só mais uma confirmação de que era melhor assim.
Ele teria dezenas de garotas aos seus pés e ela iria viver a vida dela em Nova York. Iria acompanhá-los apenas como fã, pois realmente gostava da banda e dos garotos.
Seria mais saudável assim.
mal tinha se afastado da garota, quando o olhar de encontrou o de , ao lado dele. Ela acenou para ele e sorriu, mas franziu o cenho, parecendo meio preocupado. Isso durou apenas alguns segundos, antes dele se distrair novamente enquanto tentava escapar das mãos atrevidas das garotas.
suspirou e então se virou, pronta para ir procurar .
Assim que se distanciou mais da pequena multidão, avistou a amiga com Brandon, atrás de uma barraca de cachorro-quente e os dois pareciam discutir. Ela franziu o cenho e apressou o passo um pouco mais até que ouviu a voz magoada do namorado dela.
— Sinto muito, . Mas não vejo como isso pode dar certo. — Ele a encarou, parecendo derrotado.
era como seu próprio reflexo.
— Brandon...
— Eu espero que você se saia muito bem na faculdade e consiga realizar todos os seus sonhos — ele continuou. — Boa sorte, . Tenha uma boa vida.
E então ele se afastou. viu tentar segurá-lo pela mão, mas Brandon a puxou e foi embora sem olhar para trás. Viu a amiga colocar as duas mãos no rosto e um soluço escapou de sua garganta, fazendo correr até ela.
... — a chamou, assim que chegou ao lado dela.
se virou com o rosto tomado por lágrimas e a abraçou forte enquanto a amiga soluçava em seu ombro.
— Você viu...?
— Uma parte, sim. Eu sinto muito — murmurou. — Vai ficar tudo bem, amiga.
— Eu vou embora, não tem mais o que eu fazer aqui — declarou, se afastando. Passou as mãos pelo rosto, afastando um pouco as lágrimas, enquanto tentava conter novos soluços.
— Eu vou com você — disse, mas a amiga negou com a cabeça.
— Não, pode ficar. Ainda é cedo e a premiação acabou agora. Você disse que queria ver os meninos.
— Eu já vi eles no palco, foi suficiente.
— Mas você não disse que ia conversar com ...?
balançou a cabeça.
— Acho que não vai ser mais necessário.
— Tem certeza? — a encarou, quase curiosa, mas não estava no clima de insistir muito.
— Tenho. Não tem mais o que eu fazer aqui também — disse, entrelaçando o braço ao dela. — Vamos embora, a gente tem muito chocolate pra comer hoje.
sorriu levemente e assentiu.
E foi naquele momento, enquanto se afastavam, que quebrou sua promessa.

Capítulo 8


não encontrou em lugar nenhum.
Depois de quase uma hora esperando na barraca de pretzels, após finalmente conseguir se livrar das garotas malucas que o perseguiam, ele finalmente se deu conta de que não viria, mas a procurou por mais meia hora, mesmo assim.
Mesmo sabendo que, no fundo, era em vão.
Na premiação, mal conseguiu raciocinar por alguns segundos quando anunciaram o prêmio que sua banda tinha ganhado. Não era o primeiro lugar, mas já era alguma coisa e ele se sentia muito feliz por isso. E enquanto desciam do palco, ele só conseguia pensar em encontrar . Ela tinha certeza de que eles ganhariam algum prêmio e assim aconteceu. Agora só queria ouvir ela proferir o famoso “eu te avisei” e rir com ela.
Infelizmente foi impedido por um bando de adolescentes enlouquecidas que apareceu ao redor da banda, querendo autógrafos e fotos com eles. Os quatro mal conseguiram se mexer direito durante alguns minutos e enquanto ele tentava sair do formigueiro de garotas, se perguntou porque a banda que havia ganhado o primeiro lugar não estava recebendo aquela atenção toda.
Uma garota até mesmo o agarrou e o beijou, de repente. se afastou assustado e surpreso, mas ela não pareceu notar, nem as outras que tentaram fazer o mesmo, coisa que não aconteceu mais, já ele e os caras ficaram em alerta para tentar escapar de qualquer beijo não solicitado. Será que elas tinham confundido as bandas? Bem, se não fosse isso, talvez tivessem caído nas graças do , que ficava o tempo todo fazendo charme no palco.
Quando se viu livre, olhou para os lados à procura de , mas não a encontrou. Já passava das oito da noite e eles deviam ter levado uns bons quarenta minutos até conseguirem respirar direito, sem ninguém ao redor. Não havia mais tanta gente ali, com exceção de alguns casais e umas poucas famílias e os caras tinham ido embora há algum tempo para comemorar. ficou para trás e disse que os encontraria depois. Queria que fosse junto também, mas a barraca de pretzels fechou naquela noite e ela não apareceu.
sentiu uma pontada de decepção invadir seu peito e suspirou, decidindo finalmente ir embora. Não sabia o que diabos tinha acontecido, mas descobriria depois. Talvez fosse uma emergência. Ele também não viu Brandon e por lá, mas imaginou que estivesse com a amiga em algum lugar. Então, empurrou a decepção para o lado e seguiu o plano de encontrar os caras e comemorar com eles o mais novo mérito conseguido.

Na mesma noite, e se empanturraram de salgadinhos e chocolates, enquanto as duas faziam as malas.
Ao som de Mcfly saindo das caixinhas de som do computador, observou se concentrar em fazer rolinhos com suas roupas para economizar mais espaço na mala. Ela ainda tinha os olhos inchados e vermelhos de chorar e, mesmo que houvesse algumas lágrimas silenciosas escorrendo de hora em hora, parecia um pouco melhor depois da crise de choro que tivera mais cedo.
Quando enfim terminaram, abriu uma conta anônima no YouTube e postou o vídeo que tinha filmado para que pudesse encontrar depois. Entrou em sua conta do MSN, enviou o link para ele e manteve o status invisível antes de sair. Em seguida, pronta para dormir, se acomodou na cama com e segurou a mão da amiga em um apoio silencioso até as duas adormecerem.
Naquela noite, ela sonhou que encontrava em uma sorveteria de Nova York, mas sabia que era uma ilusão antes mesmo de acordar.

16 de abril de 2006 — e foram perseguidos!

— Eu acho melhor vocês irem para casa hoje, meninos — a chefe deles concluiu. — Fico feliz por vocês estarem fazendo sucesso com as meninas, mas isso aqui está uma bagunça. Se continuar acontecendo, eu terei que chamar a polícia.
— E se a gente ficar fazendo as entregas? — sugeriu. — O lugar tá super movimentado hoje. A senhora precisa de mais gente.
— E nós já conhecemos bem a área e os clientes que costumam pedir — reforçou.
Além disso, precisavam ganhar quanto dinheiro pudessem e trabalhar no fim de semana pagava duas vezes mais, segundo o contrato formal que assinaram. Também não tinham nada melhor para fazer em casa, então trabalhar era a melhor opção.
A Sra. Petterson os encarou por um instante, desviando o olhar de um para o outro.
— Tudo bem, vou falar para os entregadores trocarem de lugar com vocês, então. — Ela finalmente cedeu. — Mas não baguncem meus pedidos!
O negócio era que os domingos no restaurante eram bem movimentados. Comida italiana fazia muito sucesso e um monte de gente preferia comprar comida ou sair pra comer aos finais de semana. e geralmente trabalhavam mais na semana e faziam rodízio com outros funcionários aos domingos, já que o restaurante funcionava sete dias por semana. Naquele mês tinham pegado dois domingos seguidos, mas não faziam ideia de que veriam tantas adolescentes — e adolescentes maluquinhas — de uma vez só.
Estavam acostumados a lidar com mulheres mais velhas, solteiras, que flertavam com eles e mães que tentavam arranjá-los para suas filhas, o que era um tanto engraçado já que eles eram dois meros garçons que tinham desistido de tentar fazer faculdade para correr atrás de um sonho completamente arriscado. Não que fazer faculdade fosse ser uma realidade fácil para eles, elas eram estupidamente caras. Mas o fato de não terem vontade, tornava tudo um pouco menos pior.
Felizmente, tinha sua mãe e seu avô o apoiando, diferente de seu pai, que ele não via há anos e nem tinha interesse em ver. Não que fosse insensível, mas era indiferente; o homem era como um estranho para ele.
Passou boa parte da infância e adolescência morando com seu avô para evitar o temperamento explosivo do pai, que por algum motivo parecia lhe odiar e isso pareceu se evidenciar mais ainda quando demonstrou sua aptidão para a música. Depois disso, as críticas se tornaram mais fortes, e não importava o que tentasse fazer para agradá-lo, parecia uma tarefa impossível. Até quando ele fazia algo a mando do pai, era tachado de insuficiente ou que estava sendo feito errado.
Depois de um tempo, ele se cansou. Parou de ir para casa e via a mãe quando ela ia visitá-lo na casa do avô. Seu irmão mais novo — a quem seu pai dizia que ele era uma péssima influência —, via apenas na escola. Mas aparentemente, Colin não estava a fim de ter muito contato com ele e nem fazia questão de ser cordial. Quando ia falar com ele na escola, o irmão normalmente revirava os olhos e o encarava com indiferença, antes de sair andando.
Não era nenhuma surpresa que era o favorito de seu pai, além de ser estupidamente parecido com ele também; o mesmo nariz, olhos escuros e cabelo loiro queimado, diferente de que mais parecia com sua mãe.
No início, ele se sentiu chateado pela rejeição do irmão, mas depois de algum tempo, deixou de lado. Que se foda.
achava que não ligação mais para essa questão de rejeição, mas isso foi até descobrir mais tarde o que tinha acontecido com .

16 de abril de 2006 (mais tarde, naquele mesmo dia), 20h36 — Brandon sempre tem as respostas

O vídeo já tinha passado de cinquenta mil visualizações. E considerando que o YouTube era uma plataforma relativamente nova, aquilo era incrível.
mal podia acreditar, mas ao menos aquilo explicava um pouco a bagunça de mais cedo no restaurante. tinha publicado um vídeo no YouTube. Quando chegou em casa, ele pensou em enviar uma mensagem para ela no MSN, mas acabou se distraindo e esqueceu. Até que o arrastou para tomar uma cerveja no pub de Brandon e viu uma ótima oportunidade para saber notícias de . Talvez ela até mesmo estivesse lá com .
Mas tudo o que ele encontrou foi um Brandon cabisbaixo e um tanto irritadiço, pouco antes dele contar que tinha visto o vídeo naquela tarde. No entanto, a euforia de ver uma apresentação deles fazendo sucesso veio e foi embora tão rápido quanto o tempo que conseguia ficar sem tirar sarro de , quando Brandon finalmente falou onde elas estavam.
— Provavelmente desfazendo as malas em Nova York a essa hora.
— O quê? Nova York?
— Sim. Ela não te contou? tinha que voltar hoje. E foi aceita na NYU e decidiu ir mais cedo também — Brandon explicou. — As duas provavelmente vão morar juntas — ele acrescentou, em meio a um suspiro cansado. Também havia olheiras em seus olhos, como se ele não tivesse dormido direito.
— Mas por que elas foram assim? E sem falar nada? — franziu o cenho, olhando de Brandon a , que estava calado ao lado dele. — Que merda é essa?
— Tô me perguntando o mesmo desde ontem. e eu terminamos.
— E por que vocês terminaram? — indagou, falando pela primeira vez em um tempo.
— Porque eu sei que relacionamentos à distância não dão certo. — Brandon deu de ombros e encarou Hero. — Achei que tivesse te dito.
— Nós combinamos de nos ver depois da premiação, mas ela não apareceu. Eu queria que ela fosse comemorar com a gente. — Ele encarou . — Achei que tivesse sido uma emergência, mas…
Ele balançou a cabeça, sentindo-se subitamente derrotado.

— Você disse que ela queria te falar algo — lembrou. — Será que era isso?
— Não sei, provavelmente. Você tem algum computador aqui? — ele perguntou a Brandon.
— No escritório. — Ele apontou a uma porta atrás dele. — Já tá ligado, se você quiser usar.
se dirigiu para a pequena sala atrás do bar e o acompanhou, observando o amigo entrar na conta do MSN e encontrar uma mensagem de com o link do vídeo e mais nada.
Nenhuma mísera palavra.
deixou os ombros caírem e apertou um deles, se sentindo mal pela decepção do amigo. Tinha uma ideia de porque não tinha aparecido, mas sabia que de nada adiantaria falar.
Ela já tinha ido embora.
Naquela noite, ficou bêbado pela primeira vez em muito tempo.
Uma semana mais tarde, o vídeo ultrapassou quinhentas mil visualizações e dois dias depois, eles receberam uma ligação de uma gravadora.
As coisas finalmente estavam mudando. O sonho deles parecia cada vez mais perto de se concretizar. Mas ainda sentia um vazio dentro de si sempre que lembrava de e que tudo aquilo estava acontecendo por causa dela.

Capítulo 9

27 de fevereiro de 2016 — Dias atuais — Hospital Mount Silla, Nova York

Sangue não era algo que costumava assustar .
Tinha assistido a cirurgias extensas e complicadas, visto e atendido vítimas de acidentes em estado extremamente grave entre a vida e a morte e tinha tido inteligência emocional suficiente para lidar com aquilo durante os últimos cinco anos em que trabalhava como enfermeira naquele hospital.
Mas naquela noite, ela precisou de um momento sozinha e decidiu, assim que conseguiu um tempo, se trancar no banheiro por cinco minutos enquanto respirava fundo algumas vezes, tentando afastar a chuva de pensamentos irritantemente realistas e igualmente negativos que tomavam sua mente.
Era só mais um acidente.
Era só mais um paciente.
Ela já tinha visto aquilo centenas de vezes e...
Ainda assim, sentiu o coração acelerar quando viu deitado naquela maca, completamente ensanguentado e desorientado e seu coração não acelerou pela adrenalina do momento do atendimento de emergência, mas sim de preocupação.
Nunca, em todos aqueles anos, tinha se passado por sua mente que reencontraria nesse tipo de situação. Ela nem mesmo trabalhava na emergência, pelo amor de Deus. Tinha aceitado um plantão extra naquele setor para ajudar uma colega que precisou viajar, mas parecia que o universo estava a testando de alguma forma. Apenas quatro horas e meia após assumir o plantão noturno de doze horas, tudo ainda parecia bem, até receberem um aviso de que três homens tinham se acidentado no trânsito. Uma delas morreu na hora com o impacto e os bombeiros tiveram que trabalhar duro para conseguir retirar o corpo do veículo que tinha sido totalmente destruído. Os outros dois tinham conseguido evitar uma batida quando o motorista — Henry, gerente de — conseguiu desviar o carro, antes de perder o controle também, fazendo o veículo capotar cerca de cinco vezes, segundo os relatos das pessoas que testemunharam.
Embora também tivesse sangrado bastante, Henry tinha sofrido apenas uma concussão e alguns cortes suturados enquanto ele ainda estava inconsciente e permaneceu internado ali mesmo na urgência, em observação.
, por sua vez, tinha sido levado direto para o bloco cirúrgico e não permaneceu nem por cinco minutos ao lado dele antes disso acontecer. Ao que parecia, tinha machucado o braço direito com o impacto e quebrado uma das pernas, além de ter sido atingido com diversos estilhaços de vidro, assim como Henry. Ela não teve tempo de descobrir todos os lugares que ele tinha sido realmente atingido e os que foram apenas tomados pelo sangue que tinha se espalhado, mas era uma massa predominantemente vermelha em cima da maca, a ponto de por um instante ela pensar que ele estava usando vestes daquela cor.
não costumava mais pensar nisso com tanta frequência depois de tantos anos, mas assim que o viu, tudo o que ela sabia sobre ele e todas as lembranças dos momentos que tiveram juntos nos poucos dias que se viram retornaram com tanta clareza como se tivesse acontecido na semana anterior.
Ela agiu no automático como o faria com qualquer outro paciente, mas sentiu seus olhos arderem durante todos os minutos que ficou ao lado de , após terem um breve contato visual antes dele perder a consciência. Ela sabia que já não era mais o caso há alguns anos, mas naquele breve instante ela jurou que o garoto de dezenove anos que conheceu ainda estava ali em algum lugar, independentemente do que todas as pessoas, a imprensa e os fãs que o abandonaram diziam.
E nenhuma foto faria jus o bastante para a beleza que era ver aquele par de olhos verdes bem na sua frente.
Odiou absolutamente cada segundo daquela situação. Odiava vê-lo daquela forma. Não durou muito até decidirem que ele precisaria de uma cirurgia de emergência, mas aqueles poucos minutos tinham sido agonizantes e o suficiente para perceber que, diferente do que pensava, uma parte de si ainda não tinha superado o famoso Hero, líder e vocalista principal da Cave Panthers.
Queria pensar que tudo iria ficar bem com ele, mas sua experiência profissional a impedia de ser muito positiva e sabia que até ele sair da cirurgia e estar devidamente estabilizado, tudo podia acontecer. Ela tinha visto até mesmo pacientes estáveis piorarem de uma hora para outra; e não sabia bem o porquê, mas algo lhe dizia que seria um paciente complicado, mesmo estável.
Sentiu o celular vibrar no bolso e viu que a mensagem que tinha enviado minutos atrás tinha sido respondida. Em seguida, recebeu outra.

: Você tá bem? Me fala, se você souber mais alguma coisa dele.

: O problema não sou eu estar bem e sim ele, . Não sei por que você tá me fazendo essa pergunta.

: Ah, sei lá. Deve ser porque você me enviou uma mensagem meio que surtando quando disse que recebeu o próprio completamente ensanguentado no hospital. Mas pelo visto, você já se acalmou.

: Já me acalmei sim, mas não sei de nada sobre ele. Vou tentar saber com algum plantonista, quando as coisas tiverem mais tranquilas. Tenho que ir agora.

: Tudo bem. Não surta.

: Eu nunca surto.

Depois de uns bons cinco minutos de paz no banheiro, voltou ao posto de enfermagem diante do setor movimentado, apenas para sentir o coração acelerar outra vez — dessa vez, de surpresa — quando viu o homem de quase um metro e noventa surgir bem diante de seus olhos.
usava uma máscara branca e boné preto virado para trás e a única coisa visível de seu rosto era o par de olhos azuis-claros. os reconheceria em qualquer lugar, mesmo que ele estivesse de máscara, mas as tatuagens de seu antebraço esquerdo também eram uma boa pista.
Ele olhou para os lados, observando ao redor e se dirigiu a .
— Você é a responsável aqui? — Ele desviou o olhar para o crachá dela. — Srt.ᵃ Reed?
— Sim, como posso ajudar?
— Henry Bailey...-
— O Sr. Bailey acabou de acordar — uma técnica o interrompeu, antes que terminasse de falar.
trocou um breve olhar com , pegou uma prancheta e fez sinal para que ele a acompanhasse. Encontraram Henry semi sentado na cama com uma mão na cabeça, parecendo perceber a faixa que havia ali.
— O que aconteceu com ? Pra onde o levaram? — ele perguntou assim que viu e desviou o olhar para . — Você sabe?
balançou a cabeça, enfiando as mãos no bolso.
— Mas é bom saber que pelo menos um de vocês tá bem.
— Sr. Bailey, eu vou chamar o médico para que ele possa explicar ao senhor sobre o seu caso e...
— Eu já entendi o meu caso, aquela menina me disse — Henry a cortou, impaciente, mas não necessariamente rude. — Eu quero saber do cara que tava comigo.
respirou fundo.
— Eu não atendi seu amigo. Ele ficou aqui por uns cinco minutos, no máximo, antes de decidirem levá-lo ao bloco cirúrgico. Até onde sei, ele ainda deve estar em cirurgia — ela explicou. — Não tive tempo de tomar conhecimento de tudo, mas aparentemente seu amigo estava com uma perna quebrada e talvez o braço... E havia um sangramento no tórax... Mas não posso dar um feedback a vocês sobre ele porque realmente não sei. Ele está com outra equipe agora.
— Eu sou o gerente dele, diga a quem quer que for que podem reportar as notícias a mim — Henry informou.
— E a mim — acrescentou, firme. — Não vou embora antes de ter notícias do .
— Vou pedir ao médico para vir conversar com você, Sr. Bailey — garantiu. — Como está se sentindo? O senhor sente alguma dor? Tontura ou náusea?
— Não, nada. Estou bem. Apenas um pouco dolorido. Quanto tempo terei que ficar com esses pontos? — Ele apontou para as suturas.
— Em torno de dez dias, a depender da sua cicatrização. Algumas pessoas ficam menos tempo e outras mais. — respondeu. — Agora, se me der licença. Chame se sentir algo — ela acrescentou, antes de sair em direção ao corredor agora um pouco mais silencioso devido ao horário, as coisas estavam calmas por enquanto. No corredor, viu apenas algumas técnicas de enfermagem andando para lá e para cá com suas bandejas de medicações de horário já prescritas.
Nem precisou olhar para trás para saber que a seguia. Além da sensação, quando cumprimentou as meninas, algumas delas olhavam por cima de seu ombro para o poste ambulante que a acompanhava.
— Você não quer conversar com seu gerente? — ela perguntou, sem se virar. — Aproveita que ele tá sozinho naquele quarto. Vou ser boazinha e deixar você ficar lá também.
Foi quando ela sentiu sua mão ser puxada, forçando-a a se virar.
— Você tem que fazer alguma coisa. — a encarou nos olhos.
franziu o cenho, incomodada.
— Não tenho o que fazer. Seu amigo tá com outra equipe agora. Você deve aguardar o médico e pedir notícias a ele — ela informou novamente, antes de puxar o braço.
Mas não a soltou.
— Quer mesmo que eu acredite nisso? Você trabalha aqui, então deve conhecer o pessoal. Consiga notícias com alguém do bloco. Tenho certeza que consegue ser mais rápida do que qualquer um se mandar uma mensagem pra alguém.
— Eu não tenho obrigação de fazer isso. Não é meu trabalho e seu amigo não é meu paciente, logo, não é minha responsabilidade. — puxou o braço, dessa vez se livrando do aperto.
Deu as costas para ele e continuou a andar. Mal deu dois passos quando ouviu sua voz novamente.
a chamou pelo apelido pela primeira vez desde que chegou ali e ela parou de andar. — Acha mesmo que vou acreditar que você não se importa?
fechou os olhos e respirou fundo, ainda de costas. Sentiu seus olhos arderem de novo e encarou o teto, soltando o ar devagar.
. Por favor — ele pediu.
— Uma mensagem. Vou enviar uma e pronto. — Ela se virou para encará-lo. — Não vou ficar enchendo outra equipe de perguntas só porque você quer.
sorriu, aliviado. Mal sabia que já ia fazer exatamente aquilo, mesmo que ele não pedisse, mas ela nunca admitiria. Porque não perguntaria para satisfazer ou Henry, mas a si mesma. Pelas próprias razões egoístas.
Não mentiu quando disse que não era de sua responsabilidade perguntar sobre o paciente de outra equipe, especialmente quando nem tinha feito algum procedimento nele. Chegava a ser até antiético e nenhuma de suas colegas tinha que lhe dizer nada. Mas sabia que ela diriam assim mesmo.
No hospital, era comum discutirem sobre os pacientes, independentemente de quem fossem. A equipe de enfermagem e os médicos sempre trocavam experiências juntos. Querendo ou não, alguém sempre sabia de algo e não era qualquer um.
sabia que na manhã seguinte era provável que os jornalistas estivessem sabendo até mais informações que ela, que estava ali dentro. E tinha certeza de que a internet já devia estar comentando sobre o acidente de Hero .
— Obrigado, . Vou ficar te devendo uma — disse, mas ela não respondeu nada. Deixou a prancheta na bancada do posto de enfermagem e caminhou com ele até uma sala de espera vazia, onde se sentaram juntos.
tirou o celular do bolso de seu pijama hospitalar.
— O que você vai fazer quanto aos jornalistas? Tem alguém além de Henry pra lidar com isso? — ela perguntou, enquanto digitava uma mensagem para Veronica, uma das enfermeiras que estava de plantão no bloco cirúrgico.
— Bem, eu não queria, mas se for necessário, eu lido com eles. Ou publico algo na internet, sei lá.
— Acho melhor você pedir a Henry pra ligar pra algum assessor de imprensa e deixar ele cuidar disso — ela sugeriu. — Aposto que antes das oito da manhã já vai ter um monte de jornalistas aqui. Mas não quero ter que lidar com eles, então é melhor você cuidar disso logo. Especialmente antes de descobrirem que você tá aqui.
— Eu tomei cuidado antes de vir, até arrumei uma máscara. — Ele levantou a mão, a máscara agora pendendo entre seus dedos.
o encarou com ironia.
— Você chama isso de disfarce? Você tá parecendo um meliante com essas tatuagens de fora — ela zombou. — Cuidado, talvez a polícia possa te confundir com algum bandido procurado, . Você devia pelo menos ter vestido uma jaqueta.
revirou os olhos, fazendo uma careta.
— Não tive tempo. Nem pensei nisso quando saí de casa. Além disso, não é nada profissional da sua parte falar isso de mim, Srt.ᵃ Reed.
— Ah, desculpe. Você tava sendo informal comigo, achei que pudesse fazer o mesmo. — Ela deu de ombros, revirando os olhos.
O celular vibrou com uma resposta de Veronica e abriu a mensagem. Ao seu lado, se inclinou para ler também.

Veronica: Ele tá bem, ainda se recuperando na SRPA. Vamos esperar ele acordar e ver se tá tudo ok, mas o médico acha que talvez seja melhor mantê-lo sob sedação durante um tempo por conta da dor. Ele teve quatro fraturas no braço direito e uma na perna. O médico decidiu inserir algumas placas na parte superior, mas não houve cirurgia na perna.

: Ele vai ser transferido pra um quarto depois?

Veronica: Provavelmente. Você chegou a falar com algum responsável? Não tive contato com ninguém ainda.

: Tô com um do meu lado. O gerente dele continua na urgência em observação.

Veronica: Precisamos saber se vão querer que ele seja transferido para um quarto ou enfermaria. Ainda que eu meio que já saiba a resposta, ainda preciso perguntar.

— Quarto, óbvio. O mais privado possível. Hero vai surtar de tiver um monte de gente ao redor dele — respondeu. — E o que é SRPA? — ele quis saber.
— Sala de recuperação pós-anestésica — respondeu, enquanto digitava uma resposta.

: Ele disse que é melhor um quarto privado. Transfira ele para o andar VIP.

Veronica: Vou precisar da assinatura dele na autorização. Os documentos estavam com o paciente. Você pode trazer ele aqui?

: Posso. Aqui tá tranquilo. Vou pedir pra uma das meninas ficar de olho e me avisar, caso precisem de mim. Daqui a pouco a gente chega aí.

— Vamos lá. — se levantou, um minuto após enviar mensagem para outra pessoa.
a acompanhou até um elevador para funcionários e os dois entraram juntos. Em seguida, viu se encostar na parede metálica atrás deles e suspirar, cansada. Desviou o olhar para o relógio digital que havia ali e notou que já se passava das duas da manhã.
— Você tá bem? — ele perguntou, se encostando na outra parede, com as duas mãos nos bolsos da calça.
— Por quê?
— Você parece cansada.
— É... Faltam só mais umas cinco horas, e mal posso esperar pra ir pra casa e não chegar mais perto de uma emergência nem tão cedo.
— Quer dizer que você não costuma ficar lá?
negou com a cabeça.
— Eu trabalho na UTI. E por incrível que pareça, lá é definitivamente mais tranquilo.
— E se Hero não vai pra lá é uma coisa boa, não é?
— Sim, mas nem todos que vão pra UTI são casos graves. Às vezes, algumas pessoas aparecem apenas pra tomar alguma medicação específica que normalmente é aplicada lá. Mas isso já não acontece há um tempo. Os médicos procuram alternativas pra evitar a ocupação de leito intensivo, mesmo que seja temporário. Nunca se sabe quando algum caso grave pode aparecer e precisar dele.
— Tem razão. Você acha que Hero vai precisar de muitos cuidados? Não sei se ele vai lidar muito bem com estranhos tocando nele.
— Como assim? Ele vive sendo tocado por estranhos. Vocês vivem sendo tocados assim, .
— Mas é diferente. Dessa vez tem a ver diretamente com a privacidade dele, . Vai por mim, fala pra quem quer que for se preparar. Todas as vezes que teve que ir pra um hospital, ele sempre foi um péssimo paciente.
riu, lembrando da impressão que tivera sobre ele ser um paciente complicado, mas não comentou nada.
— Você avisou a e ?
— Sim, mas eles tão viajando ainda e... É, você já sabe disso. Enfim, pediu pra mandar notícias, assim que souber de algo. Eles vão comprar uma passagem de volta pra cá amanhã, provavelmente.
— Entendi. — assentiu e encarou o visor do elevador, que logo parou no andar do bloco cirúrgico.
seguiu ela por um corredor vazio com portas enormes e viu apertar uma campainha. Menos de um minuto depois, uma parte menor da porta se abriu. Ele nem mesmo tinha notado que havia mais de uma divisão.
Uma mulher de cabelo e olhos escuros surgiu com uma prancheta na mão e ele supôs que aquela era Veronica. Estava usando uma roupa parecida com a de , mas de cor diferente, além de uma touca branca idêntica a dela e uma máscara.
— Você deve ser o responsável. Preciso que leia esse documento. Enquanto vocês vinham para cá, o Sr. acordou, mas já dormiu outra vez. O médico disse que ele reagiu bem à cirurgia — ela comunicou. — Ele tem bons sinais vitais e deve ser transferido em breve, o quarto já foi solicitado e estão o preparando para que ele possa se instalar.
— Que cirurgia ele fez?
Quais — ela corrigiu, e então começou a explicar o que tinha dito por mensagem. — Ele foi atendido por dois ortopedistas e um cirurgião geral. Quebrou a perna esquerda, mas foi algo simples. O braço direito dele sofreu o impacto maior e quebrou em mais partes. Os médicos tiveram que inserir algumas placas com parafusos e fizeram uma imobilização inicial com uma tala de gesso que daqui a algumas semanas será trocada por uma mais leve.
— Você acha que vai demorar muito pra ele se recuperar?
— Recuperações ortopédicas sempre demoram mais. Ele vai precisar de muita fisioterapia, especialmente para reaprender a se movimentar. Os tendões foram atingidos também, como você deve imaginar e... Enfim, é um pouco complicado, mas não tanto quanto imaginávamos. Por volta de três semanas, ele já vai estar usando uma tala removível e poderá iniciar as sessões de fisioterapia.
— E quanto ao tórax dele? — lembrou. — Tinha muito sangue...
— Apenas alguns cortes e duas costelas fraturadas. Houve uma hemorragia, mas apenas um alarme falso. Nenhum órgão foi atingido.
— Ainda bem. — suspirou, aliviada.
assinou o documento e devolveu a prancheta para a enfermeira.
— Obrigada. Agora, vai ficar por conta de Andressa. Acho que ela vai estar de plantão até amanhã à noite. Manda mensagem se quiser saber de algo. Os relatórios diários também são feitos duas vezes ao dia, mas… acho que vocês se conhecem, né?
assentiu, um pouco acanhada. Conhecer celebridades? Aquilo não era para qualquer um.
— Vou convencer a nos manter informado, obrigado. — sorriu.
Alguns minutos depois, eles entraram no elevador novamente.
— Sabe, acho que isso é meio que um sinal, você não acha? — perguntou, de repente.
— Sinal de quê?
— Do destino. Você e Hero se encontrando assim, numa situação de vida ou morte.
suspirou, impaciente.
Ótimo, ele estava prestes a começar a ladainha de novo.

Capítulo 10

rolou os olhos.
— Não é uma situação de vida ou morte. — Ela o encarou.
Agora não, mas era quando ele chegou aqui e você sabe disso. Vai mesmo me dizer que não se importou em nenhum momento?
— Claro que me importei, eu sou fã da banda de vocês e Hero sempre foi o meu favorito.
, já faz dez anos... Eu sei que te prometi não contar a ele que sei sobre você, mas ele ainda pensa em você. Todas as músicas...
— Não, . Ele criou uma personagem para as músicas, vocês criaram. Eu não tenho nada a ver com isso — retrucou. — E como você disse, já faz dez anos. pode ter uma lembrança de mim, mas tenho certeza que se eu aparecesse na frente dele, ele nem iria se lembrar do meu rosto. Não iria me reconhecer agora. E você sabe disso — ela acrescentou, repetindo as palavras dele.
A porta do elevador de abriu e ela saiu apressada, com em seu encalço como um maldito fantasma que estava sempre lá para irritá-la com aquele assunto.
— Droga, ... Você nunca ficou curiosa? De saber como seria se vocês se vissem outra vez? Eu sei que mudou um pouco, mas...
— O quê? Vai dizer que o Simba existente nele ainda tá lá, por baixo dessa pele de Scar que ele construiu? — ela perguntou, sarcástica. — Acho que pelo que me lembro, da última vez em que perguntaram da tal Garota em uma entrevista, Hero disse em alto e bom som: que se foda ela.
— Eu sei que você é mais inteligente que isso e que, no fundo, não levou esse tipo de merda a sério. Você sumiu por anos, . tem boas lembranças de você e sempre quis te ver outra vez, mas ele também sentiu raiva. Ele expressa o que sente nas músicas.
— Então, talvez ele esteja um pouco apático agora já que vocês não lançam nenhum single que preste há anos — ela rebateu, sem se sentir mal por estar sendo meio cruel.
tentava convencê-la a encontrar há anos. Quatro, para ser exata. Fazia dois anos que estava trabalhando no Mount Silla quando encontrou na emergência. Ficou pouco tempo naquele setor, até adquirir sua especialização em UTI e ter uma oportunidade de trabalhar lá.
Na ocasião, ele havia se cortado com uma faca de cozinha enquanto cozinhava e precisou levar alguns pontos na mão. Uma coisa levou à outra e eles tiveram um reconhecimento mútuo. Na verdade, tinha ficado surpresa ao vê-lo ali e acabou ela mesma se apresentando. Mas às vezes, se arrependia disso.
Como naquele momento.

28 de janeiro de 2012 — Quatro anos atrás — Hospital Mount Silla, Nova York

encarou , incrédulo. Então, sem pensar duas vezes, ele a puxou para um abraço apertado. Ele sempre pensou em fazer aquilo caso um dia a encontrasse. O motivo nada mais era do que gratidão. A banda só tinha alavancado o sucesso por causa dela. Por causa do vídeo que ela postou e se tornou viral, seis anos antes.
— Você pode se sentar pra que eu possa enfaixar sua mão?
Ele a obedeceu, ainda sem acreditar naquela coincidência.
— Hero vai surtar quando eu disser a ele. Minha nossa, ...! Por onde você se meteu? Por que você nunca entrou em contato e...?
— Eu sempre acompanhei vocês, . Ainda acompanho. Sou uma fã fiel, mas só isso. Embora eu sinta falta de , às vezes — ela admitiu.
— Só de , é? — ele perguntou, desconfiado. — Aposto que e os caras vão ficar eufóricos quando descobrirem-
— Não, por favor — o interrompeu, rapidamente. — Não quero que conte. Foi bom te ver, mas não quero ver .
— O quê? Por que não? — Ele franziu o cenho, confuso.
— Porque não. Não é como se fosse ser um grande evento...
— É óbvio que seria um grande evento, ! Você é a porra da musa dele, a nossa musa. A Garota de todas as músicas. Você... Ele sempre quis te agradecer pelo que fez. Todos nós, na verdade.
— E vocês escreveram um monte de músicas sobre mim. É o suficiente. Eu já entendi que vocês são gratos, . E como fã, me sinto muito lisonjeada de ser uma inspiração pra vocês... E pra . Mesmo depois de tanto tempo — ela concluiu, terminando o curativo. — Prontinho. Amanhã você pode tirar o curativo e ficar fazendo a higienização com água e sabão e pode usar a pomada que a médica te receitou. Ah, e os medicamentos, caso sinta dor...
Reed. Então esse era o seu sobrenome — disse, ignorando o que ela dizia. — Eu ainda não acredito que você tá aqui na minha frente. E que tá sendo uma maldita cabeça dura. Eu deveria mesmo dizer a Hero que vi a . Ele pediu isso, lembra? "Diga que estou procurando por ela".
riu, divertida com o trocadilho da música do McFly que Hero fez cover alguns meses atrás. O que só levantou a hipótese de que o nome da tal Garota que eles citavam nas músicas era mesmo. Ainda que todos eles nunca tivessem admitido e sempre inventassem um nome diferente quando alguém perguntava.
Dezenas de fanfics sobre a Garota tinham surgido durante o passar dos anos e se divertia muito com isso. Mas nunca quis aparecer. Preferia se manter distante, acompanhando Hero e a Cave Panthers apenas como uma fã faria.
— Por mais tentador que seja... Eu prefiro que você guarde segredo, .
— Ótimo. Então vou dar um jeito de descobrir seus plantões aqui e talvez dar uma surra no pra mandar ele pra cá e ele ser atendido por você. Uma coincidência do destino — ele retrucou.
riu do plano mirabolante.
— Ah, é. Muita coincidência mesmo. Mas é sério. Prefiro manter distância. Sei como se sentem, mas quero apenas permanecer como uma fã-
— Ah, não. Acha mesmo que vou te deixar escapar fácil assim? — a interrompeu. — Nem pensar. Me dá seu telefone, . — Ele estendeu a mão.
suspirou.
...
— Nada de . Passa pra cá — ele insistiu. enfiou a mão no bolso do jaleco, tirando o aparelho e o pegou antes que ela mudasse de ideia.
Sem código de acesso, ele conseguiu desbloquear a tela apenas arrastando com o dedo. E então anotou seu número na agenda dela e ligou para si mesmo. Quando sentiu seu próprio celular vibrando no bolso da calça jeans, ele o devolveu.
— Isso é uma péssima ideia — comentou.
— Isso é uma ótima ideia — ele retrucou. — Você não achou que eu iria calar a boca sem nada em troca, né? Agora você é minha mais nova amiga. Lide com isso.

28 de fevereiro de 2016 — Dias atuais — Hospital Mount Silla, Nova York

— Não precisa agir que nem uma escrota — retrucou, irritado. — Eu não entendo do que você tem tanto medo, sinceramente. não vai te morder. Você não faz ideia do que ele passou nos últimos anos.
— Não mesmo. Tudo o que sei é pela mídia. Até por que você escolheu não me contar nada — ela lembrou, parando de andar no meio do corredor vazio e se virou para encará-lo.
— Já que resolvi manter em segredo do meu melhor amigo que a garota que ele, por sinal, ainda pensa há dez anos, nada mais justo do que manter alguns segredos de você também — ele justificou. — não é só o que ele mostra na mídia, . Eu sei que as atitudes dele nos últimos anos foram decepcionantes e que perdemos muitos fãs por causa disso, mas... Nem tudo é o que parece.
— Você tem razão, . Eu não faço ideia do que você quer dizer com isso.
— É isso aí. E só vai saber quando deixar de ser cabeça dura e finalmente mostrar a cara — ele retrucou, olhando no fundo dos olhos dela, a ponto de se sentir inquieta. Não se surpreenderia se conseguisse manifestar, por acaso, algum poder de congelar ela com aqueles olhos frios dele. Mesmo sabendo que era impossível. — Tem tanta coisa que eu queria te dizer, , tanta coisa... Mas infelizmente eu fiz uma promessa a mim mesmo e não pretendo quebrar.
— Eu também não tenho nenhuma intenção de fazer isso acontecer, . Assim como não tenho intenção de encontrar novamente, em qualquer situação que não seja avistando ele em cima de um palco, enquanto estou no meio da multidão.
— Escondida, você quer dizer. Enquanto você se esconde no meio da multidão — ele corrigiu. — Você é realmente uma mulher cruel, . E dessa vez eu tô falando sério — ele acrescentou, franzindo o cenho, parecendo realmente incomodado.
— Ei, não exagera. Isso não é nada de mais.
— Será que não ia ser nada de mais se tivesse morrido bem ali na sua frente?

— Eu vou pra casa agora — ele a interrompeu, dando aquela conversa por encerrada. — Preciso dormir. E acho que você também. Amanhã eu volto pra visitar e Henry. Se você souber de mais alguma coisa, me avisa, por favor.
apenas assentiu, em silêncio. retribuiu o gesto e foi embora. Ela o assistiu desaparecer quando virou no próximo corredor e então sentiu seus olhos arderem novamente.
Não tentou impedir as lágrimas dessa vez.

***


fechou o zíper da bolsa e juntou o longo cabelo castanho para o alto e fez um rabo de cavalo apertado, tendo certeza de dar três voltas com o elástico. Já não estava mais com a roupa do trabalho, agora devidamente guardada em um saco plástico na bolsa para não se misturar com suas outras coisas. Agora vestia uma calça jeans skinny na cor azul e uma camiseta branca soltinha por dentro dela. O par de tênis que costumava usar no trabalho estava novamente em seus pés, antes dela pegar o jaleco para vestir.
Abotoou apenas dois botões e ajustou a máscara no rosto enquanto andava pelos corredores do hospital até localizar o elevador de funcionários e subir até a área VIP, onde estava internado.
Já eram quase oito da manhã e ela não tinha dormido nada durante as últimas horas de trabalho. Quando a próxima enfermeira chegou para assumir o plantão, passou o caso e evolução de todos os pacientes antes de ir tomar banho. Não gostava de andar na rua de uniforme, como muitos faziam, ignorando que aquilo nem mesmo era recomendado, então sempre fazia isso antes de ir embora.
Quando o elevador abriu, desabotoou os dois botões do jaleco e caminhou pelo corredor até encontrar com Andressa no posto de enfermagem daquela área.
— Você ainda tá de jaleco? — Andressa perguntou, com um sorriso. — Achei que já tivesse terminado o plantão.
— Só por enquanto. Terminou, mas tem gente que não curte muito enfermeiras tatuadas. — deu de ombros. — Não quero dar material pra comentarem algo.
A maioria dos profissionais não gostava exatamente de usar jaleco e faziam isso apenas em algumas ocasiões, já que os pijamas cumpriam um papel muito melhor em termos de eficiência e conforto. usava às vezes, mesmo por cima do pijama, mas nunca era por muito tempo.
Eles podiam sujar com muita facilidade também e ela não era muito fã de branco exatamente por isso.
— Como se suas tatuagens fossem enormes. — Andressa rolou os olhos. Ela mesma tinha tatuagens realmente enormes por baixo do uniforme, mas nenhuma ficava muito visível. — Você veio ver ele? As meninas vão administrar as medicações daqui a pouco.
— Ele acordou alguma vez? — quis saber. — O amigo dele me pediu pra dar notícias, caso eu soubesse de algo antes do relatório matinal, então resolvi passar por aqui.
— Ele ainda não acordou, mas acho que vai fazer isso em breve. O efeito da sedação já deve estar acabando e ele provavelmente vai querer ir ao banheiro — Andressa respondeu. — Tô só pensando em como vai ser isso. Seria bom ter ajuda de um acompanhante. Alguém que ele confie e conheça.
— Vou falar com o amigo dele pra vir. Você acha que ele consegue tomar banho no chuveiro? Não acho que banho no leito seja uma opção muito agradável pra ele — comentou, lembrando do que tinha dito na noite passada sobre odiar ser tocado por estranhos.
— Se cobrirmos bem o gesso da perna e tomarmos cuidado com os movimentos, então acho que sim. E ele tem uma mão livre, então pode ajudar.
Isso era algo fundamental no banho no leito. Se o paciente estivesse consciente e com mobilidade suficiente para auxiliar no próprio banho, então era certo deixá-lo fazer isso, nem que fosse apenas para ajudar com suas partes íntimas. Um paciente por si só já enfrenta algum tipo de vulnerabilidade mesmo não estando em estado grave. Mas isso costumava ser muito mais evidente em vítimas de acidentes, que se tornavam muito mais sensíveis quando se viam com independência reduzida, ou pior, totalmente dependentes de cuidados profissionais para fazer até mesmo as necessidades mais básicas.
era uma grande fã da teoria do autocuidado e da adaptação e tinha o hábito de incentivar muito isso aos seus pacientes, já que eles também tinham sua cota de responsabilidade pela manutenção do próprio bem-estar. Não era o tipo de enfermeira que ficava à espreita a todo momento, pronta para ajudar algum paciente com coisas que ele podia muito bem fazer sozinho. Seu cuidado não envolvia nenhum tipo de adulação.
Se o paciente se recusava a fazer algo, ela não insistia mais que duas, três vezes, no máximo. E por incrível que pareça, quando ela dava sinais de desistir de convencer a pessoa a fazer algo, normalmente elas mudavam de ideia.
Como uma espécie de psicologia reversa. Muitos adultos quando precisavam de cuidados médicos agiam como se fossem crianças grandes, com medo das coisas mais simples e igualmente birrentos e irritantes.
— O amigo dele disse pra vocês ficarem atentas, porque ele costuma ser um paciente difícil sempre que precisa ir a um hospital — disse, arregalando os olhos levemente, no típico olhar que muitos profissionais costumavam trocar quando falavam de pacientes chatos.
Andressa fez uma careta de desgosto.
— E eu achando que ele parecia ser alguém simpático. Pelo menos na TV, ele parece — ela comentou, antes de se levantar. — , eu sei que você tá cansada, mas pode segurar aqui um pouquinho enquanto eu vou ao banheiro? Acho que comi algo ontem que me fez mal.
riu pelo nariz.
— Claro, vai lá. Eu vou ficar por aqui, caso alguém precise de ajuda — ela garantiu.
Um minuto depois, tinha acabado de se sentar na cadeira que Andressa tinha ocupado, quando uma técnica de enfermagem surgiu com uma bandeja de medicamentos.
— Vou fazer a medicação do Sr. agora — ela comunicou. — Quer vir junto?
Não mesmo.
— Vou ficar aqui, caso precisem de mim. Se você precisar de ajuda, me avise — a dispensou suavemente.
Tinha ido saber notícias dele, mas evitaria ao máximo vê-lo pessoalmente, se pudesse.
A mulher assentiu e observou ela entrar em um quarto a cerca de dez metros dali. Alguns minutos depois, já tinha enviado algumas mensagens para , o atualizando e também o intimando a se voluntariar como acompanhante de , quando ouviu gritos e xingamentos vindo do quarto dele, o que alarmou não só ela, mas também outras garotas da equipe, que a seguiram imediatamente quando correu até o quarto.
— Que porra é essa no meu braço?! gritou, em um misto de irritação, desespero e provavelmente dor, também. — Tirem essa merda de mim! Onde eu tô, porra?! Onde eu tô?!
— Senhor, por favor, se acalme. O senhor sofreu um acidente e passou por uma cirurgia, precisa de medicamentos... — a técnica de enfermagem tentou explicar.
— Ninguém vai tocar em mim! Ninguém! — ele continuou a gritar, sacudindo o braço livre até o oxímetro de pulso cair. — Arranca essa porra. Eu não quero isso! Quero que tirem essa porra do meu braço, eu não consigo mexer! Não consigo...
pareceu perder o fôlego por um instante, até que começou a respirar muito rápido, o suor tomando conta de sua pele, enquanto a vermelho de irritação que havia em seu rosto era substituído por uma palidez instantânea.
— Porra... xingou baixinho, percebendo o que estava acontecendo.
— Senhor, os medicamentos... — A técnica tentou se aproximar novamente, com a bandeja nas mãos.
— Vá embora! — gritou uma última vez, antes de empurrar a bandeja das mãos dela, fazendo com que todos os medicamentos caíssem no chão.
— Saiam daqui! — ordenou. — Chamem o médico de plantão e me deixem sozinha com ele.
— E as medicações? — a técnica perguntou, assustada. — Ele não vai deixar a gente fazer...
— Prepare uma nova bandeja e traga para mim — ela disse baixo, as instruindo rapidamente. — Diga ao médico que o paciente está tendo uma crise de pânico e talvez vá precisar de calmantes. Agora, me deixem a sós. O responsável por ele disse que ele não é um paciente fácil e não lida muito bem com estranhos. Vou tentar conversar com ele.
As garotas assentiram e quando saíram de lá, andou a passos firmes até a cama.
— Sr. , está me ouvindo? Eu sou enfermeira, o senhor está tendo uma crise de pânico. Precisa se acalmar. Não vamos fazer nada que não queira — murmurou suavemente, colocando uma mão em cima da dele.
puxou a mão de uma vez, como se o toque dela o queimasse.
— Não. Me. Toque — ele rosnou, irritado, a encarando pela primeira vez. Balançou o braço novamente, tentando se livrar do acesso periférico com soro que havia ali e xingou quando não conseguiu.
— Tira essa merda de mim! Que porra...! Tira isso... O meu braço, eu quero sair daqui, eu quero sair... — ele murmurou, respirando com dificuldade e então lágrimas começaram a escorrer pelo rosto.
... Me escuta. Ninguém vai tocar em você, tá bom? Só tem eu e você aqui e prometo que não vou deixar ninguém chegar perto — garantiu. — Você precisa respirar fundo agora e se acalmar. Você pode fazer isso? Vamos lá, inspire e expire. Inspire, expire. Vamos fazer isso juntos.
Devagar, ele começou a obedecer, respirando fundo em meio a soluços e lágrimas que ainda escorriam pelo seu rosto. podia ver o medo, ansiedade e angústia em seu olhar, e sentiu o peito apertar ao vê-lo daquela forma.
— Isso mesmo, . Respire — ela o incentivou mais e alguns minutos depois, ele parou de chorar e parecia relativamente mais calmo.
Do jeito calmo que uma bomba-relógio era. sabia que ele podia explodir a qualquer momento e quando ele viu ela se aproximar com uma nova bandeja de medicamentos, a encarou com um olhar acusador no rosto.
— Tira isso de perto de mim — ele ordenou, irritado. — Eu não quero. Você disse que não ia fazer nada que eu não quisesse.
suspirou e colocou a bandeja na mesa de cabeceira ao lado da cama.
— E eu não vou. Mas preciso conversar com você primeiro — ela disse, se sentando em uma cadeira ao lado da cama. — Eu não sei até onde você lembra, mas você e Henry sofreram um acidente ontem à noite. Ele está na urgência agora, mas teve ferimentos leves e logo terá alta. Já você, teve algumas fraturas no braço direito e foi necessário fazer cirurgia, além de ter fraturando duas costelas e a perna esquerda.
— E precisava colocar isso tudo no meu braço? — ele perguntou, ríspido. — Como eu vou tocar?! Eu tô parecendo a porra de uma múmia e um zumbi ao mesmo tempo!
Mas pelo menos você está vivo, seu idiota, pensou, respirando fundo, antes de voltar a falar.
— Eles são temporários e vão ser retirados em breve. Durante a cirurgia, os médicos colocaram algumas placas no seu braço. Mas precisa ficar imóvel o máximo de tempo possível — ela explicou. — Seu amigo, , esteve aqui de madrugada e foi quem pediu para que te transferissem para esse quarto. É a ala VIP do hospital. Ele não chegou a te ver ainda porque você tinha acabado de sair da cirurgia e estava inconsciente, mas deve aparecer logo.
— Quanto tempo vou ter que ficar aqui?! Eu quero ir embora.
— É provável que seja necessário alguns dias de recuperação no hospital, antes da sua alta. Vai depender de como você for evoluindo, no entanto, acredito que em poucos dias você estará em casa. Mas para que isso aconteça, nós precisamos que você aceite os medicamentos.
— Eu não quero nenhum estranho tocando em mim. Mande vir. Eu não quero gente estranha entrando e saindo daqui.
— Essas pessoas fazem parte da equipe de saúde. Ninguém vai te fazer mal. Todos nós queremos que se recupere o mais rápido possível...
— Eu não... Eu não sei lidar com isso, tá legal? — Ele esfregou o rosto com a mão livre. — Eu tenho remédios em casa... Preciso deles pra... Respirar direito. — Ele engoliu em seco.
— O senhor tem algum histórico médico? Algum tipo de transtorno? — ela perguntou suavemente.
fechou os olhos por um instante.
— Tenho síndrome do pânico e sempre fui muito ansioso. Geralmente, fico muito nervoso nessas... Situações.
— Entendo. Veja, , eu estou aqui pra te ajudar, tudo bem? Como eu disse, você passou por uma cirurgia e precisa tomar alguns medicamentos. Pode não estar sentindo muita dor agora, mas se não tomar os remédios, isso vai piorar.
— Não gosto de agulhas — ele resmungou, sem olhar para ela.
Uma luzinha se acendeu na mente de .
— Eu não vou te furar. Vou aplicar a medicação direto no soro — ela explicou. — Você deixa eu fazer isso? Prometo que não vai doer.
— Vai demorar? — Ele a encarou com desconfiança e quase riu.
— Não, não vai. Veja. — Ela apontou para a bandeja, onde havia três seringas de 20ml, cada uma com o nome da medicação em uma etiqueta. — Vou usar essa parte. Você já viu isso antes, não é? — Ela apontou para uma parte específica do equipo, usada para injetar medicamentos.
— Tudo bem — ele respondeu, por fim.
sorriu e começou a aplicar as medicações lentamente, enquanto explicava tudo a ele de forma calma e tranquila. Ao fim de tudo, estava mais tranquilo e a palidez de antes havia sumido.
— Prontinho. — Ela devolveu a última seringa para a bandeja.
— Estou com sede — ele disse, encarando um ponto atrás dela, que percebeu ser um bebedouro que havia ali, ao lado de um sofá marrom pequeno. — Eu quero água.
olhou para o relógio na parede e conteve uma careta.
— Você não pode beber água ainda — ela anunciou.
— Como assim? Que porra é essa de não poder beber água?
— Sua cirurgia ainda é recente e você ainda precisa aguentar mais algumas horas sem ingerir nenhum tipo de alimento ou líquido. Devido à anestesia — explicou. — É para evitar efeitos colaterais. Muitos pacientes acabam burlando essa regra e acabam tendo fortes dores de cabeça depois.
— Quer dizer que eu tenho que ficar com sede por sei lá quanto tempo?!
— Sim, mas tem uma coisa que talvez possa te ajudar. Uma alternativa — ela disse. — Só um segundo.
Então ela se levantou e foi até o bebedouro, voltando com um copo com água. Se voltou para a bandeja novamente e encontrou um tufo de algodão não usado, tirando um pedaço. Em seguida, molhou no líquido e tirou o excesso na borda do copo e então mostrou a .
— O que vai fazer com isso?
— Posso? — Ela mostrou o algodão novamente. — Eu vou te mostrar.
— Certo — ele permitiu, ainda meio desconfiado.
Com cuidado, ela aproximou a mão do rosto dele e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. passou a língua entre eles absorvendo a mínima sensação de hidratação oral e suspirou.
— Melhor? — Ele ouviu a enfermeira perguntar e a encarou. Ela parecia sorrir por trás da máscara.
— Um pouco — ele respondeu, a observando melhor.
— Posso confiar em você e acreditar que não vai beber a água se eu deixar ela aqui? — ela perguntou, apontando para o copo que não estava nem mesmo pela metade.
— Como se isso fosse uma grande quantidade... — ele zombou, rolando os olhos.
— Grande ou pequena, você ainda não pode beber. Só umedecer para enganar um pouco a sua mente. É como um disfarce — ela brincou. — Mas eu posso tirar esse copo daqui e deixar você sem nada.
— Isso é uma ameaça?
— É um aviso. Tem médicos que não aprovam nem mesmo isso. Só que eu sou amiga do que está de plantão hoje, então posso lidar com ele, se você quiser. Mas tem que me prometer que não vai tomar água e que vai obedecer à equipe. Quanto mais você cooperar, mais cedo você pode se recuperar, Sr. .
— Nós já nos vimos antes? — ele perguntou, de repente e viu os ombros da mulher enrijecerem por um segundo, antes dela disfarçar.
— Não, creio que não. Mas eu já te vi. Todo mundo te conhece.
— Ótimo. Quer dizer que você deve ser mais uma. — Ele riu, seco.
— Mais uma o quê?
— Das pessoas que devem me odiar.
franziu o cenho.
— Eu não te odeio, Sr. .
. Você me chamou assim antes.
— É o seu primeiro nome, está na sua ficha. Prefere que eu o chame de Hero?
negou com a cabeça.
— Não, é só... Acho que por um instante sua voz me fez lembrar de alguém — ele comentou baixinho, sem encará-la.
— Certo, entendo — ela disse e pela visão periférica, ele a viu se levantar com a bandeja nas mãos.
— Você já vai? — a pergunta saiu, sem pensar.
— Tenho que ir. Tive um plantão cansativo e não durmo há... — Ela encarou o relógio na parede. — Bem, provavelmente umas vinte e seis horas, o que é péssimo já que hoje à noite eu trabalho de novo. — Ela riu, sem graça.
— Quer dizer que mais tarde você volta?
— Para o hospital sim. Aqui, não. Eu não trabalho nessa ala. Vim apenas saber notícias suas com a enfermeira de plantão. Seu amigo me pediu esse favor.
?
— O próprio. Acho que ele pode aparecer a qualquer momento — ela disse e se virou para sair, mas então pareceu se lembrar de algo. — Ah, tem outra coisa que preciso te dizer.
— O quê?
— Sobre seu banho. Você vai precisar de ajuda. Sei que não gosta de estranhos te tocando, mas talvez seja necessário, caso você não consiga ir até o banheiro.
— Como assim? Você tá dizendo que preciso de alguém pra dar banho em mim?
— Ou alguém para te ajudar enquanto você toma banho — ela explicou. — Seu amigo pode te ajudar com isso. Ele pode te ajudar a chegar ao banheiro e você pode usar sua mão livre para tomar banho sozinho. Assim, você pode ficar um pouco mais confortável.
respirou fundo.
— Certo, entendi — ele respondeu, um pouco incomodado.
— Bem, tenho que ir agora. O médico deve aparecer em breve — ela informou e se virou novamente.
Cinco passos, pensou rapidamente. Cinco passos e estaria fora dali. Um, dois, três…
— Espera. — Ela ouviu falar novamente e se virou para encará-lo. — Você não me disse seu nome.
— Meu nome?
— Sim. Qual o seu nome? — ele quis saber.
Um segundo.
Talvez tenha sido esse o tempo que levou para pensar em alguma mentira, mas infelizmente a verdade escapou, antes que ela percebesse. Quatro míseras palavras. Duas frases curtas saindo de seus lábios como se eles tivessem vontade própria.
— É . Reed.
E saiu antes que pudesse ver qualquer reação que pudesse ter.

Capítulo 11

arregalou os olhos assim que ouviu aquele nome e por um momento achou que era sua mente lhe pregando peças.
É . .
Se assustou com a coincidência e não teve nem tempo de reagir, antes dela ir embora. Ele estava pensando exatamente em uma .
.
Sua .
Ela provavelmente ficaria decepcionada se visse como ele estava agora. Suas ações, sua personalidade péssima. Hero não fazia ideia de onde aquela garota tinha ido parar e nem por que ainda pensava nela depois de tanto tempo.
Vinte minutos depois que saiu, o médico apareceu sozinho e explicou novamente tudo o que ela tinha dito e mais um pouco. Pelo visto, ele ainda teria que permanecer com o braço imóvel por pelo menos três semanas, antes de se livrar do gesso e começar a fisioterapia.
apareceu no meio da conversa e trazia consigo uma sacola com os medicamentos que ele costumava tomar. Depois de uma breve avaliação, o médico permitiu a manter os medicamentos e tomar normalmente, enquanto ele lidava com a prescrição dos outros necessários para sua recuperação, com o resto da equipe.
Quando o médico saiu, o acompanhou e avisou que voltaria em breve, após falar com Henry. Aparentemente, havia dezenas de jornalistas na porta do hospital e eles estavam tentando lidar com isso de uma vez, já que permaneceria internado por mais alguns dias.
Depois que foi embora e ficou sozinho, ele pôde avaliar melhor o próprio corpo. Sua perna esquerda estava engessada, mas pelo visto seu joelho estava intacto. Ele espiou por dentro da bata do hospital e descobriu uma faixa em volta do tronco e alguns curativos aqui e ali. O médico comentou que nenhum de seus órgãos tinha sido atingido, mas duas costelas foram fraturadas durante o acidente. Ele também explicou a importância dele manter o jejum durante algumas horas, especialmente quando havia sido operado às pressas. Por sorte, não tinha bebido muito na noite anterior — nem estava com vontade, na verdade — e os paparazzi apareceram antes que ele pudesse pensar em começar a se divertir. Colocou uma mão sobre o estômago, sentindo-o reclamar de fome e suspirou.
Sabia que ficaria o dia inteiro sem comer, mas algumas horas depois ele poderia tomar líquidos. E caramba, ele queria muito, o que quer que fosse.
Encarou o relógio na parede que marcava onze horas. Em seguida, seu olhar caiu até o copo com água junto do tufo de algodão umedecido que de alguma forma tinha conseguido equilibrar na borda dele. Sem pensar muito, esticou o braço e pegou o algodão e o copo e umedeceu os lábios ressecados como havia feito mais cedo.
A sensação era boa. Boa de verdade. Era como se aquele copinho fosse um oásis no meio do deserto. deslizou o algodão molhado pelos lábios mais algumas vezes e passou a língua sobre eles, aproveitando a falsa sensação de saciedade.
No entanto, depois de alguns minutos, isso pareceu patético.
Era patético que ele estivesse com menos de 30 ml de água dentro daquele copinho descartável e não pudesse beber. Já tinham se passado umas nove horas desde que chegara ali, então que mal aquele tiquinho de água podia fazer?
Pensando nisso, colocou o algodão de lado e segurou o copinho com cuidado, encarando o líquido com atenção. Aproximou o copo da boca, mas parou antes que tocasse seus lábios. Não, ele pensou, afastando o copo novamente.
disse que faria mal se ele tomasse. Poderia sentir uma enxaqueca forte... Mas até então, já tinha lidado com várias ressacas horrendas depois de uma noite bebendo, nenhuma dor de cabeça podia ser pior que as que ele já costumava sentir, certo? Uma parte dele tentava convencê-lo de que estava tudo bem, mas a outra ficou martelando em sua mente, como uma vozinha lembrando que ele tinha prometido a ela que iria obedecer...
Não, espera. Ele não tinha prometido nada.
Não falou em voz alta quando ela perguntou, nem mesmo concordou com a cabeça. Na verdade, eles até mudaram de assunto e esqueceu o lance da água. Promessa não feita não é promessa quebrada, outra vozinha falou; provavelmente a do seu lado egoísta e irresponsável, mas...
— Ah, que se foda — ele murmurou para si mesmo. Ele ia tomar e pronto. Depois aguentaria as consequências, se é que elas viriam mesmo.
Estava prestes a virar o copo, quando uma voz o interrompeu.
— Ei, ei, ei! — se apressou até a cama, tomando o copo das mãos dele. — Eu te deixo sozinho por um instante e você já quer fazer o que não deve?
bufou, uma expressão de escárnio em seu rosto.
— Que porra é essa? É só água, me dá. — Ele tentou pegar o copo, mas o amigo se afastou. — Qual é, cara... Não é como se isso fosse algum tipo de droga. É literalmente só água. Você tá agindo como se eu fosse a porra de um viciado.
— Daqui há... — Ele checou o relógio. — Cerca de quatro horas você vai poder tomar líquidos, segundo a enfermeira. O nome dela é Andressa, caso você queira saber. Ela é bem legal, mas eu fiquei sabendo que foi outra enfermeira que conseguiu acalmar a fera que existe dentro de você.
revirou os olhos.
— Eu fiquei assustado — admitiu. Talvez ele tivesse problemas para admitir para qualquer outra pessoa, mas não para o melhor amigo. era a pessoa em quem ele mais confiava no mundo. — Tive uma crise de pânico, acho que ela percebeu. Acho que todo mundo percebeu. Só espero que essa merda não caia em alguma manchete daqui a algumas horas.
— Ter síndrome do pânico não é crime, . Você é velho o suficiente pra entender isso — comentou. — Mas se serve de algo, eu conversei com o diretor do hospital e ele disse que iria tentar fazer o possível pra manter sua privacidade intacta. Poucas pessoas sabem desse problema e vai continuar assim.
— Espero que sim. Odeio hospitais. E odeio ter pessoas estranhas tocando em mim. Ainda mais sem me avisar.
— Você tava dormindo. E ninguém tinha como prever que você reagiria daquela forma. Aposto que você fez isso antes de pensar.
E ele tinha feito mesmo. Era automático, como um instinto. Quando se deu conta, já estava gritando e xingando e então veio a dificuldade de respirar, o suor, e ele ficou momentaneamente tonto e nauseado; até aquela enfermeira expulsar todo mundo do quarto e ele conseguir voltar a respirar.
— Seu silêncio diz tudo. — suspirou. — Mas e aí? disse que pelo menos conseguiu te dar a medicação. Vocês conversaram?
— Como você sabe o nome dela? Você conhece aquela mulher? — indagou, arqueando uma sobrancelha.
— Na verdade, sim. Lembra quando eu cortei a minha mão? Conheci ela naquela noite.
— Ah, ela não é a sua amiga misteriosa, né? Ou seria namorada? — Hero perguntou, com sarcasmo.
— Eu não tenho nenhuma amiga misteriosa — mentiu. — Mas se eu tivesse uma namorada, é claro que você seria o primeiro a saber, seu idiota.
Aquela parte era verdade.
— Tá, vou te dar o benefício da dúvida. Você pode me ajudar aqui? Preciso ir ao banheiro — Hero pediu. — E aproveita pra ir se acostumando porque eu não vou mostrar minha bunda pra nenhum desconhecido quando for tomar banho.
— Ah, mas mostrar a bunda pra mim tá tudo bem, né? Que privilégio — brincou. — Não que eu esteja interessado em ver.
— Eu te conheço desde que nasci, então isso é justificativa suficiente. Além disso, eu ainda tenho uma mão livre, um braço inteiro bom.
— Um braço bom, uma perna ruim. Não acredito que você se meteu nessa — o amigo comentou, enquanto Hero se apoiava nele, sentindo o peso incômodo de todo o gesso em volta de seu braço direito.
Imaginou como diabos o Buck aguentava o peso do próprio braço, ainda mais de ferro? Mas aí ele lembrou que o Soldado Invernal não era um ser humano qualquer.
— Você fala como se eu tivesse provocado a porra do acidente — Hero resmungou. — A gente tentou desviar.
— É, eu sei. Desculpa. Mas tô muito aliviado que você tá bem, irmão — disse. — Você e Henry. A outra pessoa não teve a mesma sorte.
Hero achou por um momento que ele não teria aquela sorte também. Viveu o clichê de ver a vida passando pela sua mente enquanto o carro capotava como um dado recém-arremessado. E tudo o que ele conseguia pensar era nas coisas que gostaria de ter feito e não tinha conseguido.
Queria viajar mais com sua mãe e fazer as pazes com seu pai. Queria aprender a fazer pizza em casa com e terminar aquela música idiota que tinha começado a compor com . Queria retribuir mais todo o amor e carinho que recebia de seus fãs. Queria ter sido uma pessoa melhor, de quem todos tivessem orgulho. Mas quando a aceitação do fim veio, pouco antes dele desmaiar, ele pensou apenas em duas pessoas.
Uma era seu avô, a quem ele encontraria em breve, o que de certa forma o confortava. A outra pessoa era . Sua . Aquela que era sua maior confidente sem nem mesmo saber. Hero não a tinha encontrado. Em dez malditos anos, ele nunca a encontrou sequer uma vez.
E isso era o que ele mais lamentava.

***


Quase trinta horas acordada depois e com o estômago cheio, se jogou na cama e dormiu por seis horas seguidas.
Quando acordou, foi até a cozinha e escolheu uma cápsula de cappuccino para preparar na cafeteira que tinha lhe dado de presente de aniversário no mês passado. amava a praticidade e rapidez com que podia fazer café nela, do jeito que quisesse. Encontrou alguns biscoitos no armário e colocou alguns em um prato, antes de se dirigir novamente para o quarto, quase tropeçando no pequeno robô aspirador pelo caminho.
O apartamento era grande, mas não muito. não ficava muito confortável morando num lugar grande sozinha, então desde que ela e tinham decidido morar sozinhas, quatro anos atrás, tinha escolhido um que tinha apenas dois quartos. A sala era grande o suficiente para acomodar mais pessoas ali, se fosse necessário. Não que isso fosse acontecer, é claro. Ela devia ter menos de dez amigos próximos o suficiente para algo do tipo acontecer e todos eles tinham casa.
No início, quando foi morar sozinha, se sentiu um pouco apreensiva até que, um mês depois, descobriu a comodidade que era estar sozinha em seu próprio espaço, que ninguém invadiria além dela mesma. Cozinhar para si mesma, limpar para si mesma, andar semi nua pela casa, ouvir música alta e dançar loucamente... ela podia fazer qualquer coisa que quisesse como se aquele fosse o seu próprio mundinho.
— Alexa — ela chamou a secretária, assim que chegou ao quarto. — Toque “Uptown Funk” do Bruno Mars.
Um instante depois, o quarto foi preenchido com a música e colocou a caneca de café e o prato de biscoitos em cima de sua mesa de trabalho — seu outro trabalho — e começou a dançar ao som da música, escorregando pelo piso com a ajuda de suas meias roxas de cano médio. Ainda estava frio, e embora seu pijama atual não se passasse de um shortinho e uma blusinha com estampa de uma estrela animada, o aquecedor estava ligado para poupá-la de usar várias camadas de roupa. Já bastava ter que usar isso fora de casa.
Comeu os biscoitos enquanto dançava e quando a música acabou ela se sentou para tomar o café, enquanto abria o arquivo de anotações no tablet. Tinha pensado em usar o computador naquele dia, mas desistiu quando lembrou que tinha outro plantão noturno naquele dia. Outra música começou a tocar, mas ela já não estava mais prestando atenção enquanto anotava rapidamente na tela o roteiro do próximo capítulo do livro que havia começado a escrever há alguns dias.
A ideia tinha surgido a partir de um sonho que ela não fazia ideia de onde veio, mas no dia seguinte quando comentou com Dianna, sua editora, ela insistiu que deveria virar um livro. Uma semana depois, já tinha quatro capítulos e provavelmente teria mais prontos se não tivesse aceitado nenhum plantão extra naquela semana, mesmo que fosse apenas um, não pelo dinheiro, mas por conta de um favor para uma colega. Em troca, ela poderia pagar assumindo um plantão de também. Ela estava mais que bem com isso.
Não precisava do dinheiro, mas do tempo sim.
Seus livros não iriam se escrever sozinhos e mesmo que tivesse com um lançamento prestes a acontecer em menos de dois meses, ela ainda aproveitava todos os surtos de criatividade que tinha e anotava o máximo que podia para manter a organização. Se tivesse sorte, naquela noite não teria nenhuma intercorrência na UTI, então poderia escrever algumas cenas de madrugada no bloco de notas do celular e acessar o texto pelo computador depois.
Isso se nenhum colega resolvesse bater papo com ela aleatoriamente. Se bem que ela sempre poderia usar a desculpa de que estava estudando para que a deixassem escrevendo em paz. Ninguém do trabalho sabia que escrevia, com exceção de Eric Bennett, um dos médicos e também diretor do hospital,
E ele só sabia porque era o marido de Dianna. Eles eram o tipo de casal que não mantinha segredos um do outro, mas que você podia confiar que manteriam um segredo a salvo do resto do mundo.
não sabia muito bem por que, mas gostava do anonimato. E gostava de ter controle suficiente de sua vida para saber que poderia largar a enfermagem quando bem entendesse e ainda viver muito bem como escritora.
Os leitores amavam a tia Fleur. Mas mal sabiam eles que ela era apenas uma mulher de vinte e oito anos recém completos e não uma tiazona solteira que morava em uma casa de campo no interior do Arizona porque a vida movimentada da cidade cheia de tecnologias a estressava um pouco.
Ou pelo menos era isso que a última teoria dizia. A própria nunca tinha falado nada a respeito. Sua avó — a dona do nome, mas não do sobrenome de seu pseudônimo — morava mesmo no interior, mas estava longe de ser alguém que odiava tecnologia. Pelo contrário, ela adorava toda a praticidade que poderia ter com algumas coisinhas tecnológicas tanto quanto amava, especialmente quando as duas odiavam tarefas domésticas. E ela adorava encher a avó com esse tipo de presente.

***


Diferente do plantão da noite anterior, o tempo passou voando naquela noite na UTI, mas sabia que isso era, em parte, porque tinha conseguido escrever naquela noite; ela sempre perdia a noção do tempo quando se concentrava naquilo.
Quando menos esperava, olhava para o relógio e percebia que quatro horas já tinham se passado. Nenhum paciente novo apareceu e nenhum internado teve alta, fosse por recuperação ou óbito, então tudo estava na mesma. E quando amanheceu e passou o plantão para a próxima enfermeira antes de seguir para tomar banho, ela sentiu seu humor nas alturas.
Do tipo que você tem quando acorda após ter um sonho maravilhoso com aquele ator que tanto gosta. não tinha tido nenhum sonho naquela noite, sequer tinha dormido, mas havia finalizado o capítulo seis de seu novo livro, o que era uma meta atingida em cento e cinquenta por cento do que ela tinha planejado fazer, caso tivesse tempo de escrever.
Sozinha no vestiário após o banho, ela dançou pelo corredor com sua toalha rosa choque pendurada no ombro enquanto cantarolava “Sorry” de Justin Bieber e terminou de organizar suas coisas, pensando em talvez fazer um jantar para comemorar a meta cumprida e que aquele era seu último plantão da semana.
Sim, teria um encontro com ela mesma naquela noite. Iria até passar no mercado a caminho de casa para comprar uma boa garrafa de vinho. Por mais que a ideia de ir a um restaurante sozinha fosse tentadora, estava com preguiça demais para se arrumar naquela noite. Então, o encontro seria em casa mesmo. Não tinha trabalho no dia seguinte, então poderia beber o quanto quisesse.
Ou pelo menos era o que ela achava até seu celular tocar com uma ligação de Eric.
— Oi, . Bom dia. Você ainda tá no hospital? — ele quis saber.
— Bom dia, Eric. Tô saindo do vestiário, por quê?
— Você pode passar no meu escritório antes de ir? Preciso conversar com você sobre uma coisa.
— Aconteceu algo? — Dianna não tinha mencionado nada, então não tinha como ser algo relacionado a ela. Na última vez que tinha passado no escritório de Eric, ele queria ajuda para fazer uma surpresa de aniversário para a esposa, mas o aniversário dela já tinha passado. O que poderia ser?
— É sobre o trabalho. Quando você chegar aqui, eu te falo — disse, antes de desligar.
deu de ombros e saiu do vestiário sem se preocupar em colocar uma máscara ou usar jaleco já que não teria contato com mais nenhum paciente naquele dia. Entrou no elevador, apertou o botão que dava no andar da administração e enfiou as duas mãos nos bolsos do moletom lilás que tinha vestido por cima da camiseta, enquanto pensava se deveria ir ou não para a academia naquela manhã. Já fazia uma semana desde a última vez... E embora ela odiasse malhar, talvez devesse mesmo ir antes que seu corpo começasse a reclamar de dor pela falta de exercícios físicos.
Ouviu as portas se abrirem enquanto bocejava e caminhou calmamente até o escritório de Eric. Deu duas batidas na porta e o esperou responder, mas quando entrou, percebeu que ele não estava sozinho. Havia mais duas pessoas com ele e uma delas, conhecia bem.
Desconfiada, ela pigarreou, ignorando a presença de e Henry na sala e perguntou o que Eric queria. Minutos mais tarde, ela descobriu que sua desconfiança era mais do que plausível.
— Não — ela respondeu calmamente, com as duas mãos nos bolsos do moletom.
Sentada à frente de Eric e ao lado de , ela ouviu o que eles três — sim, os três — queriam dizer. Uma proposta infeliz e sem cabimento.
— Por que não? — quis saber.
— Porque eu não quero. — sorriu para ele, sarcástica.
— Nós até podemos te pagar o dobro. O triplo, de você quiser — ele insistiu.
— Dinheiro não é problema — ela dispensou prontamente. — Eu tenho uma vida fora daqui e tenho coisas a fazer. Não vou servir de babá pro seu amigo só porque ele tem fobia social.
— Você sabe que não é apenas fobia social, .
— É, mas uma hora ele ia ter que lidar com isso — ela retrucou. — Além disso, ele parecia bastante calmo ontem quando saí. Pensei que estivesse indo bem.
— Ele estava. Até ter outra crise depois de um pesadelo e assustar todo mundo. Ele tava puto ontem porque não podia comer e agora tá até mesmo se recusando.
— Que péssimo pra ele. — Ela deu de ombros. — Mas Hero não é uma criança, .
soltou um suspiro de frustração e se levantou, de repente.
— Eu posso conversar com você por um instante, lá fora?
arqueou uma sobrancelha e lançou um olhar para Eric, que parecia perdido, sem saber como agir. também estaria daquela forma se estivesse no lugar dele.
Sem fazer questão de esconder a insatisfação, ela se levantou também e seguiu . Caminharam até o fim do corredor administrativo ainda vazio naquele horário, já que a maioria das pessoas só deveria chegar dali a mais ou menos uma hora.
— São só seis horas por dia — ele começou.
— Você só pode estar delirando se pensa que eu vou ter Hero como meu paciente — ela o cortou, irritada. — Que merda é essa?
respirou fundo, tentando manter a paciência.
— Ele gostou de você — ele contou. — Quando a crise veio de madrugada, o médico teve que dar um tranquilizante pra fazer ele dormir, . Ele não se machucou por pouco.
— Como eu disse, que péssimo pra ele. Mas isso não é nenhuma novidade pra mim — ela comentou, fria.
Não era novidade mesmo. E daí que ela conhecia ? E daí que ela se importava com ele? Ela não iria perder o sono com preocupações que ela sabia que não levariam a nada. Ele estava melhor do que ela tinha esperado que fosse ficar. Andressa até tinha comentado que ele estava indo muito bem.
— Por que você tá agindo assim? — franziu o cenho.
— Assim como? Irritada porque você quer me fazer trabalhar todo dia pra satisfazer as vontades do seu amiguinho mimado? — ela rebateu, mal-humorada.
Mas riu, achando aquilo realmente engraçado.
— Ah... Quem vê pode pensar que você não se importa nada com ele. Mas eu sei que não é verdade. — Ele se inclinou para ela, invadindo seu espaço pessoal.
Mas nem mesmo piscou. Sabia que estava tentando intimidá-la de alguma forma, com sua altura ou o que quer que fosse, só que ela já o conhecia bem demais para não cair nos seus joguinhos.
— Que se foda, . Eu não vou e pronto. Sinto muito que esteja passando por tudo isso, mas não tenho nada a ver. E eu realmente, realmente tenho o que fazer fora daqui.
— Tipo o quê? Você arrumou um namorado ou algo do tipo?
— Tipo um trabalho de verdade. Outro trabalho — ela esclareceu. — Então, não importa o que você diga, a resposta ainda vai ser não.
Em seguida, deu as costas e saiu andando pelo corredor.
— Se você não aceitar, eu vou contar tudo pra ele — ouviu dizer.
parou de andar e respirou fundo, antes de ir em sua direção a passos duros.
— Você... Não ousaria — ela falou entredentes, apontando um dedo para ele.
cerrou os olhos azuis, claros como o dia lá fora.
— Você não vai querer me testar, — ele murmurou, a voz terrivelmente séria.
Se ela estava de bom humor antes, tinha acabado com qualquer resquício naquele momento. E ela estava se segurando muito para não dar um soco naquele nariz perfeito dele.

Capítulo 12

— Você é um grande babaca. — Ela o encarou com raiva, mas apenas sorriu.
— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Mas calculista, quem sabe? Talvez…
— Por que você insiste tanto? Daqui a pouco ele vai poder ir pra casa, talvez amanhã...
— Não se ele não cooperar. E Hero é teimoso feito uma mula — disse. — Acredite, eu mesmo daria um soco nele pra fazer ele tomar jeito, mas o cara já tá roxo e estressado o suficiente por conta do acidente. E ele ainda vai precisar de cuidados pós-operatórios em casa...
engasgou, incrédula.
— Ah?! E o que você quer que eu faça, dê banho nele?!
— Bem, não seria a primeira vez que você veria ele pelado, né? — O amigo deu de ombros. — Pelo menos, ele confia em você. Mesmo não tendo ideia do porquê. Mas nós dois sabemos, não é, ?
— Ele não sabe quem eu sou. Provavelmente tá agindo assim por conta do meu nome e-
Ela se calou quando viu o sorrisinho maroto no rosto de . O idiota estava se divertindo com aquilo.
— Sim... Pode ser. Ou talvez o subconsciente dele queira mostrar algo a ele.
— Você acha tudo isso muito engraçado, não é?
— Não sei por que você não acha. Qual é, . Não é como se o cara fosse querer casar com você caso te encontrasse...
— Eu sei. Mas ele iria querer manter contato, assim como você.
— E qual o problema disso? Qualquer fã do Cave nem ia pensar duas vezes antes de aceitar. Ia ser divertido, você ia ser uma fã de sucesso.
— E odiada também. Um monte de gente odeia a Garota e nem sabem quem eu sou. Eles até me transformam na vilã das fanfics...
— Eu sei, o até hoje lê as fanfics e conta pra gente. — Ele riu. — Mas desencana disso, . A gente não ia te revelar se você não quisesse.
O que poderia dizer? Não havia nenhum motivo além de medo, não de , mas dela mesma. Dez anos era muito tempo e seria estranho para eles dois se reencontrarem assim. Seu medo era que todo esse tempo não tivesse servido de nada e todos os sentimentos que sentiu por ele quando eram adolescentes retornassem de uma vez. achava não ser paixão, não teve tempo o suficiente pra isso naquela época, mas...
“Quanto tempo leva para alguém se apaixonar?” A voz de veio em sua mente. Até onde sabia, poderia ser em segundos. Mas também poderia ser apenas uma paixonite de fã que durava anos.
— Eu não sou a pessoa ideal pra cuidar dele. Você não entende. Eu não sou o tipo de enfermeira amorosa e cheia de paciência, .
— Mas é exatamente o que ele precisa: alguém pra dar uma sacudida nele pelos ombros quando for necessário — ele comentou. — Algo me diz que ele vai te ouvir. E acho que no fundo você sabe disso, mesmo que ele simpatize com você apenas por causa do nome, embora nós dois saibamos que é tudo instinto.
suspirou, cansada. Aquilo não estava dando certo. Teria que apelar mais até ele desistir. Melhorar os argumentos. Quem sabe se...?
— Por que você tá fazendo isso comigo? — ela dramatizou, com sua melhor voz e expressão de choro. Podia sentir os olhos ardendo, as lágrimas prestes a aparecer. Só mais um pouco... — Você não parou pra pensar que isso pode me fazer mal? Não parou pra pensar por que eu não queria ver ele pessoalmente, dessa forma?
— Eu sei o que você viu quando foi embora naquele dia — admitiu pela primeira vez desde que a tinha encontrado. — A garota que beijou ele. Você tava vindo na nossa direção e desistiu. Ele esperou por você naquela noite e te procurou depois, mas você desapareceu.
vacilou por um momento.
— Eu... Não achei que você se lembrasse disso.
— Eu lembro de tudo, . Você tá certa em dizer que Hero pode não se lembrar do seu rosto e eu concordo com isso — continuou. — Ele te viu pessoalmente o quê, cinco vezes? Só que eu sei que ele sempre teve alguma esperança que te encontraria um dia. O problema é que ele não sabe nem se você tá viva ou morta. E eu tô disposto a revelar essa informação e mais, se você continuar se recusando.
...
— Eu não vou cair no seu drama, . A gente pode até não se ver muito, mas eu te conheço. E nós dois somos estupidamente parecidos. — Ele riu. — Deve ter sido por isso que o Hero gostou de você. Daria uma boa fanfic, né?
Uma ótima fanfic, ela admitiu mentalmente. Mas provavelmente já existia alguma do tipo. Cave Panthers tinha centenas de fanfics em várias línguas.
— Eu te odeio. — suspirou, voltando a andar, irritada consigo mesma pelo que estava prestes a dizer. — Isso é muito estúpido, sabia? Eu vou ficar só até ele trocar de tala.
— Você quer dizer até ele trocar para a tala removível?
— Não, quero dizer até tirarem os pontos.
— Mas ele ainda vai precisar de ajuda depois disso.
— E é pra isso que os amigos servem, né? — rebateu. — É pegar ou largar. E eu não vou ficar o dia todo.
— Tudo bem — concordou. — Por enquanto, dez dias. Depois a gente conversa sobre o resto. — Ele sorriu, abrindo a porta do escritório de Eric novamente.
— Ah, . Eu já ia te chamar. Veja, eu estava conversando com o senhor Henry e ele propôs algo adicional. Posso falar com você?
— Eu concordei em ficar com Hero por dez dias, Eric. Mas vai ser só isso.
— Que bom, mas o senhor Henry sugeriu três semanas, até o Sr. ser liberado para a fisioterapia, então um novo profissional assumiria os cuidados. E em troca... Eles ofereceram uma doação generosa ao hospital, além do pagamento pelos seus serviços, é claro.
— Oi? Que monte de baboseira é essa? — ela falou, antes que pudesse se segurar.
! — Eric a repreendeu, mas ela já não prestava mais atenção nele.
— Você já tinha tudo planejado com eles, não é? — Ela encarou . — Seu calculista do caralho. Eu vou te matar — Ela tentou ir para cima dele, mas rapidamente a imobilizou em um abraço.
— Eu também te amo, . — Ele sorriu, inocente e voltou a atenção para os outros dois homens enquanto ela se debatia em seus braços. — Não se preocupem. e eu somos amigos há alguns anos, a gente é que nem irmão. — Ele finalmente a soltou e a abraçou pelo pescoço, ganhando uma cotovelada nas costelas que o fez xingar de dor.
— Eu devia bater em outro lugar, isso sim — resmungou. — Eric, uma palavrinha. — Ela o arrastou para fora do escritório.
... Você não deveria agir assim na frente deles.
— Relaxa, o que disse é verdade. Henry não sabia, mas eu já conheço aquele babaca. Mas e aí, quer dizer que agora você cede profissionais para cuidados em domicílio? — ela perguntou, irônica.
— Você tem que admitir que é uma oferta tentadora. — Eric passou a mão pelo cabelo da cor de carvão. — E o paciente parece gostar de você. Basta tratá-lo como qualquer outra pessoa.
suspirou.
— Olha, e se eu fizer a doação? — ela ofereceu.
— Então eu vou ter que negar e todo mundo vai sair perdendo. — Ele a encarou nos olhos, sem nem mesmo piscar as orbes escuras; quase como alguém que evita fazer movimentos bruscos para nada dar errado. Assim como , ele era bem alto e tinha que literalmente olhar para cima para poder encará-lo.
— É? Eu não sei o que eu vou ganhar com isso além de uma grande perda de tempo que eu poderia usar trabalhando. E nem adianta me olhar assim com esses olhos gigantes — ela resmungou.
— Você pode levar o computador pra lá — Eric sugeriu. — Ninguém disse que você vai precisar ser a sombra de Hero , garota.
— Ah, e arriscar ser descoberta? Logo por ele?
— Aposto que ele nunca ouviu falar dos seus livros, um monte de gente escreve sobre eles, — Eric lembrou. — Além disso, você sempre pode usar a desculpa de que tá escrevendo um artigo ou qualquer coisa do tipo.
Ela respirou fundo, andando de um lado para o outro.
— Três semanas, Eric? Sério?
— São só seis horas por dia, . Você nem vai precisar fazer muita coisa. Só ajude ele com o que for possível. O nome do hospital também tá em jogo.
— Eu vou querer uma semana de folga depois disso.
— Eu te dou duas — Eric garantiu.
— Que generoso — ela comentou, sarcástica.
— Apenas tentando te compensar, querida. — Ele sorriu.
Alguns minutos depois, e caminharam em direção do quarto de Hero, enquanto ela terminava de abotoar o jaleco que tinha acabado de colocar.
— Você é um maldito aproveitador, . Me fazer vir até aqui quando acabei de sair de um plantão.
— Preciso da sua ajuda pra convencer ele a comer e tomar os remédios. — de ombros, cumprimentando alguns profissionais pelo caminho.
— Você vai ter que pagar isso cozinhando pra mim — ela reclamou.
— Tudo o que você quiser, , querida. Eu vou estar sempre por perto. Meu apartamento fica um andar abaixo do de — ele disse e ela o encarou, incrédula. — Relaxa, não é o que você conheceu. É um novo. Me mudei há três meses.
Menos mal, então.
Tinha visitado apenas algumas vezes nos últimos anos, mas descobrir que poderia ter trombado em Hero a qualquer momento seria assustador. Felizmente, não foi o caso.
Mas agora ela não poderia mais evitá-lo. Ao menos não pelas próximas três semanas. parou na frente da porta do quarto dele por um instante e respirou fundo, antes de entrar.
Era hora de encarar a fera.

***


Hero observou injetar a medicação no acesso do soro como no dia anterior e trocou um olhar com rapidamente. Seu amigo apenas deu de ombros e ele voltou a encarar em silêncio.
Era a primeira vez que via o rosto dela e ela não parecia nem um pouco feliz por estar ali. E ele sabia que tinha grande parcela de culpa pela frieza da mulher. Sabia que ela tinha saído de um plantão noturno e deveria estar descansando e não cuidando dele porque ele cismou que a queria para si — como enfermeira, é claro.
terminou as medicações no mesmo instante em que alguém bateu na porta, trazendo uma bandeja de comida entregue a . Ela o ajudou a se posicionar na cama, tomando cuidado com o braço machucado e, em seguida, o encarou por alguns segundos.
Hero estava calmo como nunca e ele não sabia dizer se era por conta das medicações em dia ou porque estava com medo de deixar ainda mais estressada do que ela já parecia estar. Do tipo de estresse que você pode explodir a qualquer momento.
Como ele no dia anterior e durante aquela madrugada.
Se sentia estúpido por agir de forma tão infantil, mas realmente não queria mais ninguém ali. Depois que a equipe foi trocada, ele conheceu novas pessoas e se sentiu outra vez desconfortável, embora o estresse tivesse tido o seu ápice após o pesadelo que tivera durante a madrugada. Como de costume, envolvia hospitais, seu avô e o dia de sua morte, três anos atrás.
Também o dia que Hero teve sua primeira crise de pânico e parecia que de repente ele tinha se esquecido de como respirar.
Acordou do pesadelo no meio de outra crise, o que só tornava tudo ainda mais apavorante. Já fazia três anos e ele achava que nunca iria se acostumar com aquilo. Era como se todas as vezes fossem como a primeira. E estar num hospital só tornava tudo pior.
Era o pior dos gatilhos.
Ele mal podia esperar para ir embora. Com sorte, no dia seguinte. Especialmente agora que tinha aceitado cuidar dele em casa durante algumas horas por dia. Hero sabia que não tinha sido fácil convencê-la, mas ele não se importava com o que precisava fazer desde que ela aceitasse.
— Você deveria comer — ela sugeriu, com a voz firme. — Se quer ir pra casa, o mínimo que você pode fazer é cooperar.
E ela estava irritada exatamente porque ele não estava fazendo aquilo.
— Certo — respondeu, mordendo uma torrada com geleia, enquanto ainda a encarava.
Viu se mexer desconfortável, desviando a atenção para a bandeja de medicamentos, mas continuou a encarando mesmo assim. Ela tinha olhos escuros e amendoados e seu rosto tinha um formato oval, com maçãs do rosto altas, mas não marcadas. Era um rosto comum, mas bonito. O cabelo castanho com certeza a faria se misturar sem problemas no meio de uma multidão. Não era o tipo de garota que chamaria sua atenção em um show a menos que a conhecesse. Ou a menos que tivesse a impressão de conhecê-la.
Como em todas as vezes que pensou ter visto em seus shows, em diversas versões diferentes; como uma vez que se deparou com uma garota de cabelo roxo no meio do público, um ano depois da banda estrear oficialmente e ele se lembrou de quando ela disse que queria pintar o cabelo daquela cor um dia. Ou quando viu uma garota de cabelo marrom como o da enfermeira a sua frente e uma garota de cabelo loiro e azul que o fez se lembrar de .
Mas Hero sempre perdia essas garotas de vista. Elas desapareciam como se nunca tivessem estado lá e às vezes ele achava que era sua mente lhe pregando peças.
Assim como naquele momento, o que o irritava consideravelmente.
Como se fosse uma maldita obsessão, um maldito fantasma que o assombrava até quando ele tentava esquecê-la. Não era fácil, é claro, considerando que ele tinha escrito dezenas de músicas sobre ela nos últimos dez anos. Ela era a personagem principal de suas histórias. Mas apenas algumas eram verdadeiras. As outras, apenas memórias fictícias que gostaria de ter feito com ela.
Só que ele sabia que tinha que deixar aquilo de lado. Aquela não era a que ele pensava. Assim como as outras dezenas de que tinha conhecido nos últimos anos não eram.
Depois de alguns segundos, ela se levantou com a bandeja nas mãos e se despediu. Por instinto, quase a pediu para ficar um pouco mais, mas conseguiu segurar as palavras no último instante.
A veria em breve. Pelos próximos vinte dias, para ser mais exato. Em sua casa. Durante seis horas por dia, incluindo sábados e domingos. Devia ser terrível para ela, mas até se sentia mais animado. Iria se recuperar em casa e teria ajuda de alguém que tinha conseguido fazer ele se sentir confortável e passar por uma crise.
Em troca, ele daria o seu melhor para se comportar. Ou pelo menos, tentar, mesmo que fosse difícil. Mesmo que ele tivesse algum pesadelo e ficasse de mau-humor durante o dia. Ou mesmo quando ficasse estressado com a recuperação. De qualquer forma, só de saber que não teria que ficar mais em um hospital, já o fazia se sentir quarenta por cento melhor.
Pelo menos, emocionalmente.
Mas ele queria que se sentisse bem também e faria o possível para isso acontecer.

Capítulo 13

Diferente de , Hero não se importava em esbanjar espaço. O apartamento dele parecia ter o triplo do tamanho do dela e chegava a ser intimidante ver tanto espaço sendo ocupado por uma única pessoa.
— Ele ficou no quarto — disse, assim que fechou a porta e foi em direção ao balcão da cozinha enorme, onde havia alguns papéis empilhados. — A senha da porta é 060406. Aqui tem todas as receitas e horários dos medicamentos que ele toma e ali na geladeira tem uma lista de restaurantes delivery que ele costuma pedir comida, caso precise. Você pode pegar um cartão de crédito com ele, se precisar comprar alguma coisa e...
— Tem certeza que não quer ficar no meu lugar? — ela o interrompeu. — Você provavelmente é um cuidador melhor que eu, .
— Mas é você quem tem o diploma, gata.
— E você tem a experiência de anos em ser mãe do — ela retrucou, fazendo-o rir.
— Vem, eu vou te mostrar o resto da casa.
Alguns minutos depois, estava tendo um daqueles momentos de reflexão sobre por que milionários precisavam de tanto espaço. nem tinha terminado de mostrar tudo e ela já estava cansada. Quando por fim acabou, ele a levou até Hero, que tinha adormecido no meio da cama enorme de seu quarto também enorme. Segundo suas contas, caberia mais umas duas camas daquela ali.
A decoração do apartamento inteiro tinha uma paleta de tons neutros e o quarto não era diferente, embora ali o cinza se destacasse mais. Hero tinha montado um estúdio pessoal em um dos quartos e havia um escritório também, que parecia intocado. Quanto ao resto, o apartamento parecia ser todo funcional e tinha até mesmo uma lavanderia que ela duvidava que tivesse sido usada por ele alguma vez. Talvez o de alguns anos atrás pudesse ter usado, mas aquele com certeza não.
— Quem limpa tudo isso? — perguntou, lembrando-se de seu gracioso robô aspirador que mantinha o piso de sua casa livre de pó.
— Ah, tem uma pessoa que vem duas vezes por semana. Ela trabalha aqui há anos. Existe uma equipe de limpeza particular desse prédio — respondeu.
— A casa é inteligente?
— Inteligente?
— Sim... tem uma Alexa ou algo assim? Alguma secretária virtual?
— Ah, não. Ele não tá nem aí pra essas coisas. O que ele tem de mais tecnológico por aqui são os equipamentos do estúdio e as TVs. — ele riu.
— Cara, como assim? — franziu o cenho. — Ele não tem ainda porque não descobriu como pode ser útil.
riu novamente.
— É, pode ser. Esqueci que você é uma defensora dessas coisas — ele brincou. — Eu vou indo. Se precisar de alguma coisa, é só me chamar. Ah, eu trouxe comida mais cedo e coloquei na geladeira.
— Tudo bem. Eu vou ficar só seis horas aqui, . Não vim pra morar, relaxa.
— É... Esqueci disso. — O amigo riu novamente. — Até mais tarde, .
Com ainda dormindo, pensou em aproveitar o tempo para escrever. Era apenas uma da tarde quando ela se acomodou no sofá enorme da sala — e o tamanho não era nenhuma surpresa — com um computador no colo. Não tinha levado muita coisa na bolsa. Apenas o computador e seu kindle, caso quisesse ler algo. Como não ficaria muito tempo, não viu necessidade de mais e sua carteira que sempre estava com ela.
Começou a escrever e menos de uma hora depois escutou a voz de Hero vindo do quarto.
? — ele tentou. não respondeu, mas se levantou no mesmo instante. — ?
— Tô indo — ela respondeu, pouco antes de entrar. — Oi.
— Quando você chegou?
— Uma hora atrás, mas você tava dormindo. Eu ia te acordar daqui a pouco, você tem uma medicação-
— Eu sei, eu acordei com o despertador do celular me avisando — ele a interrompeu.
— Ah, certo — disse, o observando encará-la de cima a baixo. olhou para o próprio corpo, tentando ver se tinha algo errado com sua roupa, mas não encontrou nada. Usava uma legging preta e um moletom bege sem capuz por cima. — Você precisa de alguma coisa? — ela perguntou, depois de alguns segundos de silêncio.
Hero desviou o olhar para a frente, antes de pigarrear.
— Preciso de ajuda pra ir ao banheiro. Ainda tô com dificuldade de sair da cama.
— Ah, claro. — Ela se moveu para o outro lado da cama e se posicionou para que ele pudesse se apoiar nela. passou o braço bom ao redor de seus ombros e se levantou usando o peso da perna direita, fazendo uma careta quando começou a andar. — Você tá com dor? Quer um remédio?
Ele negou com a cabeça.
— É só incômodo. Acho que minha perna ainda tá sensível, então eu tento fazer o máximo pra não ter que movimentar — ele explicou.
assentiu, sem saber se acreditava naquilo ou não. Nunca tinha quebrado nenhum osso, mas tinha sofrido uma luxação no pé direito uma vez, no último ano do ensino médio e tinha doído muito. Seu pé até dobrou de tamanho de tão inchado que ficou e virou uma massa roxa esquisita. Demorou muito tempo para sarar e mesmo depois de meses, ela ainda sentia dor se o forçasse muito.
Hero tinha sofrido sete fraturas, pelo amor de Deus.
Não tinha como ele não estar sentindo dor. Mas ela tinha que admitir que ele aguentava bem. Ela já tinha visto pacientes chorarem por muito menos. notou que ele usava um short de moletom preto com uma camisa verde-escura com mangas cortadas e chegou à conclusão de que provavelmente era a única coisa que podia passar pelo gesso além das batas hospitalares.
Quando chegaram ao banheiro, ele a expulsou no mesmo instante, meio sem jeito. segurou um sorriso enquanto fechava a porta e esperou do lado de fora. Alguns instantes depois ela ouviu a torneira sendo aberta e pouco depois, a porta. Deixou que ele se apoiasse nela e o abraçou pela cintura, tomando cuidado para não machucar suas costelas.
— Eu não tô tocando em nenhum machucado, né? — ela perguntou, só para garantir. — Eu sei que você tem machucados no tórax, mas não exatamente onde. Você vai ter que me mostrar depois.
— Certo.
— Você quer ficar aqui ou sair do quarto?
— Vamos pra sala.
o levou até lá e o ajudou a se acomodar no sofá, antes de buscar os medicamentos que ele tinha que tomar. Selecionou com cuidado três comprimidos, conferindo na ficha se estava certo e então pegou um copo e encheu com água.
— Você já almoçou? Tem umas medicações fortes aqui. Você tem uma prescrição de um opioide pra tomar duas vezes ao dia.
— Wow… — ele murmurou, fingindo ânimo. — E o que isso quer dizer? Eu comecei a tomar recentemente.
— Quer dizer que vai ajudar muito com a dor, mas pode te dar alguns efeitos colaterais como sonolência, tonturas e dores no estômago.
— Ah, agora sei porque me sinto aéreo o tempo todo. Mas sabe, é até legal. Eu sinto um incômodo de dor, mas não a dor em si... O remédio deve ser bom.
— Você já almoçou?
— Ainda não. Eu pensei em pedir delivery.
— Não precisa. deixou comida na geladeira, eu vou esquentar pra você — ela disse, voltando para a cozinha.
Alguns minutos depois, voltou com um copo de suco de laranja e um prato de macarrão com frango, legumes e molho rosê que parecia realmente apetitoso. Felizmente, nada que não pudesse comer. Ele tinha que evitar comidas pesadas até as feridas cicatrizarem.
— Você não quer comer também? — ele perguntou quando ela sentou ao lado dele, segurando o prato para ajudar, já que não estavam em uma mesa e ela não tinha achado nenhuma bandeja de café da manhã.
— Não, eu almocei antes de vir, não tô com fome.
Hero assentiu e voltou a comer. Quando acabou, ligou a TV e se acomodou do outro lado do sofá com um notebook no colo. Parecia bastante concentrada em sabe-se lá o que estivesse fazendo, então ele decidiu não perturbá-la.
Após meia hora assistindo TV, sentiu os olhos ficarem pesados mais uma vez, provavelmente por conta das medicações. Na posição em que estava, semi-deitado com a cabeça apoiada no encosto macio do sofá, ele não sentia dor. Piscou algumas vezes, encarando a TV com dificuldade de manter os olhos abertos e sentiu como se todo o seu corpo estivesse ficando dormente de repente. Não era a melhor sensação do mundo, mas também não era ruim. Queria ficar acordado, mas era difícil. Então, decidiu fechar os olhos por um momento e talvez apenas tirar um cochilo. Sim, talvez um cochilo ajudasse...
sorriu por trás da tela do notebook quando notou tentando lutar contra o sono. Completamente imóvel, ele se deixou vencer depois de alguns minutos e fechou os olhos devagarinho. Mesmo sabendo que provavelmente era resultado de algum efeito colateral, tinha que admitir que parecia realmente fofo naquele momento. O cabelo castanho estava jogado para frente e a franja levemente bagunçada, dando-lhe um aspecto mais jovem, quase de menino. Parecia tão macio que sentiu os dedos coçarem com a vontade de enfiá-los entre os fios.
Foi quando ela se deu conta de que aquela era a segunda vez que observava dormindo. Ele podia não se lembrar mais de seu rosto, mas lembrava de cada traço dele com clareza e os últimos dez anos em que tinha acompanhado sua carreira, vendo centenas de fotos diferentes, tinham contribuído bastante com isso.
Durante esse tempo, envelheceu como vinho. Seu rosto perdeu um pouco de gordura e ficou mais anguloso; um pouco acima do lábio, no lado direito, havia uma pintinha quase imperceptível e outra um pouco maior no meio da bochecha. Do outro lado, na ponte de seu nariz havia mais uma minúscula. Nenhuma delas estavam lá quando ela o conheceu. Tinham aparecido poucos anos após a estreia da banda, mas mesmo que estivessem lá antes, sabia que se lembraria delas.
Balançando a cabeça para afastar as memórias antigas, ela voltou a se concentrar no livro.
Ayla tinha acabado de escrever uma cena de uma história e Dean tinha acabado de ler. Pouco depois disso, eles tiveram o primeiro beijo, que foi interrompido pela campainha tocando. E então fingiram que nada tinha acontecido.
riu sozinha, divertida com o andamento da história. Aquela primeira parte seria relativamente tranquila e teria um foco maior no romance, antes que outras coisas começassem a acontecer. Alguns minutos depois, ela finalizou o capítulo e o enviou para o e-mail de Dianna. Ela sempre era sua primeira leitora.
Em seguida, aproveitou o tempo para responder alguns e-mails e quando se cansou, desligou o computador e o guardou na bolsa. Pegou o celular, tirou uma foto de dormindo e enviou para .

: Seu filho está sonhando com os anjinhos, mamãe.

Ele enviou uma resposta alguns minutos depois.

: Bom saber que a babá que eu contratei é competente.

enviou um emoji de dedo do meio para ele e respondeu com um emoji rindo.

: Você tá com fome? Eu fiz biscoitos de oreo e estão uma delícia. Vem pegar alguns rapidinho.

encarou Hero por um momento, um pouco hesitante, mas ele continuava imóvel feito uma pedra. Então concluiu que poderia deixá-lo sozinho por cinco minutos enquanto descia para o andar de baixo em busca dos biscoitos.
Com cuidado para não fazer barulho, ela saiu do apartamento e pouco depois apertou a campainha de .
— E aí? O paciente deu muito trabalho?
— Na verdade, não. Eu até consegui trabalhar e cumprir minha meta diária enquanto ele dormia.
— Ah, é. O seu outro trabalho. Se foi bom, então você devia ficar mais — sugeriu com uma piscadela, enquanto colocava alguns biscoitos em um recipiente de plástico transparente.
revirou os olhos.
— A gente vê isso depois — ela disse, sabendo que não iam ver coisa nenhuma e ambos sabiam que aquela era uma resposta padrão para dizer não sem ser rude.
riu baixinho e fechou o recipiente, o entregando a ela.
— Aqui, você pode levar esses. Não sei se pode comer os de chocolate, então coloquei alguns de aveia pra ele com os seus — ele explicou. — E eu quero a minha vasilha de volta.
— Jura? Achei que viesse de brinde com os biscoitos.
— Nem vem. Essas coisas são caras.
— E você é rico. Pode comprar centenas dessa — ela retrucou.
— O que não significa que eu vou.
riu, divertida.
— É o que dizem, você sai da pobreza, mas a pobreza não sai de você — ela brincou.
— Ainda bem, ou eu estaria perdido. — Ele riu junto.
— Você é o mesmo de sempre, . Por favor, não mude nunca — pediu com um sorriso nostálgico que sumiu um instante depois, assim como o dele. — Acho melhor eu voltar agora.
a acompanhou até a porta, mas em um impulso segurou o braço dela antes que saísse.
— O que você conheceu ainda tá lá, — ele murmurou baixinho. — Não foi o Hero que quis te ter como cuidadora.
o encarou por um instante, confusa, mas não disse nada. Se virou e seguiu até o elevador. Hero ainda estava no mesmo lugar e só veio acordar mais tarde, quando já estava se organizando para ir embora.
— Você já vai? Que horas são? — ele perguntou, se espreguiçando o máximo que aquela posição o permitia. Com a ajuda do braço bom, ele conseguiu se sentar sozinho.
— Quase sete. Acabei de falar com . Ele disse que tá vindo pra te ajudar com o banho — ela explicou, enquanto terminava de guardar algo na bolsa.
— Ah... Eu dormi o tempo todo, pelo visto.
riu baixinho e foi até a cozinha, voltando com um prato de biscoitos e uma caneca de café com leite. Hero tinha uma cafeteira igualzinha a sua, o que meio que compensou um pouco não ter uma casa inteligente, ainda mais daquele tamanho.
— Aqui, um presente. — Ela colocou o prato ao lado dele e a caneca em cima do prato para que não virasse.
fez?
— Sim, eu desci pra pegar alguns biscoitos.
— Ele faz o tempo todo. ama e nem se fala, o cara tem um estômago sem fundo — ele comentou, enquanto mordia um.
sorriu sem perceber, até que balançou a mão na frente dela, chamando sua atenção.
— Oi, o que você disse?
— Perguntei por que você tava sorrindo.
— Eu tava? — ela perguntou, sem pensar. — Ah, não era nada. Foi só uma coisa que lembrei. Você precisa ir ao banheiro?
— Preciso, mas posso aguentar até chegar. Você pode ir, se quiser. Eu vou ficar bem.
— Certo. — Ela colocou a bolsa no ombro. — Até amanhã, então. Boa noite, .
— Boa noite, .
O primeiro dia estava concluído.
Agora só faltava mais vinte.

Capítulo 14

Os próximos dias passaram tão rápido quanto o primeiro. Com exceção de algumas vezes — poucas, inclusive — que pedia ajuda para ir ao banheiro, Hero passava a maior parte do tempo dormindo e aproveitava seus momentos de inconsciência para escrever. Ela tinha que admitir que era meio que uma combinação perfeita, visto que não estava realmente atrapalhando seu trabalho.
Chegava uma da tarde e saía às sete da noite, quando subia para ajudar Hero com o banho e passar algum tempo com ele, que depois dormia sozinho. Uma informação que incomodou ligeiramente, mas se aparentemente ele estava bem dormindo sozinho, então ela não comentaria nada.
Talvez ele fosse uma dessas pessoas que não acordavam para ir ao banheiro uma vez que dormiam. Ou talvez... Bem, a opção que envolvia uma garrafa ou algum outro tipo de recipiente não era uma imagem que queria ter em sua mente, então deixou para lá. Não importava muito como ele e estivessem se virando e nem era da conta dela. Ele era seu paciente durante seis horas diárias, nem antes, nem depois disso.
O final do terceiro dia tinha chegado e como os anteriores, foi tranquilo. nem mesmo parecia o paciente chato que ela tinha visto no hospital e ficava quieto a maior parte do tempo, o que era uma surpresa mais do que bem-vinda.
Antes de sair, o deixou no quarto vendo TV. chegaria em poucos minutos, caso ela não o encontrasse pelo caminho. Já estava indo em direção ao elevador quando colocou a mão no bolso e percebeu que tinha esquecido o celular no sofá. Deu meia volta e retornou para o apartamento até então silencioso e tinha acabado de guardar o aparelho quando ouviu um barulho vindo do quarto, seguido de um gemido de dor que a fez correr sem pensar duas vezes.
Encontrou Hero caído no chão, encolhido e com a mão boa nas costelas, o rosto contorcido em uma careta de dor. Imediatamente, se ajoelhou ao lado dele e tomou seu rosto entre as mãos, o obrigando a encará-la.
, o que houve? Você se machucou? Vem, deixa eu te ajudar a levantar.
— Não, espera... Eu fiquei tonto — ele murmurou baixinho, de olhos fechados. A respiração levemente acelerada e entrecortada deixavam claro que ele estava tendo dificuldade em lidar com a dor.
— Você bateu a cabeça? Por que você ficou de pé sozinho?!
— Não bati a cabeça. Eu fui tentar ir ao banheiro e caí.
— E por que você não me pediu pra te ajudar antes de eu sair? Eu te perguntei se você precisava de algo! — ela exclamou. — Você podia ao menos ter esperado chegar.
— Por que você tá brigando comigo? — Ele franziu o cenho, indignado. — Eu só queria ir na porra do banheiro sem ter que incomodar ninguém! Eu fiz isso ontem e deu certo. Só que hoje eu fiquei tonto e tropecei.
— E é exatamente por isso que você não devia ficar sozinho! — retrucou, irritada. — Você precisa ser mais responsável consigo mesmo!
— Eu não gosto de depender dos outros, — ele murmurou, entredentes.
— Eu sei, mas você precisa de ajuda. Não é pecado ficar vulnerável, — Ela disse, parando um momento para tomar fôlego. — Eu também odeio ficar doente e precisar de ajuda e também sou uma cabeça-dura que prefere sofrer calada a dizer a alguém que tô sentindo dor, mas não precisa ser assim. Especialmente na sua situação, mas eu acho que você não entendeu ainda.
— Já acabou? — Hero perguntou, em um tom irônico que só a irritou. pressionou os lábios em uma linha fina, tentando segurar o próprio temperamento.
— Vem, levanta. — Ela o ajudou a ficar de pé. — Melhor você ir ao banheiro logo já que tá com vontade — acrescentou, seca.
Menos de cinco minutos depois, ele saiu do banheiro e ela o levou de volta para a cama, quando viu uma pequena mancha de sangue em sua camisa branca.
— O que foi? Por que você tá-
Mas o interrompeu, dando-lhe um tapa na cabeça.
Ai! — ele reclamou, colocando a mão onde tinha sido acertado e ao mesmo tempo surpreso por aquela reação.
— Seu idiota! — ela o xingou, não conseguindo mais se segurar e puxou a barra da camisa dele para cima. — Levanta o braço! Eu preciso ver o estrago que você fez.
Hero a encarou como se ela tivesse criado uma segunda cabeça, mas obedeceu mesmo assim. retirou sua camisa e respirou fundo outra fez. Pela expressão em seu rosto, ele classificaria seu humor como puta da vida, sem nenhum resquício de dúvida.
Mas foi só quando olhou para baixo que entendeu o porquê. Um de seus cortes tinha se aberto e perdido cerca de dois ou três pontos. E estava sangrando em um nível um tanto incômodo aos olhos, embora não fosse muito.
— Opa... — ele murmurou, tentando sorrir. Tinha achado que sua dor vinha das costelas, mas, na verdade, era do corte. Não que ele pudesse identificar realmente, já que sentia dores por toda a região.
— E eu achando que você não ia dar trabalho — reclamou, o encarando nos olhos. Por um instante, Hero quase a achou assustadora, mas era meio difícil quando ela era bem menor que ele. Ela parecia um pouquinho maior que naquele momento, mas porque ele estava sentado. E não era apenas baixa, era pequena também. Ao menos comparada a caras do tamanho dele, que havia ganhado pelo menos uns vinte quilos de músculos a mais do que tinha quando estreou.
— Desculpa. — Ele sorriu de leve.
— Você não parece arrependido.
— E não estou.
— Então por que se desculpou?
— Porque parecia a coisa certa a fazer. Você acha que tá muito ruim? — Ele voltou a encarar o ferimento aberto.
suspirou, cansada.
— Vou precisar fazer um curativo, alguns pontos que se abriram. Parabéns, vai ser uma cicatrização por segunda intenção agora.
— E o que isso significa?
— Significa uma cicatrização mais longa. Em outras palavras, a ferida vai ficar aberta até o seu organismo fechar. Com os pontos, isso aconteceria em pouco mais de uma semana. Uma pena que o garotão aqui resolveu ser independente e não quis esperar. — Ela sorriu sarcástica, dando um tapinha no ombro dele.
Hero fez uma careta, mas não discutiu. De qualquer forma, o que seria mais alguns dias? Ele só ia poder sair de casa depois de três semanas mesmo. Um curativo a mais e outro a menos não ia fazer diferença. Ia doer de todo jeito.
— Olha pelo lado bom, pelo menos foi só alguns pontos e não todos. — Ele tentou fazer graça.
Mas antes que pudesse responder, apareceu.
— Oi, você ainda tá aqui? Aconteceu alguma coisa? — ele quis saber quando percebeu a expressão dela.
deu um passo para trás e levantou o braço, apontando um dedo acusador para Hero.
— Seu amigo aconteceu. Ele caiu e machucou um dos ferimentos. Os pontos se abriram e eu vou ter que fazer um curativo agora — ela disse. — Mas só depois do banho.
— Espera, como você caiu?
— Eu me levantei pra ir ao banheiro e fiquei tonto — Hero resmungou.
— Ele podia ter caído por cima do braço! E você, deixou seu amigo sozinho à noite! — Ela apontou para . — Vocês são dois irresponsáveis.
— Até ontem você disse que eu era um cuidador melhor que você — brincou, tentando amenizar o clima. — Você sabia que ele tava dormindo sozinho e não disse nada.
— Porque ele parecia bem. Mas pelo visto, tá sentindo outro efeito colateral. Podia ter acontecido algo pior e eu ia ser linchada na rua quando as fãs de vocês descobrissem que deixei ele piorar.
— Não seria sua culpa — Hero tentou falar.
— Mas eu seria julgada mesmo assim!
Hero a encarou por um segundo, antes de desviar o olhar para .
— Tem certeza que essa é a mesma mulher do primeiro dia? Ela não tem nenhuma irmã gêmea malvada, não?
— Por quê? Você ficou com medo?
— Não, mas ela até me deu um tapa. — apontou para o local atingido.
— Um... tapa? — riu. — Por você ter caído?
— Eu ainda tô aqui, sabia? Posso ouvir vocês, idiotas.
— Ela me xingou também — Hero continuou, ignorando . — Ela não parecia o tipo que xingava. Achei ela bem profissional no hospital.
— Se tá achando ruim, é só me demitir. Eu não tenho nada a perder — resmungou, de braços cruzados.
— Tem certeza que ela não é sua namorada? Ela parece alguém que você namoraria. Ela pareceu legal, mas tem um humor meio azedo quando se irrita.
— Ela parece alguém que você namoraria — retrucou.
— Ai, calem a boca! — falou alto, finalmente perdendo a paciência. — Já pro banho, ! E você, ajude ele. Vou preparar o material pro curativo. E não demorem!
E então saiu pisando duro, deixando os dois homens a sós, estupefatos e completamente divertidos com aquela reação.
— Sabe aquele meme do pintinho segurando uma faca? — comentou. — É a cara dela.
Hero riu, com vontade, mas fez uma careta logo em seguida, quando sentiu dor.
— Merda... — Ele colocou a mão no abdômen, acidentalmente sujando a mão de sangue. — Caralho. Dupla merda agora. — Ele levantou a mão suja, mostrando a .
— Deixa eu ver o que você aprontou, irmão. — O amigo se aproximou. — Caramba, acho que é melhor você proteger com a mão no banho.
— É, acho que sim.
Vinte minutos mais tarde, os dois apareceram na sala, onde os esperava pronta para fazer o curativo. Começou limpando a ferida de dentro para fora com uma gaze embebida de soro fisiológico e enquanto Hero se contorcia de dor, mal piscava. Era bom que estivesse doendo mesmo, era a consequência que ele tinha que enfrentar por ser um idiota.
— Porra... — ele xingou baixinho e ela riu, irônica. — Você tá adorando isso, né?
— Claro que sim — ela admitiu. — E que isso sirva de lição pra você.
— Ah, é... Desculpa se eu não queria te incomodar toda hora pedindo ajuda — ele rebateu, malcriado.
murmurou em tom de aviso.
— Eu tô literalmente sendo paga pra te ajudar, mas isso não tá sendo o suficiente. Você é o tipo de paciente teimoso que finge ser bonzinho, mas que na verdade precisa ser monitorado vinte e quatro horas por dia porque é exatamente esse tipo de paciente que apronta quando a gente dá as costas.
— Eu posso dormir aqui, então, . Relaxa — disse. — Não precisa se estressar com isso.
— Não, . Eu tô estressada com isso desde que recebi naquele hospital — ela retrucou, irritada. — Achei que tava tudo indo bem aqui, mas infelizmente isso durou menos de três dias.
— Tá, desculpa. A gente vai entender se você quiser desistir agora — comentou. Hero abriu a boca para falar, mas fechou quando encarou o olhar gélido do amigo. — A gente vai, não é, Hero?
— Sim, é — ele murmurou, resignado. — Sinto muito, . Eu não queria te causar estresse e acabei causando mesmo assim.
encarou um ponto qualquer da sala por alguns segundos, pensativa. E então, de repente, ela riu. Riu de verdade, antes de encarar os dois amigos.
— Desistir? E quem vai cuidar dele? — ela perguntou a , apontando para com a cabeça.
— Se você me explicar tudo, então a gente pode se virar. — deu de ombros. — Posso revezar com e . Você pode ensinar a gente a fazer os curativos e tal...
— Não! — e falaram ao mesmo tempo.
Ela o encarou por um segundo, antes de voltar a olhar para .
— Você só pode achar que minha profissão é uma piada, né?
— Claro que não, eu respeito muito sua profissão, — ele se defendeu. — Eu não quis te ofender.
— Então, por que raios você acha que eu sequer pensaria em deixar vocês ficarem revezando? Mal conheço os outros e por mais que você seja o único com cara de mãe coruja responsável aqui, , e eu não tô querendo confiar nem em você pra isso.
— Então, o que você sugere? Esse bicho do mato não vai querer outra enfermeira — disse, apontando para o amigo.
— Ei! — reclamou.
— Quem disse que vocês vão precisar de outra enfermeira? — arqueou uma sobrancelha. — Eu consigo dar conta. E não vou arriscar perder meu trabalho sempre que eu sair daqui.
— Como assim? O que você quer dizer? Você não vai embora? — Hero indagou.
— Não. — sorriu. O tipo de sorriso que fazia você ter certeza de que a pessoa tinha um plano maquiavélico pronto na cabeça.
— E como vai ser? — quis saber. — Você vai vir pela manhã agora ou sei lá...?
— Não, eu vou ficar aqui a partir de amanhã — ela declarou. — E vai ser do jeito que eu quiser.
Hero encarou com os olhos verdes arregalados e sorriu, nervoso, desviando o olhar para por um instante apenas para descobrir que o amigo não estava muito diferente.
E ... Ah, ela continuava com o sorriso maquiavélico no rosto, como se fosse uma maldita boneca de cera.
Agora sim, ela parecia realmente assustadora.



Continua...



Nota da autora: Eita que o Hero é exatamente o tipo de paciente que eu não queria pegar também. hahahaha Vocês notaram que eles não sabem se comunicar sem evitar ofender alguém? Agora a nossa pp é que vai mandar! O que será que vem por aí? Deixe um comentário com o seu palpite no link da caixinha! o/ Para mais informações sobre mim ou meus outros livros em e-book já publicados, visite meu Instagram (@aquelally) ou meu grupo de leitores no WhatsApp pelos links nos ícones abaixo. PS. Também tem o link de uma playlist de Hero! Até a próxima att! XxAlly





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