Invisible String
Sem justificativas, muitas vezes sem que nem mesmo faça sentido que um ou outro tenha se apaixonado. Como alguém viciado em endorfina, exercícios físicos e alimentação saudável, que se apaixona repentinamente por um gamer que sequer se lembra da última vez que correu sem que fosse atrás do ônibus. Ou a pessoa que é conhecida pelo nome em todos os bares e casas noturna da cidade, mas que se apaixona magicamente por alguém que apenas sai de casa para trabalhar – por obrigação.
É como sempre disse Bernard Cornwell, “O destino é tudo”.
E algumas pessoas simplesmente são feitas umas para as outras, não importa a casca, cultura ou costumes. Alguns podem dizer que é o destino do amor, quando alguém está destinado a outro, aquilo sempre vai acontecer. A teoria do fio que te liga a sua alma gêmea, ou a própria teoria das almas gêmeas, predestinação ou no que quer que acredite. Duas pessoas apenas se encontram e então, o que poderia ser estranho e oposto, torna-se curiosamente atraente. O saudável e matutino, se rende aos jogos até tarde da noite e o jogador aprende o valor de caminhadas matinais. O caseiro aprende que se na companhia certa, qualquer lugar fora de casa pode ser confortável, e o que amava viver o fim de semana fora de casa, descobre que massagem e conchinha são melhores que o melhor dos Moscow Mules.
Com null e null havia sido assim.
Ela sempre fora o tipo de pessoa obcecada em encontrar seu par, sua alma gêmea, a amiga que planejava o casamento sem ter encontrado o noivo. Ela sonhava com os filhos, já sabia seus nomes, tinha no Pinterest duas pastas, uma com inspirações para o casamento, outra com ideias para a decoração da casa. Era romântica, doce, sonhadora, um tanto fantasiosa, mas era feliz assim – talvez viver na Lua tivesse lá seus benefícios. Mas não era só isso, também era brilhante, ótima cirurgiã, uma médica excelente que tinha como cartão de visitas um sorriso e balas de morango no bolso do jaleco.
Era conhecida por ser agradável e inteligente. Era boa com seus pacientes, seus colegas de trabalho, amigos de longa data e com todos da família e parentes. Era respeitada, considerada, comprava presentes caros nas datas importantes, levava as crianças da família para passear e acompanhava os idosos a consultas médicas. Tinha conquistado tudo que mais almejava na vida em quase toda as áreas, uma carreira estável e com reconhecimento, uma vida familiar calma e tranquila, bons e velhos amigos por perto, para os momentos bons e ruins, grana para cuidar de seus pequenos caprichos, quando se permitia. Havia apenas uma coisinha, uma área que parecia simplesmente não querer se desenvolver.
Era um tipo de pedra no sapato, calcanhar de Aquiles. Não importava o quanto tentasse, o quanto trabalhasse o assunto em terapia, ou até mesmo o quanto baixasse seu padrão, não conseguia resolver. Era impossível ter um parceiro. Quando alguém parecia enfim a notar, null não conseguia ouvir mais de três palavras proferidas por ele sem expressar – sem querer – suas verdadeiras cores. Ou quando conseguia sentir qualquer fagulha por alguém, recebia um banho frio, molhado o suficiente para que demorasse mais seis meses até que tentasse outra vez. Já em um relacionamento. Só interesse casual. Acabou um relacionamento recentemente. Gay. Coach. Não está pronto para algo sério. Vamos ver no que dá. A lista era grande.
Já ele, era prático.
Focado em seu trabalho e isso lhe consumiu a vida. A infância, adolescência e vida adulta. Não se importava porque depois da família, seu trabalho, seu esporte era o que mais amava no mundo e o que mais valorizava. Era tudo muito simples e até simplório. O amor havia surgido em alguns momentos de sua caminhada, florescendo aqui e ali, mas não conseguiu resistir as investidas maiores de sua paixão pelo esporte e sede por ser perfeito em seu trabalho.
Era um grande jogador de hockey, vindo de uma família de atletas e que respirava aquele universo desde que o filho do meio havia se enfiado nele. Nem sempre era bom em separar seus muitos papéis e em algumas situações tinha causado muita bagunça. Porque a parte ruim de ser o que se é desde sempre, é que as fases da vida continuam vindo sem manual. Você sabe o que fazer para alcançar aquele sonho, a medalha de ouro no mundial olímpico, mas não sabe como devia lidar com a garota por quem você se apaixona, mas que não ama você de volta.
As coisas as vezes ficavam feias por causa disso, ele geralmente não gostava de lembrar porque, em sua mente, todos o estavam julgando do jeitinho que ele estava se julgando – muito, muito ruim. Por isso, a medida com que crescia e compreendia seu meio e como suas decisões implicavam seu destino, ele se fechou. Não totalmente, ou não para todos – era o que gostava de pensar. Mas aos poucos, as reações espontâneas sem medo de julgamento ficaram guardadas apenas para os pais e irmãs, ou amigos mais próximos, e apenas quando ninguém tinha o celular por perto. Não se importava em parecer sociável ou simpático, queria apenas jogar hockey e viver sua vida.
Era algo que tinha aprendido com a idade também. Que precisava ter uma vida para além do gelo, para quando chegasse a hora e precisasse aposentar os patins e deixar o taco apenas como objeto de decoração no canto da sala. Não que realmente se importasse muito com isso. Se fizesse, teria tido algumas crises existenciais depois de todas as tentativas frustradas. Não era adequada, sua mãe não gostava, a textura da pele não era boa, queria mais aparecer, não seria boa mãe, não seria boa esposa, era feia, nariz grande demais, era morena, tinha uma péssima postura, usava muito as redes sociais, não gostava de cachorros, postava fotos de biquíni, só não era a pessoa certa. A lista era grande. Ele não dava a mínima, porque homens tem esse privilégio, podem conhecer bem o gramado antes de realmente acharem alguém para se comprometer. E ele sempre tinha, no fundinho da barriga, a sensação de que podia encontrar alguém melhor – talvez fosse ego.
Fosse o que fosse, ele estava feliz depois do término quase recente, mas que ainda não era um término exatamente, já que continuavam a se encontrar vez ou outra e curar a carência um do outro. Era bom não ter responsabilidades com alguém, precisar encontrar um meio termo para agradar e não apenas simplesmente fazer sua vontade. Era bom ser sozinho e livre, mesmo que em nenhum relacionamento tivesse dado espaço o suficiente para sua parceira entrar de verdade em sua vida ou família – o que para sua mãe, era ótimo.
Mas até com pessoas assim, a mágica pode acontecer.
Ele e ela eram diferentes e qualquer pessoa mais sensata que uma ervilha poderia prever um relacionamento desastroso entre os dois. Ou, que nunca viessem a se envolver. Ela era uma pessoa normal, sem fama ou posses – mas não um fardo para os pais, ainda –, ele era famoso e rico. Isso e o fato de morarem em países diferentes, claro.
Mas, talvez ela nunca tivesse encontrado alguém que a quisesse porque o destino à estava guardando para alguém. Era ansiosa e impulsiva, logicamente o primeiro que se apaixonasse e fosse recíproco a levaria ao altar. Ele talvez sempre tivesse no fundo da barriga aquela sensação porque era verdade. Havia algo além do arco-íris e ele não poderia se comprometer – ainda.
Desse jeito, um dia os caminhos dela foram se entortando o suficiente para que fosse parar na mesma cidade que ele, no mesmo bairro, se tornando amiga da namorada de alguém que, por coincidência, era o melhor amigo dele. Em uma recepção no terraço de outro alguém, em um dia quente demais para se ficar em casa após o plantão no hospital. Ela estava sentada perto de pequenas palmeiras falsas, com bases cobertas por pedrinhas brancas, tendo fundo o céu laranja que parecia pegar fogo – talvez não só parecesse. Ela fazia uma piada, contando como detestava americanos e sobre como tudo parecia mais complicado ali do que em qualquer outro lugar do mundo. As pessoas riam e gostavam dela, porque era natural e engraçada e tinha o ótimo hábito de fazer muitas piadas sobre si.
Todos riram e então alguém se aproximou e perguntou se ela era comediante também, e até aquela pergunta, ela não havia percebido que ele também estava ali. Ela não soube o que fazer porque de pronto o reconheceu, então enquanto pensava sobre como ele era mais alto pessoalmente, fez uma piada sobre as crocs horríveis que ele usava e como ele reforçava seu argumento sobre americanos serem péssimos. Ele riu de verdade, ela sorriu e pensou que era bom fazê-lo rir, mesmo sem entender porque.
Eles conversaram, ela tentava parecer não estar afetada, mas não conseguia controlar os dedos, que se embolavam e se cutucavam, ou as mãos suadas. Ele queria estar perto e chamar sua atenção, sempre que tinha oportunidade e passava perto dela, ele bagunçava seu cabelo, a acertava com uma bolinha feita de guardanapos de papel, mostrava a língua ou tentava colocar na cabeça dela o seu boné. Ela era inteligente e ele estava gostando das caretas que ela fazia e de como fazia uma piada diferente a cada ação sua. E eram boas piadas e eram sobre ele, ela o estava vendo.
Então se sentaram um ao lado do outro, ele quis mostrar suas tatuagens e dizer a ela que devia tentar e que ao contrário do que imaginava, não se arrependeria. Ela tocou a pele desenhada com a ponta dos dedos e elogiou, mas ele não poderia dizer qual delas, já que a estava olhando, perdido no movimento de seus cílios. Mas, teve o reflexo de tencionar seus músculos, porque por alguma razão – ainda desconhecida – achou que ela devia saber que era forte o suficiente.
Ela estava o evitado, porque sentia calor quando perto dele e fazia piadas idiotas e vergonhosas demais.
Ele queria mais e mais piadas, e queria que elas sempre fossem sobre ele, mesmo sobre o quanto ele estava sendo bobo.
Em algum momento, quando a Ursa maior podia ser vista no céu com clareza, eles se aproximaram sem perceber. Ele estava sentado e ela de pé, olhando as estrelas e quando ela o olhou, pediu com sorriso tímido para que ele não a olhasse daquele jeito. Quando ele quis saber a razão, a viu sorrir e apertar os lábios em um sorriso de canto. Ele entendeu. Sorriu de volta e segurou sua mão.
E foi assim.
Simples.
Recíproco.
Naquela noite ela ofereceu carona, ele aceitou e foi a vez dele de implicar com as músicas de sua playlist favorita, enquanto gargalhava e ela pensava que tudo bem se pudesse o fazer rir por muito tempo, só para ouvi-lo. E naquela noite, quando ele – antissocial – chegou no conforto e silêncio de sua casa, foi até a janela para seguir o carro dela com os olhos, queria que a viagem tivesse durado mais. Ela, quando chegou, se olhou no espelho e pensou que devia ter sido aquele tipo de noite que só acontece uma vez na vida de cada pessoa, mas que todos sempre contam como se tivesse durado todo o verão. Ela apertou os lábios, balançou a cabeça e foi dormir. Evitou ouvir Taylor Swift, porque não queria se deixar pensar sobre ele.
No dia seguinte ele não tinha conseguido o telefone dela, mas havia convencido os amigos de que deviam muito comemorar cada dia do verão, porque nunca se sabe quando será a última vez. Ela foi convidada, pensou em não ir e disse que estava cansada demais, mas alguém deixou escapulir – propositalmente – que tudo, inclusive o convite a ela, havia sido ideia dele. Ela ficou curiosa.
Trocaram olhares a noite toda, e piadas sobre cebolas brancas e roxas e sobre o hábito ruim dos americanos de responder a obrigada com uhum. Ele sempre se aproximava, ela gostava disso e lhe dava abertura, sorria para ele e só para ele – estava economizando a bateria social. No final daquela noite, ele ofereceu a carona.
Eles riam sobre propagandas vergonhosas que ele havia feito para TV, porque ela resolveu se vingar dos comentários que ele fez sobre suas meias do Grinch. Mas diferente da outra noite, ela ofereceu chá e um pouco mais de conversa, ele achou que seria uma ótima ideia e disse que chá parecia bom – ele detestava chá.
Adormeceram no sofá pequeno e velho dela, porque ele não acreditou que alguém inteligente e culta como ela poderia mesmo ser fã de The Office, assim como ele. Pela manhã ainda no sofá, quando ele disse das horas ao se espreguiçar e sentir as costas reclamarem, ela estava sonolenta demais para controlar seus impulsos e quis saber se ele precisava estar em outro lugar. Ele a olhou nos olhos e negou – pareceu muito sério e sincero – depois a beijou.
All I want for (this) Christmas is you
Quinta-feira, 14 de dezembro de 2023
Apartamento da null
Toronto – Ontário/Canadá
Estavam sentados na cozinha do apartamento um pouco afastado do centro, no terceiro andar de um prédio antigo, com calefação sentimental, sem elevador. Ela comia um sanduíche, ele ovos. Ela tentava trazer a alma de volta ao corpo, ele a chutava por baixo da mesa como uma criança de cinco anos faz para passar o tempo. Ela devolveu o chute, ele trocou de perna.
– Qual o problema? – Ela resmungou e ele ergueu o olhar, como se confuso.
– Acha que vai fazer quantos graus hoje? – Perguntou inocente.
– Não sei, você mora aqui há décadas. Eu não.
Ela riu baixo e balançou a cabeça, voltando ao seu sanduíche.
– Você vai ao jogo no fim de semana?
Ela o mirou, apertou os lábios em uma expressão frustrada e esticou o braço, entrelaçando seus dedos.
– Desculpe, lindo. – null apertou ainda mais os lábios e levantou o início de suas sobrancelhas. – Eu estou trocando todos os plantões possíveis para conseguir alguns dias nas festas de final de ano. Esse é um deles.
– Ah. – Ele abriu a boca, desapontado e apertou os lábios também. Os dele eram cheios, o inferior sempre se sobrepunha ao outro quando ele fazia isso e covinhas suaves apareciam em sua bochecha. – Tudo bem, eu entendo.
– Mas vou acompanhar pelo celular e pela TV mais próxima, prometo. – null sorriu o olhando nos olhos e null retribuiu.
– Eu sei.
– Vai ser bom ter alguns dias, o esforço vai valer a pena. – Ela garantiu, voltando a seu sanduíche. Ele balançou a cabeça. – Já sabem como vai ficar o calendário? Se vão mesmo ter os jogos?
– Não. – Ele respondeu com boca cheia. – Parece que pode ser que mude, tipo, sejam adiados, sei lá. – null deu de ombros. – Foram uns três anos sem uma pausa digna, desde a pandemia. Os times estão negociando pelo menos o atraso de uma semana. Não vai fazer tanta diferença no final.
– Seria bom.
Ele assentiu, depois de mastigar o resto de seu café da manhã, depois apoiou os cotovelos sobre a mesa e cruzou os dedos na altura do rosto, apoiando a bochecha nas mãos.
– Acho que vou acabar sendo obrigado a ficar em Toronto. – null abriu um sorriso travesso.
– Com certeza vai ser muito difícil, eu imagino. – Ela assentiu, entrando em seu jogo.
Ele se esticou e a beijou estalado no rosto, fazendo-a se deslocar. Depois, ficou de pé, reunindo tudo que precisava para sair.
– Sua família não pode vir para Toronto, caso você tenha que ficar? – null quis saber, começando a recolher a louça.
– Eles não costumam. – Ele deu de ombros. – É muito frio, ninguém gosta do frio daqui. – null riu pelo nariz e null fez o mesmo. – Geralmente não compensa, não se eu for ficar concentrado ou viajando para jogos fora da cidade. Minhas irmãs vieram no ano passado, mas foi só.
– Eu não reclamaria, nunca, de ter você aqui comigo. – null se aproximou dele, tocou seu rosto e colocou uma mecha do cabelo escuro atrás da orelha do seu jogador de hockey favorito. – Mas, espero que consigam essa pausa, você precisa de um tempinho em família. Descanso. – Finalizou o beijando.
– Você poderia ir comigo. – Ele sugeriu, inseguro, quando ela começou a se afastar de volta a mesa.
Os natais e qualquer outro evento ou festa, celebração ou data de família eram extremamente importantes para a família null, quase nunca contavam com a participação de outros membros. Bre, sua irmã caçula, namorava há anos, mas não se lembrava de nenhum natal compartilhado com o namorado dela ou sua família. null engoliu sua respiração logo após dizer, porque não temia apenas a resposta e reação de null, mas também a de sua família.
– Eu? – Ela arqueou uma sobrancelha e riu, estranhando.
– É. – Ele maneou a cabeça, se apoiando a parede. – Por que não?
– Está falando sério? – null apoiou o quadril a mesa e cruzou os braços. – Eu? Conhecer sua família e bem no natal? – Ele ergueu os ombros, como quem diz “e qual o problema?” – Não sei. – Ela sacudiu a cabeça e voltou a recolher a louça. – Nunca tocou no assunto antes, por que agora?
– Porque eu não vou deixar minha namorada sozinha no natal, caso eu vá para Scottsdale. – Ele deu de ombros e se aproximou dela, afastou o cabelo solto dos ombros e beijou a pele exposta pela gola larga do suéter. – Você não os conheceu quando morava no Arizona, já é a hora.
– E o que mudou? – Ela indagou com curiosidade, ainda de costas, sentindo o afago dele.
null ergueu os ombros, apertou os lábios e baixou os cantos, como se não tivesse uma resposta para aquela pergunta.
– Seria muito babaca se eu dissesse que não estava pronto? – Ele perguntou em um sussurro.
null riu, apoiando a cabeça aos ombros do namorado. Ele ficou feliz por ela não o achar um idiota, ou o olhar daquele jeito, com o olhar das pessoas chocadas e altamente magoadas. Que bom que era ela ali, ele pensou.
– Agora você está?
– Se eu quero que você seja uma null, preciso começar te apresentando a família, não é?
null ouviu, quase sentiu fisicamente seu cérebro fazendo as sinapses, conectando neurônios, captando e recaptando neurotransmissores. Então se virou devagar, olhar ansioso, como quem teme ter escutado errado e quer ter certeza, temendo que as palavras tivessem se perdido no ar. Ela apertou os olhos enquanto o olhava. null sorriu desconcertado, projetou o lábio inferior em um meio sorriso e ergueu um ombro, ao mesmo tempo em que maneava a cabeça como quem diz “por que não?” de modo relaxado e sem compromisso – o que era oposto ao que ele realmente sentia no momento e ela sabia.
Ela tomou o rosto dele nas mãos, balançou a cabeça para um lado e para o outro, devagar, enquanto sorria com os olhos, como se em silêncio dissesse você é mesmo maluco. E depois, o beijou. Ele considerou que o beijo devia ser uma resposta positiva.
Quinta-feira, 14 de dezembro de 2023
Scotiabank Arena – Casa do Toronto Maple Leafs
Toronto – Ontário/Canadá
null caminhava do jeito null de sempre, devagar, erguendo os joelhos, com o cabo do taco quase arrastando no chão. Era um dos últimos a deixar o gelo ao final do treino, como sempre. Teriam um jogo no sábado e mais uns na próxima semana, talvez outros até o final do ano. Os calendários nos meses do meio da temporada costumavam ser apertados, poucas folgas, tempo corrido, as vezes jogos no natal ou até mesmo na noite de ano novo. Era comum, principalmente se considerasse aquelas duas datas importantes bem no meio da temporada – benefícios ou malefícios de se jogar no inverno.
Mitch Marner passou pelo central como um vulto, correndo sob seus patins como se sua vida dependesse disso. O que também era muito comum. A mania de um dos melhores amigos de null havia começado por um péssimo hábito e uma bexiga muito solta, mas se tornara marca registrada do ala de olhos azuis. Agora Mitch fazia por uma questão de superstição e porque realmente era muito agitado para caminhar pelos corredores como uma pessoa normal.
No vestiário, uma algazarra generalizada chamou a atenção de null. Ao entrar, o grupo todo ria e conversava animadamente, até Sheldon Keefe, seu treinador, estava gargalhando e parecia mais animado do que deveria para um fim de tarde de treino intenso.
null se aproximou de seu lugar no vestiário e começou a tirar todo o peso dos equipamentos. John Tavares e Tyler Bertuzzi estavam perto, conversando sobre árvores de natal e crianças pequenas. Quando John cruzou o olhar com o central, null indicou a movimentação com o queixo e sustentou um olhar que pedia explicações sobre o que causava aquela agitação.
– Parece que tudo certo para a nossa pausa. – John respondeu com um sorriso. – Vamos ter alguns dias com a família. Só voltamos depois do ano novo.
– É sério? – null ergueu as sobrancelhas e sorriu.
– Pode fazer suas malas para o Arizona, Papi. – Tyler riu ao balançar null pelos ombros. – Folguinha, baby.
null olhou para o time outra vez, agora compreendendo sua agitação, conseguiu até captar alguns assuntos. Alguém que reclamava sobre o calendário apertar mais depois da pausa, outros que faziam planos de férias em família, outros que planejavam beber até esquecer aonde estavam, viagens, jantares. Cada um já montavam uma programação bem específica com aquela notícia.
– Então, a gente aluga um jatinho para o Arizona? – Matthew Knies, o estreante que também era do Arizona, perguntou ao se aproximar, sentando-se para arrancar os patins.
– Nem acredito que vou passar alguns dias quentes, longe daqui. – null respondeu com um suspiro teatralmente aliviado.
– O que eu mais queria. – Nick Robertson, outro nascido no Arizona se aproximou. – Nem era tanto pela folga, mas sim para fugir do frio. O clima desse lugar não foi feito para seres humanos. Eu tenho certeza que é a natureza se vingando.
– Eu já me vejo andando por aí de shorts e camiseta. – Knies falou. – E comendo a comida da minha mãe. Vai pra lá também, né? – Perguntou, virando o rosto para buscar null.
– Eu acho que sim. – null expirou e se recostou, soltando as mãos no colo. – Ainda não tinha planejado nada, mas é o que eu quero e preciso. Vou levar a null.
– Legal. – Knies assentiu, voltando a prestar atenção em seus equipamentos.
– A família dela vem também? – Nick perguntou. Ele já estava com peito nu, vestia apenas uma toalha da cintura. – Passar as festas com vocês no Arizona? São do Brasil, não é?
– Na verdade... – null mordeu o lábio inferior. – Eles não vêm porque já vieram há pouco tempo, mas também... porque essa vai ser a primeira vez dela com meus pais. – Confessou o central.
– Tá zoando? – Knies ergueu o corpo, surpreso e Nick arregalou os olhos.
– Não, tô falando sério. – null apertou os lábios. – Vou apresentar ela pra família.
– Espera. – Nick ergueu um dedo. – Mas vocês não se conheceram no Arizona? E não namoram há tipo... uns nove meses?
– Primeiro, é estranho que você se lembre de detalhes que eu nunca contei exatamente. – null respirou erguendo os ombros e estreitou o olhar para o ala moreno. – Segundo, é complicado.
– O que é complicado? – Mitch Marner, com cabelos molhados, sem camisa, se sentou ao lado deles.
– A família do null não conhecer a null ainda. – Knies respondeu primeiro e Mitch rolou os olhos.
null respondeu Matthew Knies com um olhar atravessado.
– Vou levar ela comigo nas festas. – null contou ao amigo.
– Até que essa foi rápido. – Mitch deu de ombros. – Mas eu sabia que a null não ia aturar a mesma espera e o período de testes das outras. Ela é latina, as coisas lá são diferentes.
– Não é assim também. – null bufou e rolou os olhos.
– Mas... – Nick ainda ostentava um semblante confuso. – Mas vocês não namoraram a distância por meses porque ela morava no Arizona? Como ela nunca conheceu seus pais? Scottsdale é do tamanho de uma noz.
– Eles não frequentavam os mesmos lugares. – null explicou sem muita ênfase.
– Se você disser isso perto dela, ela deve te acertar no nariz. – Mitch avisou, batendo duas vezes no joelho de null. – O problema aqui, é que o null sempre acha que ninguém é bom o suficiente pra ele. Enrola a garota até que ela desista.
– Eu não enrolo ninguém. – null ficou de pé. – E ninguém era bom o suficiente. – Ele ergueu um ombro. – Agora é.
– Depois de nove meses, mesmo morando na mesma cidade. – Mitch o olhou desconfiado, com preguiça da postura do amigo. – Talvez a null seja mais rápida e você assume ela com um ano juntos.
– Mas por que? – Knies quis saber, estava curioso. – Era tipo esses namoros escondidos de famosos?
– Nem os famosos namoram escondido hoje em dia. – Mitch comentou, cruzando os braços sobre o peito nu e null rolou os olhos.
– Não é nada disso, é só que... – O jogador se perdeu nas palavras, abriu a boca mais não disse nada. – É só que eu sou muito cuidadoso. – Ele coçou a nuca. – Minha família é. A gente não costuma levar um pretendente por mês para jantar.
– Fechados. Trancados. Não aceitam novos membros. – Mitch implicou. – Mas sabe, eu sempre achei que o Papi aqui morreria sozinho. – Marner ficou de pé e abraçou o amigo pelo ombro. – Do tipo, ninguém vai aguentar a rabugice dele, nem a falta de simpatia. Mas ele achou alguém que ama o Grinch, então deu certo. Ela é meio como ele, nunca se envolve em nada com as garotas do time também. Meio antissocial. – Mitch olhou para o amigo com certo ressentimento. – Sabe quantas vezes minha esposa já a convidou?
– null não gosta de ter atenção assim. – null se explicou, defendendo a namorada. – Ela é tímida e prefere não ter um monte de gente falando dela só por ser minha namorada.
– Tá, tá certo. – Nick sacudiu as mãos. – Mas eu ainda não entendi porque demorou tanto tempo para apresentar sua namorada, que morava no mesmo lugar que seus pais. E por que ainda não assumiu o namoro, se vocês praticamente moram juntos agora?
null ergueu os ombros e apertou os lábios em uma careta confusa e sem jeito.
– Sei lá. Por que isso é tão importante? – Ele devolveu a pergunta. – Quando vocês se tornaram tão fofoqueiros?
Mitch, Matthew e Nick trocaram olhares e ergueram os ombros.
– O que importa é que no natal, vou apresentar null para meus pais. – null justificou, mais para si mesmo do que para os colegas. – Vai dar tudo certo e vai ser legal. Nós dois. Scottsdale. Natal em família. Vai ser legal. E aí assumir para todo mundo. Vai ficar tudo bem. Sem mais.
Quinta-feira, 14 de dezembro de 2023
Apartamento da null
Toronto – Ontário/Canadá
Era o início da noite de quinta, fazia muito frio e o vento machucava. null tinha recém-chegado do hospital e tirava o peso de todas as roupas usadas para sair de casa. Estava cansada, a coluna doía e sentia o nariz incomodar, a pele repuxar por estar muito seca, os lábios pareciam nunca ter hidratação suficiente e o rosto estava queimado pelo frio. O que não daria por um dezembro brasileiro. Clima quente, tomar sorvete, pele queimada de sol, passear pela cidade depois de um dia inteiro de praia, tomar Coca-Cola na calçada, andar de Havaianas para qualquer lugar, o cheiro de protetor solar e churrasco.
Como sentia falta do Brasil...
Havia estado com os pais no início do mês, quando os dois vieram para Toronto para comemorar o aniversário da mãe, mas eles já estavam de volta ao Brasil. null só poderia visitá-los em sua terra natal nas férias de verão, porque o calendário de trabalho e a rotina no hospital não davam trégua. Trabalhava em um hospital geral no coração da cidade e não lhe faltava trabalho.
Sua jornada profissional fora do Brasil tinha começado no Arizona, em um hospital mais calmo, com uma boa equipe, um ambiente tranquilo e agradável para se trabalhar. Depois de um ano no deserto, já em um relacionamento a distância com null null, null recebera um convite irrecusável de um dos ex-administradores do hospital, que agora residia e trabalhava em Toronto. E assim, era recém completo um mês morando em Toronto, um mês experimentando aquele clima péssimo, um mês em um hospital geral caótico e superlotado, um mês morando mais perto de null também.
Antes disso, no último verão, quando se conheceram e nas férias de null, tudo era luz, sombra e água fresca. O jogador passava muito mais tempo do que devia ser normal junto a brasileira, era quase como se nunca tivessem estado separados antes. Sabiam os horários um do outro, dormiam e acordavam juntos, saiam juntos com os amigos ou passavam o fim de semana inteiro dentro de casa. Depois, com o início da temporada em outubro, o namoro a distância se resumia a vídeo chamadas que duravam grande parte da noite, viagens longas, mas que só lhes davam algumas horas ou no máximo um ou dois dias juntos. Ansiedade de separação, brigas por ciúmes por causa da distância, inseguranças e muita saudade.
Foram quase dois meses de muito tormento, até que null resolvesse enfim aceitar a proposta – depois de uma campanha esforçada de null para tal. Agora estava de volta a rotina de antes, null praticamente morava com null, mesmo que seu apartamento fosse menor, mais simples e coubesse inteiro dentro da cobertura bem equipada, chique e tecnológica do namorado. Ele não dava a mínima, nunca deu. No início null queria que morassem juntos, mas null foi intensamente contra. Namoravam há alguns meses apenas, e apesar do jogador americano já conhecer sua família e ser adorado por seus pais, pensava que ainda não era o momento. Morar juntos, apesar de não ter tantas diferenças práticas, teriam muitas sutilezas e null morava nas sutilezas. Gostava de seu espaço, suas coisas, gostava de não ter que discutir com ninguém sobre como decoraria sua casa, ou sobre o que teria na dispensa. Gostava de não ter compromissos ou exigências, não ter responsabilidades nem mesmo com plantinhas. Achava que morar juntos tiraria isso.
Aquela mudança podia soar estranha, já que null era conhecida por alguém intensa, impulsiva, apaixonada por casamentos e louca por viver sua própria história de amor. Mas havia aprendido coisas importantes com o namorado, como ser mais cautelosa, esperar a hora certa, pensar antes de agir. Além disso, tinha dentro dela um medo monstruoso e forte, que gritava que caso algo mudasse na rotina, o relacionamento poderia desandar e null estava feliz demais com tudo para colocar o que tinha em risco.
Enquanto enfiava uma lasanha congelada no microondas, null ouviu chaves do outro lado da porta e depois passos. Alguém jogou uma bolsa pesada no chão, tirou os sapatos e devagar, em sua rotina prática e totalmente calculada quanto a ordem de tirar os casacos e a ordem de pendurá-los, se despiu junto ao armário.
– Oi, você. – null cumprimentou da cozinha, sem ainda tê-lo visto, mas não precisava. Reconhecia o som de seus passos, o barulho da respiração, o jeito com que ele fechava as portas, o som seco da bolsa de treinos batendo no chão.
– Hey, baby. – null respondeu ainda do corredor.
– Tenho lasanha congelada, quer jantar comigo? – Ela perguntou, rindo de sua oferta.
– Não, valeu. – null surgiu na cozinha. – Comi com os caras do time. – null se aproximou e beijou a namorada na bochecha. – E que bom que comi, não é?
O jogador riu abafado e null o acertou devagar, na costela.
– É um jantar bem digno, okay?
null assentiu com a cabeça e apertou os lábios, controlando o riso. O jogador apoiou uma das mãos na ilha da cozinha, observando de perto a namorada preparar tudo para seu jantar enquanto a lasanha rodava no microondas.
– Como foi seu dia? – null quis saber.
– Bom, nada de diferente. – Ele maneou a cabeça. – Treino forte.
– Odeio como homens são pobres nos detalhes. – null rolou os olhos e riu, null a acompanhou.
– Aliás, eu tenho uma novidade.
A brasileira ergueu o olhar e sorriu, arqueando as sobrancelhas com expectativa.
– Vamos ter a folga das festas. – Contou apertando os dentes como uma criança cheia de expectativas. – Só jogamos de novo depois do ano novo.
– null! Que notícia ótima. – Ela celebrou com um abraço rápido e ele assentiu. – Vai conseguir celebrar com a sua família.
– Pois é. – Ele balançou a cabeça e a inclinou, mordendo o lábio, hesitante. – Você pensou naquilo que falei hoje de manhã?
– O que, exatamente? – null o olhou, para depois lhe dar as costas e conferir sua lasanha.
– Sobre ir comigo, para Scottsdale. – null ergueu os olhos a tempo de vê-la tentar disfarçar a expressão surpresa e sem jeito. – Eu sei que... sei que talvez você não queira... na verdade eu reconheço que a gente nem falou sobre isso antes, mas...
– Será que não é uma ideia melhor se fizermos isso em outro momento? – null uniu as sobrancelhas. – É que... sabe, o natal é uma época para a família, é uma data importante. Não sei se seria apropriado que eu me enfiasse nas suas comemorações.
– Mas já são nove meses, até os caras do time estavam implicando comigo sobre isso hoje. – Confessou o jogador. – Você já faz parte da família pra mim.
– Para você, mas é diferente. – null fingiu estar muito ocupada com sua lasanha, dando-lhe as costa, fugindo.
– Meus pais já sabem que você existe, desde o início. – null chegou mais perto dela. – Eu queria que você fosse, é importante pra mim.
– E por isso levou todo esse tempo? – Ela implicou, lançando a ele um olhar carregado de ironia e null apertou os lábios em uma careta. – É brincadeira. Eu só não acho que o natal seja o mais apropriado, talvez um jantar em outro momento...
– O natal seria perfeito, porque aí teriam tempo para te conhecer melhor, entender porque eu amo você. – Ele sorriu.
– O fato de eles precisarem de um tempo para gostarem de mim já me diz muita coisa. – null riu fraco.
– Não é isso. – null sacudiu a cabeça, estava começando a ficar angustiado. – Também é um tempo para você conhece-los, se acostumar com eles. Eu ficaria feliz se você passasse algum tempo com meus pais.
– Não sei, amor. – null sacudiu a cabeça. – Eles não quiseram me conhecer quando eu morava há dois quilômetros da casa deles, agora vão querer?
– Não é que não quisessem... – null coçou a nuca, sem jeito. – É que eles não se importavam muito com esses detalhes... – O jogador maneou a cabeça. – Achei que nem você...
– Eu não estou insistindo. – null deu de ombros e null rolou os olhos.
– Está certo, eu sei que tenho alguma culpa nisso tudo. – O jogador ergueu as mãos, rendido. – Sei que podia ter resolvido isso antes e que seria o mais certo. Não devia ter esperado tanto tempo, que seria mais honrado se tivesse assumido o nosso compromisso...
– null, não é sobre isso... – null tentou falar, olhando-o, mas ele a ignorou.
– E eu assumo isso, mas quero consertar. – Ele continuou. – Se quero fazer de você uma null, preciso te apresentar para o resto da família. Sei que não fiz as melhores escolhas até agora, mas ainda tenho um tempinho para melhorar. – null fez uma breve pausa, levou uma das mãos até o rosto de null e puxou seu queixo em sua direção com suavidade. – O que me diz?
– E se eles não gostarem de mim? – Ela perguntou, expondo pela primeira vez sua ansiedade e preocupação quanto a aquele tópico. – Se eles não me aprovarem?
null sorriu empático.
– Eles vão te amar, não tem como não te amar.
– Mas e se não? E se eles acharem que não estou à sua altura e...
– Ei. – null a calou com um beijo rápido. – Não se preocupe, okay? Vai ficar tudo bem. Eu prometo. – Ele sorriu, olhando em seus olhos. – Em alguns dias estaremos voando para casa e vamos ter o natal mais inesquecível de todos. Mal posso esperar para te mostrar todas as tradições de natal da Família null. Vai ser ótimo, confie em mim. – Ele prometeu, beijando-a.
Driving Home for Christmas
Quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
Scottsdale – Arizona/Estados Unidos da América
Mesmo depois de muita resistência por parte de null, que praticamente havia se amarrado a mesa para não sair de casa, estavam no Arizona. O casal viajara sozinho de jato, de Toronto para Scottsdale e depois de carro até a casa dos null. null havia comido os cantinhos de pele de todos os dedos das mãos, mordido o interior das bochechas e os lábios. Estava ansiosa e insegura demais para se concentrar na beleza da paisagem, ou no falatório do namorado sobre carros, paisagens, cactos, baseball e o Arizona Coyotes. null, por sua vez, falava sem parar porque aquela era sua maneira de driblar a ansiedade que também o consumia. A cada metro mais para dentro de Scottsdale, uma peça de roupa era retirada porque não havia neve ali. Ao contrário, com aquele tanto de tecido cobrindo cada faixa de pele, sentiam calor – era isso ou a agitação quente da ansiedade.
A família havia reagido com mais surpresa que empolgação quando o jogador lhes avisou de sua convidada. Parte porque ele mesmo havia sido categoricamente contra a convidarem o namorado de Bre para a comemoração, mesmo que eles já namorassem há anos. Parte porque era null, ele gostava daqueles momentos em família e amava tradições e rotinas, saber o que aconteceria e a falsa sensação de controle que isso lhe dava. Por isso o central também segurava muita expectativa para aquele encontro, porque a aprovação dos pais era muito importante para ele, principalmente em um assunto como aqueles. Sua futura família.
Se caso alguém lhe perguntasse, não saberia dizer se seus pais eram fechados e pouco receptivos, ou se apenas não ligavam. No passado, nenhum dos dois se envolveu muito nas escolhas amorosas do jogador de hockey, que também não fazia questão de abrir o tópico para discussões familiares. Era discreto e sutil. Às vezes, era acompanhado pelas namoradas em alguns eventos, quando já juntos há algum tempo. Maggie, a última, o tinha acompanhado ao casamento de Mitch Marner e Steph, depois de quase três anos juntos. Acompanhado null em algumas férias, passado tempo com ele em sua casa no Arizona, o visitado em casa em Toronto, nos jogos dos playoffs havia estado junto a outras esposas e namoradas torcendo para o time.
No início era fácil e cômodo, porque Maggie era uma das melhores amigas da namorada de um de seus melhores amigos no time, Michael Bunting, mas com a saída do ala, faltava incentivo e a graça dos encontros diminuiu.
Maggie era sempre envolvida com seus interesses, apesar de sempre se concentrar muito em null. Não se envolvia tanto com sua família, pais ou irmãs, apenas com namoradas de outros jogadores e alguns outros amigos do central. Ela não queria ser apenas conhecida como namorada de null null, queria ser vista por seu talento, criar seu nome na mídia. Por isso e pelo pavor que o jogador tinha de ver seu nome envolvido em páginas de fofoca. Sentia calafrios e as pernas fraquejarem quando imaginava a si vinculado a uma manchete com milhares de comentários, piadas no Twitter e risos mundialmente.
Mas, talvez pela falta de vontade da família, de Maggie, ou dele mesmo, nunca tinha passado por sua cabeça trazer a influencer para um natal em família. Os natais dos null eram recheados de tradições que se cristalizaram desde a infância dos três filhos de Ema e Brian. Os suéteres, decorar a árvore de natal, a ceia na véspera, as fotos de família, abrir os presentes, tomar chocolate quente, comer mais que deviam.
Nunca havia imaginado alguém participando daquela festividade até o momento, me imaginava null como mãe dos seus filhos, era óbvio que teria que ensinar a ela todas aquelas tradições, para que juntos fizessem aquelas e mais outras com as crianças que teriam.
– Tem certeza sobre ficar na casa dos seus pais? – null perguntou após horas em silêncio, apenas acenando com a cabeça para todo falatório do namorado sobre a academia da Arizona State University. – Não seria mais confortável ficar na sua casa? Eu, você e o Felix? – Propôs, lembrando-se do cachorro que dormia no banco de trás. – Mais tempo para nós dois. – Ela sorriu, tentando convencê-lo.
– Se a gente quer passar mais tempo com eles, nada melhor. – null deu de ombros. – E a casa é grande o suficiente para todo mundo. Minha família ama o Felix. – null sorriu, olhando para a namorada. – Você vai ver, ele até se esquece de mim. Minha mãe e minhas irmãs mimam ele mais do que eu e você.
– Eu aposto que sim. – null suspirou, erguendo e baixando os ombros.
– Você pode relaxar, amor. – null apertou o joelho da brasileira, atraindo sua atenção enquanto dirigia. – Você está tensa desde que saímos de casa. Não vai ser nada tão terrível quanto você imagina.
– Eu não estou tensa. – Ela tentou disfarçar, sacudindo a cabeça.
null inclinou a cabeça sobre o ombro e a encarou, erguendo as sobrancelhas.
– Tá, talvez eu esteja um pouco. – null se deu por vencida, rindo pelo nariz. – Mas é que é natal e eu nunca fui apresentada antes. Ainda mais assim.
– Assim como?
– Ah... você é meio... – null hesitou e o jogador arqueou uma sobrancelha outra vez. – Meio filhinho da mamãe. – null gargalhou. – É sério. É como minha mãe diz, você é o bendito é o fruto, sabe? O único homem da família além do seu pai. Sua mãe deve ter ciúmes de você, você é muito próximo a ela, e a suas irmãs também.
– E toda mãe não tem? – null devolveu, ainda rindo. – Não se lembra do seu pai quando me conheceu? A expressão séria a sobrancelha arqueada para tudo que eu falava? Aquilo era ciúmes também.
– É, mas... não levei você para encarar um natal em família. – null deu de ombros.
– Não vai ser uma tortura, ou uma sabatina, null. – null riu outra vez. – Parece que meus pais são monstros e eu estou te levando para um covil. Não é assim. Eles nem são totalmente americanos.
– Não é com a parte americana que me preocupo, é a latina. – null o olhou de canto. – Sei como são essas coisas. – Disse em um fio de voz.
null sacudiu a cabeça, não ria mais.
– Você pode confiar em mim. – Ele a olhou quando pararam em um semáforo. – Vai ficar tudo bem, são só alguns dias. E você é a melhor pessoa para lidar com isso, porque além de ser a mulher da minha vida, é latina. – O jogador apertou os lábios em um sorriso fechado. – E se te faz sentir melhor, prometo que se algo der errado, vamos para a minha casa.
– Jura? – null o mirou de olhos estreitos. – Jura mesmo?
– Juro. – Ele sorriu. – Mas não vai ser preciso, vai dar certo. – null se virou e acelerou, aproveitando a luz verde. – Vai ser meu sonho sendo realizado. Você, meus pais e minhas irmãs, eu. Todos juntos no natal.
null expirou um riso amarelo.
– Ô, se vai.
Quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
Casa dos null
Scottsdale – Arizona/Estados Unidos da América
Quando o carro de null parou em frente a uma casa grande em um condomínio fechado, com jardim grande e bem cuidado, o corpo de null resolveu reagir em medidas drásticas para evitar aquele evento. Nunca antes havia sido apresentada a família de alguém como a namorada, a escolhida, a qualquer coisa. Na verdade, não costumava ser muito escolhida, geralmente sequer apresentada como algo mais do que amiga. Não era a pessoa, geralmente era a pessoa que vinha antes de a pessoa. Sendo assim, não sabia como devia agir, até sabia porque lidava com gente há muitos anos para não saber e não era mais uma menina. Mas temia que fizesse algo errado, temia ser rejeitada, temia fazer alguma coisa errada e nem entendia porque precisavam passar por aquilo. Já eram velhos demais para pedir permissão e passar por apresentações, não eram?
Bastava chegar em um dia qualquer e dizer “esse é o meu namorado”. O irônico era que isso era justamente o que null pretendia fazer. Mas mesmo sendo ridículo e bobo todo aquele estresse, null estava completamente atordoada e nervosa, imaginando o que aconteceria quando cruzasse aquela porta. A médica brasileira não fazia ideia do que fazer, como fazer. Não sabia como eram os pais do jogador, se a mãe era serena e o pai engraçado, ou se eram duas pessoas difíceis de lidar. Se eles se pareciam com null, ou se eram extremos diferentes e mais complexos que o filho do meio. Estava completamente no escuro, apavorada.
Quando o jogador abriu a porta para Felix e depois a porta de null, esperando que ela descesse com um sorriso animado e lindo no rosto, null orou para que Deus a ajudasse a manter as pernas firmes e não se estabacar bem na frente da família null. Para sua sorte ou azar, null a conhecia bem e pareceu perceber o estado calamitoso em que a namorada estava, pálida, trêmula e prestes a vomitar de nervoso.
– Ei, tudo bem? – Ele quis saber assim que fechou a porta do carro. null encarava de olhos estatelados a porta da casa, decorada com uma guirlanda bonita e grande.
– Eu não sei se consigo fazer isso. – Admitiu de uma vez. – A gente devia ir pra sua casa antes que eu vomite no jardim bonito deles.
null riu fraco, surpreso e confuso.
– Como assim? – Ele perguntou, entrando no campo de visão da namorada, que se escorou no carro. – Não consegue fazer o quê?
– Isso. Tudo isso. – null começou a falar nervosamente. – Conhecer seus pais. Eu não sei se consigo. Eu... – Ela enfatizou apontando para si mesma. – Já tem todo esse tempo, isso nem é tão importante assim. E se eles acharem que sou uma aproveitadora, ou sei lá? Eu não... foi uma péssima ideia.
– null. – null falou com firmeza, sem sorrir, mas apenas para garantir que capturaria a atenção dela. – Você confia em mim? – Ele a olhou nos olhos.
– O quê? – Perguntou o olhando perdida. – É claro que sim.
– Então só relaxa. – O jogador sorriu, depois beijou rapidamente a testa da namorada. – Só relaxa e confia em mim. Como eu já repeti umas mil vezes. – Ele sussurrou.
– Mas null, eu... – Ela tentou argumentar.
– Relaxa. – Ele pediu outra vez, usando seu tom mais sereno e manso, segurando-a pelos ombros.
Em seguida, o jogador segurou com firmeza a mão da namorada, guiando para atravessar o jardim super decorado com renas, bonecos de neve e luzes de natal. Quando os dois estavam perto dos três degraus que levavam a pequena varanda na frente da casa, a porta grande e escura fora aberta. null fez um rápido contato visual com uma mulher morena de sorriso pequeno e olhos alegres, não conseguiu decidir se os olhos eram parecidos com os do namorado ou não, mas o olhar era igual ao de null.
A mulher – pela idade que aparentava – devia ser a senhora Ema null. Ela afastou o olhar de null tão rápido quanto a médica, talvez também estivesse nervosa com aquele encontro, e então olhou e sorriu para o filho.
null se soltou de null para abraçar a mãe. Por causa da diferença de altura, o jogador precisava se curvar para caber nos braços dela, que fechou os olhos para abraçá-lo.
– Você demorou muito. – A matriarca observou, ainda sorrindo e abraçada ao filho.
– Pegamos tempo ruim e muita neve em Toronto. – null maneou a cabeça e levantou um ombro. – E o meu pai? Bre e Alex?
– Alex está lá em cima, Bre foi a casa de uma amiga e seu pai está lá dentro. – A mulher apontou para trás de si e em seguida levou a mão para uma correntinha que usava, segurando seu pingente enquanto falava com o filho.
Ema null correu os olhos por null, que assistia a cena imóvel, porque achava que se fizesse qualquer movimento, seria percebida por ela. O olhar não era um daqueles que se dá quando espera que alguém apresente a visitante, estava mais para um olhar de reconhecimento. Como se quisesse encontrar naquela pessoas as características que o filho provavelmente havia dado.
– Mãe, essa é null null, a mulher especial na minha vida. – null apresentou, sorrindo para a namorada, puxando-a mais para perto.
– Claro... – Ema hesitou, engolindo em seco e null uniu as sobrancelhas. – A namorada.
– Isso. – null assentiu feliz, olhando apaixonado para null, que encarava a cena estática.
Houve um breve silêncio até que null cutucasse null, lembrando-a de responder a mãe e respirar.
– É um prazer, senhora null. Sempre escuto muito sobre a senhora e sua família. – null esticou a mão para um cumprimento, mesmo que ainda um pouco tonta e paralisada. – Pode me chamar de null, acho que é pode ser mais confortável.
– Então, null. – Ema apertou a mão da brasileira sem muito entusiasmo. – Sejam bem-vindos.
Disse, dando-lhes as costas e entrando.
– Vem, vamos entrar. – Ela chamou.
– Vamos, é. – null assentiu, voltou-se para a namorada e a trouxe mais para perto, conduzindo-a com uma das mãos em suas costas.
– Meu Deus, ela me odiou. – null sussurrou ao namorado, entrando na casa.
– Não, claro que não. – null negou e deu de ombros, empurrando a namorada para dentro. – Ela até sorriu.
– null, ela me detestou. – null repetiu congelada. – Meu Deus, ela me detestou.
– Que nada, pare... – O namorado discordou outra vez, guiando-a para a grande sala da casa e a ajudando a se desvencilhar dos casacos pesados que ainda restavam e destoavam do clima daquela parte do país.
A casa lembrava a de null quanto a quantidade de fotos de família, decorações de natal e quadros de prêmios e troféus do filho jogador, mas a de null era mais sóbria e minimalista na decoração. Havia uma sala ampla com uma TV grande e uma lareira igualmente enorme, decoração de natal por todos os móveis, tapetes grandes, fotos de família espalhadas por todo canto. Felix parecia familiarizado e instalado em um lugar perto da lareira, que parecia ter sido colocado ali para ele, a espera dele. Na sala havia uma escada que levava para o andar de cima, da sala também saia um corredor curto de onde se podia ver uma ampla sala de jantar com uma mesa longa e um lustre bonito e uma cozinha aberta, muito equipada. A cozinha fazia a médica brasileira se lembrar da cozinha aconchegante e calorosa de sua avó, mesma que a da avó fosse bem simples se comparada a ela.
Do lado de fora, através das janelas grandes e de vidro impecavelmente limpo, podia-se ver um grande quintal com duas ou três árvores e o que parecia ser um jardim, o clima era bem quentinho se comparado a Toronto, mas refrescava um pouco e as árvores reclamavam com o peso do vento forte. Era o meio da tarde e o céu estava pesado de nuvens, o vento frio era cortante, mas parecia menos intenso que em casa.
Antes, quando vivia em Scottsdale, null nunca havia antes estado naquele condomínio ou naquela vizinhança. Claro, tinha aqueles amigos que conhecera no hospital, que haviam a convidado para aquela noite fatídica, quando encontrou null pela primeira vez – pessoalmente. De relacionamento com o americano moreno, o tempo passado no calor do deserto americano nunca foi exatamente propício para uma apresentação familiar. Preferiam ficar a sós, ou com amigos em comum, vivendo devagarzinho o que sentiam, experimentando e descobrindo um ao outro e se descobrindo ao mesmo tempo. Nunca haviam tido a conversa sobre a família, embora sempre falasse da família em suas conversas confortáveis na cama antes de pegarem no sono juntos.
Era engraçado como foi preciso se mudar para outro país para só enfim conhecer pessoas que moravam há vinte minutos de sua casa.
De volta ao presente, quando entraram na cozinha um cheiro forte do que parecia ser chá encheu o nariz de null. Lá estava um homem de sua altura, mas mais baixo que o namorado, branco, com olhos azuis, bigode, significativa falta de cabelos e os que restavam eram brancos e nariz pequeno. Era um homem estranho, talvez pelo formato do nariz e dos lábios ou o conjunto da obra, mas null uniu as sobrancelhas e inclinou a cabeça sobre o ombro por alguns segundos, lembrando-se dos castores de As Crônicas de Nárnia.
Era o pai de null. Não era difícil perceber, mas não por já ter o visto milhões de vezes pela TV ou por fotos com o namorado, mas sim porque os olhos e sobrancelhas eram quase idênticos aos de null, assim como o formato de seu rosto, apesar de já transparecer a idade com alguma flacidez ali ou aqui. Brian null tinha um semblante relaxado mais sério e soturno que o de Ema, mas ao contrário dela, o americano, assim que colocou os olhos sobre a recém-chegada, endireitou as costas e sorriu.
Ele se aproximou sorrindo apertou a mão de null, sacudindo com animação. Ele usava uma camisa xadrez e null não conseguia parar de olhá-lo e pensar sobre a semelhança dele como um castor, ou com um rato – ao menos quanto ao seu nariz – e de agradecer pelo namorado ter puxado a outra metade do rosto de seus parentes latinos.
– Então é você, a famosa brasileira. – Brian sorria. – Acho que está na família ir buscar mulheres longe. – null riu sem jeito, mas null achou gracioso. – E eu amo o Brasil. As florestas, as pessoas sempre felizes, o samba, o futebol. – null olhou de canto para o namorado, que apenar apertou os lábios e inclinou a cabeça, sem jeito. Enquanto isso, Brian fazia uma dança desengonçada, como se tentasse sambar, colocando um pé na frente do outro e depois trocando. – Neymar. Pelé. Kaká. Messi.
– O... – null hesitou, coçando o queixo. – É que... bem, o Messi é da Argentina, mas... é, isso aí. – Ela apertou e sorriu fechado, encabulada pelo olhar investigativo de Ema null.
– Alguém quer chá? – Ema se virou para a pia, não sorriu.
Brian e null começaram uma conversa sobre a diferença de clima entre o Canadá e o Estados Unidos, null se perdeu em suas palavras rápidas e com sotaque carregado, que levou alguns instantes até perceber que Ema falava sozinha enquanto servia o chá, de costas para eles.
– Una blanca como la leche. ¿Latina? No. Nunca. – A cada palavra, a mulher mexia o chá com mais força. – Y Brasil no es latino, es brasileño. Ella no es brasileña, nunca. No lo es. Ahora mi hijo va a traer esa a casa, ¿y después? – Ema bufou. – Tyler y Hayley. Niños blancos. Blancos. Y aún se dice latina... – null a viu sacudir a cabeça.
Quando percebeu, null olhou do namorado para a mãe, depois de volta ao namorado. Demorou um pouco, mas assim que null percebeu o olhar da namorada, não custou a entender o que a mãe dizia. null tentou manter a expressão mais calma e desapercebida que conseguia, mas o olhar perdido e rosto vermelho de null entregavam o conteúdo das palavras da matriarca.
– Es incluso el fin del mundo. – Ema começou a traçar sobre si o sinal da cruz, null respirou fundo e apertou os olhos. – Que Dios me perdone, que aleje el mal de esa casa, en el nombre del Padre, del Hijo y del Espíritu Santo de Dios. Virgen de Guadalupe y todos los santos...
null olhou da mãe para o filho, depois do filho para a mãe, uniu as sobrancelhas e apontou para si, como quem pergunta, “é para mim?”
null prendeu a respiração e sem jeito, tentou chamar a atenção da mãe, que ainda estava de costas, descontando sua chateação com torrões de açúcar e biscoitos. Brian, que ainda falava animado sobre os planos para o natal, quando percebeu enfim o que se passava, tossiu, despertando a esposa de seu momento. Ema se virou, olhou rápido para os três e colocou a bandeja de chá e biscoitos sobre a ilha da cozinha.
– O chá.
– Você quer chá? – null perguntou de repente, como se nada tivesse acontecido instantes antes.
– Eu? – null quis se certificar, tonta. – Sim. Sim, adoraria. – Ela assentiu rápido, tomando um gole maior do que o saudável de um chá com gosto estranho e lutou muito para não fazer careta por causa do gosto forte, mas o namorado percebeu e apertou os lábios em solidariedade.
– Então, null? – O pai, Brian, ergueu as sobrancelhas em uma expressão agradável. – null nos disse que é médica. – Ele continuou. – Fazia o que no Brasil?
– Eu era médica no Brasil, também. – null se esforçou para controlar seu estranhamento e soar simpática ao mesmo tempo. – Me graduei e fiz residência lá.
– Sua família ainda é de lá? – A mãe perguntou dessa vez. Ema estava de costas para os três, organizando algo perto da pia e ao fazer essa pergunta, se virou, apoiando o corpo e cruzando os braços sobre o peito. null buscou o olhar do namorado antes de responder, mas null tinha a cabeça inclinada, olhava para os pés e tinha as duas mãos apoiadas a grande ilha no centro da cozinha.
– Sim, toda minha família ainda mora lá. – Ela sorriu fechado e assentiu. – Está ótimo o chá, aliás. – null ergueu a xícara na direção da matriarca e sorriu, mas ela não retribuiu. – Do que é?
– É chá de mastruz. – Brian respondeu, conferindo o fundo de sua xícara. – A gente não sabia se vocês brasileiros tomavam chá também, ou só café. A Ema achou melhor o chá.
– É, eu nem tomo muito café mesmo. – null riu fraco, mas nem Brian ou null pareceram entender as palavras do mais velho do jeito que ela havia entendido.
– E como estão as coisas no time? – O pai tornou a perguntar e null ergueu o rosto e encarou o mais velho outra vez, depois sorriu aliviado.
– Estão bem, enfim. – O central expirou cansado e null, que tinha os olhos no namorado, sorriu porque sabia bem ao que ele se referia. – Na verdade muito melhor do que o esperado. – null esticou uma mão para apertar a da namorada, sobre a ilha e entrelaçou seus dedos. – Se me dissessem que ia conseguir essa marca, de vinte e oito gols em trinta e um jogos, até aqui, eu teria rido. Principalmente depois desse nosso início.
– Eu sabia que ia conseguir. – Brian sacudiu a cabeça e deu de ombros. – Você tinha dúvidas? Porque eu não.
– Nem eu. – null também sorriu, inclinando a cabeça sobre o ombro do namorado, que sorriu e a beijou.
null e seu pai começaram uma conversa sobre estatísticas, sobre a situação da defesa do time e seu problema sério com goleiros. Aqueles tópicos eram constantemente discutidos em casa com null, ela sempre ouvia o namorado e também opinava como fã sempre que tinha oportunidade. Resolveu deixar os dois conversarem sem interrupções, preferiu encarar o fundo de sua xícara de chá. Ema parecia tão interessada quanto a médica.
– Toronto, como está? – Brian voltou a se referir a visitante.
– Fria. – null respondeu rápido, sorrindo.
– Sempre é mais fria que o Arizona. – O pai riu. – Deve estar cheia de turistas.
– Não tanto quanto ano passado. – null respondeu, esticando um dos braços e envolvendo os ombros da namorada.
– Você brasileira, deve gostar mais daqui do que lá, não é? – Brian quis saber, mas null não teve tempo para responder.
Subitamente o grupo parou de falar quando passos fortes foram ouvidos em outro cômodo, descendo as escadas, depois alguém que chegou a cozinha como um vento. Era uma moça jovem, de cabelo escuro, liso com franjas e olhos castanhos, com feição muito semelhante à da mãe, era Alexandria, ou como null se referia a ela: Alex.
– Você chegou! – Alex sorriu e abriu os braços para receber null. – Achei que só viriam para o ano novo do próximo ano.
– Uma mudança de planos. – null respondeu sorrindo.
Depois de abraçar o irmão calorosamente, Alex parou ao lado do pai com olhar ansioso direcionado a null.
– Essa é a null, te falei dela. – null apresentou, apontando com o queixo para a namorada, que sorriu.
– Claro! – Alexandria sorriu grande. Seu tom de voz era confortável, macio e doce, não falava alto e tinha olhos agitados. – Bom te conhecer, null.
– O prazer é meu. – A médica sorriu, cumprimentando a irmã mais velha do namorado. – null sempre fala muito de você. – null riu e Alex assentiu, em uma grata surpresa.
– Um pouco de chá, Alex? – Ema ofereceu e a outra negou com a cabeça.
– Quer biscoitos, null? – O pai pareceu se lembrar e esticou a null uma lata com biscoitos. – São de leite. Não sei se gostam de biscoitos de leite lá no Brasil, mas a gente não sabia se açaí era uma boa opção no inverno. Ou se vocês tomavam açaí com chá. Ema não sabia fazer coxinha. – Ele começou a explicar e a cada palavra o espaço entre os lábios de null se apertavam mais. – Você prefere uma cerveja? Temos muita cerveja aqui.
– Na verdade, eu nem bebo nada alcóolico e... – Ela tentou dizer, sentindo-se estúpida com seu sotaque ruim. – E eu sempre adorei biscoitos de leite. São meus favoritos, na verdade. – Mentiu, dando uma mordidinha em um biscoito.
– O que vocês estão fazendo? – Alex riu, inclinando-se para roubar um biscoito. – Coitada, pai. Não é como se o Brasil fosse outro mundo, muito diferente do México, ou que ela tenha tipo acabado de chegar na América – Bre riu e balançou a cabeça, dirigindo a convidada um olhar empático. null gostou dela.
Quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
Casa dos null
Scottsdale – Arizona/Estados Unidos da América
Depois de um chá constrangedor, para se dizer o mínimo, null e null enfim subiam para seus quartos. Ema estava com eles, andando a frente do casal, guiando null pela escada e corredor, null andava atrás das duas, com as malas da médica brasileira. No segundo andar, assim como no primeiro, haviam várias fotografias de família, fotos de jogos e vitórias de null e algumas de Bre – que ainda não havia conhecido –, onde ela jogava golfe e ostentava troféus. null não conseguiu conter seu lado profissional, pensando sobre como aquele contexto devia ressoar em Alexandria, a filha mais velha.
A matriarca da família não parecia exatamente feliz ou animada ao levar a hóspede para seu quarto. Ema estava silenciosa, como esteve durante a maior parte do tempo na cozinha. A mexicana guiou o casal para o fim do corredor, duas portas à esquerda, depois da escada, sempre apertando e esfregando a medalhinha que tinha no pescoço. A matriarca abriu a porta do quarto e falou:
– Tú quédate aqui. – Falou em espanhol e o filho, que estava ao lado da namorada, torceu os lábios.
– Mãe, inglês, lembra? – Pediu null e Ema o olhou, depois afastou o olhar, piscou demoradamente e mirou null, que ouvia tudo sem jeito.
– Você fica aqui. – Ema estava segurando a maçaneta, com corpo apoiado a porta.
null sorriu apertando os lábios e assentiu com a cabeça, sussurrando um “obrigada”, depois se esticou para olhar dentro do quarto. Parecia um quarto amplo, havia uma cama grande de dossel e uma cômoda, um armário e poltrona. Havia uma janela grande, com vista para o jardim, mas nenhum sinal de cortinas, null observou. O papel de parede parecia ser mais antigo do que o do resto da casa, e o quarto, apesar de amplo, tinha ares pouco habitados.
– Não consegui colocar as cortinas de volta a tempo. – Comentou ela, mas sem parecer realmente aborrecida com o pequeno deslize. – Às vezes, se nevar, o sol reflete na neve e deixa o quarto mais claro, mas só quando se dorme até muito tarde. – Ema falou com desdém. – Aqui não dormimos até tarde.
– Tudo bem. – A médica sorriu educada. – Isso não é um problema, eu não me incomodo.
– Por que ela não fica comigo, no meu quarto? – null perguntou, abraçando a cintura da namorada, depois de correr os olhos pelo quarto pouco convidativo. – Ela ficaria mais confortável, a gente ficaria.
– Você se casou e esqueceu de me avisar? – A mãe arqueou uma sobrancelha para o central, que não respondeu, mas trocou um olhar rápido com a namorada. – Foi o que eu pensei. Você tem o seu quarto, ela tem o dela. Pode ficar tranquilo, ela vai sobreviver a algumas noites separada de você.
Ema lhes deu as costas e seguiu em direção a escada. null uniu os dentes e baixou o canto dos lábios, olhando para o namorado da mesma forma que uma criança olha para o amigo quando este leva uma bronca da mãe. null riu abafado e negou com a cabeça, abraçando a namorada e escondendo seu rosto na curva de seu pescoço.
– Desculpe por isso. – Ele pediu, ainda rindo envergonhado. – Por tudo isso.
– Tudo bem. – null beijou o lado da cabeça do jogador, se divertindo com aquela situação. – Podia ser pior. – null se afastou para olhá-la. – Na verdade, eu estava esperando ter que dividir espaço com Felix, do lado da lareira. Então, pelo tanto que ela me detestou, podia ser bem pior. – O jogador negou com a cabeça e riu abafado.
– Ela não te detestou. Ela só... – null coçou a nuca, demorou para tentar encontrar as melhores palavras, enquanto isso null o olhava com uma sobrancelha arqueada, comprovando seu ponto. – Só tá te conhecendo ainda. É isso.
– Bom, então espero que um quarto sem cortinas seja o armamento mais pesado dela. Não tenho interesse em um remake daquele filme da Jane Fonda com a JLo. – null, que tinha os braços ao redor do pescoço do namorado, brincou. – Espero não ter meu rosto enfiado em um prato na ceia ou algo assim.
null riu jogando a cabeça para trás.
– Você não existe. – Ele sorriu, beijando a namorada.
– Me diz, naquela hora, a oração foi, tipo, o mal que ela quer combater com a oração sou eu? – null riu.
null torceu os lábios e desviou o olhar, sorriu depois de canto com olhar baixo.
– Aquilo? Não era nada. – O moreno a beijou rapidamente, rindo – Não gaste tempo pensando nisso, tá? Não era nada de importante. Deixe minha mãe pra lá. – Pediu.
A médica riu balançando a cabeça.
– Isso parece uma comédia romântica de natal, onde eu preciso conquistar a família do meu parceiro. – null riu outra vez. – Mas de novo, tomara que nada parecido com Entrando numa fria ou o filme da Jane Fonda.
– Meu pai gostou de você. – Lembrou null, tentando trazer à tona algo positivo daquele encontro.
Para null, a reação da mãe também o estava confundindo e o deixando desconfortável, sem jeito. Mais até do que as comparações e piadas de humor duvidoso do pai. Tinha prometido a null que tudo daria certo, e só para começar, certo não seria nem de longe a melhor palavra para descrever aquele encontro.
– É, deu para notar com as centenas de coisas que ele parece ter pesquisado no Google sobre o Brasil. – Ela comentou, divertindo-se. – Um fofo. Me lembra de você. Os dois me lembram, na verdade. Cada um à sua maneira. – Disse ela e foi beijada rapidamente por null.
– Eu tô feliz que você está achando graça disso e rindo. – null afagou o rosto da namorada, segurava a visitante com uma mão em sua cintura e a outra usou para delinear seus lábios. – Achei que você fosse dar uma surtada, ou travar, como na hora que chegamos. – Ele uniu os dentes como uma criança, como costumava fazer.
– Por dentro eu estou. – Confessou null e os dois riram juntos, unindo suas testas. – Mas tem a Alex que pareceu simpatizar comigo, você, e seu pai parece empenhado... já conquistei metade do campo. – A mulher ergueu o olhar e parou de sorrir. – Eu só não quero que fique em uma situação ruim com sua família. Com sua mãe. Por minha causa.
– Como você é fofa. – null elogiou e sorriu, null torceu os lábios, já que ele parecia não ter levado a sério sua fala. Em seguida o jogador a mostrou a língua e se aproximou devagar do rosto da brasileira, até que tocasse a ponta do nariz de null com sua língua.
– Eca. – null riu, esfregando o nariz e se desvencilhando dele, mas o jogador a abraçou forte, por trás, a impedindo de se afastar.
– Você não reclama quando eu faço isso no...– null se virou, ainda gargalhando e cobriu a boca do namorado.
– Seus pais! – Exclamou num sussurro. – Sua mãe já me detesta. Por favor, não piore as coisas.
– Com as coisas que a gente faz e como isso me deixa feliz, ela devia te amar. – null sussurrou, olhando a namorada com olhar estreito, malicioso, empurrando-a para dentro do quarto depois de conferir se estavam sozinhos no corredor.
– null null, se controle. – null riu, segurando-se ao batente da porta para que ele não a levasse para dentro.
– Eu não faço isso aqui em casa desde... sei lá, desde sempre. – Ele lembrou e null riu alto.
– E aí, decidiu que quer quebrar o jejum comigo? – null negou com a cabeça, segurando-se com mais força. – Não. Eu estou numa missão aqui. – Ela lembrou, batendo com o dedo indicador no peito dele, enquanto o jogador ria. – Fazer sua mãe me amar.
– O que pode fazer ela amar mais você do que você fazer o filho favorito dela feliz? – null riu pelo nariz, fazendo um barulho engraçado e null cobriu a boca dele outra vez, usando um dos dedos para colocar sobre os próprios lábios e pedir silêncio. – Dez minutos. Que tal? Só preciso de dez minutinhos.
– Dez minutos? – null arregalou os olhos e riu. – Então não vale a pena. – Negou sacudindo a cabeça.
– Ah, null... – null reclamou, rolando os olhos.
null riu alto e parou de ceder, abraçando os ombros do namorado e se deixando ser empurrada para dentro do quarto. null empurrou a porta com os pés e a fez se fechar.
Quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
Casa dos null
Scottsdale – Arizona/Estados Unidos da América
null bateu algumas vezes contra o travesseiro e se deixou cair no colchão duro, fazendo muito barulho, demorando para se ajeitar em uma posição confortável. null riu pelo nariz e se aconchegou nele outra vez, assim que o namorado parou de se remexer como um peixe recém pescado. Um barulho esquisito enchia o quarto, parecia vir das paredes, não haviam percebido antes porque o barulho da cama era mais alto, mas null estreitou o olhar tentando descobrir sua origem agora que estavam em silêncio.
– Que barulho é esse?
– Ah. – O jogador apoiou a cabeça com o braço. – Uns anos atrás meus pais tiveram um problema no aquecedor e ele não funcionava direito em alguns quartos. Trocaram os dutos, mas o desse quarto parece que ficou mal colocado e aí faz esse barulho, principalmente no inverno. – Explicou ele.
– Ah. – null baixou o olhar e sorriu, divertindo-se daquela situação.
– É, parece que minha mãe realmente não foi muito com a sua cara. – null inflou as bochechas, depois riu envergonhado. – Me desculpe. – O jogador se virou, ficando de lado, olhando-a mais de perto. – Mas você pode fugir pra minha cama, não importa o que ela disse. Ou podemos ir para a minha casa, se for demais para você.
– Está tudo bem. – null deu de ombros, beijando o peito dele, que agora já não era mais depilado há semanas. Apesar da insegurança pela clara rejeição por parte da sogra, estava se divertindo. Pensava que certas coisas só aconteciam com ela e aquilo a fazia rir. – Eu já dormi em quartos piores, ela vai precisar de muito mais do que um quarto sem cortina, uma cama que geme e dutos que fazem barulho para quebrar meu espírito se quiser que eu desista do filho dela. – A médica sorriu e o namorado a acompanhou.
– Não esqueça o chá, o colchão duro e a recepção calorosa. – null riu pelo nariz.
– E é até justificado, considerando que nós viemos fazer justamente o que sua mãe não queria. – null e null riram juntos de novo, baixinho.
– Ninguém pode nos deter. – O jogador brincou, abraçando com mais força a namorada. – Nem um colchão ruim.
– Ou uma cama que geme. – null completou.
– Ela não gemeu mais que você, então. – O jogador falou sério e deu de ombros, sorrindo com malícia, fazendo com que a namorada erguesse o rosto e o encarrasse com expressão chocada e lhe acertasse um tapa fraco. – Não foi uma crítica. – null riu erguendo as sobrancelhas e se defendendo.
– Idiota. – Ela riu negando com a cabeça, apoiou os cotovelos no colchão e olhou ao seu redor, prestando atenção no quarto pela primeira vez desde que haviam entrado ali. – Qual é a história desse quarto?
– Você não vai querer saber. – null inflou as bochechas e sorriu fechado.
– Claro que vou. – null negou com a cabeça de novo. – Por que eu não iria? É uma história ruim?
– É só um quarto abandonado há anos. – Ele deu de ombros. – Deve ter muita coisa por aí além da poeira. Tipo um rato. – null se lembrou. – Ele é quase da família, na verdade. Vive aqui há anos.
null arregalou os olhos, mas se recompôs rapidamente, e mesmo que tentasse disfarçar devido seus bons modos, a mudança no semblante da brasileira fez o namorado rir alto.
– Um rato. – Ela repetiu.
– É, mas não se preocupa, ele é pequeno. – null levou uma das mãos ao rosto dela, afagando sua bochecha. – É tipo um camundongo, desses de desenho animado. E ele é antissocial, não corre o risco de tentar fazer amizades.
– Eu não tenho medo. – Respondeu.
– Não? – null duvidou, sorrindo de lado.
– Não, eu só não gostaria de dividir a cama com ele. – Disse null e não era uma mentira completa.
O casal fez silêncio.
null conferia as unhas enquanto sentia o namorado afagar seu rosto e depois nuca. null encarava o teto, perdido em seus pensamentos. Estavam nus, como de costume, cobertos por uma manta grossa que cobria a cama antes de se deitarem ali. null imaginava se a família havia dado falta dos dois, ou se haviam sido mesmo rápidos como null brincou ser, ou se por algum milagre null tinha razão e as paredes eram grossas demais para serem ouvidos em outros cômodos. Não queria gerar aos pais de null a ideia de um casal descompensado, mal-educado, que não conseguia ver uma cama feita sem se deitar nela. “Não é o que uma moça de família devia fazer.” Aquelas palavras, escutadas tantas vezes encontravam terreno fértil na mente vazia de null null.
null pensava sobre estar com frio e se perguntava e pensava sobre formas de melhorar seu desempenho e dotes para aqueles momentos.
– Você gostou? – null perguntou de repente, atraindo um olhar confuso da namorada. – De hoje. Você gostou?
– Claro, amor. – null assentiu com um sorriso suave. – Foi tudo ótimo, a viagem, aqui. Só estou um pouco cansada por passar tanto tempo dentro do avião, carro e...
null a interrompeu.
– Não, não tô falando disso. – Ele riu pelo nariz. – Tô falando do que a gente fez.
– Do sexo? – null uniu as sobrancelhas, confusa com aquela pergunta tão pouco usual entre eles.
– Não chama assim, chamar de sexo agora é esquisito. – Ele riu de novo e ficou corado. – Mas é, é disso que tô falando. Você gostou? – O jogador balançou null pelos ombros, enquanto ela ria alto.
– Por que isso agora? Achou que eu fingi?
– Eu não, não tem como você ter... – null se interrompeu, deixou os olhos vagarem até a parede e ficarem ali por alguns segundos. – Espera. Do que você tá falando? Você já fingiu alguma vez? – Ele estreitou o olhar de modo quase criminoso.
– Eu não disse isso. – null negou, deitando-se e encarando o teto.
– null null. – O central a chamou com firmeza e rolou para cima da namorada, apoiando o corpo em um cotovelo e no antebraço, posicionado ao lado do rosto de null, prendendo-a. – Eu não acredito que você já fingiu comigo. – Acusou ressentido, mas sem conseguir segurar o riso.
– Você quem está falando isso. – null negou, se esforçava para não rir, o que a dava um ar de culpada ainda maior. – Você não disse que não tinha como eu ter feito?
– É, mas agora eu tenho minhas dúvidas. – null estava chocado e ria da situação. Aquele relacionamento e aquela mulher eram tão mágicos que até algo assim parecia ter graça.
– Só foi uma vez. – Ela confessou e o jogador a cutucou nas costelas, fazendo a visitante se encolher pelas cócegas. – Eu juro. Só uma.
– Como? Quando? – null estava chocado. – null se você acha que eu transo mal, me fale. – Ele riu espantado e nervosamente, porque estava chocado.
– Eu não acho. Não acho. – Ela negou, tinha desistido de segurar o riso. – Foi só uma vez, porque estava com sono. Lá em casa.
– null. – null se sentou, passado. – Eu tô rindo, mas é por estar nervoso.
null riu pelo nariz e se sentou também, o abraçando e beijando seus ombros.
– Desculpe. – Pediu ela. – Mas realmente só aconteceu uma vez. Você saberia se fosse frequente.
– Não sei, não sei de mais nada. – Ele apoiou o rosto com uma mão, desolado. – Minha vida foi uma mentira.
– Amor, não. – null ainda ria. – Não entendo porque você quis saber isso hoje. Porque achou isso sobre hoje...
– Eu não achei. – null a interrompeu. – Eu queria perguntar pra melhorar o que já era bom, mas agora...
– Aí, minha nossa. – null ria sem saber o que fazer. null deixou o corpo pender sobre a cama outra vez.
– Por que? Estava ruim? Você fingiu em que parte? – Ele tornou a questionar após uns instantes de silêncio.
– Nada, só estava cansada... já tinha tido meu momento quando você... – Ela hesitou.
– Quando eu o que? – null quis saber, unindo as sobrancelhas escuras e retas.
– Sabe? Você... – null apontou com o olhar para baixo e o namorado acompanhou. – Entendeu? Quando você...
– Ah, sim, quando eu te...
– null. – Brian, pai de null bateu a porta repentinamente, interrompendo o que o filho diria. – Está acordada?
O casal arregalou os olhos e null apertou os travesseiros no rosto, abafando sua risada.
– Sim. – null respondeu depois de balançar null e clamar por ajuda pelo olhar.
– Desculpe se te acordei. – Pediu o mais velho. – Só para avisar que Bre já chegou também e que logo vamos servir o jantar.
– O jantar? – A visitante se surpreendeu e null a olhou em silêncio com olhar que dizia “como assim já é a hora do jantar?” – Eu perdi completamente a noção do tempo. – Comentou em voz alta para o namorado, mas fora o pai dele quem a respondeu.
– Foi uma viagem longa de vocês para cá, é um dia frio. – Pelo tom de Brian null era possível perceber que ele sorria. – É bom descansar.
null riu e null o acertou com o travesseiro.
– Obrigada por me avisar, vou descer logo. – Respondeu a visitante.
Os dois esperaram o som de passos sumir do corredor para enfim voltarem a falar.
– Então é assim que é fazer as coisas escondido dos pais? – null riu e a namorada o acertou com outro travesseiro.
– Quantas namoradas você já trouxe para casa? – null quis saber.
– Nenhuma. – Negou o jogador de hockey. – Pelo menos pra fazer isso, não. Só fazia isso em casa. – Contou exibido. – Na minha própria casa. É que eu quase sempre tive minha própria casa.
– Se minha mãe pudesse me ver agora, ela morreria de vergonha. – A médica balançou a cabeça, envergonhada com a situação.
– Relaxa, ele não perguntou por mim, deve pensar que eu tô por aí. – null deu de ombros, apoiando uma das mãos atrás da cabeça.
– Duvido, ele conhece o pervertido que tem como filho. – null empurrou o namorado com as pernas, rindo. – Ande. Vá embora. Eu preciso tomar um banho. – A visitante olhou pelo quarto e percebeu uma porta em um dos cantos, parecia ser um banheiro. – Ah, graças a Deus um banheiro no quarto. – Ela suspirou. – Não vou ter que andar pela casa para tomar banho.
null riu pelo nariz, ficando de pé.
– Eu estava de cueca? – O jogador perguntou, olhando para o quarto em busca da peça de roupa.
– Se a sua mãe entrar aqui e achar, ela vai me matar. – A médica se enrolou na manta que antes cobria a cama e ficou de pé para tentar ajudar o namorado a procurar, encontrando a peça jogada embaixo da cama. – Aqui.
null se vestiu rápido enquanto null reunia as próprias roupas. Tinham tanto hábito em espalhar roupas e não pensar em juntar depois, que não tinham mais qualquer cuidado quando se despiam.
– Por favor, invente uma desculpa para que eles não saibam o que a gente fez. – null pediu e viu o namorado gargalhar, jogando a cabeça para trás. – Ande. Preciso tomar banho.
– null eu já te vi sem roupa mais vezes do que me lembro. – O central rolou os olhos e abraçou a cintura da namorada. – Já te vi tomando banho, dormindo, de vários ângulos... de todos os ângulos. – null riu, enfatizando suas palavras com o olhar. – Eu posso te ver tomando banho.
– Pode, mas não vai. – A médica o empurrou em direção a porta. – Eu quero que sua mãe goste de mim, não que ela me desconjure. – null apenas ria. – Ande. Vamos. Saia.
A visitante parou de empurrá-lo, abriu a porta devagar e conferiu se estavam mesmo sozinhos no corredor antes de colocar o namorado para fora. null se segurou no batente da porta antes de sair, inclinando-se para falar com a namorada.
– Tá, já vou. – Ele sorriu. – Só cuidado no banho.
– Por que? – null uniu as sobrancelhas.
– O seu colega de quarto rato pode aparecer e te ver pelada. – null piscou e sorriu. – E eu sou muito ciumento.
null tentou acertar o namorado com um tapa fraco, mas ele desviou e se afastou depressa, rindo alto no corredor. null também riu, fechou a porta rápido, se apoiando a ela e respirando fundo.
– Ai, null... Aonde você veio parar. – Suspirou encarando o quarto, ainda enrolada ao cobertor.
Quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
Casa dos null
Scottsdale – Arizona/Estados Unidos da América
Tinha sido um satisfatório banho quente, null deixou o banheiro em seu quarto andando despreocupadamente, até se assustar com a figura de Alex deitada em sua cama, com pernas cruzadas e dar o maior e mais estridente grito que tinha dado em meses. O primeiro instinto dele fora correr de volta para o banheiro e assim ele o fez, quase perdendo a toalha que estava presa a sua cintura no caminho. Para em seguida se dar conta de que se tratava da irmã e voltar para o quarto com uma mão sobre o peito. Tudo durou menos de cinco segundos, null tinha uma excelente velocidade de reação.
– Alex, meu Deus. – O jogador a repreendeu.
– A null já te viu gritando assim? – A irmã mais velha riu alto, divertindo-se com o grito vergonhoso do irmão.
– Cala a boca.
null lhe deu as costas, procurando algo na mala para vestir e ignorando sua presença.
– Mamãe e papai vão ter que dormir com os velhos abafadores de ouvido da Mama Saló essa noite. – Alex voltou a falar e null fingiu não prestar atenção. – Porque você e a null podiam tentar fazer menos barulho, não é? E evitar aquela cama gritadeira.
– Alex. – null repreendeu a irmã outra vez, mas dessa sem a olhar, estava envergonhado. Apesar de ter mais liberdade com a irmã do que era comum, não era normal que ela ouvisse quando ele estava em momentos íntimos, nem ela, nem os pais.
– Me diz. – Ela voltou a falar depois de um suspiro e se aproximou do irmão, ficando de pé. – Como saímos de você nunca apresentando ninguém e implicando com a Bre por causa do Peter, para essa quase exibição de lua de mel, com direito a uma cavalgada rangedora e roxos pelo corpo. – Ao dizer, Alex se aproximou mais e puxou a gola do suéter que null havia acabado de vestir, revelando o pescoço marcado dele. O central se desvencilhou. – Felizmente para você é uma ótima temporada para investir em gola rolê.
– Para, Alex. – O jogador se afastou emburrado, sentando-se na beira a cama. – Não sei porque seu espanto. – Ele deu de ombros. – Trouxe minha namorada, estamos juntos há um tempo bom para eu ter certeza do que estou fazendo.
– Eu não me espantaria se não fosse você. – Alex se sentou na cama também. – Eu não tenho voz aqui, mas você sempre foi um dos a apoiar essa coisa do feriado em família. Nunca ajudou ou deixou que a Bre trouxesse o Peter para o natal, aniversário ou qualquer coisa assim.
– Mas mesmo assim, ele estava nas nossas últimas férias em família. – null resmungou.
– Assim como a Maggie, sua ex. – Alex o lembrou, arqueando uma sobrancelha, null ficou de pé.
– Isso é passado, e é diferente. – Falou com firmeza o jogador. – Com as outras eu sempre tive dúvidas e não queria que nada atrapalhasse nosso natal em família. Com a null... – Ele hesitou, sorrindo e inclinando a cabeça. – Eu não sei, é só que... eu nunca tenho dúvidas. Tudo com ela é simples e fácil, sem dúvidas ou hesitação. Estamos muito bem. Ela me apoia em tudo, é doce, compreensiva, já até falou que me ama.
– Ui, as coisas estão sérias mesmo. – Brincou a morena, retomando seu lugar entre as almofadas da cama do irmão caçula, assistindo-o falar.
– Você nem faz ideia. – null riu de maneira infantil e deixou as costas penderem sobre as pernas da irmã quando se sentou outra vez. – Eu não trouxe só a garota para o natal... trouxe um anel também. – Confidenciou e Alex arregalou os olhos.
– É o quê?
– Vou te contar. – O jogador se virou, apoiando os cotovelos no colchão. – Então, você me conhece, sabe como eu sou chato com as pessoas na minha vida, mas aí...
null havia tomado o pior banho de sua vida.
A água não esquentava o suficiente e toda vez que se mexia, parecia ver de soslaio a sombra do bendito rato, sempre levava algum susto com o barulho do aquecedor. Sentia-se como o velho do livro O velho e o mar. null era seu marlim, o peixe gigantesco, reluzente, melhor do que sonhara, Ema era o tubarão. Na verdade, representados na sogra estavam todos aqueles tubarões do livro. O quarto barulhento, a cama que rangia e o colchão duro, a janela sem cortinas, o banheiro cuja água quente – em pleno inverno – não funcionava direito. Ema null devia estar muito familiarizada com técnicas de guerrilha misturado a táticas do exército americano para desestabilizar um oponente. A médica só não sabia que era uma inimiga tão considerável a matriarca.
Não entendia se por ciúmes ou se era por ser estrangeira, ou se Ema só a achava inadequada a seu filho. null não discordava. Se tratando da mãe de alguém tão sensível e dócil como null, era normal e esperado que ela tivesse suas ressalvas. Por mais que null esquecesse disso na maior parte do tempo, null era alguém famoso e muito rico, devia ser normal que pessoas surgissem em sua vida e na vida de sua família para apenas se aproveitar.
A visitante estava pronta para descer, depois de beirar o impossível para ficar apresentável para o jantar, com as roupas mais confortáveis e adequadas que tinha na mala, quando ouviu uma notificação no celular. Era Chiara, uma de suas melhores amigas e grande incentivadora em todas as áreas da vida.
Online
O que a safada está fazendo?
Nenhuma coisa safada no momento 😂😂
Sentando muito?
Ops... saindo muito, quis dizer
CHIARA! 😂🙈🙈
Pare de fingir, você
Aonde está que não respondeu minhas ligações?
Ah… desculpe, amiga.
Estou na casa dos sogros...
Online
Então ele te arrastou mesmo?
Nove meses e só agora ele te apresenta, ainda faz isso no natal, com a família reunida. Sinceramente, hein...
Não é como se eu tivesse pressa, amiga...
Dá pra ver...
Por mim, continuava como estávamos, não sentia falta disso.
Eu sei que tem toda essa coisa dele ser famoso, mas... eu não consigo achar normal toda essa demora quando se realmente gosta de alguém
Estavamos mais preocupados em viver kkkkkk acho que é isso
Agora que já conhece a sogrinha, falta pouco para serem DESMASCARADOS na mídia também.
Espero que isso aconteça quando eu estiver aí, vou amar assistir a cena. Vai ser digna de novela, vai sair no alfinetei, choquei, até na Ana Maria Braga.
TÓXICA!
Como estão as coisas na casa da sogrinha? Já saudaram a bandeira? Já perguntaram se você ia para a faculdade montada numa onça ou num macaco?
null riu alto, depois fez um pequeno vídeo do quarto, mostrando-o rapidamente a amiga.
Online
Que cativeiro é esse?
É o quarto que a mãe dele me reservou. Eu sinto que há uma coisa no ar
Além da poeira do túmulo do JFK? Ácaros? Alguém já lembrou a ela que aí não existe SUS?
Idiota 😂 me refiro a ela não gostar de mim
Nossa, se você ainda não tem certeza, assista o vídeo que me mandou.
Meia noite vou te contar um segredo
Não sei se é bem isso, porque o pai dele parece ter pesquisado todo tipo de curiosidade aleatória sobre comida e futebol, até tentou sambar
Se ele ainda não te perguntou como é tão branca e brasileira ao mesmo tempo, ou se você tinha internet em casa no BR, pode ser que esteja mesmo se esforçando.
Ela nos colocou em quartos separados, disse que não somos casados. Talvez ache que sou uma interesseira, ou esteja com ciúmes de seu bebê. Meu quarto não tem água totalmente quente, a cama faz barulho, tem o barulho do aquecedor...
Nossa, ela realmente gostou da ideia dele trazer alguém para casa, não é?...
Nem me fale, ela quer quebrar meu espírito de qualquer jeito
Mostre a ela, amiga! Eles esquecem que a gente nasce com formação em fugir de dois caras em uma moto, vendedor de perfume falso na rua e arrastão. Não vai ser um cativeiro desses que vai te fazer desistir do seu homem
null se deixou cair deitada na cama e rolou, rindo alto da mensagem de Chiara.
Online
Espero sobreviver até o natal, pelo menos
Assuma suas origens brasileiras, amiga. Se lembra daquele ditado? O segredo para lidar com um doido, é um doido e meio.
kkkkkkkkkkkkkkkk
Só espero que a rolada esteja valendo a pena para você aí por passar por tudo isso
Digo.
Ah, digo nada. Foi isso mesmo que quis dizer
CHIARAAAAAAAAAA!!!! 😂😂😂😂😂😂😂