Capítulo 21
Conspirancy
- Podíamos passar a tarde no parque – ele sugeriu enquanto entravamos em seu carro. – Alguém vai querer carona? – ele ofereceu pelo vidro aberto.
- Não – respondeu.
bateu no vidro da minha janela e eu abri o vidro.
- – ela parecia nervosa. – Não quer sair com a gente? podia te buscar mais tarde.
- Não, tudo bem – eu respondi sorrindo tranquila. – Precisamos passar um tempo juntos.
- Mais do que ontem? – também apareceu na nossa janela.
Senti minhas bochechas esquentarem novamente, e fechou seu vidro na cara dele.
- – voltou a me chamar, e eu segurei a mão que ela estendia. – Se cuida. Te amo, amiga.
- Own, também te amo – sorri sincera.
- Ciúmes! – gritou de algum lugar lá fora.
- Ciúmes mais um! – gritou .
- Amo todos vocês – gritei com a cabeça para fora do vidro. – Tchau.
parecia relutante em soltar minha mão, mas o fez de qualquer jeito.
deu partida no carro e deixamos a casa de James para trás.
- O que ela tinha? – ele perguntou com uma careta.
- Não sei – respondi. – Mas de repente sinto uma coisa estranha...
- Relaxa, amor – ele colocou uma mão em minha coxa, acariciando-a.
Liguei o rádio e deixei tocar uma música qualquer do Robbie Willians em uma das estações.
Observei o rosto tranquilo de e de repente me senti culpada por estar escondendo o que ele tanto queria saber. Não deveria haver segredos como esses entre nós.
- Aprendi a atirar – eu disse olhando para a estrada a nossa frente.
- Ahn? – ele perguntou confuso.
- Aprendi a atirar – repeti. – Com uma arma de verdade.
- Você ficou maluca? – ele perguntou incrédulo.
- Você vive se preocupando comigo! – protestei. – Então aprendi a me proteger.
- A se proteger? – ele me olhou zangado. – , como assim você aprendeu a atirar?
- A atirar, a bater, a esfaquear... O que for preciso – respondi cruzando os braços.
- , QUEM TE ENSINOU ESSAS COISAS? – me assustei ao perceber quão alto o nível de irritação dele estava.
- Você queria saber o que eu andava fazendo – disse me encolhendo.
- – ele repetiu, obviamente tentando controlar a irritação. – Quem te ensinou?
- Não vou te falar – respondi, tentando não envolver nisso.
- Foi o ? – Como ele sabia? Minha expressão deve ter me entregado. – Droga!
Ele bateu com força no volante. De repente eu percebi o quão rápido o carro estava, e isso me assustou.
- , vai devagar – pedi. Ele não respondeu. – , vai devagar – Eu estava me assustando ainda com seu silêncio e sua falta de expressão. Ele estava pálido ou era paranóia da minha cabeça? – ?
- Não dá! – ele respondeu nervoso. Me senti desesperada enquanto a descida em que estávamos se atenuava e a velocidade do carro aumentava junto com ela. – O freio não tá pegando!
- Como assim o freio não tá pegando?
- Eu não sei! – seus olhos continham o mesmo desespero que os meus. – Não obedece!
Olhei para sua perna que forçava cada vez com mais força o freio, mas o carro não diminuía a velocidade.
- O que a gente vai fazer? – senti as lágrimas já darem o ar da graça em meus olhos. Olhei para fora a procura de alguma coisa que pudesse ajudar, mas estávamos em uma estrada de uma montanha, tudo que havia era morro de um lado e penhasco do outro. Logo a nossa frente havia uma enorme ladeira, e logo depois dela, uma curva. – Não dá pra dirigir até parar?
- Aquela curva é muito fechada pra velocidade em que já estamos, imagina quando chegarmos lá embaixo!
- Então o que a gente vai fazer?
A tensão tomou conta do carro nos segundos em que esperei pela resposta.
- Pular – ele respondeu. – As portas são travadas enquanto o carro está ligado, então, assim que eu desligá-lo, a gente pula.
Arregalei os olhos para ele, mas acabei concordando com a cabeça por falta de opção. Era o único jeito, e eu sabia disso.
- Pronta? – ele perguntou. – No três. Um... – eu me aproximei dele e dei-lhe um beijo. – Dois... – respiramos fundo. – Três!
Ele girou a chave da ignição e as luzes do carro se apagaram, em seguida ele destravou as portas.
- Eu te amo! – gritei para ele enquanto abríamos cada um sua porta.
- Também te amo, agora vai! – ele gritou.
Sem pensar muito no que estava fazendo, escancarei a porta e me joguei para fora do carro. O impacto foi forte assim que bati no chão e meu corpo rolou pela grama. Parei a centímetros da grade de proteção da estrada. Eu não sabia se ainda estava viva ou não, só queria saber onde estava . A dor logo declarou que eu estava viva – e muito, pela intensidade dela. Pela posição em que eu estava pude ver o carro descer a mais de duzentos quilômetros por hora e bater na grade de proteção da curva lá embaixo, levando-a junto em um vôo livre.
Minha visão ficou embaçada de vermelho. Tentei levantar o braço para limpar meu rosto, mas isso doeu demais. Rolei para ficar de barriga para cima e usei a outra mão para limpar meus olhos. Sangue escorria de alguma parte acima de minhas sobrancelhas.
- ! – gritei com medo de me mover e me dar conta que mais alguma coisa estava doendo. Mas, mesmo parada, uma dor terrível tomou conta de meu abdômen. Era como uma cólica, mas mais forte do que qualquer uma que eu já tivesse sentido.
Ele apareceu ao meu lado, tampando a luz do sol.
- , você está sangrando – ele parecia desesperado.
- É, acho que bati a cabeça – eu disse fechando os olhos, tentando não gritar com as dores que latejavam em meu corpo.
- Não, – ele parecia mais desesperado agora do que estivera no carro. – Suas pernas, você está sangrando.
Arregalei os olhos, pega de surpresa, e tentei me levantar. Isso doeu muito, e ele me ajudou a levantar a coluna o bastante para que eu constatasse que estava realmente sangrando. Enquanto eu continuava sem acreditar naquilo ele correu para o meio da estrada e fez um carro parar.
- A ambulância já está vindo, meu amor, calma – disse ao voltar e se postar ao meu lado.
Eu ainda encarava a mancha de sangue entre minhas pernas. Passei uma das mãos por baixo do sobretudo e levantei meus dedos umedecidos pelo liquido vermelho e ainda mais quente do que as lágrimas que passavam despercebidas por meu rosto.
Respirei fundo, tentando não preocupar e ainda contendo os gemidos de dor.
- Acho que tá parando – sussurrei após alguns minutos.
- Espero que sim – ele deu um beijo em minha testa.
- Você não tá machucado? – perguntei, agora esquadrinhando seu corpo.
Havia sangue, mas em quantidade bem menor do que em mim.
- Um pouco – ele respondeu. – Mas dá pra aguentar. O pior é que acho que quebrei uma unha.
Eu ri, e isso provocou uma fisgada.
- A paisagem aqui é bonita – eu disse descansando minha cabeça em seu peito e tentando me distrair. A cólica parecia diminuir a intensidade juntamente com o sangramento.
- É – ele concordou. – Mas você não pode dormir, pequena.
- Tá – mantive os olhos na paisagem verde, apenas agradecendo internamente a Deus por ainda poder sentir o peito de subindo e descendo conforme sua respiração.
A ambulância finalmente chegou e eles imobilizaram, o que me deixou indignada. Eu não estava tão mal ao ponto de ter que ser imobilizada enquanto podia simplesmente sentar ao meu lado. Isso não era justo.
Assim que meu corpo ficou reto as dores se intensificaram, mas a “cólica” era o que mais me preocupava. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo, mas minha cabeça doía tanto que eu preferia tentar me distrair com os instrumentos dentro da ambulância ou o rosto de .
E aquele lindo sobretudo estava ensopado de sangue, vai me matar.
não saiu do meu lado no hospital nem por um segundo. Seria sufocante se não fosse tão reconfortante ter ele por perto, preocupado. Somente quando médico disse que eu ficaria bem e que era ele quem precisava de atendimento agora foi que ele deixou meu quarto.
O médico continuou lá dentro.
- Você precisa de repouso por enquanto, acredito que amanhã poderá deixar o hospital – ele disse, anotando alguma coisa na prancheta que carregava. Pelo menos aquele quarto tinha um cheiro agradável de coisa limpa. – Você teve muita sorte, mocinha. Você perdeu sangue, mas incrivelmente seu bebê continua bem. Pelo jeito que aquele rapaz se preocupa com você só pode ser o pai, certo?
Eu não entendia mais do que ele estava falando.
- Que bebê? – perguntei confusa. – Não tinha nenhum bebê com a gente.
- O seu bebê – o médico disse, ele olhou para a prancheta e então voltou a me olhar. – Você é , certo? – confirmei com a cabeça. – Seus exames dizem que está grávida de cinco semanas.
- Não, não estou – eu disse firme.
- Podemos refazer seus exames, se quiser – ele propôs.
- Ótimo, refaçam – respondi grossa, indignada por eles terem errado tão feio.
- Mas primeiro me responda – ele abaixou a prancheta e me olhou fixamente. – Você não teve relações sexuais nesse período? Não sentiu nenhum tipo de enjôo ou tontura? Sua menstruação está regular?
Arregalei os olhos para ele. Isso era uma coisa em que eu não tinha prestado atenção antes. Minha menstruação era regular, variando de três a cinco dias de atraso no máximo, mas… ela já estava atrasada pelo menos duas ou três semanas. Como não percebi isso antes?
- Mas nós nos protegemos – balbuciei incrédula.
- Todas as vezes? – ele insistiu.
Todas? Não, não todas. Mas qual eram as chances de se engravidar na primeira vez? Ele só podia estar brincando.
- Mas achei que eu passasse mal por causa da fobia – eu tinha que achar alguma falha.
- Comendo muito? Sono demais? Cansaço? Irritação? – ele listou.
- É, tenho tido um pouco de fome – eu disse, lembrando das garotas brigando comigo. – E acho que tenho me irritado muito facilmente. Mas mesmo assim, não posso estar grávida! Não posso!
- Minha mulher sempre disse que a gravidez é um dos melhores momentos de uma mulher.
Por que diabos o médico estava me falando aquilo? Eu sou apenas uma criança, não uma mulher!
Ele se virou para sair do quarto.
- Doutor – o chamei assim que ele chegou à porta. – Não fale nada para o meu namorado, por favor.
Ele concordou com a cabeça e saiu.
era amigo demais de para bater nele, mas eu sabia que tinha sido por pouco. Ele me mandou parar de ter “aulinhas” com , e eu não tive outra opção além de aceitar. De qualquer jeito, eu teria que dar um tempo mesmo, já que o teatro e o grupo de lideres de torcida já sugavam todo o esforço que o médico havia me autorizado a ter. continuava em nosso grupo tranquilamente – tranquilamente até a hora em que começava a beijar a -, mas não falava com ele se não fosse extremamente necessário.
cabeça-dura, ele não queria saber se tinha boas intenções ou não. Eu sei que ele estaria bravo comigo até hoje se o acidente de carro não tivesse acontecido.
E depois daquele acidente tudo estava sendo difícil. Olhar para a cara de e não lhe contar sobre a minha gravidez estava sendo mais complicado do que eu esperava. O pior é que, agora que eu sabia o motivo, eu tinha que esconder meus sintomas. Falei a e meus amigos que o médico explicou tudo aquilo como uma virose. Eles caíram, exceto , quando me viu vomitar depois de um dia inteiro de cólica. Ela podia ser a mais lerda entre nós, mas com certeza inteligência não lhe faltava. Ela comprou um teste de gravidez para mim sem eu saber, e me ofereceu ele. Tentei escapar de tudo quanto era jeito, mas não teve como. Ela me conhecia mais do que eu podia imaginar, ou eu mentia muito mal. Então, me levaram dois dias de protestando em silêncio, mas eu admiti para ela.
Isso me aliviou, para falar a verdade. Era bom poder compartilhar isso com alguém. Era bom ter ajuda, pois ela me repreendeu, mas depois disso, ficou feliz. Foi então que eu percebi que não adiantava mais me torturar, eu estava grávida e tinha que aceitar isso. Poucos iriam aceitar isso quando soubessem, mas eu não podia fazer nada. A não ser que… não, isso era perigoso demais, ilegal e estupidez. Afastei rapidamente esse pensamento e continuei caminhando pelo corredor frio.
Eu já estava mentindo para há duas semanas, não ia ser agora que diria alguma coisa. Mas por que raios tinha que estar tão frio justo hoje? Isso estava me irritando. Eu já havia acordado mal, mas ter que ser o centro das atenções duas vezes seguidas estava me deixando ainda mais tensa. Ok, respira fundo.
Entrei no auditório da escola, onde nosso cenário já estava montado, mas as cadeiras ainda estavam vazias.
- Oi! – Allan, meu par romântico, me cumprimentou. – Pronta, minha princesa? – ele brincou.
- Não – eu respondi sincera com um sorriso.
- Também estou apavorado – ele confessou fazendo uma careta.
- Todos estamos – disse uma das garotas saindo de trás do palco. – Agora venham logo, vocês precisam se preparar.
Eu fiz uma careta arrancando uma risada de Allan.
Pelo menos meu vestido era lindo. Se eu fosse um desastre na peça, pelo menos meu vestido branco era lindo. Me olhei no espelho. Era estranho, pois eu estava com uma peruca preta. Meu cabelo nunca fora preto, apenas castanho, mas minhas mechas eram “inapropriadas para a personagem”, como Cheryl havia dito.
- Vinte minutos! – gritou Cheryl na porta do camarim que eu dividia com mais cinco garotas. – Lá fora já está começando a encher.
Prendi o ar, depois respirei fundo tentando me acalmar, repassando os ensaios mentalmente enquanto terminava a maquiagem.
- Você vai se sair bem – Allan sussurrou para mim enquanto esperávamos atrás do palco que a peça começasse.
- Nós vamos – corrigi com um sorriso nervoso.
Os primeiros quinze minutos foram realmente difíceis, mas, depois, eu me soltei de forma natural, e tudo começou a fluir melhor. estava lá, na primeira fila me assistindo, mesmo tendo um importante jogo ainda hoje. Todos os meus outros amigos – exceto – estavam ali também, me assistindo.
Eu tinha certeza disso porque assim que pisei no palco, gritou “Uhú”, e isso causou um grande esforço de minha parte para não cair na risada naquele silencio mortal. Mesmo assim anotei mentalmente para bater em mais tarde.
Lauren e os pais estavam na segunda fileira, do outro lado. Mas depois dos quinze minutos, isso também parou de me deixar nervosa e, no final, todos estavam nos aplaudindo de pé.
- Você não pode entrar aqui – ouvi a voz de Cheryl repreender alguém.
- E por que não? – a voz sedutora que eu reconheceria em qualquer lugar soou do outro lado da porta do camarim. Há, ele estava tentando convencer Cheryl daquele jeito? Nem sonhando ela iria ceder a ele.
- Tá todo mundo vestido aqui? – Cheryl perguntou enfiando a cabeça pra dentro da porta.
Uma das garotas, a de cabelo loiro-branco, vestiu a camiseta apressada.
- Estamos – uma das outras respondeu.
Cheryl abriu mais a porta e deu passagem para . Ele conseguiu convencer ela? Meu Deus, eu tenho que prestar mais atenção no efeito dele sobre as mulheres.
Eu abri um sorriso de orelha a orelha ao ver ele se aproximar de mim e agachar, apoiando-se em um dos joelhos. Ele levou uma de minhas mãos aos lábios, dando um leve beijo nela.
- Minha princesa – aquele par de olhos apagou qualquer coisa que pudesse estar a nossa volta. – A mais linda de todas as princesas que a humanidade já teve.
- E o que lhe faz pensar que eu seria sua? – ergui as sobrancelhas.
Ele se levantou, sem interromper o contato visual nem soltar minha mão. “Está escrito através de seus olhos.”
Senti minhas bochechas esquentarem.
- E você estaria disposto a cumprir todos os meus desejos e me salvar de todos os perigos?
Ele passou as mãos por minha cintura, nos aproximando o máximo que meu vestido fofo permitia.
- Até pelos seus desejos mais caprichosos eu seria capaz de desbravar todos os mares e lugares mais remotos. Para te manter a salvo, eu daria a minha própria vida.
Ele aproximou nossos rostos até que nossos lábios estivessem afundados em um beijo.
- Pra próxima peça vocês já têm papel garantido – disse Cheryl, interrompendo nosso beijo.
riu, mas ainda me olhava carinhosamente.
- Não acho que eu vá estar na próxima peça – disse com um sorriso infeliz.
- Tá maluca? – perguntou Cheryl indignada. – Você não está pensando em nos abandonar, não é? – a garota loira perguntou.
- Desculpe gente, mas acho que não vai ter como.
- E por que não? – perguntou, e eu voltei minha atenção para ele, totalmente alarmada. – Se for por causa das provas, eu te ajudo a estudar. Ou o ajuda a gente.
Na verdade seria mais por que eu estaria com uma barriga enorme até lá, mas melhor você não saber disso ainda.
- Você não devia estar se aquecendo? – tentei desviar o assunto. – O jogo é em menos de uma hora!
- Você também já devia estar se aquecendo – ele contrapôs.
- Então da licença pra eu trocar de roupa – dei um selinho nele. – Te encontro na quadra, pode ser?
Ele concordou e assim que a porta se fechou, as garotas começaram a falar do quanto ele era fofo. Ele é fofo mas é meu, queridinhas.
Passei pelo corredor, movimentado agora, e alguns faziam comentários sobre a peça para mim e eu ficava cada vez mais feliz por tudo ter dado certo. As palavras de ressoavam em minha mente, a cena como em um lindo filme. Ele era tudo pra mim.
A barulheira era grande vinda da arquibancada e eu me dirigi direto ao vestiário feminino. Hoje era o dia de um dos três jogos mais importantes desse semestre, a expectativa em cima de todos era grande. A arquibancada estava lotada não só pelos alunos, mas também por seus pais.
Eu estava terminado de prender meu cabelo quando Brooklie entrou e todas pararam de conversar ou de se alongar, provavelmente pensando a mesma coisa que eu, mas foi quem verbalizou.
- O que você está fazendo aqui?
- É um vestiário feminino, eu posso entrar aqui a hora que quiser – ela disse com a voz enjoada de sempre. – Quero falar com você, – ela soltou finalmente.
A olhei surpresa. “Pode falar.”
- Ótimo – ela deu de ombros. – Seu namorado está te esperando atrás da escola.
- ? Mas o jogo é daqui dez minutos! – pensei alto demais.
- Eu não disse que era o – ela deu um sorrisinho falso e se virou jogando os longos cabelos ruivos, saindo do vestiário.
A vontade de grudar nos cabelos dela e a estapear ardeu dentro de mim, enquanto meu único pensamento era “E quem mais seria, sua demônia ruiva?” Me segurei e contei até cinco, respirando fundo.
- Acho bom você estar de volta em dois minutos! – me despertou do estado de surpresa e confusão.
- Certo – sai rápido do vestiário e passei pela lateral da quadra, atravessando a porta que dava para os fundos da escola.
Aquilo estava muito estranho. A primeira coisa que vi foi a claridade do céu cinzento; senti o ar frio bater em minha pele descoberta, mas o que realmente fez um arrepio avassalador correr por minha espinha foi à imagem de um garoto de costas.
Não, por favor, não.
- Estava te esperando, amor – sua voz cortou o vento.
Eu paralisei enquanto ele se virava para mim, revelando a única face que eu não queria ver nunca mais nesse mundo.
- Você não vai me dar um abraço de boas vindas? – Ele deu um passo em minha direção, me fazendo instintivamente dar um passo para trás. – Por que está com essa cara? Você não está feliz em me ver?
Eu soube a partir dali que minha vida voltaria a ser o mesmo inferno de antes, era como um pesadelo do qual eu não conseguia acordar – e não sabia se um dia conseguiria novamente. Mas seria eu capaz de lidar com tudo aquilo novamente? Eu teria de ser, e isso ia além de minha própria proteção, pois agora eu não estava mais sozinha.
- O que você está fazendo aqui, Jack? – eu cuspi as palavras.
- Não é obvio? Eu vim te ver! – Ele sorriu. – Vim te buscar, na verdade.
- Eu não vou a lugar nenhum com você.
- Eu sei que você sente falta do Brasil. Mas não se preocupe, nós não vamos imediatamente. Comprei nossas passagens pra daqui uma semana. Quero aproveitar um pouco aqui, conhecer seus amigos...
- Decididamente, você é maluco – eu disse indignada. – Você não está achando realmente que eu vá voltar com você para Brasil, não é?
- Claro que estou. Por isso também uma semana, pra você ter a chance de pensar.
- Como você me encontrou?
- Tive uma ajudinha.
- De quem?
- De uma amiga sua. – Ele deu de ombros, e eu o olhei confusa. – Agora vem cá – ele me chamou com a mão. – Me dá um beijo.
- Prefiro beijar águas-vivas, são menos nocivas do que você.
- Não seja tão teimosa – ele deu mais um passo para frente, e eu dei um para trás. – O que você quer, que eu te peça desculpas outra vez? Você sabe que eu sinto muito por tudo aquilo.
- Desculpas não vão apagar nada – ele deu outro passo em minha direção e eu outro para trás, encontrando a parede da escola a minhas costas. Um sorriso surgiu em seu rosto enquanto ele continuava a se aproximar. – Fique longe de mim.
- Não, não vou ficar longe – ele encostou o corpo no meu, e eu senti uma súbita vontade de vomitar. – , esqueça aquilo, vamos recomeçar. Parece que se esqueceu de como nos amávamos. Eu te amo e você sabe disso – ele alisou minha bochecha e eu virei a cara.
- Não, eu achei que te amasse, mas descobri o que amor quer dizer, e, com certeza, não chegamos nem perto disso.
Sua feição se fechou.
- O que você quer dizer com “descobri”? – continuei calada. – Me dá sua mão – ele exigiu.
- Me deixa em paz – tentei o empurrar, mas ele só me prensou mais contra a parede e pegou minha mão, levantando-a a força.
- Aliança? – ele parecia furioso agora, e isso despertou os piores sentimentos de medo que já havia experimentando na vida. – QUEM É ELE?
- Não é da sua conta – arranquei minha mão da sua. – Eu não pertenço a você, nem nunca pertenci.
- Ótimo – ele disse cínico. – Se você não pode ser minha, não pode ser de mais ninguém.
- Você é ridículo.
- E você precisa aprender a ser mais educada – ele levou os lábios próximos ao meu rosto, e eu tentei o empurrar com mais força ainda, sentindo a repulsa pulsar em todo meu corpo. Ele segurou meu rosto com uma das mãos, segurando-o e forçando meus lábios com língua. Eu senti desespero, e minha respiração já começava a falhar. – Sabe, adorei essa roupinha – um sorriso maldoso se instalou em seu rosto, e eu sufoquei, sentindo sua outra mão subir por minha coxa. – Vai facilitar o trabalho dessa vez.
Ele voltou a tentar me beijar, passando sua mão por debaixo de minha saia sem pudor. A tontura me dominou, e eu não conseguia mais reagir com força. E, naquela mente doentia dele, ele estava entendo como rendição.
- Viu, você sente tanta falta de mim quanto eu de você – ele sussurrou em meu ouvido.
- Por que você está fazendo isso comigo de novo? – eu choraminguei, tentando puxar ar enquanto minha boca estava livre.
- Pra você aceitar que me quer.
Com aquela última frase, todas as lembranças que eu estava tentando manter trancadas há tanto tempo tomaram conta de minha mente novamente. Quando ele me levou para casa do amigo dele, Rafael, e começou a ficar violento de verdade comigo; dele me arrastando até o quarto e me jogando com força contra a cama, exigindo de todo o jeito que transasse com ele. De como o canivete que ele segurava rasgava a pele da minha coxa e ele sorria de um jeito diabólico. De como eu nunca havia corrido tanto em minha vida, mesmo sentindo dor na perna. De Liz me recebendo na casa dela, totalmente assustada com meu estado.
De nada havia adiantado o treinamento que havia me dado – pensei, sentindo meu corpo amolecer gradativamente. O canivete e a arma que ele havia me dado tampouco me ajudariam nesse momento, pois estavam em minha mochila, trancados no meu armário. De nada havia adiantado mudar de país. De nada havia adiantado toda a minha luta contra meus medos, pois eles estavam aqui agora, mais fortes do que nunca.
Ele deu uma mordida em meu pescoço, descendo a boca lentamente, mas com voracidade, e eu senti as lágrimas escorrerem livremente por meu rosto.
É claro, meu herói estava ocupado demais agora, em um jogo importante, do outro lado da parede. Ninguém iria me ajudar, e eu sabia disso.
A imagem de voltou a minha mente, e meu coração doeu como se estivesse sendo esfaqueado. Eu precisava dele mais do que nunca, mas ele estava ocupado demais para me salvar, distraído demais para dar por minha falta.
Meu estômago doeu, e foi então que percebi. Eu não poderia permitir que nada daquilo acontecesse, pois meu corpo não pertencia mais só a mim. Havia uma criatura pequena dentro de mim. Pequena, mas que eu enfrentaria qualquer coisa para proteger. Eu a amava mais do que a mim mesma, mais do que a .
Minha mente pareceu se restabelecer, e eu me concentrei em respirar. Recuperei um pouco da minha sanidade e finalmente criei forças para enfrentá-lo.
Descobri que meu maior medo não era dele mais, mas de que qualquer coisa pudesse acontecer de ruim com meu bebê.
Levei minhas mãos aos cabelos loiros de Jack, e ele me olhou sorrindo.
- Eu tenho nojo de você – disse com ferocidade, puxando com força seus cabelos para trás.
Levantei com toda força que pude minha perna, livre por um instante, e acertei em cheio meu joelho entre as pernas dele.
Pego de surpresa, ele se curvou com dor, e eu aproveitei, e eu aproveitei para dar um belo soco em seu rosto. Dei alguns passos para o lado e fui me afastando e, assim que ele levantou o rosto, pude ver sua expressão assassina.
Assustada, eu corri. Corri como naquela noite do medo. Não corri como se fosse para salvar minhas vida, já realmente que eu tinha que correr para isso. Empurrei com força a porta de trás do ginásio, e todos na arquibancada faziam algazarra, alguém devia ter feito gol. Pelo menos eu passaria despercebida por eles, e continuei a correr, entrando no primeiro lugar mais próximo que vi, descobrindo ser o vestiário feminino.
Sentei no banco em frente ao meu armário, com a respiração acelerada, o pânico me deixando totalmente alerta. Abri meu armário, mas, antes que pudesse fazer qualquer outro movimento, alguém puxou e segurou meus braços para trás com força. E eu que achei que estaria mais segura aqui, há.
- E quando você aprendeu a revidar? – eu senti sua respiração em meu pescoço, me fazendo tremer.
- Agora eu tenho pessoas que cuidam de mim – eu disse, tentando manter a voz firme, tentando não mostrar meu pânico. – Se eu fosse você, dava o fora o mais rápido possível.
Ele riu, e eu tentei soltar minhas mãos. Ele socou minha cabeça contra a porta do armário ao lado da minha, mas aquilo doeu menos do que eu pensei que doeria.
- Eu não estou vendo ninguém aqui além de nós, meu amor – eu sabia que ele tinha um sorriso sacana no rosto. – Conforme-se que você é só minha, eu quem cuido de você.
- Sério? Espero que você não tenha filhos. Estou falando sério, meus amigos devem estar vindo.
Eu sabia que aquilo era mentira, mas talvez ele caísse nessa. Eu não iria desistir, eu não iria ceder. Não sem lutar.
- Então talvez devêssemos ir para outro lugar – ele disse e dei um beijinho em meu pescoço.
Claro, eu sou estúpida, tinha ter aberto minha boca. Agora, se alguém realmente tivesse me visto, não faria diferença.
- Por que você ficou desse jeito? – tentei distraí-lo. – Você nunca foi desse jeito comigo e de repente você foi mudando e...
- Você não parecia corresponder ao meu amor do jeito que devia – ele disse amargo.
- Você quer dizer que eu não gostava de você porque não transávamos? – perguntei indignada.
- É, mais ou menos por aí – ele respondeu.
- Você é doente, Jack!
Percebi tarde demais que cometi um erro usando essas palavras. Uma lâmina gelada começou a percorrer minha pela, mas eu sabia que estava virada com a parte sem corte. Por enquanto. Ele a deslizou até minha coxa, acariciando a cicatriz com o dedão.
- Pelo menos você não me esquece – ele disse, se referindo à cicatriz.
- Bem que eu queria conseguir – retruquei.
Ele me virou com força, e eu senti que as chances de conseguir alcançar minha bolsa estavam cada vez mais distantes.
- Ah, acho que esqueci de te devolver uma coisa, meu amor – ele deu um sorrisinho cínico, e eu senti seu punho se chocar fortemente contra meu rosto.
Abaixei a cabeça com dor, e espiei para a distância que me dividia do meu armário aberto. Eu precisava alcançar aquela arma, eu precisava proteger meu bebê.
- O que tem ali? – ele perguntou curioso. – Por que você abriu o armário?
Ainda prendendo minhas duas mãos com uma das suas em minhas costas e a outra segurando o canivete perto de meu pescoço, ele me arrastou para o lado, até ficar em frente ao meu armário. Ele começou a vasculhar dentro dele, e eu me desesperei.
Ouvi um barulho. Se ele achasse a arma, quem quer que estivesse vindo, estaria em perigo também.
- Acho que tem alguém vindo, melhor você sair enquanto tem tempo – eu avisei.
- Você sabe que eu não vou sem você – ele disse. – E agora é muito tarde, docinho. Eu já achei.
Ele balançou a arma e todas as minhas esperanças se esvaíram eu estava ferrada.
- SOLTA ELA! – ouvi aquela voz aveludada esbravejar.
- Caí fora – Jack retrucou, sem dar atenção.
- SOLTA ELA AGORA – a voz reverberou pelas paredes frias do vestiário novamente.
- Vai embora! – eu implorei.
Eu achava que tinha sentido medo há pouco, mas agora meu coração estava congelado. Além de meu bebê estar correndo perigo, agora também estava.
- É um dos seus amigos? – Jack perguntou, subindo as sobrancelhas.
Isso , dá ataque mesmo, entrega de uma vez, esperta.
- Não – respondi tentando ao máximo manter a calma, o que parecia impossível. – Mas ele é inocente nessa história, não tem por que machucá-lo.
- NÃO VOU REPETIR! – veio em nossa direção a passos largos.
- Não precisa – disse Jack calmamente, levantando a arma. – Agora vai embora, moleque.
Ok, mesmo Jack tendo vinte anos, não era menor do que ele. Mas Jack tinha uma arma, isso era outra história.
levantou as mãos, desprevenido. “, quem é ele?”
- Achei que vocês não se conheciam – Jack deu uma breve espiada em mim. – Quem é ele afinal, boneca?
- Todos na escola sabem meu nome, Jack – eu disse, ainda tentando parecer convincente, e dando uma pista a . – E não me chame de boneca.
Jack riu alto. “Ainda com essa mania de rejeitar o apelido? Você sabe que adoro te chamar assim.”
- Por favor, vamos embora – pedi, tentando a todo custo tirar daquela situação.
- Vamos – Jack segurou com força em meu braço, nos virando para sairmos.
- Você não vai a lugar nenhum com ela, seu canalha – disse.
Jack se virou para ele, impaciente.
- Não se intrometa em brigas de casais – Jack parou por um instante, parecendo distraído com alguma coisa, mas eu não tive coragem de tentar nada, pois sua arma continuava apontada para . – Não acredito...
- Vamos embora – eu choraminguei.
Sem ao menos aviso prévio, recebi um tapa no rosto que me jogou no chão.
- SUA VADIA – Jack gritou para mim. – As alianças são iguais. Como você pode fazer isso? Nós brigamos, e você corre para outro? Pra esse cara?
Eu tentei buscas todas as desculpas possíveis em minha mente, mas não tive sucesso com o desespero nublando minha mente. Jack voltou sua atenção para , e engatilhou a arma.
Eu sufoquei.
- Jack, não faça isso – implorei, me arrastando até ele. – Por favor, deixe ele ir embora, eu faço qualquer coisa que você quiser.
- Você faria qualquer coisa só para mantê-lo a salvo? – ele perguntou, me olhando de um modo assustador.
- Qualquer coisa – respondi sem pensar.
- Não, , pare com isso – pediu, e eu vi que o meu desespero estava refletido em seu rosto.
- Vamos, Jack – eu me levantei e me aproximei dele, sentindo cada centímetros do meu corpo rejeitar essa aproximação. – Só eu e você – sussurrei em seu ouvido, e beijei o canto de sua boca.
- Você promete não fugir mais de mim? – ele perguntou, sem desviar o olhar de .
- Se você prometer deixá-lo ir em paz – respondi, dando mais um beijinho no canto de sua boca.
- Você não vai a lugar nenhum com ele! – disse , eu vi uma lágrima escorrer por sua bochecha, pulverizando meu coração.
- Certo – ele disse e, sem desviar a arma de , começou a me beijar intensamente.
Eu senti a repulsa gritar dentro de mim. Era como se eu estivesse beijando uma barata.
Meu coração literalmente parou quando ouvi um som que havia conhecido há poucas semanas. O barulho de um tiro.
Capítulo 22
Burned
Instintivamente olhei para . Não havia sangue em nenhum lugar, mas eu continuava a espera dele.
- Você errou – desafiou, agora mais próximo do que antes.
Olhei para Jack com um ódio tão intenso que parecia ser maior do que eu. Sem raciocinar, e antes que me desse conta, eu o havia socado, e continuei socando. Ele virou a arma para mim reflexivamente e eu tentei alcançar seu braço para torcê-lo. Foi quando ele atirou novamente. Meu braço queimou violentamente, me fazendo berrar de dor.
Jack pareceu confuso por um instante como se não acreditasse no que tinha acabado de fazer. parecia no mesmo estado de choque enquanto encarávamos o sangue começar a brotar em meu braço.
- Droga, alguém deve ter ouvido isso – com a mão um tanto trêmula ele voltou a apontar a arma para , que agora estava realmente próximo. – Você fica quietinho aí!
Jack voltou a segurar meu braço com força, me puxando para a porta de trás do vestiário, ainda a arma para . Assim que a porta se fechou, eu ouvi os passos rápidos vindos de dentro do vestiário. Ele abriu a portinha da mangueira de incêndio, já arrombada por algum aluno vândalo, e a enrolou no puxador da porta, prendendo-a. tentava abri-la pelo outro lado, mas não conseguia. Eu ainda podia ouvir seus gritos enquanto corria pelo corredor escuro com Jack, a arma sempre apontada para mim.
Ele tinha conseguido sair do colégio comigo com uma facilidade inacreditável. Mas também, eu não podia simplesmente envolver outra pessoa nisso. Eu sabia que precisava pegar aquela arma de algum jeito, mesmo ainda não fazendo idéia de como iria conseguir essa façanha.
Caminhamos pela rua, e ele entrelaçou nossos braços, a arma apontada para mim por debaixo do casaco.
- E agora, para onde vamos? – perguntei, tentando bolar alguma coisa para me livrar dele.
- Eu aluguei uma casa, mas vamos ter que andar um bocado até lá – ele disse. – Não posso arriscar pegar um ônibus com você.
Eu pensei em sugerir um táxi, mas apressar as coisas para ficar em uma casa sozinha com ele não era exatamente o que eu estava querendo.
- Eu sei que pra você parece que eu sou maluco, me desculpe – ele disse, e eu franzi a testa. Parece? Há. – Mas você só não me entende. Ainda. Eu sei que você só precisa de um tempo pra...
- Jack, cale a boca – retruquei irritada. Meu braço esquerdo estava doendo pra caralho, será que ninguém percebia que ele estava sangrando? Ninguém se importava? Certo, o porteiro da escola perguntou sobre isso, mas eu tive que dizer que estava tudo bem, que estávamos indo cuidar disso. Jack não estava nem ai por eu estar machucada. – Cada vez que você abre a boca só fica mais ridículo.
- Você tem muita sorte por seu namoradinho ter escapado de mim. Assim que nós conversarmos, eu volto pra cuidar dele.
- Não ouse encostar em um fio de cabelo dele – eu rosnei.
- Own, ela fica bravinha quando fala dele – ele disse cinicamente. – Não percebe o que ele fez com você? Ele te convenceu que o ama.
- Você já prestou atenção no que fala? – perguntei incrédula. – Eu não faço idéia de como pude namorar com você. Ainda bem que eu cresci.
Ele apertou meu braço com mais força e me virou bruscamente de frente para ele.
- Sua vadia...
- Vadia? Você tá namorando a minha ex-melhor amiga pra me fazer ciúmes, sendo que eu te odeio!
Ele olhou para a rua atrás de mim, a testa franzida. “Mas que porcaria é essa?”.
Eu olhei para trás, na esperança de que fosse vindo em meu resgate. Mas eu nunca havia visto aquele carro preto grande e com vidros fume que agora cantava pneus, parando perto do meio-fio. Jack me virou de costas para ele, passando seu braço em volta de meu pescoço e apontou a arma para minha cabeça enquanto dois caras, um do banco da frente e outro do de trás, saiam, com armas apontadas para nós.
A diferença é que minha arma era pequena e humilde perto da deles, assim como meu próprio tamanho e o de Jack.
- Quem são vocês? O que querem? – perguntou Jack, e estava claro em sua voz que ele estava apavorado. Como se eu não estivesse.
- A garota – um dos armários disse.
- De jeito nenhum – Jack retrucou, e eu senti ele apertar o cano na minha cabeça.
Um deles carregou a arma.
- Você não vai realmente querer discutir – o outro carregou a arma também.
Jack me largou.
- Me dá a arma – eu disse me virando e estendendo minha mão para Jack. Senti um puxão e quando dei conta já estava jogada no banco de trás do carro.
- Melhor levar o garoto junto – o motorista disse alto, para que os outros dois escutassem.
Instantes depois, Jack estava sendo jogado ao meu lado, tremendo feito uma vara verde.
Olhei pelo vidro de trás do carro, e vi correndo, no fim da rua, em nossa direção, mas o carro arrancou antes que ele tivesse chance de se aproximar.
- Os amigos do seu namorado são meio violentos – ele disse baixinho, enquanto os armários entravam no carro, um deles no banco de trás, ao lado de Jack.
- Eu não acho que sejam amigos do – respondi com a voz falha. – Quem vocês são? – perguntei depois de vinte minutos de silêncio.
- Seu namorado nunca falou sobre nós? – o motorista perguntou sem humor.
Eu achei melhor não responder com sinceridade, caso eles realmente fossem quem eu imaginando.
- Não.
- Bom, nesse caso é melhor você não saber – ele continuou. – Mas você devia se preocupar agora com o que você é.
- E... – eu estava com grandes dificuldades para respirar. – O q-que eu sou?
- Nossa refém – o cara no banco do carona respondeu, se virando para mim com um sorriso maldoso. – Mas não se preocupe, queridinha, você vai ficar bem. Se você se comportar direitinho.
- E quanto a mim? – Jack perguntou nervoso. Olhei para sua face, e ele estava chorando. – Eu não tenho nada a ver com a história, me deixem ir embora, você não precisam de mim, eu sou só um garoto perdido nisso tudo... – ele não calava a boca.
- Você é testemunha – o motorista disse, cortando-o. – Desculpe, garoto, mas estava no lugar errado, na hora errada.
- O que você quer dizer com isso? – ele perguntou, pegando em meu braço e apertando-o. Eu o soltei com violência.
- Não encoste em mim – murmurei com nojo.
- Sinto muito, garoto – o motorista respondeu.
O que o corajoso Jack fez? Ele tentou abrir a porta do carro. Mas elas estavam trancadas, é lógico, então tudo o que ele ganhou foi um belo soco do armário que estava ao seu lado. Ele caiu em meu colo e eu o empurrei para o lado, sentindo repulsa de ele estar se encostando em mim.
Mas, nesse momento, o medo era maior do que meu nojo por ele, pois eu estava começando a entender a mensagem do motorista. Eles iriam prendê-lo junto comigo? Ou...
- Coloque a venda neles – o motorista disse. Eu não movi um músculo enquanto o grandalhão com quem dividíamos o banco amarrava a venda em meu rosto, deixando tudo negro como noite. – Não, no garoto não precisa colocar. Mesmo se ele acordar, não vai fazer muita diferença.
Eu perdi a noção do tempo me preocupando com o que aconteceria a seguir. Tudo que importava para mim agora era a minha segurança, continuar viva, pois só assim meu bebê continuaria bem.
Eu devia ter escutado quando ele disse que não deveríamos ficar juntos. Eu devia ter percebido o perigo que estava correndo. Eu não tinha por que me importar com isso antes, eu preferia morrer a ficar longe dele. Mas as coisas eram diferentes agora, e eu estava percebendo tarde demais.
O carro parou e ouvi o barulho das portas se abrindo. Eu até comecei a acreditar que poderia tirar a venda e sair correndo, mas assim que abriram minha porta alguém amarrou minhas mãos nas costas antes de me tirar do carro.
Eu caminhei às cegas por algo que eu presumi ser grama, pois era macio.
“Degrau” o grandalhão que me segurava – seja qual dos grandalhões fosse – avisou.
Levantei o pé e subi o degrau, o vento que antes agitava meu cabelo cessou e o ar a minha volta esfriou. Presumi que tínhamos entrado em algum lugar.
- Achei que iam demorar mais – uma voz feminina disse em algum lugar próximo.
- O moleque facilitou as coisas – a voz do motorista vinha de trás de mim.
- De qualquer jeito, está tudo pronto, mas só para uma pessoa – a voz feminina voltou a se pronunciar.
- Como se você tivesse tido muito trabalho – o motorista zombou.
- Não se esqueça de quem sempre consegue tudo o que você precisa – agora a voz feminina parecia estar ficando para trás.
- Pra onde vocês estão me levando? – eu não conseguia mais segurar a pergunta.
- Para seus novos aposentos – o cara que me segurava rosnou.
Tudo o que eu mais queria era me livrar daqueles caras, sair correndo, mas sabia que nunca conseguiria tal façanha. Minhas mãos estavam atadas as costas, minhas vendas apertadas, e, uma coisa que havia me ensinado era que eu não seria mais rápida que um bala. Nesse caso, várias.
- Escada – o cara me avisou.
Eu quase caí, pois achava que o próximo degrau seria mais alto, e não mais baixo, mas ele me segurou sem muito esforço. Descemos alguns degraus e paramos. Ele soltou as amarras de minhas mãos, me jogando dentro de algum lugar. Eu me apressei a tirar a venda e, assim que consegui, eles já estavam fechando a porta no final da escada, me deixando na escuridão completa.
Respirei fundo aquele ar gelado e senti meu estômago embrulhar ainda mais, como se estivesse dando um nó. Fiquei ali, congelada durante não sei quanto tempo, apenas tentando assimilar o que estava acontecendo.
Finalmente tomei coragem suficiente e dei um passo a frente. Eu precisava saber onde estava, qual o tamanho dali, quais as possibilidades...
No terceiro passo tropecei em alguma coisa e caí em cima de algo macio.
- Jack? Jack, acorde! – eu comecei a sacudi-lo, mas ele não respondia. Coloquei minha mão em seu peito, sentindo um alívio imediato ao senti-lo subir e descer. – Covarde – murmurei me levantando de novo.
Era melhor deixá-lo inconsciente do que tê-lo de aguentar. Pelo menos ele estava vivo.
Continuei a caminhar pelo lugar, dessa vez com mais cuidado, até encontrar a parede. Corri minhas mãos por ela tentando achar alguma coisa, alguma saída... mas não havia nada além de parede e tinta descascando. Eu estava ferrada.
Andei de uma parede a outra, medindo o lugar. Quatorze pés por vinte e três. É, até que não era tão pequeno quanto eu achava.
Achei algo mais macio no chão, que depois de tatear, presumi ser um colchonete fuleiro. Sentei nele e foi a deixa para que o choro e todo o desespero me dominassem.
Eu não tinha como saber ao certo quanto tempo se passou – tenho a impressão de ter dormido profundamente naquele colchonete durante horas depois de tal exaustão sofrida. Preferia não ter acordado, pois foi de um pulo que grudei na parede ao abrir os olhos e encontrar a escuridão, me dando a infeliz notícia de que tudo tinha sido mais do que um pesadelo terrível, era a total realidade. Mas não havia sido a escuridão que me acordara, e sim algo se mexendo em meu cabelo. Instintivamente embrenhei minhas mãos no cabelo para me livrar do que estivesse nele. E se fosse uma barata? Senti vontade de gritar só de pensar naquela repugnante possibilidade.
- Desculpe ter te acordado, amor – uma voz cortou a escuridão.
Amor? Eu me senti confusa por instante, mas aquela voz não era de . Uma sombra se moveu na escuridão, e eu assimilei quem era o dono da voz quando ele estava próximo.
- Jack, você não consegue me deixar em paz nem quando eu durmo? – disse irritada, passando as mãos freneticamente pelo cabelo. Eu não sei se sentiria mais nojo se tivesse sido uma barata do que ele.
- Você ficou tão enjoada desde que mudou pra cá – ele disse como se estivéssemos conversando há horas.
- E você virou um psicopata nesse meio tempo – retruquei sem humor, esfregando meus olhos e deixando-os se adaptarem melhor ao breu.
- Psicopatas são esses caras que pegaram a gente – sua voz me dizia que ele estava emburrado. – Eu não faço idéia do que está acontecendo e eles ainda me apagaram sem motivo.
- Se eles não tivessem, eu mesma o teria feito.
- E você parece estar mais violenta também.
- E vou ficar pior ainda se você voltar a encostar em mim de novo – ameacei.
- Podemos discutir isso depois, agora eu quero saber como vamos sair daqui.
- Não vamos – respondi infeliz.
- Como assim não vamos? – sua voz tinha ganhado um tom mais agudo.
- Não tem como sair daqui, não tem nenhuma passagem ou porta além daquela acima das escadas.
- Uma hora eles vão ter que abrir.
- Não seja burro, eles tem armas.
- Mas se eles nos pegaram, é porque temos algum valor, ou já teriam nos matado.
Eu estava começando a me irritar com ele. Por que ele não podia simplesmente parar de falar asneira e sei lá, dormir? Eu poderia nocautear ele.
- Você está errado. Nós não temos valor. Eu talvez tenha, não você.
- Presunçosa, é claro que eu tenho valor.
- Sério? E por que você teria?
- Porque eu não tenho nada a ver com aquele babaca.
- Não o xingue – eu não consegui segurar, não podia simplesmente deixá-lo xingar em minha presença. – E é exatamente por isso que eles atirariam em você assim que tentasse qualquer coisa, porque você não tem nada a ver com . E, se eles tiveram algum contato com , ele já deve ter mandado que te matassem.
- Mas se não tiveram, poderiam pensar que sou importante.
- Então eu vou informá-los que podem te matar – eu disse secamente.
- Afinal, por que estamos aqui? – eu dei um sorrisinho sem sal de lado, vendo-o desviar em parte do assunto.
- Eu não sei exatamente, mas imagino quem eles sejam.
- E quem são?
- Não é da sua conta – respondi mal humorada, sentindo um arrepio pelo frio que fazia ali.
- Aquele idiota ficou devendo e agora os traficantes pegaram a gente? – ele tentou.
Eu ri alto com essa.
- O que sua imaginação lhe permitir.
- Tá, mas nós temos que sair daqui. Talvez ele pague os caras e eles nos libertem logo...
- Você sempre foi otimista – eu lembrei sentindo uma pontada de tristeza ao lembrar que, um dia, nós havíamos sido felizes juntos.
Eu tinha um palpite que estávamos ali há mais ou menos dois dias já, a contar pelas duas quatro refeições que tínhamos recebido.
A voz de mulher que eu havia escutado quando cheguei tinha ganhado um rosto quando ela veio desinfetar a ferida em meu braço. Ela era magrela e com cabelos castanhos armados, os olhos pretos. Mas a dor em meu braço tirou minha atenção de seu rosto. Nunca queira levar um tiro, mesmo que de raspão. Quando não está doendo, é porque está latejando incessantemente.
Jack estava apavorado, e só piorava. Se fosse uma opção, eu teria tentado escapar só pra levar uma bala na cabeça e não ter que aguentá-lo mais. Se ele tentou me agarrar novamente? Claro que tentou. Mas eu me protegi, bati nele e comecei a gritar até os seqüestradores virem e apontarem uma arma na cabeça dele. “Se nos causar mais algum problema, estouro seu cérebro!” o grandalhão gritou na cara dele. Tenho minhas suspeitas de que ele fez xixi na calça naquela hora.
Depois disso tudo foi agonizante. Aquele silêncio mortal, o tempo passando. Eu não sabia por quanto tempo aquilo continuaria, e tinha medo de descobrir. Eu só queria ver . Só queria seus braços ao meu redor, sua voz rouca sussurrando que me amava. Só queria poder olhar em seus olhos mais uma vez.
Eu me perguntei como eu cheguei ao ponto de namorar Jack um dia. Onde tudo havia mudado? O que houve com ele, afinal? Já fomos um casal feliz.
Eu pensei nisso com mais profundidade. Tínhamos realmente sido felizes? Não, felizes, essa palavra não se encaixava. Mas tivemos bons momentos, alegres. Nos gostávamos, mas era uma coisa superficial. E agora eu descobri que o cara que me traumatizou por violência e tentativa de estupro era um covarde, na verdade. Até um rato teria mais coragem que aquele idiota.
Mas eu não queria que ele morresse. Não mais, pois agora eu não tinha mais medo dele, apenas ódio. Mas nem todo o ódio do mundo poderia me fazer desejar a morte de um ser humano.
A lembrança de ele me beijando e atirando em me fez querer que ele morresse, de repente. Se ele tivesse acertado, eu mesma o teria matado. Eu havia acabado de dizer que nem todo ódio do mundo poderia me fazer desejar a morte de outro ser humano? Que seja, ele deveria ser desclassificado da espécie humana.
Houve um barulho e eu dei um pulo e me grudei na parede atrás de mim, ainda sobre o meu cantinho do colchonete.
A luz clareou o porão e eu fiz sombra com uma mão sobre os olhos, para deixá-los se acostumarem. Era outra refeição? Pra mim não havia passado mais que três horas desde a última.
Mas não era a mulher que me acompanhava até o banheiro com uma arma apontada pra mim ou o grandalhão que nos trazia comida. Era o motorista, aquele que não via desde que fui enfurnada aqui, mas ouvia sua voz pelo corredor muitas vezes. Ele parecia nervoso. Ele caminhou e parou a minha frente.
- Você tem alguns segundos – ele disse rispidamente.
Eu demorei alguns segundos para assimilar, então ele me estendeu um celular e um dos caras-armários se postou na porta com a arma visível.
- ? – eu ouvi a voz de baixa saindo do celular, e o peguei da mão estendida com uma velocidade recorde. – ? – ele repetiu. Meu coração voltou a ganhar vida ao ouvir sua voz rouca do outro lado da linha.
- ! – aquela voz aguda vinha da minha garganta.
- Você está bem? – ele perguntou preocupado. – Eles te machucaram?
- Estou bem – eu o tranqüilizei. – O que está acontecendo agora, ? Por que estou aqui?
- , eu vou te tirar daí, eu juro! – sua voz estava diferente, e lágrimas começaram a descer por meu rosto pelo simples prazer de ouvir a voz dele.
- Não tente nenhuma loucura, por favor – eu choraminguei com medo.
- Seu tempo acabou – o motorista estava estendendo a mão para pegar o celular da minha.
- Eu te amo! – foi a única coisa que me veio a cabeça, o único pensamento importante.
- Eu te amo – eu ouvi a voz dele dizer enquanto o seqüestrador tirava o celular de minha mão e levava a sua orelha.
- Você já viu que ela está bem, agora cumpra sua parte – ele continuou falando com e se retirou do porão, me deixando na escuridão novamente. E Jack, todo encolhido no outro lado da parede, também.
- Nós vamos sair daqui, não vamos? – Jack quebrou o silêncio após longos minutos.
- É claro que vamos – eu disse segura daquilo.
- Como você pode estar tão certa disso? Depois que eles tiverem seja lá o que for, o que te faz acreditar que vamos continuar vivos?
- Eu confio em . E não vou deixar ninguém me matar.
- Hã – ele murmurou desgostoso. – Eu não entendo o que te motiva tanto a querer continuar viva. É o ?
Era a primeira vez, eu notava, que ele pronunciava o nome de .
- Em grande parte, sim – eu acariciei minha barriga, pensando se minha filha estava sendo afetada por todo o medo que eu sentia. – Estou determinada a continuar viva.
- Eu não tenho mais tanta certeza se isso faz diferença – ele desabafou.
Eu olhei em direção a sua voz. “Por quê?”
- Eu não tenho você, nem nunca vou poder ter – parecia um tanto difícil para ele falar aquilo.
- Você tem seus pais – lembrei-o.
- Meu pai é um alcoólatra que adora me escorraçar e prefiro não falar sobre a minha mãe – ele disse transparecendo raiva na voz.
- Eles não eram assim – franzi a testa.
- Desde que eles se separaram as coisas mudaram. Eu não te contei sobre o divórcio deles porque você estava muito ocupada fugindo de mim.
- Mas você tem a Mari – eu mudei de assunto tentando ficar indiferente, mas ainda havia um pouco de raiva da Mari em mim.
Ele riu baixinho. “E?”
- Ela gosta de você – agora eu estava ficando com raiva era dele.
- E por que isso deveria me afetar? – ele perguntou.
- Cara, você não presta – eu retruquei raivosa.
- Eu já tirei todo proveito dela que podia, já cansei – ele disse indiferente, como se estivesse em uma roda de amigos bêbados e cafajestes.
- Você é um filho da puta mau-caráter – eu xinguei, sentindo meu sangue ferver. – Você não pode falar assim dela!
- Claro que posso – ele parecia estar achando graça na minha reação. – E por que isso te incomoda? Vocês não brigaram?
- Então ela te contou? Foi ela quem te contou também onde eu estava?
- Ela contou que vocês brigaram, mas não contou onde você estava. Foi uma tal de Brooklie que conseguiu me encontrar na internet.
- Brooklie? – perguntei confusa.
- É, ela não é sua amiga? Ela disse que você queria me ver e me deu o endereço da escola – ele contou.
Eu passei alguns minutos pensando sobre isso. Como ela havia descoberto sobre o Jack eu não fazia idéia, mas fazia sentindo agora ela ter falado que “meu namorado estava me esperando”. Se ela o mandou pra cá, ela sabia muito bem o que estava fazendo. Sim, eu a havia subestimado, mas nunca pensei que alguém chegaria tão longe pra ferrar alguém.
- E quanto ao processo que você colocou em cima de mim – ele quebrou o silêncio tenso que dominara o lugar. – Você está perdendo feio.
- Infelizmente eles não têm pena de morte lá, então eu sairia perdendo de qualquer forma – eu me senti infeliz por aquilo. Maldita injustiça.
- Mas você vai voltar para o Brasil agora, não vai? – ele perguntou. Era realmente esperança na voz dele?
Eu ri. “E por que eu faria isso?”
- Não sei se você notou, mas nós fomos sequestrados aqui – ele ironizou.
- Não sei se você se lembra, mas meu ex-namorado tentou me estuprar lá. E me perseguia também. Ah, mas peraí, você deve se lembrar, já que foi você – eu retruquei grossa. – Então acho que os países estão quites em questão de trauma.
- Você vai ficar aqui por causa do mesmo? Você é maluca.
- Você não está em seu ápice de sanidade pra me chamar de maluca. E apesar de tudo, eu gosto de Londres.
- Boneca, não fala besteira – ele disse como se eu fosse uma criança rebelde.
Eu me enfureci, levantei e fui em direção a sua voz, parando quando meus pés bateram nele. Ele se levantou ao me sentir, ficando de frente a mim. Eu podia distinguir sua silhueta na escuridão, e quando dei por mim, meu punho estava cravado em seu rosto, fazendo-o virar o rosto.
- Já falei pra não me chamar assim! – gritei na cara dele.
Ele segurou meus braços, e me sacudiu com brutalidade.
- Sua vadia desgraçada – ele xingou.
Eu gritei de dor pela força que ele fazia em meus braços, uma das mãos bem em cima de onde o tiro tinha me ferido.
Eu soltei meus braços e dei uma bela joelhada. Mas eu errei em meio a escuridão, e acabei acertando sua barriga.
A luz deu sinal de vida naquele me fazendo franzir a testa, mesmo estando no canto mais escuro do porão.
- O que está acontecendo aqui? – o motorista exigiu nervoso. Eu coloquei a mão sobre meu o machucado do meu braço que agora latejava pra valer. Ele observou Jack um tanto curvado com a mão na barriga. – Ótimo, garoto, você acabou de conquistar a passagem para fora daqui – ele disse sem humor. – Vamos, você além de ser inútil ainda me arranja problemas – Jack, ainda parecendo sentir dor e surpreendido, seguiu-o. eu encarei a cena confusa. Eles estavam o libertando? – Anda logo, moleque – eu ouvi a voz que reconheci como um dos armários esbravejar assim que a porta se fechou, trazendo a escuridão novamente ao cômodo.
Voltei a sentar no colchão e abracei minhas próprias pernas. Eles realmente iriam libertá-lo? E pra onde ele iria agora, de volta ao Brasil ou ficar me aguardando sair daqui para tentar fazer da minha vida um inferno? Passei a mão por minha barriga, sentindo a raiva se esvair totalmente de meu corpo e uma angústia me dominar.
- Vai ficar tudo bem, Little – eu disse para o ser que eu mais amava no mundo e crescia dentro de mim. – Vamos ficar bem – encostei minha cabeça na parede, deixando as lágrimas escorrerem.
Capítulo 23
Dangerous to Know
Tudo o que eu queria era que ele estivesse comigo novamente, mas a cada dia as coisas pareciam ficar cada vez piores. Já haviam se passado o que eu tinha quase certeza de serem três ou quatro dias desde que Jack se fora, e a solidão me assolava de forma desoladora. Não que a companhia dele me agradasse, mas eu não tinha nem mais em quem descontar minha raiva e nervosismo. Aquele lugar estava me enlouquecendo, e ninguém me falava quando eu sairia dali. Se eu sairia, pra começar. A falta que me fazia era acima do que eu podia suportar. E eu ainda tinha que conviver com os insetos. Da última vez fora uma barata, e eu simplesmente pirei quando senti aquele negócio na minha perna. A mulher que me trazia comida achou que eu estava tendo um infarto ou coisa do gênero, mas eu estava somente tendo mais uma das minhas sessões sufocamento. Até que tinha demorado bastante pra isso acontecer com toda essa situação. Quando eu bati na porta dizendo que havia um barulho de rato, eles ignoraram. Então eu bati, bati, e continuei batendo, mas só quando eu comecei a xingar e quebrei o copo que ainda estava ali da última refeição contra a porta, foi que o armário – que este eu reparei contra a luz que tinha um rosto mais fino que o outro e o cabelo mais escuro – abriu a porta e foi procurar o rato. Eu o achei em um canto e ele atirou. É, atirou no rato. Eu soltei um grito agudo, e me calei ao receber aquele olhar frio dele, temendo ser o próximo alvo. A imagem do rato destroçado ainda vinha a minha mente, me fazendo estremecer toda vez. Aquele lugar era terrível, e eu só me movia do meu colchonete agora para pegar a comida na escada ou ir para o banheiro. Preciso dizer que ir ao banheiro com aquela mulher magrela apontando uma arma pra mim não era nada confortável e que a comida que eles me davam – além de ruim – nunca me satisfazia? Eu acho que não. Mas isso era irrelevante em comparação com o nervosismo que toda a situação me causava.
A luz adentrou a escuridão mais uma vez, mas dessa vez não era a silhueta da mulher contra a sombra, mas do motorista. Ele deixou a bandeja com um prato de comida e um copo com água em um dos degraus.
- Reze para o seu namorado fazer a coisa certa hoje – ele disse com a voz fria, e eu estremeci. – Ou você vai acabar junto com seu amiguinho. – ele se virou e começou a subir a escada.
- Jack? O que você fizeram com ele?! – eu gritei assustada, mas ele ignorou e continuou a subir. – O QUE VOCÊS FIZERAM COM ELE?! – eu gritei histérica.
Ele se virou. “Se você não calar a boca, eu não vou nem esperar a decisão do seu namorado.”
Eu me levantei. “Vocês o mataram?” ele voltou a subir os degraus. “Por quê? Vocês disseram que iriam o libertar!”
Ele se virou de volta para mim e desceu as escadas apressado, tirando algo do bolso no caminho.
- Eu nunca disse isso – ele falou sínico.
- Como puderam? – as palavras ainda saíam gritadas de minha garganta sem que eu pudesse impedi-las.
Ele me segurou e me colocou contra a parede. Eu senti algo frio encostar na minha garganta e o pavor tomou conta de mim.
- Não aja como se você não quisesse isso, você estava louca para se livrar dele – eu senti aquelas palavras me atingirem profundamente por dentro, a culpa me angustiando. – Eu quero saber exatamente o que o te falou sobre nós – ele exigiu, com o rosto a centímetros do meu.
- Nada – eu disse, tentando passar a maior segurança naquilo possível, enquanto o medo me contorcia por dentro.
- Ah, certo, você acha que vou acreditar que ele não te falou nada? Vai ser pior pra você se eu cortar sua garganta – ele ameaçou, e eu não conseguia mais respirar.
- Ele não me falou nada, eu juro! – as lágrimas começaram a escorrer sem minha permissão.
- Vou perguntar só mais uma vez – sua voz fria ficava cada vez mais agressiva. – O que ele te contou sobre nós? O que você sabe sobre o julgamento de hoje?
- Julgamento? – eu perguntei, realmente confusa. – Eu não sei sobre o que você está falando.
- Certo, mocinha, acho que vai ser do jeito difícil então – mantendo seus olhos profundamente sombrios agora ele deslizou a lamina por sobre minha pele macia e suada, descendo por meus pescoço e eu quase me senti aliviada por um instante, quando ele desencostou a lâmina de minha pele, mas isso não durou, pois logo estava sentindo a lâmina gelada em minhas costas, por debaixo da minha blusa. Meu coração batia tão rápido e forte com o pavor que eu podia o ouvir claramente. – O que você sabe?
Sem esperar minha resposta, ele colocou pressão na faca e eu gritei com a dor daquilo rasgando a minha pele.
- Já disse que não sei nada! – eu gritei com os olhos fechados, desejando que aquela dor parasse.
Quando abri os olhos novamente, notei que a mulher magrela estava encostada contra a parede oposta, nos observando. Qual é o problema dessas pessoas? Por que ninguém me ajuda, por que eles parecem praticamente se divertir com isso?
Senti o sangue quente escorrer por minhas costas.
- Achei que você não a machucaria – a mulher sussurrou.
Obrigada, senhor, por olhar por mim, pelo menos essa rápida olhadela.
- Mudei os planos – ele deu um sorriso malévolo, e eu sabia que a cor havia sumido de meu rosto, enquanto ele voltava a descansar a lâmina em meu pescoço.
Olhei para a mulher magrela, esperando algum protesto dela, mas eu podia ver a sombra de um sorriso em seu rosto enquanto ele voltava a deslizar a lâmina por cima de minha pele, parando em minha bochecha.
- Que tal uma plástica? – ele perguntou ainda sorrindo. Eu pressionei minha cabeça contra a parede, começando a sentir tudo girar pela minha respiração falha demais para me sustentar e parecia que meu estômago estava sendo exprimido. – Eu posso até fazer um desenho, se você quiser – ele deu uma risadinha. – Mas se você preferir, ainda pode falar sobre o que você sabe.
- Eu... eu não sei... de nada – disse em pausas, tremendo. – não me... contava... por mais... que eu... perguntasse – meu estômago reprimiu de forma violenta e o sangue em minhas costas continuava a me molhar.
- Acho que ela vai desmaiar – a mulher disse baixinho.
Senti a lâmina começar a cortar minha pele da bochecha, e então minha garganta queimou violentamente.
Meu corpo, antes parcialmente sustentado pelo motorista de feições rígidas, foi largado no ar. Instintivamente coloquei minhas mãos na frente do corpo, protegendo meu corpo da queda. A queimação aumentou e, sem que pudesse refrear, eu vomitei.
- Ela poderia ser usada como testemunha – o motorista disse. – Alguns machucados não vão fazer diferença, agora ela será apenas uma isca. Assim que o aparecer para pegá-la, nós damos um fim nele.
Eu congelei, e as lágrimas aumentaram. Mas meu cérebro funcionava a mil por hora agora, e tudo o que eu queria era poder sair dali. Não, eu não poderia deixar uma coisa daquelas acontecer. Agora eu estava com data marcada para morrer e, pior ainda, para causar a morte de .
E o pequeno ser dentro de mim não teria chance de conhecer esse mundo, se eu continuasse ali. Eu pensei em coisas que meu bebê estaria perdendo, e isso não era justo. Eu não deixaria ninguém machucar nem a , nem a nosso bebê. Eu tinha que sair dali.
Pelo que eu tinha reparado, o motorista não tinha uma arma em sua mão – sem contar a lâmina –, e a mulher também não. Ela, que antes estivera na parede próxima a escada, agora estava mais perto do motorista, e isso já me dava alguma vantagem. Quanto aos armários eu não tinha como saber, mas provavelmente eles não estariam com uma arma em mãos desnecessariamente.
Era minha chance. Era a única chance.
Com um movimento rápido, dei impulso e corri em direção as escadas. Mesmo que eu morresse, eu não iria deixar que isso acontecesse sem resistir. Eu alcancei os degraus, e foi quando o casal atrás de mim começou a gritar comigo. Dei um pequeno tropeço e minhas mãos arranhadas pela recente queda, foram cortadas pelo vidro do copo que eu havia quebrado antes. Um caco grande estava ao lado de minha mão direita, e eu o apanhei, pulando o degrau onde tinha minha suposta refeição e continuando rapidamente a subir a escada.
Ignorei todas as dores que circulavam meu corpo e virei assim que cheguei ao patamar da escada. Eu estava meio perdida, mas segui a direita pela cozinha, e encontrei à esquerda a sala, depois de um curto corredor. Eu não sabia onde os dois armários estavam, e também não estava interessada, contando que não estivessem em meu caminho. Finalmente alcancei a porta de madeira, e girei a maçaneta, puxando-a pra mim.
Estava trancada.
Eu me desesperei, mas procurei por outra saída em volta. O casal apareceu na porta do corredor na sala, e eu visualizei a janela na parede lateral. Corri e, me apoiando na mão esquerda um pouco machucada, pulei o sofá que estava em meu caminho, e pulei para a janela. Uma mão atrás de mim agarrou minha blusa, e meu reflexo foi virar minha mão com o caco de vidro para que ela me soltasse. Eu nunca devia ter feito isso.
Parei minha mão assim que percebi o que estava fazendo, mas já era tarde.
O grito dela ecoou por toda a casa, enquanto o motorista gritava junto pegando seu corpo no ar. Eu observei a cena sem assimilar, enquanto a garganta dela sangrava. Olhei para minha própria mão, coberta de sangue. Eu sentia que seu sangue havia espirrado em meu rosto, mas eu não conseguia assimilar direito.
O motorista olhou para mim com um ódio tão profundo e verdadeiro que foi o estalo para que eu lembrasse que ainda tinha que fugir. Agora, mais do que nunca.
Pulei para o lado de fora da casa, sentindo o horror e medo em meu corpo, mas forçando minhas pernas o mais rápido que eu podia. Era gramado, passei por um carro estacionado, mas que não era o mesmo em que tinham me seqüestrado, e um muro médio a minha frente. Com um grande impulso, pulei, mas não consegui alcançar a borda com força suficiente. Ouvi sons altos e grossos, e um frio percorreu minha espinha. Tiros.
Impulsionei com ainda mais força dessa vez, conseguindo alcançar a borda do muro com jeito o bastante para subir nele. Os tiros estavam ficando cada vez mais próximos, e com uma olhadela para lá antes de conseguir passar para o outro lado vi que o armário com rosto mais fino havia aparecido junto com o motorista coberto de sangue e com uma expressão assassina no rosto, todos armados, mas só o motorista estava atirando.
Corri pela calçada para o lado direito, e percebi que era um bairro residencial.
Estou ferrada, pensei. Mas se já consegui chegar aqui, vou continuar até o fim. Ninguém vai nos matar.
Afastei a imagem aterrorizante da mulher com aquele sangue escuro escorrendo do pescoço, e me concentrei em correr. Os tiros vinham atrás de mim novamente, e eu virei a esquina à esquerda. Tinha que haver uma loja, algum policial, qualquer coisa que pudesse me ajudar.
Antes de chegar à próxima esquina, sentindo os tiros me perseguindo novamente, atravessei para o outro lado da rua e virei à esquerda. Eu ainda estava sendo publicamente perseguida por tiros, e as únicas pessoas pelo caminho – duas, eu acho, do outro lado da rua – apenas se abaixaram. E o que eu estava esperando, que alguém viesse ser meu escudo?
Mas naquela esquina adiante, havia um posto de gasolina. Eu senti uma pontinha de esperança assim que passei pela por ali, e continuei a correr, para a loja de conveniências.
As dores em meu corpo já estavam quase insuportáveis, mas eu não parei até invadir a loja e atacar o primeiro telefone público que vi pela frente. Disquei o apressada o numero de – a cobrar – e ele atendeu no segundo toque.
Cinco segundos e os tiros estavam perto novamente, enquanto os funcionários lá fora e as pessoas no carro que estava abastecendo gritavam e se abaixavam.
- Onde estamos? – gritei para o cara que havia sumido atrás do caixa.
- A direita da Kingsland Road – ele respondeu com um ganido.
- Oi – a voz de atendeu apressada após a mensagem de cobrança estar acabando com meu tempo.
- ! – eu exclamei ao ouvir aquela voz. – Eu estou à direita da Kingsland Road, eles estão tentando atirar em mim, me ajuda! Eu sou uma armadilha para o , não o avise.
- Estou indo – ele respondeu alerta.
- Rápido! Vou tentar sair desse posto – e desliguei, pois os sequestradores já estavam quase na loja.
- Tem uma saída pelos fundos – o cara ainda escondido atrás do balcão avisou. – Vire à esquerda. As chaves! – ele finalmente apareceu atrás do balcão e jogou um molho de chaves para mim.
- Obrigada! – eu peguei as chaves no ar e corri para os fundos, seguindo o caminho que ele havia me dito.
Cheguei a um portão alto de grades, e com um cadeado. Havia pelo menos dez chaves naquele molho, e eu comecei a testá-las. Uma não, duas, três...
O barulho da porta pela qual eu havia acabado de passar se chocando contra a parede foi acompanhado pelo estalo do cadeado em minhas mãos sendo destrancado pela minha quarta chave. Abri e fechei o porão, passando o cadeado nele novamente e o trancando.
- FILHA DA PUTA! – pude ouvir o furioso motorista xingando ao se deparar com o portão. – O que está esperando? ATIRE!
Apressei-me mais ainda enquanto os tiros recomeçavam atrás de mim. Infiltrei-me por várias ruas, e minha velocidade diminuía pouco a pouco conforme o tempo passava, meu corpo começando a ceder.
Mas a visão a minha frente era a melhor que eu poderia desejar: o carro prateado de . Eu teria desmaiado ali mesmo de alivio, se não fosse por uma bala passar tão perto de mim. De relance olhei para trás, e vi que o motorista estava a frente, seu capanga com dificuldade para alcançá-lo.
- Entra! – abriu a porta para mim, e eu me joguei no banco do passageiro. Fechei a porta e o olhei agradecida. – Se abaixa! – ele alertou e em seguida um tiro acertou a lataria do carro.
Eu me abaixei no banco enquanto ele virava bruscamente o carro, dirigindo na direção contraria, ágil em se afastar dos bandidos.
Eu voltei a chorar, mas agora era de pura felicidade. Eu estava livre.
- Obrigada – sussurrei em um agradecimento sincero, com dificuldade, o ar me faltando depois de tanta corrida.
- Você está cheia de sangue! – ele disse desesperado.
- Sério? Nem tô sentindo mais nada – eu me encostei contra o banco do passageiro. O corte em minhas costas doeu um pouco, mas eu nem me importei. Aquele banco era a coisa mais confortável do mundo, eu poderia dormir ali para sempre.
- Estou falando sério, – ele me censurou. – Você está muito ferida?
- Não, – eu deixei que meus olhos fechassem, sorrindo levemente. – Nós vamos ficar bem.
Estávamos vivos. Eu e Little iríamos ficar bem, isso era tudo o que importava.
- Nós? – perguntou depois de alguns segundos. Eu podia sentir seu olhar sobre mim.
- Posso descansar um pouco? Nunca corri tanto – eu pedi, ignorando sua pergunta.
- Você está correndo desde que me ligou? – ele perguntou incrédulo.
- Se eu tivesse ficado parada teria levado um tiro. Aliás, quando você me ensinou a atirar, disse que eu nunca seria mais rápida que uma bala. Bom, eu realmente não sou, mas consegui escapar viva delas. – Eu deixei o sorriso aumentar ligeiramente em meu rosto. – , você pode ligar para o ?
- Claro – ele respondeu.
discou e me passou o celular. Ao primeiro toque, atendeu.
- Fala dude – ele atendeu em uma voz desanimada.
Eu senti uma pontada ao perceber a tristeza dele.
- Oi amor – eu disse sem conseguir controlar a emoção. – Estava com saudade da sua voz.
- ?! – sua voz perguntou confusa. Ele demorou mais um segundo para continuar. – Esse é o celular do . Aí Meu Deus, eles o pegaram também? Você está bem?
- Calma – eu o tranqüilizei. – Agora está tudo bem. Estou com no carro, estamos voltando.
- O que aconteceu, eles te libertaram? – sua voz parecia ter ganhado vida novamente, e eu me senti feliz por isso.
- Não, eu escapei.
- Você ficou maluca? Como conseguiu isso?
- Eles iam me usar para te matar, eu não podia deixar isso acontecer - como um baque, a imagem da mulher sangrando voltou a minha mente, e eu enrijeci no banco, arregalando os olhos. – Ai, Meu Deus – eu choraminguei.
- O que foi, você está ferida? – se desesperou do outra lado da linha.
- Não, eu estou bem – minha voz era quase um sussurro. – , eu fiz uma coisa horrível, mas eu juro que foi sem querer.
- Não tem problema, querida. O que foi? – ele arfou.
- Eu... – eu mal conseguia dizer as palavras. – Eles iam me matar, eu tinha que sair, e ela me segurou. Foi por reflexo, eu só... só queria que ela me soltasse – minha visão não estava mais na estrada a nossa frente, mas sim de volta àquela cena.
- ? – me chamou do outro lado.
- Eu tinha um pedaço de vidro na mão – levantei minha mão direita, e só então percebi que ainda segurava o caco de vidro ensangüentado. Larguei com um gritinho agudo.
tirou o celular da minha mão, e eu me encolhi no banco, encarando o pedaço de vidro no chão do carro.
- Dude, pega as coisas dela na escola, eu vou levá-la direto ao aeroporto – disse.
Eu demorei algum tempo para assimilar o que ele havia dito para . Pegar minhas coisas? De que diabos ele estava falando?
- Pra onde... pra onde nós vamos? – eu perguntei sentindo um nó na garganta.
- Você vai voltar pro Brasil – ele disse. – Não, isso seria burrice – ele se repreendeu. – Você vai para outro lugar, qualquer um, contanto que esteja fora do alcance daqueles caras.
- E o ? – eu perguntei, com medo da resposta.
- Pergunte a ele – ele disse, seu olhar duro.
Eu me encolhi mais ainda no banco, finalmente sentindo todas as dores de minha feridas ganharem de minha resistência. Encarei novamente o caco de vidro ensangüentado, instintivamente colocando a mão sobre minha barriga.
não nos abandonará, eu mentalizei para Little . Ele nunca faria isso.
Eu não sabia mais se eu estava tentando convencer Little ou a mim mesma.
Nós já estávamos no centro de Londres, e ao olhar mais uma vez o machucado em minhas mãos decidi que tinha que fazer o que fosse preciso para permanecer em Londres, pelo menos até ter certeza de que iria comigo aonde fosse.
- – eu sussurrei. Ele me olhou de lado. – Acho que preciso ir para um hospital.
- Uau, você acha? – ele ironizou.
- É sério . Mesmo que nós fossemos direto para o aeroporto, não me deixariam embarcar nesse estado deprimente.
- Certo – ele concordou e tentei esconder o pequeno sorriso que queria se formar em meu rosto.
Ele desviou o caminho que seguíamos e me passou o celular que já estava discando para .
- Oi – ele respondeu depois do terceiro toque.
- , nós estamos indo para um hospital – eu avisei.
- Hospital? Você não tinha dito que estava bem? – eu estremeci com sua preocupação.
- São só uns cortinhos – eu tentei o amenizar.
pegou o celular de minha mão. Essa era a nova mania dele? Então por que ele me dava o celular, por que não falava de uma vez?
- Eu não sei se todo o sangue na roupa é só dela, mas, bom, é melhor garantir que ela fique bem – escutou, e depois me perguntou. – Onde está seu passaporte?
- Na casa da Lauren – eu disse. Eu não podia mentir, afinal, se ele já havia verificado na escola, era o único outro lugar em que poderia estar.
- Na casa da Lauren – repetiu para o celular, e então disse a qual hospital estávamos indo.
A recepcionista arregalou os olhos ao me ver. Bom, ela e todas as pessoas pelas quais havíamos passado. Dessa vez eu não podia culpá-los: minha aparência com certeza estava perturbador. Eu não tomava banho há quase uma semana, meus cabelos normalmente lisos estavam grudados e oleosos – e isso coçava horrores – e, não só meu uniforme de líder de torcida estava imundo e ensaguentado, como também as partes descobertas do resto de meu corpo.
- Podem se sentar ali – a recepcionista disse se recuperando e apontou os bancos próximos onde havia algumas pessoas. – E podem preencher essa ficha enquanto aguardam? Vou tentar conseguir um médico o mais rápido possível.
Eu assenti com a cabeça e pegou a ficha que ela estendia, preenchendo-a assim que sentamos, enquanto eu ditava as respostas.
- Sintomas? – ele perguntou, achando graça.
- Fala que meu cérebro tá escorrendo – murmurei emburrada.
- Sério, fala logo – ele disse tentando não rir.
- Eu não sei quantos machucados eu tenho – disse brava. – Só sei que minhas costas e minha mão direita estão doendo pra caralho.
- Deixa eu ver – ele pediu. Eu tentei impedi-lo, mas, bom, eu não estou com grande resistência no momento. – Puta que pariu – ele xingou um pouco mais alto do que o aconselhável ao levantar minha blusa na parte de trás, atraindo olhares reprovadores. – Como você não avisou isso antes? Vem – ele me puxou de volta ao balcão, resmungando por que eu havia dito que estava tudo bem.
Para meu desgosto, ele mostrou minhas costas para a recepcionista, que pegou a ficha e pediu para um dos enfermeiros me levarem até um consultório. ficou para trás, para esperar por .
O médico me analisou e pediu ao mesmo enfermeiro trazer algumas coisas para ele. Eu teria que levar pontos.
Eu gelei ao ouvir isso. Claro, depois de tudo que já tinha me acontecido nesse dia, isso não deveria me incomodar. Mas se já ardia enquanto ele limpava o corte em meu rosto – que graças a Deus ele declarou não ser profundo –, imagina quando ele estivesse esterilizando e passando uma agulha por minhas costas?
O enfermeiro voltou, e entregou uma bandeja com o que o médico havia lhe pedido.
- Vai doer? – perguntei inutilmente.
- Vou aplicar uma anestesia local – ele deu um sorrisinho tentando ser simpático e me acalmar.
Eu fiz uma careta. A agulha que ele pegou não era muito pequena, mas antes com aquilo do que sem.
Eles me deram uma roupa com abertura atrás, para eu trocar no banheiro. Fiz alguns exames básicos e voltei para lá segurando a parte de trás. Só o que me faltava agora era sair andando com a bunda aparecendo. Lindo. Eles tinham até me oferecido uma cadeira de rodas, mas eu quase ri na cara deles. Eu havia corrido tanto, andar alguns metros agora não faria diferença.
O médico observou os exames com a cara de paisagem que os médicos sempre fazem.
Ele se levantou e me mandou deitar, descobrindo minha barriga e colocando o estetoscópio sobre ela. Eu fiquei apreensiva, eu poderia chorar.
- Parece que está tudo bem, mas é melhor conferirmos – e então ele me encaminhou para outra, onde eu tive que deixar minha barriga aparecendo, o que, devido à roupa, significava também minha calcinha.
Ele passou um gel gelado sobre minha barriga, o que me arrepiou, e então passou um aparelinho por ali ligado a um monitor. Meu coração disparou ao ver as formas confusas no monitor.
- Doutor – eu chamei confusa e apreensiva, a voz chorosa. – Tem alguma coisa errada? – Ele mexeu mais um pouco e meus olhos já ardiam demais pra que eu continuasse naquela expectativa. – Doutor?
- Não, seu filho está ótimo – ele disse, finalmente, sorrindo. – E o corte nas suas costas é profundo, mas não acertou nenhum órgão vital – ele pegou minha ficha, e deu mais uma lida rápida nela. – Aqui não diz há quanto tempo você está grávida, mas presumo que já sejam quase dois meses, certo?
Eu demorei algum tempo para assimilar, vasculhando minha memória e ao mesmo tempo extremamente aliviada pelo que tinha ouvido. Little estava bem, era como poder respirar novamente, como se nunca tivesse respirado de verdade.
- Senhorita? – o médico me despertou.
- Ah, sim, dois meses – eu balbuciei.
- Ok. Vamos fechar esse ferimento agora, venha.
- Doutor, dá pra saber o sexo do meu bebê? – eu perguntei esperançosa e emocionada encarando o monitor.
- Ainda não, querida, daqui mais algumas semanas você vai poder.
Eu sorri para o monitor até que ele não mostrasse mais nada e mais uma vez nós trocamos de sala, onde dessa vez ele me mandou deitar de bruços e abriu meu avental.
- Certo então. Vamos começar pelas suas costas, depois sua mão – ele avisou e se aproximou de mim, com o enfermeiro a alguns passos dele.
Olhei para a parede branca a minha frente, e gritei de dor ao sentir o algodão encostar na fenda nas minhas costas. Aquilo ardia como o inferno.
- ! – ouvi a voz de .
Meu coração latejou contra a maca, e um sorriso se instalou em meu rosto, sem que eu pudesse controlar.
- – eu virei minha cabeça, e pude vê-lo chegando perto.
Meus olhos marejaram ao encontrar os seus, que me analisavam preocupados. Eu queria poder pular daquela maca, agarrá-lo, gritar de felicidade, mas me limitei a estender minha mão esquerda para ele. Ele a segurou com cuidado e carinhosamente. Eu suspirei ao sentir sua mão quente na minha, e minha vontade de chorar aumentou ainda mais quando seus olhos finalmente se focaram nos meus.
Eu soube que não havia lhe contado nada, para meu alívio.
A dor em minhas costas diminuiu um pouco, e eu apertei forte a mão de ao sentir a agulha penetra em minha pele, assim como o líquido se espalhando. Aquilo formigou durante pouco mais de um minuto, e então a dor cessou.
- Eu sinto muito – falou, seus olhos de um tom mais claro do que de costume e avermelhados na parte que deveria estar branca. – Eu nunca devia ter permitido tudo isso. Eu devia ter te deixado segura. Eu nunca deveria ter chegado perto de você. Olha só o que te aconteceu! Eu sinto tanto...
Capítulo 24
I Belong To You
‘Especial duplo: ’s POV - Primeira parte’
Eu me sentia um lixo. Eu era a pior pessoa desse mundo, a mais idiota, inútil e egoísta. Como eu podia ter deixado aquilo acontecer com a minha pequena? Ela era tudo pra mim, e ela podia ter morrido. Eu devia ter me afastado dela quando tive chance. Eu nunca deveria nem ter me aproximado dela. Mas eu fui egoísta, e pensei demais em mim mesmo, no quanto eu sofreria longe dela. Eu fui um inútil, pois nada tinha conseguido fazer para salvá-la. E eu era burro, porque não tinha prestado atenção no que estava acontecendo, eu subestimei os bandidos.
Mas maldades desses níveis eram coisas que não entravam na minha cabeça. Eu já havia presenciado algumas das piores coisas desse mundo, mas isso não… entrava na minha cabeça.
Por isso me chamava de inocente, por que eu não enxergava as coisas ruins do mundo. Mas não era tão inocente e burro como eu, e havia visto isso chegando. Ele tentou me ajudar de todas as formas possíveis e, mesmo assim, chegamos a esse ponto.
Uma felicidade imensa estava dentro de mim por tê-la a salvo e tão perto de mim novamente. Eu rezei tanto para poder ver seu rosto novamente, rezei tanto para que ela ficasse bem. E agora ela estava ali, com seus olhos nos meus, um sorriso doce e sincero no rosto. Mas eu não conseguia deixar minha felicidade transparecer, pois a culpa me massacrava. Minha pequena estava em um estado deprimente, machucada e maltratada. Mas mesmo com toda a sujeira e sangue, seu rosto ainda era o mais belo que eu já havia visto.
- Eu… realmente sinto muito – repeti.
- , pare com isso – ela me pediu. Sua voz soou fraca, mas era como música para meus ouvidos. – Não é sua culpa. E, pelo menos para mim, nunca foi uma escolha ficar longe de você. Eu estou bem agora, não tem o que se preocupar.
Eu balancei a cabeça negativamente, achando graça naquilo.
- , é minha culpa, e nós dois sabemos disso – eu a observei sério. – E você não estaria assim se não fosse…
- Já falei pra parar com isso – ela franziu as sobrancelhas, brava. – Eu sabia onde estava me metendo, e eles terem me pego com tanta felicidade foi culpa do viado do Jack. Eu estou bem, você não pode simplesmente ficar feliz por isso?
- É claro que eu estou feliz por isso – eu me aproximei um pouco mais, ainda agachado, para que pudéssemos nos encarar.
- Como eles estão indo aí em cima? – ela perguntou, mordendo o lábio inferior.
Eu me levantei e analisei novamente a fenda em suas costas. Pelo menos ali estava limpo agora, e eles já tinham costurado metade do rasgo.
- Está tudo bem – eu dei um sorrisinho, tentando a aliviar.
Ela devolveu meu sorriso com facilidade.
- Viu, eu disse que estava tudo bem.
Eu dei um risada nasalada.
- Eu te amo – eu acariciei sua mão.
- Te amo – ela respondeu me encarando daquela maneira profunda, única dela, e que parecia enxergar minha alma.
Eu continuei ali, apertando sua mão cada vez que ela fazia uma careta, até que o médico terminou suas costas e partiu para seu ombro.
Ele tirou um curativo sujo que estava ali, e eu vi o ferimento que a bala tinha feito, me embrulhando o estômago.
- Você teve sorte disso não infeccionar – o médico disse.
O tiro havia pego de raspão nela, mas ainda assim era minha culpa. Eu devia ter recebido aquele tiro, não ela.
O médico terminou com seu braço e foi para sua mão direita. A angustia e culpa voltaram a me esmagar assim que vi o estrago.
- O corte está bem profundo – o médico disse, como se alguém tivesse sido capaz de não notar isso ainda. – Mas vou fazer o possível para evitar seqüelas. São estilhaços de vidro aqui? – ele perguntou a .
- São – ela confirmou, seus olhos doces tomando uma dor que eu nunca havia visto antes em seu rosto, e desejava que nunca chegassem a passar ali.
Meu olhar refletia a dor dela, eu podia sentir tão intensamente quanto se fosse a minha própria. Ela apertou minha mão fazendo outra careta enquanto o doutor lhe aplicada outra injeção local.
- , talvez ela não tenha... Talvez eles tenham socorrido ela – eu argumentei com a voz falha.
- Não, – ela engoliu em seco. – A garganta dela… era sangue demais…
- Não se preocupe, meu amor – tudo o que eu queria era tirar aquela escuridão de seu olhar… de sua alma –, nós vamos superar isso, eu prometo.
Ela abriu a boca, e voltou a fechá-la. Eu sabia que tinha algo mais que ela queria me contar, que ela precisava… mas que não iria. E eu não queria forçá-la, eu tinha meus próprios segredos.
- , eles perguntaram algo sobre um julgamento. Do que eles estavam falando? – suas sobrancelhas franziram, e ela me encarou, esperando um resposta.
Eu suspirei. Eu sabia que agora eu teria que lidar com isso, teria que contá-la. Era o mínimo que eu podia fazer, depois de tudo o que ela havia passado. Mas eu não podia contar tudo, pois isso ainda era perigoso para ela.
- O julgamento sobre a morte do meu pai – eu disse, empurrando mentalmente as paredes que nos separavam, me esforçando para me abrir até onde podia. – É por isso que eles ainda estão atrás de mim. – Eu me calei e a observei.
- Você não vai me falar o resto, não é? – era uma afirmação, não uma pergunta. Ela bufou. – Legal – ela ironizou.
- Você sabe que é melhor você não saber – dei um sorriso triste.
- Eu não abri minha boca mesmo até agora, mesmo quando… - Ela se calou, e então completou apressada: – Eu tenho direito de saber.
- Não – conclui firmemente.
Havia algo além da proteção que eu estava dando ela ao negar. Eu não queria que ela soubesse. Eu ainda não estava pronto para compartilhar minha dor, e não queria que ela visse essa dor em mim. Ela já tinha coisas demais pesando nela agora, contar tudo a ela não a faria mais feliz.
- ? – ela me chamou insegura, e eu murmurei “hum” para que ela continuasse, segurando mais forte sua mão. – Você acha que eles realmente… mataram o Jack?
Ela fechou os olhos, e uma lágrimas escorreu de cada olho dela. Aquilo era torturante de se ver.
Mas eu não podia mentir para ela, mesmo com seus olhos avermelhados, e eu notei que estavam inchados.
- Foi o que eles me disseram – eu disse com um caroço na minha garganta. – Mas nós não temos culpa disso. Na verdade eu não entendi muito bem por que eles o fizeram. Acho que só pra se livrar de mais uma testemunha.
- Eu acho que foi minha culpa – ela disse triste. – Se eu não tivesse feito tanto escândalo, ele provavelmente estaria vivo.
- Você sabe que isso não é verdade. Se eles iriam até matar você e eu, por que iriam deixar Jack vivo? Ele acabaria desse modo de qualquer jeito. Ele procurou por confusão. Se eles não tivessem seqüestrado vocês, eu mesmo o mataria – eu disse sem pensar, e ela arregalou os olhos por um momento, mas suspirou e os fechou em seguida.
- É, talvez você esteja certo – ela murmurou. – Doutor?
- Sim? – ele respondeu, dando o último ponto na palma dela.
- É normal pessoas no meu estado terem cólica?
- É sim – ele respondeu, e eu me senti meio por fora. – Assim que terminarmos de limpar seus machucados você poderá descansar.
- Certo – ela concordou parecendo feliz com a ideia de poder dormir.
- Como ela tá? – uma garota de cabelos curtos me sobressaltou assim que apareci na sala de espera.
Soltei o ar pesadamente. “Ela tá bem, .”
- Eu posso ver ela? – seus olhos estavam aflitos.
- Mais tarde – eu me sentei ao lado de . – Agora ela tá descansando.
Triste, ela se largou na cadeira do outro lado de , apoiando a cabeça nas mãos e os cotovelos na perna.
- Eu liguei para os pais da Lauren, eles estão vindo – informou.
Eu fiz uma careta.
- Valeu por ter falado com eles – eu agradeci encarando a parede a minha frente. – Eu não teria conseguido manter contato com eles. Não teria estômago.
- Foi meio difícil convencê-los a não falar com a polícia quando tive que contar – sua voz estava controlada. Ele passou um dos braços pelos ombros de . – Quero ver agora, quando disser que vão deixar o país.
Enterrei meu rosto nas mãos. “Nem me fala, dude. Não quero nem pensar nela em algum lugar estranho, sozinha.”
- Eu já liguei pra e pra e avisei sobre a , elas vão avisar o e o .
- Obrigado – murmurei entre minhas mãos.
- , você devia pensar melhor sobre isso – disse, ignorando o que tinha dito. – Você não devia deixá-la ir sozinha.
- Mas e se eles me rastrearem e forem atrás de mim? Eu não posso mais deixá-la correr esses riscos – eu levantei minha cabeça e a encostei contra a parede atrás de mim.
- Você não está pensando direito – continuou tentando me persuadir. – Pelo que ela me contou, a mulher que ela matou – eu estremeci e prendi o ar, sentindo dor ao ouvir aquilo – só pode ser a tal irmã dele. A descrição bate.
- Ela só acertou a mulher, não quer dizer que tenha matado – protestei.
- Matou? Ai, meu Deus, o que aconteceu? – cutucou desesperada.
- Depois eu te conto, amor – ele deu um beijo no topo da cabeça dela e acariciou seus cabelos.
Aquilo me deu uma saudade tão desesperada de que eu teria levantado e voltado imediatamente para o quarto dela se ela não tivesse tanto que descansar.
- Como eu estava dizendo – continuou –, você não está assimilando o que ela fez. Morta ou não, é a irmã dele, e o cara tava realmente furioso, eu o vi quando a busquei. Agora ela está tão na mira quanto você.
- E o que você espera que eu faça? – eu estava começando a sentir aquele desespero novamente, o mesmo que tinha tomado conta de mim a semana inteira, mas por enquanto era só uma fagulha em comparação.
- Que não a abandone – me encarou sério. – Ela precisa de você mais do que nunca, ela está totalmente frágil, e você está querendo mandá-la para qualquer outro país sozinha e desprotegida? Eu espero que isso seja porque você não está pensando direito, e não para fugir das responsabilidades.
Eu franzi a testa, me sentindo ofendido com suas palavras. “Eu não estou fugindo de nada, eu nunca a abandonaria.”
- Ótimo, é a hora de você provar então – disse sério.
- Tem alguma idéia pra onde podemos ir? – perguntei voltando a encarar a parede a minha frente, refletindo sobre o que havia me dito.
Eu realmente estava sendo covarde e irracional ao pensar em deixá-la ir sozinha. Como eu poderia abandoná-la tão frágil e abalada como estava? Como eu pude pensar em deixá-la? Eu iria me afastar dela para protegê-la, mas agora era realmente tarde demais para isso.
Apesar de tudo o que estava acontecendo, eu sentia como se uma pequena chama de felicidade se acendesse dentro de mim novamente. Nós ficaríamos juntos. E mesmo que eu nunca pudesse me redimir por tê-la feito passar por tantos horrores, eu estaria lá para cuidar da minha pequena, protegê-la e fazê-la o feliz até além do que eu fosse capaz.
- Dude, você tá me escutando? – me cutucou, despertando-me de meus pensamentos.
- Agora tô – respondi dando um sorriso curto de lado. Ele revirou os olhos. – Cadê a ? – perguntei dando falta dela.
- Foi comprar alguma coisa pra gente comer – ele respondeu mexendo no celular. – Como eu estava dizendo, acho que o Canadá é uma boa opção. Eles falam inglês, é em outro continente e provavelmente não te procurarão em uma cidade de lá que não seja muito grande.
- É uma boa idéia, mas ainda podem simplesmente dar um jeito de descobrir para onde fomos. Fora que o passaporte para lá não deve sair tão rápido quanto precisamos.
- Já pensei nisso também enquanto você estava me ignorando. Vocês vão para os Estados Unidos, já que o visto pra lá sai bem rápido e mesmo ela sendo brasileira também vai conseguir, enquanto daqui eu tento achar alguém de lá que falsifique documentos.
- Se nós formos para Nova York eu mesmo consigo – eu espiei as mãos deles que mexiam freneticamente no teclado do celular. – O que você tá fazendo?
- A não para de me mandar mensagens perguntando sobre a – ele bufou. – Não sei por que não pergunta a .
- Pergunte isso pra ela – eu me recostei no banco e deixei minha cabeça pesar contra a parede atrás de mim.
ficou em silêncio alguns minutos, e quando sua voz ressurgiu foi com um tom estranhamente agudo para sua voz geralmente grossa.
- O celular da tá desligado – ele estava com os olhos arregalados e parecia perdido como eu nunca tinha visto antes. Eu me sentei rígido e tenso. – Estava ligado antes, nós nos falamos antes de ela chegar aqui – ele me olhava alarmado. – E agora está desligado.
- Calma, – eu sabia que era inútil tentar acalmá-lo, pois eu mesmo estava sentindo a sensação de pavor me atacar novamente. – Talvez não tenha acontecido nada…
- Eu vou procurar ela – ele se levantou e saiu da sala antes que eu pudesse pensar em alguma coisa para dizer.
Mas se tivesse acontecido alguma coisa com , queria dizer que eles saberiam onde e eu estaríamos. Me levantei e passei a mão pelo cano gelado embaixo da minha blusa e jaqueta de couro preta para checar se continuava ali. Fui para o quarto de a passos largos, abrindo a porta com o coração quase rasgando meu peito com tanto medo que eu sentia. O alivio de vê-la deitada ali, as mãos brincando com a borda do lençol mostrando ansiedade, deixaram minhas pernas até bambas de tanto alívio.
Seu rosto branco formava um lindo contraste de seus cabelos molhados e seus olhos escuros. E, Deus, como eu tinha sentido falta daqueles olhos que agora me encaravam com brilho. Eu sorri, pois sabia que o brilho em seus olhos era somente meu. Eu sabia disso, pois, quando ela estava distraída ou não tinha me visto, ele não estava lá; mas ela me via e eles surgiam, e isso sempre fazia meu dia valer à pena.
- Você deveria estar descansando – eu fechei a porta atrás de mim e me aproximei da maca.
Era tão bom vê-la limpa novamente, sem todo aquele sangue e sujeira em seu rosto e ferimentos. E seu cheiro. Eu podia senti-lo agora que estava perto o bastante. Parecia que não importava qual sabonete ela usasse ou se estivesse usando perfume, o cheiro de sua pele ainda era único enquanto eu beijava as costas de sua mão e a acariciava.
- Não consigo dormir – ela disse parecendo tristemente tranquila.
- Os pais da Lauren já estão vindo – puxei a cadeira ao lado da maca para mais perto e sentei nela.
Ela arregalou os olhos. “Meu Deus, o que você disse a eles? E minha mãe?”
- Calma pequena – eu sorri tentando acalmá-la e arrumei alguns fios rebeldes de sua franja para o lado. – O falou com eles no mesmo dia do jogo. Mas eles não sabem a real causa… acham que foi por dinheiro. Eric convenceu Rachel de que se falassem com sua mãe ela iria chamar a polícia, e eles sabiam que não podiam fazer isso.
- Coitada da Rachel, deve ter surtado – eu assenti com a cabeça. Ela fez uma pausa antes de continuar. – E você, pretende ir a polícia agora?
- Só quero sair do país por enquanto, e se eu for a polícia, vou ter que ficar preso aqui para declarações, julgamentos e a coisa toda de novo. Eu não agüentaria passar por isso de novo, ainda mais te deixando vulnerável.
- O que você… - ela me olhava apreensiva e mordeu o lábio inferior. – O que você disse no julgamento?
Soltei o ar pesadamente.
- Eu não quero falar sobre isso. Só o que posso dizer é que fiz o que eles pediram.
- Então eles vão ficar livres? – ela se mexeu tentando se sentar, e então puxou o ar com uma careta de dor, voltando a se deitar e me olhou intensamente. – Por que você fez isso, ? Eles mataram seu pai e vão sair impunes? Era seu pai, , você não precisava ter feito isso.
Eu acariciei a lateral esquerda de seu rosto, o lado oposto do que tinha um pequeno corte. “É claro que eu precisava. Não importa se ele era meu pai, tudo o que me importa é a sua segurança. Eu não podia arriscar.” Seus olhos começaram a se molhar. “Achei que já tivesse deixado claro que eu te amo acima de qualquer coisa, e que você é tudo o que me importa.”
- Oh, – ela piscou e uma lágrima escorreu de seu rosto, mas eu fiquei feliz por ela estar sorrindo ao mesmo tempo. Ela tentou se sentar novamente que eu suspeitava com a intenção de me abraçar, e dessa vez um grito de dor escapou por seus lábios.
- Hey, pequena – eu a fiz deitar rapidamente de novo. – Pare de ficar tentado se mexer tanto. O que está doendo? Quer que eu chame o médico?
- Não, não – ela negou juntamente com a cabeça. – É só o corte em minhas costas, mas é que eu estou tentando me sentar de mau jeito. Droga, quando eu estava correndo não doía tanto – seus lábios formaram um pequeno biquinho junto com sua expressão emburrada.
Era incrível como às vezes ela ficava chateada com pequenas coisas, da mesma forma que ficava feliz com outras. Mas eu preferia que ela se distraísse com essas pequenas coisas agora do que ficasse se lembrando de coisas piores.
- Obrigada por trazer minhas coisas – ela voltou a sorrir docemente, e eu senti meu coração pulsar com força novamente dentro de mim com a visão daquele sorriso. – Foi ótimo poder escovar meus dentes depois do banho. – Ela separou largamente os lábios para mostrar os dentes.
- Isso é algum tipo de insinuação? – eu me apoiei na maca com uma mão de cada lado de seu corpo, aproximando meu rosto. – Porque eu sinto que você está tentando me seduzir.
Ela riu e meu estômago revirou de uma forma que eu quase havia esquecido como era com sua respiração batendo em meu rosto. Com medo de machucá-la, encostei meus lábios nos dela com delicadeza, mas ela deixou claro que não queria delicadeza de minha parte assim que enfiou a língua na minha boca, me fazendo estremecer e que me faria sorrir se meus lábios não estivessem tão ocupados.
- Ela devia estar descansando – uma voz jovem feminina nos sobressaltou.
- Desculpe – murmurei passando a mão pela nuca, embaraçado, e voltando a me sentar na cadeira ao lado da maca.
- Eu estou bem – reclamou mexendo nervosamente no lençol de tecido ligeiramente duro que a cobria. – Quero ir pra casa, moça.
- Calma, você ainda está extremamente fraca – a enfermeira disse com um sorrisinho. – Fora que precisa ficar algum tempo em observação para termos certeza de que seu…
- Está bem! Está bem! – ela cortou a enfermeira de forma grosseira e com o tom de voz consideravelmente mais alto. – Eu fico aqui.
Eu não entendi exatamente por que havia ficado tão exaltada, mas provavelmente ela só estava ainda muito nervosa, então deixei passar sem questionar, apenas segurando firme em sua mão.
A enfermeira recompôs a cara assustada, voltando à feição gentil de antes.
- Sua família está aqui para vê-la – ela disse, um tanto acanhada agora. – Mas seu namorado terá que sair, não podem ficar tantas pessoas aqui – a enfermeira esperou um instante e então saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.
fez uma biquinho, me fazendo soltar uma risada nasalada.
- Fique calma, amor – murmurei arrumando novamente seu cabelo que começava a secar. – E não se preocupe, tenho certeza que vai ficar tudo bem. Vou aproveitar para procurar , mas prometo que volto logo, está bem?
- ? Ela está aqui? – ela indagou confusa. – Procurar por ela? Onde ela foi?
- Ela saiu para comprar alguma coisa para comermos e está demorando um pouquinho, só vou verificar.
Eu me levantei e curvei sobre ela para lhe dar um selinho, mas ela segurou firme minha mão quando tentei me afastar para sair do quarto. Ela não tinha engolido tão facilmente o que eu havia dito sobre , ainda estava alerta demais. Eu e minhas distrações, falando o que não devia.
- , não tente amenizar. O que aconteceu? – ela exigiu.
- Nada – insisti. Tudo o que ela menos precisava agora era de mais uma preocupação. – Só acho melhor verificar.
- Por que o não faz isso? – ela também insistiu. Ela sabia que eu estava mentindo, mas eu não iria de forma alguma preocupá-la com aquilo.
- Vou falar com ele. Não demoro, prometo. Assim que eles saírem daqui eu volto com a , está bem? Qualquer coisa é só me ligar, seu celular está no bolso da frente da malinha que te trouxe – dei-lhe outro selinho e soltei sua mão, me dirigindo para a porta.
- ? – me chamou quando eu já estava passando pela porta. Olhei para trás e meu coração pareceu partir ao meio ao vê-la tão frágil naquela maca. – Eu te amo – ela disse dando um sorriso de lado.
Eu mascarei como pude toda a dor dentro de mim e dei-lhe o melhor sorriso enviesado que pude. “Eu te amo” respondi, dando mais um passo e voltando minha cabeça para frente antes que ela notasse que meus olhos começavam a queimar com lágrimas querendo escapar.
- Pra sempre? – ela perguntou com a voz ligeiramente infantilizada, inocente.
- Pra sempre – lhe respondi sem me virar para ela, pois ao piscar duas lágrimas escorreram por meu rosto. Com mais um passo apenas puxei a porta atrás de mim, ainda sem me virar, e segui pelo corredor tentando conter o resto das lágrimas enquanto limpava as que tinham escorrido com as costas da mão.
Parei antes de entrar na sala de espera e me recompus o mais rápido que pude. Lá estava Rachel, que tinha os olhos injetados e estava claramente nervosa, Eric, que parecia estranhamente travado ao lado dela com uma expressão séria misturada com tristeza, Lauren rasgando de forma infantil e ao mesmo tempo violenta um copo de plástico e , sentada ali com a cabeça apoiada em uma das mãos, pacotes de papel pardo sobre as pernas cruzadas e uma expressão de tédio. Eu iria matar a assim que os outros deixassem a saleta, apesar de estar aliviado por ela estar bem.
Lauren foi a primeira a se pronunciar – leia-se: surtar assim que me vi.
- Onde está minha irmã?
- No segundo quarto à direita – eu respondi desviando o olhar dos pais dela, que agora me encaravam em expectativa.
- E como ela está? – Rachel perguntou apreensiva.
- Meio abalada e cansada, mas ela está bem, de certa forma – eu tentei amenizar o máximo que pude a situação dela.
Mas afinal, ela estava relativamente bem, não é? Ela não corria risco de vida nem nada assim, e isso era o que mais me importava, apesar de seus ferimentos e traumas.
- Vamos lá, querida – Eric guiou Rachel e Lauren pelo corredor, passando por mim com um olhar de reprovação.
É, acho que ele não gostava muito de mim, pelo menos não mais. Mas uma coisa eu tinha que admitir: aquela família amava . Ela era como Lauren a via, sua irmã, e isso estava claro.
Eu soltei o ar pesadamente, lamentando que tivesse que deixar pessoas que se importavam tanto com ela. E, falando em pessoas que se importam com a …
- , onde você estava? – eu disparei para ela, encarando-a bravo. – Alguém te machucou? Alguém…
- Nossa, calma aí – ela me cortou e levantou os pacotes que estavam em seu colo. – Fui comprar nossos lanches, assim como tinha dito. Acho que esse estresse todo tá mexendo com a sua mente, dude. Cadê o ?
- Foi atrás de você, já que seu celular estava dando com desligado – eu peguei meu celular no bolso e disquei o numero do . colocou os pacotes na cadeira do lado e começou a vasculhar os bolsos. – Dude…
- , acho que eles pegaram a – me cortou do outro lado da linha. – Me ligaram do celular dela e mandaram eu dizer onde a estava…
- Não, , a tá aqui – franzi a testa, confuso.
- Meu celular não tá comigo! – guinchou, vasculhando novamente os bolsos. - Minha mãe vai me matar! Ceus, tenho certeza de que estava no meu bolso de trás!
- A tá aí? Como assim? – perguntava do outro lado da linha. – Mas eles disseram que estavam com ela.
- Não, não, ela está aqui na minha frente. E está bem – informei, começando a andar de um lado para o outro na pequena saleta. – Você não disse onde estava, não é?
- É claro que não, mas foi difícil. Eles não paravam de falar que iam machucar ela, eu estava desesperado, mas continuei mentindo. Dude, agora eu tenho noção pelo que você passou. Eu juro que se eles tivessem encostado eu mataria o desgraçado com…
- , espera só um minuto– eu distanciei o celular um pouco para poder falar com . – Quando foi a última vez que viu seu celular? Não sentiu ninguém pegando ele nem nada?
- Eu mexi nele quando estava descendo a rampa antes da recepção, depois coloquei no bolso traseiro da calça. Não senti ninguém encostando em mim além de um cara grandão que esbarrou em mim na porta do hospital…
- , acho que eles estão aqui no hospital – eu senti o mesmo desespero que tinha tomado conta de mim durante toda a semana começar a retornar. – disse que um cara grande esbarrou nela na porta do hospital, e eu acho que pode ser um deles.
- Vou verificar. Vá pro quarto da e vigie. Se eles estiverem aqui vamos ter que sair imediatamente. E não tire os olhos da .
Desliguei e voltei a guardar o celular no bolso, peguei pelo pulso e a puxei, só dando tempo para que ela pegasse os pacotes em cima da cadeira enquanto levantava e a guiei pelo corredor até o quarto de . A porta estava encostada, e eu a empurrei levemente, tomando cuidado para que ninguém me visse. Para minha sorte, Rachel e Eric estavam de costas para a porta e, Lauren, do outro lado da maca, se concentrava em .
Após alguns segundos notou minha presença, mas eu coloquei o indicador sobre o lábio pedindo para que ela não me denunciasse. Ela desviou o olhara para Rachel por um instante e então voltou a mim, e eu juntei as mãos e coloquei na lateral da cabeça, a inclinando, tentando transmitir a mensagem certa para que ela fingisse sono.
Ela assentiu quase que imperceptivelmente, e eu voltei a encostar a porta cuidadosamente.
Em um minuto todos estavam saindo do quarto, todos, apesar de ainda preocupados, pareciam aliviados.
- Vocês deviam ir para casa – sugeri enquanto eles passavam. – Eu e ficaremos por aqui, não tem com o que se preocupar.
Mantive minha expressão o mais calma que consegui, tentando passar-lhes a tranqüilidade da qual eu não sentia nem mais um resquício.
- Eu não queria sair de perto dela… - Rachel disse insegura.
- Mas ela está dormindo agora – disse com um sorriso simpático e a voz de boa menina. Olhei significativamente para Lauren, pedindo que ela me desse alguma assistência. Ela devolveu meu olhar com curiosidade. – É melhor vocês irem para casa.
- Mãe, ele tem razão – Lauren se manifestou para minha alegria. – É melhor irmos agora que ela está dormindo, mais tarde voltamos.
Rachel soltou o ar pesadamente, derrotada.
- Vamos – Eric se pronunciou. Ele sequer me dirigiu um olhar o tempo todo, como se eu não fosse merecedor de tanto. Mas isso não era algo que me irritava ou preocupava no momento.
Esperei que eles sumissem no corredor para então entrar no quarto de com em minha cola.
- O que foi? – perguntou, totalmente alerta.
- Não é nada demais – eu amenizei, mas meu sorriso era inevitavelmente nervoso. – Só vamos ter que deixar o hospital mais cedo.
Fui até a mala dela, em uma mesa no pé de sua maca, e comecei a procurar por roupas neutras.
- E por quê? O que houve de errado? me ajuda aqui! – ela pediu e correu para seu lado lhe dando apoio para sentar.
- Não houve nada de errado – eu encarava a mala, evitando seu olhar e sua expressão de dor. – Só achamos mais seguro irmos para algum lugar menos previsível…
- , o que houve de errado? – ela perguntou, e eu prendi o ar.
- Na-nada – ótimo, ela gaguejou.
- , eu sei que você está mentindo – insistiu com a voz dura.
- Eles estão aqui. Desculpe, .
Eu pude ouvir sugando o ar com força para dentro dos pulmões, um aviso claro de que mais um de seus ataques estava se iniciando. Eu corri para ela, segurando as laterais de seu rosto.
- Hey, hey – os olhos dela estavam arregalados, o pavor claro neles. – Vai ficar tudo bem, mas você tem que manter-se calma, está bem? Eu não vou deixar nada acontecer com você, mas nós temos que sair daqui agora.
Algo lampejou em seus olhos como fogo, uma determinação tão forte que chegava a esconder a maior parte de seu medo. Ela assentiu silenciosamente com a cabeça, o corpo rígido, mas a respiração controlada.
- Consegue andar? – perguntei ajudando-a a descer da maca.
- É claro que consigo – ela respondeu como se eu a tivesse ofendido.
- Te amo – dei um selinho nela e dei algumas roupas para que ela vestisse.
Ela nem se deu o trabalho de ir ao banheiro, apenas se trocou ali mesmo com a ajuda de , consciente de que estávamos sem tempo. Fiquei extremamente aliviado de só adentrar o quarto quando já estava fechando o agasalho.
- Dude, vamos logo – disse. – A coisa tá feia.
Olhei para com urgência, temendo ter a visão de todo aquele pavor voltando aos seus olhos, mas em seu lugar a determinação e a coragem pareciam ainda mais fortes agora. Ela já se provara mais forte do que eu pensava e até mais do que eu, provavelmente.
Fechei a pequena mala de enquanto agarrava pelo pescoço, e eu podia ver em seu rosto que ele poderia chorar de alívio por tê-la em seus braços novamente.
- Eu te ajudo, pequena – com uma das mãos eu segurava a mala e passei o outro braço ao redor da cintura de , dando-a apoio. Dei-lhe um beijo na testa antes de começarmos a caminhar para sair do quarto.
Devagar, devido às caretas de dor que fazia a cada dois passos que dava – mas ela continuava a se recusar a me deixar pegar uma cadeira de rodas – atravessamos o corredor e a sala de visitas, passando agora pelo corredor central para chegar ao elevador.
- Como eles souberam tão rápido que estávamos aqui? – ela perguntou a .
- Eles não sabiam – ele disse após um momento.
- Então por que… - parou de andar por um momento, e eu a segurei mais forte, sentindo suas pernas vacilarem e vendo seus olhos se arregalarem. – Ela está viva? Foi por isso que eles não me perseguiram de carro, por que o outro cara grandão estava trazendo ela para o hospital? Ela está bem? !
Ele continuou calado, e eu puxei para que ela continuasse andando.
- , não pare de andar, temos que sair daqui rápido – eu insisti, e ela voltou a andar. – Tem certeza de que não quer uma cadeira de rodas? Eu te levaria no colo, mas suas costas estão machucadas…
- ! – ela exigiu, apesar de me ignorar continuando a andar. – Eu sei que você sabe, e eu preciso saber! Ela está bem?
tinha a expressão ilegível, mascarada, e isso me indicava tudo que eu precisava saber, e tudo que eu não queria que ela soubesse.
- , é sério, nós temos que sair daqui agora – eu disse, tentando apressá-la para distraí-la. – Depois nós conversamos sobre isso, agora temos que…
A expressão dela de repente era totalmente apavorada e ela tinha estacado no chão. Eu sabia que não era algo em que ela estivesse pensando ou deduzido, era algo para que ela olhava fixamente a nossa frente. Contra todos meus temores, eu olhei para frente, a apertando contra mim. Eu reconhecia aquele cara grande com a expressão fechada não do dia do assassinato do meu pai, mas dos dias que se seguiram desde então. Eu tinha certeza de tê-lo visto de relance na rua várias vezes e de que ele era um dos homens que havia jogado e Jack no carro no dia do sequestro. Ele levou uma das mãos para perto do feixe da calça, indicando o volume naquela parte. Instintivamente puxei para minhas costas, deixando que meu corpo a encobrisse. Eu a protegeria a qualquer custo, a qualquer preço.
Capítulo 25
Save You
‘Especial duplo: ’s POV - Segunda parte’
Larguei a mala e a chutei para o canto da parede, para que ficasse mais próxima de mim. Levei uma de minhas mãos ao cós de trás da calça, levantando levemente minha blusa para poder pegar a arma que ali descansava. Senti o corpo de estremecer e a apertei contra minhas costas com minha outra mão, tentando acalmá-la apesar de tudo.
Com o canto do olho eu pude ver que fazia o mesmo que eu, porém ele já tinha até destravado a própria arma e estava pronto para atirar a qualquer momento. estava apavorada atrás dele, sibilando algo como uma prece.
Eu tratei de destravar minha própria arma e respirei fundo em expectativa ao que viria a seguir.
- , você está bem? – sussurrou.
- Estou pronta – ela sussurrou em resposta, sua voz incrivelmente firme.
Eu sabia que aquele fogo de determinação devia estar de volta aos seus olhos, mas isso não me acalmava. Um estalo quase inaudível veio de trás de mim, e eu senti uma repentina raiva por .
- Você não fez isso – eu disse entre dentes.
- Cala boca e pensa em um jeito de sairmos daqui – ele sussurrou em resposta.
Ah, ele dá uma arma para a minha garota e ainda me manda calar a boca? Se eu realmente não tivesse que me concentrar em uma saída, eu o socaria.
- Acho que nossa única opção é recuar – sussurrei, tentando raciocinar.
assentiu silenciosa e quase imperceptivelmente. deu um pequeno passo para trás e a seguiu. Cuidadosamente eu e fizemos o mesmo.
Minha respiração saía em arfadas, entre as quais eu prendia o ar. Eu tinha a impressão de estar quase tremendo de medo, mas tinha que aguentar firmemente em expectativa. Continuamos andando para trás, cada vez com mais pressa. O homem no fim do corredor não fazia nada quanto a isso, apenas nos deixava seguir com um sorriso perverso. Ele não nos deixaria seguir tão livremente assim por nada, alguma coisa estava errada.
Mais dois passos e minha teoria da conspiração se confirmou.
- Vão a algum lugar?
Aquela voz gélida congelou cada célula de meu corpo, mas eu virei sem pensar duas vezes, a arma apontando para ele. Era preferível deixar minhas costas vulneráveis do que sem proteção. Ela respirou contra meu queixo, e eu sabia que ela estava apavorada, aquela maldita voz parecia lhe despertar o mesmo medo. O fato de ele a estar assustando agora e já a ter maltratado tanto começou a aumentar o ódio dentro de mim, camuflando o medo.
- Fica longe – rosnei entre dentes.
Aqueles olhos frios me encararam de maneira maldosa, obsessiva. Dei uma rápida olhada em volta, vendo que outro cara grande – o outro que participara do sequestro, se não estava enganado – estava no outro final do corredor.
Estávamos cercados.
- E você, docinho – ele disse, mexendo nos cabelos dela com a arma. – Não terminamos nossa conversa ainda, você saiu tão apressada.
Eu notei que as mãos estavam sujas de sangue quase seco, assim como as do novo homem no final do corredor, além de suas roupas.
- Estamos em um hospital, logo alguém virá – eu disse, dando um passo pra trás e trazendo comigo. – É melhor você ir embora.
- Bom, então ou eu terei que matar quem aparecer ou matar vocês mais rápido – ele deu um sorriso cínico. – Mas e você, , como vai a família? Quero dizer, o que restou dela.
- Atira logo nesse cretino – cuspiu , que permanecia virado para o outro homem, o de rosto mais largo do lado oposto, a arma apontada para ele.
- Ele não seria tão idiota – zombou Sven com um sorriso presunçoso.
É claro, eu sabia o nome do assassino de meu pai, assim como sabia que os outros dois caras só podiam ser Julian e Marcos, seus capangas. Eu já os havia reconhecido para a polícia.
afrouxou meu aperto, virando para encará-lo também. Eu voltei a apertá-la forte, e ela apontou a arma para ele.
- Mas eu seria – ela disse com sua voz quase firme.
Sven riu dela. “Você já matou minha irmã, o que te faz pensar que eu não atiraria primeiro?”
- Se você fosse atirar, já teria atirado – ela disse com ferocidade, mas sua voz deu uma pequena falha pela confirmação que ele fizera.
- Mas então, onde sua irmã e sua mãe estão se escondendo mesmo? – ele perguntou, ignorando e voltando a me encarar. – Tenho quase certeza de que já descobri a cidade, mas se você puder me adiantar o endereço completo eu ficaria agradecido.
Eu dei mais um passo pra trás, mantendo grudada em mim.
- Eu já fiz o que você pediu no julgamento, por que não pode nos deixar em paz? – perguntei, começando a ficar desesperado como um ratinho encurralado por um grupo de gatos.
- Você é uma testemunha, não posso simplesmente te deixar andando por aí – ele disse como se aquilo fosse óbvio.
- Certo, mas os deixem irem – eu pedi, e estremeceu.
- Hum… - ele fez uma cara pensativa. – Não, eles sabem demais agora.
- Eles não vão dizer nada, só deixe eles irem – eu seria capaz de me ajoelhar e implorar na frente daquele assassino deplorável apenas para tê-la em segurança. – Eu faço qualquer coisa.
- Eles poderiam chamar a polícia – ele respondeu, e então seus olhos queimaram em ódio. – E essa garota não vai a lugar nenhum sem uma bala na cabeça.
Ele puxou em um movimento ágil e forte, arrancando-a de meus braços. Sem que eu percebesse, o homem que antes estava no fim do corredor a minha frente, Julian, agora estava próximo o bastante para tocar o cano gelado da arma que segurava em minha cabeça.
Eu me detive, enquanto se debatia nos braços de Sven.
- Abaixa a arma – rosnou Julian com a voz extremamente grossa.
- SOLTA ELA! – eu gritei, pronto para ir pra cima de Sven.
Eu não podia simplesmente atirar nele agora, não com se debatendo em seus braços.
- Abaixa a arma – repetiu Julian impaciente.
- SOLTA ELA, SEU FILHO DA PUTA! – o ódio em mim era mais do que incontrolável vendo-o machucar os pulsos de , os segurando com só uma mão.
- Melhor, eu não vou atirar em você – Sven disse baixinho, mas eu podia ouvi-lo entre as batidas de meu coração. Ele largou a arma no chão e pegou algo de trás de sua calça. – Vou cortar seu pescoço, assim como você fez com minha irmã.
Sem conseguir conter mais nenhum músculo do meu corpo, eu fui para cima dele, mas Julian me segurou, tirando a arma de minha mão. Eu tentei me soltar com força, mas ele era com certeza bem mais forte que eu. Meus olhos deixavam escorrer lágrimas de ódio e desespero.
- Vou te assistir sangrar até não ter nem mais forças para tentar sobreviver – Sven continuou, e eu me debatia com cada vez mais força, mas havia parado de se mexer, a lâmina ensangüentada com que Sven brincava em sua pele a apavorando. – Você vai morrer engasgada com seu próprio sangue. Ou melhor, pela falta dele - ele sorriu maléfico. – Matem os outros dois – ele ordenou a seus capangas.
- Não! – gritou, lágrimas saindo de seus olhos também agora.
Mas já era tarde, um tiro estalou pelo corredor, seguido de gritos e mais um tiro.
- Solta ele! – ouvi a voz de esbravejar, e minhas pernas fraquejaram ao mesmo tempo em que eu soltava a respiração e abria os olhos, o alivio imediato de saber que ele estava vivo.
Eu estava quase conseguindo uma boa posição entre meus solavancos para acertar o homem que me segurava, mas ainda não era bom o bastante.
- Cuida da ! – eu o reprovei.
- Solta ele! – repetiu e eu vi pelo canto dos olhos que ele sustentava a arma apontada para Julian. Por que infernos ele não estava ajudando a ?
Outro tiro ecoou pela sala e foi com um susto que eu percebi que o grito de dor vinha de Sven e não de .
Consegui finalmente uma posição boa o bastante para acertar o cotovelo com força nas costelas de Julian, o fazendo me soltar.
- Pega, ! – chutou a arma em direção a garota de cabelos curtos, que abaixou em um movimento rápido e segurou a arma.
Sven estava no chão com o pedaço da perna abaixo do joelho sangrando, mas ainda assim tentado se levantar para ir até nós.
- Corre! – eu gritei e todos dispararam, enquanto o som da arma de Julian sendo descarregada nos perseguia.
Desviamos do corpo de Marcos, cujo sangue escorria de um buraco em sua testa, e viramos, pegando a escada de emergência logo no começo daquele novo corredor curto.
Descemos as escadas correndo, pulando degraus e o que podíamos e, apesar de estar machucada e eu poder ver que ela segurava alguns gritos de dor, ela corria na mesma velocidade que nós. Cerca de um andar e meio depois, o barulho de tiros batendo no ferro do corrimão e nas paredes tomava conta do lugar, nos fazendo correr ainda mais.
Eu ajudava como podia, mas ela realmente descia mais rápido sem a minha ajuda. estava a nossa frente, seguido por . Nossas respirações eram altas e descompassadas, abafadas pelo barulho de nossas grandes passada e os tiros acima de nós. segundo andar, primeiro… térreo!
- Não, subsolo, ! – disse quando eu corria para porta.
Sem hesitar eu voltei a descer as escadas, mantendo sempre a minha frente, apesar de poder correr mais rápido que ela, eu não a deixaria desprotegida de modo algum.
Passamos de uma escadaria mal iluminada para uma garagem ainda mais escura. Nós disparamos por entre os carros parados, guiados por , e logo os tiros se tornaram mais perigosamente perto de nos acertar.
parou por um segundo em uma das esquinas do estacionamento, e apontou para a esquerda, fazendo todos nós nos movermos novamente seguindo aquela direção.
Assim que chegamos ao outro lado da ruazinha do estacionamento um tiro acertou a lataria do carro ao lado de . Ela gritou e colocou as mãos na cabeça, sem para de correr.
- Calma – eu tentei acalmá-la, mesmo sabendo que aquilo seria inútil. Eu queria poder abraçá-la e acariciá-la. Queria deixá-la segura em meus braços. – Não vou deixar ninguém acertar você.
Em um segundo examinei o terreno a minha frente para me certificar que não tropeçaria, então me virei e atirei neles três vezes, sem sucesso em acertá-los devido tanto ao meu movimento quanto ao deles.
destravou o carro logo adiante pelo controle do alarme, passamos por mais alguns carros e nos jogamos dentro deles. Batemos a porta enquanto já arrancava com o carro. Eu abri a janela e me esgueirei por ela, atirando mais algumas vezes nos caras e em seguida tendo que me esconder dos tiros deles.
estava agachada no banco do carona, protegendo a cabeça. estava também agachada no banco de trás, mas suas mãos não estavam na cabeça, estavam cobrindo a barriga.
Eu me apavorei.
- , eles te acertaram? – eu a puxei para cima e afastei suas mãos.
- Não – ela respondeu cansada.
Sua blusa estava manchada de sangue, mas era apenas de sua mão que voltara a sangrar um pouco.
- , me deixa lá em casa – eu pedi, finalmente podendo abraçar .
- Não sei se é uma boa idéia… - ele respondeu, me observando pelo retrovisor. – Você realmente precisa ir lá?
- Meu passaporte e todo o resto tá lá – dei um beijo em sua testa e afaguei seus cabelos. – Vai ficar tudo bem, pequena.
- Certo, e depois aeroporto? – ele descansou a mão esquerda sobre a coxa de .
- Primeiro você leva a em casa – eu disse. – Ou se você achar algum outro lugar mais seguro. Depois você volta pra me buscar. Ah, aproveite pra tentar pegar a mala da que ficou no hospital, nem que alguém tenha que fazer isso por você. O passaporte dela tá lá – pareceu não ver problema nisso, apenas assentiu com a cabeça. – Você tá com muita dor, amor? – questionei baixinho para .
- Eu não sei por que, mas quando estava correndo não doía tanto – ela murmurou contra meu peito. – Agora tá doendo, mas não se preocupe, só dói um pouquinho.
Ela sorriu pra mim, mas seu sorriso saiu triste. Eu a puxei levemente e estiquei meu pescoço para ver suas costas. Sua camisa tinha uma mancha de sangue que havia se expandido envolta do corte. Eu sabia que aquele sangue estancaria em pouco tempo, mas uma dor ainda assim massacrava meu peito, provavelmente não só porque ela estava machucada e aquilo com certeza doía, mas porque ela estava tentando fingir que não doía tanto. Tentando me iludir amenizando as coisas, assim como eu tentava fazer com ela.
- Aproveita e pede pra quem for pegar a mala roubar algumas coisas pra gente trocar os curativos dela – eu voltei a aconchegar o mais confortável para ela possível em meus braços.
- Tá – respondeu simplesmente.
Devido à pressão do pé de no acelerador, em pouco tempo tínhamos chegado ao meu prédio.
- – me chamou quando eu já estava abrindo a porta. Eu a olhei em resposta. – Acho que você não devia subir, ainda mais sozinho.
- Não se preocupe, não vou demorar – eu disse com um sorriso saindo do carro.
- E se eles vierem pra cá? – ela insistiu. – É perigoso.
- Não se preocupe comigo – eu me agachei para dentro do carro para dar um selinho em .
- Eu devia ir com você – se ofereceu, sua voz fraca.
- Não, é melhor você ficar com – eu passei a mão por seu rosto, admirando seus belos traços por aquele instante.
- Nós devíamos te esperar aqui – disse parecendo nervosa com algo. Mas, quero dizer, ela tinha vivenciado coisas o bastante por hoje para justificar seu nervosismo, certo? – Ou devia subir com você…
- Não, você precisa ir pra longe de nós logo – eu recusei, voltando minha atenção para .
- Eu te amo – ela sussurrou com um sorriso fraco.
- Te amo, pequena – eu dei-lhe outro selinho e sai do carro, fechando a porta.
partiu a eu abri o portão do condomínio e entrei nele, andando apressado até meu prédio. Bati meus pés impaciente com a demora da decida do elevador, continuando a batê-los em seguida dentro do elevador por sua demora em subir.
O único apartamento com que eu dividia o corredor estava desocupado, então eu estava sozinho naquele corredor. Peguei a chave certa no molho e abri a minha porta.
ainda demoraria o bastante para que eu pegasse algumas roupas e colocasse na mala, então atravessei meu apartamento até o quarto, ignorando a paisagem exposta pelas grandes janelas da sala. Eu não queria olhar pra lá, pois eu sabia que sentiria saudades daqui, e agora não era hora para isso.
A porta do closet correu para o lado, expondo roupas muito bem organizadas e limpas. É claro, elas só estavam assim porque Roberta as havia deixado daquele jeito, assim como o resto da casa. Eu teria que ligar para ela mais tarde e avisar que iria vir menos vir menos vezes para arrumar a casa, já que eu estaria fora.
Peguei uma mala nas altas prateleiras e comecei a jogar as roupas dentro dela de qualquer jeito. Eu não levaria tudo, mas pelo menos algumas peças de cada já seria de grande ajuda. Dois tênis, um sapato… Fechei o closet e comecei a vasculhar as gavetas da cômoda em meu quarto a procura de meus documentos. Peguei minha escova de dente meu frasco de remédio dentro do espelho do banheiro e depositei também na mala. Voltando para o quarto eu dei uma ultima olhada nele, sabendo que sentiria falta daquela cama tão macia, apesar de solitária.
Mas era isso, não era? Eu iria morar com agora, eu não estaria mais sozinho. O que era esse apartamento grande e confortável com toda sua solidão? Que diferença ele faria se estivesse ao meu lado? Nenhuma.
Fui até a cabeceira do lado da cama em que sempre dormia – já que era a cama de casal dos meus pais, cujo colchão fora trocado – e peguei o porta retrato que estava ali.
Eu sorri ao relembrar a cena nele fotografada. Era uma foto recente, da qual eu não tirara os olhos na última semana.
Ela tinha aberto um enorme sorriso ao me ver enquanto eu me agachava em frente a ela, me apoiando em um dos joelhos. Eu tinha pegado sua mão e beijado suavemente.
- Minha princesa – eu havia dito, meus olhos tinham encontrado os seus, que brilhavam intensamente. – A mais linda de todas as princesas que a humanidade já teve.
- E o que lhe faz pensar que eu seria sua? – ela erguera as sobrancelhas, se fazendo de difícil.
Eu me levantei ainda olhando profundamente em seus olhos. “Está escrito através de seus olhos.”
Ela ficou um pouco vermelha.
- E você estaria disposto a cumprir todos os meus desejos e me salvar de todos os perigos?
Eu envolvi sua cintura e a puxei o máximo que pude para perto de mim, seu vestido dificultando as coisas.
- Até pelos seus desejos mais caprichosos eu seria capaz de desbravar todos os mares e lugares mais remotos. Para te manter a salvo, eu daria a minha própria vida.
Sem conseguir mais resistir, eu a beijei intensamente.
E fora durante esse beijo que uma das garotas do camarim havia batido a foto. me disse que ela tinha cabelos loiro-brancos e lhe entregara a foto na segunda-feira para que me desse.
Um barulho na sala me despertou de meu pequeno flashback, e eu coloquei a foto sobre a mala aberta, pegando a arma que eu tinha recolocado no cós da minha calça e a destravando. Provavelmente era apenas vindo me chamar, mas eu não iria arriscar.
Tomei fôlego, segurando a arma erguida apontada para cima com uma mão e com a outra dando apoio, segurando meu pulso, me preparando por um instante.
Eu virei para a sala com a arma erguida, preparado para atirar, mas algo me acertou na cabeça, me fazendo vacilar para frente e tropeçar nos meus próprios pés. Minha cabeça latejou, mesmo assim eu me virei ágil para atirar, apenas ganhando mais um golpe de algo que eu percebi ser gelado contra meu rosto.
- Hoje você morre, – a voz fria como seus olhos cortou o ar.
Eu levantei meu rosto do chão para encará-lo, e ele fez sinal para que quem quer que estivesse atrás de mim – que provavelmente era Julian –, parasse.
Eu fiquei de quatro e em seguida sentei sobre meus próprios pés, tonto pela pancada.
- Onde está sua mãe e sua irmã? – ele perguntou retoricamente.
Seu sapato preto estava molhado e manchado em sua grande parte de vinho, encharcado mais para o meio, onde havia um buraco feito pelo tiro que havia lhe dado.
- Fale logo seu estúpido – ele me chutou na barriga, e eu perdi o ar. – Cadê aquelas vadias?
Estava na hora de acabar com tudo aquilo, ele simplesmente nunca nos deixaria em paz. Eu tinha que virar homem e fazer a única coisa que manteria e minha família em paz.
- Vai pro inferno! – eu ofeguei e antes que a coisa fria e dura voltasse a me acertar, eu atirei no peito de Sven, olhando em seus olhos frios, assim como eu o havia visto fazer com meu pai.
Houve mais outra pancada em minha cabeça, mesmo eu já estando no chão. A dor e a tontura não me permitiram descobrir a origem da gritaria que se seguiu, eu apenas pude ver de modo embaçado o corpo de Sven caindo, antes de receber mais duas pancadas na cabeça.
Tudo ficou turvo, como se eu estivesse caindo de um precipício, imagens da minha vida correndo por minha cabeça e se prendendo a uma garota, até chegar ao fundo, onde era silencioso, calmo e escuro, onde não havia nada do que se lembrar ou sentir.
Capítulo 26
Down Goes Another One
havia tentado me convencer a ficar no carro, mas, por mais que doesse me movimentar, eu o convenci de que era perigoso eu ficar sozinha. O prédio era lindo, cheio de enormes janelas e com jardim bem cuidado. apertou o numero doze no painel e, apesar de tudo o que poderia estar acontecendo, eu estava excitada com a idéia de conhecer o lugar onde morava.
Assim que saímos do elevador percebemos que havia algo errado – talvez pelo fato explícito da porta de um dos apartamentos estar escancarada – e eu obedeci quando ele me mandou ficar perto do elevador, segurando a porta. Afinal, por mais aflita que isso me deixasse, eu não podia simplesmente sair correndo para dentro do apartamento. Eu tinha que pensar em Little , apesar de ser doloroso ter que aguardar parada naquele corredor sabendo que meu estava em perigo.
começou a gritar, e calafrios correram por minha espinha.
“Larga!” ele gritava. “COVARDE FILHA DA PUTA” eu podia sentir o ódio em seu berro, seguido por dois tiros seguidos.
Eu interiorizei meu grito, fechando os olhos e sentindo meu corpo tremer. Minhas pernas vacilaram, mas eu não conseguia pensar em deixar e ali. Me apoiando nas paredes e temendo o que encontraria, espreitei pela porta do apartamento.
Eu fiquei aliviada ao ver que agachado próximo a uma grande massa corporal, ele se virou para me encarar e eu pude ver que era um dos armários que havia me sequestrado. Meus olhos continuaram a vasculhar o lugar e com um passo para frente eu pude ver o cabelo de no corredor, seguido por seu corpo conforme eu corria até ele, ignorando qualquer dor em meu corpo. não precisou nem se levantar para chegar até ele antes de mim, já que o homem que estava caído de cara no chão estava próximo a .
Eu desabei no chão, mas hesitei com medo de tocar em . Uma dor insuportável tomava conta de mim, empurrando lágrimas desesperadas para fora de meus olhos.
tinha sangue escorrendo da cabeça, e a lateral de seu rosto que eu podia ver estava intensamente vermelha. Olhando em volta eu percebi que em uma das mãos do armário segurava de modo torto um cano de ferro, no qual seu corpo estava parcialmente sobre.
“Covarde!” eu sussurrei indignada, voltando em seguida minha atenção para .
colocou a mão no pescoço dele, examinando.
- Ele não… - um soluço escapou irrompeu por minha garganta. – Não, não, ele não pode estar… - outro soluço ainda mais forte. Eu não conseguiria terminara a frase nem se não estivesse chorando.
- Não – disse, pegando o celular do bolso e discando. – Mas não podemos mexer nele. O coração está batendo fraco, mas ele ainda está vivo.
Eu não conseguia nem mais respirar entre tantos soluços enquanto chamava a emergência antes de vir para o meu lado e me abraçar.
- – eu choraminguei com o pouco de ar que me restava. – Eu preciso de você – eu solucei mais algumas várias vezes antes de conseguir forças para continuar. – Nós precisamos – eu enfatizei o nós pensando em nosso Little , e coloquei a mão sobre a barriga. – Por favor, fique conosco!
me abraçou mais forte, e meu choro aumentou. A dor física que eu sentia sequer era capaz de aliviar a dor que me consumia por inteira por dentro.
Eu não tinha mais o que chorar, e tudo o que saiam eram soluços. Afastei e me deitei ao lado de , encarando seus olhos fechados. “Eu te amo” eu murmurei antes que outro soluços escapasse de minha garganta. “Nós te amamos, fique, por favor”.
voltou a colocar sua mão no pescoço de , e sua feição não conseguiu esconder a dor.
- Está mais fraco – ele explicou. – Mas os paramédicos já devem estar chegando, não se preocupe.
Eu solucei e voltei a chorar tão intensamente quanto antes, mas mais silenciosa agora. Peguei a mão dele, mole e pesada, e a coloquei cuidadosamente sobre minha barriga.
- Fique – eu repeti entre o choro. – Você consegue. Fique, !
Murmúrios irromperam a sala e tudo se tornou uma confusão. Os paramédicos correram para atender a , e, mesmo eu ficando histérica sobre isso, eles me fizeram ficar longe de , me levando em outra ambulância sem ao menos me dizerem como ele estava. Foi a coisa mais agonizante da minha vida.
Eles me enfiaram dentro de um dos quartos e me mandaram aguardar um médico. Eu assenti e esperei até que o enfermeiro saísse dali para me buscar calmantes.
Aproveitando que estava sozinha, não perdi tempo em escapar daquele quarto. Eu precisava ver .
Me apressei pelos corredores, e todos me olhavam torto, até que uma enfermeira me parou.
- Você está bem? Já foi atendida? – ela exigiu, barrando meu caminho.
- Já sim, me mandaram fazer alguns exames.
- Quer que eu te acompanhe? – ela ofereceu.
- Não precisa, eu sei o caminho – eu sorri forçado para ela e continuei meu caminho, me orientando pelas placas espalhadas pelos corredores.
Demorei mais alguns minutos, mas finalmente achei a UTI.
Naquela ala visualizei a figura de parado contra a parede, os braços cruzados e cabeça baixa. Eu me aproximei silenciosamente. Ele se assustou ao me ver, escondendo o rosto, mas eu já tinha visto suas lágrimas.
- ? – eu exigi mais como um ganido, a voz falha.
- Ele está vivo – ele disse com a voz rouca pelo choro. – Está em cirurgia.
- Oh, , o que vamos fazer? – eu joguei meus braços em volta de seu pescoço e deixei que lágrimas silenciosas voltassem a escorrer.
- Eu não sei – ele respondeu com a voz incerta, me apertando após um instante contra ele. – Mas você precisa se acalmar, tudo isso é péssimo para o seu bebê.
Eu funguei baixinho.
- Como você descobriu? – perguntei contra seu pescoço.
Ele deu uma risadinha baixa, mas eu sentia que ele ainda chorava.
- Apesar de ser mais do que óbvio, eu só tive certeza hoje, no carro, quando eu te busquei e você ficou com sua mão sobre a barriga – ele respondeu, sua voz falhando fracamente em algumas partes.
- O realmente não sabe ainda? – eu perguntei.
Antes tudo o que eu queria esconder isso dele, mas, agora, tudo o que eu mais queria é que ele soubesse.
- Não – foi a curta resposta dele.
Nós ficamos abraçados por mais alguns minutos, apenas tentando suportar a espera, tentando nos acalmar mesmo que isso não diminuísse a dor.
- Você devia aproveitar para trocar seus curativos e se cuidar – sugeriu contra meu cabelo.
- Não vou sair daqui enquanto não tiver notícias.
Ele não protestou, pois sabia que seria inútil. Houve uma movimentação no corredor, e eu tentei me afastar de para ver o que era, mas ele me segurou com força contra seu peito, seu corpo totalmente rígido. Eu me empurrei para longe dele e vi dois médicos com um carrinho com equipamento em cima passando a minha frente. O tempo que eles levaram para entrar na sala de cirurgia em que estava fora o tempo que eu levara para entender o que estava acontecendo.
Aquilo era um desfribrilador e eu podia ouvir os gritos do doutor sobre voltagens e uma voz feminina dizendo “Estamos perdendo ele”.
Meu mundo parou e minha respiração congelou enquanto eu assistia a porta voltando a se fechar sozinha. Perdendo ele? Não, não faria isso comigo. Ele disse que eu nunca estaria sozinha, então, por que ele estava fazendo isso? Por que ele estava nos deixando?
Eu mal senti as mãos que tocaram meus braços, alguém dizendo que não podíamos ficar ali.
Me desvencilhei das mãos, minha mente totalmente confusa e enevoada. Andei até aquela porta e a abri, vendo o corpo inteiro de dar um solavanco e voltar a ficar deitado e imóvel em seguida. Minha cabeça rodou, mas eu dei mais um passo a frente.
- De novo! Aumente para trinta! – e, além disso, tudo o que eu podia ouvir era um som agudo e continuo. – Afastar!
Mãos agarraram meus braços por trás, tentando me puxar para fora da sala, mas eu resisti, vendo o corpo de dar outro solavanco com o choque percorrendo todo o seu corpo.
- ! – os gritos irromperam de minha garganta, com toda a minha força e fora de meu controle – !
As mãos me puxaram com mais força agora, me arrancando da sala de cirurgia, me distanciando de .
De repente, tudo o que eu pude ouvir, apesar de minha luta particular com quem quer estivesse me puxando ou dos meus próprios gritos, como se todo o resto estivesse congelado, foi a mudança do som agudo de continuo para pulsante, antes que tudo ao meu redor ficasse escuro e maçante demais para que eu pudesse continuar a resistir.
Eu acordei com um carinho gostoso em meus cabelos e sem nenhuma dor, mas eu gritei do mesmo jeito me sentando rígida.
- ! – o grito ecoou pela sala.
- Ele está vivo – uma voz masculina conhecida disse ao meu lado.
Eu me sobressaltei, passando a mão pelo cabelo ao lembrar do recente carinho e senti um curativo seco entre minha palma e o cabelo.
Me virei e um sorriso se abriu em meu rosto ao focalizar o rosto de .
- Que bom que você está aqui. Mas como está? – eu perguntei, ainda preocupada.
Eu comecei a esticar minha mão para alcançá-lo, mas percebi algo nas costas daquela mão. Uma agulha ligada a um tubinho. Eu fiz uma careta, fazendo soltar uma risadinha nasalada.
- Ele está desacordado, mas disseram que está estável – ele disse, pegando minha mão e a acariciando com o dedão.
- O que você quer dizer com “desacordado”? – ele me fez voltar a deitar cuidadosamente. Eu estava deitada de costas, mas isso não doía agora. – Por que não sinto dor?
- Eles injetaram remédios para a dor – ele explicou. – E eu só sei que ele está desacordado e estável, foi tudo o que me disseram.
- Cadê o ? – perguntei checando novamente a nossa volta.
Eu estava em um leito praticamente idêntico ao que estivera antes, porém tudo era em branco ao invés de azul, mesmo assim devíamos estar no mesmo hospital.
- Está sendo interrogado agora – suspirou. – E se eu fosse você, quando alguém entrar aqui, fingiria estar dormindo.
- Interrogado? Ele foi até a polícia?
Ele riu. “Com tudo o que houve, a polícia foi até ele.”
Eu arregalei os olhos. “Ele não vai ser preso, não é? Aí Meu Deus, eu vou ser presa!”
- É claro que não – fechou a cara, falando sério. – Foi legitima defesa e essas coisas, fora que você foi sequestrada.
- Ah, é – eu disse, assimilando direito. Olhei para minha barriga. – , acho melhor avisar ao médico que eu acordei, não acha?
- A polícia está do lado de fora do quarto, está pronta pra isso? – ele me observou preocupado.
- Tudo bem, é melhor lidar com isso logo – eu disse com um meio sorriso.
- Certo – ele deu um beijo em minha testa. – Você sabe que eu te amo, não é, meu Arco-Íris?
- Também te amo – eu respondi sorrindo.
Ele deixou o quarto e eu respirei fundo. Não estava muito ansiosa para responder as perguntas da polícia, mas precisava ter certeza de que Little estava bem dentro de mim.
Fiquei encarando o teto durante algum tempo, apenas tentando absorver tudo o que tinha acontecido. As imagens passavam rápidas demais por minha cabeça, acelerando meu coração e me causando tremores.
- Como está nossa paciente fujona? – o médico cantarolou entrando no quarto.
Eu sorri sem graça pra ele. Era o mesmo que tinha me tratado antes, então realmente estávamos no mesmo hospital.
- Estou bem, mas bem que vocês podiam ter me dado essa coisa pra aliviar a dor antes.
Sua expressão se tornou neutra. “Talvez, mas achei que era necessário agora.”
- O que foi, algum ponto abriu? – perguntei inocentemente.
- Não. Eu realmente deveria ter aplicado uma anestesia mais forte antes, aposto que você deve ter sentido dor quando estava fugindo. Pode me dar o braço, por favor? – eu levantei um pouco o braço com a agulha e ele enrolou um medidor de pressão nele. – É só para checar – ele apertou a bombinha, apertando meu braço ao encher o medidor de ar, para depois retirá-lo. – Quase normal.
- Então por que me deu agora? – eu perguntei, sentindo que havia alguma coisa errada.
- Bem, você passou por coisas demais – ele disse. – Físicas mas eu tenho certeza que também emocionais. Me disseram que você foi sequestrada, você devia ter me dito antes – eu apenas concordei silenciosamente com a cabeça. – Você deveria ter ficado de repouso, em observação, como eu tinha lhe dito – eu concordei novamente. – Mas eu não vou te dar nenhum sermão por não ter chamado a polícia, você já tem problemas demais.
- Doutor, o que há de errado? – eu queria que ele fosse logo ao ponto, parasse de dar voltas, aquilo estava atacando minha ansiedade.
- Você está com inicio de anemia, provavelmente causada pela sua má alimentação e má condições da última semana. Além disso, você se esforçou mais do que devia, e isso não fez bem ao seu bebê.
Eu arregalei os olhos, sentindo meu coração sendo esmagado. “O que…” eu engoli em seco “O que o senhor quer dizer?”
- Bom, na verdade, seu bebê em si está bem – eu voltei a respirar, afundando minha cabeça contra o travesseiro. Esse cara tava tentando me matar de susto? – Mas você não. Sua gravidez é de risco.
- E o que isso quer dizer? – eu senti um calafrio.
Eu queria que estivesse ali para me abraçar e cantar baixinho em meu ouvido, mas ele não estava.
- Isso quer dizer que a senhorita não pode mais fazer nenhum esforço – ele sentenciou. – Vai ter que ficar de repouso e não pode se estressar ou sofrer grandes emoções. Eu vou fazer um atestado médico para que você fique em casa, e também preparar um cardápio balanceado para resolvermos essa anemia.
- Como está? – perguntei o olhando atentamente, tentando conseguir qualquer sinal como respostas, mas sua feição continuava neutra. Ele simplesmente deveria estar acostumado a isso, afinal, ele era médico.
- Estável – ele respondeu.
- Posso vê-lo? – pedi fazendo a minha melhor carinha de pidona, estilo Gato de Botas.
- Acabei de lhe dizer que não pode sofrer grandes emoções – ele discordou.
- Se eu ficar aqui vai ser pior ainda, vou ser consumida pela minha ansiedade, estou sem tomar meu remédio há uma semana – eu disse, ele continuou me observando. – Por favor – eu insisti.
Os cantos de seu lábio subiram ligeiramente, quase como um sorriso. “Está bem, depois que os policiais falarem com você eu peço pra alguma enfermeira te levar.”
Ele saiu do quarto, mas eu pude ouvi-lo pedir aos policiais lá fora para que fossem breves e cuidadosos antes que a porta se fechasse.
Não foram policiais como eu esperava, mas sim investigadores britânicos que me interrogaram. Mas eles trabalham para a polícia, então dá na mesma.
Foi mais fácil do que eu pensei. Quero dizer, os acontecimentos ainda eram recentes, então, não fazia exatamente muita diferença eles estarem me perguntando, já que inevitavelmente eu iria ficar me lembrando de tudo. As cenas passavam clara e dolorosamente em minha mente, mas parecia que tudo tinha acontecido há muito tempo. E na maioria tudo o que eu tinha que fazer era concordar, já que havia lhes contado a maior parte da história. Mas uma parte em particular eu estava tentando evitar, e foi como um golpe no estomago quando eles me perguntaram sobre a morte da irmã de Sven.
Depois disso eu fiquei extremamente desconfortável, mas eles realmente não iriam me prender. O caso de iria novamente ao tribunal, mas Sven seria preso de qualquer forma antes acusado dos crimes recentes, em que os indícios eram claros.
Eu perguntei sobre o caso em que estava envolvido, e eles me disseram que era a testemunha de um crime do qual eu eles não podiam me dar mais informações. Legal, ninguém nunca me conta nada de verdade.
Meu desconforto sumiu quando uma enfermeira veio me colocar numa cadeira de rodas – a qual eu não me atrevera a recusar desta vez – para levar até , ao mesmo tempo em que minha ansiedade me fazia roer minhas unhas quebradas e irregulares.
Eu respirei fundo antes de entrar no leito dele, que ainda se encontrava na UTI, e quase pulei da cadeira de rodas ao vê-lo.
- Pode me deixar sozinha com ele um pouco? – eu pedi a enfermeira.
Ela concordou e deixou o quarto.
Eu suspirei ao ver seu peito subindo e descendo, o barulho agudo pulsante traduzindo as batidas de seu coração.
Graças a Deus a enfermeira tinha tido o bom senso de me deixar perto o bastante para que eu pegasse a mão de .
Subi meu olhar até seu rosto, sentindo meu coração se apertar.
Sua expressão estava serena, calma, livre de tudo o que tinha acontecido, mas sua cabeça acima dos olhos estava envolta em gase.
Eu podia ver o pedaço de um hematoma roxo um pouco abaixo da bandagem, perto de seu olho. Eu não podia ver o outro lado de seu rosto, já que ele estava deitado de costas.
Sua pele estava ainda mais pálida do que quando ele tinha vindo me ver mais cedo.
Eu suspeitava de que ele estivesse mais do que sedado, mas ninguém queria me falar isso. Não queria me ver histérica novamente.
Mesmo sem ter tanta certeza se podia me controlar, soltei a mão de e me levantei cuidadosamente da cadeira de rodas, devagar, ganhando firmeza nas pernas aos poucos.
Eu sabia que eu havia dormido muito tempo, talvez um dia inteiro, e eu duvidava que dormisse mais do que eu, mesmo em seu estado.
Tomando a maca como apoio e arrastando o balão de soro junto comigo, eu caminhei até o pé da maca, onde tinha uma prancheta. Passei os olhos pelo papel dali, ignorando as informações irrelevantes, até conseguir achar o que realmente importava.
Minhas pernas fraquejaram, mas eu me mantive de pé, me apoiando com mais firmeza na maca. Reli algumas vezes até ter certeza de que não era uma alucinação.
- Coma – eu sussurrei. estava em coma.
Eu encaixei a prancheta de qualquer jeito de volta ao lugar e fui para perto de novamente. Segurei em sua mão firmemente e deitei minha cabeça sobre seu peito, deixando uma lágrima escorrer ao sentir seu coração bater. Me ergui novamente e acariciei sua bochecha.
- Se você estiver me ouvindo – eu falei em uma voz baixa -, eu quero que você saiba que eu estou bem, e nosso bebê também – eu me abaixei para lhe dar um selinho. – Obrigada por ter ficado – eu suspirei, apenas me deixando perder em seus perfeitos traços. – Mas você precisa acordar. Eu vou esperar você acordar o tempo que for necessário. Eu vou estar aqui pra sempre, pra você – eu fiz carinho na mão que segurava com minha mão não enfaixada. – Eu estou feliz por você ter ficado – e então eu me senti culpada. Era como se eu tivesse pedido para ele ficar e o prendido entre dois mundos. – Eu te amo.
A porta se abriu e eu desviei meus olhos para ela, vendo a enfermeira entrar.
- Você tem que ficar de repouso agora – ela disse tentando ser simpática. – Vamos?
Eu concordei com a cabeça, dando uma leve fungada e me sentando na cadeira de rodas. Eu tinha que sair dali antes que desmoronasse.
Era como se eu não respirasse mais sem ele estar bem, como se o ar que eu respirasse saísse dos pulmões dele. Meus pensamentos se embaralhavam, as palavras me faltavam. Eu precisava dele mais do que qualquer coisa nesse mundo. Eu me distanciava de sua maca como se tudo ao meu redor desmoronasse, deixando apenas a trilha dos pedaços do meu coração pelo caminho.
Nós tínhamos sido feitos um para o outro, e eu nunca poderia imaginar amar alguém mais do que eu o amava. Isso era impossível. Eu o amava mais do que a mim mesma e eu não podia comparar esse amor ao que eu sentia pelo pequeno ser crescendo dentro de mim, porque são amores diferentes, mas eu amava ainda mais o pequeno ser por ser parte de . O que eu sentia por ele era tão grande que a dor era esmagadora ao saber que ele não estava bem.
E eu sabia que ele me amava da mesma forma, e era por isso que ele estava ali, porque eu o tinha pedido para ficar.
Eu acariciava minha barriga, e apenas deixava que as lágrimas fluíssem.
Nós já estávamos passando pela porta quando a voz nos sobressaltou.
- ?
Capítulo 27
Time After Time
- ? – a voz repetiu, fraca, mas alta o bastante para fazer com que meu coração disparasse.
Eu me levantei da cadeira de um pulo, arrancando a agulha da minha mão e empurrando a enfermeira para fora do meu caminho em meio à confusão.
Eu corri até a maca dele, segurando sua mão com firmeza.
- Eu estou aqui – eu sussurrei, chorando com uma alegria indescritível me invadindo.
- Senhorita , o que pensa que está fazendo? – a enfermeira ralhou comigo. – Ele só deve estar tendo um sonho.
Por um instante a alegria começou a se esvair de mim, mas então ela voltou com força total ao sentir a mão dele responder ao meu aperto.
- – ele repetiu em um sussurro, os cantos de seu lábio subindo em um sorriso fraco.
- Estou bem aqui, – eu respondi, mantendo o aperto com minha mão boa e fazendo um carinho desajeitado em sua bochecha com a outra.
Seu sorriso subiu mais um pouco, fazendo cada célula do meu corpo reagir com êxtase, e o ruído agudo pulsante soou mais rápido pelo cômodo.
- Está tudo bem, meu amor – eu lhe dei um selinho longo. – Eu te amo.
- Eu te amo – ele sussurrou.
Enxuguei as lágrimas de meu rosto e olhos com as costas da mão ferida para poder olhá-lo melhor. Seu rosto tinha vida novamente.
- Temos um milagre aqui! – uma voz grossa me sobressaltou.
Eu olhei. Não era o médico que estava me tratando, mas sim o cirurgião que havia operado .
abriu os olhos, mas seu olhar era totalmente confuso e desorientado. “Onde estamos, ?”
- No hospital, – eu respondi.
- Mas por que tá tudo escuro? – ele não focava o olhar em mim, apenas continuava confuso.
- Você é um sobrevivente, hein? – o Doutor “Richard”, pelo que eu li no crachá, continuou, se aproximando de . – Com licença – ele me pediu, e eu soltei a mão de para que ele o examinasse.
Fui para mais perto do pé da cama e fiquei com a mão sobre sua perna, a acariciando para mostrar-lhe que estava ali.
- Siga a luz – o doutor pediu após um momento com a lanterna nos olhos dele, agora abertos.
- Está tudo escuro – resmungou.
Eu o olhei assustada.
- Você não está vendo nada? – o doutor perguntou um tanto alarmado.
- Estou, a escuridão – sussurrou , como se aquilo fosse óbvio.
Eu dei a volta na maca e coloquei as mãos nas laterais de seu rosto, virando com cuidado sua cabeça para mim.
- Você não me vê? – eu perguntei, alarmada.
Mas a resposta já estava em seus olhos desfocados antes de chegar a sua boca. “Não.”
- Doutor, faça alguma coisa! – eu exigi, o encarando avidamente.
- O que está havendo? – perguntou confuso e com a voz um pouco mais forte agora.
- Vou ver o que posso fazer, agora a senhorita deve sair daqui.
Eu respirei fundo, me segurando para não surtar novamente.
- Vamos – a enfermeira trouxe a cadeira de rodas até mim.
- Depois eu volto, – eu disse, lhe fazendo carinho nas laterais do rosto.
- Não demore – ele pediu.
Eu me abaixei sobre ele e dei-lhe um selinho, custando a me convencer de que tinha que sair dali.
- Acho que seus amigos e sua família estão na sala de espera, quer passar por lá antes de voltar pro quarto? – a enfermeira perguntou enquanto empurrava minha cadeira de rodas.
- Quero – respondi, me sentindo totalmente distante.
- Só não conte ao doutor que eu fiz isso – ela pediu como se fosse um segredo.
Eu assenti calada.
Eu agora me sentia tão desorientada quanto , e as paredes e pessoas a minha volta passavam sem serem realmente vistas. Como não podia estar me vendo? Como podia estar simplesmente tudo escuro para ele? Deveria ser alguma coisa passageira, só isso. Afinal, ele tinha apanhado bastante, mas não podia ser nada grave. Não com o meu .
- ! – a voz estridente de me despertou, me assustando ao perceber que a sala estava abarrotada de gente.
- ! – ela se abaixou e me abraçou.
- Que saudade – abraçou a mim e a , seguida por , , , e Lauren.
- , você tá bem? – eu perguntei, a analisando para checar.
- Estou – ela respondeu, achando graça. – Você devia se preocupar consigo mesma.
- É, estou encrencada – fiz uma careta infeliz.
- Nossa, achei que o pior já tinha passado – disse parecendo assustada.
- Não, não é isso – eu dei um meio sorriso. – É que eu não vou mais poder ir pra escola.
- Ai, meu Deus, você não vai ter que voltar pro Brasil, não é? – ficou quase histérica.
- Não – eu a tranquilizei. – Mas vou ter que passar um bom tempo de repouso.
- Quanto tempo? – perguntou aflita.
- Alguns meses – eu respondi, olhando significativamente para , que demorou alguns segundos para captar a mensagem.
- Está realmente tudo bem? – ela perguntou, me mandando outra pergunta nas entrelinhas.
- Sim – confirmei.
- Você está bem? – Rachel veio finalmente me abraçar, toda preocupada.
- Estou – respondi pela milésima vez aquela pergunta. – Mas estou preocupada com .
Ela soltou o abraço e começou a ajeitar meus cabelos.
- Ele ainda tá… dormindo? – perguntou, desconfortável.
- Não, ele acordou – eu olhei pra baixo.
- Acordou? – gritou. – Mas ele estava em coma!
lhe deu um cutucão com o cotovelo.
- Estava, mas acordou – fechei os olhos respirando fundo. – Mas ele não me vê.
- Deus, ele perdeu a memória? – se precipitou.
- Ele não vê nada – eu engoli em seco, tentando conter as lágrimas e o desespero. – Eu não sei por que, mas ele fica dizendo que tá tudo escuro!
- Ok, acho melhor voltarmos para o quarto – a enfermeira disse, percebendo que eu estava ficando agitada.
- Posso ficar lá com ela? – pediu.
- Pode, mas não muito tempo – ela respondeu.
- Depois nós vamos lá, querida – Rachel deu um beijo no topo da minha cabeça.
Eu assenti com a cabeça.
- , pode ir ver o e me dar notícias? – eu pedi com o olhar carente.
- Claro – ele respondeu. – Vamos, .
segurou minha mão enquanto a enfermeira me empurrava de volta ao meu quarto. Depois de eu deitar, a enfermeira colocou uma nova agulha nas costas da minha mão, ligando um novo tubinho a ela.
- Está começando a doer de novo, será que pode me dar mais daquele negócio que tira a dor? – eu pedi.
Ela assentiu e saiu do quarto para buscar.
- Como assim você vai ter que ficar de cama? – exigiu.
- Minha gravidez é de risco agora – eu respondi com tristeza.
- Oh – ela parou por um instante, puxando uma cadeira que estava do outro lado da parede pra o lado da maca e se sentando nela. – E agora?
- Eu não sei – respondi olhando para o teto.
- ainda não sabe, não é? – ela perguntou retoricamente.
- Não. Eu não queria ficar na casa da Rachel, deixando ela e Eric preocupados… - eu suspirei. – E quem é que vai cuidar do ?
- A família dele, eu acho – ela respondeu.
- Não, isso seria inviável. Quero dizer, a irmã é menor que ele e já deve estar acostumada a escola onde estuda e tudo mais, assim como a mãe dele se ela trabalhar. Ou mesmo acostumadas com a cidade e tudo o mais, então ele não as tiraria de lá para cuidar dele, tenho certeza.
- E ele não pode ir pra lá? – ela questionou.
- Pode – eu respondi após um instante.
- Mas ele não vai – ela continuou. – Ele também tem uma vida aqui , não se esqueça disso. Ele não iria querer te deixar, mesmo que você não estivesse grávida.
- Como você pode ter tanta certeza? – eu a olhei insegura.
Ela riu. “Como você pode ter alguma dúvida?”
Eu sorri para ela, tentando acreditar; mas eu sempre fora uma pessoa insegura demais.
- Será que ele vai ficar bem? Aquilo deve passar em algumas horas, não é?
- Eu não faço idéia – ela respondeu séria, voltando a segurar minha mão. – Mas o importante é que ele está vivo, e está acordado! Você devia ficar feliz por isso.
Era a mesma coisa que eu havia dito para anteriormente, se ele não podia ficar feliz por eu estar bem. Eu devia ficar feliz agora por ele estar vivo, mas era doloroso pensar que ele não estava bem como deveria. A angústia dele era a minha.
- Eu estou feliz – respondi com sinceridade. – Mas não posso evitar ficar preocupada.
- Mas vai ter que evitar – eu nem havia visto a enfermeira entrar. – Você não pode se estressar, lembra? E tenho certeza que você e seu namorado ficarão bem, vocês são fortes.
Ela sorriu para mim, e eu senti o líquido quente que ela injetava no tubinho entrar por minha veia.
- Nós vamos ajudar vocês – disse. – Não se preocupe. Lauren vai te levar a matéria, mas nós vamos lá sempre que pudermos para te ajudar e fazer companhia.
- Não quero ninguém se sacrificando por mim – eu disse.
- Amigos são pras horas que você mais precisa – sorriu aquecedoramente e eu me senti cativada de verdade.
- Obrigada – era tudo o que eu podia dizer.
- Só não espere que a vá te ajudar com matemática ou física.
- Eu não esperaria – eu ri. – Pega meu celular pra mim? – eu pedi apontando para a mala cinza pequena na mesinha ao pé da maca.
soltou minha mão e procurou nos bolsos frontais da mala até voltar com meu celular em mãos.
- Pra quem você tá ligando? – ela perguntou quando eu coloquei o celular no ouvido.
- Pro – um sorriso bobo apareceu em seus lábios ao ouvir o nome dele. – Preciso de notícias do . Estou começando a ficar inconformada de tê-lo deixado sozinho.
- Alô? – a voz grossa do me atendeu.
- Como ele tá? – perguntei ansiosa.
- Bem – ele respondeu.
- Passa o celular pro – eu pedi.
Houve ruídos na troca de mãos antes que eu ouvisse a voz de .
- Oi.
- Como o tá? E nem tente amenizar a situação.
- Na mesma.
- O médico já sabe o que ele tem? – a aflição se juntava a ansiedade.
- Não, mas daqui a pouco um especialista vem ver ele – tinha a voz triste, um tom que eu ainda não tinha conhecido em sua voz.
- Você me liga? Não, melhor, me mande uma mensagem, pro não ficar te ameaçando para você não me deixar muito preocupada, como eu sei que ele tá fazendo agora.
Ele riu do outro lado da linha. “Você acertou, tudo bem.”
- Valeu, – desliguei. – E ai de você, , se avisar o .
Ela levantou as mãos abertas, uma cara inocente. “Tô de boa.”
- , sabe o que eu queria agora? – perguntei retoricamente, empolgada. Ela negou com a cabeça. – Batatas fritas com ketchup e Milk shake de chocolate. Ah, e terra.
Ela fez uma careta hilária, e eu me segurei pra não rir da cara dela.
- Cara, você tá delirando ou é desejo de grávida e todas aquelas paradas? – ela fazia cara de nojo.
- Não sei, mas eu preciso de terra mais do que o resto – eu sorri tentando passar ansiedade.
- Bom, eu não quero que meu afilhado nasça com cara de terra – ela pensou um instante. – Ou será que ele nasceria marrom, mesmo você e o sendo tão pálidos?
- Seu afilhado, eu ainda não tinha pensado nisso – pensei alto, distraída. Ela me olhou apreensiva. – Mas, como você sabia que eu te escolheria, sendo que nem eu sabia ainda?
- Oh! Eu vou ser a madrinha dele? – ela perguntou emocionada, um sorriso enorme se esticando por sua face. – Vou buscar seu lanche e roubar terra do jardim agora mesmo! – ela se levantou de um pulo, dando pulinhos até a porta.
- ! – eu a chamei desesperada, e ela parou para me olhar. – A parte da terra era brincadeira!
Ela demorou um instante para assimilar. “Oh, claro!” E saiu rindo do meu quarto.
Pouco depois de ter saído, Rachel e Lauren entraram.
- Como você está, filhota? – Rachel se aproximou e começou a passar a mão por meu cabelo.
Rachel não se parecia muito comigo. Ela tinha o nariz mais fino e as maçãs do rosto maiores. Seus lábios eram um pouco mais finos, assim como seu rosto e seu cabelo cacheado acima dos ombros, escuro e bem cuidado.
Lauren tinha algumas ciosas do pai, como as bochechas e várias expressões, mas o que mais diferenciava a ela da mãe era seu cabelo castanho claro que não era cacheado, mas ligeiramente crespo, que hoje estavam presos em um rabo-de-cavalo. Nada com o que mulheres não pudessem lidar.
Mas, mesmo nenhuma das duas se parecendo comigo, mesmo não tendo o mesmo sangue, eu as amava profundamente. Lauren era a irmã que eu nunca tive e Rachel a mãe que eu sempre quis e precisei.
- Estou ótima – eu respondi, gostando do carinho. – Você tem que parar de se preocupar tanto comigo, eu estou bem.
Ela sorriu com compaixão. “Quer alguma coisa?”
- foi buscar alguma coisa pra eu comer, mas eu confesso que estou morrendo de saudade da sua comida.
Seu sorriso se alargou.
- Amanhã eu trago seu almoço, se o médico autorizar.
- Pergunta se pode trazer pro também – pedi.
Lauren se sentou do lado direito da minha maca, me observando calada.
- E como ele está, querida? – Rachel perguntou insegura.
Eu suspirei. “Eu não sei. Estou com medo, Rachel, muito medo. Ele não consegue ver nada, e eu me sinto tão culpada…”
- Mas você não tem culpa de nada! – ela me consolou, curvando o corpo para me dar um meio abraço.
- Eu nunca deveria ter deixado ele subir sozinho. sabia que algo ruim ia acontecer, ela sempre sente essas coisas. Eu fui tão descuidada! – eu não chorava, mas minha voz estava amarga, eu simplesmente precisava colocar aquilo pra fora.
- Não, eles pegaram no apartamento dele, não foi? – ela se afastou para me olhar e eu concordei com a cabeça. – Você fez melhor em não ter subido, eu não quero nem pensar no que poderia ter acontecido. Oh, querida, estou tão feliz de você estar bem!
Eu podia ver com clareza a felicidade em seus olhos, o amor materno antes de ela me abraçar novamente.
- Estou feliz de ter você, Rachel – as lágrimas ameaçavam sair de meus olhos. – Vocês são a melhor família do mundo!
Com cuidado de não machucar minha mão, puxei Lauren para que me abraçasse também.
- Você é minha irmã preferida – ela disse, e eu sorri. Como se ela tivesse outra irmã pra eu competir. – E a pessoa mais corajosa que eu conheço.
Nós ficamos abraçadas por volta de um minuto, até começarmos a nos recompor.
Conversamos até que voltou com meu lanche, e meus sentidos se tornaram quase como de predadores ao sentir aquele maravilhoso cheiro de batata frita e um suculento sanduíche que tinha vindo de brinde, assim como a visão de gotas geladas de água escorrendo pelo lado de fora do copo de Milk shake. Foi difícil não me segurar e pular em e pegar meu alimento. Ela arregalou os olhos assustada ao ver minha expressão e tratou de me entregar logo o lanche.
Eu mordi com tanta vontade aquele sanduíche que nem me importei de todos estarem me olhando estranho, só porque parecia que eu não comia a uma semana. Ah, peraí, era porque eu não comia direito há uma semana.
- Obrigada – eu disse com a boca parcialmente cheia depois do segundo pedaço.
Eu pude ouvir meu estomago fazer um barulho estranho, como se estivesse agradecendo também.
- De nada – ela sussurrou. – Mas tem certeza de que você poderia estar comendo isso? – eu lhe lancei um olhar de ódio. Não me afastariam daquela refeição nem que minha vida dependesse disso. – Não está mais aqui quem falou – ela levantou as mãos em sinal de inocência, fazendo Lauren rir.
- Se você quiser, eu aviso que não precisam trazer o seu jantar – Rachel ofereceu.
Eu me controlei profundamente para não olhá-la com ódio também. Ninguém aqui tinha percebido o tamanho da minha fome ainda? E sede também, pensei ao tomar mais um longo gole daquele delicioso Milk shake. Se não me tivesse trazido o copo grande, eu a teria trucidado.
- Não, tudo bem, só peça que levem ao quarto do , eu vou ver como ele está – eu disse depois de terminar com o sanduíche.
Rachel assentiu com a cabeça, pegando um guardanapo de dentro do saco pardo e limpando minha boca. Eu sorri pela atenção, apesar de me sentir uma criança de quatro anos.
Parti para minhas tão desejadas batatas, as quais eu ofereci para as outras, mas elas recusaram – leia-se: não ousaram tocar na comida do leão faminto. Meu Milk shake já estava na metade, e eu parei por um instante, pensativa.
- O que foi? – perguntou estranhando minha súbita parada.
- Você acha que o pode tomar isso? – eu perguntei, me sentindo meio egoísta de estar me empanturrando com tanta coisa boa enquanto ele estava tão mal.
- Com certeza, não – Rachel respondeu. – Ele operou a cabeça, não foi? – eu assenti com a cabeça. – Nem você deveria estar comendo isso.
- Mas agora que eu já comi mais da metade, eu posso aguentar o resto – eu sorri sapeca e voltei a comer apesar da sensação de egoísmo ainda me alfinetar.
Todas logo tiveram que deixar o quarto, mas me avisou que passaria a noite no hospital comigo. Eles iriam revezar, não importava o quanto eu protestasse para que eles não tivessem trabalho comigo.
Eric passou para me ver rapidamente e logo todos estavam deixando o hospital.
O tempo parecia se arrastar novamente e eu me senti desconfortavelmente presa àquele quarto. Cerca de duas horas depois, veio ao meu quarto e, com a ajuda da desnecessária da enfermeira, me colocaram na cadeira de rodas e ele me levou pelo hospital até o quarto de .
Eu sabia que ele estava acordado mesmo com seus olhos estando fechados, pois suas mãos batucavam impacientemente no colchão.
Ele virou a cabeça ao ouvir a porta bater ao se fechar, mas seus olhos não focavam em nenhum ponto especifico.
Eu me levantei da cadeira de rodas, arrastando a droga do balão de soro comigo, e parei em frente a ele. Se eu abrisse minha boca, eu iria chorar.
Ele fechou os olhos, mas sua cabeça continuou virada para o nosso lado. “.” ele levantou as mãos no ar, procurando por mim.
Mesmo pega de surpresa pela certeza em sua voz, segurei suas duas mãos, as entrelaçando nas minhas.
- Como você me reconheceu? – minha voz saiu frágil, mas audível.
Ele sorriu. “Seu cheiro.”
- Mas eu não estou nem com perfume.
- Sua pele tem um cheiro único – ele levou minhas mãos ao seu nariz, cheirando-as. – Inconfundível.
Eu não tinha palavras para aquilo, apenas mais lágrimas e um sorriso.
cuidadosamente chegou para o lado na maca, me dando espaço a seu lado.
- , me ajuda aqui – eu pedi, e me ajudou a deitar na maca com , saindo do quarto em seguida.
Eu encarei seus traços perfeitos até onde a bandagem começava, e acariciei sua bochecha.
Ele pegou minha mão e beijou sua palma.
- – eu sussurrei.
- Oi – ele respondeu em sua voz rouca, o som que eu mais amava no mundo.
- Você me escutou? – ele me mostrou uma expressão confusa. – Quando eu te chamei antes? – o som agudo da máquina que copiava a batida de seu coração se tomou um ritmo mais acelerado. – Quando você estava… – respirei fundo fechei os olhos – morto.
Ele passou a mão por meu rosto, enxugando as lágrimas.
- Sabe, eu tinha desistido – ele me puxou para me aconchegar contra seu peito. – Eu só me lembro de ter apagado e de repente uma sensação estranha, de… leveza. Eu não consigo me lembrar de mais nada, só sinto essa leveza quando penso. Mas assim que acordei, eu sabia que tinha sido por você. Eu sabia que era você, era como um anjo me chamando. E seu cheiro estava aqui quando acordei.
- Isso é tão confuso – eu acariciei sua cintura, sentindo ele alisar meu cabelo. – Eu achei que você tinha morrido, e tudo o que eu queria era você de volta. Eu gritei, mas, , doía tanto! – eu o apertei com força, querendo ter certeza de que ele estava realmente ali, que era sua camisa que eu estava molhando com minhas lágrimas. – E agora você está desse jeito, e eu acho que a culpa é minha.
- Hey, pequena – ele me apertou de volta. – Não diga um absurdo desses. Você não tem culpa de eu não estar enxergando. Eu estou aqui por você, mas isso não quer dizer que você tem culpa de eu te amar tanto e muito menos de eu estar desse jeito.
- Eu devia era ter te deixado em paz – eu solucei. – Nunca deveria ter te importunado só porque eu não suportava. Eu fui egoísta e injusta. Pra que você iria escolher viver nesse inferno…
- , pare com isso – ele puxou meu rosto, me fazendo olhá-lo. Ele queria me encarar, mas, mesmo seus olhos se focando em mim agora, eu sabia que ele não podia me ver. Ele fechou os olhos, engolindo em seco a dor que isso lhe causava. – Eu não quero que você me deixe em paz nunca. Eu nunca estaria em paz sem você – ele pegou minha mão esquerda e a colocou sobre seu peito, me permitindo sentir as batidas de seu coração no mesmo ritmo que a maquina produzia em alto e bom som. – Ele é inteiramente seu, só bate por você, só atende ao seu chamado. Por favor, nunca desista de me chamar, nunca me deixe sem você – ele estava chorando agora, chorando tanto que dificultava entender o que ele dizia. – , por favor, nunca desista de mim.
Eu o abracei pelo pescoço, chorando junto com ele. “Eu nunca vou desistir de você, eu prometo.”
- Não, , não me prometa isso – sua voz estava extremamente rouca além de chorosa. – Eu não te quero presa a mim por uma promessa. Você não está entendendo. Eu sei que você vai me deixar, e agora sou eu que não posso suportar isso. Eu não me importo com mais nada, eu só não consigo… – ele soluçou. – , eu estou cego. Estou cego de verdade.
- Mas isso vai passar, , eles só precisam descobrir o que você tem para te curar – eu tentei confortá-lo tanto quanto a mim mesma.
- Não, não vai passar, – ele me afastou para que eu pudesse vê-lo. Era tão doloroso olhar em seus olhos com lágrimas escorrendo e não ter seu olhar de volta. – Os resultados já saíram. Aquele cara me bateu demais, com força demais. Foi um milagre eu ter sobrevivido e acordado tão rápido, mas isso é uma sequela. As pancadas afetaram minha cabeça, – ele puxou o ar com força antes de continuar. – Eu estou cego.
Capítulo 28
Keep Holding On
Eu continuei a observá-lo sem ter uma reação. O ar não entrava mais pelos meus pulmões, meu coração parecia ter parado de bater, como se estacas de gelo estivessem o perfurando seguidas vezes, congelando tudo em que tocavam.
- Não – eu sussurrei, ainda sem conseguir acreditar.
Eu tinha permanecido firme – de certa forma – até agora com a idéia de que iria ficar bem logo, que aquilo era totalmente passageiro. Aquilo era no que eu precisava acreditar.
- Não, , é verdade – disse, mas eu mal escutava. – Eu nunca mais vou poder ver seu rosto, seus olhos, seu corpo, nada. Nunca mais…
Eu voltei a abraçá-lo pelo pescoço, sem me importar com o incômodo da agulha na minha mão direita, sem me importar com mais nada.
Aqueles olhos nunca mais me olhariam com aquela paixão que fazia minhas pernas bambearem, meu coração acelerar e meu corpo estremecer. Nunca mais arderiam em desejo ao fitar meu corpo daquele jeito que me incendiava insanamente. Eles nunca mais refletiriam o amor que eu sentia por ele quando nos olhássemos nos olhos.
Ele nunca conheceria o rosto do nosso bebê, nunca veriam o sorriso da nossa criança, nunca veriam as semelhanças que eu esperava que eles tivessem.
Ele nunca me diria que nosso filho tinha meus olhos ou meu jeito de sorrir. Nunca veria o quanto nossa criança seria linda. Não a veria crescer.
- Não, , tem que haver algo, alguma chance… – minha voz morreu em mais soluços.
- Menos de um por cento dos casos tem a visão recuperada – ele disse, seu choro ligeiramente mais calmo. – Não tem como, , as chances são muito pequenas.
- Não importa – eu sussurrei com o rosto afundado em seu pescoço.
- , não crie falsas esperanças, vai ser ainda pior – ele disse, me afastando de seu corpo contra minha vontade. – Eu estou cego, e eu sei que você vai embora. Só, por favor, faça isso rápido, não faça aos poucos, não adie.
- Não importa que as chances sejam poucas, eu sei que você vai conseguir – eu disse. – E se você não voltar a enxergar, isso não vai me afastar de você. Eu te amo – eu beijei seus olhos fechados. – Não vou ficar presa a você por uma promessa, mas por nosso amor. Eu nunca vou desistir de você porque isso seria desistir de mim.
- Nós nunca conseguiríamos ter uma vida normal, não seja tola, não se iluda.
- Nós vamos ficar juntos independente do que aconteça, pra sempre – eu disse, firme, engolindo o choro.
- Você tem certeza disso, ? – ele fungou baixinho, suas lágrimas secando.
- Absoluta – eu disse e juntei nossos lábios em um beijo apaixonado.
Fazia tanto tempo que eu não o beijava que me parecia como a primeira vez. Sempre o melhor beijo da minha vida.
Era mais do que eu podia imaginar, extrapolava todas as sensações e sentimentos que eu já havia experimentado antes, era tanto que minhas células pareciam infladas a ponto de estourar.
Eu achava que era impossível amá-lo mais do que eu já amava, mas, naquele momento, com seus braços me apertando tão forte que eu podia sentir seu coração batendo como se fosse o meu, eu tive certeza de que o amava mais do que nunca, de que o amava infinitamente.
Eu soube que aquilo nunca iria passar, nunca acabaria, não importando o que viesse a acontecer. Mesmo se um dia no futuro não estivéssemos mais juntos, eu o amaria. Sempre.
Eu separei nossos lábios e sussurrei. “Não importa o que aconteça, estaremos juntos, lembra?”
- Como você consegue ser tão perfeita pra mim? – me deu um selinho demorado. – Eu te amo mais do que você possa imaginar.
- Nada vai mudar nossos destinos – eu sorri sentindo seus dedos passarem por meus lábios, e ele sorriu também – e nosso destino nos une. Nós só temos que aguentar firme.
- Como você consegue ser tão forte? – ele passou o nariz pelo meu com carinho.
- Eu simplesmente tenho que ser.
- Como vou fazer com a escola agora? Eu não queria ter que mudar pra uma escola de cegos… - ele fez um careta. – Fora que não tem nenhuma pero de casa que eu saiba.
- Nós podemos tentar achar um professor particular que saiba dar aula para cegos – arrisquei. Ele deu uma risadinha. – Não é impossível, só difícil. Achei que você fosse pra casa da sua mãe.
- E te deixar aqui? Nem pensar!
estava certa, e eu não pude deixar de sorrir largamente com isso.
- Mas você não pode ficar no seu apartamento sozinho, podia contratar uma enfermeira – refleti por um instante sobre o que eu estava falando e uma pontinha de ciúmes me pinicou. – Não, um enfermeiro.
Ele riu. “Roberta pode cuidar de mim, eu acho.”
- Roberta? – eu franzi a testa, sem reconhecer o nome.
- Ela era nossa empregada quando ainda morava com meus pais – ele explicou e eu me aliviei. – Ela limpa meu apartamento e sempre deixa comida pronta pro fim de semana. Talvez ela possa cuidar de mim ou achar alguém que possa.
- Eu posso te ajudar – sugeri. – Quero dizer, eu não vou mais pra escola mesmo nem nada, então não seria problema.
Foi a vez dele de franzir a testa, só que bravo. “E por que você não iria para a escola?”
- Estou sob ordem médica para ficar de repouso – respondi, acariciando sua cintura. – E você não tem noção do quanto fica sexy nessa roupa.
- Zoa mesmo, você tá com a mesma roupa que eu sei – ele sorriu, mas então voltou a expressão séria. – Mas quanto tempo você vai ficar sem ir pra escola? – eu fiquei em silêncio, sem querer responder. – Fala.
Respirei fundo. “O resto do ano letivo.”
- O quê? Por quê? O que você tem de tão grave?
Ahn… gravidez?
Mas ele não sabia. Ele estava desacordado quando falei, ele não sabia.
- Não é nada demais, só não posso fazer muito esforço, passar por emoções fortes… Traduzindo, eu tenho que vegetar – revirei os olhos.
- Não seja ridícula, ninguém precisa ficar tanto tempo em uma cama sem ter alguma coisa grave.
- , por favor, não quero falar sobre isso agora – pedi. – Prometo que eu falo quando estiver pronta.
- Eu não vou perder você, vou? – sua expressão tinha adquirido tanta dor que parecia perfurar meus pulmões.
- Não, , eu não estou morrendo – disse firme.
Após um minuto, sua expressão se aliviou, mas não totalmente.
- Mas você está aqui em intercâmbio em função dos estudos, não é? Eles não vão querer te deportar ou algo parecido?
- Não, , eles não podem me deportar, não se preocupe. Estou sob restrição médica, mas continuo matriculada na escola. Vou conversar com o diretor, vou estudar em casa.
- Vou ficar te ligando o dia inteiro e indo te ver todos os dias, se você deixar – ele disse, tomando um ar divertido e romântico novamente.
- Eu não estava querendo dar trabalho a Rachel e a Eric – continuei no meu tom sério. – Eles já passaram por tanto nervoso essa semana e eles trabalham o dia todo. Seria injusto chegarem em casa e ainda terem que me dar atenção, me ajudar… Quero dizer, eles já tem uma filha com quem se preocupar, eu estaria praticamente roubando os pais dela pra mim, isso não seria justo.
- Se eu estivesse em minhas condições normais, você iria morar comigo. Mas eu não quero que você tenha que passar o dia fazendo nada pra mim, nem se preocupando comigo. Então, o que você tem em mente?
Respirei fundo mais uma vez, tomando coragem para falar. “Quero morar com você mesmo assim.”
- , não seja ridícula. Nós não temos condições de cuidar de nós mesmo, quanto mais de cuidar um do outro – eu desviei o olhar dele, chateada. – Não é que eu não quero que você more comigo – como ele sabia como eu me sentia? – mas eu não quero que você vire nenhum tipo de enfermeira ou dona de casa.
- Eu não vou. Quero dizer, teríamos a Roberta ou quem quer que fosse para isso, não é? – ele apenas escutou com atenção. – Eu gostaria de morar com você, se você também quisesse isso. Pelo menos por um tempo, sei lá. Eu quero estar por perto pra te ajudar, de qualquer forma. É melhor do que ficar preocupada a distância.
- Não – ele respondeu daquele jeito autoritário dele.
- Não seja cabeça dura, . Pense sobre isso – eu lhe dei um selinho.
Ele pensou por um instante, então soltou o ar pesadamente. “Ok, vou pensar, mas não prometo nada.”
- E eu vou entender também se você não quiser. É um passo muito grande, afinal? Talvez sejamos jovens demais pra isso.
- Não, esse não é meu ponto de vista – ele enrolou uma mexa roxa de meu cabelo em seus dedos. – Mas vou pensar.
- Te amo – lhe dei outro selinho.
- Te amo – ele me beijou com carinho.
- Eu não tô querendo ser estraga prazer – adentrou o quarto usando tom de desculpas –, mas você tem que descansar. A enfermeira mandou avisar que seu tempo acabou.
- Não acabou, não, cadê meu jantar? – senti meu estômago reclamar junto comigo.
- Ahn, , prefiro que você coma lá no seu quarto – disse meio sem graça.
Ergui as sobrancelhas pra ele, me tocando segundos depois que ele não veria isso. “E por que isso?” verbalizei.
- Eu não quero que você me veja comendo, se é que me entende – ele disse, tentando claramente não me aborrecer. – Vai ser um desastre.
- Não tem por que você se sentir dessa forma, , mas tudo bem. Me ajuda aqui, !
veio até mim e me ajudou a descer da cama sem dar uma de desastrada e acertar ou acabar por arrancar acidentalmente a agulha em minha mão. Eu precisava de ajuda porque era desastrada, não porque não fosse capaz de fazer aquilo sozinha.
- Depois eu volto aí, dude – disse, empurrando minha cadeira de rodas em direção a porta.
- Certo, dude – ele respondeu, voltando a se esparramar na maca. – Durma bem, meu anjo.
- Só se você estiver nos meus sonhos – cantarolei antes de ser empurrada para fora do quarto.
Mais alguns dias se passaram até que o médico me liberasse para ir para casa, contanto que eu permanecesse em absoluto repouso. teve de continuar no hospital por mais duas semanas, e mesmo declarando a saudade absurda que eu sentia dele, ninguém na casa me deixava ir vê-lo. Eu ficava a maior parte do tempo sozinha, e isso estava me matando. Pelo menos eu tinha meu laptop pra ficar me divertindo um pouco e fazer uma social – ainda mais agora que eu não tinha mais que esconder minha localização – mas não era a mesma coisa.
- , eu quero ir te ajudar! – protestei no celular, inconformada com a recusa dele de deixar-me levá-lo para casa.
- Minha mãe vai me levar, não tem por que você vir até aqui só pra isso – ele disse calmo. – Ela vai ficar comigo essa semana ou um pouco mais, não tem com o que se preocupar, meu amor.
- Mas eu tô com saudade! – insisti birrenta.
- Essa semana eu peço pro te levar lá em casa, está bem? – ele propôs.
Era o melhor que eu iria conseguir , então minha única opção foi aceitar.
- Ok, vou tentar sobreviver até lá.
Ele riu. “Tenho certeza que você consegue. Te amo, pequena, agora tenho que desligar.”
- Te amo, tchau – desliguei e deixei o celular na cabeceira, voltando minha atenção ao computador.
Bufei impaciente ao checar mais um e-mail da Liz. “Pare de nos ignorar”, já que eu não chegava a ler seus e-mails ela agora estava mandando os recados pelo assunto.
Aquele já devia ser o trigésimo e-mail dela e de Mariana que eu excluía, e aquilo estava me cansando.
: O que vocês querem?
Liz: Que você nos desculpe.
: Não vai rolar.
Mari: É sério, , nós sentimos muito.
: Pelo que? Por não terem me escutado ou por duvidarem de mim e me acusarem de estar mentindo sobre algo tão sério? Ah, talvez também por ter ficado com meu ex-namorado mesmo sabendo de tudo o que ele tinha feito por mim e confessar toda sua ridícula inveja. Amigas não têm inveja umas das outras, elas procuram apoiar.
Liz: Por tudo isso e além. Eu fui idiota, me desculpa.
Mari: Me desculpa, , mas nós estamos sofrendo por aqui também. Não sei se você notou, mas acabaram de achar o corpo do meu namorado aí, e está difícil até de conseguirem liberá-lo para fazermos o funeral por aqui. Como você disse, amigas apóiam. Que tal me dar um pouco de apoio também? Ele morreu indo atrás da minha melhor amiga, como você acha que eu não me sinto? Eu o amava.
: Eu não sou sua melhor amiga e não use isso para que eu fique com dó de você e te perdoe. Eu não posso simplesmente fingir que está tudo bem, porque nunca vai estar. Eu tenho amigos de verdade por aqui e sei que eles jamais fariam algo assim comigo. E você não o amava coisa nenhuma Mari, isso não é amor. Agora, eu tenho coisas mais importantes pra fazer do que perder meu tempo com gente como vocês. E parem de me mandar mensagens, eu não quero falar com vocês nunca mais. Adeus.
Fechei o laptop e coloquei-o de lado. Como eu havia sido amiga daquelas duas? Mariana era uma traidora e Liz não ficava muito atrás, já que tinha ficado tão amiga de Jack, e ainda por cima namorado Rafael. O que eu mais sentia pelas duas no momento, além de raiva, era repulsa. E eu sabia que mesmo quando a raiva passasse a repulsa por elas continuaria ali.
Abri a gaveta do criado mudo e peguei um dos livros que havia me dado. Ele havia me dado os cinco livros faltantes da série, e eu já estava no terceiro volume. É, eu leio devagar.
“...- Nombre de Dios, Suzannah - disse Jesse outra vez, incrédulo. - O que você esperava que acontecesse? Você traz o garoto logo aqui? E agora pede para eles não o matarem? - Balançando a cabeça, Jesse começou a andar na direção dos Anjos.
- Você não entende - protestei, correndo atrás dele. - Ele tentou me matar. E tentou matar Mestre, Gina, Dunga e...
- E então você faz isso? Suzannah, você já não sabe que não é uma assassina? - Os olhos escuros de Jesse se cravaram em mim. - Por favor, não tente agir como se fosse. A única pessoa que vai acabar se machucando com isso é você.”
Obrigada, Jesse, muito obrigada mesmo. Eu tenho sangue nas mãos, ao contrário de Suzannah. Fechei o livro me sentindo depressiva, um lixo. Como eu tinha sido capaz? Não foi por querer, mas aquela mulher estava morta e eu ao menos sabia o nome dela. E ninguém sentia sua falta, já que seu irmão estava em coma. não tinha o mesmo sangue que eu nas mãos, o tal seqüestrador não estava realmente morto. E até agora eu não sabia o real motivo de tudo aquilo. Não sabia por que eles haviam matado o pai de ou por que eles continuavam atrás da família, sendo que o pai já estava morto. Será que algum dia estaria pronto pra me contar tudo? Eu duvidava.
- Que bom que você está gostando dos livros meu Arco-Íris – eu me sobressaltei e deparei com encostado no batente do quarto, me observando. – Desculpe, não queria te assustar.
- É bom ter um pouco de emoção de vez em quando – dei um sorriso triste.
- É, deve estar sendo bem entediante ficar aqui – ele se aproximou e sentou ao pé da minha cama. – Mas você já viveu emoções o bastante para uma vida toda, não acha?
- Tanta que agora estou em abstinência – nós rimos. – E aí, quais as novidades?
- discutiu com a professora de geografia e saiu da sala batendo a porta na cara dela – ele contou e eu arregalei os olhos.
- discutindo com um professor? Meu Deus, o que houve com ela?
- Eu também me assustei – ele concordou. – Mas ela anda meio revoltada ultimamente. A mãe dela teria ficado uma fera, foi sorte a professora não ter ido reclamar na diretoria. Pelo menos a não tem mais brigado comigo, apesar de estar judiando das líderes de torcida.
- Brooke pegou meu lugar desde a apresentação daquele dia, não é? – perguntei triste.
- Só como líder de torcida mesmo, pois a odeia mais do que nunca e não vê a hora de conseguir uma desculpa para expulsá-la do grupo novamente. Sem contar que você consegue continuar popular sem ao menos estar naquela escola.
- O que você quer dizer?
- Bom, você é a garota com cinco cores no cabelo que “roubou” o namorado da Brooklie e não tinha medo dela. Você e eram o casal mais “fofo” daquela escola, como eu ouvi algumas garotas comentando na aula outro dia e você foi sequestrada primeiro por seu ex-namorado e depois pelos caras que queriam pegar . Você escapou com a cara e a coragem e agora, mesmo com cego e você de cama, vocês continuam juntos. É de tocar o coração, não acha? – ele colocou uma das mãos sobre o coração e suspirou de um jeito gay, me fazendo rir.
- Mas como eles sabem de tanta coisa?
- Bom, sinto que a teve uma pequena participação nisso, você sabe que ela não consegue se segurar muito tempo – rolei os olhos. – Só não diga que eu falei, não estou a fim de mais brigas por enquanto. E, bom, saiu uma matéria sobre isso no jornal da escola.
Arregalei os olhos. “Jornal da escola? Mas achei que ninguém lia aquilo!”
- Bom, desde que se tornou editora, eles lêem – deu de ombros.
- Editora do Jornal da Escola? Ninguém me conta mais nada nessa droga! – cruzei os braços, brava. – Daqui a pouco a vai ser uma líder de torcida e eu só vou descobrir no dia do jogo.
riu. “Não se preocupe, isso não vai acontecer. já tentou convencer de todas as formas, mas ela não quer de jeito nenhum.”
Eu ri também. “É, não seria muito a cara da , mesmo.”
- Eu trouxe a reportagem, se você quiser ver – se levantou e eu assenti com a cabeça.
Ele deixou o quarto e voltou menos de um minuto depois vasculhando em sua mochila preta. Tirou um jornal de dentro de e me entregou. Eu abri o jornal e procurei pela reportagem.
- Porra, a precisava pegar uma página inteira pra isso? – perguntei olhando indignada para a folha. – Manda ela vir aqui amanhã pra eu poder matá-la.
- Não sei se você notou, mas também estão na capa – ele disse com um sorrisinho.
Eu fechei o jornal e olhei a capa. Havia uma foto que tomava quase metade da primeira página, e eu me perdi no tempo olhando para ela.
Um enorme sorriso se abria em minha face ao vê-lo se aproximar e se agachar, apoiado em um dos joelhos. Sem tirar os olhos dos meus ele pegou minha mão e deu-lhe um doce beijo.
- Minha princesa – aquele par de olhos apagou qualquer coisa que pudesse estar a nossa volta. – A mais linda de todas as princesas que a humanidade já teve.
- E o que lhe faz pensar que eu seria sua? – eu ergui as sobrancelhas, tentando fingir uma pequena indiferença.
Ele se levantou, sem interromper o contato visual nem soltar minha mão. “Está escrito através de seus olhos.”
- E você estaria disposto a cumprir todos os meus desejos e me salvar de todos os perigos?
Ele passara as mãos por minha cintura, nos aproximando, apesar de meu vestido fofo.
- Até pelos seus desejos mais caprichosos eu seria capaz de desbravar todos os mares e lugares mais remotos. Para te manter a salvo, eu daria a minha própria vida.
Tonta de felicidade com todas as suas palavras, eu deixei que nos perdêssemos em um beijo.
E lá estava nosso beijo, retratado em uma foto em preto e branco naquela página, mas em minha mente colorido como se estivesse a minha frente.
Uma gota quente escorregou por minha bochecha e eu só me dei conta da presença de ali quando senti o colchão afundar ao meu lado e ele passar os braços por meu ombro, me puxando para dar um beijo em minha testa, me puxando também para a realidade.
Eu nunca mais teria aqueles olhos retrucando meu olhar com tamanha intensidade. Ele não me salvara como prometera.
Aquela foto representava tanta pureza, tanto de nossa inocência e felicidade. Agora tudo isso parecia quebrado, manchado. Será que conseguiríamos algum dia recuperar tudo aquilo? Cenas da última semana passaram por minha mente como resposta, me fazendo encolher contra o peito de . Não, nunca mais teríamos aquela inocência, ela fora irremediavelmente quebrada. Aquelas lembranças nunca sairiam de minha mente por completo, assim como o terror que me afetava ao lembrá-las.
- Hey, Arco-Íris, eu vou fazer uma coisa pra te animar – disse, se afastando de mim com sorriso amigável até se levantar. – Vai dando uma olhada – ele vasculhou na mochila, tirou uma pasta dela e um de seus cadernos e me entregou – pra ver se você não entende algo e quando eu voltar eu te explico.
Assenti e ele deixou o quarto. Não muito animada abri a pasta e comecei a ler o primeiro texto. Eu já estava começando a ler o questionário sobre o texto quando voltou com um pacote de papel pardo e dois copos de plástico que me fizeram salivar.
- Dude, seus olhos até brilham pro bagulho – riu. – Acho que eu acertei então.
- Do que é? – perguntei ansiosa e ao mesmo tempo temendo a resposta.
- É o Milk shake especial de diamantes. É de chocolate. Eu fiquei sabendo que você não curte mais cappuccino.
Eu sorri. “Especial de diamantes? Nunca ouvi falar desse na Starbucks” peguei meu copo sentindo-o gelar minhas mãos de um modo delicioso.
- Fui eu que apelidei – ele deu um sorriso sapeca. – É que seus olhos parecem diamantes quando você olha pra esses copos.
Eu gargalhei. “Te amo, .”
- Também te amo, coloridinha – ele voltou a sentar ao meu lado. – E você nunca vai adivinhar o que eu tenho aqui. Mas é só meu.
Eu cheirei próxima a ele. “Muffins!” eu gritei excitada.
- Mas são só meus – ele repetiu fazendo uma cara séria.
- Nãããão! – eu esperneei na cama como uma criancinha, o fazendo rir. – Eu quero, eu quero, eu querooo! – tentei arrancar o pacote de sua mão, mas ele levantou o braço, me impedindo de alcançá-lo por milímetros.
- Primeiro, fala quem é o garoto mais lindo que você já viu? – ele exigiu, esticando ainda mais o braço.
- , é pecado você fazer uma garota grávida passar vontade! – protestei tentando me esticar ao máximo para alcançar o pacote. Ele abaixou a mão um pouco e eu pude alcançar o pacote vitoriosa, abrindo-o e pegando um muffin quentinho de dentro dele e o mordisquei. – Tá muito bom! Ué, você não quer? – ofereci o pacote para ele, só então percebendo sua face assustada e incrédula. – Ai, meu Deus, o que foi? – perguntei preocupada e me assustando também. Ele abriu a boca, mas não havia som. – Fala! – eu exigi nervosa querendo sacudir seus ombros, mas minhas mãos estavam ocupadas.
- Grá-grávida? – ele sussurrou após alguns instantes.
Só então eu me dei conta do que tinha deixado escapar. Engoli em seco.
- É… é um jeito de falar. Uma expressão – tentei consertar.
Ele franziu a testa. “Eu não sou idiota, , não adianta tentar mentir agora. Mas… como assim, grávida? Por que… Por que você não me falou nada antes?”, ele exigiu de modo distante.
- Desculpe – foi tudo que pude sussurrar.
- Ahn… parabéns – ele disse meio em dúvida, voltando a si. – É isso que se diz, não é?
- Acho que sim – respondi ainda em sussurro, olhando para minhas próprias pernas esticadas ao longo da cama.
- Como vai se chamar? – ele perguntou.
- Ainda estou decidindo.
- Nossa, você e o podiam ter nos contado – ele disse finalmente.
- O não sabe.
- Ele não é o pai? – o olhei e ele tinha a testa franzida novamente.
- É claro que é – rolei os olhos.
- Então por que ele ainda não sabe?
- Porque eu ainda não contei.
- E você está esperando o que, sua barriga estufar como um airbag?
Dei de ombros. “Só não achei a hora certa ainda.”
Ele soltou o ar pesadamente. “Ok, acho que eu vou ter que dividir meus muffins com você e o pirralho.”
- Hey! – eu não podia lhe dar um tapa no ombro, então lhe deu um empurrãozinho de lado. – Olha como fala do meu bebê.
Ele riu. “Vai ser um pestinha, você vai ver.”
- Não! Meu filho vai ser um anjinho! – dei língua pra ele.
- Não se você deixar o chegar perto da criança – nós dois rimos. – Agora é sério, , estou aqui pra o que você precisar, certo?
Eu sorri, tocada. “Obrigada.”
Ele me abraçou e eu senti o copo gelado na mão dele encostar em minhas costas, me arrepiando.
- Meu Arco-Íris – ele cantarolou.
- Seu Arco-Íris que vai comer todos os seus muffins sozinha – cantarolei de volta com a voz ligeiramente abafada pelo pedaço do muffin que eu mastigava.
- Nem pensar! – ele me largou e pegou um muffin no pacote em meu colo, dando uma mordida e sorrindo vitorioso para mim.
Capítulo 29
My Heart
[N/A: Vá baixando: My Heart – Paramore e Little by Little – Oasis]
continuou adiando minha visita à sua casa até que eu comecei a gritar no telefone e assustá-lo. Era como se eu estivesse sofrendo de abstinência de alguma droga, como se nada mais tivesse graça. Eu sentia falta de seu perfume, do calor que emanava de seu corpo, de como a sua voz soava grossa e me arrepiava por inteiro quanto mais perto estivesse de meu ouvido e de seu silêncio confortador quando me abraçava carinhosamente e beijava meu cabelo. Eu sentia falta de seus beijos e de como nós nos entendíamos com facilidade em quase tudo, mesmo sem palavras. Eu sentia falta de tudo o que tivesse a ver com ele e, só para ajudar, eu não tinha nada que me distraísse de verdade. Mas também, provavelmente, se tivesse, não conseguia pensar em nada eficaz o bastante para manter meus pensamentos longe dele.
E se ele estivesse com medo de me apresentar à mãe dele? Quero dizer, ela provavelmente estaria por lá, já que estava cuidando dele. E se ele estivesse com vergonha? Não me aguentando, perguntei a ele isso no telefone; ele riu e disse que nunca deixaria de ter orgulho ao me apresentar pra qualquer um, principalmente sua mãe.
Eu me sentia como uma estrela solitária em uma noite gelada. Minha única vantagem era que dormia a maior parte do tempo, provavelmente por causa da gravidez somada ao tédio contínuo daquela casa vazia. Eu passava a maior parte do tempo deitada na cama, dormindo, mexendo no laptop ou estudando, e na sala, assistindo TV. À noite era melhor, quando Rachel e Eric chegavam em casa e eu tinha companhia, mas não me sentia bem dando tanto trabalho a eles. Quero dizer, eu não podia lavar minhas próprias roupas ou lavar muita louça sem que Rachel me enxotasse da cozinha dizendo que eu deveria estar deitada. Eu tinha a impressão de que ela sabia sobre meu real motivo de ter que estar de repouso, apesar de eu ter sido bem explícita com o médico para não contar a ninguém sobre minha gravidez. Talvez ela tivesse adivinhado e estivesse apenas me esperando contar, ou eu poderia apenas estar imaginando coisa.
Poder ver a cidade já enfeitada para o Natal – mesmo que por trás dos vidros do carro de – me dava a impressão de estar em liberdade de novo. Era tão bom poder sentir o frio de Londres contra minha pele novamente que eu podia dizer que estava viva novamente, principalmente sabendo que em poucos minutos estaria com mais uma vez.
Mas foi com um arrepio que nada tinha a ver com o frio que eu percebi que tinha certo receio de entrar naquele prédio. Mesmo sendo um dia feliz – apesar de nublado – e sabendo que estava prestes a rever , uma súbita vontade de correr de volta para casa e me esconder embaixo das cobertas me dominou, me fazendo encolher no banco do carona enquanto aguardávamos o portão da garagem se abrir.
Era o lar de , mas eu não tinha culpa de não ter boas lembranças daquele lugar, onde passei os piores momentos da minha vida.
- Você tá meio pálida – disse, me acordando dos pesadelos. – Quero dizer, mais do que o normal.
- É, acho que preciso tomar mais Sol – desviei, tentando não lhe mostrar o medo involuntário que sentia.
- Sabe, está sendo difícil para todos nós – havia encaixado seu carro entre outros dois perfeitamente e já desligava o motor. – Quero dizer, lógico que não tanto quanto pra vocês dois, mas as coisas andam meio diferentes.
- O que você quer dizer? – perguntei batendo a porta.
- Bom, todos criamos um senso de realidade agora – nossos passos ecoavam pela garagem fria e silenciosa. – até parou de brigar com o , se dando conta do que estava fazendo. Apesar de eu achar que ele curte quando ela fica nervosa
Nós rimos.
- Vocês vivem falando sobre eles sempre brigarem, mas eu quase nunca os vi brigados, desde que estão juntos.
- Porque você estava distraída com o e suas próprias coisas para prestar atenção nas pequenas coisas – continuou. – E provavelmente não estava por perto quando ela dava seus escândalos. Mas, voltando o assunto… ah, esquece, me mata se eu te contar.
- Ah, pode ir falando, mocinho! – exigi, a curiosidade disparada dentro de mim.
Ele apertou o botão do décimo segundo andar. “Você conhece a , ela quem quer te contar.”
- Você começou, agora termina! – protestei.
- Não é nada demais, mas ela me fez prometer que eu não abriria a boca – ele continuou firme.
- Você já abriu sua boca, agora continua.
- Sou um namorado obediente, sinto muito.
- Eu não posso ficar tão curiosa, o médico disse que faz mal pra saúde, capachinho.
- Não sou capacho, sou apaixonado, é diferente – revirei os olhos, apesar de não conseguir conter um sorriso por ele ser fofo quando se tratava da . – E esse lance da curiosidade não vai colar comigo.
- Chato! – reclamei, mostrando a língua.
As portas do elevador se abriram e eu senti meu coração disparar em expectativa dentro de mim.
- Você não vem? – perguntou com uma mão na frente da porta do elevador para que ela não fechasse.
Concordei com a cabeça, disfarçadamente respirando fundo antes de pisar no corredor. tirou a mão da frente da porta e foi direto tocar a campainha do número 1202. Eu me mantive atrás dele, agora com medo de que a mãe de abrisse a porta. Houve um barulho de chaves tiritando, seguido da porta sendo destrancada e aberta.
- ? – aquela voz rouca era a melhor coisa que eu tinha ouvido na semana.
- ! – eu sai detrás do e pulei em seu pescoço, sem conseguir conter minha felicidade em estar perto dele e esquecendo todos os medos e receios que cercavam minha cabeça até então.
- Oi, pequena – ele disse carinhosamente, me apertando em seus braços. Eu sorri, dando um selinho nele. – Vem – ele me puxou para dentro da casa, e eu evitei olhar na direção do corredor, tentando manter aquelas lembranças longe.
- Dude, eu tenho que ir – disse atrás de nós. – Quer que eu passe aqui mais tarde pra levar ela?
- Não precisa – disse, se virando para ele. – Minha mãe pode levar ela pra casa mais tarde. Valeu, dude – ele ergueu a mão para fazer um toque com , que teve que dar um passo a frente para conseguir. Eles apertaram as mãos e se foi.
- Senti sua falta – eu sussurrei, me agarrando novamente a ele.
- Também senti a sua – ele me apertou forte em seus braços, e eu senti vontade de chorar emocionada. – Você não sabe o quanto.
- Acho que eu tenho uma idéia do quanto – sussurrei contra seu pescoço, onde minha cabeça estava enterrada.
- Sempre com o cheirinho que eu tanto amo – ele disse mais para si mesmo do que para mim.
- Ah, quer dizer que o senhorito tá comigo só por causa do meu cheirinho – brinquei, subindo a mão por sua nuca para fazer acariciar seu cabelo.
- Em maior parte, sim – ele deu um beijo no topo da minha cabeça. – O resto são só detalhes.
- E quais seriam os detalhes?
- De que você é a garota mais linda do mundo – ele respondeu e eu notei em sua pausa que havia algum rádio ligado não muito longe dali, mas um tanto baixo. – E eu te levaria até Hollywood para te tornar uma estrela de cinema só para o mundo saber o quão bonita você é.
Eu não tive palavras para respondê-lo, apenas o abracei mais forte, dando um beijinho em seu pescoço com um sorriso enorme no rosto.
- Vem cá – ele me puxou em direção ao centro da sala e depois virou para a direita, em direção ao que me parecia ser a cozinha.
- Cadê sua mãe? – notei que apesar dele parecer conhecer o caminho mais do que de cor, seus passos ainda eram um tanto inseguros. Eu não tinha coragem de olhar em seus olhos opacos ainda.
- Foi no mercado – ele respondeu, colocando a mão à frente até achar o batente e passando pela porta.
Eu previra, aquela era a cozinha. Agora a música estava perfeitamente audível, vinda de um pequeno aparelho de som em cima de um dos balcões.
A cozinha era grande, com piso frio de ladrilho cinza escuro, com os armários e gabinetes brancos, os balcões no mesmo tom de cinza escuro e o fogão, geladeira e eletrodomésticos cromados ou pretos.
[N/A: Coloquem pra tocar My Heart!]
- Hey, eu conheço essa – eu disse assim que uma nova música começou a tocar no rádio.
- I am finding out that maybe I was wrong (Eu estou descobrindo que talvez eu estava errado) – cantou em meu ouvido junto com a voz da Hayley, me puxando para seus braços novamente. - That I've fallen down and I can't do this alone. Stay with me, this is what I need, please? (Que eu caí e eu não posso com isso sozinho. Fique comigo, isto é o que eu preciso, por favor?)
- Sing us a song and we'll sing it back to you. We could sing our own but what would it be without you? (Nos cante uma musica e nós cantaremos de volta pra você. Nós poderíamos cantar sozinhos, mas o que isto seria sem você?) – eu acompanhei, sem medo se minha iria sair desafinada ou não. Inconscientemente nós mexíamos nossos corpos juntos no ritmo da música. - I am nothing now and it's been so long (Eu sou nada agora e faz muito tempo).
- Since I've heard a sound, the sound of my only hope (Desde que eu escutei o som, o som da minha única esperança) – ele continuou a cantar. - This time I will be listening (Desta vez eu estarei escutando).
- Sing us a song and we'll sing it back to you (Nos cante uma musica e nós cantaremos de volta pra você) – nós cantamos juntos. - We could sing our own but what would it be without you? (Nós poderíamos cantar sozinhos mas o que isto seria sem você?)
Ele me fez dar uma voltinha, me apertando novamente em seus braços em seguida. - This heart, it beats, beats for only you (Este coração bate, bate apenas por você) – ele colocou minha mão sobre seu peito, onde eu podia sentir as batidas aceleradas de seu coração. - This heart, it beats, beats for only you (Este coração bate, bate apenas por você).
- This heart, it beats, beats for only you (Este coração bate, bate apenas por você) – eu peguei a outra mão dele e coloquei sobre meu colo, o deixando sentir as batidas do meu coração também. - My heart is yours (Meu coração é seu).
- This heart, it beats, beats for only you (Este coração, bate, bate apenas por você) – nós voltamos a cantar juntos, ainda sentindo o coração um do outro e acompanhando o ritmo da música. - My heart is yours. This heart, it beats, beats for only you. My heart, my heart is yours (Meu coração é seu. Este coração, bate, bate apenas por você. Meu coração é seu). – nós cantamos repetidamente até o final da música, e eu percebi que encarava aqueles olhos sem medo, sem dor.
Ele deslizou as mãos para minhas bochechas, puxando meu rosto para perto do seu. “Eu te amo” ele sussurrou, antes de selar nossos lábios.
“Essa foi My Heart, Paramore. Agora, Little by Little, do Oasis” o radialista anunciou.
[N/A: Coloquem pra tocar essa]
Nossas línguas se encontraram com um choque que percorreu todo meu corpo, me fazendo grudar ainda mais nossos corpos e dar intensidade ao beijo. Era tanta a saudade que parecíamos que não nos encontrávamos há séculos. Ele embrenhou uma das mãos por entre meus cabelos e outra deslizou para minha cintura, enquanto minhas mãos, que queriam grudar em seus cabelos, mas não podia – já que sua cabeça estava em processo de cicatrização assim como minhas costas e mão – eu as deixei em sua nuca, dando ocasionalmente leves arranhados. Menos de um minuto assim e estávamos começando a sentir a falta de ar, mas isso não nos importava. Ele passou suas duas mãos por minhas costas, descendo demoradamente por minha bunda e a apertando, parando somente quando chegaram as minhas pernas, as puxando para cima.
Segurei firme em seus ombros e entrelacei minhas pernas em sua cintura, enquanto ele tateava atrás de nós para achar o balcão. Ele empurrou algo para dentro da pia, me colocando sentada na superfície fria de um dos balcões em seguida. Desci meus beijos para seu pescoço, o sentindo apertar minhas coxas em resposta. Desci minhas mãos para a barra de sua camisa, adentrando-a e espalmando minhas mãos para sentir toda a extensão de sua barriga e tórax, levando a camisa para cima junto. Ele arrancou a camisa branca e voltou a me beijar ferozmente, somente nos separando para arrancar meu agasalho e camiseta. Então foi minha vez de receber beijos languidos no pescoço, me fazendo ofegar e arranhar levemente suas costas enquanto ele massageava meus seios por cima do sutiã.
Estava muito quente, como se estivesse pegando fogo, mas de dentro pra fora, e eu podia sentir o mesmo calor exalando de . Era tão bom estar em seus braços novamente, poder me sentir amada e senti-lo me desejar de uma forma não só carnal, mas além disso. Era tudo o que eu precisava para ser feliz: ele.
- Dream perfect has to be imperfect (Sonho perfeito tem que ser imperfeito) – ele cantou perto do meu ouvido, seguindo a música e me arrepiando por inteira. – I know that sounds foolish but it’s true (Eu sei que soa tolo mas é verdade).
Ele deslizou as mãos pelas laterais do meu corpo e grudou nossos lábios novamente, tirando meu tênis e meias ao mesmo tempo. Eu deslizei uma de minhas mãos até sua calça, comprovando que ela já estava ficando desconfortável para o volume dentro dela. Ele soltou um pequeno gemido quando eu acariciei a região e tirou minha mão dali, devolvendo a sua nuca. Ele me puxou pela cintura, me fazendo sentir seu volume entre minhas pernas, o que fez com que um gemido escapasse de meus lábios. Ele desabotoou minha calça e a tirou, descendo os beijos por meu pescoço, colo e parando em meus seios. Sem aguentar mais, abri sua calça apressada, o deixando se livrar dela e dos sapatos. Ele podia não enxergar, mas podia me sentir muito bem.
voltou beijar meu pescoço, subindo aos poucos até alcançar meu queixo e dar uma mordidinha antes de voltar a invadir minha boca com sua língua. Quando dei por mim, meu sutiã não estava mais ali, mas eu não ligava muito pra isso. Eu desci sua boxer e ele a tirou sem demora e sem interromper o beijo. Envolvi sua ereção com uma de minhas mãos, o fazendo gemer alto dessa vez. Ele se apressou em se livrar da minha calcinha, me deixando continuar com os movimentos de minha mão mais um pouco antes de tirá-la dali e me puxar pela cintura, me penetrando com vontade, porém o mais cuidadoso que pode. Eu gemi alto, o que só aumentava gradativamente, assim como os movimentos dele e seus gemidos.
- Eu tenho algo pra te falar – ele disse baixinho próximo ao meu ouvido.
Eu descansava minha cabeça em seu ombro agora. Nossas respirações já estavam normalizadas e mesmo com o frio que começava a se instalar em minha pele, eu me sentia tão confortável encostada a ele e recebendo uma carícia gostosa nas costas que não tinha coragem de me mexer.
- Hum – eu murmurei preguiçosamente.
- Quero que você venha morar comigo.
Eu demorei alguns segundos para assimilar as palavras dele e meus olhos se arregalaram.
- Quê? – eu praticamente gritei, me afastando dele.
- Achei que você queria – ele fez uma carinha triste. Eu segurei nas laterais de seu rosto e juntei nossos lábios por demorados segundos. – Isso quis dizer que você quer ou que você sente muito? – ele perguntou confuso.
Eu lhe dei um tapa na cabeça. “É claro que eu quero, ” respondi sorrindo. “Mas o que te fez mudar de idéia?”
- Andei pensando direito e acho que você estava certa – ele deu de ombros. – Eu só preciso me acostumar a não enxergar, por mais difícil que isso seja, eu não estou inválido, posso fazer muita coisa sozinho. Minha mãe contratou ajuda, tem alguns truques que ajudam bastante e eu só preciso prestar atenção nas coisas. Posso me virar e Roberta fazer o resto. O que me preocupa agora é você.
- O que tem eu?
- Bom, ao mesmo tempo que eu tenho medo de não conseguir cuidar de você, eu sei que as coisas devem estar difíceis para Rachel e Eric. Quero dizer, eles trabalham o dia inteiro, não podem lhe dar tanta atenção, e você está enlouquecendo lá, sozinha, pelo que percebi.
- Você não vai ter que cuidar de mim – agora o frio começava a me incomodar de verdade, mas eu mantive minhas mãos ao redor de seu pescoço na mesma posição enquanto conversávamos. – Eu só não posso fazer grandes esforços e de preferência ficar deitada, não tem nada de especial.
- Você está começando a tremer – ele disse alerta, se afastando para que eu pudesse descer do balcão. – Me ajuda a achar minha roupa também? Mamãe já deve estar chegando.
Ele se abaixou e achou a boxer e a calça facilmente enquanto eu me apressava em colocar minhas roupas. Joguei a camisa em suas mãos e peguei a minha, enfiando-a de qualquer jeito pela cabeça. Já estava colocando o casaco quando percebi que estava ao avesso, tendo que tirá-la novamente para desvirá-la.
- É incrível como todo mundo deixa pra fazer compras gigantescas aos domingos! – ouvi uma voz feminina ligeiramente grossa dizer segundos antes de sua dona entrar na cozinha.
Eu tinha estagnado meus movimentos, congelando com a blusa sendo desvirada em minhas mãos. Ela aparentava estar na casa dos quarenta, mas de certa forma, era bem conservada. Maquiada e bem arrumada, com os cabelos até os ombros em um corte bem feito, ela sorriu simpática para mim.
- Você deve ser a , namorada do , certo? – ela perguntou.
me abraçou pelas costas, só então provavelmente percebendo que eu estava sem minha blusa.
- Ahn, é ela sim.
Eu me apressei a colocar a camisa, me sentindo totalmente constrangida e com o rosto quente.
- O-olá – eu gaguejei, sem saber ao certo o que dizer. – Ahn, me desculpe…
- Não precisa ficar envergonhada, querida, eu sou a mãe de – ela começou a desempacotar as compras. – A única coisa capaz de me surpreender hoje em dia é uma garota me dizer que está grávida dele.
Eu acabei engasgando violentamente com o ar que não sabia mais para onde ir dentro da minha garganta, me fazendo tossir e tossir até que ela me ofereceu um copo d’água.
- Nós vamos lá pra sala – avisou, passando por mim e segurando minha mão.
- Peraí – me abaixei para pegar meu tênis e meias, dando um sorriso nervoso à Sra. antes de ir atrás dela.
- Eu queria ter visto a sua cara – riu e se deitou em meu colo, e comecei a zapear os canais da TV.
- Hey! – dei um tapinha em seu braço. – Foi horrível, não ouse rir.
Seus lábios se tornaram uma linha, segurando a risada, o que lhe rendeu outro tapa.
- Eu estava pensando em você vir pra cá depois do Natal, o que você acha? – eu não resisti e comecei a fazer cafuné em sua cabeça. – Minha mãe vai embora antes do ano novo.
- Parece bom – respondi. – Mas será que a Rachel e o Eric vão concordar com isso? E minha mãe?
- Eu falo com eles, se você quiser – ele propôs.
Eu me abaixei para lhe dar um selinho.
- Me deixe falar com Rachel e Eric primeiro, por favor. Seria bom se a sua mãe falasse com a minha, na verdade. Aliás, sua mãe sabe disso?
- Sabe, nós conversamos bastante sobre isso – ele respondeu com um sorriso infantil no rosto. – Recebi até um sermão sobre “toalhas em cima da cama acabam com qualquer casamento”.
Nós rimos baixinho e permanecemos alguns minutos em silêncio, apenas escutando uma música de um clipe qualquer que passava na MTV.
- Estamos dando um grande passo, não é? – perguntei pensativa.
- Estamos – ele respondeu sério e tranquilo, como se tivesse pensado sobre muito sobre isso.
- Você está realmente preparado para isso? Quero dizer, nós ainda somos dois adolescentes, e você talvez…
- Eu estou sempre preparado para você – ele me cortou. – Tenho certeza sobre o que estou fazendo e acho que podemos dar esse passo. Acho que precisamos dele, na verdade. Você está pronta?
- Estou – respondi seguramente, me abaixando novamente para alcançar seus lábios e deixando que nosso beijo se aprofundasse.
- Está pronto, crianças! – a mãe de avisou cerca de um minuto depois.
Eu dei vários selinhos em antes de nos levantarmos e irmos para a sala de jantar, que ficava ao lado da cozinha.
- Está ótimo, Sra. – eu elogiei sua comida com um sorriso sem dentes.
- Me chame de , por favor – ela pediu, devolvendo meu sorriso. – Quer ajuda aí, ?
comia numa tupperware diferente, com divisórias para cada alimento. Era aquilo que ele usaria até se acostumar, porque pelo menos ali ele não derrubava as coisas. Era de cortar o coração vê-lo tentando comer sem conseguir ver o que pegava.
- Não precisa – ele disse um tanto mal-humorado.
Com a carne – já cortada – ele não tinha muitos problemas, mas com qualquer coisa menor já virava uma guerra.
- Estávamos pensando se você não iria querer passar o Natal conosco – disse casualmente, ignorando o mau-humor do filho. Ignorando não, compreendendo, eu acho. – A irmã de vai vir pra cá assim que o recesso da escola começar.
- Seria maravilhoso, obrigada pelo convite – respondi, me sentindo de certo modo tocada. – Mas eu vou passar com a família de Lauren, a casa onde estou morando.
- Podíamos passar todos juntos, o que acha? – ela propôs empolgada.
- Maravilhoso, vou falar com Rachel – eu sorri, pensando em como seria especial ter minhas duas famílias juntas. Quero dizer, a família de era especial pra mim, eu podia considerar isso, não podia?
- Tomara que eu consiga comer direito até lá – disse chateado, mexendo com o garfo dentro da tuppeware, desanimado.
- Vou pegar uma colher pra você, querido – se levantou prontamente e buscou uma na cozinha, o que realmente fez diferença para .
- Oi, querida – Rachel me cumprimentou assim que adentrei a sala, que por sinal estava uma bagunça. – Agradeceu a por te trazer?
Concordei com a cabeça enquanto tirava o agasalho e o larguei no sofá, próximo a… bolinha coloridas espelhadas?
- Quer nos ajudar aqui? – Eric perguntou, surgindo no meio de montinhos verdes de folha que parecia estar nascendo mutantemente do tapete.
- O que vocês estão fazendo? Isso é…
- Montando uma árvore de Natal, sua anta – recebi uma bundada de Lauren, que apareceu carregando uma caixa lotada de enfeites natalinos.
- Amor, eu não consigo deixar isso de pé, fica desequilibrando – Eric disse tentando manter o suporte da árvore em pé, bufando irritado em seguida.
- Garotas, porque não vão enfeitar as varandas? – Rachel propôs, indo até o marido para ajudá-lo.
Nós concordamos e subimos a escada estrondosamente. Claro que somente Lauren produzira os estrondos, subindo apressada a escada, enquanto eu me controlava ao máximo para não segui-la no mesmo ritmo. Eu já havia feito bastante esforço por um dia, era melhor não abusar.
Era divertido enfeitar as varandas junto com Lauren. Não era aquela coisa fria e que minha mãe fazia como se fosse uma obrigação antigamente, mas era uma coisa cheia de vida. Finalmente eu estava entendendo que o Natal era realmente especial, pois todos à minha volta estavam felizes e com boas expectativas. Era uma comemoração em família, e eu finalmente tinha uma.
Varandas impecáveis, descemos para ajudar a decorar a árvore, que agora estava erguida no meio da sala.
- nos convidou para passar o Natal com eles – eu disse, pendurando uma bolinha amarelo-ouro em um dos galhos verde-escuros da árvore, enquanto Lauren rodeava a árvore enrolando um longo cordão de plumas nela e cantarolava.
- Isso é ótimo, querida! – Rachel disse sorrindo. – Ia ser difícil para você viajar conosco, estávamos preocupados, afinal, cinco horas em um carro não iria lhe fazer muito bem.
- Cinco horas em um carro? Pra onde nós íamos? – Eu me sentia realmente confusa. O que eu tinha perdido?
- Nós vamos para a casa dos meus pais, Lauren não te falou? – Rachel e eu olhamos para Lauren acusadoramente.
- Eu esqueci que ela não sabia – ela se defendeu. – Nós vamos pra lá todo ano, e de qualquer forma não é muito empolgante. – Ela deu de ombros e continuou a enrolar as plumas.
- Então pra que arrumam a casa? – Quero dizer, isso era um trabalho à toa se não estariam lá para o Natal, não é? Foi isso que minha mãe me ensinou pelo menos.
- É Natal, e nós só vamos para lá no dia – Rachel explicou.
Eric estava por fora de nossa conversa, por demais entretido em arrumar o cabo das luzinhas, que parecia estar com mau-contato.
- Nós gostamos do Natal, é um clima feliz – Lauren disse, passando as pluminhas como um espanador no meu nariz, o que me fez espirrar, arrancando risadas.
- Passando o Natal aqui ou não nós temos que decorar a casa, é uma tradição – continuou Rachel.
- Amor, pega meu canivete, por favor? – Eric pediu, ainda agachado com o cabo na mão. – Ou pode ser uma faca mesmo.
Rachel foi em direção a cozinha, enquanto eu começava uma lutinha particular com Lauren para tentar fazê-la engolir as pluminhas.
- Não vale, você é mais forte – reclamou Lauren, virando o rosto para que eu não enfiasse as pluminhas na sua boca.
- Nada de esforço, lembra querida? – Rachel nos interrompeu, entregando uma faca para o marido, que murmurou um agradecimento.
Soltei Lauren de má vontade, voltando minha atenção agora para os enfeites brilhosos, como miniaturas de renas.
- Então não tem problema eu passar o Natal com a família do ?
- É claro que não – Rachel respondeu simpática.
- Mãe, posso passar com eles? Eu não quero ter que ver o vovô cuspindo comida de novo – Lauren reclamou manhosa, me ajudando com os enfeitinhos.
- É só você não olhar pra ele quando ele come – Eric se manifestou.
- Como se fosse possível…
- Seus presentes estarão lá – a voz de Rachel disse do outro lado da árvore. – Se quiser ganhá-los, vai ter que abri-los lá.
- Mas…
- Lauren, ligue as luzinhas na tomada – o pai a cortou.
Ela bufou e eu mostrei a língua pra ela, que fez o que o pai pediu em seguida. As luzinhas não acenderam.
- Pode desligar. – Ele voltou a se concentrar no cabo.
- Eu posso sair e comprar alguma coisa pros pais dele se você quiser, querida – Rachel propôs. – Vou amanhã comprar os presentes pros meus pais, de qualquer forma.
- Obrigada – eu aceitei de bom grado.
- Acho que agora vai pegar, me ajudem aqui garotas – Eric nos deu o cabo branco cheio de mini-lâmpadas e nós os enrolamos em volta da árvore, tomando cuidado para que as luzinhas ficassem bem visíveis.
- Eba! Está linda! – eu comemorei orgulhosa assim que terminamos.
- Ainda não acabou – disse Rachel, voltando à caixa em cima do sofá. – Mas quem vai colocar a estrela?
- Nós vamos colocar juntas! – Lauren se manifestou, sumindo correndo da sala e voltando com uma cadeira em mãos.
Ela posicionou a cadeira em frente à árvore e eu subi nela cuidadosamente, Rachel ao meu lado por segurança.
- Eu te ajudo. – Eric colocou Lauren nos ombros e se levantou com ela, que sorria feliz. – Você tá cada vez mais pesada.
- Eu não tô gorda, pai – ela reclamou.
- Igualzinha a mãe, sempre entende errado – ele comentou, chegando com ela perto da árvore.
Rachel nos passou a grande estrela, provavelmente o maior enfeite daquela árvore. Cada uma com uma mão, nós encaixamos a estrela juntas no topo da árvore.
Quando me colocaram no chão novamente, eu estava tentando conter as lágrimas a todo custo, mas isso infelizmente não passou despercebido.
- O que houve? – Rachel me abraçou com urgência. – O que foi, querida?
Agora todos me olhavam preocupados, enquanto as lágrimas começavam a escorrer, mas um sorriso insistia em meu rosto.
- Vocês são a melhor família do mundo – eu disse, me enterrando nos braços de Rachel.
- Awn – Lauren gemeu baixinho, me abraçando por trás, seguida de Eric. – Nós também te amamos.
Eu sorri, feliz por ter um lugar no mundo, por ser realmente querida por alguém. Não era como ser amada por , apesar de ele me dar uma certa sensação de família também, mas isso era uma coisa diferente. Sempre disseram que família era uma coisa para a vida toda, para todas as horas, amor incondicional. Agora, finalmente, eu tinha minha família de verdade. Eu não poderia estar mais feliz com minha sorte e destino, apesar de tudo.
Capítulo 30
When I look at You
- Oi, amor! – eu pulei nos braços de assim que ele abriu a porta, o sufocando com meus braços com apenas uma pequena parcela do que a saudade havia me sufocado durante uma semana e meia. É, eu tinha um certo problema de dependência quanto a ele.
Seus braços se fecharam fortemente ao redor de minha cintura, tirando meus pés do chão.
- Que saudade, pequena – sua voz grossa e rouca fez cócegas em minha nuca, me arrepiando ao ponto de me fazer estremecer. Ele riu, o que provocou mais uma onda de arrepios.
- Eu achei que ia morrer ontem de tanta ansiedade – choraminguei, apertando meus braços envolta de seu pescoço.
- Você tá me sufocando – sua voz saiu ligeiramente fraca.
- Desculpa. – Eu o soltei, me sentindo um pouco envergonhada.
- Você tá linda – ele disse com um sorriso de lado.
- Como você sabe? – Franzi o cenho.
- Você está com aquele agasalho preto fininho que compramos no shopping se não me engano e… - ele passou a mão pela minha cintura, a deslizando até a barra do meu vestido. – Qual é a cor desse vestido?
- Vermelho.
- Você fica perfeita de vermelho, combina com você. – Eu não pude evitar sorrir. Ele levou uma das mãos a minha cabeça, deslizando-a delicadamente pelo meu cabelo. – Está mais alta, deve estar de salto. Hey, você pode usar salto?
Revirei os olhos. “Rachel me trouxe de carro, eu só andei até o saguão do prédio”.
- Só estou curioso de por que você está arrumada tão cedo. Ainda nem almoçamos.
- Na verdade eu fiquei com receio dela não gostar de mim – confessei, olhando para o chão.
- Mas minha mãe já te conhece – ele perguntou confuso.
- Sua irmã – murmurei.
Ele riu. “Quer que ela goste de você? Então não deixe ela te ver assim. Se vista como sempre, não tente entrar em nenhuma moda.”
- HEY! – reclamei indignada. – Tá dizendo que minhas roupas são ruins?
- Eu amo o jeito como você se veste, diferente de todas as outras garotas. – Ele segurou as laterais do meu rosto e me deu um selinho. – Diferente dessas tendências idiotas. Você é perfeita.
Eu tentei continuar brava, mas não consegui evitar roubar um selinho dele. E outro.
- Vem, vamos aproveitar que minha irmã está no quarto dela pra você se trocar. Cadê suas coisas?
- Aqui. – Me abaixei e peguei a mochila mediana, gasta e desbotada que descansava contra a parede ao lado da porta.
segurou em minha mão, me dando uma ultima olhada ligeiramente vaga – coisa que eu tentava ignorar com todas as minhas forças, por mais que isso parecesse esmagar meu coração como uma massa de pão sendo sovada – e me levou para dentro do apartamento, onde sua mãe me recebeu calorosamente, permitindo que escapássemos de fininho em seguida para o quarto de .
- Eu coloquei essa foto na minha cabeceira também, esqueci de te contar. – Peguei o porta retrato que descansava na cabeceira ao lado da enorme e macia cama de casal onde dormia. – Mas a minha é em preto e branco, recortei do jornal da escola.
sorriu, tateando a borda da cama até encontrar minha perna e sentou ao meu lado. Me deu um beijo na bochecha e começou a fazer carinho em minha coxa.
- Se quiser eu peço pro conseguir uma colorida quando o recesso acabar. – Ele deu um beijinho na altura do meu queixo, prosseguindo por meu pescoço.
- Não precisa. – Meus olhos involuntariamente se fecharam e eu comecei a fazer cafuné em seus cabelos. – Prefiro que tiremos uma hoje, o que acha?
- Uhum – ele murmurou contra meu pescoço, me puxando mais pra mais perto pela cintura.
- , o médico disse pra eu não abusar da sorte. – Era totalmente contra minha vontade interromper aquilo, mas eu não tinha muita escolha. – Sexo está incluso nas restrições de coisas em que não posso fazer muito esforço.
- Mas já faz mais de uma semana – ele reclamou, continuando a torturar meu sensível e indefeso pescoço.
Foco, , foco.
Eu tentei iniciar uma frase, mas seu perfume começava a embaralhar minha mente, enquanto sua boca tratou de dar outros afazeres a minha além de falar. Nossas línguas quentes brincavam de uma forma urgente, o gosto dele me fazia perder a noção de qualquer outra coisa. Ele inclinou o corpo sobre o meu, fazendo com que eu fosse vagarosamente me deitando contra a cama.
- – eu sussurrei quando minha cabeça encostou no travesseiro fofinho, o afastando delicadamente e totalmente contra minha vontade e desejos do meu corpo, que gritava ansiando por ele. – É sério.
Ele tirou uma das mãos de debaixo do meu vestido, encostando a cabeça contra meus seios, se dando por vencido, apesar de xingar baixinho. Continuei a fazer carinho em seu cabelo, até que achei uma parte mais elevada, estufada. Eu segui meus dedos sobre ela, estranhando, e ele reclamou de dor.
- O que é isso? – perguntei, afastando minha mão instintivamente.
- As cicatrizes – ele disse contra minha pele, como se aquilo fosse normal.
- Tadinho! – é, eu não pude evitar dizer isso. – Tem mais além dessa ainda?!
- Tem, mas já estão um pouco melhores. – Ele procurou minha mão pela cama, a pegando e devolvendo a sua cabeça, guiando meus dedos entre emaranhado (pelo qual eu era responsável) de seus cabelos até achar mais duas cicatrizes pequenas, uma no caminho entre a lateral direita de sua cabeça e a nuca e outra na parte superior de sua nuca. Mas a que realmente me assustava era a primeira que eu tinha achado, na lateral esquerda de sua cabeça, perigosamente perto de seu rosto. Era uma linha sinuosa que ia desde um pouco acima de sua orelha até quase o topo de sua cabeça. Eu fechei os olhos, respirando fundo e tentando controlar minhas emoções.
- Eu não tinha visto essa ainda, seu cabelo estava encobrindo – murmurei, roçando meus dedos com delicadeza em sua cicatriz novamente, tentando assimilá-la.
- É a intenção.
- É por isso… É por isso que você está… - Não consegui evitar engolir em seco, sentindo um nó na minha garganta. -… assim?
- Cego? – ele perguntou, e eu murmurei uma confirmação. – É, foi essa pancada que afetou minha visão. Mas, sabe, cego não é nenhum tabu ou palavrão.
- Desculpe – foi tudo que eu minha garganta, que parecia estar se fechando mais a cada segundo, me permitiu dizer sobre o assunto. – Acho melhor eu me trocar – minha voz saiu levemente esganiçada, e eu o tirei de cima de mim delicadamente, pegando minha mochila e me enfiando no banheiro da suíte antes que os soluços começassem a escapar de minha garganta.
Chequei-me novamente no espelho e dei um leve sorriso. Agora eu estava sem dúvida mais confortável, apesar de menos glamorosa. Olhei para o all star jeans nos meus pés, me equilibrando para virar meus pés para dentro e para fora infantilmente. Eu adorava a forma como eles ficavam na luz e praticamente pretos quando escurecia, e eles combinavam tão perfeitamente comigo e com minhas calças skinny jeans.
Dentro da casa o frio era muito pouco – Deus abençoe os aquecedores –, então eu podia vestir apenas uma blusa de manga comprida branca por baixo da minha blusa preta com uma estampa branca no peito dizendo “É nóis”. Inevitavelmente eu ri. Era por isso que eu adorava essa camisa e por isso que a tinha escolhido agora, ela sempre me fazia rir.
- Vamos ver se você acertou agora – disse assim que sai do banheiro. Ele estava sentado na ponta da cama, uma lata de cerveja com gotículas de água escorrendo por fora em uma das mãos e me chamando para mais perto com a outra.
Ele passou a mão pela lateral do meu corpo, passando os dedos pela manga da minha camiseta e deslizando pela estampa, franzindo a testa e tentando entendê-la.
- Eu acho que tem alguma coisa escrita, mas não consigo entender.
Segurei as costas de sua mão, deslizando sua mão propositalmente para a lateral da estampa, onde ele podia sentir meu seio.
- “É nóis” – expliquei. – Uma expressão brasileira, por assim dizer.
- Ah. E o que quer dizer?
- “Somos nós”, seria o certo, mas assim é mais engraçado. Quer dizer coisas como “estou dentro”, por exemplo, mas também é uma forma de zoar a educação precária que o Brasil tem em muitos lugares.
Ele fechou os olhos, me aliviando de seu olhar vago, e fazendo uma carinha que quase me fez pular em cima dele quando mordeu o lábio inferior. Deixá-lo excitado me excitava. Muito.
Agora eu não estava mais sobre o controle de sua mão, que massageava meus seios com vontade. Passei minhas pernas uma de cada lado de seu corpo, sentando em seu colo. Ele subiu a mão espalmada por meu colo, a deslizando para minha nuca e me puxando com urgência para um beijo intenso.
Eu me endireitei em seu colo, chegando mais para a frente de suas pernas, começando a provocá-lo como eu tanto gostava. Ele interrompeu o beijo e levantou a cabeça para cima, puxando o ar para respirar fundo. Seu pescoço exposto foi tentação demais para minha boca sedenta por ele, e eu não resisti a iniciar uma sessão de lânguidos beijos ali, mesmo sabendo que ele só fazia aquilo de levantar a cabeça quando estava tentando se controlar naquela situação. Mas, é claro, havia uma resposta mais forte logo abaixo de mim.
- , nós… - ele respirou fundo mais uma vez, e eu o senti engolir saliva enquanto mordiscava seu pescoço. – Eu não posso… quero dizer, você não pode…
- Ah, qual é, – eu subi meus beijinhos até seu queixo. – Brincar um pouco não mata ninguém.
Um sorriso safado se instalou em meu rosto automaticamente. Ele deu um longo gole na lata de cerveja em sua mão e se abaixou um pouco de lado em seguida para deixá-la no chão. Ele pousou as duas mãos em minhas bochechas, gelando uma delas e me fazendo estremecer por um segundo. Ele riu, desenhando meu rosto com os dedos, lendo minha expressão. Ele abriu os olhos, devolvendo meu sorriso com a mesma malícia. Era tão estranho não ver mais aquele fogo em seus olhos cada vez que ele me olhava, aquela intensidade toda. Isso machucava.
Mas eu sabia, simplesmente teria que me acostumar.
- Crianças – a voz da mãe de ecoou no corredor segundos antes dela abrir a porta do quarto, tempo o bastante para eu pular fora do colo de . O que não foi a melhor das idéias, já que o deixou meio exposto. – Ou, desculpe – ela pediu sem graça, mas se recompondo rapidamente. – Está faltando algumas coisas pra fazer o jantar, será que vocês podiam ir comprar pra mim?
- Claro – eu aceitei com um sorriso, me levantando da cama e passando a mão pela camiseta, ilusoriamente desamassando-a.
- Ah, mãe, pede pra Vicky. – fez uma careta de preguiça, provavelmente porque estávamos começando a nos divertir a pouco.
Contive a vontade de rir, apenas mantendo o sorriso simpático de santinha que eu usava para todas as mães, apesar dele quase nunca enganar Rachel.
- Na verdade ela vai com vocês, mas eu não a quero andando sozinha por aí.
- Mãe, a senhora sabe que não tem com o que se preocupar mais – uma voz feminina reclamou alto, provavelmente do começo do corredor ou da sala.
- Mesmo assim eu prefiro que os dois vão com você – ela respondeu na direção do corredor, como colocando um ponto final.
- Como se fosse fazer muita diferença – resmungou baixinho, se levantando.
Eu notei que tinha escutado, mas fingiu que não. não podia ver a tristeza que perpassou em seus olhos com aquilo.
- Venha comigo, querida – ela me chamou, se recompondo. – Vou te dar a lista de compras.
Eu a segui pelo corredor, vendo na sala apenas os cabelos de uma garota no sofá, mas ela não se deu ao trabalho de se virar para que eu pudesse ver seu rosto. Eu queria saber se ela parecia com , com . Talvez com o pai deles, apesar de eu nunca ter visto uma fotografia, mas com certeza tinha puxado os traços da mãe.
E eu tinha que admitir, era uma pessoa forte. Ela já havia passado por muita coisa, e havia aprendido a mascarar seus sentimentos, se recompor de um deslize em segundos, esconder sua tristeza. Ela havia perdido o marido, vivendo sob a ameaça dos assassinos e ainda tendo que ver seus próprios filhos ameaçados. Ela teve de abandonar seu próprio lar e tudo que estava ligado a ele, obrigando sua filha a fazer o mesmo, se escondendo para sobreviver. Imagine como ela não se sentia com longe dela, em um lugar em que era um alvo fácil, totalmente sozinho e desprotegido.
Coloquei instintivamente a mão sobre a barriga, sentindo agonia apenas de imaginar sua dor, seu sentimento de incapacidade para cuidar de seus próprios filhos…
- Aqui – me estendeu um papel com a lista de compras. – Você está bem, querida?
Me dei conta de como minha expressão deveria estar e a recompus em um sorriso.
- Estou.
- Sabe, na verdade eu podia mandar sozinha, mas eu acho que precisa dar uma volta, não tem problema pra você?
- Não, ele realmente precisa de algum ar fresco.
Ela sorriu agradecida. “Você vai cuidar bem dele” ela passou a mão por uma mecha do meu cabelo. “Eu tenho certeza de que vai, mesmo eu achando que vocês ainda são muito jovens… Bom, é bem melhor do que ele ficar sozinho.”
- Vai ser melhor pra mim também – eu sorri, dessa vez sincera.
- Para os dois, tenho certeza.
- Vamos? – chamou da sala.
- Vamos.
Me juntei a do lado de fora do apartamento, mais uma vez vendo apenas o cabelo da irmã de , que batia o pé impacientemente a espera do elevador.
- Achei que você escutaria sua mãe no corredor – eu disse meio distraída quando fechou a porta.
Ele riu. “Ainda estou me adaptando, amor. Eu não sou nenhum vampiro com super audição.”
Eu ri e o puxei pela mão assim que o elevador abriu, dentro do qual ele me envolveu por trás com seus braços ao redor de meu pescoço, me dando um beijinho na bochecha. Inevitavelmente eu sorri.
Agora sim eu podia ver o rosto da garota ao meu lado, apesar de ela estar olhando para o painel que marcava os andares. Sem dúvida ela se parecia com : o mesmo formato de rosto, nariz, e alguns outros traços, apesar dos lábios não serem os mesmos e os olhos não terem muito em comum. Eu tinha a impressão de que o cabelo deles devia ser igual, mas era impossível definir com a tinta que o cobria assim como algum provável alisamento.
- Oi – eu murmurei sem graça, mas aquele silêncio todo estava me matando.
Ela me olhou surpresa. “Oi.” Sem conseguir disfarçar muito, ela estava me medindo de cima abaixo.
Sua expressão até então não muito simpática se transformou em uma mais amigável.
- , quando você aprendeu a arranjar namoradas decentes? – ela brincou, me fazendo sentir bem mais confortável agora, quase me sentindo livre o bastante para responder “Desde que ele parou de frequentar o puteiro onde a Brooklie trabalhava”, mas eu consegui me conter.
- Eu disse que você ia gostar dela – ele respondeu, me dando outro beijinho na bochecha.
- Seu cabelo é colorido? – ela se aproximou de mim, os olhos praticamente brilhando.
- Aham – eu o dividi em duas partes atrás e puxei para frente, deixando-a mexer nele.
- Dude, é super cool! – ela aprovou empolgada. – Eu quero fazer uma mexa rosa, mas ainda não consegui decidir em que parte do cabelo.
- Vai ficar legal – eu concordei.
- Não, ela vai ficar mais esquisita do que já é – se intrometeu.
Eu sabia que ele estava apenas implicando com ela, pois ela não era esquisita e uma mexa rosa ia ficar legal, mas eu tive que lhe dar uma cotovelada na barriga.
- Eu tenho cinco cores, isso me torna cinco vezes mais esquisita?
- Eu tava brincando – ele reclamou, tirando um dos braços que estava a minha volta e massageando as costelas.
A porta do elevador deslizou para o lado e nós saímos dele, rindo ao meu lado.
Nós andamos dois quarteirões até chegar ao supermercado, comigo guiando por todo o caminho. Era estranho ter que avisá-lo de cada degrau ou buraco, mas eu sabia que era ainda mais desconfortável para ele tentando nos acompanhar, os passos incertos no solo desconhecido.
- E aí, por onde quer começar, pelos chocolates ou bebidas? – perguntou casualmente a .
- Eu pego as bebidas, mas dessa vez você só vai virar refrigerante, pirralha.
- Qual é, prometo que não vou exagerar como da última vez – ela fez carinha de piedade, mesmo que não pudesse ver, estava claro em sua voz.
- Você quer dizer que não vai vomitar como da última vez – ele corrigiu. – Nada feito, vá brincar com seus priminhos, viver sua infância, pirralha.
- Tudo bem, eu pego escondido e você nem vai ver, ceguinho – ela debochou.
Ele não se deixou abalar pelo que ela disse. É, talvez eu estivesse encanada demais com essa palavra, ou com tudo isso. Ou talvez os dois vivessem se ofendendo feio mesmo.
- Se eu soubesse onde sua cabeça está você ia levar um pedala agora – ele retrucou. – Se bem que ela é tão grande que não deve ser tão difícil achar.
Eu ri. Pode parecer maldade de certo ângulo, mas estava ficando difícil não rir dos dois.
- Certo, fique com toda bebida, você talvez acabe apalpando a tia Beth dessa vez ao invés da nossa prima.
Ow, ow, ow, parou. A graça acabou pra mim agora. Que prima?
- Compre bastante chocolate pra substituir os namorados que te deram um pé na bunda no último mês. Compre sorvete também, aí você vai poder chorar na frente de seus filminhos bestas sobre romances que você nunca vai conseguir porque é esquisita demais pra alguém querer ficar com você.
- Pelo menos foi a minha ex-namorada que correu para os braços do meu melhor amigo assim que te meteu o pé na bunda porque era muito ruim.
- Pelo menos não foi sua ex-namorada? Resolveu assumir que é lésbica finalmente? Sabia que você era esquisita…
Certo, isso já estava me machucando. Eu queria dar um belo berro para os dois calarem a boca e entrarem de uma vez na droga do mercado, mas resolvi respirar fundo e mandar os dois se foderem mentalmente e caminhar para dentro do mercado, deixando os dois para trás. Eles que se virem.
Peguei a lista do bolso do meu agasalho e a desdobrei, iniciando minha busca pelos itens dela com um carrinho em mãos. Eu já estava colocando os fones no ouvido para me distrair um pouco quando o celular anunciou uma chamada. O volume estava meio alto, o que provocou a atração de muitos olhares pra cima de mim quando a música tocou nele. Droga, devia ter conectado a porra dos fones logo.
- Que foi? – atendi muito educadamente depois de ver que era quem me ligava.
- Nossa, oi, pessoa feliz – ela respondeu ironicamente. – Acordou de mau humor é?
- Não, mas discussões me estressam, ainda mais quando tem uma prima mal explicada no meio da história.
- Brigou com o ? – eu segurei o celular entre o ombro e a orelha para pegar duas embalagens de molho e colocá-las no carrinho.
- Não, tava assistindo ele discutir com a irmã.
- Hum. Mas então, você tá na casa?
- Não, num supermercado perto, por quê?
- Eu ainda não comprei o presente do e ele ainda não comprou o meu, então tava pensando em passarmos aí e irmos pra algum shopping por perto, você podia me ajudar.
- Eu também não comprei nada pro – eu disse pensativa. – Fiquei estocada naquele quarto e não comprei nada, mas acho que Rachel deve ter comprado alguma coisa… ou não. Melhor perguntar pra ela. Mas eu não entendi: você vai comprar alguma coisa pro com ele junto e vice-versa?
- É claro que não, depois eu que sou a lerda do grupo. Nós vamos pro shopping juntos, mas em lojas diferentes. E aí, a gente pode te buscar?
- É, seria uma benção ficar longe daqueles dois discutindo, obrigada.
Ela riu. “De nada.” E então a voz saiu abafada “, você sabe onde fica o supermercado perto da casa dele?” Ele respondeu algo no fundo que eu não consegui escutar direito. “, como ele é?”
- Grande e amarelo.
Segurei novamente o celular entre a orelha e o ombro para poder pegar latas de leite condensado. Na lista ela pedia três, mas eu peguei cinco. Dá última vez eu não tinha tido a oportunidade de fazer o que queria com aquilo, já que o barco onde estávamos explodira, então essa me parecia uma ótima oportunidade. Hum… melhor pegar mais uma, pelo jeito gosta de chocolate.
- Tá, ele sabe onde é, te pegamos daqui quinze minutos aí na frente, pode ser?
- Tá, me dá um toque quando estiver na porta.
- Certo, tchau.
- Tchau – desliguei a chamada, coloquei o outro fone no ouvido e conectei no celular, agora sim tendo chance de escutar minhas músicas que eu tanto adorava.
Quando a música “Naturally” da Selena Gomez interrompeu a música “Le Disco” da Shiny Toy Guns que antes eu escutava eu já havia pegado a maior parte do que estava na lista de compras e jogado no carrinho.
- Vou procurar o e já encontro vocês aí na frente – eu disse atendendo pelo foninho do celular.
- Quê? – a voz de soou extremamente alta em meus ouvidos.
Tá, eu nunca me dei bem em me comunicar pelo pequeno microfone no fio dos fones, então desconectei-os irritada e coloquei o celular na orelha.
- Tô indo, peraí.
- Tá – ela desligou e eu guardei o celular e o fone no bolso da calça, começando a vagar pelas estantes do mercado a procura de .
Eu o encontrei junto com , sendo guiada desde alguns metros pela discussão dos dois na sessão de bebidas.
- Porra , pega logo a droga da caixa de cerveja Heineken – dizia irritado.
- Não, odeio cerveja, escolhe outra coisa – ela insistiu.
- Mas eu gosto – ele continuou.
- Vocês estão discutindo até agora? – perguntei indignada me aproximando com o carrinho. – Aqui , só faltam essas últimas coisas – eu mostrei o final da lista. – E acho que você é muito nova pra ficar enchendo a cara, então… - eu peguei uma caixa de cerveja Heineken e coloquei no carrinho, a fazendo reclamar. Em seguida peguei duas garrafinhas de Sminorff e as coloquei no carrinho também. – E quando forem pegar chocolate, peguem algum que os dois gostem ou de dois tipos. , eu vou com a e o pro shopping, quer vir com a gente?
- Não, eu tenho que ajudar a a carregar as coisas – ele me chamou disfarçadamente com a mão e eu me aproximei. – Te amo pequena – ele deu um beijo em minha testa seguido de um selinho.
- Te amo – eu respondi baixinho, um sorrisinho em meu rosto e passei a mão por sua bochecha.
- Não vai pegar nada pra você? – ele se referia as bebidas.
- Não, tô de boa – na verdade eu não podia beber nada alcoólico mesmo e refrigerantes e sucos já tinham na casa dele.
- Ok – ele pegou a mão que estava em minha bochecha e a levou aos lábios, dando um beijo em sua palma.
Naturally voltou a soar alto de meu celular.
- Tchau – eu lhe dei outro selinho antes de me distanciar. – Tchau, !
Ela acenou e eu rejeitei a ligação de , me apressando pelos corredores do supermercado até chegar à fachada amarela dele, onde encontrei o grande carro preto de bem à frente.
- Oi, amora – me cumprimentou animada do banco do carona enquanto eu entrava no banco de trás.
- Oi – eu devolvi seu sorriso. – E aí, .
- E aí – ele deu partida no carro. – Por que não chamou o ?
- Ele ia ter que ajudar a com as compras – peguei meu celular do bolso, me lembrando de ligar para Rachel.
Sorte minha ter me chamado para as compras, pois o presente que Rachel havia comprado era uma carteira. As intenções eram boas em me ajudar e uma carteira não era exatamente ruim, mas eu queria lhe dar algo especial, afinal, ele vivia me dando presentes nada baratos sempre que tinha uma desculpa para tal, e Natal com certeza seria mais uma oportunidade para ele fazer isso novamente. Além disso, eu queria que fosse algo que ele fosse curtir, algo que lembrasse nós dois. Agora a dificuldade era descobrir o que podia ser tão especial para ele.
- Eu não consigo escolher, os dois são tão a cara do ! – , após uma hora e meia de procura em cinco lojas diferentes, finalmente tinha encontrado algo para dar a , mas agora não conseguia escolher entre a camisa quadriculada vermelha preta e branca e o agasalho azul da Hurley.
- Pense qual ele vai usar mais, a camisa ou o agasalho – sugeri.
- Depende do dia, como eu vou saber? – perguntou indignada.
- Ok, vamos fazer o seguinte – eu peguei a camisa vermelha de sua mão. – Eu dou pra ele a camisa e você o agasalho.
Ela me olhou com os olhos estreitos. “Você estava me usando para também achar um presente pra ele.”
- Um presente de Natal é o mínimo que eu posso dar a ele depois de tudo que ele fez por mim, não acha? – eu disse marota, indo até o balcão. – Pra presente, por favor – eu disse à atendente.
finalmente deu ombros, me acompanhando no balcão.
- Já decidiu o que vai dar para o ? – ela perguntou enquanto pagávamos.
- Não. Hey, você comprou alguma coisa pro e o ? Ou pra e a ? – perguntei tendo um estalo na mente.
- Não – ela disse igualmente pensativa.
- Podíamos presenteá-los juntas – eu sorri empolgada.
- Ótima idéia! – ela bateu palminhas, me fazendo rir.
- Hum, pra é fácil, maquiagem ou bolsa – eu disse pensativa. – Mas e pros outros?
- Já sei! Pra a gente podia dar um vestido, daqueles que seduzem, pra deixar o passando mal. Afinal, ela não tem muitas roupas abertas, né?
- Cara, até que você pensa às vezes – eu zoei.
Ela revirou os olhos, pegando uma sacola do balcão enquanto eu pegava a outra.
- O que nós vamos dar pro ? – perguntei pensativa enquanto nos dirigíamos a outra loja de roupa.
- Boa pergunta.
- O que a vai dar pra ele?
- Um lagarto.
- Hum? – eu não devia ter entendido direito.
- Um lagarto – ela repetiu.
- De pelúcia?
- Não, de verdade. Depois eu sou a lerda.
- Um lagarto? Quem é que dá um lagarto a alguém?
- A - Nós duas rimos. – Você esperava que tipo de presente da namorada do ?
- De alguém que namora o eu devia ter esperado algo pior.
Nós rimos novamente, mas minha atenção foi imediatamente desviada para a vitrine de uma loja ao nosso lado. Andei apressada para ela, parando para olhar o manequim. Aquele casaco era perfeito para ele!
- É a cara do ! – disse empolgada.
Eu a puxei apressada para dentro da loja. Um garoto menos de cinco anos mais velho que nós e não exatamente muito atraente estava apontando para a jaqueta do lado de dentro da loja, e a vendedora a pegou. Ele colocou por cima da roupa e foi até o espelho para verificar.
- Já foram atendidas? – uma vendedora nos perguntou educadamente.
- Eu quero um daquele casaco de couro preto – eu disse apontando disfarçadamente para o rapaz que estava se olhando criticamente no espelho.
- Só um instante, vou verificar – ela foi em direção a um vendedor e perguntou algo, voltando a nos em seguida. – Desculpe, era o último no estoque. Mas temos outro modelo se a senhorita quiser dar uma olhada.
- Está certo, vou dar uma olhada – eu disse desconcertada, indo para as estantes na parede com em meu encalço.
- Talvez ele não compre, ele é muito magrelo, não ficou bom nele – disse baixo para mim.
Nós filmamos cada passo do rapaz, esperando ansiosamente que ele largasse o casaco, mas isso não aconteceu. Ele sorriu para a vendedora e entregou o casaco a ela, nós tínhamos nos aproximado o bastante para escutar que ele iria levar.
- Tenho um plano – sussurrou em meu ouvido. – Mas você vai ter que ser rápida.
Eu assenti e ela chegou mais perto do rapaz, parando em uma estante ao seu lado e olhando claramente para ele. Ele a analisou de cima abaixo, abrindo um sorriso discreto em seguida.
- Oi – ele disse encabulado.
- Oi…
começou a puxar conversa com ele, e eu observei a vendedora deixar o casaco em cima de um balcão, separando-o.
Me aproximei do balcão enquanto ela estava do lado como um cão de guarda.
- Hey, acho que aquela mulher estava te chamando – eu disse a ela apontando com a cabeça uma mulher de cabelos crespos castanhos no meio da loja.
Ela deu um sorrisinho agradecida e logo foi como um corvo atrás de uma comissão. Aproveitando a deixa, peguei sorrateiramente o casaco e o levei para o balcão do caixa, o cartão de crédito já em mãos. Olhei a etiqueta rapidamente. Era bem caro pra uma roupa, mas estava acostumado a roupas de marca, e afinal havia gastados bastante comigo da última vez. Eu podia dar conta de pagar.
- Em duas vezes, por favor – eu disse a caixa. É, duas vezes ou minha mãe come meu couro viva.
- Só isso? – ela perguntou lerdeando.
- Só. Olha, minha mãe tá me esperando no estacionamento, eu tô com um pouco de pressa – ela deu um sorrisinho, tentando esconder o desdém, mas pelo menos foi mais rápida, me dando logo o papel para assinar enquanto eu olhava ansiosamente para que ainda distraia o rapaz. – Obrigada.
- Quer que embrulhe pra presente?
- Não.
- Obrigada e volte sempre – ela disse de modo automático.
Eu peguei a sacola com pressa e andei apressada para fora da loja, fazendo sinal para , que dispensou o rapaz com um repentino tchau e me alcançou no corredor do shopping.
- Ufa, aquele cara era muito lesado – ela desabafou. – Conseguiu?
- É claro – eu tirei a peça de dentro da sacola, a abrindo e mostrando a ela.
Ela o pegou nas mãos e analisou. “Cara, o tecido é uma delicia! E é quentinha!” ela sorriu, procurando a etiqueta e seus olhos se arregalaram. “Uau, Armani? Por esse preço? Você deu sorte”.
- Armani, jura? – eu tomei o casaco de sua mão e conferi na etiqueta. – Nem tinha visto. Acha que ele vai gostar?
- É claro! Vai até te pedir em casamento depois que ganhar – nós rimos, mas então sua feição se tornou séria. O shopping estava lotado, então ela teve de falar mais próxima ao meu ouvido para que não tivesse que falar alto. – Falando nisso, quando vai contar a ele?
Eu me surpreendi com a pergunta, demorando um pouco para formular uma resposta.
- Eu… eu não sei. Ele não anda muito bem, não sei quando devo contar.
- Bom, não é por mal, mas eu acho que sua barriga está começando a crescer, amora – ela disse meio sem graça. – Acho que quanto mais cedo, melhor.
- Mas… e se ele… e se ele reagir mal?
Ela considerou por um instante. “Não se preocupe com isso, você só precisa achar o momento certo. Ou fazer o momento certo. Mas quanto mais rápido, melhor.”
Eu concordei com a cabeça, pensando naquilo.
- Vem – ela me puxou repentinamente, me arrancando de pensamentos importantes.
Logo foi explicado o porquê do puxão, assim que adentramos uma loja de roupas. Era hora de comprar o presente de . Coincidentemente, lá havia um sobretudo preto que me fez lembrar imediatamente do sobretudo de que eu havia estragado. Por que não dar um a ela, então? Eles procuraram no estoque e para minha sorte havia um modelo acinturado bege com grandes botões pretos. Era uma gracinha, e eu me senti satisfeita em poder dá-lo, assim como o lindo vestido preto básico que achamos para . Ele tinha detalhes com desenhos de flores perto da barra, era de alcinha e com uma aparência leve.
Os embrulhos eram de bonecos de neve e desenhava o nome delas com sua letra desenhada em cada cartão específico enquanto eu sugava meu milkshake de morango pelo canudinho do grande copo em minhas mãos. Nós estávamos agora na praça de alimentação, já que a grávida aqui não conseguia esperar até o jantar e tinha que fazer uma boquinha antes.
- Por que eu tenho que escrever? – reclamou.
- Porque você tem a letra melhor – respondi dando mais uma garfada na minha torta holandesa. – Quer? – eu a ofereci ainda de boca cheia.
Ela fez uma careta, mas não resistiu a roubar um pedaço da torta. nunca resisti a doces, principalmente se isso conter chocolate.
- Hey, garotas – chegou e se esparramou na cadeira ao lado de , largando os pacotes de compras no chão. – Conseguiram tudo o que queriam já?
- Ainda não – respondeu de um modo provocante, se aproximando e beijando-o.
- Argh, tem crianças presentes! – reclamei, fazendo uma careta e os interrompendo.
- Com por perto não vá achando que essa criança não vá ver as coisas mais absurdas…
- ! – reclamei. – Por que todo mundo fica falando assim do ? Ele é tão comportado! – oi, eu minto.
riu alto, mas aquela área era barulhenta demais para que isso chamasse a atenção de alguém. “Então é a mãe que devemos culpar?”
Eu o fuzilei com o olhar.
- Qual é, só se a criança for cega pra não ter a inocência corrompida… - Eu a olhei com os olhos arregalados, pega de surpresa. – Oh, desculpe – ela se apressou a dizer, pegando minha mão por cima da mesa. – Foi sem querer, eu não pensei…
- Não, tudo bem, calma – eu me refiz, dando um sorrisinho torto. – Foi só o susto.
- Ainda bem que vocês me ligaram, eu achei umas coisas legais para o e o – mudou de assunto. – Espero que o que vocês compraram valha a pena, eu não quero meu nome em um presente ridículo. – Nós o olhamos com os olhos semicerrados. – Brincadeira, qual é – ele levantou as mãos em sinal de inocência.
- Brincadeira mais sem graça – comentou cruzando as pernas e pegando os pacotes nas sacolas de para escrever os nomes neles.
- Garotos – revirei os olhos.
- Garotos – me imitou com uma vozinha fina.
- Aaah! – exclamei irritada. – Cala a boca.
- Cala a boca – ele voltou a me imitar.
- Mas que saco! – eu cruzei os braços, irritada.
- Mas…
- Dá um tempo, – o cortou. – Vocês parecem duas criancinhas.
Eu não pude deixar de sorrir ao ouvir o tom maduro na voz de , assim como .
- Vai me ensinar a trocar a fralda do meu bebê também? – perguntei divertida.
- Eu estava te defendendo e ainda levo – ela reclamou, passando a outro pacote.
- Esse é do – avisou.
- Deixa eu escrever? – perguntei animada.
me olhou desconfiada por um instante, então me passou o pacote, dando de ombros.
- E aí, quando vai contar ao ? – perguntou tentando parecer casual.
Parei de escrever para lançar um olhar desconfiado a .
- Que foi, nós andamos discutindo o assunto – ela se defendeu.
- Percebi – voltei minha atenção ao pacote novamente. – Mas eu ainda não sei, . Quando for o momento certo.
- Qual é, – deu uma risadinha. – Ele tem dezoito anos, nunca vai haver um “momento certo” – eu o olhei um tanto assustada com a percepção. Ele tinha razão – ou você vai esperar até que ele tateie por sua barriga?
Soltei o ar pesadamente. “Acho que vocês estão certos.”
- Você devia contar essa semana – soltou.
- Quê?
- É, quanto menos você pensar, só fazer o que tem que ser feito, é melhor. Se não você corre o risco de ficar protelando e isso não acabaria bem.
- Mas conte com calma, é claro – olhou torto para e depois tentou me passar compreensão pelo olhar. – Tente ser o mais compreensível possível, calma, entende?
- É, porque você já sabe que ele vai pirar, não é? – , doce .
Assenti com a cabeça. É claro que ele iria pirar.
Capítulo 31
Let it Snow
Desde que saímos do estacionamento do shopping a neve caía espessa e branquinha por todos os lados. Era a coisa mais mágica que eu já havia visto, mas que não podia tocar. De carro fomos direto para dentro do estacionamento do prédio de , mas eu tentei não parecer emburrada ou chateada com isso e resisti arduamente à vontade de abrir a janela e tentar pegar um floco de neve pelo caminho todo, afinal, seria muito caipira da minha parte. Todos ali haviam crescido com a neve caindo sobre suas cabeças todo ano, seria ridículo eu demonstrar o quanto aquilo era impressionante e excitante para mim. Não que fosse minha culpa não nevar no Brasil (com exceção do Rio Grande do Sul, se não estava enganada), mas eu me sentiria um tanto incomodada.
e subiram comigo, me impedindo de escapulir para fora do prédio ou alguma parte descoberta dele, para cumprimentar e a família, da qual parecia íntimo. Bem íntimo. Do tipo que bagunçou de modo implicante o cabelo de e falava com abertamente e os dois até riam enquanto ele experimentava algo que ela preparava na cozinha. No sofá estavam três pessoas que eu não fazia idéia de por que estavam ali, mas que logo as apresentou. Sua tia Beth e o marido Clark, e um primo de segundo grau de sua mãe, Roberto.
Todos sorriram simpáticos e eu tentei ser igualmente simpática. arrumou os pacotes na base da árvore antes de almoçarmos. Quando ela e se despediram, ela prometeu entregar todos os presentes hoje, exceto o de , que entregaria amanhã. E, é claro, ela fez questão de sussurrar em meu ouvido um “Conte logo” enquanto me abraçava forte.
Logo eu descobri que Roberto era um cara divertido, mas o casal Beth e Clark eram do tipo conservadores e fizeram uma careta ao perceber as mechas coloridas em meu cabelo. Eles tinham uma filha de doze anos e com certeza eu era um pesadelo pra eles. Isso porque eles não sabiam nem metade da história.
Mas a filha estava na casa de outra tia de , cujas não se deram ao trabalho de passar aqui, apenas fizeram rápidas ligações. É claro, o casal também já estava de saída, só vieram almoçar e já estava indo para a casa da outra irmã de , onde passariam o Natal.
Roberto era o único que permaneceria. Ele tinha vinte e quatro anos, mas parecia ter a idade de enquanto os dois riam alto na sala.
Beth já passava dos quarenta, assim como o marido, e era bastante inconveniente em suas perguntas a , as quais pareciam conseguir sempre desviar o caminho para sua cegueira e como ele pretendia ter algum futuro daquele jeito.
Eles não faziam idéia de que eu iria morar com em pouco tempo. Ninguém naquela sala sabia que eu estava grávida. E mesmo assim as perguntas conseguiam ser tão maldosas e cortantes para mim quanto para ele.
Eu não conseguia pensar em algo para livrar da conversa com seus tios, e ele devia sentir saudade deles, de alguma forma. Então tudo o que eu me resumi a fazer foi sentar em um canto afastado da sala em frente à janela e observar a neve cair pelo vidro embaçado. Eu queria tanto poder tocá-la. Mas meus pensamentos logo estavam longe dos pedaços macios de céu que caíam graciosamente.
Eu estava começando a sentir o peso daquilo tudo, começando a entender o que iríamos enfrentar. O que maldição eu estava pensando, que tudo seriam flores e dois adolescentes totalmente despreparados e inconsequentes, sem quase nenhuma experiência de vida, e um deles ainda sendo cego, criariam uma criança sem qualquer problema? Como eu podia ter sido tão burra ao ponto de engravidar?
Talvez eu esperasse que soubesse o que estava fazendo na hora, já que ele era o mais experiente por ali. Talvez tivesse sido apenas o calor do momento, a ansiedade e a insanidade que ele me causava. Mas, com toda certeza, eu não esperava que aquilo acontecesse comigo.
E agora eu estava começando a pensar no que iria acontecer. Desastres, obviamente.
- Cólica? – uma voz grossa me sobressaltou.
- Ahn? – eu perguntei confusa, retomando o fôlego.
Roberto se sentou a meu lado no carpete, cruzando as pernas.
- Perguntei se você está com cólica – ele repetiu, me olhando atentamente. Ele tinha uma voz que lembrava vagamente a de , porém era mais grossa e menos rouca, parecia reverberar no ar a nossa volta, apesar de não poderem nos ouvir do sofá. Ele tinha as mesmas sobrancelhas e formato do rosto parecido, mas todo o resto era diferente. – Você não pára de esfregar a barriga.
Arregalei os olhos um pouco, tirando imediatamente a mão dali.
- Mania – respondi, me recompondo e tentando parecer descontraída.
Ele riu. Era uma risada simples, nada escandalosa como a de .
- Você é esquisita – ele deu um sorriso de lado. – Deve ser por isso que ele se apaixonou por você.
De primeira eu me senti ligeiramente ofendida, mas não pude evitar sorrir.
- Isso era para ser um elogio?
- Supostamente.
Nós rimos.
- Achei que vocês eram do tipo de família grande que passaria o Natal juntos – disse após algum tempo de conversa.
- Nós éramos, mas as coisas mudaram desde o último Natal. A família se afastou.
Eu franzi a testa. “Mas pelo que entendi, estão todos indo passar o Natal na casa de uma da outra tia, por que eles não?” Roberto me olhou de modo triste, e então eu percebi. “Oh, é por minha causa, não é?”
Ele sorriu de modo triste também.
- Não, não é por sua causa. Os não foram sequer convidados.
O olhei confusa. “Por que não?”
- Você não iria querer saber das coisas que andaram acontecendo, é complicado.
Rolei os olhos. “Com certeza eu sei mais do que você, não me venha com essa. Desembuche.”
Ele me olhou surpreso. “Você deve gostar realmente dele para estar aqui, então.”
- Mais do que possível – eu respondi séria.
- Como você deve imaginar, todos estão com medo de fazer contanto com eles. Imagine ter eles em sua própria casa, podendo se tornar ainda mais um alvo? Me surpreende que Beth e Clark tenham vindo, se você quer saber.
- Mas eles não trouxeram a filha – observei.
- Exatamente – ele tirou um maço de cigarros do bolso e pescou um, colocando-o na boca.
- Então por que você veio? – perguntei curiosa.
Seus olhos azuis pareceram acender labaredas por detrás.
- O pai de era como um pai pra mim – ele respondeu, tirando o cigarro da boca. – Eu quero que aquele canalha venha atrás de mim. Eu não vou errar o tiro.
Eu não pude evitar estremecer violentamente com os fleches de lembrança que invadiram minha mente.
- Bebé, eu pedi para você não falar sobre isso – o repreendeu, nos sobressaltando.
- Estou bem – eu disse, mas minha voz estremeceu.
- Vem cá – me chamou com a mão estendida e me ajudou a levantar.
Eu o abracei apertado, afundando o rosto em suas roupas, me drogando em seu perfume. Sentindo-me segura novamente.
Roberto acendeu o cigarro com um isqueiro grande e prateado, com o desenho de uma mulher nua.
- Sua mãe não se incomoda de fumarem aqui dentro? – eu perguntei antes que pudesse me conter.
- Roberto, apaga essa porra.
- Vou apagar no seu carpete.
- E eu te jogo pelo buraco de lixo do corredor.
- Onde sua mãe te jogou quando você nasceu? Soube que eles demoraram mais de uma semana pra se lembrar de você. Sobreviveu sugando lixo.
- Vá se foder e apaga essa porra logo.
- Vou lá pra fora – ele se levantou. – Você vem?
me guiou até a porta, seguindo-o. Quero dizer, me empurrava ligeiramente enquanto me abraçava por trás e eu conduzia a direção, apesar de ele conhecer em parte o caminho mentalmente.
Pegamos nossos grossos casacos e descemos até o salão de jogos do prédio, onde havia uma mesa de sinuca e só então percebi que tinha duas latas de cerveja na mão. Entregou uma a Roberto.
- Tá a fim de jogar? – Roberto perguntou, já indo até os tacos.
- Não, imbecil, como é que eu vou jogar – retrucou, irritado. – A não ser que esse taco seja pra enfiar no seu…
- Não estava falando com você – Roberto o cortou. – Estava falando com a dama.
Ele me ofereceu um taco curto com um sorriso.
- Vá dar em cima da sua mãe, desgraçado – xingou.
Eu aceitei o taco, rindo.
- Não, a sua é mais gostosa.
- , pega um taco pra mim. Eu vou quebrar na sua cabeça.
- Você vai tatear até me achar? Podemos brincar de gato mia, se quiser.
- Não, eu já brinquei com a sua irmã, obrigado.
Eu abri a boca, ofendida.
- Eu tô esperando a sua crescer.
- Eu não tive que esperar a sua pra comer ela.
- É, ela me contou o quanto você é ruim de cama.
- Não, é sério, cara – disse e então fez-se um silêncio total. – Foi a melhor de todas, se isso ajuda.
Ele tinha uma expressão séria no rosto, e eu não me preocupei em olhar para Roberto. Ele… ele… O QUÊ?
Em menos de três segundos, o taco em minha mão cortou o vento zunindo, acertando em cheio a barriga de . Eu taquei o taco no chão, furiosa, enquanto ele se curvava de dor. A risada de Roberto ecoava pela sala enquanto eu saía batendo os pés, de punhos cerrados.
Eu entrei no elevador, que se fechou enquanto gritava alguma coisa por cima das gargalhadas de seu primo.
Entrei no apartamento chorando de raiva, mas tentando passar despercebida. No quarto peguei minha mochila e a taquei nas costas, voltando rapidamente para a porta. Minha cabeça estava a mil, e eu quase gritei com o susto que levei ao dar de cara com .
- Sai da minha frente – eu rosnei alto.
- Onde você pensa que vai? – ele franziu a testa. – Era só brincadeira, não acredito que você me bateu.
- Ah, agora era brincadeira? – eu tentei passar por debaixo de seu braço, mas ele segurou meu pulso, pegando minha mochila das costas e a tacando na parede oposta do quarto. – ! Eu vou para a minha casa com ou sem mochila, saia do caminho agora mesmo.
- Claro, você vai a pé, sem dinheiro, até a casa dos Molking só para dar de cara com a porta. Está nevando, se você não percebeu. E você está doente.
- Eu não estou doente, sou muito bem capaz de ir pra casa. SAIA DO MEU CAMINHO!
- Esta é sua casa agora, você não pode simplesmente me bater com um taco por uma brincadeira qualquer e depois fugir daqui. Vê se cresce.
- Vá se foder, , não preciso ouvir o quanto comer sua prima foi bom. Eu quero ficar longe de você.
Eu estava morrendo de raiva, e ele estava ficando cada vez mais furioso. Seu aperto, agora em meu braço, era inquebrável, mas não me machucava. Eu olhei em seus olhos, querendo socá-lo, mas no mesmo momento toda a minha raiva se esvaiu. Seus olhos flamejavam em minha direção. Ainda era um olhar vago, mas havia emoção neles.
- Eu nunca transei com a minha prima, . Só estávamos brincando, é assim que fazemos – eu continuei calada. Minhas lágrimas agora eram de emoção. Havia emoção em seus olhos! – ? – silêncio. – Hey, não faça isso, você sabe que eu odeio. Eu te amo, e essa é sua casa agora – seus olhos pediam para que eu respondesse, pediam o que ele verbalizou: – Fique.
Eu entrelacei meu braço livre em seu pescoço e me estiquei para beijá-lo. Ele se surpreendeu, mas logo estava correspondendo a meu beijo agressivamente, cheio de desejo. Ele me empurrou para trás, fechando a porta atrás de si com um chute e me deitando na cama. Eu o puxei comigo, mostrando que eu também queria aquilo.
Ele desceu sua mão para minha cintura, logo a deslizando por debaixo de minha blusa e acariciando meu seio. A outra estava enterrada em meus cabelos, me fazendo delirar com o aperto em minha nuca.
Retirei nossos casacos, logo me apressando a tirar-lhe a blusa também. Passei as mãos espalmadas por seu peitoral, seguindo com uma para suas costas para lhe arranhar, enquanto a outra se preocupou em começar as provocações por baixo de sua calça.
Ele levantou minha blusa e eu a tirei enquanto ele beijava meus seios e depois sugava meu pescoço. Poucas mordidas em seu pescoço e ele já estava me arrancando as calças. E, logo, eu as suas.
Eu rolei por cima dele, fazendo movimentos provocantes com um sorriso provocante no rosto. Ele fechou os olhos e apertou minha cintura, começando a seguir o caminho para dentro de minha calcinha quando… a porta se abriu repentinamente, nos fazendo gritar com o susto e eu logo puxei a coxa para cima de meu corpo, tentando me cobrir.
- Oh, desculpe! – a mãe dele pediu, indo para trás da porta. respirava forte e aceleradamente, tanto por antes e mais ainda pelo susto. Meu coração estava na boca. – Ouvimos vocês brigando e quando tudo silenciou eu achei que tivesse acontecido alguma coisa.
- Estamos bem, mãe! – reclamou, furioso.
- Desculpem – repetiu, fechando a porta.
Escondi o rosto na colcha, morrendo de vergonha.
- Hey, – me chamou, puxando a colcha e procurando meu rosto com a mão, para acariciá-lo em seguida – tudo bem, pequena.
- Como é que eu vou sair daqui agora? – murmurei, constrangida.
Ele me deu um beijo na bochecha.
- Não se preocupe, mamãe não liga pra isso.
- Mas eu ligo – retruquei.
- O que ela achou que eu ia fazer, afinal, te matar? – ele riu. – Que merda, podia ter pelo menos batido.
- Concordo – voltei a sentar em seu colo, dando-lhe um selinho.
Ele me beijou, e eu interrompi o beijo para lhe lamber o pescoço, descendo uma das mãos para sua calça novamente.
- Sério, ? – perguntei desanimada e mal acreditando.
- Qual é, foi minha mãe que acabou de invadir o quarto, o que você esperava que acontecesse? – ele se defendeu, e então sussurrou em meu ouvido: – Mas você pode me animar de novo rapidinho.
Rolei os olhos e apenas lhe dei um selinho antes de levantar.
- Ah, , volta aqui – ele pediu, manhoso.
- Onde foi parar minha blusa? – eu o ignorei.
- Procura a minha? – ele pediu, se dando por vencido.
- Nossa, cara, tava quase indo procurar seu corpo! – Roberto brincou sarcástico quando entrei na sala trazendo pela mão. – Sua namorada é nervosinha, hein?
Aquilo me irritou profundamente por dentro. Larguei a mão de , que seguiu para a cozinha – um pouco atrapalhado, como sempre –, e me aproximei do encosto do sofá onde Roberto assistia TV, largado.
- Se for pra continuar com as brincadeirinhas, é melhor dormir com os dois olhos bem abertos e a boca bem fechada – sussurrei em seu ouvido, séria. – Nunca se sabe.
Seus olhos se viraram arregalados para mim. Eu apenas sorri cinicamente, indo em seguida me juntar a na cozinha, de onde as vozes começavam a se exaltar.
- , já disse que não precisa! – insistia.
- A senhora está o dia inteiro aqui, é claro que precisa de ajuda! – ele disse em contrapartida.
- está me ajudando, largue isso aí – sua voz estava autoritária, mas suas feições continham algo como… pena.
É claro, a cena também não era das melhores. tentava lavar a louça e enxaguá-la, mas o sabão era escorregadio e ele mal sabia que parte era melhor segurar. A parte difícil mesmo vinha quando ele tentava colocar no escorredor. Um prato batia no outro e era um escândalo de talheres em meio a suas tentativas de achar o lugar certo para colocar cada coisa.
- , não precisa, só foi ao banheiro – insistia. Ela tentava silenciosamente resistir à vontade de ir até ele e tomar a louça de suas mãos toda vez que ele esbarrava em algo, assim como eu.
Mais alguns segundos mudos e tensos para acontecer o que todos esperávamos. deixou escorregar um copo da mão, que foi direto para o chão. Ele reflexivamente tentou pegá-lo no ar, mas isso trouxe ainda mais confusão, pois ele acabou esbarrando com o cotovelo em uma pilha três pratos que ainda estavam sujos, e tudo acabou se espatifando no chão por cima dos cacos do copo.
- MAS QUE DROGA! – berrou enérgico e furioso, batendo as mãos na pia. – Pronto, mãe, eu consegui. Espero que esteja feliz!
Ele saiu pisando nos estilhaços, seguindo em direção a porta tateando pelos balcões. Eu voltei para a sala o mais sigilosamente que pude antes que ele esbarrasse em mim e notasse que eu havia visto a cena.
Ele seguiu as paredes, pegando o casaco no caminho e saiu do apartamento. Sem demora, eu peguei também meu casaco e o segui silenciosamente. Ele notou minha presença, mas entramos no elevador sem trocar palavra.
O silêncio não incomodava, era mais confortável do que termos que falar. Ele com certeza estava frustrado, irritado. Estava claro em sua respiração pesada, em sua feição decepcionada. Eu me sentia triste, frustrada por ele. Frustrada por não ser capaz de ajudá-lo.
Nós saímos do elevador dando no hall do prédio, e ele seguiu em frente, até as grandes portas de vidro. Colocou o capuz e eu o imitei, fechando meu casaco e o seguindo para fora dos portões do prédio. Ele virou a direita, passando sua mão pela grade e em seguida pelo muro do vizinho, caminhando com a cabeça ligeiramente abaixada. Eu não tinha certeza se estava sendo inconveniente, se ele queria minha presença nesse momento. Talvez ele preferisse ficar um pouco sozinho, mas eu não resistia a acompanhá-lo.
Sua mão esquerda me chamou ligeiramente a atenção, aberta a minha frente enquanto caminhávamos para que eu a segurasse. Eu o fiz com um sorriso.
Porque no final era disso que precisávamos para ter paz. Nós precisávamos um do outro.
Capítulo 32
Iris
Três quadras depois, estávamos em uma humilde pracinha, cujas árvores estavam depenadas e cobertas pela neve, assim como todo resto. Levei até um dos bancos e ele o limpou para sentarmos. Minha bunda congelou, assim como meu rosto fizera desde que havíamos deixado o condomínio. me puxou para mais perto, me abraçando, e eu descansei confortavelmente a cabeça em seu braço.
Muitos minutos se passaram em silêncio, apenas nossas mãos se acariciando.
- Eu nunca tinha visto neve – desabafei, minha voz ligeiramente rouca.
- Sério? – franziu a testa por alguns instantes, pensando, e então sua face se iluminou. – Ow, no Brasil não neva, né?
- Não – disse tristonha. – E justo agora que eu saio, a droga da neve parou de cair.
Ele riu alto da minha desgraça, recebendo um tapa no braço em resposta – o qual não deve ter doído nada, amortecido pelo grosso casaco.
- Ah, qual é, – ele me abraçou mais forte, sorrindo encantadoramente pra mim, apesar de debochado. – Neve é o que não deve faltar aqui!
Eu olhei em volta. Tudo branco.
- Acho que sim… – eu disse com um tom infantil e uma careta. – Mas eu queria senti-la caindo do céu.
- Nah, é mais legal quando ela já está no chão! – e lá estava a criança feliz ressuscitando dentro dele novamente, fazendo seus olhos brilharem e um sorriso doce desenhar seu rosto. – Vem! – ele me puxou pela mão, levantando-se do banco, e começou a passar o pé na frente do corpo. Sua perna estranhamente me lembrava um detector de metais.
- O que você está tentando fazer?
- Você vai ver – ele continuou a rastrear alguma coisa com os pés, até achar um monte de neve acumulada perto de uma árvore. Deveria haver pelo menos uns trinta centímetros de neve em todo lugar, mas ali era um montinho acumulado de pelo menos mais doze centímetros.
- , o que você… – tarde demais. Ele se jogou no montinho de neve, me puxando junto. Afundamos na gelada e estranha coisa branca, e eu não sei por que sentia como se fosse me afogar. – FICOU MALUCO? – eu gritei, cuspindo cabelo e o tirando do rosto. – Isso daqui tá me congelando! – eu fiz menção de me levantar. Ele sentiu e me puxou com força de volta a neve, gargalhando.
- Relaxa, amor. É neve! – ele pegou um punhadinho com a mão e jogou para o alto, fazendo-a cair sobre nós.
Minha irritação queria protestar, mas eu senti aquela coisa escorregadia e gelada cair em meu rosto, me fazendo rir. Minhas mãos sem luva estavam doendo de tão geladas, mas eu não ligava.
- Neve! – eu guinchei feliz, jogando mais neve para o alto.
- Neve! – ele repetiu, jogando neve novamente em direção ao céu.
Ele virou a cabeça para mim, me olhando vagamente e sem me ver, e começou a movimentar o corpo de um jeito estranho. Levantei a cabeça e percebi o que ele fazia.
- Anjinho de neve! – minha voz era aguda e alta.
Eu comecei a mexer meus braços e pernas também, rindo alto de tão feliz que me sentia.
- Anjinho de neve! – ele repetiu com um enorme sorriso.
Eu me sobrepus a seu corpo, desenhando dois chifrinhos sobre sua cabeça.
- Agora você não é mais um anjinho, só eu! – eu disse, voltando a deitar e movimentar meus membros e dar forma a meu anjinho.
- Ah, você estragou meu anjinho! – ele reclamou, como uma criança que tem o desenho rabiscado por outra. – Vou corromper seu anjo! – ele rolou e pôs seu corpo sobre o meu, me fazendo cócegas em seguida. Eu ri alto, me debatendo. – Fala, quem é o cara mais lindo do mundo? Quem, quem?
- Nããão – eu me recusava a ceder, e ele aumentou ainda mais as cócegas. – Tá bom! É você! É você!
Eu continuei rindo depois que ele parou. Assim que consegui me controlar, ele me deu um selinho. E mais outros. E um longo e molhado beijo. Ou será que era minha roupa que estava molhada? Acho que os dois. A diferença é que sua boca estava deliciosamente quente.
- Me desculpe por hoje mais cedo? – ele perguntou, interrompendo o beijo.
- É claro que sim – eu disse sorrindo e lhe dei outro selinho.
- Eu te amo, sabia? – ele me disse com um sorriso nos lábios e nos olhos.
Nos olhos.
- Eu te amo ainda mais – respondi, tentando conter a emoção e euforia, descontando ambos em um beijo caloroso.
- Hey, isso tudo é um plano pra corromper meu anjinho? – eu disse quando já estávamos sem ar.
Ele riu. “Também” respondeu com um sorriso maroto. “Melhor voltarmos pra casa, nossas roupas estão ficando encharcadas.”
- E eu estou mais congelada do que carne no congelador – ele me ajudou a levar, e eu tremi de frio instantaneamente sem seu corpo cobrindo o meu, apesar de não estar mais na cama de gelo em que estávamos deitados antes.
Ele riu e me abraçou fortemente contra si, tentando me esquentar. “Comparação bem próxima essa, mas eu me sinto mais como aquele Chester que mamãe está preparando. Ele passou semanas no freezer.”
- Pobre animal – declarei, mas só de ouvir sobre aquela maravilhosa carne que deveria estar preparando meu estômago parecia repentinamente vazio como se eu não comesse há dois dias, sendo que eu havia comido há menos de três horas.
- , VOCÊ ESTÁ TENTANDO MATAR A MENINA?
Os gritos de eram tão altos e histéricos que todo o prédio provavelmente era capaz de ouvir. e Roberto conveniente haviam sumido desde que botara os olhos em mim quando adentrei a porta toda molhada e congelando. Meus dentes batiam freneticamente e eu mal conseguia respirar direito, meu pulmão parecia congelado dentro de mim tanto quanto minhas mãos doloridas.
E como eu me sentia em relação a isso? Feliz. Como o peru que havia tirado do congelador hoje, mas ainda assim uma ave feliz.
Minha cabeça estava começando a doer, mas o que mais me incomodava eram os gritos de . não devia estar levando tamanho esporro, ele só estava fazendo a namorada feliz. Só éramos um pouco… irresponsáveis, às vezes.
Certo, muitas vezes.
Eu havia tentado explicar que ele não tinha culpa alguma, mas não queria me ouvir. Ela praticamente havia arrancado minha roupa no banheiro e quase me jogou na banheira com água pelando.
- ELA ESTÁ PROIBIDA DE FAZER ESFORÇOS E A PRIMEIRA COISA QUE VOCÊ FAZ QUANDO ELA CHEGA AQUI É TENTAR TRANSAR COM ELA – eu arregalei os olhos. Ela estava gritando mesmo essas coisas a plenos pulmões? Oh my God. – VOCÊ BRIGA COM A MENINA EM PLENA NOITE DE NATAL. ESTRESSÁ-LA NÃO VAI AJUDAR ELA A SE CURAR, !
Afundei mais uma vez na água quentinha, tremendo levemente ao fazê-lo e com esperança de que os gritos desaparecessem, mas não aguentei muito tempo submersa.
- O QUE VOCÊ ESTAVA PENSANDO? QUE BRINCAR NA NEVE SERIA DIVERTIDO? ROMÂNTICO? VOCÊ QUER QUE ELA VÁ PARAR EM UM HOSPITAL EM PLENO NATAL? VOCÊS DOIS ENLOUQUECERAM?
- Mas, mãe, ela nunca tinha visto a neve – ele choramingou pra ela. Sua voz era doce e tudo o que eu queria era poder abraçá-lo naquele momento.
- Ah, certo, aí você resolveu afogá-la na neve e voltarem pra casa encharcados nesse maldito frio com apenas os casacos? Como eu posso confiar em vocês morando aqui sozinhos desse jeito? Vocês não têm responsabilidade nenhuma! São só duas crianças inconsequentes!
- Imagina quando ela souber sobre você – eu sussurrei para Little , acariciando minha barriga que se distorcia pelas leves ondinhas da água. Eu sorri, achando aquilo divertido, tentando ignorar a parte ruim.
- Nós sabemos muito bem nos virar sozinhos, não se preocupe – ele respondeu, provavelmente por impulso.
- ESTOU VENDO! E NÃO ME RESPONDA NOVAMENTE! , VAI TIRAR ESSA ROUPA E TOMAR BANHO ANTES QUE VOCÊ TAMBÉM FIQUE DOENTE – alguns segundos de silêncio. – O QUE VOCÊ ESTÁ ESPERANDO?
- Você me dar licença – sua voz estava próxima agora, vinda do quarto.
A porta do quarto foi fechada com um estrondo e eu voltei a afundar na água, me sentindo angustiada de repente, culpada. Brigas com pais era um ponto sensível, me fazia sentir depressiva. Eu rezei para conseguir fazer Little nunca ter dúvida do quanto eu o amava. Ou a amava.
- ? Cadê você? Você se escondeu? – eu emergi ao ver as mãos de tateando acima da água, enxugando meus olhos com as mãos e encarando-o, que agora estava com as mãos em meus cabelos encharcados e grudados. – Ah, você está aí – ele sorriu agachado ao lado da banheira e beijou minha testa. Seus lábios estavam congelados, e então reparei que estavam azulados também.
- Meu Deus, , você precisa se esquentar!
Ele fez uma careta. “, sério?”
- Ah, foi mal. É que sua mãe ficou repetindo…
Sua expressão era tristonha. “Eu devia ter cuidado melhor de você.”
- , não seja ridículo. Eu estou ótima – Inconscientemente eu dei uma fungadinha.
Ele deu uma risadinha. “Estou vendo.”
- Anda, tira logo essa roupa e vem pra água quentinha. Tá uma delicia – eu sorri infantilmente.
- Hum, curti o convite – e lá estava seu sorriso pervertido. Eu gargalhei.
- Adoro diferenças de temperatura – eu brinquei.
- Sério? – ele começou a se despir. É, lá estava eu com cara de bocó (como sempre) encarando aquele maravilhoso peitoral descoberto. – Isso me dá algumas idéias… – Agora não era apenas seu sorriso pervertido, era uma expressão inteira. – Você podia ter me contado antes.
Quando ele entrou na banheira e suas mãos geladas tocaram a minha pele, que se esquentava gradualmente, era como se um fogo gelado queimasse por todo meu corpo. A água parecia conduzir os choques do contato entre nós com ainda mais intensidade, e eu me dei conta de que eu não precisaria dizer a ele que aquilo havia sido apenas uma brincadeira. Choques de temperatura podiam realmente ser muito excitantes; nós estávamos comprovando aquilo deliciosamente.
Cerca de uma hora depois, houveram batidas insistentes na porta do banheiro.
- O que foi? – perguntou com um tom ligeiramente grosso.
- Morreu afogado? E onde está ? – perguntou do outro lado da porta, tentando abri-la, mas graças a Deus havia a trancado.
Aquilo me irritou profundamente.
- Estou bem aqui – respondi irritada.
- Oh, desculpe, querida, vou procurar .
- Eu tô aqui, mãe – é, ele estava estressado.
Os segundos seguintes de silêncio foram tensos.
- , o que eu disse para você? Será que vou ser obrigada a ligar para Rachel buscar a menina? Você…
Eu franzi a testa, indignada.
- , ela realmente sabe que nós vamos morar juntos? – eu disse para ele por baixo do sermão dela.
Ele me apertou mais forte contra si. “É claro que sabe, deve ser por isso que está surtando.”
Eu sentei em seu colo, começando mais uma vez a beijar seu pescoço. Ele passou a mão por entre meus cabelos molhados e ligeiramente emaranhados, apertando um pouco minha cabeça em aprovação.
- …como posso confiar em você desse jeito. Ande, venha logo se vestir… - continuava como uma música irritante e insistente de um apartamento vizinho.
- MAS QUE DROGA, MÃE, ME DEIXA EM PAZ! – berrou.
Eu me afastei dele, assustada. Seu rosto estava vermelho e veia de sua garganta estava minimamente saltada.
se calou, parecendo finalmente nos deixar em paz.
- Calma, – eu disse com a voz calma, tentando encobrir que aquilo me irritava tanto quanto a ele. Afastei a franja grudada de sua testa. – Sua mãe só está preocupada comigo.
Ele segurou meu pulso antes que eu o abaixasse. “Eu posso cuidar de você sozinho. E eu não estou te machucando, estou?”
Eu observei a preocupação em seu rosto, me sentindo um tanto emocionada, como sempre. Era tão bom saber o quanto ele se preocupava comigo, isso mostrava que eu era importante para ele.
- Você sabe que não está me machucando, e também sabe que eu te avisaria caso estivesse.
Ele sorriu, sua expressão totalmente suavizada.
- Então tá – e me puxou contra ele subitamente, me beijando tão intensamente que a água que já começara a esfriar pareceu começar a ferver a nossa volta.
Capítulo 33
Do ya?
Nós enrolamos dentro do quarto enquanto pudemos, mas não podíamos ficar ali para sempre. já havia ido ao quarto pelo menos cinco vezes durante aquelas duas horas, mas nós falávamos que ainda estávamos nos arrumando ou o que viesse na cabeça. Eu não me importava de ir logo para a sala, mas sabia que ainda estava um tanto irritado, então o deixei esfriar um pouco a cabeça até que não houve mais jeito.
- Mamãe disse que vai cortar a cabeça dos dois se não estiverem na mesa de jantar em um minuto – informou, abrindo a porta.
suspirou enquanto eu o puxava alegremente pelo braço, meu humor recuperado. Ao ver a mesa posta eu podia sentir o brilho reluzindo em meus olhos, refletindo minha fascinação. Há duas horas, tudo estava ainda um tanto bagunçado, apesar da árvore de Natal estar magnífica; mas agora tudo estava perfeitamente arrumado, decorado, uma mesa posta com tanta classe e fartura que era de se esperar que pelo menos dez ou quinze pessoas fossem se sentar ali.
De repente, isso me deu certa tristeza. Eles deviam estar acostumados a realmente ter a mesa de Natal lotada, com crianças barulhentas correndo em volta, conversas e risadas altas, não a uma família tão reduzida. Eu queria poder fazer algo por eles, mas não podia. Eu sabia que o membro mais importante que ali faltava não poderia ser sequer convidado. Estava claro enquanto encarava tristemente a cadeira vazia ao lado de sua mãe o quanto seu pai lhe fazia falta.
- O que foi? – perguntou preocupado.
Eu fui pega de surpresa, só então me dando conta do quanto estava tensa, apertando sua mão com certa força.
Eu sorri para ele com falsa alegria, tentando ignorar o fato de que ele não poderia ver meu sorriso forçado. “Nada, amor. A mesa está tão linda! E esse cheiro…” Meu estômago roncou baixinho em concordância, quase me fazendo rir.
- Finalmente! – disse, interrompendo sua conversa com Roberto. – Você está linda, querida – ela me elogiou com um sorriso materno e sincero, me fazendo corar levemente.
- Dá uma voltinha pra gente! – incentivou Roberto.
- Hey, hey, nada de voltinhas na frente desse maníaco – interveio sério, fazendo todos rirem e finalmente despertar de seu triste devaneio com um sorriso.
Aquele não era um Natal com uma imensa família reunida na mesa, com crianças correndo por todos os lados, os mais velhos dando sermões e contando histórias repetidas, irmãos se chutando por baixo da mesa e primos conversando. Aquele era um Natal simples, apesar de farto e delicioso – isso não era o que contava pra mim. Todos ali estavam machucados por dentro, com feridas não cicatrizadas, com traumas que não esqueceríamos por uma vida. Todos ali sentiam falta de alguém.
Mas todos sorriam. Todos estavam tão animados que não se percebia suas dificuldades. Todos estavam felizes, mais unidos do que qualquer outra família que eu já tivesse conhecido. O calor entre nós era tão forte que eu cheguei a me esquecer que aquela não era originalmente minha família.
Família sempre fora uma coisa que eu considerava ruim, algo que só nos trazia sofrimento e decepção, assim como o amor. Hoje eu percebi que as coisas não eram assim, elas tinham outro lado, um lado do qual eu gostava, que me fazia sentir especial e amada. Feliz. E eu só podia dever isso a , por me apresentar coisas tão maravilhosas.
Nós abrimos os presentes com empolgação, mas com certeza nos superou nesse quesito. Ela rasgava os pacotes como uma criança feliz, geralmente dando curtos guinchos de felicidade e abraçando o presente – o que me levava a crer que ela havia consumido umas duas Smirnoff Ice escondido da mãe ao longo da noite – e ainda se atrevia a roubar os pacotes da mão de todas as vezes que ele tinha dificuldade em fazê-lo sozinho – ou seja, todas as vezes que ele tentou abrir algum pacote.
Me surpreendi quando um dos últimos presentes foi entregue a . A embalagem era enorme e os nomes de todos os nossos melhores amigos estavam escritos na caixa de papelão, por baixo do papel de presente, em cola plástica preta, o que possibilitava sentir o nome deles em alto relevo. Meu nome também estava escrito ali, apesar de eu não fazer idéia do que a caixa continha.
Havia uma grande mensagem no final que dizia “COME BACK!”, o que na verdade me deixava ainda mais confusa.
De repente parecia um tanto bravo com aquilo, abrindo a caixa. De dentro da caixa ele tirou algo em uma capa preta. Ele bufou nervoso, enquanto sua mãe parecia estar soltando fogos de felicidade.
Ele abriu a capa, revelando uma reluzente guitarra preta.
- Inacreditável – ele reclamou, deslizando os dedos pelas cordas com leveza. – A vadia ainda afinou!
- ! – ralhou.
- Mas eu já disse que não posso entrar na banda! – ele defendeu, colocando a guitarra no chão. – Não é como se eu simplesmente não quisesse, mas não tem como!
- Que banda? E quem afinou a guitarra? – eu perguntei um tanto desesperada por informação.
- O afinou, é lógico – ele disse, se virando para mim. – Eles querem montar uma banda, e não param de me atormentar me pedindo para entrar.
- O e quem mais?
- O e o , quem mais seria?
- Não sei, poderia ser a ou a ) ou qualquer um daquela escola.
- Elas sabem tocar alguma coisa? – ele perguntou surpreso.
Revirei os olhos como de costume. “Não, foi um exemplo. A mal amarra os próprios cadarços sem tropeçar, e a …”
Mas começou a rir tão alto que nos assuntou, interrompendo nossa pseudo-discussão.
Já eu, tive a incompetência de levantar uma blusa que havia ganho de para que todo mundo visse. delicadamente me perguntou se não estava um pouco grande, e logo foi cortada por , falando que era enorme. Eu logo tratei de guardá-la, dando um sorrisinho e falando que a trocaria.
- é sempre exagerada – eu brinquei, fingindo não ver que dentro do pacote havia uma segunda blusa.
- Deve ser mesmo, você teria que estar uma bola pra caber naquilo! – disse alto.
Eu sorri, respirando fundo. É, adeus corpinho de líder de torcida, eu estava prestes a virar uma bola. Obrigada, , você animou meu dia.
- Ela já está virando uma depois desse jantar! – Roberto brincou, se esticando no chão para dar dois tapinhas na minha barriga.
Eu gelei, prendendo a respiração.
- Beto, deixe a pobre garota em paz! – chamou sal atenção, estendendo-lhe um pacote com seu nome.
Eu estava ligeiramente zonza, sentindo um ligeiro desespero.
- Haha, a menina está até pálida! – estava quase rolando no chão de tanto rir da minha cara. É, acho que haviam sido mais de duas Smirnoff Ice.
- Qual é, , você sabe que não está gorda – me defendeu, puxando-me para perto em um abraço de lado.
- É, foi brincadeira – Roberto disse me observando.
Eu voltei a mim e sorri.
- Ah, certo – dei uma risadinha, voltando aos meus presentes.
Aliás, eu nunca havia recebido tantos presentes na minha vida. Dessa vez eu fui mais cuidadosa ao abri-los, agradecendo mentalmente por isso quando me deparei com uma roupinha de bebê azul super fofa em um dos pacotes. Era de . Meus olhos se encheram de água, e eu tive que escapar para o banheiro para que ninguém percebesse, aproveitando para levar o pacote e escondê-lo no caminho. Mas não sem antes espiá-lo novamente. Era quentinho e macio, como uma toalhinha. Eu reparei que ali havia também uma toca e um par de luvinhas tão pequenas que não davam metade da minha mão. Era um conjunto lindo.
Parei em frente ao espelho no quarto de e levantei meu vestido, prendendo-o com o queixo e mostrando a roupinha para minha barriga. Para Little .
- Eu sei que é azul, mas isso não quer dizer que você vá ser um menino – eu sussurrei. – Você pode ser uma linda princesinha que veste azul, como a Cinderela. Mas eu não gosto da Cinderela, então não seja como ela.
Eu mirei minha imagem no espelho. De repente eu me sentia gorda. Talvez eu tivesse comido demais realmente ou minha barriga estava realmente enorme daquele jeito?
- Coisinha espaçosa – eu brinquei, acariciando minha barriga.
- Com quem você está falando? – uma voz grossa perguntou da porta.
Eu me assustei dando um pulo e escondendo automaticamente a roupinha atrás de mim, até me dar conta de que era e ele não veria. Me senti aliviada, correndo para o guarda-roupa e enfiando a roupinha no fundo da minha mala que estava ali dentro.
- É esse casaco da minha mala, ele é tão espaçoso! – eu menti.
- Certo, me dê ele aqui que eu o penduro no cabide pra você – ele ofereceu, seguindo o som da minha voz.
- Não precisa – eu me apressei a dizer já fechando o guarda-roupa de qualquer jeito. – Por que você não quer formar uma banda com eles? Eu achei que eles tocavam bem, assim como você.
- É claro que eles tocam bem, mas eu não posso entrar na banda porque, não sei se você já chegou a perceber, , eu estou inválido – ele disparou.
- Você está o que? – eu perguntei com a voz estridente.
- Inválido – ele repetiu sem medo de morrer. Ele deveria ter, pois eu estava ficando realmente estressada.
- Você está brincando comigo, ? – minha voz estava aumentando o tom e ficando ainda mais estridente. – O que você quer dizer com inválido? Você não tem nada de inválido, só de burro! Você precisa da droga dos seus olhos pra tocar? Até onde eu lembro, você mal olhava pra guitarra quando enxergava, por que agora isso?
- E você acha o quê? Que a banda teria algum futuro com um cara como eu, e ainda por cima cego? Nós nem conseguiríamos uma gravadora desse jeito. Como poderíamos ter fãs? Eu estaria apenas empacando a vida deles – ele cruzou os braços no peito, a cara fechada e a testa franzida.
- Quer dizer que todo o seu talento, sua voz maravilhosa, o jeito como você toca e seu carisma não contam, não valem de nada?
- Não nos dias de hoje.
- Então você vai desistir de tudo que mais ama assim, facilmente, sem ao menos tentar? Então nós nunca conseguiríamos ter um futuro também, nunca poderíamos ser felizes e ter uma família feliz, juntos, porque você é cego?
- Uma família? – ele descruzou os braços, parecendo achar graça. – Você acha que eu conseguiria cuidar de outra pessoa, sendo que mal consigo andar na minha própria casa sem tropeçar? Eu mal consigo cuidar de você! Não estou desistindo de nada, só não há pelo que lutar, no meu estado.
Aquilo me atingiu com impacto, enchendo meus olhos de lágrimas, mas eu não o iria deixar senti-las em minha voz.
- Eu não preciso que você cuide de mim! – protestei, indignada. – Isso é a última coisa que eu iria querer, posso muito bem me virar sozinha! Obrigada por me informar que eu estou investindo nesse relacionamento sozinha, obrigada, mesmo. Por que eu deveria continuar com você, com essa proposta tão promissora de vida? Determinação é o que não parece te faltar.
- É uma coisa que eu também não entendo, por que você está comigo.
Eu caminhei para sair do quarto, mas ele estava na porta e segurou meu braço assim que percebeu o que eu iria fazer.
- Não foi isso que eu quis dizer, – ele disse arrependido. – É algo que eu não entendo mesmo, mas não foi nesse sentido.
- Eu estou com você porque eu te amo, isso é mais do que óbvio – eu respondi, recuando um passo enquanto ele me soltava. – E eu amo muitas coisas em você, mas uma coisa que não combina com você é essa auto-piedade. Isso simplesmente não faz parte do que você é, então pare com isso. O homem por quem eu me apaixonei nunca diria essas coisas, nunca deixaria algo vencê-lo. Você devia repensar se você realmente quer desistir de tudo e se deixar afundar ou se você quer lutar por nós e pelos seus sonhos. Me desculpe, , mas eu só vou poder estar ao seu lado para te ajudar em uma das suas escolhas. Nossos problemas estão só começando, você já devia saber disso.
No decorrer da noite eu fui esquecendo o fato de estar escondendo algo tão importante daquela família que me acolhia com tanto carinho, podendo sorrir mais sincera, me sentindo novamente segura. Esquecer talvez não fosse exatamente o caso, pois estava cada vez mais difícil não pensar em como aquela criaturinha que estava dentro de mim estava crescendo. Eu estava tentando ignorar, apenas, fingir que era algo normal. Eles iriam saber... Um dia.
Nós só notamos que já estava mais do que tarde quando apagou no sofá. Ela havia escapado mais duas vezes para a cozinha e sempre voltava sorrindo, o que só me dava mais certeza de que ela provavelmente havia pegado mais bebida do que deveria no mercado sem que visse.
Eu, Roberto e apenas nos preocupamos em guardar a comida na geladeira antes de nos dirigirmos a nossos respectivos quartos – com babando nos braços de Roberto enquanto ele a carregava para o dela.
tentou insistir em me fazer dormir separada de , alegando que eu não podia fazer esforços e ele não me deixava em paz, mas ele apenas se jogou na cama e começou a roncar alto em menos de um minuto, me dando o argumento de que ele não conseguiria me perturbar nem que quisesse, no momento. Ela lançou um olhar suspeito ao corpo de , mas acabou suspirando cansada e desejando uma boa noite.
Coitada, quem vê até pensa que não sou eu que na metade das vezes é quem começa a arrancar as roupas dele.
Vesti meu pijama apenas com a pressa de deitar logo e, quando o fiz, senti que meus ossos estavam moídos.
- Finalmente ela nos deixou em paz – sussurrou em meu ouvido na escuridão, me fazendo sobressaltar na cama como um golfinho.
- Que droga, , você sabe que eu odeio que me assustem! – eu puxei as cobertas para mim, sabendo que isso o descobriria um pouco.
- Shhh – ele reclamou, puxando os edredons de volta e também a mim, me abraçando por trás. – E desde quando você tem esse ódio todo por sustos? Eu vivia fazendo isso na escola!
- É porque você é um idiota – respondi brava, o que na verdade soou um pouco choroso, e abracei um pedaço do edredom.
- Hey, amor, você tá bem? – ele me abraçou mais forte, juntando seu corpo no meu e eu agarrei seu braço que estava ao meu redor com força, com certa urgência. – O que você tem? Por que você tá assim?
- Você sabe que eu odeio que fiquem me perguntando isso quando eu não tô bem! – meus olhos estavam começando a acumular água e aquilo estava me irritando. Imagens das coisas que eu havia passado há um mês corriam em flashes na minha mente, me deixando perdida e assustada.
Ele passou as mãos por meu cabelo, me virando para ficar de frente a ele, e me abraçou fortemente.
- Você não tem com o que se preocupar mais, sabe disso – ele sussurrou contra meus cabelos, me deixando aninhar em seu peito.
- Isso não é verdade – eu tentei manter minha voz firme, mas ela acabou por falhar.
- Mas nós estamos bem, aquilo tudo já passou.
- Não, , eu não sinto como se já tivesse passado. É como se tudo estivesse ainda ao meu redor, tentando me sufocar!
- Hey, hey, querida, olhe para mim – ele levantou meu queixo, se afastando para que eu pudesse ver seu rosto. Ver teoricamente, eu quero dizer, já que eu só tinha uma fraca visão em meio a aquela escuridão, da qual provavelmente ele não havia se dado conta. Tudo sempre devia ser escuro para ele. – As coisas podem estar parecendo um pouco instáveis pra você, mas nada de ruim vai nos acontecer mais, eu prometo.
- E como você pode ter tanta certeza?
- Ah, amor, você nunca ouviu falar que cegos desenvolvem ainda mais os outros sentidos? Então, eu estou desenvolvendo o meu sexto sentido, como a esquisita da .
Algumas lágrimas ainda escorriam próximas à minha boca, mas eu não pude evitar gargalhar e dar um tapinha em seu peito.
- , coitada da , ela não é esquisita! – eu a defendi, ainda rindo.
- Qual é, ela não te assusta não? – ele ria junto comigo, aproveitando minha distração para morder minha bochecha.
- Ai! E não, ela não me assusta, eu devia é escutá-la mais.
- Hmm – agora a mordida havia sido trocado por curtos beijos em meu pescoço, os quais me arrepiavam inevitavelmente. – Mas voltando ao assunto – ele sussurrou contra meu pescoço –, eu acho que estou desenvolvendo uns sentidos bem legais.
- Ah é, quais? – eu infiltrei minha mão em seus cabelos, acariciando-os.
- Olfato – ele passou o nariz suavemente por meu pescoço, respirando meu perfume. – Paladar – ele fez uma trilha de beijinhos subindo para meu maxilar e minha boca, invadindo meus lábios sem precisar de permissão. – Tato – ele sussurrou em meio ao beijo, descendo uma mão até minha bunda e a apertando.
Eu não pude deixar de rir, mas tentando não interromper o beijo. É claro, logo estava ficando empolgadinho, mas eu tive que cortá-lo. O problema é que eu também já estava empolgadinha.
- – eu chamei, tentando afastá-lo um pouco.
- Droga – ele reclamou, meio choramingando, enquanto se afastava, ainda com os braços ao meu redor, e soltava o ar pesadamente.
- Desculpa – eu sussurrei, me sentindo péssima.
- Vou fingir que não te escutei pedindo desculpas por isso – ele disse parecendo bravo. – Sua doença não é culpa sua.
- Doença? – eu disse sem pensar, levando minha mão à barriga. – Não fale isso.
- Estado, recuperação, seja o que for. Aliás, eu ainda não entendi o que há de tão errado…
- Vou ao banheiro, já volto – foi a primeira desculpa na qual pude pensar para interromper a conversa, o que infelizmente me fez sair da cama confortável.
Eu enrolei no banheiro o quanto pude, o que me deu muito tempo para me observar no espelho. Eu estava com uma aparência um tanto cansada, orelhas ficando visíveis. Isso abaixou um pouco minha autoestima, ainda mais quando eu pensei em como o resto do meu corpo estaria em pouco tempo. Como eu iria esconder minha barriga? Como eu iria lidar com ela? Não, o pior de era: como iria lidar com ela?
Antes que percebesse eu estava assoando meu nariz. Não, eu não estava chorando, apesar de meus olhos arderem com a vontade. Eu estava ficando doente.
Por um instante, isso me apavorou. Eu tive que respirar bem fundo para relaxar um pouco e perceber que seria apenas um resfriado. Se eu me cuidasse, meu bebê ficaria bem. Pelo menos ao ir me deitar, já estava roncando – o que teria dificultado meu sono, se eu não estivesse tão cansada.
- Tá acordada? – uma voz rouca sussurrou em meu ouvido, e eu não sabia se eu ainda estava sonhando ou se estava acordada, pois eu me sentia extremamente aquecida e protegida. Era uma sensação boa demais para se pensar na palavra realidade.
- Não sei – respondi sinceramente.
Ele soltou uma risada próxima ao meu ouvido, o que me arrepiou, e tossiu em seguida. Sem perceber, eu tossi também.
- Você está bem? – ele perguntou, me abraçando em conchinha e acariciando minha cintura por debaixo do edredom.
- Estou ótima – respondi com a voz rouca.
Ele depositou beijinhos por meu pescoço, afastando meu cabelo par continuar o caminho por minha nuca. Fiz um som de satisfação, quase ronronando.
- , você me ama? – ele perguntou, tossindo alto em seguida.
Eu me virei para ele, preocupada.
- Você está bem? - Ele, que tinha se sentado para tossir, voltou a deitar, me chamando para deitar sobre seu peito. Aninhei-me ali sem protestar, logo notando sua respiração um tanto presa. – , você tá doente! – eu o repreendi, me ajeitando em seu ombro agora para encará-lo. E então foi minha vez de tossir.
Ele riu da minha cara. “Você também.”
Eu pigarreei, percebendo então que ele estava certo. Agora que eu havia me dado ao trabalho de me mexer, tudo parecia mais pesado, meu corpo dolorido, inclusive minha garganta.
- Droga – reclamei com a voz pesada, sentindo minha garganta doer.
- Desculpe – ele pediu sincero, encarando meu nariz. Mas eu sabia que a intenção eram meus olhos.
- Não seja absurdo, , não é sua culpa.
- É sim.
- Não, sua mãe colocou isso na sua cabeça, mas não é. Eu vou ficar bem, é só uma dor de garganta, e você está tão ruim quanto eu.
- Nós vamos mesmo discutir? Porque cada palavra dói... – ele não finalizou, apenas fez uma careta meio morta.
- Nós não estamos discutindo! – protestei ofendida.
Ele sorriu convencido. “Agora estamos.”
- Idiota – eu respondi, rindo levemente.
- Estressada – ele retrucou, segurando minha cabeça e dando um beijo estalado em minha testa. Meio babado também, por sinal.
- Saaai, você tá babando na minha testa! – eu reclamei, empurrando ele.
- Ah, você rejeita minha baba agora? – ele continuou segurando minha cabeça e passou a língua pela minha testa.
Eu queria xingá-lo, mas não conseguíamos parar de rir, mesmo que isso incluísse tosses que arranhavam nossas gargantas.
Quando nos acalmamos e deitamos novamente, voltou a ficar sério.
Era realmente uma sorte que ele fosse sexy sério, já que ele vivia ficando assim de repente. Mas ainda assim, nada se comparava ao quanto seu sorriso era luminoso para mim.
- Não, é sério, , você me ama? – ele me encarou, dessa vez focando melhor meus olhos.
- É claro que eu amo – eu respondi, acariciando seu rosto. – Mais do que tudo, .
- De verdade?
- Totalmente.
- E você acha que me amar está – ele parou para tossir – está valendo à pena?
- Cada segundo – eu respondi, passando a ele toda a certeza e segurança que eu tinha sobre isso.
- Mas você está comigo porque me ama? É simples assim?
- É claro que sim, achei que também era assim pra você.
- É assim, mas você... é diferente, você conseguir me amar com tanta facilidade com tudo isso, todos os meus problemas.
- , não é como se fosse simplesmente fácil, mas é simplesmente impossível não te amar. – Eu senti minhas bochechas esquentarem em meu sorriso. – As coisas estão mais difíceis agora em nossas vidas por causa de todas essas mudanças, mas isso não muda o que eu sinto por você.
- Mas eu acho que também mudei, eu não sou mais exatamente quem você conheceu...
- E descobrir como você realmente é tem que ser uma coisa ruim? Porque cada coisa nova que eu descubro em você a cada dia só me faz me apaixonar ainda mais, se é que isso é possível.
Ele sorriu. “Sei como é, parece que todos os dias você acha um novo jeito de me fazer apaixonar por você novamente.”
Eu sorri largamente de volta, vendo-o se espreguiçar, erguendo um pouco o corpo, e então cair pesadamente de novo na cama. “Ainda está com sono?” perguntei baixinho.
- Uhum – ele respondeu sem abrir os olhos, apenas me puxou para que eu deitasse a cabeça em seu ombro.
Sem mais palavras, apenas poucas tosses, nós voltamos a dormir.
Meu plano no momento era apenas continuar deitada ali até não aguentar mais, dormir nos braços de e apenas ter um dia calmo de preguiça, tentando ignorar o quanto pudesse meus problemas.
Bom, esse era meu plano, mas parece que tudo conspira contra minha paz, mesmo que ela fosse apenas ilusória no momento. Bom, talvez nem tudo conspirasse contra mim, somente uma parte da minha vida. Minha família.
Capítulo 34
Papa Don’t Preach
Algum barulho diferente me despertou, e eu vagarosamente identifiquei na mesma cama que eu. Em poucos dias, eu estaria morando ali, acordaria ao lado dele assim todas as manhãs, e isso me fez sorrir. Acariciei seu cabelo com cuidado para não acordá-lo – se é que acordá-lo tão facilmente era possível.
Quando o som do telefone ecoou da sala pelos corredores até chegar ao nosso quarto, identifiquei que havia sido o que me acordara.
Nosso quarto, me dei conta de como havia pensado enquanto colocava a camisa que havia usado ontem e estava jogada no chão. Mesmo sendo minha primeira noite ali, eu me sentia estranhamente confortável e familiarizada.
- Oi – atendi sonolenta, esfregando os olhos.
- ? – a voz da minha mãe chamou do telefone. – Onde você está? Que histórias são essas que você tem deixado no meu correio de voz?
Eu demorei alguns segundos para assimilar, não só pelo sono, mas pela falta de costume com a língua portuguesa.
Eu dei um longo bocejo antes de responder, tendo que me esforçar um pouco para formular a resposta em português, enferrujada e sonolenta. “Estou na casa do , mãe, meu namorado, tá lembrada?”
- E você acabou de acordar? Você dormiu aí? Onde está a mãe desse garoto? – ela disparou, forçando meu cérebro a acordar e trabalhar para conseguir acompanhar todas as perguntas. – Vocês não dormiram no mesmo quarto, certo? Onde está Rachel?
- Qual das perguntas você quer que eu responda primeiro? – É, minha mãe me estressa.
- Não tenho tempo para gracinhas, – ela reclamou, nervosa.
- Você quer explicações? Certo, lá vai: Estou na casa do meu namorado junto com a mãe dele e a irmã; mas, de qualquer forma, é aqui que vou morar daqui alguns dias, mas você parece estar ocupada demais pra me ouvir esses dias. Ou melhor, semanas.
- O tal do ? Mas esse garoto não estava cego? E... o quê? Como assim a senhorita acha que vai morar com ele? Ha, essa é boa: “Vou morar com ele” – ela ironizou irritantemente.
- É ele mesmo, e não me importa se ele está cego, paraplégico ou morrendo, eu vou ficar com ele de qualquer forma. Se chama amor, mamãe, talvez você devesse experimentar isso qualquer dia. E eu não acho que eu vou morar com ele, eu vou! – a raiva já falava mais alto em minha voz, me tirando qualquer senso, pois, como sempre, ela era uma das poucas que conseguia fazer isso comigo.
- Você não vai morar com um garoto cego, ficou maluca?! Nem que ele estivesse enxergando, isso não é aceitável, você acabou de terminar o ensino fundamental e acha que é dona do próprio nariz? Imagine quando Rachel e Eric ficarem sabendo do seu planinho infantil, como não vão se sentir.
- Não me importa o que você pensa sobre isso, eu vou morar com ele e pronto. Eu sou dona do meu nariz desde que deixei o Brasil, se você ainda não percebeu, eu já aprendi muito bem a me virar sozinha. E, só para o seu governo, Rachel e Eric já estão sabendo disso.
- Mas isso é um absurdo! Nunca que eu vou deixar você ir morar com esse garoto que nunca vi antes na vida! – ela gritava esganiçada do outro lado do telefone. – Por que raios você iria fazer uma coisa dessas? Você ainda nem cresceu direito, não sabe do que está falando. É só mais um daqueles seus planinhos idiotas adolescentes pra me tirar do sério…
- Nem tudo gira ao seu redor! – gritei, começando a sentir lágrimas de ódio queimarem meus olhos. Eu não iria chorar, não mesmo.
- Olha como fala comigo, sua pirralha desgraçada e mal agradecida, ainda sou sua mãe! – ela ralhou do outro lado, quase me engolindo pelo telefone. – Você está sob restrição médica, como um ceguinho iria cuidar de você? No mínimo, ele não bate bem da cabeça. Vocês têm praticamente a mesma idade, são duas crianças. Você acha que pode juntar suas coisinhas e ir morar na casa de um cara que você mal conhece, só porque ele diz que supostamente te ama e tudo bem? Isso nunca vai dar certo, você está fora de si. Se continuar a insistir nessa bobagem, vai ter que voltar pro Brasil!
- Ficou maluca? – disse estupefata. – Você me manda pra um país diferente, longe de você e de todos que eu conheço, e agora vem dar uma de mãe protetora e fingir que se importa comigo? Não, eu não tenho que ouvir essas coisas. Você mal cuidava de mim quando eu morava aí! E não fale do assim, você não o conhece para julgá-lo. Ele é mil vezes melhor do que você. E você não pode me mandar voltar para o Brasil, não estou mais sob sua guarda.
- Cala a boca! E eu posso falar o que eu quiser desse pirralho, ele só deve estar te usando, assim como Jack fazia. Você vai voltar para o Brasil essa semana, maldita, e vai ficar de castigo pelo resto da sua vida! E esse garoto não te ama, encare isso. Você está sendo é iludida como a pirralha inútil e incompetente que é. Você parece não viver nesse mundo. Depois de toda a lábia do Jack, você vai cair na dele, agora? Talvez, afinal, o problema não fosse Jack, então. Fosse você.
Era assim sempre, ela adorava atacar minhas feridas. Eu tive que tampar o telefone para não deixá-la ouvir meus soluços de choro. Eu nem havia percebido que havia começado a chorar antes. Eu me sentia desolada, com uma raiva infinita.
- Castigo? Você nunca teve autoridade sobre mim, não queira tentar agora, está ficando feio pra você – eu funguei alto sem querer. – Ele me ama, sim! E eu não sou uma pirralha inútil e inco-o-ompetente – gaguejei, tendo engolir o choro para continuar a falar. – Eu não estou sendo iludida. Se você nunca conseguiu o cara que amou e quebrou a cara, se meu pai fugiu de você, isso não quer dizer que todos os homens tenham problemas e sejam iguais. Quer dizer que ele não te suportava, assim como nem eu, nem ninguém te suporta! – eu fechei os olhos, sem conseguir conter o choro em minha voz.
- Cala boca, sua idiota, você não pode falar assim comigo!
- Vá para o inferno! – eu não segurava minha língua e o respeito entre nós havia morrido há muito. – Eu te odeio! Fique longe de mim! Eu estou grávida e vou morar com o pai do meu filho e sou bem mais madura que você! Vou ser uma mãe de verdade para ela, não o que você foi pra mim. Adeus. E, ah, feliz Natal.
Quase quebrei o telefone ao colocá-lo de volta na base e me joguei no sofá a alguns passos de mim, afundando minha cabeça nas almofadas para abafar meus gritos de ódio, enquanto eu chorava e soluçava incontrolavelmente. Minha mãe não me apoiava, ela me odiava desde sempre. Ela não entendia o quanto tudo aquilo era difícil para mim? Por que minha mãe não podia me amar? Era assim tão difícil alguém me amar, mesmo ela sendo minha mãe? Eu soquei o sofá, tentando extravasar minha raiva, mas o que eu queria mesmo era socar o nariz de alguém, ou pelos menos ter forças para isso. Só quando o telefone voltou a tocar foi que me dei conta de que eu não estava mais soluçando, e sim sufocando.
Madita! Maldita! Mil vezes maldita!
E eu me odiava ainda mais por estar assim por causa dela, mesmo depois de todos esses anos de brigas e tudo o mais. Como eu podia ser tão fraca e tê-la deixado me atingir assim novamente com suas palavras, sempre penetrando na carne viva?
Fui para o chão e me arrastei até o telefone. O coloquei na orelha, desejando mais que tudo que ela dissesse algo que me acalmasse.
- SUA VACA MALDITA, COMO ASSIM ESTÁ GRÁVIDA?! – ela berrou do outro lado do telefone, me ensurdecendo. – SUA VADIA, COMO OUSA? Isso é tudo pra me atacar, não é? Não é possível, eu te mando aí achando que o Jack estava te maltratando aqui e você engravida de um vagabundo qualquer, que ainda está cego! Pare de fazer gracinha, garota – ela exigiu, se referindo ao meu sufocamento e choro. – Acha que vai conseguir cuidar dessa criança? Eu estou indo aí essa semana e nós vamos cuidar disso…
Eu estava totalmente tonta e, assim que o telefone foi tirado de minha mão, eu me arrastei pelo carpete de costas até encostar contra o sofá, sufocando entre o choro, desesperada por algum ar. Meu bebê estava dentro de mim, eu não queria sufocar, eu tinha que respirar. Mas nada vinha a minha mente para me acalmar, tudo que tinha ao meu redor parecia me sufocar e apertar com suas palavras duras e maldosas.
- ESTÁ TENTANDO MATAR ELA?! – gritou em inglês para o telefone, me pegando de surpresa.– Quem é? – segundos de silêncio. – E O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO COM ELA? O... o que? – mais alguns instantes de silêncio. Eu estava achando que iria morrer a qualquer segundo por falta de oxigênio, meu corpo escorregava lentamente para o chão. – Eu não consigo entender porra nenhuma. Ora, quer saber, volte para o inferno!
Eu gritei de dor, não fazendo idéia de onde eu havia conseguido ar. Eu só sabia que doía dentro de mim, algo além do meu corpo.
tropeçou até mim, me puxando para seu colo.
- Se acalme, meu amor, já passou – Ele apoiou meu tronco mole contra seu peito, segurando minha cabeça para cima. – Respire, meu amor, respire! – ele pedia tentando controlar seu desespero. Eu tentava puxar o ar, mas ele não entrava. – Eu estou aqui, meu anjo, por favor. Nós estamos juntos, pense nisso. Se acalme, estou aqui. – Ele deu um beijo em minha testa. – Se concentre apenas na minha voz, está bem? Such a long long way to go – ele cantou, com a voz nervosa e meio dura, mas eu me esforcei para concentrar nela. – Where I’m going I don’t know…
Ele cantou para mim até que eu me acalmasse lentamente, deitando minha cabeça em seu peito, fungando baixinho. “Eu te amo” ele sussurrou contra meus cabelos, me dando um beijo na testa.
Um sorriso sincero se formou em meus lábios e eu o abracei pela nuca, afundando minha cabeça em seu pescoço.
- Obrigada, , por existir – eu agradeci sincera.
- Você sabe que eu vou estar do seu lado pra tudo – ele me apertou forte em seus braços. – Você é minha pequena e eu vou sempre estar aqui pra te proteger.
Eu me senti inimaginavelmente tocada e amada naquele momento. era tudo o que eu precisava, e eu o tinha. Nós o tínhamos.
- Eu te amo, – foi tudo que consegui responder, deixando que algumas lágrimas de emoção rolassem por meu rosto até sua pele descoberta.
Eu estava feliz por estar calma novamente, tão segura em seus braços. Mas, é claro, ela não desistia tão fácil assim da minha infelicidade, e o telefone voltou a tocar. Eu me encolhi nos braços de , sentindo as lágrimas voltarem a queimar meus olhos, prontas para saltarem para fora deles. me tirou de seu colo, ignorando minha tentativa de mantê-lo ali, e se levantou furioso. Ele pareceu ainda mais furioso por ter que ir tão devagar em direção ao telefone, tentando não tropeçar nos próprios pés. Eu me encolhi contra o encosto do sofá, fechando os olhos, na torturante espera pelos gritos, mas não foi esse o som que eu ouvi. Foi de algo maciço batendo forte contra outra superfície. Assustada, percebi que fora o som do telefone batendo contra a parede. Um pedaço dele havia soltado, e permanecia parado ao lado da mesinha onde o objeto estivera a segundos atrás. Ele respirava profundamente, as mãos fechadas em punho.
- Quem era, ? – disparou pra mim, ainda de costas. Seu tom fez com que eu me encolhesse ainda mais.
- Minha mãe – eu choraminguei.
- Sua… o quê? – ele se virou na minha direção, o olhar direcionado para o topo da minha cabeça. Sua voz então se tornou mais preocupada do que nervosa. – O que ela falou pra você? Por que você está assim?
Ele se juntou a mim novamente, me colocando em seu colo novamente. Eu não respondi, apenas voltei a soluçar contra seu peito. Ele me apertou com mais força, fazendo carinho em meu cabelo.
- O que está acontecendo? – perguntou atrás de mim. – Meu Deus, você está bem? Eu estava no banho, e ouvi aqueles gritos.
- Shh – pediu a mãe, segurando minha nuca para que eu não me virasse para ela. – Está tudo bem mãe, eu cuido dela.
Eu não pude deixar de sorrir levemente ao ouvir isso, tentando segurar o choro na presença de . O que não foi uma boa idéia, pois aquilo dificultou minha respiração, e eu levei mais algum tempo até conseguir me acalmar.
- Aqui – me estendeu um rolo de papel higiênico de repente, me fazendo sorrir. Eu o peguei um pedaço e assoei meu nariz, sentindo minha respiração mais limpa finalmente.
Eu sibilei um agradecimento para , que se afastou sem dizer mais nada, deixando o rolo de papel higiênico ali no chão. passou as mãos por meu rosto, afastando os cabelos de meu rosto tão molhado quanto seu peito nu.
- Ainda tem papel aí? – ele pediu, e eu destaquei um pedaço para ele e enrolei antes de lhe dar. Ele assoou o nariz com tanta força quanto eu havia feito. – Valeu.
Eu passei a mão por seu rosto, sorrindo feliz apenas por tê-lo ali. Sua pele estava anormalmente quente.
- – de repente eu estava alerta, colocando a mão em sua testa. – Acho que você está com febre.
- Não, eu estou bem, – ele direcionou os olhos para mim, sorrindo docemente e me dando um selinho.
- Certo, se você não está com febre, está tão quente por quê? Está virando um lobisomem?
Ele riu. “Não, , é só a calefação que está me esquentando.”
- Sério? Porque eu não estou quente assim e estou na mesma casa. Você acha realmente que eu vou engolir essa?
Ele fez uma careta, como se tivesse esperança que sim. Eu me levantei, irritada – o que na verdade era só para que ele me obedecesse porque eu estava preocupada – e o puxei comigo, o levando para o quarto e fazendo com que ele se deitasse. Seus protestos eram de que ele não estava com sono nem com fome, mesmo assim eu o fiz ficar na cama enquanto eu ia à cozinha fazer um chocolate quente e pegar algum remédio.
- Você está melhor, querida? – apareceu na cozinha, me sobressaltando.
Eu confirmei com a cabeça, respirando fundo para acalmar meu coração. Até um pequeno susto me abalava após minhas crises.
- , me perdoe pelos gritos, eu realmente sinto muito – eu disse envergonhada, queria enterrar minha cabeça no andar debaixo.
- Tudo bem, querida, com quem você estava falando? Está tudo bem agora? – ela soava realmente preocupada, apesar da curiosidade também estar ali.
- Ah, era minha mãe – eu respondi sem pensar, e então vi a cara dela, provavelmente chocada que eu gritasse daquele jeito com minha própria mãe. – Nós temos uma relação difícil, desculpe. Prometo não gritar mais aqui. Onde está o leite? – Eu estava totalmente perdida naquela geladeira lotada de comida da noite passada.
- Se eu gritasse daquele jeito com minha mãe… - dessa vez foi quem me sobressaltou, fazendo então um sinal com a unha riscando a própria garganta, indicando que a mataria.
- As caixas de leite estão naquele armário ali embaixo – a interrompeu, fazendo uma cara brava para ela, como se ela tivesse sido mal educada.
- Obrigada. – Eu abri o armário e tirei uma caixa de leite de lá. – Minha mãe também me mataria, se ela pudesse – aquilo soou mais dramático do que eu pretendia.
- Oh, não fale uma coisa dessas, querida! – disse indignada.
Eu sorri tristemente, desejando que minha mãe fosse como ela ou Rachel.
- Você não a conhece.
- Por que vocês estavam brigando? – perguntou curiosa.
- Ah, ela não está muito feliz com essa história de eu vir morar com meu namorado, disse que ia me levar de volta pro Brasil, mas eu duvido. Ela só está irritada, provavelmente acha que ele é como Jack. Ela não sabe nem que estou… doente. Ela não iria me querer lá se soubesse que ia ter que cuidar de mim.
- Quem é Jack? Seu ex-namorado? – arriscou. –O que havia de errado com ele?
Eu soltei o ar pesadamente, colocando o leite na panela e ignorando as lágrimas que me surpreenderam ao queimar meus olhos.
- É, e minha mãe não gostava muito dele – eu disse, escondendo o fato de que ele era um maldito psicopata. – Ela não entende que é diferente de todos os outros homens.
- Se você quiser, eu posso conversar com ela, querida – ofereceu.
- Obrigada – eu agradeci sincera. – Mas provavelmente ela não entenderia metade do que a senhora fala, ela não é muito boa em inglês. Eu tenho que ficar traduzindo as conversas dela com Rachel.
- Haha, aposto que você nem tira proveito disso, né? – ironizou e fechou a cara para ela novamente. – Quê?
- Bom, você pode traduzir nossa conversa, então – ela insistiu.
Eu concordei. Aquilo não podia ser tão ruim… Era o que eu achava.
- Oi – minha mãe atendeu do outro lado da linha normalmente quando liguei para o telefone fixo de casa. É claro, só porque ainda não sabia quem era.
- Mãe…
- É VOCÊ, SUA VAGABUNDA? COMO OUSA DESLIGAR NA MINHA CARA E DESLIGAR ESSE TELEFONE?
Eu teria desligado naquele mesmo momento, se não estivesse me observando de frente. Respirei fundo e apertei o viva-voz do telefone agora rachado e com pedaços faltando.
- quer falar com você, mas eu vou ter que traduzir – disse tentado parecer indiferente aos gritos dela.
- QUEM DIABOS É KATHY?
- É a mãe de , agora, se você puder parar de gritar, eu iria agradecer.
- PERGUNTE ENTÃO A ELA COMO VOCÊ PODE ENGRAVIDAR EMBAIXO DO NARIZ DELA, QUE TIPO DE MÃE É…
- Pare de gritar! – eu aumentei um pouco o tom de voz para me fazer ouvir, mas eu não iria gritar na frente de . estava sentada a meu lado, observando calada. – Ela é uma ótima mãe, com certeza melhor do que você. – Ela voltou a gritar, mas eu apenas ignorei. – Agora eu vou traduzir a conversa de vocês. Pode falar, .
- Dê um oi pra ela – disse, tentando sorrir pra mim.
-Ela disse oi pra você – eu traduzi.
- Oi.
- Oi – eu respondi para .
- Bom, eu queria dizer que é um ótimo menino, e que aqui na Inglaterra as coisas devem ser bem diferentes do Brasil. Aqui está tudo bem, eu estou de olho em vocês dois e você está sendo muito bem cuidada – disse e eu traduzi para minha mãe, que murmurou coisas que eu ignorei, pedindo para prosseguir. – E Rachel também tem feito isso muito bem, ela está se preocupando à toa. E vocês dois também já não são mais crianças, estão bem acostumados a se virar. Não há com o que se preocupar, tudo está melhorando aqui aos poucos, se reajustando.
- É só isso que ela tem pra me dizer? – minha mãe parecia ainda mais irritada. – Que vocês estão sendo bem cuidados? É, posso ver mesmo. E o que ela pretende fazer quanto a sua gravidez? Como as coisas podem estar se reajustando? Essa mulher só pode estar louca.
- Ela não é louca, tudo aqui está perfeitamente bem, você que está pirando. Tudo está bem aqui, eu não preciso de nada a mais, está tudo mais que perfeito aqui!
- EU ESTOU PIRANDO? COM QUEM VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FALANDO, SUA CRETINA? EU JÁ LIGUEI PRO SEU PAI, MAS ELE TAMBÉM TRABALHA. O QUE DIABOS VOU FAZER COM VOCÊ? VOU LIGAR PARA RACHEL TE LEVAR AO AEROPORTO ASSIM QUE O DINHEIRO DA PASSAGEM CAIR NA CONTA DELA…
- VOCÊ O QUÊ?! - eu berrei tirando o telefone do viva-voz. – MEU PAI? MEU PAI? EU NÃO TENHO PAI!
- Não seja estúpida, é claro que você tem, e é com ele que você vai morar assim que tirarmos essa coisa de dentro de você, porque eu não posso mais te suportar aqui, não com você sendo essa vadia inútil…
Eu fiquei paralisada, sem conseguir nem ao menos respirar. Como ela podia, depois de dezessete anos, resolver contatar meu pai? Do que ela, afinal, estava falando?
- Eu não vou morar com ninguém no Brasil! Eu vou ficar onde estou, com meu namorado e… o que? Essa coisa? Tirar? VOCÊ ESTÁ FALANDO DO SEU NETO! COMO PODE SEQUER… SEQUER PENSAR NISSO? É MEU FILHO, E EU SOU EMANCIPADA, VOCÊ NÃO PODE TOMAR DECISÕES POR MIM E RACHEL NUNCA IRIA ME MANDAR DE VOLTA PARA O BRASIL…
- ENTÃO EU VOU TER QUE TE BUSCAR PELOS CABELOS!
- VOCÊ PODE TENTAR, MAS VOCÊ VAI TER QUE LIDAR COM A POLÍCIA! NÃO QUERO VOCÊ PERTO DE MIM NUNCA MAIS! EU TE ODEIO!
Eu bati o telefone com força contra o gancho, o choro vindo à tona e totalmente fora de controle, eu sentia vontade de morrer, era o que eu mais queria, menos pelo fato de que isso afetaria meu bebê. E, nesse momento, eu já havia corrido de volta para o quarto de , que estava mancando até a porta e me abraçou assim que eu me joguei contra ele, sufocando descontroladamente. Meu bebê e eram tudo o que mais me importava e, apesar de saber que me protegeria, eu ainda sentia medo das ameaças de minha mãe. Falar de meu pai… E se me abandonasse como ele? Eu o apertei ainda mais, tremendo de medo apenas pela idéia.
- Pelo amor de Deus, , você tem que me contar o que está acontecendo – disse, acariciando meu cabelo depois que eu me acalmei. Mais uma vez eu tive que me desculpar com , e dessa vez também ganhei um chocolate quente igual ao que tinha feito para antes da ligação. Igual sem contar o fato de que esse era infinitamente mais saboroso.
Eu queria lhe contar sobre o bebê. Meu maior desejo era ouvi-lo dizer que cuidaria de nós dois e nunca deixaria ninguém me tirar de perto dele, não importando o que acontecesse. Eu queria saber que ele queria aquele bebê tanto quanto eu, que ele o amaria acima de tudo, que nós ficaríamos juntos para sempre.
Mas a possibilidade de ele nos abandonar parecia agora mais real do que nunca. Se meu pai havia feito isso, quais eram as chances de ele não fazer?
- Meu pai – foi a primeira coisa que eu pude pensar em dizer. – Minha mãe quer que eu volte para o Brasil imediatamente, e agora veio com essa história do meu pai. Por que infernos, depois de dezessete anos, ela está fazendo isso comigo? Ela quer que eu volte para o Brasil e vá morar com ele! Um estranho… um estranho que me abandonou – eu estava alterada, mas a última parte inevitavelmente foi sussurrada.
- Para o Brasil? Por que ela iria querer isso, você está tão bem aqui! Achei que ela não soubesse que você está doente…
- Ela não sabe, mas ela sabe que você está cego e quando eu disse que íamos morar juntos ela simplesmente surtou! – Eu respirei fundo, contendo minha vontade de lhe contar toda verdade. – Ela só não pode nos entender, ela não entendo o que temos. Eu não quero voltar para o Brasil, , lá é tão… Só de pensar em lá eu lembro do Jack…
- Hey, hey, calma – Eu estava deitada em seu colo de costas para ele, que me abraçou mais forte. – Você não tem porque voltar para o Brasil, ela não vai te tirar de mim. Ninguém vai. Nós vamos ficar bem, pequena, está bem? Ela não pode de forçar a nada, e logo você vai ter dezoito, só mais alguns meses. Nós vamos nos casar quando terminarmos a escola e você vai poder ter seu visto permanente. Eu vou cuidar de você.
Eu sorri e fechei os olhos, ignorando minhas novas lágrimas. Eu sabia que era só uma questão de tempo para que ele descobrisse que eu estava grávida e provavelmente mudar de idéia sobre ficarmos juntos, mas eu estava feliz por ele estar finalmente se mostrando forte novamente apenas para me fazer sentir segura.
Capítulo 35
Goodbye Lullaby
Nos dias restantes que se passaram, tentou me dar todo o apoio que podia, tentando entender o que estava acontecendo entre mim e minha mãe, mas logo chegou a hora de ela e irem para casa. A solidão me abateu de uma forma estranha, eu me sentia depressiva a maior parte do tempo, perguntas e medos rondando minha cabeça. Era como se paz e tranquilidade estivessem distantes o bastante para que eu não conseguisse vê-las.
As aulas tinham voltado para todos que conhecia, menos para mim e , de certo modo. Nós estudávamos em casa durante algumas horas, mas era algo cansativo e anormal. Era difícil ajudar nos estudos, mas ele se recusava a estudar mais que duas ou três vezes por semana no instituto que frequentava.
Rachel me visitava às vezes depois do trabalho, notando sem demora minha ausência de felicidade. Por dentro eu estava enlouquecendo, eu queria minha vida de volta, eu queria ser uma adolescente normal, com pais amáveis e um namorado que pudesse dizer o quanto eu estava linda todos os dias. Parecia que cada dia que passava eu estava mais encurralada, e o silêncio de minha mãe apenas me deixava mais preocupada, sem saber qual seria seu próximo bote.
Minha mãe podia ser como um inimigo para mim muitas vezes, mas eu tinha sorte de ter Rachel. No mesmo dia em que trouxe um pedaço de torta de morango para mim e , ela resolveu me levar no médico, tendo marcado o mesmo há duas semanas. Por sorte estava no instituto, me deixando mais tranquila para sair de casa.
Pequenas esperanças são difíceis de não se ter, mas minhas expectativas estavam realmente baixas ao adentrar o consultório. Só torcia pra que Little estivesse bem, mas não vi isso chegando.
Apesar de todo o meu emocional abalado, eu estava bem. Eu estava mais do que a bem, estava saudável de verdade. Eu e Little .
Segundo o médico, após exames, eu havia me recuperado extremamente bem, provavelmente por ser jovem ainda. Eu ainda não estava em um estado perfeito, tinha alguns cuidados a tomar e muitas vitaminas a serem tomadas sem falta, mas eu podia ser considerada quase uma grávida normal.
Isso queria dizer apenas duas coisas em minha mente: Sexo e escola.
Eu poderia ter minha vida normal de volta. Ou, pelo menos, parte dela.
Ao chegar em casa, esperava que fosse ficar tão feliz quanto eu com a notícia, mas isso não aconteceu. Ele sorriu, mas de um jeito deprimido, arrancando meu ânimo sem ao menos se dar conta disso.
- , por que você está assim? Por que não está feliz por mim? – Me recostei na parte de trás do sofá, tentando ler algo em seu rosto. Ele soltou o ar pesadamente, deixando sua tristeza transparecer.
- Me desculpe, , não é isso, eu estou feliz por você. Estou feliz que finalmente esteja melhor.
- É, sua alegria é visível até do outro lado do Tâmisa.
- Mas eu já disse que estou feliz por você e estou mesmo.
- , eu não sou cega, posso ver a sua... – me calei, percebendo a besteira que havia acabado de falar. Sua feição se tornou para nervosa enquanto ele passava a mão pelo rosto. – , desculpe, não foi o que eu quis dizer…
- Pode não ter sido o que você quis dizer, mas é o que eu estou tentando te dizer. Você pode não ser cega, mas eu sou. Isso quer dizer que você vai ficar longe de mim, e eu não posso fazer nada quanto a isso. Quer dizer que você vai voltar para a escola, lembrar como é ter uma vida normal, enquanto eu vou ficar aqui. Sozinho.
- Você pode voltar pra escola, . Eles são obrigados a te aceitar.
Ele riu ironicamente.
- Não, eu não posso. Como seria um estudante perdido naquele lugar? Eu mal consigo andar pela minha própria casa sem bater nas coisas, como você espera que eu sobreviva naquele lugar?
- , você não vai estar sozinho, têm pessoas pra te ajudar.
- E quem vai querer ficar do meu lado? Eu não sou mais popular como era, ninguém iria ficar comigo lá.
- Eu estava me referindo a nossos amigos, aqueles que continuam do seu lado porque gostam de vocês. Estava me referindo a mim mesma, sua namorada, lembra?
- Por que você não pode continuar aqui comigo? Pra que voltar pra escola?
- , nossas notas estão caindo cada vez mais! Você não sente falta de lá?
- É claro que sinto! Muita!
- Então você é realmente egoísta ao ponto de estar me fazendo sentir culpada por querer voltar! – Balançando a cabeça indignada, comecei a me afastar dele em direção ao quarto.
- Eu aposto que você realmente deve estar feliz em me abandonar. Finalmente vai se livrar do peso nas suas costas, não é? – Eu podia sentir a raiva vibrar em suas cordas vocais, esquentando meu sangue com isso. – Finalmente uma chance para ficar longe de mim.
Eu parei na metade próxima ao corredor, tentando assimilar suas palavras.
- Você está falando sério? – perguntei, me virando para ele lentamente. – Que depois de tudo que eu venho aguentando, você está me acusando de querer me livrar de você? Agora? – eu cerrei meus dentes, tentando me segurar para não gritar. Ele só podia estar de brincadeira com a minha cara.
- É claro que estou. Mas eu entendo como você se sente, só não esperava isso de você. Exatamente depois de tudo o que nós passamos eu esperava que você pelo menos considerasse ficar.
- Só para sua informação, eu não estava planejando te abandonar. Eu iria frequentar as aulas, mas vir aqui sempre que pudesse. Você não entende coisa nenhuma como eu me sinto, você não faz ideia!
Ele deu uma risada.
- Se eu sou o peso na sua vida, eu sei exatamente como você se sente com a chance de se livrar disso.
- Você não é um peso, você é apenas estúpido! Você não tem noção de como eu em sinto, porque passou todas essas semanas ocupado demais sentindo pena de si mesmo para prestar atenção em como eu estava!
- Do que você está falando? Eu estive sempre do seu lado!
- Somente quando eu não conseguia manter calada o que sentia, mas a não ser que eu gritasse, você não se importava em checar como eu estava. Isso porque você está realmente cego; cego de egoísmo e pena de si mesmo. Mas adivinhe? Você não é a única preocupação na minha vida, eu tenho que prezar por coisas mais importantes! Você não é o centro do universo!
Quando me dei conta, os olhos dele brilhavam, molhados, sua feição triste.
- Eu esperava ser o centro do seu como você é do meu – ele respondeu. As lágrimas vieram aos meus olhos, tentando embaçar minha visão. – Eu só não entendo por que você quer tanto ir, por que não pode ficar mais aqui comigo, pelo menos mais um pouco.
Eu tive que respirar fundo para engolir o choro. A resposta era porque minha barriga estava começando a crescer, e eu podia escondê-la com roupa, mas não podia escondê-la vivendo com . Eu queria poder ficar mais ali com ele, mas ele estava me sufocando. Era muita coisa pra minha cabeça tomar conta dele e me preocupar com o bebê que eu tentava esconder. Cada dia que se passava, o circulo se apertava para mim, e eu estava começando a me sentir enforcada. A melhor maneira seria esconder até que ele estivesse pronto, nós estivéssemos.
E minha vontade era contar-lhe ali mesmo a verdade, mas o medo tomou conta de mim. Eu arruinaria sua vida, acabaria com o pouco de esperança de futuro que ele ainda tinha, mesmo que não visse isso. O que eu mais queria era correr para seus braços, deixar que ele me abraçasse forte até que conseguisse parar o choro que iniciei. Eu podia estar acusando ele de ser egoísta, mesmo que eu tivesse causado parte do afastamento dele, mas eu não conseguiria ser egoísta a esse ponto. Não com ele.
- Você não precisa entender, só queria que você desejasse me ver feliz. Acho que está na hora de seguir em frente com minha vida, não acha?
- O que você quer dizer com “seguir em frente”? – eu podia sentir o medo em sua voz me cortando por dentro.
- … - E, apesar de não querer destruir a vida dele, eu não conseguia destruir a minha tão facilmente também. O que era complicado, pois ele era minha vida agora. Há algum tempo, na verdade. A única coisa feliz que eu já tive. – Eu acho que preciso de um tempo – foi o máximo que consegui dizer, apesar de não saber como havia conseguido dizer isso.
- … - Fechei meus olhos, sua voz me cortando novamente. Aquilo me machucava tanto que eu não sei como ainda respirava sem morfina.
- Não faça isso mais difícil do que é, por favor – E, sem ter coragem de encarar seu rosto novamente, voltei a trilhar meu caminho até o quarto, onde me tranquei e chorei pelo resto do dia, até dormir abraçada com o travesseiro dele.
Naquela mesma noite Rachel me ligou, dizendo que já havia conseguido acertar tudo com a escola. Meu dormitório estaria esperando por mim na manhã seguinte, quando ela viria me buscar para a escola. Eu senti um aperto no peito ao pensar que a partir dali eu teria que começar a me afastar de , mas minha decisão estava tomada. Eu tinha que pensar no que era melhor para ele, melhor para nosso bebê. Não que o melhor para Little fosse ficar longe do pai, mas também não seria bom para ele ter alguém com a vida acabada. tinha chances de crescer na vida, mas com certeza não comigo por perto, eu sabia disso. Agora eu só tinha que pensar em minhas opções no futuro, o que poderia fazer para cuidar de Little e de mim ao mesmo tempo. Eu tinha algumas ideias, mas a mais fácil para criar bem meu bebê era também a mais difícil para mim. Mas afinal, eu teria que encarar as consequências. Só não agora.
Eu continuei deitada, com a luz apagada, mas não conseguia mais dormir. A porta estava destrancada e se deitou ao meu lado com dificuldade, deixando um braço em minha cintura casualmente.
Me levantei após alguns segundos, eu não podia ficar ali.
- Ah, , vai continuar com isso? Volta aqui, vai.
Eu deixei apenas seu suspiro para trás quando fui pra sala, onde passei a noite vendo televisão sem realmente me importar com o que estava passando.
Foi bom abraçar Rachel, e ela ficou surpresa quando eu pedi pra deixar uma de minhas malas em sua casa.
- Eu achei que você fosse voltar mais para a casa do nos fins de semana, o que houve? – ela perguntou preocupada. – Vocês brigaram?
- Eu só acho melhor não irmos tão rápido – foi o melhor que eu pude responder.
- É, vocês ainda são jovens demais. – Ela sorriu tentando me encorajar. – Mas vão acabar se acertando, não se preocupe.
- É, acho que sim. – Dei de ombros e entrei no carro, sendo atacada por Lauren e seu abraço sufocante.
- Meu Deus, você está congelando! – ela reclamou, me soltando. – Parece que acabei de abraçar um iceberg.
- Estou congelando junto com Londres inteira, o que você esperava, que eu tivesse uma fogueira interna?
- O que foi, meninas? – Rachel entrou no carro após fechar o porta-malas, ligando a ignição.
- Ela está congelando, mãe, acho que está querendo ficar doente de novo para ficar com .
- Nada a ver, Lauren, eu só não achei que estaria tão frio assim fora de casa.
- Está nevando! – ela protestou.
- Mas lá dentro estava tão quentinho! – eu choraminguei.
- A calefação devia estar alta. Aqui, querida – Rachel me estendeu um par de luvas e um cachecol. – Eu tenho isso no meu armário no trabalho, não se preocupe.
Eu sorri sem graça, agradecendo, e coloquei as luvas enquanto Lauren tentava me enforcar com meu cachecol.
A maioria das pessoas sorria para mim, enquanto eu voltava mais uma vez aos corredores com os armários degastados da escola que eu tanto senti falta. Eu sorria de volta, feliz por estar onde devia novamente, apesar de parecer faltar um pedaço de mim, como se um órgão tivesse sido arrancado. Eu não sabia o que era não estar com desde… eu mal podia me lembrar com certeza, tentando ignorar a dor que tentava apagar minha felicidade como seu sorriso havia se pagado, ontem. Quando fechava meus olhos por mais de três segundos, eu podia ainda sentir seu perfume em meu casaco.
- ? Você esta bem? – ouvi me chamar, mas eu não estava com coragem o bastante para desencostar a cabeça do armário aberto e abrir os olhos. Eu queria continuar sentindo o cheiro dele e fingindo que ele viria me abraçar de surpresa, como sempre fazia. – Dude, eu sei que você sentiu falta da escola, mas não precisa ficar aí nesse romance todo com o armário, assim as pessoas vão ter certeza que você ficou retardada depois do incidente.
Eu desencostei do armário com os olhos arregalados.
- Eu tinha esquecido que eles sabiam. – Suspirei. – É por isso que estão todos sorrindo para mim tão amigáveis.
- Amigáveis? Oh, essa é nova. – Ela disse e eu a encarei, pedindo explicação. – Quero dizer, a Brooklie não tem ajudado muito quanto aos boatos sobre o que realmente aconteceu.
Respirei profundamente, tentando manter a calma. Brooklie, eu havia esquecido desse pequeno defeito da escola diante de toda minha empolgação.
- O que aquela vadia está dizendo, dessa vez? – perguntei e ela apenas estalou os lábios. – , fica escrito na sua testa quando você tenta enrolar, desembucha.
- Ela disse que você tinha ficado retardada por causa do trauma e estava sendo tratada. - me surpreendeu, me dando um forte abraço. – É claro que o resto da população dessa escola fez questão de aumentar um pouco as coisas pelo caminho, sabe como é. Já me disseram até que você tinha perdido metade do cérebro, acredita? – ela riu, mas eu não achei graça.
- ! – repreendeu.
- Está tudo bem, isso não faz diferença – peguei meus livros e tranquei meu armário. – Minhas melhores amigas não sorriem pra mim com pena, isso que importa. Falando nisso, onde está a ?
- Ahn, ela deve estar com – respondeu enquanto me seguia.
- É, isso, com – concordou, passando um braço por meus ombros e sorrindo. – Estamos felizes que você voltou.
- Eu também estou feliz por ter voltado, – E mais olhares se voltaram para mim, me fazendo sentir um tanto acuada por tanta atenção. – Eu acho.
- Mas você devia ter me avisado que vinha para a escola, seu cabelo está horrível. Qual foi a ultima vez que foi ao cabeleireiro? – passava a mão pelo meu cabelo com cara de nojo.
- Acho que já está na hora de retocar as cores, hein, – Linha começou a mexer do outro lado do meu cabelo.
- Meu cabelo é última preocupação que eu tenho no momento.
- Mas deveria ser a primeira, como de toda mulher que se preze – me cortou. – Vou mais tarde ao seu quarto pra, pelo menos, cortar essas pontas duplas…
se animou imediatamente, e eu me esforcei pra me distrair com o que elas falavam, tentando ignorar o quanto eu sentia minha mão fria, independente da luva, sem a mão de para esquentá-la.
Logo na primeira aula eu fui recebida por um longo abraço de , com direito a rodopio no ar. Ele me abraçava com tamanha intensidade que eu mal podia respirar. Eu fiquei feliz de vê-lo, de verdade. Aquele vazio que cada canto daquela escola me fazia sentir ao trazer recordações de desde que eu pisara lá pareceu diminuir consideravelmente. era o amigo mais amável e atencioso que eu podia sequer desejar ter, e isso era reconfortante. E talvez o fato de eu mal ter tempo pra respirar entre as conversas com ele ao longo do dia e todas as tarefas atrasadas que eu tinha e matérias pra estudar fosse o que eu precisava. Não ter tempo pra pensar era realmente bom, assim eu não ficava remoendo os meus problemas.
Mas, é claro, meus amigos não demoraram a remoê-los por mim. Como e , cuidando da minha aparência, o que incluía agora o fator roupas. Eu tinha sorte de estar inverno, pois minha barriga já estava aparecendo bastante agora, mas com todas as roupas e casacos de inverno, isso conseguia passar despercebido. Mas elas queriam se certificar, então eu consegui trocar a oferta delas de cortar meu cabelo pra que elas usassem o tempo pra comprar algumas roupas pra mim, e enquanto isso eu ficava em meu quarto, estudando, quietinha.
Isso tudo foi combinado durante o almoço, onde não estava presente, assim como . É claro que o olhar de Brooklie recaiu sobre mim, mas ela não pareceu surpresa. Eu sabia que alguém já deveria ter fofocado para ela algo sobre mim, mas ainda assim foi inesperado ser poupada dos comentários maldosos que ela adorava fazer. Mesmo assim eu senti ódio ao ver ela e lembranças terríveis vieram a minha cabeça. Encostei minha cabeça em e tentei me distrair o mais rápido possível.
Por volta das sete horas da noite, alguém bateu a minha porta enquanto eu lidava com minhas lições de Física. Falei para que entrasse.
- Hey hermana – Lauren me cumprimentou e sentou na cama de . – É assim que vocês falam lá, não é?
- Não, Lauren, hermana é somente em espanhol, em português é irmã – eu corrigi, me virando na cadeira da escrivaninha para ela.
Ela tentou pronunciar, mas não soou muito bem, então ela prosseguiu com outro assunto.
- Como foi seu dia, Five Colours desbotada? – ela riu, mas eu senti algo ruim com aquilo. – O que foi? Achei que já tinha ouvido isso hoje.
- O problema é que eu acho que eu já ouvi, mas minhas cores não estão tão desbotadas assim, estão? – fui até o espelho checar meu cabelo. Bom, nem todas estavam tão desbotadas, só a azul que tinha desbotado para verde, a roxa para lilás e a vermelha se tornado laranja.
- , você tem que parar de ser tão inocente – a voz de me sobressaltou, então ela e adentraram o quarto carregando sacolas. Muitas, aliás.
- Inocente? E eu mato vocês se essas sacolas todas forem pra mim.
- Bom, hermana, vou descer pra jantar, mais tarde a gente se fala, certo? – Lauren acenou ao sair do quarto, eu apenas acenei de volta sem prestar muita atenção.
- Não estão te chamando assim porque as cores do seu cabelo estão desbotadas, - continuou, como se não tivesse sido interrompida – estão te chamando de desbotada porque você parece acabada, não tem mais aquele brilho. Querem dizer que você se tornou mais uma menina comum e sem graça. – Eu pisquei, tentando assimilar a sinceridade dela. – Desculpa, achei que você devia saber. – Ela sorriu forçadamente antes de sair do quarto com algumas sacolas na mão.
Eu me sentei na cama, atordoada.
- O que foi isso? – perguntei a ela, os olhos marejados contra minha vontade.
- Ah amora, não fica assim – me abraçou de lado, sentando ao meu lado.
- Por que todo mundo me trata com tanto ódio ou indiferença o tempo todo? – Sim, eu já estava chorando no ombro de . – Eu não fiz nada pra ela!
- Ela só está com ciúmes, vai passar – afagou minha cabeça, me consolando.
Desencostei de seu ombro, esquecendo um pouco do choro.
- Ciúmes? Ciúmes de quem meu Deus?
- Do , é claro – esclareceu. – Toda a atenção dele era voltada pra ela, de repente você volta e ganha toda a atenção dele de volta, da pra entender até, eu provavelmente não iria gostar muito também se alguém ficasse tão próxima do . Ainda mais considerando um certo histórico, né...
Eu a encarei, piscando repetidamente, na tentativa tanto de assimilar quanto de apagar o absurdo que eu acabara de ouvir.
- Você não pode estar falando sério, é meu melhor amigo! – soltei o ar, indignada. – Sem contar que vocês são minhas melhores amigas, é bem óbvio que nenhuma de nós jamais chegaríamos perto do namorado de outra amiga com segundas intenções. Ela sequer considerar a possibilidade, é uma ofensa!
- Calma, …
- Calma? – Aquilo subiu a minha cabeça de tal forma que eu não conseguia conter a raiva. – Você acaba de falar que uma das minhas melhores amigas não confia em mim, e que você também não confiaria em tal situação. Isso é ridículo. Sem contar o fato de que eu já tenho o , e eu jamais o trairia. Será que algo passou despercebido? Oh sim, espere, eu estou carregando um filho dele na minha barriga nesse momento. Qual o problema com vocês duas?
- Bom, não está aqui agora, o que quer dizer que tem algo errado entre vocês dois, não é? – ela perguntou, receosa.
Eu a encarei intensamente.
- Você não ouviu uma palavra do que eu acabei de dizer, não é? – Me levantei revoltada, me controlando pra não empurrá-la. – E meus problemas não são mais da sua conta, já que não é minha amiga.
Com isso, saí do quarto batendo a porta com força, dando de cara com Brooklie no corredor.
- Oh, eles estão deixando novamente as aberrações entrarem nessa escola mesmo? – ela disse alto, chamando a atenção de algumas meninas no corredor.
- Sim, desde que você começou a estudar aqui, se não me engano – rebati, tentando continuar meu para as escadas, mas Brooklie o barrou.
- Ah querida, você parece meio abatida, devia voltar pra casa, pros braços do seu garoto cego.
- E você devia voltar pro inferno, de onde nunca deveria ter saído, vadia.
- Do que você me chamou? – ela exigiu, toda espalhafatosa.
Eu não estava realmente com humor para aguentá-la.
- De vadia vira-lata, sua cretina. – Sem pensar, eu a empurrei pra fora do meu caminho, seguindo pelo corredor.
- Talvez eu devesse ligar pro seu namorado, aquele brasileiro, pra ele vir te ensinar a ter bons modos.
Aquela foi a ultima que eu podia aguentar, e eu não me segurei. Voltei até ela a passos largos e a joguei contra a parede, forçando meu braço direito contra seu pescoço com força, a outra mão próxima ao bolso de minha calça que guardava um canivete.
- Eu acho bom você pensar duas vezes antes de mexer comigo – eu falei, quase cuspindo na cara dela.
Ela tentou sorrir falsamente, mas meu braço dificultava sua respiração.
- Você é quem deveria ter medo de mim, pirralha, começando pelo fato que seu namorado pode estar cego, mas ele ainda pode ser meu alvo. Além disso, onde está o tal do Jackie? Ele não devia estar com você agora?
- Acho que você não é tão bem informada, afinal – eu sorri pra ela, apertando ainda mais seu pescoço. Então sussurrei em seu ouvido: - Jackie está morto, e eu não vou pensar duas vezes antes de te machucar tanto que nem plástica poderá te colar de volta, entendeu?
Ela ficou um tanto paralisada quando eu a soltei, mas eu não sabia se isso era devido a algum medo que eu tivesse conseguido colocar em sua mente ou apenas a noticia sobre Jackie.
É claro que sequer pensar em Jackie me embrulhava o estômago, ao mesmo tempo em que dava certo aperto no coração. Eu podia sentir um desespero fechar minha garganta ao pronunciar seu nome, mas eu não iria deixar aquilo transparecer a ela. Eu precisava respirar, urgentemente, antes que eu quebrasse minha mão socando a parede. Ou alguém.
Acabei indo parar no lugar em que vi pela primeira vez. Agora na noite escura as estrelas brilhavam, mesmo não enchendo o céu. Eu já havia chorado, mas chega um certo ponto em que você apenas pensa, como se seus olhos não tivessem mais lágrimas para soltar, mas você continuasse chorando por dentro, um sentimento angustiante corroendo por dentro.
O tempo estava húmido e frio, algumas nuvens carregadas ao longe vinham lentamente em minha direção. Eu não me importava de estar congelando ali por não ter sequer me lembrado de pegar um agasalho antes de deixar o prédio, eu mal sentia a brisa cortante. O que eu sentia dela me fazia até bem, na verdade. Mas o que estava em minha mente era forte demais para que eu prestasse atenção.
Já haviam se passado alguns dias desde que eu voltara para aquela escola, e as coisas pareciam apenas pior cada vez mais.
Mas, ao ficar ali, eu conseguia ver tudo acontecendo novamente. Eu podia vê-lo correndo pelo campo de um lado pro outro, o sol que batia em meu rosto e no corpo dele. Lembrava-me das tantas vezes que ele me dizia que eu era linda, do quanto ele me amava. De quando eu reclamava dele estar me observando assim que eu acordava, toda descabelada e horrível, e ele insistia que era a melhor visão que já tivera e que poderia me observar pra sempre. Eu queria abraçá-lo agora e saber que tudo ficaria bem.
Ele não podia mais ver agora se eu estava realmente bonita ou não. Não podia ver o quão horrível eu estava. Não poderia ver o quão lindo nosso bebê seria. Não podia ver o sol e não poderia estar observando as mesmas estrelas que eu, naquele momento.
sentou ao meu lado na grama, como fizera na noite anterior, ao descobrir que eu estava lá. Mas ontem ele não havia dito uma palavra, apenas me abraçado e ficado ali. Hoje ele colocou um pacote de papel pardo em meu colo, e eu sabia que ele não ficaria quieto por muito mais tempo.
Eu não queria ir até a cantina pra jantar, eu estava evitando contato com pessoas o máximo que podia. Ele devia apenas ter chutado o fato óbvio de que eu estava sempre faminta, apesar de nem todas as vezes comer. A não ser é claro que a comida brotasse assim na minha frente, aí era simplesmente demais para que eu resistisse.
Ele esperou até que eu terminasse de comer e me aconchegasse a ele para finalmente falar.
- Sabe, hoje fomos ensaiar no apartamento do – ele começou, e eu respirei fundo. – E, , eu estou preocupado.
- Com ele? O que houve? – eu perguntei desesperada, me distanciando de seu ombro para olhá-lo.
- O cara tá uma bagunça, sem contar que ele só canta músicas meio fúnebres. – Ele disse. – Não é nada grave pra esse desespero todo, apesar de que eu jamais vi alguém tão mal… além de você.
Aquela angústia novamente me atacava por dentro.
- Eu não sei o que fazer, .
- Estou preocupado com você, de verdade. O que vocês tem me parece um tanto doentio, às vezes. Eu achei que você estivesse assim pelo que está acontecendo aqui e seu bebê e tudo mais, mas pelo estado daquele cara, é óbvio que tem algo errado entre vocês dois. Aliás, por que você tem se isolado tanto? Só consigo te ver nas aulas, você some o resto do tempo. Eu sei que é muita coisa pra lidar, mas você tem a mim e as suas amigas, não precisa fazer isso sozinha.
Eu ri tristemente.
- Não, , eu não tenho mais amigas. A Lauren é a única menina confiável por aqui.
- O que houve? – Ele franziu a testa e afastou uma mecha de cabelo do meu rosto.
- Sua namorada não te contou, não? Achei que ela tinha te proibido de falar comigo, a essa altura.
- Como assim?
- Ela está com ciúmes, e pra ajudar, a disse que se estivesse no lugar dela, também se sentiria assim. Quero dizer, você é meu melhor amigo, isso é absurdo! Elas não confiam em mim, isso é ridículo.
Ele olhou para frente, me deixando sem uma resposta. Parecia bem pensativo.
Resolvi ignorar isso e continuar a desabafar.
- Quero dizer, é o único pra mim, e a é sua paixão desde sempre, não é? Como ela não vê isso?
Ele sorriu de modo triste, me olhando de relance, e então ficou encarando as estrelas.
- O problema é que ela vê as coisas que você não vê. Ela não tem a mesma inocência que você.
- O que eu não vejo?
- Você não vê que pode ser o único que você enxerga, mas ele não é sua única possibilidade. Você não vê que a foi sim minha paixão desde muito tempo, mas não vê que as coisas mudaram com esse tempo. Eu conheci uma garota incrível, e, mesmo estando com a , eu não consigo tirar essa menina da minha cabeça.
- O quê? Tem outra garota nessa história? Isso explica um pouco o ciúme da , mesmo que ela não devesse descontar em mim. Mas quem é ela? E o que ela pode ter que a não tem pra você mais?
Ele sorriu pra mim, e então deu um beijo em minha testa.
- Pergunte a si mesma, arco-íris.
Ele se levantou então e me deixou lá na grama, confusa.
Capítulo 36
The Kill
É claro que eu não era tão lerda a ponto de não entender até o dia seguinte. Acordei com a resposta em mente e, vencendo o sono absurdo que eu andava sentindo ultimamente, levantei determinada a socar a cara do . Quem ele pensava que era para fazer isso comigo, com a e, pior ainda, com ele mesmo? Ele não podia estar falando sério, simplesmente não podia.
perguntou aonde eu estava indo - eu já estava de uniforme, no entanto era cedo demais para a aula - mas a ignorei. Eu não pedia às pessoas que confiassem em mim quanto aonde eu iria, ainda mais quando era para ver uma pessoa inclusa em toda a desconfiança.
As portas dos prédios tinham acabado de abrir, de modo que não havia ninguém no meu caminho até o prédio masculino. Chegando lá, avistei no corredor apenas dois garotos com livros na mão - provavelmente tinham prova hoje. Esforcei-me contra o impulso de chutá-los, tamanha raiva que eu sentia.
Subi as escadas até finalmente achar a porta do quarto dele. Não me importei em bater: apenas a escancarei e, em seguida, fechei-a atrás de mim.
- O que você está pensando? – perguntei entre dentes, pouco me importando com , que estava resmungando por eu tê-lo acordado. já estava bem desperto, sentado com seu notebook no colo. – Você não pode simplesmente me dizer aquilo e me deixar nessa situação. Eu amo o , e você namora a ! Se você não gosta dela, o mínimo que deveria fazer é parar de iludi-la. Você é o meu melhor amigo, isso é o máximo ao qual conseguimos chegar e vai continuar sendo assim, porque você é como um irmão para mim. – ele me olhou confuso, e eu tomei isso como sinal de tristeza. Respirei fundo. – Desculpe, , você é realmente especial para mim, mas não desse jeito.
- Ahn, pronto? – ele perguntou com a expressão ainda mais confusa, algo estranho.
- Sim. Desculpe se isso te magoa, mas achei melhor vir e falar tudo de uma vez, já tem coisa demais me sufocando.
- Oh, desbotada... – me chamou e eu o fuzilei com o olhar pelo apelido. – Desculpe. – ele se apressou a dizer. – De qualquer jeito, eu não entendi isso muito bem, mas você acha que o está a fim de você?
- Bem, ele me disse isso ontem. – eu respondi e então caiu na gargalhada. Ele riu tão profundamente, pareceu que iria rir para sempre. – O que foi? O que tem de engraçado nisso?
- , você lembra que está grávida, não é? – ele disse, tentando conter a risada. – Quero dizer, pelo menos para si mesma você já contou isso, certo?
- E o que isso tem a ver? – perguntei, cruzando os braços à minha frente.
- É que o fato de você estar parecendo uma bola de futebol sendo enchida de ar lentamente, apesar dos seus seios estarem melhores, não costuma atrair muito os caras. E, certo, o pode ser bem esquisito, mas não a ponto de querer adotar uma criança. Acho que você devia rever o quanto está desesperada para…
- Chega, ! – interrompeu, chamando minha atenção para ele. – Desculpe, , mas é melhor você ir agora. Mais tarde conversamos, pode ser?
Meus olhos estavam marejados, e tudo o que eu queria fazer era abraçá-lo e chorar.
- Não pode vir tomar café da manhã comigo?
- Desculpe, vou ter que encontrar a , sabe como é. – Ele deu um sorrisinho triste. – Mas é melhor mesmo você ir.
- Certo. – eu respirei fundo, me recuperando para sair dali.
Foram nesses segundos de silêncio em que eu percebi um ruído. Era um ruído de chuveiro, obviamente vindo do banheiro, que estava com a porta fechada. Olhei para e então para - os dois tinham namoradas. As portas dos prédios haviam sido abertas pouquíssimo tempo antes de eu deixar o prédio, e ninguém viria a essa hora da manhã tomar banho no quarto deles, a não ser que tivesse dormido aqui. Acontece que as respectivas namoradas dos dois tinham dormido no prédio feminino, afinal eu as havia visto após o toque de recolher em nosso corredor.
- Quem está aí dentro? – questionei séria.
coçou a nuca.
- A . – ele respondeu, se ajeitando na cama.
- Sério? – ergui as sobrancelhas. – Que bom, estava mesmo morrendo de saudade dela.
Abri a porta do banheiro, contrariando os protestos dos garotos, e dei de cara com a última pessoa que eu esperava ver no mundo. Não, não era a Brooklie. Brooklie é alguém que você já imagina encontrar no quarto de algum garoto - ela seria até um conforto se comparada a isso, pois agora não era uma pessoa com a qual me decepcionar, eram duas.
Eu a encarei, e ela parou de passar a esponja nos ombros, me encarando também. Não consegui reagir.
- Ahn... Oi, hermana? – ela tentou.
- , não é… - , na porta do banheiro, começou a falar, mas eu o interrompi com a mão e o empurrei para o lado, e então saí do quarto batendo a porta.
Fiquei tão perdida com a cena que não tinha palavras para dizer, não sabia o que sentir. Aquilo era insano, minha mente simplesmente não suportava tal acontecimento.
Voltei ao meu quarto, sem coragem de encarar o mundo tão certo. Eu sabia que não estava ajustada ainda às matérias, mas não podia ir para a aula de física e encarar o , seria pedir demais!
Encarei o teto do meu quarto, ignorando novamente as perguntas de , e, pouco após ela deixar o quarto e o sinal tocar, eu adormeci.
É claro, o mínimo que deveria se esperar era que eu fosse correndo contar à , já que ela era uma das minhas melhores amigas, mas eu não conseguia. Ela estar tão ciumenta para cima de mim fazia algum sentido, afinal.
Depois do intervalo, fui para a aula de inglês e, na hora do almoço, me escondi no banheiro feminino. Sim, foi lá que eu almocei, no banheiro. Foi o único lugar que me veio à cabeça no qual não poderia me importunar e, claro, nem o resto das pessoas, se eu permanecesse trancada dentro de alguma cabine.
Pode parecer nojento, mas o banheiro até que era limpinho, e eu ainda podia ler escutando música depois de me alimentar. Extremo? Não, nem um pouco. Muito menos quando as pessoas riem de você na sua cara.
Eu sabia que algo estava errado entre mim e o resto da escola, mas eu tinha medo de descobrir exatamente o quê - só que no fundo eu já sabia. Agora, as pessoas que antes me olhavam com pena, me julgavam novamente - mais do que julgavam, me acusavam com o olhar. Eu sabia que elas estavam falando alto propositalmente para que eu escutasse durante as aulas ou nos corredores, mas estava com tanto medo dos rumores que apenas colocava os fones de ouvido no volume máximo e me escondia na última carteira da sala, o capuz do casaco sempre sobre os cabelos desbotados enquanto eu escrevia compulsivamente. Com o capuz, eu podia esconder e usar os fones de ouvido na sala, conseguindo assim não ouvir nada além de música quando todos começavam a conversar entre as pausas dos professores.
Como de costume, fui para a aula de teatro à tarde, a única que eu realmente vinha apreciando ultimamente. A maioria dos alunos já estava lá, espalhada pelo palco, quando me sentei em uma das poltronas da primeira fila, à espera da professora. “The Kill”, do 30 Seconds To Mars, estourava meus ouvidos através dos fones.
Somente quando a professora entrou no meu campo de visão ao subir no palco foi que desliguei a música, me juntando à roda que se formava. Iniciamos nossos exercícios básicos de voz e respiração, pegando em seguida o roteiro e repassando-o verbalmente.
- Muito bom, gente. – a professora sorriu, mexendo dentro da sua bolsa. – Não estou achando o CD com as músicas de fundo que queria mostrar a vocês, devo ter esquecido no carro. – ela se levantou. – Façam uma pausa enquanto vou buscar, está bem, crianças?
Nós concordamos e ela deixou o local, as conversas se iniciando imediatamente entre todos. Fiquei apenas olhando para as cortinas recolhidas nas laterais, mergulhada em pensamentos, até que Cheryl, a garota de cabelos castanhos com luzes avermelhadas, chamou minha atenção e veio se sentar ao meu lado.
- Então, , como você está? – ela sussurrou.
- Estou bem, e você? – ela era a primeira pessoa com quem eu falava depois de , e minha voz pareceu meio falha por falta de uso.
- Tem certeza? – ela insistiu. – Quero dizer, você anda meio esquisita pelos corredores, está parecendo um fantasma. Eu sei que tudo que está acontecendo deve ser difícil para você, ainda mais depois do que fiquei sabendo hoje, mas você não pode se deixar abater assim. Saiba que tem um ombro amigo se precisar.
Eu a encarei, piscando. Mesmo querendo evitar ao máximo saber o que estavam realmente falando de mim, minha boca se moveu mais rapidamente do que a minha capacidade de me manter calada.
- O que você soube hoje?
Então eu notei que os zunidos de conversa haviam parado, mesmo que ela estivesse falando baixo comigo.
- Bem… - ela pareceu sem graça. – Você sabe, . Toda a escola já está sabendo. - franzi o cenho para ela, um tanto irritada e pronta para negar, dizendo que não sabia do que ela estava falando.
- O é o pai? – a garota do cabelo loiro-branco perguntou em voz alta, empolgada, congelando meu sangue. – Porque dizem que é do seu ex-namorado, aquele tal de Jack, mas, como a Cheryl disse, não teria dado tempo da sua barriga crescer assim…
- Amanda! – Cheryl a repreendeu. – Desculpe, , nós só estamos curiosos, mas não queremos nos intrometer na sua vida.
Os segundos que se seguiram deixaram o ar pesado, eu não conseguia me mover.
- , você está bem? – Allan se manifestou, me trazendo de volta do choque.
Eu estava ferrada.
- Eu não sei de onde vocês tiraram essas ideias absurdas! – minha voz saiu alta e estrangulada, ecoando pelo teatro. – Como podem acreditar em algo tão absurdo?! Eu, grávida? Tenho dezessete anos!
Todos me encararam estáticos enquanto eu deixava o teatro, jogando o script pelo caminho. A professora esbarrou em mim perto da porta, perguntando para onde eu estava indo.
- ESTOU FORA! – gritei, minha voz ainda ecoando dentro do teatro quando saí.
Eu estava pronta para chorar, mal consegui me segurar até chegar ao meu quarto, onde me deparei com . Ela me perguntou se eu estava bem e, quando voltei pelo corredor, ela foi até a porta me chamar, mas eu comecei a correr, atropelando outras estudantes pelas escadas. Ao chegar à saída do prédio feminino, eu já não conseguia mais conter as lágrimas, me encontrava sem rumo. Eu precisava de alguém, eu não conseguiria suportar sozinha aquela dor e aquele desespero, e o que mais doía dentro de mim era, sem dúvida, a saudade.
Deixei o prédio, caminhando em direção ao meu velho esconderijo nos gramados, mesmo sabendo que haveria gente lá a essa hora. Talvez eu conseguisse algum canto onde pudesse ou ficar invisível, ou abaixar minha cabeça coberta pelo capuz para que ninguém percebesse o meu choro.
Antes que eu conseguisse avançar alguns metros, alguém me abraçou fortemente. Eu me virei e através da vista embaçada enxerguei . Minha primeira reação foi pensar em estapeá-lo e dizer para ele me soltar, mas estava sem forças para gritar ou empurrá-lo. Ele me apertou com mais força contra si próprio, até que desisti de brigar e me deixei chorar contra seu peito. então me arrastou para as sombras entre os prédios e continuou a me abraçar ali, esperando que eu me acalmasse.
- O que houve, arco-íris? – ele perguntou, olhando nos meus olhos e afastando o cabelo que estava grudado em meu rosto.
- Eles sabem, , a escola inteira sabe! – eu solucei. – Logo também vai saber! O que eu vou fazer? Como vou convencê-lo de que isso é mentira se não consigo convencer nem o grupo de teatro?
Ele respirou fundo, segurando meu rosto para que nosso contato visual não se quebrasse.
- , você não pode fazer isso. Não posso acreditar que você está pensando em negar!
- E o que mais eu posso fazer? – choraminguei. – Eu não quero acabar com a vida dele, ele não precisa passar por isso como eu!
- É claro que ele precisa! Ele é tão responsável pela existência dessa criança quanto você! Você sabe que ele jamais deixaria você passar por isso sozinha, não há por quê. Você precisa contar a verdade a ele, agora mais do que nunca, antes que ele descubra por outra pessoa.
Eu o encarei sem reação. Podia sentir o sangue deixando o meu rosto. Era a hora da verdade, e eu sabia que nada disso podia dar certo.
Como ainda não tinha seu próprio carro, ele me arrastou até para pedir carona. Eu estava cada vez mais relutante, aterrorizada, e tentei convencê-los a esperar até o fim de semana, mas ambos insistiam que isso não poderia mais ser adiado, que não havia um por que. Eu tinha um mau pressentimento sobre tudo isso, ou talvez fosse o medo mesmo, não saberia mais dizer... Não saberia mais dizer nada.
passou o caminho inteiro batucando no volante, o que estava me irritando bastante.
- Dá pra parar? – eu pedi, segurando a mão dele contra o volante enquanto o sinal estava fechado. – Isso está me deixando louca.
- Você consegue enlouquecer mais? – ele riu, mas eu não estava com humor para sequer sorrir. – Está bem, eu paro, só gosto de ensaiar a batida no meu volante, desbotada.
- Você também? – disse indignada, mas ele não entendeu. – Enfim, ensaiando para quê?
- Para tocar com a banda, ué. – ele sorriu de modo descontraído, feliz como uma criança. – Achei que você sabia do nosso projeto de banda, o não te contou?
- Eu não falo com o desde que saí da casa dele. – respondi seca. – Que banda é essa?
- Temos ensaiado juntos por essas semanas, mas ainda não temos um nome, já que não sabemos se vai dar muito certo. O insiste que não pode levar isso adiante, que precisamos arranjar alguém para colocar em seu lugar, mas ele tem tocado melhor do que nunca, você tem que ver. Até anda compondo escondido!
- Por que colocar alguém no lugar dele? Ele canta tão bem... – eu disse, e um sorriso bobo tomou minha face sem que eu pudesse evitar. – Quem mais está na banda? E, ei, se ele está compondo escondido, como você sabe?
Ele riu alto.
- Aí, baixinha, você é mais lerda que uma tartaruga manca! e estão na banda também e, obviamente, o sempre se sente o deficiente da história. Não vejo a hora de ele parar com esse negócio de dó de si mesmo, isso já me irritou. E eu o ouvi tocando antes de apertar a campainha quando o fui visitar. São ótimas, apesar de melosas e tristes, mas acho que esse é o único tipo de inspiração que ele enxerga no momento.
Eu suspirei, me sentindo culpada. Como eu podia ter me afastado tanto dele em uma hora tão crítica? Eu não o merecia, certamente. Tudo bem que eu estava tentando esconder minha gravidez o máximo possível, que não aguentava mais falar com ele tendo que mentir sobre isso, que sabia que podia estragar o resto de esperança que ele ainda tinha para a vida, caso me prendesse a ele – apesar dele não ter essa esperança, eu conseguia vê-la no seu futuro – e eu tinha meus próprios problemas para lidar, mas isso ainda não me confortava como sendo uma desculpa. Nada pode desculpar o abandono à pessoa que mais se ama nos maus momentos. Nada.
Ao emergir de meus pensamentos, lá estava batucando novo.
- Maldição, , eu vou ter um colapso nervoso se você continuar com isso! – reclamei.
- Você está tendo um colapso nervoso faz tempo, . – ele retrucou, mas parou os dedos quietos no volante enquanto fazia a curva para a entrada do prédio de .
Antes que ele conseguisse fazer metade da curva, um carro veio acelerado pelo portão aberto, cortou-nos e tivemos que subir na calçada para não bater. O ar sumiu dos meus pulmões enquanto a cena se desenrolava. havia freado bruscamente, mas o outro veículo não fez sequer menção de parar, apenas acelerou mais ainda até que estivesse cantando pneus para o fim da rua.
Eu olhei para , chocada, mas ele tinha algo a mais no rosto, o que só confirmava o que eu mais temia: ele também reconheceu o grande carro de vidros fumês. já virava o carro para seguir o outro, mas eu o implorei que não o fizesse.
- . – eu repeti desesperada. – Temos que ver se ele está bem.
Ele hesitou entre perseguir o carro ou ir para dentro do prédio, até que por fim cedeu às minhas lágrimas e nos direcionou para a garagem.
A porta do apartamento estava escancarada, mas a fechadura não estava arrombada, o que eu achei bem estranho e ainda mais preocupante. Corri por todo o apartamento gritando pelo , e vasculhou tudo comigo. Aquilo estava um holocausto, tudo estava revirado, a televisão estava no chão, o sofá tinha seu estofado rasgado, a porta da geladeira estava quebrada, todas as gavetas se encontravam jogadas no chão com seus itens espalhados, o vidro do box estava estilhaçado, assim como grande parte das janelas. O que mais me assustou foi quando voltei à sala e avistei olhando pela vidraça. As enormes janelas que tomavam toda uma parede estavam destruídas, e ele olhava para baixo.
- Oh, meu Deus, não! – eu arfei, encarando .
Ele me olhou em alerta, as mãos no bolso.
- O que foi? – perguntou preocupado, olhando em volta.
- Como assim o que foi? Não jogaram ele daí ou coisa assim, não é?
Ele riu. Sério, ele riu em uma situação dessas!
- Não, eu estava só admirando a paisagem. – cruzei os braços, indignada. – Relaxa, não tem nada lá embaixo.
- Mas se ele não está no apartamento, onde ele está? – minha voz saiu estrangulada.
Ele franziu o cenho, se virando para a porta.
- Vamos atrás dele. Deveríamos ter seguido aquele maldito carro...
Corri em seu encalço e, assim que a porta do elevador abriu, não consegui ter uma reação imediata, havia perdido toda a linha de raciocínio.
Capítulo betado por Lizzie Darioli
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