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His Best "Lesbian" Friend





Capítulo 1 — Who am I, I don't know.

(Who Am I — Sonohra)

Três adjetivos para descrever o Instituto Particular de Ensino Holliang: ricos, muito ricos e fodidamente ricos.
"Com o perdão da palavra", etc.
Já ouviu falar de Gossip Girl? Pois é. Deve ser inspirado naquilo ali. O que eu fiz nessa geringonça a minha vida inteira? Ah, a minha família se encaixa perfeitamente nesse quesito. Algo entre muito ricos e fodidamente ricos.
Quem não se encaixa sou eu.
Felizmente, eu me instruí muito melhor que meus pais, e, predestinada a cursar uma ótima faculdade, descobri um Ensino Médio melhor para frequentar. O que, pra mim, seria literalmente qualquer outra escola. Porém, nesse caso, eu precisava convencer meus pais, então me esforcei para achar motivos melhores do que "tudo ali me dá vontade de morrer".
Minha querida mãe pareceu não gostar muito das minhas escolhas, e, nessa altura do campeonato, eu já não me importava em tentar entender suas atitudes. Ela que deveria tentar entender as minhas, afinal, ela é a mãe. E esse foi o auge da minha rebeldia.
A escola nova era um pouco mais longe que a Holliang, e o caminho completamente diferente, garantindo assim que eu não passasse em frente àquele inferno novamente, nunca mais na minha vida. E, se os deuses fossem bons o suficiente, talvez nunca mais encontrasse sequer uma daquelas pessoas novamente.
Meu pai... Bom, papai não tinha motivos para prestar muita atenção em mim, em meio à todas as suas responsabilidades, mas pareceu gostar um pouco dessa iniciativa. No máximo de demonstração de afeto que ele consegue, sabe?
Eu? , estatura um pouco acima da média, belas pernas (brincadeira, pernas são pernas... Era pra rir e tal. Eu sei, não sou muito boa nisso... Acho bacana ser sincera desde o começo, assim ninguém vem querendo me processar depois por uma piada tão ruim que causou danos e tal. Eu avisei. Enfim...) cabelos longos reluzentes e olhos profundos. Tentação, não? Haha, é, quando se é rico esse tipo de coisa acontece, somos todos tão lindos e perfeitos e... Não. Isso é coisa para as socialites da Holliang, eu sempre fui a ovelha negra (apesar de gostar de cores, e muito, então "a ovelha arco-íris" seria uma expressão bem melhor) ou, melhor, o patinho feio (que é uma expressão boa também), a filhinha de papai que adora coisas hippies demais para a realidade desse mundinho capitalista. Até pareci comunista agora. As pessoas hoje em dia não precisam de muito pra te rotular comunista, né? Acho que sempre foi assim. Anarquia! Não. Eu estou bem com o dinheiro, só... O resto, que é o problema. Todo o resto. Todas as pessoas que fingem tanta coisa que é um mistério descobrir o que realmente é verdadeiro.
Rica? Sim, claro. Quer dizer, filha de pessoas ricas. Mas mesmo assim, desprovida de algum neurônio que deveria ser responsável pelo carisma necessário naquele cenário vulgarmente falso. Ou talvez eu tivesse um neurônio intrometido a mais que me impedia de ser só mais um naquela realidade e me encaixar no meio daquelas cabeças vazias. Não me acho superior à tudo isso, no entanto. Só não queria estar aqui. E todo mundo consegue ver isso. Bem nitidamente.
Hoje já estou nos dezoito anos, recém completados. Que orgulho! Ahh, quantas mil músicas existem com esse número tão... fascinante?
E que diferença faz? Aimée, minha irmã, tem 13 anos e tem toda a atenção e admiração de, bem, todo mundo... Nenhum deles realmente se importa comigo. Ainda há esperança pra ela. Claro que isso é um avanço, porque eles desistiram de criticar minhas roupas, meu cabelo, meus tênis, meus pôsteres e todas essas coisas que fazem parte de mim e simplesmente não se encaixam na realidade fodidamente rica deles. Eu acho que minha independência pode ter alguma culpa nisso, não lhes dei motivos suficientes para terem de se preocupar comigo, então eles inventam. Já Aimée... Eu gosto dela, mas é como se ela ignorasse quem ela é só para agradar todo mundo o máximo possível.
Isso não pode ser saudável.
Meus avós paternos são as únicas pessoas legais, mas não moram muito perto de nós. Coisa da minha mãe, claro.
Coisa da minha mãe. Aliás, clássica história de coitadinha, né? Ah, coitadinha de mim, hippie nascida em família rica. Mamãe má, meus pais não se importam comigo!!! Pff.
Pois bem, antes que eu passasse para o Ensino Médio da Holliang, fui toda feliz e saltitante para a Ferdinand, onde pensei que encontraria pessoas mais parecidas comigo e fui feliz para sempre.
É, não.
Havia pessoas muito mais decididas que eu a entrar numa boa faculdade, o que meio que me deixou paranoica. Não, não dá pra fazer amizade num grupo desses. Havia as pessoas que não queriam nada da vida, o que também não ia rolar. E havia os alunos medianos. Novamente, eu parecia sozinha. Nenhum lugar pra me encaixar. O primeiro dia de aula naquele colégio foi a maior tortura da minha vida pelo simples fato de ser uma escola nova e completamente desconhecida - e enorme. Só naquele dia eu me perdi incontáveis vezes. Sem exageros. O que resultou em atrasos e brincadeiras infames de boas vindas dos professores, além de uma atenção extra dos meus novos colegas de classe.
Eu devia ser a única aluna nova naquela joça, do contrário não ficariam me olhando assim, certo?
Não.
Eu era a única aluna nova, rica e linda, como fez o favor de me contar dois dias depois. De altura mediana, alguns centímetros menor que eu, tinha lindos cabelos castanhos, com resquícios de tintura preta, que às vezes apresentavam algum ondulamento. Queria que minha mãe me achasse rica e linda.
era estudiosa o suficiente para mim, e passava longe o suficiente da paranoia. Perfeita.
Aimée acabou mudando de escola também, e acho que ela passou a me odiar um pouco mais depois disso. Mas se um dia ela quiser estudar em uma boa faculdade, ela ainda vai me agradecer. Com a Ferdinand no currículo, até Harvard e Cambridge seriam possíveis. Eu meio que conto com isso, porque realmente sinto falta da minha irmã. Meu instinto protetor de irmã mais velha ainda vai morrer com esse distanciamento dela.
A semana seguiu mais tranquila, já que havia abençoado a minha existência ao me levar até o laboratório de química e, a partir daí, virar o meu manual de sobrevivência da Ferdinand. Ela era um tanto empolgada com tudo, mas só depois das nove da manhã... Antes disso, ela era um completo zumbi - o que melhorava o meu humor instantaneamente, independente da discussão do dia com mamãe no caminho para a escola.
Sempre tinha uma discussão idiota.
Talvez ela devesse seguir o exemplo de e ser um simples zumbi de manhã! Eu adoraria.
tinha um bom número de amigas, e até hoje, dois anos e pouco depois, eu tenho dificuldade de lembrar o nome de todas.
Diferentemente da Holliang, a Ferdinand tinha de tudo: alguns alunos eram fodidamente ricos (como eu), e todos eram meio idolatrados, mas não perdiam para os "apenas" ricos, ou os quase ricos, e nem para os mais pobres, que também eram os mais inteligentes e deviam ter bolsa integral na escola. Pegar bolsa era algo que eu não fazia, minha vingança por ter pais ricos que não se importavam comigo. Que eles pelo menos pagassem a minha educação, então. Apesar da Holliang ter oferecido bolsa integral e ajoelhado aos meus pés implorando que eu ficasse, afinal, eu não era grande coisa, mas numa instituição onde os alunos gastam a riqueza dos pais em drogas para parecerem legais, eu era uma de suas poucas esperanças. E ter alunos em faculdades renomadas era essencial para se poder cobrar uma mensalidade daquelas. Não, eu não ia ajudar, ao contrário do que pensam, não sou otária.
Na Ferdinand, o importante para alcançar a popularidade era só... você mesmo. Claro que ser rico ajudava, afinal, era dinheiro para dar festas e que jeito melhor de ficar popular do que dando festas incríveis? Porém, isso não era tudo. Ainda assim, não esperei que me encaixasse nesse grupo popular, nunca foi bem uma ambição minha. Ok, eu nem JEITO pra coisa tenho.
Capaz que eu saísse correndo se uma multidão de pessoas começasse a me seguir. Pensou, ser parada toda hora por alguém? Eu nunca ia chegar em lugar nenhum na hora certa. E em que parte do dia esperavam que eu colocasse minha lista de leitura em dia? Não ia dar.
Mas isso é o tipo de coisa que acontece naturalmente, como aconteceu com Izabela . Ela já era popular quando eu cheguei, graças ao seu bom humor (a partir das nove horas), inteligência e bondade (também após às nove, claro).
Convenhamos, o que ela fez comigo foi um puta ato de piedade pelo qual serei eternamente grata. Ela era do tipo que era cumprimentada quase o tempo todo, mas acenava, jogava um "Tudo bem?" e continuava andando. Ainda assim, sua roda de amizade era maior do que a lista de todos os colegas que já tinham dito pra mim "Tudo bem?" na escola. Bem maior.
, ou , é outra amiga que eu fiz rapidamente. Dessa vez, sozinha. Yay pra mim! Ela estava na dela, tocando piano na sala de música esquecida da Ferdinand, quando eu entrei estabanada procurando a suposta sala de História. Seus olhos esverdeados eram de uma bondade sem precedentes, e seu cabelo ruivo não chegava no ombro, levemente frisado. Ela imediatamente sorriu, destacando suas sardas, e deu boas-vindas.
Nos entendemos de cara, a música é algo que une pessoas completamente diferentes, por que não uniria nós duas? Fato que eu acabei iniciando uma conversa sobre pianos e flautas, esquecendo completamente da aula de História por bons cinco minutos. Quando eu lembrei, ela me explicou que a sala ficava do lado oposto daquele mesmo corredor.
E esse atraso resultou na brincadeira mais infeliz do ano, e no único professor que eu - como ótima aluna - me dediquei a odiar. Marcell Hargreaves disse, assim que eu abri a porta pedindo desculpas: "É tão difícil assim achar nossa sala, senhorita ? Você precisa de um mapa do colégio? Ou não gostaria de pedir um GPS para o papai?"
Acho desnecessário descrever meus sentimentos por esse homem. A pior parte é que não tem um aluno que ele recomende que não seja aceito na faculdade desejada. Muito azar? Nah, isso é a minha cara. Apenas a minha vida.
Fiz aniversário um pouco antes de voltar às aulas para um novo ano na Ferdinand, e meus pais resolveram dar uma festa para comemorar meu 16º aniversário. Toda aquela papagaiada do Sweet Sixteen. Só para exibição pessoal, claro. Eu mesma mal tinha amigos para dar uma festa tão grande! Sim, um ano depois e meu círculo social ainda se resumia a e . Sendo que as duas mal se falavam, na época, pois frequentavam todas as aulas em salas diferentes. Antes de mim, é claro, logo éramos tão amigas que parecia ser uma amizade de infância. Enfim, eu estava ocupada demais organizando as atividades extracurriculares que eu devia fazer para conseguir entrar na faculdade que escolhesse para "conhecer novas pessoas".
Por isso, eles convidaram a Ferdinand INTEIRA!! Isso aí, todo mundo do Ensino Médio, numa festa enorme, com DJ e banda. As fotos desse dia ainda me dão arrepios.
E uma festa sem pais. Nenhum além dos meus, claro. Eles e minha irmã, excluídos em algum camarote, longe da bagunça e presentes somente pela aparência.
E nessa festa aconteceu a maior zona da minha vida.
A maior desgraça de todas.
Sim, eu sou sempre exagerada desse jeito. Na verdade, foi bem engraçado, mas só depois que acabou. Durante, foi bem aterrorizante.
Tenho certeza que se encaixa perfeitamente no termo "assédio".
Um grupinho de garotos ficou me agitando para todos, TODOS os seres masculinos localizados naquele salão, e eu, uma romancista boca virgem completamente envergonhada - alguns preferem chamar de nerd, eu discordo -, neguei todos, recorrendo a para fugir de todas aquelas situações inconvenientes.
Acreditem, não havia nenhum garoto naquela escola que chamasse minha atenção, caso contrário eu mesma teria investido e deixado a garota virgem para trás. Mas esse garoto não existia nem na Holliang e nem na Ferdinand. E tudo bem, eu só pedia para ele existir em algum lugar e cruzar comigo de alguma maneira. Sem pressa, também. Tô de boa.
Mas foi quando nem e estavam por perto que eles me cercaram pra valer.
"Chegou a hora da princesinha da noite escolher seu príncipe encantado! Um ano sem pegar ninguém, , você deve ter alguém na mira!", o cheiro de álcool invadiu minha respiração, deixando-me tonta e enjoada.
Isso, faça uma festa com diversos estranhos e dê álcool de graça a eles. Brilhante.
Eles continuaram falando coisas desconexas e eu mal ouvi, apesar do fato de eu não ter beijado nenhum garoto durante aquele ano ser verdade. Procurei loucamente por algum rosto conhecido que pudesse me tirar daquele lugar; nada.
Avistei ao longe, perto das bebidas, um rosto familiar. Jessy? ? Jill? Kill? Ok, eu sei que Kill não é um nome! Mas os apelidos que invetam hoje em dia... Sabia que ia me arrepender de não saber o nome de todas as amigas de , sabia!
Mas por algum milagre divino, ela olhou na minha direção e me viu no meio de todos aqueles marmanjos.
"Quem vai se deitar com a debutante riquinha?"
"Se deitar? Que gay isso, cara!"
"Cala a boca, !"
"Ele tem razão, Hub! Aliás, quem tem razão aqui sou eu, anda, deixem a garota em paz..."
Sim, o apelido do moleque era Hub. Eu falei, não falei?, sobre apelidos... Notei o olhar de piedade de um dos garotos e o reconheci, seu nome era , talvez frequentador da sala de música como , e eles não eram menos que dez a minha volta. Entretanto, antes que qualquer um deles dissesse mais alguma coisa, a garota Jessy//Jill empurrou todos de uma vez só para longe de mim.
O que não foi muito difícil, já que todos estavam num estado de teor alcoólico claro para qualquer um ver.
"Se mandem, seus imundos, ela não fez nada pra vocês!"
"Iiih, a bi-girl líder se revoltou..." Hub sussurrou entre risos.
Bi-girl??
"Cala a boca, seu franguinho, ou eu quebro a sua cara!" ela avançou em Hub, que deu passos trôpegos para trás.
"Hey, hey, hey, desculpa, nós não sabíamos que ela era sua, amor!"
"Ela não tem nada haver comigo, e vocês estão de saída!"
E, sim, expulsou mesmo todos aqueles garotos da festa. Menos e , que afinal estavam tentando segurar a barra do grupo.
É, o nome dela era mesmo. E Kill não é um nome, mas era o que estava escrito nos olhos dela enquanto ela espantava os garotos que me cercavam.
era alguns centímetros maior que eu, mas parecia muito mais. Seus cabelos eram longos e de um castanho bem escuro, com mechas louras nas pontas. Os olhos eram castanhos, mas mais claros, e seu sorriso era a coisa mais fofa, porque suas bochechas se destacavam com uma graça anormal - mas eu só descobri isso depois, porque ela passou longe de sorrir no evento do meu aniversário.
Quando ela voltou para falar comigo, eu estava um tanto receosa, mas logo vi que aquela bravura toda fora só para expulsar todos os garotos dopados. Mais uma ótima amiga para minha lista, certo?
Na semana seguinte, a semana de volta às aulas em agosto, boatos absurdos surgiram sobre a minha pessoa - todos eles frutos das minhas fugas para não beijar nenhum dos garotos e pela intromissão de . Os boatos se resumiam a nada mais, nada menos, do que a minha sexualidade.
É, 95% do Colégio Ferdinand chegou segunda-feira na escola achando que eu, - ricona - , era simplesmente uma bela de uma lésbica.
Palmas para a falta de neurônios nos cérebros dos novos coleguinhas, ê! Ok, talvez seja uma dedução plausível, mas não o tipo de dedução que você sai dizendo ser verdade absoluta. Muito menos sem me consultar ANTES. Sabe, pergunta, na boa.
Não que isso SEQUER fosse da CONTA deles. Não. Mas, sabe, o mínimo de consideração, galera... Custa? Aparentemente, sim, e bem caro.
E aí você pensa que eu fui lá e desmenti tudo, certo? Era o que eu pretendia fazer até, mesmo sem saber exatamente como. Porém, me encontrou antes que eu decifrasse como fazer isso.
"!"
"Oi." Respondi um pouco seca demais, talvez.
Agora que eu tinha sacado o BI-girl... era BIssexual! AAH!
Então, pergunto de novo:
Bi-girl??? Será que saí da Holliang pra um lugar pior???
"Não faça isso, sério! Olha só, apenas uns cinco por cento dessa escola não sabe desse boato sobre sua sexualidade, e se você falar qualquer coisa, eles vão descobrir, e aí... Escuta, eu tive que passar por isso... E adianto que as consultas obrigatórias com a psicóloga da escola não foram muito legais. E você não vai escapar delas, porque vão pensar que você não se aceita e, aaah, me desculpa por essa zona! Uma hora eles se esquecem, e... Se algum garoto do seu interesse aparecer, você conta esse segredinho pra ele."
Ela piscou para mim, rindo, e acabou me fazendo rir junto. Também me fez nunca mais na vida sequer pensar em ser seca com ela.
E sabe o que me fez aceitar aquela proposta?
Não seria tão mal ser vista como lésbica, nenhum garoto se aproximaria de mim com segundas intenções, certo? E, sei lá, eu simplesmente não via muita graça em nenhum deles por ali... Não sei o que faltava. E se algum deles realmente se interessasse, não seria um boato que o impediria, certo? Ainda mais um boato sem fundamentos.
E eu estou pensando nisso hoje porque ficar sem nada pra fazer no último dia de férias é algo extremamente chato. E não ter ninguém para dividir essas coisas é meio chato também. Quer dizer, tenho , , ... Mas não é como se eu lhes dissesse cada pensamento meu.
Alguém bateu na minha porta.
Yay. Hora do jantar em família.



Capítulo 2 — What is this fire, burning slowly?

(Desire — Ryan Adams)

Então, esta é a minha vida louca vida.
, e sabiam que eu não era lésbica, nem bi, ou qualquer coisa do tipo. Na real, nem era uma "bi-girl" de verdade, apesar de realmente ser a líder do grupo, porque eu não era a única alma que havia salvo de um grupo de pessoas incoerentes. Ela me contou que nunca sequer dera um selinho em qualquer pessoa do sexo feminino que não fosse a sua própria mãe, tentando fazer com que eu não me sentisse sozinha naquela maluquice.
Boa parte dos outros alunos continua não sabendo disso, no entanto. E vou dizer, pode pensar que eu sou maluca, mas isso é muito divertido.
Na maior parte porque eu nunca fui muito boa em ser preconceituosa.
Algumas garotas tinham medo de chegar perto de mim, mas isso não durou muito. Sentir na própria pele o preconceito que todas aquelas pessoas maravilhosas sentiam fez algo acordar dentro de mim. As coisas melhoraram rapidamente, e logo poucas meninas me evitavam e a maioria vivia pedindo dicas para ficarem mais atraentes aos olhos masculinos. Tudo uma grande diversão para mim, claro. Eu, dando dicas de como ser mais atraente para os homens? Oi? As horas mais complexas eram aquelas em que garotas vinham discutir lesbianismo comigo. Convenhamos, eu realmente não sou lésbica. Eu não sou nem heterossexual, se pensar bem, ao menos não ainda. Não para falar sobre. Eu nunca nem beijei na boca, sabe.
Ainda assim sempre consegui me sair bem sem entrar em detalhes demais. me ajudou em alguns casos também, e nessas vezes eu só tive que controlar a risada. Porque, afinal, consigo ser bem infantil com certos assuntos.
18 anos com uma mente de 8, no máximo.
E toda a sociedade gay (principalmente as bi-girls) da escola sabia que eu não era nada disso, afinal, fez o favor de avisar a todas e pedir segredo máximo. Então, claro, nenhuma garota realmente lésbica ou bi tentou qualquer coisa comigo além de amizade.
Becky vivia me perguntando se eu não ia mesmo mudar de lado. Rindo. E eu sempre respondia rindo de volta. Ainda bem que ela sabia que eu não era mesmo uma delas, não seria muito agradável pra mim, concordam? É. Nem um pouco agradável pra mim.
Porque Rebecca era legal (e linda!), eu não queria magoá-la.
Mas uma coisa que eu descobri nesse ano da minha vida foi que gays são extremamente legais e confiáveis. Super! As garotas eram como uma família, e elas aceitaram meu caso de braços abertos. E os garotos!!! Eles eram mais discretos, talvez até menos aceitos, mesmo que a diferença não fosse muita - preconceituosos sabiam ser péssimos com ambos -, mas eles são as melhores pessoas daquela escola. Daquela cidade, na verdade. Talvez até do país todo, senão do mundo! Cheguei a desabafar inúmeras vezes sobre meus problemas familiares com a maioria deles. E todos me respeitavam, principalmente Becky.
Rebecca parecia, na verdade, muito preocupada com a minha auto-estima. Ela não perdia uma oportunidade para dizer como eu era bonita. É. Meus pais morreriam de desgosto. Eu, pessoalmente, achava curioso. O que raios ela via em mim? E por que ela queria tanto que eu visse também?
E por isso eu vivi feliz nessa mentira o resto do ano. Até o ano seguinte. Este ano. O fim das férias do meio do ano. Até aquele fatídico primeiro dia do primeiro semestre. Que era, hum, hoje! Que coincidência.
Era só mais um dia de briga com os pais logo de manhã, e cada vez as brigas ficavam piores. Passei pelos portões da escola completamente fora de mim, indo pra onde me sentia segura sem sequer pensar sobre - a biblioteca era um refúgio seguro. Quase passei reto por .
- Hey, ameba! - ela segurou meu braço com muita força e eu me virei para dar um sorriso nervoso. - Quê isso, , você está parecendo uma viciada em heroína... Em abstinência!
- Falou a experiente. - rolei os olhos, um sorriso irônico tomando meus lábios.
- Ai, ... É o primeiro dia de aula!
Suspirei.
- São meus pais, beesha, sempre eles...
- E o que a sua amiga linda que está morrendo de saudade tem a ver com isso?! Cadê a consideração, beesha?
- Nós nos vimos ontem! A tarde inteira juntas assistindo Star Wars, na sua casa, lembra?
- Shhiu, não espalha! Eu tenho uma reputação em jogo aqui! - rimos alto. - Mas eu já estava com saudade... - ela fez manha, com direito a biquinho e olhinhos de gato.
- Ai, senhor... - abracei-a e ela riu, afastando-se em seguida e começando a contar uma fofoca quentinha direto do forno sobre um aluno novo vindo do exterior. Canadá, acho. Não sei se deu pra adivinhar, mas moro nos Estados Unidos da América. Na fantástica New York, so good they named you twice!
Rolei os olhos de novo, mas ouvi a fofoca com atenção. Uma boa distração era tudo o que eu precisava para me esquecer as discussões idiotas com mamãe.
*
- Parabéns, , você é o assunto preferido de toda a escola. - sentou-se junto com os amigos a mesa, onde o primo de também estava.
Aliás, o primo de sou eu, . Prazer. Quer dizer, nós não somos realmente primos, mas nossa família se conhecem desde... Muitos anos atrás. Então, o pai dele é como um tio pra mim, e acaba sendo um primo, para não dizer irmão. Quanto aos amigos de ... E eu já era praticamente um deles desde que chegara a New York, vindo diretamente do Canadá.
- Mas o primeiro dia de aula mal começou! - finalmente abri os olhos, acordando da soneca gostosa que estava tirando na mesa do pátio. Não estava acostumado a acordar tão cedo.
No meu país as pessoas eram humanas e não faziam pobres crianças acordarem tão cedo para ir à escola. Tudo bem que não somos mais tão crianças, mas ainda assim... Eu estava sentindo na pele a diferença de acordar 1h30 mais cedo, isso porque moramos perto da escola.
- As fofocas por aqui se espalham bem rápido mesmo. - , meu primo, deu de ombros. - Pode ver, estão todos olhando para nós.
- Para você. - enfatizou, recebendo uma olhar de falso agradecimento meu.
- E você chegou à cidade tem quase um mês já. Era de se esperar que todos já soubessem. - acrescentou enquanto eu constatava as palavras de meus novos amigos.
Realmente, todos olhavam para mim com uma frequência exagerada.
- Veja por este lado, todas as garotas devem estar querendo ficar com você. E todas elas vão se jogar pra cima de você. - comentou, com um certo tom de deboche.
- Quase todas as garotas, né? - corrigiu, e os três riram de alguma piada interior que eu não conhecia. Na verdade, eu nem ouvia mais o que eles diziam.
Minha atenção fora atraída totalmente para a garota que havia acabado de passar pelos portões da escola. Ela caminhava transbordando revolta, os cabelos sendo violentamente bagunçados pelo vento fresco da manhã - fresco ao menos para mim, na verdade eu estava até com um pouco de calor -, o olhar dela parecia estar em outro lugar, atravessando as paredes de tijolo da escola, carregados de determinação. Mas antes que a garota sumisse da minha visão, uma outra a puxou, brava, iniciando uma conversa.
- Quem é aquela?
, e seguiram a direção do meu olhar discretamente.
DISCRETAMENTE, aham.
- Oh, a ? - respondeu primeiro. - Esquece, ela não é pra você, cara. Sério, você não é o tipo dela.
- Como você pode ter tanta certeza?! - um leão rugiu dentro do meu peito, inconformado.
Leão que ficou mais frustrado ainda quando todos riram, provavelmente de alguma outra piadinha interior. Foi quem jogou a bomba.
- Porque ela é lésbica.
A minha cara deve ter sido impagável, já que estava quase roxo de tanto rir.
"Como assim, lésbica?! Ela não parece ser lésbica! Ela nem se veste como uma lésbica, não mesmo! Ou isso não importa? Não tem nada a ver, seu imbecil... Mas... Mas ela realmente não parece. Ou...?"
Comecei a prestar ainda mais atenção na garota; o jeito dela falar, as caretas, seus traços tão dóceis agora que toda aquela raiva havia sumido de seu semblante... Eu nunca havia sentido nada parecido por qualquer outra garota. Uma atração quase irritante, que toda hora me fazer virar a cabeça em sua direção. Ela não podia ser lésbica.
Chacoalhei a cabeça numa tentativa de tirar todos aqueles pensamentos dali; mal sabia quem era a garota e já estava praticamente escrevendo uma música sobre ela, inconscientemente. Porém, tudo nela tornava isso uma missão quase impossível. Não podia vê-la sorrindo e balançando de leve a cabeça, fazendo com que seus cabelos se agitassem calmamente, sem que todos aqueles pensamentos voltassem a ser o centro de toda a minha atenção.
Então a garota que falava com ela segurou-a nas mãos, ambas as mãos, e elas mantinham uma distância um tanto quanto pequena...
- Elas... são um casal? - perguntei, temendo que fosse ver algo indesejado.
engasgou com a própria saliva bem no meio de um bocejo, formando lágrimas de dor em seus olhos enquanto ele tossia compulsivamente. riu.
- A realmente não é lésbica, mas talvez ela tenha entrado para o clube das bi-girls...
- Eu não acho. - forçou sua opinião, ainda um tanto roxo pela quase-asfixia.
- Ah, vamos lá,, ela está sempre com a , e é bem amiga da ... A é praticamente a líder das lésbicas e bis deste colégio. - explicou exclusivamente para mim. - É possível. - ele concluiu.
fez uma careta, demonstrando seu desagrado e me identifiquei um tanto com o que ele quis dizer com a simples expressão. explicou que já havia namorado , mas o romance acabou não indo longe graças ao ciúmes dele, que sempre gerava brigas enormes e idiotas. Por fim, acabou desistindo. Eu ouvia tudo, mas meu olhar havia voltado inconscientemente para , que prendia o cabelo reluzente todo de lado, deixando uma parte consideravelmente grande do seu pescoço descoberto, pedindo por uma atitude minha. E seu cabelo parecia tão macio...
Contraí o rosto em desgosto e dor, e isso não passou despercebido por .
- Tudo bem, cara, relaxa, eu ainda acho difícil pensar nela como lésbica... Tão linda, e rica! E gostosa pra valer, além de ser inteligente pra cacete. Se ela fosse bi, pelo menos... Mas ninguém sabe ao certo, ela nunca foi vista beijando um garoto em público.
- E ela já, hum, foi vista beijando uma garota...
- Não! - respondeu como se aquele fosse seu último fio de esperança.
- Infelizmente. - acrescentou com um sorriso no mínimo pervertido nos lábios.
- Verdade, ela nunca foi vista beijando uma garota... - pareceu considerar a informação, e uma faísca de esperança se acendeu no meu peito. Leão. Peito/leão.
Eu mal entendia a mim mesmo, a essa altura nem me perguntava mais porque me importava tanto com a sexualidade daquela garota. Bom, talvez porque ela não fosse apenas uma garota, mas ainda assim... Se apaixonar por beleza nunca foi algo que trouxe muitas vantagens pra mim. Não que fosse apenas pela beleza dela... Era algo diferente, aquele maldito ímã.
- Talvez seja melhor quando se tem privacidade. - brincou e acabou rindo junto com ele enquanto e eu mantínhamos nossos olhares nas garotas do outro lado do pátio, cada um na sua garota.
pegou o olhar de de relance e quando voltou a olhar para confirmar suas suspeitas, já encarava o lado oposto - levemente corado e com os pés inquietos. Também notei o olhar triste da garota, que sussurrou alguma coisa para e fez uma careta logo em seguida, sendo abraçada pela amiga.
Elas entrelaçaram os braços e saíram caminhando para a escola. Um olhar distraído de varreu o pátio antes de subir as escadas, ela franziu a testa levemente na direção de nossa mesa, mas voltou a olhar rapidamente para frente ao ser chamada por .
Deixei um suspiro escapar e em seguida o sinal da escola tocou, anunciando a primeira aula do dia.



Capítulo 3 — You've got me on my knees.

(Layla — Eric Clapton)

- Ele estava te encarando de novo. Agora, no intervalo.
- Quem, o ?
deu um tapa nada amigável na minha cabeça, rolando os olhos em seguida. Eu estava distraída com minha grade de horários extracurriculares, não sabia do que ela falava.
- Não! Claro que não... O primo do !
- O tal estrangeiro de quem você falou? - tentei lembrar, antes que matasse todos os meus neurônios com aqueles tapas.
- Exatamente! Ele estava te secando na cara dura, de cima a baixo! De novo! - só não pulava de empolgação porque estávamos com expectadores demais.
- O que você andou tomando, hein?
- Chá, ué. Agora, no intervalo! - ela respondeu inocentemente, e eu ainda sou a lerda.
- Chá de cogumelo, só se for. - sorri maldosamente e ganhei mais um tapa carinhoso direto nos pobres neurônios que iam acabar sem teto se essa mania de me bater não parasse.
- Boba!
- Agressiva! - acariciei minha cabeça no lugar aonde o tapa havia sido acertado com uma careta de dor. - É o primeiro dia de aula e você já está com essas ideias, ?! Coitado do garoto, ele é novo aqui, só isso.
- E daqui a pouco ele vai ser acusado de boiolice e vai ter que entrar pro grupo de bis para escapar da psicóloga da escola e...
- Não viaja! - mesmo brava, não consegui evitar um sorriso.
- Você ainda é bv, ?
- O quê?! - tossi algumas vezes com o susto pela mudança repentina de assunto dela.
- Ah, meu Deus! Como eu não percebi isso antes?!
- !
- Ok, vamos fazer uma aposta então. Se você ficar com o em menos de um mês... Você me paga um show do Muse em Wembley!
- Mas o qu... E se eu não ficar com o em um mês? - perguntei, no meu clássico tom de desafio. Clássico de toda vez que eu ficava bem brava, claro.
- O tempo máximo da aposta é um mês, querida, eu sei que isso vai acontecer bem antes! - riu. - Do jeito que ele te olha... Não dou nem uma semana!
- Você fica com o . - resolvi ser maldosa, aquele assunto havia feito meu sangue subir.
- O quê???!!
- Se eu vencer a aposta, você dá uma segunda chance ao .
- !
- Eu sei que mesmo sem aposta, vocês vão acabar voltando, mas é só para dar uma emoção... - desviei de um tapa de , estava atenta. - Extra. - ri e saí correndo para a sala, ouvindo os berros da monitora do corredor atrás de mim, mas não me importei com ela.
Monitores de corredor são quase tão piores quanto Marcell Hargreaves, o maldito professor de História.
- Não esqueceu nada, não? - veio lentamente até a sua carteira, que era em frente a minha, balançando um livro na mão.
Putz, agora é aula de História!!
- Ah, anjo, muito obrigad... - estendi as mãos para pegar o livro, mas foi mais rápida, afastando-o de mim.
- Não, querida, este é meu. - ela piscou e riu, dando de ombros. - Desculpa.
VADIA! Eu sabia, falar o nome para ela nunca dá em boa coisa, como aquela vez na praia quando... CALA A BOCA E VAI PEGAR O LIVRO DE HISTÓRIA, ENERGÚMENA!
Fico tão orgulhosa de mim mesma quando uso esses xingamentos difíceis. Mentira, sinto-me bem babaca.
- Vingativa! - levantei da cadeira e corri de volta para o corredor dos armários, desta vez sem ver a sombra da tiazinha do corredor, que já devia estar se pegando com algum zelador ou sei lá... Safadinha.
Meu armário era praticamente no meio do corredor, e isso realmente nunca havia me incomodado - até este momento, claro. Cheguei nele apressada e demorei muito mais que o normal para acertar a combinação que destrancava o cadeado.
Por fim, como sempre, a porta destrancou-se com um estalido seco e eu avancei para pegar o livro de uma vez.
Se há uma coisa que eu não suporto, é dar motivo para aquele nojento chamar minha atenção, e logo no primeiro dia de aula... Nada legal. Encontrei o livro no meio da pilha de tranqueiras e puxei-o com cuidado, mas com pressa. Muita pressa.
*
Congelei no meio do corredor. Eu fiquei olhando aquele vulto atrapalhado tentando abrir o armário da escola desesperadamente. Não havia mais ninguém ali, estavam todos em suas salas - e eu também deveria estar. Infelizmente, essa era a primeira aula sem a companhia de , ou , e eu não fazia ideia de onde ficava a sala de História.
Mas uma coisa era certa, eu conhecia aquele tênis. Nike branco com detalhes em verde fluorescente, inesquecível.
Não que eu tenha perdido muito tempo olhando para os pés dela.
- Vai lá. - falei comigo mesmo, num tom baixo, encorajando-me para realizar tal faceta. - É a sua chance! Não há mais ninguém no corredor... - "Mas e se ela for lésbica??" - Quem liga?!
Balancei a cabeça negativamente e respirei fundo, dando os primeiros passos com dificuldade, mas logo passei a andar decidido até a tal , que finalmente havia conseguido abrir seu armário, acabando assim com o primeiro pretexto que eu tinha para falar com ela. Mas logo o plano B entrou em ação. Eu levantei o horário na altura dos olhos e "sem querer" esbarrei de leve na garota, que deixou um gritinho escapar pelo susto.
- Ah, desculpa! - eu me voltei para ela e a garota deu um passo para trás, com um olhar indescritível fixado no meu. - Te assustei? Eu... - baguncei o cabelo com a mão, desajeitado, começando a me arrepender da ideia estúpida que tive.
- Não! Não, eu... Só um pouco. - riu e acabei relaxando ao som da risada dela.
- Hey, sou novo aqui! , . - estendi a mão e encarou-a curiosa.
- E aí, ? Sou , mas, por favor, me chame só de . - ela ignorou minha mão estendida e ficou na ponta dos pés para beijar rapidamente minha bochecha, voltando-se para o armário em seguida e puxando de uma vez seu livro.
Senti o lugar onde o beijo foi dado formigar, mas tentei terminar o que pretendia falar.
- Eu não... Consigo achar a sala de, hum, minha próxima aula...
- Ah, , perdão, mas eu tenho História agora e o professor me odeia, eu não posso me atrasar! Pergunta para a monitora do corredor ou... Até mais, ! - correu para longe antes que eu dissesse qualquer outra coisa como "Eu tenho História agora também!"
Eu realmente havia ficado chocado com o beijo inesperado dela, o lugar praticamente queimava em meu rosto, minhas mãos formigavam como se pedissem mais contato, e...
Neguei com um aceno de cabeça mais uma vez e tratei de correr atrás de , na esperança de achar a sala de minha próxima aula.
*
- Olha só quem chegou atrasada, qual o seu problema com as primeiras semanas de aula, ?
Eu não pedi licença, não expliquei o atraso e sequer olhei para o professor. Tinha algo no modo que ele dizia meu nome que me lembrava The Police. Afinal, tem uma música com o meu nome. Era uma qualidade boa demais, ainda mais vinda de um detestável Marcell Hargreaves. Apenas fechei a porta e fui para minha carteira atrás de , que me olhava com certo arrependimento.
Mas a porta se abriu de novo antes que eu sequer alcançasse a carteira e a expressão de mudou automaticamente para deboche. Não consegui evitar, olhei: era .
- Desculpe, professor, eu me perdi e...
- Ah, tudo bem, senhor . Estou ciente do seu caso, seja bem-vindo a Ferdinand, só não pegue a mania de se atrasar sempre como certas pessoas...
Joguei-me na cadeira novamente, revoltada, batendo o livro na mesa e apoiando a cabeça no braço, que por sua vez estava apoiado pelo cotovelo na mesa. O que aquele professor tinha contra mim? O que eu tinha feito?? Nada! Alguns atrasos, mas, no geral, eu era uma boa aluna! Para não dizer ótima! E eu gosto de História! Se bem que era algo diferente na minha vida, ser odiada por um professor. Podia ser até bom, um bom preparo para a faculdade. Não que eu acredite que sejam tão monstruosos por lá, mas podem ser, e eu ao menos estarei preparada. Haha.
sentou-se na fileira do lado esquerdo, uma cadeira atrás da minha, lançando um olhar de remorso enquanto passava.
Na verdade, ele lançou alguns outros olhares depois daquele também, talvez ele nem tenha parado de me olhar.
Bufei desconfortável, por mais que "bufar" fizesse eu me sentir um touro. Ou um dragão - às vezes eu até imagino a fumaça saindo de minhas narinas. Qual era o problema desse garoto? Talvez ele não conseguisse parar de olhar para mim. Ri, beliscando-me e voltando a rabiscar no caderno, completamente alheia a aula. Não devia ter sido tão casual com ele, odiava ser chamada de, pois meus pais sempre me chamavam assim e, normalmente, para dar alguma bronca idiota. E aquele beijo? Bom, era o meu jeito. Casual demais. Fina de menos. E como minha lei número 01 era não me reprimir por nada que causasse desgosto aos meus pais, eu ri em silêncio, finalmente focalizando na aula e começando a fazer anotações adoidada, com o livro já na página certa.
Assim que a aula acabou, me puxou.
- Ele falou com você?
- Hum?
- O . Porque você demorou tanto pra voltar para a sala?
- , eu não vou esconder de você caso eu perca a "aposta". - fiz questão de fazer as aspas. - Ele trombou comigo no corredor e só. Tchau, besha linda!
- Mas você já vai? - reclamou, sendo abandonada por mim, que corri para o prédio nordeste da escola.
- A monitoria já começa hoje! Até amanhã, besha! - berrei um pouco alto demais e acenei antes de entrar no prédio e sumir da vista de de vez.
*
- Até...
Ela odiava ficar sozinha na escola daquele jeito, sempre aparecia algum desprovido de massa encefálica para atormentá-la. Apressou o passo, resolvendo chegar mais cedo em casa, mas um berro mudou seus planos.
- !!
Ela se virou e sorriu para .
- Aaaaamor! Não te vi o dia inteiro, onde estava, hein, safada?
- HAHAHAHA! Quê isso, , eu não sou assim, não!
- Sei.
- Então, hoje tem festa, tá sabendo?
- Ouvi falar, mas não fui convidada...
- Ai-como-gostas-de-fazer-um-doce! Não me conformo, garota! - bateu de leve no braço de , brincalhona. - Você não devia estar no refeitório na hora que o Bryan Manson subiu em cima do balcão de comida para anunciar a festa e convidar a todos... Estão TODOS convidados, bobinha! Como se você não soubesse...
- Tá, eu quis fazer um charme, e daí? Você fica me dando esses foras toda hora, assim eu desgamo hein?
- Ai, gata, desculpa, eu não sabia que você queria algo sério...
- Oh, como você pode dizer uma coisa dessas depois de sábado à noite?! - cobriu o rosto com as mãos e não aguentou, caindo na gargalhada.
- Assim você vai acabar me convencendo um dia desses!
- São as aulas de Teatro. - deu seu melhor sorriso Colgate Plax Whitening, ajeitando os cabelos.
- Mas então, você vai?
- Claro!
- E a ? Não a vi também, pensei que ela fosse estar com você... - olhou atrás de , como se estivesse se escondendo ali.
rolou os olhos.
- E ela estava, mas já foi.
- Já?! Caramba, que pressa!
- São as velhas loucuras dela... Ela vai dar monitoria de Literatura e Sociologia este ano.
- Hum, bem útil, eu estou mesmo precisando de uma ajuda em Sociologia... Você avisa a boboca, então?
- Opa, fácil! A parte difícil vai ser convencer os papais a deixá-la ir, como sempre...
- Ué, é simples. Como sempre, é só dizer que ela está indo dormir lá em casa!
- Hum, tem razão. E o plano B?
- Que plano B?! Se esse não der certo, a gente a sequestra!
- Acho que isso é um plano B. Que bom que tudo é tão simples e funcional pra você... - comentou irônica.
- Ah, pare de reclamar! Mas... e as fofocas, são verdades?
- Que fofocas?
- Gosh... Você está sabendo do aluno novo, primo do , né?
- Sim, sim...
- Então, uma borboleta das nossas me contou que os olhinhos dele não saíam da nossa ! E que ele ficava olhando pra ela de um jeito diferente e apaixonado e aaaaaaah! - deu uma pirueta e parou do nada, séria. - E foi bem assim que a borboleta contou.
- Grande Gwen.
- Grande Gwen. - repetiu. - Mas é verdade?
- Olha, com certeza, sim! Tem alguma coisa que não é normal no jeito que ele fica olhando-a! É tão... qual é a palavra?... Ah, sim, intenso.
- Hmmm.
- É.
As duas se encararam em silêncio e começaram a rir em seguida.
- Okay, então, , avise a da festa. Convença os pais dela de que vocês vão dormir na minha casa para uma festa do pijama, não esqueça de dizer que meus pais vão estar em casa e dê o telefone também, amo minha mãe.
De fato, a mãe de era sempre de ENORME ajuda. Ao contrário da maioria dos pais, ela dava cobertura às amigas da filha para que saíssem e curtissem a vida. De acordo com Kelsey, a mãe de , elas eram jovens e tinham que aproveitar! Ah, grande tia Kelsey.
- Sim, senhora! E, você, convide os alunos novos... Temos que mostrar nossa hospitalidade, não é mesmo?
As duas riram mais um pouco, trocaram beijinhos na bochecha e foram para lados diferentes.



(Get The Party Started — P!nk)
"I don't want this moment to ever end, where everything's nothing without you. I'll wait here forever just to, to see you smile 'Cause it's tr..."
Interrompi a cantoria de Deryck Whibey com uma careta de dor, atendendo o celular. Essa era a parte ruim de ter "With Me" do Sum 41 como toque de celular. Mas aquela introdução... Eu mudava sempre o toque e, de alguma forma, ele sempre voltava a ser "With Me". Música estranha para quem nunca se apaixonou? Não, eu ainda tinha na alma aquele lado romancista, apenas não havia achado meu Romeu ainda. Não que eu quisesse um Romeu, quem sabe um Alex Turner?
Ao ver a foto de fazendo careta no monitor do celular, tive que rir. Eu sempre ria.
- Olá, Putero do Marcão, boa noite. - um sorriso debochado se formou no canto da minha boca.
O dia havia sido cansativo, mas nada que uma ligação de não melhorasse.
-"UUUUUUUUHUUUUUU, ACERTEI O TELEFONE, MERMÃÃO!! SACA SÓ, E AINDA ESTAVAM DUVIDANDO QUE EU IA CONSEGUIR BÊBADO..." - a voz que veio do outro lado da linha foi no mínimo convincente, se eu não conhecesse tão bem a voz da minha amiga, teria duvidado do identificador de chamadas do celular.
- OOOOOOOOII, BEEEEESHA!
-"HAUHAUHAUAHUA! 'Falaê, !"
- Já com saudades minhas?
-"Convencida, hunf. Não, na verdade estou te ligando pra jogar uma bomba!"
- Ai, meu Zeus. Tchau, . Legal conversar contigo, beijinh...
-"FESTA NA CASA DA JULLIE, VOCÊ TÁ CONVIDADA!" - berrou antes que eu conseguisse desligar. - "E AGORA QUE EU TE CONTEI, VOCÊ TEM QUE IR! MWAHAHAHAHAHA!"
- Maldita!
-"Hey!"
- Desculpa. Mas e aí, qual será o plano?
-"Simples. Festa do pijama pra matar a saudade das férias, a gente vai dormir lá e ir pra escola juntas no dia seguinte... a mesma coisa de sempre!"
- Hum, ok. Você acha que meus pais aceitam essa de novo?
-"Pare de ser insegura, ! Vai lá logo e fala com a sua mãe e... melhor! Tô indo aí! Beijomeespera!" - e antes que eu conseguisse responder, pude ouvir o tu tu tu adorável, representando o fim da ligação.
- Desligou na minha cara. De novo. - joguei o celular na cama onde ele estava antes e suspirei. - Mãe? - gritei, arrastando-me para fora do quarto.
*
- Senhora ! - cumprimentou, exageradamente.
E, obviamente, foi reprovada em silêncio.
- Boa tarde, senhorita .
Climão.
- Hum, a ...
- Ela está lá em cima, arrumando sua mala. Suponho que você esteja passando aqui para ir com ela para a casa de , certo?
- Sim! Isso mesmo... Posso...?
- Óbvio. - a mãe de respondeu no mesmo tom monótono de sempre, como se pouco ligasse.
Ah, é, ela pouco ligava. Faz sentido. Ainda assim, a educação de não foi deixada de lado, antes de subir as escadas, virou-se para a feição dura da senhora e disse:
- Obrigada.
*
- ? - o berro de chegou até onde eu estava, baixo, mais para um sussurro. O que indicava que ela estava na porta do meu quarto, ou eu sequer a teria ouvido.
- Nos fundos, aqui no closet! - berrei de volta.
- Hey! - entrou sorrindo no closet alguns segundos depois e largou sua mala no chão. - O que houve? Você nem me esperou pra falar com a sua mãe...
- Você não é a única que faz teatro aqui, docinho. Aliás, eu teria dito que não precisava de ajuda se você não tivesse desligado o celular na minha cara antes. - dei um sorriso amarelo para , que rolou os olhos.
- Nossa, quanta independência! O que você fez para convencer a Cruella Deville?
Ri.
- Foi bem fácil, na verdade. Ela quase me colocou pra fora de casa sem eu sequer ter feito a mala. - outro sorriso amarelo.
- Ah... - mordeu o lábio inferior sem saber ao certo o que dizer. E eu não a culpei por isso. - Bom, pelo menos ela não quer mais que você crie bolor no seu quarto, não é?
- É.
Claro que não entendia bem o motivo dos meus sorrisos amarelos quando se tinha no futuro uma festa como as que sempre dava. Alguma coisa me dizia que aquilo não estava certo: aquela liberdade toda, aquela vontade de me ver fora de casa. Como uma premonição de que algo ruim estava prestes a acontecer com a minha família. Nada que eu já não suspeitasse que um dia iria acabar acontecendo, como eles me deserdarem e tal.
Não, nada ruim do tipo acidente de avião onde todos morrem de um jeito nojento e os que sobrevivem ficam sendo perseguidos pela "morte", como em "Premonição".
- O que você colocou aí? - sentou-se ao meu lado e começou a ver minha mochila. Ir para a Ferdinand com duas mochilas era tudo o que eu queria. - Pijama?
- É, duhh! A gente vai dormir também, né? Tem a roupa pra escola amanhã, e toalha para tomar banho, escova de dente...
- E o vestido pra festa?
- Ahh... Tem que ser vestido?
- !
- ! Eu tenho calças jeans lindas, ok?
- Eu sei, ok? Mas hoje pede vestido!! - ela se levantou decidida enquanto eu afundava no puff verde limão. - Eu escolho sua roupa hoje!
- Hoje? - ri irônica, mas só por implicância.
Ela sempre acabava me vestindo, ou, no mínimo, me maquiando. Acho que todo mundo tem uma amiga dessas, né? Até devia ter uma. Mas era bem assim mesmo, era mais mãe para mim do que a minha mãe era, por assim dizer.
Fiquei assistindo uma completamente empolgada escolher meu look para a festa, apenas rindo. Ela separou um vestido vermelho-sangue no melhor estilo tomara-que-caia reforçado no busto - para ele não cair, amém - e grudado no corpo, grudado demais no corpo, e curto. Disse isso à e tudo que ela fez foi puxar meu shorts preto, que era praticamente uma boxer, e balançá-lo nas mãos. Cínica.
- Por que eu tenho que ir nessa festa mesmo?
- Porque você tem amigas lindas que te amam muito e querem que você tenha uma vida agitada para escapar da rotina sofredora que você passa dentro desta casa bem grande e cara.
- , a casa é tão grande que se eu me esconder, eles levam horas para me encontrar, sabia?
- O que é muito útil, mas não resolve tudo. E a vai ficar muito brava contigo se você não for, besha!
- Ahr... sei lá, deu uma preguiça lascada agora, besha... Acho que isso é um sinal.
- Sinal de quê, sua louca?!
- De que eu vou me arrepender se ir... de que alguma coisa ruim vai acontecer se eu for... - pisquei um olho só, como um tique nervoso, para dar ênfase ao momento de idiotice.
- Está tendo Deja Vù, é? A pior coisa que podia ter acontecido já aconteceu no seu aniversário de 17 anos, querida, dali pra frente foi tudo lucro! E você ainda pode ser bi...
- Mas eu nem gosto de pegar mulher, dopada!
- Mas todos na escola pensam que você gosta! Não sei como esse boato ainda existe, mas ele existe. Porém, você pode mudar a opinião deles aos poucos... arranjando um namorado, quem sabe? Perder o bv é um bom começo.
- , vai à merda. - emburrei infantilmente enquanto ela ria da minha desgraça. - E a pior coisa que pode me acontecer, é não conseguir entrar numa faculdade boa. - desconversei.
Hoje em dia, quem acredita em amor de verdade, morre frustrado. Porque não se entrega a qualquer paixão - espera essa paixão se fundamentar numa relação profunda e confiável para realmente amar o outro como a si próprio. E quem tem paciência de se entregar a tal nível de comprometimento quando há mais 87698796 pessoas para pegar no mês?
Eu nunca tive pressa, minha única esperança é não amargar sozinha para o resto da vida, haha.
Certo que o olhar de me deixou um tanto desconfortável, talvez toda a intensidade dele tenha me pegado de surpresa, mas só.
Por que eu estou falando dele agora?
- LEVANTA DAÍ, , CACETE! - me tirou do momento de profunda reflexão com um berro adorável, perigosamente perto demais do meu ouvido para a minha pobre audição.
- AI, SUA... DOIDA! - pulei nas costas dela e nós caímos nos chão, rindo de um jeito completamente débil de nós mesmas.
- Está esquecendo alguma coisa?
- Não que eu me lembre. - dei de ombros e me fuzilou com o olhar pela piadinha.
- Certo, então faz cara de quem não está mentindo e vai ficar sóbria a noite inteira para acordar cedo amanhã e ir à escola.
- Mas, ei, eu vou ficar sóbria a noite inteira! E vou à escola amanhã!
- Nossa, besha, você está cada vez melhor nesse lance de interpretação! Tá quase me superando. - sorriu de lado, divertida.
- , eu estou falando sério!
- Aham. Tão dócil e inocente...
- !
- É uma festa, . Nós vamos arrasar à noite. - e com uma última piscadela, saiu do quarto comigo atrás, batendo em minha própria testa.
Olhe bem nas enrascadas que eu me meto. Oh, meu Deus, cada coisa que essas loucas me obrigam a fazer...
Primeiro foi o curso de teatro, que, fala sério, eu só topei fazer porque quanto mais tempo eu tenho que ficar na escola, menos tenho que ficar em casa. Também conta para o currículo escolar e tem Literatura, que, sem modéstia alguma, eu mando muito bem.
Não que eu não goste de teatro, mas, fala sério, a turma de lá é completamente devotada a essa coisa de interpretação, eu nunca sei quando eles estão falando sério ou quando estão tirando uma com a minha cara! E aí chega no dia da audição para os personagens de qualquer peça famosinha e eu consigo um dos papéis mais importantes - se não o mais importante em si, até personagens masculinos como Robin Hood, Hamlet, e afins. E claro que isso não ajudou minha fama de lésbica. Fazer o que se os garotos do teatro que queriam um papel principal eram doidos demais? - deixando todos aqueles engomadinhos com o queixo no chão. O pior é quando eles vêm tirar satisfação comigo, e eu não faço questão nenhuma do papel principal em Romeu e Julieta - nenhum dos dois -, peça que faremos este ano e, na verdade, interpretar essas histórias me dá nos nervos às vezes.
Por "às vezes" leia-se: quando estou com TPM. Porque tudo tem que ser tão... Perfeito? Ok, Shakespeare não é perfeito, sempre tem algum impasse entre o casal principal e tudo acaba numa enorme tragédia. Mas vem cá, como o amor surge tão cedo, na flor da idade do casal? E ainda por cima, um amor tão intenso e verdadeiro? HAHAHAHA! Hipocrisia demais para o meu lado cético e amargo. Porque é tudo tão perfeito com eles e quando chega à vida real... Nada.
Vou pegar um garotinho para criar e treinar, quem sabe assim, não é mesmo? Tá, não.
Margaret Cartwrite, a professora de Teatro, dizia que meus conhecimentos prévios em Literatura me faziam perfeita para esses papéis. Essa desculpa eu podia aceitar.
Daqui a pouco, grita comigo por causa do meu silêncio, mas eu estou aqui no maior bate-papo interior e não vou me incomodar com iss...
- , QUER FAZER O FAVOR DE FALAR COMIGO? Pare de guardar tudo para si mesma, me coooooooonta o que se passa nessa sua cabeça de vento aí, que eu não tenho como adivinhaaaar!
Viram? Ela nem me deixou terminar a minha linha de pensamento. Existe onomatopeia para "bufar"? Porque agora eu estaria "bufando mentalmente".
Respire fundo, .
- Não é nada, , eu só estava pensando na enrascada que me meti aceitando mentir para minha mãe...
- Pode parar, se é pra fazer drama sobre a minha bondade em te tirar de casa, não quero saber!
- Então eu estava certa em pensar apenas, não é? - minha vez de ser irônica, há!
- Não! Besta. - ficou séria e apressou o passo, fazendo-me perceber que passara dos limites de sua bondade.
- OOUN, AMOUR, ME DESCUUULPAA!! - agarrei-lhe de jeito, fazendo cócegas na sua barriga.
Como uma boa garota, se contorceu e riu, dando-me tapinhas para que parasse.
- Besta! - ela repetiu, ainda emburrada.
- Desculpa? - fiz a melhor imitação do Gato de Botas do Shrek que consegui e recebi um tapa de leve no ombro, o que indicava claramente que todo o estresse já havia passado. - Mas me conta, quem vai nessa festa? - esforcei-me para parecer interessada, afinal não tinha nada a ver com as minhas crises existenciais. Não me ache falsa, por favor. Eu só não gostava de prejudicar meus amigos com meus problemas, apesar de deixar isso afetá-los um pouco às vezes. Ninguém é de ferro.
- Toooooooooodo mundo!
Arregalei os olhos e ela percebeu meu choque.
- Todo mundo do nosso ano, néé, dur! Também não somos os seus pais, !
Chegamos à garagem de casa - sim, tudo aquilo aconteceu do meu quarto até a garagem, isso porque fomos por fora da casa. - e peguei a chave do New Beetle. Eu gostava dele, ganhara de presente de papai pelos meus 16 anos, mas só o usava em dias que tinha serviço comunitário e visitas nas faculdades. Normalmente eram meus pais - ou o chofer deles - que me levavam aos lugares, mas vendo meu horário este ano, isso ia ter que mudar. Rimos todo o caminho até a casa de , já que eu tinha me decidido por ignorar os problemas monótonos do cotidiano e curtir a noite com as minhas amigas.
Fato que nós temos que passar na mesma faculdade! Um apartamento, cinco amigas... o que mais se pode querer? Esse é o nosso pequeno plano secreto, não espalhe. Os melhores dias de nossa vida ainda estão por vir! Dica.



(Rock And Roll All Nite — KISS)
- AH, MEU DEUS, AA-HÁ-ZOU, !
- Que isso, Becky. - rolei os olhos, exagerada.
- Olha bem pra essa produção, amiga!
Becky colocou o espelho na minha frente e eu vi meu reflexo sem graça, agora maquiado e num vestido grudado e curto. Ergui uma sobrancelha e notei o olhar ansioso de pelo reflexo no espelho. Lembrei que devia parecer ansiosa com a festa e, de qualquer jeito, estava agradecida por toda a preocupação dela, que sequer havia tirado a camisola que colocara após o banho. Ela não havia nem começado a se arrumar só para me deixar pronta.
- , que dom! Só você pra me deixar assim, tão sexy! - ri sozinha, infelizmente.
Só eu me acho totalmente sem graça? Não? Sim?
- Você já é sexy sozinha, baby! Nós todas somos e o seu sexy appeal está nessa naturalidade toda que você tem. - Becky piscou e eu não duvidei de suas palavras, era ela quem vivia insinuando coisas para mim, mesmo depois de virarmos amigas por causa do handball, então algum motivo ela tinha que ter.
Mesmo que fosse gosto-de-você-porque-você-não-se-produz-demais. Cada louco com sua preferência e tal. Eu, pessoalmente, não tenho nada contra a minha simplicidade, mas também não acho nada de espetacular nela. Eu estava tentando me acostumar a passar batom, porque nada me incomodava mais que lábios rachados, e batons pareciam resolver isso. Todos, principalmente os que tinham hidratante, menos os que eram matte. Se fosse usar esses, era bom hidratar antes e depois, com aqueles cheirosos e transparentes, acho que uma das marcas conhecidas é 'eos'. Dica da Becky dada.
Enfim. Batons eram incríveis. E a variedade de cores e tons? Como não amar?
- Gostou mesmo? - perguntou incerta, roendo a unha.
- Claro que sim, dur! Você fez uma ótima maquiagem, besha, do jeito que eu gosto! Não rói a unha! - sorri e ela concordou com um sorrisinho modesto.
- Então, minha vez! - ela tirou a camisola e correu para o seu vestido roxo e rodado que, surpreendentemente, era ainda mais curto que o meu. Acho que meu padrão para a palavra "curto" precisa ser atualizado. Becky voltou a enrolar os cabelos e entrou no quarto rindo.
Sem dizer nada, ela entrou no banheiro, pegou uma tiara e saiu, só então me viu e parou o olhar sobre mim.
- Uau!
- Obrigada. - respondi ao mesmo tempo em que e nós rimos.
- Tudo isso pra minha festa? Puxa, estou me sentindo agora.
- Só agora, amiga?
Rimos mais um pouco.
- Já acabou aqui, ?
- Eu ia ajudar a ...
- Não precisa, besha! A gente se vira. - indicou Becky com a cabeça e eu dei de ombros, concordando.
- Então vem comigo, !
- Sim, senhora! Se precisarem, avisem! - disse para as garotas e saí do quarto atrás de .
*
- PORRA, , NÃO TÁ PRONTO AINDA?!
Ouvi um berro no andar de cima e franzi o cenho. Eu estou pronto há mais de meia hora, como assim o está berrando comigo pela minha demora?
- !! Eu tô aqui embaixo já!
desceu as escadas com um olhar curioso e me encarou surpreso.
- Olha, você tá aí! Não é à toa que o quarto estava vazio...
- Eu estou aqui há horas! - Aah, o bom e velho exagero. - E se eu não estava no quarto...
- Pensei que você estava no banheiro, priminho, mal. - desceu as escadas, bagunçando os cabelos com a mão.
"Priminho", tá, só porque ele é alguns meses mais velho, vem com essas para me inferiorizar.
- O que eu estaria fazendo no banheiro, ?
Cá entre nós, mal tem espaço para tomar banho naquele banheiro, quanto mais se arrumar para uma festa. É isso que dá morar sem os pais antes de ir para faculdade, dica. Eles parecem determinados a fazer você experimentar tudo de pior, talvez para voltar correndo para casa.
- Prefiro não pensar nisso, obrigado. - ele caiu na gargalhada, pegando sua chave em cima da bancada e indo para porta da casa. - Vamos chamar os caras?
- Demorou. - ajeitei a gola da minha camisa e saí da casa atrás de .
e moravam ao lado, as portas das casas eram quase grudadas. bateu na porta apenas duas vezes antes de um esbaforido atender.
- O não saí do banheiro, tá pior que aquela sua ex que sempre atrasava duas horas pra qualquer lugar que ia...
riu e entrou na casa com pose de experiente.
- Fiquei sabendo que a vai ser a mais disputada da festa, sabe, ? E, convenhamos, não é à toa...
abafou a risada e concordou.
- Né? Acho que até eu vou tentar alguma coisa com ela...
Fiquei com cara de anta, já que não sabia de quase nada dos rolos deles, mas mesmo de fora, tive a ligeira impressão que essa mexia com , já que no instante seguinte ele surgiu mais vermelho que pimentão na sala.
- Não ouse. - ele falou diretamente para e depois para todos. - Não ousem.
Sem conseguir segurar mais, riu alto e acabou rindo também. arrumou o cabelo, respirando fundo e perdendo aos poucos o tom de vermelho/pimentão que seu rosto havia assumido, um tanto desconfortável.
- Então, vamos ou ficamos? Porque mais dez minutos e não vamos encontrar mais ninguém sóbrio nessa festa aí! - acabei com o momento de tensão estralando os dedos impacientemente.
De onde havia vindo toda essa impaciência??
Eles fizeram uma cara extremamente pervertida e eu acabei rolando os olhos, parando subitamente no meio do ato.
Porque eu estava rolando os olhos para aquilo? Eles não viram, certo? Certo. Ótimo.
- Vamos chegar na melhor parte de festa! - estralou os dedos também, saindo da casa primeiro.
- Isso se todas as garotas já não estiverem ocupadas. - o que, de fato, eu não duvidava muito.
Principalmente com essa tal sociedade de bi-girls, que diminui consideravelmente o número de garotas disponíveis. Talvez isso as tornasse mais interessantes.
Parei de súbito, em choque pela descoberta. Talvez isso tornasse mais interessante para mim, e talvez por isso ela simplesmente não saísse da minha cabeça. E talvez isso fosse o culpado pela minha impaciência. Estaria ela lá na festa? Neguei mentalmente e fui tirado por completo desses pensamentos por meu priminho querido.
- Hah, sempre tem lugar pra mais um nessas festas, priminho. - sorriu do jeito mais cafajeste possível e passou o braço pelos meus ombros, levando-me para fora da casa enquanto descrevia algumas garotas que já havia pegado em festas assim e que eu conseguiria pegar fácil.
Mentalmente, estava me questionando: Não é possível que não existam mais garotas para se conquistar de verdade, que as coisas estejam tão ruins que todo mundo prefira só pegar e seguir em frente pra não ter dor de cabeça.
E você se pergunta se eu vou dizer "não" para uma garota que vier para cima de mim completamente com trigésimas intenções. Eu respondo... Talvez.
e os caras foram o caminho inteiro conversando, até me fizeram rir algumas vezes, mas eu estava distraído demais com as luzes na rua, as estrelas no céu e outros detalhes daqueles bairros. Era incrível como uma travessa era feita de casas pichadas e outras de casas normais, de classe média. Era como se tudo ali se misturasse, coisa que não acontecia nos bairros em que eu havia passado.
Meus pais nunca foram de parar muito tempo na mesma casa e foi graças a isso que eles chegaram a essa solução de me deixar morar com . As mudanças constantes prejudicavam demais a minha educação escolar e outras coisas como amizade e vida social de verdade, fora do mundo de meus pais. Isso e outras coisas. Se bem que eu usaria toda essa constante mudança ao meu favor para entrar em Harvard, eu esperava conseguir expor o conhecimento que essas adaptações exigiam. Não que meus pais se importassem tanto com essas coisas, provavelmente foi meu tio quem apoiou a minha mudança para fazer meu último ano numa escola fixa.
Esse cara sim é "o cara": ele não só ensinou o filho a tocar guitarra, como começou a me ensinar também, antes de meus pais pagarem um professor particular para mim.
freou o carro do nada, dando-me um susto daqueles antes de perceber que já havíamos chegado e que, na verdade, ele acabara de estacionar.
- Devíamos ter vindo com dois carros... - deixou um sorriso cheio de segundas intenções escapar.
- E você acha mesmo que dois de nós quatro vão ficar sóbrios para dirigir depois?! HAHAHAHA! - bateu a porta do carro, divertido.
- Pode crer. - também encarava a suposta casa onde a festa acontecia com o mesmo sorriso de .
Muito barulho e muita gente, mesmo fora da casa. Era a típica parte da festa em que as pessoas começavam a ficar cansadas, mas não conseguiam parar e os bêbados estavam em seu ponto alto: pulando na piscina ou fazendo a dança da chuva. Apressei o passo para ficar lado a lado com , e . Notei que se continuássemos andando assim, iria ser uma típica cena de filme quando os fodões do time de basquete entram no lugar, lado a lado.
Espera. Eles nunca entram lado a lado, entram?
Tanto faz, vocês entenderam.
sorriu simpático para mim um pouco antes de alcançarmos a calçada da casa. Eu respondi com um sorriso nervoso, sem entender de onde vinha todo aquele nervosismo. As pessoas do lado de fora da casa nos olharam, algumas curiosas, outras oferecendo cigarro e dizendo coisas sem nexo. Meus amigos sorriram e responderam algumas coisas antes de entrarmos de vez na casa que, por sinal, estava completamente o contrário da parte de fora. O som estava consideravelmente mais alto agora e cada canto do lugar parecia estar ocupado, com pessoas passando pra lá e pra cá a todo instante.
Minhas mãos pediram por um copo de bebida alcoólica automaticamente, mas antes que eu pronunciasse as palavras "Preciso de álcool", duas garotas tamparam a passagem, visivelmente pra lá de bêbadas.
- Oooi, ... eu estava te esperando... - uma das garotas, a ruiva de decote generoso, pousou uma mão em cada ombro de , com um sorriso deveras pervertido.
abafou a risada do meu lado e lançou-lhe um olhar discreto com o mesmo tom de gozação.
- Angie... - abraçou a cintura dela como um bom cavalheiro e beijou sua bochecha, soltando-se de vez dos braços dela após isso.
- E o amigo novo, não vai apresentar? - a outra ruiva (elas são todas ruivas mesmo ou existe algum tipo de clã aonde todas são obrigadas a pintar o cabelo de vermelho?) olhou-lhe diretamente, dando-me mais vontade de sair correndo do que de me apresentar.
- Oh, - passou o braço em volta dos meus ombros, segurando muito a risada. - esse aqui é nosso querido , primo do .
- Oi, . - ela sorriu para mim e eu respondi com um sorrisinho bem sem graça.
- Com licença, garotas, mas é a primeira festa do nosso , então vamos dar uma geral na casa primeiro. - falou, já passando pelas duas, um tanto impaciente.
- Ah, ok... Até mais, ... - Angie piscou para e sumiu num canto da casa, com sua fiel seguidora ruiva atrás.
- Bis? - perguntei.
- Selvagens. - me explicou. - Por aqui, qualquer uma delas aceita beijar uma mulher se você pedir.
- E como vocês rotulam só algumas de bi-girls?
- Fácil. Essas são as que beijam outra garota sem você pedir e te trocam pela outra garota. - respondeu risonho, mas sua face endureceu de súbito.
- Ops! - comentou olhando para o mesmo lugar que ele.
- HOHOHO, parece que alguém demorou demais... - cutucou . - Perdeu, playboy!
lançou um olhar mortal cheio de ódio para e pediu paz com seu olhar.
- Ela só está conversando com o Smith, cara, respira. Lembra bem do que aconteceu com o por causa dos ciúmes dele. Lembrou? Pois é, faz vezes dois, porque nem namorado você é dá .
Identifiquei como uma garota que estava de vestido preto todo desenhado com finas linhas pratas. Um garoto estava conversando com ela e fazendo-a rir razoavelmente perto demais... Deveria ser ela.
As palavras de surtiram um rápido efeito em , que disfarçou a antiga fúria num suspiro.
- Ela é demais pra mim.
Os olhos de se arregalaram tanto que quase pularam fora da órbita.
- Não... acredito! Meu Deus! - falou um pouco mais alto e foi novamente censurado por . - dizendo que uma garota é demais pra ele. Isso é um sonho? Logo você, cara, que sempre se acha o foda!
Aquilo não pareceu animar muito .
- Ela nem liga pra mim. - ele disse ignorando , olhando diretamente para .
- Até parece, cara. A garota realmente curte você, quer dizer, está completamente transparente nos atos dela quando você está perto. Só faltam duas coisas pra você sair desta casa com ela hoje. - exibiu seus dentes brancos num sorriso vitorioso.
- O quê?! - perguntou um tanto incrédulo.
- Álcool e atitude!
E ao dizer essas simples palavras, tive certeza que tinha um plano mirabolante completo para pôr em ação.



(Beautiful Stranger — Madonna)

Muito barulho? Ok. Garotas quase-nuas em seus mini-vestidos rebolando pela casa? Ok. Muita bebida? Ok. Garotos excitados por toda a casa? Ok. Nudismo na jacuzzi? Yught, Ok... Resumidamente, a festa estava um total arraso. E eu estava totalmente louca para jogar aqueles saltos vermelhos bem longe de mim e ler um pouco de Stephen King. Quantas horas havia me mantido na pista de dança? Acho que ela descobrira sua mais nova vocação depois do teatro, fato dos fatos.
Segurei o par de sapatos na mão e subi a escada para o segundo andar da casa cuidadosamente. Afinal, eu havia bebido um bocado. Não muito para ficar completamente bêbada, mas também não fora pouco, porque eu podia sentir aquela certa leveza...
Destranquei a porta do quarto de com a chave reserva e entrei, fechando a porta novamente atrás de mim, para não correr o risco de encontrar um casal no chão ou na cama. Joguei o sapato num canto e fui para o banheiro, precisava jogar uma água no rosto urgentemente. Até que meu estado não estava tão grave. Arrumei o cabelo e tirei a maquiagem em excesso, sentindo minha pele respirar.
Após uma leve borrifada de perfume, saí novamente do banheiro e fiquei encarando os saltos vermelhos.
Fechei a cara e dei a língua para os sapatos, saindo do quarto em seguida com meu All Star, que, por sorte, tinha a mesma cor do vestido. Mentira, eu o escolhi de propósito, sabia que ia me cansar do salto alto rapidamente.
A única graça de ser a pessoa mais sóbria da festa é ver esse monte de gente metida vomitando nos cantos e agindo estupidamente. Eu devia fazer um blog de fofocas pós-festas, como em Gossip Girls, se bem que isso acabaria com a graça e eu ainda acabaria como uma praticante de bullying maldosa ou sei lá. Além de que eu não tenho tempo para isso, haha.
- Você viu? Eles chegaram todos arrumados e cheirando tão bem... com aquele garoto novo junto...
Apurei os ouvidos, tentando entender as vozes agudas que conversavam do outro lado da porta dos fundos.
- E que gato, nossa... Quem será que ganha ele hoje?
- Hum, não sei, mas todas as garotas que eu vi investindo, meio que foram descartadas automaticamente...
- Oh, my gosh, será que ele é...?
"Gay?", pensei comigo mesma, mas o que a outra garota emitiu em voz alta não passou muito perto do meu pensamento "óbvio". "Óbvio" como fora "óbvio" que eu era lésbica quando não quis ficar com nenhum dos garotos da Ferdinand.
- Comprometido? Não sei... só se for muito sério, o que eu duvido, já que ele não usa nenhuma aliança...
Elas começaram a rir de alguém que caira na piscina - presumi pelo barulho - e eu desisti de ouvir a mais alguma coisa. O bacana é que comigo todos deduziram que eu era lésbica de cara, ninguém cogitou algo como eu ter um namorado ou ser uma bobinha nerd romântica.
Desisti de entender o formigamento que havia se instalado em meu estômago também, já que eu estava bem alimentada. Percorri o olhar pela casa e reconheci a pele branca de ao longe. Aquela luz ambiente que deixava as roupas brancas azuladas era útil para encontrar também. Notei o sorrisinho entediado que ela sempre dava quando não sabia como escapar de uma situação incômoda sem ser grossa - o que ela não sabia ser, apenas em casos extremos - e decidi que minha boa ação do dia seria espantar Robert Smith do lado dela.
Eu viveria para ver o dia em que Robert Smith notaria o quão incômodo era (sempre) às vezes?
- ! Preciso muito falar contigo!! - fiz careta de desespero e Smith já se afastou, um pouco assustado com o meu surgimento. - Pode ser? - fiz cara de piedade para o garoto, que repentinamente sem fala, deu de ombros.
Peguei a mão de e só parei de puxá-la quando chegamos à mesa das bebidas mais requintadas, como ponche e batidas.
- Então? - perguntou apreensiva.
Segurei a risada.
- Isso é sério? Você acha mesmo que eu tenho alguma coisa pra te contar? HUAHAUHAU, você é hilária, !
Uma luz acendeu sobre o seu rosto e abriu um largo sorriso.
- Aaaaaah... nossa, sério, obrigada, ! - ela me abraçou, me abraçou! Tamanha era a sua felicidade.
- Que isso, dur. Aquele cara sabe ser pentelho!
- Nem me fale. - ela rolou os olhos e sorriu de um jeito malvado logo depois. - Se bem que dessa vez eu estava disposta a aguentar ele pelo favor que me fez...
Minha vez de arregalar os olhos. não era dessas de favores, se é que você me entende.
- Que favor??
Ela riu infantilmente e chegou mais perto para falar baixo e ser ouvida apenas por mim - quem aumentou mais ainda o bendito som??
- Eu estava falando com ele, quando adivinha quem chegou à festa? - voltou a dar pulinhos. - O , ! O ! E ele nos viu e fez uma cara muuuito feia! Aí parece que seus amigos o acalmaram, mas... Ahh, não acredito que eu fiz isso com o !
Realmente, ela merecia um troféu e casar com ele também, mas o jeito dócil de ao dizer tudo aquilo tornava suas palavras surreais. Uma criança com planos mirabolantes num corpo de mulher, se bem que ela estava colocando o Hudsonem seu devido lugar com aquelas mesmas atitudes de mulher... Eu ainda acho que ela vai conquistar esse cara num ponto que se não topar casar com ele, acaba se suicidando.
E tudo por causa de uma brincadeira, como me contou. Algo sobre verdade ou desafio, na qual lhe perguntaram quem ela achava mais bonito da roda e ela respondeu , depois de pensar muito. E fazia sentido, quer dizer, para o gosto altamente refinado dela. Mas como todo bom machão, Bradvangloriou-se disso e ela não aguentou, acabando com as esperanças dele de um jeito completamente admirável. "Beleza não significa nada, ."
Eu nunca me orgulhei tanto das amizades que eu fazia. Podiam ser poucas, mas alguém como não brotava em cada esquina. É, às vezes eu gosto de pensar que tenho um gosto refinado demais e que isso não é ser antissocial. O caso é que eu quase imprimi e enquadrei uma folha com essas palavras para colocar em meu quarto, ou no meio da escola, quando fiquei sabendo dessa história. Sim, eu fiquei sabendo depois porque não fui ao tal acampamento, mas isso foi no começo do ano...
- Ele está vindo para cá, . - avisei discretamente e ela arregalou os olhos.
- O ?
- O próprio.
- Ai, meu Deus! O que eu faço, ?!
- Continua falando comigo, mulher!
Que pergunta, oras.
- Já sei! Hahah...
Ela se recompôs e meu olhar escapou de Bradpara o garoto que vinha com ele.
Oh my freackin' gosh.
Gostoso, arrumado, aparentemente sóbrio e tão... sexy! Isso é maldade divina com a minha pessoa, só pode! Ou uma alucinação, talvez... O mesmo garoto que havia trombado comigo no corredor estava ali, andando na direção da mesa de bebidas, sem nenhuma garota em seu encalço e muito menos chupões pelo pescoço ou marcas de batom. Não era à toa que o novo assunto preferido da escola era aquele garoto de olhos , se eu tivesse reparado nele antes como reparei agora, também teria ficado com uma certa vontade de me atracar com ele em qualquer canto.
Entendam, existem muitos - mas muitos mesmo - garotos bonitos na Ferdinand. Mais do que na Holliang até, na minha humilde opinião, que prefere um descabelado nato ao invés de um engomadinho. Mas poucos desses garotos tinham o jeito daquele em especial. Seu braço definido onde a manga da sua camisa azul clara, meticulosamente dobrada, era a única parte justa da roupa. E seu peito embaixo da camisa, subindo e descendo conforme ele respirava... E aquela boca...
Fui pega pelo seu olhar, tão intenso quanto hoje mais cedo, no corredor dos armários. Voltei a encarar e tive a impressão de que não respirava há um bom tempo, apesar de saber que a respiração é algo involuntário. Ainda bem, porque se não fosse, naquela hora eu teria sufocado. Mas, pelo contrário, acho que respirei demais, porque uma euforia digna de quem havia mandado oxigênio demais para o cérebro me preencheu.
- Então, tem gente pelada na jacuzzi. - comentei aleatoriamente, meio alto.
- O quê? - perguntou, saindo de sua própria linha de pensamento.
- Eu estou tentando fingir que estamos tendo uma conversa normal aqui, pata!
- Ah, mal. - ela deu um sorriso amarelo e passou a mão pelo longo cabelo. - Eu estou prestando atenção na música.
- Humm, porque exatamente?
- Você vai ver. - ela sorriu confiante para mim e eu notei que a música chegava ao seu fim.
AAAAAAAAHHHH, NÃO!! Fala sério, !! Por favor, me digam que o plano dela não é bem o que eu imaginei agora! Fala sério! Isso é tão... tão... sei lá, mas ela pode fazer melhor! Por favor, , não me decepcione assim!
É, ! Você tem que viver para me orgulhar! Eu sou um monstro!
Ainda bem que essas coisas ficam só na minha cabeça.
Brade encostaram-se à mesa ao mesmo tempo em que a música nova começou.

"Mum mum mum mah...
Mum mum mum mah...
Mum mum mum mah..."

Reconheci rapidamente como Poker Face, da Lady Gaga, e não pude deixar de sorrir.
- Você fez a setlist, por acaso?
- AAAHH, eu amo essa música!! - ignorou minha pergunta com toda a classe do mundo. - , dança comigo??
Rolei os olhos. Não creio que o plano dela era esse mesmo. O berro que deu foi tão discreto que se estivéssemos num filme em alemão, apareceria a legenda: ", seja homem e me chame para dançar contigo logo".
E eu saberia, porque faz uns anos que eu tenho aprender alemão já. Não desistir é a chave do sucesso, no caso.
- Querida, sua amiga me manteve duas horas seguidas dançando naquela pista, eu não volto pra lá tão cedo. - falei um tanto monótona, mas com certeza fui convincente, já que me agradeceu com o olhar.
- Mas eu quero muito dançar essa música, !

"I wanna hold em' like they do in Texas, please!
Fold em', let em' hit me, raise it, baby, stay with me! [I love it!]"
(Eu quero enganá-los como se faz no Texas, por favor!/Dobrá-los, deixarem me bater, vamos lá, querido, fique comigo!/[Eu amo isso!]

- Desculpa, anhh...
- Hey. - Bradinterrompeu minha super atuação com seu melhor sorriso galanteador, que quase me fez rir. Mordi minha língua para não atrapalhar os planos de . - A senhorita daria o enorme prazer de conceder essa dança a um humilde admirador?
fez uma cara interessada, mas disfarçando muito bem seu estado de felicidade interna que só eu podia ver claramente em seus olhos.

"Luck and intuition play the cards with spades to start,
And after he's been hooked I'll play the one that's on his heart!"
(Amor e sorte jogam a carta de espadas para começar/E quando ele ficar encurralado, eu finjo que conquisto o seu coração!)

- E quem seria esse honroso cavalheiro? - ela perguntou olhando para os lados, curiosa. Dessa vez eu acho que mordi a língua pra valer, a ponto de sangrar.
Notei que havia engasgado com a bebida. Fiel à , ele não riu. Mas pareceu ficar um tanto vermelho com o esforço
- Bem aqui. - estendeu-lhe a mão sorrindo mais ainda e pensou um pouco antes de aceitar e sorrir também.
- Deve servir. - pude ouvi-la acrescentar e não consegui evitar o olhar desacreditado.
Em que século eles pensam que estão?!
E olha que fui eu quem tirou nota máxima no trabalho de Literatura Clássica...

"Oh, oh, oh, oh, ohhhh, ohh-oh-oh-ohh-oh-oh
I'll get him hot, show him what I've got.
Oh, oh, oh, oh, ohhhh, ohh-oh-oh-ohh-oh-oh,
I'll get him hot, show him what I've got!"
(Eu vou deixá-lo excitado, mostrar o que eu tenho)

- Eles são sempre assim? - meu olhar voltou-se para , que ainda olhava para o casal indo para a pista de dança, ao meu lado.
Aquela mesma sensação estranha se instalou em meu estômago quando sua voz maravilhosamente doce se fez ouvir naquele ambiente tão barulhento. Agradeci por Poker Face não ser tão barulhenta, assim pude ouvir com clareza as vibrações de seu timbre. E depois me senti extremamente idiota, óbvio.
- Não. - respondi de primeira, mas ao refletir um pouco, percebi que não havia sido sincera. - Na verdade, é a primeira vez que eu vejo os dois se falando.
direcionou o olhar diretamente no meu, dando-me aquela leve sensação de vertigem novamente. Xinguei-o de todos os nomes impossíveis por isso, enquanto ele me analisava de cima a baixo inocentemente. Isto é: sem pudor algum.

"Can't read my, can't read my
No he can't read my poker face
[She's got me like nobody]"
(Não consegue ler minha, não consegue ler minha,/Ele não consegue ler minha cara de blefe/[Ela me tem como ninguém])

- Bonito vestido. - ele declarou olhando rapidamente nos meus olhos e virando o copo de ponche em seguida de uma única vez. - E All Star. - um sorriso de canto se formou em seu rosto.
- Obrigad... - comecei a agradecer, um pouco envergonhada, mas fui interrompida.
- Quer ir lá fora? - ele perguntou, repentinamente agitado demais.
- Hum?
- Sentar num banco de madeira, perto da fonte de água iluminada. Você deve estar cansada de dançar, então seria hediondo se eu a convidasse para uma dança.
- Você é sempre assim?! - minha pergunta ia muito mais além do jeito dele falar, apesar de que QUEM É QUE FALA "HEDIONDO" além de mim?, mas o que ele entendeu bastou.
Ele parou de súbito e me encarou com o cenho franzido. Então sua expressão se desfez em uma bela risada.
- Não. Acho que é o nervoso.
- Nervoso?
Ui, quer dizer que eu te deixo nervoso, gatinho? Hahaha, brinks!
Andar com a Gwen não estava fazendo bem para minha sanidade mental. Ainda não a havia visto, falando nisso!

"Can't read my, can't read my
No he can't read my poker face
[She's got me like nobody]"
(Não consegue ler minha, não consegue ler minha,/Ele não consegue ler minha cara de blefe/[Ela me tem como ninguém])

- Primeira festa aqui. - ele deu de ombros, parecendo genuinamente sincero.
- Ah...
Deu pra notar minha decepção? Ok, eu não fiquei tão decepcionada assim por ele ter achado uma boa desculpa. Porque, convenhamos, essa foi uma boa desculpa e só. Ou não?
Convenhamos, ISSO POR ACASO FAZ DIFERENÇA?!
- Isso foi um 'sim'? - ele sorriu de lado, o que caiu extremamente bem com todo o seu jeito de ser e fez minha pele se arrepiar brevemente. Bem brevemente, apesar de ter certeza de que se ele acariciasse meu braço descoberto com a sua mão, por mais mínimo que fosse o contato, os arrepios custariam a passar.
E lá estava eu, imaginando coisas impuras com o novato da vez. Eu, sendo uma predadora de novatos. Estrangeiros!!! Oh, céus.
- Como eu diria não para o cara mais disputado desta humilde festa? Eu seria dilacerada por tal atitude, no mínimo. - dei um sorriso sádico e rapidamente ele ficou sério.
- Você não é obrigada a aceitar. Nada. Eu só estou perguntando se você gostaria de ir. Se a resposta for não, apenas diga e tudo bem. Eu... eu sei que há muitas garotas aqui que aceitariam facilmente esse convite, mas qual é o ponto de pedir para uma delas, se nenhuma é tão interessante quanto você?
Essa me pegou de surpresa, duas vezes. Primeiro: ele se sentiu ofendido pelo meu comentário, e depois ele me fez aquele elogio... percebeu e tentou consertar o que dissera por último.
- Quer dizer, não vejo graça em conversar com quem não tem assunto em comum e uma opinião própria, porque não existe assunto, entende? E...
- Eu entendi! - não consegui segurar a risada. - E eu não quis te ofender, só quis ter certeza que não estava aceitando ir para os fundos da casa com um nojentinho metido, só! E do mesmo jeito que eu aparento ter conteúdo, - fiz uma pose um tanto metida, devo assumir, mas isso só fez o sorriso voltar aos lábios de . - você aparenta não ser metido. Então acho que dá pra te aguentar.
- Ah, mas que incrível honra. - ele estendeu-me a mão com um sorriso divertido nos lábios.

"P-p-p-poker face, p-p-poker face
[Mum mum mum mah]
P-p-p-poker face, p-p-poker face
[Mum mum mum mah]"

Aceitei a sua mão e os calafrios voltaram ao sentir a pele quente dele contra a minha um tanto fria. Sua mão áspera na minha absurdamente macia. E a sensação daquele toque era uma delícia.
- Mas que tal dançar primeiro? - me ouvi dizer e me assustei com tamanha audácia própria.
Sim, foi um momento confuso até para mim mesma.
As sobrancelhas de se arquearam e eu deixei um risinho esperto escapar.
- O quê? Você pensou mesmo que a quisesse dançar comigo?
Ele riu também e me puxou para a pista de dança, escolhendo o lugar perfeito - como se soubesse onde exatamente eu preferiria ficar.
- Aqui tá bom? - os braços de envolveram minha cintura e minhas mãos se espalmaram em seu tórax.
Tentei manter a sanidade. É bom de vez em quando, sabe?
- Aqui está ótimo. Mas essa não é bem uma música para se dançar assim... - deixei uma risada nervosa escapar enquanto minhas mãos iam por vontade própria até a nuca de .

"I wanna roll with him a hard pair we will be
A little gambling is fun when you're with me [I love it!]
Russian Roulette is not the same without a gun
And baby when it's love if it's not rough it isn't fun, fun!"
(Eu quero sair com ele, seremos um casal durão/Um joguinho é divertido quando você está comigo/[Eu amo isso!]/Roleta Russa não é a mesma coisa sem uma arma/E querido, amor/Se não tiver dor não é divertido, divertido!)

- Hum, verdade. Então vamos esperar a próxima começar e tomara que seja uma para se dançar assim, porque não sei dançar de outro jeito. - ele admitiu, corando.
- Oh, era só dizer... Você não precisava aceitar vir dançar.
- Mas eu quis.
- Então você pode aprender, sabe? Não é nada muito complicado.
- Mas assim está tão bom.
Ele fez um biquinho de "tenha dó de mim", mas eu vi uma coisa que escapava aos seus atos em seus olhos. Certa malícia, talvez?

"Oh, oh, oh, oh, ohhhh, ohh-oh-e-ohh-oh-oh
I'll get him hot, show him what I've got
Oh, oh, oh, oh, ohhhh, ohh-oh-e-ohh-oh-oh,
I'll get him hot, show him what I've got!"

Não aguentei e acabei rindo, meus dedos já entrelaçados aos cabelos macios da nuca de . O perfume dele também não ficava para trás, fraco, mas ainda assim viciante.

"Can't read my, can't read my
No he can't read my poker face
[She's got me like nobody]
Can't read my, can't read my
No he can't read my poker face
[She's got me like nobody]"

Movia meu corpo no ritmo da música, forçando a mover o seu junto. Ele apenas riu e ficou o tempo todo olhando para baixo, provavelmente para evitar pisar em meus pés. Quanto mais se recusava a me acompanhar, mais próximos ficávamos. O corpo dele contra o meu, a sanidade cada vez mais longe.

"P-p-p-poker face, p-p-poker face
[Mum mum mum mah]
P-p-p-poker face, p-p-poker face
[Mum mum mum mah]
I won't tell you that I love you
Kiss or hug you
Cause I'm bluffin' with my muffin
I'm not lying I'm just stunnin' with my love-glue-gunnin'
(Eu não vou te dizer que eu te amo/Beijar ou te abraçar/Porque eu estou blefando com as minhas fantasias/Eu não estou mentindo, Eu estou apenas atirando com minha pistola de amor)
Just like a chick in the casino
Take your bank before I pay you out
I promise this, promise this
Check this hand 'cause I'm marvelous"
(Como uma garota no cassino/Pegue seu lugar antes que eu gaste suas fichas/Eu prometo, eu prometo/Olhe essa mão porque eu sou maravilhosa)

E ele continuou rindo durante todo o resto da música, ora por causa das minhas caretas, ora pela minha persistência em fazê-lo dançar de verdade. E eu fiquei o tempo todo tentando controlar aqueles calafrios que o corpo dele provocava em contato com o meu e os pensamentos impuros que rondavam minha mente toda vez que eu sentia sua pele na minha.

"Can't read my, can't read my
No he can't read my poker face
[She's got me like nobody]"

Antes de a música acabar, eu cedi e ri tanto quanto ele, desistindo da dança e puxando-o para fora da casa.
- Foi uma boa tentativa. - ele assumiu, com seu olhar reluzente. - Você dança muito bem.
- Ahã. Obrigada, de qualquer jeito. Hum, melhor não ir por aí, vamos pela cozinha.
- Por quê? - ele me seguiu curioso.
- Nudez na jacuzzi. - fui sucinta.
- Ah!
Segundo de silêncio. Caímos na gargalhada depois de uma troca de olhares.

"P-p-p-poker face, p-p-poker face
Mum mum mum mah..."
*

Ela me levou para fora da casa com breves risadas e um lindo sorriso, eu devo ter ido do mesmo jeito, talvez encantado demais com tudo nela para perceber qualquer outra coisa que não fosse ela própria. Os minutos sentindo o corpo dela contra o meu, o carinho que suas mãos haviam feito em minha nuca...
- Ah! É "Beautiful Stranger" agora, da Madonna! - parou repentinamente, fazendo cara de cachorro abandonado na chuva.
- Quer voltar? - perguntei, cavalheiro. Haha.
- Não! - ela riu, aparentemente feliz por eu ter oferecido, e voltou a me puxar para fora.
Os segundos ainda se arrastavam em minha memória e as sensações se acumulavam sem intenção de passar. A mais viva de todas ainda era o toque frio de sua mão na minha, mas nem por isso deixei de sentir suas mãos espalmadas em meu tórax ou movimentando meus ombros, muito menos o contato que nossos corpos tiveram.
Tão rápido quanto notei meu devaneio gigantesco, obriguei-me a sair dele. Mal conhecia a garota e já estava me entregando completamente porque seu sorriso era lindo e seu jeito ultrapassava todas as expectativas que minha mente havia criado.
Vamos considerar a possibilidade de ela haver lançado algum feitiço, porque estou me sentindo completamente encantado por tudo em . E vamos também me proibir de usar essa cantada barata em voz alta, por favor.
- Oh, droga. - parou e eu vi do que ela reclamava. O corredor estava cheio de cacos de vidro. E ela com um All Star. Aqueles cacos eram suficientes para atravessar o tênis e seu pé. - Meia volta, pelo jeito é jacuzzi ou nada... Ou damos a volta pela casa, saindo...
- Posso? - a interrompi com um sorriso.
- O quê? - perguntou confusa.
- Posso?
- Pode, seja lá o que for... - ela mordeu o lábio inferior e aquilo me distraiu um pouco, mas logo a peguei no colo e ela ria, jogando a cabeça para trás.
- Segura no meu pescoço, ou não passaremos pelo corredor sem você ganhar uns hematomas.
Ela obedeceu, passando os braços em volta do meu pescoço e apoiando a cabeça ali enquanto eu atravessava o chão de cacos.
- Isso é porque você é um cavalheiro, ou porque você queria passar a mão nas minhas pernas? - ela perguntou baixo, pela proximidade.
Um sorriso diferente se formou em meus lábios e, antes que eu percebesse, respondi:
- Um pouco dos dois.
Jurei ter ouvido um "perfeito", mas foi baixo o suficiente pra ser considerado coisa da minha cabeça. Coloquei-a no chão, em frente a uma porta que saia para o jardim da casa e agradeceu, ajustando o vestido.
É, ela queria me matar com um vestido daquele. Ela pegou minha mão de volta, mas não durou muito.
É claro que estava demorando demais para alguém estragar tudo e, como previsto, seria alguém querendo falar com ela e não comigo.
- , venha rápido!
Sua mão fora impetuosamente arrancada da minha e não evitei o olhar triste para minha solitária mão abandonada, notando que olhara brevemente para mim antes de responder à morena que puxava-a para a piscina, demonstrando certa resistência em sair dali.
- O que foi, Becky?!
- A precisa de você, vem logo! - Becky respondeu com urgência e a mera menção de fez arregalar os olhos e correr com Becky. - Você é amigo do , não é?
Eu já as seguia involuntariamente.
- Sou sim.
- Ótimo, venha também.
A respiração de começou a ficar falha e foi como se o nervoso dela passasse todo para mim. O que havia feito? Aquele cabeção... Logo a cena estava a nossa frente. A confusão feita, mas não se encontrava nela. Becky deixou o queixo cair quando acertou um soco direto na boca do estômago de um grandalhão estilo sou-do-time-de-futebol-americano-da-escola-e-tomo-bomba. Tá que deve ter doído mais na mão de do que no estômago do maluco bombado, mas talvez o álcool tenha amolecido o brutamontes, que tropeçou um pouco antes de se recuperar e contra-atacar.
O soco foi direto na boca de e a lamentação saiu de todos os bastidores enquanto caía no chão. já estava com na beira da piscina e as duas pareciam nem ter notado o que acabara de acontecer, apesar de ter visto um olhar preocupado de . Por sorte, três caras do mesmo tamanho que o agressor-bêbado-bombado apareceram para segurá-lo e eu corri até .
e Bradapareceram junto comigo.
- Merda! - deixou escapar, já tirando do chão comigo.
O lábio dele já estava inchado e nenhuma lágrima escapava de seus olhos. parecia segurar-se bravamente, o que era admirável após um soco daquele.
- Me coloquem no chão, eu vou quebrar aquele idiota em dois! - falou abafado, aparentemente sério.
riu baixo:
- Ih, cara. Aí seriam dois idiotas pra encher, esquece.
foi apoiado em até o banheiro, no andar de cima. Bradnos seguiu em silêncio e eu me ocupei em procurar toalhas e remédios para os ferimentos de .
- Ela está bem?
- Esquece isso por 10 minutos, cara. Se você falar, irá doer mais e ficará difícil de fazer um curativo.
- Porra, já tá doendo pra caralho!
Até Braddeu um sorrisinho enquanto ria alto e fazia careta de dor. Seja lá o que tivesse acontecido, o fato de não ser o culpado me causou um certo alívio. Mesmo sem saber o que havia ocorrido.

*
foi chorosa e soluçante até o quarto de hóspedes, onde nossas malasestavam. Ela tremia da cabeça aos pés descalços e ficara na cozinhapreparando um chá bem gostoso para acalmar a nossa amiga.
- E-ele t-t-á be-bem? - perguntou enquanto deitava na cama.
- Ele quem?
Culpada, assumo. Depois que vi no chão chorando, esqueci de notartodo o resto. Talvez pelo fato de nunca tê-la visto daquela forma antes.
- O... O... - ela repsirou fundo, controlando os soluços. - .
Repentinamente, o sangue voltou a queimar em minhas veias como havia queimadoquando Becky chamou , mencionando .
- O que ele fez com você?! O que aquele filho de uma p...
- , não! - sentou-se na cama e enxugou as lágrimas. - Elesó apareceu para me defender! Ele...
- Apareceu pra te defender? - perguntei incrédula e voltou a chorar.- Não, não, besha, não chora... Quer me contar o que aconteceu?
Ela respirou fundo de novo.
- Eu estava na minha, . Saí da pista de dança feliz pela ,que estava hipnotizando completamente o , sabe? Aí indo para fora,esbarrei no Jensen e ele agarrou meu braço forte e bafejou cerveja na minhacara enquanto dizia coisas sem nexo... Ele começou a me alisar e eu pedi paraele parasse, mas ele não me soltava... - as lágrimas não paravam de brotar emseus olhos e eu só ficava mais angustiada. - Então, apareceu e mandouJensen me soltar, eu até pensei que ele fosse porque o jeito com que falou deu até medo, mas Jensen riu e passou a me xingar e humilhar... Foihorrível, ... o empurrou para o jardim e Jensen me soltou,aí eu corri para a piscina.
Não aguentei mais e abracei , que voltou a soluçar. O ódiode foi transferido para Jensen e, de repente, eu senti vontade debeijar Fisher de agradecimento.
Claro que isso não seria legal. Ele provavelmente gostaria de um agradecimentodesses vindo de .
- Shhiu, relaxa, besha... Vamos ligar a TV e esquecer disso.
- Eu tenho que agradecer o ... - o olhar dela estava perdido num pontofixo no quarto.
- , relaxe, por favor... Tenho certeza que ele fez porque quis, esperea poeira baixa... E não seja grossa com ele quando for agradecer que tudoficará bem. - sorri.
- Quem pediu chazinho? - entrou no quarto, cortando o assunto devez.
Liguei a TV e ficamos as três na cama de casal de assistindo Friends.

Capítulos revisados por Abby






(Play The Game — Queen)

Depois de Once Upon a Time, pegou no sono. E depois de zapear todos os canais da TV e acabar em Two And a Half Man, eu lembrei que estava sem comer há horas. Abaixei ainda mais a TV e saí do quarto, deixando a porta entreaberta.
havia saído depois que dormira para terminar a festa, e isso explicava o silêncio na casa.
E por isso não me preocupei em prender meu cabelo que devia estar uma zona e calçar o salto alto. Erro meu, porque ao pisar no primeiro degrau da grande escadaria, risadas chegaram aos meus ouvidos.
LAMBE O UMBIGO DO !
— Ui, que sexy!
— HAHAHAHA!
— Ao melhor jogo de todos! — brindou com , e eu congelei na escada com as sobrancelhas erguidas.
Nada de bom podia estar acontecendo onde o verbo "lamber" era combinado com o substantivo "umbigo".
— Olha só quem resolveu sair do quarto! — apontou para mim, ainda rindo e tentando ignorar e , que tinham um momento e tanto logo ao lado dela.
Ela não parecia se divertir tanto quanto , que se dobrava de rir. A safada da devia estar se imaginando no lugar de .
— Hey. — acenei e voltei a descer, já que era tarde demais para checar minha imagem num espelho.
Não que eu me importasse com isso.
Eles estavam sentados no chão em um círculo, com dois pequenos dados conhecidos no meio da roda. Eu nunca havia visto os dados em uso, mas sabia que o uso deles era normalmente entre as bi-girls, apenas. Então fazia sentido EU nunca tê-los visto em ação.
O olhar de havia se fincado em mim, intensamente interessado, o que quase me fez corar. Ele era o único que não estava no chão, e sim sentado no sofá de um único lugar, aparentemente não participava da brincadeira, já que sentava bem à sua frente, no chão.
A boca de não estava muito bonita.
abaixou a camisa, rindo, enquanto voltava a se sentar ao lado de .
— Hm, já volto! — ficou em pé e correu para um corredor que só podia dar em um lugar: banheiro.
Bradpareceu preocupado, provavelmente achando que ela fora vomitar.
— Ela nem bebeu! — observou sabiamente.
Trocamos olhares e ela pareceu entender. Certo, está realmente necessitada pra se excitar com uma lambida de umbigo, ainda mais uma sem jeito e de brincadeira. Claro que podíamos estar sendo malvadas, julgando-a daquele jeito. Ela podia ter acabado de lembrar que não tinha feito xixi a noite toda, como eu havia acabado de lembrar que ESTOU COM MUITA FOME.
— A Becky já foi também? — perguntei, parando perto deles e procurando mais alguém pela casa com o olhar.
— Yep. — respondeu, me olhando curiosamente. Ótimo, agora ele vai espalhar que a Becky é minha paixão. Me poupe, .
— Droga, tô com fome, a Becky é a melhor cozinheira. — reclamei, acariciando minha barriga vazia.
e eram pouco burras, também, jogando com aqueles dados com mais quatro garotos lindos e sentadas uma do lado da outra, leia-se: impossível delas irem uma com a outra. Ah é, certo, só três garotos, não tá jogando. Por que será que ele não tá jogando?
— Hm, eu vou no... Banheiro, lá em cima. — se levantou, cortando o olhar de , que continuava em mim.
Fiquei incerta sobre o que fazer, era óbvio que estava indo ver .
me deu um olhar severo. Tá, deixa ele ir atrás dela, então. Mas espero que ele não foda tudo, falo mesmo.
foi, antes que alguém pulasse na sua frente, e tentou melhorar o clima.
— Tem comida na geladeira, oras.
Se você não fala, né, !
— Uh, e ! — berrou tirando minha concentração para responder .
Olhei a garrafa de vodka no chão, ela apontava para mim bem no espaço vazio que havia deixado. Segui com o olhar até , que me encarava também.
— M-mas eu não estou jogando!
Senti o olhar de queimar em mim. Qual é a dela?
— E-é, nem eu. — se apressou em dizer.
— Ah, nem vem, vocês são dois sem graça, toma um dado, . .
jogou um dado direto no meu rosto, e pegá-lo no ar antes de ser acertada me distraiu. Olhei rapidamente as opções, coisa que jamais havia me dado ao trabalho antes. Beijo de língua, mordida, lambida, selinho, chupão e massagem. Zeus.
Acho que se Zeus fosse uma opção, seria a menos mal.
Desvie dos raios do deus Grego e vença a rodada!
Encontrei os olhos agora sem brilho de e o vi brincar com o próprio dado, sem emoção.
— Ah, ok. — rolei os olhos e ameacei jogar o dado no chão. O máximo que podia acontecer era dar meu primeiro beijo ali. E o que eu acharia absurdo antes, agora não parecia tão mal. se sentou ereto sem acreditar no que via. — O quê, é só jogar!
Ele assentiu e olhou para o próprio dado.
Oh my Shakespeare. O que eu estava fazendo? ELE ASSENTIU.
— No três. — pareceu mais ansioso que todos juntos, me deixando um pouco ansiosa também. — Um. Dois. Três!
Soltei o dado e também. Os dois caíram próximos e se bateram antes de finalmente pararem. Ninguém ousou respirar, exceto .
Ela riu. Valeu, gata.
— Por pouco! — reclamou e essa eu não entendi. As faces dos dados que estavam para cima eram "Boca" e "Mordida", não tava bom, não? O que mais ele queria? E qual era a porra do interesse de nisso?
— Ok... — caminhei rapidamente até o sofá, antes que a adrenalina passasse e eu mudasse de ideia.
ameaçou se levantar e eu o impedi com a mão em seu ombro. Ele parecia completamente perdido. E apesar de não ser a Miss Confiança, eu soube que não era porque ele não queria aquilo. Se ele não quisesse, ele teria se recusado a jogar o dado, simples. Se chama inteligência lógica. Bom, talvez ele não quisesse daquele jeito, mas, por algum motivo, eu estava gostando de "brincar".
— Tem certeza? Você não precisa...
Eu sei o que eu não preciso e o que eu preciso fazer, querido. O problema é que você é extremamente gato e tem um ar de maturidade que meus hormônios não estão aguentando. E eu quero muito morder seu lábio, agora. Saco.
— Você não quer?
— Não é isso, eu...
— É só uma mordida. — pisquei e me aproximei fincando os dedos nos cabelos maravilhosamente macios da nuca dele.
É claro que eu não ia perder a chance de encostar naquele cabelo.
A sala parecia vazia, exceto por nós dois. Oh, mas que clichê! Vi os olhos de subirem até os meus e antes que a razão fosse suficiente para me tirar dali, prendi o lábio inferior dele entre meus dentes, relando de leve minha boca na dele, mordendo-o carinhosamente. O toque... O toque dos nossos lábios, mesmo que fraco, fez cócegas pelo meu corpo. O perfume extremamente agradável de alcançou meu olfato e eu me afastei lentamente, soltando aos poucos seu lábio. Ele me encarava sem sequer piscar os olhos.
, Brade pareciam embasbacados. Não consigo imaginar porque, né, não é como se ele nunca tivessem me visto fazer isso. Ah é, eles realmente nunca viram. Tcharans!
Fim do mistério, galera.
— Então, fome! — anunciei apressada, demostrando meu dom de quebrar climas, e ri sozinha enquanto ia para a cozinha, lembrando de respirar.
Certo, nunca beijei na vida e acabei de morder o lábio de um recém-conhecido extremamente atraente e coisas estranhas aconteceram por todo meu corpo. Contava como um beijo? Nossos lábios haviam se relado um pouco... Tá quente aqui, não? Então. Meu Shakespeare, o que eu fiz?
Pior, porque estou desejando tanto que ele venha atrás de mim e me prense nessa bancada tão bonita e preta da cozinha e...?
Abri a geladeira, pegando a primeira garrafa que vi para colocar no pescoço.
*
— Ele o quê?! — deu um gritinho afeminado e choramingou em seguida, graças ao inchaço em sua boca.
Meti a cabeça no vidro do carro, e doeu.
— Foi mordido no lábio pela , cara! — repetiu, no banco do passageiro da frente.
— E, convenhamos, foi uma belíssima mordida. — Bradsorriu cínico para mim através do retrovisor. Ele dirigia de volta para casa.
— Sério, cara?! Parabéns! — deu um tapinha no meu ombro e voltou a olhar pro chão como antes.
fez careta.
encarava o chão desde que descera do "banheiro" e pedira para irmos embora com a desculpa de que tinha aula no dia seguinte. Como se ele fosse pra escola com a boca estourada desse jeito. deu tchau da cozinha, sumindo de vista em seguida. Quase um: Parabéns, , agora vaza. Quer dizer... Fora só um jogo, mas ela podia ter vindo dar um abraço ou... Cala a boca.
— E você, como foi o "banheiro lá em cima"?
me olhou assustado pela ousadia. Ah, olha, a garota mais... Indescritível do mundo veio até mim e mordeu meu lábio do jeito mais provocante e eu não fiz nada. Não pude fazer nada. Não consegui fazer nada. Pareço uma pré-adolescente com seu primeiro amor, não sei o que está acontecendo aqui. Que seja.
sorriu fraco para o tapete do carro em seu momento autista.
— Eu precisava ver como ela estava, então fui até o único quarto entreaberto e não resisti. Entrei e fui até a cama onde ela estava. Não digam um único "gay", senão eu nunca mais conto nada pra vocês. — apontou para Brade . Senti uma leve exclusão. Ok, eu sou o mais confiável mesmo. — Eu me ajoelhei e beijei a testa dela... E disse que ela não era nada do que Jensen tinha dito e... Outras coisinhas. Foi isso. Depois eu fui pro banheiro mesmo.
— Ah, garoto! — riu, dando um tapa na cabeça de .
— Que bonitinho... — Bradzoou.
— Calem a boca. — resmungou.
— É inveja, Dieguinho, porque o único que ia se dar bem essa noite saiu sem sequer beijar a testa da ! HAHAHAHA! — riu sem ligar para os tapas de .
sorriu, satisfeito consigo mesmo.
— Mas eu não sei como vai ser amanhã... Quer dizer, hoje mais tarde. Na escola.
Somos dois, nesse caso, meu caro .
— Se liga, ! — finalmente deu um fim nas agressões que sofria. — A garota só faltou babar! Até parece que não tava escrito na testa dela o quanto ela queria estar no meu lugar na hora da lambida lá!
— Oh, e se ela estivesse...
— Tá, tá, mas não foi dessa vez, campeão! Parece que eu sou o único aqui que não está idiotamente gamado em uma garota daquele grupo. Eu, heim!
Quem contou que eu estou gamado em... Deixa pra lá. Discussão infrutífera evitada, ponto pra mim.
— Ceeerto, e a , heim, ? — sorriu novamente e se arrependeu, voltando à careta de dor.
— O que tem ela? Lésbica.
— Bi. — Bradcorrigiu. — E ela não namora ou fica com alguém há muito tempo... Desde que a vimos sair da casa dos seus pais.
— Nossos pais se conhecem há anos, e só. E tanto faz. Eu não gosto dela.
— Só isso?
— Só.
— É mesmo?
— Aham.
— Legal então, liberada, . — levantou a mão para um high five com , que acabara de estacionar o carro.
— Eu não ligo. — resmungou, saindo do carro.
— Hm, aí tem coisa. — Bradfalou de um jeito conspiracional e concordou, também saindo do carro.
Saí em seguida e nos despedimos indo cada um para sua "casa".
Pode vir, Morfeu.
... Eu estou me sentindo idiota, mas isso é frequente. E quem se importa, né? Depois desses últimos minutos, até eu estou duvidando da minha própria inteligência.
*
Elas não vão perguntar, não vão...
— Boa noite.
— Bom cochilo, você quis dizer, né? Porque quatro horas de sono...
— Cala a boca, . — resmungou, já deitada no colchão que lhe era predestinado.
— Feliz aquela que já dorme em paz na cama de hóspedes...
— Vai à merda, . — entrou no banheiro onde eu estava, olhando diretamente para o espelho.
Ri, jogando minha escova de dentes na nécessaire.
— Do que você tá reclamando, ? Quase arrancou o lábio carnudo do só pra você! E muito provavelmente todos os hormônios dele fizeram uma bela orgia só com esse simples ato. — falou, olhando para mim com puro deboche. Ela até colocou o adjetivo antes, claramente me debochando. Ela gosta de "falar difícil" pra me debochar, já superei isso. É bonitinho, na verdade. Seria pior se ela falasse tudo errado só pra me irritar, bem pior.
— O quêêê?! — sentou-se na hora, surpresa. Merda.
— Eu não sabia que você tava a fim dele, , desculpa, era o jogo!
— Eu não tô a fim dele, , nem sou tão idiota ao ponto de gostar de um cara que só tem olhos pra você!
Não vou mentir, minha estima deu sinal de vida e sorriu. Era bom saber que não estava imaginando todos aqueles sinais que dava.
— O quê? Não brisa, ...
Mas não ia assumir em voz alta. Não ainda, pelo menos.
— Tá. — ela rolou os olhos e voltou a se olhar no espelho.
— O quêêê?! — repetiu, ainda incrédula com o que havia perdido.
— Aquela garrafa de vodka idiota apontou pra mim e pro quando você saiu e o também. Foi só uma mordida no lábio dele, só. — passei confiança nas palavras, numa tentativa falha de me convencer do que dizia.
A verdade é completamente inconveniente, porque sem sequer saber quem é direito, minha pura vontade é de realmente me atracar com ele de uma vez, o que vai contra TUDO que eu acreditei até hoje. Contradição, nããão!
Então ninguém precisa saber disso. Vê se não espalha.
— Huhuhuhu... — riu com a mão na frente de sua boca.
— Dorme, . Boa noite. — deitei na cama e peguei no sono antes de sequer ver deitar também.



(Drama Queen — Green Day)

A manhã estava sendo maravilhosa. Quer dizer, dormir duas aulas seguidas na escola sem sequer acordar no intervalo dessas aulas podia ser algo muito revigorante. Principalmente quando os professores não percebem e você não ronca ou faz qualquer coisa humilhante do gênero enquanto dorme. Acordei com outro humor, mal me lembrando de como fora a manhã, que agora parecia um enorme borrão na minha memória.
acordou bem de manhã, afinal, ela dormiu mais que todo mundo. E como agradecimento, ela anotou a aula pra mim. Fato que era um milagre ela não ter dormido em uma aula de Literatura, tinha algo de inusitado acontecendo ali.
Todos estão a paparicando por causa do desastre na festa ontem, a propósito. Imagino como não devem estar paparicando . Ok, talvez não estejam paparicando ele, não sei, mas a tá com fogo na bunda, tenho certeza que ela tá louca pra falar com o . Estávamos sentadas ainda, com a sala vazia, e eu me virei para ela.
— Quem você é? — perguntei com autoridade.
me encarou assustada.
— Como assim, ?
— Eu perguntei quem você é!
— Ahn, a ...
— Não senti confiança. — mostrei a língua e ela riu.
!
— Mais alto!
!!!
linda, foda e confiante ! Então se recomponha, mulher! E faça o que tiver que fazer com atitude. — sorri e ela me abraçou, saindo de sua cadeira para me alcançar.
Ela nem perguntou como eu sabia o que ela estava pensando.
— Acho que vou esperar até a hora da saída.
— Não se esqueça do Teatro, mudou pras duas e meia.
— Como se eu fosse me esquecer. Nós que pedimos pra mudar! — ela rolou os olhos.
— Nunca se sabe, né. Não sei o que vai acontecer...
escancarou a boca e deu um tapa no meu braço, indignada, enquanto eu ria despreocupadamente.
— Vocês não vão sair pro intervalo?! — a cabeça de surgiu sorridente na porta da nossa sala.
Hah, ela deve ter tirado um belo cochilo também.
— Vaaaamos! — levantou os braços, toda feliz.
— Hm, na verdade... Acho que eu... Vou... Ficar por aqui. Tá muito... Sol, lá fora. — dei de ombros, tentando disfarçar o fracasso de desculpa que havia dado.
me encarou, brava.
— Tá de brincadeira, né?
— Não?
— Roxy! — as duas ralharam, juntas.
— Você tem noção de que a comunidade gay está inteirinha puta da vida com você e sua falta de tempo, certo? — ralhou.
Deixei um suspiro cansado escapar. Agora era a portadora de voz da "Comunidade Gay"? Eu achava que essa era a .
— Por favor, gente, eu só não tô afim, ok? Tô meio cansada ainda, e não resolvi meus horários...
— Tá tudo bem? — perguntou, preocupada. Claro, a sempre prestativa e adorável amiga. Já disse que a amo, certo?
— Claro, claro... Eu só preciso de um momento nerd pra compensar a festa de ontem. — pisquei, e elas rolaram os olhos.
— Como quiser.
Enquanto elas saíam, eu senti um pouco de remorso, mas passou rápido. Eu tinha minhas coisas pra organizar, apesar de ter feito quase tudo durante o horário da monitoria, ontem. Ninguém procurava monitores no primeiro dia de aula, então os responsáveis aproveitavam para explicar como funcionava a monitoria e onde ficávamos, entre outras coisas. Eu, que já sou macaca velha na monitoria, era dispensada de assistir essas explicações. Depois, ficava responsável por ajudar e tirar as dúvidas diárias dos novatos.
Quase uma "Monitora Chefe", haha. Hogwarts mal sabe o que está perdendo.
Eu estava fugindo sem perceber.
Caminhei os corredores, pretendendo chegar na sala de música abandonada, uma sala que havia sido substituída por um estúdio acústico um tempo atrás. Até que cheguei na biblioteca, onde decidi mudar minha trajetória. O programa hoje seria diferente!
Do que eu estava fugindo, afinal?
— Onde você estava? — dei de cara com em frente ao meu armário. Nisso que dá andar lendo, você não vê a encrenca que te aguarda no seu armário.
— Na biblioteca, mamãe. — ri debochada, abrindo meu armário, e guardei o livro que pegara para ler, puxando o de Química um tanto desajeitada e fechando o armário em seguida.
— Hm. — ela aceitou a resposta, pensativa. — E o tava na biblioteca também?
Ri. Comecei a andar para a sala da próxima aula e me seguiu.
— Não tinha ninguém além de mim e da bibliotecária por lá, . Segundo dia de aula, o que você esperava? Até os ultra-nerds tem vida social. E por que o estaria lá? Aliás, por que ele é e não , como o primo?
deu de ombros.
— Ele não tava com os amigos, então... Eu pensei, sei lá...
— Não, , eu não estava me atracando com ele nas estantes da biblioteca. — rolei os olhos e ela deu de ombros.
Não que a ideia não me parecesse agradável, e que eu já tivesse usado esse termo "atracar" umas trezentas vezes na minha cabeça, mas não precisava saber disso.
O professor entrou logo depois de nós e nos sentamos o mais rápido possível, ele não era chato como Marcell, mas conseguia ser mais exigente. Respirei fundo para aguentar uma aula de mols pra cá e pra lá, quando o que eu queria mesmo era continuar o livro que havia pegado na biblioteca.
Pensei em Harvard e ajeitei minha postura, abrindo o livro de Química para começar a fazer minhas próprias anotações da aula, que já havia começado no dia anterior... Antes de ser sequestrada para uma certa festa.
*
— Ah, quando você vai parar de se meter em brigas com garotos maiores que você, ? — parou ao lado do armário de com um sorriso divertido nos lábios.
Dei um passo para trás, voltando para o banheiro masculino antes que me vissem e eu estragasse algo. Que bonito, , muito bonito escutar a conversa dos outros.
Porém, que escolha eu tive? Era isso ou sair e estragar tudo.
Ouvi a porta do armário bater e espiei, vendo encostar-se nele e suspirar.
, eu não estou a fim de briga...
— Nem eu. — ela o interrompeu rapidamente. — Escuta, , eu lembro da visitinha que você me fez no quarto da , e, sinceramente... Obrigada. — ela chegou perigosamente perto de , provavelmente olhando um de seus machucados. — Aquela briga nem era sua. Tá doendo muito?
— Não, não! Só... Ardendo um pouco quando eu falo. Mas já está bem melhor, apesar da coloração. E aquele cara foi um imbecil com você, alguém tinha que fazer algo. — ele deu de ombros. Ok, , pensei que você fosse melhor que isso.
— Me desculpa. — pediu, parecendo cabisbaixa.
— A culpa não foi sua, . — sorriu, acariciando a bochecha da garota com as costas dos dedos. — Eu me meti porque quis, porque me importo.
Ela corou? Corou! Agora sim, !
Caramba, essa garota se recupera muito rápido, nem deu tempo de corar direito e já está com um sorriso debochado no rosto...
— Bem, mas vendo pelo lado positivo, pelo menos assim você sossega um pouco e fica um tempo sem beijar qualquer uma! — piscou e se afastou, mandando um beijo no ar para , que riu sem se importar com os machucados no rosto.
— Você não foi qualquer uma!
Uma risada alta e doce de ecoou pelo corredor enquanto ela saía para o pátio e se encostava no armário com um sorriso idiota nas lábios.
Ok, isso foi um avanço.
*
A primeira aula de teatro é sempre um momento de paz interior incrível. Dinâmicas de relaxamento, seja corporal, vocal ou qualquer outro que exista, costumam desocupar minha mente tão bem quanto um livro, se não mais. Ali não havia família ou faculdade, e eu era extremamente grata ao grupo de Teatro da Ferdinand por isso.
voltara extremamente feliz consigo mesma após a fugida para falar com no corredor dos armários. Muito suspeito isso, eles devem realmente se gostar... Mas ela não me disse nada sobre. E, ao contrário dela, eu não gosto de ficar perguntando tudo.
— Bem, hoje eu tenho uma surpresa para vocês! — Margaret, a professora de Teatro, parou o canto das baleias que tocava por todo o anfiteatro e todos sentaram-se eretos para poder vê-la. — A escola abriu um espaço para aulas de dança, e para começar o professor Victor quis selecionar os seus alunos, como... Um caça talentos! Victor?
O sorriso de não cabia em seu rosto. Rolei os olhos. Um loiro de olhos verdes saiu das cortinas de fundo do palco, com uma calça jeans justa e uma camisa pólo perfeitamente arrumada. Ergui uma sobrancelha. Ele podia ser mais velho, mas sua aparência não dizia mais do que 30 anos.
— Belos alunos você tem aqui, Margaret. — a voz aveludada de Victor fez os pelos da minha nuca se eriçarem, mas pelo menos eu não deixei uma risadinha idiota escapar, como todas as outras garotas deixaram. me encarou com um olhar cômico. Ela também não dera nenhuma risada. — Todos com uma excelente postura... Eu estava observando vocês desde que entraram, espero que não se sintam ressentidos comigo por isso. — ele sorriu serenamente e a onda de risada foi mais longa dessa vez.
Todas as garotas com roupas grudadas, como calça bailarina e blusa regata, e ele ficou espionando? Pedófilo. Aliás, porque não obrigam os garotos a usarem essas calças apertadinhas também? Ok, alguns garotos usam. Aliás, isso aqui é Teatro, não Balé.
— A postura é muito importante no Teatro, Victor. — Margaret respondeu, com um sorriso. Eles estavam trocando flertes ou é só impressão minha?
— E também é para a dança. Então, eu não estou aqui para forçar ninguém a aceitar entrar para o clube de dança, certo? Por favor, quem estiver interessado nessas aulas, levante a mão.
levantou a mão quase antes dele terminar de falar, só faltando pular de alegria. Ela e todas as outras garotas. Menos eu, claro. Eu não tinha tempo para mais uma atividade extra, a não ser que eu abdicasse das minhas noites de sono para conseguir estudar. Fiquei em choque por ver tanta gente interessada só porque o professor é um homem deveras... Atraente. Nenhum dos garotos ergueu a mão, nem mesmo os mais esbanjados. Os novatos, então, mal se moviam. O professor riu.
— Que pena, nenhum candidato masculino? Certo. Margaret, você tem uma lista de chamada com fotos?
— Sim, é claro, Victor. — a professora passou a pasta, sorrindo.
Houve um minuto de silêncio enquanto ele estudava a pasta em suas mãos concentrado.
— Pois bem! , Jillian Stuart e Brenda Bucko... Fiquem à minha direita, no canto do palco. — correu animada para o lugar apontado, junto com Jill e Bree. Victor sorriu para ela. — Sejam bem vindas ao grupo de dança. Agora... — seu olhar voltou para o resto de nós, e, dessa vez, não houve sequer um suspiro, muito menos risadinhas. O pessoal do teatro se ofende muito fácil, haha. — Gustav Heller, Patrick Stones e , fiquem em pé, por favor.
Me assustei ao ouvir meu nome, mas Gustav e Patrick não reagiram tão diferente de mim. Me levantei receosa junto com os outros dois garotos. Victor correu o olhar por nós três rapidamente.
— Vocês nunca sentiram interesse pela dança? Nunca... Dançaram por prazer?
Tive que guardar a risada para mim mesma. Como Victor poderia saber? Margaret devia ter nos entregado. Gustav e Patrick sempre pegavam os papéis principais quando a peça era um musical. Eles eram extremamente bons nisso, até nas festas da escola. Além de serem divertidos. Ele pegavam qualquer papel que tivesse dança. E eu... Bom, eu não era nenhuma negação quando tinha que dançar.
— Bom... Já. — Patrick respondeu, por fim.
— Tudo que eu estou oferecendo são aulas de dança, nada demais. Então, vou tentar mais uma vez... O que vocês acham de assistir três aulas, e se ainda assim não gostarem da ideia, a porta vai estar aberta para você deixarem o clube.
Gustav e Patrick se entreolharam. O que eles são, afinal? Um casal? Suspirei alto. Tenho aversão à pessoas que precisam de outras para tomarem as suas decisões. Não é bonito da minha parte, eu sei, mas convivemos.
— Tudo bem! — andei até , que estava me encarando com o queixo caído.
— Hm, pode ser. — Gustav veio em seguida, dando de ombros.
— O que temos a perder? — Patrick sorriu de orelha a orelha e se juntou a nós também.
— Perfeito! A primeira aula é amanhã, estejam prontos! Mesmo horário, mesmo lugar. Inicialmente estaremos fechados, mas logo surgirão outras oportunidades pra quem quer participar, mas não foi chamado. — ele piscou, todo charmoso. — Obrigada, Margaret. E desculpe o incômodo.
— Oh, imagine, Victor! Pensei que você fosse demorar mais, até...
Ah, por favor.
— Também pensei, mas seus alunos me surpreenderam! — ele piscou para nós e saiu do palco pelo mesmo caminho que entrara.
— Bom, nesse caso... Que tal refrescarmos nossa atuação com um pouco da nossa última peça? Ainda lembra das falas, Hamlet?
Ela se dirigia a mim, e eu sorri enquanto todos riam. Não tente entender o humor dos artistas teatrais, sério. Levantei e peguei uma blusa e uma boina para me vestir fuleiramente de Hamlet.
— Senhora, em tudo vos obedecerei o melhor que possa. — disse uma das falas da peça, encaixando-a no contexto do pedido de Margaret e fazendo todos rirem pra valer, enquanto arrumava meu cabelo para dentro da boina.
*
Acabara de acertar meus documentos na secretaria da escola na companhia de quando um barulho de pessoas rindo chegou aos nossos ouvidos. respondeu antes que eu perguntasse.
— Aqui é o Teatro, eles devem estar em aula, fiquei sabendo que o horário tinha mudado...
A porta estava entreaberta, e eu, curioso como sou, acabei indo para lá, sendo seguido por . Ninguém nos notou, aquela parte estava escura, mas o centro do palco estava muito bem iluminado. O garoto no centro dessa iluminação começou a recitar uma fala que não me era estranha... parou de reclamar do meu pequeno desvio de caminho assim que ouviu o garoto falar, com uma entonação perfeita. Hamlet, era Hamlet que ele interpretava.
— Parece, senhora! Parece não, é. Não sei que coisa é parece. Não é só o meu manto negro como tinta, boa mãe, nem o traje habitual do luto solene, nem o suspirar lamentoso da respiração oprimida, nem o rio caudal que deriva dos olhos, nem a expressão dolorida do semblante, junto a todas as formas e modos e manifestações da dor, que podem pintar o que sinto. Tudo isso parece, porque são ações que o homem pode fingir; porém, tenho cá dentro alguma coisa que passa além das exterioridades; estas não são mais do que o adorno e atavio da dor.
deu um suspiro baixo de admiração e eu virei para encará-lo.
— Eu não sabia que ela tinha uma memória tão fantástica assim... Decorar tantas falas já é um feito enorme, mas continuar lembrando delas tão perfeitamente mais de um mês depois da apresentação final... É realmente incrível. — sussurrou.
Espera aí, ele disse... Ela?
— Ela? Não é um garoto?
disfarçou a risada.
— Ou ela realmente é muito boa no lance de atuação ou é mesmo uma boa lésbica. Acorda, cara, é a .
Voltei o olhar arregalado para a interpretação de Hamlet. Era ela? Não podia ser. Quer dizer, reparando melhor... Seus traços, modificados pela dor do personagem, eram de uma Roxy que eu ainda não havia visto. Alguns fios de cabelo caíam da boina que ela usava, mas o casaco que cobria suas vestes escondiam bem suas curvas femininas. Não podia ser ela. Além de tudo que ela fazia comigo, ainda ia me fazer virar seu fã? Aquela interpretação estava longe de ser amadora, ainda mais se fosse sem treino, como sugerira.
— Oh! se esta carne por extremo sólida pudesse derreter-se, fundir-se, resolver-se em orvalho! Ou se a Eternidade não tivesse estatuído uma lei contra o suicida! Ó Deus!
Ela continuou sua interpretação, e, realmente, sua voz era um pouco feminina, mas ela disfarçava bem, de modo que quem não a conhecesse jamais suspeitaria. Eu senti como se pudesse observá-la recitar Shakespeare a tarde toda, mas logo me puxou para fora dali.
— Você tem que parar essa obsessão que está desenvolvendo por ela, . — advertiu, sério.
— O quê? Você mesmo suspirou admirado ali dentro... — não, estratégia errada. — Não é minha culpa! Não é de propósito...
bufou. É, estratégia bem mais genial essa, parabéns, palmas pra mim.
— Sei. Só estou avisando, , isso não é saudável. Ainda mais se ela gostar. Muitos caras já tentaram algo com ela, mesmo depois de descobrirem que ela era lésbica. E mesmo sem ela corresponder, alguns acabaram bem prejudicados. Imagina se ela tivesse correspondido, o mínimo que fosse. Eu vi ela dançando com você ontem. — eu ia argumentar, mas continuou. — Só estou avisando, primo. Cuidado.
— Ela é uma garota legal, . Que mal tem nós sermos amigos?
— Você quem sabe, . Só que esse não é um bom ano para grandes tragédias, você sabe. E aí, já decidiu o que vai querer na faculdade?
Fomos até o carro de , que esperava por nós com , conversando sobre cursos e universidades. queria Música, e nada no mundo o faria mudar de ideia. Eu já não tinha tanta certeza e considerava Engenharia, pois sou consideravelmente bom com nas exatas. E adorava desmontar e montar as coisas. Parece que esses são dois requisitos mínimos pra Engenharia, se não me engano. Se dependesse dos meus pais, faria Economia ou Administração, mas Engenharia eles já aceitavam. Fomos para casa com aquele assunto, e entraram na conversa, e ficamos comentando os sonhos e desafios que teríamos que enfrentar.
— E então, , onde você ficou no intervalo? — se jogou no sofá de , mordendo a maçã de que havia pego na geladeira de , e ligou a televisão de .
Isso porque ele mora ao lado.
— Eu fiquei... Rondando a escola, só isso. Tentando memorizar os lugares para não me perder. Encontrei uma sala de música no terceiro andar, muito irada.
— Ah, a abandonada? Não é nada perto da nova, coisa profissional aquilo. — deu outra mordida barulhenta na maçã. — Sabe, teve uma época em que nós tínhamos aulas de música ali. Acho que uns quatro anos atrás... Hoje em dia quase ninguém entra lá. Os mais frequentes são a , o e a Roxy. Esses costumam ir lá no mínimo duas vezes por semana.
Meu cérebro deu um loop completo. Então ela gosta de ir lá? O que ela toca? Por que ela deve tocar alguma coisa pra ir lá, né? Dãr, que pergunta. Não vi nem a sombra dela pela escola, hoje. A não ser no teatro, de longe. Não sei se fiquei mais aliviado ou mais nervoso com isso. Adiar nem sempre é a melhor solução. Aliás, nunca é.
— O que eles tocam lá? Só tem um violão velho e um piano...
— Tem um teclado no armário e um saxofone, acho. A sempre está no teclado, mas às vezes arrisca alguma coisa no violão. O você conhece bem, ele toca tudo. — rolou os olhos e sorriu. — Mas a Roxy prefere o violão, apesar de tocar piano também, às vezes. Ela faz miséria com aquela velharia de violão. Era dela que você queria saber, não era?
Olhei nervoso ao meu redor, procurando , mas ele fazia um suco natural com na cozinha, e o barulho do liquidificador devia estar impedindo-o de ouvir nossa conversa. Relaxei.
riu, mordendo mais um pedaço da maçã.
— Bom, eu...
— Relaxa, cara. Não precisa ficar com vergonha. Sabe, a veio falar comigo hoje, no final das aulas. Ela agradeceu por ontem e até pediu desculpa... Ela não falava comigo há meses, o que é estranho demais pra pessoas que costumavam ser amigos de infância.
— Vocês dois eram...
— Melhores amigos desde o primeiro ano de escola, cara.
— Uau.
— Pois é. Mas, continuando, relaxa. Uma hora a Roxy vai falar com você também, é só questão de tempo. Ela deve estar com tanta vontade quanto você. É sério. Ela não teria feito o que fez nem que Deus tivesse descido e mandado, se ela não quisesse. E se ela fez só porque uma garrafa idiota apontou, é porque ela quis. — ele voltou o olhar para a televisão, e eu refleti um pouco sobre as palavras dele.
É o que ela quer, tanto quanto eu? estava me dizendo exatamente o oposto de , e aquilo me deixou ainda mais confuso do que eu já estava. Afinal, quem estaria certo? E como raios eu descobriria aquilo?
Perguntando para ela seria uma boa maneira. Porém, me falta a coragem. Aqui, entre nós, posso assumir isso.
*
Um dia dormindo fora de casa e eu esqueço como esse lugar é frio e desaconchegante.
— Perdão, senhorita , o aquecedor quebrou hoje cedo e os acolchoados das cadeiras ainda não secaram. — a empregada, Antonella, entrou na cozinha, acabando com o meu momento filosófico.
— Tudo bem, tudo bem... Eu vou tomar um banho, ok? — levantei da cadeira e fui arrastando-me até meu quarto, no andar de cima.
Incrível como eu consigo chegar tarde em casa e ainda ser a primeira a chegar. Onde está minha irmã Aimée, com seus cachos loiros? Terá ela ido com mamãe ao shopping ou qualquer outro lugar onde as duas possam gastar algumas das centenas de papai em minutos?
Prefiro meus brechós e lojas sem marca, beijos mil.
A casa deveria ser um lugar de paz e conforto, e não um maldito cárcere. Oh vida. Tenho que parar com essas interpretações de Hamlet, é como se a dor dele consumisse a minha alma. Eu não era capaz de sentir as minhas próprias dores assim tão intensamente. A dos personagens, no entanto...
— Como está sendo a escola? — papai perguntou, quebrando o rotineiro som dos talheres batendo nos pratos.
Aimée começou uma empolgante narrativa sobre sua semana de aula, já que as dela haviam voltado um pouco antes das minhas. Rolei os olhos para a animação dela. Esse tipo de pergunta não costumava ser frequente na mesa, porque perguntar para Aimée sobre a escola tornava uma obrigação perguntar para mim também.
— E você, ? — papai perguntou, após a narração animada de Aimée.
— Normal. A escola abriu um novo curso extra curricular.
— Ah, lá vai você de novo entrar para qualquer coisa! — minha mãe finalmente se pronunciou, com sua voz alta demais, que sempre entregava seu estado de espírito.
— Donna...
— Sem esse tom de petulância comigo, Richard! Escola é feita pra se estudar, essa garota só se desvia dos objetivos principais! Melhorar o curriculum, sei bem!
Quer dizer então que minha irmã pode ser líder de torcida e tudo bem, ela é centrada nos estudos, mas eu não posso fazer qualquer outra coisa que não seja estudar? Ah, entendi a preocupação de mamãe agora. É com a minha falta de beleza, e quando não se é bonito tem que ser no mínimo inteligente. Valeu, mamãe.
? — papai pediu para eu prosseguir enquanto mamãe parecia que ia espumar de raiva.
— Eu não tenho interesse nas aulas de dança, mas o professor responsável foi à aula de teatro hoje e escolheu seis alunos dos trinta. E eu estava no meio dos seis...
— Ah, certo. Só porque alguém te escolheu para alguma coisa...
— Donna...
Ok, eu sou adotada? Ilegítima, talvez? Não? ENTÃO POR QUE ELA ME ODEIA TANTO?
— Ele pediu três aulas para nos convencer a entrar para o clube, nada mais e nada menos. E se eu não gostar, ou atrapalhar minha rotina de estudo, é só sair. — encarei os olhos claros e severos de papai. — Eu quero tentar. Pode ser bom.
— Pois bem, tente. — ele mastigou outra garfada enquanto mamãe abria e fechava a boca em estado de choque. Papai não costumava contrariá-la assim. — Mas não quero que suas notas caiam, não foi para isso que te mudamos de escola. Caso contrário, adeus teatro, dança e handball.
Certo, a única aula extra curricular que eu faço por mero prazer é handball. A ameaça funcionou, papai. Assenti com um aceno de cabeça e os talheres voltaram a ser o único som no ambiente.
— Eu preciso falar com vocês depois da janta. — avisei, me recordando que devia falar sobre meus horários e pedir para ir com o meu carro todo dia, e papai assentiu.
faz volleyball, mas eu preferi hand. Becky é do time da escola também, nós somos as veteranas. O time do ano passado era um arraso, mas nós também somos boas. Afinal, tivémos ótimas professoras. Quase todas conseguiram bolsa na faculdade por causa do Handball.
Após a sobremesa, contei que precisaria do carro diariamente para dar conta de todos os meus deveres. Caridade, visitas semanais em institutos das faculdades e monitorias me manteriam ocupada boa parte da semana. Papai concordou sem maiores exigências, mas mamãe exigiu que eu levasse Aimée junto comigo de manhã, assim eles não teriam que desviar de seu caminho para deixar apenas Aimée enquanto eu já ia pra lá de carro. Tudo bem, eu sobrevivo. Não sei se Aimée gostou muito disso, mas... O que fazer? Será que minha própria irmã conseguiria me odiar mais ainda? Suspirei, já embaixo de minha cobertas, a carta que escrevia meu discurso para a faculdade ao lado, na minha mesa de cabeceira, como se me olhasse. Eu preciso de um professor para me indicar, mas quem? E com esses pensamentos atordoantes, sabe-se lá como, adormeci.



(The Tide Is High — Blondie)

— Hoje você vem com a gente! — me puxou da cadeira com autoridade.
Eu realmente estava planejando continuar minha leitura de "As Flores do Mal", do Charles Baudelaire (o livro que havia pego na biblioteca), mas já tinha minhas suspeitas de que esse plano não daria muito certo. E por que a sala de Geografia era no terceiro andar, mesmo? Tantas escadas pra descer... O sinal do intervalo já havia soado há uns bons cinco minutos, e essa era uma das poucas aulas que nenhuma amiga estava comigo. A solitária aula de geografia política no terceiro andar. Não havia vindo de carro hoje, mas só porque papai queria passá-lo em uma revisão antes de deixá-lo comigo. Estava quase comovente essa repentina importância que ele estava dando para a minha vida. Tudo bem que eu iria levar seu anjo, Aimée, junto comigo, mas pensar que tudo aquilo era por minha causa podia ser reconfortante.
— Espera. — empacou assim que chegamos na escada, e eu trombei com ela.
— O que foi, maluca?!
Ela pediu silêncio, colocando um dedo na minha boca sem nem olhar o que fazia e, consequentemente, quase acertou meu olho. Desviei de uma possível dedada e comecei a ouvir um som de violão vindo do lado oposto do corredor, onde ficava a minha querida sala velha de música.
— Não pode ser o , eu o vi descendo para o pátio. — explicou, pensativa. — Você tá aqui, e eu tô aqui também... Quem será?
Deixei quieta a oportunidade de zoar com sua brilhante observação de que ela e eu estamos aqui e não na Lua, porque uma curiosidade crescia dentro de mim, provavelmente a mesma que crescera nela. Ninguém lembrava que aquela sala existia além de nós.
— Vamos dar uma espiadinha? — sugeri. riu baixinho e me puxou para o fim do corredor. A porta da sala tinha uma janelinha de vidro um pouco acima da maçaneta, nos agachamos ao alcançá-la. Devia ser um garoto, sua voz vinha baixa e quase rouca ao sussurrar algumas palavras com a música que tocava. Aos meus leigos e humildes ouvidos, pareceu Bob , e aquele timbre não me parecia tão estranho...
— No três? Só uma espiadinha, heim? Um, dois, três!
Subimos até nossos olhos conseguirem ver quem estava sentado na minha cadeira com o meu violão. Ok, nem a cadeira e nem o violão são meus, mas quando só você usa algo essa coisa acaba virando sua, mais o menos, não? Não? Ah.
Meu queixo caiu quando meu cérebro processou aquela cena, e me puxou parar baixo ao notar que eu não faria aquilo sozinha. Santo Deus, onde eu me meti?
? Respira!
Peguei o máximo de ar possível e inspirei de uma vez, ficando zonza com tanto oxigênio. Expirei desesperadamente e consegui piscar. Tentei concentrar na piada pronta, "É claro que seria o tocando Bob hahahahah" mas nem a minha capacidade para fazer piadas ruins ajudou muito.
— Uau. Ele... Toca bem, né? — engoli em seco, e me encarou, séria.
— É, ele toca. Vamos descer, agora?
— Eu... Eu acho que... Devia, hm, conversar com ele, pra não ficar estranho, sabe, depois do jogo dos dados... — me praguejei mentalmente por estar soando como se tivesse removido o cérebro de dentro no meu crânio. O que estava acontecendo comigo, afinal?
— Vocês ainda não se falaram depois disso? — fez uma careta.
Não, , eu estava fugindo dele!
— Não, eu não... O havia visto, ainda. E é melhor assim, né, sem ninguém por perto pra evitar que as coisas fiquem mais constrangedoras. - sorri, sem convicção.
— Ah. Então tá, vai lá. Eu estou com fome, vou descer. Tem certeza que está tudo bem?
Assenti com um aceno de cabeça, e ficou em pé, se afastando rapidamente e lançando um último olhar desconfiada em minha direção, antes de desaparecer na escada.
Hm, certo, muito bem, . Você foge disso durante dois dias, e na primeira vez que o vê de novo após a festa, quer simplesmente puxar os cabelos da nuca dele e...
Me ergui com as pernas um pouco trêmulas e respirei fundo antes de girar a maçaneta com delicadeza. Empurrei levemente a porta e me encostei no batente, estupefata com o jeito que tocava. Meu olhar se perdeu no seu perfil, e um suspiro involuntário escapou dos meus lábios.
A música parou no momento em que os olhos de encontraram os meus.
— Hey. — sorri fraco, me desencostando do batente da porta. — Você aqui? Nossa.
Além de lindo, charmoso e gostoso, ainda tem vocação musical? Me fodi, haha.
— Você tá aí há quanto tempo? — ele parecia corado, e eu me permiti achar isso fofo.
— Pouco. Mas o suficiente pra perceber que você toca bem e tem uma voz boa também, parabéns. — entrei na sala e fechei a porta atrás de mim.
— Não, eu não tenho uma voz tão boa, nem afinada... Nunca treinei.
— Você gosta de cantar?
— Como assim?
— Você canta e se sente bem com isso?
— Sim... Muito bem.
— Então, é o que basta. — sorri e sentei no banco do piano, deixando minha mochila de lado.
— Você... Quer? — ele me ofereceu o violão.
— Não, não... Escuta, sobre aquele jogo no fim da festa... Foi só um jogo, me desculpe. Eu não queria passar a imagem errada e... Eu não costumo fazer isso. Na verdade, eu nunca tinha feito isso.
*
Ela riu e ajeitou o cabelo atrás da orelha, um tanto acanhada. Ok, ela estava dizendo que nunca havia mordido o lábio de um cara? É isso? Ela estava tentando me contar que é lésbica? Ok, essa vai doer.
— Eu não estava pensando nada de você, mas o clima ficou meio estranho, mesmo. — fiz uma careta, e ela riu.
É agora que ela diz que só fez porque é lésbica e aquilo não significa nada pra ela. Que eu sou só alguém que ela simpatiza mais que o resto, por isso fez.
— Obrigada, senhor! Alguém inteligente! Eu pensei que ia ter que dizer com todas as palavras, é meio difícil alguém acreditar assim tão fácil! — ela riu mais um pouco, fazendo todo o cabelo atrás de sua orelha se soltar novamente.
Certo, ela tem vergonha de dizer com todos as letras que é lésbica? Estranho, pensei que ela já tivesse se assumido...
— Você não devia ter vergonha de dizer isso.
— Eu sei, mas é tão estranho... Principalmente quando todos esperam uma coisa completamente diferente de você. — o olhar dela se perdeu nas teclas do piano.
Então virou-se rapidamente para mim e perguntou:
— Quer ouvir alguma coisa? — ela sorriu de lado e eu assenti, repetindo mentalmente a mesma frase infinitas vezes.
"Não se apaixone. Não se apaixone. , eu te proíbo de se apaixonar."
Sentei ao seu lado no banco do piano e logo entendi que já era tarde demais para isso. Ela começou a tocar "Don't Stop Me Now", do Queen, e tudo que eu pude pensar foi em como uma garota como ela podia existir e não ser minha.
Sabe, no sentido de estar ali comigo sempre, e viver comigo pra sempre, e não de ser uma posse. Você entendeu. Não sou um babaca.
E não é como se parecesse alguém que pudesse "pertencer" a alguém, também.
*
Um dia nunca pareceu tão perfeito quanto esse para uma aula de dança. Fora da aula, eu já estava quase rodopiando pelos corredores, é. Não me pergunte por quê, mas eu suspeitava de . Talvez tenha sido o peso que eu tirei das costas ao resolver as coisas com ele, ainda não acredito como ele entendeu tão fácil que eu ainda sou bv e não me julgou por isso! Ele sequer pareceu surpreso... Eu pareço assim tão nerd, mesmo?
Quer dizer, as pessoas na Holliang também teriam acreditado nisso facilmente, tem que haver um motivo.
— Beeeeeesha!! — um berro me fez parar na porta para o pátio.
Olhei para trás e reconheci de longe a cabeleira que corria esbaforida para me alcançar.
! — acabei não conseguindo segurar a risada.
— Tá indo almoçar no refeitório?
— Tava, sim!
— Isso mesmo, tava, no passado. Tem dinheiro aí?
— Hm, tenho, sim...
— Ótimo. — me alcançou, mas não parou de andar, segurando minha mão e me arrastando para o lado oposto do refeitório.
— Onde estamos indo, sua louca?
— Almoçar fora, no The Fifties! Com a galera!
— Ah, o Fifties, agora eu entendi por que você perguntou se eu tinha dinheiro... Mas que galera?
— A galera da aula de dança! Todo mundo que foi chamado pelo Victor tá indo pra lá, só faltou você, que novamente sumiu na hora do intervalo! Mas dessa vez eu sei que teve no meio, a te entregou.
— Desculpa? — pedi, com um sorriso amarelo, já ciente de que não seria facilmente perdoada.
me olhou de canto com uma expressão de poucos amigos.
— Amanhã você não escapa, entendeu?
— Senhora, sim, senhora! — bati continência e consegui arrancar uma risada dela, e alcançamos o grupo que nos esperava na calçada da escola.
Um dia muito interessante, mesmo.
— Vocês acham que a gente vai ter que aprender a dançar tango? — a pergunta de Jill se sobressaiu às conversas da mesa.
— Espero que não. — Patrick fez careta.
— Tango? — Gustav encarou Jill, pensativo, e começou a rir logo em seguida.
Garotos.
Eu simplesmente amo o senso de humor deles. Faz sentido? Não faz. E a minha cara.
— Seria legal! Tango é todo... Metido, cheio de postura... — Ashley falou, sonhadora.
Havia mais alunos que Victor havia escolhido no teatro, a maioria ele havia pegado nas aulas de Educação Física, aula que eu não tive ainda, e já é quarta-feira.
— Ouvi dizer que a aula é em dupla. — Violet comentou aleatoriamente. — Pelo menos é assim que ele faz na escola de dança dele. Houve um segundo de silêncio em que todos trocaram olhares.
— Bom, minha parceira tá no esquema! — piscou para mim abrindo a boca à la Madonna, e todos riram descontraídos e empolgados com a aula de dança.
×
"If I could find you now things would get better! We could leave this town and run forever!"
— É aqui! — avisei bagunçando o cabelo de Patrick, que diria o carro.
— Ow, você me deixou cego! — ele reclamou, parando o carro e arrumando a cabelo.
— Obrigada pela carona, querido! — dei um beijo estalado em sua bochecha e pulei pra fora do carro, ouvindo-o rir.
Era mesmo engraçado me ouvir falando "querido".
— Até amanhã, !
Acenei para Patrick e esperei seu carro esportivo sumir na rua para atravessá-la. Ah, por mais cansada que eu estivesse eu ainda estava consciente. Ou seja, não estava louca o suficiente para chegar em casa no carro de um garoto. Ainda mais um carro esportivo.
Comprei um pirulito de morango no caminho, por costume, e fui degustando de seu sabor maravilhosamente artificial pela caminhada de trinta passos até a casa certa. Eu estava descabelada e melada por causa da aula de dança, que fora extremamente divertida. Até os músculos do meu rosto doíam. De tanto rir, é claro.
Victor nos fez correr, pular, saltitar, rodopiar e dar cambalhota e algumas estrelas no aquecimento. Exatamente, isso só no aquecimento. Dançamos meio milhão de músicas do jeito que queríamos no restante da aula. Resumidamente, foi a maior curtição. Até Hip Hop teve, e só por essa primeira aula acho que nem Patrick e nem Gustav vão querer sair desse clube.
E eu? Precisa mesmo dizer?
Abri a porta de casa e entrei, passando direto pela sala, onde a televisão estava ligada em qualquer programa de fofocas quentes sobre Hollywood e mamãe parecia conversar com alguém. E como ninguém respondia, supus que ela estivesse ao telefone.
— Só um minuto, Lyla. , é você?
— Sim. — respondi já no topo da escada, indo o mais rápido possível para o meu quarto.
Já tinha dois trabalhos atrasados e uma lista de dez exercícios de química para fazer, não ia perder tempo ouvindo os desgostos de mamãe.
Mamãe. Como eu ainda consigo chamá-la assim? Ah, é claro, os laços sanguíneos. Não pensem errado, eu a amo. Apenas me estresso com algumas atitudes... Que são muitas. E frequentes. Tipo toda vez que a gente interage.
Um banho quente e bem demorado, por favor?
— Como foi a aula de dança, ?
Aimée engasgou ao meu lado e mamãe parou o garfo na metade do caminha até o prato, enquanto eu tirava os olhos da minha sopa para conferir se papai havia mesmo perguntado o que meus ouvidos haviam escutado certo.
— Muito boa, pai, mesmo.
— Hm, então teremos uma apresentação de dança sua até o final do semestre? — ele molhou a boca com um gole de vinho tinto e cravou os olhos esmeralda em mim.
— C-claro! Eu... Acho.
— Legal.
Pausa. Legal?! Desde quando meu pai diz coisas como legal?! Dessa vez quem engasgou foi mamãe, Aimée já estava ficando roxa ao meu lado. Roxa de raiva. Devia ser difícil demais para ela ver um de seus pais interessados mais em mim do que nela, mesmo que uma única vez na vida. Mesmo eles também sendo meus pais. Vai saber o que se passa na cabeça dela.
Terminei a janta depressa e subi com a sobremesa na mão, alegando ter muita lição para fazer — o que, vocês sabem, é uma verdade —, desesperada para sair dali antes que mamãe me segurasse no chão e Aimée me estrangulasse.
Eu só queria dar play no computador e continuar ouvindo o CD do New Found Glory que tocava antes de eu descer para a janta. Um potinho de mousse de maracujá não durava dois minutos nas minhas mãos, por isso subira com dois de uma vez, sob o olhar de reprovação de mamãe. Ela não disse nada porque papai fazia o mesmo, às vezes até pior.
Mas ele estava um pouco acima do peso, mesmo frequentando uma academia. E eu não achava tempo para engordar na rotina louca que vivia, ainda mais agora, com a dança. A verdade pura é que eu nunca fui boa em comer com a consciência pesada. Aliás, consciência para comer? Essa não sou eu. Também não sou a dona Fastfood, eu aprecio uma boa salada, frutas etc. Mas se dissesse que é por preocupação alimentar, seria mentira. E muitas vezes eu troco a salada por um queijo extra derretido em cima da comida. Hehe.
Dei play direto no teclado e me joguei na cama, no meio de alguns livros, já no fim do primeiro potinho de mousse.
"It was a cold California, even in the summer. She was wrapped in a blanket by the pool, there were rapid statements about life commitments, a sense of heat that I couldn't bare to touch, I couldn't bare it." (Estava frio na Califórnia, mesmo no verão. Ela estava enrolada num cobertor à borda da piscina, havia rápidas declarações sobre compromissos de vida, uma sensação de calor que eu não ousaria tocar, eu não ousaria.)
×
Já na manhã seguinte, Aimée foi o caminho inteiro calada. Grande novidade, éramos apenas nós duas no New Beetle vermelho. Ela me olhou incrédula quando eu liguei o rádio, e me perguntei que tipo de música minha irmãzinha andava ouvindo para não apreciar Queen. Não precisava ser o estilo favorito dela, mas fazer cara feia? Eu precisava resolver aquilo.
— Não sabe que banda é essa? — perguntei, sem desviar o olhar da rua.
— É claro que eu sei. — ela respondeu alto, de prontidão, diminuindo consideravelmente seu tom de voz em seguida. — Não é porque eu não sou tão descolada que eu não vá conhecer uma das maiores bandas de todos os tempos.
Foi a maior frase que eu conseguira arrancar de Aimée desde que ela deixara de falar "Gugu dada". E fizera tanto sentido quanto, eu não havia entendido metade do que ela havia falado. Aquilo me deixou um pouco tonta. Descolada? O quê?
— Perdão?
— Perdão? — Aimée me imitou com descaso, e aquilo acabou com a minha boa vontade de tentar conversar com ela. Devia ter entendido errado, é claro.
A deixei no portão do Middle School da Ferdinand, que era um pouco mais à frente de onde eu ficava, mas ainda era o mesmo quarteirão. Aimée nem olhou para trás, quanto mais agradeceu. Nada que eu já não esperasse. Dei a volta e fui para o estacionamento em frente ao High School. Alunos não pagavam, eis uma vantagem. Atravessei a rua a pé e adentrei os portões da escola.
— A aula de dança foi boa mesmo ou a tá só se vangloriando pra gente?
Fui recebida no pátio por alguns olhares de tédio zumbi clássico dos alunos da Ferdinand, e a pergunta de enquanto rodopiava, anormalmente animada para uma quinta-feira de frio.
— Bom dia, . Eu vou muito bem, obrigada!
rolou os olhos, enquanto eu cumprimentava as meninas com um beijo na bochecha, e finalmente vi Gwen, deixando por último.
— Sim, a aula foi demais! — troquei um High Five com , o que a fez parar de rodopiar para rir.
— Que saco, por que os alunos tem que ser selecionados? Eu também quero! — Ellie emburrou mais um pouco, entre e Gwen.
— Bom, é bem simples, na verdade. — me ofereceu seu braço, e eu enlacei o meu ao dela rapidamente. Estava frio demais para a estação. Era apenas o começo do Outono, certo?
— Ele é só um professor, e não tem como começar com uma turma gigante. Ele não pode pagar outros professores e nem vir mais do que uma vez por semana. — comecei a explicar, resumindo bem o que ele dissera para nós.
— Então ele vai selecionar alguns alunos para treinar e montar uma apresentação bem surpreendente. E assim que isso estiver pronto, nós vamos apresentar para os alunos. — continuou, e eu tive a impressão de que nossas amigas não eram mais as únicas a prestar atenção no que dizíamos.
— E então, se nos sairmos bem, os alunos vão querer fazer essas aulas, e os pais vão ligar na diretoria...
— E aí nós teremos um clube de dança completo na escola! — se empolgou, novamente.
— Praticamente. — corrigi, sendo um pouco chata com a alegria dela.
— Vamos poder participar de concursos!
, não viaja... A gente mal começou as aulas...
— Mas eu sinto isso!
— Certo, besha. De qualquer jeito, a gente já vai ter saído antes disso acontecer.
— Sua boba.
— Vamos para a sala logo, vai, tá frio pra caramba aqui fora!
— Quem manda ficar vindo de blusinha fina e decotada pra escola? — provocou, um tanto azeda.
— Decotada onde?! — Becky riu alto, enquanto eu corava violentamente.
— Tá muito decotada, mesmo? — fiz biquinho, e bateu em minha testa, rolando os olhos.
— A tá só te zoando, besta.
— Hmm, eu achei essa blusa preta de manga cumprida no fundo da gaveta e...
Mais ninguém me escutava, então bufei e cruzei os braços. Todas me encararam, e um "OOOWN" bem alto foi dito em coro enquanto elas apertavam minhas bochechas, curtindo um pouco mais com a minha cara.
— Vamos para dentro logo, assim todos descobrem suas aulas... — , sempre liderando, puxou o grupo para dentro da escola.
Era verdade, a primeira semana era sempre uma surpresa, eles só entregavam o horário fixo na última aula de sexta-feira. Eu já tinha meu horário das aulas extracurriculares, mas nada do horário normal.
Olhei ao redor pela primeira vez e encontrei o olhar de em mim. O frio passou um pouco enquanto eu erguia a mão e acenava com um sorriso para ele, que estava com uma carinha fofa de sono e o cabelo levemente bagunçado pelo vento.
sorriu abertamente e acenou de volta. Eu voltei a olhar para frente, já subindo os degraus da escola.
— Putz, tem mais gente aqui dentro do que lá fora! — reclamou.
— Deve ser porque o clima lá fora está bem agradável, não é mesmo? — falei, sarcástica, enquanto tentava chegar na lista onde meu nome devia estar. Obviamente a lista com a inicial do meu nome. Ouvi muxoxos, mas já estava longe delas. Era incrível a quantidade de alunos que a Ferdinand tinha.
" — Sênior — Educação Física"
— Ah, legal, eu sabia! — ouvi a reclamação de e saí da farofa que estavam aqueles quadros de aviso para achá-la.
— Educação Física? — perguntei, achando-a saindo da muvuca como eu, e ela assentiu. — Tava demorando, né?
— E tinha que ser no dia mais frio da semana, né?
As outras garotas viram reclamando de Geografia e Literatura.
— ADORO Educação Física nesse frio! — saiu da bagunça com um careta de poucos amigos, e eu acabei rindo.
— Dois votos, .
— Três. — concordou.
— Vocês também? — a expressão dura dela se desfez um pouco quando e eu acenamos positivamente com a cabeça. — Bem menos mal!
— Vamos nos trocar, então? — sugeriu, e e eu concordamos, seguindo-a para o vestiário.
— Seus peitos cresceram nesse verão, ?
Corei violentamente, encarando , assustada.
— Não! — meus peitos não cresceram, cresceram? Mas que raio de assunto é esse? Nunca mais venho com blusas justas pra escola.
— Blusas de manga cumprida de deixam peituda, amiga.
— Oh, céus! — choraminguei, novamente envergonhada.
— Você cora muito fácil, ! — ralhou comigo.
— Não coro, não!
Só um pouco, haha...
Maldita puberdade. Por que a gente já não nasce com tudo eveluído, certo? Não, você vai mudando e tem que se adaptar constantemente. Argh.



(Met This Girl — McFly)

— Você também é pouco esperto, né? — riu do lado oposto da mesa.
Parei de olhar e seu colo descoberto por aquela falta de pano em sua blusa de manga longa preta.
— O quê?
— Bem... Farta, ela, não?
— É, não é sempre que ela vem com essas blusas coladas. — comentou, e de novo aquele leão rugiu no meu peito, nervoso com o modo que estavam falando dela. — Ela deve estar querendo impressionar alguém.
Recebi olhares maliciosos, mas me fingi de desentendido.
— E toda vez que ela vem assim é o mesmo alvoroço.
— E sempre parece que os peitos dela aumentaram. — comentou, sério.
— Ok, vocês não precisavam ter dito isso em voz alta. — observei secamente.
— Por quê? — perguntou, genuinamente confuso.
— Porque agora eu sei que provavelmente todos os caras seriam loucos para ficar com ela...
— Se ela não fosse lésbica. — completou, dando de ombros como se aquela fosse uma informação óbvia.
— Se ela não fosse lésbica. — repeti num sussurro e voltei a olhar a escada da escola, na qual ela não estava mais.
Adormeci sem perceber e acordei com cutucando minhas costas um pouco forte demais. Quando percebi o motivo, ela já estava parada na minha frente.
— Isso é café? Obrigada. — tirou o copo com o pingado de café da mesa, sem esperar uma resposta. Mas a cara que ela fez depois compensou as miligramas a menos de cafeína que eu teria em meu corpo até o intervalo. — Ahhh!
, sem orgasmos pela manhã. Estamos atrasadas! — a puxou, rindo do olhar mal-humorado que recebera de volta pelo comentário.
— Vou te trocar pelo , ele é um amigo muito mais legal. Aliás, ! — elas já se afastavam, mas eu ainda as ouvia. — Gostava mais de você quando você não abria a boca antes das nove da manhã!
riu mais à frente, onde esperava as duas, e logo elas haviam sumido.
— Ela sorriu pra mim. Ela sorriu! Vocês viram? — parecia um macaco ao meu lado e devia estar falando de , mas tudo que eu conseguia pensar era a exclamação de prazer que havia dado ao tomar meu café, e sua expressão de deleite...
Aquilo era errado. Eu ia acabar me machucando muito, mas muito mesmo, e muito feio. Além de linda, inteligente, uma ótima atriz e uma pianista e tanto, ela ainda tinha que ser sexy? Com pequenos atos como usar uma blusa mais colada e tomar café? Eu devo ter colocado fogo na mesa inteira da Santa Ceia, colar chiclete embaixo é muito pouco pra merecer todo esse castigo.
— Vamos ver nosso horário, vai. Parece que a entrada deu uma esvaziada, e daqui a pouco o sinal bate.
Todos concordaram e seguiram , me deixando sem escolha. Respirei fundo e tentei controlar a adrenalina que corria solta pelo meu sangue. Amigo. Era isso que eu era, um amigo dela. Eu podia ser isso. Se conseguisse parar de imaginá-la na minha cama dizendo o meu nome com o mesmo tom que ela usara ao tomar meu café.
Maldito café.
*
— ADORO usar shorts nesse frio! — declarou quando acabou de vestir o uniforme da Educação Física.
— Duas. — respondi, sem tirar os olhos do espelho e a concentração no rabo de cavalo. Já tentou prender um cabelo comprido, do tipo que bate na sua cintura, em um rabo de cavalo? Não? Pois é, é difícil. Por isso eu vivo fazendo coques (que mais parecem um ninho de passarinho) desleixados, e assim vamos.
Como diz a sabedoria moderna, let that shit go.
— Três. — terminou de retocar seu batom rosa claro e desceu de cima da bancada da pia. — Mas, convenhamos, esses shorts nos deixam super sexys!
— Tsss! — zoei e bateu de leve na minha bunda.
— Fica quietinha, peituda. Aliás, o que foi aquele gemido que você deu quando tomou o café do ? — ela começou a rir.
— Não foi um gemido, sua... Tábua!
— Gemido, ? Que apelativo. — aproveitou para me zoar, e é quando isso acontece que eu devo ficar preocupada. — Ah, chega! Somos lindas e gostosas mesmo, fazer o quê? Agora, vamos para a quadra! — ela nos puxou para fora do vestiário, o local estava um pouco menos deserto.
Ficamos jogando basketball (com fugindo da bola várias vezes), até que a professora chegou. Ela passou um alongamento comum e nos mandou correr meia hora, o que não foi nada bom. Não havia treinado corrida nas férias, no parque municipal, como costumávamos fazer. Estou um pouco fora de forma, assumo, mesmo com a academia em casa.
— Meia... Hora? Ela... Só... Pode...
— Estar louca. — terminei a clássica frase de .
Não era a primeira vez que ficávamos juntas em uma aula de Educação Física.
— Ela tá é querendo matar a gente. — corrigiu, e sua respiração estava bem melhor que a de . não tinha moral para reclamar, nós corríamos toda semana durante o período letivo, pelo menos duas vezes, e uma delas era num parque ali perto.
— Vocês reclamam e reclamam, mas se formos reparar... Estamos liderando a corrida feminina. — observei. Havia apenas três garotos na nossa frente, que corriam sem problema algum. Provavelmente eram do time de futebol americano da escola.
— Exato, e eu não aguento mais, vou diminuir a velocidade, garotas. — pediu desculpas com o olhar, e eu fiz minha parte com uma carinha de dó. — Nem vem, !
— Saco.
me cutucou.
— Vai mais devagar, ! Eu sei que você faz handball, mas o meu esporte tem um espaço mais limitado pra eu correr, sabe?
— Mas, ...
— Cinco minutos, quero ver todo mundo correndo!!! Disparem! — a professora berrou no seu alto-falante.
— Ahh, okay! — rolou os olhos e aumentou sua velocidade.
A segui quase rindo.
— Pelos personagens que morreram em Harry Potter? — brinquei, como de costume.
— Só se for pelo elenco inteiro de Harry Potter! Incluindo os que só serviram de paisagem.
— Pode ser. — respondi, já rindo.
me encarou, travessa.
— Em primeiro lugar?
— Vamos pisotear esses franguinhos!
— Fechado!
E rimos mais um pouco, antes de iniciarmos uma corrida desvairada para passar os alunos que estavam na nossa frente.
Dá pra imaginar o nosso estado no final dessa corrida? Fios de cabelo soltos, bochechas extremamente vermelhas, no melhor estilo pimentão, respiração arfante... E nossa primeira parada não foi o bebedouro; foi o chão, mesmo.
— Santo Deus! — consegui dizer, mesmo sem ar para tal ato. Meu peito subia e descia violentamente, na tentativa inútil de se recuperar. Meus músculos queimavam, rígidos.
— Aleluia... Irmã! — arfou do meu lado, um tanto risonha para quem estava quase morrendo.
E então ela começou a rir, e quando eu percebi, estava igualzinha. Culpe a adrenalina em excesso pela corridas, nós não somos TÃO estranhas assim.
— Somos duas loucas! — me apoiei nos cotovelos, tentando ver alguma coisa.
— Somos mesmo. — tentava parar de rir, ainda jogada no chão.
— Cadê a Louwalda? — soprei uma mecha de cabelo do meu rosto que estava me deixando um tanto vesga e continuei a busca por .
— Não tá no meu bolso!
Fuzilei com o olhar e meus braços cederam, me obrigando a deitar no chão novamente. Porém, não antes de finalmente avistar conversando animadamente com algum garoto do nosso ano, Erick ou Derek, não sei.
Pra variar.
, para de rir! — tentei acertar um tapa nela, em vão.
— Certo, acho que algumas alunas se empolgaram demais — a professora lançou um olhar de reprovação, o que nos fez rir mais —, porém isso não livra ninguém da aula. Andem, quero todos no centro da quadra para a divisão dos times!
— Jogo de quê, professora? — uma garota perguntou, Yve ou... Ah, deve ser Yve mesmo! E se não for, agora vai ser.
— Handball!
— OPA! — levantei do chão num pulo, enquanto ria mais um pouco e a professora nos ignorava.
Ela nos ama, mas digamos que o humor dela costuma ficar bom só depois das 9h, também.
Ajudei a se levantar, e nós nos juntamos ao resto da turma. Sim, ainda rindo. Os times começaram a ser escolhidos.
— Puxa, vocês correm!
Virei automaticamente na direção da voz para confirmar se aquele timbre pertencia a quem eu pensei que pertencia. Bingo.
— Hey, você!
— Ho, eu! — sorriu abertamente para mim, e eu tive um colapso cerebral.
Porque em milésimos de segundo eu me arrependi de ter corrido tanto, passei a mão pelo meu rabo de cavalo bagunçado, considerei me esconder atrás de e gritei mentalmente por um espelho. Tudo tarde demais, ele já havia me visto. E devia ter me visto correr, ainda por cima. Fui assolada pela vergonha.
Uma sensação completamente nova e estranha, eu realmente nunca tinha me preocupado com minha aparência, e que se algum garoto fosse gostar de mim, que não ligasse pro suor pós Educação Física! Mas, calma, eu sempre tomo banho depois dessas aulas, ok.
O jeito que cada célula do meu corpo desejou parar no tempo para eu poder me arrumar foi incrível, como se a necessidade dele me achar bonita em tempo integral fosse vital para a minha sobrevivência. Porém, antes que eu respondesse qualquer coisa ou simplesmente gritasse e saísse correndo dali, o meu nome foi berrado.
, tá ficando surda??! — Becky pulava, agitando suas mãos no ar, brava.
— Ah, nem sonhando, vocês duas no mesmo time. — a professora negou com um aceno de cabeça, percebendo que a que Becky chamava era eu. Tudo bem, né, é um nome super comum por aqui. — , você vai pro time da Noelia.
A professora apontou para Yve. Cheguei bem perto, Noelia é quase Yve, não?
Dei de ombros enquanto Becky encarava a professora com a boca aberta.
— Mas, professora!
— Duas jogadoras do time oficial da escola no mesmo time? Sinto muito, Becky. Escolhe outra pessoa logo, vai.
— Tá, okay! O priminho do ali. — Becky resmungou, ainda revoltada, enquanto minhas entranhas reviravam-se.
Becky é uma ótima estrategista, seria uma distração para as garotas dos times adversários. Não como seria para mim, se eu não fosse extremamente boa em esquecer tudo enquanto jogava handball. Não, a estratégia de Becky não era me distrair com , ela sabia que ia precisar bem mais do que isso pra me apagar no jogo... E esse lance de jogos mistos é a parte mais legal da Educação Física, nada daquele negócio de separar times por sexo, genial, desenvolve um pensamento em equipe absurdo. veio para o mesmo time que eu, também, e, por último, . Nós cinco e o tal Erick ou Derek que já estava no time com Noelia antes de eu entrar.
— Quem vai tirar dois ou um? — Sylvie, a professora (pois é, ela tem nome!), perguntou.
Os capitães de cada time se juntaram em um círculo para decidir na sorte a ordem dos jogos, enquanto a ajudante de Sylvie anotava em sua prancheta.
— YES! — Becky saiu do círculo saltitando quando foi escolhida para o primeiro jogo, nem parecendo mais a garota emburrada de poucos minutos atrás.
E, logo em seguida, Noelia saiu.
Certo, adoro jogar contra a Becky. Na verdade, eu estou sendo irônica, é difícil lembrar que ela não é do meu time na maioria do tempo, ainda mais se ela pede pra eu passar a bola. Aposto que ela nem faz isso por maldade, certeza que ela também esquece. Mas tudo resolvido, porque temos coletes coloridos! Vermelho pros malvados (o time de Becky), azul para os bonzinhos e lindos (o time em que eu estava, claro).
— Ho, ho... — pensei que estivesse ouvindo conversar com seus amigos, e , quando fui surpreendida por seu olhar diretamente no meu. — Vamos ver se a jogadora do time oficial da escola sabe mesmo jogar handball...
O olhar dele estava carregado de desafio e audácia, não consegui deixar de sorrir marotamente. Não preciso dizer o quanto eu adoro um desafio, certo?
Eu tô num time de esporte oficial da escola, sabe?
— Você não perde por esperar, fofo!
Ele riu, deixando a cabeça pender um pouco para o lado, e eu dei as costas, indo até onde meu time se reunia, esquecendo de notar o quão gostoso ele ficava de regata e essas coisas que só iriam me distrair. Ok, talvez eu tivesse tido tempo de passar o olho por esses detalhes.
— Ahh, eu odeio ficar no gol, então esquece... — reclamou.
e na defesa, Derek no gol, Noelia e comigo no ataque, e nós revezamos quem vai pro gol. — passei as ordens com um tom um tanto autoritário demais, deixando todos sem reação. — Alguma reclamação, time?
— Não!
— Jamais!
— Ótimo. — me voltei para o campo e xinguei ao encontrar uma visão não muito agradável.
— O quê?! — perguntou, confusa.
— A Becky tá no gol!
Percebi um sorriso sádico nos lábios mais convidativos do que nunca de , e em seguida me xinguei por ter tido a exata reação que ele esperava. E por reparar nos lábios dele.
E por querer beijá-los.
— E...? — continuou, perdida.
— Escuta, nós nunca jogamos no gol na E.F. porque a nossa noção de gol é muito maior do que a de quem nunca fez uma aula técnica de handball. Com a Becky no gol vai ser bem mais difícil de marcarmos algum ponto...
— Simples, o passe final fica pra você! — sobrepôs, agitando as mãos.
— Que é exatamente o que eles esperam, ou seja, o nosso jogo vai ser altamente previsível!
— Gente... É só uma aula de Educação Física... — Noelia falou assim que conseguiu sair do seu estado de choque.
Gostava mais dela quieta.
— Realmente, costuma ser... — concordou, a vira-casaca!
— É, tá. — rolei os olhos, sem paciência para ter que explicar tudo. — Acontece que eles vão jogar pra valer, vocês querem perder de trinta gols de diferença?
O silêncio foi unânime, e nele ficou decidido: ninguém entregaria esse jogo.
— Cara ou coroa? — Sylvie perguntou, já no meio do campo.
— Cara. — Noelia respondeu, já se aproximando de Becky.
A professora jogou a moeda para cima, enquanto todos assistiam.
— Cara! Campo ou bola?
— Bola. — Noelia pegou a bola e veio até nós. — Certo... — engoli em seco, irracionalmente nervosa. — Nós vamos fazer de tudo pra poder chegar no gol e marcar. Só mandem para mim quando não tiver ninguém me marcando, ou vamos entregar a bola de graça. Eu tenho uma breve ideia de quem vai me marcar, então... a Lyra você consegue passar, certo, ?
, respira. — advertiu, parecendo preocupada.
— Tá, todos aos seus postos!
Andei até o meio do campo com a bola na mão e respirando fundo. Precisava mesmo me acalmar. Precisava esquecer os braços descobertos de , que eram uma visão um tanto agradável demais, e seus ombros, então... Não, eu não ia ter uma recaída dessas. Nós podemos fazer isso, Becky é a maior pontuadora do time da escola, e ela está no gol. Nós podemos ganhar esse jogo. Foquei em Noelia, que estava há alguns metros pro meu lado, na linha do meio do campo. O apito soou e passei a bola para Noelia numa velocidade quase impossível, e antes que eu completasse o terceiro passo da corrida que iniciara, ela estava de volta nas minhas mãos. Eu disparei pelo campo adversário, conseguindo passar por todo o time e chegar no gol muito antes de aparecer. Pulei para arremessar a bola no ângulo que Becky teria mais dificuldade de pegar, e surgiu na minha frente.
Sim, do nada, bem na minha frente, mas não antes de eu já ter arremessado a bola.
Trombei com ele, inevitavelmente, lançando nossos corpos no chão com o impacto. Ouvi um palavrão vindo de Becky, e o considerei uma vitória. Abri os olhos com receio e confirmei que a bola estava dentro do gol, para somente depois ver embaixo de mim.
— É, você tinha razão... É realmente melhor em handball do que eu pensei. — ele sorriu, e eu percebi que suas mãos seguravam a minha cintura.
Respiração falha? Ok.
— Você não viu nada, . — minha voz saiu... Ameaçadora? Sedutora? NÃO SEI, TÔ CONFUSA, FAZ ELE TIRAR ESSAS MÃOS QUENTINHAS E ACONCHEGANTES, MAS AO MESMO TEMPO ÁSPERAS E ARREPIANTES DE MIM, AGORA! — Será que dá pra soltar a minha cintura?
Ele deu seu melhor sorriso ladino sem sequer corar, e eu levantei num pulo. Já estávamos começando a chamar atenção ali no chão. Tentei colocar tudo no lugar, blusa, cabelo...
— Tudo bem aí? — Sylvie perguntou, finalmente notando no chão.
Ele começou a se contorcer, e eu dei um passo para trás, assustada.
— Não, aah! Acho que ela quebrou a minha costela!!
Desfiz a cara de tonta assustada e o encarei com uma expressão dura, enquanto as garotas em volta riam. Ótimo, perfeito! Além de tudo, ele ainda tem que fazer gracinha pras outras garotas.
— Sem essa, hm... — Sylvie consultou sua lista de chamada rapidamente. — . A bola é do seu time, de qualquer jeito. E você a pegou no ar, se alguém merecia uma falta, esse alguém é a , mas ela já fez o ponto, então... Levante-se!
se sentou, e eu notei seu olhar subir do meu tênis até meus olhos. O que ele queria com aquilo, afinal? Ofereci minha mão direita para ajudá-lo a se levantar, e aceitou de prontidão.
— Eu só quero ver o que você sabe fazer, . — ele disse perto do meu rosto, assim que se ergueu, usando o mesmo tom que eu usara ao dizer o sobrenome dele.
Gargalhei alto.
— Desejo concedido, .
Dei as costas pra ele, me sentindo extremamente bem. É claro que eu entendi que ele queria ver o que eu sabia fazer no handball, e não nas outras coisas nada puras que haviam passado pela minha cabeça quando ele encostava em mim. Os níveis de adrenalina, quem sabe? Eles dão esse bem estar, não dão?
levantou a mão direita, e eu a imitei para trocarmos um de nossos clássicos High Fives. Pisquei para Noelia, que respondeu com um sorriso. Eu estava começando a gostar mais dela. Não ia esquecer o seu nome. Espero.
— Acho bom a gente não deixar essa bola passar. — ouvi falar para , atrás de nós, o que me fez rir baixinho.
Pisquei para , e ela se virou, séria.
— Concentração, vocês dois aí! Você também, Derek!
Eu já comentei como consegue parecer absurdamente assustadora quando quer? Somem isso aos tapas ardidos dela. Eu jamais ousaria contrariá-la, e sempre que cometia esse deslize, me arrependia amargamente. E detalhe: isso porque eu sou amiga dela.
— S-sim, senhora! — Derek respondeu, se assustando com a chamada que estava levando sem fazer nada.
— Falou aí, capitã! — foi o único a responder com um tom debochado. E, bem, foi ele quem tirou o bv dela, e outro v também, então... Ele deve saber o que faz.
E o apito soou novamente, impedindo que aquela discussão se prolongasse, mas eu notei o sorriso que dava ao voltar o olhar para o meio de campo.
Kat passou para Talbot, que voltou a bola para Kat — o que não deu muito certo, porque já estava em cima, interceptando a bola e mandando ela para Noelia. E logo aquela esfera vermelha estava em minhas mãos de novo. Disparei mais uma vez pelo campo, mas antes de colidir com , passei a bola para o lado oposto da quadra, onde apareceu para recebê-la.
Freei bruscamente, tentando evitar ao máximo ir para o chão com novamente. Reduzi uma possível catástrofe para um simples esbarrão, e lá estava ele me segurando novamente.
— Acho que você está marcando a pessoa errada. — disse assim que meus olhos encontraram os dele.
demorou um pouco para desviar seu olhar do meu, mas quando ele o fez, eu finalmente consegui fazer o mesmo. Não era possível que aquelas pupilas pudessem controlar os meus movimentos assim! E o perfume dele? Bem na minha fuça, e as mãos dele me segurando junto ao seu corpo...
Assisti comemorar o gol e senti um pouco de dó por Becky. Volleyball deixa os braços bem fortinhos, as bolas que jogava não eram fáceis...
— Caramba, você é mesmo boa. — ele não pareceu chateado nem envergonhado, apenas pensativo.
— Caramba. — o imitei, fazendo graça. — Eu sei disso.
O jogo continuou por mais quinze minutos, que mais pareceram trinta segundos, e todos fomos para o lado de fora da quadra, rindo, usando a grade como apoio.
— Isso foi louco! — Derek assumiu, escorregando para o chão.
— Nem fala, tô morto. — respondeu, mas continuou apoiado na grade.
conseguiu fazer dois belos pontos, eu consegui fazer mais dois além do primeiro, mas foram muito mais sofridos. Teria feito muitos outros, se ele não fosse tão bom em me bloquear. Não estou reclamando, certo? Admito que adorei cada esbarrão que dei nele e cada sensação que o toque macio da mão dele provocou em meus braços e até na cintura, toda vez que ele me segurava com preocupação e acabava levantando minha blusa o suficiente para esbarrar na minha pele... Enfim. Essas memórias não estão me fazendo bem. O fato é que ele estava jogando pra valer, mas nem por isso era um brutamontes e se preocupava em não me machucar. Ou seja, ele não é um completo idiota. Quer dizer, até agora ele está passando longe disso, mas... Nunca se sabe.
Essas atitudes dele me deixavam feliz, por algum motivo infeliz que eu ainda não entendo.



(Starman — David Bowie)

Aquele jogo havia realmente me cansado.
— Você não está cantando vitória pra cima de mim. — observou sabiamente, falando baixo perto do meu ouvido. Ninguém pareceu perceber.
— Água, que tal, hein, cambada? — agitei a turma com um belo sorriso e todos concordaram, repentinamente dispostos a andar. Olhei fundo nos olhos de e sorri pacificamente. — Não sou do tipo que se vangloria ou que gosta de humilhar os outros. Eu aprecio um bom jogo e adversários de estima.
E sem qualquer outra palavra, me apressei a alcançar e chegar nos bebedouros antes do grupo todo. Precisava de água agora. Fingi não notar, mas o sorriso de tinha algo mais que qualquer sorriso que eu já havia visto antes.
Becky me encarava, cheia de malícia.
— O quê? — me fiz de desentendida. O que eu quase sempre era mesmo, então tinha experiência no assunto.
— Vou fingir que, com a minha visão previlegiada do gol, não vi a quantidade de vezes que você e se esbarraram sem necessidade, e nem que em todas elas você espalmou as mãos no peito dele, e ele segurou sua cintura com as mãos enormes e...
— Shh, Becky! — eu, que já estava corando, olhei o resto do grupo para ver se alguém estava perto o suficiente para ouvir.
— E não é verdade? Eu vi, você dois pareciam mais dois ímãs de polaridades opostas do que dois jogadores de times adversários!
E, droga, ela está certa.
— Tá com ciúmes, Beckyzinha? — brinquei, claramente tentando mudar o assunto.
Becky emburrou feito criança, cruzando os braços.
— Tô sim, é claro! É muito injusto, sabe, era pra eu poder encostar em você sem ninguém pensar besteira, porém, se eu encostar na sua cintura a escola inteira vai dizer que nós estamos ficando, ou sei lá! Enquanto o aí, que você mal conhece — ela fez questão de frisar essa parte, eu senti. —, pode te agarrar que ninguém vai dizer nada! Isso tá errado, era pra ser o contrário!!
Diga-me a novidade, Becky, porque eu não estou a vendo.
— Você pode me abraçar o tempo todo, eu quero que se foda o que vão pensar. — fechei o rosto pra ela, magoada com o tópico e sem entender a raiva toda dela.
Bebi água com pressa e voltei para a arquibancada da quadra, que ficava um pouco atrás da grade que a cercava. O time de que jogava, agora. continuava no mesmo lugar, assistindo o jogo. Ou a jogar, não sei. Logo o grupo estava de volta, e vieram todos para a arquibancada, provavelmente cansados de ficarem em pé. ameaçou vir, e eu voltei a assistir o jogo. Estava brava, e talvez ele tivesse um pouco de culpa nisso. Quando vi, Becky já estava na minha frente. Com cara de coitada, a cachorra parou bem na minha frente.
— Não fica brava comigo?
Me preocupei em continuar com cara de má.
— É só um ciúmes besta, , passa... E é ciúmes de amiga! Mas eu estou certa, não estou? Você gosta mesmo dele, né? — arregalei meus olhos para ela, já abrindo a boca pra responder o mais rudemente que eu conseguisse, mas Becky não esperou. — Já tinha passado da hora de aparecer alguém! Só que não é porque você o acha bom que nós vamos achar também, nós vamos ficar de olho nesse rapaz aí. Agora, diz logo que me perdoa, assim eu saio logo para ele vir.
— Oi?
Becky riu.
— Tontinha, ele tá louco pra vir aqui, só deve estar esperando eu sair... Mas isso ainda é bem menos estranho do que a conversando normalmente com o . — ela fez uma caretinha de medo. — Então, me perdoa?
— Tá, tá, eu te perdoo, Becky!
— Yey! — ela deu um pulinho feliz, fazendo suas mexas verdes se espalharem pelo cabelo preto dela. — Hey, Hannah!
E, dito isso, ela saiu correndo para o lado oposto.
Rolei os olhos e vi sentada em cima da grade da quadra, com em pé ao seu lado. Derek, Kat e Talbot participavam da mesma conversa, mas parecia um tanto alheio, mesmo. O cotovelo de relou na coxa de , e ele a encarou um tanto receoso, pedindo desculpas com o olhar. apenas riu e deu um tapinha na cabeça dele, bagunçando seu cabelo mais um pouco do que o normal.
Isso estava mais do que certo. A relação dos dois sempre havia sido gostosa assim, antes deles ficarem, é claro. Eu gostava de ouvi-los falando sobre algum CD ou filme novo, era uma cena digna de se assistir com pipoca — tomando-se o devido cuidado de não engasgar, é claro. Os gostos em comum, o jeito debochado e atrevido... Eles eram meu exemplo de amizade de infância. Era uma pena eu não ter alguém assim, mas só de vê-los juntos, essa necessidade minha era saciada. E uma pena eu só ter visto isso durante dois anos.
O olhar intenso de me tirou desses pensamentos, e eu já pude sentir meu rosto esquentar. Sorri para ele e voltei o olhar para o jogo.
— Você parece pensativa demais.
— Você estava me observando? — voltei a olhar para ele, erguendo uma sobrancelha.
— Talvez. — sorriu de lado, dando aquele ar maroto na sua expressão divertida.
— Você parecia alheio a conversa ali em baixo.
— Você estava me observando? — ele me imitou, fracassando um pouco com a sobrancelha.
Talvez. Mas não adianta tentar imitar meus movimentos com a sobrancelha, né, eu sou boa demais nisso.
— Talvez. — ri sozinha, já que ele não podia ler meus pensamentos (obrigada!), mas logo ele me acompanhava.
— Nirvana ou The Beatles? — ele perguntou, assim que paramos de rir.
— Oi?
— Desde ontem eu venho me perguntando isso, não consigo chegar em uma conclusão. Eu estava indo para Nirvana quando você veio na sala de música e tocou Queen, o que me deixou ainda mais em dúvida.
Tive que rir, mas meu ego estava mais inflado do que jamais havia estado antes. Pensando em mim? Nas bandas que eu gostava? Desde ontem? Me senti verdadeiramente lisonjeada.
— Ahn, certo... Digamos que The Beatles com um pouco de Nirvana, blink-182 e Pink Floyd. Ah! E David Bowie. — falei, séria, e sorri em seguida, vendo rir. — Agora que você já tem uma ideia de o quão estranho é a minha preferência musical, me diga você, !
— Bom, eu... Gosto bastante de Pearl Jam, Bob , Metallica... Mas também gosto de Beatles, a fase mais pesada deles é muito boa. Acho que meu gosto também não é muito menos estranho que o seu.
Eu ri, já que ele não havia dito "musical" e, logo, parecia que ele estava falando do gosto dele, como... O gosto da boca dele, que sorria para mim quase como se me convidasse.
— Você é mais Lennon ou mais McCartney?
— Lennon. E você?
— Eu queria conseguir responder assim tão fácil.
— Você é ótima em fugir das perguntas.
— Não vou responder o que não consigo responder. Mas... Você tem um bom gosto. — voltei a olhar o jogo, notando que sorrira satisfeito com meu elogio.
— Também acho.
O olhar dele parecia que não saía de mim, mas podia ser coisa da minha cabeça, já que eu não tinha como ver isso olhando para a quadra. Eu estava começando a corar novamente. Nada que o estado pós-jogo não disfarçasse, mas conviver com esse efeito que ele tinha em mim podia ser bem difícil. No mínimo, constrangedor.
Fingi que tossia, e disse:
— Convencido.
Ele gargalhou, e esso ajudou a quebrar o meu constrangimento. Era como se ele me visse por debaixo de todos os meus escudos (que não são poucos), era uma sensação engraçada.
*
Hm, eu estou vendo coisas ou está corando por minha causa? Devo estar alucinando. Ou não, meu peito ainda formiga no lugar que ela insistia em espalmar as mãos toda vez que trombava comigo durante o jogo. Definitivamente, o melhor jogo de handball de toda a minha vida. Sem mencionar a corrida de aquecimento. Cada movimento dela era merecedor de admiração minha, e isso estava cada vez mais absurdo. E ela ainda ousava corar? Era judiar demais de mim.
E lá estava eu, caindo feio um patinho.
— Você tem CDs? Ou prefere comprar as músicas pela internet pra ouvir só no iPod e no computador?
Ela me olhou com um brilho diferente no olhar.
— Eu tenho até discos de vinil, caro . E uma vitrola no meu quarto para tocá-los. Funcionando perfeitamente.
Imaginei colocando um vinil do Whitesnake para tocar em seu quarto e me puxando para a sua cama em seguida.
Imaginação fértil da nisso. Não vou nem comentar o que eu imaginei ela vestindo.
— Tem Whitesnake?
Quase ao mesmo tempo que perguntei, quis me bater. Idiota, pensar em voz alta não é uma boa!
— Por quê? — ela riu.
Pensa rápido, pensa rápido, pensa...
— Porque eu tenho! Não trouxe muitos discos de vinil comigo, mas do Whitesnake eu trouxe dois. — pensei rápido, dessa vez, assumam! Me saí muito bem. Ainda mais porque era verdade.
Se não fosse, eu estaria lascado para arranjar esse vinils.
— Mesmo? Eu tenho quase todos, menos o Lovehunter e o Slide It In, que não achei em lugar nenhum pelo preço normal...
Ela só podia estar brincando comigo. Whitesnake? Fala sério. Eu realmente não sabia nada sobre ela. E o pior: quanto mais eu descobria, mais me encantava. E mais as minhas fantasias descabidas se tornavam plausíveis. Ela tinha Whitesnake, afinal, então só faltava ela me convidar para ouvir seus discos no seu quarto e usar um corpete vermelho com... Espera, comecei a descrever como ela estava vestida? Foi mal. Não era a intenção. Os detalhes a gente guarda, não é mesmo?
— Eu trouxe o Slide It In, foi um dos que eu trouxe comigo. Meu pai tem uma coleção incrível de vinil.
teve uma crise explícita de dois segundos, nos quais seus olhos pararam de piscar e ela respirou pela boca, mas logo havia se recomposto.
— Minha casa, às 15h, fechado? Não, esquece, eu tenho teatro... E eu tenho que dar monitoria depois, droga! — ela falava sozinha, estralando seus dedos. — Okay, esquece, só se for sábado à tarde. Pode ser?
Ela olhou pra mim. DIZ QUE SIM, DIZ QUE PODE SER QUANDO ELA QUISER, ONDE ELA QUISER! Até com a roupa que ela quiser; do jeito que ela anda me surpreendendo, não duvido nada que seja até melhor que a cinta liga que eu imaginei. Tô descrevendo de novo? Ok... Você supera.
— Hm, pode sim. E por que não amanhã? — isso, pareça desesperado, implore para ir à casa dela!
— Aula de dança. E eu tenho um trabalho para terminar, ainda. — ela falou como se aquilo fosse um peso enorme, e eu acabei lembrando os dois trabalhos que nem havia começado a fazer.
— Falando nisso, eu não faço a mínima ideia de como fazer aquele trabalho de Literatura. Não sei nem que modelo seguir, cada escola que eu passei funcionava de um jeito...
— Cada escola? Por quantas escolas você passou, ? — ela esboçou um sorriso. — E por quê?
pareceu mais preocupada do que interessada em me julgar e sair fofocando, então eu contei a história da minha vida — versão resumida, de bolso — para ela.
— Mas eu pretendo usar isso como um diferencial para a Universidade. Facilidade para adaptação e conhecimento amplo, essas baboseiras. Minhas notas nunca foram prejudicadas por causa dessas mudanças de cidade, então acho que não vou ter problemas.
sorria genuinamente.
— Hoje, às 18h, eu dou monitoria de Literatura, . Se quiser, aparece na biblioteca e me procura nas salinhas, eu posso te ajudar com esse trabalho. Já fiz o meu, até.
— Mesmo? Não vou te atrapalhar?
Ela fez um som de deboche ao soprar os lábios.
— É monitoria, . É pra isso que eu vou estar lá! Ajudar alguém que eu conheço é só um ponto positivo pra coisa toda. — ela piscou e desviou o olhar para o meu lado.
sentara ali, e junto com ele vinha , , Kat, um garoto que eu não sabia o nome... Enfim, a galera toda. Logo estava ali também, assim que seu jogo terminou, e permaneceu mudo ao meu lado. ouvia seu iPod, parecendo estar em outro mundo, com os olhos fechados e a cabeça apoiada no degrau superior da arquibancada.
Ela é uma garota legal. Uma garota legal demais, e eu não deveria querer forçá-la tanto a fazer o que ela não queria. Lésbica, repeti mentalmente. Você não pode sair por aí mudando as pessoas, . Ainda mais as que são tão bacanas como . Você deve aceitá-la como ela é, e fim. Sorri, um pouco fraco, mas disposto a fazer aquilo por ela.
Eu ia me acertar com o responsável por isso depois. A garota mais incrível que eu conhecia era lésbica? Eles iam se ver comigo.
!
Eu entrava no vestiário masculino quando ouvi meu nome ser chamado. Dei meia volta e encontrei um homem ali perto, aparentemente novo, olhando diretamente para mim.
— Pois não? — questionei, tentando me lembrar de ter visto ele entre os funcionários da Ferdinand.
— Oi, eu sou o professor Victor, e tenho uma proposta para você e pra esses garotos, será que você podia chamá-los para mim?
Estranhei a pergunta, mas minhas dúvidas foram sanadas assim que eu disse seu nome dentro do vestiário.
— Quem ele chamou?! — veio pulando em um pé só.
— Você, o ... — me olhou estranho, mas não disse nada. Disse mais três nomes, pessoas que eu não fazia ideia de quem eram, e então... — E eu.
Nos entreolhamos, e deu de ombros. — Então vamos logo! — liderou o grupo, e o barulho do vestiário voltou.
Victor sorriu alegremente quando saímos do vestiário.
— Então, vocês já devem ter ouvido sobre isso, mas eu estou dando aulas de dança e...
Não pude acreditar nos meus ouvidos.



(Lay, Lady, Lay — Bob Dylan)

estava tendo a melhor manhã da sua vida.
- VOCÊS VÃO DANÇAR? HAHAHAHAHAHA! VOCÊS? DANÇAR?
Era mais ou menos a décima vez que ele falava isso. Eu ainda não estava certo quanto o que achava daquilo tudo de participar de um grupo de dança, não sou bem o tipo dançarino, entende? Eu até sei dançar uma valsa, mas só por causa dos eventos que meus pais davam. Eventos que eu não sinto a mínima falta, mas ainda eram melhores dos que convidavam meus pais para ir. Desses era um alívio absurdo eu ter me livrado.
O caso era que eu não me via numa aula de dança, mas estava certo de que devia ser a mesma aula da qual falara mais cedo. A aula que ela teria amanhã.
Então... Podia ser legal.
- Vamos mudar de assunto, vai, . Já deu. Aliás, você não teve Educação Física ainda, ou seja. - estava um tanto mal-humorado, e eu não faço ideia do motivo.
- Cara, não adianta! Mesmo que ele me chame, eu jamais aceito um treco desse, seus maricas! - só faltava rolar.
- Certo, . Chega desse assunto, então. Falem de como ficou agarrando a o jogo inteiro e de como eles ficaram de conversinha e sorrisinhos um pro outro depois.
Pronto. Obrigado, !
- O quê?! - os olhos de quase saltaram para a mesa.
- Não foi nada. - tentei. Em vão, é claro.
- Pegou pesado, . - riu. - Até a faxineira que passou pela quadra deve ter reparado como vocês dois estavam cheios de toques. Até rolar no chão vocês rolaram!
- E ela não ficou puta?! - parecia inconformado.
- Que nada, ! Ela ria, RIA! Eu jurava que ia ver os dois se pegando quando o jogo acabasse. - estava feliz demais, e eu sabia o motivo.
- É, falou quem ficou todo íntimo com a depois do jogo, né.
- O quê?! Aê, garoto!
Distraí as atenções para e assisti a vez dele de se sentir embaraçado. Consegui alguns minutos de paz com meu café, apesar de começar a ter a certeza de que eu jamais conseguiria tomar um café normalmente depois de... Mais cedo. Você sabe.
E, falando nisso, ela passou. Dessa vez, sem me ver. Estava com o rosto enfiado num livro e sem companhia alguma. Ouvi alguém a chamar e reconheci , perto da maior árvore do jardim. a ignorou, e logo umas duas se juntavam ao coro de .
- VEM AQUI, SUA VAGABA!
- EU SEI QUE VOCÊ ESTÁ NOS OUVINDO!
Voltei a atenção para , que já estava mais longe, e ela permanecia do mesmo modo que antes. Porém, dessa vez, ela segurou o livro com apenas uma mão e levantou a mão livre para fazer um gesto não muito educado para as amigas. É, ela mandou o dedo do meio.
Tive que rir, até ria, gritando um "Ok, sua vadia!", e os garotos me encararam, confusos.
- Rindo de quê? - respondeu, visivelmente desesperado para tirar o foco das atenções de si.
Sinto muito, cara.
- Nada. Acabei de lembrar algo que eu tenho que fazer. Encontro vocês na aula! - levantei, enquanto dava de ombros, e saí caminhando pelo pátio. Enfiei as mãos nos bolsos da minha calça jeans escura e refiz o caminho que havia visto fazer.
Não que eu estivesse a seguindo. Só não sabia onde ir.
Logo eu a avistei. Ela contornava o prédio principal, e eu comecei a suspeitar que ela fosse para a biblioteca. Porém, ela parou, abaixou o livro e olhou para os lados. E então mudou o caminho. E eu assisti com um sorriso, não pergunte o motivo. Ela sumiu atrás de algumas árvores, e eu não fazia ideia do que tinha ali, se é que tinha algo. Me aproximei e fiquei com medo dela me ver e achar que eu fosse um maníaco perseguidor, mas enfim, espiei escondido pelas árvores.
Havia um banquinho encostado ao prédio, mas, fora isso, nada. Só grama. Era um corredor não muito estreito e bem pacífico.
- Como é bom ver, cara indolente, do teu corpo belo, como um tecido reluzente, cintilar a pele! - recitou, fazendo pose e dando ênfase no que devia. Aquilo me pegou de surpresa. - Em tua profunda cabeleira com acres perfumes onda odorante e passageira de azul e negrumes, como um navio que desperta à brisa bem cedo, minha alma sonhando se apresenta a um céu de segredo.
Ela ergueu a mão livre em direção ao céu conforme lia, e então parou. Prendi a respiração, achando que ela havia me ouvido.
- Ótimo, declamando poesias pro nada, bem saudável, . - ela falou para si, desfazendo a pose que havia adquirido enquanto lia. - E agora você está falando consigo mesma, melhor ainda! Como se você precisasse falar para ouvir o que pensa!
Ela permaneceu em silêncio durante alguns segundos, e então ergueu seu livro novamente. Quis rir, aquela garota era ímpar!
- Teus olhos, que nada revelam de suave ou de fero, são frias joias em que se mesclam o ouro e o ferro. Ao ver o ritmo em que avanças, bela em solidão, dir-se-ia serpente que dança presa a um bastão. - abaixou o tom de sua voz, passando a ler para si mesma. Ela ficou de costas para mim, então eu arrisquei me aproximar.
Conhecia aquele poema. Não gosto tanto de poemas, mas meu pai era um grande fã de Charles Baudelaire, e aquela era a sua obra máxima. Eu devia saber quase todos os poemas dele de cor, de tanto ouvi-los de meu pai, então claro que eu o reconheci.
Ela nem percebeu minha presença, e quando a alcancei, ela estava no penúltimo verso.
- Quando a água sobe em profusão pra junto aos teus dentes...
- Creio beber vinho da Boêmia - ela se virou, assustada, ficando com o rosto a poucos centímetros do meu. Senti algo engraçado no estômago. -, Amargo e loução, líquido céu que me semeia sóis no coração!
fechou a boca. E então a abriu. Aí fechou novamente.
- ! - ela finalmente disse, com um leve tom de indagação.
Eu já sorria, mas sorri um pouco mais.
- Meu pai tinha esperança de que eu fosse desenvolver um dom desses, mas nunca fui bom com poemas. Pretendo cursar Engenharia e devo ser o único filho que desapontou seu pai por causa disso. - ri.
Ela se recuperou do choque, dando um sorriso fraco. Nervoso? Não sei. Talvez medo de mim.
- Eu gosto de poesia, mas não sei se tenho esse dom... Já fiz alguns cursos de escrita criativa, mas quero cursar Letras com enfoque em Linguística, em vez de cursar algo para escritores mesmo, como escrita criativa...
- Meu pai ia amar você. - me ouvi dizer, e depois agradeci por não ter dito que talvez meu pai me perdoasse se eu me casasse com alguém como ela.
Isso, sim, a faria correr dali.
- Ele parece ser um cara legal. Meu pai nunca me fez ler Charles Baudelaire, e, provavelmente, gostaria mais se eu fosse fazer Engenharia. - ela mostrou a língua, parecendo se arrepender depois.
- Podíamos trocar de pais.
- É, um dia, quem sabe?
Rimos. Peguei o livro de suas mãos e procurei um poema específico.
- Vamos sentar ali! - ela me puxou para o banco, a única coisa que havia naquele lugar.
- Achei. - me sentei ao seu lado e pigarreei, fazendo um pouco, mas bem pouco, de pose. - Nos porões de tristeza insuspeitada...
Seus olhos não saíram de mim, sua expressão era indecifrável, mas eu declamei as três partes do poema. Devia isso, afinal, havia a visto fazer o mesmo sem pedir permissão. E acabou que bateu palmas com um sorriso, e nós ficamos escolhendo poemas e os interpretando até o sinal bater, indicando o término do intervalo.
E agora a memória dela rindo enquanto eu a fazia rodopiar, lendo um dos poemas, havia substituído a do café.
- Tenho química, agora. Eu acho. - comentei, enquanto caminhávamos de volta para o prédio principal.
- Tenho laboratório de química! Quase. - ela sorriu.
- Tem mais de uma química? - estranhei. Eu não havia reparado nisso
. - Sim! Tem a teórica e a prática. Vem com TEO e PRT pra diferenciar, a gente passa pelo quadro de avisos e vê qual é a sua. Não entendo essa mania que eles têm de só entregar o horário completo na última aula do último dia da semana...
Procurei no bolso da minha calça e achei o papel que havia recebido da secretaria.
- Ah, aqui! E é prática também! - mostrei o horário para ela.
- Yay! Mas que injustiça, você tem o horário!
- Quem pode, pode, né?
Ela deixou o queixo cair e começou a rir, indignada, acertando algumas cutucadas na minha costela. Eu só ri, era isso que a presença de fazia. Eu não tinha uma amizade como essa há um bom tempo, e a última há muito já não era mais a mesma. Nikki, mas essa é uma outra história, para uma outra ocasião.
- Bom, essa era uma das duas aulas que eu não sou amiga de ninguém da turma, até agora.
- Que coisa, eu sou amigo de todos nessa turma, pois é. - brinquei, e ela mostrou a língua. - Você vai ter que disputar com todos pra ter a minha atenção.
Claro. Porque ela precisava disputar pela minha atenção. O tempo todo. Com todo mundo.
- Engraçadinho. Enfim, a aula é em dupla, se você não se incomodar, nós podíamos...
foi tão fofa que dava vontade de apertar. Ou rir. Optei pelo segundo, e ela me encarou confusa.
- É claro que eu aceito ser sua dupla no laboratório, . - afaguei sua cabeça, e ela me deu um olhar de pirraça. - Quer dizer, quais são suas notas nessa aula, normalmente?
Dessa vez, ela riu e me deu um tapa no braço.
- Eu é que devia perguntar as suas, mocinho. Minhas notas são impecáveis. Sofridas em algumas matérias, mas ainda assim... - ela suspirou.
- Quais matérias? - perguntei, curioso sobre quais seriam as dificuldades que deixavam aquele rosto bonito com uma aparência tão cansada.
- Matemática e História. Mais matemática do que História, mas às vezes uma enrosca na outra e... - fez uma careta.
- Tá brincando? É sério? E você dá monitoria de Literatura?
- Hm, é... E o que isso tem a ve...
- , eu quero Engenharia. Se você for pela lógica...
- Você é muito bom em matemática? E... Não vai tão bem em Literatura?
- Exato. Não só vou muito bem, como já fiz muita gente ir bem também.
- Então você está sugerindo que...
- Posso te ajudar, como você pode me ajudar.
- AAAHH MINHA HARVARD, NOS ESPERE! - ela esticou a mão direita para mim bater e eu bati, rindo. - É Harvard que você quer, né?
Entramos no prédio, o pátio já vazio.
- Pode ser. Não tenho uma preferida, mas sendo uma Yve League, tô feliz.
- E quem não estaria? - ela rolou os olhos. - Eu acho que ainda surto esse ano, e as aulas mal começaram. É por aqui. Logo ali.
Entramos em um corredor curto, e o laboratório estava no final dele. Realmente não havia ninguém naquela sala que eu conhecesse, , e deviam estar na aula teórica de química. Sentamos em um balcão quase no fundo da sala, do lado com janelas, e nos preparamos para a aula.
vestiu um óculos de proteção transparente, além das luvas e o jaleco, e fez cara de louca.
- Tudo bem eu fazer os experimentos e você anotar? Vou precisar da sua ajuda em algumas coisas, mas você vai anotar mais do que me ajudar. Podemos revezar, uma semana de cada um. - ela sorriu.
Era realmente engraçado vê-la vestida daquele jeito. Einstein sentiria inveja da maluquice que transbordava.
- Por mim, tudo bem. Se você entender minha letra...
- Relaxa, depois dos hieróglifos da , eu entendo até aramaico.
O professor chamou atenção da turma e começou sua aula.
- Eu vou almoçar. Você vem mais tarde, pra monitoria? - parou no final da escada e virou para mim.
- Vou estar na biblioteca, esperando você.
- Okie dokie, . - ela se esticou, ficando na ponta dos pés, e beijou minha bochecha. Exatamente como havia feito no primeiro dia.
Segurei seu braço antes que ela saísse correndo como havia feito antes e devolvi o beijo em seu rosto. Ela pareceu surpresa, mas logo sorriu.
- Até mais.
- Até.
Ela se afastou tranquilamente, dando uma última olhada para trás e acenando. Sorri e caminhei pátio afora. Não havia como negar, aquele estava sendo o melhor dia da semana. Do mês. E vamos parar aqui, porque eu não tinha um dia tão bom assim há um tempo, mas isso vai soar um tanto deprimente.
*
Eu tentei andar calmamente até o refeitório. Um pé depois do outro, espaçados. Notei que prendia a respiração, então a soltei. O QUE FOI ESSE DIA? Havia por todo ele. acenando quando cheguei, cedendo seu café para mim, na Educação Física INTEIRA, no último intervalo do dia, na última aula... E foi TÃO divertido! Ele é uma ótima companhia, sem dúvidas.
Oh, eu estou TÃO ferrada.
Eu acho que isso é uma paixão em potencial. Com muito potencial. O maldito só me encanta cada vez mais, e continua com seus sorrisos pra cá e pra lá. E DECLAMOU POESIAS. PRA MIM. Quer dizer, ok, ele podia não estar querendo dizer nada, mas ainda assim... Um garoto que, ALÉM DE TUDO, conhece poesia. Mesmo que não seja a "área" dele. Estou surtando, eu preciso de... Sorvete. Pra congelar meu cérebro, assim quem sabe eu paro de pensar um pouco. Depois pego um lanche qualquer e como. Isso. Plano brilhante!
Fui até a sorveteria e peguei um pote de creme com morango. Antes que saboreasse a primeira colherada, ouvi a voz conhecida de me chamar.
- ! Aqui!
Fui até a mesa em que ela estava, sozinha, e agradeci por isso. Era difícil encontrar sozinha, mas ela gostava disso. Ela também tinha seus momentos "preciso de espaço", como eu. Acho que todo mundo tem, os meus só são mais frequentes. Enfim. Não tão frequentes assim, também.
- E aí, . Tudo bem? - sentei ao seu lado, evitando assim que ela tivesse que tirar os pés da cadeira na sua frente. A imitei, me esparramando ao seu lado.
- Beleza. Sorvete? Já almoçou?
- Não, mas deu vontade. Quer?
Ela aceitou, e dividimos o pote.
- E você, já almoçou?
- Já, tava morta de fome e saí um pouco antes da aula terminar. Não me olha com essa cara, eu terminei a tarefa antes.
Rimos, e eu senti minhas pálpebras pesarem.
- Tô acabada. E ainda tem amanhã.
- E sábado, querida. Sábado começa o serviço comunitário.
Suspirei.
- Eu quero férias, .
Ela riu, negando com a cabeça.
- Se você já tá assim, eu juro que não quero ver o final desse ano. E como foi seu dia? disse que você estava antissocial no último intervalo. Teve um dos seus momentos autistas?
Respondi, rindo.
- Sim. Estava muito entretida com o livro de poesia que estou lendo, mas o me encontrou nesse momento autista e resolveu autistar comigo. Foi legal.
- Ouch. Ele é uma espécie de Robert Smith bonito e charmoso?
Gargalhei.
- Não, não... Ele não é nada Robert Smith. Ele é bem legal, na verdade. Foi um boa companhia...
Me arrependi de dizer assim que vi a cara de "vou te encher muito por causa disso" que fez.
- Qual é, , diz a verdade! Tá rolando alguma coisa! Me contaaaaaaa!
- Não fala agudo assim! - tampei os ouvidos e levei um tapa clássico de . - Ok, eu assumo! Eu acho que realmente gosto do . - já comemorava, mas eu continuei falando. - Porém, nós mal nos conhecemos, . Sei lá, eu não quero apressar nada. E agora sei que ele é legal e tal...
- Sua safada! Você já tinha gostado dele antes de saber se ele era legal? - ela acusou, e eu corei, fazendo-a rir. - Cacete, , você é tão fofinha!
apertou minhas bochechas, curtindo com a minha pessoa, e eu rolei os olhos.
- Vamos pegar um lanche pra mim e ir pro Teatro, vai. Daqui a pouco dá o horário da aula. - disse, já me levantando.
- E o que você acha que ele sente, ? - perguntou, com cara de sonhadora.
Estranhei. Não era o feitio dela.
- Como eu vou saber, ? Não sei, mesmo. Do jeito que vocês falam, ele devia me agarrar e me beijar, mas o mais perto que ele chegou disso foi... Segurar o meu braço para dar um beijo na minha bochecha. Agora há pouco.
O que me pegou de surpresa e me deixou completamente... Nem sei que palavras usar pra descrever. É, me deixou exatamente assim. Eu, que sempre sei descrever tudo, não consigo descrever algumas coisas que ele me faz.
- Ai meu Deus, ! Um cavalheiro, ele é perfeito pra você! Quer te agarrar e te amar, mas não quer te forçar a nada. Então ele vai lutar pelo seu amor e...
Vez dela de levar uma tapa forte na cabeça.
- Acorda, . Isso aqui é a vida real, tá lembrada? - joguei o pote de sorvete no lixo e entramos na fila para pegar um lanche.
- Nhãnianhan. - ela fez um barulho desconexo enquanto fazia caretas. - Sua cética! Também não é assim, . Pode ser que ele tenha gostado mesmo de você, e não quer estragar nada. Acredita na sua felicidade uma vez na vida, !
- Muito arriscado, .
Fui atendida e pedi um cachorro quente, questionando minha alimentação do dia, mas sem paciência pra me incriminar. Se eu desmaiasse depois, a bronca valeria à pena. Fomos para o Teatro, e eu terminei o lanche antes de entrar, passando pelo banheiro que havia logo na entrada. Algumas meninas já estavam ali, se arrumando para a aula.
Margaret provavelmente diria a peça que iríamos interpretar nessa aula. Como era nosso último ano, uma nova turma de Teatro havia começado, e no primeiro semestre a apresentação seria nossa, e essa turma participaria como ajudante, mas, no segundo, não apresentaremos nada, e o palco será dos novatos. Nem todos do nosso grupo são do último ano, então eles passariam para a turma nova, sendo assim os mais experientes da vez. Era um sistema que funcionava bem, há muitos anos. Aliás, a Ferdinand toda funcionava muito bem.
Nos trocamos e escovamos os dentes, e eu soltei o cabelo. Era engraçado como eu gostava de deixar meu cabelo solto no Teatro, sendo que quase todo o resto do dia eu o mantinha preso. Meu cabelo e eu temos uma longa história de rebeldia e paixão. Não seria surpresa alguma se eu disser que minha mãe é contra cabelos curtos, pelo menos em jovens como eu, seria? Pois bem, ela é. Ela sempre cuidou do meu cabelo para que ele fosse o maior e mais bonito possível, e quando eu criei opinião própria o suficiente para querer diminuir seu comprimento, ela me proibiu de passar de um ponto. Até aqui, ok, aceitável... Apesar de um tanto ditador. O que vai parecer absurdo e inaceitável é o que vem a seguir.
Minha mãe proibiu cada cabelereiro num raio de 60km de cortar meu cabelo mais do que ela queria.
É, isso mesmo que você leu. Não importa como eu peça o corte, eles sempre fazem o mesmo modelo, e cortam no mesmo comprimento. Até mesmo minha franja. Aí você acabou de perceber que minha mãe não é um tanto ditadora, ela é o Stalin de vestido. E, às vezes, eu fico com um pouco de dó pelo Stalin por causa dessa comparação. Haha, ok, exagerei um pouco. Então, quando eu quis repicar, fazer um corte diferente, tirar a mesmice do meu cabelo... Saí igual. E em todo cabelereiro que eu fui, nada. Fiquei possessa, briguei por dias com ela, mas não adiantou. Então eu convivo com isso, até o dia que eu ficar louca de vez e pegar uma faca de cozinha pra cortar meu próprio cabelo.
E, acreditem, eu não acho que isso está muito longe de acontecer. É claro que também existe a opção de eu ir pro México cortar o cabelo, uma opção que consegue parecer mais sensata do que cortar o cabelo sozinha com uma faca de cozinha, mas, enfim, vai depender dos meus níveis de estresse e loucura nessa fatídica data. Por enquanto eu ainda sou muito preguiçosa pra isso.
Descemos para o palco e nos juntamos ao grupo que já se alongava, ao som de alguma música tranquila. Lana Del Rey, reconheci. Podem dizer o que quiserem sobre a música dela dar sono, essa mulher tem uma voz... Eu gosto. Tendo voz, eu escuto, é esse o requisito padrão pra me conquistar. Vide , ele pode não assumir, mas deve ter uma voz linda. Ainda o faço soltá-la. Se bem que seria melhor não fazer isso, não quando eu já estou toda apaixonadinha sem saber se ele corresponde essa loucura toda.
Esquecendo qualquer coisa que tivesse a palavra loucura na minha vida, comecei o alongamento/relaxamento. Sem as duas aulas de Teatro toda semana, eu provavelmente já teria surtado com essa rotina inteira louca.
- Antes de encerrar a aula, eu queria falar duas coisas pra vocês. Uma vocês já esperam, e a outra é novidade. Uma é a peça desse semestre, que eu já tinha dado uma dica para alguns. Eu estava em dúvida, mas, nas férias, decidi; vamos encerrar esse turma com Romeu e Julieta.
Houve uma clássica onda de exclamações empolgadas e palmas. Eu suspirei. Margaret continuou seu discurso.
- A novidade que vocês não sabem é que dessa vez nós vamos abrir a inscrição para todo o último ano. Todos os seniores da Ferdinand poderão se inscrever para um papel na peça, desde limpar o chão até o papel principal.
E aí veio a onda de reprovação. Margaret aquietou a todos pacientemente.
- Vocês não deviam se preocupar, nenhum incompetente vai pegar um papel principal. A ideia é fazer uma produção bem rica, pra finalizar o ano de vocês com essa boa memória. O projeto já foi aceito, e a partir de amanhã as inscrições começam. Então vou passar o papel pra vocês, e vocês vão começar essa lista de inscrições. Aaron?
Ela nos chamou um por um até sua mesa, onde os papéis estavam. Eu gostara da ideia de abrir a peça a todos os seniores, seria legal, mas os artistas mais sensíveis da turma ainda não estavam 100% convencidos de que aquilo era uma boa ideia. Não importava, ia acontecer. E no final, todos amariam. Era sempre assim.
- ? - Margaret me chamou, e eu fui.
Chegando à sua mesa, vi vários papéis diferentes. Havia os de suporte, cenário, vestimenta... E aí tinham os personagens terciários, secundários e principais. Margaret empurrou o último pra mim. Fiz menção de reclamar, e ela já me cortava.
- Não estou te dando escolha, . Assina aí. Só que dessa vez vai ter pelo menos um beijinho, não adianta me ludibriar. É Romeu e Julieta, !
Eu estou começando a me perguntar como Margaret vai viver sem a minha pessoa no seu grupo de teatro. Nos últimos três anos, fizemos seis peças oficiais para a escola. Nessas seis peças, quatro papéis principais foram meus. Por insistência de Margaret. Não era à toa que algumas pessoas não gostavam muito de mim ali, eu tirava a chance delas de... Brilhar. Enfim. Assinei o papel de inscrição para Julieta, que já tinha três assinaturas, e voltei para o meu lugar.
Quando aquilo acabou, Margaret nos dispensou, e eu fui até ela.
- Romeu e Julieta, mesmo? - questionei, e Margaret riu.
- Está dizendo que Romeu e Julieta não está à sua altura, ?
- Não! É só que... É muito previsível. É a obra mais conhecida, é a história mais mastigada...
- E é a mais difícil de ser fiel, . Nós vamos fazer a peça com que Shakespeare sonhou ao escrever Romeu e Julieta! Você vai ver, vai ser épico!
Acabei rindo com a convicção dela e resolvi deixar quieto.
- Aliás, ... Você sabe quem é aquele garoto sentado no final do teatro, perto da porta principal?
Olhei para onde Margaret havia descrito, mas a pouca iluminação do lugar dificultou minha tarefa. Notei um sorriso, com direito a dentes, e fui automaticamente levada a sorrir.
- Eu acho que é um colega meu.... , ele é novo aqui na Ferdinand. - expliquei, voltando a olhar para Margaret. - Ele está ali há muito tempo?
- Hm, entendi. Não, só alguns minutos. Bem, eu vou indo. - ela deu um beijo estalado no ar, pegou suas coisas e saiu pelo palco.
Estranhei, normalmente Margaret saía por trás, passando antes por sua sala. Alguns olhares a acompanharam, mas logo perderam o interesse. E eu ia fazer o mesmo, quando vi o garoto que parecia ser levantar.
Margaret fico de frente para ele, e eu o observei ficar agitado e tranquilo depois. Margaret foi breve, e saiu rindo, passando pela porta principal para sair.
Parei de olhar antes que percebesse. Devia ser mesmo . Levantar porque a professora vai passar por você e ficar preocupado em desagradar por estar ali sem saber se podia? Tinha que ser .
Eu convivo algumas horinhas com ele e já acho que o conheço a vida toda pra saber desses detalhes, né? E ficar adivinhando o motivo pra ele ter ficado agitado... É, essa sou eu, não posso fazer nada contra o modo que meu cérebro funciona. veio até mim se despedir, porque ela tinha algum compromisso e ia se atrasar. Já basta eu ter que lembrar a minha rotina de cor, não vou decorar as das minhas amigas também. Então ela foi fazer algo, e é isso aí.
- Ah, ! Ainda não fizemos nossas corridas no parque! Combinamos os dias depois? Acha que vai dar pra manter os dois dias?
Temos uma academia naquele lugar que eu chamo de casa, mas pelo menos uma vez por semana eu preferia correr ao ar livre. também, então íamos juntas.
- Acho que sim, mas com certeza pelo menos um dia dá! Depois vemos!
E dizendo isso, ela foi. Peguei minhas coisas e me troquei na coxia, mais rápida que o normal. Me despedi com um aceno das poucas pessoas que ainda estavam ali e subi. estava de pé, ao lado da porta principal.
- Tudo isso é vontade de fazer o trabalho de Literatura? - brinquei, dando um abraço nele.
Ele devolveu o abraço antes que eu me afastasse, apertando de leve meu corpo contra o seu. Estou descartando abraços, de agora em diante, porque eu não me lembrava de um abraço de três segundos que havia sido tão bom quanto esse. Quando quiserem me abraçar, peçam para fazê-lo.
- Acho que desespero é uma palavra muito mais adequada. Eu dei uma olhada na internet em casa e surtei, poucos lugares falavam do tema e cada um falava uma coisa...
Me permiti gargalhar.
- Primeiro erro comum de todo novato da Ferdinand, procurar informações para os trabalhos na internet! Parabéns, você foi iniciado. - dei tapinhas nas suas costas, e ele suspirou aliviado.
- É comum, então? Ok, me sinto bem melhor agora.
- É, sim. Nenhum trabalho por aqui é resolvido assim, só um bom livro pra nos ajudar. Por isso a biblioteca daqui é tão maravilhosa; se ela não fosse, ninguém entregaria os trabalhos feitos. Eu tenho até alguns livros preferidos que fiz questão de comprar, mas é desnecessário, a biblioteca sempre oferece um bom livro. Quer dizer, a Mylla, que é a bibliotecária da Ferdinand. - Por algum motivo desconhecido, ele riu junto comigo. Talvez ele estivesse sendo educado e simpático. Como mesmo dissera, um cavalheiro... - Então, vamos? Eu ainda tenho dez minutos pra chegar lá, queria comprar um lanche antes, só pra garantir que não vou desmaiar te ajudando.
- Sem problemas, eu estou com um pouco de fome também. - sorriu.
Eu comecei a ter consciência de que cada vez que ele sorria desse jeito, minhas reações retardavam em alguns milésimos de segundo, nos quais eu observava seu sorriso antes de fazer o que pretendia. Vou considerar um impulso, totalmente involuntário.
Fomos para o refeitório rindo, contava sua aventura pesquisando na internet, e eu ia acabar chorando de tanto rir. A atendente da lanchonete nos olhou estranho, mas isso era compreensível, já que estávamos meio corados e rindo, dizendo coisas que sem o contexto não fariam sentido algum. Comprei um lanche natural, e pediu o mesmo, e fomos assim para a biblioteca.
- Então, nesse texto, que era o que mais fazia sentido, estava escrito "sem fontes" no final. O cara tirou tudo aquilo de onde, do mundo da imaginação? - alterava sua voz para demonstrar escárnio, e eu já não aguentava mais rir.
Paramos na porta da biblioteca, e eu respirei muito fundo. - Mylla é um amor, ela é extremamente prestativa... Quando você respeita o silêncio da biblioteca. Sem piadas, . - brinquei, e ele bateu continência. Engoli a risada, apenas sorrindo. - Boa tarde, Mylla. - cumprimentei a bibliotecária no tom suave de sempre, e ela abriu seu melhor sorriso para mim.
- Olá, ! Trouxe companhia, hoje? - Mylla levantou e me entregou uma chave. Ao contrário do que esperariam, ela não usava um óculos fundo de garrafa ou tinha cara de louca. Mylla tinha um senso estilístico ímpar.
- Esse é o . , Mylla. - os apresentei, e Mylla apertou a mão de por cima do seu balcão. - Ele é aluno novo, Mylla, e já tem um trabalho de Literatura pra fazer.
- Ahhh! - Mylla se pôs a fuçar em sua mesa e puxou um papel de lá. - Aqui, querido. Sênior, certo? Esse é um esquema básico de trabalho, o mínimo que é exigido. No final tem alguns livros que eles indicam, mas eu indico você perguntar para mim o que quer saber, e eu acharei o melhor livro daqui pra o que você quiser saber.
Mylla sorria, mostrando toda a sua simpatia de mulher que havia trocado os filhos por livros. Ela devia ter pouco mais de 50 anos e dois filhos formados. Desde então, seguia a profissão dos seus sonhos integralmente. Ela era a deusa da biblioteca para a Ferdinand, era a responsável por tudo ali, e podia colocar quantos funcionários quisesse para o trabalho duro. Ninguém a negaria nada, a escola sabia o seu valor. Porém, Mylla gostava de estar ali, de ajudar pessoalmente e de cuidar dos livros. Ela tinha dois ajudantes, e só. E uma empresa especializada em limpeza de bibliotecas, que era dela. SIM. Eu realmente gosto de Mylla.
- Muito obrigado, Mylla. - agradeceu, olhando o papel.
- Pode ficar com isso, apesar de que com essa garota do seu lado, eu tenho minhas dúvidas de que você sequer precise de mim algum dia. - Mylla piscou para e voltou para sua cadeira.
Ri baixinho e sussurrei um "puxa-saco" para ela ouvir. Ela piscou pra mim, voltando seus óculos meia-lua de leitura.
- Vem, é por aqui. Mas antes, pega esse livro... Aqui! - apontei o maior dos livros que ele ia precisar, e o pegou. Então o levei até a salinha que eu dava monitoria, e a abri com a chave que Mylla dera. - Seja bem vindo, .
- Muito obrigado. - ele entrou, sorrindo, e eu indiquei a mesa para ele deixar suas coisas.
- Pode se ajeitar aí, eu vou buscar alguns livros. Já volto. - saí da sala, mas voltei um passo. - Sem quebrar nada!
Ele riu, e eu fui atrás de mais dois livros que precisaria, e aproveitei para pegar outros dois para mim. Eu podia pelo menos começar o trabalho de Sociologia.
*
Foi muito mais fácil depois que me explicou como os trabalhos funcionavam. Os objetivos da Ferdinand eram um pouco diferentes do que os normais, sendo que os trabalhos seriam sempre complementos pessoais às aulas programadas. Eu ainda me lembrava da aula de Literatura, então tudo fez muito sentido. Agora eu tinha todo o trabalho em mãos, nas dicas de e nos livros já abertos nos pontos que sanariam minhas dúvidas.
Ela fazia seu trabalho de Sociologia, na minha frente, como uma cirurgiã. Sua precisão era exata, quando ela desviava o olhar do que escrevia, era para exatamente o que ela queria que olhava. Às vezes parava para perguntar se eu precisava de ajuda, mas eu estava bem. Umas duas vezes ela se levantou e ficou do meu lado, avaliando o que eu fazia. Ela até elogiou minha escrita, apesar de deixar claro que sua opinião não era grande coisa. Até parece. Eu peguei seu trabalho para ler, e ela ficou um tanto desconcertada.
A minha escrita podia até ser boa, mas a dela era... Perfeita. A precisão de cirurgiã não era só na aparência, cada ponto do seu texto estava no lugar que nascera para estar. Se ela existisse antes de cirurgia, a expressão seria "precisão de ". Sem exageros. Ela puxou seu trabalho, dizendo que havia alguns erros e aquilo era só o rascunho, e eu tive que sorrir. Tive a impressão de que ela ficou sem reação por um tempo, mas logo ela voltara a sua postura precisa, escrevendo rapidamente no papel à sua frente.
Ninguém apareceu para nos atrapalhar, e minha única distração era ela. Por algum motivo, parecia ficar mais encantadora fazendo aquilo, cada ato seu podendo ser observado por horas a fio sem me cansar. É claro que eu não o fiz, consciente de que aquilo incomodaria e que eu tinha um trabalho bem complicado para fazer.
- Meu horário de monitoria já deu, mas se você quiser ficar mais um pouco, não tem problema. Eu sempre fico, e como já estou quase acabando... O rascunho... Vou ficar mais uma meia hora. - ela avisou, e eu concordei.
- Meia hora é perfeito.
Me concentrei integralmente naquela última meia hora e finalizei o trabalho de Literatura. Assim, com a ajuda dela, seria fácil demais. explicou que os trabalhos podiam ser entregues escritos à mão, mas eles seriam capítulos do que o trabalho final seria. E o trabalho final tinha que ser digitado, nas regras formais de trabalhos escritos. Ela me aconselhou a deixar digitado, e quando os professores devolvessem o trabalho à mão, haveria algumas considerações. E aí era minha escolha já alterar o texto digitado ou deixar para o mês de entrega do trabalho, que seria somente no final do ano escolar. Arrumamos nossas coisas, e eu a ajudei com os livros. Nos despedimos de Mylla e saímos da biblioteca, já eram oito horas da noite.
- Eu tenho que ir, , ou me atraso pro jantar. Já estou meio atrasada. - ela rolou os olhos, sem parar de andar.
- Desculpa por ter te atrasado. E obrigado, mesmo, pela ajuda. - sorri, verdadeiramente agradecido.
Até ia querer aprender o método dela de fazer aqueles trabalhos, eu duvidava que ele tivesse um melhor. Ele e qualquer outro.
- Imagina! Eu ia me atrasar, mesmo. Já estão acostumados. E se eu não chegar, eles jantam sem mim, não é um grande problema. Só não gosto de dar motivo pra ouvir, depois. - ela estava começando a adquirir aquele ar de revolta que a deixava tão... Selvagem. Esquisito, e parece que estou pensando em outras coisas, mas não, era exatamente isso. Como se ela estivesse contendo sua natureza, e quando tocasse no assunto, não havia força que a contesse.
- Família difícil?
- Nem me fale. , sempre que precisar, sabe onde me achar. E eu não esqueci sua ajuda em matemática. - ela piscou, já se recompondo.
- Você sabe onde me achar. - respondi sua piscadela, e ela sorriu abertamente.
- Tá de carro? - ela perguntou, procurando algo em sua mochila.
- Não, vim andando...
- Mora aqui perto?
- Na república que tem sentido Leste...
- Ah, eu sei onde! Quer carona? É caminho pra mim, não vai me atrasar.
- Não precisa, .
- Não, sério, não vai me atrasar em nada. Vamos, tá escuro. - ela sorriu, e eu aceitei, atravessando a rua com ela.
Entramos no estacionamento, e ela mostrou sua carteirinha escolar. O manobrista sorriu, galanteador, mas ela não deve ter percebido, ainda procurava algo na mochila. Só quando trouxeram seu carro que ela finalmente tirou seu celular de dentro, suspirando, aliviada.
- Eu já estou voltando, estava terminando um trabalho. - e sem dizer mais nada, ela desligou a ligação, guardando o celular no bolso do agasalho. - À vontade, .
O manobrista não me deu o melhor dos olhares, e eu quase pedi desculpa, mas ele não devia saber metade do que eu sabia dela, então quem merecia desculpas era eu. Se eu me achava encantado por no primeiro momento que a vi, agora eu já nem sabia uma palavra pra descrever o que sentia. Entrei no New Beetle vermelho dela e coloquei o cinto, observando-a fazer o mesmo.
Nossas mãos relaram, e ela ergueu o olhar pra mim, sorrindo. ligou o rádio antes de sair para a rua. Q104, a rádio nova-iorquina de Classic Rock. Sorri. Ela batucava no volante distraidamente, seu cabelo ainda meio-solto, a presilha que prendia apenas metade do seu cabelo estava se soltando. Enquanto ela escrevia nem um fio de cabelo ficava na sua frente, até a franja fora colocada totalmente de lado. Já ali ela não parecia ligar. Havia alguns carros na rua, parou em um farol e virou para mim.
- Já teve aula de Sociologia?
- Não, deve ser amanhã. Vai ter o trabalho que você estava fazendo, né?
- Sim. É o mesmo esquema pra fazer esse trabalho, só os livros que mudam. Se quiser, te passo os nomes depois. - concordei, e ela ficou em silêncio, parecendo pensativa. - Já foi em algum show?
Iniciamos uma empolgada conversa sobre shows enquanto The Kinks tocava na rádio, ela já tinha ido em tanta coisa - a maioria shows pequenos - que quando dei por mim já estávamos em frente à casa de .
- Qual o seu número? - puxei meu celular, achando a hora propícia para aquilo. Ela sorriu e puxou o seu, dizendo o número e pedindo o meu. - Eu te mando uma mensagem e você salva, não quero te atrasar mais.
Sorri de canto, e ela assentiu, parecendo se perder de novo, mas logo devolvendo o beijo que eu me aproximei para deixar em sua bochecha. Nos afastamos, e eu sorri, abrindo a porta do carro. Saí e dei a volta, ficando do lado de sua porta.
- Até amanhã, . - ela piscou, mostrando a ponta da língua.
- Até, . - acenei e assisti ela ir embora.
É, eu já estava ferrado. Então, por que não aproveitar aquilo?

*Ivy League: são oito universidades (Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pennsylvania, Princeton e Yale) que se aplicam e são reconhecidas tanto nos estudos quanto no atletismo. Para maiores infos existe o google, hahah!

Capítulos revisados por Abby






(Whataya want from me? — P!nk)

Cheguei em casa rápido, cerca de cinco minutos depois de deixar em casa. O que me fez pensar em como a casa dele era perto da minha.
Enfim, queria um banho, e queria apagar as últimas horas de pura "nerdice" minha. Nem no carro eu fui capaz de me tocar, só percebendo o tópico nerd depois de falar. Nerd, nerd, nerd. Retiro tudo o que eu disse, sou a garota mais esquisita e nerd daquela escola. E provei cada pedaço disso pra , hoje. É uma surpresa que ele não tenha saído correndo, mas não vou ficar chateada se ele nunca mais falar comigo.
É claro que não importa o que eu quero, quando pisei em casa, eu tive que jantar com minha família.
- , isso não é horário...
- Eu sei, mãe. Mil perdões. Mas eu fiz todo o trabalho na biblioteca, acabei precisando ficar um pouco mais do que o horário da monitoria exigia. E eu ajudei um colega, também.
- Um garoto? - a ira de minha mãe pareceu diminuir.
- Sim, um aluno novo. É meu dever como monitora...
- Tudo bem, vamos logo para a mesa antes que a janta esfrie mais. - ela respondeu, voltando seu ar ríspido e ditador, dando as costas para mim.
Suspirei enquanto rolava os olhos. Quis dizer que era só ela não tirar a comida da panela, que ela sujava louça à toa, e muitas outras coisas. Porém, me omiti, como fazia 98% das vezes. E jantei com minha adorável família. Dessa vez meu pai não falou nada, então tivemos uma janta tranquila. Subi sem sobremesa, desesperada por um banho. Meu celular vibrou, e eu o puxei do bolso do meu moletom.
"PARABÉNS! Seu número de celular foi sorteado para concorrer a um carro de verdade! O New Beetle pode ser bonitinho, mas, por favor, que carro de criancinha. - Enterprise"
Eu não ri, eu gargalhei. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto enquanto eu entrava no meu quarto. Joguei minhas coisas nos seus lugares e sentei na ponta da minha cama.
"Muita gentileza sua, , mas eu gosto do meu New Beetle vermelho. Vou ter que recusar sua gentil oferta. Pelo menos eu não precisei de carona pra voltar pra casa. - criancinha."
Registrei seu número no meu celular e fui para o meu tão desejado banho, ainda rindo. Quando eu saí do banho, havia duas mensagens.
"Ora, , e como é que eu ia realizar meu sonho de andar num New Beetle vermelho sem parecer gay por ter um?"
"Tudo bem por aí?"
Ajeitei o pijama e respondi, voltando para o quarto.
"Tudo ok, . Tirando um cara estranho que tem medo de parecer gay me mandando mensagens pra roubar meu carro, sem grandes problemas. Obrigada por perguntar :)"
Dei de cara com meu pai, e o sorriso fugiu do meu rosto. Ele me encarou em silêncio por algum tempo.
- Ouvi muitas coisas boas sobre seus textos, , mas me toquei que nunca li um. Você fez um trabalho hoje?
Tive um surto mental. Não sabia o que dizer, não sabia como agir.
- Ah, eu... O que eu fiz hoje ainda precisa de revisão, o de Literatura está bem melhor...
- Me deixe ver o de hoje, provavelmente já vou ter dificuldade pra entender o rascunho. - ele sorriu, sem sua máscara de ferro, quase que... Gentil.
- O-ok.
Peguei meu trabalho na mochila, tremendo, e o entreguei. Achei que fosse desmaiar enquanto meu pai lia minhas palavras, esperando uma reação. Ele jogaria no chão, diria que aquilo era um lixo e me forçaria a fazer Medicina. Porém, papai sorria mais, virando as páginas e balançando a cabeça levemente. E aquilo pareceu uma eternidade, mas não chegou a dez minutos.
- Quando foi que você começou a escrever tão perfeitamente assim, filha? - ele se pronunciou e eu gelei. Filha, e não . Filha. - Tanta técnica, mas a paixão é evidente. Você consegue unir as duas perfeitamente, e até eu, que não entendo muito disso, consigo ver. Agora eu entendo a fascinação dos seus professores, deve ser um deleite ter uma aluna assim. Parabéns, .
Ele ficou em pé e me abraçou, um pouco sem jeito, mas muito esforçado. Quando me soltou, seus olhos pareciam marejados.
- Obrigada, pai. É muito importante, para mim, ouvir isso do senhor... Mas eu ainda tenho muito pra estudar e melhorar.
- Se você diz, você vai. Eu sinto muito por não ter sido de muito apoio nos últimos anos, mas isso vai mudar. Eu tinha uma mente muito fechada, , e acabei não vendo o seu potencial. Com isso você vai trabalhar onde quiser, como quiser. E minha preocupação de pai era essa, filha. Eu sinto muito se não soube me expressar.
Eu ia chorar. Prendi o choro na garganta, mas não conseguiria segurar por muito tempo. E eu tinha que segurar, não ia me mostrar tão fraca justamente no dia que meu pai estava me apoiando. Assenti com um aceno de cabeça e ele sorriu, sussurrando um "Agora vou deixar você dormir". Beijou minha testa e saiu do meu quarto em seguida.
Desmoronei. Caí sentada na minha cama, incrédula. Algumas lágrimas escaparam, mas era felicidade demais pra chorar. As lágrimas que escaparam foram de alegria. Meu celular piscava, e eu deitei, apagando a luz, antes de ver o que era.
"Que abuso! Hahaha que bom, mesmo, eu ia ficar com a consciência pesada."
"Ia ficar? Hahaha Vou dormir, dia longuíssimo. Algo muito louco acabou de acontecer, depois eu explico (se você quiser saber)."
"Mas já? Haha brincadeira, estou indo também. Ok, fiquei curioso. Boa noite, ."
"Boa noite, :) xx"
"xx"
*
- O que você tá fazendo tanto nesse celular? - entrou no meu quarto, curioso.
- Te interessa, mamãe?
Ele revirou os olhos.
- Não, mas onde você foi que só voltou oito horas e não me falou nada?
Sentei na cama, vendo que não teria meu sono respeitado enquanto não respondesse aquilo.
- Eu fui à biblioteca da Ferdinand, fazer o trabalho de Literatura. Precisava de ajuda, muita ajuda.
- Me deixa adivinhar quem te ajudou...
- , não enche o saco.
- Eu sabia, sabia que você tinha ido ver a !
- E qual é o problema? Ela é monitora de Literatura, e eu duvido que alguém faça um trabalho melhor que o dela.
O queixo de caiu.
- Ela te ensinou o método dela de fazer esses trabalhos?!
- Sim.
voou na minha mochila, parecendo ligeiramente desesperado.
- Hey, se você quiser, pede pra ela. Folgado. - puxei minha mochila pra longe dele e bufou.
- Ela nunca deixa ninguém ler os trabalhos dela, muito menos mostra o esquema dela. Talvez eu esteja errado.
- Bom, talvez seja porque eu sou um novato, no último ano da escola. E não acho que ela me mostrou como fazer igual, apenas me ensinou um modo de fazer... Errado em quê, ?
Ele me ignorou e saiu, batendo a porta atrás de si. Dei de ombros e voltei para a cama, me perguntando o que raios vinha acontecendo com .
×
Quando chegamos ao pátio da Ferdinand, naquela sexta de céu limpo, e já estavam na "nossa" mesa. Acompanhados. ria, sentada na mesa, junto com . Eu estranhei, mas não acreditou nos seus olhos.
- Eu acho que vou pra sala de música. Nos vemos por aí.
Ele passou direto pela mesa e pareceu notar, parando de sorrir automaticamente. Eu ando perdendo muita coisa...
- Bom dia. - cumprimentei todos, e ouvi um "Bom dia, !" animado demais para o horário. Sentei ao lado de , para não atrapalhar sua proximidade com , deixando um espaço entre nós dois.
- me disse que vocês estão no grupo de dança também! - comentou, animada, e revirou os olhos. - Você vai, né?
- Acho que sim, ...
- ! - acenou e fui levado a olhar para o portão. - Aqui!
Ao mesmo tempo em que ela nos achou, eu a achei. Ela caminhava até nós com óculos escuros e os cabelos presos de lado, como normalmente. Sua blusa era solta, bege, com uma estampa bem colorida. Por cima, uma jaqueta de couro aberta. Mas o mais diferente de tudo (e bonito, diga-se de passagem) era sua calça. Ela era preta, com rasgos horizontais na parte da frente, da coxa até o tornozelo. E, por baixo da calça, e aí que estava a diferença, ela usava uma meia calça rendada, também preta. Devo ter demorado um pouco para perceber que meu queixo estava caído e recolhê-lo, mas acho que não percebeu. Ela estava de óculos escuros às 7h da manhã!
Reconheci Joy Division no meio das cores de sua blusa, o que era no mínimo irônico já que 99,9% das imagens do Joy Division eram em preto e branco, e decidi que aquela garota era mesmo um sonho.
- Bom dia, cambada reunida! - ela sorriu, tirando os óculos do rosto e fechando os olhos com uma careta.
- Bom dia, vampira. - caçoou, puxando para um abraço sem sair da mesa.
veio gritando na nossa direção.
- Você fez a calça!!! - ela voou em , que ainda tentava se recuperar do abraço desajeitado de .
- Sim! Acordei inspirada. Ficou ok, né? - ela analisou a própria calça, permitindo que todos fizessem o mesmo. Aproveitei, é claro.
- Ficou maravilhosa!! - olhou de perto, maravilhada.
- Gata, arrasou. - deu um assovio.
- Bem legal. - fez um joinha com a mão.
- Muito legal, . Vou ter que te imitar. - assumiu, aprovando a calça com um aceno contínuo de cabeça.
- Todas vão querer te imitar, ficou animal! - até assumiu.
Ela fez um som nasalado.
- Até parece, exagerados. Não é como se eu não tivesse tirado a ideia de um tutorial do YouTube que todo mundo tem acesso.
O pior é que não era exagero. Ela andou até mim e sorriu, subindo no banco e sentando na mesa, no espaço que havia entre e eu. Subi o olhar de sua coxa até seus olhos.
- Bom dia. - falei, parecendo um imbecil.
Por onde andava meu charme, esses dias? Eu costumava ser bom nisso.
- Bom dia. - ela sorriu, parecendo acanhada.
- O que raios aconteceu pra você se animar tanto de manhã, ? - perguntou e voltou o olhar para ela, me deixando observá-la sem pudor algum.
- Ah, história chata... Tem a ver com meu pai.
Até arregalou os olhos, menos eu.
- O que houve?
- O que ele fez?
- Ele lembrou que você é filha dele? - a pergunta de se sobressaiu, carregada de sarcasmo.
- Pois é. Bom, resumo rápido, . - ela vou a olhar para mim, me pegando olhando seu pescoço. É, talvez eu tenha uma tara por pescoços, mas isso é bom, afinal, foi fácil desviar para seus olhos. Talvez ela nem tenha percebido. - Meus pais não se importam comigo há um bom tempo. Desde que desapontei meu pai com a escolha da minha profissão... Enfim, a única coisa que eles faziam nos últimos anos era cobrar as minhas notas.
- Enfim, eles a odeiam. - resumiu melhor. - Agora conta o que aconteceu, Miss Sunshine*.
- Meu pai foi no meu quarto ontem. Ele já vinha agindo diferente essa semana, mas eu não achei que... Ele leu meu trabalho de Sociologia e me elogiou, pediu desculpas, disse que ia me apoiar o máximo que eu quisesse etc. Ele disse que eu ia fazer o que eu quisesse. OU SEJA, ELE CONCORDOU COM A MINHA ESCOLHA DE GRADUAÇÃO!
foi quem a empurrou, mas logo e estavam em cima de também, numa espécie de montinho feminino.
- Eu não acredito!
- Sua bastarda!
- Finalmente, né?! - falou, do topo do montinho, fazendo peso.
- SAIAM DE CIMA, SOCORRO!
só ria, mas eu estava começando a ficar preocupado. Enfim, saiu, sendo seguida por e . Todas riam, e eu notei que o pátio inteiro olhava para nós. , e elas pareciam nem ver. Quando sentou, ela estava vermelha e um pouco descabelada. Ainda mais linda do que antes. Ela ria e ajeitava o cabelo, meio sem ar.
- Isso foi uma tentativa de homicídio EXPLÍCITA. - ela reclamou, recebendo línguas de volta.
- Bom, eu vou indo, mas estou muito feliz por você, gata. - piscou e saiu, indo calmamente até a escadaria do prédio principal.
Lembrei-me de indo pelo mesmo caminho, mas deixei quieto.
- Ué, cadê o ? - perguntou.
- Passou reto por nós, nem acenou. - respondeu mais animado, agora que estava ao lado dele.
- Então, nós falávamos da aula de dança hoje, ! Eles foram chamados também, ontem! A também foi chamada!
nem disfarçou seu semblante, seus olhos chegaram a brilhar. Desviei o olhar para o tênis de , a única coisa que eu não havia reparado. Era todo preto, de cano médio. Voltei o olhar para seu rosto, passando antes por todo o seu corpo - de novo, é - e sorri. Tudo bem, , eu te entendo. Estava verdadeiramente feliz de ter aceitado participar da aula de dança.
*
e jogavam jokenpô por cima da minha coxa. Agora eu me sinto uma mesa. Ok, estava muito engraçado, então eu deixei.
- Ganhei!
- Como? Eu fiz chuvinha! - replicou sua imitação de chuva.
- E eu fiz Odin. Vencedor invicto. - ergueu a mão e eu bati, me contorcendo de rir.
- Não dá pra jogar com você, ! Você rouba muito. - emburrou, cruzando os braços, e apertou suas bochechas, rindo demais para dizer qualquer coisa.
- Assuma que eu sou o Mestre Jokenpô.
Estava doendo rir tanto.
- Vamos logo, tontos, já deu o sinal faz um tempo. - , a mais vermelha de todos, levantou. Puxou junto e cutucou .
Ele finalmente riu, fazendo com que todos voltassem a rir tresloucadamente. Eu nem vi como, mas logo eu estava em pé, tentando recuperar meu fôlego, apoiada em . Ele também respirava fundo, um pouco curvado para o chão, e pegou meu olhar nele.
- Gostei da calça, e da meia calça. - ele, que ainda não havia dito nada, elogiou.
Teria corado se já não estivesse vermelha de tanto rir. A opinião dele importava, e eu já tinha aceitado isso. Aliás, o surto de empolgação para finalmente fazer aquela calça era, na realidade, culpa dele. Eu não era a nerd esquisita, e ia mostrar isso para .
- Serve legal de toalha de mesa? - brinquei, recebendo um sorriso de .
- Em você, sim. - ele piscou e desviou o olhar de volta para o chão antes de poder ver a minha cara de... Tacho. Ou bunda. Não sei bem descrever minha cara de quem acha que recebeu uma cantada, mas não acredita nessa possibilidade.
- Vai cambada, vamos ver nosso horário e correr pra aula. Rápido! - conduziu o grupo, e dessa vez todos foram, sem causar mais nenhuma distração.
Cada um foi até seu respectivo nome, e logo as exclamações começaram.
- Matemática Avançada, alguém? - perguntei, já sentindo meu estômago afundar. Precisava de companhia na aula mais insuportável de todas.
- EU, EU! - veio pulando até mim e me abraçou.
Pronto, era isso que eu precisava. Sorri, já aliviada, até que se pronunciou.
- Eu também.
Ele trocou um rápido sorriso com . EU VI, LALALALALA!
- Tenho Geografia. - resmungou.
- Política ou Física? - perguntou.
- Err... Física.
- Eu também! - e falaram ao mesmo tempo, rindo em seguida.
- Adeus, então, meus caros. - acenei drasticamente, já me afastando dele. Quando digo "acenei drasticamente", tenha em mente algo digno de um Oscar. Haha.
e me seguiram.
Eu acho que ainda não expliquei os horários de aula. Bom, são duas horas de aula, três aulas ao dia. O intervalo maior era anterior à última aula, que era nosso horário de almoço. Os professores permitiam que você comesse algo em aula, mas só coisas que não fizessem barulho e sujeira, como barrinhas nutritivas e lanches naturais. E pouca gente realmente almoçava no intervalo, eu mesma preferia comer algo para distrair meu estômago e almoçar só depois da aula. A cantina tinha umas saladas de frutas maravilhosas.
estava dentro da sala, sozinha, e eu fui direto até ela. Sentei na carteira da frente e me virei, chegando perto de sua cabeça, que estava deitada na mesa.
- ? Tá tudo bem? - a escutei respirar pesado. - ... Fala comigo.
- É o , . - ela nem se moveu para falar, sua voz veio baixa e abafada. - É sempre o , .
Suspirei. É claro, o .
Bom, digamos que tem um segredinho que eu ainda não contei aqui. Como guarda meus segredos, eu guardo os dela. Ela meio que contou pra mim um pouco depois de me aceitar na sociedade LGBT, como uma recompensa por saber um segredo meu. A verdade é que eu acho que ela já estava cansada de não ter ninguém pra dividir aquilo. é hétero, do pé até o último fio de cabelo. E ela sempre foi apaixonada por seu amigo de família, . E sim, o sempre soube. E ele dizia que sentia o mesmo; eu tenho as minhas dúvidas.
O problema é que sempre foi muito descolada, e uma líder nata. Logo, sempre que algum amigo seu era vítima de chacota, ela se doía. E isso explica o dia que ela me salvou, no meu aniversário, de beijar um estranho. Ela defendia cada gay, cada nerd e cada oprimido que havia na Ferdinand, e, no final do Middle School, quando a pediu em namoro - na frente da família e tudo -, batizaram como líder dos gays da Ferdinand. Só que alguns sabiam que ela e tinham alguns lances, então, o apelido bi-girl foi inventado.
E, desde então, se recusa a assumir o namoro na escola. Imaginem agora um namoro desses.
- O que ele fez dessa vez, ?
Ela levantou os olhos vermelhos para mim.
- Ficou bravo porque eu estava com os amiguinhos dele. Ele não quer misturar nossas amizades, e continua insistindo pra ninguém saber sobre nós. O pior, , é que depois de falar isso ele ainda me beija! Eu estou tão brava. - falou controladamente, sem alterar o tom de voz baixo.
Afora seus olhos vermelhos, ela não demonstrava sentimento algum.
- Você devia terminar isso de vez, . Eu sei que você o ama, mas tem que virar um homem de verdade. Acho que só te perdendo pra ele perceber...
- Eu sei, ... - uma lágrima rolou pelo rosto dela. - Mas eu não consigo. Não consigo ficar sem ele. Eu já tentei, não durou uma semana. E eu ainda voltei com o rabo entre as pernas, e ele com o nariz empinado.
- , nós vamos te ajudar. Conte toda a verdade para as meninas, nós vamos ficar com você dia e noite. vai pagar, e ele vai ter que crescer, nem que tenha que apanhar da gente antes. Eu estou louca por essa oportunidade.
Fiz rir e a abracei, um tanto sei jeito, sobre a mesa.
- Okay, vou pensar no seu caso. Enquanto isso, acho que temos que grudar no grupo dele. Vou provocá-lo, vou parar de fazer o que ele manda. Não está certo, e eu vou por um fim nisso. Obrigada, . - me abraçou feliz e se ajeitou na carteira, ereta.
Sorri, piscando para ela. FINALMENTE, eu gritei por dentro. Era difícil ver alguém como ser feita de capacho, e era isso o que fazia.
- Ah, ele também ficou me perguntando se eu tinha certeza que você era lésbica. Acredita?!
Virei-me para , assustada.
- Por que ele perguntou?!
- Foi o que eu falei. Eu perguntei por que ele queria saber, e qual era o interesse dele. Aí ele insistiu e eu disse que isso não era problema meu, que eu não me importava com sua preferência sexual.
- Muito bem respondido. - levantei a mão para ela bater e riu. - Realmente, tive uma ótima professora.
A desgraça começou, quero dizer, a aula de matemática, e eu assumi minha pose de aluna que quer entrar em Harvard.
Recebi uma mensagem quase no fim da primeira aula, quando fazia os exercícios propostos.
"Intervalo na sala de música?"
"Mas já está pensando no intervalo, ?"
"Estou, ."
Pude imaginar o sorriso em seu rosto.
"Então, feito!"
- Trocando sms com quem, ?
A cabeça de apareceu do meu lado, me dando um susto. Escondi o celular, por impulso.
- trocando sms e escondendo o celular pra gente não ver?? - falou, da carteira de trás de .
estava ao seu lado.
- Não é nada, eu escondi porque tomei um susto! Me deixem. - tentei me afastar de , mas ela me segurou.
- Calma, gata, só estou te pentelhando. Não quer contar, tudo bem. Uma hora a gente descobre. - e, dito isso, ela me soltou.
Virei pra mostrar a língua e recebi duas línguas de volta.
Rimos, e o professor dispensou a turma.
- Tenho lab de física, agora. E vocês?
- Inglês. - fez cara de cachorro sem dono.
- Inglês! - a abraçou, minha vez de me sentir abandonada.
- Tenho lab de física também. - falou, e eu sorri para ele.
- Ahhh, alguém! Vamos, então.
caminhou ao meu lado em completo silêncio. Nos despedimos das meninas e fomos para o corredor do lab de Física.
- Precisamos de outra festa. - ele finalmente falou, me fazendo rir.
- Por quê?
- Porque tudo é melhor em festas. - ele deu de ombros.
Entendi o que ele quis dizer. Em festas você dança, e mesmo sem saber o que falar e como falar, você demonstra dançando. Se eu considerasse o modo como dançou comigo... estaria certa. Ele gosta de mim, como algo mais, mas tem medo de ir rápido demais. Agora, considerando seus atos diários... Era muito mais difícil, me confundia como... Como matemática. Nem matemática me deixava tão confusa, pra ser sincera.
- Te entendo. - respondi, finalmente, e virou o rosto para me olhar, surpreso.
- Devíamos fazer uma festa.
- Sim!
- Mas só nós.
- Nós?
- Eu, , , , você, , e .
Ponderei.
- Não vai ter o mesmo efeito, .
- Vai, sim. Comemos, bebemos, apagamos as luzes e dançamos.
- Ainda bem que você falou "dançamos", por um momento eu fiquei preocupada com o caminho que essa frase estava tomando.
Ele riu alto, ficando vermelho e se desculpando.
- Eu só pensei em... Algo mais tranquilo. Não sei, pode ser besteira minha.
- Acho legal. Falamos pra todos no intervalo, e vemos a reação deles. Casa de quem?
Eu, obviamente, estava pensando no quão INFELIZ o ficaria com isso. Agora que tinha autorizado, eu já estava fazendo meus planos para transformar a vida dele no inferno.
- Pode ser na minha e do , a do e do fica do lado.
- Beleza. Acho que as meninas topam. Tipo... Sábado à noite?
- Ou sexta.
- Não, trabalho comunitário no sábado de manhã, nós quatro fazemos.
fez um "Aah" e chegamos ao laboratório. Qual não foi nossa surpresa quando encontramos , , e ali, também.
Abri os braços para e ela me imitou, correndo para me abraçar como se não me visse há anos. Assim que ela me soltou, foi quem veio me abraçar.
- Ainda bem, o tá muito chato hoje, farei dupla com você! Boa sorte, . - me soltou e deu tapinhas nas costas de .
Tive que rir.
- Sentiu minha falta, é?
- Nunca fiquei tão feliz em te ver.
Toquei o peito, lisonjeada com o comentário. Depois rimos e nos sentando na bancada ao lado.
- Então pegamos os dois laboratórios juntos?
- Pois é, e você anota hoje. Eu nunca mais vou conseguir escrever algo como sua dupla. - ele fez uma careta aflita e eu enfiei o indicador direto na costela dele.
- Sem frescura, eu... Nunca deixei ninguém ler minhas coisas exatamente por causa disso. E por eu não ser tudo isso.
Yep, perfeitamente feito, . Ele nunca mais vai te ver como algo além de "garota estranha e nerd".
- Eu estava só brincando. Achou mesmo que eu ia perder a oportunidade? - ele me deu aquele sorriso ladino dele, e eu devo ter deixado um sorriso idiota escapar. - Eu anoto, é a minha semana de anotar.
Eu assenti, tentando recuperar minha pose. Tirei minha jaqueta de couro e vesti o jaleco, pegando os óculos de proteção em seguida. O professor escrevia a atividade na lousa, e eu me sentei para esperar. Meu celular vibrou.
"Haha, não é quem você está trocando mensagens. Aliás, quem é? Me cooooonta!"
Era . devia ter mandado uma mensagem para ela, avisando do novo mistério que elas deveriam desvendar. Não ia responder. Outra mensagem chegou.
"Está trocando mensagens com outra pessoa? Senti-me traído. Como pôde?"
Dei uma risadinha.
", eu estou do seu lado. Por que você me mandou uma mensagem?"
"E por que você me respondeu com uma mensagem? Xeque mate."
Olhei para ele e rolei os olhos. riu.
O professor começou a explicar o que havia começado na lousa e eu prestei atenção durante dois segundos. Meu celular vibrou de novo!
"AH MEU DEUS, É O !"
"É O ?"
"EU VI! EU OS VI DIGITANDO E TROCANDO OLHARES, É O !"
"PODE CONTAR TUDO, !"
Joguei o celular na mochila e me concentrei na aula antes que voasse no pescoço de . Tá, que elas descubram, eu não me importo. Sinceramente. Eu vejo uma bela amizade começando aqui, e espero sinceramente que ninguém a estrague.
Olha, é um bom discurso, devo usar mais tarde!
- Intervalo! - nos encontrou no corredor, e ergueu as mãos para o teto.
- , por favor. Intervalo! - a imitei, mas falei com outro tom, levantando as mãos com ambas fazendo o símbolo do rock. Fechei os olhos e coloquei a língua pra fora, recebendo alguns tapas.
Apenas me apoiou, encostando o ombro em mim e fingindo que tocava uma guitarra loucamente. Todos foram comer algo, desesperados, mas estava ocupada rindo e fingia bater a cabeça na parede. Tive que bater palmas pela sua imitação, ele podia ser Angus Young com facilidade. fez uma reverência em agradecimento, e gritou.
Todos olhamos para ela assustada.
- Machucou? - perguntei, já indo até ela.
- O quê? Não, eu não bati a cabeça! Vem ver isso aqui!
Aproximei-me e entendi o que ela encarava. E posso até não assumir para os outros, mas também quis gritar. Era a lista de inscrição do Teatro. Até aí, ok. O problema é que ela estava aberta nas inscrições para o papel principal. O problema eram os nomes inscritos para Romeu.
- Não é possível! Nathan McDowell? Jullian Starks?? Só pode ser brincadeira! - falei, perplexa. - Não tem um nome bom aí!
- Pois é! O melhor que tem é o Bernard, e eu nunca pensei que ia dizer isso.
Fiz uma careta. Bernard Dickson era o típico ator-estrela. Ele já havia feito comerciais e era o ser mais convencido desse mundo. Imaginei-o destruindo Romeu, com toda sua arrogância e estrelismo, e senti que ia chorar.
Não que Romeu fosse um mega personagem, mas Bernard com certeza ia dar um jeito de transformá-lo no que ele não era.
havia nos alcançado, e já estava atrás de mim.
- Não, isso não pode acontecer! Margaret disse que nós faríamos a peça que Shakespeare sonhou ao escrever Romeu e Julieta, e Shakespeare definitivamente não sonhou com um bombado do time de futebol ou um almofadinhas que sofre de estrelismo! Nós precisamos achar um Romeu urgentemente!
- Ok, , nomeie as características.
Pus meu cérebro para trabalhar. - Tem que ser mais alto que eu, a cor dos cabelos não importa, desde que pareça um homem e não um garoto. Deve ser um cavalheiro, mas não necessariamente no estilo da peça. E precisa gostar de Teatro, ou da proposta. Ah! E tem que ter uma dicção boa, e uma voz que ocupe todo o Teatro sem muito esforço. - eu estava pensando, estava colocando cada esforço em revisar as pessoas que já havia visto naquela escola, mas nenhuma delas servia.
tinha o mesmo problema, pela sua expressão concentrada.
- Por que isso é tão importante? - ouvi perguntar.
- Porque ela provavelmente vai ser a Julieta. - respondeu e recebeu um olhar de repreensão meu. Ela revirou os olhos. - A professora a ama e o conhecimento da em literatura a coloca na frente de qualquer atuação, e isso sem contar que ela também é ótima atuando. Mesmo que ela não queira o papel, Margaret vai obrigá-la a fazê-lo. Ou eu estou mentido, ?
Limitei-me a resmungar, e se deu por vencida.
- Hm... A professora de vocês falou comigo, ontem... Quando eu estava no, err, Teatro.
Ele foi encarado por três pares de olhos muito atentos.
- Ela falou com você? - perguntou.
- Sobre o quê, ?
Ele olhou para mim, parecendo meio sem graça.
- Ela disse que... Bom, eu tinha ouvido a novidade, e que... Eu devia me inscrever.
Uma lâmpada se acendeu sobre o rosto , como se ela tivesse encontrado a solução para a paz mundial. Não que todo mundo já não saiba que a pra ter paz era só todo mundo ficar de boa, mas... Como fazer todo mundo ficar que boa que é difícil. Enfim, bateu palmas e virou para si, segurando os seus ombros.
- Se ela te convidou, é porque você tem MUITAS chances! Vai ser mais fácil do que pensamos!
- É, mas... Eu não tenho experiência com isso, e vai ser uma peça grande...
- , sua dicção é ótima, e eu não duvido nada de que sua voz não preencha dois Teatros daquele. - ponderei, fazendo voltar a olhar para mim.
- E você é perfeito! Um cavalheiro, mais alto que a , não tem cara de almofadinha e nem é um desmiolado bombado! - bateu palmas, e eu a censurei mentalmente, torcendo para que não percebesse.
Afinal, como raios sabia que era um cavalheiro, se não por algo que eu contei? Mas isso provavelmente passou batido, então...
- Eu... Não sei...
- Garotas, vocês podem... - não tive que terminar a frase, elas saíram rapidinho dali. Concentrei-me em , tentando entender cada reação dele. - , você não é obrigado a fazer isso, e isso vai tomar um pouco do seu tempo, eu sei. Eu só queria que você... Pensasse nisso. Não tem ninguém mais indicado do que você para esse papel. Se seu medo é, er, ter que encenar comigo, eu nem sei se vou ser a Julieta, eu posso conversar com Margaret, temos outras meninas muito boas nessa lista. Ela vai ter que aceitar o sacrifício.
Ele fez uma caretinha. Não entendi, como sempre.
- Você não quer encenar comigo?
- Não! Não é isso. Eu estou justamente dizendo que você é o único aluno daqui que pode fazer o papel, seria muito bom fazer a peça com você! Só pensei que...
- Ok, então. Eu topo, mas você vai ter que ser a Julieta. - me assustei, pisquei, ainda mais confusa. - Se você quer tanto que essa peça seja perfeita, vai ter que me ajudar nisso. E muito. Você vai ter que me ensinar a encenar.
Permaneci em silêncio por alguns segundos.
- Ok, feito. Farei o meu melhor.
- Então é melhor já treinarmos alguma cena juntos, para fazermos na audição.
Ele estava pensando rápido, demonstrando interesse naquilo. Gostei, era disso que o Teatro precisava.
O Teatro, só? Haha.
- Escolhemos uma cena mais tarde, teve uma ideia de reunir todos na casa dele e dar uma mini-festa. Ou no sábado, quando você for levar aquela beleza de vinil do "Slide It In" que você disse que tem na minha humilde residência. Pego o livro em casa antes de ir pro , devo ter umas seis edições dele.
concordou e se aproximou da lista de inscrição, assinando o seu nome.
Eu ainda não falei sobre a letra dele, falei? Ela era de forma, perfeitamente desenhada. E um pouco inclinada para a direita, o que dava atitude ao traço dele. Claro que isso pode ser só uma visão minha, de retardada psicótica por tudo que envolve letras.
E eu estou falando disso porque estou tentando disfarçar as batidas loucas que meu coração está dando.
- Pronto. Vamos comer? - ele me ofereceu o braço, e eu tive que rir. O aceitei, e saímos.
*
No fim do jardim no pátio do High School da Ferdinand começava o pátio do Middle School. Esse era um fato que os mais velhos ignoravam, mas as crianças e pré-adolescentes do Middle School davam muito valor. Aquela era a sua janela para o futuro.
- Millie! Millie, vem ver isso! - uma garota loirinha que devia ter 13 anos chamou a amiga, saindo dos arbustos. - Vem rápido, ou você vai perder! A está de braços dados com o garoto novo!
Aimée, que lia seu livro tranquilamente em uma árvore ali perto, rolou os olhos. Como sua irmã fazia. As duas nem se pareciam, por causa da diferença gritante de seus cabelos, mas, quando ela rolava os olhos, poderia ser gêmea de . Então ela não fazia aquilo na frente de ninguém.
- Olha a calça dela!! Que arraso! Será que eles estão namorando? Sabia que ela era bi, é muito mais legal do que ser lésbica. Temos que contar pra todo mundo! - Millie fava sem parar, e Aimée enfiou o rosto no livro que tentava ler.
"Muito mais legal do que...? Senhor, aquelas pessoas."
Mais um boato, mais dias ouvindo o nome de sua irmã pelos corredores, provavelmente mais pessoas viriam perguntar para ela o que sabia de . Ela não aguentava mais aquilo! Aqueles imbecis não conseguiam nem perceber que não era lésbica, ela sequer havia beijado alguém na vida! Mas não adiantava dizer, sua irmã era o ídolo de quase todo mundo por ali. Inteligente, sexy e lésbica. Dava pra ser mais cool que aquilo? E ela ainda era a estrela do Teatro da Ferdinand. E agora fazia parte do grupo de dança! A vida de Aimée não podia ficar pior.
Ela desejava que uma única vez alguém falasse com ela sem pensar em . Até sua mãe fazia isso.
Suspirou e tirou o rosto do livro, voltando a lê-lo como se aquilo fosse a sua salvação.
Ela tinha mais da irmã do que podia imaginar.

*Miss Sunshine: Na tradução literal, Miss Raio de Sol.



(Roadhouse Blues — The Doors)

Yep, meu nome é , e eu tenho Geografia Física agora. Quis dar um tiro na minha própria cara, mas respirei fundo. Teria a primeira aula de handball essa tarde, e uma aula de dança depois. Sem dúvidas de que eu ia chegar em casa em pedaços e precisaria de, no mínimo, meia hora de molho na banheira pra me recuperar antes de conseguir pensar em ir para a casa de .
Sim, estava tudo marcado, e ria abertamente com , e . estava emburrado em seu canto, e revezava entre eu e .
havia soltado meu braço quando sentamos, depois de comer, para passá-lo pelos meus ombros. Eu não entendi, mas também não reclamei. Estava abraçando minhas pernas, com me abraçando de lado, sem me soltar, enquanto conversávamos animadamente sobre qualquer coisa. A festa, a música e até Shakespeare. Qualquer um que nos visse interpretaria aquilo errado. Ou certo, não sei. Eu mesma não sei interpretar. Provavelmente eis o motivo por eu estar gostando tanto.
— Acho que devíamos fazer a cena em que eles se conhecem, mesclando nossas apresentações. Eu faria o momento em que ele vê Julieta a primeira vez, aí tem a cena juntos e depois você assume, com a cena posterior. — ele disse, me fazendo olhá-lo de lado.
Próximo demais, mas não pensei nisso. Pisquei algumas vezes, tentando processar o fato de que não precisara de um exemplar para dizer aquilo. Ok, é Romeu e Julieta, a peça mais conhecida de todas... Mas isso não garante que as pessoas tenham lido. Ou se lembrem de detalhes como aqueles.
Já eu lembrava muito bem dessa parte, e ela tinha um beijo. Um selinho, como chamam hoje, mas ainda assim um beijo.
— É uma boa ideia. — "Vamos começar a praticar agora!" — A pode fazer a Ama, e o Patrick pode ler as falas dos outros personagens na sua cena... Mas eu estava pensando em fazer um monólogo de Julieta, apesar de que a Ama ia acabar entrando... E acho que você devia fazer um monólogo do Romeu.
— Isso é o que esperam.
Gelei. Não estava acostumada a contestarem minha opinião, mas não sou nenhuma criança mimada. Gostava daquilo. Logo, aceitei a sugestão.
— Mas é o que demonstra mais a sua capacidade de atuar.
— Nem sempre. Se fizermos a cena dos dois juntos perfeitamente, talvez não precise de mais nada. Mas acho que é melhor treinar mais coisas, e na hora vemos.
Entendi.
— Margaret falou algo? — estreitei o olhar, analisando-o, e recuou quase que imperceptivelmente.
— Er, ela... Sim. Ela disse que só a cena que eles se conhecem já era boa o suficiente, se nós fizéssemos direito. Ela disse isso antes de qualquer coisa, eu nem tinha entendido até ela sair andando. Quer dizer, só foi fazer sentido mesmo quando vocês pediram para eu fazer Romeu.
— Hm. Ô ! — me virei para puxá-la, mas ela não estava mais ali.
Nenhum deles estava mais ali. Nós estávamos sozinhos.
— Mas que porra?! Por que eles foram embora sem nos avisar? — perguntei, confusa. Pois é, um mistério.
— A pergunta certa é: como eles foram embora sem nós percebermos? — me corrigiu, e eu me distraí com seus lábios.
Ah, deve ter sido por isso. As duas perguntas tinham a mesma resposta.
pegou meu olhar e eu mordi meu lábio, sem querer. Ele abriu a boca, como se tivesse percebido a mesma resposta que eu, e fomos salvos pelo sinal. O sinal do fim do intervalo. Talvez não fosse exatamente uma salvação.
— Melhor irmos, rápido!
Ele transformou a surpresa em divertimento.
— Vamos apostar?
Nem esperei ele falar o quê, saí correndo. É, talvez eu tenha um pouco de espírito competitivo. xingou e veio logo atrás de mim, e eu tive que me matar de tanto correr pra conseguir chegar antes dele.
— AHA!
— EU GANHEI!
— NÃO, EU GANHEI!
Nos encaramos e caímos na gargalhada. E aí eu me lembrei de que Geografia era sempre no terceiro andar. Abri meu armário com pressa e puxei minha mochila. E voltei a correr.
— Hey! — reclamou, confuso, colocando sua mochila nas costas.
— Minha aula é no terceiro andar! Desculpa!
— Tudo bem! — ele riu. — Até mais tarde!
— ATÉ!
E, gritado isso, eu voei para o terceiro andar.
*
Não adiantava, a vontade de beijá-la continuava ali. Havia algo que eu estava fazendo errado, mas seja lá o que for, vai continuar assim. Porque cada ato meu perto dela é um ato inconsciente, é um instinto. E o modo como eu a abracei quando cansei de ver todos a secando? Não, não diga que eu estou ficando paranoico, foi realmente isso que estava acontecendo. E eu a abracei, de lado, possessivo, como se aquilo fizesse com que parassem de olhá-la daquele modo tão invasivo. Não era que eu queria que ela fosse a minha posse, ou que os outros achassem isso, era só que não aguentava ver o modo como a olhavam. Como não reclamava? Eu tinha a suspeita de que ela nem percebia. Do jeito que era modesta, não devia nem saber o quão incrível era, aos olhos de qualquer um.
E como era infinitas vezes mais incrível ainda aos meus olhos.
Eu a abracei como se aquilo fosse protegê-la, quando eu devia estar protegendo-a de mim mesmo.
Alguém me chamava, mas eu demorei a perceber.
! — a garota na minha frente acenava da sua carteira.
— Hm?
— Finalmente! Em que mundo você estava? Você é novo, né? Quer uma ajuda com a aula? Esse professor sempre faz anotações no livro, então é melhor já deixar ele aberto.
O cabelo castanho claro com mechas loiras caía sobre minha mesa enquanto aquela garota desconhecida mexia em meu material de modo invasivo. Ouvi um suspiro incrédulo ao meu lado e reconheci Becky, mas ela não olhava para minha mesa. Assisti em silêncio enquanto a garota estranha arrumava tudo, e assim que terminou, ela sorriu. E eu agradeci.
— Quê isso, !
E ela virou para frente. Sem me dizer seu nome, nem nada. E repetindo o meu. Aquilo me deu um calafrio. Medonho.
A última aula pareceu demorar uma eternidade, mas tudo ficou bem quando me encontrou no corredor. Literalmente, ela deu um encontrão em mim.
— Ops! — colocou a mão na boca, com cara de quem tinha aprontado. — Ah, oi! Eu ia mesmo te mandar uma mensagem, a gente vai comer fora!
— A gente...? — era impossível não sorrir para ela, então eu devia estar sorrindo.
As pessoas no corredor nos observavam.
— A galera da aula de dança! A foi chamada hoje, na aula de Educação Física dela. Mas temos que ir logo, Becky e eu temos handball em meia hora!
Deixei ela me puxar para fora do prédio, aproveitando o toque de sua mão na minha... Me lembrou da festa, que parecia ter sido anos atrás, e foi há apenas alguns dias.
O grupo estava reunido na frente do colégio. Becky me deu um sorriso de escárnio.
— E aí, , o que achou da nossa rainha do manicômio?
Não entendi, mas estava sozinho nessa, porque todos riram. E me encarou, parecendo surpresa.
— Você falou com a Valerie? — Ela perguntou.
— Quem é Valerie? — Eu perguntei de volta.
— Nossa rainha do manicômio, . — Becky fez uma voz nasalada ao dizer meu nome, e aí eu entendi. A garota que havia invadido minha bolha na última aula.
— Ahh...
— O que ela falou? Aquela louca! Você não fez nada, Becky? — virou-se para Becky, as mãos na sua cintura fina e bem modelada, escondida pela blusa larga do Joy Division que aparecia por debaixo da jaqueta de couro.
— Nada demais. Se ela tivesse dado uma de louca, eu teria feito algo. Ela só agiu invasivamente e foi um tanto amedrontadora, mas o sobreviveu. Parabéns, ! — Becky deu de ombros.
— Espera. Eu não estou acompanhando...
— Valerie é uma louca, . Ela amedronta alunos novos desde... Sei lá, desde o Middle School. — explicou.
— Mas ela começou a pegar mais pesado no High School, quando a entrou. Desde então ela parece que sossegou com os outros pra concentrar toda a sua energia maligna na . — fez cara de psicopata, esticando as mãos para como se fosse devorar o cérebro dela.
. — revirou os olhos. — É, mas é meio que verdade. — repetiu a frase com descaso, e fingiu não ver. — Quando eu entrei, ela chegou dizendo que a Ferdinand era muito boa, mas quem chegava no High School não tinha chance alguma com os alunos antigos. E eu sorri sem graça, e sem querer fui a melhor aluna do ano. — suspirou. — E, desde então, ela me odeia.
falou de ser a melhor aluna do ano como se falasse de lavar a louça todo dia.
— Nossa é boazinha demais, tentou ser legal com a Valerie várias vezes, mesmo ela arregalando os olhos enquanto usava um óculos de garrafa assustador. A garota é o demônio dos nerds, ela sabe as notas da antes mesmo das dela. — falou, fazendo uma careta de medo.
Lembrei que Valerie não usava óculos quando falou comigo.
— Ela sabe as minhas notas antes de mim. Mas... Eu gosto do nome dela, me lembra da Amy Winehouse. — deu de ombros, como se seus motivos fossem absolutamente normais. — Eu só consigo pensar na música, e aí não consigo ser má com ela.
Todos riram.
— Vamos logo, vai. — Becky empurrou de leve, rindo, e puxou o grupo ao lado de .
As pessoas que eu não conhecia se apresentaram, e ia à minha frente. Rebolando. Ela devia fazer aquilo sem querer, mas seu corpo tinha um ritmo próprio, como se seu andar fosse uma música, e das boas de ouvir. E ver.
Merda, ela devia andar como qualquer um e eu que estava louco, isso sim.
O restaurante ficava no final da quadra, do lado oposto. Era uma pizzaria, e ainda não estava cheia. Ainda, porque depois que entrarmos parece que o mundo todo foi parar ali. Porém, já estávamos servidos, então isso pouco importou. Eles serviam em pedaços, quase como um rodízio, mas você pagava de acordo com o número de pedaços que comia.
— De final de semana aqui é rodízio, e tem competição pra ver quem come mais! Quem vence não paga, o Patrick já conseguiu! — me contou, animada, e Patrick fez pose de estrela do lado oposto da mesa. chamou a atenção de todos, e pela primeira vez eu notei que ele estava sentado perto de . As coisas iam bem pra alguém. Ele levantou seu copo de cerveja e se pôs a falar.
— Bom, como já dizia o mestre Morrison: "Well, I woke up this morning, and i got myself a beer. The future's uncertain, and the end is always near". — virou sua cerveja e começou a salva de palmas, secando uma lágrima invisível em seguida.
— Bom, como já dizia eu: vamos logo, . — Becky fez cara de piadista sem graça e levantou, ouvindo reclamações de volta. — Que isso, bebês, vocês podem ficar, mas temos que ir.
ria ao meu lado, e me deu um beijo estalado na bochecha antes de se levantar.
— Tchau, gente! Até mais. — ela acenou e se juntou a Becky.
— Hey, por que só o recebe beijinho? — levantou as mãos, tentando chamar a atenção pra si.
— Porque ele é mais legal. — não pestanejou para responder e deu de ombros.
O queixo de caiu, e mais alguns pela mesa. Uma discussão fervorosa começou, e foi embora rindo. Perto da entrada do restaurante um homem esbarrou nela, os dois perderam o equilíbrio, mas se recuperaram. já saía, mas ela parou. Aparentemente, o homem a segurava. Ele falou algo e a soltou, e ela sorriu. E depois ela se foi, me deixando com um leão insatisfeito para lidar. Fiquei observando o homem, que ainda olhava para ela, até que ele balançou a cabeça e voltou a andar. Ele parecia ser mais velho, e meu sangue continuava subindo.
*
— Er, será que dá pra soltar a minha cintura? — Eu pedi com educação, apesar de ter quase dado um golpe japonês qualquer (que eu com certeza não saberia fazer) no cara.
— É claro. — Ele respondeu, sorrindo e me soltando. — Só queria ter certeza de que você não ia cair.
— Obrigada.
Saí do restaurante sentindo o rubor da minha face. Aquele cara devia ser uns cinco anos mais velho que eu, e havia me segurado do mesmo modo que fizera no dia anterior, sempre que nos esbarrávamos na Educação Física. E tudo que eu conseguia pensar era que ele não tinha esse direito. O cara estranho, não . O toque de ali era... Certo. Eu havia percebido como a mão dele encaixara perfeitamente na minha cintura, e como seu toque ali era extremamente confortável. Só não tinha parâmetros para afirmar que não era assim com qualquer um. E agora eu tinha. E minha cintura pareceu pedir urgentemente por . De repente, decidi que faria a aula de dança com ele. podia fazer com , ou com . faria com , eu havia ouvido os dois conversando como quem não quer nada. Eles não me enganavam.
, você devia ficar de olho na Valerie. Ou avisar o , pelo menos. — Becky franzia a testa, parecendo preocupada.
Não entendi.
— Por quê, Becky?
— É óbvio por que ela foi falar com ele, não é? , ela não atormenta mais alunos novos. E ela o ajudou, foi pra isso que ela falou com ele. Pra o ajudar na aula. Parece familiar? — Becky esperou uma resposta minha, mas tudo que ela recebeu foi a minha cara de reticências. Becky bufou. — , a maluca tá dando em cima dele! Ela deve ter visto a cena que vocês fizeram hoje, abraçados e conversado alegremente no banco da mesa deles, como um casal de pombinhos, e agora colocou na cabeça que vai tirar ele de você. Até sem óculos ela tava, eu sabia que eles eram falsos.
Fiz um segundo de silêncio.
— A vadia é mesmo louca. — concluí, e Becky concordou efusivamente. — O não é meu!
Becky rolou os olhos e me deu um tapa.
— Você é louca também. Não é seu? É de quem, então? — Becky deu uma brecha, e eu respondi que ele era dele mesmo, mas ela atropelou minha fala. — Por favor, , só falta ele colocar uma coleira em volta do pescoço e dar ela pra você.
— Ele não é assim. — resmunguei.
— Pode até ser que ele não seja, mas o garoto está louco por você.
— Então não tem motivo pra me preocupar com Valerie. — retruquei.
Becky suspirou.
— Só avisa o coitado, acho melhor ele já ser grosso e afastar ela de vez. Quem sabe ela desiste.
Ambas sabíamos que isso não era do feitio de Valerie.
— Eu só espero que ela não apareça com o cabelo igual o seu, usando roupas parecidas etc. Ela sabe suas notas antes de você, vai saber se ela não tem como saber as suas roupas do dia também?
Encarei Becky com os olhos arregalados, e ela me puxou para dentro da Ferdinand. Aquilo devia ser brincadeira dela, mas Valerie não era estranha o suficiente para fazer aquilo? Fiquei inquieta, imaginando alguém me espionando no meu próprio quarto. Aquilo sim era assustador.
Estávamos no meio da segunda hora da aula quando notei alguns amigos se aproximando da arquibancada da quadra de handball. Logo todos os alunos da dança estavam ali. Treinávamos gols, e nossa pobre goleira devia ter ganho alguns hematomas. Sem querer, é claro. E ela era muito boa, porque do contrário ela já estaria inteira roxa.
Eu precisava de um banho, e Becky também. Porém estávamos tão vivas que poderíamos continuar aquela aula para sempre.
Marquei outro gol e Patryccia me deu um sorriso divertido. Patryccia era o nome da goleira oficial do nosso time, e, sim, eu sei o nome das minhas colegas de equipe. Apesar de que agora tínhamos algumas novatas sendo treinadas na quadra ao lado, e dessas eu não garanto nada. Margaret nos liberou da aula e acenei para o grupo antes de entrar no vestiário.
*
Tenho vergonha das impuridades que pensei, mas, do jeito que as coisas iam, eu teria que me acostumar com isso. O uniforme da aula de handball era maravilhoso, mas meus olhos só conseguiam se concentrar em um. Um único shorts grudado, uma única regata justa. Ambos pareciam feitos sob medida para destacar cada curva do corpo de . Desejei arduamente que ela usasse a mesma roupa na aula de dança. Aquilo era insanidade. Ser amigo dela, de onde eu havia tirado essa ideia?
saiu com o cabelo preso em um rabo de cavalo bem alto, a jaqueta no braço e a mesma roupa de mais cedo. Nada de short grudado, para a minha tristeza. Ela disse algo para e concordou, e então as duas pararam. Foram paradas.
O cara que esbarrara nela mais cedo no restaurante estava ali. Sim, exatamente: mas que porra?
Eles estavam perto o suficiente para eu poder ouvir.
— Fiquei devendo desculpas mais cedo.
— Ah... Imagina. Mas o que você faz aqui? — franzia a testa, até que pareceu notar o que fazia e relaxou a expressão.
— Coincidência. Eu vim para auxiliar o Victor. Vocês são da turma de dança dele, não? — ele se virou para o resto do grupo. Todos assentiram. — Então podem vir, a aula é no Teatro!
Levantei e veio até mim, fazendo uma careta que misturava medo e descrença.
— A aula é em dupla, você sabe?
— Não sabia, agora sei. — sorri, tentando mascarar o ciúme que estava sentindo.
Sim, ciúmes. Essa porra não é só sobre protegê-la dos outros. Merda.
Logo eu.
— Então... — ela hesitou, ao meu lado.
Entendi.
— Então? — perguntei, abrindo um sorriso e esquecendo os sentimentos bizarros dentro de mim.
— Bom, o Victor disse que vai nos colocar em pares, e, bem, eu estava fazendo com , mas nós duas vamos ser colocadas com outros. Então eu pensei que, não sei, talvez...
— Sim, , eu quero ser seu par na aula de dança. — revirei os olhos com um sorriso grande na boca, como se não fosse nada fazer par com ela, e ela corou.
Se essa garota é lésbica, ela está sendo bem cruel mandando esses sinais para mim. Ou ela realmente fica envergonhada fácil demais.
— Ok.
Ela andava com o olhar baixo, e eu cansei de ficar fingindo que não reparava. A cutuquei com o cotovelo e ofereci meu braço. sorriu e enlaçou seu braço ali. Foda-se, eu podia acabar bem machucado nessa história, mas eu não ligo nem um pouco. Não se ela continuar sorrindo desse jeito pra mim.
Entramos no Teatro e seguimos todos até o palco, onde Victor já estava com uma garota.
— Ora, Matteu, venha cá! Já estava preocupado com você! — a garota chamou para perto de si o cara que havia nos levado ali. É, o cara que tinha esbarrado em no restaurante etc., o cara que eu já tinha decidido que não ia simpatizar.
Victor abriu os braços para nós, receptivo.
— Bem na hora! Turma, esses são Belina e Matteu, alunos profissionais da minha escola de dança. — todos mandaram um oi, e Victor prosseguiu. — Eles estão aqui hoje para ilustrar uma coreografia que eu fiz para vocês. Ela está incompleta porque eu quero ver como vocês se saem na criatividade e em grupo. Vamos alongar? Formem as duplas, e já aviso: quero casais. Eu acho que ainda temos mais mulheres do que homens, veremos.
— Eu não tenho problema nenhum em ser o homem. — Becky comentou, e riu. , ao meu lado, também esboçou um sorriso.
Se eu fosse ficar bravo a cada comentário desse, teria sérios problemas com aquela amizade. Suspirei.
Fizemos alguns alongamentos e Victor colocou uma música para tocar. O casal que ele trouxera, Belina e Matteu, estava ao lado de uma cadeira. Ele ficou parado e Belina começou a dançar.
— Essa música se chama "Do You Like What You See", e é da cantora Ivy Quainoo. Vamos começar com o homem parado, e a mulher dançando em volta. É importante que os rapazes comecem olhando para a plateia, como se não reparassem nas garotas dançando. Aos poucos vocês vão se prendendo nelas.
When the music's loud
And there is nothing to say
You can only watch me move
You can only watch me sway
(Quando a música está alta/E não há nada a dizer/ Você só pode me ver passar/Você só pode me assistir balançar)

See how I turn
And never walk away
See how I hang around
How I "patiently await"
(Veja como eu viro/E nunca vou embora/Veja como eu ando ao redor/Como eu "espero pacientemente")
— Aqui eles já estão na de vocês, mulheres. Cada um na sua, é muito importante. Então vocês são mais diretas, dançando na frente deles. — Victor falava e Belina fazia.
You're so far away
Wouldn't you agree
It's time to make your move
Make your way over to me
(Você está tão longe/Você não concordaria?/É hora de fazer sua jogada/Faça o seu caminho até mim)
Come closer now If you wanna talk to me
Come tell me now
Do you like what you see?
(Chegue mais perto agora/Se você quer falar comigo/Venha me dizer agora/Você gosta do que vê?)
Come here – sit down
If you wanna get next to me
Won't you tell me now
Do you like what you see?
Do you like what you see?
(Venha aqui – sente-se/Se você quer ficar perto de mim/Você não vai me dizer agora/Você gosta do que vê?/Você gosta do que vê?)
— E agora, mulheres? — Victor perguntou e Belina olhou, esperando.
Um murmurar baixo começou.
— Ela o senta, como na música, e volta a dançar para ele. — respondeu, séria, com a mão no queixo.
Ela estava levando aquilo a sério. Talvez demais, e ela percebeu, dando um sorriso em seguida.
— Muito bem, ! Belina, pode fazer.
Belina sentou no colo de Matteu e passou a acariciar seu rosto. Depois brincou com as pernas, dançando em seu colo, deitando, etc.
Tudo o que eu consegui pensar foi em fazendo aquilo. Em mim.
I use your high
And if you can follow my see's
How take you to a place you've never been
If I showed you everything
I'd have you on your knees
So let's take it slow- like a long night's sweet dreams
(Eu uso a sua altura/E se você pode seguir o meu ver/Como leva-lo para um lugar onde nunca esteve/Se eu lhe mostrar tudo/ Eu teria você de joelhos/Então, vamos devagar– como uma noite longa de doces sonhos)
— Ela pode levantar e voltar a dançar em volta dele, só que com ele sentado, dessa vez. — palpitou, e Belina obedeceu, com um sinal de Victor.
You're so far away
Wouldn't you agree
It's time to make your move
Make your way over to me
(Você está tão longe/Você não concordaria?/É hora de fazer sua jogada/Faça o seu caminho até mim)
— E agora ela o puxa. — outra garota entrou na brincadeira, parecendo se divertir. — Vai precisar da cadeira mais? Ela podia chutar a cadeira pra trás.
— Vemos depois, ouçam a música! — Victor piscou e Belina puxou Matteu, os dois começando a dançar algo que lembrava tango.
Come closer now If you wanna talk to me
Come tell me now
Do you like what you see?
(Chegue mais perto agora/Se você quer falar comigo/Venha me dizer agora/Você gosta do que vê?)
Come here – sit down
If you wanna get next to me
Won't you tell me now
Do you like what you see?
Do you like what you see?
(Venha aqui – sente-se/Se você quer ficar perto de mim/Você não vai me dizer agora/Você gosta do que vê?/Você gosta do que vê?)
Here I am right before your eyes
I think you see something that you like
I hope now you realized
I've got you hypnotized
(Aqui estou eu diante de seus olhos/Acho que você vê algo que você gosta/Espero que você tenha percebido/Eu te tenho hipnotizado)
— Lembrem sempre de acompanhar o ritmo. Podemos ter um casal central, pra nessa hora as luzes irem para eles.
All alone in a crowded room
There's only me and you
Come baby – come to me soon,
before the music's through
(Completamente sozinhos em uma sala lotada/Há apenas eu e você/Venha baby – venha para mim logo/Antes que a música termine)
— E aqui voltamos as luzes para todos!
Come closer now If you wanna talk to me
Come tell me now
Do you like what you see?
(Chegue mais perto agora/Se você quer falar comigo/Venha me dizer agora/Você gosta do que vê?)
Come here – sit down
If you wanna get next to me
Won't you tell me now
Do you like what you see?
Do you like what you see?
(Venha aqui – sente-se/Se você quer ficar perto de mim/Você não vai me dizer agora/Você gosta do que vê?/Você gosta do que vê?)
— E então, como faremos essa última parte? — Victor perguntou, parando a música assim que ela acabou.
— Bom, eu... Tive uma ideia. Tudo bem?
— Fala logo, ! — Patrick gritou, do lado esquerdo do palco. Estávamos mais ou menos no meio.
— Bom, quando eles dançam pra valer, no tango, ela pode chutar a cadeira como Ellie sugeriu. E aí as luzes vão para um casal enquanto os outros arrumam as cadeiras no lugar e se posicionam perto dela, um de cada lado da cadeira. O casal principal vai até a cadeira que alguém vai ter arrumado para eles enquanto os outros se aproximam, de frente. E aí a mulher faz o homem sentar, de novo, e termina a música com cada uma em uma pose diferente. No colo, atrás da cadeira, do lado ou embaixo. Essas coisas. — ela parou com os gestos das mãos e encarou Victor. — Que tal?
olhou em volta e todos sorriram.
— É uma boa.
— Parece perfeito!
— Então vamos ver na prática! — Victor declarou, com um sorriso grande, voltando a deixar a música tocar.
Dessa vez todos ficaram de pé, opinando na dança de Belina e Matteu, tentando fazer igual etc. Victor foi ensinando os passos, e Matteu e Belina ajudaram um casal de cada vez. Estávamos mais preocupados com a dança em pé, que era realmente um tango. tinha muita desenvoltura, mas alguns passos eram muito difíceis, e ela tropeçava ou não conseguia ficar totalmente reta. Eram poucos problemas perto do que alguns casais estavam enfrentando. Matteu e Belina chegaram em nós, e nos observaram um pouco antes de falar algo.
— Acho que sei o que é. — Matteu falou para Belina, que fez um aceno como se pedisse para ele mostrar. — Posso?
Ele estendeu a mão para , e eu dei um passo para trás, um tanto relutante. Belina fez um sinal para que eu fosse para o seu lado. Matteu pegou a mão esquerda de e colocou a outra mão em suas costas. Ela colocou a mão livre no ombro dele e ele começou a explicar.
— Você tem que se deixar ser conduzida. Nessa parte da dança, nenhuma ação parte de você, por mais que em algumas partes aparente. Certo? Então vamos.
Matteu a conduziu com perfeição. E leia isso com a maior quantidade de ciúmes que conseguir.
Eu sei, ridículo.
— Você precisa segurá-la melhor. Tango exige o máximo de proximidade, se ela não tiver apoio, alguns passos não vão sair. Proximidade é fundamental... Qual é o seu nome mesmo?
. — respondi, tentando não soar rabugento. Era bom mesmo ter uma desculpa para Matteu estar segurando tão próximo.
— Ah, ok! Então, ...
Belina falou mais um pouco, mas meus olhos não saíram de . Pareceu uma eternidade, mas mal deve ter demorado dois minutos para Matteu devolvê-la para mim. Eles saíram para a próxima dupla e sorriu.
— Vamos tentar de novo?
Assenti.
*
Havia algo errado com . Ele parecia não se concentrar na dança, não estava firme em nada. E eu fiquei sem graça de falar, é claro. E você me daria razão se tivesse visto a cara que ele fez quando eu arrumei sua mão nas minhas costas. Enfim, foi uma aula cansativa.
Quando Victor nos liberou, eu dei um tchau rápido para todos e voei para o carro.
Consegui chegar em casa antes das sete e meia, mal dando para ouvir duas músicas no iPod. Meu tijolinho. Corri para o quarto e peguei a caixa de som dele, levando para o banheiro. Deixei tocar enquanto tomei banho e me arrumei para sair. Deixe-me explicar o "tijolinho"; ele era um iPod classic, daqueles grandes que tem mais de 100gb de memória. O meu havia sido adquirido há pouco tempo, e tinha 160gb. Que na verdade são quase 150gb, então por que raios a Apple vende como 160gb? Eletrônicos. Enfim. Uma vez alguém me explicou, mas isso não interessa. O que interessa é que eu troquei um tijolinho de 120gb por um de 160gb, e minhas queridas amigas não aguentaram. Todas com seus touchs, de no máximo 64gb, não entendiam o que eu via naquele tijolo prateado. O fato é que eu não vivo sem essa porcarizinha, e ele é meu bebê. Meu xodó, meu maior sonho. Carregar todas as músicas na palma da mão? Por favor. Ainda mais alguém como eu, que ouvia até música estrangeira. E tijolinho ficou, mas com muito carinho, ok? Eu até mesmo tinha feito uma case com a capa do álbum "The Wall" do Pink Floyd pra ele.
Separei uma bolsa para guardar minhas coisas e estava pronta. Levava um pijama e uma troca de roupa, por precaução, uma nécessaire completa e minha carteira. Era isso. Olhei-me no espelho de corpo que tinha no closet e chequei meu visual. Blusa verde comprida de alça, shorts jeans escuro e sandália de laço preta. Tudo no lugar, soltei meu cabelo e saí.
Encontrei meus pais na sala de estar, assistindo um jornal na TV.
— Mãe, pai. Vou sair com as garotas. Pretendo voltar hoje, mas talvez durma na , dependendo do meu cansaço... Vou de carro. Tudo bem?
Minha mãe me olhava feio, notei que papai apertou sua mão e sorriu.
— É claro, . Nos avise qualquer coisa, mesmo que seja tarde. E se cuide. — papai piscou e eu sorri, agradecendo, e saí para a garagem o mais rápido que consegui.
Antes que ele mudasse de ideia ou minha mãe conseguisse falar. Os fones de volta no ouvido, a voz da P!nk saindo deles.
*
Eles assistiram o New Beetle vermelho ir embora pela janela da sala de estar.
— Lá vai ela de novo, pra casa de alguma amiga. — a mulher reclamou, finalmente falando algo.
O homem suspirou.
— Donna, não seja tão severa, nossa pequena precisa de um descanso. Ela já se cobra demais.
— O quê? Demais? Ela faz handball, dança, teatro! Ela só quer saber de aproveitar, estudar, que é bom...
— Ela estuda. — ele a cortou. Aquele assunto de novo não. Ele mesmo entendera esse discurso por um tempo, mas logo eram tantos A+ que até Richard entendeu que suas reclamações não tinham mais fundamento, havia aprendido a se organizar, e muito bem. — E o boletim não me deixa mentir sobre isso.
Donna bufou.
— Ela se distrai muitos dos objetivos principais!
Era hora de dizer. Richard respirou fundo.
— Ela não é você, Donna. Você precisa parar de ser tão rígida com , é da mãe dela que ela precisa agora, e não da garota de 19 anos que não fez Harvard porque teve que dar a luz a uma menininha no dia da entrevista. Você devia conversar com ela, amor. Contar sua história, se abrir com sua filha. Desde que ela começou o Middle School é essa loucura... Nós temos que parar de transferir nossas frustrações e vontades para ela, a tem seus próprios sonhos pra realizar.
Donna pareceu contrariada e saiu com a desculpa de que ia ver como ia o jantar. A empregada era nova e estava sendo adestrada por Donna ainda. Richard sorriu. Sua mulher era a pessoa mais firme e durona que o mundo já havia conhecido, e isso era o que o mantinha apaixonado por ela há tantos anos. Só que agora isso estava atrapalhando o seu relacionamento com suas filhas, e Donna precisava se abrir.
E ele ia conseguir aquilo, porque era a única pessoa no mundo que conseguia dobrar as barreiras da mulher. Richard fechou a cortina com um sorriso, dirigindo-se ao quarto de Aimée em seguida.



(Medo de Amar — Adriana Calcanhoto)

Meu celular vibrou, parei em um farol e espiei a mensagem.
"Vai demorar, paspalha? Já estamos aqui no . Vem ou você perde a festa!"
Era , e, pelo tom cômico de sua mensagem, ela devia estar desesperada por mim, precisando urgentemente da minha ajuda pra não se enfiar em um banheiro e chorar. Essa era . Mandei um simples "Estou chegando, babe" e acelerei, chegando na casa de e em poucos minutos. Estacionei em frente a casa e desci, reparando na casa ao lado. Parecia vazia, eles já deviam estar todos ali. Isso é, e .
Principalmente , o que explicava o nervosismo de .
! — fui recebida por na porta, que já foi me abraçando. — Bebemos primeiro ou fazemos a janta?
Já entrei na casa rindo.
— A janta primeiro, né? Não quero ver vocês alteradas usando facas.
O garotos riram, e as garotas me receberam com tapinhas. Eles estavam todos na sala mesmo, que era o primeiro cômodo da casa. Parecia confortável, o sofá de dois lugares aconchegava até quatro ou cinco pessoas apertadas, e o tapete entre o móvel da TV e o sofá parecia um ótimo lugar para se ficar deitado por horas. Já havia algumas latinhas de cerveja vazias por ali.
— Vamos jantar o quê? — perguntei, deixando minha bolsa junto com as das garotas, em um canto perto da mesa que havia à direita.
— Hambúrguer! — bateu palmas. Ri.
— Melhor fazer antes, mesmo. — se manifestou, recebendo a atenção total de . Tolinha, ela mal sabia disfarçar. Não sei como eu era a única que sabia do namoro deles. — Enquanto o hambuger assa, nós bebemos. Eu comprei carne moída, temos que fazer os bifes.
— Fazer? — estranhou.
— Sim, o hambúrguer do é ótimo! — respondeu, recebendo olhares confusos. — O quê? Ele sempre faz nos churrascos de família. E é bom. — ela deu de ombros, corada.
Ela precisava urgentemente de ajuda. Sentei no chão, apoiando as costas no sofá, puxando comigo.
— Então vamos logo. Vocês, venham me ajudar. — apontou para os garotos, já puxando com ele.
— Ok, chefe.
— Vão precisar de mais mãos? — ofereceu, com um sorriso.
— Não, os homens fazem a janta. Cortesia da casa. — fez uma reverência e riu, cobrindo a boca.
Rolei os olhos. Aqueles dois, era impagável o modo como eu podia vê-los usando roupa de época quando agiam assim. A cozinha ficava depois da mesa, sendo separada por uma parede. Parecia apertada, mas tinha aquela abertura na parede que dava para a mesa, o que eu achava muito legal. E os garotos ficaram ali, onde devia haver uma bancada para eles trabalharem.
Eu ainda estava com um fone no ouvido, e o puxou.
— Tava ouvindo o quê?
— P!nk. — mostrei a língua para ela, tirando o iPod do bolso do shorts.
— Yay! Coloca no rádio ali, é pra iPod! E desliga a TV! — veio com algumas latinhas, junto com .
Peguei uma Ice de frutas tropicais de nome complexo e em troca dei o iPod para .
— Coloca, então, à vontade.
colocou as outras latinhas no chão e me deu a língua, indo até a TV e desligando-a.
, promete que não vai ligar pro . Ignorar, lembra? Você vai ignorá-lo a noite toda. Não beba se souber que não vai conseguir.
A música começou, e o rosto de se iluminou.
So I'll cash my checks and place my bets
And hope I'll always win
Even if I don't I'm fucked because I live a life of sin
(Então, eu vou pegar meus cheques e fazer minhas apostas/E torcer pra que eu sempre vença/Mesmo que eu esteja fodida porque eu vivo uma vida de pecados)
— But it's alright, I don't give a damn, I don't play your rules I make my own! Tonight I'll do what I want 'cuz I caaaaan! (Mas está tudo certo, eu não dou a mínima, Eu não sigo suas regras, eu faço as minhas próprias! Hoje a noite eu vou fazer o que eu quiser porque eu posso!) — cantou tão alto quanto a música, e nós rimos.
Quis dar tapinhas de apoio, mas me conformei em ver a cara de pela abertura da parede. Eles pareciam concentrados no trabalho, mas sorriam.
So I'll cash my checks and place my bets
And hope I'll always win
Even if I don't I'm fucked because I live a life of sin
But it's alright, I don't give a damn
I don't play your rules I make my own
Tonight I'll do what I want 'cuz I can
(Então, eu vou pegar meus cheques e fazer minhas apostas/E torcer pra que eu sempre vença/Mesmo que eu esteja fodida porque eu vivo uma vida de pecados/Mas está tudo certo, eu não dou a mínima/Eu não sigo suas regras, eu faço as minhas próprias/Hoje de noite eu vou fazer o que eu quiser, porque eu posso)
— Vamos cantar uma cada uma! Vamos? E dançar. Vamos, sim! — foi até o iPod e começou a procurar uma música.
Rolei os olhos, rindo fraco, e falavam, animadas, conforme as músicas passavam.
Just Like a Pill. Sorri com a escolha de em compaixão. Era bom que ouvisse bem a música.
— I'm lyin' here on the floor where you left me. I think I took too much. I'm cryin' here, what have you done? I thought it would be fun. (Estou deitada aqui no chão onde você me deixou. Acho que tomei demais. Estou chorando, o que foi que você fez? Achei que ia ser divertido.) — começou baixinho, como na música, colocando todo o seu sentimento naquilo. E então começou a aumentar o tom.
I can't stay on your life support, there's a shortage in the switch
I can't stay on your morphine, 'cuz its makin' me itch
I said, I tried to call the nurse again but she's being a little bitch
I think I'll get outta here
(Não posso usar sua aparelhagem médica, há um curto no interruptor/Não posso usar sua morfina, porque ela me dá coceira/Chamei a enfermeira de novo, mas ela está sendo uma vadiazinha/Acho que vou sair daqui...)
Ela começou a dançar, bagunçando o cabelo e abrindo sua latinha de cerveja. e dançavam atrás dela, e eu dancei sentada. Era o que meu cansaço permitia.
Where I can
Run just as fast as I can
To the middle of nowhere
To the middle of my frustrated fears
And I swear you're just like a pill
Instead of makin' me better, you keep makin' me ill
You keep makin' me ill
(...Para onde eu possa/Correr o mais rápido que puder/Para o meio do nada/Para o meio de meus medos frustrados/E eu juro que você é como uma droga/Em vez de me fazer melhorar, continua me fazendo adoecer/Você continua me fazendo adoecer)
abaixou o tom, voltando a cantar suavemente, a dança virou algo mais lento. Me segurei para não rir, as caras que elas faziam eram demais até mesmo para mim, a própria Miss Caretas.
I haven't moved from the spot where you left me
This must be a bad trip
All of the other pills, they were different
Maybe I should get some help
(Eu não saí do lugar de onde você me deixou/Isso deve ser uma viagem ruim/Todas as outras drogas eram diferentes/Talvez eu devesse buscar ajuda)
I can't stay on your life support, there's a shortage in the switch
I can't stay on your morphine, 'cuz its makin' me itch
I said, I tried to call the nurse again but she's being a little bitch
I think I'll get outta here
(Não posso usar sua aparelhagem médica, há um curto no interruptor/Não posso usar sua morfina, porque ela me dá coceira/Chamei a enfermeira de novo, mas ela está sendo uma vadiazinha/Acho que vou sair daqui...)
— Where I can run just as fast as I can, to the middle of nowhere, to the middle of my frustrated fears. And I swear you're just like a pill, instead of makin' me better, you keep makin' me ill, you keep makin' me ill! (...Para onde eu possa correr o mais rápido que puder, para o meio do nada, para o meio de meus medos frustrados. E eu juro que você é como uma droga, em vez de me fazer melhorar, continua me fazendo adoecer, você continua me fazendo adoecer) — já berrava, fazendo e rir, e todos os garotos olhavam para aquela cena patética da cozinha, rindo. tentava se concentrar no que fazia, mas passava muito mais tempo olhando . Eu ajudava no backing vocal, tentando não rir.
Run just as fast as I can
To the middle of nowhere
To the middle of my frustrated fears
And I swear you're just like a pill
Instead of makin' me better, you keep makin' me ill
You keep makin' me ill
(Correr o mais rápido que puder/Para o meio do nada/Para o meio de meus medos frustrados/E eu juro que você é como uma droga/Em vez de me fazer melhorar, continua me fazendo adoecer/Você continua me fazendo adoecer)
I can't stay on your life support, there's a shortage in the switch (Just like a pill)
I can't stay on your morphine, 'cuz its makin' me itch (Just like a pill)
I said, I tried to call the nurse again but she's being a little bitch (Just like a pill)
I think I'll get outta here
(Não posso usar sua aparelhagem médica, há um curto no interruptor/Não posso usar sua morfina, porque ela me dá coceira/Chamei a enfermeira de novo, mas ela está sendo uma vadiazinha/Acho que vou sair daqui...)
continuou com suas palhaçadas, tentando, sem sucesso, me fazer levantar do chão. A música ainda estava tocando quando trocou para U + Ur Hand.
— Uh, uh uh, uh uh, uh uh, oh! Uh, uh uh, uh uh, uh uh, oh! Check it out, goin' out on the late night. Lookin' tight, feelin' nice, it's a cock fight. I can tell, I just know that it's goin' down tonight! (Saca só/Vou sair/Tarde da noite/Estou em forma/Me sentindo bem/É uma briga de macho/Eu posso perceber/Eu sei/Dá pra ver que acabará/Hoje à noite)
me puxou, e eu acabei indo. Aquela era uma música para todas dançarmos. Rindo. Fiz poses e mais poses, vendo sorrir. brigou com ele, e se concentrou em fazer o que devia. e estavam quase cantando junto, dançando enquanto ajudavam .
At the door we don't wait 'cause we know them
At the bar, six shots, just beginnin'
That's when dickhead put his hands on me, but you see
(Não esperamos à porta, porque nós os conhecemos/No bar, 6 doses, é só o começo/Até que um idiota colocou as mãos em mim/Mas quer saber?)
I'm not here for your entertainment
You don't really want to mess with me tonight
Just stop and take a second
I was fine before you walked into my life
'Cause you know it's over
Before it began
Keep your drink just give me the money
It's just u + ur hand tonight
(Não estou aqui para a sua diversão/Não se meta comigo esta noite/Pare e pense um segundo/Eu estava bem antes de você aparecer na minha vida/Você sabe que acabou/Antes mesmo de começar/Fique com sua bebida e me dê o dinheiro/Hoje será só você e sua mão)
Uh, uh uh, uh uh, uh uh, oh!
Uh, uh uh, uh uh, uh uh, oh!
— Midnight, I'm drunk, I don't give a fuck! Wanna dance by myself, guess you're outta luck. Don't touch, back up, I'm not the one, uh buh-bye! Listen up it's just not happenin', you can say what you want to your boyfriends. Just let me have my fun tonight, a'ight? (É meia-noite/Estou bêbada/Mas não estou nem ai/Quero dançar/Sozinha/Acho que você tá sem sorte/Não me toque/Cai fora/Eu não sou a única aqui/Tchauzinho/Escute, não vai rolar/Pode dizer o que quiser aos seus amigos/Deixe eu me divertir sozinha esta noite/Certo?) — interpretava com perfeição, o que só tornava tudo mais engraçado.
I'm not here for your entertainment
You don't really want to mess with me tonight
Just stop and take a second
I was fine before you walked into my life
'Cause you know it's over
Before it began
Keep your drink just give me the money
It's just u + ur hand tonight
(Não estou aqui para a sua diversão/Não se meta comigo esta noite/Pare e pense um segundo/Eu estava bem antes de você aparecer na minha vida/Você sabe que acabou/Antes mesmo de começar/Fique com sua bebida e me dê o dinheiro/Hoje será só você e sua mão)
— Uh, uh uh, uh uh, uh uh, oh! Uh, uh uh, uh uh, uh uh, oh! Break break break, break it, break it down! — estava conseguindo ser mais engraçada que , e batia palmas da cozinha. Até olhava, de vez em quando. — You're in the corner with your boys, you bet 'em five bucks you'd get the girl that just walked in but she thinks you suck. We didn't get all dressed up just for you to see. So quit spillin' your drinks on me, yeah! (Ah ah ah ah ah ah ah oh/Diminua, diminua/Diminua o ritmo) (No canto com seus amigos, você apostou 5 dólares/Que ganharia garota que acabou de entrar, mas ela te acha um idiota/Nós não nos produzimos só pra você ver/Então, pare de derramar sua bebida em mim)
Bati meu quadril do dela e falei:
— You know who you are, high-fivin', talkin' shit, but you're going home alone, aren't ya? (Você sabe quem você é/Se achando, falando merda, mas você vai voltar sozinho para casa, não é?)
Rimos. E voltamos a cantar como loucas.
'Cause I'm not here for your entertainment
You don't really want to mess with me tonight
Just stop and take a second
I was fine before you walked into my life
'Cause you know it's over
Before it began
Keep your drink just give me the money
It's just u + ur hand tonight
O refrão se repetiu, e eu me joguei no sofá.
correu para o iPod, achando a sua rapidamente. Who Knew. Escorreguei no sofá, lamentando a escolha depressiva dela e fui acompanhada por . Encarei-a, tentando passar força, e piscou, indicando que estava bem. e dançavam uma valsa, enquanto interpretava a música. Pedi uma faca para dar a , assim ela já se matava, e ela mandou aquele dedo nada bonito pra mim. Bom, na verdade, o dedo dela é lindo, mas vocês entenderam.
podia ter sido menos óbvia, "Who Knew" era quase como levantar um cartaz escrito "Essa é pra você, ".
Porém, ela cantou com emoção. Não era uma música fácil de cantar, e se ela desafinou, eu não percebi. Logo e eu fazíamos coro para ela, ainda no sofá.
— That last kiss I'll cherish until we meet again, and time makes It harder, I wish I could remember! But I keep your memory, you visit me in my sleep. My darling... Who knew? (Aquele último beijo, eu vou valorizar/Até nós nos encontrarmos novamente/E o tempo torna tudo mais difícil/Eu queria poder me lembrar/Mas eu mantenho sua memória/Você me visita enquanto durmo... Quem diria?) — olhava para a cozinha, mas era que ela via, óbvio. Ela sorriu e se voltou para nós. — SUA VEZ, !
— Aaaaaaaaaaahhhh. — tentei me esconder atrás de , mas ela não deixou.
— Vai logo, molenga! Escolhe uma pra ela, !
obedeceu, e ela não demorou para achar uma música. E ela acertou em cheio, porque quando a música começou, eu me levantei. E comecei a dançar. "M!ssundaztood" era a mais dançante de todas que haviam tocado.
— I might be the way everybody likes to say, I know whatcha thinking about me. There might be a day you might have a certain way, but you don't have my luxuries. And it's me, I know, I know my name 'cause I say it proud! Everything I want I always do. Lookin' for the right track, always on the wrong track, but are you catchin' all these tracks that I'm layin' down for you? (Talvez eu seja do jeito que as pessoas gostam de falar/Eu sei o que você está pensando sobre mim/Pode chegar o dia em que você tenha um pouco de razão/Mas não pra cima de mim/E sou eu, eu sei meu nome/Porque eu o digo com orgulho/Eu sempre faço tudo que eu quero) — meus olhos encontraram os de , e eu sorri, me voltando para as garotas e mostrando os passos da dança que havia acabado de inventar.
There's a song I was listenin' to up all night
There's a voice I'm hearing, sayin', "It's alright"
When I'm happy I am sad, but everything's good
It's not that complicated, I'm just misunderstood
(Tem uma música que eu estava escutando acordada a noite toda/Tem uma voz que eu tenho escutado dizer ''está tudo bem''/Quando estou feliz, estou triste, mas tá tudo bem/Isso não é tão complicado, eu sou apenas mal compreendida)
Eu dançava entre as garotas como se desse um show, tentando não rir e cantando junto com a P!nk. Nossa voz era uma, apesar de eu cantar mais alto. Talvez interpretação fosse o meu forte.t
There might be a day, everything it goes my way
Can't you think I know I'm superfly?
I might see a world in a world inside of you
Then I might just say goodbye
(Talvez haja um dia em que tudo seja do meu jeito/Você não sabe que eu sei que sou super demais?/Talvez eu veja um mundo em um mundo dentro de você/Então talvez eu diga adeus)
And it's my name I know I say it loud,
'cause I'm really proud
Of all the things I used to do
Well, it's the wrong track looking for the right track
And are you catchin' all these tracks that I'm layin' down for you?
There's a song I was listenin' to up all night
There's a voice I'm hearing, sayin', "It's alright"
When I'm happy I am sad, but everything's good
It's not that complicated, I'm just misunderstood
Seria arrogância dizer que todos haviam parado de fazer o que faziam para assistir? Bom, era mais ou menos assim. Mas não era todo mundo que me importava. Os olhos de pareciam não sair de mim.
Lookin' for the right track, always on the wrong track
But are you catchin' all these tracks that I'm layin' down for you?
There's a song I was listenin' to up all night
There's a voice I'm hearing, sayin', "It's alright"
— I was taken for granted but it's all good, 'cause I'll do it again, I'm just misunderstood! I said, I'll do it again, I'm just misunderstood! I said, I'll do it again, I'm just misunderstood! I said, I'll do it again, I'm just misunderstood... (Eu fui subestimada mas está tudo bem, porque eu vou fazer tudo de novo, eu sou apenas mal compreendida! Eu disse: eu vou fazer tudo de novo, eu sou apenas mal compreendida...) — e então comecei a rir.
Peguei minha Ice e dei uma boa golada, com sede pela cantoria toda. Recebi palmas e voltei a imitar a cantora, com um "Uh!" aqui e ali, mas logo estava rindo de novo e me jogando no sofá. Dear Mr. President começou, e logo eu cantava de novo.
— Agora que ela começou, segura! — brincou, recebendo o dedo do meio de mim.
— Aaah, espera! — gritou, secando as mãos em uma toalha. — Pausa a música!
Ele saiu correndo para a escada que ficava entre a sala e a mesa, no corredor. Esperamos, e ele voltou com um violão.
— AAH, AGORA, SIM! — foi quem falou mais alto, porém eu mesma disse isso, mais baixo.
tocou a música no violão, e eu cantei. Tentando soltar a voz, tentando não ficar com vergonha e tentando não corar com o olhar de . Essa pessoas que conseguem tocar violão sem olhar o que fazem!
— How do you sleep while the rest of you cry? How do you dream when a mother has no chance to say goodbye? How do you walk with your head held high? Can you even look me in the eye... And tell me why? (Como você dorme enquanto o resto de nós chora? Como você sonha quando uma mãe não teve a chance de dizer adeus? Como você caminha com a cabeça erguida? Você poderia ao menos olhar nos meus olhos... E me dizer por quê?)
Logo e haviam se juntado, com mais bebidas leves. demorou um pouco mais, mas logo estava no sofá, quieto. Só bebendo.
E se divertia muito, entre e . Coincidência ou não, estava de frente para e de frente para . tinha um repertório infinito de músicas no violão, mas colocou-o de lado quando todos já estavam altos demais para conseguir cantar sem rir. Eu estava no tapete, um pouco afastada da bagunça, mas era quem estava mais perto. Minha cabeça encostada no braço do sofá, e a quinta latinha de Ice na minha mão. Aquelas porcarias eram o meu fraco, não gostava de beber, mas essas eram gostosas demais para eu conseguir resistir. Tudo bem, porque a maioria já estava a caminho da décima latinha. veio até mim e apoiou as costas na minha perna que estava dobrada, apoiando as mãos no chão atrás delas, e esticando suas pernas. Tudo sem tirar a atenção da conversa. Ele riu, parecendo extremamente solto, e deu outra golada na cerveja que trouxera, relando a mão na minha coxa antes, ao puxá-la para pegar sua cerveja.
E então ele ficou assim, apoiado na minha perna e em sua mão direita, que estava perto da minha... Cintura.
Foi difícil tirar o olhar dele, e minha latinha acabou. A música voltara a tocar, mais alta, e cantava Spice Girls. É, eu tenho isso no iPod, pode me julgar o quanto quiser. Era divertido, ótimo pra dançar. Como fazia. E eu avisei que tinha um gosto musical amplo. Desencostei do sofá e me aproximei do ouvido de .
— Pega mais uma pra mim? Pode ser de limão. — balancei a latinha, me afastando novamente, e me olhou com algo diferente em seu olhar. Ele sorriu, fazendo um aceno positivo com a cabeça, e se esticou para alcançar uma das latas que estava no centro do tapete.
Ele abriu a latinha e me entregou, com o mesmo sorriso nos lábios. Senti minha pele se arrepiar, e culpei a temperatura da latinha de Ice.
— Não use mais esses shorts, por favor? — a voz dele saiu mole, e na leveza do momento, aquilo parecia me puxar para ele. Sorri.
— Por quê, ? — perguntei, soando mais infantil do que o normal, e piscou lentamente.
— Muito curto. Parece que todo mundo está devorando as suas pernas.
Ri, tampando a boca para não chamar atenção.
— Não tem ninguém devorando as minhas pernas, !
Ele desceu o olhar para elas e voltou rapidamente para os meus olhos, mordiscando seu lábio. E antes que eu raciocinasse aquilo apropriadamente, chamou todos para ajudá-lo com a mesa. Ele dava as coisas e nós arrumávamos na mesa, e como éramos oito, isso acabou bem rápido. Hambúrgueres prontos, com queijo derretido e ovo frito, sentamos. Tinha salada, também, e presunto e outras coisas que eu não arriscaria colocar no lanche, se quisesse comê-lo inteiro sem vomitar. Estavam acabando o segundo lanche quando eu acabei o primeiro, e o meu era muito menor do que os garotos tinham feito pra si. Bebemos mais. apareceu com uma garrafa de vodka, dizendo que ia fazer uma batida. E ele voltou com uma batida de morango, recebendo meu ódio por isso. Se havia uma batida que eu não resistia, era a de morango.
— Gente, eu vou voltar dirigindo... — tentei evitar a bebida, mas não ia ser tão fácil.
— Você dorme aqui, !
— Sua casa é uns quarteirões daqui, a gente te leva! A pé! — riu, derrubando um pouco da bebida em . — Ops!
limpou com a língua, e eu não me preocupei eu observar aquilo.
Mas no segundo seguinte, o beijava.
— Hey, hey!!! — gritou, tentando cortar o beijo.
só ria, olhava para seu copo de batida como se ele fosse fascinante — e era, ok, ele não estava tão bêbado assim, ninguém estava. Eu acho. — e batia palmas e gritava. E eles não se soltaram.
— Vocês dois aí, o quarto é lá em cima! — separou os dois à força, mas sem querer. Ele tropeçou e caiu no meio dos dois.
!! — foi o acudir, rindo.
As coisas estão ficando meio confusas, eu já estava com o copo da batida cheio até a boca novamente. Como? Quando? Por quê? Quem?
Não é hora de escrever uma redação, . E largue esse copo.
Obedeci cegamente ao resto de bom senso que tinha no meu cérebro e passei o resto da noite vendo minhas amigas e nossos mais novos amigos fazendo idiotices. saiu da casa e não voltou mais, mas ele não fez falta. nem percebeu que ele fora embora. Eu já estava recuperando minha sobriedade, os cabelos de entre meus dedos, que os acariciavam. Eu estava sentada no sofá, e ele estava deitado de lado, com a cabeça no meu colo, olhando para o resto do grupo no chão. As conversas iam das coisas mais idiotas até assuntos mais cabulosos, que não conseguiam se manter sérios por muito tempo. E as minhas mãos acariciando o cabelo de . sendo abraçada por , toda feliz. e lado a lado, fazendo as melhores piadas e trocando High Fives. na frente deles não conseguia ficar sem rir.
Eu já tinha mandado mensagens para meus pais, avisando que estava com muito sono para voltar pra casa, mas que talvez voltasse.
Só que nós dormimos.
*
Eu pseudo-acordei durante a madrugada, encontrando e dormindo no chão junto com , e . Apesar de estarem no chão, eles ficariam bem. O tapete era extremamente confortável, experiência própria. Minha mão segurava algo, e eu levantei um pouco para ver o quê. Uma perna, ok. Notei que ainda servia de travesseiro para mim, e sua mão ainda estava no meu cabelo. Sorri, naquele estado grogue, e me forcei a sentar.
Ela abriu os olhos minimamente, e eu a fiz deitar no sofá. Ele era largo o suficiente para nós dois, se deitássemos de lado. tinha um sorriso nos lábios quando eu deitei, e eu agradeci o tamanho do sofá confortável dos garotos. É claro que em seguida eu pensei que talvez ele fosse proposital, e então eu senti nojo, pensando o que já havia acontecido ali, mas tudo ficou bem.
Porque no instante seguinte eu tinha apagado de novo.
Acordei de novo com tentando sair do sofá sem me acordar. Ela riu e saiu de vez.
— Desculpa?
— Sem problemas. — respondi, já sentando.
Ela mexia em seu celular, e em seguida acordava as amigas. Foi um trabalho árduo, mas logo todos estavam na mesa, tomando o café da manhã.
podia ter dado tchau e subido para o seu quarto, e também, mas ambos estavam ocupados em serem anfitriões, mesmo que mortos de sono. E eu, bom, eu podia ter ido pra casa ao lado, mas estava ali. Amigos? Ok, algo me dizia que todos ali estavam tentando impressionar alguém. Elas foram se trocar e ficamos jogando Xbox na sala. foi a primeira a sair, usando uma saia rodada bege claro que ia até o joelho e uma blusa regata branca, o cabelo preso de lado, caindo até a sua cintura. Ela usava um batom claro nos lábios, e trazia um sorriso também.
— Obrigada pela noite, garotos! E pelo teto, e o sofá.
Rimos.
— Não foi nada, . — abanou a mão no ar.
— É, foi bem legal, podemos fazer sempre! — deu seu sorriso grogue, fazendo rir.
— Por mim, tudo bem, desde que das próximas vezes tenham colchões no chão, por favor. — quem falou foi , aparecendo do lado de .
recebeu o olhar maldoso, cheio de significados, de , e eu me lembrei do beijo que havia dado em . Ae, garoto! Haha. Eles estavam todos se acertando, já eu... Bom, eu teria uma visita para fazer mais tarde, com o vinil de Slide It In embaixo do braço.
— Como é que é, toda sexta aqui? Com direito a colchão? Fechado! — chegou à sala.
Nenhuma delas parecia ter dormido pouco ou acabado de acordar. Isso era deprimente, porque devíamos estar parecendo mendigos enquanto elas estavam trocadas e sorridentes. apareceu menos alegre, mas igualmente arrumada, e elas se despediram, indo para o tal Centro Comunitário que precisavam. Elas mal tinham saído, e e já corriam para seus quartos. Ri, indo para a casa ao lado e decidindo tirar apenas um cochilo antes de estudar.
Já dá pra saber que esse cochilo acabou durando horas demais, não é? Acordei era quase meio dia, e corri para tomar um banho e almoçar, com um estranho nervosismo habitando meu estômago.
Ir à casa dela, sozinho, na casa dela, sem meus amigos, sem as amigas dela. Era meio elouquecedor. Respirei fundo e digitei uma mensagem rápida no celular.
*
Tinha acabado de deixar em sua casa, que ficava caminho para a minha, quando meu celular tocou. Olhei a mensagem no primeiro farol, era . Passei na Starbucks para pegar o máximo de café que eu conseguisse, não resistindo ao maravilhoso Caramel Macchiato, meu pequeno vício. Estava bem, mas um pouco de cafeína não ia fazer mal. Respondi a mensagem dizendo que já estava quase em casa, e que ele podia vir.
Voei para o banho, sem nem colocar uma música ambiente, e logo já estava com um shorts largo e uma camisa do lindíssimo Paul McCartney. A campainha tocou, e meu cabelo ainda pingava água. Saí correndo pela casa, descalça mesmo, e só parei quando cheguei à porta de entrada. Recuperei o fôlego e espiei pelo olho mágico. Era . O mesmo que dormira no meu colo, o mesmo que eu fizera cafuné... Sem contar que havíamos dormido no mesmo sofá. Não ia dar certo ficar pensando nessas coisas sozinha com ele.
usava uma calça jeans azul clara, uma camisa branca e uma camiseta xadrez vermelha por cima. Nas mãos, o vinil tão desejado. Abri a porta com um sorriso.
— Oi, vinil dos meus sonhos!
riu e ofereceu o vinil para eu ver, cheirar e abraçar. Deixei-o entrar e fechei a porta, ainda abraçando o Slide It In.
— Achei que tivesse pego o endereço errado.
Ri.
— É, a casa é meio grande, esqueci de te avisar. Já almoçou?
sorriu, ladino.
— Meio grande? Meio?
Fiquei sem graça, como sempre, e comecei a andar.
— Sala aqui, cozinha aqui... Eu já almocei, mas deve ter alguma sobremesa...
— Eu já almocei, também. — sorria, sereno.
Maldito, eu virando uma pilha de nervos, e ele todo calminho. Peguei duas taças de gelatina de limão e ofereci uma para , que aceitou de prontidão. Peguei as colheres e voltei ao tour da casa.
— Ali é a lavanderia, e no final dela está a garagem. Aí temos um jardim muito bonito, com direito à árvore grande e um balanço pendurado. É perto da janela do meu quarto. Tem uma churrasqueira também, atrás da casa. Continuando do corredor de entrada... Bom, temos uma sala de jantar, que só é usada em datas especiais, em seguida o escritório da minha mãe e o do meu pai, depois uma biblioteca considerável e a academia. Descendo, temos uma piscina aquecida e uma sauna seca. Subindo temos os quartos. O meu fica no final da casa, é o último cômodo de todos. Vamos?
Não esperei responder e ignorei sua cara de surpresa. Já sabia o que viria a seguir. Tudo bem a casa ser grande, mas uma piscina subterrânea e aquecida?
Desnecessário dizer que tudo aquilo era exagero e que só eu usava a piscina, na maioria das vezes. Pelo menos alguém usava.
*
Era um pouco intimidador. Um pouco. A casa de era de uma imponência clássica por fora, e por dentro parecia saída de um daqueles filmes futurísticos. Era a mistura perfeita do clássico e do moderno, com uma elegância absurda em cada detalhe. Decidi não dizer nada, porque qualquer coisa soaria estúpida. Eu sabia bem como era aquilo. Mas, apesar do estupor, consegui notar que não havia visto ninguém pela casa.
Chegamos ao final do corredor e abriu a porta da esquerda. Não havia porta do lado direito, mas eu só reparei depois. E assim que vi seu quarto, esqueci tudo.
Meus olhos foram primeiro para a parede oposta, a parede da cama, que era coberta do chão até o teto por posters dos mais diversos. Até alguns quadros clássicos estavam ali, e os mais recorrentes eram Van Gogh. Sua cama era inteira vermelha, até os travesseiros eram. Um vermelho sangue muito bonito. A cama era moderna, contrastando com os móveis de madeira escura que estavam um de cada lado, como cabeceira. Na parede da porta havia um grande mural preto, grande mesmo. Lotado de fotos e papéis presos com ímãs muito divertidos. Uma escadinha estava encostada ali, provavelmente para alcançar o alto do mural. E no final dessa parede parecia haver uma porta. Do outro lado do quarto havia uma porta de vidro, a cortina preta semiaberta permitia ver uma sacada. E na última parede, oposta à parede de posters, estava uma escrivaninha tão clássica quanto os móveis da cama. E, em cima dela, um computador, um notebook, um espaço vazio com alguns livros em volta, e uma vitrola no final.
— Vai ficar aí na porta? — perguntou, virando para me olhar, rapidamente. Em seguida estava colocando a vitrola no chão, perto da cama, e se sentou ali.
Fui até ela e observei o cuidado com que manuseou meu vinil do Whitesnake. Nem eu era tão cuidadoso. Ela o limpou com uma flanela antes de encaixá-lo na vitrola. Sentei ao seu lado. A primeira faixa começou a tocar e fechou os olhos, curtindo a introdução. Seu cabelo, ainda molhado, estava solto, fazendo com que sua blusa molhasse.
— I've been a gypsy for a thousand years! A victim of circumstance, I go wherever my destiny calls. I'm caught in a game of chance. I stand on the outside, looking at love. I wanna get inside. I stand on the outside, looking at love! Just trying to get inside. — começou a cantar, pegando a colher da gelatina para cantar. — Vai, , comigo!
Até o fim da música já cantávamos com a boca cheia de gelatina, mas ainda sem levantar do chão. E aí a música Slide It In começou.
levantou em um pulo e ficou de frente para mim, que não saí do lugar. Ela não ia fazer isso, ia? Cantar aquela música, como se cantasse para mim? Aliás, cantando pra mim? Eu não devia entender errado, era só uma música.
Uma música que garotas não costumam cantar para os amigos.
— It's written on your face, an' in the words you hide behind. I know what you want, I can see what you're looking for! I know what you want from me, an' I'm gonna give you more. — ela jogou a colher na cama e riu. — Caramba, que vinil, ! Olha o som disso!
voltou a sentar ao meu lado, curtindo a música.
— É muito bom, mesmo. Espere por "Love Ain't No Stranger".
— Ah! E "Slow an' Easy"!
Tinha algo errado ali. Eu falava de uma faixa romântica e ela vinha com outra... De teor suspeito. E outra, imaginar o porquê ela gostava tanto dessas músicas não era nada saudável. E então eu me lembrei de roubando meu café, de seu deleite ao tomá-lo, e do que imaginei depois. Eu estava no quarto dela. Sozinho. Não vira ninguém na casa. E tocava Whitesnake. Só faltava ela ficar de lingerie, mas do jeito que estava, eu já me contentaria. O que aconteceria? ficaria ofendida, nossa amizade acabaria... Ou ela me dispensaria, mantendo a amizade? Não sei qual opção é a pior.
Tudo o que eu sei é que minhas mãos formigavam de vontade de segurar as coxas dela. O que era, no mínimo, engraçado, tantos anos conhecendo pessoas novas e eu nunca havia passado por algo parecido. Acho que era tudo muito rápido para eu chegar a sentir tanta vontade... Se fosse outra garota, eu já teria feito isso na festa, no dia que a conheci. Mas não era outra garota, era . E eu não podia deixar aquilo tomar conta de mim. A grande suspeita: é justamente por eu não pode tê-la que eu a quero tanto. E se tem algo que uma amizade se baseia, é não exigir que o outro mude por você. Eu não posso mudar quem ela é. Isso seria... Egoísta e mesquinho.
Se bem que ela podia me ajudar, parando de fazer coisas como apoiar a cabeça no meu ombro enquanto "Slow An' Easy" toca na sua vitrola, dentro do seu quarto, onde estamos sozinhos.
E então ela deitou a cabeça no meu colo, com os olhos fechados, virada para cima. ia molhar minha calça com seu cabelo, mas não foi isso que me preocupou.
— Não vai dormir, vai?
— Não! Só quero curtir o vinil direito. Você se importa?
— Não, por mim tudo bem. — apoiei a cabeça no colchão da cama e fechei os olhos, como ela. — Quem dormir, perde.
deu uma risada gostosa e depois ficamos em silêncio completo, só com a vitrola fazendo o seu trabalho.
*
Quando a música acabou, nós mudamos para a cama... Pra fazer a lista de exercícios de matemática. Que grande idiota eu sou. Podem erguer a bandeira, é uma maldita nerd sem graça. Tenho consciência de que devo estar acabando com cada encanto que pode ter sentido por mim um dia. Um vinil daqueles tocando, e eu nem sequer tentei beijá-lo. Agora ele explicava um exercício de Geometria Analítica, e meu pai abriu a porta do quarto. Houve um segundo de silêncio.
— Boa tarde, . Vim ver se estava tudo bem com você.
Papai pareceu nervoso, mas não bravo. Como se ele não soubesse como agir. Quis rir. Fazia tempo que não via meu pai agir tanto como... Um pai.
— Boa tarde, pai. Tudo certo, fui ao serviço comunitário e tudo mais. — levantei da cama, sendo imitada por . E esse é o , um amigo da escola. , esse é o meu pai, Richard. — eles se cumprimentaram e papai o olhou, desconfiado. — O está me ajudando com matemática, e eu o ajudo com Literatura.
— E com Sociologia, e qualquer outro trabalho que eu não saiba fazer. Sou novo na escola, não fazia ideia de como os trabalhos funcionavam. — sorriu, tentando ser simpático, e meu pai pareceu se acalmar um pouco.
— Muito bem. Boa sorte, , se bem que, com a ajuda de , você não vai precisar disso. Nossa garota é muito dedicada a tudo que faz. Bom... Bom estudo pra vocês, então. — e papai saiu, deixando a porta aberta.
Quis gargalhar. Meu pai sendo protetor? Era o apocalipse chegando, com certeza.
respirou fundo, se soltando na cama.
— Ufa. Que medo. Você não contou que seu pai era tão... Imponente.
— HAHAHA! Você se saiu bem, . Meu pai anda fazendo coisas... Inesperadas demais. Só nessa semana, é a segunda vez que ele vem no meu quarto. Assustador.
riu, e voltamos a estudar.
— Você não acha que... Vai ter problemas, né? Se você quiser, eu falo com ele. — parecia preocupado, e o fato dele ter se oferecido para falar com o meu pai assustador foi... Extremamente sexy. Maduro, sabe como é. Talvez aquele fosse o meu fetiche.
— Imagina, . Relaxa. Vamos acabar isso aqui pra ver Romeu e Julieta depois, temos até terça para ensaiar, é melhor começarmos logo.
— Okay.
E ele voltou a me explicar Geometria Analítica com excelência. era um ótimo professor, o que eu levaria semanas quebrando a cabeça, ele estava me ensinando com a maior facilidade do mundo. E eu estava entendendo. E a sensação foi maravilhosa. Então não havia mais nada entre mim e Harvard, nada que me impedisse de fracassar em algum ponto. E isso era possível graças à , e eu poderia beijá-lo por isso!
E por outras coisas, como o jeito que ele sorria, o brilho no olhar dele, o jeito bagunçado dos seus cabelos... E até a mão dele, que parecia perfeita. Eu devia estar elouquecendo para me apaixonar por uma mão, mas eu estava desenvolvendo uma necessidade insana de sentir o toque das mãos dele.
Quando a lista de matemática foi concluída, convidei para conhecer a biblioteca. Não seria seguro continuar com ele no meu quarto, ainda mais com meus pais aparecendo a toda hora. Na descida, encontramos minha família na cozinha, e minha mãe já veio perguntando se estávamos com fome. Expliquei que íamos à biblioteca, porque ia tentar entrar na peça do Teatro e, pasmem, minha mãe ficou empolgada.
Logo ela, com Teatro.
— Qual é a peça, ? — Donna perguntou.
? ???
— Romeu e Julieta, mãe.
— Ah! Que peça linda. Boa sorte, , espero que você consiga seu papel.
Puxei-o mais rápido que consegui para a biblioteca. Eu parei na entrada e olhei para ele.
— Minha mãe nunca conversa com meus amigos. Minha mãe sempre os ignora.
— Ela pareceu... Legal.
— Eu não sei o que está acontecendo, , mas eu acho que você devia correr. E rápido. Pela janela!
Ele riu do meu desespero. Eu ia falar algo, mas Aimée apareceu. Ela encarou por alguns segundos enquanto vinha.
— Ah, , essa é minha irmã. Aimée, meu amigo .
— Hum. — Aimée fez um aceno e passou reto por nós.
Pelo menos alguém por ali ainda estava agindo naturalmente.
— Ok, talvez não seja o fim do mundo, Aimée está normal. — respirei, aliviada, e franziu a testa. — Sim, isso foi ela sendo adorável. Agora, Shakespeare é lá no fundo. Minha parte da biblioteca.
Sorri e levei para o meu canto favorito em toda a casa. Ficava nos fundos da biblioteca, uma sala separada. A parte mais rústica da casa, havia até uma lareira. Uma poltrona, um sofá de dois lugares, um belíssimo tapete, uma janela grande e estantes repletas de livros. Achei Romeu e Julieta com facilidade, puxando dois exemplares de uma vez. Sentei no sofá, e me seguiu. Entreguei um exemplar para ele e começamos a ler.
Não demorou muito para a discussão começar.
— Ok, tem certeza que ela falou essas palavras? Por que Margaret teria tanto interessem em ver justamente essa cena?
— Por que mostra os dois juntos, quando eles se conhecem?
Desisti de discutir. Aquilo era a cara de Margaret.
— Tudo bem. Então vamos fazer a cena logo! Primeiro uma leitura.
E nós lemos. De novo e de novo. Até que começamos a esquematizar a atuação.
— Bom, eu posso beijar a sua mão e...
— Não. Margaret foi bem clara comigo. Os beijos vão ser beijos. Esse primeiro é um encostar de lábios, né. Acho que fica melhor assim, como se fosse um cumprimento.
me encarou em silêncio por alguns segundos.
— Ok. Quer dizer, se não tem problema pra você...
— Não. Então vamos fazer do começo.
Ficamos de frente um para o outro, as frases quase decoradas. começou.
— Se minha mão profana o relicário em remissão, aceito a penitência: meu lábio, peregrino solitário, demonstrará, com sobra, reverência.
Ele era perfeito no papel. Com as roupas certas, seria Romeu. Tentei manter a respiração calma.
— Ofendeis vossa mão, bom peregrino, que se mostrou devota e reverente. Nas mãos dos santos pega o paladino. Esse é o beijo mais santo e conveniente.
— Os santos e os devotos não tem boca? — ele questionou, a interpretação quase perfeita.
— Sim, peregrino, só para orações.
Ele se aproximava lentamente, e eu continuava tentando controlar a respiração.
— Deixai, então, oh santa!, que esta boca mostre o caminho certo aos corações.
— Sem se mexer, o santo exalça o voto. — o efeito que a proximidade de tinha em mim era perfeito. Eu devia estar soando mais Julieta do que qualquer faculdade de atuação me faria soar.
— Então fica quietinha: eis o devoto. Em tua boca me limpo dos pecados.
E, dito isso, encaixou a mão na minha nuca e uniu nossos lábios. Minha respiração deve ter falhado, e meus olhos se fecharam por instinto. Seus lábios foram gentis e macios, encaixando perfeitamente nos meus, e aqueles foram os cinco segundos mais longos de toda a minha vida até então. Quando ele se afastou, tentei lembrar o que devia dizer, já que eu devia dizer algo, e lembrei de que estávamos representando.
— Que passaram, assim, para meus lábios. — me surpreendi com o tom de minha própria voz, baixo e... Confuso? Surpreso? Perfeito! Para a atuação, digo.
Margaret iria engravidar só de ver aquilo.
— Pecados meus? Oh! Quero-os retornados. Devolve-mos. — ele voltou a se aproximar, mas sem me tocar.
— Beijais tal qual os sábios. — falei, por fim, e respirei fundo. — Perfeito. — assumi, me referindo também ao beijo, apesar de não dizer diretamente que havia amado essa parte mais do que como atuação. — E então entra, como Ama... Dessa parte em diante ensaiamos com ela.
— Certo. Ficou bom mesmo? Eu não sei, minha expressão...
— Ficou muito bom, . Mesmo. Não sei como Margaret previu isso, mas ela estava certa. Como sempre. — revirei os olhos e ele sorriu, ainda perto demais de mim.
Perto demais. Senti uma leve tontura, e ele abriu a boca, parecendo querer dizer algo.
, eu... Eu acho que...



(Should I Stay or Should I Go — The Clash)

A porta da sala se abriu, e eu automaticamente dei um passo para trás. Era Donna, a mãe de .
- Café na mesa, queridos! Venham, venham! - ela pegou cada um com uma mão e nos puxou pela biblioteca.
- Mãe, sabemos ir sozinhos! - pareceu incomodada, mas eu havia sido salvo.
E bem na hora. Estava prestes a dizer que não conseguiria ser só amigo dela, que queria a beijar de verdade, e que aquele selinho só havia aumentado essa vontade. Ela ia me dar um tapa, me mandar parar de ser maníaco e sumir da vida dela. Isso, na melhor das hipóteses.
- Corre. Enquanto você pode. - sibilou para mim, me fazendo rir. - Não vai dizer que eu não te avisei.
- Sem cochichar, vocês dois. - chegamos a uma sala que eu ainda não conhecera e entramos. - E então, , como foi essa mudança repentina para a Ferdinand?
Havia uma mesa de madeira enorme ali, e por alguns segundos tive certeza que voltara alguns séculos no tempo. Havia quadros enormes em todas as paredes, janelas que iam do chão até o teto, retratos de família... E então vi Benedict e a irmã de já sentados, e reparei na abundância de coisas que haviam na sobre a mesa. parecia ter prendido a respiração ao meu lado e começava a ficar corada.
- Bom, meus pais viajavam muito, e eu passei por muitas escolas, senhora Donna...
- Só Donna, querido, só Donna. Sente-se aqui, . - ela indicou a primeira cadeira da mesa.
Benedict estava na cadeira da ponta, e Donna sentou-se na cadeira aposta a minha. Aimée estava ao seu lado, e sentou-se ao meu lado, ainda muda. Tive a impressão de que ela ia explodir a qualquer instante, ou tentar enfiar a cabeça no chão.
Contei minha história e Donna foi uma ótima ouvinte, fazendo as exclamações nas horas certas e rindo sempre que o momento pedia. Pude ver Aimée revirar os olhos em uma dessas risadas e eu, que até então achava que a irmã de não tinha nada haver com ela, vi na minha frente uma versão mais jovem e com cachos loiros de . Suas feições eram idênticas, apesar de leves toques que as deixavam diferentes. Ao revirar os olhos as duas eram quase a mesma pessoa.
Benedict permaneceu sério, perguntando sobre meus pais e as viagens, mas sem ser tão caloroso como Donna. Diria que ele até parecia reprovar a atitude da esposa.
- E essa peça que vocês vão fazer, você se inscreveu para algum papel, ? - Donna perguntou, sorrindo para a filha, e eu temi que fosse desmaiar ao meu lado.
Ela definitivamente não estava bem.
- Margaret me obrigou a tentar o papel feminino principal, pra variar. - ela respondeu um tanto sem emoção.
- Ah! Perfeito, você vai ser uma ótima Julieta! Eu tenho alguns vestidos que o Teatro poderia fazer um bom uso nessa peça...
O queixo de caiu, e, depois que ela o voltou no lugar, ficou levemente tensionado. Donna não percebeu, e continuou tagarelando. Eu contei algumas das histórias mais engraçadas de meus pais e até mesmo Aimée começou a rir. Discretamente, mas sim. Eu queria apertar a mão de , tentar confortá-la, mas nem a mais engraçada de todas as histórias pareceu relaxá-la.
- Ah, querido, como seria bom ouvir essa história direto do seu pai! Ele parece ser um comediante nato. - Donna se abanava, corada.
- Quem sabe? O dia que eles vierem para cá eu posso avisá-los.
- Oh, por favor, o faça!
E isso continuou até que nem mais uma uva coubesse no meu estômago. Tortas, bolos, pães...
- Fique mais, querido, não se incomode com nós!
- Nós terminamos por hoje, mãe. O tem que ir. - suspirou baixinho, parecendo exausta.
- Sinto muito, Donna. E muito obrigado pela refeição maravilhosa!
nos deixou trocando elogios e eu senti uma certa fobia de estar ali sozinho. Porém, tão rápido quanto ela foi, ela já estava de volta, com meu vinil em mãos e uma edição de Romeu e Julieta. Despedi-me e segui .
Ela fechou a porta de entrada atrás de nós e olhou para mim, desesperada.
- Mil desculpas por isso. Sério. Um milhão de desculpas. Eu nem sei onde enfiar a cara, , mil perdões...
- Para com isso, , não foi nada. - segurei sua mão, afinal, apertando-a e sorrindo.
Ela encarou meus olhos, transbordando o excesso do desespero todo que sentia.
- Eu jamais pensei que eles fossem... Eles nunca... Eles sempre ignoram minhas amigas... Eu não...
- Já disse, relaxa. Sério.
mordeu o lábio, ainda aflita, e eu me lembrei de uma hora atrás, quando aqueles lábios estavam nos meus. Ela suspirou e abaixou o olhar, respirando fundo em seguida.
- Obrigada. Por tudo, . Obrigada.
- O prazer foi todo meu. - pisquei. - Sempre que precisar, estou a sua disposição, ma'am. - fiz uma reverência e ela sorriu fraco.
- Então... Ensaiamos de novo segunda, com a ?
- Sim, pode ser. Depois da aula?
- Não, eu tenho monitoria... Apesar de ser praticamente vazia no começo do semestre, acho que não podemos ensaiar lá. - ela esboçou um sorriso encantável. - Quatro e meia, pode ser?
- Uhum, sem problemas. Então... Nos vemos segunda?
- Yep. Bom descanso, .
Ela se aproximou e ficou na ponta dos pés para me beijar... O rosto. Tão perto do lugar certo, e tão longe. Minha boca formigou, e eu percebi que aquilo era errado. Beijo no rosto? Não, agora eu sabia o certo. Minha boca era o certo. Ela perceberia isso? Ou eu tinha imaginado a perfeição com que nossas bocas se encaixaram uma na outra?
- Pra você também, . - me inclinei para devolver o beijo em seu rosto e baguncei sua franja com a mão.
Ela ficou momentaneamente cega e não me viu morder o lábio, contendo a vontade de beijá-la devidamente. tirou o cabelo dos olhos e sorriu.
- Corre, ou eu te bato. - ela estendeu o vinil e o livro para mim, e eu os peguei.
Sorri de volta e me afastei. Não resisti e virei para olhá-la. acenou, parada no mesmo lugar e com algo diferente no semblante. Acenei de volta e fui embora, antes que meus pés me traíssem, indo para onde eu queria mesmo ir, mas evitava... Balancei a cabeça negativamente e continuei meu caminho, tentando não pensar na boca de quem eu não devia. Ou devia. Depois daquele selinho, eu já não sabia o que era certo ou não, e se eu continuar falando, só vou me confundir mais. Certo é errado, e certo; e o errado, o que era?
*
Mandei uma mensagem para assim que cheguei no meu quarto. Passara correndo pela sala para evitar meus pais e qualquer outra situação inusitada extra que pudesse acontecer.
"Me encontra no parque de sempre? Preciso correr."
Eu precisava mesmo era voar, mas me matar de correr ia ter que servir. E não podia ser em uma esteira. Eu precisava de ar livre, de árvores e coisas para observar. E uma companhia, só para garantir que meus pensamentos não voltariam para por nada nesse mundo. Sem contar a cena que minha mãe fizera, eu ia precisar de terapia por muitos anos por causa daquilo.
Vesti uma legging e uma regata solta, calcei o nike de corrida mais confortável que eu tinha e coloquei a braçadeira com o iPod já encaixado. Comecei a corrida ali mesmo, do meu quarto. Quando passei pela sala, ouvi meu nome ser chamado, mas somente parei quando já estava na porta.
- ? - meu pai apareceu no corredor, parecendo cansado.
- Vou correr no parque, pai. E não estou levando o celular, mas a vai estar comigo. Qualquer coisa, liguem para ela. - avisei e saí da casa.
Nós corremos em um parque que fica entre nossas casas e a Ferdinand. Em dez minutos de corrida eu já estava dentro dele. Cada vez que me lembrava do beijo de , eu corria mais rápido. Não demorou muito para eu estar tão cansada que não conseguia pensar em mais nada.
chegou e me olhou com espanto.
- Tá correndo há quanto tempo?
- Não sei.
- Caralho, , o que aconteceu?
- Nada.
- Ah, e você tá suada desse jeito porque passou na ducha antes de começar a correr? Tá correndo tanto por quê?
- Porque sim, oras.
- Fala logo, ! Eu sei que você só me chamou porque precisava de alguém pra conversar, então desembucha de uma vez!
Essa era boa, agora minhas amigas sabiam mais do que eu precisava do que mim mesma. O que estava acontecendo comigo? Parei de correr, abaixando para apoiar as mãos nos joelhos e recuperar o fôlego. parou na minha frente, cruzando os braços.
- Eu não sei. Eu não sei, , minha cabeça tá uma zona. - fui até a máquina de garrafa d'água e comprei uma, sentando em seguida no primeiro degrau da pequena arquibancada que havia ao lado.
- O que aconteceu?
- Bom... O foi lá em casa. E não faça essa cara, nem nenhuma outra. Ouvimos um vinil, estudamos... Estava tudo bem, até que meu pai entrou no meu quarto, ele deve ter falado para a minha mãe, e... Ela o tratou super bem. Minha mãe me tratou bem! Ela até fez um banquete de café da tarde, na sala de jantar especial!
O queixo de só não foi parar no chão porque isso era impossível. Depois dessa, ela também sentou.
- Seus pais foram no seu quarto? Sua mãe tratou um amigo seu bem? Sua mãe te tratou bem? Ela fez um banquete pra... Por todos os deuses, !
- Certo? Mas... Não foi só isso. Nós ensaiamos a cena para o Teatro e... Bem, Margaret tinha dito que eu teria que fazer os beijos, então... E ela indicou essa cena para o ...
Se antes ela tinha pirado, agora ela estava endoidecida de vez.
- AI, CARAMBA. VOCÊS SE BEIJARAM? EU SABIA! EU DISSE, NÃO DISSE? - ficou em pé na arquibancada, quase pulando.
- , menos... - fechei os olhos, numa tentativa de autoconforto. - Foi só um selinho. Uma única vez. E a cena ficou perfeita, não sei como Margaret adivinhou essa, mas eu não teria planejado uma interpretação melhor...
- E foi bom? Ou foi estranho? Foi um encontrão, foi de mau jeito?
Ela já estava me sacudindo. Suspirei.
- Foi perfeito, . Foi suave, foi delicado, e... Nossas bocas se encaixaram perfeitamente. Como você podia saber disso sem nem conhecê-lo? - soei brava, mas na verdade estava revoltada. Como eu não havia visto aquilo?
Conviver com ele era como me afogar cada vez mais, sem chance de me recuperar e voltar para a superfície. E agora já era tarde.
- Bom, primeiro foi o jeito como ele te olhava. O tempo todo, quase que inconscientemente. E, bem... Ele pareceu ser o seu tipo.
A encarei, assustada.
- O meu tipo? - ri. - E qual é o meu tipo, ?
Essa eu queria saber, porque é claro que eu não sabia.
- Ahh... Você nunca se interessa por ninguém, naquelas brincadeiras de escolher um garoto bonito por perto, você nunca escolhe rápido, todos parecem ser ok pra você, mas só ok. E sempre que você escolhe mais rápido e se empolga, o garoto parece ser mais... Er... Diferente. Maduro, não sei. Bem humorado, mas não babaca. O tem esse mesmo ar, com a diferença que ele tem a nossa idade. Ou seja, vocês nasceram um pro outro! - ela revirou os olhos, como se fosse óbvio.
E ganhou um tapa na cabeça por isso.
- Queria que fosse tão fácil assim. Não tenho certeza quanto a parte de ele corresponder, ...
- Para com isso, ! Por favor. Ele é muito mais óbvio que você. Quem não deixa claro o que sente é você, não ele. Ele mal consegue evitar.
Massageei minhas têmporas.
- Veremos.
- E como ele reagiu? Ele surtou? Saiu correndo? Disse que nunca mais volta na sua casa?
Ri. Isso seria o sensato a se fazer. não parecia ser muito sensato. E, pelos deuses, como eu estava gostando disso.
- Não... Ele reagiu muito bem, na verdade... Eu estava meio surtada, mas pelo que consegui prestar atenção, ele foi ótimo...
- Pronto! Achei a prova que você queria. - sorriu, satisfeita.
- De quê, ?
- De que ele gosta de você, besta! E ele realmente gosta, porque se quisesse só te comer, ele teria ou surtado, ou dito que nunca mais voltaria na sua casa. Essas coisas. - ela abanou a mão no ar, e eu dei um tapa no seu braço. - Ai! Como você tá agressiva hoje! Tá convivendo demais comigo. - deu um sorriso terno, e eu agradeci mentalmente por ela não revidar os tapas.
- ... Ele pareceu procupado comigo. Não sei... Conversou com meus pais o tempo todo, deu atenção para minha irmã... Acho que até Aimée riu de algo que ele disse. - suspirei, desejando secretamente que Aimée risse daquele jeito para mim. Ela é minha irmã, afinal. Eu a peguei no colo, li fábulas para ela dormir, brinquei... E isso faz falta. Maldita fase. - , eu realmente não quero pensar nisso agora.
- Ele é a porra de um Romeu, é isso que ele é! Cacete, !
- Limpe essa boca, senhorita ! - gargalhei, recebendo o dedo do meio de . - Vai, correndo! Chega de folga.
Levantei, me desfazendo da garrafa de água, agora vazia, e sendo seguida por . Dessa vez eu não ia tentar voar. Agora o que eu queria era uma corrida leve.
Era sempre bom conversar com , mesmo que não resolvessemos nada. Só... Conversar.
*
Passei a tarde lendo o exemplar de Romeu e Julieta que havia me emprestado e decorei melhor as falas. estava trancado em seu quarto, sem dar nenhum sinal de vida. Bati algumas vezes na porta e ele não respondeu nem para me mandar ir me foder. Então decidi ver e .
- Hey, . - abriu a porta, me dando passagem. - E o ?
- Trancado no quarto. Nem me respondeu quando eu chamei.
riu e apontou pro sofá.
- Aceita uma cerveja?
Assenti, e foi para a cozinha.
- E o ? - perguntei quando o vi voltar com duas garrafas.
- Tá se arrumando, vai "pegar um cinema" com a . Pegar a com um cinema seria mais correto, mas ele insiste em dizer que eles vão assistir o filme, porque "é pra isso que você paga o cinema"... Aposto que isso é coisa dela, e duvido que ele vá negar se ela quiser dar uns beijos nele.
Rimos e ligou o xBox.
- E você e a , cara?
- Estamos bem. Eu tava conversando com ela por mensagem antes dela ter que sair correndo pra ir correr com a . - ele riu como se tivesse dito algo muito engraçado, mas eu entendi bem aquilo. Efeitos colaterais do amor. - Tudo ótimo. Eu senti falta da companhia dela, demais. Mas falando em , e vocês, heim?
- Tudo ok... Estamos bem, também. - dei de ombros, ciente de que me observava de canto de olho.
- Isso eu sei, estava me referindo ao fato de vocês dois parecerem um casal. - e, dito isso, ele matou dois cachorros zumbis. - Morre, demônio!!! Rolou alguma coisa?
- Como assim, ? - bebi distraidamente da garrafa, disfarçando qualquer sinal que pudesse me entregar.
- Não rolou beijinho ainda? Um olhar mais profundo, uma deixa que você perdeu? Sério, cara, se vocês ainda não se pegaram, dá pra sentir que está para acontecer.
- Para esse jogo aí e coloca pra dois, vai. - peguei o outro controle do xBox, e me "obedeceu", rindo.
desceu quando matávamos uma horda de zumbis, e essa foi a sorte dele. Estávamos ocupados demais para curtir com a cara dele. E daí para as duas da manhã foi um pulo.
*
Minha coluna para o jornal da escola estava pronta. Não, eu não era do jornal da escola, já fora, mas no último ano tive que permanecer apenas como colaboradora. As reuniões eram necessárias e obrigatórias, e eu simplesmente não tinha como encaixá-la nos meus horários. Às vezes eu recebia um relatório com as pautas da semana, mas não exigiam nada de mim além do texto colaborativo todo sábado. Eu costumava mandar de manhã, mas esse estava sendo um sábado inusitado demais, em uma semana fora do comum. E como toda semana era um indicador do que seria o resto do semestre...
Eu ia precisar de muitos momentos ouvindo vinils do Whitesnake para não enlouquecer.
- ? , querida, o seu pai está te chamando para o escritório dele.
Antonella, nossa empregada, avisou sem entrar no meu quarto. Ela nunca entrava quando estávamos dentro.
- Ok, obrigada, Antie.
Ela sorriu, como sempre fazia quando eu a chamava pelo apelido que eu mesma dera, e se retirou. Antonella não devia ter 40 anos, era mãe de três crianças lindas e viúva. O marido falecera em um acidente de trabalho, e eu via em cada detalhe do seu corpo a força de uma mulher que batalhava para viver sozinha. Ela tinha sua própria casa, apesar de papai ter oferecido moradia para ela e para os filhos depois da morte do seu marido, mas às vezes trazia as crianças para facilitar alguma atividade escolar e dormia no quarto dos fundos, que fica embaixo do meu. Era bom quando isso acontecia, seus filhos tinham uma paixão por mim. As duas meninas queriam que eu contasse histórias o tempo todo, e o menino não queria nunca mais sair do meu quarto de legos.
Eu tinha que admitir, até eu pirava com meu quartinho de Lego.
Imaginem um cômodo com apenas legos. Até a moldura da janela era feita com legos. Cadeiras de lego, e todas aquelas edições especiais que a Lego tinha... Sim, a coleção completa de Lego Star Wars.
Ser filha de pais ricos tinha suas vantagens, sim. Eu nunca neguei isso.
Aquele quarto ficava antes do banheiro do meu quarto, escondido por uma porta do closet. Era realmente como um esconderijo secreto. Eu só abria para as crianças quando elas diziam a palavra mágica. Alakazan! Tudo bem, eu sou uma criança ainda, mas não acho que isso seja motivo de vergonha. Só que também não é nenhuma surpresa que crianças gostem tanto de mim.
Então eu acabava cuidando deles, sempre. Todos no quarto de legos, montando robôs e contando histórias.
Desci para o escritório, encontrando mamãe e Aimée já presentes.
- Ah, ! Venha aqui. Eu tenho um presente para todos nós. - meu pai chamou.
E, cortando o papo furado todo, meu pai acabou tirando quatro caixas de iPhone da gaveta. Meu queixo caiu, minha mãe deu pulinhos com Aimée e papai explicou que ele queria nos aproximar. O iPhone trocava mensagens de graça entre eles, e eu não sabia o que era uma mensagem de graça perto de comprar quatro iPhones de última geração de uma vez só. Ironias à parte, mamãe e Aimée trocaram os chips rapidamente. Eu demorei um pouco mais, relutante em trocar meu bom guerreiro por aquela coisa toda touch. Eu gosto mesmo de teclado, sabem? Ainda se fosse um Blackberry... Retirei o celular do bolso e o encarei, triste.
Papai ficou inconformado com o modelo ultrapassado que eu usava, e eu perdi o medo que tinha de falar na sua frente, defendendo com garra o pobre aparelho. Tudo bem eu aposentá-lo, mas garantiria a dignidade dele.
E minha família riu, como se eu contasse uma piada. Fui nocauteada pelo instante em que minha família ria de algo que eu havia dito - inclusive Aimée - e deixei de lado a dignidade do meu antigo celular.
Muitos acontecimentos estranhos para um único dia, mas eu estava começando a achar que aquele era um estranho bom. Quem sabe?
O domingo passou voando, se resumindo em estudar o dia todo e nadar um pouco antes de visitar meus avós durante a tarde. Dessa vez fui sozinha, passando a tarde pintando os vasos novos de vovó. Eu já disse que amava visitá-la, certo? Até tricô parecia a melhor coisa do mundo, na companhia de minha avó.
Outra coisa estranha que aconteceu no final de semana foi mamãe dizer para olharmos as roupas de época da família dela depois do jantar. A família da minha mãe tinha uma tradição teatral. Alguns paravam mais cedo, outros não paravam nunca, mas todos frequentavam uma aula de Teatro pelo menos uma vez na vida. E agora, o resultado de todos esses anos estava guardado com minha mãe. Ela raramente me deixava olhar, talvez a última vez que eu vira aquela coleção fora há dez anos. No mínimo. E agora ela me levava para seu santuário secreto, dentro do seu escritório, com um sorriso no rosto.
Eu estava tremendamente amedrontada.
- Romeu, Romeu... Devemos ter umas cinco peças de roupas fantásticas que já vestiram Romeus, além das que ficariam ótimas em um mesmo tendo sido confeccionadas com outro propósito. E Julieta, ah, eu tenho os vestidos perfeitos. Para o baile, para os momentos em casa, para o casamento escondido... Venha, me ajude.
Ela sorriu, olhando nos meus olhos.
Minha mãe não se mostrava interessada com meu Teatro desde, bem, sempre. Mal sabia ela que eu já lera seus diversos estudos sobre a arte dramática.
- é um bom garoto. - ela comentou, e meu queixo começou a cair. - Espero que ele não apronte nada com essas roupas! É bom avisá-lo.
Dei um riso nervoso, sentido meus músculos relaxarem. Ufa, essa foi por pouco. Tudo que eu não precisava era minha mãe começar a me pressionar para arranjar um namorado, agora.
- Hm, a vai tentar o papel de Ama...
Eu não tinha mais braços para segurar tanta roupa e minha mãe enfiou mais duas peças, para . Eu e minha boca grande. Antie veio me ajudar, e subimos as peças para meu quarto. Minha mãe ficou na porta. Quando Antie saiu, virei para Donna.
- Se precisar de algo, com as roupas ou com a interpretação... Eu posso estar enferrujada, mas ainda sei algumas coisas.
E antes que eu terminasse de dizer "Obrigada", ela se fora, com o mesmo sorriso enigmático no rosto. Ok, sobrevivi.
Olhei o celular novo antes de dormir. Todos os meus contatos estavam nele, mas não havia feito nenhuma ligação ainda. Ou mandado mensagem... Meus dedos coçaram. ? comentou que ela ia sair com no sábado. Isso, !
Mas antes que eu começasse a escrever alguma coisa, o celular fez um toque engraçadinho. Mudo isso depois, pensei, e abri a mensagem.
"Já ouviu falar em 'Shakespeare Apaixonado'? Ah, é claro que já deve ter ouvido. Eu assisti. A cena do rouxinol é igualzinha a do livro Romeu e Julieta! Isso não é plágio?"
Um sorriso besta tomou conta dos meus lábios, e eu decidi que era por causa do filme citado. Amo! Ia dizer que choro toda vez que assisto, mas ninguém precisa saber disso.
"Sim, e eu amo esse filme! E não é plágio quando é intencional e todo mundo sabe, afinal é um filme sobre Shakespeare, . Ah, e parabéns! Você estreou meu celular novo!"
Era isso. Em sete dias, eu só não havia falado com ele em um. E me arrependia amargamente desse dia específico. já havia crescido em mim, se apoderando de minha mente aos poucos. Eu estava certa, não havia volta. Agora restava esperar e ver no que aquilo ia dar.
*
Ela entrou pelo portão da escola com um tall da Starbucks em mãos, tendo certa dificuldade com alguma coisa na sua bolsa, e meu coração deu um solavanco. É claro que eu esperava ela aparecer naquele portão, mas toda vez ela me pegava de surpresa. Shorts de novo, mas dessa vez ela usava uma meia calça por baixo e uma bota. A blusa preta era larga e caía pelos braços dela sem uma manga definida. Ela veio direto para a nossa mesa, sentado entre e eu. estava sentada na mesa, como sempre, e dessa vez a fazia companhia.
- Bom dia, todos. - cumprimentou, sem olhar para ninguém. Ela encarava um iPhone prata que estava em suas mãos. - Pff.
- Que foi, rabugenta? Bufando para um iPhone, imagina que celular consegue te agradar. - brincou.
- Não é isso. É Aimée. Meu pai teve essa ideia maravilhosa de nos aproximar com iPhones, e eu, babaca que sou, resolvi testar com Aimée. Mandei uma mensagem para ela, dizendo que agora podemos conversar qualquer hora do dia, e olha o que ela respondeu.
mostrou para , enfiou a cabeça para ver e a desaprovação veio em uníssono.
- Essa garota é uma égua, mesmo. Que bosta.
me mostrou o visor de celular, e eu vi o motivo da comoção toda. "Por que eu iria querer falar com você mais do que sou obrigada, ?"
Não era surpresa que ela não gostasse de ser chamada pelo nome, não quando quem a chamava assim usasse aquele tom.
- Wow, o que você fez pra sua irmã gostar tanto assim de você, ?
Ela mostrou a língua, fechando o olho enquanto fazia a careta.
- Não sei. Acho que só o fato de eu existir já acaba com o humor dela. Só pode ser. - deu de ombros, e riu junto com .
- Tanto faz. Deve ser a idade. - falou, e todos concordaram. Todos, menos , que parecia dormir ao meu lado.
- É... Sorriam! - virou o celular para e , e elas fizeram caretas.
quase caiu do banco de tanto rir, levantando o celular para elas verem a foto. Em seguida, se apoiava em , rindo tanto quanto . Quando vi a foto, entendi tudo. Ela havia usado um daqueles efeitos que distorcem a foto, e não pude evitar uma gargalhada.
- Eu nunca achei que fosse amar um celular mais do que o meu antigo, mas, por favor. - limpou uma lágrima que se formava em seus olhos, ainda rindo. - Tem como deixar as pessoas verdes! Sorria, ! - ela nem precisava ter dito, ainda me pegou rindo. - Pronto, agora tem uma foto pra colocar no seu contato!
- Ela é uma criança com um iPhone, segurem.
- Vai fazer instagram também, ?
- Instaquê?
revirou os olhos.
- Aqui. - ela puxou o próprio celular e mostrou alguns aplicativos.
O sinal nos tirou daquele momento de paz e nos arrastamos para a aula. E a manhã foi assim, até o primeiro intervalo antes da segunda aula. E a aula de História depois, que eu tinha com e . Trabalho em grupo. dividiu as tarefas e me ajudou com o livro de História. ficou fuçando o iPhone novo de , e ela deve ter tirado algumas fotos aleatórias, mas parecia nem notar, concentrada demais com o texto na sua frente. Ela era linda, mas ficava estonteante quando prendia o cabelo e se curvava sobre um livro, a franja caindo e seu pescoço exposto. Ela ergueu o tronco e eu parei de observá-la tão indiscretamente, torcendo para que ela não tivesse percebido. Ou . Ou com a câmera fotográfica do iPhone. Eu era mesmo um tapado.
- Podemos terminar isso hoje, na monitoria. E depois ensaiamos para o Teatro amanhã. AH, É! Minha mãe separou roupas para nós escolhermos. Sim, , do closet secreto dela.
hiperventilou, esquecendo finalmente do iPhone de . Ficou marcado. Depois da monitoria, iríamos para a casa dela experimentar as vestes e ensaiar.
- Você fez um instacoisa pra mim! - comentou, vendo o celular enquanto saíamos da sala.
- Tô instachateada com esses apelidos que você está dando, . - brincou, e as duas riram.
- Instaignorância minha, besha, releve.
- Instarelevando.
- Senhorita , venha aqui, por favor. - o professor chamou quando já estávamos na porta, e fez uma careta de dor antes de virar com um sorriso e ir até Marcell.
*
O que o crápula quer comigo? Torrar minha paciência, é claro. O que mais ele pode querer? Tá boa demais a minha vida, hora de estragar!
- . Acho bom você caprichar nesse trabalho. Só queria te avisar. - ele sequer tirou os olhos do que fazia.
- Ah... Mas é claro, professor.
- Não, eu falo sério. - Marcell finalmente olhou para mim, mesmo que somente por alguns segundos. - Como se sua vida dependesse dele. Surpreenda-me, .
E ele me dispensou com um aceno de mão.
Eu devia estar branca. Como assim "Surpreenda-me"? e me esperavam na porta. Tentei lembrar os meus últimos trabalhos de história, e o que tinha de diferente nos que tinham notas melhores.
- Acho que vou passar o intervalo na biblioteca. - avisei, um pouco trêmula.
Surpreenda-me. Como se sua vida dependesse dele.
Entendam, Marcell podia agir como se me odiasse, mas ele não tirava nota de mim por isso. Ele era justo, afinal. Às vezes mais exigente que o normal, mas isso não era exatamente ruim. Era bom exigirem sempre mais de você, sem desmerecer seu esforço anterior.
No fundo, uma luz de alerta piscava. Um trabalho para surpreendê-lo... O que ele podia querer com aquilo? Último ano, a faculdade na porta... Não podia ser. Ele não podia estar considerando me indicar para uma faculdade. Eu não posso ser tão sortuda assim. Existem muitos alunos bons na Ferdinand, por que ele escolheria justo a mim? Bom... Ele podia estar dizendo isso para outros além de mim. Talvez ele usasse esse trabalho como meio de escolher um... Quais seriam as minhas chances, então?
Nem ouvi os protestos de , mas notei que me acompanhava. Ele deve ter dado alguma desculpa, ou dito que ia me ajudar. Não importava, meu coração parecia que ia rasgar meu peito de tão forte que batia. Eu esperava essa oferta do professor de Literatura, talvez do de Sociologia. Mas dele? Eu devia estar imaginando coisas. Porém, não ia deixar aquele pedido insatisfeito. Ele queria um trabalho surpreendente, ele teria.
me ajudou com os livros sem fazer perguntas, apenas com seu sorriso. A biblioteca já estava mais cheia do que na semana anterior, então fomos para o meu lugar preferido, um pouco mais afastado da entrada e entre algumas estantes de Literatura.
Expliquei a ideia para , que pareceu se empolgar, demonstrando pela primeira vez que talvez fosse um pouco nerd também. Ok, pelo menos eu não estaria sozinha. preferiria rolar o Monte Everest a me apoiar naquilo. O trabalho era simples, o tema era comum. A Independência dos Estados Unidos da América. O que eu tinha em mente ia muito mais longe do que isso. Comparações com outras independências, uma avaliação sociológica, política... Peguei o iPod e deixei escolher algo para ouvirmos enquanto olhava os livros e anotava páginas num caderninho. Estava fazendo uma pesquisa de campo, na monitoria colocaríamos a mão na massa. se divertia com os jogos do meu iPhone quando finalmente perguntei algo para ele. Uma opinião. E fomos assim até o sinal bater. Reservei os livros para mais tarde e ele me deixou na sala, devolvendo meu iPod e meu celular.
- Você tem músicas em outras línguas. É estranho, mas são boas.
Ri e me despedi, indo para a carteira e puxando uma barrinha de cereais para comer. Ia me arrepender de não ter comprado nada mais sustentável, mas só conseguia pensar em Marcell Hargreaves e no que ele podia estar planejando.
Saí da aula mais cedo e fiquei no refeitório, esperando alguém conhecido aparecer. A primeira edição do jornal já estava em algumas mãos, e isso sempre me fazia sorrir. Ter algo meu publicado, mesmo que em um jornal escolar, era uma sensação incrível. No momente de tédio resolvi ver o que haviam aprontado com meu celular, e encontrei umas 100 instalações novas. No instagram, havia publicado fotos, na legenda da primeira dizia "Agora sou hispster também", a foto era minha com a mão no ar, provavelmente dizia algo para ou . A outra era da aula da História, e mostrava eu explicando algo do trabalho para . A legenda era "#instaestudando #instanerds #IsCooler" e eu tive que rir. Resolvi ver se tinha mais fotos na galeria, e achei algumas outras. Inclusive uma de me olhando, não lembrava se eu havia dito algo enquanto lia o livro para ele me olhar. Senti o rosto esquentar e fechei as fotos, vendo se aproximar. Abri um dos únicos aplicativos que eu mesma havia instalado e fingi que jogava "Cut The Rope".
- Lá se vai a dedicação integral de , e seu histórico de As, estragado pela iTunes Store.
Rimos e esperamos para comprar o almoço. Comer em grupo tinha suas vantagens, como pagar mais barato para tomar mais refrigerante. Não que eu precisasse me preocupar com isso, mas gostava de economizar. Ainda mais nos últimos anos, que eu passara a conviver com a possibilidade de ser expulsa de casa.
A tarde passou voando. ficou de digitar e diagramar o trabalho, então ela ficou a maior parte do tempo com o seu iPhone e o meu. Não sei pra quê, mas ela realmente ama a Apple, então não falei nada. me ajudou muito, e as duas horas de monitoria acabaram em meia hora. Ou pelo menos pareceu meia hora. Alguns alunos apareceram, e eu tive que ajudá-los com o trabalho de Sociologia, então não conseguimos chegar nem na metade do trabalho, mas ele estava nos trilhos.
Chegamos em casa e Antie nos recebeu com um maravilhoso bolo de recheio e cobertura. Fomos para meu quarto depois e vestimos todas as roupas. Escolhemos a que usaríamos no dia seguinte e começamos a ensair. Ensaiamos direto a parte de , que não era muito comprida, e depois expliquei quando ela entraria. Acertado tudo isso, a filha da mãe quis ensaiar a cena inteira.
- Vocês precisam ensaiar, oras! Quero ver errarem na hora e acabarmos com péssimos atores no lugar.
- Margaret não deixaria isso acontecer. - revirei os olhos para .
- Não se ela tivesse opção, e nós já vimos que ela não tem. Andem logo!
Respirei fundo e acertei a postura. Vesti a máscara, e começou sua atuação, também de máscara. E meus olhos tentavam subir para os seus, mas pareciam magnetizados pela sua boca. Ele ia me beijar de novo. E amanhã, outra vez. E no Teatro, se fôssemos escolhidos. Até quando eu viveria aquela tortura? observou tudo e entrou na hora certa.
- E aí, o que achou? - perguntei quando acabamos.
- Bom, bem bom. Não entendo muito de Shakespeare, mas pareceu convincente. É parte da cena você demorar para dizer algo depois do beijo?
Devo ter corado. Quis bater em .
- Claro! Ela é nova e foi beijada por um estranho pelo qual se apaixona instantaneamente, queria que a reação fosse qual? - minha voz saiu uma oitava mais aguda, e riu.
- Ok, ok, eu disse que não manjava. Entendi, senhora, não me mate. - ela mal conseguia esconder a vontade de gargalhar.
Maldita.
Respirei fundo e disse para fazermos uma última vez. De novo, sem problemas. A cena fluía perfeitamente, estava ótimo e , apesar da maldade, estava concentrada no papel. Já eu estava perdida, o que me fazia uma ótima Julieta. Só queria ser beijada de novo, e aquilo era patético. Mas o lábios de eram tão macios... E se o seu selinho me deixava assim, eu não podia deixar de imaginar o que o seu beijo faria.
- Misto quente? - perguntei, e ergue os braços.
- Yaay!
Descemos, rindo, e foi elogiando meus lanches. se dava bem com minhas amigas, não podia deixar de notar, e isso era bom. E eu tinha que parar de pensar nele dessa forma. Amigo. Amigo. Não se empolgue tanto para quebrar a cara, . Mas eu não conseguia parar de sentir o toque de sua mão no meu pescoço. Se não estivesse ali eu provavelmente teria o beijado de verdade na segunda vez.
Fizemos os lanches, comemos assistindo Padrinhos Mágicos, e os levei em casa depois. As roupas ficariam comigo, e eu as levaria no carro amanhã. Um nervoso característico de audições tomou posse do meu estômago. Pedi um chá para Antie e fiquei na cozinha, esperando.
- Está tudo bem, ?
Sorri para Antonella. Ela raramente me chamava de , o que entregava quando ela estava preocupada comigo.
- Claro, Antie. Apenas cansada... E amanhã tem teste pros papéis da última peça do Teatro. - suspirei, omitindo uma pequena parte da história.
A parte em que eu não conseguia parar de pensar em .
- Vai dar tudo certo, querida. - Antie serviu o chá e voltou aos seus afazeres.
E eu a imitei. Passei na biblioteca, pegando alguns livros de Sociologia e Política antes de subir para o quarto e me afundar no trabalho de História.
Talvez eu tenha olhado as fotos do dia algumas vezes, mas antes de dormir já tinha boa parte da estrutura do trabalho feita. A parte da janta é dispensável comentar, nada de assustador dessa vez. Além de perguntas sobre o Teatro e comentários sobre os iPhones. Acabei indicando diversos apps que tinha me mostrado e eles ainda não conheciam.
Na terça eu mal vi as aulas de Literatura, Biologia e Química Teórica passarem, mas eu estava consciente do trabalho novo para fazer e duas listas pequenas de exercícios. Saí mais cedo da última aula, deixando para fazer a lista de Química em casa, e fui para o refeitório, como havia combinado com e pelo celular. Agora eu tinha um tal WhatsApp, e nele havia um grupo de conversa com e . E, por Zeus, eles falavam. Tive que desligar o celular pra conseguir me concentrar.
The nerdy strikes back.*
Eles já estavam lá.
- Aleluia! Você saiu do WhatsApp, achei que tivesse morrido! - jogou os braços no ar, tentando parecer brava.
Rolei os olhos umas três vezes seguidas, para dar bastante ênfase. Comemos e fomos para o estacionamento buscar as roupas no meu carro. Depois fomos para os vestiários, que estavam vazios, e arrastamos para dentro do feminino. Não havia ninguém, e aqueles eram os vestiários mais abandonados da escola, além de serem muito usados para o Teatro. Podíamos ir à coxia, mas a ideia era "surpreender" e entrar só na nossa hora. me ajudou com o vestido, e eu a ajudei com o cabelo. E nós duas ajudamos . tirou fotos, mas, usando seu bom senso, não publicou em lugar nenhum. estava muito bem com a roupa, quase como se ele normalmente usasse aquilo para sair. Ri com a ideia e saímos do vestiário antes que alguém aparecesse. Ficamos na última fileira, no canto do Teatro. Agora meu estômago parecia travar uma guerra dentro de mim. Quando Margaret apareceu no palco, notei que segurava minha mão. Olhei para ele e sorri.
- Nervoso?
- Um pouco ansioso demais. Não estou acostumado com essas situações. - ele falou baixo, se aproximando de mim.
Tive a impressão de que fingia nos ignorar. O que só deixava claro que ela estava ciente do que acontecia ali.
- Confiança, . Confie em você, confie em mim e confie em nós. E respire fundo muitas vezes, ajuda.
Já estávamos de máscara, e era engraçado conversar com ele assim. Era como se fôssemos estranhos e pudéssemos falar sobre qualquer coisa sem se preocupar com as consequências. O formato do rosto dele com a máscara me lembrava dos Reveillons da alta sociedade... Os testes começaram. Margaret chamou primeiro os papéis mais baixos, como se quisesse estressar os candidatos ao papel principal. E ela provavelmente queria isso mesmo, afinal, de nada adiantava ser um ator brilhante e não conseguir falar sem gaguejar quando sob pressão. Eu tinha algum defeito que me ajudava muito nessa hora: a pressão me fazia atuar melhor, falar melhor e viver melhor o personagem. E quando o ato acabava, eu me sentia mais viva que tudo no Universo.
Chegou a vez de , e ela fez sua cena. Eu sempre me perguntava o motivo de ela nunca concorrer ao papel principal quando a via atuar assim, sozinha. Em seguida vieram os amigos de Romeu, e logo chegamos aos papéis principais. Romeu e Julieta. Só houve um casal além de nós que atuou junto, e eles teriam sido razoáveis, não fosse o nervosismo. Bernard foi o Romeu mais comédia que eu vira até então. Quase desejei que optássemos por uma versão comédia da peça.
Nossa hora chegou. Descemos e entramos cada um de um lado do palco. Meu coração batia forte contra o meu peito, e prendi minha atenção nos olhos de , atrás da bela máscara azul escura que ele usava, que fazia seus olhos brilharem. A luz ficou toda em nós, apagando o resto do palco. E nada mais importava, nem o olhar intimidador de Margaret ou os olhares espantados e admirados. começou.
Nota:
* Trocadilho com um dos títulos da série Star Wars, “The Empire Strikes Back” (O Império Contra-Ataca). Na tradução literal: A nerdizinha contra-ataca.



(Crappy Love Ballad — Angels & Airwaves)

- Se minha mão profana o relicário, em remissão aceito a penitência: meu lábio, peregrino solitário, demonstrará, com sobra, reverência.
A voz de reverberou pelo palco, e eu tive certeza que não teríamos problemas com o som para quem estivesse no final do Teatro. A acústica era ótima, mas uma voz como a dele acabaria com qualquer possibilidade de defeito.
- Ofendeis vossa mão, bom peregrino, que se mostrou devota e reverente. Nas mãos dos santos pega o paladino. Esse é o beijo mais santo e conveniente. - sorri, ouvindo minha voz confiante preencher o palco.
sorriu junto.
- Os santos e os devotos não tem boca? - ele deu um passo para frente, nos deixando mais próximos, mas ainda caberia uma pessoa entre nós.
Um passo firme, sem receios. Perfeito.
- Sim, peregrino, só para orações.
Ele se aproximou lentamente, seguindo nosso roteiro.
- Deixai, então, oh santa! que esta boca mostre o caminho certo aos corações. - ele pousou a mão direita no peito, transmitindo muita emoção na voz. Ele havia nascido para aquilo, por favor, como podia nunca ter participado de um Teatro?
- Sem se mexer, o santo exalça o voto. - voltei a ficar séria, como se a proximidade dele tivesse efeitos em mim. E realmente tinha, mas esse é nosso segredinho.
- Então fica quietinha: eis o devoto. Em tua boca me limpo dos pecados.
E encaixou a mão na minha nuca como já havia feito três vezes, e uniu nossos lábios com a mesma perfeição da primeira vez. Minha respiração falhou como todas as vezes, e meus olhos se fecharam novamente. Seus lábios foram tão maravilhosos quanto as vezes anteriores, quase como se ele precisasse daquilo para conseguir continuar com a encenação. Ele se afastou e eu passei pelo mesmo problema das outras vezes. Demorei para abrir os olhos e os pisquei algumas vezes antes de finalmente abrir a boca.
- Que passaram, assim, para meus lábios. - toquei-os com as pontas dos dedos e sorri fraco.
- Pecados meus? Oh! Quero-os retornados. Devolve-mos. - ficou novamente próximo, quase acariciando meu rosto.
- Beijais tal qual os sábios. - falei, e ele teria acariciado minha bochecha, se não tivesse entrado.
- Vossa mãe quer falar-vos, senhorita.
- Quem é a mãe dela? - se afastou, virando para . O foco das luzes mudou para os dois.
Aproveitei para voltar a respirar tranquilamente.
- Ora essa, cavalheiro! A dona desta casa, certamente, uma digna senhora, honesta e sábia. Amamentei-lhe a filha, a senhorita com quem falastes. E uma coisa eu digo, com certeza: quem vier a desposá-la, ficará cheio de ouro. - estava com as mãos na cintura, agitando o indicador para .
Ele se afastou, indo para a ponta do palco, e a luz o seguiu.
- É Capuleto? Oh conta cara! Minha vida é dívida de hoje em diante no livro do inimigo.
E terminamos.
Em meio as palmas, Margaret sorriu.
- Acho que temos nosso casal principal! E essas roupas, ?
Ela convocou os outros personagens e ficou como Ama. Depois ela explicou como faríamos o cenário, e agora que ela sabia que as roupas dos principais estavam garantidas, haveria mais verba para o restante. Todos pareciam muito felizes vendo nossas roupas e as máscaras.
- Seus lábios ficaram um pouco vermelhos. - sussurrei para , que me olhou assustado. Apontei para o batom na minha boca e ri. - Aqui, calma, ficou fraco! Mal dá pra ver! - mas eu não conseguia parar de rir, então ele não deve ter acreditado muito em mim. Puxei um pacote de lenço das coisas do Teatro e entreguei para ele. - Parabéns, você foi perfeito.
- Perto de você devo ter parecido absurdamente amador. - ele mostrou a língua, limpando a boca.
Retruquei, dizendo que Margaret jamais o escolheria para o papel principal se ele não fosse capaz de representá-lo, mas o que realmente ecoou na minha mente foi "amador". Não, ele não fora amador perto de mim, não quando eu mal havia atuado, o que me fazia a mais amadora dali. Uma parte de mim repreendia meu ato, e esta mesma parte começava a prevalecer. Amadora. Margaret nos liberou para trocarmos de roupa e ela ficou conversando com quem iria ajudar nos cenários. Dessa vez foi sozinho para o vestiário masculino, e eu mal havia entrado no vestiário direito quando começou a rir.
- Que foi? - sussurrei, puxando-a para perto.
- Vocês ainda vão se agarrar fazendo essa cena, independente de quem esteja assistindo. - ela falou, próxima do meu ouvido, tentando não rir.
Decidi ignorá-la. Porque ela estava certa, é claro. Quer dizer, ele eu não sei, mas estava ficando difícil não puxá-lo de volta e beijá-lo de verdade. Levamos as roupas para o camarim e penduramos nos cabides. Margaret conversava com os atores individualmente. Sentamos no chão do palco e esperamos.
*
Minha vez chegou, e eu levantei do chão, indo até a mesa de Margaret sozinho.
- Foi uma ótima atuação, . Você já fez aulas Teatro?
Tentei não parecer nervoso, apesar de me sentir muito mais tenso de frente para Margaret do que na apresentação em si.
- Não, nunca. Encenei algumas peças pequenas, para aulas, mas não sabia que me sairia bem em um Teatro oficial como o que vocês têm aqui. me ajudou muito.
- Hm. Nunca viu nenhuma aula? - ela abaixou os óculos, para não ter nada entre seus olhos e os meus. - , eu preciso ter a garantia que essa atuação não é pessoal. A química entre você e é perfeita, e sei que ela deve ter te instruído muito bem, mas se existe o mínimo de pessoal nisso, eu vou pedir para você esquecer. Preciso que essa atuação seja a mesma no dia da apresentação independentemente da posição da Lua em relação ao Sol. Entendido?
- Sim. - tentei parecer firme, apesar de me sentir como uma criança recebendo uma bronca.
Estava tão na cara assim que aquilo era mais do que atuação?
- Perfeito. - ela voltou os óculos no lugar, sorrindo. - Espero que você goste de trabalhar conosco, ! Ah, e eu vou precisar trabalhar com vocês, Romeu e Julieta, separado do grupo, além de trabalhar a atuação de vocês com eles. Algum problema em ficar aqui uma hora a mais por semana?
- Não, nenhum.
- Então estamos feitos. Pode ir embora, e nos vemos quinta!
Margaret chamou , e eu voltei para o chão, me distraindo com um aplicativo que mostrava para mim. Porém, mesmo distraído, pude perceber que Margaret falou com mais tempo do que havia falado com todos. Quando veio até nós, já não havia quase ninguém mais ali.
- O que ela falou pra você? - jogou antes mesmo que estivesse ao nosso lado.
Levantamos.
- Se fosse para todos saberem, ela teria dito no microfone, e não só para mim. - ela desviou de um tapa de e riu. - Calma, calma! Ela quer agradecer minha mãe pelas roupas. Eu disse que ia combinar um dia para ela jantar em casa. Isso e algumas recomendações para o papel. Margaret é uma deusa do Teatro, definitivamente.
- Quer agradecer e vai dar trabalho com um jantar? Ela que devia convidar vocês para um jantar! - comentou enquanto saímos do Teatro.
- . - revirou os olhos. - Acho que vou ficar. Passar na biblioteca e continuar o trabalho de História.
- Divirta-se. - mostrou a língua, parecendo entediada.
- Eu posso ficar pra ajudar, se não for atrapalhar. - dei de ombros.
- Sim! Obrigada. - sorriu. - Pelo menos alguém se importa com trabalhos aqui!
- Divirtam-se. - e acenou sem olhar para trás, já andando para longe de nós.
- TCHAU, GOSTOSA! - gritou e recebeu um dedo de meio de , rindo em seguida. - Vamos fazer diferente, hoje! - ela sorriu e me puxou para a biblioteca.
Pegamos apenas dois livros, o que devia ser algo raro para , já que até a bibliotecária estranhou, e depois de registrarmos na carteirinha dela, saímos do prédio. me levou até a maior árvore da Ferdinand e sentou embaixo dela, as costas no tronco da árvore. Sentei ao seu lado e começamos, eu lia e marcava com post it o que achava importante, e ela escrevia furiosamente no bloco de fichário. Até que começou a escurecer, e quando o sol sumiu, a iluminação no lugar não era suficiente.
- Tô morta. - ela assumiu, descansando a cabeça no tronco da árvore e largando a caneta no colo. - E com fome. Carona?
- Aceito. Principalmente se você aceitar comer na pizzaria do quarteirão comigo. É bem gostoso lá. - sorri.
- Você nem precisa perguntar nada depois de dizer "pizzaria"!
Arrumamos nosso material e peguei os livros, recebendo um "Obrigada" enquanto ela procurava a chave do seu carro na mochila. Seu chaveiro era um Yoshi do Super Mario de pelúcia, consideravelmente grande, e como ela não conseguia achar a chave tendo um chaveiro daqueles era um mistério. Fomos para o estacionamento, e dessa vez tive certeza que o manobrista me olhou feio. Quis passar o braço pelos ombros dela e deixar claro que ela era minha, mas, um pequeno detalhe: ela não é. Lembrei o que Margaret havia dito e deixei um suspiro escapar. Agora eu tinha mais uma coisa para não estragar. Mais um detalhe para me evitar o que tudo parecia me forçar a fazer: amar .
Fomos para a minha casa ouvindo "Dancing With Myself", e esses momentos descontraídos com ela eram indescritíveis. Não importava o quão fodido eu estava, eu sempre sorria na sua presença. cantava como se cada palavra na música tivesse sido escrita por ela própria. Estacionou e deixamos as coisas em casa antes de irmos para o restaurante andando. Ela avisou os pais que ia jantar fora, e depois disso não vi o tempo passar.
- Você não pode estar falando sério! Glee? Aquele roteiro me mata de desgosto! - ela escondeu o rosto nas mãos, como se chorasse.
- Desculpa, Srta. Refinada. - me fingi ofendido. - Mas também não assisto mais, só vi os primeiros.
- Viu o que eles cantam KISS?!
- Ué, não foi você que disse que era uma bosta e...
Ela revirou os olhos.
- Sim, mas esse episódio foi genial! E meu problema é com a inconstância do roteiro deles, fala sério, o que é aquela bagunça...
E assim fomos durante horas, jogando conversa fora e falando sobre qualquer coisa.
- EU AMO D... - tampou a boca, balançando a cabeça negativamente em seguida.
- O quê? - perguntei, curioso.
- Não, esquece.
- Fala.
- Esquece.
- .
- . Vai ser nerd demais. - ela fez uma careta.
- Quem liga?! - me assustei, ela não parecia ser o tipo de garota que se importava com o que os outros achavam.
- Ok. - ela mordeu o lábio, me fazendo notar o resto do batom que ela usara mais cedo no Teatro. O mesmo batom que havia ficado na minha boca, mas podia ter ficado muito mais. - Doctor Who. Eu amo demais Doctor Who.
Comecei a rir.
- Se isso é nerd, e nerd for algo ruim, eu tô perdido. Qual o seu Doctor favorito? Já assistiu as temporadas clássicas?
E assim o papo se estendeu por mais uma hora. E podia ter durado muito mais tempo.
Tocava "Can't Take My Eyes Off Of You", a versão original, quando ficamos em silêncio por motivo nenhum. Sorri para e ela corou, sorrindo de volta de modo acanhado.
- Acho melhor ir embora. Já passou das nove! Como não nos expulsaram ainda? - ela cochichou a última frase.
- Eles são muito bacanas. Já passei um dia inteiro aqui, com , e . - expliquei.
- Demais! Mas eu tenho mesmo que ir.
- Tudo bem, só preciso pagar...
Ela riu.
- Meio a meio, .
- Eu comi bem mais que você, .
- E isso anula o fato de eu ter comido?
- Talvez.
Dividimos a conta, afinal podia ser bem determinada quando queria. Leia-se teimosa. Ela pegou suas coisas em casa e quase pegava os livros quando eu interferi.
- Por que não deixa eles aí, e fazemos o trabalho aqui? Bem mais confortável.
Ela pareceu considerar a ideia.
- Se você prometer que vamos fazer o trabalho e seriamente, por mim, pode ser!
- Sim, senhora. - bati continência e ela riu.
- Bom, então eu vou. Nos vemos amanhã! Er... Obrigada pela ajuda, pela janta e pela companhia? E por ter aceitado fazer o papel de Romeu? Caramba, , tô devendo coisas demais pra você.
- Pff. Você não tá devendo nada, acredite. Ahm, bem... Boa noite.
- Boa noite.
Ela sorriu e eu abri a porta, recebendo um beijo no rosto e vendo-a sair da casa. Se tivesse esperanças, diria que ela estava relutante em ir embora, mas aquele era eu, relutante em vê-la ir. Se bem que eu devia parecer bem menos relutante que ela... Eu tinha que fazer isso toda vez: não conseguir demonstrar o que queria. acenou de dentro do carro e se foi, me deixando com a recordação de sentir mais uma vez seus lábios nos meus e depois ter que se contentar com um beijo no rosto.
*
Por que tinha que ser tão bom passar o tempo com ele? Por que tinha que ser tão perfeito o encaixe dos nossos lábios? E, principalmente, por que eu não podia encostá-lo na parede e beijá-lo de verdade de uma vez? À merda esse papo de deixar as coisas acontecerem, quem foi que deu essa ideia?
Angels & Airwaves tocava no rádio, e eu dirigia devagar para conseguir ouvir a música toda antes de chegar em casa. Estava tarde, não seria hoje que eu começaria as listas de Biologia e Química. Estudar na casa dele. tinha aulas de piano em alguns dias da semana, então em alguns dias da semana estaríamos sozinhos. Ou não. Mas se estivéssemos... Que todo o Universo me ajudasse. Eu realmente pareço uma ditadora, às vezes, mas filho de peixe, peixinho é. E falando em peixe ditador...
- Boa noite, . - ouvi minha mãe da cozinha, e fui até a sala onde Donna estava com Richard.
- Boa noite. - sorri, cansada.
- Jantou com quem?
Escorei na parede, só para caso aquilo durasse tempo demais e minhas pernas cansassem de me sustentar.
- Com o . Nós conseguimos os papéis no Teatro, e continuamos o trabalho de História depois. E agora eu preciso de um banho e da minha cama.
- Quem bom, que bom... Então vá. E boa noite. - ela acenou, me dispensando.
- Boa noite, filha. - papai falou, ligeiramente mais sério que minha mãe, e eu subi.
Tomei meu tão desejado banho e acabei pegando a lista de Biologia para começar. Na cama. Em menos de dez minutos já havia mandado tudo para o chão e deitava para dormir.
A última coisa que eu me lembro foi de ver olhos mais fortes que o normal, escondidos atrás de uma máscara que lembrava o céu durante a hora mais escura da noite.
*
Problema em dormir nunca foi um problema constante para mim. Uma noite aqui, outra ali... Mas nada como os últimos dias. O grande problema é que sempre que eu fechava meus olhos, ocupava toda a minha mente. Tentei de tudo, e quando eu digo tudo, estou incluindo coisas das quais não me orgulho. Não que tenha feito alguma diferença, não importava o que eu fizesse ou quantas modelos eu visse, ao fechar os olhos, era o mesmo sorriso que eu via, o mesmo rosto coberto por uma máscara. Esse era um fetiche novo pra mim.
E havia um jeito simples de resolver aquilo, mas eu não queria me entregar. Esse era o maior problema. Se eu fechasse os olhos e me deixasse pensar nela... Sabe-se lá o que podia acontecer. Até então, nada. Eu apenas dormia com sua imagem na mente, e não podia negar que dormia bem, mas uma hora ou outra isso ia dar errado. Era tempo demais com ela, logo ela estaria nos meus sonhos também. E ficar preocupado com isso só aumentava a probabilidade de acontecer. Era uma bola de neve sem fim. Eu não podia sonhar com ela, vai saber o que a minha mente doentia planejava colocar no sonho. E com que cara eu olharia para ela depois de tê-la nos meus sonhos? Não sabia se conseguiria.
Minhas pálpebras começaram a pesar, e meu último pensamento foi "Tarde demais".
Ela estava em um vestido roxo. O tecido transparente enlaçava seu corpo até cobri-lo, deixando apenas um pouco do seu peito e seus braços inteiros descobertos. E o pescoço. Seu cabelo estava preso, deixando minha obsessão completamente exposta. Seus olhos, carregados de uma sombra preta, fitaram os meus. Parecia não haver mais nada entre nós, era apenas um quarto vazio. Talvez minha mente estivesse ocupada demais imaginando para se preocupar com outros detalhes. Conforme eu me aproximava, entretanto, algumas coisas começaram a destonar do tom branco ofuscante do quarto. Alguns objetos menos claros, mais ainda brancos, como a cadeira que estava sentada.
- Eu pensei que você nunca viria. - seus lábios se moveram com perfeição, fazendo uma sensação quente se espalhar pelo meu peito enquanto meus ouvidos se deliciavam com sua voz.
- Eu estava com medo.
Eu jamais diria aquilo em voz alta, o que estava acontecendo?
deixou uma risada curta escapar, esticando seus lábios vermelhos.
- Eu sou assim tão assustadora, querido?
- Não. - me apressei em dizer. - Não é isso.
Ela se levantou, cortando a distância que havia entre nós com menos de dois passos.
- O que é, então?
Uma fina linha apareceu em sua testa, quase que imperceptivelmente, dedurando a preocupação em seu semblante.
- Eu... Eu não lembro.
Foi frustrante, mas não conseguia lembrar. Do que eu tinha medo? O que, naquele rosto tão puro e perfeito, podia me afastar? Quais as razões que me mantinham longe dela, se tudo o que eu via era ?
- Bem, então ótimo.
passou as mãos pelos meus ombros, parando-as na minha nuca. Dessa vez, um calafrio. Suas mãos não eram frias, mas estavam sempre em uma temperatura menor que a minha. O calafrio desceu minha espinha, se misturando com o calor que ela mesma havia causado um pouco antes.
- O que... O que você está fazendo, ?
- O que você quer que eu faça, oras. - ela sorriu, aproximando o rosto do meu. - O sonho é seu, . O que você quer fazer?
Seu nariz estava quase se encostando ao meu, sua boca levemente entreaberta. Ela brincava com a entonação das palavras de modo que sempre deixava claro o que queria dizer, com vírgulas e pontos. Eu não pensei duas vezes, quando dei por mim, já a beijava com uma ferocidade que eu não sabia de onde vinha. Ou sabia, na verdade. A espera. Era como se a vontade de beijá-la apenas aumentasse cada vez que eu negava isso para mim. Por que raios eu negava com tanto afinco, afinal? Minha mão já estava enroscada em seus cabelos sedosos, enquanto a outra passeava em sua cintura fina, esmagando o vestido sem culpa alguma. Seus lábios eram tão macios que apenas um selinho podia fazer coisas comigo que nem eu entendia. Mas eu queria mais, e antes que eu pedisse, já abria a boca, dando passagem para que minha língua encontrasse a dela. Minha mão que estava em seus cabelos escorregou pelo seu pescoço, levando a alça do vestido a escorregar pelo seu ombro enquanto minha mão explorava a região. A outra mão, que estava na cintura, subiu para o outro ombro, acariciando o caminho até ali e arrancando um suspiro de quando apertou seu seio. Ah, como eu queria fazer aquilo. Ouvi-la suspirar por mim era tudo que eu precisava. O problema era que só me fazia querer mais.
As unhas dela arranharam meu peito, e só enquanto me puxava para a cama que eu percebi o que vestia: nada. Bom, me poupava morrer de vergonha, com medo da reprovação de , e parecer ainda mais louco. O que ela certamente não havia feito. A única coisa nas feições de era desejo. A cama era tão branca como o resto do quarto, destacando ainda mais a beleza que estava na minha frente. Havia parado para observá-la sem sequer perceber, e ouvi sua reprovação escapar com um muxoxo. Roxo caía bem com seu tom de pele, e os olhos pareciam ainda mais vivos, a entrada absoluta para a sua alma. Pude sentir minha musculatura facial relaxar em um sorriso, e em seguida minhas mãos subiam por suas pernas, aproveitando a textura e dando leves apertões apenas para ter o prazer de ver o rosto de se contorcer de prazer cada vez mais.
- Isso é crueldade demais, . - ela falou entre dentes, seus olhos ofuscando na minha direção.
- Não, não é, pequena.
- É, sim. Você está me usando para satisfazer seus próprios desejos. - foi como se uma faca atravessasse meu peito. Tirei as mãos de seu corpo.
se ergueu, segurando meus ombros com suas mãos, como se aquilo fosse me impedir de fugir. E talvez fosse, eu não conseguiria, de qualquer jeito. Não agora.
- E os meus desejos, como ficam? - um sorriso levado dominou sua face, fazendo meu corpo relaxar aos poucos.
- Ficam comigo. Eu vou satisfazê-los, . Mas do meu jeito... Você não vai se arrepender.
- Nesse caso... - ela voltou a deitar, me levando junto apenas com o olhar.
- O que você quer, pequena?
Ela riu.
- Acho que você sabe.
No instante seguinte seu quadril rebolou contra o meu, com certa delicadeza e força ao mesmo tempo. Foi minha vez de contorcer o rosto, para a satisfação de . Seus olhos ainda brilhavam para mim.
- Não quero ir tão rápido, não agora que te tenho.
- Você já me tem, não precisa ter medo. Haverão muitas outras vezes, mas agora eu preciso de você.
Ela tinha que dizer aquilo. Eu preciso de você. Meus lábios atacaram os seus, mas não se demoraram ali. Logo eles desciam por sua mandíbula, atacavam seu pescoço e... Seus gemidos eram a única coisa que eu ouvia. Ela mal conseguia manter os olhos abertos, e como eu estava adorando aquilo. Esqueci completamente de que estava sonhando.
- Eu quero ouvir, . Diz alto.
Ela murmurava, parecendo incapaz de falar algo. Mas ela queria, eu podia sentir.
- ...
E como se tivesse levado um tapa no rosto, o sonho acabou com as seguintes palavras dela:
- Perfeito, querido. Agora só falta fazer isso de verdade. Não me deixe mais tempo sem saber como é, isso seria egoísmo demais até para você.
Acordei com o rosto ardendo. Arregalei os olhos de medo, o tapa havia sido real? havia sido real? Quando...
- Até que enfim, Aurora! - me deu outro tapa, dessa vez na testa, e saiu do quarto. - Você vai se atrasar se não sair dessa cama agora! E eu não sou sua mãe pra ficar te acordando, !
Mas que...
Um suspiro desolado escapou da minha garganta. Mas que merda, desde quando sonhos eram tão claros? Tão completos? Tão... Com sentido? Maldito inconsciente, tinha que aprontar uma dessas comigo. Pelo menos cada segundo que passava parecia levar junto algum detalhe do sonho... E eu não tive certeza se gostava mesmo daquilo. Eu não podia lembrar, eu tinha que esquecer, mas fora tão real... E tão bom.
Sonhos são assim, não é? Bom, nem sempre, mas a minha estrela da sorte tinha que brilhar numa hora dessas. E tentar não pensar não ajudava. Como eu podia ter feito isso? Como ela reagiria se soubesse? Ela não podia saber. Mas como podia ser bom... Se apenas fosse verdade o que o sonho dissera. Se ela realmente quisesse aquilo, e fosse egoísmo da minha parte não perceber. Não faço ideia de como vou olhá-la hoje, e era isso que eu temia. Peguei o violão antes de sair do quarto, guardado na capa. Precisava pensar, e não havia modo melhor para isso do que tocando um violão.
A minha real sorte foi que ela não apareceu. Quando voltei da sala de música, o pátio já estava quase vazio, a não ser por e alguns outros perdidos. Sentei no lado oposto da mesa, e acenou sem tirar os olhos do celular. Senti o meu vibrar no bolso da jaqueta e olhei o monitor, rindo em seguida.
": O que você fez com a minha amiga?"
": Nada! Hahaha"
Não na vida real, pelo menos.
": Vou chamá-la de novo, ela nem responde um oi. Se eu descobrir que você tem culpa nisso, ..."
Ri em voz alta, recebendo um olhar de reprovação cruel de . Provavelmente pelo volume da minha risada. E então o nervoso passou, e o que o havia substituído parecia ser... Saudade.
*
Acordei atrasada. Aimée batia na minha porta com raiva. Pulei da cama e abri a porta, pedindo desculpas. Ela fez descaso e ficou parada, me encarando.
- Entra. Pode sentar ali, eu me arrumo rápido.
Não fiquei para ver se ela me obedeceria. Meu cabelo ainda estava molhado do banho na noite anterior. Penteei, prendi, escovei os dentes, troquei de roupa e saí do closet. Peguei a mochila e saí do quarto com Aimée atrás de mim.
A pior parte: o combustível do carro estava no fim. Sabia que Aimée ia querer arrancar minha cabeça fora se eu passasse num posto antes de deixá-la na escola depois de acordar atrasada, então eu a deixei no Middle School primeiro. Ia me atrasar. E a porra do iPhone não parava de apitar. No posto eu parei para ver o que ele tanto gritava, e encontrei uma conversa enorme no WhatsApp. e , claro. Além de , em outra conversa.
": ?"
": ?"
": ! Onde você tá?"
": Ela deve ter se atrasado, só isso."
": Ela, se atrasar? Até parece. Agora você vai dizer que ela foi dormir depois das dez horas por algum motivo diferente de matéria atrasada."
Ri. Era isso mesmo, . Na sua cara!
": Talvez."
": Que horas vocês terminaram o trabalho, heim?"
": , cê tá ligada que eu tô do outro lado da mesa e é só você me perguntar em voz alta?"
": Yep. Porém, preguiça de abrir a boca."
Paguei o combustível rindo e voei de volta para a Ferdinand.
": Estou num farol. Acordei atrasada, fui dormir tarde por motivos diferentes de matéria atrasada e estou dirigindo acima da velocidade permitida. Acho que vou comprar um cigarro também. Já chego aí!"
me esperava com da porta do prédio principal, ela tinha a primeira aula comigo. Ela levantou as mãos para o céu e riu, me fazendo rir junto. Ele estava numa maldita jaqueta de couro marrom escuro e calças jeans quase justas. O All Star, como sempre, preto. Eu pude imaginar como seria estar nos braços dele, sair pela escola com o braço em volta de seu pescoço, e ele com sua mão firme na minha cintura. Arrepiei-me e me puni mentalmente por esses desejos incontroláveis. E fofos. Quantos anos eu tinha, afinal?
Cumprimentei com um beijo (e um tapinha leve na cabeça) e, pasmem, fui abraçada por . Fechei os olhos e senti seu perfume fraco, mas viciante, e seus braços envolverem meu corpo. Era certo. Encaixou como nossos lábios se encaixavam, foi natural como eram nossas conversas e... Eu estava me afundando cada vez mais. Ele me soltou, sorrindo, e eu notei olhar de maldade de . E em seguida percebi que ele não havia me soltado totalmente. Adivinhem.
SIM, começamos a andar do jeito que eu havia desejado, o que me fez rir. E riu junto. Andávamos como se fossemos amigos de longa data, ou... Ou um casal muito maneiro. Um casal que eu aprovaria, caso visse de longe.
- E o cigarro, ? - revirou os olhos.
- Deixei pra depois, sabe como é, muita revolta pra menos de 24h.
nos deixou na sala de Física e foi para a sua aula. O que significava que eu teria que aguentar por duas horas seguidas querendo saber o que estava acontecendo. Começando pelo fato dele ter me esperado, mesmo não tendo aula comigo.
- Pode começar a contar, . - declarou.
Bingo.
- Contar o quê, ? Nós ficamos fazendo o trabalho, depois escureceu e fomos jantar. Só isso.
- Disse o ser vivo mais antissocial do todos os Universos, já aproveitando pra incluir os paralelos. - sentou no nosso canto na sala, perto da parede - já que não podíamos ficar perto das janelas sem perdermos a aula toda prestando atenção no jardim -, e eu a segui, sentando na cadeira da frente.
- Ah, falando nisso! Ele também gosta de Doctor Who!
Consegui distrair com o tópico "Doctor Who" durante um bom tempo, passando por tudo que havia dito sobre e depois entrando nas especulações para o próximo episódio, tanto que ela pareceu esquecer do que pretendia tirar de mim antes da aula acabar. Agradecia mentalmente aos responsáveis por Doctor Who enquanto ia para a minha solitária aula de Geografia no terceiro andar quando me lembrei da última quarta-feira. Os minutos na antiga sala de música com , onde, em um momento raríssimo da minha vida em sociedade, eu não havia me sentido julgada ou qualquer coisa do tipo. Sorri sem que me desse conta.
*
Eu quis mandar a mensagem assim que deixei e na sala de aula delas. Tentei lotar a cabeça de estudo e exercícios e trabalhos e tarefas de todos os tipos, e funcionou. Com uma falha aqui ou ali, quando meu cérebro divagava num pedido de descanso, e me traía indo direto para as memórias fotográficas de sorrindo, preocupada, esforçada, se deliciando com a minha xícara de café. Porém, até o começo da segunda aula, eu havia conseguido evitar a tentação de mandar a tal mensagem. Ou qualquer outra. Até que meu celular vibrou insistentemente no bolso da frente da minha calça.
Então houve aquela cena ridícula, na qual meu coração disparou contra o meu peito e minha mão tremeu demais, atrasando o simples comando de tirar um celular do bolso. Pra, no fim, ser apenas .
": A não quis contar o que vocês fizeram ontem, então estou contando Drogas Ilícitas como uma probabilidade."
Antes que eu respondesse, uma mensagem nova apareceu.
": , cale a boca."
": Não se preocupe, , era tudo natural."
Imaginei rindo e sorri, satisfeito. Satisfeito com a minha própria imaginação, isso não me soa familiar? Ha.
": ... Tá de brincadeira comigo, né?"
": Cada um faz o que quer da vida, né, ."
": Você precisa ampliar seus horizontes, ."
": Vocês só podem estar tirando uma com a minha cara."
Ainda rindo, abri uma conversa só com . Já era hora de mandar a tal mensagem que eu havia lutado com tanto afinco para atrasar.
": No intervalo te encontro no mesmo lugar que na quarta passada? Trouxe meu violão. :)"
A resposta dela veio rápido.
": Só no intervalo? Desapontada contigo, . Estava precisando de uma salvação pra essa aula de Geografia (entediante) Física."
": Você que é a veterana, não manjo nada de como cabular aula por aqui."
": Não cabulo aula, . Tenho cara de quem faz isso?"
Sim. tem cara de quem cabula aula para ler algum livro incrível embaixo de uma árvore ou sentada em um dos galhos. E eu nunca conheci alguém assim, mas ela tem cara de quem faria uma coisa dessas. Fantasticamente adorável, podem me achar gay. Jamais vou dizer uma coisa dessas em voz alta. OK. Talvez para ela.
": Eventualmente? Sim."
": ...você me pegou, espertinho. Porém, realmente, é uma vez a cada dois meses ou mais... Não, não posso cabular."
": Parece-me mais que você está tentando convencer a si mesma sobre isso."
": Não. Não. Você vai atrapalhar meus estudos, !"
": , foi você quem falou que queria ser resgatada da aula, é só subir um pouco a conversa e ver. :)"
": Merda."
": Não vai ser dessa vez, ."
E, antes que meu consciente processasse o pensamento, meus dedos já enviavam a frase.
": Eu posso esperar, ."
Como um clique de um interruptor que acende uma lâmpada, eu percebi a veracidade naquelas palavras. Eu posso esperar. Eu não quero mudá-la. Não, eu não quero forçá-la a mudar, mas eu posso esperar. E quem sabe? Ela ainda podia ser bi.
Inferno, até onde eu sabia ela podia ser Deus.
Toda a concentração que eu havia me forçado a ter esvaiu, e a aula acabou num piscar de olhos.



(She's A Rebel — Green Day)

Dessa vez eu cheguei na sala antes dele. Deixei a mochila perto do armário e o abri, pegando o violão. O de também estava ali, ou pelo menos devia ser o dele. Estava dentro de uma capa resistente, e minha ansiedade resolveu dar as caras. Queria tocar a capa, abri-la, ver se ela era impermeável. Às vezes eu tinha esses ataques, vindos do nada. Para a minha sorte, chegou.
— Pode pegar.
Virei o rosto para vê-lo fechar a porta, e peguei seu violão. Era pesado, e devia ser culpa da capa. Ela era muito mais do que as capas que eu conhecia.
— Isso é feito de quê, ouro maciço?
riu, pegando a capa da minha mão e apoiando-a no armário e abrindo-a em seguida. Era o mesmo violão que ele havia tocado na casa de e , um Di Giorgio que parecia ter sido comprado no dia anterior, de tão bem conservado que estava. apoiou o violão do lado do velho e precário violão esquecido da escola, me fazendo notar as semelhanças entre os dois. Sempre suspeitara que aquele era um antiquíssimo exemplar Di Giorgio, mas todas as marcas haviam sumido. Deixei a capa moderna de de lado, me aproximando dos violões. As coincidências eram assustadoras. Mesmo tamanho, mesma cor, mesmo acabamento. O braço do violão da escola estava muito mais desgastado, e o violão todo parecia ligeiramente mais escuro, mas só podia ser...
— Quando eu vi esse violão, tive certeza que era o mesmo modelo que o meu. É uma raridade, e mesmo não estando no melhor dos estados, a excelência do som entrega que a marca dele deve ser uma das melhores.
— Di Giorgio. Sempre pensei que fosse um, mesmo... Quanto mais usado, mais delicioso de se tocar. Faz sentido. — deixei um suspiro escapar, me afastando para observar de longe. — Esplêndido.
sorria, mas eu estava ocupada demais para reparar nas curvas de seus lábios, dessa vez. Peguei o iPhone e tirei todas as fotos que podia. Aquilo era incrível, tinha que mandar para algum especialista analisar. pegou seu violão e sentou no chão, sendo seguido por mim. Ficamos experimentando os sons e comparando os violões durante todo o intervalo.
— Nunca te ouvi cantar. Digo, sem a P!nk ou outra pessoa cantando junto.— ele comentou, ainda sentado, enquanto eu estava deitada no chão. O violão ainda comigo. devolveu meu celular.
— E? — sorri, dando meu melhor sorriso maroto e guardando o iPhone no bolso.
— Você já me ouviu. — ele deu de ombros, apoiando os braços na curva do violão e deitando o rosto ali.
— Problema seu, !
— Vamos lá, , só um pouquinho. — ele emitiu um resmungo chateado, quase fazendo um biquinho com a boca.
Ri.
— Ok, vai... Não quero destruir a vida de uma criança. Mas não é nada demais, ok? Eu só gosto de cantar, isso não significa que eu saiba como fazer isso direito.
revirou os olhos.
— O que importa é que você gosta blablabla, não foi você quem disse isso semana passada?
O sorriso que ele deu transbordava esperteza. Mostrei a língua antes de me concentrar em alguma coisa. Os acordes vieram primeiro, baixos, porém sonoros, graças a experiência do violão nas minhas mãos. Encarando o teto descascado da sala de música esquecida, fechei os olhos comecei a cantar. Baixo também, mas a sala vazia parecia amplificar o som das minhas cordas vocais como fazia com o som do violão. Mais uma vez, éramos um só.
— I am outside, and I've been waiting for the sun. With my wide eyes I've seen worlds that don't belong. My mouth is dry with words I cannot verbalize, tell me why we live like this? Keep me safe inside your arms like towers, tower over me... Yeaah. (Eu estou do lado de fora/E eu estive esperando pelo sol/Com meus olhos bem abertos/Eu vi mundos que não se encaixam/Minha boca está seca/Com palavras que eu não consigo verbalizar/Me diga por que/Nós vivemos assim?/Me mantenha salva dentro de seus braços que são como torres/Torres sobre mim, yeah)
O sinal bateu e eu parei, me levantando e escondendo o rosto. Estava corando. Por que aquela música? conhecia? Ele havia entendido? We Are Broken, uma música antiga do Paramore. Uma música que já dizia muito pra mim antes de aparecer, e agora...
— Sua voz é linda.
Virei-me para encará-lo, esquecendo que devia estar corada e que coraria ainda mais com o elogio.
— Obrigada.
— Bem suave, mas forte ao mesmo tempo...
.
— Oi?
— Não exagera.
— É sério! Não é aquela voz aguda, é suave... Mas não é fraca, pelo contrário...
— Okay. — dei um soquinho em seu ombro, tentando cortar o assunto, e levantei para guardar o violão.
— Desculpa. — ele se aproximou, guardando o seu violão na capa e colocando-a nas costas depois. — Mas é o que eu acho, e não é porque você corou e está envergonhada que eu vou deixar de dizer que sua voz é boa. E o jeito como você se entrega, o modo como você cantou...
! Obrigada. — eu ri, mais envergonhada que nunca. — Mas chega.
Ele sorriu, contrariado, e ofereceu o braço para mim. Teria estranhado, se a vontade de aceitar e ficar tão próxima dele não fosse muito maior que qualquer coisa.
— Devíamos fazer isso toda quarta. — ele comentou, já nas escadas.
— Ok!
olhou para mim com um sorriso, demorando mais que o normal para voltar a olhar para frente e terminar as escadas. Eu me senti mais quente, quase como se estivesse completamente feliz com a vida. Ou pelo menos era assim que devia ser sentir tal coisa.
Dei um sorriso olhando para o chão e continuei andando meio que sem ver para onde íamos.
*
Não sei se a aula passou rápido ou devagar, mas quando encontrei na porta da saída do prédio, me senti grato.
— Wow, isso é um violão?
Logo estava em uma mesa do refeitório com o grupo de dança, tocando violão enquanto os almoços não ficavam prontos. foi a última a chegar, a mochila pendurada em um único ombro e um livro nas mãos.
— Genial a última a chegar ser quem demorar mais pra comer, dona . — ralhou, recebendo um olhar de desprezo de . — Não precisa agradecer, já pedi o seu almoço. O de sempre.
— Awn, que linda! — beijou a testa de e recebeu um tapa fraco em seguida, como que um aviso para se afastar. — Obrigada, revoltada.
— De nada, avoada.
Levar o violão para a escola não podia dar em algo muito diferente. Parecia um pecado não estar tocando-o, e esse era um pensamento geral. Não deixaram o violão silenciar em momento algum, até que estávamos no Teatro e Victor chegou.
— Vocês até que cantam bem, podíamos nos unir ao Teatro e fazer um musical!
O grupo ficou em silêncio, e em seguida todos riram.
— Não, nem pensar.
— Cantar bem? É porque ele não tava me ouvindo.
— Até parece, realmente cantar em uma apresentação de Teatro! Sem um microfone? Adeus, garganta. — alongou os braços do meu lado, sussurrando seu descontentamento com a proposta.
— Mas podia ter uma apresentação de bandas. Algo como um festival de música. — respondi, começando a me alongar também, já que todos faziam aquilo.
Meio desconfortável essa coisa de se alongar.
riu.
— Nós já temos isso por aqui.
— Sério?
— Você nunca ouviu falar dos festivais de música da Ferdinand? Wow, essa é a primeira vez que realmente te vejo como um estrangeiro, Canadá.
Definitivamente engraçado ela perceber isso depois de tanto tempo, e por causa de um festival.
— Engraçado você se deparar com isso só agora, a maioria encana bem mais cedo. Com a paixão pelo hockey, a resistência ao que vocês chamam de frio, mas parece verão e outras coisas.
— Como o sotaque.
— Não existe realmente muita diferença entre Toronto e aqui, na verdade.
— Ah, existe sim. Lembre-se, você tá falando com a maluca que adora linguística. Mas eu jamais estranharia isso, sotaques são algo que eu aprecio. A variedade linguística, em si... — ela parou de falar e encarou o nada. — Definitivamente pareço uma lunática falando sobre isso.
riu, do meu lado.
— Oh, , você está fazendo bem para a nossa , ela jamais foi tão autoconsciente na vida!
O olhar de se voltou para , fuzilando-a.
— Disse a pessoa que vive insinuando que minha autoestima é inexistente.
— Tem diferença entre se achar feia e sem graça quando se é exatamente o oposto e perceber que parece uma lunática falando de linguística, . Você é meio louca. Mas imagino que isso funcione como um charme a mais, amiga, relaxa.
A expressão serena de fechou. Ela pareceu fazer um esforço enorme para não xingar.
— Imagine o meu dedo do meio, .
apenas riu.
— Vamos começar o treino, garotada! — Victor chamou todos para suas posições.
— Victor, quem vai ser o casal principal? — perguntou baixo, mas a pergunta atraiu muitos olhares. E ouvidos.
— Ainda vou decidir isso, . Preciso ver mais de vocês antes de ver isso, e a dança não é muito diferente para o casal principal, então não tem problema decidir mais tarde. Vocês ainda precisam aprender o básico. Só o que muda mesmo é a briga. Vamos lá!
ficou de frente pra mim, parecendo levemente sem graça.
Cada segundo naquela aula me fazia questionar o convite de Victor. Eu não sabia dançar. Eu nunca fui bom nisso. O que ele havia visto em mim? Aquilo estava começando a me irritar.
suspirou.
, você tá em que planeta?
— Hm?
Havíamos parado de dançar, mas ela não havia soltado meus ombros.
— Você não tá prestando atenção em mim! Não dá pra dançar assim...
— Desculpa?
Ela riu e sussurrou um 'ok'.
Mesmo assim, a aula continuou sendo um desastre. Só digo que fica ainda mais difícil de dançar quando se tenta manter uma distância saudável da sua parceira. Saudável para a sanidade mental. E eu precisava tomar cuida com isso, porque, a minha, depois daquele sonho, andava prejudicada. E tanto contato com depois de um sonho daqueles era algo perigoso, além do fato de que cada vez que meus olhos flagravam ela morder seu próprio lábio, minha mente me levava de volta para aquele sofá na casa de . Parecia ter acontecido há muitos anos. E me fazia querer grudar meu corpo no dela e a beijar, mais do que tudo. Mais até mesmo do que o próprio sonho.
Porque aquilo, sim, havia sido real. Apenas um jogo, talvez. Mas, ainda assim, não fora um sonho.
No final da aula, parecia cansada. Cansada não, exausta. Havia algo mais, também, mas eu não sabia o que era.
passou por nós rodopiando.
— Eu adoro essa aula!!!
Ela recebeu dois olhares de desgosto.
— Ah, qual é! Dançar é relaxante!
— Fale por você. — respondeu, amarga, tomando a liderança do grupo. — Preciso estudar pra dar uma relaxada.
— Louca. Você tá brincando comigo, né? — segurou pelo braço, fazendo-a ficar de frente para si.
— Não. Tenho que terminar aquele trabalho de História. Você vem?
— Nem ferrando, a não ser que já tenha algo pra ser digitado.
— Não, ainda tenho que revisar.
— Neste caso, boa sorte!
nos deixou pra trás, e pensei ter visto hesitar, mas nada aconteceu.
Foi estranho. Caminhamos até o carro dela e havia algo de diferente na postura de . Ela parecia... Tensa demais. Até que o rádio tocou Green Day, e aos poucos a velha estava ali, batucando o volante e cantando a música, baixinho. Ela até aumentou o som para poder cantar mais alto.
She sings the revolution
The dawning of our lives
She brings this liberation
That I just can't define
Nothing comes to mind
(Ela canta a revolução/O amanhecer de nossas vidas/Ela traz esta liberação/Que eu apenas não consigo definir/Nada vem a mente)
Durante essa música, eu lembrei da primeira ocasião em que a vi. A revolta no olhar, no andar, em cada movimento do seu corpo. She's a rebel... She's a saint (Ela é uma rebelde... Ela é uma santa). Agora é questão é: onde essa rebelde santa, essa rebelde de justa causa que existe em , onde ela se escondia a maior parte do tempo? E por que ela se escondia? Outra questão... Eu queria vê-la livre desse medo de se soltar? Porque aquela tensão que ela estava antes não podia ser algo diferente de repressão. E devia ser repressão da sua natureza: sua rebeldia. E como seria vê-la livre dessas amarras imaginárias?
*
Num segundo eu estava querendo ver a cabeça de rolar, e no outro eu não lembrava da existência de mais ninguém no mundo. A não ser Billie Joe e sua fantástica banda Green Day, com aquela música que tocava no rádio. Quando chegamos a casa dele, eu já não lembrava nada que devia me estressar. Se estressar pra quê, não é?
não estava em casa. puxou uma cadeira para eu sentar e foi para a cozinha. Afinal, sozinhos. De verdade. Claro que podia aparecer pela porta em qualquer instante, mas ainda assim. Isso me fez lembrar o porquê estava brava anteriormente. Sentei, ignorando as possibilidades de agarrar que minha mente havia se posto a imaginar e senti a tensão voltar aos meus ombros. Ele não queria. Não me queria, dizendo melhor. O que havia acontecido com o garoto que não tirava os olhos de mim? O garoto que havia dançado colado em mim na festa, me pegado no colo e recebido uma... Mordida minha no seu lábio inferior. A memória fez meu estômago congelar, e algo engraçado acontecer mais abaixo.
Eu e minhas ideias idiotas. Amizade, era isso que tinha acontecido. E o pior: era o que eu queria. E agora eu havia conseguido. Parabéns, batam palmas para mim. Um verdadeiro gênio do amor, vou abrir uma barraca de conselhos amorosos. Ou um site, né? Por favor, século 21.
No entanto, no instante em que apareceu com um pote de sorvete de pistache, eu o perdoei.
Quando vi o potinho de confetes coloridos, eu quis me desculpar com Deus e agradecer aquele anjo que Ele havia posto na minha vida. Foram os cinco segundos mais religiosos de toda a minha existência.
ria de algo quando eu voltei pra realidade.
— O que foi?
— Acho que nunca te vi com um sorriso tão grande.
Levei as mãos até meu rosto e tentei relaxar os músculos dali, que estavam esticados pra valer. Agora, que eu notara, percebera que até doía.
— Não sei do que você está falando. — disfarcei, recebendo um olhar cético muito sexy. — Me dá essa colher aqui.
Preparei a taça de sorvete mais caprichada e maravilhosamente gay da minha vida, e colocou duas colheres. Íamos dividir a taça? Ok. Tirei uma foto com o instagram, porque aquilo, sim, valia um #instawesome. Se dependesse de mim, aquela bagaça só teria fotos de comida. Nada merece mais uma foto do que um belo prato. E céus bonitos.
Então, já sabemos, eu nunca teria muitos seguidores. Nem curtidas.
Bem como a vida real, não é mesmo?
— Vem pra sala. — ele chamou, já levando a taça consigo.
O segui sem pestanejar. Aonde aquela taça fosse, eu iria atrás. colocou em um dos reality shows musicais, The Voice, e atacou o sorvete junto comigo. Sentados no sofá, estávamos colados um no outro. Nem mesmo pistache ia desviar um fato daqueles do meu radar. Porém, foi apenas isso que meu radar fez. "Olha, vocês estão próximos demais. Pistacheee!"
— Eu tava lendo aquela edição de Romeu e Julieta que você me deu...
— Hm... E aí? — continue falando, sobra mais sorvete pra miiiiiim!
— Bacana. Só que, eu não sabia disso, a Julieta tem 13 anos?! — perguntou, ligeiramente assustado.
— Sim!! Bizarro, certo? Você tem que se situar na época em que o livro foi escrito antes de ler. E o Romeu?
— O que tem ele?
— Ele se apaixonava por todo rabo de saia que passava na frente dele!
— Nunca pensei que você ia criticar Shakespeare. — parecia surpreso.
— Não estou criticando Shakespeare, estou criticando o que as pessoas fizeram com Shakespeare. Eu acho genial, na verdade. Pra mim, existe um deboche do romantismo exacerbado por baixo de todo o drama, e aí vão adaptar e fazem exatamente o que ele critica... É claro que o livro é dramático, mas nada em Shakespease é uma coisas só, ele...
Eu poderia ficar horas falando sobre aquilo, porém me interrompeu. Sujando meu nariz com sua colher de sorvete.
— Como você pensa em tudo isso? — ele simplesmente perguntou, como se fosse costumeiro me sujar de sorvete.
— Precisava desperdiçar sorvete no meu nariz?! — limpei com o dedo, tendo o cuidado de lamber todo o sorvete dele depois.
E então o radar esqueceu o pistache, novamente, e focou em dois olhos que brilhavam na direção da minha boca. Inconscientemente, passei a língua pelo lábio inferior, vendo o olhar de acompanhar o movimento e subir vagarosamente para os meus olhos.
O silêncio era ensurdecedor.
— Eu tenho uma dúvida. — quase sussurrou. Assenti com um leve aceno de cabeça. — Naquela cena do quarto, a cena da cotovia, sabe?
— Sim, sim. A segunda cena mais famosa, depois da conversa pela janela. O que tem?
Pelo modo que falávamos, parecíamos duas crianças dividindo um segredo.
— Eu não sei como devemos fazer os beijos. Quer dizer, selinhos como o da cena que ensaiamos vão bastar? — ele parecia mais próximo, mas podia ser eu quem estava se aproximando.
Não sei.
— Não. Não, Margaret já comentou que quer beijos de verdade. E eu acho que essa cena pede beijos calmos, de início, e desesperados, no final, quando ela o manda embora.
— E... E como nós vamos fazê-los?
— Bom... Acho que o primeiro quem deve dar é o Romeu, e depois Julieta, convencendo-o a ficar, dá os outros. Algo como... Bem... Não tem como explicar mais sem...
Ele entendeu. Ou ele planejava chegar naquele ponto desde que iniciara a conversa. Meu estômago afundava mais a cada centímetro que diminuía na distância entre nós. Estava acontecendo. Não era a minha imaginação.
A taça de sorvete foi cuidadosamente depositada no chão com uma mão, enquanto a outra se depositava na minha cintura. Ele não quebrou o contato visual até chegar extremamente perto e voltar a olhar diretamente para meus lábios. Fui levada a fazer o mesmo, observando seus lábios levemente entreabertos. E, então, eles estavam nos meus. Fechei os olhos como deve ter feito, e aproveitei a sensação que aquela junção de bocas me proporcionava. Calmo, exercendo uma leve pressão sobre os meus, os lábios dele se abriram, e eu senti seus dentes mordiscarem a parte mais carnuda do meu lábio inferior. Aquilo era um pedido de passagem para a sua língua? Eu não sabia, eu nunca havia feito aquilo!! Mas a resposta pareceu instintiva, minha boca se abriu e logo minha língua encontrou a dele. Serena, calma, ávida por sentir cada toque. E com o gosto refrescante do sorvete de pistache.
Eu ia ter que pagar muitas penitências como agradecimento por isso. Meu primeiro beijo de verdade ter gosto de sorvete de pistache? Eu nunca mais reclamo da vida. Nunca. Mais.
parecia aproveitar cada detalhe, ainda com a mesma calmaria do começo, e eu já não sabia se aquilo tinha segundos ou minutos. Mas sabia que queria que durasse muito mais. E aí, claro, ele se afastou, voltando a encostar suas costas no sofá. Eu nem esperei ele dizer algo, eu nem justifiquei o que ia fazer, eu sequer me preocupei com essas coisas. Apenas o segui, unindo nossos lábios outra vez, com uma avidez muito mais pura. Encaixei as mãos em seus ombros, e no instante seguinte estava em seu colo, uma perna da cada lado do seu corpo. Eu queria mais e mais, e quanto mais tinha, mais eu queria. Era insaciável. passava as mãos pelo meu cabelo, sempre mantendo uma em minha cintura, segurando-a com força.
E, aquilo sim, foi indescritível. Finalmente, aquilo que eu já havia tanto lido, acontecia comigo. O mundo sumira mesmo, não havia nada além daquele sofá, e eu. Parávamos para respirar e nem abríamos os olhos, já estávamos nos beijando novamente. E logo eu estava deitada na beirada do sofá, com metade sobre mim, intercalando beijos curtos e calmos com beijos demorados e vorazes.
Quando ele parou, eu demorei para perceber. Estava estuporada demais para abrir os olhos.
... — sussurrou bem próximo do meu ouvido, encostando a testa na minha em seguida.
Só tive tempo de abrir os olhos. Em seguida, alguém esmurrava a porta da sala.
*
Eu não sabia muitas línguas, mas em xingamentos eu era O Mestre. Xinguei com todo o vocabulário vasto que possuía, mentalmente. Levantei do sofá com dificuldade. Não queria que aquele momento acabasse, não queria deixar ali. Eu ia dizer, ia dizer que não conseguia. Que gostava demais dela, que não era saudável... Aquilo não fora só um beijo de ensaio. Nós cruzamos essa linha. Já não sabia se estava grato ou puto com . Não, eu estava puto. Ficaria grato mais tarde, quando a insegurança faria seu trabalho, se aproveitando da ausência de .
— A chave deve estar torta aí dentro, não consigo abrir essa merda!
É, a porta dali fazia isso, às vezes. Destravei-a e entrou bufando, até ver .
— Opa. E aí, beleza?
Bom humor demais, percebi. Bom humor demais pro que ele estava até hoje de manhã.
— Sim. E aí, sorvete? — já estava sentada no sofá, a taça quase vazia de sorvete nas mãos.
— Não, valeu! Nossa, quanto sorvete vocês já tomaram pra ficar com a boca roxa desse jeito? — riu e foi para a escada, subindo-a e sumindo de nossas vistas em seguida.
Pois é, , não foi bem o sorvete que fez isso. Voltei o olhar para e analisei sua boca, ainda mais linda agora, num vermelho quase roxo, graças aos infinitos beijos que havíamos trocado. De resto, ela não dava indícios de quem havia acabado de sair de um belo amasso. Seu cabelo parecia se arrumar sozinho, naquele jeito rebelde que ela gostava de mantê-lo, ao invés de separá-lo com uma risca. Ela gostava dele assim, e ele parecia gostar de ficar assim também, porque eu havia bagunçado um bocado aqueles lindos cabelos compridos.
me olhava, esperando uma reação, e provavelmente analisando o estrago que havia feito. As roupas amassadas, meu cabelo devia estar parecendo o do Bob , com sorte, pela quantidade de vezes que ela os alisou. Como não havia percebido? Devia ser a pergunta que passava pelos seus olhos, além do explícito "E aí?" referente ao que fazíamos antes de chegar. Até parece que tomar sorvete causaria todo aquele estrago, ainda mais a vermelhidão dos lábios macios de . E que lábios, e que língua, e que boca. E que .
Ela não gritava comigo ou me julgava com o olhar. Ela permanecia sentada, uma colher de sorvete de pistache na boca, e os olhos em mim. É claro, havia a possibilidade de ela ter realmente encarado aquilo como um treino para a peça de Teatro. Talvez ela só tivesse feito para genuinamente me mostrar como devia ser, e eu estava ali, surtando por nada. Mas aqueles beijos, e os beijos que eles desencadearam... Aquilo não era encenação. Ela não podia ser tão boa assim. E aí eu me lembrei de seu improviso perfeito de Hamlet. Suspirei. É, ela podia ser tão boa assim. ergueu uma sobrancelha.
— Melhor fazermos o trabalho. — me voltei para a mesa, me concentrando em arrumar os livros que estavam num canto e as folhas do trabalho, enquanto não tirava os olhos de mim.
Eu podia senti-los queimarem a minha nuca.
Ela finalmente se aproximou, e, vendo que eu não ia parar de fingir que arrumava os livros nas páginas certas, sentou-se e pegou um livro para si.
Ficamos o resto do dia em silêncio, apenas lendo e escrevendo. Ela não pediu opiniões, como costumava fazer, e eu não fiz perguntas, como sempre fazia. apareceu por volta das nove horas, alisando a barriga.
— Não comeram nada ainda? — ele perguntou, parando na nossa frente. Neguei com um aceno de cabeça. — Vocês são o quê, traças de livro? — riu, dando de ombros e soltando um "Quem sabe?" baixo. — Então é melhor irmos pra pizzaria. — declarou, já pegando a blusa de frio.
— Que horas são? — coçou os olhos, finalmente largando a lapiseira toda especial dela.
— Nove.
— Nove?! Merda. — ela pegou a mochila, tirando o celular de dentro. — Merda, eu tenho que ir.
— Sem jantar?
— Tenho comida em casa, . — mandou a língua, fazendo rir. O que era aquilo? Eles se conheciam tanto assim, pra ter essa intimidade? Nos últimos dias, não fora essa a impressão que eu tivera.
— Vou chamar o e o , você pode chamar suas amiguinhas também, .
— Tá tarde, cacete! — era engraçado quando ela falava um palavrão, parecia uma criança dizendo "merda" e se achando A Revoltada. Fofo. — Eu tenho que ir. Fica marcado pra sexta, pizza na sexta. Tchau! — ela guardou tudo sem jeito na mochila e começou a pegar os livros. — Tá tudo ótimo, , vou fazer o resto com a , falta pouco, e ela precisa começar a digitar.
— Ela podia digitar aq...
— Tchau! — ela pegou o livro que estava em minhas mãos e deu as costas.
Sem beijo no rosto, sem abraço e até mesmo sem um tapinha nas costas ou no ombro, ela se foi.
nem fechou a porta, deixando meu olhar acompanhar o rebolado de até ela entrar no seu New Beetle vermelho e sair sem sequer abaixar o vidro e acenar.
Ok, talvez não tenha sido a melhor das ideias ter ignorado o que havia acontecido no sofá. Porém, eu não consigo entender mais nada.
*
Parei na próxima esquina, longe o suficiente para não ser vista da casa de e . Peguei o celular, digitando demasiadamente rápido, sem me importar com os erros. Devia primeiro avisar meus pais, que haviam mandado diversas mensagens, mas respondi . A mensagem dela era séria, o que era estranho.
"Seus pais estão surtados, eu disse que você estava fazendo um trabalho com e tudo ficou bem, mas acho que eles estão bravos. Prepare-se, ."
Minha resposta foi: "Perdi o horário, estava entretida demais em me mostrar entretida com o trabalho. Aconteceu, . A coisa mais inesperada aconteceu."
Suspirei e mandei a mensagem para meus pais:
"Perdão, perdi o horário. Esse trabalho não tem fim. As próximas reuniões para fazê-lo serão em casa, eu prometo. Já já estarei aí, beijos."
E então o celular tocava, e era fazendo pose de Miss Universo no visor.
— Al...
"Você quis dizer: o inevitável finalmente aconteceu. Não é?"
— Você nem sabe o que aconteceu, .
"Ah, então quer dizer que vocês não se beijaram e terminaram num amasso interminável no sofá da sala? Droga."
— Como você sabe?
"FOI NO SOFÁ? Caralho, eu sou boa. Por favor, eu preciso dizer, ", pareceu respirar fundo. "EU SABIAAAAAAA!!!"
Suspirei, revirando os olhos.
— Tanto faz. É, parabéns. Mas você não adivinha o resto. E duvido que você tivesse pensado que isso ia acontecer, também.
"O que houve?" ela pareceu preocupada, talvez meu tom de voz tivesse a trazido de volta para a realidade. Aquela realidade em que nada dava certo para .
Euzinha.
chegou, a porta estava travada pela chave de dentro e foi abri-la. Depois que subiu, sem perceber nada e parecendo alegre demais...
"."
. Chegando em casa eu ligo pra ela. Prepare-se para sair de casa pela janela, se necessário. Então... Nos encaramos por um tempo, parados, até que disse que devíamos fazer o trabalho e me ignorou depois disso. Pelo amor, , ele tentou fingir que não tinha acontecido nada!
"... É, eu realmente não vi isso vindo. Estou confusa. Não foi bom? Como aconteceu, afinal?"
Contei detalhe por detalhe, voltando a dirigir com calma para casa. estava no viva voz, eu não era motorista de ficar com uma mão ocupada com o celular enquanto dirigia. Talvez fosse certinha demais pra isso. No final, depois de vários "uuh" e "aah", estava tão confusa quanto antes.
"A peça foi definitivamente uma desculpa para ele te beijar, isso é a única coisa clara nessa história."
— Obrigada por concordar comigo, obrigada.
", VOCÊ NÃO É MAIS BV, MENINA!"
— ... , . , por favor.
"E JÁ SAIU DA VIRGINDADE BOCAL PRA ALTOS AMASSOS, MAS O QUE É ISSO? E PISTACHE? SORVETE? Meu primeiro beijo teve gosto de... saliva, mesmo."
— Cala a boca, . Deve ter sido muito ruim mesmo, seu primeiro beijo, pra você ter namorado o dono por sei lá quantos anos.
"Mas, , ter gosto de sorvete! Épico, estou tão orgulhosa de você!"
, eu sei o que você está fazendo, e não vai funcionar. Foi legal pra caramba, mas só complicou mais a minha vida. Yay, precisamos comemorar!
Isso a manteve em silêncio. Virei à direita, entrando na rua de casa, e suspirei. De novo. Lady Suspiros está de volta, fãs!
"Eu acho que, por algum motivo bizarro, ele tem medo disso. E acho que a culpa é sua."
— Minha?! — não consegui evitar as oitavas que minha voz aumentou.
"Sim, sua. O gosta de você, , pra valer. Não ficaria surpresa se ele estivesse com medo de estragar alguma coisa, de te decepcionar ou algo assim."
Tive que rir.
— Brilhante! Porque se esse era o medo dele, ele acabou de conseguir exatamente isso.
", dá um tempo. Ele deve ter ficado confuso com o amor dilacerador que sente por você e precisa de um tempo pra perceber que isso é o certo!", a voz de estava no seu raro tom sonhador, aquele que sempre fazia parecer que ela estava me zoando. "Dá um tempo pra ele, amanhã tem Teatro, não tem? Vocês vão ter um ensaio sozinhos depois da aula, não vão? Relaxa. Quando é pra dar certo, dá. Uma hora ou outra, tudo dá certo. E eu sinto que vocês dois não vão conseguir fugir disso, porque é mais do que certo."
— ... Eu já disse que queria ter a sua certeza, não disse?
riu.
"Boa noite, ."
Demorei para responder, mas ela não desligou. era alguém que sabia como dar o tempo necessário para tudo e todos.
— Boa noite, .
Entrar em casa com minha mochila mais a pilha de livros e papeis foi o suficiente para calar meus pais. Richard tirou os livros das minhas mãos e me ajudou, carregando-os até meu quarto. Donna veio atrás.
— Só nos avise da próxima vez, querida. Guardamos um prato com a janta pra você, já comeu?
— Não, nem deu tempo. Eu perdi completamente a noção do horário. Pode deixar os livros aqui. Obrigada, pai. Acho que vou tomar um banho primeiro, mãe.
— Tudo bem, .
— Se cuida, pequena. — meu pai me abraçou de lado e deixou um beijo no topo da minha cabeça.
Fiquei os vendo saírem, esquecendo por alguns segundos de tudo que tinha pra fazer. Em seguida, liguei para e fui para o banheiro.
"Alô, beijo sabor pistache?"
— Nossa, mas a velocidade da fofoca não tem limites! tá se superando.
"HAHAHA! Fala, !"
— Tá tudo bem contigo, ?
Silêncio.
"Você tava na casa do quando ele chegou, né?"
— Sim. Acho que ele chegou bem na hora pra impedir que eu perdesse outro V hoje.
"Ai meu Deus! não falou isso! Vou matar aquele empata foda..."
— Ele foi aí hoje, certo?
"... Ai, , eu me odeio. Eu não consigo! Por que eu tenho que precisar tanto dele? E ele ainda faz aquela cara de cachorrinho abandonado na chuva!!"
— Ele pediu desculpas, ?
"... Não. Ele só disse que estava morrendo de saudades, que sentia muito a minha falta... E em seguida a porta do quarto estava trancada e tocava KISS bem alto, e ele tirava a minha..."
— Informações de mais, . Minha imaginação tem vontade própria, , você sabe. Regra número um...
"Não dê informações demais para a ."
— Isso, sua linda. Mas e aí, ?
"Não sei, . Vou tentar ganhar as desculpas que mereço, mas... Foi bom. Acho que, dessa vez, vai dar certo."
— E eu espero que dê, quero voltar a ver o como o músico maluco de futuro brilhante que ele é, mas antes disso alguém precisa ajudá-lo a ser homem. A nação conta com você, .
Consegui arrancar uma gargalhada de , e era disso que eu precisava para me despedir e conseguir relaxar a mente. não gargalhava quando estava mal. Ela sabia muito bem enganar os outros, mas esse era um segredo meu. Meu modo de saber a verdade sobre como ela estava. Eu me preocupava, era uma das melhores pessoas daquele lugar, mesmo tendo a pose de mandona e viver me cutucando. Era o jeito dela de demonstrar que se importava, e como ela se importava.
Eu achava justo alguém se importar de volta na mesma intensidade, e esse alguém era eu. Devia ser , mas ele estava ocupado demais sendo um babaca. Com sorte, isso ia mudar. Com sorte não, com muito esforço de .
Liguei o chuveiro e deitei na banheira, deixando a água escorrer pelo meu corpo e ir para o ralo aberto.
Eu estava cansada, e ainda era a terceira semana de aula do semestre.


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