June 15th
Autora: Ingrid H.
Beta-Reader: Mari Lima


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Capítulo 1


Londres, 15 de junho de 2008. Mais um dia “normal”. Ou nem tanto. Estava um pouco frio e passei praticamente o dia todo embaixo do meu edredom. Na verdade tive que sair algumas vezes do “quentinho” porque a minha colega de quarto — e melhor amiga — forçava-me a procurar as bijuterias que ela tinha me emprestado e eu nem lembrava aonde tinha deixado. ia sair à noite com um garoto que ela conheceu, não me recordo o nome dele... Mas ela parecia animada, e quando a vejo feliz, fico feliz também e acabo com as perguntas sobre o caráter, a família e etc, etc, etc. Não que eu seja a pessoa mais indicada a fazer esse tipo de perguntas... eu não sou o que se pode chamar de “garota normal”. Não completamente. Diferente de , que se dá bem com seus pais, mas decidiu morar sozinha e ter a sua própria vida por sempre sonhar em ser independente, eu costumo rir com as conversas que temos, os planos que ela faz e tudo o que ela imagina que ainda está pra acontecer na vida dela. Às vezes, joga todos os planos que tem para a sua carreira para cima de mim, eu sei que ela tenta me animar, convencer-me de que eu sou capaz de ter uma vida bem melhor do que essa que eu levo. Sempre odiei que as pessoas fizessem planos para o meu futuro, sempre fui muito reservada, mas quando é a que planeja eu chego até a suspirar imaginando como seria bom se tudo aquilo desse certo, assim como ela narrava. Nem sei por que com ela me sinto assim, acho que é por saber que ela me aceita como eu sou, mas tenta me aconselhar para melhorar.

Certo, deixa eu falar de mim. Quem melhor do que eu pra me definir, não é? Meu nome é , mas na minha profissão, prefiro ser chamada de Rachel. Não gosto de dar esse tipo de intimidade — se é que perto do que acontece ainda exista alguma falta de intimidade — à pessoas que eu nem ao menos conheço e nem pretendo conhecer melhor.
Saí de casa muito cedo, com mais ou menos 16 anos, tinha problemas sérios com os meus pais. Nunca fomos uma família normal. A minha mãe era egoísta demais para dar amor a alguém que a fez ter dores inesquecíveis no dia de nascer. E o meu pai... Ah, o meu pai. Meu pai é (ou era, não tenho mais notícias deles) alcoólatra, tinha noites em que ele chegava em casa destruindo tudo e até acertou objetos em mim algumas vezes. Eu aguentava tudo isso porque não me imaginava perambulando sozinha pelo mundo. Todo ser humano tem um limite. Mesmo que demore, um dia ele chega. E o dia chegou quando eu tinha completado 16 anos há menos de duas semanas. Era uma noite fria, quase como a de hoje, lembro-me como se fosse ontem. Fui a uma festa de umas pessoas populares da escola em que eu estudava; eles não eram bem o que se entende por boas companhias. Rolou de tudo ali. Bebidas, cigarros, sexo, rock n´roll e o principal: drogas. Apesar dos pais nada exemplares, sempre assisti muita televisão e via comerciais que realmente me educavam mais do que aqueles dois postes que me “criaram”. Droga para mim era como me atirar de um penhasco. Mas eu definitivamente não estava bem naquela noite. Tinha tido uma briga com a minha mãe mais cedo, aliás, eu não a chamava de mãe, sempre a chamei pelo seu nome... Oras, ela não merecia ter um tratamento diferente de outras pessoas. Bom, voltando ao ocorrido. Lembro que estava sentada na grama com duas amigas, bem, colegas. Uma delas abriu uma bolsa e tirou alguns cigarros de dentro. Olhei assustada, fiquei surpresa comigo mesma por estranhar aquilo, já que para a criação que eu tinha tido eu teria que ser no mínimo uma fumante compulsiva. Aquele definitivamente não era um cigarro normal. O que eu menos queria que acontecesse, aconteceu.
“Você quer?” — ela perguntou como se estivesse me oferecendo algum doce. Balancei a cabeça negativamente e notei a garota ao seu lado soltar um riso debochado, dizendo em seguida: “Experimenta, só uma vezinha não faz mal.” Parece idiota e que eu não tenho controle sobre o meu próprio corpo, mas talvez eu não tivesse mesmo, afinal acho que eu já limpava a casa e fazia comida para mim desde que era um bebê. Um filme começou a passar pela minha mente, revi todas as vezes que meu pai chegou alterado em casa e até me bateu, também revi a minha mãe gritar comigo e me negar um simples abraço, por dizer que eu não merecia. Depois lembrei da briga que tivemos mais cedo, e foi inconscientemente, sem que eu pudesse controlar mesmo que saíram três letrinhas decisivas da minha boca:
“Sim”. Experimentei finalmente, mas acho que fui com muita sede ao pote, como se diz popularmente. Assim que “pitei”, comecei a tossir, ouvi algumas risadas e alguém atrás de mim gritar algo como “iniciantes...”. Mas parece que à medida que eu tentava adaptar, ia começando a gostar daquilo. Nunca me senti tão relaxada em minha vida, como se eu não tivesse mais sobre os meus pés. Eu estava flutuando. Era uma sensação tão boa, nunca senti aquilo, nunca “mereci” sentir aquilo, como estava tão acostumada a ouvir. Senti como se estivesse em um mundo paralelo, longe de toda aquela realidade fria e nojenta em que eu vivia. Não sei como e nem a que horas cheguei em casa, só me lembro de ouvir àquela senhora que a vida insiste em dizer que se chama “mãe” gritar pelo meu pai e mostrar-lhe como eu estava. Esqueci de mencionar, mas também bebi bastante na festa. E perdi a virgindade, sim, com o capitão do time de futebol do colégio. Nem ao menos sabia o que estava havendo, estava tão dormente que nem conseguia abrir a boca para falar algo a eles. Lembro que “acordei para a vida” quando senti um tapa no rosto, nem sei ao certo quem me bateu, mas era só o que eles aproveitavam da condição de pais. Fui para o meu quarto e me tranquei. Acordei de manhã cedo, caía uma chuva fraca, a minha cabeça parecia não querer me deixar em paz. Tentei lembrar de alguma coisa, mas a cada momento que tentava, a sentia latejar com mais força. Levantei com dificuldade, senti uma dor imensa ao ficar em pé.
“Que diabos tinha acontecido?” — pensei. Andei quase que me arrastando e me olhei no espelho. Estava com olheiras terríveis, os cabelos bagunçados e uma parte do rosto roxa, provavelmente pelo tapa que levei ao chegar em casa. Senti-me incômoda com as minhas pernas, e bem, minhas “partes íntimas”. Foi quando olhei no espelho e vi uma mancha de sangue no fundo de minhas calças. A realidade me chamou como um soco em minha cabeça que já doía de forma infernal. Foi como se passasse um filme, quase o efeito da maconha, mas dessa vez eu não me sentia nada bem. Lembrei de alguns “flashes” de coisas que aconteceram durante a festa.
Lembrei que tinha dormido com um idiota que nunca me deu um “oi” sequer. Chorei, como nunca havia chorado na vida. Desejei por um momento que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo, isso, um pesadelo, eu ia acordar. Quando ouvi baterem na porta, tive a certeza de que não tinha sido o tão desejado pesadelo, mas tudo estava acontecendo. Nem ao menos respondi. Corri para o banheiro e me tranquei, sentei no vaso e abracei os meus joelhos, chorava como uma criança.
Ouvi uma voz feminina adentrando o meu quarto, provavelmente era a minha mãe, mas ela conversava com outra mulher, não quis saber quem era, só queria ter o meu momento solitário e colocar os meus pensamentos em ordem. Enquanto chorava, óbvio.
Tomei um banho demorado, esfreguei a esponja em mim com certa força, como se dessa forma fosse conseguir apagar tudo o que tinha acontecido. Minhas lágrimas se confundiam com a água do chuveiro e minha pele estava vermelha, devido à força que eu estava fazendo. Quando voltei para o meu quarto e troquei de roupa, vi meu pai adentrar o ambiente, olhando para mim como se eu fosse uma aberração. Não senti que era justo, ele não tinha o direito de me olhar daquela forma! Aquilo pareceu me maltratar mais ainda. Ignorei a sua presença e sentei na cama, escovando os meus longos cabelos. Ele se sentou ao meu lado, senti as minhas pernas tremerem com um ritmo que acho até que o fez perceber o quanto a sua presença me incomodava. Ele apenas me encarou e disse:
“Se você tiver engravidado, pode arrumar as suas coisas e sumir da minha casa. Já tenho trabalho demais tendo que alimentar você, sua mãe não tem um dia feliz desde que você cresceu e se tornou... isso.” — Quando ele falou esse “isso”, senti uma vontade imensa de estapear o seu peito, quem ele pensava que era para me chamar de “ISSO”? Respirei fundo, engoli o choro, não o daria aquele orgulho. E então ele continuou:
“Não vou alimentar mais um ser abominável que nem ao menos sabemos quem deu os espermas para que se formasse” — senti como se levasse uma facada. Notei a minha mãe nos observar encostada na porta, ela parecia concordar com cada palavra do meu pai, posso jurar que a vi dar um sorriso cínico quando ele falou a última frase. Para a minha felicidade, era a última frase, de fato. Ele se levantou e vi a minha mãe o olhar como se dissesse “estou orgulhosa de você”.
Ela me encarou e eu quis mostrar-lhe o dedo do meio, mas me segurei e desviei o olhar. Cada dia passou como uma eternidade aquela semana, aquele mês. Aconteceu o que eu mais tive medo. A minha menstruação havia atrasado. Não conseguia mais ir à aula desde o infeliz acontecimento, não tinha cara para olhar para aquelas pessoas. Sentia nojo de todos ali, e o principal: como ia encarar o cara que tirou a minha virgindade e talvez tivesse deixado uma semente em mim?
“Maldito” — eu resmungava a cada vez que ele me vinha em mente. Sei que devo ter dado liberdade a ele, já que eu estava bastante vulnerável com as coisas que havia ingerido, mas nunca fui com a cara dele e nem ele com a minha. Procurei a minha vizinha, não aguentava mais aquele desespero, aquele medo de tudo o que o meu pai disse acontecer. Ela segurou a minha mão, me olhou nos olhos como se fosse conseguir me dar forças e disse “Nós vamos à farmácia, vamos descobrir o que está ocorrendo com você, essas coisas acontecem! Nem toda mulher é regular” — senti um frio na espinha quando ela disse isso. Eu era regular, não sei se herdei da minha mãe, geralmente as meninas da minha idade menstruavam de três em três meses ou no começo do ano e de novo só no final. Mas eu não, sempre estive em dia. Sabia que não vinha coisa boa ali.
A minha vizinha se chamava Carol, ela era dois anos mais velha do que eu, mas costumávamos conversar bastante. Acho até que a Carol que merecia ser chamada de “mãe”, praticamente tudo o que eu sei sobre a vida hoje em dia aprendi com ela. Carol e sua família sabiam tudo o que acontecia em minha casa, afinal as nossas residências eram coladas... Eu até que gostava disso, pois isso os tornava acolhedores comigo, nunca gostei que sentissem pena de mim, mas não vou negar que gostava de me sentir acolhida, bem-vinda em algum lar. E era assim que eles me faziam sentir.
Continuando... Fomos à farmácia e ela me comprou o teste, fomos direto para a sua casa, onde ela me deu passe livre para o banheiro e fiz o procedimento assim como indicava na bula. Depois esperamos o tempo certo para que o recipiente praticamente desse o resultado. Não quis olhar para ele, foram os minutos mais longos da minha vida.
“Pronto, tá na hora” — ouvi Carol dizer se aproximando dele.
Meu coração praticamente saiu pela boca e eu já não sentia as minhas pernas. Pedi para que ela olhasse, ela negou, pois disse que não conseguiria me dar a notícia se desse positivo. A abracei e decidi ir em frente. Tudo passou tão rápido pela minha cabeça, as possibilidades pareciam querer me arremessar no chão. Engoli seco e olhei. Não quis acreditar naquilo que os meus olhos viam. Tudo apareceu como descrito na bula. Reli 50 vezes, mas estava tudo certo. Virei para Carol e só lembro de cair chorando em seus braços. Deu positivo. Eu tinha um “ser abominável que nem ao menos sabemos quem deu os espermas para que se formasse” dentro de mim, como o meu pai disse.
Ela tentou me confortar, dizendo que esses testes podem dar errado, sempre tem chance de estar errado, mas meu sexto sentido me dizia que nunca algo estivera tão certo. Refiz o teste todos os dias daquela semana, todos deram positivo. Não tinha cara para olhar para os meus pais. Então em um momento de total insanidade, medo e não sei mais nem o que se passava por mim, simplesmente aprontei as malas e saí de madrugada sem que ninguém me visse.
Escrevi uma carta e a empurrei pela fresta embaixo da porta da casa da família de Carol. Sentiria falta deles, eu sabia. Então os disse que estava indo embora, claro, na carta. Era covarde demais para encará-los naquele momento, sabia que eles me ofereceriam para ficar lá, mas eu precisava sumir dali, precisava passar um bom tempo sem ver meus pais. Precisava passar um bom tempo sem viver aquela vida. Saí como uma pessoa perdida pelas ruas de Bolton, cidade em que morávamos. Eu nasci lá. Nunca gostei de viver ali, não pela cidade, que era muito bonita e organizada, mas pela vida que eu levava lá. Não parecia certo. Então fui andando apenas com uma mochila nas costas, até o acostamento da estrada principal. Sentei em minha mochila e fiquei esperando algum carro passar por ali. Era a madrugada mais escura que eu havia visto. Não tinha uma estrela sequer no céu, tudo o que me rodeava era o barulho de grilos que insistiam em me fazer companhia. Então encarei os meus pés por algumas horas, juro que pensei em voltar, mas quando imaginei o que me esperava, me conformei com a situação em que estava.
Meus pais me expulsariam de casa de qualquer forma. Então eu os poupei de ter esse trabalho. Estava quase dormindo sentada quando avistei faróis e ouvi um barulho como o de um caminhão se aproximando. Fiquei de pé e fiz gesto de carona. Acho que eu, apesar de tudo, estava com sorte. Ele parou e abriu a porta. Perguntei para onde ia, o senhor de barba branca, gordo (que eu internamente apelidei de Papai Noel) e com uma cara de “boa pessoa” respondeu que estava indo para Londres. Senti meu coração praticamente falar, não pensei duas vezes e entrei. Antes que eu perguntasse, ele se apresentou como Leopold, disse que vinha de uma cidade pequena do norte da Inglaterra e tinha dois filhos, mas a mãe deles não o deixava vê-los por problemas que tiveram no passado. Leopold parecia realmente aflito por estar naquela situação, juro que vi uma lágrima teimosa escapar de seus olhos enquanto ele contava. Aquilo me deixou tão triste pelo pobre velhinho... Lembrei que meus pais sempre tiveram a oportunidade de estar com sua única filha e nunca valorizaram tal chance... Enquanto aquele homem, sentado ao meu lado dirigindo um caminhão estava com o coração em pedaços por não poder estar com os seus filhos. Depois, como se sentisse como eu estava, ele me olhou pelo canto do olho e perguntou se eu estava fugindo. Não consegui mentir, e também não consegui segurar o choro, lembrei de tudo que havia me feito chegar aonde cheguei. Leopold segurou o volante com uma mão e com a outra acariciou os meus cabelos. Senti uma calma invadir o peito, apenas sorri fraco para ele e encostei a cabeça no banco, tentando dormir. Apreciei o fato de ele me deixar dormir e não fazer mais perguntas, sim, eu precisava conversar com alguém, mas não naquele momento.

Senti dificuldade para abrir os olhos, certamente devido à intensa claridade que entrava pela janela do veículo. Por algum instante eu havia me esquecido onde estava, com quem estava e o que estava fazendo, então abri os olhos depressa, ignorando toda a sensação ruim e olhei para o lado assustada. “Você deu uma boa descansada” — ouvi uma voz rouca falar. Era Leopold, e naquele momento pude responder a todas as questões em minha mente.
“Que horas são?” — perguntei esperando ouvir algo como 7 h da manhã. Ele sorriu com ternura e olhou o relógio que se encontrava em seu braço esquerdo.
“Hora do almoço!” — respondeu sorrindo e completou — “Está com fome?” Eu não sabia se eu estava com fome, muito menos como consegui dormir até àquela hora. Apenas balancei a cabeça afirmando e dentro de alguns minutos o vi encostar o caminhão em um restaurante, que tinha impressão de ser barato, aqueles próprios para quem está de passagem.
Peguei a mochila que se encontrava perto de meus pés e coloquei nas costas, tentei arrumar o cabelo, mas não tive muito resultado. Desci estranhando tudo, nunca havia estado em Londres. Vi Leopold apontar para a entrada e segui a sua indicação. Era um lugar razoavelmente confortável, mas me assustei ao só encontrar homens comendo, certamente porque todos, assim como Leopold, eram caminhoneiros.
“Aqui” — o velhinho disse puxando uma cadeira para que eu sentasse em uma mesa encostada na parede, depois sentou-se de frente para mim. “O que vai pedir?” — perguntou quando me viu analisar o cardápio. “O prato do dia” — respondi ainda com os olhos fixos no livrinho. O ouvi assobiar ou algo do tipo chamando uma senhora, que devia ser a dona do local e também trabalhava por ali. Ele fez os pedidos e minha barriga realmente começou a roncar, fiquei um pouco encolhida, tinha vergonha só em pensar que alguém poderia estar ouvindo aquilo.
“Cansada?” — me assustei ao ouvir Leopold perguntar, foi como se ele me acordasse de um devaneio.
“Um pouco” — respondi com um sorriso que se encontrava apenas no canto da boca. Não demorou muito e os pedidos chegaram, era uma quantidade de comida espantosa para o preço tão baixo, e muito gostosa, por sinal. Não dei conta de comer tudo, o velhinho levantou a cabeça e riu, disse alguma coisa como se eu fosse fraca para estar comendo ali. Ri da situação e olhei em volta, realmente, todas as pessoas ali pareciam repetir o mesmo prato que eu havia até afastado de mim por não aguentar mais nenhuma colherada. Leopold se ofereceu para pagar, mas eu lembrei que antes de fugir peguei algumas pratas que estavam em cima da mesa, certamente minha mãe as esqueceu de guardar. Paguei a minha parte e saímos, voltei ao caminhão e seguimos para o centro da cidade. Fiquei deslumbrada com a beleza de Londres, acho que eu cheguei até a fazer aquela cara de pateta de quando você é criança e nunca viu uma bicicleta na vida.
“Bonita, não?” — novamente acordei de um devaneio com Leopold falando isso. Ele havia percebido a minha surpresa com todo aquele ambiente. Era tudo muito novo. Sussurrei algo como “Uhum” e sorri. Fomos a algum lugar onde ele teria que depositar as encomendas, nesse momento pensei em como eu seguiria a minha vida dali para frente. Por segundos eu até cheguei a esquecer tudo o que tinha acontecido no mês anterior. Então antes que eu parasse para pensar na minha “super ideia”, desci disfarçadamente do caminhão e bati a porta com muito cuidado para que não fizesse muito barulho. Avistei Leopold conversando com um rapaz, que devia trabalhar ali, e corri. Mas corri muito, sem nem saber onde estava. Não sei explicar como fui parar em uma das avenidas mais movimentadas de Londres, apenas lembro de andar olhando abobalhada cada grande prédio que meus olhos conseguiam enxergar. E foi isso que eu fiz a tarde toda: andar, conhecer, me surpreender. Já estava anoitecendo e eu sentei em uma calçada, aquela realidade começou a me assustar. Mesmo que eu detestasse os meus pais e aquela vida medíocre, o que seria de mim ali, com 16 anos, sentada em uma calçada?
Vi uma movimentação estranha e decidi colocar a minha mochila atrás de mim, para que ninguém tentasse me assaltar. Depois quando as pessoas se aproximaram, pude ver que eram três mulheres, com umas vestimentas um tanto quanto depravadas. As analisei por algum tempo, já tinha entendido o que estava acontecendo. E não me pergunte de onde, mas naquele momento eu encontrei a resposta para todas as minhas dúvidas. Aproximei-me de uma delas, que me olhou dos pés à cabeça, mas foi até simpática. Perguntei quanto elas ganhavam por programa, elas riram, as três, e me encararam, olhando-me de novo dos pés à cabeça, como se dissessem que eu não servia para aquele tipo de “serviço”. Eu entendi o motivo delas pensarem isso, estava com um agasalho, calça jeans e um tênis, vestida como o que eu era: uma adolescente. Ouvi uma outra perguntar que roupas eu tinha na mochila, sentamos e eu fiquei no meio, abri a bolsa e peguei alguns pares de peças que eu tinha ali. Elas olhavam peça por peça e depois me olhavam, como se eu fosse um “projeto”. “Essa aqui”, ouvi a primeira moça com quem eu conversei falar. A olhei e olhei para as roupas que ela segurava. Era uma saia que ia até o joelho e uma blusinha que era bastante apertada.
"Toma, veste isso”, ela falou me dando as peças e apontando para um beco. Senti um vento gelado tomar conta do local quando tirei o agasalho para me vestir. Acho que eu nunca havia trocado de roupa tão devagar. Saí e elas estavam sorrindo e aplaudindo, como se eu tivesse saindo dos bastidores de um programa de televisão, achei a cena idiota e sorri de volta. A mais alta delas disse que apenas faltavam uns ajustes, e dobrou a minha saia até ela se transformar praticamente em uma calcinha e prendeu com grampos que ela usava na cabeça. Vi vários carros de luxo e uns lixos encostarem lá para pegá-las, confesso que a cada veículo que eu via dar seta para encostar, me escondia, ficando atrás das demais.
O problema se intensificou quando as três haviam saído para fazer programa. Antes de a última deixar o lugar, ela me explicou como tudo funcionava, quanto eu deveria cobrar e como devia agir, também me entregou alguns preservativos, disse para eu não me esquecer de usar, e saiu. Fiquei me abraçando para tentar aliviar o frio que sentia, coisa que não deu muito resultado, agradeci mentalmente a cada carro que ignorava a minha presença ali. Sabia que precisava do dinheiro, para ter algum lugar para morar e conseguir comer, mas qual é, eu tinha 16 anos, aquilo me assustava de forma mortal. Foi quando vi um carro parar, pude ver que era um homem velho, aparentemente tinha uns 60 anos. Ele sorriu com uma cara de tarado que fez meu estômago embrulhar e me chamou. Respirei fundo, pensei em desistir, mas tudo o que eu passei me veio à cabeça, como se me empurrasse para dentro daquele carro.
Coloquei a mochila nas costas e entrei, ele mesmo fechou a porta, fazendo questão de encostar seu braço nas minhas pernas, mas depois ficou pior, pois ele apalpou a minha coxa, senti uma lágrima sair de um dos meus olhos naquele momento. Eu estava me vendendo, era a única coisa que eu conseguia pensar. Chegamos a um quarto de motel barato, tudo ocorreu como a última moça me explicou, tentei seguir à risca todas as orientações dela. Claro que meu coração parecia gritar para que eu desse um chute ou um tiro naquele velho sem vergonha que devia ter uma esposa e filhos em casa, mas a razão era mais forte.
“Já estou aqui mesmo” — tentava pensar para que achasse a conformação. Cada toque daquele homem parecia ser um tapa que eu levava em cada parte do corpo, como aqueles que costumava levar em casa. Eu só havia transado uma vez na vida, e nem tinha muitas lembranças daquele momento. A minha segunda vez estava sendo com um sujeito que eu nunca havia visto, que estava cheirando a álcool e que certamente usava dentadura. Ele me falava umas palavras chulas, que eu fazia questão de bloquear os ouvidos para que elas entrassem e saíssem assim que chegassem lá. Fechei os olhos com força na hora que senti a minha intimidade ser pressionada, doía como se fosse a primeira vez, mas ele não teve nenhum cuidado, nenhum mesmo, foi com força, horrivelmente doloroso, a cada pressão que ele fazia era um choro sufocado que saía de mim, desejei por praticamente a relação inteira que ele broxasse, o que não aconteceu. Depois pareceu que apaguei, só voltei a encarar a dura realidade quando o vi jogar algumas notas de dinheiro em cima de mim.
Eram várias, certamente ali estava o meu sustento do mês inteiro. E realmente estava. Depois que ele saiu, levantei e me vesti. Me sentia nojenta. Olhei para o espelho, mas me recusei a ficar na frente dele. Lembrei então de que havia um ser dentro de mim. O que eu estava fazendo? Fiquei tão traumatizada com relações sexuais que só voltei para a calçada um mês depois. Tinha conseguido um lugar para morar, um lugar horrível, diga-se de passagem, mas pelo menos servia de alguma coisa. Das outras vezes fui mais corajosa, como posso dizer, mais “fria”. Tudo o que eu estava vivendo parecia virar rotina, mas eu sabia que não tinha muito futuro ali, já que daqui a alguns meses a minha barriga estaria crescendo e eu estaria certamente na calçada, mas não fazendo programa, e sim pedindo esmola, já que acreditava que nenhum homem iria ter fantasias com uma grávida.
E assim foi pelos meses seguintes, até eu completar o que eu acreditava serem cinco meses de gestação. Aquele dia não saiu da minha cabeça até hoje. Antes de ir para a calçada, estava me aprontando, sabia que aquele seria um dos meus últimos programas, já que a minha barriga estava querendo aparecer. Comecei a sentir fortes contrações, deitei na minha cama e fiquei encolhida desejando que aquilo tudo passasse logo para eu poder garantir mais um tempo de comida e dormindo em um lugar até confortável. Mas não passou. Não sei de onde tirei forças, mas levantei da cama esbarrando e me segurando na parede e assim segui até o banheiro. Sentei no vaso e urinei, mas não foi uma urina normal, senti uma pedra sair de dentro de mim, acho que meu grito podia ser escutado na vizinhança inteira. Foi então que ouvi a porta do meu quarto ser arrombada, era a dona da pensão e seu filho.
Eles me viram ali, sentada, gritando e chorando, com as mãos cheias de sangue. Depois daquilo só lembro de ter acordado em um hospital, e aquela mulher segurando a minha mão e dizendo que eu havia perdido a criança que esperava. Não quero parecer desumana, ou egoísta como aquela “mãe” que tanto critiquei, mas foi melhor assim. Eu não teria como sustentar uma criança, se fosse para ela vir ao mundo e passar fome, pensei ser melhor que ela nem viesse. O que eu fazia de errado para a minha vida não seria justo ser refletido na vida de um ser inocente. Depois que recebi alta voltei para as calçadas, e assim foi por mais dois anos, nas calçadas e morando naquele muquifo. Foi então que um homem aparentemente rico me pediu depois de um programa para que eu fosse sua dama de companhia em um importante jantar. Eu tinha 18 anos, já estava mais adaptada à vida que levava. Aceitei e ele me levou no outro dia de tarde para fazer compras, me deu o mais belo vestido que já vira em toda a vida. Sapatos, pulseiras, colares, tudo. Transformou-me em uma perfeita “dama”. Ele era bom para mim, fez programas comigo inúmeras vezes, era solteiro, parecia ter por volta de 40 anos. Então me sentia muito à vontade com aquele sujeito, tínhamos certa “intimidade”. Naquela noite entrei em um dos mais belos restaurantes de Londres, que antes só o via de longe, não tinha condições de jantar lá, nem financeiras e nem tinha trajes para isso. Havia inúmeros granfinos ali, alguns dançavam no salão próprio para isso ao som de canções que faziam sucesso nos anos 70, 80 e 90. John, como se chamava o homem a quem eu estava acompanhando, puxou uma cadeira para que eu me sentasse, mas antes me apresentou às pessoas presentes na mesa. Uma delas era , a minha atual melhor amiga.
O jantar estava sendo oferecido por seus pais, que eram donos de uma multinacional, ainda são. Ela foi adorável comigo, e até me chamou para ir ao banheiro com ela. me passou confiança desde a primeira conversa que tivemos... A achei engraçada, ela era meio hiperativa, então a vi abrir uma das portinhas de sanitários e sentar no vaso ainda com a tampa fechada.
“Diga-me, Rachel” — ela começou. — “O que você faz da vida?”.
Gelei, profundamente. Se eu dissesse o que eu realmente era ela iria me tratar incrivelmente mal, mas não sei de onde saiu sem que eu percebesse:
“Dama de companhia”. Ela continuou antes que eu pretendesse continuar...
“Vulgo: Prostituta?”. Não tive como não rir nesse momento. Ela me olhava incrédula, mas depois soltou uma gargalhada. Fiquei sem graça depois e confirmei com a cabeça. “Eu imaginava” — ela me surpreendeu. O que é isso? Eu realmente tenho cara da profissão? Parece que ela ouviu os meus pensamentos. “Não que você tenha cara, longe disso... mas é que em cada jantar o John traz mulheres diferentes, geralmente elas têm cara mesmo, porque usam maquiagens pesadas e de muito mau gosto. Diferente de você, que me parece naturalmente uma dama. Só que por estar com o John, eu já desconfiei.”
UFA! Aquela loira me surpreendeu! Acho que até mais do que eu surpreenderia ela. Afinal, não é comum uma garota da alta sociedade tratar bem uma prostituta.
“E... bem, meu nome...” — prossegui.
“O que tem seu nome?” — ela me olhou confusa. “Não é Rachel, chamo-me .” Vi-a levar uma das mãos à boca e arregalar os olhos.
“Nossa, então você tem tipo, uma personagem?” — ri alto com a definição que ela deu para a minha situação, e assenti com a cabeça. Conversamos bastante até anunciarem o jantar em um microfone, afinal eu tinha que acompanhar o John. me encheu de perguntas, e eu fiz o mesmo. A minha vida era surpresa para ela e a dela era mais surpresa ainda para mim. Foi então que a louca, sem nem me conhecer direito, me chamou para dividir apartamento com ela.
“O QUÊ?” — perguntei achando que tinha escutado errado.
“É isso mesmo! Não é nada muito caro, não precisa se preocupar. Quero sair da casa dos meus pais, já tenho praticamente a vida feita, tenho um emprego bem longe da multinacional deles e quero definitivamente viver a minha vida.” — ela deu mais informações sobre o local que estava olhando para morar e ainda me disse que não se importava que eu continuasse trabalhando, bem, como prostituta. Voltamos para o salão, havia ficado de dar resposta para ela depois, ela me passou o seu número do celular e eu fiz o mesmo. Quando a noite acabou, estava cansada, com os pés me matando, John pareceu perceber e apenas me levou até em “casa”. Agradeceu a noite que tivemos e disse que me ligaria depois.
Aquela não foi mais uma noite normal para mim. As palavras de pareciam não me deixar dormir. Pensar em deixar aquela pensão era quase que um sonho. E tudo o que ela havia dito do apartamento me deixou ainda mais animada, daria para pagar tranquilamente, ainda mais porque John me deu uma quantia que daria para pagar com folga três meses de aluguel adiantados no lugar onde ela havia indicado. Liguei para na mesma hora, era madrugada, mas eu não quis saber. Conversamos por cerca de uma hora, claro, ela me ligou de volta, eu não tinha créditos para tanto. parecia mais animada até do que eu mesma. No outro dia, pela manhã, fechei a minha conta na pensão, respirei fundo e peguei o metrô. Nunca mais tinha lembrado de sentir aquela felicidade, o coração bater sem estar sufocado, era uma nova vida que eu estava começando. Eu teria finalmente uma amiga, depois de tanto tempo. Não que eu não tivesse conhecido boas garotas na calçada, mas fazer laços de amizade já é muito diferente. Deu tudo certo para morarmos juntas, já estamos dividindo este apartamento há dois anos, sim, agora tenho 20. E me encontro aqui, no dia 15 de junho. Continuo nas calçadas, mas também voltei a estudar. Estou quase concluindo o colegial em um curso intensivo, que toma as minhas manhãs. Posso dizer que tenho uma vida normal, bem mais alegre e diferente daquela que eu levava há exatos quatro anos.

E alguma coisa hoje mudou completamente tudo o que eu achei que estava convencida. Estava sentada, esperando algum carro parar, tem dias que eu realmente tenho preguiça de ficar esperando em pé, confesso que às vezes até me escondo. Mas só tinha sobrado eu praticamente, todas as outras já tinham saído. Então eu vejo um carro que aparentemente não é dos mais populares, já devo tê-lo visto em um daqueles comerciais de carros de luxo. Então ele dá a seta e encosta perto de onde eu estava sentada. Vi o vidro do banco do carona ser abaixado e um rapaz, muito novo por sinal, novo no sentido de ter a mesma idade que eu ou um pouco mais, o que me chamou realmente atenção, já que geralmente são velhos tarados com frustrações sexuais que param ali. Ele me chamou. Levantei com receio, será que ele estava perdido no caminho? Porque a cada passo que eu dava, podia notar o quanto ele era lindo e jovem, mas então por que ele procuraria uma garota de programa? Cheguei à porta do carro, me abaixei para ficar na altura da janela e coloquei a cabeça para o lado de dentro.
— Em que posso ajudar? — perguntei de cínica, porque eu sei pra quê eu sirvo.
— Pode ficar comigo até às nove? — ele perguntou e eu pude sentir um cheiro de álcool.
Meu Deus, como ele era lindo. Tinha a pele branca e aparentemente suave, seus olhos tinham um tom azul que eu jamais havia visto, eram hipnotizantes e me fizeram nem conseguir responder com palavras, apenas assenti com a cabeça e entrei no carro. Ele foi o trajeto inteiro calado, enquanto eu olhava cada parte do carro, aquilo estava me impressionando, devia ser realmente um carro muito caro.
— Um dia eu deixo você dirigir — ele falou dando uma risada marota em seguida, se não fosse por estarmos no meio do trânsito, acho que teria saído loucamente do veículo de tão envergonhada que fiquei. Ele realmente percebeu que eu estava literalmente “babando” pelo seu carro. Sorri sem graça e soltei um “desculpe”, o fazendo balançar a cabeça como que dizendo para eu deixar pra lá. Outra coisa me chamou atenção, além do carro e da boa pinta daquele rapaz: o percurso. Ele não me levou para aqueles motéis baratos de beira de estrada, ele me levou para um hotel aparentemente caro e movimentado. Entramos na garagem e o ouvi dizer “Vamos pelo elevador de serviço, não vai ser legal você aparecer no lobby nesses trajes...” — ele sorriu e eu o encarei abobalhada, não conseguia desviar a atenção de seu rosto perfeito. Então o segui e fomos pelo elevador que se encontrava um pouco distante de onde ele havia deixado o carro. Entramos e o vi pressionar o botão “5”, fomos parando de andar em andar, e a cada parada eu rezava para que ninguém entrasse, estava realmente com vergonha de estar vestida daquela forma e ainda mais ao lado de um homem tão bonito, sabia que o deixaria constrangido também. Eis que quanto mais eu rezo, mais assombração aparece: quando o elevador parou no 4º andar, um casal de velhinhos o adentrou, pude sentir os olhos da senhora viajarem de mim para o seu marido, como se quisesse o pegar no ato, me olhando. Ouvi o rapaz que estava comigo soltar um riso abafado, percebi que ele havia entendido o que se passava. Finalmente paramos no 5º andar, e quando fomos saindo o vi acenar para os velhinhos e em seguida ele segurou a minha mão, senti vontade de matá-lo, por tanta vergonha que estava sentindo. Mas acabei deixando escapar uma risada por ver o quão brincalhão ele é, assim que a porta do elevador foi novamente fechada, ele soltou a minha mão e me pediu que esperasse para achar as suas chaves.
— Tudo bem — disse prestando atenção desde o teto até o chão do andar em que estávamos. Era tudo muito bem decorado, o teto era espelhado e havia um lustre assustador de tão lindo no meio do corredor, o piso era de carpete vermelho, e as paredes tinham um tom marfim com detalhes de madeira.
— Terra chamando — olhei-o com mais vergonha ainda quando me acordou do transe e o vi segurando a porta do quarto, já dentro do lugar, então pedi licença e entrei. O ouvi trancar a porta depois que passei, mas estava mais preocupada em admirar a beleza daquele lugar, o quarto era igual aqueles que vemos em filmes americanos de presidentes e coisas do tipo. — Você ainda não viu nada — ele disse bem perto do meu ouvido esquerdo, me fazendo dar um pulo disfarçado e virar-me de frente para ele. Nos encaramos um pouco, eu tímida pela beleza que ele tinha e ele acho que por não saber por onde começar. Já tive muitos clientes assim, que ficavam me olhando, como que pedindo permissão para colocar as mãos em mim. Não vou mentir, prefiro quando as coisas ocorrem dessa forma, porque consigo esquecer durante o programa o que eu realmente estou fazendo. Mas esse garoto, ele definitivamente não é como os outros. Vou falar um pouco mais dele. Seus cabelos são levemente ondulados, tem alguns cachos e são um pouco bagunçados, mas um bagunçado atraente. Quando o estava encarando, tive a impressão de conhecer aquele rosto, mas afastei esse pensamento com a ideia de que talvez o tenha visto em algum catálogo de cuecas da Calvin Klein, a adora levar essas coisas para casa.

Voltando à situação, o lindo rapaz me deixou encarando a porta e foi tratando de tirar a camisa social preta que vestia, em seguida as calças, ficando apenas de boxers do Barney, o que me fez rir. Ele se deitou naquela cama aparentemente confortável e com um controle remoto fez a televisão aparecer de dentro de um balcão, confesso que quase gritei de susto, nunca tinha visto uma coisa daquelas. Eu devia estar com a cara mais retardada possível, admirando cada ponto naquele ambiente.
— Você não vai vir? — ele perguntou batendo com uma das mãos no lado livre daquela cama, me chamando para sentar. Caminhei devagar, e antes de sentar onde ele mandou, apenas tirei os sapatos. — Qual o seu nome? — perguntou enquanto eu ainda estava de costas, tirando os sapatos. Me assustei com aquela pergunta, dificilmente os clientes perguntam essas coisas, eles não costumam se importar. Sentei-me e olhei para ele com um olhar de dúvida. — Não sabe o seu próprio nome? — aparentemente ele fez a mesma cara que eu estava fazendo, só que seguida de uma risada. Sorri de volta, não consegui me controlar.
— É Rachel, e o seu? — senti vontade de esmurrar a minha própria boca, desde quando eu tenho o direito de saber o nome dos meus clientes? Eles só devem falar se quiserem! Já quis emendar um “desculpe”, mas antes de eu dizer isso ele falou por cima.
— Tem certeza que você não sabe o meu nome? — ele me olhou incrédulo. Qual é? Por acaso eu tenho que ser vidente?
— Juro que não, e até queria te pedir desculpa por perguntar, não tenho esse direito. — falei evitando transtornos. O ouvi gargalhar, mas que diabos esse menino tem?
— Pedir desculpas por perguntar o meu nome foi a coisa mais engraçada que já ouvi nos últimos tempos.
— É, mas você ainda não disse! — maldita boca a minha, o que eu tinha que retrucar? Ele riu mais alto ainda e eu senti vontade de dar um soco naqueles belos dentes incrivelmente brancos que formavam o sorriso masculino mais bonito que eu já vi na vida.
— Gostei de você. Meu nome é , e eu assumo que fico feliz por você não saber quem eu sou.— Oi? Ele bateu a cabeça quando nasceu? Por que ele estava enrolando tanto? Os garotos da idade dele geralmente são os mais rápidos, mal entram nos quartos e já estão tentando tirar a minha roupa. E ele estava ali, com uma boxer infantil, um corpo extremamente sexy e o rosto mais perfeito do universo, rindo de mim. O que diabos estava acontecendo comigo também? Por que eu estava desejando que ele me tocasse? Se eu sentia tédio a cada cliente que eu encontrava? Sexo para mim é como ler jornal, tenho todo dia, mas nem sempre é interessante. Ok, digamos que eu nunca tive um cliente assim tão lindo. Claro que eu tinha meus dias de boa clientela, mas nunca um garoto tão novo e tão, tão, tão... perfeito. — Então Rachel, o que você gosta de fazer nos dias de folga? — ele falou cutucando o controle remoto procurando algum programa interessante na TV.
— Ahm, desculpe ser indelicada, mas... Te interessa mesmo? — MALDITA BOCA, MAL—DI—TA. Para a minha sorte ele nem desviou o olhar da TV, apenas riu fraco e disse “Sim.” QUE PROBLEMA AQUELE MOLEQUE TEM? Ele estava querendo me provocar? Só podia. Aí então comecei a imaginar que talvez ele estivesse esperando uns amigos pra fazer aquelas coisas sonhados pelos homens e os amigos haviam se atrasado. Resolvi fazer o jogo dele. — Não que eu tenha muito tempo de folga, mas quando tenho gosto simplesmente de ver filmes antigos. — aí então ele se virou para mim, que ainda estava sentada exatamente da mesma forma que no início do diálogo.
— Deita aí — o filho da mãe disse. Deitei-me ao seu lado, fiquei encarando o teto, e além do cheiro de álcool senti um perfume muito bom. Geralmente os clientes parecem beber o perfume, tornando um cheiro insuportável que me faz querer colocar as tripas para fora. Mas não, parece que ele tinha tudo na medida certa. Continuei encarando o teto e sentindo aquele perfume suave, porém muito masculino. — Por que você tá encarando o teto? — o ouvi perguntar sentindo seu par de olhos azuis me olhando.
— Estou esperando! — falei impaciente.
— Esperando o quê? 'Tá aí! — agora eu que o encarei, será que ele tinha ideia das coisas que falava? Então ele prosseguiu. — Perguntei o que você gosta de fazer nas horas vagas, você disse que gosta de ver filmes antigos, aí está um belo filme antigo! — só aí encontrei algum nexo em suas palavras. Olhei para a TV e estava passando “Romeu e Julieta”, já na versão com Leonardo Di Caprio. Amo aquele filme, agradeci internamente a , por me deixar assistir a minha parte favorita. — Nossa, você gosta mesmo, hein? Nem pisca. — ele disse estalando os dedos na frente dos meus olhos. Sorri sem graça e ele já foi falando. — Tô brincando, pode assistir aí, vou tomar um banho e pedir algo pra gente comer, tô com fome.
— Como quiser — soltei sorrindo para ele. O ouvi dizer mais alguma coisa que não me lembro bem o que era, pois estava observando a cena dos lençóis brancos. Ouvi cantar no chuveiro, ri sozinha, aquele garoto é louco mesmo. Enquanto ele cantava, pude notar a sua voz, ele era realmente afinado, e eu pude jurar que já havia escutado aquela voz antes. Mas parei de pensar nisso quando o vi sair do banheiro apenas de toalha em volta da cintura, bagunçando os cabelos molhados que jogavam água por onde ele passava. Ele se aproximou.
— Escolhe alguma coisa que você goste! — disse me dando um cardápio. Não conhecia a maioria das comidas que vi ali, e acho que expressei isso, porque o ouvi dar risada. — Te aconselho Canelone de peito de peru. — disse mais uma vez o rapaz com um sorriso vitorioso.
— Pode ser! — eu disse sorrindo amistosamente.
, do jeito que estava, sentou-se do outro lado da cama e pegou o telefone que estava no criado que fica ao lado da cama. Discou para a recepção e ao fazer o pedido, o vi tapar o lugar de falar do telefone com a mão e virar para mim confuso.
— A gente pensou em tudo, menos na bebida. O que você sugere? — o que eu sugiro? Tem alguma coisa muito errada com essa criatura, muito mesmo. Tentei não parecer tão sem graça o quanto realmente estava.
— Sei lá, um vinho? — falei e rapidamente ele contestou.
— Nááá, bebi demais por hoje, que tal suco? — o que ele fazia me perguntando? EU NÃO SOU NINGUÉM, , ACORDA.
— Pode ser — falei com a voz fraca, estava começando a ficar com sono, mas ainda assim bem atenta ao filme. Notei que ele já havia desligado o telefone e estava sentado do meu lado, olhando para mim com os braços cruzados.
— Você tem certeza que não sabe quem eu sou ou tá me zuando? — OI?
— Juro que não sei! — respondi quase que no mesmo instante.
— Borracharia, posto de gasolina, peças sendo arrancadas de um carro, alguém cair de cima de um amontoado de pneus? — ele falava isso e gesticulava exageradamente, como se quisesse me fazer lembrar dele de algum lugar.
— Hum, você é frentista? — de todas as risadas que ele havia dado desde que o conheci, aquela tinha sido a mais escandalosa, como se eu tivesse falado uma grande besteira. Mas a pessoa fala “borracharia, posto de gasolina, peças sendo arrancadas de um carro, alguém cair de cima de um amontoado de pneus?” e quer que eu pense exatamente o que? Ator de Hollywood? — Que foi? — perguntei, mas tive a impressão de não ter servido para nada, já que ele continuou rindo inconformado, dando tapinhas na cama com uma mão e segurando a barriga com a outra.
— Na... na... Nada — ele disse tentando conter o riso, mas não deu muito resultado. Finalmente a sessão de risos acabou quando ouvimos baterem na porta e dizerem “serviço de quarto”. se levantou para atender e eu o observei fazer todo o caminho, nunca tinha visto um corpo tão definido, MEU DEUS, o que estava acontecendo? Não é normal eu sentir desejo. — Vamos comer? — ele disse apontando para as bandejas em um carrinho. Assenti e levantei, o cheiro era maravilhoso, ele realmente sabia o que estava pedindo. Fiquei surpresa pelo fato de ter me servido, parecia aquelas mães corujas, perguntando todo tempo “tá bom?”, “quer mais?”, cheguei até a rir.

Comemos bastante, apreciei cada pedaço daquele Canelone, estava delicioso, e sabia que não veria tão cedo, ou talvez nunca mais depois dessa noite. Também aproveitei para observá-lo comer, beber e até mastigar. Parece que o seu rosto foi desenhado à mão, e aqueles olhos... Os olhos mais azuis que eu já avistara até aquela fase da minha vida. Depois que comemos, ele se levantou e foi até o closet, que parecia ser enorme. Voltou de lá vestido em uma bermuda branca e uma camisa da Hurley, dando uma aparência ainda mais jovem do que quando ele estava no carro. Colocou um gorro da mesma cor da camisa e pegou as chaves do carro.
— Vamos? — ele não cansa de me surpreender. Como assim, VAMOS?
— Hã? — me fiz de desentendida.
— Lembra que eu perguntei se você podia ficar comigo até as nove? São nove horas! — o vi olhar o relógio em seu pulso. Essa foi boa! Eu, que sou a garota de programa, é que devia estar cronometrando, e não ele, o cliente.
— Você está falando sério? — falei confusa quando percebi que ele estava destrancando a porta para sair.
— Claro — ele disse concluindo com uma risada baixinha, que certamente achou que eu não fosse ouvir.
— Tudo bem, então — quem sou eu para questionar, não é? Levantei devagar, e andei da mesma forma até a porta, ainda tinha alguma esperança de ele dizer que estava brincando, que nós não íamos embora. Não queiram me matar, mas eu realmente me senti atraída por aquele cara. Mas não, era verdade.
abriu a porta e indicou para que eu saísse em sua frente, saí e ele fechou tudo. Fizemos novamente aquele trajeto do elevador de quando chegamos, mas dessa vez o contrário. Saímos já na garagem, de longe ele pressionou o alarme que abriu aquele carro espetacular. Entrei e ele entrou em seguida, fizemos o percurso inteiro em silêncio, mas o silêncio foi quebrado quando paramos em um sinaleiro e ele colocou uma canção bem conhecida por mim. Sem notar comecei a cantarolar baixinho, o fazendo rir, já estávamos perto da calçada onde ele tinha me pegado.
— Você é estranha... — arregalei os olhos, quem ele pensa que é para me chamar de estranha? Estranho é ele que pega uma garota de programa na calçada e não faz absolutamente nada ao chegar no quarto, até pede jantar para dois.
— E você... É gay? — era só o que passava pela minha cabeça naquele momento, então devolvi na mesma moeda. Percebi que já estava naquela calçada tão conhecida, ele havia acabado de encostar o carro. Olhou para mim incrédulo e apenas balançou a cabeça negativamente.
— Mulheres... — sorriu em seguida. Aquele sorriso “colgate” que acho que até me fez sorrir de volta para ele. tirou o cinto de segurança para pegar a carteira em seu bolso, em seguida tirou cerca de 500 libras e me deu. O olhei assustada, não acreditando, nem ao menos peguei o dinheiro de sua mão, ele ficou por alguns instantes oferecendo a quantia para o ar. — Não vai aceitar? — ele me olhou como se eu fosse um bicho de sete cabeças.
— Ahm, não tudo isso... sério, não precisa, nem fizemos nada! — quando falei isso, a expressão de surpresa dele triplicou.
— Você tá doida? Não fizemos nada? A gente jantou, você assistiu Romeu e Julieta, me esperou tomar banho pra comer, andamos de elevador e você me diz que não fizemos nada? — o tom dele era tão convencido que quase acreditei no que ele me dizia. Fiquei tão assustada que nem peguei dinheiro nenhum e saí correndo de dentro do carro. O mesmo fiz quando estava na calçada, corri para apanhar um táxi, eu tinha algum dinheiro no bolso, definitivamente tinha que ir para casa. Ouvi gritar “Rachel” e me seguir com o carro. ELE É ALGUM MANÍACO? Era o que eu estava pensando enquanto corria. Será que ele é desses que leva a prostituta para um quarto, não faz nada, convence de que é um bom moço e depois descobre todos os telefones, endereços dela e a mata enforcada ou com facadas? Quanto mais esses questionamentos me vinham à cabeça mais eu corria. E para o meu medo, mais ele corria com o carro me seguindo também. Até que finalmente o carro parou, percebi que não tinha ninguém me seguindo. Parei, me flexionei e coloquei as mãos nos joelhos, tentando pegar algum ar, já que estava ofegante. Não, não, não, definitivamente, não podia ser! Senti uma mão gelada tocar o meu ombro, lembrei que tinha um spray de pimenta no bolso e no mesmo impulso que coloquei a mão no bolso já puxei o spray e nem quis saber quem estava atrás de mim, me virei e o pressionei sem cuidado nenhum, ouvindo gritos inconformados e transtornados. Era ele, . Agora ele se contorcia tentando de alguma forma aliviar a dor que estava sentindo.
— O que você quer, seu maníaco disfarçado em um corpo bonito? — eu gritava e acho que ele nem ao menos estava me ouvindo, de tão desesperado.
— O... o... pega o... aaaah... o dinheiro... no... meu... ahhh... Bolso! — ele disse tentando apontar com uma das mãos para o bolso da frente de sua bermuda.
— Vou pegar mesmo, só pra você aprender a nos deixar em paz! Assassino! — o que eu estava pensando? Como eu poderia chamar alguém de assassino e ainda colocar a mão em seu bolso? E se ele tivesse alguma arma ou sei lá o que e disparasse contra mim? Mas no momento da adrenalina correndo pelo corpo nem pensei duas vezes, coloquei a mão no bolso dele e puxei as notas valiosas, saí correndo como se o tivesse assaltado e pude ouvir até dobrar a esquina seus suspiros de dor. Peguei o primeiro táxi que vi e fui imediatamente para casa. Chegando lá me certifiquei de que aquele rapaz não estivesse por perto e subi as escadas, abri a porta com certa rapidez, um pouco atrapalhada, já que a pressa é inimiga da perfeição. Entrei, tranquei a porta e fui me deixando escorregar, ficando sentada e encostada na porta, respirando ofegante. Depois levantei calmamente e fui para o meu quarto, certamente não estava em casa ainda.

Tirei a roupa com cuidado, ainda estava me tremendo, e fui para o banheiro. Me olhei no espelho e respirei aliviada. Liguei o chuveiro, que estava com a água bem morna, me fazendo relaxar, aquela tinha sido uma noite difícil. Ou nem tanto. me veio à cabeça, comecei a lembrar de tudo o que aconteceu, quer dizer, tudo o que aconteceu antes de ele tentar me pagar. Não sei qual a razão de ter pensado aquilo, mas fiquei mal quando me veio a possibilidade de ele não ser uma pessoa ruim. Não, ele era lindo demais para ser ruim. Lembrei de quando ele segurou a minha mão quando saímos do elevador, e me peguei sorrindo inconscientemente. Nunca tive um cliente que pegasse na minha mão, só John, e naquele jantar oferecido pelos pais da , dois anos atrás. Comecei a me sentir angustiada, será que eu deixei aquele rapaz sofrendo com pimenta nos olhos sem ele estar realmente planejando me matar? Eu sou louca? Ou ele é louco? Essas perguntas voaram para longe quando ouvi a porta sendo esmurrada. Enrolei-me na toalha e calcei uma sandália de borracha, saí pingando água por onde passava, meu coração ia acelerando à medida que chegava perto da porta, e se fosse ? E se quando eu abrisse, ele pressionasse um pano com veneno sobre o meu nariz?
, você está aí? Diz que você está aí amiga, pelo amor de Deus! — era , meu coração quase parou, de tão aliviada que fiquei.
— Estou aquiii, agora pára de socar essa porta porque eu não sou surda — ouvi-a resmungar alguma coisa e abri a porta. entrou bufando, já pude perceber que seu encontro não tinha ido às mil maravilhas.
— Foi uma merda! — parece que ela tinha adivinhado o que se passou pela minha mente.
— O que aconteceu? — após perguntar isso, ela arremessou a bolsa que segurava em cima da mesa e sentou bruscamente no sofá apoiando os pés na mesinha de centro.
— O QUE ACONTECEU? ESSE É O PROBLEMA, NÃO ACONTECEEEU — ela falou histérica, abrindo os braços para o ar.
, eu sou a garota de programa aqui! Você não pode sair transando no primeiro encontro não, sua louca! — ela virou para mim e jogou uma almofada, me pegando de surpresa.
— Dãããããã! Não estou falando disso, estou falando da química, sabe? Não rolou... ele é muito nerd, só fala de livros, livros, livros. Ah vá pro inferno, já tenho que encarar trocentos livros na faculdade e aquele imbecil vem querer conversar sobre LIVROS, MALDITOS LIVROS — não consegui segurar o riso. continua a mesma louca de sempre.
— Ew, coitada de você. Mas pensa bem, eu nem me lembro qual foi o último encontro que eu tive, fora assim, hum, você sabe... — ela assentiu. — Vou trocar de roupa, já volto, vê se relaxa — concluí indo para o meu quarto. Depois de já estar vestida com uma camisola de seda, deitei em minha cama e abracei um urso de pelúcia, ouvi baterem e dei passe livre. entrou e se sentou perto de mim, abraçando os joelhos.
— Como foi o movimento hoje? — ela perguntou. Adoro esse jeito da minha amiga, ela me faz sentir tão natural, como se eu trabalhasse em uma loja ou sei lá. A diferença é que no caso eu seria um produto vendido. Ok, voltando ao raciocínio.
— Ah, escondi-me algumas vezes, tava com preguiça — fiz careta.
— E então? Pegou ninguém? Caramba hein, você está fraca, amiga! — ela riu e me deu um tapinha no braço. Pensei duas vezes se contava ou não do para ela. Ele é um homem lindo, sexy e tal, mas fiquei com medo de contar da parte do spray de pimenta e a me olhar como se eu fosse uma maluca desvairada.
— Teve um cara... — resolvi contar. Ela bateu palminhas, como se fosse uma grande novidade.
— Um cara...? — ela falou como que fazendo para eu prosseguir.
— Um cara muito bonito, jovem e com o par de olhos azuis mais bonitos que eu já vi. — ao ouvir isso, ela abriu a boca como se fosse soltar um grito, mas apenas levou uma das mãos à boca e me deu uns três tapas no braço.
— Conta mais, conta mais, conta maaaaaais — ela gritava mais ainda.
— Conta mais o quê? — eu me fiz de desentendida.
— Ai sua imbecil, ele é bom de cama mesmo? Digo, valeu a pena tanta beleza? — coitada da minha amiga, esperava uma grande resposta, pela cara que estava fazendo.
— Não transamos — dei de ombros como se fosse a coisa mais comum a se falar.
— COMO ASSIM? ELE É GAY? — ela falou espantada. Comecei a rir, também cheguei a pensar nisso, até perguntei a ele.
— Não sei, pensei mais que ele fosse um maníaco do que gay, até joguei spray de pimenta nos olhos dele — senti mais três tapas e a me fez contar detalhe por detalhe da noite.

Ouvi expressões como “huuuuum”, “AAHHH MEU DEUS”, “que fofo” praticamente a todo momento. Mas a única coisa que ouvi na última parte foi “SUA LOUCA, DOENTE, VOCÊ É DOENTE”, já desconfiei que fosse ouvir isso e talvez ela tivesse razão. Depois ela me deixou dormir e eu fiquei sozinha com os meus pensamentos, a comentou que queria muito conhecê-lo, que se eu não quisesse fazer programa com ele, podia passar pra ela, que ela aceitava, me fazendo dar boas gargalhadas... Não tão altas e escandalosas quanto as de , mas boas gargalhadas. Adormeci sem nem perceber.

Capítulo 2


Mais um dia de correrias. Levantei cedo, com dificuldades, é claro, já que parecia não ter dormido um segundo sequer. Ouvi barulhos vindos da cozinha. Provavelmente já estava de pé. Faz exatamente uma semana desde que aquele ser esquisito me chamou para um “programa” que não foi exatamente um “programa”. Eu não sei bem o motivo pelo qual ainda estou pensando naquele dia... Talvez por ser a primeira vez em que eu não tenho que, bem, deitar com o cliente. Sacudi a cabeça tentando afastar aqueles pensamentos e levantei, fui ao banheiro e tomei um belo banho para despertar e poder ir à aula. A preguiça era quase maior do que o meu poder de dominá-la com um café forte e amargo. Vesti uma camiseta do Oasis — uma das poucas bandas que eu realmente sei quem são os integrantes e tenho fascínio por cada canção — e coloquei uma calça cigarrete, calçando em seguida meu velho Adidas. Escovei os cabelos, que hoje em dia não são mais longos como eram aos 16 anos. Caminhei quase que cegamente até a cozinha e avistei tomando café com a maior pressa do mundo e lendo jornal ao mesmo tempo.
— O que está acontecendo? Que pressa é essa?
— Bom dia pra você também, ! — Ela respondeu sem ao menos tirar os olhos do jornal.
— Dã, bom dia, retardada — beijei o topo de sua cabeça e me dirigi à torradeira. — É só que você me parece apressada... Geralmente parece que você não tem nada para fazer, toma café quase que se arrastando...
— Ai amiga, eu sei, mas é que hoje tenho que apresentar um projeto na faculdade, é individual e eu estou morrendo de nervoso. Sou a primeira a apresentar. — Disse alisando seus longos cabelos loiros. Em seguida, olhou para o relógio, dando uma golada significativa que deve ter acabado com todo o café presente em sua xícara. — OH CÉUS! Estou quase atrasada! Beijo amiga, te amo, me deseje sorte!
— 'Tá, mas... Aff, boa sorte, sua louca! — Disse confusa, já que ao mesmo tempo em que ela ia falando, ia se levantando e correndo para a porta com uns três livros grossos na mão. Peguei algumas torradas e coloquei um pouco de café na xícara. Comi tudo em pé mesmo, também estava quase atrasada. Quando terminei, empilhei as xícaras — a minha e a da , que saiu como louca — e os pratos para lavar mais tarde, peguei o meu material que estava na mesinha de centro e deixei o apartamento. No caminho, comecei a lembrar do de novo. Por que eu esperava que ele fosse aparecer para me buscar novamente? Quem procuraria de novo uma pessoa que lhe jogou spray de pimenta nos olhos e o chamou de assassino, maníaco e... Gay? Então voltei a pensar novamente que ele seria como os outros, o veria uma vez e nunca mais... Certamente ele tinha resolvido os seus problemas e não precisava procurar uma garota de programa. “Mas ei, nós nem transamos!” — veio-me em mente e eu já criei um milhão de expectativas e derrotas. Finalmente cheguei ao curso e ocupei a cabeça com boas aulas de literatura, os números lindos de matemática e a dinâmica presente nas aulas de história. Foi sarcasmo, mas pelo menos parei de criar ilusões.
Saí da aula por volta das onze e meia da manhã e passei em um mercado próximo ao nosso apartamento para comprar coisas que estavam faltando para o almoço, como o próprio e indispensável feijão. Cheguei em casa e comecei a cozinhar, sabia que chegaria faminta e cheia de novidades, já que era hoje o dia da apresentação do projeto. Quando tudo estava praticamente pronto, a escutei abrir a porta.
— Huumm, que cheiro bom! — Acertei, ela estava mesmo com fome.
— Folgada! — Brinquei e em seguida pude avistar com uma cara realmente satisfeita. — Deu tudo certo pelo jeito, né?
— AI, EU AMO A VIDA! VOCÊ É LINDA AMIGA, MUITO LINDA! — Ela disse como uma perfeita bobona, abraçando-me por trás e me dando um beijo na cabeça. — Tirei a nota máxima, mereço um almoço reforçado!
Fiz careta, mas acabei até servindo o prato dela. Almoçamos muito animadas, contou parte por parte da apresentação, demos algumas risadas e me assustei com a pergunta que ela fez após dar a última garfada.
— E o ? Notícias dele? — Quase não consegui engolir a comida após ouvir isso. Depois de uma semana sem tocar nesse assunto, por que a minha amiga, que estava com a cabeça nas nuvens, lembrou do maldito ?
— Nada, mas também um cara bonito como ele não deve precisar de uma prostituta para mais de um programa.
— Hello! Terra chamando para a realidade! — Falou e em seguida abriu os braços de forma exagerada. — Vocês não fizeram “programa”, quer que eu desenhe? — Ri.
— Não que eu não tenha pensado no que você acabou de mencionar, mas só porque ele é lindo, cheiroso e extremamente sensual não quer dizer que eu tenha que esperar aparecer de novo... Existem outros homens igualmente lindos e sexies por aí.
— Uhum, 'tá... Mas o que eu lhe disse tá de pé, se você não quiser mais pode passá-lo para a sua amiguinha aqui que eu dou um trato! — Fez uma cara de conquistadora barata me fazendo jogar um guardanapo de pano em seu rosto e rir em seguida.

Juntei a pilha de louças e comecei a lavar, estava tomando banho para se aprontar para ir trabalhar, já que seu emprego é apenas na parte da tarde. Lavei tudo e decidi tomar outro banho. Enquanto estava no chuveiro, escutei minha amiga dar “tchau” e trancar a porta. Vesti-me com um baby doll do Bob Esponja e decidi ver TV na sala. Não estava passando nada interessante, então como também não tinha mais nada para fazer naquela tarde, apenas fiquei passeando pelos canais. Acabei cochilando no sofá e quando acordei já era praticamente oito da noite, nem ao menos ouvi chegar do trabalho. Lá estava ela, sentada na poltrona ao lado do sofá em que eu me encontrava estirada.
— Sono bom, hein, dorminhoca? — Sabia que a sem graça ia fazer piada, eu devia estar até babando.
— Er, sua idiota — mostrei-lhe o dedo.
— Cada dia mais mal educada! Está passando da hora de você parar o trânsito... Vai lá, Spice Girl, mostra como se faz! — Por que ela insiste em me encher o saco?
— Nossa , depois dessa vou até levantar mesmo — Ouvi-a dar uma risada e comentar alguma coisa sobre o programa que estava assistindo na televisão.
Levantei e fui correndo me trocar, não podia perder tempo. Não gosto de chegar muito tarde, porque quanto mais tarde eu estiver lá, mais tarde acaba o programa. Vesti uma minissaia vermelha — que eu acho breguíssima, mas não vou mesmo usar as minhas melhores roupas para ir à calçada! —, uma baby look branca e um casaco não muito grande para não passar frio. Calcei a sandália mais alta que avistei e saí do quarto. bateu palminhas e soltou assovios como se eu estivesse modelando. Mostrei-lhe o dedo novamente e me despedi. Ela me desejou sorte e eu apenas bufei, estava morrendo de preguiça. Dessa vez peguei o meu Ipod — cuja playlist só tem Oasis e Libertines — para me distrair enquanto fazia o percurso e, porque não, para esperar algum carro parar.

Fui me aproximando cada vez mais do meu “ponto” da calçada e não pude acreditar no que os meus olhos viam, estaria eu com problemas visuais? Bem ali, no cantinho onde eu ultimamente costumo sentar, estava ele: . Mais bonito do que nunca, mesmo de longe, já que o observei cerca de dez minutos antes de me aproximar. Ele olhava para o nada, realmente com uma expressão de estar esperando alguém. E ESSE ALGUÉM SOU EU!
Meu Deus, ele voltou! Aquele cara que eu achei que nunca mais veria havia voltado depois de uma semana e parecia me esperar ansiosamente. Espera, ansiosamente? Eu joguei spray de pimenta em seus olhos, depois o xinguei e ele estava ali, com aparência de estar inquieto me aguardando? Ele é doente, não eu!
Resolvi chegar mais perto, fui me aproximei com cautela, afinal quem me garante que ele não estava esperando outra pessoa? Outra garota? Foi então que ele se virou bruscamente e os nossos olhares se encontraram. Diferente de qualquer forma que eu imaginava um possível e distante reencontro (nesses, eu o imaginava chegando com a polícia e mandando me prender), sorriu. SOR-rIU. Com todos os dentes a mostra possíveis! Abaixei a cabeça, senti muita vergonha de encará-lo. Notei que ele havia se levantado, então se aproximou de mim, ficando parado na minha frente.
— Qual é a de hoje? Spray de quê? — Aquele idiota terrivelmente charmoso me pergunta, aparentemente sorrindo, já que eu estava de cabeça baixa e não pude ter certeza disso.
— Desculpa, sério... — Comecei a falar ainda de cabeça baixa, mas tomei coragem e a ergui, ficando cara a cara com ele. — Não sei onde eu estava com a cabeça para fazer aquilo.
balançou a cabeça negativamente, assim como fez no carro no dia em que “nos conhecemos”, como que dissesse para que eu deixasse pra lá.
— Doeu pra caramba, mas eu estou aqui, não estou? — Imbecil, vai ser lindo assim no Japão.
— Parece que sim! — Respondi, como sempre com ótimas respostas, arrancando uma risada abafada dele. O vi observar meu casaco e em seguida fechar o zíper dele.
— Está frio... — Disse depois de deixá-lo fechado, ao perceber que eu fiquei confusa.
— Obrigada, então! — Sorri fraco, ainda corada.
— Vamos? — Ele apontou para o carro e eu apenas assenti e o segui. Seu carro estava estacionado do outro lado da rua.
Entramos e logo eu notei algo diferente.
— Gostou? — me perguntou como se achasse que eu já tinha decidido o que tinha notado de diferente.
— Exatamente do quê? — Olhei confusa.
— Desse cheiro... — sua resposta veio como um tapa na cabeça. Claro, o cheiro! Era um aroma delicioso, como o de flores do campo.
— AH, er, muito! — respondi sem graça e continuei confusa. Por que ele me perguntaria do cheiro?
— É bom que você tenha gostado mesmo, vamos sentir esse cheiro por pelo menos mais duas horas. — Ah, certo, além de lindo ainda é misterioso e adivinha pensamentos?
— E o que você planeja para a gente em mais duas horas, dentro de um carro? — DÃ, PARA MIM COM ESSA PERGUNTA. Ouvi rir.
— Espere e verá — após dizer isso ele fez uma cara engraçada, como daqueles super heróis que vão levar a mocinha para voar pela cidade. Não pude me controlar e ri razoavelmente alto, o que o fez desviar um pouco a atenção do volante e me olhar assustado. — É, você realmente é estranha! — FILHO DE UMA #&¨%$! Ainda dá aquele sorriso à la Don Juan!
— De novo essa conversa? — bufei. — Olha que foi por isso que tudo começou naquela noite... — Ei, eu realmente estava me soltando, já consegui até falar mais de uma frase!
— Ah foi? — Ele me olhou novamente, surpreso. — Achei que fosse porque nós não fizemos nada e eu tentei te dar dinheiro! — Fiquei tão sem resposta que engoli em seco e desviei o olhar para a janela do carro. Pude ver que estava passando por um grande portão e notei também uma enorme quantidade de carros. Então ele encostou em uma banquinha que, pelo que pude ver, vendia alimentos. Logo baixou o vidro ao seu lado.
— Por favor, o maior saco de pipocas que existir aí e dois copos de Coca—Cola! — Assim que o escutei falar isso, olhei assustada. Eu realmente estava esperando que ele fosse me levar para uma rua deserta e “me pegar” no carro... E não isso! — Que foi? Você não gosta de pipoca e Coca—Cola? Posso pedir outra coisa, então...
— Não! — Interrompi antes que ele chamasse o cara que estava preparando tudo para mudar o pedido. — Nada a ver, eu gosto, só que não estou entendendo nada! — Fui sincera e o vi balançar novamente a cabeça e novamente dizer “Mulheres...”.
MULHERES? HOMENS! O confuso da história é ele, e não eu.
O rapaz entregou um balde de pipoca enorme e dois copos de refrigerante. Ele me pediu que segurasse tudo, então pagou e prosseguiu, estacionando perto do último carro da grande fileira. Aí então pude ver um grande telão. Fiquei maravilhada, será que eu estava mesmo ali? Sempre via essas coisas em filmes e nunca achei que fosse vivenciar. Só parei de babar quando pegou um dos copos e colocou o balde de pipoca entre nós dois.
— Isso é o que eu estou pensando? — Perguntei ainda surpresa.
— Depende do que você está pensando — respondeu enchendo a mão de pipoca e levando à boca. Sorri abobalhada, ele parecia uma criança fazendo isso.
Nem precisei falar mais nada, dentro de segundos tudo começou a funcionar, vi uma contagem regressiva no telão, acho até que meus olhos encheram de lágrimas.
— Tudo bem? Porque se você for ter um ataque cardíaco eu te devolvo, não quero que alguém morra no meu carro! Você sabe, defuntos costumam feder. — Disse com a boca cheia de pipoca. E adivinhem, eu ri. Parecia que ele observava cada movimento meu, como se entrasse em meus pensamentos e adivinhasse que eu estava praticamente morrendo de emoção.
— Dããã! — Nem pude acreditar que fiz aquilo! Acho que muita emoção não me faz bem. Assim que falei isso dei um tapa na testa dele, que arregalou os olhos, incrédulo. — Err, desculpa — dei de ombros e sorri totalmente envergonhada, peguei um pouco de pipoca e voltei os meus olhos para a tela, vi o letreiro e quase me engasguei.
— É isso aí! “E o vento levou”. Acho que eu tinha cinco anos quando assisti isso... — Ele deu de ombros como se ignorasse um dos filmes mais lindos que já vi em toda a minha vida e encheu a mão de pipoca novamente. — Meu pai também... — Completou de boca cheia.
— Seu pai também o quê? — Não consegui prestar muita atenção, estava tão hipnotizada pelo início do filme que perdi o raciocínio.
— Meu pai também devia ter uns cinco anos quando assistiu isso... — Sim, ele estava querendo mesmo tirar sarro do filme. — Come! — Antes que eu pudesse processar o que ele havia dito, pegou uma grande quantidade de pipoca e forçou contra a minha boca, para que eu comesse. Tentei empurrar sua mão, mas acabei cedendo e abri a boca, algumas couberam, outras caíram. Então o vi rir da minha cara. Fiz careta e em seguida tomei um pouco do meu refrigerante, praticamente o ignorando e voltando a prestar atenção naquele clássico do cinema. — 'Tá, 'tá, 'tá... Vou deixar você assistir. — Ele falou com um tom de voz que indicava que havia se dado por vencido. Agradeci mentalmente.
Lembrei que a última vez que vi “E o vento levou” devia ter 12 anos, estava na casa dos Former, pais de Carol, meus vizinhos, em Bolton. Estava com ela sentada no tapete da enorme sala, também comíamos pipoca e tomávamos refrigerante, assim como estava fazendo com . Senti uma falta enorme de Carol e de seus pais naquele momento. Não que eu não tivesse sentido antes desse dia, mas fazia alguns anos que não sentia aquele nó na garganta. Como será que eles estavam? Esses pensamentos esvaíram de minha mente como um foguete. não conseguia mesmo ficar quieto e logo me deu um tapa na testa, assim como fiz com ele assim que chegamos.
— OUTCH! Você está ficando louco? — Tentei parecer irritada, mas estava com vontade de rir, e ele percebeu.
— Bateu, levou, baby. Aqui é assim — arqueou as sobrancelhas e deu algumas gargalhadas gostosas e anormais.
Comecei a analisar aquele cara mais um pouco, passei a admirar a coragem que ele tem de sorrir, ver que não consigo ser tão “livre” quanto ele. Talvez por ainda não ter a vida dos meus sonhos, ao contrário dele, que pelo que me parecia era independente, rico e completamente de bem com a vida. Antes que parecesse que estava o admirando demais, desviei o olhar novamente para o telão, ainda rindo disfarçadamente. Não consegui acreditar que ele tinha devolvido o tapa que eu dei.

O filme já estava quase no final, deixei escaparem algumas lágrimas, havia ficado realmente quieto depois daquele segundo tapa. Pude assistir tranquilamente, mas antes que achasse que um milagre tinha acontecido o ouvi mastigar as pipocas em sua boca exageradamente, como que fizesse questão que eu escutasse. Era para me irritar, lógico.
— Você pensa que eu ligo? — Perguntei balançando a cabeça.
— Hum, penso... — Então ele se aproximou de meu ouvido e colocou mais pipocas na boca, mastigando com mais intensidade que naquela outra hora. Pude sentir a sua respiração bater em minha orelha, a essa altura nem lembrava mais que ele estava tentando me irritar. A sua respiração definitivamente estava mais interessante... Com a mão que tinha livre, pressionei o estofado do banco do carro e fechei os olhos com força, por que aquilo estava me fazendo sentir prazer? — Você é dormente, sério. Desisto — disse se afastando e se eu não tivesse me segurado tinha deixado escapar um alto e bom “NÃO!”. Estava mesmo apreciando aquela situação e, claro, me sentindo louca por isso. Apenas cocei a cabeça, mostrando nervosismo, e voltei a atenção para a tela. O filme estava acabando, já apareciam os créditos. Aí então me toquei de que me concentrei tanto na respiração que nem lembrei de ver a minha parte favorita do final.
— É, acabou... — sorri fracamente.
— É hora de dar tchau, é hora de dar tchau — MEU DEUS, ESTAVA NO JARDIM DE INFÂNCIA? Mesmo sendo idiota por imitar a voz do além dos Teletubbies, ele me fez rir descontroladamente. — Ah, também não é pra tanto, né Rachel? Eu sei que eu sou engraçado e tudo mais, mas não precisa incorporar uma retardada. — Dei um tapa em seu braço, ficando sem graça depois de perceber que fiz isso — tudo bem, não precisa ficar desse jeito toda vez que me bate, eu gosto! — Ele é mesmo vidente. Estou convencida disso. E que cara de conquistador argentino foi essa que ele fez? Soltei uma risada abafada e balancei a cabeça, encarando os meus joelhos. Não vou mentir que fiquei com vergonha.
me deu o balde de pipocas que estava entre a gente e arremessou o seu copo de Coca já vazio pela janela, dando partida no carro logo em seguida. Fomos aos poucos deixando o local, primeiro enfrentamos uma fila de carros e para depois conseguirmos sair. Encostei a cabeça no vidro fechado ao meu lado e fiquei encarando o som do carro. Não tinha a intenção de ligá-lo, mas...
— Pode ligar, não está aí de enfeite... — Soltou mais uma de suas risadas. Acordei de um transe, estava apenas olhando para o som, mas a minha cabeça estava longe. Lembrei mais uma vez de Carol e sua família, de como, apesar de tudo, eu me divertia com ela em Bolton. Contudo preferi fazer o que havia dito e me distrair com uma canção. Liguei e estava tocando “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles, em uma das estações de rádio. Conheço aquela canção até de trás para frente. Sorri ao ouvi-la e , que aparentemente nem havia se dado conta do que tocava, começou a cantarolar.
“Oh, please say to me, you’ll let me be your man... And please say to me, you’ll let me hold your hand, now let me hold your hand… I wanna hold your hand” — (“Oh, por favor diga pra mim que você me deixará ser seu homem... E por favor diga pra mim ‘Eu quero segurar a sua mão’... Agora deixe-me segurar sua mão... Eu quero segurar sua mão”). Sua voz parecia massagear os meus ouvidos, ele cantava destemido, sem nenhum receio de que eu o achasse ruim nisso. Certamente por saber que tem uma voz muito boa. Já havia notado isso naquele dia, quando ele cantou no chuveiro, mas estava longe e ele praticamente berrava. Hoje não, estava em um tom mais suave, assim como na canção original... E ele parecia dançar com a cabeça enquanto cantava. Então resolvi entrar no jogo, não sei de onde tirei coragem e comecei a cantar também. Ele parou por um instante e me olhou atento. Ignorei e continuei cantando, fazendo como ele, “dançando” com a cabeça. Então parece que isso o deu permissão para continuar. Ficamos os dois cantando. Bom, depois começamos a berrar a parte principal do refrão... Cantávamos em meio à gargalhadas, era impossível não rir daquilo. Nem vi o caminho que estávamos fazendo, mas quando me dei conta estávamos estacionados perto da calçada, meu “local de trabalho”. Senti um desânimo ao perceber que já estávamos ali. Virei-me para ele e notei nele a mesma expressão que eu devia estar transparecendo.
— É... Aqui vou eu — sorri e depois tentei abrir a porta do veículo para sair com a mão que estava livre, já que a outra estava segurando o balde quase vazio de pipoca, mas senti a mão de segurar o meu braço, então recuei e o olhei.
— Você vai ficar aí mesmo? Não quer que eu te deixe, sei lá, perto da sua casa ou lá mesmo? — Seus olhos pareciam implorar e eu me senti como uma adolescente tendo o seu primeiro encontro com um rapaz bonito da escola... Mas eu não podia dar essa “liberdade” para ele, pois querendo ou não ele era um cliente. Apesar das boas risadas que demos, para ele eu era Rachel, e não . Ele conhecia a minha personagem, como a gostava de chamar.
— Não, não precisa mesmo, estou acostumada a fazer esse caminho todos os dias, depois eu pego um táxi. — Respondi, querendo na verdade falar para ele me deixar em casa. Não pareci convencê-lo, mas acho que ele se forçou a acreditar.
— Então tudo bem, mas você podia me dar um telefone, um celular, não sei...
— Eu até lhe daria o meu celular, mas como só tenho um... Você sabe, vai me fazer falta. — Nem sei de onde lembrei dessa, mas dessa vez eu que arranquei boas risadas dele, que me deu um pedala.
— Nossa, que fora! Agora vou embora mesmo, se vira pra ir pra casa, hein? — Ele disse ainda em meio a risadas.
— Não, seu tosco, anota aí! — Achei engraçado vê-lo procurar alguma caneta no porta-luvas e colocar a palma de sua mão na frente do volante, simplesmente me olhando com cara de “pode falar”. Então dei o número do meu celular, quer dizer, o celular da minha personagem. Sim, tenho dois celulares, um pessoal e o outro “profissional” e, por mais que sentisse vontade de dar o pessoal, segui a minha razão e mais uma vez evitei uma maior proximidade. Ele anotou e depois jogou a caneta para trás.
— Não precisa ter medo, hein, não sou nenhum maníaco, só quero descolar o telefone dessa gatinha que está ao meu lado, falou? — Fez uma cara forçada daqueles surfistas super cheios das gírias e fez sinal de “legal”, piscando um dos olhos em seguida, o que acabou me fazendo rir e corar ao mesmo tempo. Ele estava mesmo zoando ou eu tinha recebido finalmente uma cantada?
— Falou, brow... — Entrei na brincadeira — Agora deixa eu ir antes que fique muito tarde... — Esqueci completamente que estava “trabalhando”. Quase saio do carro sem o dinheiro, se não fosse o me lembrar. Então do que ele me deu, tirei metade. — Você recebeu um desconto de 50% pelo ótimo filme que me levou para assistir! — Brinquei, piscando para ele.
— Ok, quem sou eu pra recusar um desconto, não é? — Sorriu. Finalmente abri a porta do carro. — Tchau, se cuida, viu? E cuidado com essa grana. — Corei nesse instante. Achei completamente fofo ele se preocupar com o meu caminho de volta. Apenas balancei a cabeça e bati continência, arrancando um riso baixo dele.
Saí do veículo e quando tinha dado dois passos notei o balde de pipoca ainda em uma das minhas mãos, então voltei correndo para devolvê-lo, já que tinha sobrado uma boa quantidade de pipoca. Ele abaixou o vidro e me olhou confuso.
— Mudou de ideia? — Falou arqueando as sombrancelhas e sorrindo, quase me fazendo fotografá-lo com uma câmera imaginária.
— Não, tonto, só que agora que me dei conta desse balde de pipoca ainda na minha mão — estiquei o braço, mas fiquei oferecendo para o ar, assim como no dia em que o conheci, quando que ele ficou oferecendo o dinheiro para praticamente ninguém.
— Pode ficar, estou cheio! — disse passando a mão na barriga e fazendo uma careta engraçada.
— O que eu vou fazer levando um balde de pipoca semi-vazio pra casa? Você está de carro, pode levar! — Falei sorrindo e tentando empurrar para ele. Então notei que ele colocou um sorriso no canto da boca, daqueles em que não se torna necessário mostrar os dentes para que seja deslumbrante.
— Sei lá, fica de recordação? — Senti um choque térmico passar pelo meu corpo.
— Ok, ok... — Dei de ombros sorrindo. — Mas se mais tarde você ficar igual um bebê chorão querendo pipoca, lembre-se de que ela está comigo! — Abracei o balde como se tivesse medo de ser retirado de mim e ele sorriu. — E também, eu vou ficar com isso para me lembrar de você e você fica com o quê para se lembrar de mim? O sarro que está tirando com a minha cara de me ver caminhar com isso? — Indiquei o balde com o olhar.
— Não, para me lembrar de você basta ouvir “I Wanna Hold Your Hand” e cantar parecendo um bezerro desmamado.
Apesar de ele ter soltado uma gargalhada após falar isso, aquilo realmente me tocou. De certa forma estávamos selando um laço de recordações? Aquilo nunca havia me acontecido antes. Fiquei completamente sem graça, mas ao mesmo tempo eufórica por dentro.
— Er, é melhor eu ir, a gente já está conversando aqui, tipo, há muito tempo! — Ri revirando os olhos e o ouvi rir também.
— 'Tá, até mais Rachel — ele acenou e eu acenei de volta com o braço livre. O vi levantar o vidro. Virei-me para fazer meu caminho e ouvi um barulho, ele havia mesmo abaixado o vidro de novo? — Rachel... — Virei-me para o carro de volta e flexionei-me um pouco para poder vê-lo. — Obrigado. — Acho que ele percebeu que arregalei os olhos.
— Pelo quê?
— Por tudo... Pela companhia principalmente — mesmo que no interior do carro estivesse um pouco escuro, pude jurar que o vi corar. Engoli seco, por que ele estava me agradecendo? Quem tinha que agradecer era eu, ele que me tirou por duas horas da chatice que é aquela calçada.
— Eu que te agradeço! — Senti meu rosto arder. — Bom, tchau pela qüinquagésima vez, ! — Sorri quebrando o silêncio que eu achei que se instalaria ali. Ele sorriu e fechou o vidro.
Continuei andando e vi quando o seu carro passou por mim. Ele deu duas buzinadas discretas e eu acenei. Andei por mais ou menos duas quadras até chegar onde pegaria o táxi. E quanto mais eu me afastava da calçada, mais sentia o meu coração apertar. Não queria que aquela noite chegasse ao fim. Fazia tanto tempo que não me divertia daquela forma, que não me sentia aquela garotinha de quatorze anos esperando ganhar o primeiro beijo. Foi como se por duas horas e cinqüenta minutos eu voltasse à minha inocência, como se nunca tivesse tido problemas na vida... Como se todas as minhas memórias fossem doces e o meu coração indestrutível.

Cheguei em casa por volta das onze e meia da noite, encontrei dormindo no sofá, na posição exata em que eu estava há algumas horas. Ri baixinho da cena e fui para o meu quarto, com aquele balde de pipocas praticamente fixo em um dos meus braços. O coloquei em cima da estante perto da minha cama e fui trocar de roupa. Abri aquele casaco que havia sido fechado por antes de sairmos da calçada, e aí comecei a lembrar de tudo o que havia acontecido há algum tempo. Sorri idiotamente para a minha imagem no espelho, estava mesmo parecendo uma adolescente. Perdi a conta de quanto tempo passei sem estar com um homem que não exigisse apenas sexo, sexo e mais sexo. Então retirei o casaco e o coloquei no cabide perto do espelho, tirei a sandália e depois calmamente a saia, logo em seguida a baby look. Apenas apanhei o baby doll que havia tirado antes de ir trabalhar. Novamente o vesti e me voltei para o balde de pipocas, acabando por encará-lo por alguns segundos, e até cheguei a sorrir para ele, lembrando tudo. Ajeitei alguns travesseiros na cabeceira, peguei o balde e sentei contra os travesseiros. Deixei-o entre as pernas e peguei pipoca por pipoca dali de dentro. Elas já estavam frias, quase geladas, devido ao caminho que fiz antes de chegar em casa. Olhei para a janela aberta do outro lado do quarto e vi o vento balançar as cortinas suavemente. Suspirei e adormeci ali mesmo.

Capítulo 3


, , pelo amor que você tem por mim, atende essa droga, não aguento mais essa música! — ouvi a voz de se aproximando de mim como um beliscão a cada palavra, e então pude ouvir junto ao seu ataque histérico uma canção, reconheci-a, era o toque do meu celular de “trabalho”. Abri os olhos lentamente e a vi parada em pé, ainda de camisola, de frente pra mim estendendo o celular. Peguei-o e ela me olhou confusa, seu olhar se dividia para mim, ali, dormindo sentada e para o balde de pipoca em meu colo. Ignorei e resolvi atender logo, já estava me deixando louca também.
— Alô? — tossi após falar, e abanei a mão livre para sair do quarto, ela me mostrou o dedo e saiu. Pareci levar um balde de água fria no rosto quando ouvi a voz do outro lado da linha.
— Oi, er, Rachel?
— Hum? Quem é? — perguntei fingindo não reconhecer.
— Oi, aqui é o ... spray de pimenta semana passada, cineminha ontem, lembra? — idiota! Por que ele gosta de me fazer rir e me sentir uma louca toda vez que lembro do que fiz com ele?
— Dããã, claro que sim! E aí?
— É que, bom, como hoje é feriado, queria te chamar pra gente sair... sexta-feira em casa é suicídio! A não ser que, claro, você já tenha planejado alguma coisa...

Nem lembrava que era feriado, e muito menos que se não fosse eu teria aula e teria perdido por dormir demais. Sorri para mim mesma quando ouvi a palavra “feriado” e depois a palavra “sexta-feira”.

— O que você sugere? — praticamente ignorei a última frase que ele falou.
— Clube, piscina, jogar conversa fora. Que tal?
— Hum, ok. Mas agora não posso ir, deve ser o quê? Meio dia? — ele respondeu algo como “uhum”. — É, vou almoçar aqui e lá pelas três você me pega ou a gente se encontra em algum lugar...
— Três? Nossa, você é muito enrolada! Mas ok, também tenho que almoçar na casa de um amigo... eu te pego, não tem problema, só me diz o endereço que eu passo aí... às três!

Quase cometo uma ratada, abri a boca para ensinar onde fica o apartamento, ainda bem que não sei de onde lembrei que era um “cliente”.

— Que tal você me pegar na calçada?
— Tem certeza? Tipo, não é um... você sabe, programa... não desse tipo!
, não tem garotas de programa ali de dia! — ri ironicamente e o ouvi soltar um riso baixo. — E eu entendi! Mas você tem que me devolver antes das oito, ok? Não existe feriado na minha profissão.
— Certo, tenho que desligar agora. — ouvi uma voz de mulher ao fundo, o chamando de “” — Às três estou lá hein, não vai me deixar esperando!
— Se o meu relógio não for mais atrasado que o seu, pode ter certeza que eu não vou te deixar esperando! — sorri ironicamente mais uma vez e ele deu uma curta gargalhada. Despedimo-nos e eu levantei finalmente. Antes tirei o balde de pipoca e sorri novamente para ele. Coloquei-o novamente na estante e fui ao banheiro. Lavei o rosto e comecei a escovar os dentes. Enquanto escovava, comecei a pensar no que estava havendo. Eu tenho algum problema mental? O cara liga pro meu celular profissional e me chama pra sair como “amigos” e eu aceito? O que está acontecendo? Eu sei que é lindo, brincalhão e o que mais me chama atenção: respeitador; mas eu não posso dar tanta intimidade a ele. Não o conheci esbarrando no corredor de um shopping, ou sendo apresentados por amigos em comum. Conheci-o no meu “trabalho”. Em seguida cuspi a pasta e enxaguei a boca, vi entrar no meu quarto enquanto enxugava o rosto. Voltei para o quarto e prendi o cabelo em rabo de cavalo. Notei que ela me olhava confusa.
, quem era? Por que você tava dormindo sentada e por que você dormiu segurando um balde de pipoca? — por que não é tapada e por que ela tem que perceber tudo o que está havendo? Droga!
— Err... estou louca? — ri. — Bom dia amiga. — não sei por que esperei que aquilo fosse convencê-la, então ela fez uma cara mais confusa ainda.
, você não me engana. Era o , não era?
Ótimo, tenho dois videntes em meu caminho. Engoli seco e me virei para ela, que estava sentada na cama me encarando com os olhos praticamente vidrados.
— Por que tem que ser o ? Eu não posso ‘sair’ de vez em quando com outros clientes? Era o John! — rezei para que ela se desse por vencida, mas foi em vão.
— Que John o quê! Toda vez que o John liga você revira os olhos e sempre que ele tenta te chamar pra sair como amigos você inventa alguma coisa! — ela estava ouvindo atrás da porta? Pensei. — E eu ouvi você chamá-lo pelo nome! — é, ela ouviu sim. Apenas balancei a cabeça e fingi arrumar melhor o rabo de cavalo, encarando fixamente o espelho, de costas para ela. — Cara, e esse balde de pipoca? Onde vocês foram ontem? — DEIXA DE SER CURIOSA, . Senti as pernas vacilarem nessa hora. Por que ela presta tanta atenção em tudo? Eu não sou assim!
— Tá, não consigo esconder nada de você mesmo! — decidi parar de fingir arrumar os cabelos e me voltei para ela, me aproximando mais. – O apareceu ontem lá na calçada... — Vi-a levar uma das mãos à boca aberta e dar tapinhas na cama com a outra. Então resolvi prosseguir, estava estampado em seu rosto que ela queria saber detalhes.
— Desculpei-me pelo spray e ele foi gentil, até fechou o meu casaco dizendo que estava frio. — Ouvi-a falar “hum”, como que dizendo que estava tudo romântico, balancei a cabeça negativamente e voltei a falar. — Então fomos para o seu carro e ele me fez uma surpresa. Levou-me para ver ‘E o vento levou’ no cinema ao ar livre, que nem nos filmes. — falou algo como “AI MEU DEUS QUE LINDO” após ouvir isso e então contei parte por parte, arrancando algumas risadas e suspiros idiotas, que até me faziam rir também. Aí então a vi parar de rir e me olhar séria novamente.
— Você não está se envolvendo com esse cara, está? — ela me olhou e acho que devolvi um olhar angustiado para ela.
— Não, não... — falei num tom em que parecia estar tentando convencer mais a mim do que a ela. — Ele me conhece por Rachel, você sabe... quem sai com ele é a Rachel e não a . — Mais uma vez vi aquele olhar não satisfeito dela, não consigo mesmo enganá-la, mas decidi desconversar, queria encerrar aquele assunto. — E aqui quem está falando com você é a , e ela está morrendo de fome! — fez careta e me mostrou a língua.
— Folgada, sorte sua que pedi comida chinesa e chegou um pouco antes de eu te acordar...

Agradeci mentalmente por ela aceitar mudar de assunto. Almoçamos e ela me contou que passaria o fim de semana com os pais, na mansão deles. Falei que sairia com às três e ela disse para eu não me preocupar que lavava a louça e limpava a casa, só ia sair por volta das cinco. Depois que almocei, levantei-me e tomei banho, enrolei-me na toalha, escovei os dentes e me dirigi ao guarda-roupa. Tirei peça por peça e joguei em cima da cama. Aquele era um dia quente, perfeito para piscina. Então escolhi uma saia jeans nem muito curta e nem muito longa, uma blusinha regata branca e um biquíni vermelho. Aprontei-me e olhei no relógio, faltavam cinco minutos para as três, apressei o passo e dei um abraço em , que me elogiou e desejou sorte. Sorri e fiz o mesmo com ela, que nesse momento estava lavando copos, pratos e talheres que havíamos sujado. Saí do apartamento e desci as escadas do prédio devagar, senti o coração disparar, estava nervosa para encontrar . Não sei bem explicar o motivo, apenas não sabia qual seria a reação dele ao me ver em trajes “normais” e sem toda aquela maquiagem pesada. Respirei fundo e caminhei mais rapidamente, chamei um táxi e parei ali, naquela mesma calçada. Na parte do dia aquele é apenas mais um lugar para se passar em Londres. Várias pessoas passavam ali com suas famílias, e eu estava ali, no meu local de trabalho esquecendo tal definição por alguns segundos. Pude ver que o carro já estava parado, já estava me esperando, eu devia estar muito atrasada, já que quando saí de casa faltavam apenas 5 minutos para as três. Cocei a cabeça, indicando nervosismo e vi seu carro se aproximar de onde eu estava. Ele baixou o vidro e indicou para que eu fosse para o banco de trás, havia um rapaz loiro no banco da frente, ao seu lado. Então fiz o que ele disse e entrei no carro. Antes de dar a partida, me cumprimentou e o amigo fez o mesmo, ele nos apresentou. O nome de seu amigo é , que imediatamente disse odiar ser chamado pelo nome, que eu podia chamá-lo de . disse que iria para o clube conosco, ele tinha um encontro lá. Após dizer isso deu um tapinha no braço do amigo, indicando que estava orgulhoso dele. Saímos de perto daquela calçada e eu fui o caminho inteiro calada. Na verdade estava pensativa. Será que sabia quem eu era? Digo, o que eu fazia? Ouvia os dois conversando empolgados e sorria para mim mesma, eles pareciam duas crianças planejando comprar o planeta Terra. Algumas vezes, quando passávamos por sinaleiros, podia ver os olhos de me olharem disfarçadamente pelo retrovisor, enquanto conversava com . Em uma das vezes o encarei e sorri, recebendo uma arqueada de sobrancelhas fatal. Como ele é lindo!

Fomos chegando ao local e estacionou debaixo de uma árvore. Era um lugar muito bonito, rodeado por lindas árvores e um gramado incrivelmente verde. No meio estava a piscina, quer dizer, as piscinas. Havia uma pequena e aparentemente muito rasa, cheia de crianças brincando e jogando água umas nas outras. A outra era enorme e só tinha adultos, em volta via muitos casais observando tudo e alguns fazendo piquenique; outras pessoas estavam sozinhas, apenas apreciando o dia de sol e lendo um bom livro. Senti envolver a minha mão, gelei e apenas a segurei. Fomos andando e indicou um lugar vazio perto da piscina. Então ele tirou uma toalha que tinha um tamanho grande e estendeu no gramado para que nos sentássemos. é uma pessoa legal e descontraída. Nós três começamos a conversar, fui me soltando, perdendo a vergonha que sentia em pensar que talvez ele soubesse que eu era uma garota de programa. Acho que principalmente por ele me olhar com uma cara inocente e perguntar o que fazia da vida, me olhou assustado, como se dissesse pra eu inventar alguma coisa, o agradeci mentalmente, não queria mesmo que seu amigo soubesse de tudo. Disse que estudava e era mantida por meus pais. Grande mentira. Ele pareceu ficar satisfeito e interrompeu a conversa quando avistou o seu “encontro”. Deu-nos um “tchau” quase que inaudível, ele estava realmente encantado por aquela mulher. De longe ela parecia ser bem bonita, tinha longos cabelos ruivos e parecia ter um corpo em forma, ouvi suspirar alguma coisa como “nossa, que gata” e balancei a cabeça o fazendo rir.
— Quer beber alguma coisa? — ele me assustou, estava tão concentrada naquela natureza em volta que parecia estar viajando.
— Quero! — ouvi-o dizer algo como “vou pegar” e levantar. O interceptei, antes que saísse. — Toma, eu pago o meu, certo? — falei lhe entregando o dinheiro que havia acabado de tirar do bolso de minha saia. Vi-o balançar a cabeça negativamente, como se estivesse inconformado.
— Que é isso, Rachel. Não vou aceitar, você foi convidada, acho até que te acordei! — ele riu e passou a mão em seus cabelos, fazendo-me suspirar, então apenas assenti e guardei o dinheiro de volta.

Vi se distanciar cada vez mais, aproximando-se de um quiosque, onde ia pegar a bebida. No caminho ele tirou a camisa, colocando-a em volta do pescoço. Mordi o lábio inferior e em seguida balancei a cabeça rindo internamente, aquele homem mexia com o meu sistema nervoso. Desviei o olhar e vi já dentro da piscina com a moça que estava acompanhando, eles já estavam em meio a beijos, risadinhas e carinhos, deviam se conhecer há algum tempo. Fiquei imaginando o quanto é bom ter aquilo, sentir-se mimado e mimar alguém. Só havia sentido isso uma vez, aos 15 anos, quando namorei um garoto que morava na rua próxima à minha. Já fazia tanto tempo que nem do rosto dele consegui lembrar, só de como me sentia idiotamente boba. Acordei do transe vendo me observar ainda de pé, rindo como se tivesse me pegado em algum flagra. Em seguida estendeu a mão com a minha lata de cerveja, peguei-a e agradeci, ele se sentou ao meu lado novamente e se ofereceu para abrir a latinha, assenti e ele o fez, devolvendo-me. Estava quase finalizando a quantidade de cerveja na minha lata, quando quase me engasguei.

— Você é tão diferente assim... — olhei assustada e vi aquele par de olhos hipnotizantes analisando pedaço por pedaço do meu rosto.
— Assim como? — mordi o lábio, confusa.
— Assim, ao natural. Sem aquela maquiagem e usando essas roupas... — agora pude ver seu olhar ir direto para a minha blusa e depois voltar para me encarar. Estava novamente sentindo aquele choque térmico por dentro.
— Que é isso, acho que tenho mais graça daquele jeito. Ou não sei se é porque estou acostumada a me olhar no espelho daquela forma! — sorri envergonhada e desviei o olhar para a piscina.
— Com certeza é por isso — ouvi-o dar uma risada abafada e notei que também desviou o olhar.

Ficamos em silêncio por alguns instantes e depois de bebermos, ele me convidou para ir à piscina. Fiquei morrendo de vergonha e desconversei, dizendo que depois iria. Foi então que ele tirou a bermuda que usava, ficando apenas em traje de banho, uma sunga preta com discretas listras brancas nas laterais. Já tinha o visto de boxers, toalha em volta da cintura, mas nunca o vi com as pernas completamente de fora. Era colírio demais para os meus olhos, balancei a cabeça e desviei o olhar quando notei que ele havia percebido que eu olhava fixamente para seu belo par de pernas.

— Se mudar de idéia, estou te esperando. — ele sorriu e acenou, se distanciando e em seguida mergulhando.

Deitei-me sobre a toalha e tampei o rosto com as mãos para que o sol não ficasse em meu rosto. Ouvia os casais por perto conversarem e algumas mães darem bronca em seus filhos por insistirem em pular na piscina maior. Comecei a pensar em coisas cotidianas, no trabalho enorme que o professor de história havia passado para ser apresentado na próxima segunda-feira e eu nem ao menos tinha pensado em um tema. Foi quando sem ao menos esperar ouvi uma pessoa fazer “shhh” e senti duas mãos segurarem fortemente os meus calcanhares, em seguida senti outras duas mãos segurarem os meus dois pulsos, tirando as minhas mãos do rosto e estendendo os meus braços. Eram e . segurava as minhas pernas e os meus braços, não tive nem tempo de tentar lutar contra eles, não tinha dúvidas de que são muito mais fortes e não me soltariam assim tão fácil. Sem que pudesse pelo menos raciocinar já estava ali, dentro da água, ouvindo gargalhadas, provavelmente dos dois marmanjos que me observavam ficar de pé, lutando contra a água. Os olhei com um olhar de fúria, mas depois comecei a rir, não podia acreditar que eles tinham me jogado. e batiam as mãos e pulavam como se tivessem descoberto a América e eu apenas mostrei-lhes o dedo do meio, arrancando ainda mais risadas. Já que estava ali mesmo, comecei a nadar de um lado para o outro, estava um dia muito quente, e aquela água gelada realmente estava me aliviando. Então mais uma vez fui surpreendida, senti a minha cabeça ser pressionada contra a água, mas engoli uma grande quantidade, quando fui levantada estava tossindo bastante. ficou nervoso e ao mesmo tempo em que me colocava deitada em seus braços ainda na água batendo em minhas costas, pedia desculpas como que uma vez por milésimo. Consegui me recompor e dei um tapa em suas costas, o fazendo rir e pedir desculpa novamente. Olhei para onde estávamos sentados antes de tudo acontecer e vi deitado com a sua garota, estavam muito concentrados em seus beijos, me puxou e ficamos cara a cara novamente. Não vou mentir que cada vez em que nossos olhares se encontravam, ficava nervosa, não sabia que cara fazer para ele. Tinha medo que percebesse que eu o estava fitando. É realmente difícil não se atrapalhar olhando aqueles olhos mais azuis que a água da piscina.

— Vem, deixa eu te ensinar uma brincadeira... — ele falou, para a minha felicidade, pois assim parei de olhá-lo.

Brincamos como duas crianças na piscina até às 6h da tarde, quando vi a hora em seu relógio saí como louca da água. já havia se despedido da moça e me olhava com uma cara engraçada.

— Gostou do banho? — ele perguntou franzindo a testa e coçando a cabeça, como se fingisse não ter culpa no cartório.
— Adorei! — fiz a cara mais sarcástica do mundo e depois sorri para ele, para tirar a impressão de antipatia, porque acho que ele tinha acreditado que eu estava chateada. Então ele sorriu de volta e desviou o olhar de mim, como se olhasse alguém chegando atrás, certamente era . E era. Pediu a toalha que havia pedido para o amigo guardar em sua mochila e começou a se enxugar, eu observava a cena como se estivesse em câmera lenta. Acho até que percebeu, pois o vi soltar uma risada abafada que ele deve jurar que não ouvi e nem percebi. — Vocês me jogam na piscina e nem ao menos me oferecem uma toalha para me secar? — falei parecendo estar inconformada.
— Ué, te falei que a gente vinha pra piscina. Não trouxe toalha porque não quis, agora se vira! — disse dando de ombros, tirando sarro de mim, em seguida levando um tapa no ombro dado por , que disse que o amigo não sabe mesmo conquistar uma mulher. Fiquei completamente sem graça, pobre , acha que estava mesmo tentando me conquistar. Ri internamente.

Depois da descontração, me emprestou sua toalha, que já estava mais ou menos seca, pois fazia tempo que ele havia saído da água para se jogar nos braços de sua ruiva. Agradeci e fomos caminhando para o carro. forrou o banco da frente com um saco plástico que apanhou no porta-malas.

— Ei, você tem que colocar isso atrás, eu vou atrás, esqueceu? — falei sem entender porque ele estava forrando o banco da frente e não o de trás.
— É que eu vou descer primeiro! — respondeu.
— Dãããããã! — disse fazendo uma cara engraçada para mim.

Sentei ao seu lado e seu amigo foi para o banco de trás, conversamos bastante durante o percurso, bem diferente de quando estávamos indo. Eu me sentia mais à vontade ao perceber que não sabia o que se passava. Paramos em frente a uma casa realmente grande, deixei escapar um “wooow”, fazendo os dois rirem.

— Valeu, deu um tapa no ombro do amigo, abrindo a porta para sair. — Prazer te conhecer, Rachel, espero te ver mais — ele disse bagunçando o meu cabelo e deixando o veículo. Falei um “igualmente” que acho que ele não pôde ouvir, já que bateu a porta na mesma hora. Ficamos observando-o tocar o interfone e só quando entrou prosseguimos.
— Bom, acho que do jeito que você está aí, é melhor eu te deixar direto em casa — sorriu e me olhou rapidamente.
— Tá, você venceu — falei dando de ombros e comecei a encarar a janela.
— Amém, estava mesmo começando a achar que você morava naquela calçada! — ele disse tirando sarro de mim, então dei um leve tapa em seu braço, mas dessa vez estava me sentindo à vontade e não fiquei sem graça.
— Ok, quando eu te disse que não precisava ficar com vergonha ao me bater, não estava dizendo que você tinha passe livre pra fazer isso o tempo todo! — fez uma cara bastante séria, deixando-me super envergonhada, querendo abrir a porta do carro e me jogar. Respirei aliviada quando o vi abrir novamente um sorriso. — Estou brincando. Pode abusar de mim — fez cara de cachorro abandonado e depois voltou a atenção para a direção que ia. Dei-lhe as coordenadas para chegar ao meu apartamento e o chamei para subir. Não me perguntem onde eu estava com a cabeça pra fazer isso.

Ao entrarmos no apartamento, tinha deixado realmente tudo brilhando e vi olhar estatelado, em seguida ele elogiou a organização e disse que eu sou o inverso dele.
— Não, não sou o seu inverso, sou muito bagunceira também. Acontece que divido o apartamento com uma amiga que é fanática por limpeza, quando ela decide limpar tudo, fica assim, brilhando — sorri e ele me olhou confuso.
— Ela é, hum... também? — achei fofo o seu receio em pronunciar “prostituta”.
— Não, ela tem uma vida normal — sorri fraco, desejando por alguns segundos estar no lugar dela.

pareceu ignorar o que eu disse e se dirigiu para uma mesinha perto da televisão, onde e eu colocamos alguns porta-retratos.

— Essa é ela? — ele disse me mostrando uma foto de uma moça loira, com o rosto de boneca, de braços abertos na frente do mar e os cabelos ao vento.
— Sim, chama-se . Dividimos apartamento há dois anos.
— Nossa, como ela é linda — ele falou olhando ainda para o retrato.
— É sim, pessoalmente é mais ainda — sorri e me virei para ir para o meu quarto me trocar.
— Rachel — ouvi chamar ao me ver afastando.
— Oi? — virei rapidamente e o vi segurando uma foto que eu realmente odeio, mas a insiste em deixar ali.
— Quantos anos você tinha aqui? — ele disse fazendo a cara mais marota que eu já o havia visto fazer.
— Er, acho que 17... não sei bem! Odeio essa foto — falei já tentando arrancar o porta-retrato de sua mão, ele o segurava com força e tentava me empurrar.
— Ah não, sai. Você tá muito engraçada aqui — começou a rir e eu fiz cara de emburrada, dando-lhe as costas e indo para o meu quarto.
— Com licença, . Vou tomar banho porque tenho o que fazer! — falei abanando o ar, arrancando risos dele, eu estava rindo também. — Pode ficar à vontade, ligar a TV, sei lá — Falei gritando já de dentro do quarto. Ouvi-o gritando de volta, dizendo que me dava carona.

Estava encharcada, tirei peça por peça e entrei no chuveiro. Depois sequei os cabelos com secador e me vesti. Fiz a maquiagem morrendo de preguiça, aquele banho de piscina realmente me deixou cansada. Saí do quarto e quando cheguei à sala avistei dormindo como um bebê, estirado no sofá e a televisão ligada. Lembrei de que e eu costumamos dormir muito ali também e sorri baixo. Fiquei realmente com pena de acordá-lo, então apenas fiz um bilhete e deixei na mesinha de centro. Tranquei a porta e voltei para a minha velha rotina. Senti-me completamente estranha quando cheguei à calçada, estava me deixando mal acostumada com seus passeios divertidos e o jeito terno que me tratava: como uma pessoa normal. Quando o primeiro cliente chegou senti como se um peso estivesse em minhas costas, mas entrei no carro do mesmo jeito. Foi mais um daqueles programas. Sexo, sexo e sexo. Depois ele me deixou de volta na calçada e como ainda estava cedo, esperei outro carro parar. A mesma coisa foi com esse cliente, minhas pernas pareciam lutar contra mim. A única coisa boa e diferente foi que enquanto eles estavam concentrados entre as minhas pernas, eu estava com a mente completamente longe dali. Só lembrava daquele lindo homem deitado no sofá da sala. Era como se eu estivesse dormente, nem sentisse ninguém em cima de mim. Depois parei para pensar em como a simples respiração de no meu ouvido no dia anterior me dava mil vezes mais prazer do que as relações sexuais propriamente ditas que eu estava tendo. Então fui deixada na calçada novamente e fiz o velho caminho de casa. Dessa vez com um sorriso no rosto, sabia que chegaria lá e encontraria aquele cara que parecia ter saído diretamente de um catálogo de moda e estava saindo comigo. Não “saindo” no sentido literal da palavra, mas me fazendo companhia. Subi as escadas correndo e abri a porta, notei que não havia mais ninguém no sofá, mas que a TV continuava ligada. Tranquei a porta novamente e pude observar a luz da cozinha acesa. Quando cheguei até lá, vi de costas, apenas de bermuda, parecendo assistir um filme dentro da geladeira.

— Achou a programação desejada? — falei chegando por trás dele e percebendo o susto que levou.
— Ra... Rachel! Que susto! Desculpa aí a folga, mas é que eu acordei com fome e você ainda me deixa trancado aqui!
— Relaxa, sem problemas, fizemos compras semana passada. Eu ficaria desconsertada se tivesse tudo vazio! — falei tentando aliviar a tensão, ele estava completamente tímido, o que é um milagre, porque sempre é ele quem me deixa assim.
— Como foi hoje? O trabalho? — ele disse pegando presunto e queijo de dentro da geladeira e colocando na mesa.
— Ah, tive dois clientes e estou exausta. O mesmo de sempre, acho — sorri com cara de derrotada e ele balançou a cabeça, acho que com pena de mim. — Vou tomar outro banho, estou me sentindo imunda! — virei-me para deixar a cozinha.
— Rachel, posso fazer um sanduíche? — ele disse já com uma mão no pão e a outra no presunto. Ri da cena e assenti. Voltei-me para onde estava indo, entrei no quarto e fui ao banheiro tomar banho. É incrível como mesmo com um tempo significativo de “trabalho” eu ainda me sinta nojenta toda vez que chegava em casa. Como se tivesse sido estuprada, exatamente como no dia após aquela maldita festa quando tinha 16 anos.

Saí do banho e apanhei um baby doll que tem o short realmente curto, então fiquei com vergonha de aparecer daquele jeito para e peguei um roupão, colocando-o por cima. Pentei os cabelos e saí do quarto. Notei que ele ainda estava na cozinha, e fui até lá.

— Olha só, preparei um pra você também! — disse sorrindo vitorioso. Acho que aquele sanduíche era o maior de todos existentes no mundo. Certamente ele tirou de tudo um pouco que tinha na geladeira e colocou ali dentro. Não pude me segurar e soltei uma risada. — Que foi? Não quer? — ele fez bico.
— Quero! Não é isso, criança mimada. 'Tô rindo da altura desse pão! — falei pegando o meu e agradecendo, chamando-o para ir à sala.
— Sua amiga não vai se importar de chegar aqui e me ver? — ele disse passando pela porta da cozinha.
— Nááá, ela vai passar o fim de semana com os pais — dei de ombros continuando o percurso. Ouvi-o dizer algo como “que bom” e rir aliviado.
— Por que você está com esse roupão? — gelei ao ouvir isso sentando no chão e encostando as costas na parte de baixo do sofá.
— Hã? — fingi não entender.
— Não se podem esconder tão belas pernas! — ele disse sentando ao meu lado e fazendo uma cara de tarado, em seguida dando risada, fazendo-me corar idiotamente. Apenas lhe dei uma cotovelada. — Outch! Você é meio violenta... Então, antes de você chegar vi que ia passar um filme antigo de comédia nesse canal.
— Sério? Qual? — perguntei bastante interessada e me preparando para dar a primeira mordida no sanduíche.
— “Curtindo a vida adoidado”, esse é bom! — ele disse já com a boca um pouco cheia e sorrindo, entendi na hora, ele quis dizer que “E o vento levou” não é bom. O que esse cara tem na cabeça?

Engatamos uma discussão sobre filmes, discordamos na maioria e se concordamos em dois foi muito. Aquele sanduíche estava realmente apetitoso; além de perfeito ele ainda sabe preparar comida? Tem como não se encantar por um homem desses?

Já estava chegando a hora do filme começar, peguei os pratos e copos sujos e levei à cozinha. Empilhei na pia e me voltei para a geladeira. Tinham dois potes de sorvete no congelador, escolhi o de pistache e voltei para a sala com o pote e duas colheres. Quando cheguei, já estava sentado no sofá, com os braços abertos se apoiando e as pernas apoiadas na mesinha de centro. Pedi licença para poder passar por ali e sentei-me ao seu lado, dei uma colher e ele mesmo abriu o pote, sacudindo o meu ombro e dizendo que adivinhei o seu sabor de sorvete favorito. Começamos a tomar sorvete, ele segurando o pote e eu indo com a colher lá, então iniciamos uma nova conversa.

— Você é de Londres mesmo? — perguntou olhando-me passar a colher pegando uma quantidade de sorvete e tentando me impedir com a sua colher, dando risada.
— Não. Vim de Bolton com 16 anos — falei normalmente colocando a colher na boca e fazendo careta pra ele, insinuando que venci e consegui pegar sorvete. Ele arregalou os olhos.
— Você tá me zoando? — por que eu o zoaria quanto a isso?
— Não?! — olhei confusa e peguei mais um pouco de sorvete.
— Eu também sou de Bolton! Só que me mudei pra cá com 12 anos! — agora quem o olhou surpresa fui eu.

Falamos das escolas em que estudávamos, dos lugares em comum que frequentamos, mas nunca nos vimos, e falamos nomes de pessoas que conhecíamos, amigos mesmo, para ver se tínhamos alguém que conhecesse os dois. Chegamos à conclusão de que não conhecíamos ninguém em comum e desistimos de tentar falar nomes de amigos.

O filme finalmente começou, o sorvete já estava pela metade. Sentei por cima da perna e ajeitei uma almofada na altura da cabeça para poder encostar e assistir TV ao mesmo tempo. , por sua vez, apenas tirou as pernas da mesinha e se acomodou colocando uma almofada atrás da cabeça. Aquele filme é realmente bom. Ríamos descontroladamente. Diferente das outras vezes, ele prestou atenção no filme e não me encheu muito a paciência, só quando, algumas vezes, eu ia tirar sorvete e ele puxava o pote para que eu não conseguisse. Para falar a verdade, eu estava desejando profundamente que ele tentasse me incomodar e respirasse perto do meu ouvido de novo, ele está mesmo me deixando mal acostumada.

O filme acabou e ele se ofereceu para deixar o pote vazio na cozinha e lavar as colheres. Estava bastante acomodada e apenas assenti. Depois que ele fez tudo, apanhou a camisa que estava jogada na poltrona ao lado do sofá e vestiu.
— São duas da madrugada! — falou olhando atentamente o relógio.
— Já? Caramba, passou rápido — falei espantada e ele concordou.
— Bom, então já vou — falou indo em direção à porta.

Levantei-me e o segui. Quando estávamos na porta, ele já pelo lado de fora e eu segurando a porta, voltou a falar.

— Ligo-te ou venho aqui amanhã. Descansa, você tá começando a ficar com olheiras — sorriu com ternura e piscou para mim, em seguida me deu um beijo na testa, que me deixou em transe. Quando acordei, ele já estava descendo as escadas. O observei descer cada degrau e me peguei sorrindo para o nada, mais uma noite feliz tinha acabado.

Capítulo 4


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— AAIIII JÁ VAAAI! — falei como se o celular fosse parar de tocar pelo grito que tinha dado. Olhei o visor antes de atender e era , claro, no meu número pessoal. Deitei no sofá e atendi. — Ooooi sua vaquinha! Estou sentindo a sua falta aqui!
Nossa , alô pra você também! — ouvi-a rir. — Sabia que você estava sentindo a minha falta, afinal esse apartamento sem mim é nada.
— Convencida você, né? — ri. — Como está aí com seus pais? Nossa, parece até que estamos a milhas distantes!
Pensei a mesma coisa! Então, tá... você sabe... bom. — ouvi-a bufar.
— Que foi? Algo errado?
Ah, nada demais, é só que... meuexnamoradoestáaquieeutocomnojo. falou tão rápido e baixo que não entendi a última frase.
— O QUÊ? Amiga, aprenda a falar e me ligue, beijos — ouvi-a dar uma risada de reprovação.
Ai, tá. Meu ex-namorado está aqui e eu estou com nojo disso.
— Q-q-q-q-quê... Como? O que o Ryan está fazendo aí? — perguntei incrédula.

odeia Ryan com todas as forças e, bem, eu também o odeio. Acontece que sua família é muito próxima da dela, então um casamento dos dois seria como uma realização para eles. E ela tentou fazer dar certo, sou prova disso. Eles namoraram por seis meses no ano passado, claro, empurrados pelas suas respectivas mães. Ryan sempre se insinuava para ela, mas ela sabia que era madura demais para ele. Em um momento de carência e solidão, resolveu dar-lhe uma chance. E então ele estragou tudo, depois de quatro meses, ele começou a traí-la com a própria prima, e só descobriu dois meses depois. Foi o fim de namoro mais louco que eu já vi, com direito a tapa no rosto e tamancada na cabeça. Não que ela o amasse, mas ficou inconformada por ter tentado fazer algo que ela tinha certeza que não daria certo. Sentiu-se enganada. É perfeitamente compreensível. Ele também não é o tipo de pessoa mais agradável de se conviver. É completamente metido e antipático, acreditam que nos seis meses que estiveram juntos ele nem me cumprimentava? Mas ok, voltando ao raciocínio. contou tudo o que havia ocorrido para a sua mãe e seu pai, sobre o fim do namoro. Eles pareceram entender e pararam de chamar os pais de Ryan e ele para irem lá enquanto ela estivesse presente. Só que agora, depois de praticamente um ano que eles terminaram, Ryan tinha ido à sua casa.

Eu ainda não entendi, estou tão surpresa quanto você. Acordei, levantei, sorri para o dia, mas quando desci o vi todo folgado sentado na borda da piscina. Quando ele me viu ainda fez questão de acenar. Argh!
— Que cínico! E sua mãe? Seu pai? Não acredito que eles estão compactuando!
Tudo indica que sim, cara . Minha mãe acabou de gritar para eu descer para almoçar com eles. Ainda fez questão de gritar em alto e bom som que Ryan estava sozinho, precisava de companhia para conversar. Ah ele que converse com o #@$% dele! — ouvi-a bufar novamente e não consegui controlar um sorriso. Pobre . — Mas agora vamos falar de algo agradável e, ao que tudo indica, bonito, charmoso e sexy... ao contrário desse orangotango imbecil!
— Hein? Bebeu? — fingi não entender, ouvindo-a gargalhar em seguida.
... — ela suspirou. — Oh, ! — cantarolou essa última parte como uma perfeita tola, então bufei, ouvindo-a rir alto. — Quero saber detalhes de ontem! Não pense que esqueci que vocês dois saíram juntinhos e felizes!
— Tem certeza que quer que eu conte isso por telefone? Não vai ficar caro pra você? — tentei desconversar. — E também, nem fomos somente os dois, um amigo estava junto.
Ah, meus pais que se comprometem em pagar a conta do meu celular... e depois disso que aprontaram, eu quero mais é torrar o dinheiro deles. Quero que se danem! — ela bufou novamente. — Mas saindo do esgoto e voltando ao jardim... Que história é essa?
— Ai cara, você vai mesmo me fazer contar por aqui? — nem sei por que perguntei, a resposta era óbvia.
Lógico, . Só volto praí amanhã à noite. Você não acha que eu vou aguentar até lá, acha? NÃO VOU DESCER, MÃE, ESTOU COM PROBLEMAS. — ela gritou a última parte ainda no telefone, fazendo-me afastar o aparelho do ouvido. — Desculpe. Prosseguindo... Vamos, conte-me antes que eu enlouqueça de curiosidade. Já basta enlouquecer pela raiva que estou daqueles dois velhos!
— 'Tá, 'tá, 'tá sua curiosa. Saco! — respirei fundo, estava com preguiça de contar tudo. Mas resolvi fazer isso para evitar uma futura gritaria amanhã. — Bom, ele estava com um amigo no carro... chama-se Thomas. Fomos apresentados e eu fiquei morrendo de medo dele ter contado ao amigo que eu sou garota de programa, mas pra minha felicidade ele não o fez.
Têm de ser fabricadas mais cópias dele no mundo! — ela disse num tom de voz inconformado, fazendo-me rir. — Mas então, prossiga.
— Bem, chegamos ao clube e o amigo dele encontrou uma garota que tinha combinado de encontrar lá. — me interrompeu.
Droga! Já estava começando a me animar com a idéia de ele ter um amigo. Vai que o amigo é bonito como você diz que ele é e gentil como o ? — ouvi-a suspirar.
— Vai deixar eu continuar ou não? — ouvi-a berrar algo como “SIM, CONTINUA SUA FILHA DA ?#$@”. – Então, ele me comprou uma bebida e depois conversamos coisas sem nexo.
Tipo o quê? Conta aí! Anda sua sem vergonha!
— Ai ai ai, vamos controlar esses xingamentos... Ah, ele disse que eu era diferente do jeito que eu estava, tipo, sem aquela maquiagem pesada e sem aqueles trajes. — falei sentindo-me corar ao lembrar da cena. Também fiquei com medo do que ia falar.
OH MEU DEUS. Por que um desses não cruza o meu caminho? Se bem que... — pausa. — Diferente em que sentido?
— Pelo que eu entendi, ele me achou mais bonita, ou talvez nem ele saiba. Porque falei que achava que tinha mais graça daquele outro jeito, mas não sabia se achava isso por simplesmente me olhar mais no espelho quando estou indo “trabalhar” — ouvi-a falar algo como “você é uma idiota”, ignorei e continuei contando. — E ele disse que com certeza eu pensava assim por isso. — Ouvi-a prender a respiração.
Amiga, ele te cantou. Finalmente, de um jeito estranho, mas te cantou!
— Nááá, não acho! Depois ele desviou o olhar e não pareceu mesmo estar me cantando... — dei um suspiro desanimado, que desejei voltar no tempo para não fazer, porque certamente ouviu.
, você está caidinha por esse cara, não está?
— Quê? Não, você está louca? — desconversei.
Eu percebi só nesse seu suspiro, mas ok, não vou te deixar sem graça. Continua...
— Bom, então depois ele levantou para ir à piscina, chamou-me para mergulhar e eu fiquei com vergonha de ficar só de biquíni ali, menti que ia depois.
Por que você fez isso? Vamos usar seu poder de sedução, garota! — ela riu.
— Também não é assim, e você sabe. Só sei que depois o imbecil e o seu amigo me pegaram de surpresa e me jogaram na piscina! De roupa e tudo!

gargalhou por alguns muitos instantes, mas a ouvi parar de rir subitamente.

— Que foi? — perguntei preocupada.
Estão batendo na droga da porta aqui. Tenho de desligar, mas não pense que você me escapa! Amanhã quando chegar quero saber de tudo! Quer dizer, do resto!
— Tá amiga, pode deixar! Cuide-se, cuidado com o Ryan! — falei em tom de provocação e a ouvi resmungar, chamando-me de várias coisas promíscuas que passavam pela sua cabeça, algumas até que eu nunca havia escutado. Desliguei ainda rindo dela.

Já havia almoçado e estava de bobeira na frente da tv. Passava algum desenho animado. Comecei a lembrar de quando fui com até a porta e ele me disse que ligaria ou me procuraria. Já passava das 2 da tarde e nenhum sinal. Por que eu estava esperando mesmo? Por que eu achava que ele estava realmente se divertindo comigo o tanto que eu me divertia com ele? Afinal aquelas coisas que costumamos fazer deviam ser rotina para ele. Mas para mim são as coisas mais divertidas que eu faço desde os 12 anos de idade. Depois comecei a lembrar do dia em que fomos ver “E o vento levou”, criei mais uma dúvida em mim. Naquele dia pude ver em seus olhos o quanto ele se divertia. Cantarolar com ele uma canção dos Beatles foi como terapia para mim, e pelo que percebi, para ele também. Lembrei então dele me dizer que lembraria de mim toda vez que ouvisse “I Wanna Hold Your Hand”. Balancei a cabeça tentando entender tudo aquilo, mas apenas ignorei os meus pensamentos. Decidi parar de esperar por algum sinal, com certeza devia ter aparecido algo mais interessante para ele fazer. Levantei do sofá e desliguei a tv. Caminhei até o meu quarto e enquanto tirava a roupa para ir ao chuveiro, lembrei da minha pesquisa de história que teria que entregar na segunda. Dei um tapa em minha própria testa e peguei a toalha que estava pendurada atrás da porta. Tomei um banho apressado, vesti uma calça um pouco folgada preta e coloquei uma blusa rosa bebê regata, deixando a alça do sutiã preto amostra. Calcei meu all star preferido, que tinha praticamente a mesma cor da blusinha e peguei uma bolsa. Apanhei algum dinheiro e coloquei em um dos bolsos da bolsa. Em seguida apanhei os meus cadernos e saí trancando a casa.

Peguei um táxi e fui até o shopping, mais precisamente em uma lan house dentro do shopping. Tinha algumas horas sobrando lá. Sentei-me em frente ao computador e coloquei a bolsa na mesa, apoiando os cadernos nas pernas e procurando dicas que o professor havia nos mandado copiar para a montagem do trabalho. Estava completamente sem vontade de fazer aquilo, mas me obriguei mentalmente. Tentava pensar em algum assunto interessante, que tivesse a ver com guerra, mas não me vinha nada em mente. Foi então que lembrei novamente da sessão de cinema com , quando vimos “E o vento levou”. Claro, era perfeito! Ia falar sobre a Guerra Civil Americana! Então como em passe de mágica colhi vários dados e imprimi algumas páginas da internet, agora era só pegar tudo aquilo e dar um toque pessoal à pesquisa. Saí da lan house e enquanto passava pela praça de alimentação decidi parar para tomar um sorvete. Fui até onde estava localizada a máquina de sorvete italiano, pedi o misto e a moça me entregou em questão de segundos. Paguei e sentei à mesa onde havia deixado os meus cadernos. Tomava o sorvete tranquilamente até que decidi olhar para o lado.

Era ele. Por isso ainda não havia me ligado! Quis me matar quando pensei nisso, eu não tinha o direito de ficar esperando. usava uma camiseta branca e uma bermuda preta, estava com o mesmo gorro que usara no dia em que nos conhecemos, na hora que foi me devolver à calçada. Ri internamente quando lembrei disso. Ele estava com algumas sacolas na mão, devia ter feito muitas compras. Mas o que mais me chamou atenção não foi isso. Foi o fato de ele estar acompanhado. Era uma mulher mais ou menos da minha altura, muito bem vestida, devia ter a minha idade ou mais um pouquinho, talvez. Eles pareciam animados, estava rindo e falando ao mesmo tempo, assim como o vi fazer tantas vezes. Ela apontou uma mesa ali perto para eles ficarem e o vi deixar as sacolas em uma das cadeiras. A mulher sentou-se e tentei fazer uma leitura labial, acho que ela falou algo como “estou te esperando”, não tenho tanta certeza. Ele fez carinho no topo da cabeça dela e se virou, indo em direção a um dos fast foods que se encontravam exatamente na lateral de onde eu estava sentada. fez o pedido e ficou olhando inquieto para os lados, o que me deixou extremamente nervosa. Quando vi que ele talvez olharia para mim, baixei a cabeça e fingi estar estudando, deixando os cabelos caírem sobre a face. Primeiramente, tive a certeza de que ele havia dado as costas e voltado para a mesa com aquela mulher e aí sim voltei a tomar o sorvete, que já nem tinha mais graça, a essa altura.

Eles comiam e conversavam de vez em quando. Vi-o por diversas vezes fazer carinho na nuca dela, e aquilo parecia me agredir por dentro. Decidi levantar, pegar as minhas coisas e sair por um caminho que não me fizesse passar por eles e muito menos que ELE me visse. Então peguei um táxi de volta para casa e durante o caminho ouvi o taxista falar algo como “essa canção é velha, mas parece que foi feita ontem!”, e era a canção, a maldita “I Wanna Hold Your Hand”, e ele ainda fez o favor de aumentar o volume. Eu não sabia por que estava me sentindo daquela forma, tinha a vida dele, isso era tão óbvio, então por que eu apenas não aceitava? Sempre tinha conseguido separar a vida pessoal da profissional. Fazia programas com John há uns três anos e já o vi várias vezes com outras mulheres, ficava até feliz por ele... Por que com não era assim? Se eu nem o conhecia direito? Mas espera, e se ela nem for nada dele? Digo, e se ela for apenas sua amiga? Irmã? Prima? Ah, esquece. Paguei o táxi e desci do carro. Subi as escadas e entrei no apartamento, respirei fundo e deixei as coisas em cima da mesinha de centro. Era informação demais para a minha cabeça. “Te ligo ou venho aqui amanhã.”, essa frase de antes de sair daqui de madrugada parecia martelar a minha mente e o meu corpo. Não, ele não apareceria, ele estava ali, com uma mulher, sorrindo e acariciando a nuca dela. Por que ele viria atrás de mim? Talvez ele estivesse carente quando me procurou, por ter levado um pé na bunda dela e então foi readmitido e resolveu me deixar pra trás. Espera, como me deixar pra trás? Será que eu realmente estive presente em alguma parte de seus pensamentos? Nem que fosse em uma parte provisória? Decidi parar de ouvir a minha mente e desliguei o meu celular profissional. Não queria ver naquele dia. Precisava de um tempo para tentar separar o fato de tê-lo conhecido na calçada e o fato de ele tentar ser gentil comigo de sua vida pessoal. Assim como é Rachel à noite, ele não deve ser a mesma pessoa comigo e, bem, com ela ou com qualquer outra mulher que passe por sua vida sem ser garota de programa.

Aquele que dava risada e tirava sarro de mim devia ser muito diferente quando saía de vista. Talvez eu estivesse me envolvendo com ele, ou quem sabe, com o seu personagem. E isso não é certo. Eu não posso interferir em sua vida e também não posso desejar que ele se importe comigo só porque tivemos três encontros e ele nem ao menos insinuou uma “transa”, talvez eu nem fosse especial para ele... É claro que não sou! Mas só queria conseguir, por alguns instantes, sentir a frieza que costumava habitar meu peito no quesito “relacionamentos”. Não conseguia. havia começado a quebrar o gelo, e quando isso é feito, dificilmente volta a congelar. Peguei uma cerveja na geladeira e acendi um cigarro.

(Coloque a canção para tocar)

E por que eu deveria estar chateada mesmo? Balancei a cabeça e vi o quão infantil eu estava sendo, danificando os meus pulmões por alguém que estava certamente naquele momento dando risadas e trocando beijos com outra pessoa. É ridículo agir assim. Fumei uns três cigarros e consumi três latas de cerveja, estava estirada no sofá da sala quando ouvi alguém bater na porta.

— Rachel?

Era , sim, ele estava lá. Do outro lado da porta, realmente foi me procurar. Mas agora eu não podia vê-lo, estava certamente com cheiro de cigarro em todas as partes do corpo possíveis e não estava muito lúcida. Três latas de cerveja com a barriga vazia não me fazem muito bem, e eu também não sou o maior exemplo de pessoa forte para bebida. Ouvi-o bater com mais força, e me chamar ainda mais alto, apenas me encolhi e tentei até respirar o mínimo que conseguisse, achando mesmo que ele me escutaria respirar. Então a movimentação cessou e respirei aliviada, finalmente tinha desistido. Pude confirmar ouvindo-o pisar com força em cada degrau da escada ali fora. Apanhei o controle da tv e fiquei passeando por vários canais, até parar em um que estava passando um videoclipe do Oasis. “Stop Crying Your Heart Out”, fiquei incrédula, tudo estava contra mim. Apesar de ser fã número um do Oasis, aquela não era a melhor canção para se ouvir quando se está triste. Mesmo assim não consegui mudar de canal, cada verso dali para frente parecia entender o que se passava dentro de mim.

'Cause all of the stars
(Porque todas as estrelas)

Are fading away
(Estão desaparecendo)

Just try not to worry
(Apenas tente não se preocupar)

You'll see them some day
(Você as verá algum dia)

Take what you need
(Pegue o que você precisa)

And be on your way
(E siga seu caminho)

And stop crying your heart out
(E faça seu coração parar de chorar)

Get up
(Levante)

Come on
(Venha)

Why you scared?
(Por que você está assustada?)

You'll never change
(Você nunca mudará)

What's been and gone
(O que aconteceu e o que vai acontecer)”

Capítulo 5


Amanheceu chovendo forte, tive que levantar cedo para ir à aula entregar o meu trabalho de história. Fazia dois, bem, três dias que eu não falava com , já que vê-lo antes de ontem no shopping não contou como encontro. Deixei o celular profissional desligado desde sábado, justamente para não ter que atendê-lo. Sentia raiva de mim mesma por estar chateada com ele, ele tem a vida dele. ELE TEM! Por que eu simplesmente não aceitava? POR QUÊ? E por que ele tem que ser tão infantilmente lindo e charmoso? Por que ele tem que me encantar tanto? Os pensamentos pararam de me incomodar com um forte trovão que me assustou, não sou fã de trovões e relâmpagos, confesso que eles me assustam. Encolhi-me puxando a coberta e tapando a cabeça com o travesseiro.

— Que é isso? Escondendo-se da vida lá fora? — ouvi falar com um tom de voz engraçado abrindo as cortinas do quarto.
— Adianta? — tirei o travesseiro do rosto e a encarei, ainda deitada. — Que horas são? – falei escondendo os olhos da claridade.
— Seis. Levanta logo que hoje o trânsito deve estar horrível, então já sabe. — ela disse caminhando para fora do quarto.

Levantei e fui ao banheiro. Tomei um banho razoavelmente rápido, mas não deixei de aproveitar cada gota que caía do chuveiro, a água estava morna e eu me sentia relaxada. Saí e escovei os dentes, em seguida fui para o quarto e parei mais uma vez na frente do guardarroupa. Nada servia, era só o que eu pensava. Mas acabei pegando uma camiseta de mangas curtas na cor azul clara, era básica, sem nada escrito ou desenhado. Depois peguei uma calça cigarrete preta e coloquei um tênis. Apanhei uma escova e fiquei penteando o cabelo. Por um segundo notei que seu tom castanho parecia estar preto molhado, ri internamente vendo como eu estava incrivelmente idiota naquela manhã. Passei um perfume suave e fui à cozinha. havia preparado dois sanduíches, agradeci-a mentalmente, não estava em condições de preparar nada. Também notei que ela havia feito suco, então peguei um copo e em seguida coloquei uma quantidade pequena. Sentei-me de frente para ela, fazendo companhia e comendo. No dia anterior, fez o que ameaçou no telefone sábado. Pressionou-me a contar tudo. E, bem, na verdade contei o que ela queria saber e ainda mais o que tinha acontecido sábado no shopping. Percebi que ela ficou com um pouco de pena de mim, não é pra menos, eu tinha realmente me iludido. Notei que ela tinha receio de iniciar uma conversa comigo, talvez pensando que eu precisasse de um pouco de espaço, mas mal sabe que o que eu queria mesmo era cortar aquele silêncio, porque nele mais ilusões voltavam a habitar minha mente. Para a minha felicidade, ou não, ela puxou assunto. Não um assunto corriqueiro, como eu desejava, mas ela puxou AQUELE assunto.

— Vai continuar com o celular desligado? — ela respirou fundo. — , isso é infantil! — assustei-me ao perceber que ela estava falando realmente sério, ela não costuma ser assim.
— Ah, talvez seja. Mas não quero mais dar liberdade pra ele, você sabe — baixei o olhar, tentando não encarar os seus olhos verdes profundamente concentrados em mim, com uma expressão de reprovação.
, me escuta. Isso é idiota! E levanta a cabeça que eu odeio falar com você e você não me olhar nos olhos.
Fiz o que ela pediu, extremamente nervosa, aquele olhar dela parecia com o de uma pessoa mais velha colocando você de castigo.
— Mas você já fez isso também! — dei de ombros.
— Fiz, mas eu fiz porque aquele estúpido do Ryan era... Argh... — ela fez uma careta. — Meu namorado! Eu tinha o direito de ignorá-lo, você não tem direito de fazer isso com o porque, porque... — ela me olhou como se pedisse permissão pra continuar, então eu balancei a cabeça afirmando. — Porque você o conheceu na calçada!
estava certa, completamente certa. Mesmo que me doesse ouvir aquilo, ela tinha razão... e eu mesma sabia disso, mas não conseguia aceitar.
— Você tem razão, ele deve estar me achando uma doida.
— Agora vamos, liga esse celular! — ela falou estendendo-o para eu pegar.

Respirei fundo e o fiz. Para a minha surpresa, vi que tinham várias ligações e uma mensagem de voz. Sim, uma mensagem de voz. Meu coração começou a praticamente pular, cheguei até a pensar que a poderia estar ouvindo.

— ANDA! ESCUTA LOGO E VÊ SE PÕE NO VIVA VOZ! — ela praticamente berrava. Mesmo que eu tivesse medo do que ia ouvir, preferi ouvir logo ali com ela do que sozinha. Então o fiz.

“Rachel? Você está bem? É o . Fui aí agora há pouco e quase derrubei a sua porta, depois fui ver se você não estava na calçada, mas também não. Uma moça morena me disse que você não costuma ir aos sábados, estou preocupado. Beijo.”

prendeu a respiração e ficou me olhando com os olhos arregalados. Acho que eu devolvi o mesmo olhar para ela. Ele disse que estava preocupado! ELE DISSE. Então eu estou em algum lugar dos pensamentos desse cara.
A realidade me chamou quando vi a hora no celular sem querer, estava praticamente atrasada, tinha que entregar um trabalho no primeiro horário.

Aquela manhã passou se arrastando, entreguei a pesquisa e o professor parecia entusiasmado, pelo menos isso na minha vida estava correndo bem. Recebi o calendário de provas, seriam na próxima semana. Então peguei alguns materiais com uma colega e fiz cópias, tinha perdido algumas aulas no início do mês e precisaria daquilo para estudar. Quando cheguei em casa, notei que a estava concentrada, fazendo anotações.

— Fazendo anotações na hora do almoço? Você está bem? — falei chegando perto dela e colocando a mão em sua testa insinuando medir sua temperatura.
— Aiii sua idiota! — ela me deu um tapinha na mão. — É que estou vendo se já posso comprar o notebook que estou querendo. Nós precisamos de um computador, convenhamos que ficar indo à lan house é tão... desgastante. — balançou a cabeça e bufou.
— E a que conclusão você chegou? — perguntei interessada. Realmente precisávamos de um computador em casa.
— Bom, vou precisar de você — ela arqueou as sobrancelhas e fez bico.
— Pode contar comigo! Também não aguento mais ficar tendo que sair de casa e gastar dinheiro toda vez que tenho alguma pesquisa.
— Então, feito! — ela disse animada e pulou do sofá para me dar um abraço.

Fomos para a cozinha e preparamos um almoço rápido, depois foi se aprontar para trabalhar. Dirigi-me então para a louça, confesso que mesmo não sendo tão organizada quanto a minha amiga, não suporto ver louça acumulada. Antes de sair, passou para se despedir de mim, dando-me um beijo no topo da cabeça, afinal ela é um pouco, bem, bastante mais alta do que eu. Então a vi me observar por alguns instantes.

— Que foi? Tá me achando bonita, é? — brinquei e joguei um pouco de espuma no nariz dela.
— Ai sua idiota! — ela limpou. — Nada, é só que... — ela parou de me encarar, olhou para baixo e me encarou novamente — você não vai retornar as ligações?
— Hum, acho que não — bufei.
— Bom, faz o que você achar melhor. Mas eu acho que às vezes as pessoas aparecem na nossa vida por algum motivo — ela disse simplesmente e sorriu, saindo em seguida.

“Às vezes” não é sempre. “Às vezes” apareceu na minha vida apenas para me mostrar as coisas boas que nunca pude ter. E só. Espantei os meus pensamentos e continuei lavando a louça. Quando acabei, fui para a frente da TV e ouvi o meu celular tocar. E não, não era o pessoal. Corri para dar tempo de atendê-lo, não sabia onde tinha deixado, mas acabei encontrando-o na cozinha. Respirei fundo. Era ele.

— Alô?
Oi. É você mesmo? Digo, você ainda está viva? — não pude deixar de rir.
— Oi ! — falei engolindo seco. — Tudo bem?
É, indo. E aí? — qual é? Ele me ligou pra ficar de conversinha?
— Acho que estou bem. O que você tem? — dei um tapa na minha própria testa. O QUE ELE TEM? NÃO ME INTERESSA. Ou pelo menos eu não queria que interessasse.
Ah, nada demais, coisas do dia-a-dia. — ele ficou sem falar algum tempo e eu também, ficamos ouvindo as nossas respirações. Aquilo definitivamente era constrangedor.
— Então, você ligou pra que mesmo? — fui grossa? O ouvi dar uma risada abafada e tímida. É, acho que o tratei mal.
O que você vai fazer hoje? Digo, à tarde? — ele poupava as palavras, devia estar com medo de mim. Não tinha nada pra fazer, mas inventei.
— Ah, vou, er, estudar. Tenho prova semana que vem — mentira, só estudo na véspera.
Hum, sei. Aí mesmo?
— É – falei em um tom de voz frio.
Então 'tá. Vou desligar agora, tenho que sair. Bom estudo, procura não se distrair, tipo, sair de casa. Concentre-se! — seu tom de voz não me pareceu derrotado. O que ele tinha em mente? Soltei um riso baixo.
— É, ok, eu acho. Boa saída — ele deu “tchau” e então desligamos. Fiquei encarando o meu celular por algum tempo, não acreditando que ele tinha ligado.

Decidi tomar um banho, muito quente. Ainda chovia muito, e fazia um friozinho, não aquele frio de bater o queixo, mas aconchegante, pra namorar, ver filminho junto embaixo do edredom e coisas do tipo. Falando assim parece até que já tive essa experiência muitas vezes. Pra falar a verdade nunca tive. Quando namorei na adolescência não tinha muito aquela coisa de um ir à casa do outro, dormir juntos ou pelo menos sentar juntos na mesma cama. Quando vim para Londres, já me tornei garota de programa, mas tive alguns “rolinhos” no meio do caminho. Só que era mais para sair juntos, jantar, passear... nada muito íntimo, já que eu evitava sexo nas horas vagas. Então a minha maior experiência em deitar com outra pessoa debaixo do edredom para ver filme foi com a , e como vocês sabem, somos do mesmo sexo e somos amigas. Logo, não é a mesma coisa. Mas pelo menos eu imagino como seria com um homem.

Saí do banho batendo o queixo, apesar de ter dito que não era pra tanto. Sabe como é o contraste. Fiquei com vontade de usar algo confortável e quentinho, então lembrei que a tem vários blusões. Corri para o guardarroupa dela e peguei uma grande blusa branca, que certamente dá duas de mim. Vesti e voltei para o meu quarto. Passei aquele mesmo perfume suave e peguei um edredom na parte própria para isso do meu guarda-roupa. Voltei para a sala, sentei no sofá e me cobri. Comecei a passear pelos canais até parar em um seriado. Estava passando “A Feiticeira”, e como eu sou amante de relíquias da televisão, não pude deixar de assistir. Passava das 3 da tarde quando ouvi tocar a campainha. Bufei e fui abrir. Estava tão concentrada no seriado que nem ao menos passou pela minha cabeça quem podia ser. Tropecei em uma sandália que a deixou jogada perto da porta e quase caí, se não fosse a porta perto de mim para me apoiar, seria um belo tombo. Então comecei a rir de mim mesma e abri a porta assim, sorrindo. Mas esse sorriso não durou muito tempo. Ele se transformou em uma expressão de susto. Era , aquele maldito. Parado ali, na minha frente, com um pote de sorvete na mão e olhando sem receio para as minhas pernas, que estavam de fora, já que eu vestia apenas um blusão. Depois notei que ele se deu conta de que eu percebi a direção de seu olhar e voltou a me encarar.

— Vai me deixar aqui plantado? — ele disse rindo.
Por que o sorriso dele tem que me hipnotizar? Entrei em um transe temporário, mas voltei quando o ouvi tossir, aquela tosse incômoda, como que se esperasse alguma reação minha.
— Er, en-entra — sorri fraco, deixando-o entrar. Então fechei a porta e respirei fundo antes de olhar o que me esperava atrás de mim.
— Olha, trouxe sorvete de pistache pra gente! — ele disse me dando o pote, então fui até a cozinha e peguei duas colheres.
Ele é louco? Um dia frio e ele traz sorvete? Parece idiota, mas esse comportamento estranho me encanta. Fui fazendo o caminho para a sala, mas parei para observá-lo. estava de costas, acho que olhando para a TV. Depois coçou a cabeça, nervoso, e pegou o celular em seu bolso. Pude ouvir claramente o barulhinho que faz quando o celular está sendo desligado. Ele não queria ser incomodado. Queria ficar ali, comigo, sem interrupções. Cheguei a suspirar, mas acho que coloquei a mesma expressão de “nada” no rosto quando ele notou a minha presença. Então disfarcei e continuei andando. Dei a sua colher e sentei, cobri as pernas e coloquei o pote em meu colo. Ele se sentou ao meu lado, notei um certo receio em conversar comigo, tinha noção de tê-lo tratado mal no celular, mas aquele silêncio estava começando a me deixar chateada.

— Não vai falar nada? — perguntei provocando-o, sabia que ia desconsertá-lo. Até que eu estava gostando disso. Eu estava finalmente no controle. Ele me olhou assustado, mas depois esboçou um sorriso.
— Pra que falar se eu posso comer? — falou colocando a colher no pote em meu colo.
— Você pensa que é assim? Eu estou no comando hoje! — falei colocando o pote escondido atrás do braço que estava longe dele. gargalhou, aquela gargalhada gostosa que eu estava sentindo falta.
— E você acha que tem força contra mim? — ele arqueou uma das sobrancelhas e se virou de frente para mim, sorrindo de forma provocativa.
— Não — olhei-o arqueando uma das sobrancelhas também. — Tenho certeza disso — fiquei de frente para ele, deixando escorregar o edredom, então coloquei as duas pernas flexionadas no sofá e ergui o pote. — Vem pegar! — mordi o lábio inferior, é, eu tenho noção de que o estava provocando de duas formas.

Vi-o viajar o olhar das minhas pernas em sua frente, até o pote de sorvete erguido, voltando logo em seguida para as minhas pernas e também mordendo o lábio inferior ao mesmo tempo que esboçava um sorriso provocativo. Confesso que aquilo me deixou louca. Então senti as pernas ficarem bambas quando notei que estava se aproximando, ele apoiou um dos braços nas costas do sofá, para conseguir ficar por cima de mim e pegar o pote, er, teoricamente. Depois com o outro braço, envolveu-me pela cintura, fazendo-me tremer. Senti seu peitoral encostar nas minhas pernas flexionadas e pressionar, como se quisesse me fazer abri-las, encarando-me profundamente. Nunca me senti tão vulnerável estando lúcida, era como se com aquele olhar ele pudesse conseguir tudo o que quisesse, como se apagasse toda e qualquer razão que pensasse em entrar na minha cabeça. Antes que pudesse me dar conta do que estava fazendo, ele já estava entre as minhas pernas, tirou o braço que me envolvia levemente da cintura e levantou, pegando o pote das minhas mãos. Por algum momento achei que ele estivesse apenas brincando, tentei segurar o pote com força, mas quando vi já estava nas mãos dele, que praticamente o arremessou para o outro lado da sala. Senti o meu coração quase gritar, o que estava pretendendo com tudo aquilo? Encontrei a resposta quando o vi tirar a camisa que vestia e arremessar assim como fez com o sorvete. Então ele voltou a me encarar, com os olhos azuis em um tom mais escuro, pude ver o que ele queria só com aquele olhar. Puxei-o pelo pescoço e o acomodei entre as minhas pernas, senti a sua mão passear em minha coxa e depois pressioná-la. Continuei encarando-o e senti os nossos rostos se aproximarem, comecei a sentir a sua respiração ofegante bater em meus lábios. Vi seus olhos encararem a minha boca e fiz o mesmo com ele. Senti um prazer intenso, como se meu corpo estivesse sendo eletrocutado, cravei as minhas unhas em suas costas e ele tirou a mão que estava na minha coxa e a outra que estava apoiada no sofá, colocando as duas em minha cintura, puxando-me com desejo e um pouco de pressa. Ficamos colados, nossos narizes se encostaram. Nossas respirações se encontraram e nossas bocas já não conheciam limites, agora era só fazer acontecer.

— Droga! — sussurrei me afastando subitamente dele. Meu celular começou a tocar. Levantei e corri para a cozinha, onde ele estava, para atendê-lo. Ouvi bufar.

Era John, perguntando se eu poderia acompanhá-lo em um jantar no sábado. Filho da mãe, senti vontade de xingá-lo. Se ele imaginasse o que estragou, desejaria nunca ter nascido. Voltei para a sala cabisbaixa, já havia colocado a camisa e estava agachado juntando o pote de sorvete.

— Vou precisar de um pano, sua amiga não vai gostar de encontrar o piso assim — disse me olhando com um sorriso fraco e apontando para a quantidade de sorvete derramado e derretido fora do pote. Balancei a cabeça afirmando e voltei para a cozinha, peguei um pano e voltei.
— Deixa que eu limpo, . Afinal, quem mora aqui sou eu, você é visita — agachei-me também, ficando ao seu lado.
— Não, que é isso — ele falou me impedindo e puxando o pano da minha mão. — Eu apareci aqui sem pedir e ainda fui o responsável por isso — concentrou-se e começou a limpar.
Senti corar, estava com muita vergonha dele. Mas pensando bem, talvez nem devesse acontecer nada. Deve ter sido coisa do momento, afinal nunca havia me dado sinais de querer mudar as coisas entre nós. Ajudei-o e limpamos tudo. Depois guardei o resto de sorvete no congelador, notei que ele estava sentado, olhando-me. Fingi não perceber e fechei a geladeira, voltando para a pia e lavando as nossas colheres. Aquele silêncio estava assustador. Até que quando estava secando as colheres, ele foi quebrado por um curto tempo. Não como eu queria, mas com uma musiquinha no mínimo irritante, deduzi que ele estava ligando o seu celular novamente. Depois guardei as colheres na gaveta, e enquanto fazia isso, pude ouvi-lo mexer nas teclas do aparelho. Estava com medo de me virar, mas já não tinha nada para inventar, para continuar sem encará-lo ou para não sentir vergonha de falar com ele. Sei que não foi culpa minha o celular ter tocado, mas me sentia dessa forma. Não queria ter estragado aquele momento. Se pudesse voltar atrás, teria feito o mesmo que ele, desligado o celular.
— Você nem estudou, hein? – ele finalmente quebrou o silêncio, e eu acordei de um transe. Virei-me para ele, mas olhei para a mesa, não conseguia mesmo encará-lo.
— É que, bom, eu ia estudar, mas você chegou! — menti e sorri fraco, encontrando os seus olhos me olhando como se quisesse me perguntar outra coisa, e não aquilo. Então ele sorriu mais fraco ainda do que eu e voltou a olhar para o celular em sua mão.
— Tenho que ir — levantou rapidamente, colocando o celular no bolso.
Caminhou em minha direção, fazendo as minhas pernas ficarem trêmulas. Então pegou uma mecha do meu cabelo e colocou atrás da minha orelha, senti meu rosto ficando roxo, de tão vermelho que deveria estar. Em seguida beijou a minha testa. Não foi um beijo tão terno como o primeiro — na testa — que ele me deu. Foi diferente, foi intenso. Acho que ele depositou todo o desejo que deveria estar sentindo ali. E pensar que ele poderia ter feito isso me beijando no lugar certo: na boca.
— Me leva até a porta? — disse logo depois de cessar o beijo e tirar a mão que se encontrava ainda naquela mecha, sorrindo pelo canto da boca. Ele estava tão sem graça quanto eu. Apenas assenti e fui atrás dele. Quando chegamos lá, fiquei segurando a porta entreaberta e vendo-o sair. Antes de descer o primeiro degrau, ele se virou e nossos olhares se encontraram novamente. Ficamos ali, daquele jeito, por pelo menos 50 segundos. Até ouvirmos um barulho de uma porta sendo batida com força, então ele sorriu e piscou pra mim. Sorri de volta, com o coração cada vez mais acelerado. Segui-o com os olhos até sumir de vista e fechei a porta.

O que aconteceu realmente? É o que a minha cabeça não cansa de perguntar. Voltei para o sofá e me cobri, deitando em seguida. Olhei para a televisão, mas nem vi o que estava passando, meus pensamentos estavam me entretendo mais. Por que agimos daquela forma? Por que tive que seduzi-lo? Mas ei, ele também me seduziu. Ele sabia onde tudo aquilo podia levar. Não somos mais crianças para fazer as coisas inconscientemente. Acho que fiquei daquele jeito pelo resto da tarde, apenas encarando o teto e tentando encontrar respostas perdidas em algum lugar no tempo. Quando dei por mim, já estava chegando em casa, seu expediente havia terminado. Ela andou até onde estava e ficou me observando com uma cara engraçada.

— 25 centavos por cada pensamento seu! — ela riu.
— Você ficaria bilionária — dei uma risada abafada e a olhei.
— Tudo bem?
— Não sei — desviei o olhar para a TV.
— Ah meu bom Deus do céu. O que houve agora? – ela me olhava preocupada, em seguida sentou-se na poltrona.
— O de sempre – encarei o edredom.
? — apenas assenti. — Sabe o que eu acho? Que vocês dois deviam se agarrar logo e deixar de frescura, principalmente você — ela riu. Cocei a cabeça nervosa e ela percebeu. — AH MEU DEUS, AH MEU DEUS. O que que... — parou de falar e arregalou os olhos, levando uma das mãos à boca.
— Não. Não transamos, mas posso dizer que — gesticulei aspas para o ar — ... nos agarramos — se a expressão dela era de surpresa, agora ela já estava com um sorriso provocativo.
— Finalmente! Tava começando a duvidar dos seus dotes conquistadores! — bateu palminhas e depois parou para refletir, voltando a falar. — Então por que você tá assim? Paradona?
— Nos agarramos, mas não nos beijamos, entende? — ela me olhou confusa.
— Não? — coçou a cabeça. — Como isso seria possível?

Contei parte por parte, ela me xingou — como costuma fazer sempre que cometo burrada — dizendo que já que percebi que ele havia desligado o celular, devia ter feito o mesmo. Ele deu uma grande pista, mesmo que inconscientemente de que planejava passar um pouquinho dos limites comigo. Senti-me tão idiota ao ouvir a falar isso calmamente, por que eu não tinha pensado nisso, mesmo? Para a minha felicidade, ela engatou outro assunto, e ficamos conversando sobre o seu trabalho.

Capítulo 6


(Colocar para carregar: Busted - Brown Eyed Girl)

Quatro dias se passaram desde aquele episódio. Naquela segunda-feira, não fui à calçada, estava com muita preguiça de deixar o edredom, e também estava garoando. Fui todos os outros dias, não apareceu lá e muito menos ligou. Aquilo me magoava, porque toda vez que lembrava de suas mãos em mim, sentia flutuar. Sentir a sua respiração tocar os lábios foi uma das melhores sensações que tive nos últimos anos.
Desejar aquele homem estava virando hobby. Então por que pra ele não foi assim? Ele devia estar com raiva de mim, ou nojo, ou viu que era errado se envolver com uma prostituta. Se envolver? Por que eu estou dizendo que ele deveria estar envolvido? Por que eu jogo o que eu estou sentindo para ele? Sou uma tola, por isso me iludo e sempre espero o que não vou ter. Pelo menos tive uma notícia boa hoje pela manhã. Tirei a nota máxima na pesquisa de história. E lembrei que tive a ideia de pesquisar sobre a Guerra Civil Americana por ter assistido “E o Vento Levou” com ele: .

Essa sexta-feira não estava sendo feliz como a da semana passada. Na semana passada, uma hora dessas, eu estava no clube com ele e seu amigo . Já devia estar dentro da piscina, brincando com ele. Então uma semana depois estou aqui, na janela do meu quarto, observando a cidade, os carros passarem e me sentindo estranha, como se faltasse alguma coisa. E eu sei bem o que está faltando. Mesmo sem ter muito contato físico com , a sua presença já vale por mil abraços. Não vou mentir, a sua companhia se tornou quase um vício, mesmo o conhecendo há relativamente pouco tempo. Cansei daquela vista e fui até o som, que fica perto da minha cama. Peguei o porta-CD e vocês já sabem qual escolhi. Os meus terapeutas. Os irmãos Gallagher sempre têm o que dizer sobre o que eu estou passando. Sentei-me perto do som e apoiei a cabeça na cama, sentindo cada palavra da canção “Don’t Go Away”. Uma lágrima teimosa escapou quando lembrei o dia do cinema, depois do dia no clube, em seguida cantar com ele e por último ele sorrindo e acariciando aquela mulher no shopping. definitivamente me tratava como uma pessoa normal, ele conseguia me tirar da dura realidade e quase me fazer voar. Nunca senti isso, nunca. Tenho certeza de que ele nem ao menos imagina como me faz sentir. Eu devia ser apenas mais uma forma de ele poder se distrair. Mas não consigo entender por que me procurou de novo. Ele tem uma vida boa, eu acho. Quem ficou marcada e surpresa com tudo aquilo que ele fez fui eu, que nunca tive muitos momentos de felicidade. Então o que eu tinha para oferecer? Nada, absolutamente nada.

Continuei ouvindo a canção e lembrando mais momentos, agora não havia só uma lágrima teimosa, mas várias, e faziam rebelião. Além de , voltei a me lembrar de Bolton, de tudo o que aconteceu antes de vir pra cá. Como estavam os meus pais? Eu sei que eles não merecem que eu me preocupe, mas querendo ou não foram 16 anos vivendo naquela casa. Desde que saí de lá não ouvi falar mais nada. Não faço ideia de como eles estão vivendo, se ainda moram no mesmo lugar, se estão bem, mal, vivos ou mortos. Depois me lembrei daquele velhinho, o Leopold, do caminhão. Será que ele conseguiu rever os filhos? Será que ainda estava trabalhando? Queria ter a chance de reencontrá-lo, de reencontrar Carol e seus pais e até mesmo os meus pais. Reencontrar . É, estou mesmo cheia de problemas.

Enxuguei as lágrimas e decidi fazer algo para me distrair, então peguei a minha bolsa e lembrei do meu lugar favorito em Londres: a London Eye. Aquela roda literalmente gigante já serviu de refúgio tantas vezes, me faz bem ir lá. Saí de casa e peguei um táxi, antes de sair deixei um bilhete para , caso não chegasse em casa a tempo. Quando fui me aproximando, já notava que um sorriso tentava se instalar em minha face, apenas deixei que ele se mostrasse. É impossível lembrar de problemas olhando aquela roda-gigante. Paguei e desci, andei olhando fixamente, havia muitos turistas por ali. Todos felizes e tirando fotos e mais fotos. Notei uma movimentação estranha, umas garotas histéricas dando pulinhos e preparando papéis e canetas. Foi então que uma esbarrou em mim, quase me jogando no chão. — Desculpe — ela disse cordialmente, mas estava ofegante e apressada. — É que o , do McFly, está aí!
E deu um pulinho, gritando em seguida e correndo para perto dele. Apenas fiquei olhando aquela situação e rindo para mim mesma. McQuem? Não me chamem de antiquada ou por fora, mas é que não me ligo muito na música atual, nem na TV atual e nem em nada atual. Acho que já deu pra perceber. Ah claro, esse McFly tocou por meses no som da , todos os dias. Gostei de uma música sobre uma garota que tinha cinco cores no cabelo, mas nunca prestei muita atenção nas outras.

Continuei o percurso, cada vez me aproximava mais da roda-gigante, não pude deixar de admirar. Mesmo conhecendo há muito tempo, sempre dá uma sensação boa se ver tão pequeno perto dela. Esperei um bom tempo para que sobrasse uma cabine, até que depois de uns 40 minutos consegui uma vaga. À medida que ia subindo, eu ia conseguindo pensar mais em tudo. Talvez a minha vida nem fosse tão ruim quanto eu talvez goste de acreditar. Digo, podia estar pior. Eu podia estar em Bolton, perto dos meus pais me infernizando, tenho certeza que se eu trabalhasse lá todo o dinheiro que ganhasse seria para sustentá-los. Não teria conhecido a e muito menos conhecido o que é viver. E o principal: não estaria vendo a bela cidade de Londres no topo de uma roda-gigante. É, eu sou uma pessoa feliz, em partes. É como diz naquela canção: “sou pequena e o mundo é grande”. Quantas pessoas fariam de tudo para ter uma vida parecida com a minha, tirando a parte de ser prostituta.

Depois de alguns minutos, foi a hora de descer. Parecia estar mais leve, olhar cada pedaço de Londres em miniatura sempre me faz bem. Sinto-me como se de alguma forma pudesse controlar tudo, ver tudo e sentir tudo. Quando desci ouvi mais gritarias de menininhas atrás de mim, o tal devia estar em uma das cabines e devia estar descendo nesse momento. Coloquei as mãos nos bolsos e saí de lá. Caminhei um bom tempo pela avenida ao lado. Estava precisando disso. Parei para comprar cachorro-quente, faz tempo que não sinto esse gostinho de alimento da rua. E isso é engraçado. Vi vários pais comprando bexigas para os filhos adiante, e notei o quanto essas imagens mexem comigo. Eu quero constituir família um dia. Mesmo que esse sonho demore muito tempo para se realizar. Quero ter um cara que me ame, que me faça sentir a pessoa mais feliz do mundo. Quero acordar todos os dias com a mesma pessoa, ter um bom emprego, estar formada em um bom curso. Olhar para trás e ver que tudo isso o que eu estou passando é passado, cinza e eu espero que bem distante. Casar, ver a e o homem que ela ama ao meu lado no altar. Engravidar, poder dar essa notícia aos que eu mais gosto, ter meus filhos e vê-los correndo enquanto leio um bom livro ao lado do homem que eu amo, isto é, vou amar. É, mas isso parece estar tão longe de acontecer para mim. Acho até que talvez não aconteça. Na maioria das vezes que paro para pensar no futuro, me imagino quarentona, talvez com algum sucesso profissional e sozinha, sempre sozinha. Não tive um exemplo de família em casa, e acho que é até estranho para quem nunca sentiu isso desejar sentir. Acordei de meus devaneios e já tinha acabado de comer o cachorro-quente. Andei tanto, acho que nem senti os pés. Então peguei um táxi. Enquanto estava lá dentro, olhei para o relógio, que marcava exatamente 6 da tarde. A mesma hora que marcava no relógio de há uma semana, no clube. Balancei a cabeça e sorri fraco. Eu sou mesmo uma idiota.

Cheguei em casa e a já estava lá, mas estava em seu quarto. Fui procurá-la.
— Noooossa, toda cheirosa! Vai pra onde amiga? — falei entrando no quarto e vendo-a indecisa entre várias peças de roupa jogadas na cama, vestida apenas de calcinha e sutiã, com o cabelo preso em coque. Ela se virou para mim e sorriu.
— Vou sair com o pessoal da faculdade. Quer ir?
— Não — usei um tom desanimado. — Você sabe, tenho que trabalhar.
— Esse ou esse? — ela falou pegando dois vestidos e segurando um em cada mão. O que estava na mão direita era um pouco curto e vermelho. Esporte fino. Já o outro era preto e tomara que caia.
— Esse! — falei apontando para o vermelho.
— É, também gostei mais desse — deixou o outro vestido na cama e enquanto vestia o escolhido, voltou a falar. — London Eye? Você tinha um encontro lá? — perguntou se olhando no espelho.
Fui até a cama e comecei a dobrar as outras peças que ela havia deixado esparramadas.
— Quem dera! — ri fraco. — Fui só espairecer — falei fazendo um movimento exagerado com os braços, fazendo-a rir.
— E conseguiu? — indagou se olhando de costas no espelho.
— É, acho que sim. Cheguei à conclusão de que a minha vida não é tão ruim — falei me dirigindo ao guardarroupas, guardando peça por peça.
— Claro que não. E vê se deixa pra ir à London Eye de novo quando eu estiver em casa, poxa! — fez bico.
— Oh céus, coitadinha de você! 'Tá bom! – massageei os ombros dela. — Por que você está tensa?
— Você ainda pergunta? — fez cara de inconformada. — Cada dia tentam arrancar mais a minha pele naquele escritório.
— Bom, então se diverte bastante hoje, volta relaxada! — sorri e fui até a porta.
? — chamou-me antes que eu saísse.
— Diga — virei-me já segurando a porta.
— Scarpin ou sandália?
— Definitivamente scarpin! – ri e agradeceu.

Saí do quarto dela e fui para o meu. Estava completamente aérea, quando ouvi meu celular tocar. Abri a bolsa e o peguei, deitando na cama para atender.

— Oi.
Rachel?
— Oi John — revirei os olhos.
Eu gosto dele, é muito legal e carinhoso comigo, quando me pega pra fazer programa. Mas o problema é que quando decide ficar no pé, liga praticamente a semana inteira pra falar nada com nada. E ele decidiu encher logo essa semana, de terça-feira até hoje, ligou todos os dias, no mesmo horário.
Oi! Tudo bem?
— Er, tudo. E você? – olhei para o lado e vi aquele maldito balde de pipoca, bufei.
Tudo bem, mas você tem certeza que está bem? Acho que te ouvi bufar! — dã.
— Ah, impressão sua — tentei parecer normal.
Você vai pra calçada hoje?
— E eu tenho escolha? — ri ironicamente, ele riu também. — Por quê?
É só que eu queria te chamar pra jantar. — ah não, definitivamente NÃO. Já vamos jantar juntos no sábado, pra quê isso?
— Ahm — pensei em alguma desculpa. — Não vai dar, John. Tem um cliente marcado pra hoje, ele disse que vai estar me esperando assim que der 8 horas. A gente se vê amanhã, lembra? — rezei para ele acreditar.
Ok, é verdade. Que horas você quer que eu passe pra te pegar amanhã? Lá na calçada? — por que ele estava perguntando agora? Amanhã vai ligar do mesmo jeito e perguntando a mesma coisa!
— Amanhã a gente vê isso, que tal? — falei impaciente.
É, você está certa! Amanhã te ligo pra confirmar! – Você ia fazer isso de qualquer forma, John.

Despedimos-nos e eu desliguei. Fiquei com um pouco de peso na consciência, John tentava ser bonzinho, mas eu queria que entendesse que tudo tem o seu momento. Coitado, ele também não sabe o que se passa na minha vida particular. É, minha culpa de novo. Permaneci deitada com o celular na mão e olhando novamente para aquele balde de pipoca. Um filme passou em minha mente, lembrei perfeitamente daquele dia em que o compramos, quer dizer, que o o comprou. Senti um aperto no peito.

— Estou indo, viu? — apareceu na porta do quarto, me despertando do sonho acordada.
— Ok, se cuida e se diverte por mim! — fiz cara de derrotada e ela riu.
— Você que não quer ir! Chata — deu-me língua.
— Tenho que trabalhar, né, amiga? — arqueei as sobrancelhas. — Você está indo de táxi?
— Não, o Jack está aí embaixo me esperando — sorri como se insinuasse que eles estão juntos e ela me mostrou o dedo do meio. — Deixa eu ir, estou de carona, sabe como é! – ela saiu. Mas não por muito tempo, nem deram 2 segundos e já estava parada na porta de novo.
— Que foi? Esqueceu alguma coisa?
— Sim. Estou bonita? — fez cara de conquistadora barata e eu comecei a rir, em seguida riu também.
— 'Tá perfeita! — sorri cordialmente e ela piscou para mim, mandando beijos e finalmente deixando o apartamento.

Decidi levantar e tomar banho, tinha que ir trabalhar ainda, por mais que isso me desanimasse profundamente toda vez que lembrava. Precisava ficar em casa, sempre estou com preguiça, eu sei, mas fazer o quê? Essa vida cansa também!

Tomei banho com pressa e me troquei da mesma forma. Como já falei antes, quanto mais cedo eu for, mais cedo eu volto. Coloquei um vestido extremamente curto, um pouco rodado e calcei um tamanco razoavelmente alto. Peguei uma bolsa pequena para guardar a chave e saí de casa, fui para a calçada.

Tudo correu normalmente. Para a minha sorte, até que o cara que passou para me pegar não era lá essas feiúras e era bem novo. Devia ter uns 30 anos, no máximo. Tentei curtir aquele programa, estava precisando. Mas aí vocês já imaginam. Não consegui. Continuei sentindo como se fosse um robô, sentia cada toque e cada posição mais mecânicos do que os anteriores. Depois que encerramos tudo, ele me pagou e me devolveu para a calçada. Ainda era cedo, para a minha felicidade o programa não durou muito tempo. Então assim que desci do carro, notei outro, dessa vez familiar, estacionado do outro lado da rua. Não devia ser , eu acho, parecia nem ter ninguém lá dentro. E se fosse ele, do jeito que é maluco, estaria no meu lugar da calçada, que nem fez daquela outra vez. Normalmente, quando eu volto de um programa essa hora, espero por outro. Mas hoje realmente eu precisava voltar pra casa. Abracei-me tentando me aquecer, ventava um pouco mais forte e eu infelizmente não consegui muito resultado. Fui andando e sentia o vento gelado soprar meu rosto e meus cabelos, até que era uma sensação boa. Quando virei a esquina para chegar onde pego o táxi, notei um carro me seguindo. Apressei os passos, para conseguir chegar logo onde queria, estava com medo. Já ouvi falar muitas vezes de prostitutas sendo assaltadas, sequestradas e o diabo a quatro. Graças a Deus nunca aconteceu nada do tipo comigo, a não ser uma vez que percebi estar sendo seguida, mas consegui me esconder a tempo.

Comecei a correr, e quanto mais corria, mais o ouvia acelerar, até que ele passou por mim e parou. Vi a porta sendo aberta, uma sensação de desespero e vontade de gritar pareciam tomar conta de mim, mas depois de alguns segundos pude ver a pessoa que saiu do carro: . Esse idiota não cansa de me surpreender! Ele desceu do carro rindo e eu respirei aliviada, com a mão no coração, sentindo-o saltitar. Então começou a se aproximar e eu fiquei ali, estática.

— Ficou com medo? — começou a rir da minha cara, exatamente como ele sempre faz. Em seguida segurou a minha mão, que devia estar congelada. — Nossa, isso tudo foi medo de eu ser um maníaco?
— Idiota! — falei ainda ofegante, arrancando uma gargalhada dele.
— Tratei logo de mostrar que era eu, fiquei com medo de você estar com algum dos seus amados sprays! — ele colocou as mãos para o céu, como se agradecesse por eu ter esquecido o spray em casa. Comecei a rir.
— Também não é assim. Você me assustou demais aquele dia.
— Te assustei como? Só porque não fiz o que deveria ter feito? — nunca o vi ser tão direto! Senti corar. Depois de falar isso, ele segurou a minha mão com mais força. — Vamos?
— Pra onde? — olhei-o confusa.
— Vou te deixar em casa. Está ficando frio, e desse jeito que você está, vai pegar um resfriado — nem pude responder, quando vi, ele havia acabado de abrir a porta do carro para mim. Entrei e então ele a fechou, depois foi para o seu lugar.

Não cansei de o olhar dirigir. Senti sua falta. Meu coração parecia bater em um ritmo mais confortável. Era como se tivesse pegado o meu coração e o colocado pra descansar. Já devo ter dito isso mil vezes, mas nunca me senti assim antes. Quer dizer, completamente. Senti uma coisa parecida há dois anos, quando estava pegando o metrô para conhecer o apartamento que dividiria com .

não desviou os olhos de seu caminho, acho que mesmo fazendo as piadinhas dele, ainda restava um constrangimento entre a gente. Por tudo que aconteceu na segunda. Mas eu estava feliz, apesar de não termos trocado uma palavra durante o percurso inteiro. Estava realmente feliz. Chegamos em frente ao prédio. Estacionou e eu fiquei encarando o painel do carro. Ele colocou uma mão no volante e com a outra ajeitou o cabelo, me deixando hipnotizada. Em seguida, virou-se para mim. Em menos tempo do que podia imaginar, aqueles olhos azuis já penetravam em minha mente, deixando-me completamente vulnerável e nas nuvens. Ficamos assim, em silêncio. Eu devia estar fazendo a cara mais idiota do mundo. E ele, ah, ele estava terrivelmente lindo, como sempre. O silêncio foi partido quando riu.

— Sei que isso é meio... Cara de pau, mas posso subir com você?

Meus olhos ficaram arregalados e eu fiquei confusa. O que eu responderia? Decidi fazer como o ditado popular e “seguir o coração”. Eu estava sentindo muita falta da companhia daquele cara, a quem eu queria enganar? Meu coração estava dançando de tão feliz por ele estar ali comigo.

— Pode — sorri fraco.

Subimos. Eu subi na frente e por várias vezes o peguei olhando para a minha “parte traseira”, que devia praticamente saltar toda vez que esticava uma perna para mudar de degrau. Toda vez que o pegava, ele ria e abaixava a cabeça, fazendo-me rir também. Entramos no apartamento e eu acendi as luzes. Ele foi direto para a poltrona e ligou a TV.

— Você tá folgado, hein? Já chega ligando a TV! — brinquei, enquanto trancava a porta.
— Eu sei que sou extremamente bem-vindo nesse lugar. E essa TV sentiu a minha falta essa semana, pode falar TV! — disse no seu tom mais brincalhão e soltou um beijinho para a televisão. Fiquei sem graça, ele realmente é bem vindo aqui, mas como pode saber disso? Grr.
— Dããããã! Isso foi muito besta, pior do que os Teletubbies, ! — falei chegando um pouco mais perto e lhe dando um pedala.
Ele se virou e me olhou com uma cara confusa.
— Você não vai tomar banho?
— QUÊ? 'TÁ DIZENDO QUE EU ESTOU FEDENDO? — falei alto e dei um tapa em seu braço.
— Outch! – fez careta e fez carinho no lugar que bati. — Não, nada a ver. É que aquele dia você me disse que toda vez que volta dos programas se sente imunda! Sacou? — ele fez uma cara engraçada, como se esperasse que eu concordasse. Então fiz expressão de surpresa, porque realmente tinha lembrado de ter dito isso. — É, eu devia descontar esse tapa, mas vou deixar por isso.
— Ei, mas como você sabe que eu tive um programa hoje? — perguntei completamente confusa.
— Tenho sangue de detetive, você sabe – deu de ombros. Foi então que lembrei do carro que havia visto. Era realmente ele, ficou só esperando eu voltar para casa para vir junto. Sem vergonha!
— Então você ficou me espionando? Que coisa feia! Esperava mais de você! — falei balançando a cabeça. Ele riu e se levantou da poltrona.
— Se eu fosse você, corria. Também tenho sangue de atleta e te pego rapidinho! — bateu o pé, ameaçando correr atrás de mim. Soltei um grito e corri, ele veio atrás e eu entrei depressa no quarto, fechando a porta e pressionando-a para que não conseguisse entrar, mas ele empurrava com mais força, e eu já a estava perdendo, porque estava rindo demais. Fazer força e gargalhar ao mesmo tempo não combina muito e conseguiu entrar, então corri pro banheiro e consegui me trancar lá dentro.
— VOU TOMAR BANHO, . DESISTA! — falei, quer dizer, berrei em meio a risadas. Ouvi-o gargalhar do outro lado da porta.
— Então vê se quando for se trocar põe um vestidinho tipo esse que você tá! — a altura de suas gargalhadas triplicou e eu continuei rindo, mas sentia as bochechas vermelhas como duas maçãs. QUE SAFADO!

Nem me dei o trabalho de responder, apenas continuei rindo e fui tomar banho. O melhor banho de todos. Acho que o mais demorado também. Passei sabonete e shampoo quase que numa eternidade. Saí e escovei os dentes. Abri a porta do banheiro devagar, enrolada na toalha, para ver se não estava no quarto. Mas não estava, então corri até a porta do quarto e a tranquei, antes que ele fizesse alguma gracinha. Ouvi a sua risada vinda da sala. Não que isso seja uma coisa difícil, já que até quando ri baixo a sua risada é meio indiscreta. Ele devia estar vendo algum programa humorístico. Então coloquei a toalha que estava enrolada em meu corpo na cabeça, para secar os cabelos e abri o guarda-roupa. Aquele velho dilema. O que vestir? Antes que pudesse me decidir, ouvi o celular pessoal tocar. Estava ao lado da minha cama e corri para atender.

— Oi?
?
— Não, Britney Spears! Quem atenderia meu celular, ? — comecei a rir e ela me xingou de alguma coisa. Podia ouvir o som alto do lugar e muitas pessoas conversando.
Nossa, como você é grossa! Já teve melhores dias, minha cara! — rimos e ela continuou. — Liguei pra te avisar que não vou dormir em casa!
— Como não? Vai dormir com o Jack?
Sua *#$%, vai pra casa do $%@#%! Claro que não! Vou pra casa da Julia, ela me chamou e tal! Tudo bem pra você?
— Sei, sei que não é o Jack... você finge que me engana e eu finjo que acredito! — ouvi-a resmungar, chamando-me de mais palavras grandes. — Tem problema não, pode se divertir aí! Tudo pelo seu bom humor de volta! — ela riu e nos despedimos.

Voltei para o guardarroupa. Vesti uma calcinha de renda e optei por um babydoll com um short não muito curto e uma blusinha de alcinha brancos. Tirei a toalha da cabeça e penteei os cabelos, depois passei um perfume, respirei fundo, destranquei a porta e fui para a sala. , que estava assistindo TV, desviou o olhar rapidamente, deixando-me completamente envergonhada. Olhou-me da cabeça aos pés e arqueou as sobrancelhas, dando um sorriso em seguida.

— Melhor do que eu imaginava!
Vocês imaginam bem a cara que um homem faz nessas horas, queria me esconder em um buraco se tivesse oportunidade. Apenas fingi ignorar e sorri pra ele, sentando ao seu lado no sofá.
— O que você está assistindo?
— Não tem olhos? — fez uma cara cínica.
— Que engraçadinho! — falei tomando o controle de sua mão e mudando de canal.
— Eeeeeei, aí é sacanagem! — e puxou o controle de volta. Cruzei os braços e bufei. Ele me olhou e riu. – Você que procura isso e fica querendo dar uma de ofendida!
— EU PROCURO O QUÊ? Você que me cortou, apenas fiquei com o orgulho ferido — olhei para a TV e ele começou a passar a mão no meu cabelo, deixando-me completamente em transe.
— Coitadinha, que mundo cruel! — e colocou a minha cabeça deitada em seu ombro. Pude sentir seu perfume, aquele perfume que me encantou desde a primeira vez que estive com ele. Como senti falta daquele cheiro. Não estava acreditando que permitiu termos esse tipo de proximidade desde, bem, você sabe desde quando. Decidi apenas aproveitar o momento e me ajeitei melhor, senti a mão que estava em minha cabeça descer para o meu ombro. O olhei de relance e percebi que olhava atento para a TV. Fechei os olhos e senti meu corpo relaxar, não teve nada que eu desejasse mais nesses últimos dias do que estar naqueles braços, com AQUELE cara. — Você não vai dormir, né? Não é justo! — falou me acordando do transe e me olhando.
— Não, quer dizer, acho que não — afastei-me, sentando direito, como estava antes e sorri fraco. Ele piscou e voltou o olhar para a TV. — Quer comer?
— Finalmente me ofereceu alguma coisa, estava achando que você era tão mal educada — balançou a cabeça rindo e me fez rir.
— Vou pedir uma pizza! — ele ergueu os braços comemorando.
— Deixa que eu peço, com essa minha voz de macho eles entregam rapidinho. E também você não deve entender nada de cardápios — deu de ombros. Dei um tapa em seu braço.
— Como você é capaz de dizer uma coisa dessas? — olhei-o inconformada, mas sorrindo.
— E como você é capaz de FAZER uma coisa dessas? — falou apontando para onde bati em seu braço.
— Desculpa, desculpa! – falei acariciando seu braço. — Então como prêmio de consolação e como pedido oficial de desculpas deixo você pedir! — sorriu vitorioso e puxou o celular do bolso.
Fiquei o observando, ele parece tão responsável, tão dono da própria vida. Tentei me intrometer e opinar um sabor de pizza, mas me impediu, dizendo que eu ia gostar do que ele pedisse. Dei outro tapa e ele disse que quando desligasse descontaria. E então o fez, mas não me batendo, e sim começando a fazer cócegas.

Ele tem dedos mágicos? Estava quase sem ar de tanto rir, cada vez que ria mais, sentia a intensidade das cócegas aumentar, devia estar acordando a vizinhança toda com aquelas gargalhadas, e ele ainda fazia “shhhh”, idiota! Tentava empurrá-lo, mas não tinha muito resultado. Então fui me rendendo e me inclinando, quando percebi já estava deitada no sofá e por cima de mim, com as mãos quase grudadas nas minhas costelas, gargalhando QUASE tanto quanto eu, já que levava vantagem por ser ELE quem estava provocando as minhas. Tivemos que parar, porque meu celular começou a tocar, DE NOVO. me largou subitamente e sentou, indicando com a cabeça para que eu fosse atender. Levantei ofegante e ainda rindo, passei por trás do sofá, indo ao quarto e dei-lhe um pedala. Atendi a MALDITA ligação.

— Quem é? — nunca fui grossa.
Oi, er, Rach, é o John! — DE NOVO? AH MEU DEUS, ELE ESTÁ FICANDO SEM LIMITES!
— Hum, que foi John? — falei querendo que ele percebesse que havia me incomodado.
Te acordei? — não, imbecil, você me tirou de uma sessão de cócegas com um homem lindo, mas fingi bocejar.
— É — falei simplesmente.
Desculpa, é só que queria perguntar se você não queria mesmo sair hoje. Abriu uma casa noturna ótima e queria te levar... — deve ser a mesma que estava.
— Não, hoje foi muito cansativo, John, não consigo mesmo — menti e ele pareceu aceitar, dando-me “boa noite” e desligando. Então usei a cabeça dessa vez e desliguei o celular.

Pronto, não ia ser interrompida mais uma vez. Voltei para a sala, e antes de chegar ao sofá, me olhou rindo, aquele sorriso ridiculamente perfeito.

— Vamos aprender pra que serve o botãozinho vermelho do celular, né Rachel? — falou batendo na própria testa, dizendo que sou burra. Então me aproximei e lhe dei mais um pedala, sentando ao seu lado de novo. — Porra, você só me bate! O que tem de errado comigo? Meus amigos também sempre me batem. Sou eu, sempre eu! — falou inconformado e fazendo bico.
— Ouuuuunnn, pobre ! — apertei as suas bochechas e ele deitou a cabeça no meu ombro, então o abracei ao redor do pescoço com um braço e flexionei o outro para alisar os seus cabelos.
— Isso, faz carinho no seu escravo — começamos a rir. Ficamos assim um tempo, vendo o que ele estava assistindo na TV. Era um programa de auditório de games, com charadas e coisas do tipo. Ele sempre acertava todas, devia ser viciado nesses jogos, o que me fez rir e achá-lo mais parecido ainda com uma criança. Apesar de sua altura e sua beleza exuberantes.
Depois de algum tempo a pizza chegou, era um sabor que eu realmente nunca havia experimentado, tinha um nome estranho que nem lembro mais agora para falar. Fomos para a cozinha e nos servimos, colocamos refrigerante nos copos e ficamos sentados um de frente para o outro.

— NOOOSSA, isso é a coisa mais gostosa que eu já experimentei! — falei assim que coloquei o primeiro pedaço na boca. balançou a cabeça e levou uma das mãos para tapar os olhos, como se reprovasse o que eu fiz, rindo.
— Noooossa, como você é bruta, não te ensinaram a não falar de boca cheia? — colocou as mãos na cintura, como se fosse meu pai e arqueou uma das sobrancelhas. Comecei a rir e tomei um pouco do refrigerante.
— Não, e também nunca tive quem me ensinasse — dei de ombros rindo. Ele então se levantou e ficou atrás de mim, pegou a minha mão e a guiou, até levar o garfo à boca. Em seguida, enquanto eu mastigava, tampou a minha boca.
— Agora 'tá tendo, quero ver você falar! — falou fazendo ainda mais força. Eu não sabia se mastigava, se engolia ou se ria. Então acho que fiz tudo ao mesmo tempo.
— Eca, você é nojenta, melhor eu voltar pra minha pizza — saiu fazendo careta e se sentou de novo. Fiquei rindo incontrolavelmente e notei que ele também. Comemos em meio a brincadeirinhas, arremesso de calabresas e gotas de refrigerante voando. — Você tem canudos? — falou procurando por eles com o olhar, em algum canto da cozinha.
— Tenho, pra quê? Você é daqueles que acredita que os dentes amarelam quando se toma coca-cola sem ser com canudo? — ele balançou a cabeça.
— Nunca imaginei que você fosse me chamar de gay novamente, estou decepcionado! — e bufou, rindo.
— Aiii, nada a ver — ri sem graça. — Tem ali, naquela gaveta! — olhou de mim para a gaveta e voltou a me olhar, sério. — Que foi?
— Não vai pegar pra mim? — perguntou inconformado.
— Meu Deus, você dá trabalho demais! — levantei batendo o pé e fui até a gaveta, peguei um canudo e antes de voltar para a cadeira...
— ÊPA, quero dois! — sorriu provocando a minha ira, bufei, voltei e peguei outro. Dei-lhe os dois canudos. — Agora sim!

Ri ao vê-lo tomando coca-cola no canudo, parecia mais criança ainda. Estava de cabeça baixa, concentrada no meu pedaço quando senti algo minúsculo bater na minha cabeça. Levantei-a subitamente e vi me olhando, esboçando um sorriso e com o canudo na boca, porém fora do copo, apontando na minha direção.

— O QUE VOCÊ JOGOU EM MIM? — ele sorriu e me mostrou outro papelzinho enrolado minúsculo. — Não acredito que você, desse tamanho, ainda tem paciência pra enrolar papéis e arremessá-los através de canudos! — balancei a cabeça inconformada.
— 'Tá bom, então eu posso enrolar e jogar um em tamanho grande, sem canudos, mas... — antes que eu pudesse me defender, ele jogou em mim, acertando a minha cabeça. — Com as mãos! — falou mostrando-as já vazias e rindo.

Peguei um guardanapo, enrolei e joguei nele de volta, ficamos fazendo isso por um bom tempo, até uma das minhas bolinhas cair direto no seu copo. me xingou rindo e levantamos para despejar o refrigerante na pia. Enquanto estava de cabeça baixa fazendo isso, notei que ele foi até a gaveta dos canudos novamente. Quando voltei a olhá-lo, caí na risada, estava com dois canudos enfiados no nariz, um em cada narina, e dois na boca, cada um representando um canino. Ele esticou os braços, imitando um zumbi e eu corri para o meu quarto, com ele me seguindo. Fiquei empurrando a porta para que não entrasse, mas conseguiu abrir de novo. Então tirou os canudos do nariz e da boca e jogou no lixo do meu banheiro. Quando voltou, eu estava sentada no chão, escolhendo um CD.

— Vamos ver o que você tem! — e tomou o porta-CD da minha mão. Olhei para cima e o vi observar cd por cd, concentrado. — Hum! Esse! — falou arqueando as sobrancelhas e me entregando um cd do Busted, que era copiado e nem é meu, já que gosto mais de bandas realmente antigas. devia ter deixado ele ali, junto com os meus. — Sai daí. — sentou ao meu lado e me empurrou de leve, dei um pedala novamente, mas deixei que escolhesse a música.

(Coloque a canção para tocar)

Ouvi aquela melodia doce começar, eu conheço essa música! Essa banda fez uma regravação da música de Van Morrison. Eu dançava com Carol quando tínhamos 10 anos, principalmente nas festas em sua casa. Aquela canção é muito gostosa. Fechei os olhos e comecei a dançar com a cabeça, ouvi rir e senti uma energia boa, então o ouvi cantar — com aquela voz que não ouvia desde o dia em que cantamos no carro, e que parecia novamente massagear os tímpanos — o trecho que se passava: “My brown eyed girl. You my brown eyed girl” (Minha garota dos olhos castanhos. Você minha garota dos olhos castanhos). Abri os olhos e o vi me encarando e sorrindo. E então ele continuou.

“Whatever happened
(O que quer que tenha acontecido)

To Tuesday and so slow
(Para terça-feira e tão devagar)

Going down the old mine
(Desceu a velha mina)

With a transistor radio
(Com um aparelho de rádio)

Standing in the sunlight laughing
(Mantendo-se na luz do sol sorrindo)

Hiding behind a rainbow's wall
(Se escondendo por trás de uma parede de arco-íris)

Slipping and sliding
(Dormindo e deslizando)

All along the water fall, with you
(Por toda a cachoeira, com você)

My brown eyed girl
(Minha garota dos olhos castanhos)

You my brown eyed girl
(Você, minha garota dos olhos castanhos)”

se levantou, puxando as minhas mãos e começamos a dançar, quando dei por mim já cantarolava o “sha-la-la-la” com ele, que me envolvia e me rodava às vezes. Senti como se estivesse em um daqueles filmes. Um casal feliz, dançando sobre o carpete do quarto. A única diferença é que não somos um “casal”, mas estávamos felizes. Dançávamos e ríamos bastante, de vez em quando ele me abraçava por trás e cantava no meu ouvido. Todos os problemas, todas as dúvidas, todas as inseguranças pareciam ter sumido. Estava finalmente “vivendo” o momento. Só isso. Aproveitando e sentindo aquele perfume, vez ou outra encontrando aquele par de olhos fascinantes me olhando e sorrindo, assim como os seus lábios. Eu não era mais , nem Rachel, era apenas a SUA “garota dos olhos castanhos”. fez questão de frisar isso no último verso da canção, apontando para mim e olhando no fundo dos meus olhos, cantando em alto e bom som: “You my brown eyed girl.” Senti o coração na garganta.

Quando a música acabou deitamos ofegantes em minha cama. Havíamos perdido qualquer noção que talvez nem existisse mesmo. Dançamos muito. O cd continuou tocando e me olhou. Olhei-o de volta. Parecia querer me dizer alguma coisa.

— Você tem um papel e uma caneta? – perguntou em meio a respirações pesadas. Droga. Só isso? Tentei controlar a respiração.
— Tenho.
— Empresta? Antes que eu perca o raciocínio? — e sorriu, encarando o teto. Disse algo como “uhum” e levantei. Fui até a estante e peguei meu caderno, abrindo em uma folha livre, depois peguei a minha caneta e coloquei os dois em cima da barriga de , voltando a deitar. Ele agradeceu e levantou, segurando o caderno em uma mão e a caneta em outra, indo em direção à estante. Puxou a cadeira e se sentou, colocando-os lá em cima.
— Dãããã, se fosse pra você ir praí eu nem tinha me levantado — falei rindo e ele se virou fazendo careta. Depois voltou a ficar de costas para mim. Notei que desviou a atenção para seu lado direito. Voltou a me olhar.
— Você ainda tem isso? — indagou, apontando para o balde de pipoca e sorrindo.
— Você disse pra eu guardar... Aí está! — bati continência e voltei a encarar o teto.
— Louca... — murmurou e eu peguei meu travesseiro, jogando-o em suas costas. Ele riu e voltou a se concentrar no caderno e na caneta.
— O que você está fazendo? — levantei, me dirigindo à estante. Parei atrás dele e só consegui ler algo como “Eu e você temos muito...”; antes de conseguir ler o resto, ele virou a folha.
— Como você é curiosa! Fala de boca cheia, tem costume de agredir as pessoas, jogar spray de pimenta e ainda é curiosa? Você precisa de educação, mocinha! — falou rindo, se levantou e ficou de frente para mim, segurou fortemente os meus braços e me virou de costas para ele, forçando-me a ir até a cama, sentando-me lá em seguida. — Fica aí, quietinha que eu tenho que fazer isso com certa urgência — e voltou pra lá.

Bufei e fiquei olhando para a janela, que estava aberta. Entrava algum ventinho, as cortinas se movimentavam lentamente. O que aquele anormal estava fazendo? Uma carta? Ele não tem coragem de falar as coisas na cara? Ri internamente e deitei. Comecei a observá-lo. Ali, de costas, trajando uma camisa social preta com as mangas dobradas e uma calça da mesma cor, escrevendo concentrado. Tem alguma coisa que ele faça que seja feia ou sem charme? Porque se tiver, alguém precisa me mostrar antes que eu comece a me apaixonar. coçou a cabeça e notei que rabiscou algo que devia ter feito errado. Deitei de bruços, encarando a janela e não mais as suas costas. Parecia que tudo estava se ajeitando. Já não sentia aquela angústia habitar o peito, a cabeça já não latejava com problemas. Eu estava em paz. Sem que percebesse ou pudesse controlar, havia dormido. Dessa vez não tive sonhos estranhos como estava tendo por toda aquela semana. Sonhei com um jardim, um jardim realmente muito bonito. O céu nunca estivera tão azul, depois todo esse céu se transformou nos olhos de . Estava da mesma cor e me olhava sorrindo, abrindo os braços. Aproximei-me. Pelo que pude perceber, estávamos os dois de branco. Ele com um terno e eu com um vestido longo, com alguns retalhos. O abracei, não um simples abraço, mas o abraço que tanto desejei dar-lhe. Apertado, insolúvel. Então nossos olhares se encontraram. Senti novamente a sua respiração encontrar os meus lábios. Nossos narizes se encostaram, como se fizessem carinho um no outro. E nossas bocas...

— Desculpa — acordei subitamente sentindo atrás de mim e me abraçando. O olhei por cima dos ombros, confusa.
— Pelo quê? — falei tentando manter os olhos abertos.
— Achei que meu relógio tinha te machucado.
— Não — sorri fraco e voltei a fechar os olhos. ESPERA. — Que horas são? – perguntei sentando rapidamente.
— Três da madrugada — olhei para trás e era realmente o que eu estava pensando. estava deitado, dessa vez sem a camisa e a calça, só de boxers, aparentemente brancas, já que só pude ver pelo abajur estar ligado. Devia ter apagado a luz e deitado. — Que foi? Tem algum problema eu ficar? Se tiver eu já vou, ou então juro que saio cedo. Antes até que a sua amiga possa pensar em me ver — falou preocupado.
— Ná... Não, não esquenta, .
— ele me interrompeu, sorrindo. AH DEUS, ELE ESTAVA REALMENTE MANDANDO CHAMÁ-LO DE ? Eu sou a filha da mãe mais sortuda que existe.
— Ok, — tentei soar naturalmente, na verdade estava corada. — Ela não vai dormir em casa — cocei a cabeça, ainda associando o fato de estar com ele ali, se oferecendo para dormir comigo.
— Ah que bom, estava com preguiça de ir pra casa, caso você me mandasse — sorriu maroto. — Vem, deita, não queria ter te acordado.

Fiz o que pediu e deitei ao seu lado, na mesma posição que estava antes, de costas para ele. Senti seu braço me envolver na cintura. De conchinha. Sempre quis dormir de conchinha. Não poderia me sentir melhor, acho até que dormi sorrindo.

Capítulo 7


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Abri os olhos lentamente, o sol estava forte e a janela estava aberta. Não acordei naturalmente, ouvi uns gritos apavorados de uma mulher. Então me virei subitamente e percebi que , digo, , não estava mais deitado. Sentei desconsertada e esfreguei os olhos. Os gritos só ficavam mais altos. Ei, eu conheço essa voz, ou melhor, esses gritos. Era ! OH MEU DEUS, O QUE ELA TEM? Antes que pensasse em me levantar, vi aparecer na porta com uma cara de desespero, em seguida apareceu atrás dele. Com a mesma expressão.

— O que está acontecendo? Que gritaria é essa? — percebi os dois se entreolharem e fazer a expressão de desespero misturada à vontade de rir.
, você é muito burra!
?! — perguntou, com um olhar confuso. AH MEU SANTO DEUS. tem algum problema mental? Chamar-me de burra tudo bem, mas me chamar de ? Ela estragou tudo!
— Hã? Quê? Como assim? — disfarcei. E ela começou a falar.
— Ele é o , , do...
— NÃO! — ele a interrompeu.
— SIM! — ela tentou falar mais, mas antes ele tampou a sua boca com uma das mãos. Espera, esses dois se conhecem? “ do...”? de onde?
, por que você está fazendo isso? do o quê, ? Vocês se conhecem? — olhei sem entender e vi tentar tirar a mão dele de sua boca, e não teve muito sucesso.
— Nada, sua amiga é doida — o que eles estão escondendo? Ouvia tentar falar alguma coisa, mas só escutava “huuuuum umhumhum”. — E ?! — voltou a me olhar, praticamente ignorando o fato de estar quase sufocando a minha amiga. Levantei da cama e pedi para que a soltasse. Ele o fez. Ela respirou fundo e segurou os meus ombros, bateu propositalmente a cabeça contra porta, como se soubesse que aquilo não daria certo. Espera, de onde eles se conhecem? Por que tudo isso?
— Amiga, ele é o — respirou fundo, ainda segurando os meus ombros e olhou para ele, que balançou a cabeça e em seguida se deu um tapa na testa. Ela voltou a me olhar. Não estava entendendo por que aquele mistério. Era tão mais fácil apenas dizer que eles se conhecem! ... E daí? Então prosseguiu. — Do McFly, a banda que toca a música da garota de 5 cores no cabelo, que você me disse achar engraçadinha!

Nesse momento me soltei das mãos de e senti meu coração quase bufar. Então aquele cara que eu conhecia há quase duas semanas é um rockstar? Da mesma banda que aquele coitado de que nunca vi a cara, mas que muitas garotinhas corriam para tirar foto na London Eye? Viajei o olhar dos olhos de até , que estava nesse momento com uma cara de decepção olhando para o chão e com as mãos na cabeça. olhou para ele e notei quando ele a olhou de volta. Ela falou algo como “desculpe, não podia deixar de dizer isso a ela” e deu de ombros. Dei as costas e entrei no banheiro. Era informação demais! Sentei no vaso com a tampa ainda fechada e abracei os joelhos, exatamente como há quatro anos, quando acordei de ressaca depois daquela festa infeliz. Só que dessa vez não chorei. Apenas fiquei pensando. Como ele conseguiu esconder isso de mim? Como fui tão burra de nunca ter prestado atenção nos encartes de CDs da ? Afinal houve uma época em que só tocava McFly e ela só falava nisso. Era diretamente do som de que eu sabia conhecer aquela voz que cantava no chuveiro, que cantou “I Wanna Hold Your Hand” no carro e “Brown Eyed Girl” na noite anterior. E aquele rosto que tanto tentei lembrar de onde conhecia na primeira vez que nos vimos... CLARO, uma vez ela me forçou a assistir um videoclipe na TV, do bendito McFly. LÓGICO. COMO NÃO LEMBREI DISSO? “Borracharia, posto de gasolina, peças sendo arrancadas de um carro, alguém cair de cima de um amontoado de pneus”. Foi esse vídeo que ela me chamou para ver. Quatro rapazes que trabalhavam num posto de gasolina e se apaixonam por uma garota loira, que depois aparece lá com outro homem e eles ficam enciumados, fazendo várias maldades.

ELE é o menino que cai do amontoado de pneus. ELE é o menino que fica fazendo palhaçadas para ela. É, até que não posso me julgar por não ter lembrado de primeira. Afinal, já estava muito diferente. Naquele clipe ele tinha os cabelos completamente lisos e caídos sobre o rosto, era praticamente uma criança, quero dizer, tinha aparência de uma. Como cresceu, como se tornou um HOMEM. Um homem horrivelmente perfeito, cheio de qualidades. O homem que me fez começar a conhecer as coisas boas da vida. O homem que me mostrou o outro lado de tudo. O homem que estava fazendo a minha cabeça praticamente enlouquecer. O homem que fez o milagre de conseguir me fazer sentir desejo. O homem é ele, , ou melhor, , vocalista de uma das bandas contemporâneas mais famosas da Inglaterra. Ouvi e ele conversando alguma coisa do outro lado da porta, ela parecia empolgada, perguntava tudo, como era ser famoso, como é estar na TV e gravar um disco e até perguntou como ele gosta do café, que ela prepararia na hora.

Nesse meio tempo apenas o ouvi dar respostas monossilábicas. Estava na cara. Ele não queria que eu soubesse, foi por isso que me disse aquele dia no hotel que ficava feliz por eu não saber quem era. Ele não é louco, não tanto como eu achava que fosse. Cada pessoa em Londres e no resto da Inglaterra devia saber quem ele era. E eu, imbecil, nem me dei conta. Escovei os dentes, porque além de ser higiênica, queria dar mais algum tempo aos meus pensamentos antes de encarar novamente. Saí do banheiro e notei que só ele estava no quarto, sentado na beira da cama e encarando os próprios pés, que estavam descalços. Ainda estava apenas de boxers. Quando percebeu a minha presença, rapidamente ergueu a cabeça e me olhou. Não aquele seu olhar provocativo ou observador, como geralmente me olha, mas um olhar tímido, desconsertado. Acho que devolvi o mesmo olhar. Mas o meu tinha uma pitada de dúvida misturado.

— Desculpa, Rachel. Desculpa mesmo! — ele balançou a cabeça e baixou-a novamente — sinto-me um idiota por não ter te dito antes. Eu tentei, mas toda vez que ia falar, não saía — voltou a me olhar. Então é por isso que tive impressão de vê-lo querendo me falar alguma coisa que não era o que realmente havia saído de sua boca na cozinha, no dia fatídico em que quase nos agarramos. Sorri fraco para ele, que arqueou as sobrancelhas e fez cara de cão sem dono, fazendo-me derreter idiotamente.
— Não, . Você não precisa se desculpar. Eu não tinha direito de saber quem você realmente é. Afinal, sou só uma...
— Não é! — me interrompeu antes que eu terminasse a frase. Aquilo me fez sentir como uma criança que ganha um doce. Ele me olhava sério. — Pra mim você é apenas... Você — sorriu ternamente, fazendo meu coração disparar. Senti que era a hora de me aproximar. Sentei ao seu lado e segurei a sua mão, ele me olhou de relance. — Não queria que você tivesse descoberto assim, nessa gritaria. Queria não ter sido covarde e ter te contado desde o primeiro dia, quando te vi confusa — baixou a cabeça.
— Tem algo que eu escondi de você também — falei tentando aliviá-lo. levantou a cabeça subitamente e me olhou assustado. — Eu sou de um site de fofocas e colei em você pra descobrir várias coisas! — arqueei uma das sobrancelhas e ele começou a rir.
— Besta! — falou balançando a cabeça e ainda rindo.
— Não, agora sério. Realmente existe uma coisa que escondi de você... — voltou a me olhar, ainda rindo — meu nome não é Rachel... — mordi o lábio inferior, com medo de sua reação.
— Eu saquei quando a sua amiga te chamou de — sorriu pelo canto da boca e bagunçou os meus cabelos.
— Ah é? Você é esperto hein? — pisquei, dando um soquinho leve em seu braço.
— Como você se chama? mesmo? — olhou-me confuso.
— falei calmamente.
— Bonito nome! — agradeci e rimos. — Fiquei feliz de saber que você fala de mim pra sua amiga! — falou com um sorriso de orelha a orelha. Gelei. Queria matar a , o que ela havia dito?
— Hã? Como assim? — fingi-me de idiota mais uma vez.
— Ah, bom, eu levantei cedo e fui pra sua geladeira, estava morrendo de fome. Aí então senti alguém atrás de mim e achei que era você. Virei-me e quando ela me viu começou a gritar — começamos a rir, eu principalmente, imagino como a deve ter agido. Ela é muito fã da banda dele. — Aí ela falou, digo, berrou: ‘VOCÊ É O ? ENTÃO AQUELE É VOCÊ?’ e ficou apontando pra mim com os olhos estatelados — imitou-a e gargalhamos.

Depois fomos à cozinha e encontrei ligando para todos os números possíveis de seu celular, contando de um por um que havia conhecido o “ do McFly”. Ele ficou rindo e eu dei um pedala nela, que nos olhou envergonhada.

, desculpa ter te entregado. Mas se não fosse pela minha linda aparecida surpresa em casa hoje de manhã, a minha amiga burrinha aí nunca ia ter sacado que você era você — dei língua pra ela e disse algo como “tudo bem, já conversamos”.

Peguei algumas coisas na geladeira e e eu preparamos um café pra . Reforçado, como a fazia questão de ordenar, porque afinal, era um dos ídolos dela. Comemos juntos e vez ou outra a pegava paralisada, olhando conversar, se servir, mastigar, comer e beber. Depois do café, aonde ia, o seguia, e isso só parou quando ele entrou no meu banheiro para se vestir.

— Ahhh, ele já vai? – ela fez cara de derrotada. — Nem vai ficar para o almoço?
— Meu Deus, você é muito grudenta, garota! — falei bagunçando seus cabelos.
, como você é capaz de agarrar e não se dar conta disso? — bati em seu braço.
— Shhhhh! Cala a boca sua imbecil! — cochichei. — Você sabe que eu não me ligo nessas coisas de famosos, isso é coisa sua!
— É, pode ser. Mas eu quero saber detalhes, por que vocês dormiram juntos e tudo mais.
— Claro, mas depois que ele for embora, né? — falei dando uma cotovelada nela, que reclamou.
finalmente saiu do banheiro e nos olhou sorrindo.

— Já vou, quem me leva até a porta? — perguntou sabendo o que era óbvio.
— Eu levo! — se adiantou em responder. Ele riu e eu disse que ia também.
Fomos os três e nos despedimos, praticamente ficou pregada nele, já que foi uma luta para largar. Eu lhe dei um abraço e um beijo no rosto, ele fez o mesmo. Então se virou e antes de descer o primeiro degrau, olhou de volta, parecendo ter esquecido algo.

— Ah, esqueci uma coisa! — entrou correndo, deixando e eu surpresas. Depois de alguns instantes, voltou do meu quarto com uma folha do meu caderno arrancada e algumas coisas escritas. Podia ver muitas palavras riscadas, tentei ver mais que isso, mas ele não deixou e nos deu tchau.
— Te ligo, Rach... ! — falou alto, descendo as escadas.

Fechei a porta e encontrei uma pulando e soltando gritinhos, ela estava mais doida do que sempre foi, eu tinha certeza disso. Não demorou muito e começou a me xingar, dizendo que sou muito burra e perguntando tudo o que havia acontecido na noite anterior. Contei pedaço por pedaço, como sempre. Ela constatou de algum lugar bobo e infantil da cabeça dela que estava completamente louco por mim. “O jeito que ele te olha”, insistia em falar toda vez que eu duvidava. Ela me deu uma palestra de como tratar um astro do rock e enquanto falava, eu apenas me lembrava de dançar com ele e o ouvir dar ênfase na frase “minha garota dos olhos castanhos”.

e eu decidimos almoçar fora, a preguiça de fazer comida em casa nos dominava de forma assustadora. Ela já estava mais calma, já conseguia conversar sobre outros assuntos. Até confessou que havia mesmo dormido com o Jack, contando isso com um sorriso que ia de orelha a orelha, já que desde o Ryan que ela não... Passa dos limites, se é que me entendem.

— Como foi? Ele é bom de cama? — perguntei e ela praticamente soltou os talheres, fazendo um barulho enorme, várias pessoas olharam pra gente, nós apenas nos escondemos com as mãos.
, da próxima vez que você for perguntar uma coisa dessas, me avisa antes! Odeio chamar atenção — ela se afastou do prato e cruzou os braços. Tão exagerada! — O que posso dizer... Ele é MARAVILHOSO. O Ryan não é nada perto dele! — rolou os olhos, expressando felicidade.
— Mas e aí? Como fica daqui pra frente? — perguntei, porque a não é muito de fazer as coisas por fazer. Mas fiquei realmente surpresa com a resposta.
— Ah, sei lá. Não estou a fim de ter nada sério, não — fez bico.
— Amiga, você está bem? — olhei-a assustada.
— É só que... Ah, cansei dos homens. Não tenho mais paciência pra relacionamentos sérios, não por enquanto — eu a entendi e continuamos conversando.

Pagamos a conta e fomos a um parque, onde a maioria das pessoas vai fazer piquenique. Nós fomos apenas passear e conversar. É um lugar com muitas árvores, a maioria delas bem altas.

— Vai encontrar o hoje à noite? — perguntou-me enquanto eu observava um grupo de crianças brincando na grama.
— Não. Hoje vou sair com o John — falei desanimada.
— Nossa, seu ânimo me contagiou... Agora eu quero, tipo, me jogar de um arranha-céus — falou rindo. — Ninguém merece o John amiga. Ele é bonitão e tal, mas é muito grudento.
— Nem me fale. Ele ligou todos os dias, desde terça. Só ontem me ligou duas vezes! E acho que só não ligou mais porque desliguei o celular e esqueci de ligar — bufei.
— E você está doida para sair com o hoje, certo? — falou me cutucando com o cotovelo.
— É, certo — dei de ombros e ela gargalhou.

Chegamos em casa e liguei o celular, como falei, havia umas cinco chamadas de John e uma de . , . Como eu gosto de chamá-lo assim... . Retornei primeiro a de , claro.

— Oi , esqueci de ligar o celular, desde ontem! — ri e sentei na minha cama, ou melhor, me joguei nela.
Oi ... Tem problema não. Só queria perguntar como ficou tudo, depois que eu saí... — droga! Achei que ele me faria um convite. Ah, mas tem o John.
— Ah, tudo bem, a já se controlou e eu, bem, não mudei muita coisa.
Que bom. Fiquei com medo de, er, você ficar com medo de mim — ele riu.
— Nada a ver. Digamos que a sua profissão é bem mais digna do que a minha — ri sem graça.
É, quem sabe. Mas se não fosse a sua profissão eu não teria te conhecido.
— É – ficamos em silêncio, ouvindo as nossas respirações.
O que você vai fazer amanhã?
— Acho que nada... Talvez estudar.
Conheço essa história! — ouvi sua risada cínica. Acho que foi a primeira vez que o ouvi falar desse dia. Senti as pernas tremerem.
— Ah, mas dessa vez é sério... Eu acho! — ri e ele riu também.
Não se eu aparecer pra te desconcentrar de novo! — filho da MÃÃÃÃEEEE. Ainda bem que ele falou isso por telefone e não pessoalmente. Acho que a minha cara não era das mais normais.
— Hã? Ah , você não ousaria!
Não só ousaria, como vou ousar. Mas não quero ficar aí, vou te levar pra ver o mundo — senti o coração bater mais forte. Que outro prazer da vida ele me mostraria?

Confirmei e nos despedimos, depois liguei para o John e marcamos a hora que ele passaria pra me pegar na calçada. Fiquei um tempo na cama, encarando o teto. Pensando em tudo que aconteceu nessa manhã. Então aquele era famoso. Isso ficou até engraçado. O que eu falei pra ele no telefone é verdade. Não mudou muita coisa. Na verdade acho que não mudou NADA. Não sei se é porque eu não costumo ligar muito pra essas coisas de famosos e só surtaria se visse um dos Beatles ou os irmãos Gallagher. Para mim o do McFly é apenas... . Aquele homem estranho, que pegou uma garota de programa apenas para passar o tempo e só se insinuou para ela UMA VEZ, que não teve muito resultado. Um cara completamente divertido e com algumas aparências de criança. Será que as fãs também são assim, escandalosas, com ele? Assim como vi com o tal de ? Comecei a me imaginar já namorando o , mas afastei esses pensamentos porque isso é meio inviável. Levantei e peguei a minha toalha. Tomei um banho demorado e quando saí sentei em um banquinho de frente para o espelho. Peguei o secador e comecei a fazer uma escova rápida.

— Deixa que eu faço isso! — falou entrando subitamente no quarto, me dando um susto. Entreguei o secador e a escova para ela. — Mais animada?
— Não — fiz careta e ela riu. — Falei com o ...
— E aí? Ele também te chamou pra sair? — perguntou escovando algumas mechas, puxando o meu cabelo.
— Chamou, mas não hoje, amanhã! — falei dando de ombros e sorrindo para o nada.
— Huuuuuuum, então acredito que você vai passar a noite de hoje sonhando com o dia de amanhã!
— Dããããã... — pensei um pouco — É, talvez!
— Que tipo de jantar é esse?
— Ah, o John não me explicou direito, mas disse que é de uma empresa do irmão dele. Coisa de gente metida. Acho — falei e em seguida reclamei porque o vento quente estava pegando na minha orelha.
— Então tem de estar totalmente social? Vestido longo e etc.?
— É...
— E você tem algum longo? — perguntou-me olhando do meu cabelo para o secador e vice-versa. Foi aí que lembrei que nem ao menos tinha pensado na roupa para ir a esse jantar! O não me faz bem para a memória!
— Puts! — dei um tapa em minha testa.
— Sabia que você não tinha pensado nisso! — ela riu — Mas eu te empresto um que eu acho que você vai amar! — falou arqueando as sobrancelhas.
Ficamos mais algum tempo e ela terminou de fazer a escova. Fomos direto para o seu quarto, onde ela me mostrou o vestido. Era realmente lindo. Fiquei até com vergonha de usá-lo, já que pelo jeito nunca havia sido usado pela dona. Falei isso e ela quase me espancou, dizendo que não se importa em me ver usando antes dela. Então a agradeci e tirei a toalha que eu estava enrolada, fui ao meu quarto, peguei uma calcinha e voltei para experimentar. Ficou deslumbrante. Eu não costumo me elogiar, mas devo dizer que me ver daquele jeito até despertou algum ânimo escondido nas profundezas do meu cérebro. — Uau! Agora senta aí que vou te maquiar! — disse já me empurrando para sentar na sua cama e pegando seu estojo de maquiagem no criado-mudo. Ela me maquiou, muito bem por sinal, e então calcei uma sandália de salto, ficando do tamanho de com ela, claro que me vangloriei por isso!

Dei alguns últimos retoques e estava pronta! Confesso que estava muito atraente. deu pulinhos e bateu palmas, levando-me até a porta.

— Você vai arrasar essa noite, escreve o que eu estou dizendo, amiga! — falou com a porta entreaberta. Eu, que estava de costas quase descendo as escadas, virei-me para ela.
— Obrigada, muito mesmo! — sorri e soltei beijos, ela fez o mesmo e então trancou a porta. Desci cada degrau praticamente me arrastando, além de ter que tomar cuidado para não pisar no vestido e rolar escada abaixo, também não estava tão empolgada para ver aquele monte de gente metida à besta e aguentar as conversas sobre negócios do John. Pra ser sincera, acho que o que eu queria mesmo era estar daquele jeito, mas indo jantar com outra pessoa. O , para ser mais precisa. Consolei-me de que isso talvez possa nunca acontecer e entrei no táxi que já me esperava na frente do prédio, desci no meu lugar de trabalho e John já me esperava. Ele saiu do carro e se aproximou, beijando uma de minhas mãos, um perfeito cavalheiro. Sorri fraco e deixei-o me guiar até o carro, onde abriu a porta para mim e fechou quando entrei. John entrou no veículo em seguida e deu partida. Não conversamos muito durante o caminho, só falei quando ele perguntou se a temperatura do ar-condicionado estava boa para mim.

O restaurante parecia ter saído diretamente de uma revista de decorações. Grandes lustres e muitas mesas, com muita gente aparentemente importante. Ao entrarmos, fomos recebidos por um casal, os donos da festa. John nos apresentou, disse-me que o senhor era seu irmão e a mulher, sua cunhada. Em seguida me contou que eles eram donos de uma das maiores empresas de tecidos da Inglaterra. Grande coisa, mas fingi interesse. Como sempre, ele me apresentou a algumas centenas de pessoas, como Rachel, lógico. Quando finalmente íamos sentar, John me puxou.

— Quero que conheça a minha sobrinha — falou se aproximando e me arrastando junto de uma mulher de cabelos levemente avermelhados e de tamanho médio, estava de costas, conversando com algumas pessoas. Ela se virou e vi que era realmente muito bonita. Eu conheço esse rosto, esses cabelos. Ela não me é estranha. Mas de onde eu a conheço mesmo? Deve ser de algum programa de TV ou seriado, pensei achar o nada estranho e ele é famoso, então ela deve ser alguma coisa do tipo também. — Sophie, essa é Rachel, Rachel, essa é Sophie, minha querida sobrinha! — falou e nos cumprimentamos.
— Muito prazer, Rachel — a moça disse, sendo muito simpática.
— O prazer é meu — respondi demonstrando a mesma simpatia.
— Onde está o seu namorado? Quero apresentá-lo também! – John falou como se procurasse por alguém com o olhar.
— Ah, ele disse que ia ali atender a um telefonema e já voltava! Sabe como ele é, tio — ela disse rindo e em seguida bebeu elegantemente um pouco de champanhe. John apenas assentiu sorrindo. Sorri e olhei para o outro lado, em direção à porta. — Não morre tão cedo, ali vem ele! — e então me virei novamente para ver o rapaz.

Não era um simples rapaz, não para mim. Era ele, , assustadoramente charmoso e bem vestido. Não pude acreditar no que os meus olhos estavam vendo! Sabia que conhecia essa mulher... Era ela, a moça do shopping, que dava risinhos e recebia carinhos dele! E ela não era apenas uma amiga, prima ou irmã... Era o que eu desconfiei: SUA NAMORADA. AGORA ERA OFICIAL. Senti o coração bater acelerado e devagar ao mesmo tempo, era um misto de sensações. Ele se aproximava guardando o celular no bolso de sua calça social e ajeitando o terno e a gravata borboleta. Ainda não havia me visto, pensei em inventar alguma desculpa e correr para longe dali, mas John foi mais rápido.

! Vem logo aqui, rapaz! — abaixei a cabeça, tentando esconder o rosto. Senti que ele se aproximava. Foi quando ergui a cabeça e vi seus olhos encontrarem os meus. Não sei explicar bem que expressão era aquela que estava mostrando, se era desespero, medo de eu de alguma forma o entregar para a sua namorada ou se simplesmente não esperava me ver ali. Não sei se era efeito do tanto de emoções que brigavam dentro de mim, mas pude ver tudo quase em câmera lenta. estava parado, quase estático, Sophie o puxou e deu-lhe um selinho.
— O tio John quer te apresentar a amiga dele! Ou mais que isso! – falou com um sorriso provocativo. Mais que isso? HÁ! Nem que ele peça de joelhos. Tentei parecer natural e sorrir, mas acho que não tive muito resultado. parecia ainda estar em transe, já que nesse tempo todo se ele soltou algum “hum” foi muito.
— Rachel, esse é o e , essa é a Rachel, minha amiga — John apresentou, esperando que déssemos as mãos e nos cumprimentássemos. Mas estávamos surpresos demais para agir assim. Finalmente ele demonstrou alguma coisa, eu já estava ficando nervosa, e notei que John e Sophie viajavam o olhar de mim para ele. coçou a cabeça e sorriu, totalmente desconsertado, dando-me a mão em seguida e me olhando com uma cara de “por favor, não conte nada a eles”. Segurei a sua mão fortemente, estava tão gelada quanto a minha devia estar.
— Prazer, Rachel — falou com um sorriso cínico. Ele não sabe disfarçar muito bem.
— Igualmente — menti, sorrindo fraco.
— Tio, traz a sua amiga aqui pra nossa mesa, estávamos só os dois mesmo! — NÃO! NÃO, SUA CABELO DE FÓSFORO IMBECIL!
— Algum problema, Rach? — John falou percebendo que eu ainda estava em transe.
— Ahn? Não, claro que não — disfarcei o máximo que pude e os segui.
Sentamos em uma mesa próxima ao salão, que acredito servir para dançar mais tarde. Era uma mesa redonda, John ficou de um lado e Sophie do outro, com ao seu lado. Aquilo foi maçante. Tentei não olhá-lo, mas ele estava bonito demais para que conseguisse. Coloquei as mãos sobre a mesa e tentei encará-las. Não tive muito sucesso.
— De onde você é, Rachel? Daqui mesmo? — Sophie perguntou.
Não sei por que, mas senti vontade de dar-lhe um soco no meio do nariz. Sei que ela não tem culpa de nada, mas não sei dizer o que me deu.
— Não, sou de Bolton. Mas moro aqui já tem quatro anos — sorri pelo canto da boca. — E você?
— Sou de Liverpool, mas moro aqui desde os 10 anos de idade! — ela sorriu amistosamente. — Olha só que coisa, é de Bolton também! — falou como se eu estivesse no pré-escolar e descobrisse que dois e dois são quatro.
— É mesmo? Que coisa! — falei olhando-o, acho que tinha fúria em meu olhar, porque ele assentiu mordendo o lábio inferior e baixou o olhar.
— Que mundo pequeno, não? — disse o idiota do John se metendo na conversa.
— Vou ao banheiro, com licença! — afastei a cadeira e levantei, John me olhou confuso.
— Vou com você! — ouvi Sophie dizer enquanto eu já estava passando pelo salão, o banheiro fica do outro lado.

Abri a porta quase que espancando-a e entrei. Sophie veio logo atrás e se não tivesse prestado atenção, receberia uma “portada” no meio do nariz. Talvez eu torcesse para isso acontecer. Dirigi-me ao espelho e abri a pequena bolsa que havia me emprestado. Fingi que ia retocar o rímel, na verdade precisava respirar, mas aquele ser humano não entendeu isso, porque certamente não sabe que seu namorado procurou uma prostituta para passar o tempo, e que essa prostituta SOU EU.

— Você e já namoram há muito tempo? — perguntei de xereta na história, apenas para colher informações e quem sabe um dia jogar na cara dele que o que estava fazendo comigo era errado.
— Estamos juntos há um ano! — falou toda sorridente e passando a mão nos cabelos, também se olhando no espelho. Aquele sorriso me enfureceu, mas tentei sorrir de volta.
— Que bom, já pensam em casamento? — indaguei guardando o rímel e tirando o batom da bolsa.
— Eu penso bastante... Mas ele nunca dá muita asa à minha imaginação... — Sophie falou desanimada. — Você sabe como são os homens!
— Sei sim, somos boas demais para eles — falei em um tom indignado, acho que até a assustei.
— É, talvez — deu de ombros. — Meus pais gostam muito do e os dele de mim. Sua mãe até me disse uma vez que se ela pudesse escolher a mãe de seus netos, me escolheria — sorriu vitoriosa e eu senti vontade de puxar os seus cabelos e dizer que havia dormido de “conchinha” com o seu namoradinho na noite passada.
— Isso é bom, espero que você o conheça bem e faça a coisa certa — falei dando o último retoque no batom, ela me olhou extremamente confusa e eu falei algo antes que me perguntasse o porquê de ter dito isso. — Vamos? — ela assentiu, ainda atordoada e me seguiu.

Passamos pelo salão e algumas pessoas já estavam dançando. Casais, na verdade, dançando abraçadinhos. Isso me lembrou o fato de ter dançado com na noite anterior. Idiota, cachorro, sem vergonha. Notei que enquanto sentava, ele me olhou de relance, desviando o olhar para Sophie, que se aproximava para sentar. Não sei por que raios John tinha que se manifestar.

— Espera, querida, não sente. Você concede esta dança ao seu tio? — falou levantando-se e fazendo reverência.
Ela sorriu envergonhada e concordou. Eles foram andando de mãos dadas para o centro do salão, deixando o homem mais lindo do mundo que merecia o maior pontapé da história da humanidade e eu sozinhos na mesa. Comecei a balançar uma das pernas, tenho esse tique quando fico nervosa. Coloquei uma mão no queixo e tentei olhar para o outro lado, mas o otário tinha que falar alguma coisa.
— Essa foi por pouco! — falou levando uma das mãos à testa e suspirando aliviado. — Obrigado — desviou o olhar para mim, ainda com a testa apoiada em sua mão.
— Não acredito que você ache essa situação cômoda! — falei olhando-o e sorrindo ironicamente, em seguida balançando a cabeça.
— Não acho, mas acho que ela poderia estar pior — deu de ombros.
— Você não pode ser normal mesmo. Quando você pretende contar à sua namorada que... Bem, que você procurou uma garota de programa? — olhei-o confusa, e ele devolveu o mesmo olhar.
— Por que eu contaria? Afinal nunca fizemos nada demais — falou desviando o olhar para olhar a namorada dançando e acenar. Grrrrrrrr!
— Certo, você deve saber o que faz — franzi a testa e encarei o prato na mesa.
Para a minha sorte, ele não disse mais nada. E devido a esse silêncio entre nós, parei para pensar. Sophie é uma mulher deslumbrante, mesmo que eu não queira assumir isso para mim mesma. Ela é elegante, delicada, fala mansinho e seu rosto lembra o de uma Barbie. Tem os olhos tão azuis quanto os de e a pele parecida com porcelana. Seu corpo é bonito também. Ela é simpática e educada. Então por que aquele imbecil estava me procurando? Por que ele pediu jantar para nós dois? Por que me agradou levando-me ao cinema ao ar livre e ver um clássico? Por que levou o sorvete de pistache para mim? Por que quase me beijou no sofá? Por que é o idiota mais adulto que conheço? Por que dançou comigo? Por que disse que se lembraria de mim toda vez que ouvisse uma canção romântica dos Beatles? POR QUE DORMIU ABRAÇADO COMIGO E QUASE IMPLOROU PARA FICAR?

Convenhamos, eu não sou o que se pode chamar de beleza marcante e presença qualificada de mesma forma. Eu sou estranha, física e psicologicamente. Oras, saí de casa quando era uma adolescente e sou prostituta desde aí. Vocês não acham que eu sou um exemplo de extroversão e alegria diária, acham? Também não tenho nenhum traço exótico. Tenho o que se chama de “beleza comum”. Aquela beleza que não surpreende, apenas está lá. Então por que diabos esse cara me procura? Acordei de meus devaneios com John voltando a sentar de um lado e Sophie do outro, os dois rindo bastante e conversando empolgados. Os únicos fora de sintonia ali éramos e eu. E isso estava ficando explícito. Antes que os dois começassem a notar a nossa inquietação ou o contrário extremo disso, chamei John para dançar.

Ele com certeza se sentiu o cavalheiro da noite com esse meu convite, porque sorria o tempo todo. Então levou suas mãos à minha cintura e eu o envolvi em volta do pescoço. Era uma canção incrivelmente lenta, deve ter feito sucesso nos anos 80. John estava concentrado na dança, e eu apenas tentava não olhar para , o que não estava fácil. Vez ou outra olhava para a mesa e via Sophie acariciando seu rosto, sorrindo. Via em seus olhos o quanto ela gostava dele. Eles brilhavam. Antes que pudesse esperar por isso, lhe deu um selinho, me fazendo abaixar a cabeça e encostá-la no ombro de John, que me abraçou mais forte. Ficamos daquele jeito até a canção acabar. Voltamos para a mesa e anunciaram que o jantar seria servido. Jantamos e fui novamente ao banheiro. Precisava falar com a . Dessa vez consegui ir sozinha, Sophie havia implorado para que dançasse com ela, e ele aceitou totalmente forçado por John. Então entrei em uma das cabines e sentei no vaso com a tampa fechada. Disquei os números mais conhecidos pelos meus dedos.

Alô? atendeu com a voz um pouco sonolenta.
— Eu te acordei, amiga? — perguntei ansiosa.
Não, ! Estou deitada no sofá vendo TV. Algum problema?
— Todos! — respirei fundo.
Céus! O que houve? Você ainda está na festa? Oh meu DEUS, o que aquele imbecil do John fez? Quer transar à força? — ela perguntou ansiosa e eu não pude deixar de rir da última pergunta.
— Claro que não, louca! Ainda estou na festa, mas no banheiro.
, você quer me matar? Diz logo o que 'tá acontecendo, pelo amor de Deus.

Certifiquei-me de que não tinha mais ninguém no banheiro, fechei novamente a porta da cabine e falei.

— O ... Ele tá aqui! — falei quase engolindo as palavras.
Mentira? Diz que é mentira! Se bem que isso é bom, vocês se agarram no banheiro e fica tudo bem! — falou rindo e eu bufei.
— Escuta antes de inventar coisas da cabeça! Ele está aqui, mas com a namorada e estamos todos na mesma mesa! — ouvi-a prender a respiração.
FILHO DA #$%@, cara! Não acredito! É a mulher do shopping?
— É — respondi simplesmente.
E que diabos ele faz aí? Foi cantar pra ganhar um trocado extra, por acaso? — rimos.
— Não, sua demente! A namorada dele é filha dos donos da festa e ela é sobrinha do John!
Você tá brincando? @#$% que pariu! Que cínico, e como ele está agindo?
— Fingimos que fomos apresentados hoje, mas tá sendo difícil disfarçar. Estamos inquietos e eu te liguei pra me ajudar a resolver esse problema! — falei impaciente.
O que eu posso fazer? Fingir que sou uma garçonete e derrubar bebida nele? Espera que esto indo! — tentei, mas não consegui controlar o riso. A minha amiga não é normal.
— Dããããã, não! Escuta, quero que você me ligue daqui cinco minutos e finja que tá passando mal!
Dãããã pra você, agora! O John do jeito que se sente o meu pai, vai se oferecer pra me levar ao hospital.
— Dãããã pra você, de novo! Vou dizer que vou pegar um táxi, que não quero estragar a festa dele! Ele vai acreditar, escuta o que eu estou te dizendo — falei rezando para que ela concordasse logo.
Tá, tá, tá... Até que faz sentido! – amém! — Então vai logo que dando 5 minutos em ponto eu ligo!
— Muuuuuito obrigada, amiga. Muito mesmo! Te devo mais essa! — agradeci, comemorando sozinha na cabine.
É, eu sei. Vou começar a anotar tudo o que você me deve, sua bisca. Agora anda, vai logo pra lá que eu estou louca para atuar — rimos e nos despedimos.

Guardei o celular na bolsinha e abri a cabine. Olhei-me no espelho e respirei fundo. Estava tudo planejado, eu ia escapar daquela festa e deixar o à vontade. Então voltei para a mesa, John e Sophie conversavam empolgados, mas parecia olhar em outra direção. Quando me viu chegando à mesa, olhou-me. Dos pés à cabeça e esboçou um sorriso. Ignorei e sentei. Sophie puxou algum assunto idiota sobre a grife que fez o seu vestido e eu fingi estar gostando da conversa, na verdade estava ansiosa pelo telefonema da . Nunca cinco minutos passaram tão devagar. Até que finalmente senti o celular vibrar. Atendi praticamente vibrando junto com ele.

— Alô?
Uhul, é agora!
? O que você tem, amiga?
Oh Deus, adoro isso! Tenho vontade de te tirar dessa festa chata — ela gargalhou.
— Calma, fica calma, por favor. Enquanto você ficar agitada assim só vai piorar — falei tentando parecer preocupada, mas conter o riso era quase impossível.
Anda Julia Roberts, quero mais DRAMA!
— Não, não posso sair daqui, , você sabe... Estou fazendo companhia para o John — todos na mesa estavam me olhando preocupados.
Manda ele se @#$%& junto com a sobrinha dele e esse cantorzinho de McFly imbecil! — quase começo a rir, mas levei uma das mãos à boca, tentando controlar.
— Ai meu Deus, estou indo, não consigo te ouvir assim e não te ver. Aguenta que estou chegando. Tchau.
E o Oscar vai para... Tchau! — ela desligou e eu também.

Sophie me olhava assustada.

— O que houve com a sua amiga?
— Ela está sentindo muita cólica, sabe, ela tem muito problema com isso! — tentei parecer natural — John... — falei me virando para ele. — Tudo bem se eu sair agora? Não vou sossegar se a ficar em casa com dores sozinha...
— Tudo bem, mas eu te levo e levamos ela para o hospital! — a é vidente mesmo. Adivinhou na mosca!
— Não, não, eu pego um táxi, sem problemas. Não quero te tirar da festa, e ela vai me matar se eu aparecer lá com alguém — o olhei como se implorasse para que acreditasse. — Ela tem vergonha, você sabe — franzi a testa e sorri fraco. John assentiu, mas disse que me levaria até a calçada e esperaria o táxi comigo. Sophie desejou melhoras a e , bem, apenas disse um “tchau” bem seco.
— Está entregue! Diz para a que qualquer coisa que ela precisar pode ligar pra mim... — John disse e em seguida me deu um beijo na testa, então agradeci e entrei no táxi.

Aproveitei para rir no banco de trás o tanto que não pude fazer durante o telefonema disfarçado. O taxista deve ter me achado alguma louca, porque eu gargalhava a cada coisa que lembrava de dizer. Ensinei-lhe o caminho em meio a risadas e cheguei à frente do prédio. Paguei e agradeci, ele disse “de nada” e algo como que para eu continuar assim, sempre feliz. Isso me fez rir ainda mais. Subi as escadas apressada e bati na porta. me recebeu já rindo e eu a abracei. Rimos juntas por um tempinho, ali, paradas na entrada do apartamento. Entramos e me joguei no sofá, tirando a sandália e apoiando os pés na mesinha de centro. sentou na poltrona.

— Obrigada amiga, muito obrigada. Acho que nunca me diverti tanto! – falei ainda rindo e fechando os olhos com a cabeça apoiada no sofá.
— E eu? O que você achou da minha performance?
— Ai sua imbecil! Você quase me faz gargalhar na frente deles e estragar tudo. Mas valeu a pena, ri demais dentro do táxi... Quando desci, ele desejou até que eu continuasse sempre assim... Feliz! — agora era quem ria descontroladamente.

Fomos para o meu quarto e eu tirei toda a maquiagem, em seguida vesti uma camisola de seda. Deitamos em minha cama e a me fez contar tudo, pra variar. Quando contei da parte do banheiro, ela disse que eu deveria ter feito igual naqueles filmes e revelar tudo... Assim a Sophie iria até o e jogava o sapato na cabeça dele, como ela fez com Ryan. Também me disse que conhece Sophie, já foi em algum jantar oferecido pelos pais dela. “Ela é uma vagabunda”, disse-me inconformada. Não acreditei tanto assim, acho que ela disse para me conformar, alegrar-me. Sophie é completamente doce e delicada. Como seria uma vagabunda? Acho que eu chego mais perto disso, e não aquela moça tão elegante e educada, louca para casar com o namorado. Não pensem que ela também não xingou . Chamou-o de todos os adjetivos necessários, os ruins, claro. Mas eu pedi que deixasse pra lá, o não é meu, por mais que às vezes eu desejasse isso de forma assustadora.

— Dorme aqui comigo? — perguntei virada para a janela, encarava o teto.
— Durmo — respondeu simplesmente.
— Obrigada — fechei os olhos.
?
— Oi?
— Você se importa se eu colocar música? Só durmo com música — falou com uma voz pidona.
— Não, pode colocar— dei de ombros.
Então ela levantou e deve ter ido até seu quarto buscar algum cd.
— Esse é o melhor. Coloquei as minhas músicas favoritas, e você sabe que eu tenho bom gosto. – falou se vangloriando e já colocando o cd no aparelho. Deu o play e deitou ao meu lado de novo.

Tocaram umas três músicas até que eu começasse a “quase” dormir. Então uma incrivelmente doce começou a tocar.

(Coloque a canção para tocar - P.S.: AUMENTAR O VOLUME)

já praticamente roncava ao meu lado. Ajeitei-me melhor no colchão e fiquei prestando atenção naquela letra. Falava de uma garota chamada Joanna, que tinha grandes olhos azuis e coxas de cor de café e creme de coco, então ele poderia morrer deitado em seus braços... Onde os castelos são feitos de areia e eles começam a dançar. Só a música está sangrando e os grilos substituem a banda. Ela sempre será seu trampolim beijado pelo sol, vai para cima e para baixo em seu coração, transforma-se em balinhas e ele começa a acreditar que o perigo nunca está por perto quando Joanna está lá. Como eu queria ser essa Joanna e deixar alguém assim por mim. Será que alguém algum dia vai sentir como se eu fosse a solução para todos os problemas? O porto seguro? Será que eu dou essa chance a alguém? Será que eu ME dou a chance de ser amada ou não me acho boa o bastante para isso? Suspirei e continuei ouvindo aquela melodia, que cada vez me fazia viajar para mais distante dali e quase me fazer sonhar. O piano massageava os meus ouvidos.

Foi quando abri os olhos subitamente na segunda parte da canção. Eu conheço essa voz! É ele! É o ! Essa música é de sua banda, o McFly! Foi aí que senti o coração acelerar. Sua voz me soa tão familiar, era como se ele estivesse cantando em meu ouvido, só pra mim.

“Little Joanna's like a laser beam sky
(Pequena Joanna é como um laser que corta o céu,)

Glowing maximums like a firefly
(Brilhando ao máximo como um vaga-lume)

And that's why I'm a kissophobic
(E é por isso que eu sou 'beijofóbico')

You say your dreams are made
(Você disse que seus sonhos são feitos)

Like lemonade
(Como limonada,)

But when the shivers are salty
(Mas quando os calafrios são salgados,)

And sea forms the colour of space
(E o mar forma a cor do espaço)

She will always be my sun kissed trampoline
(Ela sempre será meu trampolim beijado pelo sol)

She goes up and down in my heart
(Ela vai pra cima e pra baixo no meu coração,)

Turn into jelly beans
(Transforma-se em balinhas)

And I'm starting to believe that
(E eu estou começando a acreditar que)

Danger is never near
(O perigo nunca está por perto)

When Joanna is here
(Quando a Joanna está aqui)

Queria tanto poder ouvir alguém me dizer isso algum dia, essas palavras confortantes, mostrando o quanto sou importante, como ele não consegue viver sem mim. Espera, eu sei quem eu quero que me diga isso. Mas por que então as coisas simplesmente não acontecem? Fui adormecendo ao som daquela linda canção.

(...) I love when our hands touch
(Eu amo quando nossas mãos se encostam,)

Knowing that I'm near
(Sabendo que eu estou perto)

Apple flavoured lip-gloss
(Brilho labial sabor de maçã,)

Gillies wears a necklace,
(Gillies usa um colar,)

And feeling young and reckless,
(E sentindo jovem e indestrutível,)

When Joanna's here.
(Quando Joanna está aqui.)

Capítulo 8


... Celular... Amor... Deus.
Acordei ouvindo a tentar falar alguma coisa e pude ouvir o celular morrendo de tanto tocar. Levantei atordoada, tentando abrir os olhos normalmente, o que não era possível e peguei o celular em cima da estante.
— Alô? — falei esfregando os olhos que insistiam em não abrir.
? Eu te acordei? — meu coração quis saltar. Era ele, aquele imbecil.
— Uhum — falei simplesmente e bocejando em seguida.
Desculpa, mas, er, a gente tinha combinado uma coisa hoje, lembra? — lembro, seu idiota, mas eu devia te dar um bolo DAQUELES.
— Ah, sim — bocejei novamente.
Você ainda vai querer ir? — NÃO.
— Sim — O QUÊ? AGORA ERA SÓ O QUE ME FALTAVA. NÃO TENHO MAIS CONTROLE SOBRE A MINHA BOCA. — Digo, não está muito cedo?
São, tipo, duas da tarde — ele riu.
— HÃ? MENTIRA?
Juro por tudo o que você quiser... Apronte-se aí que daqui a pouco eu passo pra te buscar. — HÁ! Agora ele manda em mim?!
— Ok — HEIN? Meu Deus, vou me jogar da janela. — Er, tchau.
Tchau, eu te dou um toque quando estiver indo — e desligou.

Coloquei o celular na estante novamente e fui caminhando a passos de tartaruga para o banheiro. Tomei banho e depois escovei os dentes. Voltei para o quarto enrolada na toalha e vi já sentada, pelo jeito lutando para abrir os olhos.

— Quem era? Essa hora? — ela perguntou em meio a bocejos.
— O ... E já são duas da tarde — respondi indo para o guardarroupa.
— HÃ? E o que aquele idiota queria? — indagou, levantando.
— Pois é... Ah, a gente não tinha combinado de sair hoje? Ele tá vindo me buscar — informei, vestindo a calcinha.
— E VOCÊ VAI? — falou indignada, chegando ao meu lado e me ajudando a escolher alguma coisa pra vestir.
— Vou, né — dei de ombros.
— Ah, você é uma bestona mesmo! — deu-me um tapinha no ombro. — Eu no seu lugar... — pensou — ia também, afinal é o , né? — levou as mãos ao coração e suspirou como uma boba apaixonada.
— Idiota! — empurrei-a, rindo — esse aqui está legal? — mostrei um short jeans curto.
— Huuum — ela arqueou a sobrancelha analisando. — Ótimo! Agora pra ficar perfeito, uma batinha — e começou a vasculhar na parte das blusas. — Essa! — deu-me uma bata estampada de alcinha.
— Gostei — falei já vestindo o short.
— Você vai arrasar, mas ei... — virei para olhá-la e perguntei “ei o quê?” — Vou almoçar sozinha? — fez bico.
— Ouuunn, desculpa amiga. Mas você pelo menos vai almoçar... E eu? Acho que o já almoçou há anos — falei revirando os olhos e vestindo um sutiã sem alça, em seguida coloquei a blusa.
— Tudo bem, tudo bem. Eu guardo as sobras pra você. E vale a pena passar fome para fazer companhia ao — novamente suspirou de forma boba. E eu ri. — Vem, vou secar o seu cabelo e fazer um rabo de cavalo maravilhoso! — concordei e puxei um banquinho para ficar novamente de frente para o espelho e ela pegou o secador e uma escova.
— Estou ficando mal acostumada com esses seus ataques de personal stylist.
— Então é bom você aproveitar enquanto tem, querida, uma hora eu canso — rolou os olhos.
— 'Tá. Outch, cuidado aí com a minha orelha, sua doida — reclamei depois de receber uma escovada na orelha. Ela me xingou de “frouxa”.
— Você vai falar sobre aquela que não se deve nomear de VAGABUNDA? — não consegui ficar sem rir. A realmente não nasceu nesse mundo.
— Acho que não. Ontem falei que ele sabe o que faz... Então, problema dele. E para de dizer que ela é vagabunda, , a coitada não tem culpa do namorado dela ficar atrás de mim, deixando-me louca por ele... — ela deu um gritinho e eu ri. — O vagabundo é ele — bufei e cruzei os braços.
— O fato de ele ser vagabundo já está até fora de cogitação... Porque ele rala muito no McFly... — falou a palavra McFly dando ênfase e suspirando de novo. — Mas não deixa de ser um filho da #$%@ lindo, maravilhoso, gostoso, sem vergonha e idiota! — agora quem bufou foi ela. — Acredite, a Sophie é vagabunda. Eu sei o que estou dizendo.
— Quem me garante que você não está dizendo isso só pra me consolar? , eu vi com os meus próprios olhos quando fomos ao banheiro. Ela é louca pelo , quer casar e tudo!
— Amiga, você chegou até a dormir de conchinha com um dos caras mais famosos desse país e por que não desse continente, sem saber disso! Ainda acha que tem condições de deduzir quem presta e quem não presta? Confie em mim, a Sophie é vagaba e pronto! — rimos e eu dei um tapa em seu braço.

É, até que faz sentido. Eu não sou a pessoa mais esperta para entender as coisas. Mas dessa vez eu não posso estar enganada. Eu vi, ali, com os meus olhos a Sophie praticamente engatinhar pelo . Como ela seria uma vagabunda? Ela podia até ser antes dele, mas acho que agora realmente o amava. É como naqueles filmes, em que a pessoa faz tudo de errado, mas quando conhece quem o faz amar, transforma-se da água para o vinho.

terminou a escova e prendeu o meu cabelo em um rabo de cavalo realmente bem feito. Ela leva jeito para essas coisas. A faculdade de moda definitivamente foi a melhor escolha que poderia ter feito. Levantei e a abracei, agradecendo o ótimo trabalho. Ela se vangloriou um pouco, como de costume e me indicou a sandália a ser usada. Segundo ela, definitivamente tinha que ser uma melissa tradicional. Quem sou eu para discordar, não é? Fiz exatamente o que mandou e me olhei novamente no espelho.

— O vai ser seu! — disse batendo palmas.
Oh, como eu queria que isso fosse verdade. Por que eu queria que isso fosse verdade? Acorda pra vida, .
— Talvez eu nem queira isso... — dei de ombros e ela balançou a cabeça.
— Eu sei que quer. E você vai ter! — me deu um beijo na bochecha. — Vou tomar banho — saiu do quarto me deixando sozinha com os meus pensamentos.

Peguei um dos perfumes mais doces que tinha e passei uma quantidade pequena, para ficar cheiroso e não enjoativo... Como o da maioria dos clientes que tenho. Argh! Peguei uma bolsa de cor marfim e coloquei os dois celulares dentro. Olhei-me novamente no espelho e fui para a sala. Sentei no sofá e liguei a TV. Já estava impaciente esperando , quando ouvi meu celular finalmente tocar.

— Oi?
Estou aqui embaixo! disse.
— Estou descendo! — levantei, desliguei a TV, guardei o celular na bolsa de novo e gritei avisando a , que estava no banheiro, que eu já estava indo.

Ela me desejou sorte, também gritando, e disse que era para eu esbanjar todo o meu charme, o que me fez rir. Tranquei a porta e a cada degrau que descia, sentia o coração bater mais forte. Quando fui chegando à porta, vi encostado no carro, do lado de fora, mexendo no celular. Quando ele notou a minha presença, ficou com uma cara engraçada. De surpresa, quase a mesma que ele fez na festa quando me olhou dos pés à cabeça. Depois sorriu levemente, e eu retribuí, corando e me aproximando dele. Nesse momento já não sentia as minhas pernas, braços e nem nada. Ele estava tão lindo. Vestia uma camisa branca, sem nenhum outro detalhe e uma bermuda da mesma cor da minha bolsa. Usava apenas um tênis branco com detalhes azuis.

— Não vai me dar um beijo? — o imbecil mais lindo que já vi perguntou quando fiquei de frente para ele, que estava encostado na porta que eu entraria. Senti o rosto arder e as mãos ficarem geladas. Acho que transpareci isso. Então, se inclinou um pouco para ficar da minha altura e mostrou uma das bochechas. Tentei, mas não consegui resistir, dei-lhe um beijo até demorado na bochecha. sorriu e me deu a mão, ficou segurando-a enquanto abria a porta do carro para que eu entrasse. Um perfeito cavalheiro, que só não era impossivelmente mais perfeito por causa de seu namoro com Sophie. Entrei e ele beijou a minha mão antes de fechar a porta, sorri corada e ele sorriu também. Depois entrou e ligou o carro.

— Pra onde você vai me levar? — perguntei ansiosa.
— Para a lua, baby — disse arqueando uma das sobrancelhas e sorrindo. Não pude deixar de rir também.
— Não, , sério! — falei dando-lhe um leve tapa no braço.
— Você não almoçou ainda, né? — desconversou, mas eu estava com muita fome para continuar insistindo.
— Não — abaixei a cabeça, fazendo drama.
— Coitaaaaaaada — falou fazendo carinho em minha nuca, assim como fez com Sophie no shopping com a mão livre, a outra estava no volante. — Vou te levar pra almoçar.
— Você já almoçou? — perguntei levantando a cabeça subitamente, o que o fez tirar a mão da minha nuca e levá-la ao volante de novo.
— Já, faz tempo.
— Então não esquenta, . Eu como alguma coisa depois — falei com vergonha.
— Tá louca? As pessoas quando têm fome costumam ser agressivas... Se você, que come pra %#@$ já vive me batendo, imagina quando está com fome — disse me olhando de relance e rindo, dei-lhe um pedala. Ainda bem que ele manteve a idéia, porque eu realmente precisava comer.
— Aonde você vai me levar pra comer? — perguntei, ligando o som do carro.
— Um lugar longe, mas muito bom! — falou fazendo mistério e eu apenas ri, não tinha escolha mesmo! Para a minha surpresa, a música que tocava era do Oasis, comecei a cantar baixinho. Ele me olhou, com uma cara de espanto. — Você conhece essa música?
— Tudo que tiver Oasis no meio eu sei — falei rindo e continuei cantarolando.
— Pô, me senti um fracassado agora. Você podia entender de McFly também! — fez a carinha triste mais fofa do universo.
— Ouuuuunnnnn — apertei-lhe as bochechas. — Prometo que vou procurar entender. — POR QUE DIABOS EU DISSE ISSO MESMO? ELE QUE SE DANE COM O MCFLY DELE, EU TINHA QUE TRATÁ-lo MAL. Ou não. Sei lá.
— Aposto que só ouviu a música da garota de cinco cores no cabelo. — deu de ombros.
— Não é verdade, já ouvi várias, porque a adora. Mas não costumo guardar canções na cabeça... A não ser que seja Oasis, Beatles e Libertines, você sabe — dei de ombros propositalmente, como se ignorasse o McFly.
— Valeu, valeu. Vai ter volta — falou indignado, num tom de brincadeira.
— Eu ouvi uma sobre uma Joanna aí... Muito linda — lembrei da canção que ouvi, antes de dormir, no som e me assustei ao reconhecer a voz de . Ele me olhou de novo, agora com um sorriso imenso, vitorioso.
— Finalmente, então você guardou mais uma música nossa na mente! — assenti e ele falou alguns “yeahs”.
— Sabe, eu queria achar alguém que dissesse o que diz naquela canção para mim. — falei não sei nem por que. Eu sou algum tipo se alienígena, não posso ser normal. me olhou de relance, agora sério.
— Você tem que deixar alguém sentir isso por você. Aí então encontrará — agora ele sorria. Idiota, imbecil, lindo, charmoso... E vidente, porque eu tinha pensado nisso na noite passada. — É aqui! — falou estacionando em um restaurante na beira da estrada que eu conhecia muito bem! Foi aquele mesmo que Leopold me levou para comer quando fugi. Olhei para o lugar boquiaberta e senti o coração bater abafado, aquilo me fez ter várias memórias, lembrar perfeitamente do dia em que estive lá.

? Tudo bem? — perguntou, me acordando do transe. Apenas assenti e saí do carro. Continuei ali, parada, olhando para o local. Vi vários caminhões estacionados, tentei achar algum igual ao que a minha cabeça lembrava ser o de Leopold, mas não encontrei nada parecido. Senti segurar a minha mão e entrei em outro transe. Parecia estar sentindo novamente um choque térmico. Então fomos nos aproximando, de mãos entrelaçadas, mas não conseguia olhá-lo.

O restaurante já estava bastante diferente do que a quatro anos atrás. Agora parecia estar em uma situação melhor, já via famílias almoçando ali. Quando entramos, vi aquela mesma senhora que parecia ser dona e trabalhar lá. Agora ela já estava com a maior parte dos cabelos brancos e um pouco mais robusta. O coração estava ficando apertado e senti um nó na garganta. Era como se por alguns segundos eu revivesse o dia em que cheguei a Londres. Mas essas lembranças foram mandadas embora, porque vi várias menininhas gritarem histéricas olhando para nós dois. Nós dois não, para , vamos ser coerentes. Então, elas correram da mesa de seus pais e vieram pedir autógrafos.

soltou a minha mão subitamente para poder assinar em guardanapos e outras coisas que as garotas tinham arranjado para conseguir assinaturas. Aquilo realmente me assustou, mas ele parecia familiarizado, sorria para elas e aceitava tirar fotos. Todas com seus celulares, até se dando cotoveladas para conseguir uma simples foto.

— Tira pra mim? — bastou uma delas pedir para que todas as outras pedissem e me entregassem seus celulares. Tirei foto por foto, via ser quase amassado em cada abraço e ouvia algumas até perguntarem pela Sophie. Elas deviam saber do namoro deles. Ele ficava sem graça e respondia que ela estava bem. Algumas meninas me olharam com cara feia, não sei se por gostarem de Sophie e acharem que eu era “a outra” ou por sentirem ciúmes de . Então, ele pediu licença para poder almoçar, mentindo, porque só quem almoçaria seria eu.
— Desculpa, não sabia que ia ter isso aqui hoje — desculpou-se, sem graça, tentando desamassar sua camisa e ajeitar os cabelos, sorrindo fraco e apontando uma mesa para sentarmos.
— Tudo bem, é a sua carreira — falei tentando parecer natural, mas na verdade estava quase tendo um ataque cardíaco de tanto medo.

Sentamos e eu senti todos os olhares femininos de 12 a 14 anos de idade nos olharem atentamente. Comecei a olhar o cardápio, que ainda estava quase do mesmo jeito que no dia em que cheguei a Londres. Vi o prato do dia, que era o mesmo que o daquele dia, mas decidi escolher outra coisa, já que não havia dado conta do comer tudo. brincava com a chave do carro enquanto esperava que eu escolhesse. De vez em quando, ele acenava para alguém, devia ser para as miniaturas loucas. Escolhi e chamei aquela senhora, que estava perto da mesa. Senti o coração bater mais forte enquanto ela se aproximava, notei que ela me olhava com atenção, devia saber lembrar de mim de algum lugar. Lembrei então que Leopold e ela conversaram um pouco no dia, ela certamente o conhecia, certamente eram amigos ou coisa do tipo.

— O que vai querer? — perguntou ainda me olhando apreensiva. Fiz o pedido e voltei a olhá-la, enquanto ela anotava senti que não conseguiria ficar sem perguntar, nem que me achasse louca se aquela mulher me desse um fora ou sei lá.
— Desculpe, mas eu posso perguntar uma coisa? — perguntei ansiosa. Ela parou de anotar e me olhou espantada.
— Claro que sim, se eu puder responder... — disse. agora me olhava espantado também.
— A senhora conhece o Leopold? Um caminhoneiro? Parecido com o papai Noel? — notei quando deu uma risadinha. olhava de mim para ela, ansioso para entender.
— Sim, conheço muito bem, por quê?
— É que eu queria saber se ele está bem, como anda a sua vida... — ela me analisou por alguns segundos antes de responder e levou uma das mãos à boca.
— Você é a garota que fugiu do caminhão dele no dia que almoçou aqui, não é? — constatou, com os olhos arregalados. falou algo como “hã?” e eu fiz um gesto para que ele esperasse. Então Leopold havia contado para ela que eu fugi! E ela lembrava de mim! Sorri e assenti, no mesmo minuto a senhora sorriu para mim. — Se você soubesse o tanto que ele ficou preocupado com você, não teria feito aquilo! — balançou a cabeça.
— Eu imagino, e sinto até um pouco de vergonha de ter feito isso... Mas ele está bem?
— Sim, esteve aqui ontem mesmo — comentou animada e eu suspirei. Queria tê-lo encontrado. Mas ao mesmo tempo senti uma alegria invadir o peito, estava tudo bem com Leopold, como queria dar-lhe um abraço e agradecer por ter me dado aquela carona.
— Ele ainda é caminhoneiro? — perguntei e ela assentiu.
— Quando eu contar a ele que te vi aqui, acho que é capaz de sair gritando de felicidade. Leopold sempre dizia que tinha medo que você tivesse sido raptada, que se sentia culpado por não ter mais notícias suas — disse baixando o olhar.
— Eu imagino! Então, você diz a ele que mandei lembranças, que estive preocupada com ele todo esse tempo, imaginando como estava e morrendo de vergonha por ter feito o que fiz! — sorri fraco e ela sorriu de orelha a orelha.
— Pode deixar. Se você quiser deixar algum telefone pra contato, me procure depois — piscou e eu agradeci, então nos deixou para preparar o que eu tinha pedido.

Aquele par de olhos hipnotizantes me olhava fixamente. não estava entendendo nada! Ele certamente devia estar pensando que eu fiz programa com o Leopold, então tratei de começar a falar antes que fizesse esse tipo de perguntas.

— Não me olha assim. Não dormi com o Leopold — sorri pelo canto da boca e notei que suspirou aliviado.
— Que história é essa? Você fugiu de onde? — perguntou confuso.
— Longa história, . Te conto com mais calma depois... Com essas garotinhas olhando todo o tempo pra cá fica difícil — ele concordou meio que contra a vontade e riu quando falei das fãs.
— Bem-vinda à minha realidade — falou com um sorriso maroto.
— É, essa sua realidade me assustou um pouco — riu um pouco alto, olhou para a minha mão, que estava em cima da mesa e ficou encarando as minhas unhas. — Elas realmente gostam da Sophie, né? — quando perguntei isso ele levantou o olhar bruscamente e me olhou confuso.
— Hã? Por quê?
— Porque várias delas me olharam quase que me esfaqueando só com o olhar. Devem achar que estou entre vocês — ri e dei de ombros. Ele então riu.
— Nááá, elas odeiam a Sophie e odeiam qualquer mulher que apareça com um de nós quatro. Elas são meio possessivas, você sabe — fiquei um pouco mais aliviada, pelo menos as fãs odeiam a Sophie. Mas ei, elas também estavam me odiando.
— E agora me odeiam também... Grande consolo! — falei balançando a cabeça e ele balançou a cabeça também, negando.
— Enquanto um paparazzi não nos flagrar, só essas que estão no restaurante saberão da sua existência. O resto é o resto — deu de ombros e olhou para o lado, mandando um beijo para alguma delas, que cutucou a amiga e ficaram dando risadinhas e gritinhos.

gostava daquilo, daquele assédio, e isso é engraçado.

— Ah, e você fala isso assim, tranquilamente? — perguntei incrédula.
— Ué, e por que não falaria? — franziu a testa, me olhando.
— Você já imaginou como seria se a Sophie abrisse uma revista e visse uma foto nossa por aí? Ia imaginar um milhão de coisas que nem existem e te daria um pé na bunda — tentei puxá-lo para a realidade, mas pareceu nem ligar.
— Talvez ela merecesse ver isso — bufou, encarando a chave do carro em sua mão. — Mas então... — notei que queria mudar o assunto, pois sua expressão facial também mudara. — Você sabe dirigir? — olhei-o confusa, o que ele quis dizer com aquilo? Por que ela merece ver? Mas decidi apenas responder a sua pergunta, não posso ficar me metendo.
— Sei — falei simplesmente.
— Huuuum, que ótimo — disse com um sorriso misterioso e eu o olhei sem entender.

Antes que pudesse perguntar alguma coisa, o almoço chegou e minha barriga estava praticamente conversando comigo e com . Comecei a comer sem me importar se ele estava observando ou o que, mas percebi que estava caindo na risada.

— Que foi? Está rindo de quê? — olhei furiosa.
— Parece até que eu te tirei da rua... Onde você tava amarrada, ? — perguntou em meio a risadinhas provocativas. Mostrei-lhe o dedo do meio e ignorei, continuei concentrada na minha refeição.

Fomos ao balcão pagar — insistiu em fazer isso, mas o impedi — e então quando paguei, disse à senhora que deixaria um celular para Leopold entrar em contato comigo. estava ao meu lado, olhando-me ansioso. Devia estar se mordendo para entender tudo aquilo. Então, dei meu número pessoal.

— Ei, não é esse o número que eu tenho! — ele quase gritou, olhando para a anotação, inconformado.
— Outra história que eu te explico depois — falei ignorando o fato de ele estar me olhando atentamente e entreguei o papel à mulher. Nos despedimos e saímos do restaurante. Várias garotinhas ainda correram para abraçá-lo antes de sair e me olharam com olhares assassinos mais uma vez.
— Ufa! Essas meninas estão ficando cada vez mais loucas — ele disse quando já nos aproximávamos do carro. — Toma — jogou a chave, e eu em reflexo, peguei. Sem entender, claro.
— Quê? — o olhei confusa, segurando a chave.
— Você dirige! — riu e deu de ombros, já entrando e sentando no banco do passageiro.

Entrei no carro e coloquei a chave na ignição. O encarei, ele agora havia deitado o banco mais um pouco para se acomodar.

, você tá me zoando, né?
— Claro que não, gracinha — falou simulando um ronco e fechando os olhos. — Agora anda que eu quero passear — abanou a mão para que eu fosse logo. Fechei a porta do carro.
— Por que você tá fazendo isso? — perguntei mais confusa ainda.
— Lembra que no dia em que te conheci falei que um dia deixava você dirigir? Então, o dia chegou, Cinderela! — abriu os olhos novamente e sorriu para mim, que o olhava inconformada.
Foi então que lembrei, foi uma das primeiras coisas que o ouvi falar. Fiquei até com vergonha por ter percebido o quanto fiquei surpresa com o carro importado dele.
— Ahhhhhhhhh... Agora sim, lembrei — mudei aquela expressão de choque para sorriso malicioso. — Aperta os cintos, príncipe encantado! — devolvi o apelido. gargalhou e ajeitou o banco novamente, colocando o cinto de segurança.
— Vou até colocar mesmo, sabe lá o que você é capaz de fazer — falou rindo. Apertei os cintos também e liguei o carro. Vi aquela estrada todinha pela frente e não pensei duas vezes. Saí em alta velocidade do estacionamento, arrancando um “woooooow” bem espantado de .

Dirigir o seu carro era como pilotar um carrinho de brinquedo, de tão leve que é. Bastava encostar o pé no acelerador para que ele corresse. ficava todo tempo pedindo mais velocidade, e eu entrei na brincadeira. Estávamos a sei lá quantas milhas por hora, só sabia que aquilo estava sendo muito divertido. Ele colocou alguma seleção de músicas antigas muito boas e nós cantamos quase todas as canções, pois haviam feito sucesso quando éramos crianças. De vez em quando eu tinha que tomar cuidado para não perder a atenção, falava umas coisas engraçadas e eu quase morria de tanto rir.

— Para! — gritou, subitamente e eu fiz o pneu cantar inconscientemente, de tanto susto que levei. — Isso, acaba com os meus pneus! — riu.
— Você é louco? Como você faz isso? — perguntei ofegante, recuperando-me do susto.
— Você não vai ficar parada aqui, né? — quando dei por mim, vi que estávamos parados no meio da estrada.
— E você mandou parar por quê? — olhei sem entender.
— Dobra à direita — falou apontando.
— Pra quê?
— DOBRA CARAMBA, para de perguntar! —disse impaciente e depois mostrou um sorrisinho. Dei um tapa em seu braço e fui à direção que ele indicou. Quando andamos mais um pouco, pude ver o que parecia ser uma pequena lanchonete. Haviam pouquíssimos carros estacionados lá, uns três, para ser mais precisa.
, de onde você conhece esses lugares? — perguntei espantada.
— Turnê, querida. Às vezes viajamos de ônibus e saímos procurando esses buracos pra comer — ele riu e eu estacionei. — Aqui tem o melhor sorvete de toda a Inglaterra — falou passando a mão na barriga e depois abriu a porta do carro e desceu. Desliguei o carro e peguei a chave. Saí e pressionei o alarme.

Ainda estava processando na cabeça o fato de ele ter me chamado de “querida”. Aquilo parecia repetir todo tempo. Sei que foi impulso, na brincadeira, mas mexeu comigo. Achei lindo. Então, me surpreendeu mais uma vez e segurou a minha mão. Não deixei transparecer que aquilo me abalava — de forma positiva, claro — e fui caminhando com ele até a “casinha”. A dona do lugar parecia conhecê-lo muito bem. Ele já devia ter ido ali mais de vinte vezes. Ela o abraçou, disse que estava mais forte e perguntou pelos outros “meninos”, que eu imagino serem os outros integrantes do McFly. Ele foi bastante amável com a mulher, disse que os outros estavam bem, que estavam de folga essa semana. De repente, ela me olhou, a essas horas eu estava atrás de , vendo tudo acontecer.

— Não vai apresentar essa bela moça? — perguntou sorrindo, muito simpática. Ele se virou para mim.
— Claro! — sorriu. — Dona Kate, essa é a e , essa é a Dona Kate, dona daqui — ela estendeu a mão e nos cumprimentamos.
— Prazer, . Pode me chamar só de Kate, o insiste em chamar de “dona” Kate — os dois riam e eu apenas dei um sorriso tímido e assenti. — Então, você a trouxe aqui para experimentar que sabor? — me olhou e passou o braço pelo meu ombro. Aquilo me fez quase entrar em estado de coma. Como era bom sentir aquele braço ao meu redor!
— Huuuum, pistache! Nós comemos aquele industrializado e eu quero mostrar a ela como o caseiro é muito melhor — Kate sorriu e disse que colocaria para a gente, que podíamos ficar à vontade e nos sentar. Fizemos-o, sentamos um de frente para o outro.
— Vocês se conhecem há muito tempo? — perguntei entregando a chave do carro para ele.
— Uns três anos já. Ela se sente nossa mãe — balançou a cabeça e riu.
— É bom sentir isso, né? — indaguei, olhando para a mão de que estava sobre a mesa.
— É — respondeu simplesmente e então colocou os dois braços flexionados sobre a mesa e apoiou o queixo, olhando-me, como se suplicasse carinho. Não tive escolha. Além de estar irresistível, raramente transparece carência. Levei uma das mãos à sua cabeça e comecei a brincar com os dedos, alisando os seus cabelos. Vi-o fechar os olhos e esboçar um sorriso discreto, deitando a cabeça sobre os braços flexionados. Continuei os carinhos e senti vontade de puxar a cadeira para o seu lado e beijar seus lábios. Mas não tenho passe livre pra isso. Ele mesmo já disse que nós não temos nada demais.

Kate se aproximou com duas casquinhas e duas bolas de sorvete de pistache em cada. Ela sorriu para mim e apontou para com o olhar, em seguida balançou a cabeça. Sorri para ela e dei duas pontadinhas na cabeça de , e ele a ergueu subitamente. Agradecemos Kate e pegamos os nossos sorvetes. Esse caseiro realmente está anos à frente do industrializado. É tão saboroso que mal conversamos. Quando terminamos, eu devia estar toda lambuzada, não sou muito boa com sorvetes de casquinha. Então, pegou um guardanapo e limpou as minhas bochechas e o meu queixo, nossos olhares se encontraram quase que o tempo inteiro. Agradeci o que fez e ele assentiu. Levantamos e nos dirigimos para o balcão.

— Não, não, não. Que é isso! — Kate disse recusando as notas que tentava pagar pelo sorvete.
— Toda vez que a gente vem em bando aqui você diz que é por conta da casa... Hoje estou sozinho, então te obrigo a aceitar — tentou convencê-la, com o seu melhor sorriso.
— Sozinho? Quem pode dizer que está sozinho com uma moça tão linda ao lado? — ela provocou, piscando para mim. Senti as pernas tremerem e o estômago embrulhar. Sorri fraco, agradeci o elogio e notei que parecia nem ter ligado para o que ouviu. Os dois engataram uma discussãozinha engraçada e ela acabou o convencendo de que seria por conta da casa mais uma vez. — Faço questão de acompanhar vocês até o carro.

Fomos os três caminhando até o carro, e Kate conversavam empolgados sobre a turnê do McFly. abriu a porta para eu entrar. Despedi-me de Kate e disse que foi um prazer conhecê-la, ela falou o mesmo e disse que esperava que eu voltasse mais vezes. Entrei no carro e ele fechou a porta, fiquei observando os dois pela janela do carro. a abraçou e ela deu-lhe um beijo na bochecha, recomendou que ele se alimentasse direito e os meninos também, ele riu e disse que estava fazendo isso, que estava até gordo. Bobagem, está perfeito. Então, antes de ele entrar no carro, notei que Kate o puxou e falou alguma coisa em seu ouvido, que o fez balançar a cabeça e rir, entrando no carro e acenando em seguida. Deu a partida e Kate ficou acenando por algum tempo. Já estava escurecendo, encostei a cabeça na janela fechada e fechei os olhos.

— A Kate disse que prefere você à Sophie... — aquelas palavras me fizeram abrir os olhos na velocidade da luz e olhar para assustada.
— Quê? Bobagem! — balancei a cabeça, fingindo nem ligar, quando na verdade sentia o coração festejar com bandeirinhas, confetes e tudo mais.
Ele deu de ombros, sorrindo, e continuou dirigindo. Voltei a encostar a cabeça na janela e fiquei olhando o caminho que fazíamos naquela longa estrada. Por que ele não se pronunciou sobre isso? Ele podia ter concordado comigo e dizer que era uma bobagem... Ou ter dito que concordava com Kate (essa hipótese só poderia ter saído do meu cérebro maquiavélico, mesmo). Mas não, deu de ombros e sorriu. Por que eu nunca sei o que ele está pensando? Por que ele nunca deixa transparecer como eu penso que deixo inúmeras vezes? Seria tão mais fácil! Porque aí eu desencanava de vez. E por que todos os nossos encontros são melhores que os anteriores? Por que ficamos cada vez mais íntimos? Por que ele faz isso comigo se não tem a intenção de se apaixonar por mim?

Já passávamos pela cidade, pelas grandes avenidas. Lembrei mais uma vez de Leopold, de ter passado por ali ao seu lado no caminhão e ter ficado abobalhada. Suspirei aliviada ao lembrar o que a senhora do restaurante disse, que ele estava bem e ainda dirigia seu caminhão. Agora só faltava saber dos pais de Carol, dela e até dos meus pais, para que eu seguisse a minha vida sem lembrar do passado e me remoer. Passamos, então, pela minha calçada de trabalho e notei olhar atento pra lá, viramos à esquina e passamos por algumas quadras até chegar em casa.

— Entregue! — sorriu, desligando o carro.
— Obrigada, — falei sorrindo e me aproximando dele para dar-lhe um beijo na bochecha.
— Eu que agradeço a paciência que você tem para as minhas loucuras — ele sorriu e eu parei no meio do caminho. Estávamos nos olhando, profundamente, e já estava sério. Depois o olhar dele foi desviado para a minha testa, as bochechas, o queixo e a boca. Voltando para os meus olhos — Você é linda. — disse simplesmente e sorriu mais uma vez. Senti as bochechas ficarem coradas e o coração bater loucamente, parecendo que ia rasgar meu peito a qualquer momento. Fiquei completamente sem reação. Então, senti as costas de suas mãos acariciarem o meu rosto e fechei os olhos.
— Não é certo — falei em um tom que, se não estivéssemos em silêncio, ele certamente não teria ouvido.
— Cansei de procurar o que é certo — abri os olhos lentamente e notei que estávamos a apenas um centímetro de distância, ele ainda acariciava o meu rosto, mas agora com a outra mão segurava o meu pescoço. Seus olhos se dividiam da minha boca para os meus olhos. Eu já não sentia parte nenhuma do corpo, sentia estar flutuando. Senti seu nariz encostar-se ao meu, massageando-o, assim como naquele sonho que tive.

Voltei a fechar os olhos. A mão que acariciava o meu rosto agora se dirigia para a minha nuca. Eu, que apenas usava as mãos para me apoiar no banco do carro, levei-as à sua nuca, acariciando seus cabelos. Nossos narizes brincavam e eu sentia a sua respiração bater novamente em meus lábios. Tinha medo de abrir os olhos e estar sonhando, então os mantive fechados. Como um choque, senti os lábios de tocarem os meus com leveza, e esse toque começou a se intensificar. Meu coração já nem devia bater mais, de tão acelerado que devia estar. Ele pressionou, como se pedisse passagem para nos beijarmos. E eu o fiz, finalmente. Abri suavemente a boca e senti a sua língua encontrar a minha. Elas iam de um lado para o outro com muito cuidado, parecendo se conhecerem há anos. Estava sendo eletrocutada por dentro, senti as tão famosas borboletas no estômago que tanto ouvi a falar que sentia... Lembro de tê-la achado idiota. Mas essas borboletas realmente existem. Basta encontrar alguém que saiba a hora de despertá-las. O beijo estava mais intenso, os braços de agora estavam na minha cintura e os meus em volta de seu pescoço. Ele parece saber o momento certo para tudo. A nossa sintonia era inexplicável. No som, alguma canção que nem prestamos atenção terminava de tocar. E a que começava... Ah, a que começava. Paramos de nos beijar, como que num impulso, e começamos a rir. Pareciam aquelas cenas clichês de filme. Era “I Wanna Hold Your Hand”. aumentou o volume e me olhou, sorrindo. O sorriso mais lindo que já o vi mostrar. Sorri para ele também, não com um sorriso tão lindo quanto o seu, já que creio ser impossível.

— John Lennon deve estar se revirando na tumba agora! — disse gargalhando.
— Deus o tenha, , credo! — falei em meio a gargalhadas e me benzi. Isso o fez rir mais ainda.
— Uhhhhhhhhhhhh! — ergueu os braços querendo me assustar — EU SOU O JOHN LENNON, EU SOU O JOHN LENNON — fez uma cara engraçada, tentava imitar um zumbi, mas não conseguia parar de rir.
— Para, , para! — supliquei, rindo e gritando, e ele dirigiu as suas mãos para as minhas costelas, fazendo cócegas. Eu não tinha forças para tirá-las, tentava falar alguma coisa, mas faltava ar. Fui me inclinando e me encostando à porta fechada. começou a ficar por cima de mim, ainda fazendo cócegas, mas diminuiu a intensidade. — Para... Minha bexiga... Estourar — falei ofegante e ele foi parando, ainda rindo, até mais do que eu, se duvidar. Então abri as pernas lentamente e ele foi ficando entre elas. Olhou-me desmanchando o sorriso e encarando fixamente os meus olhos. Mais uma vez nossos rostos pareciam não conhecer limites. Estávamos a uma distância quase inexistente...
— Droga, sempre tem que ter um celular! — reclamou, saindo de cima de mim e voltando para o seu banco, tirando seu celular do bolso. Eu fiz o mesmo, ajeitei-me em meu banco e tentei arrumar os cabelos, que já estavam despenteados. Então ele realmente ficou chateado no dia em que o meu celular tocou! Ele queria mesmo me beijar! Meu coração dava pulinhos. Procurei não ouvir muita coisa da conversa, mas ele chamava a pessoa do outro lado da linha de Harry. Desligou e me olhou desanimado. — Tenho uma reunião agora na gravadora.
— Tudo bem, não esquenta — dei de ombros e sorri.
— É de urgência, o Fletch tem essas coisas idiotas às vezes — falou desconsertado.
, já disse, tudo bem — sorri novamente. Mas achei lindo ele se explicando para mim. — Quem é Fletch? — perguntei curiosa.
— Nosso empresário. Ele é legal, um dia te apresento — e piscou.
— É, quem sabe — sorri fraco. A realidade me chamava. Eu não era namorada do . Ele tinha o seu compromisso de um ano, era perfeitamente compreensível que eu não poderia estar em seus programas com os amigos. — Agora vai, não se atrasa mais por causa de mim — dei um tapa suave em seu ombro e me virei para a porta, tentando abri-la. Senti a mão de me impedir de sair, assim como da segunda vez que nos vimos. Olhei-o subitamente e ele me puxou de uma vez, dando-me um selinho. — Louco! — falei colocando a minha mão aberta em seu rosto e o empurrei, descendo do carro e o ouvindo rir alto. Fechei a porta e acenei, ele buzinou e saiu. Respirei fundo e virei para o prédio, entrando. Ainda não conseguia acreditar que aquilo tudo tinha acontecido ali, bem ali na frente. Subi degrau por degrau em passos lentos, parando de vez em quando para lembrar do nosso beijo e sorrir internamente. Ele mostrou que me quer, ele praticamente disse isso! Ria ainda mais ao lembrar de “I Wanna Hold Your Hand” começar a tocar bem na hora que nos beijávamos. É clichê demais. Nunca apreciei tanto um clichê na vida.

Entrei em casa e não encontrei , certamente ela havia saído. Encontrei um bilhete na mesinha de centro.

, saí com o Jack. Sem risinhos cínicos, ok? Fui fazer o que você está pensando mesmo. Quando chegar, eu te conto tudo e você já sabe... Vai me contar tudinho também. Beijos, . p.s.: ESPERE-ME ACORDADA, SUA VADIAZINHA.”

Balancei a cabeça e devolvi o bilhete. Juro que consegui ouvir a voz da dizendo cada palavra escrita ali. Até a entonação. Corri para o banheiro, as cócegas não deixaram a minha bexiga muito à vontade. Voltei para a sala e me joguei no sofá, liguei a TV. Olhei para o teto e suspirei, lembrando novamente de cada coisa que havia acontecido. é o homem mais lindo do mundo e ainda consegue ser dono do melhor beijo que já recebi. É, tem alguém se apaixonando por aquela criança de 20 e tantos anos com os olhos mais azuis da face da Terra.

Estava quase pegando no sono quando ouvi abrirem a porta. Obviamente, era .

— Cheguei e é bom que você não esteja dormindo — aquela voz é inconfundível. Minha amiga estava completamente feliz.
— Er, estava quase. Que coisa mais demorada vocês dois! — falei sentando e a olhando. Ela estava parada perto da porta e jogou a bolsa na poltrona, sentando em seguida e suspirando.
— Ele é o melhor. Meu Deus que homem é aquele! — disse colocando uma das mãos na testa e rolando os olhos.
— Noooossa, espero que essa propaganda toda seja verdadeira — brinquei e ela arremessou uma almofada em mim.
— E eu lá sou de fazer propaganda enganosa! Você me respeita, hein?! — ordenou, fazendo careta e olhando para a TV. — Que merda é essa que você tá vendo? Minha nossa — pegou o controle e mudou de canal.
— Folgada! Mas me conta... Como está indo com ele?
— Tudo às mil maravilhas — suspirou idiotamente. — Estou te falando que ele é o melhor. Não sossega amiga, tinha hora que eu ficava desesperada de tão cansada.
— Puts! Então ele é bom mesmo, pra você ficar cansada só sendo o incrível Hulk. — me mostrou o dedo do meio.
— É, fica falando de mim aí, mas eu estou vendo uma expressão no seu rosto que não vejo acho que há uns quatro anos atrás, quando viemos pra esse apartamento! — agora sim, ela é adivinha. Só o que me faltava, a vendo pela minha cara que eu estava andando nas nuvens. Apenas a olhei e dei um sorriso fraco. Ela prendeu a respiração e arregalou os olhos. — , VOCÊ E O... AH MEU DEUS — praticamente berrava.
— Ah meu Deus o quê? Deixa de ser louca, claro que não — dei de ombros, ainda sorrindo e olhei para a TV. bufou.
— Droga, achei que finalmente você tinha sentido o suor daquele deus grego, passado as mãos naquele peitoral... Ai papai! — abanou-se, abrindo os braços e suspirando.
— Deixa de ser tarada, menina! — devolvi a almofada com um arremesso de mesma intensidade que ela jogou em mim — Vai cuidar do SEU deus grego e deixa o meu em paz — maldita boca a minha.
— O SEU? O SEU DEUS GREGO? MEU DEUS, EU OUVI DIREITO? — começou a gargalhar. Ainda não falei da risada da , mas quando ela se empolga, torna-se estridente e até um pouco insuportável. Imaginou? Agora multiplica por mil, era esse o volume de sua gargalhada nesse momento. Ela se levantou da poltrona e sentou ao meu lado, deu um tapa em meu braço. — Você conseguiu o , você... Conseguiu — chacoalhou-me.
— Não falei nada, deixa de ser louca! — empurrei-a, mas não conseguia disfarçar, o sorriso em meu rosto era praticamente insolúvel.
— Não falou, fez! Te conheço! Pode ir contando... É pra ontem! — estalou os dedos. Não tinha escapatória, eu tinha que contar tudo pra ela. E eu, no fundo, queria mesmo contar, para conseguir lembrar ainda mais de cada momento daquele dia e o principal: daquela noite.
— Ai, ai, ai, tá bom. Mas vamos controlar essas gargalhadas porque elas me irritam — pedi e me deu língua, depois assentiu e ficou séria. — A gente se beijou.

A reação dela foi pior do que eu imaginava. Se ela tinha dado gargalhadas estridentes e tinha me irritado profundamente, agora pulava e batia em mim com uma almofada. Só não me chamou de , vocês imaginam bem as palavras que ela usou. Então, quando ela parou de surtar e se sentou de novo, contei tudo que tinha acontecido. Ela voltou a alimentar as próprias tolices dizendo que tinha certeza de que ele gostava de mim, mas não deixou de chamá-lo de lerdo. Segundo , ele tinha um mulherão nas mãos e não sabia aproveitar. Eu dei risada e ela disse que e eu teríamos uma história tipo em “Uma Linda Mulher”, ele se apaixonaria loucamente por mim e me tiraria dessa vida. Claro que agora quem gargalhou fui eu. A não pode ser do mesmo planeta que eu e as demais pessoas normais. Apesar de estar praticamente com os pés fora do chão depois daquele beijo, eu ainda tinha alguma noção de realidade em mente. Sabia que não era tão fácil assim. A vida não é um conto de fadas. Eu também não estava tão louca pelo assim, afinal nos conhecíamos há pouco tempo.

Certamente com ele era do mesmo jeito, quer dizer, do mesmo jeito não, porque para ele eu não passava de uma distração, uma volta ao mundo paralelo à fama, ao dinheiro e a tudo aquilo que estava acostumado. Os homens não são como as mulheres, eles não se apaixonam tão fácil. E eu tenho certeza de que o não está apaixonado. Assim como eu (acho que) não estou. É só empolgação, nunca nenhum homem me tratou como ele me trata. Nunca. E prefiro parar de pensar nessas coisas, só o que eu quero pensar agora é naquele clichê, no nosso clichê. Eu amo os Beatles. Eu amo a vida. Eu amo o que estou vivendo. E eu finalmente estou feliz.

Capítulo 9


(Colocar para carregar: McFly - I Wanna Hold Your Hand)

Hoje foi mais uma noite cansativa na calçada. O primeiro a me pegar lá foi um garoto de mais ou menos 16 anos. Era virgem ainda. Não vou mentir, sinto-me mal de fazer o que fiz. Não gosto de tirar a virgindade desses garotos. Não acho certo. Por que eles não esperam a hora certa? Maldita sociedade, maldito ego. Esse programa foi um dos mais estressantes que tive, não é fácil lidar com adolescentes. Depois ele me devolveu e quem passou foi o John, para a minha sorte. Ainda estou cansada, mas fazer programa com o John sempre é como se eu recebesse uma massagem. Ele é calmo, faz cada coisa de uma vez. É muito bom para mim, já disse isso antes, mas digo de novo porque é verdade. Hoje nós conversamos mais do que fizemos alguma coisa.

Depois que já tínhamos terminado tudo, deitamos e ele disse que estava com problemas na empresa dos pais da ; alguns números não estavam batendo e isso era da responsabilidade dele. Fiquei com pena, porque o John realmente trabalha demais, e uma coisa dessas podia tirar-lhe o cargo e todo o sustento que tem. Eu disse para que fosse com calma, refizesse as contas e investigasse os novos empregados e até os antigos, nunca se sabe quem está fazendo falcatruas. Mas... Imaginem só: ele tinha que tocar naquele assunto. John decidiu mudar o rumo da conversa, mas para um lado que não me favorecia.

— A minha sobrinha, Sophie, gostou muito de você — engoli seco.
Senti John me olhar, eu apenas encarava os meus pés.
— Er, ela também é muito simpática — sorri fraco e o olhei de relance, depois olhei para o teto.
— Ela me perguntou se você não tem um tempo livre esses dias para sairmos os quatro. — NUNCA. NÃO, NÃO, NÃO E NÃO.
— De noite eu tenho que trabalhar, você sabe. E agora meu tempo está curto, estou em provas — fingi ficar desanimada. Nunca amei tanto estar estudando.
— Podíamos sair no sábado, então — sugeriu, fazendo carinho na minha nuca, o que me lembrou o dia em que eu e ficamos.
— Não sei. Tenho um aniversário para ir, de uma garota que estuda com a e que sai com a gente de vez em quando — menti.
— Você anda muito ocupada, Rach — brincou. — Ok, vou esperar essas provas acabarem e esses aniversários também.
— Como é o namoro dela com o ? — perguntei subitamente, controlando a voz para parecer uma pergunta natural, mas notei o susto que John levou, afinal nem estávamos falando disso. Então, comecei a roer as unhas e olhar o teto novamente.
— Por quê? — ele se virou, ficando de frente para mim.
Senti um frio na barriga. Eu não podia deixar John perceber que conheço ou achar que tenho atração por ele. Tratei de inventar alguma besteira.
— Oras, porque ele é famoso. Não imagino uma pessoa com uma vida normal tendo um relacionamento normal com uma pessoa famosa — nossa, sou péssima com invenções, torci para ser compreendida. E acho que fui, pois ele riu.
— É, não é mesmo dos mais fáceis, mas eles já estão há um ano juntos — mesmo já tendo ouvido isso de Sophie, esse “um ano” ainda me dá calafrios. Mas espera, ele disse que não é dos mais fáceis. e ela têm problemas? Olhei-o curiosa, ainda roendo as unhas.
— Eles têm muitos problemas?
— Vamos dizer que sim. O tem um espírito de adolescente, já a Sophie, mesmo tendo a mesma idade que ele, já pensa em construir um futuro, uma família. Ele só pensa no agora, na fama, em curtir o quanto pode. A fama não é uma coisa muito positiva para a personalidade. Esse é o maior problema entre eles, eu acho que aquilo não tem futuro — respondeu sinceramente.
E eu podia sentir meu coração gritando de felicidade. Mas também me senti egoísta por ficar feliz com isso. Pobre Sophie, ama o , quer uma vida com ele. Quem sou eu para desejar que isso não aconteça?
— Que pena, mas se existir amor entre eles, vão conseguir superar — tentei fingir um tom conformativo e sorri fraco.
— Não acho que exista assim. Talvez a Sophie por ele, mas ele por ela é uma incógnita — então o não é imprevisível só comigo. É O JEITO DELE. ELE É ASSIM.
— Eles pareciam se dar muito bem, John.
— Ele é um bom rapaz, não me leve a mal, por mais que não tenha a cabeça tão no lugar como deveria ter, não deixa de ser uma boa pessoa. É muito bem visto pela nossa família. É só que ele não tem a mesma sintonia que ela. Eles não focam no mesmo caminho. Mas quem sabe — deu de ombros. — Vamos? Tenho que acordar cedo amanhã — falou se levantando e em seguida se vestindo. Concordei e fiz o mesmo.

As palavras de John pareciam me acompanhar a todo lugar que eu ia. e Sophie não tinham um relacionamento perfeito, eu sei que isso não existe, mas eu achava que fossem mais estáveis. Mesmo ele tendo me dado um beijo. Ao mesmo tempo penso que para ele pode não ter significado nada. Que todo aquele contexto não foi nada. Eu não sinto que esteja apaixonado por mim, como a gosta de dizer desde que contei sobre aquela noite a ela. Acho que ele gosta dele mesmo, e só. Porque de mim eu tenho certeza que não, estou começando a acreditar que da Sophie também não. Ou tem uma terceira pessoa ou ele não quer nada com ninguém. Mas então por que impedi-la de encontrar quem goste dela e namorar por um ano? Isso não se faz!

Já se passou uma semana e alguns dias desde que me beijou, quer dizer, que nós nos beijamos. Aquele momento e aquele gosto não pararam de habitar a minha mente por nenhum segundo sequer. Eu desejava aquilo novamente com todas as minhas forças. É, não teve uma segunda vez nessa semana e alguns dias. Aliás, sumiu desde aquele domingo. Eu também não tentei ligar. Mentira, tentei uma vez, mas caiu na caixa de mensagens. Aí sim desisti. Não quero que ele sinta que estou no seu pé, afinal foi só um beijo, não significa nada, principalmente que temos alguma coisa. Eu tenho que manter os pés no chão e a cabeça no lugar, não posso esperar que quando a gente se encontrar de novo ele me receba com o maior sorriso do mundo e me dê outro beijo daquele. Por mais que eu sonhe com isso o tempo inteiro. Sei que tem o trabalho dele, a banda, o sucesso... Nem deve estar em Londres. Então por que eu fico esperando por um sinal de vida? Mesmo que esteja na mesma cidade que eu, querendo ou não, só nos veremos quando ELE sentir que isso é preciso. Eu devia simplesmente ficar aqui, quieta no meu canto, pensando que quando chegar a hora, nos veremos de novo e, se essa hora não chegar, apenas continuo vivendo. Mas não, eu sou egoísta demais para isso. Não consigo viver nada pela metade, não consigo conviver amigavelmente com o famoso “gostinho de quero mais”. A minha ansiedade não me deixa em paz. E foi assim que acabou essa noite, mais uma vez dormi com os meus pensamentos soando como música de ninar e o meu coração batendo abafado. Aquele nó na garganta já era praticamente o meu melhor amigo.

— Bom dia, flor do dia — ouvi falar ao abrir as cortinas. Tampei o rosto, devido à claridade.
— Bom dia, brega — falei lutando para que a minha voz saísse.
— Você tem prova, coração, vai se atrasar se dormir mais — foi aí que voltei para a realidade e praticamente pulei da cama, fazendo a rir. — Cuidado aí. Enquanto você toma banho, estou preparando uns sanduíches caprichados para o nosso café — piscou e eu a abracei, depois fui para o banheiro.

Tomei um banho quente, odeio banho frio pela manhã, escovei os dentes e me aprontei quase que na velocidade da luz. Depois peguei um livro e fui para a cozinha com ele. tinha preparado um sanduíche para mim e outro para ela, realmente estava muito bom. O suco era de laranja, o nosso favorito. Comia e lia ao mesmo tempo, revisando a matéria.

— Difícil a prova de hoje? — ela perguntou e depois tomou um pouco do suco.
— Bastante — falei sem nem desviar o olhar das letrinhas.
— Que horas você vem pra casa hoje?
— Essa prova é no primeiro horário, então depois dela devo estar voltando. Por quê?
— Porque perdi a minha chave e fiquei com medo de chegar da aula e você ainda não estar em casa — ela riu. — Sou idiota mesmo, acho que deixei no lugar que fui com o Jack ontem.
— Vocês estão firmes, hein?! — arqueei as sobrancelhas e dei um sorriso provocativo. Ela me chutou por debaixo da mesa. — OUTCH, vadia, se prepara.
— Nááá, não quero saber de nada firme fora você sabe o que... — gesticulou exageradamente e rimos. — Estamos apenas curtindo!
— Ah, , dá licença. Você não consegue ser assim. Tem certeza que não tá rolando sentimento?
— Ô , acorda, eu não sou você. Eu te contaria se tivesse. Te juro que dessa vez é diferente — agora eu que a chutei por debaixo da mesa, arrancando um rosário de palavrões.
— Que história é essa? Se eu tivesse, te falava também — falei inconformada.
— Uhum, sei disso. E eu nasci ontem.
— Vou te deixar aí com as suas idiotices e vou fazer prova — bufei e levantei, riu alto. Peguei as minhas coisas e saí.

Não foi das provas mais fáceis de fazer, mas também não foi a mais difícil. Eu esperava que estivesse bem pior. Antes de voltar para casa, dei uma passada no shopping, para olhar as últimas novidades das lojas, a só deveria estar em casa daqui a umas 3 horas, então eu tinha tempo. Fazer compras sempre faz bem. Eu não estava nadando em dinheiro, mas o último programa com John realmente tinha me deixado com um poder maior, porque ele pagou pela companhia na festa e pelo programa na mesma remessa. Apesar de ter visto coisas pelo shopping inteiro, só comprei um óculos de sol lindo e caro e duas blusas. Queria levar alguma coisa para a , mas era isso ou pagar o aluguel, então era melhor pagar o aluguel para não morar na rua. Cheguei em casa e depois de mais ou menos 40 minutos a apareceu, já com a chave. Ela disse que o Jack voltou ao lugar e tinham guardado. Mostrei a ela os óculos e as blusas, ela amou, mas resmungou porque não levei nada para ela. Isso é típico de sua personalidade, faz-me até dar risada. Almoçamos e eu fiquei lavando a louça enquanto ela se arrumava para ir trabalhar.

Seu aniversário estava chegando e eu sabia que dali a uma semana ela só falaria nisso todos os dias. Todos os anos seus pais faziam questão de dar um festão, e esse com certeza não seria diferente. Eu sempre fazia questão de ajudar a organizar também. Nunca falei muito deles, mas tenho um bom relacionamento com os pais da . Apenas a sua mãe sabe como me sustento, mas ela não me julga por isso, pelo contrário, só me aconselha para que eu não me acomode e fique nessa vida para sempre. Eles me lembram muito os Former, pais da Carol. São acolhedores e apesar de todo o dinheiro que têm, não tratam de forma diferente as pessoas que têm condição de vida pior. E souberam passar isso para a filha muito bem. A minha amiga é muito generosa, apesar de viver se vangloriando e sonhando, ela é bastante pé no chão e trata todos da mesma forma, não existe rico, não existe pobre. Eu invejo bastante a criação que teve, não uma inveja ruim, uma inveja branca, porque nunca recebi a metade do carinho e dos exemplos que ela recebeu dos pais. Quando tiver filhos, quero dar-lhes tudo o que não tive; não só coisas materiais, estou falando de carinho, de afeto. Quero ser o inverso da minha mãe. Quero que quando os meus filhos tiverem a minha idade e já estiverem morando fora de casa, pensem em mim com saudade e não com pavor, com raiva e até nojo. Quero estar sempre ali para eles, em qualquer coisa que precisarem, não quero que se tornem o que me tornei: uma pessoa que ganha a vida de forma não honesta e que com vinte anos ainda está no colegial. Vou fazer de tudo para guiar-lhes para o caminho melhor e estar sempre ouvindo tudo o que tiverem para dizer. Falando assim parece até que consigo imaginar-me tendo filhos, casada e feliz. Já falei como me imagino daqui alguns anos, totalmente solitária e talvez algum sucesso profissional. Ainda não consigo me ver em uma vida longe das calçadas, ainda dependo demais disso e odeio tal fato. Mas como a sempre me diz: nunca sabemos o que o futuro reserva. Talvez até antes mesmo do que eu imagine, vou estar transformada.

foi para o trabalho e eu peguei alguns livros para estudar para a prova do dia seguinte. Estava tendo algum resultado, até que ouço o toque de mensagem do meu celular profissional. Vocês já imaginam o meu coração enlouquecendo. Corri para pegá-lo no quarto e antes de olhar tentei pensar que podia não ser , era melhor assim do que criar expectativas e ser o John. Então, respirei fundo, já me conformando e pressionei a tecla.

“Hoje, às 9h, no canal 6 da sua TV. .”

Oh Deus, era ele, . Antes que percebesse já estava dando pulinhos, com o celular na mão. Ele deu sinal de vida! Apareceu! Não estava me ignorando! Ei, às 9h? No meio da semana? DROGA. Eu tinha que trabalhar. Nunca gosto de ir tarde à calçada. Ou ia trabalhar ou veria o canal 6 da TV, às 9h. DROGA, DROGA, DROGA. Mas ei, de novo. Por que eu tinha que ficar esperando por sinal de vida e ainda pensar em faltar o trabalho apenas para vê-lo na TV? Que se dane, ele podia ter aparecido antes, mandado uma mensagem, ou sei lá o que. Egoísta, só aparece quando isso beneficia a ele mesmo. Imbecil, deve ser tão lindo na TV. Cachorro, ele deixa a minha mente de cabeça para baixo.

Não, eu não vou dar o braço a torcer e nem parar a minha vida pra vê-lo num programa qualquer de televisão. Eu tenho um trabalho e eu vou fazê-lo. Não tem que mude isso. Coloquei essa idéia fixa na cabeça e voltei a estudar. Não que eu tenha conseguido, já que o dilema continuava sacudindo o meu cérebro.

Foi escurecendo e decidi que ia mesmo trabalhar, tomei banho e coloquei uma minissaia e uma blusinha decotada vermelhas e calcei o meu maior salto. Peguei uma bolsinha e ouvi entrar em casa. Saí do quarto e a encontrei no corredor, indo para o seu quarto.

— Já está indo? — ela perguntou.
— Acho que sim — sorri fraco. A dúvida de ir ou ver o na TV ainda estava me massacrando.
— Poxa, queria que você ficasse hoje — fez bico. NÃO FAZ ISSO, , EU NÃO POSSO FICAR. EM CASA HOJE É IGUAL À NA FRENTE DA TV NO CANAL 6, ÀS 9h.
— Ouuuun, aconteceu alguma coisa? — perguntei preocupada.
— Não, só que toda noite fico aqui sozinha — deu de ombros e entrou no quarto, eu a segui.
— Mas você tava saindo com o Jack esses dias...
— É, mas hoje não vou — coçou a cabeça e me olhou com cara de cão sem dono.

Não vou mentir, digamos que ir trabalhar estava com 20% de preferência na minha cabeça. Vocês já imaginam com quantos por cento o estava. IDIOTA, MALDITO. Antes que eu me desse conta já tinha dito para que ficaria e já tinha trocado de roupa e colocado um baby-doll.

— Vou fazer pipoca. Hoje tem o Children In Need — falou indo para a cozinha. Eu estava no sofá vendo “Friends”.
— Ah, é hoje? Em que canal?
— Canal 6, 9 horas — ela respondeu berrando da cozinha e eu levei um choque, voltando para a realidade. Então o estaria no Children In Need. OH CÉUS, como eu o veria na TV com ela ali do lado? Já estou até vendo a enchendo o tempo inteiro.

Passava das oito e meia, eu estava ansiosa para ver aquele idiota, mesmo que na televisão. A essas alturas, já tinha contado para a que ele me mandou mensagem dando as informações do canal e horário. Ela enlouqueceu e estava tão ansiosa quanto eu. Comíamos a segunda remessa de pipoca e tomávamos refrigerante. Foi quando vi a chamada do programa. Estava começando. Meu coração batia em todas as partes do corpo possíveis. Já não conseguia mais comer pipoca. Seria a primeira vez que veria na TV depois de conhecê-lo. A primeira e única foi no clipe do posto de gasolina e ele já havia mudado muito. Tomei o refrigerante tão rápido que parecia a última vez que eu tomava uma coca-cola na vida. Meus olhos estavam praticamente estáticos. Cada vez que o apresentador chamava uma nova atração, bufava porque ainda não era o McFly. Eu apenas bufava, já a chamava os seus tão amados palavrões o tempo inteiro. Chamou o apresentador de “demônio” quase que quarenta vezes. Já tinham se passado uns seis blocos e nada de e companhia. Ao final de cada um, ele falava “Vem aí: McFly”, e nada. Se não fosse doloroso, acho que já estaria careca de tanto puxar os meus cabelos, nervosa. Até que finalmente, assim como disse o apresentador, “para encerrar com chave de ouro”... MCFLY. A já enlouquecia na poltrona. E eu, bem, eu estava apreensiva, mas dei alguns tapas no estofado.

Ele estava ali. Junto com os outros três companheiros de banda. Ei, então aquele que estava no carro e foi com a gente para a piscina também faz parte do McFly! Como eu sou imbecil! Fiquei olhando fixamente para , gritava alguma coisa como “ gostosão”.

(Coloque a canção para tocar)

A música começou. Mas não era uma simples música. Era o que eu gostava de chamar de “a NOSSA música”. O nosso clichê. Vocês sabem a cara que eu estava fazendo. O sorriso já nem tinha para onde se expandir. O McFly estava fazendo um cover de “I Wanna Hold Your Hand”. Deus, isso soa como uma serenata. Tem como esse homem ser mais perfeito? Por que ele faz isso? Por que sempre consegue fazer com que eu não fique zangada com ele? Levantei do sofá e comecei a dançar e cantar junto com eles, olhando para a TV ainda, não podia perder nenhum close em . A se levantou também e ficamos berrando juntas na sala, ela não parava de repetir o quanto o tal era sensual, lindo, charmoso e ao mesmo tempo tinha cara de bebê. Devo dizer que concordo com ela, mas só tinha olhos para um deles. Adivinhem quem é. Como ele estava deslumbrante! Todo de terninho, assim como os Beatles costumavam se apresentar. Como fica lindo assim. Pena que a minha primeira experiência em vê-lo em um terno não foi tão legal, mas mesmo assim não pude deixar de notar que fica ainda mais lindo. estava cantando com um sorriso no rosto praticamente o tempo inteiro, como se confirmasse para mim que aquilo era em minha homenagem. Pelo menos era assim que eu me sentia: homenageada. Aquele homem sabe como mexer comigo, é incrível.

“And when I touch you I feel happy inside
(E quando eu te toco, eu me sinto feliz por dentro)

It’s such a feeling
(É como um sentimento)

That my love
(Que meu amor)

I can’t hide
(Eu não consigo esconder)

(...)

Cada verso dessa canção se encaixa perfeitamente para o que eu idealizo de . Às vezes tenho medo do quanto ele me faz sentir bem, do quanto ele me faz desejá-lo.

Yeah you got that something
(Yeah, você começou isso)

I think you’ll understand
(Eu acho que você entenderá)

When I say that something
(Quando eu digo algo)

I wanna hold your hand
(Eu quero segurar sua mão)”

Os gritinhos e pulinhos eram cada vez mais intensos, e eu já estávamos rindo de nós mesmas, parecíamos duas adolescentes vendo os Backstreet Boys soltarem beijos para a câmera, chegava até a ser patético, mas um patético aliviado. O não estava me ignorando depois do beijo. Queria gritar isso para o mundo.

A canção acabou e o programa também. Sentei no sofá ainda ofegante dos pulos e gritos e a sentou ao meu lado, em seguida pegou o controle e ficou passeando por vários canais.

— Adorei eles cantando Beatles, estou bege! — disse concentrada na troca de canais.
— Eu também, você viu como o canta bem? — perguntei, suspirando. Ela se virou para me olhar bruscamente.
— Que ofensa! Eu sabia disso BEM ANTES de você! — deu-me um pedala. — Retardada!
— Ai, sua monstra. Você entendeu o que eu quis dizer — devolvi o pedala. — Vou dormir, boa noite. — falei levantando e dando um beijo no topo da cabeça dela, que ainda estava sentada.
— Boa noite... — retribuiu simplesmente e eu dei as costas. Quando estava quase entrando no quarto, tive que parar no meio do caminho. VAI PRESTAR ATENÇÃO ASSIM NO RAIO QUE A PARTA. — O é seu. É só fazer acontecer — voltei para a sala praticamente correndo.
— Hã? Está falando do quê? Fumou maconha? — perguntei me fingindo de confusa. Ela se virou e me encarou, rindo.
— Você pensa que eu sou idiota? Eu sei que essa é a musiquinha de vocês. E ele fez o cover dela pra você, pra você ver — franziu a testa e esboçou um meio-sorriso.
— Você está pior do que eu pensava, está louca! Vou até dormir logo, depois dessa sua maluquice — fingi-me de desentendida novamente e voltei para o corredor. Ouvi-a gargalhar e cantarolar algo como “ e estão namorando, e estão namorando”.

Entrei no quarto e me joguei na cama, de barriga para o colchão. Coloquei a cabeça no travesseiro e olhei para a estante, vendo o balde de pipocas praticamente colado lá. Eu estava realmente idiota. Sorri para o balde. SORRI PARA UM BALDE DE PIPOCAS. Meu estado não é mesmo dos mais normais. Fechei os olhos e vi tudo acontecer de novo, desde o dia em que o conheci até o cover dos Beatles. É uma sensação estranha, mas boa. Era como se mesmo que eu estivesse com todos os problemas do mundo, bastava olhar para que todos eles praticamente sumiam. E mesmo que eu ficasse chateada com ele, era só vê-lo na minha frente que tudo isso era apagado com apenas um flash. Eu nunca me apaixonei antes. Então será que aquilo que sentia quando lembrava de era paixão? Como eu vou saber? Por que isso é tão complicado? Por que ele é tão complicado? Por que eu sou tão complicada? CHEGA. Tenho que dormir, preciso dormir. Fechei os olhos quase que os quebrando de tanta força que fiz, mas a imagem de cantando no Children In Need era mais forte e eu sorria idiotamente a cada lembrança. Ele me faz muito bem. Ele é o remédio, a solução. Eu preciso dele.

Capítulo 10


(Colocar para carregar: McFly - Just My Luck)

(Colocar para carregar: John Mayer - Love Song For No One)

Acordei cedo, seria a minha última prova e eu estava muito empolgada para ficar livre dela. No outro dia, completaria uma semana desde a aparição do McFly no Children In Need e duas e alguma coisa que não o via. Mas dessa vez foi diferente, me ligou quase todos os dias. E eu não consigo esconder o fato de isso praticamente salvar todos os meus dias, um por um. Nos dias que ele ficava sem ligar, era como se me sentisse incompleta, já nem dormia direito. As nossas conversas ao telefone não eram melosas, por mais que eu desejasse chegar nesse ponto algumas vezes e me odiasse por isso. Mas ele não dava muita abertura. Algumas vezes, dizia alguma coisa bonitinha, mas antes que eu me empolgasse, falava outra por cima, que dava a entender quase o contrário. Ele estava viajando com o McFly, estavam em turnê por toda a Inglaterra. Da última vez que me ligou, estavam em Leeds. Nessa última vez foi quando nos falamos por mais tempo, aproximadamente 4 horas ao telefone. Não tenho muita paciência para essas coisas, mas com é diferente. A cada minuto que passa, quero falar mais e mais, quando ele desliga é como se eu estivesse tendo um sonho lindo e tivesse sido acordada por um despertador com a risada do Bob Esponja. Frustrante.

A não tinha parado de me encher, muito pelo contrário, sempre que me via no celular começava a fazer dancinhas e gritar, algumas vezes ela pedia para falar com e falava um monte de coisas que me deixavam morrendo de vergonha. Quando ela me dava o telefone de novo, aí era ele quem me enchia a paciência. No fundo eu gostava disso, ouvir a risada do sempre era como terapia. Em uma das vezes, pedi para que cantasse para mim, ele negou e eu insisti por muito tempo, até que finalmente cantasse, mas com uma condição: cantaria apenas um trechinho e mais nada. Bufei, mas acabei concordando. Ele começou a cantar e eu sentia arrepiar, a voz dele é divina e eu continuo dizendo que ela massageia os meus ouvidos. Depois eu me arrependi de ter escutado aquilo, pois está na minha cabeça como chiclete, e eu fico me perguntando se ele cantou aquele trecho por cantar ou se queria dizer alguma coisa a mais.

“When I was younger so much younger than today I never needed anybody's help in any way and now these days are gone. I'm not so self assured. Now I find I've changed my mind I've opened up the doors.”
(Quando eu era jovem, mais jovem do que hoje, eu nunca precisei da ajuda de ninguém de maneira alguma e agora aqueles dias se foram. Eu não estou tão seguro, agora eu encontrei, eu mudei minha mente. Eu abri as portas).

Cada palavra martelava em minha mente. O que ele quis dizer? Ou será que ele nem quis dizer nada? Argh, cada vez mais complicado. Aprontei-me e fui tomar café com a , só eu parecia estar empolgada aquela manhã. Os motivos dela eram compreensíveis, Jack começou a namorar e eles pararam de se encontrar.

— Estou estressada — bufou e apoiou a cabeça nas mãos, ignorando que tinha que comer.
— Amiga, eu sei que é difícil, mas vira a página — falei cordialmente e depois mordi a torrada.
— Pô, eu estava me acostumando com ele. Homens são um $@#% — ela disse e depois tomou um pouco de leite quente.
— É assim mesmo, mas pensa bem. Vocês nem tinham nada, pior seria se ele tivesse te trocado, certo? — indaguei, desviando o olhar dela para o relógio na parede.
— É — falou simplesmente, olhando para o prato e ensaiando comer a torrada ou não.
— Já vou amiga, prova no primeiro horário! — tomei rapidamente mais um pouco de leite e levantei.
— Boa prova e não deixa o meu bom humor te contagiar — ela desejou, rindo.
— Obrigada. Não esquenta, eu sei como você deve estar se sentindo — dei de ombros e fui à sala. Peguei a bolsa e corri para o curso.

A última prova sempre tem um gostinho especial: liberdade. Só em me livrar daquela pilha de livros toda tarde em casa, já me dava uma felicidade tamanha. Nada se compara a um dia todo sem fazer nada, de cara para a televisão e comendo qualquer coisa. Nossa, como eu posso me sentir realizada assim? Não posso ser humana. Terminei a prova e saí com um sorriso de orelha a orelha. Passei em um mercado lá perto e comprei algumas coisas essenciais que estavam faltando. Cheguei ao prédio cheia de sacolas, mas por sorte um rapaz que morava no apartamento ao lado me viu chegar e se ofereceu para ajudar. O nome dele é Allan, e logo que chegou em nosso prédio, pediu para ficar comigo. Nós ficamos por alguns dias, mas a coisa desandou. Apesar de tudo isso, ele sempre era gentil e creio que não haja mais segundas intenções, até porque descobriu que sou prostituta alguns meses depois de “terminarmos” o que não tínhamos.

— Obrigada, Allan — agradeci sorrindo e ele sorriu também.
— Estamos aí! — bateu continência. — Sempre que precisar pode contar! — disse e logo depois me puxou e me abraçou, dando um beijo em minha bochecha que, para ser sincera, pegou no canto da minha boca e eu fiquei completamente constrangida. Fingi não ter percebido e entrei no apartamento.
Coloquei algumas coisas na geladeira e outras na despensa. Enquanto empilhava algumas conservas, ouvi baterem à porta. Devia ser Allan de novo, será que deixei alguma coisa cair? Andei despreocupadamente e nem olhei o olho mágico, de tão convicta que estava.

Não sabia mais onde o meu coração estava batendo de tão nervosa que fiquei. Não era Allan e eu não deixei nada cair, a não ser a minha pressão. Era , com um sorriso infantil, irritante de tão lindo.

— Não gostou de me ver aqui? — perguntou ainda sorrindo. Ele sabe o que provoca em mim, maldito. Tentei me conter.
— Ai, , deixa de ser idiota, claro que sim! É só que você me disse que só viria daqui três dias! — falei tentando, disfarçadamente, ajeitar os cabelos, que deviam estar assustadores de tão bagunçados. Ele arqueou as sobrancelhas.
— Eu menti. Queria te ver assim! — riu alto e ficou me olhando, deixando-me completamente sem graça e corada. Eu estava muito feliz em vê-lo, tão feliz que não sabia como agir. Queria abraçá-lo apertado, senti muito a falta dele, mas não sabia como esse abraço seria recebido. Eu não sei o que se passa na cabeça de .
— Besta — baixei o olhar, sorrindo fraco. — Entra, né?! — obedeceu e entrou, fechei a porta e quando me virei para ele, notei que estava parado, olhando para mim, imóvel. — Que foi? — perguntei tentando imitá-lo.
— Nada — deu de ombros e sentou no sofá, para o meu desespero. Grrrrrr, odeio quando ele age assim... Frio, estranho.
— Você chegou que horas? — perguntei tentando quebrar o silêncio que ainda nem tinha tido tempo de dar o ar da graça e sentei na poltrona ao lado do sofá, olhando para ele, que olhava fixamente para a TV desligada.
— Oito — respondeu simples e claramente, sério.
— Como você sabia que eu estaria em casa mais cedo? — questionei, confusa.
— Você me disse da última vez que liguei — olhou-me de relance e voltou a encarar a TV desligada.
Eu estava completamente insegura com aquele momento. O que estava acontecendo? Porque ele estava agindo daquela forma? O não é assim. Não o que eu conheço. Antes que pudesse falar mais alguma coisa, ele se levantou e pegou uns papéis no bolso, pareciam cupons. Deu dois passos e ficou parado em minha frente. Em seguida, estendeu a mão e pude ver que eram dois ingressos.
— Aqui. Pra você e para irem ao nosso show no Wembley, sábado — peguei os ingressos e toquei sem intenção a mão de , logo depois, ele a colocou no bolso.
— Obrigada! A vai morrer quando vir! — falei sorrindo abertamente e olhando para cima, para poder ver seu rosto. Ele, no entanto, não devolveu o mesmo sorriso, só um fraco e estranho.
— Com esse, vocês têm acesso ao camarim antes e depois do show — informou e me deu as costas, caminhando em direção à porta.
— Já vai? — perguntei sentindo mais uma vez um clima estranho. Levantei e o segui.
— Já, tenho compromisso, só vim deixar os ingressos — ele mesmo abriu a porta e foi saindo. Eu não conseguia deixá-lo ir sem entender o que estava se passando. Não estava normal, não era nem de longe o jeito de agir do . Tinha algum problema. — Tchau, apareçam lá — disse dando as costas para descer as escadas. Então, apressei o passo e peguei em seu braço.
— Espera, — pedi, fracamente, com medo de sua reação sei lá por que e ele se virou bruscamente, ficando de frente para mim. Notei que tentava não me encarar.
— Quê? — franziu a testa, indicando impaciência.
— Está tudo bem?
— Uhum — sorriu fraco e me deu um beijo na testa. NA TESTA. Não consegui dizer mais nada, também não ia insistir. Ele devia ter motivos. Deve ter tido algum problema com os outros garotos ou sei lá em que mais. Não devia ter a ver comigo, ou com a gente, já que ele me deu um beijo na testa. Ei, será que ele quer dizer que o nosso beijo foi uma coisa do momento e que não quer que eu me iluda, mas não teve coragem de dizer?

Não, não pode ser. Se fosse assim ele não teria me dado os ingressos VIP. Droga, queria tanto ser uma mosquinha e conseguir entender tudo sobre a vida do , acompanhá-lo a vários lugares e saber o que acontece. Mas não, tenho que me contentar com o “pouco” que sei. Fiquei observando-o descer os degraus. Até a sua forma de pisar estava diferente. Ele definitivamente não estava bem. Fiquei parada ali, tentando encontrar alguma justificativa para aquele comportamento, mas não conseguia. Nada fazia sentido. Desisti de procurar uma falha e voltei para o apartamento. Guardei os ingressos na gaveta da estante e comecei a preparar o almoço. Estava quase na hora da chegar. Liguei o som que ficava perto da televisão e começava a tocar alguma canção muito bonita na rádio, fui preparar o almoço a ouvindo. A letra era um tanto quanto realista no que se tratava de relacionamentos estranhos. Assim como o meu e de .

Não estou dizendo que temos um relacionamento, mas digamos que o que temos não é qualquer coisa. Pelo menos não o que tenho por ele. Temos que concordar que também não é normal um cara como procurar uma prostituta e nem transar. Ele nem chega a insinuar tal coisa. Algum carinho ele sente por mim. Ou talvez por eu sentir, fico achando que ele tem o mesmo sentimento. Talvez só sinta respeito. Mas eu paro para pensar e não consigo achar uma razão para ele me respeitar sem sentir nada. Bom, ele pode gostar de mim como amiga, talvez. E o jeito que ele agiu hoje pode ter sido uma maneira implícita de dizer que não quer mais me beijar para não confundir as coisas. Ele não estava bem e aquilo não me fazia bem também. Enquanto cortava a cebola, algumas lágrimas provocadas por ela se misturavam com lágrimas vindas direto do meu coração. Como o fato de alguém agir diferente podia mexer tanto comigo? Por que ele não me disse o que estava sentindo? Eu preferia que tivesse sido claro a ter ficado daquela forma. Se ele tivesse sido direto, eu não estaria aqui cheia de questionamentos. Aliás, por que me deixa tão cheia de dúvidas? Por que ele simplesmente não me diz que foi um equívoco e que vamos ser só amigos? Que foi longe demais e agora tinha medo de me magoar?

Será que ele sabe que me deixa assim? É como diz aquela canção: "Eu sei, eu não te conheço, mas eu te quero tanto". Por que raios mesmo? Parece até que gosto de sofrer. Credo. Coloquei os pedacinhos de cebola picada na panela e continuei preparando o almoço, os meus olhos ainda ardiam um pouco, mas as lágrimas já tinham parado. Tantos as que eram provocadas pela cebola quanto as que eu mesma provocava. Por sorte, voltei a lembrar de Leopold e me dei conta de que ele não tinha dado notícias ainda. Devia estar sem tempo. Como seria bom se ele aparecesse, assim eu me distrairia e pararia de só pensar no que estava acontecendo com . Era sempre isso, agora. , , . Odeio os homens e o que eles provocam. Eu estava aqui, na minha, trabalhando e sendo fria. Por que aquele Don Juanzinho tinha de aparecer e tirar o meu foco? Imbecil.

Quando o almoço estava quase pronto, ouvi a porta abrindo, era , conheço aquele barulho todo. Ela nunca consegue ser silenciosa, toda porta para ela é como se fosse uma geladeira.

— Chegueeei — disse me dando um abraço por trás e um beijo na cabeça.
— Está melhor? — perguntei virando-me para olhá-la, porque achei seu tom de voz um pouco mais animado do que no café da manhã. Ela deu as costas e sentou na cadeira mais próxima.
— Digamos que um pouco — respirou fundo. — Ele falou comigo hoje na faculdade. Disse que não queria me magoar. Aí eu pensei: ei, não estou magoada. E &%$@#-se — rimos.
— Então eu tenho uma coisa que vai te animar mais ainda!
— ADORO SURPRESAS! — bateu palminhas. — O que é? Você vai me dar um dos caras do McFly? — perguntou animada.
— Quase isso... — ouvi-a prender a respiração e voltei a mexer na panela.
— Oh céus, fala logo antes que eu me jogue da escada!
— Digamos que não só um... TODOS os caras do McFly — ela deu um grito e mandou que eu falasse logo. — Tenho dois ingressos para o show deles sábado no Wembley — levou uma das mãos à boca e eu prossegui. — E tem mais... VIPs. Vamos poder entrar no camarim antes e depois do show! — agora ela já pulava e me abraçava, enchendo-me de beijos no rosto. — Chega, ! — empurrei-a, rindo.
— Espera, mas como você conseguiu? — perguntou, colocando as mãos na cintura.
— O esteve aqui mais cedo e me deu — respondi simplesmente. Ela abriu um sorrisão e eu ignorei, pegando a panela e levando até a mesa para almoçarmos.
— E então...? — queria aumentar a conversa, esperançosa. Coitadinha.
— E então nada — falei pegando dois pratos, copos e talheres e colocando na mesa. — Vem — sentei e ela veio caminhando. Sentou de frente para mim.
— Como assim, nada? Vocês estão há quase três semanas sem se ver e você me vem com um “nada”? — perguntou incrédula e se servindo.
— É — respondi em um tom baixo, servindo-me em seguida.
— Ah, mas isso não é normal. Você está me escondendo alguma coisa?
— Não, estou falando sério. Não foi culpa minha — falei antes que ela me xingasse.
— Então... O que tem de errado? — indagou com os olhos arregalados.
— Não sei, e estou me matando por isso — desabafei, soltando os talheres e levantando, indo em direção à geladeira pegar refrigerante.
— Não estou mais entendendo nada — ouvi-a dizer e voltei para a mesa.
— O não estava bem. Isso era explícito — falei abrindo a garrafa. me olhou fixamente.
— Continuo sem entender — reclamou, segurando o seu copo para que eu a servisse, então o fiz.
— Eu também — falei colocando refrigerante no meu copo e em seguida fechei a garrafa novamente, voltando a sentar e comer. — Quando abri a porta ele estava sorrindo, mas depois, quando entrou, estava completamente diferente. Mal conversamos — dei de ombros e evitei encontrar os olhos de , que nem piscavam.
— Hã? O que ele tem? — perguntou como se achasse que eu sabia a resposta. Quem dera.
— E eu é que sei? — tomei um pouco de refrigerante. — Deve estar com vergonha de ter me beijado, de ter se precipitado e não sabe como dizer isso.
— Como assim? Só se ele for louco! Porque me desculpe, amiga, mas o cara ligava quase todo dia nessa última semana... Só se ele for um porco indeciso e destruidor de corações. Porque o que ele deu a entender foi completamente outra coisa — falou indignada.
— Talvez ele seja um destruidor de corações — sugeri simplesmente e ela balançou a cabeça.
— Não, eu estou com raiva do . Mesmo ele sendo aquela obra de arte ambulante. Porra, parece criança. Ou quer ou não quer. Desgraçado — ela disse tudo o que eu queria dizer e não saía. — Mas... Você vai ao show? Porque se você não quiser ir, não tem problema. Eu não fico com raiva e fico aqui com você — ofereceu, fofa, e eu sorri.
— Eu vou sim. Afinal quero conhecer um pouco desse McFly. Também quero conhecer os outros dois garotos.
— Três — ela me corrigiu sem saber que, na verdade, eu sabia o que estava dizendo.
— Dois. Conheci o . Aquele do carro no dia da piscina era outro integrante — sorri fraco e recebi um chute.
— #$@%&, é muito burra mesmo! Você conhece e nem se dá conta disso também. Ah, parei com você — cruzou os braços. — Eles devem ter rido muito de ti.
— Quem sabe — dei de ombros e cruzei os braços, baixando o olhar.
— Ah, ... Não fica assim — fez bico e levantou, agachando-se ao meu lado e me dando um abraço. Apoiei a minha cabeça na dela.
— Eu achei que tudo fosse mudar depois daquele beijo, mesmo tentando não pensar nisso — respirei fundo. apenas continuou me abraçando, ela sempre sabe a hora de falar. — E mudou, pra pior. — levantou a cabeça e me olhou. Eu via um pouco de pena em seu olhar. Era compreensível, acho que a minha cara não era mesmo das mais felizes.
— É engraçado... Eu que estava toda jururu hoje de manhã e agora você que está aí precisando de uma força — rimos frustradas. — Não esquenta, se ele continuar agindo assim vai ser pior pra ele. Não sabe o que está perdendo e eu sei que essas formas de consolo são as mais clichês, porém é a verdade nessa situação.
— Ah, ... Eu queria acreditar nisso... Mas acho que ele só ganha não querendo ter nada comigo.
— Nunca mais diga uma coisa dessas! — ela me deu um tapinha no braço e eu sorri fraco. — Eu sei como você está se sentindo... Eu já me senti assim. Mas uma hora, acredite, você vai se sentir boa demais pra ele — falou com confiança, mas eu não conseguia acreditar que um dia me sentiria superior ao . — Agora vamos, levanta. Vamos lavar essa pilha de louças e depois vou trabalhar... Mas olha só... Amanhã vamos sair pra dançar e eu não aceito não como resposta — falou levantando e piscando para mim. Assenti e levantei também. Ela me ajudou a empilhar e a lavar a louça, logo depois saiu para trabalhar.

Talvez eu precisasse mesmo sair para dançar, tomar novos ares e conhecer gente nova. e eu não íamos muito a boates, não por falta de vontade, mas por falta de disposição. Mesmo assim ela ainda ia mais do que eu. Apesar de amar dançar, só tinha disponibilidade para sair sábado e domingo... Nesses, eu geralmente estava muito cansada, então desistia. Mas estava decidido! Amanhã eu ia faltar o trabalho e dançar até amanhecer!

(...)

— O que você acha desses brincos? — perguntou exibindo duas argolas que mais pareciam pulseiras, mas que nela ficavam perfeitas.
— É sua marca, né? — ri e ela me mostrou o dedo do meio, colocando-as em seguida.
— Adorei essa sua blusa, só não é mais bonita porque você não comprou uma pra mim — falou me vendo vestir uma das blusas novas que comprei no shopping.
— Olha o drama, já te dei muito presente! — falei vestindo uma calça cigarrete. Ela riu.
— É verdade, eu que estou em falta contigo! — admitiu se olhando no espelho e ajustando melhor o tubinho preto que vestia. — Vamos as duas de scarpin. É uma ordem! — falou com uma cara engraçada.
— Sua ordem é totalmente aceita, personal! — bati continência e ela fez careta. Fui até o meu quarto e calcei o meu scarpin, quando voltei, a já estava pronta e sentou na cama, esperando-me fazer o rabo de cavalo.
— Anda, quero dançar! — ela disse me apressando.
— Jáááá — falei terminando de fazer o penteado e fui até o meu quarto pegar alguns trocados. Quando fui para a sala, me pediu para colocar o dinheiro dela no meu bolso. Eu o fiz. Checamos se estava tudo desligado, ferro fora da tomada etc e saímos.

Pegamos um táxi e fomos até a boate, que era um pouco longe de onde moramos. Era uma das mais sofisticadas de Londres. O dinheiro que se gasta na entrada equivale a uma semana nas boates mais simples. Mas vale a pena, é realmente a melhor. O open bar vale todo o esforço. Chegamos ao local e tinham algumas pessoas ainda do lado de fora, uma fila razoavelmente grande, então me olhou desanimada, era a única desvantagem de ir lá: filas. Ficamos lá por mais ou menos 20 minutos até conseguirmos entrar. Era um lugar realmente grande, tinham cinco ambientes e uma decoração de cair o queixo. Já tinha mudado muito desde a última vez que fui. Há quanto tempo não escuto aquele “tum tum” ensurdecedor, já estava até com saudades. Já entrei empolgada, dançando, a fez o mesmo e fomos dançando até o bar. Cada uma pegou uma batida e fomos para a pista. Fazíamos algumas palhaçadas durante as danças, como ir até o chão, rebolar feito loucas, mas nem ligávamos. Quer dizer, ninguém ali se importava. Tomei a batida em uma velocidade incrível, estávamos dançando muito e eu já sentia calor.

— Vou pegar um pouco de vodka. Você quer? — gritei no ouvido dela, já que a música era muito alta. Ela apenas balançou a cabeça negando. Então fui até o bar e esperei chegar a minha vez. Antes de pedir, senti uma mão segurar o meu braço, virei bruscamente e fiquei surpresa.
— Rachel? — era , o amigo de . Ele sorria e estava uma gracinha. Sorri para ele também.
— Oi , tudo bem? — demos dois beijinhos e ele disse que sim, logo o barman me chamou. — Só um segundinho... — falei para e ele assentiu, então pedi o copo de vodka e fui atendida. Virei-me novamente para ele.
— Tudo bem com você? — perguntou-me aos berros.
— Tudo — respondi da mesma forma, estava difícil conversar ali. Ele se aproximou de mim para poder falar no meu ouvido.
— Nunca mais te vi, me contou que você descobriu que ele é famoso — riu alto e eu dei um tapa em seu ombro.
— Pois é, nossa, vocês dois me fizeram de idiota, hein? — falei rindo, ele riu mais ainda e assentiu, levando outro tapa. — Como está a sua ruiva? — perguntei, mas não entendeu e pediu que eu repetisse. Gargalhou.
— Já era! — franziu a testa. — Estou à procura de outra que pode ser ruiva, loira, morena... Castanha assim que nem você — e piscou fazendo charme. Não pude deixar de rir e corei.
— Idiota! — balancei a cabeça e ele me olhou rindo.
— Levei um fora, hein? Beleza! Quando você quiser não estou mais aqui — cruzou os braços.
— Vem, deixa eu te apresentar a minha amiga — puxei-o pelo braço e com a mão livre segurava o copo de vodka. Fomos caminhando em direção à pista de dança e dançava de olhos fechados. Apontei para ela e fez uma cara engraçada, como se gostasse do que via. — ... — gritei e ela abriu os olhos subitamente. Em seguida os arregalou, olhando para .
? — perguntou espantada e ele confirmou.
— Ao seu dispor — falou cumprimentando-a, ela ainda estava em choque e eu ria da cena.
— Sou ! — apresentou-se e ele elogiou seu nome.
— Dança com a gente! — convidei. Quer dizer, gritei.
— Com certeza! — sorriu maroto, olhando para . Eu ri da troca de olhares deles e tomei vários goles de vodka. — Vai devagar com isso — pediu preocupado. Sorri e o mandei relaxar.

Ficamos dançando ali, os três. começou a se soltar mais, ela e já conversavam normalmente, gritando, lógico. Bastou eu puxá-lo para dançar comigo uma vez para que a fizesse o mesmo, era como se ela só precisasse de um impulso. Achei engraçado, ela parecia estar controlando mais seu fanatismo pelo McFly, pois estava agindo surpreendentemente normal. se ofereceu para pegar mais bebida e ficamos só as duas.

— Meu Deus, eu não acredito! — ela disse sorrindo e colocando uma das mãos na testa. — Eu estou dançando com !
— E ele está querendo te pegar... — completei e ela deu uma risada abafada.
— Será? — perguntou confusa.
— Será? Você ainda tem dúvida? — ela riu e me deu um tapa no braço. — Ah, antes que eu esqueça... Ele me conhece como Rachel — adverti e ela piscou para mim assentindo. Logo voltou com as bebidas, eu já bebia o 5º copo de vodka, as coisas estavam começando a flutuar na minha frente, e diziam estar se sentindo da mesma forma, nós apenas ríamos e continuávamos dançando.

Passava das 4h da manhã e nenhum de nós parecia estar cansado e querendo voltar pra casa. Quando falávamos nisso, outra música boa começava a tocar e então esquecíamos até os nossos nomes. Se antes eram cinco copos, agora eu já tinha perdido a conta de quantos tinham sido. , que havia pedido no começo da festa para eu ir devagar com a vodka, já estava até pior. Falava um milhão de bobagens, fazendo e eu gargalhar como loucas. Ele é muito engraçado. Não pensem que seus olhares para diminuíram. Uma hora, quando fui ao banheiro, notei que ele se aproximou dela e começou a falar algumas coisas em seu ouvido, ela apenas ria e falava outras no dele. Ironia do destino, não? A talvez ficasse com outro cara do McFly.

Decidimos voltar para casa andando, disse que ia conosco até o nosso apartamento e de lá ligaria para o motorista deles buscá-lo. O caminho foi muito divertido, já amanhecia e estávamos os três muito bêbedos, nem me recordo da maioria das besteiras que falávamos, só sei que nunca rimos tanto. Ele ia ao meio, com um braço em volta do meu ombro e outro em volta do ombro de . Lembro quando ele disse que éramos as suas duas mulheres, que quem o visse na rua àquela hora com nós duas o acharia o filho da #@%$ mais sortudo do universo. Depois de uma longa caminhada, chegamos ao apartamento. Foi quase impossível colocar a chave na fechadura, eu nunca acertava. Então passei a chave para e ela também não conseguia. No final quem conseguiu foi e nós já morríamos de rir por não conseguir. O chamamos para entrar e fomos à cozinha, tomamos café puro e ele ligou para o motorista e explicou o caminho.

— Fica aí, depois você vai! — disse quando o viu desligar o celular.
— Tenho que ir, hoje tem ensaio antes do show. Nem sei como eu vou fazer, bêbado desse jeito.

Ah é, o show. Tinha esquecido completamente desse show.

— Dorme um pouco e vai, o ideal seria você dormir o dia todo, mas... — lamentei e ele concordou.
— Os caras vão me matar, já estou até vendo. E não era pra eu ter bebido tanto, minha voz vai ficar %$#@! — disse balançando a cabeça negativamente, como se estivesse decepcionado com sua falta de disciplina.
— Que nada, você vai tirar de letra — o conformou e ele sorriu. — A minha mãe me ensinou uma coisa muito boa para as cordas vocais... Com limão. Vem, vou anotar pra você — então os dois foram para a sala e eu fiquei na cozinha, tomando mais um pouco de café. Sentia-me bem. A companhia de tinha sido realmente muito boa, ele é muito alto astral e engraçado. As minhas bochechas já estavam doloridas do tanto que me fez rir.
— Rachel, estou indo — avisou, entrando na cozinha e vindo em minha direção. Deu-me um abraço e um beijo na bochecha. Tão fofo. — Foi muito bom passar a noite com vocês, vamos combinar mais vezes — piscou e eu assenti, sorrindo para ele.
— Vou com você até a porta — falei e ele deu as costas. Segui-o. já estava parada perto da porta, então se despediu dela também.
— Vejo vocês no Wembley hoje à noite, não faltem! — ordenou com uma cara engraçada e se virou para descer as escadas.
— Cuidado aí, hein? Se segura! — fingiu preocupação e ele riu alto. Realmente, do jeito que estávamos tontos, era perigoso ele rolar escada abaixo. O observamos até sumir de vista e fechamos a porta.
— Preciso da minha cama — disse e concordou. Nem vi mais nada depois que cheguei ao meu quarto, joguei-me na cama do jeito que estava, só tirei os sapatos.

Quando acordei, notei que já estava escuro, senti dor ao tentar abrir os olhos, eles estavam literalmente pregados. Então, apoiei-me na cama com os cotovelos e olhei para o relógio no criado-mudo. Marcava 7h da noite, o show seria às nove. Levantei como louca da cama e corri para o quarto de , que ainda estava debruçada.

— Amiga, levanta! 7h da noite já! — tentei acordá-la, pegando em seu braço, ela o puxou. — Vai tomar no #@, Jack — disse quase que sem som, fazendo-me rir.
— Ô sua idiota, aqui é a , acorda — sacudi-a e ela se virou, fazendo careta e abrindo os olhos lentamente.
— Sono do demônio — resmungou.
— Vou tomar banho, se apronta aí também! — avisei, dando as costas e deixando o quarto dela.

Entrei no banheiro e tirei toda a roupa, que estava completamente suja e com cheiro insuportável de álcool. , e eu devíamos ter nos dado vários banhos de vodka, uísque e tudo que tinha direito. Liguei o chuveiro e senti arrepiar, estava mesmo precisando tomar banho. Tomei um banho demorado e depois escovei os dentes. Voltei para o quarto enrolada na toalha e abri o guardarroupa. Não sabia o que escolher. Olhei umas 20 vezes e optei por uma camisa branca regata e uma calça preta, não pensei duas vezes e calcei o meu all star preto. Não usaria salto nem por decreto. Mal sentia meus pés depois de dançar de scarpin a noite inteira. Tirei o excesso de água das pontas do cabelo e decidi que iria deixá-lo secar naturalmente, não estava com paciência para secador. Passei um reparador de pontas e penteei. Estendi a toalha na porta e passei um perfume suave. Peguei os dois ingressos na gaveta da estante e coloquei no bolso. Saí do quarto e ouvi cantar a música da Joanna no chuveiro, depois cantou outra e mais outra, creio que todas do McFly. Ri internamente e liguei a TV, depois sentei no sofá. Estavam passando alguns clipes na MTV e eu assisti atenta. Não era nenhum que eu conhecesse a canção, mas não deixavam de ser bons vídeos e boas músicas. Permaneci daquela forma por uns 30 minutos, quando finalmente ficou pronta. Checamos se tudo estava desligado e saímos. Ela estava muito ansiosa, só falava em como devia ser o show, em como o devia ser mais lindo ainda e que queria ver o . E eu, bem, eu estava nervosa. Não sabia como seria encontrar o no camarim. Também estava empolgada para o show, queria ouvir mais dessa banda. Queria conhecer mais. O táxi parecia estar andando muito devagar, não sei se era o nervosismo que me fazia achar isso ou se realmente era o que se passava. Fomos finalmente nos aproximando do Wembley Stadium. Havia uma multidão lá fora, muitas garotinhas histéricas com o nome “McFly” pintado até a alma. Pagamos o táxi e descemos, respirei fundo e caminhei até a entrada.

Havia duas entradas: uma para os ingressos normais e outra para os VIP. Por sorte esses especiais deviam ser muito caros, porque havia poucas pessoas na fila. e eu entramos, meu coração batia sufocado e acelerado ao mesmo tempo. Uma mulher, que certamente trabalha para eles, nos deu pulseirinhas e nos guiou até o camarim. Fomos andando com um grupo de mais ou menos quinze pessoas, todas garotas. Elas estavam muito nervosas também, chegamos até a conversar com algumas, a maioria já chorava, diziam que eles eram os amores de suas vidas e que morreriam por eles. e eu rimos. Fiquei um pouco incômoda quando algumas delas começaram a falar de , como ele era lindo, simpático, gostoso e talentoso. Elas não mentiram, mas me deu vontade de dizer que já estive com ele e elas não. Porém me policiei para não agir de forma tola, porque do jeito que ele estava estranho, negaria na minha cara. apenas me olhava rindo toda vez que uma delas falava dele. Quando chegamos ao camarim, a primeira pessoa que vimos foi , que nos recebeu com um sorriso de orelha a orelha.

— Yay! Vocês vieram! — falou vindo em nossa direção e nos cumprimentando com um abraço apertado. Ele é um amor! Senti as garotinhas que vinham atrás nos fuzilarem com o olhar e cochicharem, certamente elas ficaram com inveja porque nos conhecia e falou primeiro com a gente. Depois ri de mim mesma, eu estava criando uma competição idiota com adolescentes, o que me deu? Conversamos pouco com ele, pois tinha fãs para atender, mas pediu que esperássemos na lateral, que ele fazia questão de nos apresentar aos outros.

e eu ficamos esperando ansiosas e eu procurava com o olhar ou qualquer outro integrante, mas não via nenhum deles e isso estava me deixando nervosa. Notei que agia da mesma forma.

— Cadê os outros? — perguntou ansiosa e mordeu o lábio inferior.
— É, também quero saber... Mas o mandou a gente esperar, então vamos ficar aqui.
— Acho que vou morrer quando cumprimentar o — ela disse colocando as mãos no rosto e dando risadinhas.
— Aiaiaiai, imagina eu quando vir o — cogitei sentindo as pernas falharem ao imaginá-lo ali.
— Ah, dá um desconto. Você e o já se conhecem e você nem sabia que ele era famoso. Já eu sou fã deles e vê-los é mágico! — suspirou e rolou os olhos. É, ela estava certa. — Aquele gostoso, nossa, vou me segurar pra não agarrá-lo!
! — falei mandando-a falar mais baixo, pois avistei vindo em nossa direção, ela apenas riu e deu de ombros, dizendo que era a verdade, “fazer o quê”.
— Vamos meninas, dêem as mãos para o papai aqui — chamou, batendo no próprio peito e em seguida posicionou as suas mãos para que cada uma segurasse uma. O fizemos e caminhamos um pouco até uma salinha, onde ao chegar à porta pude reconhecer o tal amado da . Ela olhou pra mim incrédula e sussurrou algo como “meu Deus, vou morrer”.
, quero te apresentar as melhores companheiras de festa do zão aqui — falou se vangloriando e nós rimos, quer dizer, eu ri. estava imóvel.
— Ah, então vocês são as duas que embebedaram o nosso amigo aqui! — falou apontando para e rindo. A devia estar morrendo. Assenti e notei que a minha amiga continuava imóvel.
— Essa é a Rachel! — apresentou e se aproximou, cumprimentando-me. — E essa, a . — foi de mim para ela e a cumprimentou também.
— Mão gelada! — ele entregou, sorrindo, e eu juro que vi as bochechas dela ficarem roxas de tão coradas, mas tentou esboçar um sorriso.
— Ei Harry, vem aqui! — gritou ao ver o amigo passando. Harry se aproximou e eu não pude deixar de perceber o quanto ele é charmoso. É realmente um homem muito bonito. — Quero te apresentar as minhas novas amigas — sorriu e Harry sorriu também. e eu fizemos o mesmo. deu um pedala em Harry e pediu licença, indo para fora da sala, devia estar indo falar com as fãs.
— Prazer, sou Rachel — adiantei-me e dei a mão para ele. Para a minha surpresa, ele a beijou. Mas não aquela coisa brega, Harry soube fazer isso de uma forma tão sensual que me deu até medo.
— O prazer é completamente meu — respondeu sorrindo pelo canto da boca e piscando.
— Essa é a . Ela e a Rachel moram juntas. — comentou e Harry se aproximou de , cumprimentando-a.
— Muito bom conhecer vocês — Harry disse e eu estava hipnotizada em seu rosto perfeito. Muito bom foi conhecê-lo, oh céus.
— Nós é que dizemos isso — finalmente falou alguma coisa depois do seu estado de choque. Harry sorriu e nos chamou para sentar. Sentamos e ele ficou entre nós duas.
— Porra, me deixaram em pé — resmungou e nós rimos, ele então puxou um banquinho e sentou perto da gente.
— Todo show é isso? Esse monte de gente pra tirar foto? — perguntei.
— É, mas a gente já está mais rápido nesse esquema — Harry respondeu e concordou.
— Cadê o ? — perguntou procurando-o com o olhar.
— Acho que foi falar com as meninas lá fora — disse com um sorriso maroto. — Ê vida boa — disse Harry, esticando-se no sofá.
— E o , Haz? — perguntou procurando com o olhar. Droga, por que ele fez isso? Senti o ar faltar.
— Ele teve um problema com uma corda e bateu o pé dizendo que ia consertar agora.
— O parece uma mulher com essas frescuras! — falou inconformado e nós rimos.

Engatamos alguns assuntos, ainda faltava um tempo para o início do show. De vez em quando, quando e Harry estavam distraídos, me olhava e olhava para Harry, fazendo uma cara sem vergonha e eu devolvia da mesma forma, ríamos e eles dois ficavam sem entender nada. Eu estava distraída com segurando a minha mão, ele disse que sabia ler mãos e ficou manuseando a minha, inventando um monte de baboseiras, Harry o xingava e só faltava morrer de tanto rir. Eu também não estava muito diferente dela. Ele é doido. Foi quando ouvi uma voz bastante conhecida pelos meus ouvidos. Levantei a cabeça subitamente e olhei para a porta. estava de costas, escorado nela, conversando com a moça que nos levou até o camarim. Ele parecia bravo, devia ser por causa de seu instrumento. Então continuou a brincadeira, Harry continuou xingando-o e percebeu que eu estava olhando atenta para , porque a senti me olhando. Olhei de volta e fiz leitura labial, ela disse para eu ter calma. Assenti e sorri fraco.

parou de conversar e se virou, entrando na sala. Foi quando os nossos olhares se encontraram. notou que eu olhava alguém atrás dele e se virou para olhar, viu que era e começou a encher o saco, chamando-o de afeminado, ele apenas mostrou o dedo e se dirigiu até , para cumprimentá-la. Quando vi que ele vinha em minha direção, fui levantando devagar do sofá e tentando me acalmar, não queria que ele percebesse que eu estava nervosa. Ele veio, olhando profundamente nos meus olhos, parecia enxergar todos os meus pensamentos, eu nunca me senti tão frágil. Colocou uma das mãos em minha cintura e me puxou bruscamente, dando um beijo na bochecha. Olhei-o confusa e ele apenas sorriu, dando as costas e sentando na frente do enorme espelho do outro lado. Senti alguma felicidade, gostei de ele ter agido daquela forma. Parecia estar louco pra me ver. Mas essa felicidade logo sumiu quando vi alguém adentrar a sala. Era Sophie. Ela foi direto para e o beijou. Não um selinho, como tinha visto na festa. Um beijo de cinema mesmo. E ele parecia corresponder muito bem. Aquilo estava me corroendo. Comecei a lembrar de nós dois juntos, nos beijando, e senti vontade de ir até lá e tirá-la de cima dele. Ainda bem que antes que eu pudesse pensar mais em fazer isso, eles pararam e ela veio em nossa direção.

— Sophie, essas são as minhas amigas, Rachel e falou pela milésima vez.
— Eu a conheço — Sophie sorriu cordialmente e me cumprimentou, e Harry nos olharam confusos. — Tudo bem, Rachel? Não sabia que você conhecia os meninos — agora quem se virou assustado foi .
— Não, ela é amiga do... — quase solta e, antes que ele terminasse, corri para corrigir.
! — completei subitamente e agora todos os olhares da sala, menos o de e de Sophie, eram para mim. me olhou confuso e eu o olhei de volta, tentei fazer uma expressão que fosse clara o bastante e acho que ele entendeu, tanto que respirou fundo e balançou a cabeça, entendendo o que quase provocou.
— E você não me é estranha... — Sophie disse indo em direção à . A minha amiga não sabe ser falsa, o sorriso que ela deu foi tão amarelo que Harry soltou um riso abafado.
, estudamos juntas em uma série do colegial — falou tentando aumentar o sorriso, que cada vez ficava mais falso. Harry já estava vermelho de tanto tentar prender a risada e se virou para mim, que também queria rir, então os dois ficamos de costas para elas fingindo conversar. Ouvi Sophie prender a respiração.
— Como você mudou! — ficou surpresa e deve ter cumprimentado .
— Todos mudamos, não? — ela disse e Harry já não conseguia parar de tanto rir. Eu tentava ajudá-lo, gesticulava para que ele respirasse fundo, mas ele balançava a cabeça e sussurrava algo como “não dá”.

Ainda bem que ele foi conseguindo se controlar, porque cada vez que ele ria, eu tinha vontade de rir também. veio para perto da gente e Harry estendeu-lhe a mão, dizendo baixo que o troféu de falsidade era dela. Ela riu e disse que Sophie merecia e, para a minha surpresa, Harry concordou com ela. Como assim? Os meninos da banda não apoiam o relacionamento de e Sophie? Tentei ficar neutra e não dar opinião nenhuma, também tentei não olhar para trás, pois o casal estava abraçado.

— As meninas podiam ver o show da lateral do palco! — Harry deu ideia e vibrou.
— Concordo! — disse.
— Melhor, porque daí não fico sozinha — Sophie comemorou, olhando-nos e sorrindo. Tive que vê-la com e não foi legal.

Depois de muito tempo, voltou para a sala e conversou um pouco conosco, em seguida pediram para que , Sophie e eu saíssemos da sala para que eles se aquecessem, o show já iria começar. Agradeci mentalmente terem mandado a Sophie sair também, ela e não podiam conversar, pois ele me acharia louca e negaria para ela sua amizade comigo. Era um longo corredor, fomos acompanhadas por dois seguranças, que cochichavam em que lateral nós ficaríamos.

— Qual você acha melhor, Tony? — um deles perguntou.
— Lateral direita, perto do e do — o outro respondeu.

apertou meu braço e eu a olhei sorrindo. Ela devia estar nas nuvens de ficar perto de . E eu não vou mentir que não fiquei feliz em estar perto de . Só que essa felicidade não era só minha, Sophie já estava comemorando e nos dizendo que ultimamente só ficava do outro lado. Quis avançar em seu pescoço, mas apenas sorri. Subimos algumas escadas e já estávamos ali, na lateral direita do palco. estava entre Sophie e eu, graças a Deus. Eu sei que não tenho direito de sentir raiva dela, mas é inevitável. Ela é um amor de pessoa, tratou-me muito bem, e ela que é namorada do , não eu.

Dali pude ver a multidão, era assustador. Eu teria que trabalhar muito estar em público para poder me soltar em um show ou em que mais precisasse ter contato com multidões. Fiquei pensando no frio na barriga que eles deviam sentir, até eu estava sentindo! Então eles foram anunciados, e os gritos da platéia eram cada vez mais intensos, ali vinham as quatro pessoas mais esperadas da noite. Pude jurar que vi muitas meninas puxando seus próprios cabelos. veio para o seu instrumento e acenou para nós três, acenamos de volta e os outros três fizeram o mesmo, menos , que além de acenar para e eu, soltou um beijo para Sophie, senti um cutucão de no braço e balancei a cabeça. Eles começaram a tocar, e são incrivelmente bons nisso. Era a segunda vez que via tocando e era incansável. A cada canção eu ficava mais hipnotizada. Ele tem um carisma incrível. Todos têm, mas vocês sabem que eu não tinha tempo de olhá-los. Quer dizer, vez ou outra eu olhava para Harry, que tem pinta de galã até tocando bateria. Toda vez que se aproximava da gente, falava “gostoso do demônio” em meu ouvido, o que me fazia rir incontrolavelmente. Sophie tentava participar das fofocas, mas não dava muita abertura. Vez ou outra ela mandava beijinhos para o quando ele olhava para onde estávamos. Não quero parecer convencida, mas percebi que ele me olhou várias vezes, até em uma delas deu um sorriso lindo, mostrando todos os dentes... Porém, olhei para o lado e vi que Sophie achou ser para ela, então eu mesma fiquei em dúvida sobre para quem era realmente. Ela e cantavam todas as músicas, sabiam de cor. E eu apenas apreciava e pulava.

puxou o pedestal para mais perto da lateral e anunciou que aquela era uma canção nova.

— Não tenho certeza se ela vai estar em nosso próximo álbum, mas mostrei para os caras e eles quiseram tocar essa noite — anunciou, tendo a sua voz quase abafada pelos gritos no estádio. Então ele prosseguiu. — Escrevi essa canção depois de viver um momento feliz ao lado de uma pessoa querida, senti-me incrivelmente diferente, como se a minha sorte estivesse mudando... E quero compartilhar um pouco disso com vocês. Apresento: “Just My Luck” — concluiu e a banda começou.

(Coloque a canção 1 para tocar)

Alguma coisa ali me chamou atenção, não sei bem o que é. Mas sabe quando você se sente familiarizado? Eu devo estar louca.

“You and I have got a lot in common
(Eu e você temos muito em comum)

We share all the same problems
(Compartilhamos todos os mesmos problemas)

Luck, Love and life aren’t on our side
(Sorte, amor e vida não estão ao nosso lado)

I’m in the wrong place at the wrong time
(Estou no lugar errado na hora errada)

Always the last one in a long line
(Sempre o último em uma longa fila)

Waiting for something to turn out right, right
(Esperando para algo dar certo, certo)

I’m starting to fall in love
(Estou começando a me apaixonar)

It’s getting too much
(Está ficando demais)

Not often that I slip up
(Não é frequentemente que eu falho)

Well it’s just my luck
(Bem, é simplesmente minha sorte)

Rain clouds are gathering in numbers
(Nuvens de chuva estão se acumulando numerosamente)

Just when I put away my jumper
(Logo quando eu boto meu colete)

Luck and love still not on my side
(Sorte e amor ainda não estão ao meu lado)

I still refuse to be a skeptic
(Eu ainda recuso a ser um cético)

Cause I know that you could still correct this
(Porque eu sei que você ainda poderia corrigir isso)

Maybe this will be my lucky night, night
(Talvez essa seja minha noite de sorte, noite)

(...)

Eu via olhar em nossa direção, mas não sabia direito para quem ele olhava. Com certeza aquela música era para Sophie, toda vez que olhava para ela, via-a com as mãos no peito, como se sentisse aquilo. É, eu não tenho chance.

Eles foram surpreendentemente bem aplaudidos. Claro que a gritaria praticamente já estava instalada, não parava um minuto.

— Ele é um amor, não é? — ouvi Sophie falar, apenas fez algum barulho com a boca. Olhei para Sophie e ela estava praticamente flutuando. É, aquela música devia ser para ela. Afastei os pensamentos e voltei a atenção ao show. Eu estava realmente gostando daquelas músicas. Eles têm ótimas composições, nunca pensei que admiraria uma banda tão recente. E “Just My Luck” ficou linda. realmente é talentoso. Sophie é uma mulher de sorte.

O show acabou e voltamos para o camarim, os garotos receberam mais algumas fãs que tinham ingresso VIP e depois voltaram para a sala onde estavam antes, encontrando , Sophie e eu sentadas no sofá. Todo o tempo que eles passaram com as fãs, nós três nem chegamos a conversar. tinha deitado a cabeça e estava com os olhos fechados. Sophie estava concentrada em algo em seu celular e eu estava concentrada em meus pensamentos.

— Gostou do show? — Sophie me acordou do transe. Sorri fraco.
— Gostei bastante. Você já deve estar acostumada, né?
— É, mas sempre tem algumas coisinhas diferentes. Hoje eu fiquei completamente encantada com aquela canção. O não é um fofo? — senti o sangue ferver. Ela estava certa de que aquela canção tinha sido para ela. Não que eu achasse o contrário, mas tinha alguma coisa naquela letra que eu parecia já ter visto. Disfarcei e assenti, sorrindo.

Antes que pudéssemos criar outro assunto, os quatro apareceram na sala, conversando alto e rindo bastante. Pude perceber que eles são muito descontraídos e unidos. foi o primeiro que correu para perto de nós. Sentou no braço do sofá ao lado de e puxou seu cabelo, fazendo-a abrir os olhos subitamente e mostrar o dedo do meio, rimos.
— Gostaram do show? — perguntou nos olhando.
— Muito! — respondeu.
— Que bom, porque a gente fez o show praticamente para vocês — falou abrindo uma lata de energético e sorrindo abertamente, fiquei corada.
— Ah amor, que fofo! — Sophie disse se levantando e ficando ao lado de , acho que ela esperava um abraço ou um beijo, mas a única coisa que ele fez foi continuar concentrado lendo o rótulo de seu energético. mal a esperou levantar e já sentou ao meu lado. Aquela palavra “amor” revirava o meu estômago.
— Finalmente desocupou, estava morrendo de dor nas pernas. — falou e depois bufou. , que estava com a cabeça deitada, de repente se endireitou.
— Conheço um óleo chinês maravilhoso pra isso! — ela ofereceu e ouvi Harry gargalhar. — Que foi? — perguntou inconformada.
— A quer passar óleo nas pernocas do ! — pronto, depois de Harry dizer isso, ele e ficaram fazendo uma dancinha dizendo que ia sair da estaca zero. rebateu dizendo que quem estava no zero eram eles. começou a rir e eu também. Depois desviei o olhar deles para Sophie e . Ele parecia meio entediado com ela. Ela falava alguma coisa e ele mal respondia, depois olhava para os três amigos e baixava a cabeça. Vi-a tentar por várias vezes ficar abraçada nele ou beijá-lo, mas não tinha muito resultado. Aquilo me fazia vibrar um pouco, confesso.
— Deixem de viadagem e vamos todos detonar uma pizza? — perguntou e foi o primeiro a concordar, aos berros, dizendo que só ia com a condição de ele escolher os sabores. Harry o mandou se f*** e disse que ele quem escolheria. Iniciaram uma nova discussão.
— Cala a boca todo mundo, quem vai escolher o sabor vai ser a e a Rachel — disse e , Harry e ficaram inconformados. Nós duas apenas ríamos.
— E eu? — Sophie perguntou em um tom de voz nada satisfeito. Vi Harry revirar os olhos e sussurrar algo como “que se dane”. Se eu não fosse muito boa em leitura labial nunca teria entendido. Quando ele viu que eu havia percebido, gesticulou para que eu me calasse. Apenas assenti, rindo.
— Er, você também — se forçou a ser gentil, tentando sorrir, mas ele tinha a mesma expressão que teve na hora de cumprimentá-la. Os garotos definitivamente não vão com a cara dela. E ? Ele não fez nada. Fingiu que não estava ouvindo e guardou alguns pertences no bolso.
— Vamos? Estou com um buraco negro no estômago — disse dando a mão para Sophie. Todos concordamos e fomos direto para a van deles.

Eu não tinha muita certeza se queria mesmo ir comer essa pizza. Ver com Sophie ali não me faria bem. Mas em compensação os garotos são uns malucos lindos. Dá vontade de pegar todos eles e colocar em uma caixinha, para criá-los. Entramos no veículo e fiquei sentada entre e Harry. sentou com no banco à nossa frente e com Sophie no próximo. Eles iam conversando animados e volta e meia inventavam alguma piadinha para mim e para , só para nos fazer responder, já que estávamos tímidas e apenas dávamos risada do que eles diziam. Não demorou muito para que estivéssemos à vontade. Eles são muito fáceis de conversar, são amáveis e engraçados.

Chegamos ao restaurante e eles começaram a discutir de novo quem escolheria os sabores da pizza. Dessa vez , para a minha surpresa, gritou dizendo que não aguentava mais e que quem ia escolher essa @#$%& era ela. Todos riram e eu disse para ela guardar sua educação, fazendo-a me dar língua. Era um lugar sofisticado, devia ser muito bom para os famosos, porque havia pouca gente e acho que ali eles podiam comer mais em paz. Sentamos e eu fiquei entre e Harry, estava ao lado de Harry. Fiquei de frente para , que estava entre Sophie e . No final quem fez o pedido foi a mesmo, sendo até chamada de “heroína” por e Harry. e se chamavam de gay o tempo inteiro, era muito engraçado. O sempre fazia algumas piadinhas com o , e ele ficava bravo, devolvendo outra piada pesada. Como eles são loucos. E eu estou adorando isso. Sophie parecia ser a única a não estar se sentindo bem lá. Ela olhava para outro lugar e às vezes a via revirar os olhos e balançar a cabeça. Então era isso. Ela não se dava bem com os garotos. Começamos a conversar sobre casamento, e foi aí que eu quis matar a .

— Eu quero casar só pra dormir de conchinha — disse suspirando, todos riram.
— Se for pra eu casar e dormir de conchinha, quero que seja com o ! — disse abraçando o amigo e fazendo caras e bocas afeminadas, recebendo empurrões.
— Sou areia demais pro seu caminhãozinho, 'tá! — respondeu também com poses afeminadas.
— A Rachel nem precisa de nada disso pra dormir de conchinha... — começou e eu gelei. Não era possível, ela nem estava bebendo! Será que ela ia contar do dia em que dormi de conchinha com o ? Notei que ele estava um pouco apreensivo também. — Uma vez a peguei dormindo agarrada em um balde de pipocas.
UFA! Mas mesmo assim eu quis matá-la! Só , ela e eu entenderíamos o sentido daquilo. Quis enfiar a minha cara em um buraco, olhei para ela com o olhar fuzilante e todos na mesa estavam morrendo de rir, até .
— Ah não, a Rachel é pipoqueira! — Harry falou com uma voz engraçada e gargalhando em seguida, foi aí que pela primeira vez no dia escutei aquela gargalhada gostosa que só o tem. Isso me fez até esquecer por alguns segundos que ele estava ali na minha frente com a namorada. Mostrei o dedo do meio para eles e logo pensei em algo para deixar a constrangida também. Há! Ela me paga.
— É né, eu nem ia falar nada... Mas a tem uma lista de cantadas baratas para o ... — devolvi rindo e agora quem me olhou com um olhar assassino foi ela. Agora o motivo de piada era ela. E, bem, .

começou a bagunçar os cabelos do amigo, que ficou xingando ele e os outros, pois cantavam “ arrumou namoradinha, arrumou namoradinha”. A estava com a cabeça abaixada e Harry pegou em sua nuca, tentando fazer com que ela a levantasse.
— Ah não , agora eu quero ouvir pelo menos umas duas cantadinhas pro nosso amigo ali, tenho certeza que ele quer ouvir também! — Harry provocou, recebendo um tapa no braço. Ela levantou a cabeça e olhou para .
— Não liga, ela inventa essas coisas só pra descontar os podres dela que eu conto! — disse com as bochechas vermelhas. a olhou com um sorriso cordial.
— Deixa pra lá, estou acostumado com esse assédio — disse em um tom convencido e um sorriso vitorioso, fazendo todos na mesa continuarem enchendo o saco da e chamando o de gay e ruim de papo, que não se diz uma coisa dessas para uma moça tão bonita. Notei que ela ficou um pouco sem graça, porque não falou mais nada, apenas tinha um meio sorriso.

O pedido finalmente chegou e foi a única hora em que todo mundo se calou. Estavam todos morrendo de fome. Eu tinha dificuldades para comer, já que e Harry ficavam o tempo inteiro querendo pegar as azeitonas do meu pedaço de pizza e eu recusava dar. não disse mais nada, apenas comia concentrada. Quando Harry percebeu isso, foi atrás das azeitonas dela também e recebia vários tapas. Sophie não parecia muito feliz, mal desviava o olhar do prato e não comia com muita vontade. , ao contrário, comia como se tivesse passado três anos sem nenhum alimento, estava da mesma forma. Às vezes um derramava ketchup na roupa do outro e eles se estapeavam. , Sophie e eu estávamos ali, com quatro crianças, pois era isso que eles pareciam. Só de olhá-los já sentia vontade de rir.

A noite foi realmente muito divertida, conhecer os outros meninos foi o melhor, com certeza. Eles animam qualquer um. Acho que conseguem até impedir suicídios com aquele bom humor todo. Eles nos deixaram em casa, Sophie pediu o meu telefone e eu fiquei sem graça de não dar, então falei os números quase que me matando por dentro. e eu subimos conversando sobre a noite, ela me disse que mesmo sendo lindo e maravilhoso, ela estava muito p*** da vida com ele. Quem ele pensava que era para destratá-la daquele jeito? Então eu disse para ela que com certeza ele estava brincando, mas não quis acreditar e disse que teria volta. Entramos no apartamento e falei que a mataria pelo que falou do balde de pipocas, ela alegou que só ela sabia do que era aquele balde e então eu a fiz lembrar que com certeza tinha entendido. se tocou da burrada que fez e me pediu desculpas. Falei que não precisava, depois que os vi rindo, inclusive o , levei na brincadeira. Também me desculpei com ela e ela assumiu que mereceu.

Nos demos boa noite e fomos cada uma para os nossos quartos, estávamos exaustas. Primeiro, joguei uma água no corpo para tirar o suor e vesti meu baby-doll. Durante a ducha, fiquei pensando no quanto me magoou ver Sophie beijando , depois que nos beijamos. Era como se eu me sentisse proprietária dele, isso não era certo, eu não podia me sentir assim. Essa noite, apesar de extremamente divertida, foi um pouco estranha. Foi como se e eu nem nos conhecêssemos. Mal nos falamos. A única coisa boa foi o beijo que ele me deu na bochecha, em que me puxou para perto de si. Só. Cada vez eu tinha mais certeza de que o que ele tentou me dizer hoje e creio que não conseguiu — por isso estava estranho — era que não queria me iludir. Que o beijo que demos foi acidente de percurso. E também ele fez aquela música, era para Sophie. Ele estava feliz com ela. Mas então se ele estava feliz com ela, por que aquela cara de entediado no camarim enquanto os dois conversavam? Ah, droga. Queria tanto que tudo fosse mais fácil. Queria tanto que ele se decidisse. Decidir o que também? Talvez nem tenha o que decidir. Eu com certeza não era opção. Tinha que aceitar isso. É, mas por que é tão difícil enfiar isso na cabeça?

Agachei-me em frente ao som do meu quarto e vi que aquele CD da ainda estava lá. Lembrei de uma das canções que tinha escutado e o número da faixa. Então, coloquei-a e deitei.

(Coloque a canção 2 para tocar)

Fechei os olhos e revi beijando Sophie, realmente me feria. Eu não vou mentir, até anteontem — antes da visita de — eu estava com várias fantasias em mente. Eu sei que eu não devia contar com o que praticamente nem tinha chance de acontecer mas, querendo ou não, o me preparou para essas ilusões, esses sonhos bobos. Ligou-me praticamente todos os dias aquela semana. Parecia à vontade comigo. Então, por que hoje tudo se transformou?

Staying home alone on a Friday
(Sozinho em casa numa sexta-feira)

Flat on the floor looking back
(Jogado no chão olhando pra trás)

On old love
(Pra um antigo amor)

Or lack thereof
(Ou pra falta dele)

After all the crushes are faded
(Depois de todas as paixões terem desaparecido)

And all my wishful thinking was wrong
(E todos os meus sonhos românticos estarem errados)

I'm jaded
(Eu estou exausto)

I hate it
(Eu odeio isso)

I'm tired of being alone
(Eu estou cansado de estar sozinho)

So hurry up and get here
(Então se apresse pra chegar aqui)

So tired of being alone
(Tão cansado de estar sozinho)

So hurry up and get here
(Então se apresse pra chegar aqui)

Searching all my days just to find you
(Procurando todos os dias só pra te encontrar)

I'm not sure who I'm looking for
(Eu não tenho certeza de quem eu estou procurando)

I'll know it
(Mas eu saberei)

When I see you
(Quando eu vir você)

Until then, I'll hide in my bedroom
(Até lá, eu vou me esconder no meu quarto)

Staying up all night just to write
(Acordado a noite toda só pra escrever)

A love song for no one
(Uma canção de amor pra ninguém)

I'm tired of being alone
So hurry up and get here
So tired of being alone
So hurry up and get here

I could have met you in a sandbox
(Eu posso ter encontrado você num parquinho)

I could have passed you on the sidewalk
(Eu posso ter passado por você na calçada)

Could I have missed my chance
(Será que eu perdi a minha chance)

And watched you walk away?
(E vi você ir embora?)

(...)

Talvez eu deva ficar sozinha mesmo. Ele tem a vida dele. A vida é cheia de encontros e desencontros. Encontramo-nos agora para talvez ficarmos juntos daqui vinte anos. Ou talvez fosse apenas coincidência. A única coisa que eu sei é que eu preciso de alguém. Logo. Mas não um simples alguém. O pior de tudo é que eu sabia que se não fosse ele, não seria mais ninguém. Pelo menos por esses tempos. Sei bem o que eu quero. E infelizmente isso não é recíproco.

Capítulo 11


(COLOCAR PARA CARREGAR: 3x5 - John Mayer)

Acordei com um barulho estranho, não entendia bem que horas eram e nem onde estava. A minha cabeça estava latejando e meu coração disparado. Olhei para o relógio perto da cama e vi que marcava três da madrugada. O barulho ficava cada vez maior. Eram batidas, e logo me situei que eram na porta do apartamento. Senti as pernas tremerem. Por que aquilo, àquela hora? Levantei devagar, tentando não fazer o mínimo barulho. Peguei o celular e abri, para que pudesse iluminar o corredor e a sala, que estavam escuros. Antes fui ao quarto de checar se ela estava bem e se estava ouvindo. Foquei com o celular e vi que ela nem se mexia. Voltei para o corredor e iluminei até chegar perto da porta. Soltei o celular na poltrona. Tentava controlar até a respiração. Cheguei perto do olho mágico e respirei fundo antes de olhar quem era. Quando ia colocando o olho, a pessoa bateu mais uma vez e se não estivesse me policiando, teria soltado um grito. Benzi-me e olhei. Meu coração batia acelerado, mas aliviado ao mesmo tempo. Não era um ladrão, um estuprador ou qualquer coisa do tipo que tinha acabado de passar em minha cabeça. Era . Quando olhei, ele estava olhando para o lado, com as mãos na cintura. Os cabelos estavam bagunçados e sua camisa estava em suas mãos. Acendi a luz.

? ? — ouvi-o chamar.
Respirei fundo mais uma vez e tentei ficar calma. Destranquei a porta e a abri. Foi como em um reflexo: assim que a porta abriu, quase me derrubou com um abraço apertado. Ele exalava um cheiro de álcool quase que insuportável. Coloquei as mãos em seu abdômen e o afastei. Ele tinha um olhar estranho. Como se pedisse ajuda. Dava para perceber que não estava sóbrio nem de longe. Olhei-o incrédula, no fundo dos seus olhos, o que fez o meu corpo estremecer, mas ele baixou o olhar.
— Deixa eu ficar aqui? — pediu, com um pouco de dificuldade e em seguida olhou para uma fita que tinha amarrada no braço e a rasgou. — Porcaria — soltei uma risada abafada, ele estava muito engraçado daquele jeito. Voltou a me olhar, também sorrindo. — Deixa? — franziu a testa e deu um meio sorriso. Tem como recusar?
— 'Tá, 'tá, 'tá, mas você dorme na sala — disse impaciente e fui trancar a porta.

Foi quando o senti atrás de mim, suas mãos encostaram em minha cintura, em seguida ele pressionou. Senti uma corrente elétrica passar pelo meu corpo. Ele aproximou seu rosto, tirou uma das mãos de minha cintura e colocou os meus cabelos para um dos ombros, deixando a minha nuca exposta. começou a beijá-la. Eu pensei que estava sonhando, não podia ser real. Não conseguia pensar em mais nada. Aquele homem estava com o controle total sobre mim, sobre as minhas forças. Fechei os olhos e sentia arrepios a cada beijo que ele dava em minha nuca. Fui virada bruscamente, o que nos deixou cara a cara. Nos encaramos por alguns segundos. O que me faz sentir é surreal. Eu parecia estar levitando e, ao mesmo tempo, sentindo prazer como nunca senti antes. As nossas respirações estavam ofegantes e elas se encontravam em sintonia. Podia ver no rosto de que ele sentia a mesma vontade que eu, e se duvidar, até mais. Ele me puxou pela nuca com urgência e nossos lábios se encontraram. Seu outro braço me envolvia pela cintura com força, como se evitasse que eu tentasse fugir. As minhas mãos estavam espalmadas em seu peito, e agora eu fixava as unhas ali, fazendo a intensidade do beijo aumentar. O gosto de álcool da boca de já nem parecia dar sinal de vida, ou era eu que queria tanto aquele beijo que não conseguia sentir mais nada, a não ser desejo. Eu podia morrer ali, naqueles braços, daquele jeito.

tomou conta da situação, não desgrudamos os lábios um segundo sequer e ele foi me guiando em direção ao meu quarto, pois agora eu estava de costas para o corredor. Chegamos à porta e foi a primeira vez que nos desgrudamos. Mesmo bêbado, tomou todo o cuidado de olhar para o quarto de .

— Ela está dormindo — informei e ele riu, voltando a me beijar. Quando entramos no quarto, ri ao vê-lo dar um pontapé na porta, para fechá-la. Ele estava tão ansioso quanto eu. Não tinha muita certeza se aquilo era certo, mas eu estava inconsciente demais para ficar pensando nisso. Agora, estava concentrada no momento. Estava apenas aproveitando. Apenas curtindo cada segundo do corpo de colado ao meu, o sabor de sua boca, o sabor que eu desejava sentir desde a primeira vez que nos beijamos. Senti a cama nas minhas juntas e flexionei a perna para deitar, vinha deitando por cima de mim, sem cessar o beijo de forma alguma. Tivemos algumas dificuldades para fazer isso sem nos soltar, e então ríamos, mas com as bocas coladas. Quando percebi que já havíamos parado de nos ajustar na cama, fechei os olhos. Mas, em seguida, os abri subitamente e desviei o rosto, parando de beijá-lo. — ... — chamei com a voz fraca, porque agora a sua boca deslizava em meu pescoço.
— Hum? — murmurou impaciente, agora mordendo o meu queixo.
— Apaga a luz? — pedi tímida. Apesar de ser garota de programa, quando não estava transando por dinheiro, tinha muita vergonha de fazer tudo com a luz acesa. me olhou subitamente.
— Por quê? O bom é ver o que se faz... — falou esboçando um sorriso cheio de más intenções, o que me fez rir, e voltou a mordiscar o meu queixo, aquilo estava me deixando louca. Por que ele tem que ser tão bom?
... — repeti, com a voz quase não saindo. — Sério... — ele me olhou novamente e eu me senti idiota. Eu estava mesmo tentando conversar com um bêbado?
— Por quê? — insistiu, franzindo a testa.
— Porque eu tenho vergonha! — disse simplesmente, baixando o olhar, estava com vergonha de olhá-lo nos olhos após dizer isso. Com certeza ele riria de mim. Uma prostituta com vergonha? É até irônico, só eu mesmo pra falar uma coisa dessas. Mas espera, ele não estava com muita noção das coisas, tinha bebido muito, não devia nem lembrar quem eu era.
— 'Tá, mas o abajur fica aceso — acabou aceitando, saindo de cima de mim e levantando. Ligou o abajur, foi até o interruptor próximo à porta e desligou a luz. Eu também não queria o abajur ligado, mas se tudo estivesse escuro eu também não poderia ver . E pela primeira vez eu queria enxergar tudo no homem com quem eu estava deitando.

Quando estava voltando para a cama, tirou os sapatos, as meias e a calça, ficando só de boxers. Ele arremessava a sua roupa longe e ria alto. Eu mandava que fizesse silêncio e ele me imitava, mas não de uma forma normal, exagerava e eu me controlava pra não gargalhar e acordar a . Finalmente, voltou para a cama, se deitando de lado e ficando de frente para mim. Pela pouca luz que saía do abajur, pude notar que me olhava, sua mão estava na minha cintura, acariciando. Levei uma das mãos ao seu cabelo e apoiei a minha cabeça na outra, continuei encarando-o. Enquanto acariciava os seus cabelos, fechava os olhos e sorria fraco, como no dia em que fiz isso na lanchonete, no fatídico dia em que nos beijamos. Eu mal podia acreditar que estava tão próxima de de novo.

(Colocar a canção para tocar)

Eu senti tanto a sua falta nessas últimas semanas em que esteve longe. Então, aproveitei para dar-lhe o abraço que não consegui dar antes, por ter agido estranhamente. Foi um abraço terno, porém apertado. Fiquei surpresa ao senti-lo me apertar na mesma intensidade ou até mais do que a forma que eu fazia. Fiquei sentindo o seu perfume, mergulhei a cabeça na curva de seu pescoço e o abraçava cada vez mais forte. Evitei abrir os olhos, não queria abri-los e ver que aquilo podia ter sido um sonho. Toda vez que estava com aquele homem, era assim que me sentia. Ele mexeu os ombros e eu voltei à posição que estava antes de nos abraçarmos. tocou o meu queixo e em seguida o segurou, puxando-me para perto de sua boca. Iniciamos outro beijo, dessa vez mais calmo. Eu sentia como se tivesse ganhado um presente. Era o que eu mais tinha desejado nos últimos tempos. Então, ele foi descendo novamente para o meu pescoço, agora praticamente o sugava. Soltei um gemido abafado e arranhei as suas costas. A mão de passeava pelo meu corpo e ele levantou a parte de cima do meu baby-doll, tocando as minhas costas nuas. Senti-me arrepiada e segurava os cabelos de com força, enquanto ele começava a descer seus beijos. Agora seus lábios deslizavam sobre a minha barriga, ele estava por cima de mim.

As sensações brigavam em meu interior. Eu não sabia se sentia prazer, ou a idiota mais sortuda da face da terra ou vergonha, por ainda conseguir me ver devido a luz do abajur. Enquanto brincava com a língua em minha barriga, ergueu um pouco a cabeça, me olhando e fazendo uma cara engraçada, misturando segundas intenções com provocação. Olhei-o com um meio sorriso e mordi o lábio inferior, o que o fez tirar qualquer quantidade de provocação de sua face e deixar apenas o olhar de segundas intenções. Num piscar de olhos, puxei-o pelos cabelos, arrancando um suspiro, e o beijei com intensidade. Fomos sentando daquela forma e ficamos sentados sobre as nossas pernas, um de frente para o outro. tirou levemente a blusinha do meu baby-doll e a jogou para trás. Ele me olhou por completo, com os olhos arregalados, e eu tentei perguntar o que era, mas o filho da mãe foi mais rápido e me beijou. Em seguida, com um simples gesto, pediu passagem livre para ficar entre as minhas pernas. Abri-as e coloquei em volta da cintura de , que também acomodou melhor as suas pernas na cama. A nossa afinidade na cama chegava a ser irônica de tão assustadora que era. Parecia que já conhecíamos um ao corpo do outro há muito tempo. À medida que o tempo ia passando, era como se não conseguíssemos mais nos soltar, aquela estava sendo a melhor noite que eu já havia tido. Aquele era o melhor homem com quem eu já havia dormido. Eu estava ali, deitando com o único cara que eu mais tinha desejado desde que chegara em Londres.

Quando ficou por cima de mim, afundando a sua cabeça na curva do meu pescoço e eu sentia a sua respiração tão ofegante quanto a minha, senti um nó na garganta anormal chegar até mim e antes que pudesse controlar, senti uma lágrima quente e salgada deslizar pelo meu rosto. Com uma das mãos que pressionava com as unhas as costas de , limpei disfarçadamente, não queria que ele me visse assim. Eu parecia uma adolescente boba tendo a sua primeira vez com o seu primeiro amor. Mesmo não ouvindo nada que confirmasse isso, estava me sentindo amada, privilegiada. Como nunca me senti antes. Transar com não era como as transas que eu tinha normalmente. Parecia que eu só estava conhecendo o prazer ali, naquele momento.

(...)

saiu de cima de mim e caiu para o lado como um foguete. Eu estava de olhos fechados quase sem ar. Ele também estava, porque conseguia ouvi-lo respirar com dificuldade. Abri os olhos e ficamos os dois, um ao lado do outro, encarando o teto e ofegantes. Eu tinha conseguido chegar ao ponto alto da relação. Isso nunca tinha acontecido antes, nunca mesmo. Eu estava dando pulinhos por dentro, nunca me senti tão alegre. começou a rir e eu o olhei confusa. Ele disse que demoraríamos anos para juntar as peças de roupa, já que cada uma estava em um lugar diferente. Sorri para ele e concordei, em seguida, pedi para que levantasse um pouco para poder puxar o lençol. Ele deitou novamente e ficamos cobertos. Virei e fiquei olhando para a janela, sorrindo para o nada. Senti me abraçar e apoiar o queixo em meu ombro.

— It’s Just My Luck — ouvi sussurrar em meu ouvido, depois de algum tempo, e abri os olhos subitamente, virei um pouco para conseguir olhá-lo, mas ele estava de olhos fechados. Eu ouvi direito ou estava tendo alucinações?

Não conseguia acreditar que aquilo tudo estava acontecendo. Ainda tinha medo de olhar para trás e ver que não tinha ninguém ali me abraçando. Voltei a aquele nó na garganta. Senti-me assim como na noite em que me levou ao cinema. Como se desejasse parar o tempo e ficar daquele jeito para sempre. Sentindo-me daquela forma para sempre. A única coisa que eu desejava era que aquela noite não acabasse mais. Pela primeira vez, eu me sentia completa. Não quero saber se o que fiz foi certo ou errado. Eu ouvi o meu coração. Eu estava tranquila, o sono vinha chegando e eu dormi segurando a mão de — que me abraçava — com força.

Capítulo 12


A luz do sol parecia um tapa no rosto e, além dela, ouvi baterem à porta. Cada batida parecia um beliscão. Abri os olhos atordoada e senti alguém se mexer ao meu lado, quando tentava sentar. Olhei para o lado e vi dormindo como um anjo. Ele estava nu e de bruços, descoberto. Sorri para mim mesma e mal podia acreditar que tinha dormido com um homem tão lindo. Levantei e ri ao notar que também estava nua. Enrolei-me na toalha que estava estendida na porta do banheiro e voltei para a cama, para cobrir , que se mexeu muito pouco. Com certeza as batidas na porta tinham sido de . O milagre foi o fato de ela não ter entrado bruscamente no quarto. Ou será que entrou e levou um susto com o que viu? Droga, eu estava com medo de encarar . Fui para o banheiro e lavei o rosto, depois escovei os dentes. Voltei para o quarto. Achei a minha calcinha e a blusinha do babydoll, mas o short era praticamente impossível de se encontrar. Achei-o pendurado atrás da estante e fiquei confusa ao imaginar como ele tinha ido parar ali. Vesti-me e abri a porta do quarto com receio. Ouvi barulhos de talheres, devia estar tomando café. Fui andando nervosa, tinha muito medo de ouvi-la dizer que nos viu pelados. Quando apareci na porta, ela me olhou subitamente.

— Bom dia, gata — falou de bom humor e eu respirei aliviada.
— Bom dia — respondi sorrindo e me sentei na cadeira ao seu lado.
— Noite boa, hein?! — cutucou-me com o cotovelo. Gelei.
— Ahn? — fingi-me de desentendida.
— Chupa meu dedo e vê se sai coca-cola né, ? Eu tenho um cérebro nessa cabeça. Não sou só um corpinho bonito, não! — brincou, colocando as mãos na cintura e eu ri. — Eu vi uma camisa masculina no sofá, dona . Eu sei de quem é — olhou sugestiva e eu balancei a cabeça, baixando-a, com vergonha. — Você nunca dorme com a porta fechada, querida... E, no entanto, essa noite... — deu de ombros e comeu um pedaço de pão.
— Ufa! Então você nem chegou a abrir a porta do quarto, né? — perguntei curiosa.
— Não, eu imaginava o que ia ver... Eu queria mesmo ver o peladão, mas você, não... ECA! — fez careta e eu dei um tapa em seu braço. — Foi bom? — fiquei corada.
— Foi perfeito — falei simplesmente e respirei fundo. riu.
— Sexo bem feito sempre faz bem, você deve ter dado até bom dia pros pássaros, hein?
estava certa. Eu me sentia incrivelmente bem aquela manhã. Tinha vontade de sair pelas ruas cantarolando, era como se não existisse nenhum peso em minha consciência, eu me sentia livre. Ela já terminava de comer e pediu licença para tomar banho. Então, fiquei um pouco paralisada, lembrando da madrugada maravilhosa que tive. Olhei para a jarra de suco e decidi guardá-la, estava com vontade de tomar leite. Levantei, peguei a jarra e fui até a geladeira, abri e enquanto guardava senti alguém se aproximar, mas antes que pudesse olhar, senti seus braços me envolverem pela cintura e recebi um beijo na nuca. Senti as famosas borboletas no estômago. Fechei a porta da geladeira e me virei, ficando de frente para . Estiquei os braços e o envolvi pelo pescoço, ele me deu um beijo na bochecha, ainda com os braços em volta da minha cintura.
— Bom dia — falei sorrindo e bagunçando um pouco mais os seus cabelos e ele sorriu.
— Bom dia — respondeu se virando e sentando na cadeira que tinha deixado há algum tempo.
— Quer comer o quê? — perguntei sentando ao seu lado e pegando uma faca, em seguida um pão.
— Não sei, o que você for comer — respondeu tentando arrumar os cabelos.
— Vou preparar um sanduíche pra gente, certo? — ofereci, piscando e fazendo charme, e ele me olhou sorrindo.
— Estou pagando pra ver! — sorriu provocativo e eu dei um tapa em seu braço.

Peguei outro pão e comecei a preparar dois sanduíches, pedi para — enquanto isso — preparar leite com achocolatado. Ele o estava fazendo quando entrou na cozinha.

— Bom dia, — disse simplesmente e ele a olhou envergonhado.
— Bom dia, — respondeu sorrindo e ela se sentou.

Enquanto eu preparava os sanduíches, ela e começaram a conversar. Eu estava concentrada, mas de vez em quando participava. Eles falavam sobre o show, contava que só de ver aquele monte de gente ficou completamente travada, imagina eles que eram as atrações da noite. disse que no começo foi difícil, mas que agora eles já se sentiam em casa. Era o que eles amavam. Depois o assunto foi sobre , insistia que ele era gay, e e eu ríamos. Terminei de preparar e dei um sanduíche para e fiquei com o outro. apenas nos assistia comer. Antes de morder o primeiro pedaço, ele fez uma careta e depois se benzeu, levando um tapa e mordendo em seguida. Não é porque fui eu que preparei, mas tenho certeza de que há muito tempo ele não comia um sanduíche tão gostoso. Além de ter elogiado, ficou concentrado. e eu começamos a tagarelar e ele apenas comia, comia e comia. Ficamos conversando os três por mais algum tempo. foi à sala ver televisão e ficou me ajudando a guardar as coisas e lavar a louça. Nós trocamos poucas palavras, porque cada um estava concentrado no que fazia. Enquanto lavava alguns talheres, olhei para , ele enxugava os pratos.

— Você sussurrou algo pra mim antes de dormir ou eu estou louca? — perguntei e nem pareceu corar, pois continuou olhando para o prato que enxugava.
— Quem sabe os dois — deu de ombros com um meio sorriso. Joguei um pouco de água nele. — A sua amiga não me viu nu não, né? — perguntou de uma vez, fazendo-me querer esconder-me em um buraco. Por que é tão direto às vezes?
— Não — sorri fraco e entreguei os talheres para que enxugasse.
— Melhor assim — falou depois de um suspiro aliviado.
... — chamei e ele me olhou atento, esperando que eu prosseguisse. — O que você tinha sexta de manhã? — mesmo estando mais feliz, não podia deixar de perguntar isso.
Eu queria entender por que havia agido daquele jeito. Não me querer mais não era, já que me procurou novamente e estava agindo como se lembrasse de tudo que fizemos, mesmo estando bêbado. Ele, então, olhou-me e sorriu fraco.
— Não era nada com você — deu um beijo em minha testa e virou-se para guardar as coisas na gaveta.
— Tem certeza? — certifiquei-me, já sentindo alívio.
— Absoluta — respondeu brigando com um garfo que tinha ficado de fora. — Meu celular! — falou ao mesmo tempo em que corria para fora da cozinha. Fui à sala.
— Cadê o ? — perguntou procurando-o com o olhar.
— Foi atender o celular lá no meu quarto — falei sentando ao seu lado.
— Espero que não seja a falecida — disse olhando atenta para a TV. Por que a tinha que me lembrar que não era livre e desimpedido?
— Tinha que lembrar dela, hein? — dei-lhe um pedala. me olhou e levou uma das mãos à boca.
— Ouuuuun, desculpa amiga — abraçou-me e me deu um beijo no rosto. — É só que você merece um dia feliz com o .
— Tenho que ir... — ouvi a voz de vindo do corredor e me virei para olhá-lo, já estava completamente vestido. e eu nos entreolhamos.
— Já? Achei que você ia ficar pra almoçar — ela comentou, creio que para quebrar o gelo.
— É, eu também achava, mas o ligou dizendo que vamos ensaiar e eu ainda tenho que terminar de consertar aquela corda — explicou, atropelando as palavras.
— Tudo bem — falei simplesmente e levantei para acompanhá-lo até a porta.
— Vocês podiam ir ver o ensaio, né? — convidou, com cara de quem acabou de ter uma ideia.
— Genial! — berrou batendo palmas. — Nós vamos, né, ? — perguntou dando ênfase em meu nome.
— Ah, se não for nenhum problema... — falei com timidez.
— Claro que não, vou esperar vocês se aprontarem e vamos até o meu apartamento pra eu tomar um banho e consertar a corda. Daí, vamos para o estúdio e almoçamos com os caras. Que tal? — concluiu o convite, sentando-se na poltrona. Não vou mentir, estava ansiosa para vê-los ensaiar.
— Acho que só falta eu, né? — sorri fraco e mandou eu me apressar, que ela não queria perder esse ensaio por nada. apenas ria. Então, ela disse que só ia trocar de blusa, porque não queria que a visse desarrumada. Quando se tocou de ter falado isso na frente do amigo dele, tentou disfarçar e dizer que estava zoando, mas disse que não é bobo e que agora daria um empurrãozinho, deixando-a encabulada.

Fui para o meu banheiro e tomei banho. Enxuguei-me e optei por uma camisa de alcinha preta e uma saia de jeans claro. Calcei meu bom e velho all star, o qual tinha usado no show. Penteei o cabelo e passei um pouco de lápis de olho, apenas para não parecer estar com a cara tão inchada. Peguei o meu celular pessoal e fui para a sala. e já estavam do lado de fora conversando e ela segurava a porta, esperando-me. Quando cheguei perto deles, abriu um grande sorriso e disse na frente de que eu estava linda. Quis me jogar escada abaixo, porque ela ficou fazendo sons com a boca, deixando-me constrangida na frente de . Ele apenas ria da situação. Descemos as escadas conversando e, antes que percebêssemos, já estávamos no último degrau. Já podia ver o carro de estacionado. Ele abriu a porta da frente e disse que eu que sentaria lá, fazendo-me ficar corada mais uma vez. Entrei e ele abriu a porta de trás para ela entrar. Depois, adentrou o veículo e saímos. À medida que íamos chegando perto do lugar que ele morava, eu notava que conhecia aqueles arredores muito bem. Claro. É isso. Ele estava nos levando para aquele hotel que me levou no dia em que nos conhecemos. Era estranho estar de volta àquele lugar como uma garota normal. Agora nós não precisaríamos subir pelo elevador de serviço. Era um estranho bom, ainda assim. Fomos chegando ao hotel e me olhou sorrindo enquanto esperava o portão da garagem abrir. Devolvi o sorriso e entramos. Ele saiu do carro primeiro e abriu a porta para , em seguida para mim. Mais uma vez, soube me surpreender: enquanto caminhávamos até o lobby do hotel — estava entre e eu —, senti os dedos dele entrelaçarem os meus e ficamos de mãos dadas. Nem preciso dizer o quanto aquilo me deixava animada. Notei que soltou um riso abafado quando percebeu a novidade. Corei e apenas a mandou ficar quieta, senão contaria tudo para . Bastou isso para que ela não desse uma palavra no percurso lobby-elevador-quarto. apenas me cutucava e apontava para ela com o olhar, rindo... E como eu não resisto àquele sorriso, ria de volta. Minha amiga estava completamente muda. Chegamos naquele famoso corredor, do famoso dia que o conheci.

— Você vai levar um susto quando eu abrir a porta — avisou, colocando a chave na fechadura. Fiquei corada. me olhou confusa.
— Por quê? — mal perguntei e ele abriu a porta. Parecia que um furacão tinha passado ali. Tinham roupas por todos os lados. A cama estava toda bagunçada.
— Meu Deus, , eu esperava mais de você! — disse incrédula, entrando no quarto.
— Você é mais bonita calada, provocou, dando um peteleco na nuca dela, que lhe deu um tapa no braço. Depois, ele fez caras e bocas apaixonadas, dizendo que era como ela ficava pensando no . Aí as coisas foram piorando, começou a correr atrás dele, prometendo dar pontapés e até jogá-lo pela janela.
— Chega! Vocês dois! — gritei e eles me olharam rindo, respirando ofegantes de tanto correr. — ! Do eu esperava esse comportamento infantil, mas de você... — balancei a cabeça e ela me mostrou o dedo. me olhou inconformado.
— Por que sempre esperam o pior de mim? — fez cara de vítima e eu senti derreter por dentro.
— A questão é: por que esperariam uma coisa boa de você? — retrucou e ele a olhou subitamente, pegou uma almofada e jogou em sua cabeça. Eu apenas ria daquelas duas crianças grandes.
— Se eu fosse você, ia pedindo perdão por tudo isso... — disse se aproximando dela e pegando em seu braço, em seguida começou a torcê-lo.
— ME SOLTA, . OUTCH. — gritava.
— Solte-a, . Coitada! — falei em meio a risadas.
— Não, só solto se ela disser que ama o — impôs, sorrindo maroto.
— AI SEU FILHO DA #@$% DO DEMÔNIO! — ela berrava tentando se soltar, agora gargalhava.
— Só por causa dessa boquinha suja vou torcer um pouco mais — piscou para mim.
— EU AMO O , PORRA. — falou em alto e bom som e a soltou. Ela fez carinho no pulso e depois estapeou , que se esquivava rindo.
— Agora sim, bem melhor. Ele vai adorar saber disso — deu de ombros e se aproximou de mim, ficando ao meu lado. Envolveu um de seus braços em minha cintura, me deixando corada mais uma vez. Apenas fiz o mesmo. — Meninas, vou tomar banho e depois vou terminar de consertar a merda daquela corda. Fiquem aí vendo TV, a sabe como fazê-la aparecer — piscou com um sorriso malicioso e eu me soltei dele, dando-lhe um tapa e o chamei de ‘engraçadinho’. apenas soltava um “huuuum”. Ele foi até uma cadeira e pegou a toalha que tinha apoiado em seu braço, passou por mim e me deu um beijo na bochecha. — Eu não demoro — sorri fraco e ele foi para o banheiro. agora tinha os olhos arregalados e a boca aberta. Se jogou na cama e ficou rindo.
— Que foi, sua retardada? — perguntei, sentando do outro lado da cama.
— Você viu? #$@%&*, você deve ser muito boa de cama, mesmo — respondeu baixo e eu fiz careta.
— Por quê? Ah meu Deus, lá vem ela e suas teorias... — disse impaciente.
— Amiga... Ele está um cachorrinho! — agora ela batia em sua própria testa.
— Claro que não, você fumou maconha ou usou alguma droga do tipo? — perguntei confusa.
— Dããããã! Mãozinha dada, mãozinha na cintura, beijinho... Ai, ai — suspirou idiotamente.
— Beijinho na bochecha, você fala, né?
— Ah, isso é só um detalhe... — deu de ombros.
— Detalhe nada. Não nos beijamos hoje, ainda — informei em um tom decepcionado e riu.
— Hããããããã... Está dooooida pra ganhar beijinho do ! — quase cantou, sentando e me abraçando.
— Sai — empurrei-a — você só fica me iludindo.
— É assim nesse @#$%¨&, a gente fala uma coisa boa e a pessoa fica dizendo que a gente está iludindo. Desisto de você. Liga essa porra dessa TV — ordenou, pegando um travesseiro e ajustando na cabeceira, para poder sentar de forma confortável.
— Palavra mágica? — perguntei, esperando que ela me xingasse.
— Por favor, sua filha da @#$% — disse simplesmente.
Comecei a rir. Algum ascendente da deve ter inventado os palavrões. Eles eram tão naturais ao saírem de sua boca, que eu já nem me espantava. Peguei o controle, que por sorte estava no criado mudo ao meu lado, e pressionei um botão, bastando isso para a TV surgir do balcão. Mesmo já tendo visto da primeira vez que fui àquele quarto, aquilo ainda me espantava. Coloquei o controle no lugar e peguei o controle remoto, dando-o para e fazendo a mesma coisa que ela fez com o travesseiro, acomodando-me melhor.

Ficamos assistindo desenho animado, porque não passava nada mais interessante. bufava, dizendo que só podiam ter o traseiro no lugar do cérebro — não que ela tenha usado a palavra ‘traseiro’, mas não vem ao caso dizer o termo que ela usou — para fazer programações tão ruins nas emissoras inglesas. Não demorou muito e apareceu no quarto, já vestido, suas roupas. No entanto, eram bem diferentes das que ele usava no concerto da noite passada. Agora ele estava de bermuda e camisa, usando apenas chinelos nos pés. Cheirava incrivelmente bem e ainda estava com os cabelos bagunçados. Eu o seguia com o olhar de forma retardada e , pelo jeito, não tirava os olhos da TV. caminhou até a cômoda, que ficava perto da cama, mais precisamente perto de onde estava deitada, e pegou um pente. Começou a pentear o cabelo de uma forma que espirrasse água para trás, justamente para pegar em .

— Ah seu capeta! Para de fazer isso ou então vai ver onde esse pente vai parar! — ameaçou furiosa e riu alto, continuando o que estava fazendo. Ela se levantou.
— Que é? Vai fazer o que comigo? Não se esqueça que você está em minhas mãos. Toca em mim e o vai saber de toda a sua tara por ele! — rebateu, encarando-a e prendendo o riso. Ela bufou e resmungou algumas ofensas, depois voltou a sentar na cama.

foi até o outro lado do quarto e pegou seu instrumento. Sentou perto de mim com ele em seu colo e começou a mexer na suposta corda arrebentada, que já estava praticamente no lugar.

, não tem mais o que ajeitar aí — falei o olhando xingar a corda. Ele me olhou subitamente.
— Você não vê? Está fora do lugar aqui! — reclamou inconformado, apontando para o acabamento.
— Para mim, está tudo no lugar certo! — fui sincera, dando de ombros e voltando a olhar para a TV. continuou concentrado até finalmente se dar por vencido e terminar o que achava que estava fazendo.
— Vamos? — levantou e guardou o instrumento no porta guitarra. Concordei e levantei da cama, peguei o controle e a TV sumiu novamente. se levantou resmungando que ele parecia uma mulher, demorava demais pra fazer as coisas e foi ameaçada mais uma vez.

Saímos do quarto e chamamos o elevador. Enquanto chegava, cutucou e mandou que ela segurasse o instrumento, ela negou e ele a ameaçou, para variar. Só para tirar com a cara dela, eu disse que confirmaria para tudo o que dissesse. me olhou com olhar assassino e disse que ao chegar em casa me mataria. Ela segurou o porta guitarra em meio a resmungões e adentramos o elevador. Chegamos à garagem e pegou o objeto com e colocou-o no porta-malas, dizendo que se ela não se comportasse, ia lá junto com o instrumento, o que a fez estapeá-lo pela milésima vez. Eu não conseguia parar de rir. Entramos no carro e fomos conversando no caminho. e já brigavam menos, agora pareciam ter se situado em suas idades.

O estúdio ficava em uma rua muito pouco movimentada, com pouquíssimas casas ao redor. Ao descermos do carro, já demos de cara com , que estava ao celular. Ele sorriu animado e nos cumprimentou, ainda falando ao telefone. perguntou se os outros já estavam lá e ele apenas assentiu. Então, nos chamou para entrar e ficou segurando a porta para que passássemos, vindo logo atrás. Durante o percurso, se virava e me olhava ansiosa, eu devolvia o mesmo olhar. Já podia ouvir a bateria sendo tocada, mas disse que estavam apenas aquecendo. Rapidamente chegamos à porta, onde todos estavam. entrou na frente e depois e eu entramos. Harry e nos receberam fazendo festa. Se eu corei, agora imaginem a .

— Não parei de sonhar com vocês desde que as conheci! — Harry rolou os olhos.
— Ô imbecil, você conheceu elas ontem à noite! — disse dando-lhe um pedala e ele olhou confuso.
— Ah, é mesmo. Porra, estou ficando ruim de cantada — inconformou-se e eu o consolei com um abraço. Harry é um homem incrivelmente cheiroso e atraente, apesar do jeitão de criança, assim como os outros.
— Você sempre foi ruim. Mas é assim, eu sou a cabeça pensante desse grupo, vocês são só as embalagens. — se vangloriou e levou um pontapé de , que em seguida olhou para com um sorriso provocativo e recebeu uma careta.

Harry nos levou até um sofá e disse para ficarmos vendo o ensaio de lá. entrou em seguida e se sentou com a gente. Os meninos começaram a xingá-lo, dizendo que ele estava jogando sujo, que estava tentando conquistar nós duas sem a presença deles. Nós rimos e ele pediu mil desculpas, mas tinha que ajudar seus amigos veados, pois eles eram ciumentos. O ensaio começou e parecia ser uma das vocalistas do McFly. Cantava — ou melhor, berrava — todas as canções, era como se ela mesma tivesse escrito tudo aquilo. Eu apenas prestava atenção nas melodias e nas letras. Arranhei o refrão da canção da menina de cinco cores no cabelo, o que fez arquear as sobrancelhas, ao perceber. Sorri para ele, que piscou pra mim, deixando-me nas nuvens e recebendo cotoveladas de . Estávamos nos sentindo privilegiadas, era como se tivéssemos tendo todo o concerto da noite passada só para nós duas. Vou ser realista, aquilo estava sendo bem melhor que o concerto. Sophie não estava lá, nem em corpo e nem em espírito e, bem, eu tinha tido uma das noites mais lindas da minha vida, com . Depois e pegaram o violão e vieram sentar no chão, de frente para nós duas. Harry e sentaram um em cada braço do sofá. Harry ao lado de e ao meu.

— Essa o escreveu pra Sophie! — disse rindo e recebeu um pedala de . Notei quando ele me olhou de relance, como se dissesse para calar a boca. Então ele não queria que falassem de Sophie na minha frente?
— Que música é? — perguntou interessada.
— “Bitch’s coming back.” — Harry respondeu simplesmente e todos começaram a rir exageradamente. Até , que baixou a cabeça e escondeu o rosto com as mãos. Eu ri também, mas não consegui entender muito bem por que eles disseram aquilo e o próprio namorado da garota riu. Acho que era quem dava as gargalhadas mais altas. Notei quando parou de rir apenas para observá-la, assustado com sua risada estridente.
— Boa, Haz! — elogiou, dando a mão para o amigo apertar. Eles deram um aperto de mãos. estava sem ar, lutando para se controlar. Harry dava tapinhas em suas costas.
— Chega — ela pediu ofegante. — Acho... Que... Estou... Conseguindo — continuou em meio a risadinhas. Agora prendia a respiração para tentar conter os soluços.
— Ai gente, sério, qual é o nome da música? — perguntei impaciente e levantou a cabeça, ainda rindo.
— “Baby’s Coming Back” — respondeu parando de rir e ajeitando melhor o violão em seu colo. Fiquei um pouco envergonhada nesse momento. Será que realmente tinha feito uma música para Sophie antes de “Just My Luck”? [n/a: eu sei que “Baby’s Coming Back” é um cover, mas isso é fanfiction, então vale tudo rs]
— E ela é para a Sophie, mesmo? — perguntou curiosa e quase inconformada.
— É — respondeu. — Ele escreveu quando ela tinha feito uma viagem pra América e passou dois meses, faltavam três ou quatro dias para chegar e ele queria a vida de solteiro de volta — concluiu.
— #$@%&! Nunca que eu achei que a história da música tinha acontecido! — estava incrédula.
— É, mas eu gostei mais do nome que o Harry deu para a canção — opinou , dando de ombros.
— Ah, cala a boca, seu gay. Pelo menos eu tenho namorada! — finalmente se defendeu, mostrando o dedo para , que riu. me deu uma cotovelada e eu senti o estômago embrulhar. — Cala a boca todo mundo e vamos tocar — ordenou já começando a tocar, o acompanhou e Harry fazia “shhhh” para mim e para , que dizia que quem tinha que se calar era ele.

“I knew that when I saw her
(Eu sabia que quando eu a visse)

That my life would soon move over from the fast lane
(Minha vida ia logo deixar de ser agitada)

Gone would be the days of all my drinking and my carrying on
(Meus dias de bebedeira e bagunça estariam acabados)

But when I settled down
(Mas quando eu sosseguei)

The party king uncrowned
(O rei da festa sem coroa)

This stubborn memory hadn't faded
(Essa lembrança teimosa não se apagou)

Too many dumb mistakes
(Tantos erros idiotas)

And all the grief it makes
(E todas as mágoas que provoca)

Left nothing else to be debated
(Não deixaram nada mais a ser discutido)

And if you say that you understand then you're lying
(E se você disser que entende, estará mentindo)

But if you figure that I'm alright now I can't deny it
(Mas se imaginar que agora eu estou bem, não posso negar)

Para a minha surpresa, o próprio mudou a letra da canção, arrancando mais risadas.

Bitch's coming back
(Vadia está voltando)

Bitch's coming back
(Vadia está voltando)

So I'm on my best behavior
(Então eu estou me comportando o melhor que posso)

I can't take it anymore
(Não aguento mais isso)

I just woke up on the floor today
(Eu acordei no chão hoje)

I've long run out of my last chances
(Faz tempo que minhas chances acabaram,)

But she's on her way
(Mas ela está a caminho)

If I had a dollar for every single time I fought her
(Se eu ganhasse um dólar por cada vez que nós brigamos,)

I'd buy a handgun
(Eu compraria um revólver)

But that couldn't shoot away
(Mas ele não dispararia)

The bull's eye that she made on my heart
(O alvo que ela fez no meu coração)

And if I sound like a beaten man well then I guess so
(Se eu parecer um homem derrotado, acho que sou mesmo)

But on her way is the sweetest prize and I can't let go
(E no caminho dela está o prêmio mais bonito e eu não posso desistir)

continuou a brincadeira e , Harry e engrossavam o coro, fazendo dancinhas sincronizadas. Eu apenas olhava sorrindo timidamente e dava as suas famosas gargalhadas. Ele não é normal, mesmo. Pobre Sophie.

Bitch's coming back
Bitch's coming back
But I'm on my best behavior
I can't take it anymore
I just woke up on the floor today
I've long run out of my last chances but she's on her way

What I told her on the telephone was that I'd been so bad
(O que eu disse a ela no telefone foi que eu tenho sido muito mau)

I wouldn't blame her if she mowed down these wild oats I'd sown
(Eu não a culparia se ela acabasse de vez com a minha promiscuidade)

But when she said she'd give me one more chance
(Mas quando ela disse que me daria outra chance)

I said knock three times when you arrive
(Eu disse "bata três vezes na porta quando você chegar")

Fiquei pensando no que teria levado a escrever aquela canção. Também fiquei um pouco desanimada. Pelo que tinha escutado, ele se sentia mal por não ser o namorado que ela esperava e queria fazer dar certo. Mas quando lembrava de poucas conversas que tivemos sobre Sophie, era como se ele dissesse totalmente o contrário da canção. é confuso demais para a minha cabeça. “Baby’s coming back” acabou e me olhou, piscando e sorrindo em seguida. Apenas retribui um sorriso um tanto quanto reservado. Ele desviou o olhar para .

— Agora quero oferecer essa para duas pessoas queridas — anunciou e o olhou bruscamente.
— Qual?
— “I’ve Got You” — respondeu e já começou a tocar. Eu sabia que não viria coisa boa dali, pois ele esboçava um sorriso provocativo e piscava para . Ela agora já tinha o semblante pálido e me olhava desesperada. Eu apenas a aconselhava a manter a calma, e ela tentou agir normalmente, cantarolando os primeiros versos.

É uma canção linda, dizia mais ou menos o que eu sentia por . A segurança que ele me passava, o bem que ele me fazia. Harry e cantavam se olhando, como se estivessem se declarando um para o outro, não conseguia segurar o riso e até deixava de cantar algumas partes. Mas foi na segunda parte da música que quis morrer. Agora quem cantava era . O refrão era dele. E vocês imaginam o que esse ser seria capaz de fazer.

(…)

“‘Cause has got to make her feel stronger
(Porque tem , para fazê-la se sentir mais forte)

When the days are rough and an hour seems much longer
(Quando os dias são duros e uma hora parece muito mais longa)

Yeah when has got
(Sim, quando tem )

Oh! To make him feel better
(Para fazê-lo sentir melhor)

When the nights are long they'll be easier together
(Quando as noites são longas, elas serão mais fáceis juntos)”

(...)

agora estava com o corpo flexionado para frente, com o rosto próximo aos joelhos, chamando de tudo o que não prestava e ele não conseguia mais terminar de cantar, apenas ria e até parou de tocar. já gargalhava e também não conseguia mais fazer nada. Harry tinha se levantado e ficado em pé ao lado de , parabenizando-o pelo casamento. E eu, bem, eu não conseguia nem respirar. levantou-se bruscamente e saiu arrastando pelo colarinho de sua camisa, ele tentava se levantar, sem sucesso. Não sei bem o que eles conversavam, mas ele estava com as mãos no joelho, gargalhando. Ela apenas apontava o dedo em sua cara, mas também esboçava algum sorriso.

— Agora só falta uma do para a Rachel — disse sentando ao meu lado e passando o braço ao redor dos meus ombros. Corei.
— Hein? — olhei-o subitamente.
— Isso aí. A já escreveu uma pra mim, que digamos que foi mais que merecida... — deu de ombros com um sorriso convencido.
— Cala a boca, , você não dá conta dela não, vai precisar de ajuda... — Harry bateu no próprio peito.
— Vocês dois ficam se ajudando e eu faço tudo com ela sozinho — ergueu os braços.
— Calem-se. Ninguém vai ficar com a minha amiga, vocês são um bando de tarados... — apontei para e Harry. — E você... — olhei para . — É um convencido e metido à besta.

Harry começou a berrar e me abraçou, dizendo que eu fui a única pessoa que conseguiu analisar a personalidade de com precisão. , então, se levantou e disse que não falaria mais comigo, indo ao encontro de e . Eu pude jurar que a vi se esconder atrás de , que se negou e a colocou em sua frente, segurando os seus ombros com força para que ficasse quieta.

— Agora conversem e se beijem! — disse alto, voltando para onde estávamos. e o olharam com um olhar de desespero, quer dizer, o olhar de era desesperado... Já expressava pura malícia.
— Gostaram? Sou um compositor nato — falou sentando ao meu lado. Eu tentei me afastar um pouco, mas era impossível. O sofá só tinha dois lugares e eu estava encolhida entre Harry e .
roía as unhas, sentado no chão.
— Estou precisando investir nesses dons também — tinha um olhar de reprovação para o seu violão. — Esse violão está cada vez mais feio! Ew — fez cara de nojo e nós rimos.
— Coitada da minha amiga. Ai Harry, ajeita essa bunda aí que eu estou sendo espremida — tentei empurrá-lo.
— O rabudo aqui é o . Sai fora — respondeu segurando as minhas mãos, impedindo-me de continuar o empurrando.
— Você vai ver quem vai ficar rabudo aqui! — esticou o braço, passando por mim, para conseguir dar um tapa no rosto de Harry.
— Ai, ai, ai, chega! — gritei, levantando e tentando desamassar a roupa e arrumar os cabelos.
— Só é você sentar no meu colo que tudo vai ficar bem e confortável. — falou com um sorriso vitorioso e foi aplaudido pelos amigos. Ignorei-os e corri para onde e estavam.

Eles estavam próximos a um frigobar, ela segurava seu copo para que a servisse um pouco de refrigerante.

— Vou ficar aqui com vocês, tá? — falei chegando por trás deles e os abraçando.
— Não. Vá pro inferno! — disse ainda de costas e colocando refrigerante para ele. Os olhos de deviam estar brilhando por tê-lo visto dizer aquilo. Almas gêmeas?
— É, volta pra lá, ô enviada do demônio! — me deu um pedala.
— Como vocês são malvados, gente. Não fiz absolutamente nada! — defendi-me, indignada, colocando as mãos na cintura.
— Você nem me defendeu, sua vaca!
— E ainda me chamou de metido à besta!
— Ah , convenhamos que você mereceu, né? — pisquei pra ele. — E você, o que queria que eu fizesse? Enfiasse meias na boca do ?
— Vou enfiar uma @#$% na boca daquele filho da %¨&$# — resmungou e em seguida deu uma golada. e eu ríamos.
— Criada na Suíça! — ele disse e ela riu. — Quer? — ofereceu-me refrigerante.
— Nááá, obrigada — respondi simplesmente, não consigo tomar refrigerante pela manhã.
— Porra, devia ter aceitado, assim a gente colocava um pouco de veneno aí dentro. Essa %¨$#@ sem vergonha! — resmungou, terminando e colocando o copo vazio em cima do frigobar. concordou.
— Fala sério! Vim pra cá procurando apoio moral e vocês me tratam assim? Vão à merda — falei saindo e eles riram.
— Volta pro mar, oferenda! — ouvi gritar e gargalhar. Apenas mostrei-lhes o dedo.

Voltei para perto dos outros três garotos, que pelo jeito discutiam o que almoçar.

— Então está certo. Quem compra? — perguntou decidido e e Harry o olharam fixamente. — Ah não, por que sempre sou eu quem compra tudo nessa desgraça? — resmungou e foi se levantando, largando o violão no chão.
— Ouuunnn, tadinho! — disse me aproximando dele e apertando as suas bochechas.
— Ah, alguém faz o favor de me injustiçar? Nunca recebo esses carinhos! — Harry disse inconformado, recebendo um tapa de .
— Se enxerga, Harry. Pega nem resfriado... — agora quem levou um tapa foi .
— Como vocês se agridem, que medo — olhei-os espantada e eles riram.
— Vamos comigo, Rachel? — convidou.
— Não, ela fica! — respondeu possessivo, recebendo vaia dos outros dois.
— Eu vou! — respondi com um sorriso provocativo e ficou emburrado.
— Então vai, oras — deu de ombros e recebeu pedalas de Harry e .

Olhei para o outro lado da sala e vi conversando entretida com . Eu ia chamá-la para ir com a gente, mas resolvi deixá-la perder o medo de ficar junto dele. Então, estendeu a mão para que eu a segurasse e eu o fiz. Percebi que olhou atento para as nossas mãos e depois desviou o olhar para beliscar Harry. Aquilo me deixava ainda mais motivada a segurar as mãos de . Eu estava conseguindo provocar ciúmes em ?

Deixamos o estúdio no carro de , que dirigia um pouco rápido demais. Digamos que ele não é o melhor motorista que já conheci.

— Você meio que gosta de velocidade, né? — perguntei rindo e ele riu.
— Sempre. Devagar não se vai a lugar nenhum — deu de ombros.
— É, mas eu estou, tipo, com medo — sorri fraco e ele diminuiu um pouco o ritmo.
— Mulheres...
— Grrrrrrrrrrrr... Vocês homens que são um saco! — cruzei os braços e riu alto.
— O que rola entre você e o ? — perguntou de uma hora para outra, deixando-me completamente assustada e sem conseguir dizer qualquer coisa. — Que foi? — notou a minha inquietação.
— Nada... Mas por que essa pergunta? — perguntei atordoada. Eu queria responder outra coisa, mas como foi isso que saiu, então não tinha mais como voltar atrás.
— Por nada também — deu de ombros.
— Ah não, . Agora fala! Eu sei que você não perguntou isso simplesmente por nada... — insisti, olhando-o curiosa.
— É que... Ah... Não parece ser só amizade.
COMO ASSIM? e eu mal nos falávamos na frente deles! Por que perceberiam alguma coisa a mais?
— Hã? Bebeu? — quase gritei.
— Caaaalma, se não tem nada, então por que todo esse stress? — provocou, rindo idiotamente.
— Seu babaca! — dei um tapa leve em seu ombro, rindo e balançando a cabeça.
— De qualquer forma... — começou e meu coração saltava. — Eu prefiro você à Sophie. O não é muito bom em escolher namoradas... — agora eu tinha certeza de que tinha visto o meu coração correndo na calçada do outro lado da rua.
— Bobagem, . Ele gosta dela, e ela dele.
— Não tenho tanta certeza — opinou, parando no sinaleiro e olhando para o relógio em seu pulso. Isso me lembrou aquela conversa que tive com John.
— Como assim? — por que eu tinha que perguntar? Eu não podia ficar demonstrando interesse. Argh! Me odeio às vezes.
— Ah, nada demais. Só não tenho tanta certeza — repetiu, me deixando ainda mais curiosa.
— E aquela música? , ele queria mudar por ela — falei incrédula e ele arrancou, com o pneu cantando, quando o sinal ficou verde.
— Aquela música já foi escrita há muito tempo. E ele nem tentava mudar assim não, aquilo foi pra dar um drama a mais na canção. As únicas partes reais são as das brigas, da bebedeira, dela não entendê-lo e de ele estar farto disso. Ele está sufocado — fez careta.
— Então por que continua com ela? Digo, se ele se sente assim? — tentei soar natural.
— Porque sei lá. O é lerdo, você nunca percebeu? — falou com uma cara engraçada, fazendo-me rir.
— Tadinho, nem está aqui pra se defender.
— Percebeeeeeeeu — falou praticamente cantando. — Fica tranquila, não vou contar pra ele!
— Cala a boca, — dei outro tapa em seu ombro. — Não falei nada! — ri.
— Vou ser sincero contigo — ficou sério e eu fiquei nervosa mais uma vez. — Eu sei que tem coisa aí.
— Aí onde?
— Aí... Nesse lance de vocês — continuou. — Sabe por quê?
— Ah Deus, o que você vai inventar? — perguntei nervosa.
— Eu percebi no dia do show. Quando você não me deixou dizer que é amiga dele — lembrei subitamente de olhar apavorada para .
— Ah, mas eu fiz aquilo pra evitar problemas. Eu não sei se ela é ciumenta, vai que ela tinha uma ideia ruim de nós dois? — fingi, mas meus lábios tremiam.
— Você não mente muito bem — falou puxando o freio de mão, quando estacionou. — Espere-me aqui, já venho! — deixou-me completamente confusa dentro do carro.
Será que todos os garotos do McFly têm super poderes ou eu fico muito vulnerável perto deles? Como podia dizer que eu não sabia mentir muito bem? Meu Deus, eu preciso trabalhar expressões faciais e esconder nervosismo. Só pelo meu jeito de agir, praticamente confirmava ou negava qualquer coisa. Estou perdendo o controle. Era tão óbvio assim que eu estava caidinha pelo ? A eu tenho certeza absoluta que sabe, mas a coisa está ficando mais perigosa. E se decide contar para os outros? SERÁ O MEU ATESTADO DE ÓBITO. Antes que eu pudesse me perder em mais possibilidades, apareceu no carro com várias sacolas e colocou-as no banco de trás. O cheiro estava delicioso.
— Põe o refrigerante nos seus pés? — pediu, dando-me uma sacola com três garrafas de coca-cola. Ajeitei-as no tapete do carro.
— Meu Deus, , é muito refrigerante! Eu vi que vocês têm no frigobar também — falei espantada.
— Ih, aquilo ali não vai dar pra duas horas. Escreve o que estou dizendo — falou piscando e entrou no carro. E eu que achava que era a pessoa mais viciada do mundo.

Fizemos o caminho todo em um semi-silêncio, pois eu tinha medo de engatar qualquer assunto com e chegar ao papo -Sophie de novo. Quando chegamos ao estúdio, estava sentado na calçada, falando ao celular. Desci do carro e ajudei com as sacolas, apenas acenou e continuou falando.

— Porra, pensei que não iam chegar mais. Estava quase comendo o ! — Harry reclamou, passando a mão na barriga, quando nos viu entrar na sala.
— Vou fingir que não sei que você estava doido pra me comer — brincou, pegando uma das sacolas de minhas mãos e colocando em cima da mesa. Harry apenas o mandou se enxergar.
— Nem chamam, né? — falou e a olhei, ela estava deitada no sofá.
— O estava com pressa e também você me destratou! — dei de ombros e ajudei a tirar as comidas da sacola. Harry também foi nos ajudar, pegou pratos, talheres e copos, eles tinham tudo naquele estúdio.
— É a nossa segunda casa! — disse quando me viu rir dele pegando tudo para colocar na mesa.
— Rach, chama o , senão a comida vai esfriar — disse se levantando do sofá e eu senti vontade de rir ao ouvi-la me chamar de Rach.

Senti as pernas tremerem. Ia ser a primeira vez no dia em que eu ficaria sozinha com . Na hora do café da manhã não conta, porque logo apareceu. Fui caminhando devagar e cheguei do lado de fora do estúdio, onde ele ainda falava ao celular.

— Porra, eu já disse, não vou repetir — falou irritado, ainda não tinha percebido a minha presença, pois eu estava atrás dele. Será que era Sophie? Fiquei imóvel, esperando-o desligar. — Er, então ok. Mas hoje a gente não vai poder se ver. JÁ EXPLIQUEI, SOPHIE — é, era ela, mesmo. Eu fiz de tudo para sair dali e não ouvir a conversa, mas não recebi a educação necessária e não sei que é feio ouvir a conversa alheia. Meu coração estava acelerado. — Tá, ok, eu também. Tchau — desligou. “Eu também” o quê? “Te amo”? Respirei fundo e tentei tirar isso da cabeça, afinal é comum namorados dizerem isso. Eu só tinha que entender. sentiu a minha presença e se virou bruscamente, eu não sabia onde enfiar a cara, fiquei com muita vergonha de estar parada ali, praticamente ouvindo a sua conversa. Ele sorriu e eu sorri fraco.
— Entra, , estão te esperando para almoçar.
— Estou indo — ele disse em um tom baixo e voltou a olhar para a rua, de costas para mim.
— Ok — falei simplesmente e me virei para entrar no estúdio novamente. Ele devia estar me achando muito intrometida.
... — ouvi-o chamar e fiquei praticamente congelada. Virei novamente, ele agora me olhava sorrindo. — Senta aqui, rapidinho — as pernas vacilaram e eu pensei duas vezes, mas a quem eu queria enganar? Eu estava louca para ficar sozinha com de novo. Então, respirei fundo e caminhei até ele, sentando-me ao seu lado e apoiando os braços nos joelhos. Fiquei encarando os meus pés, sentia-me completamente vulnerável ali. Antes que pudesse imaginar alguma coisa, senti a mão de em minha nuca e comecei a rir.
— Ai , eu tenho cócegas aí — avisei me esquivando e ele começou a rir, pegando com mais força. — Sai! — empurrei-o ainda rindo e passei a mão no cabelo para ajeitá-lo, pois ventava um pouco.
— Aqui pode? — perguntou ao tocar a minha cintura. Assenti e voltei a encarar os meus pés. Sentir me tocar de novo era como encontrar a luz no fim do túnel. Eu já sentia falta daquelas mãos, daquele calor. Ele se aproximou e eu senti a sua respiração em meu pescoço, ficando arrepiada e ao mesmo tempo corada. Começou a beijá-lo. Eu apenas tentava me controlar para não agarrá-lo ali mesmo.
... — sussurrei, já de olhos fechados.
— Hum? — continuou beijando o meu pescoço, agora subia para a minha orelha, mordiscando-a.
— Você não tem medo? — indaguei com dificuldade. Ele cessou os beijos imediatamente e me olhou, então nos encaramos.
— De quê? — perguntou confuso.
— Sei lá, paparazzis. — respondi e ele baixou a cabeça, rindo e me fazendo sentir idiota. — Quê? — perguntei indignada ao vê-lo rindo.
— Eu achando que você ia dizer alguma coisa realmente assustadora e você me vem com essa — balançou a cabeça.
, volte à realidade! Se um paparazzi te ver fazendo isso, já era o seu namoro! — tentei falar sem sentir uma pontada no peito, mas não foi possível. A reação dele foi bem diferente da que eu esperava, merecendo até uns tapas.
— Se um paparazzi visse o que eu fiz nessa madrugada, aí sim eu ficaria realmente assustado! — falou com um sorriso malicioso e eu estapeei seu peito. Ele segurou os meus pulsos e me puxou, me envolvendo rapidamente com um de seus braços e me deitando em seu colo. Eu não podia estar me sentindo mais realizada. Então, com a outra mão, ele pegou um de meus braços e levou até seu ombro, para que eu o abraçasse. Acariciei a sua nuca e ficamos nos olhando por algum tempo. Eu continuava viajando naqueles olhos azuis. O olhava cada vez mais fixamente, tinha que ter certeza de que estava vivendo aquilo. tocou meus lábios com a ponta de seu dedo indicador, deslizando suavemente. Fechei os olhos e senti as borboletas ansiosas no estômago.
! ! — ouvi gritar e levantei do colo de subitamente. Ela segurava a porta e ria da nossa cara — vai esfriar a porra da comida, deixem para se pegar depois! — corei e mostrei o dedo para ela, que deu língua e entrou.

Olhei para e ele coçava a cabeça, olhando para baixo.

— Vamos? — chamei, levantando e puxando um de seus braços. Ele concordou e levantou. Fui à frente, vez ou outra olhava para trás e notava que ele observava as minhas pernas e o meu bumbum.
— Está gostando do que vê? — perguntei olhando para frente, só para deixá-lo sem graça. Mas ele sempre é o pior.
— Nada que eu não tenha visto de madrugada... — respondeu de forma simples e eu me virei para ele, que ria cinicamente. — Desculpa, mas perguntou e eu respondi! — deu de ombros e dei um tapa leve em seu rosto. — Outch! Mais um desse e você vai ver o que acontece... — ameaçou com a mão na bochecha, acariciando-a. Então, dei outro tapa em sua bochecha livre. — @#$¨* que pariu, nunca aprendo a me esquivar! — reclamou.
— Cadê, valentão? — disse instigando-o, com as mãos na cintura. Arrependi-me do que falei. Como em um reflexo, me agarrou com força pela cintura e me levou para o outro lado, bem longe da sala onde devíamos entrar. — , para! Eu não quero que vejam a gente — pedi, sendo arrastada e olhando preocupada.
— Shhhh! — tampou a minha boca. Eu tentava me soltar, mas ele é anos luz mais forte. Entramos em uma sala escura, onde certamente era outro estúdio. me soltou e trancou a porta, escondendo a chave no bolso.
, pelo amor de Deus! — falei colocando as mãos na cabeça. — Vamos sair daqui.
, pelo amor de Deus — imitou-me, conseguindo me fazer rir. — Você é muito medrosa — aproximou-se e encaixou a mão nos meus cabelos, puxando-me pela cintura com a outra mão. Espalmei as mãos em seu peitoral e, antes que tentasse me soltar, já havia feito o favor de encaixar os nossos lábios. Foi um beijo ansioso, intenso. Não demorou muito para que os nossos corpos estivessem colados e eu pudesse sentir o que estava pretendendo, literalmente.
— Rachel, ! — ouvimos uma voz não muito distante da sala berrar. E pelo que conhecia das vozes dos garotos, era . Soltamos-nos rapidamente e bufou.
— Vai na frente — disse, tirando a chave do bolso e me dando. Peguei e o olhei confusa. Ele olhou para as suas calças, inconformado. — Não dá pra eu sair daqui agora — entendi e comecei a rir, ele ria também, um pouco nervoso.
— É nessas horas que ser mulher é bom! — dei de ombros e destranquei a porta, deixando a chave na fechadura. Ouvi assobiar ao me ver saindo da sala. Quando voltei para o corredor que ia direto para a sala onde todos estavam, esbarrei em .
— Porra, vocês querem matar a gente de fome? — reclamou, balançando a cabeça e saindo na frente. Apenas sorri fraco e o segui. Entramos na sala e todo mundo já estava comendo, aquilo tudo era drama.
— Estou comovida com a consideração de vocês! — falei alto, fazendo todos pararem de comer e me olharem.
— Ah, minha princesa, eu quis te esperar, mas o e o ficaram com ciúmes e disseram que se eu te esperasse estava tudo acabado. Eu realmente preciso desses caras, então... — Harry fez bico e os dois confirmaram, mas emendou.
— Nossa, Harry, você está cada vez pior, cara. “Minha princesa”... Eu esperava mais de você — recebeu uma careta e 20 mil xingamentos de Harry, concordou com .
— Ignora esses caras e senta aqui do meu ladinho, Rachel, somos bons nisso... — Harry afastou a cadeira ao seu lado e eu me dirigi até ela, sentando e pegando um prato.
— São bons nisso o quê? — perguntou de boca cheia.
— Sentar juntinhos... Ou vocês não notaram que sempre estamos grudados? — Harry respondeu, olhando-me e piscando com uma cara sexy. Recebeu bolinhas de guardanapos de . Corei e sorri fraco, servindo-me.
— Você é muito cafona. Se eu fosse uma garota, não ficaria com você — disse, entrando na sala, e eu senti as pernas formigarem, então apenas continuei me servindo.
— Porra , no banheiro essa hora? — , que estava calada, disse de uma hora pra outra, arrancando risos dos garotos.
— Ela é boa nisso, cara... — disse, dando a mão para ela.
— É, estava, pensar em você e no juntos me excita — rebateu, sentando na cadeira ao lado dela e dando um peteleco em sua orelha. Ela, por sua vez, devolveu o peteleco na nuca.
— Pensar em mim excita qualquer um — concluiu e foi vaiado.

O almoço seguiu nesse ritmo, piadas o tempo inteiro. parecia já estar mais acostumada com as cutucadas de e já não ficava tão atordoada com as brincadeiras que a relacionavam a . Agora todos já faziam piadas com os dois, que prometiam matar por começar com esses “boatos”. Depois que almoçamos, sentamos todos no tapete e teve a brilhante ideia de fazer um jogo de verdade ou desafio. e eu não quisemos aceitar, porque éramos as únicas garotas ali.

— É isso ou poker pornográfico — ele argumentou.
— 'Tá, verdade ou desafio, então — respondi meio contra a vontade, eles reclamaram, dizendo que preferiam poker. Eu preferia aqueles desafios estranhos a ter que me esfregar em alguém. Já bastava fazer isso a semana inteira.
— Não dá pra jogar isso sem beber, cara — opinou inconformado.
— Acho que temos latinhas no frigobar — Harry disse levantando e indo conferir.
— Ih gente, piorou — falou e todos a olharam. — Eu estudo e trabalho amanhã, nem posso pensar em beber hoje!
— Ah, é só um pouquinho de nada! — tentou convencê-la.
— É , amanhã a gente está inteirinha... — falei animada. Eu estava precisando beber para jogar aquilo. E também queria me divertir. Não que eu estivesse triste ou algo do tipo, porque depois da madrugada que tive com , tudo era motivo para estar sorrindo.
— Que seja. 'Tá, mas só um pouco — ela deu de ombros e Harry já veio com várias latinhas na mão, depois voltou e buscou mais.
— Pronto, agora é só pegar a garrafa! — disse se levantando e indo até a mesa pegar a garrafa de coca-cola vazia. Cada um abria as suas latinhas de cerveja. — Aqui. O gargalo é quem pergunta e o fundo, quem responde — ordenou e se sentou, colocando-a no centro, em seguida abriu a sua latinha.
— Eu vou começar girando! — se inclinou para alcançar a garrafa e girou. Para o azar de , ele perguntava e ela respondia. Então, ela escondeu o rosto no ombro de Harry, que estava ao seu lado. — Quem eu queria mesmo! — comemorou. — Verdade ou desafio, ?
— Ah meu Deus! — ela disse se sentando normalmente e dando uma golada generosa em sua cerveja. — Verdade, logo!
— Huuuuuum, deixa eu ver... — demorou um pouco para fazer a pergunta, todos riam do nervosismo de . — Ah, com quantos anos você perdeu a virgindade? — todos gritaram e gargalharam. Por incrível que pareça, ela respirou aliviada.
— Com 17... E calem a boca — escondeu o rosto nas mãos.
— Vai, agora você gira! — eu disse a ela depois de tomar um pouco mais de cerveja. se inclinou para o centro do círculo e girou.
pergunta para... Rachel! — quase se enrolou com os nomes e eu senti calafrios. Por sorte ninguém prestou atenção. Senti um frio na espinha. , não! Qualquer um, menos .
— Verdade ou desafio? — perguntou sorrindo malicioso. Cocei a cabeça, nervosa.
— Verdade — respondi convicta, mas com todos os meus órgãos dançando dentro de mim. Fiz uma corrente de pensamentos do tipo “nada sobre o , nada sobre o ”.
— Uma pessoa que você odeie... — ele disse simplesmente, piscando para mim. Então, eu fiz como , respirei aliviada.
— Uma só? — todos me olharam espantados.
— Credo, você odeia mais de uma pessoa? — indagou, me olhando com os olhos arregalados.
— Não, gente, vou citar duas — falei após esvaziar a minha latinha e abrir outra em seguida.
— 'Tá, pode ser — permitiu, me olhando curioso e também abriu outra latinha.
— Meus pais — disse simplesmente e tomei uma boa quantidade de cerveja. O silêncio prevaleceu ali e eu me senti mal. — Ah, gente, eu tenho os meus motivos... — tentei mudar a expressão em seus rostos, a única que me entendia era , pois sabia de toda a minha história. — Er, vou girar — tentei quebrar o gelo e me inclinei, girando. — pergunta pro ! — bateu palmas e gritou, resmungou e todos torciam.
— Verdade ou desafio, cara? — perguntou. Eu estava aliviada até ali, creio que nem desconfiava de nada.
— Verdade! — respondeu gritando. — Só porque sou macho! — bateu no próprio peito e nós rimos.
— Quando foi a melhor trepada? E com quem? — questionou, recebendo uma cotovelada de . Meu estômago estava de cabeça pra baixo. Não sou egocêntrica a ponto de achar que a madrugada que tivemos foi a melhor de , mas nunca se sabe.
— Cara, controla o palavreado, temos damas aqui! — disse e foi repreendido por .
— Bom é assim, ! — pela primeira vez vi a olhar entusiasmado depois de ela ter dito algo. Ele a agradeceu.
— Chega, o centro das atenções sou eu, vou responder! — disse alto e eu tentei não olhá-lo nem de relance. Depositei todo o nervosismo na cerveja. Senti os olhos de fitando-me. — Trepada? Deixa eu ver... — bebeu um pouco de sua cerveja. — Durante a turnê passada, acho que depois do terceiro show, com uma groupie que não lembro o nome — estava confuso, coçando a cabeça. Eu não me entendo. Ao mesmo tempo em que tive medo de ele soltar alguma coisa, senti raiva por não ter dito que tinha sido na noite passada e comigo.
— Cláááássica, meu amigo! Essa foi a sua memorável! — Harry disse para . — Nove horas de pura sacanagem! — ria descontroladamente.
— Não faço nada rápido, você sabe — disse se sentindo vitorioso e eu queria socá-lo. Todos os meninos riam e davam os parabéns a ele, e eu éramos as únicas com o rabo entre as pernas. Homens. — Vou girar! — anunciou e o fez.

A brincadeira seguiu animada, todos estavam escolhendo verdade e por sorte foram pouquíssimas vezes que caiu para eu responder. E em nenhuma delas era quem perguntava, apesar de toda vez ele me olhar com um sorriso malicioso. Todos já estavam ‘alegres’ naquela roda, inclusive eu. Os meninos já estavam sem as suas camisas. Alguns já tinham escolhido desafios, mas tinham sido leves. Só coisas como virar cerveja. Tudo era motivo para gargalhada.

pergunta para Rachel! — Harry disse. Eu já estava tão ‘legal’, que nem me importava mais com nada, a não ser que fosse quem perguntasse.
— Verdade ou desafio, dama? — perguntou.
— Desafio — respondi segura.
— Huuuuuuuum... — arqueou as sobrancelhas. — Vamos mudar o rumo disso aqui. — disse levando uma das mãos ao queixo e pensando. Eu estava muito dormente para me preocupar com o que ele escolheria. Mas confesso que me assustei. — Rachel beija o Harry por 15 segundos!
— YAY! — ouvi Harry comemorar, porque agora eu me encontrava com a cabeça baixa, rindo envergonhada. Ouvi a gargalhada de . Então, ele certamente não se importava. Eu ia dar o meu melhor naquele beijo.
— Tem que ser aqui? — fiz charme.
— Claro, como a gente vai saber que vocês cumpriram? — perguntou.
— Quero aqui no meio da roda! — disse dando corda e eu a olhei rindo. Eu não estava desanimada em dar aquele beijo, Harry é muito bonito e eu o achei atraente desde a hora em que o conheci. Não seria nenhum sacrifício.
— Vamos? — Harry foi para o meio da roda e estendeu a mão para que eu me juntasse a ele. Virei o resto de cerveja da minha sétima lata, por aí, e me juntei a ele.
— No três, hein... — começou, ajeitando o relógio, creio que para cronometrar os 15 segundos. — Um... Dois... Dois e meio...
— Anda, @#$%¨! — Harry berrou impaciente e todos riram.
— TRÊS! — gritou e antes que eu me desse conta, já estava nos braços de Harry. Ele também beijava muito bem. Não senti vontade de recuar ou empurrá-lo, pelo contrário. As gargalhadas que ouvia de enquanto nos beijávamos me motivava mais ainda a continuar ali. Eu fazia questão de puxar os seus cabelos e deixar as nossas línguas amostra de vez em quando. Já estávamos praticamente sem fôlego. — Quatorze... Quinze! — fez a contagem e nos soltamos, recebendo aplausos e assobios de todos na roda.
— Esse vai pro Guiness, quase molhei as calças! — disse , já um pouco bêbada, arrancando gargalhadas. Harry e eu voltamos para os nossos lugares e girei a garrafa.
pergunta pro ! — avisei e ela deu sua gargalhada estridente.
— Verdade ou desafio, ? — perguntou enrolando um pouco a língua. Mesmo já nem sentindo nada do pescoço para baixo, acho que eu estava nervosa. Tinha medo do que poderia perguntar, ela não estava completamente bem do juízo naquele momento.
— Verdade! — ele disse estendendo a sua latinha para o ar. Ela soltou um riso abafado.
— Você ama a Sophie? — indagou como se fosse a coisa mais natural a se perguntar. Os garotos disseram “WOOOOOW” em coro e eu não sei de onde senti as pernas fraquejarem, mesmo dormentes. Ela é louca, definitivamente. Eu queria parar o mundo e pedir para descer. Olhei para de relance e ele parecia não ter se importado tanto assim com a pergunta, já me olhava com ansiedade, como se dissesse ‘essa resposta vai sanar as suas dúvidas’. Notei quando coçou a cabeça e franziu a testa. — Vaaaamos, o tempo está se esgotando, camarada! — apressou-o com palminhas.
— Er, não! — respondeu simplesmente e deu uma golada, sendo aplaudido pelos amigos e até pela , que além de aplaudir, ainda gritava. É, aquilo acendeu alguma esperança em mim. — Girandoooooooo... — disse já girando a garrafa. — Eu pergunto pro , minha vidinha! — colocou as mãos no coração e rolou os olhos, suspirando. Foi xingado por . — Verdade ou desafio?
— Verdade, cara. Essa é a resposta! — respondeu rindo, já bêbedo. estava apreensiva. perguntando a não era um bom sinal. Eu acho que me sentia como ela, a não ser pelo fato de não estar sentindo nada. sorria maroto.
— Você pegaria a ? — perguntou e ela na mesma hora cuspiu toda a quantidade de cerveja que tinha na boca, recebendo tapinhas nas costas de Harry. estava tranquilo, quer dizer, bêbado o bastante...
— Sem pensar duas vezes! — respondeu sinceramente e todos começaram a aplaudir e gritar, menos , que ria descontroladamente. Agora toda a sua vergonha tinha se convertido em risadas.
— Está vendo, ? Não é só você que pegaria ele não... — disse e foi chamado de “demônio” cinco vezes em uma mesma frase.
— Rachel pergunta pro ! — falou após girar a garrafa. Comemorei.
— Finalmente eu que pergunto pra ele! Verdade ou desafio?
— Desafio! — disse erguendo os braços e sendo aplaudido. Tinha um desafio que não me saía da cabeça.
— Huuum... Quero que você vá pelado lá na frente do estúdio e fique dançando por 10 segundos! — falei batendo no tapete e todos gritaram, rindo.
— Valeu! — o louco me respondeu, já levantando e tirando as calças. já tampava os olhos e eu tratei de fazer isso logo.
— Essa eu tenho de ver! — disse após dar a sua típica gargalhada.
— Ao infinito e além! — ouvi gritar e sair correndo para fora da sala. Todos levantaram e o seguiram. Ele estava na frente, então pude ir sem tampar os olhos, só via o seu traseiro. abriu a porta que dava acesso ao lado de fora do estúdio e tinha os braços erguidos, os garotos começaram a cantar uma música de Justin Timberlake, eu acho. Ele dançava de forma muito engraçada, de frente para a rua. Toda vez que se virava para onde e eu estávamos, nós fechávamos os olhos. Foram 10 segundos muito lentos e sufocantes de tanta gargalhada. Duas pessoas passaram pela rua e olharam assustadas, uma delas era uma mulher, que escondeu o rosto no ombro de seu namorado. Já ele, riu descontroladamente, não acreditando no que via.

Finalmente retornamos para a sala e colocou as suas calças novamente. Voltamos a fazer a roda e Harry pegou mais cervejas. O estoque deles é praticamente infinito.

— Harry pergunta para ! — disse após girar a garrafa.
— Verdade ou desafio? — Harry perguntou.
— Desafio! — ela respondeu simplesmente e eu a olhei confusa. realmente estava bêbada.
— Você vai ter que dar um beijo pegando na bunda do nosso amigo peladão, aqui! — Harry disse apontando para , que comemorava, e escondia o rosto com as mãos, morrendo de rir. Então, ele se levantou e ela levantou em seguida, os dois ficaram em pé no meio da roda e todos gritavam “beija, beija, beija”. começou a cantar a canção do Titanic e depois chamou de corno. se esquivava, rindo. — Um, dois, três e... Já! — Harry deu passe livre e antes que pudesse fazer alguma coisa, já tinha fixado as mãos na bunda dele, que agora já estava vestida. Todos batiam palmas e gritavam. Eles se beijaram com entusiasmo, assim como Harry e eu. segurava a própria barriga tentando parar de gargalhar. Harry agora abraçava os dois e dava pulinhos, estava como , rindo sem parar. E eu nem conseguia olhar direito, estava sufocada de tanto rir. Não que tivesse alguma coisa muito engraçada, mas do jeito que estávamos, qualquer coisa era motivo para cair na risada. — Estou satisfeito! Agora vou pro banheiro! — Harry disse brincando e eles dois se soltaram.

Apesar de estar tudo muito engraçado e todo mundo estar bebendo cada vez mais, desistimos de brincar e ficamos apenas bebendo e jogando conversa fora. Harry comentou que eu beijava muito bem e que depois me ligava para a gente combinar de dar mais beijos daqueles em um lugar sossegado, brincando. Eu apenas concordei, também em tom de brincadeira. agora estava deitado no colo de , dizendo estar apaixonado e abria a boca para que ela derramasse cerveja. estava apoiado em seus cotovelos, ao meu lado. Nós não trocamos muitas palavras, mas sempre que podia, jogava cerveja em meu cabelo, me deixando furiosa. Foi mais um bom momento nosso com os garotos, sentia-me em casa ali. Já tinha aprendido a lidar com as brincadeiras deles, claro que a cerveja ajudou um pouco, mas tudo melhorava. Acho que estava da mesma forma, porque agora ela confirmava as provocações de para .

“Você ama a Sophie?”... “Er, não!”. Isso não deixava de habitar a minha cabeça um segundo sequer, até me fazia rir mais.

Capítulo 13


(Colocar para carregar: Matt Costa - Sunshine)

— Que bagunça é essa? Meu Deus, vocês não são mais crianças! — ouvi uma voz grossa e acordei, tendo dificuldade para abrir os olhos. Espera! Onde eu estava? A minha cabeça doía agora, as pontadas passavam do limite do suportável. Olhei para o lado e vi dormindo calmamente. Senti que estava deitada em um lugar desconfortável e então me situei que estava no chão. Demorou até que eu entendesse que estava no estúdio. Olhei para cima e vi alguém me olhando atentamente, um rosto desconhecido. Sentei em um impulso e coloquei a mão na cabeça, numa tentativa falha de melhorar a dor que sentia. Olhei para frente e vi que Harry também estava acordado, já sentado. Pelo jeito, com as mãos na cabeça também. — Onde estão seus celulares? Tentei ligar a noite inteira! — o homem que estava me olhando atentamente continuou falando.
— Sei lá! — Harry respondeu em meio a bocejos.
— Nós temos compromissos hoje, Judd — ele continuou e eu não estava entendendo mais nada. Agora se mexia, devia estar acordando também. — Vocês estão cada vez mais irresponsáveis.
— Quem está aí? — ela perguntou tampando os olhos.
— Eu é que pergunto! Quem são vocês, o que fazem aqui?
— Fletch, vai com calma cara, elas são nossas amigas e a culpa disso é nossa! — Harry saiu em nossa defesa e eu o agradeci mentalmente.
, vamos! — chamei e ela se sentou devagar.
— Não gente, fica aí! — Harry tentou se redimir, mas aquele homem que falava com ele não parecia muito satisfeito e eu estava constrangida demais para continuar ali.
— A gente se fala depois, Harry — disse se levantando e me ajudando a levantar. Ela parecia já ter entendido tudo.
— É bom mesmo que vocês se falem depois. Porque agora vocês têm compromisso, MCFLY! — o tal Fletch continuou, falando o nome da banda de forma irônica. Os outros três dormiam tranquilamente. Harry se levantou e nos seguiu até a saída. Nem mesmo cumprimentamos aquele homem.
— Eu quero pedir mil desculpas pra vocês! — Harry disse me abraçando e em seguida abraçando .
— Não, Haz, fica tranquilo — falou em tom cordial.
— É, a gente sabe como é esse negócio de compromissos — tentei consolá-lo.
— Vou levá-las até em casa — ofereceu educadamente.
— Não precisa, a gente chama um táxi! — sorriu para ele.
— Não, sinto-me na obrigação de levá-las depois desse chilique do Fletch! — acabamos aceitando e Harry nos levou para casa. Eu fui com ele no banco da frente e foi deitada no de trás. Ele nos explicou que tinham uma conferência naquele dia, mas que tinham se esquecido, ou melhor, Fletch devia ter avisado e o não tinha uma memória muito regular, o que me fez rir. — O Fletch é um cara legal, só é meio estressado! — continuou e nós rimos.
— Tudo bem, Harry. Eu imagino o que deve ter passado pela cabeça dele — dei de ombros e ele sorriu fraco. — É aqui — falei quando ele passava pela frente de nosso prédio, alegando não lembrar direito aonde era. Dei um beijo em sua testa e o abraçou por trás, abraçando o banco do carro também. — Diz pros outros que nós mandamos beijos.
— Ok. Cuidem-se! — ele se despediu enquanto saíamos do carro. — Ah, quando a gente tiver um tempo livre, peço pro ligar — assentimos e acenamos.
Ele, então, se foi.

— Que dia o de ontem, hein? — comentou enquanto subíamos as escadas.
— Só lembro o dia mesmo — ri alto. — O que será que aconteceu à noite? — me olhou apreensiva.
— Agora é rezar para que nenhum deles se lembre de nada também, assim se tiver acontecido algo que possa nos envergonhar, eles nem vão saber — falou dando de ombros e eu ri. — Perdi aula! — bufou enquanto colocava a chave na fechadura.
— Duas. Ainda bem que as minhas provas acabaram sexta — respirei aliviada.
— É, antes perder aula do que perder o trabalho. Pior que eu estou com um sono do #$%@ — abriu a porta e nós entramos.
— Dorme um pouco, ainda tem tempo — olhei para o relógio na parede, que marcava nove da manhã.
— É, quem sabe. Bom dia amiga, vou dormir — ela disse me abraçando e bocejando e logo foi para o seu quarto.

Entrei na cozinha e procurei algum remédio para dor de cabeça no armário próximo à geladeira. Por sorte ainda tinha um comprimido na cartela. Peguei um copo e coloquei um pouco de água, engoli a pílula e fui para o meu quarto. Do jeito que estava, joguei-me na cama e não vi mais nada.

, você vai trabalhar hoje? — fui acordada por . Ah, droga. De volta ao mundo real. Por um fim de semana eu tinha até conseguido esquecer como ganho a vida.
— Uhum — respondi esfregando os olhos e a vendo em pé, observando-me. — Por quê?
— Porque já são 7 horas da noite, bela adormecida.
Sua informação veio como um balde de água fria.
— QUÊ? — gritei, sentando num impulso. Já estava escuro.
— É isso aí, honey — ela disse sentando na beira da cama. — Já tinha até esquecido, né? — perguntou me olhando.
— Esquecido o quê? — questionei.
— Essa rotina — respondeu com um olhar triste, como se sentisse pena. A minha amiga deve ler pensamentos.
— Já mesmo — sorri fraco. — Mas não me olha assim, não gosto quando você sente pena de mim, — ela baixou o olhar.
— Não é pena, é só que eu acho que você merece uma vida melhor — deu de ombros. — Mas não vou falar mais nada, qualquer coisa estou lá na sala vendo TV — assenti e ela deixou o quarto.
Até eu mesma pensava nisso, que eu merecia uma vida mais tranquila, trabalhando honestamente. Mas nem o ensino médio eu tinha concluído. Achar trabalho em Londres sem esse requisito é quase impossível.
Peguei a minha toalha e fui ao banheiro, tomei um banho demorado e pude ouvir a minha barriga roncar. Não tinha comido nada o dia inteiro. Terminei o banho e me enxuguei, escovei os dentes e ouvi o celular tocando. Corri enrolada na toalha para atender.

— Alô?
... Tudo bem? — perguntou a voz mais conhecida atualmente pelos meus ouvidos, fora a de .
— Hey, ... Tudo bem sim e com você? — senti uma alegria invadir o peito.
Cansado, só. Quero te pedir desculpas pelo Fletch. Pra você e pra . O Haz me contou tudo — oooooun, que amor.
— Não, . Não esquenta com isso. Eu o entendi perfeitamente — menti.
Eu sei que não. Ele não podia ter falado daquele jeito. A culpa não era só de vocês... — pausa. — 'Tá, a culpa era toda de vocês! — falou em tom de brincadeira.
— É né, deixa você comigo, — devolvi no mesmo tom e ele riu. — Como foi a conferência? — perguntei me encostando à janela e olhando o céu nublado.
Normal, aquelas coisas de sempre — respondeu desanimado.
— Mas vocês se divertem muito juntos, aposto que essas coisas se tornam bem menos chatas do que devem realmente ser!
É, isso é verdade. Só que é difícil ser o único cara engraçado ali — falou convencido e eu ri.
— Nossa, hoje você está muito convencido e auto-suficiente. Está parecendo o ! — brinquei.
Argh, nunca mais repita isso. Eu sou assim, o que me imita. Eu o compreendo, todos querem ser iguais a mim.
— Tchau, . É melhor você desligar antes que isso tudo vire contra mim! — o ouvi dar uma risada abafada.
Eu sei que você não quer parar de me ouvir. Mas eu tenho que desligar. Temos uma sessão de fotos na London Eye.
— Nossa, que legal! Fui nela um dia desses... Mentira, mês passado, acho.
Está pior de datas do que eu — riu. — Então, se você quiser aparecer por lá, vou deixar seu nome com a Lisa... Você a procura e se identifica, daí pode ver tudo. Não que seja um programão, mas é melhor do que nada... — convidou e eu me senti uma merda em negar aquele convite.
— Ah, . Eu queria mesmo ir, mas você sabe, eu tenho trabalho — falei desanimada.
Ahh... — ele disse no mesmo tom desanimado e eu vibrei. — Eu tentei, né? — riu. — Tenho que ir mesmo, agora é sério, senão vão começar a gritar aqui e não vai ser legal pra você ouvir — rimos.
— 'Tá bom. Boa sessão de fotos pra vocês, diz pros meninos que mandei lembranças.
Digo em partes. Eles são um pouco convencidos demais, vão ficar se achando. Diferente de mim, que sou um cara humilde e pé no chão.
— Ah, claro! E bipolar também, né? — ele gargalhou.
Bom trabalho pra você. Se cuida, . Até algum dia.
— Obrigada, mas que dramático esse “algum dia”... — comentei.
É que nós vamos viajar amanhã... Então não sei — falou desanimado. — Ouviu? — perguntou quando uma voz de longe o chamou.
— Uhum. Vai logo! Beijo — ele disse “tchau” e eu já estava tirando o aparelho do ouvido.
Ah, ... — ouvi de longe e achei que estava louca.
? Você está aí ainda?
Não, em Marte — tinha que vir com as dele.
— Que foi? — perguntei impaciente e riu.
O nome que eu vou deixar com a Lisa é Rachel — senti um frio na barriga. Ele queria mesmo que eu fosse vê-lo na sessão de fotos. Eu tinha que me conter. Queria muito vê-lo, mas já não tinha ido para a calçada na sexta. Ficar mais um dia sem ir era arriscar demais.
— Eu não vou, . Não tem como, mas muito obrigada — respondi desanimada e nos despedimos.

Desliguei o celular e enrolei os cabelos na toalha. Abri o guardarroupa, vesti uma calcinha e peguei um vestido rosa curtíssimo. Vesti-o e tirei a toalha da cabeça, estendendo-a na porta do banheiro. Peguei uma escova e penteei o cabelo. Fiz uma maquiagem leve, estava com preguiça de tentar algo mais ousado. Peguei uma sandália de salto e calcei. Passei um perfume suave e fui em direção à porta do quarto, para sair. Mas antes de chegar lá, algo começou a martelar em minha cabeça. Respira, , 1, 2, 3. Eu não posso dar ouvidos ao meu coração tanto assim! Meu Deus, o que eu estava fazendo? Abri novamente o guardarroupa e separei um casaco da Atticus preto e uma calça de jeans escuro. Peguei meu par de All Star da mesma cor do casaco e guardei tudo em uma mochila. A coloquei nas costas e saí do quarto. Despedi-me de e fiz aquele conhecido caminho para a calçada. Parei pra pensar no que eu estava fazendo com aquela mochila... Eu não podia mudar de idéia. Tinha que manter a cabeça no meu trabalho, não podia me dar ao luxo de faltar mais um dia. Como sempre, peguei um táxi para chegar até lá. Não que eu me sentisse parte daquilo, mas quando olhei para a calçada se aproximando, senti um aperto no peito. Estava insuportável voltar ali. Era como se o meu corpo tivesse um peso puxando-o para longe. Mas não, eu tinha que ir. Eu tinha que pagar o aluguel. Tinha que comer. E também eu passaria, pelas minhas contas, a próxima semana sem poder ir, já que teria aquela visitinha mensal. Paguei o táxi e respirei fundo antes de descer do carro. Coloquei a mochila nas costas novamente e desci. Cada passo que eu dava era como se os meus pés gritassem “vamos para a London Eye” ou “saia daqui”. Eu praticamente discutia mentalmente com eles.

— Hoje está cheio... — uma de minhas companheiras de calçada disse, aproximando-se.
— Droga — sorri fraco, desanimada.
— Que ânimo é esse, mulher? Essa não é a Rachel que eu conheço! — ela brincou e eu ri.
— Nem eu me reconheço mais — dei de ombros e ela continuou rindo, depois se despediu e entrou em um carro que estava estacionado.

Caminhei um pouco até uma escadinha de um prédio abandonado, sentei e fiquei observando os carros passarem. Quando eu via algum dar a seta para encostar, virava o rosto e o escondia com os cabelos, para que nem pensassem em me chamar. Olhava para a mochila e ela parecia me chamar. Tentei criar vontade e coragem para ficar em pé na calçada e fazer programa. Mas simplesmente não conseguia, dava-me embrulhos. Foi então que — odiei-me por isso — resolvi “escutar” a mochila. Peguei-a e entrei em um beco. Aquele mesmo beco em que me troquei há quatro anos. Peguei a calça e a vesti, deixando o vestido por dentro. Depois apanhei o casaco e coloquei por cima, com o zíper fechado. Calcei o all star e guardei a sandália na mochila. Estava decidido, eu ia até a London Eye. Ia ver . Precisava vê-lo. Coloquei a mochila nas costas e ri de mim mesma, devia estar parecendo um garoto adolescente naqueles trajes. Mas me sentia incrivelmente bem naquele tipo de roupa. Estava confortável. E então, enquanto caminhava para pegar um táxi, lembrei de quem eu costumava ser em Bolton. Eu me vestia exatamente daquela maneira. Apesar da vida medíocre com meus pais, sentia falta da minha adolescência, tive bons momentos também. Era inocente.

Chamei um táxi e entrei, disse que queria ir até a London Eye e perguntei quanto ficaria, ele respondeu e eu vi que não teria aquele dinheiro, porque não tinha me preparado para ir até lá. Pedi para que me deixasse em duas quadras antes. Fui ansiosa, roendo as unhas. Cada vez que pensava em ver , sentia o corpo gelar. E ele queria muito que eu fosse. Não era como se eu fosse chegar lá totalmente de surpresa e esperasse um tratamento ruim. Espera, e se ele chamasse Sophie? E se ela já estivesse lá e ele me chamasse da mesma forma? Não, não seria capaz. Seria, ele me chamou para o show e a namorada estava lá também. Mas as coisas não estavam como estão agora. Decidi parar de pensar nas possibilidades e viver uma coisa de cada vez. Cheguei aonde tinha pedido que o taxista me deixasse e paguei. Desci do carro e caminhei rápido. A London Eye já era visível e eu a olhava, encantada. Cheguei ao local e notei que tinha uma grande faixa impedindo as pessoas de passarem para o outro lado, para a roda gigante. Havia uma grande equipe cuidando de tudo. Vi alguns flashes e pude avistar de longe. Olhei mais um pouco e vi ao seu lado. Havia muitas pessoas curiosas assistindo a sessão de fotos, algumas fãs enlouquecidas também, claro. Fui pedindo licença para conseguir chegar até a faixa. Vi várias mulheres com pranchetas. Ok... Qual delas seria a Lisa? As garotas ao meu lado gritavam e se descabelavam. Chamavam um por um, que vez ou outra acenava. Ainda não tinha visto .

— Lisa, Lisa... — decidi gritar e esperei ter sorte para que alguma delas se virasse e me olhasse. As meninas agora me olhavam atentas. Deviam estar pensando “o que essa louca está fazendo?”. Ignorei e continuei chamando, até que uma delas finalmente me ouviu e cutucou a tal Lisa. Ela caminhou até onde eu estava.
— Você tem nome na lista? — todos os olhares ali eram para mim.
— Sim, Rachel! — falei com medo de ela me olhar e dizer que não tinha nenhuma Rachel naquela lista. Oras, depois de eu ter dito que não ia, podia nem ter mandado colocar. Para a minha alegria e auto-estima, Lisa fez uma expressão de surpresa.
— Ah, você é a convidada do , certo? — perguntou-me riscando alguma coisa na prancheta e eu confirmei. Todas as fãs me olhavam dos pés à cabeça e cochichavam. — Vem — deu-me a mão e eu me abaixei para poder entrar.
— RAAAACHEEELLL... — ouvi gritos atrás de mim, enquanto ia com Lisa para perto dos garotos. Virei-me e vi que eram as garotinhas que estavam perto — ENTREGA AS NOSSAS CARTINHAS PARA ELES! — uma delas gritou.
— Posso? — perguntei para Lisa e ela apenas assentiu. Voltei lá e peguei cerca de 40 envelopes. Elas me agradeceram e mandaram beijos, apertões e etc aos seus favoritos. Voltei para perto de Lisa e continuei seguindo-a.
— Senta aqui — apontou para uma cadeira vaga ao lado daquele Fletch, que olhava concentrado para a roda gigante. Tentei ser discreta e sentar sem que ele me notasse.
— Obrigada — agradeci após sentar e o homem me olhou, assustado. — Tudo bem? — sorri fraco.
— Tudo — respondeu simplesmente e voltou a atenção para a London Eye. Como os garotos podem gostar dele? Não é possível. Que ser mal humorado!

Cruzei as pernas, coloquei as cartinhas na outra cadeira vaga ao meu lado e depois cruzei os braços, olhando para onde eles estavam. Foi quando finalmente vi . Lisa estava perto dele e falou algo em seu ouvido, apontando para onde eu estava. Ele me olhou subitamente e abriu o maior sorriso do mundo. Estava dançando por dentro. Sorri abertamente de volta e acenei, ele gesticulou para que eu esperasse um pouco. Os outros o seguiram com o olhar e me notaram, acenando e sorrindo. Eu já me sentia um pouco fraca, não tinha comido nada. As mãos estavam geladas e acho que a minha pressão caía. Não deixei isso me abalar e assisti atenta cada parte do photoshoot. Eles não conseguiam ficar quietos por muito tempo, principalmente e , que me faziam rir o tempo inteiro. A minha barriga já roncava cada vez mais alto e eu sorri internamente ao ver Lisa se aproximar com várias embalagens de pizza nos braços, sendo acompanhada por outra pessoa, que trazia refrigerante e outra que trazia mais pizzas.

— Pausa para comer! — Fletch gritou, levantando e batendo palmas, eles comemoraram... Eu também, claro.
Finalmente se aproximou, com os outros vindo atrás, mas ele praticamente corria. Fiquei de pé e ele me abraçou forte.
— Ei, deixa um pouco pra gente também! — pediu, tirando-o dos meus braços e me abraçando. e Harry o empurraram e depois se empurraram, tudo isso por um abraço meu. Não pude ficar sem rir daquilo.
— Bando de desesperados! — disse indignado.
— Tadinhos, deixa eles — falei e eles me agradeceram, fazendo careta para . Eu me sentia mais feliz ainda por não ver Sophie em lugar algum.
— Está com fome? — Harry perguntou me abraçando novamente e me dando um beijo na bochecha.
— Não como desde ontem! — respondi e ele me olhou assustado.
— Isso é um caso de urgência, então! SAIAM DA FRENTE, A RACHEL COME PRIMEIRO — ele ordenou, empurrando todo mundo e me puxando, deixando-me super envergonhada. Passei por todos de cabeça baixa. — Quero oferecer o primeiro pedaço para essa linda mulher ao meu lado! — Harry disse me dando um pedaço de pizza e recebendo aplausos e assobios. Eu não sabia onde enfiar a cara. Peguei o pedaço, agradeci e corri dali, ficando longe de todos, que se serviam no momento.
— Ainda mais essa, tenho que dividir a MINHA convidada com os outros — ouvi a voz de chegar por trás enquanto eu dava uma mordida generosa na pizza. Olhei-o assustada, tentando limpar o molho de tomate na bochecha. Ri pelo canto da boca, corada com o que ele havia acabado de falar. Adorei seu tom possessivo. Sou doente. — Eca, nem encosta em mim. Você não aprendeu a comer ainda? — brincou e assim que terminou de falar, um tomate caiu em sua camisa, fazendo-me rir descontroladamente.
— Olha só quem fala! — apontei para ele e começou a resmungar, tentando limpar com a mão livre. — Vai ter que se trocaaarr... — dei língua e ele fez careta.
— Ainda bem que eu sou rico! — sorriu maroto e mordeu a pizza.
— E convencido — concluí.
— Também... — deu de ombros e continuou comendo.
Os outros se aproximaram e ficamos conversando. Como sempre, rolou muita besteirada, chegou a dar pedalas em Harry duas vezes para que ele me soltasse. Eu não vou mentir, aquilo me agradava muito.

Eles perguntavam da o tempo inteiro e diziam que se ela soubesse que eu tinha ido sem avisá-la, receberia um milhão de xingamentos em menos de dois segundos. começou a imitá-la e eu não conseguia parar de rir. Prometi que contaria o que ele tinha feito a ela e ele disse que não ia ficar com medo porque sabia que ela não tinha o seu telefone. Mas jurou que me passaria o número e eu daria para ela ligar e xingá-lo. disse que estava precisando de umas aulas, que estava muito paciente ultimamente, poderia ajudá-lo. Eles são o bando de palhaços mais fofos que eu já conheci. É impossível ficar pelo menos um minuto próxima a eles e não dar risada. Fiquei imaginando se estivesse ali e visse imitando-a, ele se arrependeria de ter nascido. Aliás, de ter algum dia recebido um nome.

Depois de comerem, voltaram para a segunda parte das fotos. Eu observei tudo, agora me sentia melhor, não tinha mais um “buraco negro” no estômago, como disse. Cheguei a trocar algumas palavras com o Fletch, ele não foi tão rabugento como eu achei que seria. Até sorriu algumas vezes. Perguntou de onde eu conhecia os garotos e eu contei que era “amiga” de e que ele me apresentou aos demais.

— Vocês são só amigos mesmo? — Fletch perguntou e eu quase tossi. Qual é? Até ele, que nem me conhece?
— Sim, só amizade! Por quê?
— Por nada, relaxa — deu de ombros. — Esses garotos não são bem o que eu chamo de “normais”. Por isso — continuou.
— É, eles são meio loucos, mas o tem namorada — fingi que isso significava alguma coisa.
— Grande coisa — ironizou e eu o olhei atenta.
— Ele já traiu a Sophie? — perguntei interessada e muito, muito direta.
— Não que eu saiba, mas as anteriores... — deu uma risada. — Coitadas — engoli seco e encarei os meus joelhos.

Então era da índole de trair as suas namoradas? 'Tá, eu sei que ele estava traindo a atual comigo... Mas sempre faz isso? Então não tem uma razão para ter escolhido trair Sophie comigo? E de onde eu tirei que precisaria de uma razão? É sempre isso. Nunca tenho algo concreto sobre . É tudo pela metade. O quebra-cabeça nunca se encaixa. E acho que é por isso que quero estar perto dele cada vez mais. Acho que eu gosto de sofrer, tenho algum ímã para isso. Desviei o olhar para vê-los na sessão de fotos e bastou olhar para para que eu afastasse todos os pensamentos ruins sobre ele. O que eu sentia quando o olhava não era normal. Não podia ser. Queria tanto que ele fosse mais claro.

Finalmente acabou a sessão e os garotos se aproximaram de mim.

— Meninos, tenho que entregar isso a vocês, já estava esquecendo — falei levantando e pegando as cartinhas na cadeira ao lado, entregando-as.
— Onde você pegou isso? — perguntou, já abrindo uma.
— Quando cheguei, as fãs pediram para que eu entregasse.
— Rachel é a alegria da garotada! Está fazendo bem, já está conquistando as fãs... — fez tal comentário infeliz e eu fiquei corada. e Harry se entreolharam sem entender e sorriu fraco. Já o autor da frase, ria maliciosamente.
— Ei, eu quero ir à roda gigante, vamos? — Harry convidou e todos aceitaram. Alguns funcionários deles começaram a se organizar para ir também.

segurou o meu cotovelo e me arrastou disfarçadamente para longe dos outros garotos, que caminhavam rumo a uma cabine.

! — espantei-me e ele me olhou sorrindo.
— Nós vamos na próxima, shhhh! — falou soltando o meu braço e piscando, depois desviou o olhar para a roda gigante. Eu não consegui tirar o olhar dele. Quanto mais olhava para , mais difícil era prestar atenção nas coisas em volta. Era como se naquele momento nada mais estivesse acontecendo. Como se só estivéssemos nós dois no mundo. Para o meu nervosismo, ele percebeu que eu o olhava atenta. — Nunca viu? — brincou e eu balancei a cabeça.
— Dãããã — obriguei-me a olhar para a London Eye e vi que os garotos entraram em uma cabine. — É nessa próxima? — perguntei apontando para a outra que parava em seguida.
— Sim, vamos — disse me dando a mão e então nós entramos. Notei que Lisa ia entrando conosco e jogou algum olhar para ela, pois desistiu. Fechamos a porta e eu sentei no chão, sentou ao meu lado e a roda gigante começou a subir.
— É a primeira vez que eu venho aqui e fico sozinha na cabine... — Comentei olhando para o vidro e já vendo boa parte de Londres.
— Ter amigos famosos sempre dá privilégios... — Falou soltando uma risada baixa e eu lhe dei uma cotovelada. AMIGOS?
— Hoje você colocou alguma fórmula secreta do no seu café? — perguntei rindo e ele fez careta.
— Não — deu de ombros e deitou a cabeça em meu colo, sem pedir permissão. Não que ele precisasse, mas eu fiquei encantada com aquele gesto. Então, fechou os olhos e eu o olhei fixamente. Parte por parte de seu rosto. Eu tentava gravar cada pedaço, para chegar em casa e conseguir lembrar perfeitamente. Ainda não conseguia acreditar que tinha um homem daqueles em minha vida. Ele é lindo demais para ser de verdade. Eu pensava em quantas garotinhas dariam a vida para estar ali com ele, do jeito que eu estava... E eu, que nunca tinha feito nada para merecer, nem ao menos sabia quem ele era, tinha aquela chance. — Faz carinho na minha cabeça? — pediu com uma voz manhosa, que me fez querer matá-lo com beijos. O que eu podia responder? Nem precisei fazer isso. Meu corpo foi mais rápido e a minha mão já tinha ido até os seus cabelos. Eu massageava o seu couro cabeludo suavemente. — Huuuummmm... — sorriu ainda de olhos fechados.
— Que foi? — perguntei olhando-o atentamente.
— Você é a única pessoa que sabe fazer isso igual a minha mãe — senti as pernas tremerem.
— Mentira, — desdenhei. Ele abriu os olhos subitamente e encontrou os meus com aquele par de olhos azuis matantes. Ia dizer algo, mas parece ter recuado. Apenas ficamos nos olhando.
— Acho que eu esqueci de desligar o ferro da tomada! — falou e deu um tapa na própria testa, sentando em seguida. — O Harry vai me matar!
— Meu Deus, agora já está feito! — falei olhando-o, ele estava indignado.
— Você não entende... Esses caras pegam no meu pé por qualquer coisa! — balançou a cabeça e ficou olhando para o vidro. — Como Londres é bonita! — eu não estava entendendo mais nada. Ele definitivamente não habita o mesmo planeta que nós, seres humanos.
— Você é lerdo, né? — perguntei olhando-o fixamente e me olhou com uma cara engraçada.
— Porra, , até você? — balançou a cabeça.
— Ouuuunnn — abracei-o pelo pescoço e gelei ao sentir o seu braço entrelaçar a minha cintura. — O que me disse, eu nem percebi nada, juro.
— Eu sabia que aquela saída de vocês dois não ia prestar! — falou rindo e me encarando. Sua expressão foi mudando lentamente. Agora ele dividia o olhar para a minha boca também. Senti que seu rosto se aproximava do meu. Mal podia esperar para receber um beijo de . Fechei os olhos para sentir ainda mais a nossa sintonia. Eu não sei se isso é coisa da minha cabeça, mas o ritmo que tínhamos, o jeito que nos abraçávamos e o jeito que nos beijávamos não era algo comum. Não para mim. Senti o seu nariz roçar o meu e depois a minha bochecha. Sabia que as nossas bocas estavam próximas, eu tinha meio que um “detector”. — Quando eu disse trepada... — abri os olhos bruscamente e o olhei assustada. Ele sorriu fraco e continuou. — Eu desconsiderei completamente a noite que tivemos.
— Ah... — corei e o soltei, desviando o olhar para as minhas mãos, que estavam sobre as minhas pernas. — Tudo bem. Eu entendo — dei de ombros e levei um susto quando ele deitou a cabeça de uma vez em meu colo, ficando por cima das minhas mãos e me olhando sorrindo. Então, tirei-as e as coloquei no chão, para me apoiar melhor.
— Nós não “trepamos”. Eu não tenho um nome certo para o que nós fizemos, mas não foi isso — explicou confuso, coçando a cabeça e franzindo a testa. Não aguentei e comecei a rir. — Que foi? Eu tento ser legal, “fofinho”, mas vocês caem na risada. Mulheres... — olhou para baixo. Eu continuava rindo.
... — ele voltou a me olhar.
— Não fala assim, porque isso é tão sério! — fez careta e eu ri.
— Ok, . Você é único. É por isso que eu rio. Porque acho que nunca conheci um cara como você. Você consegue ser de um jeito e em segundos ser de outro totalmente diferente. Você tenta dizer uma coisa, mas acaba dizendo outra. Isso é engraçado — ok, eu também não sei de onde tomei coragem para dizer tudo isso. Eu tenho merda no lugar do cérebro? Só pode. me olhava atento, agora completamente sério. E eu sentia o estômago pedir para sair. Eu tinha feito uma burrada. Não posso ser transparente assim. Acho que ele estava completamente com medo de mim. E se nós não estivéssemos no topo da roda gigante, creio que ele abriria a porta e correria pra longe. Eu não devia criar todas essas expectativas sem ouvir o que tinha a dizer. A minha cabeça é tão louca que às vezes eu esqueço o quão imprevisível ele pode ser.
— Eu estou arrepiado — disse simplesmente e passou uma das mãos no outro braço, mostrando-me os seus pêlos arrepiados. Eu ri.
— Por quê?
— Porque você falou tudo o que eu sinto em relação a você — ele consegue me surpreender com cada coisa que fala. COMO ASSIM? Eu sou transparente demais! Será que ele não percebe? Ao mesmo tempo em que fiquei surpresa, respirei aliviada. não estava com medo de mim.
— Ah vááá... Eu falo tudo exatamente como eu quero que seja compreendido, você não.
— Você é que pensa. Às vezes eu fico dias tentando entender o que você quer dizer com as coisas... — fez bico. — E não consigo — cruzou os braços, acomodando-os na barriga e deu de ombros. Comecei a rir. — Olha aí!
— Acho que o tem razão — insinuei e ele levou uma das mãos à minha bochecha, apertando-a.
— Nunca diga isso de novo! Eu sou inteligente, só preciso de um empurrão... Tipo, pra pegar no tranco — disse indignado.
— Eu sei, — falei simplesmente, rindo.
— Quer saber? Gostei desse apelido — mordeu o lábio inferior. — Ultimamente os apelidos que eu recebo sempre têm a ver com “idiota”, “burro”... , está aí, esse é bom. Valeu — após falar isso, ficou de lado, com o rosto colado em minha barriga.
— Você não vai conseguir respirar assim! — falei baixando a cabeça para observá-lo e comecei a acariciar a sua nuca.
— Eu não preciso respirar aqui, eu poderia morrer assim — disse com a voz sendo abafada, devido a sua boca estar colada em meu casaco. Senti uma corrente elétrica passar por todo o meu corpo. Devia estar sonhando, não tinha dito aquilo. Não, isso tudo é devaneio. Eu estou louca. Estou me forçando a ouvir o que EU quero ouvir. — Não seria nada ruim — ele continuou, fazendo-me ser puxada para a realidade e ver que eu não estava imaginando coisas. é a pessoa mais linda que já habitou a Terra.

Fiquei muda, tem horas em que o silêncio diz tudo. Apenas fiquei observando-o e acariciando os seus cabelos por algum tempo. A verdade é que eu também podia morrer ali, com .
Olhei atentamente para o outro lado e percebi que já estávamos descendo. Então, tratei de cutucar . Não podia acreditar no que os meus olhos viam. Ele dormia como uma criança. Mal encostou em mim e já estava dormindo. Sorri internamente e o assisti assim mais um pouco, antes de voltar a acordá-lo. Peguei em seu braço e o chacoalhei com cuidado.

... — chamei, ele se mexeu bruscamente e se espreguiçou, abrindo os olhos com dificuldade e sorrindo ao me ver.
— Quê? — perguntou com a voz quase inaudível e coçou um dos olhos.
— Estamos chegando — quando falei isso, olhou assustado e se sentou subitamente, ajeitando os cabelos e desamassando a camisa xadrez que usava.
— Eu dormi muito? — indagou levantando e me dando a mão, para ficar em pé também.
— Não, acho que uns cinco minutinhos só... — respondi rapidamente e ele riu.
— Pô, jurava que tinham sido umas duas horas... — disse inconformado, colocando as mãos nos bolsos.
— A roda gigante não fica rodando duas horas... — comentei, começando a rir em seguida. Ele me olhou incrédulo.
— Parei com você. Você é igual a eles! — balançou a cabeça e abaixou-a.
— Olha o drama, de novo! — dei um soco leve em sua barriga.

A intensidade foi diminuindo e nós já nos preparávamos para deixar a cabine. Até que ela finalmente parou. Fiquei um pouco triste, não queria que aquele momento acabasse. Foi ali que eu tive a maior demonstração de carinho por parte de , além do dia em que nós fizemos você sabe o quê. E também ele estava bêbado. Hoje não, ele estava completamente são. E transparente. Querendo ou não, quando deixássemos a London Eye, eu demoraria muito para ter mais momentos como aquele com . Respirei fundo e o segui, deixando a cabine. Os outros garotos já estavam lá, nos esperando, todos fazendo careta. Menos , que sorria maliciosamente para mim e para . Baixei a cabeça, timidamente, e andei até eles.

— Vocês dois se esconderam! — disse irritado.
— Ah, você sabe que no edredom eu sou só seu, amor... — brincou, dando tapinhas nas costas do amigo.
— Não, sai. Estamos dando um tempo!
drama queen! — Harry disse colocando uma mão na testa e se abanando com a outra, rimos. — Hey... — parou de brincar e olhou de para mim, senti as pernas fraquejarem. — Por que vocês se esconderam da gente? — podia ver tudo naquele olhar de Harry. Ele estava desconfiado. Era só o que faltava. e agora Harry.
— Porque vocês nos incomodam, simples — deu de ombros e recebeu um pedala de Harry.
— Não gente, é que a gente viu que a de vocês ia muito lotada... — tentei mentir, mas recebi várias risadinhas.
— Uhum, seis pessoas é muuuuuuuita gente... — ironizou com os olhos arregalados e os outros falaram “huuuuuum” em coro. Eu queria morrer.
apenas os mandava tomar naquele lugar. Conseguimos conversar amigavelmente, até inventar que tinha conseguido ver o vidro de nossa cabine embaçar. Harry nos apelidou de Jack e Rose. Eu apenas ria, resmungava.
Logo Fletch apareceu, chamando os garotos para ir embora. Lembrei-me de que tinha gastado todo o dinheiro com o táxi. Conformei-me e pensei em ir embora a pé.
— A gente te leva, Rachel — ofereceu, parecendo gentil pela primeira vez desde que o conheci, até o olhei assustada. Os outros confirmaram.
— Não, gente, não precisa. Obrigada. Eu pego um táxi — menti, mas estava com muita vergonha de pegar carona com eles e com o tal Fletch, que tinha até sido mais simpático comigo.
— Eu te levo — disse e todos o olharam.
— Leva como, imbecil? Você está sem carro aqui! — deu-lhe um pedala. Rimos.
— Outch! Eu a levo de táxi, deixo-a em casa e vou pra casa, ué. Tudo de táxi, pensei em tudo — falou orgulhoso e eu senti corar quando os meninos gritaram “huuuuuum” em coro novamente. Eu ia tentar impedir de fazer isso, mas realmente queria ficar perto dele mais um pouco.
— Tudo bem, mas lembre-se de que você tem um avião te esperando às dez da manhã — Fletch lembrou e bateu continência.
— Nada de atrasos, . Você não é mais uma criança — disse imitando o tom de voz de Fletch, arrancando risadas de todos, até dele.

Despedimos-nos dos garotos — que disseram para irmos pela sombra e para eu não deixar me estuprar — e de Fletch, que foi bastante cordial, mas lembrou do voo novamente. Ele me deu a mão logo que sumimos da vista de todos que estavam na London Eye. já fez isso várias vezes, mas toda vez que faz, sinto um choque passando pelo corpo. Acho tão espontâneo. Tão lindo, como tudo nele.

— Onde você vai pegar o táxi? — perguntou-me enquanto passávamos por alguns prédios. Eu o olhei rindo. Durante o caminho, tinha até esquecido que o que disse para eles era mentira.
— Eu não vou pegar táxi... — olhei para frente, rindo, e senti seus olhos fixados em meu rosto.
— HÃ? COMO ASSIM? — perguntou incrédulo.
— É... — olhei-o franzindo a testa. — Eu inventei aquela história! Nem tenho dinheiro pra pegar táxi... — agora ele soltou a minha mão bruscamente.
— Então você vai sozinha! Eu estou voltando pra pegar uma carona. Até mais! — disse se distanciando e correndo de volta.
, NÃO FAZ ISSO, CARA. EU ESTOU SOZINHA! — gritei sem sucesso, ele continuava correndo e eu tive um ataque de riso. não podia estar fazendo aquilo!
— TCHAU! — gritou de longe. Sem que eu pensasse nisso, já estava correndo. não podia me largar ali sozinha. Eu estava com medo de fazer aquele caminho todo àquela hora! Comecei a correr atrás dele, parando algumas vezes durante o percurso para tomar ar... Já que corria e ria ao mesmo tempo da situação. Notei que ele começou a diminuir a velocidade e parou, me esperando chegar até lá.
— Não... Acredito... Que... Você... Me fez... Correr... Até aqui... E estava... Brincando — falei ofegante, apoiando as mãos nos joelhos.
— Estava, eu sou assim, brincalhão, você sabe — deu de ombros, se aproximando. Eu, então, fiquei bem perto e comecei a estapear seu peito. segurou os meus pulsos. — Não adianta! Eu sou mais forte! — e me abraçou.
Ficamos abraçados por um bom tempo, era uma noite fria e os braços de pareciam ter aquecedores elétricos, de tão aconchegantes. Enterrei a cabeça na curva de seu pescoço e o senti deslizar os dedos em meus cabelos. Ouvia muitos carros passarem pela rua, mas parecia ser um som distante. Naquele momento eu tinha me esquecido de quem era e de onde estava. Só sabia que queria permanecer daquela maneira.

... — ouvi sua voz rouca chamar e levantei a cabeça em um impulso, olhando-o. — Vamos andando, que vai ficar muito tarde — sorriu e eu sorri de volta, assentindo. Caminhamos em silêncio. Eu, com a cabeça deitada no ombro de e os braços em volta de sua cintura. Já ele, encostou a cabeça na minha e me envolvia pelo ombro, com um de seus braços. Ouvia-o respirar ofegante enquanto caminhávamos e sorria internamente. — Acho que o meu pulmão está congelando.
— Quer o meu casaco? — perguntei brincando.
— Quero, porque ele com certeza cabe em mim e nos meus braços musculosos — vangloriou-se.
— Iiiiiih, você nem está com essa bola toda — brinquei, quando na verdade queria dizer que ele estava uma “delícia”. Ele me olhou rapidamente.
— Não foi isso que pareceu naquela madrugada... — deu de ombros. Levantei a cabeça de seu ombro e soltei uma das mãos de sua cintura, dando-lhe um tapa leve no rosto. — Outch! — massageou. — Sabia que quando está frio dói mais? — perguntou inconformado.

(COLOCAR A CANÇÃO PARA TOCAR. P.S.: A PARTIR DE 0:19)

— Que dó! — massageei e ele tirou a minha mão, dizendo que agora não adiantava mais. O caminho era realmente longo da London Eye para o meu apartamento, mas ali com parecia ser praticamente vizinho. Quando estávamos entrando na rua do meu prédio, ele me perguntou sobre os meus pais. Fiquei receosa de contar tudo, então contei-lhe pela metade. Disse que nunca tivemos uma relação muito boa. Aproveitei para contar sobre Leopold. Tentei fazer um breve resumo, excluindo completamente o fato de ter engravidado. Não queria deixá-lo assustado. Subimos as escadas conversando empolgados e enquanto abria a porta, mandei que ele fizesse silêncio, podia estar dormindo no sofá e acordá-la ali não seria uma experiência boa. Ele atendeu sem contestar, sabia o que ela seria capaz de fazer. Entramos e eu notei que não estava na sala, devia dormir em seu quarto.

— Entra — convidei-o.
— Não, . Tenho que ir pra casa terminar de arrumar as minhas coisas. — respondeu parado na porta.
— Então deixa eu te emprestar um dinheiro pra você chamar um táxi! Entra! — dei as costas.
— Poxa... Eu esperando você me chamar pra dormir... — ouvi-o falando baixinho e nem acreditei. Então, voltei a ficar de frente para ele.
— Você disse que tem que arrumar as suas coisas... — dei de ombros.
— Estava me fazendo de difícil, mas nem adiantou — fez bico. Tem como dizer não?
, você aceita dormir nesse humilde recinto? — fiz reverência e ele riu.
— Assim eu aceito! — sorriu vitorioso e entrou, fechando a porta. Fui andando em sua frente e o senti me abraçar por trás, cheirando o meu pescoço. — Seu cheiro me enlouquece — falou com a voz fraca, enquanto começava a beijar o meu ombro. Ainda bem que eu estava de costas para ele, acho que as minhas bochechas estavam pegando fogo. Então o meu cheiro o enlouquecia? Por que não me disse isso antes?

Entramos em meu quarto daquele jeito, mas se soltou para desabotoar a camisa e tirar as calças, ficando apenas de boxers azul-marinho e se jogando em minha cama em seguida. Coloquei a mochila na estante. Fui até o guardarroupa, peguei um babydoll e me vesti no banheiro. Escovei os dentes e aliviei a bexiga, que parecia querer estourar. Voltei para o quarto, já tinha apagado a luz e deixado apenas o abajur com a luz acesa. Ele estava de bruços. Não pude deixar de olhar seu corpo escultural e seu bumbum avantajado. Não resisti e sentei na cama passando as unhas levemente sobre as suas costas. estremeceu e ficou de barriga pra cima, puxando-me para si. Fiquei por cima dele e nos beijamos. Ele passou uma de suas mãos pelas minhas coxas, pressionando-as e eu fiz o mesmo com a sua barriga. Nosso beijo esquentava mais a cada segundo. Foi quando o parei.

— Vai dormir, você tem que viajar às 10h amanhã — falei desvencilhando-me e deitando ao seu lado, puxando a coberta e me cobrindo.
— Estraga prazeres... — disse inconformado, passando um de seus braços pela minha cintura e deitando a cabeça sobre o meu busto. — Você me acorda amanhã cedo?
— Acordo. Quando eu levantar para ir à aula, eu te chamo — respondi e ele se acomodou melhor. Fiquei roçando o seu couro cabeludo com as unhas.
— Continua assim e eu durmo três semanas seguidas — disse antes de soltar um riso abafado. Eu apenas sorri fraco, já com os olhos fechados. A vida é irônica. Eu nunca sei o que está acontecendo. Nós estávamos incrivelmente bem, ali. Porém não sei como tudo vai estar amanhã. Não sei como ele vai agir amanhã. E isso me deixa com medo. Com medo de tudo ficar no passado. Com medo de ter que deitar a cabeça no travesseiro e aceitar a idéia de que pode não estar mais em minha vida. — Boa noite, coração — soltou outra risada abafada e eu ri alto.
— Boa noite, brega — falei com as pálpebras pesando e já me sentindo longe dali.

Capítulo 14


, ... acorda! — chamei bagunçando o seu cabelo e o fazendo resmungar. — São 6h da manhã.
— Meu voo só é às 10h! — falou escondendo o rosto no travesseiro.
— É, ô egocêntrico, mas eu tenho aula daqui a pouco e a também. Você vai ficar aqui sozinho?
— Eu já sou grandinho... — respondeu simplesmente e eu ri.
— Vamos, não vou te chamar de novo! — ouvi-o resmungar alguma coisa e fui para o banheiro, tomar banho. Tirei o babydoll e fechei o box. Liguei o chuveiro e senti a água morna bater no corpo. Fechei os olhos e entrei completamente. Aquele era um dos banhos mais felizes que eu havia tido. Tinha acabado de acordar ao lado de um homem perfeito após ter uma noite perfeita. Convenhamos que essas coisas não acontecem sempre, ainda mais comigo. Ouvi a porta do banheiro abrir e, devido à cor esverdeada do vidro, pude ver, sem muita nitidez, que era ... E ainda estava apenas de boxers.
— Posso fazer xixi? — perguntou com a voz ainda rouca e eu ri.
— Pode, ué. Por que não? — respondi passando a esponja nos ombros.
— Sei lá, vai que você se incomoda de me ver fazer isso...
— Nada que eu já não tenha visto... — devolvi na mesma moeda as piadinhas que ele vinha fazendo. riu alto.
— E gostado, assuma — ele sempre consegue me deixar corada.
— Vai fazer xixi e me erra, — falei num tom indignado, mas rindo.
— Pronto, infelizmente acho que você nem conseguiu ver nada, né? — vangloriou-se, indo para a pia e creio que lavando as mãos e depois o rosto.
— Ah, claro. Pode ter certeza — ironizei.
— Você já devia ter comprado uma escova de dente pra mim — comentou, mexendo no armário.
— Pra quê? Pra você se mudar de vez? — brinquei e ele riu.
— Quem sabe — disse ainda mexendo.
— Escova com o dedo. Nunca te ensinaram? — aconselhei.
— Dããããããã, você acha que eu vou fazer o quê?
— Tanto faz. Mas lembre-se de que o dedo é o da mão.
— Porra, , eu achei que você era legal! — reclamou com dificuldade, pois devia estar passando pasta de dente na boca com o dedo.
— Não entendi nada, parece que não sabe falar! — menti, só para tirar com a cara dele. resmungou alguma coisa e dessa vez eu realmente não pude entender. Então, ouvi-o despejar a pasta com água.
— Você não vai precisar entender — falou sério.
— UUUUUUIIIIIIII, que medo, — ri alto.
— A gente conversa na cozinha.
— 'Tá, mas vê se se veste! — ordenei e ele bateu a porta.

Continuei o banho e logo terminei, enxugando-me. Enrolei-me na toalha e fui para a pia escovar os dentes. Em seguida, voltei para o quarto e fechei a porta. Já podia ouvir e tagarelando na cozinha. Abri o guardarroupa e joguei algumas peças na cama. Estava em dúvida. Vesti a calcinha e enrolei os cabelos na toalha. Dentre todas as calças que estavam em cima da cama, optei por uma básica, de jeans claro e uma camiseta branca. Depois escolhi um agasalho, estava começando a esfriar. Vesti-me, penteei o cabelo, estendi a toalha na porta do banheiro e passei um perfume suave, o mesmo que passei quando disse que meu cheiro o enlouquecia. Saí do quarto e fui em direção à cozinha. estava do lado de e já comia.

— Bom dia! — os dois falaram em coro e eu os olhei espantada.
— Bom dia, mas meu Deus, que união é essa de vocês dois? — perguntei estranhando.
— Sabe o que é... É que eu estou contando pro que meu aniversário é semana que vem, e ele disse que talvez já vão estar de volta a Londres. Então eu quero que eles toquem na minha festa! — contou empolgada, batendo palminhas. apenas ria de cabeça baixa, passando manteiga em seu segundo pedaço de pão.
— Huuuuum, boa ideia! — falei sentando de frente para e pegando um pão, esperei acabar de passar manteiga para poder pegar. — E qual é a resposta, ?
— Ah, por mim está tudo certo! Com certeza para os caras também. Nenhum deles seria louco de recusar um convite da louca — falou caçoando de , ela o xingou — Vou ver direito se vamos ter compromissos, mas pelo que eu lembro não vai ter nada quando voltarmos — deu de ombros.
— É melhor você ver direito mesmo, porque eu estou sabendo pelo Harry que parece que o Fletch te avisou da conferência e você esqueceu de avisar os outros. Se você confirmar que vão tocar na minha festa e me der um bolo, está morto! — jogou um olhar fuzilante e riu, passando-me a faca e o pote de manteiga.
— Isso aí eu esqueci porque era trabalho. Mas quando é diversão, conte comigo! — sorriu maroto e bateu a mão em high five com .

Continuamos conversando sobre a festa de aniversário dela, bem que eu avisei que logo, logo ela começaria a falar disso. Era a mais empolgada da mesa. Contava como queria a decoração, as músicas e até contou quase que de um por um os convidados.

— Não quero que a sua namorada vá. De resto, vocês quatro podem levar quem quiserem — ela disse como se fosse a coisa mais simples para alguém falar. Odeio quando faz isso. Queria me esconder debaixo da mesa e só aparecer quando tivesse sumido de vista, então eu pegaria os cabelos dela e arrancaria.
— Que é isso, ! Que coisa mais feia... se eles podem levar quem querem, o pode levar a Sophie se quiser — tentei ser cordial, na verdade eu também queria que Sophie faltasse, mas não queria que tivesse uma idéia errada de que eu tivesse mandado dizer aquilo. Olhei-o e ele apenas ria, mexendo no celular.
— É, mas o aniversário é meu e eu não tenho boas recordações dela. Não a quero lá e ponto final! — disse batendo na mesa e eu balancei a cabeça, não acreditando no que ela acabara de falar.
— Eu acho que a está completamente certa! — se pronunciou sobre o assunto e deu a mão para que batessem high five de novo. Dois loucos, definitivamente.
— Vocês é que sabem, mas ainda acho isso errado — terminei de comer e levantei. Vi discar algum número e colocar o celular na orelha. levantou e fomos andando para a sala.
— Deixa de ser hipócrita, . Eu sei que você não quer que a Sophie vá... Eu também não quero, então vamos unir o útil ao agradável e seremos todos felizes — falou de forma óbvia, quase desenhando.
— É, só que você faz isso e fica parecendo que eu mandei dizer para não chamá-la! Eu não quero que ele se sinta pressionado, como se tivesse que escolher uma das duas! — argumentei indignada e ela me olhou séria.
— Então 'tá, eu vou lá e digo pra ele levar a Sophie. Você passa a festa inteira assistindo os dois se beijarem e chega em casa chorando. 'Tá legal assim? — colocou as mãos na cintura e ficou me olhando. Por que me conhece tão bem?
— 'Tá, 'tá, . Você venceu — abanei o ar e ela comemorou. Assim que falei isso, entrou na sala, guardando o celular no bolso.
— O nosso motorista está vindo me buscar. Falei que vou esperar lá embaixo.
— Então vamos todos descendo, a gente já está quase atrasada também — lembrou, pegando um casaco que estava pendurado no braço do sofá e seu material, que estava jogado, também no sofá. Confirmei e fui até o meu quarto pegar uma bolsa e os meus cadernos. Voltei para a sala e e já me esperavam na porta. Saí e trancamos tudo. Descemos as escadas conversando, ou melhor, e conversavam. Eu estava me sentindo estranha, ia viajar de novo, ficar sei lá quanto tempo fora e eu sabia como me sentiria se ele nem ao menos ligasse. Eu estava com tanto medo de tudo mudar a partir do momento que ele sumisse de vista.

Chegamos à frente do prédio e continuamos conversando. Agora eu tentava me interessar por algum assunto e não pensar tanto no que me aguardaria nos próximos dias.

— Acho que é ele ali, né? — perguntou, olhando atento para o final da rua, onde surgia um carro importado.
— Não sei, , você que anda aí, você que sabe — respondi brincando e riu. Ele me olhou, fazendo careta e já abraçando em seguida. O carro já estacionava.
— Boa viagem, . Manda beijos pra todos, principalmente pro falou sugestiva e riu.
— Pode deixar, aquele nanico vai ser seu — riu alto e comemorou. Eles se soltaram e veio em minha direção. O meu coração batia disparado e abafado. Não sei por que, eu sabia que ele voltaria logo, mas aquela despedida não estava sendo fácil para mim. — Hey... — falou cutucando a ponta do meu nariz com o dedo indicador e eu ri. Em seguida, se abaixou um pouco para ficar na minha altura e ficamos com as testas coladas, nos olhando. — Eu volto logo, me espera — pediu, então deixei os cadernos caírem. Ele segurou as minhas mãos e me deu um selinho. Senti um nó na garganta, não queria ficar duas semanas sem ele de novo. Agora seria mais difícil ainda, depois do tempo que passamos juntos. cessou o beijo e me olhou atento. Assenti sorrindo. — Vou sentir sua falta — sorriu fraco e eu senti o coração ficar do tamanho de um grão de areia.
— Eu também — falei simplesmente, soltei suas mãos e o abracei apertado. Juro que tentei me segurar, para não parecer dramática e desesperada, mas não foi possível. Durante o abraço, ele deu um beijo no topo de minha cabeça e me apertou mais ainda. — Agora vai... — me distanciei e o olhei sorrindo, tentando segurar o choro. Se eu o visse mais algum tempo em minha frente, acho que desabaria. Desviei o olhar, porque sentia as lágrimas se acumularem em meus olhos, não queria que me visse assim. Notei que ele se distanciava, se aproximando do veículo. Então, acenou para nós duas antes de entrar.
— VÊ SE NÃO CONTRATA OUTRA BANDA PRO SEU ANIVERSÁRIO! — gritou fechando a porta e riu, assentindo. Balancei a cabeça e ri. Ficamos ali mais um pouco, assistindo o carro se distanciar. Senti pontadas no peito e o nó na garganta ficar cada vez maior. Já não conseguia mais suportar.
? Tudo bem? — me olhou preocupada e eu só lembro de ter negado e senti-la me abraçando apertado. Eu chorava muito, soluçava como uma criança e me sentia cada vez mais idiota por isso. Mas não conseguia controlar.
— Desculpa — falei me desvencilhando e enxugando algumas lágrimas, tentando conter os soluços. balançou a cabeça.
— Olha o que esse idiota está conseguindo fazer com você! — deu um tapa na própria testa e riu. Comecei a rir também. — Tudo bem que ele é lindo, maravilhoso, e suas qualidades corporais são inquestionáveis, mas nunca te vi assim!
— Nem eu — falei agradecendo mentalmente por conseguir me acalmar. — Eu nunca senti isso antes.
— Você nunca se apaixonou por alguém antes — ela concluiu e eu a olhei assustada.
— Eu não estou apaixonada! — tentei convencer mais a mim mesma do que .
— Ah, não. Está chorando porque não sente nada pelo — revirou os olhos e colocou as mãos na cintura.
— Não é assim! É que eu gosto da companhia dele. Eu saberia conviver muito bem com o fato de sermos só amigos... Mas sinto sua falta — dei de ombros.
— Acredito em você, amiga — sorriu ironicamente. — Agora vamos, temos que continuar as nossas vidas. Semana que vem esse imbecil gostosão está de volta e você vai ficar feliz da vida! — é impossível não rir do que fala. Dei um tapa leve em suas costas e juntei os meus cadernos. Fomos andando e conversando sobre o nosso assunto favorito nos últimos dias: McFly. Cada vez ia sentindo uma falta maior de . Meu Deus, como eu sou imbecil! Ele não estava indo embora para sempre, eram só alguns dias! Que drama!

Chegamos à esquina e havia alguns táxis estacionados, pegamos um juntas e eu fui deixada primeiro, o meu curso era mais próximo dali do que a faculdade de . Tentei dedicar toda a minha concentração nas aulas, mas acontecia totalmente o contrário. Peguei-me viajando para longe dali várias vezes, mas fazia um esforço e voltava para os velhos cálculos de matemática. Pedi o caderno de uma colega emprestado e fiquei copiando a matéria do dia anterior, durante o intervalo. Era melhor assim, mente ocupada e sorriso no rosto.

, o que você vai fazer amanhã à noite? — desconcentrei-me das minhas anotações com Jake cochichando na cadeira atrás de mim. Virei-me subitamente. “Ah Jake, vou me prostituir.”
— Não sei, por quê? — cochichei.
— A gente está pensando em fazer uma reunião, numa pizzaria. Você vai querer ir? — perguntou sorrindo e eu sorri de volta.
— Eu quero! — falei animada. Estava precisando de uma boa noite com amigos e conversa fiada. F***-se dinheiro e tudo mais. Ia tentar pegar três clientes essa noite e compensar.
— Beleza. Chama a também! — falou um pouco mais alto e eu assenti. Jake conhece , quer dizer, as pessoas que eu mais falo em minha classe a conhecem. Nós costumamos sair todos juntos às vezes e ela sempre vai. A mesma coisa é com os seus amigos de faculdade, quando estou disposta, sempre vou com ela nos encontros e festas. Voltei a minha atenção para a aula e me senti um pouco mais animada após combinar de sair com Jake e o pessoal. O sinal tocou e fui andando devagar pelos corredores.
— A minha prima vai pro show deles hoje lá em Manchester! Ela tem ingresso VIP — ouvi duas garotas conversarem na minha frente e fiquei prestando atenção.
— MENTIRA? — a outra berrou. — Que sortuda! Eu morreria só pra conseguir pegar no ! — continuou e senti vontade de avançar nos seus cabelos. Eu tenho que trabalhar melhor isso. Estou ficando muito possessiva. É assustador. Dei um jeito e consegui sair de perto delas, não queria ouvir mais coisas daquele tipo.

Caminhei por dois quarteirões e peguei um táxi. Já estava morrendo de fome e torcia para que, ao chegar em casa, já estivesse lá preparando alguma coisa. Encostei a cabeça no vidro e fiquei olhando os prédios em volta. Então enxerguei, em um ponto muito distante, a London Eye.

— Você não vai conseguir respirar assim! — falei baixando a cabeça para observá-lo e comecei a acariciar a sua nuca.
— Eu não preciso respirar aqui, eu poderia morrer assim — disse com a voz sendo abafada, devido a sua boca estar colada em meu casaco. — Não seria nada ruim.

Lembrei com precisão de cada palavra que trocamos dentro da cabine. E também do rosto de , perfeitamente. Pela primeira vez, eu havia sentido como se sentisse por mim pelo menos metade do que sinto por ele. Ele não falou isso, mas fez melhor: com os seus gestos.

— Boa noite, coração — soltou outra risada abafada e eu ri alto.

Ri internamente ao lembrar disso. consegue ser engraçado e fofo ao mesmo tempo. Acordei para a realidade quando o táxi parou e o taxista ficou me observando. Sorri fraco para ele e perguntei quanto ficava. Ele disse e o paguei. Encarei aquele lugar novamente e lembrei de me despedir de . Balancei a cabeça e entrei no prédio, subi as escadas lentamente, rezando para que estivesse cozinhando. Por sorte, quando cheguei à porta do apartamento, senti um cheiro bom. Agradeci-a mentalmente e coloquei a chave na fechadura. Entrei e dei de cara com ela discutindo com alguém ao celular. Acenou rindo e eu acenei de volta, estranhando sua braveza no telefone e alegria para mim. Passei por ela e fui para o meu quarto. Sentei na cama e tirei o tênis, depois a calça e o agasalho. Fui até o guardarroupa, peguei um short de ficar em casa e coloquei, depois calcei chinelos e voltei à sala.

— Que stress era esse? — perguntei vendo-a desligar o celular.
— A minha mãe com as ideias dela! — bufou, indo à cozinha e gesticulando para que eu fosse com ela. Segui-a.
— Que foi dessa vez? — perguntei abrindo as portas do balcão e pegando dois pratos e talheres.
— Estávamos falando sobre o meu aniversário e eu disse que queria que o McFly tocasse. Daí a tonta vem dizer que tinha pensado em um aniversário diferente pra mim, porque queria convidar aqueles amigos sem graça dela e do meu pai... — contou inconformada, colocando as panelas na mesa.
— E o que você disse?
— Que eu não quero! O ANIVERSÁRIO É MEU! MAS QUE PORRA!
— Ela aceitou? — perguntei colocando os talheres do lado direito dos pratos.
— É, depois de eu berrar no ouvido dela, acabou aceitando, mas deve estar com raiva. Meu pai me apóia, eu aposto. Então... — deu de ombros e nos sentamos.
— Que bom, porque aquele ano que ela chamou uma orquestra foi uma tristeza! — falei balançando a cabeça.
— Sim, cara. E ainda disse que tinha uma grande surpresa. Eu esperava ganhar um carro ou sei lá, mas não... Ela contrata uma orquestra. O @#$% de uma orquestra! — falou indignada, servindo-se, e eu ri. — E você? Está melhor?
— Estou sim. Eu acho — respondi me servindo e sentando em seguida. — Ah, o Jake mandou te chamar pra pizzaria amanhã.
— Ah, sério? — bateu palminhas. — Estava sentindo falta deles! Você vai, né?
— Vou. Vou ver se faço uns três programas hoje para compensar amanhã. Preciso me divertir, jogar conversa fora — comentei e comemorou.
— Essa é a que eu conheço!

Continuamos comendo e conversando, ela me contava novamente todos os seus planos para o aniversário e eu dava alguns palpites. Alguns mesmo, porque quando a decide uma coisa, não tem quem mude! Depois começou a brincar, dizendo que os quatro podiam sair de dentro de um bolo gigante, todos semi nus. Eu ri e disse que apoiaria essa ideia completamente. Acabamos de almoçar e me ajudou a lavar as panelas, pratos, talheres e copos. Arrumou-se para ir para o trabalho e eu fiquei sozinha em casa. Sentei na frente da TV e fiquei encarando-a com os pensamentos bem longe. Decidi ligá-la, ver se alguma coisa me agradava. Fiquei passeando pelos canais por um bom tempo até parar em um que passava “Two and a half men”, um dos meus seriados favoritos. Fiquei assistindo e dando gargalhadas. Para a minha alegria, seriam exibidos seis episódios, eu devia estar com alguma sorte. Durante o comercial, fui até a cozinha e abri a geladeira, à procura de alguma coisa doce para comer. Achei aquele velho pote de sorvete de pistache escondido, completamente congelado. Peguei-o e coloquei na pia, para que descongelasse um pouco. Esperei alguns minutos e peguei uma colher, coloquei-a no pote e fui para a sala. Sentei no sofá novamente e voltei a ver TV, tomando sorvete. Fiquei assim o resto do dia e quando percebi, já entrava em casa.

— Você passou o dia todo aí? — perguntou com as mãos na cintura.
— Foi — sorri fraco.
— Ânimo, minha cara! — bateu palmas.
— Náááá, tem mais nada pra fazer aqui. Quer dizer, agora tem, vou tomar banho e ir trabalhar. Leva pra cozinha pra mim? — pedi, entregando o pote de sorvete vazio e a colher suja para ela, que me olhou com uma cara feia, me fazendo rir e sair dali imediatamente.

Entrei em meu quarto e fui logo para o banheiro. Tomei uma ducha rápida e me arrumei também rapidamente. Ia cedo, pois queria pegar mais clientes do que o habitual, devido ao programa que eu tinha marcado com o pessoal da minha turma. Passei por como um foguete, fazendo-a rir assustada e corri para pegar logo um táxi. Cheguei à calçada e por sorte já havia um carro esperando.

(...)

Fiz três programas naquela noite, estava completamente exausta e me sentindo uma porcaria. Era incrível como bastava um dia na calçada para eu me sentir o inverso do que sentia no fim de semana. Chegava a ser grotesco. Entrei em casa e ainda estava acordada, por mais que já passasse de meia-noite.

— Finalmente em casa — falei cansada e ela me olhou.
— Você fez quantos hoje? — perguntou desviando o olhar para a TV.
— Três — respondi bufando e sentei ao seu lado, fechando os olhos e apoiando a cabeça no sofá.
— Meu Deus, que diva! — assobiou e eu dei um tapa leve em seu braço.
— Foi um saco, preciso da minha cama — falei levantando e desejando boa noite a . Tomei um banho bastante demorado, estava me sentindo nojenta, como se tivesse passado uma semana sem tomar banho. Saí e escovei os dentes, em seguida vesti um pijama bastante fechado e me joguei na cama. Ao contrário de tudo que eu esperava naquele momento, demorei a pregar os olhos. Comecei a lembrar de estar com àquela hora, no dia anterior. Sentindo a sua cabeça em meu busto e fazendo carinho. Ouvindo-o dizer que dormiria três semanas seguidas se eu continuasse massageando a sua cabeça daquela forma. Sorri internamente e desejei de forma irritante que meu celular tocasse e fosse . Assim como da outra vez que viajou, depois do Children In Need. Lembrei daquelas duas garotas conversando, dizendo que a prima de uma delas ia vê-los hoje em Manchester. Ele devia estar terminando o show naquele momento. Ou até já estava no hotel. Talvez com groupies, talvez sozinho, talvez também pensando em mim. Não, acho que as únicas opções prováveis são as duas primeiras. Senti os olhos fecharem involuntariamente.

— Eu volto logo, me espera — disse, então deixei os cadernos caírem. Ele segurou as minhas mãos e me deu um selinho. — Vou sentir sua falta — sorriu fraco e eu senti o coração ficar do tamanho de um grão de areia.

Alguns dias depois...

— Quem mais falta? — perguntava impaciente, checando todos os convites.
— Você vai chamar o “lado negro” da sua sala? — perguntei fazendo algumas anotações.
— Não, eca! — fez careta e guardou alguns convites que já estavam preenchidos.
— Então acho que já estamos com todos os convites prontos! — entreguei outra remessa para , que respirou aliviada.
— Acabou, amém! Muito obrigada por ter me ajudado, — ela me deu um beijo na bochecha.

Faltavam apenas três dias para o aniversário de , nem preciso comentar que ela estava super ansiosa. Tínhamos tirado aquela noite para conferir os convites e checar se tudo estava certo. Sim, eu tinha faltado no trabalho para ajudá-la. Tiramos o final de semana passado para acertar com decoradores e tudo mais. A festa seria mesmo na mansão de seus pais. Já fazia uma semana desde que viajou com o McFly. E não, ele não deu nenhum sinal de vida. me mandava relaxar, ele não devia estar com tempo para ligar. Eu tentava pensar isso, mas ficava cada dia mais triste por esse sumiço. Enquanto conferíamos novamente, convite por convite, ouvi o toque de mensagens do meu celular e corri para o quarto, onde ele estava. Respirei fundo, antes de ler. Podia ser da operadora, ou qualquer outra coisa sem importância. Calma: era só disso que precisava.

“Looking up at my star girl
(Eu estou procurando minha garota estelar)

Guess I’m stuck in this mad mad world
(Eu acho que estou preso nesse mundo maluco)

Things that I wanna say, but you’re a million miles away
(Há coisas que eu quero dizer, mas você está a milhões de milhas de distância)

.”

Se eu não tivesse controle das minhas ações naquele momento, juro que correria para a janela do meu quarto e me jogaria. Ou talvez nem precisasse. O meu coração já batia tão acelerado que podia parar de funcionar a qualquer momento e eu cairia morta ali. Acordei do transe devido a ter me sacudido.

— O que você viu aí? Acorda, ! — perguntou impaciente. Eu mal piscava, apenas entreguei o celular para ela. A mensagem ainda estava aberta. levou uma das mãos à boca e prendeu a respiração. — @#$%¨! @#$%¨! @#$%¨! Que coisa linda! — colocou as mãos no coração e suspirou. Eu ainda a olhava espantada.
— O que ele quis dizer com isso? — perguntei observando as minhas mãos tremerem.
— Que ele quer que você vá dar o #$ — fez careta. — Dãããã! Às vezes você me irrita com essa burrice extrema! Essa canção é “Star Girl” e ela é perfeita! Nós a ouvimos no show, sua débil — deu-me uma cotovelada.
— Então... Ele me mandou o trecho de uma música... O que isso significa? — continuei confusa. Na verdade, acho que não queria enxergar.
— Não qualquer trecho! Ele podia mandar um trecho como “todo mundo gosta de uma festa no sábado à noite”, mas não. Ele te mandou dessa música e esse trecho. Se você não fosse tão retardada, eu teria paciência e desenharia, mas não vou perder meu tempo — entregou-me novamente o celular e deixou o quarto. Agora eu realmente me sentia tudo isso o que ela tinha me xingado. Será que é confuso ou eu é que sou burra demais para entendê-lo?

Voltei para a sala atordoada e tirei algumas coisas do chão, colocando-as na mesinha de centro e me sentando no sofá. voltava da cozinha.

— Já entendeu a mensagem, filhote do demônio? — perguntou em seu melhor estilo e sentou na poltrona. Joguei uma almofada nela.
— Ai ... Também não é fácil assim... O parece ser compreensível, mas daqui a 5 segundos vem com uma coisa que diga o contrário do que ele acabou de dizer — bufei.
— Ai meu SÃO CRISTÓVÃO — ergueu os braços e olhou para cima, exageradamente. — Ele vai te mandar outra mensagem dizendo que está procurando a garota infernal e que não quer dizer nada, apenas mandá-la pra longe? ACORDA, . As coisas passam na sua cara e você finge que não vê! — balançou a cabeça indignada.
— Desisto, você não vai entender. Você pensa que conhece aquele cabeça-oca! — cruzei os braços e olhei para a TV.
— Acho que você faz questão de não conhecer, isso sim — rebateu e ficamos em silêncio por um longo tempo, apenas vendo TV. Quer dizer, eu olhava para a TV, mas os pensamentos estavam no visor do meu celular e no que realmente queria dizer com a mensagem.

Eu sei que parece óbvio, que qualquer um que nos vê de fora desejaria me matar por parecer confusa. Mas eu sei como é. Principalmente pelas nossas conversas ao telefone durante aquela semana que eles passaram fazendo shows por aí. Ele sempre dizia alguma coisa fofa, mas antes que eu pudesse estar convencida, fazia parecer que tudo não passava de brincadeira. Quem me garante que essa não era mais uma de suas brincadeirinhas infantis, daquelas que adora fazer? Decidi ir para o meu quarto. Notei que me acompanhou com o olhar, quando passei por ela. Eu apenas precisava de mais um tempo para pensar. Deitei na cama com a barriga para o colchão e me apoiei com os cotovelos. Reli a mensagem mais de dez vezes. Não parecia melhorar em nada. Eu tinha medo de ficar feliz demais e levar um tombo no dia em que visse novamente. Não queria criar tantas expectativas e depois ouvi-lo dizer algo como “desculpa, eu não queria que você entendesse errado”. Senti a presença de alguém no quarto e eu já sabia quem era. Virei para olhá-la.

— Posso entrar? — indagou, parada na porta e eu sorri fraco, assentindo. Depois, voltei à posição anterior. Senti um lado da cama afundar, certamente ela estava sentada ali. — Como você se sente em relação ao ? Sinceramente! — virei-me bruscamente e deitei de barriga para cima, encarando-a.
— Não sei — respondi sincera e respirando fundo, baixando o olhar.
— Eu quero uma resposta objetiva! — insistiu, empurrando-me e deitando ao meu lado, também de barriga pra cima.
— Mas eu não sei! — falei impaciente.
— Saco! Falar com você tem sido um saco! — indignou-se e eu soltei uma risada abafada. — Sua filha da @#$* do demônio, ainda fica rindo da minha cara.
— Você nunca vai mudar!
— Claro que não, eu sou demais desse jeito. Sou o que se chama de “perfeito” — vangloriou-se e eu dei uma cotovelada.
— Você e o se merecem — brinquei e suspirou.
— Eu também acho! — pausa. — Você acha que eles vão mesmo poder tocar no meu aniversário?
— Acho que sim, se o disse... — dei de ombros.
— Graaaaaaaande ajuda. Como se o fosse muito bom com compromissos — rimos e começamos a lembrar da bebedeira no estúdio. — Foi um dos melhores domingos que já tive — falou empolgada.
— É, eu também — suspirei. — Os meninos são demais! Todos eles.
— São mesmo — riu alto. — Eu ainda não acredito que beijei um McFly! — prendeu a respiração. — E VOCÊ, SUA VADIA, BEIJOU DOIS E AINDA DEU PRA UM! — gritou, dando-me alguns tapas e eu me esquivei, rindo.
, que palavras são essas? Nós fizemos amor... — falei com uma voz infantil e ela soltou um riso abafado.
— Aham... 'Tá mais pra sexo selvagem. Tipo, vocês dois devem parecer dois macacos acasalando... — agora ela levou um bom tapa na testa.
— Cala a boca! — ordenei e rimos. — Você não me contou como foi beijar o , pegando em suas nádegas...
— Foi muito bom! Eu não sei se era o álcool, mas amiga, a bunda dele é durinha e o beijo dele é muito gostoso... — suspirou. — Mas eu ainda continuo curiosa para saber se o pode fazer melhor — deu de ombros e nós rimos. — E você? Como foi com o Harry Judd tesão?
— Caraca, já tinha até esquecido disso! — respondi com sinceridade, eu realmente tinha esquecido de ter beijado Harry durante um desafio do nosso jogo da verdade. — Mas ele realmente é um tesão! — ri alto e esperava por mais, atenta. — Beija incrivelmente bem, se não tivesse tão dormente, acho que sentiria prazer — ela me deu um tapa.
— Tarada! ou Judd? Sem enrolação — propôs a disputa.
— Ah...
— Ah, nada! ou Judd? — insistiu.
— Tá, tá... — sorri fraco e ela gritou. — Maaaas... — parou um pouco de rir e me olhou atenta. — O Harry é capaz de me fazer subir pelas paredes também, garanto — pisquei e ela me xingou de vários apelidos promíscuos.
— Vaca sortuda! — foi o mais leve. — E o é quente como o inferno, mesmo? — gargalhei.
— Nossa, você cada vez com melhores adjetivos! — ela fez careta e mandou eu responder logo. — É. O pior é que é. Aquele maldito me deixa louca! — suspirei e bufei em seguida.
— Porra, ele é bom mesmo. Ultimamente, você era a maior frígida! — me fez lembrar os poucos “rolos” que tive antes de , em que eu não conseguia sentir prazer, pois sempre sentia como se estivesse me prostituindo. — Vocês transaram na noite antes dele viajar?
— Não. Eu tinha que acordar cedo e ele também, mas vontade não faltou — bufei novamente. — Por que ele tem que ser tão gostoso? , é uma tortura o que ele faz comigo. DORMIR DE BOXERS, POR QUÊ? — perguntei inconformada e caímos na risada.
— Nossa, quando eu o vi de boxers brancas na cozinha aquela vez quase enfartei! — ela suspirou. — Que corpo é aquele? — suspirou novamente e eu lhe dei uma cotovelada.
— Olha lá, hein? Já basta competir com a Sophie, agora com você também? — brinquei e ela gargalhou, batendo palmas.
— Então você assume que compete com ela? — instigou.
— Você sabe que eu falei no sentido figurado, sua monga!
— Claro que não. Eu sei que no fundo você tem prazer em estar roubando o dela! — falou em um tom de voz convencido.
— Claro que não, quem não simpatiza com ela é você! Eu nem a conheço bem pra sentir prazer em fazer o que eu estou fazendo INCONSCIENTEMENTE — fiz questão de berrar a última palavra e ela balançou a cabeça.
— Ahhhhhh, sim, o está te forçando a ficar com ele! Pobrezinha... — ironizou.
— Dããããã, não é isso... Estou dizendo que eu não faço por mal. Aconteceu — franzi a testa e mordi o lábio. — E agora estou f**** — bufei.
— Eu no seu lugar tirava várias fotos beijando, transando e fazendo o diabo a quatro com o e dava um jeito disso chegar às mãos daquela bisca! Grrrrrr, odeio — bufou. Olhei-a bruscamente, assustada.
, quanto ódio nesse coração! Que diabos a Sophie te fez? — eu realmente não conseguia entender aquela raiva que a sentia dela.
— Ela é a prima do Ryan, a que furou o meu olho — falou baixo e eu arregalei os olhos ainda mais, prendi a respiração.
— O QUÊ? COMO VOCÊ NÃO ME CONTOU ISSO ANTES? — praticamente berrei, sentando e olhando-a.
— Mentira, falei isso só pra dar um drama... — gargalhou idiotamente e eu estapeei seu braço. — Você... Tinha que... Ver... A sua... Cara! — disse ofegante, em meio a risos e eu bati mais ainda.
— Idiota! — deitei de novo, já rindo. — Tenho que aprender a não acreditar em você!
— “I told ya, I was trouble. You know that I'm no good…” — cantarolou e depois parou subitamente. — Ew, odeio essa música — bateu na própria boca e eu ri.
— Nós não somos normais — falei de uma vez e ela me olhou novamente.
— Por quê? Eu sou perfeitinha — deu de ombros e eu fiz careta.
— Não sei. Só sei que não somos normais e ainda fizemos amizade com quatro idiotas — suspirei.
— Os quatro idiotas mais perfeitos que os meus olhos já viram — agora ela suspirou. — E pra mim ainda tem um gostinho mais especial... Eles são os meus ídolos, cara. Às vezes tenho medo de ver que tudo isso é sonho... — coçou a cabeça.
— É assim que eu me sinto quanto estou com o ... — revelei e me arrependi da graça.
— AAAAHHHHHHHH #$@%ÃÃÃO! EU SABIA! — deu um tapa em minha barriga e levou as mãos à cabeça. — “Não, eu não estou apaixonada! Eu sou burra. Eu nem quero o .” — falou com uma voz engraçada, imitando-me exageradamente.
— Se eu for exagerada assim posso esquecer a possibilidade de conquistar alguém — brinquei.
— Então, você é exagerada e chata, por isso acha que não conquista o . Apesar de que, pra mim, ele está podre de apaixonado — opinou, pegando em seus cabelos.
— Não concordo com você — dei de ombros e recebi um puxão de cabelo.
— É uma serviçal do cão mesmo! Desisto de você! Morra! — falou levantando e eu joguei meu travesseiro em suas costas. Ela, então, se virou e mostrou o dedo. — Só falo com você amanhã, não me procure mais — ri alto e ela também, saindo do meu quarto e batendo a porta com força, só porque sabe que isso me irrita.

Levantei rindo e juntei o travesseiro, colocando-o no lugar. Fui até o banheiro e me preparei para dormir, coloquei um pijama fechadinho, pois não era das noites menos ventiladas. Apaguei a luz e deitei de bruços. Antes de dormir, olhei mais uma vez aquela mensagem em meu celular.
— Boa noite, — sussurrei e desliguei o aparelho. Ri internamente da minha idiotice e apaguei.

Capítulo 15


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— Você acha mesmo que eu fiquei bem nesse vestido? — perguntou pela milésima vez, se olhando no espelho.
, perfeita é pouco pra você! — respondi sincera, sentada na cama do quarto em que estávamos nos vestindo, na mansão de seus pais.
— Mas você é minha amiga, não vale! — bateu o pé, fazendo charme e eu a mandei ir à merda. estava realmente deslumbrante, não estava falando por falar. Ela usava um vestido azul escuro, tomara que caia, longo, e com uma abertura avantajada que, quando caminhava, deixava uma de suas pernas quase que completamente de fora. Usava um coque e tinha uma maquiagem brilhante, que a deixava ainda mais linda.
— Você vai arrasar muito! — falei estimulando-a mais uma vez. — Vamos descer?
— Não! Está louca? Agora não! — disse impaciente, olhando-se mais uma vez no espelho.
— Já tem convidados te esperando, — tentei apressá-la.
— Eu não mando eles parecerem um bando de velhos e chegarem 5 horas da tarde! — respondeu colocando um par de brincos.
— Já são oito.
— Que seja! — balançou a cabeça. — 'Tá, acho que estou pronta — caminhou até mim e me deu a mão para que eu ficasse em pé. — Estou nervosa! Não sei por quê — mordeu o lábio inferior e eu senti a sua mão congelando.
— Eu também estou — falei em tom cordial e ela sorriu fraco. — Vamos? — assentiu e saímos do quarto.
Eu também estava muito nervosa, afinal, seria ali o meu reencontro com . Tínhamos passado o dia inteiro na casa dos pais de , pois ela queria acompanhar passo a passo a decoração de sua festa. E tinha razão. Sua mãe é amável, mas de vez em quando tem umas ideias estapafúrdias que, se não retiradas a tempo, acabam sendo decisivas. Recebi uma ligação de Harry mais cedo, pedindo o endereço de para que eles pudessem montar a bateria e o resto dos instrumentos lá. Então, eu o instruí e duas horas antes do início da festa uma equipe apareceu para montar tudo. e eu assistimos algumas etapas, mas depois corremos para nos arrumar para a festa. Nós não sabíamos se os garotos já estavam lá embaixo, pois ela pediu para não ser incomodada enquanto nos produzíamos. Fomos de mãos dadas até a escada, eu apertava a mão de com certa força. Ela riu e disse que minha mão estava tão gelada quanto a dela. Começamos a descer as escadas e cada degrau parecia fazer as minhas pernas fraquejarem mais. Eu sabia que, a qualquer momento, veria .

— Querida, os seus amigos já estão aí! — informou dona Emma, mãe de , querendo nos matar do coração. — Meu Deus, como estão lindas! — disse levando as mãos à boca, incrédula.
— Obrigada — sorri fraco. — A senhora também está linda! — ela agradeceu e nós descemos o último degrau.
— Quem está aí, mãe? — perguntou curiosa e eu já os procurava com o olhar.
— Aqueles bonitinhos que você chamou pra tocar... — piscou e nós rimos. — Você me disse que eram todos lindos, mas eu achei que era exagero. Qual deles você está namorando?
— Mããããe, nenhum! Não posso ter amigos bonitos, que tenho que namorar? — bufou e eu ri.
— Querida, antes que eu esqueça, eles mandaram perguntar se já podem começar a tocar. Afinal, já tem muita gente aqui — e eu nos entreolhamos e eu confirmei, ela olhou para a mãe.
— Só se for agora! Já quero aparecer no jardim com eles tocando, aquela coisa bem filme. Bem centro das atenções — vangloriou-se.
— Ei, vai com calma! Cadê a humildade? — perguntei fingindo procurar.
— Idiota! — me deu um tapa no ombro e sua mãe arregalou os olhos.
— Não foi essa a educação que eu te dei, revirou os olhos. — Desculpe a falta de educação dela, — falou indignada e eu assenti. — Vou avisá-los! Boa festa, minhas princesas — abraçou , depois me abraçou e caminhou até o jardim.
— Ai, me dá isso aqui! — disse, pegando uma taça de champanhe com um garçom que passava. — Quer também?
— Quero, estou uma pilha! — falei nervosa e ela riu, pegando uma taça para mim também. — Obrigada — agradeci e o garçom saiu. Olhamos-nos e demos uma golada, quase esvaziando os copos. Rimos.
— Agora estou pronta! Vamos — me puxou e se não fosse por isso, acho que os meus pés não dariam conta de me levar ao jardim por conta própria. Creio que eu já nem os sentia, de tão nervosa. Quando íamos chegando à porta que dava acesso ao jardim, quase enfartei ao ouvir a voz de .
— Boa noite! — os convidados gritaram. — Tenho informações de que a aniversariante já está saindo... — ele começou e deu gritinhos. — Então, vamos oferecer a primeira de tantas músicas para ela. Mas essa em especial, o quer oferecer.
— Cala a boca, ! — rebateu, corou e os convidados riram.
— Essa é: “That Girl”! — cortou uma possível discussão dos dois. A guitarra começou e vibrou.
— Meu Deus, eles estão oferecendo “That Girl” pra mim! — levou as mãos ao coração.
— Vamos logo pra lá! — agora quem a puxou fui eu. Quando colocamos o pé no gramado, todos nos olharam e aplaudiram. sorria radiante e já recebia cumprimentos. Eu me encolhi o máximo que pude, não sou muito boa com essa coisa de ser o centro das atenções. Tá, eu não era mesmo. Mas digamos que eu estava ao lado do centro das atenções. Os meninos também olhavam atentos, estava realmente linda. Eu evitava olhar muito para o palco, tinha medo de encontrar os olhos de me observando e cair durinha no chão. Caminhamos para o centro e tivemos um pouco de dificuldade para chegar perto do palco, pois por onde passávamos as pessoas a puxavam para dar os parabéns.

Finalmente ficamos em frente ao palco, começou a dançar e cantar alto, eu apenas arriscava alguns passinhos tímidos. Fiquei frente a frente com . Ele olhava concentrado para as pessoas dançando, não parecia ter me notado ali. Diferente de , que a todo o momento dava piscadelas e sorrisinhos. Até nos cumprimentou com o olhar. Mesmo não me olhando e nem nada, eu sentia uma coisa estranha, um sentimento bom ao vê-lo novamente. Eu tinha sentido tanto a falta de que mal podia acreditar que já estava em minha frente de novo. Os quatro estavam incrivelmente lindos. Tinham os cabelos arrumadinhos e usavam terninho, uma graça! Dava vontade de subir no palco, apertar as bochechas de cada um e, bem, dar um beijo de cinema em . Olhei para o lado e vi berrando, fiquei tão feliz em vê-la daquele jeito. Ela estava muito, muito animada.

“My friends said
(Meus amigos disseram:)

(She's amazin' I can’t believe you got that girl)
(Ela é maravilhosa e eu não acredito que você pegou aquela garota)

She gave me more street cred
(Ela me deu mais popularidade)

(She's amazin' I can’t believe you got that girl)

I dug the books she read
(Eu peguei os livros que ela lia)

(She's amazin' I can’t believe you got that girl)

And how could I forget
(E como eu poderia esquecer?)

She rocks my world
(Ela agita meu mundo)

(She's amazin' I can’t believe you got that girl)

More than any other girl
(Mais que qualquer outra garota)

(She's amazin' I can’t believe you got that)
(yeah yeah)

Dude she's amazing and I can't believe you got that girl
(Cara, ela é maravilhosa e eu não acredito que você pegou aquela garota)

And I can't believe you got that girl
(E eu não acredito que você pegou aquela garota.)

(...)

finalmente olhou para nós, mas não para mim, para , e inclinou a cabeça mandando-a subir no palco. Ela deu um grito agudo por demais e correu para a lateral, onde tinha a escada que dava acesso a eles. Todos gritaram e aplaudiram, pulava entre e . Ela ficou um pouco tímida no começo, mas depois entrou na brincadeira e até já ficava perto de , que inventou uns passinhos e eles meio que coreografaram. O solo de guitarra começou e , e ficaram ajoelhados aos pés dela, que ria descontroladamente, corada, mas continuou dançando.

But 3 days later
(Mas 3 dias depois)

Went round to see her
(Saí para vê-la)

But she was with
(Mas ela estava com )

e alteraram a letra da canção e levou as mãos ao rosto, envergonhada. Os dois gargalharam e balançava a cabeça, indignado. Foi muito engraçado.

And I said 'fine'
(E eu disse "certo")

But I never asked her why
(Mas nunca perguntei a ela por que)

But since then loneliness has been a friend of mine
(E desde então a solidão tem sido minha amiga)”

A bagunça continuou e eles mal conseguiam cantar, rindo. estava completamente envergonhada e os convidados gritavam e riam. A canção terminou e o McFly foi muito aplaudido, fazendo reverência. abraçou um por um, eles desejavam felicidades. Quando abraçou , o jardim inteiro fez “huuuum” em coro, os deixando completamente corados e desconsertados, se soltando bruscamente. me chamou com a mão e eu disse que depois falava com eles, mas Harry insistiu e eu subi. Primeiro abracei , que era quem estava na lateral. agora conversava com e .

— Porra, senti uma falta louca de vocês duas! — disse, sendo empurrado por Harry, que agora me abraçava.
— Mentira, ele disse que se sentia aliviado por estar longe de vocês. EU que senti falta das duas — Harry bateu no próprio peito e eu ri.
— Hey, amiga — disse se aproximando e estampando um sorriso provocativo. Eu devolvi o mesmo sorriso e nos abraçamos.
— Como foi lá? O ficou muito convencido? — perguntei e os três riram.
— O só tem gás. Ninguém o quer — respondeu, fingindo um tom desanimado, e deu um chute em sua perna.
— Cala a boca, seu traseiro gordo — agora Harry ria descontroladamente e olhava indignado.
— No fim da festa a gente conversa — ameaçou, com um olhar fuzilante para os dois e eu ri. Notei que se afastou um pouco, para abrir a roda, então vi vindo e atrás dela, que o puxava pelo punho. Eu queria me esconder. Tinha medo de parecer uma idiota quando ele se aproximasse, estava lindo demais, charmoso demais e sensual demais. Tudo demais. E eu não sei lidar muito bem com isso.
— HUUUUUUUUUMMMMMMM... — os três cantaram em coro, quando se aproximou de mim. Eu quis matá-los. Ele apenas mostrou o dedo para os amigos.
— Oi — disse dando um beijo em minha bochecha e arrancando outro coro provocativo. Agora quem mostrou o dedo fui eu.
— Oi — sorri fraco, encarando-o. Pude observar que ele tentava não me olhar nos olhos. Eu esperava essa reação de mim, e não de .
— Tudo bem? — passou a mão na cabeça, nervoso.
— Tudo — dei de ombros. — E com você?
— Tudo bem também — deu de ombros e sorriu fraco, se virando e cochichando alguma coisa com . Devia ser algo sobre os instrumentos. me olhou confusa e eu devolvi o mesmo olhar, ela veio para o meu lado. Os convidados começaram a gritar “mais um” e nós nos despedimos deles, para que continuassem tocando. Desci do palco com as pernas tremendo e o coração apertado.
, por que o estava estranho? — me perguntou como se eu soubesse o que responder.
— Não sei. Está vendo? Era mais ou menos assim que ele tava naquele dia que me deu os ingressos!
— @#$¨*! Filho da %$#*! Será que ele está fazendo ceninha na frente dos amigos? Porque eu não acredito que possa ter mudado tanto desde o dia que vocês se despediram. Ele tava um imbecil apaixonado ali! — colocou as mãos na cintura e eu a mandei abaixar o tom de voz, ainda estávamos próximas ao palco e eles ainda não tinham começado a tocar, então tive medo de ouvir alguma coisa. — F***-se — deu de ombros. — O mal feito é da conta de todo mundo! — rimos.

Eles começaram a tocar outra música e e eu caminhamos para perto do bar que tinha sido instalado nas proximidades da saída da casa. Sentamos nos bancos vagos e teve que cumprimentar mais algumas pessoas. O barman nos cumprimentou e ainda nos cantou, fazendo com que ríssemos sem parar, na cara dele, que acho até que ficou um pouco envergonhado e arrependido de ter feito aquilo. Quando conseguimos controlar as risadas, pedimos os drinks. Fomos atendidas na velocidade da luz.

— “Room On the 3rd Floor”, adoro — disse dançando com a cabeça e fechando os olhos, cantarolando junto aos meninos.
— Sou uma analfabeta quando o assunto é McFly — fiz bico e tomei rapidamente um pouco do drink.
— Relaxa, com o tempo você consegue — riu e também tomou mais um pouco.
— Garotas, pensei que não fosse conseguir encontrá-las! — ouvi uma voz atrás de mim e já sabia quem era. deu mais um de seus sorrisos amarelos e levantou para cumprimentá-lo.
— Hey John — ela disse e o abraçou.
— Parabéns, gatinha — passou a mão em seu cabelo. — Nossa, eu te vi crescendo!
— Obrigada, mas vamos parar com as breguices de “eu te vi crescendo”, né? — ela brincou e ele desviou o olhar para mim, que estava virada observando-os.
— Rachel, que bom te ver! — se aproximou e eu fui forçada a levantar e abraçá-lo.
— E aí, John? Tudo bem? — perguntei já me desvencilhando.
— Melhor agora, que as encontrei — ficou entre nós duas e nos abraçou pela cintura. riu sem graça e eu mais ainda. Que merda é essa? Vamos ficar a festa inteira com John?
— Não é a minha mãe ali? Acho que ela está chamando o John! — disse convicta, olhando para o outro lado.
— Onde? — John perguntou, também procurando.
— Ali! — ela apontou e sua mãe realmente estava lá, mas estava conversando com algumas pessoas.
— Vou lá ver o que ela quer, depois eu volto, meninas. Não fujam! — John pediu, já se afastando e eu suspirei aliviada.
— Sua mãe é santa! Jurava que ia ter que ficar a noite inteira ouvindo o John — balancei a cabeça.
— Que santa, o quê! Ela nem olhou pra cá! — gargalhou.
— Você mentiu pro John? — soltei uma risada abafada e confirmou, rindo. — , você não existe! — dei um tapinha em suas costas e ela me puxou.
— Vamos sair daqui antes que ele volte! — saímos apressadas do bar, ouvimos o barman falar algo como “voltem logo” e gargalhamos mais uma vez.

Voltamos para onde as pessoas dançavam ao som do McFly. Pedi à para não ficarmos perto do palco, não queria ficar muito perto de depois de seu comportamento estranho. Ela entendeu perfeitamente, graças a Deus. Agora nós dançávamos juntas, fazendo todas aquelas coreografias de dança de salão, ríamos ao mesmo tempo.

— Com todo respeito às demais, mas eu quero oferecer essa canção para as duas damas mais lindas da festa. Eu não sei onde elas estão nesse momento, mas sei que é impossível não estarem ouvindo! — brincou e todos riram. — Para as nossas garotas estelares, “Star Girl”! — ouvimos assobios, aplausos e gritos. me olhou com os olhos arregalados e eu gritei empolgada, algumas pessoas que estavam perto nos olharam e sorriram, cutucando e dizendo que a música era para mim também. Aquilo fez bem para o meu ego, assumo. Ei, Star Girl não é a que o me mandou um trecho? Ok, vamos esquecer o ego e lembrar o nervosismo. Cutuquei com o cotovelo e ela me olhou atenta. já começava a cantá-la.
— Quê? — perguntou impaciente, querendo cantar.
— Essa é a da mensagem, né? — chequei, rápido.
— Sim! Agora deixa de ser lenta e vamos pular! Ele ofereceu para NÓS DUAS! — gritou alegre, me puxando e ficamos pulando com as mãos dadas.

Tentei não fazer isso, mas enquanto pulava, prestei atenção em cada palavra daquela letra. E juro que ouvi meu coração pular quando ouvi a parte que me mandou na mensagem. Por sorte, estava concentrada demais para me olhar e ver a minha expressão abobalhada. O McFly tocou mais algumas músicas e anunciou que o jantar estava servido. Era engraçado, eles eram grandes artistas, com fama mundial, mas ali, no aniversário de , pareciam apenas uma pequena banda de garagem composta por quatro imbecis talentosos. Eles pararam de tocar e se juntaram a nós duas em uma mesa. estava ao meu lado, entre mim e , o que a deixava nervosa. Era visível. Harry estava de frente para mim, estava entre ele e . Todos os pares de olhos eram para nós seis. Muitas pessoas vinham na mesa pedir para tirar fotos com eles, que foram amáveis.

— Fazia tempo que a gente não se sentia uma banda de garagem novamente... — falou praticamente lendo os meus pensamentos anteriores.
— Talvez porque nós nunca tocamos em uma garagem... — deu de ombros e nós rimos. soltou uma risada irônica.
— Sempre o , é incrível! — disse balançando a cabeça.
— Então... — cortou o assunto. — Como foi a viagem?
— “AS” viagens... — emendou, corrigindo-a esnobe e ela o olhou, todos olhavam atentos para os dois.
— Pra mim foi “A” viagem. Porque para mim vocês apenas saíram de Londres — respondeu curta e grossa, recebendo aplausos de todos, menos de .
— Foi muito bom, nós conhecemos mulheres gostosas — Harry disse e recebeu uma cotovelada de — Outch! Quê? — acariciou seu próprio braço.
— O Harry nunca vai aprender a conversar na frente de mulheres... — caçoou.
— Igual a alguém que eu conheço — concluiu, tomando um pouco de vinho.
— Porra, vamos contratar a pra cortar o ! — deu ideia e foi aclamado pelos amigos.
— Eu sei conversar com quem eu quero conquistar — a cortou e todos falaram “wooooow” em coro.
— Ah, e você acha que eu quero ser conquistada? — rebateu e nós olhávamos de um para o outro esperando outro nocaute.
— Tanto faz... — respondeu indiferente e bufou.
— Entre tapas e beijos, é assim que começa! — Harry instigou e foi xingado por . Eu comia e ria ao mesmo tempo, era impossível ficar séria ali. Eles continuaram conversando alguma coisa que eu não entendi muito bem, porque fiquei observando atentamente. O que eu temia aconteceu: estava hipnotizada e devia estar olhando-o com cara de idiota. Quando notei que os seus olhos estavam me observando, desviei o olhar bruscamente para o prato. Mas parece que não tive muito sucesso, pois ele continuou me analisando. Eu podia sentir o calor de seus olhos. Sem que eu pudesse controlar os meus movimentos, ergui a cabeça novamente e nossos olhares se encontraram. Era uma sensação estranha, parecia que ele queria me dizer alguma coisa e não conseguia. Assim como naquele dia em que foi em nosso apartamento e agiu estranhamente. O mundo parecia ter parado de girar por alguns instantes. sorriu fraco e franziu a testa, dei um meio sorriso para ele e mordi o lábio inferior, desviando o olhar para o lado, onde dava um tapa no braço de , certamente estavam trocando mais farpas. Tentei me situar no assunto deles, mas era impossível. Eu não conseguia parar de lembrar como agiu quando nos cumprimentamos. Será que toda vez seria aquilo? Toda vez que ele passasse um tempo longe e voltasse eu teria que me readaptar com a sua frieza e mudança de hábitos? Ou ele tinha duas personalidades? Ter me dado um abraço não o mataria. Ok, acho que eu criei expectativas demais para esse reencontro. Não devia ser tão idiota. tem a namorada dele. Se eu quiser continuar nesse “chove e não molha”, vou ter que me adaptar ao fato de nem sempre o senhor agir coerentemente. Tudo bem, ele disse no jogo da verdade que não a ama. Mas quem me garante que não falou aquilo da boca pra fora? Apenas para não parecer tolo perto dos amigos? E as coisas que ele soltava sobre Sophie algumas vezes podiam ser apenas revolta, deviam estar em alguma crise passageira. Eu sou apenas o passatempo, tenho que me conformar com isso. Droga, por que não consigo simplesmente me afastar dele? Seria o mais correto.
— Rachel, você topa? — acordei do transe com Harry dando um tapa na mesa e todos me olhando.
— Hã? O quê? — perguntei curiosa, não tinha escutado uma palavra do que eles diziam.
— Meu Deus, em que planeta você estava? — perguntou indignada e eu tive vontade de responder “no mundo misterioso do cérebro de ”, mas não seria idiota a esse ponto.
— Ah, problemas... — dei de ombros.
— Esqueça todos os seus problemas, eu sou a solução para eles! — Harry disse, fazendo uma cara de sedutor e nós rimos. — Então, a gente está combinando de beber como loucos quando esvaziar aqui — falou empolgado e os outros gritaram “YAAAAY”. Eu era a única fora de sintonia.
— Er, tudo bem — respondi desanimada.
— Eu me suicidei com essa resposta — brincou, insinuando dar um tiro na própria cabeça e todos concordaram, menos , que parecia sério e me olhava preocupado.
— Não gente, tudo bem! Eu estou animada, é só que estava perdida em pensamentos — sorri e tentei parecer natural. Eles comemoraram a minha resposta e propuseram um brinde.
— Aos f*dões! — propôs e todos riram.
— Essa foi horrível, cara! — desdenhou, soltando um riso abafado. Brindamos.
— A essas duas lindas mulheres que fizeram a caridade de se unir a esses quatro pé-rapados que só falam idiotices! — Harry corrigiu, estendendo a sua taça novamente e e eu ficamos coradas. Brindamos mais uma vez.
— Chega de brindes, acho que vou comer mais — disse, pegando o seu prato e levantando. Harry o seguiu e também.
— Eu não fico aqui com vocês dois nem a pau — se manifestou, levantando em seguida, e eu a olhei com um olhar assassino. Ela apenas piscou e me desejou sorte. UGH! Eu ainda mato essa loirinha idiota. Senti o pescoço endurecer quando tentava me virar para olhar . Fiquei olhando para o nada, na verdade olhava para as luzinhas que tinham colocado nos troncos das árvores e no resto do jardim, também olhei atenta para o chafariz incrivelmente iluminado. Senti um frio na espinha quando percebi que alguém puxava a cadeira vazia ao meu lado e, quando olhei para onde deveria estar, não havia ninguém.
— Você é a mulher mais linda da festa — ouvi a voz rouca de falar bem perto de meu ouvido. Olhei-o bruscamente.
— Impossível — respondi indiferente e voltei, com dificuldade, a encarar o chafariz.
— Eu esperava um “obrigada” — riu.
— Obrigada — falei forçadamente, agora olhando um casal se amassar perto do banheiro.
— Não assim. Era melhor ter ficado calada — falou sério. Acho que dessa vez ele não estava mesmo brincando. O olhei e ele estava olhando para o outro lado, com as mãos na cabeça.
— Eu não entendo você — lancei a bomba, coçando a cabeça, nervosa. Ele sequer se virou para me encarar.
— Isso eu já sei — voltou o seu olhar para a mesa e pegou sua taça, bebendo um pouco de vinho. Ficamos em silêncio e eu queria avançar em seu pescoço e matá-lo por ter dito aquilo. Quer dizer, eu tinha que ME matar por ter confessado que não consigo entendê-lo. Agora ele devia estar se achando a última coca-cola do deserto.
— Porra, — essas palavras saíram sem o meu consentimento. Agora eu consegui que ele me olhasse atento, até demais. — Que bicho te mordeu?
— Hã? Nenhum! Por quê? — perguntou confuso e eu senti o sangue subir à cabeça.
— Porque você mal falou comigo hoje. Parece até que eu conheço os seus amigos há mais tempo! — respondi indignada, cruzando os braços e tremendo uma das pernas, meu tique favorito.
— Eu fiquei com vergonha, sei lá. Travei — deu de ombros e esvaziou a taça. agora parecia inquieto. — Mentira — coçou a testa. — O John está aí e ele é tio da...
— Sua namorada — concluí e ele me olhou com um olhar de agradecimento por isso. — Eu não vou te agarrar na frente de todo mundo. Nem tenho liberdade pra fazer isso, então relaxa — falei impaciente, levantando da mesa e indo à procura de e dos garotos. permaneceu lá, mas percebi que me seguia com o olhar. No caminho, senti uma ponta de arrependimento por ter falado aquilo. Eu realmente não queria pressioná-lo a agir comigo em público como age quando estamos a sós. Mas poxa, acho que eu merecia pelo menos um abraço, nem que fosse um daqueles bem tímidos e frouxos. O jeito que agiu me fez criar ainda mais perguntas sobre quem ele é. Se exercício mental emagrecesse, eu estaria com anorexia. Nunca tinha precisado raciocinar tanto na vida. Por que raios eu pensava tanto em um homem?

Encontrei apresentando os garotos a alguns amigos da faculdade. Cheguei à roda e os cumprimentei também. Depois que saíram, uma mulher chegou com uma câmera e pediu para que posássemos para uma foto que sairia em uma revista. Posicionamos-nos e antes que ela tirasse, percebi de relance que se aproximava, então pediu para que ela o esperasse chegar para poder tirar a foto. Eu quis gritar, estava na ponta, e bem do lado de aonde vinha. Sua única opção era ficar ao meu lado. E assim foi. Chegou timidamente e mal encostou a palma da mão em minhas costas. Fiz da mesma forma com ele. Tiramos a foto e nos soltamos imediatamente. parecia ter percebido que as coisas não iam bem, pois me olhou com uma expressão confusa. Balancei a cabeça e gesticulei disfarçadamente que depois contaria. já dava gargalhadas com os amigos, qual é, agora eu esperava que ele ficasse triste? Sou um pouco doentia, talvez. O McFly voltou para o palco e eles tocaram mais seis músicas, todos continuavam muito animados. Até eu me sentia mais feliz, claro que vodka e cerveja estavam me ajudando bastante. Foi quando puxou o “Parabéns pra você” e todos se dirigiram até a longa mesa de toalha branca com um bolo de quatro andares.

Cantamos parabéns ao som da banda e me deu o primeiro pedaço. Ela tentou não falar o meu nome, porque algumas pessoas ali me conheciam como Rachel (John, , e Harry). Senti-me lisonjeada e acho que sua mãe ficou um pouco desapontada. Depois que todos comeram bolo, os meninos se juntaram a nós novamente. Agora quem tocaria era um DJ. Tinha sido montada uma pista atrás da casa. Corremos pra lá quando ouvimos as primeiras batidas. A roda era um pouco grande, pois além de nós seis, havia alguns amigos de faculdade de . Dançávamos empolgados e já estávamos um pouco alterados. já havia escorregado três vezes; quebrou cinco garrafas de cerveja e já havia caído duas vezes; bem, até eu já tinha escorregado uma vez. e eu já estávamos descalças e dançávamos cada vez mais loucas. Não faltava álcool em nosso sangue. Era uma garrafa atrás da outra. Já via e ela se esfregando e dançando durante algumas músicas, os meninos se cutucavam e diziam que os dois só podiam estar muito bêbados para fazerem aquilo. Fazíamos uma brincadeira em que de 20 em 20 segundos, um devia ir para o meio da roda. Eu já tinha ido e também. Agora era a vez de Harry. Ele fez o inesperado. Veio até mim e me puxou para dançar com ele, no centro. Eu já estava alterada demais para sentir vergonha, todos na roda gritavam. Aceitei e começamos a dançar com os corpos colados. A palma de sua mão estava em minhas costas e ele me puxava contra o seu corpo. Então, eu o puxei pela gravata e fui rebolando até o chão, arrancando assobios e gritos de todos. Harry fazia umas caras engraçadas, como se estivesse ficando louco com aquilo. Quando o tempo estava se esgotando, fiquei de costas para ele e passei um dos braços em volta de seu pescoço. Ele espalmou suas mãos em minhas coxas e fomos até o chão. Depois cada um voltou ao seu lugar e foi a vez de . Ele simplesmente não conseguiu ficar em pé por muito tempo, estava bêbado o suficiente para não ter coordenação. Nós ficamos sem ar de tanto rir. e o socorreram e o colocaram sentado no canto, perto das bebidas. Escolha inadequada de local para deixar um amigo bêbado. Os dois voltaram para a roda e nós continuamos as rodadas. Quando foi a vez de , ele puxou para dançar com ele. E eles foram ainda mais promíscuos do que Harry e eu. Não pareciam nem de longe aqueles dois que se cortavam na hora do jantar. O que a bebida não faz, ninguém mais faz. Depois que todo mundo foi, saiu e se sentou perto de , que agora estava estirado, dormindo de boca aberta, e então abriu mais uma garrafa de cerveja. Eu observava tudo isso de relance, enquanto dançava em um círculo menor. Apenas com , Harry e . Não precisava prestar muita atenção para saber que ele estava concentrado em mim. Pela primeira vez eu tive a certeza de que estava realmente me fitando. Ele estava bêbado, e dizem que quando estamos bêbados fazemos o que não conseguimos sóbrios. Por isso ele estava sendo descarado. Como eu também já estava um tanto quanto louca, puxei Harry novamente pela gravata, agora de costas para ele, me esfregando da forma que podia, só para provocar . Harry já estava sem camisa, o que tornava o meu trabalho mais fácil, pois vez ou outra eu espalmava as minhas mãos em seu peitoral definido e ia descendo sensualmente.

Percebia tomando mais e mais cerveja, com a gravata desatada, pendurada em um dos ombros e a camisa de dentro do terno desabotoada. Por mais que tivesse tendo aquelas danças provocativas com Harry, eu não conseguia esquecer o abdômen de , que estava descoberto. já tinha esquecido o seu nome e que e ela tinham trocado farpas. Os dois não se desgrudavam um segundo. Dançavam agarrados todas as canções e faziam competições de quem terminava a cerveja primeiro. Depois de um tempo, voltou para a pista e Harry e eu continuávamos dançando juntos, então ele ficava entre e , Harry e eu. Mas parecia nem ligar, pois dançava como um louco. Também não era dos mais sóbrios ali.

Dançamos e bebemos até amanhecer, só paramos porque o DJ praticamente se expulsou. Ele não aguentava mais. pediu ajuda de Harry para levar para um quarto, a essa altura, já os tinha chamado para dormir lá com a gente e eu quis quebrar uma garrafa em sua cabeça. Subimos as escadas e começamos a rir quando e Harry, sem querer, soltaram , alegando que ele é muito pesado. Foi preciso ajudá-los para darem conta do serviço, e mesmo assim foi difícil, porque eles estavam tão bêbados que não conseguiam parar de rir, sem força. Entramos no quarto e a primeira coisa que os meninos fizeram foi arremessar na cama. Ele nem se mexia. Se imaginasse o que tinham feito com ele, os mataria. e eu ajeitamos colchões de casal, um de cada lado da cama, e eu atei uma rede sobre um deles.

— Vou dormir na... — falei, mas não conseguia lembrar o nome do que era. — Na... — dei um tapa em minha própria cabeça. — Puts!
— Rede? — Harry perguntou, se jogando no colchão do outro lado.
— ISSO! — comemorei ao conseguir lembrar.

Ouvi um barulho e quando olhei para o chão tinha se jogado no colchão e tinha deitado ao seu lado. Não conseguia acreditar no que os meus olhos viam. Devia estar delirando. Ela não podia estar sã! tirava as calças e tudo que cobrisse o seu peitoral, ficando apenas de boxers. Seu mau costume maldito. Ele devia imaginar que me deixava louca quando fazia aquilo. Então, se deitou ao lado de Harry.

— Finalmente juntos, amor — brincou, abraçando-o de conchinha e dando um beijo em sua cabeça.
— Huuuuum, vamos trepar! — Harry fez uma voz afeminada e nós rimos.
Peguei um travesseiro no guardarroupa e deitei na rede. Demorei a encontrar uma posição confortável e quando finalmente encontrei, comecei a ouvir uns barulhos suspeitos. Cerrei os olhos e tentei prestar mais atenção. Será que e Harry estavam se pegando? Ri sozinha ao ver a besteira que tinha pensado, embebedar-me não me dá muita plenitude imaginária. Ou dá até demais. Os barulhos foram ficando maiores e eu ouvi um sussurro feminino dizendo “tira a mão daí” e uma risadinha. Ei, isso estava vindo ali debaixo! Tentei ser cautelosa e segurei na ponta da rede, baixei-a, para ter maior visibilidade e olhei pra baixo. Prendi a respiração bruscamente e voltei à posição anterior.

Eram e . MEU-DEUS. Ela estava por cima dele e eles se beijavam intensamente. Balancei a cabeça tentando não ouvir mais nada. Não seria legal se eles transassem ali comigo ouvindo tudo. “Tenho que dormir”, era o que eu me pressionava a pensar. Fiquei de bruços e estava quase pegando no sono. Coloquei o travesseiro sobre a minha cabeça, para não ouvir mais nada, mas isso era impossível, já que aqueles dois selvagens ficavam dando risadas o tempo inteiro e falando um milhão de bobagens que eu agradeço aos céus não lembrar mais. Graças às forças do universo eles foram se calando e se aquietando. Foi quando senti as pontas dos dedos de alguém percorrerem as minhas costas. Assombração? Oh Deus. Não era sonho, não era devaneio, porque agora sentia a palma da mão fixada em minha cintura. Virei-me em um impulso e pude ver quem estava ali, parado, me fitando.

— O que você quer? — perguntei impaciente.
— Deitar aí com você — se convidou, já se sentando na rede e eu o empurrei.
— Não, — soltei, querendo falar completamente o contrário. Por sorte, consegui agir com a razão. Não é justo, ele me esnobou na festa e agora que estávamos ali, em um semi-escuro, com todos no quarto dormindo, queria ficar comigo?
— Por quê? — perguntou se recompondo do empurrão e eu senti vontade de trazê-lo pra perto de mim, porém continuei firme.
— Porque sim, ué — cochichei ajeitando o travesseiro em minhas costas. — Agora vai, volta lá pro Harry — puxei as duas extremidades da rede e me fechei nela. Respirei fundo e me segurei para não chamá-lo. Fechei os olhos e desejei dormir instantaneamente. O que não deu muito resultado. Ouvi resmungar alguma coisa, devia estar sonhando, e ri disso. devia ter se tocado e ido deitar novamente.

Continuava segurando as pontas da rede, fechando-a. Quando notei que tudo estava mais calmo novamente, decidi abrir. Não tive tempo nem de gritar, se jogou em cima de mim e tampou a minha boca.

— Agora você fica calada e deixa eu te beijar — cochichou ainda tampando a minha boca e segurando os meus pulsos, que tentavam lutar sem sucesso contra ele, apenas com a outra mão. Eu vi que não adiantaria, não tinha forças, então apenas fui ficando quieta e ele me soltou, pude respirar normalmente. Enquanto me concentrava em minha respiração, aproximou seu rosto do meu.
— Não! — falei um pouco alto e ele me mandou fazer silêncio. — Sai , sério — continuei irritada, com as mãos espalmadas em seu peito e a cabeça para o lado, para evitar que as nossas bocas se encontrassem.
— Então 'tá, boa noite — levantou rapidamente e eu percebi que queria que ele insistisse um pouco mais.
— Bom dia — respondi corrigindo-o, voltando a ficar de bruços. Ele fez algum barulho com a boca e se deitou ao lado de Harry novamente.

Acordei sendo cutucada por , me espreguicei e perguntei o que ele queria. Ele me mandou ficar em silêncio e me chamou, dando a mão para ajudar-me a sair da rede. Passei a mão no rosto e tentei deixar o meu cabelo melhor. A dor de cabeça começava a dar sinais. Não estava entendendo o motivo daquilo, mas decidi me juntar a ele. Quando sentei, notei que e Harry já estavam de pé, conversando baixinho e rindo. Bocejei e decidi levantar. Foi então que Harry chamou a minha atenção e apontou para o colchão embaixo da rede, eles riram abafado. Eu já tinha até esquecido do que ouvi daqueles dois de madrugada. Ou melhor: do que VI os dois fazendo. Quando me lembrei, também comecei a rir.

— Meu Deus, se não tivesse vendo isso, eu juraria que era mentira! — falou baixo e nós concordamos. e estavam abraçados, ele tinha uma das pernas transpassada pelas pernas dela.
— Vamos acordá-los? — os olhei e eles assentiram.
— Espera, vamos cantar alguma música romântica! — deu a ideia e nós começamos a pensar em alguma canção para o momento. Dei vários palpites e Harry também, mas eles não aceitavam nenhum. Até que Harry conseguiu um bem significativo.
— “All About You”! — citou e os meninos aceitaram na hora, comemorando e se preparando para cantar.
— Bom, vou só participar, porque não sei cantar essa música! — falei sem graça.
— Relaxa, a gente canta só o início... Nem tem muito o que decorar... — começou a cantarolar baixinho para não acordar o casal e eu fui pegando o ritmo. Era fácil. Agora era só fazer. ia nos matar, eu sentia.
— Preparados? — perguntou esperando o sinal verde. Assenti e os meninos se posicionaram — 1, 2, 3 e... Já!
It's all about you. It's all about you baby. It's all about you. It's all about you — cantamos, quer dizer, berramos, os quatro juntos. e se mexeram bruscamente e abriram os olhos. Quando viram que estavam juntos, cada um saltou para o lado oposto. Como se estivessem se dando um choque. Nós começamos a rir e fez careta, correndo para fora do quarto. estava sentado no chão e levava as mãos à cabeça, certamente estava de ressaca.
— Bom dia, Cinderela! — gritou se aproximando do amigo, que deu uma cotovelada em sua perna. — Cinderela irritadinha! — gesticulou exageradamente.
— Vou atrás da ! — falei e assentiu. Harry estava sentado ao lado de fazendo piadinhas e continuava em pé, mas também enchendo a paciência dele. Saí do quarto e fui à procura da minha amiga. Ouvi alguém tossir no banheiro que fica no fim do corredor e fui até lá. — ? — perguntei batendo na porta.
— Oi? — ela respondeu com a voz rouca.
— Abre pra mim?
— Espera — ouvi alguns barulhos e ela finalmente destrancou a porta. Era um banheiro enorme e muito bem decorado.
— Bom dia — falei abraçando-a e dando um beijo em seu rosto.
— Cara, eu dormi com o ? — perguntou inconformada, sentando-se no vaso com a tampa fechada.
— É isso aí! Você não se lembra de nada? — perguntei e apenas negou. De fato, e eu éramos os únicos que tinham noção de alguma coisa, e mesmo assim não estávamos tão bem.
— Não, ah meu Deus do céu, porque eu sempre tenho que ser a f**** da história? — indagou apoiando os cotovelos nos joelhos e colocando as mãos na cabeça.
— Relaxa amiga, vocês não transaram — falei sem dar muita importância, peguei um pouco de pasta de dente e coloquei na escova que eu tinha separada na casa de seus pais. De vez em quando dava a louca e nós duas íamos dormir lá para pegar sol e ir para a piscina.
— QUÊ? — gritou. — Não transamos, mas... CÉUS, NÃO VAI DIZER QUE... — começou e eu apenas concluí assentindo. — EU NÃO POSSO TER BEIJADO O ! AQUELE CONVENCIDO DESGRAÇADO, DEVE TER SE APROVEITADO DE MIM!
— Na verdade, não... — dei de ombros, falando com dificuldade ao escovar os dentes. Aquilo estava sendo bizarro, nem ao menos se lembrava de beijar .
— %¨$#@tãããão de @#$%! Agora conta! — falou impaciente e eu terminei de escovar os dentes.
— Você parecia bem contente, ficavam dando risadinhas e falando um milhão de bobagens que, graças ao santo pai, nem lembro mais — soltei uma risada abafada ao ver seu desespero. — Relaxa, amiga. Você fez bêbada o que queria fazer sóbria. Então digamos que você está por cima nessa história, assim como estava de — ri alto e levantou só pra me dar um tapa, agora já esboçava algum sorriso.
— Eu sou uma imbecil mesmo. Sempre quis pegar aquele otário e quando faço isso não me lembro de nada — agora já sorria abertamente. — Só espero que ele também não se lembre de nada e, se lembrar, que tenha sido o beijo mais f*** da vida dele — pensou um pouco. — É, com certeza foi. Quem beija esses lábios não esquece jamais — brincou e eu espirrei água nela.

Ficamos no banheiro mais um pouco, conversando sobre a festa e fazendo fofocas habituais de garotas nesses eventos. Contei a ela sobre a conversa que e eu tivemos quando eles nos deixaram na mesa e ela disse que nem se lembrava do fato de John ser tio de Sophie, por isso fez aquilo. Eu disse que a entendia e depois contou que a última coisa que lembrava era de ter me visto dançar sensualmente com Harry e dela dançar mais sensualmente ainda com . Gargalhamos ao lembrar os escorregões de , e o meu. disse que só podia ser lerdo de quebrar cinco garrafas seguidas, eu concordei e em seguida fiquei um pouco séria, tinha esquecido por algum tempo que tinha me procurado na rede.

— Que cara é essa? — perguntou me olhando atenta.
— Lembrei de uma coisa agora — soltei uma risada abafada.
— Anda, enviada... Conta aí! — deu um tapa no meu ombro.
— Biscate! Se você me bater mais uma vez, vou te jogar em cima do e trancar vocês dois no guardarroupa — brinquei e ela me deu língua. — Quando todo mundo estava dormindo, o apareceu do nada na rede.
— HÃ? HÃ? HÃ? — arregalou os olhos e coçou o ouvido. — Não estou ouvindo muito bem!
— É isso aí — falei simplesmente e mordi o lábio inferior.
— Fazer o quê? Você não o deixou ficar lá não, né? — perguntou incrédula.
— Foi lá tentar me dar um beijo — dei de ombros e ela me olhou espantada. — Não , eu não dei o beijo e sim, o expulsei da rede — ela deu a mão para que batêssemos high five e assim fizemos.
— Assim que tem que fazer. Eu sei que ele é um irresistível do capeta, mas você tem que ser grossa e cortar quando fizer o que fez na festa! — disse em um tom orgulhoso de mim e eu sorri, assentindo. Eu também estava orgulhosa de mim. Pela primeira vez, tinha conseguido dizer um ‘não’ para .
— Vamos tomar café? — chamei, passando a mão na barriga e fazendo careta. assentiu e disse que também estava faminta. Saímos do banheiro e encontramos Harry e sentados na escada, cada um com um copo d’água na mão, conversando com a mãe de .
— Bom dia, queridas. A noite foi boa, hein? — dona Emma falou sorridente e os meninos se viraram para nos olhar. Ambos sorriam maliciosamente para , que baixou o olhar, rindo.
— Bom dia — falamos praticamente em coro.
— Vamos todos tomar café? Cadê os outros dois? — ela perguntou, procurando-os com o olhar.
— Estão se vestindo — respondeu e levou um pedala de Harry. e eu soltamos um riso abafado, mas sua mãe pareceu nem ligar. Assentimos e dona Emma deu as costas, para descer as escadas. Fomos para o quarto e e conversavam alguma besteira, sentados na cama. me empurrou para que eu entrasse primeiro. Os dois pararam de conversar e tinha um sorriso estampado no rosto, me deixando em um pequeno transe. Voltei para a realidade quando entrou atrás de mim e me deu uma cotovelada.
— Vamos tomar café? — devo ter feito a cara mais idiota do mundo ao perguntar isso.
— Vamos! — disse se levantando e puxando . Então, deu meia volta e saiu do quarto, para não dar de cara com . Tratei logo de ir atrás dela. Quando chegamos ao corredor, vimos que e Harry já não estavam mais na escada, deviam estar na cozinha tomando café. Antes de descermos, senti a pulseirinha que usava na festa cair. Agachei-me para juntá-la. Pude ver de relance que nem se abalou e foi descendo as escadas. Vi pernas masculinas e deviam ser de , indo logo atrás dela. Pelos meus cálculos, a pessoa que estava parada atrás de mim era . Senti o estômago na garganta e um frio na barriga. Fingi ter dificuldade para tirar a pulseira do chão, para assim ele me ignorar e descer também. Mas não, parecia uma estátua. Levantei lentamente, não adiantava continuar mais uma hora agachada, fingindo juntar uma coisa que já estava em minhas mãos há séculos. E também, ele parecia decidido a me esperar quanto tempo fosse. Fiquei em pé e tentei manter o olhar fixo na escada à minha frente. ‘EU VOU DESCER, EU VOU DESCER’, pensei respirando fundo e seguindo o meu caminho, quando senti uma mão um tanto quanto quente segurar o meu antebraço.
... — sua voz fazia meu apelido soar como uma boa orquestra. Então, virei-me e o encarei. sorria infantilmente. Franzi a testa, indicando impaciência. — Eu sei que você deve me achar um idiota, mela cueca, dentre outras denominações que o meu cérebro não conseguiu processar — parou e pensou um pouco, soltei uma risada abafada, sem querer. — Eu queria te pedir desculpas pelo jeito que agi na noite passada e, bem... — coçou a cabeça, nervoso. — ... Essa madrugada — me olhou com um olhar suplicante. No fundo eu sabia que a forma que ele agiu era totalmente culpa minha. Eu deixei as coisas ficarem desse jeito. Eu permiti que pudesse me ter na hora que bem entendesse. Mas não, eu tinha que permanecer firme.
— Não tem do que se desculpar, afinal, assim como você já disse, nós não temos nada e também eu não sou ninguém pra te cobrar tratamento especial — falei não acreditando em cada palavra que saía da minha boca. Desde quando eu era tão firme assim? me olhou como se tentasse achar as palavras certas para usar naquele momento. Pelo jeito, não conseguiu. Apenas assentiu e baixou o olhar. Deixei-o sem resposta. Finalmente consegui. Virei-me novamente e continuei descendo as escadas, ele vinha logo atrás, mas já não tentou dizer nada. No caminho até a cozinha, eu ainda lembrava o que tinha acabado de dizer e simplesmente não acreditava. Era uma mistura louca de sentimentos, mas o que prevaleceu foi o orgulho. Eu finalmente tinha conseguido controlar a minha emoção. Eu consegui agir da maneira certa.

Chegamos à cozinha e todos já comiam. sentou bem longe de , ela conversava empolgada com ; Harry passava manteiga em um pedaço de pão e apenas comia, concentrado. Sentei ao lado de , e ao lado de . Parece que os quatro tinham combinado de se dividir. A mãe de falava concentrada ao telefone, seu pai já tinha ido trabalhar, em pleno sábado.

, você se levantou de madrugada ou foi impressão minha? — Harry perguntou naturalmente e eu quase me entalei com um pedaço de torrada. Todos na mesa olharam para ele.
— Er, não — negou, sem ao menos levantar a cabeça. Ele lia o jornal, ou pelo menos fingia fazer isso e comer ao mesmo tempo.
— Ah, juro que ouvi você conversando — Harry continuou. — Devo ter sonhado — deu de ombros e tomou um pouco de café. o chutou por debaixo da mesa e ele reclamou.
— Eu que fico paulado e você que fica delirando? — perguntou e todos riram.
— Você acha que estava muito bem, né ? — provocou e depois imitou as besteiras que dizia bêbado.
— É, mas você também não pode dizer nada, . Nem você e nem a dama loira ali! — finalmente tirou a concentração do jornal e falou, olhando para , que se escondia com as mãos. Todos começaram a gritar e parabenizar os dois, estava tão envergonhado quanto ela. A mãe de desligou o telefone com urgência.
— O que tem a minha loirinha? — questionou, se aproximando e alisando os cabelos de , que bufou.
— Obrigada, seu idiota! — disse, arremessando a tampa de uma garrafa de suco em . Dona Emma olhou sem entender.
— Não é nada, dona Emma. É só que os três ali ficaram muito alegrinhos! — falei apontando para , e . me olhou e sussurrou um “obrigada”. Apenas assenti, e sua mãe parecia estar convencida, pois soltou uma risada alta e disse que tínhamos que aproveitar a juventude, porque ela aproveitou... E muito. Os meninos riam descontroladamente e revirava os olhos, batendo em sua própria testa. Harry disse que eles tinham que ir, nós ficamos desanimadas e a dona Emma os chamou para tomar banho na piscina à tarde. logo tratou de dizer que não ia poder, mas foi cortado por , que disse que não perdia esse sábado ensolarado por nada, levantando e dando um beijo na bochecha da mãe de , que suspirou.
— Então, a gente tem que almoçar com um pessoal da gravadora, pra acertar umas coisas e, quando sairmos, viremos direto pra cá! Ok? — Harry checou, levantando, e e fizeram o mesmo. assentiu e disse que se não fossem, se veriam com ela. Nós duas levantamos para acompanhar os quatro até a saída da casa, eles estavam todos no carro de Harry. Fomos até lá.
— Depois acho que alguém vem aqui buscar os instrumentos — disse, logo ao sentar no banco de trás. sentou em seguida e foi no banco do passageiro.
— Ok, vou deixar avisado aqui, para o caso de estarmos ocupadas — informou e eles acenaram, dizendo que logo voltavam. Nós acenamos de volta e vimos o carro dobrar a esquina. — Que manhã, hein? — ela me olhou sorrindo fraco e eu respirei fundo.
— Nem me fala — balancei a cabeça e me virei para voltar à mansão, ela me seguiu.
— Ninguém vomitou na piscina, né? — perguntou apreensiva, enquanto caminhávamos em direção à piscina, que ficava do lado oposto de onde tinha acontecido a festa.
— Acho que não, acho que ninguém nem foi parar lá — a tranquilizei. Chegamos ao local e sentamos à beira da grande piscina redonda, colocando os pés na água — O falou comigo — falei e ela me olhou espantada.
— E aí?
— Ah, só me pediu desculpas por ter agido como agiu na festa e por ter tentado forçar ficar na rede — dei de ombros e fiquei olhando o meu reflexo distorcido na água.
— Você foi dura com ele? — perguntou, tirando algum bicho do meu cabelo.
— Acho que sim — sorri fraco e ela me deu um tapa.
— Está ficando craque, hein? Parabéns! — bateu palminhas sorrindo e eu rolei os olhos. — O que você disse mesmo?
— Falei que ele não tinha que pedir desculpas, que como o próprio já disse, nós não temos nada e que não sou ninguém para exigir tratamento especial — fui soltando e lembrando o exato momento em que conversamos. Ela gritou.
— @!#$%! Ele deve estar se sentindo uma merda! Você arrasou — me deu uma cotovelada de leve.
— Sabe que nem eu me reconheci quando essas coisas saíram da minha boca? — confessei e ela riu.
— É assim mesmo. Eu não te falei aquele dia na cozinha? Uma hora você começa a se sentir boa demais para ele.
— Falou, mas a verdade é que eu não me sinto assim. Eu só me sinto magoada pela indiferença dele. Ainda sou a mesma imbecil de sempre — falei desanimada.
— Ah, não quero nenhum baixo astral! Olha eu aqui, dormi com o convencido do e nem estou assim que nem você — cutucou-me e rimos. — Se bem que acho que é por isso que estou de bom humor — suspirou e eu puxei seu cabelo.
— É uma bisca mesmo! — parei de puxar seu cabelo e a abracei. — Uma bisca linda! — falei com voz de bebê e ela riu.
— Você é idiota, hein? Está ficando igual o — disse rindo, passando a mão em meu cabelo e eu soltei uma risada abafada. — Tem uma coisa me chateando.
— Que foi? — perguntei baixo.
— Não ganhei nenhum presente — respondeu desanimada e eu me desvencilhei, dando um pedala em sua nuca.
— Você acha pouco? — arregalei os olhos e apontei para o outro lado do jardim. deu de ombros.
— Não cara, não é isso. É que todo ano eu ganho alguma outra coisa. Até agora não me deram nada, será que eles esqueceram? — indagou indignada.
— Não sei, mas vamos tomar um banho, porque seu cabelo está só o laquê! — brinquei e levantei correndo, ela me xingou e veio correndo atrás. Entramos em casa e subimos as escadas. Eu tinha levado algumas peças de roupa para lá no dia anterior, sabia que dormiríamos por ali mesmo. Então, peguei as roupas, uma toalha e o biquíni que usaria. tinha dado a ideia de almoçarmos perto da piscina e pegar sol. Fui para o banheiro no fim do corredor e ela foi para o do outro lado. Tomei um bom banho, sentia relaxar a cada toque que a água dava em meu corpo. Ainda não tinha parado para pensar muito sobre tudo o que havia acontecido com . Procurei não esquentar a cabeça. Eu estava ali, com a minha melhor amiga, na enorme casa de seus pais e queria me divertir. Fiquei animada ao lembrar que os meninos voltariam para lá à tarde, para irmos para a piscina. Sempre era bom estar acompanhada deles. Terminei o banho e me enxuguei, depois me vesti e saí. já caminhava em direção ao seu quarto, enrolada na toalha. Entrei no cômodo depois dela e fechei a porta.
— Você é rápida, hein? Já se vestiu! — falou me olhando e em seguida olhando para as roupas dentro do guardarroupa. — Tenho que lembrar de deixar mais umas roupas aqui. Só tem coisa cafona! Meu Deus, como eu tive coragem de comprar isso? — perguntou num tom inconformado, mostrando-me uma blusa que nem era tão feia assim.
— Deixa de ser exagerada. Essa daí pode não ser muito bonita, mas olha aquelas ali! — apontei algumas penduradas e ela pareceu estar convencida, pois pegou uma delas e separou.
— Espera, por que a gente já não desce só de biquíni e aproveita o resto do sol da manhã, que é saudável? — propôs.
— É, pode ser. Mas vou ter vergonha de ser vista só de biquíni pelos meninos — confessei, coçando a cabeça.
— Ahhhh, dá licença! O já te viu peladona, de biquini é a mesma coisa... Só que tem um biquíni tampando as partes mais interessantes! — disse naturalmente e eu soltei um riso abafado. Ela estava certa, contra fatos não há argumentos, então, apenas tirei a saia jeans que vestia e a blusinha preta, mas logo me enrolei na toalha. riu e vestiu seu biquíni. — Vamos! — chamou, me dando a mão e nós saímos do quarto. Desci as escadas na frente, pois ela puxou uma das empregadas que passava pelo corredor para avisar que alguém viria buscar os instrumentos.

Cheguei ao grande jardim e olhei tudo em volta. Não conseguia acreditar que a minha amiga tinha trocado tudo aquilo para morar em um apartamento. Não que o nosso apartamento seja ruim, longe disso, mas perto daquela mansão, ele é um cubículo. Não sei se faria o mesmo em seu lugar. Dizem que quem tem tudo sempre está insatisfeito, então deve ser por isso. Nunca tive nada que ela teve. Andei até a piscina e deitei em uma das espreguiçadeiras. Logo apareceu e sentou na cadeira livre ao meu lado, me dando protetor solar. Eu tinha esquecido completamente do detalhe de ser quase um fantasma. Passei nas partes possíveis e dei para ela passar em minhas costas. Depois fiz o mesmo com ela e ficamos de cara para o sol.
A empregada trouxe dois copos de suco, mandados por dona Emma, que disse que faz mal pegar sol sem beber nada, desidrata. Conversamos algumas bobagens, sobre a festa. Contei para ela que vi duas pessoas de sua classe se amassando perto do banheiro e disse que os dois têm compromissos, incrédula. Depois, lembramos de o barman dar em cima das duas e rimos descontroladamente. lembrou orgulhosa do show do McFly e me agradeceu por tê-los colocado em sua vida. Eu ri e disse que achava que ela faria melhor uso disso do que eu, que nem conhecia direito as canções deles. Ela me mandou deixar de ser imbecil e enxergar um palmo à frente do nariz. Para , era óbvio que queria ficar comigo, ele só precisava aprender a demonstrar isso. Rebati, dizendo que também era óbvio que queria ficar com ela. Ela se benzeu e disse que não queria mais nada com ele. Depois pensou um pouco e disse que queria, mas queria que ele rastejasse, se humilhasse. Eu opinei que, talvez, ele espere que ela faça o mesmo. quase gritou que ele morreria esperando, porque ela não moveria uma palha. As horas foram passando e logo chegou a hora do almoço. Nós comemos em uma mesa redonda de madeira, que fica próxima à piscina. Foi quando a surpresa aconteceu. O portão se abriu e um lindo Porsche GT, conversível e prateado apareceu. Nós duas ficamos de queixo caído. Então, o carro foi estacionado próximo à piscina e o pai de , senhor Albert, saiu do veículo.

— Gostou? — perguntou olhando para , que apenas assentiu lentamente, ainda hipnotizada. Ele se aproximou. — Ótimo, porque é seu! — e jogou a chave para ela, que só pegou por ter um reflexo bom. Eu não pude acreditar! Começamos a gritar, abraçadas e pulando. Em seguida, se jogou nos braços do pai, agradecendo aos berros. Seu Albert apenas ria e dizia que a filha merecia tudo aquilo. Dona Emma logo apareceu e também ficou maravilhada ao ver o carro.
— Albert! Você me disse que era um carro lindo, mas eu não achei que fosse tanto! Por isso não me deixou ver também? — ela perguntou, levando uma das mãos à boca, mas logo teve que tirá-las, para receber um abraço de , que ainda gritava.

me puxou e corremos para o carro, entramos e sua mãe veio logo atrás. Olhávamos detalhe por detalhe, era realmente muito luxuoso. Saímos do veículo ainda incrédulas, não parava de repetir que devia estar sonhando, aquilo não era real. Eu, que nem fui a presenteada, sentia-me nas nuvens, imagina ela! Era muita emoção para um dia só!
Depois de comemorar mais algumas vezes, os pais de se despediram, Albert ia jogar golfe com amigos e a esposa o acompanharia. Éramos só as duas em casa, os empregados também saíram e nós ficamos esperando os garotos chegarem.

— Será que aqueles imbecis não vêm? — perguntou revoltada.
— Não sei. O e o pode ser que não apareçam — respondi rindo ironicamente e ela bufou.
— Eles que inventem. Quero os quatro aqui. Ou são os quatro ou não quero ninguém! — resmungou.
— Aham. Na verdade você quer que o venha, se aparecerem três e ele estiver, aí então você nem liga para o que faltou — brinquei e ela fez careta.
— Será que são eles? — falou ao mesmo tempo em que levantava da cadeira. Haviam tocado o interfone.
— Vai ver! — sugeri, fechando os olhos e respirando fundo. se distanciou, correndo, e eu apenas tentava não pensar como poderia ser aquela tarde. Notei que ela demorava bastante, ouvi algumas gargalhadas, eles deviam ter ido dentro de casa primeiro. Abri os olhos e levei um susto ao ver sentado na cadeira ao lado. Ele já estava sem camisa e passava protetor nos braços, estava de costas para mim. Enquanto passava protetor, pude enxergar um pouco de seu rosto. Ele usava um Ray Ban e estava o que se pode chamar de irresistível. Fechei os olhos novamente, fingindo não tê-lo notado ainda.
— Passa pra mim? — perguntou. Abri os olhos subitamente, ele riu. — Eu te acordei? — indagou e eu neguei, sentando.
— Senta aqui — falei apontando para a extremidade da minha cadeira, para facilitar. Ele sentou, de costas, e eu comecei a passar o protetor. Eu dava graças a Deus estar de costas, porque se ele se virasse e me visse fitando-o como uma boba, riria da minha cara. Deslizava a mão suavemente pelas suas costas, ele se mexia muito pouco. Passava o líquido cada vez mais devagar, estava bom demais massageá-lo. Não vou mentir, senti uma vontade incontrolável de abraçá-lo ali, mas eu sou mais forte do que isso, eu sei que sou. Infelizmente, terminei o serviço e se levantou, agradecendo num tom cético e pegou o protetor de minhas mãos, colocando-o na mesinha que ficava entre as duas cadeiras. tirou a bermuda que usava e ficou só de boxers, depois tirou os óculos.
— Será que tem problema entrar na piscina de boxers? — perguntou me acordando de um pequeno transe ao olhá-lo daquela forma.
— Hã? — balancei a cabeça. — Digo, acho que não — dei de ombros. Mal terminei de falar e ele pulou, espirrando um pouco de água em mim. Mergulhou e quando levantou, movimentou a cabeça rapidamente para ajeitar os cabelos. Aquilo tinha sido extremamente sexy e eu estava louca. O que me salvou de pular na piscina atrás dele foi o fato de logo ver chegando, sendo seguido pelos demais, todos traziam uma boa quantidade de cerveja. Colocaram na mesa e cada qual pegou uma garrafa. — Meu Deus, vocês não enjoaram, não? — perguntei rindo e os cumprimentando. sentou na mesma cadeira que eu, na extremidade, assim como tinha feito, e abriu a sua garrafa, passando o abridor para . Harry sentou colado em mim, me envolvendo com um dos braços pelo ombro.
— Porra, nem espera os amigos, esse imbecil! — Harry apontou para , que acabava de levantar de um mergulho.
— Pega, cara — passou o abridor para Harry. — Não vai querer, Rachel?
— Não, , por enquanto, não. Valeu — sorri fraco e ele sorriu de volta, sentando ao lado de na outra cadeira.
— Essa cadeira vai já partir! — falou levantando. — A... — prendeu a respiração ao lembrar que ali eu era Rachel. — Rachel já é gorda, ainda senta o Harry, traseiro flácido, perto dela! — brincou e Harry prometeu que mostraria a ela o seu traseiro flácido. Todos riram. — Ai, ai, ainda briso olhando o MEU carro — ela suspirava e olhava para o veículo, ainda parado perto da piscina.
— Cuidado... O trânsito, a partir de hoje, será perigoso — alertou só para provocá-la e ela o olhou, furiosa.
— Por quê? Você vai começar a dirigir hoje? — rebateu e foi aplaudida, se virando para entrar na piscina. Entrou lentamente, segurando a garrafa de cerveja com uma das mãos, erguendo para que não derramasse.

Dentro da piscina, tinham banquinhos e uma “mesa” de pedra, justamente para que pudessem consumir bebidas e até comer lá dentro. Então, ela se dirigiu até lá e a seguiu. entrou depois e deu uma garrafa para . Os três começaram a tagarelar. Eu continuei ali, com Harry ao meu lado e na cadeira próxima, agora deitado. Engatamos alguns assuntos também, mas os dois logo se travavam, discutindo alguma besteira por horas. Eu apenas ria da situação e dizia que eles não podiam ser normais. Claro que também sobrava para mim, vez ou outra eles elogiavam as minhas pernas, a minha barriga e pediam para que ficasse em pé e desse uma voltinha. Eu os xingava de tarados e dizia que era por isso que eles não arranjavam namoradas.

— Eu sou bom demais para elas, olho-me no espelho e digo “você não precisa de mais ninguém, só dessa pessoa que está na sua frente” — disse convencido e depois deu uma golada, Harry e eu rimos.
— E eu sou um cara carinhoso, trato as mulheres como rosas, sei dançar, adoro bichos de estimação e ainda sei cozinhar — Harry começou, como se fizesse propaganda de si mesmo e tratou de rebater.
— Por isso as mulheres não te dão valor, cara! Mulheres gostam de caras escrotos, que xingam, tratam mal e até batem. Por isso eu sou assim— falou sabendo que me revoltaria, pois fazia uma cara provocativa. Ao ver a minha expressão, os dois gargalharam.
— Com exceção da Rachel, nanico — Harry disse e me deu um beijo na bochecha. — Ela merece um cara assim como eu, cavalheiro — olhei-o e sorri, assentindo.
— Ih, rolou um clima — se levantou e nós rimos. — Tchau! — disse após tirar a bermuda rapidamente. Em seguida, pulou na piscina. Harry agora segurava a minha mão, mas olhava fixamente para os outros, eu fazia o mesmo.
— Vou pegar uma cerveja — falei soltando sua mão e abrindo uma garrafa.
— Eu sabia que você não ia resistir — brincou e eu dei um soco leve em sua barriga, dando a primeira golada.
— Vamos nos juntar a eles? — perguntei e Harry concordou, já se levantando.
— Vai na frente! — ele disse, colocando uma das mãos na nuca e dando um sorriso malicioso.
— Meu Deus, vocês não têm vergonha de nada não? — indaguei incrédula e ele negou.
— Eu tinha que ter vergonha se não quisesse ver os bumbuns das mulheres. As pernas também, e tudo isso aí que vocês carregam e nos deixam loucos — respondeu em um tom pervertido e eu balancei a cabeça, indo a sua frente e recebendo aplausos dele. Entrei na piscina lentamente, com a garrafa sendo erguida e Harry veio logo atrás. Sentamos nos banquinhos vagos, que para o meu azar eram ao lado de . Fiquei entre ele e Harry.

Mesmo já estando molhado, podia sentir o perfume de perfeitamente. Aquilo não estava me fazendo bem. Quanto mais aquele cheiro adentrava sem permissão nas minhas narinas, mais eu sentia vontade de fazer uma loucura e agarrá-lo ali mesmo. Ele não parecia muito comovido com a minha presença ao seu lado, mas isso é meio óbvio, eu não tenho sobre o impacto que ele tem sobre mim. O clima estranho só ME afetava. Sempre era sim. Tudo sobre mim. TU-DO.

— Cara, eu estou me sentindo, tipo, em um reality show! — disse e foi vaiado.
— Se fosse mesmo um reality show eu já sei quem mandaria pra berlinda — falou em tom provocativo e mal a esperou acabar de falar.
— Você mesma, porque eu seria o líder — rebateu e todos gritaram.
— Eu não saía, isso é fato — ela deu de ombros.
— Eu te mandava até você sair — ele insistiu.
— Certo, íamos para a final juntos e o mais carismático sempre vence, logo...
— Eu ganharia, com a maioria dos votos — concluiu a frase de e levou um tapa da mesma. Era a primeira vez que eles tinham uma proximidade naquele dia, depois da hora em que ela passou o abridor para ele.
— Eu acho que nenhum de vocês chegaria à final, de qualquer forma — Harry disse e todos perguntaram por quê. — Qual é? Se isso aqui fosse um reality show, eu estaria nele, logo eu ganharia sem sombra de dúvidas — foi vaiado.
— Eu ainda torço por uma final entre e provocou e os dois o olharam fixamente. — Não perderia as sacudidas debaixo do edredom por nada! — gargalhou e todos riram, menos , que, para variar, o xingou, desde a mãe até o filho que ele ainda nem teve.
— Quem disse que eles precisam de edredom? — emendou e pulou em seu pescoço, puxando seu cabelo. — Ei, golpe baixo! — ele disse caindo e mergulhando com ela.

As brincadeiras continuaram, como sempre que estávamos juntos. e eu, apesar de estarmos lado a lado, não conversamos diretamente e ele logo fez o favor de ir para perto de e , que tinham se isolado do outro lado da piscina, fazendo brincadeirinhas idiotas.

— Essa é a nossa panela — Harry disse olhando os três.
— Cara, você ainda está nesse assunto? — perguntou jogando água no amigo, mas pegou em mim.
— Ei, os namoradinhos podem ir parando, porque quem se ferra aqui no meio sou eu! — pedi rindo e eles pediram desculpas, se estapeando em seguida.

Deixei-os e fui para perto de , e . Começamos a brincar e logo e Harry se aproximaram também. É aquela famosa brincadeira em que se faz uma fileira e todos abrem as pernas, então quem está no primeiro lugar da fila tem que mergulhar e passar entre as pernas de todo mundo e, assim que chegar ao fundo, já deve se posicionar para esperar o próximo. Claro que não funcionava cem por cento, afinal, não estávamos entre pessoas normais. e faziam o favor de toda vez que passavam, abrir os braços, fazendo-nos escorregar. combinou de sabotar, toda vez que um dos dois fosse passar os dois últimos fechavam as pernas em seus corpos, deixando-os presos. Funcionou algumas vezes, mas quando as últimas eram e eu, e só faltavam arrancar as nossas pernas. Saímos da água e ficamos sentados em círculo, bebendo. e eram os que mais bebiam em menor quantidade de tempo, fizemos várias competições entre os dois e, por incrível que pareça, ganhou a maioria, ela estava sendo chamada de “a rainha”. Já estava anoitecendo e nós conseguimos acabar com toda a cerveja que tinha sobrado do aniversário, e olha que foram mais de quatro grades. e eram, de longe, os mais alterados. Eles pareciam se dar melhor ainda devido a isso. Os dois ficavam dançando e cantando abraçados, falando um milhão de bobagens.

(Coloque a canção para tocar. P.s.: a partir de 0:47)

Depois, puxou para dentro do carro e eles ligaram o som, na Radio One, colocando no último volume e cantando aos berros uma canção que me fez querer saber a letra para cantar olhando para .

“You, You don't really want to stay, no
(Você, você realmente não quer ficar, não)

You, shouldn't really want to go-o
(Você, mas você realmente não quer ir,)

You're hot then you're cold
(Você é quente e logo esfria)

You're yes then you're no
(Você quer e depois não quer)

You're in and you're out
(Você está dentro e depois está fora)

You're up and you're down
(Você está feliz e depois está triste)

(...)

Enquanto ria dos dois gritando e dançando no carro, sentada na grama e achando realmente interessante o fato de saber aquela letra de cor, pois não é bem o estilo deles, senti como se alguém me olhasse atentamente. E eu já sabia quem era, pois Harry estava deitado ao meu lado, de olhos fechados, dando risada, e estava sentado perto do carro, agora já começava a cantar também. Olhei para trás apreensiva, estava quase deitado, a única coisa que o impedia de fazer isso era o fato de estar apoiado nos cotovelos. Quando me viu retribuir o olhar, desviou bruscamente, olhando para a piscina. Mas eu simplesmente não consegui tirar os olhos dele. Estava atraente demais. Parece que todas as minhas forças me jogavam para cima de . É uma sensação ruim essa de sentir vontade de agir de uma forma e simplesmente não poder. Seria tão mais fácil se eu simplesmente não sentisse nada. Se eu o levasse na brincadeira, assim como ele fazia comigo. Se eu não me importasse com as suas alterações de comportamento. Mas como diz essa canção que está sendo berrada pelos meus amigos bêbados: ele é quente e logo esfria, quer e depois não quer. Ele é um mistério. Ele é simplesmente imprevisível, tanto que me assustei ao vê-lo voltar seu olhar para mim. Agora, ele tinha os olhos semicerrados, me encarando profundamente e eu lutava contra o meu pescoço. Eu não era nem ao menos capaz de desviar o olhar. Estava paralisada. Senti-me como no filme daquele bruxinho inglês, como se tivesse jogado um feitiço para que eu só fizesse o que ele queria. E, no caso, o que ele queria era que eu continuasse encarando-o. A diferença é que isso é a vida real. Infelizmente. Malditos e irresistíveis olhos azuis. Tudo começou por causa da beleza deles! mordeu seu lábio inferior e inclinou um pouco a cabeça, deitando-a no próprio ombro. Acho que quem mordia o lábio agora era eu. Estava difícil convencer o meu corpo de não ir até ele, tocar novamente aquela pele macia e beijar aqueles lábios de sabor incomparável. Eu odeio . Muito. E eu odeio o fato de essa música descrever a minha situação tão bem.

Someone call the doctor
(Alguém chame um médico)

Got a case of a love bi-polar
(Tenho um caso de amor bipolar)

Stuck on a roller coaster
(Presa uma montanha russa)

Can't get off this ride
(da qual eu não consigo descer)

You change your mind
(Você muda de ideia)

Like a girl changes clothes
(Como uma garota muda de roupas)

Agradeci-me mentalmente ao conseguir voltar a olhar para o carro, após disparar a buzina de forma contínua. Levantei correndo e fui até lá, para pedir que parasse. Mas não tive sucesso, porque antes de conseguir falar com ela, me puxou pela perna e me derrubou, ao seu lado. Eu acho, quer dizer, tenho certeza de que os homens não medem as suas forças... E, se eles estão bêbados, a coisa é pior ainda. Caí de todo o corpo, por cima de um braço e ele caiu na risada, ao invés de me socorrer. e também começaram a rir de forma exagerada e eu até cheguei a esquecer a dor que sentia pra tentar imaginar no que eles estavam vendo graça. Por sorte, Harry se levantou e foi correndo me ajudar a levantar.

— Nem foi nada, isso é drama — disse despreocupado, agora deitando no chão. Eu levantava, sendo puxada por Harry.
— O perde a noção do que é ‘fazível’ e do que não... — tentou continuar falando, mas começou a gargalhar ao ver o que tinha dito — FAZÍVEL?! — o próprio se perguntou e nós todos começamos a rir. Ele se aproximava e olhava atento para o meu braço, mesmo gargalhando.
— Quando precisarem inovar o idioma só é contratar esse idiota — Harry ironizou, dando um tapa no ombro de e puxando o meu braço, em seguida. Senti estalar e me senti mais aliviada.
— Ou quando precisarem ferrar ele de vez, né? — falei já conseguindo mexer o braço e depois agradeci Harry pelo puxão. Todos me aplaudiram e disseram que estava com a testa queimando depois do que falei. Fiquei corada.
— Espera só, quando você estiver distraída, peço pro nanico te derrubar de novo — ele rebateu e todos disseram que eu tinha vencido a disputa.
— Está melhor aí, ? — perguntou baixando o volume e nem se deu conta do apelido que tinha chamado. Eu não sei, acho que estou tão sortuda nesses últimos tempos, tirando o fato de e eu estarmos estranhos. Porque ela me chamou de ‘’ e ninguém ligou.
— Muito obrigada por ter me socorrido, amiga — ironizei e ela mostrou o dedo, voltando a aumentar o volume e dar gritinhos com ao perceber que conheciam a música que começava a tocar. Os dois se abraçaram e começaram a cantar juntos. se juntou a eles, sentando no banco de trás e os abraçando. Pareciam três imbecis.
— Ainda dói, ? — perguntou baixinho, ao ver Harry correndo para atender o celular que tocava na mesinha próxima à piscina.
— Não, só um pouquinho — sorri fraco. — Obrigada pela preocupação.
— É, digamos que eu sinto pena às vezes — ele disse e deu de ombros, rindo. Apenas balancei a cabeça e voltei a rir dos três cantando abraçados. GRRRRRRRRRR, sente pena de que? EU NÃO QUERO QUE ELE SINTA PENA. Morra, , morra. Harry voltou correndo.
— Ninguém aí tem fome? — Harry perguntou passando a mão na barriga.
— Pode até ter, mas eles não vão se lembrar disso — respondi olhando novamente para o carro e nós rimos.
— EI, EI, EI — gritou abrindo os braços e os três o olharam impacientes. — ALGUÉM AÍ AINDA LEMBRA QUE TEM QUE COMER PRA SOBREVIVER? — continuou e Harry e eu rimos.
— É isso, é fome! Era isso que eu tentava te dizer, ! — cutucou como se descobrisse um novo continente.
— Ahhhhh! — ela abriu a boca e arqueou as sobrancelhas. — Vamos comer! — disse saindo do carro e sendo seguida pelos dois marmanjos. Nós comemoramos.

Fizemos uma longa caminhada até chegar à porta da cozinha. ia à frente, abraçado em , os dois não conseguiam andar em linha reta, fazendo-nos sentir dor de barriga de tanto rir.

— O que será que tem pra comer nesse @#!$%? — perguntou, entrando na cozinha e abrindo as portas do balcão rapidamente.
— Deixa que eu te ajudo a procurar — falei, indo para perto dela, com medo que saísse jogando para o alto tudo o que tinha lá, como já fez em nosso apartamento uma vez. Achamos uns pacotes de macarrão e decidimos fazer macarronada — Harry, você corta o tomate; , a cebola; , a salsinha; e apenas sentem aqui... — apontei para as cadeiras ao redor da mesa de tomar café da manhã — ... E tomem café puro, vocês não podem nem sonhar com faca — ordenei séria e peguei duas xícaras, as servi com café puro e entreguei uma para cada, eles pareciam duas crianças levadas que estavam com medo da mãe. Era muito engraçado.

Coloquei um avental e prendi o cabelo em um coque firme, fui até a geladeira e peguei o tomate, dei para Harry cuidar dele. Em seguida, a cebola e a salsa, entregando respectivamente para e . Mostrei para Harry onde ficavam as tábuas e as facas e ele distribuiu.

— Por que eu tenho que ficar com a cebola? — perguntou inconformado, já pegando a tábua e se posicionando.
— Porque ela quer te fazer chorar, cara. As mulheres são assim — respondeu simplesmente e todos começaram a rir. o mandou cuidar do café que tomava e eu, apesar de gargalhar, fiquei um pouco corada.

O macarrão já cozinhava e os meninos já tinham feito o que eu tinha mandado, eles me chamavam de “chefe” e faziam questão de me agradar. Até , que fazia isso apenas com comentários, já que não tinha controle de seus movimentos. se concentrava em dar palpites na macarronada e era repreendida por , que a mandava ficar calada por não estar ajudando. Parei até de contar as vezes que ela o mandava embora da casa de seus pais. Nós não conseguíamos parar de rir. Mas isso não é mais novidade, quando se trata daqueles quatro próximos a nós.

O jantar foi animado, e não paravam de falar asneiras, tudo bem que não é preciso estar bêbados para isso acontecer, mas agora era pior ainda, ficava cada vez mais difícil mastigar ou tomar refrigerante sem cuspir tudo para dar risada. Os pais de ligaram, na verdade, eles tentaram ligar a tarde inteira, mas não tinha ninguém dentro da mansão para atender. Eu atendi, ainda bem, porque se a filha deles atendesse, correriam para casa com medo de alguma orgia estar acontecendo. Dona Emma avisou que eles estavam jogando pôquer na casa de amigos, tinham ido depois do golfe para lá. Ela ainda perguntou se estava tudo sob controle, com certeza devido às gargalhadas que vinham da sala de jantar. Falei que tudo estava bem e que estava bem também. Emma pediu para que eu não deixasse sua filha beber demais. Fiquei envergonhada de dizer que era tarde demais, então apenas confirmei. Daria um jeito de colocar para dormir antes dos pais voltarem. Desliguei o telefone depois de ouvir mais um milhão de recomendações e voltei para a mesa. Todos já tinham acabado de comer, e Harry se ajudavam a empilhar os pratos sujos e levar para a cozinha. estava deitada no ombro de , que apoiava a cabeça na dela. pegava os copos.

— Nossa, que eficiência, vocês estão melhor que encomenda! — elogiei, ajudando a pegar os copos.
— Eu sou muito eficiente! — Harry disse, aparecendo na porta e, em seguida, pegou a travessa suja de macarronada.
— HARRY, SUA BICHA, VOLTA PRA CÁ, NÃO FUJA DO SERVIÇO! — gritou logo que e eu adentramos a cozinha. Ele lavava a louça.
— Deixou-me surdo, seu filho da @#$% — reclamou, colocando o dedo no ouvido e depois colocou os copos na pia para lavar. Fiz o mesmo.
— Eu te ajudo, — ofereci, indo para a outra pia, que era colada na que ele estava. apenas me olhou sorrindo e assentiu. Harry entrou na cozinha comemorando não ter mais que lavar a louça, colocou a travessa do meu lado e sentou com . e eu dividimos as coisas para lavar.
— Ei, a gente deixou a e o sozinhos. Isso é, tipo, um perigo! — Harry disse e levantou subitamente.
— Um perigo pra ele, né? — respondeu ainda sentado.
— LEVANTA, SEU IMBECIL! Eu não quero ter que ajudar a pagar lustres arrancados e espelhos quebrados! — Harry ordenou. e eu rimos e levantou, resmungando.

Fiquei um pouco nervosa ao perceber que só estávamos nós dois na cozinha, lado a lado. Tentei esquecer isso e imaginar Harry e nos observando, eu não queria lidar com a ideia de estar a sós com de novo. Não queria parecer nervosa, desconsertada. Para a minha sorte, ele parecia muito concentrado no que fazia. Ok, digamos que essa sorte não ficou por perto por muito tempo. empilhou alguns pratos que já estavam limpos e colocou um por um no escorredor, que ficava ao meu lado. Até aí tudo bem. O problema é que se posicionou atrás de mim, encostando seu peitoral em minhas costas, passando os pratos de uma mão para a outra. Respirei fundo e tentei não sentir seu toque. Mas foi impossível. Quando tinha acabado de fazer o que fazia, o senti mais colado em mim ainda. Agora seus braços estavam em volta de mim, apoiados no batente, como se me forçasse a ficar ali. Então, ele fez o que eu temia. Senti a respiração de percorrer o meu pescoço, depois a minha nuca. Não tinha como os meus pelos estarem mais arrepiados e nem como o frio na minha barriga ser mais quente. Eu estremecia a cada expiração dele. Fechei os olhos, cerrando-os.

— AH, VAI TOMAR NO SEU... WOOOOOOW! — ouvi berrar entrando na cozinha e quando dei por mim, já estava a milhas distantes, fingindo pegar algo na geladeira. — NÃO ADIANTA CORRER, PORQUE EU VIIIII! — ele apontava para mim, rindo, e depois olhou para . — ESSES DOIS OLHOS FORAM FEITOS PARA VER E EU VIIIII! — continuou, agora em meio a risadas. soltou uma risada abafada.
— Cara, você está mal! — ele disse se aproximando de e passando um dos braços pelas costas do amigo. — Vamos pra lá, você precisa descansar.
— MAS VOCÊ NÃO PODE DIZER QUE EU... QUE... QUE... QUE... QUE EU NÃO VI, PORQUE EU VI! — falou, parecendo tentar convencer , que apenas ria, carregando-o para fora da cozinha. Ainda bem que ele estava bêbado, ainda bem!
Terminei de lavar a louça e peguei um guardanapo de pano para começar a enxugar as coisas que estavam no escorredor. apareceu na cozinha de novo, rindo muito, e se sentou.
— Vai ficar olhando eu enxugar? — perguntei indignada, mas querendo rir.
— Na verdade, sim — respondeu simplesmente, sorrindo com todos os dentes da boca e me deixando quase sufocada.
— Ok, então. Eu sei que sou linda fazendo isso — brinquei e ele ficou sério. Droga, eu tenho que estragar tudo.
— Mulheres nasceram pra isso, por isso é tão fascinante! — abriu novamente um sorriso e se levantou, se aproximando de mim.
— Machista sem vergonha! — bati nele com o pano. se esquivou rindo e pegando outro pano para me ajudar. — O que eles estão fazendo?
— Quem? — perguntou como se nem prestasse atenção em nada, concentrado.
— Quem, ? Os instrumentos de vocês lá fora! — ironizei e ele riu.
— Essa convivência sua com esses caras está te estragando, você já foi mais doce — reclamou, colocando as coisas que tinha secado no balcão. Rimos. — A sua amiga insistiu que queria assistir Titanic — deu de ombros.
— Mentira? De novo? — perguntei incrédula e ele me olhou confuso.
— Hã?
— Ela tem o DVD e, desde que a conheço, tem esses ataques para ver o filme quando fica muito bêbada! E eu achando que já tinha passado! — contei e riu.
— Qual é a graça de ver um filme de drama bêbado? Você não aproveita nada, cara — comentou, enxugando os talheres.
— Você é que pensa, daqui a pouco vamos ouvir os soluços dela daqui. Ela não se acostuma com o fato de o Jack morrer congelado — disse inconformada e começou a rir descontroladamente. Eu entendo essa reação, tive a mesma quando uma amiga de me contou esse fato. Ela faz isso desde os 15 anos de idade.

Terminamos de enxugar tudo e sentamos, ouvíamos os outros rindo loucamente na sala e apenas começamos a conversar. Nada que me deixasse constrangida, nada que envolvesse “nós”. me contou sobre o início do McFly, como foi quando os conheceu. Eu ri muito com algumas histórias da gravação do primeiro disco. Ele também contou que às vezes é difícil lidar com a fama, porque eles são vigiados demais. Eu falei que isso é normal, por estarem no auge, mas ele disse que às vezes ficava cansativo. Achei lindo ver o brilho em seus olhos ao falar que tocar com aqueles três patetas era a sua paixão, que não importava o stress, não importava o assédio exagerado, pois quando subia ao palco, tudo isso se transformava em calma, tranquilidade. Também contei a ele como era a minha vida em Bolton, além do que já tinha contado no dia que voltamos andando da London Eye. parecia bastante interessado, disse que eu tive muita coragem de fugir. Rebati, dizendo que hoje em dia quando lembrava o que fiz, me sentia covarde.

— Não é covardia. Covardia é aguentar aquilo chorando trancada no quarto todos os dias. Você teve atitude — me confortou.
— É, talvez você tenha razão — dei de ombros.
— O que pesou na hora de escolher a fuga? — me perguntou atento. Eu não queria responder aquilo. Eu não queria dizer “ah, eu descobri que estava grávida”. Mas o que inventaria?
— Não sei, são tantas coisas pesando na sua cabeça, que você simplesmente decide e faz — respondi orgulhosa de mim mesma por ter conseguido inventar tão bem.
— Comigo foi mais ou menos assim. Não foi desavença, não foi nada. Só segui o meu sonho e decidi cair fora — falou seriamente, mas em instantes começou a rir e bater na própria testa.
— Que foi? — perguntei arqueando as sobrancelhas.
— Ali! — apontou para algum lugar perto da geladeira. Olhei, mas continuei sem entender. continuava rindo bastante. — A... Máquina... De lavar... Louça! — disse ofegante, em meio a risadas. Aí sim, agora eu também ria descontroladamente. Como eu não tinha lembrado que ali tinha uma máquina daquelas? Nós lavamos tudo feito escravos, podendo simplesmente jogar tudo lá dentro? Era inacreditável. Como já mencionei antes, não faz bem para a minha memória.

Depois disso, logo saímos da cozinha. Fomos para a sala, onde os demais estavam. e estavam deitados no tapete e Harry e estavam no sofá. Sentei em uma poltrona e na outra, do outro lado. Ainda bem que nem notou a nossa chegada ali, senão contaria que tinha visto me provocando. Os dois estavam concentrados no filme, de vez em quando fazia algum comentário, xingando alguns personagens, como a mãe de Rose. a ajudava. Nós apenas ríamos.

Harry, e decidiram ir para o jardim. Eles disseram que teriam de desmontar a bateria sozinhos, porque a equipe que faz isso tinha tido o fim de semana de folga. Então, desmontariam e viriam buscar no outro dia. Fui chamada para acompanhá-los e fugir daquele filme, mas preferi ficar por perto e não deixar alguma besteira acontecer. Mas parece que quando tem que acontecer, simplesmente acontece! Sentia-me um pouco cansada, afinal tive a noite anterior de bebedeiras e a tarde também. Senti as pálpebras pesarem, pesquei um pouco e quando abri os olhos novamente, quase gritei de susto. e estavam abraçados sobre o tapete, se beijando. Esfreguei os olhos para ver se estava enxergando bem. E era isso mesmo. Mas o beijo deles era mais calmo, não era intenso como o que tinha dado em naquela madrugada. Estava bem mais comportado.

! ! — gritei e os dois se separaram lentamente.
— QUÊ? — ela perguntou irritada.
— O que é isso? Vocês nem devem saber o que estão fazendo! — tentei fazê-los acordar, mas devia saber que não era tão fácil.
— Nááááá, vai arrumar o que fazer! — disse emburrada e voltou a beijar , que antes disso concordou com o que ela disse.

O filme chegava ao fim e eu tinha permanecido ali apenas para não permitir que um dos dois começasse a tirar a roupa. soluçava com o final do filme e a consolava, dizendo que eles iam se encontrar quando Rose morresse, que o céu seria deles. Eu não consegui ficar sem rir, estavam tão idiotas! Os meninos voltaram para a sala bem nessa hora. Já tinham catado as suas roupas e estavam vestidos. Também começaram a rir, fazendo filmagens dos dois pelo celular. Eu tentei não deixar, mas disseram que aquilo não vazaria. Harry se aproximou de e o chamou para ir embora, mas ele o empurrou e disse que ia dormir com . Ela concordou. Então eu disse que isso não poderia acontecer, pois o pai dela os mataria. disse que não se importava e que até casava com ela. Todos riam descontroladamente. Harry pediu ajuda e e o ajudaram a levantar , que relutava para permanecer ali. nem tinha forças para ficar em pé, observou tudo deitada. Acompanhei-os até o portão. me convidou para ser madrinha de casamento dele e eu disse que com certeza seria, se ele aceitasse ir para casa. Ele aceitou, facilitando o trabalho dos amigos, que me agradeceram. Depois de arremessá-lo no banco de trás, e entraram para pegar as guitarras e o baixo, avisando que voltariam no dia seguinte para pegar a bateria. Assenti e me despedi dos quatro. Quer dizer, dos três, porque foi só encostar a cabeça no banco que foi desligado desse mundo. Fechei o portão e fui até as proximidades da piscina, notei que eles tinham esquecido de juntar a roupa de . Peguei-a rindo e entrei em casa. ainda estava jogada no chão. Desliguei a TV, ajudei-a a levantar e a levei para o quarto. Guardei a bermuda e a camisa de no guardarroupa. disse que precisava de um banho, a levei para o banheiro e fiquei assistindo. Tinha medo de ela aprontar alguma. Mas tudo correu bem e eu a coloquei para dormir. Peguei uma calcinha e uma camisola e fui tomar banho. Os pais de chegaram assim que eu fechei a porta do cômodo e deitei na rede. Ainda bem que ela dormia tranquilamente, eles nem desconfiariam de nada.

Continuação




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