Cinco dias.
Cinco dias sem que ela atendesse às minhas ligações ou retornasse os recados insistentes deixados por mim em sua caixa postal. Cinco dias sem que ela me mandasse sequer uma mensagem de texto ou pelo menos um e-mail. Ou quem sabe sinais de fumaça. Código Morse. Qualquer coisa.
Apareci em sua casa diversas vezes, embora nós dois não cheguemos a ser exatamente vizinhos. A distância não fora um empecilho para mim, porém ao que toquei a campainha, não obtive resposta em nenhuma das vezes. Completamente ignorado.
Não conseguia entender o motivo de tanto desprezo da parte de . Eu havia errado, sabia disso. As marcas em minha pele não me deixavam esquecer tamanha burrice. Mesmo assim, meu erro foi consequência da estupidez involuntária depois de tantas garrafas de Heineken. Eu merecia ser perdoado. Não havia medido o resultado de meus atos; caso contrário, não hesitaria em mudar o rumo que havia tomado.
Encarei o telefone em minhas mãos pela milionésima vez, esperando que meu olhar repreensivo o obrigasse a tocar. E que, após o toque, a voz suave de ressoasse ao meu ouvido, baixa e clara ao que pronunciasse meu nome.
- – ela sussurraria, e ao fim da palavra deixaria escapar um som semelhante a um gemido. Cerrei os olhos para melhor visualizar a cena: o corpo de seminu, com os seios e o sexo tapados por uma lingerie de renda preta – tão fina que eu poderia rasgar com os dentes -, o telefone ao ouvido, segurado por uma das mãos, onde o vermelho de suas unhas brilhava com intensidade estrelar à luz fraca do quarto da garota – quarto esse tantas vezes visitado por mim; quarto esse que guardava tantos segredos lascivos quanto um poema erótico; uma caixa de Pandora. Sua boca, vermelha como as unhas, curvava-se nos cantos, esboçando um pequeno sorriso; os lábios, mais saborosos que qualquer manjar, entreabriam-se para que na sua expiração pesada saíssem os fonemas: “...”
Voltei à realidade. O telefone não tinha tocado.
Não podendo aguentar por mais um segundo, disquei os números que passavam na mesma sequência em minha mente.
“Alô?”
Uma sensação de alívio correu pelas minhas veias, numa velocidade muito superior à da luz.
Abri a boca para lhe falar, mas fui interrompido pela voz alegre da garota:
“Te peguei, não é, bobão? Não posso atender agora, mas deixe seu recado e eu retornarei. Aí vem o bipe. Um, dois, três e...” Biiiiip.
Claro. A gravação da voz dela. Eu havia sido novamente enganado, da mesma forma das vezes anteriores.
- , pelo amor de Deus, fala comigo. Eu não sei viver sem você, minha gatinha. – Respirei fundo antes de continuar: - Nunca achei necessário te dizer, mas eu te amo. Mais do que tudo. Volta pra mim, por favor.
Encerrei a chamada, sentindo a cabeça explodir de dor. Não hesitei em esticar o braço à mesa-de-cabeceira ao meu lado, apanhando dois comprimidos de dentro de uma pequena vasilha lotada deles.
Senti necessidade de escutar sua voz, e então liguei de novo com apenas esta finalidade. Mesmo assim, a esperança ilusória me invadiu, como em um preparo para a desilusão. Um ciclo. Biiiiip.
A irritação bateu à minha porta três vezes, e eu a deixei entrar. O tapete de entrada dizia “Bem-vindo”, e a irritação provavelmente o lera, uma vez que se acomodara tão bem; a maldita era quase uma moradora, pulando os estágios de visitante e hóspede.
Joguei o telefone na parede. Levantei de minha cama e encarei a parede que fora vítima da minha agressividade: era a única branca do quarto, porque ainda esperava por mim e meus sprays coloridos. Talvez quisesse desenhar nela também; iria perguntá-la assim que ela voltasse a falar comigo.
Olhei para o chão, encarando o telefone caído e desmontado. A fragilidade do aparelho lembrou a da garota, e instalou-se em mim uma comoção superficial. Por um momento, avaliei negativamente a minha fúria, mas isso não pareceu ser capaz de controlá-la. Sem pensar duas vezes, segurei as laterais da mesa-de-cabeceira com as duas mãos e a joguei no chão. Não satisfeito, comecei a chutá-la, uma vez que socos só resultariam no acréscimo da dor ao punho.
Percebi um dos objetos que havia caído ao chão junto à mesa-de-cabeceira. Ao reconhecê-lo, um nó se formou em minha garganta. Abaixei-me para apanhá-lo, mas meu ato foi interrompido por um estrondo vindo da porta.
- , o que você pensa que está fazendo? – minha mãe perguntou da porta. Aquela mulher maldita. Aquela vadia que criara um babaca como eu.
- Não te interessa – retruquei e voltei a fazer meu gesto em direção ao chão, sem me importar com a reação da mulher.
Consegui finalmente apanhar o porta-retratos. O vidro estava partido, e alguns pedaços se soltaram ao que eu levantava o objeto à altura dos olhos, erguendo a coluna ao mesmo tempo. Um dos estilhaços que caíam passou pela minha perna, arranhando-a. Mesmo consciente da dor, teimei em ignorá-la.
Minha atenção era toda pertencente à foto. Olhando para ela, podia reconhecer muito de mim, embora não estivesse observando a minha imagem, e sim a da garota ao meu lado, que ria ao receber um beijo meu na bochecha. possuía tudo o que era meu. Minha angústia era do tamanho de seu sorriso; minha dor tinha o formato de seu nariz; minha loucura tinha a cor de seus olhos.
Deixei-me cair sentado na cama, derrotado. A mãe, que há tanto tempo eu ignorava, veio até mim e pôs a mão em meu ombro. Repeli seu toque, mas a mulher insistiu:
- Filho, eu sei que é difícil, mas você tem que aceitar...
- Não vou aceitar nada – rebati, sentindo um ódio mortal da sugestão implícita.
- Vai por mim, meu amor, eu sei o que...
- Você não sabe de nada! – eu berrei, pondo-me de pé. – Você não entende! – Não pude contar as lágrimas, embora achasse desprezível um homem chorar. – Pois eu vou à casa dela, e ela vai me perdoar!
- , você não vai lá! – minha mãe ordenou, levantando-se também. – Não tem nada para você lá!
Eu a ignorei, andando em direção à porta do meu quarto. Escutei passos apressados atrás de mim, e senti a mão pequena da mulher agarrar meu braço.
A ira ferveu meu sangue.
Segurei o braço de minha mãe e forcei-a a me soltar. Ela resistiu, logo eu a empurrei para longe, ouvindo-a gritar: “Você está louco?!”
Corri quarto afora, escadas abaixo. Passei pela sala e agradeci intimamente pelo meu padrasto estar entretido em demasia com a televisão e a cerveja para me notar.
Saí de casa e corri.
Continuei correndo.
Corri.
Corri.
Cheguei à casa de pondo os pulmões para fora. Na verdade, esperava que meu esforço físico desinibido servisse para conquistar o perdão de .
Toquei a campainha. Tive uma sensação de déjà vu, já que essa cena já tinha se repetido nos dias anteriores. Porém eu esperava que o final fosse diferente. Que alguém atendesse à porta. Toquei a campainha mais duas vezes, e a porta finalmente se abriu.
- O que faz aqui, ? – o pai de perguntou, demonstrando cansaço.
- Eu preciso dela – balbuciei, sentindo tontura.
- Você não pode estar aqui – ele respondeu categoricamente. Eu me senti confuso. Só queria falar com ; será que ela havia pedido que não me deixassem entrar? O que eu fizera de tão ruim a ela?
- Eu preciso dela! – eu gritei, agora passando mal. Senti uma ânsia de vômito, mas eu não comia há mais de um dia. Respirei fundo e encarei o senhor à minha frente.
Abri a boca para contra-argumentar seu silêncio; todavia, antes que eu o fizesse, escutei uma voz feminina, carregada de amargura, urrar:
- O que ele está fazendo aqui?
A voz pertencia à mãe de , que vinha em minha direção com o dedo em riste e lágrimas nos olhos.
- Como – ela começou, andando em minha direção – você ousa aparecer aqui?
Ela estava alucinada, descontrolada. Eu poderia me sentir ínfimo perto dela, caso minha dor egoísta não me consumisse por completo.
- O já vai embora, querida, por favor – o homem disse à mulher, me lançando olhares incisivos.
- Não vou! – eu me impus. – Não saio daqui sem falar com a !
Os dois me olharam, estupefatos. A mãe arregalou os olhos e segurou-se ao marido, como se fosse desfalecer. Com a voz trêmula, acusou:
- É tudo culpa sua – e fechou os olhos. Pude ver as lágrimas escorregando por sua bochecha e sumindo em sua boca. Tive vontade de chorar também. Talvez já estivesse chorando.
Pisquei duas vezes antes de replicar:
- O que é culpa minha? – Meu tom de voz era tão seco e sem vida que não representava uma indagação.
As pernas da mulher com quem tanto se parece cederam, mas ela foi amparada pelo marido. Lançando-me um olhar de ódio, ela se descontrolou e gritou, após fechar os olhos:
- É tudo culpa sua! Ela está morta e a culpa é sua!
O tempo parou. Não pude ouvir nada senão as batidas rápidas do meu coração. Tum-tum-tum, tum-tum-tum, tum-tum-tum-tum.
Então a ficha caiu.
E junto com ela, meu corpo inteiro.
- Se você continuar assim, eu vou ter que te levar para casa agora – eu disse à , que soltou uma gargalhada e piscou um olho. Ela sabia que eu estava apenas sendo implicante, mas que estava adorando toda a provocação. Continuando seu joguinho, ela puxou meu lábio inferior com os dentes, e depois me deu um selinho. Eu aprofundei o beijo, enquanto soltava um suspiro pesado.
- Ô casal, o motel é na rua de trás! – Ashton berrou, jogando cerveja em nós dois e recebendo um olhar acusatório do barman. ergueu o dedo do meio para ele, mas não saiu do meu colo. E confesso que suas pernas de cada lado do meu quadril me deixavam excitado ao ponto que ela percebesse. Mas ela estava gostando.
- Vai se foder, Ashton – gritei de volta, pegando meu copo de cerveja e tacando na direção dele depois de tomar um gole, sem acertar. – Por que você não vai encontrar uma garota na pista de dança e nos deixa bebendo em paz?
- Porque tenho que garantir que a não vai ficar grávida numa boate! – ele replicou, esfregando as palmas das mãos. – A mãe dela te mataria, , e quem vai me emprestar dinheiro depois?
- O Johnnie – eu sugeri, distraído por , que beijava meu pescoço e me apertava ainda mais entre suas pernas. Segurei seu quadril e me encaixei melhor ali. Ela gemeu ao meu ouvido, e eu mordi seu queixo. Eu era a personificação do tesão.
- Vamos sair daqui? – eu dei a ideia à , que mordiscou o lábio e confirmou com a cabeça. Eu podia ver a luxúria em seus olhos. Em nossa relação, não havia necessidade de esconder desejo, excitação ou fetiches. Eles estavam expostos um ao outro; e cabia ao outro a resolução desses impasses lamuriantes.
Ashton não estava por ali, nem Johnnie ou outro de nossos amigos. Não ligamos muito; eles podiam prever facilmente que nós teríamos ido embora. Paguei ao barman e abracei pelas costas, para andarmos juntos até o carro. Ela facilmente entendeu o porquê de eu estar escondendo meu corpo atrás do dela, e riu da minha situação.
Assim que entramos no carro, voltou à posição que nós nos encontrávamos no bar da boate – sentada em meu colo, de frente para mim – e nós retornamos a nos beijar. Ela pegava minha mão e a arrastava pelo seu corpo, enquanto eu a segurava pelos glúteos com a outra mão. Ela fazia movimentos de subida e descida enquanto mordia o lóbulo de minha orelha. Eu apenas fechava os olhos e beijava seu colo.
- Minha casa ou sua? – ela perguntou de repente, me tirando do transe.
- O carro – respondi com a voz abafada pelo seu corpo, de onde eu não conseguia desgrudar meus lábios.
- Sua casa, então – ela rebateu, rindo. Sem mais nem menos, saiu de meu colo, passando para o banco do carona.
Eu suspirei.
- Você só pode me odiar – reclamei, enquanto colocava o cinto de segurança. Ao que olhei para frente, senti-me um pouco tonto, mas não liguei muito. Minha casa não ficava a mais de dez minutos de carro da boate.
ficou de joelhos no banco, virada para mim, enquanto eu dava a partida.
- Não te odeio, . Se te odiasse, não teria os pensamentos que estou tendo agora.
- E que pensamentos são esses? – eu questionei, interessado. As luzes piscavam à minha frente, e eu estava começando a me irritar. Ao mesmo tempo, queria chegar logo em casa e saciar minha vontade de . Pisei mais fundo no acelerador.
se inclinou para mim, apoiando-se no meu ombro. Eu continuei olhando para o trânsito (que nem era muito àquela hora da madrugada), mas minha atenção estava maior à respiração pesada dela ao meu ouvido.
Foi quando ela começou a sussurrar ao meu ouvido os tais pensamentos, e deslizou a mão pequena para minha perna.
E eu, num instinto, num ato involuntário, fechei os olhos.
Só percebi o outro carro quando ele já havia batido na lateral do meu, lançando para longe.
Para longe e para sempre.
A culpa realmente era minha. Eu era um merda que tinha sobrevivido, sem nenhuma fratura, enquanto a minha garota tinha partido. Os médicos disseram que minha sorte fora usar o cinto de segurança, que a garota não usava porque queria estar mais perto de mim.
Tive vontade de mandar os médicos para o inferno. Sorte? Que sorte eu tinha, sem ? O que eu ia fazer da minha vida, sem ? Qual era o meu objetivo, sem ?
Esses foram os pensamentos que me assombraram durante dias sem conta. O fim do mundo podia não estar próximo, mas o meu mundo já havia acabado; o fim de fora meu apocalipse.
Fora pensando nessa vida cadavérica que eu percebi que meu corpo começara a doer novamente. Estava deitado em minha cama, e não tinha disposição para alcançar meus remédios – eu sentia que merecia a dor física como um calmante para a dor emocional.
Mas, ao mesmo tempo em que eu relutava a esticar o braço para pegar meus comprimidos, uma vontade enorme de viver se abateu sobre mim.
Eu apenas não poderia viver nesse mundo. Entretanto, ainda havia uma chance de ser feliz. Uma onda elétrica passou por mim, e eu me levantei para pegar os medicamentos. Engoli um comprimido.
E depois dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Todos.
Deitei-me, na esperança de que a dor passasse. Fiquei sonolento. Sentia-me um pouco doente, mas a doença me fazia mais feliz. Eu finalmente sabia que era uma questão de tempo.
Fechei os olhos. Esperei. Adormeci.
Nunca mais acordei. Mesmo assim, essa foi a minha salvação.
E foi o anjo que me tirou do apocalipse.
FIM
Nota da autora: Nunca escrevi uma fanfic tão rápido, e vai ver é por isso que eu não gostei muito dela, haha! Mesmo assim, decidi publicar, por motivos ocultos. Vai ver é só o meu estado de humor mórbido que eu queira passar para as pessoas. Cuidado comigo, fujam!
Brincadeiras à parte, tive a ideia dessa fiction meio do nada, mas ela claramente tem influências do livro "Tem Alguém Aí?", da Marian Keyes, e o título veio da música My Apocalypse, do Escape The Fate, apesar da história não ter muito a ver com a letra da música, mas vamos ignorar isso, ok? O negócio é que eu amo a música, amo a banda e tá tudo muito lindo, haha!
Gostaram? Não gostaram? Querem me matar? Acharam tão patético que eu não mereço nem ser considerada? Comentem!
Ah, sim. Não posso esquecer de agradecer à Bibica, minha tchutchuquinha que sempre aceita ser minha beta, só porque é muito fofa! <3 Obrigada de novo, sweetheart, love ya! ♥ xx. Marii-Marii Orkut | MSN | @summer_giirl | Formspring.me
Nota da beta: Você não gostou? Como assim, você não gostou?!!!!?1!?1/ Essa fic é perfeita, exatamente do jeito que eu gosto! Fora que ouvir ETF só me faz viciar mais nela D: Aposto que todas as meninas que lerem vão adorar e ficar com esse fim na cabeça, assim como eu. E por isso todas elas vão comentar, não é?
Enfim, qualquer erro, enviem diretamente para mim em awfulhurricano@gmail.com. Não usem a caixa de comentários, por favor!
xxo Abby