Ela, uma mulher ambiciosa e trabalhadora, que procura por noites sem compromisso e curtir sua liberdade… até que tudo dá errado. Ele, rico e bem-sucedido, sonha em casar em ter filhos, apesar de tantas desilusões amorosas. De que forma esses dois melhores amigos tão diferentes podem acabar ajudando um ao outro?
— Será que você poderia me dizer onde diabos você está? — berrou do outro lado da linha. Eu equilibrava o celular entre o ouvido e o ombro para conseguir segurar o espelho e retocar o batom ao mesmo tempo, o que, devo dizer, não era nada fácil com o carro em movimento.
— Se você continuar gritando, eu vou chegar aí surda. — respondi. Ele bufou. — O que foi? Qual é o problema?
— Todas as outras madrinhas já chegaram, menos você! E eu sou o único padrinho sem o par!
Dei risada.
— Você já deveria ter percebido, , que eu não sou como as outras. — falei com sarcasmo. — E uma rainha nunca está atrasada. Os outros é que estão muito adiantados.
— Você não é a noiva, !
— Ah, por favor! — eu disse, ainda rindo. mal humorado era uma das coisas mais engraçadas nesse mundo. — Estou na rua da igreja. Estou quase chegando.
Ele desligou sem nem se despedir. Dei de ombros e coloquei o celular dentro da bolsa, tirando dela as únicas cinquenta pratas que havia trago comigo.
— Obrigada, Richie, você nunca me deixa na mão. — entreguei o dinheiro ao motorista, dirigindo-lhe um sorriso antes de pular para fora do carro. Poderia haver milhões de taxistas na cidade de Nova York, mas havia apenas um com quem eu sempre podia contar: com ele e seu Toyota Camry 95 amarelo.
— Dê ao os meus parabéns! — ele falou.
— Darei! — acenei para ele, e Richie saiu roncando o motor do Camry velho. Logo vi dois rostos conhecidos na escada da igreja e me surpreendi com o quanto elas estavam maravilhosas. A mãe do e a irmã gêmea dele, .
— Minha querida, você está tão linda! — a sra. falou. Ela abriu os braços e, rindo, me aproximei dela para ser envolta em seu abraço maternal e caloroso.
— A senhora está incrível. — eu sorri com sinceridade.
— Ah, ... — ela colocou as mãos em meu rosto. — Sempre soube que você estaria no altar com o nosso um dia. Não é bem do jeito que eu gostaria, mas...
— Mãe! — a censurou com os olhos arregalados. Para a minha sorte, eu era boa em disfarçar o constrangimento.
Não que a sra. não gostasse de Kate, mas acho que desde que tínhamos oito anos de idade, ela sempre imaginou que seus netos seriam gerados no meu útero.
Uma pena que o que vai chegar mais perto do meu útero hoje à noite são os salgadinhos e bebidas da festa.
— A senhora é uma graça. — falei. Virei-me para e a puxei pelo ombro para um abraço também. Nós éramos as madrinhas do noivo, então, obviamente, estávamos usando o mesmo vestido.
Mesmo que fossem gêmeos, as diferenças entre e eram tão grandes que chegava a ser bizarro. Eles tinham os mesmos olhos , o mesmo sorriso e aquelas maçãs do rosto fofas, mas as semelhanças terminavam por aí. era um cara de 23 anos com a mentalidade de um velho de 60, enquanto só queria saber de festejar e se divertir. Nós tivemos que suborná-la para que ela entrasse de vestido na cerimônia. Ela havia sugerido para o figurino seus Chuck Taylors velhos, blusa do Ramones e uma minissaia jeans.
— Vocês vão entrar? — perguntei.
— Algo deu errado com o bolo. Papai foi resolver, estamos esperando por ele. — falou. Eu murmurei um “ah”, assenti e caminhei em direção à porta aberta.
Eu não era nenhuma narcisista e estava longe de ter uma autoestima alta, mas, ao ver meu reflexo na porta de vidro, eu precisei admitir: eu estava muito gata. Meu cabelo estava solto e cheio de cachos caindo por cima dos ombros, e por mais que eu odiasse toda essa coisa brega de madrinhas se vestirem iguais, aquele vestido era arrasador. Longo, rosa-perolado, com alças trançadas nas costas e um decote que favorecia e muito os meus peitos. Tenho que dizer que amei Kate um pouco mais depois que ela mostrou ele para mim.
— Uau. — uma velha voz conhecida falou atrás de mim. Abri um grande sorriso e joguei os braços ao redor do pescoço de , apertando-o com força.
— Ai meu Deus, eu nem acredito que você vai se casar! — berrei, animada. Ele deu uma gargalhada gostosa. — Estou tão orgulhosa de você. — belisquei suas bochechas. deu um tapa na minha mão.
— Sai pra lá, sua louca. — ele riu. — Estou tão nervoso, . Não conseguiria fazer isso sem você aqui.
Coloquei a mão sobre o ombro dele.
— Vamos ser sinceros, , você não faz porra nenhuma sem mim.
balançou a cabeça para concordar. Eu ri.
— Se alguém perguntar, eu estou na última sala do corredor, sim? Isso tudo já está começando a incomodar. — ele gesticulou para si mesmo, com um fofo sorriso tímido. Eu sorri também. Sempre achei que ele ficava muito lindo de terno. — E eu estou suando feito um porco.
Fiz careta.
— Você é nojento. Mas, tudo bem, eu aviso. — dei tapinhas no ombro dele e, quando sumiu pelo corredor, observei o interior da igreja.
A decoração estava simples, mas tudo parecia tão bonito e chique que tive vontade de chorar. Grande parte das fileiras dos bancos já estavam completamente cheias. Faltavam poucos minutos. O casamento logo começaria.
estava de pé ao lado do primeiro banco, junto com as madrinhas de Kate. Eu acenei para ele assim que ele me viu. Ele se virou para o altar com os braços erguidos.
— Obrigado, Deus!
— Não seja idiota. — dei um empurrão nele. apareceu e entrelaçou o braço ao meu. Quando ela e se encararam, os dois reviraram os olhos e viraram a cara na mesma hora.
podia até ser o melhor amigo do e a irmã dele, mas os dois se detestavam.
— Cadê o ? — ela sussurrou para mim. — Ele não apareceu nem para a recepção dos convidados!
— Eu vou chamá-lo. Volto já. — falei para ela, entregando-lhe minha bolsinha. — E vocês dois, — apontei para ela e para — não se matem.
Eles fizeram aquela coisa estranha de revirar os olhos e virar a cara ao mesmo tempo outra vez.
Eu não frequentava a igreja St. Mary – na realidade, não frequentava nenhuma –, então ver suas paredes ornamentadas com objetos sacro antigos e tão bonitos me levaram a considerar, por um segundo assustador, que seria legal me casar em um lugar como aquele. No segundo seguinte, senti um arrepio sinistro e balancei a cabeça.
Por que era assustador? Bem. Porque eu não quero me casar. Eu não vou. Nunca.
Bati três vezes na última porta do corredor e, como não tive nenhuma resposta, entrei sem pedir licença.
— A princesa já terminou de se arrumar? — ri. — Estão te chamando e... ?
Eu o observei, sentado em um pequeno sofá vermelho encostado à parede da sala, tão estático quanto uma estátua.
— , tá tudo bem? — eu perguntei em voz baixa. A expressão do seu rosto estava vazia. Ele encarava o nada no chão.
— Ela me deixou. — ele respondeu, simplesmente.
Aquelas palavras soaram tão absurdas que eu achei que poderia ter ouvido errado.
— Mas de que merda você está falando? — eu perguntei com a urgência, preocupação e o medo explícitos na voz. Só percebi que ele segurava um pequeno pedaço de papel quando o entregou para mim.
Precisei reler aquela porcaria de bilhete várias e várias vezes para conseguir entender e processar, mas ele continuava não fazendo sentido. Kate disse que não podia fazer aquilo consigo mesma e nem com ele. Ela ainda amava o ex e estava partindo com ele no voo das 13h para a Califórnia.
Você já levou um coice de cavalo no estômago? Bem, eu também não, mas provavelmente seria desse jeito que eu me sentiria.
— , eu... eu não sei o que te dizer. — falei, sentindo o choro entalado na garganta. Ele tapou a boca com o punho cerrado e uma lágrima escorreu por seu rosto.
Coloquei os braços ao redor dos ombros dele e, depois de mais anos do que eu me lembrava, aquela foi a primeira vez que vi chorar.
Eu já havia sentido vários tipos diferentes de dor. Quando minha avó faleceu, quando meus pais se separaram, até mesmo quando eu caí de moto na minha época rebelde na adolescência e quebrei uma perna. Mas aquilo era diferente. Completamente diferente. Com aquelas coisas eu podia lidar.
Mas, por Deus, eu não conseguia suportar vê-lo sofrendo.
No geral, eu adoro ter 30 anos. Adoro a sensação de liberdade absoluta, de independência, de ter um grande emprego e fazer o que eu quiser e quando eu quiser. Mesmo que você possa ter tudo isso durante os vinte e poucos ou talvez desde o momento que põe os pés fora da casa de seus pais, parece que as coisas ficam mais sérias aos trinta. Não tem para onde fugir. Você é uma adulta agora. Fim. E eu adoro isso.
Pelo menos na maior parte dos dias.
Hoje não é um deles.
— Às vezes você não odeia ser uma designer gráfica? — perguntei para mim mesma em voz alta, apoiando nas mãos a minha cabeça que, naquele momento, parecia pesar uma tonelada.
Se estiver se perguntando o que diabos faz um designer gráfico, eu provavelmente deveria começar por onde trabalho. Vogue. É, isso mesmo. E o que eu faço é, basicamente, criar o conteúdo das novas edições da revista. Estruturas das páginas, fontes de letras, gráficos, imagens, essas coisas. Eu realmente gosto do que faço e sei que conseguir algo dessa dimensão em Nova York é uma chance única. Mas, depois de me formar na School of Visual Arts, e por mais dramática que essa comparação seja, trabalhar em uma revista, para mim, é o mesmo que se formar em Direito e decidir vender hot dogs nas calçadas de Manhattan.
Ou... talvez eu só esteja exagerando. Eu só precisava de um pouco de criatividade agora e, por mais que eu tente, eu não tenho.
— Eu não sou uma “designer gráfica”. — disse de boca cheia e mastigando, colocando os pés sobre a minha mesa. Os seus tênis sujos estavam perigosamente perto do meu manuscrito do projeto para o Fall Vintage — Sou engenheiro.
— Desculpa, não consigo te levar a sério enquanto você come um barrinha de cereal da Women’s Health. Que porcaria é essa? Da sua ex?
— Ei, ela pode ter me largado, mas sabe o quê mais ela largou? — ele jogou a embalagem na minha cara. Eu estava tão exausta que fechei os olhos e simplesmente esperei ser atingida pelo plástico na testa. — Uma caixa disso na minha geladeira. Esse troço é bom.
Há uma coisa sobre que eu, como uma boa melhor amiga, sei bem: ele acabou de levar um pé na bunda, o que significa que ele está totalmente dependente e carente de atenção.
— Que seja. Você não deveria estar trabalhando a essa hora?
— Que tipo de pessoa trabalha no dia do próprio aniversário, ? — eu já estava com a boca aberta e prestes a responder quando ele me interrompeu — Não, love, você não conta. Você é simplesmente a maior workaholic que eu conheço.
— Eu não... — franzi os lábios ao encarar suas sobrancelhas erguidas e desafiadoras. Ok, aquela mentira eu iria dispensar. — Tá. Mas o que você está fazendo aqui, de qualquer forma? Eu já lhe mandei um SMS de feliz aniversário à meia noite... E liguei à 00:03 porque você disse que uma mensagem de texto não era o suficiente.
— Não é a mesma coisa se eu não ouvir a sua voz. — ele sorriu, irônico — E respondendo à sua pergunta, eu vim aqui lhe convidar, pessoalmente — com ênfase nesse “pessoalmente” — para a comemoração dos meus 31 anos.
— Ah, é mesmo? — eu nem estava mais fingindo que estava interessada na conversa enquanto folheava edições antigas da Vogue para tentar me inspirar — Só me diga quando, onde e quem estará lá.
— Hoje à noite, O’Neills, você e eu.
Sorri.
— É uma proposta boa. Mas e a festa da ? Não é hoje à noite?
— Sim. E daí? — deu de ombros. — Vamos ao bar e depois vamos juntos para a casa da Cadela. — joguei a revista nele — Ouch!
— Não a chame assim! Além de sua irmã, ela é minha melhor amiga. — revirei os olhos ao ver sua cara de mágoa. — Minha melhor amiga mulher.
— Certo, então, apareça hoje às oito no bar e vamos para a casa da — ele falou, se levantando da cadeira — Talvez eu já devesse sair. Comprar um presente para ela.
— Talvez você devesse sair — concordei, me esforçando para me concentrar no trabalho. Minha improdutividade estava impressionante.
— Só pra garantir... o que você comprou?
— Você não vai copiar o meu presente de novo, .
— Você acha mesmo que eu faria algo assim? Estou ofendido de verdade, . — disse e saiu da sala. Por exatos cinco segundos, antes de sua cabeça surgir no lado de dentro outra vez. — Mas onde foi mesmo que você comprou a bolsa? Ou sapato...
— Eu vou chamar os seguranças se você não me deixar em paz.
Ele riu.
— Você é ridícula.
— Também te amo. — sorri, e a porta finalmente fechou.
O’Neills era o nosso bar favorito. Ele era o melhor segredo escondido do SoHo – confortável, ótimas bebidas e ótimas pessoas. A verdade era que eu, , e realmente devíamos uma parte considerável de nossos affairs àquele bar.
Após passar pelas pessoas que interditavam desde a porta até o balcão de bebidas, fui até a mesa onde já sabia que estava me esperando. Nós sentávamos na mesma mesa, pedíamos os mesmos drinks da mesma garçonete, desde sempre... ou pelo menos, desde nossos 21 anos.
— Ei, não sabia que você tinha entrado para o elenco de The Walking Dead. — ele riu, e eu sentei no banco à sua frente.
É, acho que mereci essa. Mesmo depois de colocar um dos meus vestidos favoritos, – azul, curto, colado – passar um pouco de maquiagem e até pentear o cabelo, havia coisas que nem isso poderia resolver, como por exemplo, noites mal dormidas e horas incontáveis de estresse.
—Estou tão ruim assim? — indaguei.
— Não. — ele balançou a cabeça — Mesmo nos seus piores dias, você continua invejável para o resto da humanidade.
Ri.
— Se eu não te conhecesse bem, , diria que está flertando comigo.
— E haveria algo errado se eu estivesse? — ele perguntou, convencido — Você é uma das mulheres mais atraentes que eu conheço. Ambos estamos envelhecendo e continuamos solteiros. Talvez isso seja um bom negócio.
Por um breve segundo assustador, eu quase acreditei que ele estava falando sério. Mas então eu reparei no sorriso mínimo no canto daqueles lábios carnudos e entreabertos.
— Vá pra merda. — eu falei.
— Encantadora, como sempre. Mas, wow, espere um pouco. Acabei de presenciar desejando que eu flertasse com ela?
— não está interessada em falar de si mesma em terceira pessoa e, não, , isso seria nojento. O que sua mãe diria?
— Provavelmente abriria uma garrafa de champanhe e começaria a escolher os nomes dos nossos filhos. — ele deu de ombros, e eu gargalhei bem na hora que a nossa garçonete particular, Heather, trazia uma bandeja com uma garrafa de Heinekein e um Martini de gim enquanto tentava desesperadamente colocar seu decote no campo de visão de . Ela era louca por ele, mesmo que depois de dez anos ele continuasse a dizer educadamente que “não estava interessado”.
Bem, aquele era o preço que eu precisava pagar por sair com ele. Todas as mulheres praticamente se jogavam aos seus pés, mesmo que isso não fosse nada sutil com uma amiga acompanhante. Mas quem poderia culpá-las? Não é todo dia que você encontra por aí um cara alto, com um corpo incrível, sotaque forte e uma risada fofa que combina com seus lábios e sua barba rala atraente. E, vale ressaltar, solteiro.
— Pedi pouco antes de você chegar. É o seu favorito. — ele observou, enquanto eu brincava com a azeitona na taça.
— E a quê estamos brindando, meu velho amigo? — perguntei.
— Eu poderia dizer pelos meus 31 anos de solidão, sem esposa ou filhos, mas... pela nossa amizade, eu diria.
— Parece menos trágico. — concordei, encostando minha bebida à dele. — A você.
E viramos tudo de uma vez.
pigarreou.
— Acho que estou ficando velho pra isso.
— Nunca mais repita essa blasfêmia! — fiquei de pé, sentindo o sangue esquentando de excitação. Agarrei a mão dele. — Vamos para a . Preciso ressuscitar a universitária chapada dentro de mim.
Até mesmo eu deveria reconhecer que uma cobertura sofisticada no Upper West Side cheia de executivos e todo tipo de pessoas engomadas e elegantes não era o melhor lugar para beber até amanhecer. Bem, não sabia disso.
O elevador abriu na sala de estar do apartamento de e mal tivemos tempo para processar o que estava acontecendo ali. Aparentemente, decidira relembrar seus anos em Stanford com um barril e uma mangueira e a bebida escorrendo de sua boca pelo seu pescoço enquanto outros bêbados gritavam “Bebe! Bebe! Bebe!” ao seu redor. Não que o precisasse de uma data comemorativa específica para fazer aquele tipo de coisa.
— Isso... não me parece...
— Bom. — completou minha frase — Encontre-a e a mantenha distraída, ou ela vai acabar cometendo um assassinato.
Assenti, me apressando em direção ao lado de fora. Ainda consegui ouvir berrar algo como “Você tá querendo morrer?” antes que eu fechasse a porta da varanda atrás de mim. Aquela sim era a festa perfeita que planejara, e não o showzinho de que eu acabara de ver do lado de dentro. Seus convidados eram todos educados e entediantes. Havia velas espalhadas por todo o deck e pela piscina. Estava tocando música clássica. Cogitei de verdade me juntar a , mas eu não iria fazer isso com ela.
— ! — ela me chamou e acenou. Abri um sorriso e acenei de volta, caminhando até ela e Aaron Campbell, seu noivo estúpido.
— Ei, meu amor. Feliz aniversário! — exclamei, me esforçando para soar o mais animada que podia. Ela me prendeu em um abraço.
— Obrigada pela bolsa, é simplesmente maravilhosa. Quase surtei quando vi a sacola da Calvin em cima da minha mesa hoje de manhã. Como sabia o que eu queria?
Revirei os olhos.
— Por favor, , eu sei tudo sobre você. Mas, quem diria, hein? 31 anos...
— Nem me diga. — ela colocou uma mão sobre a testa — Dá pra acreditar? Me sinto velha.
Ri alto.
— Por que todos são tão neuróticos com isso?
— Na verdade, só você não é, porque é uma Jenna Rink da vida e todos sabem disso. — ela me mostrou a língua e sorrimos.
— , você está encantadora. — Aaron deu um passo à frente. Ele segurou minha mão e encostou os lábios nela. Dei o meu melhor sorriso amarelo, mas sabia que, mais tarde, eu, e iríamos imitar a cena o máximo de vezes que pudéssemos antes que aquilo desse náuseas.
Não que eu o odeie, claro. Eu só sinto um desprezo imenso por Aaron e sua... perfeição entediante. Boas maneiras, palavreado elegante, roupas de grife e idas ao teatro em vez de baladas. Não que nenhum de nós interfira de alguma forma no relacionamento deles. não é do tipo que ficaria com alguém só pelo dinheiro, então se ela aceitou se casar com ele, deve amá-lo de verdade.
— Irmãzinha! — surgiu atrás de mim. Ele estava ofegante e sua camiseta parecia mais amassada de alguma forma. — Feliz aniversário! Ah, e o seu presente sou eu, é claro.
— Não me chame assim, você é só cinco minutos mais velho. — ela disse, encarando-o. — O que aconteceu? Veio correndo até aqui?
— Não, é só que...
e eu trocamos olhares, uma coisa que fazíamos toda vez que precisávamos nos comunicar telepaticamente. Não conte nada a ela.
Ela vai acabar descobrindo alguma hora.
O que diabos aconteceu com sua camiseta?
não ficou muito feliz quando eu o interrompi.
— Vocês fizeram aquela coisa. — murmurou — O que está acontecendo?
— , eu... — tentei impedi-la, segurando seu braço.
— Aaron, fique aqui. — ela disse, autoritária. — Eu já volto.
Ela marchou para o lado de dentro. e eu disparamos atrás dela.
congelou como uma estátua ao ver sua perfeita sala de estar não tão perfeita assim. Os móveis estavam arrastados para os cantos, seus sofás Versace brancos manchados de vinho e cerveja, taças de vidro quebradas e fumaça de charuto e cigarros no ar. E, é claro, havia a estrela do espetáculo, jogado no chão como uma criança de cinco anos.
— O que DIABOS VOCÊ ESTÁ FAZENDO? — ela gritou, tirando o charuto da boca de . Todos os outros sons desapareceram, até mesmo o Beethoven ou sei lá que – eu aposto – Aaron havia escolhido.
— Ei, acalme-se, princesa. É uma festa, é o que fazemos. — riu, se colocando de pé. Ou pelo menos ele tentou. Ele levou um tombo na primeira tentativa, mas conseguiu se equilibrar ao apoiar as mãos nas coxas de e agarrá-las.
Ah, Deus. Aquilo não iria ser nada bonito.
— Tira as suas mãos imundas de mim, ! Será que você tem que estragar tudo? Não pode se comportar como o adulto civilizado que você não é pelo menos por UMA NOITE?
Ao meu lado, assobiou. Dei uma cotovelada nele.
— Por favor, . Você é uma hipócrita, como consegue se olhar no espelho? Só porque encontrou seu lorde riquinho e metido à besta, fica bancando a lady, mas adivinha só: você não é melhor do que ninguém. Na verdade, você é tão ruim quanto eu. Quer que eu conte sobre suas noites épicas para o Campbell? Eu gostava mais de você antes.
Eu jurava que podia ouvir até as respirações das pessoas ali.
— Você nunca gostou de mim. — grunhiu, com a voz embargada. Seus olhos brilharam com as lágrimas – e de fúria, também.
deu uma risada falsa.
— Tanto faz. Eu vou embora. Cansei dessa porra mesmo.
E ele fez sua saída dramática, embora tenha sido um tanto bizarra por ele praticamente tropeçar nos próprios pés e esbarrar nas paredes. Mas saiu. E quando saiu, fez o mesmo, indo para os fundos do apartamento.
—Eu falo com ela. — anunciei, mais para os outros do que para .
— Não, eu falo. — ele colocou o braço na minha frente. — Digo, é a minha irmã. E ela deve estar muito pu...
— Não importa. É a minha melhor amiga. — eu insisti. Fomos juntos.
Eu já conseguia ouvir seu choro soluçante do corredor. Por mais que parte de mim estivesse com vontade de cortar os braços de e estapeá-lo com as próprias mãos, eu me sentia em um conflito interno. Digo, era um idiota de primeira mão quando queria, mas não deveria se deixar afetar por causa disso – pelo menos, não depois de tantos anos convivendo com ele. E, merda, odeio admitir isso, mas ele estava certo. Ela se portava como uma socialite por causa de Aaron, mas aquela era a garota que havia cantado Hit Me With Your Best Shot completamente bêbada e só de lingerie no karaokê da universidade. A garota que precisamos subornar para usar um vestido no casamento do irmão... o casamento que nunca aconteceu.
Meu celular começou a tocar. Tirei-o da bolsinha para recusar a ligação, mas quando vi o nome Richard Schneider no visor, parei de andar.
— Ei — chamei —, você deveria ir sozinho com ela. Eu realmente preciso atender essa.
Ele concordou com a cabeça e seguiu andando.
Olhei ao redor. O corredor estava vazio. Se o CEO da Vogue, meu chefe, estava me ligando, deveria ser no mínimo algo importante.
— Alô? — eu falei, metade assustada, metade relutante.
— Olá, . — sua voz ríspida me cumprimentou de um jeito quase amigável. — Estaria interessada em morar na Itália?
Há três coisas que é preciso saber sobre Richard Schneider. A primeira é que ele é a cara do George Clooney, mas antes que todas as quarentonas do mundo tenham tempo de se apaixonar por ele, elas já percebem que ele é gay. A segunda é que ele quase nunca fala pessoalmente com seus subordinados – toda manhã ele manda um tweet para sua empregada pedindo para ela deixar um lattè da Starbucks para ele no escritório. E a terceira... ele é uma vadia. Já assistiu O Diabo Veste Prada? Meryl Streep ficaria com inveja.
Por causa disso, eu tinha certeza que a coisa importante naquela ligação era a minha demissão. Quando ele perguntou se eu tinha interesse em morar na Itália, achei que eu provavelmente estava louca e ouvindo coisas.
- Acho que não ouvi direito, senhor, pode repetir? – eu pedi, apoiando o ombro na parede. Se eu desmaiasse ou tivesse um infarto, o impacto com o chão não seria tão forte. Eu acho.
Eu vou ser demitida, sem dúvida.
- Você ouviu. – ele falou – A Vogue Itália está planejando uma grande mudança para as novas edições, Fashion Week de Milão, lançamentos da nova estação, essas coisas, você sabe.
Ou pior: ele vai me assassinar e despachar meu corpo para a Europa.
- Por mais que não troquemos mais de duas palavras diariamente, não pude deixar de notar o quanto você é... competente. – eu pude ouvir um sorrisinho nas palavras de Schneider – E você foi a minha indicada para eles.
Ai, meu Deus. Ai. Meu. Deus!
A notícia foi tão repentina e assustadora quanto uma pedrada na cabeça, mas logo eu estava tapando a boca para não gritar com meu chefe no telefone e dando pulinhos nos meus saltos Loubotin de 20cm como uma adolescente entusiasmada. Ele continuou a falar coisas que, sinceramente, eu estava ocupada demais fazendo minha dancinha da vitória para ligar, mas ainda consegui escutar:
- Se quiser pensar a respeito, me informe sua decisão.
- Sim, senhor! Muito obrigada!
- , esper...
Tive certeza de que minha noite havia acabado de ficar perfeita. Que a minha vida, daquele momento em diante, poderia ser completamente diferente.
É uma verdade universalmente conhecida que em algum momento da vida você vai se arrepender de terminar uma ligação antes da hora, por mais que, no momento, esteja feliz ou deprimida ou ocupada ou qualquer coisa em excesso para achar isso.
Eu só não fazia ideia que aquela ligação era exatamente uma dessas.
Prestes a dar uma mordida no cachorro-quente que havia acabado de comprar, fui interrompida com o pão no meio do caminho para a minha boca aberta quando uma voz histérica gritou atrás de mim:
- Não se mexa, sua vaca fingida!
Franzi a testa e me virei para trás enquanto uma mulher de cabelos soltos, sobretudo vermelho e maquiagem impecável vinha em minha direção parecendo furiosa. Um dos seguranças do prédio da Vogue imediatamente se aproximou para interceptá-la, mas ela tirou um crachá de dentro da roupa e o estendeu a alguns centímetros da cara dele.
- , trabalho no Times, encoste em mim e irei abrir um processo agora mesmo.
O pobre segurança ergueu as mãos e se afastou. Eu apenas ri.
- ! Quer um pedaço? – ofereci o cachorro-quente para ela, apenas por educação e torcendo para que ela dissesse não. Eu estava tão faminta que parecia que minhas estranhas estavam sendo contorcidas e retorcidas como um pano de chão.
Ela fez careta.
- Não, comi um pretzel no caminho pra cá. Desse jeito nunca vou entrar no meu vestido de noiva. – ela suspirou e pareceu mais calma – Por favor, me diga que ainda não pediu demissão.
- Por que eu faria isso? – perguntei com a boca cheia e um sorrisinho travesso.
- Você sabe exatamente do que eu tô falando, . – ela me puxou para dentro do elevador e apertou o botão do meu andar, 8. – Eu abri mão de um almoço com meu noivo em algum restaurante chique na Oitava Avenida para vir até aqui e convencê-la de não jogar sua vida no lixo!
- Nossa, que ato heroico trocar seu noivo recente por sua melhor amiga da vida toda. – ri. revirou os olhos. – Na verdade, eu também estou no meu horário de almoço. Só passei aqui pra...
- Você não pode se demitir! – ela me interrompeu com um grito.
- ...entregar um projeto! – gritei de volta e a porta se abriu com um agradável plim! Nenhuma de nós se moveu. Continuamos nos encarando e as pessoas que esperavam para usar o elevador nos observaram desconfortavelmente. – Por que você está tão paranoica? Eu ainda nem decidi o que fazer!
- Mas você está pensando nisso. Pensar nisso já é um erro. Nova York é a melhor cidade do mundo, qualquer um que discorde é idiota.
- Talvez, mas eu nunca vou saber. Talvez essa seja a oportunidade da minha vida! – dei um passo para frente, saindo do elevador, mas não tirei os olhos dela – E se ainda não ficou claro o suficiente... ir ou não é decisão minha, obrigada.
empinou o nariz e abaixou os olhos para o chão.
- Se é assim... – ela cruzou os braços e deu de ombros, como se quisesse parecer indiferente – Só espero que saiba que ainda teve alguém pra te avisar quando quebrar a cara e deixar de ser cabeça dura.
Senti algo entalado na garganta e me forcei a engolir – era o meu orgulho, provavelmente. Senti que a temperatura tinha caído ali só com a frieza das palavras de . Mesmo assim, não baixei a guarda. Eu não ia ser a primeira a ir embora.
- Moça, espere! – um homem gritou quando percebeu, antes de mim, o que ela ia fazer.
apertou o botão para fechar as portas antes que qualquer um pudesse entrar, me lançando um sorrisinho cínico antes de desaparecer. Várias pessoas protestaram e xingaram. O cara socou a porta de metal e me soltou um “suas loucas” para mim antes de sair mal humorado.
Grunhi um palavrão e marchei em direção à minha sala, batendo os pés feito uma mimada. Joguei o resto do cachorro-quente no cesto de lixo do corredor e empurrei a porta, jogando minha bolsa para um lado e organizando as pastas sobre a mesa, do outro. Fiquei irritada. Uma briga com era o suficiente para me tirar a fome, e isso era realmente ruim, porque comer era definitivamente minha coisa favorita no mundo.
Ela sabia! Sabia o quanto aquela oportunidade era importante para mim, o quanto eu estava animada por ter recebido uma responsabilidade tão grande do meu chefe e o quanto eu estava confusa sobre tudo. Ela sabia que eu ainda não tinha decidido, mas só havia aparecido para atiçar a minha raiva! Todo o resto da minha vida havia sido decidido pelos outros, mas aquilo era pessoal, era meu. Ninguém iria tirar de mim.
- Nós estávamos te procurand... Ei, esse não é o meu champanhe? – perguntou, quando entrou com na cozinha do apartamento dela. Eu poderia ter ido a algum bar chique gastar todo o meu salário com o uísque mais caro, mas que tipo de pessoa eu seria se não contasse as boas novas aos meus amigos antes, certo?
Decidi ficar e comemorar ali mesmo. Aposto que Aaron não se importaria que eu usasse seu Grande Curvee por uma causa nobre. Aliás, que se dane o Aaron. Não ligo pra ele.
- Vejo que você está bem melhor, minha amiga – eu sorri, girando a bebida dentro de uma das taças de vidro dela que tomei a liberdade de pegar também. estava com os olhos inchados, mas parecia bem mais calma. Era o efeito de uma conversa com . Ele era muito bom nisso, era um anjo.
- E você está sentada na minha mesa com cara de quem transou ou ganhou na loteria, e como te deixamos sozinha por no máximo cinco minutos... – ela me olhou, desconfiada. Dei uma gargalhada e um gole grande na bebida frisante e doce. As bolhas fizeram cócegas em minha garganta, e eu ri balançando as pernas como uma criança feliz. Ou uma adulta muito bêbada.
Ok. Talvez aquela não fosse a primeira garrafa que eu havia aberto.
- Arrivederci, meus amigos! – berrei.
- Acho que alguém já precisa ir para casa – riu, balançando a cabeça e passando um braço ao redor de mim. Eu o afastei dando-lhe tapinhas.
- Espera, é sério, ainda não terminei! – eu dava risada entre as palavras, fazendo com que elas quase não pudessem ser audíveis. – Meu chefe me ligou, e a Vogue da Itália quer que eu trabalhe com eles! Não é a coisa mais incrível do mundo? Não é?
- Uau... – foi tudo o que conseguiu dizer, mas ele sorriu.
- Eu ainda não decidi, mas nem acredito que isso esteja acontecendo! – falei em êxtase.
- Parabéns, love. É realmente incrível. – ele me deu um beijo na testa. – Mas você realmente precisa ir pra casa antes que fique como o .
Fiz biquinho, mas ele não se convenceu. Bufei e joguei os braços ao redor do pescoço de e ele me carregou para fora da cozinha. não falou nada. Ela nem mesmo se mexeu.
Naquele momento, enquanto minha mente estava seriamente alterada pelo álcool e minha vista um tanto que embaçada, cheguei a pensar que o silêncio momentâneo de fosse pela menção de ao seu arqui-inimigo, , logo depois de ele ter estragado sua festa. Antes de ser carregada para fora da cozinha, eu mandei beijinhos para ela, mas ela continuou lá, com o olhar no nada, parecendo chocada, abismada.
Só agora entendi por quê.
Frustrada, larguei as pastas de qualquer jeito sobre a mesa. Tirei o celular e pressionei o número 1 para o meu número de emergência, antes mesmo do 911 ou dos meus pais.
- Alô – a voz de ficava ainda mais sexy no telefone, como se ficasse mais rouca e seu sotaque ficasse mais forte.
- O que está fazendo? Não interessa, não pode ser mais importante do que eu.
Ele deu risada.
- Você e terminaram? Bem, você está atrasada. Ela me ligou há cinco minutos.
Uma pontada de culpa doeu em meu peito, mas me forcei a ignorar.
- Nós não somos lésbicas, mas... é, parece que brigamos. – percebi que estava andando de um lado para o outro e parei, esfregando uma mão pelo rosto – Eu só sei que estou muito estressada e com raiva. Preciso sair daqui.
- Tudo bem. Estava indo almoçar no Tavern on The Green, mas podemos nos encontrar no O’Neills.
- Já estou saindo. – peguei minha bolsa – Ah, ? Não tente dar uma de embaixador da paz, tá bom? Eu... não quero falar com ela agora.
- Embaixador da paz? Sério? – ele riu – Como quiser, .
Eu já deveria saber que o meliante iria me dar o golpe.
Quando entrei no O’Neills, , e ocupavam a nossa mesa. Ela ficou de pé assim que me viu. Parei de andar. Nos encaramos sem saber exatamente o que dizer, como se quiséssemos pedir desculpas, mas pedir desculpas pelo quê? Ela não queria que eu fosse embora. Eu queria decidir isso sozinha. Não podíamos culpar uma a outra por isso.
- Será que vocês podem se beijar logo? – disse , interrompendo nossa troca de olhares intensa e dramática.
- Cala a boca, ! – falamos em uníssono, então soltamos um “awww” e nos abraçamos, logo soltando pedidos de desculpa e começando a chorar.
- Brigas deixam vocês sensíveis pra cacete. – fez careta. Eu dei um empurrão no ombro dele e sentei do seu lado.
- E vocês ainda disseram que não queriam se ver. – disse, vitorioso, dando um gole na cerveja.
- Eu estou de TPM. – protestou, roubando a garrafa do irmão. – Mas ainda temos um assunto sério para discutir aqui. Eu não sou a única que não quer perder a aqui.
- Como assim? – ergueu as sobrancelhas. Ele olhou para mim, preocupado. – O que está acontecendo?
Ri e tomei a garrafa do da mão da . protestou, mas ninguém ligou.
- Recebi uma oferta para me mudar para a Itália. Você saberia se ficasse sóbrio por mais tempo. – dei um beliscão nele.
- Ou não arruinasse as festas das amigas... – sussurrou.
- Ei, eu já perdi desculpas por isso, tá legal? – retrucou.
- Será que vocês dois não podem deixar de ficar em pé de guerra por pelo menos um minuto? – intervi. Eles reviraram os olhos e se calaram. – Mas, , é isso. Eu ainda estou pensando, mas acho que seria uma oportunidade incrível. Se eu conhecer gente importante nos eventos, posso finalmente ter minha chance de fazer meus próprios projetos. Foi pra isso que eu estudei, não pra ser designer gráfica de revista. Quem precisa de designer gráfico quando já existe Times New Roman?
- Primeiramente, esse argumento é péssimo. Sério. – ergueu o dedo indicador. – Você está na América. Pode se tornar uma decoradora de interiores quando quiser!
- Até agora não foi muito fácil. – murmurei.
- Tudo bem. Mas e aquela história que você sempre dizia de ser “nova-iorquina, nascida e criada”? De que nunca sairia da cidade? Depois que vir pra cá, nunca mais pensei em voltar pra Inglaterra.
- Dá um tempo, . – a interrompeu – Itália é incrível! As italianas mostram os peitos na televisão, e aposto que eles comem pizza e sorvete no café da manhã. Os autênticos!
- Se você quer ver peitos, vá para um stripclub! Ou comer na porra da Little Italy! – gritou para ele. – Eu digo que ela não deve ir.
- Eu acho que você deve ir, garota. – bagunçou meus cabelos num gesto fofo e desnecessário. Eu ri e afastei a mão dele de mim. Alguém estava bastante quieto naquela mesa.
- , o voto de Minerva é o seu. – eu disse, sorrindo. Por mais que eu achasse que a decisão ainda era minha, eu estava ansiosa para ouvir o que ele tinha a dizer.
Eu e esperamos. parecia estar prestes a fuzilá-lo ou devorá-lo vivo. Aquele silêncio estava me matando.
- Eu acho que você deveria ir. – ele finalmente disse. bufou e colocou as mãos no rosto. gritou e todos no bar gritaram junto, erguendo suas bebidas, apesar de não fazerem ideia do que estava acontecendo ali.
- Obrigada. – falei, baixinho. Ele assentiu com a cabeça e ergueu a mão para chamar a garçonete.
Senti algo estranho dentro de mim. Era alívio. Se ele me pedisse para ficar, o que eu iria fazer? Agora as coisas pareciam mais fáceis.
- Com licença, pessoal, mas eu preciso ir. Meu horário está acabando. – eu disse, encarando o relógio. Tinha 30 minutos para voltar ao trabalho. Com o trânsito caótico de Nova York e os motoristas de táxi mais rudes do que as aeromoças da American Airlines, decidi que pegar o metrô seria a solução. A estação ficava a duas quadras dali.
Eu não tinha dado nem dez passos fora do O’Neills quando , correndo, me alcançou.
- Espera, . – ela segurou meu braço, ofegante. Ela tinha a mesma cara da noite anterior. Parecia arrasada. – Eu sei que você já deve ter mentalmente se decidido, mas acho que você deveria saber. não quer que você vá. Eu o conheço bem demais para perceber isso... mas ele iria se culpar para sempre se te impedisse de seguir seu sonho.
Abri e fechei a boca várias vezes, sem saber o que responder.
- Vou deixar você ir agora. – disse. Duas lágrimas grandes escorreram por suas bochechas.
Ela não estava só me deixando ir embora do bar, ou do SoHo. Estava me deixando ir embora do país.
Observei a pequena fonte do Madison Square Park do banco em que estava sentada. Ele não era grande e majestoso como o Central Park, mas era o mais perto do cubículo que eu chamava de apartamento ali na Madison Avenue. O vento decidiu açoitar a cidade naquela noite. Apertei o casaco contra o corpo enquanto meus cabelos voavam rebeldes.
- Te achei. – apareceu com aquele maldito lindo sorriso no rosto. Ele não se sentou.
- Você veio.
- Sim. Fiquei preocupado. – ele se sentou ao meu lado. Seu cabelo caía por cima da testa e seus lábios estavam roxos e rachados de frio. – Que diabos está acontecendo?
- Eu. Eu sou o problema. Sou uma mulher de trinta anos lidando com minha carreira e meu futuro como uma pré-adolescente. – soltei um suspiro longo – disse que você não queria que eu fosse embora mesmo. É verdade?
Ele riu alto enquanto eu estava prestes a desabar em lágrimas ali, o que foi meio insensível. Fechei a cara.
- , é claro que é verdade. Nenhum de nós quer que você vá, mas, se é isso o que você quer fazer, não desista por ninguém. Nem por mim.
Mordi o lábio e deitei a cabeça no ombro dele. Eu já estava sentindo falta de fazer aquilo.
- Você é um ótimo melhor amigo, sabia?
Faltavam exatamente 3 horas, 47 minutos e sabe Deus quantos segundos para o horário impresso em meu cartão de embarque, e eu ainda estava lutando para consertar o estrago que aquela noite havia feito em mim. Eu estava nervosa – na verdade, ansiosa – demais para dormir e três cafés médios da Dunkin’ Donuts, uma lata de Coca-Cola e um copo de vodca não pareciam ser uma ideia ruim, apesar de depois eu ter percebido o quanto eu era idiota. Meus olhos estavam tão inchados que eu não sabia como ainda conseguia abri-los e tão vermelhos que eu poderia ser facilmente confundida com uma usuária de crack.
Tive um pequeno ataque de pânico ao ver aquela Medusa com cara de quem estava tendo uma crise alérgica no espelho pela manhã, mas decidi me acalmar. Não havia nada que uma boa maquiagem e, por Deus, uma escova de cabelo não resolvessem.
Alguém buzinou freneticamente do lado de fora, e tive que resistir ao impulso de gritar “JÁ VOU, PORRA!”, considerando que isso seria realmente estranho, já que eu estava no quinto andar de um hotel três estrelas (sinceramente, duas e meia) no Lower East Side. Era onde eu havia passado as duas últimas noites depois de ter vendido todos os meus móveis e entregado a chave do meu apartamento. O que eu queria mesmo era ter ficado em um hotel na Madison Avenue, que fosse pelo menos um pouco perto do meu prédio, para que eu tivesse vista para ele em meus últimos dias em Nova York, como uma forma de despedida. Porém, por mais que eu pudesse ser considerada classe média alta, eu não tinha como bancar estadia em uma das áreas mais luxuosas de Manhattan. E, aparentemente, eles não aceitavam um dos meus rins como pagamento – o que iria doer bem menos.
Chequei meu reflexo. Não havia feito muita diferença, mas eu tinha um par de óculos escuros maravilhoso que cobria pelo menos metade do meu rosto e fazia uma ótima combinação com meu chapéu preto e o sobretudo bege. Terminei de guardar as coisas na mala e, quando estava prestes a deixar o quarto, a ligação que eu já esperava chegou. , dizia o visor. Sorri e atendi.
- O que é que você quer? – perguntei, fingindo minha melhor voz de irritada. Não sabia se havia soado muito convincente.
- Você não desistiu, não é? Ah, merda. – ela reclamou e eu ri – Bem, eu só queria te dar adeus mais uma vez. Antes de... você sabe. Eu não poderia fazer isso pessoalmente porque daqui a pouco é o ensaio fotográfico do meu casamento e eu não posso sair com a cara asquerosa e enorme de tanto chorar.
- Acho que é um motivo bom o suficiente, então eu te perdoo – falei, colocando o celular entre o ouvido e o ombro para segurar minhas malas e trancar a porta do quarto ao mesmo tempo – Mas eu pensei que você já tivesse secado todas as lágrimas do seu corpo nas duas últimas semanas, não?
- Cala a sua boca. – ela retrucou com a voz manhosa e embargada. Revirei os olhos, resistindo ao impulso de começar a rir. era muito sensível – Eu só quero dizer que... eu... droga. – escutei uma fungada e provavelmente o barulho de um lencinho sendo esfregado em seu nariz. Não aguentei e tive que dar risada.
- Você sabe que eu não vou morrer nem nada do tipo, não é? – perguntei, arrastando as seis malas e meia para dentro do elevador com muito esforço. Respirei fundo para recuperar o fôlego. Elas eram pesadas. – Quer dizer, eu vou vir para o seu casamento. Eu sou sua madrinha, afinal de contas. A não ser que você
lguma vagabunda qualquer no meu lugar.
Ela soltou um riso que parecia uma mistura de gemido e choro.
- A única vagabunda é você. – a porta do meu elevador se abriu e grunhi ao ter que puxar minhas malas de novo para fora, no saguão. – E eu amo você, .
Ofegante, mesmo que não tivesse levado minhas malas nem até a metade do caminho, eu parei de andar e sorri.
- Eu também te amo, .
Quando ela desligou, joguei meu celular dentro da bolsa aberta e voltei a arrastar as malas. Aquilo não era nem um pouco justo, havia pelo menos meia dúzia de caras naquele saguão, e nenhum deles se voluntariou para me ajudar! Quem liga se eles estavam com suas mulheres e filhos? Quer dizer, quando Jennifer Lawrence caiu no Oscar, Bradley Cooper e Hugh Jackman correram para levantá-la.
Mas eu não era a Jennifer Lawrence. Eu era patética.
As portas automáticas se abriram e uma lufada de ar frio e seco balançou os cachos que me custaram quarenta minutos com o baby liss. estava encostado no Camry amarelo velho estacionado na frente do meu hotel e com os braços cruzados.
- Quer que eu abra a porta pra você? – ele perguntou, erguendo as sobrancelhas.
- Muito engraçadinho – falei, semicerrando os olhos. Ele riu e se aproximou para me ajudar com as malas, mas ao tentar erguer uma em cada mão de uma só vez, ele fez uma careta e por pouco não as deixou cair.
- Me diz que você não está traficando nada.
- Isso são casacos. – apontei para a mala da mão direita dele. – E sapatos. – apontei para a esquerda. – E ali são roupas de verão, vestidos de gala, calças e mais sapatos. – gesticulei, indicando o restante delas. – A menorzinha é maquiagem.
- Eu... – ele ia falar alguma coisa, mas o cortei com apenas um olhar. – Esquece.
- Ótimo. – sorri, satisfeita. – Espera, cadê o Richie?
- Eu disse que iríamos usar o carro dele, não que ele iria nos levar. – respondeu, entredentes, enquanto colocava a minha segunda de sapatos no porta-malas. Ele arfou. – Essa foi a última.
Entrei no carro, ocupando o banco do passageiro enquanto se sentava no do motorista. Aquele táxi permanecia o mesmo apesar dos danos que os anos lhe causavam – o mesmo banco de couro com cheiro de colônia de gente velha, a mesma foto antiga da família do Richie colada no canto do para-brisa e um adesivo do Tio Sam no painel.
- Tudo bem, estranho, mas o que aconteceu com o seu carro? – eu quis saber.
- Está na revisão – deu de ombros, depois de dar partida e começar a andar. – Qual é a dos óculos escuros?
- Eu estou usando eles, meu querido, porque a única bolsa escura que eu preciso é essa Chanel que eu tenho em mãos, e não as que estão debaixo dos meus olhos. – respondi e ele riu. – Mas você não soou muito convincente. Tem certeza que não está conspirando com sua gêmea maligna para tentar me trazer à memória todas as lembranças do que vivemos nesse táxi e me fazer desistir?
- Seria um bom plano, – ele admitiu – se eu não te conhecesse bem o suficiente para saber que tortura psicológica não combina com você. Vamos ouvir um pouco de música.
Ele pegou um IPod que estava em cima do painel e deu play. Live With Me, a faixa 4 de Let It Bleed, meu álbum favorito do The Rolling Stones, começou a tocar.
Eu o encarei. tinha um sorrisinho presunçoso no canto de sua boca.
- Seu filho da mãe – falei. Ele sorriu mais ainda.
Cantei a plenos pulmões junto com Mick Jagger durante o caminho. E por mais desafinada e ridícula que eu soasse, não reclamou. Ele nunca reclamava.
Somente quando ele estacionou na frente do meu terminal do aeroporto que fui invadida por aquela nostalgia que me esforcei tanto para evitar nos últimos dias. Meu coração se apertou e eu tive dificuldade de respirar. Eu estava mesmo indo embora da cidade? Sério? Adeus, Times Square. Adeus, Victoria’s Secret da Quinta Avenida. Adeus, Barney’s. Ah, meu Deus. A Barney’s!
- ? – me chamou. Balancei a cabeça, tentando me recompor. – Você está bem?
- Claro. Estou ótima. – respondi, apesar de parte de mim achar que eu estava à beira de um surto. – Sempre achei que minha despedida dessa cidade fosse ser mais glamorosa, não em um Toyota dos anos 90. Talvez, sei lá, uma limusine.
- Eu não gosto tanto assim de você pra isso. – ele explicou e eu dei uma gargalhada.
Ficamos um silêncio por alguns segundos. Aquele aperto ainda não havia sumido.
- Acho que essa é nossa despedida. – murmurei – Você não vai chorar, vai?
Ele sorriu.
- Você sabe que eu não choro.
Era verdade. A última vez – pelo menos, na minha frente – havia sido quando ele fora abandonado no altar. Pela vaca da Kate. Fazia todo sentido chorar por ela, mas não por mim, a sua melhor amiga, é claro.
- Você sabe que eu não quero te fazer desistir – ele começou, tirando o cinto de segurança e se virando para mim. Lá vamos nós, pensei, rolando os olhos – Mas, , tem certeza que é isso que você quer? Você adora Nova York! E, se me lembro bem, disse que nunca sairia daqui.
- Eu tenho certeza. – imitei-o, tirando o cinto e virando de frente para ele. – Quando falei isso, me referi a, sei lá, Nova Jersey ou... a Costa Oeste. – fiz uma careta de desgosto com essas palavras e ele sorriu. – Mas isso é a Itália, Milão! Em pouco tempo eu estarei tomando uma garrafa de Franciacorta e comemorando o lançamento da minha linha de decoração de interiores. Designs é bom nome, não é?
assentiu e colocou a mão sobre meu ombro, gentilmente, e se aproximou para beijar minha testa. Fechei os olhos, engolindo em seco. A mistura do cheiro do seu perfume com a sensação de sua barba e seus lábios roçando em meu rosto era, definitivamente, nostálgica demais para aguentar.
- Se cuida, love. – ele me encarou, fixamente com aqueles olhos intensos e parecia estar prestes a dizer algo muito sério. – Por favor, não se meta com a máfia.
Eu ri alto.
- Sabe, eu sempre quis viver perigosamente.
Abri a porta do carro e saí. O JFK nunca pareceu tão gigante e movimentado.
- Não precisa me ajudar com as malas. – falei, me abaixando para olhar para ele através da janela aberta.
- Tem certeza? – ele questionou, franzindo a testa.
- Tenho. Ele vai. – sorri maliciosa e indiquei com a cabeça o segurança gostoso parado junto aos carrinhos. revirou os olhos e me lançou as chaves para abrir o porta-malas junto com um “boa sorte”. Bem, eu não precisava de sorte. Ele não sabia, mas eu estava usando um vestido preto tomara que caia, justo no corpo e que ia até a metade das coxas por baixo daquele sobretudo.
Eu tinha que estar fabulosa para a minha chegada à Europa.
Não deu muito certo.
Depois de dormir a viagem quase inteira – porque eu certamente não iria mostrar aquela cara horrenda para Milão (e os italianos), acordei de um sonho bastante inapropriado, me sentindo grogue e temendo que fosse vomitar o tapenade de alcaparra que havia comido no jantar servido no avião.
Não tinha certeza de quem era o cara no sonho, mas ele fez um ótimo trabalho, diga-se de passagem. Suspeitei que fosse o segurança gostoso do JFK, que antes que eu pudesse seduzi-lo, percebi que faltava apenas meia hora para o embarque. Não dava tempo nem para uma conversinha, quanto mais para uma...
Bem, foi realmente uma pena.
Minhas costas estavam doloridas e precisei arrumar meus cabelos antes de sair do avião. Estava prestes a tirar o sobretudo, quando o vento gelado fez com que eu ficasse completamente arrepiada. Esfreguei os braços e decidi continuar o usando, mas não pude deixar de bufar, irritada. Por que diabos estava frio? Não era isso que estava escrito no Wikipédia!
A minha fabulosidade para a chegada poderia até ter sido arruinada, mas o aeroporto de Milão era tão incrível quanto presumi que fosse tudo naquela cidade. Não fazia ideia de para onde ir, mas tinha quase certeza que a Vogue mandaria alguém para me buscar.
Eu acertei. Uma mulher baixinha e emburrada segurava uma placa com algo que deveria ser o meu nome escrito nela.
- É – eu a corrigi, gentilmente, ao me aproximar. Ela não pareceu dar a mínima para isso.
Como em qualquer situação desesperadora – não que eu já tivesse chegado ao nível “estou em outro continente prestes a começar minha nova vida” antes, – eu estava fazendo o que costumava fazer: tagarelar. Era bem irritante, eu sabia, mas no momento que eu fazia isso eu nunca tinha ideia de que estava falando pelos cotovelos mais do que uma adolescente.
- Então, srta. , o que fez com que a senhorita decidisse se mudar tão repentinamente? – a baixinha emburrada, que na verdade se chamava Paola, perguntou enquanto o carro nos levava para o meu hotel. Ela tinha um sotaque forte, mas compreensível, e, apesar da pergunta, ela continuava não parecendo muito amigável. Aposto que ela só perguntou aquilo para me fazer ficar calada por alguns segundos.
- Ah, não havia nada que me prendesse em Nova York. – comecei. – Meus pais se separaram quando eu tinha 18 anos, mas eu nunca fui muito próxima do meu pai, de qualquer maneira. E nós acabamos descobrindo que eu e minha mãe éramos a outra família, sabe... ele não pensou duas vezes quando sua esposa de verdade e seus filhos de verdade o obrigaram a escolher. Minha mãe é professora e conheceu meu padrasto na escola pública em Tribeca, onde eles trabalhavam. Ele é legal, apesar de ser meio hippie, mas mora em Secaucus, uma cidade minúscula de Nova Jersey. Nunca quis morar lá. Só tem uma Starbucks, dá pra acreditar nisso?
Eu ri da minha própria piada, mas Paola não pareceu achar tão engraçada. Ela continuou me observando com cara de tédio.
Limpei a garganta, constrangida, e sorri.
- Bem, tem a minha melhor amiga, a , mas ela vai se casar em breve... e o irmão gêmeo dela, meu melhor amigo, , tem um ótimo emprego em uma das maiores empresas imobiliárias da cidade, e eu não duvido muito que ele seja o próximo a casar. E tem o ... – balancei a cabeça, rindo – mas ele é um lobo solitário. Na verdade, eu tenho quase certeza que ele será o primeiro a me visitar aqui.
- Hum – disse Paola em um murmúrio com clara indiferença.
- Nossa, que fome. Acho que uma pizza de mussarela com pepperoni cairia muito bem agora. – eu disse, rapidamente e sem pensar. Com medo de ter soado preconceituosa, como se pizza fosse a única comida italiana existente, me apressei em me corrigir: – Quer dizer, um gelato também seria bom... droga. – finalmente calei a boca, e pensei que só estava falando aquelas coisas porque eram algumas das poucas palavras em italiano que eu conhecia. Você é americana, . Sabe muito bem que ovos com bacon ou um frapuccino de baunilha é exatamente o que você quer.
O quarto do hotel era adorável. Não era muito grande, mas adorável. Eu não pretendia ficar muito tempo ali, de qualquer maneira, mas precisava de um lugar para dormir e certamente não iria conseguir isso indo para as casas de todos os caras que se oferecessem para me pagar um drink no bar (mesmo que não seja uma ideia ruim, na verdade). Assim que eu recebesse meu primeiro pagamento – adiantado, eu esperava – na Vogue, já poderia alugar um apartamento.
Pois é. O salário era bem melhor do que na América.
- A cidade é simplesmente maravilhosa – suspirei com um sorriso satisfeito enquanto tirava as roupas de amanhã da mala, as dobrava e colocava no pé da cama – Visitei a Duomo di Milano hoje mais cedo. É fantástica.
- Você parece feliz – falou na tela do meu celular que estava apoiada na cômoda ao lado da cama e eu sorri para ele. Sério, FaceTime era uma bênção de Deus. – mas não deveria estar exausta agora? Jet lag ou coisa parecida?
Respirei fundo e deixei o casaco cair no chão.
- Eu estou destruída. – forcei um sorriso que pareceu meio psicopata. Ele franziu o cenho, confuso. – Minha cabeça está doendo tanto que sinto como se tivesse bebido todo o estoque de tequila do O’Neills. Mas eu não deveria dormir ou iria acabar perdendo a hora para o meu primeiro dia de trabalho amanhã, não é? – me abaixei para recolher o casaco e voltei a dobrá-lo cuidadosamente – Preciso me acostumar.
- Que bom pra você – ele riu – ... eu preciso ir.
- O quê? Por quê? – perguntei, desesperada. Praticamente 24 horas longe de Nova York e eu já estava me sentindo terrivelmente sozinha. – Você acabou de ligar!
Eu o encarei. Ele mordeu o lábio inferior, mas vi a expressão sacana em seu rosto que só podia significar que...
- Eu conheci uma garota.
Abri a boca, estupefata.
- Meu querido, você vai continuar com essa sua linda bunda sentada aí e só vai sair quando eu achar que já me contou o suficiente. – ergui as sobrancelhas para enfatizar meu tom autoritário. gargalhou. – Na verdade, quando foi que isso começou?
- Hã... ontem, depois que te deixei no aeroporto.
Arregalei os olhos, impressionada.
- Você é rápido, .
Ele sorriu, convencido.
- O que eu posso dizer para contestar? – mostrei o dedo do meio para a tela do celular. – Tá bom. Bem... o nome dela é Brooke, ela mora no Brooklyn. Não, ele não fez isso.
- Por favor, não me diz que isso não foi um trocadilho idiota. – suspirei, colocando a mão na cara.
- É sério. – disse , mas ele estava rindo da piadinha tosca que havia acabado de fazer. – Um amigo em comum nos apresentou. Não tenho muito o que dizer, além de que ela é incrível e trabalha como redatora em uma revista de fofoca.
- E você já está namorando a Gossip Girl? – perguntei com uma expressão jocosa. – O sexo deve ter sido bom.
- Eu... quer dizer, nós... – ele coçou a nuca. – Ela não quis, não ainda. E lá vamos nós de novo.
Quando se trata de , existem dois tipos de mulheres no mundo: aquelas que só querem se aproveitar de seu corpo maravilhoso e tudo o que ele deve proporcionar na cama e aquelas que estão apenas interessadas em brincar com seu pobre coração sensível – elas fingem que estão apaixonadas por ele e fazem com que ele, idiota como é, caia aos seus pés. Depois de o usarem o suficiente (ou melhor, o seu cartão de crédito), elas o largam completamente desolado e com o coração partido em mil pedaços. Particularmente e por mais cruel que isso possa soar, eu prefiro o primeiro tipo, porque também há um terceiro tipo: eu. Sou eu quem o aguenta nos seus piores dias pós-término, sou eu quem o acompanha para encher a cara e esquecer as desilusões amorosas, sou eu quem é obrigada a juntar de volta os malditos mil pedaços do seu coração. Porque, como já foi provado várias vezes durante todos esses anos, ele não faz porra nenhuma sem mim.
Resistindo ao impulso de revirar os olhos pela milésima vez, eu sorri.
- Que pena pra você. Tudo bem, então. – falei, usando minha voz de “finjo que não me importo, mas na verdade me importo”. – Eu preciso dormir. Boa sorte com sua garota.
Ele abriu aquele sorriso lindo. Eu tinha que admitir, a tal Brooke merecia os parabéns por aquele sorriso ainda não ter feito suas pernas bambearem.
- Obrigado. Amo você. Boa noite.
Apenas dei um sorriso fraco e apertei o botão de desligar.
Era apenas o meu primeiro dia e eu já o amava.
Acho que nunca tinha visto um céu tão azul em toda a minha vida. Quer dizer, mesmo sem a camada cinzenta de poluição, o de Nova York provavelmente não seria tão lindo assim. O sol brilhava quente, dessa vez, e quase cogitei a ideia de usar o vestido da viagem, mas também não queria ser ousada demais no trabalho. Aquele vestido teria outras oportunidades, ah, se teria...
Depois de dois cornetos e três copos de suco de laranja no café da manhã, eu sentia que não iria parar de comer nunca até ver dois caras gatos me encarando como se eu fosse uma criança de rua faminta. “Por favor, que eles sejam gays”, pensei, limpando a boca e sentindo as bochechas pegarem fogo. Levantei-me rapidamente para ir embora, dando pulinhos em direção à rua para pegar um táxi. Todo aquele entusiasmo era ridículo, mas eu não conseguia controlar.
Talvez ainda fosse esse meu entusiasmo repentino falando, mas o prédio da Vogue Itália parecia um set de filmagem de um filme sobre uma assistente aspirante a estilista ou modelos bulímicas. Mordi o lábio, sentindo o êxtase me fazer bambear. Eu nem precisava checar meu dicionário de bolso para saber o que as placas ou as pessoas ali queriam dizer. O lugar exalava moda. Eu já me sentia em casa.
Confiante e decidida, caminhei em meus saltos altos vermelhos até o balcão de entrada como se estivesse desfilando com um ventilador soprando nos cabelos como naqueles comerciais de shampoo. Tirei os óculos escuros e os coloquei sobre a cabeça, esperando que minha cara não estivesse tão assustadoramente larga quanto o meu sorriso.
- Buongiorno. – inclinei a cabeça, casualmente – Você fala inglês?
- Sim – a recepcionista disse, me olhando de um jeito sugestivo demais para ser agradável.
É, americanos são pretensiosos e horríveis, já ouvi dizer, vamos pular essa parte.
- Eu gostaria de pegar meu cartão. – falei. Ela assentiu e quis saber meu nome. – .
A moça franziu a testa.
- Deve haver algum engano... não há ninguém com esse nome.
Foi como se eu tivesse levado um soco nas costas.
Arregalei os olhos e endireitando a coluna, logo me recompus.
- Como não? – tive que me relembrar que precisava falar racionalmente. – Sou a nova designer gráfica da revista. Sou eu, juro.
A cara que ela fez não podia significar coisa boa.
- Eu sinto muito, mas...
- Não. – balancei a cabeça várias vezes e rápido demais. Eu já estava ficando tonta. – Cheque outra vez, por favor.
- Senhorita...
- O que está acontecendo aqui?
Aquela voz alta e firme fazia jus à imagem de “chefe do mal”. Com um casaco laranja cor de abóbora, cachecol verde, óculos de grau vermelhos e cabelo no estilo de Donatella Versace, aquela mulher alta e magnífica fez com que eu me sentisse feia e seca como uma uva passa.
E apavorada.
- Eu... – minha voz saiu esganiçada como de um animal amedrontado. Pigarreei e continuei, dessa vez, recolhendo minha dignidade. – Sou a nova designer gráfica. A de Nova York.
Ela murmurou um “ah”, como se aquilo explicasse muita coisa, e abaixou os óculos até a ponta do nariz para ler algo escrito na pasta que trazia em mãos.
- ? Sim, Schneider me falou um pouco de você... talvez ele tenha esquecido de mencionar seu problema com atrasos.
Ergui as sobrancelhas.
- O que isso quer dizer? Eu cheguei às dez em ponto!
- O teste foi há uma hora atrás – a mulher disse, se inclinando levemente sobre minha direção com um olhar maligno. Lutei contra a vontade de me encolher ou sair correndo. – Os editores já escolheram o novo designer.
Mais uma pancada. Dessa vez, senti o ar fugir dos meus pulmões.
- Teste? – sussurrei.
- Você pode se retirar agora.
- Mas... eu não sabia! Me perdoe, por favor... – eu implorei, apertando os olhos para repelir as lágrimas. Não, só pode ser brincadeira. Eu ia perder a cabeça.
- Pode ter certeza que aqui você não vai conseguir um emprego. – ela falou, gesticulando para que eu me retirasse com uma expressão de desdém no rosto, antes de se virar e voltar para os elevadores.
Abri a boca, mas as palavras não saíram. Talvez porque eu não tivesse nenhuma.
Eu não só havia vendido tudo o que tinha, como havia entregado meu apartamento em troca de um que nunca iria ter e havia me demitido em troca de um emprego que nem era garantido. Tudo por causa de um de teste. Completamente fodida e sem nada, por causa de uma merda de teste.
Quanto tempo seus sonhos podem durar até que você despenque no chão e caia de cabeça na dura realidade e se quebre completamente?
O meu durou exatamente 1 dia, 12 horas, 9 minutos e sabe Deus quantos segundos.
E eu definitivamente não estava preparada para cair.
Junto com um bando de turistas impressionados e nativos orgulhosos, eu passei a tarde sentada em um dos últimos bancos da Duomo e chorei copiosamente e ridiculamente como uma idiota. Eu não era religiosa e a última vez que havia entrado em uma igreja havia sido no quase casamento do , e quase engasguei com meu choro quando levantei para ir embora, na hora em que a missa começou. Eu não queria me sentir hipócrita ou algo do tipo, apesar de realmente precisar de um sinal divino sobre o que iria fazer com a minha vida.
Tirei as luvas – eu não precisava delas, de qualquer forma, mas eram lindas e combinavam com minha roupa – e esfreguei a mão no rosto enquanto ouvia palavras em italiano soarem pelos alto-falantes do aeroporto. Algum voo cancelado, provavelmente, ou algo do tipo.
No lugar mais improvável e no momento mais improvável, pensei em alguém que não aparecia em minha memória há muito tempo. Meu pai. Com uma blusa de flanela larga, sua cara de desprezível e uma garrafa de Brooklyn Lager na mão, o que ele diria se me visse? “Você é uma mulher de trinta anos, mas continua sendo uma fracassada.”
- Senhorita? – a atendente insistiu. Eu balancei a cabeça, desnorteada, piscando com força para me livrar daquele devaneio.
- Sim. – eu falei – Uma passagem para o JFK, por favor.
- Será que você pode parar de beber? – pediu, tirando a taça da minha mão – Estou com medo de que você acabe morrendo engasgada com uma azeitona.
- Eu não estou bêbada – grunhi, puxando-a de volta bruscamente, derrubando todo o restante do gim na mesa e em minhas mãos trêmulas. – Porra. Caralho. – xinguei, entre dentes, limpando minha bagunça com a manga do casaco. Coloquei a taça junto com as outras três no canto da mesa e apertei os olhos com força, sem ter certeza do que queria fazer primeiro: chorar, gritar, destruir o bar ou pular da Brooklyn Bridge.
segurou minha outra mão por cima da mesa. Ele desenhou círculos com o polegar na minha pele, em uma tentativa falha de me fazer ficar calma.
- Como você está? – ele perguntou, gentilmente.
Aquela não era uma pergunta justa, mas nada parecia ser justo a essa altura. As pessoas vinham para Nova York para realizarem seus sonhos, não era? Pois segundo as sábias palavras de Alicia Keys em Empire State of Mind, aqui era o lugar onde isso podia acontecer. Já eu precisei sair para perceber que era uma fracassada. Era antes e continuaria sendo.
Havia várias respostas para a pergunta, mas para poupar – e a mim mesma – do meu drama existencial, falei a coisa mais estúpida possível:
- Eu estou... pensando que não posso pagar pelos martinis porque só tenho euros na carteira – escondi o rosto – Você paga pra mim?
Ele riu baixo.
- , fale comigo, por favor.
Eu o encarei por trás da camada de vidro que eram as lágrimas presas em meus olhos. Seu cabelo estava bagunçado de um jeito charmoso, como sempre, ele havia feito a barba e usava uma camisa que destacava a cor de seus olhos. Estava bonito. Provavelmente tinha saído de um encontro com a Brooke do Brooklyn quando eu liguei, desesperada, pedindo para que ele me buscasse no aeroporto e que eu explicaria tudo assim que o visse – o que, obviamente, eu não havia feito até então.
- O que você quer que eu fale, ? Isso é um completo desastre! Eu estou sem casa, sem trabalho, sem nada além das minhas roupas e das minhas economias que não pagam nem o aluguel de um muquifo no Bronx! – arfei, sentindo o ar sendo sugado de meus pulmões – E eu não posso morar com a , porque era mora com o Aaron e... eca. E me recuso a me mudar para Nova Jersey com minha mãe, porque já não basta ser humilhante o suficiente ser uma mulher de 30 anos morando com a mãe, ainda tem que ser em Nova Jersey. É como... como comprar roupas na Macy’s pelo resto da vida!
Soltei um ganido de um animal machucado e meus olhos arderam como se tivessem sido atingidos por uma rajada de sal e areia. Comecei a chorar outra vez, as lágrimas escorrendo e soluços horríveis escapando da minha boca. E você achando que já tinha chorado o suficiente pelo resto da vida, pensei. Otária.
- Ei, ei, se acalme – implorou. O desespero em sua voz chegava a ser fofo. – Você não está se esquecendo de ninguém?
Respirando fundo, limpei o rosto mais uma vez. Eu nem queria imaginar como estava a minha aparência. Provavelmente parecia um zumbi de algum filme de terror de baixo orçamento.
- O que você quer dizer? – perguntei, fungando.
- Você pode morar comigo.
Talvez eu não devesse ter ficado tão chocada, mas a verdade foi que senti como se tivesse levado um tapa na cara.
- O quê? – eu quase ri – , morar com alguém não é a mesma coisa que passar a madrugada e a manhã seguinte se recuperando da ressaca. Isso... isso é uma coisa séria.
- Você não pode ser pior do que Lauren, Casey, Nicole...
- Ok, antes que você continue citando sua lista interminável de namoradas que já moraram com você, – eu o encarei, irritada – não é disso que estou falando. É só que... eu não posso aceitar isso.
revirou os olhos.
- É claro que pode, não é como se fosse ser para sempre, só enquanto procura um lugar e as coisas se acertam. Você faria o mesmo por mim. – ele encostou no banco, cruzando os braços sobre o peito com um sorriso vitorioso – E você sabe que não tem escolha. É isso ou viver com os mendigos.
- Não ofenda os mendigos – resmunguei – Bem... acho que você está certo. Isso pode funcionar.
- Claro que pode! – ele pareceu animado – Colegas de quarto! É como se estivéssemos na faculdade de novo!
Tentei não me ofender e disfarçar a careta, já que sempre contava histórias sobre seu esquizofrênico colega de quarto na Columbia, Billy Warren.
- Espera um pouco. – falei – Nós precisamos ter algumas regras, você sabe. Pra não ter nenhuma confusão.
- Certo. – ele assentiu e não disse absolutamente nada. Eu ergui as sobrancelhas. – O quê? Pensei que você fosse dizer as regras.
- Você não está ajudando – revirei os olhos – Que tal, hã, uma meia na maçaneta do lado de fora para avisar quando estiver com alguém lá dentro e que provavelmente vai transar?
deu de ombros.
- É uma boa. Pode evitar constrangimentos. – juntando as mãos sobre a mesa, ele se inclinou em minha direção – Continue.
Coloquei a mão sobre o queixo, pensativa.
- Nunca deixe a tampa do vaso sanitário levantada.
Ele bufou.
- Só se você não deixar aquelas coisas em lugares visíveis. – seu rosto se contorceu em nojo e ele estremeceu. – Absorventes. – disse, como se fosse a pior palavra que conhecesse.
Ri.
- É justo. – olhei para as taças de vidro no canto da mesa e, de repente, de uma só vez, o efeito do álcool me atingiu como uma paulada na cabeça. – Eu faria um brinde a essa mudança, mas...
- Não tem problema – pegou duas das quatro taças vazias, me entregando uma delas. Eu sorri fraco, com a vista embaçando aos poucos e tudo começando a girar lentamente.
- Quantas vezes mais você vai salvar a minha vida?
- Quantas vezes forem necessárias. Você confia em mim?
- Confiar em você é uma das poucas coisas certas que eu faço na vida. – admiti.
E com nossos copos vazios, brindamos.
É bastante difícil ter uma vida normal quando seu trabalho é a sua vida e você está desempregada. Nada mais parece ter sentido ou graça – nem mesmo Instagram ou qualquer outra rede social consegue ocupar seu tempo, e a sua meta de vida repentinamente se torna ficar jogada no sofá de seu melhor amigo pelo máximo de tempo possível, em frente à tv, usando apenas uma camisa gigante dos Minnesota Vikings e meias, com uma garrafa de cerveja na mão.
Só havia se passado um dia, e eu não podia acreditar na criatura deprimente, nada fabulosa e nem um pouco em que havia me tornado.
Ouvi o barulho de chaves do lado de fora, e abriu a porta logo depois.
- Por Deus, esconda essa coisa horrível – ele disse, com uma mão sobre os olhos e cara de desgosto.
Franzi a testa, olhando para as minhas pernas nuas à mostra.
- Devo voltar a malhar? – perguntei, puxando a coberta com a ponta do pé e a estendendo até a minha barriga.
Ele riu e deu um tapinha na minha panturrilha ao se aproximar, pedindo espaço. Encolhi as pernas e ele se sentou ao meu lado.
- Você sabe que eu estava me referindo a essa merda de time – ele fez careta para a minha blusa dos Vikings. Notei que ele tinha uma sacola de plástico em uma mão quando tirou de dentro dela um pote de Ben & Jerry’s, sabor Cherry Garcia. – Sei que é o seu favorito.
- Obrigada – respondi com a voz fraca, segurando o pote gelado e a colherzinha de plástico que ele me ofereceu depois.
Eu tinha evitado o espelho desde a hora que havia levantado da cama, mas se eu estava tão ruim quanto a expressão de preocupação-barra-pena no rosto de me fazia deduzir... eu estava ferrada.
- Sexta-feira à noite e está em casa? Isso é algo inédito. – sorriu.
- Você está bêbado? – perguntei, com a boca cheia de sorvete.
- Não, – franziu o cenho – só bebi dois ou três...
- Litros?
- Copos. – ele concluiu a frase. Fechei o pote de sorvete com um suspiro de decepção e o coloquei na pequena mesa de vidro ao lado do sofá.
- Que pena. Você deveria ficar trêbado. Por nós dois. – falei e abriu a boca, mas eu ergui um dedo em sua direção – Não fale nada. Eu não estou de bom humor.
- Eu só ia dizer que ver você rejeitando sorvete definitivamente é algo inédito, mas... – ele riu fraco – , você sabe que as coisas não precisam ficar... assim.
- Assim como? – eu perguntei, friamente – Comendo Oreos e assistindo todas as temporadas de Doctor Who no Netflix? Também não seria minha primeira opção para o fim de semana, sem dúvidas.
Cruzei os braços sobre o tórax de um jeito infantil e patético que realmente combinava com o meu atual estado de espírito. não se irritou, como eu provavelmente teria feito. Ele não me mandou para a puta que pariu e disse que eu deveria resolver meus problemas sozinha, como uma adulta. Ele nunca faria isso.
Porque éramos e , e . Juramos estar ali para apoiar o outro e consertar as merdas do outro. Por isso éramos a dupla perfeita.
- Eu não entendo – ele falou, carinhosamente – O que você quer, ?
Estiquei o braço para alcançar o controle da televisão e a sala pareceu melancolicamente quieta quando eu a desliguei. Bem, ignorando a minha respiração abafada como um aspirador de pó quebrado.
- Quero voltar no tempo. Quero que as coisas sejam como antes. Quero meu apartamento e meu emprego e não ter que fechar os olhos o tempo todo com incerteza do que vai acontecer no futuro. – pisquei com força e engoli em seco. Senti a cabeça de pesando em meu colo quando ele se deitou e embrenhei meus dedos em seus cabelos. Eu adorava seus cabelos. Eles eram macios e tinham um cheiro sensual. – Quero parar de ser tão impulsiva. Quero ser mais responsável. E eu realmente quero pegar alguém. – falei, deprimida, e ele riu alto. – Você acha que estou enlouquecendo?
- É claro que está. – respondeu, prontamente. – Você definitivamente está louca.
- Essa é a parte que você diz que eu estou apenas sendo dramática. – grunhi.
- Eu não diria isso. Às vezes seguir seu coração significa perder a cabeça. – ele falou. – Mas o sonho nunca acaba. Ainda haverão muitas viagens para você fazer, muitos empregos para contratá-la, muitos caras para você transar...
- Ok, agora estou me sentindo uma vadia.
- A questão é que, , tudo ainda pode acontecer. – abaixei a cabeça para encarar seus olhos me fitando – Se fosse responsável, não seria você. E o que eu posso falar de impulsividade? Eu sou o cara que comprou uma moto assim que fez 16 anos, lembra?
- Sim. – eu sorri – E só depois você lembrou que não sabia andar de moto.
- Não se esqueça do meu primeiro apartamento.
- Aquele para onde você se mudou e só depois lembrou que não tinha cama para dormir?
sorriu.
- Exatamente. – ele voltou a se sentar ao meu lado. Eu não falei nada, mas minha expressão disse tudo. Eu, sinceramente, não sabia o que faria sem ele. – Ok, mas pelo menos uma das coisas que você quer nós podemos resolver.
Ergui as sobrancelhas.
- E o que seria?
Ele me lançou um olhar sacana.
- Vá se aprontar, . Você vai ficar trêbada por nós dois.
- Meu Deus, olha só pra isso! O que acha?
Eu sabia que estávamos na Madison Avenue, provavelmente em alguma loja onde eu não podia comprar nada, porque todo o dinheiro que eu tinha só deveria ser usado em casos de emergência até que eu arrumasse outro emprego, mas minha presença naquele lugar parecia se limitar apenas ao corpo enquanto minha mente vagava em um universo paralelo – isso até o grito de me trazer de volta. Completamente desnorteada, eu balancei a cabeça, que doía, encarei os saltos altos com tiras que ela usava e respondi a primeira coisa que me veio em mente:
- Você está parecendo uma prostituta.
A atendente arregalou os olhos e pareceu extremamente ofendida com meu comentário. apenas balançou a cabeça e tirou os sapatos, devolvendo-os para a mulher que ainda me olhava feio.
- Obrigada, querida, mas não vamos levar nada. – disse com aquele sotaque que não permitia que nenhum vendedor ficasse irritado com ela. Depois, afundou as unhas no meu braço e me arrastou tão rápido para fora da loja que nem tive tempo de dizer “ai”. – O que deu em você?
Uma lufada de brisa de outono soprou e fez cócegas em minha pele.
- Estou de ressaca há uns três dias seguidos e não estou com vontade de fazer compras. – respondi. Aquilo com certeza não era uma coisa que eu diria.
Eu amava fazer compras.
Acho que estou ficando doente.
- Não seja ridícula, . Você está com medo de gastar dinheiro e virar uma sem-teto faminta, não é? Pelo amor de Deus, você está morando com o ! – ela parou de falar por um segundo e abriu um sorriso condescendente. – Ele te daria o mundo se pudesse, .
- Eu sei. – mordi o lábio, sorrindo também – Hoje quando acordei vi que ele havia deixado uma tigela com Froot Loops e uma aspirina do lado da minha cama. Foi como se eu tivesse 12 anos de novo.
- Pois é. E eu te daria o mundo se pudesse também, mas como não posso, deixe pelo menos eu lhe dar sapatos novos. – fez biquinho – Achei que tinha perdido minha melhor amiga para a Itália, precisamos comemorar sua volta do melhor jeito! O nosso jeito!
Dei uma gargalhada.
- Você faz parecer cômico o que na verdade é trágico – olhei para o relógio – Mas vamos deixar isso pra depois. Temos um compromisso agora.
Se havia uma coisa que eu iria sentir falta se estivesse em Milão eram daqueles almoços semanais, no meio da tarde, com as três pessoas que eu mais amava, em nosso bar favorito. e eu pegamos um táxi até a Topshop – porque era impossível não parar ali – e depois andamos pelo SoHo até ao O’Neills. Sentamos na mesa onde já nos esperava e continuamos conversando e rindo, distraídas, enquanto ele assistia o jogo dos Yankees na televisão. Até chegar.
- Olá, . Olá, Lúcifer. – ele acenou a cabeça para mim e para .
- ! Minha nossa, você tá um gato! – exclamei, ficando de pé para abraçá-lo. Sim, já era um pedaço de mau caminho normalmente, ainda mais quando usava terno. Mas havia algo estranho ali: ele quase nunca usava ternos, porque dizia que não queria ser “como os outros advogados normais de Manhattan”. – Por que você está vestido assim?
- Tive uma audição hoje, daquele caso importante da Ragnor Inc.
- E ganhou?
- É claro, querida, eu sou foda. – ele sorriu e eu fiz o mesmo, voltando a me sentar. Alguém estava estranhamente silenciosa: nem mesmo havia respondido ao insulto de , o que era um milagre. Virei-me para ela e vi que ela o encarava com o rosto completamente vermelho, parecendo estar prestes a desmaiar.
- Eu... eu preciso tomar um ar. – disse ela com a voz esganiçada e se levantou tão rápido que nem tive tempo de perguntar o que estava acontecendo.
- O que deu nela? – questionei – Estava boazinha agora a pouco...
- Tá grávida – deu de ombros, tomando a cerveja da mão do e dando um gole. Arregalei os olhos.
- Você acha?
- Claro que não – interviu – Ela bebeu pra caralho no almoço na casa da mamãe ontem.
Suspirei com a mão sobre o peito.
- Graças a Deus.
- Concordo. – disse – Já pensou, um filho do Aaron?
Todos nós estremecemos com esse pensamento macabro.
retornou tranquilamente, como se nada tivesse acontecido, apesar de não dirigir o olhar ao nem por um segundo. Nós conversamos, comemos nossos hambúrgueres e tudo estava indo muito bem, até decidir jogar a bomba:
- Quero que vocês conheçam a Brooke. Irei trazê-la amanhã à noite.
, e eu nos entreolhamos rapidamente. Aquilo era um péssimo sinal – já estava todo apaixonadinho, querendo ir rápido demais, o que geralmente significava que ele iria, em poucas palavras, se foder.
- Isso não é justo! – protestou – Por que eu nunca posso trazer o Aaron para as nossas reuniões?
- Porque ninguém aqui gosta do Aaron, , aceite os fatos. – disse, entediado.
Ela alternou o olhar entre eu e , implorando para que alguém discordasse de .
- Foi mal – e eu dissemos em uníssono.
- Mas tenho que concordar com ela, cara, por mais que odeie admitir isso – se virou para ele – É a nossa reunião! Tem sido assim desde que todos nós temos idade para entrar em bares!
- E antes disso íamos ao McDonald’s – acrescentei.
- O que estou querendo dizer é que você está quebrando uma tradição, seu babaca – continuou – Só porque quer que a gente conheça a sua transa recente.
- Pra começar, ela não é... minha transa. – falou, claramente envergonhado.
Ah, cara. Então ela era mesmo uma tipo 2.
- Puta merda, ! – deu um tapa na mesa – Você ainda nem comeu a menina e quer que a gente conheça ela? Sério?
- Não seja machista – o fuzilou com os olhos e se virou para o irmão – Mas ele está certo, você é o quê? Gay?
- Calem a boca, seus putos. – se levantou e nos olhou ameaçadoramente – Eu preciso trabalhar, mas a Brooke vai vir amanhã. E sejam legais com ela.
Todos os três naquela mesa estavam tendo um dia péssimo – o que, claro, resultaria em uma ótima desculpa para não aparecer à noite, mas pode ser um pé no saco quando quer. havia brigado com Aaron (por um motivo que ela não quis me dizer e eu sabia que ela nunca contaria na frente de seu arqui-inimigo, que com certeza faria alguma piadinha a respeito) e estava irritado com algo, o que não era nenhuma novidade. Quanto a mim? Bem...
Digamos que eu não estava exatamente animada para conhecer uma qualquer que logo depois de deixar solitário, inconsolável e com dívidas em seu cartão de débito, nunca mais apareceria em nossas vidas.
Por baixo da mesa, dei um chute na canela de .
- Ouch! – ele gritou e me olhou indignado – O que foi, doida?
- Você não para com esse tremelique na perna, está me dando nos nervos! – falei, esbaforida. – O que você tem?
Ele resmungou algo incompreensível, feito uma criança birrenta, e falou logo depois:
- Está tendo jogo dos Knicks contra Bulls e eu claramente não estou assistindo – gesticulou com a cabeça para a grande televisão. Estava passando algum reality show da MTV sobre solteiros em uma praia ou coisa parecida.
Em um bar? Sério? O público daquela merda deveria ter uns 12 anos e olhe lá.
- Você não torce para os Knicks ou para os Bulls – observou.
- E daí? Qualquer coisa seria melhor do que estar aqui esperando pelo e pela vadia do – disse ele – Sabe por que nunca temos encontrinhos para conhecer as vadias do ? Porque elas não passam disso: vadias!
Eu ri (e algo lá no fundo fez com que eu me sentisse culpada por isso).
- Bem, ele não sabe disso. – resolvi defender o pobre coitado, mesmo que estivesse certo – E você sabe como ele é...
- não deve estar errado – falou, e tenho certeza que ela nem havia prestado atenção nas palavras que havia acabado de dizer, pois estava jogando Flappy Bird no celular – No fim da noite, poderemos dizer que ela era mesmo uma vad... oh, olá, maninho!
Ela se assustou tanto quanto eu. Ergui a cabeça em direção ao casal.
- Olá, gente. Quero que conheçam Brooke Shepheard.
Você deve estar se perguntando qual foi a primeira coisa que reparei na criatura na qual eu não estava nem um pouco interessada em conhecer. Não foi seu vestido Stella McCartney azul e super decotado, ou os sapatos Manolo combinando. Não reparei em seu cabelo loiro e liso, partido no meio de um jeito que deixaria qualquer uma ridícula, mas caía perfeitamente nela. Não reparei no fato que ela parecia ter sido arrancada de uma caixa de bonecas Barbie e convertida em tamanho real, ou que ela era o tipo de mulher que fazia as outras ao seu redor perderam a autoestima só por estarem no mesmo cômodo que ela.
Não. A primeira coisa que eu reparei foi: eu sou mais gostosa.
Já era uma tradição minha fazer isso com todas as garotas que me apresentava. Quando eu era uma adolescente, tinha um sério problema com a minha imagem. Quando me tornei adulta, meu ego cresceu junto. O que posso fazer? Sou maravilhosa. E uso minha maravilhosidade (essa palavra existe? Bem, foda-se, acabei de inventá-la) para medir as pretendentes do . Se ela era bonitinha, mas não chegava ao meu nível, eu a aprovava. Se ela era mais gostosa do que eu... bom para ele, mas significava que eu não iria me dar bem com ela.
Feita a análise, sorri satisfeita.
- Essa é a minha irmã, . – apresentou as duas com uma cara de idiota que combinava com sua voz. Ele realmente deveria ficar nervoso perto daquela garota. Parecia até um robô.
- A gêmea! Nossa, vocês são tão... – Brooke sorria largamente, mostrando os dentes branquíssimos enquanto pensava no que dizer – Quer dizer...
- Eu sei, eu sei, não somos nem um pouco parecidos. – cortou a ladainha, esticando o braço para apertar a mão dela. – Alguém tinha que ter os genes bons nessa família, querida. E, convenhamos, essa pessoa sou eu.
Brooke riu alegremente e indicou .
- , meu melhor amigo.
- P-Prazer – gaguejou, e eu pude ver o esforço que ele estava fazendo para manter os olhos no rosto dela e não nos peitos, que pareceram ficar a poucos centímetros de distância do nariz dele quando ela se inclinou para cumprimentá-lo. Que grande homem ele era. Estava orgulhosa dele.
- E essa é , minha...
- Ah, a famosa melhor amiga. fala muito de você – ela disse e se sentou ao meu lado como se fôssemos BFF’s. Eu não disse nada, apenas sorri, simpática.
Fala muito de uma mulher que é bem mais gostosa que ela durante seus encontros? Céus, precisa de umas aulas.
Todos pareceram rapidamente encontrar um assunto para conversar, mas eu fiquei de fora, concentrada demais em beliscar os nachos na mesa e beber uísque. Brooke era extrovertida, espontânea e falava muito. Geralmente era eu quem falava muito naquela mesa, e dessa vez estava calada como uma múmia – e eu merecia um prêmio por isso, porque estava me segurando muito para não xingar toda vez que ele soltava um “ela não é engraçada?” ou “ela não é inteligente?” quando não estava praticamente se afogando na própria baba. Enquanto Brooke tagarelava, percebi uma coisa.
Eu não gostava dela.
Ela era perfeita demais, legal demais, e nem um pouco como uma tipo 2 geralmente era: desinteressada em nós e tudo que fosse importante para . Havia algo seriamente errado com aquela garota.
Mas os outros – e por outros, refiro-me a e – não pareciam perceber isso, o que fez com que eu me irritasse com eles também. Eu queria gritar: Como podem gostar dela? Ela é tão... tão...
Droga. Eu nem tinha argumentos para defender minha opinião.
As horas pareceram se arrastar e eu já sentia que estava meio chapada, já que havia passado praticamente o tempo inteiro abrindo a boca apenas para pedir mais uma rodada. Ainda assim, não queria ser a primeira a ir embora – não antes que a srta. Shepheard cometesse alguma gafe.
- O papo está ótimo, mas eu preciso ir. – se levantou, com pressa e com o celular em mãos. Supus que deveria ser algo com Aaron, mas inventou uma desculpa esfarrapada qualquer para ir embora junto. finalmente tirou os olhos de sua Afrodite e percebeu que já estava ficando tarde.
- Vou pagar a conta. E vocês duas, não aprontem nenhuma. – ele disse.
- Irei contar todos os meus segredos para ela – Brooke piscou com seus longos cílios e eu dei uma risadinha forçada, abaixando meu enésimo copo vazio.
já estava longe quando ela se virou para mim e sua expressão mudou completamente. Aquela cara de Miss Simpatia se converteu em uma lunática vingativa.
- Escuta aqui, docinho – sua voz baixa era ácida – gosta muito de mim, e eu sinto que podemos ter um futuro. Mas eu não gosto nada que ele tenha uma colega de quarto... principalmente uma mulher. Fique longe dele. Fui clara? Se não, sei que posso muito bem convencê-lo a se livrar de você para sempre.
Ah, eu sabia.
Quem aquela baranga pensava que era? Ela achava mesmo que trocaria 20 anos de amizade... Oh, não, espera. Ela não o conhecia. E ela, definitivamente, não me conhecia. Abri um sorriso vitorioso.
- Manda ver, piranha.
Está vendo esse olhar de surpresa na cara dela? Ela achou que eu não reagiria e que eu deixaria que sua bunda seca e inexperiente me derrotasse. Pobre Brooke... não fazia ideia do que havia acabado de se meter.
A luta por começaria agora, e sempre entrava no jogo para vencer.
Eu gostaria muito de poder dizer que as coisas estavam indo bem com . No entanto, como uma vez disse alguém a famosa frase que é praticamente a história da minha vida, querer não é poder.
A primeira semana estava sendo um verdadeiro caos. Depois de discutir pelas mínimas e mais ridículas razões, chegamos ao ponto de nem mesmo olhar na cara um do outro ou dizer qualquer coisa. E quando era necessário dizer algo, começávamos a brigar.
- Será que você pode fazer pelo menos isso? – falava, estressado, como se eu passasse o dia inteiro em um SPA lendo a Entertainment Weekly – Amarrar o saco de lixo e levá-lo para fora do prédio?
Não é como se eu tivesse imaginado que morar com fosse me dar direito a dias de princesa, com um cara gostoso sem camisa me fazendo uma gloriosa massagem tailandesa ou me abanando com folhas de palmeira enquanto eu comia uvas com rodelas de pepino sobre os olhos. (Bem... na verdade, eu imaginei, sim. E o cara, de preferência, seria ele). Ainda assim, mesmo no sentido conotativo da coisa, não estaríamos desse jeito.
- Eu nunca colocava o lixo para fora, outra pessoa fazia isso. Não pode me culpar. – me defendi, e era verdade.
Em meu prédio, Kevin, o bom velhinho - ou Papai Noel Zelador, como eu o chamava - sempre me quebrava esse galho. Porque, admito, eu acho nojento.
– Mas e você, hein? – apontei para ele, erguendo a voz – Qual a dificuldade em lavar um prato e um copo? A pia estaria parecendo um Monte Everest de imundície se não fosse por mim!
deixou a maleta que ele levava para o trabalho cair no chão.
- Você acha que eu tenho tempo de lavar a porra da louça quando chego do trabalho? Eu só quero ficar no sofá e tomar uma cerveja, muito obrigado – ele bufou, massageando as têmporas enquanto dava passos fortes em minha direção – Mas é mais fácil falar dos outros, não é mesmo? Por que diabos você continua deixando as caixas de leite vazias na geladeira?
- Então você pode não ter tempo de lavar a louça e eu não posso não ter tempo de comprar leite? – perguntei, a voz aguda de irritação – Se toca, !
- Sua vida não é mais como era antes, !
Ok, essa doeu.
- Talvez não seja, mas não sou eu quem fica deixando meias jogadas pela casa, pelos de barba na pia do banheiro e a tampa do vaso sanitário levantada! – berrei – Como você vive?
- Eu não aguento mais isso, francamente... – ele murmurou, virando de costas para mim e pegando a jaqueta de couro que havia acabado de pendurar no porta-casacos.
- Vai se foder. – resmunguei, baixo.
- Quanta maturidade – ele desdenhou.
- Vai se foder com uma cereja enfeitando! – gritei, e ele fechou a porta com um estrondo.
A situação estava realmente insuportável, e só então percebi que eu não estava em vantagem em comparação com Brooke, a piranha que agora tinha toda atenção do só para ela, apenas uma semana depois de eu ter aceitado o seu desafio idiota. E por mais orgulhosa que eu fosse, eu tinha uma característica forte o suficiente para derrubar o meu orgulho e me fazer correr atrás de como um cachorrinho para que ele voltasse a me amar e eu estivesse no seu pedestal outra vez.
Eu era competitiva. E já era hora do Time voltar para o topo.
No dia seguinte, escolhi meu vestido mais angelical e comportado – o que foi uma tarefa bastante difícil, vale ressaltar. Deus, o que as pessoas por aí devem falar das minhas roupas? Se bem que... não importa. O que é bonito deve ser mostrado. – para ajudar na tática, mas já dizia minha mãe que um homem é conquistado pelo estômago. O que, achou que a vida em Nova York regada a fast foods e com confeitarias em cada esquina faria com que eu não soubesse cozinhar?
sempre parecia exausto quando chegava do trabalho, as marcas de expressão em seu rosto ficavam mais visíveis, assim como o cansaço em seus olhos . Ele destrancou a porta, a abriu e pendurou o casaco, como sempre, mas se surpreendeu quando viu o que estava diferente em sua rotina. Eu estava diferente. E segurava uma torta de limão.
Mas que bela oferta de paz.
- O que... – ele se interrompeu, um mínimo sorriso oscilando em seus lábios.
- Eu não quero mais brigar, – me adiantei, deixando a torta sobre a mesa de centro para me aproximar dele. – Nós somos diferentes, sempre soubemos disso. Mas isso nunca atrapalhou nossa amizade, e não vou deixar que isso aconteça agora. Droga, eu nem posso me dar ao luxo, ou irei ficar desabrigada – admiti. Ele deu uma risadinha. – E isso, bem... – apontei para a torta – É de limão siciliano, sua favorita. Achei que era um bom pedido de desculpas por eu ter sido um pé no...
Ele nem deixou que eu terminasse de falar. me puxou para um abraço, e só então percebi o quanto havia sentido falta daquilo. Falta dele. Minhas mãos tocaram em suas omoplatas, até que eu as desci para o fim de suas costas, apertando-o contra mim enquanto ele fazia o mesmo comigo, envolvendo-me pelos ombros. Enterrei o rosto em seu peito. Ele cheirava ao seu perfume, café preto e chiclete de menta.
- Estou tão aliviado por estarmos bem, – ele disse, sem me soltar – Odeio quando brigamos. É antinatural.
- Eu sinto o mesmo – suspirei, dando um passo para trás ao me desprender dele – E eu prometo que a torta é toda sua – ergui as mãos – Não vou pedir nem um pedaço.
- Sério? – ria, balançando a cabeça – Então aposto que a Brooke vai adorar uma surpresa.
Senti o sorriso sumir do meu rosto e ser substituído por ultraje. Como é que é, querido?
- Você é a melhor, love. Te vejo mais tarde – ele se apressou, pegando a minha torta para ir embora, me deixando sozinha no meio da sala. Eu quase podia ver uma placa de neon apontando para uma com cara de paisagem e anunciando: “Maior Trouxa do Mundo”.
E eu nem mesmo tive tempo para cantar vitória.
Desci na 42nd Street com a Broadway, a linha vermelha do metrô parando na estação da Times Square. Aquela era minha estação de metrô favorita, – embora seja uma coisa realmente exótica ter uma estação de metrô favorita – porque eu sempre encontrava as coisas mais estranhas. E por coisas me refiro a pessoas fantasiadas de super heróis ou que poderiam estar participando do RuPaul's Drag Race. Além disso, a estação era brilhante como o Natal. Na verdade, toda a Times Square era – e eu adoro brilho.
Atravessei a rua até a Starbucks, comprei um chá gelado de amora com limonada para mim e um mocha de caramelo, porque sabia que ela me mataria se eu aparecesse para vê-la de mãos vazias. Voltei para o outro lado, rumo a um dos prédios mais fodas de Manhattan. Era uma sensação muito legal poder dizer casualmente “Ah, minha melhor amiga trabalha no The New York Times, sabe como é”.
- Com licença, estou procurando por – falei para um cara que parecia com um jovem Jim Morrison e deveria ser, no mínimo, cinco anos mais novo do que eu. Ele ficou branco como papel e nervoso quando falei com ele. Estagiário, adivinhei. Eu sabia como ele se sentia.
Não precisava que ele me mostrasse o caminho, mas resolvi lhe dar esse crédito. estava tagarelando no telefone, abrasiva, e eu podia ouvir sua voz a metros de distância da sua sala.
- Sua informação seria interessante se ela me servisse de alguma coisa – grunhiu, batendo o telefone com força na mesma hora em que entrei na sala – , meu amor! – ela veio até mim e me deu um abraço rápido, arrancando o mocha da minha mão – É para mim, não é? Mesmo se não for, obrigada. Você pode ir agora, Jim, tchauzinho!
O estagiário balançou a cabeça mecanicamente, nos deixando sozinhas.
- O nome dele é mesmo Jim? – eu ri.
- Não, mas ele parece o Jim Morrison – ela deu de ombros.
- Pensei a mesma coisa!
- Diga-me, amada, o que a traz aqui? – ela quis saber, com o canudo verde-esmeralda da Starbucks entre os lábios e voltando para sua cadeira.
- O que você está fazendo?
- Muitas coisas, mas não se sinta constrangida, tenho duas mãos e dois ouvidos – deixou o copo sobre a mesa e começou a digitar, os olhos fixos na tela do computador – Desembucha. Põe tudo pra fora.
Respirei fundo. Pensei bastante se realmente deveria estar fazendo aquilo, mas, no fim das contas, a resposta sempre era a mesma. era minha melhor amiga. Eu compartilhava tudo com ela, e a melhor parte de ter uma melhor amiga é que podemos odiar a mesma pessoa juntas.
- O que achou da Brooke? – mordi o lábio.
- Vaca – ela respondeu, ainda digitando copiosamente. Essa é minha garota!, a voz na minha consciência berrou, feliz.
- Ah, meu Deus. Você precisa falar isso pro ! – eu pedi, um tanto exagerada demais. tirou as mãos do teclado e olhou para mim, apenas uma sobrancelha erguida. Odiava quando ela fazia isso. Eu demorei anos para aprender a piscar, nunca conseguiria erguer apenas uma sobrancelha. – Quer dizer, você conhece o – abaixei o tom de voz, para parecer mais casual – Ele eventualmente vai acabar se magoando. Não tenho um bom pressentimento sobre ela, precisamos nos livrar dela... Quer dizer! Precisamos livrar ele dessa. – me corrigi, orgulhosa do meu desempenho teatral.
Sério mesmo. Se nada desse certo na minha vida, eu iria começar a fazer testes para seriados.
- Ah, , você sabe que eu não me meto na vida amorosa do meu irmãozinho – disse , e eu imediatamente fechei a cara – Lembra daquele ano que tivemos que voltar para a Inglaterra?
Ah, e como lembrava. Segundo ano do ensino médio, a vovó faleceu e eles tiveram que passar um ano com a família em sua cidadezinha fora do mapa, deixando e eu sozinhos. Aquele foi um péssimo ano para todos. Além de estar a um oceano de distância de meus dois melhores amigos, foi o ano em que eu tentei ser gótica e quis ser hippie. Acho que eu nunca usei tanta maquiagem preta na vida. E cheirava a fumaça e xampu barato.
- Nós tivemos um baile de primavera naquele ano, – contou – e o capitão do time de croquet me convidou para ser seu par. – ela suspirou como uma adolescente.
Dei uma risada que pareceu um engasgo.
- Os alunos jogam croquet nas escolas na Inglaterra? – perguntei, espantada – Eles usam suéteres tricotados e bermudinhas xadrez como uniforme?
- Cala a boca e escute a história – ela estreitou os olhos – Benedict Brown me convidou para o baile, e é claro que eu estava super animada. Mas adivinha quem não gostava do Benedict, porque ele havia o derrotado na disputa pelo título de capitão? – balançou a cabeça – Ele mentiu para a mamãe, dizendo que eu estava matando as aulas com o Benedict, e ela me proibiu de ir ao baile. Nós brigamos feio. Dei um chute nas bolas dele. E foi então que prometemos que nunca mais iríamos nos envolver nos assuntos amorosos um do outro.
Eu ainda estava boquiaberta.
- Espera um pouco... jogou croquet? Você tem, tipo, imagens reais disso?
- Não é esse o ponto, ! Não prestou atenção na moral da história?
Revirei os olhos.
- Mas isso foi há o que, 15 anos atrás? Qual é, . – eu disse. Ela não cedeu. – Vocês são inacreditáveis. A propósito, além de jogar croquet, o cara se chamava Benedict Brown? Agora sei de onde vem seu mau gosto para homens. Pensei que Aaron fosse o primeiro.
Ela fez careta.
- Muito engraçadinha.
Despedi-me dela rapidamente, frustrada por não ter conseguido nenhuma ajuda, e me retirei do recinto, em direção à minha próxima – e imprevista – parada.
Era hora de ter uma opinião masculina sobre o assunto.
quase sempre chegava atrasado para encontros marcados, logo, ele ficava realmente puto quando, por alguma intervenção divina, ele chegava na hora certa e alguém o deixava esperando. Havia, porém, duas coisas que ele levava bastante a sério: seu trabalho e o bar.
Ele com certeza já estava lá e esperava por mim. Já podia até ouvir suas reclamações em meus ouvidos.
- Mil desculpas, eu sei que estou atrasada – falei, me apoiando nos bancos do O’Neills para me equilibrar até conseguir chegar à nossa mesa. Meus pés ardiam como inferno. – O metrô atrasou e, por Deus, eu pagaria para ver você andando com esses sapatos – reclamei, arrancando-os por debaixo da mesa para que meus calcanhares e dedos respirassem.
- Não sei como aguenta essas coisas. Mulheres... – ele disse, dando um gole na garrafa de cerveja. parecia estranhamente tranquilo. Eu não estava esperando por isso.
- Você sabe qual é a minha primeira regra: nada menor que 20 centímetros – eu falei, notando que ele afastou a garrafa dos lábios para dar um sorriso safado – Estou falando de saltos, seu pervertido – revirei os olhos.
- Eu não disse nada – deu de ombros, cínico, como sempre – Mas então, o que a traz até mim, docinho?
Ergui as sobrancelhas.
- O que deu em você? Geralmente não é compreensível e carinhoso desse jeito – observei, desconfiada, e ele deu de ombros outra vez – Espera só um minuto, eu vim pensando nesses amendoins torrados por todo o caminho, acho que é desejo – peguei um punhado cheio da pequena tigela de amendoins dele e os joguei na boca. Eu estava faminta. Vivendo apenas com minhas economias, eu tinha medo que até mesmo gastar com comidas por aí pudesse acabar me levando à falência.
Vai saber. É a crise americana.
franziu a testa.
- Agora eu estou achando que é você quem tá grávida.
Eu ri alto com a boca cheia – não fazíamos nenhum tipo de cerimônia entre nós, nem mesmo em público (acredito seriamente que deveríamos revisar nossas boas maneiras).
- Ah, , faz tanto tempo que eu não tenho esse tipo de diversão que me sinto quase virgem de novo – ele fez uma careta – É, eu sei, é tudo muito triste. Mas vamos aos negócios. – cruzei os braços, limpando a garganta – Vamos supor que... há este cara. E tem também uma vagabunda que quer ele só pra ela. O que eu devo fazer para que ele perceba que eu sou melhor e que ele tem que se livrar dela?
me encarou, sério, por alguns segundos.
- Deixe-me ver se eu entendi... – ele ergueu o dedo indicador e eu assenti várias vezes, cheia de expectativa. – Vamos chamar o de “este cara” agora?
Senti como se tivessem batido uma porta na minha cara.
- Eu... – gaguejei, surpreendida – Como você poderia saber que é o ?
- Porque, se fosse qualquer outra pessoa, você teria pedido a opinião dele. Mas você veio até mim, o que claramente significa que, além de ser ele o indivíduo da situação, você precisa saber jogar sujo – ele falou, orgulhoso de si mesmo – E, cara, contra aquela gostosa da Brooke você definitivamente precisa jogar sujo – sorriu com malícia. Eu fiz cara feia. – Além disso, convenhamos, , você é sutil como um furacão.
- Obrigada – respondi, mal humorada. – Diz logo o que eu tenho que fazer.
deixou a cerveja vazia sobre a mesa.
- Mulher, você é ! Várias garotas se matariam para ser pelo menos um pouco como você – ele disse, o que foi maravilhoso para o meu ego, embora “ser ” não tivesse sido uma coisa muito boa nos últimos tempos. – Use seus atributos, suas estratégias antigas. Um cara gosta de saber que você o quer, então, comece a mostrar isso.
Concordei com a cabeça, como se estivesse fazendo anotações mentais. Ouvindo conselhos do ... a que ponto eu cheguei?
- O que é uma surpresa de verdade pra mim é você estar apaixonada pelo .
Soltei um riso nervoso, apesar de não saber exatamente o porquê de ter ficado nervosa.
- Eu não estou apaixonada por ele.
era uma parte de mim. Sempre foi, sempre seria. Eu não deixaria ninguém mudar isso – ciúme, possessão, proteção; seja o que fosse, não era paixão.
- Escute o que eu estou dizendo. Algum dia você irá admitir, nesta mesma mesa, que está apaixonada por ele. E eu irei rir, balançar a cabeça e dizer “eu não disse?”.
Bufei.
- Você é um idiota. Mas obrigada, eu acho, pela sua ajuda.
- Disponha – ele falou de um jeito que soou quase como uma ameaça, como se eu fosse retribuir o favor, gostando ou não. – Mas eu tenho uma pergunta. – eu ergui as sobrancelhas, mediante a sua pausa dramática. – Por que o ? Eu sou bem mais gato do que ele.
Resolvi ignorá-lo completamente, contornando sua pergunta com outra.
- Por que quer saber, ? Você por acaso não estaria querendo me pegar, estaria? – eu quis saber, desafiadora.
Ele se levantou.
- Se eu já não estivesse interessado em alguém, , eu te pegaria em todas as posições do Kama Sutra. Agora, me dê licença, porque não sou de ferro e vou me apresentar para aquela belezinha ali – ele indicou alguém com a cabeça e eu olhei por cima do ombro. Havia uma ruiva peituda sentada junto ao balcão do bartender.
me deixou sozinha com meus pensamentos enquanto ia investir em sua nova vítima e eu chamava a garçonete. De todas as coisas que haviam acontecido ali, talvez a mais estranha tenha sido ouvi-lo dizer, pela primeira vez em sabe Deus quantos anos, que estava interessado em alguém. Talvez.
- A porta, ! – gritou.
- Já vou! – respondi, saindo do quarto. Eu não tinha certeza se estava vestida adequadamente para atender a porta, mas não me importava o suficiente para me trocar: shorts curtos, meias três-quartos brancas e uma blusa grande azul da Yankee Healthy Run, uma corrida beneficente que aconteceu no verão passado em Staten Island. Honestamente, eu só corri até a loja de cupcakes mais próxima. E não me arrependo de nada.
estava no sofá tirando um pedaço da Pan Pizza de quatro queijos da Pizza Hut, e eu franzi o cenho ao passar por ele.
- Quantas pizzas você pediu? – perguntei.
- Só essa – ele respondeu. Confusa, pois achava que estariam entregando outra, destranquei a porta.
Um homem alto com o uniforme azul e laranja da FedEx trazia uma caixa de papelão em um braço e segurava uma prancheta com a outra mão.
- Entrega para vírgula .
- Eu sou vírgula – ri, aceitando a prancheta que ele me entregara e riscando minha assinatura (minhas iniciais e um coração, ninguém pode me julgar) no espaço devido. Eu a devolvi, recebendo o pacote em troca – Mas o que... – o cara já tinha se virado e ido embora – Obrigada! – gritei, fechando a porta em seguida.
me olhou, intrigado.
- O que é?
- Também não sei – me sentei ao lado dele no sofá, balançando o pacote para tentar descobrir o que era. Poderia ser uma bomba mandada pelos terroristas. Ou pior: pela Brooke.
Bem, era óbvio que eu estava sendo paranoica. O som era oco e eu não tinha ideia do que poderia ser antes de abri-lo e sentir minhas palpitações pararem.
- Jesus Cristo! – exclamei, erguendo a bolsa rosa da Louis Vuitton. Podia jurar que meus olhos estavam quase lagrimando. – Eu a comprei na última Black Friday e só chegou agora... ela é tão linda, olha só pra ela, !
Ele estava olhando, mas não impressionado.
- Você já pagou por isso?
- Claro que sim! Você nunca fez compras online, homem?
- Não foi isso que eu quis dizer. É que... você sabe. – ele disse, com cautela. Sim, eu sabia. Com as minhas condições atuais, eu precisava abrir mão das compras, pelo menos por um tempo.
Para uma consumista como eu, isso era quase um instrumento de tortura.
- Eu já disse que não vou comprar o que não for necessário – falei, tristonha, mas ainda admirando minha nova aquisição. Ela era um belo de um consolo.
riu.
- Sabe o que eu acho? Você já tem tantas bolsas e sapatos, acho que seria uma boa ideia vend...
- VOCÊ PERDEU O JUÍZO? – interrompi-o, antes que ele pudesse terminar aquela blasfêmia.
- Só foi uma ideia! – ele se defendeu, aumentando o volume da televisão. Faltava pouco para o jogo do Chelsea e Manchester United começar, então deixei a Louis Vuitton de lado para colocar minhas mãos naquela pizza altamente calórica, gordurosa e absurdamente deliciosa. – Olhe só, isso é lindo, isso é futebol de verdade, não essa porcaria que vocês americanos inventaram.
- Alto lá, queridinho – falei, me fazendo de ofendida – Você vem para o meu país e quer falar mal do nosso esporte? Pois saiba que é o óleo da nossa batata frita que está correndo nas suas veias!
Ele fez careta, horrorizado.
- Me lembre de fazer um exame de colesterol o mais breve possível, sim?
Dei risada e mordi a pizza. O juiz apitou, dando início à partida, e eu soube que era hora de dar início à minha próxima jogada, também. Distraído com o jogo, seria difícil que ele negasse algo para mim.
- Ah, , eu acabei de lembrar – menti – que o setor do trabalho da estará dando uma festa para arrecadar fundos para a caridade amanhã à noite no 1 Oak. Nós deveríamos ir.
- Uma festa de caridade onde você bebe até o fígado pedir socorro – ele riu – A nem vai estar lá. Ela vai com o Aaron no culto da sinagoga dele... espera, judeus falam “culto” ou usam outro termo?
- Quem se importa? – eu revirei os olhos – Sim, eu sei que ela não vai, por isso ganhamos os dois ingressos deles! Você não pode deixar essa oportunidade passar. É o 1 Oak, . Podemos encontrar Brangelina lá. Ou Jay e Bey.
Ele pareceu pensar por um tempo, então negou com a cabeça.
- Não, não estou convencido.
- Por favor! – fiquei de joelhos no sofá e o balancei pelo ombro. Ele xingou, porque eu estava tirando sua atenção da televisão – Por favor com uma cereja enfeitando!
- Você tem usado essa expressão para situações bem diferentes ultimamente – ele me olhou rapidamente, com uma expressão divertida. – Já que insiste, eu irei.
Sorri vitoriosa em resposta, voltando a sentar com as pernas cruzadas. Dei mais uma mordida na pizza.
- Chelsea vai ganhar. – comentei.
- Cala a boca, caralho – ele disse, sério, e eu gargalhei alto.
Ficamos em silêncio, até que ele disse:
– Sabe... ele seria muito sortudo.
Eu o encarei, sem entender.
- Quem seria muito sortudo?
- Seu marido, se você não tivesse toda essa aversão a relacionamentos. O cara que se casasse com você seria muito sortudo. Quer dizer, ter uma garota linda para comer uma pizza inteira e assistir futebol? – ele sacudiu a cabeça – Esse é o sonho.
Essas palavras provavelmente não deveriam ter tido nenhum efeito especial sobre mim. Deveriam ser apenas elogios vagos, como sempre eram. Porém, dessa vez, senti algo diferente. E mesmo sem saber o que era, fiquei corada como uma garotinha.
Avaliei minha imagem refletida no espelho, memorizando todos os detalhes antes que me afastasse. Depois de passar os anos da minha infância e adolescência sendo depreciada por colegas e até pela minha própria família, decidi parar de dar ouvidos e percebi que a única pessoa que poderia dizer que eu era boa o suficiente era eu mesma – e eu me faria merecer esse título. Talvez esse meu lado narcisista influenciasse meus pensamentos em algumas situações, fazendo com que meu amor próprio parecesse exagerado, mas agora eu precisava admitir: havia me superado.
Eu usava um vestido preto, justo, curto e assimétrico, contrastando com meus sapatos carmesim. Havia optado por pouco batom e olhos escuros como de uma pantera. Meus cabelos caíam sobre os ombros, rente ao decote circular que formava um coração.
Ergui o queixo, confiante, disparando para o lado de fora.
ergueu os olhos da tela do celular e seu rosto ficou branco. Seu queixo caiu por alguns segundos, sua boca formando uma perfeita circunferência antes que ele lembrasse de fechá-la.
- Meu Deus, .
Eu sei. É como dizem: ninguém faz preto como Dior.
Abri um sorriso satisfeito por sua reação.
- Podemos ir, então?
- É – ele respirou fundo, parecendo nervoso ao pegar as chaves do apartamento – Podemos.
Aquela ideia havia sido genial, eu precisava concordar. A melhor forma de arrecadar dinheiro em um país de pessoas egocêntricas como a América, mesmo que por alguma causa, era fazer com que elas gastassem dinheiro consigo mesmas. Com todo o status do 1 Oak, eu duvidava que os ingressos tivessem sido baratos, ainda mais com open bar. Eu ficaria devendo essa à .
Havia uma multidão de corpos suando e mexendo-se na pista de dança enquanto a música vibrava por toda a área do lugar. Impressionada, achei que nunca tinha visto tantos Armanis, Marc Jacobs e Cartiers em um mesmo metro quadrado, além de em Keeping Up With The Kardashians. As luzes piscavam na batida do que o DJ estivesse tocando, e o cheiro era uma mistura de álcool e perfumes importados.
- O que acha? – perguntei para o , propositalmente. Aquele era o tipo de lugar que estávamos em todos os fins de semana quando éramos da casa dos 20.
- Nada mau – respondeu – Mas não posso demorar. Prometi à Brooke que passaria a noite com ela.
Reuni todas as minhas forças para não soltar um suspiro impaciente. Ou vomitar.
- Sem problemas. Não vou te impedir de ver sua namorada, Romeuzinho – gritei por cima da música, agarrando seu braço. O músculo era forte e protuberante, mesmo por baixo do blazer. – Vem aqui, vamos virar alguns shots.
Se e estivessem ali, eu poderia jurar que havíamos voltado no tempo para o ano em que éramos calouros na faculdade e nos reuníamos nas férias de verão – quando voltava da Califórnia para visitar a família e, claro, nós – nas boates mais badaladas. Com , eu sempre tinha aquela sensação de que não precisava de mais nada naquele momento para me sentir feliz. Brindamos com nossos minúsculos copos, bebemos e rimos de tudo e nada que fizesse sentido.
- Eu quero dançar – falei. Estava agitada, sentindo o corpo pulsar e pedindo por adrenalina.
Sabia que não responderia mais pelos meus atos.
- Eu... acho que eu já deveria ir – ele disse, pausada e tranquilamente, a voz já soando meio embriagada. Seu rosto estava próximo, de forma que eu podia sentir seu hálito de tequila e limão.
- , eu adoro essa música! – insisti. Ele continuou negando. – Então espera aqui. Você não vai a lugar nenhum.
[Coloque para tocar: Snap Out Of It – Arctic Monkeys]
What's been happening in your world?
What have you been up to?
A determinação com a qual andei até a pista foi surpreendente até para mim – eu nunca havia me sentido tão forte, firme e poderosa. Fechei os olhos pelo primeiro momento em que meu corpo encontrou a música, perdendo-se nela. Deslizei a mão pelos cabelos, jogando-os para trás e a descendo por minhas curvas em seguida.
I heard that you fell in love, or near enough
I gotta tell you the truth, yeah
Me virei na direção onde estava, sem disfarçar nem recuar. Eu mexia o quadril, estalando os dedos e me sentindo maravilhosa e sensual ao ver que me encarava com os punhos cerrados e o lábio inferior preso entre os dentes, como se eu fosse radiante como sol e ele só tivesse olhos para mim.
I wanna grab both your shoulders and shake, baby
Snap out of it
I get the feeling that I left it too late, but, baby
Snap out of it
Uma mão veio de trás e apertou minha cintura com firmeza, me causando um arrepio na espinha. Ele fez com que eu me virasse de frente, e eu sabia que esperava que fosse ali, mas não fiquei nem um pouco decepcionada ao dar de cara com aquele deus grego que me segurava. O misterioso sorria com seus dentes perfeitamente alinhados. Eu retribui o gesto.
If that watch don't continue to swing
Or the fat lady fancies having a sing, I'll be here
Waiting ever so patiently for you to snap out of it
Joguei um dos braços ao redor do pescoço do misterioso, que me entregou uma taça de vidro e sussurrou algo em meu ouvido, provavelmente obsceno, mas estava ocupada demais para prestar atenção. Eu levei a bebida aos lábios, olhando na direção de enquanto continuava dançando. Ele havia parado de olhar, o rosto contorcido em uma expressão de raiva.
O líquido tinha um gosto diferente de tudo que eu me lembrava de já ter experimentado. Pareceu se passar apenas uma fração de segundo até que meus pés parecessem mais instáveis, e quase caí ao me desequilibrar nos sapatos. A música começou a se afastar como se minha cabeça estivesse submersa em uma piscina. Minha visão, antes apenas turva, começou a se tornar uma mistura de cores incandescentes.
- Fique calada, sua vadiazinha – a voz rouca e grossa do homem que me mantinha de pé soou alta e clara em minha cabeça. Tentei responder, mas minha língua estava dormente e minha voz tinha sumido. Sentia como se meus braços e pernas tivessem virado gelatina.
Era como se eu fosse uma boneca inflável, inanimada, sendo arrastada à força até o lado de fora da boate. Eu sabia que podia me perder a qualquer momento, – desmaiar, perder completamente a consciência, ter overdose – então comecei a lutar internamente para me manter de olhos abertos. Eu queria gritar, mas nada parecia atender aos comandos do meu cérebro. Eu não conseguia enxergar ou ouvir, mas podia sentir uma mão enorme apertando minha carne. Estava chovendo.
Minhas costas e cabeça se chocaram dolorosamente contra uma parede de concreto, causando uma queimação excruciante por toda a extensão da parte de trás do meu corpo. Senti de um ímpeto a boca dele contra a minha, sua língua a invadindo sem que eu conseguisse impedir. Ele tinha um gosto terrível de tabaco.
- Até que você é bem gostosa, hein? – ele riu com frieza, forçando minhas pernas a se abrirem. Eu tremia de frio, completamente molhada, e tentava balançar a cabeça, fazer qualquer coisa para fugir daquele monstro. Suas unhas apertaram a parte interna da minha coxa. Soltei um gemido de dor, com gosto de lágrimas que não conseguiam sair em minha garganta. Por favor, não, por favor, por favor... eu implorava mentalmente.
Minha visão clareou pelo tempo suficiente de gravar o rosto daquele homem em minha memória, seus cabelos grisalhos e seus olhos cinzentos e famintos. Tempo suficiente para que o seu sorriso maníaco desaparecesse quando sua cabeça foi atingida por um soco tão forte que o fez cair no chão.
- !
Tempo suficiente para que eu ouvisse gritar por cima do som da chuva violenta.
Meus joelhos cederam e tudo se transformou em um borrão escuro.
Foi como se eu tivesse sido atingida por uma corrente elétrica – um choque que fez minhas pálpebras tremerem antes que eu abrisse os olhos, ofegando com falta de ar. Não demorei para me situar, logo percebendo onde estava. Era a sala de estar do nosso... do apartamento do .
Estávamos no sofá. Ele me segurava, deitada em seu colo.
- Ei. Está tudo bem. – ele sussurrou, com cuidado, como se estivesse acalmando uma criatura raivosa, mas eu estava apavorada.
- Que horas são? – foi a primeira coisa que perguntei.
- Quase três da manhã – suspirou – Caramba, , você me deu um susto dos infernos. Estava apagada até agora.
Eu não podia acreditar que ele havia ficado durante todo o tempo ali, comigo.
- Eu... – minha garganta tinha um gosto amargo de bile. Além do evento fatídico, eu não lembrava de mais nada que tivesse acontecido depois. Eu ainda estava usando o mesmo vestido, mas o blazer de me cobria. A única coisa que me mantinha aquecida além do calor que emanava dele. – O que aconteceu comigo?
- Havia bastante droga na sua bebida. E possivelmente teve uma hipotermia. – ele falou, deslizando o dedo polegar pela minha bochecha.
Encolhi-me junto a ele, aninhando-me em seu peito e deitando a cabeça em seu ombro.
- Que merda – eu respondi, simplesmente, fazendo-o rir. – Então... você deve ter deixado a Brooke sozinha por causa do que aconteceu. Sinto muito por isso.
Eu sei, era um momento completamente inapropriado para pensar na competição, mas eu tinha um jeito diferente de lidar com as desgraças que aconteciam na minha vida. Fingir que nada era capaz de me machucar era a melhor forma de acreditar que um dia isso poderia ser verdade, mas infelizmente eu ainda não havia conseguido me livrar por completo das emoções humanas.
- Ela não ficou feliz, mas precisa entender que eu não posso deixar você na mão. Principalmente porque você não para de se meter em confusão. – ele afagou meus cabelos e encostou os lábios em minha testa. Eles eram quentes e macios. – Alguém precisa cuidar de você, entende isso?
Eu sabia que estaria segura enquanto estivesse com ele. e eu éramos magnéticos – nos repelíamos em alguns pontos, mas nos atraíamos em outros. Separar-nos seria uma tarefa difícil, e eu desejava boa sorte para quem quer que fosse tentar fazer isso. Eu sempre teria vantagem na competição.
Quem ri por último, ri melhor.
O silêncio havia se tornado perturbador. Eu não me importava de cair no sono com a televisão ligada no volume máximo ou com algo tocando nos meus fones de ouvido. No silêncio, eu ouvia o barulho de chuva. Eu ouvia as vozes das pessoas e da música, mas eles se dissipavam, ficavam distantes como se minha cabeça estivesse submersa e, quando eu estava prestes a afogar, o sorriso cruel do homem da festa aparecia me trazendo calafrios.
Eu sentia vontade de gritar quando acordava, com o coração se estatelando em minhas costelas e o ar faltando em meus pulmões. Mas em todas as vezes em que eu acordava no meio da madrugada, estava lá.
Às vezes acabávamos dormindo lado a lado no sofá. Em outras noites, ele ficava no chão ao lado da minha cama, brincando com meus dedos até que eu apagasse. Quando eu acordava dos pesadelos, ele sempre estava lá. E ainda estava segurando a minha mão.
Naquele dia meu horóscopo disse que eu não deveria sair de casa. Eu deveria ter prestado atenção nessa parte, não na que dizia que eu deveria usar algo laranja para diminuir o azar.
Por quê? Para começar, porque eu não sou parte do elenco de Orange Is The New Black e a cor fica péssima em mim. Segundo, porque Brooke estava me tirando do sério sendo alegre e irritante como a porra de um Teletubbie.
Os garotos riam de qualquer coisa que ela falasse. Qual é, aquilo era um show de stand up, por acaso? fingia se importar. Eu pensava em diferentes maneiras de matá-la.
- Na verdade, é bem simples de entender – ela falou, referindo-se a algo que eu não havia escutado, muito menos ligava – Assim como dizer que os Mets são os melhores e os Yankees são uma merda. Apenas isso.
Ninguém riu, apenas ela. E quando percebeu isso, ela ficou confusa.
- Hã, é fã dos Yankees. – explicou, rapidamente, dando um gole na bebida e intercalando o olhar entre mim e ela. congelou, encarando a mesa fixamente. checou algo no celular enquanto fazia esforço para não rir. Eu apenas a encarei com as sobrancelhas erguidas.
- Ah – Brooke colocou a mão sobre o peito, com uma expressão solidária falsa e forçada – Coitadinha.
Sim, ela falou exatamente como alguém faria com um cachorrinho fofo que acabou de fazer alguma merda, o que foi quase irônico, já que era ela quem parecia uma líder de torcida de colegial. Talvez eu não me comportasse como uma mulher adulta na maior parte do tempo, mas pelo menos eu tinha a aparência de uma.
Eu era uma daquelas pessoas que idolatram seu time de beisebol e, principalmente por ser nova-iorquina, mandava para o inferno qualquer um que tivesse a audácia de falar mal dele. O beisebol sempre foi a única coisa que havia me ligado ao meu pai quando ele e minha mãe ainda fingiam que éramos uma família. Todos que me conheciam bem sabiam como aquilo era importante para mim.
Mesmo assim, me limitei a dar de ombros, indiferente.
- Eu não ligo.
- Como assim não liga? – sussurrou, entre os dentes, enquanto eu me levantada do meu lugar. Apenas o lancei um olhar que dizia que não era essa noite que ele iria ver uma briga de garotas.
Aproximei-me do balcão e estalei os dedos para chamar o barman.
- Um Cosmopolitan, sim? – pedi em voz baixa. Pela cara que ele fez, deve ter percebido que eu não estava nada bem.
- A mesa ficou bem melhor sem você, por que não faz um favor para todos e vai embora? – Brooke mugiu ao meu lado. Se eu estivesse segurando algo, teria quebrado. Cerrei o punho com força, quase socando aquele nariz arrebitado. – Uísque – falou para o barman, abrindo um sorriso.
- Ainda não é Halloween, querida, por que não faz um favor para todos e tira isso? – suspirei.
Ela franziu a testa.
- Eu não estou usando nada, sua louca.
Abri a boca, chocada.
- Então quer dizer que você sempre tem essa cara de puta?
- Sua... – ela grunhiu, mas não teve tempo de terminar o que fosse falar (ou fazer) quando foi interrompida pelo pigarreio do barman, com as nossas bebidas em cada uma de suas mãos.
Não paramos de nos encarar quando levamos os copos à boca. Ela bebericou lentamente e fazendo careta, enquanto eu virei tudo de uma vez com violência. Bati a taça com força no balcão, dando um sorrisinho irônico e empurrando-a com o ombro ao voltar para a mesa.
- Eu odeio ela! – exclamei, exasperada, as portas do vagão se abriram. segurou minha mão e me puxou, arrastando-me pelo amontoado de pessoas que saíam e entravam no metrô ao mesmo tempo.
- Você meio que disse isso durante todo o caminho, eu já entendi – ela falou, elevando a voz. Além do habitual barulho da estação, alguém estava tocando saxofone e uma mulher cantava ópera. Não era uma boa combinação.
- Estou pensando em dar uma de Garota Exemplar, sabe? Me cobrir de ketchup e dizer ao que ela me esfaqueou ou coisa assim – eu disse. riu. – Deus, como está quente aqui. Eu estou irritada. Por que você não pode odiá-la comigo? – dei um empurrão no ombro dela – Essa é a sua função, sabia?
suspirou e começamos a subir as escadas.
- Ela nunca me fez nada para que eu a odiasse, na verdade. Mas eu não ligo para o que fazem comigo. Mexeu com a minha melhor amiga? Você é um homem morto. Ou mulher.
- Que bom – murmurei – Aliás, ela me lembra de alguém, não sei exatamente quem...
- Gigi Gorgeous? Porque se for, pensei a mesma coi...
- Não! Caramba, é alguém que eu conheço, mas é como se estivesse longe na minha memória, eu...
Perdi a voz quando finalmente saímos do subsolo, o ar úmido da tarde se chocando diretamente contra o meu rosto. A primeira coisa – ou melhor dizendo, pessoa – que vi na 20th Street estava na calçada do outro lado e segurava um bebê no colo. O homem ao seu lado deveria ser seu marido – ele estava de mãos dadas com uma garotinha de uns 5 anos. Eles pareciam ser uma família feliz e, apesar do tempo que passou ter provocado diversas mudanças em sua aparência, eu tive certeza. Era ela. - !
- Eu estou acordada – resmunguei, apoiando a cabeça em uma mão, mantendo os olhos fechados – Eu juro.
Não me lembrava da última vez que havia dormido direito nas últimas semanas e minha alimentação (isto é, quando eu tinha algum tempo para comer) se resumia a cerveja, Cheetos ou qualquer coisa com bastante cafeína. Os projetos da faculdade estavam sugando toda a minha criatividade e energia, e eu ainda não havia encontrado um lugar que oferecesse estágio para designer de interiores; então, além de me preocupar com minhas notas finais, precisava encontrar um emprego antes que mamãe me expulsasse de casa.
- Sei que é difícil pra você, mas obrigada por ter vindo – sorria, empolgado como uma criança. – É muito importante para mim que vocês se conheçam.
- O que você não me pede sorrindo que eu não faça chorando? – cocei os olhos e bocejei. O O’Neills estava lotado e barulhento naquela noite, mas a mesa de madeira envernizada me pareceu confortável o suficiente para dormir ali mesmo.
Ouvi a risada do .
- É muito importante que eu tenha também a sua aprovação, já que pretendo pedir a mão dela.
Foi como se um balde de água fria tivesse sido jogado em mim e, de repente, eu estava bem acordada.
- O QUÊ? Você perdeu a cabeça? – eu gritei, piscando copiosamente sem conseguir acreditar no que havia acabado de ouvir. abaixou os olhos, com um sorriso tímido, sem compreender o quanto aquilo era sério para mim. Ele tinha apenas 21 anos, pelo amor de Deus! Garotos nessa idade querem se gabar porque podem beber legalmente. Aquele idiota estava querendo se casar.
- Ei! Desculpem pelo atraso – disse alguém atrás de mim. arregalou os olhos.
- O quanto da conversa você ouviu?
- Eu deveria ter ouvido algo? – ela perguntou, se sentando ao lado dele e de frente para mim.
- Não – nós dois respondemos, automaticamente, em uníssono.
- Então não ouvi nada – ela sorriu, estendendo a mão para mim. Seu cabelo cor de caramelo estava preso em um rabo de cavalo, ela tinha olhos vivos e lábios carnudos. – Muito prazer, sou Kate.
Durante todo o tempo em que ela e estiveram juntos, Kate nunca me tratou mal. Nós não éramos exatamente amigas, mas ela fazia questão de agir como se fôssemos. Isso não a impediu de quebrar o coração do no dia que deveria ter sido o marco do início do resto da vida deles, e eu entendi o que quis dizer quando percebi que, na verdade, eu não me importava com o que Brooke fizesse comigo, desde que ela não o machucasse. E eu sabia que ela poderia ser ainda mais cruel do que a Kate foi.
dizia desde sempre que trabalharia em três empregos se fosse preciso, mas ela se casaria usando um Pnina Tornai. Já que casamento era um assunto que não fazia parte da minha vida, eu achava que ela estava sendo um pouco exagerada. É claro que eu não era a pessoa mais adequada para falar. Havia ficado um mês sem comer doces para comprar sapatos Valentino.
Eu tinha que admitir que tive muita vontade de dar umas porradas na Kate, mas não estava a fim de causar uma cena no meio da rua e, obviamente, eu não tinha razão nenhuma para fazer isso. Ela não era exatamente culpada de ter uma vida normal e feliz e nunca ter conseguido seguir em frente depois do que aconteceu entre eles. Eu sabia que não.
O lado de dentro da Kleinfeld parecia um cenário de contos de fada – tudo era perfeitamente organizado, chique e absolutamente branco. Eu me sentia deslocada no meio daquele lugar, um pontinho vermelho na versão do paraíso de noivas neuróticas.
Esperei sentada em uma das poltronas acolchoadas, abrindo o Twitter no celular de tempos em tempos e comendo os cookies divinos que estavam sobre a mesinha de centro. Ao notar que eu já estava quase acabando com os cookies, percebi também que ninguém demorava tanto assim para se vestir (e olha que sou eu quem está falando). Levantei e me aproximei do provador.
- , você morreu? – brinquei – Devo chamar a polícia?
Ela não respondeu, o que me deixou seriamente preocupada. Puxei a cortina bege, me deparando com minha melhor amiga, bastante viva, de pé diante de um espelho.
Seu rosto estava abaixado e os cabelos longos, que passavam a maior parte do tempo presos em um rabo de cavalo elegante ou em um coque, estavam soltos e eram uma confusão de ondas por cima de seus ombros. Ela estava de costas para mim, mas pude vê-la pelo reflexo e meu queixo caiu. O vestido sem mangas nem alças era feito de um tecido branco-transparente do busto até o quadril, decorado com detalhes prata e bordado com pedras; a saia era longa e bufante. A cor havia ficado maravilhosa contra a pele dela, o modelito era incrível e realçava suas curvas. Eu tinha milhões de coisas para dizer e ao mesmo tempo sentia como se estivesse sem palavras.
- Ai. Meu Deus. Você está perfeita! Eu nem acredit... – interrompi a mim mesma quando os ombros dela sacudiram com um barulho que pareceu de soluço. – ?
Ela se virou para mim. Seus olhos estavam cheios d’água.
- O que... – murmurei, e ela me abraçou, começando a chorar alto. – Querida, fique calma. Por favor, me conta. O que aconteceu?
- Eu dão si o q’tou ‘azendi! – ela gemeu com a voz trêmula e colocou as mãos sobre a cabeça, parecendo estar prestes a ter um surto.
- Shhh. – eu tentei acalmá-la, segurando suas mãos. – Em inglês, por favor – pedi, limpando as lágrimas de suas bochechas com meus polegares.
respirou fundo.
- Eu não sei o que estou fazendo. – disse ela – Eu acho que estou escolhendo o vestido certo, mas ao mesmo tempo penso se não ficaria melhor com outro. Você entende, ?
Eu cerrei os olhos.
- Bom, se quer minha opinião, acho que você ficou ótima nesse vestido... – tentei soar positiva, já que ela estava sendo realmente esquisita. Talvez o estresse estivesse deixando-a emotiva. Ou os hormônios.
Ela grunhiu.
- Eu estou usando uma metáfora!
- Uma metáfora com vestidos? – franzi a testa, confusa.
me fulminou com o olhar.
- Esquece. – ela se voltou para o espelho, limpando com os dedos a maquiagem borrada debaixo de seus olhos – Merda. Caralho.
- Se você quiser conversar a respeito disso... – dei um passo para frente, um pouco receosa, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Ela ergueu uma das mãos e eu, institivamente, congelei no lugar.
- Não quero. – falou. Eu sabia que ela estava tentando soar decidida, mas eu a conhecia bem o suficiente para saber que a única pessoa que ela estava enganando era a si mesma. – Estou escolhendo o vestido certo. Tenho certeza.
Fechei a porta com um estrondo depois de entrar, o que foi suficiente para fazer tirar os olhos do livro que segurava para olhar para mim. Ele me lançou um sorrisinho, mas eu ainda estava perturbada demais para retribuir na mesma hora. Percebi que ele estava usando seus óculos de leitura e senti um aperto no peito.
Por que aquele maldito tinha que ficar sexy de todos os jeitos?
- Chegou cedo – ele comentou, enquanto eu jogava a bolsa e os sapatos em um canto e afundava no sofá ao seu lado em seguida.
Fiz uma careta.
- Eu não estava indo para uma noitada ou coisa do tipo, sabe.
- Sim, sei – falou, depois piscou com uma expressão surpresa como se tivesse lembrado de algo – Ah, é! Você estava na loja de vestidos com a Cadela.
- Já disse para não chamá-la assim. Só eu posso. – eu o censurei. Nós dois rimos, até que eu fiquei séria outra vez – Ela estava estranha.
revirou os olhos. Ele e ficavam ainda mais parecidos quando faziam isso.
- Não me diga – debochou.
- Não é nesse sentido – retruquei – começou a falar de metáforas e eu não entendi absolutamente nada. Parecia que ela estava recitando uma droga de livro do John Green.
Ele achou graça.
- Talvez ela esteja sendo subjetiva. Ou... apenas neurótica. – completou, e eu gesticulei em concordância com a segunda opção. – Ela ficou bonita, pelo menos?
Mordi o lábio ao sorrir, assustada com o carinho que senti com o pensamento. Para quem havia sido contra aquele casamento desde o início, eu agora me sentia bastante entusiasmada e até ansiosa por ele. Eu nem havia experimentado meu vestido de madrinha (acho que uma parte supersticiosa de mim ainda tinha receio de que ser madrinha do casamento de um trazia azar), por exemplo. Mas a felicidade da minha melhor amiga ainda era uma das coisas que eu mais prezava no mundo.
- Ficou maravilhosa – eu disse, sincera. – Até pensei em como eu ficaria em um vestido de noiva. O que você acha, ? – brinquei.
Notei que ele ruborizou. Na verdade, ele havia ficado tão pálido de repente que seria impossível não notar a cor em suas bochechas.
- Por que eu deveria pensar algo sobre isso?
- Por que não? – eu ergui as sobrancelhas, intrigada.
Ele sacudiu a cabeça.
- Parece... errado. Entende o que eu quero dizer? Você não é minha.
Engoli em seco.
- Eu não sou de ninguém.
afagou meu joelho.
- Sei disso também.
Ele ficou de pé e, antes que eu pudesse controlar o impulso, fiz o mesmo. Descalça, eu ficava bem mais baixa do que ele, mas sempre havia sido muito alto. Minha cabeça chegava a um pouco abaixo de seus ombros.
- Aonde você vai? – quis saber, quase exigente.
- Trabalhar. – ele nem mesmo escondeu o sorriso malicioso ao dizer isso. – Não me espere acordada.
- Mas... – comecei, mas eu não terminaria e nem sabia o que diria depois.
Nós decidimos não contar para ninguém a respeito do que aconteceu naquele dia no 1 Oak. sempre perguntava se eu estava bem a respeito disso e eu preferia falar o mínimo possível, afinal, ele já deveria saber. Usar isso como desculpa seria idiotice.
- Já que quer mesmo a minha opinião, – ele me interrompeu, vestindo o casco – acho que você ficaria fantástica usando um vestido de noiva, se era isso o que você queria ouvir.
Respirei fundo, irritada, quando ele saiu.
- É – resmunguei para ninguém. – Era o que eu queria.
Chegava a ser ridículo o quão rápido tudo na minha vida havia mudado.
pediu para que eu não o esperasse acordada, e não posso dizer que não tentei, mas já sabia que não conseguiria dormir. Detestava me sentir dependente de outra pessoa e não havia muito o que eu pudesse fazer sobre isso além de manter os olhos bem abertos. E, obviamente, a única coisa mais nostálgica do que assistir os videoclipes dos Backstreet Boys era pensar em como as coisas costumavam ser para mim antes que a minha vida virasse uma grande confusão.
Eu tinha saudades do meu apartamento. Das paredes vermelhas, os móveis de madeira polida chinesa, as minhas artes favoritas que havia feito para a Vogue emolduradas pelo corredor. Tinha saudades dos pequenos luxos do meu dia, as sobremesas na Serendipity’s e a melhor massagem nas mãos de toda a cidade no Upper East Side. Tinha saudades de ser destemida e segura de mim. Acima de tudo, tinha saudades de quando não precisava dividir meu melhor amigo com ninguém.
Quando finalmente adormeci, não demorou muito para que a mínima fresta da cortina iluminasse o quarto com o calor do sol e eu já estava de pé outra vez. Minha antiga rotina havia me acostumado a acordar cedo e a minha fome interminável também ajudava. Usando pijamas velhos, com um ninho no lugar do cabelo e o rosto inchado, eu saí do quarto e me arrastei em direção à cozinha.
Para encontrar Brooke.
Uma Brooke impecável, usando um hobby de seda aberto que de nada servia, já que deixava à mostra sua camisola branca de renda. O cabelo loiro estava perfeitamente penteado como em todas as outras vezes, sua pele perfeita e sobrancelhas desenhadas me fizeram pensar que ela dormia completamente maquiada. Ela cantarolava tranquilamente enquanto despejava o café fumegante em duas xícaras e, de repente, surgiu atrás dela, sem camisa, e a envolveu com os braços e lhe deu um beijo demorado no pescoço. Brooke sorriu com satisfação e ergueu os olhos. A expressão que surgiu em seu rosto quando me encarou foi de deleite e surpresa.
- ! – ela exclamou, alegre, e finalmente tirou a cara do pescoço dela, parecendo constrangido. – Bom dia, querida. Não sabia que estava em casa.
Eu engoli em seco e dei meu melhor sorriso fingido.
Nunca havia me sentido tão estúpida.
Depois de quase um mês, eu finalmente havia chegado àquele lugar. O lugar de onde as pessoas tanto falavam e que, apesar de nunca ter pensado que chegaria lá, eu sempre tive medo. E descobri que era uma droga.
É, isso mesmo: o fundo do poço.
Eu havia deixado meu currículo disponível na internet, mas ainda assim continuava, dia após dia, no apartamento do , comendo seu cereal e assistindo à sua gigantesca TV – e considerando que eu estava o evitando, esses dias pareciam infinitos. Até que um dia disse algo que me deixou pensativa: “quando você está com fome espera que a geladeira venha até você ou você vai até ela?”.
Ele poderia ser bem poético quando queria.
De qualquer forma, a procura estava cada vez mais difícil e minha situação ia de mal a pior. Eu não queria trabalhar com algo que não fosse a minha área só por ter um emprego e receber um pouco de dinheiro – por Deus, eu tenho dignidade (pouca... mas tenho). Seria como jogar todos os meus anos de faculdade no lixo, e meu orgulho com certeza não me deixaria cometer o mesmo erro pela segunda vez. Pelo menos eu tinha meus amigos. No fim do dia, eles estavam ao meu lado para encher a cara.
- Sabe, – falou, afastando o copo quase vazio – eu realmente acho que deveríamos começar a ir a uma academia. Quer dizer, estamos sempre bebendo ou comendo porcarias juntos. Deveríamos tentar ser mais saudáveis e ficar em forma juntos, também.
Fiz uma cara de desgosto.
- Ah, não, exercícios? Você sabe que eu abomino completamente qualquer coisa que exija esforço físico ou me deixe suada.
- Com exceção de sexo – observou ao meu lado. Nós fizemos um high five.
À minha frente, cruzou os braços.
- Mas você não precisa! Nem todo mundo pode comer o quanto quiser e continuar com um corpo maravilhoso, .
- Obrigada – respondi, alegre. Bem, aquela não era exatamente a primeira vez que ficava paranoica, então eu não liguei. Ela já havia tentado fazer dietas horríveis e ser vegetariana (por influência do noivo), mas esse tipo de coisa sempre era derrotada pelo seu amor por sorvete e batata frita. E cerveja.
- Eu vou, às vezes. Quando tenho tempo. – disse , distraído. Eu não estava falando com ele, mas ele parecia estranhamente calado naquela noite. Provavelmente teve problemas com a vadia, pensei, e imediatamente me proibi de ficar preocupada ou com pena.
- Eu também – falou, orgulhosamente – Há uma academia 24 horas na rua do meu apartamento. Vou lá quando não quero dormir.
- É, eu sei – resmungou, baixo, como se não quisesse ser ouvida. Não deu muito certo. se inclinou para trás e assobiou.
- Wow, , você chegou a um novo nível de stalker.
Ela simplesmente fechou os olhos e respirou fundo. Fiquei impressionada – como conseguia aturar as implicâncias diárias de sem surtar? Ela era praticamente uma santa.
- Enfim, . – ela esticou a mão para alcançar a minha, mudando completamente a direção do assunto. – Como foi a busca por emprego hoje?
Eu grunhi e afundei o rosto nas mãos.
- Foi incrível, por isso estou aqui. – sorri com ironia – Queria contar pra vocês que vou me candidatar à presidência dos Estados Unidos.
mordeu o lábio. Depois de mim mesma, acho que ela era quem sofria mais com as minhas frustrações. Ter uma melhor amiga é como estar casada: na alegria e na tristeza, principalmente na tristeza. Acho que por isso eu tinha tanta raiva de Aaron – era inevitável pensar que, depois que eles começassem uma família, ela poderia me deixar de lado.
- Tem certeza de que não quer trabalhar em uma empresa de advocacia, ? – ergueu as sobrancelhas – Posso convencer meu chefe a pagá-la mais se você aparecer todos os dias com uma fantasia da Betty Boop.
- Vai se foder, seu cretino! – eu dei um tapa no braço dele enquanto ele e riam. nem mesmo se mexeu. Ele nem parecia estar ali de verdade.
Dei o último gole do meu copo e fiquei de pé.
- Podem continuar sendo felizes sem mim, vou pegar um táxi para casa.
rapidamente se levantou.
- Eu te levo. – disse ele. Algo em sua voz e no jeito que ele me olhou fez com que a frase parecesse mais um pedido do que uma afirmação.
Hesitei, percebendo o quanto era difícil para mim ficar com raiva dele.
Isso não importava. Ele merecia.
- Não precisa. – respondi friamente e saí do bar sem esperar resposta.
O dia seguinte foi um daqueles que, se eu soubesse como seria, não teria levantado da cama.
Acordei mais cedo do que estava acostumada porque não queria ter que ver . Por mais ridículo e infantil que isso soasse, fazia todo sentido na minha cabeça, tanto que eu não me importava em estar pronta enquanto o resto de Nova York ainda dormia (eu sei, isso talvez seja uma hipérbole, mas era como eu me sentia).
Apoiei uma mão na parede enquanto colocava o outro sapato apressadamente, encarando o relógio como se isso pudesse fazê-lo parar. Eu precisava chegar a tempo para as minhas entrevistas. Além disso...
saiu do seu quarto. Eu agarrei minha bolsa.
- Ei! Você...
Fechei a porta atrás de mim antes que ele pudesse terminar e fui correndo até o elevador só para garantir.
Eu realmente estava ficando maluca.
A companhia de arquitetura que eu estava procurando ficava bem no meio de Manhattan, a poucas ruas do Empire State Building. Eu tinha um bom pressentimento; na verdade, eu estava confiante de que daria certo. Era uma firma de relevância considerável naquela área da cidade e era, sem dúvida, o lugar mais importante aonde eu iria naquela manhã. O mínimo que eu podia fazer era ficar nervosa. E com fome.
- ? – uma mulher me chamou. Ela era alta e esguia, seu terninho cinza e calça no mesmo tom a deixavam reta como um poste. Eu assenti e ela me convidou com um movimento da cabeça para entrar no escritório.
Era depressivamente comum, com paredes brancas, teto de madeira com lâmpadas redondas, mesa cinza e cadeiras simples da mesma cor - o que era de se esperar. Eu não entendia qual era a dos grandes executivos. Minha sala no prédio da Vogue era bastante glamorosa ao meu ver, e eu faria ainda melhor se um dia a Designs saísse dos sonhos e se tornasse algo real.
Coloquei minhas coisas sobre a mesa e aguardei ansiosa enquanto a moça lia o meu currículo. Ela havia erguido o queixo, já que o óculos frouxo estava quase caindo do nariz.
- Não posso negar que é bastante... impressionante – ela falou. Sua voz era firme e aveludada ao mesmo tempo, e não pude deixar de pensar que ela praticava sotaque britânico nas horas vagas. O pensamento quase me fez rir. – Mas não podemos aceitá-la.
A animação murchou dentro de mim como um balão sendo estourado.
- O quê? – minha voz saiu mais aguda do que o normal – Por quê?
- Você não tem, hum, exatamente... indicação como designer de interiores. Não posso contratá-la considerando seus projetos na faculdade.
- Mas... – apertei os braços da cadeira com força – Eu tenho tudo o que você quer e precisa. Sou criativa, inovadora, eu sei que posso contribuir com ideias relevantes para a sua empresa e meu trabalho tem qualidade. Você pode confiar que não se decepcionaria comigo!
- Nós também pedimos de 5 a 7 anos de experiência.
- Eu trabalhei na Vogue por sete anos! – exclamei.
- Como designer gráfica, o que não é o que estamos procurando.
Eu levantei.
- Porque foi o único emprego que eu consegui. Não era o que eu gostava de fazer, mas suponho que você sabe a qualidade da revista. Se bem que... – entortei o nariz, dando uma olhada nas roupas dela.
- Senhorita, esse não é o ponto – ela falou, soando ofendida.
- Veja meus projetos! – indiquei a pasta sobre a mesa – Tire suas próprias conclusões antes de me dispensar!
- Senhorita ...
- Por favor... – insisti.
- Se retire.
Eu não disse mais nada. Não me iria me humilhar mais ainda.
- PORRA! – gritei, arremessando o frasco vazio do meu Chanel Nº5 na parede. Ele se estatelou em milhões de pedacinhos pelo chão e eu agarrei meus cabelos, me controlando para não romper em lágrimas ali mesmo.
Quando tudo havia se tornado um desastre? Quando eu havia me tornado a maior fracassada do mundo? E desde quando eu sentia vontade de chorar quando algo dava errado? Nada disso fazia sentido para mim. E eu odiava a nova , ou pelo menos a nova realidade na qual eu estava metida.
Meu celular começou a tocar. Odiei quem quer que estivesse me ligando, mas não mais do que odiei a maldita musiquinha da chamada. Não pensei em desligar e não tive tempo para ler o nome do visor.
- O que é? – ralhei ao atender. Esperei honestamente que não fosse minha mãe.
- Acalma os ânimos, nervosinha – o cara do outro lado da linha debochou e eu revirei os olhos. . – Como é que você está, gata?
- Essa é a coisa mais idiota que eu ouvi hoje, e olha que foram muitas coisas idiotas. – respondi, me encarando no espelho. Meus olhos estavam vermelhos e as olheiras debaixo deles pareciam cada vez mais escuras. Meu rosto estava febril.
Bem serial killer.
- Eu disse que precisava fazer uma ligação urgente para escapar de uma reunião chata, então é seu dia de sorte. Tenho bastante tempo para ouvir.
Suspirei.
- Estou cansada das pessoas me rejeitarem sem nem mesmo darem uma chance ao meu trabalho, estou cansada de ter que ficar trancada em um apartamento que não é meu porque não posso gastar o dinheiro que tenho com sapatos, eu mataria por um balde de frango frito da KFC agora e...
- Espera um pouco – me interrompeu. Que ótimo ouvinte ele era. – Desce aqui.
Franzi a testa e, com o celular ainda no ouvido, fui até a janela. O Lexus preto do estava estacionado na calçada lá fora.
- Por quê? – eu quis saber.
Ele riu.
- Vou levá-la ao KFC, babaca.
Ficamos em silêncio durante todo o trajeto, o que foi completamente estranho e anormal, mas poderia ser explicado pelo meu péssimo estado e pelo fato de ter se mantido concentrado no trânsito o tempo todo, como se estivesse bastante empenhado em me levar para o KFC. Não era do feitio dele fazer esse tipo de gentileza, então eu não reclamei.
Quando chegamos, não tive tempo para conversinha. disse algo como “ estava certa” e “você come como um caminhoneiro”, mas eu não respondi. Estava ocupada afogando as mágoas com asinhas de frango.
- Certo – ele falou quando eu terminei, cheia e satisfeita – Para onde agora, ?
- Você trabalha mesmo ou só vai vender beleza todos os dias?
Ele deu de ombros, bagunçando os cabelos com a mão.
- Eu estou tentando ser um bom amigo aqui, cacete. Pensa rápido – e, antes que pudesse argumentar, quase fui atingida pelas chaves do carro na cara.
Eu as segurei entre as mãos por alguns segundos até que me lembrei de um pequeno detalhe.
- Eu não sei dirigir. – falei.
riu alto, depois pareceu assustado quando viu que eu não estava brincando.
- É sério? – perguntou. Sacudi positivamente a cabeça. – Você tem trinta anos de idade e nunca aprendeu a dirigir?
- Ei! – protestei – Eu nunca precisei. Além disso, muitos nova-iorquinos não dirigem. Para isso temos transporte público e táxis bonitinhos.
- Continua sendo bizarro – ele disse, entrando no carro em seguida.
O outono é a estação favorita de muitas pessoas, mas acredito que seja a que menos gosto. Você nunca sabe se o dia será de tempestades violentas ou de calor escaldante, tudo pode mudar de uma hora para a outra. O outono é inconstante e imprevisível. Assim como eu.
Atravessamos a Brooklyn Bridge e fomos até Coney Island, o que me trouxe uma sensação que eu não soube identificar se era boa ou ruim. Provavelmente era saudade, um aperto no peito que, apesar de ser quase sufocante, é uma dor boa. Os brinquedos não estavam funcionando e havia algumas poucas pessoas andando na praia, cuja areia deveria estar queimando. Não sei o que deu em mim, – talvez a combinação dos acontecimentos de mais cedo, a visão daquele parque me relembrando da minha época de adolescente, o sol e poeira ardendo em meus olhos, tudo isso misturado – mas finalmente a vontade me venceu e eu chorei.
Escondi o rosto, soluçando pateticamente enquanto se esforçava para me consolar à sua própria maneira (carinhosa, porém desajeitada), como se estivesse tomando conta de uma criança contra a sua vontade e não tivesse ideia do que deveria fazer para acalmá-la.
- Caramba, você só me ferra – resmungou ele – Mas acho que eu deveria perguntar. O que é que há com você?
- Eu deveria estar em Milão – respondi com a voz falha – Tudo estaria melhor se eu estivesse longe daqui.
- Você sempre abre o coração pra mim quando está com problemas com o – afirmou ele calmamente, e eu o olhei surpresa – O quê, achou que eu e não percebemos? Eu não sou idiota – ele riu e eu desviei os olhos. Limpei o rosto com as mãos e enxuguei os dedos em meu vestido preto. Pelo menos as manchas não apareceriam – Deixa eu te falar, . Você sabe por que eu não fiquei na Califórnia depois de me formar na escola de Direito em Stanford? Sabe por que eu quis voltar para casa, apesar das praias e clubes noturnos e das loiras fenomenais que haviam lá?
Eu o encarei.
- Por que nós somos seus únicos amigos e te amamos, apesar dos seus milhões de defeitos?
- Há – ele riu, seco, sem achar graça – Isso é o de menos... não se ofenda. Mas, apesar de Stanford ser incrível, não é melhor do que Nova York. Você sabe disso, você é daqui. Nenhum lugar no mundo poderia ser tão bom para você quanto aqui é. É onde você pertence.
Me virei em direção à praia. Em dias da semana, aquele lugar era tão pacato que os barulhos mais audíveis eram o das ondas se quebrando e do metrô saindo e chegando na estação da rua de cima.
- Isso deveria fazer com que eu me sentisse melhor? – perguntei.
- Por Deus, você realmente está testando a minha paciência – grunhiu, e agora era quem estava de mau humor. – Vou levá-la para casa – ele me puxou pelo braço, delicado como um cavalo.
Não demorei para perceber que “escapar de uma reunião chata” havia sido uma péssima desculpa esfarrapada e que eu havia sido perfeitamente enganada. Seja lá qual fosse o objetivo de em me levar para aquele mini tour, eu tive certeza de que não era para se livrar do seu trabalho. Ele não reclamou nenhuma vez do tempo que passamos presos no trânsito quando até eu estava sem paciência.
Algo estava muito errado com aquele cara, e eu precisava descobrir o que era.
Eu já havia saído do carro depois de me despedir rapidamente quando chegamos ao prédio do , já tarde da noite, mas me impediu de entrar quando me chamou:
- Ei, ...
- Sim? – franzi a testa, olhando-o através da janela semiaberta.
Ele riu sozinho e balançou a cabeça.
- Nada. Deixa pra lá.
“16h aqui em casa. É urgente. Por favor.”, era o que dizia a mensagem que havia me enviado ao meio-dia. No entanto, sua reação ao me ver quando abriu a porta para mim foi a mesma de alguém que havia ganhado na loteria ou algo do tipo.
- ! Que surpresa maravilhosa! – ela gritou.
Eu ri, franzindo a testa.
- Surpresa? Você disse que era urg...
- Mas que falta de educação a minha! Vem, entra! – eu estava prestes a pedir para que ela parasse de falar tão alto quando fui puxada para dentro – Você sabe que pode ficar a vontade... – ela gesticulou nervosamente para a sala como se aquela fosse a minha primeira vez ali. Eu ergui as sobrancelhas para ela. – Ah, acabei de lembrar! Você não gostaria de conhecer meus sogros?
Caminhei alguns passos e abaixei-me para pegar um dos macarons que estavam em uma caixa sobre a mesinha de centro.
- Os pais do Aaron? – fiz uma careta e mordi o macaron cor de rosa. Santo Deus, como eu adorava aquelas coisas. – Não, muito obrigada. E por que diabos você está agindo tão estranh...
- querida, temos visitas? – uma voz desconhecida perguntou do corredor e xingou baixo, logo antes de se virar bruscamente com um sorriso maníaco para o casal que acabara de aparecer.
Ambos tinham cabelos grisalhos e eram bastante altos. Seu ar de superioridade e sorriso frio – sem contar as roupas que usavam – faziam com que eles parecessem vilões ricos de filmes de época.
Eu segurei o riso. Só podia ser brincadeira.
- , esses são Carl e Linda Campbell. Sr. e sra. Campbell, esta é minha melhor amiga, .
Inclinei a cabeça para o lado e dei um aceno sem formalidades enquanto Carl recolhia a mão estendida, alisando a camisa em seguida para disfarçar.
- Ah, que fofa – Linda riu, com certo deboche – “Melhor amiga”. Parece algo que uma criancinha diria.
ficou tensa e eu podia jurar que a vi cerrando os punhos por um milésimo de segundo.
Nunca chame uma mulher adulta de fofa. Jamais. Uma mulher quer que as pessoas a vejam como poderosa, sexy e madura; não como um gatinho gordo ou uma garota indefesa.
- Está quase na hora do chá – anunciou Carl, tirando um relógio de bolso dourado do paletó marrom. Em que porcaria de século ele achava que nós estávamos? – Por que não se junta a nós, senhorita ?
- É, é, senhorita , por que não faz isso? – disse, entre os dentes, agarrando meu braço.
Foi só então que entendi o que estava acontecendo ali. Que ótima melhor amiga era, não? Ah, mas se ela achava que iria me arrastar para essa enrascada junto com ela...
- Ah, de jeito nenhum – falei gentilmente, sorrindo – Eu não poderia me intrometer nessa linda reunião familiar...
- Poderia sim – grunhiu, me dando um beliscão. Soltei um “ai!” baixo e ela me encarou fixamente, praticamente me implorando com os olhos. Respirei fundo em concordância, mas era visível o quanto estava irritada.
O restante da tarde foi quase impossível de aguentar, e as únicas coisas que me deram forças para continuar ali foram os macarons e xícaras de chá de maçã – sem contar o meu imenso amor por , por maior que fosse minha vontade de matá-la. Os pais de Aaron tinham o dobro de tudo o que eu mais detestava nele, mas esse não era o maior problema. Eles tratavam como se ela fosse nada, como se não fosse digna de casar com o seu filho.
Eu já havia perdido as contas de quantas vezes Linda havia a interrompido ou chamado de “estúpida”, “burrinha” ou coisa parecida, quando não consegui me conter e levantei com ímpeto, sentindo o sangue pulsando quente como se estivesse em chamas. A encarei, sem nem mesmo pensar no que iria dizer para aquela velha esnobe.
Senti a mão de se fechar ao redor do meu pulso.
- – ela me censurou, com a voz tranquila, porém fria – Hum, deixe-me acompanhá-la até a saída.
Eu não reclamei. Peguei minha bolsa no sofá e lancei um olhar fulminante para os Campbell, que pareceram espantados, apesar de se esforçarem para não demonstrar.
estava me esperando do lado de fora e fechou a porta quando eu saí.
- Francamente, no que estava pensando? – ela disparou, com a voz cansada. Soou como uma mãe estressada com seus filhos rebeldes. Eu me surpreendi.
- Como assim? Não viu como eles estavam tratando você? E você os detesta, isso está óbvio!
- Não tem importância – ela ofegou com a voz chorosa, abraçando o próprio corpo e abaixando a cabeça.
- O que está dizendo? – eu quis gritar, indignada – Mas é claro que tem!
- Não, . – ela me encarou, e ao ver que seus olhos estavam marejados senti uma pontada no coração, relembrando do acontecimento na loja de vestidos. Pensei que talvez o que todos achávamos que fazia feliz estava, na verdade, a destruindo por dentro. – Em breve essa será a minha família. E eu terei que lidar com isso sozinha.
Sábado à noite costumava significar uma imensidão de possibilidades, mas é claro que isso era antes. Agora, minhas escolham eram limitadas a qual programa assistir e se seria na televisão do quarto ou da sala de estar.
Que vida emocionante.
Com o apartamento só para mim, peguei uma cerveja no freezer e deixei a pipoca estourar no micro-ondas enquanto colocava os episódios que havia gravado de America’s Next Top Model. Tyra Banks estava dando uma bronca na participante que eu menos gostava quando alguém bateu a porta, exatamente no mesmo momento que gritei “bem feito, vadia!”. Rindo, apertei o botão do pause no controle para atender o visitante.
- Olá, – me saudou. Ele segurava uma caixa grande e tive medo do que estava ali dentro. Vai saber. Se tratando de , poderia ir de pornografia a baseados ou um corpo esquartejado.
O.k. Talvez ele não chegasse a esses extremos.
- Olha, você é bonito e tudo mais, mas eu vou acabar enjoando da sua cara se passarmos a nos ver com tanta frequência – brinquei, apoiando-me na moldura da porta.
- Qual é, não dispense a companhia. Supus que estaria com a Brooke e você aqui, abandonada. Resolvi prestar esse favor.
- Está dizendo que só porque eles vão foder até amanhecer eu preciso de companhia? – eu me irritei, sentindo o rosto queimar. riu, dando um passo para trás.
- Wow, tigre, acalme-se – falou ele – Deus, como pessoas apaixonadas são idiotas.
Arregalei os olhos.
- Eu já disse que não estou apaixonada por ele, sua praga dos infernos – respondi, ríspida – E você não está me dando muitos motivos para deixá-lo entrar, se quer a verdade.
- Por favor, ! – ele insistiu, aproximando-se de novo – Veja só, eu trouxe várias coisas pra você. Barras de chocolate, salgadinhos, até passei na Blockbuster e trouxe Razão e Preconceito e Orgulho e Sensibilidade.
Franzi a testa.
- Você quer dizer...
- Tanto faz, é algo parecido – ele revirou os olhos – Posso entrar agora?
Suspirei em rendição, abrindo caminho para que ele passasse. sorriu feliz como se estivesse vendo um santuário de revistas Playboy. Eu o observei colocar a caixa de mimos sobre a mesa e girei a chave no fecho, trancando-nos.
- ... – chamei-o – Agora é sua vez de me contar o que está acontecendo com você.
- Do que está falando, maluca? – ele deu uma risadinha, sem olhar para mim.
Coloquei a mão no queixo, fingindo pensar.
- Deixe-me ver... o normal que eu conheço jamais faria isso. – declarei abertamente e pude vê-lo ficar tenso de imediato. – Hershey’s e adaptações de livros da Jane Austen não são muito a sua cara, sabe. Então a não ser que algo esteja muito errado...
Ele prendeu o fôlego e balançou a cabeça, despencando no sofá.
- Eu... eu estou passando por uma situação que nunca imaginei que seria possível. Digo, eu jamais poderia imaginar... – ele perdeu as palavras, comprimindo os lábios e entrelaçando as mãos sobre o colo – Eu não deveria falar sobre isso. É, é, não vou falar. – disse ele. Pude ver na expressão de seu rosto o quanto ele estava mal sobre isso.
Ocupei o lugar ao lado, encarando-o solidária.
- Você está sentindo atração por homens?
- Porra, , isso é sério! – gritou.
- Só estou brincando com você, babaca – dei um tapinha nas costas dele – Mas você veio até aqui, então por que não desembucha de uma v...
- Estou apaixonado pela .
E isso, meus amigos, foi a coisa mais absurda que eu já ouvi em toda a minha vida.
Eu provavelmente teria desmaiado se estivesse de pé. Na verdade, sentia como se fosse desmaiar agora mesmo.
- Você está O QUÊ? – exclamei, e sem saber exatamente o porquê, comecei a sorrir – Você... apaixonado... pela ? – ele escondeu o rosto entre as mãos, e isso foi o suficiente para me fazer dar um gritinho entusiasmado – Socorro! Isso é tão meigo, ai meu Deus!
- O que há de errado com você? – ele cerrou os olhos, gesticulando com violência – Isso é um absurdo! É terrível! Eu não consigo dormir, não consigo me concentrar, penso nela o tempo todo! Sério, como era possível ser tão adorável?
- Pare de fazer essa cara chorosa, você está macabra – ele resmungou.
- Foi mal, é que isso não é exatamente fácil de absorver, sabe. – eu disse – Você disse que pessoas apaixonadas são idiotas, mas quem está rindo agora? – perguntei, cutucando-o no braço. Recebi um tapa na mão.
- Preciso da sua ajuda, . – sussurrou ele.
- Com o quê, exatamente?
- Não sei! – exclamou, agarrando os cabelos – Eu quero ficar com ela, quero que ela seja minha. Quero poder colocar para fora tudo isso que está enterrado aqui dentro – ele apontou para o próprio peito – Mas tenho medo de dar errado e então eu irei perdê-la para sempre.
Fiquei de pé.
- Acha isso mesmo, ? Pois saiba que eu conheço vocês dois desde sempre, e você nunca hesitou em ser o maior cretino com a . – falei, firme.
- Todas as coisas que eu disse... – ele abaixou a cabeça – Achei que isso faria com que meus sentimentos desaparecessem. Eu sei que é imperdoável, mas...
- Bem, agora o que você precisa fazer é esquecer o passado e correr atrás de seu futuro! – eu disse, com tanta convicção que pareceu impressionado – Ela está prestes a casar e não vai esperar que você apareça magicamente e declare seu amor. A vida não é um episódio de Sex And The City!
Ele franziu o cenho.
- O que isso tem a ver...
- , preste atenção – aproximei-me dele, colocando as mãos sobre os seus ombros – Conte comigo. Vou ajudá-lo.
- Sério? – ele sorriu largamente – Caralho, você é a melhor...
- Mas – interrompi-o, fazendo aquele sorriso vacilar – vamos ter muito trabalho.
Há quem diga que é ruim ser evitado, mas acho que ser a pessoa que evita é ainda pior – e com certeza mais complicado. Já passava das dez da noite e eu estava no O’Neills, junto a outros gatos pingados, brincando com o canudo dentro da minha garrafa de Cherry Coke. Eu usava um vestido preto esvoaçante que tinha um decote arrasador e um casaco de estampa de oncinha por cima, com sapatos altos também pretos. Havia passado por mais um dia de decepção e gostaria de pelo menos não ter que passar constrangimentos ao chegar em casa, então iria esperar dar a hora em que já estaria dormindo ou, o que era mais provável, com a loira diabólica.
- Uma mulher bonita assim não deveria estar sozinha – uma voz disse acima de mim. Ergui a cabeça para olhar para o cara. Ele tinha cabelos e olhos claros, um sorriso brilhante e uma barba linda. Homens com barba eram a perdição.
Eu conhecia aquele tipo. Pude ver que ele era seguro de si por sua postura, suas roupas e o jeito que ele falava. Era do tipo fodão, que faz com que as garotas se sintam tímidas, envergonhadas e retardadas em sua presença. Claro que eu não fazia esse tipo, mas isso nunca foi um motivo para me impedir de ter uma bela noite de sexo casual.
- Concordo plenamente – respondi, sorrindo de volta. Ele ergueu as sobrancelhas, impressionado.
- Então que tal irmos para algum lugar mais reservado? – propôs.
- Eu... – mordi o lábio. Por que não? Eu tinha motivos de sobra para dar uma escapadinha da rotina, mas acho que depois de todas os conselhos que eu estava dando para , dizendo que ele deveria parar de aprontar se quisesse que as coisas dessem certo com , eu não conseguiria. – Não posso. Desculpe.
Ele encolheu os ombros, frustrado, mas acenou com a cabeça antes de se virar. Observei a bunda dele enquanto ele ia embora. Me sentiria culpada se não olhasse.
E então era a hora da verdade.
Peguei um táxi na frente do bar, pois minha cabeça e minhas pernas não estavam a fim de caminhar até a estação de metrô. É claro que isso ajudou na intenção de demorar mais ainda para chegar – de fato, há males que vem para o bem.
Isso era o que eu estava pensando até ver o carro do ligado na frente do prédio.
- Droga – murmurei, entregando a quantia exata para pagar o motorista (cada centavo contado) e pulei do táxi em seguida, tentando ser o mais sutil possível. Corri em passos pequenos por causa dos sapatos e decidi usar a escada só para garantir.
Eu gostaria de estrangular a mim mesma por ser tão estúpida, mas meu orgulho ferido ainda falava mais alto.
Ao chegar no andar do apartamento, respirei aliviada quando vi que estava sozinha. Continuei andando, abrindo a bolsa para pegar minhas chaves.
- !
Parei devagar e olhei por cima do ombro. vinha correndo em minha direção. Voltei a me apressar.
- O que está fazendo? – ele perguntou.
- N-Não estou fazendo nada – respondi, nervosa, tentando abrir a porta.
Ele agarrou meu braço. As chaves voaram para o chão.
- O que você está fazendo? - foi minha vez de perguntar. me imprensou contra a parede. Ele estava usando uma jaqueta de couro e o ar estava repleto do seu perfume. Prendi a respiração.
- Acha mesmo que eu não percebi? Você tem me evitado – disse ele. Jura, Capitão Óbvio?, pensei, e definitivamente teria revirado os olhos, se eu não estivesse tão nervosa. – Por que, ? – ele soou magoado – O que foi que eu fiz?
Tive vontade de gritar, jogar na cara dele várias coisas que não fariam o menor sentido. Eu não fiz isso, porque sabia que estava errada. Reconhecer meus erros nunca foi uma tarefa fácil para mim.
- Esquece isso, tá legal? – eu grunhi, tentando escapar dele.
- Não – falou – Eu não posso. Esse é o problema. Não consigo ficar sem você.
Abri a boca, mas nada saiu. Não esperava por aquela.
- Você é minha melhor amiga, , que droga. E há um motivo para que eu não consiga imaginar minha vida sem você nela – ele confessou, dando um passo para frente. Ele deveria parar. Estava... estava chegando perto demais...
Ele segurou meu rosto com uma mão, deslizando o polegar da outra pelo meu lábio inferior vagarosamente.
- Por favor? – pediu em um sussurro.
Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, mas aquela era uma das sensações mais assustadoras que eu me lembrava de já ter sentido. Eu não queria que ele parasse. Queria que ele me tocasse. Parecia um absurdo pensar algo assim a respeito de , mas eu não conseguia evitar. Ele estava ofegando em meu rosto e meu coração martelava dolorosamente.
- Eu te odeio muito – sussurrei de volta, expulsando aqueles pensamentos ao me recompor.
Sem me soltar, ele deu um sorriso torto e carinhosamente colocou meu cabelo atrás da orelha.
- Por quê?
Eu suspirei.
- Porque não consigo ficar com raiva de você.
- E então, como vai a experiência “Conquiste a Gata”? – perguntei, com o celular apoiado no ombro enquanto folheava a nova edição da People. Eu não deveria ter comprado e me repreendi mentalmente logo depois, mas foi mais forte do que eu. Sentia como se aquelas celebridades fossem meus amigos pessoais, mas aposto que a vida deles não era tão complicada quanto as dos meus amigos na vida real.
- Nem me fale sobre isso – respondeu, rapidamente. Não pude deixar de rir.
- , você está brincando com fogo. Sabe disso, não é?
- Você deveria estar do meu lado, !
- Eu estou do seu lado! – afirmei – E é por isso que estou tão preocupada com o seu desempenho. Não me desaponte, ou cortarei o seu brinquedo com um facão.
Ele emitiu um ruído raivoso antes de desligar. Sorri, satisfeita, porque aquela era exatamente a minha intenção. Não iria facilitar as coisas para ele.
Abri a porta, encontrando no sofá com vários envelopes em mãos.
- Ei! – eu o cumprimentei – Não achei que te encontraria por aqui a essa hora.
- Hã, eu também não – ele sorriu – Pedi comida mexicana para o almoço. Ainda tem um pouco na cozinha, se quiser.
- Valeu – pendurei meu casaco e o olhei pelo canto do olho. Ele estava usando os óculos, analisando as cartas – Algo para mim aí?
Ele endireitou a postura e retraiu a mandíbula. Opa. Eu conhecia aquela expressão.
- Não exatamente, mas há um recado na secretária eletrônica. – falou – É de Sam. Seu irmão.
e tinham o melhor relacionamento de irmãos que eu já havia visto em toda a minha vida. Apesar de suas milhões de brigas e inúmeras diferenças, eles eram o que havia de mais importante no mundo um para o outro e fariam qualquer coisa pelo outro. Eu podia até ser a melhor amiga dos dois, mas sabia que havia situações em que não cabia a mim fazer alguma coisa. Eles eram literalmente duas metades e precisavam do outro para ficar inteiros.
Eu e meu irmão nunca tivemos isso.
Nunca. Poderia até ser triste, se algum de nós se importasse. Mesmo quando ainda morávamos sob o mesmo teto parecia algo irrelevante. Lembro-me dos anos na escola – eu nunca tive um irmão mais velho protetor ou ciumento; ele apenas ficava com seu grupo de amigos, fingindo que eu não existia, e eu me esforçava para continuar sendo invisível. Era como se não passássemos de uma presença incômoda, porém inofensiva, que não fazia a menor diferença. Acho que nosso pai sair de casa tenha sido o impulso que ele precisava para deixar eu e mamãe para trás.
E então ali estávamos nós, depois de mais tempo do que eu podia lembrar, discutindo pelo telefone.
- Sam, não – falei, apertando o celular com força contra o rosto – Sem chance.
- É só por um fim de semana, , pelo amor de Deus – ele ralhou do outro lado, o estresse tornando sua voz mais áspera do que realmente era – E você nem precisará cuidar dela no sábado à noite, a irmã de Leslie fará isso.
- E por que ela não pode fazer nos outros dias? – eu quis saber.
- Porque ela tem uma vida de verdade – ele respondeu. Prendi a respiração, forçando o meu orgulho ferido goela abaixo. – Não é muita coisa, . – ele voltou a falar depois de algum tempo, dessa vez tentando soar mais delicado – Você sabe que ela é uma boa menina...
- Samuel – eu disse, fria e firme como uma pedra de gelo – isso não vai acontecer. Por que não contrata uma baby-sitter? Elas, pelo menos, são profissionais.
- Porque iremos para Chicago amanhã e é uma emergência. Leslie acha que não podemos encontrar alguém de confiança a tempo.
Eu ri, irônica.
- Ah, e em mim você confia?
Sam soltou um suspiro dramático. Perguntei-me se eu também soava daquele jeito terrível quando fazia isso.
- Você é minha irmã. Bem, mas se não pode fazer isso por mim, pelo menos faça por ela. Tessie é sua sobrinha.
Eu tinha certeza de que aquilo seria uma má ideia tanto quanto já era na minha cabeça. Eu não era boa com crianças – está bem, elas eram bonitinhas e fofas quando não estavam chorando ou cobertas com substâncias de origem desconhecida, mas gostar de algo não significa que você esteja pronto para tê-lo em mãos ou que você saiba como irá cuidar daquilo.
Além do mais, eu não tinha certeza nem se sabia cuidar de mim mesma.
- Espera um pouco. – falei, finalmente lembrando-me que, mesmo se eu dissesse “sim” ou “não”, a decisão não era exatamente só minha, já que a casa não era minha. – Eu vou lhe dar uma resposta, Sam. Só dois segundos, tudo bem?
- Tudo bem.
- Não vai desligar?
- Não, , não vou.
Cobri o celular e chamei por . Para ser mais clara, gritei seu nome duas vezes até que ele saísse do quarto usando apenas os jeans e com uma toalha jogada por cima dos ombros, sacudindo os cabelos molhados de um jeito que faria as pernas de qualquer mulher bambear.
- Acho que todos no West Village conseguiram escutá-la – ele reclamou, mas estava sorrindo – O que foi, love?
Tentei explicar o mais rápido que pude o que estava acontecendo, usando o mínimo de palavras possível. Tentei explicar para , com espasmos e calafrios enquanto falava, o favor que meu irmão estava me pedindo para fazer. já deveria saber que, se tratando de Sam, a única coisa que poderia nos unir era a única coisa que tínhamos em comum: o sangue.
Teríamos que ser babás por um fim de semana.
- Você está dizendo... – pareceu um idiota, com os olhos arregalados e a boca aberta – Uma criança? Uma criança de verdade?
Revirei os olhos. Eu já deveria imaginar que essa seria a reação dele.
- Isso é incrível! – ele falou, dando um soquinho no ar – Claro que ela pode ficar conosco! Ah, cara, isso vai ser dem...
- Ok, Sam, eu topo – respondi, rapidamente, ao telefone, antes que começasse a demonstrar demais sua ansiedade pela experiência como “tio”. Para a minha sorte, pelo menos um de nós era bom com isso. – Ah, e só mais uma coisa, – eu falei – você vai precisar do meu novo endereço.
- , posição nove horas, seja discreta – falou, dando um gole na bebida. Sorri maliciosa, olhando por cima do ombro esquerdo. Eu já sabia que estava devorando o homem da mesa de trás com os olhos, mas não esperava que ela fosse admitir. Após dar uma checada, dei uma risadinha e me voltei para ela.
- É gato, – eu disse – mas não faz meu tipo.
- Ah, tá, até parece – ela ergueu as sobrancelhas para mim e encarou seu alvo por cima das lentes do óculos - Ele faz o tipo de todo mundo. Eu montaria nele como se ele fosse um pônei mau, muito mau...
Ao lado dela, engasgou.
- Por Deus, mulher, olha as coisas que você fala – ele grunhiu, mal humorado. deu uma risadinha.
- O quê? – indagou – Vocês falam esse tipo de coisa o tempo todo e eu não posso só porque sou mulher? Seu pensamento é arcaico e machista.
- Bem, eu não tenho uma noiva – ele se defendeu.
- É a Brooke – anunciou (por mais que ninguém tivesse perguntado) quando seu celular vibrou em cima da mesa. Ele rapidamente se levantou e tirou o casaco das costas do banco – Eu tenho que ir.
- Ei! – eu protestei – Não ouse chegar tarde ou me deixar sozinha. Temos... uma coisa amanhã, lembra? – eu praticamente sussurrei, como se estivéssemos falando de um crime que iríamos cometer. sorriu enquanto se vestia.
- Você sabe que sempre volto pra você – ele se inclinou e me beijou na testa – Tchau, irmãzinha. – ele beliscou na bochecha e meneou a cabeça para – Tchau, cara.
- Faça bom proveito – piscou para ele, erguendo o copo, e quando entendi o que ele quis dizer, senti meu estômago embrulhar.
- Eu vou pedir a saideira e pagar a conta – anunciou, ficando de pé logo depois – E quem sabe talvez por acidente jogue a cerveja na camisa de um certo alguém...
- Wow, alguém chame os bombeiros, porque essa mulher está em chamas – brinquei.
- Ela precisa é de outro tipo de mangueira... – murmurou, mas se ouviu, não se deu ao trabalho de responder. Aquele era um dos dias em que aliviava seu estresse fazendo uma das coisas que mais gostava: irritar .
O problema era que ela parecia não poder se importar menos. E eu sabia que aquilo estava enlouquecendo-o.
- Você deveria ter visto sua cara quando saiu – ele disse, agora com apenas nós dois à mesa – Se estivéssemos em um desenho animado, você estaria soltando fumaça pelo nariz.
- Que engraçado – falei, cruzando os braços e me debruçando na direção dele – Não pense que vai fugir do assunto. Já falou algo para ela? Sobre os seus sentimentos... – cantarolei, sacudindo-o pelo ombro.
- , você realmente acha que eu falei algo para ela? – ele suspirou, enterrando o rosto nas mãos – Minha vida simplesmente não poderia estar pior.
- Oh, como você fica melodramático quando está apaixonado, – fiz careta e dei o último gole no meu uísque. Ele me mostrou o dedo do meio – O quê? Já falei várias vezes que você não vai conseguir nada se não tomar uma atitude sobre isso.
- Sobre o quê? – pareceu surgir do nada, e nós dois demos um sobressalto em nossos lugares. Ele me encarou com desespero nos olhos e eu engoli em seco, endireitando a postura e abrindo o meu maior sorriso para ela.
- Nada – respondi, sabendo que meu conceito de “agir naturalmente” não era um dos melhores sobre pressão – E o lance de derrubar a cerveja no cara?
- Ah – ela riu, sacudindo os ombros – Bobagem. Sabe, por uma vez na vida, tinha que estar certo. – ela ergueu a mão direita, onde o anel de noivado ainda brilhava.
Tentei sorrir, mas não era exatamente a coisa mais fácil a se fazer. Não quando eu sabia que ela seria completamente infeliz se aquele casamento acontecesse de verdade. Não quando eu sabia que um dos caras que eu mais adorava no mundo era loucamente apaixonado por ela.
Para ser sincera, eu nunca havia torcido tanto por um casal desde Monica e Chandler.
- Boa noite para vocês, – disse – e boa sorte amanhã, .
- É, eu vou precisar – eu resmunguei – Amo você! – gritei, enquanto ela ia em direção à porta.
- Amo você também – ela gritou de volta pouco antes de sair.
Quando olhei para ele novamente, parecia estranhamente satisfeito. Sem entender nada, eu perguntei:
- O que foi?
- Eu estava certo – ele respondeu, e seu sorriso aumentou ainda mais – Se eu não posso ter, ninguém mais pode. Bem, pelo menos é uma coisa boa, hein, ?
Não conseguia lembrar a última vez que havia ficado tão nervosa. Eu continuava andando de um lado para o outro, afofando as almofadas do sofá e limpando partes do apartamento que não precisavam de limpeza. Estava me sentindo como uma daqueles atletas poucos minutos antes de correrem em uma maratona. Uma atleta com um sério problema de TOC.
- , será que você pode se acalmar? – disse, segurando meu rosto entre suas mãos, provavelmente cansado de ouvir o barulho dos meus sapatos no chão enquanto eu andava em círculos – Francamente, quanto café você tomou?
- Muito – respondi.
Ele riu.
- Bem, isso explica muita coisa.
- Eles vão chegar a qualquer minuto – arfei – Acho que eu...
A campainha tocou, e eu deixei escapar um som parecido com de um cão vira-lata sendo chutado em um beco.
- Estou bem atrás de você. Você consegue. – disse, me guiando pelos ombros e me dando um tapinha nas costas em seguida. Respirei fundo e contei até três. Então abri a porta.
Havia três pessoas à minha frente, mas de primeira só consegui focar minha atenção em uma. Sam estava usando um terno azul, e eu poderia jurar que ele estava exatamente do mesmo jeito desde a última vez em que havia o visto, se não fosse pelos poucos fios grisalhos recentes em sua cabeça.
- Deus, você está cada vez mais parecida com a mamãe – foi como ele me cumprimentou.
- Olá pra você também – respondi sem um pingo de humor – Oi, Leslie – sorri para a minha cunhada, que se encolheu como se estivesse esperando que eu pulasse em Samuel e estapeasse a cara dele. Eu até que gostava de Leslie. Na verdade, não tinha nada contra ela, só não esperava que Sam fosse se casar com alguém tão... bem, eu não sabia como explicar. Ela quase não falava e usava vestidos de brechós da época da minha avó.
Ela definitivamente deveria ter mais bom senso do que estilo. Ou não.
- Bem, nosso voo sai em uma hora, precisamos correr – Sam pigarreou, encarando o relógio. – Tudo o que você precisa está aqui dentro. Provavelmente. – ele empurrou uma pequena mala cor de rosa e eu dei um passo para trás. – Tessie...
Ela saiu de trás das pernas do pai com uma expressão cautelosa e desconfiada. Eu podia afirmar que muitas coisas não haviam dado certo em nossa família, mas Therese não era uma delas. Meu relacionamento difícil com meu irmão não havia permitido que eu fosse tão próxima daquela garotinha quanto eu gostaria de ser, mas eu sabia o quanto ela era encantadora. E sim, eu a amava. Não tinha como negar. Ela estava com o cabelo preso em duas trancinhas e poderia ser uma perfeita miniatura da mãe, se não fosse por alguns traços de seu rosto que havia herdado do pai – traços que eu podia reconhecer em mim mesma.
- Tess, – falei, suavemente, estendendo a mão – é a tia . Lembra-se de mim?
Ela apertou o urso de pelúcia amarelo que trazia e assentiu, vindo em minha direção. Seus dedinhos pequenos e gelados se entrelaçaram aos meus.
- Aquele ali – gesticulei com a cabeça – é o . – olhei para Sam – Você deve se lembrar dele.
Sam fez que sim. dirigiu um sorriso educado a ele, mas abriu um largo para Tessie.
- Ei, pequena. – ele se agachou para ficar da altura dela, ou pelo menos tentou não parecer tão grande. Tessie intercalou o olhar entre nós dois, e somente quando eu lhe dei um sorriso encorajador ela se aproximou de , como se estivesse esperando pela minha confirmação de que ele era confiável.
- Hum, espera um minuto – Sam falou com o cenho franzido – Achei estranho quando você disse que havia se mudado... esse apartamento é do ? Vocês estão juntos?
- Isso! Estamos juntos – coloquei as mãos sobre os ombros de e discretamente dei um chute em sua perna, antes que ele pudesse dizer alguma coisa – Façam uma boa viagem! Já deu tchau para seus pais, Tess?
Samuel e Leslie disseram algumas palavras rápidas, enquanto Tessie apenas acenou brevemente. Fechei a porta apressadamente, e eles desapareceram.
- “Estamos juntos”? – se levantou, erguendo a mala rosa como se não pesasse nada – Suponho que você não tenha contado para a sua família o que aconteceu.
- Eles já acham que sou uma fracassada. Não quero que tenham certeza – retruquei. Tessie estava encostada no sofá, fitando-nos com seus olhos grandes e curiosos. – Por que não vem comigo e me mostra as coisas que você trouxe?
Ela concordou, me acompanhando em passos cautelosos.
- Ela não fala? – sussurrou para mim, finalmente parecendo nervoso com aquela situação.
- Ela é tímida. Logo vai se soltar – eu espero, acrescentei mentalmente.
- Eu vou... vou deixar vocês duas ficarem sozinhas um pouco – ele coçou a nuca e eu mordi o lábio inferior, assentindo com a cabeça antes que ele fechasse a porta do quarto.
A primeira coisa que percebi ao abrir a mala de Tessie era que a maior parte do que havia ali dentro eram bonecas. Ela pareceu se animar com a visão familiar delas. Tirei as peças de roupa também, de cores fortes e estampas alegres. Ter aquelas coisas em mãos – brinquedos, roupas infantis – era uma sensação estranha para mim, como se eu estivesse em um mundo completamente diferente do que estava acostumada. A sensação não era exatamente ruim, apenas... peculiar.
- Você já sabe que vai ficar aqui comigo por um tempo? – perguntei à ela quando o silêncio começou a parecer desconfortável. Como eu esperava, Tess não respondeu em voz alta, apenas balançou a cabeça. – E o que acha disso?
Suas bochechas ficaram coradas.
- Eu não sei. Ah, graças a Deus, ela falou.
- Bem, eu tive uma ideia – aproximei-me dela – Por que não escolhe um desenho para assistir enquanto eu arrumo o quarto para nós? E depois podemos fazer alguma coisa que nós gostamos, o que acha?
- Gostei da ideia – ela respondeu, baixinho, e nós trocamos um sorriso cúmplice. A cama era muito alta para que ela subisse sozinha, por mais que Tessie tivesse, eu acho, a altura normal de uma criança de cinco anos. Eu a ajudei, erguendo-a. Seu corpo estreito parecia ser tão leve quanto o das bonecas que ela havia trazido.
bateu à porta e eu o chamei para entrar. Ele ensinou Tessie a mexer no controle da televisão e até mesmo conseguiu convencê-la a conversar um pouco com ele. Os dois estavam distraídos demais para ver a minha expressão quando congelei no lugar, percebendo que havia algo errado.
- ? – eu sussurrei, entredentes. Ele se virou para mim e franziu a testa, preocupado – Nós esquecemos de fazer as compras.
Aquilo só podia ser uma conspiração contra mim. O Kmart mais próximo que conseguimos lembrar era o do One Penn Plaza, na 34th Street, e estava tão lotado que quase me senti claustrofóbica. Aquele não era o tipo de lugar com o qual eu estava acostumada – casais de idosos empurrando carrinhos cheios de comida de verdade, não lasanhas congeladas e outras coisas pré-aquecidas como o que eu costumava comprar; crianças jogadas no chão, berrando e chorando para conseguir o que queriam de seus pais; famílias inteiras que pareciam extremamente satisfeitas ao retirar coisas das prateleiras, como se tivessem pensado “vamos fazer algo divertido hoje, que tal ir ao supermercado?”. Era assustador. Eu jamais poderia imaginar qualquer uma dessas situações sendo parte da minha vida.
havia desaparecido há cinco minutos, e eu vagava de um lado para o outro entre as prateleiras de shampoo infantil. Quem poderia imaginar que havia tantos tipos deles? Tentei me acalmar, sentindo a ansiedade como um gosto ruim na língua. Não era possível que eu seria patética ao ponto de que aquele fosse o problema que iria me fazer perder o controle.
- Aí está você – falou, no início do corredor, trazendo o carrinho com Tessie ocupando a cadeirinha dentro dele e mais uma montanha de besteiras. Ergui as sobrancelhas.
- O que é isso? – falei, pegando uma das caixas de Butterfingers.
- Ela adora amendoins – ele respondeu e sorriu para mim – Parece alguém que conheço.
- E você simplesmente comprou tudo o que ela pediu? – eu sussurrei com a voz estridente.
- Sim... – ficou confuso – Não era isso que eu deveria fazer?
Bati na minha testa. Que grandes responsáveis nós éramos.
- Bem, isso não importa agora – eu respirei fundo – Temos um problema sério aqui. Eu não sei qual shampoo devo comprar para ela.
Ele me encarou por alguns segundos antes de explodir em uma gargalhada.
- Do que você está rindo, babaca? – perguntei, estressada.
- Isso é um problema sério? – disse ele, os cantos da boca ainda curvados para cima – , qual é. Se acha tão difícil escolher, pegue qualquer um e... – ele se interrompeu quando viu meu olhar incrédulo para ele. Qualquer um? O que homens têm na cabeça? – Tá bom, então é só não lavar o cabelo dela.
Eu cruzei os braços.
- Ela é uma . Eu sei o que acontece quando passamos mais de um dia sem lavar o cabelo. Péssimos genes.
revirou os olhos.
- Tudo bem, espere. Com licença – ele chamou uma garota que estava usando o uniforme azul do Kmart e que deveria ser um pouco mais nova do que nós. Como acontecia com a maioria das mulheres com quem falava com seu sotaque irresistível, ela sorriu feito uma idiota – Você sabe dizer qual o melhor shampoo para essa garotinha?
Ele apontou para Tessie, que estava entretida com o urso que, eu havia aprendido, ela chamava de sr. Peanut. O sorriso da moça começou a desbotar, talvez porque aquele homem lindo estava acompanhado de uma mulher e uma criança, ou porque a pergunta havia sido no mínimo esquisita.
- Ela não é nossa filha – tentei explicar rapidamente, então notei o quanto aquilo havia soado estranho. Não queria que pensassem que éramos sequestradores de menininhas. – É minha sobrinha.
- Bem... – ela se virou para observar as opções, mas Tessie esticou o braço para tentar alcançar um de embalagem rosa com glitter. pegou e o entregou à ela, que sorriu graciosamente. Mas é claro, eu suspirei aliviada. Eu já deveria saber: nós éramos parentes. Qualquer coisa que brilhe me atrai.
colocou um braço ao redor de mim e caminhamos em direção ao caixa de cabeça erguida, orgulhosamente.
- Essa não foi tão difícil, hein?
Eu olhei para ele.
- Sim, mas ela precisa de vegetais – declarei séria, e ele pareceu surpreso – O quê? É isso que os adultos falam nos filmes.
Chegamos em casa pouco tempo depois, e logo estávamos dando fim às guloseimas que havíamos trazido. Sentados no chão da sala de estar para assistir a um filme, percebi que Tessie ainda estava muito quieta e o quão pouco eu sabia sobre ela. Não fazia ideia do que minha sobrinha gostava de fazer ou o que não gostava. Será que ela estava odiando tudo aquilo? Será que ela me odiava? Tia é uma vadia fria e distante, não quero vê-la nunca mais.
Ok, provavelmente não seriam essas as palavras que ela usaria, mas só pensar na possibilidade de Tessie dizer algo parecido aos seus pais me fez sentir uma pontada nervosa no estômago. Era ainda mais assustador do que quando Sam pediu para que eu cuidasse dela.
O sol já estava se pondo, o céu parecia uma mistura de laranja e rosa escuro. Decidi aprontá-la para quando a irmã de Leslie, Helen, chegasse para levá-la. Eu nunca havia dado banho em uma criança. Dizem que todas as primeiras vezes são dolorosas, mas eu estava mantendo o pensamento positivo. Não podia ser grande coisa, certo?
Tessie pareceu animada ao ver a banheira cheia de espuma. E eu sabia que ficaria encharcada, então vesti shorts jeans e a parte de cima de um biquíni. Prendi o cabelo em um coque e cantei algumas músicas enquanto a ajudava a se lavar. Para a minha surpresa e satisfação, Tessie começou a gargalhar das minhas gracinhas ou nas vezes em que a esponja fazia cócegas em algumas partes de seu corpinho. Eu também ria alto e dava gritinhos toda vez que ela espirrava água em mim ou acertava meu rosto com espuma.
- Tia , posso fazer uma pergunta? – ela soltou, enquanto eu a secava com uma grande toalha branca.
- Claro, meu anjo, pode falar.
Esperei que ela falasse, mas seu silêncio me fez perceber que ela estava esperando que eu olhasse diretamente para ela.
- Por que você nunca mais foi me ver? – a voz dela estava baixa – Eu esperei por você. Na minha festa de aniversário. No dia de ação de graças. Papai disse que você poderia aparecer... mas você nunca estava lá. Pensei... pensei que não gostasse mais de mim.
Engoli em seco, sentindo como se minha garganta estivesse sendo rasgada por dentro.
Abri a boca para responder, mas nenhum som saiu. Em todas as datas comemorativas eu mandava um cartão para ela. Não havia um Natal que eu não houvesse lhe mandado presentes. Para todos os lugares que eu viajava lhe trazia uma lembrança. Mas parecia que não era o suficiente. Talvez não fosse nada disso o que ela quisesse. Sim, tia , você é uma vadia fria e distante.
- Porra, dá pra você parar com isso? – pediu algo que eu não consegui compreender. Franzi a testa para ele, com os olhos semicerrados. – Toda vez que você fica calada demais é porque algo está errado. É muito esquisito.
- Além disso, você nem tocou nos amendoins – empurrou a tigela com o dedo indicador, fazendo com que ela deslizasse pelo balcão de vidro.
Estávamos em um clube noturno na 10th Avenue, onde havíamos marcado de ir naquele sábado. Era um bom momento para comemorar: estava se saindo cada vez melhor com os casos que havia conseguido, faltava pouco para a inauguração do prédio que havia projetado, Aaron estava viajando e longe o bastante de . Eu era apenas a amiga que observava a felicidade deles de fora do grupo.
- Eu sou um ser humano horrível – disse eu, pegando o copo de vodca ainda cheio à minha frente. Virei-o de uma vez.
- , vamos – puxou meu braço, me fazendo balançar no banco – Você não veio para esse lugar para simplesmente não dançar!
- É só que... – eu gesticulei, desajeitadamente – não é o O’Neills. Não é a mesma coisa. – eu levantei e quase caí, salva pelo apoio da minha melhor amiga. Havia perdido as contas do quanto já tinha bebido, porque ainda não parecia o suficiente – Sabe o que eu acho que deveríamos fazer? Apenas sair para ficarmos juntos e conversar. Nós nunca mais fizemos isso!
- Quem é você e onde esteve esse tempo todo? – balançou a cabeça – , tudo o que fazemos é sair para ficarmos juntos e conversar.
Em uma atitude completamente madura, mostrei a língua para ele.
- Aqui, deixa comigo – se ofereceu para tomar o lugar da irmã, me sustentando pela cintura e colocando meu braço ao redor de seus ombros – Eu também estou bastante cansado, para ser sincero. Por que não vamos para casa e ficamos relaxando, o que acha?
Eu concordei com a cabeça ao mesmo tempo em que e reclamaram.
- Divirtam-se por nós, vocês dois – eu apontei para eles com um sorriso sacana no rosto. apenas me olhou sem entender, mas ficou espantado. Não se preocupe, eu quase falei. Eu sabia o que não deveria dizer, não importando o quão chapada eu estivesse.
praticamente me carregou para o lado de fora, parecendo constrangido enquanto eu cantava junto às músicas de flashback da boate, como What A Feeling e I Will Survive. Na calçada, ele estendeu a mão para chamar um táxi e eu engasguei com uma lufada de ar frio que nos atingiu como um chicote. Minha visão ficava mais embaçada a cada vez que eu piscava.
Ele me acomodou no táxi como se eu fosse uma garotinha, o que me irritou, e eu afastei suas mãos com um tapa. riu. Eu tinha alguns estágios de bêbada que poderiam ser definidos pelo meu humor: alegria demais significava perigo e raiva significava que eu não estava completamente fora de mim, mas não sóbria o suficiente para conseguir andar sobre meus saltos.
Nova York parecia ser um borrão de luzes e sons enquanto o taxista nos levava para longe. Eu sentia ali, sentia a textura de sua roupa pressionando minha pele e o cheiro dele por sua proximidade; mas quando ele colocou a mão sobre a minha, eu senti a última coisa que precisava dele. Pena. Pisquei com força. Por favor, não faz isso.
- Não é sua culpa, você sabe – ele começou – E Tessie ainda ama você.
Bem, ele fez.
E eu comecei a chorar, encolhendo-me em seu abraço consolador antes que tudo ficasse escuro como a cena final de uma peça.
- Ah, caramba, eu te amo – declarei, recebendo de um pote de sorvete sabor chocolate com cookies, do Ben & Jerry’s. Era a melhor coisa do mundo para tirar aquele resto de ressaca.
- Eu sei, é um ótimo café da manhã – ele sorriu, sentando-se ao meu lado – Como você está se sentindo?
- Eu me sinto horrível – respondi. Estava apoiada no braço do sofá, sentindo o corpo mais pesado do que realmente era e um frio de doer os ossos, apesar de estar usando calças grandes, moletom e estar coberta por uma manta até o pescoço. Não que sorvete no frio fosse uma má ideia.
me observou por alguns segundos.
- Bem, você parece horrível.
- Vá à merda.
Ele riu alto e, antes que eu pudesse colocar a primeira colherada na boca, a campainha soou. Nós olhamos um para o outro, depois para a porta. Ficamos de pé ao mesmo tempo e andamos juntos.
Fiquei boquiaberta com a visão da mulher do outro lado da porta. Sem chances de que aquela era a irmã da Leslie – era impossível. Aquele projeto de Joan Jett tinha olhos marcados com listras pretas de maquiagem, mascava chiclete de boca aberta e sua jaqueta tinha cheiro de cigarro e maconha. Eu quis gritar. Imagine os lugares aonde ela poderia ter levado minha sobrinha!
- Você é ? – Helen perguntou com a voz rouca e fanha. Eu ainda estava perplexa a encarando, com os olhos arregalados, quando percebi como Tessie parecia apavorada ao lado dela. Ajoelhei-me com os braços estendidos e Tess correu para o meu colo.
Helen falou mais alguma coisa, mas fechou a porta antes que ela pudesse terminar.
- Ei, querida, você está comigo agora – falei, suavemente, acariciando os cabelos macios de Tessie. Ela ainda estava esquisita, imóvel como uma estátua. – O que aconteceu? Ela... ela machucou você? – puxei os bracinhos dela, procurando qualquer sinal de hematoma.
- Não – Tessie disse, gentilmente – Eu só senti sua falta.
Eu não soube como respondê-la, mas senti o sorriso tomando conta do meu rosto.
- Estamos juntas agora. E hoje vamos a um lugar especial que quero que conheça.
Aquele estava sendo um domingo cinzento. O vento soprava o que restava das folhas nas árvores e varria a poeira e as montanhas de folhas secas laranjas no gramado. O Prospect Park estava quase vazio, com exceção de algumas pessoas caminhando com seus cachorros ou jogando frisbees, mas aquilo não parecia ser um problema para Tessie ao subir e descer no escorregador pela quinta vez seguida.
- Café? – perguntou, oferecendo-me um dos copos que segurava. Eu aceitei, deitando a cabeça em seu ombro. – Ela parece feliz.
Dei um gole no café. Ele me aqueceu por dentro como uma implosão de energia.
- Parece. Esse lugar me trás memórias boas da minha infância. – disse eu – Não sei se já contei a você, mas sou uma garota do Brooklyn.
ergueu as sobrancelhas, impressionado.
- Sério?
- Sim. Eu podia ver a ponte e toda a paisagem de Manhattan da janela do meu quarto. Sonhava que um dia, quando fosse adulta, fosse rica e morasse lá. – eu bufei – Parece tão estúpido pensar nisso agora.
- Não deveria. Pelo menos você tem a mim.
Balancei a cabeça.
- É claro. Imagine só que plano perfeito: quando você casar, eu morarei no seu sótão. – eu grunhi. Com um sorriso torto, ele abriu a boca para falar alguma coisa, mas impediu a si mesmo quando Tessie acenou para nós.
- Tia ! Tio ! Alguém pode me empurrar no balanço?
- É pra já, pequena – ele respondeu, apressando-se até ela.
Terminei o meu café e me livrei do copo em uma das latas de lixo. Esfreguei os braços para espantar o frio enquanto dava o primeiro impulso para Tess.
- Havia um lugar parecido com esse na minha cidade também – falou – Foi o único lugar que eu realmente senti falta quando viemos para cá.
Estranhamente, isso me fez sorrir. O pensamento de um que não era o meu e ao mesmo tempo era. Parecia mentira pensar que não nos conhecíamos desde sempre, assim como as minhas memórias sem ele ou e pareciam inventadas.
- Acho que por isso quero filhos – ele revelou, empurrando Tessie mais uma vez – Proporcionar lembranças como as que eu tenho a outras pessoas. Ter mais dias como esse – ele comprimiu os lábios para esconder um sorriso, acompanhando com os olhos Tessie ir e vir no balanço antes de se virar para mim, encarando-me fixamente – Entende o que quero dizer?
O dia havia sido cansativo. Eu não havia me sentido tão feliz – genuinamente feliz, sem nada que pudesse me perturbar – em muito tempo.
Eu disse a Tessie que ela deveria dormir cedo para quando seus pais chegassem na manhã seguinte, mas ela insistiu em jogar Candyland com antes. Ele mesmo parecia exausto, eu podia ver em seus olhos, mas ele faria qualquer coisa pela menina. Os dois fizeram uma confusão de tabuleiro, peões e cartas na minha cama, onde acabaram caindo no sono antes de terminar o jogo. Ela era espaçosa o suficiente para que eu coubesse também, e esforçando-me para não acordá-los, eu me deitei.
Enquanto dormia, Tess se virou e me abraçou como se eu fosse um de seus ursos de pelúcia. Acariciei suas costas com as pontas dos dedos, mas estava concentrada em . Em como seu rosto ficava bonito e tranquilo enquanto ele dormia e em como ele também pareceu feliz.
Lado a lado na cama, com uma criança entre nós, pensei no que ele disse hoje mais cedo, no parque. Palavras que deveriam ter sido apenas a repercussão de algo que eu havia o escutado dizer por anos, mas que dessa vez de alguma forma soaram diferentes. Pela primeira vez, pensei em como as coisas seriam se eu me apaixonasse por .
E a possibilidade não parecia tão ruim.
Era quase meia-noite e eu encarava o teto, apertando os lençóis que me cobriam, ansiosa. Parecia Natal, quando eu era mais nova, acreditava em Papai Noel e ficava esperando a chegada de alguém que não existia.
Uma pedrinha atingiu a janela de vidro ao lado da cama, e o susto fez meu coração acelerar ainda mais. Ignorei a primeira vez, mas o barulho continuou. Mais uma, duas, três vezes. Fiquei irritada.
- O que é? – coloquei a cabeça para fora. Aquele foi o sussurro mais raivoso de todos os tempos.
- Sou eu – era . – Deixe a janela aberta, eu vou subir.
Não sei o que poderiam pensar se vissem um garoto escalando a parede externa da minha casa àquela hora da noite, mas estamos falando de Nova York, a cidade onde tudo o que é estranho é considerado normal. Observei curiosa enquanto grunhia e gemia, me afastando bem a tempo de ver sua queda nada bonita na minha cama.
- Ai, merda – ele resmungou, se sentando com uma careta de dor na cara – Espero que não tenha quebrado.
- O quê? – perguntei – Seu braço?
- Não – respondeu ele – Isso.
Eu não tinha percebido que estava segurando algo com cuidado até o momento que ele mostrou. O quarto estava escuro, mas a luz alaranjada dos postes da rua me ajudaram a ver a caixinha, e dentro dela havia um cupcake com velas 1 e 5 cheias de glitter. Um sorriso bobo surgiu em meu rosto.
- O que é isso? – eu perguntei. Ele fez uma cara de “não é óbvio?” que me fez revirar os olhos – Eu quis dizer: o que você está fazendo aqui e por que não entrou pela porta da frente?
Os olhos dele brilharam com entusiasmo.
- Eu queria ser o primeiro a lhe dar parabéns. E acho que invadir a casa de uma menina à meia-noite não passa uma impressão boa para os pais dela.
Dei uma risadinha, mas ele estava certo. Se meu pai nos visse ali, ele mataria .
Até parece que ele se importava.
- Eu que fiz. – ele apontou para o cupcake sobre os lençóis entre nós. Ergui as sobrancelhas, desconfiada. – Tudo bem, foi a mamãe. Só achei que iria ficar impressionada se eu dissesse que fui eu.
- Eu estou impressionada – falei, honestamente. sorriu. Ele tinha uma beleza diferente dos outros garotos da nossa escola ou de qualquer outro menino que eu conhecia, mesmo com os óculos feios, espinhas na cara e aparelho nos dentes. Ele não precisava fazer muita coisa para me impressionar.
Olhamos para o relógio acima da cabeceira da cama e esperamos em silêncio os segundos passarem até que os ponteiros finalmente marcassem a chegada do meu dia favorito. deslizou a mão até a minha, e eu mordi o lábio, voltando-me para ele.
- Agora nós temos a mesma idade – ele sussurrou – Feliz aniversário, .
Meus olhos abriram junto com o barulho do despertador e eu sorri. O dia mal havia começado, mas eu já sabia que seria incrível. Eu sentia. Tinha o pressentimento de que alguma coisa boa iria acontecer a qualquer minuto...
- Parabéns para você – a cantoria de interrompeu meus pensamentos quando ele abriu a porta, trazendo uma bandeja de prata em mãos – Nessa dat... ah, que se dane. Você sabe o resto. – eu sentei na cama. Ele se acomodou ao meu lado, colocou a bandeja entre nós e beijou minha testa – Feliz aniversário, love.
- Uau – falei – Isso é adorável. – eu o encarei – Desde quando você ficou tão gato?
franziu a testa.
- Bom humor, elogios e o seu cabelo não está parecendo com o do Hagrid? Você deveria fazer aniversário todos os dias, .
- Também acho – eu ri. Havia na bandeja uma rosa azul, croissants de queijo, um copo de suco de laranja e um cupcake. Coloquei as mãos no rosto, com um sorriso bobo. Aquilo trazia tantas lembranças... – Você não precisava ter feito tudo isso. – disse, retirando a flor com cuidado. Rosas azuis eram as minhas flores favoritas.
- Claro que precisava. – retrucou ele – Você faria um escândalo se eu não fizesse.
- E você me conhece tão bem.
Ele riu alto, mas não tão alto quanto o ronco do meu estômago vazio. Entreolhamo-nos, ele deu de ombros e eu comecei a comer com a pressa e entusiasmo de uma criança faminta. Dizem por aí que as calorias não contam no dia do seu aniversário.
limpou a garganta antes de começar a falar:
- Eu sei que você nunca se importou em ficar mais velha, como outras mulheres...
- Cada ano é uma dádiva! – eu intervim, com a boca cheia. – 31 com muito orgulho.
suspirou.
- Por favor, , eu pratiquei o discurso na frente do espelho por horas, não me interrompa.
Eu sorri, entrelaçando meus dedos aos dele.
- Não há nada que você possa dizer que eu já não saiba – falei, gentilmente. Ele comprimiu os lábios. Imaginei que ele iria argumentar, dizendo que seria algo novo dessa vez. – Estou com um bom pressentimento sobre hoje. – fiquei de joelhos na cama, com uma animação quase infantil – Aonde iremos? O que vamos ver? Onde vamos almoçar?
- Espere. – hesitou – “Nós”? Você sabe que eu adoraria ficar com você, mas é quinta-feira. Eu preciso trabalhar.
Meu corpo ficou tenso – o que quase foi irônico, já que a sensação foi que eu tinha murchado por dentro.
- Ah, sim – deixei escapar lentamente, abaixando os olhos, quase constrangida – É claro.
apertou minha mão.
- Ei. Ainda podemos fazer algo à noite...
- Não. Não se preocupe. – sorri, confiante, impressionada com a minha própria facilidade de fingir – Tenho muitos planos, e posso fazê-los sozinha.
- Ah, querida, como o tempo passou rápido – mamãe choramingou, e eu apoiei o celular com o ombro enquanto pegava as cartas destinadas a mim no correio do meu antigo prédio – Estou com tanta saudade. Gostaria de poder vê-la hoje.
Fechei os olhos por um instante.
- É, eu também, mãe.
- E quando você virá aqui, em Jersey?
- Em breve – fiz uma careta de desgosto com aquelas palavras, mas era verdade. E por uma causa maior, é claro. – Prometi à Tessie que iria visitá-la, e levo minhas promessas muito a sério.
Mamãe soltou um “viva!”. Enfiei os envelopes dentro da bolsa e atravessei a rua, em direção ao Lexus estacionado na calçada.
- Isso é ótimo! A propósito, seu presente chegará aí em dois dias. Quero que me ligue para dizer o que achou, assim que receber, mas tenho certeza que irá adorar. É a sua cara!
- Pode deixar – abri a porta do carro e sentei no banco do passageiro. me observava. – Tchau, mamãe.
- Amo você, querida. E feliz aniversário, outra vez!
ergueu as sobrancelhas para mim enquanto eu guardava o celular no bolso.
- Então...? – ele quis saber.
- Recebi mais cartas de parabéns do que eu esperava – eu disse – E também a conta de um dos meus cartões de débito. Lembre-me de quebrá-lo, assim que eu chegar em casa. Ah, e terei que voltar aqui em dois dias para receber o presente que minha mãe enviou.
- Porque é claro que você não contou que se mudou, já que é um detalhe tão insignificante da sua vida – ele concluiu, e eu ergui os ombros, indiferente – Você parece mais animada do que eu achei que estaria.
- Por que diabos eu não estaria? – questionei – É o melhor dia do ano, depois da liquidação na Bloomingdale’s!
- Retornar à casa antiga pode ser bem nostálgico – argumentou – Ainda mais enquanto tem uma conversa sentimental com sua mãe. E você também deveria estar toda, tipo, “oh, me trocou pelo trabalho no meu aniversário, mas se eu fosse a Brooke ele não faria isso” – ele completou, gesticulando exageradamente enquanto falava com uma voz fina e enjoada.
Por Deus, eu esperava que aquela imitação barata de mim não chegasse nem perto da realidade.
- querido, – eu disse com um sorriso cínico – só porque você está apaixonado por uma , não significa que eu esteja destinada à mesma sina, você sabe.
Falar sobre aquilo era tiro e queda para fazê-lo parar com as gracinhas e fechar a cara.
- Cala a boca, – resmungou.
- O quê? Desculpa, não estou ouvindo – provoquei, dando tapinhas no ombro dele – Você não tem culpa, , sabe disso, não sabe? Afinal, como poderia resistir àquele cabelo macio, lindos olhos , perfume maravilhoso...
- Ainda estamos falando da ou você apenas quer saber se eu tenho algum tipo de atração homossexual pelo ?
Eu o encarei.
- Você tem?
- Estou pensando seriamente em chutá-la para fora do meu carro. E não me venha com “hoje é meu aniversário”, porque eu não poderia me importar menos.
Fiz minha melhor cara de ofendida, mas logo depois inclinei a cabeça para trás, sorrindo.
- Você é tão idiota.
- É sério – ele rebateu – Eu não ligo. Quando perguntou o que poderia lhe dar de presente, algo que você ainda não tinha e precisava, eu sugeri um vibrador mais potente.
Soltei uma gargalhada e coloquei os óculos de sol, jogando os cabelos para trás.
- Apenas cala a boca e dirige.
estava falando com alguém ao telefone quando entrei em sua sala. Ela estava andando de um lado para o outro, concentrada demais em sua conversa para me notar. Seu cabelo estava preso em uma trança grossa que ia até um pouco acima da metade de suas costas.
- Não, eu disse às oito da noite, não dez! – exclamou ela, a voz aguda de raiva – Tudo precisa estar perfeito, está me ouvindo? Caso contrário, pode se preparar para as consequências, e eu garanto que não será nada bonito de se ver.
Ela desligou e soltou um suspiro raivoso, seguido de uma série de palavrões. Eu pigarreei.
- Ai, caralho – ela gritou ao me ver – Nunca mais me assuste assim, sua.. ugh!
Eu ri. Ela veio até mim, me prendendo em um abraço apertado.
- Feliz aniversário, – me segurou pelos ombros – Eu até poderia fazer uma declaração emocionante e demorada, mas sei que a única coisa que você quer saber é do presente.
Arregalei os olhos. Merda, pensei, eu sou tão insensível assim?
- Ora, você sabe que eu... – interrompi a mim mesma quando me estendeu uma caixa bonita com um laço vermelho. Eu tirei das mãos dela sem cerimônias.
Ansiosa, tentei adivinhar o que havia ali dentro. Brincos da Tiffany & Co? Um colar Swarovski? Talvez um iPhone novo?
Meu sorriso desbotou no momento em que abri a caixa.
- Eu... – balbuciei, sem reação. – Ah, qual é, ; você sabe que eu compro o jornal sempre que posso – bufei, tirando da caixa o caderno do The New York Times daquela manhã, incrédula.
Ela cruzou os braços e revirou os olhos.
- Não diga nada ainda. Apenas abra na minha coluna, o.k?
Folheei as páginas, deixando estampado na minha cara o quanto eu não estava feliz. Aquela mulher iria só ver quando eu roubasse a bolsa que comprei para o aniversário dela.
Antes de ler, olhei para mais uma vez. Ela estava sorrindo com os lábios comprimidos e gesticulou com a cabeça, me incentivando a começar logo.
Algumas coisas duram para sempre
Depois de uma noite cheia de complicações, um bloco de anotações e Yorkshire Tea são as minhas companhias nas longas madrugadas solitárias. Pensei que uma das belezas da minha profissão é poder escrever sobre o que eu quiser, mesmo aquilo com o qual não estou acostumada. Pensei também que tudo é mais fácil na teoria do que na prática, mas resolvi correr o risco. Peço desculpas antecipadamente aos leitores se eu não me sair tão bem quanto pretendo.
Tirando o dia do nascimento, o formato do nariz e a cor dos olhos, meu irmão gêmeo e eu não temos muito em comum. sempre foi melhor com cálculos e eu com palavras, o que chega a ser irônico, considerando que ele sempre foi melhor com pessoas do que eu. Quando nos mudamos para a cidade, foi apenas questão de tempo até que meu irmão encontrasse um grupo de crianças com quem se sentaria na hora do intervalo, enquanto eu continuaria fazendo as refeições escondida e silenciosa no banheiro feminino. Porém, também foi questão de tempo até que ele deixasse os outros colegas porque havia encontrado sua nova pessoa favorita em todo o mundo.
Eu era tímida; me vestia e falava de um jeito diferente de todos os outros na escola. Não era difícil intimidar uma garotinha como eu. Na primeira vez que foi à minha casa (com o cabelo preso em duas trancinhas; tagarela e encantadora), achei que uma garota como ela nunca poderia gostar de mim. Nós éramos completamente diferentes, afinal.
Agora, com todos oficialmente depois dos trinta, não posso dizer que muita coisa mudou. e eu continuamos discordando em quase tudo e não compartilhando muitas coisas, e uma das poucas exceções para isso talvez seja que temos a mesma pessoa favorita no mundo. Foram muitas primaveras e invernos, milhares de dias bons e ruins, mas esses pareciam ser meros detalhes, contanto que minha melhor amiga estivesse ao meu lado. Eu não precisei que fôssemos parecidas ou que ela fosse perfeita em nenhum momento. tem um milhão de defeitos, eu sei, e eu tenho ainda mais.
O que quero dizer com isso é que muitas vezes deixamos de valorizar o que realmente temos de importante. É inevitável, – a sina de quem vive em uma cidade grande é pensar em tudo e nada ao mesmo tempo – mas não irreversível. Assim como as ações da bolsa de valores e os horários do metrô, muita coisa é inconstante e imprevisível na vida de um nova-iorquino. Então, se existe alguém tão importante para você quanto é para mim, tire cinco minutos do seu dia para deixar essa pessoa saber disso. Eu, por exemplo, tirei a minha coluna inteira. Hoje é aniversário da minha melhor amiga, mas não existe nenhum presente no mundo que possa ser tão fantástico quanto ela.
E eu espero que ela saiba disso.
Meus olhos estavam cheios de lágrimas antes mesmo que eu terminasse de ler. Cobri a boca com a mão, sem conseguir assimilar direito as últimas palavras.
- O quê? – franziu o cenho, parecendo apavorada – Não gostou?
- Não! – eu quase gritei. ficou horrorizada – Espera, não foi o que eu quis dizer – eu ri, desajeitada, enxugando o rosto. Por que eu tinha que ser tão ruim nessa coisa de sentimentos? – Foi perfeito, . – segurei as mãos dela – Às vezes me pergunto o que fiz de tão bom nessa vida para merecer você.
Ela abriu um sorriso ensolarado.
- Não seja boba – ela me abraçou outra vez – Amo você.
- E eu amo você – respondi – Mas nós precisamos ir, tipo, agora! – falei, e riu, como se não tivesse entendido – Ah, vamos, eu tenho guardado dinheiro por todo esse tempo e agora tenho um bom motivo para gastar. Podemos comer crème brûlée e comprar uma garrafa de vinho...
- , – ela me interrompeu – eu não vou à lugar algum. Desculpe.
Encarei-a como se ela tivesse me dado um tapa.
- Sério, eu sinto muito! É só que, você sabe... eu não posso sair do trabalho no início da tarde, estamos no meio da semana...
A voz dela foi ficando mais distante enquanto eu abria a minha bolsa – ou eu propositalmente parei de ouvir. Respirei fundo, dobrando e guardando o caderno do Times. mordeu o lábio, apreensiva.
- É, eu já sei. Não precisa dizer mais nada, não é da minha conta – soei tão áspera quanto pretendia – Obrigada pelo presente. – retirei-me da sala, já que ela não tinha mais nada para dizer.
Pior. Aniversário. De todos.
Eu não ligava para o quão idiota eu estava sendo. Aquilo era completamente, totalmente injusto! Eu acreditava de verdade que mais um ano de vida significava uma nova chance, um novo começo, uma oportunidade de consertar as coisas e fazê-las darem certo dessa vez. Depois de tudo que havia acontecido de horrível nos últimos tempos, achei que minha sorte finalmente mudaria. Bem, só que parecia que aquele dia não era tão importante quanto meus amigos diziam.
Primeiro , depois . Até mesmo o havia inventado algo para fazer.
Foda-se. Eu não poderia deixar que eles estragassem tudo.
Vinte e cinco dólares nunca me pareceu muito para visitar o meu lugar favorito em Nova York: o Museu de Arte Moderna. Andei pelo amontoado de turistas e visitantes – como em qualquer lugar daquela cidade, onde todos eram indiferentes e insensíveis, ninguém pareceu notar o quanto eu estava triste, o que era ótimo.
O MoMA me trazia várias lembranças, e eu sentia como se a qualquer momento pudesse me deparar com a eu mais jovem: a universitária com um casaco gigante e cabelo preso em um rabo de cavalo desgrenhado. A sem nenhum senso de moda e nenhuma preocupação na cabeça, que iria ali admirar as obras de Van Gogh, Salvador Dalí e Picasso sempre que precisava fugir do mundo.
Eu sempre preferira as exibições vazias. As pessoas geralmente não viam a beleza ou significado nelas, e era para isso que eu me esforçava. Apertei os braços ao redor do corpo, examinando os quadros expostos. Havia uma beleza diferente neles, chamativos e reservados ao mesmo tempo. Uma placa na parede dizia que aquelas eram obras de jovens artistas da NYU, novos no mercado, sem experiência. Soltei uma risada sarcástica, sentindo um gosto amargo na boca. E¬ntendi porque ninguém dava uma chance para eles.
Não é como se eu não entendesse o sentimento.
- Você tem bom gosto – uma voz feminina soou atrás de mim.
Tentei não parecer impressionada demais, mas a mulher com quem dei de cara ao me virar era deslumbrante. Deveria ter cinquenta e poucos anos, alta, esguia e com um cabelo dourado e maravilhoso. Sua maquiagem estava impecável – o batom era da mesma cor da sua blusa vermelha de seda.
Eu definitivamente me sentiria intimidada, se já não estivesse mal o suficiente.
- Obrigada, essa é provavelmente a coisa mais legal que ouvi hoje – respondi, com um sorriso amistoso, apesar de um tanto forçado – Gostei dos seus sapatos.
Ela riu, colocando a bolsinha Gucci dourada debaixo do braço.
- Definitivamente tem bom gosto. – a mulher estendeu a mão. Até sua mão parecia da realeza, com unhas perfeitas e anéis que custavam mais do que os salários da minha família inteira – Maryse Hall.
- – respondi.
- Você parece uma consultora de arte. – disse ela – Estou certa?
Suspirei, encarando as obras.
- Perto o suficiente. Sou designer, mas acho que não soei tão convincente nas minhas últimas entrevistas de emprego. – falei, e soei tão melancólica quanto gostaria de ter sido engraçada. A sra. Hall soltou um “ah” baixo, parecendo entender. – Mas eu investiria nesse tipo de obra se fosse a senhora, se quer minha opinião¬. Esses artistas universitários se tornarão grandes nomes em pouco tempo, e quando isso acontecer, você poderá vender o quadro pelo triplo, se quiser. – inclinei a cabeça para o lado – E, bem, essas cores ficam ótimas em uma parede branca. Dão um ar moderno, mas chique.
Maryse ergueu as sobrancelhas. Então, ela endireitou as costas e deu um passo para frente, parando bem ao meu lado.
- O que acho de ajudarmos uma à outra, senhorita ? – perguntou. Eu a olhei de soslaio, um tanto hostil, tentando entender por que ela havia me chamado de senhorita. Eu era uma mulher adulta, pelo amor de Deus! Será que eu tinha cara de solteirona?
É claro que a última coisa que eu iria pensar era a falta de aliança no meu dedo. Quando me toquei, soltei uma risadinha.
Eu era tão idiota.
- Que tipo de ajuda? – eu quis saber.
- Preciso de uma nova decoradora, mas ninguém até agora havia me convencido. E também quero voltar ao ramo dos leilões de pinturas, uma consultora de arte seria... bastante útil.
Prendi a respiração, espantada. Não pode ser.
- Está me oferecendo um emprego?
Ela exibiu os dentes perfeitos.
- É seu se quiser – Maryse tirou da bolsa um cartão com seu número e endereço – Sabia que não iria me arrepender de vir aqui hoje, senhorita . Parece até que você caiu do céu. – ela riu suavemente – Eu tinha um bom pressentimento. Puta que pariu, minha nossa, isso não pode estar acontecendo, eu vou surtar bem aqui.
- E-eu também – gaguejei, segurando o pedaço de papel com as duas mãos. Meu rosto estava doendo com o tamanho do meu sorriso. – Quero, sim. É claro que quero!
- Então você pode me telefonar – ela continuou, parecendo extremamente satisfeita – E acertaremos tudo. O que me diz?
A princípio, eu não disse nada. Aquilo era bom demais para ser verdade. Eu nem conseguia falar.
- Digo que parece ótimo para mim. – finalmente respondi, tentando soar calma, apesar de estar uma pilha. Maryse sorriu, fazendo um gesto com a cabeça para se despedir, parecendo uma duquesa de filmes de época. Ela se virou e se retirou, e quando ela já havia saído, soltei um gritinho agudo de animação.
Eu tinha contar para alguém. E não importava o quanto eu estivesse com raiva antes, tudo havia mudado agora! Apertei a discagem rápida no celular e esperei duas chamadas antes de ser atendida.
- Ei, eu estava prestes a ligar para você. – falou – Podemos nos encontrar?
O clima estava perfeito: o céu estava límpido e o sol havia saído de trás das nuvens, mas não fazia calor, tampouco frio. Eu tinha sorte por fazer aniversário no meu mês favorito.
E por outras coisas também.
- E foi isso – eu terminei de explicar, sem fôlego por ter falado rápido demais. sorriu e me prendeu em um abraço forte o suficiente para me erguer do chão. Dei um gritinho, apertando os braços ao redor do pescoço dele, com cuidado para não derrubar meu copo de café.
- Eu sabia que você conseguiria – disse – Você merece, .
- Acho que sim. – inclinei a cabeça para o lado, sorrindo.
Ele me puxou com o braço ao redor dos meus ombros e continuamos caminhando pelo Central Park. A bebida quente havia deixado o copo morno, que aquecia os meus dedos.
- Mas, e você, por que fugiu do trabalho? – eu perguntei.
- Eu não fugi – ele semicerrou os olhos – Só achei que... talvez você devesse ter companhia hoje.
Não pude deixar de notar que seu rosto ficou corado com as últimas palavras, como se ele não devesse ter dito aquilo, o que foi simplesmente adorável.
- Você está absolutamente certo – concordei – Eu...
Parei de falar quando o celular dele tocou. encarou a tela e franziu a testa para o que quer que tenha lido. Fechei a cara. Já fazia algum tempo que eu não o tinha só para mim, sem precisar dividir com alguém, e eu sempre era interrompida nesses curtos momentos. Aquilo me irritava. Eu sentia falta dele, de ser exclusiva, como se eu fosse uma máquina com defeito e uma peça importante estivesse faltando.
- O que foi, é a sua vadia? – perguntei sem rodeios.
me olhou de um jeito quase divertido.
- Se você quiser chamá-la assim... é a . – ele respondeu. Eu soltei um “oh” baixinho – Então, o que acha de irmos para o bar mais tarde para comemorar seu novo trabalho?
- Ah, mas é claro – dei um gole longo no café – Até porque é a única coisa que temos para comemorar hoje.
Ele revirou os olhos, mas estava sorrindo.
- Às vezes eu não sei lidar com essa cidade – eu falei, sentindo o vento no rosto e balançando meus cabelos enquanto observava tudo o que minha vista conseguia alcançar ao nosso redor. Crianças brincavam com seus pais e pulavam em montanhas de folhas secas, as pessoas posavam para fotos ao lado das carruagens do parque e outros jogavam moedas na Fonte de Bethesda.
Acho que eu nunca iria me cansar de Nova York.
- Às vezes eu não sei lidar com você – falou. Eu ergui a cabeça para encará-lo e ele deslizou o polegar pelo meu lábio inferior. Havia um pouco do chantilly do meu café no seu dedo. Sem tirar os olhos de mim, ele o colocou na boca.
Engoli em seco quando percebi que meu coração havia acelerado e parecia um batuque em meus ouvidos.
Eu jamais conseguiria explicar o quanto aquilo havia sido sexy.
indicou com a cabeça a fonte e caminhamos até ela, juntos e em silêncio. Ele tirou uma moeda do bolso e olhou ao redor, como se estivesse checando se alguém estava vendo, depois olhou para mim.
- O quão idiota isso parece?
Dei de ombros.
- Depende do que você desejar.
Ele riu e atirou a moeda.
- Se eu contar, não vai se realizar.
- , nós só vamos ao O’Neills, você não precisa demorar duas horas para se arrumar – disse, impaciente, batendo na minha porta. Eu bufei, jogando os cabelos por cima dos ombros enquanto tentava ver no espelho o meu reflexo em todos os ângulos. Havia escolhido minha combinação favorita: vestido curto e sapatos altos. Eu estava de roxo. Roxo fazia com que eu me sentisse poderosa.
Abri a porta, fazendo uma pose para minha saída triunfal. estava encostado na parede e seus olhos passearam por toda a extensão do meu corpo, arregalados.
- Preciso ligar para o Satã. Vou avisar que ele esqueceu a Luxúria na Terra e ela está bem na minha frente.
Eu caí na gargalhada, dando um empurrão nele.
- Vou considerar o elogio – falei – Pode pegar minha bolsa em cima do sofá? Deixei a janela do quarto aberta.
Ele assentiu. Quando eu voltei, já me esperava do lado de fora.
- Pronta? – ele quis saber.
- É, estou... – respondi, mordendo o lábio – Mas antes de irmos, preciso dizer uma coisa.
franziu o cenho. Suspirei.
- Eu sei que é uma festa surpresa.
Ele não demonstrou nenhuma reação a princípio, mas depois pareceu tão atordoado que eu tive vontade de rir. Achei que seria meio insensível se eu fizesse isso.
- O que... eu... – ele piscou e balançou a cabeça – Como?
- Bem, você não é o melhor cara pra guardar segredos – falei, sincera. pareceu magoado. – Mas não foi só culpa sua. – acrescentei, colocando a mão em seu ombro – Eu desconfiei porque todos vocês estavam muito estranhos, e quando lhe mandou a mensagem no parque, todas as peças pareceram se encaixar na minha cabeça.
Ele esfregou a mão no rosto e coçou a barba.
- E nós achando que havíamos convencido você de que não ligávamos. – ele riu - Você é foda, .
- Sim – eu concordei – Sou muito boa. E sei que vocês me amam muito para não se importarem.
- Você pode pelo menos fingir a cara de surpresa? Por favor? – ele pediu, estendendo a mão.
Eu a segurei.
- Por favor, . – ergui o queixo, convencida – Era essa cara que eu estava praticando nas últimas duas horas, e devo dizer que ela está ótima.
Tudo aconteceu como eu esperava que fosse – ou como qualquer festa surpresa deveria ser. As luzes do bar se acenderam, eu cobri a boca com as mãos e todas as pessoas presentes ali, que deveriam ser a minha lista de contatos praticamente inteira, começaram a cantar Parabéns Para Você. Fiz a minha melhor impressão de artista recebendo um Oscar quando veio até mim, usando um chapéu rosa de aniversário de criança que nada combinava com seu vestido cor de marfim totalmente sensual.
- Você deveria ter visto a sua cara! – ela riu.
- Ah, vocês quase me mataram de susto! – exclamei, abraçando-a.
estava olhando para nós. Dei uma piscadinha cúmplice para ele.
- Já podemos começar a festa de verdade? – apareceu com uma garrafa de champanhe na mão e um chapeuzinho igual ao de . Aquilo era tão bizarro que não dava para acreditar. Fofo, mas bizarro.
- Estive esperando por ela por um ano, – eu falei. Ele puxou a rolha, fazendo com que todos os convidados erguessem suas taças com gritos animados.
Amigos da faculdade e colegas da Vogue apareceram, o que foi provavelmente a primeira coisa que me surpreendeu de verdade. Recebi presentes, abraços e várias menções de como eu estava ótima. Quando me perguntavam sobre meu novo emprego, eu enchia a boca para falar que era um trabalho particular e exclusivo. As respostas eram olhares de inveja sutilmente disfarçados por sorrisos e felicitações, o que era simplesmente incrível. E quando pediam mais detalhes... eu mudava de assunto. Nem mesmo eu sabia.
O que tornava tudo ainda mais empolgante.
- Ora, se não é a estrela da noite! – alguém falou, tocando meu ombro. Eu podia jurar que estava sentindo unhas cravadas na minha carne.
Eu dei meia volta e pisquei, incrédula. Só podia ser brincadeira.
- Feliz aniversário, docinho – Brooke cantarolou, me abraçando como se fôssemos velhas amigas na frente de todo mundo. Eu fiquei estática. Tentei fingir um sorriso, mas algo me dizia que eu deveria estar com a cara de quem chupou limão. – me convidou, espero que não se importe – ela sorria tanto que eu tinha a impressão de que aqueles dentes absurdamente brancos iriam me cegar – Ele estava tão animado para essa festa! – sua voz saiu aguda como um ganido.
- Eu... ah, obrigada, querida. – eu respondi, gélida.
Brooke endireitou a postura, limpando a garganta.
- Posso falar com você em particular? Prometo que não vou roubá-la por muito tempo, pessoal – ela acenou como uma Miss para meus amigos e apertou meu pulso antes que eu pudesse dizer alguma coisa.
Fui arrastada até o canto do bar por uma Barbie siliconada. Ela definitivamente tinha mais força do que parecia.
- O que há de errado com você? – disparou ela, quando estávamos sozinhas e a música estava alta demais para que alguém prestasse atenção.
Eu sorri. Finalmente a cobrinha solta o seu veneno.
- Perdão? – eu cruzei os braços.
- Eu quis dizer qual é a porra do seu problema. – ela deu um passo à frente, e eu institivamente ergui a mão para impedi-la.
- No momento, o meu problema é você – eu falei – E não me interessa se a chamou, porque eu não quero você aqui.
Brooke riu.
- Será que é possível você ser mais cínica? – rosnou – Eu não estou falando disso. Não estou falando de nada disso. – ela gesticulou de forma exagerada – Eu já disse antes que quero que você desapareça da vida do , mas ele... ele tem uma espécie de obsessão por você. Eu gosto muito dele, e sei que ele sente o mesmo por mim, mas enquanto existir uma vaca entre nós as coisas nunca vão funcionar! – ela parecia estar prestes a me dar um tapa – Você não se importa o suficiente com ele para deixá-lo ser feliz? Não pode ser um pouco menos egoísta e pensar nele também?
Ela conseguiu surtir o mesmo efeito que teria se realmente tivesse me dado um tapa.
- Escuta aqui – eu sussurrei entre dentes – é meu. Logo, não o toque, beije, elogie, nada. Nem mesmo olhe para ele. Sabe por que, lindinha? – eu a encarei e sorri – Sou eu quem deve fazer isso.
Brooke ficou boquiaberta. Ela pareceu chocada, mas não tanto quanto eu estava por dentro. Eu não pensei antes de dizer aquelas palavras, elas pareceram sair sem o meu controle.
Não importava. A sensação de tê-las colocado para fora era maravilhosa.
Ela não disse mais nada antes de sair pisando com força e empurrando as pessoas para fora do seu caminho. Eu ri sozinha comigo mesma. Aquilo havia mesmo acabado de acontecer? Mas que belo presente!
- Onde está a ? ! – ouvi me chamar. Voltei para a minha festa, radiante – Hora de apagar as velas!
Todos se amontoaram para assistir o momento mais importante da noite e ponto inicial para a farra, bebidas e strip-teases. Por mais que eu adorasse ser o centro das atenções tanto quanto chamar atenção, me sentia quase tímida com todos olhando para mim com expectativa. O bolo tinha cobertura de chocolate e velas 3 e 1 com glitter. Obviamente.
- Não se esqueça de fazer um pedido – sussurrou.
Quando ela disse isso, uma imagem me veio à cabeça. Fiquei tão surpresa por ter pensado em algo – eu não tinha ideia do que poderia pedir – que não tive tempo de absorver o que aquilo significava para mim. Fechei os olhos e soprei.
Um estrondo de aplausos e gritos se deu em seguida, e o flash da câmera de foi a primeira coisa que vi quando abri os olhos.
- O que desejou, ? – ele quis saber.
- Se eu contar, – falei, olhando para ele – não vai se realizar.
— O que acha de colocarmos dois de cada? — perguntei para Maryse, que estava sentada no pequeno sofá de camurça bege, um dos únicos móveis no cômodo completamente branco da sua gigante cobertura.
É. Eu sei.
Ela balançou o vinho na taça, semicerrando os olhos ao analisar o vaso de cerâmica chinesa à sua frente, visualizando mentalmente a minha sugestão.
— Dois vasos?
— Dois de tudo, na verdade — falei, empolgada, girando em meus sapatos para observar o ambiente enquanto milhares de imagens se encaixavam criando uma só em minha mente, como um quebra-cabeças. — Podemos colocar duas estátuas daqueles cervos de bronze que vimos em Park Avenue, um de cada lado da lareira. Dois espelhos nas paredes paralelas, — apontei de um lado a outro — duas estantes com livros e enfeites, quadros. Terá um ar... simétrico. — eu suspirei, com um sorrisinho — Como o apartamento de Coco Chanel na Rue Cambon, 31.
Maryse terminou de beber e se levantou.
— Parece bom para mim, .
Encostei-me em uma das paredes, com uma imensa satisfação e alívio estampados na cara enquanto rascunhava algumas anotações em minha prancheta.
— Amanhã trarei o projeto completo e finalizado, então só precisaremos acertar todas as cores e partir para a melhor parte: compras!
Ela riu e assentiu, abrindo a bolsa.
— Escute, se importa se eu pagar o seu primeiro salário em cheque?
— Oh, sra. Hall — eu dei uma risada nervosa quando ela começou a escrever no talão — Não precisa se incomod... — minha voz morreu quando ela estendeu a folha para mim.
Havia mais zeros ali do que eu imaginava. Caralho.
— É o suficiente? — Maryse perguntou de um jeito brincalhão. Eu a olhei, boquiaberta. — Não pense que vou largá-la, . Você nunca foi designer de interiores de ninguém, estou certa? — ela perguntou. Era algo até meio humilhante de se dizer, mas engoli em seco, balançando a cabeça para confirmar. — Gosto disso. Serei original, diferente de todos os outros.
Sem saber o que responder ou como responder, não contive o impulso de abraçá-la. Maryse deu um sobressalto de surpresa, mas logo soltou uma risadinha e deu tapinhas delicadamente leves em minhas costas.
Eu estava emocionada demais até mesmo para falar tchau.
No elevador, descendo do arranha-céu onde morava os Hall, tive que me segurar para não fazer todas as dancinhas que estava imaginando – não queria que me achassem louca (por mais que eu realmente fosse). Pensei em como gastaria o meu primeiro salário, o primeiro dinheiro que recebia depois de tanto tempo. Um milhão de coisas se passaram pela minha cabeça, mas tomei a decisão assim que coloquei os pés na rua. Eu iria pegar um táxi.
Isso mesmo. Meu conceito de esbanjar havia mudado, diga-se de passagem. Adeus, cheiro de fumaça e suor. Olá, bancos de couro e perfumes de grife! Estendi o braço para chamar o carro, mas tinha certeza de que não parecia tão glamourosa quanto Carrie Bradshaw ao fazer isso. O vento havia transformado o meu cabelo em um desastre.
— Para onde, madame? — o motorista, mascando tabaco, perguntou. Eu ainda nem havia me sentado.
— West Village... — eu fechei a porta e, antes que eu terminasse de falar, ele saiu arrancando pela rua — Espera! Preciso ir a outro lugar antes. 160, Madison Avenue.
Ele bufou, é claro. Motoristas nova-iorquinos, sempre simpáticos. Minha mãe havia me mandado uma mensagem de texto mais cedo pela manhã, perguntando se eu havia gostado do presente. Ainda não fazia ideia do que poderia ser, mas ela sempre tivera um ótimo gosto quando queria me agradar.
Observar Manhattan pela janela do táxi era tão inacreditável – quase como se estivesse assistindo a um filme – que tive vontade de chorar. Os últimos dias pareciam ter sido bons demais para ser verdade, e a sensação esquisita de felicidade aquecia meu peito. Eu apenas esperava, com todas as minhas forças, que o mundo ao meu redor não desmoronasse em cima de mim outra vez.
Ah, por favor. Nem o universo poderia ser tão sacana assim.
Saí do carro e caminhei apressadamente até a entrada do prédio. No entanto um dos seguranças apareceu com uma grande caixa em mãos antes que eu chegasse. Não pude deixar de notar que ele não parecia nada feliz.
— Ei, eu conheço você! , não é? — sem entender nada, eu fiz que sim — Muito engraçada a sua brincadeirinha. Agora suma com isso antes que o síndico fique sabendo.
Eu apenas pisquei, recebendo a caixa, com cara de paisagem, enquanto o homem voltava para o lado de dentro. Senti algo se mover na caixa e congelei. Olhei ao redor, desconfiada, antes de abri-la de uma só vez.
A minha cara de surpresa provavelmente foi ótima.
Mas com certeza não tanto quando a do yorkshire terrier lá dentro.
Eu podia escutar a voz de do corredor. Ele soava entusiasmado – aquilo era um bom sinal, certo? Talvez ele recebesse melhor a novidade, se estivesse de bom humor. Tirei a chave da bolsa e entrei no apartamento no momento em que ele seguiu para a cozinha.
— Sim, Jeremy, até agora tudo está certo... Um minuto, por favor. , é você? — ele berrou essa última parte.
— Sou eu! — gritei de volta.
— Temos comida tailandesa, está bom para você?
— Claro — eu ri, apesar da ansiedade. Ele voltou à sua ligação, e eu não demorei para perceber que era algo importante relacionado ao seu trabalho. Esperei pacientemente. Na verdade, ele poderia demorar o quanto quisesse.
Nós duas estávamos muito bem ali, obrigada.
— Você não vai acreditar no que... — ele entrou na sala sorrindo, mas o sorriso e a voz sumiram juntos quando ele congelou no lugar, o olhar fixo na minha direção, só que um pouco abaixo do meu rosto.
A bolinha de pelos marrons no meu colo balançava o rabo com entusiasmo para ele.
— , essa é Baleia — apresentei, parecendo mais determinada do que realmente me sentia.
— , que diabos... — ele começou a franzir a testa.
— Ei, não faça essa cara — mandei — e não fale assim! Ela é o presente de aniversário que minha mãe mandou para mim. — eu a apertei como se fosse um brinquedo. Baleia se contorceu, irritada — Não é adorável?
de uma risada seca.
— Ah, totalmente. Você não espera que a gente fique com ela, não é?
— O quê? Por quê? — protestei.
— Você não sabe o quanto animais dão trabalho? Além disso, nós não podemos deixá-la ficar aqui...
— Qual é, , você sempre quis crianças — disparei. Ele fez uma careta. — O apartamento é enorme! Olhe, eu juro que me responsabilizo completamente por ela. Recebi meu primeiro salário e usei para levá-la ao veterinário para tomar as vacinas, comprar ração e outras coisinhas. Para isso e, hum, táxi.
Ele respirou fundo, cruzando os braços.
— Vaaamos. Olha só para essa carinha — eu a estendi na direção dele, fazendo biquinho.
hesitou, com os cantos dos lábios se curvando levemente para cima.
— Para qual das duas? — perguntou, erguendo as sobrancelhas. Eu revirei os olhos, e ele pousou a mão gigante sobre a cabeça de Baleia. Ela pareceu extremamente satisfeita com o carinho. Que cachorra espertinha. — É... acho que pode dar certo.
— YAY! — exclamei, deixando-a no chão para bater palminhas. — Vai dar muito certo, você vai ver... — interrompi-me, notando que já estava distraído demais com sua nova garota para prestar atenção em qualquer coisa que eu dissesse. Sorri.
— Um cachorro? — perguntou, o que soou mais como uma exclamação incrédula. Eu dei um gole na bebida, balançando a cabeça para confirmar. – Você está me zoando.
— Bem, tecnicamente, ela é uma cadela, mas é sério. Somos três agora. Até que não é tão difícil de ser convencido.
Ela estalou a língua.
— Meu pobre irmão está comendo na sua mão.
me deu um sorriso jocoso.
— Que lindo. Agora, só precisam marcar a data da lua de mel.
— Cala a boca, besta — eu falei, rindo, e eles me acompanharam. Acho que nós três éramos as únicas pessoas ali rindo. Estávamos no Ross Terrace do Museu de História Natural para um evento de gala sobre fósseis ou coisas do tipo. É claro que eu não estaria ali, se não fosse pela oportunidade de colocar uma roupa bonita e comida de graça, sem contar os pedidos suplicantes de por companhia. Até então, eu nem lembrava que Aaron era um paleontólogo.
Viu? Até a profissão dele é chata.
Eu não sabia exatamente por que havia concordado em ir a um evento de trabalho do noivo da mulher com quem ele tinha intenções diabólicas, mas desconfiava que ele estava apenas aproveitando para passar mais tempo perto dela. A sua desculpa havia sido a melhor: envolvia algo com Uma Noite No Museu e ver as coisas ganhando vida. Ele não poderia ser mais idiota.
— Do que estamos rindo? — Aaron surgiu, assustando (e a todos nós).
— Hã, e têm um bichinho agora – ela sorriu.
— Formidável — ele respondeu, seco, como quem queria dizer patético. Eu sorri, falsa, como quem queria mostrar o dedo do meio — Quero que conheça alguém, querida. Sr. Collings, esta é minha noiva, .
deslizou a mão pelo vestido, alisando-o, antes de estendê-la para um velho com cara de poucos amigos.
— Prazer em conhecê-lo.
O velho deu um sorriso meio macabro ao cumprimentá-la.
— Que belo sotaque. É britânica?
— Sim, senhor — ela respondeu, corando. Porra, por que raios ela parecia tão nervosa?
— É uma bela moça que você tem aqui, sr. Campbell. Se conheceram na área?
— Oh, não — Aaron falou, com certo escárnio — Ela é só uma jornalista. Não entende desse tipo de coisa, escreve apenas para... colunas. — ele ergueu as sobrancelhas em uma expressão debochada.
Meu queixo caiu. Como ele podia dizer aquilo?
— Ei! — gritou com uma súbita fúria que fez o seu corpo ficar tenso. As pessoas ao redor se viraram para olhar. Até a música pareceu ficar mais baixa. — Você faz ideia do quão babaca você é? Tem alguma noção do quanto soa estúpido toda vez que caga pela boca? — Aaron deu um passo para trás. ficou pálida como um fantasma. Eu cobri a boca com a mão. — Pois fique sabendo que uma mulher que escreve para milhares, não, milhões de leitores por dia, é muito mais importante do que alguém que passa o dia lustrando ossos de dinossauro.
Nos próximos segundos, quando as pessoas não se deram ao trabalho de disfarçar que estavam olhando para nós e o silêncio constrangedor se instaurou, eu abri um sorriso orgulhoso. Não demorou muito até que os seguranças do museu aparecessem, cercando .
— Não há necessidade disso, eu sei por onde ir — ele grunhiu.
Eu queria segui-lo, mas precisava checar antes. Virei-me para ela e percebi que ela já não estava mais no mesmo lugar – Aaron a arrastara pelo braço para um canto afastado. Ele estava sussurrando com um semblante frio e ela tinha lágrimas nos olhos. Eu duvidava que tivesse algo a ver com o que ele estava dizendo, porque ela encarava diretamente a saída, o caminho por onde havia ido.
Mordi o lábio, aflita. Minha vontade era de chutar o que aquele idiota tinha entre as pernas, mas resolvi ir atrás de antes que não conseguisse mais me conter.
— Com licença — falei para o garçom à minha frente, deixando a minha taça vazia em sua bandeja e pegando outro drink antes de sair correndo com botas de saltos de 20 centímetros — ! — gritei, tentando alcançá-lo a metros de distância, mas ele andava rápido demais. No lado de fora, na escadaria, eu parei para respirar. Conhecia o suficiente para saber que ele estava furioso só pela maneira que andava, como se estivesse prestes a bater em alguém — Ah, homem, o que eu faço com você? Mesmo depois de tantos anos, você continua adorando uma polêmica.
— Me dê algo para quebrar. Preciso quebrar alguma coisa.
Considerando que eu tinha meu celular em uma mão e a taça do buffet em outra, decidi que uma só não faria falta para eles. Entreguei-a ao , que a arremessou com força na 79th Street.
Suspirei.
— E então, se sente melhor?
— Não — respondeu, se sentando em um dos degraus, com a cabeça entre as mãos. Ah, o bom e velho drama. Balancei a cabeça e sentei ao seu lado, colocando o queixo sobre seu ombro — Eu sei que sou a pessoa mais inapropriada para dizer isso, mas aquele cara... ele não sabe o quanto tem sorte por ter a , mesmo sendo o maior filha da puta do mundo? Mesmo assim, ele ainda a despreza... ainda a humilha daquele jeito?
Engraçado como o amor transforma a cabeça das pessoas. Segurei o rosto dele, virando-o para mim.
— Horrível, não é? — tentei soar o mais compreensiva possível — Mas não acha que isso soa meio familiar?
Ele desviou o olhar, envergonhado.
— Eu sei. Eu fiz a mesma coisa. — murmurou, cerrando os punhos — Como vou poder convencê-la de que sou melhor do que ele?
Eu ri, afagando as costas dele.
— Ei, isso não é exatamente a coisa mais difícil do mundo. A pior parte vai ser compensar todas as suas burrices dos últimos anos. O quanto está disposto a mudar por ela?
Ele fechou os olhos, franzindo o cenho.
— Por favor, , não faça com que eu me arrependa por confiar em você.
Pela primeira vez em mais anos do que eu conseguia me lembrar, voluntariamente coloquei meus tênis esportivos e saí para uma corrida no Battery Park. Eu continuava sendo totalmente anti-exercícios, mas Baleia adorou o passeio. Talvez as pessoas fizessem esse tipo de coisa apenas pela felicidade dos seus amiguinhos.
atendeu a porta com o cabelo lindamente desarrumado, a barba por fazer e usando os óculos. Ele franziu a testa ao encarar a minha figura suada e ofegante.
— Uau, nunca achei que viveria o suficiente para ver isso.
— Vou deixar você retirar o que acabou de dizer, .
— Tudo bem. Ei, vocês chegaram! — ele ergueu os braços em uma exclamação quase ensaiada. Eu dei risada.
— Bem melhor — falei, deixando-o paparicar a cadela enquanto eu ia até a cozinha pegar água para nós duas. Trouxe para a sala a minha garrafinha cor de rosa e a vasilha da mesma cor. Tal mãe, tal filha.
— ... — ele me chamou, sem olhar para a mim — eu tenho que lhe dizer algo.
Arqueei as sobrancelhas, esperando que ele fosse em frente. Ele respirou fundo, então se virou.
— Preciso que se case comigo.
Eu não respondi de imediato, mas conhecia o suficiente para saber quando ele não estava falando sério, mesmo que parecesse. Dei um sorriso sarcástico.
— É assim, então? Sem buquê de rosas? Sem Frank Sinatra ao fundo?
Ele riu alto.
— Por favor, não me ache um idiota...
— Eu já acho. — observei.
— Cala a boca. Bem, você se lembra que a inauguração do hotel em Hamptons é nesse fim de semana, certo?
— Oh, sim! — juntei as mãos, animada. havia sido o coordenador da construção de um hotel à beira-mar de uma rede cinco estrelas. Ele era um dos engenheiros mais jovens a conseguir um cargo tão importante para um projeto desse nível. — Como você está se sentindo sobre isso?
— Ótimo, se não fosse pelo fato de eu ser o único solteiro da equipe. — ele resmungou. Eu engasguei com a água, então soltei uma gargalhada — Qual é, !
— Será que não passou por essa sua cabeça complexada que praticamente todos lá são muito mais velhos do que você? — perguntei.
bufou.
— Foi o que eu pensei, até ver caras da minha idade e mais jovens do que eu falando sobre o quanto suas esposas se divertiriam juntas! — ele falou, como uma criancinha.
Chacoalhei a cabeça, ainda rindo.
— Deixe-me adivinhar: você disse que era casado, só para não ser expulso da mesa dos descolados.
Ele não disse nada, apenas continuou brincando com as orelhas de Baleia. Parece que quem cala, consente.
Aproximei-me dele, com os braços cruzados e um sorriso divertido.
— Tudo bem, aceito ser sua esposa de mentirinha. Sempre soube que um dia seria comparada à Jennifer Aniston.
Ele pareceu aliviado.
— Você é incrível, love.
— Verdade. Mas... só por questões de conhecimento, por que não pediu para a Barbie satânica fazer isso? E não me diga que é porque eu sou melhor do que ela, pois todos já sabem disso.
deu um sorriso fraco.
— Se está falando da Brooke, ela terminou comigo. Ah, meu Deus.
De repente, parecia que fogos de artifício estavam estourando do lado de fora.
Alguém mais está ouvindo anjos cantando ou sou só eu?
— Nossa, eu... — pigarreei, tentando esconder a felicidade que, naquele momento, poderia ser um tanto insensível — Por que não me disse nada?
— Estou dizendo agora — ele deu de ombros, como se não se importasse. Semicerrei os olhos, desconfiada — O quê? Não é grande coisa.
“Eu sei disso”, quis dizer. Queria dizer que se livrar daquela vadia havia sido a melhor coisa que poderia ter acontecido a ele e que essa viagem a Hamptons agora parecia mil vezes melhor. Mas era Brooke quem eu odiava. ... ele tinha um histórico para que eu me preocupasse com ele depois de términos.
— , eu estou legal — ele percebeu, sabia o que eu estava pensando. segurou a minha mão, e eu encarei nossos dedos entrelaçados antes de lembrar um pequeno detalhe. Arregalei os olhos.
— Certo, mas... — ao mesmo tempo, nós dois olhamos para Baleia — o que iremos fazer com essa garota?
— Não. Sem chance. — começou, e eu já estava batendo o pé e reclamando, quando ele continuou — Vocês só podem estar de brincadeira!
— É apenas por um fim de semana — pediu, com apenas a metade de cima do rosto aparecendo, a outra estava escondida atrás da montanha de coisinhas da Baleia que ele carregava.
— , eu não sei como você pode concordar com isso — disse .
— Bem, você foi o primeiro em quem pensamos...
— Estou falando de você ter deixado a ficar com o cachorro!
Abri a boca, ultrajada.
— Você é o pior padrinho de todos — sibilei, apertando minha cadela contra o peito para que ela não tivesse mais que olhar para aquele traidor.
piscou.
— Eu sou o padrinho?
— Parece que não mais! — respondi.
— Será que vocês podem parar? Estou sentindo a vergonha alheia — revirou os olhos — E respondendo à sua pergunta, , apenas vou sugerir que depois de alguns minutos ela irá conquistar você, confie em mim.
— Por favor, eu nunca te pedi nada! — acrescentei, dramaticamente, para dar ênfase. Aquilo era uma quase verdade. Era difícil ter certeza depois de conhecer alguém por 20 anos.
Ele coçou a nuca.
— Vocês dois sabem que eu me dou melhor com objetos inanimados.
— Ok, nós tentamos fazer isso de maneira civilizada, mas você esgotou o meu estoque de paciência — deixei Baleia no chão. Ela imediatamente foi cheirar , balançando o rabo. Sério, qual era a daquela cachorra com homens? — tem essa coisa importante para fazer, eu serei a sua acompanhante e você, como o bom amigo que é, será a dogsitter. Além disso, pode ajudá-lo — falei, com um sorriso malicioso.
— Sim! Aposto que ela não vai se importar — inocentemente concordou.
Coitado. Se ao menos ele soubesse...
— Já que vocês estão dizendo... — pigarreou, imediatamente convencido.
— Eu sabia que poderia contar com você — dei um passo à frente para beijá-lo na bochecha — Espero que você e ela se divirtam — “e não é da Baleia que estou falando”, acrescentei mentalmente, mas ele provavelmente entendeu apenas pelo meu olhar. — Tchau, docinho, a mamãe já está com saudades! — choraminguei para a cadela, mesmo que ela não estivesse dando a mínima para mim.
De fato, ela parecia tão entretida com o lugar que, se pudesse falar, diria: já vai tarde, baranga.
— Apenas vamos deixar claro que eu não me responsabilizo por nada e... Puta que pariu, ela está mijando nos meus documentos! — ele gritou, exasperado, e me puxou pela mão para fugirmos antes que ele surtasse conosco.
Pelo visto, também não nos responsabilizaríamos por nada.
Se alguém procurar The Hamptons no dicionário, irá encontrar “quintal dos nova-iorquinos ricos”. Não era nenhuma surpresa que eu não me recordasse de ter memórias ali.
É claro que as vagas imagens de uma com um metro de altura, cabelo cortado estilo joãozinho e com catapora não importaram nem um pouco quando o carro chique alugado para nós nos deixou em uma mansão de frente para a praia.
— Uau — eu suspirei, rodopiando no meio do saguão de entrada. O lugar parecia meio deslocado no cenário, e eu me senti como uma dama de outra época. Os grandes sofás de veludo e o lustre de cristais não eram nada se comparados às janelas-vitral altas e estreitas e às escadarias de pedra escura de cada lado, que convergiam no meio, levando ao andar de cima – Você sempre fica em lugares assim quando viaja a trabalho?
deixou nossas malas caírem e ergueu os ombros.
— É, basicamente.
Eu o encarei.
— E você só me chama para ser sua mulher agora?
Ele riu e deu um beijo na minha testa.
— Na verdade, estamos sendo hóspedes. Essa é a casa de praia do meu chefe, Jeremy Hall.
Franzi o cenho.
— Engraçado, a minha patroa é sra. Hall. Talvez ser podre de rico venha junto com o sobrenome? — ponderei, observando os detalhes com atenção — Então... posso explorar?
— Faça as honras — gesticulou em direção às escadas. Extasiada, não precisei que ele dissesse duas vezes.
Uma das portas estava aberta, e eu logo supus que aquela fosse a suíte principal. O ambiente tinha um cheiro adorável de lavanda, como se tivesse sido limpo recentemente. A cama de casal estava impecável e sobre ela havia dois sacos plásticos para guardar trajes, um buquê de rosas e uma cesta de chocolates Mariebelle, acompanhados de um bilhete.
— “Sr. e sra. , — eu li em voz alta — espero que aproveitem as roupas e a estadia. Nos vemos na grande noite do meu garoto prodígio. Atenciosamente, J.H.” — eu virei para trás, encontrando apoiado no batente da porta — Uhh, parece que alguém é o mascote da turma.
Ele me mandou o dedo do meio e pegou um dos chocolates da cesta. Eu ri e fiz o mesmo. O doce derreteu na minha língua como um manjar dos deuses. Fechei os olhos, deixando escapar um som um tanto sexual.
— Nossa, isso é como um orgasmo gastronômico! — exclamei.
— Eu deixo você ficar com esse quarto — falou — Posso dormir em algum outro.
— Ah, que grande sacrifício — zombei — Mas nem pense nisso, senhor! Você é a celebridade, merece o quarto V.I.P. – enchi a boca com mais dos bombons, olhando para o bilhete outra vez — “Sr. e sra. ” — repeti — soa esquisito, não acha?
colocou a mão no queixo, pensativo.
— Hmmm... não. Parece ótimo para mim.
Dei uma risadinha.
— É claro que você acha isso. Mas vamos me apresentar como mesmo, podemos dizer que sou aquele tipo de feminista que não aceita o sobrenome do marido — ergui as sobrancelhas. Ele sorriu e balançou a cabeça, concordando — Como você quer que sua esposa seja? Ah, já sei! Podemos dizer que sou uma chef francesa e...
— Acredite, você mesma é boa o suficiente — ele beliscou a minha bochecha. Fiz biquinho, frustrada por não ter conseguido uma chance de mostrar meus talentos como atriz — Vou trazer as malas, ok? Não acabe com os doces.
— Não prometo — cantarolei. Sozinha no quarto, resolvi espiar qual seria o meu look no evento, escolhido exclusivamente pelo patrão de . Deslizei o zíper, deixando a embalagem pesada cair.
Meu coração parou por um minuto. Quando encarei o longo Versace vermelho, deixei escapar:
— Meu Deus do céu.
E foi exatamente a mesma coisa que disse ao me ver vestida com ele, no início da noite. Eu ri, quase tímida, mas ele estava certo. Eu sabia que estava linda. O vestido moldava o meu corpo, realçando as curvas nos lugares certos. A cor, de alguma forma, destacava o meu cabelo, que caía com leves ondas por cima do ombro.
— Ficou perfeito, não acha? — coloquei as mãos sobre o abdômen, com um sorriso bobo — Me sinto como se fosse sair na próxima edição da Cosmopolitan.
— Não faço ideia do que você está dizendo, mas vou concordar – ele estendeu a mão para mim — Você está linda. Vamos, há uma limusine lá fora esperando por nós.
— Você está zoando — falei, baixinho. Em trinta e um anos, nem mesmo nos meus sonhos mais iludidos...
Não. Ele não estava.
O Southampton Inn era fabuloso, como uma espécie de palácio moderno. O piso de mármore e as colunas dóricas davam um toque clássico em todo o restante tecnológico. Janelas amplas preenchiam as paredes, dando vista à incrível paisagem e luz natural durante o dia, enquanto as lâmpadas amarelas fariam esse trabalho durante a noite, contrastando-se no branco das paredes.
— Belo trabalho — cochichei para , quando um fotógrafo nos parou. Acho que isso fez seu sorriso aumentar um pouquinho mais para a fotografia.
Eu nunca decoraria os nomes de todos os homens e mulheres a quem eu era apresentada, mas estava exercendo muito bem a minha única função ali: ser bonita e sorrir. Investidores, magnatas e a imprensa estavam cobrindo o evento; mas naquela noite fria de outubro a única coisa com a qual eu estava preocupada era a hora de tomar um porre.
— , nós nos esquecemos completamente! Hoje é Halloween! — eu disse, um pouco surpresa. Pela primeira vez, a minha ficha caiu de que nós estávamos, de fato, ficando velhos. Uma hora você está usando fantasias impróprias e então, puf, passa a noite comemorando um dos momentos mais importantes na carreira do seu melhor amigo.
— Se eles soubessem que estamos fingindo, nós ganharíamos o prêmio de melhor fantasia. — ele comentou, cumprimentando um homem logo depois.
— Sem graça. Prefiro achar que estou vestida de Jessica Rabbit — respondi. deu uma risada fraca, e só então reparei o quanto ele parecia nervoso — Quer uma bebida?
— Você não faz ideia — ele disse, um pouco desconcertado. Eu ri e, pelo bem das imagens, eu o beijei no rosto e mandei uma piscadela antes de sair.
Francamente, eu era ótima em atuar.
A mesa com drinks e aperitivos no canto me lembrou do baile de formatura: eu só esperava que o ponche vermelho também estivesse batizado com Grey Goose. Coloquei um canapé na boca quando ninguém estava olhando e comecei a servir os dois copos, quando alguém colocou uma mão nas minhas costas.
— Você é a , certo? do ? — o homem perguntou. Seu cabelo preto estava penteado para cima com gel e os olhos azuis brilhavam com um ar astuto e safado que definitivamente me atraíam.
A primeira coisa que fiz foi checar sua mão. Merda, era casado. A segunda foi terminar de engolir o canapé de atum e limpar os dentes com a língua.
— Não lembro de ele ter me comprado, mas suponho que seja eu mesma —brinquei. Não flerte, vadia, precisei me repreender mentalmente. O cara gato riu.
— me disse que vocês estão se divorciando. É uma pena... vocês fazem um belo casal.
Eu o encarei com uma expressão surpresa, mas consegui organizar as palavras:
— Uma pena mesmo, mas vamos continuar sendo bons amigos — e concluí com um sorriso. Ele assentiu com a cabeça e se retirou antes de se apresentar.
Então aquele pilantra mal havia se casado de mentira comigo e já se livraria de mim? Eu ri sozinha. iria ver só.
Eu o avistei em uma mesa com algumas pessoas, mas a cadeira ao seu lado estava vazia, esperando por mim. Ele se levantou e me apresentou para os outros. Ergui o queixo com um ar de superioridade, transformando a simpática na ex-mulher amarga e interesseira. Entreguei um dos copos de vidro para ele.
— Obrigado.
— De nada, docinho — falei. pareceu confuso, e eu respondi com um dar de ombros. Essa era a minha vingança: se ele não me deixava ter um script, eu não seguiria o seu.
— Então essa é a mulher de quem tanto ouvi falar — o senhor de idade ao lado de comentou. Aquele eu não precisava adivinhar quem era. — Espero que tenha gostado da casa, querida.
— Sr. Hall, é uma honra — falei, agora com sotaque britânico, apertando a mão dele. me lançou um olhar de “que porra é essa?”.
— Quero apresentá-la à minha esposa, mas ela foi ao... ah, aqui está. , conheça Maryse Hall.
Eu cuspi o ponche que estava na minha boca de volta para o copo antes que me engasgasse. À minha frente, minha chefe usava um vestido prateado e tinha o cabelo preso em um coque no alto da cabeça.
— Sra. Hall! — gani, ficando de pé rapidamente — Eu... como...
— Vocês se conhecem? — Jeremy indagou.
— É claro que sim, ela é a designer do nosso apartamento! — Maryse respondeu e me fitou, com os olhos brilhando — Você está ótima, mas o que faz aqui?
— Ela é a esposa do , você se lembra dele, não lembra? — Jeremy respondeu por nós, chacoalhando os ombros de , que parecia mais pálido que o normal. Maryse pareceu chocada.
— Você nunca me disse que era casada, .
Eu comecei a gaguejar. Decidi fechar a boca e começar de novo:
— Bem, a senhora nunca perguntou — eu pisquei, e eles riram. respirou, aliviado. Conseguimos salvar o nosso segredo.
A presença de Maryse fez a minha alterego britânica e mimada desaparecer, dando lugar à boa e velha idiota. Descobri por que eu era uma funcionária tão boa: mentir na frente da chefe era uma tarefa ridiculamente difícil, e fazia com que as horas parecessem demorar uma vida para passar.
As pessoas ficavam menos sofisticadas e mais bêbadas conforme a noite caía. Muitos haviam se levantado e seguido para a pista de dança, e eu continuava na minha cadeira, como uma estátua, com o paletó do jogado por cima dos meus ombros para me aquecer.
[Coloque para tocar: Video Games – Lana Del Rey]
— Vocês não vão dançar? — Jeremy quis saber.
— Não — nós respondemos em uníssono — Nós não... não fazemos esse tipo de coisa — expliquei.
— Ah, eu não acredito! — Maryse reclamou — Nada disso. Nós não temos mais idade, mas vocês são jovens e bonitos. Vão. Vocês serão as estrelas da noite.
Maryse e Jeremy pareciam dois pais entusiasmados empurrando os filhos para o baile. Tirando o pequeno detalhe que os meus não fizeram isso.
Tudo bem. Sem ressentimentos.
Swinging in the backyard, pull up in your fast car
Whistling my name
Open up a beer
And you say, ''get over here and play a video game
e eu nos entreolhamos, e eu comprimi os lábios para esconder um sorriso quando ele se levantou e estendeu a mão. Ergui as sobrancelhas. Ele estava mesmo falando sério? Impassível, ele não esperou pela minha vontade e me puxou, tirando o paletó de mim e o jogando sobre a mesa.
— Esse tipo de dança eu não sei — falei para ele — Você não quer passar vergonha.
— Sorte sua que sou um ótimo condutor — a mão dele se encaixou na minha cintura. Eu mostrei a língua, arrancando-lhe um sorriso, antes de colocar uma das mãos em seu peito e deixar a outra protegida pela dele.
I'm in his favorite sun dress, watching me get undressed
Take that body downtown
I say you the bestest, lean in for a big kiss
Put his favorite perfume on
Go play a video game
realmente sabia como conduzir, mas de repente eu me vi nervosa como uma garotinha, encarando o chão para me certificar de que não estava tropeçando nos pés dele ou nos meus próprios. Meu rosto esquentou e eu dei uma risada, me sentindo estúpida.
— Deus, espero que ninguém esteja vendo isso.
— Todos estão olhando para você — ele falou ao meu ouvido — E ninguém pode culpá-los, .
It's you, it's you, it's all for you
Everything I do, I tell you all the time
Heaven is a place on earth with you
Tell me all the things you want to do
Esbocei um sorriso.
— Hoje foi uma boa noite, não foi?
Mesmo na iluminação fraca, seus olhos verdes pareciam concentrados em mim.
— Acho que conseguimos convencê-los. Fizemos um bom trabalho.
— É, — respondi — somos uma boa equipe.
I heard that you like the bad girls, honey, is that true?
It's better than I ever even knew
They say that the world was built for two
Pressionei o rosto contra o ombro dele, por um minuto apenas, sendo embalada pelos seus braços ágeis enquanto fechei os olhos. Eu os abri e arrisquei olhar – era verdade. Todos estavam nos observando.
Eu me senti especial. Venerada. E não era por causa deles.
— Uau, você tem razão — falei em voz baixa — Todo mundo está nos encarando. Queria ver a reação deles se você me beijasse.
Only worth living if somebody is loving you
Baby, now you do
Os movimentos de ficaram mais lentos até que ele parasse. Eu me afastei, dando um passo para trás para olhá-lo. O seu sorriso torto havia desbotado em uma expressão fria, quase ofendida. Confusa, o encarei sem entender.
— Eu estou cansado, . — ele falou, suavemente — Nós deveríamos ir embora.
Dessa vez ele não esperou por mim. E eu fiquei parada, pateticamente sozinha no meio dos casais, até lembrar que tinha de perguntar o que havia acabado de acontecer, para erguer a longa saia do vestido e sair apressada atrás dele.
Ele permaneceu em silêncio durante todo o caminho, e eu não arrisquei falar nada.
Pelo contrário, estava dialogando comigo mesma em meus pensamentos. Foi algo que eu disse? Eu fiz algo errado? Talvez tivesse sido indelicada, pois seu término era recente. Quer saber? Foda-se Brooke, a essa altura eu mal me lembrava da cara dela. Não era possível que alguém tão irrelevante tivesse afetado tanto . Eu me recusava a acreditar nisso.
Seguimos para quartos diferentes. Eu não precisaria da cama naquele momento, então deixei o vestido cuidadosamente sobre ela, depois de colocar os shorts e a parte de cima do pijama. Calcei meias e, em passos silenciosos, fui para a suíte principal. Não pedi permissão para entrar. Sabia que ele estava acordado.
estava deitado na cama, os olhos fixos na televisão ligada. Saturday Night Live. Pela sua expressão, eu tinha certeza que se perguntasse o que havia acabado de acontecer no programa, ele não saberia dizer. Ele não se virou para mim quando subi na cama e deitei ao seu lado.
— Qual é o seu problema? — finalmente perguntei, irritada, depois de segundos em silêncio sendo ignorada.
Ele olhou para mim e deu um sorriso que eu sabia que era forçado.
— Não é nada.
— Cretino — falei. Dessa vez, ele sorriu de verdade. — Eu definitivamente vou fazer você falar. Se acha que pode ficar todo estranho de uma hora para a outra e não me dizer por q...
— , — ele me interrompeu — se você pedir, eu te beijo.
Eu gelei. Por completo.
Parte de mim queria gritar que ele realmente tinha problemas – eu nunca esperaria que um comentário bobo pudesse deixá-lo daquele jeito. No entanto, uma outra parte, cega e um irracional, não o viu naquele momento como o meu de sempre, com quem eu estava acostumada. Aquele era diferente... e causava um efeito em mim que eu não gostaria de admitir.
Talvez fosse apenas curiosidade, mas eu não me importava em fazer a coisa errada.
— Me beije — eu sussurrei.
Ele me puxou pela nuca e nossos lábios se encontraram em um beijo intenso e um tanto feroz. Eu reagi com certo desespero, levando a mão ao seu pescoço enquanto a dele descia pelo meu corpo até agarrar a minha perna. Ele mordeu meu lábio inferior e eu suspirei, inspirando , sentindo o seu cheiro e o quanto ele era sólido ao meu toque – músculos, braços e calor. Ele era delicioso. Eu poderia devorá-lo.
Minha pele estava quente, pulsando como se estivesse levando choques, e pude ouvir meu coração se estatelando contra as costelas quando ele se inclinou para cima de mim. Ofeguei quando seu nariz deslizou pela minha bochecha, seus lábios no canto da minha boca. Meus dedos ainda estavam em seus cabelos e nossos corpos pareciam se encaixar perfeitamente, mesmo que fossem desconhecidos.
me encarou. Parecia horrorizado, como se tivesse feito algo terrivelmente errado.
— Droga — ele sussurrou e se levantou, sentando na extremidade da cama, de costas para mim.
Eu também me levantei, mas não foi exatamente fácil. Minha mente estava girando.
— O que é? — eu não conseguiria ser sutil. Não depois daquilo.
— , eu preciso ficar sozinho. Por favor. — eu estava prestes a abrir a boca, quando ele repetiu: — Por favor, vá.
Respirei fundo, lentamente, e engoli em seco. Eu não estava disposta a fazer papel de idiota, então, sem dizer outra palavra, calmamente fiquei de pé e segui para o meu quarto.
Até a metade do caminho, pelo menos. Parei no meio do maldito corredor quando lembrei.
Havia se passado muitos anos, mas aquele não era o motivo de eu ter esquecido. Era como se eu tivesse me recusado a manter aquela lembrança. Ela estava durante todo esse tempo escondida em algum lugar; e no escuro silencioso, apenas com o barulho da televisão de dentro do quarto, o flashback me atingiu como um soco.
— É, é mesmo tudo muito triste — pela milésima vez eu falei, encostando a testa na parede e desejando bater com a cabeça nela repetidamente. Por que as pessoas não podiam simplesmente aceitar que não haveria mais casamento sem fazer perguntas?
É claro que eu teria que ficar com a pior parte. As famílias estavam brigando entre si, a vagabunda da noiva havia fugido e o pobre noivo estava se afogando no estoque de bebidas guardado para o jantar. Até estaria fazendo alguma coisa (em alguém), já que havia convencido uma das madrinhas de Kate a ir para casa com ele. E a função de ligar para os convidados explicando o que estava acontecendo sobrava para quem?
A otária da melhor amiga.
— Eu gostaria de saber, mas não sei. O que acha de perguntar para a própria Kate? — sugeri, ríspida, antes de desligar. Já tivera o suficiente daquilo.
estava esparramado no sofá da sala de estar da casa de seus pais e era a definição de péssimo. Seus olhos estavam injetados, o rosto pálido, o cabelo parecia estar penteado apenas para um lado e sua roupa estava desalinhada e amassada. Ele tinha uma garrafa de Jack no colo, e eu suspeitava que outras vazias estivessem escondidas atrás do sofá.
— Ei — falei, no tom mais dócil que pude, sentando ao lado dele. Eu estava cansada, com fome e as tiras do vestido pareciam me apertar mais um pouco a cada hora que passava, mas eu sabia que deveria ficar ao lado dele. Ele precisava de alguém. Não é como se eu pudesse culpá-lo por estar emocionalmente instável depois de ver a pessoa mais importante da sua vida e todos os seus planos para o futuro descendo pelo ralo através de um bilhete.
Ele virou o rosto para mim e deu um sorriso bêbado.
— Beba comigo — pediu. Fiz uma careta com a lufada de hálito com cheiro de álcool que me atingiu na cara quando ele abriu a boca, mas era um pedido justo. Quem ele pensava que era para acabar com elas sozinho?
Tirei a garrafa da sua mão e a levei aos lábios, dando um grande gole com vontade. Nem sequer estremeci. Talvez o estresse houvesse me deixado imune, mesmo que temporariamente.
— Eu juro que tentei entender, mas... — ele comprimiu os lábios e balançou a cabeça — Não. Ainda não faz sentido. Ainda não parece Kate. Não vejo onde eu errei...
— Pelo amor de Deus, cala a boca — ordenei. Ele me encarou, surpreso — Eu já disse que não é sua culpa. Não é culpa de ninguém, senão dela mesma. Será que você não pode deixar de ser um cuzão nem quando está sofrendo? — eu não deveria estar o tratando assim, mas eu estava com raiva, magoada até, por continuar vendo Kate como se ela fosse a mesma garota perfeita do dia anterior — O que faz ela tão especial para que você continue a defendendo mesmo depois...
Eu não continuei. me segurou pela cintura e, antes que eu pudesse perguntar a mim mesma o que estava acontecendo, ele estava me beijando.
Nós nunca fizemos aquele tipo ridículo de “melhores amigos que estão secretamente apaixonados um pelo outro”. O que havia entre nós era tão genuíno e autêntico que nunca cogitei nem mesmo a possibilidade de me sentir atraída por . Mas quando ele me beijou... a sensação se agitando dentro de mim era diferente de tudo que eu conhecia.
A distância entre nós parecia diminuir cada vez mais, como se nossos corpos fossem se fundir em um só. Eu agarrei seus cabelos, sua camisa, enquanto seus lábios quentes e pulsantes com gosto de uísque pressionavam os meus. me mantinha em seus braços com uma força que eu não sabia que ele tinha. Minhas mãos desceram pelo seu corpo e, tão rápido quanto aconteceu, acabou.
Ele se afastou, a respiração pesada. A cor havia voltado ao seu rosto, queimando.
— Eu não... , me desculpe — ele murmurou com os olhos arregalados, cotovelos nos joelhos, mãos na cabeça.
Endireitei as costas no sofá, sentindo cada centímetro do meu corpo tenso. Contorci o tecido do vestido entre as mãos, desejando que aquilo pudesse fazer com que elas parassem de tremer.
— Está tudo bem — prometi, em um sussurro — Eu juro. Não estou com raiv...
— Não, não está tudo bem. Porra, você não entende? — ele me encarou. Sua voz embriagada soava extremamente séria.
Eu estava impotente. “O que eu posso fazer?”, perguntei silenciosamente.
— Nós nos vemos amanhã? — ele manteve os olhos fixos no chão — Eu quero... ficar sozinho por um tempo.
Ah, com aquilo eu já estava acostumada. Não era a primeira vez que eu era dispensada sem explicações. A diferença é que geralmente isso acontecia depois de algo mais que um beijo, e que eu nunca imaginaria isso vindo de .
Tive vontade de rir, mas não consegui esboçar nenhuma reação.
— Vou buscar minhas coisas no quarto da . — declarei, deixando-o sozinho e indo para as escadas.
Parei no primeiro degrau, sentindo algo gelado no lado esquerdo do meu rosto. Levei a mão ao local e me assustei com a lágrima, livrando-me dela com pressa. Mas que diabos?
Aquele dia havia tido lágrimas demais para uma vida. Erros demais por toda uma vida.
Alguém precisaria se certificar de que nenhum deles acontecesse outra vez.
Encarei o teto. Não consegui dormir mais do que alguns minutos, pensando. Tentando entender.
Como pude me esquecer daquilo? Na verdade, como me forcei a esquecer? E por quê? Talvez eu tivesse decidido relevar pelo bem de , já que aquele dia havia sido ruim o suficiente para ele. Adiar a raiva que estava sentindo agora.
Sim, eu estava irritada comigo mesma, mas estava furiosa com ele. Quem pensava que era? Ou melhor, quem ele pensava que eu era? Algum tipo de prêmio de consolação para quando uma loira vadia se cansasse dele? Eu não conseguia acreditar que era essa a forma como ele me via. Eu poderia matá-lo. Ou arrancar seus braços e estapeá-lo com suas próprias mãos.
Não. Eu iria fazer pior.
Iria provocá-lo e deixá-lo tão louco de desejo até que ele implorasse para tocar em mim outra vez.
já deveria conhecer meu lado vingativo antes de ter começado. Eu olhei para o relógio no criado mudo ao meu lado. Quatro horas da manhã de sábado. No domingo à noite estaríamos de volta a Nova York, onde poderíamos fazer as pazes e deixar tudo isso no passado. Até lá... o que acontece no Hamptons, ficava no Hamptons.
Eu derrotaria um homem.
Certo, seria mais fácil fazer isso se ele estivesse por perto.
Consegui apagar completamente por poucas horas. Quando acordei, tinha certeza de que deveria estar exausta, mas meu corpo estava cheio de energia de uma forma surpreendente; por mais que a maquiagem da noite passada e as marcas debaixo dos meus olhos me deixassem parecendo um panda gótico. Limpei o rosto e penteei os cabelos, prendendo-os em um coque alto. Não tinha esperanças de encontrar nada, mas a curiosidade me fez abrir o majestoso guarda-roupa branco do quarto. Estava cheio de camisolas de cetim e baby-dolls, e uma imagem perturbadora da minha patroa vestindo elas surgiu na minha mente. Balancei a cabeça para espantá-la e continuei mexendo até escolher uma peça cor de vinho, sexy e delicada ao mesmo tempo.
Dei uma última olhada no espelho antes de sair – eu estava arrumada demais para quem queria passar a impressão “eu sempre acordo maravilhosa desse jeito”, até porque, já tinha me visto em todos os tipos de momentos ruins possíveis. Soltei os cabelos e os deixei cair pelas costas. Arrumados, mas livres. Melhor assim.
A porta da suíte principal estava entreaberta e eu pude ver pela fenda que ela estava vazia e a cama perfeitamente arrumada. nunca arrumava a cama. Desci as escadas, encontrando o andar de baixo desabitado também. Soltei um suspiro alto – não tão alto quanto o barulho do meu estômago reclamando. Levei a mão à barriga e fiz careta. Precisava de comida.
Achei que estava delirando com a visão do banquete servido na cozinha. Sobre a mesa havia um bolo red velvet, sanduíches, rolinhos de canela, jarras de suco e bules. Precisei me certificar de que não estava salivando feito um cão com raiva, porque isso arruinaria completamente a minha produção.
—Bom dia! — uma voz fininha e feminina disse atrás de mim, fazendo com que eu desse um grito de susto. Eu me virei e vi a garota, ela não deveria ter mais do que vinte e dois anos, com uma pele morena perfeita, cabelo preto curtinho e uniforme azul bebê. — Você deve ser a senhorita . A esposa que não aceitou o sobrenome dele — ela falou com um sotaque latino adorável, e o comentário me fez rir.
— É, acho que esse pode ser o meu novo apelido — respondi — Mas prefiro . E você é...
Ela sorriu de um jeito que me fez pensar se ela não estava acostumada com as pessoas se importando em saber o seu nome.
— Carmen.
Eu já estava puxando a cadeira para sentar, quando algo me ocorreu e eu congelei no lugar.
— Espera... — falei — Se você está aqui, isso significa que o sr. e a sra. Hall estão vindo para a casa?
— Oh, não! Significa apenas que eles querem ser anfitriões agradáveis. Sr. e sra. Hall já voltaram para a cidade.
Não sei por que, mas isso me deixou aliviada. Céus, eu me acostumava facilmente ao luxo. Se aquilo fosse um reality show, eu provavelmente seria retirada a força.
— Carmen, está servida? Por favor, sente-se, ou então eu vou acabar devorando tudo sozinha.
Ela se sentou, mas não tocou em nada. Prendi uma torrada entre os dentes e estava me servindo um copo de suco quando me toquei. Estava tão ocupada agindo feito uma esfomeada e não percebi que havia uma empregada, e a cama arrumada só poderia significar que...
Carmen deveria estar pensando que tipo de casal fodido não dormia no mesmo quarto.
— Então... — pigarreei — Teria alguma chance de você saber para onde foi o meu maridinho?
A expressão dela foi a mesma que eu tinha quando estava assistindo a uma série e o meu casal favorito aparecia.
— Ele disse que você perguntaria isso — ela deu uma risadinha — O sr. foi dar uma caminhada na praia.
— Sabe como é — encolhi os ombros — Tenho medo que ele fuja de mim no meio da noite.
— Vocês são muito bonitos juntos, se me permite dizer — comentou Carmen — Quer dizer, só os vi separados, mas o sr. parece se importar tanto com você. Ele nem quis tocar nos cookies de nozes porque disse que são os seus favoritos.
Eu já estava com um deles na boca quando ela disse isso. Fechei a cara. Se ele achava que poderia conseguir o meu perdão com comida, ele estava redondamente... certo.
Mas eu iria fingir que não.
— É, ele se importa demais — murmurei, mas não sei se ela conseguiu identificar a ironia ácida na minha fala.
— Bem, eu vou deixar você a vontade — ela se levantou e alisou o uniforme, mesmo que ele parecesse perfeitamente alinhado para mim. — Espero que aproveite o seu café da manhã.
— Carmen, está tudo maravilhoso. Na verdade, não lembro de ter tido um café da manhã tão bom assim desde... — sempre. Preferi omitir essa parte.
Ela pareceu verdadeiramente grata com o elogio.
— Imagine. Qualquer coisa que quiser, é só dizer e terá.
Involuntariamente, dei um sorriso malicioso.
— Ah — eu sussurrei — como eu espero que você esteja certa.
Poucas coisas conseguiam me irritar mais do que a demora de para atender o celular. Eu sabia que ele iria simplesmente me ignorar, mas eu era persistente. Aquele filho da mãe atenderia nem que fosse para fazer o aparelho parar de tocar.
— Você é uma péssima mãe — ele disse — já ligou há dez minutos para saber como Baleia está.
— Sério? — franzi a testa.
— Sério. Ela está ótima. Parece uma metralhadora de merda, mas suponho que isso só seja ruim para mim — eu ri. Ele continuou — Espera, você realmente não sabia? Não estava com quando ele ligou? Uau, achei que você tivesse mandado ele ligar.
— Não, eu não estava — falei — Na realidade, não vejo desde ontem. Ou ele cansou de mim ou estamos oficialmente brigados.
deu uma risadinha zombeteira.
— Uh, probleminhas de casal?
Revirei os olhos.
— Você não faz ideia.
— O QUÊ?
— Não é nada do que você está pensando, seu idiota — eu bufei. Ok, talvez fosse um pouco, mas a última coisa que precisava era e seus comentários inconvenientes para me estressar. — Eu estou com saudades da minha cadela.
— Ainda estamos falando da Baleia?
Às vezes, eu o admirava por conseguir ser espontaneamente babaca.
— Aqui não é tão diferente de Nova York como eu lembrava — disse eu — Parece a Quinta Avenida, só que mais rústico. Tem até uma Tiffany’s!
Ouvi sua risadinha do lado da linha.
— , você está falando coisas que com certeza não são o motivo para ter me ligado. Parece até que eu não a conheço.
Ele estava certo. Eu estava no meio da rua principal de East Hampton — um lugar lindo com pessoas lindas e lojas lindas — ligando para pedir ajuda de pela segunda vez sobre o mesmo assunto. Não sabia se seria capaz de me humilhar (ou deixar que ele fizesse isso para mim) a esse ponto.
— Quer saber? — fiz minha melhor cara de despreocupada, mesmo que ele não pudesse me ver — Vou voltar a fazer compras. Não existe nada melhor do que liquidação de queima de estoque da estação. Nos falamos depois.
— Mas…
Eu desliguei e continuei andando. Estava frustrada por ainda não ter colocado o meu plano em ação, mas confiava em mim mesma o suficiente para saber que conseguiria. Prestes a dobrar a esquina, parei ao ouvir um claro e sonoro:
— Olha só quem está ali, !
Eu o olhei. Vi seu pomo de adão subir e descer quando ele engoliu em seco antes de abrir um sorriso e estender o braço para mim.
Ali estava o , bem do outro lado da rua. Com aquele suéter horroroso que ele insistia em manter mesmo depois de eu ter lhe dito para jogar fora várias vezes.
Eu sorri de volta e me juntei a ele, sentindo seu braço envolver minha cintura e me puxar com força contra seu corpo, como se estivesse demarcando território, mostrando sua propriedade. Então, parou de me evitar para voltar com a mentirinha?
Isso fez a minha vontade de me vingar aumentar ainda mais.
— Posso esperar os dois mais tarde, certo? — o cara perguntou. Ele tinha cabelos grisalhos, óculos grossos e o sorriso de galã não compensava as roupas piores que o suéter de .
— Pode apostar — respondeu com uma falsidade que eu tinha quase certeza que não era por minha causa. O cara me cumprimentou com um beijo no rosto e eu apenas encorpei a esposa sorridente da noite passada. Demos tchau e ele se dirigiu ao Audi prata estacionado na frente de uma pequena cafeteria.
Ergui as sobrancelhas. Uau.
— Quem é o mauricinho cheio da grana? — perguntei para . Ele ainda estava com o braço ao redor de mim e pareceu meio desconfortável ao tirá-los para enfiar as mãos no bolso.
— Frederick Perkins, o maior cuzão da York Engeneering Inc. — ele bufou — A maior parte da equipe ainda está aqui, hospedada no hotel, então ele quer dar uma festa na sua casa para se exibir, é claro. Além de ser um idiota, como já é de se esperar.
Eu ri.
— Nossa, duas festas em duas noites seguidas? Me sinto em Gossip Girl — afirmei — Isso não acontece desde...
— Que se mudou comigo — ele murmurou — De qualquer forma, você não precisa ir se não quiser, .
— Você não sabe quem eu sou? Open bar e oportunidade de falar mal de esnobes derrotados, é comigo mesmo — joguei o cabelo para o lado e ele deu um sorriso doce — Antes que eu me esqueça, onde esteve o dia todo?
O sorriso sumiu mais rápido do que apareceu.
— Eu... estava na praia.
— Eu não vi você lá.
— Era outra praia — ele virou a cara.
Eu suspirei.
— Bem, fui contratada por um fim de semana, então... — mordi o lábio.
balançou a cabeça e tirou a mão do bolso para segurar a minha. Eu as olhei unidas, sem entender como um simples gesto conseguiu fazer o meu plano perder o sentido, mesmo que apenas por um segundo.
— Então me deixe pagá-la com um cheeseburger, pelo menos, .
Eu precisava admitir que havia imaginado uma festa chata em proporções dignas de Aaron Campbell, mas a verdade é que engenheiros sabiam como e divertir – na verdade, as mulheres mereciam o crédito. Eu estava bebericando o champanhe, sóbria para acompanhar tudo. Não era nem meia-noite e eu já havia contado três traições e duas declarações, se estava entendendo direito. George era casado com Francesca que tinha um caso com Tim que namorava Stephanie.
Dei mais um gole. Era muita informação para juntar. Se me traísse de mentira em público, eu iria fazer ele se arrepender tanto, que talvez nunca mais fosse querer dar as caras no trabalho.
Não que eu fosse a pessoa mais adequada para falar, porque estava sendo bem difícil não pular em algum de seus colegas que flertavam comigo. Meu vestido era curto, azul furta cor e eu não estava sendo convencida quando dizia que parecia muito mais nova. Talvez fosse porque, mesmo que tivessem a minha idade, a maioria ali conseguia ser bem entediante.
Se essa é a vida adulta da qual tanto falam, eu estava muito bem, obrigada.
estava conversando com um grupo de pessoas a alguns metros de distância. Nossos olhares se encontraram e ele virou a cara, como se não tivesse me visto. Prendi a respiração. Afinal, qual era o problema dele?
— Com licença — cheguei perto da mulher que esfregava o armário de mogno para tirar a mancha de vinho. Tentei sorrir, mesmo que ela não tivesse se dado ao trabalho de olhar para mim. — Você é a sra. Perkins, certo? Onde fica o banheiro?
— A primeira porta à esquerda no corredor — ela soltou entre os dentes. Eu revirei os olhos.
— Obrigada. E a propósito... vai piorar, acredite — ela tirou os olhos do móvel para me encarar, pálida, e eu lhe dei uma piscadinha.
Tranquei-me no banheiro e tirei o celular do meio dos peitos. Bem, era isso. Havia tentado evitar, mas aparentemente não era boa o bastante sozinha.
— Alô? É você, ? — perguntou do outro lado da linha.
— Não, ela foi sequestrada — grunhi — Estou mal humorada e não estou bêbada.
— Salve-se quem puder — ela respondeu com uma voz de tédio. Isso conseguiu arrancar uma risadinha minha. — Qual o problema, querida? Como está sendo a viagem, está se divertindo?
Abri o armário do banheiro, distraída, e comecei a revirar as coisas da Perkins.
— Eu não diria com essas palavras — falei. Ali começava o “não estou mentindo, apenas omitindo fatos e nomes”. — Mas preciso de sua ajuda com uma coisa.
Odiava fazer o “não estou mentindo, apenas omitindo fatos e nomes” com minha própria melhor amiga, mas era necessário. Afinal, era do irmão dela de quem iria falar.
— Qual o problema?
— Estou em uma festa com — fechei os olhos e suspirei. Céus, como isso era estranho. — e quero chamar a atenção de um cara que eu gostaria de...
— Transar? — ela sugeriu.
O pensamento me fez estremecer, embora também existisse a chance de ter sido de frio.
— É você quem está dizendo — dei de ombros — Mas não quero parecer muito fácil ou uma vagab... , você está sozinha? Estou ouvindo barulhos aí.
— O quê? N-não! — ela gaguejou, com a voz aguda — Estou completamente sozinha na banheira!
— Tudo bem, estranha — eu disse — E então, tem alguma sugestão?
Ela bufou, cansada.
— Por acaso você se esqueceu de quem é? não tem escrúpulos quando precisa deixar um homem de joelhos.
— Dessa vez é diferente! — protestei. Ah, se ao menos ela soubesse — E a última coisa que eu quero é deixar as intenções claras.
— Eu, sinceramente, não entendo você — afirmou — Então apenas seja sexy e elogie-o. Faça o ego dele inflar como um airbag. Homens adoram isso, principalmente na cama... AH!
Eu afastei o celular do ouvido para encará-lo, tentando absorver o que havia acabado de acontecer. Aquilo havia sido, definitivamente, um gemido.
— Hã, ? Por acaso eu estou interrompendo um momento íntimo de autorrealização na banheira?
— Não é nada disso, ! Mas que porra! — ela reclamou, e eu estava rindo demais para conseguir contestá-la. — Eu vou desligar. Vá pegar ele!
Preferi não responder a esse incentivo.
Saí do banheiro, notando o grupinho de fofoqueiras amontoadas ao lado. Elas observavam os homens bebendo e rindo como urubus selvagens.
— Você ficaria com ele? Que nojo! — a loira platinada exclamou e as demais deram risadinhas de hiena. Fiz careta. Então estávamos de volta ao ensino médio?
— Ok, ok. , então — a morena de cabelos cacheados soltou — O quê me dizem?
— Dou para ele a hora que ele quiser — a com cara de cavalo respondeu. Coitada.
— Oi, eu sou — sorri, me juntando a elas. Suas expressões mostraram que se sentiram intimidadas pela minha aproximação. Bem, ninguém poderia culpá-las. — Não pude deixar de ouvir seus comentários. Cheguei à conclusão de que vocês não devem fazer sexo há muitos anos, mas cobiçar o homem alheio é meio patético, não acham? Querida, olha bem para mim e reflita por conta própria por que nunca ficaria com você.
Ela deu um passo para trás e me encarou como se tivesse levado um tapa.
— A propósito, amor, eu voltaria com o cirurgião se fosse você. Um dos peitos está maior que o outro. — tirei o copo pela metade da mão dela e virei em um gole só. O uísque me fez sentir como se estivesse pegando fogo. — Desculpe, força do hábito.
Segui andando com tanta confiança e ferocidade que não vi de costas e esbarrei nele.
— Ah, aí está você — ele murmurou, soando irritado. — Nós vamos embora.
Eu franzi a testa. E lá se foi o fogo.
— Por quê?
— Porque já estou puto o suficiente. — respondeu, e como se já tivesse virado costume entre nós, saiu e me deixou para trás.
Era isso. Eu já estava puta o suficiente.
— Por que você está me evitando? — disparei, fechando a porta da casa depois que entramos. Todas as luzes estavam apagadas e pelo visto nenhum de nós iria se dar ao trabalho de acendê-las. já estava subindo as escadas, e eu tinha algo a mais para fazer agora.
Ele se virou lentamente para me olhar.
— Eu não estou evitando você.
Dei uma risada de raiva.
— Ah, claro que não. Em uma escala de um a dez, o quão idiota você acha que eu sou? — berrei. Nem sabia por que havia ficado com tanta raiva, mas tinha que dizer que estava gostando da sensação. Era como se eu fosse quebrar alguma coisa. — Desde ontem, no evento de inauguração. O quê, eu fiz algo errado? Por que é tão difícil dizer?
colocou a mão na testa e deslizou os dedos pelos cabelos.
— Você não fez nada — respondeu, finalmente, depois de segundos de silêncio em que eu o encarei como se pudesse parti-lo ao meio.
— Certo — cruzei os braços — E por que me beijou?
Ele me encarou, parecendo perplexo, e desceu os degraus para vir em minha direção.
— Porque você queria — ele ralhou, apontando para o meu rosto. A tensão entre nós era elétrica, quase palpável, mas eu me mantive firme. — Disse com todas as letras.
— Ótimo — respondi, com a voz ligeiramente tensa — E por que me beijou no dia do seu casamento? — seus lábios se entreabriram sem emitir nenhum som, como se ele estivesse perplexo demais para falar — Isso mesmo, eu me lembro.
Tudo estava escuro, mas o resquício de luz na casa me permitia ver o contorno de seu rosto e seus olhos com as pupilas dilatadas.
— Porque eu queria — ele sussurrou — Porque percebi que me livrei de fazer uma burrada muito grande naquele dia. Iria me casar sem nunca ter beijado você antes e nunca mais poderia fazer isso.
Eu arfei. Senti como se todo o ar tivesse sido drenado dos meus pulmões.
E mesmo assim, não vacilei. Ergui o queixo, desafiadora.
— Você quer me beijar agora? — perguntei, baixinho.
E foi o que ele fez.
Ele me beijou com ferocidade, com urgência e desejo. Agarrei os seus braços. Sabia que deveria me afastar, mas a verdade é que não queria. Não deveria ser tão fácil assim. Não deveria nem mesmo ter acontecido, eu só queria provocá-lo para...
Não importava. Parei de pensar e joguei os braços ao redor de seu pescoço, puxando-o para mim, ciente apenas de sua língua entreabrindo os meus lábios, os meus dedos agarrando os seus cabelos e meu corpo ardendo com vontade de mais e mais.
Eu me sentia enfurecida e não sabia com o quê. Talvez porque ainda houvesse peças de roupa entre nós. Suas mãos pareciam percorrer e apertar todo o meu corpo, e foi como se cada parte dele tivesse se tornado sensível aos toques de . Eu queria tocá-lo também. Um rosnado baixo escapou de sua garganta contra a minha boca quando desci as unhas pelo seu pescoço, alcançando os seus ombros e deslizando o blazer para jogá-lo no chão.
Ele foi mais rápido e puxou a blusa por cima da cabeça pela gola, em um movimento tão sexy que me desconcertou. segurou meu rosto entre as mãos e beijou o canto da minha boca, vagarosamente. Eu não tinha paciência para aquilo. não poderia esperar que eu fosse de lasciva para calma como ele havia feito. Desviei o rosto e o segurei pela nuca. Mordi abaixo de sua orelha e desci beijando e mordendo por seu pescoço até a linha de sua clavícula. gemeu. Ele me prensou contra a parede e as suas mãos apertaram minhas coxas com tanta força que eu grunhi. Respondendo ao estímulo, pulei para prender as pernas ao redor da cintura dele.
Nos encaramos, ofegantes, por um momento cruel antes de juntar nossas bocas outra vez.
tropeçou um pouco no caminho para as escadas, mas não paramos de nos beijar. Sem olhar, ele abriu a porta do meu quarto e me jogou na cama como se eu fosse uma boneca de pano. O baque do meu corpo contra os lençóis foi um pouco doloroso, mas talvez fosse a adrenalina falando mais alto e o fato de o meu coração parecer uma bomba relógio dentro de mim. Ele me posicionou entre suas pernas e desceu o zíper na lateral do meu vestido e o puxou com força...
Para encontrar absolutamente nada por baixo dele.
— — a voz dele saiu falha, quase trêmula, e eu sorri. Puxei-o pela calça para cima de mim, peito contra peito, barriga contra barriga. Sua pele era morna, macia e firme. Sua mão deslizou pelo meu quadril até as minhas costas, erguendo-me. Interrompi o beijo apressado e eufórico para puxar o lábio inferior dele com meus dentes enquanto abria o botão da sua calça e a empurrava com meus pés.
— Espera — ele falou, e eu quis matá-lo por estar falando. — Camisinha.
Apesar de tudo, eu ri.
— Uma mulher prevenida sempre tem duas coisas na bolsa. — eu disse — A outra é um Ruby Woo.
tentou se esticar para alcançar a minha bolsa no criado mudo e acabou desabando em cima de mim. Nós começamos a rir, depois começamos a nos beijar, e quando eu senti que ia explodir o empurrei pelo peitoral para que ele fosse logo. Ele se levantou e tirou a embalagem de dentro da minha bolsa. Trocamos um olhar cúmplice por uma fração de segundo. Ele não precisou perguntar se eu realmente queria.
Era óbvio.
Sabe o quê eu gosto de fazer quando estou com sono? Dormir. Dormir seria legal, mas também seria impossível se eu fosse continuar naquele quarto e não parasse de andar de um lado para o outro, falando sozinho algo que eu não conseguia entender.
— Eu sei que você é o maior nerd, mas se é assim que age toda vez que tem uma mulher nua na cama não é de se estranhar o fato de você ficar solteiro tão facilmente — eu comentei. Ele se assustou por eu ainda estar acordada, e então sentou na cama, com as mãos na cabeça.
— , o quê foi que nós fizemos? — ele perguntou. Eu revirei os olhos. — Isso... isso poderia arruinar a nossa amizade!
Eu levantei da cama, me enrolando em um lençol fininho como se fosse uma toalha. Caminhei até e ergui seu queixo para fazê-lo olhar para mim. Dei um meio sorriso e me sentei em seu colo.
— Sei que isso é novidade para você, mas me deixe lhe contar uma coisa: é possível continuar sendo amigos depois do sexo. E... continuar fazendo sexo também. — eu pisquei, apoiando as mãos nos ombros dele — Aliás, você ainda está bem animadinho, não?
— Fica difícil me controlar com você no meu colo usando apenas um lençol — ele murmurou e eu ri alto — Mas... você está falando sério?
Eu assenti com a cabeça.
— Não teremos nada além do físico. Digo, nada além dessa linda melhor-amizade de longo termo. — expliquei, calmamente — Sério, talvez uma coisa ruim até conseguisse, mas, sinceramente, você acha que algo tão bom conseguiria nos fazer deixar de ser amigos?
A sua expressão se suavizou, como se eu o tivesse convencido.
— Então por que só propôs isso hoje? — ele quis saber. Eu sabia que era uma pergunta de brincadeira, mas não precisei pensar duas vezes na resposta.
— Porque nunca soube que até nisso nós fazemos uma boa dupla.
riu de um jeito doce. Ele era a epítome de todas as coisas que eu gostava. Por exemplo, poderia ser extremamente adorável...
E mudar completamente ao me jogar na cama com um olhar voraz.
— Eu seria ridiculamente estúpido de recusar essa oferta.
Aparentemente, só tivemos direito ao carro chique na ida. Voltamos para Manhattan de ônibus, mas o trajeto foi bastante divertido. Estava praticamente vazio, quase ninguém pegava os ônibus de viagem em um domingo à noite. Uma senhora olhou para mim e enquanto conversávamos e dávamos risada como se estivesse olhando para dois retardados.
Quando chegamos ao terminal de Port Authority, fui atingida pelo frio e pelos cheiros de café expresso e sanduíches ao mesmo tempo.
— Você já quer ir para casa? — perguntou. Eu estava um pouco cansada, mas coloquei a mala no porta-malas do táxi e coloquei as mãos na cintura.
— De jeito nenhum. Preciso buscar a minha filha, esqueceu?
Ele sorriu como se já esperasse a resposta, e em vez de dar o seu endereço, disse para o motorista nos levar para o apartamento de . Encostei a testa no vidro frio da janela e fui hipnotizada pelas luzes da Times Square, as vitrines da Park Avenue e os apartamentos antiquados e charmosos do Upper East Side. Ok, a praia era legalzinha. Mas nada poderia se comparar com a majestosidade daquela cidade.
Subimos no elevador até o andar do . Antes daquela noite, eu nunca havia tocado a campainha, pois sabia que a porta sempre estava destrancada, despreocupadamente.
Por isso, é claro que nunca pensaríamos em tocá-la.
Eu abri a porta e Baleia estava correndo em círculos no meio da sala de estar. Não sei como consegui prestar atenção nisso, porque estava em cima de , suas pernas entrelaçadas e se beijando de uma forma desesperada que dava a impressão de que eles iriam se engolir.
O mundo estava tremendo. Não literalmente, mas desconfiei que seria em breve quando soltou um alto e assustador:
— QUE PORRA É ESSA?
Os minutos seguintes foram uma confusão e passaram rápido demais para que eu conseguisse entender direito.
Achei que fosse matar o . De verdade. Eu não me lembrava de tê-lo visto tão bravo com alguém desde... bem, eu realmente não conseguia lembrar. Eu e tivemos que ficar entre os dois antes que as coisas ficassem ainda piores.
Eu nem podia acreditar. Tinha tantas coisas para dizer e perguntas para fazer. Em vez disso, estava apartando briga.
— Eu não posso acreditar nisso! Como você pôde? — gritou. Senti a raiva vibrar em seu peito quando o segurei e sabia que ele poderia me tirar do seu caminho facilmente se quisesse, mas não o fez. Talvez porque, no fundo, ele não queria machucar o melhor amigo. — Ela é minha irmã!
— E ela é uma adulta, qual é o seu problema? — berrou de volta.
Ok. Coisa errada a se dizer, querido.
avançou novamente, com o maxilar travado e cerrando os punhos. Rapidamente, coloquei as mãos nos ombros dele.
— Ei! Por que não podemos resolver tudo com uma longa conversa esclarecedora, hein? Você aqui com a , eu com lá embaixo?
— Quem é você e o que fez com a ? — ele franziu a testa, irritado.
Fiz careta. Ele estava certo: desde quando eu preferia conversar a brigar?
— De qualquer forma — resmunguei — Vamos fazer isso até todos os nervos se acalmarem, está bem?
E eu estava incluída nessa frase. Aquilo era muita informação para processar! e se pegando. e dando uns amassos no sofá. e ... provavelmente transando.
Ah, não. O mais preocupante de todos:
e ... namorando?
— Ok, senhor, você vem comigo — apontei para — E você — olhei para Baleia. Ela inclinou a cabecinha para o lado e balançou o rabo em resposta — Não deixe o fazer nada que ele possa se arrepender depois.
veio atrás de mim, mas não antes de ele e trocarem um olhar cheio de raiva e rancor no maior estilo novela adolescente de drama. Revirei os olhos. Sério, aqueles dois...
Nós entramos no elevador e eu apertei o botão para o térreo antes de voltar a cruzar os braços e fechar a cara.
— Escuta, ...
— Não. Estou de mal com você. Não fale comigo nunca mais. Quer dizer, até chegarmos lá embaixo.
Ele deu uma risadinha, mas se interrompeu quando lhe lancei um olhar que dizia “eu não estou brincando, maldito”.
Nunca gostei de cigarros. e começaram a fumar na faculdade e largaram antes de se formarem. não se considera fumante porque só faz isso quando está nervoso. Saímos do prédio e ele tirou o maço do bolso da calça. Acendeu um sem dificuldade – a noite estava fria, mas sem vento.
— Está servida? — ele falou com a boca cheia de fumaça ao me oferecer o cigarro.
— Isso é sério? Eu quero é saber como isso aconteceu! — abri os braços, exasperada, mas logo voltei a abraçar meu corpo para tentar ficar quentinha.
— Mais ou menos daquele jeito que vocês presenciaram — ele respondeu. Comecei a bater o pé, impaciente — Tá. Quando? Hum... na noite em que você estava toda chorona no bar porque sua sobrinha disse que você era péssima.
Meu queixo caiu.
— O QUÊ? Todo esse tempo e você nem se deu ao trabalho de me contar? Pelo que eu me lembro, foi para mim que você veio dizer que estava apaixonadinho e que precisava de ajuda. — fiquei aliviada por estarmos sozinhos na rua, pois eu estava gritando feito uma louca. — Por que, ? Por que não me contou?
— Porque não queria, mas que porra! — ele soltou.
A princípio, sua expressão era a de alguém que havia acabado de dizer algo que não deveria, mas logo ele voltou a fumar, zangado.
A sensação de mágoa pode se manifestar de diversas maneiras, eu acho. No meu caso, naquele momento, senti como se alguém tivesse me dado um chute nas costas.
Fechei a boca e respirei fundo.
— Hum... certo — engoli em seco, tentando eliminar qualquer indício de fraqueza que fosse entregar como aquilo havia me afetado. — Mas como vocês estão? É oficial? Ela terminou com Aaron? — mais uma coisa que ela não contou para você, lindo. Meu subconsciente caçoou.
jogou o cigarro no chão e pisou nele para apagá-lo.
— Ainda não. Ela tem... coisas para resolver — ele disse, com uma cara azeda.
Jesus Cristo, eu estava mesmo ouvindo aquilo?
— Então você está basicamente me dizendo que concordou formalmente em ser o amante? O cara com quem ela trai? A segunda opção?
Ele se virou e veio andando na minha direção. Algo me dizia que eu não deveria ter falado aquilo.
— E isso importa, ? — gritou — O importante era tê-la, e eu a tenho. O importante era que ela sentisse o mesmo por mim, e ela sente. Fora isso, honestamente, eu espero que se exploda. — ele sentou na calçada — E você nunca gostou do Aaron, para começo de conversa.
Respirei fundo e contei até dez antes de sentar ao lado dele.
— Querido, eu odeio ele — falei gentilmente, acariciando suas costas — E você não imagina o quanto estou feliz por vocês. Sei que minha reação não demonstra exatamente isso, porque foi um susto, e também porque eu realmente gostaria que não tivessem escondido isso de mim, mas... — sorri para ele, condescendente — Eu apenas queria que vocês estivessem juntos, só vocês, sem outras complicações. É o que merecem, afinal.
encarava alguma coisa no chão, mas vi o canto rígido de sua boca vacilar em um sorrisinho. Ele olhou para mim.
— Eu não imaginava que fosse ser assim também, mas é o que posso ter. — ele balançou o meu joelho e a tensão entre nós pareceu se esvair um pouco. — Obrigado, .
Passos ecoaram no chão atrás de nós. olhou por cima do ombro, mas eu fiquei de pé. se aproximou devagar e ao mesmo tempo eu recuei. Havia um brilho estranho nos olhos dela, e logo eu percebi que eram lágrimas.
— ...
Ergui a mão para fazê-la parar. Ela não podia fazer aquilo. Eu merecia estar chateada. Tinha o direito de estar.
— Não. — eu chacoalhei a cabeça. De repente temperatura pareceu diminuir ainda mais. — Quer saber? Poupe suas palavras. Não quero ouví-las.
Além de mim, era a única que sabia qual havia sido a coisa que havia realmente me pegado de surpresa ali. E ela também sabia que não era o tipo de coisa que eu perdoava assim tão fácil.
— Olha para mim, tia ! — Tessie exclamou sorridente, dando piruetas e saltitando pelo gramado. Atrás dela, Baleia corria, querendo participar da brincadeira.
— Você é ótima, docinho! — eu gritei e bati palmas para ela. Ao meu lado no banco da pracinha, minha mãe se remexeu.
— Eu não sei o quê você fez — mamãe falou — Mas essa menina te adora. Fala sobre você o tempo todo.
— Ei! — protestei — Eu sou uma pessoa adorável.
Sim, o que eu havia evitado por tanto tempo havia finalmente acontecido. Ali estava eu em Secaucus, Nova Jersey, inicialmente para ver minha mãe, mas meu irmão e minha cunhada haviam viajado outra vez e deixaram Tessie com a avó.
Aquilo não poderia ter acontecido em uma hora melhor. Cumpri a promessa de visitar as duas em uma viagem só e, depois de tudo o que havia acontecido em casa, eu poderia dar uma desculpa para estar longe que não parecesse imatura e idiota.
Porque era isso o que eu estava sendo.
Mas eu também era teimosa demais para ceder.
— Aliás, tenho algo para perguntar — eu olhei para mamãe — E eu não estou reclamando, mas por que Sam e Leslie deixaram Tess comigo e não com a senhora quando foram para Chicago? Sei lá, faz mais sentido.
Ela deu uma risadinha.
— Eu não esperava que você lembrasse, mas era meu aniversário de casamento — ela falou, e eu me senti um pouco envergonhada. Uma boa filha teria se lembrado disso, eu acho. — Todos os anos, Troy e eu viajamos para uma nova lua-de-mel e, você sabe, mantemos acesas as chamas do nosso amor.
— Uau, eu definitivamente não precisava saber disso — respondi, com uma careta. Se aquilo realmente havia sido uma metáfora, eu havia entendido. E a vida sexual da minha mãe não me interessava nem um pouco.
Mesmo depois de tantos anos, ainda era estranho quando as pessoas se referiam a ela por sra. McLean e não sra. . Mas, de alguma forma, era mil vezes melhor. Ela parecia estar vivendo o seu “felizes para sempre”.
— Bebê, está na hora de ir para casa. — ela chamou.
— Eu não sou um bebê. — Tessie reclamou e eu ri. Prendi a guia na coleira de Baleia, mas a passei para minha mãe quando vi minha sobrinha com os braços estendidos para mim, pedindo colo. Era inacreditável que uma garotinha pudesse ser tão leve. Eu conseguia carregá-la sem problemas.
Nunca diria aquilo em voz alta, mas precisava admitir que Secaucus não era tão ruim assim. Tudo parecia tão... limpo e tranquilo. Achei que essa coisa de todo mundo na cidade se conhecer só acontecesse em filmes, mas aparentemente não. É certo que eu jamais conseguiria morar em um lugar onde o local mais movimentado é o Walmart, mas caminhar por aquelas ruas trazia uma indescritível sensação de paz.
— Por que o tio não veio? — Tessie perguntou, com os braços ao redor do meu pescoço e a cabeça deitada em meu ombro.
— Porque o tio gosta de construir prédios e isso o deixa bastante ocupado — expliquei.
— Ah, não acredito! Você a levou para ver o ? — mamãe quis saber. Claro, não é como se ela tivesse ficado no apartamento dele ou coisa parecida. — Como está aquele menino? E a pequena ?
— Eles estão bem. Digo, ele não é um menino e ela não é pequena, mas você não os vê há tantos anos que suponho que seja compreensível que essa seja a imagem que você tem deles. — eu ri.
Meu padrasto tinha uma grande e linda casa vintage, com paredes brancas e azul bebê. Do lado de fora, o jardim da minha mãe e a pequena horta que eles haviam construído davam um toque especial. O lado de dentro tinha a aparência e o cheiro de um lar. Eles nem haviam precisado da minha ajuda para decorar, porque o lugar era a cara deles: móveis de madeira, papéis de parede coloridos, almofadas estampadas no grande sofá verde. Era um amor.
— Tess, querida, por que não espera lá em cima com o vovô enquanto eu e sua tia preparamos o jantar? — mamãe propôs, a menina concordou prontamente e correu escada acima. Tessie achava que seu avô era Troy, e não o meu pai.
Bem. Ela estava certa.
— Estou pensando em fazer as minhas almôndegas especiais, o quê acha? — ela perguntou para mim, e eu balancei a cabeça para concordar. Nem me lembrava mais do que era uma boa comidinha caseira. e eu normalmente pedíamos de algum lugar e, quando eu morava sozinha, frequentava mais restaurantes do que a minha própria cozinha. — Pode cortar os legumes, por favor? Vou fazer o molho de tomate.
— Nós costumávamos fazer muito isso, lembra? — abri a geladeira, procurando os ingredientes — Você cozinhava o jantar e eu era sua assistente.
— Sim! Eu lembro. Antes do... — a animação sumiu da sua voz.
Antes do divórcio. Porque foi aí que nos afastamos.
Eu não podia culpá-la. Quer dizer, minha mãe sempre foi forte demais para o seu próprio bem. Ela fingiu que aquilo não a afetou, mas como poderia ser possível? Eu tinha quinze anos quando meu pai nos deixou. Eles haviam passado muito tempo juntos. Eu entendia que ela precisava de um tempo, mas não achei que ela fosse dobrar a carga horária no trabalho e... e me deixar pensando que ela havia me esquecido e que a culpa de tudo ter acontecido era minha.
Deus, às vezes eu precisava lembrar que era uma mulher adulta e, definitivamente, precisava aprender o significado da palavra superar. — Então, querida, como estão as coisas no novo trabalho? — ela perguntou. É óbvio que eu havia lhe contado sobre o meu novo emprego. Mas o incidente na Itália e o fato de ter perdido tudo e nem mesmo ter um lugar para viver sozinha? Não, ela não precisava saber.
— Estão ótimas — eu lavei as cenouras e comecei a cortá-las em rodelas finas — Maryse é incrível. Ela é tão chique, tem bom gosto e é tão...
— Rica? — mamãe arriscou. Eu tive que rir.
— Muito — falei, e ela riu junto — Mas eles são ótimas pessoas. Digo, conheci o sr. Hall também. Na verdade, trabalha com ele!
— Mesmo? Que mundo pequeno — ela comentou — E já que mencionou ... ele não está... hum... com alguém, está?
Deixei a faca sobre a tábua e me virei para ela.
— Mãe? — ergui as sobrancelhas — O que você está querendo dizer?
Ela suspirou, dando de ombros.
— Ah, você sabe, é que desde crianças vocês sempre pareceram que... — ela levantou os braços — Ok, eu admito. Sempre achei que ia dar em algo.
Tentei ficar séria, mas não consegui. Lavei as mãos e fui até ela. Segurei seu rosto, encarando-a nos olhos.
— Mamãe, eu realmente espero que você aceite que Baleia é a única neta que eu irei lhe dar — eu disse, brincalhona, mas ela não pareceu achar graça — Qual é! Eu não sou para casar, e estou bem assim.
— Eu não teria tanta certeza se fosse você — ela murmurou.
Me comprometi em guardar tudo e lavar as louças, mesmo com a insistência de mamãe e Troy em me ajudar. Eu disse a eles que pais normais geralmente obrigavam os filhos a fazer isso, e eles pareceram tão emocionados por eu me referir aos dois como meus pais que quase me senti desconfortável. Eles me abraçaram, juntos, e fiquei sem reação.
Eu era péssima nessa coisa de sentimentos.
Deixei Baleia esperando por mim no quarto e voltei para o andar de baixo, para terminar de arrumar a sala de jantar. Depois, apaguei as luzes da casa. Chequei se todas as portas estavam fechadas quando parei ao lado do quarto onde Tessie estava. Pela fenda da porta entreaberta, vi que a luz ainda estava acesa e ela encarava o teto, bastante acordada.
— Já não está na hora de dormir, mocinha? — perguntei, colocando a cabeça para dentro do quarto. Ao me ver, ela abriu um sorriso largo.
— Não consigo — admitiu.
Entrei no quarto e desliguei a luz. Subi na cama e deslizei para baixo da coberta ao lado dela. Tessie deitou por cima dos braços, olhando para mim.
— Pode me contar uma história?
— Tudo bem. — eu disse baixinho — Mas você vai dormir em seguida, não vai?
Ela confirmou com a cabeça.
— Certo. Era uma vez a rainha de todas as coisas fabulosas. Ela vivia na ilha mágica de Manhattan, e todos os seus súditos afirmavam que ela era a mulher mais bonita daquela parte do reino dos Estados Unidos.
Tessie me encarava, atenta.
— Qual era o nome dela?
— Humm... — ponderei por um momento — Bex. Ela vivia em um palácio de cristal com seus cavaleiros Johnnie Walker e Jack Daniels e seus melhores amigos gays, sr. Dolce e sr. Gabbana.
Ela deu uma risadinha, e eu continuei:
— Em um belo dia de outono, Bex estava andando tranquilamente pelo seu jardim quando uma bruxa feia e má surgiu no meio do caminho, dando um baita susto nela. Bex gritou, mas ninguém podia ouvi-la, pois ela estava muito distante.
— E qual era o nome da bruxa?
— Brooke — respondi de imediato. Uau, essa foi bem fácil. — Brooke tinha cabelo ruim e bafo de cebola. Ela tinha inveja de Bex, então lançou um feitiço sobre ela: — pigarreei e mudei a voz para um tom enjoativo e esquisito: — “Eu a amaldiçoo a comprar sapatos feios pelo resto da sua vida!”. Tessie começou a gargalhar. Eu queria mandá-la fazer silêncio, mas não me contive. Sua risada era contagiante.
— Então — sussurrei, colocando as mechas do seu cabelo fino que caíam pelo rosto atrás de sua orelha — Bex ficou arrasada, pois ela era muito ligada na moda. Mas então ela se lembrou do seu melhor amigo príncipe, e todo mundo sabe que feitiços de bruxas más só podem ser revertidos com beijos de príncipes, não é?
— Qual era o nome do príncipe? — ela quis saber.
— Príncipe... Charles? — , você já foi melhor nisso. — Eles acharam que um beijo poderia arruinar a sua amizade, porque todos diriam que eles estavam apaixonados depois que fizessem aquilo. Mas Príncipe Charles se importava muito com Bex, e ela tinha certeza que ele não deixaria nada destruir o que eles tinham.
Tessie deu um sorriso sonolento.
— E então, eles se beijaram e o Príncipe Charles quebrou a maldição da melhor amiga. E ela voltou a comprar os sapatos dos melhores estilistas do reino. E fim.
— E eles... — ela bocejou — Eles viveram felizes para sempre?
— Ah, docinho — eu sorri — Eles estavam felizes naquele momento, o para sempre não parecia ter tanta importância.
Decidi que era hora de voltar ao mundo real. Aqueles dias haviam sido o recesso mais longo que eu tivera em anos (e eu digo intencionalmente, não os tempos sombrios em que estive desempregada). Mamãe insistiu que dois dias não eram o suficiente e que eu deveria ficar com ela por mais tempo, mas eu fui sincera quando disse que não demoraria para voltar. Estávamos a apenas 25 minutos de distância e, bem, não posso dizer que já não estava com saudades do lugar onde eu pertencia.
Agradeci ao motorista e desci do ônibus, uma mão puxando a pequena mala e a outra segurando a alça da bolsa com Baleia dentro dela.
E a moça com coque, terninho e segurando um buquê de flores foi a primeira coisa que notei.
Eu balancei a cabeça, rindo, ao me aproximar dela.
— Sabe — falei — é por isso que ainda pensam que nós somos um casal lésbico.
deixou as flores em um dos bancos do terminal e juntou as mãos.
— Eu fiquei tão nervosa que não consegui pensar em mais nada! — ela hesitou, piscando os olhos de cachorrinho que caiu da mudança — , eu entendo por que ficou brava. Você deveria estar mesmo, eu errei. Mas não consigo ficar muito tempo longe da minha melhor amiga.
— E nem eu — confessei.
Ela abriu os braços e eu, sem esperar mais, a abracei. Ficamos ali, segurando uma à outra com força e rimos quando Baleia começou a reclamar dos apertos de dentro da bolsa.
— Então... o que acha de irmos encher a cara? — ela sugeriu.
— Você não precisa perguntar duas vezes. — respondi.
Pegamos um táxi para o O’Neills, já que estávamos a diversos quarteirões de distância. No caminho, perguntou sobre a viagem e como estava minha mãe. Ela falou sobre coisas que estavam acontecendo na diretoria do trabalho e algo sobre ter derrubado sua bebida em alguém na Starbucks. Na verdade, falamos sobre tudo nos minutos dentro do carro. Tudo menos e o episódio no apartamento dele.
O bar não estava muito lotado, então sentamos na nossa mesa tranquilamente. Tranquilas por fora, pelo menos. Eu sabia que não era a única sentindo uma tensão incômoda e repentina. Pedimos duas cervejas e praticamente engoliu tudo de uma vez, antes de finalmente soltar:
— Olhe, eu sinto muito. Quando tudo começou, eu realmente quis contar para você, eu precisava desabafar. Mas eu não sabia o que você iria pensar de mim... digo, nem mesmo eu sabia o que pensar de mim. Então pedi a para que apenas nós dois soubéssemos até eu dar um jeito em, você sabe, tudo.
Eu ri.
— Uau. Quer dizer... — virei o restante da minha garrafa no copo — Eu entendo. Não fiquei chateada por não entender, e sim porque... aquela minha coisa de sempre querer ser a primeira a saber das coisas, sabe? Principalmente quando se trata de você.
Ela concordou, dando uma risadinha, e eu quase me senti mal pelo quanto ela parecia nervosa.
— E o Aaron? — arrisquei perguntar. Para ser honesta, não poderia me importar menos com o cara, nem mesmo agora. Mas e eu éramos bem diferentes. Eu sabia que para ela isso seria delicado – e muito complicado.
— Ah, meu Deus — ela colocou as mãos no rosto — Ele está viajando agora. Passa a maior parte do tempo trabalhando e, na verdade, eu me sinto grata por isso. Que horrível, não? É só que eu penso que, quanto mais tempo adio, mais tempo tenho um lugar para viver. Não que o meu salário não seja bom o suficiente para pagar um aluguel, mas estamos falando da cidade mais cara da América e ainda terei todas as despesas e... ah, , eu sou uma pessoa terrível.
— Ei, querida, é claro que não é — eu segurei a mão dela — Acredite, sei do que está falando. Se não fosse por ... não gosto nem de imaginar. Você vai conseguir se virar. O importante é que esteja feliz.
Ela pareceu mais calma, encarando nossas mãos unidas.
— Eu realmente preciso de você. Não sabe o quanto me senti arrependida. Nunca mais vou esconder nada de você, está bem?
Ah, aquela era uma coisa linda de se dizer. Uma coisa linda que fez o meu radar de culpa apitar descontroladamente dentro da minha cabeça.
— É, e sobre isso... — meu Deus, eu não podia acreditar que aquelas palavras realmente estavam saindo da minha boca. Mas eu não poderia deixá-la ser a única honesta naquela amizade, não é? — Tem algo que preciso lhe contar, também.
Ela franziu a testa por um momento e então, sorriu.
Meu rosto estava pegando fogo antes mesmo que eu falasse. Respirei fundo e decidi ir direto ao ponto.
— Eu dormi com o seu irmão.
O sorriso dela sumiu.
puxou a mão da minha como se eu tivesse dito que tinha uma doença contagiosa. Ela fez uma cara de quem iria vomitar ou desmaiar – eu não tinha certeza de qual dos dois.
— ! — ela berrou, e as pessoas ao redor se viraram para nos olhar. É claro, porque eu não estava sentindo vergonha o suficiente. — O quê diabos... ah, minha nossa. — ela estava horrorizada — Isso significa que quando nós quatro sairmos estaremos tendo... encontros duplos? — NÃO! — eu gritei também, apavorada com a ideia. — , amor, foi só uma noite. — e foi mesmo. Uma noite com muitos orgasmos durante. E uma rapidinha no banheiro do ônibus, mas isso foi à tarde, então não contava. Não era como se eu estivesse mentindo. Só estava omitindo fatos. — Eu juro. Você sabe como eu e somos! Nós fomos para uma festa naquele dia e bebemos. Estávamos sozinhos na casa e acabou acontecendo.
ainda me encarava com os olhos arregalados.
— Você jura que não está apaixonada por ele?
Revirei os olhos.
— É claro que eu juro.
Ela assentiu e começou a abanar o rosto.
— Sei que não sou a pessoa mais apropriada para dizer isso, mas você não deveria me assustar desse jeito. — ela falou.
— Ok, agora você está me constrangendo — murmurei — Já podemos mudar de assunto?
— De jeito nenhum. — disse , e eu ergui as sobrancelhas, surpresa — Qual é, é da minha versão masculina que estamos falando! Ele fez um bom trabalho? Aquele puto está honrando o sobrenome? As jóias da família?
Eu dei um gritinho e foi a minha vez de esconder a cara. gargalhou.
— Não iremos mais falar sobre isso, tipo, nunca mais. E acho que se sentiria melhor não sabendo que contei isso para você. Ah! E — acrescentei — nunca deverá saber.
Ela roubou o restante da minha cerveja.
— Acho que existem certas coisas que ficam melhores apenas entre as garotas.
Destranquei a porta do apartamento, mas as luzes estavam acesas. E estava no sofá.
Aparentemente, esperando.
— Ei — eu o cumprimentei e deixei Baleia no chão. Ela correu para ele e ele se abaixou para fazer carinho nela antes de se levantar.
— Como foi em Nova Jersey? — perguntou. Eu pendurei meu casaco.
— Foi legal. — dei de ombros e me virei para ele, com as mãos dentro dos bolsos da calça — Como você está? Depois de tudo...
Ele deu um meio sorriso.
— Eu fiquei bem, depois que o choque passou. Você foi embora tão depressa que nem tive tempo de dizer isso. O ataque de raiva foi... idiota e desnecessário.
— Não. Foi bastante compreensivo, até. — assegurei. deu uma risadinha, olhando para o chão.
O cômodo estava ficando mais quente ou era só eu?
Ele ergueu os olhos para mim e eu parei de respirar. Com passos lentos, diminuiu a distância entre nós.
— Eu... senti sua falta — ele sussurrou. Não que ele precisasse sussurrar, nós éramos os únicos ali. E seu nariz estava encostando no meu. — Senti falta disso. — seu lábio inferior tocou o meu superior e suas mãos geladas seguraram a minha cintura.
Estávamos nos beijando, e eu me sentia como um pedaço de chocolate na boca dele, derretendo, quebrando minhas moléculas em aminoácidos aleatórios. Segurei seus cabelos e fechei os olhos com força, sentindo meu corpo todo tremer com a energia correndo entre nós. deslizou as mãos para as minhas costas e me apertou ainda mais contra ele, e os beijos se tornavam cada vez mais famintos e profundos. Ele afastou meus cabelos para enterrar o rosto em meu pescoço, sugando e mordendo minha pele. Agarrei sua camisa.
— — eu chamei, ofegante, e ele não pareceu se importar. Afastei-o, mas sem deixar de tocá-lo, e ele olhou para mim — Se iremos mesmo fazer isso, vamos precisar de algumas regras.
— Regras são ótimas, eu adoro regras — ele pressionou os lábios nos meus novamente, e eu estava ocupada demais para perceber que estávamos nos movendo até ele abrir a porta do seu quarto com um estrondo — Tem alguma sugestão?
— Nós não deveríamos dormir na mesma cama — disse eu, observando-o sentar na beirada da cama. Subi no colo dele e comecei a desabotoar sua camisa — Você sabe, seria meio estranho.
— Concordo — ele soltou os últimos botões e jogou a camisa no chão. Puxei a minha blusa por cima da cabeça e me livrei dela, também — Que tal... não mencionar para os outros?
Eu sorri.
— Sabia que você diria isso — e o beijei outra vez. Ele deitou na cama e abriu o zíper do meu jeans enquanto minhas unhas exploravam seu torso; minhas mãos em seu abdômen e os joelhos no colchão me dando apoio — Ah, e um deve avisar ao outro quando, hmm, quiser parar. Uma semana de antecedência. Para evitar mal-entendidos.
fez um som que eu presumi ser de concordância antes de me jogar na cama e assumir a posição de cima.
— E nós podemos continuar saindo com outras pessoas. — falei, rapidamente — Certo?
Ele deu um sorriso malicioso.
— Acho que não, . Quero que você seja completamente minha. Quantos caras já puderam dizer isso antes?
Não havia muito que eu pudesse ver pela janela daquela posição, mas eu podia enxergar os topos de gigantes arranha-céus e o céu limpo, cheio de estrelas. Eu me sentia fisicamente e mentalmente exausta, mas não conseguia tirar os olhos das luzes.
— Você está dormindo? — perguntou.
Virei para olhar para ele. Ele estava com as duas mãos atrás da cabeça, encarando o teto.
— Acha que eu quebraria uma regra tão rápido?
— Acho.
— Nós deveríamos apostar — eu propus — Uma pizza grande no Di Fara.
achou graça.
— Fechado. — ele olhou para mim, com um sorriso preguiçoso — Vem aqui.
Eu o fiz. Nossas pernas se entrelaçaram e eu inspirava o seu perfume e sentia a as batidas do seu coração contra o meu peito enquanto trocávamos beijinhos lentos.
— Posso fazer uma pergunta? — eu quis saber, e balançou a cabeça afirmativamente. — Por que disse para os seus colegas de trabalho que estávamos nos divorciando?
Ele riu.
— Uma explicação para você não aparecer nas próximas vezes. Porque, de certa forma, recém-divorciado parecia menos embaraçoso do que solteiro. É estúpido.
— É mesmo. Logo agora que descobrimos que somos bons atores... — provoquei, prendendo seu lábio inferior entre meus dentes. Ele sorriu contra a minha boca. — E você é um idiota por querer se divorciar de mim.
A mão dele alcançou o fecho do meu sutiã e o soltou com uma facilidade impressionante.
— Eu sou mesmo um idiota — ele puxou os lençóis por cima de nós, e tive o pressentimento de que a noite estava apenas começando.
Assim que a cafeteira anunciou que o café estava pronto, abriu a porta do quarto dele.
— Olá, você! — ele exclamou com um entusiasmo que não se espera de pessoas normais às sete da manhã. Por sorte, eu dormi como um bebê naquela noite. Ou como uma pedra, mas acordei me sentindo jovem e energética como um bebê. — Por que já está de pé?
— Vou encontrar os fornecedores da mobília na cobertura para a passagem de briefing — eu respondi — Mas e você? Por que está todo bonitinho?
— Porque eu sou? — ele ergueu as sobrancelhas. estava usando uma roupa social, diferente das casuais-esportivas que geralmente usava para ir trabalhar, e com uma gravata borboleta desastrosamente pendurada em volta do pescoço.
Revirei os olhos.
— Você dá para o gasto, , mas conheço melhores — retruquei, e ele riu. — Ai, meu Deus. Vem aqui, vou arrumar isso — apontei para a gravata, e ele veio até mim.
— Só estou vestindo isso por causa da reunião. Parece que vai ser grande coisa. Você sabe, sobre o prédio na Union Square.
— Claro que sei — eu sorri para ele.
Em todos esses anos, eu nunca o tinha visto tão bem profissionalmente – e não digo apenas pelo salário, parecia feliz, estava feliz. Resort no Hamptons foi uma grande coisa, mas fazer parte da paisagem de Manhattan?
Eu podia apostar que ele chorava escondido todos os dias.
sempre dizia que, no futuro, gostaria de passear com seus netos pela cidade e apontar um prédio antigo e dizer “Eu participei da construção daquele”. Eu não poderia expressar o quanto estava orgulhosa.
— Mal posso esperar para começar — ele confessou, com uma animação fofa na voz enquanto eu dava o nó na gravata — O projeto oficial será exibido hoje, mas já vi o rascunho. Vi a arquiteta, também. Cara, ela é uma ruiva sensacional e tem um belo grande par de...
— Ei, senhor, preciso lembrá-lo que no ambiente de trabalho você deve manter o negócio dentro das calças? — perguntei, alisando a camisa dele. Estava um pouco amarrotada, mas apresentável.
— É sério? — ele provocou, semicerrando os olhos.
— Não. Estou brincando — coloquei as mãos na cintura — Sei que transar no cimento fresco é uma das suas fantasias eróticas. Ou em cima de tijolos – ainda mais do seu próprio prédio! — acrescentei, fazendo-lhe gargalhar.
— Você é ridícula. E é só modo de falar, pois você está linda.
Fiquei surpresa por ter corado. Então, olhei para baixo para checar minha blusa branca, saia preta até os joelhos e sapatos vermelhos. Dei de ombros.
— Você quer comer antes de sair? — perguntei. — Nós temos... o café ruim que eu faço, pão, Nutella e manteiga de amendoim.
— A marca registrada da chefe — ele sorriu de canto — Na verdade, eu já deveria ter saído. Almoço no O’Neills?
— Combinado. Tchau.
— Tchau — ele disse e me deu um beijo rápido antes de sair com pressa.
Ah, não. Eu não posso ter sido a única que congelou com aquele movimento inesperado. Não. Posso.
Sacudi a cabeça. Talvez fosse hora de estreitar mais as regras.
— Eles já terminaram? — Maryse perguntou.
— Sim. E, hum, não. Irão voltar para instalar o armário da cozinha, porque pedi cuidado extra e tenho certeza de que soei bastante ameaçadora — contei a ela, e ela riu — É madeira de cerejeira!
— Você está certa — ela falou, olhando ao redor. A sala de estar, praticamente pronta. Era louco ver que a ambientação que primeiro estava nas minhas ideias e depois passou para rabiscos no papel e um projeto no computador havia se tornado real — Fico tão animada em ver que estamos quase terminando!
Comprimi os lábios, escondendo o sorriso.
— Nem me diga.
— Então... o que acha de me acompanhar para um lanchinho na varanda? — Maryse quis saber.
— Eu comi antes de sair de casa, mas eu tenho metabolismo rápido e um apetite surpreendente para o meu tamanho — falei, e ela riu mais ainda — Brincadeira. Mas adoraria acompanhar a senhora.
Eu gostava do frio e estava agradecida por ainda estarmos no início do mês, mas só precisei de uma lufada de vento no rosto para desejar ter trazido um casaco. Ignorei os calafrios e me foquei na mesinha posta para duas pessoas, mas generosamente – luxuosamente – servida. Então deve ter sido assim que Alice se sentiu no País das Maravilhas.
E, é claro, não podia não notar a garota com o uniforme à nossa espera.
— Carmen! — eu sorri, feliz.
— Senhorita ! — ela pareceu animada por me ver, mas precisava manter o profissionalismo. — Vou deixá-las a sós. Madame. — ela cumprimentou Maryse de uma forma que não pareceu apenas respeitosa, mas também carinhosa.
Nós tomamos nossos lugares.
— Ela é uma ótima menina — disse Maryse.
— Ela é um amor. E cozinha como uma chef cinco estrelas — observei.
— Eu sei. Me pergunto quando ela irá perceber isso e nos abandonar — Maryse suspirou, servindo-se um copo de suco.
— Ela parece muito grata à senhora — falei gentilmente, porque entendia muito bem o sentimento — Ah, a sua vista é maravilhosa — suspirei. O Central Park era ainda melhor admirado de cima.
— De fato. Sua cidade é magnífica — ela afirmou. Eu a encarei. — Você é nova-iorquina, não é? Tem o sotaque.
— Sou, sim — não escondi o orgulho na voz — E a senhora?
— New Hampshire. Jem e eu nos conhecemos em Dartmouth.
— Sério? — perguntei. Ela confirmou com a cabeça. — Que romântico!
Maryse arqueou as sobrancelhas.
— Mas e você e ? Ainda não acredito que nunca tinha dito que era casada. Deixe-me ver o anel!
— Não estou usando agora... tenho alergia a zircônia — brinquei. Então, encarando a minha mão esquerda vazia, de alguma forma entendi exatamente porque fez o que fez, e decidi fazer o mesmo. Dei um sorriso amarelo. — Na verdade, sra. Hall, nós estamos nos divorciando.
— Espere, o quê? — ela se assustou, e eu assenti — Mas vocês pareciam tão felizes juntos, feitos um para o outro! — abri a boca para falar, mas ela me interrompeu: — Eu quase podia ver faíscas quando vocês estavam dançando.
Franzi a testa.
— Sério? — mas não importava, então continuei — Nós nos amamos muito, mas não... desse jeito. Somos muito diferentes. Queremos coisas diferentes. E não é como se fosse um problema, nós ainda estamos morando juntos — eu ri.
Que engraçado seria se esse fosse o real motivo.
— Ainda acho que vocês parecem perfeitos — ela não se convenceu, e eu ergui as mãos como se dissesse fazer o quê. — Como se conheceram?
— Na escola. Hum... sexta série? Sétima?
Maryse cruzou as pernas e colocou a mão no queixo.
— Você só pode estar brincando.
Eu sorri.
— Não estou. E logo descobrimos que éramos vizinhos.
— Amor de infância, então? — ela arriscou.
Fiz um muxoxo, encarando a paisagem.
— Está mais para “descobertas recentes” — respondi, e ela pareceu contente o suficiente.
Maryse pigarreou e se inclinou na minha direção.
— Você sabe, , nessas últimas semanas em que você esteve me ajudando, sinto como se tivesse feito uma amiga.
O comentário dela me deixou alegre, e a forma como ela disse “ajudando” soou como se eu não estivesse ganhando dinheiro por aquilo.
— Fico feliz que se sinta assim, sra. Hall. Penso o mesmo.
— Mas não falei com você por acaso naquele dia no museu. — ela completou.
Eu a olhei sem entender, esperando que ela continuasse.
— Jeremy e eu tínhamos uma filha. Abigail. Ela era... um raio de sol. Tão dedicada e amorosa.
Mordi o lábio. Maryse estava sorrindo, mas eu não estava gostando da forma como ela estava se referindo à filha no passado. — Jem queria que ela fosse para a mesma faculdade que nós. Honestamente, eu também queria. Mas Abby sempre quis Yale, e quando ela decidia alguma coisa... ah, ela era muito determinada. Divertida, espontânea e muito especial.
Eu já sabia o que ela iria dizer antes de ela erguer o rosto e me encarar:
— Como você.
— O que aconteceu? — perguntei em um sussurro.
Maryse respirou fundo e tocou as pontas do cabelo.
— Nunca soubemos o que aconteceu exatamente... festa de fraternidade, foi o que disseram. Enfim. Acidente na estrada, e os outros quatro jovens ficaram gravemente feridos. Abigail faleceu na hora.
— Maryse, eu sinto muito — eu disse, baixinho, e me referi a ela pelo primeiro nome porque ela não estava me contando aquilo como minha chefe.Ela estava conversando com uma amiga.
— Foi... terrível. — ela piscou algumas vezes. Era preciso muita força para falar sobre aquilo, reviver um momento tão cruel. — Jem e eu nos afastamos. Ele não conseguia se concentrar, nem mesmo concluir uma frase, e eu... eu chorava o tempo todo, dormia no quarto dela à noite. Por um tempo, foi difícil acreditar que ela não estava mais aqui. Eu fazia waffles com mel, suas favoritas, e colocava suas roupas para lavar como se ela fosse usá-las para sair.
Notei que meu rosto estava molhado de lágrimas, mas eu não me importei. Nem me movi. Ela continuou:
— Nós já não éramos mais tão jovens, mas decidimos tentar preencher o vazio, apesar dos riscos. Consegui engravidar duas vezes, mas não passei de 5 meses. Os médicos disseram que eu poderia até morrer se engravidasse outra vez e tivesse mais um aborto, e acho que foi só então que a ficha caiu, para mim e para Jeremy. Nós aceitamos nossa realidade e voltamos a nos amar de verdade, talvez até mais.
Limpei as bochechas com as costas das mãos. Até mesmo ouvir aquilo era difícil, e eu estava com o coração partido por ela e pelo sr. Hall.
— Eu... não sei o que dizer. — admiti — Não consigo imaginar como...
— Espere. — ela deu um sorrisinho que fez toda a diferença em sua expressão abatida. — Quando vi você naquele dia no museu... eu achei que estava ficando louca. Se não fosse pelo cabelo, eu poderia jurar que você era ela.
Fiquei surpresa demais para conseguir falar.
— Não me entenda mal, eu realmente estava procurando por uma consultora de arte. E é óbvio que precisava de uma designer de interiores, já que acabamos de nos mudar. Eu não espero que você acredite nessas coisas, porque eu mesma sou uma cética, mas vê-la naquele dia me fez pensar... me fez pensar que Abby ainda está aqui, tomando conta de mim e do pai dela.
Eu me levantei e estendi a mão para a minha chefe. Ela ficou de pé e eu a abracei como se o gesto pudesse dizer obrigada. Em todos os sentidos e por tudo que ela havia feito.
— Eu tenho certeza que ela está. Abby deve sentir muita falta da mãe incrível que ela tem. — eu disse. Maryse limpou o canto dos olhos de um jeito discreto, bem diferente de mim.
— Quero lhe dar uma coisa — ela falou. Franzi o cenho. — E não quero que pense que precisa pagar, porque é um presente. Eu tinha uma pequena loja de antiguidades na Oitava Avenida e precisei fechar, mas não vendi. Talvez... seja hora de você abrir seu escritório.
Atônita, arregalei os olhos. Eu só podia ter entendido errado.
— Você quer dizer...
— Gostaria que ficasse com o lugar. — Maryse confirmou, divertindo-se. Eu balancei a cabeça várias vezes, tentando organizar as ideias e transformá-las em palavras, mas ela colocou as mãos sobre meus ombros — . Sei que você teve alguns contratempos em sua carreira, mas também sei que você ama o que faz, e faz com qualidade. Precisa ser reconhecida e merece isso.
— Mas... — eu quase não consegui dizer. Estava emocionada e animada e com muitas emoções não identificadas, mas aquele presente era algo grande demais para eu simplesmente aceitar. Era um dos meus maiores sonhos sendo praticamente entregue de bandeja para mim.
Por favor, eu ainda tenho um pouco de senso e ética.
— Apenas pense sobre isso antes de dizer não, tudo bem? — ela sorriu de um jeito que dizia “não aceito não como resposta”, e então me abraçou. — Você sabe, a sorte das pessoas realmente pode mudar.
e estavam naquela fase de início de relacionamento onde os dois parecem querer estar o tempo todo se tocando, se beijando ou rindo como retardados. Era um nojo, realmente, mas eu não poderia deixar de me sentir feliz por eles. Não era como se seu excesso de fofura me impedisse de comer meu filé com fritas, também. , por outro lado, parecia meio verde.
— Isso é... muito estranho. — ele falou, desgostoso.
— Ah, por favor — revirou os olhos.
— O quê, vocês tinham algum trato de nunca pegar a irmã do outro ou algo assim? — eu me virei para ele.
fez uma careta.
— Acho que nunca me senti tão feliz por minhas irmãs serem muito mais velhas como agora.
balançou a cabeça para negar.
— Não é nada disso, só fui pego de surpresa. Mas estou feliz, sério. Como não estaria? Meu melhor amigo e minha irmãzinha. — eles riram, mas vi quando e se encararam por um breve segundo e ela desviou o olhar, não parecendo mais tão alegre.
Francamente, e eles ainda acham que eu não presto atenção nessas coisas.
— Eu vou até o bar. Você vem comigo, ? — ele se levantou.
— Ficar aqui segurando vela é que eu não vou — respondi de imediato.
Tinha a impressão de que ele não iria pegar uma bebida, mas que precisava me dizer algo que os dois não poderiam ouvir. Apoiei-me no balcão e esperei, com os braços cruzados. Ele coçou a nuca.
— Olhe, eu sei que sou um idiota. Me desculpe pelo beijo, eu não sei no que estava pensando. — ele soltou, com uma cara de arrependido que chegava a dar pena.
Eu ri.
— Tudo bem. Eu desculpo você.
— Sério, provavelmente foi um reflexo — continuou, apressadamente e se atrapalhando com as palavras, e eu ri mais ainda — Tinha me acostumado a fazer isso quando Brooke dormia lá em casa ou eu na casa del...
— Você está ciente de que eu só não soquei você por me comparar com aquela cabrita porque estamos em público, certo? — eu o interrompi, com um sorriso meio psicopata.
franziu a testa.
— Então você... realmente não gostava dela? — ele pareceu confuso. Ergui as sobrancelhas e fiz minha melhor expressão de não me diga. — Uau. Esquisito, sempre achei que fosse só impressão minha.
Dei tapinhas nas costas dele.
— Acho que você me conhece mais do que imagina, colega.
Ele umedeceu os lábios, com um olhar mais sacana do que brincalhão.
— Quer saber? Acho que sei no que estava pensando. Provavelmente no que estarei fazendo mais tarde.
Dei um empurrão nele e, rindo, voltamos para a nossa mesa.
— Ugh, eu realmente preciso ir. Você ainda vai rachar o táxi comigo? — olhou para o relógio e depois para o irmão.
— Sim, é claro — ele deu de ombros, com certa indiferença.
Decidi que, definitivamente, havia algo de errado com aqueles dois.
— Tchau — ela me deu um abraço rápido. me beiju na bochecha e sussurrou um “até mais” no meu ouvido.
ficou de pé também. Eu fiz cara feia.
— Ei! Você não vai me abandonar, vai?
— Não. Eu vou acompanhá-los até a porta — ele falou, e nós três caímos na gargalhada. Quem diria? , pelo que parecia, era um novo homem.
Observei-os na porta. e se abraçaram, o que foi adorável de se ver, e depois ele e começaram a se beijar loucamente e resolveu ir para o táxi para não assistir à cena.
— ARRUMEM UM QUARTO! — gritei, fazendo com que o bar ficasse silencioso e todas as pessoas parassem para ver. Eles finalmente se desgrudaram e me mostrou o dedo do meio antes de sair.
voltou, e não poderia parecer mais desconfortável ao ignorar os olhares em sua direção.
— Você não se cansa? — ele bufou. Eu pisquei inocentemente. — Sério. Você precisa ser estudada.
— Calado. Você está aqui para me ajudar com a papelada.
— Só porque eu estudei Direito significa que tenho que lhe ajudar com a papelada? — ele perguntou, e eu apenas o encarei — Ok, não responda. Então, você realmente aceitou?
Dei um sorrisinho.
— Bem, foi um presente. E eu tentei recusar, mas...
— Você adora presentes. Todo mundo sabe disso.
Eu suspirei.
— É a minha empresa, . Ainda estou com medo de alguém me beliscar e eu perceber que foi tudo um sonho — confessei. Ele se afundou no banco, rindo — Mas é claro que podemos falar sobre alguma outra coisa antes. Seu namoro, por exemplo. Ou seja lá o que vocês tenham.
Ele fingiu pensar por um momento.
— Humm... nem fodendo.
— Foi o que pensei. — retruquei.
— Vamos lá — ele respirou fundo, com sua cara de concentrado, abrindo a pasta de documentos. — Olá, Designs. Ouvi muito de você nesses últimos anos.
Liguei o rádio antes de colocar o forno para pré-aquecer. Cozinhar – principalmente sobremesas – era um dos meus hobbies favoritos e estava me sentindo meio caseira naquela noite. Não era algo que se via todo dia, então resolvi aproveitar para fazer alguma coisa especial.
Eu gostava da cozinha de , Era espaçosa, o que era difícil de encontrar nos apartamentos da cidade; e os armários, a bancada e os eletrodomésticos eram todos pretos e em inox. Peguei os ingredientes que iria usar e os coloquei próximos da tigela, do fouet e da assadeira. A receita estava aberta no meu caderninho velho.
— Querida, cheguei! — ele anunciou ao abrir a porta. Revirei os olhos. Me perguntei a quanto tempo ele queria dizer aquilo para alguém que não fosse provavelmente lhe dar um tapa depois.
— Que bom, achei que estavam nos assaltando — gritei de volta, e ele logo soube o cômodo onde eu estava.
— Você já viu a nova invenção dela? — ele apontou para Baleia no chão. Ela estava no cantinho da cozinha, deitada no chão com o pote de ração entre as patas enquanto comia.
— América, terra dos livres e lar dos corajosos... e dos gulosos sedentários. Ela aprendeu direitinho. — eu falei.
riu.
— Certo. E o que estamos fazendo? — ele perguntou, me puxando pela cintura e me abraçando por trás. Senti calafrios por toda parte com a pressão de nossos corpos e sua respiração em meu pescoço. realmente não fazia ideia do tipo de reação que aquelas atitudes me causavam.
Mesmo assim, consegui respirar e manter a voz casualmente neutra.
— Eu estou fazendo brownies — respondi e o olhei por cima do ombro. Ele não havia se afastado e estávamos ridiculamente próximos. Ridiculamente porque estávamos no momento como amigos... sem a parte dos benefícios. Ou pelo menos eu achava.
Nossos narizes se tocaram e ele mordeu o lábio com um sorrisinho.
— Mas eu posso ajudar? — ele quis saber. Eu me virei rapidamente para a frente para que ele não me visse sorrir também.
— Tá. — me dei por convencida — Você pode derreter a manteiga e quebrar os ovos. A quantidade está escrita ali.
me soltou e arregaçou as mangas para fazer o que mandei. Senti meu corpo formigar e reclamar do calor.
A última coisa que eu poderia imaginar era que cozinhar poderia causar uma tensão sexual tão forte.
— Fiz direito? — ele me perguntou, mostrando sua parte já pronta. Pela sua cara, ele havia notado o meu... desconforto.
— Se você não acertasse fazer pelo menos isso, eu iria expulsá-lo — eu disse — Agora, unte a assadeira.
— Gosto quando você fica assim, mandona. É meio excitante, sabe — ele provocou.
Respire, . Dei de ombros como se não ligasse.
Ele me entregou os ovos e a manteiga e eu os juntei à farinha, o chocolate e o açúcar. Mexi até que eles se transformassem em uma mistura homogênea de um bonito marrom escuro e brilhante. Já estava com um cheiro gostoso.
estendeu as mãos grudentas com trigo, orgulhoso, para indicar que havia terminado. Eu dei risada e despejei a massa nela enquanto ele lavava as mãos. Passei o dedo indicador nos restos da tigela e o lambi. tentou fingir uma cara de nojo, mas começou a rir.
— Está bom. Muito bom, mas eu poderia colocar umas nozes nisso. — considerei.
— Não gosto de nozes — ele jogou no chão o pano que usou para enxugar as mãos e se aproximou de mim, puxando o cós da minha calça para me trazer para mais perto de si.
Então eu não estava imaginando coisas. O idiota realmente tinha segundas (e provavelmente terceiras e quartas) intenções.
— Espere, você tem chocolate aqui — ele apontou para o próprio rosto, mas me impediu quando ergui a mão para limpar. ergueu meu queixo com delicadeza e pressionou os lábios suavemente na minha bochecha. Depois, encostou a língua no canto da minha boca. Minhas pálpebras tremeram e senti um arrepio na espinha.
Ele deu um passo para trás, os olhos fixos em mim, e parecia estar experimentando alguma coisa.
— Uau. Isso tem um gosto ainda melhor em você. — ele declarou.
Porra. — Você acha? — foi a minha vez de provocá-lo, afastando os cabelos de sua testa e entrelaçando os dedos nas madeixas acima de sua nuca — Porque acho que você não faz ideia de como o meu gosto é.
— Isso é um convite? — ele perguntou no meu ouvido, deixando uma trilha de beijos pelo meu pescoço e meu ombro descoberto pela manga caída da blusa.
Apertei seus ombros, apoiando-me nele.
— Eu preciso... — arfei — Preciso colocar a massa no forno.
Ele gargalhou, me deixando ir, mas dava para dizer que ele estava tão desesperado quanto eu. Era torturante interromper o calor do momento. Eu mal havia fechado a porta do fogão e me carregou, me jogando por cima do ombro com tamanha facilidade que me senti como um saco de batatas.
— Ei! — protestei, mas não estava brava. Ele não falou nada até chegarmos no quarto.
— Pensei nisso o dia inteiro — me deixou cair na cama.
— Pervertido — debochei, e ele juntou nossas bocas em um beijo faminto ao subir na cama também — Não fez mais do que sua obrigação — falei, enquanto nos desgrudamos apenas para tirar as roupas.
Comecei a puxar a bainha da minha blusa, mas ele segurou meus pulsos.
— Para quê a pressa, love? — Você quer mesmo que eu responda isso? Porque, no momento, tenho uma lista de motivos — rebati, impaciente. Ele riu e beijou minhas mãos. Apesar de não ter nada a ver com o momento, o gesto doce me deixou... feliz.
Ele me fez deitar e se posicionou por cima de mim entre minhas pernas. Me senti pequena, arqueando minhas costas no travesseiro enquanto seus dedos longos deslizavam pela minha barriga, levando o tecido para cima. me observou brevemente e segurou uma das minhas coxas ao beijar meus seios, minha clavícula e boca, entreabrindo meus lábios com a língua. Encostei na gola de sua camisa e ele me afastou novamente.
Virei o rosto.
— Por que está fazendo isso? — eu fiz bico, emburrada.
Ele encostou a testa na minha, dando um sorrisinho.
— Porque sim. Você fica linda quando fica brava.
Agarrei os lençóis com força, achando ser impossível minha respiração ficar ainda mais pesada e entrecortada. Pelos céus, ele sabia o que estava fazendo. Trilhas de prazer saíam da boca do meu estômago e queimavam o meu corpo, me deixando fraca e meio desorientada. Fechei os olhos e pressionei o punho contra a boca, mas não consegui segurar os gemidos na garganta.
Quando ele terminou, me senti aliviada por ter meu fôlego de volta.
— Sabe — disse, erguendo a cabeça do meio das minhas pernas — Depois de dois anos, meus vizinhos finalmente vão aprender meu nome com você.
Joguei uma almofada nele e ele riu, subindo para dar um beijo no meu umbigo.
— Você merece um cartão de parabéns. — eu consegui falar — Irei providenciar.
Ele ergueu as sobrancelhas, parecendo satisfeito.
— Agradecido, senhorita . Retribua o favor quando quiser. — disse ele, se deitando ao meu lado. Deslizei uma unha pelo seu peitoral exposto.
— Ah, pode apostar que eu vou... — falei, baixinho e vagarosamente, e meu tom pareceu despertar sua atenção. — Mas agora tenho algo mais importante para fazer. Meus brownies estão prontos!
Ele grunhiu em frustração.
— Malditos brownies!
Sorri, recolhendo minhas roupas do chão e vestindo-as rapidamente. Abri a porta e encontrei Baleia balançando o rabo e parecendo curiosa, como se estivesse se perguntando por que diabos sua mãe havia gritado tanto lá dentro.
— Não conte para ninguém — sussurrei para ela. Dei uma corridinha até a cozinha e coloquei as luvas térmicas para tirar a assadeira. Coloquei-a para esfriar em cima da bancada. O telefone começou a tocar e eu atendi na primeira chamada. — Residência de e . Se você for uma garota, ele é solteiro. — informei.
— Que bom que você atendeu — falou — Está ocupada? O que estão fazendo? Mordi a parte interna da bochecha, relembrando vividamente nossa última... diversão.
— Apenas brownies — respondi — Não estou fazendo nada agora. Por quê?
— Estou dando uma olhada e acredito que a papelada que você precisa esteja pronta — ele falou. Dei um gritinho.
— Você é um lindo!
— Isso é meio óbvio. — Acha que conseguimos ter tudo certo até a sexta? — eu perguntei — É o dia do chá de casa nova da sra. Hall e eu gostaria de fazer meu merchandising.
bufou.
— Você sabe que não precisa ter um lugar específico para fazer seu merchandising, mas... é, acho que sim. — YAY! Aviso quando for passar aí. Obrigada mil vezes! — eu desliguei antes que ele falasse outra coisa, e conhecendo , provavelmente iria querer saber qual era o seu pagamento, como se ter uma mulher maravilhosa como amiga já não fosse recompensador o suficiente.
Peguei um garfo e tirei um pedacinho do brownie macio. Assoprei para esfriar antes de provar.
— E então? — apareceu. Eu respondi com um “hummmmm”, de olhos fechados para me concentrar ainda mais no sabor delicioso — Nossa, é possível sentir ciúme de um bolo?
Eu sorri e dei mais uma garfada, mas dessa vez levando à boca dele.
— Oh, uau. Retiro o que disse, você estava certa. — ele disse.
O aquecedor estava ligado, o que era ótimo. Seria simplesmente péssimo se eu tivesse que usar o casaco durante a noite toda e não pudesse mostrar para ninguém o meu vestido. Mais especificamente, o decote enorme dele.
Mesmo sabendo que a cobertura dos Hall era enorme, nunca havia imaginado que poderiam caber tantas pessoas ali dentro. Ou que eu poderia presenciar tantas socialites no mesmo metro quadrado. O cheiro, as vozes e a música ambiente me davam apenas a sensação de estar em um evento elegante, mas aconchegante também.
Pena que eu não conhecia ninguém além da anfitriã.
Se Carmen estivesse ali, eu juro que iria prendê-la do meu lado e forçá-la a socializar comigo.
— Aqui está ela! — Maryse me encontrou. Ela tinha uma taça de champanhe na mão. — Você fica ótima de rosa. E seu cabelo está tão lindo.
— Obrigada — eu sorri. Ele estava cheio de cachos. — E a senhora está maravilhoso com esse... — observei, tentando adivinhar — Oscar de la Renta.
— Garota, você é boa! — ela ficou impressionada. Fiz uma reverência com a cabeça de brincadeira.
— O seu marido está aqui?
— Não. É a noite das meninas. — ela esclareceu a minha constatação e o motivo da minha pergunta. — Fique à vontade e divirta-se, tudo bem?
Eu assenti e ela se afastou. Senti um leve desespero. Eu não era tímida, mas dificilmente ficava sozinha para começo de conversa.
Garçons passavam com bandejas de canapés e tartalettes e eu resolvi observar, sentada, as pessoas presentes. Havia um grupo de garotas de no máximo 15 anos em uma rodinha, mas considerando que todas elas estavam usando Chanel, elas tinham mais moral do que eu.
— Com licença, você é a ? — uma mulher tocou no meu ombro. Ela era linda e tinha um ar de “estou sendo simpática e sorridente porque adoro os pobres” como uma estrela de Hollywood.
— Bem, até onde eu lembro, sim. — eu disse. Ela riu e estendeu a mão, mas não para me cumprimentar. Era o seu cartão pessoal.
— Nelly Beluzzo. Mary disse que você foi a designer responsável, e eu adoraria se pudesse entrar em contato para fazermos planos e orçamentos. Quero dar um novo ar para a minha casa.
Eu pisquei, surpreendida.
— Entrarei, sim! Obrigada!
— Você é uma fofa. E imagine, querida. Adorei o seu trabalho. — ela me deu uma piscadela antes de sair.
— Você é a tal ? — uma voz veio de trás de mim. Quando vi, havia mais três senhoras esperando para falar comigo.
Dei um sorriso animado.
— Culpada!
— Ah, você tem que me dizer quando custa... — ela começou, e então todas se juntaram e eu mal conseguia distinguir o que cada uma estava dizendo. Ainda assim, sabia que aquele era um dos melhores momentos da minha vida.
— Olha só quem chegou. É a sua mãe! — disse para Baleia, que não pareceu nem um pouco interessada. Ela continuou lambendo o rosto dele, fazendo-lhe rir.
Desci dos saltos e os deixei do lado da porta.
— Eu sou a mãe, mas ela gosta mais de você — reclamei.
Ele a segurou entre as mãos.
— Eu também gosto muito dela. Não é, minha querida? — ele usou o mesmo tom de voz que todo mundo usa quando fala com animais ou bebês. Ficava ainda mais bonitinho e engraçado com seu sotaque.
Sentei no sofá ao lado deles.
— Você demorou — comentou — Achei que fosse um chá, não uma boate.
Eu ri, cruzando as pernas.
— Ah, ... aceito uma garrafa de Chardonnay e uma massagem nos pés, porque eu estou cheia de trabalho para fazer.
Ele deixou Baleia no chão e me encarou.
— Você quer dizer... — sua pergunta implícita foi respondida pelo meu sorrisinho. Ele ficou eufórico. — Não acredito! Vem aqui! — e me puxou para o abraço mais apertado e mais recompensador de todos os tempos.
Só nós sabíamos pelo que havíamos passado. Conseguir dizer que tudo estava para trás e que agora o melhor estava por vir me dava vontade de chorar.
— Você conseguiu, love. — ele sussurrou.
— Eu consegui.
— Abre logo a porta, , estou congelando aqui — reclamou.
— Estou tentando! — retruquei.
Era a noite mais fria do ano até então. Não havia chances de nevar, mas nossas respirações viravam fumacinhas brancas no ar. Estava difícil destrancar a fechadura com os dedos gelados dentro das luvas e com três pessoas agasalhadas me imprensando, como se fosse possível que os quatro pudessem entrar ao mesmo tempo.
— Consegui! — anunciei e tateei a parede no lado de dentro para achar o interruptor e ligar as luzes — TA-DA! O que acham?
Eles ficaram boquiabertos e impressionados, o que me deixou orgulhosa de mim mesma. Foi uma semana longa de trabalho árduo decorando o escritório, com as mãos cheias de cola do papel de parede, tinta nas roupas e no cabelo, arrastando móveis para lá e para cá. Não quis ajuda de ninguém justamente para ver seus rostos quando tudo estivesse pronto.
— Você é inacreditável! — falou — Está tudo tão lindo!
A recepção tinha paredes cinza, um pequeno sofá branco e luzes amareladas no teto que passavam uma sensação de conforto. No canto, o balcão da recepcionista, também branco, com um vaso de lírios em cada lado.
— Quem vai ficar aí? — perguntou.
— Minha assistente pessoal — eu precisava admitir: sempre quis dizer isso — O nome dela é Dorilyn e ela veio para os Estados Unidos estudar design de interiores. Ela é a coisa mais adorável do mundo e tem um senso de estilo maravilhoso. E ainda é bilíngue, não é chique? Fala inglês e finlandês!
— Ninguém fala finlandês — disse.
— Sim, com exceção dos finlandeses — deu de ombros.
Revirei os olhos.
— Enfim, minha sala é esta — apontei para a porta — E aquela outra será o lavabo, ainda não está do jeito que quero porque ainda preciso colocar os pot-pourris e uma pequena fonte para ficar jorrando água e a música ambiente com aquelas flautas asiáticas e...
Eles olhavam com cara de paisagem para a minha euforia.
— Bem, quem quer ver a minha sala? — perguntei. Isso os deixou mais empolgados.
Aquela havia sido a minha parte favorita de decorar, porque era a que mais parecia comigo. Três paredes em um tom bonito de creme e a outra com um papel de parede cor de vinho com textura de camurça em alto relevo. Nela estavam quadros com os meus certificados; fotos de Coco Chanel, Marilyn Monroe e Alicia Silverstone. No centro, o melhor porta retrato de todos: uma fotografia de nós quatro em nossa formatura do ensino médio.
— Olha só para isso! — riu — Há muito tempo, em uma galáxia distante...
Encaramos a foto com o sentimento de nostalgia por um breve momento.
— Eu estava incrível — e eu dissemos ao mesmo tempo.
— Eu estava horrível — e disseram em seguida. Ele se virou para mim. — Parabéns, love, eu estou realmente surpreso. Você deveria fazer uma festa de inauguração.
— Por mais que eu não dispense uma boa festa, tenho todas as pessoas que preciso bem aqui — afirmei — , você trouxe?
Ela tirou a garrafa de chandon da bolsa, junto com um pacote de copos descartáveis. Cada um pegou o seu e, quando estava prestes a tirar a rolha, eu gritei:
— CUIDADO COM O MEU CHÃO.
Ele me olhou como se eu fosse maluca.
— É só espuma, .
Eu o fuzilei com o olhar, mas não disse nada.
Enchemos os copos. olhou para mim e deu um sorriso torto que me fez morder o lábio.
— À — ele propôs.
— À — e repetiram.
— A rainha do mundo — completei. Eles riram e nós brindamos.
Quando cheguei ao apartamento, a sensação era de que um caminhão havia passado por cima de mim. Duas vezes.
Os cafés expressos já não surtiam mais o efeito esperado, o talvez apenas não fossem páreo para um dia inteiro trabalhando, conversando, rabiscando, digitando. Eu estava um caco, mas era um bom tipo de cansaço. O cansaço de alguém que estava fazendo o que ama e poderia continuar por dias, mas precisava parar para recarregar as baterias.
— Ei — me cumprimentou.
— Ei — eu sorri.
— Chegou tarde — ele falou, cruzando os braços e apoiando-se na parede — Nem avisou nada... pensei em ligar, mas não queria atrapalhar você.
Tirei o cachecol.
— Você não me atrapalha... quer dizer, não sempre — me corrigi, e ele riu — Além do mais, poderia ser alguma emergência com a minha filha — falei — Mas demorei porque precisei fazer algo.
Pela sua expressão – as sobrancelhas levemente erguidas — ele entendeu o meu tom de voz, o que foi o mínimo para despertar sua curiosidade.
Dei um sorrisinho.
— Vou me mudar.
O rosto dele ficou sem cor.
— M-mas... — ele soltou um riso nervoso — Como... quando?
Sentei no sofá, tirei os sapatos e cruzei as pernas, esperando que ele viesse para o meu lado. Porém, ele não se moveu, então comecei a falar:
— Você sabe que a sra. Hall conseguiu muitas clientes para mim, não sabe? Eu não conseguiria comprar bolsas como as delas nem se guardasse todos os meus salários pelo resto da vida. A demanda de projetos tem sido grande e eu... eu resolvi arriscar e ir ao banco para saber se conseguiria investir em um apartamento.
não parecia nem estar piscando.
— No fim das contas, ainda não dá pra comprar. Mas eu definitivamente posso alugar um.
Ele finalmente sentou.
— Bom. Quer dizer, uau! Eu não... eu não achei que seria tão rápido.
Ri.
— Não foi rápido, , foram dois meses.
— Não pareceu — ele murmurou, sem olhar para mim.
— Qual é, você sabe que eu só ficaria aqui até encontrar outro lugar. E agora estou ganhando melhor do que na Vogue, talvez até ache um apartamento melhor do que o meu antigo! — dei um soquinho de brincadeira no ombro dele.
fechou os olhos por um segundo e balançou a cabeça positivamente.
— Não. Quer dizer, sim, eu sei. Ei, estou feliz por você, sério — ele abriu um sorriso, como se precisasse de argumentos.
Eu preferi fingir que acreditei.
— Então... — ele recomeçou, depois de alguns segundos em silêncio — Ainda quer assistir os episódios gravados de Downtown Abbey?
Eu o encarei.
— , eu não vou embora agora. E não é como se isso fosse mudar alguma coisa entre nós.
Não usei as palavras exatas, mas soube que estava bem claro o que eu queria dizer.
— Certo — ele quase pareceu tímido — Hum, no meu quarto, então?
— Não comece sem mim.
Permaneci imóvel debaixo do chuveiro por bastante tempo, apenas deixando a água morna me molhar até eu perceber o quanto aquele diálogo havia me deixado pensativa. Não sabia se esse havia sido o mesmo sentimento de , mas uma sensação estranha veio junto com os tais pensamentos. Algo como separação, despedida.
Com os cabelos úmidos, vesti apenas uma camisa grande do Jeter por cima da calcinha – não existe formalidade maior do que essa quando se está com alguém que já te viu nua. Abri a porta do quarto dele, e apenas a luz da televisão iluminava o rosto e o peitoral descoberto de . Subi na cama, tirando a pilha de travesseiros para me encaixar ao lado dele. Ele me segurou pela cintura e eu juro que não havia nada de sexual naquilo, era uma proximidade fofa e até mesmo inocente. Ele mordeu a ponta do meu nariz e eu tentei reclamar, mas acabei rindo, e só então olhamos para a TV.
Quer dizer, ele sim. Eu não.
Observei meu melhor amigo por um minuto, como se já não tivesse todos aqueles detalhes decorados na mente. O formato de seus olhos, a barba rala nascendo, a cara que fazia quando estava concentrado. Sorri.
Lá no fundo, eu já estava sentindo falta. De tudo.
Não sei o que me fez acordar, mas fiquei tão assustada que essa foi a última coisa na qual pensei no momento.
— Você está bem? — perguntou baixinho enquanto eu tentava levantar, zonza de sono e coçando os olhos.v
— Eu dormi sem querer — respondi rapidamente, tirando as cobertas de cima de mim — Já estou indo.
— Você não precisa — ele disse, em um tom sério, os lábios no meu ouvido.
Parei de me mover.
— Mas... — meus olhos pesavam, mas parte do meu cérebro estava bem atenta. Eu não ia ser a primeira a quebrar as regras, não podia...
— Shhh... — ele sussurrou, beijou minha testa e me abraçou. Arrepiada e sem forças, deixei que ele me levasse de volta para junto de si, onde adormeci no mesmo segundo.
— Então, como é? — perguntou. Ergui as sobrancelhas — O trabalho, besta.
Estávamos andando pelo Upper East Side. Era meio dia, mas estava tão nublado que não parecia. O ar tinha um cheiro gostoso de delicatessens e perfumes Armani.
— Bem, isso depende — respondi — Algumas pessoas querem que eu faça apenas o quarto de seus bebês que ainda vão nascer; outras a cozinha; outras querem renovar o apartamento inteiro ou sua enorme casa de praia em Long Island e...
— Olha esse! — ela deu um gritinho, batendo com a caneta no jornal — É perfeito para você.
Franzi o cenho ao ler o anúncio na página de classificados.
— Não quero mobiliado. Você sabe disso.
Ela fechou a cara.
— Você vai gastar muito mais comprando tudo novo.
Cruzei os braços e empinei o queixo.
— Prefiro viver em um apartamento vazio a viver com móveis de mau gosto — falei, e ela revirou os olhos dramaticamente — Além do mais, não estou querendo algo tão grande assim. Somos só eu e Baleia, afinal.
deu de ombros.
— Vamos continuar procurando, então. A propósito, como meu irmão se sentiu quando contou para ele que estava caindo fora?
Mordi a parte interna da bochecha e continuei olhando para a frente enquanto andávamos.
— Normal, ora. Ele deveria se sentir de algum outro jeito?
Ela estalou a língua, dando um riso debochado.
— Aposto que ficou arrasado. Você quebrou o coração do coitado!
Virei-me para ela, que parecia estar se divertindo muito com a minha cara.
— Certo, engraçadinha. Você também já não deveria estar procurando um apartamento? Já acabou tudo oficialmente com Aaron?
ficou pálida, mas tentou disfarçar com um meio sorriso forçado.
— Ainda não tive tempo — ela disse baixinho e me interrompeu assim que abri a boca para falar: — O que posso fazer, ? Você sabe que ele está sempre viajando e, nos últimos dias, suas paradas em Nova York foram só para me dizer oi e dormir. O que quer que eu faça, deixe um bilhete para ele ver quando fizer a próxima conexão aqui? Ou quem sabe termine o noivado por telefone? Eu não sou esse tipo de pessoa.
— Bem, eu não sou o tipo de pessoa que não sabe a profissão do homem com quem a melhor amiga iria se casar, mas me relembre, por que um diplomata dos Estados Unidos passa mais tempo fora do país do que em casa?
Ela respirou fundo, irritada.
— Ele trabalha no comércio com o exterior. Pensei que você já tinha desistido da ideia de que ele... — ela engoliu em seco — está me traindo.
Foi difícil para ela dizer aquelas últimas palavras considerando sua estranha porém feliz relação com , e fiquei com vergonha demais para pedir desculpas.
— De qualquer forma, eu... — ela apertou os olhos por um segundo — eu não me sinto pronta para começar tudo do zero, ok? E ainda há toda a confusão que meus pais vão fazer, eu não gosto nem de pensar sobre isso...
— Ei. Está bem, já entendi — segurei e afaguei a mão dela, porque seu rosto denunciava que ela estava prestes a chorar — Eu só me preocupo, sabe? Na nossa relação, sou eu quem me ferro pelas coisas que faço e por tomar decisões erradas. Não quero que você passe por isso.
pareceu se tranquilizar. Ela riu um pouquinho.
— Confia em mim?
Resolvi ser sincera:
— Confio.
— Eu sei me cuidar — ela garantiu — Em breve, tudo será diferente. — nós sorrimos uma para a outra — Agora, vamos. Acredito que sei de um lugar que é exatamente o que você quer.
Saí da minha sala e engoli um palavrão ao notar que ainda estava chovendo, e a chuva nem mesmo havia ficado um pouco mais fraca. Paciência. Suspirei e peguei meu guarda-chuva amarelo no canto da porta.
— Senhorita ! — Dorilyn me chamou, surgindo de trás do balcão.
— Que susto! — eu falei, e ela tentou disfarçar o riso — O que faz aí?
— Perdi um dos meus brincos. Eu sou a pior. — ela murmurou, e eu sorri. — Mas tenho boas notícias! A New York Magazine quer entrevistá-la!
Arregalei os olhos.
— O que... ah, meu Deus, isso é sério?
Ela confirmou com a cabeça.
— Ligaram agora mesmo para oferecer a proposta. Fiquei tão animada pela senhorita que nem mesmo perguntei, mas... olhei na agenda para amanhã, e disse que poderiam vir às três da tarde. Tudo bem?
Eu me aproximei dela. Dorilyn estava usando jeans e um suéter preto por baixo de um grande casaco xadrez vermelho com botas de salto alto, e seu cabelo preto e liso preso em um coque bagunçado. Eu sabia que alguém que se vestia tão bem não iria me decepcionar. Eu cobri a boca com a mão e dei pulinhos.
— Está ótimo! Eu nem acredito, me belisque! — exclamei. Ela parecia tão animada quanto eu.
— A senhorita sairá para o almoço agora? — perguntou.
— Sim, você não? E eu já disse para me chamar de — tentei fazer soar como uma bronca, mas é claro que não consegui. Ela corou.
— É força do hábito. Irei sair assim que deixar tudo organizado por aqui. Gostei do seu guarda-chuva.
Eu abri a porta.
— É sempre bom ter algo para chamar atenção em dias cinzentos como esse.
Para fugir da tempestade, muitas pessoas corriam para os táxis e ônibus, deixando o trânsito ainda mais lento e mais barulhento. Mas as calçadas ainda estavam interditadas, com pessoas se esbarrando e imprensando, tentando a todo custo não se molhar. Eu não iria demorar muito para chegar ao restaurante que ficava entre a Oitava Avenida e a Broadway, mas com certeza iria chegar mais rápido se as pessoas se mexessem.
Dei de cara com as costas de um cara alto. Ele começou a pedir desculpas antes de se virar para mim, mas pelo tom, ele não estava muito afim de fazer aquilo.
— Olha por onde anda — grunhi.
— Eu já disse que... — ele me encarou, e senti minha pulsação acelerar. Ele ficou chocado. — ?
No mesmo tom incrédulo, eu deixei escapar:
— Noah Dancy?
As patricinhas de Beverly Hills sempre foi o meu filme favorito. Apesar de ter sido lançado anos antes do meu ensino médio, decidi que seria Cher Horowitz quando crescesse. E fui – mas com algumas diferenças. Eu não era rica, óbvio, e era muito mais safada. Eu não precisava me esforçar quando queria um garoto como Cher fez com Christian.
Mas se eu era Cher, Noah Dancy definitivamente não era Josh Lucas. E eu não queria que ele fosse, porque não estava procurando por um. Noah Dancy era o repentente, bad boy, rico, mimado, lindo e quebrador de corações. No ano da formatura, decidi que iria conseguir a atenção dele, e seria eu quem iria partir seu coração. A última parte não consegui, talvez porque éramos muito parecidos nesse sentido. Ele foi meu par no baile, transamos em cima da mesa dos professores, e nunca mais o vi depois daquela noite.
Mal podia acreditar que ele estava na minha frente.
— ... uau! — ele me olhava de um jeito que me deixava quase tímida. Entramos na cafeteria mais próxima para fugir da chuva, mas nós dois ainda estávamos um pouco molhados dos segundos que ficamos em inércia, perplexos demais para nos mover — Fazem... quantos anos?
— Muitos — respondi, e ele deu uma risada. Noah não era muito mais velho que eu, mas parecia. Não que aquilo fosse ruim. Ele já tinha alguns fios de cabelo grisalhos, marcas de expressão no rosto experiente... e sexy. Ainda mais com aquela jaqueta de couro marrom. Parecia um quarentão gostoso de Hollywood.
— Eu nunca achei que você fosse sair da cidade, de qualquer maneira — disse ele. Uma garçonete se aproximou da nossa mesa e ele sorriu educadamente para ela. — Não quero nada agora, obrigado. Ah, , eu nem perguntei se você estava ocupado ou tinha um compromisso ou algo assim, desculpe.
Bem, eu tinha um almoço. Apertei o botão do celular e li a última mensagem recebida quando o visor acendeu. De:
Você está a caminho? Pedi as sobremesas primeiro. Se não chegar logo, vou comer a sua.
Como quem não quer nada, bloqueei a tela e dei um sorrisinho.
— Não. Não tenho nada. — falei, e neguei com a cabeça para a garçonete, dispensando-a. Ela revirou os olhos e saiu.
— Como você está? — ele se inclinou sobre a mesa, como se estivesse realmente interessado em me ouvir — O que tem feito?
Encolhi os ombros.
— Você sabe... vivendo a vida nova-iorquina, eu e meu apartamento... tenho uma empresa de design de interiores — não precisava dizer desde quando, é claro.
— Impressionante — disse Noah. Sua voz havia ficado ainda mais rouca com o passar do tempo. — Estou trabalhando na NYSE — Bolsa de valores? Isso sim era impressionante. — Morando em um apartamento em Wall Street. Mas não sozinho.
Imediatamente meus olhos se direcionaram para sua mão esquerda. Ah…
— Olha só pra isso! — falei — Então Noah Dancy encontrou a mulher que o fez ser homem de uma só. — não era minha intenção ser sarcástica, mas foi exatamente o que pareceu.
Ele coçou a mandíbula, rindo.
— Pode-se dizer que sim. Mas na maior parte do tempo somos só eu e as crianças em casa.
Meu queixo caiu. Eu tinha sido transportada para um universo alternativo?
— Você tem filhos?
— Dois — ele já estava procurando a fotografia no celular e me entregou para eu ver. Os dois meninos, presumi, deveriam ter 6 e 4 anos, e sorriam largamente envoltos pelos braços do pai. Eles se pareciam, os três. A mulher, magérrima e alta, tinha maçãs do rosto arrasadoras e uma postura de superior. Estava meio deslocada na foto, como se estivesse posando para uma revista e não tirando uma foto com sua família.
Ergui as sobrancelhas.
— Você me parece uma pessoa completamente diferente do que eu me lembro.
Ele umedeceu os lábios.
— E você parece ser exatamente a mesma. Quer dizer; diferente, sim, mas a mesma de alguma forma. Isso é bom.
Eu não tinha tanta certeza se era, o que me abalou. Mas não deixei transparecer.
— Ela é linda — comentei, devolvendo seu celular.
— É. Ela é modelo — ele falou, o que explicava muita coisa — Uma pessoa muito boa, também. E estamos nos divorciando.
Eu precisava admitir que aquela última frase chamou mais a minha atenção do que eu gostaria. Noah deixou a mão sobre a mesa, parte como se estivesse tentando alcançar a minha, parte como se estivesse me tentando a fazer isso primeiro.
— O que acha de sairmos para jantar, com mais tempo para conversar melhor? — ele propôs — Em qualquer dia que for bom para você.
Sorri.
— Com certeza.
O O’Neills estava cheio, e eu odiava quando isso acontecia.
— Olha quem chegou! — gritou, discreto como sempre, assim que passei pela porta. — Achei que iria quebrar a nossa tradição de assistir ao jogo dos Knicks juntos, .
— Você ficaria com muita raiva de mim se eu dissesse que estou torcendo para os Bulls? — perguntou, fazendo um muxoxo. Seus ombros estavam envoltos pelo braço dele.
Aww. Casais não são nojentos?
— Repita isso e torcerei para qualquer time que jogar contra o Manchester United — ele ameaçou.
— Ei — o alertou, apontando — Eu também estou aqui, não se esqueça.
— Desculpem pelo atraso — falei, tirando o cachecol e me sentando ao lado de . — Posso jurar que nunca vi a estação do metrô tão cheia. Já não bastam as pessoas saindo de expediente, agora estamos na época favorita dos turistas... estrangeiros estúpidos. — murmurei.
— Ei, agora sim eu me senti ofendido — ele disse, se virando para mim. e riram. — Mas não seria a primeira vez que você dá bolo em alguém hoje, não é, love?
Bufei.
— Eu disse para você que tive que resolver um problema.
— Ela está mentindo — disse assim que terminei de falar. Todos nós o encaramos. Se fosse possível, eu o teria partido no meio com o olhar. — Por que ela está mentindo?
— Do que. Você. Está. Falando? — grunhi entre os dentes.
Ele não pareceu entender a ameaça na minha voz. Sério.
— “Eu tive um problema”, a mais usada e amadora das desculpas! Quantas vezes eu já não disse isso?
— Como é que é, senhor? — quis saber.
— Além disso — ele continuou — Você é péssima. Quer mentir para um mentiroso, ?
— Está bem! — eu quase gritei — Encontrei uma pessoa. Feliz?
ergueu as sobrancelhas.
— E quem foi? — perguntou, com um sorrisinho desafiador levando a garrafa de cerveja aos lábios.
Eu juro que poderia socá-lo no nariz.
— Noah Dancy — contei de uma vez.
Acho que os três engasgaram com suas bebidas ao mesmo tempo.
— O repetente que estudou conosco no ensino médio? — perguntou .
— Seu par no baile de formatura? — arregalou os olhos.
— O cara com quem você transou em cima da mesa dos professores? — . Totalmente previsível.
— Ah, é claro que é dessa parte que você iria se lembrar — resmunguei, revirando os olhos para ele.
— Eu também lembro quando ele me confundiu com algum dos amigos traficantes dele e socou a minha cara — respondeu, irritado.
Se o estava se divertindo antes, agora estava sendo hilário para ele.
— Caramba, ! E vocês deram uma rapidinha honrando os velhos tempos, e por isso você furou com o ?
Peguei da mesa a tigela vazia de amendoins e joguei nele.
— Não, porra!
— E ele ainda mora na casa dos pais? Me diga que ele foi para uma reabilitação ou algo de interessante, pelo amor de Deus.
— Você é muito... — eu nem tinha uma palavra específica para descrever aquele filho da mãe implicante, então apenas balancei a cabeça e continuei — Sim, ele era um garoto idiota, mas amadureceu e está completamente diferente do que era no ensino médio. Tipo você, só que você continua idiota.
Ele me mandou beijinhos de deboche para provocar.
— Trabalhando na Bolsa, com filhos e uma ex-mulher. — adicionei.
— Eu me pergunto o que ele queria dando uma informação tão clara quanto essa... — revirou os olhos.
Cansei de dar atenção a ele, então estalei os dedos no ar para que alguém me atendesse. Eu realmente precisava de um drink.
— Essa merda de jogo não vai começar? — suspirei, com os olhos fixos no telão.
O casal começou a conversar entre si com sussurros e, logo em seguida, levantou do lugar.
— Com licença, preciso atender este telefonema — ele disse, tão formal e frio que eu até teria me assustado se me importasse.
Seria difícil, mas talvez fosse melhor se eu passasse a guardar mais coisas só para mim. Ou o jeito seria aprender a mentir de uma vez.
A noite foi péssima – em todos os sentidos. Os Knicks perderam feio, e eu não nos falamos no caminho de volta ao apartamento, não nos falamos antes de dormir e, para melhorar, nem nos vimos pela manhã. Eu realmente não entendi o que estava acontecendo, mas eu era orgulhosa demais para perguntar por ele não falar primeiro. Se ele quisesse ficar estranho daquele jeito, que assim fosse.
Prometi para mim mesma que não iria me estressar com isso.
Pelo menos era um dia bom no trabalho. Um casal esperando trigêmeos assinou contrato comigo para preparar o quarto de seus bebês. Também uma moça da minha idade que, depois de anos trabalhando e juntando dinheiro, finalmente conseguiria realizar o sonho de comprar a casa própria da mãe. Eu ouvia muitas histórias emocionantes, participava delas, e isso me fazia perceber a importância do que fazia – não se tratava apenas de decorar o ambiente, mas sim da vida toda pela frente que as pessoas teriam e as lembranças que construiriam ali.
Comi um almoço rápido, uma salada Caesar no centro da cidade quando na verdade queria comer um Big Mac, mas estava tão nervosa com a entrevista que sentia como se fosse vomitar. New York Magazine! Seria o ápice da minha carreira!
(Não que ela tivesse tido muitos momentos memoráveis, mas tudo bem.)
Voltei ao escritório, e Dorilyn sorriu para mim de forma encorajadora. Acho que minha ansiedade estava visível.
— Eu estou suada? Me diga que não estou suando — implorei — Não posso borrar minha maquiagem, é Sephora.
Ela riu e negou com a cabeça.
— Pode deixar que está tudo sobre controle, senhorita... — ela disse — Pode esperar na sua sala, e aviso quando alguém chegar.
Eu concordei. Sentei, tamborilei as unhas na mesa, pedi a Deus e aos retratos das mulheres que me inspiravam para que eu fosse bem e essa entrevista me deixasse mundialmente conhecida. Talvez fosse pedir muito, mas não custava nada tentar.
Meu celular vibrou. Dorilyn mandou uma mensagem de texto cheia de emojis dizendo que a pessoa havia chegado e me desejando sorte. Fiquei de pé, alisei meu terninho roxo e caminhei da forma mais confiante o possível até a porta, mesmo que ninguém estivesse me vendo até abri-la.
E eu abri.
O choque foi tão grande que reparei primeiro nas roupas da Forever 21 que ela era velha demais para usar antes de me concentrar no rosto. Mas eu não precisava olhar duas vezes para o cabelo longo e loiro partido ao meio, o nariz plastificado e o sorriso venenoso.
Brooke.
Não sei quantos segundos exatamente passaram até que eu recuperasse os sentidos. Mas eles não foram a única coisa que me atingiu em cheio. Havia raiva. Raiva o suficiente para que eu quisesse avançar nela e socá-la até quebrar minhas unhas ou sua cara.
Bem, isso não seria nada agradável, considerando que estávamos no meu escritório, a empresa que carregava o meu sobrenome. E, Deus, eu era uma adulta. Uma mulher de trinta e um anos. Provavelmente já era hora de me livrar desse tipo de pensamentos.
Ou... não. Provavelmente eles iriam continuar, não importando a minha idade.
— O que você está fazendo aqui? — sibilei, quando na verdade queria ter gritado.
Brooke me olhava com uma mistura nojenta de deboche e pena.
— Estou fazendo o meu trabalho, querida. Pelo menos uma de nós age como profissional.
De repente, achei que estava tendo um dèja vu. Mas não era, era um flashback e eu pude me ver, a minha versão afetada pelo jet lag, porém animada, arrumando as malas no hotel e se preparando para o futuro imaginário em Milão, enquanto falava através da ligação no FaceTime:
“Não tenho muito o que dizer, além de que ela é incrível e trabalha como redatora em uma revista de fofoca.” Santo Deus.
deveria bater na própria cara antes que eu batesse.
Revista de fofoca? Na época, eu havia imaginado Seventeen ou alguma porcaria parecida. Mas caramba, era a New York Magazine, e eu estava hiperventilando, e...
— Entre — falei de uma vez, abrindo a porta completamente. Ela passou por mim, parecendo extremamente tranquila. Será que ela estava mesmo?
Ótimo, a raiva tinha dado lugar à paranoia. Eu não queria estar nervosa, não podia, não com ela ali. Sentei em minha cadeira e deixei o celular sobre a mesa, mas mantive a mão em cima dele.
Brooke abriu a bolsa – uma Yves Saint Laurent bege, maravilhosa. Era possível eu odiá-la ainda mais? – e tirou de entro um caderninho da Betty Boop com os dizeres Kiss My Ass na capa.
— Podemos começar? — ela ergueu as sobrancelhas.
— Você quem me diz — rebati.
Ela revirou os olhos.
— Muito bem, srta. . Você tem se tornado a escolha número 1 das madames de Nova York que querem mudar o visual de suas casas. Você surgiu tão rápido quanto chegou ao sucesso... então me diga, onde esteve escondida durante todo esse tempo?
— Eu... — pisquei, e senti um leve tremor. Xinguei-me mentalmente por causa disso — Tive alguns problemas durante a faculdade. Problemas financeiros. O único estágio que consegui foi na Vogue, exercendo algo que aprendi com uma matéria optativa do meu curso. Com o passar do tempo fui me tornando melhor, o salário era bom o suficiente para que eu vivesse bem, e oportunidades na cidade de Nova York podem ser bem escassas. Nunca as portas se abriram para que eu fizesse o que amo e realizar o meu sonho. Até agora.
— Interessante — ela comentou, sem realmente parecer interessada. Senti como se algo duro e pontudo estivesse preso na minha garganta. Minha nuca começou a suar, mesmo no frio. Não conseguia controlar ou impedir o desconforto com aquela entrevista, com o pensamento de revelar algo sobre mim para Brooke — Demorou muito para que você finalmente se sentisse realizada então, hein?
— Sim — trinquei os dentes — As coisas mais estranhas e incríveis acontecem quando não esperamos por elas.
Ela me encarou, como se quisesse mostrar que não estava impressionada com a minha frase de efeito. Na verdade não foi uma frase pensada, eu apenas falei, e acho que estava me referindo a mais de uma coisa na minha vida.
— Mas o que faz você diferente de qualquer outro designer de interiores da cidade? — ela quis saber — Por que estão escolhendo você? Dessa vez, ela nem se deu ao trabalho de disfarçar o desprezo na voz.
— Eu sei o que está na moda, mas também sei que não devo impor nada aos meus clientes. Eu preciso entendê-los, não o contrário, e sei fazer isso muito bem. Consigo ler as pessoas. — por exemplo, você é uma vaca, meu subconsciente adicionou, e eu quase dei uma risadinha.
Ela fez mais anotações antes de continuar:
— Segundo minhas pesquisas, esse momento esplêndido da sua vida está acontecendo graças a uma família. Os...
— Hall — falei junto com ela. Tive um mau pressentimento. Digo, pior que antes.
— É claro que você não pode nos culpar pelas especulações que são geradas mediante a sua condição. Parece que você conseguiu tudo o que sempre quis sem esforços. Responda-me, os boatos que você fez uma troca pagando com sexo são reais ou você só faz isso com seu colega de quarto?
Certo, eu não estava esperando por aquilo.
— Você não pode estar falando sério — falei, cruzando os braços.
— Mas eu estou — Brooke sorriu largamente, mostrando todos os dentes — Se me permite dizer, sua historiazinha com Maryse Hall é muito chata, embora eu não saiba exatamente o que aconteceu para aquele saco de botox gostar tanto de você. Minha versão é muito mais interessante! O velho Jem Hall, procurando uma mulher mais jovem, acha sua putinha particular e lhe oferece a oportunidade da vida dela.
— Não, você realmente está blefando — eu afirmei — Não importa o que você pense, não importa se você ainda acha que temos algum tipo de competição estúpida, você jamais faria isso com a sua carreira. Os Hall processariam você e sabe-se lá o que aconteceria. Eles são poderosos. Você nunca mais veria a luz do sol.
— Querida, quem disse que eu iria fazer alguma coisa? — ela imitou meu gesto, cruzando os braços também — Bem, talvez eu espalhasse o boato. Poderia mandar para algum site, ninguém saberia que fui eu. Em uma coisa você está certa: eu não me importo com você. Acha mesmo que eu deixaria a New York Magazine publicar algo sobre você? A não ser...
Eu esperei. A expressão de divertimento dela me fez revirar os olhos.
— Termine, Shepard.
— Vamos negociar — ela propôs — Alguns dias depois do seu aniversário, eu estava terrivelmente arrependida. Não deveria ter deixado escapar. Nenhuma mulher deixaria. Quer dizer, ele é lindo, perfeito, quer casar! Nenhum homem quer casar esses dias. Sem mencionar que é bem-sucedido...
— Por acaso eu o conheço, obrigada, pode continuar — eu cortei.
Ela me encarou.
— Não deu para entender? Eu o quero de volta. Estou pronta para fazer qualquer coisa para tê-lo. Mas eu não posso dividi-lo com você.
E então, tudo fez sentido.
— E você está me ameaçando — eu concluí — com sua historinha inventada. Quer que eu saia da vida de , senão irá me destruir.
— Exatamente! — ela ficou animada — Mas não veja as coisas apenas pelo meu lado, pobrezinha. Caso você concorde, aí sim publicarei algo sobre você, enaltecendo seu trabalho, persuadindo cada milionário dessa cidade a se tornar seu cliente. Você ficaria tão rica quanto eles em um estalar de dedos.
Senti os sentimentos se misturando dentro de mim, causando uma confusão. Eu estava nervosa, irritada, até mesmo triste. Triste porque Brooke me via como uma pessoa que achava que o dinheiro era a coisa que mais importava na vida.
E, claro, a raiva continuava lá.
— Você pode sair da minha sala — finalmente falei depois de segundos em silêncio.
O sorriso dela desapareceu. Suas orelhas ficaram vermelhas.
— Eu sempre soube que você era uma idiota, , mas nunca pensei que fosse maluca também. Você tem noção do que vou fazer com você?
Assenti com a cabeça, calmamente.
— Eu tenho muita noção do que vai acontecer agora. Você não vai voltar com , e eu não vou ter minha imagem manchada com sua criancice.
Ela engoliu em seco, claramente afetada com o meu comentário.
— Como pode ter tanta certeza?
— Porque a única idiota aqui é você — respondi, sem olhar para ela — Estou gravando essa conversa desde que me sentei à mesa — mostrei meu celular — Acredito que você se lembra que tenho um melhor amigo que é um dos maiores advogados da cidade. Ele nunca perdeu um caso e, confia em mim, você não quer nem imaginar o que ele e o juiz poderiam fazer com esse áudio.
O rosto dela ficou tão vermelho que pensei que ela fosse explodir.
— Apague isso — ela ficou de pé e eu continuei sentada, até cruzei as pernas e dei um sorrisinho — Apague isso e eu desisto do meu plano.
— Você vai desistir de qualquer maneira. Mesmo se eu aceitasse, mesmo se eu recusasse, acha que a perdoaria por ter feito isso comigo? Isso só prova que você não o conhece. Você não faz ideia de até aonde ele iria para me defender. — eu disse — Saia da minha sala. Ela colocou os pertences dentro da bolsa e ficou de pé sem dizer mais uma palavra. Antes que ela abrisse a porta, eu falei:
— Ah, Brooke, se você queria uma saída triunfal da minha vida, meus parabéns, você conseguiu. Mas eu realmente espero que essa tenha sido a última vez. Se houver uma próxima, não será nada bonito.
— Espero que saiba que tudo o que disse era invenção — ela disse — Eu soube de você, por isso vim aqui. Mas você não é conhecida, muito menos famosa. Continua sendo uma ninguém, como sempre foi.
— Eu vou crescer — garanti — Sabe por quê? Porque eu trabalho em vez de tentar ferrar com os outros.
Ela saiu, furiosa, batendo a porta com força. Soltei o ar que não percebi que estava prendendo, e não podia haver maior sensação de alívio do que aquela.
Paguei o taxista e saí do carro. Estava quase entrando no O’Neills quando ouvi alguém gritar atrás de mim:
— !
Eu me virei. atravessou a rua correndo como um maluco, mesmo com o sinal verde, causando uma enxurrada de buzinas. Eu arregalei os olhos. Ele veio até mim.
— Oi — disse, ofegante.
— Oi...? — eu falei.
— Não consegui conversar com você hoje, e... bem, peço desculpas. — ele falou. Uma rajada de vento me atingiu no rosto. O inverno estava chegando, e naquela noite já tínhamos uma prévia do frio de doer os ossos. O nariz de estava vermelho e seus lábios roxos e ressecados. — Estamos bem, não estamos?
Eu ri.
— Você não precisava ter quase se matado para falar isso — eu disse. Ele sorriu sem graça. — Mas sim, estamos. Não vejo porque não estaríamos.
Ele assentiu.
— Que bom.
Nós entramos, e a vida me surpreendeu novamente quando vi que havia sido o primeiro a chegar. Se bem que, percebi, eu era quem estava me tornando a que sempre chegava atrasada do grupo.
— Vocês não me respeitam? — ele reclamou — Meu tempo é dinheiro!
— Ah, cale a boca — respondeu. Nós tiramos nossos casacos e nos sentamos. Pedimos limonada com vodca.
— Ei, vocês — apareceu, e aparentava ter tido um dia pior que o meu. Ela desabou ao meu lado — Ignorem o meu cabelo. Sei que parece que acabei de sair da cama.
— Alguém está mal-humorada — observou.
Ela fechou os olhos e cerrou os punhos sobre a mesa.
— Eu odeio o meu trabalho!
olhou para ela, cético.
— Não, não odeia. Você sempre quis em fazer isso. Sempre. Desde que estávamos no útero.
Ela bufou.
— É só uma forma de dizer, tá? Todo mundo odeia o trabalho de vez em quando, não é?
— Na verdade, não — refletiu sobre si mesmo.
— Eu nem preciso dizer o quanto amo o meu — ergui as mãos.
— Tá brincando? Eu me sinto Annalise Keating toda vez que eu... — se interrompeu quando percebeu que todos nós o encaramos fixamente — Isso não soou muito hétero.
— Não — respondemos em uníssono.
A garçonete trouxe meu copo e o de e uma Heineken para , mesmo que ela não tivesse pedido nada. Não era a que sempre nos atendia, mas provavelmente já tinha se acostumado com a gente.
— A culpa não é do jornal nem nada, é só que... — ela abriu a lata — Pessoas são horríveis. Minha paciência está por um fim. Isso é, se eu já não explodi e o estresse me fez ter amnésia.
— Está tudo bem, estamos aqui — eu coloquei um dos braços ao redor dela, e ela deitou a cabeça em meu ombro.
— Ah, acabei de lembrar. Como está a busca pela casa nova, ? — perguntou.
Sorri.
— Já encontrei, na verdade. E nem precisei de ajuda com a papelada — falei, orgulhosa de mim mesma.
— E você vai realmente morar apenas com suas caixas de roupas e sapatos?
Dei risada.
— Não. Pensei melhor, e escolhi um mobiliado. Percebi que não estou apressada para ter tudo novo e com a minha cara, isso pode esperar. Minha conta bancária que o diga.
— Graças a mim! — acrescentou — Eu sou a consciência dela.
— Irei levar minhas coisas para lá amanhã de manhã — contei.
pareceu repentinamente interessado.
— Eu ouvi porre de inauguração à noite?
— Acho que não — falou — Ela tem um encontro amanhã.
— Ela tem? — e perguntaram ao mesmo tempo.
Passei a mão pelo cabelo.
— Hum... sim — respondi, lançando um olhar fulminante para , que sorriu inocentemente.
— Oh. — disse, e deu um gole em sua bebida.
— Com quem? — demandou — Ah, não, não me diga que... Noah Dancy, não, ! E só de pensar que você já teve bom gosto um dia...
— Olhe, você não o viu — eu me defendi — Ele é tipo um Dermot Mulroney mais jovem, e realmente mudou.
— Primeiramente, Dermot quem? Suspirei, exasperada.
— Vai me dizer que nunca assistiu O Casamento do Meu Melhor Amigo? — perguntei. Ele franziu a testa. Indignada, eu olhei para — Você já assistiu, não é?
Ele segurou o copo no caminho para a boca.
— Eu prefiro não assistir filmes com essa temática, love. Bati na testa.
— Ugh, homens. Bem, já que fica tão afetado toda vez que falamos sobre ele, vamos mudar de assunto.
— Eu não tenho culpa se me preocupo com minha amiga — ele protestou.
— Sejamos honestos, a única coisa com a qual você se preocupa é seu ego ferido por ter apanhado de Noah no terceiro ano.
Ele virou a cara, zangado.
— Está vendo? É por isso que eu nunca sou carinhoso.
— Você pode ser comigo — sugeriu.
Olhei para os dois, com minha melhor cara ameaçadora.
— Nem comecem.
— Antes que eu me esqueça, — disse — o que vocês vão fazer no Dia de Ação de Graças?
Eu não tinha parado para pensar nisso até aquele momento. O Dia de Ação de Graças seria na próxima quinta-feira, estava tão em cima que achei que iria passar em branco.
— Nada especial em mente — falou — Você sabe como é a minha família. Evitam festividades e, quando tem, acaba em briga.
— Vou ver o desfile da Macy’s — brinquei, porque todos sabiam que eu achava o desfile patético com seus perus e outros bichos infláveis gigantes e bizarros.
— Mamãe quer convidá-los para a casa deles — explicou.
— E você pode chamar sua mãe e Troy — disse para mim.
Parecia uma ótima ideia.
— Por mim, está confirmado — respondi.
concordou comigo e anunciou:
— Para a casa dos nós iremos.
O apartamento que me ajudou a escolher ficava em Lenox Hill. Era um bairro que eu nunca havia cogitado, e me surpreendeu o quanto gostei dele. O prédio ficava na Lexington Avenue, tinha um ar vintage e uma vizinhança muito legal, com pequenas cafeterias, mercados e bancas de revistas.
Coloquei Baleia no chão assim que abri a porta.
— Olá, nova casa! — ergui os braços, feliz. não parecia tão feliz por ter carregado as minhas caixas e malas escadas acima.
— Jesus, eu vou morrer — ele se apoiou na parede, com a mão sobre o peito.
— Não seja melodramático — falei, rodopiando pela sala. Apesar de tudo parecer extremamente mórbido, porque tudo tinha tons neutros de marrom e cinza, eu já estava pensando em como dar um pouco de vida ao lugar. Almofadas coloridas, talvez umas toalhas, cortinas novas, e eu definitivamente compraria alguns quadros para pendurar nas paredes — Baleia, o que acha? — a cadela estava hiperativa — Por favor, não faça xixi em nada. Ninguém vai vir aqui tomar o seu território.
riu.
— Nossa, eu vou sentir falta dela.
Olhei para ele e coloquei as mãos na cintura.
— Vai sentir falta só dela? — perguntei.
— Eu definitivamente não vou sentir falta de não assistir o meu futebol para ter que assistir Bonequinha de Luxo — ele falou, e eu ri — E nem do seu café horrível. Mas... certo. Vou sentir falta de ouvir seus passos de manhã cedo, quando estou na cama e a cidade ainda parece silenciosa. E quando você canta quando está fazendo limpeza, mesmo que não perceba.
Meu sorriso desapareceu.
— Vou sentir falta de ver você sorrindo ou ouvir seus gritos histéricos quando algo muito bom aconteceu durante o dia — ele continuou — E vou sentir falta de você cozinhando, principalmente brownies — disse, e eu enrubesci.
suspirou.
— Vou sentir sua falta, .
Eu o puxei para um abraço. Enterrei o rosto em seu peito e ele apertou minha coluna como se nunca mais fosse me soltar, mas soltou.
— Eu também vou sentir sua falta, . Nunca vou poder retribuir o que fez por mim. Obrigada.
Ele beliscou minha bochecha.
— Eu amo você. Agora, vá se instalar no seu novo lar.
Eu assenti, e ele saiu. Quando a porta se fechou, mantive minhas mãos nela por um momento, como se pudesse senti-lo se afastando pelo corredor.
Eu tinha dezoito anos de novo. Sério.
Mesmo que estivéssemos em um restaurante em Nolita e eu estivesse usando um vestido preto que era uma das peças mais luxuosas e caras do meu guarda-roupa, eu me sentia como uma adolescente por dentro. Claro que eu não deixaria isso transparecer. É que havia algo nostálgico em estar com alguém de um passado tão distante.
— Então, o que vai pedir? — Noah perguntou.
Umedeci os lábios enquanto passeava os olhos pelas opções do cardápio.
— Hoje estou querendo um tiramisu — falei.
Ele pareceu confuso.
— É que nós... eu sempre peço a sobremesa antes — disse eu — Jantamos, mas na verdade estamos pensando na sobremesa, então por que não comê-la primeiro?
Noah riu.
— Se você está pensando na sobremesa, é porque ainda não provou o creme de camarão desse lugar.
Eu sorri para ficar calada. Se fosse outra pessoa, saberia que eu não gosto de camarão.
— Então, o que achou do lugar? — Noah quis saber.
Beberiquei o vinho, dando uma olhada ao redor. Não que eu não estivesse fazendo isso desde o momento em que entramos. O restaurante tinha uma pegada de anos 20 – desde a arquitetura à decoração. As mesas eram redondas, cobertas com toalhas de seda dourada; e cada uma tinha um pequeno abajur, apesar do grande lustre preso no teto. No canto, uma banda tocava ao vivo sucessos do jazz.
— Elegante. E muito. — falei — Espero que eu esteja vestida adequadamente.
Noah achou graça.
— Mesmo que você não estivesse usando nada, estaria adequado. Você tem esse olhar que faz as pessoas temerem você.
Eu engasguei.
— O quê? Essa é nova.
— É sério. Você sempre teve.
Nossos pratos chegaram. Digo, o prato de Noah e o meu tiramisu. Notei uma coisa esquisita sobre mim: por mais que eu adorasse comer, eu perdia a fome quando algo ou alguém interessante estava na minha frente.
— Me conte sobre sua vida — eu pedi.
— Depois da última vez que nos vimos? — ele perguntou. Eu ri e balancei a cabeça positivamente. — Eu realmente não sei o que tinha na cabeça naquela época, mas não queria ir para a faculdade. Felizmente, meus pais me obrigaram, e fui para Sarah Lawrence. Quase um ano depois, meu pai morreu. Câncer no fígado.
Engoli em seco.
— Sinto muito — sussurrei.
— Bem, eu precisei passar por uma situação como essa para me tornar um homem de verdade. Me formei em Economia, pensando que seria a única forma de saber controlar as finanças da minha família. Mas acabei pegando gosto pela coisa, consegui o emprego na Bolsa e a vida seguiu.
Coloquei a colher no prato ao lado do doce pela metade.
— Acho que está se esquecendo de uma pequena parte.
— O que... ah, sim. — ele riu — Acho que você deve ter se surpreendido por eu ter casado tão jovem. Pareceu a coisa certa, e não me arrependo. Ava... agora ela atende pelo nome de solteira de novo, Ava Leigh Clement, ela é ótima. Mas seu trabalho a obriga a viajar o tempo todo, e durante esse tempo de distância, percebemos que no fim das contas não sentíamos mais nada um pelo outro.
Ergui uma sobrancelha.
— E isso pode acontecer? Quer dizer, o amor simplesmente desaparecer?
Noah deu de ombros.
— Acho que ficamos desgastados. Nos tornaríamos um peso ainda maior um para o outro eventualmente. Pelo menos terminamos em paz. Espero que também seja fácil para os meninos.
Eu quase disse que nunca, jamais, seria fácil para uma criança lidar com pais divorciados, e que eu já havia sentido na pele o sofrimento. Mas preferi tomar outro rumo:
— Quais são os nomes deles?
O rosto de Noah se iluminou ao pensar neles.
— Ashton e Cedric. Ah, eu queria lhe perguntar, tem notícias dos gêmeos britânicos e aquele cara que era o capitão do time de basquete? Acabei de esquecer o nome dele...
Sorri enquanto terminava o vinho na minha taça.
— Você está falando de . Na verdade, nós quatro somos inseparáveis.
— Uau, parece que algumas coisas nunca mudam mesmo. Estou impressionado.
Depois do jantar, fomos para o apartamento dele, em Wall Street. Não era exageradamente espaçoso, mas era admirável, com suas janelas que iam do teto até o chão e móveis pós-modernistas. Eu apostava que Ava Leigh havia os escolhido. Também parecia extremamente organizado para quem tinha dois meninos em casa.
— As crianças estão dormindo ou...? — deixei a pergunta no ar enquanto ele fechava a porta.
— Com minha mãe, na verdade — respondeu ele — Teremos... teremos um pouco de privacidade aqui.
Os dedos de Noah alcançaram meus ombros por trás e eu arqueei a coluna enquanto ele tirava o meu sobretudo, respirando próximo do meu pescoço. Uma das suas mãos pegou a minha e a outra pediu a minha bolsa. Eu a entreguei, ele a pendurou no cabide embutido na parede e depois me guiou para o sofá.
— Gostaria de dizer que fiquei surpreso por você ter aceitado o meu convite — ele falou.
— Por que eu não aceitaria? — ri, franzindo a testa — A noite foi ótima.
Ele mordeu o lábio.
— Eu também achei — disse, e me beijou.
Foi tão rápido que não tive como me livrar, não que eu quisesse. Por que eu quereria? Noah tinha gosto de vinho e água ao mesmo tempo, seus lábios eram carnudos e ele definitivamente sabia o que estava fazendo com a língua. Ele estava segurando meus cabelos, mas quando minha mão subiu pelo seu pescoço a dele desceu para o meu quadril, apertando, encaixando-me a ele enquanto a outra agilmente entrava no meu vestido e soltava o meu sutiã.
Mas então eu me senti enjoada. Eu vi , queria dizer o nome dele, e não no sentido erótico. Eu não podia mais negar que estava pensando nele desde o momento do jantar, e não era por causa daquela regra ridícula de não sair com outras pessoas, mas sim porque parecia estranho fazer aquilo sem ser com o meu melhor amigo. Não havia formalidade, nem silêncios constrangedores, e nós ríamos e achávamos assunto para conversar das coisas mais improváveis.
Empurrei Noah com força. Que diabos havia de errado comigo? Eu era , eu dormia com caras que não conhecia por diversão e prazer, porque acreditava que se homens podiam fazer isso sem serem julgados, as mulheres poderiam também. E com Noah Dancy, pelo menos, eu tinha uma história. Não era romântica nem a mais agradável, mas era história.
Fiquei de pé rapidamente, com a mão sobre a boca.
— Eu... d-desculpe, Noah, eu não sei o que... — respirei fundo — Não estou me sentindo muito bem.
Ele me encarou, perplexo, e então riu. Uma risada seca.
— Não dá para acreditar.
— Por favor, me desculpe... — eu nem sabia por que estava pedindo desculpas. Na verdade, não estava entendendo mais nada.
Noah olhou para o teto e xingou.
— Será que não pode acontecer uma coisa boa na porra da minha vida? Já não basta todo o inferno que estou passando... — ele balançou a cabeça — Achei que tinha tido sorte quando nos esbarramos na rua, . Quer dizer, pelo menos o dinheiro gasto no jantar valeria à pena, porque você sabe o que faz na cama. Pelo menos eu esqueceria de tudo quando você me satisfizesse.
Fiquei boquiaberta.
— Você... queria me usar? — minha voz saiu como se eu estivesse sufocada. Noah me olhava como se quisesse que eu desaparecesse. — Quem você PENSA QUE EU SOU? — dei um passo à frente e usei toda a minha força para atingi-lo no rosto — As prostitutas estão lá fora, seu idiota!
Andei com pressa para pegar minhas coisas. Eu o vi segurando o lado do rosto com as duas mãos, os olhos apertados de dor.
— Eu estava enganado, . Você mudou.
— Eu também estava enganada — senti o choro vindo e o forcei goela abaixo — Você continua sendo o mesmo escroto de antes.
Pressionei o botão do elevador uma dúzia de vezes, como se isso pudesse fazê-lo chegar mais rápido ao andar. Quando entrei, tapei a boca mais uma vez. Eu não podia chorar. Mesmo com o que tinha acabo de acontecer, mesmo com a merda que eu poderia ter feito se não tivesse impedido a mim mesma.
Saí do prédio, dando de cara com a tempestade. Sem ter para onde correr, comecei a andar na chuva. Eu andaria até a estação de metrô mais próxima, a não ser que eu morresse congelada antes.
Cheguei ensopada em casa, o corpo inteiro latejando com o frio. Baleia correu para me receber, e eu fiz carinho em suas orelhas enquanto chorava. Passei a mão por baixo dos olhos, e a máscara de cílios preta me manchou.
— Fique lá no quarto, está bem? — falei para ela — Vou dar um jeito aqui fora.
Antes, é claro, eu precisava de um banho. Lavei os cabelos, sequei-os e os prendi em um coque. Coloquei calças de moletom e uma blusa branca, o apartamento estava aquecido o suficiente para que eu não precisasse me cobrir toda. Peguei um pano de chão para enxugar a bagunça que eu havia feito e os meus lindos sapatos Burberry. Temi que os saltos não fossem resistir depois daquela noite que foi longa demais.
Alguém bateu à porta. A última coisa que eu precisava era ter que lidar com uma pessoa, mas limpei as mãos e atendi.
Era .
— O que você... — eu comecei a falar, mas ele entrou antes que eu terminasse. Ele andou de um lado para o outro, com uma mão na cabeça, e eu soube que havia algo errado.
— Eu pensei muito antes de vir aqui. Acredite, eu pensei. Mas não podia simplesmente não fazer nada — ele disse.
Eu olhei para ele, confusa.
— Nós concordamos que haveria regras. Concordamos. Desculpe, mas estou tendo a impressão de que alguém aqui está sendo feito de idiota, e sou eu.
Fechei os olhos. Eu quis gritar.
— Para com isso — eu pedi — Você não sabe o quão péssima eu estou me sentindo. Não quero ter essa conversa, até porque não há necessidade nenhuma...
— Não há, ? — elevou a voz, e eu me encolhi — Só me diz o que eu preciso ouvir. Me diz que você não quer que haja mais nada entre nós.
Eu não tive tempo de pensar, de raciocinar uma resposta, porque ele me tomou em seus braços e pressionou a boca na minha. Tive a sensação que meu corpo estava em chamas, aquela sensação era física, era real. me segurou com força e eu fiz o mesmo, apertando meus dedos e minhas unhas em suas costas enquanto ele descia os beijos pelo meu queixo e pelo meu pescoço com selvageria.
Nós finalmente respiramos, cansados, mas eu sabia que nós dois poderíamos continuar fazendo aquilo por muito tempo. abaixou a cabeça, parecendo estar prestes a quebrar em minhas mãos, seus cílios tremendo na minha bochecha, sua boca encostando em meus lábios.
— Me diz que você não quer que haja mais nada entre nós — ele repetiu — e eu vou embora.
Minha garganta estava seca quando eu respondi:
— Não — e como eu poderia dizer aquilo?
Ele me ergueu como se eu não pesasse nada, prendendo minhas pernas ao redor do seu corpo, eu o beijei mais uma vez e nossas roupas começaram a cair no chão.
Eu sorri, tranquila. A água quente era relaxante, como se cada uma das minhas articulações estivesse sendo massageada. Fechei os olhos, aproveitando. O dedo dele deslizava para cima e para baixo pela minha barriga.
falou no meu ouvido:
— Eu não gosto dessas velas aromatizadas.
Isso me fez rir.
— Francamente, você é muito chato.
Eu não iria dizer nada, nem se ele perguntasse, mas tinha que admitir que havia superado a ele mesmo. Não havia tido experiência própria quando ouvia as pessoas dizendo que sexo com raiva era melhor, mas agora podia concordar. Pode-se dizer que fizemos as pazes em seguida, e, bem, eu tinha uma banheira, sais de banho e velas com aroma de maçã e canela.
Deitei em seu peito e ele beijou o meu ombro.
— Você... pode ficar essa noite? — perguntei, e me senti agradecida por estar de costas para ele, de forma que ele não veria o meu rosto quando eu dissesse isso. Esperava que ele aceitasse, afinal, amanhã era domingo, e não iríamos trabalhar.
— Se é você quem está pedindo, eu não estou quebrando nenhuma regra — disse, erguendo a mão. Água e espuma caíram na minha cabeça e eu dei um gritinho.
— Eu disse para você que no cabelo não! — protestei, virando-me para ele. Ele começou a gargalhar, e eu enchi a mão e joguei na cara dele.
Eu mesma comecei a rir quando ele fez uma careta, tentando tirar a espuma dos olhos e da boca, mas acabou colocando ainda mais.
— Está rindo do quê? — ele reclamou, lançando água em mim. Fiquei completamente encharcada, e o chão do meu banheiro inundado.
Parecíamos duas crianças brigando. Nos beijamos, e nada mais importava.
Fui para um canto quieto atender ao telefone.
— Oi, mãe. Recebi sua mensagem, está tudo bem?
— Oi, bebê. Não há nada com o que se preocupar. Troy está com gripe, um pouco de febre, mas já estamos no hospital. Ele irá ficar bom logo. Mordi o lábio e cocei a testa.
— Você... você quer que eu vá até aí? Sei que queria que passássemos o Dia de Ação de Graças juntos. Posso levar comida, e...
— Não, querida. Fique com seus amigos. Diga a Catherine e George que sinto muito, gostaríamos de poder estar aí — ela falou. Apesar do tanto de tempo que se passou, eu ainda os chamava de sr. e sra. , mas minha mãe era amiga deles, então podia ter essas intimidades.
— Mas...
— Nada de mas. Eu irei ficar no hospital com Troy, porque é isso que “na saúde e na doença” significa, mas você pode ter um jantar maravilhoso e se divertir. Suspirei.
— Tudo bem, então. Diga a ele que mando melhoras.
— Ah, bebê, obrigada — ela disse, e eu soube que ela estava sorrindo — Eu te amo. — Também te amo. Tchau — eu desliguei no momento que o sr. apareceu ao meu lado.
— Algo errado, querida? — ele perguntou. Talvez fosse minha impressão por ele ser mais velho, mas o sotaque do pai de e parecia ainda mais carregado do que o deles.
Balancei a cabeça, negando.
— Infelizmente minha mãe e meu padrasto não poderão vir, mas ela pediu para não nos preocuparmos.
A sra. deixou a faca cair em cima do balcão, surpresa.
— Não acredito! George, não terá nenhum adulto aqui. Vamos ficar no meio de crianças!
pigarreou.
— Mãe, nós somos adultos.
Ela bagunçou o cabelo do filho, que não pareceu se agradar nem um pouco com isso.
— Para mim, troquei suas fraldas ontem mesmo, então fica caladinho.
— Eu preciso das framboesas! — gritou, enquanto fazia a sobremesa. abriu a porta, entrando afobado. Seu cabelo estava arrepiado.
Ele ergueu uma sacola.
— Você não faz ideia do quanto eu tive que andar para encontrar essas coisas. — falou. bateu palmas e pegou a sacola.
— Pobrezinho. , querido, você pode aumentar o aquecedor? Seu amigo está congelando.
— Estou indo — ele falou, feliz por se livrar das tarefas.
Enquanto eu arrumava os pratos sobre a mesa, observei os . Movendo-se quase em sincronia, como uma família normal e que se amava fazia. Não pude deixar de sentir algo no coração, uma faísca de felicidade. Era para isso que servia o Dia de Ação de Graças, afinal. Para nos lembrarmos das melhores partes da vida.
Eu não sabia que aquela paz duraria tão pouco.
A porta se abriu mais uma vez. Quando vimos quem era, eu e nos entreolhamos. Ela ficou pálida. Olhei para . Ele ergueu o queixo, na sua postura de defesa, mas sua expressão dizia outra coisa. Que ele precisava de uma explicação. Que estava magoado.
Os únicos que ficaram claramente animados foram os anfitriões.
— Aaron! — a sra. bradou.
voltou para a sala e parou no meio do caminho, tão surpreso quanto nós três, ao olhar para Aaron Campbell na entrada da casa de seus pais.
— O que ele está fazendo aqui? — ele apontou, rindo, e olhou para a irmã — Você não disse que iria se assumir com para o papai e a mamãe hoje?
pareceu estar prestes a desmaiar.
— O quê? — perguntaram sr. e sra. , incrédulos.
— Como é que é? — Aaron arregalou os olhos, e pela primeira vez desde que o conheci ele pareceu perder a compostura e elegância — , do que ele está falando?
— Você o ouviu — rosnou. — Foi exatamente o que ele disse.
— ! — vociferou. Ela largou o que estava fazendo e foi na direção de Aaron. Ele deu um passo para trás para se afastar dela — Você... você me disse que não estaria na cidade. Nós iríamos conversar quando você chegasse.
— O quê? — ralhou — Você me disse que já tinha terminado tudo com ele! Você... você estava mentindo? Esse tempo todo? Eu estava arfando. A dor em era palpável, e estava arrasada. Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Aaron olhou para ela com a expressão fria e cortante como gelo.
— Eu estava planejando fazer uma surpresa. Mas pelo visto, quem foi surpreendido fui eu. Eu nunca... nunca imaginei que você seria tão baixa. — falou. Ele saiu assim que ela abriu a boca para se explicar.
Os lábios e as mãos de estavam tremendo. Seus olhos estavam arregalados.
— Você não pode, por um minuto, calar sua maldita boca? — ela gritou para o irmão.
riu.
— Eu não posso acreditar nisso. — ele murmurou, indo para o corredor. Na sala, um silêncio mortal se instalou, e eu sobressaltei quando ele fechou alguma das portas com um estrondo.
parecia desorientada. Eu realmente não podia dizer o que ela faria em seguida, por mais que eu a conhecesse bem. Mas a atitude que ela tomou me surpreendeu de verdade.
Ela foi atrás de Aaron.
Eu não sabia o que fazer.
Não era como se qualquer pessoa estivesse preparada para uma situação daquelas: meus dois amigos precisavam de alguém, e na minha frente havia um casal de senhores ainda mais embasbacados e confusos do que eu.
Antes que eu me movesse, olhei para . Claro, era por isso que dizíamos que nos comunicávamos mentalmente: eu sabia exatamente o que ele queria dizer apenas pela expressão em seu rosto, e ele podia fazer o mesmo comigo. É o meu melhor amigo. Eu devo ir. Assenti minimamente com a cabeça, concordando, e ele foi atrás de .
E eu tive que lidar com os seus pais.
— Sr. e sra. — comecei — Acho melhor se sentarem.
Eles obedeceram, e eu me sentei do lado oposto da mesa, de frente para os dois.
— , o que está acontecendo? — Catherine perguntou baixinho.
— Por que eu sinto como se estivesse vivendo em um universo paralelo até agora? — George murmurou.
— Sorte a sua, porque eu ainda não estou entendendo absolutamente nada — reclamou ela.
—Bem... — eu tentei escolher as palavras. Eles me encararam, ansiosos, o que não facilitava muito. — Para ser honesta, não sei se há outra forma de dizer isso. Tudo o que vocês viram e ouviram... é o que está acontecendo. A verdade.
Catherine piscou, atordoada.
— Você está dizendo que... ...? — a pergunta ficou implícita, mas eu encolhi os ombros e a cara que fiz confirmou o que ela queria saber — Ah, meu Deus.
— Antes que vocês cheguem a conclusões precipitadas — eu me apressei — vocês precisam saber que não estava feliz com Aaron. Talvez ela não deixasse transparecer para vocês, mas eu estava por perto o tempo todo. Nunca aprovei a relação deles, para ser sincera. Ele era... tóxico.
George cerrou o punho, quase que involuntariamente. Entendi o que o gesto queria dizer. Ninguém mexia com sua garotinha.
— Mas se era assim, por que ela não fez nada? — a sra. queixou-se — Se o relacionamento não estava fazendo bem para ela...
— me dizia que não encontrava o momento certo, já que Aaron praticamente não esteve na cidade por mais de um dia nos últimos tempos — expliquei — Mas não era só isso. Ela não estava pronta para começar tudo de novo... ou para lidar com a opinião de vocês sobre isso — confessei.
Se ainda fosse possível diante da situação, eles pareceram ainda mais surpresos.
— Que maravilha — Catherine falou —, agora me sinto uma péssima mãe.
— Sra. , não...
— E eu me sinto péssimo por , também — sr. acrescentou, e então colocou a pesada mão enrugada no meu braço — Não se preocupe, querida, não é por causa do que você falou. Só não esperávamos que... santo Cristo, nenhum dos dois merece isso. Também amo como se fosse parte da família.
— Antes que falem qualquer coisa — apareceu no corredor e se juntou a nós, sentando-se na cadeira ao meu lado — Eu realmente sinto muito.
A mãe dele deu um sorriso triste.
— Não é sua culpa, filho. Uma hora ou outra, aconteceria.
retribuiu o sorriso, parecendo cansado, e segurou minha mão por baixo da mesa. Eu mordi o lábio, triste, porque sabia o que ele estava pensando. Ele estava se culpando.
— Me digam... eles são felizes? — George quis saber — Ou pelo menos estavam?
— Eu não via tão radiante em muito tempo — respondi com sinceridade — E ... uau. É como se ele estivesse vendo a luz do sol pela primeira vez.
Catherine engoliu em seco. George abaixou a cabeça.
— Mãe, pai, com licença — disse e ficou de pé, me levando junto com ele. Nos afastamos até um canto da sala de estar, junto à janela.
— Como ele está? — perguntei, esfregando as mãos pelos braços, sentindo um calafrio repentino.
— Zangado — ele respondeu — Não quer olhar na minha cara e provavelmente estaria quebrando coisas se não estivesse no quarto de hóspedes dos meus pais. — Permanecemos em silêncio por alguns segundos, meio que evitando os olhos do outro — Ela nunca vai me perdoar.
— ...
— Nem vai me dar a chance de explicar que não foi de propósito — ele soltou um riso nervoso angustiante e senti como se tivessem prendido meu coração em um nó. — Eu sei lá no que estava pensando, mas tive o instinto de que precisava afastar Aaron dos dois e não pensei... — não dei a chance de ele terminar e o puxei para um abraço, apoiando meu queixo em seu ombro.
— É claro que ela vai te perdoar — falei — Vocês são irmãos, são gêmeos. Pensei que já soubesse a essa altura que vocês sempre precisarão um do outro de uma maneira ou outra.
Ele apertou os braços ao redor do meu corpo e senti sua barba roçando na minha pele quando ele enterrou o rosto na curva do meu pescoço.
— Obrigado.
— E sua mãe está certa. Odeio pensar assim, mas talvez já estivesse na hora disso acontecer para que as coisas tomassem um rumo real para eles. O que for para ser agora, será — disse eu, largando do abraço, mas a distância entre nós era de pouquíssimos centímetros.
— É — ele murmurou, ranzinza — Eu só não queria ter estragado o jantar de Ação de Graças para que isso acontecesse.
— Pode, por favor, não ser tão duro consigo mesmo? — pedi, tocando seu rosto. Ele suspirou, fechou os olhos e beijou a palma da minha mão.
— Ei, vocês dois, não ajam como um casalzinho se não querem me dar falsas esperanças — Catherine falou. Nós não aguentamos e demos risada/ — Bem, ainda temos um bocado de comida aqui. Não podemos desperdiçar, não é?
Eu tinha um problema: não conseguia separar minha vida pessoal da profissional. Pelo menos naquele dia estava sendo impossível. Era bem provável – eu esperava – que meus clientes não tivessem notado, mas eu havia sentido um incômodo terrível o tempo todo que chegava a ser quase desconcertante na hora de fazer o meu trabalho.
— Me diga que conseguiu falar com ela — eu disse ao telefone. Era tarde da noite e estávamos prestes a fechar, e aquele era o primeiro momento em que eu tivera tempo o suficiente para uma ligação de verdade.
— Ela não está atendendo ao telefone — falou — Fui ao apartamento de Aaron e não havia nem sinal de que ela esteve lá. Literalmente nenhum, como se ela nunca tivesse morado ali. Ele até que foi cordial comigo, mais do que eu teria se Kate tivesse mandado alguém me dar o recado em vez de deixar um bilhete.
Não pude me controlar e revirei os olhos ao ouvir aquele comentário desnecessário.
— Então resolvi ir à casa dos meus pais, porque achei que mamãe não reagiria muito bem se eu lhe contasse por telefone que sua filha estava desaparecida. De qualquer forma, quando cheguei lá, encontrei . Com moletons, cabelo horrível e a cara inchada.
Endireitei a coluna. Aquilo era inesperado.
— Sério?
— Sim. Ela não quis falar comigo, mas sei que não está indo trabalhar.
— Céus — coloquei a mão na testa — Tudo bem. Vou tentar falar com ela mais uma vez. Se conseguir algo mais, me conte.
— É claro, love. Até mais.
— Tchau — sussurrei e desliguei. Em sequência, digitei o número dela rapidamente. Se eu já não o soubesse de cor, teria aprendido horas atrás de tantas tentativas fracassadas. Oi, aqui é . Por algum motivo não posso atender, mas você sabe o que fazer. Bip.
— Sou eu. De novo. — falei — Se não perdi as contas, esta é a décima quarta mensagem de voz que deixo para você hoje. Não sei se você está ouvindo, mas... estou preocupada. Um pouco menos, agora que seu irmão me disse o seu paradeiro, mas ainda assim. Sei que quer ficar sozinha, mas, por favor, me deixa te ajudar?
O tempo para a mensagem esgotou, mas eu não tinha mais nada para dizer de qualquer maneira. Joguei dentro da bolsa o celular e mais algumas coisas que estavam espalhadas sobre a minha mesa e levantei, pronta para ir embora.
— Dorilyn, você pode por favor fazer... — eu fiquei impressionada demais para continuar falando quando olhei para ela — Uau, garota! Não me diga que você se arruma assim para ir para a faculdade todas as noites.
Ela ficou tão rubra quanto o batom que estava usando.
— N-não, senhorita. A faculdade estendeu nosso recesso.
Eu dei um sorrisinho malicioso.
— Hmmm, é um encontro, não é? — se é que era possível, ela ficou ainda mais vermelha. Eu fiquei mais animada do que seria esperado da reação de uma chefe — Que tudo! Como ele é? Ele é incrível?
A expressão no rosto de Dorilyn pareceu se suavizar.
— Sim — falou — ela é bem incrível.
Pisquei e abri a boca, sem saber como reagir a princípio.
— Oh! Desculpe-me, querida, eu não sabia...
— Tudo bem. Me sinto bem por ter lhe contado — ela sorriu, feliz.
Cheguei perto dela e coloquei a mão sobre seu ombro.
— Espero que vocês duas se divirtam muito.
— Obrigada, srta. . Até amanhã! — Dorilyn disse, e eu acenei para ela ao sair do escritório.
Antes que eu conseguisse chamar um táxi, senti meu celular vibrando dentro da bolsa. Tirei-o para ler a mensagem. Amanhã, 15h. Madison Square Park. Xx.
Eu costumava associar os dias de inverno a dias tristes. Com o passar do tempo, forcei a mim mesma a abandonar essa ideia e ver as coisas pelo lado capitalista para tentar alegrar o clima: era a época das queimas de estoque e os lançamentos de grifes. Também era em dias gelados e nublados como aquele que eu poderia usar botas de cano alto e meu maravilhoso casaco preto faux fur (pele falsa, óbvio. Eu amo animais.).
Porém, quando vi no banco da praça, um sentimento horrível se apoderou de mim. Era como se a tristeza dela fosse minha.
— Ah, querida — eu sussurrei, me aproximando dela, e ela pareceu tão aliviada ao me ver que achei que ela fosse chorar.
Nós nos atiramos nos braços uma da outra assim que sentei no banco ao seu lado.
— Como você está? — perguntei, com a voz dócil. E, é claro, eu precisava ser mais cuidadosa com as palavras do que nunca.
— Não dá para ver? — deu uma risadinha fraca. Ela normalmente não usava muita maquiagem, porque ela não precisava, mas com o rosto limpo era visível o quanto ela estava mal. Provavelmente não dormia direito há dias. — Pare de me olhar assim, , não é o fim do mundo — ela tentou brincar.
— Olhe, eu estava começando a ficar preocupada de verdade e... bem, você desligou seu celular desde a quinta-feira ou simplesmente decidiu me ignorar.
Ela virou o rosto e piscou repetidas vezes. Depois de tantos anos, eu já sabia o que aquilo significava.
— Aconteceu o que eu temia. E você sabe o que é pior? Depois que todo o alvoroço na minha cabeça parou, eu percebi que não estava com raiva do . Ele estava certo. Teria acontecido a mesma coisa, mais cedo ou mais tarde, e o estrago poderia até ter sido maior. A culpa é toda minha.
— , não... — comecei, mas ela me interrompeu.
— Aposto que você deve ter se perguntado por que eu fui atrás dele. Do Aaron, digo — falou ela. E sim, aquilo passou pela minha cabeça várias vezes e eu não consegui encontrar uma resposta que fizesse sentido. — Eu não podia acabar tudo daquele jeito. Apesar de tudo, houve algo verdadeiro e bonito entre nós enquanto durou. Não podia... não queria que ele ficasse com uma impressão horrível de mim.
— E o que aconteceu? — não dosei a curiosidade na voz, o que teria sido cômico em outra circunstância.
— Eu implorei para que ele me ouvisse. Me humilhei, na verdade. Dá para acreditar? — pelo jeito que ela falou, nem mesmo ela acreditava — Quando ele concordou, fomos para um lugar mais calmo e conversamos. Foi tudo tão civilizado. Ele não abriu a boca em nenhum minuto, só para dizer que não queria mais nada comigo, nem nenhum tipo de contato. Isso não me surpreendeu.
— Meio que doeu. Não pelos motivos de qualquer pessoa normal, mas porque percebi que eu estive tanto tempo com alguém que nem se daria o trabalho de lutar por mim. Doeu porque percebi que talvez ele só estivesse esperando a primeira oportunidade para se livrar de mim, e todo esse tempo eu o superestimei e não... não dei prioridade a quem realmente importava. — os olhos dela se encheram de água.
Eu entrelacei os dedos nos dela.
— Eu estava livre — o lábio de tremeu — e não me esperou para que eu lhe contasse isso.
— Vem aqui — eu a puxei para perto e ela descansou a cabeça no meu ombro — Você tentou falar com ele?
— Se você não conseguiu falar comigo, é porque estou tentando ligar para ele em todos os momentos que posso — estava dando o seu máximo para se manter firme e segurar o choro — Ele deve me odiar. Há quase um mês estávamos juntos e eu estive mentindo por mais da metade do tempo.
— Você teve os seus motivos — tentei argumentar.
Ela se sentou ereta e me encarou.
— E você consideraria isso? — perguntou, e eu mordi a parte interna da bochecha. Não podia responder assim, de imediato e sem pensar, e acabar mentindo só para não magoá-la. — Tudo bem, não tem problema. E, honestamente, eu não queria que ele viesse em desespero atrás de mim ou desse uma de Heath Ledger em 10 coisas que eu odeio em você, tudo o que eu queria é que ele me desse uma segunda chance. Nos desse uma segunda chance. Mas eu sou o problema. Sou patética. 31 anos e morando com os meus pais.
— Ei, isso é escolha sua — retruquei — Sua primeira opção deveria ter sido vir morar comigo. Nem deveria ter pensado duas vezes.
fez uma careta.
— Entendo o que você quer dizer, mas... parece menos pior com eles. — ela falou. Eu ergui as sobrancelhas, quase que ultrajada. — Eu nunca morei sozinha. Depois que terminamos a faculdade, você achou o seu antigo apartamento e morei com você até as coisas ficarem sérias com Aaron e aí eu fui morar com ele. Mas olhando por outro lado... todo mundo já morou com os pais, então é meio que normal. De qualquer forma, essa não é a coisa mais desesperadora acontecendo no momento — ela suspirou, abaixando a cabeça.
Eu a encarei.
— . Me conte.
Ela permaneceu calada, mas logo depois soltou:
— Estou grávida.
Qual a reação normal de uma melhor amiga àquela frase?
Não sei.
Mas com certeza não é a minha.
Eu ri. E não uma risadinha, eu ri com vontade.
— Ah, qual é, . Não é a primeira vez que isso acontece. Só porque sua menstruação está atrasada cinco minutos ou você sentiu enjoo com cheiro do sanduíche de atum, atum sempre deixa você enjoada...
— Não, . — as lágrimas começaram a rolar pelas suas bochechas, grossas. — Dessa vez os sintomas... são de verdade. Estou duas semanas atrasada e mal consigo manter algo no estômago. Não menti quando liguei para o Times para dizer que estava doente.
Fiquei arrepiada quando a ficha caiu.
— Mesmo? — sussurrei. Ela mexeu a cabeça — Você fez o teste? Precisa fazer pelo menos três para ter certeza...
— Não fiz. Porque sou uma covarde. — respondeu ela. — Estou com medo de ver o sinal de positivo. O que é um filho, senão metade de mim e metade a pessoa que eu amo? Mesmo se decidir ser um pai presente, sempre que eu olhar para o bebê, vou lembrar do que eu poderia ter tido e... e eu estraguei tudo... — ela ficou pálida e sem ar e parou de falar.
— — eu coloquei as mãos na costa dela — Se acalme. Sem ataques de ansiedade e pânico por antecedência. Agora é hora de sabermos se eu vou ter ou não que sustentar mais uma pessoa, porque se esses testes derem positivo, você vai morar comigo gostando ou não.
Ela me encarou e, lentamente, enxugou o rosto.
— O quê? — ela soou assustada, surpresa e alegre ao mesmo tempo.
Fiquei de pé e estendi a mão par ela.
— Estou contigo sempre — a assegurei.
Às vezes, de formas estranhas, amizades podem ser mais intensas do que um relacionamento amoroso. E não era a primeira vez que eu sentia aquilo.
Eu não sabia se ele estava em casa, então bati na porta três vezes. Poucos segundos depois, ouvi o barulho das chaves destrancando do lado de dentro.
— Ei, não estava esperando que você aparecesse — disse, mas ele disse isso de um jeito feliz. Quando entrei, ele foi para trás de mim e tirou meu casaco, e estar em um apartamento aquecido depois de andar pelas ruas frias de Manhattan era um alívio.
— Precisamos conversar — falei, sentando no sofá. Ele franziu a testa e me acompanhou.
— Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu, sim — eu fui direta — me chamou para sair. Ela me contou algumas coisas. Uma delas foi que estava grávida.
engasgou e arregalou os olhos .
— Como é? Ela está...?
— Na verdade, não — contei e percebi que meus ombros doíam de tão tensos. Eles não eram a única coisa que doía. — Tinha sintomas, mas todos os testes deram negativo. Acabamos concordando que provavelmente era tudo psicológico.
Ele soltou a respiração que eu nem percebi que ele estava prendendo.
— Mas isso ter acontecido me fez pensar em certos fatos. Não foi assim que ela imaginou, claro, mas sempre quis ser mãe. E você sempre quis ser pai, casar. Formar família... esse é o plano de vocês. Nunca fez parte do meu, e todos sabemos que nunca fará.
piscou, como se tentasse acompanhar o que eu estava dizendo.
— E daí? — ficou óbvio que ele não havia entendido, o que foi péssimo para mim. Queria poder resumir tudo daquela maneira e que ele entendesse, porque explicar mais era como girar uma faca que já estava cravada no meu peito.
— Você não vê? — gemi — Isso que nós estamos fazendo... o que estamos fazendo? Estamos apenas desperdiçando o tempo um do outro. Quer dizer, o meu não, porque eu não vou chegar a lugar nenhum. Mas você? De certa forma você está preso a mim, com essas regras idiotas e tudo o mais que nos... que nos conecta, enquanto o amor da sua vida e mãe dos seus filhos pode estar lá fora.
Me senti fraca. Era horrível a sensação, mas eu até sentia nojo de mim mesma por estar fazendo aquilo com ele.
— Enquanto fazia os testes, eu não conseguia parar de pensar nisso. E no quanto eu estava quase sufocando com a culpa ali mesmo porque... você não merece o que estou fazendo com você. E eu com certeza não mereço ter um amigo como você.
— — ele soltou uma risada meio que de desespero e segurou minhas mãos — Eu acredito no destino. Pode me chamar de idiota, mas eu acredito que toda a história das nossas vidas já está pronta. Se o amor da minha vida e mãe dos meus filhos está lá fora e eu ainda não a encontrei, é porque o momento ainda não chegou. Não podemos mudar o destino, mas... nossas escolhas podem alterar os detalhes.
Eu inspirei com força. Parecia que meus pulmões estavam congelando lentamente.
— Eu escolhi você — ele falou — e, sinceramente, não acho que isso vá mudar alguma coisa. É claro que vai. Já mudou. Por esses e outros motivos, eu tinha vontade de socar bem na cara.
— Isso não é certo — eu disparei rapidamente — Você realmente se sentiria confortável em estar sentado à mesa para jantar com sua esposa, filhos e a tia , com quem você teve uma amizade colorida?
Ele deu um meio sorriso, como se eu estivesse fazendo alguma piada.
— Você nunca se importou em fazer o que é certo, . E se eu soubesse que isso é o errado... — ele deslizou o polegar desde a minha têmpora até meu lábio inferior — Love, eu nunca teria me importado também.
— Posso fazer uma pergunta? — eu soltei antes que ele me beijasse. Digo antes porque todo o clima ali indicava que era isso que ia acontecer. Talvez por eu ser tão inconveniente, ele riu e fez que sim com a cabeça. — Porque você me chama assim? Eu nem me lembro quando começou, mas... eu nunca perguntei.
Ele segurou o meu queixo e encostou o nariz no meu.
— É óbvio. Porque eu amo você — respondeu simplesmente — Como você é idiota às vezes.
Eu o puxei para mais perto ainda pela gola da camiseta e o beijei até que eu me sentisse, de alguma forma, inteira. Melhor. Sem as dores e as culpas e o peso na consciência. Tudo isso foi se esvaindo conforme ele me tocava. Ali mesmo, no sofá, nos encaixávamos um no outro, tirando as roupas um do outro – isso foi meio complicado, chegou até a ser engraçado. Encolhi a perna e ele deslizou a mão por toda ela até tirar o meu sapato, depois o outro, sorrindo contra a minha boca enquanto fazia aquilo.
Certo ou errado, eu não sabia definir. Mas nunca imaginei que gostaria tanto de permanecer em dúvida.
Deixei o roupão no cabide ao lado da porta do um quarto e vesti um baby-doll simples, de cetim preto e renda. O quarto estava quentinho e eu também, depois de um banho com água morna que foi excelente para me fazer relaxar depois de tudo que aconteceu naquele dia. Àquela hora da noite foi quando senti uma pontinha de culpa por ter fechado o escritório logo após o horário do almoço, mas, convenhamos, eu tive o pressentimento de que aquele não seria um dia muito agitado. Também fiz uma boa ação, porque Dorilyn ficou felicíssima pelo dia de folga. Sem contar o tempo que passei com Rosie e... bem, também há o ocorrido no sofá de Nathan.
E no chão. E na cama.
Se eu fechasse os olhos, minha imaginação sexy era bem realista para reproduzir o que havia acontecido, não só na minha mente, mas o suficiente para deixar meu corpo febril. Seus lábios na minha clavícula, suas mãos em lugares que eu nem sabia que eram sensíveis, mas ele sim...
É. Não me arrependia de nada.
Por alguma razão havia uma garrafa de vinho e uma taça sobre o meu criado-mudo. Pensando bem, até que fazia sentido: não havia nada melhor para ajudar a dormir, principalmente no inverno, então me servi com um pouco e subi na cama. Pelo barulho de patinhas correndo atrás de mim, soube que fui seguida.
— Ah, você quer subir na cama, mocinha? — perguntei para Baleia, que ficou de pé nas patas traseiras. Mesmo que ela fosse pequena demais para conseguir subir sozinha, eu sabia que ela fazia aquilo para chamar minha atenção — Tudo bem — deixei a taça de volta no lugar e peguei a cadela no colo — Mas só porque você está limpinha.
Baleia se encaixou na minha barriga e eu permaneci sentada, encarando a televisão. Não prestei atenção no que estava passando, porque me distraí com o turbilhão de pensamentos que surgiram na minha cabeça de repente.
— Eu não deveria estar aqui — murmurei — Devia?
A cadela, felizmente, não respondeu, até porque isso teria sido macabro e eu nem estava bêbada.
Além do mais, eu já sabia a resposta.
Em poucos minutos eu estava vestida e pronta para sair. Corri escadas abaixo para a rua e balancei a mão desesperadamente para os táxis. Talvez eu estivesse com pressa porque havia demorado tanto para pensar em fazer aquilo. Era o meu dever.
Quando um dos carros amarelos finalmente parou para mim, eu lhe disse para me levar até o endereço de . E quando cheguei ao seu apartamento, pela primeira vez encontrei a porta trancada.
Sério.
Eu não bati na porta. Eu a espanquei. De propósito.
— A chave está debaixo do tapete, porra! — ele gritou. Afastei com o pé o tapete encardido de boas-vindas e encontrei a chave de cobre brilhando no chão.
— Então quer dizer que se alguém viesse roubar tudo e te matar depois, você simplesmente deixaria entr... — eu parei de falar.
— Ah, — ele falou, desanimado — Preferia que fosse o ladrão.
— O que. Aconteceu. Com você? PELO AMOR DE DEUS — berrei, histérica. Não sabia o que estava pior: ele ou o seu apartamento. Mas não foi por isso que gritei.
Foi porque um rato pelado me atacou.
— SOCORRO! Tira esse rato pelado de cima de mim, !
Isso o magoou o suficiente para que ele tirasse a cara do sofá e olhasse para mim.
— Olha quem fala! Sua cadela parece uma bola de sujeira!
Somente quando a histeria passou notei que o rato pelado na verdade era um pinscher marrom, minúsculo e magricela, que estava farejando a minha calça, sentindo o cheiro da Baleia.
— Você... você tem um cachorro? — eu estreitei os olhos. — Desde quando?
— Quando eu saí da casa dos Elliot, passei na frente de uma clínica veterinária — ele explicou.
— Sua aquisição de Black Friday foi um cachorro?
— Ele não é uma aquisição de Black Friday — grunhiu na defensiva — O nome dele é Yoda, e eu pensei que talvez precisasse de alguém novo para dar amor, já que a pessoa com quem eu estava fazendo isso chegou à conclusão que aquele filho da puta engomadinho merecia mais do que eu.
Decidi ignorá-lo completamente para me concentrar no caos daquele lugar. Havia pelo menos uma dúzia de latas de cerveja vazias espalhadas pelo chão, uma caixa de pizza com alguns pedaços sobrando e jornal em um canto da sala, que deveria ser para o cachorro e graças aos céus estava intacto. Mas o cheiro estava horrível. Tudo ali estava uma zona. Principalmente .
— Acho que você já pode me responder o que aconteceu com você — eu fechei a porta atrás de mim e me aproximei dele, tomando cuidado ao desviar dos obstáculos como se estivesse em um campo minado. estava usando apenas uma bermuda velha – pelo menos ele não tinha se esquecido do aquecedor como se esquecera de todas as suas outras coisas. Suas olheiras estavam escuras e ele estava... hum... — Olhe, querido, sinto lhe informar, mas você não fica bem de barba — diferente de , acrescentei mentalmente — Fica parecendo um mendigo. E não aqueles mendigos do bem, mas aqueles que fumam crack e assaltam idosos.
olhou para mim.
— Não acredito que você acabou de me chamar de mendigo do mal.
— Desculpe, mas é a verdade. Você está horrível e fedido. Tem ido trabalhar? Não, espera, é claro que não. Você estava com a cara afundada nesse travesseiro em que eu estou sentada durante esses dias todos.
Ele franziu o nariz.
— Me lembre de não afundar a cara nele de novo.
Dei um tapa no ombro dele.
— Me responde, cacete! Me diga o que está acontecendo!
esfregou a área que eu nocauteei, de cara feia, mas falou:
— Eu estou doente.
— Ah, pelo amor de Deus — eu reclamei — Vocês dois... ugh, vocês são perfeitos um para o outro! Até no drama são parecidos!
— Drama? — ele rosnou — Você não faz ideia...
— Do quê? — eu rosnei de volta, sem me deixar intimidar por ele — Você acha que eu caio nessa de que o seu mundo acabou e você vai ficar aqui, esperando até apodrecer? E antes que eu continue com o sermão, você só esteve limpando o jornal do cachorro ou o quê? — não vou mentir, aquilo me deixou intrigada.
— A vizinha da frente faz isso. Ela meio que tem uma queda por mim e ficou com pena do Yoda, por isso deixei a chave debaixo do tapete — ele falou normalmente, e logo em seguida voltou a falar com raiva: — Você não tem o direito de achar que pode vir aqui e pisar em mim, , quando eu já estou mal...
— Se tem uma coisa que eu tenho direito — comecei a falar mais alto do que ele, feito uma louca, e não duvidava nada que os vizinhos estivessem nos ouvindo e imaginando uma briga — essa coisa é de vir aqui e pisar em você se isso for o necessário para você se recompor e virar homem. Eu me recuso a acreditar que você seja tão egoísta a ponto de só pensar em você esse tempo todo, quando a primeira pessoa em quem você deveria ter pensado é a .
Ele deu uma risada de escárnio.
— Eu não tenho tempo para bancar o herói e correr de novo atrás dela quando ela insiste em ficar com ele.
— Em vez disso, talvez você devesse correr de novo atrás dela porque ela escolheu você, seu babaca — eu vociferei.
abriu a boca para continuar revidando, mas nada saiu dessa vez. E mesmo que eu não estivesse me vendo, podia apostar que a minha expressão era de vitória.
— O que você quer dizer? — ele murmurou, sem querer deixar transparecer a esperança em sua voz. Pena que eu o conhecia melhor do que ele podia imaginar.
— só foi atrás de Aaron para terminar formalmente com ele. Você não pode negar que ele merecia pelo menos isso.
— Aquele escroto não merecia nada... — ele encheu o peito com raiva, mas eu só o olhei com censura.
— .
— Tá — ele bufou e ficou quieto.
— E o que eu quero dizer, é que achou que voltaria e encontraria você lá e que vocês poderiam, finalmente, ter uma vida juntos. Uma vida digna. Ela também achou que você atenderia a primeira ligação dela, ou a segunda, ou a décima. Ela achou, e eu também, que você não seria tão criança a ponto de fazê-la se sentir pior do que deveria.
Posso dizer que o atingi no ponto certo. Ele baixou os olhos e engoliu em seco, o orgulho ferido.
— Bem...
Depois de segundos em silêncio, eu arqueei as sobrancelhas.
— Bem? — questionei.
— O que você sugere que eu faça? Que eu vá agora mesmo atrás dela? Que eu diga que a perdoo ou que eu peça perdão? Que eu aja normalmente ou me atire aos pés dela...
— Quem falou algo sobre agora, querido? — perguntei — Para compensar a merda que você fez, precisa ser algo espetacular. E, por favor, vamos limpar esse apartamento antes de qualquer coisa.