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Capítulo 17 - Rumor Has It - Parte I
Um fato pouco conhecido sobre mim: eu adoro palavras cruzadas.
Nem sei quando isso começou, mas há algumas imagens borradas na minha memória de quando eu era criança e minha mãe trazia para mim revistinhas e páginas de jornal com o jogo e eu resolvia as perguntas enquanto ela corrigia provas e trabalhos. De certa forma, era quase a mesma coisa que estava acontecendo ali na sala de estar de – eu adivinhando as respostas no seu sofá enquanto ele se debruçava sobre sua mesa de trabalho com muitos papéis e calculadoras.
— Universo matemático. Começa com H e tem nove letras. — falei — Não pode ser hipotenusa. O que sugere, nerd?
Ele pensou por cerca de dois segundos.
— Hipérbole.
— Mas é claro — eu murmurei, rabiscando a resposta certa.
O motivo para eu ter aparecido na porta de há uma hora era que Baleia estava com saudades dele (era verdade, e ela estava perfeitamente comportada deitada no colo dele enquanto ele trabalhava, diferente da cadela que tentaria arrancar meu braço se eu tentasse fazer algo perto dela além de lhe dar carinho). Bem, não era só isso. Eu também estava com saudades, e percebi que morar com alguém, mesmo que por um curto período de tempo, pode mudar completamente a sua cabeça. Mesmo que nós sempre saíssemos e ainda fizéssemos… hum, outras coisas, eram as coisas simples que me faziam falta. Como compartilhar espaço naquela sala de estar, mesmo que eu não estivesse falando nada, pois ele precisava que eu fosse “uma boa garota e não o atrapalhasse no seu dever de casa”.
A campainha soou, e Baleia correu na direção dela, latindo loucamente como se não tivesse apenas 30 centímetros. Nós nos entreolhamos.
— Eu atendo — falei, e me deu um sorriso agradecido. Quando girei a chave e abri, não me surpreendi ao encontrar e .
— Viu? Eu disse que ela estaria aqui. — ela falou, logo antes de se abaixar para pegar Baleia no colo.
— Não tem casa, não, ? — perguntou, e eu apenas revirei os olhos para ele.
— Vocês vieram me procurar no apartamento de ? Por quê? — eu quis saber.
— Eu estava prestes a fazer a mesma excelente pergunta — o próprio comentou.
— Olá, irmãozinho. Como você está? — perguntou para o irmão, e ele mal havia aberto a boca quando ela se virou para mim — Tenho algo para contar para você.
soltou um resmungo.
— Uh, se irrita o , estou ansiosa para saber o que é. — afirmei.
— Acho que você vai querer estar sentada para ouvir o que tenho pra falar — disse, e nós duas ocupamos o sofá. — Bem, eu já me livrei de quase tudo do casamento.
Encarei-a, claramente desanimada com a sua empolgação sem motivo aparente.
— Eba? — eu perguntei, sem ter certeza de como ela queria que eu reagisse.
— Ainda não terminei, boba — ela riu — Você deve saber que a família de Aaron contribuiu, a minha contribuiu, mas foi óbvio que ele gastou bem mais dinheiro do que eu.
— Sim, querida, eu estava acompanhando tudo. — relembrei-a.
— Mas, para que eu não me sentisse uma inútil total, resolvi pagar a nossa lua de mel. Lembra-se disso?
Agora sim. Estiquei a coluna lentamente, como um gato atento. sabia como prender minha atenção.
— Estou ouvindo.
— Então… — ela tinha um sorriso travesso no rosto — Pensei que seria um grande desperdício se livrar de uma viagem para a República Dominicana, de um lindo resort e um dos melhores fins de semana da minha vida. Decidi ficar com a viagem. E quero que você vá comigo.
Eu dei um grito tão alto que acho que o prédio inteiro conseguiu ouvir. ria enquanto eu a esmagava com meu abraço.
— Eu não acredito! — falei, sendo interrompida por um ranzinza logo depois:
— Nem eu!
— Quero dizer… é o Caribe! Nós vamos para o Caribe! E você escolheu me levar? — coloquei as mãos sobre o coração, com a minha melhor cara de emocionada para provocar .
— Agora você só está sendo idiota — ele falou.
— Você passou por muita coisa esse ano e tem dado duro no trabalho nesses últimos dias. Você merece férias. Além disso, é minha melhor amiga e esteve comigo em tantos momentos, eu acho que essa viagem pode entrar para a lista deles. — disse.
Dessa vez, sem o drama encenado, eu realmente quase chorei.
— Por que você tinha que ser tão adorável? — eu perguntei a ela.
— Será que ninguém nesse cômodo é sensato? É óbvio que ela deveria ir com o namorado. — ainda protestou.
— Aqui para você, namorado — mostrei a minha longa unha pintada de vermelho do dedo do meio para ele — E quando nós vamos? — voltei a olhar para .
— Esta quinta, no início da noite. Voltamos no domingo pela manhã. O que acha? Você só vai precisar fechar o escritório por um dia.
— Acho perfeito — ergui as mãos para o alto — Minha nossa, minha ficha ainda não caiu!
pigarreou. Ele estava tão silencioso que só então nós três relembramos da existência dele.
— Talvez a sua ficha caia quando você lembrar-se de um certo detalhe — ele falou, gesticulando com a cabeça na direção de Baleia, que estava no chão ao lado dele.
Fiz a minha cara de você não negaria nada que eu pedisse.
— Querido. Você pode, por favor, cuidar dela por mim? Você é praticamente o padrasto dela. — falei.
achou graça.
— Ah, é claro, porque definitivamente há um pai e eu só sou o substituto.
Minha cara mudou para a cara de tédio.
— Tá, você pode ser o pai dela. Feliz agora?
Ele pareceu extremamente satisfeito.
— Finalmente tenho uma filha. Talvez devesse procurar meus direitos de guarda compartilhada.
— Eu não acredito nisso — disse — Ela ganha a viagem e você concorda em limpar merda de cachorro?
— E nada disso vai ser pior do que aguentar você com saudades de mim — sorriu para ele, e ficou vermelho. — Irmãozinho, você é um herói.
— Ei — ele contestou — Eu posso ser babá de um animal, mas de dois já é pedir muito. Preciso de pagamento.
— Ok, eu definitivamente preciso de amigos novos — resmungou.
Com as festas se aproximando, eu tinha vários projetos e obras para entregar. Dentro do táxi a caminho de casa, eu sabia que no mínimo meu atrasado deixaria … à beira de um ataque.
— Eu sei o que você vai dizer — comecei, logo que saí do táxi e a encontrei encostada no carro de na frente do meu prédio — Mas eu preciso de um banho. Vai ser bem rápido.
Ela me fulminou com aqueles grandes olhos e encarou o relógio.
— Você tem dez minutos e eu já estou contando.
— Ei, eu disse rápido, não sou o Flash! — protestei, mas decidi não contestar mais antes que ela começasse a gritar.
Eu realmente me esforcei para ser rápida, tomando uma chuveirada fria para evitar que eu dormisse debaixo da água quente. Enrolei meu cabelo molhado em uma toalha e usei outra para me cobrir, e quando saí do banheiro quase tive um infarto ao ver encostado na parede do meu quarto.
— Pelo amor de Deus, você realmente quer me matar de susto? — eu quis saber.
— me mandou aqui para apressá-la. — ele respondeu.
— Aposto que foi um sacrifício enorme pra você, seu tarado — falei, e ele riu — Mas você vai me ajudar com as malas.
— Malas? No plural? — franziu a testa, e eu gesticulei na direção das duas malas de pé ao lado da minha cama — , você vai passar três dias fora.
Eu tirei minha calcinha, sutiã e a primeira calça e suéter que apareceram no meu guarda-roupa.
— Nunca se sabe quando você vai precisar trocar de roupa. — respondi.
— Ou tirá-la — ele ponderou.
— Muito bem observado — dei risada — Eu sei que você já me viu nua mais vezes do que eu posso contar, mas você se importaria em olhar para o outro lado enquanto eu me troco?
ergueu as sobrancelhas.
— Você está falando sério? Você já me viu nu mais vezes do que eu posso contar.
— Mas nós dois estávamos sem roupa ao mesmo tempo. Agora você está vestido, o que é meio intimidante — observei. Ele revirou os olhos e virou de costas. — Obrigada — agradeci, e tentei colocar meu sutiã. A velha conspiração do universo de que as coisas mais simples podem dar erradas quando você está com pressa atacou. — Pode ignorar o que eu acabei de dizer e me ajudar com o fecho do meu sutiã?
— Eu sinto que estou fazendo sacrifícios demais hoje, você está em dívida comigo, mocinha — ele ironizou e eu ri, virando de costas e segurando o cabelo para cima. Seus dedos frios encostaram-se à minha pele ainda mais fria e eu me virei novamente quando ele cumpriu a missão.
— Em breve quitamos as dívidas — falei, e me vi presa entre seus braços.
É claro que nos beijamos.
É claro que não podia ser o melhor cara do mundo em escolher as piores horas.
É claro que, quando nós já estávamos na cama e com uma rapidez desesperada eu havia começado a tirar sua jaqueta, afundou a mão na buzina e provavelmente todo aquele lado de Manhattan pode ouvi-la.
— Talvez não tenha sido uma boa ideia — disse.
— Jura? — eu o empurrei de cima de mim, e ele despencou do outro lado da cama, rindo — Não tem graça ter que lidar com a fúria da sua irmã. Eu vou dizer que a culpa foi sua. — grunhi, pegando minhas roupas.
— Ei, eu sou um adulto. Posso assumir responsabilidade pelos meus atos.
— Ótimo, então você diz a ela — falei, abotoando a calça e vestindo o suéter de qualquer jeito — Agora eu só preciso encontrar minhas botas e o sobretudo. — e então, como um choque, a dura realidade me atingiu: — Eu esqueci de me maquiar!
— Você é linda — falou — E provavelmente louca por querer levar sobretudo e botas para a América Central.
Eu suspirei.
— Mas está frio aq… — e decidi eu mesma parar de falar e apenas pegar os sapatos e descer.
estava andando em círculos quando chegamos à rua.
— Cristo! Por que demoraram tanto? — ela berrou.
Olhei para . Ele não olhou para mim.
— Foi culpa dele! — disse, impulsivamente, e apontei para . de repente pareceu interessada em prolongar aquela conversa, esquecendo que estava apressada.
— Eu disse que ela deveria trocar de roupa, pois estava horrorosa — explicou. Fiz uma careta para ele e entramos no carro.
Só percebi no banco do passageiro quando veio atrás de mim.
— Merda, você por aqui? — eu falei, brincando.
— Não fico muito feliz quando tenho que ver você, também — ele rebateu.
— Eu ainda não sei porque eu tenho que estar aqui — disse , ligando o carro.
— Para que depois vocês dois possam encher a cara e sofrer juntos com a ausência das mulheres de suas vidas — explicou, e eu vi corar pelo retrovisor — Nós precisamos estar no JFK em no máximo quarenta minutos — ela disse, aflita, olhando pela janela — Pode ir mais rápido?
O irmão dela soltou um longo suspiro forçado.
— Querida, existem muitos momentos além desse em que eu gostaria de ter controle sobre o trânsito de Nova York, mas você já deve ter percebido que eu não tenho esse poder.
Isso só a deixou ainda mais perturbada.
Normalmente eu não acredito em destino, mas aquela era a única resposta para termos conseguido chegar a tempo no aeroporto. Quando estacionamos, imediatamente saiu correndo e foi para trás abrir o porta-malas. Eu a segui e, notando que os dois bonitões não haviam saído do carro, inclinei-me para olhá-los pela janela.
— Hum, com licença, estão esperando por um tapete vermelho? — perguntei.
— Só estava dizendo para que eu aguentei isso durante toda a infância e adolescência — disse, com os resmungos e grunhidos de ao fundo — e agora ele terá que aguentar pelo resto da vida. Eu disse que ele deveria pensar bem sobre isso.
fez uma cara azeda.
— Acho que você tem outros deveres mais importantes no momento do que tentar destruir o relacionamento da sua irmã — comentei.
— , pegue suas malas, nós precisamos correr! — uma desesperada gritou.
— Ah, tchau para você também — murmurou, e ela deu um beijo que foi demorado até demais para quem estava me mandando correr. me entregou minhas malas, e ela deu um beijo em cada lado do rosto do irmão e um tapinha em seu ombro.
Observei a cena com os braços cruzados e um sorrisinho. se aproximou de mim.
— Sabe, — disse ele, casualmente — você nem quer ir nessa viagem tanto assim.
— Até parece — respondi, e ele me deu um daqueles abraços em que era tentador ficar com a cabeça escondida em seu pescoço e o corpo preso entre seus braços para sempre.
— Tome cuidado.
— Sempre. Você também. — eu disse a ele. Depois, fui até . — Tente não ficar muito depressivo nesses dias.
— Tente não derrubar o avião. Haverá uma pessoa importante para mim dentro dele. — disse ele, e nós nos abraçamos — Se cuida, .
e eu empurramos nossos carrinhos para dentro do JFK.
— Está com tudo aí? — ela quis saber — Carteira?
— Confere. — assenti.
— Passagens?
— Confere.
— Passaporte?
Eu parei de andar e fiquei imóvel como uma estátua no meio do aeroporto. ficou pálida e os olhos dela começaram a se arregalar tanto que achei que eles fossem sair do seu rosto, então soltei:
— Qual é, eu só estou te zoando. — sorri. Ela me bateu com a bagagem de mão. — Ai, caramba, foi só uma brincadeira!
Nós despachamos nossas malas sem problemas, mas ainda precisávamos nos apressar. Mais uma vez, eu quase estraguei tudo.
Eu surto completamente em duty frees.
— ! Que porra você acha que está fazendo? — disse, alto demais para o seu próprio bem e para os velhinhos que fizeram cara feia para ela.
— Mas é Chanel! E está em promoção! E sem impostos! — eu implorei, enquanto ela me puxava pelo braço como se nós fôssemos mãe e uma filha de 5 anos querendo um brinquedo.
— Se você não quiser me ver quebrar esses perfumes agora mesmo, nós temos um voo para pegar. — ela me ameaçou.
Aquela foi uma das decisões mais difíceis que tive que fazer, mas voltamos a correr para o nosso portão.
— Correr de saltos é horrível — grunhi.
— Eles já estão fechando! — vociferou, e nós aumentamos a velocidade. Quando apresentamos nossos tickets, achei que eu estava tendo uma crise de asma. E eu nem tenho asma.
O avião já estava cheio, o que tornou ainda mais desagradável do que o normal tomar nossos assentos.
— Eu odeio American Airlines — resmunguei. Não vi que havia uma aeromoça atrás de mim. Ela me olhou feio.
— Honestamente, não sei por que ainda a levo aos lugares — suspirou, e nós finalmente conseguimos nos apertar nas poltronas. Ela começou a tirar da bolsa cartelas de pílulas — Me acorde quando chegarmos lá.
Eu olhei para ela e ri.
— O quê? Você está com medo? — perguntei. Ela não respondeu, o que praticamente foi uma resposta — São três horas e meia de viagem. Você viaja desde sempre, e o tempo todo!
— E de alguma forma, isso não fez cada viagem ser menos assustadora até agora — ela fez um muxoxo — Mas deixe que eu durma e não vou contar para ninguém que você vai ouvir o álbum natalino do Justin Bieber.
Senti meu rosto esquentar.
— Eu não vou ouvir o álbum natalino do Justin Bieber — falei, em um tom de voz monótono.
— Eu não estou te julgando — ela disse, colocando a pílula na boca e tirando o tapa-olhos da bolsa em seguida.
As horas pareceram passar bem rápido com a minha playlist natalina com vários artistas, mesmo que não tenha sido o voo menos turbulento da minha vida. ainda estava sonolenta e mais feliz do que o normal quando aterrissamos em Punta Cana, e isso me fez sentir grata pela existência dos remédios para dormir.
— Você está capacitada para falar? — indaguei — Por que você sabe como eu sou péssima com espanhol.
— Sim, eu não sou retardada — respondeu, e aquilo me fez achar que ela já tinha voltado ao seu estado normal. Retiramos nossas malas e começamos a explorar o lugar. A primeira coisa que estranhei foi o clima – eu nunca imaginei que poderia sentir um calor daqueles nessa época – mas também foi uma das várias coisas que me fascinaram de imediato.
— Agora, só precisamos achar o ônibus do resort. — ela disse.
— Eles vieram nos buscar? — falei, impressionada. Ela respondeu com um sorriso tão entusiasmado quanto o meu.
— Oh! Ali está! — ela apontou para um ônibus branco com flores e letras coloridas. Havia um senhor esperando do lado de fora, parecendo impaciente. — Hola! Nosotros venimos de América!
Naquele momento, me senti mais orgulhosa do que o normal de ter uma melhor amiga jornalista poliglota.
O senhor abriu um sorriso e concordou com a cabeça, se apressando para pegar nossas malas.
— Ah, não precis… — comecei, mas ele já havia as levado — Bem, gracias! — eu disse a ele, uma das únicas palavras que eu sabia em espanhol.
Nós entramos no ônibus, as únicas passageiras. conversava animadamente com o motorista e eu, leiga demais para me intrometer ou entender algo, decidi observar as partes da cidade que estavam no nosso percurso. Era diferente, simples, mas…
— Lindo — eu disse, baixinho, e sorriu para mim — Nunca vi nada parecido com esse lugar.
O ônibus começou a diminuir a velocidade, e ao chegarmos ao resort, eu só conseguia pensar em como aquele lugar deveria ser fabuloso pela manhã. Na verdade, mesmo à noite as luzes dos prédios mostravam a luxuosidade do lugar, as palmeiras ao redor das piscinas e só o cheiro da água do mar já era o suficiente para deixar qualquer lugar melhor.
Um rapaz vestido com o mesmo uniforme do nosso motorista, mas bem mais jovem do que ele, apareceu e pediu – eu acho – para levar nossas malas.
— Muchas gracias — falou, entregando-lhe uma nota de cinco dólares de gorjeta.
O cara recebeu a nota e olhou para ela como se estivesse prestes a chorar. Então, prontamente, levou nossas coisas.
— Uau, ele não parece uma versão dominicana do Idris Elba? — perguntei a ela.
achou graça.
— Só que 20 anos mais novo, não é?
Ergui as sobrancelhas.
— Melhor ainda.
Ela me deu um empurrão, rindo.
— Francamente, mulher!
Estava tocando música caribenha no hall de entrada, o que me fez esquecer por um segundo que eu realmente estava cansada e em breve minha cabeça seria afetada pelo jet lag. Segui até o balcão da recepção.
— Bienvenidas! — uma moça nos saudou.
— Deixe comigo — pediu.
Franzi a testa.
— Mas eu não ia dizer nada.
— Soy , de Nueva York — ela falou para a recepcionista.
— Ah! Sim, sim — a moça respondeu, com um sotaque tão forte que lembrei do Michel de Gilmore Girls. — Sejam bem-vindas, oh… — ela ergueu os olhos do computador para mim e para — sra. e sra. .
Demorei a entender, mas me deu um beliscão e sussurrou para mim:
— Eu esqueci de avisar que não queria mais o pacote da lua de mel! Acho que eles pensam que nós somos casadas!
Eu engasguei.
— Nos dê licença, por favor — ela pediu para a recepcionista e me arrastou pelo braço para um canto distante.
— Ai. Meu. Deus. — eu não contive a risada.
— E agora? — ela me perguntou — Vão nos colocar em um quarto com uma cama de casal! Você acha que eles vão cobrar taxa extra se eu pedir um quarto com duas camas? Será que há quartos disponíveis? Eu…
— . — eu estalei os dedos na frente do rosto dela, para impedir mais um possível surto naquele dia — Qual o estresse? Vamos continuar com a brincadeira. Nós podemos enganar eles e não vai ser tão ruim, nós dormíamos na mesma cama quando fazíamos festas do pijama.
— Acho que estamos meio velhas para festas do pijama — ela fez uma careta.
— Nós não estamos velhas para nada — rebati, irritada, mas logo voltei ao meu humor normal — Contanto, é claro, que você não ronque, não role e não me derrube no chão.
Ela considerou a ideia por um segundo.
— Tudo bem, mas vamos precisar de dois cobertores — ela concordou, e nós entrelaçamos o braço e voltamos para a recepção.
Eu pigarreei.
— Buenas noches — comecei, dramaticamente — Mi y minha… hum… como se diz “esposa” em espanhol?
— Apenas cale a boca — revirou os olhos — Podemos ir a nuestra habitación?
— Aquí están las llaves — a mulher disse, entregando as chaves à — Tenham uma boa noite! — ela finalizou, com o sotaque fofo.
— Tchau! — falei, e nós acenamos ao sair.
Quando abri a porta, eu comecei a rir tanto que minha barriga chegou a doer. ficou vermelha ao ver as pétalas de rosas formando um coração em cima da cama, mas essa não era a pior parte.
— Olhe as coisas em cima dessa cômoda! — eu apontei — Isso é… chocolate com pimenta. E isso… é uma calcinha comestível?
— O quê? — ela esganiçou, e eu dei espaço para que ela olhasse. abriu a primeira gaveta da cômoda e deu um grito, fechando-a com força — Céus, o cara de Cinquenta Tons de Cinza tem todas as coisas que estão aí dentro.
— Será que os hóspedes podem levar? — eu pensei, aparentemente alto demais.
Ela me olhou com uma cara de “estou julgando você” e jogou as pétalas no chão para sentar na cama.
— É estranho estar aqui — ela admitiu — Quero dizer, a minha lua de mel seria aqui. É como se eu estivesse vendo um spoiler.
Olhei para ela.
— Como assim?
— Eu só… — encolheu os ombros — Me sinto culpada. Um pouco. E nem é como nos meus relacionamentos anteriores, onde eles ficavam me atormentando. Aaron realmente desapareceu e eu nem sei se ele está mal ou sofrendo com o que perdeu…
— , querida. — eu pedi — Por favor, pare de falar. — ela pareceu magoada, então me apressei para continuar: — O que estou tentando dizer é que você não tem motivos para se preocupar se ele mesmo não quer fazer parte da sua vida. Cara, acho que essa é a primeira vez que concordo com algo que Aaron faz! — exclamei, e ela riu — Além do mais, você não tem que pensar no que deixou para trás e sim no futuro. Você ainda terá uma lua de mel, terá os aniversários dos seus filhos e tantas ocasiões boas para aproveitar! Por que você não pensa nisso como o início de todas as coisas boas e cheias de amor que você terá, e não nas ruins que você teria?
Ela me encarou. Eu deveria ter presumido que ela estava sensível e previsto que seus olhos iam encher de lágrimas.
— Você acha que eu vou casar e ter filhos? — ela perguntou baixinho.
Eu ri, balançando a cabeça, e sentei ao lado dela.
— Não é óbvio?
— Na verdade, não — ela confessou — Você sabe, odeia compromisso, odeia crianças…
— Isso é só o que ele quer que a gente pense. Afinal, ele se refere a si mesmo como “seu namorado” e adotou um cachorro porque estava triste. é o cara mais sentimental que nós conhecemos. — eu disse a ela, encostando minha cabeça em seu ombro.
fungou, enxugando as lágrimas com a costa da mão.
— Você está certa.
— Você já deveria ter se acostumado com eu ter razão para tudo — eu pisquei — Agora, se me dá licença, preciso colocar meu pijama. Vamos dormir, e amanhã veremos o sol nascer na praia!
Ela bufou.
— Eu não acredito que vou ter que acordar cedo nas férias.
Eu encarei o prato sobre a mesa na minha frente. Mesmo para alguém que gostava de comer tanto quanto eu, muitas vezes a visão do desconhecido pode ser… desanimadora.
— Eu não acredito que você vai me obrigar a comer — reclamei.
— Você me obrigou a acordar cedo, então será a cobaia — explicou por trás do seu panfleto turístico — A propósito, achei que você odiasse praias.
— É normal odiar praias da Califórnia ou Long Island, mas do Caribe? Isso é praticamente um pecado — disse eu.
Ela suspirou e balançou a cabeça.
— Enfim, segundo o que estou lendo, esse é um dos pratos mais famosos do país. Se chama Los Tres Golpes.
Eu ri.
— Pode repetir isso? Soa como nome de vilão de desenho animado latino.
— São ovos fritos, obviamente, com salami frito, mangú e queso frito.
— Queijo! — exclamei, animada — Foi a única coisa que entendi.
— Bem… — colocou o folheto na mesa e olhou para o meu prato com uma cara desconfiada — Vá em frente!
O salami parecia ser algum tipo de salsicha, o que era perfeitamente aceitável, e eu já estava mais do que acostumada em comer ovos e queijo. O que realmente estava me intrigando era o tal do mangú, aquela coisa amarela e pastosa como um purê com cebola e cheiro de azeite. Engoli em seco. Como as pessoas conseguiam comer aquilo no café da manhã?
Pensando bem, americanos comem bacon banhado em óleo e hambúrgueres. Deixa quieto.
Segurei meu garfo e tirei um pouco da coisa para levar à boca logo em seguida.
— É banana! — eu devo ter soado como o primeiro cara que disse eureca — É salgado e diferente, mas com certeza é feito de banana. E é muito gostoso.
colocou a mão sobre o peito, aliviada.
— Ótimo, porque estou faminta.
Também havia xícaras de café fumegantes sobre a mesa que nós ainda não havíamos nem tocado. O cheiro era maravilhoso, é claro, mas nós tínhamos certeza que aquele não deveria ser nem um pouco parecido com o café de casa. Parecia mais grosso, uma pura bomba de cafeína. Dessa vez, foi a primeira a provar.
Ela deu um gole e ficou parada por um instante, encarando o vazio.
— Eu sinto que acabei de descobrir como é a vida no paraíso.
Curiosa por aquela reação, eu mesma bebi um pouco.
— Ah, meu Deus — balbuciei — Eu vou começar agora mesmo uma teoria de conspiração de que os Estados Unidos estiveram escondendo por todo esse tempo o que é café de verdade.
Nós ficamos tão viciadas no café dominicano que quase esquecemos do Tres Golpes. Quando terminamos de comer, seguimos direto para a praia do complexo do resort.
— Eu não deveria ter comido tantas tostones — murmurou ao tirar o vestido e ficar apenas com o biquíni. A barriga dela continuava exatamente do mesmo jeito que antes.
— Quer parar? — falei — Seu corpo é ótimo, como sempre foi.
Ela pareceu emocionada.
— Sério? — perguntou. Eu assenti. — Então ainda posso tomar alguns mojitos.
Nós passamos protetor solar em nós mesmas e depois nas costas uma da outra. colocou os fones de ouvido e óculos escuros para ficar deitada na cadeira, e eu fiquei respondendo quizzes estúpidos na internet para esperar o sol me queimar até a solicitação de chamada no FaceTime aparecer na tela. Eu atendi.
— Ei, você não deveria estar trabalhando agora? — eu perguntei. riu.
— Só queria saber como vocês estão. Afinal, as duas estão estranhamente quietas desde ontem.
— Caramba, não podemos nem aproveitar nosso tempo longe de vocês? — eu suspirei, sarcástica.
— Ah, cale a boca — falou ele — O que está achando até agora?
— É tão diferente, e eu já comi coisas que nem sei como pronunciar. Você deveria ver o mar — eu cliquei na tela para que a câmera saísse do modo frontal e fosse para a de trás para que eu pudesse mostrar a ele que, depois da areia branquinha, o mar era uma mistura como uma paleta de tinta a óleo com vários tons de azul e verde misturados — Isso é uma praia de nudismo — brinquei, voltando a filmar meu rosto.
— Como você diria, nada que eu nunca tenha visto — ele deu de ombros, e eu soltei um riso nervoso ao olhar para o lado e me certificar de que não havia escutado.
Eu a filmei para mostrar para ele.
— Sorte a sua que a música está alta demais, ou ela dormiu. Seria constrangedor ter que explicar o que você acabou de dizer para ela.
— Constrangedor seria se isso fosse mesmo uma praia de nudismo, já que você está me obrigando a ver a minha irmã — comentou, e eu me lembrei de voltar o celular para mim — Ok, intervalo para o chá acabou, preciso voltar para a minha mesa. Aproveite, love.
— Claro que eu vou. Estar aqui é… é como se o Papai Noel tivesse trago meu presente mais cedo. Acho que fui uma boa menina esse ano.
— Eu posso garantir que não foi — ele piscou e desligou a chamada pouco antes de poder me ver corando.
— Quem era? — perguntou, e pela sua voz ela realmente tinha cochilado no sol. Eu tomei um susto.
— Hum, seu irmão — respondi.
Ela pareceu não ligar.
— Você pode me passar o óleo de bronzear? — pediu ela. Sem pensar, talvez por preguiça ou simplesmente por burrice, eu lhe entreguei minha bolsa para que ela procurasse.
Não me ocorreu que haviam coisas mais íntimas do que eu gostaria de admitir até que ela tirou o frasco de remédio lá de dentro e olhou para mim de uma forma que pessoas que acabaram de acordar não deveriam olhar.
— ?
Eu mordi o lábio.
— Eu?
— Por que você está tomando anticoncepcional? — ela estreitou os olhos.
Ah, merda. Ah, que burra era eu. Eu nunca imaginei que uma conversa com a minha melhor amiga poderia ser mais embaraçosa para mim do que a que eu tive com a minha mãe na adolescência.
— A minha ginecologista disse que eu deveria tomar para evitar… — não diga bebês, eu me relembrei — cólicas.
— Mas você não tem cólicas — ergueu as sobrancelhas — Quando você tem, você as resolve com pipoca e sorvete. — e então ela voltou a revirar as minhas coisas, mais rápido do que a minha reação para impedi-la. Ela empalideceu quando encontrou aquilo, e olhou para mim chocada. Eu também estava meio em choque, na verdade. — Tabelinha?
— Eu estava desregulada!
— Mentira! — estava de queixo caído — Você tem… um namorado!
— Ugh, não! Francamente, — eu arranquei a minha bolsa e as outras coisas da mão dela — Parece até que não me conhece.
— Então você está tendo um caso? Por que não me contou? Oh, céus, ; ele é casado? Porque se for, você não precisa ter vergonha de me contar, mas precisa saber que isso é errado…
— Eu nem acredito nos absurdos que estou ouvindo — reclamei, com raiva — Por acaso eu lhe contei todas as vezes e todos os caras com quem eu dormi?
Ela pareceu se acalmar um pouco.
— Não, mas…
— Então, assunto encerrado — eu disse, sem olhar nos olhos dela, estendendo o óleo bronzeador.
pegou. Ela ficou em silêncio por alguns segundos, e talvez fosse explodir se continuasse sem falar nada.
— Quem é o cara?
— Não é ninguém, não é nada demais, fique tranquila, não irei fazer nenhuma besteira — respondi monotonamente, dando mais atenção ao Instagram do que àquela conversa.
— Tudo bem você estar tomando pílulas, mas ele também usa proteção, não é? Porque você sabe os perigos…
Eu fechei os olhos e respirei fundo.
— . Você só precisa aceitar que, nessa área da minha vida, eu sou mais Samantha do que Carrie.
Ela concordou e voltou a se esticar na cadeira.
— Tem razão. Eu só achei que você não tinha ficado com mais ninguém ultimamente. Digo, pelo menos depois daquela vez com .
Tentei dar um riso debochado, mas o caroço na minha garganta fez com que ele soasse como realmente era: nervosismo e culpa.
Eu queria contar para ela, e como queria. Mas mesmo que o que estava rolando entre e eu não afetasse a minha amizade com ele, eu sabia que iria afetar a amizade de nós quatro como o relacionamento dela com fez. Mais do que nunca, eu me senti uma hipócrita. Mas eu precisava que estivesse comigo quando a verdade viesse à tona – ou isso, ou seria um segredo para sempre.
Quando o sol começou a se pôr e os ventos começaram a soprar mais forte, o resort ficou mais barulhento. Era hora do jantar, mas também era a hora que as pessoas de juntavam para dançar no salão central e a maioria delas estava bêbada. e eu fomos recebidas com taças de Piña Colada para iniciar a noite. Nós sentamos em uma das mesas afastadas, assistindo aos casais caribenhos enquanto bebíamos. Parecia meio triste e patético, mas era muito mais legal na prática.
— Ei, sobre hoje mais cedo… — começou, e eu me levantei — Espera! Só quero lhe pedir desculpas!
Eu sorri para ela.
— Eu sei disso. E eu lhe desculpo. Mas eu preciso de outra bebida. — expliquei.
— Oh, não. Você quer ficar loucona? — ela pareceu surpresa. Eu apenas olhei para ela, como se dissesse “o que você acha?” — Mas inda temos amanhã para aproveitar! — ela avisou.
Ergui os ombros.
— Aposto que vamos. Você pode me empurrar da cama se quiser. — eu propus.
Falei para que eu queria experimentar algo nativo, que eu nunca tivesse experimentado antes. Ela traduziu para espanhol para o barman e ele levou a tarefa muito a sério.
— Você vai estar com tanta ressaca amanhã que não vai conseguir ficar de pé — ela disse, enquanto eu estava levando o copo até a boca. Parei na metade do caminho e dei um sorrisinho provocador.
— , você quer que essa noite seja memorável? — perguntei, bastante séria.
Ela olhou para os lados antes de responder para mim, como se alguém estivesse nos observando:
— É claro! O que você tem em mente?
Gesticulei na direção do balcão do bar, onde a bebida dela ainda estava.
— Se você não pegar, eu pego. — falei. Foi o suficiente para convencê-la.
Depois do que pareceram minutos, mas poderiam ter sido horas, nós não conseguíamos parar de rir. E dançar. Eu não fazia ideia se estava me ouvindo e vice-versa por causa da altura da música, mas nós ríamos como duas idiotas mesmo assim.
— Você é tão engraçada! — ela gritou.
— Ah, obrigada, querida! — respondi. nunca ria das minhas piadas ou falava coisas assim.
— Eu só posso estar muito loucona para achar isso — ela gargalhou, e eu já não achei isso tão engraçado — A última vez que eu estive assim foi na faculdade! Você se lembra daquela festa no meu último ano? A diferença é que eu estava com um baseado na mão.
— O que não é muito difícil de conseguir por aqui também — falei, na mesma altura da música. — Quando você se tornou tão politicamente correta?
Ela ergueu o dedo onde anteriormente ficava o seu anel de noivado. Ergui os braços.
— Mas é claro, tudo faz sentido! — exclamei. É claro que ela deu risada.
Eu ia dizer algo, mas me interrompi. A música parou e os holofotes se acenderam sobre um homem em cima do palco, que anunciou algo em espanhol que deixou todos que estavam ao nosso redor histéricos. A única palavra que entendi foi karaokê.
— Usted! — ele disse, apontando na minha direção. Surpresa demais para regir, eu apenas olhei para trás para checar se… — La hermosa muchacha com vestido rojo!
— É você mesma, muchacha! — me chacoalhou.
— Sí, eres tú, gringa! — o homem insistiu.
Virei-me para minha amiga.
— Eu vou se você for.
Ela arregalou os olhos enquanto um coro de “Gringas! Gringas!” soava ao nosso redor. Antes que respondesse, eu agarrei sua mão e a puxei para o palco comigo, levando o público à loucura.
— Diga para ele colocar uma música que nós conhecemos! — eu sussurrei para . Quando ela se virou para fazer o pedido, a introdução de uma música que nós definitivamente conhecíamos estrondou nas caixas de som.
Toxic da Britney Spears.
Eu comecei a cantar, um pouco tímida, mesmo que estivesse meio bêbada. Foi somente quando começou a dançar a coreografia da Britney que eu percebi que nós deveríamos estar em um universo paralelo e que eu deveria aproveitar aquela oportunidade, pois provavelmente ela nunca mais se repetiria. Quando terminamos, homens subiram no palco e nos pegaram no colo. Eles nos levaram até embaixo, onde o público nos carregou como se fôssemos estrelas de rock. Aquela imagem foi a última coisa que ficou registrada na minha memória – onde ela permaneceria para sempre – antes de eu despencar, exausta, na cama.
Nosso último dia na ilha se resumiu em passeios pela cidade em algumas feiras de artesanato e pontos turísticos – e isso foi para o meu próprio bem, já que minha cabeça doía com zunidos, ruídos e barulhos irritantes. Ou qualquer barulho, em geral. parecia perfeitamente normal, e quando eu lhe perguntei como ela conseguia, sua resposta foi “anos de experiência”.
— O que vamos fazer hoje à noite? — perguntei para , que estava embrulhada em seu roupão, deitada na cama. — Aliás, você está bem? — era fato que eu estava com mais cor do que quando saí de Nova York pálida e com os lábios rachados, mas … eu não sabia como ela não estava ardendo em dor. Ou se transformando uma espécie de mutante humana-pimenta.
Na verdade, essa não era a única coisa diferente em , mas eu preferia manter a outra parte em segredo.
— Isso? — ela encarou as próprias mãos — Não é nada demais. E nós podemos ficar aqui dentro assistindo Black Mirror para ter pesadelos ou podemos ir ver o bingo dos velhinhos do resort, tomando Coca diet ou suco como boas garotas que irão pegar um avião amanhã bem cedo.
Eu me joguei na cama ao lado dela, resmungando.
— Como você conseguiu ir de interessante para entediante em 24 horas?
Ela usou o travesseiro para me bater.
— Eu não sou entediante! — protestou ela — Você viu o que me obrigou a fazer ontem!
— Sim, e mal posso esperar para contar para e — eu disse, maquiavélica. Ela me bateu outra vez, então peguei o meu travesseiro para me vingar. E foi assim que passamos a nossa última noite na ilha paradisíaca: guerra de travesseiros, seriados e refrigerantes. Melhores amigas podem ser para o resto da vida, mas por dentro permanecerão mais como adolescentes do que imaginam.
Ao desembarcarmos no JFK, deixei esperando a bagagem sozinha e fui à frente para poder assistir à cena pela qual eu estava tão ansiosa do melhor ângulo.
— Ei — disse ao me ver, mas percebendo que eu estava sozinha, fechou a cara — Onde está…
— Shh — falei, entregando uma das minhas malas para sem pedir licença — Só vai levar um segundo.
E não demorou muito, ela veio.
— Mas que porr… — sussurrou, e começou a rir em seguida.
esticou os braços para abraçar , e ele parecia atônito demais para falar algo de imediato.
Deixe-me explicar: enquanto passeávamos por Punta Cana, algumas mulheres começaram a nos chamar e, vendo que éramos estrangeiras, uma delas perguntou em inglês se não queríamos fazer trenzitas, trancinhas estilo rastafári. Bem, era óbvio que estava fascinada com o lugar, mas ela achou que fazer o cabelo seria apropriação da cultura alheia, mas também chegou à conclusão de que era daquilo que aquelas pessoas tiravam seu sustento, então ela faria e tiraria antes de voltar ao trabalho para evitar que seus colegas do Times dissessem algo rude sobre isso.
— Hum, acho que mandaram uma versão caribenha da minha namorada no lugar da original — disse.
— Péssimo — comentei com .
— O que quer dizer? — franziu a testa.
— Nada — ele afirmou, mas depois começou a titubear: — É só que… você… está…
— Agora você só está sendo maldoso — ela disse, irritada, e saiu batendo o pé pelo aeroporto.
fez o mais sensato: correu atrás dela.
— Então… nós viemos em carros separados — disse para mim — Você quer ir para a minha casa ou está muito cansada e…
— Bem, mas é claro — eu fiz um muxoxo — Minha cachorra está na sua casa, eu preciso pegá-la de volta.
Ele revirou os olhos e colocou o braço livre ao redor dos meus ombros para irmos.
— Estou lhe dizendo, agora ela sabe sentar, dar a pata e fingir de morta — ele me contou — Três dias comigo e Baleia está mais inteligente do que jamais foi com você.
Eu dei risada enquanto passava cuidadosamente o sabonete em meus ombros bronzeados. chacoalhou a cabeça enquanto tirava o xampu do cabelo, fazendo espuma voar na minha cara.
— Minha nossa! — eu esfreguei os olhos — Será que dá para você parar com isso?
Ele riu da minha cara e me puxou para um beijo debaixo do chuveiro.
Aquele foi um beijo gostoso, com a água morna entrando pelos nossos lábios entreabertos e o contraste que os nossos corpos tinham com ela enquanto se tocavam. Intencionalmente, eu acabei me afastando, o que quebrou o clima bruscamente.
— O que é? — ele perguntou, gentil, acariciando meu pescoço — Você está tensa.
— Estou — murmurei — É só um pressentimento. Não sei o que é, mas estou sentindo desde que o avião pousou.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— É bom ou ruim?
— Eu não sei! —falei, e desliguei o chuveiro depois — Mas você não acha que é angustiante saber que algo vai acontecer e não saber o que é?
— Você nem sabe se vai mesmo acontecer.
— Meus pressentimentos nunca estiveram errados — eu cruzei os braços — Equivocados, talvez, mas sempre foram verdadeiros.
preferiu não discutir e ligou o chuveiro outra vez. Assim que ele fez isso, a campainha tocou.
— Merda — reclamou ele.
— Relaxe, eu já terminei. Posso atender — falei, saindo do box e pegando minha toalha. Pelo menos eu achei que poderia atender depois que estivesse seca e arrumada, mas a pessoa insistiu em apertar a campainha tantas vezes que eu decidi correr.
Ao abrir a porta e ver que eram e , pensei se não deveríamos conhecer outras pessoas antes que enjoássemos das caras uns dos outros.
— Eu sabia. Sabia que você estava aqui. — ela apontou o dedo acusatoriamente para mim, quase me atropelando ao entrar.
— É bem óbvio, já que Baleia está aqui — eu acrescentei à linha de raciocínio dela, tentando entender o motivo da sua aparente agressividade.
— Cadê o ? — quis saber, impaciente.
— Tomando banho — respondi mecanicamente.
Ela fez a sua cara de “eu estive certa o tempo todo”.
— E é só uma coincidência o seu cabelo estar pingando desse jeito? — gesticulou na minha direção.
— Ok, estou aqui, o que está… — entrou na sala, mas parou de andar para observar e tentar entender o que estava acontecendo ali.
— Pensei que você iria mencionar o fato de a blusa dela estar do avesso também — disse, sentado no sofá. Céus, eu havia até me esquecido que ele também tinha vindo.
Fechei os olhos, praticamente prevendo o que estava por vir.
— Vocês estão namorando! — gritou, histérica.
se aproximou da irmã.
— Antes que eu diga qualquer coisa, só me respondam… — ele fez uma pausa — como?
— Digamos que a não tem cuidado de por onde deixa suas coisas — desdenhou, colocando as mãos para trás da cabeça para assistir ao seu showzinho.
— Isso não significa nada — falei para .
— Vocês acham mesmo que nós somos idiotas? Nós já desconfiávamos, só precisamos juntar o que nós dois sabíamos. — ela respondeu, sentando ao lado de — Você sabe o que mais me deixa irritada com isso? Você, , me acusou de ser a pior amiga do mundo quando descobriu sobre nós. Isso lhe dava o direito de fazer a mesma coisa? Ou melhor, de ser uma mentirosa e me dizer que havia sido só uma vez?
— Ela sabia sobre isso? — me perguntou.
— Espera, você sabia esse tempo todo e nunca me contou? — indagou.
Nós duas demos de ombros ao mesmo tempo.
— Querida, me ouça — eu fui até ela e segurei suas mãos — As situações são completamente diferentes! Vocês são algo sério, e você estava noiva na época… eu fiquei magoada por você não ter confiado em mim para me contar. Eu e ? Isso é só uma amizade colorida!
— E você não confiou em mim também! — ela rebateu, soltando nossas mãos.
deu alguns passos, coçando o queixo.
— Honestamente, faria alguma diferença se contássemos?
— Que vocês são duas pessoas solitárias que usam um ao outro para satisfazer suas necessidades físicas? — refletiu.
fez uma careta.
— Já que você colocou desse jeito… sim.
— Faria, pois eu não me sentiria como se estivesse sendo excluída da vida de vocês! — retrucou.
— “Das nossas vidas”? — debochou — Francamente, , eu já não estava levando você a sério com essas tranças, mas agora você só está sendo idiota. Nós não contamos porque, se nada mudou entre nós dois, por que deveria mudar com vocês? Achei que fôssemos todos adultos aqui para saber diferenciar o que é sério e o que não é.
Os dois pareceram não ter uma resposta. Até mesmo eu fiquei impressionada.
— Então realmente não é nada de mais? — perguntou, dessa vez com o tom de voz mais dócil.
— Exatamente como eu disse. Isso não significa absolutamente nada. — afirmei.
murmurou alguma coisa em concordância.
— Nesse caso — ela se levantou devagar — O que acham de irmos para o O’Neills? A primeira rodada é por minha conta.
Era só mais um dia comum no escritório até Dorilyn entrar espevitada pela minha sala.
— Srta. , srta. ! — falou ela, parecendo estar com falta de ar.
— Ei, acalme-se, está tudo bem — disse eu, gesticulando para ela respirar — Quer dizer, eu acho. Está tudo bem, não é?
— Sim — ela respondeu, ainda nervosa — Tem uma senhora lá fora que quer conversar com você, mas ela não tem hora marcada. Eu vim perguntar o que devo fazer, porque estou com medo de mandá-la ir embora. Ela veio de limusine!
— Há alguém para se atendido agora? — perguntei.
— Não.
Mordi a ponta da minha caneta.
— Ora, Dorilyn, você sabe a regra do Clube da . Nunca dispense alguém com limusine.
Ela riu e assentiu rapidamente, voltando para fora.
Eu recolhi os papeis de croquis que estavam espalhados pela minha mesa e tentei fazer o lugar parecer mais organizado, mas acabei sendo pega no ato quando a mulher abriu a minha porta.
Eu nunca baixava minha guarda e sabia que estava no meu território, mas até eu tinha noção de que aquela mulher exalava poder. Não pelo fato de ter vindo de limusine, não pelo seu casaco púrpura que ia até o chão, mas era algo em seu semblante que me fazia ter certeza de que eu estava na frente de alguém muito importante.
— Boa tarde. Eu sou . — me apresentei.
— Eu sei quem você é. Sou Claude Delacroix — disse ela com um sorriso. Seu sotaque combinava com o nome.
— Por favor, sra. Delacroix, fique à vontade — eu pedi.
Claude Delacroix sentou em uma das duas cadeiras que ficavam de frente para mim. Observei a expressão dela. Ela parecia estar julgando o lugar e, ao mesmo tempo, mostrava que estava gostando.
— Então, srta. . Qual é o seu segredo? — a mulher perguntou.
— Perdão? — obviamente aquela não era uma pergunta comum.
Pelo jeito dela, parecia que eu sabia do que ela estava falando e nós estávamos só brincando.
— O seu segredo. Surgir do nada e se tornar um fenômeno em tão pouco tempo.
Pigarreei. Não sabia se estava lisonjeada ou constrangida.
— Eu não “surgi” do nada, e também não sou tão famosa quanto espero ser um dia.
Claude deu uma risadinha. Uma risadinha elegante como ela.
— Seus clientes são classe A e B e seu nome está em alta no campo do design. Eu chamaria isso de sucesso.
Comprimi os lábios, perdida naquela conversa.
— Sra. Delacroix, ainda não entendi como posso ajudá-la.
— Como designer, eu vejo que ter talento não é o suficiente. Você não ensina alguém a ter talento; ou a pessoa nasce com ele, ou não o tem. Mas você pode ensinar alguém a cativar clientes, afinal, o talento é inútil sem clientes hoje em dia. Eu vou ser bem direta com você, srta. . Gostaria que você pudesse se juntar ao corpo docente da academia na qual sou reitora. Acho que você é o que está faltando na vida dos meus alunos.
Eu pisquei, atônita, em silêncio.
— Isso é… — foi o que consegui dizer depois de alguns segundos — Quer dizer, uau! Isso é uma oportunidade gigante! — falei, pausadamente, esperando que ela dissesse que havia algo errado ou coisa do tipo, mas Claude só parecia estar extremamente satisfeita — Eu nem posso expressar o quanto é uma honra…
— Ah, e antes que eu me esqueça — ela me interrompeu — Estamos falando da Paris American Academy.
Nem sei quando isso começou, mas há algumas imagens borradas na minha memória de quando eu era criança e minha mãe trazia para mim revistinhas e páginas de jornal com o jogo e eu resolvia as perguntas enquanto ela corrigia provas e trabalhos. De certa forma, era quase a mesma coisa que estava acontecendo ali na sala de estar de – eu adivinhando as respostas no seu sofá enquanto ele se debruçava sobre sua mesa de trabalho com muitos papéis e calculadoras.
— Universo matemático. Começa com H e tem nove letras. — falei — Não pode ser hipotenusa. O que sugere, nerd?
Ele pensou por cerca de dois segundos.
— Hipérbole.
— Mas é claro — eu murmurei, rabiscando a resposta certa.
O motivo para eu ter aparecido na porta de há uma hora era que Baleia estava com saudades dele (era verdade, e ela estava perfeitamente comportada deitada no colo dele enquanto ele trabalhava, diferente da cadela que tentaria arrancar meu braço se eu tentasse fazer algo perto dela além de lhe dar carinho). Bem, não era só isso. Eu também estava com saudades, e percebi que morar com alguém, mesmo que por um curto período de tempo, pode mudar completamente a sua cabeça. Mesmo que nós sempre saíssemos e ainda fizéssemos… hum, outras coisas, eram as coisas simples que me faziam falta. Como compartilhar espaço naquela sala de estar, mesmo que eu não estivesse falando nada, pois ele precisava que eu fosse “uma boa garota e não o atrapalhasse no seu dever de casa”.
A campainha soou, e Baleia correu na direção dela, latindo loucamente como se não tivesse apenas 30 centímetros. Nós nos entreolhamos.
— Eu atendo — falei, e me deu um sorriso agradecido. Quando girei a chave e abri, não me surpreendi ao encontrar e .
— Viu? Eu disse que ela estaria aqui. — ela falou, logo antes de se abaixar para pegar Baleia no colo.
— Não tem casa, não, ? — perguntou, e eu apenas revirei os olhos para ele.
— Vocês vieram me procurar no apartamento de ? Por quê? — eu quis saber.
— Eu estava prestes a fazer a mesma excelente pergunta — o próprio comentou.
— Olá, irmãozinho. Como você está? — perguntou para o irmão, e ele mal havia aberto a boca quando ela se virou para mim — Tenho algo para contar para você.
soltou um resmungo.
— Uh, se irrita o , estou ansiosa para saber o que é. — afirmei.
— Acho que você vai querer estar sentada para ouvir o que tenho pra falar — disse, e nós duas ocupamos o sofá. — Bem, eu já me livrei de quase tudo do casamento.
Encarei-a, claramente desanimada com a sua empolgação sem motivo aparente.
— Eba? — eu perguntei, sem ter certeza de como ela queria que eu reagisse.
— Ainda não terminei, boba — ela riu — Você deve saber que a família de Aaron contribuiu, a minha contribuiu, mas foi óbvio que ele gastou bem mais dinheiro do que eu.
— Sim, querida, eu estava acompanhando tudo. — relembrei-a.
— Mas, para que eu não me sentisse uma inútil total, resolvi pagar a nossa lua de mel. Lembra-se disso?
Agora sim. Estiquei a coluna lentamente, como um gato atento. sabia como prender minha atenção.
— Estou ouvindo.
— Então… — ela tinha um sorriso travesso no rosto — Pensei que seria um grande desperdício se livrar de uma viagem para a República Dominicana, de um lindo resort e um dos melhores fins de semana da minha vida. Decidi ficar com a viagem. E quero que você vá comigo.
Eu dei um grito tão alto que acho que o prédio inteiro conseguiu ouvir. ria enquanto eu a esmagava com meu abraço.
— Eu não acredito! — falei, sendo interrompida por um ranzinza logo depois:
— Nem eu!
— Quero dizer… é o Caribe! Nós vamos para o Caribe! E você escolheu me levar? — coloquei as mãos sobre o coração, com a minha melhor cara de emocionada para provocar .
— Agora você só está sendo idiota — ele falou.
— Você passou por muita coisa esse ano e tem dado duro no trabalho nesses últimos dias. Você merece férias. Além disso, é minha melhor amiga e esteve comigo em tantos momentos, eu acho que essa viagem pode entrar para a lista deles. — disse.
Dessa vez, sem o drama encenado, eu realmente quase chorei.
— Por que você tinha que ser tão adorável? — eu perguntei a ela.
— Será que ninguém nesse cômodo é sensato? É óbvio que ela deveria ir com o namorado. — ainda protestou.
— Aqui para você, namorado — mostrei a minha longa unha pintada de vermelho do dedo do meio para ele — E quando nós vamos? — voltei a olhar para .
— Esta quinta, no início da noite. Voltamos no domingo pela manhã. O que acha? Você só vai precisar fechar o escritório por um dia.
— Acho perfeito — ergui as mãos para o alto — Minha nossa, minha ficha ainda não caiu!
pigarreou. Ele estava tão silencioso que só então nós três relembramos da existência dele.
— Talvez a sua ficha caia quando você lembrar-se de um certo detalhe — ele falou, gesticulando com a cabeça na direção de Baleia, que estava no chão ao lado dele.
Fiz a minha cara de você não negaria nada que eu pedisse.
— Querido. Você pode, por favor, cuidar dela por mim? Você é praticamente o padrasto dela. — falei.
achou graça.
— Ah, é claro, porque definitivamente há um pai e eu só sou o substituto.
Minha cara mudou para a cara de tédio.
— Tá, você pode ser o pai dela. Feliz agora?
Ele pareceu extremamente satisfeito.
— Finalmente tenho uma filha. Talvez devesse procurar meus direitos de guarda compartilhada.
— Eu não acredito nisso — disse — Ela ganha a viagem e você concorda em limpar merda de cachorro?
— E nada disso vai ser pior do que aguentar você com saudades de mim — sorriu para ele, e ficou vermelho. — Irmãozinho, você é um herói.
— Ei — ele contestou — Eu posso ser babá de um animal, mas de dois já é pedir muito. Preciso de pagamento.
— Ok, eu definitivamente preciso de amigos novos — resmungou.
Com as festas se aproximando, eu tinha vários projetos e obras para entregar. Dentro do táxi a caminho de casa, eu sabia que no mínimo meu atrasado deixaria … à beira de um ataque.
— Eu sei o que você vai dizer — comecei, logo que saí do táxi e a encontrei encostada no carro de na frente do meu prédio — Mas eu preciso de um banho. Vai ser bem rápido.
Ela me fulminou com aqueles grandes olhos e encarou o relógio.
— Você tem dez minutos e eu já estou contando.
— Ei, eu disse rápido, não sou o Flash! — protestei, mas decidi não contestar mais antes que ela começasse a gritar.
Eu realmente me esforcei para ser rápida, tomando uma chuveirada fria para evitar que eu dormisse debaixo da água quente. Enrolei meu cabelo molhado em uma toalha e usei outra para me cobrir, e quando saí do banheiro quase tive um infarto ao ver encostado na parede do meu quarto.
— Pelo amor de Deus, você realmente quer me matar de susto? — eu quis saber.
— me mandou aqui para apressá-la. — ele respondeu.
— Aposto que foi um sacrifício enorme pra você, seu tarado — falei, e ele riu — Mas você vai me ajudar com as malas.
— Malas? No plural? — franziu a testa, e eu gesticulei na direção das duas malas de pé ao lado da minha cama — , você vai passar três dias fora.
Eu tirei minha calcinha, sutiã e a primeira calça e suéter que apareceram no meu guarda-roupa.
— Nunca se sabe quando você vai precisar trocar de roupa. — respondi.
— Ou tirá-la — ele ponderou.
— Muito bem observado — dei risada — Eu sei que você já me viu nua mais vezes do que eu posso contar, mas você se importaria em olhar para o outro lado enquanto eu me troco?
ergueu as sobrancelhas.
— Você está falando sério? Você já me viu nu mais vezes do que eu posso contar.
— Mas nós dois estávamos sem roupa ao mesmo tempo. Agora você está vestido, o que é meio intimidante — observei. Ele revirou os olhos e virou de costas. — Obrigada — agradeci, e tentei colocar meu sutiã. A velha conspiração do universo de que as coisas mais simples podem dar erradas quando você está com pressa atacou. — Pode ignorar o que eu acabei de dizer e me ajudar com o fecho do meu sutiã?
— Eu sinto que estou fazendo sacrifícios demais hoje, você está em dívida comigo, mocinha — ele ironizou e eu ri, virando de costas e segurando o cabelo para cima. Seus dedos frios encostaram-se à minha pele ainda mais fria e eu me virei novamente quando ele cumpriu a missão.
— Em breve quitamos as dívidas — falei, e me vi presa entre seus braços.
É claro que nos beijamos.
É claro que não podia ser o melhor cara do mundo em escolher as piores horas.
É claro que, quando nós já estávamos na cama e com uma rapidez desesperada eu havia começado a tirar sua jaqueta, afundou a mão na buzina e provavelmente todo aquele lado de Manhattan pode ouvi-la.
— Talvez não tenha sido uma boa ideia — disse.
— Jura? — eu o empurrei de cima de mim, e ele despencou do outro lado da cama, rindo — Não tem graça ter que lidar com a fúria da sua irmã. Eu vou dizer que a culpa foi sua. — grunhi, pegando minhas roupas.
— Ei, eu sou um adulto. Posso assumir responsabilidade pelos meus atos.
— Ótimo, então você diz a ela — falei, abotoando a calça e vestindo o suéter de qualquer jeito — Agora eu só preciso encontrar minhas botas e o sobretudo. — e então, como um choque, a dura realidade me atingiu: — Eu esqueci de me maquiar!
— Você é linda — falou — E provavelmente louca por querer levar sobretudo e botas para a América Central.
Eu suspirei.
— Mas está frio aq… — e decidi eu mesma parar de falar e apenas pegar os sapatos e descer.
estava andando em círculos quando chegamos à rua.
— Cristo! Por que demoraram tanto? — ela berrou.
Olhei para . Ele não olhou para mim.
— Foi culpa dele! — disse, impulsivamente, e apontei para . de repente pareceu interessada em prolongar aquela conversa, esquecendo que estava apressada.
— Eu disse que ela deveria trocar de roupa, pois estava horrorosa — explicou. Fiz uma careta para ele e entramos no carro.
Só percebi no banco do passageiro quando veio atrás de mim.
— Merda, você por aqui? — eu falei, brincando.
— Não fico muito feliz quando tenho que ver você, também — ele rebateu.
— Eu ainda não sei porque eu tenho que estar aqui — disse , ligando o carro.
— Para que depois vocês dois possam encher a cara e sofrer juntos com a ausência das mulheres de suas vidas — explicou, e eu vi corar pelo retrovisor — Nós precisamos estar no JFK em no máximo quarenta minutos — ela disse, aflita, olhando pela janela — Pode ir mais rápido?
O irmão dela soltou um longo suspiro forçado.
— Querida, existem muitos momentos além desse em que eu gostaria de ter controle sobre o trânsito de Nova York, mas você já deve ter percebido que eu não tenho esse poder.
Isso só a deixou ainda mais perturbada.
Normalmente eu não acredito em destino, mas aquela era a única resposta para termos conseguido chegar a tempo no aeroporto. Quando estacionamos, imediatamente saiu correndo e foi para trás abrir o porta-malas. Eu a segui e, notando que os dois bonitões não haviam saído do carro, inclinei-me para olhá-los pela janela.
— Hum, com licença, estão esperando por um tapete vermelho? — perguntei.
— Só estava dizendo para que eu aguentei isso durante toda a infância e adolescência — disse, com os resmungos e grunhidos de ao fundo — e agora ele terá que aguentar pelo resto da vida. Eu disse que ele deveria pensar bem sobre isso.
fez uma cara azeda.
— Acho que você tem outros deveres mais importantes no momento do que tentar destruir o relacionamento da sua irmã — comentei.
— , pegue suas malas, nós precisamos correr! — uma desesperada gritou.
— Ah, tchau para você também — murmurou, e ela deu um beijo que foi demorado até demais para quem estava me mandando correr. me entregou minhas malas, e ela deu um beijo em cada lado do rosto do irmão e um tapinha em seu ombro.
Observei a cena com os braços cruzados e um sorrisinho. se aproximou de mim.
— Sabe, — disse ele, casualmente — você nem quer ir nessa viagem tanto assim.
— Até parece — respondi, e ele me deu um daqueles abraços em que era tentador ficar com a cabeça escondida em seu pescoço e o corpo preso entre seus braços para sempre.
— Tome cuidado.
— Sempre. Você também. — eu disse a ele. Depois, fui até . — Tente não ficar muito depressivo nesses dias.
— Tente não derrubar o avião. Haverá uma pessoa importante para mim dentro dele. — disse ele, e nós nos abraçamos — Se cuida, .
e eu empurramos nossos carrinhos para dentro do JFK.
— Está com tudo aí? — ela quis saber — Carteira?
— Confere. — assenti.
— Passagens?
— Confere.
— Passaporte?
Eu parei de andar e fiquei imóvel como uma estátua no meio do aeroporto. ficou pálida e os olhos dela começaram a se arregalar tanto que achei que eles fossem sair do seu rosto, então soltei:
— Qual é, eu só estou te zoando. — sorri. Ela me bateu com a bagagem de mão. — Ai, caramba, foi só uma brincadeira!
Nós despachamos nossas malas sem problemas, mas ainda precisávamos nos apressar. Mais uma vez, eu quase estraguei tudo.
Eu surto completamente em duty frees.
— ! Que porra você acha que está fazendo? — disse, alto demais para o seu próprio bem e para os velhinhos que fizeram cara feia para ela.
— Mas é Chanel! E está em promoção! E sem impostos! — eu implorei, enquanto ela me puxava pelo braço como se nós fôssemos mãe e uma filha de 5 anos querendo um brinquedo.
— Se você não quiser me ver quebrar esses perfumes agora mesmo, nós temos um voo para pegar. — ela me ameaçou.
Aquela foi uma das decisões mais difíceis que tive que fazer, mas voltamos a correr para o nosso portão.
— Correr de saltos é horrível — grunhi.
— Eles já estão fechando! — vociferou, e nós aumentamos a velocidade. Quando apresentamos nossos tickets, achei que eu estava tendo uma crise de asma. E eu nem tenho asma.
O avião já estava cheio, o que tornou ainda mais desagradável do que o normal tomar nossos assentos.
— Eu odeio American Airlines — resmunguei. Não vi que havia uma aeromoça atrás de mim. Ela me olhou feio.
— Honestamente, não sei por que ainda a levo aos lugares — suspirou, e nós finalmente conseguimos nos apertar nas poltronas. Ela começou a tirar da bolsa cartelas de pílulas — Me acorde quando chegarmos lá.
Eu olhei para ela e ri.
— O quê? Você está com medo? — perguntei. Ela não respondeu, o que praticamente foi uma resposta — São três horas e meia de viagem. Você viaja desde sempre, e o tempo todo!
— E de alguma forma, isso não fez cada viagem ser menos assustadora até agora — ela fez um muxoxo — Mas deixe que eu durma e não vou contar para ninguém que você vai ouvir o álbum natalino do Justin Bieber.
Senti meu rosto esquentar.
— Eu não vou ouvir o álbum natalino do Justin Bieber — falei, em um tom de voz monótono.
— Eu não estou te julgando — ela disse, colocando a pílula na boca e tirando o tapa-olhos da bolsa em seguida.
As horas pareceram passar bem rápido com a minha playlist natalina com vários artistas, mesmo que não tenha sido o voo menos turbulento da minha vida. ainda estava sonolenta e mais feliz do que o normal quando aterrissamos em Punta Cana, e isso me fez sentir grata pela existência dos remédios para dormir.
— Você está capacitada para falar? — indaguei — Por que você sabe como eu sou péssima com espanhol.
— Sim, eu não sou retardada — respondeu, e aquilo me fez achar que ela já tinha voltado ao seu estado normal. Retiramos nossas malas e começamos a explorar o lugar. A primeira coisa que estranhei foi o clima – eu nunca imaginei que poderia sentir um calor daqueles nessa época – mas também foi uma das várias coisas que me fascinaram de imediato.
— Agora, só precisamos achar o ônibus do resort. — ela disse.
— Eles vieram nos buscar? — falei, impressionada. Ela respondeu com um sorriso tão entusiasmado quanto o meu.
— Oh! Ali está! — ela apontou para um ônibus branco com flores e letras coloridas. Havia um senhor esperando do lado de fora, parecendo impaciente. — Hola! Nosotros venimos de América!
Naquele momento, me senti mais orgulhosa do que o normal de ter uma melhor amiga jornalista poliglota.
O senhor abriu um sorriso e concordou com a cabeça, se apressando para pegar nossas malas.
— Ah, não precis… — comecei, mas ele já havia as levado — Bem, gracias! — eu disse a ele, uma das únicas palavras que eu sabia em espanhol.
Nós entramos no ônibus, as únicas passageiras. conversava animadamente com o motorista e eu, leiga demais para me intrometer ou entender algo, decidi observar as partes da cidade que estavam no nosso percurso. Era diferente, simples, mas…
— Lindo — eu disse, baixinho, e sorriu para mim — Nunca vi nada parecido com esse lugar.
O ônibus começou a diminuir a velocidade, e ao chegarmos ao resort, eu só conseguia pensar em como aquele lugar deveria ser fabuloso pela manhã. Na verdade, mesmo à noite as luzes dos prédios mostravam a luxuosidade do lugar, as palmeiras ao redor das piscinas e só o cheiro da água do mar já era o suficiente para deixar qualquer lugar melhor.
Um rapaz vestido com o mesmo uniforme do nosso motorista, mas bem mais jovem do que ele, apareceu e pediu – eu acho – para levar nossas malas.
— Muchas gracias — falou, entregando-lhe uma nota de cinco dólares de gorjeta.
O cara recebeu a nota e olhou para ela como se estivesse prestes a chorar. Então, prontamente, levou nossas coisas.
— Uau, ele não parece uma versão dominicana do Idris Elba? — perguntei a ela.
achou graça.
— Só que 20 anos mais novo, não é?
Ergui as sobrancelhas.
— Melhor ainda.
Ela me deu um empurrão, rindo.
— Francamente, mulher!
Estava tocando música caribenha no hall de entrada, o que me fez esquecer por um segundo que eu realmente estava cansada e em breve minha cabeça seria afetada pelo jet lag. Segui até o balcão da recepção.
— Bienvenidas! — uma moça nos saudou.
— Deixe comigo — pediu.
Franzi a testa.
— Mas eu não ia dizer nada.
— Soy , de Nueva York — ela falou para a recepcionista.
— Ah! Sim, sim — a moça respondeu, com um sotaque tão forte que lembrei do Michel de Gilmore Girls. — Sejam bem-vindas, oh… — ela ergueu os olhos do computador para mim e para — sra. e sra. .
Demorei a entender, mas me deu um beliscão e sussurrou para mim:
— Eu esqueci de avisar que não queria mais o pacote da lua de mel! Acho que eles pensam que nós somos casadas!
Eu engasguei.
— Nos dê licença, por favor — ela pediu para a recepcionista e me arrastou pelo braço para um canto distante.
— Ai. Meu. Deus. — eu não contive a risada.
— E agora? — ela me perguntou — Vão nos colocar em um quarto com uma cama de casal! Você acha que eles vão cobrar taxa extra se eu pedir um quarto com duas camas? Será que há quartos disponíveis? Eu…
— . — eu estalei os dedos na frente do rosto dela, para impedir mais um possível surto naquele dia — Qual o estresse? Vamos continuar com a brincadeira. Nós podemos enganar eles e não vai ser tão ruim, nós dormíamos na mesma cama quando fazíamos festas do pijama.
— Acho que estamos meio velhas para festas do pijama — ela fez uma careta.
— Nós não estamos velhas para nada — rebati, irritada, mas logo voltei ao meu humor normal — Contanto, é claro, que você não ronque, não role e não me derrube no chão.
Ela considerou a ideia por um segundo.
— Tudo bem, mas vamos precisar de dois cobertores — ela concordou, e nós entrelaçamos o braço e voltamos para a recepção.
Eu pigarreei.
— Buenas noches — comecei, dramaticamente — Mi y minha… hum… como se diz “esposa” em espanhol?
— Apenas cale a boca — revirou os olhos — Podemos ir a nuestra habitación?
— Aquí están las llaves — a mulher disse, entregando as chaves à — Tenham uma boa noite! — ela finalizou, com o sotaque fofo.
— Tchau! — falei, e nós acenamos ao sair.
Quando abri a porta, eu comecei a rir tanto que minha barriga chegou a doer. ficou vermelha ao ver as pétalas de rosas formando um coração em cima da cama, mas essa não era a pior parte.
— Olhe as coisas em cima dessa cômoda! — eu apontei — Isso é… chocolate com pimenta. E isso… é uma calcinha comestível?
— O quê? — ela esganiçou, e eu dei espaço para que ela olhasse. abriu a primeira gaveta da cômoda e deu um grito, fechando-a com força — Céus, o cara de Cinquenta Tons de Cinza tem todas as coisas que estão aí dentro.
— Será que os hóspedes podem levar? — eu pensei, aparentemente alto demais.
Ela me olhou com uma cara de “estou julgando você” e jogou as pétalas no chão para sentar na cama.
— É estranho estar aqui — ela admitiu — Quero dizer, a minha lua de mel seria aqui. É como se eu estivesse vendo um spoiler.
Olhei para ela.
— Como assim?
— Eu só… — encolheu os ombros — Me sinto culpada. Um pouco. E nem é como nos meus relacionamentos anteriores, onde eles ficavam me atormentando. Aaron realmente desapareceu e eu nem sei se ele está mal ou sofrendo com o que perdeu…
— , querida. — eu pedi — Por favor, pare de falar. — ela pareceu magoada, então me apressei para continuar: — O que estou tentando dizer é que você não tem motivos para se preocupar se ele mesmo não quer fazer parte da sua vida. Cara, acho que essa é a primeira vez que concordo com algo que Aaron faz! — exclamei, e ela riu — Além do mais, você não tem que pensar no que deixou para trás e sim no futuro. Você ainda terá uma lua de mel, terá os aniversários dos seus filhos e tantas ocasiões boas para aproveitar! Por que você não pensa nisso como o início de todas as coisas boas e cheias de amor que você terá, e não nas ruins que você teria?
Ela me encarou. Eu deveria ter presumido que ela estava sensível e previsto que seus olhos iam encher de lágrimas.
— Você acha que eu vou casar e ter filhos? — ela perguntou baixinho.
Eu ri, balançando a cabeça, e sentei ao lado dela.
— Não é óbvio?
— Na verdade, não — ela confessou — Você sabe, odeia compromisso, odeia crianças…
— Isso é só o que ele quer que a gente pense. Afinal, ele se refere a si mesmo como “seu namorado” e adotou um cachorro porque estava triste. é o cara mais sentimental que nós conhecemos. — eu disse a ela, encostando minha cabeça em seu ombro.
fungou, enxugando as lágrimas com a costa da mão.
— Você está certa.
— Você já deveria ter se acostumado com eu ter razão para tudo — eu pisquei — Agora, se me dá licença, preciso colocar meu pijama. Vamos dormir, e amanhã veremos o sol nascer na praia!
Ela bufou.
— Eu não acredito que vou ter que acordar cedo nas férias.
Eu encarei o prato sobre a mesa na minha frente. Mesmo para alguém que gostava de comer tanto quanto eu, muitas vezes a visão do desconhecido pode ser… desanimadora.
— Eu não acredito que você vai me obrigar a comer — reclamei.
— Você me obrigou a acordar cedo, então será a cobaia — explicou por trás do seu panfleto turístico — A propósito, achei que você odiasse praias.
— É normal odiar praias da Califórnia ou Long Island, mas do Caribe? Isso é praticamente um pecado — disse eu.
Ela suspirou e balançou a cabeça.
— Enfim, segundo o que estou lendo, esse é um dos pratos mais famosos do país. Se chama Los Tres Golpes.
Eu ri.
— Pode repetir isso? Soa como nome de vilão de desenho animado latino.
— São ovos fritos, obviamente, com salami frito, mangú e queso frito.
— Queijo! — exclamei, animada — Foi a única coisa que entendi.
— Bem… — colocou o folheto na mesa e olhou para o meu prato com uma cara desconfiada — Vá em frente!
O salami parecia ser algum tipo de salsicha, o que era perfeitamente aceitável, e eu já estava mais do que acostumada em comer ovos e queijo. O que realmente estava me intrigando era o tal do mangú, aquela coisa amarela e pastosa como um purê com cebola e cheiro de azeite. Engoli em seco. Como as pessoas conseguiam comer aquilo no café da manhã?
Pensando bem, americanos comem bacon banhado em óleo e hambúrgueres. Deixa quieto.
Segurei meu garfo e tirei um pouco da coisa para levar à boca logo em seguida.
— É banana! — eu devo ter soado como o primeiro cara que disse eureca — É salgado e diferente, mas com certeza é feito de banana. E é muito gostoso.
colocou a mão sobre o peito, aliviada.
— Ótimo, porque estou faminta.
Também havia xícaras de café fumegantes sobre a mesa que nós ainda não havíamos nem tocado. O cheiro era maravilhoso, é claro, mas nós tínhamos certeza que aquele não deveria ser nem um pouco parecido com o café de casa. Parecia mais grosso, uma pura bomba de cafeína. Dessa vez, foi a primeira a provar.
Ela deu um gole e ficou parada por um instante, encarando o vazio.
— Eu sinto que acabei de descobrir como é a vida no paraíso.
Curiosa por aquela reação, eu mesma bebi um pouco.
— Ah, meu Deus — balbuciei — Eu vou começar agora mesmo uma teoria de conspiração de que os Estados Unidos estiveram escondendo por todo esse tempo o que é café de verdade.
Nós ficamos tão viciadas no café dominicano que quase esquecemos do Tres Golpes. Quando terminamos de comer, seguimos direto para a praia do complexo do resort.
— Eu não deveria ter comido tantas tostones — murmurou ao tirar o vestido e ficar apenas com o biquíni. A barriga dela continuava exatamente do mesmo jeito que antes.
— Quer parar? — falei — Seu corpo é ótimo, como sempre foi.
Ela pareceu emocionada.
— Sério? — perguntou. Eu assenti. — Então ainda posso tomar alguns mojitos.
Nós passamos protetor solar em nós mesmas e depois nas costas uma da outra. colocou os fones de ouvido e óculos escuros para ficar deitada na cadeira, e eu fiquei respondendo quizzes estúpidos na internet para esperar o sol me queimar até a solicitação de chamada no FaceTime aparecer na tela. Eu atendi.
— Ei, você não deveria estar trabalhando agora? — eu perguntei. riu.
— Só queria saber como vocês estão. Afinal, as duas estão estranhamente quietas desde ontem.
— Caramba, não podemos nem aproveitar nosso tempo longe de vocês? — eu suspirei, sarcástica.
— Ah, cale a boca — falou ele — O que está achando até agora?
— É tão diferente, e eu já comi coisas que nem sei como pronunciar. Você deveria ver o mar — eu cliquei na tela para que a câmera saísse do modo frontal e fosse para a de trás para que eu pudesse mostrar a ele que, depois da areia branquinha, o mar era uma mistura como uma paleta de tinta a óleo com vários tons de azul e verde misturados — Isso é uma praia de nudismo — brinquei, voltando a filmar meu rosto.
— Como você diria, nada que eu nunca tenha visto — ele deu de ombros, e eu soltei um riso nervoso ao olhar para o lado e me certificar de que não havia escutado.
Eu a filmei para mostrar para ele.
— Sorte a sua que a música está alta demais, ou ela dormiu. Seria constrangedor ter que explicar o que você acabou de dizer para ela.
— Constrangedor seria se isso fosse mesmo uma praia de nudismo, já que você está me obrigando a ver a minha irmã — comentou, e eu me lembrei de voltar o celular para mim — Ok, intervalo para o chá acabou, preciso voltar para a minha mesa. Aproveite, love.
— Claro que eu vou. Estar aqui é… é como se o Papai Noel tivesse trago meu presente mais cedo. Acho que fui uma boa menina esse ano.
— Eu posso garantir que não foi — ele piscou e desligou a chamada pouco antes de poder me ver corando.
— Quem era? — perguntou, e pela sua voz ela realmente tinha cochilado no sol. Eu tomei um susto.
— Hum, seu irmão — respondi.
Ela pareceu não ligar.
— Você pode me passar o óleo de bronzear? — pediu ela. Sem pensar, talvez por preguiça ou simplesmente por burrice, eu lhe entreguei minha bolsa para que ela procurasse.
Não me ocorreu que haviam coisas mais íntimas do que eu gostaria de admitir até que ela tirou o frasco de remédio lá de dentro e olhou para mim de uma forma que pessoas que acabaram de acordar não deveriam olhar.
— ?
Eu mordi o lábio.
— Eu?
— Por que você está tomando anticoncepcional? — ela estreitou os olhos.
Ah, merda. Ah, que burra era eu. Eu nunca imaginei que uma conversa com a minha melhor amiga poderia ser mais embaraçosa para mim do que a que eu tive com a minha mãe na adolescência.
— A minha ginecologista disse que eu deveria tomar para evitar… — não diga bebês, eu me relembrei — cólicas.
— Mas você não tem cólicas — ergueu as sobrancelhas — Quando você tem, você as resolve com pipoca e sorvete. — e então ela voltou a revirar as minhas coisas, mais rápido do que a minha reação para impedi-la. Ela empalideceu quando encontrou aquilo, e olhou para mim chocada. Eu também estava meio em choque, na verdade. — Tabelinha?
— Eu estava desregulada!
— Mentira! — estava de queixo caído — Você tem… um namorado!
— Ugh, não! Francamente, — eu arranquei a minha bolsa e as outras coisas da mão dela — Parece até que não me conhece.
— Então você está tendo um caso? Por que não me contou? Oh, céus, ; ele é casado? Porque se for, você não precisa ter vergonha de me contar, mas precisa saber que isso é errado…
— Eu nem acredito nos absurdos que estou ouvindo — reclamei, com raiva — Por acaso eu lhe contei todas as vezes e todos os caras com quem eu dormi?
Ela pareceu se acalmar um pouco.
— Não, mas…
— Então, assunto encerrado — eu disse, sem olhar nos olhos dela, estendendo o óleo bronzeador.
pegou. Ela ficou em silêncio por alguns segundos, e talvez fosse explodir se continuasse sem falar nada.
— Quem é o cara?
— Não é ninguém, não é nada demais, fique tranquila, não irei fazer nenhuma besteira — respondi monotonamente, dando mais atenção ao Instagram do que àquela conversa.
— Tudo bem você estar tomando pílulas, mas ele também usa proteção, não é? Porque você sabe os perigos…
Eu fechei os olhos e respirei fundo.
— . Você só precisa aceitar que, nessa área da minha vida, eu sou mais Samantha do que Carrie.
Ela concordou e voltou a se esticar na cadeira.
— Tem razão. Eu só achei que você não tinha ficado com mais ninguém ultimamente. Digo, pelo menos depois daquela vez com .
Tentei dar um riso debochado, mas o caroço na minha garganta fez com que ele soasse como realmente era: nervosismo e culpa.
Eu queria contar para ela, e como queria. Mas mesmo que o que estava rolando entre e eu não afetasse a minha amizade com ele, eu sabia que iria afetar a amizade de nós quatro como o relacionamento dela com fez. Mais do que nunca, eu me senti uma hipócrita. Mas eu precisava que estivesse comigo quando a verdade viesse à tona – ou isso, ou seria um segredo para sempre.
Quando o sol começou a se pôr e os ventos começaram a soprar mais forte, o resort ficou mais barulhento. Era hora do jantar, mas também era a hora que as pessoas de juntavam para dançar no salão central e a maioria delas estava bêbada. e eu fomos recebidas com taças de Piña Colada para iniciar a noite. Nós sentamos em uma das mesas afastadas, assistindo aos casais caribenhos enquanto bebíamos. Parecia meio triste e patético, mas era muito mais legal na prática.
— Ei, sobre hoje mais cedo… — começou, e eu me levantei — Espera! Só quero lhe pedir desculpas!
Eu sorri para ela.
— Eu sei disso. E eu lhe desculpo. Mas eu preciso de outra bebida. — expliquei.
— Oh, não. Você quer ficar loucona? — ela pareceu surpresa. Eu apenas olhei para ela, como se dissesse “o que você acha?” — Mas inda temos amanhã para aproveitar! — ela avisou.
Ergui os ombros.
— Aposto que vamos. Você pode me empurrar da cama se quiser. — eu propus.
Falei para que eu queria experimentar algo nativo, que eu nunca tivesse experimentado antes. Ela traduziu para espanhol para o barman e ele levou a tarefa muito a sério.
— Você vai estar com tanta ressaca amanhã que não vai conseguir ficar de pé — ela disse, enquanto eu estava levando o copo até a boca. Parei na metade do caminho e dei um sorrisinho provocador.
— , você quer que essa noite seja memorável? — perguntei, bastante séria.
Ela olhou para os lados antes de responder para mim, como se alguém estivesse nos observando:
— É claro! O que você tem em mente?
Gesticulei na direção do balcão do bar, onde a bebida dela ainda estava.
— Se você não pegar, eu pego. — falei. Foi o suficiente para convencê-la.
Depois do que pareceram minutos, mas poderiam ter sido horas, nós não conseguíamos parar de rir. E dançar. Eu não fazia ideia se estava me ouvindo e vice-versa por causa da altura da música, mas nós ríamos como duas idiotas mesmo assim.
— Você é tão engraçada! — ela gritou.
— Ah, obrigada, querida! — respondi. nunca ria das minhas piadas ou falava coisas assim.
— Eu só posso estar muito loucona para achar isso — ela gargalhou, e eu já não achei isso tão engraçado — A última vez que eu estive assim foi na faculdade! Você se lembra daquela festa no meu último ano? A diferença é que eu estava com um baseado na mão.
— O que não é muito difícil de conseguir por aqui também — falei, na mesma altura da música. — Quando você se tornou tão politicamente correta?
Ela ergueu o dedo onde anteriormente ficava o seu anel de noivado. Ergui os braços.
— Mas é claro, tudo faz sentido! — exclamei. É claro que ela deu risada.
Eu ia dizer algo, mas me interrompi. A música parou e os holofotes se acenderam sobre um homem em cima do palco, que anunciou algo em espanhol que deixou todos que estavam ao nosso redor histéricos. A única palavra que entendi foi karaokê.
— Usted! — ele disse, apontando na minha direção. Surpresa demais para regir, eu apenas olhei para trás para checar se… — La hermosa muchacha com vestido rojo!
— É você mesma, muchacha! — me chacoalhou.
— Sí, eres tú, gringa! — o homem insistiu.
Virei-me para minha amiga.
— Eu vou se você for.
Ela arregalou os olhos enquanto um coro de “Gringas! Gringas!” soava ao nosso redor. Antes que respondesse, eu agarrei sua mão e a puxei para o palco comigo, levando o público à loucura.
— Diga para ele colocar uma música que nós conhecemos! — eu sussurrei para . Quando ela se virou para fazer o pedido, a introdução de uma música que nós definitivamente conhecíamos estrondou nas caixas de som.
Toxic da Britney Spears.
Eu comecei a cantar, um pouco tímida, mesmo que estivesse meio bêbada. Foi somente quando começou a dançar a coreografia da Britney que eu percebi que nós deveríamos estar em um universo paralelo e que eu deveria aproveitar aquela oportunidade, pois provavelmente ela nunca mais se repetiria. Quando terminamos, homens subiram no palco e nos pegaram no colo. Eles nos levaram até embaixo, onde o público nos carregou como se fôssemos estrelas de rock. Aquela imagem foi a última coisa que ficou registrada na minha memória – onde ela permaneceria para sempre – antes de eu despencar, exausta, na cama.
Nosso último dia na ilha se resumiu em passeios pela cidade em algumas feiras de artesanato e pontos turísticos – e isso foi para o meu próprio bem, já que minha cabeça doía com zunidos, ruídos e barulhos irritantes. Ou qualquer barulho, em geral. parecia perfeitamente normal, e quando eu lhe perguntei como ela conseguia, sua resposta foi “anos de experiência”.
— O que vamos fazer hoje à noite? — perguntei para , que estava embrulhada em seu roupão, deitada na cama. — Aliás, você está bem? — era fato que eu estava com mais cor do que quando saí de Nova York pálida e com os lábios rachados, mas … eu não sabia como ela não estava ardendo em dor. Ou se transformando uma espécie de mutante humana-pimenta.
Na verdade, essa não era a única coisa diferente em , mas eu preferia manter a outra parte em segredo.
— Isso? — ela encarou as próprias mãos — Não é nada demais. E nós podemos ficar aqui dentro assistindo Black Mirror para ter pesadelos ou podemos ir ver o bingo dos velhinhos do resort, tomando Coca diet ou suco como boas garotas que irão pegar um avião amanhã bem cedo.
Eu me joguei na cama ao lado dela, resmungando.
— Como você conseguiu ir de interessante para entediante em 24 horas?
Ela usou o travesseiro para me bater.
— Eu não sou entediante! — protestou ela — Você viu o que me obrigou a fazer ontem!
— Sim, e mal posso esperar para contar para e — eu disse, maquiavélica. Ela me bateu outra vez, então peguei o meu travesseiro para me vingar. E foi assim que passamos a nossa última noite na ilha paradisíaca: guerra de travesseiros, seriados e refrigerantes. Melhores amigas podem ser para o resto da vida, mas por dentro permanecerão mais como adolescentes do que imaginam.
Ao desembarcarmos no JFK, deixei esperando a bagagem sozinha e fui à frente para poder assistir à cena pela qual eu estava tão ansiosa do melhor ângulo.
— Ei — disse ao me ver, mas percebendo que eu estava sozinha, fechou a cara — Onde está…
— Shh — falei, entregando uma das minhas malas para sem pedir licença — Só vai levar um segundo.
E não demorou muito, ela veio.
— Mas que porr… — sussurrou, e começou a rir em seguida.
esticou os braços para abraçar , e ele parecia atônito demais para falar algo de imediato.
Deixe-me explicar: enquanto passeávamos por Punta Cana, algumas mulheres começaram a nos chamar e, vendo que éramos estrangeiras, uma delas perguntou em inglês se não queríamos fazer trenzitas, trancinhas estilo rastafári. Bem, era óbvio que estava fascinada com o lugar, mas ela achou que fazer o cabelo seria apropriação da cultura alheia, mas também chegou à conclusão de que era daquilo que aquelas pessoas tiravam seu sustento, então ela faria e tiraria antes de voltar ao trabalho para evitar que seus colegas do Times dissessem algo rude sobre isso.
— Hum, acho que mandaram uma versão caribenha da minha namorada no lugar da original — disse.
— Péssimo — comentei com .
— O que quer dizer? — franziu a testa.
— Nada — ele afirmou, mas depois começou a titubear: — É só que… você… está…
— Agora você só está sendo maldoso — ela disse, irritada, e saiu batendo o pé pelo aeroporto.
fez o mais sensato: correu atrás dela.
— Então… nós viemos em carros separados — disse para mim — Você quer ir para a minha casa ou está muito cansada e…
— Bem, mas é claro — eu fiz um muxoxo — Minha cachorra está na sua casa, eu preciso pegá-la de volta.
Ele revirou os olhos e colocou o braço livre ao redor dos meus ombros para irmos.
— Estou lhe dizendo, agora ela sabe sentar, dar a pata e fingir de morta — ele me contou — Três dias comigo e Baleia está mais inteligente do que jamais foi com você.
Eu dei risada enquanto passava cuidadosamente o sabonete em meus ombros bronzeados. chacoalhou a cabeça enquanto tirava o xampu do cabelo, fazendo espuma voar na minha cara.
— Minha nossa! — eu esfreguei os olhos — Será que dá para você parar com isso?
Ele riu da minha cara e me puxou para um beijo debaixo do chuveiro.
Aquele foi um beijo gostoso, com a água morna entrando pelos nossos lábios entreabertos e o contraste que os nossos corpos tinham com ela enquanto se tocavam. Intencionalmente, eu acabei me afastando, o que quebrou o clima bruscamente.
— O que é? — ele perguntou, gentil, acariciando meu pescoço — Você está tensa.
— Estou — murmurei — É só um pressentimento. Não sei o que é, mas estou sentindo desde que o avião pousou.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— É bom ou ruim?
— Eu não sei! —falei, e desliguei o chuveiro depois — Mas você não acha que é angustiante saber que algo vai acontecer e não saber o que é?
— Você nem sabe se vai mesmo acontecer.
— Meus pressentimentos nunca estiveram errados — eu cruzei os braços — Equivocados, talvez, mas sempre foram verdadeiros.
preferiu não discutir e ligou o chuveiro outra vez. Assim que ele fez isso, a campainha tocou.
— Merda — reclamou ele.
— Relaxe, eu já terminei. Posso atender — falei, saindo do box e pegando minha toalha. Pelo menos eu achei que poderia atender depois que estivesse seca e arrumada, mas a pessoa insistiu em apertar a campainha tantas vezes que eu decidi correr.
Ao abrir a porta e ver que eram e , pensei se não deveríamos conhecer outras pessoas antes que enjoássemos das caras uns dos outros.
— Eu sabia. Sabia que você estava aqui. — ela apontou o dedo acusatoriamente para mim, quase me atropelando ao entrar.
— É bem óbvio, já que Baleia está aqui — eu acrescentei à linha de raciocínio dela, tentando entender o motivo da sua aparente agressividade.
— Cadê o ? — quis saber, impaciente.
— Tomando banho — respondi mecanicamente.
Ela fez a sua cara de “eu estive certa o tempo todo”.
— E é só uma coincidência o seu cabelo estar pingando desse jeito? — gesticulou na minha direção.
— Ok, estou aqui, o que está… — entrou na sala, mas parou de andar para observar e tentar entender o que estava acontecendo ali.
— Pensei que você iria mencionar o fato de a blusa dela estar do avesso também — disse, sentado no sofá. Céus, eu havia até me esquecido que ele também tinha vindo.
Fechei os olhos, praticamente prevendo o que estava por vir.
— Vocês estão namorando! — gritou, histérica.
se aproximou da irmã.
— Antes que eu diga qualquer coisa, só me respondam… — ele fez uma pausa — como?
— Digamos que a não tem cuidado de por onde deixa suas coisas — desdenhou, colocando as mãos para trás da cabeça para assistir ao seu showzinho.
— Isso não significa nada — falei para .
— Vocês acham mesmo que nós somos idiotas? Nós já desconfiávamos, só precisamos juntar o que nós dois sabíamos. — ela respondeu, sentando ao lado de — Você sabe o que mais me deixa irritada com isso? Você, , me acusou de ser a pior amiga do mundo quando descobriu sobre nós. Isso lhe dava o direito de fazer a mesma coisa? Ou melhor, de ser uma mentirosa e me dizer que havia sido só uma vez?
— Ela sabia sobre isso? — me perguntou.
— Espera, você sabia esse tempo todo e nunca me contou? — indagou.
Nós duas demos de ombros ao mesmo tempo.
— Querida, me ouça — eu fui até ela e segurei suas mãos — As situações são completamente diferentes! Vocês são algo sério, e você estava noiva na época… eu fiquei magoada por você não ter confiado em mim para me contar. Eu e ? Isso é só uma amizade colorida!
— E você não confiou em mim também! — ela rebateu, soltando nossas mãos.
deu alguns passos, coçando o queixo.
— Honestamente, faria alguma diferença se contássemos?
— Que vocês são duas pessoas solitárias que usam um ao outro para satisfazer suas necessidades físicas? — refletiu.
fez uma careta.
— Já que você colocou desse jeito… sim.
— Faria, pois eu não me sentiria como se estivesse sendo excluída da vida de vocês! — retrucou.
— “Das nossas vidas”? — debochou — Francamente, , eu já não estava levando você a sério com essas tranças, mas agora você só está sendo idiota. Nós não contamos porque, se nada mudou entre nós dois, por que deveria mudar com vocês? Achei que fôssemos todos adultos aqui para saber diferenciar o que é sério e o que não é.
Os dois pareceram não ter uma resposta. Até mesmo eu fiquei impressionada.
— Então realmente não é nada de mais? — perguntou, dessa vez com o tom de voz mais dócil.
— Exatamente como eu disse. Isso não significa absolutamente nada. — afirmei.
murmurou alguma coisa em concordância.
— Nesse caso — ela se levantou devagar — O que acham de irmos para o O’Neills? A primeira rodada é por minha conta.
Era só mais um dia comum no escritório até Dorilyn entrar espevitada pela minha sala.
— Srta. , srta. ! — falou ela, parecendo estar com falta de ar.
— Ei, acalme-se, está tudo bem — disse eu, gesticulando para ela respirar — Quer dizer, eu acho. Está tudo bem, não é?
— Sim — ela respondeu, ainda nervosa — Tem uma senhora lá fora que quer conversar com você, mas ela não tem hora marcada. Eu vim perguntar o que devo fazer, porque estou com medo de mandá-la ir embora. Ela veio de limusine!
— Há alguém para se atendido agora? — perguntei.
— Não.
Mordi a ponta da minha caneta.
— Ora, Dorilyn, você sabe a regra do Clube da . Nunca dispense alguém com limusine.
Ela riu e assentiu rapidamente, voltando para fora.
Eu recolhi os papeis de croquis que estavam espalhados pela minha mesa e tentei fazer o lugar parecer mais organizado, mas acabei sendo pega no ato quando a mulher abriu a minha porta.
Eu nunca baixava minha guarda e sabia que estava no meu território, mas até eu tinha noção de que aquela mulher exalava poder. Não pelo fato de ter vindo de limusine, não pelo seu casaco púrpura que ia até o chão, mas era algo em seu semblante que me fazia ter certeza de que eu estava na frente de alguém muito importante.
— Boa tarde. Eu sou . — me apresentei.
— Eu sei quem você é. Sou Claude Delacroix — disse ela com um sorriso. Seu sotaque combinava com o nome.
— Por favor, sra. Delacroix, fique à vontade — eu pedi.
Claude Delacroix sentou em uma das duas cadeiras que ficavam de frente para mim. Observei a expressão dela. Ela parecia estar julgando o lugar e, ao mesmo tempo, mostrava que estava gostando.
— Então, srta. . Qual é o seu segredo? — a mulher perguntou.
— Perdão? — obviamente aquela não era uma pergunta comum.
Pelo jeito dela, parecia que eu sabia do que ela estava falando e nós estávamos só brincando.
— O seu segredo. Surgir do nada e se tornar um fenômeno em tão pouco tempo.
Pigarreei. Não sabia se estava lisonjeada ou constrangida.
— Eu não “surgi” do nada, e também não sou tão famosa quanto espero ser um dia.
Claude deu uma risadinha. Uma risadinha elegante como ela.
— Seus clientes são classe A e B e seu nome está em alta no campo do design. Eu chamaria isso de sucesso.
Comprimi os lábios, perdida naquela conversa.
— Sra. Delacroix, ainda não entendi como posso ajudá-la.
— Como designer, eu vejo que ter talento não é o suficiente. Você não ensina alguém a ter talento; ou a pessoa nasce com ele, ou não o tem. Mas você pode ensinar alguém a cativar clientes, afinal, o talento é inútil sem clientes hoje em dia. Eu vou ser bem direta com você, srta. . Gostaria que você pudesse se juntar ao corpo docente da academia na qual sou reitora. Acho que você é o que está faltando na vida dos meus alunos.
Eu pisquei, atônita, em silêncio.
— Isso é… — foi o que consegui dizer depois de alguns segundos — Quer dizer, uau! Isso é uma oportunidade gigante! — falei, pausadamente, esperando que ela dissesse que havia algo errado ou coisa do tipo, mas Claude só parecia estar extremamente satisfeita — Eu nem posso expressar o quanto é uma honra…
— Ah, e antes que eu me esqueça — ela me interrompeu — Estamos falando da Paris American Academy.
Capítulo 17 - Rumor Has It - Parte II
Meu cérebro lento demorou para processar aquela informação.
— Paris? Tipo... na França? — perguntei, como uma idiota.
Claude riu de mim, mas com classe.
— Desde a última vez que checamos, sim. — ela confirmou.
Eu quase soltei um suspiro derrotado. Bem, foi bom enquanto durou por três segundos e meio na minha cabeça.
— É... embora isso torne uma honra ainda maior, infelizmente eu vou ter que recusar — eu falei. Ela me olhou como se não conseguisse acreditar em mim, o que era bem possível.
— Você tem certeza disso? — Claude insistiu.
Não respondi. Eu não poderia negar Paris pela segunda vez, poderia? Eu tinha forças para isso?
Céus, que diabos eu estava pensando? Eu tinha que fazer isso. Era como se eu estivesse revivendo o início do outono. Talvez o universo estivesse me dando mais uma chance ou simplesmente zoando comigo.
— Olhe, sra. Delacroix, eu tive uma experiência um pouco desagradável alguns meses atrás com a Europa por ter feito uma grande decisão no calor do momento. Não faz muito tempo desde que eu consegui finalmente atuar na minha área, e eu tenho clientes de verdade, tenho esse lugar e um apartamento em Manhattan financiado pelo banco! De verdade, eu estou muito grata pela oportunidade, mas não sou tão fabulosa quanto a senhora deve estar pensando — confessei.
Ela me encarou profundamente, parecendo nem piscar, e deu um meio sorriso.
— Querida, você pode não ser fabulosa ou a designer mais bem sucedida de Nova York, mas não deixa de ser muito boa. Nós estamos a procura dos que são muito bons. — ela disse, pausadamente. — Esse lugar é seu, não é? — ela quis saber, e eu balancei a cabeça para confirmar que sim — Então ele pode continuar funcionando, e você continuaria fazendo seus projetos e mandando para cá. A academia tem apartamentos na cidade que são cedidos para professores convidados de fora. Você poderia morar em um durante o tempo que preferisse. Podemos fazer um contrato flexível para você, de um ano, um semestre; e dependendo da experiência, pode até ser renovado. Também seria uma ótima oportunidade de expandir sua empresa para outros lugares, não acha?
O que eu realmente achava era que aquela mulher precisava parar de falar imediatamente. Minha cabeça estava cheia demais processando aquela lista de informações e tentando formar minha opinião, dividindo os meus pensamentos em pós e contras que nem deveriam existir, para começar.
— No momento, minha resposta ainda é não — eu disse, delicadamente — Em um futuro próximo, quem sabe? Mas agora, irei negar.
— Se é assim que você deseja, irei esperar sua ligação nesse futuro próximo — ela tirou um cartão pessoal da bolsa Givenchy e me entregou — Tenho certeza que irei ouvir de você muito em breve, srta. .
Claude falava com tanta convicção que eu teria acreditado nela se não estivéssemos falando de mim. Eu fiquei de pé um pouco antes dela.
— Novamente, quero expressar o quanto estou grata por ter vindo aqui. E pelo convite. E...
— Até algum dia desses, srta. — ela estendeu a mão para que eu a apertasse. Senti como se não estivéssemos nos cumprimentando, mas sim fechando um negócio. — Não lhe desejo nada a não ser todo o sucesso do mundo.
— Eu realmente gostei do de Chelsea, mas acho que vou ficar com o de Hell’s Kitchen. Mesmo que não seja minha localização favorita, é o mais próximo do trabalho. — falou — O que você acha?
Emiti um som como o que qualquer pessoa de boca cheia faria.
— , eu chamei você para olhar os apartamentos comigo para que você pudesse dar uma opinião sobre eles — ela suspirou — E você está comendo mais um bagel?
Eu engoli e afastei o bagel da boca.
— Me desculpe, eu juro que vou ser uma conselheira melhor. Eu gostei do de Hell’s Kitchen, ele tem uma cozinha enorme. Que irônico, não acha? Uma grande cozinha em Hell’s Kitchen — eu ri, mas não achou graça — E sim, estou comendo outro bagel, estou com fome — fiz cara feia.
— Você tem estado com muita fome esses dias — ela observou.
— Ei! Isso é uma forma disfarçada de dizer que eu estou gorda? — eu perguntei.
Ela deu risada.
— O seu corpo foi programado para nunca sair do peso. Quem me dera se você estivesse, talvez assim não faria qualquer mulher com metabolismo normal se sentir um lixo humano.
— Ok, ok, eu já terminei — joguei a embalagem de papel em um lixo pelo qual passávamos na calçada — Você quer ver mais algum lugar hoje?
— Não, esses eram os únicos da minha lista — e ela realmente tinha uma lista, que ela guardou dentro da bolsa — Já estamos bem perto da casa dos meus pais, e eu estou com frio.
, assim como eu, estava usando casaco, botas, luvas e gorro; mas seu nariz estava roxo como uma amora.
— Como reagiu quando você disse que iria alugar um apartamento?
Ela me encarou, surpresa, enquanto caminhávamos.
— Como você adivinhou?
— Eu sinto o cheiro de intriga no ar — dei de ombros.
sorriu, balançando a cabeça.
— Ele ficou chateado, é claro. Mas eu não liguei. Ele só está querendo agir como a criança do jardim de infância que quer todos os brinquedos só para ele, mas eu não vou permitir. Se um dia eu e iremos dar um passo à frente na nossa relação, mesmo que seja apenas morar juntos, eu vou esperar até ser a hora certa. No momento, eu irei viver no meu próprio lugar, sozinha. — ela disse, com o queixo erguido e expressão orgulhosa.
— Ei, eu gosto de ver você assim, empoderada! — falei, colocando o braço ao redor dos ombros dela.
— Que coincidência, eu também! — ela riu, abrindo a porta da casa dos .
Ao entrar, presenciei uma das cenas que nunca imaginaria que teria a oportunidade de ver: pendurando uma estrela de LED no teto da sala de estar, com guirlandas em volta do pescoço. Pelo menos ele estava com a carrancuda de sempre. A sra. o direcionava com “mais para a esquerda” ou “mais para a direita”, enquanto observava a cena da poltrona, rindo.
— Ora, as meninas chegaram! — ela exclamou feliz, batendo palmas — Minha nossa, está um gelo lá fora! Vocês querem um chocolate quente?
— Sim, mamãe, eu aceito um vinho tinto — a corrigiu. A sra. riu e foi até a mini adega.
— Certo, já colocou a estrela de Natal, onde está a menorá do Hanuká? — perguntei.
— Nós somos anglicanos, love, não judeus — disse.
— Então foi por isso não rolou o Yom Kippur esse ano? — pareceu chocado.
— Vocês dois são muito engraçadinhos — a sra. falou, entregando uma taça de vinho para e uma para mim — A propósito, querida, liguei para a sua mãe hoje e a convidei para passar o Natal conosco. Ela adorou a ideia!
Aquilo me pegou de surpresa.
— É mesmo? Ela não me disse nada sobre isso.
Catherine arregalou os olhos.
— Acho que acabei de estragar uma surpresa — ela ergueu as mãos, como se dissesse “culpada”, e se virou para — Querido, pensei em falar com os seus pais, já que você vai ficar conosco. Você vai, não é?
— Mas é claro que vou — sorriu, charmoso, de uma forma que ele não fazia com nenhum outro conhecido. Bem, aquela não era qualquer uma. Era a mulher que o havia visto crescer e, de bônus, a mãe de sua namorada — E, por favor, não se incomode. Talvez esse ano eles me mandem um cartão de feliz aniversário. — ele murmurou a última parte, e fez carinho no cabelo dele.
A verdade: a família de é um saco. Eles nunca queriam se misturar ou fazer amizades, mesmo quando éramos vizinhos há um milhão de anos atrás. Eles são a típica família tradicional de Stanford que seguem o mesmo padrão, como uma xerox, a cada geração que passa. Quando decidiu não ser como eles, eles pareceram ter deixado de se importar com ele.
Além do mais, o aniversário de era no dia 24, e eles fazem parecer uma data insignificante comparado ao Natal.
— Eu tenho certeza que vai ser adorável estarmos todos juntos — falei — Sra. , se me der licença, eu preciso ir agora.
Ela fez uma carinha triste.
— Mas tão cedo? Hoje é sábado!
— Eu sei, mas preciso resolver um problema que não pode esperar — ergui os ombros.
— Eu levo você — disse, de imediato.
— Não, fique — coloquei a mão no ombro dele, como se isso de alguma forma me fizesse a mulher mais forte do mundo e pudesse o impedir de levantar do assento — O trânsito não está bom e eu posso chegar bem mais rápido de metrô.
Não era minha melhor desculpa, mas eu precisava ficar sozinha aquele tempo e, por mais estranho que isso soasse, especificamente sem .
Ele não respondeu, mas pareceu desapontado. Catherine me abraçou.
— Até mais, docinho. Não esqueça de ficar sempre bem aquecida!
Esfreguei as mãos, ansiosa, esperando as portas do elevador se abrirem. E quando elas finalmente abriram, fui recebida por uma sra. Hall muito elegante. Sério. O seu cabelo estava brilhoso e escovado e ela usava um vestidinho verde água até os joelhos que combinavam com suas sandálias delicadas.
Eu me perguntava se aquele era o seu look normal para ficar em casa.
— Se eu soubesse que você viria, teria preparado uma recepção melhor. — ela sorriu e me deu um abraço.
— Por favor, não se incomode comigo. E espero mesmo não estar atrapalhando, sei que avisei em cima da hora — falei.
— Bobagem — ela gesticulou enquanto andávamos pela sala de estar — Você sabe que é sempre bem-vinda nessa casa. Aceita madeleines?
Eu queria recusar, mas ao ver os biscoitinhos em cima da mesa meu estômago quase implorou em três idiomas diferentes em voz alta.
Nós nos sentamos no sofá, e eu me senti observada por olhos curiosos enquanto comia as madeleines.
— Então, , o que a trouxe aqui? Eu não deveria me preocupar, deveria? — Maryse perguntou. Dei uma risadinha.
— Definitivamente não — então respirei fundo, como se o que eu fosse dizer exigisse muita coragem. Eu sabia que, lá dentro, exigia mesmo — A senhora conhece uma mulher chamada Claude Delacroix?
Maryse franziu a testa.
— Sim, conheço. É uma das minhas amigas mais queridas.
Cocei a nuca. Aquilo era resposta o suficiente para mim, mas eu não iria simplesmente levantar e ir embora. Poderia conseguir mais informações específicas.
— E a senhora, por acaso, falou de mim para ela?
Ela pareceu confusa, como se eu estivesse falando de algo muito estúpido ou muito óbvio.
— Ora, é claro! Ela também é uma designer de interiores, mas agora atua como profess...
— Sim, eu sei, ela fez um convite para que eu me juntasse ao corpo docente — murmurei.
Maryse parecia não saber dessa parte.
— Uau, isso é uma tremenda notícia! Parabéns, ! — ela afagou o meu ombro e, ao ver que eu a olhava com uma cara meio cética, ela logo acrescentou: — Eu juro que não tive nada a ver com isso.
— Bem, a senhora teve, sim — eu falei — Porque quando pessoas como a senhora dizem que alguém é bom, os outros pensam que esse alguém é realmente bom, e eu não sou nem um terço do que a sra. Delacroix acha que eu sou — e, bizarramente, eu estava prestes a chorar, mas me controlei.
— Espere, o que está acontecendo? — ela perguntou com uma voz maternal e uma das mãos nas minhas costas.
Eu fechei os olhos e tentei buscar forças dentro de mim para não acabar soando como uma idiota.
— É só... muito confuso. Quando as coisas finalmente começam a dar certo para mim aqui, eu recebo essa oportunidade gigante de ir para outro lugar que eu sou obrigada a negar. E o mais engraçado disso é que tudo isso é graças a você, à sua generosidade e influência, e eu estou aqui sentada como uma criança confusa e ingrata — eu desabafei e enterrei a cara nas mãos.
Maryse me encarou e eu não consegui distinguir se sua expressão era séria ou de pena, até porque só estava enxergando pelas frestas dos meus dedos.
— Sabe, , eu não a ajudei só porque você parece uma reencarnação da minha filha falecida. Foi porque eu vi muito de mim em você. Antes de conhecer meu marido, mais ou menos no início dos anos 70, as coisas eram difíceis para uma moça como eu. Para qualquer moça, na verdade. Eu não tinha capacidade de escolha e tudo o que acontecia comigo era uma imposição dos meus pais ou dos meus avós. Era assim que a minha vida funcionava, com todas as decisões da minha vida sendo tomadas por outras pessoas.
Lentamente, eu tirei as mãos do rosto para prestar mais atenção nela.
— Quando a conheci, eu percebi que a mesma coisa acontecia com você por circunstâncias diferentes. Você não conseguia o emprego certo, deixou tudo para trás e foi para a Europa, depois foi obrigada a começar tudo do zero. De certa forma, todas as decisões da sua vida foram impostas a você. Agora... você tem capacidade de escolher.
Eu pisquei.
— Eu lhe dei aquela loja porque não servia para nada para mim, mas seria muito útil para você. Aquele lugar é seu agora. Você pode escolher ficar aqui. Você pode escolher ir para Paris, e até quanto tempo você vai ficar lá. Mas a melhor parte é que ninguém pode decidir isso, a não ser você.
Meus lábios estavam comprimidos para segurar um possível choro, mas eles se esticaram em um sorriso bem largo.
— Eu não sei se eu tenho sido uma pessoa muito boa durante essa minha vida — confessei — Porque eu realmente não me lembro de ter feito algo tão bom para merecer conhecer a senhora.
Maryse pareceu emocionada. Seus olhos brilharam e ela juntou as mãos em cima do colo, com a postura ereta, sofisticada.
— Você só está sendo gentil — ela sorriu.
— Não — eu disse, séria, e abracei com força como uma criancinha — Você é uma mãezona.
Existem alguns momentos na vida onde você experimenta uma sensação de prazer que faz com que você sinta que vai ser feliz para sempre.
Eu estava tendo aquilo enquanto comia o hambúrguer.
Provavelmente meus gemidos de satisfação com aquela obra prima da cozinha americana estavam enfatizando isso. e me lançavam olhares julgadores.
— Não acredito que vocês terminaram de comer antes de mim! — protestei, pegando as batatas fritas que estavam no prato.
— Deve ser porque nós só comemos um, não acha? — sugeriu.
— O que há com você, ? Está comendo como um troll faminto ultimamente — disse.
— Eu como quando estou nervosa! — falei, de boca cheia.
— E por que você estaria nervosa? — franziu o cenho.
Excelente pergunta, meu amigo. Infelizmente, eu não podia responder com todos os detalhes.
— Porque eu... só estou pensando — murmurei.
pareceu satisfeito com a resposta.
— Realmente, você não faz isso com muita frequência.
— Eu vou bater na sua cabeça com o prato — ameacei.
entrou apressada no O’Neills, parecendo um esquimó com seu casaco gigante Parka que ela usava na rua. Ela o tirou, graças ao aquecedor do pub, ficando apenas com o casaco chique que “não esquentava o suficiente”.
— Desculpem, sei que estou atrasada para o jantar — ela falou, sem fôlego, sentando ao lado de — mas tenho boas notícias. Consegui alugar o apartamento!
Nós três aplaudimos.
— Isso é ótimo, irmãzinha. Onde fica? — quis saber.
— Hell’s Kitchen — ela respondeu sorridente.
— E tem uma cozinha enorme — acrescentei.
— Espero me mudar logo, mas preciso dar um jeito nos móveis. , preciso da sua ajuda com isso — me encarou e eu fiz um grande “sim” mexendo a cabeça — Mas nós quatro podemos passar o ano novo lá, então inventem alguma desculpa para estarem ocupados se mamãe os convidar para a casa dela!
— Cruel — riu, claramente aprovando a ideia.
— Mas e a Times Square? — fez uma cara triste.
se virou para ele.
— Não passamos o ano novo na Times Square desde a faculdade — afirmou ela.
— Eu sei — beliscou a bochecha dela — Mas eu e a precisamos de uma nova piada interna implicante.
— Sim — concordei, e olhei para — porque você estragou a do Hanuká.
— Ah, é? Interessante — ele comentou, passando o braço ao redor da minha cintura para fazer cócegas na minha barriga. Eu tentei lutar e me livrar, mas ele me segurou com mais força ainda, então acabei cedendo. Pelo menos sua mão estava quente na minha pele.
e nos observavam com cara de quem tinha visto algo bem nojento.
— Sabem, é estranho ver vocês assim — ela falou, olhando para as próprias unhas.
— Por que estranho? Nós sempre fomos próximos — retruquei.
— Sim, mas nós não sabíamos que a proximidade de vocês era tão profunda e envolvia nudez — disse, com uma careta.
— Nudez? — eu perguntei, confusa — Quem falou de nudez?
— Sim, nós entramos para uma seita onde temos que usar capas de Jedi e não somos permitidos a observar a anatomia um do outro durante o ato — falou, bem sério.
jogou o resto das batatas fritas em nós.
— Vocês não levam nada a sério!
— Você está falando de nós em um jeito bem privado e quer que nós levemos a sério? — riu.
Ela estalou a língua.
— Está bem. Mas vocês precisam responder algumas das nossas perguntas.
— Nós fizemos algumas teorias de como isso — gesticulou na direção de nós dois — aconteceu.
Aquilo era o tipo de coisa que não se ouvia todo dia.
— Manda — pedi.
— A primeira — ergueu o dedo indicador — está apaixonado por ...
— Não sei como eu não previ essa — revirou os olhos.
— ... e propôs a amizade colorida para tentar algo mais — ele completou.
— Errado — anunciei — Fui eu quem propus.
Os dois pareceram chocados.
— Você estava tão desesperada assim? — quis saber.
mostrou o dedo do meio para ela.
— A teoria número dois é, na verdade, uma pergunta — falou — Vocês estão saindo com outras pessoas?
Eu e nos entreolhamos. Ergui os ombros para dizer que eu não me incomodava de dizer a verdade, para variar, então ele entregou:
— Não.
— E por quê? — perguntou, como um detetive.
— Nós não conhecemos ninguém interessante ultimamente — respondi rapidamente. olhou para mim, e eu pude identificar a surpresa em seus olhos. De alguma forma, não me senti confortável em compartilhar a informação de “sermos exclusivos”.
Na verdade, não estava mais nem me sentindo confortável em pensar nisso.
— Bem, já que a teoria um foi refutada, isso muda muita coisa... — refletiu — Nós poderíamos repensar para que estivesse apaixonada, mas, bem, ela é a .
— Obrigada — agradeci sinceramente.
— Então, mais uma pergunta — ela estreitou os olhos — Caso alguém apareça, mas para o , você ficaria com ciúmes?
— Claro que não! — exclamei — Não é como se eu fosse sua dona ou sua... qualquer coisa, além de melhor amiga.
— O que me lembra da teoria de que não é bom de cama — falou.
— Ah, vão para o inferno — grunhiu.
— Agora você simplesmente está completamente errado, — eu sorri, colocando uma mão sobre o abdômen de e encostando a cabeça em seu peito — Eu compartilharia detalhes para provar meu ponto de vista, mas pode ser chocante demais para as pessoas desse bar.
— Ugh, eu vou vomitar — chiou, com uma careta — É do meu irmão gêmeo que estamos falando. A maior quantidade de informações pessoais que compartilhamos foi no útero da mamãe.
— Bem, foram vocês quem quiseram saber — respondeu, orgulhoso, e beijou o topo da minha cabeça.
— Vocês são estranhos — concluiu, erguendo a mão para chamar a garçonete para a próxima rodada.
Recebi uma mensagem de Claude Delacroix dizendo que ela “havia dado um jeito de conseguir meu número” e que “mal podia esperar para ouvir de mim de novo”. É claro que aquilo me deixou perturbada, provavelmente pelo resto da semana, então tive que parar no meio do caminho e comprar um picolé.
Estavam fazendo três graus.
Meu celular tocou de novo, mas vi que era antes que eu ficasse nervosa e atendi:
— Alô? — falei, com a boca congelada.
— Ei! Está ocupada?
— Não, só andando pela Sétima Avenida — respondi casualmente — O que foi?
— Hum — ela murmurou — Eu gostaria de conversar sobre algo com você, mas queria que estivesse em um lugar mais privado.
Eu ri.
— , eu não estou usando o viva-voz e nem vou fofocar para os desconhecidos que vir na rua. Qual o problema?
Eu não estava vendo-a, mas podia imaginar coçando a cabeça ou roendo as unhas enquanto andava em zigue zague.
— Gostaria que você me desse uns conselhos... — ela começou, mas não concluiu o pensamento.
— Hein? — franzi a testa.
— Sobre o que fazer. Você sabe, na cama.
— Oh! — eu exclamei.
— Não que eu esteja chamando você de piranha ou que a piranhice de alguém precise ser medida para que ela saiba disso, mas...
— , espere — eu pedi — Você e estão tendo problemas?
— Não! — ela praticamente gritou — Está tudo perfeito demais! Esse é o problema!
Parei de andar no meio da calçada.
— Bem, querida, eu não sou o que você chamaria de guru do amor, mas não é isso o que todas as pessoas em um relacionamento desejam?
Ela grunhiu do outro lado da linha.
— Claro. Até ele se cansar de mim.
— ! — chamei — Quer parar de ser insegura? Francamente, vocês dois. Nem Nicholas Sparks seria capaz de escrever algo assim.
— O que você quer dizer? — ela perguntou, irritada.
Encostei-me na porta de entrada de Port Authority.
— Estou dizendo que o problema de vocês dois é achar que vão perder um ao outro. Confie em mim, isso não vai acontecer. Não há nada de errado em apimentar sua relação, mas você não deve fazer isso como se você devesse algo a ele, ou como se estivesse fazendo um favor!
Ouvi o som da sua respiração abafada pela ligação.
— Tudo bem. Certo. O que eu faço? — ela perguntou — Nada muito humilhante ou assustador.
— Você está segurando papel e caneta? — perguntei.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos.
— Como você sabe?
— Céus — eu sussurrei, olhando para o teto para tentar me concentrar e segurar a gargalhada — Ok, vamos lá. Quem geralmente tem... o domínio da situação.
— Ele — confirmou — Não é assim com você e ?
— Por favor, você acha mesmo que... — comecei, mas pensando que ela poderia se sentir ofendida, limpei a garganta — Nós mantemos o equilíbrio, sabe? Não nos importamos em dividir...
— .
— Só estou sugerindo que você tome o controle eventualmente e faça o que você quer. Não esqueça que você é feminista e que o girl power esteja com você — disse eu, e ela deu risada — Além do mais, pode ter certeza que isso vai fazer com que ele saiba que você o quer tanto quanto ele a quer.
— Que bom. Achei que você fosse me dizer para usar uma fantasia ou algo parecido — ela soou aliviada.
— Achei que algo humilhante estava fora de cogitação. A não ser que você se vista de Marilyn para cantar o Parabéns Para Você — relembrei-a.
— Estou muito feliz por você ser a minha melhor amiga nesse momento.
— Não só nesse momento, como durante todo o resto da sua vida — eu falei — , que tal me contar o real motivo dessa insegurança?
Ela deveria me dar um prêmio por conhecê-la tão bem.
— Que tal nos falarmos amanhã, no jantar? — propôs. Eu respondi que sim e ela disse tchau antes de desligar.
Caminhei em direção à saída dos ônibus que vinham de Nova Jersey em um timing perfeito para encontrar o sr. e sra. McLean. Minha mãe me viu e abriu o maior sorriso que eu poderia imaginar.
— Olhe para ela, minha garota favorita — ela disse e me abraçou com força. Eu retribui o abraço com sinceridade — Você está tão magra! Está comendo direito?
— Se você fizer uma sopa de ervilha para mim, não vou recusar — falei. Estendi a mão para Troy, mas meu padrasto me puxou para um abraço que me pegou de surpresa.
Acho que vi mamãe tirando uma foto da cena com seu celular.
— Então! — eu ri, tentando não deixar o clima formal, por mais desconfortável que eu estivesse — Posso pedir um táxi, se vocês acharem melhor. Chegar em casa é fácil, mas vocês têm malas...
—Oh, filha, nós não vamos ficar no seu apartamento — mamãe contou, sorridente — Vamos para um hostel no Harlem!
Eu pisquei. De repente, me vi sem palavras.
— Mas... eu até limpei o apartamento — falei.
— Porque é isso que as pessoas normalmente fazem, mocinha — ela me censurou, depois olhou para Troy, que abria um mapa — Francamente, morei em Manhattan por anos, mas nunca vou entender essa ilha. Quanto mais velha eu fico, mais confusa ela fica. , o que é um “uber”?
— Mas por que estão pagando um hostel? — eu quis saber — Vocês moram a meia hora de distância daqui.
— Ora, não iríamos trazer a janta no ônibus de Secaucus. No hostel nós podemos cozinhar e levar a comida quentinha para os logo depois. E, bem, querida... nós sabemos como você gosta de ficar sozinha, não iríamos atrapalhar a sua privacidade.
— Mas... — eu já nem lembrava mais quantos “mas” tinha dito.
— Acho que consegui um Uber, seja lá o que isso for! — Troy pareceu animado, e minha mãe levou suas bagagens atrás dele.
Fiquei parada no meio da estação.
Minha mãe achava que eu preferia ficar sozinha a tê-la por perto.
Uau. Eu simplesmente não conseguia parar de ser babaca.
Você podia deduzir a importância do sr. no ramo da Engenharia Civil só pelo fato de ele possuir uma casa do século 19 bem no meio de Tribeca. Somente a cozinha era a metade do meu apartamento inteiro e, por alguma razão, todos decidiram se reunir nela.
— Então vocês são da Inglaterra — meu padrasto tentava compreender, e o sr. confirmou — Então como estão morando aqui?
— Graças a algo chamado Greencard — ele respondeu.
— Droga, esqueci de trazer a cerveja do papai — murmurou, colocando as bebidas na geladeira — Ele vai ficar tão desapontado.
— , para que você fosse uma decepção para o papai, seu nome tinha que ser — falou.
A sra. passou com uma bandeja que ela iria levar em direção à sala de jantar, mas parou antes para me encarar. Eu fiquei segurando minha taça de vinho, imóvel, me perguntando se deveria fazer alguma coisa, até que ela sorriu.
— Você deveria usar vermelho mais vezes! Fica tão linda!
Eu ri.
— Não tanto quanto a senhora.
Ela balançou a cabeça.
— Não seja boba. Você está maravilhosa! , ela não está linda? — ela perguntou, mas estava ocupado demais para ouvi-la. — !
— Santo Deus, mulher, você quer matar seu próprio filho? — ele se virou para ela, com a mão sobre o coração.
Ela me deu mais uma olhada não muito discreta.
— Sim, ela está linda e sabe disso — ele disse, o que aparentemente a deixou satisfeita e livre para continuar o que estava fazendo.
Segurei o braço de .
— Será que é possível que as coisas fiquem ainda mais estranhas do que isso? — questionei-a. deu de ombros e riu.
— Fazer o quê.
Seguimos pelo corredor em direção à porta dos fundos. olhou por cima dos ombros para certificar-se de que não tínhamos companhia.
— Ok, podemos ter “a conversa” agora — eu falei, rindo.
— Obrigada por me fazer sentir como se eu tivesse onze anos — ela revirou os olhos, um breve minuto de sua irritação antes do que vinha a seguir: — Estou preocupada — ela soltou, o que estava meio óbvio.
— Quer um pouco? — ofereci meu vinho.
— Não. Sim. — ela suspirou e tirou a taça da minha mão, devolvendo-a vazia em dois segundos. — Acho que meus pais não aprovam minha relação com .
Eu dei risada de novo, dessa vez para valer.
— Me diga que você não está falando sério. Seus pais amam !
— Sim, porque eles ainda acham que ele é o garoto que era nosso vizinho e brincava na rua com há vinte anos. Mas comigo, eles o veem como a pessoa pela qual eu deixei um relacionamento de mais de cinco anos, . Eu posso sentir o quão estranho isso é.
— E daí? — eu perguntei — O que exatamente eles fizeram para você achar isso?
— Eles são os meus pais — grunhiu entre os dentes.
Eu coloquei o braço sobre os ombros dela.
— Deixe eu lhe contar um segredo. Você tem 31 anos de idade. Seu conceito de felicidade não depende da aprovação dos seus pais e nem nunca dependeu. — eu disse — Talvez... talvez alguém tenha colocado um pouco de senso na cabeça deles e eles tenham percebido que jamais poderiam ter tido uma filha melhor do que você, com todas as escolhas que você já fez. Já pensou que pode ser por isso que eles não fizeram ou falaram nada até agora?
Ela fez a cara de cachorrinho que caiu da mudança.
— Você acha mesmo?
— Sim. Agora podemos, por favor, ir comer? — implorei, fazendo bico, e ela me abraçou pela cintura para irmos juntas até a sala de jantar.
estava ajudando sua mãe e a minha a arrumarem a mesa. Supostamente, Troy e o sr. deveriam estar fazendo a mesma coisa, mas Troy ainda estava abismado. Ouvi ele dizendo algo como “já estive na Inglaterra” e mais “vocês devem ser loucos”. Aquela cena corriqueira de famílias se unindo em uma só com muito barulho e um cheiro maravilhosamente agradável me fez sentir como se tivesse um buraco no estômago.
Não, não era fome. Era como se alguma coisa estivesse faltando.
— Ei — eu me aproximei de , que estava distraído com o seu Twitter no celular — Você não sente falta deles?
— Quem, minha família? — ele soou de uma forma como se eu tivesse feito uma pergunta absurda, e isso me fez encolher os ombros, meio envergonhada. — Hum, não mesmo. Sério, você não faz ideia de o quanto eles faziam o Natal se tornar algo estressante. O que tornou meu aniversário deprimente por muitos anos. — ele terminou de falar e percebeu que eu concordava com a cabeça, prestando atenção — Mas não precisa se preocupar comigo, .
— Ah, eu não estou preocupada — falei.
Ele fez cara feia.
— Não precisa ser tão sincera, também.
Todos nós ocupamos as cadeiras ao redor da ceia. Minha mãe deu um tapinha no meu braço para me relembrar de tirar os cotovelos de cima da mesa.
— Acho que deveríamos ouvir um discurso do aniversariante antes de comermos — a sra. propôs.
— Boa ideia — concordei e olhei para o teto — Pode dar uma palavrinha, Jesus?
— Muito engraçada — comentou, ficando de pé — E obrigado, sra. — ele limpou a garganta e esfregou as mãos. Ficava quase fofo quando estava nervoso. — Embora eu trabalhe falando pelos outros, nunca é fácil falar por mim mesmo ou expressar qualquer coisa de qualquer tipo. Meus amigos sabem bem disso. Mas obrigado por estarem aqui, obrigado à família que gentilmente nos abrigou na véspera de Natal, e obrigado à , por ter sido literalmente a melhor coisa que me aconteceu esse ano e em tanto tempo quanto eu consigo me lembrar. Então esse pode até ser um dos melhores aniversários que já tive até hoje.
A expressão de era tão doce e ela olhou para ele com um brilho de milhões de estrelas em seus olhos. voltou a se assentar, acanhado.
— Eles estão juntos? — mamãe sussurrou para mim, e eu confirmei sorridente — Uau. Só faltam você e mesmo.
— Mãe!
— Que adorável, querido — Catherine o elogiou — Agora, alguém gostaria de fazer uma prece?
Todos nós nos entreolhamos desconfortavelmente, inclusive o sr. , e acho que ouvi meu estômago chorar.
— Você deveria rezar em judaico — riu, dando uma cotovelada em . Ele revirou os olhos.
— Eu acho que nós já esperamos tempo demais — nos salvou — Alguém pode me passar o purê de batatas?
Nós comemos, falamos e abrimos muitas garrafas. A noite foi tão agradável quanto se poderia imaginar que seria, mas aquela sensação – aquele vazio dentro de mim – continuava incomodando toda vez que eu parava de prestar atenção em outra coisa e pensava em mim mesma. Sabe Deus há quanto tempo eu poderia estar sentindo aquilo e só ter pensado no dia em que as pessoas deveriam estar felizes e completas. Mas, bem, eu era muito boa em esconder as coisas das pessoas, principalmente de mim mesma.
— Eu mal posso acreditar no quanto essas pessoas são estúpidas — falou.
Do sofá de , nós encarávamos a televisão onde as imagens ao vivo de milhões de pessoas na Times Square esperavam pela meia noite, apertadas em seus casacos gigantes como um bando de pinguins.
— Eu realmente gostei do que fez com esse apartamento, love — disse para mim, dando uma checada no que eu e havíamos aprontado.
— É verdade, eu contrataria você se eu me importasse com essas coisas — acrescentou, o que basicamente era um grande elogio vindo dele.
— Que coincidência, eu penso a mesma coisa sobre você quando considero cometer um crime — contei a ele.
voltou para a sala, trazendo da cozinha uma bandeja com quatro Bloody Mary’s e canapés.
— Minha garota, em toda a sua glória! — aplaudi.
— Ouvi você dizer que eles são estúpidos — ela disse para o , sentando-se no espaço entre nós — Então admite que todos nós, inclusive você, já fomos estúpidos também?
— Aqueles tempos não contam — ele respondeu, com a boca cheia — Nós estávamos na faculdade e ainda achávamos que ser empurrado e pisoteado por uma multidão em um frio doloroso assistindo o show de um artista pop ruim era ser “legal”.
— Dá pra imaginar quantos grupos de quatro amigos estão lá agora se achando o máximo? — ponderei.
— Eu disse que estamos ficando velhos — disse. Eu olhei para ele, horrorizada.
— Isso não é verdade. — quando me virei para e , eles não pareciam concordar tanto comigo — Ah, qual é! Nós ainda fazemos loucuras, como sempre fizemos!
— Ninguém pode ser louco para sempre, . Qual o seu problema? Você diz que adora ser adulta, mas na verdade é tipo o Michael Jackson — apontou.
— Sim, e você é Madonna, é Paul McCartney e é a vocalista das Bangles — respondi.
— O quê? — franziu a testa.
— O que estou dizendo — continuei — É que nós não precisamos nos tornar pessoas entediantes que não se divertem só porque os anos estão passando.
levantou a mão para pedir a palavra.
— Particularmente, eu acho que nós vamos nos divertir muito hoje. Vamos abrir uma garrafa de champanhe com C de “caralho, que divertido”!
Eu enterrei o rosto nas mãos. soltou uma gargalhada.
— Caramba, nós somos mesmo um fracasso! — falou, admirado.
O repórter cobrindo o evento na Times Square começou a falar que faltava um minuto para a meia-noite, o que imediatamente instaurou um clima de ansiedade e tensão entre nós. Nós nos entreolhamos durante a contagem regressiva.
— O que vocês acham que vai acontecer esse ano? — sussurrou.
— Pode ser o melhor ano de todos — eu suspirei.
Os segundos remanescentes acabaram, as pessoas na televisão gritaram “Feliz Ano Novo!” e nós também, e e pareciam tão ridiculamente felizes quando deram seu beijo da meia-noite porque aquele era seu milionésimo ano novo juntos, mas era o primeiro juntos.
segurou a minha mão.
— Feliz ano novo, love — ele disse, e eu sorri, e toquei o rosto dele enquanto nos beijamos vagarosamente, depois seu cabelo, e ele me segurava tão firme pela cintura e pelas pernas que eu só podia pensar que aquele momento, aquele demorado um minuto, deveria significar boa sorte para um novo começo.
Eu acordei. Queria não ter feito. Não que eu estivesse tendo pensamentos suicidas ultimamente, mas acordar significava que você teria que levantar da cama e ter uma vida, o que pode ser péssimo, principalmente quando você sente que seus olhos estão queimando.
Mas pode não ser necessariamente obrigatório ao acordar na cama de .
— O que faz acordada? — ele perguntou, com uma mão debaixo da cabeça e uma nas minhas costas.
— O que você faz acordado? — eu quis saber — São...
— Oito horas da manhã — respondeu ele.
— As pessoas deveriam estar dormindo a essa hora da madrugada — eu bufei, me virando de bruços por cima dele e apoiando meus cotovelos em seu abdômen, o que poderia ter sido doloroso se ele não fosse tão maior que eu — Por que eu sinto meu estômago arder tanto? E, ugh, minha cabeça. Mayday. Preciso de uma aspirina. — cocei os olhos e fiz biquinho, mas não fui tão convincente.
me fez rolar de volta pro outro lado da cama.
— O quão de ressaca você está? — ele riu. Homem cruel.
— Bem, isso depende. Quanto eu bebi ontem? — a minha pergunta era a resposta para aquilo que eu não lembrava, mas que definitivamente sabia. Ele ergueu as sobrancelhas.
— Espero que você tenha dormido bem depois de ter roubado todos os meus travesseiros e depois ter vido dormir em cima de mim.
Eu me estiquei na cama.
— É porque você é muito confortável — sorri. Ele se levantou. — Ei, que dia é hoje? Não de número, da semana.
— Sábado — ele disse, pegando a toalha.
— Nós deveríamos sair para comer brunch! — eu cantarolei. — As pessoas fazem isso nos sábados.
— Acho que você quis dizer no domingo.
Soltei um resmungo.
— Você é um chato. Mas tem uma bunda bonita.
sorriu, como se estivesse muito orgulhoso de si mesmo.
— Ora, obrigado.
— Se bem que está precisando de um bronzeado — acrescentei, observando melhor.
Ele fechou a cara, pegou o meu sutiã que estava jogado no chão e jogou em cima de mim.
— Pare de olhar para a minha bunda e se levante. Deixei uma aspirina e um copo de água em cima do criado mudo antes de você acordar.
Eu estava sentindo que a neve iria cair muito em breve. É claro que ela não era tão fofa ao vivo quanto nos filmes e pode ser uma grande inconveniência, mas era sempre empolgante esperar por ela. É claro que a espera não era tão empolgante quando se estava com frio para porra, tonta e com fome.
— Nós já passamos por, no mínimo, cinquenta Starbucks. Porque não paramos logo em alguma? — insistiu.
Eu parei de andar, chocada.
— Você é o pior inglês que existe. Acha que o brunch é algo digno de uma franquia americana de cafés genérica? — perguntei, estupefata.
— Você vai à Starbucks pelo menos duas vezes por dia — ele reclamou.
— Não para o brunch — argumentei, e ele fez uma careta — e eu não sou inglesa.
Por mais frustrado que estivesse, ele se rendeu e eu apertei o braço dele enquanto continuamos andando.
— Sabe... — comecei — Tem algo que estou querendo contar para você há um tempo, e nem sei porque não contei antes, sabe? — perguntei. Ele parecia “saber”. — Digo, você é meu melhor amigo no mundo e poderia me ajudar a entender qualquer coisa. Você é a Thelma da minha Louise.
Isso o fez rir.
— Fico lisonjeado como você me vê de uma forma tão masculina, mas eu sou muito mais Louise do que Thelma — ele me lançou um olhar desafiador, e eu dei de ombros, rindo, como se não pudesse discordar — O que foi, love?
— Ok, você precisa se preparar para ouvir isso, porque é grande — falei — Foi oferecida à sua amiga um emprego como professora em uma escola de design.
parou de andar e olhou para mim, com os olhos arregalados.
— Não. Isso é sério?
— Sim! — eu mordi o lábio e juntei as duas mãos — E é em Paris! Dá para acreditar?
O pequeno sorriso que havia se formado em seu rosto, pronto para abrir um grande, desapareceu.
— Bem, agora eu sei que você definitivamente não está falando sério.
Eu ri, um pouco nervosa, sem entender o que ele queria dizer.
— Por que acha isso? — perguntei.
Ele passou a mão pelos cabelos e encarou o chão, mordendo o interior da bochecha.
— Certo. Foi mal. É claro que isso é uma coisa grande, mas você nem vai aceitar.
Tossi, engasgada.
— Perdão? Eu falei que já tinha decidido isso? Porque, uau, nem eu mesma me lembrava.
olhou para mim como se eu fosse louca. Não como ele já havia feito outras vezes, de um jeito que fazia com que eu me sentisse bem comigo mesma. Pelo contrário, fazia eu me sentir como se fosse péssima.
— Qual é, , você não perdeu o juízo ainda. Você acabou de conseguir tudo o que você queria, e quer mesmo que eu lembre que sua experiência na Europa não foi tão boa assim? — ele praticamente gritou. só fazia aquilo se estivesse realmente nervoso ou irritado.
O que me deixou irritada em dobro.
— Isso é totalmente diferente! São condições diferentes, e eu nunca disse que queria ir! — respondi no mesmo tom.
Ele deu uma risada sarcástica.
— Você não quer ir? Você sempre está à procura de algum lugar para escapar, porque você morre de medo de se acomodar, mesmo que seja em Nova York!
Eu cerrei os punhos com tanta força que todos os músculos dos meus braços doeram.
— Como eu poderia esperar que você entenderia? Você nunca entenderia! Oportunidades e coisas boas nunca foram uma surpresa para você! Seus pais pagaram a Columbia, lhe deram de presente seu primeiro apartamento, você já tinha uma carreira garantida, mesmo se não quisesse! Você não lembra que eu tive que trabalhar durante o ensino médio para guardar dinheiro para pagar a SVA, e mais ainda depois que meu pai saiu de casa? Ah, e bem lembrado, eu realmente perdi tudo quando tentei, desesperadamente, fugir para algum lugar onde eu poderia ter chances de começar do zero e trabalhar com o que eu realmente queria. E agora coisas realmente boas estão acontecendo na minha carreira, mas é mais fácil achar que eu sou uma desmiolada só porque agora posso escolher o que acontece na minha vida, não é? — meus gritos foram interrompidos por um barulho chato que eu levei segundos para perceber que era o celular.
estava bufando, mas não tinha coragem de olhar para mim. Tirei o celular da bolsa e o encarei.
— Ainda não acabamos — anunciei, deslizando o dedo na tela para atender — Alô?
— Oi, esse é o telefone de ? — uma voz de mulher que eu nunca tinha escutado antes perguntou.
— Você está falando com ela. Quem é?
— Aqui é Elaine ...
Antes que ela terminasse a frase, eu soube. Um flashback me atingiu como uma pancada na cabeça. Eu lembrava de ter lido aquele nome em um convite de casamento antes de rasgá-lo e jogá-lo no lixo.
— ... sua madrasta.
Eu fechei os olhos. O ar parecia ter se tornado pesado demais para respirar.
— O que está acontecendo? — eu tentei controlar minha voz trêmula, apertando o celular contra a minha bochecha.
— É o seu pai. Ele sofreu um acidente, e nós estamos no hospital Bellevue. Estou ligando para você porque... — ela respirou fundo — Porque não acho que ele vá aguentar.
— Paris? Tipo... na França? — perguntei, como uma idiota.
Claude riu de mim, mas com classe.
— Desde a última vez que checamos, sim. — ela confirmou.
Eu quase soltei um suspiro derrotado. Bem, foi bom enquanto durou por três segundos e meio na minha cabeça.
— É... embora isso torne uma honra ainda maior, infelizmente eu vou ter que recusar — eu falei. Ela me olhou como se não conseguisse acreditar em mim, o que era bem possível.
— Você tem certeza disso? — Claude insistiu.
Não respondi. Eu não poderia negar Paris pela segunda vez, poderia? Eu tinha forças para isso?
Céus, que diabos eu estava pensando? Eu tinha que fazer isso. Era como se eu estivesse revivendo o início do outono. Talvez o universo estivesse me dando mais uma chance ou simplesmente zoando comigo.
— Olhe, sra. Delacroix, eu tive uma experiência um pouco desagradável alguns meses atrás com a Europa por ter feito uma grande decisão no calor do momento. Não faz muito tempo desde que eu consegui finalmente atuar na minha área, e eu tenho clientes de verdade, tenho esse lugar e um apartamento em Manhattan financiado pelo banco! De verdade, eu estou muito grata pela oportunidade, mas não sou tão fabulosa quanto a senhora deve estar pensando — confessei.
Ela me encarou profundamente, parecendo nem piscar, e deu um meio sorriso.
— Querida, você pode não ser fabulosa ou a designer mais bem sucedida de Nova York, mas não deixa de ser muito boa. Nós estamos a procura dos que são muito bons. — ela disse, pausadamente. — Esse lugar é seu, não é? — ela quis saber, e eu balancei a cabeça para confirmar que sim — Então ele pode continuar funcionando, e você continuaria fazendo seus projetos e mandando para cá. A academia tem apartamentos na cidade que são cedidos para professores convidados de fora. Você poderia morar em um durante o tempo que preferisse. Podemos fazer um contrato flexível para você, de um ano, um semestre; e dependendo da experiência, pode até ser renovado. Também seria uma ótima oportunidade de expandir sua empresa para outros lugares, não acha?
O que eu realmente achava era que aquela mulher precisava parar de falar imediatamente. Minha cabeça estava cheia demais processando aquela lista de informações e tentando formar minha opinião, dividindo os meus pensamentos em pós e contras que nem deveriam existir, para começar.
— No momento, minha resposta ainda é não — eu disse, delicadamente — Em um futuro próximo, quem sabe? Mas agora, irei negar.
— Se é assim que você deseja, irei esperar sua ligação nesse futuro próximo — ela tirou um cartão pessoal da bolsa Givenchy e me entregou — Tenho certeza que irei ouvir de você muito em breve, srta. .
Claude falava com tanta convicção que eu teria acreditado nela se não estivéssemos falando de mim. Eu fiquei de pé um pouco antes dela.
— Novamente, quero expressar o quanto estou grata por ter vindo aqui. E pelo convite. E...
— Até algum dia desses, srta. — ela estendeu a mão para que eu a apertasse. Senti como se não estivéssemos nos cumprimentando, mas sim fechando um negócio. — Não lhe desejo nada a não ser todo o sucesso do mundo.
— Eu realmente gostei do de Chelsea, mas acho que vou ficar com o de Hell’s Kitchen. Mesmo que não seja minha localização favorita, é o mais próximo do trabalho. — falou — O que você acha?
Emiti um som como o que qualquer pessoa de boca cheia faria.
— , eu chamei você para olhar os apartamentos comigo para que você pudesse dar uma opinião sobre eles — ela suspirou — E você está comendo mais um bagel?
Eu engoli e afastei o bagel da boca.
— Me desculpe, eu juro que vou ser uma conselheira melhor. Eu gostei do de Hell’s Kitchen, ele tem uma cozinha enorme. Que irônico, não acha? Uma grande cozinha em Hell’s Kitchen — eu ri, mas não achou graça — E sim, estou comendo outro bagel, estou com fome — fiz cara feia.
— Você tem estado com muita fome esses dias — ela observou.
— Ei! Isso é uma forma disfarçada de dizer que eu estou gorda? — eu perguntei.
Ela deu risada.
— O seu corpo foi programado para nunca sair do peso. Quem me dera se você estivesse, talvez assim não faria qualquer mulher com metabolismo normal se sentir um lixo humano.
— Ok, ok, eu já terminei — joguei a embalagem de papel em um lixo pelo qual passávamos na calçada — Você quer ver mais algum lugar hoje?
— Não, esses eram os únicos da minha lista — e ela realmente tinha uma lista, que ela guardou dentro da bolsa — Já estamos bem perto da casa dos meus pais, e eu estou com frio.
, assim como eu, estava usando casaco, botas, luvas e gorro; mas seu nariz estava roxo como uma amora.
— Como reagiu quando você disse que iria alugar um apartamento?
Ela me encarou, surpresa, enquanto caminhávamos.
— Como você adivinhou?
— Eu sinto o cheiro de intriga no ar — dei de ombros.
sorriu, balançando a cabeça.
— Ele ficou chateado, é claro. Mas eu não liguei. Ele só está querendo agir como a criança do jardim de infância que quer todos os brinquedos só para ele, mas eu não vou permitir. Se um dia eu e iremos dar um passo à frente na nossa relação, mesmo que seja apenas morar juntos, eu vou esperar até ser a hora certa. No momento, eu irei viver no meu próprio lugar, sozinha. — ela disse, com o queixo erguido e expressão orgulhosa.
— Ei, eu gosto de ver você assim, empoderada! — falei, colocando o braço ao redor dos ombros dela.
— Que coincidência, eu também! — ela riu, abrindo a porta da casa dos .
Ao entrar, presenciei uma das cenas que nunca imaginaria que teria a oportunidade de ver: pendurando uma estrela de LED no teto da sala de estar, com guirlandas em volta do pescoço. Pelo menos ele estava com a carrancuda de sempre. A sra. o direcionava com “mais para a esquerda” ou “mais para a direita”, enquanto observava a cena da poltrona, rindo.
— Ora, as meninas chegaram! — ela exclamou feliz, batendo palmas — Minha nossa, está um gelo lá fora! Vocês querem um chocolate quente?
— Sim, mamãe, eu aceito um vinho tinto — a corrigiu. A sra. riu e foi até a mini adega.
— Certo, já colocou a estrela de Natal, onde está a menorá do Hanuká? — perguntei.
— Nós somos anglicanos, love, não judeus — disse.
— Então foi por isso não rolou o Yom Kippur esse ano? — pareceu chocado.
— Vocês dois são muito engraçadinhos — a sra. falou, entregando uma taça de vinho para e uma para mim — A propósito, querida, liguei para a sua mãe hoje e a convidei para passar o Natal conosco. Ela adorou a ideia!
Aquilo me pegou de surpresa.
— É mesmo? Ela não me disse nada sobre isso.
Catherine arregalou os olhos.
— Acho que acabei de estragar uma surpresa — ela ergueu as mãos, como se dissesse “culpada”, e se virou para — Querido, pensei em falar com os seus pais, já que você vai ficar conosco. Você vai, não é?
— Mas é claro que vou — sorriu, charmoso, de uma forma que ele não fazia com nenhum outro conhecido. Bem, aquela não era qualquer uma. Era a mulher que o havia visto crescer e, de bônus, a mãe de sua namorada — E, por favor, não se incomode. Talvez esse ano eles me mandem um cartão de feliz aniversário. — ele murmurou a última parte, e fez carinho no cabelo dele.
A verdade: a família de é um saco. Eles nunca queriam se misturar ou fazer amizades, mesmo quando éramos vizinhos há um milhão de anos atrás. Eles são a típica família tradicional de Stanford que seguem o mesmo padrão, como uma xerox, a cada geração que passa. Quando decidiu não ser como eles, eles pareceram ter deixado de se importar com ele.
Além do mais, o aniversário de era no dia 24, e eles fazem parecer uma data insignificante comparado ao Natal.
— Eu tenho certeza que vai ser adorável estarmos todos juntos — falei — Sra. , se me der licença, eu preciso ir agora.
Ela fez uma carinha triste.
— Mas tão cedo? Hoje é sábado!
— Eu sei, mas preciso resolver um problema que não pode esperar — ergui os ombros.
— Eu levo você — disse, de imediato.
— Não, fique — coloquei a mão no ombro dele, como se isso de alguma forma me fizesse a mulher mais forte do mundo e pudesse o impedir de levantar do assento — O trânsito não está bom e eu posso chegar bem mais rápido de metrô.
Não era minha melhor desculpa, mas eu precisava ficar sozinha aquele tempo e, por mais estranho que isso soasse, especificamente sem .
Ele não respondeu, mas pareceu desapontado. Catherine me abraçou.
— Até mais, docinho. Não esqueça de ficar sempre bem aquecida!
Esfreguei as mãos, ansiosa, esperando as portas do elevador se abrirem. E quando elas finalmente abriram, fui recebida por uma sra. Hall muito elegante. Sério. O seu cabelo estava brilhoso e escovado e ela usava um vestidinho verde água até os joelhos que combinavam com suas sandálias delicadas.
Eu me perguntava se aquele era o seu look normal para ficar em casa.
— Se eu soubesse que você viria, teria preparado uma recepção melhor. — ela sorriu e me deu um abraço.
— Por favor, não se incomode comigo. E espero mesmo não estar atrapalhando, sei que avisei em cima da hora — falei.
— Bobagem — ela gesticulou enquanto andávamos pela sala de estar — Você sabe que é sempre bem-vinda nessa casa. Aceita madeleines?
Eu queria recusar, mas ao ver os biscoitinhos em cima da mesa meu estômago quase implorou em três idiomas diferentes em voz alta.
Nós nos sentamos no sofá, e eu me senti observada por olhos curiosos enquanto comia as madeleines.
— Então, , o que a trouxe aqui? Eu não deveria me preocupar, deveria? — Maryse perguntou. Dei uma risadinha.
— Definitivamente não — então respirei fundo, como se o que eu fosse dizer exigisse muita coragem. Eu sabia que, lá dentro, exigia mesmo — A senhora conhece uma mulher chamada Claude Delacroix?
Maryse franziu a testa.
— Sim, conheço. É uma das minhas amigas mais queridas.
Cocei a nuca. Aquilo era resposta o suficiente para mim, mas eu não iria simplesmente levantar e ir embora. Poderia conseguir mais informações específicas.
— E a senhora, por acaso, falou de mim para ela?
Ela pareceu confusa, como se eu estivesse falando de algo muito estúpido ou muito óbvio.
— Ora, é claro! Ela também é uma designer de interiores, mas agora atua como profess...
— Sim, eu sei, ela fez um convite para que eu me juntasse ao corpo docente — murmurei.
Maryse parecia não saber dessa parte.
— Uau, isso é uma tremenda notícia! Parabéns, ! — ela afagou o meu ombro e, ao ver que eu a olhava com uma cara meio cética, ela logo acrescentou: — Eu juro que não tive nada a ver com isso.
— Bem, a senhora teve, sim — eu falei — Porque quando pessoas como a senhora dizem que alguém é bom, os outros pensam que esse alguém é realmente bom, e eu não sou nem um terço do que a sra. Delacroix acha que eu sou — e, bizarramente, eu estava prestes a chorar, mas me controlei.
— Espere, o que está acontecendo? — ela perguntou com uma voz maternal e uma das mãos nas minhas costas.
Eu fechei os olhos e tentei buscar forças dentro de mim para não acabar soando como uma idiota.
— É só... muito confuso. Quando as coisas finalmente começam a dar certo para mim aqui, eu recebo essa oportunidade gigante de ir para outro lugar que eu sou obrigada a negar. E o mais engraçado disso é que tudo isso é graças a você, à sua generosidade e influência, e eu estou aqui sentada como uma criança confusa e ingrata — eu desabafei e enterrei a cara nas mãos.
Maryse me encarou e eu não consegui distinguir se sua expressão era séria ou de pena, até porque só estava enxergando pelas frestas dos meus dedos.
— Sabe, , eu não a ajudei só porque você parece uma reencarnação da minha filha falecida. Foi porque eu vi muito de mim em você. Antes de conhecer meu marido, mais ou menos no início dos anos 70, as coisas eram difíceis para uma moça como eu. Para qualquer moça, na verdade. Eu não tinha capacidade de escolha e tudo o que acontecia comigo era uma imposição dos meus pais ou dos meus avós. Era assim que a minha vida funcionava, com todas as decisões da minha vida sendo tomadas por outras pessoas.
Lentamente, eu tirei as mãos do rosto para prestar mais atenção nela.
— Quando a conheci, eu percebi que a mesma coisa acontecia com você por circunstâncias diferentes. Você não conseguia o emprego certo, deixou tudo para trás e foi para a Europa, depois foi obrigada a começar tudo do zero. De certa forma, todas as decisões da sua vida foram impostas a você. Agora... você tem capacidade de escolher.
Eu pisquei.
— Eu lhe dei aquela loja porque não servia para nada para mim, mas seria muito útil para você. Aquele lugar é seu agora. Você pode escolher ficar aqui. Você pode escolher ir para Paris, e até quanto tempo você vai ficar lá. Mas a melhor parte é que ninguém pode decidir isso, a não ser você.
Meus lábios estavam comprimidos para segurar um possível choro, mas eles se esticaram em um sorriso bem largo.
— Eu não sei se eu tenho sido uma pessoa muito boa durante essa minha vida — confessei — Porque eu realmente não me lembro de ter feito algo tão bom para merecer conhecer a senhora.
Maryse pareceu emocionada. Seus olhos brilharam e ela juntou as mãos em cima do colo, com a postura ereta, sofisticada.
— Você só está sendo gentil — ela sorriu.
— Não — eu disse, séria, e abracei com força como uma criancinha — Você é uma mãezona.
Existem alguns momentos na vida onde você experimenta uma sensação de prazer que faz com que você sinta que vai ser feliz para sempre.
Eu estava tendo aquilo enquanto comia o hambúrguer.
Provavelmente meus gemidos de satisfação com aquela obra prima da cozinha americana estavam enfatizando isso. e me lançavam olhares julgadores.
— Não acredito que vocês terminaram de comer antes de mim! — protestei, pegando as batatas fritas que estavam no prato.
— Deve ser porque nós só comemos um, não acha? — sugeriu.
— O que há com você, ? Está comendo como um troll faminto ultimamente — disse.
— Eu como quando estou nervosa! — falei, de boca cheia.
— E por que você estaria nervosa? — franziu o cenho.
Excelente pergunta, meu amigo. Infelizmente, eu não podia responder com todos os detalhes.
— Porque eu... só estou pensando — murmurei.
pareceu satisfeito com a resposta.
— Realmente, você não faz isso com muita frequência.
— Eu vou bater na sua cabeça com o prato — ameacei.
entrou apressada no O’Neills, parecendo um esquimó com seu casaco gigante Parka que ela usava na rua. Ela o tirou, graças ao aquecedor do pub, ficando apenas com o casaco chique que “não esquentava o suficiente”.
— Desculpem, sei que estou atrasada para o jantar — ela falou, sem fôlego, sentando ao lado de — mas tenho boas notícias. Consegui alugar o apartamento!
Nós três aplaudimos.
— Isso é ótimo, irmãzinha. Onde fica? — quis saber.
— Hell’s Kitchen — ela respondeu sorridente.
— E tem uma cozinha enorme — acrescentei.
— Espero me mudar logo, mas preciso dar um jeito nos móveis. , preciso da sua ajuda com isso — me encarou e eu fiz um grande “sim” mexendo a cabeça — Mas nós quatro podemos passar o ano novo lá, então inventem alguma desculpa para estarem ocupados se mamãe os convidar para a casa dela!
— Cruel — riu, claramente aprovando a ideia.
— Mas e a Times Square? — fez uma cara triste.
se virou para ele.
— Não passamos o ano novo na Times Square desde a faculdade — afirmou ela.
— Eu sei — beliscou a bochecha dela — Mas eu e a precisamos de uma nova piada interna implicante.
— Sim — concordei, e olhei para — porque você estragou a do Hanuká.
— Ah, é? Interessante — ele comentou, passando o braço ao redor da minha cintura para fazer cócegas na minha barriga. Eu tentei lutar e me livrar, mas ele me segurou com mais força ainda, então acabei cedendo. Pelo menos sua mão estava quente na minha pele.
e nos observavam com cara de quem tinha visto algo bem nojento.
— Sabem, é estranho ver vocês assim — ela falou, olhando para as próprias unhas.
— Por que estranho? Nós sempre fomos próximos — retruquei.
— Sim, mas nós não sabíamos que a proximidade de vocês era tão profunda e envolvia nudez — disse, com uma careta.
— Nudez? — eu perguntei, confusa — Quem falou de nudez?
— Sim, nós entramos para uma seita onde temos que usar capas de Jedi e não somos permitidos a observar a anatomia um do outro durante o ato — falou, bem sério.
jogou o resto das batatas fritas em nós.
— Vocês não levam nada a sério!
— Você está falando de nós em um jeito bem privado e quer que nós levemos a sério? — riu.
Ela estalou a língua.
— Está bem. Mas vocês precisam responder algumas das nossas perguntas.
— Nós fizemos algumas teorias de como isso — gesticulou na direção de nós dois — aconteceu.
Aquilo era o tipo de coisa que não se ouvia todo dia.
— Manda — pedi.
— A primeira — ergueu o dedo indicador — está apaixonado por ...
— Não sei como eu não previ essa — revirou os olhos.
— ... e propôs a amizade colorida para tentar algo mais — ele completou.
— Errado — anunciei — Fui eu quem propus.
Os dois pareceram chocados.
— Você estava tão desesperada assim? — quis saber.
mostrou o dedo do meio para ela.
— A teoria número dois é, na verdade, uma pergunta — falou — Vocês estão saindo com outras pessoas?
Eu e nos entreolhamos. Ergui os ombros para dizer que eu não me incomodava de dizer a verdade, para variar, então ele entregou:
— Não.
— E por quê? — perguntou, como um detetive.
— Nós não conhecemos ninguém interessante ultimamente — respondi rapidamente. olhou para mim, e eu pude identificar a surpresa em seus olhos. De alguma forma, não me senti confortável em compartilhar a informação de “sermos exclusivos”.
Na verdade, não estava mais nem me sentindo confortável em pensar nisso.
— Bem, já que a teoria um foi refutada, isso muda muita coisa... — refletiu — Nós poderíamos repensar para que estivesse apaixonada, mas, bem, ela é a .
— Obrigada — agradeci sinceramente.
— Então, mais uma pergunta — ela estreitou os olhos — Caso alguém apareça, mas para o , você ficaria com ciúmes?
— Claro que não! — exclamei — Não é como se eu fosse sua dona ou sua... qualquer coisa, além de melhor amiga.
— O que me lembra da teoria de que não é bom de cama — falou.
— Ah, vão para o inferno — grunhiu.
— Agora você simplesmente está completamente errado, — eu sorri, colocando uma mão sobre o abdômen de e encostando a cabeça em seu peito — Eu compartilharia detalhes para provar meu ponto de vista, mas pode ser chocante demais para as pessoas desse bar.
— Ugh, eu vou vomitar — chiou, com uma careta — É do meu irmão gêmeo que estamos falando. A maior quantidade de informações pessoais que compartilhamos foi no útero da mamãe.
— Bem, foram vocês quem quiseram saber — respondeu, orgulhoso, e beijou o topo da minha cabeça.
— Vocês são estranhos — concluiu, erguendo a mão para chamar a garçonete para a próxima rodada.
Recebi uma mensagem de Claude Delacroix dizendo que ela “havia dado um jeito de conseguir meu número” e que “mal podia esperar para ouvir de mim de novo”. É claro que aquilo me deixou perturbada, provavelmente pelo resto da semana, então tive que parar no meio do caminho e comprar um picolé.
Estavam fazendo três graus.
Meu celular tocou de novo, mas vi que era antes que eu ficasse nervosa e atendi:
— Alô? — falei, com a boca congelada.
— Ei! Está ocupada?
— Não, só andando pela Sétima Avenida — respondi casualmente — O que foi?
— Hum — ela murmurou — Eu gostaria de conversar sobre algo com você, mas queria que estivesse em um lugar mais privado.
Eu ri.
— , eu não estou usando o viva-voz e nem vou fofocar para os desconhecidos que vir na rua. Qual o problema?
Eu não estava vendo-a, mas podia imaginar coçando a cabeça ou roendo as unhas enquanto andava em zigue zague.
— Gostaria que você me desse uns conselhos... — ela começou, mas não concluiu o pensamento.
— Hein? — franzi a testa.
— Sobre o que fazer. Você sabe, na cama.
— Oh! — eu exclamei.
— Não que eu esteja chamando você de piranha ou que a piranhice de alguém precise ser medida para que ela saiba disso, mas...
— , espere — eu pedi — Você e estão tendo problemas?
— Não! — ela praticamente gritou — Está tudo perfeito demais! Esse é o problema!
Parei de andar no meio da calçada.
— Bem, querida, eu não sou o que você chamaria de guru do amor, mas não é isso o que todas as pessoas em um relacionamento desejam?
Ela grunhiu do outro lado da linha.
— Claro. Até ele se cansar de mim.
— ! — chamei — Quer parar de ser insegura? Francamente, vocês dois. Nem Nicholas Sparks seria capaz de escrever algo assim.
— O que você quer dizer? — ela perguntou, irritada.
Encostei-me na porta de entrada de Port Authority.
— Estou dizendo que o problema de vocês dois é achar que vão perder um ao outro. Confie em mim, isso não vai acontecer. Não há nada de errado em apimentar sua relação, mas você não deve fazer isso como se você devesse algo a ele, ou como se estivesse fazendo um favor!
Ouvi o som da sua respiração abafada pela ligação.
— Tudo bem. Certo. O que eu faço? — ela perguntou — Nada muito humilhante ou assustador.
— Você está segurando papel e caneta? — perguntei.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos.
— Como você sabe?
— Céus — eu sussurrei, olhando para o teto para tentar me concentrar e segurar a gargalhada — Ok, vamos lá. Quem geralmente tem... o domínio da situação.
— Ele — confirmou — Não é assim com você e ?
— Por favor, você acha mesmo que... — comecei, mas pensando que ela poderia se sentir ofendida, limpei a garganta — Nós mantemos o equilíbrio, sabe? Não nos importamos em dividir...
— .
— Só estou sugerindo que você tome o controle eventualmente e faça o que você quer. Não esqueça que você é feminista e que o girl power esteja com você — disse eu, e ela deu risada — Além do mais, pode ter certeza que isso vai fazer com que ele saiba que você o quer tanto quanto ele a quer.
— Que bom. Achei que você fosse me dizer para usar uma fantasia ou algo parecido — ela soou aliviada.
— Achei que algo humilhante estava fora de cogitação. A não ser que você se vista de Marilyn para cantar o Parabéns Para Você — relembrei-a.
— Estou muito feliz por você ser a minha melhor amiga nesse momento.
— Não só nesse momento, como durante todo o resto da sua vida — eu falei — , que tal me contar o real motivo dessa insegurança?
Ela deveria me dar um prêmio por conhecê-la tão bem.
— Que tal nos falarmos amanhã, no jantar? — propôs. Eu respondi que sim e ela disse tchau antes de desligar.
Caminhei em direção à saída dos ônibus que vinham de Nova Jersey em um timing perfeito para encontrar o sr. e sra. McLean. Minha mãe me viu e abriu o maior sorriso que eu poderia imaginar.
— Olhe para ela, minha garota favorita — ela disse e me abraçou com força. Eu retribui o abraço com sinceridade — Você está tão magra! Está comendo direito?
— Se você fizer uma sopa de ervilha para mim, não vou recusar — falei. Estendi a mão para Troy, mas meu padrasto me puxou para um abraço que me pegou de surpresa.
Acho que vi mamãe tirando uma foto da cena com seu celular.
— Então! — eu ri, tentando não deixar o clima formal, por mais desconfortável que eu estivesse — Posso pedir um táxi, se vocês acharem melhor. Chegar em casa é fácil, mas vocês têm malas...
—Oh, filha, nós não vamos ficar no seu apartamento — mamãe contou, sorridente — Vamos para um hostel no Harlem!
Eu pisquei. De repente, me vi sem palavras.
— Mas... eu até limpei o apartamento — falei.
— Porque é isso que as pessoas normalmente fazem, mocinha — ela me censurou, depois olhou para Troy, que abria um mapa — Francamente, morei em Manhattan por anos, mas nunca vou entender essa ilha. Quanto mais velha eu fico, mais confusa ela fica. , o que é um “uber”?
— Mas por que estão pagando um hostel? — eu quis saber — Vocês moram a meia hora de distância daqui.
— Ora, não iríamos trazer a janta no ônibus de Secaucus. No hostel nós podemos cozinhar e levar a comida quentinha para os logo depois. E, bem, querida... nós sabemos como você gosta de ficar sozinha, não iríamos atrapalhar a sua privacidade.
— Mas... — eu já nem lembrava mais quantos “mas” tinha dito.
— Acho que consegui um Uber, seja lá o que isso for! — Troy pareceu animado, e minha mãe levou suas bagagens atrás dele.
Fiquei parada no meio da estação.
Minha mãe achava que eu preferia ficar sozinha a tê-la por perto.
Uau. Eu simplesmente não conseguia parar de ser babaca.
Você podia deduzir a importância do sr. no ramo da Engenharia Civil só pelo fato de ele possuir uma casa do século 19 bem no meio de Tribeca. Somente a cozinha era a metade do meu apartamento inteiro e, por alguma razão, todos decidiram se reunir nela.
— Então vocês são da Inglaterra — meu padrasto tentava compreender, e o sr. confirmou — Então como estão morando aqui?
— Graças a algo chamado Greencard — ele respondeu.
— Droga, esqueci de trazer a cerveja do papai — murmurou, colocando as bebidas na geladeira — Ele vai ficar tão desapontado.
— , para que você fosse uma decepção para o papai, seu nome tinha que ser — falou.
A sra. passou com uma bandeja que ela iria levar em direção à sala de jantar, mas parou antes para me encarar. Eu fiquei segurando minha taça de vinho, imóvel, me perguntando se deveria fazer alguma coisa, até que ela sorriu.
— Você deveria usar vermelho mais vezes! Fica tão linda!
Eu ri.
— Não tanto quanto a senhora.
Ela balançou a cabeça.
— Não seja boba. Você está maravilhosa! , ela não está linda? — ela perguntou, mas estava ocupado demais para ouvi-la. — !
— Santo Deus, mulher, você quer matar seu próprio filho? — ele se virou para ela, com a mão sobre o coração.
Ela me deu mais uma olhada não muito discreta.
— Sim, ela está linda e sabe disso — ele disse, o que aparentemente a deixou satisfeita e livre para continuar o que estava fazendo.
Segurei o braço de .
— Será que é possível que as coisas fiquem ainda mais estranhas do que isso? — questionei-a. deu de ombros e riu.
— Fazer o quê.
Seguimos pelo corredor em direção à porta dos fundos. olhou por cima dos ombros para certificar-se de que não tínhamos companhia.
— Ok, podemos ter “a conversa” agora — eu falei, rindo.
— Obrigada por me fazer sentir como se eu tivesse onze anos — ela revirou os olhos, um breve minuto de sua irritação antes do que vinha a seguir: — Estou preocupada — ela soltou, o que estava meio óbvio.
— Quer um pouco? — ofereci meu vinho.
— Não. Sim. — ela suspirou e tirou a taça da minha mão, devolvendo-a vazia em dois segundos. — Acho que meus pais não aprovam minha relação com .
Eu dei risada de novo, dessa vez para valer.
— Me diga que você não está falando sério. Seus pais amam !
— Sim, porque eles ainda acham que ele é o garoto que era nosso vizinho e brincava na rua com há vinte anos. Mas comigo, eles o veem como a pessoa pela qual eu deixei um relacionamento de mais de cinco anos, . Eu posso sentir o quão estranho isso é.
— E daí? — eu perguntei — O que exatamente eles fizeram para você achar isso?
— Eles são os meus pais — grunhiu entre os dentes.
Eu coloquei o braço sobre os ombros dela.
— Deixe eu lhe contar um segredo. Você tem 31 anos de idade. Seu conceito de felicidade não depende da aprovação dos seus pais e nem nunca dependeu. — eu disse — Talvez... talvez alguém tenha colocado um pouco de senso na cabeça deles e eles tenham percebido que jamais poderiam ter tido uma filha melhor do que você, com todas as escolhas que você já fez. Já pensou que pode ser por isso que eles não fizeram ou falaram nada até agora?
Ela fez a cara de cachorrinho que caiu da mudança.
— Você acha mesmo?
— Sim. Agora podemos, por favor, ir comer? — implorei, fazendo bico, e ela me abraçou pela cintura para irmos juntas até a sala de jantar.
estava ajudando sua mãe e a minha a arrumarem a mesa. Supostamente, Troy e o sr. deveriam estar fazendo a mesma coisa, mas Troy ainda estava abismado. Ouvi ele dizendo algo como “já estive na Inglaterra” e mais “vocês devem ser loucos”. Aquela cena corriqueira de famílias se unindo em uma só com muito barulho e um cheiro maravilhosamente agradável me fez sentir como se tivesse um buraco no estômago.
Não, não era fome. Era como se alguma coisa estivesse faltando.
— Ei — eu me aproximei de , que estava distraído com o seu Twitter no celular — Você não sente falta deles?
— Quem, minha família? — ele soou de uma forma como se eu tivesse feito uma pergunta absurda, e isso me fez encolher os ombros, meio envergonhada. — Hum, não mesmo. Sério, você não faz ideia de o quanto eles faziam o Natal se tornar algo estressante. O que tornou meu aniversário deprimente por muitos anos. — ele terminou de falar e percebeu que eu concordava com a cabeça, prestando atenção — Mas não precisa se preocupar comigo, .
— Ah, eu não estou preocupada — falei.
Ele fez cara feia.
— Não precisa ser tão sincera, também.
Todos nós ocupamos as cadeiras ao redor da ceia. Minha mãe deu um tapinha no meu braço para me relembrar de tirar os cotovelos de cima da mesa.
— Acho que deveríamos ouvir um discurso do aniversariante antes de comermos — a sra. propôs.
— Boa ideia — concordei e olhei para o teto — Pode dar uma palavrinha, Jesus?
— Muito engraçada — comentou, ficando de pé — E obrigado, sra. — ele limpou a garganta e esfregou as mãos. Ficava quase fofo quando estava nervoso. — Embora eu trabalhe falando pelos outros, nunca é fácil falar por mim mesmo ou expressar qualquer coisa de qualquer tipo. Meus amigos sabem bem disso. Mas obrigado por estarem aqui, obrigado à família que gentilmente nos abrigou na véspera de Natal, e obrigado à , por ter sido literalmente a melhor coisa que me aconteceu esse ano e em tanto tempo quanto eu consigo me lembrar. Então esse pode até ser um dos melhores aniversários que já tive até hoje.
A expressão de era tão doce e ela olhou para ele com um brilho de milhões de estrelas em seus olhos. voltou a se assentar, acanhado.
— Eles estão juntos? — mamãe sussurrou para mim, e eu confirmei sorridente — Uau. Só faltam você e mesmo.
— Mãe!
— Que adorável, querido — Catherine o elogiou — Agora, alguém gostaria de fazer uma prece?
Todos nós nos entreolhamos desconfortavelmente, inclusive o sr. , e acho que ouvi meu estômago chorar.
— Você deveria rezar em judaico — riu, dando uma cotovelada em . Ele revirou os olhos.
— Eu acho que nós já esperamos tempo demais — nos salvou — Alguém pode me passar o purê de batatas?
Nós comemos, falamos e abrimos muitas garrafas. A noite foi tão agradável quanto se poderia imaginar que seria, mas aquela sensação – aquele vazio dentro de mim – continuava incomodando toda vez que eu parava de prestar atenção em outra coisa e pensava em mim mesma. Sabe Deus há quanto tempo eu poderia estar sentindo aquilo e só ter pensado no dia em que as pessoas deveriam estar felizes e completas. Mas, bem, eu era muito boa em esconder as coisas das pessoas, principalmente de mim mesma.
— Eu mal posso acreditar no quanto essas pessoas são estúpidas — falou.
Do sofá de , nós encarávamos a televisão onde as imagens ao vivo de milhões de pessoas na Times Square esperavam pela meia noite, apertadas em seus casacos gigantes como um bando de pinguins.
— Eu realmente gostei do que fez com esse apartamento, love — disse para mim, dando uma checada no que eu e havíamos aprontado.
— É verdade, eu contrataria você se eu me importasse com essas coisas — acrescentou, o que basicamente era um grande elogio vindo dele.
— Que coincidência, eu penso a mesma coisa sobre você quando considero cometer um crime — contei a ele.
voltou para a sala, trazendo da cozinha uma bandeja com quatro Bloody Mary’s e canapés.
— Minha garota, em toda a sua glória! — aplaudi.
— Ouvi você dizer que eles são estúpidos — ela disse para o , sentando-se no espaço entre nós — Então admite que todos nós, inclusive você, já fomos estúpidos também?
— Aqueles tempos não contam — ele respondeu, com a boca cheia — Nós estávamos na faculdade e ainda achávamos que ser empurrado e pisoteado por uma multidão em um frio doloroso assistindo o show de um artista pop ruim era ser “legal”.
— Dá pra imaginar quantos grupos de quatro amigos estão lá agora se achando o máximo? — ponderei.
— Eu disse que estamos ficando velhos — disse. Eu olhei para ele, horrorizada.
— Isso não é verdade. — quando me virei para e , eles não pareciam concordar tanto comigo — Ah, qual é! Nós ainda fazemos loucuras, como sempre fizemos!
— Ninguém pode ser louco para sempre, . Qual o seu problema? Você diz que adora ser adulta, mas na verdade é tipo o Michael Jackson — apontou.
— Sim, e você é Madonna, é Paul McCartney e é a vocalista das Bangles — respondi.
— O quê? — franziu a testa.
— O que estou dizendo — continuei — É que nós não precisamos nos tornar pessoas entediantes que não se divertem só porque os anos estão passando.
levantou a mão para pedir a palavra.
— Particularmente, eu acho que nós vamos nos divertir muito hoje. Vamos abrir uma garrafa de champanhe com C de “caralho, que divertido”!
Eu enterrei o rosto nas mãos. soltou uma gargalhada.
— Caramba, nós somos mesmo um fracasso! — falou, admirado.
O repórter cobrindo o evento na Times Square começou a falar que faltava um minuto para a meia-noite, o que imediatamente instaurou um clima de ansiedade e tensão entre nós. Nós nos entreolhamos durante a contagem regressiva.
— O que vocês acham que vai acontecer esse ano? — sussurrou.
— Pode ser o melhor ano de todos — eu suspirei.
Os segundos remanescentes acabaram, as pessoas na televisão gritaram “Feliz Ano Novo!” e nós também, e e pareciam tão ridiculamente felizes quando deram seu beijo da meia-noite porque aquele era seu milionésimo ano novo juntos, mas era o primeiro juntos.
segurou a minha mão.
— Feliz ano novo, love — ele disse, e eu sorri, e toquei o rosto dele enquanto nos beijamos vagarosamente, depois seu cabelo, e ele me segurava tão firme pela cintura e pelas pernas que eu só podia pensar que aquele momento, aquele demorado um minuto, deveria significar boa sorte para um novo começo.
Eu acordei. Queria não ter feito. Não que eu estivesse tendo pensamentos suicidas ultimamente, mas acordar significava que você teria que levantar da cama e ter uma vida, o que pode ser péssimo, principalmente quando você sente que seus olhos estão queimando.
Mas pode não ser necessariamente obrigatório ao acordar na cama de .
— O que faz acordada? — ele perguntou, com uma mão debaixo da cabeça e uma nas minhas costas.
— O que você faz acordado? — eu quis saber — São...
— Oito horas da manhã — respondeu ele.
— As pessoas deveriam estar dormindo a essa hora da madrugada — eu bufei, me virando de bruços por cima dele e apoiando meus cotovelos em seu abdômen, o que poderia ter sido doloroso se ele não fosse tão maior que eu — Por que eu sinto meu estômago arder tanto? E, ugh, minha cabeça. Mayday. Preciso de uma aspirina. — cocei os olhos e fiz biquinho, mas não fui tão convincente.
me fez rolar de volta pro outro lado da cama.
— O quão de ressaca você está? — ele riu. Homem cruel.
— Bem, isso depende. Quanto eu bebi ontem? — a minha pergunta era a resposta para aquilo que eu não lembrava, mas que definitivamente sabia. Ele ergueu as sobrancelhas.
— Espero que você tenha dormido bem depois de ter roubado todos os meus travesseiros e depois ter vido dormir em cima de mim.
Eu me estiquei na cama.
— É porque você é muito confortável — sorri. Ele se levantou. — Ei, que dia é hoje? Não de número, da semana.
— Sábado — ele disse, pegando a toalha.
— Nós deveríamos sair para comer brunch! — eu cantarolei. — As pessoas fazem isso nos sábados.
— Acho que você quis dizer no domingo.
Soltei um resmungo.
— Você é um chato. Mas tem uma bunda bonita.
sorriu, como se estivesse muito orgulhoso de si mesmo.
— Ora, obrigado.
— Se bem que está precisando de um bronzeado — acrescentei, observando melhor.
Ele fechou a cara, pegou o meu sutiã que estava jogado no chão e jogou em cima de mim.
— Pare de olhar para a minha bunda e se levante. Deixei uma aspirina e um copo de água em cima do criado mudo antes de você acordar.
Eu estava sentindo que a neve iria cair muito em breve. É claro que ela não era tão fofa ao vivo quanto nos filmes e pode ser uma grande inconveniência, mas era sempre empolgante esperar por ela. É claro que a espera não era tão empolgante quando se estava com frio para porra, tonta e com fome.
— Nós já passamos por, no mínimo, cinquenta Starbucks. Porque não paramos logo em alguma? — insistiu.
Eu parei de andar, chocada.
— Você é o pior inglês que existe. Acha que o brunch é algo digno de uma franquia americana de cafés genérica? — perguntei, estupefata.
— Você vai à Starbucks pelo menos duas vezes por dia — ele reclamou.
— Não para o brunch — argumentei, e ele fez uma careta — e eu não sou inglesa.
Por mais frustrado que estivesse, ele se rendeu e eu apertei o braço dele enquanto continuamos andando.
— Sabe... — comecei — Tem algo que estou querendo contar para você há um tempo, e nem sei porque não contei antes, sabe? — perguntei. Ele parecia “saber”. — Digo, você é meu melhor amigo no mundo e poderia me ajudar a entender qualquer coisa. Você é a Thelma da minha Louise.
Isso o fez rir.
— Fico lisonjeado como você me vê de uma forma tão masculina, mas eu sou muito mais Louise do que Thelma — ele me lançou um olhar desafiador, e eu dei de ombros, rindo, como se não pudesse discordar — O que foi, love?
— Ok, você precisa se preparar para ouvir isso, porque é grande — falei — Foi oferecida à sua amiga um emprego como professora em uma escola de design.
parou de andar e olhou para mim, com os olhos arregalados.
— Não. Isso é sério?
— Sim! — eu mordi o lábio e juntei as duas mãos — E é em Paris! Dá para acreditar?
O pequeno sorriso que havia se formado em seu rosto, pronto para abrir um grande, desapareceu.
— Bem, agora eu sei que você definitivamente não está falando sério.
Eu ri, um pouco nervosa, sem entender o que ele queria dizer.
— Por que acha isso? — perguntei.
Ele passou a mão pelos cabelos e encarou o chão, mordendo o interior da bochecha.
— Certo. Foi mal. É claro que isso é uma coisa grande, mas você nem vai aceitar.
Tossi, engasgada.
— Perdão? Eu falei que já tinha decidido isso? Porque, uau, nem eu mesma me lembrava.
olhou para mim como se eu fosse louca. Não como ele já havia feito outras vezes, de um jeito que fazia com que eu me sentisse bem comigo mesma. Pelo contrário, fazia eu me sentir como se fosse péssima.
— Qual é, , você não perdeu o juízo ainda. Você acabou de conseguir tudo o que você queria, e quer mesmo que eu lembre que sua experiência na Europa não foi tão boa assim? — ele praticamente gritou. só fazia aquilo se estivesse realmente nervoso ou irritado.
O que me deixou irritada em dobro.
— Isso é totalmente diferente! São condições diferentes, e eu nunca disse que queria ir! — respondi no mesmo tom.
Ele deu uma risada sarcástica.
— Você não quer ir? Você sempre está à procura de algum lugar para escapar, porque você morre de medo de se acomodar, mesmo que seja em Nova York!
Eu cerrei os punhos com tanta força que todos os músculos dos meus braços doeram.
— Como eu poderia esperar que você entenderia? Você nunca entenderia! Oportunidades e coisas boas nunca foram uma surpresa para você! Seus pais pagaram a Columbia, lhe deram de presente seu primeiro apartamento, você já tinha uma carreira garantida, mesmo se não quisesse! Você não lembra que eu tive que trabalhar durante o ensino médio para guardar dinheiro para pagar a SVA, e mais ainda depois que meu pai saiu de casa? Ah, e bem lembrado, eu realmente perdi tudo quando tentei, desesperadamente, fugir para algum lugar onde eu poderia ter chances de começar do zero e trabalhar com o que eu realmente queria. E agora coisas realmente boas estão acontecendo na minha carreira, mas é mais fácil achar que eu sou uma desmiolada só porque agora posso escolher o que acontece na minha vida, não é? — meus gritos foram interrompidos por um barulho chato que eu levei segundos para perceber que era o celular.
estava bufando, mas não tinha coragem de olhar para mim. Tirei o celular da bolsa e o encarei.
— Ainda não acabamos — anunciei, deslizando o dedo na tela para atender — Alô?
— Oi, esse é o telefone de ? — uma voz de mulher que eu nunca tinha escutado antes perguntou.
— Você está falando com ela. Quem é?
— Aqui é Elaine ...
Antes que ela terminasse a frase, eu soube. Um flashback me atingiu como uma pancada na cabeça. Eu lembrava de ter lido aquele nome em um convite de casamento antes de rasgá-lo e jogá-lo no lixo.
— ... sua madrasta.
Eu fechei os olhos. O ar parecia ter se tornado pesado demais para respirar.
— O que está acontecendo? — eu tentei controlar minha voz trêmula, apertando o celular contra a minha bochecha.
— É o seu pai. Ele sofreu um acidente, e nós estamos no hospital Bellevue. Estou ligando para você porque... — ela respirou fundo — Porque não acho que ele vá aguentar.
Capítulo 18 - Cold Little Heart
Você sabe por que, nos filmes, quando o personagem principal entra correndo em um hospital; a cena é em câmera lenta, a imagem desfocada; os sons indefinidos, abafados, distantes?
Porque é exatamente assim que você se sente.
Era como se minhas pernas nem estivessem se mexendo, pesadas demais para sair do lugar enquanto vultos com jalecos brancos e camisões azuis passavam na minha frente, atrapalhando o caminho. Aquilo não era justo. Eu não tinha tempo para pensar nos “e se”.
Especialmente, se fosse tarde demais.
Quando finalmente cheguei ao centro cirúrgico – ou melhor, ao corredor fora da sala –, não era como se eu pudesse fazer alguma coisa. Minha cabeça ainda estava doendo demais para permitir que eu me concentrasse no que estavam falando ao meu redor. Um rapaz que trabalhava no hospital havia corrido atrás de mim, talvez para garantir que eu não invadisse a cirurgia. Havia um médico e duas enfermeiras (havia outros, mas esses estavam na frente da porta de onde meu pai estava). Pessoas esperando pelos seus próprios entes queridos que estavam dentro das outras salas, ocupadas demais com a sua própria dor para sequer notar que eu havia chegado ali. estava ao meu lado – ele não havia saído do meu lado por um segundo. Elaine também estava.
Eu não conseguia olhar diretamente para ela por mais de alguns segundos. Ela era loira, tinha olhos gentis, tão jovem quanto eu tinha imaginado que ela seria. Parecia exausta, mas muito mais forte do que eu. Não queria falar com ela, mas só ela poderia me dizer o que havia acontecido e o que estava acontecendo.
— . Prazer em conhecê-la. — ela deu um sorriso cansado ao se aproximar de mim. Eu olhei para ela, perplexa. Como ela poderia estar dizendo aquilo naquele momento? Não era hora de ser simpática. — Eu não sei se você sabe, mas seu pai está trabalhando como entregador para algumas lojas. Um caminhão o atingiu na Garden State Parkway e... — ela parecia estar ficando sem ar — A culpa não foi dele.
Eu me virei de costas para ela, para os braços de .
Meu corpo tremia muito, mas minhas lágrimas eram discretas. Eu mal as havia percebido até sentir minhas bochechas, meu queixo e meu pescoço molhados.
— E se ele morrer, o que eu faço? — eu sussurrei, enquanto afagava meus cabelos, seu rosto colado no meu — E se eu não tiver tempo? E se ele nunca souber...
Engasguei com minhas próprias palavras. Escondi o rosto no casaco dele, com medo e com vergonha.
— Vai ficar tudo bem. Eu prometo — ele disse no meu ouvido. Era como se ele estivesse falando com uma criancinha; e eu me sentia assim, cada vez menor e impotente. — Você vai ver. Vai dar tudo certo.
No mesmo dia meu pai foi levado para a UTI. Eu o vi, de longe, por menos de um segundo. Foi tão rápido, mas esse não era o ponto. Havia tantos tubos nele que eu mal podia distingui-lo no meio dos equipamentos que tentavam mantê-lo vivo.
Não pude deixar de me lembrar do meu primeiro jogo dos Yankees. Para falar a verdade, não sabia como aquela lembrança poderia se encaixar naquele momento. Sam sempre ia com ele, mas eu não, porque “não era coisa de menina”, era como ele explicava, sempre carrancudo. Até que um dia eu bati o pé, insistindo que deveria ir junto. Eu tinha nove anos.
Chorei quando chegamos ao estádio porque todos tinham uma camisa do time, menos eu. Meu irmão riu de mim e disse que eu estava sendo estúpida. Meu pai mandou ele calar a boca, revirou os olhos e entregou sua própria camisa para mim, que pareceu mais uma bata gigante para uma menininha. Era desse jeito que ele demonstrava que cuidava de mim e queria me ver feliz.
Acho que me lembrei disso porque, dessa vez, era ele quem parecia ser uma criança, indefeso e necessitado de cuidado.
Eu precisava admitir que sempre havia desejado o dia em que ele me procuraria para me pedir perdão. Era mais fácil fingir que eu não me importava. Era mais fácil nem pensar sobre isso, porque eu sabia que se eu pensasse demais eu quem iria atrás dele. Minha tática funcionou por todos esses anos. Afinal, eu não podia mais ceder. Eu havia pedido para ele não nos deixar, para ele nos escolher. Deveria ser a vez ele.
E olhe só para mim agora.
voltou para a cadeira do meu lado, segurando dois cappuccinos. Eu já estava coberta com sua jaqueta, como se fosse um lençol. Ele estava se mantendo ocupado cuidando de mim.
— Pegue — ele estendeu um dos copos para mim. A ideia de comer algo, ou melhor, ingerir a bebida cremosa, me dava vontade de vomitar. Fiz uma careta. — . Sem chances que irei deixar você sem comer nada por um dia inteiro.
O cheiro de hospital não ajudava. Tinha cheiro de álcool e luvas e lenços descartáveis e antibióticos. Eu tinha pavor de hospitais. Destinos eram definidos ali. Não havia lugar mais aterrorizante.
— Não consigo — sussurrei, com o resto de voz que havia sobrado depois da choradeira. Primeiro eu havia chorado de medo, depois de raiva. Depois literalmente toda a água do meu corpo secou. — Você deveria ir para casa.
— Você também — ele disse. Havia quase uma súplica explícita nos seus olhos para que eu fosse para casa com ele.
— Você sabe que eu não posso — tentei sorrir para tranquilizá-lo ou tentar fazer ele acreditar que eu estava bem — Se ele acordar, quando — me corrigi — Quero estar aqui.
Era bem provável que não fosse acontecer, pelo menos não tão cedo. Ele estava em coma.
Os médicos me evitavam. Talvez me achassem muito escandalosa ou louca. Bem, pelo menos Elaine tinha a consideração de me contar tudo o que sabia. Baço perfurado; contusões cerebrais; algumas costelas quebradas, o que havia feito uma bagunça nos pulmões mesmo sem terem sido perfurados. Enquanto ela dizia isso, eu me sentia mais enjoada.
— está aqui — falou, depois de olhar seu celular. Nós nos levantamos para ir ao hall de entrada.
O choque foi tão grande que só nos lembramos de contar para e o que havia acontecido depois de várias e várias horas.
Quando a vi, me atirei nos seus braços. tinha um abraço tão reconfortante que todas as vezes me afetava de uma maneira diferente. Dessa vez, eu apenas respirei fundo, como se eu estivesse respirando pela primeira vez desde que havia chegado naquele lugar.
— Sinto muito que esteja passando por isso, querida. Mas logo tudo vai ficar bem.
— Eu sei — respondi, não soando tão certa quanto ela sobre isso.
— queria poder estar aqui, mas ele teve que ir à delegacia... bem, isso soou estranho, mas ele está lá com um cliente. Disse que falará com você depois.
— Está tudo bem. Você não precisava ter se dado ao trabalho também.
— Você está brincando? — ela ergueu as sobrancelhas e colocou os braços ao redor dos meus ombros — , você parece fraca. Não acha melhor ir para casa descansar um pouco?
Seria ótimo se parassem de tentar me convencer a ir embora.
— Não, . Simplesmente não posso. Tenho que ficar pelo menos essa noite porque amanhã é domingo e eu não trabalho. Mas você pode tirar seu irmão daqui — observei.
— De jeito nenhum, eu não vou deixar você aqui sozinha — ele começou, e depois nós dois estávamos tendo uma discussão (que eu estava cansada demais para ter) sobre quem estava certo ali. Vi olhando para como se ela soubesse de algo que a fizesse ter pena dele.
Os dois decidiram ficar. Bebi um pouco de água, mas ainda não conseguia comer. O hospital estava calmo naquela noite, o que era ótimo. Caso contrário, seria ainda mais torturante.
Passava de meia-noite, e pareciam cansados enquanto tentavam disfarçar os bocejos e os olhos pesados. Quase chorei para que eles fossem para casa, repetindo que ficaria bem. só aceitou porque percebeu que tinha outra garota de quem ele precisava cuidar e levou a irmã sonolenta para fora.
Sozinha no corredor, eu quase ri. Pensei em todo o tempo em que havia sido orgulhosa. No tempo em que tinha uma chance real de dizer a ele tudo o que eu tinha guardado. Se nós soubéssemos o que o futuro trama para nós, os nossos “eu” do passado jamais seriam os mesmos.
O sol nem havia nascido quando me acordou cuidadosamente – eu nem lembrava de ter caído no sono.
— Love — ele disse. Eu me assustei e dei um pulo na cadeira, tentando agir naturalmente como se a minha cabeça não parecesse estar pesando um milhão de quilos — Eu paguei um hotel aqui perto para a sra. , e você também precisa dormir. Por favor, tem um táxi a esperando lá fora. Eu fico com ele. Eu juro que se alguma coisa, qualquer coisa acontecer, eu vou ligar para você.
Levantei, o corpo meio mole, e me apoiei nele até recuperar as forças para andar.
— Eu realmente não mereço ter você como melhor amigo, não é? — perguntei.
A sua risada baixa pareceu mais um suspiro.
— Podemos decidir isso mais tarde.
Depois de acordar, meu primeiro instinto foi procurar o celular no meio da bagunça de lençóis. Eu provavelmente havia tido um sono agitado, era o que explicaria alguns dos meus travesseiros estarem no chão e o meu corpo estar numa posição que iria ferrar a minha coluna.
Só então notei que Baleia havia subido na cama e, com o seu focinho, tentava levantar a minha mão. Ao me ver reagindo e me movendo, ela começou a latir, o rabo indo com força de um lado para o outro.
— Olha só para você, estava preocupada comigo? — perguntei. Ela se esfregou em mim, parecendo uma gata, e deitou com a cabeça na minha perna. — Então você iria sentir minha falta se eu morresse. Você não me odeia, hein?
Quando achei o celular, havia dezenas de notificações de e-mails, mensagens de texto e ligações. A maioria eram clientes e o resto, irrelevante. Nada de . Havia, porém, uma mensagem de voz de .
Oi, . Está tudo bem? Quando você ouvir isso é provável que eu esteja dormindo, mas queria deixar você saber que eu fiquei com no hospital até agora a pouco. Acho que cheguei pouco antes de você sair. Não aconteceu nada com o seu pai, a propósito, mas talvez você não veja ainda hoje. O cara estava uma pilha de nervos, então eu achei que ele deveria, saber... Não foi minha melhor ideia embriagar alguém pela manhã, confesso. Mas não se preocupe, eu não bebi e o deixei em casa. Eu só ¬– tosse – fumei um pouco. Enfim. Se precisar de alguma coisa, sabe que pode me ligar, certo? Hum. Tchau.
Eu continuei segurando o celular contra a orelha por mais tempo depois que a mensagem já havia acabado. De repente, me senti muito, muito culpada. Meus amigos eram muito bons. Os melhores. Eu não merecia isso, porque sabia que tudo o que eu fazia era errado.
Com a minha cadelinha no colo, voltei finalmente a chorar. Não foi uma sensação boa ver as lágrimas de volta. Eu tinha medo de me afogar nelas.
Eu me arrumei para voltar ao hospital, mas só quando estava prestes a abrir a porta do apartamento para sair que o meu corpo me mandou um alarme. Tudo ficou escuro e eu espalmei as mãos na parede para me segurar. Eu nunca havia sentido tanta fome.
Talvez porque eu nunca tivesse ficado tanto tempo sem comida. “ sem comida” parece ser uma frase bizarra demais.
Uma coisa incrível sobre Nova York é que você pode acabar de tomar um copo de café e vai haver outra cafeteria a cinco passos de distância. Eu precisei me segurar para não entrar em todas durante o percurso, me convencendo que já havia tido cafeína o suficiente por um dia.
Elaine já estava no hospital, na recepção em frente à maquina de lanches. Eu quase a invejei por ela parecer tão calma... e bonita.
Eu apostava que eu parecia estar bem longe das duas coisas.
Olhei para ela tentando achar algo que se assemelhasse à minha mãe. Algo que tivesse feito meu pai se apaixonar por ela. Mamãe e Elaine tinham belezas diferentes. Dez anos de diferença, a voz da minha consciência comentou.
— — ela suspirou e sorriu ao me ver entrando — Boa tarde...
— Você ligou para o meu irmão? — perguntei. Não sei por que o fiz.
Ela pareceu confusa.
— Não... ele mora em Albany, certo? Achei que seria você quem deveria saber imediatamente...
— Tudo bem — falei — Eu ligo para ele.
Eu estava começando a me afastar para pegar o celular quando ela me chamou de novo.
— Ele não está mais na UTI — disse Elaine — Já pode ficar no quarto. Está no 312. Ainda estão vigiando os sinais vitais, mas é uma pequena benção. Temos sorte.
Senti meu coração apertar. Apenas balancei a cabeça, confirmando.
Eu geralmente não tinha paciência para esperar alguém me atender depois de uma certa quantidade de chamadas, mas eu estava decidida a insistir com Samuel até que ele quisesse jogar o próprio celular na parede.
Sorte dele por ter atendido antes.
— — foi seu cumprimento — Por favor, seja breve ou ligue mais tarde, estou chegando a um almoço importan...
— Papai sofreu um acidente. Não está mais na UTI, mas continua entre a vida e a morte. Ah, ele está em coma. Hospital Bellevue. Fui breve o suficiente para você?
Ele não desligou. Eu podia ouvir sua respiração pesada do outro lado da linha.
— Chegarei aí o mais rápido o possível — ele disse, com um pigarreio, e desligou.
Olhei para o adesivo grudado na minha blusa, dizendo o meu nome e VISITANTE embaixo. Eu o tirei e o joguei na lixeira mais próxima. Pelo menos eu achava que ninguém viria atrás de mim depois que a hora de visitas acabasse.
Respirei fundo antes de abrir a porta do quarto onde ele estava internado. Eu não sabia como eu iria reagir, mas com certeza não imaginava que seria daquela forma.
Era como se eu estivesse vendo um desconhecido entre as máquinas. Ele estava tão diferente – com certeza ele pensaria a mesma coisa se a situação fosse invertida. E foi isso que me impactou mais; não os hematomas roxos no seu rosto, os pontos, as bandagens e os fios conectados nele. Ele havia deixado o bigode crescer, tinha rugas ao redor dos olhos e havia ganhado peso, era perceptível, mas eu não sabia se iria perder por causa do acidente. A única coisa que continuava igual era o cabelo, da mesma cor que o meu, embora algumas partes já estivessem cinza. Estranhamente, ele parecia... ele parecia muito com um pai de família agora.
Elaine levantou da cadeira ao lado de seu marido, oferecendo silenciosamente o lugar para mim. Eu até consegui dar um pequeno sorriso agradecido para ela. Com cuidado, peguei a mão dele e coloquei sobre a minha. Ele tinha uma mão muito sólida, pesada e áspera, mas quase parecia ser de mentira porque não se movia. Eu só queria um pequeno movimento, um tremor leve nos dedos, qualquer coisa mínima para saber que ainda havia uma pessoa dentro daquele corpo ferido.
— Você quer que eu lhe deixe sozinha? — minha madrasta perguntou.
— Não — respondi, baixinho, e ainda acrescentei: — Por favor.
Sam chegou em impressionantes três horas e meia. Eu me perguntei quantas multas ele havia arranjado com essa proeza, ou se o trânsito havia o ajudado.
Meu irmão estava com o adesivo de visitante e manchas de suor na camisa apesar da temperatura. Ao entrar no quarto, ele olhou primeiro para mim. Não demonstrou nenhuma expressão. Depois, olhou para nosso pai. Seu rosto ficou meio azulado e o lábio inferior tremeu. Depois, para Elaine.
Então ele a abraçou.
— Eu sinto muito — disse ele para ela, com a voz frágil.
Pisquei, atônita.
Eu nem sabia que eles se conheciam, para começo de conversa. E eu nem conseguia me lembrar da última vez que meu irmão e eu havíamos nos abraçado.
Acho que nem precisava dizer que a cena não foi fácil de processar. Engoli com dificuldade. Me senti deslocada.
O que eu havia perdido?
— Com licença, a hora para visitas acabou — uma enfermeira falou ao abrir a porta. Eram permitidas no máximo duas pessoas por vez no quarto, então ela ficou confusa — Quem é o acompanhante?
— Eu — anunciei. Elaine deveria voltar para o hotel e eu achava que já estava pronta para ficar sozinha.
— Só mais um minuto — Sam pediu, o que soou mais como uma ameaça — Por favor. — ele também disse, talvez percebendo que não estava na sua empresa falando com seus subordinados.
A enfermeira concordou, deixando-nos. Meu irmão veio até mim. Sem abraço, é claro.
— Você está bem? — ele quis saber.
Minha respiração parecia estar alta demais.
— Vou ficar.
Tive um dos piores dias de trabalho da minha vida.
Um casal entrou na minha sala, sorridentes demais para que eu pudesse acreditar. Talvez o frio tivesse congelado suas caras, ou eram bons atores.
Infelizmente, era a segunda opção.
Quando começamos a conversar sobre o que eles queriam, os pombinhos se tornaram animais raivosos. Eu mal podia acreditar que a briga havia começado quando eu perguntei qual tamanho eles pretendiam que fosse o closet. A porra de um closet. A mulher dizia que o homem não a amava o suficiente e ele respondeu, exatamente com estas palavras, que ela era uma megera interesseira. Fiquei boquiaberta. Pedi gentilmente para que os dois se retirassem.
Odeio ser gentil quando estou irritada.
— Será que está escrito “terapia de casal” na minha porta? — sussurrei para Dorilyn, na recepção, e depois sorri e disse boa tarde para a cliente em potencial que aguardava no sofá para agendar seu horário.
— Relacionamentos são complicados, . — ela respondeu. Dorilyn finalmente havia começado a me chamar de , o que era ótimo. De repente lembrei que eu nunca havia perguntado como havia sido o seu encontro de meses atrás e me senti um pouco culpada.
Mas ela havia dito uma verdade. Eu não havia pensado muito sobre isso porque achei que relacionamentos simplesmente não faziam parte da minha vida. Não ligava se eram complicados.
Isso obviamente era mentira.
— Têm alguns e-mails novos na conta da empresa, senhorita.
Lancei um olhar para ela.
— Desculpe. Foi sem querer — ela riu, encolhendo os ombros.
— O que são? — perguntei, enchendo um copo com água no pequeno bebedouro.
— Uma companhia de design de móveis. Não abri a mensagem, mas o assunto diz Parceria.
Não pude esconder o entusiasmo. Eu tinha o curso de design de móveis na faculdade e alguns portfólios, mas nunca achei que fosse, algum dia na minha vida, ter meus móveis confeccionados.
— Também há um da Paris American Academy...
— Você pode encaminhar todos para o meu e-mail pessoal — a interrompi, rapidamente — O que tem na minha agenda para agora?
Dorilyn consultou o caderno preto ao lado do computador.
— Briefing em um apartamento próximo à Times Square — disse ela.
— Jura? — sorri, tocando o celular no bolso. Em seguida, liguei para um número que eu sabia que me atenderia assim que recebesse a chamada – e foi exatamente isso o que aconteceu — Ei, o que acha de tomar um café comigo em mais ou menos uma hora?
Vi se aproximando enquanto me distraía do cardápio. Ela estava fabulosa, monocromática, suas roupas combinando entre cinza e preto. Fiquei de pé para abraçá-la.
— Estava por perto? — ela questionou.
— Ah, sim, um cliente para reforma. Tive que dar uma olhada no local. — falei, observando tudo ao nosso redor. Os telões da Times Square estavam encandeando, como sempre, com exceção de alguns apagados. A maioria eram anúncios de programas de TV ou fotos gigantes de modelos de lingerie. Havia uma construção no meio da rua e, mesmo assim, estava cheio de gente. Sempre estava. O barulho das vozes era tão alto quanto dos veículos passando por ali.
— Um mocha com chocolate extra, por favor — pediu à garçonete, o que significava que ela não estava fingindo que estava de dieta naquele dia, graças a Deus.
— Um americano duplo para mim — acrescentei, sorrindo.
Ao ficarmos sozinhas, senti olhos verdes fixos em mim.
— Como está o sr. ? — mordeu o lábio.
Senti meu corpo afundar na cadeira.
— Vivo. Ou pelo menos existindo. Eles dizem que ele não corre mais riscos, mas... ele simplesmente não acorda. Eu sei que acabou de fazer uma semana e existem pessoas que passam meses, anos... eu só não tinha pensado que pudesse ser tão grave assim.
Ela encontrou minha mão e a apertou.
— Tenho certeza que o pior já passou.
— Sim.
— Me desculpe por não saber o que dizer.
Dei de ombros.
— Não tem por que se desculpar.
Nossas bebidas chegaram. Eu e puxamos as canecas para perto, mas nenhuma de nós bebeu. A fumaça do líquido quente era levada para longe pelo vento gelado.
— Tenho uma coisa para dizer — falamos em uníssono. Depois, falamos “você primeiro” ao mesmo tempo também. Rimos.
— Vá em frente, — eu pedi.
— Tudo bem. Você se lembra do meu chefe? Davis Monterrey? — ela perguntou.
— O editor do Times? O que tem ele?
abaixou os olhos.
— Bem... ele me chamou para conversar e disse que quer se aposentar.
Fiquei imóvel.
— Você está dizendo que... — eu realmente só entendi ao notar a expressão dela, um pequeno sorriso escondido que mal podia se conter — ! Você está falando sério?
— Ele disse que ainda ficará por no máximo um ano e meio e que eu precisava estar em uma posição que pudesse me garantir no lugar, então... — ela suspirou — Fui promovida. Sou a redatora agora.
— ! — eu dei um gritinho e coloquei as mãos sobre a boca. Ela deu uma gargalhada. — Estou tão orgulhosa de você. Meu Deus. Eu sabia que esse dia estava chegando, eu juro, eu podia sentir. Você nasceu para isso! É o destino.
Olhando para ela percebi que parecia estar se segurando muito para não chorar ou algo do tipo.
— Você não acredita em destino — ela observou e riu — Ainda não acredito que isso está acontecendo. Ou melhor, a uma perspectiva de um ano e meio...
— Eu acredito — falei — Acredito muito.
— Mas chega de falar de mim, sim? É a sua vez de me contar! — ela cruzou as mãos e apoiou o queixo nelas.
Passei a mão pelos cabelos.
— Fui convidada para dar aula em uma escola de design em Paris.
A reação dela não foi nada parecida com a minha. Era como se ela já soubesse, ou pelo menos não pareceu nem um pouco surpresa. Ela sorriu, mas seus olhos estavam tristes.
— Quando você vai? — indagou ela.
— ... — eu comecei — Não é como se eu realmente fosse.
— Por favor, . Você é a Holly Golightly. — falou, e eu revirei os olhos tentando imaginar em quanto tempo ela havia pensado o trocadilho. — Ninguém pode prender você em lugar algum do mundo. E... uau, Paris! Você também nasceu para isso. Para conquistar o mundo. É apenas quem você é.
Eu mal podia acreditar que ela estava dizendo aquilo, mesmo que fosse incrivelmente, totalmente a cara de .
Nós mudamos de assunto e começamos conversas normais, as conversas de sempre, ignorando todo o resto que estava acontecendo nas nossas vidas. Por aquele momento, podia até fingir que tinha esquecido esse resto.
Era a vez de Sam ficar no turno da noite. Ele havia decidido faltar o trabalho, o que era gentil e significava que eu poderia ter uma noite completa de sono. Mas em vez de dormir, eu abria a geladeira para ficar pensando na vida em vez de pegar alguma coisa.
Finalmente fui para o quarto. A campainha tocou.
Será que eu havia pedido pizza e havia esquecido?
Eu estava com desejo de pizza.
— Droga, eu preferia a pizza — brinquei ao abrir a porta e encontrar . Ele estava segurando uma caixa. Não era de pizza. — Da última vez que você veio até mim com uma caixa, você disse que estava apaixonado pela e abalou o meu mundo. O que vai ser agora, vocês vão ter um bebê?
— O quê? Meu Deus. Isso vai me causar alguns pesadelos, muito obrigado — ele grunhiu — Posso entrar?
— Claro — eu abri espaço para ele e fomos para o sofá. — O que você tem para mim aí?
pigarreou, como se fosse fazer uma apresentação importante.
— Passei no Target e comprei Pop-Tarts, eu sinceramente não sei como você consegue comer essa coisa cheia de corantes e aromatizantes artificiais; esse livro estava na sessão erótica e tem algemas na capa então deve ser mesmo o tipo de coisa que você lê...
Dei um tapa no ombro dele.
— E por último e mais importante, — anunciou — trouxe todos os filmes de Star Wars. Quer assisti-los na ordem ou você tem alguma preferência?
— Acho que você trocou com a caixa que leva para o — disse eu.
— Eu não levo caixas para o — ele murmurou — Responda minha pergunta.
Eu ri, abraçando as pernas em cima do sofá.
— Eu prefiro os antigos.
pegou um disco da sua coleção de DVD’s e o levou para o meu aparelho. Vê-lo animado daquele jeito não tinha preço. Ele só ficava assim com , quando recebia algum processo ou quando tinha algo a ver com Star Wars.
Cinco minutos de filme foi o máximo que eu consegui ficar sem falar nada.
— ?
— Oi, .
— Está acontecendo alguma coisa com você?
O.k., era ainda pior do que eu quando se tratava de lidar com pessoas. Mas ele tinha seu peculiar jeito de demonstrar que se importava.
— Só quero que você saiba que... hum, você sabe — ele falou. Ergui uma sobrancelha. — Que eu estou aqui. Para o que precisar, é só... hum. E que o seu pai vai acordar. Eu tenho certeza que ele vai, porque eu respeito muito a sua mãe, mas não é possível que você tenha herdado toda a teimosia e força de vontade só dela.
Eu abri um pequeno sorriso.
— Eu sei disso. Das duas coisas. E será que não contou alguma coisa para você, seu estranho?
Os olhos dele estavam fixos na televisão.
— Sim. Paris. Impressionante, mesmo para você.
Cruzei os braços e prestei atenção em Uma Nova Esperança também.
— Não gostaria que você fosse — comentou.
Virei o rosto para ele.
— Quer dizer, isso iria devastar os , e eu ficaria sem reforços para lidar com eles e... Tá, vou sentir sua falta, está bem? — ele estava zangado agora. — Você é a amiga mais próxima que eu tenho. Existem coisas que não posso contar para ou e a pior parte é que você definitivamente deveria ir, e que se você quiser ir, , eu vou apoiar você.
Minha vista ficou embaçada. Senti os olhos lacrimejando.
— Shh, , quero escutar o filme — falei, com a voz embargada, deitando a cabeça no ombro dele.
Todo dia, durante o meu intervalo do almoço, eu levava algo para Elaine. Achei que era o mínimo que eu poderia fazer, porque não me sentia à vontade com conversinhas ou algo do tipo, mas – por mais irônica e contraditória que esta frase seja — um pouco de carboidrato já é o suficiente para melhorar o dia de alguém. E comida de hospital é uma merda.
estava lá. Eu insistia que ele não deveria fazer isso e que poderia atrapalhar seu horário, mas ao mesmo tempo precisava daquilo. Nós mal nos falávamos ultimamente. Não ficávamos juntos. Eu só queria que tudo voltasse ao normal logo.
— Você não precisa fazer isso por mim — falei, sem olhar para ele. Estávamos lado a lado, de pé ao lado da cama.
— Não estou fazendo isso por você — ele disse — E sim por ele. Seu pai costumava me adorar.
Eu ri.
— Meu pai detestava você. Acho que era ciúme.
— Também acho — ele respondeu, me puxando pelo braço para me abraçar. Encostei a bochecha em seu coração.
— Queria que ele estivesse com ciúmes agora — admiti.
— Também queria.
Ficamos daquele jeito, como duas estátuas, por algum tempo. Até o barulho da máquina de batimentos cardíacos começar a acelerar.
Nós nos apressamos para ver o que estava acontecendo. Meu pai começou a ter tremores pelo corpo inteiro. Eu segurei sua mão, mesmo sem saber se eu deveria fazer aquilo, sem saber absolutamente nada. correu para fora para pedir ajuda.
Ele abriu os olhos, a respiração agitada, e parecia não conseguir se focar em nada. Meu pai reagiu ao meu toque e apertou a minha mão de volta. Quando ele olhou para mim, assustado, ele sussurrou o nome da minha mãe.
— Não, papai, sou a sua filha, . Não está me reconhecendo?
A equipe médica invadiu o quarto e me afastaram para longe como se eu fosse um manequim ou qualquer coisa inanimada. Eu entendi, porque eu me sentia assim. Não andei, me movi ou falei. A única coisa que consegui fazer foi olhar pela janela.
Havia começado a nevar.
Ele recebeu alta depois de alguns dias, mas mesmo estando em casa, precisaria ir a sessões de terapia.
Eventualmente descobri que meu pai e Elaine moravam em uma casa no Brooklyn. Tantos anos me perguntando aquilo e a resposta era o outro lado da ponte. Ele havia voltado para o lugar de onde havíamos saído quando nos mudamos para Tribeca.
Toquei a campainha, esfregando com as luvas os braços cobertos pelo casaco. O frio estava me deixando agitada, de alguma forma. Elaine abriu a porta.
— Ei, querida! Fiz chá gelado, quer um pouco?
Sim, ela me chamava de querida agora.
Olhei para ela com as sobrancelhas erguidas.
— Oh, certo, eu deveria ter pensado que chá quente seria mais apropriado — ela parecia nervosa.
— Por Deus, Lainie, não importune a menina — meu pai apareceu ao lado dela, sorridente — Na verdade, acho que não vamos ficar em casa.
Franzi a testa. Ele estava andando com alguma bengala. Ainda sentia dores na coluna e nas pernas e precisava se apoiar em algo depois de andar por certo tempo.
— Tem certeza? Está bem frio hoje e...
— Tenho certeza — falou, descendo um degrau do lado de fora. Ainda continuava mais alto que Elaine, então deu um beijo no rosto da esposa — Uma caminhada sempre ajuda a aquecer.
— Se essa é a sua lógica — eu disse, olhando para Elaine de um jeito como se deixasse claro que era ideia dele. Ela sorriu e acenou para nós, despedindo-se.
Fui durante algumas sessões para perguntar se ele estava bem. Mas eu queria dizer bem fisicamente. Ele também perguntava como eu estava, mas nós nunca falávamos sobre outra coisa.
— Eu sempre gostei muito desse, sabia? — ele falou enquanto caminhávamos pelo Prospect Park — O Central Park sempre está lotado de turistas.
— Então você ainda odeia turistas? — eu ri.
— Não odeio, só acho irritante como eles conseguem ficar tão empolgados com multidões os atropelando nas calçadas e em tirar fotos com seus smartphones nas ruas cheias de lixo, você precisa concordar — ele argumentou. Ri ainda mais alto até perceber o ritmo de seus passos diminuindo.
Seu rosto se contraiu, mesmo que disfarçadamente. Meu pai parou de andar.
— Você está sentindo dores? — perguntei, como uma idiota, segurando o braço da mão que se apoiava na bengala — Quer se sentar?
— Isso... isso é a idade — ele tentou se explicar, grunhindo enquanto eu o ajudava a se sentar no banco mais próximo de nós — Você tem sorte por ser tão jovem, menina.
Mas eu não sou tão jovem, eu quis dizer. Talvez ele achasse que o tempo tinha parado.
Não consegui falar.
— Fiquei muito surpreso quando a vi no hospital. E-eu... nunca iria esperar... e você está cada vez mais parecida com sua mãe.
— As pessoas costumam dizer isso — comentei, tentando sorrir.
— Achei que eu fosse morrer naquele dia — ele franziu a testa — Literalmente morrer de susto. Porque eu achei que fosse ela... e eu sentia saudades dela.
— Então por que você foi embora? — soltei, colocando as mãos sobre a boca logo em seguida. Não deveria ter dito aquilo, ou pelo menos não começado daquela maneira, mas então eu não consegui me controlar. — Só porque não o via há anos não significa que eu não me importava. Que eu não iria fazer de tudo para tentar ajudá-lo ou ajudar alguém a mantê-lo com vida. Sabe por que eu não fui procurá-lo antes? Porque você deveria ter feito isso. Lembra-se que eu pedi para você ficar? Mamãe nunca pediu, ela era boazinha demais para isso. Eu pedi e você não se importou, pai.
O olhar que ele tinha era terrível. Talvez eu tivesse sido dura demais, mas... era apenas a verdade.
— É claro que eu me importava — ele começou. Sua voz grossa mal saía. — Eu fiquei muito tempo com vergonha de mim mesmo. Tinha tanta vergonha que mal podia ver você, sua mãe ou seu irmão porque me sentiria o pior ser humano de todos. Não espero que você entenda e nem acho que isso possa justificar todas as porcarias que eu fiz. , eu tinha muito medo de você me rejeitar e me tirar para sempre da sua vida. Eu pensava muito sobre isso, e doía como o inferno, mas não estava preparado para viver isso. Sentia que não iria aguentar.
— Por que você não tentou, papai? — eu sussurrei.
Ele começou a chorar. Como um bebê. Eu não sabia o que fazer, pais deveriam consolar os filhos, não o contrário. Era a natureza.
— Eu tentei. Enviei o convite do casamento. Quando Samuel apareceu e você não, eu tive minha resposta. E quando nós marcávamos um almoço nos feriados, quando... quando Tessie nasceu... sempre que eu o via, eu esperava que você fosse estar lá em algum momento.
Senti meu rosto doer enquanto meu queixo caía.
O convite de casamento que eu rasguei, mas que foi o suficiente para Sam. Que fez com que Sam o perdoasse e o deixasse fazer parte da sua vida outra vez.
Percebi que a lista de erros que eu havia cometido havia aumentado muito em pouco tempo. Eu estava distante dos que, supostamente, deveriam estar mais perto de mim. E era minha própria culpa.
— Por favor, me perdoe, — ele implorou. Seus soluços o faziam chacoalhar, e eu o abracei com muita força para tentar fazer aquilo parar.
— Eu perdoo — sussurrei, tentando acalmá-lo — Mas só se você me perdoar também.
me encarava. Parecia que ele estava surtando por dentro, mas precisava se controlar para não serem dois de nós daquele jeito.
— Eu não entendo — ele desabafou — Você queria conversar. Agora não fala nada. Odeio não saber o fazer por você.
— Só... fique aqui — eu pedi. Era só o que eu precisava, precisava dele. Por isso vim de tão longe para ficar naquele apartamento, encolhida naquele sofá, enquanto ele suplicava com olhos que eu lhe dissesse qual era o problema. Suspirei. — Eu os afastei. Todos eles. Meus pais e até o meu irmão. E todos estão tendo vidas perfeitamente boas sem mim.
abriu a boca. Ele com certeza ia falar algo para me fazer sentir melhor, para me defender, para dizer que não era bem assim que as coisas funcionavam. Mas eu fui mais rápida:
— Acho que eu deveria ir passar um tempo em Paris.
Ele fechou os olhos e, em seguida, piscou repetidas vezes, parecendo chocado.
— Desculpe, mas o que diabos isso tem a ver com o que estamos falando?
— Eu não sei — passei as mãos pelo rosto — Talvez eu devesse. É uma oportunidade única e, talvez, se eu passar um tempo longe eu...
— Nunca mais volte — ele terminou a frase por mim, totalmente diferente do que eu diria — Francamente, isso é ridículo. Quando você percebe que cometeu erros com alguém, conserte. Não fuja usando uma desculpa que o tempo longe vai melhorar alguma coisa em você, só quem pode fazer isso é você mesma.
Eu não esperava por aquilo, mas talvez eu devesse. Não era justo, eu precisava de para que ele me fizesse sentir melhor comigo mesma, e não para falar daquele jeito.
— Por que você está puto? E por que isso é tão ridículo para você? Tudo o que nós estamos fazendo ultimamente é brigar e eu estou tão...
— Você sabe que eu estou apaixonado por você, não sabe?
As palavras morreram na minha boca. Senti como se eu fosse engasgar.
— O quê? — soei mesmo como um animal engasgado.
riu e colocou as mãos no rosto.
— Eu não acredito nisso. Sim, , eu sou apaixonado por você desde sempre, desde que eu consigo me lembrar, e eu não havia percebido até agora o quanto isso está me ferrando.
— Como você pode dizer uma coisa dessas? — eu levantei impetuosamente, cerrando os punhos como se fosse quebrar alguma coisa ou socar a cara dele — Isso é golpe baixo e é um absurdo. Como acha que eu poderia acreditar nisso? Você teve diversas namoradas, inclusive namoradas que quase destruíram nossa amizade e você nem percebia, você ficou noivo...
— Ah, mas que ótimo argumento — ele ficou de pé também, mantendo uma distância segura de mim — Eu não sou um idiota. Na verdade, meu Deus, eu sou um idiota mesmo, porque todas as outras com quem eu estive eram uma desculpa para não pensar em você. Eu achei que se esperasse por você, você iria... — ele comprimiu os lábios. Seu rosto ficou vermelho. — Eu não aguento mais isso, . Não que isso seja grande coisa para você.
— Eu realmente não acredito no que estou ouvindo — falei. Parecia que meu sangue estava fervendo. O clima naquele cômodo era como se estivesse prestes a ficar em chamas, mas era a primeira vez que isso não significava uma coisa boa entre nós. Significava catástrofe. — Não acredito que você ache que não é grande coisa. Eu... você nunca me disse...
— O que você queria que eu fizesse? — gritou. Eu me encolhi. — Você é o meu mundo inteiro e todos conseguem ver isso. Você nunca ter enxergado só prova que você não sente o mesmo.
— Não ouse falar o que eu sinto também — apontei para ele.
Ele respirou fundo. Parecia com muita raiva, e ao mesmo tempo terrivelmente envergonhado.
— Eu não posso tomar decisões por você e nem fazer você me ouvir — ele disse, com o tom de voz supostamente controlado — Mas eu sei quem você é, . Se você for, eu acredito muito que você não volte mais. E talvez você nem fique lá e vá para outro lugar e para outro, sem parar. Isso iria me destruir. Ou você pode ir para lá por pouco e voltar depois, e mesmo assim as coisas não seriam as mesmas, porque eu nunca vou me perdoar de ter usado isso como argumento para fazer você ficar.
Eu não estava conseguindo me concentrar em respirar.
— Se você for, eu não... — engoliu. Seus olhos ficaram vermelhos também — Eu não vou conseguir mais ser seu amigo. É... humilhação demais. Todos os dias eu deixo você quebrar meu coração de um jeito ou de outro, e agora eu sei que cheguei ao meu limite. Todos os dias você não... você não me escolhe. Qualquer coisa parece ser uma opção melhor para você do que ficar aqui, comigo, e a gente achar alguma maneira de resolver os problemas juntos, sejam quais forem. Eu não sei mais como lidar com isso.
Havia um barulho estranho no meu cérebro, como se palavras e pensamentos e ações e literalmente qualquer coisa estivessem se misturando e eu não sabia o que estava acontecendo dentro de mim. Eu não sabia que sensações eram aquelas, e todas as desconhecidas me davam medo, então resolvi me agarrar à que eu conhecia bem. Raiva.
— Não acredito que você realmente seria egoísta a esse ponto — eu falei, tentando manter a voz firme e falhando miseravelmente. Ele abaixou a cabeça ao mesmo tempo em que eu recolhi minhas coisas e fui embora sem olhar para trás.
Porque é exatamente assim que você se sente.
Era como se minhas pernas nem estivessem se mexendo, pesadas demais para sair do lugar enquanto vultos com jalecos brancos e camisões azuis passavam na minha frente, atrapalhando o caminho. Aquilo não era justo. Eu não tinha tempo para pensar nos “e se”.
Especialmente, se fosse tarde demais.
Quando finalmente cheguei ao centro cirúrgico – ou melhor, ao corredor fora da sala –, não era como se eu pudesse fazer alguma coisa. Minha cabeça ainda estava doendo demais para permitir que eu me concentrasse no que estavam falando ao meu redor. Um rapaz que trabalhava no hospital havia corrido atrás de mim, talvez para garantir que eu não invadisse a cirurgia. Havia um médico e duas enfermeiras (havia outros, mas esses estavam na frente da porta de onde meu pai estava). Pessoas esperando pelos seus próprios entes queridos que estavam dentro das outras salas, ocupadas demais com a sua própria dor para sequer notar que eu havia chegado ali. estava ao meu lado – ele não havia saído do meu lado por um segundo. Elaine também estava.
Eu não conseguia olhar diretamente para ela por mais de alguns segundos. Ela era loira, tinha olhos gentis, tão jovem quanto eu tinha imaginado que ela seria. Parecia exausta, mas muito mais forte do que eu. Não queria falar com ela, mas só ela poderia me dizer o que havia acontecido e o que estava acontecendo.
— . Prazer em conhecê-la. — ela deu um sorriso cansado ao se aproximar de mim. Eu olhei para ela, perplexa. Como ela poderia estar dizendo aquilo naquele momento? Não era hora de ser simpática. — Eu não sei se você sabe, mas seu pai está trabalhando como entregador para algumas lojas. Um caminhão o atingiu na Garden State Parkway e... — ela parecia estar ficando sem ar — A culpa não foi dele.
Eu me virei de costas para ela, para os braços de .
Meu corpo tremia muito, mas minhas lágrimas eram discretas. Eu mal as havia percebido até sentir minhas bochechas, meu queixo e meu pescoço molhados.
— E se ele morrer, o que eu faço? — eu sussurrei, enquanto afagava meus cabelos, seu rosto colado no meu — E se eu não tiver tempo? E se ele nunca souber...
Engasguei com minhas próprias palavras. Escondi o rosto no casaco dele, com medo e com vergonha.
— Vai ficar tudo bem. Eu prometo — ele disse no meu ouvido. Era como se ele estivesse falando com uma criancinha; e eu me sentia assim, cada vez menor e impotente. — Você vai ver. Vai dar tudo certo.
No mesmo dia meu pai foi levado para a UTI. Eu o vi, de longe, por menos de um segundo. Foi tão rápido, mas esse não era o ponto. Havia tantos tubos nele que eu mal podia distingui-lo no meio dos equipamentos que tentavam mantê-lo vivo.
Não pude deixar de me lembrar do meu primeiro jogo dos Yankees. Para falar a verdade, não sabia como aquela lembrança poderia se encaixar naquele momento. Sam sempre ia com ele, mas eu não, porque “não era coisa de menina”, era como ele explicava, sempre carrancudo. Até que um dia eu bati o pé, insistindo que deveria ir junto. Eu tinha nove anos.
Chorei quando chegamos ao estádio porque todos tinham uma camisa do time, menos eu. Meu irmão riu de mim e disse que eu estava sendo estúpida. Meu pai mandou ele calar a boca, revirou os olhos e entregou sua própria camisa para mim, que pareceu mais uma bata gigante para uma menininha. Era desse jeito que ele demonstrava que cuidava de mim e queria me ver feliz.
Acho que me lembrei disso porque, dessa vez, era ele quem parecia ser uma criança, indefeso e necessitado de cuidado.
Eu precisava admitir que sempre havia desejado o dia em que ele me procuraria para me pedir perdão. Era mais fácil fingir que eu não me importava. Era mais fácil nem pensar sobre isso, porque eu sabia que se eu pensasse demais eu quem iria atrás dele. Minha tática funcionou por todos esses anos. Afinal, eu não podia mais ceder. Eu havia pedido para ele não nos deixar, para ele nos escolher. Deveria ser a vez ele.
E olhe só para mim agora.
voltou para a cadeira do meu lado, segurando dois cappuccinos. Eu já estava coberta com sua jaqueta, como se fosse um lençol. Ele estava se mantendo ocupado cuidando de mim.
— Pegue — ele estendeu um dos copos para mim. A ideia de comer algo, ou melhor, ingerir a bebida cremosa, me dava vontade de vomitar. Fiz uma careta. — . Sem chances que irei deixar você sem comer nada por um dia inteiro.
O cheiro de hospital não ajudava. Tinha cheiro de álcool e luvas e lenços descartáveis e antibióticos. Eu tinha pavor de hospitais. Destinos eram definidos ali. Não havia lugar mais aterrorizante.
— Não consigo — sussurrei, com o resto de voz que havia sobrado depois da choradeira. Primeiro eu havia chorado de medo, depois de raiva. Depois literalmente toda a água do meu corpo secou. — Você deveria ir para casa.
— Você também — ele disse. Havia quase uma súplica explícita nos seus olhos para que eu fosse para casa com ele.
— Você sabe que eu não posso — tentei sorrir para tranquilizá-lo ou tentar fazer ele acreditar que eu estava bem — Se ele acordar, quando — me corrigi — Quero estar aqui.
Era bem provável que não fosse acontecer, pelo menos não tão cedo. Ele estava em coma.
Os médicos me evitavam. Talvez me achassem muito escandalosa ou louca. Bem, pelo menos Elaine tinha a consideração de me contar tudo o que sabia. Baço perfurado; contusões cerebrais; algumas costelas quebradas, o que havia feito uma bagunça nos pulmões mesmo sem terem sido perfurados. Enquanto ela dizia isso, eu me sentia mais enjoada.
— está aqui — falou, depois de olhar seu celular. Nós nos levantamos para ir ao hall de entrada.
O choque foi tão grande que só nos lembramos de contar para e o que havia acontecido depois de várias e várias horas.
Quando a vi, me atirei nos seus braços. tinha um abraço tão reconfortante que todas as vezes me afetava de uma maneira diferente. Dessa vez, eu apenas respirei fundo, como se eu estivesse respirando pela primeira vez desde que havia chegado naquele lugar.
— Sinto muito que esteja passando por isso, querida. Mas logo tudo vai ficar bem.
— Eu sei — respondi, não soando tão certa quanto ela sobre isso.
— queria poder estar aqui, mas ele teve que ir à delegacia... bem, isso soou estranho, mas ele está lá com um cliente. Disse que falará com você depois.
— Está tudo bem. Você não precisava ter se dado ao trabalho também.
— Você está brincando? — ela ergueu as sobrancelhas e colocou os braços ao redor dos meus ombros — , você parece fraca. Não acha melhor ir para casa descansar um pouco?
Seria ótimo se parassem de tentar me convencer a ir embora.
— Não, . Simplesmente não posso. Tenho que ficar pelo menos essa noite porque amanhã é domingo e eu não trabalho. Mas você pode tirar seu irmão daqui — observei.
— De jeito nenhum, eu não vou deixar você aqui sozinha — ele começou, e depois nós dois estávamos tendo uma discussão (que eu estava cansada demais para ter) sobre quem estava certo ali. Vi olhando para como se ela soubesse de algo que a fizesse ter pena dele.
Os dois decidiram ficar. Bebi um pouco de água, mas ainda não conseguia comer. O hospital estava calmo naquela noite, o que era ótimo. Caso contrário, seria ainda mais torturante.
Passava de meia-noite, e pareciam cansados enquanto tentavam disfarçar os bocejos e os olhos pesados. Quase chorei para que eles fossem para casa, repetindo que ficaria bem. só aceitou porque percebeu que tinha outra garota de quem ele precisava cuidar e levou a irmã sonolenta para fora.
Sozinha no corredor, eu quase ri. Pensei em todo o tempo em que havia sido orgulhosa. No tempo em que tinha uma chance real de dizer a ele tudo o que eu tinha guardado. Se nós soubéssemos o que o futuro trama para nós, os nossos “eu” do passado jamais seriam os mesmos.
O sol nem havia nascido quando me acordou cuidadosamente – eu nem lembrava de ter caído no sono.
— Love — ele disse. Eu me assustei e dei um pulo na cadeira, tentando agir naturalmente como se a minha cabeça não parecesse estar pesando um milhão de quilos — Eu paguei um hotel aqui perto para a sra. , e você também precisa dormir. Por favor, tem um táxi a esperando lá fora. Eu fico com ele. Eu juro que se alguma coisa, qualquer coisa acontecer, eu vou ligar para você.
Levantei, o corpo meio mole, e me apoiei nele até recuperar as forças para andar.
— Eu realmente não mereço ter você como melhor amigo, não é? — perguntei.
A sua risada baixa pareceu mais um suspiro.
— Podemos decidir isso mais tarde.
Depois de acordar, meu primeiro instinto foi procurar o celular no meio da bagunça de lençóis. Eu provavelmente havia tido um sono agitado, era o que explicaria alguns dos meus travesseiros estarem no chão e o meu corpo estar numa posição que iria ferrar a minha coluna.
Só então notei que Baleia havia subido na cama e, com o seu focinho, tentava levantar a minha mão. Ao me ver reagindo e me movendo, ela começou a latir, o rabo indo com força de um lado para o outro.
— Olha só para você, estava preocupada comigo? — perguntei. Ela se esfregou em mim, parecendo uma gata, e deitou com a cabeça na minha perna. — Então você iria sentir minha falta se eu morresse. Você não me odeia, hein?
Quando achei o celular, havia dezenas de notificações de e-mails, mensagens de texto e ligações. A maioria eram clientes e o resto, irrelevante. Nada de . Havia, porém, uma mensagem de voz de .
Oi, . Está tudo bem? Quando você ouvir isso é provável que eu esteja dormindo, mas queria deixar você saber que eu fiquei com no hospital até agora a pouco. Acho que cheguei pouco antes de você sair. Não aconteceu nada com o seu pai, a propósito, mas talvez você não veja ainda hoje. O cara estava uma pilha de nervos, então eu achei que ele deveria, saber... Não foi minha melhor ideia embriagar alguém pela manhã, confesso. Mas não se preocupe, eu não bebi e o deixei em casa. Eu só ¬– tosse – fumei um pouco. Enfim. Se precisar de alguma coisa, sabe que pode me ligar, certo? Hum. Tchau.
Eu continuei segurando o celular contra a orelha por mais tempo depois que a mensagem já havia acabado. De repente, me senti muito, muito culpada. Meus amigos eram muito bons. Os melhores. Eu não merecia isso, porque sabia que tudo o que eu fazia era errado.
Com a minha cadelinha no colo, voltei finalmente a chorar. Não foi uma sensação boa ver as lágrimas de volta. Eu tinha medo de me afogar nelas.
Eu me arrumei para voltar ao hospital, mas só quando estava prestes a abrir a porta do apartamento para sair que o meu corpo me mandou um alarme. Tudo ficou escuro e eu espalmei as mãos na parede para me segurar. Eu nunca havia sentido tanta fome.
Talvez porque eu nunca tivesse ficado tanto tempo sem comida. “ sem comida” parece ser uma frase bizarra demais.
Uma coisa incrível sobre Nova York é que você pode acabar de tomar um copo de café e vai haver outra cafeteria a cinco passos de distância. Eu precisei me segurar para não entrar em todas durante o percurso, me convencendo que já havia tido cafeína o suficiente por um dia.
Elaine já estava no hospital, na recepção em frente à maquina de lanches. Eu quase a invejei por ela parecer tão calma... e bonita.
Eu apostava que eu parecia estar bem longe das duas coisas.
Olhei para ela tentando achar algo que se assemelhasse à minha mãe. Algo que tivesse feito meu pai se apaixonar por ela. Mamãe e Elaine tinham belezas diferentes. Dez anos de diferença, a voz da minha consciência comentou.
— — ela suspirou e sorriu ao me ver entrando — Boa tarde...
— Você ligou para o meu irmão? — perguntei. Não sei por que o fiz.
Ela pareceu confusa.
— Não... ele mora em Albany, certo? Achei que seria você quem deveria saber imediatamente...
— Tudo bem — falei — Eu ligo para ele.
Eu estava começando a me afastar para pegar o celular quando ela me chamou de novo.
— Ele não está mais na UTI — disse Elaine — Já pode ficar no quarto. Está no 312. Ainda estão vigiando os sinais vitais, mas é uma pequena benção. Temos sorte.
Senti meu coração apertar. Apenas balancei a cabeça, confirmando.
Eu geralmente não tinha paciência para esperar alguém me atender depois de uma certa quantidade de chamadas, mas eu estava decidida a insistir com Samuel até que ele quisesse jogar o próprio celular na parede.
Sorte dele por ter atendido antes.
— — foi seu cumprimento — Por favor, seja breve ou ligue mais tarde, estou chegando a um almoço importan...
— Papai sofreu um acidente. Não está mais na UTI, mas continua entre a vida e a morte. Ah, ele está em coma. Hospital Bellevue. Fui breve o suficiente para você?
Ele não desligou. Eu podia ouvir sua respiração pesada do outro lado da linha.
— Chegarei aí o mais rápido o possível — ele disse, com um pigarreio, e desligou.
Olhei para o adesivo grudado na minha blusa, dizendo o meu nome e VISITANTE embaixo. Eu o tirei e o joguei na lixeira mais próxima. Pelo menos eu achava que ninguém viria atrás de mim depois que a hora de visitas acabasse.
Respirei fundo antes de abrir a porta do quarto onde ele estava internado. Eu não sabia como eu iria reagir, mas com certeza não imaginava que seria daquela forma.
Era como se eu estivesse vendo um desconhecido entre as máquinas. Ele estava tão diferente – com certeza ele pensaria a mesma coisa se a situação fosse invertida. E foi isso que me impactou mais; não os hematomas roxos no seu rosto, os pontos, as bandagens e os fios conectados nele. Ele havia deixado o bigode crescer, tinha rugas ao redor dos olhos e havia ganhado peso, era perceptível, mas eu não sabia se iria perder por causa do acidente. A única coisa que continuava igual era o cabelo, da mesma cor que o meu, embora algumas partes já estivessem cinza. Estranhamente, ele parecia... ele parecia muito com um pai de família agora.
Elaine levantou da cadeira ao lado de seu marido, oferecendo silenciosamente o lugar para mim. Eu até consegui dar um pequeno sorriso agradecido para ela. Com cuidado, peguei a mão dele e coloquei sobre a minha. Ele tinha uma mão muito sólida, pesada e áspera, mas quase parecia ser de mentira porque não se movia. Eu só queria um pequeno movimento, um tremor leve nos dedos, qualquer coisa mínima para saber que ainda havia uma pessoa dentro daquele corpo ferido.
— Você quer que eu lhe deixe sozinha? — minha madrasta perguntou.
— Não — respondi, baixinho, e ainda acrescentei: — Por favor.
Sam chegou em impressionantes três horas e meia. Eu me perguntei quantas multas ele havia arranjado com essa proeza, ou se o trânsito havia o ajudado.
Meu irmão estava com o adesivo de visitante e manchas de suor na camisa apesar da temperatura. Ao entrar no quarto, ele olhou primeiro para mim. Não demonstrou nenhuma expressão. Depois, olhou para nosso pai. Seu rosto ficou meio azulado e o lábio inferior tremeu. Depois, para Elaine.
Então ele a abraçou.
— Eu sinto muito — disse ele para ela, com a voz frágil.
Pisquei, atônita.
Eu nem sabia que eles se conheciam, para começo de conversa. E eu nem conseguia me lembrar da última vez que meu irmão e eu havíamos nos abraçado.
Acho que nem precisava dizer que a cena não foi fácil de processar. Engoli com dificuldade. Me senti deslocada.
O que eu havia perdido?
— Com licença, a hora para visitas acabou — uma enfermeira falou ao abrir a porta. Eram permitidas no máximo duas pessoas por vez no quarto, então ela ficou confusa — Quem é o acompanhante?
— Eu — anunciei. Elaine deveria voltar para o hotel e eu achava que já estava pronta para ficar sozinha.
— Só mais um minuto — Sam pediu, o que soou mais como uma ameaça — Por favor. — ele também disse, talvez percebendo que não estava na sua empresa falando com seus subordinados.
A enfermeira concordou, deixando-nos. Meu irmão veio até mim. Sem abraço, é claro.
— Você está bem? — ele quis saber.
Minha respiração parecia estar alta demais.
— Vou ficar.
Tive um dos piores dias de trabalho da minha vida.
Um casal entrou na minha sala, sorridentes demais para que eu pudesse acreditar. Talvez o frio tivesse congelado suas caras, ou eram bons atores.
Infelizmente, era a segunda opção.
Quando começamos a conversar sobre o que eles queriam, os pombinhos se tornaram animais raivosos. Eu mal podia acreditar que a briga havia começado quando eu perguntei qual tamanho eles pretendiam que fosse o closet. A porra de um closet. A mulher dizia que o homem não a amava o suficiente e ele respondeu, exatamente com estas palavras, que ela era uma megera interesseira. Fiquei boquiaberta. Pedi gentilmente para que os dois se retirassem.
Odeio ser gentil quando estou irritada.
— Será que está escrito “terapia de casal” na minha porta? — sussurrei para Dorilyn, na recepção, e depois sorri e disse boa tarde para a cliente em potencial que aguardava no sofá para agendar seu horário.
— Relacionamentos são complicados, . — ela respondeu. Dorilyn finalmente havia começado a me chamar de , o que era ótimo. De repente lembrei que eu nunca havia perguntado como havia sido o seu encontro de meses atrás e me senti um pouco culpada.
Mas ela havia dito uma verdade. Eu não havia pensado muito sobre isso porque achei que relacionamentos simplesmente não faziam parte da minha vida. Não ligava se eram complicados.
Isso obviamente era mentira.
— Têm alguns e-mails novos na conta da empresa, senhorita.
Lancei um olhar para ela.
— Desculpe. Foi sem querer — ela riu, encolhendo os ombros.
— O que são? — perguntei, enchendo um copo com água no pequeno bebedouro.
— Uma companhia de design de móveis. Não abri a mensagem, mas o assunto diz Parceria.
Não pude esconder o entusiasmo. Eu tinha o curso de design de móveis na faculdade e alguns portfólios, mas nunca achei que fosse, algum dia na minha vida, ter meus móveis confeccionados.
— Também há um da Paris American Academy...
— Você pode encaminhar todos para o meu e-mail pessoal — a interrompi, rapidamente — O que tem na minha agenda para agora?
Dorilyn consultou o caderno preto ao lado do computador.
— Briefing em um apartamento próximo à Times Square — disse ela.
— Jura? — sorri, tocando o celular no bolso. Em seguida, liguei para um número que eu sabia que me atenderia assim que recebesse a chamada – e foi exatamente isso o que aconteceu — Ei, o que acha de tomar um café comigo em mais ou menos uma hora?
Vi se aproximando enquanto me distraía do cardápio. Ela estava fabulosa, monocromática, suas roupas combinando entre cinza e preto. Fiquei de pé para abraçá-la.
— Estava por perto? — ela questionou.
— Ah, sim, um cliente para reforma. Tive que dar uma olhada no local. — falei, observando tudo ao nosso redor. Os telões da Times Square estavam encandeando, como sempre, com exceção de alguns apagados. A maioria eram anúncios de programas de TV ou fotos gigantes de modelos de lingerie. Havia uma construção no meio da rua e, mesmo assim, estava cheio de gente. Sempre estava. O barulho das vozes era tão alto quanto dos veículos passando por ali.
— Um mocha com chocolate extra, por favor — pediu à garçonete, o que significava que ela não estava fingindo que estava de dieta naquele dia, graças a Deus.
— Um americano duplo para mim — acrescentei, sorrindo.
Ao ficarmos sozinhas, senti olhos verdes fixos em mim.
— Como está o sr. ? — mordeu o lábio.
Senti meu corpo afundar na cadeira.
— Vivo. Ou pelo menos existindo. Eles dizem que ele não corre mais riscos, mas... ele simplesmente não acorda. Eu sei que acabou de fazer uma semana e existem pessoas que passam meses, anos... eu só não tinha pensado que pudesse ser tão grave assim.
Ela encontrou minha mão e a apertou.
— Tenho certeza que o pior já passou.
— Sim.
— Me desculpe por não saber o que dizer.
Dei de ombros.
— Não tem por que se desculpar.
Nossas bebidas chegaram. Eu e puxamos as canecas para perto, mas nenhuma de nós bebeu. A fumaça do líquido quente era levada para longe pelo vento gelado.
— Tenho uma coisa para dizer — falamos em uníssono. Depois, falamos “você primeiro” ao mesmo tempo também. Rimos.
— Vá em frente, — eu pedi.
— Tudo bem. Você se lembra do meu chefe? Davis Monterrey? — ela perguntou.
— O editor do Times? O que tem ele?
abaixou os olhos.
— Bem... ele me chamou para conversar e disse que quer se aposentar.
Fiquei imóvel.
— Você está dizendo que... — eu realmente só entendi ao notar a expressão dela, um pequeno sorriso escondido que mal podia se conter — ! Você está falando sério?
— Ele disse que ainda ficará por no máximo um ano e meio e que eu precisava estar em uma posição que pudesse me garantir no lugar, então... — ela suspirou — Fui promovida. Sou a redatora agora.
— ! — eu dei um gritinho e coloquei as mãos sobre a boca. Ela deu uma gargalhada. — Estou tão orgulhosa de você. Meu Deus. Eu sabia que esse dia estava chegando, eu juro, eu podia sentir. Você nasceu para isso! É o destino.
Olhando para ela percebi que parecia estar se segurando muito para não chorar ou algo do tipo.
— Você não acredita em destino — ela observou e riu — Ainda não acredito que isso está acontecendo. Ou melhor, a uma perspectiva de um ano e meio...
— Eu acredito — falei — Acredito muito.
— Mas chega de falar de mim, sim? É a sua vez de me contar! — ela cruzou as mãos e apoiou o queixo nelas.
Passei a mão pelos cabelos.
— Fui convidada para dar aula em uma escola de design em Paris.
A reação dela não foi nada parecida com a minha. Era como se ela já soubesse, ou pelo menos não pareceu nem um pouco surpresa. Ela sorriu, mas seus olhos estavam tristes.
— Quando você vai? — indagou ela.
— ... — eu comecei — Não é como se eu realmente fosse.
— Por favor, . Você é a Holly Golightly. — falou, e eu revirei os olhos tentando imaginar em quanto tempo ela havia pensado o trocadilho. — Ninguém pode prender você em lugar algum do mundo. E... uau, Paris! Você também nasceu para isso. Para conquistar o mundo. É apenas quem você é.
Eu mal podia acreditar que ela estava dizendo aquilo, mesmo que fosse incrivelmente, totalmente a cara de .
Nós mudamos de assunto e começamos conversas normais, as conversas de sempre, ignorando todo o resto que estava acontecendo nas nossas vidas. Por aquele momento, podia até fingir que tinha esquecido esse resto.
Era a vez de Sam ficar no turno da noite. Ele havia decidido faltar o trabalho, o que era gentil e significava que eu poderia ter uma noite completa de sono. Mas em vez de dormir, eu abria a geladeira para ficar pensando na vida em vez de pegar alguma coisa.
Finalmente fui para o quarto. A campainha tocou.
Será que eu havia pedido pizza e havia esquecido?
Eu estava com desejo de pizza.
— Droga, eu preferia a pizza — brinquei ao abrir a porta e encontrar . Ele estava segurando uma caixa. Não era de pizza. — Da última vez que você veio até mim com uma caixa, você disse que estava apaixonado pela e abalou o meu mundo. O que vai ser agora, vocês vão ter um bebê?
— O quê? Meu Deus. Isso vai me causar alguns pesadelos, muito obrigado — ele grunhiu — Posso entrar?
— Claro — eu abri espaço para ele e fomos para o sofá. — O que você tem para mim aí?
pigarreou, como se fosse fazer uma apresentação importante.
— Passei no Target e comprei Pop-Tarts, eu sinceramente não sei como você consegue comer essa coisa cheia de corantes e aromatizantes artificiais; esse livro estava na sessão erótica e tem algemas na capa então deve ser mesmo o tipo de coisa que você lê...
Dei um tapa no ombro dele.
— E por último e mais importante, — anunciou — trouxe todos os filmes de Star Wars. Quer assisti-los na ordem ou você tem alguma preferência?
— Acho que você trocou com a caixa que leva para o — disse eu.
— Eu não levo caixas para o — ele murmurou — Responda minha pergunta.
Eu ri, abraçando as pernas em cima do sofá.
— Eu prefiro os antigos.
pegou um disco da sua coleção de DVD’s e o levou para o meu aparelho. Vê-lo animado daquele jeito não tinha preço. Ele só ficava assim com , quando recebia algum processo ou quando tinha algo a ver com Star Wars.
Cinco minutos de filme foi o máximo que eu consegui ficar sem falar nada.
— ?
— Oi, .
— Está acontecendo alguma coisa com você?
O.k., era ainda pior do que eu quando se tratava de lidar com pessoas. Mas ele tinha seu peculiar jeito de demonstrar que se importava.
— Só quero que você saiba que... hum, você sabe — ele falou. Ergui uma sobrancelha. — Que eu estou aqui. Para o que precisar, é só... hum. E que o seu pai vai acordar. Eu tenho certeza que ele vai, porque eu respeito muito a sua mãe, mas não é possível que você tenha herdado toda a teimosia e força de vontade só dela.
Eu abri um pequeno sorriso.
— Eu sei disso. Das duas coisas. E será que não contou alguma coisa para você, seu estranho?
Os olhos dele estavam fixos na televisão.
— Sim. Paris. Impressionante, mesmo para você.
Cruzei os braços e prestei atenção em Uma Nova Esperança também.
— Não gostaria que você fosse — comentou.
Virei o rosto para ele.
— Quer dizer, isso iria devastar os , e eu ficaria sem reforços para lidar com eles e... Tá, vou sentir sua falta, está bem? — ele estava zangado agora. — Você é a amiga mais próxima que eu tenho. Existem coisas que não posso contar para ou e a pior parte é que você definitivamente deveria ir, e que se você quiser ir, , eu vou apoiar você.
Minha vista ficou embaçada. Senti os olhos lacrimejando.
— Shh, , quero escutar o filme — falei, com a voz embargada, deitando a cabeça no ombro dele.
Todo dia, durante o meu intervalo do almoço, eu levava algo para Elaine. Achei que era o mínimo que eu poderia fazer, porque não me sentia à vontade com conversinhas ou algo do tipo, mas – por mais irônica e contraditória que esta frase seja — um pouco de carboidrato já é o suficiente para melhorar o dia de alguém. E comida de hospital é uma merda.
estava lá. Eu insistia que ele não deveria fazer isso e que poderia atrapalhar seu horário, mas ao mesmo tempo precisava daquilo. Nós mal nos falávamos ultimamente. Não ficávamos juntos. Eu só queria que tudo voltasse ao normal logo.
— Você não precisa fazer isso por mim — falei, sem olhar para ele. Estávamos lado a lado, de pé ao lado da cama.
— Não estou fazendo isso por você — ele disse — E sim por ele. Seu pai costumava me adorar.
Eu ri.
— Meu pai detestava você. Acho que era ciúme.
— Também acho — ele respondeu, me puxando pelo braço para me abraçar. Encostei a bochecha em seu coração.
— Queria que ele estivesse com ciúmes agora — admiti.
— Também queria.
Ficamos daquele jeito, como duas estátuas, por algum tempo. Até o barulho da máquina de batimentos cardíacos começar a acelerar.
Nós nos apressamos para ver o que estava acontecendo. Meu pai começou a ter tremores pelo corpo inteiro. Eu segurei sua mão, mesmo sem saber se eu deveria fazer aquilo, sem saber absolutamente nada. correu para fora para pedir ajuda.
Ele abriu os olhos, a respiração agitada, e parecia não conseguir se focar em nada. Meu pai reagiu ao meu toque e apertou a minha mão de volta. Quando ele olhou para mim, assustado, ele sussurrou o nome da minha mãe.
— Não, papai, sou a sua filha, . Não está me reconhecendo?
A equipe médica invadiu o quarto e me afastaram para longe como se eu fosse um manequim ou qualquer coisa inanimada. Eu entendi, porque eu me sentia assim. Não andei, me movi ou falei. A única coisa que consegui fazer foi olhar pela janela.
Havia começado a nevar.
Ele recebeu alta depois de alguns dias, mas mesmo estando em casa, precisaria ir a sessões de terapia.
Eventualmente descobri que meu pai e Elaine moravam em uma casa no Brooklyn. Tantos anos me perguntando aquilo e a resposta era o outro lado da ponte. Ele havia voltado para o lugar de onde havíamos saído quando nos mudamos para Tribeca.
Toquei a campainha, esfregando com as luvas os braços cobertos pelo casaco. O frio estava me deixando agitada, de alguma forma. Elaine abriu a porta.
— Ei, querida! Fiz chá gelado, quer um pouco?
Sim, ela me chamava de querida agora.
Olhei para ela com as sobrancelhas erguidas.
— Oh, certo, eu deveria ter pensado que chá quente seria mais apropriado — ela parecia nervosa.
— Por Deus, Lainie, não importune a menina — meu pai apareceu ao lado dela, sorridente — Na verdade, acho que não vamos ficar em casa.
Franzi a testa. Ele estava andando com alguma bengala. Ainda sentia dores na coluna e nas pernas e precisava se apoiar em algo depois de andar por certo tempo.
— Tem certeza? Está bem frio hoje e...
— Tenho certeza — falou, descendo um degrau do lado de fora. Ainda continuava mais alto que Elaine, então deu um beijo no rosto da esposa — Uma caminhada sempre ajuda a aquecer.
— Se essa é a sua lógica — eu disse, olhando para Elaine de um jeito como se deixasse claro que era ideia dele. Ela sorriu e acenou para nós, despedindo-se.
Fui durante algumas sessões para perguntar se ele estava bem. Mas eu queria dizer bem fisicamente. Ele também perguntava como eu estava, mas nós nunca falávamos sobre outra coisa.
— Eu sempre gostei muito desse, sabia? — ele falou enquanto caminhávamos pelo Prospect Park — O Central Park sempre está lotado de turistas.
— Então você ainda odeia turistas? — eu ri.
— Não odeio, só acho irritante como eles conseguem ficar tão empolgados com multidões os atropelando nas calçadas e em tirar fotos com seus smartphones nas ruas cheias de lixo, você precisa concordar — ele argumentou. Ri ainda mais alto até perceber o ritmo de seus passos diminuindo.
Seu rosto se contraiu, mesmo que disfarçadamente. Meu pai parou de andar.
— Você está sentindo dores? — perguntei, como uma idiota, segurando o braço da mão que se apoiava na bengala — Quer se sentar?
— Isso... isso é a idade — ele tentou se explicar, grunhindo enquanto eu o ajudava a se sentar no banco mais próximo de nós — Você tem sorte por ser tão jovem, menina.
Mas eu não sou tão jovem, eu quis dizer. Talvez ele achasse que o tempo tinha parado.
Não consegui falar.
— Fiquei muito surpreso quando a vi no hospital. E-eu... nunca iria esperar... e você está cada vez mais parecida com sua mãe.
— As pessoas costumam dizer isso — comentei, tentando sorrir.
— Achei que eu fosse morrer naquele dia — ele franziu a testa — Literalmente morrer de susto. Porque eu achei que fosse ela... e eu sentia saudades dela.
— Então por que você foi embora? — soltei, colocando as mãos sobre a boca logo em seguida. Não deveria ter dito aquilo, ou pelo menos não começado daquela maneira, mas então eu não consegui me controlar. — Só porque não o via há anos não significa que eu não me importava. Que eu não iria fazer de tudo para tentar ajudá-lo ou ajudar alguém a mantê-lo com vida. Sabe por que eu não fui procurá-lo antes? Porque você deveria ter feito isso. Lembra-se que eu pedi para você ficar? Mamãe nunca pediu, ela era boazinha demais para isso. Eu pedi e você não se importou, pai.
O olhar que ele tinha era terrível. Talvez eu tivesse sido dura demais, mas... era apenas a verdade.
— É claro que eu me importava — ele começou. Sua voz grossa mal saía. — Eu fiquei muito tempo com vergonha de mim mesmo. Tinha tanta vergonha que mal podia ver você, sua mãe ou seu irmão porque me sentiria o pior ser humano de todos. Não espero que você entenda e nem acho que isso possa justificar todas as porcarias que eu fiz. , eu tinha muito medo de você me rejeitar e me tirar para sempre da sua vida. Eu pensava muito sobre isso, e doía como o inferno, mas não estava preparado para viver isso. Sentia que não iria aguentar.
— Por que você não tentou, papai? — eu sussurrei.
Ele começou a chorar. Como um bebê. Eu não sabia o que fazer, pais deveriam consolar os filhos, não o contrário. Era a natureza.
— Eu tentei. Enviei o convite do casamento. Quando Samuel apareceu e você não, eu tive minha resposta. E quando nós marcávamos um almoço nos feriados, quando... quando Tessie nasceu... sempre que eu o via, eu esperava que você fosse estar lá em algum momento.
Senti meu rosto doer enquanto meu queixo caía.
O convite de casamento que eu rasguei, mas que foi o suficiente para Sam. Que fez com que Sam o perdoasse e o deixasse fazer parte da sua vida outra vez.
Percebi que a lista de erros que eu havia cometido havia aumentado muito em pouco tempo. Eu estava distante dos que, supostamente, deveriam estar mais perto de mim. E era minha própria culpa.
— Por favor, me perdoe, — ele implorou. Seus soluços o faziam chacoalhar, e eu o abracei com muita força para tentar fazer aquilo parar.
— Eu perdoo — sussurrei, tentando acalmá-lo — Mas só se você me perdoar também.
me encarava. Parecia que ele estava surtando por dentro, mas precisava se controlar para não serem dois de nós daquele jeito.
— Eu não entendo — ele desabafou — Você queria conversar. Agora não fala nada. Odeio não saber o fazer por você.
— Só... fique aqui — eu pedi. Era só o que eu precisava, precisava dele. Por isso vim de tão longe para ficar naquele apartamento, encolhida naquele sofá, enquanto ele suplicava com olhos que eu lhe dissesse qual era o problema. Suspirei. — Eu os afastei. Todos eles. Meus pais e até o meu irmão. E todos estão tendo vidas perfeitamente boas sem mim.
abriu a boca. Ele com certeza ia falar algo para me fazer sentir melhor, para me defender, para dizer que não era bem assim que as coisas funcionavam. Mas eu fui mais rápida:
— Acho que eu deveria ir passar um tempo em Paris.
Ele fechou os olhos e, em seguida, piscou repetidas vezes, parecendo chocado.
— Desculpe, mas o que diabos isso tem a ver com o que estamos falando?
— Eu não sei — passei as mãos pelo rosto — Talvez eu devesse. É uma oportunidade única e, talvez, se eu passar um tempo longe eu...
— Nunca mais volte — ele terminou a frase por mim, totalmente diferente do que eu diria — Francamente, isso é ridículo. Quando você percebe que cometeu erros com alguém, conserte. Não fuja usando uma desculpa que o tempo longe vai melhorar alguma coisa em você, só quem pode fazer isso é você mesma.
Eu não esperava por aquilo, mas talvez eu devesse. Não era justo, eu precisava de para que ele me fizesse sentir melhor comigo mesma, e não para falar daquele jeito.
— Por que você está puto? E por que isso é tão ridículo para você? Tudo o que nós estamos fazendo ultimamente é brigar e eu estou tão...
— Você sabe que eu estou apaixonado por você, não sabe?
As palavras morreram na minha boca. Senti como se eu fosse engasgar.
— O quê? — soei mesmo como um animal engasgado.
riu e colocou as mãos no rosto.
— Eu não acredito nisso. Sim, , eu sou apaixonado por você desde sempre, desde que eu consigo me lembrar, e eu não havia percebido até agora o quanto isso está me ferrando.
— Como você pode dizer uma coisa dessas? — eu levantei impetuosamente, cerrando os punhos como se fosse quebrar alguma coisa ou socar a cara dele — Isso é golpe baixo e é um absurdo. Como acha que eu poderia acreditar nisso? Você teve diversas namoradas, inclusive namoradas que quase destruíram nossa amizade e você nem percebia, você ficou noivo...
— Ah, mas que ótimo argumento — ele ficou de pé também, mantendo uma distância segura de mim — Eu não sou um idiota. Na verdade, meu Deus, eu sou um idiota mesmo, porque todas as outras com quem eu estive eram uma desculpa para não pensar em você. Eu achei que se esperasse por você, você iria... — ele comprimiu os lábios. Seu rosto ficou vermelho. — Eu não aguento mais isso, . Não que isso seja grande coisa para você.
— Eu realmente não acredito no que estou ouvindo — falei. Parecia que meu sangue estava fervendo. O clima naquele cômodo era como se estivesse prestes a ficar em chamas, mas era a primeira vez que isso não significava uma coisa boa entre nós. Significava catástrofe. — Não acredito que você ache que não é grande coisa. Eu... você nunca me disse...
— O que você queria que eu fizesse? — gritou. Eu me encolhi. — Você é o meu mundo inteiro e todos conseguem ver isso. Você nunca ter enxergado só prova que você não sente o mesmo.
— Não ouse falar o que eu sinto também — apontei para ele.
Ele respirou fundo. Parecia com muita raiva, e ao mesmo tempo terrivelmente envergonhado.
— Eu não posso tomar decisões por você e nem fazer você me ouvir — ele disse, com o tom de voz supostamente controlado — Mas eu sei quem você é, . Se você for, eu acredito muito que você não volte mais. E talvez você nem fique lá e vá para outro lugar e para outro, sem parar. Isso iria me destruir. Ou você pode ir para lá por pouco e voltar depois, e mesmo assim as coisas não seriam as mesmas, porque eu nunca vou me perdoar de ter usado isso como argumento para fazer você ficar.
Eu não estava conseguindo me concentrar em respirar.
— Se você for, eu não... — engoliu. Seus olhos ficaram vermelhos também — Eu não vou conseguir mais ser seu amigo. É... humilhação demais. Todos os dias eu deixo você quebrar meu coração de um jeito ou de outro, e agora eu sei que cheguei ao meu limite. Todos os dias você não... você não me escolhe. Qualquer coisa parece ser uma opção melhor para você do que ficar aqui, comigo, e a gente achar alguma maneira de resolver os problemas juntos, sejam quais forem. Eu não sei mais como lidar com isso.
Havia um barulho estranho no meu cérebro, como se palavras e pensamentos e ações e literalmente qualquer coisa estivessem se misturando e eu não sabia o que estava acontecendo dentro de mim. Eu não sabia que sensações eram aquelas, e todas as desconhecidas me davam medo, então resolvi me agarrar à que eu conhecia bem. Raiva.
— Não acredito que você realmente seria egoísta a esse ponto — eu falei, tentando manter a voz firme e falhando miseravelmente. Ele abaixou a cabeça ao mesmo tempo em que eu recolhi minhas coisas e fui embora sem olhar para trás.
Capítulo 19 - Until The Last Consequences
Minha situação ficou vergonhosa a ponto de eu chorar, bêbada e usando lingerie, em cima da cama ouvindo Frank Sinatra. Os meus sentimentos estavam fazendo a maior bagunça na minha cabeça. Eu não conseguia lembrar há quanto tempo estava ali, daquele jeito.
Nem por que.
Quero dizer, eu e não nos falávamos há semanas. Era o máximo de tempo que eu havia ficado afastada dele em toda a minha vida – não que eu o conhecesse por toda a minha vida, mas eu meio que ignorava o que havia acontecido antes disso. Mas não era eu quem estava errada. Ele estava, por ter usado aquilo contra mim. Deveria ter sido algo... especial.
Ao mesmo tempo, ele alegava que eu havia partido o seu coração.
Nenhum de nós seria o primeiro a ceder.
Mas antes disso, outras coisas aconteceram.
Eu ainda não tinha criado coragem para falar com Claude Delacroix – e nem para decidir o que fazer quanto a isso. Mas eu tomei outras decisões. Para onde quer que eu fosse, primeiro eu precisava estabelecer minha vida em Nova York. Era questão de dignidade. Então surgiu (literalmente surgiu, no meio de uma noite) a ideia de tornar a Designs em mais do que... design e coisas bonitas. É claro que minha vida gira em torno de coisas bonitas, mas eu queria transformá-la numa pequena, mas estruturada, empresa de construção. Então, começamos as entrevistas.
A maior parte dos interessados eram jovens recém-formados, o que não me surpreendia; me agradava, até. Havia trabalhado com gente velha a minha vida toda e já estava cansada deles. Os jovens eram apaixonados, criativos, empolgados e bonitos. Não que a parte de bonitos fosse tão relevante, mas enfim. Eu havia acabado de falar com um adorável arquiteto quando um engenheiro entrou na minha sala.
— Senhorita — ele me cumprimentou, estendendo a mão.
— Por favor, só — pedi, sorrindo, ao apertar a mão dele — E você deve ser Jay Hoult?
— Exatamente — ele também sorriu, sentando-se. Deveria ter uns 22 anos, loiro, bronzeado, olhos azuis e dentes muito brancos. Se eu tivesse sua idade, com certeza pegaria.
Não acredito que pensei “se eu tivesse sua idade”. Quantos anos eu tinha, cinquenta?
— Então, segundo sua aplicação você se formou no último outono em Cornell. Sempre quis vir morar na cidade? — eu perguntei.
— Acho que a pergunta seria... quem não quer? — Jay riu. Muito charmoso e aparentemente carismático. E ele estava certo, quem não iria querer viver em Nova York?
Aparentemente eu, às vezes.
— E me conte, por que um engenheiro civil recém formado se interessou por uma empresa de design? Pode ser bem sincero comigo. — pedi, apoiando o queixo sobre as mãos cruzadas.
A pergunta o fez franzir a testa rapidamente.
— Qualquer um tem que admitir que é no mínimo impressionante o que você conseguiu fazer em tão pouco tempo — disse ele, gesticulando, e eu consegui sorrir levemente. Se ao menos ele soubesse que o pouco tempo na verdade havia sido o meu carma depois de uma década... — E sei que posso aprender muito com você, mas, se me permite dizer, também pode aprender muito comigo.
Essa parte me pegou de surpresa.
— É mesmo? — falei, com as sobrancelhas erguidas — E pode me dizer o quê, exatamente, vou aprender com você?
— Bem — Jay ajeitou a postura e ergueu o queixo, uma pose quase petulante — Entendo o que você faz com o design de interiores e o quanto isso está “na moda”, mas de que forma comprar móveis bonitinhos pode influenciar na construção civil? — falou, rindo — Eu, por outro lado, sei o que estou fazendo...
— Com licença, mas vou ter que interrompê-lo aí. — disse eu.
Talvez fosse a expressão na minha cara ou o que eu disse, mas o garoto Jay soube que havia falado demais e murchou na cadeira.
— Se você acha que tudo o que eu tenho feito é me divertir na IKEA comprando... como disse? Coisas “bonitinhas”? Na verdade, meu querido, eu crio espaços; e eu vou lhe dizer, a casa dos sonhos de alguém está mais no interior do que na sua estrutura. Mas não se preocupe, eu sei muito bem quando não devo quebrar uma parede, não passei os anos na faculdade apenas colorindo tecidos. E se quer saber, não é com essa atitude de “você tem que aprender comigo” que você vai chegar a algum lugar. Você vai ter que ser humilde o suficiente para ouvir, aprender e obedecer os outros antes disso. Quanto mais rápido entender isso, melhor.
Eu terminei de falar. A sala ficou silenciosa enquanto ele mordia o lábio sem olhar para mim.
— Então... isso quer dizer que você não vai me contratar.
Suspirei, remexendo os papeis que estavam sobre a minha mesa.
— Minha secretária irá entrar em contato — falei — Tenha um bom dia.
Dorilyn não era mais minha secretária, vale ressaltar. Era uma garota chamada Betty, enquanto Dorilyn estava fazendo o que ela deveria ter feito desde o início: ser minha estagiária. No fim do expediente, saí do escritório e fui andando pela Oitava Avenida, sentindo como se pudesse morrer a qualquer segundo. Não só pelo fato de estar doentiamente frio – estava mesmo – e eu estar usando botas com saltos de quinze centímetros e o chão coberto de neve, mas havia algo. Outra sensação.
Como se eu estivesse sendo observada, ou perseguida.
— ! — ouvi uma voz distante gritar, apesar de todos os barulhos possíveis que você pode ouvir durante a noite em Manhattan.
Parei de andar.
— Deus? — perguntei, involuntariamente olhando para cima.
A mão que agarrou meu ombro, apesar de pequena, tinha força o suficiente para me fazer virar.
— Não, idiota, sou eu — falou.
Vamos ficar com a opção ‘sendo perseguida’, minha consciência falou.
— ? — arfei — Mas que diabos... o que você está fazendo? Há quanto tempo estava atrás de mim?
Ela revirou os olhos.
— Eu vim do trabalho; qual é, eu também tenho uma vida. Mas por que. Você. Está. Me. Evitando?! — cada palavra dessa foi acompanhada dela dando soquinhos em meu braço.
— ! — eu gritei, segurando as mãos dela — Você pirou? Eu estou morrendo de frio e...
Ela colocou uma mão em minhas costas e me empurrou para o estabelecimento público mais próximo – uma farmácia. Apesar do aquecedor ali dentro ter me salvado, ver todos aqueles remédios me fez querer vomitar.
— Eu não estou evitando você — falei, finalmente — É só que...
— Ah, claro. Não nos vermos há dias e você responder minhas mensagens com “ok” ou emojis rindo é completamente normal — grunhiu ela — , o seu problema com não vai se resolver com você se isolando de todos nós.
Eu gemi de dor. Odiava aquilo. Odiava que a única forma de o meu problema com se resolver era se... bem, nós decidíssemos isso? E odiava que eu nem conseguia olhar ou falar direito com a minha melhor amiga por causa disso (eles são gêmeos, pelo amor de Deus!). Mas estava certa, eu havia me afastado de todos. As coisas nunca mais poderiam ser as mesmas, ele mesmo havia dito aquilo.
Será que ele havia dito para ela também?
— , eu ainda estou tentando me acostumar com o que aconteceu. É como se tudo de mais importante na minha vida tivesse se perdido ou virado uma bagunça, entende? Estou tentando lidar com isso. Eu não vou evitar você. Só preciso de...
— Tempo? — ela sugeriu. Dei de ombros. — Como você está se sentindo a respeito de tudo?
— Eu não sei — sussurrei. Essa era a verdade: eu não sabia de nada, muito menos o quanto aquilo estava me afetando.
olhou rapidamente para o lado de fora.
— Vamos rachar um táxi. Se você for andando até a estação de metrô mais próxima, vai congelar.
Eu não estava no clima para conversar (o que só provava que aquele não era o meu estado normal) e entendeu isso, mas ela acabou soltando:
— Se serve de consolo, acho que está ainda pior do que você.
Hum. Não servia.
— Mas, ... — ela acariciou minha mão ao dizer isso — Sério, como você nunca percebeu? Depois de todo esse tempo, só você não viu. Talvez seja isso que mais tenha doído nele.
Com o rosto virado para a janela para que ela não pudesse ver, fechei os olhos. Queria chorar, mas segurei. Estava economizando aquelas lágrimas para mais tarde.
Agora podemos continuar. Eu. Cama. Garrafa vazia de vinho. Frank Sinatra.
E, depois que as músicas tristes terminaram, dormi na noite mais longa de todas.
Naquele dia, eu iria me presentear com um almoço em um restaurante de luxo na Quinta Avenida. Estava sendo um dia bastante agitado no escritório, mas nós tínhamos uma equipe grande o suficiente para lidar com isso. Eu não precisava me preocupar. Poderia até me mimar com uma ou duas taças de rosé.
Em dias como esse, eu mal podia acreditar em como eu havia tido sorte na vida.
Caminhando até o elevador, sorri e acenei para todos os que me cumprimentavam respeitosamente e me senti um pouco culpada por não saber o nome de todos, mas eu tinha informações demais armazenadas na cabeça. Assim que as portas se fecharam e apertei o botão para o térreo, uma mensagem chegou no meu celular.
Era um favor que eu não poderia recusar, mesmo que mudasse totalmente os meus planos para aquela tarde. Na calçada, estendi a mão. O primeiro táxi que apareceu estava vazio.
— West Village — falei para o motorista.
Eu tinha uma cópia da chave do apartamento, o que poderia ser bem útil quando eu queria entrar de surpresa – e foi o que eu fiz, acompanhada da minha melhor imitação de monstro ao abrir a porta, arrancando gritos das crianças que estavam na sala antes que eles dissessem em uníssono:
— Tia ! — e os dois vieram até mim, abraçando minhas pernas e por pouco não me fazendo cair.
— Cuidado, estou usando sapatos altos — eu ri, e em seguida me abaixei para ficar da altura deles — Cadê meu beijo?
Recebi um beijo em uma bochecha da linda Charlie e em outra do doce Flynn.
— Você é minha tia favorita — Flynn disse, me abraçando com os olhinhos fechados.
— Não deixe sua tia ouvir isso — falei a ele, mesmo que eu estivesse me sentindo muito bem com o comentário.
saiu do quarto com a camisa desabotoada e o cabelo molhado. Ele parecia apressado, desastrado e cansado, então sorri para tentar encorajá-lo.
— Papai! — Charlie o chamou, balançando a folha de papel amassada que havia trago com ela — Olha só o meu desenho!
Ele se aproximou de nós três e franziu a testa ao observar o desenho da menina.
— Uau, não sei de onde você herdou todo esse talento. Realmente não sei — ele bateu palmas impressionado, e Charlie sorriu, orgulhosa de si mesma — Love, me desculpe por isso, mas eu realmente não posso faltar essa reunião — ele disse para mim — Nós temos comida mexicana.
— Burritos! — Flynn ergueu os braços, animado.
— Burritos parecem bons o suficiente para mim — falei para o menor e depois olhei para o maior — Não se preocupe conosco. Para quê servem as madrinhas?
Kate também saiu do quarto. Ela deu um sorriso amarelo ao me ver.
— Oi, .
— Ei, querida, como você está? — sorri.
— Ah, você sabe... bem — ela deu de ombros, recolhendo suas coisas para colocar dentro da bolsa.
Kate nunca me tratou mal, pelo contrário, mas era óbvio que não era minha fã número um. Acho que as mulheres pensam que vão se livrar das amigas mulheres de seu marido depois que se casam, mas aqui estou eu, oito anos depois, sendo “tia” de seus filhos e com uma cópia da chave da sua casa. Eu não poderia culpá-la por não ficar animada na minha presença.
— Tem certeza que vão ficar bem? — perguntou mais uma vez.
— Pelo amor de Deus, é claro que vão — murmurou Kate — Tchau, crianças! — ela soprou beijos para eles.
— Tchau, mamãe — responderam os dois ao mesmo tempo.
— Tchau — eu falei também, mas ela já estava de saída e não pôde me responder. correu para dar um beijo no topo da cabeça de cada um antes de ir atrás da esposa. Inclusive na minha.
O que, é claro, não me fez me sentir nem um pouco estranha.
— Tia , você vai me ajudar a fazer meu dever de casa de matemática ou podemos assistir a um filme? — Charlie perguntou.
Aquelas crianças me surpreendiam.
— Espertinha. É claro que o dever vem antes. Tudo bem que há chances de eu fazer errado, mas vamos logo com isso, sim?
Charlie correu para o quarto e, para onde ela ia, Flynn ia atrás. Precisei ficar sozinha por exatamente um segundo na sala de estar e meu celular começou a tocar.
— Emergência — disse quando eu atendi.
— No momento estou ajudando outro com uma emergência — eu disse.
— Mas que merda! Eu sabia que deveria ter ligado antes — ela reclamou, soando bastante britânica.
— Qual é o problema, ?
— Você não está no viva-voz, está? — ela quis saber.
Franzi o cenho.
— Por que eu estaria?
— Está bem! — falou ela — Eu estou tendo um ataque de pânico. Acho que... não, não acho nada, eu realmente fiz uma loucura.
— Fala logo, caramba! — exigi.
— Acabei tudo com Aaron — disse ela. E então, começou a rir de um jeito muito assustador — Terminei meu noivado, . Não estou mais noiva. Não vou me casar!
— Aleluia! — eu nem me dei ao trabalho de esconder o entusiasmo, mas pude ouvir do outro lado da linha o som da respiração dela e comecei a acreditar que estava mesmo tendo um ataque de pânico — Mas, espere, o que fez você tomar essa decisão?
— Eu não sei! — ela exclamou, esbaforida — Não faz parte da vida adulta tomar decisões absurdas no calor do momento? Mas, se quer saber, ele pareceu ridiculamente feliz com tudo isso. Feliz! Como se ele estivesse em uma maldita prisão! E sabe o quê mais? Eu me sinto da mesma forma. Estou livre!
E então, ela começou a chorar. Ao mesmo tempo, as crianças voltaram com suas mochilas, cadernos e muitos lápis de cor.
— Oh, querida, o que te aflige? — perguntei com o celular entre o ombro e o ouvido enquanto ajudava as crianças a colocarem as coisas sobre a mesa — Não vou mentir, para mim essa notícia foi ótima.
— Ah, cale a boca. — ela disse, mal humorada, e depois sua voz se suavizou: — Não sei o que fazer — fungou.
Suspirei.
— Olhe, eu falo com você depois, mas você sabe muito bem que sua vida não depende de ho... disso — falei, percebendo os olhares atentos das crianças em mim — Nos vemos mais tarde — desliguei, e depois estendi os braços para as crianças — Muito bem, onde estão esses deveres de casa?
Minha intuição me dizia que a confusão na cabeça de não era à toa.
Nós estávamos no O’Neills, como nos velhos tempos, mas aparentemente não havia entendido que seríamos só nos quatro. Ele já estava falando sobre uma garota do trabalho há algum tempo, mas achei que fosse ser só mais uma em sua lista interminável. Talvez até fosse, mas o esforço que ele estava fazendo para levar aquela advogada loira para a cama era, no mínimo, impressionante. Parecia... parecia até que ele gostava dela.
Não. Não podia ser.
— Com licença — pigarreou no meio de mais uma história de Eliza (na verdade, basicamente só ela estava falando e ria ou fazia comentários irritantes) e se retirou. Eu a segui com os olhos e, quando percebi que ela estava indo para o banheiro, lancei um olhar para que ele nem precisou responder, só deu um gole na sua cerveja enquanto eu me levantada.
O banheiro estava vazio, com exceção dela. estava com as mãos sobre o balcão da pia, inclinada encarando seu reflexo no espelho.
— Você está bêbada? — eu quis saber.
— Não, infelizmente — ela suspirou — Não sei se fico feliz ou decepcionada por ter um fígado forte. Quem é aquela mulher, afinal? — ela finalmente soltou, e eu achei graça. — Pensei que hoje eu poderia ficar loucona e livre para reclamar da minha vida com meus amigos, mas aparentemente isso não vai acontecer! — ela ergueu os braços.
Claro, esse era o único problema.
— Eu também não sabia que iria trazer a nova “namorada”, mas nós podemos ir para o meu apartamento, ficar muito loucas e assistir filmes tristes — coloquei uma mão nas costas dela — O que acha?
deu um sorriso fraco.
— Obrigada, minha querida, mas talvez tudo isso seja um sinal de que eu preciso ficar sozinha até ficar menos insuportável. E, você sabe... — ela colocou as mãos nas bochechas — Ainda tem tanta coisa não resolvida na minha cabeça. Estou exausta desse dia. Vou me despedir de e vou para casa.
— Tem certeza? — tive que me assegurar mais uma vez, e ela fez que sim com a cabeça.
— A propósito, vai haver um evento beneficente do meu trabalho no 1 Oak sábado à noite, eu tenho dois ingressos e não sou idiota o suficiente para aparecer sozinha, então passe no Times essa semana para pegá-los comigo. Se você quiser, pode dar para o . Mas não para o . Não quero que ele leve essa... essa garota para o 1 Oak — ela disse a palavra “garota” como se fosse a pior coisa que pudesse ter pensado — Não quando eles podem acabar encontrando Kimye por lá.
Eu ri e concordei, segurando-a pelos ombros para levá-la de volta para a mesa. Chegamos no exato momento em que Eliza estava contando alguma história estranha, pois imediatamente ela olhou para e perguntou:
— Ah, ! me disse que você iria se casar em breve, quando vai ser?
Ops.
—Bem, eu não vou mais me casar, terminei meu noivado — disse num tom de voz extremamente monótono que não combinava com seu sorriso macabro — Então, tchau para vocês.
— O quê? — e falaram ao mesmo tempo, a diferença foi que rapidamente se levantou para ir atrás da irmã, enquanto pareceu ficar petrificado na cadeira. Voltei a sentar no meu lugar.
— Nossa, eu... — Eliza piscou — Espero não ter sido rude.
— Ah, imagine, é só que está muito recente; mas essas coisas acontecem, não? — ergui as sobrancelhas, dando um gole no meu copo de vodca. não fez nenhuma piadinha de mau gosto, o que se esperaria já que ele não gostava de Aaron, mas no segundo em que Eliza desviou o olhar e ele olhou para mim, eu mexi a boca, sem pronunciar nenhum som: você é um babaca.
Eu e Charlie estávamos sujando toda a cozinha dos enquanto preparávamos cupcakes. É claro que eu havia feito as partes perigosas como ligar a batedeira e o forno, mas a garota estava se divertindo misturando o glacê. Nós tínhamos corantes de todas as cores.
— Mamãe, qual sua cor favorita? — ela perguntou.
Kate parecia meio aérea, sentada à mesa. Ela havia começado a ler uma revista, mas eu havia notado que o olhar dela estava perdido em alguma outra coisa. Não comentei nada, é claro.
— Hum? Amarelo, eu acho — ela respondeu à filha.
— Amarelo não é uma cor muito bonita, mamãe — a menina franziu o nariz. Eu ri.
— Ah, Kate, falou para você sobre os ingressos que eu os dei? — eu quis saber.
— Oh, sim, mas... — ela meio que fez uma careta — Não é muito meu estilo, sabe? Aliás, deve ter sido doloroso para você abrir mão de ingressos para o 1 Oak.
Eu dei uma risadinha quase tímida.
— Confesso que foi, mas não tenho ninguém para levar! Quero dizer... — ponderei enquanto fazia a decoração de um cupcake roxo — Até tenho, mas eu não gosto de ninguém tanto assim para levar em um evento dessas.
— Por que não vão você e ? — ela sugeriu, subitamente parecendo bastante atenta, no segundo exato em que entrou na cozinha.
— O quê? Para onde? — ele perguntou, e eu decidi não falar nada, até porque aquela parecia uma coisa estranha para uma esposa dizer, não parecia?
— Para a festa do trabalho de ! Assim, eu posso ficar com as crianças. — Kate explicou.
Eu alternei meu olhar entre os dois. , como sempre, parecia não saber o que dizer.
— Você tem certeza? — eu perguntei. — Você tem trabalhado tanto, talvez seja uma boa relaxar...
— Todos nós trabalhamos muito, . Estamos em Nova York, de que outra forma sobreviveremos? — Kate ficou de pé — É sério. Vocês deveriam ir. — ela falou, pegando a revista, e saiu.
e eu demos de ombros ao mesmo tempo.
— Parece que vamos ter um flashback dos anos de calouros — disse ele, com um sorrisinho.
Eu não conseguiria descrever o que estava acontecendo com meu corpo naquele momento.
Eu sentia que ele era pesado demais para eu aguentar, mesmo que eu tivesse quase certeza que eu estava deitada em... alguma coisa que chacoalhava muito. Meu corpo estava sendo chacoalhado para lá e para cá e eu conseguia ouvir um som bem distante e abafado... parecia o meu nome? Eu não conseguia nem movimentar minha boca para responder que estava ouvindo e nem tinha forças para chorar – e como eu queria chorar. Estava morrendo de frio, e ao mesmo tempo queimando por dentro. Uma dor aguada vinha do meu estômago e se espalhava por todo o meu corpo. Pareciam várias agulhas me perfurando.
Ainda não conseguia abrir meus olhos ou reagir quando fui colocada em um lugar diferente, aquecido e macio. Eu não podia entender o que estava acontecendo comigo ou o que tinha acontecido para me deixar daquela forma, e muito menos pude entender os gritos que começaram em seguida. Ainda, talvez, a única coisa que eu distingui naqueles sons foi meu nome.
Quando acordei, e estavam do lado da cama.
— Graças a Deus — ela suspirou, e pelo seu rosto, ela havia chorado — Nunca, nunca mais faça isso, está entendendo? — ela me segurou pelos braços e meu corpo estava tão mole que aquilo pareceu bastante dolorido para mim.
— Devagar, — disse atrás dela.
— O que... o que está acontecendo? — coloquei a mão na testa e cobri meus olhos. Era de manhã, e demorei alguns segundos para identificar que o local que eu estava era o quarto de hóspedes do apartamento de . Os olhos de estavam cheios de algo que eu não conseguia distinguir se era pena ou dor, e ela parecia não querer falar nada — — falei séria, em tom de ordem.
Ele coçou a barba, parecendo apreensivo.
— Olhe, , ontem à noite não foi muito bom. Alguém colocou alguma coisa na sua bebida e um cara... — ele se interrompeu e eu arregalei os olhos, sentindo meu coração se apertando em pavor — Ele não fez nada com você, porque estava de olho o tempo todo. Mas você não estava reagindo, só tremendo muito, e nós estávamos prestes a levar você para o hospital se não acordasse.
Senti vontade de vomitar e minha cabeça girando, e não achava que aquilo era por causa do que quer que fosse que eu tivesse ingerido. Eu não podia acreditar que eu quase tinha sido... eu não queria nem pensar naquela palavra.
— Onde está ele? O ? E as crianças, ainda estão dormindo? — perguntei, exasperada.
— ... — disse baixinho e hesitou, trocando um olhar apreensivo com .
— Parem com isso! O que mais vocês têm para me falar?
— Antes de mais nada, não pense que isso é culpa sua — falou, bem devagar, e a minha náusea aumentou. Quantas outras desgraças a mais eu poderia ter causado na noite passada? — Quando chegou com você no meio da madrugada...
Ela não continuou.
— Fala logo, ! — exigi.
— Eu não sei porquê, mas Kate achou que... ela achou que tinha visto algo a mais e... — o lábio de tremeu — Mesmo depois que disse o que havia acontecido com você, ela surtou e disse que precisava de um tempo longe. Eu não entendo o que está acontecendo com ela, ela está muito estranha faz tempo...
Em algum momento, parei de ouvi-la. O único barulho que eu escutava era o zunido no meu cérebro.
A esposa do meu melhor amigo achava que ele a estava traindo. Comigo. E para ela reagir daquele jeito, talvez ela estivesse pensando aquilo há mais tempo do que havia deixado demonstrar.
Eu precisava trabalhar. Mesmo depois do que havia acontecido comigo e eu ter tido sorte por estar viva, intacta e precisando me recuperar, não podia deixar de trabalhar. Ou de olhar para o meu celular de dois em dois minutos, esperando algum sinal de .
Nenhum de nós havia conseguido falar com eles desde o dia anterior. havia decidido faltar o trabalho para cuidar dos sobrinhos, e a pior parte para nós era que não tínhamos nenhuma explicação para dar para as crianças. A pior parte para mim era que, de um jeito ou de outro, tudo aquilo estava acontecendo por minha causa.
Larguei o computador e peguei o celular mais uma vez.
— Eu sei que você não respondeu nenhuma das minhas mensagens de voz ou de texto nas últimas 48 horas, mas poderia me dizer se você está bem? Se os dois estão bem? — suspirei, cansada, e apertei o botão para enviar.
O telefone da minha sala tocou, e eu apertei o botão para o viva-voz.
— Diga — pedi.
— Srta. — a nova secretária que haviam contratado, cujo nome eu ainda não havia decorado, disse — Sr. gostaria de entrar.
— Pode liberar — falei apressadamente, me levantando da cadeira. Eu estava esperando no meio da sala quando abriu a porta.
Parecia que ele havia acabado de tomar banho, estava arrumado. Mas pelo seu rosto, ele parecia... perdido.
— , eu sinto muit... — comecei, mas ele me interrompeu.
— Ela sabia que eu não estava a traindo com você, e disse que só falou aquilo para tentar se sentir menos culpada, já que ela tem estado com o amante nos últimos meses. — falou
Ele tentou soar calmo, como sempre, e isso conseguiu me deixar ainda pior.
Perplexa demais para falar ou sequer organizar meus pensamentos, eu o abracei. Aquele corpo forte nunca pareceu tão fraco ao tremer debaixo das minhas mãos.
largou o trabalho. Isso já era preocupante o suficiente, mas ele também estava agindo de uma forma completamente... estranha. Só porque a vida dele havia mudado completamente, não significava que ele precisava ser uma pessoa completamente diferente.
Tudo bem, talvez não fosse completamente justo com ele pensar assim.
— Você está indo para lá agora? — me perguntou, do outro lado da linha.
— Sim, estou levando comida. Não posso deixar as crianças morrerem de fome com um pai desempregado — respondi, segurando o celular com uma mão e as sacolas no outro braço enquanto entrava no prédio de . Despedi-me de e abri a porta com a minha chave, encontrando as crianças no sofá, assistindo desenho animado.
Charlie e Flynn se viraram para olhar na minha direção instantaneamente, mas sua inocência não deixou disfarçar que claramente não era eu quem eles estavam esperando e senti como se alguém tivesse martelado um prego no meu coração. Aquelas duas crianças nunca, nunca deveriam ficar tão tristes daquele jeito.
Mas eles também nunca, nunca deveriam ter sido abandonados pela mãe, que escolheu a vida que ela não pôde ter oito anos atrás em vez deles.
— Meus amores! — eu disse para eles, com o sorriso mais largo que conseguia, apesar de aquilo estar sendo ridiculamente difícil para mim — Onde está o papai?
— Aqui — a voz de veio da cozinha.
Havia uma coisa muito esquisita naquele apartamento. E apesar de ser óbvio que aquilo era por causa de Kate, eu não tinha certeza se o principal problema era a ausência dela.
estava usando um avental branco que o fazia parecer muito bobo enquanto misturava algo numa panela que tinha um cheiro forte de molho de tomate.
— Não estava esperando você — ele falou, sem olhar para mim. Ele quase nunca olhava para mim ultimamente.
— Eu sei. Achei que pudesse precisar de ajuda com as crianças. Passei no K-Mart e trouxe algumas besteiras — disse eu, erguendo a sacola.
— Não era necessário — ele murmurou, se mexendo de um lado para o outro para pegar as coisas que ia jogar dentro da panela.
Coloquei as sacolas e a minha bolsa sobre o balcão.
— Deixe-me ver isso, quer uma mãozinha? — me aproximei dele — Você não é exatamente o melhor chef do mundo e eu...
— . — falou, virando-se para mim, e eu teria esbarrado nele se ele não tivesse me segurado pelos braços. — Eu consigo fazer isso. — Depois de tanto tempo em que ele havia evitado meus olhos, pude enxergar o quanto ele estava cansado. E pior, sofrendo. Eu conseguia sentir aquela dor em mim, embora não devesse ser nem metade do que ele estava sentindo — Eu vou conseguir criar meus filhos sozinho, eu...
A voz dele sumiu enquanto ele puxou o ar, respirando fundo e fechando os olhos.
— Está brincando? — sussurrei, colocando meus braços ao redor do seu pescoço. Pressionei meus lábios em sua testa. — Você nunca vai ficar sozinho.
Eu ainda não havia me acostumado com o que nossas vidas haviam se tornado nos últimos meses. Tudo estava anormal, por exemplo, havia começado a namorar com aquela mulher, Eliza, mas ela havia o largado há algumas horas atrás e agora ele estava enchendo a cara para afogar as mágoas. Eu não conseguia encarar o hambúrguer na minha frente sem pensar, preocupada, em e nas crianças. Na verdade, não conseguia fazer nada sem pensar neles ultimamente.
— Inferno de mulher — grunhiu, virando o copo em um único gole. Se eu estava contando antes, já havia me perdido — Eu nem gostava dela mesmo.
— Então, pelo amor de Deus, cale a boca — rosnou, massageando as têmporas.
— Vocês acham que eu deveria levar hambúrgueres para eles? — perguntei, o que na verdade deveria ter sido apenas um pensamento, mas ao ouvir a risadinha bêbada de , quis saber o que ele queria — O que foi?
— Eu tive o pensamento mais louco — ele deslizou a ponta do indicador pela borda do copo vazio — A vaca da Kate pulou do barco, mas pelo menos deixou uma substituta que soubesse como fazer o trabalho.
deu um tapa no braço dele por mim.
— Você é um idiota — falei — Não estou fazendo nada mais do que vocês. E eu chamaria vocês para irem comigo lá agora, mas você está deplorável, , até mais do que normalmente é.
— Eu cuido desse aqui — disse, puxando o braço dele — Vamos embora antes que você faça alguma merda.
— Eu? Ir para casa com você, chata desse jeito? Não mesm... — ela o puxou com tanta força que quase caiu da cadeira. Nós colocamos o dinheiro em cima da mesa (inclusive eu, apesar de o hambúrguer ter ficado ali intocável) e saímos.
O trajeto do SoHo até o Village não foi demorado, talvez por causa do horário – embora na verdade nunca existisse um horário específico para o trânsito estar bom ou ruim em Nova York. No corredor do apartamento de , ouvi barulhos vindo do lado de dentro e decidi bater na porta em vez de tocar a campainha e acabar acordando as crianças.
Ele abriu a porta. Apesar de estar parecendo péssimo, ele sempre estava lindo.
— Está tarde — ele falou, com um sorriso preguiçoso.
— Só passei para checar vocês — encolhi os ombros, sorrindo, e entrei no apartamento.
— Sem chances. Você dorme aqui. É perigoso sair mais tarde, e essa praticamente tem sido sua segunda casa ultimamente.
Eu o encarei por alguns segundos.
— Você está bêbado? — perguntei.
Ele riu, balançando a cabeça.
— Não.
— Então você só comprou um perfume novo com cheiro de álcool — desdenhei.
se aproximou de mim. Perto o suficiente para fazer com que eu me arrepiasse quando ele olhou nos meus olhos com um sorriso torto.
— Como você é chata — sussurrou, tocando no meu queixo, e depois se afastou — Um pai solteiro também pode relaxar de vez em quando, não? Quer dizer... — ele coçou a barba — Vou ser um pai solteiro quando assinar o divórcio.
Senti uma sensação estranha no estômago enquanto tirava meus sapatos e deixava a bolsa no cabide para casacos da porta.
— Por que você ainda não assinou? — eu quis saber, porque não sou baú e estava curiosa.
Ele pegou a garrafa de whisky que estava na mesa de centro e serviu um copo, estendendo-o para mim.
— Eu não sei — a voz dele saiu baixa, rouca — Acho que eu estou... estou esperando alguma coisa acontecer. Faz sentido?
— Não — respondi séria e sem pensar duas vezes, colocando a bebida para dentro de uma só vez. — Eu vou tomar um banho e me trocar.
Passei mais tempo debaixo do chuveiro do que realmente deveria. Quero dizer, por que parecia querer continuar prolongando o seu sofrimento? Ele obviamente estava sofrendo por algo que não era sua culpa. Com a testa encostada na parede fria enquanto a água quente caía pela minha cabeça e pelas minhas costas, me perguntei se ele realmente a amava tanto assim para não deixá-la ir.
Isso me incomodou mais do que eu admitiria.
Coloquei uma camisola de seda branca que havia deixado no quarto de hóspedes na última vez em que havia dormido ali e torci meu cabelo molhado na toalha antes de ir, na ponta dos pés, até o quarto das crianças. Só percebi o quanto eu era rancorosa quando secretamente dei graças a Deus por eles parecerem tanto com o pai, principalmente quando estavam dormindo – eles tinham a mesma ruguinha entre a sobrancelha que e faziam biquinho como ele quando dormiam. Fui até a cama de cada um e dei um beijo em suas testas, desejando poder ficar mais tempo ali. Tão silenciosa quanto entrei, abri a porta para sair.
Dei de cara com no escuro do lado de fora. Tapei minha boca com força para não dar um grito.
— O que estava fazendo? — perguntou ele.
Eu ainda estava muito assustada para falar – e também, por algum motivo, senti o rosto esquentando, como se eu tivesse sido pega fazendo algo que não devia.
— Eu preciso dizer uma coisa — ele disse — O porquê de eu não ter assinado o divórcio ainda.
Eu pisquei, esperando alguma coisa enquanto ele permanecia em silêncio.
— Fala, caramba! — eu disse, talvez um pouco alto demais, e coloquei as mãos sobre a boca de novo.
— Talvez... talvez parte de mim ainda não tenha se conformado que não deu certo. Eu fiz tudo o que podia para...
— Ah, querido, eu sei disso — coloquei uma mão no rosto dele, interrompendo-o — Mas você não poderia ter previsto o que aconteceu, e nada disso é sua culp...
— Eu fiz tudo o que podia para fazer esse casamento funcionar e tentar superar você — dessa vez, foi ele quem me interrompeu.
Não consegui respirar.
— Mas aqui estou eu, percebendo que foi uma tentativa em vão. Talvez Kate tenha percebido isso antes de mim, e por isso fez o que fez — abaixou os olhos por um segundo, antes de voltar a focar em mim.
Eu não havia me mexido. Não conseguia fazer isso também.
— Não diga isso — sussurrei.
Ele deu um passo na minha direção e eu, por impulso, dei um passo para trás.
— O que está fazendo? — falei rápido demais e soando como se estivesse engasgada.
— Quer ficar parada só por um segundo? — ele pediu, e eu fechei os olhos antes mesmo de sentir seus dedos gentilmente no meu rosto e seus lábios tão gentis nos meus a princípio que eu nunca poderia pensar que aquele beijo pudesse fazer com que eu sentisse todo o meu corpo tremer como se estivesse soltando faíscas.
me soltou e, apesar da luz fraca, vi seus olhos arregalados e a expressão assustada. Então, decidi andar em frente, mas ele me interrompeu no primeiro passo.
— O que está fazendo? — ele quis saber.
Mordi o lábio para tentar conter um pequeno sorriso.
— Quer ficar parado só por um segundo? — eu não esperei a resposta para colocar os braços ao redor do seu pescoço e voltar a beijá-lo, sentindo-o envolver o meu corpo e, literalmente e figurativamente, tirar meus pés do chão.
Havia uma sensação estranha me incomodando nos últimos dias e cheguei à conclusão de que só poderia ser culpa. O que havia acontecido com ... ou melhor, o que estava acontecendo, era confuso demais para explicar a alguém, até mesmo para . Quer dizer, nós dois não estávamos exatamente juntos.
Mas eu não queria que acabasse.
Além de outras complicações, como o fato de ele ser o irmão dela e ter se separado há pouco tempo. E também o fato de ele ser o meu melhor amigo desde que eu conseguia me lembrar. No entanto, de alguma forma, nada disso parecia importar quando ele... quando nós...
Eu arfei dentro do táxi por causa daquele pensamento e inspirei com força, logo antes de parar na 41st Street.
A verdade é que eu não sabia o que pensar sobre o que eu estava fazendo porque nem mesmo sabia o que estava sentindo. havia dito que sempre tivera sentimentos por mim, mas eu sabia que havia a possibilidade de aquilo ser uma reação ao fato de ele estar tão vulnerável. E se aquilo pudesse afetar as crianças de alguma forma?
. saberia o que dizer.
— A srta. não está atendendo, você gostaria de deixar um recado? — a nova recepcionista do The New York Times perguntou.
— Não, eu gostaria de vê-la — falei.
— Senhorita, ela pode estar ocupada ou pode não estar na sala...
Revirei os olhos.
— Você é nova aqui, não é? Caso contrário, saberia quem eu sou — falei, tentando não soar muito vaca, mas era mais forte do que eu. Eu apenas lancei um olhar para a garota, e ela não demorou muito para liberar minha entrada.
Um segurança me acompanhou pelo corredor, mas felizmente a uma distância segura para que eu pudesse ser a única a testemunhar a que seria uma das cenas mais traumáticas da minha vida.
. E . Em cima da mesa da sala dela.
Eu e gritamos ao mesmo tempo em que eu fechei a porta e me encostei nela para não cair, cobrindo o rosto com as mãos e com o coração acelerado. O segurança correu até mim, mas eu abri os braços na frente da porta impedindo-o de passar.
— Eu vi uma barata! — gritei.
Ele franziu a testa, mas pareceu acreditar na desculpa. Eu engoli em seco enquanto esperava ele se afastar, e então bati na porta.
— Agora ela bate? — ouvi murmurar.
— Cala a boca, ! Você já vestiu as calças? — eu revidei, irritada.
abriu a porta. O cabelo dela estava meio que pra cima, o rosto vermelho e suado e os olhos arregalados.
— Antes que você diga alguma coisa...
Eu queria gritar, mas como não podia, soltei um som como de um animal estrangulado enquanto batia os pés.
— Se vocês querem transar em cima da sua mesa de escritório, deveriam pelo menos pensar em trancar a porta antes! — eu sussurrei, entrando na sala e olhei para , que parecia uma estátua — Sai daqui!
— O quê? Não vai nem deixar eu me explicar? — ele se fingiu de chocado, o que me fez querer bater na cara dele.
— Não! Você não presta! — apontei para a porta — Vai embora, !
Ele e se encararam. Ela balançou a cabeça, confirmando, e ele bufou antes de sair. Sozinhas na sala, eu continuava de queixo caído.
— Não me olhe desse jeito — ela grunhiu.
— Você e ? Sério? Achei que eu estivesse imaginando coisas, mas pelo visto...
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Espere, o que você quer dizer com isso?
— Há quanto tempo? — eu quis saber, ignorando sua pergunta — E vocês estão, tipo, apaixonados?
— Céus — ela murmurou — Eu preciso me sentar.
É claro que, novamente, me senti culpada. Não era como se fosse a única guardando um segredo entre nós. Não era como se eu fosse a única precisando conversar sobre o que estava acontecendo.
— Eu sempre soube que tinha sentimentos fortes por , mas nunca havia decidido se eram bons ou ruins — disse ela.
— Ah, claro, pelo que acabei de ver parecia que você queria matá-lo com a sua língua. — comentei.
me fuzilou com os olhos .
— Fique quieta, senão vou jogar esse grampeador na sua cabeça — ela me ameaçou — Mas então, tudo aconteceu e... eu não sei. Não sei o que vem depois. — ela deixou os ombros caírem e percebi que ela deveria estar à beira das lágrimas.
— Ah, querida, não fique assim — eu fui até ela e segurei suas mãos — Desculpe por reagir exageradamente, você não tem que decidir o que vai fazer com a sua vida só porque eu sou curiosa. É só que... uau, eu nunca pensei que isso aconteceria de verdade! — comentei, fazendo-a rir — Na verdade, pensei, mas sempre achei que seria o primeiro a ceder e...
— Eu realmente quero bater em você agora. Por que acha que eu fui a primeira a ceder? — ela fez cara feia.
Dei de ombros.
— Pressentimento.
— Céus — ela murmurou, ficando de pé e passando as mãos levemente sobre os cabelos — Mas, se me permite discutirmos isso quando eu já souber o que pensar, o que você queria falar? Por que veio aqui?
Mordi o lábio. Pelo menos, por ora, eu sabia o que fazer.
— Depois de tudo isso, acho que esqueci — falei.
Já havia passado da hora das crianças dormirem, mas só naquele momento havia conseguido ficar livre depois de finalmente terminar todos os projetos pendentes. Não gostava de acumular tudo para a última hora, mas havia passado tanto tempo na casa de nos últimos tempos e, por alguma razão, eu parecia achar que aquele lugar era um escape para a minha realidade. Em todos os sentidos.
Do lado de dentro, tranquei a porta e deixei as minhas coisas no sofá antes de ir para o quarto dele. Quando me viu, ele abriu um sorriso.
— Achei que você não viesse hoje — falou, vindo na minha direção — Fins de mês sempre são corridos para você.
— Mas e daí? — eu fiz biquinho, jogando os braços ao redor do pescoço dele — Espero que não esteja desapontado.
— Jamais — ele sorriu, me beijando rapidamente — Love, você não tem que fazer isso.
— Você está errado — eu disse — Eu tenho. Eu sinto que devo. E mesmo se não sentisse, eu quero fazer isso.
suspirou, com um sorrisinho bobo na cara enquanto me apertava em seus braços e eu sentia seus dedos nas minhas costas, debaixo da minha blusa.
— Então, se me der licença — falei, com uma expressão provocativa, colocando as mãos em seus braços para afastá-lo de mim — Tenho certeza que você não se importa em dividir a minha atenção.
Não sei se ele pareceu extremamente frustrado ou que estava se divertindo com a situação.
— Quando estivermos sozinhos, você vai ver — ele apontou para mim e eu achei graça. Abri a porta para ir ao outro quarto, percebendo que as luzes lá dentro ainda estavam acesas.
— Acordados a essa hora? — eu cruzei os braços, me fingindo de durona, e as crianças ficaram animadas. A cada dia, parecia que um pouco mais de brilho voltava aos seus olhos.
Eu sabia que as coisas nunca seriam as mesmas para nenhum de nós. Mas também sabia que, uma hora ou outra, aprenderíamos a viver com as diferenças.
— Pode ler uma história para nós? — Charlie pediu, sabendo que eu não poderia negar nada que ela pedisse. Além disso, eu adorava ler histórias para eles. Eu pisquei para ela antes de ir até a grande estante de madeira que eu havia comprado para o chá de bebê quando a mãe estava grávida dela. A maioria dos livros haviam sido doados por , é claro, mas pelo menos eu poderia dizer que eu havia dado a estante.
Escolhi um livro sobre a terra mágica dos doces e sentei na beira da cama de Charlie. Flynn quis subir também.
— Não! Você tem a sua cama! — ela reclamou.
— Tive uma ideia. Por que não juntamos as duas camas? Assim podemos ficar todos juntos — falei, e eles concordaram. Eles eram tão bonzinhos. Os dois me ajudaram a empurrar as camas e nós três nos aconchegamos.
Charlie e Flynn tentaram dividir os cobertores comigo, apesar de só serem grandes o suficientes para eles mesmos, mas aquilo foi o suficiente para esquentar o meu coração. Com um de cada lado, eu li a história, diminuindo o volume da minha voz ao perceber que eles não estavam mais tão atentos e seus olhares estavam ficando pesados e perdidos.
Fechei o livro infantil e sussurrei:
— Boa noite.
Antes que eu desligasse a luminária, Flynn respondeu:
— Boa noite, mamãe.
Acordei com vontade de vomitar.
Corri para o banheiro com as pernas bambas e fui sortuda o suficiente para conseguir abrir a porta e levantar a tampa da privada, desabando no chão frio e colocando tudo para fora.
Só de lingerie. Ainda estava tocando música – meu celular por algum milagre não havia descarregado –, mas deveria ser outra playlist. Não mais Frank Sinatra.
Senti os músculos do abdômen doerem quando sentei. Achei que havia terminado. Não deveria ter bebido tanto. Segurei na pia como apoio para me levantar e lavei o rosto e escovei os dentes. Fiquei parada ali até conseguir forças o suficiente para voltar para a cama e pegar meu celular para ligar para .
Eram quatro horas da manhã.
— Mas que diabos, ? — ela disse, a voz em uma mistura de brava e sonolenta — O que aconteceu? Você está bem?
— Eu tive o sonho mais estranho da minha vida — falei, mal conseguindo me ouvir — Era o mundo invertido!
Ela ficou em silêncio e achei que ela tivesse dormido de novo.
— Você está falando daquela série com crianças da Netflix? — resmungou.
— Não! Estou falando que estava casado com Kate e eles tinham dois filhos lindos, eu tinha um escritório em um prédio e uma equipe enorme como se eu fosse a porra da Miranda Priestly, você terminava com Aaron porque tinha uma queda secreta por , mas namorava com uma advogada, mas ela terminou com ele; Kate também terminou com , aliás, e o trocou pelo ex; e você e ficaram juntos e eu e ... e eu...
— Deixe-me adivinhar — ela falou, bocejou, e depois continuou: — Você assumia o papel de mãe para os filhos imaginários de .
Eu me encolhi na cama.
— Eles pareceram tão reais — falei, baixinho.
— Só uma pergunta: por quanto tempo você dormiu para sonhar com tudo isso?
— ! — protestei.
— Tudo bem. Desculpa. É que eu tenho que levantar daqui duas horas para ir trabalhar, então... o que você quer que eu diga?
Esfreguei meu rosto, com raiva de mim mesma.
— Não. Você está certa. Eu só fiquei abalada, não sei por que. — eu disse. — Foi só um sonho.
Mais silêncio, e dessa vez mais longo. Eu podia ouvir a respiração pesada e abafada dela, e talvez até o ronco de no fundo, mas não conseguia desligar.
— Sabe, — ela finalmente falou, e eu me assustei ao ouvir sua voz — Talvez isso seja uma maneira de seu inconsciente, ou o universo, que seja, mostrar que não importam os meios ou de que forma aconteça, o que é pra ser, será. É o destino.
Senti um arrepio na espinha.
— Você acha?
Ela não respondeu. Eu esperei o suficiente para saber que ela estava dormindo antes de desligar e, com os olhos ardendo, procurar outro número na minha lista de contatos para mandar uma mensagem de voz.
— Oi, Betty, aqui é a . Me perdoe por mandar essa mensagem tão cedo, mas você poderia marcar um encontro para mim com Claude Delacroix o quanto antes?
Eu não havia terminado a minha maquiagem quando o motorista chegou. Achava desnecessário que eles mandassem um motorista para começo de conversa, mas eu era a convidada e precisava me adequar às suas condições. Coloquei o batom dentro da bolsa e me chequei uma última vez no espelho, de pé.
Escolhi um vestido vermelho longo, com a saia solta e mangas curtas abaixo dos ombros. É claro que eu teria que escondê-lo com um casaco enorme até chegar ao local para me proteger do frio, mas estava me sentindo bem nele. E vermelho me dava sorte.
O chofer abriu a porta do carro para mim. Eu quase ri, mas não queria parecer desrespeitosa ou algo do tipo. O evento seria no Four Seasons, um hotel de cinco estrelas em Midtown East, e eu não sabia se estava exatamente surpresa por aquilo. No caminho, tirei um pequeno espelho da bolsa para passar o batom e no mesmo instante meu celular tocou.
— Olá, — eu atendi.
— O que está fazendo? — ela indagou — Você parou de me responder eu fiquei preocupada.
— Estou indo encontrar um monte de parisienses. Espero que o francês que aprendi com os filmes da Audrey Tautou me ajude em alguma coisa — brinquei.
— Ah, mon pauvre chéri — ela suspirou — Você vai mesmo fazer isso.
Fechei os olhos, sentindo como se estivesse carregando um peso enorme nas costas.
— O que eu deveria fazer, ? Eu nunca vou poder fazer feliz, ou dar a ele a vida que ele quer e merece, porque essa não é quem eu sou. E de pensar que por meses eu brinquei com os sentimentos dele, meses. Eu acho que nunca vou conseguir me perdoar por isso.
— O fato de você achar que a única forma que vai consertar isso é indo para outro país só mostra o quanto você está assustada — ela disse — e acho que você sabe o porquê.
Em momentos como aquele, eu tinha vontade de dar um soco naquela mulher.
— Eu tenho que ir — falei, encerrando a ligação. O carro parou e eu dei uma corridinha da rua até a entrada do hotel, onde recolheram meu casaco.
O ambiente estava aquecido, mas minhas mãos estavam tremendo. O símbolo da Paris American Acad – École de Beaux-Arts estava exibido no início da escadaria que levava ao restaurante do hotel. Eu não sabia se o cheiro mais forte era de perfumes de grife ou da comida e ouvia várias vozes falando inglês com um sotaque arrastado por cima da música.
Claude me achou facilmente. Eu tinha que admitir: naquela noite eu era facilmente identificável no meio da multidão sem graça.
— Aqui está a mulher que eu queria que conhecessem — ela me apresentou para dois homens franceses com cabelos grisalhos — , esses são Pierre Blanchard e Auguste Durand. Dois de nossos grandes mestres designers.
— Tenho certeza que sim. Encantada — falei e sorri, apertando as mãos deles.
— Só o que ouvi falar de você é impressionante — Pierre disse — Que tal uma bebida, belle?
Pensei na noite anterior. E, acho que por causa disso, aceitei a bebida.
Eu conversei com algumas pessoas da faculdade. Sorri muito, e senti as bochechas doendo. As horas não pareciam passar, e eu estava começando a ficar aflita, mesmo que jamais dispensasse uma festa. Talvez porque os pratos principais fossem escargot e ostras.
Talvez... eu precisava sair daquele local. Senti como se meu vestido estivesse apertado demais e eu precisasse respirar, então pedi licença e saí, apressada e esbarrando em algumas pessoas. Com certeza não causei uma boa impressão.
Eu estava desesperada para pegar meu casaco e ir embora. Quando finalmente o vesti e empurrei a porta do hotel, sem esperar que os porteiros fizessem isso por mim, trombei com uma pessoa alta que quase me fez cair de bunda no chão, se ele mesmo não tivesse me segurado.
— Mas que merd... ! — eu gritei, percebendo que o poste no meu caminho era , e bati nele com a minha bolsa — O que você está fazendo aqui?
— Não posso deixar você continuar com isso, . Preciso fazer isso pelo meu melhor amigo. — ele me encarou, sério.
— Do que você está falando? — perguntei, já com vontade de chorar.
— Eu sei que você não quer partir o coração de , mas isso também é porque você sente alguma coisa por ele. Vamos lá, , você não pode ser tão burra. Vocês são como aqueles casais de séries de televisão que todo mundo já percebeu que deveriam ficar juntos e só eles não percebem isso.
— Você não entende, eu... — comecei, mas ele não me deixou terminar:
— Não entendo? Eu quase perdi a mulher da minha vida para outro cara só porque estava bancando o fodão orgulhoso. Se você não perceber que o seu orgulho e teimosia não vão te levar a lugar nenhum, vai perder a pessoa que você ama para alguém que saiba isso.
Eu nunca havia escutado dizendo algo assim, e provavelmente isso me deixou em estado de choque. As pessoas no hotel nos observavam pelo canto dos olhos, e ele se afastou de mim, dando passos para trás.
— Vou chamar um táxi — disse ele — e esperar cinco minutos. Você tem esse tempo para decidir se vem comigo ou... ou se vai ficar aí e fazer seja lá o que for.
esperou até mais do que cinco minutos, o que foi impressionante da parte dele, considerando que o tempo parado ali seria cobrado. Eu não enxerguei direito, mas ele pareceu decepcionado quando o carro deu partida para ir embora.
Eu precisei de muito mais minutos para decidir o que fazer. E eu decidi sair, com meu vestido longo e saltos altos, andando na nevasca que havia acabado de começar.
Todos os meus ossos doíam, meu cabelo estava grudado com neve e eu mal conseguia ver através das lágrimas ou respirar com o nariz entupido, mas eu cheguei na frente do prédio, cansada e tremendo. Meus dedos sem luvas mal se moviam direito e, quando eu tirei o celular da bolsa, minha mão parecia uma garra de monstro. Eu liguei.
— — a primeira palavra saiu como um sussurro, mas me esforcei para fazer minha voz sair mais alta — Eu sei que você está com raiva de mim, mas espero que não apague essa mensagem da caixa de voz antes de eu terminar. Porque eu sei que está bravo, eu não entrei no seu território. — consegui rir um pouco — Estou na frente do seu prédio, o frio está cortando o meu rosto e eu mal consigo mexer a boca, mas eu não vou a lugar algum até que você fale comigo. — eu pisquei com força, e as lágrimas que rolaram pelo meu rosto me causaram arrepios — Eu sei que por todos esses anos eu fui uma pessoa horrível e eu não mereço você como meu...
— Pare — ele disse, saindo do prédio segurando o celular no ouvido. Eu deixei meu celular cair, e ele se apressou para vir até mim — Você está maluca? Desse jeito vai ter uma hipotermia — ele se abaixou para pegar meu celular e colocou o braço em volta dos meus ombros, me levando para dentro do prédio.
— Eu sinto tanto, tanto — abaixei a cabeça, envergonhada, sem me mover e sem conseguir olhar para ele — Pelo que fiz com você. Por ter sido tão cega. Eu achei que tudo o que eu fazia era uma forma de eu não me machucar, mas eu não ligo mais para isso. — falei, entre soluços — Sentimentos sempre escapam do nosso controle, mas eu não me importo. Eu nunca pensei que seria plenamente feliz a não ser que eu tivesse uma carreira ou fosse morar na Europa ou qualquer coisa que me fizesse sentir bem comigo mesma, mas isso nada disso é verdade. Você me faz mais feliz do que eu jamais pensei que seria. E eu... sinto muito por não poder fazer o mesmo por você.
segurou e ergueu o meu queixo, finalmente me fazendo olhar para ele. Talvez eu estivesse tonta por não conseguir respirar, então precisei piscar várias vezes para focar a imagem dele. Eu conhecia tão bem aqueles olhos e, naquele momento, eles pareciam tão estranhos para mim. Eu não conseguia identificar o que ele estava sentindo.
Ele franziu levemente a testa. Depois deu um sorrisinho mínimo.
— , de que diabos você está falando? — perguntou, em um sussurro.
Eu abri a boca, mas não consegui pensar em nada para dizer.
— Amar você é tão simples. É como se eu não precisasse de razões, não precisasse de esforços, porque tudo que você faz, tudo o que você é me faz amar você. — ele colocou as duas mãos na minha nuca, e senti como se meu corpo gelado estivesse se despedaçando com o toque quente dele — Seu sorriso preguiçoso e olhos pequenos quando acorda de manhã... o jeito que você dança quando acha que ninguém está vendo, sua risada, seu coração. Você não consegue enxergar nada disso e coloca mil defeitos em si mesma como se não quisesse que as pessoas pudessem vê-la como realmente é, mas isso nunca funcionou comigo. Você faz com que amar você seja difícil, mas nada que você possa fazer pode me impedir de continuar te amando. Porque eu sei quem você é, e por Deus, não sei se é possível amar tanto alguém assim.
Eu precisei agarrá-lo pela camisa para conseguir permanecer de pé. Escondi o rosto no seu pescoço, e senti o cheiro dele... eu não sabia como poderia viver sem aquele cheiro. Sem aqueles braços me segurando. Sem aquele coração batendo tão acelerado que eu conseguia sentir, ou talvez fosse o meu próprio, que parecia que iria explodir a qualquer momento.
— — foi a única coisa que eu consegui dizer.
— — ele respondeu, e nós nos beijamos, e nós dois estávamos chorando, agarrados um ao outro para não cair. — Você está aqui — ele disse, com os lábios contra os meus enquanto respirava, e parecia mais estar falando sozinho do que comigo — Você é real.
Eu comecei a rir. Mal podia acreditar naquela sensação dentro de mim. Não eram borboletas no estômago ou qualquer clichê que diriam, era mais do que isso.
Como ele havia dito, era real. Éramos nós, da forma que deveria ser.
— Eu te amo tanto — sussurrei, com as mãos no rosto dele, puxando-o para mim para beijá-lo de novo.
Nem por que.
Quero dizer, eu e não nos falávamos há semanas. Era o máximo de tempo que eu havia ficado afastada dele em toda a minha vida – não que eu o conhecesse por toda a minha vida, mas eu meio que ignorava o que havia acontecido antes disso. Mas não era eu quem estava errada. Ele estava, por ter usado aquilo contra mim. Deveria ter sido algo... especial.
Ao mesmo tempo, ele alegava que eu havia partido o seu coração.
Nenhum de nós seria o primeiro a ceder.
Mas antes disso, outras coisas aconteceram.
Eu ainda não tinha criado coragem para falar com Claude Delacroix – e nem para decidir o que fazer quanto a isso. Mas eu tomei outras decisões. Para onde quer que eu fosse, primeiro eu precisava estabelecer minha vida em Nova York. Era questão de dignidade. Então surgiu (literalmente surgiu, no meio de uma noite) a ideia de tornar a Designs em mais do que... design e coisas bonitas. É claro que minha vida gira em torno de coisas bonitas, mas eu queria transformá-la numa pequena, mas estruturada, empresa de construção. Então, começamos as entrevistas.
A maior parte dos interessados eram jovens recém-formados, o que não me surpreendia; me agradava, até. Havia trabalhado com gente velha a minha vida toda e já estava cansada deles. Os jovens eram apaixonados, criativos, empolgados e bonitos. Não que a parte de bonitos fosse tão relevante, mas enfim. Eu havia acabado de falar com um adorável arquiteto quando um engenheiro entrou na minha sala.
— Senhorita — ele me cumprimentou, estendendo a mão.
— Por favor, só — pedi, sorrindo, ao apertar a mão dele — E você deve ser Jay Hoult?
— Exatamente — ele também sorriu, sentando-se. Deveria ter uns 22 anos, loiro, bronzeado, olhos azuis e dentes muito brancos. Se eu tivesse sua idade, com certeza pegaria.
Não acredito que pensei “se eu tivesse sua idade”. Quantos anos eu tinha, cinquenta?
— Então, segundo sua aplicação você se formou no último outono em Cornell. Sempre quis vir morar na cidade? — eu perguntei.
— Acho que a pergunta seria... quem não quer? — Jay riu. Muito charmoso e aparentemente carismático. E ele estava certo, quem não iria querer viver em Nova York?
Aparentemente eu, às vezes.
— E me conte, por que um engenheiro civil recém formado se interessou por uma empresa de design? Pode ser bem sincero comigo. — pedi, apoiando o queixo sobre as mãos cruzadas.
A pergunta o fez franzir a testa rapidamente.
— Qualquer um tem que admitir que é no mínimo impressionante o que você conseguiu fazer em tão pouco tempo — disse ele, gesticulando, e eu consegui sorrir levemente. Se ao menos ele soubesse que o pouco tempo na verdade havia sido o meu carma depois de uma década... — E sei que posso aprender muito com você, mas, se me permite dizer, também pode aprender muito comigo.
Essa parte me pegou de surpresa.
— É mesmo? — falei, com as sobrancelhas erguidas — E pode me dizer o quê, exatamente, vou aprender com você?
— Bem — Jay ajeitou a postura e ergueu o queixo, uma pose quase petulante — Entendo o que você faz com o design de interiores e o quanto isso está “na moda”, mas de que forma comprar móveis bonitinhos pode influenciar na construção civil? — falou, rindo — Eu, por outro lado, sei o que estou fazendo...
— Com licença, mas vou ter que interrompê-lo aí. — disse eu.
Talvez fosse a expressão na minha cara ou o que eu disse, mas o garoto Jay soube que havia falado demais e murchou na cadeira.
— Se você acha que tudo o que eu tenho feito é me divertir na IKEA comprando... como disse? Coisas “bonitinhas”? Na verdade, meu querido, eu crio espaços; e eu vou lhe dizer, a casa dos sonhos de alguém está mais no interior do que na sua estrutura. Mas não se preocupe, eu sei muito bem quando não devo quebrar uma parede, não passei os anos na faculdade apenas colorindo tecidos. E se quer saber, não é com essa atitude de “você tem que aprender comigo” que você vai chegar a algum lugar. Você vai ter que ser humilde o suficiente para ouvir, aprender e obedecer os outros antes disso. Quanto mais rápido entender isso, melhor.
Eu terminei de falar. A sala ficou silenciosa enquanto ele mordia o lábio sem olhar para mim.
— Então... isso quer dizer que você não vai me contratar.
Suspirei, remexendo os papeis que estavam sobre a minha mesa.
— Minha secretária irá entrar em contato — falei — Tenha um bom dia.
Dorilyn não era mais minha secretária, vale ressaltar. Era uma garota chamada Betty, enquanto Dorilyn estava fazendo o que ela deveria ter feito desde o início: ser minha estagiária. No fim do expediente, saí do escritório e fui andando pela Oitava Avenida, sentindo como se pudesse morrer a qualquer segundo. Não só pelo fato de estar doentiamente frio – estava mesmo – e eu estar usando botas com saltos de quinze centímetros e o chão coberto de neve, mas havia algo. Outra sensação.
Como se eu estivesse sendo observada, ou perseguida.
— ! — ouvi uma voz distante gritar, apesar de todos os barulhos possíveis que você pode ouvir durante a noite em Manhattan.
Parei de andar.
— Deus? — perguntei, involuntariamente olhando para cima.
A mão que agarrou meu ombro, apesar de pequena, tinha força o suficiente para me fazer virar.
— Não, idiota, sou eu — falou.
Vamos ficar com a opção ‘sendo perseguida’, minha consciência falou.
— ? — arfei — Mas que diabos... o que você está fazendo? Há quanto tempo estava atrás de mim?
Ela revirou os olhos.
— Eu vim do trabalho; qual é, eu também tenho uma vida. Mas por que. Você. Está. Me. Evitando?! — cada palavra dessa foi acompanhada dela dando soquinhos em meu braço.
— ! — eu gritei, segurando as mãos dela — Você pirou? Eu estou morrendo de frio e...
Ela colocou uma mão em minhas costas e me empurrou para o estabelecimento público mais próximo – uma farmácia. Apesar do aquecedor ali dentro ter me salvado, ver todos aqueles remédios me fez querer vomitar.
— Eu não estou evitando você — falei, finalmente — É só que...
— Ah, claro. Não nos vermos há dias e você responder minhas mensagens com “ok” ou emojis rindo é completamente normal — grunhiu ela — , o seu problema com não vai se resolver com você se isolando de todos nós.
Eu gemi de dor. Odiava aquilo. Odiava que a única forma de o meu problema com se resolver era se... bem, nós decidíssemos isso? E odiava que eu nem conseguia olhar ou falar direito com a minha melhor amiga por causa disso (eles são gêmeos, pelo amor de Deus!). Mas estava certa, eu havia me afastado de todos. As coisas nunca mais poderiam ser as mesmas, ele mesmo havia dito aquilo.
Será que ele havia dito para ela também?
— , eu ainda estou tentando me acostumar com o que aconteceu. É como se tudo de mais importante na minha vida tivesse se perdido ou virado uma bagunça, entende? Estou tentando lidar com isso. Eu não vou evitar você. Só preciso de...
— Tempo? — ela sugeriu. Dei de ombros. — Como você está se sentindo a respeito de tudo?
— Eu não sei — sussurrei. Essa era a verdade: eu não sabia de nada, muito menos o quanto aquilo estava me afetando.
olhou rapidamente para o lado de fora.
— Vamos rachar um táxi. Se você for andando até a estação de metrô mais próxima, vai congelar.
Eu não estava no clima para conversar (o que só provava que aquele não era o meu estado normal) e entendeu isso, mas ela acabou soltando:
— Se serve de consolo, acho que está ainda pior do que você.
Hum. Não servia.
— Mas, ... — ela acariciou minha mão ao dizer isso — Sério, como você nunca percebeu? Depois de todo esse tempo, só você não viu. Talvez seja isso que mais tenha doído nele.
Com o rosto virado para a janela para que ela não pudesse ver, fechei os olhos. Queria chorar, mas segurei. Estava economizando aquelas lágrimas para mais tarde.
Agora podemos continuar. Eu. Cama. Garrafa vazia de vinho. Frank Sinatra.
E, depois que as músicas tristes terminaram, dormi na noite mais longa de todas.
Naquele dia, eu iria me presentear com um almoço em um restaurante de luxo na Quinta Avenida. Estava sendo um dia bastante agitado no escritório, mas nós tínhamos uma equipe grande o suficiente para lidar com isso. Eu não precisava me preocupar. Poderia até me mimar com uma ou duas taças de rosé.
Em dias como esse, eu mal podia acreditar em como eu havia tido sorte na vida.
Caminhando até o elevador, sorri e acenei para todos os que me cumprimentavam respeitosamente e me senti um pouco culpada por não saber o nome de todos, mas eu tinha informações demais armazenadas na cabeça. Assim que as portas se fecharam e apertei o botão para o térreo, uma mensagem chegou no meu celular.
Era um favor que eu não poderia recusar, mesmo que mudasse totalmente os meus planos para aquela tarde. Na calçada, estendi a mão. O primeiro táxi que apareceu estava vazio.
— West Village — falei para o motorista.
Eu tinha uma cópia da chave do apartamento, o que poderia ser bem útil quando eu queria entrar de surpresa – e foi o que eu fiz, acompanhada da minha melhor imitação de monstro ao abrir a porta, arrancando gritos das crianças que estavam na sala antes que eles dissessem em uníssono:
— Tia ! — e os dois vieram até mim, abraçando minhas pernas e por pouco não me fazendo cair.
— Cuidado, estou usando sapatos altos — eu ri, e em seguida me abaixei para ficar da altura deles — Cadê meu beijo?
Recebi um beijo em uma bochecha da linda Charlie e em outra do doce Flynn.
— Você é minha tia favorita — Flynn disse, me abraçando com os olhinhos fechados.
— Não deixe sua tia ouvir isso — falei a ele, mesmo que eu estivesse me sentindo muito bem com o comentário.
saiu do quarto com a camisa desabotoada e o cabelo molhado. Ele parecia apressado, desastrado e cansado, então sorri para tentar encorajá-lo.
— Papai! — Charlie o chamou, balançando a folha de papel amassada que havia trago com ela — Olha só o meu desenho!
Ele se aproximou de nós três e franziu a testa ao observar o desenho da menina.
— Uau, não sei de onde você herdou todo esse talento. Realmente não sei — ele bateu palmas impressionado, e Charlie sorriu, orgulhosa de si mesma — Love, me desculpe por isso, mas eu realmente não posso faltar essa reunião — ele disse para mim — Nós temos comida mexicana.
— Burritos! — Flynn ergueu os braços, animado.
— Burritos parecem bons o suficiente para mim — falei para o menor e depois olhei para o maior — Não se preocupe conosco. Para quê servem as madrinhas?
Kate também saiu do quarto. Ela deu um sorriso amarelo ao me ver.
— Oi, .
— Ei, querida, como você está? — sorri.
— Ah, você sabe... bem — ela deu de ombros, recolhendo suas coisas para colocar dentro da bolsa.
Kate nunca me tratou mal, pelo contrário, mas era óbvio que não era minha fã número um. Acho que as mulheres pensam que vão se livrar das amigas mulheres de seu marido depois que se casam, mas aqui estou eu, oito anos depois, sendo “tia” de seus filhos e com uma cópia da chave da sua casa. Eu não poderia culpá-la por não ficar animada na minha presença.
— Tem certeza que vão ficar bem? — perguntou mais uma vez.
— Pelo amor de Deus, é claro que vão — murmurou Kate — Tchau, crianças! — ela soprou beijos para eles.
— Tchau, mamãe — responderam os dois ao mesmo tempo.
— Tchau — eu falei também, mas ela já estava de saída e não pôde me responder. correu para dar um beijo no topo da cabeça de cada um antes de ir atrás da esposa. Inclusive na minha.
O que, é claro, não me fez me sentir nem um pouco estranha.
— Tia , você vai me ajudar a fazer meu dever de casa de matemática ou podemos assistir a um filme? — Charlie perguntou.
Aquelas crianças me surpreendiam.
— Espertinha. É claro que o dever vem antes. Tudo bem que há chances de eu fazer errado, mas vamos logo com isso, sim?
Charlie correu para o quarto e, para onde ela ia, Flynn ia atrás. Precisei ficar sozinha por exatamente um segundo na sala de estar e meu celular começou a tocar.
— Emergência — disse quando eu atendi.
— No momento estou ajudando outro com uma emergência — eu disse.
— Mas que merda! Eu sabia que deveria ter ligado antes — ela reclamou, soando bastante britânica.
— Qual é o problema, ?
— Você não está no viva-voz, está? — ela quis saber.
Franzi o cenho.
— Por que eu estaria?
— Está bem! — falou ela — Eu estou tendo um ataque de pânico. Acho que... não, não acho nada, eu realmente fiz uma loucura.
— Fala logo, caramba! — exigi.
— Acabei tudo com Aaron — disse ela. E então, começou a rir de um jeito muito assustador — Terminei meu noivado, . Não estou mais noiva. Não vou me casar!
— Aleluia! — eu nem me dei ao trabalho de esconder o entusiasmo, mas pude ouvir do outro lado da linha o som da respiração dela e comecei a acreditar que estava mesmo tendo um ataque de pânico — Mas, espere, o que fez você tomar essa decisão?
— Eu não sei! — ela exclamou, esbaforida — Não faz parte da vida adulta tomar decisões absurdas no calor do momento? Mas, se quer saber, ele pareceu ridiculamente feliz com tudo isso. Feliz! Como se ele estivesse em uma maldita prisão! E sabe o quê mais? Eu me sinto da mesma forma. Estou livre!
E então, ela começou a chorar. Ao mesmo tempo, as crianças voltaram com suas mochilas, cadernos e muitos lápis de cor.
— Oh, querida, o que te aflige? — perguntei com o celular entre o ombro e o ouvido enquanto ajudava as crianças a colocarem as coisas sobre a mesa — Não vou mentir, para mim essa notícia foi ótima.
— Ah, cale a boca. — ela disse, mal humorada, e depois sua voz se suavizou: — Não sei o que fazer — fungou.
Suspirei.
— Olhe, eu falo com você depois, mas você sabe muito bem que sua vida não depende de ho... disso — falei, percebendo os olhares atentos das crianças em mim — Nos vemos mais tarde — desliguei, e depois estendi os braços para as crianças — Muito bem, onde estão esses deveres de casa?
Minha intuição me dizia que a confusão na cabeça de não era à toa.
Nós estávamos no O’Neills, como nos velhos tempos, mas aparentemente não havia entendido que seríamos só nos quatro. Ele já estava falando sobre uma garota do trabalho há algum tempo, mas achei que fosse ser só mais uma em sua lista interminável. Talvez até fosse, mas o esforço que ele estava fazendo para levar aquela advogada loira para a cama era, no mínimo, impressionante. Parecia... parecia até que ele gostava dela.
Não. Não podia ser.
— Com licença — pigarreou no meio de mais uma história de Eliza (na verdade, basicamente só ela estava falando e ria ou fazia comentários irritantes) e se retirou. Eu a segui com os olhos e, quando percebi que ela estava indo para o banheiro, lancei um olhar para que ele nem precisou responder, só deu um gole na sua cerveja enquanto eu me levantada.
O banheiro estava vazio, com exceção dela. estava com as mãos sobre o balcão da pia, inclinada encarando seu reflexo no espelho.
— Você está bêbada? — eu quis saber.
— Não, infelizmente — ela suspirou — Não sei se fico feliz ou decepcionada por ter um fígado forte. Quem é aquela mulher, afinal? — ela finalmente soltou, e eu achei graça. — Pensei que hoje eu poderia ficar loucona e livre para reclamar da minha vida com meus amigos, mas aparentemente isso não vai acontecer! — ela ergueu os braços.
Claro, esse era o único problema.
— Eu também não sabia que iria trazer a nova “namorada”, mas nós podemos ir para o meu apartamento, ficar muito loucas e assistir filmes tristes — coloquei uma mão nas costas dela — O que acha?
deu um sorriso fraco.
— Obrigada, minha querida, mas talvez tudo isso seja um sinal de que eu preciso ficar sozinha até ficar menos insuportável. E, você sabe... — ela colocou as mãos nas bochechas — Ainda tem tanta coisa não resolvida na minha cabeça. Estou exausta desse dia. Vou me despedir de e vou para casa.
— Tem certeza? — tive que me assegurar mais uma vez, e ela fez que sim com a cabeça.
— A propósito, vai haver um evento beneficente do meu trabalho no 1 Oak sábado à noite, eu tenho dois ingressos e não sou idiota o suficiente para aparecer sozinha, então passe no Times essa semana para pegá-los comigo. Se você quiser, pode dar para o . Mas não para o . Não quero que ele leve essa... essa garota para o 1 Oak — ela disse a palavra “garota” como se fosse a pior coisa que pudesse ter pensado — Não quando eles podem acabar encontrando Kimye por lá.
Eu ri e concordei, segurando-a pelos ombros para levá-la de volta para a mesa. Chegamos no exato momento em que Eliza estava contando alguma história estranha, pois imediatamente ela olhou para e perguntou:
— Ah, ! me disse que você iria se casar em breve, quando vai ser?
Ops.
—Bem, eu não vou mais me casar, terminei meu noivado — disse num tom de voz extremamente monótono que não combinava com seu sorriso macabro — Então, tchau para vocês.
— O quê? — e falaram ao mesmo tempo, a diferença foi que rapidamente se levantou para ir atrás da irmã, enquanto pareceu ficar petrificado na cadeira. Voltei a sentar no meu lugar.
— Nossa, eu... — Eliza piscou — Espero não ter sido rude.
— Ah, imagine, é só que está muito recente; mas essas coisas acontecem, não? — ergui as sobrancelhas, dando um gole no meu copo de vodca. não fez nenhuma piadinha de mau gosto, o que se esperaria já que ele não gostava de Aaron, mas no segundo em que Eliza desviou o olhar e ele olhou para mim, eu mexi a boca, sem pronunciar nenhum som: você é um babaca.
Eu e Charlie estávamos sujando toda a cozinha dos enquanto preparávamos cupcakes. É claro que eu havia feito as partes perigosas como ligar a batedeira e o forno, mas a garota estava se divertindo misturando o glacê. Nós tínhamos corantes de todas as cores.
— Mamãe, qual sua cor favorita? — ela perguntou.
Kate parecia meio aérea, sentada à mesa. Ela havia começado a ler uma revista, mas eu havia notado que o olhar dela estava perdido em alguma outra coisa. Não comentei nada, é claro.
— Hum? Amarelo, eu acho — ela respondeu à filha.
— Amarelo não é uma cor muito bonita, mamãe — a menina franziu o nariz. Eu ri.
— Ah, Kate, falou para você sobre os ingressos que eu os dei? — eu quis saber.
— Oh, sim, mas... — ela meio que fez uma careta — Não é muito meu estilo, sabe? Aliás, deve ter sido doloroso para você abrir mão de ingressos para o 1 Oak.
Eu dei uma risadinha quase tímida.
— Confesso que foi, mas não tenho ninguém para levar! Quero dizer... — ponderei enquanto fazia a decoração de um cupcake roxo — Até tenho, mas eu não gosto de ninguém tanto assim para levar em um evento dessas.
— Por que não vão você e ? — ela sugeriu, subitamente parecendo bastante atenta, no segundo exato em que entrou na cozinha.
— O quê? Para onde? — ele perguntou, e eu decidi não falar nada, até porque aquela parecia uma coisa estranha para uma esposa dizer, não parecia?
— Para a festa do trabalho de ! Assim, eu posso ficar com as crianças. — Kate explicou.
Eu alternei meu olhar entre os dois. , como sempre, parecia não saber o que dizer.
— Você tem certeza? — eu perguntei. — Você tem trabalhado tanto, talvez seja uma boa relaxar...
— Todos nós trabalhamos muito, . Estamos em Nova York, de que outra forma sobreviveremos? — Kate ficou de pé — É sério. Vocês deveriam ir. — ela falou, pegando a revista, e saiu.
e eu demos de ombros ao mesmo tempo.
— Parece que vamos ter um flashback dos anos de calouros — disse ele, com um sorrisinho.
Eu não conseguiria descrever o que estava acontecendo com meu corpo naquele momento.
Eu sentia que ele era pesado demais para eu aguentar, mesmo que eu tivesse quase certeza que eu estava deitada em... alguma coisa que chacoalhava muito. Meu corpo estava sendo chacoalhado para lá e para cá e eu conseguia ouvir um som bem distante e abafado... parecia o meu nome? Eu não conseguia nem movimentar minha boca para responder que estava ouvindo e nem tinha forças para chorar – e como eu queria chorar. Estava morrendo de frio, e ao mesmo tempo queimando por dentro. Uma dor aguada vinha do meu estômago e se espalhava por todo o meu corpo. Pareciam várias agulhas me perfurando.
Ainda não conseguia abrir meus olhos ou reagir quando fui colocada em um lugar diferente, aquecido e macio. Eu não podia entender o que estava acontecendo comigo ou o que tinha acontecido para me deixar daquela forma, e muito menos pude entender os gritos que começaram em seguida. Ainda, talvez, a única coisa que eu distingui naqueles sons foi meu nome.
Quando acordei, e estavam do lado da cama.
— Graças a Deus — ela suspirou, e pelo seu rosto, ela havia chorado — Nunca, nunca mais faça isso, está entendendo? — ela me segurou pelos braços e meu corpo estava tão mole que aquilo pareceu bastante dolorido para mim.
— Devagar, — disse atrás dela.
— O que... o que está acontecendo? — coloquei a mão na testa e cobri meus olhos. Era de manhã, e demorei alguns segundos para identificar que o local que eu estava era o quarto de hóspedes do apartamento de . Os olhos de estavam cheios de algo que eu não conseguia distinguir se era pena ou dor, e ela parecia não querer falar nada — — falei séria, em tom de ordem.
Ele coçou a barba, parecendo apreensivo.
— Olhe, , ontem à noite não foi muito bom. Alguém colocou alguma coisa na sua bebida e um cara... — ele se interrompeu e eu arregalei os olhos, sentindo meu coração se apertando em pavor — Ele não fez nada com você, porque estava de olho o tempo todo. Mas você não estava reagindo, só tremendo muito, e nós estávamos prestes a levar você para o hospital se não acordasse.
Senti vontade de vomitar e minha cabeça girando, e não achava que aquilo era por causa do que quer que fosse que eu tivesse ingerido. Eu não podia acreditar que eu quase tinha sido... eu não queria nem pensar naquela palavra.
— Onde está ele? O ? E as crianças, ainda estão dormindo? — perguntei, exasperada.
— ... — disse baixinho e hesitou, trocando um olhar apreensivo com .
— Parem com isso! O que mais vocês têm para me falar?
— Antes de mais nada, não pense que isso é culpa sua — falou, bem devagar, e a minha náusea aumentou. Quantas outras desgraças a mais eu poderia ter causado na noite passada? — Quando chegou com você no meio da madrugada...
Ela não continuou.
— Fala logo, ! — exigi.
— Eu não sei porquê, mas Kate achou que... ela achou que tinha visto algo a mais e... — o lábio de tremeu — Mesmo depois que disse o que havia acontecido com você, ela surtou e disse que precisava de um tempo longe. Eu não entendo o que está acontecendo com ela, ela está muito estranha faz tempo...
Em algum momento, parei de ouvi-la. O único barulho que eu escutava era o zunido no meu cérebro.
A esposa do meu melhor amigo achava que ele a estava traindo. Comigo. E para ela reagir daquele jeito, talvez ela estivesse pensando aquilo há mais tempo do que havia deixado demonstrar.
Eu precisava trabalhar. Mesmo depois do que havia acontecido comigo e eu ter tido sorte por estar viva, intacta e precisando me recuperar, não podia deixar de trabalhar. Ou de olhar para o meu celular de dois em dois minutos, esperando algum sinal de .
Nenhum de nós havia conseguido falar com eles desde o dia anterior. havia decidido faltar o trabalho para cuidar dos sobrinhos, e a pior parte para nós era que não tínhamos nenhuma explicação para dar para as crianças. A pior parte para mim era que, de um jeito ou de outro, tudo aquilo estava acontecendo por minha causa.
Larguei o computador e peguei o celular mais uma vez.
— Eu sei que você não respondeu nenhuma das minhas mensagens de voz ou de texto nas últimas 48 horas, mas poderia me dizer se você está bem? Se os dois estão bem? — suspirei, cansada, e apertei o botão para enviar.
O telefone da minha sala tocou, e eu apertei o botão para o viva-voz.
— Diga — pedi.
— Srta. — a nova secretária que haviam contratado, cujo nome eu ainda não havia decorado, disse — Sr. gostaria de entrar.
— Pode liberar — falei apressadamente, me levantando da cadeira. Eu estava esperando no meio da sala quando abriu a porta.
Parecia que ele havia acabado de tomar banho, estava arrumado. Mas pelo seu rosto, ele parecia... perdido.
— , eu sinto muit... — comecei, mas ele me interrompeu.
— Ela sabia que eu não estava a traindo com você, e disse que só falou aquilo para tentar se sentir menos culpada, já que ela tem estado com o amante nos últimos meses. — falou
Ele tentou soar calmo, como sempre, e isso conseguiu me deixar ainda pior.
Perplexa demais para falar ou sequer organizar meus pensamentos, eu o abracei. Aquele corpo forte nunca pareceu tão fraco ao tremer debaixo das minhas mãos.
largou o trabalho. Isso já era preocupante o suficiente, mas ele também estava agindo de uma forma completamente... estranha. Só porque a vida dele havia mudado completamente, não significava que ele precisava ser uma pessoa completamente diferente.
Tudo bem, talvez não fosse completamente justo com ele pensar assim.
— Você está indo para lá agora? — me perguntou, do outro lado da linha.
— Sim, estou levando comida. Não posso deixar as crianças morrerem de fome com um pai desempregado — respondi, segurando o celular com uma mão e as sacolas no outro braço enquanto entrava no prédio de . Despedi-me de e abri a porta com a minha chave, encontrando as crianças no sofá, assistindo desenho animado.
Charlie e Flynn se viraram para olhar na minha direção instantaneamente, mas sua inocência não deixou disfarçar que claramente não era eu quem eles estavam esperando e senti como se alguém tivesse martelado um prego no meu coração. Aquelas duas crianças nunca, nunca deveriam ficar tão tristes daquele jeito.
Mas eles também nunca, nunca deveriam ter sido abandonados pela mãe, que escolheu a vida que ela não pôde ter oito anos atrás em vez deles.
— Meus amores! — eu disse para eles, com o sorriso mais largo que conseguia, apesar de aquilo estar sendo ridiculamente difícil para mim — Onde está o papai?
— Aqui — a voz de veio da cozinha.
Havia uma coisa muito esquisita naquele apartamento. E apesar de ser óbvio que aquilo era por causa de Kate, eu não tinha certeza se o principal problema era a ausência dela.
estava usando um avental branco que o fazia parecer muito bobo enquanto misturava algo numa panela que tinha um cheiro forte de molho de tomate.
— Não estava esperando você — ele falou, sem olhar para mim. Ele quase nunca olhava para mim ultimamente.
— Eu sei. Achei que pudesse precisar de ajuda com as crianças. Passei no K-Mart e trouxe algumas besteiras — disse eu, erguendo a sacola.
— Não era necessário — ele murmurou, se mexendo de um lado para o outro para pegar as coisas que ia jogar dentro da panela.
Coloquei as sacolas e a minha bolsa sobre o balcão.
— Deixe-me ver isso, quer uma mãozinha? — me aproximei dele — Você não é exatamente o melhor chef do mundo e eu...
— . — falou, virando-se para mim, e eu teria esbarrado nele se ele não tivesse me segurado pelos braços. — Eu consigo fazer isso. — Depois de tanto tempo em que ele havia evitado meus olhos, pude enxergar o quanto ele estava cansado. E pior, sofrendo. Eu conseguia sentir aquela dor em mim, embora não devesse ser nem metade do que ele estava sentindo — Eu vou conseguir criar meus filhos sozinho, eu...
A voz dele sumiu enquanto ele puxou o ar, respirando fundo e fechando os olhos.
— Está brincando? — sussurrei, colocando meus braços ao redor do seu pescoço. Pressionei meus lábios em sua testa. — Você nunca vai ficar sozinho.
Eu ainda não havia me acostumado com o que nossas vidas haviam se tornado nos últimos meses. Tudo estava anormal, por exemplo, havia começado a namorar com aquela mulher, Eliza, mas ela havia o largado há algumas horas atrás e agora ele estava enchendo a cara para afogar as mágoas. Eu não conseguia encarar o hambúrguer na minha frente sem pensar, preocupada, em e nas crianças. Na verdade, não conseguia fazer nada sem pensar neles ultimamente.
— Inferno de mulher — grunhiu, virando o copo em um único gole. Se eu estava contando antes, já havia me perdido — Eu nem gostava dela mesmo.
— Então, pelo amor de Deus, cale a boca — rosnou, massageando as têmporas.
— Vocês acham que eu deveria levar hambúrgueres para eles? — perguntei, o que na verdade deveria ter sido apenas um pensamento, mas ao ouvir a risadinha bêbada de , quis saber o que ele queria — O que foi?
— Eu tive o pensamento mais louco — ele deslizou a ponta do indicador pela borda do copo vazio — A vaca da Kate pulou do barco, mas pelo menos deixou uma substituta que soubesse como fazer o trabalho.
deu um tapa no braço dele por mim.
— Você é um idiota — falei — Não estou fazendo nada mais do que vocês. E eu chamaria vocês para irem comigo lá agora, mas você está deplorável, , até mais do que normalmente é.
— Eu cuido desse aqui — disse, puxando o braço dele — Vamos embora antes que você faça alguma merda.
— Eu? Ir para casa com você, chata desse jeito? Não mesm... — ela o puxou com tanta força que quase caiu da cadeira. Nós colocamos o dinheiro em cima da mesa (inclusive eu, apesar de o hambúrguer ter ficado ali intocável) e saímos.
O trajeto do SoHo até o Village não foi demorado, talvez por causa do horário – embora na verdade nunca existisse um horário específico para o trânsito estar bom ou ruim em Nova York. No corredor do apartamento de , ouvi barulhos vindo do lado de dentro e decidi bater na porta em vez de tocar a campainha e acabar acordando as crianças.
Ele abriu a porta. Apesar de estar parecendo péssimo, ele sempre estava lindo.
— Está tarde — ele falou, com um sorriso preguiçoso.
— Só passei para checar vocês — encolhi os ombros, sorrindo, e entrei no apartamento.
— Sem chances. Você dorme aqui. É perigoso sair mais tarde, e essa praticamente tem sido sua segunda casa ultimamente.
Eu o encarei por alguns segundos.
— Você está bêbado? — perguntei.
Ele riu, balançando a cabeça.
— Não.
— Então você só comprou um perfume novo com cheiro de álcool — desdenhei.
se aproximou de mim. Perto o suficiente para fazer com que eu me arrepiasse quando ele olhou nos meus olhos com um sorriso torto.
— Como você é chata — sussurrou, tocando no meu queixo, e depois se afastou — Um pai solteiro também pode relaxar de vez em quando, não? Quer dizer... — ele coçou a barba — Vou ser um pai solteiro quando assinar o divórcio.
Senti uma sensação estranha no estômago enquanto tirava meus sapatos e deixava a bolsa no cabide para casacos da porta.
— Por que você ainda não assinou? — eu quis saber, porque não sou baú e estava curiosa.
Ele pegou a garrafa de whisky que estava na mesa de centro e serviu um copo, estendendo-o para mim.
— Eu não sei — a voz dele saiu baixa, rouca — Acho que eu estou... estou esperando alguma coisa acontecer. Faz sentido?
— Não — respondi séria e sem pensar duas vezes, colocando a bebida para dentro de uma só vez. — Eu vou tomar um banho e me trocar.
Passei mais tempo debaixo do chuveiro do que realmente deveria. Quero dizer, por que parecia querer continuar prolongando o seu sofrimento? Ele obviamente estava sofrendo por algo que não era sua culpa. Com a testa encostada na parede fria enquanto a água quente caía pela minha cabeça e pelas minhas costas, me perguntei se ele realmente a amava tanto assim para não deixá-la ir.
Isso me incomodou mais do que eu admitiria.
Coloquei uma camisola de seda branca que havia deixado no quarto de hóspedes na última vez em que havia dormido ali e torci meu cabelo molhado na toalha antes de ir, na ponta dos pés, até o quarto das crianças. Só percebi o quanto eu era rancorosa quando secretamente dei graças a Deus por eles parecerem tanto com o pai, principalmente quando estavam dormindo – eles tinham a mesma ruguinha entre a sobrancelha que e faziam biquinho como ele quando dormiam. Fui até a cama de cada um e dei um beijo em suas testas, desejando poder ficar mais tempo ali. Tão silenciosa quanto entrei, abri a porta para sair.
Dei de cara com no escuro do lado de fora. Tapei minha boca com força para não dar um grito.
— O que estava fazendo? — perguntou ele.
Eu ainda estava muito assustada para falar – e também, por algum motivo, senti o rosto esquentando, como se eu tivesse sido pega fazendo algo que não devia.
— Eu preciso dizer uma coisa — ele disse — O porquê de eu não ter assinado o divórcio ainda.
Eu pisquei, esperando alguma coisa enquanto ele permanecia em silêncio.
— Fala, caramba! — eu disse, talvez um pouco alto demais, e coloquei as mãos sobre a boca de novo.
— Talvez... talvez parte de mim ainda não tenha se conformado que não deu certo. Eu fiz tudo o que podia para...
— Ah, querido, eu sei disso — coloquei uma mão no rosto dele, interrompendo-o — Mas você não poderia ter previsto o que aconteceu, e nada disso é sua culp...
— Eu fiz tudo o que podia para fazer esse casamento funcionar e tentar superar você — dessa vez, foi ele quem me interrompeu.
Não consegui respirar.
— Mas aqui estou eu, percebendo que foi uma tentativa em vão. Talvez Kate tenha percebido isso antes de mim, e por isso fez o que fez — abaixou os olhos por um segundo, antes de voltar a focar em mim.
Eu não havia me mexido. Não conseguia fazer isso também.
— Não diga isso — sussurrei.
Ele deu um passo na minha direção e eu, por impulso, dei um passo para trás.
— O que está fazendo? — falei rápido demais e soando como se estivesse engasgada.
— Quer ficar parada só por um segundo? — ele pediu, e eu fechei os olhos antes mesmo de sentir seus dedos gentilmente no meu rosto e seus lábios tão gentis nos meus a princípio que eu nunca poderia pensar que aquele beijo pudesse fazer com que eu sentisse todo o meu corpo tremer como se estivesse soltando faíscas.
me soltou e, apesar da luz fraca, vi seus olhos arregalados e a expressão assustada. Então, decidi andar em frente, mas ele me interrompeu no primeiro passo.
— O que está fazendo? — ele quis saber.
Mordi o lábio para tentar conter um pequeno sorriso.
— Quer ficar parado só por um segundo? — eu não esperei a resposta para colocar os braços ao redor do seu pescoço e voltar a beijá-lo, sentindo-o envolver o meu corpo e, literalmente e figurativamente, tirar meus pés do chão.
Havia uma sensação estranha me incomodando nos últimos dias e cheguei à conclusão de que só poderia ser culpa. O que havia acontecido com ... ou melhor, o que estava acontecendo, era confuso demais para explicar a alguém, até mesmo para . Quer dizer, nós dois não estávamos exatamente juntos.
Mas eu não queria que acabasse.
Além de outras complicações, como o fato de ele ser o irmão dela e ter se separado há pouco tempo. E também o fato de ele ser o meu melhor amigo desde que eu conseguia me lembrar. No entanto, de alguma forma, nada disso parecia importar quando ele... quando nós...
Eu arfei dentro do táxi por causa daquele pensamento e inspirei com força, logo antes de parar na 41st Street.
A verdade é que eu não sabia o que pensar sobre o que eu estava fazendo porque nem mesmo sabia o que estava sentindo. havia dito que sempre tivera sentimentos por mim, mas eu sabia que havia a possibilidade de aquilo ser uma reação ao fato de ele estar tão vulnerável. E se aquilo pudesse afetar as crianças de alguma forma?
. saberia o que dizer.
— A srta. não está atendendo, você gostaria de deixar um recado? — a nova recepcionista do The New York Times perguntou.
— Não, eu gostaria de vê-la — falei.
— Senhorita, ela pode estar ocupada ou pode não estar na sala...
Revirei os olhos.
— Você é nova aqui, não é? Caso contrário, saberia quem eu sou — falei, tentando não soar muito vaca, mas era mais forte do que eu. Eu apenas lancei um olhar para a garota, e ela não demorou muito para liberar minha entrada.
Um segurança me acompanhou pelo corredor, mas felizmente a uma distância segura para que eu pudesse ser a única a testemunhar a que seria uma das cenas mais traumáticas da minha vida.
. E . Em cima da mesa da sala dela.
Eu e gritamos ao mesmo tempo em que eu fechei a porta e me encostei nela para não cair, cobrindo o rosto com as mãos e com o coração acelerado. O segurança correu até mim, mas eu abri os braços na frente da porta impedindo-o de passar.
— Eu vi uma barata! — gritei.
Ele franziu a testa, mas pareceu acreditar na desculpa. Eu engoli em seco enquanto esperava ele se afastar, e então bati na porta.
— Agora ela bate? — ouvi murmurar.
— Cala a boca, ! Você já vestiu as calças? — eu revidei, irritada.
abriu a porta. O cabelo dela estava meio que pra cima, o rosto vermelho e suado e os olhos arregalados.
— Antes que você diga alguma coisa...
Eu queria gritar, mas como não podia, soltei um som como de um animal estrangulado enquanto batia os pés.
— Se vocês querem transar em cima da sua mesa de escritório, deveriam pelo menos pensar em trancar a porta antes! — eu sussurrei, entrando na sala e olhei para , que parecia uma estátua — Sai daqui!
— O quê? Não vai nem deixar eu me explicar? — ele se fingiu de chocado, o que me fez querer bater na cara dele.
— Não! Você não presta! — apontei para a porta — Vai embora, !
Ele e se encararam. Ela balançou a cabeça, confirmando, e ele bufou antes de sair. Sozinhas na sala, eu continuava de queixo caído.
— Não me olhe desse jeito — ela grunhiu.
— Você e ? Sério? Achei que eu estivesse imaginando coisas, mas pelo visto...
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Espere, o que você quer dizer com isso?
— Há quanto tempo? — eu quis saber, ignorando sua pergunta — E vocês estão, tipo, apaixonados?
— Céus — ela murmurou — Eu preciso me sentar.
É claro que, novamente, me senti culpada. Não era como se fosse a única guardando um segredo entre nós. Não era como se eu fosse a única precisando conversar sobre o que estava acontecendo.
— Eu sempre soube que tinha sentimentos fortes por , mas nunca havia decidido se eram bons ou ruins — disse ela.
— Ah, claro, pelo que acabei de ver parecia que você queria matá-lo com a sua língua. — comentei.
me fuzilou com os olhos .
— Fique quieta, senão vou jogar esse grampeador na sua cabeça — ela me ameaçou — Mas então, tudo aconteceu e... eu não sei. Não sei o que vem depois. — ela deixou os ombros caírem e percebi que ela deveria estar à beira das lágrimas.
— Ah, querida, não fique assim — eu fui até ela e segurei suas mãos — Desculpe por reagir exageradamente, você não tem que decidir o que vai fazer com a sua vida só porque eu sou curiosa. É só que... uau, eu nunca pensei que isso aconteceria de verdade! — comentei, fazendo-a rir — Na verdade, pensei, mas sempre achei que seria o primeiro a ceder e...
— Eu realmente quero bater em você agora. Por que acha que eu fui a primeira a ceder? — ela fez cara feia.
Dei de ombros.
— Pressentimento.
— Céus — ela murmurou, ficando de pé e passando as mãos levemente sobre os cabelos — Mas, se me permite discutirmos isso quando eu já souber o que pensar, o que você queria falar? Por que veio aqui?
Mordi o lábio. Pelo menos, por ora, eu sabia o que fazer.
— Depois de tudo isso, acho que esqueci — falei.
Já havia passado da hora das crianças dormirem, mas só naquele momento havia conseguido ficar livre depois de finalmente terminar todos os projetos pendentes. Não gostava de acumular tudo para a última hora, mas havia passado tanto tempo na casa de nos últimos tempos e, por alguma razão, eu parecia achar que aquele lugar era um escape para a minha realidade. Em todos os sentidos.
Do lado de dentro, tranquei a porta e deixei as minhas coisas no sofá antes de ir para o quarto dele. Quando me viu, ele abriu um sorriso.
— Achei que você não viesse hoje — falou, vindo na minha direção — Fins de mês sempre são corridos para você.
— Mas e daí? — eu fiz biquinho, jogando os braços ao redor do pescoço dele — Espero que não esteja desapontado.
— Jamais — ele sorriu, me beijando rapidamente — Love, você não tem que fazer isso.
— Você está errado — eu disse — Eu tenho. Eu sinto que devo. E mesmo se não sentisse, eu quero fazer isso.
suspirou, com um sorrisinho bobo na cara enquanto me apertava em seus braços e eu sentia seus dedos nas minhas costas, debaixo da minha blusa.
— Então, se me der licença — falei, com uma expressão provocativa, colocando as mãos em seus braços para afastá-lo de mim — Tenho certeza que você não se importa em dividir a minha atenção.
Não sei se ele pareceu extremamente frustrado ou que estava se divertindo com a situação.
— Quando estivermos sozinhos, você vai ver — ele apontou para mim e eu achei graça. Abri a porta para ir ao outro quarto, percebendo que as luzes lá dentro ainda estavam acesas.
— Acordados a essa hora? — eu cruzei os braços, me fingindo de durona, e as crianças ficaram animadas. A cada dia, parecia que um pouco mais de brilho voltava aos seus olhos.
Eu sabia que as coisas nunca seriam as mesmas para nenhum de nós. Mas também sabia que, uma hora ou outra, aprenderíamos a viver com as diferenças.
— Pode ler uma história para nós? — Charlie pediu, sabendo que eu não poderia negar nada que ela pedisse. Além disso, eu adorava ler histórias para eles. Eu pisquei para ela antes de ir até a grande estante de madeira que eu havia comprado para o chá de bebê quando a mãe estava grávida dela. A maioria dos livros haviam sido doados por , é claro, mas pelo menos eu poderia dizer que eu havia dado a estante.
Escolhi um livro sobre a terra mágica dos doces e sentei na beira da cama de Charlie. Flynn quis subir também.
— Não! Você tem a sua cama! — ela reclamou.
— Tive uma ideia. Por que não juntamos as duas camas? Assim podemos ficar todos juntos — falei, e eles concordaram. Eles eram tão bonzinhos. Os dois me ajudaram a empurrar as camas e nós três nos aconchegamos.
Charlie e Flynn tentaram dividir os cobertores comigo, apesar de só serem grandes o suficientes para eles mesmos, mas aquilo foi o suficiente para esquentar o meu coração. Com um de cada lado, eu li a história, diminuindo o volume da minha voz ao perceber que eles não estavam mais tão atentos e seus olhares estavam ficando pesados e perdidos.
Fechei o livro infantil e sussurrei:
— Boa noite.
Antes que eu desligasse a luminária, Flynn respondeu:
— Boa noite, mamãe.
Acordei com vontade de vomitar.
Corri para o banheiro com as pernas bambas e fui sortuda o suficiente para conseguir abrir a porta e levantar a tampa da privada, desabando no chão frio e colocando tudo para fora.
Só de lingerie. Ainda estava tocando música – meu celular por algum milagre não havia descarregado –, mas deveria ser outra playlist. Não mais Frank Sinatra.
Senti os músculos do abdômen doerem quando sentei. Achei que havia terminado. Não deveria ter bebido tanto. Segurei na pia como apoio para me levantar e lavei o rosto e escovei os dentes. Fiquei parada ali até conseguir forças o suficiente para voltar para a cama e pegar meu celular para ligar para .
Eram quatro horas da manhã.
— Mas que diabos, ? — ela disse, a voz em uma mistura de brava e sonolenta — O que aconteceu? Você está bem?
— Eu tive o sonho mais estranho da minha vida — falei, mal conseguindo me ouvir — Era o mundo invertido!
Ela ficou em silêncio e achei que ela tivesse dormido de novo.
— Você está falando daquela série com crianças da Netflix? — resmungou.
— Não! Estou falando que estava casado com Kate e eles tinham dois filhos lindos, eu tinha um escritório em um prédio e uma equipe enorme como se eu fosse a porra da Miranda Priestly, você terminava com Aaron porque tinha uma queda secreta por , mas namorava com uma advogada, mas ela terminou com ele; Kate também terminou com , aliás, e o trocou pelo ex; e você e ficaram juntos e eu e ... e eu...
— Deixe-me adivinhar — ela falou, bocejou, e depois continuou: — Você assumia o papel de mãe para os filhos imaginários de .
Eu me encolhi na cama.
— Eles pareceram tão reais — falei, baixinho.
— Só uma pergunta: por quanto tempo você dormiu para sonhar com tudo isso?
— ! — protestei.
— Tudo bem. Desculpa. É que eu tenho que levantar daqui duas horas para ir trabalhar, então... o que você quer que eu diga?
Esfreguei meu rosto, com raiva de mim mesma.
— Não. Você está certa. Eu só fiquei abalada, não sei por que. — eu disse. — Foi só um sonho.
Mais silêncio, e dessa vez mais longo. Eu podia ouvir a respiração pesada e abafada dela, e talvez até o ronco de no fundo, mas não conseguia desligar.
— Sabe, — ela finalmente falou, e eu me assustei ao ouvir sua voz — Talvez isso seja uma maneira de seu inconsciente, ou o universo, que seja, mostrar que não importam os meios ou de que forma aconteça, o que é pra ser, será. É o destino.
Senti um arrepio na espinha.
— Você acha?
Ela não respondeu. Eu esperei o suficiente para saber que ela estava dormindo antes de desligar e, com os olhos ardendo, procurar outro número na minha lista de contatos para mandar uma mensagem de voz.
— Oi, Betty, aqui é a . Me perdoe por mandar essa mensagem tão cedo, mas você poderia marcar um encontro para mim com Claude Delacroix o quanto antes?
Eu não havia terminado a minha maquiagem quando o motorista chegou. Achava desnecessário que eles mandassem um motorista para começo de conversa, mas eu era a convidada e precisava me adequar às suas condições. Coloquei o batom dentro da bolsa e me chequei uma última vez no espelho, de pé.
Escolhi um vestido vermelho longo, com a saia solta e mangas curtas abaixo dos ombros. É claro que eu teria que escondê-lo com um casaco enorme até chegar ao local para me proteger do frio, mas estava me sentindo bem nele. E vermelho me dava sorte.
O chofer abriu a porta do carro para mim. Eu quase ri, mas não queria parecer desrespeitosa ou algo do tipo. O evento seria no Four Seasons, um hotel de cinco estrelas em Midtown East, e eu não sabia se estava exatamente surpresa por aquilo. No caminho, tirei um pequeno espelho da bolsa para passar o batom e no mesmo instante meu celular tocou.
— Olá, — eu atendi.
— O que está fazendo? — ela indagou — Você parou de me responder eu fiquei preocupada.
— Estou indo encontrar um monte de parisienses. Espero que o francês que aprendi com os filmes da Audrey Tautou me ajude em alguma coisa — brinquei.
— Ah, mon pauvre chéri — ela suspirou — Você vai mesmo fazer isso.
Fechei os olhos, sentindo como se estivesse carregando um peso enorme nas costas.
— O que eu deveria fazer, ? Eu nunca vou poder fazer feliz, ou dar a ele a vida que ele quer e merece, porque essa não é quem eu sou. E de pensar que por meses eu brinquei com os sentimentos dele, meses. Eu acho que nunca vou conseguir me perdoar por isso.
— O fato de você achar que a única forma que vai consertar isso é indo para outro país só mostra o quanto você está assustada — ela disse — e acho que você sabe o porquê.
Em momentos como aquele, eu tinha vontade de dar um soco naquela mulher.
— Eu tenho que ir — falei, encerrando a ligação. O carro parou e eu dei uma corridinha da rua até a entrada do hotel, onde recolheram meu casaco.
O ambiente estava aquecido, mas minhas mãos estavam tremendo. O símbolo da Paris American Acad – École de Beaux-Arts estava exibido no início da escadaria que levava ao restaurante do hotel. Eu não sabia se o cheiro mais forte era de perfumes de grife ou da comida e ouvia várias vozes falando inglês com um sotaque arrastado por cima da música.
Claude me achou facilmente. Eu tinha que admitir: naquela noite eu era facilmente identificável no meio da multidão sem graça.
— Aqui está a mulher que eu queria que conhecessem — ela me apresentou para dois homens franceses com cabelos grisalhos — , esses são Pierre Blanchard e Auguste Durand. Dois de nossos grandes mestres designers.
— Tenho certeza que sim. Encantada — falei e sorri, apertando as mãos deles.
— Só o que ouvi falar de você é impressionante — Pierre disse — Que tal uma bebida, belle?
Pensei na noite anterior. E, acho que por causa disso, aceitei a bebida.
Eu conversei com algumas pessoas da faculdade. Sorri muito, e senti as bochechas doendo. As horas não pareciam passar, e eu estava começando a ficar aflita, mesmo que jamais dispensasse uma festa. Talvez porque os pratos principais fossem escargot e ostras.
Talvez... eu precisava sair daquele local. Senti como se meu vestido estivesse apertado demais e eu precisasse respirar, então pedi licença e saí, apressada e esbarrando em algumas pessoas. Com certeza não causei uma boa impressão.
Eu estava desesperada para pegar meu casaco e ir embora. Quando finalmente o vesti e empurrei a porta do hotel, sem esperar que os porteiros fizessem isso por mim, trombei com uma pessoa alta que quase me fez cair de bunda no chão, se ele mesmo não tivesse me segurado.
— Mas que merd... ! — eu gritei, percebendo que o poste no meu caminho era , e bati nele com a minha bolsa — O que você está fazendo aqui?
— Não posso deixar você continuar com isso, . Preciso fazer isso pelo meu melhor amigo. — ele me encarou, sério.
— Do que você está falando? — perguntei, já com vontade de chorar.
— Eu sei que você não quer partir o coração de , mas isso também é porque você sente alguma coisa por ele. Vamos lá, , você não pode ser tão burra. Vocês são como aqueles casais de séries de televisão que todo mundo já percebeu que deveriam ficar juntos e só eles não percebem isso.
— Você não entende, eu... — comecei, mas ele não me deixou terminar:
— Não entendo? Eu quase perdi a mulher da minha vida para outro cara só porque estava bancando o fodão orgulhoso. Se você não perceber que o seu orgulho e teimosia não vão te levar a lugar nenhum, vai perder a pessoa que você ama para alguém que saiba isso.
Eu nunca havia escutado dizendo algo assim, e provavelmente isso me deixou em estado de choque. As pessoas no hotel nos observavam pelo canto dos olhos, e ele se afastou de mim, dando passos para trás.
— Vou chamar um táxi — disse ele — e esperar cinco minutos. Você tem esse tempo para decidir se vem comigo ou... ou se vai ficar aí e fazer seja lá o que for.
esperou até mais do que cinco minutos, o que foi impressionante da parte dele, considerando que o tempo parado ali seria cobrado. Eu não enxerguei direito, mas ele pareceu decepcionado quando o carro deu partida para ir embora.
Eu precisei de muito mais minutos para decidir o que fazer. E eu decidi sair, com meu vestido longo e saltos altos, andando na nevasca que havia acabado de começar.
Todos os meus ossos doíam, meu cabelo estava grudado com neve e eu mal conseguia ver através das lágrimas ou respirar com o nariz entupido, mas eu cheguei na frente do prédio, cansada e tremendo. Meus dedos sem luvas mal se moviam direito e, quando eu tirei o celular da bolsa, minha mão parecia uma garra de monstro. Eu liguei.
— — a primeira palavra saiu como um sussurro, mas me esforcei para fazer minha voz sair mais alta — Eu sei que você está com raiva de mim, mas espero que não apague essa mensagem da caixa de voz antes de eu terminar. Porque eu sei que está bravo, eu não entrei no seu território. — consegui rir um pouco — Estou na frente do seu prédio, o frio está cortando o meu rosto e eu mal consigo mexer a boca, mas eu não vou a lugar algum até que você fale comigo. — eu pisquei com força, e as lágrimas que rolaram pelo meu rosto me causaram arrepios — Eu sei que por todos esses anos eu fui uma pessoa horrível e eu não mereço você como meu...
— Pare — ele disse, saindo do prédio segurando o celular no ouvido. Eu deixei meu celular cair, e ele se apressou para vir até mim — Você está maluca? Desse jeito vai ter uma hipotermia — ele se abaixou para pegar meu celular e colocou o braço em volta dos meus ombros, me levando para dentro do prédio.
— Eu sinto tanto, tanto — abaixei a cabeça, envergonhada, sem me mover e sem conseguir olhar para ele — Pelo que fiz com você. Por ter sido tão cega. Eu achei que tudo o que eu fazia era uma forma de eu não me machucar, mas eu não ligo mais para isso. — falei, entre soluços — Sentimentos sempre escapam do nosso controle, mas eu não me importo. Eu nunca pensei que seria plenamente feliz a não ser que eu tivesse uma carreira ou fosse morar na Europa ou qualquer coisa que me fizesse sentir bem comigo mesma, mas isso nada disso é verdade. Você me faz mais feliz do que eu jamais pensei que seria. E eu... sinto muito por não poder fazer o mesmo por você.
segurou e ergueu o meu queixo, finalmente me fazendo olhar para ele. Talvez eu estivesse tonta por não conseguir respirar, então precisei piscar várias vezes para focar a imagem dele. Eu conhecia tão bem aqueles olhos e, naquele momento, eles pareciam tão estranhos para mim. Eu não conseguia identificar o que ele estava sentindo.
Ele franziu levemente a testa. Depois deu um sorrisinho mínimo.
— , de que diabos você está falando? — perguntou, em um sussurro.
Eu abri a boca, mas não consegui pensar em nada para dizer.
— Amar você é tão simples. É como se eu não precisasse de razões, não precisasse de esforços, porque tudo que você faz, tudo o que você é me faz amar você. — ele colocou as duas mãos na minha nuca, e senti como se meu corpo gelado estivesse se despedaçando com o toque quente dele — Seu sorriso preguiçoso e olhos pequenos quando acorda de manhã... o jeito que você dança quando acha que ninguém está vendo, sua risada, seu coração. Você não consegue enxergar nada disso e coloca mil defeitos em si mesma como se não quisesse que as pessoas pudessem vê-la como realmente é, mas isso nunca funcionou comigo. Você faz com que amar você seja difícil, mas nada que você possa fazer pode me impedir de continuar te amando. Porque eu sei quem você é, e por Deus, não sei se é possível amar tanto alguém assim.
Eu precisei agarrá-lo pela camisa para conseguir permanecer de pé. Escondi o rosto no seu pescoço, e senti o cheiro dele... eu não sabia como poderia viver sem aquele cheiro. Sem aqueles braços me segurando. Sem aquele coração batendo tão acelerado que eu conseguia sentir, ou talvez fosse o meu próprio, que parecia que iria explodir a qualquer momento.
— — foi a única coisa que eu consegui dizer.
— — ele respondeu, e nós nos beijamos, e nós dois estávamos chorando, agarrados um ao outro para não cair. — Você está aqui — ele disse, com os lábios contra os meus enquanto respirava, e parecia mais estar falando sozinho do que comigo — Você é real.
Eu comecei a rir. Mal podia acreditar naquela sensação dentro de mim. Não eram borboletas no estômago ou qualquer clichê que diriam, era mais do que isso.
Como ele havia dito, era real. Éramos nós, da forma que deveria ser.
— Eu te amo tanto — sussurrei, com as mãos no rosto dele, puxando-o para mim para beijá-lo de novo.
Capítulo 20 - When Forever Is Not Good Enough
Acordei sem precisar de despertador, e não podia culpar o feixe de luz que estava entrando pela fresta da cortina por isso. Eu já estava acostumada a acordar, todos os dias, naquele horário e me levantar para me preparar para sair.
A única coisa que eu não havia me acostumado, no entanto, era deixar para trás.
Eu me virei na cama para ficar de frente para ele. O braço que ele havia deixado em volta de mim antes de cairmos no sono havia se afrouxado depois que dormimos, diferente da forma como ele estava me apertando de uma forma maravilhosa antes. Não queria acordá-lo, ele merecia os minutinhos de sono a mais dos quais se poderia dar ao luxo. Além disso, ele parecia tão tranquilo, pacífico e feliz que eu tinha vontade de chorar.
Então era assim que era estar apaixonada. Ou pelo menos admitir que estava, já que todos os meus sentimentos por só pareciam ter se intensificado. De uma maneira surpreendente, eu precisava destacar. Antes, eu já não sabia o que faria sem meu melhor amigo. Agora… meu corpo parecia doer de saudades todas as vezes em que não estávamos juntos.
abriu um olho. Depois franziu a testa e abriu os dois, embora eles estivessem um pouco inchados de sono.
— Por que você está chorando? — ele perguntou.
— Eu estou? — falei, com a voz embargada e funguei em seguida. Levei a mão ao rosto e percebi que estava molhado. — Meu Deus. Que idiotice. Acho que é TPM. — resmunguei, e ele começou a rir, uma risadinha sonolenta que teria me deixado irritada se não fosse tão adorável — Pare de rir de mim, !
— Ok, ok. Não estou rindo, prometo. — ele me abraçou e limpou as minhas lágrimas — Eu amo você. Está tudo bem. — disse ele, dando um beijo na minha testa em seguida.
Era verdade e eu sabia, e por ora era tudo o que eu precisava. Eu me aninhei nos braços dele pelo tempo que ainda podia antes de ter que levantar.
Depois de um dia estressante e cheio de trabalho, qualquer pessoa poderia achar que a melhor maneira de relaxar seria uma banheira com sais de banho e pétalas de rosas ou um estúdio de massagem tailandesa da Quinta Avenida. Mas para mim, naquele dia específico, era no O’Neills com meus amigos.
Talvez fosse o fato de eu estar estranhamente sensível nos últimos dias, já que eu não me lembrava de gostar tanto assim deles. Certo, eu estou obviamente brincando. Aqueles idiotas significavam tudo para mim.
— Eu acabei de pensar em uma coisa — falou, erguendo a mão do braço que não estava ao redor dos ombros de .
— Ah, não — murmurou.
— Não, isso é importante — insistiu — Agora que vocês dois estão oficialmente juntos, todas as vezes em que nós saímos vamos estar em encontros duplos? Porque isso é meio cafona e idiota.
Eu, e nos entreolhamos.
— Bem, se isso incomoda você, nós poderíamos arranjar outros amigos — disse, irônica.
— Ah, não — reclamei, apoiando o rosto nas mãos com os cotovelos em cima da mesa — Vocês são as únicas pessoas que eu consigo aguentar por muito tempo. Vai me forçar a ter que fazer outras amizades, ?
Ele deu de ombros.
— Foi só um pensamento — em seguida, deu um gole na sua garrafa de cerveja. Então, ergueu as sobrancelhas e me encarou — Só eu percebi que há alguma coisa errada com a ?
Ao meu lado, senti se movendo, como se o pensamento de algo estar errado comigo o fizesse ficar atento.
— O que foi, love? — ele franziu o cenho, preocupado, colocando a mão nas minhas costas — É verdade, você não está comendo nada.
— E mais importante do que isso — apontou — ela não está bebendo nada.
Revirei os olhos.
— Muito engraçado. Eu só estou sentindo gastrite, não é nada demais.
pareceu apavorado.
— Nós deveríamos ir para casa. Ou para um hospital!
Sorri fraco. Eu gostava da forma como ele dizia casa, sem especificar o seu apartamento ou o meu. Como se estivéssemos morando juntos de novo. Ou simplesmente como se qualquer um dos lugares em que ficássemos juntos significasse casa.
— Não precisa se preocupar, querido — eu disse a ele, tocando em seu rosto e fazendo carinho em sua barba com as pontas dos dedos — É só que eu trabalhei demais hoje, não tive tempo de fazer nenhuma refeição que não fosse café preto. Além disso, quero ficar com vocês. — encostei a cabeça no ombro dele.
Senti vontade de chorar de novo. Meu Deus do céu, qual era a porcaria do meu problema? Talvez eu devesse mudar de anticoncepcional, nunca havia me sentido assim em uma TPM. Precisava lembrar de falar isso para a minha ginecologista.
Percebi que estava me observando com uma expressão esquisita, mas só durou alguns segundos antes de o rosto dela se acender para falar:
— Bem, vocês já sabem da festa do Times esse fim de semana. Espero que não tenham se esquecido e feito outros planos, pois vou matá-los com minhas próprias mãos se não forem — ela disse essas palavras sorrindo, o que foi um tanto assustador.
— Pare, você está me excitando — provocou, e ela deu um soquinho no braço dele — Eles já vão apresentar você como a nova editora?
— Não! — ela exclamou, os olhos arregalados — Mas, já que tocou nesse assunto, está rolando uma especulação sobre isso. Por favor, não comentem nada. Pelo menos não até o Davis decidir fazer algum anúncio oficial.
Fiz um muxoxo.
— Está dizendo que eu tenho que me desfazer do banner gigante que fiz com sua foto escrito “estamos orgulhosos de você, ”? — perguntei.
estreitou os olhos na minha direção.
— Droga, eu nunca sei quando você está sendo sarcástica ou não.
— É um dom — eu sorri — Mas é claro que não iríamos perder esse momento por nada no mundo, querida. A propósito, já comprou seu vestido? Quero sair para comprar um novo esses dias, meu tubinho preto está apertado, acho que engordei.
Ela me olhou desconfiada.
— Há-há, muito engraçado. Você só está falando isso para me fazer sentir melhor — disse ela, o que em todos os sentidos não era verdade, antes de dar uma mordida no seu hambúrguer — Mas sim, eu adoraria ir às compras com você.
piscou, como se tivesse acabado de se lembrar de alguma coisa.
— Na verdade, eu também preciso…
— Ah não, cara — fez uma careta — Não me diga que vai me chamar para comprar vestidos com você.
xingou ele, rindo, enquanto eu e caímos na gargalhada.
— Você já esteve lá antes? — perguntei, enquanto colocava meus brincos — No Ritz?
O evento do New York Times seria no Ritz-Carlton do Central Park, porque é claro que o mínimo que eles poderiam fazer era em um dos lugares mais luxuosos da cidade. Olhei para pelo reflexo do espelho. Ele estava colocando as abotoaduras.
— Não — respondeu ele — Na verdade, nem lembro a última vez em que coloquei um terno. — brincou.
Semicerrei os olhos para ele e me levantei. Chequei o meu vestido no espelho, de cetim azul escuro que caía levemente pelo meu corpo até os pés, e o penteado de cachos caindo por cima de um ombro só combinou com as costas nuas. Fui até e fiz o nó de sua gravata borboleta que estava pendurada no pescoço.
— Agora sim — falei.
Ele deu um sorriso bobo.
— Obrigado — e se inclinou para me dar um selinho, que virou dois, três, que virou um beijo de verdade e eu já estava com os braços ao redor do pescoço dele, sentindo como se estivesse flutuando, minha mente se desligando de qualquer coisa que não fosse ele até que…
— Deveríamos parar — falei, e ele fez uma carinha triste adorável que me fez dar uma risadinha, deslizando as mãos pelos ombros dele, descendo pelos braços torneados pela camiseta.
— Deveríamos fazer algo diferente hoje à noite — sugeriu ele — Deveríamos ficar no Ritz. Em alguma suíte chique com vista para o parque.
Aquilo foi o suficiente para me derreter, e embora o meu lado consumista estivesse morrendo de vontade de dizer sim, tive que pensar como uma adulta responsável e mordi o lábio.
— Querido, não precisa. Vai ser um gasto de mais de mil dólares… não precisamos disso.
— Então por que você não parece nem um pouco convencida? — ele franziu a testa e eu fiz cara feia. riu. — Ah, por favor, me deixe fazer uma coisa legal por você.
Olhei para ele, maravilhada. Será que ele realmente não sabia? não fazia ideia de que a melhor parte de todos os meus dias era por causa dele?
Nós pegamos nossas coisas para sair. Ele estava usando um terno azul, o que fazia minhas pernas ficarem meio bambas, mas pelo menos teria ele para me segurar. E além de que seríamos o casal mais atraente na festa, também estaríamos combinando.
Eu não pensei que poderia haver tanta gente em um evento sofisticado daqueles, mas havia. E muita imprensa, também, o que chegava a ser engraçado, considerando que era a festa para o editor de um jornal… é, não tinha graça. É claro que Davis Monterrey já estava aproveitando a oportunidade para introduzir aos holofotes, mesmo que o seu plano de torná-la sua sucessora por enquanto fosse uma informação que só nós tínhamos.
Ela estava tão linda. Estava parecendo um raio de sol, e eu estava tão orgulhosa. estava usando Gucci, um vestido escolhido por mim, com um tecido fino cor de coral com detalhes de flores costurados na gola e nas mangas. O cabelo estava preso em um coque frouxo, com alguns fios elegantemente soltos emoldurando seu rosto, e o rosto dela parecia brilhar – e não era só pelo iluminador. Seus olhos mostravam o quanto ela havia merecido aquilo tudo.
Eu a observei a certa distância enquanto ela, e o sr. e a sra. posavam para as câmeras. Era engraçado assisti-los, principalmente os pais, porque eles estavam fazendo umas poses muito engraçadas, como se fossem estrelas de cinema. estava completamente constrangido, o que quase me fez sentir pena dele.
— Ela está incrível, não é? — uma voz soou ao meu lado. Sorri ao olhar para , todo arrumado, com uma expressão de alguém que parecia estar prestes a explodir de tanto amor.
— Completamente — eu concordei, quase dando um gole na minha taça intocada de champanhe, mas parei antes para dizer — Ei, , olha só para nós. Sempre achamos que seríamos lobos solitários, quem diria que tudo o que precisávamos estava bem na nossa frente?
riu, balançando a cabeça para concordar.
— É. Estou muito feliz por nós termos finalmente erguido os olhos — ele deu um tapinha nas minhas costas — Vou ao bar, quer que eu pegue algo mais forte? — perguntou, apontando para a taça que eu tinha em mãos.
A verdade é que eu estava com muita fome e não tanto com sede, mas dei de ombros.
— Claro — respondi. Observei se esgueirando entre o amontoado de pessoas e depois voltei minha atenção para os . Não sei por exatamente quantos segundos eu fiquei sozinha até ouvir alguém falar atrás de mim:
— ?
Eu estava bebericando um pouco do champanhe, então, quando virei para ver quem estava me chamando, quase me engasguei.
Eu tossi e pisquei várias vezes, para me certificar de que não estava imaginando coisas.
Mesmo depois de ter tido o sonho mais longo da minha vida, no qual ela havia aparecido, eu não estava nem um pouco preparada para esse… reencontro.
— Kate — sussurrei, e então forcei um sorriso — Meu Deus!
Ela parecia igualmente surpresa, mas sem dúvida parecia mais animada do que eu quando abriu os braços e eu não tive nenhuma outra opção a não ser retribuir aquele abraço constrangedor.
Do turbilhão de coisas que se passaram pela minha cabeça naquele momento, o primeiro pensamento que consegui identificar foi: o cabelo dela estava castanho agora, e não mais loiro.
— Eu perguntaria o que você está fazendo aqui, mas já soube de — ela sorriu. Então, ela continuava sendo uma pessoa sorridente. Diferente da personagem infeliz do meu sonho.
— Bem, então acho que eu posso roubar a pergunta! — falei, rindo de nervoso.
— Ah! Esse é meu marido, Albert — ela esticou a mão para segurar a do homem de rabo de cavalo e cavanhaque que estava atrás dela. Ele sorriu e me cumprimentou com um aperto de mãos — Ele é fotógrafo e tem trabalhado para o Times há algum tempo. Mas, minha nossa, eu estou tão surpresa por te ver! Parece que faz…
— Uma vida inteira — eu completei — Na verdade, alguns meses atrás eu vi vocês andando pela rua com seus filhos – a propósito, meus parabéns por eles, mas estava com pressa e… — eu não fazia ideia de porquê havia acabado de contar aquilo para ela.
Kate arregalou os olhos.
— Jura? Onde?
— Ah, estávamos saindo do metrô, indo para a Kleinfeld para experimentar o vestido de noiva dela… — eu. Não. Conseguia. Parar. De falar!
— se casou? — os olhos dela estavam mais esbugalhados ainda.
— Humm… na verdade não, e agora ela está namorando com … quer saber de uma coisa? É muito bom encontrar você — eu disse, porque precisava redirecionar o rumo daquela conversa antes que acabasse contando todas as nossas vidas para alguém que era uma estranha.
Ela colocou as mãos sobre o coração, com uma cara estranhamente emocionada.
— E eu digo o mesmo, querida. É como se o universo… oh, meu Deus, olha só para o ! — Kate falou, quando finalmente o viu — Ele parece ótimo! Eu preciso ir cumprimentá-lo. Foi ótimo te ver, — ela se inclinou se deu um beijo de cada lado do meu rosto, estilo francês — Vamos, Alfred — ela puxou o marido para ir reencontrar e apresentar os dois.
Eu não consegui desviar o olhar, sentindo uma náusea forte e repentina. já não estava mais perto de , o que significava que ele provavelmente estava voltando para ficar comigo quando Kate tocou no ombro dele para fazê-lo se virar. A princípio, ele parecia ter visto um fantasma. Mas logo depois sua expressão se amenizou e ele sorriu e cumprimentou a ela e a Alfred educadamente, como o perfeito cavalheiro que era.
Nunca em um milhão de anos eu teria tido aquele tipo de reação se tivesse reencontrado depois de tanto tempo meu ex-noivo que me abandonou no dia do nosso casamento, mas essa era só uma das inúmeras diferenças entre e eu.
— Bu — surgiu do meu lado, me fazendo dar um sobressalto que causou em metade do champanhe da minha taça voando para o chão.
— Você quer me matar? — eu soltei um gritinho quase que estrangulado — Como você saiu de lá e agora apareceu aqui…
— Ei, calma! — ela riu — Eu só estava procurando e… — percebeu que eu estava concentrada em outra coisa e seguiu o meu olhar. — Céus. Não me diga que aquela é…
— Você sabe onde é o banheiro? — perguntei antes que ela concluísse a frase cuja resposta seria sim e agarrei a mão dela antes que ela respondesse a minha. Saí andando trazendo-a comigo e aparentemente eu estava indo na direção errada, pois gritou meu nome para fazer com que eu a ouvisse por cima de todas as vozes no salão, e então ela me guiou para o outro lado.
Chegamos ao banheiro. Nossa, até o banheiro do Ritz-Carlton era luxuoso de uma maneira que me fazia querer morar ali dentro.
— Certo — ela começou, se aproximando de mim — O que está acontecendo com você?
O que estava acontecendo comigo?
Eu estava hiperventilando?
— Por que ela teve que aparecer aqui? — eu soltei, começando a andar em círculos — Quer dizer, Nova York tem, tipo, oito milhões de habitantes, não é?
— Emy! Do que você está falando? — ela perguntou, soando desesperada.
Eu ia responder, mas fui interrompida. Por mim mesma. Ou pela vontade de vomitar, que não consegui controlar e me debrucei sobre a pia, colocando para fora tudo o que eu havia ingerido naquele dia.
— Pelo amor de Deus, quanto você bebeu? — correu até a porta de entrada do banheiro para se certificar de que ninguém iria entrar ali e tirou a taça de vidro que eu ainda estava segurando, acariciando minhas costas com a outra mão.
— Eu não estou bêbada — protestei, ligando a torneira para limpar minha bagunça e minha própria boca.
Naquele momento, eu não sabia se estava mais triste porque eu era a pessoa mais estúpida do mundo ou porque havia acabado de tirar meu batom Chanel.
Peguei alguns lenços de papel e olhei para . Estava com tanta vergonha.
— Desculpe — murmurei, derrotada — É que… como se lida com isso? Com seu atual e a ex dele interagindo?
pareceu surpresa.
— Como é? É por isso que você está assim?
— E o mais estranho é que, sabe, eu sou ciumenta, mas isso não parece com ciúmes — eu coloquei a mão sobre o peito, sentindo-me angustiada por não saber explicar.
riu suavemente, mas não por maldade.
— Querida, é porque não é ciúmes. Você está… com medo de perdê-lo.
Eu a encarei sem entender.
— E não deveria, porque mesmo que ela signifique uma parte grande do passado dele, e talvez o sonho doido que você teve tenha te deixado mais sensível ainda em relação a isso, mas nossa, fazem quase dez anos! E você é o presente de agora, . — ela colocou a mão sobre o meu ombro.
Provavelmente não consegui controlar a minha cara de choro, porque ela me prendeu em um abraço.
— Não fica assim, querida, eu não te julgo. Essa é a primeira vez que você está em um relacionamento sério desde… desde que eu te conheço, o que provavelmente significa a primeira vez na sua vida a não ser que você tenha escondido algo de mim todos esses anos.
Puxei o ar, respirando fundo, e o soltei rapidamente para me controlar. A máscara de cílios havia sido cara, eu não iria simplesmente desperdiçá-la à toa.
— Eu me sinto tão idiota, sabe — falei para ela — Eu sempre quis tanto a independência, a vida adulta, mas parece que todos cresceram e eu continuei sendo a infantil, que não sabe realmente lidar com os problemas como uma adulta.
O sorriso que ela deu me acalmou um pouco.
— É por isso que você me tem. Para guardarmos os segredos constrangedores uma da outra — ela olhou para trás rapidamente antes de se voltar para mim de novo — Mas agora devemos voltar lá para fora. Os garotos provavelmente iriam se perguntar aonde nós fomos.
Podia não parecer, mas eu amava Chinatown. Amava a arquitetura, amava a mistura dos cheiros (mesmo quando o resultado não era exatamente bom), amava as decorações exóticas e variadas. Até o fato de ouvir as pessoas falando em um idioma que eu não fazia ideia do que signifique, eu adorava. Era um dos muitos pequenos mundos dentro de Nova York.
Eu só não costumava frequentar muito a região, o que aumenta bastante as chances de me perder.
— Você já chegou? — ele perguntou, do outro lado da linha.
— Acabei de dizer que não! — bufei enquanto virava a esquina, segurando o celular no ouvido. — Onde você está?
— Perdido — respondeu — Afinal, não vou neste lugar há, o quê, quinze anos?
Eu sabia que ele não estava falando a verdade completamente. Sim, faziam quinze anos. Mas exatamente como eu, ele nunca havia se esquecido daquele lugar. Mesmo que eu não andasse muito por Chinatown.
Há alguns metros de distância, eu o vi, também segurando o celular. Meu irmão.
— Tia ! — Tessie gritou assim que me viu e soltou da mão de Sam para vir correndo na minha direção. Eu também corri na direção dela, abaixando-me a tempo de ela se atirar contra meus braços abertos.
— Meu anjinho! Eu estava morrendo de saudades! — eu disse a ela, apertando-a com força. Fiquei de pé com Tessie no colo.
— — Sam me cumprimentou, meneando a cabeça.
— Samuel — respondi, no mesmo tom que ele, e me virei para sua esposa, abrindo um sorriso — Leslie! Você está… — sem roupas de brechó vintage, pensei, o que era um bônus — ótima! — decidi dizer.
Ela sorriu também, parecendo não tão assustada quanto nas últimas vezes que nos vimos.
— Então… nós vamos… — Sam gesticulou na direção do restaurante com a mão que não estava segurando a de Leslie, depois a enfiou no bolso da calça. Ele era expert em disfarçar, mas eu podia ver que ele estava nervoso.
— Vamos entrar — disse eu, decidida.
Houve uma época da minha vida em que o Joy Luck era um dos meus restaurantes favoritos na cidade. Eles tinham os melhores dim sums, e faziam carinhas de bichinhos nos bolinhos de arroz. Eu podia lembrar o quanto Sam amava as guiozas de lá, também. Comprimi os lábios, invadida pela nostalgia ao olhar para aquela fachada. Então, entramos.
Papai e Elaine já estavam lá.
Nós fomos até eles, logo sendo anunciados por Tess gritando “vovô!” e agitando os bracinhos, e enquanto íamos eu secretamente ia me desfazendo de todas as ligações com o passado – tanto o passado dele conosco quanto sem nós. Era hora de começarmos novas lembranças, talvez ainda melhores. E, eu percebi, não havia nada de errado em Elaine fazer parte delas.
Eu mal tive como cumprimentar meu pai, porque Tessie praticamente se jogou para o colo dele (é, talvez isso tenha me deixado com um pouco de ciúmes), então fui até Elaine e lhe dei um abraço. Mesmo que tenha sido rápido e um pouco desajeitado (da minha parte), eu consegui ver o quanto aquilo iluminou o rosto dela.
— E aí, pai? — Sam perguntou, quando já estávamos todos sentados à mesa — Já recebeu alta da fisioterapia?
— Ah, sim — ele respondeu, com um sorriso — Estou tendo que levar um ritmo bem mais lento agora, mas não acho que seja uma coisa ruim.
— Não é mesmo — eu comentei — Então, suponho que você não vai mais estar dirigindo caminhões por um bom tempo, sim?
Ele e Elaine acharam graça.
— Não, suponho que não — meu pai respondeu. Ele tomou um gole de água e, observando-o, eu percebi que ele deveria estar tão nervoso quanto nós. Ou mais. A tensão era palpável entre nós, e acho que até vi Leslie de olhos arregalados. — Bem, vocês devem estar se perguntando por que os convidei… especialmente aqui. Esse lugar… nós temos uma história com ele.
Ficamos em silêncio, encarando-o. A única que não estava presa naquele momento era Tessie, brincando distraidamente com os saleiros da mesa.
— Achei que seria o local ideal para recomeçarmos. Como uma família. — disse ele. — E eu sei que sua mãe deveria estar aqui, eu queria que ela estivesse, mas não consegui falar… — ele adicionou, nervoso, e começou a se embaralhar com as palavras.
Aquilo não era algo que se via todo dia.
— Está bem, pai — eu falei, colocando a mão por cima da dele, que estava tremendo — Nós entendemos.
E por nós entendemos, eu quis dizer tudo. Tudo mesmo.
Nós jantamos e conversamos por horas, apesar de ter sido um clima de conversa… peculiar. Era como se de fato nós estivéssemos recomeçando do zero, nos conhecendo de novo. Falar sobre mim nunca havia sido um problema, mas no fim da noite, eu estava exausta. Talvez porque não fosse só falar, simplesmente. Tinha toda uma questão emocional envolvida.
Depois de nos despedirmos, todos foram embora, menos eu. Continuei no local quase vazio, alternando o olhar entre o celular e o lado de fora do restaurante. Quando o carro de apareceu, segurei minha bolsa, fiquei de pé e fui até ele.
— Você realmente não precisava ter vindo — eu falei, entrando para sentar no banco do passageiro.
— Não foi nada — ele disse — E você sabe quanto teria que andar até chegar em uma estação de metrô?
— Sei — eu ri, me inclinando para dar um beijo no rosto dele — Acho que ainda não estou acostumada com o quanto você consegue ser fofo. Mesmo depois de todos esses anos.
— Eu não sou fofo! É perigoso! — ele protestou, sendo fofo, e eu tive que apertar as bochechas dele para forçá-lo a fazer um biquinho — Emy!
Eu caí na gargalhada e o soltei.
— Tudo bem, tudo bem, vou parar de ser implicante — falei.
— Como foi o jantar? — perguntou, começando a dirigir.
— Foi bom.
— E como você está?
— Você me julgaria se eu dissesse que estou com vontade de chorar? — perguntei.
franziu a testa, olhando para mim.
— Talvez julgaria um pouquinho — ele riu — Estou brincando. Eu imaginei. E entendo.
Sim, ele entendia. Eu sabia. E era um dos milhões de motivos para eu amá-lo.
— A propósito, eu estava pensando em fazermos algo diferente hoje à noite — falou.
— Ooh — eu cantarolei, animada, arrastando as unhas pela coxa dele — Isso quer dizer que…
— Ahn — ele pigarreou — eu havia pensado em karaokê, na verdade, mas se preferir nós podemos ir para casa.
— Qual a ligação dos com karaokê? — eu perguntei, surpresa, mas rindo — Aqui em Chinatown? — quis saber, e ele balançou a cabeça para dizer sim — Mas não tocam, tipo, só músicas k-pop?
Ele riu alto.
— Love, acho que você acabou de fazer uma mistura nos países da Ásia. Mas, não se preocupe. Eu conheço um lugar e as músicas são na nossa língua.
Acabamos em um lounge que era, na verdade, bastante legal e luxuoso. segurou minha mão, guiando-me para dentro e internamente eu não estava acreditando que iríamos mesmo fazer aquilo. Quer dizer, eu não iria mesmo, definitivamente não. Restava saber se eu estava namorando um doido. Ele foi até o bar e pediu duas tequilas.
— Pensando bem, vou ter que ficar muito bêbado para fazer isso — disse ele, tomando o shot de uma vez.
— Pois fique à vontade — falei, empurrando a dose que seria para mim na direção dele — Eu vou ficar muito sóbria para filmar tudo.
me olhou, estupefato.
— Ah, não! Você não pode me abandonar nessa! Estamos fazendo isso juntos!
— Não estamos não — retruquei, rindo — Mas se quiser ir, saiba que vai ter uma tiete aqui embaixo.
Ele estreitou os olhos para mim, pegou a outra dose de tequila e a tomou em um gole antes de sair andando na direção do palco.
— Não acredito! — eu dei um gritinho, colocando as mãos sobre a boca por uns segundos antes de tirar o celular da bolsa e abrir a câmera imediatamente.
Vi conversar com algumas pessoas antes de eles lhe darem um microfone e, então, ele subiu no palco. Eu não conseguia parar de rir. Percebi que vários olhares haviam se voltado para ele porque, óbvio, ele era maravilhoso, talvez o homem mais bonito que tivesse passado por ali aquela noite. E quanto a introdução de Pretty Woman começou a tocar, vários gritos femininos ecoaram no salão. Eu, inclusive, fui uma delas.
— Pretty woman, walkin’ down the street, pretty woman, the kind I like to meet — ele começou, andando pelo palco, mas olhando na minha direção.
Senti que meu rosto estava vermelho, queimando. Que tinha uma voz bonita quando cantava, como um anjo, eu já sabia.
Eu só não sabia que ele também sabia performar.
Ou talvez ele só estivesse tentando me impressionar. E, céus, ele havia conseguido completamente.
— I don’t believe you, you’re not the truth, no one could look as good as you — ele cantou — Mercy!
Eu ri alto enquanto filmava e as mulheres iam à loucura. Ele estava fazendo uns movimentos de dança muito ridículos e ao mesmo tempo muito sexy que eu tinha certeza que Roy Orbison não faria.
— Nossa, quem é esse esquisito? — ouvi uma voz dizendo atrás de mim.
Me virei imediatamente, com cara de brava. Meu instinto protetor havia sido mais forte do que eu.
— É o meu esquisito — disse eu, e voltei a olhar para o palco, curtindo e fazendo o jus de maior e mais apaixonada fã.
Eu e andamos tanto que ficamos exaustas. Mesmo assim, ainda era maravilhoso para mim quando saíamos juntas, e sempre seria um dos meus passatempos favoritos.
— Nossa, eu tenho me sentido tão sem energia ultimamente — falei, desabando na cadeira da charmosa cafeteria em Nolita, deixando os montes de sacolas no chão ao meu lado — Não que fazer compras seja exatamente um esporte radical, mas essa já foi a minha atividade aeróbica de hoje.
pegou o menu que estava na mesa.
— Posso ligar para e chamá-lo para nos levar de carro. Só preciso de um chá gelado antes. — disse ela enquanto lia.
Soltei uma risadinha. Ela ergueu os olhos para mim.
— O que foi? — quis saber.
— Ah, nada. É que vocês dois são tão adoráveis… — comecei, e ela revirou os olhos, mas suas bochechas ficando vermelhas a denunciavam — É sério! Parecem um casal de velhos casados. Na verdade, sempre pareceram, isso sempre esteve tão óbvio que não sei como nenhum de nós nunca percebeu.
— Ah, é? Mas e você e , hein? — ela ergueu as sobrancelhas e eu dei um sorrisinho, gesticulando para que ela parasse — Vocês sim estavam óbvios de que pertenciam um ao outro. Sabe, realmente teve uma época em que eu achei que vocês não iriam ficar juntos, o que parecia ridículo demais para aceitar e… Emy?
Provavelmente foi a careta que eu fiz que a interrompeu. Senti uma sensação de queimação no estômago, e sabia que iria vomitar, mas eu odiava vomitar e aquilo me desesperou então tapei a boca e o nariz com a mão, tentando concentrar-me na minha respiração para controlar a náusea.
— Querida, o que foi? — ela arregalou os olhos e trouxe a cadeira dela para mais perto de mim, colocando as mãos nas minhas costas.
— Acho que estou doente — confessei, ainda com a mão sobre o rosto — Espero que seja só uma gastrite e não nada mais grave — engoli em seco, e engolindo junto a vontade de chorar. Odiava ficar doente e, sim, já tinham se passado alguns cenários bem dramáticos pela minha cabeça onde eu na verdade estava com uma doença terminal e só teria mais três meses de vida, mas não era hora para ser paranóica. Tirei a mão da cara e imediatamente uma lufada de ar trouxe o cheiro – ou melhor, o fedor de atum — Pelo amor de Deus! Estão vendendo atum podre aqui?
A mulher ao nosso lado, que estava comendo um sanduíche de atum, olhou para mim apavorada.
— Desculpe, querida. É que cheiro de atum sempre me dá náusea — sorri para ela educadamente antes de me voltar para , que estava me olhando desconfiada.
— Isso não é verdade.
— O quê? — perguntei, sentindo meus cabelos grudando na minha testa e nuca suadas.
Provavelmente eu deveria estar pálida e, meu Deus, eu iria desmaiar se não saísse daquele lugar com fedor de peixe.
cruzou os braços e se encostou na cadeira, me encarando.
— ? Quais as chances de você estar grávida?
Eu não estava comendo nada, ainda bem, senão teria me engasgado ou cuspido na cara dela.
— Eu não estou grávida, você sabe que eu tomo anticoncepcional. — respondi.
— E daí? Não é como se pílulas fossem cem por cento seguras. Como está sua menstruação? — ela questionou.
Minha boca ficou seca. Atrasada, era a resposta, o que eu já estava ignorando há um tempo acreditando que a qualquer momento poderia vir.
— Minha menstruação é desregulada. É por isso que eu vou à ginecologista…
— ! Você está muito grávida! — exclamou, alto demais até, na minha opinião — Você tem estado estranha e eu observei isso. Por um tempo estava comendo muito, ainda mais que o normal, depois parou de comer por causa desses enjoos estranhos. Você chora o tempo todo e não está bebendo… talvez seja o seu instinto de mãe que você nem sabia que existia dizendo que você não pode beber!
Adivinhe só.
Eu havia começado a chorar.
— Pare de dizer essas coisas — ordenei, num sussurro — Pare de me assustar.
— Meu amor! — ela fez bico, parecendo incrivelmente culpada enquanto limpava as lágrimas do meu rosto. Eu estava soluçando. Merda. Não conseguia parar. — Você sabe que eu posso estar errada, não é? Por que não faz um teste só para garantir, aí você pode esfregar na minha cara que você estava certa o tempo todo?
Balancei a cabeça, desesperada. Ótimo, agora eu também não conseguia respirar. Parecia que eu ia ter um ataque de pânico. Ou morrer.
— Emy, dando positivo ou negativo, você precisa saber — disse, séria, apesar do tom de voz suave — E eu vou estar do seu lado o tempo todo, afinal sou eu quem pode ser titia… — eu comecei a chorar mais alto e as pessoas ao redor começaram a olhar — Desculpe!
Eu não queria mais ouvi-la. Eu só queria ir para casa, trancar a porta do meu quarto e ficar lá dentro até sumir. Eu poderia bater em por ela ter me deixado daquele jeito, mas eu não conseguia reagir e, quando percebi, ela já estava me fazendo levantar da cadeira, pegando nossas sacolas e me arrastando.
— Vamos, tem uma drogaria muito legal aqui perto, na Quinta Avenida. Você vai gostar. O design de interiores dela é muito bonito — falou ela enquanto andávamos apressadas. Só poderia descrever o design de interiores de uma drogaria como bonito.
Como se eu não tivesse vontade própria, eu a segui, andando de mãos dadas com ela.
Quando chegamos na frente do estabelecimento, congelei só ao olhar pela vitrine. O que era aquilo, eles estavam fazendo promoção de teste de gravidez ou algo assim? Não consegui mais me mexer, e me deixou ali na frente, congelada. Pelo menos o inverno já tinha passado, e apesar de tudo o que estava acontecendo naquele momento virar uma estátua em uma tarde de primavera era menos pior, eu acho.
— Vocês têm um banheiro? — perguntou do rapaz no caixa, ele confirmou e apontou a direção onde ficava. Ela olhou para os lados, achando que eu estava ali, e quando viu onde eu realmente estava, ela veio marchando de cara feia na minha direção. — O que está fazendo aí? Anda!
Eu obviamente não respondi, então me arrastou novamente. Ela nos trancou dentro do cubículo, abriu o teste e o estendeu para mim.
— Faça xixi!
Olhei para ela, horrorizada.
— Não é assim que as coisas funcionam! Eu nem estou com vontade! Nossa, eu nem acredito que nós estamos tendo essa conversa, para começar.
Ela saiu e me deixou sozinha no banheiro. Eu fiquei parada, sem saber o que fazer, e quando ela voltou, tinha comprado um Gatorade.
— Beba — falou ela — E depois faça xixi.
Talvez tivesse ficado louca de vez. Ou talvez eu é quem tivesse, porque respondi:
— Bem, eu não vou fazer com você me olhando!
Não conseguia acreditar que ela realmente havia me convencido a fazer aquilo. E, enquanto fazia, não conseguia acreditar em mim mesma. Só queria que desse negativo para que eu pudesse me esquecer daquilo, ao mesmo tempo em que não conseguia me concentrar em nada além da sensação de que iria desmaiar.
— Quanto tempo espero? — perguntei, apressada. Acho que eu estava tendo um ataque de pânico.
— Cinco minutos — respondeu depois de ler na caixa, mordendo a unha do dedo polegar.
Enquanto ela cronometrava eu estava segurando o teste, e enquanto faltavam alguns segundos para os cinco minutos eu o larguei na pia, sem coragem de olhar, e desabei novamente.
Escondi o rosto nas mãos. Me senti sufocada.
— ! Você precisa ver!
— N-n-não — balancei a cabeça e cambaleei. me segurou pelos ombros enquanto eu tentava normalizar minha respiração — Isso n-não foi uma b-boa ideia. Vamos esquecer e ir embora…
— Do que você tem tanto medo? — ela perguntou, baixinho, mas me encarando intensamente, e eu sentia que podia ver minha alma nos olhos dela naquele momento, e não estou sendo dramática — Ter você e ter filhos é tudo o que sempre quis. As duas coisas juntas… ele provavelmente vai ter um infarto de felicidade.
— Isso não é normal, ! — praticamente gritei e abracei meu próprio corpo. Eu estava tão assustada que teria sido patético, se eu não estivesse nervosa demais para me julgar como patética — Nós acabamos de ficar juntos! É muito cedo, isso não acontece com casais normais!
Ela respirou fundo enquanto afagava meus cabelos.
— Posso dizer a verdade? — perguntou, e eu balancei a cabeça para dizer que sim — Eu acho que você e meu irmão já estão juntos há muito tempo, e sei que você também se sente assim. Vocês se amam há apenas vinte anos — ergueu as sobrancelhas, me fazendo rir um pouco — E apesar de fazerem poucos meses em que você descobriu que o amava de outra maneira, fala sério, , acha mesmo que vocês são um casal normal? Só porque estão namorando, vão fazer as mesmas coisas que outros casais que acabaram de ficar juntos fazem, tipo, se conhecerem? Você já sabe tudo o que é possível saber sobre e vice-versa. Você se imagina estando com qualquer pessoa que não seja ele, no futuro?
Balancei a cabeça para dizer que não.
— Então talvez seja a hora de finalmente pularem para o felizes para sempre — sorriu.
Lembrei que eu mesma havia pensado naquilo que ela havia acabado de dizer, há um tempo atrás. Mas eu realmente não imaginava que poderia significar aquilo.
Cuidado com o que você deseja.
— E você sabe que também pode escolher não ter o bebê, se realmente houver um bebê — ela acrescentou.
Sim, eu sabia. Mas sabia que eu não faria essa escolha, principalmente sendo de …
Prendi a respiração. Tirei o teste da pia.
Abaixei-me na frente da porta para pegar a chave que estava debaixo do tapete da entrada. Pode-se dizer que isso é tão clichê que ninguém pensaria nisso além de , já que eu poderia misteriosamente aparecer no apartamento dele e ele ainda não havia me convencido a ter a minha própria chave.
Eu me preparei para chegar uns vinte minutos antes dele, e consegui. Achei que teria um tempo para preparar um jantar especial ou algo assim – o que, claramente, eu não fiz.
Trouxe hambúrgueres. Meu plano era comprar sushi no nosso restaurante japonês favorito, mas assim que entrei no local o cheiro quase me matou.
Fiquei imaginando como seriam os próximos meses sem sushi.
Deixei as sacolas sobre a mesa de centro e sentei com as pernas cruzadas por cima do sofá. Até liguei a TV, tentando me distrair para fazer o tempo passar mais rápido enquanto não chegava. Ele certamente levou mais do que vinte minutos.
— Você é um colírio para os meus olhos cansados — disse ele ao abrir a porta, e realmente parecia cansado, o que me fez sentir pena dele. Mas era . Mesmo com os olhos fundos e inchados debaixo dos óculos, ele continuava absurdamente lindo.
— Já disse que você parece um velhinho quando usa óculos? Mas muito atraente — observei, sorrindo, e ele pendurou o casaco antes de vir até mim e se inclinar na minha direção para me beijar. Eu quase não o larguei, só o fiz para que ele se sentasse ao meu lado.
— Não sabia que iria ficar aqui hoje — falou, fazendo carinho na minha bochecha.
— Está reclamando, ?
— Nunca — ele sorriu.
— Eu trouxe hambúrgueres — gesticulei para a mesa e ele se animou, estendendo a mão para pegar. Eu o impedi dando um tapa em seu braço. — Espere.
franziu a testa, mas afastou a mão.
— Tenho uma coisa para você — disse eu.
Segurei a outra sacola, a que estava do lado dos hambúrgueres.
— Ooh — ele falou, animado — Qual a ocasião?
— Só abra — tirei a caixa de dentro da sacola e lhe entreguei.
parecia estar achando aquilo tudo muito divertido até tirar a tampa da caixa.
O rosto dele ficou sem cor e ele não se mexeu. Congelado, olhando para o que estava lá dentro.
— É muito cedo para saber se é menino ou menina então não tinha certeza se deveria comprar rosa ou azul, eu sei que cores não têm gênero, mas o branco parecia tão… — parei de falar quando tirou o par de sapatinhos brancos da caixa, tão pequeninos que os dois cabiam em sua mão — … lindo — completei.
Ele não falou nada. Continuou encarando os sapatinhos na palma de sua mão, a boca um pouco aberta, a expressão de completo estado de choque.
— Então, eu pensei em algumas coisas — continuei, já que ele não falou nada e eu estava nervosa demais para ficar quieta — Primeiro, eu vou voltar a morar com você. Acho que é o certo, não é? Quero dizer, eu posso ter enjoos ou ataques ou alguma doença e preciso que você esteja por perto, e é claro que nós dois precisaremos criá-lo juntos mas eu não posso me desfazer do meu apartamento, sabe? Eu vou continuar com ele e ir lá algumas vezes na semana para trabalhar ou algo assim, tipo a Carrie no filme de Sex and The City…
— Love? — me chamou. Parei de falar, percebendo que estava com falta de ar porque não havia respirado entre as palavras. Percebi também que os olhos dele estavam cheios de água, e quando ele piscou, as lágrimas escorreram pelo seu rosto. — O que… o que…
Eu estava me controlando ao máximo para não chorar. Havia prometido para mim mesma antes de entrar ali que precisava ser mais forte, mas ver daquele jeito, completamente frágil e vulnerável para mim, acabou comigo.
— O que você acha? — eu encolhi os ombros e ri, comprimindo os lábios para prender as lágrimas.
Quando eu pensava em grávidas, automaticamente pensava em uma barriga enorme e tornozelos inchados, coisa assim. Mas agora eu sabia que, mesmo que essa fase fosse chegar, não era isso que significava. Eu nunca havia imaginado que algum dia eu ficaria grávida, teria filhos. Mas a coisa mais estranha aconteceu quando vi o sinal de positivo no teste.
Percebi que havia algo completamente diferente em mim. Eu estava verdadeiramente, loucamente e profundamente amando uma pessoa que eu nem sabia que existia até aquele momento.
Eu estava assustada para cacete e de certa forma perdida, sem nem saber mais quem eu era. Mas nada disso importava assim que eu pensava no bebê.
— Você está bem? — perguntei, colocando a mão no braço de — Eu sei que é uma coisa completamente inesperada e talvez não seja a melhor hora, mas eu não quero que você se sinta sozinho nisso, está bem? Quer dizer, eu sei que não sou exatamente a pessoa mais maternal e não sou preparada, mas eu vou aprender…
— Nós deveríamos pesquisar hospitais — disse — E hotéis. Ou alugar uma casa? Meu Deus — ele começou a soar meio apavorado — Também temos que procurar voos, passagens…
— ! Do que você está falando? — perguntei, desesperada. Ele estava começando a me assustar.
Ele olhou para mim. Seu rosto estava vermelho por conta do choro.
— Acha que eles ainda podem aceitar você? Por um semestre, ou pelo menos um curso de verão?
— Do que diabos você está falando?
— Paris!
Eu o encarei, confusa. Não estava entendendo nada. E estava com vontade de vomitar de novo.
— Amor, já fazem meses desde que recusei a proposta e eles nunca mais entraram em contato comigo — falei — Mas por que você está falando disso?
respirou fundo. Assim como eu, ele parecia estar tendo dificuldades para isso. Mas ele segurou as minhas mãos e, encarando-me, abriu o sorriso mais lindo de todos os tempos.
— É que… você acabou de realizar o meu maior sonho. Eu queria poder… eu queria poder retribuir, poder fazer você se sentir tão feliz quanto eu estou nesse momento… Mas eu não sei se isso é possível, porque, céus, , eu te amo tanto — a voz dele falhou quando as lágrimas voltaram e eu me atirei no colo dele, com os braços em volta do seu pescoço, abraçando-o com tanta força que eu poderia esmagá-lo se ele não fosse tão mais forte do que eu.
— Para — falei, soluçando — Eu já disse para você que eu não preciso disso, e eu estou feliz, muito, muito feliz — me afastei para colocar as mãos em seu rosto, encostando a testa na dele e sentindo sua barba roçando em minha pele enquanto nossas respirações se misturavam — Você está feliz?
— Sinto como se o meu coração fosse explodir… no bom sentido — ele respondeu e nós rimos e nos beijamos de novo, mas dessa vez foi diferente de todos os outros beijos. Não era só por ter os lábios macios dele nos meus, estimulando todos os tipos de sensações no meu corpo enquanto ele me tocava como só ele sabia fazer.
Mas era porque eu me sentia segura e destemida e como se eu pudesse fazer qualquer coisa.
— Eu estava falando sério, a propósito — ele sussurrou.
— O quê? — pisquei, atônita e um pouco atônita por causa do beijo e de tudo mais que estava acontecendo. Quando sua vida muda drasticamente de uma hora para outra, isso é normal, eu acho.
ainda mantinha um braço firme em volta de mim, me segurando em seu colo. Com a outra mão ele tirou os sapatinhos de cima do sofá e, sorrindo orgulhoso, os colocou de volta na caixa.
— Paris — ele disse — Se você quiser, eu estou dentro.
A única coisa que eu não havia me acostumado, no entanto, era deixar para trás.
Eu me virei na cama para ficar de frente para ele. O braço que ele havia deixado em volta de mim antes de cairmos no sono havia se afrouxado depois que dormimos, diferente da forma como ele estava me apertando de uma forma maravilhosa antes. Não queria acordá-lo, ele merecia os minutinhos de sono a mais dos quais se poderia dar ao luxo. Além disso, ele parecia tão tranquilo, pacífico e feliz que eu tinha vontade de chorar.
Então era assim que era estar apaixonada. Ou pelo menos admitir que estava, já que todos os meus sentimentos por só pareciam ter se intensificado. De uma maneira surpreendente, eu precisava destacar. Antes, eu já não sabia o que faria sem meu melhor amigo. Agora… meu corpo parecia doer de saudades todas as vezes em que não estávamos juntos.
abriu um olho. Depois franziu a testa e abriu os dois, embora eles estivessem um pouco inchados de sono.
— Por que você está chorando? — ele perguntou.
— Eu estou? — falei, com a voz embargada e funguei em seguida. Levei a mão ao rosto e percebi que estava molhado. — Meu Deus. Que idiotice. Acho que é TPM. — resmunguei, e ele começou a rir, uma risadinha sonolenta que teria me deixado irritada se não fosse tão adorável — Pare de rir de mim, !
— Ok, ok. Não estou rindo, prometo. — ele me abraçou e limpou as minhas lágrimas — Eu amo você. Está tudo bem. — disse ele, dando um beijo na minha testa em seguida.
Era verdade e eu sabia, e por ora era tudo o que eu precisava. Eu me aninhei nos braços dele pelo tempo que ainda podia antes de ter que levantar.
Depois de um dia estressante e cheio de trabalho, qualquer pessoa poderia achar que a melhor maneira de relaxar seria uma banheira com sais de banho e pétalas de rosas ou um estúdio de massagem tailandesa da Quinta Avenida. Mas para mim, naquele dia específico, era no O’Neills com meus amigos.
Talvez fosse o fato de eu estar estranhamente sensível nos últimos dias, já que eu não me lembrava de gostar tanto assim deles. Certo, eu estou obviamente brincando. Aqueles idiotas significavam tudo para mim.
— Eu acabei de pensar em uma coisa — falou, erguendo a mão do braço que não estava ao redor dos ombros de .
— Ah, não — murmurou.
— Não, isso é importante — insistiu — Agora que vocês dois estão oficialmente juntos, todas as vezes em que nós saímos vamos estar em encontros duplos? Porque isso é meio cafona e idiota.
Eu, e nos entreolhamos.
— Bem, se isso incomoda você, nós poderíamos arranjar outros amigos — disse, irônica.
— Ah, não — reclamei, apoiando o rosto nas mãos com os cotovelos em cima da mesa — Vocês são as únicas pessoas que eu consigo aguentar por muito tempo. Vai me forçar a ter que fazer outras amizades, ?
Ele deu de ombros.
— Foi só um pensamento — em seguida, deu um gole na sua garrafa de cerveja. Então, ergueu as sobrancelhas e me encarou — Só eu percebi que há alguma coisa errada com a ?
Ao meu lado, senti se movendo, como se o pensamento de algo estar errado comigo o fizesse ficar atento.
— O que foi, love? — ele franziu o cenho, preocupado, colocando a mão nas minhas costas — É verdade, você não está comendo nada.
— E mais importante do que isso — apontou — ela não está bebendo nada.
Revirei os olhos.
— Muito engraçado. Eu só estou sentindo gastrite, não é nada demais.
pareceu apavorado.
— Nós deveríamos ir para casa. Ou para um hospital!
Sorri fraco. Eu gostava da forma como ele dizia casa, sem especificar o seu apartamento ou o meu. Como se estivéssemos morando juntos de novo. Ou simplesmente como se qualquer um dos lugares em que ficássemos juntos significasse casa.
— Não precisa se preocupar, querido — eu disse a ele, tocando em seu rosto e fazendo carinho em sua barba com as pontas dos dedos — É só que eu trabalhei demais hoje, não tive tempo de fazer nenhuma refeição que não fosse café preto. Além disso, quero ficar com vocês. — encostei a cabeça no ombro dele.
Senti vontade de chorar de novo. Meu Deus do céu, qual era a porcaria do meu problema? Talvez eu devesse mudar de anticoncepcional, nunca havia me sentido assim em uma TPM. Precisava lembrar de falar isso para a minha ginecologista.
Percebi que estava me observando com uma expressão esquisita, mas só durou alguns segundos antes de o rosto dela se acender para falar:
— Bem, vocês já sabem da festa do Times esse fim de semana. Espero que não tenham se esquecido e feito outros planos, pois vou matá-los com minhas próprias mãos se não forem — ela disse essas palavras sorrindo, o que foi um tanto assustador.
— Pare, você está me excitando — provocou, e ela deu um soquinho no braço dele — Eles já vão apresentar você como a nova editora?
— Não! — ela exclamou, os olhos arregalados — Mas, já que tocou nesse assunto, está rolando uma especulação sobre isso. Por favor, não comentem nada. Pelo menos não até o Davis decidir fazer algum anúncio oficial.
Fiz um muxoxo.
— Está dizendo que eu tenho que me desfazer do banner gigante que fiz com sua foto escrito “estamos orgulhosos de você, ”? — perguntei.
estreitou os olhos na minha direção.
— Droga, eu nunca sei quando você está sendo sarcástica ou não.
— É um dom — eu sorri — Mas é claro que não iríamos perder esse momento por nada no mundo, querida. A propósito, já comprou seu vestido? Quero sair para comprar um novo esses dias, meu tubinho preto está apertado, acho que engordei.
Ela me olhou desconfiada.
— Há-há, muito engraçado. Você só está falando isso para me fazer sentir melhor — disse ela, o que em todos os sentidos não era verdade, antes de dar uma mordida no seu hambúrguer — Mas sim, eu adoraria ir às compras com você.
piscou, como se tivesse acabado de se lembrar de alguma coisa.
— Na verdade, eu também preciso…
— Ah não, cara — fez uma careta — Não me diga que vai me chamar para comprar vestidos com você.
xingou ele, rindo, enquanto eu e caímos na gargalhada.
— Você já esteve lá antes? — perguntei, enquanto colocava meus brincos — No Ritz?
O evento do New York Times seria no Ritz-Carlton do Central Park, porque é claro que o mínimo que eles poderiam fazer era em um dos lugares mais luxuosos da cidade. Olhei para pelo reflexo do espelho. Ele estava colocando as abotoaduras.
— Não — respondeu ele — Na verdade, nem lembro a última vez em que coloquei um terno. — brincou.
Semicerrei os olhos para ele e me levantei. Chequei o meu vestido no espelho, de cetim azul escuro que caía levemente pelo meu corpo até os pés, e o penteado de cachos caindo por cima de um ombro só combinou com as costas nuas. Fui até e fiz o nó de sua gravata borboleta que estava pendurada no pescoço.
— Agora sim — falei.
Ele deu um sorriso bobo.
— Obrigado — e se inclinou para me dar um selinho, que virou dois, três, que virou um beijo de verdade e eu já estava com os braços ao redor do pescoço dele, sentindo como se estivesse flutuando, minha mente se desligando de qualquer coisa que não fosse ele até que…
— Deveríamos parar — falei, e ele fez uma carinha triste adorável que me fez dar uma risadinha, deslizando as mãos pelos ombros dele, descendo pelos braços torneados pela camiseta.
— Deveríamos fazer algo diferente hoje à noite — sugeriu ele — Deveríamos ficar no Ritz. Em alguma suíte chique com vista para o parque.
Aquilo foi o suficiente para me derreter, e embora o meu lado consumista estivesse morrendo de vontade de dizer sim, tive que pensar como uma adulta responsável e mordi o lábio.
— Querido, não precisa. Vai ser um gasto de mais de mil dólares… não precisamos disso.
— Então por que você não parece nem um pouco convencida? — ele franziu a testa e eu fiz cara feia. riu. — Ah, por favor, me deixe fazer uma coisa legal por você.
Olhei para ele, maravilhada. Será que ele realmente não sabia? não fazia ideia de que a melhor parte de todos os meus dias era por causa dele?
Nós pegamos nossas coisas para sair. Ele estava usando um terno azul, o que fazia minhas pernas ficarem meio bambas, mas pelo menos teria ele para me segurar. E além de que seríamos o casal mais atraente na festa, também estaríamos combinando.
Eu não pensei que poderia haver tanta gente em um evento sofisticado daqueles, mas havia. E muita imprensa, também, o que chegava a ser engraçado, considerando que era a festa para o editor de um jornal… é, não tinha graça. É claro que Davis Monterrey já estava aproveitando a oportunidade para introduzir aos holofotes, mesmo que o seu plano de torná-la sua sucessora por enquanto fosse uma informação que só nós tínhamos.
Ela estava tão linda. Estava parecendo um raio de sol, e eu estava tão orgulhosa. estava usando Gucci, um vestido escolhido por mim, com um tecido fino cor de coral com detalhes de flores costurados na gola e nas mangas. O cabelo estava preso em um coque frouxo, com alguns fios elegantemente soltos emoldurando seu rosto, e o rosto dela parecia brilhar – e não era só pelo iluminador. Seus olhos mostravam o quanto ela havia merecido aquilo tudo.
Eu a observei a certa distância enquanto ela, e o sr. e a sra. posavam para as câmeras. Era engraçado assisti-los, principalmente os pais, porque eles estavam fazendo umas poses muito engraçadas, como se fossem estrelas de cinema. estava completamente constrangido, o que quase me fez sentir pena dele.
— Ela está incrível, não é? — uma voz soou ao meu lado. Sorri ao olhar para , todo arrumado, com uma expressão de alguém que parecia estar prestes a explodir de tanto amor.
— Completamente — eu concordei, quase dando um gole na minha taça intocada de champanhe, mas parei antes para dizer — Ei, , olha só para nós. Sempre achamos que seríamos lobos solitários, quem diria que tudo o que precisávamos estava bem na nossa frente?
riu, balançando a cabeça para concordar.
— É. Estou muito feliz por nós termos finalmente erguido os olhos — ele deu um tapinha nas minhas costas — Vou ao bar, quer que eu pegue algo mais forte? — perguntou, apontando para a taça que eu tinha em mãos.
A verdade é que eu estava com muita fome e não tanto com sede, mas dei de ombros.
— Claro — respondi. Observei se esgueirando entre o amontoado de pessoas e depois voltei minha atenção para os . Não sei por exatamente quantos segundos eu fiquei sozinha até ouvir alguém falar atrás de mim:
— ?
Eu estava bebericando um pouco do champanhe, então, quando virei para ver quem estava me chamando, quase me engasguei.
Eu tossi e pisquei várias vezes, para me certificar de que não estava imaginando coisas.
Mesmo depois de ter tido o sonho mais longo da minha vida, no qual ela havia aparecido, eu não estava nem um pouco preparada para esse… reencontro.
— Kate — sussurrei, e então forcei um sorriso — Meu Deus!
Ela parecia igualmente surpresa, mas sem dúvida parecia mais animada do que eu quando abriu os braços e eu não tive nenhuma outra opção a não ser retribuir aquele abraço constrangedor.
Do turbilhão de coisas que se passaram pela minha cabeça naquele momento, o primeiro pensamento que consegui identificar foi: o cabelo dela estava castanho agora, e não mais loiro.
— Eu perguntaria o que você está fazendo aqui, mas já soube de — ela sorriu. Então, ela continuava sendo uma pessoa sorridente. Diferente da personagem infeliz do meu sonho.
— Bem, então acho que eu posso roubar a pergunta! — falei, rindo de nervoso.
— Ah! Esse é meu marido, Albert — ela esticou a mão para segurar a do homem de rabo de cavalo e cavanhaque que estava atrás dela. Ele sorriu e me cumprimentou com um aperto de mãos — Ele é fotógrafo e tem trabalhado para o Times há algum tempo. Mas, minha nossa, eu estou tão surpresa por te ver! Parece que faz…
— Uma vida inteira — eu completei — Na verdade, alguns meses atrás eu vi vocês andando pela rua com seus filhos – a propósito, meus parabéns por eles, mas estava com pressa e… — eu não fazia ideia de porquê havia acabado de contar aquilo para ela.
Kate arregalou os olhos.
— Jura? Onde?
— Ah, estávamos saindo do metrô, indo para a Kleinfeld para experimentar o vestido de noiva dela… — eu. Não. Conseguia. Parar. De falar!
— se casou? — os olhos dela estavam mais esbugalhados ainda.
— Humm… na verdade não, e agora ela está namorando com … quer saber de uma coisa? É muito bom encontrar você — eu disse, porque precisava redirecionar o rumo daquela conversa antes que acabasse contando todas as nossas vidas para alguém que era uma estranha.
Ela colocou as mãos sobre o coração, com uma cara estranhamente emocionada.
— E eu digo o mesmo, querida. É como se o universo… oh, meu Deus, olha só para o ! — Kate falou, quando finalmente o viu — Ele parece ótimo! Eu preciso ir cumprimentá-lo. Foi ótimo te ver, — ela se inclinou se deu um beijo de cada lado do meu rosto, estilo francês — Vamos, Alfred — ela puxou o marido para ir reencontrar e apresentar os dois.
Eu não consegui desviar o olhar, sentindo uma náusea forte e repentina. já não estava mais perto de , o que significava que ele provavelmente estava voltando para ficar comigo quando Kate tocou no ombro dele para fazê-lo se virar. A princípio, ele parecia ter visto um fantasma. Mas logo depois sua expressão se amenizou e ele sorriu e cumprimentou a ela e a Alfred educadamente, como o perfeito cavalheiro que era.
Nunca em um milhão de anos eu teria tido aquele tipo de reação se tivesse reencontrado depois de tanto tempo meu ex-noivo que me abandonou no dia do nosso casamento, mas essa era só uma das inúmeras diferenças entre e eu.
— Bu — surgiu do meu lado, me fazendo dar um sobressalto que causou em metade do champanhe da minha taça voando para o chão.
— Você quer me matar? — eu soltei um gritinho quase que estrangulado — Como você saiu de lá e agora apareceu aqui…
— Ei, calma! — ela riu — Eu só estava procurando e… — percebeu que eu estava concentrada em outra coisa e seguiu o meu olhar. — Céus. Não me diga que aquela é…
— Você sabe onde é o banheiro? — perguntei antes que ela concluísse a frase cuja resposta seria sim e agarrei a mão dela antes que ela respondesse a minha. Saí andando trazendo-a comigo e aparentemente eu estava indo na direção errada, pois gritou meu nome para fazer com que eu a ouvisse por cima de todas as vozes no salão, e então ela me guiou para o outro lado.
Chegamos ao banheiro. Nossa, até o banheiro do Ritz-Carlton era luxuoso de uma maneira que me fazia querer morar ali dentro.
— Certo — ela começou, se aproximando de mim — O que está acontecendo com você?
O que estava acontecendo comigo?
Eu estava hiperventilando?
— Por que ela teve que aparecer aqui? — eu soltei, começando a andar em círculos — Quer dizer, Nova York tem, tipo, oito milhões de habitantes, não é?
— Emy! Do que você está falando? — ela perguntou, soando desesperada.
Eu ia responder, mas fui interrompida. Por mim mesma. Ou pela vontade de vomitar, que não consegui controlar e me debrucei sobre a pia, colocando para fora tudo o que eu havia ingerido naquele dia.
— Pelo amor de Deus, quanto você bebeu? — correu até a porta de entrada do banheiro para se certificar de que ninguém iria entrar ali e tirou a taça de vidro que eu ainda estava segurando, acariciando minhas costas com a outra mão.
— Eu não estou bêbada — protestei, ligando a torneira para limpar minha bagunça e minha própria boca.
Naquele momento, eu não sabia se estava mais triste porque eu era a pessoa mais estúpida do mundo ou porque havia acabado de tirar meu batom Chanel.
Peguei alguns lenços de papel e olhei para . Estava com tanta vergonha.
— Desculpe — murmurei, derrotada — É que… como se lida com isso? Com seu atual e a ex dele interagindo?
pareceu surpresa.
— Como é? É por isso que você está assim?
— E o mais estranho é que, sabe, eu sou ciumenta, mas isso não parece com ciúmes — eu coloquei a mão sobre o peito, sentindo-me angustiada por não saber explicar.
riu suavemente, mas não por maldade.
— Querida, é porque não é ciúmes. Você está… com medo de perdê-lo.
Eu a encarei sem entender.
— E não deveria, porque mesmo que ela signifique uma parte grande do passado dele, e talvez o sonho doido que você teve tenha te deixado mais sensível ainda em relação a isso, mas nossa, fazem quase dez anos! E você é o presente de agora, . — ela colocou a mão sobre o meu ombro.
Provavelmente não consegui controlar a minha cara de choro, porque ela me prendeu em um abraço.
— Não fica assim, querida, eu não te julgo. Essa é a primeira vez que você está em um relacionamento sério desde… desde que eu te conheço, o que provavelmente significa a primeira vez na sua vida a não ser que você tenha escondido algo de mim todos esses anos.
Puxei o ar, respirando fundo, e o soltei rapidamente para me controlar. A máscara de cílios havia sido cara, eu não iria simplesmente desperdiçá-la à toa.
— Eu me sinto tão idiota, sabe — falei para ela — Eu sempre quis tanto a independência, a vida adulta, mas parece que todos cresceram e eu continuei sendo a infantil, que não sabe realmente lidar com os problemas como uma adulta.
O sorriso que ela deu me acalmou um pouco.
— É por isso que você me tem. Para guardarmos os segredos constrangedores uma da outra — ela olhou para trás rapidamente antes de se voltar para mim de novo — Mas agora devemos voltar lá para fora. Os garotos provavelmente iriam se perguntar aonde nós fomos.
Podia não parecer, mas eu amava Chinatown. Amava a arquitetura, amava a mistura dos cheiros (mesmo quando o resultado não era exatamente bom), amava as decorações exóticas e variadas. Até o fato de ouvir as pessoas falando em um idioma que eu não fazia ideia do que signifique, eu adorava. Era um dos muitos pequenos mundos dentro de Nova York.
Eu só não costumava frequentar muito a região, o que aumenta bastante as chances de me perder.
— Você já chegou? — ele perguntou, do outro lado da linha.
— Acabei de dizer que não! — bufei enquanto virava a esquina, segurando o celular no ouvido. — Onde você está?
— Perdido — respondeu — Afinal, não vou neste lugar há, o quê, quinze anos?
Eu sabia que ele não estava falando a verdade completamente. Sim, faziam quinze anos. Mas exatamente como eu, ele nunca havia se esquecido daquele lugar. Mesmo que eu não andasse muito por Chinatown.
Há alguns metros de distância, eu o vi, também segurando o celular. Meu irmão.
— Tia ! — Tessie gritou assim que me viu e soltou da mão de Sam para vir correndo na minha direção. Eu também corri na direção dela, abaixando-me a tempo de ela se atirar contra meus braços abertos.
— Meu anjinho! Eu estava morrendo de saudades! — eu disse a ela, apertando-a com força. Fiquei de pé com Tessie no colo.
— — Sam me cumprimentou, meneando a cabeça.
— Samuel — respondi, no mesmo tom que ele, e me virei para sua esposa, abrindo um sorriso — Leslie! Você está… — sem roupas de brechó vintage, pensei, o que era um bônus — ótima! — decidi dizer.
Ela sorriu também, parecendo não tão assustada quanto nas últimas vezes que nos vimos.
— Então… nós vamos… — Sam gesticulou na direção do restaurante com a mão que não estava segurando a de Leslie, depois a enfiou no bolso da calça. Ele era expert em disfarçar, mas eu podia ver que ele estava nervoso.
— Vamos entrar — disse eu, decidida.
Houve uma época da minha vida em que o Joy Luck era um dos meus restaurantes favoritos na cidade. Eles tinham os melhores dim sums, e faziam carinhas de bichinhos nos bolinhos de arroz. Eu podia lembrar o quanto Sam amava as guiozas de lá, também. Comprimi os lábios, invadida pela nostalgia ao olhar para aquela fachada. Então, entramos.
Papai e Elaine já estavam lá.
Nós fomos até eles, logo sendo anunciados por Tess gritando “vovô!” e agitando os bracinhos, e enquanto íamos eu secretamente ia me desfazendo de todas as ligações com o passado – tanto o passado dele conosco quanto sem nós. Era hora de começarmos novas lembranças, talvez ainda melhores. E, eu percebi, não havia nada de errado em Elaine fazer parte delas.
Eu mal tive como cumprimentar meu pai, porque Tessie praticamente se jogou para o colo dele (é, talvez isso tenha me deixado com um pouco de ciúmes), então fui até Elaine e lhe dei um abraço. Mesmo que tenha sido rápido e um pouco desajeitado (da minha parte), eu consegui ver o quanto aquilo iluminou o rosto dela.
— E aí, pai? — Sam perguntou, quando já estávamos todos sentados à mesa — Já recebeu alta da fisioterapia?
— Ah, sim — ele respondeu, com um sorriso — Estou tendo que levar um ritmo bem mais lento agora, mas não acho que seja uma coisa ruim.
— Não é mesmo — eu comentei — Então, suponho que você não vai mais estar dirigindo caminhões por um bom tempo, sim?
Ele e Elaine acharam graça.
— Não, suponho que não — meu pai respondeu. Ele tomou um gole de água e, observando-o, eu percebi que ele deveria estar tão nervoso quanto nós. Ou mais. A tensão era palpável entre nós, e acho que até vi Leslie de olhos arregalados. — Bem, vocês devem estar se perguntando por que os convidei… especialmente aqui. Esse lugar… nós temos uma história com ele.
Ficamos em silêncio, encarando-o. A única que não estava presa naquele momento era Tessie, brincando distraidamente com os saleiros da mesa.
— Achei que seria o local ideal para recomeçarmos. Como uma família. — disse ele. — E eu sei que sua mãe deveria estar aqui, eu queria que ela estivesse, mas não consegui falar… — ele adicionou, nervoso, e começou a se embaralhar com as palavras.
Aquilo não era algo que se via todo dia.
— Está bem, pai — eu falei, colocando a mão por cima da dele, que estava tremendo — Nós entendemos.
E por nós entendemos, eu quis dizer tudo. Tudo mesmo.
Nós jantamos e conversamos por horas, apesar de ter sido um clima de conversa… peculiar. Era como se de fato nós estivéssemos recomeçando do zero, nos conhecendo de novo. Falar sobre mim nunca havia sido um problema, mas no fim da noite, eu estava exausta. Talvez porque não fosse só falar, simplesmente. Tinha toda uma questão emocional envolvida.
Depois de nos despedirmos, todos foram embora, menos eu. Continuei no local quase vazio, alternando o olhar entre o celular e o lado de fora do restaurante. Quando o carro de apareceu, segurei minha bolsa, fiquei de pé e fui até ele.
— Você realmente não precisava ter vindo — eu falei, entrando para sentar no banco do passageiro.
— Não foi nada — ele disse — E você sabe quanto teria que andar até chegar em uma estação de metrô?
— Sei — eu ri, me inclinando para dar um beijo no rosto dele — Acho que ainda não estou acostumada com o quanto você consegue ser fofo. Mesmo depois de todos esses anos.
— Eu não sou fofo! É perigoso! — ele protestou, sendo fofo, e eu tive que apertar as bochechas dele para forçá-lo a fazer um biquinho — Emy!
Eu caí na gargalhada e o soltei.
— Tudo bem, tudo bem, vou parar de ser implicante — falei.
— Como foi o jantar? — perguntou, começando a dirigir.
— Foi bom.
— E como você está?
— Você me julgaria se eu dissesse que estou com vontade de chorar? — perguntei.
franziu a testa, olhando para mim.
— Talvez julgaria um pouquinho — ele riu — Estou brincando. Eu imaginei. E entendo.
Sim, ele entendia. Eu sabia. E era um dos milhões de motivos para eu amá-lo.
— A propósito, eu estava pensando em fazermos algo diferente hoje à noite — falou.
— Ooh — eu cantarolei, animada, arrastando as unhas pela coxa dele — Isso quer dizer que…
— Ahn — ele pigarreou — eu havia pensado em karaokê, na verdade, mas se preferir nós podemos ir para casa.
— Qual a ligação dos com karaokê? — eu perguntei, surpresa, mas rindo — Aqui em Chinatown? — quis saber, e ele balançou a cabeça para dizer sim — Mas não tocam, tipo, só músicas k-pop?
Ele riu alto.
— Love, acho que você acabou de fazer uma mistura nos países da Ásia. Mas, não se preocupe. Eu conheço um lugar e as músicas são na nossa língua.
Acabamos em um lounge que era, na verdade, bastante legal e luxuoso. segurou minha mão, guiando-me para dentro e internamente eu não estava acreditando que iríamos mesmo fazer aquilo. Quer dizer, eu não iria mesmo, definitivamente não. Restava saber se eu estava namorando um doido. Ele foi até o bar e pediu duas tequilas.
— Pensando bem, vou ter que ficar muito bêbado para fazer isso — disse ele, tomando o shot de uma vez.
— Pois fique à vontade — falei, empurrando a dose que seria para mim na direção dele — Eu vou ficar muito sóbria para filmar tudo.
me olhou, estupefato.
— Ah, não! Você não pode me abandonar nessa! Estamos fazendo isso juntos!
— Não estamos não — retruquei, rindo — Mas se quiser ir, saiba que vai ter uma tiete aqui embaixo.
Ele estreitou os olhos para mim, pegou a outra dose de tequila e a tomou em um gole antes de sair andando na direção do palco.
— Não acredito! — eu dei um gritinho, colocando as mãos sobre a boca por uns segundos antes de tirar o celular da bolsa e abrir a câmera imediatamente.
Vi conversar com algumas pessoas antes de eles lhe darem um microfone e, então, ele subiu no palco. Eu não conseguia parar de rir. Percebi que vários olhares haviam se voltado para ele porque, óbvio, ele era maravilhoso, talvez o homem mais bonito que tivesse passado por ali aquela noite. E quanto a introdução de Pretty Woman começou a tocar, vários gritos femininos ecoaram no salão. Eu, inclusive, fui uma delas.
— Pretty woman, walkin’ down the street, pretty woman, the kind I like to meet — ele começou, andando pelo palco, mas olhando na minha direção.
Senti que meu rosto estava vermelho, queimando. Que tinha uma voz bonita quando cantava, como um anjo, eu já sabia.
Eu só não sabia que ele também sabia performar.
Ou talvez ele só estivesse tentando me impressionar. E, céus, ele havia conseguido completamente.
— I don’t believe you, you’re not the truth, no one could look as good as you — ele cantou — Mercy!
Eu ri alto enquanto filmava e as mulheres iam à loucura. Ele estava fazendo uns movimentos de dança muito ridículos e ao mesmo tempo muito sexy que eu tinha certeza que Roy Orbison não faria.
— Nossa, quem é esse esquisito? — ouvi uma voz dizendo atrás de mim.
Me virei imediatamente, com cara de brava. Meu instinto protetor havia sido mais forte do que eu.
— É o meu esquisito — disse eu, e voltei a olhar para o palco, curtindo e fazendo o jus de maior e mais apaixonada fã.
Eu e andamos tanto que ficamos exaustas. Mesmo assim, ainda era maravilhoso para mim quando saíamos juntas, e sempre seria um dos meus passatempos favoritos.
— Nossa, eu tenho me sentido tão sem energia ultimamente — falei, desabando na cadeira da charmosa cafeteria em Nolita, deixando os montes de sacolas no chão ao meu lado — Não que fazer compras seja exatamente um esporte radical, mas essa já foi a minha atividade aeróbica de hoje.
pegou o menu que estava na mesa.
— Posso ligar para e chamá-lo para nos levar de carro. Só preciso de um chá gelado antes. — disse ela enquanto lia.
Soltei uma risadinha. Ela ergueu os olhos para mim.
— O que foi? — quis saber.
— Ah, nada. É que vocês dois são tão adoráveis… — comecei, e ela revirou os olhos, mas suas bochechas ficando vermelhas a denunciavam — É sério! Parecem um casal de velhos casados. Na verdade, sempre pareceram, isso sempre esteve tão óbvio que não sei como nenhum de nós nunca percebeu.
— Ah, é? Mas e você e , hein? — ela ergueu as sobrancelhas e eu dei um sorrisinho, gesticulando para que ela parasse — Vocês sim estavam óbvios de que pertenciam um ao outro. Sabe, realmente teve uma época em que eu achei que vocês não iriam ficar juntos, o que parecia ridículo demais para aceitar e… Emy?
Provavelmente foi a careta que eu fiz que a interrompeu. Senti uma sensação de queimação no estômago, e sabia que iria vomitar, mas eu odiava vomitar e aquilo me desesperou então tapei a boca e o nariz com a mão, tentando concentrar-me na minha respiração para controlar a náusea.
— Querida, o que foi? — ela arregalou os olhos e trouxe a cadeira dela para mais perto de mim, colocando as mãos nas minhas costas.
— Acho que estou doente — confessei, ainda com a mão sobre o rosto — Espero que seja só uma gastrite e não nada mais grave — engoli em seco, e engolindo junto a vontade de chorar. Odiava ficar doente e, sim, já tinham se passado alguns cenários bem dramáticos pela minha cabeça onde eu na verdade estava com uma doença terminal e só teria mais três meses de vida, mas não era hora para ser paranóica. Tirei a mão da cara e imediatamente uma lufada de ar trouxe o cheiro – ou melhor, o fedor de atum — Pelo amor de Deus! Estão vendendo atum podre aqui?
A mulher ao nosso lado, que estava comendo um sanduíche de atum, olhou para mim apavorada.
— Desculpe, querida. É que cheiro de atum sempre me dá náusea — sorri para ela educadamente antes de me voltar para , que estava me olhando desconfiada.
— Isso não é verdade.
— O quê? — perguntei, sentindo meus cabelos grudando na minha testa e nuca suadas.
Provavelmente eu deveria estar pálida e, meu Deus, eu iria desmaiar se não saísse daquele lugar com fedor de peixe.
cruzou os braços e se encostou na cadeira, me encarando.
— ? Quais as chances de você estar grávida?
Eu não estava comendo nada, ainda bem, senão teria me engasgado ou cuspido na cara dela.
— Eu não estou grávida, você sabe que eu tomo anticoncepcional. — respondi.
— E daí? Não é como se pílulas fossem cem por cento seguras. Como está sua menstruação? — ela questionou.
Minha boca ficou seca. Atrasada, era a resposta, o que eu já estava ignorando há um tempo acreditando que a qualquer momento poderia vir.
— Minha menstruação é desregulada. É por isso que eu vou à ginecologista…
— ! Você está muito grávida! — exclamou, alto demais até, na minha opinião — Você tem estado estranha e eu observei isso. Por um tempo estava comendo muito, ainda mais que o normal, depois parou de comer por causa desses enjoos estranhos. Você chora o tempo todo e não está bebendo… talvez seja o seu instinto de mãe que você nem sabia que existia dizendo que você não pode beber!
Adivinhe só.
Eu havia começado a chorar.
— Pare de dizer essas coisas — ordenei, num sussurro — Pare de me assustar.
— Meu amor! — ela fez bico, parecendo incrivelmente culpada enquanto limpava as lágrimas do meu rosto. Eu estava soluçando. Merda. Não conseguia parar. — Você sabe que eu posso estar errada, não é? Por que não faz um teste só para garantir, aí você pode esfregar na minha cara que você estava certa o tempo todo?
Balancei a cabeça, desesperada. Ótimo, agora eu também não conseguia respirar. Parecia que eu ia ter um ataque de pânico. Ou morrer.
— Emy, dando positivo ou negativo, você precisa saber — disse, séria, apesar do tom de voz suave — E eu vou estar do seu lado o tempo todo, afinal sou eu quem pode ser titia… — eu comecei a chorar mais alto e as pessoas ao redor começaram a olhar — Desculpe!
Eu não queria mais ouvi-la. Eu só queria ir para casa, trancar a porta do meu quarto e ficar lá dentro até sumir. Eu poderia bater em por ela ter me deixado daquele jeito, mas eu não conseguia reagir e, quando percebi, ela já estava me fazendo levantar da cadeira, pegando nossas sacolas e me arrastando.
— Vamos, tem uma drogaria muito legal aqui perto, na Quinta Avenida. Você vai gostar. O design de interiores dela é muito bonito — falou ela enquanto andávamos apressadas. Só poderia descrever o design de interiores de uma drogaria como bonito.
Como se eu não tivesse vontade própria, eu a segui, andando de mãos dadas com ela.
Quando chegamos na frente do estabelecimento, congelei só ao olhar pela vitrine. O que era aquilo, eles estavam fazendo promoção de teste de gravidez ou algo assim? Não consegui mais me mexer, e me deixou ali na frente, congelada. Pelo menos o inverno já tinha passado, e apesar de tudo o que estava acontecendo naquele momento virar uma estátua em uma tarde de primavera era menos pior, eu acho.
— Vocês têm um banheiro? — perguntou do rapaz no caixa, ele confirmou e apontou a direção onde ficava. Ela olhou para os lados, achando que eu estava ali, e quando viu onde eu realmente estava, ela veio marchando de cara feia na minha direção. — O que está fazendo aí? Anda!
Eu obviamente não respondi, então me arrastou novamente. Ela nos trancou dentro do cubículo, abriu o teste e o estendeu para mim.
— Faça xixi!
Olhei para ela, horrorizada.
— Não é assim que as coisas funcionam! Eu nem estou com vontade! Nossa, eu nem acredito que nós estamos tendo essa conversa, para começar.
Ela saiu e me deixou sozinha no banheiro. Eu fiquei parada, sem saber o que fazer, e quando ela voltou, tinha comprado um Gatorade.
— Beba — falou ela — E depois faça xixi.
Talvez tivesse ficado louca de vez. Ou talvez eu é quem tivesse, porque respondi:
— Bem, eu não vou fazer com você me olhando!
Não conseguia acreditar que ela realmente havia me convencido a fazer aquilo. E, enquanto fazia, não conseguia acreditar em mim mesma. Só queria que desse negativo para que eu pudesse me esquecer daquilo, ao mesmo tempo em que não conseguia me concentrar em nada além da sensação de que iria desmaiar.
— Quanto tempo espero? — perguntei, apressada. Acho que eu estava tendo um ataque de pânico.
— Cinco minutos — respondeu depois de ler na caixa, mordendo a unha do dedo polegar.
Enquanto ela cronometrava eu estava segurando o teste, e enquanto faltavam alguns segundos para os cinco minutos eu o larguei na pia, sem coragem de olhar, e desabei novamente.
Escondi o rosto nas mãos. Me senti sufocada.
— ! Você precisa ver!
— N-n-não — balancei a cabeça e cambaleei. me segurou pelos ombros enquanto eu tentava normalizar minha respiração — Isso n-não foi uma b-boa ideia. Vamos esquecer e ir embora…
— Do que você tem tanto medo? — ela perguntou, baixinho, mas me encarando intensamente, e eu sentia que podia ver minha alma nos olhos dela naquele momento, e não estou sendo dramática — Ter você e ter filhos é tudo o que sempre quis. As duas coisas juntas… ele provavelmente vai ter um infarto de felicidade.
— Isso não é normal, ! — praticamente gritei e abracei meu próprio corpo. Eu estava tão assustada que teria sido patético, se eu não estivesse nervosa demais para me julgar como patética — Nós acabamos de ficar juntos! É muito cedo, isso não acontece com casais normais!
Ela respirou fundo enquanto afagava meus cabelos.
— Posso dizer a verdade? — perguntou, e eu balancei a cabeça para dizer que sim — Eu acho que você e meu irmão já estão juntos há muito tempo, e sei que você também se sente assim. Vocês se amam há apenas vinte anos — ergueu as sobrancelhas, me fazendo rir um pouco — E apesar de fazerem poucos meses em que você descobriu que o amava de outra maneira, fala sério, , acha mesmo que vocês são um casal normal? Só porque estão namorando, vão fazer as mesmas coisas que outros casais que acabaram de ficar juntos fazem, tipo, se conhecerem? Você já sabe tudo o que é possível saber sobre e vice-versa. Você se imagina estando com qualquer pessoa que não seja ele, no futuro?
Balancei a cabeça para dizer que não.
— Então talvez seja a hora de finalmente pularem para o felizes para sempre — sorriu.
Lembrei que eu mesma havia pensado naquilo que ela havia acabado de dizer, há um tempo atrás. Mas eu realmente não imaginava que poderia significar aquilo.
Cuidado com o que você deseja.
— E você sabe que também pode escolher não ter o bebê, se realmente houver um bebê — ela acrescentou.
Sim, eu sabia. Mas sabia que eu não faria essa escolha, principalmente sendo de …
Prendi a respiração. Tirei o teste da pia.
Abaixei-me na frente da porta para pegar a chave que estava debaixo do tapete da entrada. Pode-se dizer que isso é tão clichê que ninguém pensaria nisso além de , já que eu poderia misteriosamente aparecer no apartamento dele e ele ainda não havia me convencido a ter a minha própria chave.
Eu me preparei para chegar uns vinte minutos antes dele, e consegui. Achei que teria um tempo para preparar um jantar especial ou algo assim – o que, claramente, eu não fiz.
Trouxe hambúrgueres. Meu plano era comprar sushi no nosso restaurante japonês favorito, mas assim que entrei no local o cheiro quase me matou.
Fiquei imaginando como seriam os próximos meses sem sushi.
Deixei as sacolas sobre a mesa de centro e sentei com as pernas cruzadas por cima do sofá. Até liguei a TV, tentando me distrair para fazer o tempo passar mais rápido enquanto não chegava. Ele certamente levou mais do que vinte minutos.
— Você é um colírio para os meus olhos cansados — disse ele ao abrir a porta, e realmente parecia cansado, o que me fez sentir pena dele. Mas era . Mesmo com os olhos fundos e inchados debaixo dos óculos, ele continuava absurdamente lindo.
— Já disse que você parece um velhinho quando usa óculos? Mas muito atraente — observei, sorrindo, e ele pendurou o casaco antes de vir até mim e se inclinar na minha direção para me beijar. Eu quase não o larguei, só o fiz para que ele se sentasse ao meu lado.
— Não sabia que iria ficar aqui hoje — falou, fazendo carinho na minha bochecha.
— Está reclamando, ?
— Nunca — ele sorriu.
— Eu trouxe hambúrgueres — gesticulei para a mesa e ele se animou, estendendo a mão para pegar. Eu o impedi dando um tapa em seu braço. — Espere.
franziu a testa, mas afastou a mão.
— Tenho uma coisa para você — disse eu.
Segurei a outra sacola, a que estava do lado dos hambúrgueres.
— Ooh — ele falou, animado — Qual a ocasião?
— Só abra — tirei a caixa de dentro da sacola e lhe entreguei.
parecia estar achando aquilo tudo muito divertido até tirar a tampa da caixa.
O rosto dele ficou sem cor e ele não se mexeu. Congelado, olhando para o que estava lá dentro.
— É muito cedo para saber se é menino ou menina então não tinha certeza se deveria comprar rosa ou azul, eu sei que cores não têm gênero, mas o branco parecia tão… — parei de falar quando tirou o par de sapatinhos brancos da caixa, tão pequeninos que os dois cabiam em sua mão — … lindo — completei.
Ele não falou nada. Continuou encarando os sapatinhos na palma de sua mão, a boca um pouco aberta, a expressão de completo estado de choque.
— Então, eu pensei em algumas coisas — continuei, já que ele não falou nada e eu estava nervosa demais para ficar quieta — Primeiro, eu vou voltar a morar com você. Acho que é o certo, não é? Quero dizer, eu posso ter enjoos ou ataques ou alguma doença e preciso que você esteja por perto, e é claro que nós dois precisaremos criá-lo juntos mas eu não posso me desfazer do meu apartamento, sabe? Eu vou continuar com ele e ir lá algumas vezes na semana para trabalhar ou algo assim, tipo a Carrie no filme de Sex and The City…
— Love? — me chamou. Parei de falar, percebendo que estava com falta de ar porque não havia respirado entre as palavras. Percebi também que os olhos dele estavam cheios de água, e quando ele piscou, as lágrimas escorreram pelo seu rosto. — O que… o que…
Eu estava me controlando ao máximo para não chorar. Havia prometido para mim mesma antes de entrar ali que precisava ser mais forte, mas ver daquele jeito, completamente frágil e vulnerável para mim, acabou comigo.
— O que você acha? — eu encolhi os ombros e ri, comprimindo os lábios para prender as lágrimas.
Quando eu pensava em grávidas, automaticamente pensava em uma barriga enorme e tornozelos inchados, coisa assim. Mas agora eu sabia que, mesmo que essa fase fosse chegar, não era isso que significava. Eu nunca havia imaginado que algum dia eu ficaria grávida, teria filhos. Mas a coisa mais estranha aconteceu quando vi o sinal de positivo no teste.
Percebi que havia algo completamente diferente em mim. Eu estava verdadeiramente, loucamente e profundamente amando uma pessoa que eu nem sabia que existia até aquele momento.
Eu estava assustada para cacete e de certa forma perdida, sem nem saber mais quem eu era. Mas nada disso importava assim que eu pensava no bebê.
— Você está bem? — perguntei, colocando a mão no braço de — Eu sei que é uma coisa completamente inesperada e talvez não seja a melhor hora, mas eu não quero que você se sinta sozinho nisso, está bem? Quer dizer, eu sei que não sou exatamente a pessoa mais maternal e não sou preparada, mas eu vou aprender…
— Nós deveríamos pesquisar hospitais — disse — E hotéis. Ou alugar uma casa? Meu Deus — ele começou a soar meio apavorado — Também temos que procurar voos, passagens…
— ! Do que você está falando? — perguntei, desesperada. Ele estava começando a me assustar.
Ele olhou para mim. Seu rosto estava vermelho por conta do choro.
— Acha que eles ainda podem aceitar você? Por um semestre, ou pelo menos um curso de verão?
— Do que diabos você está falando?
— Paris!
Eu o encarei, confusa. Não estava entendendo nada. E estava com vontade de vomitar de novo.
— Amor, já fazem meses desde que recusei a proposta e eles nunca mais entraram em contato comigo — falei — Mas por que você está falando disso?
respirou fundo. Assim como eu, ele parecia estar tendo dificuldades para isso. Mas ele segurou as minhas mãos e, encarando-me, abriu o sorriso mais lindo de todos os tempos.
— É que… você acabou de realizar o meu maior sonho. Eu queria poder… eu queria poder retribuir, poder fazer você se sentir tão feliz quanto eu estou nesse momento… Mas eu não sei se isso é possível, porque, céus, , eu te amo tanto — a voz dele falhou quando as lágrimas voltaram e eu me atirei no colo dele, com os braços em volta do seu pescoço, abraçando-o com tanta força que eu poderia esmagá-lo se ele não fosse tão mais forte do que eu.
— Para — falei, soluçando — Eu já disse para você que eu não preciso disso, e eu estou feliz, muito, muito feliz — me afastei para colocar as mãos em seu rosto, encostando a testa na dele e sentindo sua barba roçando em minha pele enquanto nossas respirações se misturavam — Você está feliz?
— Sinto como se o meu coração fosse explodir… no bom sentido — ele respondeu e nós rimos e nos beijamos de novo, mas dessa vez foi diferente de todos os outros beijos. Não era só por ter os lábios macios dele nos meus, estimulando todos os tipos de sensações no meu corpo enquanto ele me tocava como só ele sabia fazer.
Mas era porque eu me sentia segura e destemida e como se eu pudesse fazer qualquer coisa.
— Eu estava falando sério, a propósito — ele sussurrou.
— O quê? — pisquei, atônita e um pouco atônita por causa do beijo e de tudo mais que estava acontecendo. Quando sua vida muda drasticamente de uma hora para outra, isso é normal, eu acho.
ainda mantinha um braço firme em volta de mim, me segurando em seu colo. Com a outra mão ele tirou os sapatinhos de cima do sofá e, sorrindo orgulhoso, os colocou de volta na caixa.
— Paris — ele disse — Se você quiser, eu estou dentro.
Epílogo
Dois anos (e alguns meses) depois
Era uma cerimônia sagrada, eu precisava ficar séria. Mas toda vez que eu erguia os olhos para , na minha frente, ele fazia alguma gracinha ou careta e eu sentia vontade de rir, então me concentrei no ministro à nossa frente, que lia o seu sermão e falava sobre a importância do amor e do casamento.
Nem acreditava que haviam mesmo me convencido a colocar aquele vestido e carregar aquele buquê de flores. Na verdade, não que a minha mãe fosse muito persuasiva, mas eu sabia que ela iria ficar magoada para sempre caso eu não usasse, já que quando fomos experimentar ela ficou com os olhos cheios d’água ao me ver vestida. E, sim, eu tentei fugir. Mas me trancou no quarto, fez a minha maquiagem e me fez entrar no carro como uma mamãe mandona. O que era bem conveniente, já que ela estava grávida de sete meses e a barriga dela estava bem maior do que a minha ficou.
Descobri que não conseguia me concentrar no homem realizando a cerimônia por muito tempo e logo voltei a olhar para na minha frente. Ele era tão lindo. Nossa, como eu era sortuda. Ele não fez gracinhas dessa vez, apenas sorriu e ergueu as sobrancelhas, fazendo um gesto para que eu olhasse. A cerimônia já estava acabando! Era a parte mais importante!
— E você, Troy McLean, aceita esta mulher como sua legítima esposa… de novo? — o ministro perguntou.
— Eu aceito! — Troy respondeu animadamente, e minha mãe colocou a aliança no dedo dele.
— Eu vos declaro marido e mulher… pelo 12º ano! Pode beijar a noiva! — o homem anuncia.
assoviou bem alto e começou a bater palmas, enquanto eu, e – os quatro padrinhos – demos gritinhos e aplaudimos junto com os convidados.
Só a minha mãe teria uma ideia tão extravagante de como celebrar o seu aniversário de casamento. Mas se ela queria uma nova cerimônia, e se queria que todos nós participássemos, nós tínhamos que obedecer. Afinal, é o dia da noiva, e é ela quem manda.
No meio da festa, vi meu pai dançando. E a garota com quem ele estava dançando, eu podia afirmar, era a mais linda do lugar. A mais linda do mundo, eu ousaria dizer.
Cher nasceu em uma noite de tempestade em Nova York, talvez porque Deus tenha mandado os raios e trovões para tentar disfarçar os gritos que eu dei. Algumas enfermeiras disseram que nunca tinham visto uma grávida gritar tanto antes, o que me fez me sentir um pouco especial. Eu estava furiosa, suada, com dor, queria chutar a cara do médico, queria chorar, queria comer. Foram os minutos mais excruciantes da minha vida. Pelo menos não desmaiou. desmaiou. o acordou com um tapa na cara.
Mas os minutos de dor valeram à pena. Valeram à pena demais. Quando eu a vi… parecia que o céu tinha se aberto e eu havia alcançado o paraíso. Eu não conseguia me concentrar em mais nada que não fosse ela. Acho que ouvi alguém dizendo no fundo que ela pesava três quilos e seiscentas gramas, o que era engraçado, porque a minha barriga tinha ficado imensa e por meses eu não conseguia enxergar meus pés. Como de uma barriga tão grande poderia ter saído uma coisinha tão pequena e delicada? As feições dela eram perfeitas. Nem parecia de verdade. Eu chorei muito na hora do parto, mas chorei mais ainda depois que a vi e percebi que eu havia dado a luz a uma criança tão perfeita.
E agora ela estava com dois anos. Tinha os meus cabelos e os olhos de . O meu nariz e os lábios dele. Amorosa como o pai, mas com o meu senso de humor – e eu achava que essa era a parte de qual eu mais me orgulhava.
Eu estava feliz por meu pai e minha mãe e Elaine serem amigos agora e ela tê-los convidado para sua cerimônia de aniversário de casamento. Para mim, era ótimo estarmos em paz. Para Cher, além do sr. e sra. , ela tinha mais dois avôs e duas avós.
— Estão se divertindo sem mim? — perguntei, me aproximando deles. Cher abriu um sorriso, disse “mamãe” e mais outras palavras no seu idioma de bebê que soavam como dadalalalapapa e eu ri. Meu pai me deu um beijo no rosto.
— Foi uma festa muito bonita. Sua mãe e as ideias dela…
Achei graça.
— Realmente. Você não se importa de ficar de babá? Se quiser, agora eu posso ficar com ela. — gesticulei para a minha filha.
Papai franziu a testa.
— Está brincando? Quero passar o máximo de tempo que eu posso com a minha belezura. Ela é igualzinha a você quando tinha essa idade. Mas ela é mais bonita. Sem ofensas.
Dei uma gargalhada.
— Não me ofendi, porque concordo.
Senti braços me segurando pela cintura, por trás, e não reagi, porque já estava tão familizariada com aquele toque que o teria reconhecido de olhos vendados. E com aquele perfume também, que senti quando recebi um beijo no pescoço.
— Posso roubá-la rapidamente, sr. ? — perguntou.
— Fique à vontade, garoto — meu pai respondeu, mais interessado em dançar com a netinha do que em nós. só me largou para dar um beijo na bochecha gordinha de Cher antes de segurar a minha mão para me levar. Eu vi os olhos dela brilhando ao vê-lo. Ela era louca pelo pai, e quem podia culpá-la?
Nós andamos de mãos dadas pelo parque que minha mãe havia escolhido para ter sua festa. Para uma cidade chata, pequena e pacata, aquele lugar era bem bonito, eu podia admitir.
— Imaginou que estaria de volta a Secaucus? — riu.
— Não tão cedo — revirei os olhos, encostando a cabeça no ombro dele — Mas pelo menos foi por uma boa causa.
Nos afastamos o suficiente da festa para ficarmos a sós, mas ainda dava para ouvir a música. Can’t Help Falling In Love.
Ah, Elvis.
— Dance comigo, — o homem britânico lindo disse na minha frente, com a voz rouca e o sotaque fazendo minhas pernas tremerem um pouco.
Fiz um muxoxo.
— Que saco, achei que a gente ia se pegar no meio das árvores.
Ele perdeu completamente a postura e riu alto.
— O que eu faço com você? — disse, ainda rindo.
— Eu tenho umas ideias… — dei um sorriso malicioso, mas me aproximei dele, com os braços ao redor do seu pescoço para dançarmos.
me conduziu lindamente ao ritmo da música. Eu corei um pouco, porque ele não parava de me encarar, e às vezes eu me sentia um pouco exposta quando ele fazia isso, porque eu sabia que só ele era capaz de ver – e ter – o meu coração. Ele sorriu de canto antes de aproximar o rosto do meu, eliminando a distância que havia entre nossos lábios, e nos beijamos lentamente. Entrelacei meus dedos em seus cabelos, sentindo as mãos apertando a minha cintura conforme o beijo ficava mais intenso, mais quente…
Então, ele se afastou.
— Ah… — eu reclamei, fazendo bico. E então me soltou. E então deu um passo para trás.
Eu franzi a testa, confusa.
E antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, ele se ajoelhou.
Senti o meu coração batendo tão forte que eu conseguia de fato ouvir as batidas.
— Eu sei que talvez você nunca vá me perdoar por fazer o pedido aqui, nessa cidade de fim de mundo — ele riu — e que provavelmente queria que fosse na fonte do Central Park ou no topo do Empire State, mas quando eu vi você na minha frente, com aquele vestido, mesmo que não fosse um vestido de noiva, e segurando o buquê enquanto o ministro falava… uau. Foi uma sensação surreal. E eu fiquei ansioso para o que eu sentiria quando realmente fosse a nossa vez.
Sabia que o choro estava vindo, então coloquei uma mão sobre a boca.
tirou a caixinha coberta de veludo vermelho de dentro do bolso do terno.
— Sorte a minha que eu tenho carregado isso comigo aonde quer que eu vá pelos últimos dois meses. Nos últimos dois meses eu planejei, esperei o momento perfeito, mas nunca dava certo, nunca parecia ser o momento perfeito. Eu não sou bom nessas coisas como você.
Isso me fez rir, mesmo que eu já estivesse chorando. Acho que ele estava falando sobre o nascimento de Cher, porque eu escolhi uma data para que ela nascesse, achando que teria uma cesariana – e de qualquer forma, minha bolsa estorou naquele dia, e tive um parto normal.
— , eu não preciso te dizer que eu te amo desde sempre e vou te amar para sempre. Eu passei seis meses na França por você, mas, honestamente, passaria o resto da vida em Marte se fosse preciso para fazer você feliz. Não existe… não existe um mundo para mim sem você.
Eu estava soluçando e tremendo. Que droga, inferno…
— Você quer…
— Quero! — eu falei, interrompendo-o — Mas será que você não poderia ter esperado a festa acabar? Agora todo mundo vai ficar olhando para a minha cara vermelha!
gargalhou e, depois, abriu a caixinha. O anel dourado rosé com a pedra cor de rosa era um absurdo de lindo e brilhava tanto e era tão…
— Você gostou? Me lembra você — ele disse.
Eu estava tão apaixonada que parecia que meu coração estava derretendo. Não consegui nem responder, apenas balancei a cabeça para dizer que sim, enquanto mordia o lábio contendo o sorriso.
Ele colocou o anel em meu dedo e eu nem tive tempo para admirar – aliás, eu teria todo o tempo do mundo para admirá-lo depois. Mas, por outro lado, sentia que eu precisava desesperadamente beijar naquele momento assim como eu precisava de ar, então não o deixei ficar de pé: eu coloquei as mãos nos ombros dele e o empurrei para o chão, indo por cima, o corpo dele entre as minhas pernas enquanto eu segurava o seu rosto.
— É aqui que você vai me matar? — ele perguntou.
— Sim. Porque não foi no topo do Empire State. — falei. Ele sorriu e eu também, e estávamos nos beijando vorazmente em seguida.
Às vezes, eu mal conseguia acreditar em como conseguia fazer tudo parecer ser perfeito, mesmo que fosse por minutos. Mas, naquele momento, eu me permiti acreditar.
Era uma cerimônia sagrada, eu precisava ficar séria. Mas toda vez que eu erguia os olhos para , na minha frente, ele fazia alguma gracinha ou careta e eu sentia vontade de rir, então me concentrei no ministro à nossa frente, que lia o seu sermão e falava sobre a importância do amor e do casamento.
Nem acreditava que haviam mesmo me convencido a colocar aquele vestido e carregar aquele buquê de flores. Na verdade, não que a minha mãe fosse muito persuasiva, mas eu sabia que ela iria ficar magoada para sempre caso eu não usasse, já que quando fomos experimentar ela ficou com os olhos cheios d’água ao me ver vestida. E, sim, eu tentei fugir. Mas me trancou no quarto, fez a minha maquiagem e me fez entrar no carro como uma mamãe mandona. O que era bem conveniente, já que ela estava grávida de sete meses e a barriga dela estava bem maior do que a minha ficou.
Descobri que não conseguia me concentrar no homem realizando a cerimônia por muito tempo e logo voltei a olhar para na minha frente. Ele era tão lindo. Nossa, como eu era sortuda. Ele não fez gracinhas dessa vez, apenas sorriu e ergueu as sobrancelhas, fazendo um gesto para que eu olhasse. A cerimônia já estava acabando! Era a parte mais importante!
— E você, Troy McLean, aceita esta mulher como sua legítima esposa… de novo? — o ministro perguntou.
— Eu aceito! — Troy respondeu animadamente, e minha mãe colocou a aliança no dedo dele.
— Eu vos declaro marido e mulher… pelo 12º ano! Pode beijar a noiva! — o homem anuncia.
assoviou bem alto e começou a bater palmas, enquanto eu, e – os quatro padrinhos – demos gritinhos e aplaudimos junto com os convidados.
Só a minha mãe teria uma ideia tão extravagante de como celebrar o seu aniversário de casamento. Mas se ela queria uma nova cerimônia, e se queria que todos nós participássemos, nós tínhamos que obedecer. Afinal, é o dia da noiva, e é ela quem manda.
No meio da festa, vi meu pai dançando. E a garota com quem ele estava dançando, eu podia afirmar, era a mais linda do lugar. A mais linda do mundo, eu ousaria dizer.
Cher nasceu em uma noite de tempestade em Nova York, talvez porque Deus tenha mandado os raios e trovões para tentar disfarçar os gritos que eu dei. Algumas enfermeiras disseram que nunca tinham visto uma grávida gritar tanto antes, o que me fez me sentir um pouco especial. Eu estava furiosa, suada, com dor, queria chutar a cara do médico, queria chorar, queria comer. Foram os minutos mais excruciantes da minha vida. Pelo menos não desmaiou. desmaiou. o acordou com um tapa na cara.
Mas os minutos de dor valeram à pena. Valeram à pena demais. Quando eu a vi… parecia que o céu tinha se aberto e eu havia alcançado o paraíso. Eu não conseguia me concentrar em mais nada que não fosse ela. Acho que ouvi alguém dizendo no fundo que ela pesava três quilos e seiscentas gramas, o que era engraçado, porque a minha barriga tinha ficado imensa e por meses eu não conseguia enxergar meus pés. Como de uma barriga tão grande poderia ter saído uma coisinha tão pequena e delicada? As feições dela eram perfeitas. Nem parecia de verdade. Eu chorei muito na hora do parto, mas chorei mais ainda depois que a vi e percebi que eu havia dado a luz a uma criança tão perfeita.
E agora ela estava com dois anos. Tinha os meus cabelos e os olhos de . O meu nariz e os lábios dele. Amorosa como o pai, mas com o meu senso de humor – e eu achava que essa era a parte de qual eu mais me orgulhava.
Eu estava feliz por meu pai e minha mãe e Elaine serem amigos agora e ela tê-los convidado para sua cerimônia de aniversário de casamento. Para mim, era ótimo estarmos em paz. Para Cher, além do sr. e sra. , ela tinha mais dois avôs e duas avós.
— Estão se divertindo sem mim? — perguntei, me aproximando deles. Cher abriu um sorriso, disse “mamãe” e mais outras palavras no seu idioma de bebê que soavam como dadalalalapapa e eu ri. Meu pai me deu um beijo no rosto.
— Foi uma festa muito bonita. Sua mãe e as ideias dela…
Achei graça.
— Realmente. Você não se importa de ficar de babá? Se quiser, agora eu posso ficar com ela. — gesticulei para a minha filha.
Papai franziu a testa.
— Está brincando? Quero passar o máximo de tempo que eu posso com a minha belezura. Ela é igualzinha a você quando tinha essa idade. Mas ela é mais bonita. Sem ofensas.
Dei uma gargalhada.
— Não me ofendi, porque concordo.
Senti braços me segurando pela cintura, por trás, e não reagi, porque já estava tão familizariada com aquele toque que o teria reconhecido de olhos vendados. E com aquele perfume também, que senti quando recebi um beijo no pescoço.
— Posso roubá-la rapidamente, sr. ? — perguntou.
— Fique à vontade, garoto — meu pai respondeu, mais interessado em dançar com a netinha do que em nós. só me largou para dar um beijo na bochecha gordinha de Cher antes de segurar a minha mão para me levar. Eu vi os olhos dela brilhando ao vê-lo. Ela era louca pelo pai, e quem podia culpá-la?
Nós andamos de mãos dadas pelo parque que minha mãe havia escolhido para ter sua festa. Para uma cidade chata, pequena e pacata, aquele lugar era bem bonito, eu podia admitir.
— Imaginou que estaria de volta a Secaucus? — riu.
— Não tão cedo — revirei os olhos, encostando a cabeça no ombro dele — Mas pelo menos foi por uma boa causa.
Nos afastamos o suficiente da festa para ficarmos a sós, mas ainda dava para ouvir a música. Can’t Help Falling In Love.
Ah, Elvis.
— Dance comigo, — o homem britânico lindo disse na minha frente, com a voz rouca e o sotaque fazendo minhas pernas tremerem um pouco.
Fiz um muxoxo.
— Que saco, achei que a gente ia se pegar no meio das árvores.
Ele perdeu completamente a postura e riu alto.
— O que eu faço com você? — disse, ainda rindo.
— Eu tenho umas ideias… — dei um sorriso malicioso, mas me aproximei dele, com os braços ao redor do seu pescoço para dançarmos.
me conduziu lindamente ao ritmo da música. Eu corei um pouco, porque ele não parava de me encarar, e às vezes eu me sentia um pouco exposta quando ele fazia isso, porque eu sabia que só ele era capaz de ver – e ter – o meu coração. Ele sorriu de canto antes de aproximar o rosto do meu, eliminando a distância que havia entre nossos lábios, e nos beijamos lentamente. Entrelacei meus dedos em seus cabelos, sentindo as mãos apertando a minha cintura conforme o beijo ficava mais intenso, mais quente…
Então, ele se afastou.
— Ah… — eu reclamei, fazendo bico. E então me soltou. E então deu um passo para trás.
Eu franzi a testa, confusa.
E antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, ele se ajoelhou.
Senti o meu coração batendo tão forte que eu conseguia de fato ouvir as batidas.
— Eu sei que talvez você nunca vá me perdoar por fazer o pedido aqui, nessa cidade de fim de mundo — ele riu — e que provavelmente queria que fosse na fonte do Central Park ou no topo do Empire State, mas quando eu vi você na minha frente, com aquele vestido, mesmo que não fosse um vestido de noiva, e segurando o buquê enquanto o ministro falava… uau. Foi uma sensação surreal. E eu fiquei ansioso para o que eu sentiria quando realmente fosse a nossa vez.
Sabia que o choro estava vindo, então coloquei uma mão sobre a boca.
tirou a caixinha coberta de veludo vermelho de dentro do bolso do terno.
— Sorte a minha que eu tenho carregado isso comigo aonde quer que eu vá pelos últimos dois meses. Nos últimos dois meses eu planejei, esperei o momento perfeito, mas nunca dava certo, nunca parecia ser o momento perfeito. Eu não sou bom nessas coisas como você.
Isso me fez rir, mesmo que eu já estivesse chorando. Acho que ele estava falando sobre o nascimento de Cher, porque eu escolhi uma data para que ela nascesse, achando que teria uma cesariana – e de qualquer forma, minha bolsa estorou naquele dia, e tive um parto normal.
— , eu não preciso te dizer que eu te amo desde sempre e vou te amar para sempre. Eu passei seis meses na França por você, mas, honestamente, passaria o resto da vida em Marte se fosse preciso para fazer você feliz. Não existe… não existe um mundo para mim sem você.
Eu estava soluçando e tremendo. Que droga, inferno…
— Você quer…
— Quero! — eu falei, interrompendo-o — Mas será que você não poderia ter esperado a festa acabar? Agora todo mundo vai ficar olhando para a minha cara vermelha!
gargalhou e, depois, abriu a caixinha. O anel dourado rosé com a pedra cor de rosa era um absurdo de lindo e brilhava tanto e era tão…
— Você gostou? Me lembra você — ele disse.
Eu estava tão apaixonada que parecia que meu coração estava derretendo. Não consegui nem responder, apenas balancei a cabeça para dizer que sim, enquanto mordia o lábio contendo o sorriso.
Ele colocou o anel em meu dedo e eu nem tive tempo para admirar – aliás, eu teria todo o tempo do mundo para admirá-lo depois. Mas, por outro lado, sentia que eu precisava desesperadamente beijar naquele momento assim como eu precisava de ar, então não o deixei ficar de pé: eu coloquei as mãos nos ombros dele e o empurrei para o chão, indo por cima, o corpo dele entre as minhas pernas enquanto eu segurava o seu rosto.
— É aqui que você vai me matar? — ele perguntou.
— Sim. Porque não foi no topo do Empire State. — falei. Ele sorriu e eu também, e estávamos nos beijando vorazmente em seguida.
Às vezes, eu mal conseguia acreditar em como conseguia fazer tudo parecer ser perfeito, mesmo que fosse por minutos. Mas, naquele momento, eu me permiti acreditar.
Fim!
Nota da autora: Finalmente acabou! Três anos é muito tempo, e escrever uma estória por esse tempão não iria me permitir abandoná-la ou não dar um fim digno a ela, principalmente porque eu amo esses personagens de paixão. Me desculpem por ter demorado, mas sabe como é, life happened.
A fic passou por três betas – Nath, Bela e agora encerrando, Daf – e eu agradeço de coração porque, se não fosse por elas, a fic nem estaria aqui no site. Obrigada de verdade, meninas <3
Agradeço às minhas amigas, que liam os capítulos primeiro que todo mundo hehe e que sempre me incentivaram a continuar! Amo vocês <3
E, por último mas não menos importante, você que está lendo agora! Você que deixou um comentário! Comecei a escrever Change My Luck em um dos momentos mais difíceis da minha vida, escrever sempre foi um escape para mim, e muitos dos comentários me ajudaram mais do que você pode imaginar. Não só como aspirante a escritora, mas como pessoa também. Fico muito feliz de ter tido a oportunidade de compartilhá-la com vocês.
Até a próxima, quem sabe! Quem quiser me encontrar no twitter: @Emypondx. Vou sentir saudades. Stay fab xoxo
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
A fic passou por três betas – Nath, Bela e agora encerrando, Daf – e eu agradeço de coração porque, se não fosse por elas, a fic nem estaria aqui no site. Obrigada de verdade, meninas <3
Agradeço às minhas amigas, que liam os capítulos primeiro que todo mundo hehe e que sempre me incentivaram a continuar! Amo vocês <3
E, por último mas não menos importante, você que está lendo agora! Você que deixou um comentário! Comecei a escrever Change My Luck em um dos momentos mais difíceis da minha vida, escrever sempre foi um escape para mim, e muitos dos comentários me ajudaram mais do que você pode imaginar. Não só como aspirante a escritora, mas como pessoa também. Fico muito feliz de ter tido a oportunidade de compartilhá-la com vocês.
Até a próxima, quem sabe! Quem quiser me encontrar no twitter: @Emypondx. Vou sentir saudades. Stay fab xoxo