Jimmy não tinha nada contra o Impala.
Só não conseguia entender como o pai e o tio conseguiram conviver tanto tempo viajando dentro daquela lata. Passavam mais da metade do dia enfiados como sardinhas naquele carro e tudo que Jimmy queria era esticar as pernas e tomar um pouco de ar.
Não era à toa que toda vez que ele saía do carro, praticamente ia correndo até o banheiro mais próximo e em seguida comprava um pedaço de torta. Bem grande.
Infelizmente, nenhuma torta conseguia se comparar à torta de maçã que sua mãe fazia.
O garoto cutucava a própria torta com o garfo de plástico, desinteressadamente, enquanto esperava Dean e Sam voltarem à mesa daquela lanchonete estropiada de beira de estrada.
Não era a viagem em família ideal que ele sempre pensara.
Jimmy olhou para o celular pela vigésima vez. Fazia um bom tempo que Mary não respondia suas mensagens e ele não podia deixar de se preocupar. Queria se certificar que tudo estava bem com todas elas, mas também não queria atrapalhar.
- O que foi, Jimmy? A torta não está boa? – Sam perguntou se sentando à mesa, em frente ao sobrinho. O garoto levantou os olhos para o tio, sem disfarçar a desanimação. – Posso pegar outra coisa se quiser.
- Não, não precisa... – E Jimmy suspirou, espetando um pedaço da torta. – Não é isso, está uma delícia... Só estou preocupado. A Mary não me responde faz tempo.
- Ah, a me respondeu. Elas estão caçando. – Sam respondeu despreocupadamente enquanto Jimmy somente o encarou de volta.
Aquilo supostamente deveria deixá-lo menos preocupado.
Mas não deixou.
- Olha, eu sei como você está se sentindo... – Sam suspirou, apoiando-se na mesa e parecendo um pouco mais humano, sem aquele ar infindável de caçador que adquirira desde que a viagem começara. – Minha filha e minha esposa estão lá. Sei que nada vai dar de errado, pois elas têm a sua mãe junto e, sinceramente, a e o Dean são tão parecidos em alguns aspectos que até assusta. A é uma caçadora super competente que nunca deixou a desejar, mas pode ter alguns problemas, pois nossa filha está com elas dessa vez. Também estou com medo, mas às vezes, temos que colocar um pouco mais de fé nas pessoas.
- É difícil ter fé quando toda essa merda está acontecendo com a gente. – Jimmy suspirou, espetando a torta com um pouco mais de força que o necessário e destruindo uma boa parte. – Deus parece não se importar muito, para falar a verdade.
- Nunca se importou e não vai se importar, Jimmy. – Dean surgiu repentinamente, sentando-se escandalosamente à mesa. – Contente-se.
- É fácil pra você falar! É minha primeira vez vivendo essa vida maluca de vocês! – O garoto respondeu de sobrancelhas franzidas, lançando um olhar nem um pouco feliz para o pai.
Sam imediatamente começou a rir, apontando para Jimmy com o próprio garfo.
- É o mesmo olhar que a faz quando tá brava com você! – E claro, Sam era o único se divertindo com aquilo.
- Olha, eu não queria te arrastar pra essa vida do inferno, mas aconteceu. Então, por enquanto, você vai ter que aguentar. Ok? – Dean perguntou de volta, sem muita paciência. Em seguida, bufou e se levantou da mesa. – Esqueceram meu refrigerante. Já volto.
E, dizendo isso, voltou ao balcão.
- Ele me tratava do mesmo jeito quando era pequeno... – Sam balançou a cabeça. – Mas só está assim porque está preocupado com a . O Dean não admite, mas se preocupa em deixá-la caçar sozinha.
- É. Não é só ele. – Jimmy recostou no estofado do banco da lanchonete e cruzou os braços, encarando a torta com a cara fechada.
Sam suspirou. Não havia dúvidas de que ele era filho de Dean.
Aquele só podia ser o fim do mundo. Literalmente.
Jimmy nem sabia onde estavam – e olha que ele era bom de mapas. Passara tardes com aprendendo sobre quais estradas levavam para quais lugares e sempre se impressionava com o conhecimento que ela tinha.
“A melhor estrada é aquela que você não sabe para onde está indo, Jimmy. É a estrada da incerteza e da liberdade.”
Somente naquele momento, sentado na cama de casal que iria dividir com Dean naquele motel levemente mofado daquela cidade perdida no meio dos Estados Unidos é que Jimmy entendera a visão romântica da mãe sobre dirigir sem rumo pela estrada.
O garoto suspirou. Infelizmente, ele entendia bem sobre a incerteza, porém não sabia nada sobre a liberdade. Não conseguia sentir a liberdade que os pais e os tios claramente sentiam – muito pelo contrário: sentia-se como um pássaro preso em uma gaiola, fugindo pelo bem da própria vida.
Separando-se das pessoas que amava pelas próprias vidas.
Era aquilo que significava ser um caçador? Abandonar tudo que amava, tudo que construíra para poder sobreviver – salvar a própria pele?
Aquilo era horrível.
Jimmy não queria isso para sua vida, muito menos para a de Mary. Sentindo o próprio estômago embrulhar, observou o pai e o tio sentados à mesa estropiada e manca do motel, analisando alguns recortes de jornal e sites em seus notebooks.
Ele não queria aquilo para eles também.
O garoto começou a ter alguns flashes de memória com Dean fazendo churrasco enquanto o ajudava prontamente, somente para que ele cortasse algumas carnes logo quando ficavam prontas para dar a ela. Enquanto isso, lembrava-se de como e Sam ficavam conversando com os dois, fingindo reclamar que não recebiam carnes o suficiente.
Lembrou-se de como se olhavam e como pareciam completamente despreocupados, como se todo aquele passado sangrento e obscuro estivesse trancado eternamente no baú que Jimmy e Mary insistiram em abrir enquanto arrumavam a casa.
O garoto começou a se preocupar se aquilo não tinha sido culpa deles, afinal... Se tivessem deixado o baú trancado, as coisas ruins teriam saído de lá? Para Jimmy, aquela coisa parecia a Caixa de Pandora: bastou que ele e Mary o abrissem para todo o mal sair de lá. Todo o mal que seus pais sacrificaram tanto tempo para amordaçar naquele recipiente.
Pensando em tudo isso, ele se aproximou da mesa.
- O que vocês estão fazendo...? – Jimmy perguntou um tanto silencioso, apoiando-se em uma cadeira.
- Analisando um caso. – Dean respondeu prontamente, estendendo um dos recortes de jornal ao filho. – Quer aprender como se caça?
Jimmy observou o papel que lhe era estendido. Não. Ele não queria aprender a caçar. Ele não queria seguir a vida que os pais seguiram.
Mas queria ajudá-los a voltar ao normal.
- Quero.
Pegando o jornal, Jimmy se sentou entre Sam e Dean, começando a ouvir os básicos sobre caçadas e afins.
Faria de tudo para ajudar sua família. Nem que tivesse que sacrificar a própria vida.
- Então quer dizer que vocês simplesmente saem por aí fingindo que são do FBI e as pessoas aceitam numa boa? – Jimmy perguntou com uma sobrancelha erguida, apoiado no Impala e com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta de couro.
Era praticamente uma visão da versão de quinze anos de idade de Dean, com várias traços de no meio do caminho.
Sam e Dean somente trocaram olhares. Mudaram a atenção para o garoto alguns segundos depois e deram de ombros.
- É. – Ambos responderam juntos e começaram a caminhar despreocupadamente até o carro.
- Nossa. As pessoas são mais tontas do que eu imaginava... – O garoto rolou os olhos, sem conseguir acreditar naquilo.
- Ei! Mais respeito com o seu pai, moleque! – Dean comentou imediatamente, fazendo Sam começar a rir.
- Não faz muito sentido, mas nunca resolvemos questionar. – Sam complementou, apoiando-se no teto do Impala. – Todo mundo aceita e isso facilita o nosso trabalho. Então não temos do que reclamar.
Jimmy ponderou durante alguns segundos enquanto o pai entrava no carro. Enfim, suspirou.
- É... Acho que você tem razão, tio Sam... – O garoto comentou, recebendo um sorriso de Sam.
- Claro que temos razão! – Dean se manifestou enquanto os dois entravam no carro. – Nós sempre temos razão. Agora, quer repassar o caso, Sammy?
- Acho que como o Jimmy é nosso estagiário, ele deveria fazer isso. – Sam respondeu, entregando vários recortes de jornal e papéis impressos ao garoto.
Jimmy somente pegou toda aquela papelada e ficou encarando os dois, sem saber o que fazer.
- Mas... Como assim, repassar o caso?
- Dar um resumo. – Sam explicou, olhando o garoto enquanto Dean já dirigia pela cidade. – Relembrar os pontos importantes, de acordo com aquilo que te explicamos. Precisamos definir o que vamos fazer para continuar a investigação e qual tipo de criatura estamos caçando.
- Porque só assim saberemos como matar o desgraçado. – Dean completou com um sorriso enquanto olhava o filho pelo retrovisor. – Agora vai. Resumo do caso, Jimmy!
- Ok, ok... Vamos lá... – E Jimmy começou a dar uma olhada em todos os papéis, tentando se lembrar de tudo que tinham conversado no hotel. – Ok. O caso é de crianças que estão desaparecendo sem motivos.
- Uhum, começou bem... – Sam comentou para incentivá-lo, fazendo o garoto sorrir. – Continua.
- Hmmm... Ninguém viu para onde essas crianças foram e, após alguns dias, elas reaparecem e algum dos pais sofre algum acidente. Porém nenhum fatal.
- Isso é importante. – Dean resolveu frisar, fazendo com que Jimmy mudasse a atenção para ele. – Por que não está matando? Criaturas sobrenaturais não são muito misericordiosas.
- Não diga. – Sam comentou ironicamente. – Mas sim, isso é bem estranho. O que mais Jimmy?
- Dessas crianças que sumiram, somente um casal permaneceu vivo. Talvez tenham visto ou saibam de algo que os outros não sabem.
- Exatamente. – E Sam sorriu para o sobrinho. – Muito bom, Jimmy. O que precisamos fazer agora?
- Achar esse casal e falar com eles? – O garoto tentou, recebendo um sorriso do pai e do tio.
- E perguntar o quê? – Dean respondeu, escondendo ao máximo a pontada de orgulho que sentia no peito.
- Se viram algo estranho, o que aconteceu quando o filho sumiu e quando reapareceu, além de notar o que esse casal tem de diferente dos outros que determinou que ambos iam permanecer vivos.
Dean e Sam imediatamente trocaram olhares.
- A gente não tinha pensado nessa última. – Sam comentou, lançando um olhar surpreso para Jimmy em seguida.
O garoto encontrou os olhos orgulhosos do pai encarando-o pelo espelho retrovisor.
- Ele é um Winchester, né? Não podíamos esperar menos. – Dean comentou claramente contente com o próprio filho.
Jimmy não queria se sentir bem por ser um bom caçador. Tinha plena consciência de que aquilo era péssimo. Porém não conseguiu deixar de sorrir e sentir orgulho de si mesmo ao ver a expressão no rosto do pai.
O que mais impressionava Jimmy era o fato de que as pessoas eram realmente estúpidas e achavam que Dean e Sam eram do FBI.
Nada contra os dois. Mas, olhando o próprio pai, Jimmy jamais diria que ele era um agente do FBI.
O garoto ficou recostado no capô do Impala, de braços cruzados, esperando os dois saírem da casa após entrevistar o casal. Ficara com a incumbência de observar a rua para ver se havia algo fora do comum, mas ele sabia muito bem que somente não entrara junto com os dois para o inquérito por causa da própria blusa do Led Zeppelin e a jaqueta de couro que estava usando.
Não dava para se passar por agente do FBI com aquele tipo de roupa.
Sendo assim, Jimmy somente suspirou e ficou aguardando. Pacientemente.
- O moço está com os agentes do FBI?
E aquilo foi o suficiente para que Jimmy levasse o maior susto da vida e saltasse no próprio lugar. Quando olhou para baixo, viu uma menina com grandes olhos castanhos observando-o com curiosidade. Não conseguiu deixar de sorrir.
- De certa maneira... Sim.
- Como assim? – A menina não ia desistir jamais.
- Ah, já tem dois agentes lá dentro. – Jimmy deu de ombros. – Não há necessidade de mais um.
- Mas você não se veste como agente. Nem fala como um. – E ela era esperta. O sorriso de Jimmy congelou no rosto.
Porém, o garoto era criativo. Sentando-se no capô do carro para falar com ela, conseguiu olhar a menina nos olhos enquanto tinha seu melhor sorriso bondoso no rosto.
- É que eu sou tipo um gênio, sabe? Terminei a faculdade novo demais, entrei no FBI novo demais. – Ele explicou, apoiando os braços nos joelhos. – Aí não me levam nos lugares, pois as pessoas não sabem respeitar gente nova como eu.
- Ah, entendi... – Ela comentou devagar, como se tudo aquilo fizesse muito sentido. A garota era realmente muito fofa.
- Meu nome é Jimmy. E como eu posso chamar uma menina tão linda que nem você?
- Lilly. – Ela respondeu com um sorriso envergonhado, feliz com o elogio.
- Lilly... Por um mero acaso você conhece o casal que estamos entrevistando?
- Sim. São meus pais.
Jimmy foi pego de surpresa. Talvez ficar do lado de fora cuidando do Impala não fosse tão ruim assim.
- Então foi você que foi levada embora? – Ele perguntou com as sobrancelhas erguidas e a garota confirmou veementemente com a cabeça. – E não ficou com medo?
- Não. – Ela respondeu silenciosamente, ainda com o sorriso envergonhado.
- Então você é muito corajosa! – Jimmy comentou de maneira surpresa, fazendo-a rir e corar com o comentário. – Vou te contar um segredo, Lilly... Se fosse você, eu teria morrido de medo!
- Já ouvi bastante isso...
Mas a menina não teve a oportunidade de terminar. Os pais dela terminaram a entrevista com Dean e Sam e a chamaram de volta para casa.
- Obrigado por conversar comigo, Lilly. É uma pena que você vai embora. – Jimmy comentou com um sorriso calmo e contente nos lábios.
A garota o observou durante algum tempo. Não sabia o motivo, mas ele era diferente. Aquele garoto estranho, com aquela pose de mau e o sorriso gentil tinha os olhos sinceros e ela sabia que podia confiar. Podia contar algo que não contara a ninguém... Pois sabia que ele ia acreditar.
- Eu não tive medo, pois ela era mãe do meu amigo. – Lilly respondeu baixinho, olhando diretamente nos olhos de Jimmy. – Ela era mãe do Diego. A Catarina nunca me faria mal.
- Catarina? Esse é o nome da mulher que te levou? – Jimmy imediatamente franziu as sobrancelhas e Lilly somente confirmou com a cabeça.
- A tia Catarina está perdida, Jimmy... Você consegue ajudá-la? Por favor? – A menina pediu novamente com os grandes olhos castanhos brilhando na fraca luz esmaecida daquele dia.
- Por que você acha que eu consigo ajudá-la? – Ele cruzou os braços novamente, achando aquilo tudo muito estranho.
- Porque eu não acho que você é do FBI. – Lilly respondeu bruscamente, fazendo-o arregalar os olhos. Enquanto isso, Dean e Sam somente se aproximavam. – Mas acho que você pode ajudar a tia Catarina. Por favor.
Com isso, os pais de Lilly a chamaram novamente. A menina saiu correndo de volta para casa enquanto Dean e Sam observavam um Jimmy pasmo, ambos com sorrisos tontos nos rostos.
- E aí, Jimmy? Já arranjou uma namoradinha? – Dean perguntou com uma risadinha no fim da frase com o claro intuito de provocar. Jimmy somente lançou o típico olhar de morte que o lançava.
- Não. Mas achei uma pista que provavelmente é melhor do que suas duas horas de inquérito, “agente Page”. – Com isso, o garoto se retirou para dentro do Impala.
Sam só conseguia rir da cara de pastel que Dean ficou ao levar uma bronca do próprio filho.
- Bom, é aqui que esse tal de Diego mora... – Sam comentou enquanto estacionavam o carro à frente de uma casa. – Pelo menos, é o que os pais da Lilly falaram.
- Tem certeza que a sua namorada comentou isso, Jimmy? Que foi a tal de Catarina que a levou? – Dean continuou observando o local. Parecia fechado e levemente abandonado, como se os habitantes não saíssem de lá há semanas.
- Olha, pai... Se você falar que ela é minha namorada de novo... – O garoto rolou os olhos de raiva, enquanto Dean e Sam somente sorriam de prazer por perturbar o garoto. – Sim. Ela falou isso. E, pelo que vocês comentaram, essa Catarina já morreu.
- Há seis meses. Foi encontrada morta a tiros em casa, mas ninguém sabe quem foi. O caso está em aberto e não tem perspectivas de ser resolvido. – Sam comentou, suspirando em seguida. – Ok. Eu e o Dean vamos...
- Interrogar o Rodrigo e o filho dele, Juan. Eu sei. – Novamente, Jimmy estava impaciente. – Pode deixar, eu cuido do Impala.
Com isso, o garoto ficou novamente apoiado no carro, enquanto Dean e Sam caminhavam até a porta de entrada. A noite já estava pintando a rua inteira de azul escura e tudo que Jimmy queria fazer era voltar para o hotel e dormir.
Simplesmente porque, antes de dormir, provavelmente teria a oportunidade de falar com a mãe.
Ele sentia saudades. De , de , de Mary. Nunca achou que ficar distante de qualquer uma das três pudesse ser tão doloroso... Mas jamais achou que ser separado daquela maneira da própria mãe fosse arrancar uma parte do coração dele da maneira que arrancou.
Jimmy permaneceu de braços cruzados, sentindo o vento gélido da noite batendo contra seu rosto.
A brisa pareceu trazer notas musicais junto com ela para seus ouvidos. Repentinamente, Jimmy se viu cantarolando uma música... Uma melodia sobre saudades e amor, que se cantava quando sentia saudades de alguém. Uma melodia que sempre cantava para ele quando era pequeno e Dean ou ela permaneceriam algum tempo longe de casa “viajando” a trabalho.
- Recuérdame, hoy me tengo que ir mi amor, recuérdame... – Jimmy repentinamente se viu cantarolando a música no tom mais baixo que sua voz podia proferir naquele momento. Respirou fundo quando sentiu o peito apertar. – No llores por favor... Te llevo em mi corazón y cerca me tendrás...
Ele teve que parar de cantar, sentindo as lágrimas surgindo nos olhos. Queria tanto ouvir a voz da mãe cantando aquela música de novo. Queria tanto poder deitar a cabeça no colo dela, enquanto afagava seus cabelos e cantarolava até Jimmy cair no sono, segurando a mão livre da mãe, sem jamais soltar.
Ele nunca mais a soltaria. Nunca. Mais.
- A solas yo te cantaré soñando en regresar... Recuérdame...
Jimmy levantou a cabeça, como se fosse um cachorro que tinha acabado de ouvir o próprio nome. Jurava que tinha ouvido uma mulher cantando a música. Começou a procurar insistentemente, em todos os cantos da rua, mas não achou nada.
Até sentir uma mão pesada em seu próprio ombro, fazendo-o dar um salto e olhar para trás, ainda procurando o som.
- Jimmy! Tá tudo bem? – Dean perguntou com as sobrancelhas franzidas, achando o comportamento do filho muito estranho.
- Tá, tá sim... – Jimmy respondeu ainda procurando pela rua. Após alguns segundos, suspirou, enfiou as mãos nos bolsos do casaco e olhou para baixo, voltando ao normal aos poucos. – Eu achei que tinha ouvido algo.
- Algo o quê? – Sam quis se certificar. Nunca o vira perturbado daquela maneira.
- A voz da minha mãe... – Ele suspirou um tanto sem jeito. – Estou com saudades dela. É só isso.
- Você pode ligar pra ela do motel. – Dean respondeu imediatamente, indo até o Impala e sem ao menos olhar para os dois. – A me mandou uma mensagem. Elas terminaram a caçada e podem falar com a gente essa noite.
E, com isso, trancou-se dentro do carro.
Sam somente suspirou.
- Seu pai está com muitas saudades. Só por isso está se comportando assim.
- É, eu sei... – Jimmy balançou a cabeça. – Eu sou igual. Afinal, sou filho dele, né...?
Enquanto entravam no Impala, mal perceberam a silhueta de uma mulher que começava a surgir no fim da rua, caminhando com um lamento que, dessa vez, parecia uma música.
- Então é isso...? Vocês acham que o Rodrigo matou a Catarina e ela quer vingança...? – Jimmy perguntava com um interesse descomunal enquanto o interesse de Dean e Sam jazia em outra coisa.
O garoto estava sentado de pernas cruzadas em cima da cama, comendo uma grande tigela de miojo com carne e molho vermelhos de tão apimentados, além de queijo e cebolinha para completar. Sam não sabia como o estômago do garoto conseguia aguentar aquilo. Dean somente pensava que o filho era realmente uma mistura dele com para aguentar aquele tipo de comida sem ter uma séria indigestão.
- Vocês dois querem parar de encarar meu miojo? – O garoto finalmente suspirou incomodado, fazendo as atenções voltarem, finalmente, para seu próprio rosto.
- Desculpa. É que isso daí... – Sam apontou para o macarrão. – Sério. Dá pra sentir a pimenta ardendo daqui.
- E eu achei que só sua mãe tinha estômago pra essas coisas... – Dean balançou a cabeça, suspirando.
- Eu tô com saudades e ela não tá aqui. As receitas loucas de miojo dela são o que me restam. – Jimmy respondeu com um olhar mal humorado, já de saco cheio de ter que explicar o que estava passando pela enésima vez. – Agora vocês podem fazer o favor de focar?
- E também é mandão que nem a mãe. – Dean repreendeu, porém o garoto só deu de ombros. – Ok, é isso mesmo que a gente acha. O cara tá fugindo e se trancando com o filho dentro de casa para fugir do espírito da tal Catarina.
- Mas por quê? Isso não faz muito sentido... – Jimmy franziu as sobrancelhas. – A Lilly me disse que não teve medo, porque a Catarina não faria mal a ela. Espíritos vingativos não se importam se vão machucar os outros, não?
- Ele tem razão... – Sam ponderou com um suspiro. – Realmente não faz sentido. Os pais da Lilly não tiveram problemas, pois a Catarina os conhecia. Não faria mal a eles.
- Então qual é o problema? É um espírito que ainda não “encontrou a luz”? – Dean perguntou em certo tom de escárnio.
- Às vezes é exatamente isso... – Jimmy ponderou, terminando o próprio miojo. – A Lilly me falou que ela precisava de ajuda, que estava perdida. Às vezes é isso mesmo.
Todos ficaram em silêncio durante alguns minutos, somente trocando olhares, até Dean finalmente se manifestar.
- Você se parece cada vez mais com a sua mãe.
Jimmy somente sorriu. Aquele era um baita elogio.
O dia seguinte foi entre pastas mofadas e arquivos velhos da polícia para descobrirem se realmente estavam no caminho certo.
O que foi deixado para Jimmy fazer, enquanto Dean e Sam somente passeavam pela cidade.
O garoto nem percebeu o tempo passar. Somente suspirou e continuou fazendo o trabalho que lhe foi dado. Mal notou quando o sol tornou o céu laranja e se pôs atrás de tons de azul escuro. Estrelas começaram a despontar, iluminando a noite junto com a lua encoberta por uma névoa espectral.
Jimmy suspirou e apoiou a cabeça na mão. Aquela história era horrível. Ele tinha muita dó do tal do Diego. Aparentemente, o pai dele ficou com raiva da mãe, achando que ela estava o traindo – quando ela não estava – e a matou com vários tiros no peito e no rosto. O Diego, somente uma criança na época, viu a mãe naquele estado e ficou uma semana em estado de choque.
Jimmy passou a mão na testa e suspirou, fechando a pasta. Aquilo o tinha extenuado de uma maneira além. Aquele caso tinha sugado todas as energias dele.
Por isso que ele se assustou com o celular tocando repentinamente.
- Oi? – Já era a terceira vez que Dean esquecia o celular no motel com ele.
- Agente Page?
- Não... É o Jimmy. – E ele estava entediado. Provavelmente era o pai e o tio pregando alguma peça nele.
- Jimmy? Ah, que bom que é você! – A voz feminina parecia desesperada e animada. – É a Lilly!
- Ah, Lilly...! – Jimmy imediatamente sorriu de maneira inconsciente. – Tá tudo bem?
- Não! – Ela respondeu e ele ficou em alerta. – O Diego sumiu!
- Como assim?!
- Ele tentou fugir de casa! – A menina mal conseguia respirar. – O pai dele o trancou em casa depois que a tia Catarina morreu! Conversei com ele hoje e o Diego tentou escapar! Mas quando ele estava correndo para minha casa, o pai dele o enfiou dentro do carro e está levando de volta para casa! A tia Catarina vai ficar furiosa!
- Ok, Lilly! Não sai de casa, eu estou indo para lá!
- Eu já estou no meio do caminho!
- Como assim?! – E Jimmy se levantou tão rápido que derrubou a cadeira no chão. Pegou a jaqueta de couro às pressas, a shotgun com sal grosso e saiu de maneira desembestada pela porta. – É perigoso!
- Mas ele precisa de mim! A tia Cat não vai me fazer mal!
- Lilly, fique segura, ok? Eu chego em menos de dez minutos!
- Ok! Eu tento não deixá-lo arrastar o Diego para casa!
Dizendo isso, a garota desligou o telefone. O relógio já marcava meia noite e era perigoso pra uma menina da idade de Lilly ficar na rua e tentar lidar com aquilo sozinha. Se Rodrigo já tinha matado Catarina, a própria esposa e mãe do filho, imagina o que faria com Lilly.
- Pai?!
- Jimmy?! Tá tudo bem?! – E Dean ficou desesperado ao ouvir o filho sem ar ao telefone. – O Jimmy tá com problemas, Sammy!
- A Lilly tá com problemas! O pai do Diego o trancou dentro de casa e ele tava fugindo para se salvar na casa da Lilly! Mas ele o pegou de volta e vai trancá-lo ainda mais...! – Jimmy mal conseguia falar de tanto que corria. – Estou indo para lá!
- Mas como?!
- A pé! Encontro vocês lá!
E desligou.
Dean e Sam pegaram o Impala imediatamente e saíram o mais rápido que puderam.
Jimmy mal percebeu que as pernas doíam e o suor já começava a escorrer pela testa. Encontrou Lilly no fim da rua, à frente da casa de Diego, segurando a mão do garoto e tentando puxá-lo para longe do pai.
- Tira as mãos dele! – Rodrigo gritou, segurando o filho com força.
- Você está me machucando, pai!
- Solta esse garoto! – Jimmy bradou ao se aproximar deles, apontando a arma de Sam, que ele pegara embaixo do colchão e tinha balas reais, para Rodrigo.
Mas foi só Diego se manifestar, que todos começaram a ouvir um lamento espectral se aproximando aos poucos.
- Catarina! – O homem gritou em horror.
Em um ato desesperado, bateu em Lilly, fazendo a garota cambalear para trás. Jimmy correu para segurá-la, colocando-a imediatamente atrás de si para que ele não fizesse nada para machucá-la. Em seguida, apontou a arma novamente.
- Solta o Diego! Você não vai mais maltratar o menino!
- Vá embora! – Rodrigo gritou, arrastando Diego a contra gosto. O garoto se esticava, fazendo de tudo para alcançar Jimmy e Lilly. – La llorona está chegando e irá matar todos vocês!
Jimmy quase deu um tapa na própria testa. Como tinha sido burro. La Llorona era o espírito de uma mulher que perdera os filhos e caminhava pelas ruas chorando em uma lamentação eterna. Diziam que ela sequestrava crianças e quem a via não continuava vivo. Era uma antiga lenda mexicana que contara para Jimmy algumas vezes, falando que nenhuma mãe suportava perder o próprio filho e ela jamais o deixaria se perder.
- Rodrigo... – Ouviram os lamentos se aproximando.
- Tia Catarina!
- Mamá! – Diego esticou os braços para ela, porém o homem o segurou com mais força.
A mulher era um espectro branco, com o rosto coberto por um véu e lágrimas escorrendo furiosamente. Esticou os braços para o garoto.
- Deixe-o ir. Agora.
- Nunca! Você me traiu e ainda quer levar a criança, não?! – Rodrigo estava fora de si, segurando Diego com cada vez mais força enquanto o menino chorava, querendo voltar para os braços da mãe. – Se quiser me matar, vai ter que matá-lo antes!
- Você nunca se importou com o seu filho! – Sam gritou enquanto se aproximava com Dean. Apontava a shotgun de sal para Catarina enquanto o irmão apontava a arma para Diego.
- Vocês não sabem de nada!
- Eles sabem! – E Lilly finalmente saiu de trás de Jimmy, sem medo de enfrentar o homem. – Você sempre maltratou o Diego! Você o bate, denigre, não deixa ir para a escola e, ainda por cima, matou a mãe dele! Você não é humano!
“Você não é humano”.
Aquelas palavras ecoaram na cabeça de Jimmy.
De fato, para fazer tudo aquilo com a própria família, quem você tinha jurado amar e proteger para sempre, tinha que ser um monstro.
E, até onde Jimmy sabia, o trabalho de um caçador era matar monstros.
- Pare de maltratar meu filho! – Catarina chorava ainda mais, esticando os braços e tentando segurar os pequenos dedos de Diego. – Devolva-o para mim! Devolva-o!
- Só quando você arder no fogo do inferno, vadia!
- Não fala assim da mamãe...! – Diego chorava cada vez mais. – Eu só quero que ela me abrace...!
Era isso. Jimmy já tinha tomado uma decisão. Ele nunca se tornaria um caçador enquanto não matasse algo.
O tiro ecoou na noite fria. As mãos de Rodrigo afrouxaram dos braços de Diego. O garoto saiu correndo e se jogou nos braços da mãe, que finalmente parou e chorar.
Dean e Sam encaravam Jimmy sem palavras. A fumaça saía da arma do garoto, espiralando pela noite negra. As mãos dele tremiam como nunca, o coração acelerado e lágrimas nos olhos.
Jimmy matara seu primeiro monstro.
- Tem certeza que está tudo bem? – Sam checava pela enésima vez.
- Temos. – Os pais de Lilly disseram com absoluta certeza. – Cuidaremos do Diego até que a tia dele venha buscá-lo. Fará bem para ele.
- Ok. Qualquer coisa, podem nos ligar. – Dean colocou as mãos nos bolsos do casaco e começou a caminhar com o irmão até o Impala. Jimmy ia fazer o mesmo, mas foi segurado por Lilly pela manga da jaqueta de couro.
- Jimmy... – Ela chamou com um pouco de vergonha. – Eu vou te ver outra vez?
Ele foi decididamente pego de surpresa. Não sabia bem o que responder e deu graças a Deus que parecia que mais ninguém tinha ouvido aquilo.
Em seguida, sorriu e se abaixou na frente de Lilly, para que dessa vez ela olhasse para baixo enquanto falasse com ele.
- Eu te prometo uma coisa, Lilly... – E Jimmy segurou as mãos da garota. – Eu vou voltar na sua formatura do colegial para ir com você para seu baile. E não vou retornar como caçador, mas sim como guitarrista em uma das maiores bandas de rock da história. Espere por mim, ok?
- Ok. – Ela balançou a cabeça animadamente, lançando um lindo sorriso para ele, o que fez com que o próprio Jimmy também sorrisse. – Eu vou lembrar dessa promessa. Sempre.
- Eu também. Pode me esperar, porque eu vou aparecer. Prometo.
Com isso, ele enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta e despencou no banco de trás do Impala.
- Já se despediu da namoradinha? – Dean perguntou com um sorrisinho no rosto para tirá-lo do sério.
- Quer saber? Já. – E Jimmy deu de ombros, pegando o celular em seguida. – Agora dá licença que eu tenho coisa melhor pra fazer.
- E o que pode ser melhor...
- Mãe...? – O coração do garoto disparou ao ouvir a voz de do outro lado da linha. – Se você não se importar, queria pedir uma coisa...
- O que, meu amor? – Ela perguntou despreocupadamente, provavelmente viajando para uma cidade bem longe da que eles estavam.
- Canta pra mim? Aquela música? – Ele suspirou de leve. – Estou com sono.
Ela sorriu, começando a cantar com uma voz suave logo em seguida.
Dean e Sam somente permaneceram em silêncio. Jimmy era muito novo, ainda uma criança... E tinha acabado de se tornar caçador. Era um caminho sem volta.
Mas, de olhos fechados, tudo que Jimmy conseguia fazer era esconder as lágrimas enquanto ouvia a voz de , com um leve sorriso no rosto.
- Te llevo em mi corazón y cerca me tendrás. A solas yo te cantaré soñando en regresar, recuérdame...
- BOBBY! PRECISAMOS DE AJUDA! – Eu praticamente arrombei a porta da casa do Bobby, sujando toda a entrada com a lama que se formava com a chuva torrencial do lado de fora. – BOBBY!
- Mas que estardalhaço é esse, Sam...! – Bobby surgiu no topo da escada, de pijama e com seu roupão velho e esfolado, esfregando os olhos. Já era de madrugada e a única fonte de luz eram dos raios do lado de fora.
Bobby imediatamente parou de me dar bronca quando me viu com nos braços. Ela estava completamente ensanguentada e respirava com dificuldade, já desmaiada e com a cabeça apoiada nos meus ombros. Os olhos de Bobby se arregalaram.
- Leve ela pra sala, Sam! Rápido! – Ele começou a descer as escadas de maneira afobada enquanto eu só ouvia o Dean entrando que nem um ogro atrás de mim. – A também?!
- Rápido, Bobby! Vou colocá-la na mesa da cozinha, você precisa arranjar alguma coisa pra dor! – Dean rosnou, correndo com a até a cozinha.
Ela também estava coberta de sangue, mas mais consciente do que a . Os dedos de se fechavam com força na blusa de Dean, a mulher se controlava para não gritar de dor. E, apesar de lutar contra isso com todas as forças, lágrimas escorriam silenciosamente pelas bochechas dela.
- O que houve?! – Bobby perguntou já começando a procurar todas as suas tralhas de primeiros socorros.
Primeiros socorros para caçadores significa um hospital portátil dentro de casa. Regado a whisky.
- A caçada deu errado. Muito errado. – Passei as mãos pelos cabelos, tentando permanecer calmo. Simplesmente porque o Dean não sabia lidar com aquele tipo de situação e, se eu não ficasse calmo, era capaz que elas morressem de verdade. – Elas foram pegas no meio da linha de fogo, dois lobisomens. Conseguimos matá-los, mas as duas ficaram... Machucadas.
- Machucadas?! – Dean perguntou com uma risada sem humor e cheia de sarcasmo ao fim da frase. – Machucadas é apelido! Sammy, passa aquela garrafa de whisky!
- Agora não é hora de beber, seu idiota! – Respondi com as mãos na cintura enquanto Bobby começava a cuidar de , tentando deixá-la mais consciente.
- Eu sei, seu asno! – Dean rosnou de volta, pegando a garrafa sozinho. Em seguida, parou ao lado de e passou a mão pelo cabelo dela. – Eu sei que isso aqui vai doer, linda. Mas preciso fazer isso pra não infeccionar.
- Eu sei. – murmurou e respirou fundo.
No que Dean jogou o whisky em cima dos machucados abertos dela e eu não consegui mais assistir enquanto ela se contorcia de dor.
- Sammy...! – suspirou repentinamente e eu corri até ela, segurando sua mão que tentava agarrar o ar.
- Eu tô aqui, meu amor... Eu tô aqui. Hey! – E os olhos dela se fixaram no meu rosto. – Eu não vou te deixar. Ok? Eu tô aqui.
- Ok... Sammy... – Ela deu um pequeno sorriso, somente para fechar os olhos novamente enquanto Bobby limpava as feridas na cintura dela.
- Não deixa a dormir, Sam. – Ele disse imediatamente, colocando um pano cheio de álcool sobre a carne aberta. gemeu de dor, contorcendo-se e acabando com o meu coração no processo. – Ela já perdeu muito sangue, se dormir, pode acabar batendo as botas de vez.
- Ei, ei...! Foca em mim, ! Consegue ouvir minha voz? – Eu perguntei e ela abriu os olhos novamente, parecendo vagamente turvos enquanto me observavam. Como se houvesse um véu entre nós dois e ela estivesse me procurando para retornar ao nosso mundo. – Você não vai me deixar também, né?
- Nunca... – Ela respondeu de maneira silenciosa, gemendo levemente quando Bobby começou a limpar outra ferida. – A ...?
- O Dean tá cuidando dela, pode deixar.
- Ah, não... – franziu as sobrancelhas, claramente em brincadeira. Dei uma risada um tanto desesperada, fazendo um pequeno sorriso se esboçar nos lábios dela.
- E o Castiel? Ele podia salvar as duas mais rápido que eu... – Bobby começou a falar, mas logo ouvimos o barulho de algo batendo na mesa da cozinha.
- Não fala nesse filho da puta, Bobby. – Dean comentou amargamente, dando um bom gole na garrafa de whisky em seguida. Deixando a garrafa sobre a mesa, rasgou o resto que sobrara da blusa de e começou a tentar estancar o sangue que escorria com tanta facilidade das feridas abertas no peito dela.
- Ele não apareceu. – Adicionei, virando-me novamente para Bobby. Dessa vez, falava mais baixo, para que Dean não escutasse. – Chamamos várias vezes, mas ele não apareceu.
Segurei a mão de com mais força. Lembrei imediatamente do que havia acontecido.
Flashback
Logo que terminamos a caçada, peguei a em meus braços o mais rápido possível, ouvindo-a gemer de dor. Praticamente corri até o Ninety-Eight, que e Dean se empolgaram tanto para consertar, deixando-a no banco de trás com todo o cuidado.
- Sammy... – Ela ia falar alguma coisa, porém a impedi, colocando meus dedos sobre a boca dela.
- Nem começa, . Vai tudo dar certo. Você não está tão mal assim, ok? – Dei uma pequena risada, tentando parecer o menos preocupado possível.
Porém tenho certeza que o sangue dela em meu rosto denunciava minha mentira.
- Eu vou buscar o Dean e a . Segura isso aqui na sua cintura, tá? – Tirei uma das minhas camisas e ela fez um bom trabalho em estancar o sangue. Dei um rápido beijo na testa de e saí do carro, a fim de ver se o Dean já estava no Impala, me xingando por ser lento demais.
Mas encontrei-o com nos braços, a blusa ficando cada vez mais ensopada com a chuva e com o sangue dela que escorria com cada vez mais rapidez. Os olhos dele estavam levemente vermelhos, as lágrimas escondidas pelas gotas de chuva. Enquanto isso, Dean encarava o céu azul petróleo, gritando a plenos pulmões.
- Cas! Nós precisamos da sua ajuda! Por favor, venha nos ajudar! – Ele esperou alguns segundos, mas não obtivemos resposta. – A e a precisam de você, elas vão morrer! Cas, por favor! Por favor!
Mas nada aconteceu.
Eu vi meu irmão chorar e implorar pela primeira vez na vida, literalmente pedindo por um milagre, mas nada aconteceu.
Ninguém respondeu.
Ninguém veio.
Fomos abandonados à nossa própria sorte naquela maldita noite chuvosa, as únicas coisas boas que aconteceram nas nossas vidas prestes a nos deixar.
Não podíamos deixar que aquilo acontecesse.
Se ninguém fosse nos ajudar, faríamos o nosso melhor para salvá-las. E nem pergunte sobre a genial idéia de fazer um pacto, pois aquilo se passou pelas nossas cabeças e era uma opção, caso tudo desse errado. Afinal, era só fazer um Disque-Crowley que ele apareceria naquela casa com o maior gosto e um contrato de mais de duas mil páginas para assinarmos com o nosso sangue e um beijo – idéia que não me animava nem um pouco.
Mas, pela , eu faria qualquer coisa. Até beijaria aquele baixinho nojento para vender a minha alma – e tenho certeza que Dean pensava o mesmo sobre .
Flashback off
- Vocês me chamaram.
A voz de Castiel ecoou pela sala mais alto do que os trovões do lado de fora.
- Seu filho da puta...! – E antes que pudéssemos fazer algo, Dean o alcançou, dando um soco em Cas.
Eu não reclamei. Minha vontade era de fazer o mesmo.
- Peço desculpas, mas estava resolvendo assuntos importantes. – Castiel respondeu daquela maneira impassível de sempre. – Não vou pedir que entendam, sei que ficaram chateados e têm todo o direito...
- Chateados? Você podia ter nos dado um sinal ou algo do tipo! – Respondi de braços cruzados, com uma leve risada sarcástica ao fim. – Não acha que seria bom pelo menos deixar um recado? “Hey, ouvi vocês me chamando, estou resolvendo problemas no Paraíso e apareço aí daqui uma hora”.
- Arranja uma secretária, anjo de meia tigela! – Dean rosnou e ouviu um gemido de , o que o fez sair correndo imediatamente.
- Lobisomens, não...? – Castiel finalmente percebeu o que tinha acontecido. Seus olhos as observavam com sofrimento. Ou melhor, com o máximo de emoção que ele conseguia exprimir. – Não sabia que elas estavam tão mal.
- Estão. Só o Bobby consegue fazer alguma coisa... – Suspirei, passando a mão na testa. – E você.
- Pode deixar que vou fazer meu melhor para salvá-las.
- Então senta aí que elas vão precisar de bastante ajuda. – Bobby apontou uma poltrona perto de e foi exatamente o que Castiel fez.
Ficamos durante uns bons quinze minutos esperando uma manifestação de Castiel sobre o problema – ele ficou indo e vindo, entre e , passando as mãos sobre as feridas e as testas delas.
Repentinamente, sentou-se na poltrona e nos olhou, desolado.
- O que houve? – Dean daqui a pouco ia bater nele de novo. Eu tinha certeza.
- Elas entraram em um estado que não posso mais ajudar... – Castiel suspirou. – Estão desmaiadas, pois suas almas estão presas em uma memória do passado. Somente revivendo-a e decidindo se irão voltar ou não.
- Ok. E como podemos ajudar então? – Bobby perguntou da sua maneira óbvia e prática de sempre.
- Não podemos. É uma decisão que elas devem tomar... – Castiel suspirou e lançou um olhar sem muitas esperanças às duas. – A não ser que...
- A não ser que o quê? – Claro, eu perguntei antes que ele pudesse enrolar mais.
- A não ser que vocês entrem lá e conversem com elas. – Ele comentou seriamente. – Entendam uma coisa: não podem alterar nada. Independente do que for a memória, vocês não podem mexer com ela, somente assistir e esperar o momento em que elas vão tomar a decisão se vão voltar ou não.
Eu e Dean trocamos olhares. Sabíamos exatamente o que iríamos fazer.
- Não é a coisa mais louca que já fizemos. – Respondi cruzando os braços, finalmente olhando para Cas de novo. – Consegue nos jogar lá?
- Consigo. Vocês tem que me prometer que não vão alterar nada, por mais que queiram.
- Prometido.
- Dean... – Cas ameaçou e eu tive que me segurar para não dar uma breve risada.
- Não vou alterar nada, seu pastel! Anda logo com isso antes que ela pare de respirar!
E nós que respiramos fundo. Estava na hora de entrar nas memórias delas e tentar trazê-las de volta.
- Adivinha quem vai tocar como atração principal na festa de Halloween da faculdade?
Ouvimos a voz de dizendo alegremente, mas havia algo de errado.
Quando nos demos por conscientes, percebemos que estávamos no meio de uma sala, de uma casa normal, em um dia levemente ensolarado e cor de cobre do meio do outono.
estava na sala ao lado, com o computador no colo e olhou para , que tinha acabado de chegar em casa com uma mochila de guitarra nos ombros. As duas tinham sorrisos imensos nos rostos e pareciam muitos anos mais novas.
- A sua banda conseguiu? – perguntou animadamente. começou a dar pulinhos de alegria.
- Sim! – E com isso, as duas se abraçaram.
Eu e Dean trocamos olhares, em choque.
- A tinha uma banda na faculdade e nunca me contou? – Ele perguntou com um sussurro, claramente se sentindo traído.
- Estou mais chocado com o fato de que elas estão travadas em memórias como essa, não em algo mais... Sério. – Comentei suspirando, observando a alegria das duas que surtavam com o fato de que a banda da foi selecionada. – Considerando que elas são caçadoras, achei que estariam em alguma memória de quase morte.
- Verdade... – E Dean passou a observá-las, talvez pensando em como pareciam felizes. – Poxa, uma banda? Isso é importante!
Eu só rolei os olhos. Não sei o que esperava do meu próprio irmão.
- E como vai ser? Vocês vão se apresentar a noite toda? – parecia animada. Aliás, nunca a tinha visto tão sorridente daquela maneira.
- Yep! – pegou uma garrafa de água e começou a caminhar pela sala. – Vamos abrir, claro, com Immigrant Song! Eu vou com uma maquiagem de caveira em metade do rosto, tipo aquele vocalista da banda do Abracadabra, e uma roupa de hippie...!
- Aposto que é pra se passar de “versão morta viva e feminina do Robert Plant”. – E a parecia entediada, mas deu uma risadinha. apontou para ela, toda animada.
- Exatamente, minha cara Watson! - Nisso, ela começou a se mover dramaticamente pela sala, aproximando-se da mesa de centro. – Sinos irão anunciar a meia noite! Lobos irão uivar! As luzes irão sumir, restando somente algumas para nos guiar! O ambiente se encherá de uma névoa espectral! A guitarra começará a soar, crescendo aos poucos, carregando o grito dos vikings mortos em guerra no chão da Bretanha! É nesse momento que...
Foi aí que pulou em cima da mesa de centro e, usando a garrafa de água como microfone, começou a cantar Immigrant Song. ria, batendo palmas animadamente e torcendo por ela, como se estivessem em um show de verdade. Não demorou muito para que a puxasse para o “palco” e as duas começassem a dividir o “microfone” para cantar como nunca.
- Ela nunca me disse que tinha uma voz linda dessas. – Dean comentou cruzando os braços e franzindo as sobrancelhas. – A quase nunca canta na minha frente.
- A canta e eu sempre soube que a voz dela é linda... – Comentei com um breve suspiro ao fim da frase, observando as duas com coreografias treinadas em seu show de rock na mesinha de centro. – Elas seriam ótimas cantoras se não fossem caçadoras.
Nenhum de nós dois queria declarar o óbvio, uma verdade que já tínhamos constatado há muito tempo, mas não queríamos admitir. Até Dean abrir a boca, claro.
- Elas seriam ótimas como qualquer coisa.
De repente, fomos literalmente jogados em outra memória. Mas, dessa vez, era só e um outro cara.
Sim, outro cara. Eu tive que me controlar para não torcer o nariz.
- Será que é o namoradinho de faculdade dela...? – Dean claramente estava lá para me provocar. Dava pra ver no sorriso idiota que cobria o rosto dele.
- Vem, ! Ninguém vai perceber...! – O cara dizia, chamando-a com as mãos. estava parada a uma janela, indecisa se ia ou não. Já era tarde, todos provavelmente estavam dormindo, e ela tinha somente uma jaqueta jeans sobre a camisola branca.
- A é ótima pra notar essas coisas, Mark...! Tem certeza...? – olhava para dentro da casa apreensiva, mas estava quase saindo.
- Não sai, não sai...! – Eu torcia em esperança, enquanto o trouxa do Dean só dava risada ao meu lado.
- Tenho! Vem cá, ninguém vai saber...! – Ele estendia os braços, pronto para recebê-la. – Não vamos voltar muito tarde! Além disso, não tenho medo da sua irmã...!
Com isso, deu uma risadinha e concordou, pulando pela janela. Dean, ao meu lado, imediatamente fechou a cara e ficou observando aquele tal de Mark de maneira pasma.
Eu queria ter rido dele. Mas o fato de que estava escapando com aquele cara, por mais que fosse uma memória de anos antes e eu não tivesse o direito de julgar, fez com que algo dentro de mim se acendesse com algo próximo de raiva.
Sim. Eu estava com ciúmes do namoradinho de faculdade da . Me julguem.
- Pois você deveria ter... – Com essa frase, deu um beijo rápido nos lábios de Mark e eu quis morrer enquanto o Dean somente começava a rir. – Ela não é de se brincar. Mas deixando isso de lado, aonde vamos?
- Aonde você quiser, minha princesa. – O cara disse da maneira mais bajuladora possível. riu, as bochechas levemente vermelhas.
Era oficial: eu não gostava do tal de Mark. Queria que ele morresse.
Enquanto Dean estava aproveitando aquilo como se fosse o filme do sáculo.
- Então vamos... Para lá!
Apontando para qualquer lugar, começou a guiar Mark na direção mostrada.
Após algum tempo, surgiu na janela, observando silenciosamente enquanto os dois se distanciavam na escuridão.
- Eu não gosto desse cara... – Ela suspirou cansada, encostando a janela para que pudesse entrar novamente e fechá-la quando retornasse.
Nunca na minha vida concordei tanto com a .
E fomos jogados em mais uma memória.
Estávamos na casa de alguém, enquanto dois caras conversavam animadamente entre si. De repente, surgiu da cozinha com mais um cara, ambos carregando engradados de cerveja.
- Ok, galera! Assunto importante que temos que discutir! – Ela declarou enquanto colocava o engradado na mesa de centro e todos prestavam atenção.
- Ah, claro! Ela jamais convocaria uma reunião da banda se não fosse importante! – Um deles comentou e todos já deram risadas. se sentou no braço de uma poltrona, abrindo uma garrafa de cerveja e lançando um sorriso com uma piscadela para os três.
- Claro. Eu não brinco em serviço, amor. – Eu só podia sentir o Dean começando a ficar com ciúmes ao meu lado.
Pois é. Tudo que vai, volta. Eu nem ficava chateado com aquilo.
- Precisamos falar sobre a música de abertura da festa de Halloween...
- Então, eu tava pensando... – Um outro cara começou a falar e imediatamente falou por cima dele.
- Vai ser Immigrant Song. Ponto final. Sem discussões.
Os outros integrantes da banda só ficaram encarando-a por alguns segundos, em completo silêncio.
- Sabe... – O mais alto e silencioso comentou entre um gole da cerveja. – É por isso que a sua irmã te odeia.
E os quatro explodiram em risadas.
- O quê?! – Eu e Dean dissemos ao mesmo tempo, franzindo as sobrancelhas. A odiar a ?! Nunca iríamos imaginar algo como aquilo.
- Eu só faço o que faço pelo bem dela. – deu de ombros, suspirando em seguida e tomando um gole de cerveja. – Quantas vezes já a salvei de quebrar a cara?
- Às vezes as pessoas precisam quebrar a cara, amor. – Um cara com baquetas nas mãos comentou enquanto brincava com as mesmas. – Você sabe disso melhor que qualquer pessoa. Devia deixar com que a quebrasse a cara um pouco pra começar a te valorizar.
- Pois é, eu sei... Amor. – E o olhar de era puro fogo enquanto o sorriso escorria escárnio. – Mas acontece que eu sou trouxa e tenho o coração mole por quem é minha família. Não consigo deixar com que ela se ferre.
- Você tá de olho naquele tal de Mark, não é? – O guitarrista, que dedilhava qualquer coisa em um violão que anteriormente estava silencioso ao seu lado, perguntou de maneira soturna.
imediatamente ficou quieta e abaixou a cabeça, pensativa. Aquela não era uma reação muito comum – eu e Dean estávamos estranhando muito.
- Eu... Tô com um mau pressentimento.
Todos imediatamente caíram em um silêncio mórbido.
- O que foi, ? – O cara silencioso apoiou a mão no joelho dela.
Ah, sim. Dean quase foi lá arrancar o braço dele fora.
- Eu te conheço e sei como você é com esses sentimentos. – Ele completou, parecendo que a tocava para dar mais segurança. – Você é sensitiva, não importa o que me digam para acreditar ao contrário. O que houve?
- Ele não é bom. Tem alguma coisa errada naquele cara e eu não faço ideia do que seja. – suspirou, incomodada. – Isso me tira do sério. Toda vez que eu vou abordar o assunto com a , ela acha que eu estou sendo idiota com a minha mania mística, que coisas sobrenaturais não existem, que não há nenhuma força maior nesse mundo, que eu sou tonta e gosto de chamar atenção com as minhas intuições. Mas há algo de errado nele. E eu estou preocupada com a segurança da minha irmã, porque quando ela abrir os olhos, pode ser tarde demais.
Nós somente trocamos olhares, ainda em silêncio. Elas nunca tinham nos contado sobre aquilo.
Repentinamente, fomos levados à outra memória. Estávamos em um salão de festas com decorações de Halloween, várias pessoas fantasiadas bebendo e dançando – uma festa típica de faculdade.
- Mas já?! O que aconteceu?! A veio com...? – Dean ia continuar com o surto se não tivéssemos ouvido o barulho de um sino ecoando de maneira espectral pelo lugar.
- O que é isso...? – Eu perguntei já desconfiando de tudo que pudesse acontecer, ainda mais depois daquela conversa em que disse que não confiava naquele Mark.
Ninguém confiava nele. Só a . Sabe-se lá o motivo.
As luzes no palco se acenderam e a silhueta da banda surgiu em formas negras entre a luz branca coberta de névoa. O sino soou mais uma vez e, com uma explosão, começaram a tocar Immigrant Song.
A luz do palco finalmente iluminou a banda e não pude deixar de ficar impressionado e piscar algumas vezes. tinha uma presença de palco digna de uma estrela de rock.
E quando me virei para falar com Dean, encontrei a criatura de boca aberta quase a ponto de chorar.
Não tinha como ele se apaixonar ainda mais por ela. Era humanamente impossível.
- Dean?
- Quê...? – Ele nem olhou para mim. Só continuou lá, com os olhos fixos em na sua melhor versão morta viva de Robert Plant.
- Eu vou procurar a e ver se está tudo bem. Quero ver que fim levou aquela história do Mark.
Eu teria falado mais alguma coisa se Dean não estivesse tão absorto. Falar com ele era inútil, então saí procurando pela festa. Pelo que elas disseram, não tinham um relacionamento tão próximo assim e uma se irritava constantemente com a outra. Procurei por longe do palco – por mais que não quisesse admitir, ela estava na faculdade e saindo com um cara, então era necessário ver os locais mais quietos em que pudessem passar um tempo sozinhos. Mas ela não estava em lugar algum.
E foi aí que a encontrei perto do palco, cantando ao lado de Mark e torcendo pela irmã. Apontando para , praticamente gritava a letra da música. Colocando um dos pés em cima de um amplificador e apontando para , respondeu na melhor voz que tinha.
Aquilo me incomodava. Nunca soube da vida que elas tiveram antes de se tornar caçadoras – falava uma coisa ou outra, mas era um túmulo. Ver aquilo me fazia entender o porquê elas evitavam falar: deviam morrer de saudades. era uma das garotas mais bonitas da faculdade, provavelmente popular e com todas as possibilidades do mundo pela frente. já era forte e destemida, com uma presença intimidadora, apesar de não muito simpática – e provavelmente já deveria ter um plano traçado de tudo que queria fazer.
Por algum motivo, tudo aquilo saiu dos trilhos e elas acabaram num Impala velho comigo e com o Dean matando um monte de criaturas sobrenaturais.
Voltei até a criatura que não parava de babar pela o mais rápido que pude, antes de começar a divagar muito no assunto e ficar melancólico – o que acontecia com certa frequência.
- Dean, achei a ! Ela está com o tal de Mark!
- Bom, era de se esperar. A nunca foi de ficar fazendo o que mandam. – Dean deu de ombros, sem desgrudar os olhos do palco.
Mal tínhamos notado que várias músicas haviam se passado e finalmente anunciou a primeira pausa antes de voltarem para o palco.
- Acho melhor ficar perto delas. Estou com o sentimento de que algo aconteceu nessa noite.
- Sam, é Halloween. – Dean respondeu como se fosse óbvio, já começando a andar no caminho que eu havia indicado. – Tudo que pode dar errado acontece no Halloween.
Tentei responder algo, mas Dean tinha razão. E aquilo só se comprovou quando vimos descendo do palco e a abraçando animadamente. abriu um enorme sorriso e pulou junto com a , claramente animada com o show daquela noite.
Então o que deu de errado?
Mark apareceu para cumprimentá-la.
imediatamente fechou a cara e o cumprimentou secamente. Com um sorriso que não disfarçava nem um pouco o que ela estava pensando, puxou para um canto mais silencioso, próximo de onde estávamos.
- , você ainda tá com esse cara?
- , não começa. Você não pode falar nada se engraçando com o seu baixista esquisito. – rolou os olhos e Dean imediatamente ficou em choque.
- Primeiro, eu não estou me engraçando com ele. Segundo, ele não é esquisito. – cruzou os braços e falava com toda a propriedade do mundo. – Terceiro... Eu e o Hollywood temos um relacionamento um pouquinho complicado, que você nunca se deu ao trabalho de entender ou pelo menos querer sentar comigo para ouvir o que nós passamos. Então, por favor, não o compare com um cara que você conhece há um mês e não tem intimidade nenhuma.
- E qual o tipo de intimidade de vocês, hein? Ficar escrevendo músicas juntos enquanto bebem sentados no capô do carro dele?! – já estava nervosa e começando a sair do sério. – Você não tem o menor direito de se achar superior a mim e me dar lições de moral.
- Não me acho superior! E não quero dar lições de moral, sou a última pessoa que pode fazer isso. – suspirou, passando a mão pela testa. – Não acho que ele seja uma boa pessoa, só quero que você tome cuidado.
- E o Hollywood é uma boa pessoa, por um mero acaso?
- Ele tem o melhor coração que já vi na minha vida. – imediatamente tomou uma postura protetora que eu só vira se manifestar antes quando ameaçavam . – O assunto não é o Hollywood. Deixa ele em paz.
- Só vou deixar o seu namorado esquisito em paz, quando você deixar o meu. – respondeu secamente e rolou os olhos. – Eu vou aproveitar a festa com o Mark. Se você quiser, pode vir com a gente. Se não, fica com a sua banda e não incomoda.
Dizendo isso, deixou sozinha no canto da festa. Em um acesso de raiva controlado, deu um rápido soco na parede, escondendo a mão logo em seguida enquanto respirava fundo.
Segurei o braço de Dean quando ele se movimentou para ir falar com ela. No mesmo momento, o tal do Hollywood se aproximou de , repousando uma mão sobre o ombro dela e se aproximando o máximo que podia do rosto da moça. Dean imediatamente franziu as sobrancelhas.
- , você não pode obrigá-la a te escutar. A já é grande e sabe tomar as próprias decisões. – Ele comentou enquanto acariciava o ombro dela levemente.
- Eu sei... Mas é o meu dever tentar impedir uma péssima decisão.
- Você não pode salvar todo mundo. – Com essa frase, Hollywood deu um beijo no topo da cabeça de . – “Não pode chover para sempre”.
- Sabe, você está perfeito como Corvo essa noite. - Ela abriu um enorme sorriso, virando-se para ele em seguida. – Vamos voltar para o palco?
- Sempre que você quiser. – Hollywood piscou para ela e, segurando a mão de , caminhou com ela para o segundo período da noite.
- Ela tinha um namorado. – Dean estava estarrecido. – Ela. Tinha. Um. Namorado.
- Sabe como se chama isso? – Perguntei com um pequeno sorriso no rosto. – Vingança divina. Vai rir de mim agora, seu palhaço.
Em seguida, fomos levados para outra memória como um solavanco.
estava dançando animadamente com os caras da banda, até que alguém a chamou. Falaram algo no ouvido dela e o sorriso da logo se transformou em uma expressão séria. Percebendo o que havia acontecido, enquanto ia para um canto com a garota que a havia chamado, Hollywood a seguiu de perto.
- Como assim ela sumiu? – perguntou imediatamente, as mãos na cintura.
- A estava aqui na festa, tudo ok! De repente, não conseguia mais encontrá-la em lugar nenhum! – A moça respondeu e mostrou o celular em seguida. – Tentei ligar, mas ela não me atende! O telefone cai em caixa postal direto! Algumas pessoas...
Em seguida, a moça ficou em silêncio.
- Algumas pessoas...? – Hollywood perguntou novamente, lançando um olhar certamente intimidador.
Era por isso que a tinha se apaixonado por ele. Eu tinha certeza.
- Algumas pessoas a viram deixando a festa com o Mark e ele... – A garota respirou fundo antes de olhar nos olhos de . – Disseram que ele a carregou para o carro e foi embora.
- O quê...? – E o tom de era positivamente assustador. – Bom... Obrigada. Pode deixar que eu cuido das coisas daqui em diante.
- Eu vou tentar achá-la. Se souber de algo, te mando mensagem. – E a moça foi embora antes que a mordesse.
- Quer que eu vá junto com você? – Hollywood perguntou após alguns segundos de silêncio.
- Não. Eu preciso fazer isso sozinha. É minha irmã. – respirou fundo e tirou o celular do bolso. – Faz uma busca aqui pela festa. Eu vou atrás dela como conseguir, vou tentar achar o carro daquele embuste.
- Ok. – E, com isso, Hollywood entregou um par de chaves para ela. – Eu sei que você bebeu e eu também. Mas você vai precisar de um carro, . Dirija com cuidado e tenta não fazer nada de perigoso. Se precisar de qualquer coisa, literalmente, me liga e me fala onde você tá. Eu vou atrás de você, não importa onde seja.
- Obrigada. – Ela deu um pequeno sorriso. – Eu prometo que devolvo seu Ninety-Eight sem nenhum arranhão.
Eu fiquei sem palavras enquanto ela dava um rápido beijo em Hollywood. Quando olhei para Dean ao meu lado, encontrei-o tão indignado quanto eu.
- Cara.
- Não.
Eu tentava falar com o Dean, mas ele estava em completa negação.
- Cara.
- Não.
- Dean...
- Já disse que não! – Dean praticamente bufou enquanto seguíamos enquanto ela entrava em uma casa claramente abandonada. – Não quero falar disso! Não é possível que o Ninety-Eight que ela ama tanto...!
Ele parou de falar no mesmo momento e não podia culpá-lo. Nunca achamos que aquele carro teria uma importância tão grande. Claro, sabíamos que elas eram apegadas ao Ninety-Eight – principalmente a – mas não esperávamos aquele significado.
- O que você está fazendo com a minha irmã, seu filho da puta doente?! – E acordamos dos nossos pensamentos quando deu esse berro.
Mark estava sentado em uma poltrona velha e quase se desmontando, enquanto estava ajoelhada em frente a ele, de frente para a porta, os olhos mal abertos enquanto sangue escorria em escarlate de seu pescoço, pingando no chão. Mark desgrudou os olhos de , mas não os dentes: ela olhou para quase sem forças, porém como se implorasse ajuda.
Foi esse o momento em que a vida delas degringolou.
- Ah, ... Veio aproveitar o show depois de fazer o seu? – Mark perguntou de uma maneira sarcástica, a boca inteira manchada de sangue. Os dentes de vampiro se retraíram aos poucos enquanto ele ria. – Sabe, você tinha um ótimo motivo para não gostar de mim. Estava certa o tempo todo e a devia ter te escutado. Mas, pra minha sorte, vocês duas não sabem ficar sem discutir.
- Eu não sei o que você é, nem se isso é real... Mas solta a minha irmã. – A respondeu quase em um rosnado.
O pior de tudo era não poder fazer nada. Eu estava quase jogando tudo para o alto a fim de ir bater no tal de Mark pessoalmente, mas Dean segurou meu pulso, sem desgrudar os olhos da cena. Era como assistir a um filme da vida delas.
- E se eu não soltar? Você vai fazer o quê? – Mas, no momento em que ameaçou ir para cima dele, Mark segurou a cabeça de com uma das mãos, ameaçando virá-la. – Um movimento e eu quebro o pescoço frágil de humana da sua irmãzinha.
- Não é possível... – sussurrou. – Coisas... Não existem.
- Ah, existem, minha querida. E eu sou uma delas. – Mark piscou para ela, sorrindo maquiavelicamente logo em seguida. – Diga. O que sou eu?
- Não é possível.
- Diga, . Agora.
- Não. – Ela levantou a cabeça, lançando um olhar arrogante e orgulhoso. Eu quase podia ver Dean sorrindo ao meu lado e murmurando um “essa é a minha garota”.
- Acho que você não a ama tanto assim... – Mark começou a virar a cabeça de , que deixou uma lágrima escorrer pelo rosto enquanto dava um pequeno gemido.
- ... – Ela quase implorou, cansada demais para dizer qualquer outra coisa. Aquilo partiu meu coração.
- Vampiro. – praticamente cuspiu a palavra o mais rápido que podia. – Você é um vampiro.
- Exatamente, meu amor. E sabe o que vampiros fazem? – Mark deu uma pequena risada de escárnio. – Comem humanos. Fique quietinha aí enquanto eu acabo com a sua irmãzinha e parto pra você, ok?
fechou as mãos em punhos, respirou fundo e, quando ele se aproximava novamente do pescoço de , os olhares delas se cruzaram. Como se preenchida de coragem, ela saiu correndo na direção deles – sem plano, sem possibilidades de ganhar, nada. Somente com um instinto de salvar a vida de quem ela amava, assim como Dean sempre fez.
Mark se levantou imediatamente, empurrando para o lado e fazendo-a cair no chão com um gemido. até conseguiu acertar um ataque nele, mas Mark facilmente a segurou pelo pescoço com sua força além do normal e conseguiu mordê-la no ombro – ameaçando arrancar um pedaço. Só não o fez, pois , enquanto gritava, bateu no rosto de Mark o máximo que pôde e, incomodado, ele a jogou longe – fazendo-a escorregar pela sala e bater com as costas em uma cadeira podre, que se despedaçou em vários pedaços sobre a moça.
- O que você achou, hein?! – Mark abriu os braços enquanto perguntava. – Que uma humana ridícula como você podia me machucar? Você nem sabe como me matar!
- Por sorte, eu sei. – E nós conhecíamos aquela voz.
William surgiu das sombras com a espada de prata que sempre carregava. Com o olhar brilhando em vermelho, ele rapidamente atacou Mark.
Enquanto os dois lutavam, se arrastou silenciosamente e com um pouco de dificuldade até , ignorando o machucado no próprio ombro que deixava um rastro de sangue pela sala. Chegando até a irmã, sentou-se, apoiando à parede, e a tomou nos braços, fazendo-a se levantar um pouco.
- ... Ei, ...! – Ela chamou com cuidado, fazendo abrir os olhos. – Tá tudo bem?
- ... – E, assim que a viu, começou a chorar, as lágrimas escorrendo cada vez mais. – Desculpa, eu deveria... Desculpa...!
- Ei, não, não... Fica calma, tá tudo bem... – sorria, tentando acalmá-la, porém preocupada com o machucado no pescoço de .
Sem se importar, ela tirou a própria blusa e colocou no pescoço da irmã, tentando estancar o sangue.
- Eu não sei o que tá acontecendo, mas vou nos tirar daqui, tá? – Ela sussurrou, enquanto concordava com a cabeça. – É uma promessa. Vamos?
- Vamos. – respondeu decididamente e ambas começaram a se esforçar para se levantar.
Porém, no mesmo momento, William foi jogado na parede ao lado delas com um baque, quase rachando o concreto em dois. Ambas deram um pequeno grito e acabou ajoelhada novamente no chão. A espada jazia perto dos pés de e William parecia um pouco atordoado.
- Não esperava por essa, né? – Mark deu uma risada escandalosa, andando pela sala como se estivesse sob o efeito de alguma droga. – Vamos! Agora que está ficando interessante!
- Ei...! – chamou William, ajudando-o a se ajoelhar. Ele claramente não conseguia respirar e, quando ela viu o motivo, ficou observando-o em choque: William tinha uma estaca de prata cravada no peito. – Você...! Você...!
- Me ajuda pra eu poder ajudar vocês...! – William respondeu praticamente sem voz, não conseguindo arrancar a estaca sozinho. – Tira isso de mim...!
- Mas você...!
- Você tem alguma ideia melhor?! – Mas claro, para ficar bravo, William conseguia falar muito bem.
Respirando fundo enquanto Mark quebrava algumas coisas da casa e gritava “vamos, quem vai brigar comigo” entre risadas maníacas, segurou a estaca com ambas as mãos e a arrancou do peito de William.
O vampiro praticamente gritou, caindo no chão e retomando a respiração. tentava ajudá-lo a se reerguer, mas William estava muito fraco.
- Eu achei que você ia nos ajudar...! – comentou chorando, já não vendo esperanças para sair daquela situação.
- Como? – perguntou imediatamente, a voz decidida enquanto segurava William pelos ombros.
- Como...? – Mas, no momento que os olhos vermelhos de William encontraram os de , ele entendeu a pergunta. – Você tem que cortar a cabeça fora.
Erguendo a cabeça decididamente, se levantou e pegou a espada de prata que jazia no chão. Mark notou a movimentação e se colocou em posição de ataque.
- Então é você? Menos mal. Pelo menos acabo com você antes! – Ele comentou, correndo na direção de .
Sem saber muito bem o que estava fazendo, ela gritou para ganhar coragem e atacou, machucando o braço de Mark. Desnorteado com o corte, aproveitou o momento para chutá-lo na barriga e, assim que ele cambaleou para trás, ela não pensou duas vezes: chutou novamente para que Mark se curvasse e, com alguns golpes cheios de esforço e um tanto complicados, a cabeça dele rolou pela sala.
ficou parada no meio da sala, a espada em mãos, o rosto coberto de sangue. Ela estava em choque, como todo bom caçador fica após sua primeira morte. cobria a boca com as mãos, encarando a cabeça de Mark e a irmã imóvel. William se levantou com um pouco de dificuldade, aproximando-se a fim de pegar a espada de volta.
- Todos ficam assim após a primeira vez. – Ele comentou silenciosamente, repousando uma mão no ombro de . Logo em seguida, estendeu a outra gentilmente. – Pode me devolver a espada. Você não precisa mais disso.
devolveu sem nenhuma palavra. Completamente recuperado, William pegou no colo assim que ela desmaiou. Com ela nos braços, aproximou-se novamente de .
- Sua irmã precisa de um médico. Tenho um amigo que pode ajudar e não irá fazer perguntas.
- Ok. Vamos. – Ao mencionar , acordou de seu estado de choque.
Ambos foram até o Ninety-Eight e colocaram no banco de trás. Tirando a camisa, William a entregou para a fim de que ela não andasse pela rua sem blusa. No banco de carona, ele a guiou até a casa do amigo que podia ajudá-las.
Dean e eu não dissemos uma palavra.
- Você tem certeza?
Estávamos do lado de fora da casa de e . Ela saía pela janela com uma enorme mochila negra nos ombros enquanto William a aguardava, sentado no capô do Ninety-Eight.
- Sim. Se eu me despedir, vai ser pior. – respondeu de maneira resoluta. – Você disse que esses caras vivem em bando, certo? Que eles vão vir me caçar e matar toda minha família se me encontrarem aqui?
- Exatamente.
- Então. É melhor que achem que eu não tenho vínculo algum com ninguém. – Ela colocou a mochila no porta malas e suspirou, colocando as mãos na cintura. – Minha família não pode ser colocada em risco.
- Ok. E quanto ao seu namorado?
abaixou a cabeça, respirando fundo. Quando olhou novamente para William, tinha um olhar resoluto e sem lágrima alguma.
- Preciso deixar uma música para ele. Estávamos escrevendo juntos e quero que eles deem andamento nisso mesmo sem mim. – Ela pensou durante mais alguns segundos. – Por que você está me ajudando?
- Você me lembra alguém que eu amo. – William respondeu com um pequeno sorriso nos lábios. – E ela gostaria de ter alguém para ajudá-la a proteger a própria família. Vamos?
nem respondeu, simplesmente entrou no Ninety-Eight, fazendo sinal para William entrar.
Fomos levados para a outra memória tão rapidamente, que mal percebemos o que houve.
Eles já estavam deixando a porta da fraternidade na qual Hollywood morava, a carta no chão enquanto alguém se aproximava correndo. Quando o carro partiu pela noite, a porta se abriu e Hollywood pegou a carta que jazia perto dos pés. Entramos correndo atrás dele na casa, encontrando o resto da banda aguardando ansiosamente.
Hollywood começou a ler a carta em silêncio, até que um dos amigos se manifestou e bateu no braço dele para que lesse em voz alta.
Hollywood respirou fundo antes de deixar as palavras saírem.
- “Acredite, Hollywood, nada é trivial. As pequenas coisas importam e eu agradeço cada momento que vivi com vocês, cada música que tocamos. Gravem a música que eu deixei anexada nessa carta, por favor. Não pode chover para sempre. Prédios queimam, pessoas morrem, mas o amor verdadeiro é para sempre”. – A voz dele ficou embargada e por um segundo, achei que Hollywood ia chorar e borrar a maquiagem preta e branca. – “Se as pessoas que amamos são roubadas de nós, a maneira de fazê-las viver é nunca deixar de amá-las. Eu te amo, Eric. Por favor, nunca se esqueça da sua Shelly, mas me deixe ir”.
O silêncio caiu na casa, enquanto Hollywood começou a chorar em silêncio. Alguns momentos se passaram até o baterista se manifestar.
- Ela não foi embora pra sempre... Foi?
- Ela colocou um monte de referências ao filme do Corvo. E se chamou de Shelly. – Hollywood respondeu com a voz embargada. – A foi embora. Não sei o motivo, mas ela foi embora.
Aquele momento se dissipou no ar até encontrarmos e , sentadas na grama verde do campus da faculdade, almoçando alguns lanches casualmente e rodeadas de livros enquanto observavam os outros alunos que também passavam o tempo calmamente. sorriu enquanto fechava os olhos, aproveitando o sol que batia no rosto.
- Ele era um cara legal. – comentou suspirando. – Você queria ter ficado com ele?
- Se tivesse ficado, não teria conhecido o Dean. – E olhou para a irmã, sorrindo para ela em seguida. – Além disso, ouvi que o Hollywood achou uma mulher legal, que se importa com ele. Já chegou a falar em algumas entrevistas de um grande amor da época da faculdade, mas sempre comenta que ela morreu em um acidente de carro enquanto dirigia o Ninety-Eight dele.
- Essa história é sobre você?! – parecia indignada, sorrindo quando concordava orgulhosamente com a cabeça. – Nossa! Nunca achei que teria tanta importância! Mas eles gravaram a sua música, né? Devia esperar por algo assim.
- É, gravaram. Gosto de escutar quando toca na rádio... – suspirou, cruzando as pernas e apoiando-se nos cotovelos. – Me lembra do que poderia ter sido, mas me dá muito orgulho também.
- Eu também penso no que poderia ter sido, eu tinha tanta coisa planejada... – olhou para o céu, suspirando. – Mas, é o que você disse, não teria conhecido o Sam. Não me arrependo de ter te seguido na semana seguinte.
- Fico impressionada que você me achou. O William era muito bom de despistar pessoas!
- É porque ele não sabia dos meus dotes de investigação!
Dizendo isso, as irmãs trocaram olhares e começaram a rir. Quando ficaram em silêncio, simplesmente aproveitavam o sol e a comida.
- ...?
- Hmmm?
- Você quer ficar aqui?
Novamente, ambas ficaram em silêncio. Eu e Dean prendemos a respiração, aguardando o momento oportuno para agir.
- Não sei... Acho que seria bom ter um pouco de paz, pra variar um pouco...
- Eu também acho...
- Mas. – E cortou , que imediatamente olhou para ela. – Temos o Dean e o Sam. Não sei se estou pronta para abandoná-los.
abriu a boca para responder, mas achei que era o momento certo para intervir. Caminhando decididamente até as duas, Dean me seguiu logo que comecei a falar.
- Não pensem em nos abandonar, por favor! – Comentei imediatamente, chamando a atenção delas.
- Vocês estão no nosso paraíso? – perguntou confusa, sorrindo em seguida. – Realmente devem ser a melhor coisa que aconteceu conosco!
- O Cas nos trouxe aqui, ! – Dean finalmente se manifestou. – Vocês estão morrendo! Se não saírem disso, vão morrer de verdade!
As irmãs trocaram olhares.
E pude sentir a indecisão em seus olhos.
- Eu sei o que pode parecer. Que vocês finalmente terão paz, mas por favor, escutem! – Comecei a falar o mais rápido que pude para que elas não pudessem nem pensar duas vezes. – Nossa vida não é fácil e provavelmente não poderemos dar o melhor de tudo, mas vamos nos esforçar ao máximo para termos uma vida normal! Podemos nos aposentar, podemos parar. Podemos tentar viver como casais de verdade, sem essa maluquice que passamos todos os dias!
- Sim. Podemos nos aposentar. – Dean disse seriamente ao meu lado, estendendo uma mão para . – Podemos e, se é isso que quiserem, vamos parar. Já está mais do que na hora de termos uma vida normal, como casais normais. Provavelmente não vamos nos ajustar nunca, mas vamos tentar. Não desistam da gente.
Sem pensar duas vezes, segurou a mão de Dean. Estendi a minha mão para e, assim que senti os dedos dela tocando os meus, fui transportado de volta para a casa do Bobby com um baque.
foi a primeira a abrir os olhos, tossindo fortemente enquanto as feridas voltavam a sangrar. Castiel correu na direção dela, enquanto eu e Dean tentávamos nos situar novamente onde estávamos. Em algum momento, ele e Bobby a moveram para o sofá perto de e tentavam fazer de tudo para trazê-las de volta.
- Oi, . Não se preocupe. Eu vou cuidar de você. – O anjo disse com uma voz afável, tentando acalmá-la.
- Não. Não... – mal conseguia falar, afastando as mãos de Castiel de si. – Salva... A antes. Por favor, Cas. Ela antes, não eu...
- Ela não está acordando, . – Bobby tentou ser o mais calmo possível.
Ou seja, menos grosso.
- ... – chamou, estendendo uma mão na direção da irmã. – ...! Acorda, por favor...! Você tem que abrir os olhos... Se tem alguém que merece uma vida normal, esse alguém é você, não eu... . Acorda pra mim. Por favor, irmãzinha... Abre os olhos...
Nesse momento, pareceu escutar o chamado e acordou, para o choque de todos nós. Cas ficou sem saber o que fazer, até apontar para com a cabeça.
- Ela antes, Cas. Sempre ela antes, não eu... – A moça sussurrou, fechando os olhos e respirando fundo para aguentar a dor.
Castiel foi até e começou o processo de curá-la. Nisso, Dean foi até , segurando-a nos braços e tentando estancar o sangue – o que a fez abrir os olhos novamente.
- A gente merece tentar uma vida normal. – Ele murmurou para ela, fazendo-a sorrir.
No momento que Castiel voltou-se para , corri até e sentei no chão ao lado do sofá, afagando os cabelos dela. Esperava, com todas as forças, que ela estivesse bem.
E tudo se confirmou quando ela abriu os olhos, sorrindo ao me encontrar.
- Hey, bonitão. – Lá estava a minha .
- Hey. – Respondi com um sorriso embargado de lágrimas. Ela estava viva. E tudo acabaria bem. – Como você está?
- Já tive dias melhores... – Ela brincou, fazendo-me rir enquanto as lágrimas insistiam em cair. – Mas estou aqui. E não vou embora muito cedo.
- Fico muito feliz de ouvir isso! – Assim, aproximei meu rosto, dando um rápido beijo em seus lábios salgados de suor. – Eu te amo, .
- Eu também te amo, Sam. – Ela respondeu de maneira cansada, fechando os olhos. – Tudo bem se eu descansar um pouquinho? Juro que não vou para lugar nenhum sem você.
- Tudo bem, meu amor. – Dei um beijo nos cabelos de , fazendo-a sorrir mais ainda. – Eu vou cuidar de você.
Quando ela adormeceu, olhei para Dean e . Ela estava mais difícil de se recuperar e nem eu, nem Cas, nem Bobby vimos o Dean chorando tanto na vida.
Elas dormiam placidamente enquanto eu, Bobby, Dean e Castiel nos encontrávamos sentados à mesa de jantar, bebendo whisky e completamente extenuados.
Naquele momento finalmente entendi médicos cirurgiões que dormem no primeiro canto que encontram quando terminam uma cirurgia crítica.
- Então... Como vocês as trouxeram de volta? – Bobby finalmente quebrou o silêncio com essa pergunta.
- Com uma decisão e uma promessa. – Comentei logo depois de respirar fundo, com a certeza de que aquele dia mudaria nossas vidas.
- O que foi que vocês disseram? – Castiel era o único que se encontrava sentado em seu canto, aparentemente inabalável, já no terceiro pacotinho de hambúrguer.
Era a maneira dele de se recuperar de todo aquele desgaste.
Dean tomou um gole de whisky antes de verbalizar nossa decisão.
- Nós vamos nos aposentar. – Ele finalmente disse, de maneira resoluta, causando choque tanto em Bobby quanto em Castiel, que parou de comer. – Está na hora de vivermos uma vida normal.
Não sei por quanto tempo passamos em silêncio, somente digerindo aquela afirmação.
Mas, quando nos observamos novamente, Bobby começou a sorrir.
- Eu tenho muito orgulho de vocês, meus garotos.
Era de madrugada. Tanto quanto Mary não conseguiam pregar os olhos naquele motel pequeno e mal iluminado: tinham a impressão de que algo surgiria da escuridão e as mataria no meio da noite. Portanto, tiveram a brilhante ideia de se sentar juntas com seus computadores e pesquisar sobre o que quer que fosse que tinha causado tudo aquilo.
, apesar do medo constante de escuro – que Dean e Jimmy faziam o favor de relembrá-la toda noite antes de dormir – tinha conseguido adormecer de tão cansada que estava. Mas, eram duas da manhã e lá estava ela: completamente descabelada, usando um shorts e uma blusa velha de Dean que era o dobro do tamanho dela como pijama e pálida como um fantasma.
Mary não queria admitir, mas deu um pequeno pulo ao ver a tia surgir daquela maneira. , por outro lado, continuou impassível – sem nem desgrudar os olhos da tela do computador.
- Que foi, ? – E a mãe da garota estava extremamente desinteressada, achando que a irmã ia falar algo nada a ver e voltar a dormir. O que não era incomum.
- Estamos olhando em todos os lugares, menos nos óbvios. – suspirou, finalmente chamando a atenção de . – Nosso diário, . Escrevemos tudo por lá. Se relermos, podemos achar algum caso que ficou com alguma ponta solta e achar o que está nos perseguindo.
franziu as sobrancelhas e deu um pequeno sorriso. Depois de tanto tempo convivendo juntas, elas tinham a habilidade de se comunicar sem palavras, como Mary já tinha observado. provavelmente estava dizendo “por que não pensamos nisso antes?” e estava respondendo “viu, eu disse que somos muito burras”.
- Mary, quem ficou com o diário? – se virou para a filha logo em seguida. – Você ou o Jimmy?
- O Jimmy.
- Ótimo, não somos tão burras assim... – suspirou e sorriu para a irmã. – Nossos maridos são.
- Já era de se esperar. – pegou o celular e discou um número enquanto se sentava à mesa enferrujada do motel.
Mary tinha a séria impressão de que aquela mesa ia se desfazer em poucos segundos, quando menos esperassem.
- Olá, amor da minha vida. – disse com um sorriso imenso nos lábios, no que Mary ouviu uma voz um tanto chocada do outro lado. – Também estou com saudades. Vou te colocar no viva voz, pega o Sam e o Jimmy e vamos fazer uma conferência aqui.
- Ok. – Elas ouviram a voz de Dean saindo do aparelho em seguida. – Todos aqui, linda. Diga, o que foi? Tudo bem por aí?
- Por que você acha que sempre que ligamos é porque algo de ruim aconteceu? – perguntou com um suspiro, apoiando na mesa, porém com um pequeno sorriso nos lábios.
Mary discretamente começou a segurar o móvel. Tinha certeza que aquele troço ia se autodestruir.
- Porque normalmente vocês estão em perigo quando nos ligam. – A voz de Sam ecoou pelo telefone. – Como você tá, meu amor? Tudo certo?
- Tudo certo, meu lindo. A Mary também está bem, tudo sob controle por aqui. – piscou, por mais que ele não pudesse vê-la. Sabia que Sam saberia de cor as reações naturais dela.
- Então ok. Por que vocês ligaram? – Dean resolveu ser mais direto antes que aqueles dois começassem a se derreter em si mesmos.
- O diário. Nosso diário. Ficou com o Jimmy, não? – perguntou imediatamente, querendo evitar a mesma coisa que o marido.
- Sim, mãe. Tá comigo, por quê? – O garoto perguntou e logo ouviram o barulho de algo sendo folheado. – Estive lendo alguns casos de vocês...
- Esse é o ponto, Jimmy! – Mary começou a explicar, mais empolgada com o fato de que ele tinha lido os outros casos da mãe e da tia do que finalmente desvendar aquele mistério. – Achamos que algum caso que elas contaram no diário tem a ver com o que está acontecendo agora!
- Faz sentido... – O garoto murmurou. – Mas, sinceramente, não sei nem por onde começar a procurar.
- Vamos juntar os fatos pra ficar mais fácil. – Sam finalmente se manifestou, tentando pensar naquilo de maneira lógica.
- Pronto. Lá vem a Grace Kelly com as colagens... – Dean suspirou, fazendo e rirem imediatamente enquanto Sam ficava com cara de paisagem e os filhos com cara de dúvida.
- Então... – E elas praticamente podiam ver o olhar de poucos amigos que Sam lançava para Dean. – Fatos: o que temos até agora? A com a mania da “escuridão está vindo”, o símbolo grego no porão do Bobby, algo forte o suficiente para enfrentar o Cas... Provavelmente uma força antiga, para poder se embater com um anjo.
- A gente não fez uma classificação de casos por criaturas, não...? – franziu as sobrancelhas para , tentando se lembrar, enquanto a irmã fez que não com a cabeça.
- Se fizéssemos, nosso diário ia parecer mais um grimório que qualquer outra coisa. – deu de ombros. – Optamos por algo mais informal. Mesmo assim... Não chegamos a enfrentar muitas criaturas gregas... Teve aquele caso do cara que era tipo um minotauro...
- E das musas gregas. – Dean disse rapidamente, no que ergueu uma sobrancelha, encarando o telefone.
- Disso você lembra, né, seu safado...?
Eles não conseguiram segurar as risadas. Apesar da tensão que havia nos ambientes, sempre arranjavam uma brecha para rir.
- Teve também aquele da medusa. – Sam se lembrou, suspirando enquanto o ouviam apoiar na própria mesa com um rangido. – Mesmo assim, nenhum desses parece ser algo grave o suficiente...
- Ah, nossa. – exclamou repentinamente e ficou quieta.
Quando a encararam, a mulher estava com a maior expressão de “como não notamos isso durante todo esse tempo?”, balançando a cabeça enquanto se lembrava.
- O que foi, tia? – Mary arriscou perguntar.
- As Hespérides.
O silêncio clarificador caiu entre eles como uma pedra – porém uma pedra que pesava uma tonelada de luz. Tudo fez sentido e caiu de volta no lugar: o caso das Hespérides.
- Que caso foi esse...? Ainda não li... – Jimmy folheava o diário incessantemente.
- Está mais para o fim do que para o começo, Jimmy... – suspirou, passando a mão na testa. – E é verdade. Foi aí que você começou com essa de “a escuridão está vindo”.
- Mas o que isso tem a ver...? – Mary também não via nenhuma clareza em tudo aquilo.
- As Hesperides são filhas do Érebo, personificação da escuridão. – Sam suspirou. Somente agora percebia como eles foram tão cegos com tudo aquilo.
- E esse cara não é nem um pouco simpático de se lidar. – Dean completou, folheando o diário e achando o caso que Jimmy queria, entregando-o de volta para o filho. – Esse cara nos deu uma boa dor de cabeça depois que matamos aquela Hesperide. Ele juntou várias bruxas para irem atrás de nós, né?
- E matamos uma por uma. – deu de ombros, assustando Mary com a própria frieza ao falar aquilo como se não fosse nada. – Se existe alguém que consegue juntar várias criaturas sobrenaturais e abrir uma “Temporada de Caça aos Winchesters”, esse alguém é o Érebo.
Todos ficaram em silêncio durante alguns minutos. Pensavam no que fariam com aquele tipo de informação – lidar com um titã tão antigo quanto Érebo não era fácil e definitivamente muito perigoso. Pensavam em como iam localizá-lo, se iriam atrás dele, se continuariam fugindo, onde deixariam Mary e Jimmy, se os levariam junto...
Qualquer atitude contra Érebo era morte certa – e não podiam envolver seus filhos naquilo.
- Bom, acho que todos estamos pensando nas mesmas coisas... – finalmente se manifestou, levantando-se da cadeira. – Mas a primeira coisa que temos que fazer é localizá-lo. , você ainda...?
- Sim, eu guardei o meu grimório... Vou pegar na minha mala. – A mulher suspirou, levantando-se da cadeira com um barulho não muito simpático.
- Mãe, você tem um grimório? – Jimmy franziu as sobrancelhas. – Isso não é um livro que as bruxas usam para anotar os seus feitiços e achados?
- É. Eu achei que ela tinha jogado fora. – E lá estava Dean praticamente rosnando.
- Por sorte a guardou e vai ser mais fácil para encontrarmos o Érebo. – Elas praticamente conseguiam enxergar Sam de braços cruzados lançando um olhar não muito feliz para Dean. – Todos nós guardamos coisas da época de caçadores. Não podemos julgar.
Mary espichava o pescoço para ver o livro antigo e estufado que a tia retirava da mala. A capa era de couro com vários desenhos dourados em padrões complexos – agora descascados. As páginas amareladas eram preenchidas à mão e algumas coisas ameaçavam cair de dentro do livro. o deixou sobre a mesa, empurrando para – que imediatamente começou a folheá-lo. Ambas tinham conhecimentos de magia e usavam quando necessário – assim como Dean e Sam – então, apesar daquele grimório estar com , era mais como um livro de achados compartilhados.
Mary estava maravilhada e curiosa. Sempre percebera, desde pequena, que tinha um dom – ou o que quer que fosse – para algo como Magia. Vendo a curiosidade nos olhos da filha, deu um pequeno sorriso.
- Quando tudo isso terminar, te ensino algumas coisas do nosso Livro. – Ela piscou para Mary, fazendo a garota sorrir.
Enquanto Dean e Sam pigarreavam do outro lado.
- Fiquem à vontade para nos queimar nas estacas quando voltarmos para casa. – deu de ombros. – Enquanto vocês morrem de inveja que são homens e nunca vão entender a real Magia.
- Sabe... Você é muito chata às vezes. – Dean comentou rispidamente, fazendo-as rir do outro lado da linha. Mary também se divertia com aquilo.
- Aqui, achei. – apontou para uma página velha do livro. – Feitiço de localização. Precisamos escrever o nome da entidade três vezes em um papel...
- , ... – chamou, imediatamente ganhando a atenção da irmã. – É melhor não falar muito. É capaz que eles fiquem impressionados.
- Eu não sou mais criança, mãe! – Jimmy se manifestou como se aquilo fosse completamente injusto, já que sabia que “eles” se referia à Mary e ele.
-Sei. Se eu estivesse aí, você ia grudar do meu lado na cama! – acusou imediatamente, fazendo-os rir.
Sem mais nenhuma palavra, ela e seguiram exatamente o que mandava o feitiço que tinham anotado. Em poucos segundos, estavam com um mapa das estradas dos Estados Unidos em cima da mesinha e atearam fogo no mesmo – sobrando somente um pequeno quadrado de papel com o nome de uma rua.
- Voilá. – disse com um sorriso, estendendo o papel para Mary. – Achamos Érebo.
- E agora? O que faremos? – Foi só Sam perguntar que o silêncio caiu entre eles novamente.
Passaram minutos sem se falar. Mary olhava da mãe para a tia, ambas em profundo silêncio enquanto pensavam. Dean e Sam também não trocavam palavras e Jimmy provavelmente estava tão confuso e ansioso quanto a prima.
Até que Dean finalmente suspirou e colocou as mãos na cintura.
- Acho que agora precisamos dormir. Não vamos conseguir mais nada com as cabeças cheias desse jeito. – Ele declarou, ganhando a concordância de todos. – Amanhã cedo nos ligamos e decidimos o que fazer. Juntos.
- Ok. Amanhã cedo. – assentiu com a cabeça e, após breves despedidas, o celular foi desligado e cada um foi para sua cama.
Porém, antes de conseguir pegar no sono, sentiu alguém puxando suas cobertas e entrando embaixo delas, aninhando-se perto do corpo da mulher. Abrindo os olhos, encontrou os cabelos de Mary, tão parecidos com os de Sam, enquanto a garota se encolhia contra ela.
- Não consigo dormir, mãe.
- Não tem problema. Eu estou aqui. – deu um beijo no topo da cabeça da filha e a abraçou, fazendo-a se sentir um pouco mais segura.
acordou antes mesmo que o sol nascesse no horizonte. Era como se tivesse um sentimento, como se soubesse que algo importante estava para acontecer. Ela se sentou na cama, pegando a faca de prata que deixava embaixo do travesseiro. e Mary dormiam pacatamente. Não havia nada além do mais absoluto silêncio do lado de fora. O céu começava a tomar um tom de azul mais claro – mas aquela inquietude no coração dela não anunciava que iria se dissipar.
Foi quando ela ouviu.
Aquele barulho era inconfundível.
Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela fazia o maior rebuliço para sair da própria cama e correr até o lado de fora.
- ...? – perguntou de maneira sonolenta, enquanto via a irmã lutando para sair dos edredons. largou a faca, nem colocou um sapato que fosse e saiu correndo de qualquer jeito, tropeçando no tapete barato do motel de segunda mão.
- Você ouviu?! – perguntou com o coração na boca, sentindo que ia desmaiar.
imediatamente começou a sorrir. Mary não entendia nada, porém a mãe somente a abraçou com carinho, afagando os cabelos da filha.
- Seu pai voltou. – Ela comentou simplesmente, enquanto escancarava a porta do quarto e tiveram a visão do Impala estacionando ao lado do Ninety Eight.
- Dean... Jimmy...! – nem tinha voz suficiente para exclamar.
- E aí, minha linda? Sentiu saudades? – Dean comentou logo que saiu do carro, o sorriso convencido estampado nos lábios. Em qualquer dia, teria vontade de arrancar aquele sorriso com tapas. Porém, naquele dia, estava feliz de vê-lo novamente.
- Claro que sim! – Ela correu até Dean, abraçando-o o mais forte que conseguia, beijando-o assim que teve acesso aos lábios do marido.
- Meu pai sempre...?
- Foi assim? – Sam completou a frase de Jimmy, que observava os pais um tanto surpreso. – Sim. Mas só funcionou na . Com todas as outras mulheres ele sempre teve má sorte.
E Sam se distanciou, pois, assim que apareceu à porta do quarto do motel, ele não pôde deixar de abraçá-la e beijá-la. Mary gritou o nome do pai e correu até ele, abraçando-o fortemente e fazendo questão que também se juntasse no abraço. A garota não queria largá-los. Nunca mais.
- Às vezes só funcionou com ela porque era isso que o Destino queria... – Jimmy murmurou para si mesmo, as mãos enfiadas no bolso da jaqueta de couro.
- Seu filho arranjou uma namorada, eu falei isso? – Dean comentou assim que se distanciou um pouco de , fazendo Jimmy rolar os olhos.
- Bom, então ele deu mais sorte do que você. – E a mulher piscou para o filho. – Puxou da mãe.
- Muito provavelmente. – Jimmy não tinha nem como refutar enquanto Dean somente rolava os olhos.
- Ok, assuntos à parte! – Ele pegou sua fiel arma no banco de motorista do Impala e fechou o carro, começando a caminhar com a família em direção ao motel. – Precisamos decidir o que fazer. Como vamos, como atacar e, o mais importante: como matar Érebo.
- Acho que não vamos conseguir matá-lo. Mas podemos trancá-lo de volta na jaula do submundo, assim como fizemos com Lúcifer. – Sam considerou enquanto a filha não desgrudava da cintura dele. Os olhos de Mary se arregalaram: eles tinham caçado até Lúcifer?
- Mais do que justo para mim. – abriu espaço enquanto entrava no quarto. – Isso é o que dá deixarmos pontas soltas! Mais uma lição para colocarmos no nosso diário, !
- Anotado! – exclamou, fechando a porta atrás de si assim que todos se reuniram dentro do quarto do motel.
Aquela era uma cena típica do mundo dos Winchesters: mapas jogados em cima da mesa, armas por todos os lados, trilhas de sal grosso às portas e janelas e a incerteza de que viveriam por mais um dia. Jimmy e Mary se sentaram na cama de e ficaram observando em silêncio, impressionados em ver seus pais em seu habitat natural. Pareciam não ter medo de nada, nem da própria Morte.
- Jimmy... – Mary suspirou, empurrando o primo de leve com o ombro. – O que você acha que vai acontecer hoje...?
- Sinceramente, não sei. – O garoto respondeu abaixando a cabeça, brincando com os próprios pés. – Pelo que lemos do diário, é isso: caçar, caçar, ser caçado e viver dessa maneira até morrer.
Aquela última palavra caiu entre eles com o peso de uma bigorna de ferro. Morrer. Era daquilo que tinham medo: até onde sabiam, aquela podia ser a última caçada dos pais.
E podiam notar aquilo nos olhos deles. A maneira como Sam observava enquanto ela explicava o plano e colocava uma mexa de cabelo atrás da orelha, o orgulho no olhar de Dean quando cruzava os braços e analisava os mapas seriamente, o jeito como fazia questão de ficar próxima de Sam após tanto tempo separados ou como ajeitava a arma de Dean no bolso de trás da calça jeans do marido. Tudo isso era um prenúncio que demonstrava o que eles mesmos esperavam.
Aquela podia ser a última caçada da Família Winchester.
- Mãe, você tem certeza...? – Mary perguntou com apreensão na voz enquanto observava colocar as últimas coisas na bolsa.
- Não, minha querida. Mas a vida não é sobre ter certezas. – respondeu e sorriu para a filha. – É sobre fazer alguma coisa.
Dizendo isso, envolveu a filha em um forte abraço. Mary imediatamente começou a chorar: a mãe jamais falaria aquilo em palavras explícitas, mas ela sabia que era uma despedida. Não estava pronta para deixá-la, não estava pronta para jamais ter os braços aconchegantes da mãe. Se pudesse, escolheria ficar com e com Sam pelo resto da vida.
- Eu volto, tá? É uma promessa. – comentou com a voz embargada e os olhos marejados de lágrimas.
Mal notaram que Sam enxugava as próprias lágrimas ao lado delas.
- Cuida do seu primo, ok? Vamos precisar que você seja a responsável aqui. – Sam comentou abraçando a filha logo que a soltou. A menina sempre se sentia protegida por todo o tamanho do pai. – Eu sei como é lidar com alguém como ele. Além disso, eu te amo, ouviu? Lembre-se sempre disso. Eu sou seu pai e não poderia ser mais feliz em ter tido uma filha exatamente que nem você. Amo tudo em você, Mary. Você faz jus à mulher que te deu o nome.
A garota chorava desconsoladamente em silêncio, encharcando a blusa do pai. Sam a afastou aos poucos de si, abaixando-se até a altura da filha e dando um beijo carinhoso na testa dela.
- E lembre-se sempre: você é uma Winchester.
Mary concordou com a cabeça, sabendo que nunca sentira um vazio tão grande quanto no momento em que viu os pais saindo do motel naquele dia.
- Você volta também, né mãe? – Jimmy perguntou de braços cruzados enquanto prendia seu rifle às costas.
A mulher simplesmente parou e encarou o filho durante alguns segundos, sem saber o que dizer. E ele sabia que a falta de palavras dela era porque não conseguiria prometer uma coisa daquelas.
- Mãe... – Pela primeira vez em anos, Jimmy perdeu a pose convencida e durona de sempre, falando em uma voz manhosa enquanto os olhos se enchiam de lágrimas.
abriu os braços e o filho não pensou duas vezes: a abraçou fortemente, com medo de que, quando a soltasse, a mãe desapareceria. Ele não estava pronto para perdê-la, para deixar de ouvir sua voz, de fazer os duetos de Led Zeppelin na cozinha de casa, de assistir filmes musicais obscuros enquanto Dean reclamava ou comer todo o chocolate que aguentavam ao som do filme de Willy Wonka. Jimmy não queria perdê-la e certamente não a soltaria.
- Eu farei meu melhor, querido. Isso posso prometer.
- Lembre-se de proteger a sua prima, ok? Se tudo der errado, vocês têm dinheiro: peguem o primeiro ônibus pra bem longe daqui, ok? – Dean perguntou seriamente e Jimmy tentou permanecer forte em frente ao pai. Mas o próprio Dean não conseguiu ficar sério por muito tempo, puxando o filho para um forte abraço enquanto as lágrimas ameaçavam escorrer dos olhos. – Eu tenho muito orgulho do homem que você se tornou, Jimmy. Você é alguém muito melhor do que meu pai criou e que eu era quando tinha a sua idade. Eu te amo.
fechou os olhos, deixando as lágrimas escorrerem. Todos eles sabiam que aquela era uma despedida.
O tempo passou. O dia foi perdendo sua luminosidade e o sol foi se pondo atrás das construções. Mary e Jimmy observavam em silêncio enquanto o tom alaranjado do céu dava espaço ao azul escuro.
Eles não ouviam nada.
Nenhum carro passava na rua. Nenhuma pessoa conversava nos arredores. Nem os passarinhos decidiram cantar naquele dia. O tempo parecia congelado enquanto os pais deles tentavam encarcerar a criatura mais poderosa e cruel que já tinham enfrentado de volta em seu calabouço no submundo.
Pensar em algo como aquilo antes de vivenciarem as aventuras com os pais seria definitivamente loucura. Agora, após presenciarem as criaturas sobrenaturais que existiam no mundo, Mary e Jimmy sabiam que estavam sendo extremamente lúcidos – além de que seus pais os pouparam da verdade exatamente porque aquela doía demais.
Era o destino de caçador. Era o fim inevitável do qual nenhum deles poderia escapar: morrer entre as garras de uma das criaturas que caçavam. Desde o dia em que colocaram as mãos naquele diário velho e empoeirado, os primos deveriam saber daquilo.
E desejavam ter trancado aquele caderno amaldiçoado a sete chaves. Sentiam como se tivessem liberado todas as coisas ruins do mundo ao abrir aquelas páginas emboloradas. Sentiam como se tivessem selado a sentença dos próprios pais. E aquilo doía.
- Não podemos ficar parados.
A voz de Mary irrompeu no silêncio do quarto, fazendo Jimmy levantar os olhos curiosos para ela.
- Está ficando escuro. Érebo é o titã da escuridão. Ele somente ficará mais forte.
- Eles devem ter chegado a pouco tempo, Mary. Se tudo foi de acordo com o plano, ainda estão tentando trocar uma ideia com o Érebo. – Jimmy suspirou enquanto apoiava os cotovelos nos joelhos. – Além disso, o que podemos fazer...?
- Podemos lutar pelos nossos pais! – Mary se levantou da cadeira em que estava sentada, indignada. – Podemos pegar em armas e atirar como se não houvesse amanhã, mas resistiremos! Somos Winchesters, Jimmy! Isso tem que servir de alguma coisa!
A garota jogou os braços para cima e virou de costas para o primo. Não queria que Jimmy a visse chorando – principalmente quando havia a perspectiva de nunca mais verem os pais na vida.
Mas, repentinamente, ouviu uma risadinha. E, quando se virou, Jimmy estava sorrindo.
- Somos Winchesters. – Ele concordou com a cabeça, levantando-se da cama com a mesma pose convencida de Dean. – E Winchesters morrem lutando.
Mary sorriu para Jimmy. Decididos, ambos pegaram o mapa em que os pais haviam deixado a localização de Érebo – caso os filhos precisassem fugir para longe, saberiam qual lado evitar. Porém, juntos, Mary e Jimmy pegaram em armas que passariam a chamar de suas e saíram do quarto – a noite quase começando a cair.
- Como vamos para lá? – Mary finalmente perguntou, observando o estacionamento do motel. – Nossos pais levaram os dois carros.
- Sorte sua que eu sei dirigir motos. – Jimmy piscou para ela e se sentou na moto mais próxima.
Mary somente ficou olhando enquanto julgava.
- Jimmy, não vai me dizer que você vai roubar...
- Mary, não temos tempo para morais de boas garotas. – O garoto respondeu com um olhar analítico e palavras rudes. – Você vem ou não?
Mas Mary somente sorriu. Sentando-se atrás do primo e segurando-se à cintura dele, colocaram-se a caminho do esconderijo de Érebo.
Estavam prontos para salvar seus pais.
Quando chegaram ao tal esconderijo de Erebus, não era nada do que esperavam. Os Winchesters estavam acostumados a lidar com criaturas que se enfiavam em lugares inóspitos e escuros, galpões em descampados que certamente serviam de desova de corpos para assassinos em série.
Erebus, pelo contrário, não poupara conforto. Estava afastado da cidade, sim, mas em uma enorme mansão de ébano e pedras escuras, decoradas com os mais ricos detalhes em ouro. Os quatro não puderam deixar de trocar olhares e erguer as sobrancelhas.
- Bom, pelo menos uma vez na vida tínhamos que ter um confronto em um lugar um pouco mais simpático. – comentou, fazendo-os dar rápidas risadas nervosas.
Sim. Pelo menos morreriam em um lugar que valesse a pena.
- Muito bem. Eu e o Dean vamos à frente e vocês guardam aqui fora. – Sam começou a arrumar as coisas, guardando o livro de encantamentos gregos de no bolso de trás da calça.
A mulher somente ergueu uma sobrancelha.
- Não era o combinado. Nós vamos junto com vocês, sempre. – Ela respondeu de maneira dura e alarmada, no que Dean imediatamente se pôs a falar.
- Se tudo der errado hoje, é bom que pelo menos alguém sobre para cuidar dos nossos filhos. – Ele não ficaria com rodeios: aquele não era o momento. – E vocês são melhores nisso do que a gente.
- Eu discordo. O Sam... – imediatamente resolveu refutar, porém Dean somente a segurou fortemente nos braços e a beijou.
A mulher nem pensou em não retribuir o beijo. Seguindo o irmão, Sam repousou uma das mãos no rosto de e a beijou em despedida.
E assim os irmãos Winchester se colocaram a caminho da entrada da mansão de Erebus.
- Eu odeio ficar parada sem fazer nada. – cruzou os braços e se sentou no capô do Impala. – É meu marido. Ele precisa de mim. E tenho que ficar aqui, como uma donzela que somente cuida dos carros.
não disse nada, somente se sentou ao lado da irmã. Ela tinha razão. Concordava cem por cento com o que dissera, mas sabia que os maridos também tinham razão. Era uma situação estúpida, na qual todos os lados estavam corretos e ela não sabia o que fazer.
O que era correto fazer em uma situação louca como aquela? Não havia um guia, não havia uma lição de seus pais ou de John Winchester. Muito pelo contrário: caçadores sempre tinham finais trágicos e eles não eram exceção – estavam caminhando para o desfecho da família Winchester que demorara a chegar, mas lá estava.
- Vamos lá, . – comentou decididamente, fazendo a irmã levantar os olhos a ela com curiosidade. – Vamos com eles. São nossos maridos. E se tudo der errado e hoje realmente for o último dia que temos na terra, nossos filhos sabem se cuidar. Mas não vamos abandonar nossos maridos à crueldade do destino tão facilmente.
imediatamente sorriu. Pegando as armas, as mulheres se colocaram a caminho da mansão.
- Se for pra morrer... – Ela começou a murmurar enquanto caminhavam.
- Morreremos juntos. – A irmã completou.
- Por favor, entrem. Não fiquem aguardando do lado de fora. – Uma voz grave e sem alma reverberou por trás de grandes portas de ébano logo que Sam e Dean se aproximaram. – Suas esposas logo se juntarão a nós, não se preocupem.
- O quê? – Sam franziu as sobrancelhas para Dean, porém as portas logo se abriram e lá estavam eles, frente a frente com Érebo.
Como era de se esperar, a decoração toda da casa era em ébano e ouro. Érebo se encontrava sentado em uma enorme poltrona de veludo negro logo ao fundo, observando-os com olhar altivo. Apesar disso, não passava de um humano: com longos cabelos negros, os olhos pareciam feitos da mais pura escuridão.
- Sabe. Pra um “titã” eu te imaginava um cara maior. – Dean comentou enquanto se aproximavam pelo longo tapete de veludo igualmente negro.
Sam teve que se controlar para não rolar os olhos. Os anos passavam, as pessoas mudavam, mas lá estava Dean sendo Dean. Como sempre.
- Ah, sim. Essa é só uma mera forma humana para não assustar mortais que morrem de medo de escuro. – E Érebo deu um sorriso que lhes causou certo desconforto. – Não quero incomodá-los com medo. Pelo menos não agora.
- E por que nós teríamos medo? – Sam tentava permanecer calmo em toda aquela situação, apesar de saber exatamente o que o titã responderia.
- Porque hoje a morte chegou para vocês, nas asas suaves da escuridão. – Ele se recostou em sua poltrona, fazendo um sinal para alguém que estava logo atrás deles. – Não tenham vergonha, entrem, por favor.
- Vergonha...! – A voz de ressoou incrédula pelo aposento e Sam e Dean se viraram imediatamente somente para ver as esposas caminhando destemidamente pela enorme sala até os alcançarem. – A única coisa que eu tenho vergonha é de você se fazendo de ridículo nesse pseudotrono.
- Muito melhor do que vocês se fazendo de caçadores e justiceiros da humanidade! – Érebo finalmente perdeu um pouco da sua aparente placidez, fazendo um movimento rápido com uma das mãos que bateu as pesadas portas de ébano atrás deles.
- Nós dissemos...
- Sabemos o que vocês disseram, Sam. E decidimos ignorar. – comentou imediatamente, a fim de que ele não começasse a reclamar. Não tinham tempo para aquilo.
- Muito bem... – E Érebo cruzou as mãos sobre o colo, parecendo um pouco mais recomposto. – Se vocês me encontraram aqui, já sabem o motivo dessa desenfreada caça aos Winchesters.
- Sim. Só não entendemos o motivo de envolver a nossa família toda. – Dean comentou cautelosamente, descansando uma das mãos sobre a fiel faca de prata. Se aquele titã surtasse e tentasse matá-los com um simples estalar de dedos, ele pelo menos tentaria algo. – Não havia necessidade de envolver nossos filhos em algo que nós fizemos.
- Ah, mas vocês fizeram exatamente isso quando mataram minha pequena e inocente Egéria. – Érebo tinha uma melancolia na voz que só poderia ser de um pai que perdera uma filha. E era exatamente aquilo que acontecera.
Antes mesmo de Jimmy e Mary nascerem, em uma das últimas caçadas antes de resolverem parar, eles se depararam com uma jovem extremamente bela, Egéria, vivendo feliz com seu marido. Estranhamente, qualquer ser humano que chegasse perto dele – fosse homem ou mulher – morria de maneira terrível, muitas vezes dilacerados por animais selvagens.
Egéria, ao que foram descobrir, era uma Hespéride, que controlava espíritos da natureza. Uma ninfa grega extremamente ciumenta, que matava todos que se aproximavam do homem que amava. Tentaram colocar um pouco de bom senso na cabeça dela, porém ela não os via como nada além de meros mortais. E foi nesse momento que tiveram que matá-la.
- Vocês se lembram da cruzada que fiz para matá-los, não? – Érebo comentou com um sorriso que parecia até saudosista.
- Sim. E matamos um por um daqueles que você enviou atrás de nós. – Sam respondeu de maneira dura, aproximando-se mais de . Instintivamente estava quase se colocando à frente dela para protegê-la se fosse preciso.
- Ah, sim, sim... – O titã respondeu como se aquilo fosse um pequeno detalhe que lhe causava desinteresse. – Eu desisti depois de um tempo também. Sabia que a minha vingança seria sentida por vocês somente mais tarde. Quando se unissem, criassem uma família, tivessem seus próprios filhos...
Os quatro finalmente congelaram no lugar e sentiram como se as almas tivessem deixado os corpos. Sabiam onde Érebo queria chegar com aquela conversa, mas ignoravam. Não queriam que fosse verdade. Queriam fechar os olhos e correr, impedir-se de matar Egéria tantos anos antes.
- Você sabia. – Ele apontou para , que sentiu as pernas formigando. – Você prenunciou durante muito tempo “a escuridão está vindo”. Você me viu naquele dia e eu fiz questão de que, durante anos, essa maldição a tomasse nos mais diversos momentos. Você teve visões, não? Do que eu irei fazer?
Os olhos de lacrimejaram. Ah, ela vira. Ela sabia. Não acordara chorando na madrugada por diversas noites em todos aqueles anos à toa – Jimmy e Mary choravam em seus sonhos, chamando pelos pais e pelas mães. Ela achava que era somente resultado de todos os horrores que vivera como caçadora, mas não. Era uma visão.
- E agora seus filhos estão sozinhos, não é mesmo?
Os quatro finalmente desgrudaram os pés do chão para procurar a porta mais próxima – todas, entretanto, estavam fechadas pela força de Érebo. Eles não podiam sair enquanto o titã não os autorizasse. E sabiam muito bem que não teriam autorização alguma enquanto Jimmy e Mary estivessem respirando.
- Agora vocês também saberão a dor de perder um filho.
- SEU DESGRAÇADO! – Dean foi o primeiro a gritar e se jogar em direção a Érebo, mas seu ataque foi facilmente repelido.
Sam atacou logo em seguida, esquecendo-se completamente do livro de encantamentos no bolso da calça. e se colocaram atrás dele, atirando no titã com balas de sal. Mesmo assim, parecia que ele não sentia nada: não se incomodava, não mudava a expressão. Somente os jogava pelos quatro cantos da sala como singelas bonecas de pano.
- Não se preocupem. Não vou matá-los enquanto os corpos dilacerados de seus filhos não estiverem aqui para que vocês chorem por eles. – Érebo comentou com uma risada de escárnio, fazendo com que perdesse todo o controle e se jogasse sobre ele com uma faca de prata em mãos.
Eles rolaram pelo tapete de veludo enquanto a mulher tentava cravar a faca no que seria o coração daquele ser certamente desalmado. Érebo, porém, segurou o pescoço de , começando a enforcá-la.
E foi nesse momento que ele sentiu uma fisgada no centro das costas, fazendo um ardor como o próprio fogo se espalhar por todo o sangue. O titã convulsionou, largando a mulher e caindo no chão durante alguns segundos para retomar o fôlego.
, que acabara de disparar seu rifle, segurou a mão da irmã para ajudá-la a levantar.
- Balas de prata, . Ele é sensível à prata.
- Ótimo... – rosnou enquanto se levantava e segurava a faca com mais força.
- Vocês estão bem? – Sam perguntou logo que se aproximou, ajudando Dean a caminhar em linha reta até as esposas. Érebo os jogara em cantos diferentes da sala e não podiam mentir: estavam com os membros doloridos e provavelmente quebraram algo naquela brincadeira.
- Sim. E vocês? – respondeu prontamente, analisando o corte na cabeça de Dean. O marido somente sorriu e fez um joinha para a esposa, fazendo-a ter certeza de que sim, o Dean dela ainda estava lá.
- Precisamos sair daqui antes que algo aconteça com nossos filhos. – comentou, apontando para o livro que dera a Sam antes de saírem do motel. – Você sabe o que fazer, meu amor.
- Pode deixar.
- Pequenas mágicas e um monte de Abracadabra não vão funcionar agora! – Érebo riu de uma maneira que o som reverberou em vibrações por toda a sala. – Seus filhos morrerão e logo vocês...
Mas, nesse momento, ouviu-se um reboliço do lado de fora. Todos viraram para encarar as grandes portas de ébano enquanto tiros e gritos se formavam por todos os lados. Naturalmente, Érebo deixara algumas criaturas guardando a sala para que nenhum caçador pudesse entrar – mas quem diabos apareceria naquele momento para salvar os quatro?
A porta, completamente desprovida de seu selo do lado de fora, abriu-se pesadamente enquanto duas figuras paravam para observar, sem fôlego, ao que acontecia dentro da sala.
Mary e Jimmy, com suas armas em mãos e roupas respingadas de sangue, sorriram ao ver os pais.
- Viemos salvar vocês. – A garota declarou enquanto Jimmy somente dava um sorriso convencido e apoiava a arma no ombro.
Eles não podiam negar. Desejavam que os filhos jamais se tornassem caçadores, que aquela vida não fosse deles. Queriam que tanto Mary quanto Jimmy vivessem em felicidade e morressem junto de suas famílias, com os cabelos branquinhos. Mas, ao vê-los daquela maneira, não puderam deixar de sentir orgulho.
e nem pensaram duas vezes antes de correr até os filhos e os abraçarem da maneira mais apertada que podiam. Os dois sorriram ao estar novamente de volta nos braços das mães. Aquele podia não ser o lugar mais seguro do mundo, mas era o local em que estavam juntos – e aquilo era mais forte do que qualquer segurança que poderiam ter.
O que ocorreu em seguida foi muito mais rápido do que qualquer um deles poderia processar. Érebo ficou em cólera ao ver que seus planos, tão meticulosamente calculados durante anos, haviam falhado por conta da personalidade de dois adolescentes mortais. Seu grito de ódio reverberou pela sala, vibrando todos os alicerces da casa. Sam e Dean viram o que ia acontecer e não podiam deixar com que ele machucasse suas famílias.
As facas de Érebo atingiram certeiramente quando Sam e Dean se colocaram à frente delas, abraçando as famílias e mantendo-as a salvo.
- NÃO!
Naquele momento, não souberam quem gritara antes, se ou . Ambas soltaram os filhos para imediatamente segurar os maridos que caíram ao chão.
- Não! Não, não, não, Sam...! – não sabia o que falar nem como reagir. Somente tentava estancar o sangue que corria rapidamente de um machucado certamente mortal. – Sammy, olha pra mim! Por favor, olha pra mim...!
- ... – Ele suspirou, focando nos olhos da esposa. – A Mary está bem...?
- Sim! Ninguém mais se machucou, estamos bem! – As lágrimas dela escorriam pelo rosto como pequenas pérolas que manchavam a blusa de Sam. Ele sorriu de volta.
- Então está tudo bem. Ouviu? – E ele segurou a mão dela, tão quente contra seus dedos frios. – Está tudo bem. Valeu a pena. Eu amo vocês. Amo a Mary. E te amo. Ouviu?
- Ouvi...! – O som saiu quase inaudível dos lábios dela enquanto os dedos de Sam perdiam a força na mão de .
O sorriso nos lábios de Érebo não podia ser mais perverso. Talvez o plano não tivesse funcionado como queria, mas tinha funcionado de alguma maneira.
- Dean. – tentava não chorar enquanto o chamava de maneira decidida. – Dean, por favor. Abra os olhos. Não me... Não me deixe.
- Minha linda, vocês estão bem...? – Dean perguntou com a voz rouca enquanto abria os olhos vagarosamente.
- Estamos, não se preocupe. Agora vamos fazer algo... – começou a se mover, porém Dean a segurou. As mãos dele estavam geladas, mais geladas do que ela gostaria que estivessem. Aquilo a machucou no coração.
- Dessa vez não temos o que fazer, . Promete que vai ser forte pra mim? – E aquela pergunta de Dean foi o que fez a primeira lágrima escorrer do rosto de . – Promete que vai ser forte por mim e pelo Jimmy, forte como uma Winchester.
- Prometo.
- Eu amo vocês.
fechou os olhos enquanto os de Dean perdiam completamente o brilho da vida. Ela não ousava abri-los e ver a cena terrível à sua frente, ela não ousava dar vazão a todas as lágrimas e perder a dignidade. Algumas somente escorriam por sua face enquanto ela ouvia os soluços desconsolados da irmã ao lado.
- Mãe... O papai... – A voz de Mary soluçava atrás delas enquanto Jimmy tentava encobrir seu choro silencioso.
- Carry On my wayward son. There’ll be peace when you are done… - começou a cantarolar em um fio de voz, fazendo silenciar os soluços de por alguns segundos.
- Lay your weary head to rest... Don’t you cry no more. – completou, fechando os olhos de Sam para que ele finalmente pudesse descansar. , mal abrindo os próprios, fez o mesmo para dar paz a Dean.
- Não era exatamente o que eu queria, mas vocês já têm um gostinho do que é perder alguém que se ama. – Érebo comentou orgulhosamente, sentando-se novamente em sua poltrona.
As irmãs somente trocaram olhares. Tinham que ser fortes, mas, mais do que isso, não deixariam que as mortes deles fossem em vão.
- Jimmy. Cuida do seu pai. – comentou duramente, apesar de soltar cuidadosamente a cabeça de Dean enquanto o filho se aproximava.
- Mary. – somente chamou e fez o mesmo. Antes que se levantasse, pegou o livro que dera a Sam antes de irem para a mansão e abriu exatamente na página que sabia que precisava.
- Você deveria saber que nunca se mexe com um Winchester. – apontou para Érebo enquanto falava. Ao lado da irmã, não precisavam dizer uma a outra qual era o plano: caçaram juntas durante muito tempo para saber o que fazer. – Viva livre.
- Morra bem. – E apertou a mão que a irmã estendia, ambas dividindo o fogo que ascendera em suas almas.
Com a faca de Dean em uma mão e a própria na outra, correu até Érebo, alarmando-o com aquela atitude completamente impensada. Ele tentou dispensá-la facilmente como fizera antes, porém agora a mulher lutava em fúria e dificilmente se daria por vencida. Ela cravou uma das facas nas costas do titã, fazendo-o convulsionar e, aproveitando o momento de fraqueza, usou a outra faca para desenhar um símbolo grego no braço de Érebo, marcando-o e uma maneira impossível de apagar.
- Agora, !
No que gritou, começou a ler o encantamento em seu livro, guardado por tantos anos por ela e que sempre acharam que talvez não tivesse uma serventia muito útil. Mas era o encantamento necessário, em grego antigo, para prender Érebo de volta em sua prisão por um período muito próximo da Eternidade.
- Cale-se! Sua mortal...! – Érebo tentou se desvencilhar, porém cravou a faca no titã mais uma vez, puxando-o para o chão e apoiando um de seus joelhos no peito dele.
- Você já me tirou meu marido. Não vai me tirar minha irmã. – Dizendo isso, a mulher cravou ambas as facas no coração de Érebo, fazendo-o gritar em agonia, enquanto o encantamento recitado por fazia a mansão inteira vibrar.
Jimmy e Mary estavam com medo, agarrados aos corpos inanimados dos pais. Sabiam que elas estavam fazendo aquilo movidas pela raiva, porém nunca as viram se comportando daquela maneira. Aquelas eram as caçadoras que tanto ouviram falar. E, sinceramente, eram assustadoras.
Repentinamente, ouviram um barulho como se algo tivesse explodido no centro da terra. Érebo começou a gritar de maneira desesperada e algo o puxou para baixo. Desvencilhando-se rapidamente, tentou correr, mas ele agarrou o pé da mulher, na esperança de levar alguma delas junto para sua prisão na eternidade.
- ! – E imediatamente segurou os braços da irmã. – Não a minha irmã, seu filho da puta! Volta pro buraco que você veio!
Nisso, a mulher chutou o braço de Érebo com toda a força que tinha, fazendo-o largar da irmã e sumir por entre o veludo negro. deu um pequeno sorriso para .
- Botas com bico de prata?
- Você sabe que eu sempre gostei. – piscou para a irmã e logo ambas se aproximaram do que restara de suas famílias. – Ok. Nós vamos carregar o Dean e o Sam. Eles merecem... Uma...
- Despedida digna de caçadores. – completou rapidamente sem emoção na voz. – Vocês dois vão na frente, nós vamos carregá-los atrás.
- Sinceramente, mãe, acho que vão precisar... – Mas Jimmy foi cortado pelo estrondo do teto da casa se desfazendo e esmagando o que fora o trono de Érebo no mundo mortal.
As bases da construção começaram a tremer. O próprio chão começou a rachar e o teto, a se desfazer. abraçou Mary perto de si para que a filha não fosse acertada por um pedaço de madeira que certamente a machucaria. Eles não tinham tempo: precisavam sair de lá naquele momento.
segurava a mão gélida e sem força de Dean. Ela não queria soltá-lo. Ela queria dar ao marido a despedida que ele merecia. Mas aquilo colocaria em risco não só ela, mas também Jimmy, e Mary.
Dean pedira para ser forte. Então forte ela seria.
- Precisamos ir. Vamos! – Ela se levantou, finalmente largando a mão do marido. , Mary e Jimmy ficaram alguns segundos sem rumo, sem saber o que fazer. – O Dean e o Sam ficariam loucos da vida se soubessem que morremos tentando levar os corpos deles para fora dessa casa! As almas deles estão em algum lugar agora, isso não faz mais sentido! Nós temos que sobreviver!
- A tem razão. – respirou fundo e segurou a mão da filha. – Vamos.
Dizendo isso, começou a correr com Mary para deixar aquele lugar que certamente deveria ser pior do que o inferno.
- Ok. – Jimmy ergueu a cabeça e a mãe apontou para o que restara da porta. – Vamos!
Ele segurou a mão dela e pôs-se a correr. Antes de sair da sala, porém, arriscou um olhar, somente para ver seu Dean uma última vez.
- Eu prometo. – Ela murmurou e não olhou mais para trás.
Os dias se passaram. Jimmy, Mary, e honraram Dean e Sam da maneira que conseguiram. Retornando às suas casas, praticamente abandonadas, estacionaram o Impala e lá o carro permaneceu sem ser tocado. o cobriu com uma lona negra e todas as coisas de Dean e Sam permaneceram lá dentro.
Não receberam nenhum vizinho que veio perguntar o que tinha ocorrido. Mary e Jimmy tentaram continuar com suas vidas normalmente, retornando a rotina da escola e ignorando todas as perguntas sobre seus pais. e permaneceram trancadas em suas casas, sem mover coisa que fosse do lugar.
Não dormiam mais em seus quartos, pois não queriam ficar em camas de casal sozinhas. Tentavam ignorar as presenças ausentes de ambos, mas era cada vez mais difícil quando cada canto daquela casa tinha um pedacinho de Dean ou de Sam – uma blusa largada em um canto perdido por ter sido esquecida por um deles, uma escova de dentes no copo do banheiro, uma chave de fenda de quando tentaram consertar alguma coisa, um CD esquecido em uma cadeira. Era uma infinidade de possibilidades, de memórias que elas não estavam prontas para lidar.
Foi em uma noite particularmente fria que ouviu alguém batendo à porta de casa. Era a primeira vez em meses que Jimmy tentava dormir em seu quarto, sozinho, e não no sofá da sala com a mãe. A mulher secou as lágrimas – pois só se deixava chorar no escuro da noite – e abriu a porta com cautela, a faca de prata escondida às costas.
- Eu estou com saudades do Sam, . – Foi a única coisa que disse assim que viu a irmã.
Os olhos de se encheram de lágrimas. Explodindo em uma reação involuntária de choro, a mulher se jogou nos braços de , abraçando-a como se a irmã fosse a última pessoa do mundo. agarrou forte a blusa velha de Dean que usava para dormir e começou a chorar desconsoladamente.
- Eu também estou morrendo de saudades do meu Dean. Quero ele de volta, ! – disse entre as lágrimas e a irmã não podia entendê-la melhor.
Era a primeira vez em meses que elas se falavam. A dor da perda dilacerava cada palavra que tentaram trocar anteriormente e toda vez que se viam, lembravam-se daquele que consideravam o pior dia de suas vidas.
Nenhuma dor se comparara àquela.
e dormiram abraçadas naquela noite. Mal perceberam quando Mary entrou sorrateiramente em casa pela manhã, encontrando-as frente à frente no sofá cama, de mãos dadas e com os olhos inchados de tanto chorar durante a noite. A garota notou um barulho na cozinha e o seguiu, encontrando Jimmy tentando se ajustar com o café da manhã.
- Hey, Mary... – Ele comentou sem emoção alguma enquanto a garota se sentava à bancada. Ela somente respondeu com um sinal com a cabeça. – Sua mãe veio aqui ontem à noite.
- É, eu sei... Nem vi quando ela saiu. – Mary suspirou enquanto Jimmy servia café a ela. – Como vai na escola?
- Podia ser pior. – Jimmy deu de ombros. – Os professores entenderam que algo de ruim aconteceu e aparentemente proibiram os outros alunos de mencionarem qualquer coisa pra mim.
- É, comigo foi o mesmo... – Ela desenhava formas aleatórias na caneca velha. – Fica mais fácil para lidar, eu acho...
- Eu ainda estou tentando entender, sabe. – Jimmy comentou, sentando-se à frente dela com sua própria caneca. – Não sei. É esquisito. Meu pai estava aqui todo dia e agora...
- Agora não sobrou nada a não ser um monte de memórias e a risada dele ecoando na sua mente como uma música que você nunca mais irá ouvir. – Mary completou, lutando contra as próprias lágrimas que se formavam no fundo da garganta.
- Exatamente. – E Jimmy se limitou a dizer somente isso para que ele próprio não começasse a chorar.
Somente Deus, se Ele existia, sabia o tanto que o garoto tinha chorado nos braços da mãe enquanto ela dormia.
- Bom dia. Oi, Mary, minha querida... – A voz sonolenta de surgiu atrás da garota, depositando um beijo na cabeça dela.
- Mary? Quando você...? – começou a perguntar, mas sabia que aquela conversa não levaria a lugar nenhum. Dando de ombros, somente abraçou a filha e pôs-se a se servir de café.
Os quatro permaneceram sentados à mesa sem trocar nenhuma palavra. O tempo parecia parado, os sentimentos congelados. Nada poderia voltar atrás e, estranhamente, não tinham nenhuma visão de futuro. Estavam presos em um presente difícil de aceitar e de levar em frente.
Casar e ter filhos fora a maior aventura que poderiam viver. E chegara ao fim.
Não havia palavras para o sentimento de perda, a única coisa que tinham era o silêncio.
Que foi interrompido por um estrondo na garagem do Impala.
- O que foi isso...? – perguntou com as sobrancelhas franzidas. – , você mexeu por lá esses dias?
- Não. Eu nem chego perto. – respondeu de maneira resoluta, pegando a faca de prata que não saíra de seus arredores nos últimos meses.
- Jimmy, Mary, fiquem atrás de nós. – instruiu enquanto o grupo se aproximava da porta de trás que dava acesso ao jardim.
Repentinamente, ouviram o som característico do motor do Impala. pegou a faca de cozinha mais próxima e ambas abriram a porta, buscando a criatura que fosse que estivesse as incomodando naquele dia cinzento no jardim.
A visão que tiveram, porém, as fez derrubar as facas no chão enquanto Mary e Jimmy somente gritaram em um misto de surpresa e alegria.
Dean e Sam estavam de volta. Tinham descoberto o Impala e fizeram questão de ligá-lo – afinal “deixar muito tempo dormindo podia acabar com o motor”. Sorriam como se nada tivesse acontecido, porém, dependendo de como a luz batia, conseguiam divisar o que seriam asas emplumadas surgindo das suas costas e alcançando o chão.
Por tudo que passaram, por toda a dor que aguentaram, por todo o bem que fizeram à humanidade – sim, teriam tempo para descansar. Mas o Paraíso deles estava na Terra, ao lado da família que formaram com tanto trabalho e sofrimento.
Chuck não achara nada mais justo do que torná-los anjos e deixá-los continuar a ajudar as pessoas como sempre fizeram, além de poder visitar suas famílias quando bem entendessem.
Mary e Jimmy estavam em choque, os corações disparados, ainda sem entender o que havia acabado de acontecer. Olharam para as mães a fim de pedir explicações, mas, ao encontrá-las, sabiam que não conseguiriam nada naquele momento – e aquilo os fez sorrir pela primeira vez em meses.
- Sam...!
chorava como nunca. Não conseguia acreditar que estava vendo Sam novamente à sua frente – e ele mesmo chorava ao encontrar novamente a mulher que tanto amara quando ainda era humano. Sam esticou uma das mãos, finalmente tocando a mão de e as lágrimas dela aumentaram ainda mais: sim, aquilo era real. Seu Sam estava de volta.
Ele a envolveu em um forte abraço, contente em senti-la novamente. Não precisavam trocar uma palavra que fosse: estarem juntos já era suficiente.
- E aí, linda? – Dean perguntou em seguida com seu sorriso convencido no canto dos lábios, observando com orgulho enquanto uma lágrima descia pelo rosto de . – Sentiu minha falta?
- Você demorou, seu idiota. – respondeu com o mesmo tipo de sorriso, sem demorar em tê-lo de volta nos braços e beijá-lo da maneira como sentira saudades.
A família Winchester estava em casa.
Fim.
Nota da autora:(Enviada 05/08/19)
* Créditos rolam ao som de Carry On My Wayward Son *
Depois de tantos anos caminhando juntas, tantas emoções, tantas risadas, lágrimas e Ticos e Tecos nos observando com olhares duvidosos nos azulejos dos banheiros... Hunts and Other Drugs finalmente encontrou seu fim.
Eu agradeço a todos que acompanharam essa fic com tanto carinho, essa jornada que me fez voltar à minha paixão de escrever e notar que há pessoas interessadas nas histórias que tenho a contar! Hahahaha é muito triste ter que deixar a Hunts, mas já estava na hora. Toda história precisa de um fim e eles mereciam seu final feliz – talvez não perfeito, mas suficiente para caçadores como Dean e Sam.
Já adianto que sim, desde que comecei a escrever a Hunts 4 tenho esse final planejado. Foi há uns três anos, quando estava comentando com a minha mãe a possibilidade de escrever uma quarta parte e ela virou pra mim e disse “sinceramente, a única possibilidade de final que vejo no Supernatural é de eles virarem anjos”. Então, voilá! A ideia era que ambos morressem no final e ressurgissem como anjos!
Se eu chorei escrevendo esse capítulo? De cabeça erguida e sem escândalo como a Dean girl, mas chorei. Minha Hunts, meu bichinho de estimação, finalmente é uma obra completa. Estou sem rumo, mas estou feliz!
Peço desculpas pelas demoras constantes nas atts, mas essa foi a última! Agora temos uma história completa e poderemos visitar as aventuras deles quando bem entendermos!
E já adianto que talvez eu escreva uma short de umas 3 ou 4 páginas com o que aconteceu com eles futuramente. Sim: Mary virou escritora best seller de livros de terror, Jimmy virou guitarrista em uma banda super famosa dos EUA, voltou pela Lilly e namorou com ela até pedi-la em casamento. Enquanto isso, Dean e Sam viveram com suas esposas na calmaria que Chuck resolveu lhes dar até o momento em que elas viraram anjos para se juntar a eles. E Castiel não podia ficar mais feliz de ter Dean e Sam oficialmente como seus irmãos.
Espero que a nossa jornada tenha valido a pena! A estrada terminou para Hunts, mas lembrem-se que o negócio da família continua! Muito obrigada pelo carinho e incentivo durante todos esses anos, espero vê-las em muitos outros projetos!
Muitos beijos, nunca se esqueçam de repor o estoque de sal grosso e prometam que sempre permanecerão fortes!
Até a próxima!
XX
Nota da beta:
Não acredito que acabou T_T depois de tanto tempo, chegamos ao fim, mas vou guardar a melação pros comentários depois rs
E já sabem, qualquer erro é só me mandar um email -> /Caah Jones/ xx.