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Prólogo


Chutei minha cama de um jeito desesperadamente forte. Bati bem na quina porque meus olhos estavam embaçados pelas lágrimas. Doeu. Sentei na cama propriamente dita, passando a mão no pé machucado e proferindo uma avalanche de palavrões em minha tentativa desesperada de me acalmar.
Eu queria desesperadamente entender a situação. Eu queria desesperadamente voltar no tempo. Eu queria desesperadamente ser amado.
Eu estava desesperado.
Puxei o cabelo, fazendo de tudo para que nenhuma memória me preenchesse agora. Elas não podiam vir, mas o estranho era que eu queria que elas viessem.
E elas vieram, claro. A princípio lentamente, e então tudo que eu jurei ter esquecido tomou conta do meu ser. Seu perfume, seu sorriso, sua risada, seu mau humor, suas respostas atravessadas...
Eu estava desesperado por que queria senti-la novamente. Queria que ela tivesse completado aquela frase. Queria que tivesse sido minha por mais tempo. E ao mesmo tempo queria que não tivesse sido minha culpa.
Oh, droga. Estava tão desesperado que não conseguia sequer dormir. Não conseguia pensar em nenhuma outra coisa. Só conseguia pensar no que ficou pra trás e nas coisas que já não tinham volta. Como uma singela menina pode mudar alguém de um jeito tão contrastante? Como eu poderia amar alguém a esse ponto?
Minha mente gritava, atirando na minha cara tudo que ela me falou e tudo que deixou de falar, e sem nem pensar, esmurrei a parede. Senti dor mais uma vez, mas não foi nada comparado ao que eu sentia por dentro.
Eu queria te dizer que isso que você está prestes a ler será a maior história de amor de todos os tempos. Ah, como eu queria. Queria que você se simpatizasse com minhas memórias e sorrisse para cada uma delas. Queria que simpatizasse com as memórias dela também, apesar de ela não estar mais aqui.
Mas não posso dizer nada disso. Por que essa é uma história de dor, e não uma história de amor. Bom talvez até seja uma linda história de amor, mas não do jeito que provavelmente está pensando.
O amor machuca, corrói, destrói.
Por que não existir um final machucado, corroído e destruído? Por que não existir um homem machucado, corroído e destruído no final?
Vão ter muitas coisas boas, não vou mentir. Nenhuma história de amor seria boa se não existisse as partes felizes. Nenhuma história de amor seria realmente boa se não tivesse tido uns momentos de paz, de alegria, de noite de natal com a família ou piquenique no parque.
Você vai sorrir, sorrir de verdade, eu juro. Pode ser que chore, muito, e estou sendo sincero. Não quero te assustar, então sou obrigado a fazer a pequena observação de que não existe nem nunca existiu nenhum homem bêbado e frustrado nesse relato que estou prestes a fazer.
É apenas uma história simples e corriqueira sobre dois adolescentes que se apaixonaram. Se quiser continuar, siga em frente.
Só não diga que eu não avisei.



Capítulo 1


POV’s
Oi. Meu nome é
Eu não entendo como uma coisa dessas pode aconte
Todo mundo me chama de e eu gosto disso. Eu acho
Tá. Não sei como se começa esse trabalho idiota. Eu definitivamente odeio você, caro profes

ARGH!
Não dava para pensar direito naquela casa, era simplesmente impossível. Meu raciocínio, minha concentração e meu foco (coisas que eu precisava demais naquele momento), estavam sendo drasticamente interrompidos pelas vozes irritantes provenientes do quarto ao lado.
- Meu Deus, Thay, esse vestido é lindo! Me empresta para ir no Alpha sexta? – Exclamou uma voz eufórica e estridente. Aparentemente tinha recebido uma resposta afirmativa de volta.
- E. Esse. Sapato? É aquele lá que tinha na Yes! Deve ter sido, tipo, super caro. – Falou a segunda voz.
- Ai, gente, que exagero... – Contestou minha “irmã”, com uma falsa modéstia implícita na voz. – Não é assim tão incrível quanto vocês dizem e...
Bati a porta.
Eu precisava escrever e para isso tinha que me concentrar. É simples, todo mundo cala a boca, escreve muito bem, tira uma nota excelente e fica de bem com o professor durante todo o resto do período letivo. Era assim tão difícil respeitar isso? Não sei mesmo que tipo de professor de português tem uma ideia tão inútil quanto fazer uma autobiografia uma semana antes do período normal de aulas, mas esse trabalho provavelmente era equivalente à metade da minha nota, e, é claro, Thay e seu bando de súditas irritantes tinham que atrapalhar, como sempre. Elas viviam me atrapalhando, em tudo e de todos os modos possíveis. Juro que a meta da vida delas era ferrar a minha vida.
Tudo indica que essa vida de popularzinha da minha “irmã” já estava me dando nos nervos. Sinceramente, o que as pessoas tanto veem nessa Thainá Richüivan? Ela era apenas uma garota mimada que tinha feito amizades com outras garotas mimadas e se tornado uma megera insuportável. Eu evitava até mesmo ficar no mesmo cômodo que ela. Quando ela estava perto eu sentia uma queda na minha autoestima, e é o tipo de sentimento que eu não desejo a ninguém.
Sei que pareci extremamente recalcada nesse contexto, mas ouça o que eu digo, ela era uma bruxa. Tirana. Egoísta.
A propósito, a gente se odeia (acho que já deixei isso meio óbvio). Não sei o que de tão ruim eu fiz ao universo, pois minha mãe se casou com o pai dela. Mas quanto a isso, não há problemas, eu juro que não. And era maravilhoso. Sério. Acho que não tinha nenhum padrasto no mundo tão perfeito quanto ele. Quando disseram que iam se casar, temeram pela minha reação. Eles falavam devagar, meio que olhando um nos olhos do outro e mesmo que eu não tivesse aceitado o casamento deles, qualquer idiota era capaz de ver que eles estavam apaixonados. E quando eles terminaram de falar, esperaram uma reação negativa de minha parte, mas eu estava chorando, emocionada. Pulava, gritava com meu antigo peixe Lux em seu aquário, beijava minha mãe e tentava abraçar And tudo ao mesmo tempo. Minha euforia era tanta que até derrubei um vaso de flores enquanto pulava, animada.
É claro que era tudo muito bom pra falar a verdade. Eu ganho um padrasto legal, ótimo, só que veio uma irmã tirana de brinde. Tirana com T de Thay. Óbvio que ela era super angelical no começo, mas só tive um ano de paz com ela. Era na época feliz, época pós casamento, quando a gente se dava bem, e vivíamos em harmonia brincando de Barbie. Ok, talvez foram dois anos. E eu não sei como, então não me pergunte, mas somos muito parecidas. Temos os mesmos cabelos avermelhados, o mesmo formato de boca e praticamente a mesma voz. Mas a semelhança acaba por ai, não temos o mesmo corpo, nem o mesmo tamanho e muito menos a mesma idade. Thay é cerca de dois anos mais nova que eu. Ás vezes me pergunto o porquê de sermos tão parecidas, mas como não sei a resposta e não tem sentido nenhum perguntar isso para minha mãe, simplesmente deixei pra lá, até essa pergunta sair completamente do repertório desse meu cérebro curioso.
Suspirei, rodando na minha cadeira em frente à escrivaninha.
Tentei, eu juro que realmente tentei, fazer o melhor que pude no trabalho. Obviamente toda minha atenção estava direcionada ao que as vozes do quarto ao lado diziam, e eu mentalmente me dei um tapa na cara por ter escolhido aquele quarto que ficava tão perto do dela.
Depois de algum tempo, percebi que estava divagando quando olhei para o caderno e quatro pares de olhos raivosos me encararam de volta. Passei a borracha neles e resolvi que amanhã concluiria o trabalho.
Não restando mais nada a fazer, decidi tomar um banho e ir jantar, antes que Thay sugerisse algum outro restaurante. Como se não bastasse, ela tinha um péssimo gosto culinário, de modo que eu estava com saudades da comida da minha mãe.
Não se tem mais paz e sossego nesse mundo. Mal entrei no banheiro e escutei mais de uma mão socando a porta. “Tentando arrombar a porta”, era a expressão correta.
- O resto da população mundial também precisa de água, ok? – Reconheci a impaciência na voz de .
- Sai daí o mais rápido possível! – Completou Júlia. Eu praticamente vi a ansiedade dela do outro lado da porta.
- Mas será que nem banho eu posso tomar em paz?! – Grunhi de dentro do banheiro. Elas começaram a falar juntas e desesperadas, mas estava tão nervosa por causa do trabalho que ignorei as duas, para o nosso próprio bem. Elas me deixaram ali, ou pelo menos foi isso que pareceu já que eu não ouvi mais a voz delas, e de repente fiquei curiosa e comecei a ir mais rápido. Bufei. Droga, o que quer que elas tenham aprontado deu muitíssimo certo, nunca havia tomado um banho tão rápido. Apenas depois que peguei a toalha lembrei que devia ser o tal novato estrangeiro que tinha chegado da Inglaterra ou dos EUA, não lembro. Eu não deveria estar tão empolgada para conhecê-lo, mas estava. vendeu tanto o peixe dele na terça-feira que eu estava mais que curiosa, e odiava isso. curiosa é um perigo.
, Júlia e Rafa eram minhas melhores amigas desde a sexta série. Foi quando And começou a pagar uma escola particular para mim. Na época, ele estava noivo da minha mãe. Quando cheguei à escola me senti tão perdida, tão desorientada, não sabia de nada do mundo dos ricos, e as três foram as únicas pessoas legais o suficiente para receber uma garota vestida com uma camiseta que saiu de moda há dois anos (no caso, eu). "Ora, , que tipo de ser humano idiota não falaria com você só por causa da sua roupa?" Acredite, as pessoas eram bem assim.
Enxuguei-me, coloquei qualquer roupa que estava em cima da minha cama (rezando mentalmente para não serem as usadas, por que eu estava com pressa demais para conferir) e travei uma luta sensacional com o pente e o meu cabelo embaraçado antes de descer as escadas correndo e gritando. Hoje era um daqueles dias que eu gostava de chegar chegando, apesar do meu tão constante e característico mau humor.
- Cheguei! – Saí gritando enquanto descia as escadas. Quando pisei no térreo, me joguei em cima das duas morenas que me esperavam no pé da escada. Peguei as duas totalmente desprevenidas e isso facilitou para que elas caíssem junto comigo, o que era meu plano desde o início. Castigo por terem interrompido meu banho. Júlia deu uma risadinha ao mesmo tempo em que dizia um "Ai, sua louca" bem discretamente, porém me lançou um olhar feio, coisa que só fez com que eu risse ainda mais. Ela era assim, meio bipolar. Tinha horas que era um amor de pessoa, outras que parecia uma ex-presidiária perigosa. Hoje era um dia daqueles pelo visto.
- , não grita na frente da visita! – Falou minha mãe, meio que prendendo o riso depois da cena.
- Em que planeta essas duas aqui são visitas?
- Ela estava falando de mim! – Respondeu uma voz rouca que eu nunca tinha ouvido na vida, com um sotaque que eu não conhecia. Automaticamente, me virei para ver o dono da voz desconhecida.

POV’
Flashback on -22/02/2013
Saí do avião murmurando comigo mesmo: “Bem vindo ao Brasil, !” Desde muito cedo, meu sonho é fazer intercâmbio no Brasil. Não só pela beleza, ainda que sempre tenha achado o país muito rico culturalmente falando, mas sim pelo que ele representa para mim. E ele representa muita coisa. Sei que isso é estranho vindo de alguém que mora na Inglaterra, mas é verdade. Eu não tinha família aqui, não tinha amigos, nem ninguém que quisesse realmente ver. Quem importava para mim já não estava mais comigo, então eu ia fazer aquela estadia valer a pena.
Encarei o lugar por onde tinha saído e fiquei esperando minha mala chegar perto de mim. Eu ainda não havia a avistado e isso me preocupava. Não seria a primeira vez que ela era despachada para outro lugar por engano. Da última vez que isso aconteceu, a mala foi parar na Turquia. Estremeci só de lembrar e rezei para que eu não as perdesse novamente, já que tinha várias coisas importantes dentro delas, mas fiquei aliviado quando vi as quatro malas pretas e iguais vindo em minha direção. Tive certo problema para conseguir trazê-las até mim, e, vendo minha situação, um garoto de uns dez anos que estava perto de mim me ajudou a tirar a última mala da esteira. Agradeci à ele dizendo “obrigado” em um português bem inglesado e sorri sem querer. A primeira palavra que pronunciei nessa língua desde que cheguei aqui.
De alguma forma consegui fazer com que meus dois braços carregassem as quatro malas e fui procurando meu nome em todos aqueles papéis na sala de desembarque. Logo encontrei o meu. Ali estava a senhora Espinosa, me aguardando pacientemente. Imediatamente reconheci a mulher, apesar de nunca tê-la visto pessoalmente antes. Ao lado dela estava o marido, que segurava as costas da esposa com os braços. Ele tinha um sorriso gentil e automaticamente eu me senti aceito. Disseram-me que tinham uma filha, mas eu não a vi por perto. Fui ao encontro deles e o Sr. Espinosa já foi me cumprimentando como se eu fosse o filho mais velho que voltou pra casa. Eu claramente havia sido aceito e me senti feliz por isso.
Ao contrário do que eu pensei, não foi nada estranho ou embaraçador demais estar com duas pessoas que eu não conhecia. Me dei bem com a Sra. Espinosa logo de cara. Gostei de seu marido também, mas ele não parecia ser um homem de muitas palavras. Conversamos por muito tempo, até ela me dizer que estava na hora de procurar , sua filha, e pediu para que eu ficasse a vontade, desde que não saísse do aeroporto. E foi engraçado por que ela estava realmente preocupada, achando que eu ia fugir. Como se eu fosse mesmo sair de um aeroporto desconhecido, em um país desconhecido, sem nenhum carro. Eu sorri sinceramente para ela, seria mais fácil simplesmente dizer que a adorei.
Entrei em uma lojinha ali perto que tinha uma vitrine cheia de doces e decidi gastar meus primeiros reais. Com chocolate, óbvio. Estava absorto, vendo marcas de chocolate desconhecidas e peguei uma barrinha roxa que se rotulava “Talento”. Parecia bom, mas...
- Eu não pegaria esse se fosse você! – Falou uma voz de garota atrás de mim.
- Bom, não conheço nada daqui e... – Me virei enquanto falava. Meu cérebro deu um branco quando a vi. Ela era linda. – E esse me pareceu... bom. – Terminei.
- Ah, até que é! Mas já que é seu primeiro chocolate aqui, se eu fosse você, escolheria esse aqui! – apontou para um chocolate cuja embalagem era preta, chamado “Diamante Negro”.
- Hm... Você tem certeza? É meu primeiro chocolate brasileiro. Tem que ser muito bom mesmo! – Eu ri, desconfiado.
- Claro que tenho, sou profissional em escolher chocolate. – Ela riu junto comigo. – Você não tem nenhum sotaque que eu conheça...
- Hm... Acabei de chegar de Londres. – Falei meio sem graça.
- Sério? Bom, eu adoro Londres, pelo menos por foto. Sempre quis viajar pra lá.
- E eu sempre quis vir pra cá. Você tem um belo país. – Eu disse a ela.
- É, tenho mesmo. Hmm... – Murmurou depois de um tempo. Eu achei graça.
- O que foi? – Ela sorriu pra mim.
- Minha mãe disse que não posso falar com estranhos. Você não é, tipo, um cara que rouba meninas virgens e vende por aí não, né? – Perguntou, franzindo as sobrancelhas.
- Posso te garantir que não. – Sorri.
- Ah, bom. Muito bom mesmo. – Ela deu uma risadinha e quando ia falar mais alguma coisa seu celular começou a tocar. Percebi que ela não atendeu a ligação. – Hãaan... eu tenho que ir. Minha mãe deve estar me procurando! Tchau, foi um prazer ajudar você!
E saiu correndo, me deixando com cara de babaca em um país desconhecido, em uma loja desconhecida, com um chocolate desconhecido e, provavelmente, ruim na mão. Na dúvida, peguei o tal “diamante”. Parecia mesmo gostoso. Depois de pagar (peguei três barras; sim, sou guloso), fui em direção aos Espinosa’s que me aguardavam no mesmo lugar que tinham me deixado. A filha deles continuava desaparecida, mas quando a Sra. Espinosa ligou para ela pela 12566673º vez, a garota finalmente atendeu e disse que estaria esperando na frente do carro. Andamos em círculos por um tempo, o aeroporto de Guarulhos é um verdadeiro labirinto, e só alcançamos o estacionamento quando a Sra. Espinosa teve a sensatez de perguntar ao segurança o caminho até ele. Nesse tempo, compartilhei algumas histórias com aqueles que viriam a serem meus tutores pelo tempo que eu passaria ali.
Apesar do que muita gente pensa, eu não ganhei nenhum tipo de bolsa. Estava ali não só porque eu queria como também porque tinha condições de bancar uma viagem daquele porte. Realmente não gostava muito quando o assunto se virava para a minha fortuna, não gostava de ser o garoto rico e bonitinho que todos pareciam venerar. Aquele era o título do meu pai, não o meu. Por um acaso eu tinha sido concebido naquele meio, mas tudo que ele tinha, ele tinha. Era dele e eu queria não ter nada a ver com isso.
Naquele momento, naquele país e com aquelas pessoas, eu era apenas , concretizando o meu sonho.
- Ah, oi mãe!
Uma voz que não devia ser tão familiar me despertou dos meus pensamentos e ao erguer a cabeça para a dona da voz, fiquei surpreso por um instante. A garota que eu olhava era baixinha, magra, possuía cabelos castanhos e ondulados na altura do ombro e tinha um sorriso de orelha a orelha na cara. Ela era a garota-misteriosa-da-loja-de-chocolates!
- Você que é o estrangeiro? – Perguntou ela, franzindo as sobrancelhas, totalmente confusa.
- Você que é a ? – Perguntei ao mesmo tempo.
- Vocês se conhecem? – Perguntou a Sra. Espinosa depois de algum tempo. Depois de ficarmos em silêncio, vimos que essa situação inteira era muito engraçada e rimos como uma família feliz. Eu podia me acostumar com isso. Eu queria me acostumar.
Explicamos para a mãe de a história do chocolate, e eu fiquei absolutamente feliz ao perceber que na verdade o chocolate que eu comprei era o preferido da família. Guardei uma barra para eu comer mais tarde e o resto foi distribuído entre nós. Fizemos uma viagem de volta a São Paulo bem tranquila. Percorremos quase todo o caminho brincando, cantando, rindo.
Eles até começaram a brincar de verdade e desafio dentro do carro, e foi engraçado quando Sra. Espinosa falou “É verdade que Nathan é seu namorado? Não, pera, não precisa responder essa, querida. Você não tem um namorado...” para quando ela pediu verdade. A garota revirou os olhos e respondeu séria com um “Ele não é mesmo, mas nós já nos pegamos várias vezes” em troca da alfinetada. Sra. Espinosa ficou perplexa enquanto eu e o Sr. Espinosa ríamos sem interrupção. Eles me desafiaram cantar “Garota de Ipanema” e o resultado foi catastrófico. Sou obrigado a concordar que matei o português com meu sotaque naquele momento. R.I.P Português.
Eu ri quase o caminho todo, era como se eu conhecesse aquela família a vida toda, como se eu realmente pertencesse aquele lugar. Aquilo tudo era exatamente o tipo de coisa que eu nunca faria com a minha própria família, e por algum motivo, fiquei chateado quando percebi isso.
Quando chegamos à sua mansão (era um oitavo pecado capital chamar aquilo de casa), me convidou para sair. Bem, não era esse tipo de sair. Era só pra visitar sua amiga! Mesmo assim concordei, apesar de estar cansado, e me animei um pouquinho quando ela disse que eram apenas algumas ruas de distância. Parecia que ela só estava sendo legal, mas o jeito que ela quase implorou para que eu fosse com ela me fez começar a suspeitar que ela tivesse falado muito de mim nos últimos dias.
Chegamos à casa da tal , e ela não estava nos esperando. Estava no banho. Mas e outra amiga dela chamada Júlia, que chegou um pouco depois de nós, resolveram apressar a menina, esmurrando a porta de seu banheiro. E foi uma esmurrada espetacular, deu para ouvir do piso inferior, onde eu estava. Encolhi-me quando ouvi a voz da garota que eu ainda não conhecia gritando em resposta. Parece que o povo brasileiro era bem mais exagerado do que eu imaginei.
Depois de uns vinte minutos, escutei um ser humano berrando e pulando em cima das meninas. Essa é a . Pelo jeito que elas reagiram, imaginei que não fazia esse tipo de coisa toda hora. Ela ainda não tinha percebido minha presença, apesar de eu estar bem atrás dela.
- ! Não grite na frente da visita. – Repreendeu sua mãe.
-Em que planeta essas duas aqui são visitas? – Perguntou a garota indignada, se levantando de cima das duas garotas. Pensei ter ouvido “Doeu, cacete” vindo de , que esfregava o cotovelo com a cara contraída em uma careta, mas não tinha certeza. Estava ocupado lançando um olhar consternado para a garota desconhecida à minha frente.
- Ela estava falando de mim! – Me intrometi, mesmo sem saber o porquê disso. E então, ela se virou e olhou em meus olhos pela primeira vez.
Flashback off

A garota em si, não era nada demais. Tinha o cabelo avermelhado e molhado quase até a cintura, usava uma camiseta dos Beatles e um short meio curto. Era uma garota simples e comum, exceto pelos fascinantes e incomuns olhos verde azulados. Não consegui desviar de seus olhos, e acho que ela percebeu, pois olhou para o chão antes de me encarar novamente.
- Olá, me chamo , prazer. – Falei mecanicamente, estendendo a mão e dando meu melhor sorriso.
- Oi, ! Me chame de . – Respondeu ela, ignorando minha mão estendida. Fiquei completamente sem graça e abaixei minha mão, sem ter certeza do que dizer a ela, sem nem ao menos saber o que eu tinha ido fazer ali. Por algum motivo, ela estava corada e eu imaginei que eu estivesse também. – É americano? – Continuou.
- Ah! Não, eu... sou inglês. – Respondi. De certo modo, conversar com essa garota não me interessava. Não que ela aparentasse ser uma chata, metidinha ou fresca, nada disso. Na verdade ela até pareceu uma menina legal, mas eu tinha acabado de viajar dezesseis horas e a última coisa que eu queria, era que as pessoas desse país tivessem a impressão errada de mim. Pareceu que iria dizer mais alguma coisa, talvez perguntar algo, e eu suspirei sem querer. Ela me olhou decepcionada com aqueles olhos incomuns e claramente percebeu meu desinteresse:
- Oh! Foi um prazer conhecê-lo, . Você deve estar cansado da viagem, né? – Ela nem esperou eu responder. – Ah, claro que está! Bom, vou indo nessa, até qualquer dia!
E subiu as escadas, sem nem olhar pra trás. O barulho dos degraus chamou atenção de , Júlia e Sra. Richüivan que antes, estavam absortas em uma conversa sobre as rosas que ficavam secas durante o verão, eu acho.
- Hm... o que foi que eu fiz? – Perguntei meio sem graça, coçando a nuca.
- Ah, relaxa, acho ela só tá com vergonha. – Exclamou , fazendo pouco caso da situação.
- Olha, eu vou indo, tá? Não se preocupe, eu sei o caminho. – Falei para ela. Não sei por que, mas de algum modo me sentia culpado. E se ela estivesse chorando no andar de cima? Mas depois de alguns segundos reconsiderei meu próprio pensamento. Ela não parecia ser o tipo de garota que chorava à toa, e eu esperava de todo meu coração que eu estivesse certo.
- Tudo bem. – Respondeu . Despedi-me das outras duas indo em direção a minha nova casa e, enquanto caminhava, queria saber a todo custo que sensação estranha era a que eu estava sentindo.

POV’
Era esse menino que eu tinha que ouvir falar pelo menos oitenta vezes por dia desde o começo do mês? Sério isso, ? Inferno.
Ele tinha lá seu charme. Sim, o infeliz era bonito. Droga, ele era muito gato. Tinha aquele sotaque, era charmoso, educado, meu tipo preferido de cara, blá blá blá... mas sei lá, parecia que ele tinha algum tipo de aversão contra mim, e ele nem me conhecia!
Parei de encarar a parede e fiquei surpresa com meu próprio ponto de vista. Acho que foi besteira da minha cabeça mesmo. Que motivos ele teria para não gostar de mim? Como eu mesma fiz o favor de assinalar, ele não me conhecia.
Suspirei e me joguei em minha adorável cama de casal, olhando para o teto.
Às vezes eu queria muito não ter terminado com . Ele estaria ali naquele momento e o encontro com o desconhecido não teria sido assim tão desastroso. era o tipo de garoto que faria com que eu esquecesse esse estrangeiro idiota bem rápido. Se ele estivesse comigo, tudo estaria melhor. Ele estaria sendo folgado deitado nessa mesma cama, me obrigando a sentar no pufe. Eu ia fazer um biquinho, mas depois ia ficar brava, listando os dez motivos pelos quais ele era o pior namorado do mundo. Ele ia rir e depois me mandar calar a boca com aquele jeito playboyzinho do bem que só ele tem. E ai, só ai, concordaria em me deixar deitar com ele em minha própria cama.
Fiquei tão nostálgica que, sem nem pensar no que estava fazendo, minha mão automaticamente se esticou em direção ao meu celular no criado mudo. As fotos ainda estavam lá, todas elas. Podíamos ter terminado, o sentimento que um dia eu senti poderia não estar mais aqui, mas eu seria simplesmente ridícula se apagasse aquelas fotos. Milhares recordações e lembranças estavam guardadas, algumas coisas que eu nem sequer lembrava, e eu nunca na minha vida iria me desfazer de nenhuma dessas fotos. Era uma mais brega e clichê que a outra. Fui passando as fotos com o dedo, pensando com carinho no dia que tiramos determinada foto e sorrindo quando alguns de nossos amigos também apareciam. Parei na minha preferida. Clichê, mas preferida.
estava deitado na escada e eu estava totalmente estrambelhada por cima dele, tentando sair enquanto ele me fazia cócegas. Rafa tinha roubado meu celular e conseguido tirar a foto. Por causa dos meus movimentos, a foto saiu um pouco borrada, mas eu a adorava. Vários sentimentos daquele dia foram resumidos em uma única imagem.
Sentia saudades dele.

Flashback On
12/11/2010

- Me dá um pouquinho? – Perguntei de modo fofo, chegando até onde ele estava.
- Também quero! – Comentou Rafa, sentando-se à mesa da cozinha.
- Não, fui eu que fiz, então só eu vou comer. – Respondeu, tirando a colher que eu tinha colocado dentro da panela.
- Ei, fui eu que fiz!
Ele jogou a cabeça para trás, rindo. Fez questão de colocar uma colher cheia dentro da boca, me fazendo salivar.
- Me dá a droga dessa panela, ! – Gritei, pulando para alcançar o braço dele. Ele pegou uma colher de arroz na gaveta (daquelas bem grandes), e colocou lá dentro, enchendo de brigadeiro e jogando a colher para Rafa.
- Pra Rafa eu dou. – Falou, piscando para ela. Rafa riu, enfiando a colher na boca e me mostrando a língua em seguida, e eu cerrei os dentes.
- Você pode fazer a droga que você quiser na minha casa, mas com o meu chocolate NINGUÉM MEXE! – Gritei, usando toda minha força para tentar pegar o brigadeiro, mas estava muito alto. Ele era muito alto. Droga.
- Eita, Rafa, deixei a bichinha zangada. Me ajuda, o que eu faço? – Perguntou, parecendo totalmente desesperado, embora eu soubesse que estava sendo irônico.
- Corre. – Disse, colocando a colher na pia.
- Corro?
- Corre. – Repetiu sem prestar muita atenção, e toda a minha atenção focou nela, simplesmente por que estava mexendo no meu celular. Sem permissão.
Talvez por causa disso eu não percebi que correu e sem nem pensar, eu fui atrás dele. Quando chegamos perto da escada, o garoto pisou em falso e caiu e, como não consegui me parar a tempo, cai em cima dele. Eu bati a cabeça em seu queixo, e nós dois começamos a rir. A panela voou para longe de sua mão, mas na posição em que a gente se encontrava agora, ninguém mais queria saber de brigadeiro. Ele fez cócegas na minha barriga e eu ri, apesar de nem sentir cócegas. Provavelmente eu ri de nervosismo por ele estar tão perto de mim. Estávamos juntos há pouco mais de três meses, mas era inevitável não me sentir nervosa ou envergonhada ás vezes.
Ele parou de rir e me encarou, sério.
- Hm... O que foi? O que você está olhando?
- Eu acho que... Eu... – Ele estava tentando me dizer alguma coisa, mas estava corado e naquele momento parecia tão nervoso quanto eu. Fiquei estranhamente feliz de não ser a única.
- Você... o que? –Incentivei. Ele deu um sorrisinho mínimo e colocou meus cabelos atrás da orelha.
- Eu te amo, .
Era a primeira vez que ele me dizia isso.
Eu fiquei em estado de choque e levei as mãos até minha boca, tentando não esboçar uma reação negativa. Acontece que eu ainda não tinha condições de dizer “Eu também”, então fiz a única coisa que me ocorreu fazer. Apenas fui até ele, diminuindo a distância que nos separava com um beijo. Só não foi muito longo por que Rafa, com sua sutileza de sempre, pigarreou para chamar nossa atenção. Rimos, olhando um para o outro. não parecia chateado por eu não ter correspondido. Acho que ele sabia tanto quanto eu que, um dia, eu iria dizer essas três palavras em alto e bom som.
A panela de brigadeiro jazia esquecida no terceiro degrau da escada.
Flashback Off

Epa. Cartão vermelho na parada. No que eu estava pensando? Sacudi a cabeça para espantar os sentimentos afetuosos e nostálgicos. , apesar de ser um bom garoto, partiu meu coração, mesmo sem querer.
O pensamento de querer ele por perto desapareceu tão rápido quanto surgira.
Eu devia estar louca. Só podia estar louca. Se uma célula sequer do meu corpo resolvesse sucumbir a ele novamente, eu não sei o que eu faria.
Algum tempo depois que eu subi, e Juh irromperam da porta do meu quarto, fazendo com que eu esquecesse meu draminha interno, pelo menos por enquanto.
- Ficou a fim dele, né? – Acusou . Só porque eu o deixei falando sozinho significa que estou a fim dele? Que conclusão mais absurda.
- Não, ué. É só um menino. – Me defendi.
- Ah, para! Ele é um menino muito gato né, por que... – Disse Juh, pulando em cima de mim. Acho que ela estava revidando. Menina má.
- Ai, sua gorda! – Reclamei, tentando tirá-la de cima de mim. Óbvio que a ofensa não teve peso nenhum, até porque a gorda era eu mesma. Eu ri. – E não, não é gato. É só... bonitinho. – Vendo que a conversa estava ficando um tanto quanto perigosa, acrescentei:
- Vocês vão dormir aqui?
- Ah, não. Tenho um hospedeiro para instalar. – Disse , indo para porta, como se de repente eu a lembrasse de que ela precisava ir embora.
- E eu tenho um pai que deve estar pensando que estou em algum bar por ai. – Comentou Júlia. Ela se lembrou de que preciso do bom e velho oxigênio e resolveu sair de cima de mim, para que eu pudesse respirar normalmente de novo. Agradeci mentalmente.
- Ah, ok... Adeus! – Me despedi dramaticamente das duas sem nem me levantar para acompanhá-las até a porta. Eu geralmente nunca fazia isso e elas não estavam esperando que eu o fizesse. me mostrou o dedo do meio com a maior cara de bunda que ela conseguiu reunir (era desse jeito que ela demonstrava seu amor por mim), e Juh só deu um sorriso e uma acenadinha com a mão, andando sem olhar para onde ia, e isso fez com que tropeçasse em um dos meus tênis malcriados que estava fora do closet. Eu ri mais uma vez e Juh corou visivelmente, murmurando um “tchau” antes de fechar a porta.
Fechei as janelas para ligar o ar condicionado, porque estávamos em pleno verão, o ventiladorzinho de teto não dava conta e o calor era de matar, e com um suspiro lamentável me lembrei de que graças a aparição de -tenho-sotaque-britânico eu nem havia jantado.
Até desci para tentar pegar as sobras da janta, mas vi Thay na cozinha com minha mãe comendo comida tailandesa (que não foi minha mãe que fez) e instantaneamente perdi a fome.
Culpa do . Havia sido informada que ele estudaria na mesma escola que o resto de nós, e não estava muito feliz com essa notícia. Eu ainda não havia entendido o modo como ele me tratara e eu queria muito descobrir o porquê. Mas ao mesmo tempo em que queria descobrir o porquê daquele comportamento estranho, na verdade não estava nem ai.
Depois de arrumar minhas coisas e ficar um pouco à toa, coloquei meus pijamas e lembrei de que tinha que estudar pra prova de segunda que vem. Mas só lembrei mesmo, porque no dia seguinte era sábado e eu não estava a fim de ficar em casa estudando. E, pensei comigo mesma, ainda tinha mais uma semana toda para pensar nisso.
Só que eu passei uma semana toda pensando nele.



Capítulo 2


POV’

- ! A ag... a agulha...a
Acordei com aquele som de pessoa se engasgando e meus olhos automaticamente se encheram d’agua. De novo não. Avancei trôpego pelo corredor, reclamando o tempo todo do tamanho daquela casa. Atravessei o saguão que nos separava e entrei no quarto dela.
Meus olhos não estavam preparados para o que eu ia ver. Achei que a agulha apenas tinha caído de sua veia, como já tinha acontecido algumas vezes.
Entretanto, quando entrei no quarto, tudo que eu via no chão era sangue. As lágrimas que estavam em meus olhos ameaçando sair finalmente escorreram e eu fiquei estático vendo o corpo flácido de minha mãe naquele mar vermelho, quando ela finalmente conseguiu virar seus olhos na minha direção. Foi só nesse momento que eu lembrei que precisava fazer alguma coisa. Liguei para a emergência, posicionando a agulha no lugar ao mesmo tempo em que falava no telefone, e em seguida peguei uma toalha no guarda roupa e molhei um pouco, para conseguir limpar direito.
- Mãe, mamãe... Fica com os olhos abertos. Mãe, olha pra mim. Fica acordada. – Fiquei conversando com ela, enquanto a limpava da melhor maneira que podia, esperando a ambulância chegar. Ela me fitou com aqueles olhos azuis, que no momento estavam tão inocentes, e eu comecei a chorar mais.
- Não... chore... M-mas, , eu p-preciso dormir... – E seus olhos foram se fechando.
- Não! Mãe, acorda! – Eles tremularam mais uma vez antes de se abrirem com esforço.
- Meu filho, minha v... vida. Eu amo v-você, . – Conseguiu falar, antes de um novo jato de sangue sair pela sua garganta. Ela estava vomitando sangue. Estava saindo sangue pela sua garganta e eu estava começando a perder os sentidos. Comecei a sentir as ondas da aflição. Onde estava a maldita ambulância?
- Mãe, não ouse dormir! Acorda, mãe. Fica assim, acordada. Eles já vão cuidar de você. –Passei as mãos pelo que restava dos seus cabelos, em um carinho afetuoso. Ela limpou a boca, envergonhada, e, de algum modo, pôde sorrir.
- Eu p-preciso descan... descansar, . – E seus delicados olhos foram se fechando novamente. O que eu faria sem minha mãe? Ela não podia fechar esses olhos!
- Mãe, para com isso, abre os olhos. – Diferente das outras vezes, ela não me obedeceu. Chorei ainda mais. A ambulância não dera nenhuma resposta até agora e eu estava com a pessoa mais importante da minha vida nos braços, sem saber o que fazer. Ela não se mexeu. Eu estava cada vez mais perdido.
– Mãe, acorda. – Continuei conversando com seu corpo desfalecido. Aqueles olhos não se abriram e minhas lágrimas começaram a cair em cima de seu corpo ensanguentado.
Eu estava soluçando e ela respirava tão fracamente que era quase impossível reparar. O quarto ao meu redor girou e eu me senti tonto.
- MÃE, ACORDA, ACORDA, ACORDA!
Gritei, desesperado. Ela não acordou, não se mexeu, e não demonstrou qualquer reação ao meu grito de terror.
- MÃE, ACORDA! VOCÊ NÃO PODE ME DEIXAR AQUI, VOCÊ NÃO PODE ME DEIXAR SOZINHO! ACORDA!
Eu não queria mais viver se ela não abrisse esses olhos. Não queria mais sair com Sophie Hills se ela não estivesse de pé na soleira da porta para tirar fotos. Eu detestava a mania que ela tinha de querer tirar fotos de tudo, mas, naquele momento, ela podia tirar quantas fotos quisesse. Eu nunca mais ia reclamar de tirar fotos sorrindo, só queria que ela acordasse. Que ela acordasse, me dissesse “Arrá, te peguei!” e então me levasse para o meu quarto, me desse um beijo de boa noite e no fim, tudo estava bem. Mas não era isso que ia acontecer, ela sequer respirava direito. Fiquei murmurando para que ela acordasse, chorando o tempo todo e pensando no que eu poderia fazer, até que a ambulância chegou. E tudo que eu fui capaz de fazer foi sentir medo. Eu estava assustado. Eles mandaram eu parar de gritar, parar de chorar, disseram que eu não poderia ir se os atrapalhasse. Dei um jeito de me manter calado, e pude acompanha-la.
Não era a primeira vez que acontecia de a gente ter que ir para o hospital de madrugada, mas mesmo assim, estava com medo. Parecia ser pior dessa vez. Meu maior medo estava sendo concretizado.
E era o medo de quando ela fechasse aqueles olhos e não os abrisse nunca mais.


Acordei, completamente ensopado de suor. Respirei fundo e sentei em minha cama, passando as mãos pelos cabelos. Tateei meu celular perdido nos lençóis para ver as horas e vi que ainda faltava mais ou menos uma hora para o meu despertador tocar. Eu não conseguiria mais dormir, não com aquela memória distante, porém viva rondando nos meus pensamentos. Decidi que o melhor a fazer seria assistir TV ou entrar no Skype para falar com alguns de meus amigos, mas nenhum deles estavam online. O que era estranho, já que na Inglaterra deveriam ser umas oito horas. Então resolvi me arrumar para ir para a escola, estava muito ansioso de qualquer forma.
Fazia praticamente uma semana que eu tinha chegado e, claro, passei quase todos esses dias com e os amigos dela. Eu pensei que, apesar de morarmos na mesma casa, ela teria seus amigos e eu teria que me virar para achar companhia, mas parecia me querer por perto. Além de e Juh, que eu já havia conhecido na sexta, também haviam Rafa, Alex, Gus e . Todos foram muito receptivos, mas eles ainda me encaravam como uma novidade eu não sei bem se gostava disso. Sabe, toda vez que eu chegava perto deles eles paravam de falar, meio que esperando que eu dissesse algo totalmente hilário. Ou talvez eles apenas queriam caçoar do meu sotaque, não sei bem. Português era uma língua difícil, impossível eu conseguir falar sem inglesar algumas palavras, mas pelo menos a conversava comigo em inglês de vez em quando e isso era bem legal da parte dela, apesar de eu tecnicamente não poder fazer isso.
Ao que parece, eu realmente não apaguei aquela impressão ruim com , já que a gente sempre se tratava com implicância de jardim de infância, e ela era a única que não me encarava quando eu chegava por perto. Perdi a conta de quantas vezes ela rolou os olhos pra mim na segunda vez que a gente se viu. Teria que fazer algo a respeito, não sabia o que significa esse tipo de comportamento dela. Aparentemente era normal, mas eu não tinha certeza.
Tomei banho, coloquei minha regata azul marinho, um jeans e arrepiei um pouco meu cabelo. De acordo com meu celular, meu despertador deveria tocar daqui a quatro minutos. Como eu coloquei para despertar uma hora mais cedo, significava que eu ainda estava duas horas adiantado. Resolvi que esse era o melhor momento para instalar o meu vídeo game na televisão do quarto. Os pais de me disseram que eu podia mudar a cor do quarto se quisesse, mas ele tinha um tom de esverdeado neutro e eu gostava dessa cor. E também não queria causar trabalho em uma casa onde eu passaria cerca de um ano.
Instalar o vídeo game demorou menos tempo do que eu imaginei, o que me deixou frustrado. Ontem mesmo já tinha desencaixotado e guardado todos os meus pertences, meu quarto estava devidamente arrumado, e eu não tinha mais nada para fazer. É, pois é. Eu tenho um déficit que é ser extremamente organizado e as vezes isso me irrita. Sei lá, as vezes eu queria ter um quarto que parecesse de um garoto adolescente normal. Mas bastava ter uma única meia em cima da cama que eu guardava. Talvez eu tivesse TOC.
Faltavam ainda vinte minutos para eu descer, mas não consegui ficar no quarto por mais tempo. Quando cheguei na cozinha para tomar o que eles chamavam de “café-da-manhã” (e tinha tudo na mesa, menos café), Sr. e Sra. Espinosa já estavam saindo.
- Bom dia, ! Aproveite o café. – Recomendou o Sr. Espinosa com uma piscadela. Oh, hoje tinha café. Acho que iria tomar café hoje, todos me disseram para tomar um gole de café brasileiro por eles.
- E não deixe a te matar de fome! – Disse Sra. Espinosa. Eu sorri e meus olhos esbarraram no chá. É café, você vai ter que esperar mais um pouco. Nada pessoal, mas eu amo chá.
- Menos, mãe. – Reclamou – Bom dia, ! – Acrescentou sorridente antes de ir atrás dos pais se despedir deles.
- Bom dia. – Disse pra eu mesmo, começando a me servir. Depois de uns cinco minutos, deixando de passagem que não tinha nem passado manteiga no pão ainda, uma impaciente aparece na cozinha.
- Anda, come logo que a gente tem que buscar a ! –Ordenou ela. De repente, fiquei nervoso.
- Ela não tem perna, não? – Resmunguei, colocando açúcar no chá. ergueu as sobrancelhas.
- Tem, ué. Mas quero dar carona pra minha amiga, posso?
- Argh. – Resmunguei de novo.
Terminei o café da manhã e esperei no pé da escada, pois ela havia subido para pegar nossas bolsas, que eu, tendo todo tempo do mundo, esqueci de pegar. Assim que ela desceu, fomos em direção a garagem e ambos olhamos para o carro. Estaquei no lugar. Era a porcaria de um Volvo C30. Quem diabos dá um Volvo para uma adolescente de dezesseis anos? Eu provavelmente devo ter salivado. Deveria ser tão bom dirigi-lo... Olhamos um para cara do outro. Novamente para o carro. Para aquele carro. Para aquele magnifico carro. Eu juro que tentei ser civilizado.
- Eu posso diri... – Tentei falar, mas ela saiu correndo e eu, sem nem saber o que estava fazendo, saí correndo atrás dela. Eu não sei o que deu nela, porque estava indo para o banco do passageiro. Embora tenha achado a situação esquisita, continuei correndo e não perdi tempo para avisar à ela que estava indo para o lado errado. Aproveitando a monguisse alheia, abri a porta do motorista e pulei para dentro, esperando para cantar vitória. chegou uns milésimos de segundos depois e aí que eu me toquei que meu lado não tinha volante.
Como se dirige num carro sem volante? Só depois que meu cérebro maravilhosamente competente constatou que estamos no Brasil e que aqui se dirige ao contrário. Não tem, realmente não tem, como eu ser menos tapado que isso. Devo ter feito uma cara confusa muito linda, porque , que antes parecia segurar a risada, começou a rir feito doida.
- Ai caramba... não vamos contar isso, não é? Como parte da aposta?
- Mas.... – risos – Você...- risos- risos- risos
- Quer fazer o favor de dirigir? – Perguntei, começando a rir junto com ela.
No sábado, eu e saímos para comprar sorvete e eu disse que sabia de tudo sobre o Brasil. Ela não ficou muito convencida disso, alegando que era um grande país, e que nem ela mesma sabia algumas coisas, então propôs R$ 5,00 a menos a cada erro que eu cometesse. E parece que não saber o lado da estrada contou porque ela não parava de cantar “Cinco reais na caixa, arrá, arru”. Não estava acreditando que passei uma semana nessa casa sem saber que ela acomodava um Volvo no subsolo. Inacreditável.
Chegamos na casa de três minutos depois, quase sãos. Ainda ríamos um pouco.
- Vai lá, toca a campainha. – Me ordenou. Fiz o que ela pediu, mas não foi que me atendeu. Foi outra garota, idêntica a ela.
- Oh, oi. Me chamo Thayná, mas pode me chamar de Thay. – Falou a garota, jogando os cabelos para trás.
- Olá, Thay. Me chamo . – Apesar de metida, gostei dela e dei um sorriso ao me apresentar. – Sua... irmã está ai? – Não sabia o que elas eram uma da outra, então chutei a fraternidade já que as duas eram tão iguais.
- Estou – Disse vindo do nada –Bom dia, . E ela não é minha irmã, esse é um erro comum. – Disse séria, torcendo o nariz para garota que olhava da porta, e a mesma revirou os olhos e se virou para trancá-la.
- Oi, . – Respondi no mesmo tom.
- É pra você! – Me corrigiu, esbarrando a bolsa em mim de propósito ao passar. Quando me virei para o carro, vi que ela tinha roubado meu lugar no banco da frente. Sério que eu conhecia uma menina que tinha um Volvo e não me deixava dirigi-lo e outra menina, a melhor amiga da menina que tinha o Volvo, que não me deixava ir no banco da frente?
- Ei! Sentei na frente primeiro! – Resmunguei infantilmente sentando no banco de trás.
- Ou não né? Eu ando na frente desde que o mundo é mundo. Ou desde que a ganhou esse carro – As duas riram e eu não entendi o motivo. Me senti boiando. E fiquei confuso também. parecia tão fechada, tão rancorosa, tão sarcástica... Fiquei surpresa por ela estar rindo a essa hora da manhã, ainda que fosse uma risada sarcástica, como tudo que ela dizia.
Perguntei qual era a graça e elas responderam com um “nada não”, me deixando mais frustrado que antes. Eu tinha me enturmado bem rápido, mas as pessoas deviam entender que eu não fazia ideia do que tinha por trás das piadinhas delas.
- A Thay não vai para a escola? – Perguntei, tentando mudar de assunto. Esperei que elas entendessem minha sutileza.
- Aaaah, não fazemos parte da elite! – respondeu por ela. E recomeçaram a rir de alguma outra piada interna. Elas definitivamente não entenderam minha sutileza. Suspirei.
pareceu ter percebido que eu não fazia ideia do que elas estavam falando e pela primeira vez desde que eu a havia conhecido ela me olhou quase com compaixão.
- Olha, acontece que Thayná Richüivan é a mandona da escola. Ela manda em tudo entendeu? É tipo, super popular. É melhor você não criar uma reputação muito ruim. – Me explicou, zombando de mim no final.
- Ah sim, e isso não vai acontecer, garanto! – Rebati, não sabendo se tinha gostado da provocação ou não.
- Então deveria entrar no clube de xadrez. Sempre cabe mais um!
- Não, obrigado. Talvez você devesse entrar no clube de natação!
- Tá. Que merda eu vou fazer na natação? – Me perguntou , confusa.
- Está um pouco gordinha. – Respondi rapidamente e sem pensar, antes que pudesse calar meus lábios. Percebi que disse algo muito ruim, mas não tinha tempo de tentar me desculpar.
- Oh! – Ela pareceu um pouco (muito) ofendida. – E no clube de xadrez, você com certeza vai virar aqueles nerds asquerosos, sem noção de moda, com espinhas por toda cara!
- Eu? Olhe bem para mim e me diga que eu sou asqueroso. – Resmunguei, ao mesmo tempo em que dizia “Ele já é nerd”.
- SEU ASQUEROSO!!!
- SUA INSUPORTAVEL!!!
- Calem a boca vocês dois! – Brigou , nos interrompendo, com uma expressão divertida no rosto.
Nem percebi que já havíamos chegado à escola, mas saímos do carro e nem esperou trancar a porta, saiu em disparada na direção da escola sem nos esperar.
- Ela detesta quando dizem que Thay é irmã dela. Não fala isso de novo, por favor. – Pediu , quando se afastou.
- Ela detesta tudo. – Falei sem pensar de novo. parou de andar para me lançar um olhar de repreensão.
- Você não sabe pelo que ela passou. Só... não julgue. – Comentou baixinho. Óbvio que eu não tinha pensado nisso, e meu arrependimento se multiplicou por cem. estava preocupada com a amiga, isso era visível.
- Olha, sobre ter dito que ela era gorda...
riu.
- Ela esquece. Mas não tenta pedir desculpas, ela vai te ignorar. – Falou, piscando. era assim tão problemática? Ela ainda andava a nossa frente, praticamente fugindo de nós. Claro que nós a alcançamos, tamanho o tráfego de alunos que impossibilitaram de fazer uma fuga rápida. Algo me dizia que ela estava fugindo de mim em especial, por que ficou tensa quando fui para o outro lado dela.
- Juh! – Gritou , e saiu correndo para os braços da garota mais alta.
- Obrigada, amiga. Que fofa você! – Murmurou com ironia, bem baixo. Acho que não era intenção dela que eu ouvisse. – Bom, você pode ser o boy da minha amiga, mas eu não tenho nada a ver com você. Então aqui está seu horário, e um mapa da escola. Passar bem. – E depois desse maravilhoso discurso, percebi que parecia que eu tinha uma queda pela . Me senti corar e ela arqueou as sobrancelhas para mim, como se tivesse falado “Te peguei!”. Genial, .
Acontece que eu tinha mesmo uma queda pela . Acho que era mais um precipício. Eu gostava de verdade daquele ser humano pequeno e fofo que me ajudou a escolher chocolates quando eu estava perdido. Além disso, gostávamos das mesmas bandas, nenhum dos dois curtia ler e ela pensava quase igualzinho a mim. E também entendia de carros! Nenhuma menina entende de carros! E cara, ela tinha um Volvo! E foi assim que me vi determinado a me aproximar dela. Mas acho que ela percebeu, e não para de me jogar para cima de . Ela não entendeu que eu não quero nada com , porém fica insistentemente me falando da garota 25 horas por dia, sem parar. E provavelmente também parecia estar desconfiada do plano das amigas, pois na terça-feira, quando me viu pela segunda vez, fez o mínimo contato visual possível e se dirigiu a mim pouquíssimas vezes. Quase todas as palavras eram para implicar. Típico. Achei que seus amigos iam falar para ela parar com aquele comportamento infantil, para ser mais simpática, mas aparentemente aquele era o humor normal dela, e isso de certa forma era triste.
Quando voltei ao presente, já estava de costas para mim.
- ? – Chamei. Ela se virou.
- Desculpe por ter te chamado de gorda no carro. Eu falei sem pensar e... – Ela apenas revirou os olhos e continuou andando.
É, ela literalmente me ignorou.

POV’
Depois de deixar com cara de tacho no portão de entrada, fui em direção ao terceiro andar do prédio 3, onde eu teria minha primeira e tediosa aula do dia. Biologia. Entrei na sala propriamente dita e as meninas estavam me esperando com cara de quem pisou no rabo do cachorro. Ou estavam com a cara do cachorro que teve o rabo pisado.
- Diga-me, querida, qual é seu problema? – Perguntou Juh indignada, nem se dando ao trabalho de me dar um “oi”. Belas amigas eu fui arrumar hein, Deus, ótimas amigas.
- Oi, migs! Tudo bem? – Cumprimentei forçadamente, com o maior sorriso falso da história dos sorrisos falsos.
- Você ficou sozinha com o cara e nem acompanhou ele para a primeira aula? – Indagou, me ignorando completamente. Onde será que foi parar a educação desse planeta, eu me pergunto.
- Você sabe que ele vai vir pra cá. – Falei zangada, rolando os olhos.
- Exatamente! Vocês podiam ter vindo juntos!
- Ai cara, porque isso é tão importante pra vocês hein? – Perguntei para as duas, um pouco nervosa. Eu estava nervosa por que na verdade eu sabia por que era importante para elas. Ficaram a semana toda tentando me juntar com . Sem sucesso, claro. E essa história era ainda mais legal para Juh, por que ela é daquele tipo de menina fofinha que só pensa em príncipes encantados e finais felizes. deu de ombros, mas Juh parecia querer convencer a mim e a si mesma de que tinha “química” entre mim e .
- Mas ele é boni... – Começou Juh.
- E daí? Cacete, Juh, sim, ele é mesmo lindo e que caia um raio na minha cabeça se eu estiver errada. Mas repito: E daí? O que isso muda na sua singela vida? Aliás, por que não vai cuidar da sua singela vida? – Dei sermão, enquanto tirava o caderno e o estojo da bolsa e antes mesmo de me acomodar na cadeira gelada, escutei aquela voz rouca que não devia me ser tão familiar.
- Me elogiando pelas costas, ? – Perguntou, chegando mais perto de onde estávamos.
- Argh, vai fazer o teste de xadrez que você ganha mais. – Eu disse nervosa. Foi idiota assim mesmo, bem infantil, mas nem liguei.
- Nunca. – Disse com um sorrisinho, se virando de costas para mim e começando uma conversa animada com e Juh. Elas me olharam meio inseguras, mas não disseram nada. Fiquei tão revoltada com sua indiferença, que tive a ideia mais genial e idiota do mundo para fazer com que ele pagasse muito caro.
- Oi, ! – Disse (leia-se: gritei) ao garoto moreno e lindo conversando do outro lado da sala.
- ! – Me respondeu sorrindo e se virando para frente. Fui até ele e cochichei:
- Sabe o aluno novo ali? – apontei para e ele assentiu. – É muito chegado a um xadrez. Chegou hoje na escola e gostaria de entrar no campeonato.
- Ah, pode deixar! Vou falar com o Lucas! Talvez ainda tenha alguma vaga. – Respondeu, dando de ombros.
- Obrigada! – Agradeci, com um sorriso que nem de longe poderia ser considerado verdadeiro. Já ia me virar quando ele me chamou de novo.
- , eu, hm... Não quero que você pare de ir ao Jocker’s por minha causa, tá? – Jocker’s era uma lanchonete que tinha na rua da escola. Quando eu namorava com , nós costumávamos passar bastante por lá.
- Eu não vou parar. – “Pelo menos não por sua causa” completei mentalmente.
- Aaahn... Então, a gente se vê!!
Concordei, fazendo um sinal afirmativo com a cabeça e ele me deu seu sorriso Colgate Total 12 que eu tanto adorava.
é o típico garoto badboy, para quem todas as meninas alguma vez na vida já arrastaram as asinhas. E consequentemente já destruiu o coração de todas elas, uma por uma, inclusive o meu. Mulherengo, essa é a palavra certa. Eu sou basicamente uma lenda, já que eu fui a namorada mais longa que ele teve. Sou última namorada que ele teve, na verdade. Durou um pouco mais de um ano. Acontece que Zayn mudou muito entre os quinze e dezessete anos, ele é bem mais maduro que antes e fez o favor de pedir desculpas a todas as meninas com quem ele brincou. Quer dizer, ele mudou assim, da água pro vinho e eu estava muito orgulhosa dele. Éramos amigos antes de namorar e eu queria muito que pudéssemos voltar a ser amigos. Eu gosto de pensar em como nossa amizade evoluiu para um namoro. Nossa história é fofa, mas também é trágica. Antigamente, antes do acidente, andava com a gente. Com todos nós. Saíamos juntos, íamos para o cinema, boliche, shopping ou até mesmo para a quadra do condomínio. Éramos uma equipe, fazíamos tudo juntos. Até o acidente. O acidente mudou todos nós, alguns mais que outros.
Ás vezes, só as vezes eu tento imaginar o que eu estaria fazendo se ele ainda estivesse comigo. Porcaria, confesso que tenho pensado muito nisso nos últimos dias, mas eu não conseguia evitar. Estaríamos rindo das meninas que passam um quilo de maquiagem logo cedo, ou pulando de roupa na piscina do condomínio, ou mandando mensagens engraçadas antes de dormir, ou nada, literalmente nada, só parados um do lado do outro, ocasionalmente trocando monossílabos. Era assim minha rotina com e eu estaria mentindo se dissesse que algum dia eu me enjoei dela.
Não, eu não gosto mais dele. Juro que não.
Ele serve para ser um bom amigo, porém as vezes parece que ele quer algo mais que isso e é exatamente por esse motivo que eu me afasto tanto. Não quero que ele confunda as coisas.
O que aconteceu entre eu e no passado foi um erro, e apesar de ser bastante nova para dizer isso, preciso dizer que ele foi um erro, sim. Meu melhor erro.
Voltei à minha carteira perdida em pensamentos, com confuso na minha frente. e Juh de repente ficaram muito sérias conversando entre si, e o professor de biologia chegou.
-? –Ele olhou. O garoto ainda estava na minha frente, aparentemente sem saber o que fazer. –Ó, tem um lugar ali na janela. –Ele fez uma cara estranha, mas mesmo assim foi para o lugar vazio perto da janela.
-Bom dia, galera. Fernanda, dá um tapa na cabeça do João pra ele parar de mexer no celular e perceber que estou falando. Obrigado por voltar à Terra, João, sou pago pra te ensinar, então me ouve. Enfim, hoje teremos aquele vídeo que eu prometi que ia passar.
A sala inteira gritou em protesto por causa do vídeo, não tinha nada mais chato que documentários de biologia. Wagner era um daqueles professores gordinhos e carecas que tinha a ilusão de que todos gostavam dele, quando na verdade acontecia justamente o contrário. Ele era odiado por 99,9% do ensino médio.
Ele ligou o data show e se virou de frente pra nós para dar uma conferida final.
- Tenham canetas e papéis em mãos porque isso vai cair na prova, que será dia... – Ele folheou a agenda, provavelmente o calendário, para encontrar uma data que iria nos encrencar. – Dia onze de março, segunda que vem.
- Ah, tu tá de sacanagem, tio! – Reclamou alguém lá no fundo.
- Puxa vida, eu nem ia passar, mas já que o Marcos insiste tanto... – Ele disse, e agora foi a vez do coitado do Marcos ser alvo de xingamentos na sala. – Juliana, tenha santa paciência, aqui não é salão de beleza, guarda esse esmalte ai. E Tomás, faça a gentileza de não dormir hoje. Você ronca. – Algumas pessoas riram e eu fiquei perplexa com e Julia roxas de darem risada. Ah, ele se achava hilário não? “Wagner caralhento”, pensei com azedume enquanto ele apagava as luzes e todo mundo se acomodava reclamando mais um pouco.
Depois de 45 minutos de blá blá blá de um mergulhador explicando a diferença entre cartilaginosos e invertebrados, ou algo desse tipo, Wagner acendeu a luz e eu dei um cutucão em Juh, que acabou dormindo logo que começou o negócio.
- Quero um relatório da aula de hoje para amanhã, em dupla e sem falta. – Falou o professor que eu mais amo, fazendo com que eu pensasse em várias outras coisas não muito legais.
- Professor, tem um aluno a mais na sala, pode ser dupla de três? – Perguntei inocentemente, com a maior carinha de anjo que eu consegui.
- Está sem dupla? Olha o aqui. Ele é novo, seja você a dupla dele, interaja com ele, mostre como eu trabalho e tudo mais. Sei que vocês vão se dar muito bem. – Disse meu professor piscando e apontando para .
Olhei para frente e o vi dando um sorriso malicioso e discreto. Acho que só eu não gostei muito dessa notícia. Se o relatório era pra amanhã, teria que ir na casa desse bendito hoje, e hoje era um daqueles dias que eu não queria nem saber de sair de casa. Eu o queimei com o olhar.
- Espero que seja um bom aluno, .

Quando o sinal do recreio bateu, as 10:15, fui em direção a nossa mesa, percebendo que ela estava mais cheia que o normal. Até que percebi a presença de . Engasguei com o suco que estava bebendo e parei no meio do caminho para pegar um cookie de chocolate quentinho. A coisa que eu mais amava nesse mundo era cookie recheado e na escola tinha um quiosque do Mr. Cheney, meus cookies preferidos. Tentei argumentar comigo mesma o porquê de estar tão presente ultimamente, mas não achei nenhum argumento realmente bom.
Quando eu cheguei, abandonou a mesa, mas ignorei isso.
- Oi, ! – Cumprimentei novamente enquanto me sentava, dando uma mordida no meu cookie.
- E aí, ! – Eu sorri para ele, esperando que não estivesse com os dentes sujos de chocolate, e então ele me disse algo que eu não ouvia há meses, fazendo todo mundo calar a boca e prender a respiração – Não tem nenhum sanduiche light pronto para mim, gênia?
- N-não como mais isso. – Gaguejei, incapaz de dizer qualquer coisa diferente disso. Acho que Gus percebeu que eu estava ficando desconfortável, por que ele completou:
- É, nossa querida e gostosíssima resolveu engordar um pouquinho. Olha só esse cookie aqui! Deve ter um zilhão de calorias! E ela come todo dia ainda. Não que ela seja muito magra para se dar esse luxo, mas ok. – E com isso, gerou uma onda de risadas histéricas e zoeiras na mesa, tendo eu como principal alvo. , felizmente, não tinha percebido o peso de sua frase aparentemente amigável, mas eu, apesar de tentar disfarçar, estava em choque. Gus percebeu e ficou me encarando de um modo que me perguntava se eu estava bem. Não consegui responder e desviei o olhar. continuou conversando com o resto de nós normalmente, mas evitou meu olhar muitas vezes. Depois de algum tempo ele afirmou que precisava ir para o ensaio de teatro, e deixou junto um aviso que em breve ele teria uma peça em cartaz e que todos deviam ir assisti-la.
- Mal posso esperar! – Murmurei desanimada para eu mesma enquanto ele se afastava. Enquanto Juh suspirava e ficava dizendo o quanto era lindo, que eu era uma idiota por ter terminado com ele e coisas do tipo, e Rafa bufavam e murmuravam algo como “Aff, só tem menino esquisito aqui Juh, se toca!”.
- Vocês não sabem apreciar coisa boa, fato. – Reclamou Juh, apoiando o cotovelo na mesa, em uma demonstração clara de tédio. Eu ri, revirando os olhos.
- Ah, claro, porque com certeza é um colírio para os nossos olhos. – Rebati sarcasticamente. Rafa riu da minha observação.
- Bom, namoros antigos a parte, mas e aquela bunda do inglês? – Falou, rindo de nossa reação em seguida. Ela era tão resguardada, nunca adivinharia que ela falaria assim, na lata, sobre a bunda de alguém. Resolvi entrar no jogo, apesar de saber que ela estava me provocando.
- A bunda não sei, mas e o pe...
- , sem comentários pecaminosos na mesa de jantar, por favor. – Interrompeu Alex.
- Mas eu ia falar do peitoral dele. – Argumentei lentamente, enquanto jogava a embalagem de Trakinas vazia do Gus na minha cara.
- Sei, Lorh, todos sabíamos que você estava falando do peitoral dele. – Ironizou ele. por algum motivo estava corada e calada, e Rafaela também percebeu.
- E aí, , conta pra gente, já abriu a porta do banheiro enquanto ele tomava banho? A bunda dele é tão linda quanto eu penso? – Perguntou Rafa, fazendo eu ter um ataque de riso pior que o anterior. A reação de foi o suficiente para que eu morresse de rir mais ainda.
- Não! Quer dizer, não abri a porta do banheiro, não que a bunda dele seja feia. – Arqueei a sobrancelha e ela percebeu o que tinha acabado de dizer. Tapou sua boca com as duas mãos enquanto ríamos da situação confusa dela. – Quer dizer, não tô dizendo que ela é bonita, por que eu nunca vi e... – Mas seus métodos de argumentação estavam sendo enterrados pelas nossas risadas. Consegui me recuperar o suficiente para comer meu último cookie, mas antes que pudesse morder o último pedaço, Alex roubou e comeu ele mesmo. Dei um tapa na cabeça dele, e ele revidou. A única pessoa que conseguia revidar um tapa meu. Não é como se eu fosse entrar em uma briga com ele, Alex tinha o dobro do meu tamanho.
Queria ter continuado ali, rindo com meus demoninhos, mas precisava estudar para a bendita prova de matemática. Anunciei minha saída para a biblioteca e escutei Rafa gritar.
- Se ele estiver lá, não se esqueça de apertar a bunda dele por mim! – Fiz um sinal de positivo com o polegar e comecei a andar rápido ou correr devagar.
A caminho da biblioteca, eu estava pensando que eu daria o mundo para ver a reação de se ele estivesse com a gente na mesa do refeitório.



Capítulo 3


POV’s
Assim que acabou a aula de biologia, um dos garotos barulhentos que estavam no fundo da sala veio falar comigo.
- Oi, ! Meu nome é . – Apresentou- se o desconhecido. - Hm, oi, . – Falei hesitante, esperando para ver o que ele queria comigo.
- Então, quer mesmo fazer o teste?
- Teste?! Que teste?! – Perguntei, alarmado.
- Sua amiga, a , disse que você era muito chegado em um xadrez e pediu pra eu abrir uma vaga no campeonato pra vo...
- Ook. Para! Eu não vou fazer teste nenhum, porque eu não gosto de xadrez. Na verdade, eu nem ao menos sei jogar xadrez! – Interrompi meu amigo legal e depois me arrependi. Acho que eu fui um pouco estúpido com , e ele tinha sido tão legal comigo. Droga. – Me desculpe, cara! – Comecei. – É que eu e a temos várias discordâncias e...
- Não, tá tudo bem! Aquela menina é assim mesmo, desde quando chegou aqui – Ele me interrompeu, dando um sorrisinho misterioso e, indo contra todo o meu bom senso, eu nutri uma vontade enorme de querer saber o porquê.
- Ah, você conhece ela? – Perguntei inocentemente. Ele encarou o chão antes de me responder.
- Namoramos por mais de um ano. Mas faz muito tempo que terminamos, de qualquer forma. – Terminou com um sorriso triste. Algo em seu olhar distante e seu sorriso triste me dizia que ele ainda gostava dela. Não. Mais do que isso. Estou prestes a dizer que ele ainda a amava. Parecia que ele precisava dela com ele, e de algum modo, senti que esse não é o mesmo desde que eles terminaram.
- E ela terminou com você ou... – Ele me deu um sorrisinho metido.
- De certa forma, eu terminei. – Eu fiquei totalmente confuso. Porque ele iria terminar com uma garota de quem ele supostamente gostava? Isso não fazia mesmo nenhum sentido. Eu ia perguntar o que ela fez de tão ruim para ele terminar com ela e ele ainda assim estar apaixonado, mas ele fez um gesto que significava algo como "Enfim, já faz tempo" e eu entendi que não iria mais arrancar nada dele.
- Qual é sua próxima aula? – Me perguntou educadamente.
- Hm... – Precisei revirar minha mochila para encontrar a tabela. – É física, na sala 5.
- É a minha também. Vamos, antes que você perca a chance de ver Kaillany. – Me disse com um sorriso malicioso.
- Quem é essa? – Perguntei. Ele arqueou as sobrancelhas.
- A professora.
- Ah. – Eu concordei em silêncio e fiquei feliz em arrumar uma companhia tão depressa. parecia ser um bom amigo e eu peguei o senso de humor dele bem rápido. Fomos conversando pelo caminho e ele era bem legal. Fazia parte da equipe de teatro e tinha um irmão mais velho. Ah, e um cachorro chamado Dobby. Diz ele que o labrador recebeu esse nome por causa de sua mãe, que era uma fanática fã de Harry Potter. Eu ri. Queria ter tido um cachorro, mas meu pai sempre foi contra ter um. Chegamos na sala 5 e não faltou com a sua palavra. Aquela foi provavelmente a melhor aula de física da minha vida.
As aulas passaram bem depressa e na hora do recreio, sentei com e os outros. Depois da história que me contou, fiquei chateado por . Eu não sabia o que era ser rejeitado, pelo menos não desse jeito. Eu nunca namorei. Fiquei muito penalizado por causa disso e quando eu a vi se aproximando, achei melhor me afastar do que ficar olhando para ela com pena. Quer dizer, a coisa toda ainda estava martelando na minha cabeça. O que uma pessoa precisa fazer de ruim para que isso acontecesse?
Murmurei um "até logo" para as meninas e dei o fora dali. Pensei que iria me seguir, mas ele ficou na mesa conversando com os meninos. Mas não era com os meninos. Vi o modo que ele olhou para e vi as bochechas dela corando. Ela também gostava dele.
Não conhecia a escola, então não é novidade dizer que eu não fazia ideia pra onde estava indo. Cheguei ao meu armário (o único lugar que eu conhecia além do refeitório e das salas que eu tinha frequentado até agora), e no corredor, vi uma garota bonita e reconheci Thay. Seu semblante era preocupado e ela parecia extremamente assustada com alguma coisa. Fui até ela.
- Hey, Thay! – Chamei. Acho que ela reconheceu meu sotaque.
- Oh! Oi, . – Me deu um sorriso encantador – O que faz aqui sozinho?
Eu não ia mesmo dizer que estava perdido e pareceria grosseiro perguntar exatamente a mesma coisa a ela. Falei a primeira coisa que me veio na cabeça:
- Ah, estou procurando a biblioteca! – No final das contas, ela acreditou em mim e destacou a melhor rota para a biblioteca no mapa. Me senti um pouco humilhado por ter que andar com aquele mapa debaixo do nariz o dia todo, mas Thay me tratou normalmente, o que me fez pensar que não era o único a usá-lo.
Bom, ponto pra mim.
Nós nos despedimos e eu saí me arrastando pelos corredores. O que iria fazer na biblioteca, eu não sabia, mas vale tudo para não ficar parecendo um babaca na frente da rainha da escola. Aliás, ela não era tão bruxa quanto as meninas me fizeram acreditar. Tinha sido gentil comigo. E não um gentil do tipo “quero te seduzir só pra poder te beijar”. Um gentil natural, do tipo que todas as meninas dóceis têm dentro de si.
Fiz o que Thay pediu e logo cheguei. Era uma biblioteca grande e bonita para pertencer a uma escola. Ri por dentro. Alphaville High School. Não é à toa que essa é uma das escolas mais caras de São Paulo. Escolhi essa justamente por ter um programa bilíngue, o que seria fácil, e útil, pra mim. Algumas aulas eram totalmente em inglês, e, apesar de gostar muito da língua portuguesa, devo dizer que era um verdadeiro alívio poder ouvir minha língua de vez em quando. Óbvio que as vezes meus ouvidos doíam quando algum professor (tipo o tal de Elias, que me deu a terceira aula), falava minha língua nativa com um sotaque horrível. Coloquei minha bolsa em uma mesinha qualquer e fui procurar algo que me interessasse. Talvez estivesse na hora de ler um bom livro em inglês. Não gostava de ler, mas não chegava a odiar tanto assim.
O destino me ama.
Entre uma prateleira e outra, encontrei com a expressão igualzinha à da sua "irmã". Estava escolhendo os livros e parecia tão concentrada que um único barulho a assustaria. Não falei com ela e ela também não me viu. Só fiquei observando ela pegar vários livros de matemática; depois que se sentou, observei sua expressão desesperada, o modo como fazia uma conta errada após a outra, os fios de cabelos teimosos que caiam de seu coque improvisado com uma caneta. Eu achei essa cena muito fofa e fiquei imaginando que ser humano terrível se daria ao trabalho de dispensar alguém como . Ela era meio rabugenta, porém eu sabia que era uma das melhores pessoas que eu teria o prazer de conhecer. Acredito que a o rancor que ela demonstrava era apenas para esconder a pessoa maravilhosa que ela era. Eu queria muito descobrir o que de tão horrível aconteceu para ela ser tão rude, ou se ela sempre tinha sido assim. Mais uma vez, lembrei dela e de juntos e de como a personalidade dela devia ter sido com ele.
Fiquei ali, parado, observando ela de longe, enquanto tentava ver fazendo algo desesperadamente ruim. Mas não consegui.
Está certo que nós não temos uma relação das melhores, mas não é como se nós nos odiássemos nem nada disso. Era apenas o jeito que ela achou de lidar com a situação sem dar muito na cara. Por situação, eu quero dizer que ela parece ter ciúmes quando está comigo. E é compreensível, já que elas são amigas a muito tempo e tudo mais.
Quando me aproximei da mesa na qual ela estava e puxei uma cadeira, ela se assustou assim como eu previra. Depois de ver quem era, revirou os olhos e voltou desesperada para as contas e a apagá-las freneticamente.
- Oi, . – Disse corando debaixo de montes de livros.
- Oi, . – Respondi um pouco confuso por ela ter usado meu sobrenome de novo e por ter corado tão rapidamente. Achei ter visto um sorrisinho, mas se ele estava lá, sumiu antes de eu ter certeza.
- É pra você. – Corrigiu, continuando nas contas.
- O que você está fazendo de tão importante? – Não me contive, acabei perguntando.
- Não vejo como isso pode ser do seu interesse. – Murmurou ela, olhando em meus olhos pela primeira vez. Eu sentia que estava pisando em pedras toda vez que falava com ela, mas era a primeira vez que ficávamos sozinhos, sem ter ou Gus por perto. Queria ver até onde eu chegaria.
- E não é. Mas estou curioso. – Ela suspirou entristecida, quase chorando.
- É a prova de matemática. Não consigo entender porque x é igual a 6,5 se a minha resposta deu 10 e a do outro livro, 22,72. E isso é incrível porque no enunciado diz que x é igual a metade do dobro e o número que encontrei é 10, logo minha resposta está certa. Mas a porcaria do 10, não tem raiz, então é impossível dizer se x é maior que o ou se x é menor que 0. – Terminou, chorosa. Foi o maior discurso que eu já ouvi de . Ela percebeu soltar a raiva para cima de mim, pois acrescentou, com a expressão doce e inocente: - Oh! Me desculpe, eu... é, não... – Ficou um pouco confusa e eu sorri. - Está tudo bem. Você sempre chora quando está errada? - Eu não estava chorando – Respondeu rapidamente. Ergui as sobrancelhas. – Choro quando estou nervosa, Horan... - Quando é a prova? – Ela tirou o celular do bolso e olhou as horas. - Daqui cinco minutos. – deu um suspiro, se recuperou e contestou com aquela carinha do Gato de Botas. – Pode me ajudar a guardar isso tudo? – Não pude deixar de notar o quão era estranho e triste quando parecia que ela estava fazendo certo esforço para ser educada. - Claro, eu te ajudo – Foi tudo o que eu pude dizer. - Ah! Valeu! - Hm, na verdade, essa minha aula é vaga, pode ir pra sua sala que eu guardo tudo.
- Muito obrigada! – Ela se jogou em meus braços em um abraço inesperado e depois se afastou com um sorriso constrangido.
Eu gostei dessa ação. Ela não estava dando em cima de mim nem nada, era só uma ação natural dela. Então essa era a verdadeira . Eu tinha gostado dela. Senti que ela era alguém que valia a pena conhecer. Alguém que eu queria conhecer.
Nunca estive tão enganado.
POV’s
"Foi tudo bem, . Respira fundo. Você vai conseguir pelo menos 85." Suspirei. "Relaxa. "
Saí da sala de matemática muito, mas muito nervosa. Se você nunca estudou 20 minutos antes da prova, não sabe o que é desespero. É uma coisa que cresce dentro do seu peito e transborda até as pontas dos seus dedos, e o tempo todo fica piscando uma placa de neón na sua cara com os dizeres: "Você se deu mal! Você se deu mal!"
-E aí, como foi? –Perguntou Rafa interessada assim que eu entrei na sala de história.
-Eu não sei... Mas acho que pelo menos 85 eu tiro.
Ela sorriu, o que eu deduzi ser um sinal de encorajamento e então se virou. Vendo o professor começar a aula, imitei seu gesto.
Assim, o resto da manhã passou voando. Quando o último sinal do dia bateu, fui ao estacionamento me encontrar com . Perguntei pelo , e disse que ele havia ido para casa com . Achei muito estranho essa nova interação repentina dos dois, mas me esqueci de comentar isso com ela. Apenas pedi-lhe que avisasse a do trabalho que eu teria de fazer com ele mais tarde.
me deixou na frente de casa ao mesmo tempo que um Porshe estacionava atrás dela, exibindo um garoto idiota de dezoito anos. Joe, meu infeliz cunhado, com Thay descendo do carro.
Entramos em casa juntas, sem falar nada uma pra outra. Quando passou por mim indo em direção a escada, vi que seus braços estavam vermelhos. Não consegui segurar a curiosidade.
- Hm, Thay, o Joe te bateu? – Não que eu me importasse, mas a curiosidade falou mais alto.
- Não te interessa! – Respondeu zangada, fechando a porta de seu quarto com força.
Deve ser a TPM atacando. Ri amargamente. Thay antigamente era uma menina legal, simpática e divertida, eu realmente gostava dela. Mas quando entrou na AHS (Alphaville High School), logo ficou popular. E todos sabemos o que acontece com garotas populares: viram uma verdadeira bosta. E infelizmente, aconteceu isso com Thay. O que era para ser minha irmã de pais separados, acabou se tornando minha pior inimiga. Eu não podia abrir a boca que ela retrucava e eu acabava me dando mal na maioria das vezes. Sempre que ela fazia alguma coisa e me culpava, minha mãe, minha própria mãe (sangue do meu sangue), acreditava nela. Ela era uma ótima atriz também. Mestre em choros falsos que acabavam livrando ela de todas e quaisquer complicações. Eu não tinha palavras para descrever o tamanho do meu ódio por essa garota. Teve um tempo que a gente brigava tanto, que minha mãe e Andersson nos deixaram um mês sem sair de casa. Quando esse um mês de castigo acabou, fizemos o melhor e mais benéfico para nós duas: entramos na etapa do silêncio. Simplesmente nos ignoramos. E é assim até hoje.
Deitada em minha cama bagunçada, refletindo sobre minha vida bagunçada, nem percebi os minutos se arrastarem. Era melhor eu ir logo para fazer o trabalho com .
Arrumei minha cama rapidamente e logo desci para almoçar. Quando terminei, lavei a louça e subi novamente para tomar banho muito rápido e assim que finalmente acabei, parei indecisa na frente do closet.
Que roupa a gente usa para fazer trabalho? Hm... vestido? Não, desconfortável demais... Saia? Não, não, não. Calça jeans? Definitivamente não.
De repente fiquei nervosa. Porque eu estava preocupada com a vestimenta? Era só o idiota do !
Desesperada com meu orgulho ferido em segredo, revirei as gavetas em busca de algo confortável e bom. Acabei escolhendo um shorts e uma regata rosa claro que disfarçava minha barriga, me deixando mais magra do que realmente era. Não era muito gorda, mas com certeza não tinha um corpo esbelto e escultural. Para se ter uma ideia, eu preferia 100% usar maiô ao invés de biquíni, para conseguir deixar a barriga escondida. Já tentei academia, dieta e nada funcionou, então, cá estou. Pelo menos não importava com isso, não tanto quanto as pessoas pensavam.
Apliquei gloss nos lábios e rímel nos cílios, bem fraquinho. Mas não me dediquei muito nessa tarefa, pois corria o risco de desconfiar de que eu estava tentando seduzir o cara ou coisa pior.
Na verdade, eu gostava de . Não éramos ultra amigos (ou algo mais) como ele era com a , e eu só conheço ele há pouco mais de uma semana e se for parar para pensar, eu nem conheço ele. Nossa relação estava mais para dois irmãos brigando por coisas bobas e por algum motivo eu gostei de pensar assim. Tinha o pressentimento que poderia contar com ele no futuro. E o que ele fez hoje na biblioteca foi mega fofo.
Depois de pegar os livros do qual precisaria, calcei meus All Stars brancos e saí de casa, com meu cabelo ondulado serpenteando atrás de mim. Que se diga de passagem: meu cabelo é a parte que mais gosto em mim. Grosso e avermelhado. Ele é ondulado e grande, bate quase na cintura. Me sinto uma modelo de praia quando o vento bate. Por ser uma cor muito rara, não tem uma pessoa que não olhe quando eu passo. Provavelmente deve ser esse o motivo de todos acharem que Thay e eu somos irmãs, já que esse tom de cabelo é realmente difícil de encontrar.
Esse amor que tenho pelo meus cabelos, entra em contraste pelo ódio que sinto dos meus olhos. Meus estranhos olhos verdes azulados.
Para qualquer garota, olhos de qualquer cor que fujam do simples castanho escuro já são uma benção da natureza, mas não pra mim. Esses olhos são as únicas heranças que meu pai desaparecido me deixou.
Isso mesmo, desaparecido. Não faço ideia do que aconteceu com ele, para onde ele foi, se ele ao menos está vivo. Simplesmente... sumiu. E eu odeio ele por isso. Ele disse à minha mãe que precisava ficar no trabalho até mais tarde e no dia seguinte, quando ela voltou do trabalho, ele havia sumido e levado até o último par de meias com ele.
Saiu sem dar um beijo, sem dizer até logo, sem dizer que me ama uma última vez e sem dar nenhum tipo de satisfação. Saiu e deixou uma garotinha que tanto o idolatrava, que acreditava que ele era seu super-herói, esperando por ele na escada de casa. Esperando o papai voltar. Sua mãe dizia que ele nunca voltaria, mas a garota, teimosa, esperava por ele na escada todos os dias, na esperança de que ele voltasse. O pai da garota nunca voltou.
E faz exatamente oito anos que eu vi meu pai pela última vez.
Cinco minutos depois, já estava de volta ao presente, na frente da casa da Anna, que era realmente perto da minha. Toquei a campainha, mas tive que esperar mais algum tempo debaixo do sol até o finalmente atender, com o queixo sujo de maionese. Dei uma risadinha.
- Boa tarde! – Decidi abandonar os modos formais que eu instiguei naquela manhã.
- Oi. Qué sãduiche de prosonto? –Perguntou de boca cheia apontando para cozinha. Acho que ele estava me oferecendo sanduiche.
- Oh, não, obrigada. – deu passagem para eu entrar e estava começando a se virar quando me lembrei da maionese. – A propósito, , tem maionese no seu queixo.
Eu o vi limpar o queixo com as costas da mão e depois se virar em direção a cozinha, sentando na cadeira e dando outra mordida no maior sanduiche que já vi.
- A tá aqui? – Perguntei, sabendo a resposta antes mesmo de perguntar.
- Ão. Foi no cosa da Rúlia. – Respondeu de boca cheia. Não entendi onde ela tinha ido, mas sabia que não estava em casa e isso já era desconforto o suficiente.
- Bom, então termine logo, porque é para amanhã esse trabalho.
- Calma, esse lance é gande. – Disse ele, apontando para o lanche. Hm, acho que ele quis dizer que o lanche era grande demais. Peguei uma faca na gaveta, fui até onde ele estava, cortei uma parte do seu lanche e peguei para mim. Ele ficou me olhando com cara de interrogação.
- Que foi? – Perguntei incomodada. Ele se limitou a dar de ombros e continuar comendo seu sanduiche. Terminou primeiro que eu, embora a parte que cortei para mim fosse relativamente menor que a dele.
- Pra quem recusou um sanduíche do Chef , você até que comeu bastante.
- Aff, cala a boca,
Rebati, rindo e achando super fofo o jeito que ele falava sanduíche. Soava algo como: "sandouish". Era muito bonitinho. – Fala sanduíche de novo!? – Pedi, como se ele fosse uma criancinha em fase de aprendizado.
- Aff, cala a boca, ! – Me imitou, rindo comigo. – Vou tomar um banho.
Apesar de ter que arrumar a enorme bagunça que ele fez na cozinha, fui bem compreensiva. Aproveitei e fiz um suco de uva, para tomarmos enquanto trabalhássemos. Coloquei o suco na geladeira e voltei para sala, deixando os livros que iriamos usar em cima da mesinha de centro.
Quando desceu, com um perfume muito bom por sinal, sentou- se do meu lado e ficou olhando para minha cara, automaticamente me deixando no comando.
- Horan, você pode pegar o suco que deixei na geladeira, please? – Ele riu do meu inglês aportuguesado.
- Of course, dear – Com um sorriso amistoso, saiu para a cozinha, no momento em que a campainha tocou. Vi que era , então fui abrir a porta para ela. Aliás, ela ficou muito feliz em me ver.
- E o que você tá fazendo aqui?
Só que não.
- Oi pra você também. Ah, eu tô bem também, obrigada. – Ironizei, com um sorriso sarcástico. Ela revirou os olhos. – Trabalho de biologia com o .
- Ah é, tinha esquecido. , tenho uma coisa para te fal... – Assim que apareceu, ela enrubesceu, e mudou o tom de voz. – A gente se fala depois, . E subiu as escadas correndo. Alguma coisa estava acontecendo e o fato de usar meu nome completo já era prova o bastante. Me virei a tempo de ver parado com o suco na mão, obviamente sem reação, com as bochechas coradas, me deixando mais curiosa que antes.

POV’s
Ao que parecia, estava mesmo irada comigo, e percebi que dar um beijo de "tchau" não funcionou bem do jeito que eu queria. Era para ela estar caidinha por mim, e não me ignorando. Muito bem , você é um gênio na arte da sedução. ainda estava com uma pergunta nos olhos, morrendo de vontade de perguntar o que estava acontecendo, mas não seria eu quem contaria isso a ela. Me recuperei e tentei mudar o ritmo da situação constrangedora.
- O que vamos fazer agora? – Perguntei inocentemente.
- O relatório?! - Disse de um jeito super óbvio. –Hm, , você sabe por que ela... saiu daquele jeito?
- Não, não sei de nada. – Respondi, de um jeito rápido demais. Deu para ver que ela não acreditou em mim. Mas ela não perguntou de novo, não insistiu e eu agradeci mentalmente quando ela sugeriu que prosseguíssemos com o trabalho.
Durante o resto da tarde eu tentei de verdade entender o que dizia. No entanto, flashes de acontecimentos recentes vinham a minha cabeça e, por mais que eu me esforçasse, era impossível não me deixar levar pelos pensamentos. Achei que estava conseguindo controlar minhas expressões e bloquear pensamentos aleatórios, mas percebeu que eu não estava lhe dando atenção o suficiente e precisou estralar as duas mãos na minha cara e gritar meu nome.
- , em que planeta você tá?
- Em um planeta chamado "passado" – Resmunguei baixinho e em inglês, mas para minha surpresa, além de ela ouvir, ela entendeu.
- Ah! Você e a se pegaram, né? – Ela lançou um meio sorriso e eu fiquei sem respirar por cinco segundos.
- Como... você? É...?! – Gaguejei, incapaz de pensar com clareza para dizer qualquer outra coisa.
- Relaxa. Foi só uma hipótese. Parece que eu acertei. – Alarmou triunfante. Bufei. – Mas ela odeia ser beijada sem permissão. Deveria saber disso. – Completou. Ótimo, . Essa informação teria sido muito útil há duas horas.
- Foi repentino, ...
- . – Ela corrigiu, séria e voltou a escrever nosso relatório. E me surpreendeu mais uma vez. Achei que iria se aprofundar no assunto, dando um monte de conselhos de mulherzinha, mas ela não fez nada disso.
Soltou um longo suspiro e vi que já tinha acabado. Largou a caneta em cima da mesinha e se jogou para trás, fechando os olhos.
- Morri. E não me ressuscite, por favor – Resmungou. Como ela havia feito a maior parte do trabalho, guardei todas as suas canetas e separei nossas apostilas, empilhando as delas perto de sua bolsa. Ela se levantou de repente, viu suas coisas organizadas e me olhou agradecida. Depois, guardou suas coisas na bolsa e se ergueu, arrumando os longos cabelos enquanto se levantava.
- Já vai? – Perguntei.
-Hm... vou ué! –Exclamou, divertida. Eu não queria enfrentar a ira da , sabia que ela iria gritar comigo pior que algumas horas atrás. Percebi que por causa da situação com , nós nem havíamos tomado o suco que fizera mais cedo.
- Hm... Por que você não fica mais um pouco? A gente pode ir até o jardim comer um lanche. De novo. – Ela hesitou tristemente, mas no fim olhou para o relógio e assentiu.
- Ok, tenho uma hora. - me deu um soquinho amistoso no braço e eu peguei o suco abandonado em cima da mesa. Nós fomos para a cozinha pegar os ingredientes para o (outro) sanduiche e depois de montá-los, nos dirigimos ao enorme jardim da mansão de . Tinha dois jardins aliás, um que contornava a piscina e outro gigante, com um canteiro de flores e uma casa na árvore, e foi pra lá que a gente foi. Eu não havia nadado nenhuma vez na piscina. Talvez quando me perdoasse a gente pudesse dar um mergulho. O sol estava perfeito, a maior parte da grama estava sombreada e seca, e teve a brilhante ideia de pegar um lenço no armário para forrá- la. Assim, parecia que a gente estava fazendo um piquenique no parque. Eu ri com esse pensamento. Notei olhando com pesar e nostalgia para cima e vi que ela olhava para a casa da árvore, que na verdade parecia um pequeno apartamento, de tão grande. Eu não ficaria surpreso se ela me dissesse que tinha um banheiro com uma jacuzzi e sais de banho lá. Pra falar a verdade, eu acho que tinha até ar-condicionado lá dentro.
- A gente ficava o dia todo lá em cima. Adorávamos olhar do alto. Naquela época, essa pequena altura parecia a coisa mais fodástica do mundo. Nós nos sentíamos corajosas. A única coisa que fazia a gente descer de lá, eram os famosos biscoitos de gotas de chocolate de Ellen. – Ela deu um sorriso doído e algumas lágrimas escaparam. Eu acho que ela tá de TPM. Já vi ela chorando praticamente duas vezes hoje. Eu ia comentar isso, mas quando ela limpou as lágrimas e olhou para mim, eu senti que era muito mais que TPM. Era tristeza de verdade.
- Quem é Ellen? – Perguntei, tentando mudar de assunto.
- Era a cozinheira dos Espinosa. Ela se mudou para Santa Catarina já faz quase dois anos.
- E por que ela se mudou? – Eu estava tentando distraí-la, mas essa era a pergunta errada. A dor atravessou o rosto da garota e eu fiquei desesperado, não sou bom em consolar mulheres. Acho que era por causa disso que eu ainda não tinha namorada. Ela não chorou, mas eu podia ver o esforço dela para não fazê-lo. –Hey, não responda – Eu disse, indo até ela e a abraçando de lado. Não foi uma coisa embaraçosa para nenhum de nós dois e esse era o único método de consolação que eu conhecia. No final das contas, pareceu ter funcionado. Ela conseguiu relaxar um pouco.
- Oooh, desculpe. Pareço uma garota de cinco anos, não é? – Ela perguntou, meio chorando meio rindo.
- Não. Você parece uma garota que guardou lágrimas demais e sofre. – Ela apenas abaixou a cabeça, comprimindo os lábios. Eu estava cada vez mais interessado em conhecer essa garota. Eu sabia que ela era ela mesma quando estava comigo. Porque tinha dias que ela era tão armada, tão rabugenta? Eu queria tanto saber. soluçou contra meu abdome e eu a abracei mais forte.
- Obrigada, . Você é uma boa pessoa. Apesar de eu nem te conhecer. – Ela riu.
- Por nada . E você é uma boa pessoa. Apesar de eu nem te conhecer – Imitei-a, sendo sincero, e ela deu uma risada fraca. Tive que perguntar algo a ela. Simplesmente escapou. – ... Você me ajudaria em algo?
- Hm... depende. – Respondeu. Primeiro eu repassei meu pedido de ajuda na cabeça, me perguntando se estava sendo egoísta demais. Mas desisti.
- Hm, sabe... você estava certa sobre . Eu realmente a beijei. Só que agora ela tá muito brava comigo, me ignorando e... – Fiquei meio envergonhado e deixei confusa.
- E... Hã? Você quer que eu te ajude a pegar minha amiga? – Ah, 100% de certeza que ela estava com ciúmes.
- Exatamente. – Ela ergueu as sobrancelhas – Ok, não exatamente. Eu só quero que você diga a ela pra parar de me ignorar. E que isso é uma baita infantilidade. E que eu realmente estava fora de mim. E que eu peço desculpas.
- Oh, nada de mais falar somente isso! – Afirmou sarcástica e séria, como sempre. – Mais alguma coisa, oh, lady dama?
- Éeee... Sim! Diga que um cara lindo e gostoso como eu não pode ser dispensado. – A essa altura, eu já estava começando a acreditar que era mesmo bipolar. Alguns minutos antes estava quase se matando de tristeza e agora, do nada, começou a rir tanto que perdeu o fôlego e por um único momento, me imaginei fazendo respiração boca a boca nela.
- VOCÊ? LINDO? ONDE? – Muitos e muitos risos depois... – Eu digo isso a ela. Mas até onde eu estou vendo, você também tem pernas, e boca e ah, uma língua também, pode muito bem dizer tudo a ela você mesmo, não pode?
- Claro que posso – Concordei. – Mas ela não quer me ouvir.
- Entendo. – Consultou o relógio – , eu tenho que ir.
- Ok, quer que eu te acompanhe? – morava no mesmo condomínio que eu estava, mas passava das sete e já estava escurecendo. Não queria que nada de ruim lhe acontecesse, apesar de nesse condomínio nunca acontecer nada de errado.
- Oh, não precisa. Eu, hm, vou ao médico com minha mãe. – Deu um meio sorriso de agradecimento.
- Ela está bem? – ampliou o sorriso. - Forte como um cavalo! – Usou uma expressão que eu nunca tinha ouvido, mas o jeito como ela falou isso deu a entender que esse ditado era brega e piegas. Eu achei graça.
- Nos vemos na escola?
- Claro. Até amanhã, - Me deu um beijo de despedida no rosto e se virou para olhar para mim, séria. - Até amanhã, ! - Me chamo ! – E com uma piscadela, virou as costas e se dirigiu a saída da mansão.
Bem mais tarde, em um futuro próximo, eu olharia para o passado e descobriria que naquele momento, pela primeira vez desde que a havia conhecido, senti que aquele perfume, aquele olhar e aquele sorriso, eram a coisa mais mágica que eu já havia visto.
Mas claro, demorou um pouco pra cair a ficha.



Capítulo 4


POV
Quando cheguei em casa, eram quase dez horas da noite. Entrei porta adentro silenciosamente achando que Thay já estaria dormindo, mas para minha grande surpresa encontrei Andersson na sala.
- And! –Disse feliz ao vê- lo. Fui ao seu encontro para lhe dar um abraço. Eu adorava And.
Ele era o pai que eu nunca tive, mas por alguma razão desconhecida, eu nunca consegui chamá-lo de "pai". Ele, porém, se contentava com "And", e nem sua própria filha gostava dele mais do que eu. Até hoje ele sempre está pronto pra mim quando eu preciso de uma figura paterna, e ele nunca me decepcionava, mesmo estando distante a maior parte do tempo. Sei que posso confiar nele de olhos fechados.
- ! – Respondeu meu cumprimento me abraçando animadamente. Ele era dono de uma pequena empresa têxtil, então realmente trabalhava muito. Sua empresa tinha uma filial no Rio de Janeiro e agora tinha outra em construção em Fortaleza. E por essa razão, And estava quase constantemente viajando, o que era uma pena. Eu gostava dele, estava feliz por ele ter voltado e tudo mais, só não gostava muito da bagagem que ele trouxe consigo. Uma pequena mala vermelha que estava perto da escada. Significava que ele ficaria pouco tempo e logo voltaria para o Rio. Minha mãe nos deixou sozinhos e foi dormir, alegando uma forte dor de cabeça que eu sabia que não existia. Ela só queria nos dar um tempo sozinhos, já que ele ficaria pouco tempo. Suspirei, infeliz, mas logo me entusiasmei com a ideia de que ele passaria pelo menos um tempo com a gente. Ele é provavelmente a única pessoa que conseguia me deixar feliz e bem humorada em plena segunda feira à noite. “Bom, era a única pessoa”, não pude deixar de pensar.
- Pensei que fosse voltar apenas semana que vem! – Disse a ele.
- Eu também! – And exclamou feliz. Nós rimos da empolgação dele. – Aparentemente, me libertaram mais cedo. – Explicou.
Depois de conversarmos um pouco, resolvemos assistir "Os Vingadores", que estava passando no Telecine. Tecnicamente, a gente mais comentou sobre os personagens e atores pelos quais nós os substituiríamos do que assistimos ao filme, mas foi bom mesmo assim. Discordei dele quando sugeriu que Chris Hemsworth não era bom o bastante para o papel do Thor (And era louco pelo Thor e na opinião dele ninguém era bom o suficiente para esse papel), e ele discordou de mim quando quis substituir a Scarlett Johansson. Mas nós dois acabamos concordando que Robert Downey Jr. era perfeito para o personagem dele. Quando acabou, estava pronta para dizer boa noite, porém And olhou bem em meus olhos com aquele olhar de malvado e me estendeu um envelope.
- Se você tem amor à vida, não mostre para Thay. – Falou, com uma piscadela. Na frente do envelope estava escrito com letras garrafais "Mesada". Eu tinha adorado aquilo, mas achei melhor perguntar o porquê.
- Mas, And, mamãe já me deu mesada esse mês. – Falei, confusa.
- Sim, mas eu não dei. – Respondeu piscando o olho esquerdo. – Compre roupas novas. Ou vá ao cinema. Ou sei lá, faça o que você quiser. Mas ó... – And fez um gesto colocando o dedo indicador sobre os lábios, insinuando que eu deveria manter aquilo em sigilo.
- Obrigada, And. – Disse, verdadeiramente agradecida.
- De nada, . Você mereceu, sabe disso. – Falou ele. Dei um sorriso, e subi as escadas em direção ao meu quarto.
Eu sabia que ele estava se referindo a discrição (não era uma adolescente bardeneira e festeira como Thay), as boas notas e à perfeição dos meus deveres domésticos. Éramos, de certa forma, ricos, mas não tínhamos uma empregada. Tínhamos apenas uma diarista que ia fazer faxina de três em três dias. Então coisas como lavar a louça, arrumar as camas etc, éramos nós que fazíamos mesmo.
Abri a porta do meu quarto e acendi a luz, vendo que estava tudo do jeito exato que eu deixara antes de sair de casa naquela tarde. Refleti por um momento a conversa que tive com e não pude deixar de perceber o quanto eu pareci ridícula. Mas mesmo assim sorri. Ele era incrível, a sua maneira, era super fofo e eu sentia que poderíamos ser grandes amigos. Ele me aceitou mesmo com minha fachada ranzinza. Quer dizer, eu era chata, sabia disso.
Faria o possível para fazer com que ele e ficassem juntos.
Ao pegar a escova de dente, dei um tremendo bocejo olhando de relance para o relógio na parede e vi que já eram quase duas da manhã. Dei um tapa em minha própria testa, grunhindo. Seria um inferno acordar amanhã, eu detestava dormir pouco. Ficava ligeiramente mais mal-humorada que o normal.
Coloquei meus pijamas, tirei a delicada colcha que cobria a cama e peguei uma coberta fina no guarda roupa, já que não estava tão frio.
Joguei-me em cima da enorme cama macia, odiando o fato de que talvez eu ainda demorasse em pegar no sono. Adormeci assim que minha cabeça descansou no travesseiro.

Para minha eterna surpresa, acordei antes do despertador tocar. Digamos que nós dois não éramos os melhores amigos do mundo. Pela primeira vez em muito tempo, não sabia o que vestir para ir para escola. Eu sempre tinha em mente o que escolher um dia antes, ou então sempre acordava atrasada e colocava a primeira peça que aparecesse na minha frente. O closet era enorme, e tinha um monte de blusinhas e calças jeans ainda com etiquetas. Aproveitando minha generosa sobra de tempo, resolvi mudar o repertório. Coloquei uma saia jeans e uma blusa pólo, com um All Star vermelho. Entretanto, assim que virei no espelho para olhar meu reflexo, corei de vergonha. Eu nunca iria usar aquilo para ir para escola. Nunca mesmo.
Fiquei mais um bom tempo encarando minhas opções, mas desisti completamente de mudar meu uniforme e coloquei minha roupa de sempre: calça jeans, o All Star vermelho que estava antes e o moletom novo que tinha ganhado de natal e nunca usara. Ok, coloquei a calça jeans nova, mas acho que ninguém ia perceber a diferença. Peguei também uma jaqueta, por que estava frio em pleno verão (o que eu achei maravilhoso) e meu moletom era fino. Desci correndo para tomar café e antes de ir para a cozinha, deixei minha jaqueta em cima do sofá. Ao olhar o relógio da cozinha porém, percebi que minha aventura no closet demorou mais tempo do que eu queria. Fiquei perdida lá dentro por quase uma hora. E provavelmente não ia dar tempo de tomar o tal café, pois escutei um barulho da rua.
- Tchau, mãe! – Gritei do andar de baixo ao ouvir a buzina carro de lá fora.
Saí para o friozinho matinal e fui em direção ao carro de dela, percebendo que não estava junto.
- Olá. – me saudou formalmente. Eu achei aquela droga daquele comportamento super esquisito, mas ignorei.
- Oi, guria! – Exclamei feliz. Acho que os R$300,00 reais que And me deu de mesada foi o responsável por isso. – Cadê o ?
- Ele não quis vir comigo. Sem pressão, por favor. – Ela disse ainda formalmente, erguendo as mãos para cima em sinal de rendição. Parecia tensa.
- Ah. – Percebi que ela não queria falar sobre isso. Mas mesmo assim, refleti sobre a conversa que eu tive com na tarde/noite anterior e decidi que eu tinha que tocar nesse assunto, ela querendo ou não. – Você deveria deixá-lo se desculpar, . - Hã? – Resmungou.
Eu sabia que ela tinha entendido, mas esclareci mesmo assim.
- O . Deveria escutar o que ele tem a dizer. Ignorá-lo é muita infantilidade mesmo. Além disso, ele não agiu por mal. Quer dizer, ele não queria te estuprar nem nada disso. Ele... gosta de você. E, convenhamos, ele é muito gato, né? Fala sério! – deixou escapar uma risadinha que parecia fria vindo dela.
- Ele mandou você dizer isso. – Disse, não como uma pergunta, e sim como uma conclusão. A essa altura, já havíamos chegado à escola. Bom, teria que fazer o trabalho completo.
- Não exatam...
- E eu não quero ouvir o que ele tem a dizer. Ele é simplesmente patético! – Ela me interrompeu, abrindo a porta do carro. Assim que eu saí, ela o trancou e se virou para me encarar. estava à beira da raiva e do ódio e, por algum motivo, essa raiva me incluía. - E eu não acho que ele goste de mim, amiga. – Ela se virou e foi em direção ao colégio me deixando plantada no estacionamento com um grande ponto de interrogação na cara.
O vento da manhã bateu e eu senti frio, começando a tremer, mesmo de moletom. Cobri o tronco com meus próprios braços, lamentando ter deixado a jaqueta no sofá enquanto finalmente seguia para a entrada da escola.
- Hey, ! – Disse animado, vindo na minha direção.
- -Revirei os olhos teatralmente. – Olá.
- E ai, você já...
- Eu já fiz o que você pediu e disse inclusive que você é gato. Até agora eu não sei por que eu disse isso, mas enfim, teve o efeito contrário, por que ela parece estar com raiva de mim também. E eu nem fiz nada.
- Não, você não fez. Ela só está brava comigo, . – Escutamos o sinal bater.
- Química? – Perguntei.
- Sim, senhora. Vamos juntos para você ter a honra de minha companhia? – Falou ele, me oferecendo o braço.
- Hm, não sei se seria uma honra! – Retruquei quase sorrindo, mas aceitei seu braço. E então fomos até a chatice que nos aguardava.

Apesar de lerdos, meus preciosos trinta minutos de intervalo chegaram. (que ainda estava um pouco fria), , e eu saímos juntos da aula de inglês e fomos a nossa mesa, encontrando Alex e Gus que já estavam lá. Júlia e Rafa haviam faltado da escola hoje. Alguma liquidação idiota. Ou não.
- Ei, , senta aqui do meu lado? –Pediu , fazendo a cara mais fofa do mundo.
- Uhum. – se sentou e começou a bater papo descontroladamente com o "amigo", fazendo bufar de raiva e deixando eu e Gus super confusos. Algo muito suspeito estava acontecendo.
- , como foi aquela prova de matemática? –Perguntou Alex amigavelmente, arrumando a franja. Às vezes ele parece extremamente gay, apesar de ser o maior pegador.
- Não sei.
- Ela foi horrível. Tirou 25. – Gus entrou na conversa, bagunçando meus cabelos vermelhos. A única pessoa que eu deixo fazer isso. Gustavo Henrique, também conhecido como: meu melhor amigo. Dei um tapa na cabeça dele. – Ai, estou só sendo sincero. – Não tinha como amar mais.
- Cala a droga da sua boca. – Retruquei, fazendo ele rir.
Depois, pela segunda vez em menos de três dias, se sentou na nossa mesa. Quase todos ficaram meio sem saber o que falar com ele ali, menos , que parecia mesmo ser amigo do garoto. Mas aparentemente, queria falar comigo.
- Hey, . – Se pronunciou. Eu sorri para ele.
- Oi! – Todos os meus amigos, incluindo e que tinham se desligado até então, começaram a prestar atenção no nosso diálogo, apreensivos. Somente não estava entendendo o porquê daquilo tudo, continuando a mexer no seu iPhone normalmente.
- A gente pode conversar? – Ele olhou para os meus amigos, deu um sorrisinho camarada e completou –Mas lá na biblioteca.
- Hm, claro. – Concordei, achando estranho. Assim que ele se foi, meus amigos voltaram a conversar de onde pararam e só se calaram quando eu levantei.
- Que foi gente? – Perguntei, insegura.
- Nada, mas... – Gus deu uma olhada pra , meio que se perguntando se ele poderia saber –Só toma cuidado, ok?
- Tudo bem, Gus. –Ele deu uma piscadinha pra mim.
- Qualquer coisa senta a porrada nele, . –Recomendou Alex sério, o que me fez rir.
- Ou então chama a gente que nós mesmos sentamos a porrada nele. –Sugeriu , fazendo uma cara de malvado, que falhou.
devia ser o cara mais fofo do mundo.
- Ou chuta o saco dele, é bastante eficaz. – Continuou Gus.
- Ou...
- Ok, não vou bater em ninguém. Adeus. – E sem olhar pra trás, sai para a biblioteca, sentindo os olhos de todos eles nas minhas costas enquanto eu me afastava.

Quando cheguei na biblioteca, fiquei uns bons cinco minutos procurando por , que apareceu misteriosamente atrás de mim, me dando um baita susto. E isso me fez gritar alto o suficiente para todos olharem para a minha cara.
- Caceta, , assuste a vó! – Ralhei com ele depois que levei uma bronca de Mara, a inspetora.
- Foi mal, não quis te assustar. – E a sinceridade nos olhos dele levou minha raiva embora. "A mesma sinceridade que causou a destruição da minha vida", pensei logo depois.
- Oook, aqui estou. Quer falar o que? – Perguntei, antes que falasse algo realmente impróprio.
- Ah, essa parte é meio... delicada! – Ele comentou dando um sorrisinho triste. – Hm, eu tenho tido sonhos sobre aquele dia, e, sei lá, meio que senti sua falta...
- Hã? – Foi tudo que eu consegui dizer, tamanha era minha confusão.
- Sábado agora é dia nove, oito meses antes da.. – Ele abriu a boca, como se quisesse falar alguma outra coisa, mas fechou de novo, fitando um ponto da sala. Olhou para mim de novo e eu juro que nunca tinha visto uma tristeza tão grande nos olhos de alguém. De imediato eu não entendi. Ele estava me olhando com uma cara realmente preocupada e se ele estava assustado o suficiente para me procurar eu devia saber o que era. Não devia?
- Aaahn... oito meses antes da...? – Perguntei o incentivando. Eu estava muito confusa para pensar sequer em fazer as contas, então continuei fazendo minha melhor cara de paisagem. Ele hesitou, olhando pra mim como se eu fosse retardada.
- Você não se lembra? – Eu, de verdade, tentei lembrar do que ele estava falando. E então veio um clique na minha memória e eu quase vomitei meu almoço. E a única palavra que ele pronunciou depois, para comprovar o que meu pensamento me dizia, fez eu me sentir a Rainha da Idiotolândia. Fez meu estômago se revirar mais um pouco. Fez-me querer sair dali correndo. – Kate.
- Aah. Oh. My. God. – Tive que me sentar. Eu não podia – e não queria – deixar que as lembranças voltassem. Não aqui. Não agora. Porém de alguma forma, tudo que eu estava olhando me lembrava Kathleen Costa. A escola, o tempo, a biblioteca, até mesmo !
Dia 9 de novembro, foi o dia mais horrível da minha vida. Acredito que não só da minha, mas tirando o fato do que aconteceu com Kate, eu fui a mais afetada. Não no sentido emocional, porque todos foram afetados emocionalmente. Estou dizendo que fui afetada no sentido físico. Um pedaço da minha vida se desprendeu de mim, literalmente. A partir daí, eu havia bloqueado da minha mente qualquer coisa negativa sobre a morte de Kathleen. Mas sempre que chegava perto de uma data importante para todos nós, não havia como evitar. Como por exemplo, o dia do aniversário dela. Era extremamente triste que nesse dia se comemoraria uma idade que ela nunca completaria. Kate sempre teria 15 anos e nunca mais envelheceria.
Eu tinha me lembrado dela quando estava olhando para a casa na árvore ontem. Eu estou me lembrando dela agora. Kate está sempre comigo, eu querendo ou não.
Era inevitável não pensar na garota baixinha e dramática que ela era. Era inevitável entrar no meu quarto e dizer "Sai da droga da minha cama, Kate!" até me lembrar de que ela não estava ali e nunca mais estaria. Era inevitável entrar na cozinha e falar "Ellen, a Kate já chegou?", até me lembrar de que Ellen nunca mais cozinharia por ali e que Kate nunca mais chegaria, de onde quer que fosse. E era inevitável mandar mensagens em seu celular até me lembrar de que ela nunca mais me responderia. Se eu pudesse chorar eu choraria, mas todas as minhas lágrimas já se dissiparam. Quando penso em Kate, tento pensar nas coisas felizes, nas coisas que não me afetam. É claro que tudo me afeta, mas ninguém precisa saber disso. Ninguém precisa saber que ainda sofro. Parece que todos já seguiram em frente, mas tudo que eu queria era poder olhar apenas mais uma vez nos olhos doces e vivos daquela garota que eu chamava de irmã.
Esse peso que eu carrego até hoje diz absolutamente tudo a respeito de mim.
Para começar, e eu passamos momentos difíceis no nosso relacionamento quando Kate se foi. Me lembro de ficar no quarto, dia após dia, sem comer e sem dormir e de como ele ficava o tempo todo no meu pé, tentando fazer eu ficar feliz. Mas ele não entendia que aquele era o meu luto. E que eu tinha que ficar triste. Pelo menos por um bom tempo. Chegava horas que eu me irritava e mandava ele ir embora, sendo que na verdade ele só queria me ajudar. Mesmo triste, ele concordava e ia, só porque gostava mesmo de mim e sabia que eu estava em péssimas condições de manter um relacionamento. Ao passo que eu era extremamente egocêntrica e chata, por outro lado fazia o possível para ficarmos juntos. Eu ficava com pena dele depois que ele ia embora e pedia desculpas no dia seguinte, só para fazer exatamente a mesma coisa mais tarde.
Então, ele simplesmente desistiu. Ia a minha casa e me deixava chorando no quarto enquanto ele zapeava os canais da televisão. Depois que minha mãe chegava, ele ia até o meu quarto se despedir de mim e prometia que ligaria antes de dormir. Ele me ligava exatamente as 23:30 todos os dias, e ao som da voz dele eu caia no sono.
Essa rotina durou até eu descobrir o que ele fazia para tentar esquecer os problemas.
andava bebendo e eu tinha sido egoísta o suficiente ligando apenas para a minha perda, inconsciente de que outras pessoas também sofriam com isso.
Não dava mais para ficar parada. Quando percebi o que eu estava fazendo com minha vida, saí do quarto e fui buscar na sala e, pela primeira vez, percebi o forte cheiro de álcool que emanava dele. Ele tinha quinze anos e bebia, onde estava com a cabeça? Tinha desistido de tudo por causa disso e decidi que recomeçaria.
Eu terminei com porque não conseguia lidar com meu namorado bêbado, com o acidente e com a morte da minha amiga ao mesmo tempo. Ele disse que iria parar, ele prometeu que pararia de beber. Mas eu disse que se fosse para ele parar, ele deveria parar por si mesmo e não por mim.
Dois meses depois ele já havia voltado ao normal e até hoje eu nunca o vi colocar uma gota de álcool na boca, desde aquela época.
Nesse mesmo tempo eu já havia voltado à escola, e as pessoas nos evitavam no começo, como se tivesse sido nossa culpa. E nos primeiros meses andando pelos corredores sem Kate, as imagens da garota que tinha sido Kathleen Costa invadiam minha mente.
Naquela época, Kate era aluna nova (era filha de uma cozinheira e tinha ganhado a bolsa) e nós fomos os únicos a acolherem ela, porque a população de AHS era extremamente preconceituosa com pessoas de baixa renda. Por nós, eu quero dizer todo nosso grupo, menos Rafa, , Juh e Alex, que acabaram não se aproximando tanto, mas que também ficaram mega tristes quando ela morreu.
Gus se aproximou dela por ser meu melhor amigo e , por ser meu namorado.
e eu por outro lado, conhecíamos Kate mais do que bem e éramos inseparáveis desde os doze anos. Kate era filha de Ellen, cozinheira da família de , e as duas se davam muito bem. Um dia, apareci na casa dela e foi amizade à primeira vista. E agora que Kate estudava no mesmo colégio que a gente, as coisas não poderiam estar melhores. Isso tudo antes de Kate mostrar ser uma ótima ginasta, virando chefe das líderes de torcida.
Depois melhor líder de torcida do estado.
Consequentemente umas das cinco melhores ginastas do país.
Levando ela para os EUA onde disputaria as finais de um campeonato mundial.
Nós nos sentimos muito orgulhosas dela. E ela poderia ter nos mostrado as duas medalhas de prata e as três de bronze, se o avião não tivesse passado por uma horrível tempestade anormal, causando sua morte. Causando um ponto final no dom incomum que ela tinha. A pior parte é que ela tinha sido a única pessoa que morrera no acidente. Tiveram muitos feridos, mas apenas uma morte.
A dela. Justo a dela.
E como eu tinha sofrido nisso? Da pior forma possível.
- , você tá bem? – Perguntou preocupado, me tirando da minha viagem no tempo.
- Tô. Claro. É meio difícil mas... – Dei um sorriso constrangido, sem completar a frase.
- Eu sinto muita falta dela, sabe... – Disse, fazendo a cara mais tristemente fofa do mundo.
- Eu também, , eu também... Às vezes eu me pego pensando: O que será que Kate estaria fazendo se tivesse aqui?
- Aposto que se ela estivesse aqui, ela iria falar alto pra caramba e tentar interromper nossa conversa! – Nós dois rimos baixinho, nos lembrando do comportamento sem noção da garota, e ele prosseguiu. – Eu tenho pensado muito nela ultimamente. E é ai que começaram a vir os sonhos... São muito piores do que os do começo. – Ele disse. Aparentemente, ele tinha se apegado a ela tanto quanto eu.
Dei um sorriso gentil para ele.
- Já tentou falar com o Dr. Spell sobre isso? –Perguntei preocupada.
- Eu não preciso de um psicólogo, . Eu preciso de você. – Falou, tristemente sincero, me deixando totalmente sem palavras. Que droga, ! Você não pode me chamar aqui para falar essas coisas! E ainda coloca Kate no meio! Jesus, esse menino ainda iria me enlouquecer!
- Uau, eu... Bom, você sabe que eu sempre estarei aqui se precisar da minha ajuda. – Eu entendi quando ele disse que precisava de mim, e eu sabia que não era por causa dos sonhos, mas me fazer de desentendida era o melhor no momento.
sorriu.
- Eu sei que está. Você sempre está. – Aquele sorriso me derretia. – Tenho muita sorte, e eu sei disso. –Ele olhou seu relógio e me olhou culpadamente.
- Qualquer coisa me manda uma mensagem. Ou... me liga. – Ofereci timidamente. – Acho que ainda sabe meu número.
- É, eu sei. – Ele sorriu. – Bom, eu não tinha a intenção de trazer você aqui para te deixar triste ou fazer você chorar, mas eu realmente tenho que ir. E detesto ter que fazer isso com você nesse estado.
- Não se preocupe, . Eu tô bem. – Garanti a ele.
- Hm... ok então. – E de novo, ele fez algo que eu pensei que nunca mais iria testemunhar.
Ele se aproximou e beijou minhas bochechas, e depois deu um leve beijo no meu pescoço, tão leve que eu mal senti, exatamente como ele costumava fazer antes. Por um momento, ainda parecia que estávamos juntos, ainda parecia que existia um nós. E tudo se comprovou mais verdade ainda com as palavras que ele disse depois: - Está linda hoje.
Então, me dando uma piscadinha amistosa, ele se foi.
E eu fiquei lá, pensando em como poderia estar linda com calça jeans, moletom e tênis e que raios estava acontecendo entre nós.



Capítulo 5


POV’s
O resto do dia se passou rápido e tranquilamente, muito bem obrigado. Claro que eu não me esqueci de nenhuma palavra que tinha dito e, para o meu próprio bem, resolvi admitir que estava confusa sim.
Na hora de voltar para casa, foi com de novo, e isso fez com que e eu voltássemos sozinhas no carro, como na ida. Alguma coisa tinha acontecido entre os dois, algo muito maior do que um simples beijo e o fato de ela não ter me contado me incomodava. ainda estava distante comigo e o pior era que eu não sabia o que havia feito de tão ruim. Resolvi que o melhor a fazer era se eu continuasse falando com ela como se nada tivesse acontecido.
- Aconteceu uma coisa estranha na biblioteca... – Comecei enquanto estávamos rumo aos nossos lares.
- Hm, beijou ele? – Perguntou desatenta e desinteressada. Bufei.
- Sim... quer dizer, não! Foi só um beijo na bochecha, inesperado. Ele disse que eu estava linda e ah, caramba, qual é seu problema? – Perguntei furiosa ao ver que ela além de não estar prestando atenção, não fazia o menor esforço para fingir que ouvia.
- Que problema? Do que você tá falando? – Me disse nervosa, prestando uma atenção além da necessária no tráfego.
- Você tá estranha comigo desde hoje de manhã, merda!
- Não estou, não.
- Primeiro: Me trata com frieza a manhã toda. Segundo: Parou de falar com o , que eu tô ligada. O que está acontecendo?
- NADA! Eu só parei de falar com o para não estragar o clima de vocês dois! – Falou, cínica.
- E eu pensei que fosse isso que você e a Juh queriam! Me juntar com ele!
- E obviamente parece que deu certo. – Falou brava e séria.
- Eu e não temos NADA, MERDA NENHUMA, rolando entre nós! – Me enfureci, de verdade. Eu e quase nunca brigávamos, principalmente por macho.
- Mas eu vi como vocês estavam felizinhos se abraçando na merda do meu quintal ontem! – E ai, só aí eu percebi na impressão que deu para ela.
Acho que ela pensou o que eu estou pensando agora. Imagina um menino te beijar do nada e depois que você se acalma um pouco vê ele e sua melhor amiga se abraçando no jardim da sua própria casa. Suspirei aliviada ao encontrar a raiz do problema. Era só convencê-la de que eu definitivamente não gostava do . O que não seria fácil.
- Ei, não foi nada disso que você está pensando... – Eu disse mais calma. Mas claro, ela é a , com certeza iria me interromper. - Não venha falar que é mentira, por que não é, , e você sabe disso. – Eu ia abrir a boca para negar de novo e ela se revoltou. – Eu vi! Não fala que é mentira, porque eu vi como ele não parava de olhar para você e como você estava adorando isso! – Disse furiosa, apontando o dedo na minha direção.
- OLHA PARA FRENTE, PORRA! – Berrei, quando ela desviou os olhos da estrada. Íamos bater em um poste, mas ela freou a tempo. Deixou o carro ali, e saiu dele. Eu a segui.
- Volta aqui! Quero falar com você!
- Você é uma vaca! Arrume outra melhor amiga.
- Eu não sabia que você gostava dele!
- Ah, então admite que você gosta dele!
- Eu não disse isso!
- Disse sim!
- PARA DE SER IDIOTA! A GENTE SÓ ESTAVA... conversando – De repente, parei de gritar com ela, pois eu havia lembrado o porquê de ter me abraçado.
- Por que você não dá a volta e vai conversar um pouco mais?
- Sua retardada, ele gosta de você!
- Não é o que parece – Disse com escárnio. Impossível que um dia eu fosse viver o suficiente para ver agir desse jeito, a menos que... a menos que ela estivesse igualmente apaixonada por ele.
- Espinosa, isso tudo é ciúmes? – Falei rapidamente e sem cerimônias.
- É claro que não. Pode ficar com ele todinho pra...
- ELE SÓ ESTAVA ME ABRAÇANDO POR CAUSA DA KATE! –Interrompi, gritando.
- Você, eu nem ligo e... O que foi que... você falou? –Ela estava vermelha, muito vermelha mesmo. Essa briga foi a pior que a gente já teve e eu daria tudo para saber o que se passou na cabeça dela para brigar comigo daquele jeito. Ela nunca gritava. Nunca, nunca mesmo. Era o tipo de pessoa que eu nunca iria imaginar gritando, principalmente por causa de um garoto. Agora, ela me olhava com vergonha. Parei de gritar também e expliquei a ela o que aconteceu.
- Ontem, a gente foi tomar um lanche no jardim da sua casa depois do trabalho.
- Essa parte eu já sei. Pula.
- Ok. O fato é que... Nós estávamos bem na frente da casa da árvore. E... eu meio que lembrei de tudo. Só depois que eu já estava ao lado dele foi que eu lembrei que a última vez que lanchamos ali.

Flashback on
24/01/2011

Kate, eu e nos encarávamos seriamente. Uma única piscada seria letal. Uma única palavra seria o fim. Mas claro, sempre tem um idiota que não sabe jogar o Jogo Do Sério. No caso, a idiota seria eu.
-, sua mongol, não consegue ficar dois segundos sem rir? – Disse , divertindo-se.
- A culpa é dessa mosca morta que deu um espirro de prostituta gripada! – Falei, apontando para Kate que conseguia ficar mais vermelha que tomate, de tanto rir.
- Aaaah, mas que demais, a culpa agora é do meu espirro? Me poupe. – Defendeu-se Kate, falsamente indignada.
- Meninas, o bolo está pronto!! – Gritou a voz da Ellen lá de baixo. Estávamos na casa da árvore. Kate iria para Brasília no dia seguinte se preparar para as mundiais no Campeonato Mundial de Ginástica Rítmica e Ellen fez um bolo trufado de chocolate especialmente para a ocasião.
- Vai buscar. – Ordenei para a primeira pessoa que vi na frente, no caso, .
- Você tem mão? – Perguntou, olhando para mim desafiadoramente.
- Tenho, ué.
- Então pegue você mesma. – Concluiu, fingindo lixar as unhas com uma lixa imaginária.
- Jesus, como são folgadas! – Desesperou- se Kate, levantando ela mesma para ir buscar o bolo. Enquanto ela não voltava, e eu continuamos jogando o Jogo Do Sério. Claro, eu perdia sempre e alguns minutos depois, Kate voltou com o bolo para impedir que eu perdesse de uma maneira ainda mais vergonhosa.
- Parabéns para mim, nessa data querida, muitas felici...
- Kate, querida, ninguém tá fazendo anos aqui não. – Disse eu, sempre grossa, acabando com a "falsa" alegria da garota.
- Aaah, não? – Perguntou Kate, fazendo beicinho.
- Anda logo com essa delicinha, que meu estomago está implorando para eu mergulhar nessa cobertura! – praticamente implorou para Kate, que se sentou e fazendo uma cara misteriosa anunciou:
- E o primeiro pedaço de bolo vai para...
- Mim!
- Não, eu sou mais legal!
- Claro que não, Kate! No meu aniversário do ano passado, eu te dei meu primeiro pedaço! – Disse , desesperadamente.
- Mas esse ano, eu dei o primeiro pedaço para você!
- Uh! É verdade, .
Desculpa , troca de favores. – Disse Kate piscando para e dando o primeiro pedaço de bolo para mim.
- Aaargh, juro que nunca vou sentir sua falta! – Retrucou , zangada.
- Oonw claro que vai! Você me ama! – Exibiu- se Kate, olhando docilmente para nós duas.
- Ai eu vou sentir muita sua falta, sua vaca! – Expressei, cheia de chocolate.
- Aaaaai, sua biba, vem cá! – Falou Kate, largando o prato de bolo no chão e indo em minha direção para me abraçar. não resistiu e abraçou nós duas.
- Promete que não vai ter outra melhor amiga lá? – Insisti.
- E que não vai ter casinho com nenhum treinador sexy? – Completou . Os olhos de Kate brilharam e ela negou com a cabeça.
- Claro que não. Vocês duas são minhas únicas amigas. – Não queria que ela fosse. Sentiria muita saudade dela. Mal sabia eu que, na verdade, sentiria sua falta para sempre.
Flashback off
- Foi no dia de despedida dela. A última vez que a vimos. – completou por mim. Ambas já estávamos chateadas, principalmente por termos brigado uma com a outra. Eu odiava brigar com as meninas. Odiava de verdade. – Então, desculpa, . Sério, eu acho que tô de TPM misturado com mau humor misturado com raiva misturado com ciúmes.
- Uoooow. Mistureba lascada de sentimentos aí, viu? – Ela apenas sorriu. – Você gosta mesmo dele, não gosta? – Eu sabia que sim, só queria ouvir da boca dela. Lembrei do começo da semana, quando ela ficou toda constrangida por causa do assunto que abordávamos (o traseiro de ) e me peguei imaginando que talvez ela já gostasse dele há mais tempo que eu imaginava. Ela ficou lá me encarando e dizendo tudo que eu precisava saber com apenas um olhar.
- Eu não... Ah – Suspirou profundamente e olhou para a terra vermelha abaixo de nós. – Eu gosto. – murmurou por fim, se sentando na terra suja. Sentei- me ao seu lado, sem muito o que falar.
- Ele realmente é um cara legal, e a gente AMA implicar um com o outro. Mas não somos e nunca seremos um casal. Eu não tenho nenhuma compatibilidade romântica com . – Ela riu e me olhou confusa.
- Dá pra usar o bom e velho português? – Foi minha vez de rir.
- Eu não gosto do , . – Ela simplesmente assentiu.
- Promete que se você vier a gostar irá me contar imediatamente? – Eu ia abrir a boca para dizer que nada disso ia acontecer, mas ela me interrompeu. – Só prometa, .
- Eu prometo. – Disse, por fim.
Se tem uma coisa que eu iria descobrir bem depois, foi o peso que essa promessa tão idiotinha causou no futuro. Mas naquele momento, a única coisa na qual conseguia pensar era: “E se você se apaixonar pelo , ?”
Eu estremeci só de pensar nisso.

POV
Depois de duas horas seguidas jogando vídeo game, resolvi descer até o andar inferior para me alimentar. Quando cheguei ao pé da escada, encontrei chorando na sala. Hoje ela havia chegado da escola digamos que... acabada, sinceramente. Estava toda suja, e seu carro já tinha tido dias melhores. Mas não perguntei o que aconteceu a) por que ela não iria responder de qualquer forma b) por que ela REALMENTE não iria me responder de qualquer forma. Bom, quando chegou da escola, me dirigiu um sorriso, meio caminho andado.
Agora ela ria, a trilha de lágrimas ainda em seu rosto e depois recomeçou a chorar. Aposto que era Marley & Eu, de novo.
- E aí, chorona – Sentei ao seu lado. Ela não gostou disso. Se afastou um pouco, o máximo que o sofá permitia. Confesso que fiquei chateado, mas não sai de onde estava.
- Urgh! Sai daqui, , tô assistindo.
- Percebi.
- Tá.
- Ótimo.
- Escuta, não tem nada pra fazer não? – Perguntou, dando um pause no filme e se virando em minha direção.
- Na verdade, sim. Eu só parei aqui um pouquinho para ver se você estava bem. Mas pensando bem, agora que você tem o para isso, e eu talvez ficaria feliz em voltar para a Inglaterra e ceder meu quarto a ele. – Eu estava nervoso. E blefando lógico. Nunca cederia meu lugar no Brasil a ninguém e muito menos para o . Virei as costas para ir para a cozinha, quando escutei sua voz fraca atrás de mim.
- Hm, ... – Suspirei e voltei- me em sua direção.
- O que é?
- Olha, não espere que eu diga que está tudo bem, porque não está. Eu gosto mesmo de você, mas não consigo deixar de pensar no quanto isso é errado. Eu tentei de tudo para não me aproximar de você, te apresentei para as minhas amigas, mas no fim... Eu não pude não me apaixonar, ... e isso tudo é muito confuso, por que nem eu mesma sei o que estou sentindo, e nem sei se é humanamente possível eu gostar de você assim, tão de repente. Eu acho que sou louca, mas... – Ela parou de falar, dando de ombros como se não se importasse. Mas eu sabia que se importava, assim como eu. Até mais. Resolvi que não dava mais para esconder. Se é para abrir o jogo, vou fazer isso agora.
- Eu estou apaixonado por você.
- ...
- Eu estou apaixonado por você – repeti. – Seu sorriso faz meu coração bater mais depressa, e mesmo que sua risada seja tão estranha a ponto de eu querer rir junto, e de como você odeia ser interrompida, e da forma que você sacode seus cabelos, e do jeito que você faz para explicar uma matéria difícil para uma pessoa burra, e das suas expressões bregas, e de como você ama uma banda que nem sabe que você existe, e o quanto você adora falar sobre isso, e do mesmo jeito que você ama chocolate, eu estou apaixonado por você. – Bom, provavelmente foi a coisa mais sincera e mais idiota que eu já disse para uma garota. Mas parece que empacou na primeira frase do meu monólogo.
- Você não pode estar apaixonado por mim. Nos conhecemos há menos de duas semanas, impossível.
- Claro que é possível. Nós somos a prova disso. – Dei um sorriso.
- Hm, e a ? – Perguntou, repentinamente brava.
- O que que tem ela? – Rebati, confuso.
- Parece que você gosta dela.
- Se eu gostasse dela, eu teria beijado ela e não você. – Rebati de novo, simplesmente.
- É, mas...
- Anna, esquece a , ok? Eu gosto mesmo é de você, não precisa se preocupar com isso.
- Hm, ok então. – Eu sorri.
- Certo.
- Você sabe que minha mãe vai achar super estranho, né?
- Eu não me importo.
- Outch. – Ela se fez de ofendida. Eu me apressei em corrigir.
- Não me importo com quem achar estranho. Eu gosto de você. Aceite isso e fim. Acabou a discussão. – Ela deu uma risadinha.
- Foi a coisa mais fofa que um garoto já disse para mim.
- Hm, que bom. – Ela sorriu e beijou minhas bochechas que eu tinha certeza que estavam coradas. Mais tarde eu teria que dizer a ela que garotos não gostam de serem fofos.
Principalmente de serem chamados disso.
- Vem, assiste o final do filme comigo. – Finalmente, tarde demais para mim talvez, se ajeitou do meu lado.
- Nosso primeiro passo como casal. – Olhamos um para cara do outro. Eu não sei ela, mas eu gostei de nos imaginar como um casal. Ela deu um sorriso torto, ajeitou os óculos e se virou para a TV.
Eu estava feliz. Desde que sai da Inglaterra, prometi para eu mesmo que não iria causar nenhuma reviravolta romântica aqui. Mas àquela altura, eu já estava apaixonado demais para voltar atrás.
Eu nunca iria imaginar que o conceito de apaixonado era tão diferente daquilo que eu estava sentindo naquele momento.

POV’s
Flashback on
19/10/2010

Eu estava dançando na cozinha, sob uma luz tristemente fraca e o rádio ligado num volume muito alto. Por volta das três da tarde me deu muita fome e por isso resolvi fazer um lanche. Estava de regime, então já pode imaginar aqueles lanches horríveis cheios de grãos.
- Não tem nenhum sanduiche light pronto para mim, gênia? – falou a voz que eu mais adorava no mundo por cima da música. Desliguei o rádio e me virei para ele, sorrindo e perguntando com os olhos como ele havia entrado ali. – A porta estava aberta. Escancarada na verdade. – respondeu minha pergunta muda. Ele me conhecia tão bem. – A propósito, amei ver você dançando. Devia fazer isso mais vezes. – Eu ri e fui em sua direção para dar lhe um abraço. Mas ele me surpreendeu ao me beijar.
- Oi. – Eu saudei. – E ahn, tem um sanduiche pronto na geladeira, mas ele não é light.
- Ah, obrigado, mas tô de regime, então essa eu passo. – Falou o sarado. Sério, ele é muito sarado. Ele só estava fazendo “regime” para que eu me sentisse melhor, mas é óbvio que eu sabia que ele comia doce quando eu não estava olhando. Pelo menos era o que o Gus me dizia.
- Ah, com certeza, gênio, com certeza você está de regime. – Comentei, sarcástica.
- Mas eu estou! – Eu ri da cara fofa que ele fez. – Chega. E sobe pro quarto. Agora.
- Hm, quer me ver nua, ? – Comentei maliciosa.
Ambos rimos. Eu sei a impressão que deu, mas eu ainda era virgem. Coisas de namorados sem o que fazer.
- Oh eu adoraria, mas eu tenho que avisá-la, caso a senhorita não se lembre, que nosso filme começa daqui duas horas.
- PQP! Esqueci com-ple-ta-men-te! E você fica me beijando e me pedindo sanduiches, por que não me ligou?? – Fui reclamando o caminho todo enquanto subia as escadas. Do meu quarto, eu ainda ouvi as risadas e os gritos dele:
- Vou ligar pra Kate e pro Alex! Acho que a Rafa também vai!
Ótimo, quase esqueci que hoje estreava meu filme mais querido do mundo todo: Harry Potter e as Relíquias Da Morte. Não sei como consegui esquecer disso. A maioria do povo ainda estava viajando e bom, nós temos que aproveitar essas férias. Depois de separar minha roupa correndo, entrei no chuveiro, escutando as risadas histéricas das amigas de Thay. Mas mesmo assim, eu sorri. Nem elas iriam me deixar zangada hoje.
Assim que fiquei pronta, chamei e depois de uns minutos seguimos para a padaria que ficava perto da casa da Kate, pois ela iria junto com a gente. Kate sempre se perdia quando pegava ônibus sozinha, então a gente resolveu ir com ela e pegar um taxi. Ficamos esperando por um bom tempo. Eu já estava começando a ficar ansiosa e então uma voz espetacularmente alta gritou:
- AAAAAAH, MEU DEUS, GENTE, VOCÊS NÃO SABEM O QUE ACONTECEU MEU DEUS DO CÉU EU TO SURTANDOEUVOUMORRERSOCORRO.
- Kate – disse para a garota baixinha e loura à guisa de um cumprimento. Mas ela nem prestou atenção nele.
- , querida, flor da minha vida, EU CON-SE-GUI! – Continuou gritando, e chacoalhando meus ombros para trás e para frente, me deixando tonta. Segurei os braços dela e percebi que meio mundo olhava para nós.
- Primeiro: para de gritar, garota! – Ela percebeu o show que tinha feito e tampou a boca com as duas mãos, visivelmente envergonhada. Eu ri. – Segundo: conseguiu o quê?
- ... Ah, oi, ! Tudo bem? – Kate cumprimentou, parecendo avistá-lo pela primeira vez. Eu já estava acostumada, mas obviamente não, então ele revirou os olhos pensando que era brincadeira.
- Tudo e voc...
- Recebi isso hoje de manhã. – Disse sacudindo um envelope pardo, e ignorando o pobre do meu namorado completamente, de novo. Ela me estendeu o envelope e eu o abri. , confuso, deu de ombros e se aproximou de mim. Juntos, lemos as palavras que mudariam nossa vida para sempre:
Brasília, 14 de novembro de 2010.
Prezada senhorita Kathleen Cristina Costa
Temos o prazer de informar que seu resultado foi mais que satisfatório. Por isso, adoraríamos a sua participação nos ensaios de ginastas semi-profissionais por cinco dias, sua presença na convenção de ginastas e sua participação na reunião de ex ginastas das Olimpíadas de 2008, a partir do dia 25 de janeiro de 2011. O endereço está anexado com essa mesma carta.
Sinto que vou vê-la em breve.
Atenciosamente,
Martha Guimarães Santoro.
(Diretora da Escola Brasiliense de Ginástica Rítmica)


- Hm, e o que significa isso? – Perguntou , ainda confuso. Para ser sincera, eu também não tinha entendido. Fiz uma pergunta muda para Kate, que sorriu como nunca.
- Simples gente. Eu consegui entrar no Campeonato Mundial De Ginástica. – Respondeu animadamente, sorrindo de orelha a orelha.
Flashback off
Acordei assustada. Fazia muito tempo que eu não sonhava com a Kate, e como foi óbvio desde o momento que eu acordei, estava com um humor terrível e nem queria saber de escola. Mas de acordo com um livro que li recentemente, e adorei por sinal ("A culpa é das estrelas", se você quer realmente saber), “o mundo não é uma máquina de realização de desejos”, ou seja, nada de faltar da escola hoje. Suspirei tristemente.
Agora que eu sabia que gostava do e vice-versa resolvi que não podia mais me intrometer. Sei que desde o começo aquelas duas me infernizaram por causa dele, mas eu não podia me dar ao luxo de me aproximar mais ainda de .
Então, ficaria por isso mesmo. Tentaria evitá-lo o máximo possível. Primeiro por que é minha melhor amiga e segundo por que não nasceu para mim. Pensei que éramos amigos, mas eu acho que essa amizade nunca daria certo. Sempre iria haver um algo mais por causa da maneira como começamos.
Fim, vou ignorá-lo, esse é meu plano de vida de agora em diante.
E parece que meu plano funcionou perfeitamente. Pelo menos no início.
Os dois vieram me buscar como sempre, mas dessa vez sentei no banco de trás, sozinha.
Dirigi um ‘oi’ meio desanimado para eles, que aliás pareciam muito felizes. Quando chegamos na escola, já saí procurando pelos garotos, que logicamente adoraram ver que eu estava andando com eles mais do que de costume. E Alex estava um gato, tinha cortado o cabelo. Meu Deus, ele estava gato mesmo. Fomos para as nossas aulas, e depois, finalmente o recreio.
Sentamos todos juntos de novo e estava ali, como tem feito desde segunda-feira. Mas hoje ele resolveu se sentar ao meu lado. Até me abraçou quando eu disse olá.
-Mentira! É tudo uma grande mentira! –Gritou Alex.
-É verdade, todo mundo sabe que ele é gay. –Defendeu-se Julia.
-Dumbledore? Gay? Ah, Julia, inventa outra.
-Ok, você é gay então. –Implicou ela, fazendo Alex dar um sorriso safado.
-Chega mais perto para eu te mostrar quem é o gay. –Julia corou, me fazendo enviar uma mensagem telepática para o Alex e mandar ele parar com aquilo.
Enquanto Júlia e Alex tentavam conversar civilizadamente, o resto da mesa estava disperso. Rafa escrevia alguma coisa no celular, e estavam quase se engolindo, Gus tentava conversar com Rafa, mas ela não estava muito interessada no assunto, estava tristemente entretido no seu PSP e olhava para mim. Só olhava. Chegou um momento que me senti incomodada e resolvi conversar com ele.
- Então, como anda? –Perguntei a ele.
- Com os pés. –Me respondeu e começou a rir da própria piada. Eu realmente não havia achado graça, mas sua risada era do tipo que fazia a gente querer rir junto. Dei um sorrisinho amarelo.
- Nossa, você é a pessoa mais engraçada que eu conheço. –Falei, dando uma grande mordida no meu cookie. Aos poucos, os outros pararam de fazer o que estavam fazendo antes para observarem nossa conversa.
- Eu sei que sou. –Retrucou , com uma piscadela.
- Na verdade não é, eu estava sendo sarcástica.
- Ah, não pareceu.
- Me desculpe, mas suas piadas são péssimas, . – Comentei sem olhar pra ele.
- Eu não sou péssimo em nada, ok?
- É sim. Você é um péssimo contador de piadas. E um péssimo conselheiro. E um péssimo cozinheiro. – Ele sabia que eu não estava brincando. Claro que eu não estava. Ele era realmente péssimo nisso tudo. Mas parecia que ele estava gostando da discussão.
- Sabe no que eu não sou péssimo?
- Em que? – Perguntei fingindo espanto.
- Em dirigir. Sou um ótimo motorista. – Respondeu, com meu sorriso preferido. - Duvido. Só olhando para ver.
- Então talvez eu deva te levar para casa hoje. – Sugeriu. O sinal estava soando quando, com um sorriso sincero, respondi:
- Seria uma boa ideia. – Gus me olhou de um jeito estranho e eu apenas ignorei. Todos na mesa voltaram a conversar normalmente quando foi embora.
- Como assim, vai te levar para casa? – Rafa não parava de perguntar no final da última aula, me deixando super constrangida por que até o professor já estava sabendo disso.
- Argh, não enche. Que saco, ele é só uma pessoa!
- Ele é seu ex- namorado, sua idiota. – Ela deu uma piscada como quem esconde alguma coisa e eu ignorei.
- , você não acha que ele está meio que... Gostando de você de novo? – perguntou inocentemente. Apertei as bochechas dele, negando.
- Óbvio que não. – E então lá dá frente ouço o Almério anunciar meu nome.
- !
- Sim? – Respondi em troca. Os lábios do professor se curvaram em um quase sorriso, e ele fez um gesto para que eu fosse até ele.
- Sua prova. – Disse assim que eu cheguei.
“Eu não quero olhar, eu não quero olhar, eu não quero olhar” fui repetindo até chegar na minha carteira. , que estava sentado atrás de mim e Rafa que estava do meu lado se curvaram para ver a prova junto comigo.
- Hm, quer saber. Vocês vão ver isso antes de mim – Decidi. Os dois se olharam confusos, mas viram a droga da nota. – E então... É mais que 85? – Perguntei esperançosa.
- ... – Começou . Ele olhou para a Rafa, ela olhou para ele de novo e os dois olharam para mim, pensando em como contar aquilo, acho. – É melhor olhar você mesma.
Eu adorava matemática, nunca tirei menos de 85 na vida. Porém confesso que com aquela prova eu dei uma relaxada. Peguei a prova da mão de , pronta para o que quer que fosse.
Nome:
Nota: 100
Eu fiquei olhando para aquela prova um milhão de vezes para ter certeza que não estava sonhando. e Rafa me olhavam orgulhosos, e eu estava de boca aberta.
- Eu tirei 100. – Murmurei para mim mesma.
O sinal bateu, indicando o fim das aulas do dia e eu tinha até esquecido que iria para casa com , o que me fez pensar que ele só estava brincando. Mas para minha surpresa, ele estava me esperando na porta da sala de matemática. Assim que o vi, fui em sua direção e mostrei minha prova pra ele.
- Tirei 100! – Ele me deu um sorriso feliz e comemorou junto comigo, comentando que eu precisava dar umas aulas para ele. Eu sorri. Avistei e saindo do colégio de mãos dadas e ampliei meu sorriso.
Meu plano funcionou por três meses.
Três meses até que por causa de um único olhar, as coisas começassem a dar terrivelmente errado.
É, digamos que foi nessa época que eu podia me considerar oficialmente encrencada.



Capítulo 6


’s POV
- Pode pegar aquele livro para mim, ? –Perguntou uma voz mal humorada vagamente conhecida. . Me assustei.
Já se faziam três meses que eu estava no Brasil. Eu ainda estava com , e seus pais ficaram muito felizes com nosso namoro. Júlia, Rafa e deixaram de visitar a mansão de nas duas primeiras semanas do nosso relacionamento pensando que estariam atrapalhando alguma coisa, mas e eu garantimos a elas que tudo bem elas ficarem em casa. E elas ficaram mesmo. Exceto . Não seria mentira eu dizer que nunca mais a vi por lá desde o dia em que nos reunimos para o trabalho de biologia. Para não falar nunca, ela foi sim uma vez quando precisou do secador de cabelo de depois que o seu havia quebrado. Eu não sei o que havia feito de tão ruim a ela, mas ela claramente me evitava muito. Quando tentava fazer uma pergunta, ou até mesmo conversar com ela, ela se esquivava, fingia que não ouvia e quando decidia me dar atenção, falava monossílabas, evitando contato visual. Quando percebi que ela só tinha esse tipo de comportamento comigo, é claro que quis consertar e perguntar o que havia de errado. Mas nada adiantava.
Teve um domingo de abril, que pediu para que eu fosse buscar o secador que tinha pegado emprestado. Eu estava contando com o pouco sucesso que iria fazer. E estava certo.
abriu o portão de sua casa radiante, com o sorriso mais lindo que eu já vira. Mas depois que viu que era eu, fechou a cara e me perguntou, friamente:
- Ah, é você. O que você quer ?
- Eu, ehm... eu... É, hm... quer o secador de volta. –Ah, como eu sou retardado.
- Certo. E por que ela mesma não veio pegar? – perguntou odiosa. Sua voz estava alterada, um tipo de rudeza que ela reservava só para mim. Às vezes eu sentia inveja do Gus; ela o tratava tão bem!
- Porque ela está meio ocupada e eu não tinha nada para fazer agora e...
- Ok, se você não reparou, eu ainda vou usá-lo, diz para que amanhã eu devolvo. Passar bem, – Me cortou, fechando a porta na minha cara. Eu queria pôr um fim naquilo. Não aguentava mais a ruindade daquela garota comigo. Bati na porta de novo, dessa vez mais bravo que simpático.
- O que é? – Perguntou me desafiando novamente, abrindo a porta com um certo tédio.
- O que foi que eu te fiz, ? –Ela ficou me encarando por um longo tempo e arrumou os longos cabelos molhados, de modo que eles ficaram esparramados sob seu ombro direito.
- É para você. – Ela simplesmente disse, antes de fechar a porta na minha cara pela segunda vez.
No início, não entendi o que aquela resposta tosca que ela havia me dado tinha a ver com a pergunta. Só no dia seguinte, na escola, é que percebi a ligação. Todos naquela mesa a chamavam de . E ela falava com todos, se dirigindo a eles pelo primeiro nome. Eles eram seus amigos. O que ela quis dizer é que não somos amigos.
E pela maneira que tinha me olhado, provavelmente nunca seríamos.
Depois disso, nunca mais nos falamos. Até agora.
- Hm, que livro? – Perguntei, surpreso, voltando para a realidade.
- Ah, aquele ali lá em cima. – Disse, se referindo a um livro vermelho e grande na alta prateleira da livraria. – Não alcanço, Alex sumiu e Gus e estão ocupados demais para me ajudar – Continuou zangada apontando com a cabeça para um Gus e um que estavam entretidos demais conversando com uma loira. Acho que ela só disse isso para deixar claro que eu era a última opção. Eu achei graça, mais segurei o riso e peguei o livro para ela.
- Valeu, ! –Me dirigiu um sorriso, que não era nem de longe o mais sincero do mundo, mas ainda era um sorriso. Sorri de volta e ela se virou para se juntar as amigas.
Certo, nunca passaria pela minha cabeça entrar em uma livraria para se divertir em um sábado. Mas com certeza passaria pela cabeça de . Ela era praticamente a única leitora compulsiva que eu conhecia. E como todo mundo adorava ela, óbvio que acabamos entrando na droga da livraria.
Tudo começou quando a gente resolveu ir até a Sé andar um pouco. Então avistou uma Saraiva. E depois outra Saraiva. Juro que seus olhos começaram a brilhar. E não demorou muito até que ela começasse: “Ah quero livros novos!!” “Vamos na livraria?”, “É só atravessar a rua!”, “Ah, Gus, vamoooos!!! Tem uma loira gostosa lá dentro!”. E então, é claro, todos corremos para a livraria. Mas demos a apenas meia hora, o que teria dado certo se não tivesse começado a chover. E estamos confinados nesse lugar há mais ou menos uma hora e meia desde então.
Mas, pelo menos, tinha uma Starbucks, xbox e banheiros, então não estava tão ruim. , , Juh e Rafa estavam jogando x box, Gus e Harry estavam cantando a Loira e eu estava admirando um livro sobre arquitetura. Na verdade, era sobre a biografia de Paris. Sou apaixonado por Paris, mas esse é um sonho no qual devo levar alguém comigo.
- O que é isso na sua mão? – Me perguntou Alex, interessado. Eu não falava muito com ele, mas ele até que é bem legal.
- Ãhn. É uma biografia... de Paris – Eu respondi, colocando o livro no lugar.
- Você nunca foi pra lá? –Eu neguei com a cabeça. – Você mora na Inglaterra e nunca foi pra França? –Alex estava incrédulo. Eu não ia dizer a ele que meus motivos de ir para França eram amorosos, ou seja, para comemorar algum aniversário de casamento, ou até mesmo uma lua de mel. Alex podia ser legal, mas isso era meio que particular.
- Hm, não, nunca tive essa chance. – Alex assentiu enquanto observava e Gus tentando pegar o número da Loira.
- Cara, eles são muito lerdos. Tinham que ser mais machos. – Ele comentou. Eu tive que rir.
- Bom, tenho namorada então não posso dar uma lição neles.
- Aaaah, mas eu posso. – Alex me deu uma piscada e foi em direção aos meninos. Curioso, eu fui atrás.
- É, muito triste, mas minha mãe disse que ele já está melhor, ent... – A Loira ia dizendo. Quando viu Alex e eu chegando até eles, a garota nos viu também e se interrompeu. Acho que tantos caras ao redor dela a deixou embaraçada. Mas observando seu rosto, ela me parecia muito familiar.
- Sobre o que os moços estão falando? – Perguntou Alex.
- Ahn, sobre meu rato de estimação, Roger, que foi atacado pelo gato da minha irmã. – Disse a garota. Sua voz também era muito familiar. E ela tinha sotaque.
- Oh, mas que lástima! Espero que ele fique bem! –Falou Alex. –Meu nome é Alexandre, mas me chame de Alex. E o seu?
- Me chamo Hannah. – Disse. Esse nome também era muito familiar.
- Hm, seu sotaque não me é estranho... Você é daqui do Brasil mesmo? – Perguntou Gus. Cara, são lerdos pra caramba mesmo.
- Não! Eu morava na Inglaterra, em um bairro de Londres chamado Chelsea. Até meu pai conseguir um emprego aqui e trazer todos nós pra cá! – Disse Hannah. Já tinha me desligado da conversa e desistido de saber quem era aquela garota. Estava observando dançar a música do Justin Bieber. Ela ria de algo que Rafa tinha acabado de contar e tentava estapear as duas, fazendo Juh rir mais do que não sei o que. Estava pensando em ir até lá falar com elas. E eu teria ido mesmo, mas a frase seguinte de Alex me fez olhar para eles de novo.
- Ah, o também vem do Chelsea, não vem, ? –Perguntou, fazendo todos olharem para mim.
- ? - Falou a garota. Quando ela pronunciou meu nome, finalmente me lembrei de onde a conhecia.
- Hannah? – Eu falei para ela, que assentiu com a cabeça. Seus olhos brilharam de reconhecimento enquanto ela andava até mim. Hannah é irmã do meu melhor amigo de infância, Austin, que teve que vir para o Brasil a seis anos atrás. No começo a gente se falava muito pelo Skype, mas depois meio que perdemos contato. Então ele seria meu ex- melhor amigo de infância. Hannah, sua irmã gêmea, por um acaso foi a primeira garota que beijei de verdade, mas acho que ninguém precisa saber disso.
- OMG! ? Sério? –Ia dizendo ela, enquanto eu concordava do mesmo jeito que ela tinha feito antes.
- Cara, quanto tempo! –Nós nos abraçamos e tenho certeza que deixamos todos com um enorme ponto de interrogação na cara. - Vocês estão aqui desde aquele dia? –Perguntei.
- Estamos sim. Austin está trabalhando com meu pai, mas posso pedir pra ele visitar você se quiser.
- Claro, Hannah! –Eu disse, entusiasmado com a ideia de falar com Austin por algum tempo. –E como estão todos? Sua mãe, Carrie...? – Perguntei a ela.
- Ah, estão todos muito bem! –Ela olhou para o celular que vibrava. Atendeu e disse algumas coisas rápidas, provavelmente ao pai dela. Desligou e passou seu celular para mim –Vamos, coloque seu número ai.
- Ok. –Passei meu próprio celular para que ela fizesse o mesmo enquanto eu escrevia meu número no celular dela. Salvei como “ Gostosão”, e ela riu quando eu o devolvi.
- Bom, , foi realmente ótimo te rever! Aposto que o Austin vai adorar saber que você não aguentou as saudades e resolveu nos seguir! –Disse ela brincalhona, piscando para mim. –Tenho que ir! Tchau para vocês! –Finalmente me lembrei dos outros, que nos olhavam com cara de paisagem, só acenando um tchau para a garota que se afastava. Foi Alex que se pronunciou primeiro:
- Quando encontrar mais alguém de sua antiga terra, você se importa de falar nossa língua? –Todos riram e eu me senti muito constrangido. Trocar o português pelo inglês se torna frequente quando eu fico nervoso demais ou animado demais ou emocionado demais. Vi as garotas meio que segurando o riso e sorri para elas. Até retribuiu e por isso eu fiquei momentaneamente confuso quando fechou a cara.
Acho que alguém ficou com ciúmes.


’s POV
- Olha , seu macho tá pegando o número da Loira Gostosona! – Eu disse rindo para uma muito vermelha de raiva.
- Cala a boca, –Resmungou ela, entredentes. Quando a loira foi embora, todos os meninos começaram a convergir para nós e por isso paramos de dançar. foi abraçar , mas ela virou a cara e foi falar com . Juh e Rafa tiveram a brilhante idéia de irmos tomar um café no Starbucks e diz que é bem reconfortante que se tenham cafeterias decentes no Brasil. Eu esqueço de mencionar que na verdade, não tem cafeterias decentes no Brasil, já que a Starbucks definitivamente não é brasileira.
Fui eleita para fazer o pedido das meninas e já saí correndo. Logo que a moça perguntou o que queria, respondi rapidamente para não esquecer:
- Chocolate Frappuccino com dois Cookies Double, Chocolate Choco Chip Frappuccino com dois Muffins de Chocolate, Chocolate quente Clássico e Café Mocha com Pão de Queijo Recheado, por favor.
- Nome? –perguntou a séria atendente.
- –Disse.
- Esse é o nome de todos? - Continuou. Eu assenti com a cabeça e paguei a conta com o cartão.
Claro que não precisa ser mestre para saber que foi o eleito para fazer os pedidos masculinos. Ele foi em frente e fez todos os pedidos. Quando a moça chamou meu nome, vi que tinha um problema. Era muita coisa pra eu carregar sozinha. E ainda conseguiu pegar suas coisas antes de mim, mas acho que foi por que eu fiquei enrolando tentando resolver meu problema mentalmente e os garotos só pediram lanches, ao passo que as meninas pediram vários tipos diferentes de café. Socorro, só tenho dois braços!
- Hm, espera aí. –Disse , analisando a situação e respondendo minha prece mental. Ele voltou para mesa onde todos estávamos, distribuiu os lanches e voltou para me ajudar. –Deixa eu pegar esses maiores. – Disse ele, apontando para o lanche, muffins e cookies, e meu Choco Chip. Deixei que ele levasse aquilo enquanto eu me contentava em seguir andando atrás dele, mantendo o foco para não deixar cair café nem no chão, nem em ninguém. chegou a mesa e distribuiu corretamente tudo o que ele tinha nos braços e eu fiz o mesmo.
- Toma o seu, o seu, o seu e... O meu –Falei, olhando para o garoto que tomava meu chocolate/café sem a menor cerimônia. –Ei, meu Choco Chip, seu guloso! –Estapeei e ele apenas ria. Mas no final acabou devolvendo minha comida.
Tomamos nosso café da tarde/almoço em silêncio e quando todos terminamos, a chuva resolveu dar uma trégua. Então, fui pagar o meu livro e tristemente saímos da livraria legal. Fiquei reclamando por todo o caminho da volta e no final até Gus, que geralmente é paciente comigo, mandou eu calar a boca. Mas, no trem, algo muito estranho aconteceu e, por um motivo desconhecido, me senti inquieta. Ele> provavelmente esperava que eu não percebesse isso, mas eu percebi.
não parava de olhar para mim.

As próximas duas semanas se passaram rápido. Assim, chegou quarta- feira, um dia super triste para maioria de nós. No intervalo, fui correndo para um lugar onde eu jurava que seria o último que eu iria: o sótão abandonado do terceiro andar. Nosso esconderijo secreto. Quando cheguei lá, me certifiquei de que não havia ninguém e, me vendo finalmente sozinha, sentei para chorar em paz. Perdi a fome, esqueci onde eu estava, apenas chorei.
Quarta- feira, dia 5 de junho. Aniversário de Kate. 17 anos, a idade que ela nunca completaria, a festa que ela nunca teria, as velas que ela nunca assopraria, o bolo que ela nunca veria. Depois de pensar assim, comecei a soluçar, a chorar mais alto. Lágrimas escorriam livremente pelo meu pescoço, grudando cabelos por toda a extenção dele. Tinha certeza que estava parecendo um panda, com enormes manchas pretas ao redor dos olhos, mas nem me importava. Lembranças e mais lembranças passavam por minha mente, e tudo que eu mais queria era esquecer todas elas. Porem de alguma forma, eu não queria me desfazer delas. Queria sempre lembrar de Kate.
Flashback on
23/05/2010
- Eu seria capaz de jurar que ele estava te despindo com o olhar! –Gargalhei, apontando para que nos encarava super brava.
- É, você deve ter emagrecido uns quilos, de tanto que o te secava! –Concordou Kate, já sem fôlego de tanto rir.
- Aaaaaaah, então é por isso que ela está um pouquinho mais magra, Kate! – A esse ponto, já estava meia brava, rindo um pouco, enquanto eu e Kate ríamos tanto que corríamos o risco de o inspetor nos escutar. Estávamos no nosso esconderijo preferido (e proibido), o alçapão do terceiro andar, matando a querida aula de Artes que eu tanto odeio. Essa barulheira toda começou quando começou a flertar com descaradamente, dizendo que ela era linda, que ela ficaria sexy na cama dele e essas coisas idiotas que ele sempre falava. , é claro, ficou vermelha que nem um tomate e com muita raiva de . Passou a dizer que odiava aquele “ser desgraçado”. Mas óbvio que ela adorava aquilo. E é óbvio que nunca escondeu que gostava de .
Depois de tentar nos estapear, engatamos em uma conversa divertida que englobava nossa futura festa de 17 anos. Geralmente essas festas são de 18, mas aproveitando que seria nosso último ano escolar e que as datas dos aniversários das meninas se coincidiam ( fazia no dia 3 de junho, Kate no dia 5), faríamos uma festa todas juntas, apesar de eu fazer aniversário no nono dia do ano (9 de janeiro) e ser uma festa drasticamente atrasada. Discutimos e anotamos tudo nos mínimos detalhes, apesar de ainda faltarem três anos para essa festa.
- Eu quero que tenha algodão doce. –Disse Kate, sonhadora. –E pirulitos gigantes!!! E as bexigas tem que ter um tom de roxo.
- Hm, minhas bexigas tem que ser azuis! –Fiz bico.
- E as minhas PRE-CI-SAM ser rosas. –Disse . Enfim, chegamos a um acordo, reunindo os nossos doces preferidos e as cores de nossas bexigas. Seria uma festa fabulosa. A melhor de todas, eu sentia isso. Nós três sorrimos umas para as outras, ansiosas por essa tão esperada festa. Olhei no relógio e vi que já estávamos atrasadas para a última aula. Saímos do alçapão correndo/voando, em direção as nossas respectivas salas.

Flashback off Matar aula às vezes é saudável. Não sei por que me lembrei desse dia em particular justo hoje, mas sorri em meio aos soluços. Tinha que sair daqui, não poderia ficar para sempre. Tentei parar de chorar, mas estando naquele lugar, em uma data que seria tão especial para minha amiga morta, pareceu impossível. Percebi, então, que eu na verdade nunca havia superado a morte de Kate. Meus olhos estavam transbordados de lágrimas e deixavam minha visão turva. E eu estava tão chateada que não tinha a menor vontade de apará-las. Mas minha visão embaçada pelas lágrimas fez eu me embaralhar com o último degrau do alçapão, me fazendo cair. Nas minhas reais condições, levantar seria a última coisa que eu faria, mas o fiz mesmo assim porque precisava muito de um banheiro, precisava sair dali. Porém, quando fui tentar achar a saída para a escada do segundo andar em meio ao meu labirinto de água, esbarrei em alguém. E esse alguém ficou aparentemente surpreso em me ver. Mas eu não estava conseguindo enxergar quem era. Estava mentalmente desorientada. Tudo e nada passava pela minha cabeça.
- , procurei você em toda parte, você está... ! O que foi? –Reconheci a voz de e corri para abraçá-lo. Ele percebeu que eu estava chorando e retribuiu meu abraço. Não sei bem por que fiz isso, mas estava tão triste, tão carente, tão... cansada. fez com que nós dois nos sentássemos nos degraus de uma escada qualquer e passou a acariciar meus cabelos, sem falar nada, sem forçar a história, apenas esperando eu me acalmar. Aos poucos, as lágrimas foram parando, a tontura foi passando e eu comecei a ficar mais sóbria, mais lúcida. Quando eu percebi que estava praticamente agarrada a dei um pulo, mas não sai de seu abraço.
- Hm, , o que foi? –Perguntou, preocupado. Eu realmente não queria falar, mas era a segunda vez que chorava por causa de Kate e acho que ele merecia saber. Pelo menos resumidamente.
- Hoje é o aniversário da Kate. –disse simples e tristemente. –Ou era.
- Quem era Kate? – perguntou receoso de que tivesse ido longe demais. Dei um sorriso sem mostrar os dentes ao descrevê- la.
- Era a pessoa mais adorável do mundo. Ela era baixinha e tinha o cabelo castanho dourado todo enroladinho. Os olhos no tom de mel mais lindo que eu já vi. Era ginasta profissional, quase entrou nas Olimpíadas de 2012. Mas ela... morreu, hm, em um acidente de... avião antes de realizar esse sonho. – Conclui, surpresa ao não ver nenhuma lágrima reinando meu rosto.
- Meus pêsames. Lamento, . Ela devia ser incrível. –Disse , sinceramente chateado.
- Ela era. Acho que ela iria adorar você! –Eu ri tristonha.
- Ah, você acha? Eu tenho certeza! Quem é que não adora o ? –Perguntou retoricamente, fazendo graça.
- Palhaço! –Eu nem percebi, mas cinco minutos conversando com foi o suficiente para começar a rir. Claro que não iria ficar cem por cento feliz o resto do dia, mas ficar com parecia me acalmar. Eu me sentia bem com ele. Mas que droga, eu gostava dele. Porém sabia que não podia sentir isso e muito menos deixar esse sentimento crescer. O jeito que ele tinha me olhado no trem sábado retrasado foi o suficiente para eu querer me afastar dele mais ainda. Claro que não deu muito certo. Mas acima de tudo, sinto que estou indo pelo caminho correto. Não posso me deixar levar por esse sentimento esquisito, por que muitas coisas dariam muito errado se eu tentasse. Ele namora minha melhor amiga.
- ?
- Sim, –Seus olhos se arregalaram de surpresa, mas nem me importei em saber o porquê. Ele parecia verdadeiramente preocupado e eu queria ajuda- lo.
- Hm, a está falando muito com o ultimamente. E nós andamos brigando muito por causa disso. Eu não sei onde vamos parar... – Comentou tristemente. Bom, que o relacionamento deles não ia às mil e uma maravilhas a umas duas semanas não era bem uma novidade. Mas que o motivo do desentendimento era ciúmes, isso sim era. realmente estava muito amiguinha do e eu sabia o que queria dizer com isso.
- Hey, relaxa. A não vai fazer nada do que você provavelmente está pensando. O paga o maior pau para ela desde que o mundo é mundo, e vocês dois podem não ser os melhores amigos do planeta, mas ele tem muita consideração por você. Não vale a pena se martirizar por causa de coisas que não aconteceram e nem irão acontecer. Esquece esse ciúmes. –Ele pareceu refletir por um momento tentando encontrar palavras adequadas, mas somente assentiu.
- Obrigada, .
- Por nada. Acho que é melhor irmos logo antes que os outros pensem besteirinhas. –Ri e ele me acompanhou, apesar da tensão que ambos sentíamos. Cada qual com seu próprio pensamento, cada qual com seu próprio problema. Ou problemas, no meu caso. Descemos em direção ao refeitório, com os olhares maliciosos de Alex e Rafa nos encarando quando nos sentamos. ainda falava com e quando chegou perto de onde ela estava, abriu os braços para recebê-lo, mas ainda continuou conversando com animadamente. me olhava chateado e lancei um olhar de coragem para ele, que apenas suspirou. parou de falar com a uma única vez se dirigindo a mim, para dizer que tinha passado na mesa mais cedo para falar comigo e não tinha me achado. Gus tentava chamar atenção de Rafa equilibrando idiotamente seu lápis na embalagem de Trakinas, mas ela estava mais ocupada em ler a mensagem labial que eu mandava para ela:
Sinto falta da Kate.
Ela apenas me deu um sorriso triste. E eu sabia que não havia nada que ela pudesse fazer.



Capítulo 7


’s POV
Parece que as meninas tiraram o dia para chorar. Agora eu sabia o motivo de todas aquelas lágrimas que arruinaram minha camiseta e estava triste pela morte de uma garota que nem tive a chance de conhecer.
me explicou a história delas, chorando mais do que tudo enquanto eu tentava acalmá-la. Tentei fazê-la parar de falar, mas ela não me obedecia. Parecia que eu nem estava mais lá, parecia que ela estava hipnotizada, parecia que tinha voltado três anos antes.
Me contou todas as histórias que ela julgou serem necessárias e logo passei a gostar de Kathleen Costa tanto quanto ela. me mostrou fotos e vídeos, não tinha como não se render aos caprichos de Kate. A garota morta num acidente trágico passou a ser para mim mais que um nome a partir de então. Ela passou a ser alguém. E como um bom amigo e namorado, eu quis ajudar e a superar esse medo de continuar vivendo que as duas pareciam ter. Às vezes, ela parecia feliz com as lembranças e eu a encorajava a continuar lembrando. Kate não merecia ser esquecida. Mas quando eu pensava que já estava tudo bem, ela se torturava quando lembrava que Kate já não estava mais lá e que ela nunca mais voltaria.
Depois de um tempo compartilhando histórias antigas comigo, se trancou no quarto e eu fiquei na sala preocupado sem saber o que fazer. Queria poder ajudar, mas não conseguia encontrar um jeito para fazer isso. Bati na porta de seu quarto, tentei subornar ela com chocolate, fiz piadinhas, mas nada resolveu. Depois de duas horas, finalmente desisti. Voltei para sala e me sentei no sofá, olhando a TV ligada sem realmente vê- la.
Quando Sra. Espinosa chegou, automaticamente perguntou de e eu disse que havia chorado o dia todo e que agora estava trancada no quarto. Ela crispou os lábios murmurando um “Era o que eu temia...” Descobri então que e passaram meses trancadas em seus respectivos quartos quando a amiga morreu, sem conversar, sem comer, sem sair, sem ir para a escola. porém, se recuperou mais depressa que . Ao que parece, havia sofrido um acidente no dia em que Kate morreu e só ficou sabendo dessa notícia horrível quando acordou no hospital quase duas semanas depois, quadriplicando seu sofrimento.
Horas mais tarde, expressei meu desejo louco de tentar ajudar as meninas para a Sra. Espinosa e ela me concedeu um sorriso triste.
- Vá atrás de quem realmente quer sua ajuda, – Sua feição denunciava que ela não estava falando da própria filha. Peguei meu casaco e saí em direção ao portão sul, que dava na rua em que eu precisava ir.
Já sabia o que eu tinha que fazer.

Parei no portão um pouco tímido, afinal na última vez que eu havia estado ali ela batera o portão na minha cara duas vezes. Mas segui em frente, apertando a campainha. Estava preparado, mas não foi quem atendeu a porta.
- Hm, boa noite, Sra. Richüivan. A , erhm, está? –Ela me deu um sorriso triste exatamente igual ao da filha.
- Está, , mas eu realmente acho que não seja um bom momento pa...
- Por favor, eu preciso falar com ela. –Interrompi a mulher, quase implorando. Depois de ver que meus motivos eram claramente puritanos, me deixou entrar e pediu para subir as escadas, indicando o quarto a esquerda que era o de
Adentrei no quarto, que estava vazio. Ela possivelmente estava tomando banho, pois escutei o chuveiro ligado. O quarto era bonito, nunca havia estado ali antes. As paredes tinham um tom de rosa nada enjoativo. O guarda-roupa, a cômoda e a escrivaninha eram brancos e pela primeira vez pude ver as muitas prateleiras em suas paredes, indicando o gosto que a garota tinha pela leitura. Fiquei admirando os livros, perdido em pensamentos enquanto olhava os vários títulos.
Me lembrei de hoje mais cedo, quando ela se aconchegou junto a mim assim que a abracei e de como rejeitara esse mesmo abraço. Me lembrei de quando eu a chamei pelo apelido e ela não me corrigiu. Será que finalmente estava sendo considerado seu amigo? Lembrei de estar olhando para ela no trem. Sabia que ela tinha percebido que eu a olhava.
Na verdade não sei bem quando essa atração pela começou. Eu nem sabia se tinha mesmo começado uma atração. Só sei que de repente, estava reinando meus pensamentos com mais frequência que minha própria namorada. Isso estava me deixando louco.
Não, nada disso. Amo minha namorada. Não estou atraído por outra. Fim. Fiquei repetindo isso para eu mesmo por um bom tempo, até escutar um grito na porta do banheiro.
E ao me virar para a origem do som, deparei com uma seminua me olhando assustada.

’s POV
- , seu idiota, será que você pode se retirar? – Dizia para o garoto que me encarava perplexo, enquanto eu tentava inutilmente cobrir as partes expostas do meu corpo com a toalha mínima. Vi as bochechas de corararem e pensei que ele estava mal por ter me pego assim.
- Hm... Belos peitos, – riu ele, malicioso. Não demorei para processar a informação e lancei tudo que estava ao meu alcance sobre ele, desde almofadas até roupas sujas. Ele finalmente entendeu o recado e saiu do meu quarto ainda corado, me deixando mega constrangida. Assim que ele saiu, tranquei a porta.
Aaargh, que vergonha. O que ele estava fazendo ali? E quem deu a permissão para ele dizer que meus peitos eram belos? Ele namora, pelo amor de Deus! Depois de passar vergonha por um bom tempo, revi os fatos. Enquanto trocava de roupa e prendia meu cabelo em um coque meio bagunçado, comecei a rir. Tinha mesmo sido engraçado. Quando abri a porta do quarto para entrar novamente ainda estava rindo, dessa vez vestindo mais pano do que apenas calcinha e sutiã. Ele viu meu estado e começou a rir comigo. De repente começamos a gargalhar demais e chegamos ao ponto de eu rir da risada dele e ele começar a rir da minha e eu recomeçar a rir por que ele estava rindo da minha risada. Eu já nem sabia qual era o motivo da risada inicial. Tinha lágrimas de tanto rir e só parei realmente quando meu abdome parecia implorar para eu parar de me chacoalhar tanto.
- Você precisa me ensinar a fazer isso. – Eu disse em meio a risadas, quando decidimos nos sentar na minha cama.
- Isso o quê? –Disse , ajeitando um travesseiro e deitando no colchão de tênis e tudo.
- A rir desse jeito. Faz tempo que eu não rio tão verdadeiramente por nada, . E de alguma forma, só com você eu consigo rir assim. –Ele me olhou com uma expressão confusa e eu sustentei seu olhar até ele finalmente virar o rosto, com um sorriso torto brincando em seus lábios. Eu não sabia por que ficava soltando essas frases sem nexo para ele, mas não me arrependia, por que essas palavras eram reais. Há muito tempo eu deixei de rir por causa de coisas idiotas. E por mais que me doa falar isso, a morte da minha amiga ainda me assombra sim. O acidente dela se entrosa com o meu e um medo maior que a vida se ergue sob mim. O medo de morrer.
- Eu não faço nada demais, . –Respondeu. Eu não tinha nada para dizer depois disso, então apenas disse minha frase de sempre.
- É pra você.
- Ah, você voltou ao normal! –Ele riu. Mas eu já estava deprimida novamente. Tinha certeza que estava com cara de choro e ao olhar para ele, vi que me olhava preocupado.
- Argh, que droga. Acho que a depressão voltou. Vou arruinar sua camiseta de novo. –Resmunguei.
- Foi para isso que eu vim aqui. – se sentou na cama e tirou sua blusa de marca e eu vi a mesma camiseta que já havia arruinado de manhã. Ele abriu os braços para me receber e eu fui até ele, o abraçando. Eu não sei se foi minha fragilidade emocional em relação à Kate ou o gesto realmente adorável de , mas finalmente comecei a chorar. Tentei guardar todas as lágrimas para a hora de dormir, mas aquele parecia ser o momento certo para me derramar em lágrimas.
- Eu sinto tanta falta dela, ! Muita... muita... - Falei entre soluços. Como antes, não disse coisas que provavelmente diria, como “Você quer conversar sobre isso?” ou “Vai dar tudo certo, você vai ficar bem”. Ele se limitou simplesmente a secar uma das lágrimas que escorria pelo meu rosto, e só. Continuou me ninando enquanto eu chorava, sem parecer desconfortável. Ele só queria... ajudar.
entendia que nenhuma palavra iria trazer Kate de volta, então nada ficaria bem, pelo menos por um bom tempo. entendia que nada do que ele dissesse iria me fazer ficar melhor, muito pelo contrário, só iria piorar a situação. entendia que eu precisava de espaço, mas que também precisava de uma companhia, de um ombro amigo.
E chorar nos braços de em silêncio, enquanto ele acariciava meus cabelos, provavelmente foi melhor do que mais de dez mil palavras que ele poderia ter me dito.

ficou comigo até eu pegar no sono.
Foi embora quase meia noite. Isso quem disse foi minha mãe, quando acordei umas dez e meia da manhã seguinte. Consequentemente não fui a escola. Minha mãe disse que eu parecia tão terna que não quis me acordar. Eu merecia uma folga.
Mesmo a contragosto, liguei para Júlia perguntando se poderia ir à casa dela copiar a matéria, mas ela disse que iria sair. Então liguei para Rafa, que disse que estaria tudo bem se eu fosse até lá. Fiquei o resto da manhã sem fazer nada, vagando do face para o twitter do twitter para o instagram e do instagram voltando para o face.

- Parece um bom garoto, esse ... –Comentou minha mãe durante o almoço, algum tempo depois.
- Ah, ele é sim. –Eu sorri. Ela provavelmente interpretou mal meu sorriso.
- Mas ele não namora? Com a ? –Ela me olhou assustada.
- Uhum. Mas eu não tô pegando o escondido, mãe, por favor! –Ela riu do meu jeito desesperado de explicar as coisas e, ao se levantar, passou as mãos pelos meus cabelos e me deu um beijo na cabeça.
- Pode deixar a louça hoje que eu lavo, tudo bem? Acho que você deve um “obrigado” para alguém. –Ela deu uma piscadela e eu soube imediatamente de quem ela estava falando.
Terminei de almoçar e sai para a rua. Uma das coisas que eu gosto desse condomínio além da comunhão entre os vizinhos e amoras de graça (tinha pé de amora por todo canto), era a tranquilidade do lugar. Não parecia um condomínio fechado. Mas claro, estava no Alphaville Residencial 6, lugar lindo e maravilhoso, onde tudo sempre é perfeito. Nenhum ladrão conseguia passar pela entrada. Tinha casas grandes e vitorianas com jardins imensos, casas pequenas e delicadas e gigantes mansões intimidantes como a que estava na minha frente agora. A mansão dos Espinosa. Provavelmente a maior casa do condomínio todo. Pensei em entrar pela porta lateral que dava na piscina e sempre estava destrancada, mas levando em conta o que aconteceu no meu quarto ontem, achei melhor tocar a campainha. Não estava a fim de ver ninguém nu por lá, especialmente porque os pais de não se encontravam em casa nesse horário. Dois minutos depois, atendeu a campainha (completamente vestido, graças a Deus) e me deu um sorriso de orelha a orelha.
- ! Há quanto tempo você não vem aqui! – Ele correu para me abraçar e eu automaticamente retribui. Não sei quando essa amizade começou, mas eu estava gostando muito dela.
- Pois é, voltei. –Ele me soltou e eu olhei para a grande sala deserta e a casa praticamente vazia. – Onde está ? – Perguntei dando pela falta dela. Faz muito tempo que não conversava de verdade com e isso me preocupava um pouco. Eu sentia saudades dela.
- Ela disse que ia na casa da Julia rapidão e já voltava. Quer um lanche? Acabei de fazer. – Ofereceu, empolgado. Eu tinha ficado com a cara no chão, surpresa, confusa e chocada, mas não demonstrei. Tinha certeza absoluta que Julia disse que iria sair hoje. Mas depois pensei que era neura da minha cabeça mesmo. pode ter saído junto com a Júlia.
- Você não seria o se não estivesse comendo, não é mesmo? – Caçoei, rindo. – O que temos de bom? –Embora tivesse acabado de almoçar, não poderia recusar aquela delicia chamada de lanche que ele mesmo fazia. Além disso, ontem eu mal comi e seria mais que justo eu repor a comida hoje. Ele me conduziu até a cozinha e ficamos conversando sobre coisas aleatórias enquanto comíamos como o tempo, a escola, o condomínio, And (que voltaria pra casa mês que vem, e ficaria pelos próximos cinco meses para minha alegria), o pai do , até o assunto voltar ao tempo e até finalmente acabar. Assim que o assunto acabou, eu me lembrei o que tinha ido fazer ali.
- Hm, , eu queria agradecer por... Ontem. –Falei, um pouco tímida. Ele me deu meu sorriso torto preferido, aparentemente satisfeito consigo mesmo.
- De nada . Sempre que você tiver um problema, pode vir falar comigo, uh? Você pode estragar quantas camisetas quiser, eu não me importo. –Eu o olhei e sorri. Ele é mesmo uma boa pessoa. E agora eu posso dizer que o conheço. Fui até ele e o abracei, ele retribuindo meu abraço. Eu não queria sair dali, tinha encontrado alguém em quem me apoiar, tinha encontrado uma base. também parecia confortável ali, acariciando minhas costas enquanto eu simplesmente respirava. Teríamos continuado mais tempo se não fosse uma voz absurdamente feliz.
- ÔOOOO DE CASAAA! –Nos separamos rapidamente, mas ainda continuávamos sorrindo constrangidos. Era um tipo de aproximação recente, uma coisa nova para nós. Mas não seria normal chegar em sua própria casa e ver sua melhor amiga abraçando seu namorado na cozinha. –E aí povo lindo? –Perguntou feliz para nós dois assim que chegou no cômodo. me olhava com seu antigo brilho meigo nos olhos e só por um momento eu me perguntei se as coisas já estavam melhores entre nós.
Fiquei conversando com e até a hora que tinha marcado para me encontrar com Rafa. até me tratou normalmente, como se aquela briga nunca tivesse de fato nos afetado. E eu queria pensar assim de todo meu coração.
- Tchau, ! Tem que voltar aqui mais vezes, viu? –despediu- se , com um pouco do seu antigo humor.
- Tchau, amora!
- Hm, ... Sabe, eu sinto sua falta. –Ela disse constrangida.
- Eu também, . Muita saudade.
- Eu não queria ter te abandonado ontem. Era pra gente ter ficado juntas!
- Eu concordo com você –Olhei para trás a fim de buscar apoio do , mas ele não estava mais lá.
- , nunca mais vamos deixar isso acontecer ta bem? –Ela falou, bem séria –Era o aniversário de 17 anos da Kate! Ela com certeza não planejou que nós ficássemos trancadas em nossos respectivos quartos. –Ela tinha razão. Eu sabia disso.
- Tudo bem, ... Eu... Você está certa, claro. Ela queria que fizéssemos uma grande festa. A nossa festa. E eu, hm, é que... ãaahn –Perdi as palavras no meio do caminho. viu minha hesitação e eu não sei o que deu nela, pois me olhou ternamente e me abraçou forte. Acho que acabamos fazendo as pazes ali mesmo. Três meses separou a gente, uma briga idiota separou a gente. Ela sentia minha falta tanto quanto eu sentia a dela. Quando nos soltamos, tinha voltado e nos olhava com orgulho e muita confusão no olhar e deu uns tapinhas amorosos nos ombros dele murmurando “É uma longa história, amor”. Ele fez uma cara de indiferença e se voltou para mim.
- Tchau, ! –ele me dirigiu um sorriso e eu o devolvi. Já estava indo embora, quando me lembrei de uma coisa que não tinha lhe falado naquele dia.
- Ainda é pra você, ! –Gritei da calçada. deu um sorriso brincalhão e entrou dentro da casa e simplesmente bufou para mim. Me afastei da mansão ainda rindo.
E eu seria capaz de jurar que senti seu olhar nas minhas costas até finalmente virar a esquina.



Capítulo 8


’s POV
Ela estava rindo para mim. Seu longo cabelo enfeitado com tranças estava balançando por causa da brisa do lugar. Seus olhos traçados com um delineador preto brilhavam como duas pequenas ametistas verdes azuladas. Seu vestido branco subia, ameaçando mostrar suas pernas a qualquer momento. Seu riso... seu riso era diferente do seu riso normal. Era o riso de uma deusa.
Completamente enfeitiçado pela magia que aquela garota tinha sobre mim, nem sabia onde estávamos.
Uma campina de flores.
No fundo, se via uma cachoeira e ao lado um pouco mais adiante, nas sombras das copas de grandes árvores, era possível ver uma caverna.
Voltei meus olhos para a garota perfeita à minha frente. Ela estava vindo ao meu encontro. Me adiantei, fui ao encontro dela também. Só agora percebi que estava descalço e enquanto andava, sentia a relva sob meus pés. Paramos um em frente ao outro e ambos sorrimos. Ela se inclinou um pouco na minha direção graciosamente e eu sabia o que ela queria. Inclinei-me na direção contrária, puxando-a pela cintura, entrelaçando meus dedos em seus cabelos, unindo nossos corpos. Fechei os olhos. Sua boca macia encostou na minha e nesse momento percebi que estávamos nus. Nossa nudeza não representava luxúria, representava a pureza. Nossos corpos se entrosavam como um só enquanto nos beijávamos, e eu de repente queria mais. Ela mordeu meu lábios e eu suspirei baixinho. Ela começou a dar várias mordiscadas pela minha bochecha, orelha, até voltar novamente para minha boca. Ela estava me deixando louco, estava fazendo eu quase arrancar os cabelos de sua cabeça. Eu queria mais mais e mais... A garota continuou mordendo meus lábios, cada vez mais forte e chegou um momento que o ato não era mais gentil nem provocante, era puramente agressivo. Senti um líquido metálico e salgado na minha língua, que escorria livremente por todo meu pescoço.
Abri os olhos.
O lugar que antes parecia um paraiso, agora estava mais para cemitério. A cachoeira, a caverna e a floresta continuavam lá, mas o céu já não estava lá, o que dava para o lugar uma sensação de abandono, um cenário fantasmórgico. Escultei um rosnado e me virei para a garota à minha frente.
olhava para mim furiosamente. Ela havia se transformado. Seus lábios que antes estavam grudados ao meu, pingavam sangue. O meu sangue. Seus cabelos se desmanchavam em um intrincado de nós desarrumados. Seus lindos olhos estavam borrados, marcados pelo delineador preto que a deixava com uma aparência medonha. Ela estava vestida de novo, porem o vestido branco estava rasgado, deixando à mostra a pele branca de sua barriga e sua coxa. Sua risada era desdenhosa, e estava alterada. Eu fiquei com medo dela e me afastei. Ela riu novamente. De repente eu descobri por que seu riso parecia tão errado. Ela estava com a voz da .
, você está bem? Por que você sempre pensa na minha amiga? Não sou o suficiente para você?”
Eu tentei dizer alguma coisa, mas agora ela tirava uma faca de dentro da barriga. Ela empunhou o objeto em minha direção.
“O gato comeu tua língua ? Você é um idiota! Eu tenho nojo de você”
Ela continuou vindo na minha direção com aquela faca e eu continuei me afastando. Suas palavras me feriam com mais ferocidade do que se ela tivesse realmente me cortado, tenho certeza. Olhei para ela. Sua boca ainda estava repleta de sangue, que escorria pelo seu pescoço e pingava no vestido branco.
Cheguei no fim da campina. Tinha duas opções. Ou entrava na caverna e tentava achar uma saída por dentro da floresta ou me jogava na cachoeira e corria o risco de morte. Ela ainda me desafiava com o olhar, um sorriso frio e tristemente cruel em seus lábios ensanguentados. Olhei para a caverna, onde ela provavelmente pensava que eu iria. Depois olhei para a cachoeira e sem pensar duas vezes, para a surpresa dela, me joguei.
Me matei.
A última coisa que me lembro de pensar nesse sonho, foi que preferi me matar do que ser morto pelo rosto da garota que eu subconscientemente amava.

Acordei completamente ensopado. Como reflexo, levei as mãos direto para os lábios. Inteiros. O líquido que escorria no meu pescoço era suor, e não sangue.
- , você está bem? –Perguntou , sonolenta. Eu dei um pulo da cama e ela caiu para fora. Havia me esquecido que estávamos na mesma cama. Ela tinha perguntado quase exatamente a mesma coisa que a naquele pesadelo. – Caramba. , o que aconteceu com você hein? –E reclamando, ela se levantou do chão sem perguntar por que eu estava suado daquele jeito, deitou na cama novamente e dormiu.
Olhei para o relógio. 2:47 A.M. Estava suado demais para conseguir dormir de novo, por isso decidi tomar um banho e tirar essa roupa. Assim que sai do banheiro para ir dormir, vi que havia ocupado todo espaço de sua enorme cama de casal. Ela literalmente estava dormindo em diagonal.
Mas olha só que ironia. Eu estava na cama com , sonhando que estava dando uns amassos na melhor amiga dela. Fiquei com pena de acordá-la e ainda estava me sentindo culpado pelo sonho que eu tive, então me limitei a ir até onde ela estava e depositar um beijo carinhoso em sua testa. Em seguida voltei para o meu quarto.
Deitei em minha cama, ainda perturbado. Por mais que eu tentasse, as imagens que eu tanto queria evitar não paravam de passar pela minha cabeça. Fiquei lutando contra elas por um bom tempo, até que o cansaço venceu a consciência e eu finalmente dormi.
Aquele foi o primeiro sonho que eu tive com .

Despertei com as imagens do sonho quase desaparecendo, para o meu alivio. Mas ainda lembrava do que eu sentia por aquela garota. É diferente do que eu sinto por ela na vida real, porém o do meu subconsciente parecia venerá-la.
Sexta- feira. Finalmente.
Me arrumei para ir para a escola rapidamente e desci para tomar café. Os pais de Ninha tinham viajado a negócio na noite anteiror. estava sentada na mesa mexendo no celular. Parecia anormalmente feliz, se levar em consideração os acontecimentos recentes.
- Bom dia, florees! – Saudou, assim que me viu.
- Bom dia, amor. Que felicidade é essa?
- Era para ser surpresa, mas eu vou precisar de ajuda. –Ela me olhou daquele jeitinho pidão. Eu quase cai na dela.
- Aaaaaaah da última vez que disse isso, eu caí da escada e fiquei uma semana de tala nos pulsos. E era a mão ESQUERDA. –É, acredite ou não, cai da escada quando fui pegar um ursinho de pelúcia que queria dar para a priminha dela. E eu sou canhoto. Fiquei uma droga de semana de boas, sem fazer nada, nadica de nada. Nunca me senti tão entediado.
- Eu avisei a você que tinha um buraquinho no chão e que era pra você ter mais cuidado!
- Ah, claro! –Resmunguei sarcástico. - Você me falou isso quando eu já estava no chão!
- Mas eu pedi desculpas e você desculpou!
- Claro que desculpei, não foi culpa sua. Foi culpa da sua priminha que chorou por causa daquele bicho velho.
- Não ponha a culpa na Vera!
- Ah foi para ela que você deu? –E o que parecia ser o início de mais uma discução, às 07:00 da manhã, acabou virando uma piada. tinha uma prima chamada Vera, e é muito engraçado quando a tia Rô (é assim que eu chamo a mãe de ) fala “Filha, vai dar não sei o que para a prima Vera”. Não é a melhor piada do universo, mas é uma de nossas piadas internas. E essa piadinha que vocês provavelmente estão achando idiota, acabou de salvar nosso relacionamento.
Se tivéssemos de fato brigado, ela iria virar a cara para mim o dia todo e contar o segredinho para o . Então, eu ficaria muito puto quando descobrisse, brigaríamos ainda mais e depois põe mais três dias ignorando um ao outro. Mas ela iria continuar com o , eu ia ficar MUITO mais bravo ainda e quando você menos espera... PUF. Namoro vai pro espaço. Por que e eu estávamos a um passo de terminarmos. Brigávamos por tudo, tudo mesmo. Mas eu acreditava na gente. Ainda acredito em nós. E eu não poderia desistir dela, não agora.
Eu a amo.
E faria qualquer coisa por ela. Então virei para ela e perguntei:
- O que quer que eu faça? –Ela sorriu triunfante e beijou as minhas bochechas.
- Eu quero que você... –Se aproximou do meu ouvido e sussurrou. – Me ajude a dar uma festa.
- A festa? –Perguntei abobado. assentiu e me passou uma folha amassada e velha.
- Nós fizemos isso há três anos. A festa tem que ser exatamente como está descrita. –Analisei o papel. A caligrafia era meia apagada, mas eu consegui ler.


- Bexigas azuis
- Bolo de chocolate
- BRIGADEIROOOOOO
- Hm, pensando bem, MUITO MUITO MUITO brigadeiro.
- Algodão doce
- Patê de atum
- Decoração azul (porque é a cor do amor)
- Nx zero (são tops)
- <3 <3 <3

- Divina Espinosa
- Festa
- Música do Queen/Avril
- fantasiada de coelho
- Kate vai ter que beber coca
- Bexiga e decoração rosa
- Retrospectiva (quero a foto da estirada no meio do quintal de bunda pra cima, quando caiu da casa da árvore.)
- BEIJINHOOOOOO
- Churrasco

Kate Gata Da Festa
- TUDO ROXOOO
- Pirulito roxo
- Balas roxas
- Bexigas roxas
- vai usar uma orelha de coelho (pra combinar com os dentes)
- vai se fantasiar de Ervilha.
- Músicas do Cine haha
- Todas as líderes são convidadas menos a Anastácia Q
- Jhonny Depp <3

Terminei de ler com um sorriso no rosto e me perguntei se estava bem vendo aquele pedaço de papel. Eu a ajudaria sim a fazer essa festa.
- Eu vou ajudar. –ela fez uma cara feliz, mas eu a interrompi –Mas temos um problema.
- Ah... qual? –perguntou visivelmente mais chateada.
- Vai ser meio difícil trazer Jhonny Depp para essa festa, não acha? –Ela riu do meu comentário e depois começamos a conversar animadamente pelo resto da manhã. Íamos direto (script>document.write(Lorh) agora pegava carona com ), então teria sido uma conversa animada pelo resto do dia também, mas assim que chegamos na escola, me abandonou como sempre e eu fiquei sozinho. Até a terceira aula pelo menos. Depois do intervalo, encontrei na sala de sociologia e fiquei um pouquinho mais animado.
- Oi ! –Cumprimentei, já que não havia falado com ela mais cedo, sentando na cadeira em frente à sua.
- script>document.write(Lorhayne), . E olá. –Ela me corrigiu, com um sorriso anormal para ela. nunca sorria antes do meio dia.
- Tudo certo? –Perguntei. Ela tinha uma expressão... Quase que apaixonada.
- Aaah... claro que sim. Tudo otimamente ótimo! – me respondeu, levantando os braços. Esse ato a fez esbarrar a mão na mesa e ela deixou a borracha cair no chão. Quando foi se levantar para pegar a borracha caída, bateu o cotovelo no estojo aberto, que caiu também. Ela tinha cerca de quinhentas canetas espalhadas pelo nada limpo chão, então eu fui ajudá- la.
- Alguém está muito desastrada ultimamente –ri, quando nos levantamos.
- Ãhn, não é nada! –Respondeu, corando. Opa. É alguma coisa sim.
- Argh, qual é? Tá estampado na sua testa feito pisca- pisca! –Tentei persuadi-la, mesmo que na verdade não estivesse tão na cara assim. Parece que deu certo.
- Sério? Pareço tão animadinha assim? Que vergonha! Ai, jura que não conta pra ninguém? –Ela tagarelou de olhos arregalados, parecendo extremamente assustada, como se tivesse acreditado que eu realmente soubesse o que estava acontecendo. Quando se acalmou um pouco e olhou para mim, que obviamente estava com cara de confuso, deu um sorriso aliviado e triunfante. –Aaah, então você não tá sabendo? Ótimo.
- Sabendo de quê? Aaah me conta, !! –Confesso que estava parecendo uma garotinha querendo saber se minha melhor amiga tinha beijado ou não o capitão do time de basquete no baile.
- Ok, me encontrei com na rua ontem. Nós conversamos como sempre, mas ele disse que realmente sente minha falta e que a gente precisava sair e tals. E hoje ele me mandou uma mensagem, e nós vamos ao cinema mais tarde e depois vamos... Aah desculpe, falei demais e... Aaaah desculpa, , é sério! – Ela estava se desculpando por falar? Na verdade acho que ela estava tentando me acordar do meu transe. Eu havia empacado na primeira frase que ela disse “Me encontrei com na rua ontem” E eu estava em transe por que não era isso que eu queria ouvir, percebi. Não queria saber que aquela expressão apaixonada de não era por minha causa. Não queria nem saber para quem era. E com certeza não queria me sentir culpado por estar sentindo ciúmes, porque eu estava.
Ela ainda estava me chamando, e eu estava cada vez mais confuso. Onde está a simplicidade das coisas? Por que eu fico pensando nela? Por que fico cada vez mais ludibriado por causa desse sorriso sarcástico, desse jeito agressivo que ela usa para esconder a meiguice, desses lindos olhos verdes azulados, dessa boca tão beijável...? Por que ela não podia ser como as outras garotas? Ou por que as outras garotas não podiam ser como ela?
Isso estava errado. Esses pensamentos estavam todos errados. Ela apareceu na hora errada e mexeu com a pessoa errada. Não estamos destinados. Nunca estivemos. Acho que foi por isso que eu disse totalmente sem pensar:
- Eu amo a .
- Hm, eu sei? –Ela respondeu totalmente confusa.
- Mas é só ela que eu amo. Somente ela. –Eu continuava dizendo debilmente. Ela me olhava quase que com pena, e isso fez meu coração disparar. Ela ia dizer mais alguma coisa, mas o professor chegou e eu me virei para frente, interrompendo ela com meu gesto quase rude. Senti se arrumar na cadeira atrás de mim e se curvar um pouco para frente. Senti sua respiração no meu pescoço. E senti suas palavras causarem mais confusão do que já haviam causado até agora.
- Então talvez seja por isso que não enxerga algo que está diante do seu nariz. – Completou a sentença, com uma certa raiva na voz. Eu ia rebater, mas uma mensagem inesperada invadiu a tela do meu iPhone.
- Amanhã é sábado, não está a fim de sair? Haha Austin está louco para te ver. Venha nos visitar. Xoxo Hannah
Essa mensagem me animou um pouquinho, não tinha nada para fazer mesmo. Durante o resto do dia tentei esquecer o que disse.
E eu juro que nunca quis descobrir o que aquela frase significava. Mas, claro, o destino tinha outros planos para mim.

’s POV
Cheguei no shopping já exausta. Combinei de me encontrar com na frente da Adidas, e ele já estava quinze minutos atrasado. Ficava olhando para a porta da loja que dava para o estacionamento, depois olhava o movimento do boliche, depois para fila do cinema, até finalmente voltar meu olhar para a porta. Mas quando eu olhei para a porta pela quinquagésima vez esperando que ele aparecesse magicamente, ele estava ali. E estava lindo, como sempre. Com seus cabelos castanhos casualmente bagunçados, os olhos mais lindos que eu já vi, o corpo atlético e as peças de roupa que ele vestia, calça jeans, jaqueta preta e vans brancos, eu poderia o resumir em uma palavra: perfeito. Olhá-lo todo produzido fez eu me sentir uma mendiga. Eu estava vestida com simplicidade para alguém da minha classe: calça jeans, uma blusa rendada em creme com uma jaqueta florida por cima, e uma melissa linda de salto rosa nos pés.
Fiquei de pé, mas ele não me viu, então fui até ele.
- ! –Disse, tocando em seu braço esquerdo.
- Ah, você está linda! Oi, ! –Me cumprimentou dando uma bochechada no rosto enquanto eu corava com o elogio.
- E então, que filme vai ser? –Perguntei enquanto começamos a andar em direção a bilheteria.
- Hm, quer ver Depois da Terra? –Respondeu. Eu fiz que sim com a cabeça, até mesmo por que eu realmente queria ver esse filme. Eu amava os filmes que o Will Smitch contracenava com o filho dele. Compramos os ingressos e como faltava vinte minutos para começar, ele decidiu comprar um tênis novo. Eu concordei, estava mesmo precisando de um. Voltamos para a loja da Adidas, dessa vez entrando de verdade na loja, e nos divertimos muito escolhendo os tênis mais zoados para o outro. Ele chegou a me oferecer um Nike amarelo mostarda cheio de gliter. Um horror.
- Olha, esse aqui é super sua cara! –Eu falei, apontando para um tênis de mola rosa, cheio de flores nas laterais. Para fazer graça, pegou o tênis que eu apontei e tentou calçá- lo. Não serviu, claro.
- Oh! Puxa, fiquei uma diva! –Ele disse de um jeito afetado, enquanto caminhava parecendo uma girafa no cio. Quando eu perguntei que andada era aquela, ele disse que estava me imitando. Confesso que fiquei ofendida, mas achei a piada engraçada.
- Veja esse! Compra. Você tem que comprar. –Insistiu todo sério, jogando um tênis preto e sem graça que devia ser número 50 na minha direção.
- Eu não vou comprar isso. –Falei séria, como se a brincadeira na verdade fosse uma coisa séria.
- Vai sim. Se você não comprar, eu compro –E como eu não respondi e ele é podre de rico, comprou esse tênis horrível, e ainda por cima fez questão de embrulhar para presente ao me dar. Não tinha como não rir. Eu escolhi um tênis de corrida rosa simples, mas bem confortável.
Saímos da loja correndo em direção ao cinema. O filme foi bem emocionante e eu chorei no final. Acima de tudo, eu percebi que não colocou os braços ao redor dos meus ombros e nem tentou segurar minha mão uma única vez. Droga. Ele está mais maduro do que eu pensei. Quando o filme acabou, fiquei reclamando do peso que ele estava me fazendo carregar, até que ele pegou o embrulho e disse que eu era muito ingrata.
- Quero saber o que vou fazer com isso! –Resmunguei apontando para o embrulho, enquanto saíamos do cinema e íamos para fora do shopping. Ele me deu aquele sorrisinho que eu tanto adorava.
- Guardar de recordação. Quando você for velhinha e seus netos acharem esse tênis gigante, feio e empoeirado e perguntar o que é isso, você vai dizer que foi um menino idiota que comprou para te zoar. E você vai lembrar de tudo o que aconteceu hoje. Principalmente disso.
Então, ele me beijou.
Eu sabia que isso ia acontecer, era inevitável. Acho que fiquei tão surpresa que só percebi não corresponder quando ele parou, visivelmente chateado.
- Hm, fiz algo muito errado. –concluiu, se afastando com o sorriso metidinho constrangido. Eu dei um risinho fofo.
- Ou algo muito certo. –Eu disse, me aproximando dele de novo e unindo nossas bocas. Segurei em seu pescoço e ele me puxou pela cintura. Acariava seus cabelos o deixando bagunçados e ele unia nossos corpos, me puxando para cada vez mais perto como se quisesse que nós fossemos apenas um. Não era nada erótico demais uma cena dessas no meio do shopping mas, quando nos soltamos, eu sorri meia envergonhada. Ele sorriu de volta e segurou minha mão.
- Não somos nada românticos, né? –Perguntou, me oferecendo o embrulho de novo.
- Se levar em conta que você me deu um par de tênis horríveis ao invés de um buquê de flores, pode-se dizer que não. –Ele riu. –Mas flores são clichês demais. Eu gostei mais disso. –Falei convencida, olhando para o embrulho e sorrindo.
- Meu lema de vida é: Diga não ao clichê. –Falou, fazendo pose de sábio.
- Você me trouxe ao cinema para uma possível reconciliação. Essa é a coisa mais clichê do mundo. –Rebati, dando risadinha. Ele pareceu pensar um pouco.
- Meu outro lema de vida é: Os clichês podem ser usados quando uma garota bonita estiver envolvida. –Falou do mesmo jeito que havia dito o lema anterior.
- E qual seria o próximo clichê a ser usado? Me pagar um sorvete? –Perguntei, fingindo confusão.
- Não, o próximo clichê seria: No meu quarto ou no seu? –Ele disse tão sério, que eu achei que ele não estava brincando. Devo ter feito uma cara espantada maravilhosa, por que ele desatou a rir. –Você acredita em tudo! Aceita um sorvete, ó, bela dama? –Perguntou, fazendo um teatro engraçadinho.
- Se você prometer não pagar um de pistache só para me zoar, eu aceito sim. –Ele me olhou com aquela cara de mal, mas felizmente escolheu um de chocolate que eu adorava.
E assim foi meu resto de tarde. Eu sabia que isso era impossível, mas parecia que e eu nunca estivemos separados. Quando ele me deixou em casa às 18:00, pediu para eu estar pronta exatamente às 9:30 do dia seguinte. Eu perguntei onde ele me levaria e ele disse que era surpresa. Bom, mal não ia fazer.
Quanto tempo leva para se apaixonar mesmo? Foi a pergunta que não saia da minha cabeça, bem mais tarde. Mas bastou apenas eu fechar os olhos e dormir para perceber que, mesmo sem querer, eu já estava apaixonada há muito tempo. E essa pessoa não se chamava .

Acordei cedo na manhã seguinte. Tipo, umas oito e vinte. Não queria me atrasar para nada e já fui me arrumar. Queria estar mais produzida que no dia anterior, mas descobri tristemente que a blusa que eu queria usar estava com a . Bom, ainda tinha tempo. Coloquei qualquer roupa e fui correndo em direção a mansão dos Espinosa’s.
Toquei a campainha e um mal humorado atendeu a porta.
- Oi, . - Disse apenas, se virando e me deixando confusa com seu humor. Onde estava o Empolgado Feliz ? Que estranho.
- Olá, . Ei, o que houve? - Ele deu uma risadinha estranha, um tipo de risada que estava gritando não pertencer a ele.
- Oh, o que foi que houve? - Repetiu, sarcástico.
- Sim, o que foi que houve. Não tenho sutiã mágico pra saber de tudo. –Falei, um pouco nervosa. Sua expressão se suavizou um pouco.
- me disse que estava a um passo de ser reprovado e foi na casa dele ajudá- lo com a matéria. Você sabe como ela adora ajudar as pessoas. Disse que iria chegar em torno das sete da noite, mas quando deu umas dez horas ela me disse que iria chegar mais tarde. - Resumiu. E eu ainda não tinha entendido o motivo do seu mau humor.
- O que houve? - Repeti.
- Você mesma me disse o que houve. Só que eu sou burro e não percebi "algo que estava diante do meu nariz". Tem certeza que não sabe? - Perguntou, com uma calma controlada. Eu sabia que aquela frase eu mesma tinha dito a ele, ontem.
- Não? - Arrisquei. Não era a resposta certa. me arrastou pelas escadas e virou o corredor até o quarto de , e tinha uma certa brutalidade no gesto. O quarto estava impecavelmente arrumado. Tudo estava em seu devido lugar exceto, é claro, que a própria não estava em casa.
- , o que foi?
- Ela não voltou para casa, . passou a noite fora e não voltou até agora. Passou a noite na casa dele. - Concluiu com um semblante dolorido.
- O quê? - Foi a única coisa que meu cérebro brilhante transmitiu para minha boca.



Capítulo 9


’s POV
Flashback on
08/06/2013

"O número que você ligou está fora de área ou desligado. Por favor, deixe sua mensagem após o sinal"
Eu fiquei com raiva. Já eram quase dez da noite, não recebia noticias de desde as três da tarde e estava começando a cogitar a ideia de ir atrás dela. Assim que pensei nisso, recebi uma mensagem.
"Houve um imprevisto e eu vou chegar mais tarde em casa. Não precisa se preocupar, . Eu já avisei minha mãe. Xx "
Não disse que horas voltaria nem nada, então resolvi dormir um pouco. Acordei 04:00 da manhã e vi que ela não havia chegado. Sua cama estava gelada e tudo estava absolutamente o mesmo jeito que estava antes de eu dormir, indicando que nenhum ser humano havia estado por lá. Tentei ligar de novo, mas caiu na caixa postal de novo.
Simplesmente desisti. Fui até meu quarto, fechei a porta e decidi que tentaria falar com ela de manhã. Era óbvio até para mim que ela não voltaria tão cedo.
Quando acordei, tentei ligar para mais umas vinte vezes, sem sucesso. Então, uns dez minutos depois, a campainha tocou e eu me senti um pouco esperançoso. Confesso que eu fiquei um pouco chateado quando vi que era , e não .
Flashback on
- O que? – Ela me disse com certa indignação, quando lhe contei o ocorrido.
- Pois é. E você me disse que ela não estava tendo nenhum ca... – me interrompeu rindo. Gargalhando, na verdade. Eu acho que já mencionei que ela é um tipo de garota que não ri antes do meio dia, então você pode imaginar minha confusão.
- , a não está tendo um caso. Que coisa. Você precisa relaxar! – Ela disse, depois de ter se recuperado um pouco. –Vai dar uma volta, sei lá!
- Boa ideia! Vou sair e deixar minha namorada na casa de outro cara! Nossa, como eu não pensei nisso antes? –Falei em um misto de raiva e sarcasmo, e a feição de denunciava que ela tinha ficado chateada com minha frase estúpida. Suspirei e quando olhei nos olhos de Lorh, senti alguma coisa aquecer meu coração. Esse sentimento me fez lembrar algo que minha mãe tinha me falado há muito tempo atrás. Tinha que ser agora. –Olha, lembra-se da loira da livraria?
- Aaaah.... - Hesitou, meio que tentando se lembrar da “loira gostosona”. Acho que conseguiu. – Lembro!
- Ela me chamou para ir visita-la. Bom, visitar o irmão dela, na verdade. Austin. Nós éramos melhores amigos. – Eu disse mais calmo. Eu ia levar comigo, era para ser um programa nosso.
- Ótimo! Pois vá! – Ela me encorajou. Mas eu não podia ir sozinho. Além disso, é especial, certo? Ela é minha amiga.
- Hmm, não estava em meus planos ir sozinho... Você quer ir comigo, ? – Fiz minha melhor cara de anjo.
- Ãaaaahn... – Ela hesitou um pouco e pela sua expressão, eu podia jurar que ela tinha outro compromisso em mente. Me preparei para ser rejeitado, embora isso fosse importante para mim.
– Seria ótimo, . E meu nome é . – Concluiu, piscando.

Eu peguei a chave que estava na mesinha de centro da sala e fomos até a garagem. era uma boa companhia, eu adorava ela. Mas parecia que às vezes, ela mesma não se adorava. Queria muito que ela tivesse um garoto legal para apoiá-la, admirá-la, amá-la. Tinha certa tristeza em seu olhar, mas nada que o tempo não curasse. Eu achava que ela era uma garota radiante. E quando ela olhou em meus olhos e sorriu seu sorriso mais sincero, foi praticamente impossível não sorrir de volta.
-Começa você!
-Ah, começa você! Não faço a menor ideia do que te perguntar! – Retrucou , revirando os olhos. Senti-me derrotado. Decidimos brincar do Jogo Da Verdade enquanto estávamos indo para casa de Austin. Perguntei a coisa que eu mais queria saber.
-Ok, o que você foi fazer lá em casa as 08h30min da manhã? – Ela parecia estar esperando por essa pergunta, então respondeu rapidamente:
- Fui buscar uma roupa minha que ficou com a . – Eu percebi que se essa resposta não estava editada, certamente não era a verdade inteira. Eu ia protestar, mas ela percebeu. –Por que você não gostou de mim quando nos conhecemos? – Outch. Me pegou. Tive que pensar um pouco antes de responder.
- Eu nunca disse que não gostava de você. Eu só tava cansado naquele dia e te dei uma impressão ruim, só isso. Quem pareceu não gostar de mim foi você. Quando vou poder te chamar de “"? – Perguntei, levemente interessado.
- Essa é sua pergunta? – Perguntou erguendo as sobrancelhas.
- Não. – Disse, prontamente. – Com quem você deveria estar agora? – Ela, de novo, não pareceu surpresa.
- Hm, com . – Respondeu, mordendo os lábios. Como se tivesse fazendo algo muito errado. Eu dei uma risadinha. - Por que cisma tanto com a ?
- Eu não cismo! Ela que me dá motivo para eu ficar preocupado. – Eu fiquei um pouco nervoso. Ela tinha que se pôr no meu lugar! Não sabia mais o que perguntar, então decidi perguntar algo que queria perguntar a muito tempo. – Por que você tanto vai ao médico? – Desde que a brincadeira tinha começado, essa foi a única vez que demonstrou medo.
- Como assim?
- Acha que eu não percebi? Eu via você saindo em semanas alternadas, exatamente na mesma hora nos meses que a gente ficou sem se falar. Percebi que tinha sido isso que você disse na segunda-feira que nos reunimos para fazer o trabalho. E então, uma segunda sim uma não, você sempre sai no mesmo horário e volta no mesmo horário. Eu perguntei para , mas ela me disse que era assunto seu e que cabia a você me contar. Então eu estou perguntando. , o que você tem? – Ela me olhou verdadeiramente assustada e virou o rosto para o outro lado. Mas pelo reflexo do vidro eu vi que ela estava chorando. Ela tentou enxugar de um jeito casual, e teria dado certo, se um soluço não tivesse a denunciado.
- Estou doente. – Foi tudo o que ela disse.
- E isso tem cura? – Perguntei, cada vez mais interessado. Ela voltou seu olhar para mim e me deu um sorriso muito, mas muito triste e balançou de leve a cabeça, negando. Eu fiquei muito mais curioso. – Mas o que vai acontecer com você? –Tinha certo tom de pânico na minha voz. Ela percebeu e colocou as mãos no meu rosto, tentando me acalmar.
- Eu não quero falar sobre isso agora, está bem? O único jeito de fugir disso, é não falando disso, então só tenha em mente que eu estou doente, por enquanto. – Ela concluiu gentilmente, passando os dedos pela minha face. A essa altura, eu já tinha estacionado na frente do condomínio de Austin. Nossos rostos estavam muito próximos e eu senti aquela confusão voltando para mim. É só ter perto de mim, que eu já me sinto assim, tão desesperado para beijá-la? Isso é politicamente correto? Não. Não é. Segurei a mão que ela usava para acariciar meu rosto e a afaguei. Olhei no fundo dos seus olhos. O que eu sentia por ? Seria uma amizade fraterna? Ou algo mais? Eu não sabia. Só sabia que não era isso que eu sentia por . Nunca me senti assim com ninguém. Esse desejo, esse amor, essa simpatia, compaixão, futuro, esperança, tudo de uma vez só.

Aproximei-me mais. Ela me lançou um olhar de alerta, mas não se afastou. Tomei isso como um sinal de que ela queria. Ela também estava confusa. Ela também sentia. não se afastou de mim, por que esse sentimento, essa confusão era recíproca. Tudo que eu sentia, também estava sentindo. Não sei por que, mas me senti aliviado ao pensar nisso. Segurei seu queixo, erguendo sua cabeça e ela não me impediu. Ela se aproximou mais um pouco, meio que me testando para saber se era isso que eu queria. Eu sorri, mas ela continuou séria. Nossos lábios estavam a milímetros de distância quando a pior música do mundo começou a tocar. Aquela música de veado, só podia ser a ligando. Nunca odiei tanto aquela música.

- Acho melhor você atender. –Disse , muito corada abrindo a porta do carro, batendo com uma força maior que a necessária ao descer, e indo se sentar em um banquinho que estava na calçada. Observei ela pegar o celular e ligar para alguém, mas logo a voz preocupada de reinou meus ouvidos e minha atenção. - Mil desculpas, , minha bateria acabou, o estava sem créditos e eu não sabia seu número de cor! Acabei de chegar! – Começou.
- Hm, tá tudo bem. – Respondi, mesmo não estando.
- Onde você tá?
- Eu sai com a . Vim para casa de um amigo meu.
- Ah. Austin. Quando sair me liga!
- Ok.
- Te amo, tchau. – Disse ela, finalizando a ligação.
- Tchau. – Eu respondi pra eu mesmo ao escutar o “tu tu tu” irritante do celular.

Olhei de relance para . Ela não parecia nada bem. Estava com uma expressão super infeliz. Uma expressão culpada. Levantei-me do banco, fechei a porta do carro e o tranquei. Em seguida, fui até onde ela estava.
- Não diga nada. – pediu de cabeça baixa, com um que de imploração na voz, antes mesmo de eu chegar em seu campo de visão. – Isso nunca aconteceu. Eu gosto muito de você, , mas é como um amigo. Só isso. – Olhou em meus olhos, e eu vi o brilho que as cores azuis e verdes refletiam nele. Seus olhos brilhavam tanto que vi meu próprio reflexo.
- Se é isso que você quer. – Dei de ombros. Estava um clima meio tenso, e eu sabia que nada que eu fizesse voltaria ao clima descontraído de antes. Pelo menos não hoje. Acho que pensou a mesma coisa, por que começou a rir. Era tão engraçado seu jeito simples de quebrar a tensão que eu comecei a rir junto com ela, mesmo sem saber o motivo.
- Vai, vamos logo fazer o que viemos fazer aqui. - Disse pra mim. Concordei com a cabeça e fomos nos identificar na portaria. O porteiro deu uns trinta telefonemas diferentes, mas por fim nos deixou entrar dando várias recomendações. O condomínio era um labirinto na opinião dele. Devo dizer que ele ficou bem mais simpático ao descobrir que nós éramos visitantes do Sr. McMullen. Voltamos a entrar no carro, seguindo as instruções do porteiro e em poucos minutos, alcançamos nosso destino. Eu nem me surpreendi com o tamanho da casa. Nem me surpreendi com a casa em si. Mas vê-la assim, tão de perto, doía. Eu queria que minha mãe estivesse ali comigo. ficou maravilhada.
- Olha aquela fonte! Meu Deus, que linda! E as janelas de vidro! Tá vendo aquela vidraça? Aquela ali nos fundos? A luz deve bater ali e refletir pela casa toda! E. Aqueles. Balanços? Quero beijar o arquiteto que planejou isso, sério! Nossa, que charme e... Oh, puta merda! Para tudo! , observa com cuidado essa porta. Isso ai que você está olhando é Pau-Brasil! Sabe, aquela madeira super cara e, putaquepariu, maravilhosa devo dizer... Sempre quis passar a mão nisso... - Ela foi com o maior cuidado do mundo para acariciar um pedaço de madeira e eu só pude ficar olhando para ela com a maior cara de paisagem. Nunca a vi falar tão rápido e tão empolgadamente. Ela passou a mão na porta e sorriu. Depois disso olhou para mim e viu minha cara que, no mínimo, devia estar questionando a sua sanidade. Ela corou. - Ah, desculpe. Empolguei-me. Quero ser arquiteta sabe... - Chutou umas pedrinhas no chão. Eu só pude sorrir. Se ela soubesse quem era a arquiteta que planejou aquilo...

- E você vai ser uma. Das grandes - Ela sorriu para mim, aquele mesmo sorriso triste e eu apertei a campainha.
- Não acho que eu vá para faculdade... - Murmurou baixinho.
-O que você quer dizer com isso? - Perguntei a ela. Ela abriu a boca para dar uma resposta e Hannah atendeu a porta.
- !
- Oi, Hannah! Trouxe uma acompanhante, se você não se importar! - Falei, me recompondo. Mas eu não ia esquecer isso tão fácil. Sabia que tinha alguma coisa a ver com a tal doença.
- Não, claro que não! -Disse Hannah, feliz.
- Essa é . - Apresentei, apontando para .
- Olá, ! - Falou Hannah, estendendo a mão. estava em sua posição de defesa, não confiando muito na pessoa que estava a sua frente. Mas assim que viu o sorriso sincero de Hannah, se apressou em segurar a mão que Hannah estendia.
-Me chame de , Hannah. - Olhei para ela com a maior cara de indignação. Senti-me totalmente traído. começou a rir e eu não pude deixar de rir junto. Hannah ficou com a maior cara de "tô boiando".
-É uma longa história, Hannah. - Eu disse.
-Envolvendo certas pessoas e suas primeiras impressões! - Completou , com uma piscadela.
-Ah. sim. Então vamos para o quintal. Lá é bem mais confortável e vou pe...
- - Falou uma voz agradavelmente conhecida. Não me ousava a acreditar. Olhei para a escada na busca da voz. Ele estava do mesmo jeito que eu me lembrava. O mesmo estilo de badboy, com as roupas pretas e o cabelo bagunçado. A única diferença era que agora ele usava terno e gravata e não calça jeans e moletom como costumava fazer antes. Se ele soubesse que estava fazendo uns 25 graus lá fora, talvez fosse colocar um shorts.
-Austin McMullen. - Respondi no mesmo tom. Nós andamos um em direção ao outro e demos um abraço. Fazia tanto tempo. Austin pareceu notar apenas quando desviou seu olhar do meu.
-E quem seria essa jovem? - Perguntou. - Sua namorada? -Eu e ela respondemos ao mesmo tempo:
-Não!
-Ãhn, minha namorada em questão, está em casa. Essa é minha amiga, . - Austin pegou a mão dela e deu um beijo. Me senti estranho. Quase que com ciúmes. E fiquei ainda pior quando retribuiu o sorriso, parecendo gostar disso.
-Me chame de , Austin. - Dessa vez não precisou olhar para mim para saber que eu tinha ficado indignado de novo. Acho que ela tinha até esquecido que eu estava lá.
-Bom, éer, , você quer ir comigo para o jardim enquanto as princesas conversam? - Perguntou Hannah, nem se importando pelo fato de ser interrompida, mas estando bem mais insegura por conta disso. deu um sorriso sincero.
-Claro! - E seguiu Hannah, sem nem olhar para trás.
- Bom... Quanto tempo. - Começou Austin.
- Pois é. - Respondi. - Você trabalha com seu pai?
-Aham. E você faz o que, mesmo?
-Ah, eu supervisionava uma linha de montagem. Mas dai você sabe né, minha mãe morreu, meu pai ficou malvado e tudo que eu mais queria era sair de lá. E há uns nove meses descobri que tinha uma família aceitando intercambistas, pedi permissão e vim.
- E agora está namorando a filha do casal que acolheu você? Golpe baixo, irmão! - Insinuou Austin, com a maior cara de safado.
-Ei, foi mais forte que eu! -Devolvi, sorrindo. Era estranho que, apesar do tempo, conversávamos como se nunca tivessem separado a gente. Nos sentamos no sofá e continuamos conversando por muito tempo, até que uma mulher seca de meia idade veio chamar "os senhores" para um almoço "ao ar livre". Acabamos indo e encontramos com as meninas na mesa, incluindo Carrie que eu ainda não tinha visto. Da última vez que nos vimos ela tinha oito anos, então não achei que fosse se lembrar de mim. Ela estava bonita, apesar de ainda ter treze, talvez catorze anos. As três tinham se dado muito bem, não paravam de dar risadinhas. Parecia que eram amigas há anos.
-Que isso, Sr. , fica pro almoço! - Disse a voz que eu presumi ser a do Sr. McMullen se aproximando.
-Ah, não sei não, acho que já vou indo, não quero ser inconveniente... - Ia se esquivando o tal de Sr. .
-Ah, seria uma honra! - Insistiu o Sr. McMullen. Os dois finalmente apareceram no jardim, onde tinha uma gigante mesa de mármore e um laguinho.
Percebi que tinha alguma coisa errada por três motivos:
Primeiro: parou de dar risada, arregalou o olho e engasgou com a Coca que estava tomando.
Segundo: O tal de Sr. também arregalou os olhos, parecendo mais apavorado que surpreso e parou de falar o que quer que fosse para o Sr. McMullen.
Terceiro: A palavra receosa, mas firme, cheia de suspeitas, raiva, medo, rejeição, saudade e amor que conseguiu dizer em alto e bom som em seguida:
-Pai?
Adoro dramas familiares.

’s POV

"É um pesadelo, e você vai acordar daqui a pouco. Relaxa".Mas não era. Ele estava lá, na minha frente, depois de todos esses anos sem nenhum único telefonema. Sem uma única carta. Sem um único adeus. Sem um último abraço de despedida.
Eu estava olhando diretamente para os olhos tão iguais aos meus do meu pai.
-Hm, oi, . - Disse, antes de olhar para os próprios pés. Precisei de muito auto controle para não gritar com ele. Em vez disso, simplesmente decidi sair dali.
-Sr. , essa jovem é sua filha? - Perguntou o pai de Hannah. Antes de aquele idiota que eu chamo de progenitor abrir a boca, eu respondi com um sorriso meigo e constrangido:
-Era. Eu era filha dele. Senhor, eu agradeço pela comida, mas eu tenho que ir. - Agradeci a ele educadamente e sai do jardim, sem nem olhar para trás. Não achei que fosse me acompanhar, mas ouvi:
-Aonde vai sozinha?
-Para casa. Olha, isso não é problema seu, você pode ficar ai. Eu não ligo, sei pegar um ônibus ou talvez um táxi, não importa. - Fui mais ríspida do que pretendia, mas no momento nem tava prestando muita atenção.
- Eu vou com você. - Estava tão mal, tão chateada, com tanta raiva que nem fiz questão de insistir. Demoramos mais uns quinze minutos para nos despedirmos, eu me recusando a sair da porta da frente, mas por fim Hannah, Carrie e Austin desistiram de me fazer ficar e disseram que apareceriam na mansão Espinosa qualquer dia desses. Eu sorri entusiasmada com a ideia. As duas meninas eram muito legais, principalmente Carrie, apesar de ela ser bem mais nova que eu.
Uma das coisas que mais gosto em , é que ele sabe o momento de falar e o momento de ficar calado. Ele simplesmente respeita sua vontade sem você precisar pedir. No caminho de volta para casa, ele dirigia com uma mão só e com a outra segurava a minha mão no seu colo. Eu devia achar esse gesto estranho, mas achei reconfortante. Sua mão era macia, dava uma sensação de familiaridade. Estacionamos na frente de casa e pela primeira vez não sabia o que fazer.
- Hm, quer ir pra sua casa ou, sei lá, ficar... comigo? - Ele parecia querer e ao mesmo tempo não querer a segunda opção, e foi justamente essa que eu escolhi.
-Acho que eu... quero ficar, hm,com... você. - Respondi, hesitante. Ele sorriu.
- Jardim? - Sugeriu. Pensei por um momento.
-Não. Conheço um lugar mais legal. - Disse a ele. ligou o carro de novo e eu o fui guiando para o meu cantinho.
Ele encarava a fachada do edifício super sério.
-A escola? Você tá brincando, né?
-Não. - Eu disse, dando de ombros.
-Ah, qual é! Hoje é sábado! - Reclamou ele, mas mesmo assim, me seguiu para dentro da escola. A AHS permanecia aberta aos sábados por oferecer cursos extra curriculares como natação, basquete, costura, dança, essas coisas, e por esse motivo, conseguimos entrar sem sermos detidos.

Atravessamos vários corredores, peguei um atalho pela sala de informática, passamos pelo refeitório, depois subimos dois ou três lances de escada. No terceiro andar, abri uma portinha que ficava na parede e comecei a apertar os botões.
-Mas o que... - Começou, quando a escadinha que levava ao sótão começou a descer.
- Silêncio. - Interrompi. Assim que a escadinha desceu, fiz sinal para que subíssemos e ele foi na frente. Fechei o alçapão depois de subir e me dirigi ao meu lugar de sempre. ficou parado me olhando com um sinal de interrogação.
- Senta.
- Hm, onde? -Me perguntou confuso. Suspirei, revirando os olhos.
- Senhor, larga de ser burro. Em qualquer lugar, oras! - Ele pareceu um pouco magoado. Às vezes eu consigo ser realmente estúpida. - Pode sentar aqui... - Gesticulei para um espaço vazio ao lado de onde eu estava.
- Posso fazer uma pergunta? - Perguntou , se sentando.
- Já fez. - Ele revirou os olhos.
- Outra pergunta.
- Diga.
- O que viemos fazer aqui? - Me perguntou, com uma mistura de ceticismo, humor e indignação. Minha sorte é que eu sabia a resposta.
- Fugir, eu acho.
- Mas fugir de que? - Olhei para ele, erguendo as sobrancelhas.
- Eu estou fugindo do meu pai, e você da sua namorada. - Ele me olhou incrédulo.
- Quem disse que estou fugindo da minha namorada?
- Se você não tivesse, não teria sugerido passear comigo, e sim tentado se livrar de mim para poder tirar satisfações com ela. Você está com medo do que ela vai dizer. - Respondi, com toda sinceridade do mundo.
- Você é mais inteligente do que aparenta, . - Ele me deu um sorriso constrangido ao notar a verdade em minhas palavras.
- Eu tento. - Disse, sorrindo. Ele sorriu e ficamos quietos. Nenhum de nós dois sentia a necessidade de preencher o silêncio com palavras. Algum tempo depois, me deu um fone de ouvido e então começamos uma divertida troca de gostos. Eu mostrava minhas músicas e bandas preferidas e ele mostrava as dele. Ele amava Mettalica, Iron Maden e Aerosmith, tinha ido em vários shows da última banda e eu odiava as três. Não tinha nenhum motivo em especial, mas odiava.
- Emblem 3? 5 Seconds Of Summer? - Ele riu - E depois as bandas que eu gosto são ruins.
- Aaah qual é! O Ash e o Drew são uns lindos! E eu ainda nem te falei a pior delas. - Respondi seu comentário. De certa forma, eu estava meia envergonhada.
- Não me diga que é Justin Bieber?
- Não! Mas ele não é tão ruim. - riu de novo.
- Por Deus, ! E não me enrola. Fala logo. Qual é sua banda favorita? - Eu fiquei séria, só pra fazer suspense. E depois, entre risadas, respondi sua pergunta.
- One Direction.
- Tá brincando, né?
- Juro que não. Sou fã deles desde o ano passado. Desde março. - Sorri, toda orgulhosa. Mas o fato é que tinha vergonha de dizer isso em voz alta, às vezes. Eu tinha 17 anos nas costas, afinal de contas.
- Mais alguma coisa sobre eles que eu não saiba?
-Sim! Vou no show. Se tiver, né. Rolam boatos, mas ainda não tá nada comprovado. - Fiz uma cara meia chateada. Ele riu.
- Você vai comprar o ingresso, ! - Ele me falou.
- Vou? - Perguntei inocentemente, como uma garotinha fofinha que eu não era.
- Te garanto! - Ele deu uma piscadinha e guardou o fone que estava jogado no chão, na segurança de seu bolso. Eu aproveitei para guardar meu celular e automaticamente fui ver a hora. Fazia quase duas horas que estávamos ali. E já eram quase seis horas. Ops, temos um problema. Eu me senti empalidecer.
- O que foi?
- Agora são dez pras seis. - Revelei de olhos arregalados.
- E dai? - Perguntou, fazendo pouco caso da situação. Levantei-me, fazendo ele se levantar comigo já que ele estava praticamente em cima de mim, e fui em direção ao alçapão, pronta para descer as escadinhas que nos levaria de volta ao terceiro andar. Ele me seguiu, confuso.
- E dai, que a escola fecha as cinco em ponto. - Falei, antes de descer a escadinha as pressas, com nos meus calcanhares. Assim que descemos ele me olhou com uma cara divertida.
- E isso não é nada bom, não é?
- Não, isso é péssimo. - Eu já estava entrando em desespero, quando lembrei das fugas que fazia antes. - A não ser que... - Declarei, pensativa.
- Que o que? - Ele perguntou ansioso. Mas eu nem estava mais olhando para ele. Estava mais preocupada comigo mesma e com minha saúde mental. Uma recomendação clara do médico, que eu queria seguir a tudo custo, era essa: evite passar nervoso ou se estressar. Quando passava por situações estressantes eu geralmente desmaiava. E eu não queria fazer isso aqui, por que nós dois éramos possivelmente os únicos seres humanos do colégio e eu era a única que sabia o caminho que nos tirava dali. Comecei a respirar fundo, com calma e deve ter percebido, por que eu não estava mais ouvindo ele falar nada. Comecei a fazer o caminho inverso do que tinha nos levado até ali e minha cabeça começou a clarear. Aos poucos resgatei a força para falar.
- Tem como a gente sair pelo ginásio. A porta sempre fica destrancada. O único problema é a gente sair desse prédio aqui. Posso te garantir que o Tio Ferreira é bem prestativo com o que faz. Vamos ter que ter sorte. Caso contrário, passaremos a noite aqui. - Despejei, tudo de uma vez.
- Pelo menos estamos no prédio do refeitório. - disse, fazendo graça. Funcionou, eu ri. Paramos em frente a porta que deveria estar trancada. Oh, minha mãe iria me matar. Fechei os olhos, pronta para girar a maçaneta, quando senti me empurrando pelas costas. Imediatamente abri os olhos e respirei a ar da tarde.
- Drama mode on. Meu Deus. Era só abrir a porta. - Ele riu, incrédulo. Confesso que sou bem dramática as vezes. Fomos correndo até o ginásio, e começamos a atravessar ele. Devo ressaltar que a única coisa iluminando tudo era a fraca luz do dia que passava pelas janelas pequenas do ginásio escuro. E que fique claro: tenho muito medo de escuro. Chegamos na frente da porta e dessa vez eu a abri sem problemas. Andamos rapidamente até o estacionamento e chegamos no carro arfando por conta da corrida. Ele me segurou pelos ombros com as duas mãos e me empurrou na lataria do veículo, prendendo-me ali.
- Da próxima vez... a gente vai ficar... no... jardim. - Disse ele, com a respiração entrecortada. Eu ri, e depois sai de seu “meio abraço” para abrir a porta do carro.
- A propósito, , meu nome continua sendo . -Falei séria, enquanto colocava os cintos de segurança. Ele me encarou com aqueles seus lindos olhos que me deixavam nas nuvens.
- A propósito, , eu me diverti muito hoje. - Ele disse, sorrindo de lado e ligando o carro, finalmente dando partida no mesmo. Não pude deixar de sorrir da forma que ele enfatizou meu nome.

Se tinha uma coisa que eu sabia, era que eu nunca mais queria sair desse carro.



Capítulo 10


Assim que viramos a rua de casa, vi um carro muito conhecido na entrada de carros. Vi uma sombra muito conhecida encostada na árvore. E quando a sombra virou uma pessoa, vi uma expressão muito conhecida em sua face. Significava que eu estava com problemas. Ah, vou dar uma dica. Era por um acaso, o carro, a sombra e a face de uma pessoa que me levava todos os dias para a escola. Tem como esse dia ficar pior?
- Bom, , obrigada mesmo por hoje. Quer dizer, vi meu pai, ficamos presos na escola, fiz você escutar one direction, mas enfim, eu gostei. E sinto muito pela visita ao seu amigo ter acabado daquela forma. -Falei, entretida em brincar com a barra do meu shorts enquanto ele desligava o carro.
- Te digo o mesmo. E eu vou ter mais chances de falar com Austin, então não se preocupe. Acho que você tem que ter uma conversa com alguém... - disse, nervoso apontando para a entrada da minha casa. Eu também estava nervosa. Afinal, eu dei um bolo em .
- Hm, e você tem que conversar com uma certa namorada que passou a noite fora. - Falei, com uma certa birra na voz. Foi para implicar mesmo.
- Muito obrigada por lembrar desse detalhe. Agora eu tenho que ir. – Abri a boca para fazer um comentário sarcástico, mas ele falou antes de mim. –Sim, eu estou te expulsando, . Vaza. – Falou, em tom de brincadeira.
- Nossa, depois dessa me procure só no Natal e veja se te perdoo. - Falei, me fazendo de ofendida. Ele ligou o motor. Assim que eu sai do carro e bati a porta depois que desci, escutei o vidro abaixando e me virei.
- Você vai me perdoar antes disso. – Falou piscando e arrancando com o carro. Observei partir e juntei forças para lidar com o ser humano que me encarava do escuro.
- Passou o dia todo com ele? – Começou, com um certo tom de ciúmes na voz. Fiquei indecisa se achava fofo, ou se ficava com raiva. Mas afinal, nunca foi do tipo ciumento.
- Sim, senhor papai. – Brinquei, dando um sorriso. Ele não devolveu o sorriso e o meu tremeu um pouco.
- Olha, eu estou tentando, você sabe, eu estou tentando há dias, estou de verdade fazendo de tudo para te merecer, mas se você não quiser, é só falar, ok? Por favor, só não me... – Ele se interrompeu um pouco. Parecia estar sendo sincero de verdade. Bom, ele é ator, mas parecia tão real... Dei três passos cambaleantes em direção a ele e em pouco tempo estava diante dele. – Eu estou fazendo meu melhor, tá? Você sabe disso e ...
Finalmente, selei nossos lábios para fazê-lo calar a boca. Foi um único selinho, mas acho que ele ficou satisfeito.
- é só um grande amigo, ok? – Sussurrei, com a voz mais terna que consegui. assentiu, sorrindo pela primeira vez na noite. Mas eu não iria voltar com , e eu sabia que era isso o que ele queria. Percebi isso naquela manhã, quando decidi deixar de sair com ele. Quer dizer, estar com não era a mesma coisa de estar com . Era inevitável não comparar os dois a todo momento. Eu me sentia disputada pelos dois. A única vantagem de , entretanto, era que ele não fazia ideia de que estava me disputando. Não. Eu não queria me envolver mais. Tinha que colocar um fim nisso. Não queria decepcionar , mas era melhor do que namorar com ele por comodismo. - E pra mim, , você também é um grande amigo. O que teve entre nós foi um namoro nada sério entre dois adolescente de 15 anos, e está na hora de superarmos isso. – seu sorriso de alivio morreu na hora e ele ficou bravo.
- Ah, não foi sério? É isso que você acha?
- , por favor, não torne as coisas mais difíceis do que já estão! Eu acho que... – Eu estava desesperada de verdade, não sabia o que fazer para ele entender minha situação. Ele me interrompeu.
- Você só não quer voltar comigo porque nossa relação te lembra a Kate! Você é uma covarde, , porque, se fosse corajosa, deixaria esse simples fato de lado. Você se esconde nos seus medos e decepções e já faz quase dois anos, caramba, que eu não vejo você feliz de verdade! Ela morreu, já era, o que isso te impede de ficar comigo? De se permitir ser feliz, pelo amor de Deus? – Me afastei dele como se tivesse levado um tapa, e posso apostar que meus olhos estavam arregalados. Eu também estava assustada com o fato de suas palavras terem causado um certo impacto no meu jeito de enxergar as coisas. Coloquei na cabeça a todo custo que não era Kate que não me permitia ficar com , mas esse pensamento foi em vão. Porque era sim. Tudo em relação àquela tarde voltava quando eu estava com . Claro que eu tinha me divertido bastante com ele ontem, tinha até pensado que gostava dele de novo, mas isso era uma ilusão do meu próprio coração. Por que o único garoto que poderia me completar, era o único que eu nunca poderia ter. E eu não posso pensar em dessa forma, não mesmo. O que antes era uma confusão de qual menino escolher, agora virou uma confusão de qual não escolher. Inesperadamente, a cena do quase beijo invadiu minha mente e eu não sei por quanto tempo fiquei pensando no quanto eu queria que ele tivesse me beijado.
Depois desse pensamento, tudo que eu consegui sentir foi culpa. Tinha que me lembrar que era a minha melhor amiga que ele namorava. pigarreou para chamar minha atenção. Olhei em seus olhos e então, de repente estava claro o que eu tinha que fazer.
- Sinto muito, . Não posso ser nada mais do que sua amiga. – Eu ainda estava magoada com o que ele me disse, então tinha um certo tremor na minha voz.
- Ótimo. Tudo bem. Ah, amigos certo? – Eu assenti com a cabeça. Ele continuou. – E se eu for seu amigo eu vou te levar para a escola? Vou poder ligar pra você? Fazer visitinhas diurnas? Tomar café da tarde no jardim? Assistir filmes? – Eu dei um sorriso sincero.
-Sim, é isso que os amigos fazem! – Fiquei toda feliz com a ideia de que ainda seriamos amigos, afinal. Mas o que ele me disse a seguir me deixou com o coração na mão.
- Então não quero ser seu amigo. Te ver e não te ter é tortura demais. Mas saiba que eu vou estar aqui. Mesmo em silêncio, vou estar esperando, . Seu lugar é do meu lado e no dia que você estiver pronta, eu vou estar aqui pra você. Desculpa, mas não posso ser seu amigo. Não posso. Vou sempre querer mais. – Sussurrou as últimas palavras e acariciou de leve meu rosto. - Fique bem, . Tchau. – Pegou minha mão e depositou um beijo nela, sem deixar de olhar para mim enquanto fazia isso. E então, me dando um sorrisinho, se afastou em direção ao seu carro, sem se virar pra trás nem um segundo, me deixando com cara de confusa na soleira da porta. Muito confusa na verdade.
Por um acaso, segundos atrás eu não estava convicta de meus sentimentos em relação a e ? Por que agora eu achava que não seria uma escolha tão ruim?
Eu precisava dormir. Muito.
Entrei em casa, falei um "oi" para minha mãe e suspirei infeliz ao entrar no meu quarto.
Sabe quando você leva um susto bem grande, daqueles que te fazem gritar alto e colocar a mão no coração? Então, foi essa a minha reação quando vi Thay sentada na beirada da minha cama com sua camisola branca antes de eu acender a luz. Ela estava parecendo um fantasma. Vou ter pesadelos com minha própria meia irmã. Legal.
- Ãhn, oi, . – Ela disse meio desajeitada, com um meio sorriso nos lábios. Me senti estranha. Não conversava amigavelmente com Thay há anos.
- Olá, Thay. À que devo a honra da sua visita? – Falei, tentando ser simpática. Ela torceu os lábios, olhando para baixo e naquele momento eu já sabia que ela foi até mim para pedir ajuda.
-Me desculpe por tudo que fiz você passar e por tudo que falei, sério. Eu não vim pedir desculpas só porque você é a única pessoa que pode me ajudar, eu na verdade já queria fazer isso há um tempo. É que eu tenho ciúmes do meu pai, às vezes ele parece gostar mais de você do que de mim, sabe... – Ela terminou meia constrangida.
-Oh, tudo bem, Thay. – Eu disse totalmente sincera. – E o que você tem? - Thay olhou para meus olhos e começou a chorar. Chorar mesmo, de soluçar. Fui até ela e a abracei, reconfortando-a. Passar um tempo com o me ajudou a saber em que ocasião falar e em qual ficar calada. Aquela situação pedia para eu calar a boca e esperar ela falar no tempo dela.
-Sabe, eu estou com problemas... com... o... Joe! – Falou ela, uns cinco minutos depois.
- Ele terminou com você? –Ela assentiu, chorando. Eu passei as mãos pelos seus cabelos tão parecidos com os meus. - Mas, por que... O que...? – Eu perguntei incoerente, enquanto ela corava. Quer dizer, Thay era um tipo de garota que não chorava daquele jeito por causa de garotos, principalmente por garotos como o Joe. Olhei para ela, que ruborizava cada vez mais, e como se sua vida dependesse disso, ela tirou um saquinho que estava atrás dela e entregou para mim. Bom, não iria morrer se visse logo o que era aquilo. Abri o saquinho e tirei com cuidado o que tinha lá dentro. Olhei surpresa para Thay, que se encolheu de vergonha.
- Thay, você...?
- Ai, desculpa! Eu fui boba, achei que ele tava falando sério e... , me ajuda! O que eu faço? – Perguntou chorosa, me encarando como se eu fosse Deus, ou um Padrinho Mágico que pudesse desfazer o que ela fez. Eu só pude suspirar, olhando para aquele papelzinho em minhas mãos e me sentindo super mal por Thay.
- Olha, você vai superar isso, ok? And e mamãe vão entender, e eu vou te ajudar com tudo que puder. Infelizmente, Thay, você não pode mais mudar o que aconteceu. – Ela concordou tristonha, chorando muito. Eu fiquei olhando para o teste de gravidez que berrava um "positivo", desejando inutilmente que aquele traço vermelho não estivesse lá.
- Não conte a eles, tá? Vamos esperar um pouco. – Thay falou, finalmente secando as lágrimas.
- Não vou contar. – Ela me deu um sorriso agradecido e se virou para ir embora. - Thay?
- Sim, .
- É bom ter você de volta. – Falei, com sinceridade. Ela sorriu, com novas lágrimas escorrendo pela face.
- É bom que você me queira de volta. – E dito isso, se virou, e fechou a porta.
Thayna estava grávida. Eu seria titia. O que será que And iria achar disso? Como será que iríamos lidar com isso? Até que ponto isso iria mudar nossas vidas? Eram as perguntas que não saíram da minha cabeça. Se não fosse pela nossa imaturidade inicial, nós nunca teríamos brigado e eu poderia ter aconselhado ela a não cometer essa besteira. Ah, como eu queria que Anastácia Quaresma nunca tivesse existido!
Flashback on
21/01/2008

And destravou a porta do carro para que eu e Thay descêssemos. Olhamos para a escola deslumbradas.
- A gente vai estudar aqui, papai? – Perguntou Thay, com os olhos brilhando de ansiedade. Uma coisa típica de uma criança de 10 anos, na verdade.
- Com toda certeza, mocinha! –Respondeu And, piscando para ela e bagunçando seu cabelo. Minha mãe estava trabalhando e não pode nos acompanhar para o primeiro dia de aula. And olhou para mim e eu sorri para ele, murmurando um “obrigada”. Quer dizer, ele era apenas o noivo da minha mãe, não precisava pagar uma escola super cara para mim. Eu tinha uma certa necessidade de fazer ele gostar de mim, por que eu adorei And desde a primeira vez que minha mãe foi com ele lá em casa.
And nos deixou sozinhas, voltando em direção ao seu carro, e eu e Thay fomos em direção à escola. Porém, bem na entrada, Thay esbarrou em um garoto (muito bonitinho, na verdade).
- Sério, desculpa! – Falou o fulano. Eu coloquei os braços protetoramente nos ombros de Thay e o garoto olhou para mim. – Ah, oi! Meu nome é Kevin.
- Eu sou . E essa é minha irmã Thay. – Thay deu um sorriso banguela para ele.
- Eu te desculpo por ter me jogado no chão! – Thay respondeu. Kevin deu um sorriso de agradecimento e ao mesmo tempo em que ia dizer mais alguma coisa, veio em nossa direção um garoto e uma garota que aparentemente tinham a mesma idade que a minha.
- Hey, Kev, por onde andou? Eu e Ana te procuramos por toda parte! – Falou o garoto, apontando para a garota que parecia meia zangada.
- Ahn, desculpa Ana, eu esbarrei nessa garotinha sem querer. – Respondeu Kevin, olhando para Thay.
- Bom, já tá tudo bem, Kevin, ela não se machucou. – Resolvi intervir, empurrando delicadamente os ombros de Thay, insinuando que estávamos de saída.
- Vocês são novas? –Disse a tal Ana atrás de mim.
- Somos, sim! –Respondeu Thay alegremente.
- Meu nome é Anastácia, esse é o Joe e esse é meu namorado, Kevin. – Apresentou ela, dando ênfase na palavra ‘namorado’. Joe olhava Thay de um jeito que me deixou constrangida.
- Hm, prazer. Tchau. – Eu disse, me virando como antes. Mas dessa vez Thay não me deixou empurrá-la.
- Ah, deixa eu ficar com eles! Eles são tão legais! – Falou ela, me implorando.
- Na hora do recreio você conversa mais com eles, tá legal? Agora a gente tem que achar sua sala de aula. – Thay acenou para os três, que sorriram para ela. Eu sabia que tipo de garotos eles eram e não queria que Thay andasse com eles, principalmente por ser mais nova. Encontramos a sala de Thay e eu me despedi dela, indo para o andar da minha própria sala.
- Uhuuuul, tem uma ruiva no pedaço! – Disse uma voz de garota.
- Tem uma daltônica no pedaço. O cabelo dela é castanho, idiota. – Falou outra garota. Me virei para olhar as duas. Ambas eram morenas, e a garota da direita era um pouco mais alta.
- My name is Espinosa, nice to meet you. (Meu nome é Espinosa, prazer em conhecê-la) – Disse a garota que me chamou de ruiva. [n/a: Ok, ok. Eu sei que todo mundo sabe o que significa isso, mas vai saber, né?].
- O meu é Rafaela. Me chama de Rafa. – Disse a garota da direita.
- O meu é Julia! – Disse uma outra garota vindo do nada. – E, cara, tem uma ruiva no pedaço!
- Meu nome é . Mas podem me chamar de . – Sorri para elas ao mesmo tempo em que ouvia gritando um “Não disse, não disse, não disse???” para a Rafa. Olhei para com um sorriso doce nos lábios.
- Meu cabelo na verdade é castanho avermelhado. – Rafa olhou para e Julia com um sorriso vitorioso.
Depois de três aulas seguidas, incluindo uma segunda aula muito estranha com uma garota loira cantando e dançando no palco, fui para o refeitório sendo guiada por , Rafa e Julia.
- Esse é o , esse é o , esse é Alex e esse é o Gus. –Falou Rafa, quando olhei os meninos desconhecidos. Acenei para cada um deles. – Essa é a .
Tive um dia agradável. Depois do intervalo tive uma aula de química e nenhuma das meninas estava presente. Mas Gus estava lá e falou que eu podia ser a parceira de laboratório dele. Conversamos bastante durante a aula e aproveitei para tirar minhas suspeitas sobre Joe, Kevin, e Anastácia.
- Ah, Anastácia está na fila do trono há mais tempo do que imagina. A irmã mais velha dela, Marcela, é a loira feliz que você viu cantando no palco na segunda aula. – Lembrei da cena a que ele se referia.
Encontrei-me com Thay na hora de ir para casa e ela me contou que tinha passado a hora do intervalo com os “novos amigos”. Quando perguntei quem era, quase fui com a cara no chão. Nada mais nada menos que os três reis que eu tanto quis evitar.

25/01/2010

- DÁ LICENÇA QUE A RUIVA TÁ PASSANDOOOO! – Berrou , assim que chegamos na escola. Mal ousava a acreditar, nono ano!
- Cala a boca, pirada! – Falei rindo para ela, distribuindo tapinhas nos seus braços.
- Minha gênia está passando. – Corrigiu , tanto no adjetivo, quanto no pronome possessivo, passando os braços pelos meus ombros. Ele estava se referindo ao fato de eu ter ganhado o Campeonato de Matemática do ano passado em primeiro lugar. Parece que não é grande coisa, mas eu estava competindo com garotos do 2º ano.
-Ai, mas é muito doce aqui. Vou ficar com cárie daqui a pouco. – Reclamou Alex. Todo mundo riu e eu soltei os braços de dos meus ombros, constrangida.
- Ruiva, ruiva, ruiva, bla, blá, blá. – Falou a voz esganiçada de Anastácia. Nós nos viramos para encará-la. Ela e seu bandinho de prostitu... ops, garotas rindo da nossa cara. Ela estava na frente de Bruno, o novo cliente *risos*. E lá estava Thay, com seu novo uniforme de líder de torcida. O fato de ser mais nova que todos eles, deixou Thay bem mais popular que qualquer outra garota da sexta série.
Desde quando se conheceram, Anastácia prendeu Thay nos dedinhos e nunca deixou ela escapar. Dizia para todos que era a mascote do clube deles. Foi fazendo a cabeça dela de tal forma, que Thay não falava comigo desde outubro do ano passado.
- LOIRA, LOIRA, LOIRA, BLÁ, BLÁ, BLÁ. – Imitou Kate, com uma voz alterada, fazendo todos rirem. Anastácia torceu o nariz, e deu uma estrelinha com um mortal de frente, indo até Bruno. Depois olhou para trás meio que desafiando nós a não mexermos com ela. Kate, barraqueira como sempre, deu um sorrisinho zombeteiro. Colocou a blusinha cinza que estava usando para dentro da calça legging e fez a pose que Anastácia tinha feito há poucos minutos. Kate impinou a bunda e estufou os seios, numa tentativa de imitar a abundância de músculo nessas duas regiões do corpo de Anastácia e deu uma estrelinha de frente dupla, parando na frente de garota. A cara dela nesse momento estava impagável.
- Você age como se fosse a rainha da ginástica olímpica. Surpresa pra você, meu anjo. – Falou Kate, dando uma estrelinha de trás e voltando para onde todos a encaravam de boca aberta. –Eu sou campeã mirim. – E dito isso, fomos caminhando em direção ao prédio do Ensino Fundamental II. Todos insistiram para ela fazer os testes para líder de torcida e ela passou direto. Eu estava comemorando com e Kate quando derrubei meu suco na roupa de alguém. Era Thay.
- Sua estúpida, olha o que você fez! Saia da minha frente. – Falou brava, indo para o banheiro. Ela não parecia mais minha irmã, não mesmo. Aquilo doeu mais que uma navalha para mim.
-Ah, ? – Kate chamou o garoto que estava com os braços ao redor de mim. Algo me dizia que ele não queria só ser meu amigo. Por “algo” eu quero dizer Kate mesmo.
- Sim? – Respondeu.
-A é a minha gênia. – Falou ela, tirando os braços de de mim e colocando os próprios braços ao redor do meu pescoço.
-Gente, como sou disputada! – Reclamei brincando.
- Ou não, lindona, eu não te quero. – Falou , torcendo o nariz.
A partir daquele dia, Thay e eu declaramos guerra.

Flashback off

Será que Thay estava mesmo querendo seus antigos laços comigo, ou seria minha ingenuidade mesmo? Estava muito confusa.
Próximo passo: Ligar para Gus.

’s POV

- Ainda estou esperando sua explicação, sabe. – Falei de costas para ela, enquanto tirava a xícara da cafeteira. Tinha chegado em casa há umas duas horas atrás e não abriu a boca desde então. Não forcei a barra, mas ela já estava tomando o leite para ir dormir e nem morto que eu ia dormir sem saber dessa história.
- Não tem nada para ser explicado. – Falou tranquilamente. Bebi um pouquinho de café e queimei a ponta da língua. Deixei a xícara em cima da pia para esfriar um pouco e virei para encará-la.
- Você dormiu na casa de um cara que te seca de vinte em vinte segundos. Na casa de um cara que te dá mole na cara dura. Como não tem nada a ser explicado? – Falei meio nervoso.
- Não aconteceu nada, , então eu não preciso falar nada. – me lançou um olhar duro.
- Eu quero que você me explique! – Falei um pouco mais alto. – Eu vim pro Brasil querendo paz! Querendo... pessoas que se expliquem!
- Ótimo! Quer que eu comece falando o quê? – gritou, enfurecida.
- Você podia começar falando por que não chegou às sete, como tinha dito!
- Eu já disse que tava chovendo!
- Ah, e você é feita de açúcar ou ele não tinha carro para te trazer?
- O carro dele estava na oficina!
- Podia ter me ligado! Eu iria buscar você, sem problemas!
- Meu celular descarregou, caramba! – Falou, terminando de tomar o leite e colocando o copo na pia.
- Isso não te impediu de me mandar uma mensagem às dez da noite, . – Ponderei, segurando seu braço esquerdo e falando mais baixo. Ela se soltou de mim e se sentou na cadeira da cozinha.
- A sobrinha dele, de quatro anos, a Phany, passou por uma cirurgia. Mas deu um problema e ela acabou morrendo. Ele estava chateado, então eu fiquei lá com ele. Foi só isso, . – Resumiu , desviando os olhos dos meus. Eu não cai nessa.
- Se foi só isso, se não aconteceu nada demais, por que você não falou desde o início que um parente dele morreu e que ele precisava de consolo, hein? – Pela cara que ela fez, posso presumir que meu ciúme chegou no limite.
- Está dizendo que eu inventei que a sobrinha dele morreu para ficar lá com ele? – Perguntou , mais nervosa ainda, se levantando da cadeira.
- Lógico que não! Só quero saber por que não disse antes! – Retruquei. Ela se levantou e foi até a porta da cozinha. Chegando lá, se virou.
- Porque eu sabia que você ia dar esse ataque, . – Respirou fundo. – E, ah, aquela festa já está quase ok. Só falta confirmar o DJ e esconder da . Ela sempre descobre as festas surpresas. Vai ser dia 22 de junho. – Depois se virou de novo, indo em direção à escada. Eu fui atrás dela.
- Hey, não precisa mais da minha ajuda? Conseguiu fazer tudo sozinha? – Perguntei, já sabendo a resposta. Ela me concedeu a honra de ver seu sorriso malvado.
- Não fiz sozinha, me ajudou. É melhor você não se arriscar, vai que quebra o braço de novo, né? – Falou, com certa ternura falsa na voz, se virando para finalmente ir para o seu quarto.


- Poxa, , são quase onze horas, tá fazendo o que aqui? – Falou , sonolenta, tampando o celular com a mão e usando seu pijama cinza e curto de Paris, que estava mexendo com meu lado masculino mais safado.
- . – Respondi fracamente. Ela arregalou os olhos e fechou a porta.
- Hm, Gus, eu te ligo amanhã. – Disse ela para o celular. desligou o aparelho e se sentou no chão, dando uns tapinhas ao lado dela, um gesto que me convidava para sentar com ela na calçada. Contei tudo que aconteceu exceto a parte da festa, que era segredo, e ela ficou horrorizada.
- A Stephany morreu? Cara, isso é tão triste. Ela fazia aniversário no mesmo dia que eu. Daí eu sempre tinha que fazer minha festa depois da dela, pro poder ir nas duas. – Contou ela, com um sorriso fraco.
-Tá, o fato é que: Minha. Namorada. Está. Aprontando. Alguma. Coisa.
- , isso, esse ciúme idiota, vai acabar com o namoro de vocês dois! Ela NÃO está te traindo. Eu conheço o , e ele é bem sentimental. Provavelmente usou chantagem emocional para fazer ela ficar.
- Hm. , talvez seja melhor acabar com esse namoro logo. Se eu não confio nela, por...
- Como assim, você não confia nela? – Interrompeu .
- Não, eu confio nela, quer dizer, às vezes tudo é suspeito demais, mas eu confio nela, claro que confio. – Falei um pouco rápido demais.
- Não acabe o namoro. Ela te ama, e vai ficar frustrada se isso acontecer. – Falou com um sorriso doce.
- Mas é que eu estou meio confuso. – Eu disse, sem querer. Simplesmente escapou. Ótimo, acabo de quase me declarar para ela agora. O que será que ela faria? Qual seria sua reação? Não custa tentar. Era verdade mesmo. Certo?
- Como assim, confuso? – Perguntou, com os lábios tremendo.
- É que às vezes quando estou com vo...
- Filha, And no telefone! – Gritou a mãe de de dentro da casa. me deu um sorriso.
- Amanhã a gente conversa, tá legal? Tchau, . – Se despediu, dando um beijo em meu rosto.
-Tá. Tchau, . – Falei, me virando.
- ! – Corrigiu ela, atrás de mim. Tava demorando...
Queria saber o que minha mãe diria agora.

Flashback on
13/09/2009


- O que está fazendo aqui sozinho, filho? – Perguntou minha mãe. Ela estava andando, mas ainda estava fraca, dava pra ver.
- Só olhando. – Menti.
Eu estava sentado no meio do quintal, rezando para qualquer Deus que existisse, pedindo para que curasse minha mãe. Eu estava completando 14 anos e minha mãe estava morrendo. Podia não ser o garoto mais inteligente do mundo, mas eu sabia que essa doença não tinha cura. Provavelmente esse seria o último aniversário no qual ela estaria presente, o último que ela me diria “Feliz Aniversário” em português fazendo todo mundo ficar com uma cara confusa. Minha mãe não estaria presente na minha formatura do ensino médio, não veria eu me formar na faculdade, não iria assistir ao meu casamento, nem iria conhecer seus netos ou brincar com eles. Dentro de alguns meses ela não estaria mais andando pela casa, não iria até meu quarto me dizer o quanto eu era um garoto forte, o quanto me amava, e o quanto tinha orgulho de mim. Dentro de alguns meses, minha mãe fecharia os olhos e eles nunca mais se abririam de novo. Eu nunca mais iria ver seus doces olhos azulados, nem ouvir sua risada, nem nada mais. Por que em breve, ela não estaria mais entre nós. Em breve, ela não seria mais uma mulher forte, que lutou até o último segundo de vida.
Em breve ela seria só alguém que foi derrotada pelo câncer.
- Está pensando naquilo de novo? – Perguntou ela, com uma tristeza na voz.
- Não tem como não pensar, mãe. – Ela suspirou.
- Vem cá, . Vamos para dentro. Está frio aqui fora, não quero que fique doente.
- Eu também não queria que você ficasse doente. – Falei, sem pensar. Ela ficou obviamente chateada. Fui até ela, a passos lentos. Minha mãe era muito bonita. Sei que provavelmente todo filho pensa assim, mas ela era bonita de verdade. Antigamente, seus cabelos, agora opacos, irradiavam vida, eram castanhos escuros. Sua pele era quase morena, um tom de branco mais escuro por causa dos tempos que passou no Brasil, um país de sol. Seus olhos azuis cobalto, eram tão lindos quanto os meus. Iguaizinhos. Mesmo depois de um ano e meio lutando contra a doença, o último vestígio da vida que ela tinha, eram esses olhos. A pele estava mais pálida agora e ela estava bem mais magra, mas mesmo assim, continuava sendo a mulher mais bonita que eu já vi. Minha mãe e eu éramos muito unidos, quase nunca brigamos durante os meus quatorze anos de vida. Acho que foi por que engravidou de mim na adolescência, em um época em que devia fugir de todos os preconceitos da sociedade. Isso nos uniu muito. E agora estavam tirando ela de mim.
- Querido, vamos conversar, está bem? – Fomos até meu quarto. Sentamos na minha cama, lado a lado, e depois de um tempo, ela me deu uma foto. Era uma casa. – Vai ter um tempo, bem mais pra frente, que você vai querer conhecer esse lugar. É ai que Austin está morando agora. Eu... vendi minha casa. – Falou, com um misto de orgulho e tristeza. Minha mãe sempre teve esperanças de voltar pra lá um dia. Se ela vendeu, significa que nunca mais veria o Brasil de novo.
- Eu vou para o Brasil? – Perguntei, fascinado com a ideia.
- Vai. Daqui a alguns anos você vai. Mas... filho, posso pedir dois favores? - Eu assenti. - E posso dar um conselho? Digo, no sentido amoroso da vida? – Perguntou com um sorrisinho.
- Claro que pode, mãe. – Eu esperei, ansioso e constrangido ao mesmo tempo.
- O meu conselho: nunca deixe de ouvir seu coração. Nunca, . Você é muito especial. Quando você sentir um calor por dentro, quando sentir a sensação de felicidade, qualquer coisa que aqueça seu coração, você vai saber que é a pessoa certa, e eu vou estar lá pra ver isso. Vai ter muitas pessoas que vão querer você pelo dinheiro, não vou mentir para você. Mas eu tenho certeza que você vai saber quem são os verdadeiros.
- Eu vou guardar isso mãe. Para sempre. – Respondi, envergonhado por sentir lágrimas escorrendo pelos meus olhos.
- Ótimo. – Ela sorriu. – O favor, é que para que você me leve para o meu quarto. Não consigo mais andar. – Ela sorriu e eu a acompanhei, a erguendo da cama e a ajudando a andar até seu quarto. Meu pai estava trabalhando, então éramos apenas nós dois na casa hoje.
- Está entregue. – Falei, colocando-a na cama e passando o cobertor por cima de seu tão frágil corpo. Dei um beijo em sua testa e já estava saindo, quando me lembrei que faltava uma coisa.
- Mãe? Qual é segundo favor? – Ela se virou, com muito esforço, e sorriu.
- É fácil. Não visite minha casa sozinho. Quero que leve alguém com você. – Respondeu.
- Mas quem? – Perguntei, confuso.
- Alguém especial. Você vai saber quando chegar a hora. Boa noite, filho. – E então fechou os olhos e dormiu.

Flashback off

Quando cheguei em casa e fui para o meu quarto, não consegui dormir direito. E se ela for a tal pessoa especial? Eu nunca tinha olhado para dessa forma antes. E me sentia muito culpado quando o fazia. Quer dizer, eu estava preocupado com uma possível traição entre e e estava traindo em minha mente.
Era oficial. Eu estava praticamente louco pela melhor amiga da minha namorada, correndo o risco de acabar com a amizade delas.



Capítulo 11


POV’
Eu não sei como, mas de repente, nós estávamos nos beijando. Quer dizer. Eu estava beijando o . , qual é seu problema? I don’t know.
“E eu vou estar, te esperando nem que já esteja velhinha gagá”. Ele começou a cantar.
“Hm, mas o que você...”. Tentei dizer.
“Com noventa, viúva, sozinha não vou me importar” E então ele começou a sumir e eu descobri que meu celular estava tocando.
Acordei, me odiando por sonhar com ele de novo, e fui atender meu celular.
- Alô. – Falei com a voz toda grossa.
- Heeeeeey princesssa! Hora de acorrrrdar, vida! – Falou a voz enrolada de Gus.
- Gus, você tá bêbado? – Perguntei. Ele deu uma risada.
- Não, só estou brincando. - Respondeu ele, com a voz normal. Respirei aliviada.
- Ah, que bom que você não está bêbado as... – Me estiquei para ver as horas na parede. – sete e trinta e cinco da manhã. – E depois caiu a ficha. – SEU INFELIZ, VOCÊ ME ACORDOU AS SETE E MEIA DA MANHÃ DE UM DO-MIN-GO?
- Desculpe-me. Esqueci que você acorda tarde. - Falou, rindo.
- Tá, que seja. Estou xingando mentalmente até sua décima geração de brasileiros. – Falei, sentando na cama. Não ia conseguir voltar a dormir de qualquer forma. Mas esse idiota me paga.
- Anw, que meigo. E eu vou xingar até sua décima geração de ingleses se você não vier abrir a porta para minha pessoa, agora. – Encarei o aparelho, incrédula. Do que aquela toupeira estava falando?
- Hm, ok. Aguarde cinco minutos.
- Sim, senhorita. - Desliguei o telefone. Comecei arrumando minha cama. Eu não era muito organizadinha, mas não gostava de receber as pessoas no meu quarto com ele todo bagunçado. Depois eu fui catar as roupas espalhadas e por fim, escolhi um short jeans e uma bata de lantejoulas preta para vestir, finalizando com uma sapatilha creme. Fiz uma trança francesa no cabelo, só para ficar mais elaborado, já que estava um ninho.
Mas assim que passei pelo espelho do corredor para abrir a porta para Gus, vi que não tinha ficado muito boa, então eu desmanchei e prendi todo o meu cabelo num rabo de cavalo mesmo.
- Mas que demora. – Reclamou Gus, quando abri a porta para ele. – Mereço um prêmio. Esperei vinte minutos e não cinco. – Falou depois de entrar. Fechei a porta antes de responder.
- Desculpa meu querido, mas eu tive que acordar quatro horas mais cedo que o normal, graças a você.
- Você precisa acordar cedo de vez em quando. – Recomendou enquanto subíamos as escadas.
- Claro, por que não? – Falei, irônica. Chegamos ao meu quarto e nos dirigimos ao lugar de sempre. Eu na ponta da minha cama, e ele no meu pufe azul marinho. – O que veio fazer aqui? – Perguntei levemente interessada, pegando meu celular da cômoda.
- E desde quando preciso de um motivo para vir aqui? – Perguntou, com a cara mais inocente possível. Eu sabia que ele estava escondendo alguma coisa de mim.
- Gus? Eu posso ter cara de idiota, mas não sou uma. – Respondi, olhando para ele com minha melhor cara de “eu já sei o que você está tramando”, mesmo não sabendo.
- Uoow , só queria te visitar, mas não tem problema, se não quiser minha presença eu posso ir embora! – Falou, se levantando do pufe. Levantei-me da cama e empurrei-o de volta no pufe.
- Você vai ficar bem aí, Gustavo. – Ordenei. E a parte mais engraçada foi que ele obedeceu.
- , você é minha melhor amiga. Pode me contar tudo. Eu acho que até já descobri umas coisas que nã...
- O QUE? O QUE VOCÊ DESCOBRIU? – Interrompi aos berros, me levantando novamente.
- Sugiro que se controle se não quiser acordar metade da sua casa. – Eu assenti. Ele continuou. – Sei lá, parece que seus olhos brilham quando você vê o , ou simplesmente fala o nome dele. Só queria saber se... Sei lá, se você gosta dele ou algo do tipo...
Tive que pensar. Tive que pensar muito. Afinal, eu gostava mesmo do ou não? Eu não sabia de mais nada! Estava tão confusa sobre mim mesma... Eu queria ter plena certeza do que eu sentia. Mas minha mente estava um nó por dentro e eu sabia que apenas eu mesma poderia desembaraçar aquele nó. Numa circunstância dessas, eu não me abriria pra ninguém. Mas era o Gus, e eu precisava ser sincera com ele. Se não desabafasse com ele, com quem mais faria isso? ?
NUNCA.
- Eu na verdade não sei, Gus. Estou tão confusa... A parte que eu tenho certeza é que não vejo mais o como amigo. – Respondi sinceramente, olhando para baixo.
- Queria saber quando você vai dar esse golpe do baú. – Afirmou, pensativo. Como se eu realmente estivesse pensando nisso.
- Eu não vou roubar o namorado da minha melhor amiga, Gus. Nossa amizade vale mais do que um romance que pode não dar certo. – Ele me deu um sorriso tristonho.
- Quando você vai parar de pensar só nos outros? Tem que pensar em você também. Altruísmo é ótimo, mas amor próprio é excelente. – Eu pensei em suas palavras por um momento.
- Mas caraa, eu nem ao menos sei se gosto dele tanto assim. Tipo, não gosto dele do jeito que a gosta por exemplo.
- O que ele veio fazer aqui ontem? – Perguntou, me ignorando completamente. Fiquei confusa.
- Como sabe que ele veio aqui ontem?
- Eu ouvi a voz dele quando você desligou o telefone na minha cara. – Respondeu, quase rindo.
- Ah! – Eu ri. – É que ele acha que a está traindo ele com o . – Despejei. Ele me encarou de olhos arregalados e depois encarou os próprios pés. Não. – Gus, não me diga que é verdade.
Ele não me respondeu. Continuou encarando os sapatos.
- Gustavo? Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, me diga que não é verdade.
Ele olhou em meus olhos. Claro. Mas não podia ser. ... Ela não faria isso. Faria?
- Gustavo Henrique, me responde! – Praticamente gritei pra ele.
- Olha , ela ia terminar com o . Mas... , não faz isso, volta aqui! -Ele gritou, assim que sai correndo pela casa. Eu iria até e ela iria me dizer que era mentira. Ela tinha que dizer que era mentira.
Sai correndo pela rua, com um Gus ofegante atrás de mim. Eu ia tocar a campainha quando ele me segurou por trás.
- Não, ele não pode saber.
- Não é com ele que eu quero falar! – Falei, grunhindo de raiva, lutando para ele me soltar.
- Ela não está ai. – Sussurrou, me puxando para a rua.
- E onde ela está, Gus? Hein? Com o ? É da minha amiga que a gente tá falando! – Falei, nervosa e semi-desesperada. Assim que fiz menção de tocar a campainha de novo, deu um pigarro atrás de nós.
- Querem falar comigo? – Perguntou insegura. Olhei brava na direção dela.
- Sim, eu quero. Esse infeliz em forma de gente me disse que VOCÊ, está traindo o com o ! E eu já disse que é mentira, já falei. Mas ele tá falando que é verdade, . Acontece que Gus é meu melhor amigo, ele nunca mentiria pra mim. E você também é minha melhor amiga e também nunca mentiria pra mim. Mas um de vocês está mentindo. QUAL DOS DOIS ESTÁ MENTINDO CARAMBA? – Perguntei, enfurecida.
- , eu ia contar. Mas ele estava tão feliz que eu não pude... E também ele tá morando na minha casa. Ia ficar um clima estranho depois. – Me sentei na calçada. Coloquei as mãos nas têmporas, massageando-as. tinha razão o tempo todo.
- , você tem ideia do que fez? – Ela olhou para baixo. Nunca vi tanta culpa em uma pessoa só.
- Claro que tenho! Não sou uma estúpida! Eu sei que ele vai odiar cada célula do meu ser quando descobrir. Eu sei disso. Eu sei. – Falou séria. Lembrei-me de algo muito sério, que tinha prometido a ela.
- , eu acho que... Talvez, eu... Eu goste muito, muito mesmo do ... E a última coisa que eu quero é que ele volte para Inglaterra por causa de um erro SEU!
- , confia em mim, vou tentar dar um jeito nisso. – Pediu, olhando com aqueles olhos culpados. Minha amiga precisava de mim. Ela cometeu um erro e precisava que eu a ajudasse. Seus olhos pediam por isso. Mas eu não sabia o que fazer. Por acaso não foi ela que começou uma briga quando achava que eu estava gostando dele? E por acaso não foi ela que acabou de traí-lo mesmo assim? Eu não sabia se devia encobrir e ajudá-la ou se devia correr e contar imediatamente a por causa do medo que eu tinha de ele voltar para o seu país. Sim, eu tinha medo de que me odiasse se eu ajudasse minha amiga.
- Não sei, . Não sei. Acho que vou... Pensar um pouco. Absorver a história. – Respondi finalmente.
- Não fala nada pra ele, tá bom? – Pediu, com os olhinhos brilhando. Levantei-me do chão para ir embora.
- Não, eu não vou falar nada. Você mesma é quem vai contar. E até o fim dessa semana, ele VAI ficar sabendo disso. Ouviu, ? – Deixei minha ameaça implícita nas entrelinhas. Assim que terminei de falar, virei às costas e fui em direção a minha própria casa. Gus veio atrás de mim.
- Ele vai me odiar para sempre, Gus! – Falei, entre soluços de lágrimas não derramadas. Gus me abraçou. – Ele vai pensar que eu estava ajudando os dois todo o tempo! O que eu faço, Gus? Eu ajudo minha melhor amiga, ou eu ajudo o ? –Ele só ficou me olhando ternamente depois que me soltou, enquanto subíamos a escada e íamos até meu quarto. O que será que a Kate diria se tivesse aqui?

Flashback on
09/01/2009

“Parabéns pra você. Nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida. E pra nada? Tudo! É, é pique, é pique, é pique, é pique, é pique. É hora, é hora, é hora, é hora, é hora. RÁ-TIM-BUM. "
Eu odiava a hora dos parabéns. Odiava ser o centro das atenções. Mas lá estava eu, entre Kate e Ninha, pulando na frente do bolo de chocolate feito pela Ellen.
- O primeiro pedaço vai para...
- Mim! – Kate disse.
- Não, dá pra mim! – Falou .
-vPoxa , passou de ano em química graças a minha parceria. – Resmungou Gus.
- Gostoooosa, dá pra mim! – Gritou Alex.
- Essa frase não ficou legal, cara. – Rebateu .
- O PRIMEIRO PEDAÇO DE BOLO VAI PARA A THAY! – Falei. Thay, envergonhada, saiu das sombras para pegar seu pedaço.
- Uuuuuuuh, marmeladaaa! – Reclamou .
- Marmelada, marmelada, marmelada. – Fizeram o coro, enquanto eu dava meu pedaço para Thay.
Depois que todo mundo pegou o bolo, os meninos fazendo o maior draminha de criança pra ver quem ia pegar bolo primeiro, eu, , Rafa, Kate e Juh fomos para o quintal da minha casa.
- Kate, quando você terminar com o Sam, dá ele pra mim? – Perguntou Julia, fazendo graça.
- Lógico que não, tapadona. – Repreendeu Rafa.
- As regras. – Falou , indiferente.
- Que regras? – Perguntei confusa.
- A gente tem que oficializar as regras por aqui, meu povo! – Falou Kate.
- Ok. Então vamos oficializar a regra número um. – Falou Julia. Olhamos todas para Kate.
- Regra número um da nossa irmandade: Estamos terminantemente proibidas de namorar qualquer ex-namorado das nossas irmãs. – Kate pegou um alfinete no seu vestido e furou o dedo. Uma bolinha de sangue apareceu. Todas fizemos o mesmo e depois juntamos todos os nossos dedos, misturando o sangue. Começamos a rir.
-Isso ai povada, temos um pacto de sangue. Não pode pegar o namorado da outra. – Finalizou Kate.

Flasback off

Kate diria que eu não posso. São as regras. Comecei a me odiar por dentro.
Era oficial. Eu estava absolutamente encantada pelo namorado da minha melhor amiga, correndo o risco de me apaixonar por ele.

POV’
Não precisa ser mago para saber que eu e não estávamos nos falando. Parece que a discussão de ontem rendeu mais dois dias de ignorância mútua. Acordei muito cedo, bem mais cedo que o normal e percebi que tinha saído. Ótimo. Fiz tudo que eu tinha que fazer no quarto e decidi descer para tomar café. Porem antes de descer fui investigar o quarto de . Felizmente estava bagunçado, ela não tinha fugido durante a noite. Algo na janela me fez olhar para fora.
parecia estar brava, discutindo com e Gus. Os dois baixavam a cabeça enquanto ela parecia gritar. Eu pensei em ir até lá fora, mas o telefone começou a tocar. Desci correndo para atendê-lo.
- Alô? – Falei, apressado.
- Oi! A esta ai? – Era Julia.
- Não... Quando ela chegar eu digo que você ligou está bem?
- Ok! Beijos! - E desligou. Eu ia subir para tentar entender por leitura labial, mas abriu a porta, entrando na casa. Olhou para mim e eu percebi que ela estava à beira do choro.
- Ah, já acordou. Eu fui na... Padaria. – Falou, mostrando a sacolinha.
- A Julia acabou de ligar. – Foi tudo que eu disse antes de sair porta afora.

Como sempre estive fazendo nos últimos dias, fui até a casa de conversar.
Toquei a campainha, esperando.
- Olá . – Falou Thay, simpática. – Entra. A está lá no quarto dela.
- Obrigada, Thay. – Agradeci, subindo as escadas. Virei o corredor e bati na porta.
- Pode entrar! – Falou . Entrei no quarto e me encontrei com Gus lá dentro, se levantando. Ele sorriu para mim.
- Olá, ! – Eu sorri de volta.
- Oi, . – Falou , com sua expressão séria de sempre.
- Oi, . Oi, Gus - Respondi, sorrindo e piscando. Ela sorriu. Foi até o guarda roupa e tirou um papel de dentro de uma caixa. Era uma Certidão de Nascimento. Eu comecei a rir. Não, ela não fez isso.
- O que está escrito aqui? – Disse ela, apontando para o próprio nome.
- . –Respondi, sorrindo.
- Esse é meu nome. ! – E sorrindo de lado, guardou o documento. Gus nos observava com um sorrisinho esquisito, como se soubesse de alguma coisa que eu não sabia.
- Bom, vou deixar vocês dois, hãn... Conversando? – Perguntou para erguendo as sobrancelhas maliciosamente. Ela corou e lhe deu uma cotovelada que doeu em mim.
- Aaaaah, vou levar o Gus lá pra fora, Ele já abusou – Cotovelada – demais da minha – Cotovelada – paciência hoje. – Cotovelada.
Ela desceu com Gus em seus calcanhares me deixando sozinho no quarto. Na parte vazia do quarto agora tinha um aparador com algumas fotos e eu reconheci Kate em várias delas. Eu queria muito tê-la conhecido. Tinha uma foto de na frente de um bolo com velas de 12 anos, com e Rafa atrás dela, tinha uma foto de caída de bunda pra cima no jardim da mansão dos Espinosa’s. Lembrei do quanto Kate gostava dessa foto e me permiti um sorriso. Vi uma foto meio escondida de e Julia do lado de um carro com uma fita vermelha, com dentro dele fazendo um joinha para a câmera. Era o carro de . Mas a foto era tão recente. Peguei a moldura e olhei a data. 12 de fevereiro. Alguns dias antes de eu chegar.

Flashback on
02/03/2013

- Ah, é pra você! – Me corrigiu, esbarrando a bolsa em mim de propósito ao passar. Quando me virei para o carro, vi que ela tinha roubado meu lugar no banco da frente.
- Ei! Sentei na frente primeiro! – Resmunguei sentando no banco de trás.
- Ou não, né? E ando na frente desde que o mundo é mundo. Ou desde que a ganhou esse carro – As duas riram e eu não entendi o motivo. Senti-me boiando.

Flashback off

Finalmente tinha entendido. Muito engraçadas. A próxima foto era com um vestido azul marinho, e uma coroa de pedras. Era seu aniversário de 15 anos a julgar pelas bexigas na parede. Ela estava tão linda, que até peguei a foto para ver mais de perto. Surpreendi-me ao perceber que olhava mais para o sorriso sarcástico de , do que para o doce sorriso de . Continuei olhando as fotos e parecia que quanto mais avançava, mais velha ela ficava. A última foto, era , , Rafa e Júlia de biquíni, na frente de uma piscina. Senti minha garganta apertar ao perceber que Kate já não estava mais com elas. estava com os longos cabelos nos ombros, e tinha uma mecha azul nele. Ela estava tão... uau!
- Eu tenho outra foto dessa se você quiser colocar debaixo do travesseiro e admirar antes de dormir. – Falou a voz risonha de atrás de mim.
- Estou olhando há muito tempo? – Perguntei, fazendo a maior cara de safado.
- Positivo, senhor. Tem até uma babinha escorrendo bem aqui. – Ela respondeu, apontando para o cantinho de sua própria boca. –O mundo fica perdido quando não encontro alguém admirando minha semi nudeza por fotos. –Comentou, vindo até mim e se sentando na cama. Olhei para ela com uma cara altamente maliciosa.
- Eu já vi tudo mesmo. – Retruquei, me referindo a noite que ela apareceu de lingerie. Ela corou, e fez uma cara de indignada.
- Calado, .
- Cala boca já morreu quem manda na minha boca sou eu. – Falei, mostrando a língua e cruzando os braços. Ela riu.
- Por Deus, quantos anos você tem? 16 ou 5?
- Na verdade, eu tenho 17. –Falei meio envergonhado, sentando em um dos pufes do quarto.
- Oi? Mas seu aniversário não é em setembro? Tá fazendo o que no último ano? – Perguntou confusa.
- Eu... Repeti. – Contei. Ela me olhou incrédula.
- Mas isso não faz o menor sentido! Você sempre tira as melhores notas e nunca falta, por que você repetiria? Que estra...
- Minha mãe morreu. – Interrompi. E então as imagens que eu tanto queria evitar vieram para minha mente.

Flashback on
20/12/2009

- Elena Morgan , foi a melhor mãe que alguém poderia ter. Ela era paciente, quase nunca se zangava, sempre estava de bom humor e sempre, sempre, todo dia, dizia que me amava. Nunca me deixou faltar nada. Ela era o tipo de mãe que iria até a escola se eu tivesse problemas, que me defendia quando eu era inocente. Mas também era o tipo de mãe me fazia tomar minhas próprias decisões e apoiava cada uma delas. É claro que ela brigava comigo quando eu a chateava ou fazia algo de errado, mas todas as brigas e puxões de orelhas me fizeram ser o que eu sou hoje. Ela sempre me apoiou, sempre me fez acreditar que eu iria conseguir o que quisesse. O pior dia da minha vida foi quando me disseram que ela não iria resistir. Foi tão... Difícil aceitar, mas... Eu considero minha mãe a mulher mais forte, mais batalhadora que conheci. Ela lutou bravamente por um ano e alguns meses, ela lutou até seu último suspiro. E até seu último suspiro, ela nunca deixou de me amar. Eu sei que onde quer que eu esteja ela ainda vai estar comigo. Ela ainda vai rir mesmo que eu não possa nunca mais ouvir sua risada, ainda vai chorar mesmo que eu nunca mais possa ouvir seu choro, vai me amar mesmo que ela não esteja mais aqui para me dizer isso. Ela sempre vai estar comigo e eu nunca vou deixar de pensar nela, mesmo que doa. Mas agora... Agora ela teve que descansar. Agora chegou a hora de ela ir embora, chegou a hora de ela nos... Deixar. Ela já lutou demais. Ela merece a paz. – Finalizei o discurso fúnebre e sai do púlpito com lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Todos na igreja me encaravam com dó. Dó. O único sentimento que eles sentiam por mim. Eu via as amigas da minha mãe chorando e quase fui brigar com elas. Amigas. Viraram as costas assim que souberam da doença.
É tanta hipocrisia.
Fui eu quem ficou com ela quando ela já não tinha mais ninguém. Fui eu quem ficou com ela quando ela simplesmente precisava de uma companhia. Fui eu quem tive que achar graça nas coisas que ela fazia, mesmo que estivesse praticamente gritando de dor por dentro, ao lembrar que aquela talvez fosse sua última palhaçada, ou seu último riso. Fui eu quem tive que discar os números da ambulância quando ela passava mal. Fui eu quem tive que passar dias agonizantes no hospital, temendo voltar pra casa, como se minha presença, de alguma forma, evitasse que ela se fosse pra sempre. E fui eu quem tive que olhar ela morrer aos poucos.
Fui só eu.
Papai era ocupado demais em sua tristeza. Preocupado demais pensando em quando não poderia mais vê-la. Aos poucos, meu pai deixou de ser o cara bom e admirável que eu sempre respeitei. Ele se transformou num monstro.

Flashback off

Fiquei muito tempo sem ir para escola. Quando resolvi voltar, eu teria que entrar na série anterior. Teria que fazer a oitava série de novo. Mesmo sem forças, eu o fiz, por que era importante para minha mãe que eu me formasse. Mesmo que ela não fosse à minha formatura.
Quando voltei para o presente, estava me olhando com preocupação. Preocupação e não pena. Não posso nem comentar o quanto me senti bem com isso.
- Você sabe o porquê de eu ter vindo para o Brasil?
- Hm, não exatamente.
- Por que ela era brasileira. Sempre quis voltar para cá depois que se casou. Mas meu pai sempre foi contra. E esse é um país que meu pai odeia, na verdade, então por isso que nunca viemos para cá antes. Queria conhecer o lugar em que minha mãe nasceu. – me olhava com aquela cara de insegura.
- Mas então não faz tanto tempo. – Eu não pude deixar de sorrir.
- Vai fazer quatro anos em dezembro. – Ela estava confusa.
- Mas então como...
- Quando tomei a decisão de vir para cá, não falei com meu pai. Ele era um cara incrível, sabe. Dai mamãe morreu e ele se transformou. Eu não aguentava chegar perto dele. Ele me chamava de inútil, idiota, imprestável, e todas essas palavras amorosas. Qualquer coisa que eu fizesse de errado ele metia a mão na minha cara e dizia que eu era uma vergonha. Então num belo dia, eu comecei a fazer um curso de português. Eu já sabia várias coisas, cresci com uma fluente em casa e ela sempre me encorajava a falar as duas línguas. Mas ela trabalhava e minha babá era britânica, então eu aprendi mais inglês que português e por isso tive que fazer curso. No finalzinho do curso, meu professor me disse que tinha uma família me aceitando. Então eu vim. Deu um baita trabalhão fazer meu pai permitir essa viagem, está ai o porquê de eu chegar três semanas depois do início das aulas, antes que me pergunte. – Terminei meu relato. colocou os cabelos atrás da orelha e olhou para baixo. Eu também permaneci em silêncio. Depois de um tempo ela tirou os chinelos e cruzou as pernas em cima da cama.
- Você sabe de onde ela era? – Perguntou . Eu sorri.
- Sei.
- E você já viu a casa dela? – Perguntou, ternamente.
- Já. Você também já viu. Você até queria dar um beijo nela! – Comentei, lembrando-se de ontem.
- Mas o que...
- A casa de Austin. Ela morava lá. Era dos meus avós, mas ela reformou tudinho. A reforma foi um tipo de estágio da faculdade. Ela foi a arquiteta quem planejou aquilo. Mas se casou cedo por que estava grávida de mim e teve que ir morar na Inglaterra. Quando adoeceu, vendeu a casa para o Sr. McMullen. – olhou para mim, maravilhada e arrependida.
- E eu dei aquele show por causa de um homem idiota enquanto você estava vendo a casa da sua mãe... Desculpe-me , sério. – Continuava insistindo, olhando para baixo.
- , é sério, tá tudo bem. Eu gostei de ter te levado –Tranquilizei-a. Eu tinha gostado mesmo. De verdade. Não poderia ter sido um encontro melhor. olhou para os meus olhos.
- Bom, então... Eu gostei de ter ido. Fico feliz por ter me convidado para uma coisa que era tão importante pra você. – Disse ela, com uma doçura que eu nunca tinha visto em sua voz.
- Sim, era muito importante. – Eu hesitei. – , você tá sentindo isso? A confusão? Eu não estou ficando louco. Eu sei que você sente. – Afirmei, enquanto ela desviou os olhos dos meus e se limitou a olhar para a parede. Depois do que parecia ser um longo tempo, ela finalmente respondeu.
- Eu estou. Mas nós dois sabemos que não há nada que possamos fazer sobre isso. –Ela falava de um jeito triste, como se fossemos mais um caso de Romeu e Julieta. Eu senti que ela estava ficando desconfortável com o assunto, mas não aguentava mais.
- Eu acho que gosto muito de você, . – Ela me olhou. E para minha surpresa, sorriu.
- Eu também acho que gosto muito de você. – Me respondeu calmamente, colocando suas mãos em cima da minha. Não foi nada constrangedor para nenhum de nós dois. Eu gostei. Sentia minha mãe naquele momento. Sentia que ela sorria e piscava para mim, me encorajando a seguir em frente. E era isso mesmo que eu faria.
Por que acima de tudo isso, acima de qualquer outra coisa, sentia meu coração sendo quase completamente entregue para aquela garota.



Capítulo 12


POV’

And estava em choque. Ele estava tentando esconder, claro, mas dava para perceber como várias emoções conflitantes passavam diante do seu rosto. Raiva. Preocupação. Tristeza. Pena, talvez. Não dava para saber qual se predominava mais. Thay já estava em prantos, e tudo que eu podia fazer era segurar sua mão e tentar controlar a situação, caso ela saísse de controle. Mas não saiu.
Por que todos os três pares de olhos nos encaravam, mudos e inexpressivos. Minha mãe já estava começando a formular uma fática resposta para a nossa declaração, mas fechou a boca no último instante. Ela costuma ser uma mulher controlada, raramente grita e posso dizer que desde que ela está com o And tem se tornado uma pessoa melhor ainda. Eu notava como ela ficava feliz sempre que me falava dele no começo do namoro e acho que isso contribuiu para que eu gostasse de And logo de cara.
Às vezes eu invejo a relação deles. Mesmo que ele fique longe a maior parte do ano, ele nunca fica um dia sequer sem ligar pra ela. Ele pode ter trabalhado o dia inteiro, mas sempre liga. E ela nunca dorme antes de falar com ele, nem que isso signifique dormir às duas da madrugada. E sempre que ele vem aqui, não é difícil eles saírem para jantar ou eu encontrar flores ou bombons na mesa. Eles estão juntos há apenas oito anos, mas é visível que, apesar da distância e do pouco tempo que ficam juntos, o amor deles só cresce. Às vezes, depois de um jantar, ou cinema, encontro minha mãe na frente do espelho suspirando como uma adolescente. Seria mentira dizer que eles nunca brigaram. Entretanto, as brigas giravam em torno de coisas tão bobas, que no dia seguinte pela manhã o assunto já estava morto e enterrado. De vez em quando ainda rola umas intriguinhas (minha mãe com ciúmes, na maioria das vezes), mas isso não muda o fato de que eles são apaixonados, e eu sonho ter uma relação exatamente como essa.
Mesmo agora, diante da seriedade da situação em que todos nos encontramos, eles estão meio que abraçados, com as mãos unidas, o choque idêntico em ambas as expressões.
Foi a velha Sra. Mags (ou simplesmente “Vó Mags”, como ela quer que eu a chame) quem finalmente quebrou o silêncio mortal.
- Como assim, grávida? Da última vez que eu a vi, você era uma mocinha saudável, não pensava nessas coisas... – Ela suspirou triste e confusa.
- Da última vez que a viu, mãe, ela tinha 2 anos. – Informou And, com o semblante exatamente como o da mãe. Nem eu nem minha mãe ousamos abrir a boca. Thay fungava e chorava descontroladamente do meu lado, mas eu não ia desabar. Iria ficar firme, por ela.
- Eu não posso dizer que estou feliz, por que não estou. – Começou And. – Na verdade, estou decepcionado. Você tem 15 anos, acabou de começar o ensino médio, ainda é uma criança! Thay, por que fez isso? Por que, em nome de Deus, você fez isso? Quando você nasceu eu imaginei uma vida pra você! Eu tinha planos pra você, Thay! Você estragou tudo.... – And, que se parecia ter todo um discurso não conseguiu terminá-lo, se levantou, prestes a deixar a sala. À essa altura, a sala já estava um rio: minha mãe, eu, Thay, Sra. Mags, até meu padrasto, todos chorando. – Eu só queria que você tivesse... Que você fosse... Só queria que você se lembrasse das consequências disso. – And se virou, indo se trancar no quarto provavelmente. Minha mãe foi logo atrás, não sem antes encarar Thay com um olhar de desaprovação e tristeza. Ela nunca foi o tipo de madrasta má, mas Thay chorou mais ainda por causa disso.
Apenas a Sra. Mags ainda estava na sala e sugeriu que tomássemos um copo de água, principalmente Thay, já que ela estava gestante e não podia se estressar. Ainda não conseguia pensar nessa palavra me referindo a Thay. Bom, essa verdade ia ter que ser dita um dia, por que não hoje? And tinha voltado pra casa mais cedo outra vez, trazendo vó Mags para passar um tempo com a gente. Ela não batia muito bem da cabeça na verdade, porém era uma companhia bastante agradável. Mas ela não estava sendo exatamente conveniente agora.
- Na minha época, nós não podíamos nem namorar. Eu aparecer grávida sem um marido? Era deserdada, na hora! Tenho certeza que seu pai te deserdaria se ainda vivêssemos naquele tempo. – Informou ela, como quem não quer nada. É claro que ela não era tão velha assim, tinha menos de 70 anos, mas como disse, ela não batia muito bem da cabeça. E, como se fosse possível, Thay começou a chorar mais ainda e se mandou para o quarto. Que ótimo . Olhei feio para a senhora, mas logo suavizei a expressão ao ver que o comentário dela tinha sido ingênuo a ponto de ela fazer uma cara extremamente chateada e confusa.
- Mas o que eu disse que a ofendeu? – Perguntou-me, levantando do sofá e indo para o quintal, gesto que dizia que ela não estava querendo obter uma resposta. Não restando mais nada a fazer, fui pro meu quarto também.
Abri a porta e mesmo antes de chegar na escrivaninha, já vi meu celular piscando, sinalizando novas mensagens. E estava piscando muito.
Argh.
Eu realmente odiava grupos de WhatsApp, porque era um bendito de um pisca pisca infernal e eu nunca conseguia acompanhar a conversa. Fiquei tão irritada com o novo grupo que me colocaram (eu realmente queria socar a cara daquele administrador), que quase nem vi as mensagens. Entretanto, meu sexto sentido me dizia para conferir. Sai do grupo sem nem ver quem estava lá (embora fosse fácil deduzir quando o grupo se chamava “Gus Gato Always”) e sorri sem querer quando vi uma mensagem de . Era uma única palavra, mas fiquei feliz mesmo assim.

- Sobreviveu?
- Sim, tudo vivo por aqui.
Respondi a ele, ainda sorrindo. A resposta chegou segundos depois:
- Não estou certo. Talvez eu deva ir ai conferir com meus próprios olhos-.
Eu sabia que não era uma boa ideia, principalmente por causa da tensão familiar na qual todos nos encontrávamos, mas justo naquele momento, eu sentia que precisava dele aqui comigo.
- A porta estará aberta.
Fiquei com vó Mags no andar de baixo, esperando ele chegar. O que só demorou uns cinco minutos (eu juro que não contei). Joguei o cabelo pra frente a lá Joelma e dei uma balançada nele, a fim de deixá-lo mais “vivo”. Plantei um sorriso na cara e fui abrir a porta; sorriso que morreu assim que eu vi a cena do outro lado.
Uma rosa. segurava uma rosa. Não apenas uma, mas várias delas. E não eram simples rosas. Eram rosas azuis. Eu arfei, fitando seus olhos brilhantes perplexa, incapaz de pensar qualquer coisa que não fosse: “Esse garoto está me deixando louca”.
Faziam quase duas semanas que ele não aparecia aqui em casa, um tempo na verdade muito longo depois de todas suas visitas frequentes, mas eu, surpreendendo até a parte mais irracional do meu cérebro, me acostumei com a falta de contato. No começo foi estranho, a gente mal se falava e até mesmos nossos comprimentos eram cordiais demais. A conversa não fluía mais como antes e por essa razão comecei a desistir dela. Mas eu sabia que nós teríamos que conversar sobre isso algum dia. E, como se não bastasse, ele não tinha terminado com <, o que só piorava as coisas. Por que eu tinha chegado à conclusão de que aquele tipo de declaração não se faz à melhor amiga de sua namorada e eu queria me afastar dele, queria parecer indiferente. Claro que ele não desistiu das conversas como eu. Passei as duas últimas semanas dando desculpas, e ele assentia como se acreditasse nelas, sabendo que eram mentiras. E eram desculpas muito não acreditáveis como: “Hoje não vai dar, vou ajudar minha mãe a fazer compras” (minha mãe nunca faz compras e ele sabia disso), “Putz, olha a hora, sou eu quem faço a janta de hoje” (e eu não sabia nem fritar um ovo e ele também sabia disso), “Uau, hoje é dia de ir buscar And no aeroporto” (essa última eu usei por quatro dias seguidos). Pois é. Sou uma ótima inventora de desculpas. Porém eu estava muito bem na arte de fugir de e de qualquer ameaça que ele pudesse representar ao meu pobre coração. Por isso eu achei ridículo, e estranho, que eu precisasse do aqui comigo agora, já que eu não precisei dele nessas últimas semanas e principalmente por que nunca precisei de ninguém assim antes.
Mas de uma forma absolutamente inexplicável, eu precisava dele. E o motivo estava bem na minha frente: sua bondade, sua gentileza, sua paciência e sua atenção. Não me lembro de ter dito minha cor favorita para ninguém, a não ser <, talvez. Ou Gus.
Sorri de verdade pra ele, dando um passo pra trás a fim de que ele passasse pela porta.
- Oi.
- Oi – Ele respondeu. E sorriu.
- Ora, mas quem é esse jovem adorável? – Perguntou vó Mags que lia algum romance qualquer no sofá. E abaixando os óculos acrescentou: – Seu namorado, ?
- Não! – Respondi, meio que gritando, rápido demais talvez, como se fosse um grande insulto rotulá-lo daquela forma. Lembrei-me de quando Austin nos fez a mesma pergunta há algum tempo atrás e nós dois intervimos. Dessa vez apenas eu intervim na conclusão precipitada de minha vó e o exibiu uma carranca, o que significava que eu o havia magoado. Tentei consertar. – Esse é o < , vó, um GRANDE amigo meu. E essa é vó Mags, . –Apresentei, enquanto gesticulava para ambos conforme os apresentavam. O sorriso infantil e sincero de vó Mags fez < sorrir.
- Prazer, vó.
- Ah! O prazer é todinho meu... todinho, todinho – Disse vó Mags, com um brilho no olhar, voltando a ler seu romance. Eu não tinha muita paciência com idosos, mas tenho que dizer que em três dias aquela senhora já tinha conquistado meu coração de pedra. Duvido que esteja imune ao seu encanto. Ninguém está. Sorri. Eu estava começando a formar uma sugestão em meus lábios, quando a voz de And preencheu a sala.
- Quem ele pensa que é para entrar aqui sem ser convidado? – And soou bravo, mas eu sabia que ele estava brincando. obviamente não, por que se encolheu todo e com uma expressão de quem se desculpa, foi saindo de fininho e murmurando:
- Hm, desculpe senhor, desculpe mesmo, sério... – E continuou, continuou interminavelmente. Eu e And olhamos um pra cara do outro e desatamos a rir. não havia conhecido And ainda e estava explicado porque não conhecia seu senso de humor. Quer dizer, And não é apenas enorme, mas também é fortão, parece aqueles bandidos rabugentos em filmes de policial. E com aquela voz grossa, faz qualquer um tombar de medo. Observando And agora, vejo que ele está melhor. Não exatamente bem, mas melhor. Para fazer piadinhas, deve estar muito melhor. nos olha com uma cara de puro deboche e se dirigindo especificamente pra mim, resmunga:
- Eu já sabia que ele estava brincando, tá? Ele parece ser bem educado para fazer esse tipo de coisa. – And continua bem humorado, mas apenas eu caio na gargalhada de novo.
- Seu namorado é bem educado, . Tá aprovado. –Diz And, piscando. Ô meu Deus, qual era o problema da família Richüivan? Olhei pra , que ainda segurava as rosas das quais eu havia esquecido que existiam. Claro, as malditas rosas! Ora, essa seria a conclusão que todos chegariam. Pela primeira (e última) vez na noite, detestei aquelas rosas. fez uma cara feliz, como se não tivesse uma namorada. Fiz uma careta.
- Aaaaaand, ele não é meu namoradooo... – Resmunguei pela segunda, e espero que última, vez na noite. And olhou pra , que fez outra cara bolada.
- Rapaz, eu sei como se sente. E não é fácil não, viu? Eu precisei ser atropelado para conseguir casar com a mãe dela. – Ele riu, mas pude perceber que só esboçou um sorrisinho amarelo. Ele parecia que não via a hora de sair dali e eu já estava constrangida o suficiente pelos dois.
- Hãan, vamos... pra lá, – Apressei, subindo as escadas que levariam até meu quarto.
- Se comportem! – Gritou And do andar de baixo.
- Pode deixar! – Escutei dizer, sentindo o sorriso em sua voz. Me atirei na cama assim que cheguei ao meu quarto, vendo passar pela porta alguns segundos depois. Olhei fixamente para as rosas em suas mãos e quando ele percebeu o que eu olhava, corou.
- Hm, são pra você. – Esclareceu, esticando os braços para que eu pudesse apanhar as flores. Eu mesma estava enrubescendo.
- Obrigada. – Agradeci, sem sorrir, por que não sabia se tinha energia o suficiente pra isso. Então ficamos nos olhando, um com os olhos grudados nos do outro, até eu perceber que seus olhos dispararam para minha boca. Foi aí que o encanto se acabou; levantei-me da cama e vaguei pelo meu quarto, procurando alguma coisa onde enfiar aquelas flores toda.
- And é legal.
- Sim, ele é. – Respondi, enquanto vasculhava o armário do banheiro. Tinha achado apenas um jarro de água, mas ia ter que servir.
- E sua vó é fofa.
- É mesmo – Concordei mecanicamente, ocupada demais com a tarefa de achar um lugar perfeito para as flores. Ou talvez eu simplesmente não conseguisse olhar para a cara dele agora.
- Ela tem os olhos iguais aos seus. – Virei de frente pra ele, deixando o jarro em qualquer lugar.
- Não tem não, ela é mãe de And. – Falei, como quem ensina quanto é um mais um pra uma criança de três anos. se retraiu, assumindo um tom sério e franzindo as sobrancelhas.
- , ela tem olhos exatamente iguais aos seus. – Ele conseguiu me deixar irritada.
- Você não tem como saber, acabou de conhecer ela. – Ele não se descontrolou.
- Eu, na verdade, tenho como saber, por...
-Não tem não! – Interrompi igualzinha aquelas patricinhas mimadas. Com direito a cruzar os braços, franzir a cara e bater o pé direito no chão. Juro que fiz isso.
- Tenho sim, porq...
- Não tem. – Eu interrompi de novo, só que mais calma dessa vez. Ele me deu um sorriso debochado, se aproximou de mim e tocou minha bochecha. Esse toque fez todas as células do meu corpo entrarem em estado de alerta.
- Eu tenho devaneios enlouquecedores com esses seus olhos. É claro que eu saberia se visse outros iguais a esse. – Ele tentou se aproximar, mas eu me afastei. Ele tem namorada. Que é minha melhor amiga. E estava prestes a trair ela. Que está traindo ele. Assim que pensei nisso esqueci de tudo, inclusive no que nos levou àquele assunto.
- Isso... não tá certo. – Murmurei, me sentindo muito mal de repente. Por que eu deixei que ele entrasse desse jeito? Quando isso começou? Fiquei brava. Se ele ia continuar agindo assim, eu teria que ser radical. Sim, ele estava sendo chifrado, mas não queria que ele traísse , porque não queria que ele se sentisse culpado depois. E obviamente, também não queria que ele traísse comigo. Ou seja, não , você não pode me beijar, nem hoje, nem nunca. – Somos amigos, , PARA DE DEVANEAR COM MEUS OLHOS! –Eu realmente queria soar brava, mas ele não teve a reação que eu imaginei, já que começou a rir. Isso me deixou ainda mais irritada. – O que foi? Qual é a graça? – Perguntei, com uma expressão entre curiosa e perigosamente brava.
- Você. – Riu mais um pouco, mas parou quando viu um livro que eu tinha pego na prateleira e estava prestes a tacar nele. – Desculpa, . Não devia ter rido. – Falou, passando suas mãos em minha face enquanto eu o encarava perplexa. Suas mãos estavam indo na direção exata até minha nuca e eu sabia o que aconteceria se elas chegassem lá, então segurei-as no meio do caminho. Eu estava pronta para expulsá-lo da minha casa, quando uma mancha azul em suas mãos me chamou a atenção. Examinei-as.
- O que foi isso? – Ele corou.
- Bom, você não achou que rosas azuis nascessem na terra, achou? – Perguntou sem graça. Eu não tinha pensado naquilo. Fiquei perplexa (outra vez). – Sujei com anilina. – Disse, mostrando as grandes manchas azuis nas mãos e fez uma careta.
- Você... Está dizendo que... Você... Você fez as rosas pra mim? Quer dizer... Você manchou suas mãos com anilina só pra elas ficarem da cor que eu gosto? – Questionei, extremamente hesitante.
- Hm, foi. – Confirmou, como se tivesse comentando a cor de minhas roupas.
- E o que a achou disso? – Afinal, essa era a parte que mais me preocupava. Eles não estavam exatamente se falando, mas ainda namoravam. fez uma cara chateada, mas depois sorriu debilmente.
- Nós meio que... terminamos. – Respondeu, fitando o chão. Ou pelo menos namoravam até ontem de manhã.
Eu entrei em desespero. Ele dá em cima de mim, eu o rejeito, ele termina com a namorada dele, faz flores azuis para mim, e então, acha que já tem esse direito todo de dar em cima de mim, de novo. Estava óbvio pra nós dois que isso não daria certo. Primeiro por causa da maneira como começamos e segundo por ele ser material proibido. Eu nunca ficaria com ele. Talvez seja mesmo uma grande besteira eu ignorar essa atração por causa de uma simples promessa que eu fizera a Kate, mas foi um dos últimos pedidos que ela pôde fazer. Então eu o honraria, por mais idiota que fosse.
Além disso, eu não deveria estar com , deveria estar com . E era eu a primeira pessoa a quem ela estava oficialmente obrigada a contar sobre o rompimento. O fato de ela não estar ali, de não ter me contado e de não ser eu quem a estava consolando naquele momento, deixou-me enojada e fez eu me sentir a pior amiga do século. Ultimamente eu estava mais amiga de Gus do que de , e isso me magoava. Não por que eu não gostasse de Gus, eu ADORO Gus, mas nossa relação era mais equilibrada quando eu tinha os dois na minha vida. Eram eles que me acolheram desde o começo. e Gus não eram tão amigos assim para que nos tornássemos o trio parada dura, mas mesmo assim saíamos juntos de vez em quando. Teve uma época que eu achava que eles formariam um belo casal, até perceber de quem Gus realmente gostava.
Eu amava a parte de poder dizer que tinha melhores amigos de ambos os sexos. A maioria das minhas colegas de sala não tinham amigos homens e, pode ser bobo, mas eu sempre gostei de falar que tinha um. E Gus na verdade não era feio, o que só me deixava mais orgulhosa ainda. Lembro como se fosse ontem de como começamos a nos tornar amigos. Foi na aula de química, e eu não tinha um parceiro. Gus se prontificou para estudar comigo e a parceria nos levou para um Starbucks no shopping e a partir daí não nos desgrudamos mais. Se eu pudesse, passava 24 horas conversando com Gus e não me cansaria.
Com foi a mesma coisa. Quando eu a conheci, no meu primeiro dia de aula, e descobri que ela não apenas morava no mesmo condomínio que o meu, como também morava naquela casa enorme (vulgo mansão) que eu tanto namorava, quase tive um ataque. Ela percebeu meu interesse e pediu para que eu desse uma passadinha lá depois da aula. E foi isso mesmo que eu fiz, sem a menor vergonha na cara. Nesse mesmo dia conheci Ellen, seus bolos e sua filha, Kate. Nós três viramos amigas na hora. Eu amava aqueles dois e depois de um tempo, consegui continuar amando Kate também, com uma saudade muito apertada.
Sem querer ser egoísta, nem nada, eu amava todos os meus outros amigos, mas e Gus eram meus melhores amigos, aqueles que ouviam minhas queixas e me davam conselhos. Porém tinha coisas que só uma garota poderia me dizer e como também tinham coisas que só um garoto poderia me dizer. E desde quando entrou na minha vida, eu sinto falta desse equilíbrio. Sinto falta de uma interação feminina na minha vida. Não estou culpando por ter me separado da minha melhor amiga, estou culpando a mim mesma pela irritante atração que eu ando sentindo por ele ultimamente. Argh. Pra ser sincera comigo mesma, essa irritante atração que eu sinto por ele desde o começo, quando ele era apenas o intercambista que estava na casa da minha amiga. Quanto tempo fazia? Quatro meses? Quase cinco? Pareciam anos.
- ? – Finalmente me lembrei da existência de no meu recinto e de sua declaração abaladora.
- Preciso que saia daqui. Por favor, saia da minha casa. – Murmurei, depois de pensar um pouco, sem olhar pra ele.
- Mas... Mas , o que é que vo...
- Apenas saia, . –Interrompi, indo abrir a porta do quarto para enfatizar minhas palavras. A parte boa é que ele se tocou e caminhou a passos lentos até a porta, com uma expressão muito chateada. A ruim, é que minha mãe escolheu aquele momento para estar atrás da minha porta.
- ! –Minha mãe gritou com as mãos no coração, como se tivesse levado um susto. - Ah, oi ! , eu ia te chamar pra jantar. Aproveita e convide para se juntar a nós. – me deu aquele sorrisinho zombado, ficou confiante de repente, e eu o fuzilei com o olhar, suplicando mentalmente para que minha mãe entendesse minha situação.
- Se eu não me engano, ele me disse que já comeu antes de vir pra cá, mãe. Vou acompanhá-lo até a porta e já vou pra cozinha, ok? –E meu plano teria dado certo, por que minha mãe aparentemente acreditou em mim. Mas então, abriu aquela maldita boca.
- Na verdade, estou morrendo de fome. – Assim. Na maior cara de pau. Minha mãe arqueou as sobrancelhas para mim, mas não disse nada.
- Espero vocês lá embaixo, então. – E desceu as escadas. Assim que ela saiu, eu me virei de costas pra ele. Odiava olhar aquele sorrisinho gentil porém ousado, odiava aqueles estúpidos olhos azuis, odiava ficar sozinha com ele, odiava gostar tanto dele e odiava saber que na verdade eu não odiava nada disso. Ele estava me levando a loucura a cada passo que dava, cada palavra que falava e eu já estava farta disso. Qual é a parte de “não podemos ficar juntos” que ele não entendeu? Mas que saco, eu não ia pegar as sobras da minha melhor amiga. Era pra eu estar lá juntando os cacos dela e não os dele. Se bem que eu sabia que não estava mal coisa nenhuma, já que estava tão amiguinha do assim, então essa era só uma desculpa do meu subconsciente por que eu não queria admitir. Não queria admitir que eu gostava sim, de , mais do que eu deveria. Mas eu não podia de maneira nenhuma me entregar a ele.
Eu queria que ele fosse embora. Não aguentava mais ele no meu quarto, perto de mim. Dava para ouvir a paciência dele exalando, assim como seu perfume. A porcaria do perfume que ficaria no meu quarto para todo o sempre, de tão forte. pigarreou para chamar minha atenção, mas eu não queria me virar. Definitivamente, eu preferia ser picada por cem abelhas a conversar com agora.
- . – Chamou. Mesmo não querendo, virei-me.
- O que é?
- Para com isso. Até parece que você não sente o mesmo que eu. Para de ser infantil e admite. – Aquela era uma parte dele que eu não conhecia. Imaginei ele falando as mesmas palavras pra há algum tempo e tive um surto de ciúmes interno. Acho que não estava dando certo. Eu me limitei a olhá-lo com a cara mais zangada que consegui.
- Coma a porcaria da sua janta e saia da minha casa, . – Disse a ele, antes de apagar a luz e descer, sem esperá-lo.
Durante o jantar, ele tentou várias vezes conversar comigo, mas eu nunca respondia. Até And percebeu que tinha algo me incomodando, pois não parava de me encarar. E quando eu julguei ser muito tarde, lancei uma pequena indireta do tipo “Nossa, já são 21:30!” e como ele era insistente, porém educado, entendeu a indireta (rindo), e se despediu da minha família. Ainda teve a ousadia de me pedir para levá-lo até a porta. Eu estava disposta a dizer que ele tinha suas próprias pernas, mas minha mãe me lançou aquele “olhar de mãe” e eu tive que ir. De cara amarrada, mas fui.
Eu não estava mais tão brava, mas se para afastar eu tivesse que ser estúpida, assim seria. Se eu o tratasse mal, quem sabe ele perdesse o interesse e voltasse com ? Seria um “felizes para sempre” perfeito. E eu também não sabia por que ele queria tanto uma namorada, já que vai embora em janeiro. Seu intercâmbio estava acabando, não fazia sentido nenhum arrumar uma namorada num outro país...
E então eu lembrei de uma coisa.
Lembrei da história que me contou sobre sua mãe. Ela era brasileira, mas quando Sr. veio pro Brasil, apaixonaram-se e se casaram, indo morar na Inglaterra. Seria esse o plano perfeito de ? Encontrar uma alma gêmea aqui e arrastar ela pra Inglaterra com ele? Será que ele sentia tanta falta da mãe a ponto de se unir com um sangue brasileiro que ocupasse o lugar dela, de alguma forma? Esse era mais um motivo para eu não deixá-lo se aproximar de mim. Ele não podia me arrastar pra Inglaterra. Qualquer um diria que eu só estou fazendo o tipo de garota dos livros, que não gosta do exterior e nunca quer viajar, só quer saber de Brasil, Brasil, Brasil, mas que no final das contas vai para outro país, encontra o amor da sua vida, o emprego dos sonhos e vive feliz para sempre. (É, eu lia muita fanfic). Mas na verdade, eu ADORARIA conhecer a Inglaterra. Não era meu sonho de consumo, como a França, mas é claro que se alguém me desse uma chance, eu não hesitaria. Agora, morar lá? Deixar tudo e ir? A resposta é não. Eu tenho tudo que preciso bem aqui, não conseguiria me afastar dos meus pais, nem dos meus amigos.
Depois da reflexão, percebi que eu de verdade não estava brava, se é que eu tinha ficado antes, entretanto não podia me dar ao luxo de que ele começasse a ser meu amigo de novo. O plano de separação estava quase dando certo, não ia colocar tudo a perder agora. Fiquei distante dele por duas semanas, seria fácil ficar mais alguns meses. Mas o destino criava situações interessantes para rir da minha cara, como por exemplo aquele maldito sorriso que fez eu fechar a cara de frustração no momento que o vi.
Abri a porta pra ele passar, ensaiando um “boa noite” bem ríspido. Ele, porém, foi mais rápido e fechou-a.
- Você está bonita hoje, . –Começou, me encarando de cima a baixo. Descaradamente. Com o sorriso e tudo. Eu me perguntei por que ele mudou de assunto tão repentinamente. Mas fiquei tão lisonjeada com o elogio (não que eu tenha admitido), que falei a primeira coisa que me passou pela cabeça.
- Para de dar em cima de mim.
- Não estou dando em cima de você. Bom, a não ser que você pense que eu esteja dando em cima de você, ai significa que você gostou do elogio. – Retrucou, gesticulando com as mãos enquanto falava. Ele me deixou totalmente confusa.
- Você está dando em cima de mim. – Afirmei, por não ter o que falar. Ele apenas riu. Ficou um tempo pensando e parecia estar tentando achar o jeito certo de falar alguma coisa.
- Para provar que sou de Deus, quero te levar em um lugar amanhã, depois da aula. – Falou, finalmente. Minha resposta saiu antes mesmo de eu pensar no assunto.
- Não vou sair com você. – Recusei, fazendo parecer que essa era a ideia mais estúpida que ele tinha tido. Na verdade, era mesmo.
- Não é um encontro. – Ele insistiu. Eu hesitei e ele colocou a mão direita no bolso, meio constrangido. Pela sua expressão e comportamento eu já sabia que esse tal lugar não era um lugar no qual amigos se encontravam.
- É um encontro, sim. – Falei, arqueando as sobrancelhas e abrindo a porta novamente. – E eu não vou.
- Qual é , eu não vou te beijar. –Tentou insistir mais uma vez. Mas sua cara de safado dizia que ele me beijaria, sim, se eu vacilasse.
- Você vai me beijar. E não é por isso que não quero ir. – Ele me estudou por um tempo antes de continuar insistindo.
- Não precisa ter medo de mim. Não vou fazer nada que você não queira. – Dessa vez, ele não falou como o cafajeste que eu não conhecia, falou como o... . Ele falou com sua gentileza e paciência de sempre, abandonando a pose de safado e voltando a ser o de quem eu tanto gostava. Mas isso só colaborou para fazer eu ficar mais nervosa ainda e tentar afastá-lo com mais urgência. E é claro que eu digo coisas muito inúteis quando fico nervosa.
- Não é de você que tenho medo, é de mim mesma, porq... – Me silenciei, pensando na asneira que eu tinha acabado de falar. Burra, burra, burra, burra.
- Tem medo de que, ? De se apaixonar por mim? Isso seria assim tão ruim? – Indagou, meio chateado. Eu sabia a resposta. Ele sabia que eu sabia. Porém, o que eu sabia também era que eu não podia falar a verdade. Esse era um sacrifício que eu teria que fazer. Não queria ter que dizer aquilo. Contudo, eu tinha que dizer. Para o nosso próprio bem.
- Seria muito ruim, sim. – Respondi, encarando os sapatos. Não ousei olhar para a expressão dele e querer mudar de ideia. Não suportaria olhar aquela face tão gentil, tão preocupada e tão... ele. Aquela face com certeza arrebentaria o muro de pedra que eu construí quando Kate se foi. Ele tinha o poder de fazer isso. Tudo que eu queria era gritar, abraçá-lo, pedir que ele ficasse, mas sequer olhei pra ele. Ele conseguiria fazer eu mudar de ideia. E eu não iria mudar de ideia. As coisas tinham que ser assim. E ponto. Então, eu escutei ele se afastando. Da minha casa, de mim, da minha vida. Mas não sem antes dizer uma frase que fez com que eu quase abrisse a boca para dizer que eu definitivamente não queria que ele fosse. Que eu queria que ele ficasse, de vez. Que eu precisava dele, de uma forma estranha, porém sincera. Como eu não podia dizer nada, só escutei as palavras que quebraram meu coração saírem de sua boca.
- Vou me lembrar disso.
E depois, ele se foi. E eu me senti orgulhosa por ter conseguido afastá-lo, mas ao mesmo tempo triste e totalmente arrasada, por que eu amava a companhia dele. Mas não era só a companhia dele que eu amava. Porque como se não bastasse, eu na verdade não sentia medo. Mesmo sem querer, já estava apaixonada por ele e só tinha percebido naquele momento, quando ele finalmente se afastou.
Oh, céus. Eu estava completamente apaixonada por
E pelo resto da noite, tudo em que conseguia pensar era: “O que foi que eu fiz?”.

POV’

- , pegou o guarda-chuva? – Gritou tia Rô do andar de cima.
- Peguei, sim! – Gritei de volta, abrindo a porta para conseguir ver a rua através da cortina de água.
Mais um dia lindo na cidade grande. Bom, depende muito do ponto de vista de cada um. Pra mim, “lindo” vai de acordo com meu estado de espírito que, no momento, está depressivo, nublado e chuvoso, exatamente como o céu lá fora.
Tentei mais uma vez colocar na minha cabeça que eu já esperava por aquela reação dela. Mas era mentira. Eu estava 100% certo de que ela iria me ouvir, iria ficar comigo, ou pelo menos tentar. Na verdade, ainda estou confiante disso. Mas como faço pra ela ver que é louca por mim?
Não faço. Essa é a resposta.
Ou ela descobre sozinha, ou não descobre, muito simples. E ainda tinha . Pensei que ela ia ficar com aquela cara de cachorrinho abandonado, que ia pedir para voltar, mas ela fingia que nós nunca tínhamos namorado! E estava feliz o tempo todo, além de ser excessivamente gentil comigo. Não sei porque, mas fiquei decepcionado com isso. Entretanto, achei que era uma coisa boa. Se visse que estava feliz, não ia se sentir culpada ficando comigo, ia? Eu queria de verdade acreditar que não. Escutei a buzina que me acordou dos meus pensamentos.
- Entra ai, cara! –Falou de dentro do carro. Abri a porta do passageiro e sentei-me no banco. Eu não havia aberto o guarda-chuva só para ir da soleira porta até o carro, então acabei ficando molhado, já que a chuva estava bem forte. Tinha que tomar cuidado para não ficar resfriado como .
não falou nada, então voltou aos meus pensamentos. Eu não tinha sentido aquilo por ninguém antes. Eu queria que ela fosse minha. Eu queria que ela ficasse comigo. Não era por um simples capricho, envolvia sentimentos, e sentimentos fortes. Se eu tivesse que ficar no Brasil para sempre, por ela eu ficaria. Eu não tinha nada que me prendesse na Inglaterra no momento. Nenhuma família, nada. Mas se ela me dissesse com todas as letras que não desejava ter nada comigo e que queria que eu voltasse para a Inglaterra, era exatamente isso que eu faria. Agora eu tinha algo que me prendia no Brasil. Além dos familiares de minha mãe (que eu ainda não criei vergonha na cara para ir visitar), tinha ela. Jesus, eu tinha que parar de pensar nela. Vamos, , pare agora!
- Ei, fez aqueles exercícios de física? – Perguntei, tentando ocupar minha mente com coisas supérfluas.
- Putz... não. – Respondeu , fazendo uma cara de “ops” enquanto dirigia para a escola. Eu não precisava de nota, mas gostava de causar uma boa impressão em Kay. Até parece que ninguém nunca paquerou a professora. Muitos podem inclusive achar que era uma grande falta de tato, já que você está indo pra escola aprender e não secar a professora, mas qual é, sou educado, porém sou homem. – Hm, mudando de assunto, queria te pedir um favor. – Expressou, passando pelos portões do estacionamento. Eu assenti com a cabeça, indicando que estava ouvindo. – Vou precisar sair com os caras do teatro depois da terceira aula... Você pode levar meu carro?
-Claro, . – De certa forma, o pedido me pegou de surpresa. Eu gostava da confiança que depositava em mim, mas isso fugiu completamente da realidade. Quer dizer, eu era só o cara que estava tentando roubar a garota que ele amava, e ele não reagia, muito pelo contrário, parecia aprovar isso. A maturidade dele me fazia admirá-lo e eu sabia que tinha um motivo para sermos amigos desde quando pisei os pés nessa escola. E ele parecia direitinho o tipo de garoto que se transformaria naqueles homens engomadinhos, andando apressadamente com uma maleta no banco de trás de um sedã preto. É claro que precisava de muita imaginação para imaginar ele assim, já que sempre estava trajava aquelas jaquetas de couro preta que davam um ar meio “badboy” pra ele.
estacionou o carro e, depois de destravar a porta e preparar o bendito guarda-chuva, sai do veículo. Fui em direção ao prédio principal, enquanto , depois de se despedir e dizer obrigado umas mil vezes, conduziu-se ao anfiteatro.
Cheguei ao prédio são e salvo, porém molhado e, assim que pisei lá, meus olhos vagaram direto pra fila dos cookies, onde eu tinha certeza de que a encontraria.
E lá estava ela.
Estava conversando com Rafa, e mesmo de longe dava para ver suas bochechas coradas por causa do frio. Eu devo ter uma espécie de ímã nos olhos, por que eles sempre me atraem pra onde ela está. Imagino que ela também tem, pois, assim que pensei nisso, seus olhos dispararam na minha direção. Pensei ter visto o vestígio de um sorriso, mas não foi nada disso, pois quando percebeu que eu a olhava, voltou olhar para Rafa, rindo de qualquer coisa que ela tenha falado. Ontem, eu havia prometido pra mim mesmo que não me aproximaria de hoje, apenas se ela quisesse. E evidentemente ela não queria, já que marchou em direção a nossa mesa, fingindo que não tinha me visto. Não pude deixar de me sentir chateado. E não restando outra opção, fui pra lá também. Mas não estava inclinado a ignorá-la, mesmo sabendo que ela me ignoraria. Por essa razão, fiquei surpreso quando escutei sua voz ao arrastar minha cadeira.
- Bom dia, . – Olhei para aqueles olhos, que sorriram, ao contrário dos lábios. Eu sorri pra ela, sentando na sua frente, e percebi que os outros ficaram me encarando disfarçadamente. Eles deviam estar me achando um monstro por ter terminado com , mas acho que não, a julgar pela alegria da garota conversando com Júlia e Alex do outro lado da mesa.
- Bom dia, . – E então eles pararam de conversar totalmente e cravaram o olhar em mim. Não soube dizer o que poderia ter causado aquela reação, até compreender que eu não os havia cumprimentado. – Bom dia, gente. – Completei, e, embora a maioria deles tivessem parado de me olhar, percebi que Gus ainda me olhava e que me encarava com um olhar descrente. Ela sorriu sem mostrar os dentes.
- Até que enfim aprendeu meu nome. – E sem esperar eu esboçar uma resposta, virou-se para Rafa e deu um pulinho na cadeira, falando de um jeito todo empolgado e me ignorando completamente. – Ah, então, continuando, daí eu entrei no Facebook e adivinha? Ele me excluiu! Eu ri tanto, mas fiquei com dó também, tadinho! E o outro lá que... – Me desliguei da conversa delas e pensei em qualquer outra coisa, até que eu finalmente escutei o sinal. Aula de física, que emoção.
As aulas passaram depressa (para minha alegria), mas eu não vi em lugar nenhum depois da primeira aula (para minha decepção). Muito menos no intervalo. Eu queria muito vê-la. Desde ontem à noite, tinha a completa certeza que ela iria ser rude comigo, mas ela me tratou com uma gentileza anormal. Contrariando meu bom senso, a parte mais burra do meu cérebro queria acreditar que ela estava arrependida de ter me dado um fora ontem, e que ela estava tentando consertar as coisas entres nós; entretanto, eu sabia que não era isso. Queria saber como o cérebro dessa garota funcionava. Foi ela quem deixou eu me aproximar, não foi? Nós nos tornamos amigos e então quando eu começo a sentir algo que eu não deveria e tenho certeza que ela sente o mesmo, ela me afasta. Por que me afastou? Por que ela afasta as pessoas? Ela tem medo de ser feliz? Será que ainda não superou Kate? Estava completamente confuso com a incógnita que era meu número do conhecimento sobre a garota. Que era zero. Eu não sabia nada sobre ela.
E mesmo assim estava apaixonado.
Nem sequer a havia beijado e estava apaixonado. Por essa razão, eu queria muito saber. Queria saber o que ela gostava e o que odiava. Queria saber seus sonhos, o que ela faria se tivesse mil reais, que nomes daria a seus filhos. Queria saber qual seria sua reação quando visse uma barata. Queria saber qual era sua fruta preferida e se preferia o inverno ao verão. Queria saber se ela gostava de prender os cabelos ou se preferia deixá-los soltos. Queria saber com que frequência ela ia a biblioteca, ou a média de livros que comprava por mês. Queria saber qual era a opinião dela sobre drogas e se ela era contra ou a favor do aborto. Queria saber seus medos, anseios, esperanças. Queria saber seus planos para o futuro e se ela me imaginava nele. Queria saber sobre cada detalhe insignificante de sua vida. Queria saber de tudo sobre ela.
Eu queria muito desvendar esse pequeno mistério que era .
Provavelmente o acontecimento mais interessante da manhã foi quando foi me levar a chave do carro na aula de história e eu percebi uma garota do meu lado que não parou de piscar pra mim o resto da aula inteira, até finalmente se apresentar de um jeito exageradamente sedutor. Não sedutor do tipo que faz um homem se interessar, e sim do tipo que faz os homens saírem correndo.
- Meu nome é Rebeca... – Falou, mordendo a ponta da caneta de um modo que ela deve ter pensado que eu fosse considerar sexy. Mas como eu não achei nada sexy, apenas arregalei os olhos e realmente saí correndo de sua frente, antes que a menina decidisse barrar a porta da sala. Ela parecia o tipo de garota que faria isso.
Depois do intervalo, até antes, eu não estava concentrado, estava completamente disperso. E não era só por ser sexta-feira, mas por que amanhã seria a festa, que depois de ontem eu desanimei de ir. Mas , por um milagre da natureza, ainda não sabia que existia essa festa e todos sabiam que se dependesse dela, iria ficar em casa mofando o sábado todo e por isso cabia a mim distraí-la para que ela não desconfiasse de nada e fosse a bendita festa. Ela ainda estava me deixando doido. Conclui então que eu já gostava dela há mais tempo do que imaginava, desde aquele trabalho de biologia. E agora eu não estava apenas doido por ela, estava apaixonado. Não sei como consegui nutrir esse sentimento, mas se ele estava aqui não seria eu quem o jogaria fora. Por mais que eu não houvesse sido correspondido de primeira, eu iria usá-lo por que era um sentimento bom. E eu iria conquistá-la a qualquer e todo custo, e fazê-la se sentir a garota mais amada do mundo.
O destino foi realmente generoso comigo, por mais ruim que tenha sido a circunstância. teve uma febre feia durante a aula, tendo que ir embora (e seu carro junto com ela) e como nenhum dos outros amigos de tinham um carro, ela teria que ir para casa de ônibus. Duvidava muito que ela fosse de ônibus nessa chuva e, só porque a conheço muito, sabia que sua outra opção seria , mas o carro dele estava comigo. Era só somar dois mais dois e eu já tinha um plano perfeito pronto para colocar em prática logo após o último sinal. Então, depois da última aula, fui andando apressadamente em direção ao saguão do prédio principal e quase surtei com o que vi. Ela estava na frente de uma lojinha em que se lia “Sueli Materiais Escolares”. Oh, droga! ia comprar um guarda-chuva para voltar de ônibus! Ela pensou bem mais rápido que eu.
A loja ainda estava fechada, e durante o tempo que eu ficava pensando no que fazer, vi aquela garota da aula de história que acabei de esquecer o nome passando na minha frente. E isso não era tudo. Ela estava com um avental do “Sueli Materiais Escolares”. Aquela menina trabalhava lá! Mas estava em um beco sem saída. Ao mesmo tempo que ela era minha salvação, para ela me salvar exigia interação social e algo me dizia que ela queria muito mais que interação comigo. Ela estava se afastando, chegando cada vez perto de , que esperava cada vez mais impaciente. Pela sua expressão deu para perceber que ela queria muito ir embora o mais rápido possível e não estava nada animada em pegar um ônibus. Se por ela eu tivesse que fazer isso, então eu faria. Me aproximei da garota e cutuquei seu ombro, tentando a todo custo me lembrar de seu nome. Seja o que Deus quiser.
- Hm... Rebeca? – Chutei, lembrando vagamente de ter ouvido esse nome em alguma parte do curto dia. Ela se virou e me encarou chocada.
- Oh, oi. – Eu achava que ela era totalmente safada e que iria recomeçar a se insinuar piscando e estufando os seios, de repente, mas ela não fez nada disso. Pelo contrário, parecia ser uma garota comum. Apontei para seu avental.
- Eu preciso de um favor. – Ela me olhou com uma cara indignada e fechou a cara. Lembrei-me de ter deixado a garota falando sozinha mais cedo e reconheci que aquele meu gesto grosseiro não merecia um favor. Mesmo assim, resolvi tentar de novo. – Escuta, eu sei que não fui exatamente gentil com você mais cedo, mas poxa, você me assustou! – E então ela riu. Riu! Quando ela se recuperou, olhou pra mim e com um sorriso de covinhas esclareceu:
- Me desculpe por aquilo! Mas graças a sua indiferença ganhei R$50,00 reais! Minhas amigas apostaram essa grana que você dava bola pra qualquer uma e eu neguei, e ainda me ofereci para ser a cobaia. Isso só serviu para eu provar pra elas que você é homem de uma mulher só. – Ela riu como quem se desculpa e eu me senti aliviado ao constatar que eu não havia ferido os sentimentos da garota e que além disso era não era safada nem sedutora, só uma atriz muito ruim. Mas quem sabe assim ela me ajudasse.
- E é exatamente por isso que eu preciso da sua ajuda! – Ela me olhou interessada e fez um gesto para que eu me explicasse. Apontei a cabeça para . – Eu quero levar aquela garota ali pra casa, mas ela não vai deixar se conseguir um guarda-chuva. – Ela fez uma cara de apaixonada. Devia estar pensando no quanto essa história é romântica. Devia ter lhe falado que não era nem um pouco romântica, mas fiquei quieto. Voltei meu olhar ao seu avental e me referindo a garota parada irritada na frente da loja, concluí. – Bom, o que eu queria era que fosse até ela e dissesse que os guarda-chuvas acabaram. Por favor. – Pedi, fazendo minha melhor cara de anjo antes que ela pensasse em negar. Seu olhar se iluminou e eu pude ver que ela tinha concordado.
- Claro que posso ajudar, deve ter sobrado apenas dois ou três, de qualquer forma. Vou dizer a ela que acabou antes de ela entrar e ai ela não vai ter tempo nem de conferir. Me dê alguns segundos. – Assenti e antes que ela pudesse se afastar, agradeci.
- Muito obrigado, Rebeca. – Ela me deu seu sorriso de covinhas e se distanciou de mim indo até , que eu tinha certeza que ainda não tinha me visto. Vi Rebeca abordar , que fez uma pergunta na hora. Rebeca, fazendo uma cara falsamente chateada, negou com a cabeça. Devo retirar o que disse sobre ela ser uma atriz muito ruim. Eu não sabia se ria da cara assassina de ou se ficava com dó da cara de assustada que Rebeca fez. Com certeza ela devia estar pensando quem era o louco que queria levar aquela garota pra casa. Bom, eu definitivamente era louco. , depois de se acalmar, deu um sorriso que eu sabia que era muito forçado para Rebeca e se afastou, pegando o celular no caminho. Era o momento perfeito para eu entrar em ação. Fui chegando perto e aos poucos consegui identificar o que ela estava falando.
- ...TRINTA E SETE MINUTOS! Fiquei TRINTA E SETE minutos esperando EM PÉ, a filha de uma rapariga aparecer na frente daquela loja, pra ela dizer, TRINTA E SETE MINUTOS DEPOIS, que já tinha acabado tudo! Saí mais cedo da droga da aula para comprar a droga do guarda-chuva e TRINTA E SETE minutos depois, simplesmente NÃO TEM MAIS! Quer saber? Eu vou na chuva mesmo, fuck! – Desligou o celular na cara de quem quer que fosse e jogou-o de qualquer jeito dentro da bolsa antes de continuar andando rumo a saída. Eu sabia que se não interferisse agora, ela provavelmente iria na chuva de qualquer forma.
- ? – Chamei. Já estava esperando o mau humor dela, então não fiquei assustado com sua explosão.
- O que você quer?
- Queria te oferecer uma carona. Eu estou de carro. – Arrisquei, apontando para o estacionamento, como quem não quer nada. Ela me olhou de um jeito muito, mas muito homicida. Em outros tempos eu teria ido embora com o rabo entre as pernas, mas agora eu já sabia como agir. Da mesma maneira que sabia que ela gostava de ser surpreendida, por mais que negasse.
- Prefiro andar, se não se importa. Mas agradeço a carona. – Deu para ver que ela estava se controlando muito para ser educada. E o jeito que ela falou definitivamente encerrou a questão, não adiantaria discutir. Ela me deu um último olhar duro antes de recomeçar a se afastar. Eu sabia que não tinha mais jeito e que ela iria mesmo pela chuva, mas não queria que ela ficasse doente, nem se molhasse, nem chegasse em casa com frio e nem nada do tipo. Então resolvi oferecer o meu próprio guarda-chuva para ela, já que eu mesmo não o usaria. Nada mais justo, certo?
- ? – Ela se virou de novo. Estendi meu guarda-chuva em sua direção, antes que ela me corrigisse ou me impedisse de falar.
- Hm... Depois você me devolve. E.... Tenha uma boa tarde. – Sua expressão se transformou e ela me olhou querendo dizer um “obrigada” talvez, mas não saiu nada de seus lábios. Vendo que já estava tudo certo e que meu plano inicialmente brilhante e infalível tinha falhado no final das contas, virei-me para ir embora, entristecido. Como tinha dado meu guarda-chuva para , tive que ir do prédio até a vaga em que o carro estava estacionado na chuva e acabei ficando bastante ensopado. Mas foi por uma boa causa, pensei com um sorriso. Abri a porta do carro e assim que sentei no banco do motorista, a porta do passageiro se abriu e sentou lá, como se fosse algo que ela fizesse todos os dias. Fechou a porta correndo e olhou para mim com a maior cara de arrependida. Minha cara devia estar ótima nesse momento.
- E que lugar era aquele que você queria me levar depois da aula, mesmo? – Perguntou, sorrindo. Não pude deixar de sorrir com ela.
- Você vai amar. – Foi tudo o que disse antes de ligar o carro e dar partida no motor. Aquele dia estava sendo incrível e nem essa chuva toda poderia estragá-lo.

Eu não podia acreditar que estava atrasado.
Eu era um homem e eu, um homem, estava atrasado. Mulheres se atrasam, homens não. Porém aqui estava eu, às seis e dezoito da noite, tentando pentear os cabelos e vestir a calça jeans ao mesmo tempo. A pior parte não era eu estar atrasado. A pior parte era eu estar atrasado para uma festa que seria na minha própria casa! Combinei de buscar às seis horas e ainda não estava pronto. Tudo bem, um brasileiro não conta dezoito minutos como um atraso, já percebi isso faz tempo, mas eu sou britânico e para um britânico se atrasar é a pior coisa do mundo! Tudo isso por que fiquei ajudando aquela anã da a montar o pisca-pisca nas árvores sendo que ela disse que já estava tudo certo.
Nem deu tempo de comer nada, deixei meu quarto todo bagunçado (o que era uma coisa atípica de mim) e fui correndo buscar . Bom, o plano era eu fingir que ia levá-la até o cinema, como combinei com ela, mas quando chegasse em sua casa para buscá-la, alguém iria me ligar e dizer que Gus havia se machucado e então ela iria ter que ir pra casa de e tchãrãaaa... SURPRESA!
Cheguei na casa dela e foi Thay quem atendeu a porta. Eu nunca falei muito com ela e mesmo assim não sabia como reagir ao lembrar que ela estava grávida. Acabei desviando meus olhos para sua barriga sem querer e notei que ela ficou constrangida. Eu poderia ter inventado qualquer desculpa, qualquer uma que eu dissesse já estava bom. Mas ao encarar a protuberância que se via por debaixo de sua regata, percebi a gravidade da situação. Ela seria uma mãe jovem. Do mesmo jeito que minha mãe foi um dia. Ela seria julgada, maltratada e as pessoas falariam dela pelas costas, assim como fizeram com minha mãe. Porém Thay ainda tinha o que minha mãe não teve, que foi o livre-arbítrio. Minha mãe foi obrigada a se casar e Thay além de não ter sido compelida a fazer algo desse tipo, também contava com o apoio da família. Sempre me perguntei se o casamento forçado dos meus pais por minha causa tinha sido feliz, e não sabia a qual conclusão chegava. Não pude deixar de fazer essas pequenas comparações e, naquele momento, tudo o que eu queria era que Thay soubesse que não estava sozinha nessa, pois senti uma compaixão enorme pela garota. Eu achava que ela seria uma mãe incrível e precisava dizer isso a ela. Era provável que ela teria que abrir mão de muitas coisas (como minha mãe fez, indo morar na Inglaterra), mas eu sabia que ela já amava aquela criança que estava ali, por mais babaca que fosse o pai dela. Ia dizer todas essas coisas, mas queria confortá-la pois ela já estava com cara de choro, sentindo-se julgada, provavelmente. Dei um sorriso e falei algo totalmente diferente do que estava pensando.
- Vai dar tudo certo, Thay. – E piscando, pedi licença e sentei no sofá, esperando a noiva da aparecer. Quando Thay entrou na sala de novo, evitei a todo custo olhar para a pequena saliência em seu abdômen. Ela me estudou por um tempo, até perceber que eu fiquei meio sem graça. Quando fez menção de subir as escadas, pareceu que ia cair. Um segundo se passou até que eu desse um salto do sofá e fosse até ela ajudá-la, segurando seu cotovelo para que ela se equilibrasse. Eu nunca havia estado com uma gestante antes, não fazia ideia de como agir. Só falei as primeiras coisas que me ocorreram.
- Quer ajuda para subir as escadas? Precisa de água? Tá com tontura? Precisa de um médico? – Thay me olhou perplexa e deu uma risadinha gostosa.
- Eu não estou doente, , só estou grávida. – Então eu me senti um completo otário e soltei o cotovelo dela. Murmurei umas desculpas e ela continuou sorrindo. Antes de continuar subindo as escadas ela completou – Você é uma pessoa boa. Espero que a saiba o que tem em mãos. – Sorriu pra mim uma última vez, dando uma piscadinha e eu não sabia se me sentia feliz, constrangido ou os dois juntos. Voltei a me sentar no sofá e recebi uma mensagem de dizendo que todos já estavam lá. Pedi para que ligasse daqui uns dez minutos falando do “acidente”.
Exatamente dez minutos depois desceu as escadas.
Sou capaz de jurar que meu queixo desceu uns dois ou três centímetros. Ela estava linda. Vestia um vestido azul escuro que batia um pouco acima dos joelhos e desenhava sua cintura. Usava uma sandália preta que a deixava quase alta. Seus cabelos estavam um pouco cacheados, mais vermelhos que o normal e a maquiagem deixava ela tão... Deslumbrante. Eu nunca havia a havia visto maquiada pessoalmente. Nem com aquele batom vermelho. Ela era bonita sem maquiagem também, mas a maquiagem em seu rosto enfatizava a beleza que ela já tinha. Acho que fiquei um minuto inteiro observando de boca aberta enquanto ela descia as escadas, já que ela estalou os dedos na minha frente cantando um “helo-oou” para chamar minha atenção.
- Oi, ! – Gritou depois que voltei para a Terra.
- Você está gata. – Falei sem pensar. Ela ficou da cor dos cabelos. E eu tinha certeza que estava que nem um nerd falando com uma líder de torcida.
- Vou fingir que isso foi um “oi”. – Bem nesse momento, meu celular tocou e eu treinei para a pequena encenação.
- Alô? – Escutei mil risadas ao fundo e fingi que alguém desesperado tinha me respondido. – Como assim? – De novo nada, apenas risadas. Continuei meu monólogo. – Ok, estamos indo ai! – Devo ter encenado muito bem, pois estava com uma cara muito preocupada.
- O que foi? O que aconteceu? – Me esforcei para ficar sério.
- Gus. Aconteceu um acidente com Gus na cozinha, envolvendo uma faca. – Falei a primeira coisa que me veio na cabeça. Mas Gus era o melhor amigo dela, qualquer coisa que acontecesse com o garoto ela iria querer ajudar. Se eu dissesse que ele pisou em uma pecinha de lego ela iria querer ajudar. E era de conhecimento geral que ele estaria na casa de naquela noite, então a primeira parte do plano estava indo bem.
- Precisamos ir. Anda, , precisamos ir! – Me puxou, abrindo a porta com uma certa urgência. Parte de mim não gostava de fazer ela ficar com esse medo, com essa aflição toda (por mais besta que fosse o motivo), mas depois compensaria. Chegamos na mansão de e a fachada estava absolutamente normal, nem parecia que tinha luzes brilhantes e um open-bar montado nos fundos (os pais de não estavam em casa e os empregados juraram segredo). tocou a campainha freneticamente várias vezes e foi o próprio Gus que atendeu a porta. E ele estava intacto. Droga. Lancei um olhar cruel para Gus. olhou aliviada para ele, tentando observar cada parte da superfície epitelial do garoto, certificando-se de que nada de ruim havia acontecido com ele e, não encontrando nenhum vestígio de que ele em nenhum momento dos últimos cinco minutos havia sido ferido, virou seus olhos questionadores em minha direção.
- Ele está inteirinho. – Eu já ia inventar outra desculpa, mas Gus era um ator melhor que eu.
- , corre, vem ver!!!! – Gritou desesperado.
-Ver o que? – Perguntou a garota, totalmente confusa.
- CORRE!!!! – Gritou ainda mais alto indo pros fundos. A garota, parecendo perdida, foi correndo atrás dele. Eu também fui atrás, ligando a câmera no caminho, não queria perder isso por nada. Enquanto ligava a câmera, pude ouvir gritando um “Mas a gente está indo ver o que, Gustavo?” pelo corredor. Gus parou, abriu a porta que dava para o quintal (que estava absolutamente escuro) e arrastou com ele. Passei pela porta segundos depois deles.
- Olha, eu estou falando sério, se você me assustar eu juro que vou dar uma bofetada nessa sua maldita... – Ia dizendo , até ser interrompida pelas luzes que se acenderam, iluminando o local que seria a melhor festa de sua vida. – Cara. – Completou a frase, fascinada.
Eu tinha que admitir que e fizeram um bom trabalho, estava mesmo incrível. As luzes brancas do pisca-pisca brilhavam nas árvores e junto com essas haviam outras luzes penduradas, de várias outras cores. O open-bar funcionava a todo vapor e eu ainda não sabia como tinha concordado com aquela ideia, mas me garantiram que apenas 10% do bar tinha bebidas alcoólicas. E é óbvio que não acreditei, porém também não me responsabilizei por algo que desse errado. A mesa de salgados estava decorada com pisca-pisca azuis e eu percebi que essa era a parte de na festa. Ela já havia se soltado, mas eu era tímido demais e resolvi ficar na minha. Passei a observá-la. As vezes percebia que estava encarando demais, por isso olhava para outras coisas. Fui em uma dessas situações que vi várias pessoas da escola e tinham algumas líderes de torcida amontoadas ao redor de uma mesa, com lágrimas silenciosas descendo de seus olhos. Eu sabia que aquela mesa era um memorial a Kate que por uma obra cruel do destino não estava lá, em sua própria festa. Rafa e Alex tentaram várias vezes dizer à que seria deprimente demais um memorial daqueles em uma festa; entretanto retrucava que aquela festa era de Kate também e que se fosse para ela estar presente daquela forma, assim seria. Eu concordei com ela, apenas por que sabia que teria a mesma opinião. foi em direção a mesa, abraçando cada garota que estava lá e olhando ternamente para o mural de fotos de Kate. Ela não chorou, mas eu já havia percebido que ela não era fã de chorar em público. Ao se afastar da mesa, ela foi interceptada por Gus e e mais tarde, por Rafa e Júlia que voaram para cima de dela.
- Aeeeew mano! Enganamos você, pode falar! – comemorou Rafa.
- “Enganamos” no plural nada, Rafa, fica shiu aí que você não fez nenhuma colaboração pra essa festa acontecer. – Contradisse Júlia, acabando com a empolgação de Rafa. riu.
- Ah, calem a boca vocês duas! A única que moveu céus, mares e montanhas para fazer isso foi EU! – Protestou apontando para si mesma, indignada.
- Senhora dramática, acontece que você não fez nada sozinha, então silence! – Comentou , chegando por trás dela e segurando em sua cintura. Meu café-da-manhã voltou para a garganta. Resolvi que eu não queria mais olhar e fui vadiando pela festa, cumprimentando algumas pessoas conhecidas, dando a volta para evitar algumas conversas dispensáveis e assim por diante. Meia hora depois, percebi que eu não queria mais ficar sozinho e fui procurar . Ela já havia estado com muitas pessoas, mas queria falar com ela agora, principalmente sobre ontem.
Fui até onde seus amigos estavam, mas ela não estava com eles. Assim que cheguei, 99% da rodinha (isso é, todos menos ) olharam para mim.
- Vocês viram a ? – Perguntei. Júlia olhou para trás, mas vendo que a garota não estava lá, fez uma cara meio confusa meio rindo.
- Ela estava aqui há, tipo, cinco minutos atrás! – Rafa também percebeu que não somente , como também não estavam mais lá. Vi o copo em suas mãos e tirei minhas próprias conclusões sobre o comportamento estranho delas. Eu já ia saindo, quando o próprio me respondeu.
- Ela está na cozinha, com . Acho que iam pegar um refrigerante ou algo do tipo. – Agradeci e sai, tentando decifrar seu tom de voz a medida que andava. Ele realmente não me suportava.
Cheguei ao cômodo e encontrei as garotas em um canto, perto da geladeira. Percebi que elas estavam sussurrando, mais do isso, pareciam estar discutindo. Ai, mas essa agora! Brigando de novo? Era a festa delas! Elas definitivamente não podiam estar discutindo, não era a hora, o dia, e nem o lugar adequado. Eu fiquei indeciso entre sair dali e apartar a discussão, mas escutei meu nome no meio e parei do lado da porta, em um lugar sombreado, para prestar atenção.
- ..., , ele tem todo direito de saber! – ia dizendo . – Por que você ainda não contou?
- Eu ia contar, mas não tive oportunidades! Ele parece estar tão feliz... Você faz bem pra ele, você sabe... – Falou , com uma cara de arrependida. Eu sabia que elas estavam falando de mim. Só não sabia o que estava escondendo, e não tinha certeza se queria saber.
- Eu faço? Olha só, ele vai me odiar se descobrir de outro jeito, , eu não quero que ele me odeie! Se você achou que seu problema já era só por que vocês terminaram, sinto em dizer que está enganada! Vai ter que contar para ele, sim! – ralhava com o semblante endurecido, como se abominasse totalmente o que fez.
- Desculpa, ! É que eu não sei como falar isso. – , pela expressão em seu rosto, estava desesperada. Já havia visto assim muitas vezes, e era só quando a coisa estava realmente séria. Eu não sabia a dimensão dos meus próprios sentimentos. Sabia o que ia acontecer e não queria estar ali para ter certeza. Meus pés, entretanto, pareciam que tinham sido enraizados no branco e liso piso da cozinha: não queriam se mover de jeito nenhum.
- Anna, isso é grave! Você errou! Você não apenas o desrespeitou, você o traiu! – Brigou , com uma expressão fechada. Traiu? Não, elas com certeza não estavam mais falando de mim. Deviam ter mudado de assunto e eu nem percebi.
- Mas o não entenderia isso, ... Ele entenderia tudo, menos uma traição. Eu não sei o que faço – começou a chorar e foi abraçá-la, quase chorando também. Saí do meu lugar nas sombras, adentrando o cômodo, enquanto as peças daquele quebra-cabeça se encaixavam.
Ela disse . Eu me chamo . traiu o . me traiu.
Eu estava certo o tempo todo. Eu sempre estive desconfiado e mesmo assim tudo que as pessoas me diziam era que eu não precisava me preocupar. Que era 100% fiel. Que nunca faria uma coisa daquelas.
Não.
Não podia acreditar naquilo. Não queria acreditar naquilo. Ela foi a primeira namorada que eu tive na vida e me fez isso? Como ela pôde? Não, eu não gostava mais dela, naquele momento eu não estava mais nem aí pra ela, por mim ela que se explodisse, tanto fazia, mas meu ego tinha sido ferido. Ela foi pra cama de outro homem. Senti um nojo ao imaginar eles em cima da minha cama.
Elas ainda estavam falando e eu estava andando pela cozinha a passos lentos. Não sabia se tinham me visto, mas nem ligava. Uma parte de mim queria confrontá-la e exigir uma explicação, por mais que eu soubesse que não iria adiantar nada; e a outra parte queria ir pra casa. Mas esse era o problema.
Eu já estava em casa.
Não tinha mais para onde ir. Era ali ou voltar para Inglaterra. Nunca senti uma frustação tão grande. Todos eles haviam me enganado. Até . Que no momento estava apoiando a amiga que tinha cometido uma traição.
Resolvi me pronunciar. Sabe aquele momento que eu não estava nem ai se era rude ou educado? Que eu nem ligava se estava racional ou não? Que eu estava pouco me lixando para o que irão pensar de mim?
Eu estava em um daqueles momentos.
Fui rapidamente até a garota, ignorando que se levantara e tentava dizer algo como “Calma, ”, olhei para que ainda não havia parado de chorar e me encarava assustada, e com a voz mais ríspida que consegui reunir, perguntei em alto e bom som através da música ensurdecedora:
-É verdade?



Continua...



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