Capítulo Único

Amélia respirou fundo e encarou pela milésima vez a carta que estava a sua frente. Ela já havia lido e relido milhares de vezes, mas as palavras ainda não faziam qualquer sentido.

“Eu sinto muito, mas não havia outro jeito. Espero que você seja feliz.”

Desgraçado.
Ela amassou o papel e o jogou do outro lado do quarto, deixando um soluço escapar pelos lábios, já não sabia se sentia tristeza ou ódio. O que exatamente sentir ao ler um bilhete deixado pelo marido em sua cama, avisando que a deixaria após 20 anos juntos para ficar com a filha de 19 anos de seus vizinhos? Os papéis para o divórcio estavam em um envelope ao lado do bilhete, naturalmente. James provavelmente estava planejando aquilo há meses, sabe-se lá deus há quanto tempo ele estaria escondendo aquele caso.
Que o casamento dos dois não andava bem não era segredo para ela. Não havia mais sexo, paixão, carinho ou qualquer coisa parecida. Na maior parte do tempo parecia que viviam apenas um contrato baseado nos dois filhos, uma garota de quinze e um rapazinho de seis, que provavelmente demoraria um tempo para entender o que estava acontecendo. Ela, porém, colocou-se no piloto automático e decidiu considerar que tudo aquilo era apenas a correria do dia a dia dos dois, emprego, filhos, estresse. Tudo se resolveria quando as férias chegassem e os filhos fossem para o acampamento de verão e eles para um resort maravilhoso que ela havia escolhido a dedo e comprado tudo como uma surpresa para o marido. Ela poderia jogar as passagens no lixo ou então dá-las para James, com certeza ele e a amante adolescente fariam bom uso delas.
As crianças estavam na casa de sua melhor amiga, afinal, não havia sentido algum em deixá-las verem a mãe daquela forma. Destruída, descontrolada, sem rumo.
Ela precisava, urgentemente, de álcool.

***


Ainda era cedo, cerca de quatro da tarde, quando Amélia entrou no bar vazio e mal iluminado. Não era um lugar horrível, um daqueles “mal frequentado”, apenas provavelmente era muito cedo para encontrar alguém decente ali. Mesmo ficando dez minutos da sua casa, ela nunca havia colocado os pés naquele local. Sentou-se no balcão e jogou a bolsa nos pés, soltando um audivel suspiro. Mesmo naquele ambiente escuro, ela manteve os óculos escuros no rosto, afinal, não queria que ninguém percebesse o quanto seus olhos estavam inchados.
- O que a senhora deseja?
- Um whisky duplo. Sem gelo, por favor.
O bartender arqueou uma das sobrancelhas e colocou as mãos na cintura, curioso sobre o pedido da mulher.
- Qual o problema?
- Um whisky duplo?
- Sim. Não entendi porque ainda não trouxe. Algum problema com meu pedido?
- Só não é comum ver uma mulher pedindo um whisky duplo as quatro da tarde.
- Oi? Desculpa, o que você disse?
- Nada. – ele riu – Sinto muito, já vou trazer seu Whisky, madame.
- Não, espera aí! – disse com raiva – Você está dizendo que eu não posso beber whisky porque sou mulher, é isso mesmo?
- Não! Quer dizer, eu não sou sexista, se é isso que você está dizendo.
- Ah, então, por favor, me explique o que quis dizer. Enquanto pega meu whisky duplo, claro.
O rapaz coçou a cabeça, sem graça, e serviu uma quantidade generosa de whisky para a mulher, que sorriu e virou metade com um gole. Ele parecia surpreso enquanto a observava, além de envergonhado.
Ele devia ter seus vinte e poucos anos, ela pensou. Tudo no lugar, um rostinho de bebê e uma voz grossa e firme, do jeito que ela gostaria vinte anos atrás. Riu, amarga, pensando nos anos que havia desperdiçado com aquele filho da puta que chamava de marido.
Ex-marido, agora. Ou pelo menos assim que assinasse o divórcio.
- Olha, eu sinto muito. O que eu disse não foi nada legal, você tem razão, fui bem sexista. Sinto muito.
- Bom, espero que pelo menos realmente saiba que foi idiota. – deu de ombros – Ei ei ei, pode deixar essa garrafa aqui! – ela protestou enquanto ele ia guardar a garrafa.
- Longo dia?
- Você nem imagina... – ela riu novamente, tentando segurar as lágrimas – Achar um bilhete do seu marido dizendo que fugiu com a vizinha de dezenove anos pode ser considerado um longo dia?
- Outch. Quantos anos de casamento?
- Vinte.
- Filhos?
- Dois. Uma aborrecente quase insuportável e um menino de seis. Uma casa, cachorros, uma vida. Como ele pôde? Desgraçado! – ela bebeu o resto do copo e estendeu-o para que o rapaz servisse mais.
- Bom, quem sabe você não pode encarar isso como um recomeço?
- Recomeço? – ela gargalhou – Eu não preciso de um recomeço, eu tenho dois filhos pra criar!
- Que tal pegar esse momento e torná-lo um pouco mais sobre você... Qual o seu nome mesmo?
- Amélia.
- Ok, prazer, Amélia, meu nome é Dougie. Vamos pensar um pouco em você, tudo bem? Seus filhos vão ficar bem. Provavelmente eles vão ter problemas para entender no início, mas eles vão continuar tendo um pai, é você quem não tem um marido mais.
- Obrigada por me lembrar.
- Se já te forçaram uma mudança tão grande, porque não aproveitá-la para mudar tudo que você não gosta sobre si, porque não começar a ser quem você sempre quis ser?
- Porque estou velha demais pra isso... – ela disse mordendo o lábio – Já passei dos quarenta, não tenho vinte e poucos como você. Não posso pirar e comprar passagens pra Dubai ou fazer uma tatuagem.
- Porque não?
- Por que...
- Que tal ao invés de achar motivos para não fazer, enumerar os motivos para fazer? – ela olhou para ele, pensando bem nas palavras que ouvia – Que tal começar agora?
- Como?
- Que tal sair comigo?
- Com você?! – ela riu, surpresa – Está louco?
- Por que não, Amélia?
- Porque você está mais próximo da idade da minha filha do que da minha, provavelmente.
- Eu vou te levar para fazer uma tatuagem, que tal? Conheço uma boa tatuadora que vai amar te conhecer.
- Dougie, eu...
- E posso te levar para jantar depois.
- Porque você quer sair com uma velha acabada que nem eu? Você é bonito, jovem...
- Ah, fala sério, você é maravilhosa! Quem liga pra idade? Eu não. E você é linda, Amélia, de verdade. Eu não diria isso só para te agradar, não tenho motivo algum para precisar fazer isso. – a mulher suspirou, novamente segurando as lágrimas.
- Eu quero cortar meu cabelo. – ela sussurrou – James sempre dizia que eu ficaria horrível de cabelo curto, apesar de eu sempre ter pensado em fazer mesmo assim.
- Viu, já temos um começo. Vamos te levar para cortar o cabelo.
- Porque você está sendo tão legal comigo?
- Porque você parece ser incrível e me cativou por algum motivo misterioso. E também porque eu gosto de ajudar as pessoas. – ela deu de ombros – Então, o que me diz, aceita sair comigo?
Amélia riu e bebeu o resto do Whisky, pensando em todas as palavras do rapaz e em todo turbilhão de sentimentos que aquele dia estava sendo. Ela não tinha motivos para ter medo, não tinha porque fugir ou se privar de nada mais. Talvez fosse de fato um recomeço e ela não tinha absolutamente nada a perder.
- Eu aceito.





FIM!



Nota da autora: Sem nota.
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