Capítulo Único
*As datas são importantes para que a história não pareça acelerada.
Detroit, 17 de novembro de 2014.
- Senhor ? Está ai? – entrei na casa dos com a chave que ele havia me dado para que passasse lá mais tarde, procurei por meu chefe, mas encontrei a casa vazia. – Senhor , está em casa?
Andei por entre a sala, a cozinha e o quintal procurando pelo homem de 39 anos que era meu colega de trabalho há 01 ano e acabara de se tornar meu superior. Éramos bons amigos, e naquela noite, decidiríamos algumas coisas do escritório para que ele se reerguesse da crise que nos tinha atingido.
- Ele foi até a casa do Lucas, ver se a Catherine e o Stephan precisavam de ajuda. – saiu da primeira porta a direita da escada que eu acabara de subir para chegar ao segundo andar, ela vestia um moletom com um rolo de papel higiênico saindo por seu bolso e seu rosto estava completamente vermelho, como se tivesse chorado muito.
- Ah, olá, . Está tudo bem? Ele me disse para vir até aqui hoje para resolver algumas coisas. Porque você não foi junto? – Lucas era o namoradinho de , eles tinham uma bela história de amor para duas “crianças”, eram amigos, cresceram juntos, se tornaram namorados.
- O Lucas morreu. Há alguns minutos ligaram para contar. – ela disse assim, prontamente, como se falasse algo sem importância. – ele teve uma parada cardiorrespiratória há umas 3h. Não tiveram como salvar. – olhou em meus olhos e dali vi surgir uma nova maré de lágrimas e então entendi. Ela não falava sem importância, ela falava desacreditada. Ela tentava se convencer do que tinha acontecido, e provavelmente seguir o pai a obrigaria a acreditar. A abracei como se fossemos amigos, mas no momento, não nos importamos. Sabia que ela precisaria de alguém.
Detroit, 30 de junho de 2017.
- , você cuida daqui por hoje? A Emma vai vir passar o fim de semana conosco, a tá toda animada, vou ajudar ela com o jantar. – Robert falou para mim, já se levantando de sua mesa e pegando seu casaco para encarar o frio que fazia do lado de fora. Emma é a ex-esposa de Robert, mãe de . O casal havia se separado pouco depois da filha completar seus 05 anos, Emma se mudou para Europa, e Robert ficou com a pequena. Emma os visitava de tempos em tempos, eram grandes amigos, assim como pais.
- Eu termino por aqui, sem problemas. – trabalhávamos juntos há 04 anos num escritório médio, que pertencia a algumas relações da Ford e já havíamos desenvolvido uma grande sintonia em relação a trabalho, de modo que mesmo que Robert fosse meu chefe, eu poderia tomar conta de sua parte sem grande dificuldade.
- Vá para lá quando sair daqui se quiser, sei que não é o melhor programa para alguém jovem como você numa sexta à noite, mas adoraríamos sua presença.
- Acho que já não estou tão jovem assim Robert. Obrigado pelo convite, pode contar comigo – o homem se despediu com um aceno de cabeça, deixando-me sozinho no escritório.
26 anos, não posso dizer que sou velho, mas também acredito que não sou tão jovem assim, nunca gostei muito de baladas ou sair a noite, ia com meus amigos na faculdade, mas por costume deles que me levavam juntos porque “eu não deveria ficar tanto em casa”. Robert é pouco mais de 10 anos mais velho que eu, e na minha idade já era pai, o que acredito que o faz achar ser tão velho. Ter uma filha de 18 anos não o deixa louco, mas acredito que o faz sentir experiente.
Terminei tudo que tinha pra fazer e por volta das 19h, passei rapidamente em casa para tomar um banho e vestir algo menos formal que as roupas de trabalho e em seguida dirigi até a casa dos , não muito longe da minha.
Ao bater na porta, fui recepcionado por que vestia uma calça jeans com uma blusa azul de babados e uma sapatilha que combinava com sua blusa. Ela me atendeu com um “oi” rápido e um meio abraço, que apesar de meio, me deixou inebriado por seu excesso de perfume.
Segui até a cozinha onde encontrei meu amigo mexendo um molho que cheirava muito bem, ao lado de uma mulher que aparentava ter por volta de 42, 43 anos. Deduzi que aquela seria Emma, e logo me apresentei como colega de Robert.
- Você parece mais colega da do que do Robert, está fazendo amizade com crianças agora, Rob? – a mulher disse, se dirigindo ao ex-marido e fazendo todos nós rirmos.
- Esse rostinho engana, mas o é bem velho, mãe. – a garota me olhou com um sorriso no rosto, pirraçando.
- Bem velho, ? É assim que você trata um ancião? – me aproximei da garota aos poucos e a peguei no colo correndo com ela até o sofá, onde a joguei. – você vai se arrepender mocinha! – ataquei-a com cócegas até vê-la implorar para que eu parasse.
Quando parei, , me empurrou me jogando no chão pronta para vingança, mas agarrei seus braços de modo com que ela caísse em minha frente virada para mim e nossos olhos se encontrassem frente a frente.
- , tá doendo um pouquinho. – mexeu a cabeça indicando onde minhas mãos seguravam seu braço.
- Ah, desculpa. – a soltei e a menina rapidamente se levantou e se dirigiu até a cozinha, onde os pais já haviam terminado o jantar e avisavam que estava pronto para ser servido.
O jantar passou rapidamente entre risadas, lembranças e histórias que Emma contava de sua moradia dos últimos meses, na Hungria. A mulher era encantadora, contava suas histórias e nos fazia sentir parte do momento. Senti inveja por um momento, sempre tive a vontade de viajar pelo mundo, mas não sozinho como ela fazia, e sim com alguém especial ao meu lado.
- Acho que seria legal viajar assim que nem você. Nunca pensei nisso, mas parece divertido, não te deixa focado em uma única coisa. – deu um sorriso amarelo, se calando em seguida.
ainda sofria pelo acontecimento de 3 anos atrás, ela travou sua vida por conta disso, e apesar de todos em volta entenderem e sempre darem o maior apoio a ela, era triste. Ela terminou o ensino médio com ótimas notas, mas não conseguiu dar um rumo em sua vida após isso, decidiu parar esse ano e ficar em casa antes de decidir o que fazer. Sei o quão difícil deveria ser, mas também via o quanto Robert assistia o sofrimento da filha sem poder fazer nada.
Depois daquele dia, quando Lucas morreu, eu e nos aproximamos bastante. Fiquei com ela durante grande parte da noite, e quando Robert chegou em casa com informações, me prontifiquei a ficar com eles durante todo o momento, a acompanhando também durante o enterro.
Flashback
O enterro seria cedo pela manhã, então nem mesmo voltei para casa para me trocar, não sai do lado da garota em momento algum. Consegui convencê-la de que tomasse um banho e colocasse roupas limpas antes de irmos, mesmo que a todo momento ela me dissesse que não queria ir.
Quando Robert chegou, ele estranhou que eu estivesse ali com a filha, mas apenas se juntou a mim tentando confortá-la. Sua situação era intensamente deplorável, e nós nem mesmo tínhamos o que falar, afinal, aquela dor nunca passaria. Ela se acostumaria a viver com a perda, mas todos sabíamos que no fundo a dor não passava.
saiu do banheiro vestindo uma calça jeans clara e uma blusa lilás. Ela dizia que se recusava a usar preto, pois Lucas era feliz demais para ser lembrado com todos vestindo tanto pesar. Ouvimos Robert chamar no andar de baixo e logo deixamos o quarto.
- Você não precisa ir, . – ela se virou pra mim, antes de começar a descer a escada. – Eu vou ficar bem. – ela tentou sorrir.
- Eu prefiro me certificar disso pessoalmente. – apertei sua mão que segurava o corrimão –se não te incomodar, nunca é demais ter mais alguém zelando por você. – ela deu um meio sorriso e se virou para descer a escada.
- Vamos com o meu carro. – Robert afirmou e apenas acenei para ele com a cabeça e enquanto trancava a porta da casa, ele me indicou o banco de trás do carro, indicando para que eu fizesse companhia a , que agradeceu ao me ver entrando.
Fizemos todo o caminho até o cemitério em silêncio, mas ao notar que havíamos chegado, começou a soluçar copiosamente. Ela virou seu corpo em direção ao meu e encostou sua cabeça em meu ombro. Segurei sua mão com a intenção de lhe dar força, mas sabia que nada seria suficiente nesse momento. Lucas era família pra ela. Não só por ser seu namorado, mas por ser uma de suas pessoas preferidas no mundo desde pequena.
Durante a noite ela tentou me contar a história deles entre lágrimas, me mostrando o porquê não poderia perde-lo e como o mundo era injusto. Tentei falar palavras de conforto, tentei de todas as formas mostrar que eu estava ali e que ela poderia contar comigo, era tudo que eu podia fazer e ainda estava fazendo.
Robert desceu do carro e foi até a filha, para escorá-la para fora. Caminhei atrás deles até onde todos estavam reunidos em volta do jovem garoto, dizendo palavras de carinho para os familiares que acolheram assim que a viram.
Ela ficou próxima a família durante todo o tempo, sendo abraçada por cada familiar que ali tinha. não se aproximou do corpo do namorado em nenhum momento, ela olhava para o amadeirado e olhava em minha direção, de modo que notei que ela me dizia que não poderia fazer aquilo.
Quando foi chegada a hora do último adeus, saiu de perto da família e voltou para o meu lado. Robert ajudava os encarregados, então a garota grudou em meu corpo e deixou que suas lágrimas de despedida escorressem livremente. Apenas a abracei e rezei para Deus que aparasse seu coração, para que ela um dia, voltasse a se sentir bem como dias atrás esteve.
Sempre nos víamos e conversávamos bastante, Robert de certa maneira me adotou já que moro sozinho e vivo sempre entre escritório e casa. Jogávamos juntos várias noites, nas primeiras vezes foi mais difícil já que tentávamos animar e ela nem ao menos nos dava bola, mas com o tempo ela voltou a se permitir viver e quando voltou para as aulas, cheguei até mesmo a ajudá-la com a matéria final de matemática que ela não estava conseguindo entender. Tentava sempre aconselhar ela sobre o que fazer, algum curso para seguir, mostrava áreas para ver se ela se interessava, ajudava seu pai em tudo que podia e com isso nos tornamos amigos.
- Vamos comigo? – Emma disse, olhando para filha.
- O quê? – aparentou perdida no que a mãe dizia.
- Vamos comigo, viajar. Você já tem 18 anos, não está na faculdade, optou por essa pausa... Não pode fazer mal. Acho que todos concordamos que você precisa encontrar algo para focar, escolher algo para fazer, ter opções... – naquele momento Robbie engasgou com o refrigerante que bebia, e olhou de mãe para filha sem reação, enquanto Emma parecia buscar apoio em nós.
- Não posso deixar tudo aqui mãe, não posso deixar o meu pai. - não conseguia imaginar como Robert ficaria sem ter sua menina em casa. olhava para o pai, que a agradecia com o olhar, mas eu sabia que ele tinha, tanto quanto eu, a ideia de que talvez passar um tempo fazendo algo diferente de ficar em casa remoendo lembranças e problemas fosse lhe fazer bem.
- Filha, se isso for te fazer bem, você deveria ir. Eu posso passar um tempo sem você, posso tirar férias, te visitar... – se mostrou confusa, mas pareceu ponderar a ideia.
- Eu ainda vou passar pouco mais de um mês aqui, antes de voltar pra Europa. Quero visitar umas amigas, em Ohio, na Califórnia... Se você quiser, pode ir comigo apenas depois, não é como se tivesse que arrumar as malas e sair agora. – Emma sorriu para a filha, encorajando-a.
- Prometo que vou pensar, obrigada, mãe.
Após terminarmos o jantar, nos sentamos na sala e continuamos jogando conversa fora. ainda parecia pensativa sobre o pedido da mãe e se mostrava meio aérea, enquanto Emma me enchia de perguntas sobre o trabalho com Robert, e sobre minha vida pessoal. Emma levantou-se rapidamente para atender o telefone enquanto eu falava sobre minha época na faculdade, logo voltando e avisando que teria que ir embora invés de ficar o fim de semana, mas esperaria uma resposta da filha.
- Pai, amanhã você pode me levar até o shopping na hora do almoço? A Juliet quer ajuda para comprar um vestido de festa. – perguntou assim que nos despedimos de sua mãe e eu me preparava para também me despedir e ir embora.
- Amanhã tenho que ir para o escritório , tenho algumas coisas pra resolver por lá já que hoje sai mais cedo. Deixei o cuidando de tudo, mas tenho alguns problemas maiores pra responder para superiores.
- Se você quiser eu posso te levar , não vou fazer nada. – me ofereci para ajudar, sabia sobre a conferência de Robert com a central e que talvez pudesse demorar. Poderia até aproveitar pra comprar algumas coisas. Vi a garota assentir, agradecida. – Por volta do meio dia? – disse enquanto já entrava em meu carro.
- Pode ser, obrigada .
- Obrigado . – os dois acenaram pra mim em despedida, enquanto dava partida no carro e me colocava em meu caminho para casa.
Detroit, 01 de julho de 2017.
Buzinei em frente à casa dos às 11h59. Esperei por alguns minutos e vi saindo pela porta da frente, trancando-a e vindo em minha direção.
- Oi , obrigada por ir comigo. Espero não estar te atrapalhando, a Juliet tem um casamento da família dela e tá desesperada por ajuda pra escolher o vestido.
- Não tem problema , não tenho nada para fazer e ainda posso aproveitar pra ver algumas coisas que tava querendo e nunca crio coragem pra sair pra buscar.
Liguei o rádio e peguei o caminho para o shopping. Durante todo o percurso mexia no celular enquanto cantava baixinho qualquer música que tocasse, me fazendo rir.
- Ah não! Não acredito! – A menina bloqueou o celular e olhou para mim, enquanto eu parava no semáforo. – A Juliet disse que não tem como me encontrar lá hoje. Desculpa , não acredito que te fiz me trazer até aqui pra voltar. – ela colocou a mão sobre a cabeça e mexeu em seus cabelos, nervosa.
- Está tudo bem , não tem problema. Você quer almoçar? Eu não me importaria de andar um pouco pelo shopping já que viemos até aqui. – vi soltar um sorriso de lado e afirmar com a cabeça.
Estacionei o carro no shopping e eu e descemos, andando lado a lado até os restaurantes.
- Quero um lanche bem grande do Bar Louie! – a garota disse feliz apontando para a lanchonete que parecia conhecer bem, já me empurrando pelas costas até lá.
Nos sentamos numa mesa em um dos cantos, próximo a cozinha, onde logo fomos atendidos. pediu seu lanche e uma coca-cola, enquanto eu troquei o refrigerante por uma cerveja.
- , posso te fazer uma pergunta? – brincava com o porta-canudinhos parecendo inquieta. Balancei a cabeça em afirmação indicando que ela deveria continuar – Você é sozinho? Não tem nenhuma família por aqui? Uma namorada?
- Meus pais moram no Novo México, onde nasci, e tenho um irmão mais novo na Califórnia. Viajamos juntos pra lá as vezes pra ver nossos pais, mas sai de casa para cursar a faculdade e acabei vindo parar aqui. Sou sozinho desde então. Namoradas não são meu forte. – sacudi os ombros. – Não sou completamente sozinho, tenho alguns amigos e vocês, mas da forma que você perguntou, sim.
- Ah... E você não pensa em se mudar? Ficar um pouco com a sua família? Viajar, fazer alguma coisa diferente?
- , você tá pensando na proposta da sua mãe né? – ela me deu um sorriso cabisbaixo, deixando claro que eu tinha entendido onde ela queria chegar. – se você quer conversar, quer conselhos, você sabe que pode falar comigo, estou aqui pra você. Sei que sou amigo do seu pai, mas eu posso ser seu amigo também. Eu sei que você não quer deixar seu pai, mas também sei que você precisa se distrair um pouco, porque você passa muito tempo sozinha com os seus problemas.
Nossos hambúrgueres “bem grandes” chegaram, o que fez com que desviasse seus olhos de mim e se fechasse mais uma vez no seu mundo, começando a comer em silêncio. Não me incomodo com silêncios, mas esse estava um pouco constrangedor. Era como se desse pra ouvir o barulho dos seus pensamentos. Não entendia porque ela não conseguia falar com ninguém. Sei que não sou um grande amigo, e ela provavelmente me vê como amigo do seu pai, mas Robert já tentou todos os tipos de psicólogos pra ela, e ela repele a todos a sua volta.
- , eu não quero me meter na sua vida, mas quero que você saiba que posso ser seu amigo. Não se esqueça que três anos atrás quando tudo aconteceu, eu estava com você. – dei a última golada em minha cerveja, já chamando o garçom com os dedos para pedir outra. – quero poder te ajudar.
- Eu sei , mas tenho dificuldade de me abrir, você sabe que eu sou uma bagunça. – coloquei minha mão sobre a sua, para demonstrar que estava ali e pude sentir seus olhos aliviados.
- Você não é uma bagunça, você só se fechou por um motivo compreensível. Vamos, vou comprar um sorvete pra você. – sorri para ela, e a vi tirar a carteira de sua bolsa – eu te convidei pra almoçar, eu pago. – me dirigi ao caixa sem dar tempo para ela pensar, acertando rapidamente a conta e indo de encontro a garota que me esperava na porta do restaurante.
- Você não precisava pagar pra mim . – ela disse emburrada. – não gosto que paguem as coisas pra mim.
- Finge que não paguei... Afinal, meu dinheiro veio do mesmo lugar que o seu. – pisquei pra ela e sorri junto quando a vi dando risada.
- Me deixa pelo menos pagar o sorvete?
- Nem nos seus sonhos, bebê – olhei para o lado e vi a menina me encarar com indignação. – O que foi?
- Eu não sou um bebê, ! Faça-me o favor! Só tenho 08 anos a menos que você, isso não te dá o direito de me chamar de bebê. Eu não vou tomar sorvete se você não me deixar pagar o meu. – ela então parou, no meio do corredor do shopping, cruzou os braços e fez bico. Percebi que sua intenção era rir, mas ela se segurava ao máximo.
- Você faz birra no meio do shopping, e eu estou errado em te chamar de bebê? – me aproximei dela, passando a mão por sua cintura e a puxando comigo para frente, pra que ela andasse. A garota era teimosa, então simplesmente sai andando e a deixei pra trás, logo a vendo em meu encalço.
- Ah , não to acostumada com isso, desculpa. – ela fez um biquinho como faz quando se desculpa com o pai, e isso de certo modo, me incomodou.
- Vamos logo, pirralha. – dei um tapa em sua cabeça, e a garota me olhou com indignação novamente – se você vai me tratar como seu pai, eu vou te tratar como uma criança. – vi revirar os olhos e murmurar “desculpa”, logo em seguida dando um sorriso.
Comprei nossos sorvetes e nós seguimos até o carro, ficando ali dentro, tomando o sorvete, ouvindo música e conversando sobre tudo que tivéssemos direito. Descobri seu filme preferido, seu artista preferido, as cores que ela mais gostava e o quanto não gostava de laranja, onde ela gostava de comprar roupa e o que mais achava brega... Ali, se abriu até mesmo para conversar sobre a relação com a mãe que nunca esteve completamente presente. Nesse momento vi algumas lágrimas surgirem em seus olhos, mas ela mudou de assunto antes de as deixarem cair.
Para acabar com seu momento triste, o sorvete da garota começou a escorrer até que ela não tivesse mais controle e o derrubasse inteiro no banco do carro. Comecei a rir exageradamente da sua reação e do quanto de desculpas que ela pedia até que ela também se contagiasse e me acompanhasse nas risadas. Ela parecia uma criança, toda revestida em massa de chocolate, desde a boca que estava suja, até a perna que estava próxima a maior parte do sorvete derramado.
Por volta das sete da noite deixei a garota na porta de sua casa, ela se despediu com um beijo em minha bochecha, um “obrigada” e um sorriso no rosto de quem havia se divertido. Chegando em casa, peguei meu celular e vi que ela havia gravado seu número em meu celular, como “pirralha mais linda”, o que me fez rir. era encantadora, torcia muito pra que alguém no mundo merecesse a chance de conhecê-la.
Detroit, 06 de julho de 2017.
Senti meu celular vibrar e levei rapidamente a mão no bolso, sorrindo ao encontrar uma mensagem de .
“Olá senhor Lavoie, gostaria de me desculpar mais uma vez pela zona em seu carro, espero que tenha conseguido limpar o banco”
“Senhor? Acredito que estou velho mesmo! Não te desculpo, meu carro nunca mais vai deixar de cheirar a chocolate” respondi como brincadeira, afinal, no mesmo dia o carro já estava limpo novamente.
“Ah , desculpa!”
“Relaxa, ! Eu já limpei tudo hahaha”
“Vamos sair? Meu pai tá pensando em ir em algum lugar comer, vamos com a gente?”
“Chego aí em meia hora”
Detroit, 05 de agosto de 2017.
Levantei da cama e em poucos minutos estava pronto e em meu carro, já dirigindo em direção a casa dos . Lugar muito frequentado no último mês, já que eu e nos aproximamos muito e passamos a ter mais tempo juntos, o que deixou Robert muito mais tranquilo quando a menina tomou a decisão de ir viajar um pouco com a mãe. Depois de muito insistir, um dia enquanto estávamos sentados no quintal de sua casa, ela me disse que seguiria meu conselho e iria. Fiquei muito feliz, sentiria sua falta, mas sei que isso faria bem a ela. também ficou triste apesar de a viagem a princípio não ser tão longa, pois além de deixar o pai, agorame deixaria, mas ela prometeu que conversaria todo dia comigo por mensagens, assim como estivemos fazendo todo o tempo.
É muito diferente ter amizade com os caras, que tem minha idade e vidas de adolescentes, e ter uma amizade como a que criei com , que é um adulto no corpo de um adolescente. Ela conseguia sempre fingir que estava bem para deixar outros bem, sendo que no fundo, sempre esteve machucada. Ela não se revoltou com tudo, não virou uma adolescente mimada ou rebelde. Nesse último mês, aprendi a admira-la, como nunca tinha feito durante esses anos que a vi crescer.
era atípica. Alguns dias atrás nós fomos ao cinema com a intenção de assistir “A Múmia”, mas ao chegarmos lá e a garota encontrar Meu Malvado Favorito 3 ainda em cartaz, fez cena de até mesmo se ajoelhar no meio do local para me convencer a assistir.
Num outro momento, quando fui buscá-la para ir até o escritório para encontrarmos Robbie e jantarmos, chamei por ela, gritei, liguei e depois de um bom tempo fui até a parte de trás da casa, onde a vi escondida na garagem, dentro do antigo carro do pai aos prantos. Naquele dia não jantamos com Robert, fiquei com ela durante um tempo, até que ela se acalmasse, quando ela pediu para que eu não contasse ao pai. Liguei para ele então, dizendo que não poderia voltar até o escritório mas levaria algo para comer e ficaria com ela um pouco, para que ele não se preocupasse. A menina tinha dias e dias, em alguns parecia ter 18 anos, em outros, por volta dos 30 presa numa vida da qual não conseguia sair.
Cheguei na rua dos e vi saindo de dentro da casa arrastando uma mala média, e Robert vinha atrás com uma um pouco maior. Enquanto estacionei o carro, os dois colocaram a bagagem no porta-malas e já vinha correndo até o carro em meu encontro. Sai do carro e antes mesmo de poder trancar, a menina já estava com os braços ao redor da minha cintura. Retribui seu abraço com a mesma empolgação e a ouvi murmurar um “vou sentir sua falta” enquanto eu passava as mãos em seu cabelo e deixava um beijo em sua testa.
- Eu também vou, pirralha.
- Promete que você vai me contar tudo que acontece por aqui? Você vai cuidar do meu pai? – ela se afastou, mas quando afirmei com a cabeça, voltou a me abraçar. – vou realmente sentir sua falta , obrigada por ser meu amigo. – se afastou novamente e beijou minha bochecha, voltando o olhar para o pai que agora a chamava para ir embora.
Cumprimentei Robert com um aperto de mão e percebi o quanto ele estava tendo que lidar com a viagem da filha, e o medo dela não querer voltar. No último mês me acostumei com sua presença também, ficando triste ao pensar em sua partida. Me acostumei com nossos jantares, nós três, e todas as noites em que jogamos Banco Imobiliário juntos. Sabia que se esforçaria muito para dizer adeus, sabia que seria um momento difícil, mas ela faria de forma clara e simples para que o pai não a visse desmoronar.
Robert a levaria ao local que ela iria pegar o ônibus até Ohio para encontrar a mãe, que ficaria mais alguns dias na casa de uma amiga, e depois as duas pegariam um avião para França, o próximo destino de Emma. Observei o carro sumir, e logo estava novamente voltando para casa.
“Se comporte, eu volto logo pra você me pagar a batata frita que me deve.”
Sorri ao ver a mensagem que ela havia mandado, e a respondi de forma simples, logo voltando para minha cama para dormir um pouco mais.
“Hahahaha eu vou estar esperando, bebê”
Detroit, 11 de Agosto de 2017.
“, eu não quero ir. Eu não vou conseguir. Eu quero voltar pra casa. Eu quero ficar com o meu pai.”
“Eu não quero ir.”
“Eu quero ir embora”
“Não sei o que fazer , me ajuda”
Senti meu celular vibrar por várias vezes seguidas no bolso, avisei os caras que ia até o bar e deixei-os na mesa rindo de todas as garrafas que já se acumulavam ali. Quando cheguei no bar, tirei o celular do meu bolso vendo uma ligação perdida, e quatro mensagens de . Li suas mensagens e rapidamente liguei pra ela, tentando acalmá-la.
- , sei que é difícil, mas vai ser bom pra você, você consegue.
- , eu não quero ir – sua voz parecia embargada pelo choro que parecia guardar há algum tempo. – Vou falar pra minha mãe que vou voltar pra casa. Antes fazer isso agora, do que quando chegar na Europa.
- , você tem certeza disso? – assim que ouviu minha pergunta, percebi que suas lágrimas cairiam livremente e os soluços começavam a ficar claros. Ficamos alguns minutos em silêncio, até que ela disse, entre suspiros, que sim mas que prometia que ficaria bem e desligou.
Voltei até a mesa que Steve, Sebastian e Justin estavam e pedi por um refrigerante, recebendo críticas daqueles que já nem sabiam mais como levantar e continuavam no álcool. Conversa vai, conversa vem, e a única coisa em minha cabeça era o estado de no telefone. Então fiz a coisa mais impulsiva a se fazer, levantei me despedindo dos caras e fui até meu carro, eles conseguiriam um táxi.
Não tive tempo de pensar, quando vi, estava à meia noite dirigindo pela estrada I-80 em direção a Parma, cidade de Ohio onde havia me falado que estaria.
Ohio, 12 de Agosto de 2017.
Passava das 2h30 da manhã e eu já tinha percorrido mais de 170 milhas, chegando em Parma. Não posso negar, o sono me consumia. Parei em um posto, no centro para ligar no celular de . Sabia que ela estaria dormindo, mas eu não sabia o endereço de onde ela estava. Por um momento ponderei se aquilo era a coisa certa a fazer, ela me acharia louco por estar ali, ter feito todo esse caminho a essa hora da madrugada.
Nesse momento notei algo, eu era louco. Acredito que as duas cervejas que tomei não tinham me feito bem, eu não poderia ligar pra ela quase 3h da manhã, e falar que estava ali. Eu nem mesmo sei o que fazia ali. Eu sabia que ela precisava de mim, então eu simplesmente corri.
Precisava descansar, não poderia ir embora agora na situação que estava, então dirigi mais uns 20 minutos até o centro da cidade e parei em um pequeno hotel que um homem do posto havia me recomendado. Fiz o check-in e a senhora que estava atrás do balcão me deu a chave do quarto 452. Subi pelo elevador, saindo em frente ao dormitório. Era aconchegante, uma cama de casal com uma colcha em tons de laranja e vermelho estava no centro, com dois criado-mudo, um de cada lado. Havia uma TV de 32 polegadas em um painel em frente a cama, e um frigobar ao lado. No lado esquerdo da cama, havia um guarda-roupa, e em frente a ele, a entrada para o banheiro. Simples, aconchegante e o suficiente para ficar até a manhã.
Acordei com o meu celular vibrando ao meu lado, atendi sem nem mesmo olhar o visor, com o meu melhor “Alô” de quem nem ao menos tinha dormido o suficiente.
- ? Eu te acordei? Desculpa! Eu não queria ligar pro meu pai e acabei te ligando.
- Oi , não precisa se desculpar, tá tudo bem, aconteceu alguma coisa? – olhei o relógio no criado-mudo e vi que eram 10h24, não devia reclamar pelo horário, afinal, ela não sabia que eu tinha ido dormir depois das 03h da manhã.
- Eu não vou com a minha mãe, , ela vai me deixar de volta onde eu cheguei pra eu pegar o ônibus de volta. – fiquei completamente em silêncio, não sabia o que fazer, não sabia se dizia pra ela que estava ali, ou se deixava ela voltar de ônibus e sem nem saber que estive ali. Só notei que estava aéreo, quando a ouvi chamando meu nome várias vezes. – ? Tá tudo bem? Eu só queria que você soubesse que vou voltar. Não queria falar com o meu pai, ele iria querer me convencer a ir, e eu só conseguiria chorar mais. Agora vou desligar tudo bem? Minha mãe já está me chamando para tomar café da manhã e nos despedirmos das amigas dela.
- , sei que isso vai soar estranho, mas onde você vai pegar o ônibus?
- Na praça central, em uns 40 minutos. – notei sua voz, em dúvida.
- Daqui a pouco a gente se fala, tudo bem?
- Tudo bem.
Desliguei o telefone e rapidamente me levantei, não tinha uma troca de roupa comigo, mas tomei um banho rápido vestindo a da noite passada. Desci até a recepção, e fiz o check-out onde fui informado que poderia tomar café no refeitório ali ao lado, e também onde consegui a informação de que estava a uns 10 minutos da praça central. Tomei café rapidamente e dirigi até a praça, me perguntando como explicaria a , mas não deixaria ela ir sozinha, se eu estava ali.
- ?
- Oi , tá quase na hora de eu pegar o ônibus, estou chegando na praça, o que você queria falar?
- Olha, eu juro que depois eu te explico, mas eu estou aqui na praça, te esperando...
- Oi? Aqui? – ouvi resmungar algumas coisas com a mãe e explicar que era eu no telefone, mas não pude entender a reação de Emma. Sinceramente, até mesmo preferia.
- , eu...hm... nem sei se realmente tenho como explicar algo. Mas eu estou aqui tudo bem? Se você preferir ir de ônibus, tudo bem... Mas estou aqui, e estou voltando para casa também.
- Claro que eu não prefiro ir de ônibus a ir com você, só não consigo entender .
Desliguei o telefone e fiquei encarando o carro vermelho estacionado na minha frente, até que vi um carro prata parando do outro lado da praça e se despedindo da mãe enquanto olhava em volta, a minha procura. Vi que Emma saiu rapidamente com o carro e imaginei que estivesse atrasada. Ainda bem. Sai do carro e tranquei através do alarme, indo logo de encontro a , que não demorou a me ver em sua direção.
- Oi, pirralha. – parei em frente a ela e sorri envergonhado, sendo abraçado logo em seguida.
- , não me leve a mal, eu tô muito feliz em te ver, mas não consigo entender o que você tá fazendo aqui. – ela se afastou e encarou meus olhos.
- Temos um longo caminho até em casa, vamos! – peguei as malas mais pesadas dela e segui em direção ao carro com a garota em meu encalço.
Abri o porta-malas, colocando a bagagem ali e esperando que colocasse a que estava na mão dela também. Fui até o lado direito do carro e abri a porta para ela entrar, indo depois até o banco do motorista. Liguei a chave na ignição e em silêncio, segui novamente para a I-80, de volta para casa. Só me lembrei que ela estava no carro, quando a vi ligar o rádio e abrir o porta-luvas em busca de um cd.
- Não sei se temos os mesmos gostos, . – olhei rapidamente para suas mãos que seguravam cds dos mais diferentes tipos, de pop à rock, de jazz à reggae.
- Não todos, mas esse aqui sim. – vi então ela colocar o álbum Meteora, do Linkin Park para tocar.
acompanhava a música cantando baixinho e olhando para fora, enquanto eu dirigia e também cantava, tirando alguns segundos os olhos da pista para olha-la. Eu sabia que não tinha como fugir do assunto, e não tinha uma desculpa boa o suficiente para estar ali, eu simplesmente estava. A menina despertava em mim os sentimentos mais protetores que podiam existir, eu vi essa menina se tornar uma mulher, em 04 anos, a vi passar pelo maior tormento de sua vida. Eu sentia que devia protegê-la, mas até que ponto cheguei?
- . – passei a mão em meus cabelos, gesto claro de quem está completamente nervoso. – eu não sei o que eu tava fazendo. Eu só sei que você me ligou, e quando desligou eu não conseguia pensar em mais nada, eu simplesmente senti que você não tava bem, e então eu peguei meu carro e vim. Eu cheguei por volta das 3h da manhã em Parma, e não tive coragem de te ligar, não queria te acordar e percebi que nem deveria te contar que estava ali. Pelo amor de Deus, eu tenho 26 anos, tinha tomado algumas cervejas, eu nem sei o que eu tava pensando. Você já é grande o suficiente, você saberia o que fazer. Eu só senti que deveria estar com você, sei que exagerei, estou parecendo um adolescente inconsequente, mas eu queria que você soubesse que eu estava ali por você, pra te ajudar. Queria dizer que você não precisava se esforçar pra ir embora como estava tentando, se estava bem aqui.
Se eu sabia porque disse tudo aquilo pra ela? Claro que não. Percebi que de tudo que falei, o que mais parecia fazer sentido era a parte de estar parecendo um adolescente inconsequente. Não só um adolescente inconsequente, eu vinha me sentindo um adolescente. Admirar alguém mais jovem, me fez sentir mais jovem. Estava com a mão sobre o câmbio, apenas por costume já que meu carro era um modelo automático, e senti a mão dela sobre a minha. Arrisquei olhar para o lado e vi que ela sorria para mim. Ela fez um carinho simples ali, que não durou muito tempo, logo voltando a mão para seu colo. Sorri de volta pra ela e me concentrei novamente na estrada, enquanto ouvia ela resmungar “Faint” rindo sozinha enquanto tentava imitar os gritos do vocalista. O assunto morreu ali, nenhuma resposta.
- ? – vi que o cd já estava sendo trocado por ela, que tirava o Night Visions do Imagine Dragons, segundo cd que ouvíamos, pra colocar em uma estação de rádio qualquer que tocava música pop. – a gente pode parar no próximo posto? Eu queria ir no banheiro, e pegar alguma coisa pra comer.
- Claro, logo deve ter algum. – já estávamos há mais de 1h30 na estrada, e desde tudo que havia falado, as únicas palavras que saíram de nossas bocas foram letras das músicas que cantávamos juntos.
Vi placas indicando uma parada de descanso, algo como um pequeno shopping. Já era quase uma da tarde, estava com o estomago tão embrulhado pelo que estava passando em minha cabeça que nem percebi o horário e que poderia estar com fome. Desviei um pouco da estrada e logo estava estacionando no Commodore Perry Service Plaza, vendo a garota ficar muito feliz ao meu lado por ver duas placas em especial, “Burguer King”, e “Starbucks”.
- Nossa, que fome! Vou ir no banheiro rapidinho e te encontro no Burguer King tudo bem? – acenei com a cabeça, mas ela não veria porque já estava correndo em direção a entrada.
Tranquei o carro e caminhei em direção a entrada do shopping, notando que aparentemente poucas pessoas estavam na estrada, já que parecia que todas estavam aqui. Todas as mesas estavam ocupadas, e os restaurantes tinham filas enormes. Me adiantei e invés de esperar voltar, já me coloquei na fila do fast food, que parecia ser a maior.
- Nossa, tinha uma fila enorme no banheiro, você não tem ideia! – senti a menina tocar meu braço pra que eu virasse meu corpo para ela. – Você quer ir e eu fico aqui na fila? Pelo jeito vai demorar.
- Não to com vontade, obrigado. Já sabe o que vai querer? – olhei para ela, que encarava o painel sobre a cabeça dos atendentes com dúvida.
- Não tenho ideia! Até essa fila gigantesca acabar, eu decido. – ela disse se encostando em meu braço, já que não alcançava meu ombro.
Continuamos andando assim pela fila, até nos distanciarmos para fazer os pedidos. Mais uma vez discutimos por um tempo porque ela não queria me deixar pagar, mas mais uma vez, agora infantilmente através de par ou ímpar, ganhei. Enquanto fiz o pedido e esperava, pedi pra que fosse procurando por um lugar para sentarmos para comer. Em 2 minutos ela voltou e me disse que não encontrou, então decidimos comer no carro, desde que ela concordasse em não sujá-lo novamente, o que fez com que ela me mostrasse seu dedo do meio.
- Você consegue acreditar que to comendo um lanche desse tamanho, pensando em um frapuccino tall de chocolate com chocochip? – ela disse enquanto despejava um sachê quase inteiro de mostarda no lanche.
- Se tem uma coisa que eu aprendi sobre você, é que você só não come um navio porque não dá, pirralha. – sorri pra ela, recebendo em troca um sorriso de boca cheia, que nos tirou gargalhadas.
Quando terminamos o lanche falei pra ela que iria até o banheiro pra que pudéssemos seguir viagem. Na volta, comprei a bebida que ela queria, a surpreendendo ao entrar no carro. Recebi alguns tapas, mas também um sorriso encantador em agradecimento. Liguei o carro novamente e voltamos para a estrada.
- , vamos brincar de “eu vejo com os meus olhinhos?” – percebi os olhos dela sobre mim depois de muita conversa, uma discussão para saber se Monstros SA era melhor que Toy Story, cantoria e mais 1h de estrada, e imaginei que ela estava com aquele olhar pidão. – Por favor! – dei um risada que ela provavelmente entendeu como um sim, já que começou a brincadeira em seguida. – Eu vejo com os meus olhinhos... hm... algo cinza.
- , só tem asfalto e poluição aqui em volta, não tem como ser outra coisa! – dei risada e ouvi ela me acompanhar.
- É, talvez não seja uma boa ideia por hora... Pensa em outra, to entediada! – ela colocou os pés no banco e cruzou seus braços em cima.
- Você quer parar de novo? – olhei de relance para ela, que balançou a cabeça em resposta.
- To cheia, e não quero ir no banheiro, só to entediada .
- E precisa parar só por isso? Tem um parque aqui que meus amigos adoram vir, é na próxima saída, se você quiser podemos parar um pouco. – vi seu rosto se iluminar e ela balançar a cabeça euforicamente, agradecendo.
Peguei a saída 15 da rodovia, indo em direção ao Sterling State Park. Fazia algum tempo que eu não ia ali, e das vezes em que vim, nem ao menos me lembro de ir embora, já que eram nesses dias em que eu topava sair com os caras que eles brincavam de me embebedar. Não era algo comum, mas algumas vezes acontecia, eles diziam que eu tinha que ter do que me lembrar da melhor época da minha vida.
Estacionei o carro e vi descendo, seus olhos brilharam quando notou que além de toda a beleza natural, o lugar ainda possuía acesso para praia. Sua animação era contagiante.
- Que lugar incrível ! Eu quero ver a praia! – acredito que embalada pelo sol que fazia, a menina saiu correndo para onde a placa indicava, me deixando para trás.
Tranquei o carro e sai em passos largos atrás dela. Sua roupa balançava enquanto ela corria, e eu observava a leveza que ela aparentava. Quando chegou à areia, tirou seus tênis e colocou as meias por dentro deles, tocando então aquela matéria fofa sob seus pés e jogando a cabeça para trás. Ela viu que eu me aproximava e decidiu me esperar, enquanto eu fazia o mesmo com meu calçado e me juntava a ela na areia.
- Como eu nunca vim até aqui antes? Nem é tão longe de casa! Isso é lindo demais! – ela correu novamente, dessa vez em direção ao mar, ansiosa por poder tocar a água.
- Eu tenho meus segredos. – sorri para ela, que repetiu o gesto.
- Ainda bem que eu tenho uma mala cheia de roupa no carro né? – ela olhou para mim e se abaixou, deixando seus tênis em um lugar longe da maré. – uma pena que você não tenha – ela deu risada e correu água a dentro, me deixando ali apenas a observando.
Me sentei na areia e fiquei olhando se divertir. Ela brincava sozinha, mergulhava, jogava água em si mesma, ou apenas ficava olhando para o céu. Depois de alguns minutos assim, ela fez seu caminho de volta para onde eu estava, parando no caminho para fazer carinho em um cachorro, que mais parecia um urso, que estava ali com os donos. Ela se aproximou e abaixou como se fosse pegar o tênis, mas ao invés disso, ela se jogou em cima dos meus ombros, encharcando minha roupa e me derrubando na areia, caindo por cima de mim.
- Ah, você me paga, ! – ela se levantou numa rapidez impressionante e começou a correr em direção ao mar. Ela entrou na água e olhou para mim com uma expressão sapeca, acreditando que eu não entraria ali para pega-la. Quando dei o primeiro passo para dentro do mar também, ela arregalou os olhos e começou a rir descontroladamente correndo para os lados da forma mais rápida que a água permitia.
- Não, . – ela ria descontroladamente e saia da água para que pudesse correr normalmente sem que a correnteza a atrapalhasse. Não demorei muito para alcançá-la e logo já parecíamos dois cangurus pulando de um lado para o outro, beira mar.
Corremos até ficarmos cansados, e quando finalmente paramos, ficamos lado a lado em silêncio, olhando para a paisagem, esperando nossos fôlegos voltarem ao normal.
- Esse lugar é bem bonito, obrigada. – ela olhou nos meus olhos e tocou levemente minha mão para chamar minha atenção. – você está sendo um ótimo amigo, . Não sei porque, não sei se mereço tudo isso, mas você está ajudando muito. – um sorriso apareceu levemente em seus lábios.
- Você merece muito mais, . Não sei porque essa mania de se inferiorizar a tudo. Aproveita a vida, você tem tanto pela frente. – segurei em sua mão e passei meus dedos entre os seus como um carinho, a aproximando de mim.
olhou para nossas mãos e fechou seus olhos. Em seguida, levantou sua cabeça e encarou meus olhos, com uma expressão indecifrável. Ela parecia agradecida, e também um pouco confusa. Eu não podia ajudar muito, afinal, meu coração acelerava cada vez que a garota me olhava. Não era necessário mais nada, apenas um olhar, exatamente como aquele que ela carregava ali naquele momento.
Como se esquecesse tudo que se passava pela minha cabeça, agi por impulso. Antes que pudesse pensar em certo ou errado, normal ou anormal, princípios ou não, grudei meus lábios rapidamente aos seus. Não teve tempo para olhos serem fechados, sensações serem sentidas, borboletas serem apresentadas. Não teve tempo suficiente nem para que nossas peles se conhecessem. Pareceu algo infantil, algo imaturo.
Soltei a mão de e coloquei minhas mãos sob minha cabeça, claramente estava louco. Ela parecia não saber como reagir também, parecia assustada, surpresa.
- , ai meu Deus, me desculpa. Eu não acredito... – antes que pudesse ao menos terminar minhas desculpas, a garota segurou minha cintura, se aproximando e juntando nossas bocas. Dessa vez, o toque dos lábios durou pelo menos alguns segundos. Mas não o suficiente. Naquele momento, era como se nunca fosse ser suficiente.
Quando nos afastamos ela estava corada. Ainda tinha a expressão confusa, mas dessa vez misturada a graça. Ela parecia achar aquilo engraçado, e então a única coisa que me restou fazer foi rir. Sentamos na areia, rindo como se aquilo fosse a reação mais natural que poderíamos ter. Optamos por não falar nada, na verdade, não acredito que tenha sido uma opção, preferia não pensar em nada agora.
- Vamos? Quero te entregar pro seu pai antes que ele ligue perguntando se você já chegou em outro país. – perguntei a ela, que estava deitada no meu colo há alguns minutos, apenas ouvindo o som do mar.
- Tá tão bom aqui. – ela fez bicoQ – quando ele ligar eu falo que cheguei e depois faço uma surpresa aparecendo em casa. – ela piscou, querendo me convencer.
- Nada disso, . – dei risada. – Você tem que voltar e se explicar pro seu pai. Ou pior, me explicar pro seu pai. – ri nervoso. Não tinha parado pra pensar o que dizer para ele como um motivo de estar trazendo de volta para casa.
- É só falar que você saiu correndo no meio da noite porque eu te liguei desesperada. – ela percebeu a expressão que fiz e então parou e olhou para cima, como se estivesse pensando, rindo em seguida. – É, talvez não seja uma ideia muito boa... Mas a gente da um jeito. Qualquer coisa você me deixa na esquina e vai embora.
- Claro que não, vou te deixar em casa, porque vai que você foge? – apertei sua cintura, brincando.
- Nem tenho pra onde fugir, pode ter certeza que isso não é uma opção – ela riu e então com um impulso se levantou, limpando a areia de seu shorts molhado. Ela pegou seus tênis e esperou que eu levantasse.
Levantei também pegando meus tênis que estavam na areia e limpando minha calça, que eu sabia que não teria jeito algum de parecer confortável. Molhada, e cheia de areia, ugh. se virou de frente para o mar e acenou um tchau, começando a andar logo em seguida. Ri com sua atitude, mas fiz o mesmo e comecei a segui-la em direção ao carro.
Caminhamos em silêncio, e ao chegar no carro esperei que ela pegasse suas coisas para se trocar, mas ela disse que se eu ficaria daquele jeito, ela também poderia ficar, em solidariedade. Bom, brigamos até que ela aceitasse trocar pelo menos a parte de cima, senão ela poderia ficar resfriada. Deixei o carro com tudo fechado para que ela se trocasse, e então logo pudemos seguir viagem.
- Nunca imaginei, sabia? – falou depois de algum tempo em que estávamos em silêncio, apenas ouvindo o rádio. Ela parecia cansada, mas não dormia. – ser sua amiga. – ela sorriu e pude imaginar o que ela pensava. – sempre achei você tão adulto, trabalhando pro meu pai e tudo mais. Achava você mais um tiozão do churrasco sabe? – ela gargalhou, sabendo que me ofenderia.
- Tiozão do churrasco? Ah, eu não acredito. – ri olhando para ela, enquanto parava em um semáforo próximo a placa de “Bem-Vindo a Detroit”, estávamos quase em casa. – Tá se achando super novinha, hein?
- Eu sou, claro. – ela sorriu forçadamente fechando os olhos, como uma criança – mas é sério, eu não esperava por isso. Fico feliz, você me faz melhor que muitas pessoas que se forçaram a conversar comigo quando o Lucas morreu, pra que eu me sentisse menos mal – ela fez aspas com as mãos. – Mesmo depois de algum tempo, é bom ter alguém com quem contar.
Sorri para ela, sem estender o assunto. Não queria parar para pensar naquele beijo, mas era inevitável. Principalmente quando ela me lembrou desse acontecimento na vida dela... O que eu estava fazendo? Esse foi, provavelmente, o primeiro contato realmente físico que ela teve com alguém. Nós não podíamos ter feito isso, eu não podia ter feito isso.
Estacionei em frente à casa de e encontramos Robert lavando seu carro. Quando me viu estacionar, o homem veio todo feliz me cumprimentar, mas parou no meio do caminho quando viu a filha saindo do lado do passageiro.
- Filha? O que você tá fazendo aqui? – caminhou rapidamente até o pai, lhe dando um abraço.
- Eu não consegui ir, desculpa pai. – desci do carro também, indo em direção ao porta-malas para pegar a bagagem da garota.
- E o que o tem a ver com isso? – Robert apertou minha mão, com o olhar fixo na filha.
- Ela me disse que queria voltar para casa, e não queria te incomodar, então me dispus para buscá-la. – formulei a frase para que o local onde a busquei não aparecesse. Assim, se eu desse sorte, ele não questionaria.
- , não precisava dar trabalho pro . – ele afagou seus cabelos. – Você poderia ter me avisado. – ele se direcionou a mim. – Eu teria buscado ela. Mas obrigada, fico feliz que vocês se dêem bem. - ele disse, sincero. – Quer entrar para comer alguma coisa?
- Não, vou para casa descansar um pouco, saí ontem à noite e tive uma noite agitada. – ri internamente, nervoso claro. Olhei para e pude notar que ela também tinha um semblante de piada.
- Aproveitou hein? – Robbie me deu uma cotovelada e rimos juntos. – depois aparece aqui pra gente fazer alguma coisa, vamos sempre gostar da sua companhia.
- Obrigado, Robert – apertei sua mão e fui até , lhe dando um beijo na testa – se cuida, pirralha. – antes de me afastar, pude sentir ela apertando minha cintura em um gesto carinhoso em resposta ao beijo.
Entrei no carro e acenei para os dois, fazendo agora, meu caminho para casa. Precisava finalmente descansar.
“Ainda bem que meu pai não perguntou onde você me buscou né? hahaha Ele adoraria saber que você me buscou lá, mas acredito que não faria sentido nenhum pra ele.”
Li a mensagem de ainda sonolento, eram 23h e eu acabava de acordar de um cochilo maravilhoso que iniciei logo após tomar um banho e vestir algo melhor que minha calça jeans molhada e suja. Não posso dizer que não gostei de ver uma mensagem sua, ver que ela queria conversar, puxar assunto. Mas durante meu sono ainda estava pensativo a respeito do que havia acontecido durante a tarde.
“Pra você fez? Porque pra mim não hahaha”, me arrisquei ao responder. Minha mente funcionava a milhão por hora. Eu gostava da companhia da garota. Há muito tempo não fazia uma amizade que me fizesse tão bem. Mas e o beijo? Eu nem mesmo sei de onde aquilo partiu. Me deixei levar pelo momento, e acredito que ela também. Espero que isso seja esquecido, não temos motivos para ficar se atando a isso.
“E precisa fazer? Só fico feliz que você estava lá. Obrigada, . Não vou me cansar de agradecer, por tudo.” É. Não acho que precisa fazer sentido. Não só eu estar lá, mas também o que aconteceu. Antes que eu pudesse responder sua mensagem, vi outra chegar.
“Promete que sempre vai estar aqui quando eu cair, ?”
“Ou melhor, não me deixa cair de novo”
Apenas respondi o que era claro e eu queria que ela tivesse certeza.
“Vou estar, . Sempre que precisar. Amigos são pra isso.”
Detroit, 15 de setembro de 2017.
Estava deitado na cama quando ouvi a campainha tocar, seguida de várias batidas na porta. Fiquei assustado, afinal, passava-se das onze e meia da noite. Olhei pelo olho mágico e vi uma afobada esperando do outro lado. Abri a porta, encarando-a confuso.
- Oi . – ela sorriu amarelo, pude notar que seus olhos estavam um pouco vermelhos.
Ela vestia um shorts jeans claro e uma blusa preta com aquelas mangas largas que pareciam a moda de anos e anos atrás mas agora estavam aqui novamente. Nos pés calçava um sapato com um pequeno salto, nada exagerado. Lembrei então que aquela noite, ela sairia. A convenci, há umas duas semanas, de ir para um pub com as amigas que ainda tinha, aproveitar um pouco, já que descobri que as meninas estavam sempre atrás dela e ela nem mesmo as respondia.
- Oi, , aconteceu alguma coisa? – perguntei preocupado.
- Posso entrar?
- Claro! Desculpa! – me afastei para que ela passasse e em seguida fechei a porta, trancando-a. Virei meu corpo para ela, que estava a alguns passos, olhando para o chão. Me aproximei e toquei seu queixo, levantando seu rosto. – O que aconteceu? – sem nem esperar que eu terminasse de falar, ela me abraçou subitamente e ficou ali respirando recostada em meu peito.
Fui em direção ao sofá trazendo-a comigo. Sentei e deixei que ela se acalmasse, até que aos poucos ela já normalizava sua respiração. Fiz carinho em seus cabelos e lhe dei espaço, para que quando quisesse, falasse o que incomodava, o que havia acontecido.
- , foi tão ruim. – ela falava abafado, ainda recostada em meu peito. - Não foi nada legal sair, eu só estou me sentindo pior. – senti algumas lágrimas solitárias escorrendo.
- , eu não queria que te fizesse mal, eu achei que seria bom pra você! O que aconteceu?
- Acho que preciso avisar as meninas que eu tô aqui, eu sai sem que elas vissem! - ela mexeu no bolso e retirou seu celular de lá, ligando para a amiga, que demorou quase até cair na caixa postal para atender.
Ouvi um pouco da conversa, onde a garota dizia que estava preocupada com o sumiço de mas não achava que ela havia ido embora. falou que estava na minha casa, e que estava tudo bem, mas não voltaria para lá. Sem delongas, se despediu e pediu para que a amiga curtisse a noite que no outro dia elas se falariam.
- Desculpa, nem mesmo me lembrei de falar com elas no caminho. Não foi de tudo ruim, . Não precisa se preocupar, a culpa não é sua, você só queria que eu voltasse a falar com ela, e isso foi ótimo. No tempo em que fiquei lá, notei o quanto sinto a falta delas. – ela deu um meio sorriso.
- Agora você vai me contar o que aconteceu? - ela se encostou em meu ombro, procurando uma posição confortável.
- Eu estou me sentindo horrível. Eu não sei, me bateu uma falta do Lucas, sabe? Eu senti que o que eu estava fazendo não era certo. Esses caras que ficam nesses pubs, parecem todos com a mesma intenção. - ela torceu o nariz. – E essa não é minha intenção. Eu quero conhecer alguém, ficar junto aos poucos, me acostumar com a ideia... Não quero atropelar tudo, . Eu me senti feia, senti como se me olhassem como se eu fosse um pedaço de algo. Quando apareceu um único menino que parecia quase decente. – ela fez aspas com os dedos no ar – ele basicamente virou o rosto pra mim e agarrou a Mary. – senti seu corpo se encolhendo ao lado e temi que ela começasse a chorar, mas notei que ela só estava receosa. – senti como se eu não existisse, minha auto estima que já não é das melhores, desapareceu.
Fiquei procurando o que falar, não sabia ao certo. Um bom tempo depois, e aquele beijo ainda não saia da minha cabeça. Sabia que ela sentia falta do Lucas, então durante todo esse tempo me pergunto o que aconteceu naquele dia. Se ela também se sentiu assim quando nos beijamos. Me pergunto se foi algo do momento, que logo ela esqueceu, ou se aquilo também pairava em sua mente.
- Você acha muito piegas alguém da minha idade querer ir aos poucos? Não querer aproveitar loucamente a vida? - ela questionou, olhando em meus olhos.
- Não acho que sou a melhor pessoa pra falar sobre isso, afinal, eu nunca fui o garoto de pub que você descreveu. – pisquei para ela, e consegui um sorriso. – Mas é uma escolha sua, . Você não precisa fazer o que todos pensam que deveria. As pessoas têm que parar de achar que o que todo mundo faz é certo e quem é diferente é estranho. Você passou por algo muito delicado, você é nova, você pode fazer suas escolhas. Sei que você tem muitas dúvidas em relação a tudo, mas sei que independente do que você fizer, será quando estiver bem consigo mesma.
- Já acho que você é a melhor pessoa pra falar sobre isso, porque acredito que você também prefere as coisas assim, e olha que nem te conheço tanto. – ela riu.
- Nem me conhece tanto? Se você não me conhece bem, não sei alguém que conheça, ! - não era mentira, afinal, passamos tanto tempo junto nos últimos meses que já poderíamos fazer um seminário sobre os gostos um do outro.
Ela riu comigo, e então deitou no meu colo, colocando os pés para cima. Fiquei fazendo carinho em sua cabeça e ficamos em silêncio por alguns minutos, até que eu me lembrei de algo que ela havia dito e estava me incomodando.
- Nunca mais diga que se sentiu feia. Nunca mais. – ela abriu seus olhos, me encarando - você deveria ver o que eu vejo. – movi sua pequena franja para o lado com a ponta dos dedos. – Sua autoestima precisa se encontrar com a pessoa maravilhosa que você é. Você é linda, ! Você é jovem demais pra se auto destruir, não se deixe levar por pensamentos assim. Eu não vou deixar que isso aconteça. - toquei sua bochecha e deixei um carinho ali.
- Obrigada, . Por tudo, você é o melhor. – ela segurou minha mão e apertou, se levantando em seguida e ficando com as pernas sobrepostas para que conseguisse me abraçar de lado.
- Se sua autoestima depender de mim, a partir de hoje, ela vai sempre ser a maior de todas – me afastei para olhar em seus olhos e então senti seus lábios tomarem os meus, repentinamente.
levou suas mãos até minha nuca, quase como se implorasse para que eu aprofundasse o beijo. Ainda surpreso, me deixei levar. Coloquei minhas mãos em sua cintura e aos poucos o beijo se tornou algo nervoso e desesperador. Nossas línguas se moviam freneticamente, conhecendo cada espaço que dividíamos. Minhas mãos apertavam sua cintura, enquanto suas mãos passeavam por entre meus cabelos.
Ficamos nesse ritmo por pouco tempo, parando então para poder respirar. Nos olhamos por alguns segundos e notei que seus lábios tomavam uma cor avermelhada, me fazendo sorrir imaginando se estaria igual. Segurei seus ombros e a puxei novamente para mim, dessa vez para algo mais lento. Ela levou uma de suas mãos ao meu rosto, e usou a outra para direcionar meu braço até sua cintura novamente. Aos poucos nossas línguas se encontravam novamente, fazendo o mesmo caminho, mas de forma mais delicada. Eu podia sentir seu perfume enquanto a beijava, e tudo que eu mais queria era não sair mais dali. Aquele cheiro me inebriava, e seus lábios me deixavam a beira da loucura.
Nos afastamos aos poucos, com sorrisos confusos, mas expressões divertidas. Ficamos sentados um de frente para o outro, e fiquei passando os dedos entre os fios de seus cabelos que estavam jogados para frente. Não era um momento constrangedor, palavras apenas não se faziam necessárias, mesmo que em minha mente elas parecessem rondar a todo vapor.
- Então...
- Então... - sorri para ela. - Você quer comer alguma coisa? - perguntei a primeira coisa que veio em minha cabeça, e vi ela rir, negando com um aceno. – Quer que eu te leve para casa? Seu pai tá te esperando?
- Não, eu ia dormir na casa de uma das garotas. – ela sacudiu os ombros. – Teria algum problema se eu ficasse por aqui e amanhã pela manhã fosse embora? Não quero soar oferecida, , mas não queria que você aparecesse essa hora em casa me levando embora, seria bem ruim explicar para o meu pai.
- Sem nenhum problema, . Eu vou arrumar a cama pra você e fico com o sofá, tudo bem? - ela fez que sim com a cabeça e me acompanhou quando levantei, me abraçando fortemente. Passei meus braços por seus ombros e enrolei meus dedos entre seus cabelos, deixando um beijo em sua cabeça e indo até o quarto para arrumar as coisas.
Depois de tudo arrumado, providenciei uma roupa qualquer para que ela dormisse e então esperei que ela se deitasse antes de ir para o sofá. Sentei na beirada da cama e notei que a garota sorria.
- Obrigada. – ela depositou um beijo em minha bochecha e se deitou, pronta para dormir.
- Boa noite, – beijei sua testa e me levantei, chegando rapidamente em meu sofá e me jogando lá de qualquer forma. Adormeci com uma confusão em minha cabeça, e um sorriso no rosto.
Detroit, 20 de setembro de 2017.
Uma chuva forte caia na rua. Estava no carro, na esquina da casa de , ligando para o seu telefone, que não era atendido.
Nós conversávamos o tempo todo por mensagens, e hoje durante a tarde ela me disse que poderíamos fazer algo depois que eu saísse do trabalho. Fui em casa, me troquei rapidamente e ali estava, esperando por ela. Ela me pediu para que esperasse na esquina e depois me explicava, mas não queria que ela fosse até ali andando na chuva. Quando consegui que ela me atendesse, notei sua voz embargada pelo sono.
- ? Ai meu Deus! Me desculpa! Começou a chover e eu peguei no sono com esse barulho maravilhoso! Me dá dois minutos que eu te encontro! – ri com seu desespero.
- Dou até três minutos, ! Tô esperando aqui!
- Na esquina né?
- Sim, senhora!
Ela desligou e eu então fiquei ali, esperando. Uns 5 minutos depois, vi ela correndo com um guarda-chuva roxo em mãos e seus tênis batendo nas poças que se formavam no chão.
- Ai que chuva gelada! – ela entrou no carro se chacoalhando toda, me fazendo rir. – Não ri de mim. – ela deu um tapa em meu braço e logo se esticou para me dar um beijo na bochecha. – O que vamos fazer?
- Você que me chamou, achei que soubesse o que queria fazer pelo menos. – levantei minha sobrancelha, intimidando-a. – Você marca um encontro, na esquina da sua casa, e não sabe o que quer fazer? Francamente, . – revirei os olhos e logo comecei a rir, e ela me acompanhava. – Por falar nisso, porque na esquina?
- Ah. – ela ruborizou. – Sei que meu pai adora nossa amizade, mas não queria que ele se preocupasse com a gente saindo sempre, ele nem sabe que aquele dia fiquei na sua casa, né. – ela parecia envergonhada, e confesso que aquilo passou para mim de certo modo. – E desculpa por demorar pra chegar aqui.
- Não precisa se desculpar, eu não ligaria se tivesse que esperar mais tempo, mais vezes. – pisquei para ela. - Quer ir ficar lá em casa? A gente passa, compra algo pra comer, e levamos pra lá. Tenho alguns jogos, ou claro, netflix!
- Pra mim parece ótimo. – ela sorriu e então dei partida no carro, dirigindo até uma lanchonete próxima de casa para comprarmos lanches.
Mesmo com a chuva, o trajeto até em casa foi rápido. Desci na lanchonete para comprar nossa comida, dois grandes lanches e uma coca-cola de dois litros, e também um pote de sorvete de chocolate. Dane-se o tempo feio ou o pouco frio que fazia, só queríamos aproveitar.
Entramos em meu apartamento como dois cachorros, já nos chacoalhando para nos livrarmos do excesso de água do pequeno pedaço que passamos pela chuva. Deixei os lanches na cozinha e peguei toalhas pra que nos secássemos, antes de voltar para arrumar tudo para comermos.
Nos sentamos no chão, lado a lado, em frente a mesinha de centro para apoiarmos nossas coisas. parecia esfomeada, como sempre, e já abria seu lanche cheio de coisas gordurosas e enchia de condimentos. Fiz o mesmo com o meu, já que tinha aprendido com ela que era o melhor jeito de comer. Quanto mais ketchup e mostarda no meio, melhor, nada de ficar abrindo sachê por sachê.
- Quer jogar alguma coisa ou assistir filme? – perguntei enquanto ela melecava as mãos e até o chão com o lanche que escorria óleo.
- Tô com preguiça demais pra jogar , vamos assistir algo.
Terminamos de comer em silêncio, e quando enfim conseguimos limpar toda a bagunça em meio a gargalhadas, tirei o sorvete do congelador e levei para o sofá com duas colheres e duas taças de sobremesa. Orgulho da minha mãe eu ter algo assim em casa.
Nos sentamos em lados opostos do sofá, colocando o pote de sorvete no meio. Entreguei o controle para , pra que ela escolhesse o que assistiríamos. E em 20 minutos já estávamos na milésima categoria da netflix.
- Escolhe alguma coisa logo, daqui a pouco tenho que te levar embora e você ainda tá ai maltratando o controle remoto – apontei para seus dedos, que já batiam nos botões com raiva.
- Não tem nada! Nunca tem alguma coisa!
- , tem um trilhão de filmes aí, como você me diz que não tem nada?
- Nada do meu interesse, ué. – ela sacudiu os ombros e me fez rir e rolar os olhos. – Vamos fazer outra coisa? – arqueei a sobrancelha, pensando o que poderia estar passando em sua mente já que ela falava tão animada. – Que tal um jogo de perguntas e respostas?
- Tudo bem, eu começo. – pensei durante algum tempo. – Em que ano começou a Primeira Guerra Mundial, e o que foi que deu seu início?
- . – notei um sorriso brotar em seus lábios. – Você tá de brincadeira né?
- Por quê? É muito fácil? Eu não era bom de história!
Ela começou a rir descontroladamente e apontou para nós dois, rindo ainda mais. Então entendi, as perguntas eram sobre nós, um para o outro. Não pude resistir e me juntei a ela, como eu podia estar sendo tão ingênuo.
- Vou começar pra acabar com a sua risadinha então, por que você não quis fazer faculdade? Nem ao menos se inscrever para alguma. – ela parou de rir e me olhou séria. – Sempre quis entender, .
- Ah, , eu não me sentia preparada, quem sabe agora que estou melhor não possa me decidir e escolher alguma? Minhas notas não são problemas, é algo que me orgulho, mas acho que nem tenho ideia do que quero cursar. Quem sabe você não me ajuda nisso também? – sorri para ela, afirmando. Ela então colocou a mão no queixo, como se pensasse loucamente no que perguntar. – Você nunca teve uma namorada?
- Porquê tanto interesse nisso? – questionei, já que não era a primeira vez que abordávamos esse assunto.
- Só responde. – ela falou séria.
- Não. Eu tentei uma vez, com uma garota que conheci na Califórnia, mas nem ao menos chegou a ser um namoro. Agora quero saber o porquê do interesse.
- Por nada, faz a próxima pergunta.
- Essa é a pergunta, quero saber o porquê do interesse, quer me arrumar uma velha? Acha que tô precisando de alguém? Estou rabugento? – sorri pra ela.
- Por que eu te arrumaria uma velha, ? – ela riu, enquanto tirava o pote de sorvete do meio do sofá e se aproximava de mim, segurando minha mão. – Queria saber o que acontece na sua cabeça, sabia? Eu nunca deixei alguém se aproximar de mim tanto quanto você, você vê que as coisas acontecem naturalmente entre nós, e ainda assim eu tenho que deixar tudo claro e tomar as atitudes. Sei que as mulheres também podem tomar atitudes, mas poxa, eu não tenho ideia do que você pensa ou do que você sente, tenho medo de me machucar por mais que confie em você. – ela passou a mão por minha barriga, chegando em minha cintura e então me abraçou, encostando em meu peito.
- . – ela olhou para mim e eu não pude deixar de levar minha mão ao seu rosto e deixar ali um carinho. – eu não sei o que te dizer, eu gosto de você, mas isso não é certo, você sabe.
Ela se aproximou lentamente, como se quisesse ignorar as palavras ouvidas, e juntou nossos lábios, transformando rapidamente vários selinhos em um beijo calmo e cheio de carinho. Nossas línguas brincavam enquanto suas mãos passeavam lentamente por entre meus cabelos, e minhas mãos acariciavam seu rosto de forma terna. Aos poucos, parávamos para repor o fôlego, mas sem nunca soltarmos.
A cada beijo meu corpo respondia melhor à garota. Minha cabeça parecia mais calma, e um sentimento grande transformava carícias em calafrios com uma agilidade sem igual. Quanto mais parecia errado, mais certo era. Quanto mais eu pensava, menos meu corpo mandava. Me sentia impotente, incapaz de dizer não, minha mente sabia o que queria.
- Eu não quero que você pense em certo ou errado, . – ela disse com os olhos suplicantes quando se afastou. – Não tem certo ou errado quando duas pessoas se gostam, você tenta me ensinar várias coisas e me mostrar como eu posso ficar melhor, me deixa te mostrar também. Eu não sou mais tão delicada e indefesa assim, por mais que eu tenha meus problemas, eles são comigo. Eu quero ficar com você, mesmo que não dê certo, eu quero tentar. – ela colocou sua mão em meu rosto e pude sentir toda sinceridade da garota naquelas palavras. Eu sabia que já estávamos envolvidos, mas existe tanta coisa a se pensar, as coisas não funcionam assim.
- , eu quero que você seja sincera, você imagina o que seria do seu pai? O que ele acharia disso?
- Pensar no que o pai vai achar é uma coisa tão careta, a gente não tá casando! Ele não precisa saber agora, nem nada! Todo mundo diz que tudo que é escondido é melhor. – ela riu.
- , acredite, eu não ligaria do seu pai não saber. Eu não ligaria de passar uma vida inteira na esquina da sua casa pra te buscar. Mas as coisas não funcionam assim. Eu não posso simplesmente trair a confiança de alguém que eu conheço a tanto tempo, eu trabalho pra ele, . Você falando dessa forma, parece que só quer uma aventura, algo que te distraia como eu te disse que você deveria fazer. Nunca imaginei que você me colocaria como essa distração. Não é porque eu sou mais velho, eu trabalho com o seu pai, eu sou um bom amigo, que a gente tem que ficar junto. Pra ficar junto, tem que ter algo a mais. Você é tão jovem, tão bonita, tem tanto pra viver, tanta gente pra conhecer, porque eu? Eu nunca tive uma namorada porque eu talvez seja sentimental demais pra me deixar levar em qualquer furada. – soltei tudo de uma vez, parando para respirar profundamente no final. Sei dos meus sentimentos por ela, e do quão confuso tudo aquilo poderia ser, mas não podia ser responsável por levar um relacionamento daquela forma.
- Você sabe qual o seu problema, ? A sua insegurança. Você deveria notar como tudo que você falou não faz sentido nenhum, e como tudo isso é coisa da sua cabeça que não te deixa sentir algo por alguém com medo de não ser recíproco. É por isso que você nunca namorou, você nem mesmo se aceita pra aceitar alguém. – lágrimas cresciam nos olhos dela, e eu sentia meu coração apertar a cada palavra que ela pronunciava. – eu acho que não tenho mais nada pra fazer aqui, me desculpa por gostar de você, afinal, foi só isso que aconteceu. Não precisei de nenhum plano de distração que você me mostrasse, eu não preciso melhorar tanto assim quanto vocês acham, eu estou bem, e se você me conhecesse de verdade, saberia disso.
Pensei em segui-la quando a vi a porta bater com sua saída. Pensei em levantar, correr atrás dela como em filmes e me declarar. Mas eu não sei se posso fazer isso. Eu sou fraco, assumo, mas não posso. Ela merece alguém melhor.
Olhei pela janela enquanto ela esperava na área coberta o táxi pelo qual ela havia acenado. O carro parou e ela entrou rapidamente, me deixando olhando para aquela cena clichê na chuva, sem acreditar ou entender o que tinha acontecido ali.
Detroit, 29 de setembro de 2017.
Estacionei o carro próximo a casa dos e ouvindo o som que vinha de lá, entrei sem nem bater, afinal, a festa já havia começado. Era aniversário de Robert, e ele havia decidido comemorar com algumas pessoas da empresa e uns poucos familiares que moravam por ali.
A casa estava pouco enfeitada, era algo simples, como pessoas mais velhas tendem a dizer, algo mais social. Via alguns balões, que pareciam alguma brincadeira feita por seus irmãos e um bolo em cima da mesa com um enfeite infantil que deixa seus sobrinhos muito felizes. Cumprimentei a maior parte das pessoas, que conhecia de outras festas além das pessoas da empresa, indo em direção a cozinha, onde avistei Robert ao entrar.
- . – ele apertou minha mão como cumprimento e aproveitei para puxá-lo pra um abraço, já que ele havia tirado o dia de folga hoje.
- Muitas felicidades, Robbie! – entreguei a ele o pequeno pacote que estava em meu bolso, mais um chaveiro para sua coleção gigante que muitos invejavam e eu não entendia.
- Obrigada garoto! – ele se virou para cumprimentar a sobrinha pequena que havia chegado e já chamava sua atenção, me deixando de lado.
Sai da cozinha e voltei até a sala, me juntando a um grupo formado por caras da empresa e entrando no assunto de negócios deles. A conversa não durou muito tempo, pois logo Yan saiu de nossa roda falando animadamente com a garota que chegava a ponta da escada onde estávamos.
- ! Quanto tempo! Não aparece mais em nossos churrascos! – ele abraçou a garota que quando solta, acenou rapidamente para todos os homens em volta lhes dando um sorriso e logo parando seu olhar sobre mim.
Existe aquele clichê de tudo parou e os olhares ficaram intensos, e existe o que aconteceu entre nós dois. Ela olhou pra mim, desviou o olhar e saiu em direção ao próximo grupo que conversava ali perto.
Fiquei olhando enquanto ela passeava pela sala. Ela usava um vestido simples em um tom de cinza, meia calça preta e tênis. Seus cabelos estavam soltos em suas costas e ela sorria para todos por quem passava. Quando chegou em Robert, ela o abraçou e ele comentou algo muito feliz próximo a ela, indicando o pacote que eu havia lhe dado e apontando para mim. Tentei disfarçar me virando novamente para o grupo com que conversava, mas pude ver ela sorrindo amarelo para o pai e logo saindo, sentando-se em um sofá no canto com seu celular em mãos.
Pouco tempo havia se passado, mas eu não podia evitar sentir sua falta. Sentia falta de cada mensagem que ela me mandava durante o dia. Passei os dias esperando qualquer coisa que ela atualizasse nas redes sociais, apenas pra saber se ela estava bem. Eu queria muito correr atrás, e dizer que estava arrependido. Mas eu não sabia como reagir aquela briga. Eu só sabia que queria ela comigo. E também sabia com certeza só mais uma coisa, eu estava muito errado ao julgar o que ela sentia como uma distração.
Sai discretamente de perto dos homens com quem estava e me recostei em uma parede num canto longe e oposto ao que ela estava. Peguei meu celular e aproveitei que ela parecia prestar muita atenção no seu.
“Entediada, pirralha?”
Antes que se lembrasse que eu estava a observando pude ver um sorriso se abrir em seus lábios. Ela levantou a cabeça e me procurou pela sala, deixando o sorriso ser tomado por uma expressão indecifrável.
“Perdi um amigo para ele mesmo, senão estaria me divertindo”
Quando terminei de ler sua mensagem vi que ela havia me encontrado e me encarava, com ressentimento.
“A gente pode conversar?”, perguntei.
“Me encontra na garagem”
Ela se levantou e andou calmamente até a porta da frente, se esquivando das pessoas por quem passava. Passei por Robert na cozinha e disse que não estava me sentindo muito bem e que já voltaria, saindo pela porta dali e indo em direção a garota que me esperava sentada em uma bancada.
- Oi. – ela disse, com um sorriso de lado.
- Achei que estivesse brava comigo. – me aproximei e dei um beijo em seu rosto.
- Eu tô, mas eu te conheço, sei que você pensou e tem algo pra falar.
- Me desculpa, . – segurei sua mão.
- É um bom começo, você realmente me ofendeu. – ela disse, brava.
- Eu sei disso, mas não era minha intenção, você sabe. Só que você mexe com a minha cabeça desde quando eu te conheço, . Não do jeito como agora, mas eu te conheço há quase 05 anos, e pode parecer pouco, mas porra, quando eu te conheci você tinha 14 anos! Quando eu me aproximei de você, você tava passando por uma fase horrível que seu pai me fez acreditar que nunca passaria, e agora a gente tá aqui, nessa situação que nem sei como chamar.
- Por que você sempre tem que colocar meu pai na história, ?
- Porque além de trabalhar com ele, eu sou amigo dele, . Isso pode não fazer muita diferença no seu modo de ver, mas é algo que ronda minha mente. Desde quando eu percebi que a gente já tava envolvido, eu não consigo parar de pensar no que ele acharia disso. Tem dias que ele passa pela minha mesa e me pega rindo de alguma mensagem e me pergunta quem é a garota que me deixa tão sorridente e eu tenho que inventar algo, porque é você e eu não sei como dizer isso pra ele. Sei que ele gosta muito da amizade que criamos, e ficaria feliz de ver que realmente somos muito amigos, mas não sei como ele encararia isso. – levantei nossas mãos grudadas e as coloquei em meu peito. – e é importante pra mim.
- A gente tá envolvido? – ela sorriu para mim, olhando para nossas mãos.
- Eu acho que fui muito inocente em tentar me convencer do contrário das piores formas que eu poderia, principalmente te julgando e tratando da forma que fiz.
Coloquei minhas mãos em sua cintura, ficando entre suas pernas, e me aproximei de seu rosto. Antes de juntar nossos lábios, pude ver que ela sorria como uma criança, o que me fez parar para admira-la por alguns instantes.
- O que foi? – ela abaixou o rosto envergonhada, deixando seus cabelos cobrirem minha visão.
- Nada, seu sorriso me encanta. – levantei seu rosto novamente, colocando seus cabelos para trás.
Segurei sua nuca e a puxei para perto, juntando nossos lábios mais uma vez. Bocas coladas não satisfaziam mais nossa vontade, o que fez com que rapidamente eu passasse a língua por seus lábios pedindo passagem para aprofundar o beijo. Nossas línguas se enrolavam, sempre procurando por mais intimidade naquele beijo que era calmo e sereno apesar da ansiedade pelo momento. Era como se tivéssemos ficado separados por anos e dessa vez, pude acreditar fielmente que nada poderia ser mais certo que aquele momento.
- . – ela começou a dizer quando nos separamos. – Me promete que a partir de agora nada mais importa? Sua insegurança, seu medo. Eu não quero que você ache que eu sou porcelana e a qualquer momento eu vou quebrar, eu quero ficar com você independente do que qualquer um diga, até mesmo meu pai.
- O que seu pai pensa importa pra mim, . – passei a mão por seus cabelos. – mas eu prometo que não vou deixar nada se comparar ao que eu tô sentindo por você. – sorri sincero pra ela. – O que vai acontecer daqui pra frente, deixa acontecer. A gente não precisa fazer planos nem nada, só vamos ficar juntos. – lhe dei um selinho rápido, e juntei nossas mãos enquanto ria. – eu juro que eu tento te dar só um selinho, mas quanto mais eu tenho de você, mais eu quero! – dei outro selinho nela, e antes que pudesse grudar nossos corpos mais uma vez, ela me empurrou delicadamente, rindo.
- Eu sei, muito bem,que as coisas nem sempre são maravilhosas, nem tudo é arco íris, borboletas, potes de ouro, mas eu sei que a gente consegue . – ela juntou seu mindinho ao meu, como em uma promessa de crianças.
- Você é inacreditável - puxei-a para um beijo, mas antes que pudéssemos passar mais tempo assim, meu celular começou a vibrar no bolso traseiro.
Puxei o celular e atendi quando vi que era Robbie quem me ligava. Ele disse que estava preocupado e queria saber se estava tudo bem, se eu não queria ir ao médico, que ele me acompanharia. Agradeci e disse a ele que tomar um ar havia ajudado e eu já estava voltando, enquanto ria em minha frente.
- Vamos. – puxei ela de cima da bancada e a levei em meu colo até a porta da garagem. Mordi seu lábio inferior e sorri pra ela. – daqui a pouco ele tá te procurando também. – dei um último selinho e a coloquei no chão.
- Te vejo lá dentro. – ela acenou e foi em direção a porta da frente, me dirigi ao lado oposto e entrei pela porta da qual havia saído, voltando para a festa.
Detroit, 18 de outubro de 2017.
Desci do carro e retirei os milhões de papéis que tinham no banco de trás antes de ir até o escritório. Com uma pilha gigante de relatórios sobre a reunião de dois dias em que eu estive, andei até o prédio, esperançoso que Robbie me mandasse para casa descansar como sempre acontecia com quem voltava dessa árduo trabalho.
Abri a porta do escritório e corri até minha mesa, jogando todos os papéis lá de forma ordenada e ouvindo os risos em volta. Todos sabiam o quanto essa reunião anual era chata, e esse ano eu havia perdido no jogo, então tinha sobrado para mim. Todo ano nós disputávamos alguma coisa, e quem perdesse, era o infeliz que teria que comparecer e fazer todos os relatórios. Era a segunda vez que eu era o felizardo, afinal, minha sorte é quase inexistente.
- Sobreviveu, ? – ouvi Robert dizer de sua sala e andei até lá.
- Talvez sim, talvez não. – disse entrando em sua sala, quando dei de cara com sentada em sua cadeira. Parei repentinamente e arregalei os olhos, deixando com que um sorriso aparecesse em meu rosto. Vi Robert agachado atrás da cadeira de costas para nós, mexendo em uma prateleira com algumas pastas cheias. – , você por aqui? – perguntei cordialmente, querendo rir. – Bom te ver!
- Ela está aqui porque me encheu o saco para vir, mas já está enchendo demais por aqui, então se você puder levar ela embora quando sair, eu agradeço. – Robert olhou para mim, pedindo quase como um súplica.
- Pai! Eu não tô fazendo nada! – ela virou para encarar o pai, indignada.
- Exatamente! Por favor, , se você não estiver muito cansado e puder deixá-la em casa no caminho, eu agradeço. – ele se virou novamente para as pastas, preocupado. – só deixe os relatórios em sua mesa, mais tarde vou dar uma olhada e amanhã conversamos, tô atrás de um papel que parece ter se escondido.
- Eu a levo, Robbie! – ela levantou fingindo estar emburrada com o pai e lhe deu um beijo na testa. A garota pegou o celular em cima da mesa e passou por mim como um furacão, me fazendo rir. – Sua educação me comove, . – vi ela me mostrar o dedo do meio enquanto já passava pela porta e chamava pelo elevador.
Acenei para os outros funcionários e entrei no elevador com a garota, que segurava a porta me apressando para que entrasse. Quando as portas fecharam ela olhou para cima e ficou encarando o teto, como se estivesse entediada. Sorri comigo, olhando para ela, que logo notou o que eu fazia. Ela sorriu, negando com a cabeça como se afastasse um pensamento, e saiu do elevador indo em direção a saída do prédio e já procurando meu carro.
Abri a porta pra que ela entrasse e a ouvi agradecer, dei a volta e entrei no lado do motorista.
- E aí, pra onde vamos? – a encarei, tentando entender.
- Eu vou te deixar na sua casa, e vou pra minha casa dormir. – sacudi os ombros, achando que aquilo era óbvio.
- ! Eu não acredito que eu acordei cedo, vim até aqui encher o saco esperando você chegar pra você me falar que vai me deixar em casa!
- Você o quê? – automaticamente um sorriso brotou em meus lábios, eu não podia acreditar.
- Eu tava com saudade. – ela sorriu, meiga e envergonhada, e só consegui ignorar o quão próximos estávamos de Robert e mais várias pessoas conhecidas.
Puxei ela pra perto de mim e a abracei, inspirando profundamente seu perfume, e em seguida beijei seus lábios demoradamente. Não sabia se alguém veria ou não, e não estava me importando, todo mundo merecia saber que aquela garota seria amada. Era inevitável.
Fim.
Nota da autora: Oi gente! Estou sentindo o peso dessa música até agora nos meus ombros, porque sei que todo mundo idolatra ela, assim como eu! Acredito que eu fiz algo diferente do que todo mundo possa ter imaginado, mas espero ter agradado! E como viram, não consegui colocar muito mais a frente o que aconteceu com o relacionamento... Por isso, temos uma PRÓXIMA! Ela sai pouco tempo depois dessa, no ficstape do Jorge e Mateus, e a música é Maneira Errada! Se quiserem descobrir o que aconteceu com eles, é só esperar! Obrigada por lerem, e por favor, comentem o que acharam, é muito importante <3
Ah, não posso deixar de dizer... Leiam This Love, desse ficstape, pois na nossa imaginação (minha e da Maki) os pps são irmãos! Criamos até a família toda hahahaha beijos <3
Outras Fanfics:
Mixtape: Uma Criança Com Seu Olhar
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