Capítulo Único

Mais um dia .
Mais um dia em que a coisa que eu menos queria era levantar daquela cama e ser alguém na vida.
Mais um dia em que eu acordava com a lembrança de que eu fui a embuste daquele relacionamento.
Um relacionamento que durou meses. . Acho que definitivamente esse número não é o meu número “da sorte”.
Eu sou do tipo de pessoa que literalmente declara os dias como bons ou ruins dependendo do meu estado de espírito, por exemplo: um dia que eu não me lembrasse de tudo que eu fiz, era um dia bom. Mas, os dias em que eu acabava no primeiro bar, em teoria, que eu encontrava, como eu tinha certeza que esse seria o fim do meu dia hoje, eram dias muito, muito ruins.
Eu deveria ter escutado minhas melhores amigas quando elas diziam que eu não deveria começar um relacionamento para esquecer outra pessoa. Eu deveria ter escutado minha mãe, meu chefe, meu porteiro, o balconista do bar e até o meu vizinho quando eles me deram a mesma opinião em relação a dar ou não uma chance à pessoa com quem eu passei momentos maravilhosos, que sempre ficariam em minha vida, que eu sentiria saudades, mas que eu jamais poderia permitir que tivesse permanecido comigo.
Você sabe, peso na consciência.
Muito embora eu não daria ouvidos a eles, estava envolvida desde o primeiro olhar.
A verdade é que, ao dar uma chance a , automaticamente eu estava assinando minha declaração de embuste que foi embustisada por alguns embustes anteriores, espero que isso tenha feito sentido na sua cabeça, caro(a) leitor(a).
Peço-lhe que me acompanhe por esse dia de merda enquanto eu lhe conto tudo que aconteceu, desde o início, desde o primeiro embuste até o momento atual, só espere eu tomar um banho, você poderia passar um café enquanto isso? Prometo ser rápida.


*****


Tudo começou há... Seis anos atrás? Focando: há seis anos eu comecei a me apaixonar por uma pessoa. De todos os casos, rolos e ficadas que já tive, ele era diferente. Eu sei, isso é bem clichê, mas, quando você realmente viver e sentir algo como isso, eu te garanto, você saberá do que eu estou falando. Aliás, desculpe-me por desviar do assunto às vezes, faço isso com constância, sempre amou isso, mas eu, não.
Bom, ele era a perfeita mistura de príncipe encantado, badboy e capitão do time de futebol americano (literalmente), pelo menos, sua aparência e realidade eram essas. O desgraçado na verdade era um tremendo cretino, machista e que, como não poderia ser diferente, gostava de mandar em mim como se eu fosse uma cadelinha, e eu não vou mentir a você, eu praticamente estava sendo uma. Sabe àqueles donos que mandam e desmandam, batem se fizer errado e na frente de todos pagam de boa pessoa, faz até campanha contra a violência a animais domésticos e até divulgam ONGs de adoção? POIS ENTÃO! Ele era o dono e eu, bom, era o bichinho de estimação dele.
Ele não fora assim o tempo todo, houve momentos bons em que vivemos, eu diria que os seis primeiros meses de namoro. Éramos o casal perfeito, àqueles felizes e sem problemas que passam em comerciais de TV e que a mídia tende a vender como melhor casal do mundo, se esquecendo de que atrás daquilo tudo há pequenas coisas que são redondamente importantes para um relacionamento: companheirismo, respeito, dosagem de ciúmes, cumplicidade... Eu poderia citar muito mais. Ele cometia alguns deslizes, mas nada que eu não perdoasse, afinal, o amava, e o que um relacionamento juvenil precisa mais do que isso? Quem não gostaria de sobreviver de amor? Imagina só: não ter que se preocupar em pagar contas, comer, uma casa pra morar, tudo isso porque o amor sustentará tudo! Mas claro, só se você tiver amor para dar, vender e compartilhar, enfim.
Nosso relacionamento ia às mil maravilhas até a Beatrice aparecer. Líder de torcida. Ruiva. Corpo violão. Uniforme minúsculo. Olhos verdes. Lábios grossos. Pele alva. Tatuagem aquarela abaixo dos seios, deixando-se aparecer naquele maldito uniforme azul e amarelo. Por Deus, até eu pegaria aquela mulher. E com ele não foi diferente, mal ela passava em sua frente, e ele já apontava para ela, se é que me entende. Até que numa tarde de dia , eu flagrei os dois, no banheiro feminino daquela maldita escola, no maldito dia em que tudo de ruim já havia acontecido comigo. Primeira traição descoberta. Primeira DR pública, primeira de muitas, porém, a única em que ele sequer levantou a mão para mim.
A primeira vez que ele me bateu, foi pelo seguinte motivo: me inscrevi para entrar na equipe de líderes de torcida. Suas razões: mulher dele não andaria como “prostituta” pelos corredores da escola, e Beatrice. Segundo ele, eu estava apenas implicando com a menina, por ciúmes e por ser possessiva. Pera lá, eu nunca sequer cobrei ciúmes dele, eu estava aguentando ele e Beatrice tendo um caso há dois meses, calada. Eles nem escondiam que tinham um caso, por várias vezes peguei os dois se pegando no carro que nem vidro fumê tinha. Em meio à discussão, falei que queria entrar nas líderes porque era um sonho reprimido de infância, mas suas palavras duras, me falando que aquilo não era para mim, que meu corpo não se encaixaria ali e que eu não tinha beleza e graciosidade para aquilo, me fizeram recuar e rever meus argumentos, observar e acreditar no que ele dizia, afinal, o que era uma morena em meio às loiras e ruivas? Quem era uma garota com meu padrão de corpo em comparação ao corpo malhado delas? Mas o estopim da briga foi quando ele disse que eu não deveria sequer pensar na possibilidade, pois ficaria “constrangedor” para ELE pegar duas meninas que “obrigatoriamente” deveriam ser amigas e confiar uma na outra, muito embora fosse a realização da fantasia sexual dele de ter as duas em sua cama. Ao. Mesmo. Tempo. Minha mão foi de encontro a sua face, mas eu só senti quando a ardência do atrito se fez presente. Ele olhou para mim de uma forma que ninguém jamais olhara, e eu não estou falando de forma romântica. Seu rosto tornou-se avermelhado, não só pelo meu tapa, mas por toda a sua raiva. Comecei a chorar, a culpa que eu sentia fez meu coração estrangular, eu pedia, implorava, me ajoelhava aos seus pés pedindo perdão, mas não adiantava, e não adiantaria, eu percebi exatamente o segundo em que ele percebeu o que eu havia feito. Seu tapa em meu rosto doeu, doeu não só fisicamente, mas no fundo do meu coração, ele bateu com toda a força de homem que ele tinha dentro dele, minha cabeça ficou zonza, senti meu rosto dormente, mas eu merecia aquilo! Onde eu estava com a cabeça em levantar a mão para o cara que me traía, me colocava para baixo, me dizia coisas horríveis, mas que eu amava? Amor sustentara tudo, não é mesmo? Beatrice ia ser só um caso passageiro, coisa de adolescente que gosta de mostrar que pode ter mais de uma mulher, logo passaria e nós voltaríamos a ser o casal mais sonho de consumo de todos, não é? Não. Aquele dia, tive que arrumar uma desculpa para meus pais, mesmo com toda a maquiagem, a marca da sua mão em meu rosto era evidente. Depois disso, tudo ficou cada vez mais constante. Ele me bater, excesso de ciúmes, não era apenas a Beatrice, tanto que até a própria Beatrice ficou indignada com as traições dele, para com ela, é claro. Aguentei isso por mais seis meses, até a Lindsay. Ela foi a traição dele que mais me machucou, não só pelos fatos ocorridos, mas também porque no final, Lindsay acabou grávida dele. Lindsay, minha prima de primeiro grau, a santa da família, a que servia de comparação para todos os primos. Lindsay, que cresceu junto comigo, a pessoa que eu dividia todos os meus problemas e a única pessoa para a qual eu havia contado o cafajeste que ele era/é. Lindsay, que era basicamente minha irmã, estava grávida do primeiro homem que me batia, que era possessivo e doentio, mas que eu amava. O homem com quem eu passei um ano e dois meses.
Mas enfim, agora que terminamos nosso café, pode me seguir até meu trabalho?


*****


E foi aqui que eu conheci o segundo embuste da minha vida. Na verdade, foi do outro lado da rua, ali, naquela cafeteria da esquina, que também serve de restaurante para almoço e janta, é basicamente tudo, na realidade! Mas isso não vem ao caso. O fato é que dizem por aí que, quando você é machucada uma vez, você se torna mais inacessível e passa a não confiar mais em qualquer um. Bom, comigo foi diferente. Eu já havia passado por uma situação ruim, o que eu precisava naquele momento era de uma pessoa que me amasse, de verdade, e que eu pudesse esquecer o primeiro.
O segundo eu conheci nas minhas férias, dois meses depois de ter terminado e “superado” tudo que eu sentia, e isso inclui raiva, ressentimento, autopiedade e amor.
Havia acabado o último ano do colegial, eu era adulta agora, precisava juntar dinheiro para conseguir pagar a bolsa da faculdade, não tinha tempo para bobagens adolescentes, e tinha algo mais bobo que um romance adolescente que não deu certo?
Comecei a trabalhar na TC e aqui estou até hoje. Trabalho no administrativo, comecei como estagiária e fui subindo de cargo, hoje sou chefe do departamento, mas essa semana estou entregando minha carta de demissão, é hora de seguir minha carreira de fato, na qual eu estudei nos últimos anos. Enfim, vamos até a minha sala, lá ficaremos mais à vontade. Aliás, eu nem deveria estar aqui, dias são dias para não sair da cama, lembra?
Dia . Mais um dia em que eu saí de casa atrasada e fui correndo, literalmente, na cafeteria para comprar um café e começar o meu dia bem. Bom, eu já havia frequentado àquela cafeteria antes, algumas boas vezes. Não só quando eu vim fazer a minha seleção, mas também porque eu gostava do ambiente. Naquele dia eu pedi o de sempre: cappuccino com adicional de chocolate. Só que meu copo veio com um detalhe diferente: um número de telefone. É mais um clichê que você quer, @?
Eu conhecia o Bob desde que eu havia começado a frequentar, tinha o número de contato dele e mais o de todos que ali trabalhavam, afinal, eu sempre fui muito comunicativa e eles eram pessoas nas quais eu convivia quase que diariamente, então, por que não? Bob havia me servido o café naquele dia, e àquele número não era de ninguém dali, mas eu também não iria ligar. Se quem quer que fosse quisesse falar comigo, que viesse pessoalmente. Cara a cara.
Uma semana depois, naquele mesmo lugar, eu o conheci. Ele era tão estagiário quanto eu, mas ele era da parte jurídica da empresa, estava a dois meses de se formar e já estava aprovado na ordem que o permitia exercer a função de advogado. Bonito, moreno, alto, sorriso encantador e cafajeste. E eu já deveria ter notado daí que tinha algo errado. Ele me chamou para jantar, comemos macarronada à bolonhesa, especialidade do restaurante, mas o assunto não acabava. O restaurante fechou e decidimos dar uma esticadinha: fomos à balada. Eu amo dançar. Para mim, nada no mundo vai te fazer expressar mais algum sentimento do que a dança, então não tinha como eu recusar àquele convite.
Ele era um cara interessante, de início, citou todos os defeitos dele antes de falar as qualidades, além de dançar muito bem e ter um papo bastante interessante. Saímos àquela sexta, marcamos um encontro no sábado e saímos no domingo também. Ele era maravilhoso. Me tratava como ninguém. E, para ser sincera, eu estava adorando àqueles mimos todos. E assim fomos seguindo, sem assumir algo sério, por bons cinco meses, até eu começar a querer ter algo sério. Nós tínhamos um rolo escondido de todos da empresa, pelo simples fato de que tínhamos medo de que nossos supervisores soubessem e termos algumas complicações em relação a isso. Começávamos a conversar sobre isso, mas ele sempre desviava da conversa, às vezes mudando de assunto, me tirando o foco... Bom, caro leitor, o que eu te pergunto é o seguinte: você também não acharia estranho?
Nós tínhamos algo vago, e o tempo que passávamos juntos eram desfrutados aproveitando o momento, de todas as formas que você puder imaginar. Eu não tinha contato com ele na empresa, e quando nos encontrávamos, éramos apenas estagiários que se esbarravam às vezes na cafeteria. Nossos setores não tinham muito contato, não tínhamos redes sociais trocadas, a não ser, aplicativo de mensagem, de resto, mais nada. Sim, eu fui tola em não perceber nada disso durante cinco meses! Com isso, pelo próximo mês, eu passei a pesquisar mais sobre ele.
Eu havia subido de cargo e com isso, eu e outros cotratados recebemos a seguinte missão: organizar toda a documentação de todos os funcionários da TC. Separados por setores, que nós mesmos escolhemos, passamos organizar pasta a pasta de cada indivíduo que obrigatoriamente tinha que bater o cartão na empresa em horário comercial. Obviamente que escolhi o setor jurídico! E por essa pasta mesmo comecei toda organização. E eu só tenho a te perguntar uma coisa: advinha que dia era àquele? Exato. Dia . Seis meses após eu ter conhecido ele. Eu só sairia daquela empresa depois de ler detalhe a detalhe do seu arquivo.
Seu nome era verdadeiro, sua idade, três anos mais velho que eu, era verdadeira, sua profissão, defeitos e qualidades, verdadeiros. Mas tinha algo extremamente errado. Algo que, quando li, me fez vomitar meu almoço na lixeira ao lado e minhas mãos tremerem tanto quanto qualquer outra coisa.
Estado civil: Casado.
Filhos: 2.

Eu não poderia acreditar no que meus olhos viam. O relógio a minha frente avisava que eu já havia passado uma hora do meu horário. Meu celular vibrava com a centésima mensagem que ele me mandava, avisando que estava me esperando. Era uma sexta-fera, tínhamos marcado de viajar o fim de semana, eu já esperava ele me pedir em namoro nessa viagem. Nunca pude estar tão engana. Nem apaixonada. Inferno.
Mas aquilo não ficaria assim. Não ficaria mesmo! Meia hora depois, terminei de guardar toda a documentação e peguei minhas coisas, peguei meu celular, que agora tinha um número a mais salvo, e desci para me encontrar com ele. O encontrei no estacionamento do prédio. Como ninguém estava na empresa, a não ser os seguranças e porteiros, não havia tanto problema. Entrei no carro e lhe dei um selinho, se era para atuar, que fôssemos atores de qualidade Oscar.
Passamos um bom tempo em silêncio, ele muito provavelmente estava achando aquilo tudo confortável e eu apenas queria pular fora daquele carro. Mexi no celular e fiz o que deveria ser feito. Reservas em restaurantes, diárias, tudo pago com o meu cartão de crédito.
Chegamos ao nosso destino duas horas depois. Um sorriso enorme estava em seu rosto, eu correspondia com um sorriso ladino. Fomos até o balcão fazer o check-in e foi aí que ele teve uma bela surpresa.
Sua esposa e seus dois filhos o aguardavam no quarto reservado em seu nome. Ele ficou pálido. Tão pálido que a recepcionista perguntou se ele estava passando mal. Sorri para ela e lhe disse que ele me mantinha secretamente como sua amante, e que havia preparado uma surpresa para ele hoje, sendo assim, que não se preocupasse. Fiz questão de subir com ele, tivemos uma longa conversa franca e verdadeira, falei tudo à esposa dele, os filhos, de dois e três anos, estavam dormindo. Ele chorava como um deles, ela não tinha dó, e no final, me agradeceu e me chamou para tomar uma cerveja com ela.
Dias depois ele foi demitido, causa: sua esposa teve um comportamento psicótico em seu escritório, causando risco de morte aos outros funcionários da TC. Ela me ligou logo em seguida, fomos jantar para comemorar todo o feito.
Mas meu coração estava magoado, afinal, foram seis meses de engano, certo?
Depois disso, eu passei um ano sozinha, decidi que aquilo não era para mim e que homens eram sempre a mesma coisa. Me revoltei com a vida, até conhecer o próximo embuste. Mas isso eu conto depois do almoço. Vamos almoçar?


*****


O terceiro. Meu caso mais longo. Dois anos. Dois anos que ficamos, namoramos e noivamos. Com direito a festa para quase quinhentos convidados e tudo. Acredite, minha risada foi irônica. Ele eu conheci numa social da empresa. Ele não era um dos manda chuva, pelo contrário, era um estagiário que estava ali a mando do seu supervisor porque o próprio estava com preguiça de ir. Fazia dez meses que eu estava solteira, ele demorou dois meses para me convencer de que a gente poderia ter algo.
Ele era um doce, gentil, carinhoso... Engraçado como a gente se engana com esses doces, não é? Parece àqueles chocolates que vinham em miniguarda-chuvas, era chocolate, mas tinha gosto de, sei lá, sabão?! Enfim! Ele não forçou a barra, chegou de mansinho, àquela famosa história de que o amor vem para os distraídos.
Ficamos a primeira vez em mais um dia . Era a festa da empresa, só que estava um saco, então fomos para o telhado, colocamos uma música no nosso celular mesmo para tocar e começamos a dançar. A gente já tinha começado uma amizade muito bonita desde que a gente se falou a primeira vez, parecia que nos conhecíamos há anos, só fizemos continuá-la. Enfim, dançamos boa parte da noite, bebemos também, falamos bobagens, sonhos, metas e no raiar do sol, nos beijamos a primeira vez. Eu deveria odiar clichês, né? Mas enfim.
No início, foi muito estranho, ficou um clima difícil de lidar, porque nós dois queríamos aquilo de novo, mas nenhum dos dois queria assumir aquilo. Nós nos gostávamos de verdade, foi como primeiro amor, só que evoluído e muito maduro.
Passamos um mês até ficarmos de novo e nos permitimos ficar mais uma vez e outra, outra, outra, até assumirmos de vez um namoro. Ao mesmo tempo, eu estava crescendo na minha vida pessoal e profissional, já estava num cargo elevado, recebendo quase 300% a mais do que eu ganhava como estagiária, já havia saído da casa dos meus pais, já morava numa cobertura, com o carro do ano, eu tava bem pra caramba! E na faculdade só notas máximas, então eu estava em perfeita sintonia e plenitude nas três partes da minha vida. Mas voltando ao terceiro, um ano e meio de relacionamento depois, quase sem brigas, ciúmes saudável, era verdadeiro depois de tanto tempo, sabe? A gente fez uma viagem de navio, e ao pôr do sol, me pediu em casamento, foi quase uma encenação do último pôr do sol que o Titanic viu. Mais uma vez eu deveria ter notado que aquilo seria um total naufrágio!
Decidimos casar em cinco meses, tínhamos certeza daquilo, então não precisávamos esperar tanto. Corri atrás de vestidos, madrinhas, floristas, decoração... Você tem noção do quanto de coisa que tem que se organizar para você conseguir se casar? Então, entre elas você tem que organizar uma baita papelada, né? Percebeu o déjà vu?
Não, ele não era casado, não tinha filhos, não havia sido preso alguma vez na vida e muito menos era milionário e escondia isso de mim, ele não mentiu nenhuma vez em relação a nada. Só que, nos últimos cinco meses, ele me mostrou algo que até então eu não havia percebido: ganância.
Mas não era uma ganância de “ah, vou lutar para chegar até lá”, não, ele queria o modo mais fácil! E foi exatamente um mês antes do casamento, em mais um dia , que eu descobri que ele não se aproximou de mim só para conversar e começarmos uma amizade, não, ele se aproximou de mim por interesse.
Ele sabia quem eu era e foi àquela festa para tentar algo comigo, o supervisor dele não foi não por estar com preguiça, mas porque ele havia pedido essa oportunidade para mostrar ao supervisor que ele era, de fato, apto, para o serviço no qual ele estava sendo treinado, como ela havia dito a ele.
Segui com ele, dando oportunidades possíveis e impossíveis para ele me contar que estava comigo por interesse, mas ele não contou, acabei com ele horas antes do nosso casamento, quando o desmenti, ele até tentou dizer que estava realmente apaixonado por mim, que já havia até esquecido que tinha se aproximado de mim por interesse, mas eu não consegui mais acreditar. Era só mais uma decepção para a coleção.
Enfim.
Vou fechar o escritório, chegamos aos últimos seis meses da minha vida, e é nesse momento em que a gente vai para o barzinho que tem a uma hora daqui, é lá que começa minha última história, a história em que tudo foi invertido e eu fui a embuste em tudo.
Espero que tenha fígado o suficiente, não vou conseguir contar tudo sem menos que meia garrafa de whisky e nem controlar as minhas lágrimas, então você precisará me consolar em algum momento.


*****


Quer mais um copo? Desculpa minha risada, a garrafa já tá menos que a metade, acho que já bebi demais e ainda não foi o suficiente... Opa! Desculpa o soluço também. Mas... Ah, Deus, há quanto tempo eu estou chorando? Sequer percebi! Enfim.
.
No dia do meu suposto casamento, depois de ter discutido com o terceiro, vim direto para esse bar. Foi o mais longe o suficiente que eu achei do local onde seria realizada a cerimônia, os convidados ficaram para a festa e mandei alguns moradores de rua para que toda aquela comida não fosse desperdiçada, renderia uma boa matéria para a manchete dos jornais. Enfim.
Saí de lá com a única certeza: eu não iria mais acreditar em ninguém. Podia ser o Papa, mas eu não acreditaria, muito menos amaria outra vez. Bom, está vendo aquele banco próximo à janela, ali no balcão do bar? Foi ali que eu me sentei quando cheguei, pedi uma dose do melhor whisky que tinha, e mais outra, outra, outra... até chegar alguém ao meu lado, pedi duas doses, uma para mim, outra para ele, ri sarcástica, enxuguei as lágrimas e me virei para ele, fui subitamente surpreendida ao encontrar àqueles olhos, afinal, eu os conhecia e mesmo que eu não me lembrasse deles com constância, sabia bem a quem eles pertenciam. Por um momento ainda achei que era efeito da bebida, já estava na minha sétima dose de whisky sem gelo.
Ele olhou pra mim, sorriu e perguntou por que eu estava ali, me lembro de ter dito em meio a um sorriso: não quero falar sobre isso, . E o sorriso dele se alargou, ele sabia que eu o conhecia, e que eu me lembrava dele. Mas quem era ele? Meu primeiro amor. Meu primeiro beijo, meu primeiro sexo, meu primeiro tudo. O único cara que eu amei e que não foi embuste comigo, a vida o trouxe de volta na época em que eu já estava seca de sentimentos, eu ainda o amava, mas... Eu não podia sentir! É confuso, eu sei, mas, desculpa o meu desespero e por atropelar as palavras, mas eu não sei nem o que dizer ou explicar, eu estava diante do meu primeiro amor, o amava, mas não podia sentir! Sabe o que isso significa? Eu preciso de mais uma dose!
Naquela noite relembramos os velhos tempos: bebida, dança, sexo, dormimos juntos... mas tinha um pequeno defeito para aquele momento da minha vida: ele sempre fora completo, repleto e feito de sentimentos. Um mês depois começamos a namorar. Eu aceitei depois de duas garrafas de vinho e mais metade de whisky, várias conversas com várias pessoas e uma boa dose de “eu quero isso, mas tanto faz”, ele estava apaixonado mais uma vez, como um puro sentimento de quando tínhamos a idade que namoramos a primeira vez e eu, bom, eu o amava, mas não estava nem aí para ele. Diversas vezes saí sem ele, dizia que ia ficar em casa assistindo série, mas na verdade estava na balada, traindo ele com três ou quatro homens, às vezes, dois ao mesmo tempo. Trocava mensagens com outros enquanto ele dormia, tinha crise de ciúmes quando ele saía sem mim, me transformei numa obsessiva, que tinha liberdade para fazer o que eu quisesse, mas ele não teria liberdade alguma. Mesmo assim, ele continuava apaixonado e me proporcionando os melhores momentos da minha vida com ele. Em seis meses de relacionamento ele realizou diversos sonhos meus, inclusive, ir à Disney. Me tratou com todo amor e carinho do mundo, queria sempre estar perto, junto. E mesmo assim eu continuava tendo uma vida dupla, sem me importar com ele ou com o que ele sentiria. Saí com primos, sim, no plural, dele. Também saí com o irmão dele e por pouco, não fomos descobertos.
Mas ele descobria. Eu contaria. Eu contaria tudo a ele mais pra frente, no dia em que a gente acabou. Uma coisa eu lhe digo: essa vida de álcool, sexo e rock’n’roll pode ser perigosa pelo simples fato de ser altamente viciante. No último dia que passamos juntos, ele me levou ao terraço que tem aqui em cima, um jantar romântico, a luz do luar. iria me pedir em casamento, mas eu não estava prestando atenção, estava focada nas sextings* que eu estava trocando com um barman que tinha aqui e foi demitido dias depois. começou a perguntar se eu não diria nada, se eu não prestaria atenção em nada e se eu não ia tocar na comida. Eu rolei os olhos, disse que ele estava sendo dramático e que só ia responder a uma mensagem importante. pegou meu celular, viu o conteúdo, me olhos com os olhos marejados e eu fiz cara de desdém, perguntando se precisava daquilo tudo. jogou meu celular prédio abaixo, fiquei revoltada da vida e joguei o prato que estava próximo a mim, nele, machucando a mão que ele usara para se proteger. Disse coisas horríveis a ele, inclusive, que ele não era homem o suficiente. Que ele até poderia ser um homem na certidão, mas que era um maricas, que o sexo dele era enjoativo, que ele não fazia como um “macho” de verdade. Mentira. Eu só queria magoá-lo. Eu estava sendo egoísta a ponto de querer que outra pessoa sentisse o que eu senti, a ponto de ferir alguém que eu amava de verdade, mas que nunca tinha passado por tudo que eu havia até então. Você ainda vai tomar esse whisky? Só tem dois dedos e eu estou precisando.
Saí de lá de cima às pressas, ele veio atrás de mim e se arrependeu assim que me viu beijando o barman, já tentando abrir o seu cinto. E foi isso. Sinceramente, eu não sei mais nem o que te falar. A gente se encontra aqui todo dia , desde então. Eu sempre sento nessa mesa, ele sempre senta no banco em que sentou no nosso reencontro, mas nunca nos falamos. Aliás, olha ele lá.
Sinto muita falta dele, depois de tudo que eu fiz e que parei para pensar, eu o amava, eu estava apaixonada, mas só percebia isso nos meus momentos de sobriedade e que eu me permitia sentir isso e as lembranças que eu tenho, da primeira vez e dessa última que ficamos juntos... Céus! Elas doem. Me cortam, me ferem... Desculpa, eu não consigo mais ficar aqui, eu preciso do perdão dele, minha vida se transformou num inferno, tento esquecer ele em camas e mais camas de motel, conheço cada ponto escondido dessa cidade para um sexo sem intromissões, mas ele ainda está dentro de mim, eu ainda o amo com todas as minhas forças. Eu preciso dele, preciso conversar com ele, eu... Com licença, mas eu preciso resolver isso, ou isso vai me sufocar. Eu não consigo mais falar nada a você...

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Finalizada



Nota da autora: Sem nota.





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