Capítulo Único

respirou fundo e colocou um dos pés para fora do carro lentamente. Lembrou-se de todas as palavras do seu terapeuta e deixou-as gentilmente flutuando em sua mente ao mesmo tempo que sentia sua mão sendo coberta por outra.
- Você tem certeza que está pronta? – sussurrou, seus dedos segurando firme, porém getilmente os dela.
- Sim.
Eles caminharam lentamente ao lado um do outro, suas mãos coladas e ambos corações aceleradas, cheios de medo e incerteza. Ela apertava a mão de com toda a força que podia, pois ele era o único apoio que ela tinha em sua vida e aquele momento, aqueles simples passos em direção ao seu passado, definiria todo resto.

sentia sua cabeça rodar, mas ainda sim a garota continuava deixando o líquido insuportavelmente forte escorrer pela garganta. Faziam pelo menos 10 graus negativos do lado de fora e o aquecedor da velha casa já não era dos melhores há tempos. Ela repetiu para si mesma que aquele era o melhor jeito de se manter aquecida, tentando amenizar sua fraqueza. Enquanto deixava seu corpo pender sobre a cama, ela ouviu ao longe a voz infantil de falando sem parar, despejando em seus ouvidos coisas que para ela não tinham qualquer importância, era apenas um incômodo. Mandou-o calar a boca pela milésima vez e entupiu sua boca com mais um gole.

Tudo parecia continuar exatamente como ela deixara naquele inverno frio – exceto pelo fato de que agora, a neve já não cobria tudo em volta deles. Mas as árvores ainda eram as mesmas, a casa continuava intacta e lago ainda parecia sugá-la para suas profundezas. Ela sentiu suas pernas tremerem, mas mais uma vez, respirou fundo e manteve os olhos abertos. Era hora de encarar a verdade, por mais dolorosa que ela fosse e por mais próxima que ela pudesse estar.
Ela soltou a mão de e caminhou lentamente até o ponto mais próximo da água que conseguia chegar. Agachou-se e deixou suas mãos tocarem a água e fazerem todo seu corpo arrepiar pela temperatura baixa. A água continuava fria em qualquer estação do ano, mesmo quando o gelo estava longe.

Quando acordou horas mais tarde, teve imensa dificuldade em abrir seus olhos por causa do frio absurdo que tomava seu corpo. Após agonizantes minutos, a garota de apenas dezenove anos se levantou e olhou ao seu redor, reconhecendo aos poucos a casa de campo de seus pais, onde eles sempre passavam as férias ou qualquer tempo livre suficientemente longo. Respirou fundo algumas vezes e passou a mão pelo rosto gelado, resmungando para si mesma sobre como odiava aquele aquecedor.
Ah, sim, era isso, seus pais haviam saído para comprar uma peça para consertar o aquecedor. E , onde estava ? Já brava com o irmão, começou a gritar por ele pelos cantos da casa, sem sucesso, até perceber a porta da cozinha aberta. Era ali a fonte do frio tão intenso que parecia querer quebrá-la. Completamente irada, ela saiu da casa gritando por , não podia ser possível uma criança de oito anos ser tão idiota.
Ela só percebeu que algo estava terrivelmente errado quando viu as pegadas na neve.

encarou fixamente a água, sem conseguir desviar o olhar. Após cinco anos, finalmente ela estava de volta a local onde tudo começou – ou terminou. E aquela era a única chance de fazer as coisas recomeçarem novamente. Não havia mais álcool em suas veias há tantos anos, mas se ela dissesse que as vezes a necessidade insana e animalesca de senti-lo rasgando-lhe a garganta não a invadia vez ou outra, estaria mentindo. E aquele era um desses momentos, um daqueles onde mataria e morreria por uma garrafa cheia de qualquer tipo de álcool.
Qualquer tipo de álcool.
teria quatorze anos se ainda estivesse ali. Provavelmente estaria tentando entrar no time de futebol da escola ou aprendendo a paquerar alguma menina. Um dos unicos alivios que tinha ao pensar nisso era lembrar que ela própria já tinha se punido em antecipação, já que não tinha vivido nada daquilo – estava muito ocupada aprendendo a beber e fumar cigarros roubados de sua mãe. E a se matar lentamente, arrastando todos ao redor dela para o olho do furacão.

- Como a ré se declara?
- Culpada, vossa excelência.
- A ré deverá encaminhada posteriormente para uma das clínicas de detenção e deverá cumprimir uma pena de cinco anos. Será imediatamente encaminhada para a desintoxicação e então para a clínica.


Seus olhos ainda procuravam, atentos, rachaduras no lago, mesmo sem gelo cobrindo-o. Ela se lembrava perfeitamete de ver o buraco no meio, se lembrava de desabar no chão e gritar, se lembrava de tudo. Do olhar de dor da sua mãe, do noticiário que repetia seu nome devagar, das noites vomitando na desintoxicação, da solidão de saber que seus pais nunca a perdoariam. Da vergonha e da dor de carregar nas costas o fardo de ter deixado seu irmão de oito anos se afogar no lago enquanto bebia whisky roubado do seu pai.
Ela sentiu, novamente, os dedos de se entrelaçando aos dela. Seu sorriso sempre gentil e paciente ainda estava lá, como sempre esteve nos últimos sete anos. Mesmo quando ela bebia demais, quando ela sumia, perdia o controle de si ou até mesmo quando ela ultrapassou todo e qualquer limite humano e destruiu a vida de todos ao seu redor, incluindo a sua própria.
Ele ainda estava lá e ainda acreditava nela.
- Acabou, . Acabou. – ele sussurrou enquando deixava um beijo na sua bochecha e sentia o gosto salgado das lágrimas que molhavam o rosto dela.
- Nunca vai acabar. O que eu fiz nunca vai mudar.
- Mas você mudou.
- E nós precisamos seguir em frente. – ela repetiu pela milésima vez para si mesma enquanto tirava do bolso um pequeno rosário, o único objeto que guardara da sua antiga vida – Nós precisamos seguir em frente.
- Você não é o seu erro. Você estava doente. – ele disse apertando forte a mão dela – Nós vamos ficar bem. Você vai ficar bem.
- Sim. Eu vou.
olhou para e sorriu enquanto ele enxugava as lágrimas dela com os polegares. Ela jogou o rosário na água e observou enquanto ele afundava, perdendo-se na temperatura gélida do lago para sempre.
- Eu amo você. Eu sinto muito. Adeus, .





FIM



Nota da autora: Sem nota.
Querem falar comigo? Algum erro, comentário, elogio ou crítica? Podem me encontrar no meu Facebook e no meu email. xx





Outras Fanfics:
Falling For An Angel - Restritas/Bandas - McFLY/Em Andamento


comments powered by Disqus