08. Lostmyhead

Enviada em: 19/06/2021

Capítulo Único

Permanecer passiva diante da imobilidade nunca fora uma tarefa fácil - pelo menos, não para mim. Costumava balançar os pés freneticamente sobre o banco do carro quando estávamos parados em algum semáforo; ou batucava com o lápis na ponta da classe enquanto os segundos se arrastavam em uma das aulas de física; estralava, ainda, os dedos durante os horários em que cantávamos o hino nacional na escola.
De qualquer maneira, sempre fora uma espécie de desafio.
Mais difícil do que vê-lo imóvel e permanecer ali, era tentar filtrar cada um dos pensamentos destrutivos que rodeavam minha cabeça, tornando-a nublada e confusa.

— Não volte a me procurar — havia dito minutos antes de eu cruzar a porta do apartamento. E eu, de maneira sólida e impecável, pisei firmemente no chão para distanciar-me do garoto, crente de que não o faria de maneira alguma.

Ainda assim, senti no momento exato em que o vento gelado cortante tocou minhas bochechas coradas que era mais difícil do que parecia deixar um coração para trás. Mordendo a parte interna de minhas bochechas, afastei-me com menos segurança e mais sutileza em meu caminhar, permitindo que uma lágrima solitária escorresse por minha bochecha direita.

— Pode conversar? — perguntei à Jade no dia seguinte, quando já estava de volta em Londres.
Aconteceu alguma coisa?
— respondi e suspirei, sentando-me em um dos bancos que marcavam a fachada da frente do prédio. — aconteceu, Jade.
Eu devo me preparar para cometermos um crime? — minha amiga perguntou e eu fechei os olhos, sorrindo minimamente.
— Talvez. Mas talvez seja melhor vir pronta para um abraço, apenas.
No lugar de sempre? — ela perguntou.
— No lugar de sempre — afirmei.

Naquele dia, corri em direção à Jade e amparei-me em seus braços não-julgantes. Não era a primeira vez, de qualquer forma. e eu sempre acabávamos rompendo, era como sair flutuando, entorpecer-me de uma grande quantidade de (…) e no segundo seguinte ter seu efeito completamente dissipado, sentindo-me esborrachar completamente. Era como cair de cabeça sobre o chão duro e frio feito à base de concreto.
Mesmo assim, a abstinência daquilo que tínhamos costumava ser ainda pior, fazendo-me voltar, fazendo-me procurar por ele. Sentia quase que uma necessidade de ter seus dedos nos meus, sua boca na minha. De tê-lo por completo em conjunto comigo.

— Eu vou voltar — murmurei em dado momento de minha conversa com Jade. — Eu sinto que foi tão… Por pouco, sabe? Você tinha que ter nos visto na noite anterior… Estávamos em outro lugar.
, eu sei que… Eu, na verdade, não sei por que motivo vocês complicam tanto quando se acertam.
— Eu não faço ideia, sinceramente. Só sinto uma vontade urgente de provocá-lo, mesmo que não gostando dos momentos em que ele decide revidar.

Jade soltou um pequeno riso e acendeu um cigarro. Senti meus músculos menos tensos quando traguei a fumaça, enviando-a para meus pulmões. O gosto mentolado já conhecido fazia com que uma breve e passageira sensação de leveza se instaurasse embaixo de minha língua.
Senti uma breve vontade de gargalhar, considerando o fato de que doze horas atrás eu estava construindo um futuro com em minha cabeça. Éramos ridículos mesmos - e a sensação de que deixaríamos em Paris aquilo que havia acontecido em Paris me fazia sentir péssima.
Da mesma forma que a raiva me consumia quando com , ela ia embora em questão de instantes e nada parecia o suficiente para manter-me longe por mais do que vinte e quatro horas. Com isso em mente, trilhei todo o caminho que seguia ao seu apartamento e dei três ou quatro batidas fortes na porta.
A madeira espaçou e eu percebi que não havia trancado a porta, o que já me fez arder em meu coração.

? Posso entrar? — perguntei baixo.
? — o ouvi murmurar. — Estou aqui.

Em passos nervosos, adentrei o apartamento apenas para encontrá-lo recostado no sofá da sala, vestindo um de seus blusões e com o típico olhar vago e perdido que pendia em seus olhos.

— Eu sinto muito — sussurrou —, de verdade. Não queria ter brigado com você, ainda mais depois de ontem.
— Não… Eu que quero pedir desculpas, não sei por que isso sempre nos acontece.
— Você disse que eu perdi a cabeça e eu acho que tem razão. Dá pra ver? Você consegue ver?

Prendi a respiração, nervosa. Sim, , dá pra ver, eu queria dizer. Queria dizer que, sim, todos a sua volta conseguiam perceber que ele estava usando drogas demais e que estava ficando melancólico demais. Queria dizer que, sim, era nítido o quanto o garoto brilhante que ele era se perdia em meio a esse niilismo exacerbado que rondava sua cabeça.

Uhum, digo, acho que sim, acho que consigo ver. É como se… Eu não sei. Como se você entrasse em um estado de coma e isso me causa agonia. — enquanto falava, caminhava em passos lentos, direcionando-me para perto de , para, enfim, sentar-me com as costas escoradas na parede e de frente para ele.
— Eu não quero isso.
— Me faz sentir dor de barriga te ver assim — murmurei, afrouxando meus lábios para que um sorriso pequeno pudesse se alojar por ali. — Eu não quero isso — o garoto repetiu, dessa vez em um tom mais ameno.
— Eu sei que não, é só que… Eu nem sei dizer, para ser sincera — mordi o lábio inferior ao terminar de falar.
— Acho que sim, acho que perdi a cabeça. — o garoto murmurou, apoiando seu queixo sobre os braços, que, por sua vez, estavam apoiados em seus joelhos dobrados e recolhidos rentes ao corpo.

Direcionei meu olhar para os seus olhos e, então, criamos mais um daqueles universos infinitos que se formavam ao nosso redor - e que faziam desaparecer todo e qualquer vestígio de realidade. Sentia como se tivéssemos estendido uma linha de costura ou como se fôssemos dois polos magnéticos opostos, porque não importava o que acontecesse, sempre acabávamos por voltar um para o outro.
Permanecer passiva diante da imobilidade sempre fora uma tarefa difícil para mim e mais difícil do que isso, apenas permanecer fitando-o, imóvel, pensativo, quase que semiexistindo. Por isso, engatinhei em sua direção e apoiei de maneira despretenciosa minha cabeça em seu ombro, evitando balançar meus pés ou estralar meus dedos.
Deixei, naquele momento, o incômodo na região do estômago de lado e suspirei, sentindo que, apesar de tudo, encontraríamos um caminho de volta — encontraria sua mente perdida e eu, uma forma confortável de conviver com minha passividade perante às coisas.
Quando estávamos juntos, sentia que podíamos tudo.




Continua...?



Nota da autora: Oie, pessoal! Passando apenas para dizer que esses não não nem um universo e nem uma temática com os quais estou acostumada a lidar - sempre procuro escrever em cenários mais amigáveis e felizes HAHA Mas valeu o desafio, espero que vocês aproveitem a leitura como um laboratório de experimentação (experimentando descrições, sensações, palavras...), porque foi assim que essa história se manifestou para mim. No mais, estou à disposição para críticas, elogios, conversas :)

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