Capítulo Único
Permanecer passiva diante da imobilidade nunca fora uma tarefa fácil - pelo menos, não para mim. Costumava balançar os pés freneticamente sobre o banco do carro quando estávamos parados em algum semáforo; ou batucava com o lápis na ponta da classe enquanto os segundos se arrastavam em uma das aulas de física; estralava, ainda, os dedos durante os horários em que cantávamos o hino nacional na escola.
De qualquer maneira, sempre fora uma espécie de desafio.
Mais difícil do que vê-lo imóvel e permanecer ali, era tentar filtrar cada um dos pensamentos destrutivos que rodeavam minha cabeça, tornando-a nublada e confusa.
— Não volte a me procurar — havia dito minutos antes de eu cruzar a porta do apartamento. E eu, de maneira sólida e impecável, pisei firmemente no chão para distanciar-me do garoto, crente de que não o faria de maneira alguma.
Ainda assim, senti no momento exato em que o vento gelado cortante tocou minhas bochechas coradas que era mais difícil do que parecia deixar um coração para trás. Mordendo a parte interna de minhas bochechas, afastei-me com menos segurança e mais sutileza em meu caminhar, permitindo que uma lágrima solitária escorresse por minha bochecha direita.
— Pode conversar? — perguntei à Jade no dia seguinte, quando já estava de volta em Londres.
— Aconteceu alguma coisa?
— — respondi e suspirei, sentando-me em um dos bancos que marcavam a fachada da frente do prédio. — aconteceu, Jade.
— Eu devo me preparar para cometermos um crime? — minha amiga perguntou e eu fechei os olhos, sorrindo minimamente.
— Talvez. Mas talvez seja melhor vir pronta para um abraço, apenas.
— No lugar de sempre? — ela perguntou.
— No lugar de sempre — afirmei.
Naquele dia, corri em direção à Jade e amparei-me em seus braços não-julgantes. Não era a primeira vez, de qualquer forma. e eu sempre acabávamos rompendo, era como sair flutuando, entorpecer-me de uma grande quantidade de (…) e no segundo seguinte ter seu efeito completamente dissipado, sentindo-me esborrachar completamente. Era como cair de cabeça sobre o chão duro e frio feito à base de concreto.
Mesmo assim, a abstinência daquilo que tínhamos costumava ser ainda pior, fazendo-me voltar, fazendo-me procurar por ele. Sentia quase que uma necessidade de ter seus dedos nos meus, sua boca na minha. De tê-lo por completo em conjunto comigo.
— Eu vou voltar — murmurei em dado momento de minha conversa com Jade. — Eu sinto que foi tão… Por pouco, sabe? Você tinha que ter nos visto na noite anterior… Estávamos em outro lugar.
— , eu sei que… Eu, na verdade, não sei por que motivo vocês complicam tanto quando se acertam.
— Eu não faço ideia, sinceramente. Só sinto uma vontade urgente de provocá-lo, mesmo que não gostando dos momentos em que ele decide revidar.
Jade soltou um pequeno riso e acendeu um cigarro. Senti meus músculos menos tensos quando traguei a fumaça, enviando-a para meus pulmões. O gosto mentolado já conhecido fazia com que uma breve e passageira sensação de leveza se instaurasse embaixo de minha língua.
Senti uma breve vontade de gargalhar, considerando o fato de que doze horas atrás eu estava construindo um futuro com em minha cabeça. Éramos ridículos mesmos - e a sensação de que deixaríamos em Paris aquilo que havia acontecido em Paris me fazia sentir péssima.
Da mesma forma que a raiva me consumia quando com , ela ia embora em questão de instantes e nada parecia o suficiente para manter-me longe por mais do que vinte e quatro horas. Com isso em mente, trilhei todo o caminho que seguia ao seu apartamento e dei três ou quatro batidas fortes na porta.
A madeira espaçou e eu percebi que não havia trancado a porta, o que já me fez arder em meu coração.
— ? Posso entrar? — perguntei baixo.
— ? — o ouvi murmurar. — Estou aqui.
Em passos nervosos, adentrei o apartamento apenas para encontrá-lo recostado no sofá da sala, vestindo um de seus blusões e com o típico olhar vago e perdido que pendia em seus olhos.
— Eu sinto muito — sussurrou —, de verdade. Não queria ter brigado com você, ainda mais depois de ontem.
— Não… Eu que quero pedir desculpas, não sei por que isso sempre nos acontece.
— Você disse que eu perdi a cabeça e eu acho que tem razão. Dá pra ver? Você consegue ver?
Prendi a respiração, nervosa. Sim, , dá pra ver, eu queria dizer. Queria dizer que, sim, todos a sua volta conseguiam perceber que ele estava usando drogas demais e que estava ficando melancólico demais. Queria dizer que, sim, era nítido o quanto o garoto brilhante que ele era se perdia em meio a esse niilismo exacerbado que rondava sua cabeça.
— Uhum, digo, acho que sim, acho que consigo ver. É como se… Eu não sei. Como se você entrasse em um estado de coma e isso me causa agonia. — enquanto falava, caminhava em passos lentos, direcionando-me para perto de , para, enfim, sentar-me com as costas escoradas na parede e de frente para ele.
— Eu não quero isso.
— Me faz sentir dor de barriga te ver assim — murmurei, afrouxando meus lábios para que um sorriso pequeno pudesse se alojar por ali. — Eu não quero isso — o garoto repetiu, dessa vez em um tom mais ameno.
— Eu sei que não, é só que… Eu nem sei dizer, para ser sincera — mordi o lábio inferior ao terminar de falar.
— Acho que sim, acho que perdi a cabeça. — o garoto murmurou, apoiando seu queixo sobre os braços, que, por sua vez, estavam apoiados em seus joelhos dobrados e recolhidos rentes ao corpo.
Direcionei meu olhar para os seus olhos e, então, criamos mais um daqueles universos infinitos que se formavam ao nosso redor - e que faziam desaparecer todo e qualquer vestígio de realidade. Sentia como se tivéssemos estendido uma linha de costura ou como se fôssemos dois polos magnéticos opostos, porque não importava o que acontecesse, sempre acabávamos por voltar um para o outro.
Permanecer passiva diante da imobilidade sempre fora uma tarefa difícil para mim e mais difícil do que isso, apenas permanecer fitando-o, imóvel, pensativo, quase que semiexistindo. Por isso, engatinhei em sua direção e apoiei de maneira despretenciosa minha cabeça em seu ombro, evitando balançar meus pés ou estralar meus dedos.
Deixei, naquele momento, o incômodo na região do estômago de lado e suspirei, sentindo que, apesar de tudo, encontraríamos um caminho de volta — encontraria sua mente perdida e eu, uma forma confortável de conviver com minha passividade perante às coisas.
Quando estávamos juntos, sentia que podíamos tudo.
De qualquer maneira, sempre fora uma espécie de desafio.
Mais difícil do que vê-lo imóvel e permanecer ali, era tentar filtrar cada um dos pensamentos destrutivos que rodeavam minha cabeça, tornando-a nublada e confusa.
— Não volte a me procurar — havia dito minutos antes de eu cruzar a porta do apartamento. E eu, de maneira sólida e impecável, pisei firmemente no chão para distanciar-me do garoto, crente de que não o faria de maneira alguma.
Ainda assim, senti no momento exato em que o vento gelado cortante tocou minhas bochechas coradas que era mais difícil do que parecia deixar um coração para trás. Mordendo a parte interna de minhas bochechas, afastei-me com menos segurança e mais sutileza em meu caminhar, permitindo que uma lágrima solitária escorresse por minha bochecha direita.
— Pode conversar? — perguntei à Jade no dia seguinte, quando já estava de volta em Londres.
— Aconteceu alguma coisa?
— — respondi e suspirei, sentando-me em um dos bancos que marcavam a fachada da frente do prédio. — aconteceu, Jade.
— Eu devo me preparar para cometermos um crime? — minha amiga perguntou e eu fechei os olhos, sorrindo minimamente.
— Talvez. Mas talvez seja melhor vir pronta para um abraço, apenas.
— No lugar de sempre? — ela perguntou.
— No lugar de sempre — afirmei.
Naquele dia, corri em direção à Jade e amparei-me em seus braços não-julgantes. Não era a primeira vez, de qualquer forma. e eu sempre acabávamos rompendo, era como sair flutuando, entorpecer-me de uma grande quantidade de (…) e no segundo seguinte ter seu efeito completamente dissipado, sentindo-me esborrachar completamente. Era como cair de cabeça sobre o chão duro e frio feito à base de concreto.
Mesmo assim, a abstinência daquilo que tínhamos costumava ser ainda pior, fazendo-me voltar, fazendo-me procurar por ele. Sentia quase que uma necessidade de ter seus dedos nos meus, sua boca na minha. De tê-lo por completo em conjunto comigo.
— Eu vou voltar — murmurei em dado momento de minha conversa com Jade. — Eu sinto que foi tão… Por pouco, sabe? Você tinha que ter nos visto na noite anterior… Estávamos em outro lugar.
— , eu sei que… Eu, na verdade, não sei por que motivo vocês complicam tanto quando se acertam.
— Eu não faço ideia, sinceramente. Só sinto uma vontade urgente de provocá-lo, mesmo que não gostando dos momentos em que ele decide revidar.
Jade soltou um pequeno riso e acendeu um cigarro. Senti meus músculos menos tensos quando traguei a fumaça, enviando-a para meus pulmões. O gosto mentolado já conhecido fazia com que uma breve e passageira sensação de leveza se instaurasse embaixo de minha língua.
Senti uma breve vontade de gargalhar, considerando o fato de que doze horas atrás eu estava construindo um futuro com em minha cabeça. Éramos ridículos mesmos - e a sensação de que deixaríamos em Paris aquilo que havia acontecido em Paris me fazia sentir péssima.
Da mesma forma que a raiva me consumia quando com , ela ia embora em questão de instantes e nada parecia o suficiente para manter-me longe por mais do que vinte e quatro horas. Com isso em mente, trilhei todo o caminho que seguia ao seu apartamento e dei três ou quatro batidas fortes na porta.
A madeira espaçou e eu percebi que não havia trancado a porta, o que já me fez arder em meu coração.
— ? Posso entrar? — perguntei baixo.
— ? — o ouvi murmurar. — Estou aqui.
Em passos nervosos, adentrei o apartamento apenas para encontrá-lo recostado no sofá da sala, vestindo um de seus blusões e com o típico olhar vago e perdido que pendia em seus olhos.
— Eu sinto muito — sussurrou —, de verdade. Não queria ter brigado com você, ainda mais depois de ontem.
— Não… Eu que quero pedir desculpas, não sei por que isso sempre nos acontece.
— Você disse que eu perdi a cabeça e eu acho que tem razão. Dá pra ver? Você consegue ver?
Prendi a respiração, nervosa. Sim, , dá pra ver, eu queria dizer. Queria dizer que, sim, todos a sua volta conseguiam perceber que ele estava usando drogas demais e que estava ficando melancólico demais. Queria dizer que, sim, era nítido o quanto o garoto brilhante que ele era se perdia em meio a esse niilismo exacerbado que rondava sua cabeça.
— Uhum, digo, acho que sim, acho que consigo ver. É como se… Eu não sei. Como se você entrasse em um estado de coma e isso me causa agonia. — enquanto falava, caminhava em passos lentos, direcionando-me para perto de , para, enfim, sentar-me com as costas escoradas na parede e de frente para ele.
— Eu não quero isso.
— Me faz sentir dor de barriga te ver assim — murmurei, afrouxando meus lábios para que um sorriso pequeno pudesse se alojar por ali. — Eu não quero isso — o garoto repetiu, dessa vez em um tom mais ameno.
— Eu sei que não, é só que… Eu nem sei dizer, para ser sincera — mordi o lábio inferior ao terminar de falar.
— Acho que sim, acho que perdi a cabeça. — o garoto murmurou, apoiando seu queixo sobre os braços, que, por sua vez, estavam apoiados em seus joelhos dobrados e recolhidos rentes ao corpo.
Direcionei meu olhar para os seus olhos e, então, criamos mais um daqueles universos infinitos que se formavam ao nosso redor - e que faziam desaparecer todo e qualquer vestígio de realidade. Sentia como se tivéssemos estendido uma linha de costura ou como se fôssemos dois polos magnéticos opostos, porque não importava o que acontecesse, sempre acabávamos por voltar um para o outro.
Permanecer passiva diante da imobilidade sempre fora uma tarefa difícil para mim e mais difícil do que isso, apenas permanecer fitando-o, imóvel, pensativo, quase que semiexistindo. Por isso, engatinhei em sua direção e apoiei de maneira despretenciosa minha cabeça em seu ombro, evitando balançar meus pés ou estralar meus dedos.
Deixei, naquele momento, o incômodo na região do estômago de lado e suspirei, sentindo que, apesar de tudo, encontraríamos um caminho de volta — encontraria sua mente perdida e eu, uma forma confortável de conviver com minha passividade perante às coisas.
Quando estávamos juntos, sentia que podíamos tudo.
Continua...?
Nota da autora: Oie, pessoal! Passando apenas para dizer que esses não não nem um universo e nem uma temática com os quais estou acostumada a lidar - sempre procuro escrever em cenários mais amigáveis e felizes HAHA Mas valeu o desafio, espero que vocês aproveitem a leitura como um laboratório de experimentação (experimentando descrições, sensações, palavras...), porque foi assim que essa história se manifestou para mim. No mais, estou à disposição para críticas, elogios, conversas :)
Nota da beta: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Outras Fanfics:
02. Hoje Lembrei do Teu Amor [Ficstape Reconstrução - Tiago Iorc]
05. Faz [Ficstape Reconstrução - Tiago Iorc]
Nota da beta: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Outras Fanfics:
02. Hoje Lembrei do Teu Amor [Ficstape Reconstrução - Tiago Iorc]
05. Faz [Ficstape Reconstrução - Tiago Iorc]