Capítulo Único
— Liv, pegou todas as suas coisas? — O irmão mais velho perguntou, assim que abriu a porta de entrada do pequeno apartamento que moravam.
— Sim, mas eu não quero ficar longe de você. Por que você não pode ficar na casa da tia Megan comigo? — A voz suave e trêmula da garota fez o coração do homem vacilar por alguns segundos, mas precisava manter firme sua decisão.
— Porque eu sou bem crescido e preciso correr atrás de uma vida melhor para a gente. — O mais velho agachou na frente da irmã, dando um peteleco leve em seu nariz. Ela soltou um sorriso torto, já que sua boca insistia em se dobrar em um bico, antecipando o choro. — Ei, olhinhos brilhantes, prometo que não vai ser por muito tempo. — null limpou uma lágrima fina que desenhou o rosto da pequena e a tomou pela mão, apanhando a mochila e as malas que levaria para a casa de Megan. — Agora precisamos nos apressar, porque eu fiquei sabendo que tem uma panela enorme de sopa de abóbora só esperando você chegar.
— Sério? Com torradinhas também? — null riu e balançou a cabeça em confirmação, enquanto trancava a porta do apartamento e descia as escadas com a mais nova em seu encalço. Uma chuva fina e insistente caía sobre o asfalto e, com as últimas notas que tinha no bolso de sua calça jeans preta, pagou duas passagens de ônibus para o outro lado da cidade, onde sabia que Olívia estaria cuidada e segura.
…
— Você sabe que por mim, vocês dois poderiam ficar pelo tempo que precisassem…mas, Gareth tem ressalvas sobre você, null. — Megan comentou, enquanto assistia o marido servir uma tigela de sopa quentinha para Olivia, que sorria animada em frente ao seu prato preferido.
— Não se preocupe sobre isso, Meg. — null afagou os ombros da mais velha, respirando fundo. — Você e eu sabemos que Gareth tem seus motivos e, para ser sincero, fico surpreso e envergonhado sempre que você se mostra tão solícita comigo, porque tenho consciência do que eu fiz no passado e não me orgulho disso. — null retesou as costas em tensão e Meg sorriu, acolhedora.
— Essa é a parte mais importante, meu menino: reconhecer sua sombra e fazer as pazes com ela. Não chegamos muito longe quando a ignoramos, mas saltamos adiante, ao trazê-la para a luz.
Poucos minutos mais tarde da conversa com Megan e depois de repetir incontáveis vezes a Olívia que iria vê-la sempre que possível, null caminhava de volta para seu apartamento. Seu coração estava apertado e as mãos no bolso fechadas em punho expressavam um pouco de toda a tensão que carregava consigo, não havia muitos feitos aos quais null poderia se orgulhar sobre sua vida: se envolveu com pessoas erradas ao longo de sua adolescência e não se sentia confortável ao saber que tudo o que conseguiu oferecer para sua mãe durante seus últimos meses de vida fora preocupação, noites em claro e tristeza. Seus olhos marejaram, ao mesmo tempo que crispou os lábios e sentiu aquele desejo ardente de poder voltar no tempo e fazer as coisas da maneira correta; quem sabe, assim, não precisaria deixar Olívia aos cuidados de outra pessoa, teria condições de pagar o aluguel em um lugar mais adequado e uma ficha criminal limpa que não o atrapalhasse nas entrevistas de emprego. Fungou, engolindo em seco e estralando o pescoço; o vento frio chacoalhou o moletom largo e null resmungou sobre a boa quantidade de milhas que ainda precisaria caminhar para chegar em casa. Contudo, o homem considerou que, apesar do cansaço de ter trabalhado como ajudante em uma obra na cidade vizinha, e do enorme custo emocional que seria ficar longe de Olívia, talvez, estivesse finalmente escolhendo certo.
…
— null, eu sei que você esteve muito ocupada com a coordenação das exposições internacionais…— A voz comedida de Mia saía pelos autos falantes do carro da artista, que passou a mão na testa e fechou os olhos brevemente, prevendo a bomba que viria a seguir. — Mas, Amber alterou as datas da galeria e precisaremos das suas artes ainda dentro deste mês.
— O que? — null gritou e Mia fez uma careta do outro lado da linha, afastando o telefone do ouvido. — Você mais do que ninguém sabe como eu estou dentro de um processo de não-criatividade, estou mais para uma assistente administrativa do que artista ultimamente. — null suspirou, mexendo a cabeça em negação e sentindo seus pensamentos ferverem. — Não tenho nem mesmo o esboço do que pretendo apresentar na galeria, Mia. E ainda preciso resolver os termos contratuais da feira de artes de Amsterdam, conversar com os artistas, enviar o orçamento financeiro para o Peter, contatar a empresa de segurança para os quadros que serão transportados nas rodovias, fora o…
— null null! — Mia interrompeu a amiga, bufando alto. — Você precisa parar de puxar a responsabilidade de tudo para você, se não vai ser impossível focar na ascensão da sua carreira. Continuar com esse comportamento megalomaníaco e controlador, achando que consegue resolver tudo não vai te trazer benefícios. — A artista sentiu uma parte do seu ego se ofender com as acusações da amiga, mas o esclarecimento que tinha sobre seu comportamento profissional não deixava outra opção, se não concordar. — Enviarei informações de alguns candidatos que podem ajudar na organização da feira de Amsterdam, assim você consegue desocupar a cabeça e pensar sobre seus quadros.
— Não gosto do que eu vou dizer agora, mas…você tem razão. — A amiga revirou os olhos e sorriu ao telefone, aliviada por ter conseguido injetar um pouquinho de humildade profissional na cabeça teimosa de null. — Preciso de uma assistente para resolver as burocracias contratuais sobre Amsterdam e direcionar minha atenção para a galeria. Então, diga a Amber que tenho tudo sob controle.
— null…— Mia chamou a atenção.
— Tá, tá… — null cedeu, sentindo um riso divertido sair de seus lábios. — Diga para a Amber que farei o melhor dentro do que posso controlar, e delegarei algumas de minhas tarefas para algum assistente ainda essa semana, para conseguir focar nas minhas obras para a galeria.
— Soa melhor, bem melhor. — Mia disse rindo, mas franziu o cenho, ao ouvir null soltar um palavrão do outro lado da linha, seguido de um barulho alto de freio. — O que aconteceu? Você estava falando no telefone e dirigindo ao mesmo tempo, null!?
— Não, a ligação está no auto falante e está tudo bem. — null respondeu rápido, enquanto enxergava pelo retrovisor a silhueta ensopada de um homem poucos metros atrás de seu carro. — Mas, passei rápido demais em uma poça enorme de água e, um pedestre azarado estava bem do lado do meu carro. — null disse, dando ré para oferecer alguma ajuda. Talvez uma carona para onde quer que ele estivesse indo. — Vou precisar desligar, Mia. Nos falamos depois.
…
— Mas, que porr... — null esbravejou ao sentir parte do seu corpo completamente molhado e sujo, devido a velocidade que um Aston Martin passara em uma poça d’água criada pela irregularidade do asfalto. Revirou os olhos em impaciência e respirou fundo, buscando forças de dentro do âmago para continuar buscando o fim daquele dia.
Só precisava chegar em casa, conversar com Henry sobre o aluguel atrasado e descansar mais um pouco antes de sair pela cidade em busca de um emprego que oferecesse algum tipo de estabilidade. Ter um momento de paz na longa caminhada que tinha até seu bairro era pedir muito?
Perdido em seus devaneios e torcendo o excesso de água da manga de sua blusa, não notou quando o carro parou ao seu lado novamente.
— Oi, tá tudo bem? — A garota perguntou, observando o homem, ainda de cabeça baixa, se atrapalhar em tirar o excesso de água que continha em sua roupa. Ele a olhou, estava pronto para soltar uma resposta enfezada, mas não conseguiu fazer muito além de estudar os traços tão bem desenhados de seu rosto. Ela era absurdamente bonita. — Acho que fui em quem fez esse estrago aí, não? — Ela continuou, sorrindo envergonhada e acenando para dentro do carro. — Entra, te dou uma carona. Você mora aqui perto?
— Ah, não. Está tranquilo, eu…— A mulher revirou os olhos e abriu a porta do carro, encostando no automóvel em seguida. null franziu o cenho com o comportamento repentino.
— Planeja congelar enquanto anda até em casa? — Ela sorriu doce e o homem sentiu a garganta secar, ela estendeu a mão até ele, que, num ímpeto, a segurou. — null.
— null. — Ele respondeu incerto, ainda sem saber por que estava se sentindo tão acuado mediante a presença da mulher. Talvez, porque ela dirigia um carro que custava tanto quanto uma casa com dois quartos em uma boa vizinhança. — Gostei do nome, null. — Ela repetiu simpática e suspirou, colocando as mãos na cintura. Um trovão soou alto e null arqueou a sobrancelha, encarando o homem. — E então…vai mesmo recusar?
Fazia quarenta minutos que null estava do lado do carona no carro mais sofisticado que havia visto em sua vida e, desde que entrara, optou por recolher seu corpo o mais longe possível da mulher e focar seus olhos nas gotas incessantes de chuva que caíam pela janela. null tentou um assunto ou dois, mas notou a expressão preocupada de null e preferiu não iniciar mais nenhuma conversa. Também não deixou de reparar que, o endereço que ele havia colocado no GPS ficava quase no limite da cidade, em uma área não muito recomendada. Pensou, então, que poderia estar colocando sua vida em risco, que uma gangue estaria a esperando para tomar seu carro e fazer picadinho de seu corpo, mas relaxou quando lembrou que null não havia usado o celular em nenhum momento, então se ele tentasse algo contra ela, provavelmente estaria sozinho. As aulas que fez de autodefesa quando era menor precisariam servir para alguma coisa.
— Pode parar aqui, por favor? — A voz rouca e cansada de null se fez presente e null franziu o cenho, olhando-o em questionamento. O GPS acusava que faltavam poucos minutos até que chegassem no destino. Ficou alerta imediatamente, seria ali que ele tentaria contra a sua vida? Ao menos, achou fofo ele pedir por favor. — Onde moro não é ideal para você entrar com esse carro, null. — Ele sorriu justificando e respirou fundo, olhando-a nos olhos pela primeira vez. — De todo jeito, muito obrigado pela ajuda e se cuida no caminho de volta. — null juntou a respiração para o responder, mas ele havia sido rápido o suficiente para sair do carro e correr em meio a chuva.
A artista precisava confessar que havia paralisado ao sentir os olhos do homem afundarem nos seus com tanta intensidade. Tudo o que seu corpo conseguiu detectar, nos poucos segundos que teve a atenção de null em si, fora uma beleza incondicional e um extremo sentimento de melancolia. Suspirou, soltando o cinto e recostando no banco do carro. Queria ter conhecido um pouco mais sobre ele, algo na forma como ele se comportava instigava sua curiosidade e, enquanto pensava no turbilhão de perguntas que gostaria de tê-lo feito enquanto estavam juntos, notou um pacote molhado e amassado de cigarros caído no chão de seu carro. Abaixou o corpo e pegou a pequena caixa de papelão, deduzindo pertencer a null.
Abriu- a, notando um último cigarro ali dentro e mordeu os lábios, pensando se sua atitude de querer devolver aquilo seria extrema demais para arrancar mais alguns minutinhos na presença dele. Deu de ombros, saindo do carro e acionando o alarme, afinal de contas, o que era a felicidade de um homem sem acesso aos seus escapes?
…
null andava os poucos metros que faltavam para chegar em sua casa, aliviado por alguma divindade ter notado um pouquinho seu esforço para ser uma pessoa melhor. Claro que, ao seu ver, uma carona num Aston Martin, ao lado de uma mulher muito bonita era um presente até que exagerado demais para sua autocrítica, mas seu coração estava verdadeiramente agradecido pelo bom tom do universo. Caminhava sozinho, arriscando um sorriso pequeno no canto dos lábios. Ultimamente, apenas Olívia era capaz de despertar algum sentimento genuinamente bom em seu coração, então foi uma sensação nova perceber que, depois de muito tempo, estava começando a estar em paz consigo.
Todavia, ao virar a rua para a entrada estreita do apartamento em que morava, notou Henry adentrando a portaria, após colocar duas malas grandes na calçada. null sentiu a respiração falhar, e acelerou os passos em direção ao homem.
— Henry, calma aí! — null gritou e o mais velho o olhou resignado, respirando fundo. — Essas são minhas coisas?
— Peguei algumas malas da minha casa e coloquei tudo o que é seu aí dentro, me devolva depois, ouviu bem? — Henry apontou o dedo para o homem, que dividia a atenção entre as malas e o síndico do prédio, completamente desnorteado. — Não consigo ajudá-lo mais, null. Os proprietários estão reclamando, ameaçaram chamar a polícia e você sabe que não pode se encrencar mais uma vez, não sabe? Por causa da Olívia. — null sentiu a postura vacilar e esfregou as mãos no rosto, ainda sem saber o que fazer. — Eu sinto muito, garoto. Mas dessa vez, está fora das minhas mãos.
O mais velho subiu as escadas e null soltou o ar que estava preso em seus pulmões. Contava que Henry poderia conseguir mais uma semana ou duas antes de oficializar a ordem de despejo, mas mediante a ameaça de envolver a polícia, null entendeu que o síndico apenas procurava proteger sua relação com Olívia. Mais um boletim em seu nome e perderia a guarda da menina, pensamento esse que fazia seu estômago revirar e seu coração acelerar como uma agulha de máquina de costura. Olhou ao redor, as malas emprestadas ficavam cada vez mais molhadas pela chuva fina que ainda caía e, no desespero, tateou o bolso atrás do seu último cigarro, não sentindo o contorno da caixa em lugar algum de suas roupas.
Soltou um grito frustrado, levou as mãos para a cabeça e se permitiu chorar de verdade, depois de tanto reprimir os sentimentos ruins que o assombravam na maioria dos dias.
— Acho que você precisa disso. — null ouviu a voz feminina e olhou null se aproximando com sua caixa de cigarros, franziu o cenho ao se perguntar o que ela fazia ali, mas não demorou muito em sua própria confusão. Pegou seu querido último cigarro, colocou-o entre os lábios e o acendeu com pressa, tragando-o quase em desespero. — E talvez, de uma dose dupla de whiskey com gelo. E, também, de um lugar para ficar.
…
— null, até que enfim você chegou, eu não aguento mais a Mia zumbindo no meu ouvido! — Julie reclamou, andando depressa e soltando uma exclamação ao notar que a amiga não estava sozinha. — Opa, não sabia que tínhamos visitas, como podem perceber… — Ju riu, apontando para o pijama com estampas de donuts que usava, acompanhada de uma taça de vinho.
— null, por que você não atendeu mais o telefone depois que desligamos? Você sabia que eu estava aqui, esse tempo todo, conversando com Ju sobre quanto negociaríamos o seu possível resgate? Estava certa de que aquele homem havia sequestrado você ou algo do tipo, onde…— Mia desembestou a falar, mas sua voz morreu assim que notou o rapaz um pouco mais atrás de null e franziu o cenho, olhando a amiga desconfiada. — Ei, foi você quem sequestrou ele! Sempre soube que você era meio maluca, null, mas não a ponto de sair sequestrando homens bonitos na rua. — Julie prendeu o riso e null coçou a nuca, completamente deslocado e sem muito humor para toda a algazarra que acontecia na casa de null. Mia percebeu o olhar torto que recebeu de null, assim como a feição abatida do homem. — Oh, brincadeira na hora errada?
— Não, é…só estou com frio, acabei tomando mais chuva que o ideal. — null inventou qualquer desculpa e sorriu para as duas amigas de null. — Espero que não se importem de eu passar essa noite por aqui, tive…alguns problemas com a estadia na cidade. Meu nome é null, aliás.
— Ah, então você é estrangeiro? — Mia perguntou, curiosa, e recebeu outro olhar torto de null.
— Não, eu…
— null, certo? — Julie interrompeu o discurso do rapaz, que acenou levemente com a cabeça. — Depois você continua essa conversa toda, sabe!? Consigo sentir você tremendo de frio daqui…Mia, que tal pedir uma pizza para a gente? Enquanto esperamos, vocês dois vão trocar essas roupas molhadas e tomar um banho decente.
null sorriu, aliviada, sabia que Julie entenderia o significado de seus olhares incisivos. null sorriu agradecido e Mia finalmente entendeu o recado: sem perguntas específicas para o bonitão misterioso.
— Julie é minha vizinha, mas acaba quase sempre ficando comigo por aqui. — null explicou, subindo as escadas. — Mia é um doce, mas extremamente curiosa, então, vai precisar se esquivar de algumas perguntas dela quando descermos para comer. — null riu e null acenou, ainda quieto e preocupado com sua situação. — Este é seu quarto por essa noite, espero que consiga descansar e colocar a cabeça no lugar depois de tanta coisa. — null desejou em um tom doce e null encontrou os olhos dela, pela segunda vez naquela noite.
— Muito obrigado, null. — Ele disse baixo e limpou a garganta, procurando firmar melhor a voz.
A pizza chegou, as três garotas comeram, null desviou de toda e qualquer pergunta a respeito do motivo de null estar dormindo em sua casa naquela noite e, assim que Mia deixou a residência e Julie se preparava para subir até o quarto que tinha na casa de null, resolveu tirar da sua cabeça algo que estava a perturbando desde que deitou os olhos em null.
— null, ele não desceu para comer. Chegou com rosto choroso e roupas sujas. — Julie começou, em um tom de voz comedido. — Você está o ajudando por quê, exatamente?
— Eu dei uma carona para ele e, quando chegamos no bairro, as malas dele estavam do lado de fora do apartamento. Ele foi despejado, possivelmente por falta de pagamento. — null contou para a amiga, que considerava sua confidente. — Eu, na verdade, estava para ir embora quando vi que ele esqueceu o cigarro no chão do meu carro e, fui atrás de para devolver. Ele estava conversando com o síndico, mas não resolveu muita coisa. De toda forma… — null mordeu os lábios, incerta. — Tem mais coisa nessa história toda, parece que os superiores do prédio chamariam a polícia caso ele não saísse e o síndico comentou algo sobre ele não poder ter mais nenhum boletim registrado em seu nome.
— E você o trouxe para cá, mesmo sabendo disso!? — Julie sussurrou, em alerta. null apertou os lábios, não tinha muitos argumentos para justificar sua ação. Apenas intuiu que ele era uma boa pessoa e resolveu ajudar. — Ouviu mais alguma outra coisa?
— Eu…— null começou a sentir o coração acelerar, repassando as palavras do síndico e sentindo o medo começar a bater no pé da sua barriga. — Aí, merda, por que eu fiz isso!?
— O que foi que você lembrou, null?
— O síndico disse alguma coisa sobre ele não poder ter mais registros com a polícia, por causa de uma garota, Olívia. — Julie arregalou os olhos e engoliu em seco, segurando as mãos da amiga. — E se ela pediu medida protetiva por ele ser violento e instável?
— null, podemos ir para a minha casa agora e ligar para a polícia. Isso tudo está muito esquisito.
— Espera... — null falou, considerando uma outra possibilidade. — Mas, o síndico, Henry, também o expulsou debaixo de chuva e tudo, justamente porque preferiu dar a ele uma chance. Pelo que eu entendi, se os donos do prédio ligassem para a polícia e falassem sobre null, ele teria sérios problemas.
— Homens defendem homens, null. E se Henry foi cúmplice?
null cogitou a possibilidade e sentiu o peito apertar. Era possível que tivesse sido tão inocente? Um toque de celular fez-se presente no ambiente, fazendo Julie dar um pulo. null correu os olhos pelo cômodo, e notou que uma mochila de null continuava próxima da porta de entrada e no bolso da frente, a tela do telefone piscava sem parar. Prendeu a respiração, trocando um olhar cúmplice com Ju e indo até o aparelho; o nome Megan piscava incessantemente no visor. Julie gesticulou para que null atendesse logo.
— null? — Uma voz infantil e feminina invadiu o ouvido das duas garotas, que franziram o cenho imediatamente. — Peguei o celular da tia Megan para dizer boa noite. — Criança, null já deve estar dormindo. — A voz de uma mulher mais velha se fez presente na ligação, e Julie apurou os ouvidos. — Por que você não está me respondendo depois de atender, null? Dormiu com o celular aceso? — Olivia, hora de ir para a cama, tenho certeza que amanhã seu irmão nos liga de volta. — null tapou a boca, surpresa com a menção do nome. — Tá bem, tá bem…— A pequena disse, com a voz arrastada, um pouco contrariada com a ordem que recebeu. — Dorme bem, null. Vê se não demora muito para me ver.
A ligação foi interrompida, dando lugar a tela bloqueada e o papel de parede do celular do homem. Ele segurava uma garotinha no colo, sorrindo grande, enquanto ela encostava a cabeça na bochecha do mais velho, em uma careta fofa, com os braços entrelaçados em seu pescoço.
…
Eram quase nove da manhã, null tamborilava os dedos na mesa, segurando a xícara de chá que havia preparado e assistindo Julie fingir interesse no jornal da cidade que haviam jogado em frente sua porta. Folheou uma, duas, três páginas, suspirou, abaixou os papéis e olhou seriamente para null.
— Será que ele cochilou na banheira e se afogou sem querer? — Ju perguntou, mordendo um pedaço da maçã. null a olhou assustada. — Ele não deu sinal de vida desde que você mostrou onde era o quarto! Estou começando a considerar desfechos trágicos…
— Quer saber? — null bateu a xícara na mesa e levantou, decidida. — Eu e você vamos subir lá e checar.
— Não, não, não…— Julie disse, afobada, gesticulando rápido. — Você vai subir lá e checar. Não quero arriscar confirmar minha teoria, sou muito sensível para isso. O que diríamos para Olívia!? Que deixamos o irmão dela se afogar a noite toda enquanto bisbilhotávamos o telefone dele de madrugada? — null riu com o tom de voz genuinamente desesperado de Julie, que acabou entrando na onda e se divertindo com a situação também.
Um cheiro inconfundível de menta adentrou o ambiente, fazendo null cessar as risadas aos poucos e encarar a entrada da cozinha. Lá estava null, com os cabelos molhados, mãos no bolso, sorriso tímido e mochila nas costas.
— Ei, bom dia. — Ele falou, olhando as duas garotas. Não se aproximou da mesa do café, apesar de seu estômago estar reclamando desde o dia anterior. Estava tão cansado e com tantas preocupações que, lembrar de comer se tornou algo bem menos intuitivo. — Desculpa não ter descido ontem, eu…acabei caindo no sono, não sabia que estava tão cansado até deitar a cabeça no travesseiro.
— Tranquilo, e essa mochila nas costas? — null perguntou, sorrindo doce e curiosa. null demorou seus olhos sobre a garota.
— Eu já vou indo. Tenho algumas coisas para resolver e, null… — null começou dizendo, juntando as mãos em um sinal de gratidão. — Eu não sei como agradecer por ter me oferecido ficar aqui essa noite, mas estou sem carro e queria saber se é pedir demais deixar minhas malas até…— null interrompeu seu discurso limpando a garganta, sentiu a boca seca, com vergonha de precisar pedir aquilo.
— Acho que eu esqueci de alimentar meu peixe. — Ju se levantou em um pulo, fazendo null desviar a atenção do homem para a amiga.
Prendeu o riso e bateu na testa, Julie não tinha peixe nenhum e, provavelmente percebeu que null estava com vergonha demais para conversar sobre sua situação com duas pessoas, resolvendo arrumar uma de suas desculpas extraordinárias para sair de cena; a mulher deu dois tapinhas no ombro de null, dizendo animada que gostou muito de conhecê-lo e bateu a porta de entrada, deixando os dois desconhecidos sozinhos.
null suspirou.
— Ela não tem um peixe. Só queria deixar você mais a vontade para conversar comigo. — null levantou as sobrancelhas e deu risada, achando a amiga de null peculiarmente espontânea. — Ontem, atendi seu telefone. Você não descia as escadas e, eu e Ju começamos a considerar que você poderia ser uma potencial ameaça para nossa integridade física, então, quando tocou, vi como uma chance de saber se eu deveria, ou não, acionar a segurança do condomínio. Era uma garota chamada Olívia.
— Olivia ligou de noite? — A surpresa que null sentiu ao escutar o discurso de null foi substituída por preocupação. — Ela está bem? O que foi que ela disse? Você conversou com ela? — Dessa vez, null aproximou-se de null, enquanto revirava os bolsos da mochila atrás do seu telefone. Pegou-o, vendo que não havia notificações pendentes e voltou sua atenção para a garota, que o olhava confusa pela reação acelerada. Ele lambeu os lábios e coçou a nuca, antes de continuar. — Olívia é a única família que eu tenho e precisei deixar ela na casa de alguns conhecidos enquanto acerto algumas questões, então…me preocupo.
null acenou em confirmação e apoiou o queixo na palma das mãos, tendo em sua mente, após o comportamento do homem, a confirmação do que seu coração havia sentido desde o começo: null era um bom homem.
— Eu sei que, talvez, o que eu diga aqui não faça nenhum sentido… — null começou justificando o que falaria em seguida. — E pode ser que eu esteja tirando conclusões precipitadas e colocando meu nariz onde não devo, mas…me parece que você não tem para onde ir, sua irmã mais nova não está confortável com a distância, você não tem grana para pagar um táxi e levar suas malas para qualquer outro lugar que não seja mantê-las aqui e, nesse momento, não para de olhar para o meu pedaço de croissant porque está com muita vergonha de sentar na mesa e comer comigo, apesar de eu estar ouvindo seu estômago roncar de fome desde que você apareceu. — null trancou a respiração e null puxou a cadeira vazia ao seu lado, em um sinal claro para que ele se acomodasse ali e, assim o fez.
— Você é bem observadora, não? — Ele disse, com um sorriso torto e apanhando um croissant da mesa, servindo-se de um pouco de café; tomou um gole, fitando os olhos de null.
— Apenas com estranhos que convido aleatoriamente para dentro da minha casa. — null respondeu, risonha, e null a acompanhou. A mulher balançava as pernas incessantemente e tentava se distrair brincando com os dedos na borda da xícara de sua bebida.
— O que quer saber? — null começou, percebendo a inquietação. null respirou fundo.
— Eu quero conhecer você.
…
— Brandon, o contrato que fechamos com você inclui as hospedagens, passagens e convites cortesia para a feira de Amsterdam. — null explicou pela milésima vez, enquanto recostava na poltrona de couro ecológico do escritório de null. A mais nova o olhou curiosa, prendendo o riso por notar a impaciência do homem. — Mas, infelizmente, não conseguimos incluir Brownie na lista de convidados… — null franziu o cenho e null desviou o olhar da moça, girando a cadeira para o outro lado. A expressão de confusão da amiga era engraçada demais para que ele pudesse conter uma risada no meio da ligação. — Tudo bem, eu vou passar sua sugestão para os organizadores e obrigado pelo elogio, cara, é só meu trabalho. Boa sorte em Amsterdam, encaminharei todos os detalhes restantes por e-mail. Até mais!
null desligou o telefone e voltou sua atenção para null, que mordia a ponta de um lápis enquanto rabiscava algumas inspirações para os quadros que entregaria para Amber dali alguns dias.
— Receio que Brownie não se refira aos usuais bolinhos de chocolate. — null comentou, observando o amigo.
— Brownie é o nome do Husky do Brandon, null. — null explicou, anotando algumas informações sobre o artista no papel. — Mas eu fui gentil o suficiente algumas horas atrás para fazê-lo entender que não temos como transportar o cachorro para uma feira de artes. Agora, ele só tentou a sorte mais uma vez.
— Ele era o único artista pendente para entrarmos em contato?
— Sim.
— Finalizou os orçamentos financeiros de cada convidado com a Mia?
— Terminamos isso ontem mesmo, não quis incomodar você no estúdio, então acabei esquecendo de avisar.
— Todos os quadros chegarão ainda essa semana para a organização da exposição?
— Sim.
— E a lista das obras?
— Já está no e-mail da administração do evento, separado por tema e relevância de preço. — null piscou, sorrindo para null. Ela largou o caderno e o lápis em cima da mesinha de centro, levantando em seguida.
— Você até que é eficiente…mas, é agora que eu vou informar a sua função mais importante… — Ela disse, segurando o riso. null apertou os olhos na direção da garota. — Ir rapidinho ali na geladeira e pegar aquele pote de sorvete que comprei mais cedo, com duas colheres.
Fazia uma semana e meia desde que tiveram a conversa na cozinha espaçosa e requintada de null, e ele não sabia dizer como, mas naquele dia, a intensidade do olhar da mulher o fez criar coragem de abrir a porta do seu porão de memórias e convidar seus piores demônios para dançar. Nunca havia sido tão direto e sincero com alguém antes a respeito de seus medos e instabilidades. Contou tudo: sobre sua adolescência imprudente, os momentos finais que não compartilhou ao lado de sua mãe, as corridas ilegais que o custaram alguns bons ossos quebrados, meses de prisão e um ano de trabalho voluntário.
Olívia chegara na vida de Christine, mãe de null, durante tempos difíceis e, ao perceber que estaria mais uma vez lidando sozinha com a maternidade, ao se envolver por uma noite com um estranho que desapareceu do quarto de hotel, tão rápido quanto as nuvens corriam pelo céu da Inglaterra, se sentiu quebrada, sem coragem de prosseguir com a gestação e menos ainda de impedir o crescimento da pequena vida que se formava em seu ventre. Olívia nasceu, e Christine enfrentou um extenso período de depressão pós-parto, perdeu seu emprego e, com a ajuda do governo, conseguiu um pequeno apartamento para abrigar sua família. Os anos se passaram, null pegou a responsabilidade financeira da casa e, naquela época, não entendia por que sua mãe não conseguia voltar a ser da forma que era antes e amar Olívia, da mesma forma que ele amava. Ele não possuía maturidade para perceber que, apesar de amar Olívia, sim, Christine não sentia vontade ou afeição por existir, tinha seus próprios monstros para enfrentar e não se sentia preparada para lutar com nenhum deles.
No auge dos seus vinte e poucos anos, em meio à confusão que vivia, null se encantou pelo dinheiro gordo que correr em pistas ilegais o proporcionava, Christine ficava em casa cuidando de Olívia e, em seu coração, por achar que o filho havia conseguido um bom emprego, sentia-se em paz e no direito de se esforçar um pouco mais para melhorar; procurou terapias, iniciou o uso de medicações que contribuiriam para sua produção de serotonina e se aproximou verdadeiramente de Liv, pela primeira vez. Tempos depois, a mulher foi acordada no meio da noite ao receber uma ligação da polícia, contando sobre a gravidade do estado de saúde de null e seu envolvimento com um grupo altamente procurado pelo departamento de segurança da cidade. Ouviu sobre tudo: as corridas ilegais, os carros roubados, a quantidade de dinheiro que estava envolvida nas acusações e, tão rápido quanto havia melhorado, piorou. Assistiu o julgamento do filho com o coração partido e lágrimas quentes inundando seus olhos, porque, no fundo, mesmo que erroneamente, se culpava pelas escolhas do garoto. Pensou que poderia ter sido mais calma, presente, afetuosa. Pensou que não deveria ter o deixado com a responsabilidade de cuidar de Olívia sozinho nos primeiros anos, quando deveria estar o incentivando a estudar e crescer para longe da vida simples que tinham, do jeito certo.
Durante os seis meses em que null ficou preso, Olívia acreditou que o irmão havia viajado a trabalho. Christine contou com a ajuda de Megan e Gareth, os únicos amigos que tinha, para segurar a barra financeiramente e emocionalmente. Entretanto, no meio do período de sua sentença, null foi surpreendido pela visita de um advogado com postura rígida e olhar receoso, enquanto contava que Christine havia falecido, em resposta a muitos tumores irreversíveis e, até então, não descobertos. Ali, sentiu o peso do mundo duas vezes maior em seu ombro e se martirizou com a memória do sorriso triste e olhos cansados de sua mãe, na última visita que havia o feito.
Por essa razão, Olívia tornou-se responsabilidade legal de null e, devido ao seu bom comportamento na prisão, fora agraciado a cumprir o restante de sua pena com trabalho voluntário, sob a condição de não possuir mais nenhum registro policial em seu nome, para que pudesse manter a guarda de sua irmã mais nova.
Fora difícil conseguir emprego após estar em liberdade, contou com a ajuda de Megan mais vezes do que gostaria e respeitou a decisão de Gareth em não manter o relacionamento que tinham antes, devido aos seus feitos não tão honrosos. null recebia ajuda da assistência social para conseguir suprir as necessidades básicas de Olívia, mas o processo de conseguir uma casa pelo governo, assim como sua mãe, estava demorando mais tempo do que o esperado e, no fundo, queria ser capaz de prover algo melhor para a pequena. Então, começou a trabalhar como ajudante de obra, carpinteiro, funileiro, encanador, jardineiro e outras funções que o rendiam alguns bicos aqui e ali, para pagar o aluguel do apartamento em que moravam. Não era bom, mas era melhor do que o anterior e, assim, Olívia e null levaram a vida por meses, até o momento atual.
Fazia três meses que o aluguel estava atrasado e todo o dinheiro que conseguira fora para alimentar Olívia, a vestir propriamente e investir em seus estudos. Recebeu um aviso de despejo por parte dos proprietários do residencial e, por mais que Henry, o síndico, gostasse do garoto e simpatizasse com sua história, não conseguiria mais postergar a decisão dos donos, ainda mais mediante o envolvimento da polícia.
null, então, tomou coragem e ligou para Gareth, pedindo que cuidassem de Megan pela segunda vez, em menos de um ano. A primeira, fora porque sabia que teria dinheiro para colocar comida em casa apenas dentro de duas semanas e pensou que Liv não merecia ficar quatorze dias consecutivos se alimentando só de arroz e ovo. Tudo o que ele buscava era um emprego bom e estável, que o permitisse proporcionar a sua irmã uma vida digna.
Então, como uma luz no fim do túnel ou um copo de água gelada quando se está com muita sede, null apareceu, o ofereceu uma carona num dia de chuva, seu último cigarro em um dos momentos mais humilhantes da sua vida, um lugar para dormir quando estava sem casa, e, mais recentemente, uma posição profissional quando, na maioria das entrevistas, insistiam em o rejeitar devido às marcas documentadas de seu passado.
Não sabia se acreditava em intervenção divina o tempo todo, mas, se coisas como essas aconteciam, então, de fato, null havia sido uma delas.
…
— Eu não esperava dizer isso tão cedo, mas null tem feito um trabalho excepcional. — Mia comentou, passando o mouse pela caixa de entrada do email da empresa. — Alguns assessores dos artistas que convidamos enviaram mensagens elogiando nosso assistente de produção.
— Mesmo? — null sorriu verdadeiramente, esgueirando o pescoço para tentar enxergar a tela do computador de Mia. — Isso é excelente, acredita que ele convenceu Lena Van Court a fazer uma roda de conversa com alguns aspirantes?
— O que? — Mia arregalou os olhos e abriu a boca em uma expressão de surpresa. — E você contou isso para Amber?
— Oh, ela estava do lado…no primeiro dia em que eu o trouxe aqui. — null piscou e Mia assentiu, lembrando do dia em questão. A porta do escritório se abriu, revelando null com um sorriso no rosto enquanto terminava de falar no telefone.
— Oi, Mia! — Ele piscou para a garota, que limpou a garganta, desconcertada. null revirou os olhos e olhou feio para o amigo. — null, preciso muito conversar com você, tem tempo agora?
null e null desceram até a cafeteria confortável e charmosa que ficava localizada na esquina do escritório. O homem vestia uma calça jeans escura e um blazer preto por cima da camiseta branca, estralava os dedos incessantemente e bebia um gole atrás do outro do café que haviam pedido.
— null, você vai enrolar mais quanto tempo para me contar o que quer? — null perguntou, mordendo um pedaço de muffin.
— Na verdade, eu preciso pedir uma coisa. — Ele disse, com o tom de voz baixo e olhando null com olhos receosos. — Eu sei que você tem, literalmente, movido o mundo para me ajudar, mas…
— null, você precisa parar de agir como se tudo o que eu fiz por você até agora fosse algo ao qual você precisa retribuir. — null disse firme. — É algo sobre Olivia?
— Como você sabe? — null franziu o cenho.
— Você sempre reage de uma forma, digamos, um pouco afobada quando algo se refere a ela. — null disse, sorrindo em seguida. — É fofo, porque você é um homem enorme e, aparentemente, uma garotinha de seis anos desmonta toda sua pose em um piscar de olhos.
— Homem enorme? — null repetiu, rindo. null deu de ombros. — Tudo bem, eu assumo a minha redenção por Olívia. E, sim, o que eu preciso conversar é sobre ela… — null assentiu, incentivando-o a continuar. null respirou fundo. — Megan e Gareth farão uma viagem para visitar os filhos no interior, e, bem, Olívia me ligou chorando pedindo para ficar. Claro que, se você não tivesse aparecido na minha vida, como um anjo…— null disse sem perceber e null corou, bebendo um pouco mais de café para que ele não percebesse o seu embaraço. — Eu poderia ficar na casa de Megan com ela, mas isso me custaria algumas boas horas de conversa desconfortável com Gareth para que ele pudesse viajar em paz. Se eu puder evitar isso…
— null, o quarto em que você está cabe você e, possivelmente, mais cinco Olivias. — null falou rindo, abrindo a palma da mão no ar, em um gesto de obviedade. — Se eu achei tudo bem você vir passar uma noite na minha casa, sendo um completo estranho com uma personalidade duvidosa, qual seria minha questão com ela? — null recostou a cabeça na cadeira e soltou um longo suspiro, em alívio. null correu os olhos pelo pescoço dele, mas balançou a cabeça, obrigando seus pensamentos a voltarem para o lugar. — Você não cansa de ser tão boa?
…
Julie ajeitava alguns travesseiros dentro da cabana que havia montado na cama de um dos quartos de hóspedes, enquanto null checava os itens de higiene infantil que tinha comprado para colocar no banheiro.
— null, vem ver! — Ju gritou do quarto e null derrubou um pouco do sabonete de glitter rosa que havia comprado. Coisas assim incentivam crianças a não terem preguiça de manter a higiene, certo? Pelo menos, era o que null pensou caso fosse Olívia, não sentiria vontade de lavar as mãos com um sabão sem graça branco. Mas se tivesse glitter rosa seria mais legal…— null, anda, preciso que você confirme que as luzes estão alinhadas!
— Já vou, já vou! — null limpou o sabão que tinha derramado e correu para o quarto, arregalando os olhos e sorrindo grande. — Julie, você é tão talentosa! — A design de interiores rolou os olhos, mas sorriu convencida e terminou de posicionar as pequenas luzes de led amarelas no contorno da cabana. Ju havia transformado um quarto comum em um cômodo colorido e com uma decoração digna de conto de fadas.
— Eu sei, Olivia vai gostar muito. Estou ansiosa para conhecê-la, null sempre fala dela quando conversamos. — Julie comentou e null acenou em confirmação. — Sabe, null, sempre admirei sua sensibilidade sobre as pessoas. Já parou para pensar no tamanho da diferença que você está fazendo na jornada dele, desde que apareceu? — null suspirou, sentando-se na poltrona azul claro que havia colocado na ponta da cama, pensando que, talvez, null gostasse de ler histórias para Liv.
— De certa forma sim, mas…— null mordeu o canto da boca e Ju a incentivou. — Tudo isso tem sido recíproco, mesmo que não pareça. Eu posso ter toda a bagagem material que ele precisa agora, mas, em contrapartida, sempre que estamos juntos, recarrego minhas energias. Estou quase finalizando os quadros para Amber, e eu estava enfrentando um bloqueio criativo muito forte nos últimos meses. Sem contar que eu parei de trazer minha garrafa de água para o quarto, porque descobri que vira e mexe, ele desce para matar a sede de madrugada e a gente sempre conversa alguma coisa muito engraçada e sem sentido quando nos encontramos sonolentos na cozinha. Percebi esses dias, também, que coloco duas xícaras de café na mesa, mesmo quando ele sai mais cedo do que eu, porque meu subconsciente se acostumou com ele aqui. — null desabafou, brincando com os dedos e sentindo o olhar carinhoso e compreensivo de Julie sobre ela.
— Isso aconteceria de qualquer forma, null. Ainda mais sabendo que ele tem um coração bom, além de ser bonito pra caramba, fofo ao extremo, misterioso na dose certa e inteligente. Até conquistou a simpatia da Amber! — Julie pontuou e null foi obrigada a concordar com tudo o que ela havia dito. — Pensando bem, por que você não deu uns beijinhos nele até agora!?
— Acho que nunca entramos em uma atmosfera onde caberia isso. — null disse, levantando-se da poltrona e olhando em volta do quarto. — Mas, esses dias, eu fiquei escorada na parede da cozinha me esgueirando para vê-lo sem camisa, de costas, enquanto preparava o café. — null confessou, rindo alto em seguida e Julie a acompanhou.
— Que absurdo! Eu faria igual...— Ju piscou, fazendo graça.
...
— Chegamos, Liv. — null avisou a irmã, assim que passou pelo portão do condomínio em que null morava. A pequena abriu os olhos e desencostou do ombro do mais velho, com uma carinha de sono.
— Que grande! — Olivia disse, assim que avistou as casas que formavam o residencial. — Sua amiga gosta de sopa de abóbora? — null gargalhou e Olivia o olhou feio.
— Está aí uma coisa que eu nunca pensei em perguntar para ela... — null respondeu, descendo a irmã de seu colo e parando em frente a porta de entrada. — Mas como vocês vão se conhecer agora, vou deixar essa tarefa para você. — Ele agachou na frente da irmã, arrumando um pouco a franja que insistia em cair na frente dos olhos da pequena. — Lembre-se do que conversamos no caminho até aqui e se comporte, tá bem?
— Tá.
null acenou com a cabeça e deu a mão para Olivia, andando os poucos passos que faltavam até abrir a porta. Assim que entrou, deu de cara com null descendo as escadas com caixas enormes de papelão. Franziu o cenho e anunciou sua chegada, o que assustou a dona da casa e a fez tropeçar no último degrau, se atrapalhando com o que segurava e caindo feio no chão. Olivia gargalhou, enquanto null corria para ajudar null.
— Ei, tudo bem? — O mais velho perguntou segurando o riso e null o olhou com uma expressão cômica, levantando-se com rapidez e ajeitando os cabelos que saíram do lugar.
— Você me assustou. — null disse, apontando o dedo indicador no tórax do homem, que levantou as duas mãos para o alto, em defesa.
— Desculpa, linda. Não foi minha intenção. — Ele sorriu e null precisou de alguns segundos para digerir o apelido carinhoso com o qual ele se referiu a ela, antes de voltar sua atenção para a garotinha de cabelos castanhos.
— Ele também faz isso com você? — Olivia perguntou risonha, puxando a calça do irmão. — Não pode fazer isso com as pessoas, null, é muito malvado. — null olhou a garota com um sorriso, sabendo que tinha ganhado uma aliada em seu time. null, por sua vez, negou com a cabeça e pegou a pequena no colo de supetão, o que a fez soltar um gritinho e rir com vontade.
— null, essa é a Olivia. — Ele olhou para a irmã, que ainda ria e o abraçava pelo pescoço. — E aparentemente agora eu tenho não só uma, mas duas mulheres para me dar broncas. E juntas. — null reclamou e Olivia estendeu a mão ao rosto de null, que se surpreendeu com o gesto afetuoso da criança.
— Você parece uma das minhas bonecas. — Olivia disse, com um tom de voz baixo e interessado. null corou e null olhou a irmã, com carinho.
— Obrigada, Liv. — null sorriu e apontou para as escadas. — Eu tenho uma surpresa para vocês dois lá em cima, não querem subir para ver? — null franziu o cenho e Olivia arregalou os olhos, descendo do colo do irmão e dizendo um sim bastante audível, enquanto null subia degrau por degrau, dividindo sua atenção entre a pequena e a moça que vinha ocupando seus pensamentos por mais tempo que o recomendado.
— O que foi que você aprontou, null null?
— Talvez eu tenha me empolgado um pouquinho. — Ela juntou o polegar e o indicador, expressando sua fala. Pararam em frente a porta de um dos quartos de hóspedes, que null sabia não ser o dele. — Espero que você goste, Liv. Ju e eu trabalhamos duro por aqui.
null encostou no batente da porta, vendo Olivia correr para dentro do cômodo e se perder no meio dos ursos de pelúcia e decorações coloridas que haviam por ali. Uma cama cheia de travesseiros e cortinas iluminadas, como em uma cabana fazia tudo parecer ainda mais como um conto de fadas. null se sentou no tapete felpudo lilás, chamando Olivia para perto e mostrando cada coisa nova que havia colocado no quarto para a garota. O cheiro de baunilha que exalava das roupas de cama tornava tudo ainda mais acolhedor e confortável. null só despertou do transe quando ouviu a irmã fungar, escondendo o rosto no pescoço de null, que parecia não saber o que fazer.
— Ei, pequena... — null se sentou ao lado de null e segurou a mão de Olivia, que chorava fraco. A garota levantou os olhos brilhantes para o irmão, com um bico trêmulo formado em seus lábios. — O que aconteceu?
— Eu sempre quis dormir em uma cabana cor de rosa. É igualzinha à dos filmes, null! — Olivia murmurou e null travou o sorriso, engolindo em seco por saber que a irmã estava emocionada por ter um quarto só para ela pela primeira vez e, provavelmente, do jeito que sempre quis. — Como você adivinhou? Você é bruxa? — Olivia perguntou para null, apertando as bochechas da mais velha uma contra a outra.
— Olivia! — null arregalou os olhos e null gargalhou, olhando de canto para o mais velho.
— Tenho os meus próprios feitiços, Liv. — A pequena assentiu, interessada e cruzou os braços. — Mas acho que dessa vez foi sorte.
— Será que eu posso levar essa cama para a casa da Tia Megan, quando ela me buscar? — Olivia perguntou e null deu risada.
— Não acho que null vai deixar a gente ficar carregando a cama dela para lá e para cá... — null ponderou, desamarrando os cabelos de Olivia para ajeitá-los. — Melhor deixarmos aqui, assim eu sempre tenho uma desculpa para visitar a Tia null quando formos para nossa casa. — Ele disse, olhando nos olhos da mais velha e piscando para ela, com um sorriso de canto. null puxou o ar, ciente de que aquela não havia sido a primeira deixa de flerte que ele havia soltado nos últimos dias. Resolveu, então, deixar claro de que estava entendendo os sinais.
— Você não vai precisar de uma desculpa... — null disse, passando a língua pelos lábios e deixando um sorriso mínimo escapar. — Se eu não deixar você ir embora. — null pressionou os olhos em direção a mais nova, com um sorriso esperto.
— Justo.
...
O tempo passou em uma velocidade considerável, Olívia resolveu fazer uma sessão de cinema em seu quarto e os dois adultos fizeram um esforço para entrar dentro da cabana e assistirem os filmes que Liv escolheu. Perto de nove da noite, depois de darem uma pausa na maratona para comer e tomar banho, Olivia dormia tranquilamente com a cabeça apoiada no ombro de null.
— Será que agora podemos escapar sem que ela perceba e nos obrigue a voltar para cá e assistir mais dez filmes seguidos? — null perguntou com humor em seu tom de voz e null riu, concordando com a cabeça. — Se formos discretos, eu acho que estaremos salvos...
A mulher se levantou primeiro, recolhendo as louças que haviam levado para o andar de cima, como o balde de pipoca, os copos de suco de laranja e as embalagens de doces que encontrou pelo caminho. null fez uma careta ao perceber que havia alimentado Olivia apenas com porcaria o dia todo, mas sabia que a alimentação da garota estaria perfeitamente regrada com Megan em seu encalço, então considerou que tudo bem agradar o paladar infantil da mais nova por completo aquele dia. Amanhã, ele se certificaria de que muitos legumes verdes e carotenoides estivessem no seu prato de almoço. Pegou um copo de água gelada na geladeira, enquanto observava null colocar as louças dentro da máquina. Assim que ela terminou, seu olhar encontrou com o do homem.
— Acho que Olivia aproveitou bem o dia. — null disse e null a olhou por cima do copo, bebendo mais um longo gole de água. Ter a presença de null estava o deixando com a boca seca e o coração descompassado mais vezes do que gostaria de admitir.
— Ela amou o dia. E o quarto. E você. — null pontuou, levantando uma das sobrancelhas, recostando no balcão. — Às vezes sinto vontade de ter conhecido você antes.
— Por que antes? — null perguntou, um sorriso curioso escapando de sua boca. Se aproximou de null. — Nunca ouviu dizer que todas as coisas verdadeiramente boas levam tempo?
— Escuta...— Ele arrastou a banqueta para mais perto de null, que o olhava em expectativa. — Me confirma se eu tô ficando louco ou se você tá mesmo flertando comigo?
— Você quem anda planejando desculpas para me visitar quando for embora...— null disse baixo, se aproximando do homem, que cerrou os olhos e entreabriu os lábios, ao sentir o carinho dela em sua nuca.
— Mas você anda fazendo pior...— Ele soprou contra os lábios da mais nova, sorrindo de lado ao sentir ela suspirar. — Tem feito planos para nem mesmo me deixar ir.
— Não acho que devo me culpar por isso. — Ela sussurrou, as írises intensas do mais velho a convidando para um mundo novo. Ele arrastou os lábios nos dela e tomou a boca da garota em uma mordida delicada, lenta e gostosa, deixando os lábios se encaixarem em um selar macio e divino.
— Vou perguntar mais uma vez, null...— Ele disse com a voz rouca, pressionando as mãos fortes no quadril da mais nova. — Como você consegue ser tão boa?
Ela sorriu de lado e sentiu as mãos dele embrenharem-se em seus cabelos, iniciando o beijo mais intenso e cativante que havia tido em um bom tempo. A língua dele acariciava a dela em uma dança quente e tortuosa enquanto tudo o que ela queria era acabar com a distância restante de seus corpos, suas realidades e, principalmente, de seus corações.
...
— Olivia, querida! — Megan abaixou na frente da pequena, que correu para o seu abraço. — Como você passou esses dias? Trouxe alguns doces da fazenda do Ryan para você.
— Vou comer todos, mas precisa ser longe da tia null. — Liv avisou e foi em direção a Gareth, que saiu do carro sendo calorosamente recepcionado pela menina.
— Tia null? A amiga de seu irmão? — Liv acenou, puxando Gareth e Megan para dentro da casa.
— Sim, ela come quase tantos doces quanto eu. Se ela vir os da fazenda do Ryan, vou acabar ficando sem nenhum! — Olivia disse risonha e Gareth trocou olhares com Megan, tanto pela localização alta em que estavam, quanto pela forma carinhosa que Olivia se referia à desconhecida. — Ela e null estão cozinhando e eu vim receber vocês. Ah, e eu preciso mostrar a tenda que Ju e null fizeram na cama que eu dormi, é rosa e brilhante! — Olivia dizia com animação, empurrando a porta para os dois senhores adentrarem a casa. — Tia null é um pouco exagerada, porque essa casa é muito grande e ela mora sozinha. Quer dizer, meu irmão está aqui como hóspede agora...
— Olivia, está tentando escapar da sua tarefa de lavar os morangos, não está!? — null falou, procurando a garota e Olivia cobriu a boca com as mãos pequenas para silenciar sua risada. — Não adianta se esconder, Liv, eu sempre encontro você. — null disse risonha, adentrando a sala e se deparando com dois senhores e a pequena. — Oh, vocês chegaram cedo! Mil desculpas por não ter notado antes, fizeram boa viagem? Eu estou uma bagunça que só...— null riu envergonhada, apontando para o cabelo preso de qualquer jeito e seu conjunto de moletom. — null e eu resolvemos arriscar na cozinha hoje e eu posso dizer que ele está fazendo um ótimo trabalho...mas, para as minhas habilidades, me restou apenas a louça mesmo. — A pequena gargalhou e abraçou null pela perna.
— Tudo bem, null. Meu irmão pode cozinhar para gente a vida toda.
— Eu não posso não! — null entrou sorrindo na cozinha, enxugando as mãos no pano de prato e olhando Megan e Gareth, que ainda observavam a cena um pouco chocados. Esperavam encontrar null em um apartamento não apropriado para crianças com alguma amiga três vezes mais fumante do que ele. Até adiantaram o retorno da viagem para garantir que Olivia não ficasse tanto tempo onde quer que null estivesse de favor. — Gareth, Megan...essa é a null. — Apontou para a garota, que sorriu na direção do casal mais velho.
— Não se preocupe com sua aparência, querida, você está absolutamente linda mesmo sem se esforçar. — Megan comentou, sorrindo calorosa e puxando a garota para um abraço.
— É um prazer conhecê-la, null. — Gareth estendeu o braço para a garota.
Olivia fez questão de levar os dois para conhecer cada canto da casa de null, enquanto ela e null finalizavam o almoço. Gastaram um tempo maior do que o esperado no quarto que estava pertencendo a Olivia, admirando toda a decoração e vendo a pequena contar tudo o que eles haviam feito juntos nos últimos dias em que ficou na casa de null, com seu irmão e, em alguns dias, Ju. Almoçaram juntos, enquanto null contava um pouco sobre sua profissão e sobre o espaço que null havia conseguido conquistar dentro da agência. Gareth assistia com atenção todas as vezes em que null deitava os olhos em null e sorria do jeito que o mais velho sabia conter admiração e quem sabe, até mesmo amor. A mais nova gastou bons minutos de seu diálogo elogiando null e ressaltando as características que fizeram Amber o escalar como gerente de produção efetivo, ao invés de assistente e não mais temporário, como havia sido o combinado. null estava com carteira assinada dentro de uma agência renomada e teria como começar a galgar seus passos para construir uma estrutura de vida ideal para Olivia.
Megan pediu licença aos outros e se retirou para a varanda da casa de null, buscando um pouco de ar fresco para conter as lágrimas que insistiam em querer cair por seu rosto. Respirou fundo, observando o céu escurecido e inundado de estrelas que ajuda a tornar aquela noite tão especial. Sorriu, pensando em Christine e no quanto ela deveria estar feliz ao ver o filho tão compenetrado em melhorar e dar tudo o que não pode ter quando mais novo, para Olivia.
— Ah, minha amiga...— Megan disse baixinho, fungando ao sentir o choro apertar sua garganta. — Você deve estar muito orgulhosa do seu menino, não está? Ele tem feito tanto por Olivia...— As lágrimas começaram a cair, mesmo sem permissão. — Dentro do que eu posso, eu tenho o ajudado, Chris. E rezo por ele todos os dias...— Megan suspirou, olhando para trás e avistando null gargalhar e tocar o ombro de null, que contava alguma piada. — Essa menina parece ter devolvido a vida aos olhos do seu filho, e, eu sei que se você estivesse aqui, estaria puxando a orelha dele por se envolver com alguém de uma realidade tão oposta. Mas, veja só...— Megan virou-se completamente para a cozinha, olhando pela porta de vidro Olivia pular nos braços de null e Gareth conversar com null, usando expressões claras de entusiasmo e animação. — Não há por que focarmos nas diferenças se existem tantos pontos em que somos exatamente iguais. — Megan sorriu, levando a mão trêmula para seu rosto e jogando um beijo carinhoso ao céu. — Eu sei que você está nos olhando aí de cima, Christine. Obrigada por cuidar de null. Obrigada por tê-los ajudado a cruzar esquinas. Obrigada por ainda estar aqui. — Megan limpou as lágrimas e começou a caminhar de volta para a sala de jantar.
...
— null! Você está estonteantemente linda! — Mia exclamou, assim que a amiga deixou o carro que havia a levado até a arena onde acontecia a galeria.
— Obrigada, mas eu tenho certeza de que colocaram algum tipo de magia em mim, Mia. — Ela respondeu rindo e a amiga revirou os olhos, puxando-a para um canto.
— O que são aqueles quadros? — Mia perguntou sorrindo. — Amber ficou maravilhada com o contexto das suas obras. Não para de falar disso, a cada taça de champagne que ela toma, mais ela se encanta e descobre algum outro detalhe excêntrico sobre sua pintura. E, null...todo mundo está se perguntando quem é o cara do porta-retrato. Ele vem?
— Sim, ele vem junto com Olívia, assim como Megan e Gareth. Dois amigos próximos...
— Então vocês estão juntos? — Mia bateu palminhas, mas desfez a expressão animada para responder algum de seus funcionários, através de sua escuta. — Desculpa, eu preciso muito ir checar o que está acontecendo no corredor vinte e três, Simon já chamou meu nome umas dez vezes nos últimos segundos. — Mia revirou os olhos e ajeitou o terno que usava, olhando para a entrada do evento. — E, se meus olhos não me enganam, parece que o seu príncipe encantado chegou.
null sorriu assim que viu seus convidados na porta de entrada da galeria, Olivia parecia uma princesa em um vestido azul claro e os cabelos envoltos por uma tiara, andando de mãos dadas com aquele que, ali, pode confessar para si mesma que era o dono do seu coração. A calça social, a gravata e o terno pareciam ter sido desenhados para esculpir o corpo do homem, que sorria galanteador em sua direção enquanto diminuía a distância entre os dois.
— Diz que esse vestido é tão bonito quanto é fácil de tirar? — null sussurrou, deixando um beijo demorado no canto da boca de null e sorrindo fechado ao se afastar. null corou e olhou para baixo, vendo Olívia puxar a saia de sua roupa, chamando atenção.
— Será que vocês podem namorar depois? — Olivia reclamou, cruzando os braços e olhando feio para os adultos. null congelou e ficou tão vermelho quanto uma framboesa, fazendo null soltar uma gargalhada e pegar Olívia no colo.
— Quem que escolheu essa tiara maravilhosa? — null perguntou, estalando um beijo na bochecha da mais nova.
— Foi o tio Gareth, ele tem bom gosto, não tem? — Liv sorriu e olhou a mais velha. — Mas você tá linda. Quando eu crescer, quero usar um batom igual o seu, porque agora o null não deixa. — Ela disse, colocando o dedo indicador nos lábios de null, como se para pegar um pouco da cor do batom, e tocando os seus logo em seguida.
— Irmão protetor, então? — null apertou os olhos e null puxou a ponta do nariz da irmã.
— Aí! — Ela reclamou, mostrando a língua para ele.
— Eu não deixo por enquanto, daqui a pouco eu sei que não vou ter mais autoridade nenhuma…— Ele deu de ombros e Olívia riu alto, vendo Ju, Megan e Gareth entrarem na galeria e se agitando no colo de null, para descer e ir recepcioná-los.
null olhou para null e analisou-a de cima a baixo, com um sorriso que fizera os joelhos da mais nova virarem geleia. Ele ofereceu o braço a ela, que entrelaçou os seus em seguida e assim, começaram a andar em direção às obras apresentadas na galeria.
— Você não sabe o que eu consegui hoje mais cedo… — null comentou, puxando uma taça de champagne e tomando um gole.
— O que?
— Brownie vai estar na semana de arte de Amsterdam…achei um hotel de cachorros que resolveu fechar parceria com a gente. E, então, não apenas Brownie, como Layla e Milly também vão.
— Tá falando sério? — null perguntou, sem acreditar no que tinha escutado. — E quem são Layla e Milly?
— Os cachorrinhos da Lena Van Court. Que tipo de fã é você, null null? — A mais nova revirou os olhos e soltou uma risada.
— O tipo ocupada.
— Quantas pintas eu tenho nas costas?
— São três! E elas tem um formato da constelação das três marias. — null respondeu animada, e null apertou os olhos.
— Me parece que não é uma questão de ser ou não ocupada, null. Acho que você só resolveu virar minha fã, ao invés de Lena.
— Foi uma boa troca… — null mordeu o canto da boca e null prendeu o riso.
— Céus, mulher! Você só pensa coisas nefastas quando estou por perto? — Ele brincou, roubando um beijo da mais nova quando ela ia começar a reclamar. — Porra, que boca deliciosa.
— Estou trabalhando, tá bem? Vê se não me desconcentra muito. — null alertou, encarando-o com seriedade.
De repente, null percebeu que muitas das pessoas presentes estavam passando e o encarando por mais segundos que o recomendado. Homens, mulheres, idosos, funcionários, produtores, crianças…
— Tem alguma coisa suja no meu rosto? — Ele perguntou, olhando para null, que negou com a cabeça. — Então, fiz uma péssima escolha de roupas…
— Ah, enfim, a estrela da noite! — Amber chegou, acompanhada de Ju. Levi as cumprimentou e apoiou a mão nas costas de null.
— Para mim, ela é a estrela de todas.
— O que? — Amber riu, abanando a mão no ar. — Estou falando de você, bobo.
— Eu?
— Você não mostrou? — Ju perguntou para null, que negou com a cabeça e respirou fundo.
— Ainda não.
— Garota, você tem um dom muito bonito. — Gareth se aproximou, limpando a garganta. — Olivia está sentada no meio do cômodo dizendo a todos que o bonitão do quadro é o irmão dela. — Julie e Amber riram e null franziu o cenho, confuso com o que estavam dizendo.
— Vamos, vou acabar com o seu suspense… — null disse e entrelaçou as mãos com as do mais velho, que a seguiu ininterruptamente até o salão principal da galeria.
Havia três quadros, sendo dois deles pinturas abstratas e coloridas, que chamavam a atenção pela quantidade de formas e emoções boas que transpassavam. No meio deles, um retrato em moldura vitoriana, pintada em um vermelho bordô.
Era um desenho realista do rosto de null. Cada traço estava perfeitamente ilustrado, em um sombreado feito de carvão que combinava perfeitamente com os olhos de mistério e o cigarro aceso entre os lábios.
Abaixo, o nome da obra transcrito em um metal dourado, fazendo o coração de null saltar no peito:
O último cigarro – Meu primeiro amor.
— Sim, mas eu não quero ficar longe de você. Por que você não pode ficar na casa da tia Megan comigo? — A voz suave e trêmula da garota fez o coração do homem vacilar por alguns segundos, mas precisava manter firme sua decisão.
— Porque eu sou bem crescido e preciso correr atrás de uma vida melhor para a gente. — O mais velho agachou na frente da irmã, dando um peteleco leve em seu nariz. Ela soltou um sorriso torto, já que sua boca insistia em se dobrar em um bico, antecipando o choro. — Ei, olhinhos brilhantes, prometo que não vai ser por muito tempo. — null limpou uma lágrima fina que desenhou o rosto da pequena e a tomou pela mão, apanhando a mochila e as malas que levaria para a casa de Megan. — Agora precisamos nos apressar, porque eu fiquei sabendo que tem uma panela enorme de sopa de abóbora só esperando você chegar.
— Sério? Com torradinhas também? — null riu e balançou a cabeça em confirmação, enquanto trancava a porta do apartamento e descia as escadas com a mais nova em seu encalço. Uma chuva fina e insistente caía sobre o asfalto e, com as últimas notas que tinha no bolso de sua calça jeans preta, pagou duas passagens de ônibus para o outro lado da cidade, onde sabia que Olívia estaria cuidada e segura.
— Você sabe que por mim, vocês dois poderiam ficar pelo tempo que precisassem…mas, Gareth tem ressalvas sobre você, null. — Megan comentou, enquanto assistia o marido servir uma tigela de sopa quentinha para Olivia, que sorria animada em frente ao seu prato preferido.
— Não se preocupe sobre isso, Meg. — null afagou os ombros da mais velha, respirando fundo. — Você e eu sabemos que Gareth tem seus motivos e, para ser sincero, fico surpreso e envergonhado sempre que você se mostra tão solícita comigo, porque tenho consciência do que eu fiz no passado e não me orgulho disso. — null retesou as costas em tensão e Meg sorriu, acolhedora.
— Essa é a parte mais importante, meu menino: reconhecer sua sombra e fazer as pazes com ela. Não chegamos muito longe quando a ignoramos, mas saltamos adiante, ao trazê-la para a luz.
Poucos minutos mais tarde da conversa com Megan e depois de repetir incontáveis vezes a Olívia que iria vê-la sempre que possível, null caminhava de volta para seu apartamento. Seu coração estava apertado e as mãos no bolso fechadas em punho expressavam um pouco de toda a tensão que carregava consigo, não havia muitos feitos aos quais null poderia se orgulhar sobre sua vida: se envolveu com pessoas erradas ao longo de sua adolescência e não se sentia confortável ao saber que tudo o que conseguiu oferecer para sua mãe durante seus últimos meses de vida fora preocupação, noites em claro e tristeza. Seus olhos marejaram, ao mesmo tempo que crispou os lábios e sentiu aquele desejo ardente de poder voltar no tempo e fazer as coisas da maneira correta; quem sabe, assim, não precisaria deixar Olívia aos cuidados de outra pessoa, teria condições de pagar o aluguel em um lugar mais adequado e uma ficha criminal limpa que não o atrapalhasse nas entrevistas de emprego. Fungou, engolindo em seco e estralando o pescoço; o vento frio chacoalhou o moletom largo e null resmungou sobre a boa quantidade de milhas que ainda precisaria caminhar para chegar em casa. Contudo, o homem considerou que, apesar do cansaço de ter trabalhado como ajudante em uma obra na cidade vizinha, e do enorme custo emocional que seria ficar longe de Olívia, talvez, estivesse finalmente escolhendo certo.
— null, eu sei que você esteve muito ocupada com a coordenação das exposições internacionais…— A voz comedida de Mia saía pelos autos falantes do carro da artista, que passou a mão na testa e fechou os olhos brevemente, prevendo a bomba que viria a seguir. — Mas, Amber alterou as datas da galeria e precisaremos das suas artes ainda dentro deste mês.
— O que? — null gritou e Mia fez uma careta do outro lado da linha, afastando o telefone do ouvido. — Você mais do que ninguém sabe como eu estou dentro de um processo de não-criatividade, estou mais para uma assistente administrativa do que artista ultimamente. — null suspirou, mexendo a cabeça em negação e sentindo seus pensamentos ferverem. — Não tenho nem mesmo o esboço do que pretendo apresentar na galeria, Mia. E ainda preciso resolver os termos contratuais da feira de artes de Amsterdam, conversar com os artistas, enviar o orçamento financeiro para o Peter, contatar a empresa de segurança para os quadros que serão transportados nas rodovias, fora o…
— null null! — Mia interrompeu a amiga, bufando alto. — Você precisa parar de puxar a responsabilidade de tudo para você, se não vai ser impossível focar na ascensão da sua carreira. Continuar com esse comportamento megalomaníaco e controlador, achando que consegue resolver tudo não vai te trazer benefícios. — A artista sentiu uma parte do seu ego se ofender com as acusações da amiga, mas o esclarecimento que tinha sobre seu comportamento profissional não deixava outra opção, se não concordar. — Enviarei informações de alguns candidatos que podem ajudar na organização da feira de Amsterdam, assim você consegue desocupar a cabeça e pensar sobre seus quadros.
— Não gosto do que eu vou dizer agora, mas…você tem razão. — A amiga revirou os olhos e sorriu ao telefone, aliviada por ter conseguido injetar um pouquinho de humildade profissional na cabeça teimosa de null. — Preciso de uma assistente para resolver as burocracias contratuais sobre Amsterdam e direcionar minha atenção para a galeria. Então, diga a Amber que tenho tudo sob controle.
— null…— Mia chamou a atenção.
— Tá, tá… — null cedeu, sentindo um riso divertido sair de seus lábios. — Diga para a Amber que farei o melhor dentro do que posso controlar, e delegarei algumas de minhas tarefas para algum assistente ainda essa semana, para conseguir focar nas minhas obras para a galeria.
— Soa melhor, bem melhor. — Mia disse rindo, mas franziu o cenho, ao ouvir null soltar um palavrão do outro lado da linha, seguido de um barulho alto de freio. — O que aconteceu? Você estava falando no telefone e dirigindo ao mesmo tempo, null!?
— Não, a ligação está no auto falante e está tudo bem. — null respondeu rápido, enquanto enxergava pelo retrovisor a silhueta ensopada de um homem poucos metros atrás de seu carro. — Mas, passei rápido demais em uma poça enorme de água e, um pedestre azarado estava bem do lado do meu carro. — null disse, dando ré para oferecer alguma ajuda. Talvez uma carona para onde quer que ele estivesse indo. — Vou precisar desligar, Mia. Nos falamos depois.
— Mas, que porr... — null esbravejou ao sentir parte do seu corpo completamente molhado e sujo, devido a velocidade que um Aston Martin passara em uma poça d’água criada pela irregularidade do asfalto. Revirou os olhos em impaciência e respirou fundo, buscando forças de dentro do âmago para continuar buscando o fim daquele dia.
Só precisava chegar em casa, conversar com Henry sobre o aluguel atrasado e descansar mais um pouco antes de sair pela cidade em busca de um emprego que oferecesse algum tipo de estabilidade. Ter um momento de paz na longa caminhada que tinha até seu bairro era pedir muito?
Perdido em seus devaneios e torcendo o excesso de água da manga de sua blusa, não notou quando o carro parou ao seu lado novamente.
— Oi, tá tudo bem? — A garota perguntou, observando o homem, ainda de cabeça baixa, se atrapalhar em tirar o excesso de água que continha em sua roupa. Ele a olhou, estava pronto para soltar uma resposta enfezada, mas não conseguiu fazer muito além de estudar os traços tão bem desenhados de seu rosto. Ela era absurdamente bonita. — Acho que fui em quem fez esse estrago aí, não? — Ela continuou, sorrindo envergonhada e acenando para dentro do carro. — Entra, te dou uma carona. Você mora aqui perto?
— Ah, não. Está tranquilo, eu…— A mulher revirou os olhos e abriu a porta do carro, encostando no automóvel em seguida. null franziu o cenho com o comportamento repentino.
— Planeja congelar enquanto anda até em casa? — Ela sorriu doce e o homem sentiu a garganta secar, ela estendeu a mão até ele, que, num ímpeto, a segurou. — null.
— null. — Ele respondeu incerto, ainda sem saber por que estava se sentindo tão acuado mediante a presença da mulher. Talvez, porque ela dirigia um carro que custava tanto quanto uma casa com dois quartos em uma boa vizinhança. — Gostei do nome, null. — Ela repetiu simpática e suspirou, colocando as mãos na cintura. Um trovão soou alto e null arqueou a sobrancelha, encarando o homem. — E então…vai mesmo recusar?
Fazia quarenta minutos que null estava do lado do carona no carro mais sofisticado que havia visto em sua vida e, desde que entrara, optou por recolher seu corpo o mais longe possível da mulher e focar seus olhos nas gotas incessantes de chuva que caíam pela janela. null tentou um assunto ou dois, mas notou a expressão preocupada de null e preferiu não iniciar mais nenhuma conversa. Também não deixou de reparar que, o endereço que ele havia colocado no GPS ficava quase no limite da cidade, em uma área não muito recomendada. Pensou, então, que poderia estar colocando sua vida em risco, que uma gangue estaria a esperando para tomar seu carro e fazer picadinho de seu corpo, mas relaxou quando lembrou que null não havia usado o celular em nenhum momento, então se ele tentasse algo contra ela, provavelmente estaria sozinho. As aulas que fez de autodefesa quando era menor precisariam servir para alguma coisa.
— Pode parar aqui, por favor? — A voz rouca e cansada de null se fez presente e null franziu o cenho, olhando-o em questionamento. O GPS acusava que faltavam poucos minutos até que chegassem no destino. Ficou alerta imediatamente, seria ali que ele tentaria contra a sua vida? Ao menos, achou fofo ele pedir por favor. — Onde moro não é ideal para você entrar com esse carro, null. — Ele sorriu justificando e respirou fundo, olhando-a nos olhos pela primeira vez. — De todo jeito, muito obrigado pela ajuda e se cuida no caminho de volta. — null juntou a respiração para o responder, mas ele havia sido rápido o suficiente para sair do carro e correr em meio a chuva.
A artista precisava confessar que havia paralisado ao sentir os olhos do homem afundarem nos seus com tanta intensidade. Tudo o que seu corpo conseguiu detectar, nos poucos segundos que teve a atenção de null em si, fora uma beleza incondicional e um extremo sentimento de melancolia. Suspirou, soltando o cinto e recostando no banco do carro. Queria ter conhecido um pouco mais sobre ele, algo na forma como ele se comportava instigava sua curiosidade e, enquanto pensava no turbilhão de perguntas que gostaria de tê-lo feito enquanto estavam juntos, notou um pacote molhado e amassado de cigarros caído no chão de seu carro. Abaixou o corpo e pegou a pequena caixa de papelão, deduzindo pertencer a null.
Abriu- a, notando um último cigarro ali dentro e mordeu os lábios, pensando se sua atitude de querer devolver aquilo seria extrema demais para arrancar mais alguns minutinhos na presença dele. Deu de ombros, saindo do carro e acionando o alarme, afinal de contas, o que era a felicidade de um homem sem acesso aos seus escapes?
null andava os poucos metros que faltavam para chegar em sua casa, aliviado por alguma divindade ter notado um pouquinho seu esforço para ser uma pessoa melhor. Claro que, ao seu ver, uma carona num Aston Martin, ao lado de uma mulher muito bonita era um presente até que exagerado demais para sua autocrítica, mas seu coração estava verdadeiramente agradecido pelo bom tom do universo. Caminhava sozinho, arriscando um sorriso pequeno no canto dos lábios. Ultimamente, apenas Olívia era capaz de despertar algum sentimento genuinamente bom em seu coração, então foi uma sensação nova perceber que, depois de muito tempo, estava começando a estar em paz consigo.
Todavia, ao virar a rua para a entrada estreita do apartamento em que morava, notou Henry adentrando a portaria, após colocar duas malas grandes na calçada. null sentiu a respiração falhar, e acelerou os passos em direção ao homem.
— Henry, calma aí! — null gritou e o mais velho o olhou resignado, respirando fundo. — Essas são minhas coisas?
— Peguei algumas malas da minha casa e coloquei tudo o que é seu aí dentro, me devolva depois, ouviu bem? — Henry apontou o dedo para o homem, que dividia a atenção entre as malas e o síndico do prédio, completamente desnorteado. — Não consigo ajudá-lo mais, null. Os proprietários estão reclamando, ameaçaram chamar a polícia e você sabe que não pode se encrencar mais uma vez, não sabe? Por causa da Olívia. — null sentiu a postura vacilar e esfregou as mãos no rosto, ainda sem saber o que fazer. — Eu sinto muito, garoto. Mas dessa vez, está fora das minhas mãos.
O mais velho subiu as escadas e null soltou o ar que estava preso em seus pulmões. Contava que Henry poderia conseguir mais uma semana ou duas antes de oficializar a ordem de despejo, mas mediante a ameaça de envolver a polícia, null entendeu que o síndico apenas procurava proteger sua relação com Olívia. Mais um boletim em seu nome e perderia a guarda da menina, pensamento esse que fazia seu estômago revirar e seu coração acelerar como uma agulha de máquina de costura. Olhou ao redor, as malas emprestadas ficavam cada vez mais molhadas pela chuva fina que ainda caía e, no desespero, tateou o bolso atrás do seu último cigarro, não sentindo o contorno da caixa em lugar algum de suas roupas.
Soltou um grito frustrado, levou as mãos para a cabeça e se permitiu chorar de verdade, depois de tanto reprimir os sentimentos ruins que o assombravam na maioria dos dias.
— Acho que você precisa disso. — null ouviu a voz feminina e olhou null se aproximando com sua caixa de cigarros, franziu o cenho ao se perguntar o que ela fazia ali, mas não demorou muito em sua própria confusão. Pegou seu querido último cigarro, colocou-o entre os lábios e o acendeu com pressa, tragando-o quase em desespero. — E talvez, de uma dose dupla de whiskey com gelo. E, também, de um lugar para ficar.
— null, até que enfim você chegou, eu não aguento mais a Mia zumbindo no meu ouvido! — Julie reclamou, andando depressa e soltando uma exclamação ao notar que a amiga não estava sozinha. — Opa, não sabia que tínhamos visitas, como podem perceber… — Ju riu, apontando para o pijama com estampas de donuts que usava, acompanhada de uma taça de vinho.
— null, por que você não atendeu mais o telefone depois que desligamos? Você sabia que eu estava aqui, esse tempo todo, conversando com Ju sobre quanto negociaríamos o seu possível resgate? Estava certa de que aquele homem havia sequestrado você ou algo do tipo, onde…— Mia desembestou a falar, mas sua voz morreu assim que notou o rapaz um pouco mais atrás de null e franziu o cenho, olhando a amiga desconfiada. — Ei, foi você quem sequestrou ele! Sempre soube que você era meio maluca, null, mas não a ponto de sair sequestrando homens bonitos na rua. — Julie prendeu o riso e null coçou a nuca, completamente deslocado e sem muito humor para toda a algazarra que acontecia na casa de null. Mia percebeu o olhar torto que recebeu de null, assim como a feição abatida do homem. — Oh, brincadeira na hora errada?
— Não, é…só estou com frio, acabei tomando mais chuva que o ideal. — null inventou qualquer desculpa e sorriu para as duas amigas de null. — Espero que não se importem de eu passar essa noite por aqui, tive…alguns problemas com a estadia na cidade. Meu nome é null, aliás.
— Ah, então você é estrangeiro? — Mia perguntou, curiosa, e recebeu outro olhar torto de null.
— Não, eu…
— null, certo? — Julie interrompeu o discurso do rapaz, que acenou levemente com a cabeça. — Depois você continua essa conversa toda, sabe!? Consigo sentir você tremendo de frio daqui…Mia, que tal pedir uma pizza para a gente? Enquanto esperamos, vocês dois vão trocar essas roupas molhadas e tomar um banho decente.
null sorriu, aliviada, sabia que Julie entenderia o significado de seus olhares incisivos. null sorriu agradecido e Mia finalmente entendeu o recado: sem perguntas específicas para o bonitão misterioso.
— Julie é minha vizinha, mas acaba quase sempre ficando comigo por aqui. — null explicou, subindo as escadas. — Mia é um doce, mas extremamente curiosa, então, vai precisar se esquivar de algumas perguntas dela quando descermos para comer. — null riu e null acenou, ainda quieto e preocupado com sua situação. — Este é seu quarto por essa noite, espero que consiga descansar e colocar a cabeça no lugar depois de tanta coisa. — null desejou em um tom doce e null encontrou os olhos dela, pela segunda vez naquela noite.
— Muito obrigado, null. — Ele disse baixo e limpou a garganta, procurando firmar melhor a voz.
A pizza chegou, as três garotas comeram, null desviou de toda e qualquer pergunta a respeito do motivo de null estar dormindo em sua casa naquela noite e, assim que Mia deixou a residência e Julie se preparava para subir até o quarto que tinha na casa de null, resolveu tirar da sua cabeça algo que estava a perturbando desde que deitou os olhos em null.
— null, ele não desceu para comer. Chegou com rosto choroso e roupas sujas. — Julie começou, em um tom de voz comedido. — Você está o ajudando por quê, exatamente?
— Eu dei uma carona para ele e, quando chegamos no bairro, as malas dele estavam do lado de fora do apartamento. Ele foi despejado, possivelmente por falta de pagamento. — null contou para a amiga, que considerava sua confidente. — Eu, na verdade, estava para ir embora quando vi que ele esqueceu o cigarro no chão do meu carro e, fui atrás de para devolver. Ele estava conversando com o síndico, mas não resolveu muita coisa. De toda forma… — null mordeu os lábios, incerta. — Tem mais coisa nessa história toda, parece que os superiores do prédio chamariam a polícia caso ele não saísse e o síndico comentou algo sobre ele não poder ter mais nenhum boletim registrado em seu nome.
— E você o trouxe para cá, mesmo sabendo disso!? — Julie sussurrou, em alerta. null apertou os lábios, não tinha muitos argumentos para justificar sua ação. Apenas intuiu que ele era uma boa pessoa e resolveu ajudar. — Ouviu mais alguma outra coisa?
— Eu…— null começou a sentir o coração acelerar, repassando as palavras do síndico e sentindo o medo começar a bater no pé da sua barriga. — Aí, merda, por que eu fiz isso!?
— O que foi que você lembrou, null?
— O síndico disse alguma coisa sobre ele não poder ter mais registros com a polícia, por causa de uma garota, Olívia. — Julie arregalou os olhos e engoliu em seco, segurando as mãos da amiga. — E se ela pediu medida protetiva por ele ser violento e instável?
— null, podemos ir para a minha casa agora e ligar para a polícia. Isso tudo está muito esquisito.
— Espera... — null falou, considerando uma outra possibilidade. — Mas, o síndico, Henry, também o expulsou debaixo de chuva e tudo, justamente porque preferiu dar a ele uma chance. Pelo que eu entendi, se os donos do prédio ligassem para a polícia e falassem sobre null, ele teria sérios problemas.
— Homens defendem homens, null. E se Henry foi cúmplice?
null cogitou a possibilidade e sentiu o peito apertar. Era possível que tivesse sido tão inocente? Um toque de celular fez-se presente no ambiente, fazendo Julie dar um pulo. null correu os olhos pelo cômodo, e notou que uma mochila de null continuava próxima da porta de entrada e no bolso da frente, a tela do telefone piscava sem parar. Prendeu a respiração, trocando um olhar cúmplice com Ju e indo até o aparelho; o nome Megan piscava incessantemente no visor. Julie gesticulou para que null atendesse logo.
— null? — Uma voz infantil e feminina invadiu o ouvido das duas garotas, que franziram o cenho imediatamente. — Peguei o celular da tia Megan para dizer boa noite. — Criança, null já deve estar dormindo. — A voz de uma mulher mais velha se fez presente na ligação, e Julie apurou os ouvidos. — Por que você não está me respondendo depois de atender, null? Dormiu com o celular aceso? — Olivia, hora de ir para a cama, tenho certeza que amanhã seu irmão nos liga de volta. — null tapou a boca, surpresa com a menção do nome. — Tá bem, tá bem…— A pequena disse, com a voz arrastada, um pouco contrariada com a ordem que recebeu. — Dorme bem, null. Vê se não demora muito para me ver.
A ligação foi interrompida, dando lugar a tela bloqueada e o papel de parede do celular do homem. Ele segurava uma garotinha no colo, sorrindo grande, enquanto ela encostava a cabeça na bochecha do mais velho, em uma careta fofa, com os braços entrelaçados em seu pescoço.
Eram quase nove da manhã, null tamborilava os dedos na mesa, segurando a xícara de chá que havia preparado e assistindo Julie fingir interesse no jornal da cidade que haviam jogado em frente sua porta. Folheou uma, duas, três páginas, suspirou, abaixou os papéis e olhou seriamente para null.
— Será que ele cochilou na banheira e se afogou sem querer? — Ju perguntou, mordendo um pedaço da maçã. null a olhou assustada. — Ele não deu sinal de vida desde que você mostrou onde era o quarto! Estou começando a considerar desfechos trágicos…
— Quer saber? — null bateu a xícara na mesa e levantou, decidida. — Eu e você vamos subir lá e checar.
— Não, não, não…— Julie disse, afobada, gesticulando rápido. — Você vai subir lá e checar. Não quero arriscar confirmar minha teoria, sou muito sensível para isso. O que diríamos para Olívia!? Que deixamos o irmão dela se afogar a noite toda enquanto bisbilhotávamos o telefone dele de madrugada? — null riu com o tom de voz genuinamente desesperado de Julie, que acabou entrando na onda e se divertindo com a situação também.
Um cheiro inconfundível de menta adentrou o ambiente, fazendo null cessar as risadas aos poucos e encarar a entrada da cozinha. Lá estava null, com os cabelos molhados, mãos no bolso, sorriso tímido e mochila nas costas.
— Ei, bom dia. — Ele falou, olhando as duas garotas. Não se aproximou da mesa do café, apesar de seu estômago estar reclamando desde o dia anterior. Estava tão cansado e com tantas preocupações que, lembrar de comer se tornou algo bem menos intuitivo. — Desculpa não ter descido ontem, eu…acabei caindo no sono, não sabia que estava tão cansado até deitar a cabeça no travesseiro.
— Tranquilo, e essa mochila nas costas? — null perguntou, sorrindo doce e curiosa. null demorou seus olhos sobre a garota.
— Eu já vou indo. Tenho algumas coisas para resolver e, null… — null começou dizendo, juntando as mãos em um sinal de gratidão. — Eu não sei como agradecer por ter me oferecido ficar aqui essa noite, mas estou sem carro e queria saber se é pedir demais deixar minhas malas até…— null interrompeu seu discurso limpando a garganta, sentiu a boca seca, com vergonha de precisar pedir aquilo.
— Acho que eu esqueci de alimentar meu peixe. — Ju se levantou em um pulo, fazendo null desviar a atenção do homem para a amiga.
Prendeu o riso e bateu na testa, Julie não tinha peixe nenhum e, provavelmente percebeu que null estava com vergonha demais para conversar sobre sua situação com duas pessoas, resolvendo arrumar uma de suas desculpas extraordinárias para sair de cena; a mulher deu dois tapinhas no ombro de null, dizendo animada que gostou muito de conhecê-lo e bateu a porta de entrada, deixando os dois desconhecidos sozinhos.
null suspirou.
— Ela não tem um peixe. Só queria deixar você mais a vontade para conversar comigo. — null levantou as sobrancelhas e deu risada, achando a amiga de null peculiarmente espontânea. — Ontem, atendi seu telefone. Você não descia as escadas e, eu e Ju começamos a considerar que você poderia ser uma potencial ameaça para nossa integridade física, então, quando tocou, vi como uma chance de saber se eu deveria, ou não, acionar a segurança do condomínio. Era uma garota chamada Olívia.
— Olivia ligou de noite? — A surpresa que null sentiu ao escutar o discurso de null foi substituída por preocupação. — Ela está bem? O que foi que ela disse? Você conversou com ela? — Dessa vez, null aproximou-se de null, enquanto revirava os bolsos da mochila atrás do seu telefone. Pegou-o, vendo que não havia notificações pendentes e voltou sua atenção para a garota, que o olhava confusa pela reação acelerada. Ele lambeu os lábios e coçou a nuca, antes de continuar. — Olívia é a única família que eu tenho e precisei deixar ela na casa de alguns conhecidos enquanto acerto algumas questões, então…me preocupo.
null acenou em confirmação e apoiou o queixo na palma das mãos, tendo em sua mente, após o comportamento do homem, a confirmação do que seu coração havia sentido desde o começo: null era um bom homem.
— Eu sei que, talvez, o que eu diga aqui não faça nenhum sentido… — null começou justificando o que falaria em seguida. — E pode ser que eu esteja tirando conclusões precipitadas e colocando meu nariz onde não devo, mas…me parece que você não tem para onde ir, sua irmã mais nova não está confortável com a distância, você não tem grana para pagar um táxi e levar suas malas para qualquer outro lugar que não seja mantê-las aqui e, nesse momento, não para de olhar para o meu pedaço de croissant porque está com muita vergonha de sentar na mesa e comer comigo, apesar de eu estar ouvindo seu estômago roncar de fome desde que você apareceu. — null trancou a respiração e null puxou a cadeira vazia ao seu lado, em um sinal claro para que ele se acomodasse ali e, assim o fez.
— Você é bem observadora, não? — Ele disse, com um sorriso torto e apanhando um croissant da mesa, servindo-se de um pouco de café; tomou um gole, fitando os olhos de null.
— Apenas com estranhos que convido aleatoriamente para dentro da minha casa. — null respondeu, risonha, e null a acompanhou. A mulher balançava as pernas incessantemente e tentava se distrair brincando com os dedos na borda da xícara de sua bebida.
— O que quer saber? — null começou, percebendo a inquietação. null respirou fundo.
— Eu quero conhecer você.
— Brandon, o contrato que fechamos com você inclui as hospedagens, passagens e convites cortesia para a feira de Amsterdam. — null explicou pela milésima vez, enquanto recostava na poltrona de couro ecológico do escritório de null. A mais nova o olhou curiosa, prendendo o riso por notar a impaciência do homem. — Mas, infelizmente, não conseguimos incluir Brownie na lista de convidados… — null franziu o cenho e null desviou o olhar da moça, girando a cadeira para o outro lado. A expressão de confusão da amiga era engraçada demais para que ele pudesse conter uma risada no meio da ligação. — Tudo bem, eu vou passar sua sugestão para os organizadores e obrigado pelo elogio, cara, é só meu trabalho. Boa sorte em Amsterdam, encaminharei todos os detalhes restantes por e-mail. Até mais!
null desligou o telefone e voltou sua atenção para null, que mordia a ponta de um lápis enquanto rabiscava algumas inspirações para os quadros que entregaria para Amber dali alguns dias.
— Receio que Brownie não se refira aos usuais bolinhos de chocolate. — null comentou, observando o amigo.
— Brownie é o nome do Husky do Brandon, null. — null explicou, anotando algumas informações sobre o artista no papel. — Mas eu fui gentil o suficiente algumas horas atrás para fazê-lo entender que não temos como transportar o cachorro para uma feira de artes. Agora, ele só tentou a sorte mais uma vez.
— Ele era o único artista pendente para entrarmos em contato?
— Sim.
— Finalizou os orçamentos financeiros de cada convidado com a Mia?
— Terminamos isso ontem mesmo, não quis incomodar você no estúdio, então acabei esquecendo de avisar.
— Todos os quadros chegarão ainda essa semana para a organização da exposição?
— Sim.
— E a lista das obras?
— Já está no e-mail da administração do evento, separado por tema e relevância de preço. — null piscou, sorrindo para null. Ela largou o caderno e o lápis em cima da mesinha de centro, levantando em seguida.
— Você até que é eficiente…mas, é agora que eu vou informar a sua função mais importante… — Ela disse, segurando o riso. null apertou os olhos na direção da garota. — Ir rapidinho ali na geladeira e pegar aquele pote de sorvete que comprei mais cedo, com duas colheres.
Fazia uma semana e meia desde que tiveram a conversa na cozinha espaçosa e requintada de null, e ele não sabia dizer como, mas naquele dia, a intensidade do olhar da mulher o fez criar coragem de abrir a porta do seu porão de memórias e convidar seus piores demônios para dançar. Nunca havia sido tão direto e sincero com alguém antes a respeito de seus medos e instabilidades. Contou tudo: sobre sua adolescência imprudente, os momentos finais que não compartilhou ao lado de sua mãe, as corridas ilegais que o custaram alguns bons ossos quebrados, meses de prisão e um ano de trabalho voluntário.
Olívia chegara na vida de Christine, mãe de null, durante tempos difíceis e, ao perceber que estaria mais uma vez lidando sozinha com a maternidade, ao se envolver por uma noite com um estranho que desapareceu do quarto de hotel, tão rápido quanto as nuvens corriam pelo céu da Inglaterra, se sentiu quebrada, sem coragem de prosseguir com a gestação e menos ainda de impedir o crescimento da pequena vida que se formava em seu ventre. Olívia nasceu, e Christine enfrentou um extenso período de depressão pós-parto, perdeu seu emprego e, com a ajuda do governo, conseguiu um pequeno apartamento para abrigar sua família. Os anos se passaram, null pegou a responsabilidade financeira da casa e, naquela época, não entendia por que sua mãe não conseguia voltar a ser da forma que era antes e amar Olívia, da mesma forma que ele amava. Ele não possuía maturidade para perceber que, apesar de amar Olívia, sim, Christine não sentia vontade ou afeição por existir, tinha seus próprios monstros para enfrentar e não se sentia preparada para lutar com nenhum deles.
No auge dos seus vinte e poucos anos, em meio à confusão que vivia, null se encantou pelo dinheiro gordo que correr em pistas ilegais o proporcionava, Christine ficava em casa cuidando de Olívia e, em seu coração, por achar que o filho havia conseguido um bom emprego, sentia-se em paz e no direito de se esforçar um pouco mais para melhorar; procurou terapias, iniciou o uso de medicações que contribuiriam para sua produção de serotonina e se aproximou verdadeiramente de Liv, pela primeira vez. Tempos depois, a mulher foi acordada no meio da noite ao receber uma ligação da polícia, contando sobre a gravidade do estado de saúde de null e seu envolvimento com um grupo altamente procurado pelo departamento de segurança da cidade. Ouviu sobre tudo: as corridas ilegais, os carros roubados, a quantidade de dinheiro que estava envolvida nas acusações e, tão rápido quanto havia melhorado, piorou. Assistiu o julgamento do filho com o coração partido e lágrimas quentes inundando seus olhos, porque, no fundo, mesmo que erroneamente, se culpava pelas escolhas do garoto. Pensou que poderia ter sido mais calma, presente, afetuosa. Pensou que não deveria ter o deixado com a responsabilidade de cuidar de Olívia sozinho nos primeiros anos, quando deveria estar o incentivando a estudar e crescer para longe da vida simples que tinham, do jeito certo.
Durante os seis meses em que null ficou preso, Olívia acreditou que o irmão havia viajado a trabalho. Christine contou com a ajuda de Megan e Gareth, os únicos amigos que tinha, para segurar a barra financeiramente e emocionalmente. Entretanto, no meio do período de sua sentença, null foi surpreendido pela visita de um advogado com postura rígida e olhar receoso, enquanto contava que Christine havia falecido, em resposta a muitos tumores irreversíveis e, até então, não descobertos. Ali, sentiu o peso do mundo duas vezes maior em seu ombro e se martirizou com a memória do sorriso triste e olhos cansados de sua mãe, na última visita que havia o feito.
Por essa razão, Olívia tornou-se responsabilidade legal de null e, devido ao seu bom comportamento na prisão, fora agraciado a cumprir o restante de sua pena com trabalho voluntário, sob a condição de não possuir mais nenhum registro policial em seu nome, para que pudesse manter a guarda de sua irmã mais nova.
Fora difícil conseguir emprego após estar em liberdade, contou com a ajuda de Megan mais vezes do que gostaria e respeitou a decisão de Gareth em não manter o relacionamento que tinham antes, devido aos seus feitos não tão honrosos. null recebia ajuda da assistência social para conseguir suprir as necessidades básicas de Olívia, mas o processo de conseguir uma casa pelo governo, assim como sua mãe, estava demorando mais tempo do que o esperado e, no fundo, queria ser capaz de prover algo melhor para a pequena. Então, começou a trabalhar como ajudante de obra, carpinteiro, funileiro, encanador, jardineiro e outras funções que o rendiam alguns bicos aqui e ali, para pagar o aluguel do apartamento em que moravam. Não era bom, mas era melhor do que o anterior e, assim, Olívia e null levaram a vida por meses, até o momento atual.
Fazia três meses que o aluguel estava atrasado e todo o dinheiro que conseguira fora para alimentar Olívia, a vestir propriamente e investir em seus estudos. Recebeu um aviso de despejo por parte dos proprietários do residencial e, por mais que Henry, o síndico, gostasse do garoto e simpatizasse com sua história, não conseguiria mais postergar a decisão dos donos, ainda mais mediante o envolvimento da polícia.
null, então, tomou coragem e ligou para Gareth, pedindo que cuidassem de Megan pela segunda vez, em menos de um ano. A primeira, fora porque sabia que teria dinheiro para colocar comida em casa apenas dentro de duas semanas e pensou que Liv não merecia ficar quatorze dias consecutivos se alimentando só de arroz e ovo. Tudo o que ele buscava era um emprego bom e estável, que o permitisse proporcionar a sua irmã uma vida digna.
Então, como uma luz no fim do túnel ou um copo de água gelada quando se está com muita sede, null apareceu, o ofereceu uma carona num dia de chuva, seu último cigarro em um dos momentos mais humilhantes da sua vida, um lugar para dormir quando estava sem casa, e, mais recentemente, uma posição profissional quando, na maioria das entrevistas, insistiam em o rejeitar devido às marcas documentadas de seu passado.
Não sabia se acreditava em intervenção divina o tempo todo, mas, se coisas como essas aconteciam, então, de fato, null havia sido uma delas.
— Eu não esperava dizer isso tão cedo, mas null tem feito um trabalho excepcional. — Mia comentou, passando o mouse pela caixa de entrada do email da empresa. — Alguns assessores dos artistas que convidamos enviaram mensagens elogiando nosso assistente de produção.
— Mesmo? — null sorriu verdadeiramente, esgueirando o pescoço para tentar enxergar a tela do computador de Mia. — Isso é excelente, acredita que ele convenceu Lena Van Court a fazer uma roda de conversa com alguns aspirantes?
— O que? — Mia arregalou os olhos e abriu a boca em uma expressão de surpresa. — E você contou isso para Amber?
— Oh, ela estava do lado…no primeiro dia em que eu o trouxe aqui. — null piscou e Mia assentiu, lembrando do dia em questão. A porta do escritório se abriu, revelando null com um sorriso no rosto enquanto terminava de falar no telefone.
— Oi, Mia! — Ele piscou para a garota, que limpou a garganta, desconcertada. null revirou os olhos e olhou feio para o amigo. — null, preciso muito conversar com você, tem tempo agora?
null e null desceram até a cafeteria confortável e charmosa que ficava localizada na esquina do escritório. O homem vestia uma calça jeans escura e um blazer preto por cima da camiseta branca, estralava os dedos incessantemente e bebia um gole atrás do outro do café que haviam pedido.
— null, você vai enrolar mais quanto tempo para me contar o que quer? — null perguntou, mordendo um pedaço de muffin.
— Na verdade, eu preciso pedir uma coisa. — Ele disse, com o tom de voz baixo e olhando null com olhos receosos. — Eu sei que você tem, literalmente, movido o mundo para me ajudar, mas…
— null, você precisa parar de agir como se tudo o que eu fiz por você até agora fosse algo ao qual você precisa retribuir. — null disse firme. — É algo sobre Olivia?
— Como você sabe? — null franziu o cenho.
— Você sempre reage de uma forma, digamos, um pouco afobada quando algo se refere a ela. — null disse, sorrindo em seguida. — É fofo, porque você é um homem enorme e, aparentemente, uma garotinha de seis anos desmonta toda sua pose em um piscar de olhos.
— Homem enorme? — null repetiu, rindo. null deu de ombros. — Tudo bem, eu assumo a minha redenção por Olívia. E, sim, o que eu preciso conversar é sobre ela… — null assentiu, incentivando-o a continuar. null respirou fundo. — Megan e Gareth farão uma viagem para visitar os filhos no interior, e, bem, Olívia me ligou chorando pedindo para ficar. Claro que, se você não tivesse aparecido na minha vida, como um anjo…— null disse sem perceber e null corou, bebendo um pouco mais de café para que ele não percebesse o seu embaraço. — Eu poderia ficar na casa de Megan com ela, mas isso me custaria algumas boas horas de conversa desconfortável com Gareth para que ele pudesse viajar em paz. Se eu puder evitar isso…
— null, o quarto em que você está cabe você e, possivelmente, mais cinco Olivias. — null falou rindo, abrindo a palma da mão no ar, em um gesto de obviedade. — Se eu achei tudo bem você vir passar uma noite na minha casa, sendo um completo estranho com uma personalidade duvidosa, qual seria minha questão com ela? — null recostou a cabeça na cadeira e soltou um longo suspiro, em alívio. null correu os olhos pelo pescoço dele, mas balançou a cabeça, obrigando seus pensamentos a voltarem para o lugar. — Você não cansa de ser tão boa?
Julie ajeitava alguns travesseiros dentro da cabana que havia montado na cama de um dos quartos de hóspedes, enquanto null checava os itens de higiene infantil que tinha comprado para colocar no banheiro.
— null, vem ver! — Ju gritou do quarto e null derrubou um pouco do sabonete de glitter rosa que havia comprado. Coisas assim incentivam crianças a não terem preguiça de manter a higiene, certo? Pelo menos, era o que null pensou caso fosse Olívia, não sentiria vontade de lavar as mãos com um sabão sem graça branco. Mas se tivesse glitter rosa seria mais legal…— null, anda, preciso que você confirme que as luzes estão alinhadas!
— Já vou, já vou! — null limpou o sabão que tinha derramado e correu para o quarto, arregalando os olhos e sorrindo grande. — Julie, você é tão talentosa! — A design de interiores rolou os olhos, mas sorriu convencida e terminou de posicionar as pequenas luzes de led amarelas no contorno da cabana. Ju havia transformado um quarto comum em um cômodo colorido e com uma decoração digna de conto de fadas.
— Eu sei, Olivia vai gostar muito. Estou ansiosa para conhecê-la, null sempre fala dela quando conversamos. — Julie comentou e null acenou em confirmação. — Sabe, null, sempre admirei sua sensibilidade sobre as pessoas. Já parou para pensar no tamanho da diferença que você está fazendo na jornada dele, desde que apareceu? — null suspirou, sentando-se na poltrona azul claro que havia colocado na ponta da cama, pensando que, talvez, null gostasse de ler histórias para Liv.
— De certa forma sim, mas…— null mordeu o canto da boca e Ju a incentivou. — Tudo isso tem sido recíproco, mesmo que não pareça. Eu posso ter toda a bagagem material que ele precisa agora, mas, em contrapartida, sempre que estamos juntos, recarrego minhas energias. Estou quase finalizando os quadros para Amber, e eu estava enfrentando um bloqueio criativo muito forte nos últimos meses. Sem contar que eu parei de trazer minha garrafa de água para o quarto, porque descobri que vira e mexe, ele desce para matar a sede de madrugada e a gente sempre conversa alguma coisa muito engraçada e sem sentido quando nos encontramos sonolentos na cozinha. Percebi esses dias, também, que coloco duas xícaras de café na mesa, mesmo quando ele sai mais cedo do que eu, porque meu subconsciente se acostumou com ele aqui. — null desabafou, brincando com os dedos e sentindo o olhar carinhoso e compreensivo de Julie sobre ela.
— Isso aconteceria de qualquer forma, null. Ainda mais sabendo que ele tem um coração bom, além de ser bonito pra caramba, fofo ao extremo, misterioso na dose certa e inteligente. Até conquistou a simpatia da Amber! — Julie pontuou e null foi obrigada a concordar com tudo o que ela havia dito. — Pensando bem, por que você não deu uns beijinhos nele até agora!?
— Acho que nunca entramos em uma atmosfera onde caberia isso. — null disse, levantando-se da poltrona e olhando em volta do quarto. — Mas, esses dias, eu fiquei escorada na parede da cozinha me esgueirando para vê-lo sem camisa, de costas, enquanto preparava o café. — null confessou, rindo alto em seguida e Julie a acompanhou.
— Que absurdo! Eu faria igual...— Ju piscou, fazendo graça.
— Chegamos, Liv. — null avisou a irmã, assim que passou pelo portão do condomínio em que null morava. A pequena abriu os olhos e desencostou do ombro do mais velho, com uma carinha de sono.
— Que grande! — Olivia disse, assim que avistou as casas que formavam o residencial. — Sua amiga gosta de sopa de abóbora? — null gargalhou e Olivia o olhou feio.
— Está aí uma coisa que eu nunca pensei em perguntar para ela... — null respondeu, descendo a irmã de seu colo e parando em frente a porta de entrada. — Mas como vocês vão se conhecer agora, vou deixar essa tarefa para você. — Ele agachou na frente da irmã, arrumando um pouco a franja que insistia em cair na frente dos olhos da pequena. — Lembre-se do que conversamos no caminho até aqui e se comporte, tá bem?
— Tá.
null acenou com a cabeça e deu a mão para Olivia, andando os poucos passos que faltavam até abrir a porta. Assim que entrou, deu de cara com null descendo as escadas com caixas enormes de papelão. Franziu o cenho e anunciou sua chegada, o que assustou a dona da casa e a fez tropeçar no último degrau, se atrapalhando com o que segurava e caindo feio no chão. Olivia gargalhou, enquanto null corria para ajudar null.
— Ei, tudo bem? — O mais velho perguntou segurando o riso e null o olhou com uma expressão cômica, levantando-se com rapidez e ajeitando os cabelos que saíram do lugar.
— Você me assustou. — null disse, apontando o dedo indicador no tórax do homem, que levantou as duas mãos para o alto, em defesa.
— Desculpa, linda. Não foi minha intenção. — Ele sorriu e null precisou de alguns segundos para digerir o apelido carinhoso com o qual ele se referiu a ela, antes de voltar sua atenção para a garotinha de cabelos castanhos.
— Ele também faz isso com você? — Olivia perguntou risonha, puxando a calça do irmão. — Não pode fazer isso com as pessoas, null, é muito malvado. — null olhou a garota com um sorriso, sabendo que tinha ganhado uma aliada em seu time. null, por sua vez, negou com a cabeça e pegou a pequena no colo de supetão, o que a fez soltar um gritinho e rir com vontade.
— null, essa é a Olivia. — Ele olhou para a irmã, que ainda ria e o abraçava pelo pescoço. — E aparentemente agora eu tenho não só uma, mas duas mulheres para me dar broncas. E juntas. — null reclamou e Olivia estendeu a mão ao rosto de null, que se surpreendeu com o gesto afetuoso da criança.
— Você parece uma das minhas bonecas. — Olivia disse, com um tom de voz baixo e interessado. null corou e null olhou a irmã, com carinho.
— Obrigada, Liv. — null sorriu e apontou para as escadas. — Eu tenho uma surpresa para vocês dois lá em cima, não querem subir para ver? — null franziu o cenho e Olivia arregalou os olhos, descendo do colo do irmão e dizendo um sim bastante audível, enquanto null subia degrau por degrau, dividindo sua atenção entre a pequena e a moça que vinha ocupando seus pensamentos por mais tempo que o recomendado.
— O que foi que você aprontou, null null?
— Talvez eu tenha me empolgado um pouquinho. — Ela juntou o polegar e o indicador, expressando sua fala. Pararam em frente a porta de um dos quartos de hóspedes, que null sabia não ser o dele. — Espero que você goste, Liv. Ju e eu trabalhamos duro por aqui.
null encostou no batente da porta, vendo Olivia correr para dentro do cômodo e se perder no meio dos ursos de pelúcia e decorações coloridas que haviam por ali. Uma cama cheia de travesseiros e cortinas iluminadas, como em uma cabana fazia tudo parecer ainda mais como um conto de fadas. null se sentou no tapete felpudo lilás, chamando Olivia para perto e mostrando cada coisa nova que havia colocado no quarto para a garota. O cheiro de baunilha que exalava das roupas de cama tornava tudo ainda mais acolhedor e confortável. null só despertou do transe quando ouviu a irmã fungar, escondendo o rosto no pescoço de null, que parecia não saber o que fazer.
— Ei, pequena... — null se sentou ao lado de null e segurou a mão de Olivia, que chorava fraco. A garota levantou os olhos brilhantes para o irmão, com um bico trêmulo formado em seus lábios. — O que aconteceu?
— Eu sempre quis dormir em uma cabana cor de rosa. É igualzinha à dos filmes, null! — Olivia murmurou e null travou o sorriso, engolindo em seco por saber que a irmã estava emocionada por ter um quarto só para ela pela primeira vez e, provavelmente, do jeito que sempre quis. — Como você adivinhou? Você é bruxa? — Olivia perguntou para null, apertando as bochechas da mais velha uma contra a outra.
— Olivia! — null arregalou os olhos e null gargalhou, olhando de canto para o mais velho.
— Tenho os meus próprios feitiços, Liv. — A pequena assentiu, interessada e cruzou os braços. — Mas acho que dessa vez foi sorte.
— Será que eu posso levar essa cama para a casa da Tia Megan, quando ela me buscar? — Olivia perguntou e null deu risada.
— Não acho que null vai deixar a gente ficar carregando a cama dela para lá e para cá... — null ponderou, desamarrando os cabelos de Olivia para ajeitá-los. — Melhor deixarmos aqui, assim eu sempre tenho uma desculpa para visitar a Tia null quando formos para nossa casa. — Ele disse, olhando nos olhos da mais velha e piscando para ela, com um sorriso de canto. null puxou o ar, ciente de que aquela não havia sido a primeira deixa de flerte que ele havia soltado nos últimos dias. Resolveu, então, deixar claro de que estava entendendo os sinais.
— Você não vai precisar de uma desculpa... — null disse, passando a língua pelos lábios e deixando um sorriso mínimo escapar. — Se eu não deixar você ir embora. — null pressionou os olhos em direção a mais nova, com um sorriso esperto.
— Justo.
O tempo passou em uma velocidade considerável, Olívia resolveu fazer uma sessão de cinema em seu quarto e os dois adultos fizeram um esforço para entrar dentro da cabana e assistirem os filmes que Liv escolheu. Perto de nove da noite, depois de darem uma pausa na maratona para comer e tomar banho, Olivia dormia tranquilamente com a cabeça apoiada no ombro de null.
— Será que agora podemos escapar sem que ela perceba e nos obrigue a voltar para cá e assistir mais dez filmes seguidos? — null perguntou com humor em seu tom de voz e null riu, concordando com a cabeça. — Se formos discretos, eu acho que estaremos salvos...
A mulher se levantou primeiro, recolhendo as louças que haviam levado para o andar de cima, como o balde de pipoca, os copos de suco de laranja e as embalagens de doces que encontrou pelo caminho. null fez uma careta ao perceber que havia alimentado Olivia apenas com porcaria o dia todo, mas sabia que a alimentação da garota estaria perfeitamente regrada com Megan em seu encalço, então considerou que tudo bem agradar o paladar infantil da mais nova por completo aquele dia. Amanhã, ele se certificaria de que muitos legumes verdes e carotenoides estivessem no seu prato de almoço. Pegou um copo de água gelada na geladeira, enquanto observava null colocar as louças dentro da máquina. Assim que ela terminou, seu olhar encontrou com o do homem.
— Acho que Olivia aproveitou bem o dia. — null disse e null a olhou por cima do copo, bebendo mais um longo gole de água. Ter a presença de null estava o deixando com a boca seca e o coração descompassado mais vezes do que gostaria de admitir.
— Ela amou o dia. E o quarto. E você. — null pontuou, levantando uma das sobrancelhas, recostando no balcão. — Às vezes sinto vontade de ter conhecido você antes.
— Por que antes? — null perguntou, um sorriso curioso escapando de sua boca. Se aproximou de null. — Nunca ouviu dizer que todas as coisas verdadeiramente boas levam tempo?
— Escuta...— Ele arrastou a banqueta para mais perto de null, que o olhava em expectativa. — Me confirma se eu tô ficando louco ou se você tá mesmo flertando comigo?
— Você quem anda planejando desculpas para me visitar quando for embora...— null disse baixo, se aproximando do homem, que cerrou os olhos e entreabriu os lábios, ao sentir o carinho dela em sua nuca.
— Mas você anda fazendo pior...— Ele soprou contra os lábios da mais nova, sorrindo de lado ao sentir ela suspirar. — Tem feito planos para nem mesmo me deixar ir.
— Não acho que devo me culpar por isso. — Ela sussurrou, as írises intensas do mais velho a convidando para um mundo novo. Ele arrastou os lábios nos dela e tomou a boca da garota em uma mordida delicada, lenta e gostosa, deixando os lábios se encaixarem em um selar macio e divino.
— Vou perguntar mais uma vez, null...— Ele disse com a voz rouca, pressionando as mãos fortes no quadril da mais nova. — Como você consegue ser tão boa?
Ela sorriu de lado e sentiu as mãos dele embrenharem-se em seus cabelos, iniciando o beijo mais intenso e cativante que havia tido em um bom tempo. A língua dele acariciava a dela em uma dança quente e tortuosa enquanto tudo o que ela queria era acabar com a distância restante de seus corpos, suas realidades e, principalmente, de seus corações.
— Olivia, querida! — Megan abaixou na frente da pequena, que correu para o seu abraço. — Como você passou esses dias? Trouxe alguns doces da fazenda do Ryan para você.
— Vou comer todos, mas precisa ser longe da tia null. — Liv avisou e foi em direção a Gareth, que saiu do carro sendo calorosamente recepcionado pela menina.
— Tia null? A amiga de seu irmão? — Liv acenou, puxando Gareth e Megan para dentro da casa.
— Sim, ela come quase tantos doces quanto eu. Se ela vir os da fazenda do Ryan, vou acabar ficando sem nenhum! — Olivia disse risonha e Gareth trocou olhares com Megan, tanto pela localização alta em que estavam, quanto pela forma carinhosa que Olivia se referia à desconhecida. — Ela e null estão cozinhando e eu vim receber vocês. Ah, e eu preciso mostrar a tenda que Ju e null fizeram na cama que eu dormi, é rosa e brilhante! — Olivia dizia com animação, empurrando a porta para os dois senhores adentrarem a casa. — Tia null é um pouco exagerada, porque essa casa é muito grande e ela mora sozinha. Quer dizer, meu irmão está aqui como hóspede agora...
— Olivia, está tentando escapar da sua tarefa de lavar os morangos, não está!? — null falou, procurando a garota e Olivia cobriu a boca com as mãos pequenas para silenciar sua risada. — Não adianta se esconder, Liv, eu sempre encontro você. — null disse risonha, adentrando a sala e se deparando com dois senhores e a pequena. — Oh, vocês chegaram cedo! Mil desculpas por não ter notado antes, fizeram boa viagem? Eu estou uma bagunça que só...— null riu envergonhada, apontando para o cabelo preso de qualquer jeito e seu conjunto de moletom. — null e eu resolvemos arriscar na cozinha hoje e eu posso dizer que ele está fazendo um ótimo trabalho...mas, para as minhas habilidades, me restou apenas a louça mesmo. — A pequena gargalhou e abraçou null pela perna.
— Tudo bem, null. Meu irmão pode cozinhar para gente a vida toda.
— Eu não posso não! — null entrou sorrindo na cozinha, enxugando as mãos no pano de prato e olhando Megan e Gareth, que ainda observavam a cena um pouco chocados. Esperavam encontrar null em um apartamento não apropriado para crianças com alguma amiga três vezes mais fumante do que ele. Até adiantaram o retorno da viagem para garantir que Olivia não ficasse tanto tempo onde quer que null estivesse de favor. — Gareth, Megan...essa é a null. — Apontou para a garota, que sorriu na direção do casal mais velho.
— Não se preocupe com sua aparência, querida, você está absolutamente linda mesmo sem se esforçar. — Megan comentou, sorrindo calorosa e puxando a garota para um abraço.
— É um prazer conhecê-la, null. — Gareth estendeu o braço para a garota.
Olivia fez questão de levar os dois para conhecer cada canto da casa de null, enquanto ela e null finalizavam o almoço. Gastaram um tempo maior do que o esperado no quarto que estava pertencendo a Olivia, admirando toda a decoração e vendo a pequena contar tudo o que eles haviam feito juntos nos últimos dias em que ficou na casa de null, com seu irmão e, em alguns dias, Ju. Almoçaram juntos, enquanto null contava um pouco sobre sua profissão e sobre o espaço que null havia conseguido conquistar dentro da agência. Gareth assistia com atenção todas as vezes em que null deitava os olhos em null e sorria do jeito que o mais velho sabia conter admiração e quem sabe, até mesmo amor. A mais nova gastou bons minutos de seu diálogo elogiando null e ressaltando as características que fizeram Amber o escalar como gerente de produção efetivo, ao invés de assistente e não mais temporário, como havia sido o combinado. null estava com carteira assinada dentro de uma agência renomada e teria como começar a galgar seus passos para construir uma estrutura de vida ideal para Olivia.
Megan pediu licença aos outros e se retirou para a varanda da casa de null, buscando um pouco de ar fresco para conter as lágrimas que insistiam em querer cair por seu rosto. Respirou fundo, observando o céu escurecido e inundado de estrelas que ajuda a tornar aquela noite tão especial. Sorriu, pensando em Christine e no quanto ela deveria estar feliz ao ver o filho tão compenetrado em melhorar e dar tudo o que não pode ter quando mais novo, para Olivia.
— Ah, minha amiga...— Megan disse baixinho, fungando ao sentir o choro apertar sua garganta. — Você deve estar muito orgulhosa do seu menino, não está? Ele tem feito tanto por Olivia...— As lágrimas começaram a cair, mesmo sem permissão. — Dentro do que eu posso, eu tenho o ajudado, Chris. E rezo por ele todos os dias...— Megan suspirou, olhando para trás e avistando null gargalhar e tocar o ombro de null, que contava alguma piada. — Essa menina parece ter devolvido a vida aos olhos do seu filho, e, eu sei que se você estivesse aqui, estaria puxando a orelha dele por se envolver com alguém de uma realidade tão oposta. Mas, veja só...— Megan virou-se completamente para a cozinha, olhando pela porta de vidro Olivia pular nos braços de null e Gareth conversar com null, usando expressões claras de entusiasmo e animação. — Não há por que focarmos nas diferenças se existem tantos pontos em que somos exatamente iguais. — Megan sorriu, levando a mão trêmula para seu rosto e jogando um beijo carinhoso ao céu. — Eu sei que você está nos olhando aí de cima, Christine. Obrigada por cuidar de null. Obrigada por tê-los ajudado a cruzar esquinas. Obrigada por ainda estar aqui. — Megan limpou as lágrimas e começou a caminhar de volta para a sala de jantar.
— null! Você está estonteantemente linda! — Mia exclamou, assim que a amiga deixou o carro que havia a levado até a arena onde acontecia a galeria.
— Obrigada, mas eu tenho certeza de que colocaram algum tipo de magia em mim, Mia. — Ela respondeu rindo e a amiga revirou os olhos, puxando-a para um canto.
— O que são aqueles quadros? — Mia perguntou sorrindo. — Amber ficou maravilhada com o contexto das suas obras. Não para de falar disso, a cada taça de champagne que ela toma, mais ela se encanta e descobre algum outro detalhe excêntrico sobre sua pintura. E, null...todo mundo está se perguntando quem é o cara do porta-retrato. Ele vem?
— Sim, ele vem junto com Olívia, assim como Megan e Gareth. Dois amigos próximos...
— Então vocês estão juntos? — Mia bateu palminhas, mas desfez a expressão animada para responder algum de seus funcionários, através de sua escuta. — Desculpa, eu preciso muito ir checar o que está acontecendo no corredor vinte e três, Simon já chamou meu nome umas dez vezes nos últimos segundos. — Mia revirou os olhos e ajeitou o terno que usava, olhando para a entrada do evento. — E, se meus olhos não me enganam, parece que o seu príncipe encantado chegou.
null sorriu assim que viu seus convidados na porta de entrada da galeria, Olivia parecia uma princesa em um vestido azul claro e os cabelos envoltos por uma tiara, andando de mãos dadas com aquele que, ali, pode confessar para si mesma que era o dono do seu coração. A calça social, a gravata e o terno pareciam ter sido desenhados para esculpir o corpo do homem, que sorria galanteador em sua direção enquanto diminuía a distância entre os dois.
— Diz que esse vestido é tão bonito quanto é fácil de tirar? — null sussurrou, deixando um beijo demorado no canto da boca de null e sorrindo fechado ao se afastar. null corou e olhou para baixo, vendo Olívia puxar a saia de sua roupa, chamando atenção.
— Será que vocês podem namorar depois? — Olivia reclamou, cruzando os braços e olhando feio para os adultos. null congelou e ficou tão vermelho quanto uma framboesa, fazendo null soltar uma gargalhada e pegar Olívia no colo.
— Quem que escolheu essa tiara maravilhosa? — null perguntou, estalando um beijo na bochecha da mais nova.
— Foi o tio Gareth, ele tem bom gosto, não tem? — Liv sorriu e olhou a mais velha. — Mas você tá linda. Quando eu crescer, quero usar um batom igual o seu, porque agora o null não deixa. — Ela disse, colocando o dedo indicador nos lábios de null, como se para pegar um pouco da cor do batom, e tocando os seus logo em seguida.
— Irmão protetor, então? — null apertou os olhos e null puxou a ponta do nariz da irmã.
— Aí! — Ela reclamou, mostrando a língua para ele.
— Eu não deixo por enquanto, daqui a pouco eu sei que não vou ter mais autoridade nenhuma…— Ele deu de ombros e Olívia riu alto, vendo Ju, Megan e Gareth entrarem na galeria e se agitando no colo de null, para descer e ir recepcioná-los.
null olhou para null e analisou-a de cima a baixo, com um sorriso que fizera os joelhos da mais nova virarem geleia. Ele ofereceu o braço a ela, que entrelaçou os seus em seguida e assim, começaram a andar em direção às obras apresentadas na galeria.
— Você não sabe o que eu consegui hoje mais cedo… — null comentou, puxando uma taça de champagne e tomando um gole.
— O que?
— Brownie vai estar na semana de arte de Amsterdam…achei um hotel de cachorros que resolveu fechar parceria com a gente. E, então, não apenas Brownie, como Layla e Milly também vão.
— Tá falando sério? — null perguntou, sem acreditar no que tinha escutado. — E quem são Layla e Milly?
— Os cachorrinhos da Lena Van Court. Que tipo de fã é você, null null? — A mais nova revirou os olhos e soltou uma risada.
— O tipo ocupada.
— Quantas pintas eu tenho nas costas?
— São três! E elas tem um formato da constelação das três marias. — null respondeu animada, e null apertou os olhos.
— Me parece que não é uma questão de ser ou não ocupada, null. Acho que você só resolveu virar minha fã, ao invés de Lena.
— Foi uma boa troca… — null mordeu o canto da boca e null prendeu o riso.
— Céus, mulher! Você só pensa coisas nefastas quando estou por perto? — Ele brincou, roubando um beijo da mais nova quando ela ia começar a reclamar. — Porra, que boca deliciosa.
— Estou trabalhando, tá bem? Vê se não me desconcentra muito. — null alertou, encarando-o com seriedade.
De repente, null percebeu que muitas das pessoas presentes estavam passando e o encarando por mais segundos que o recomendado. Homens, mulheres, idosos, funcionários, produtores, crianças…
— Tem alguma coisa suja no meu rosto? — Ele perguntou, olhando para null, que negou com a cabeça. — Então, fiz uma péssima escolha de roupas…
— Ah, enfim, a estrela da noite! — Amber chegou, acompanhada de Ju. Levi as cumprimentou e apoiou a mão nas costas de null.
— Para mim, ela é a estrela de todas.
— O que? — Amber riu, abanando a mão no ar. — Estou falando de você, bobo.
— Eu?
— Você não mostrou? — Ju perguntou para null, que negou com a cabeça e respirou fundo.
— Ainda não.
— Garota, você tem um dom muito bonito. — Gareth se aproximou, limpando a garganta. — Olivia está sentada no meio do cômodo dizendo a todos que o bonitão do quadro é o irmão dela. — Julie e Amber riram e null franziu o cenho, confuso com o que estavam dizendo.
— Vamos, vou acabar com o seu suspense… — null disse e entrelaçou as mãos com as do mais velho, que a seguiu ininterruptamente até o salão principal da galeria.
Havia três quadros, sendo dois deles pinturas abstratas e coloridas, que chamavam a atenção pela quantidade de formas e emoções boas que transpassavam. No meio deles, um retrato em moldura vitoriana, pintada em um vermelho bordô.
Era um desenho realista do rosto de null. Cada traço estava perfeitamente ilustrado, em um sombreado feito de carvão que combinava perfeitamente com os olhos de mistério e o cigarro aceso entre os lábios.
Abaixo, o nome da obra transcrito em um metal dourado, fazendo o coração de null saltar no peito:
O último cigarro – Meu primeiro amor.
FIM.
Nota da autora: Nos vemos em Amsterdam? :)
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