Última atualização: 25/01/2021

Prólogo

Hold it, even though it kills you slowly
Explosions, hidden when we're in the open
Keep on smiling, till it's over
Hold it, even though it kills you slowly



Amor (do latim amore) é uma emoção ou sentimento que leva uma pessoa a desejar o bem a outra pessoa ou a uma coisa. Sentimento que predispõe a desejar o bem de outrem. Sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro, ou a uma coisa.
Vício (do termo latino "vitium", que significa "falha" ou "defeito") é um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem.
Prendi a respiração, enquanto admirava seu rosto relaxado num sono perfeito mais uma vez. Ela era tão frágil, pura, humana, mortal e ao mesmo tempo a minha salvação. Assim eu podia descrever Kirsten: salvação. Eu sonhei durante toda a minha vida em me tornar um músico, mas foi preciso apenas um deslize para eu acabar com isso também. Então ela apareceu, e eu lutei… Deus como eu lutei em vão para afastá-la da minha vida. Eu lutei contra o bom senso e todos os avisos da única coisa coerente que meu pai foi capaz de me ensinar. Mas ela apareceu e eu esqueci de tudo. trouxe fim a minha agonia e martírio… pelo menos por um tempo.
Eu a amei. Ardentemente. Eu a amava. Ardentemente. Eu a amo. Ardentemente.
Eu ouvi o barulho da picape antes que ela pudesse aparecer e acordei alarmado. Não demorou muito para eu ouvir as três batidas já conhecidas antes dela entrar pela porta trazendo todo o brilho do sol. Os olhos chocolate primeiro eram sempre preocupados depois da minha recente queda as drogas, e logo depois assumiram um ar de alívio palpável. O sorriso dela vacilou por uns segundo quando ela enfim me olhou com mais atenção - não procurando por um alucinado, mas por uma pessoa.
"Você vai acabar com a vida dela."
"Não destrua algo verdadeiro."

Ultimamente essa voz me perseguia, era um zumbido baixo e incômodo, um zumbido equivalente a um mosquito perturbador que você nunca consegue matar. Mas eu não queria ouvir nenhuma delas, eu queria guardar aquele momento para sempre em minha memória, a minha , porque eu sabia que após isso não existiria um "nós", eu estava decidido que ela não merecia um viciado. A olhei com mais seriedade e pela sua feição percebi que havia começado a entrar em pânico e nervosa, e eu senti a boca do meu estômago se apertar em ansiedade. Me recostei ainda mais na cama e sorri a chamando, neste momento toda a minha certeza de que era melhor ficar longe se foi… me encarou por menos de um segundo e veio andando ainda relutante em minha direção, e eu esperei pacientemente -por fora - até que seus lábios rosados se abrissem e sua voz suave falasse.

- Eu queria lhe dar uma coisa…

É, definitivamente algo de muito errado estava acontecendo. Ela tentava soar o mais corajosa que podia, mas sua voz, seus olhos e seu corpo mostrava o contrário. Ergui minhas mãos mais uma vez a chamando e respirei fundo ao inalar o doce perfume que vibrava de sua pele e de seus cabelos úmidos.

- Está me assustando, anjo!
- Eu preciso que você não entre em pânico, prometa!

Eu tenho absoluta certeza que em minha face denunciava toda confusão que eu sentia ao assimilar as palavras dela, pois percebi o momento exato em que ela se encolheu e se afastou um pouco mais alarmada. Eu a encarei suplicando que aquele mistério acabasse e que nossa conversa não se prolongasse. Todo o plano de salvar a minha garota foi por água abaixo. Ela balançou a cabeça tentando organizar seus pensamentos e ainda de olhos fechados me passou uma caixa pequena e cuidadosamente fechada que eu prontamente abri.

Levou mais do que meros minutos para que a ficha pudesse cair em minha cabeça.

Sapatinhos de crochê rosa. Teste de gravidez. Puta. Que. Pariu.


Senti meu corpo sendo abraçado por e fechei os olhos ao sentir as lágrimas molhando toda a minha face. Eu sinceramente não sabia que atitude tomar, mas pela primeira vez em semanas me senti completo e feliz novamente, e com essa felicidade vinha um medo e um pânico pelo motivo óbvio.

- Eu não quero que minha filha tenha um pai como eu e vou entender se você quiser me deixar...
- Shhhh… - beijou meus lábios me impedindo de continuar. - Você sabe que onde você está é o único lugar certo para mim .
- Vocês são a melhor parte da minha vida. - puxei para meus braços e acariciei sua barriga sorrindo. - Eu não acredito...

O amor é capaz de mudar o mundo, mas será que salvaria uma alma?


Capítulo 1 - Purgatório

Oh but, but it, it won't, but, I said
(Hold it, even though it kills you slowly)
You hold on, hopin' it gon' stop, but it don't
Oh but, but it, it won't, but, I said
(Explosions, hidden when we're in the open)


Dias atuais.



JANEIRO. FEVEREIRO. MARÇO. ABRIL. MAIO. JUNHO. JULHO. AGOSTO.

Que dia é hoje?
SETEMBRO. OUTUBRO. NOVEMBRO. DEZEMBRO.
Onde eu estou?
Consciente não era bem o que eu estava. Talvez eu possa dizer que eu conseguia assemelhar uma parte do que me diziam. Responder não era bem o que eu estava fazendo. Talvez balbuciar seria mais adequado, mas eu sentia todas as dores e ouvia todos aqueles pensamentos enlouquecedores que pareciam uma rádio chiando sem parar. Eu só queria um minuto de paz, mas ao que parece eu não teria.

- Como ele está?- eu conhecia aquela voz, era agradável, suave, preocupada e calava os pensamentos. - ...

Mas a voz do anjo sumiu e o som ensurdecedor das gotas chuva chocando-se contra a janela inundou novamente o local. Eu me sentia agoniado e prisioneiro dentro da casca.
Eu preciso abrir os olhos...
Senti os dedos gelados e as mãos trêmulas em meus cabelos, e logo em seguida com toda a delicadeza do mundo o anjo afastou a franja molhada de suor de seus olhos.
Eu preciso abrir os olhos…
Senti todos os meus músculos relaxarem e a sensação de alívio percorreu todo o meu corpo, eu conheço aquele toque…



Era Ashley. Sim.
Eu conheço esse toque.



Abra os olhos, abra agora!




Em um comando mais autoritário do que o costume eu enfim conseguir abrir os olhos. Reconheci rapidamente os cabelos loiros e o grande mar azul em minha frente.
Sim. Era Ashley.
Sim. Era minha irmã.
Estou me lembrando.

Mas não foi igual a última vez, agora ela falava coisas que eu não escutava, que eu não conseguia escutar ou não distinguia, mas eu consiga saber que ela estava preocupada e sabia que ela pronunciava meu nome repetidas vezes e tinha uma leve ideia de que ela estava gritando. Ela não estava falando comigo e eu não tinha forças suficientes para mexer a boca e chamar sua atenção. Então a dor enlouquecedora voltou e brutos pares de braços me levantaram e tudo ficou escuro mais uma vez.
Estava tudo escuro, muito escuro e meu corpo estava pesado, eu me sentia cansado sem nem ao menos ter feito algum esforço, já que eu não me mexia há dias. Eu precisava me mexer, mas os braços ao meu redor não deixavam. Foi aí que eu entendi, não havia mais ninguém e sim fios que me prendiam a algo. Tentei mais uma vez e um espasmo passou por meu corpo e dessa vez eu conseguia abrir os olhos e mexer o pescoço. Meu corpo estava todo suado e meu coração acelerado do mesmo jeito que ficava após uma maratona de corrida. Tentei me levantar mais uma vez e não houve sucesso algum, eu sentia fome, sentia sede, sentia medo e ao mesmo tempo eu não sentia nada.

- ? - olhei de relance e Ashley ainda estava lá. - Você consegue se mexer?
- Eu preciso de um banho...

Minha irmã sorriu e no mesmo instante se levantou me ajudando. Eu nunca fiquei tão feliz de estar sentado em uma cadeira de rodas e quando cheguei no banheiro agradeci quando senti a água gelada cair sobre meu corpo e trazer um pouco mais de vibração a meus músculos.
Então eu ainda sentia alguma coisa.
Fechei meus olhos e senti a testa de Ashley encostando em minha testa e murmurando algo incompreensível.

- Ash… o que aconteceu?

Era questão de tempo a escuridão voltar e enquanto eu tinha algum resíduo de força me esforçava para voltar a entender o mundo ao meu redor.
Eu me esforçava para estar aqui com minha irmã.

- Vamos terminar o banho primeiro. Senti sua falta!

Foi no automático e antes de perceber meu cérebro já estava agindo autenticamente e desfocando de qualquer coisa ao meu redor. Quaisquer que fossem os anseios da minha irmã em não querer me contar só reforçava que a situação estava bem pior do que o esperado. A realidade era que eu não conseguia pensar por vontade própria, porque não tinha sobrado alguma. Minha vida se resumia a um vácuo enorme e negro.

- Está se sentindo melhor?

O som finalmente voltou e junto com ele a luz do sol voltou mesmo ainda encoberta pelas nuvens negras e carregadas. E junto com tudo isso as bilhões de perguntas que eu não sabia se queria ouvir ou responder. Eu era um robô, um fantoche, um vilão. O único pensamento em minha mente era que qualquer que fosse o motivo que me levou ali, eu era o culpado.

- O que aconteceu Ash?
- Você não se lembra? Foi a … Ela…

E tudo ficou escuro outra vez.


Capítulo 2 - Inefável

You hold on, hopin' it gon' stop, but it don't
Oh but, but it, it won't, but, I said
(Explosions, hidden when we're in the open)
You hold on, hopin' it gon' stop, but it don't
(Keep on smiling, till it's over)


3 anos e meio antes.



Balancei a cadeira para trás sobre duas pernas e estiquei meus braços dobrando-os atrás de meu pescoço. É, eu estava nervoso. Meu olhar estava pregado na porta que levava para dentro do Bistrô de Luke. Eu pedi pela mesa mais reservada na parte de trás, no mesmo canto sombrio e solitário que eu adorava. Observei Ashley do outro lado da mesa, esparramado na cadeira com os olhos traçando o acabamento do teto em um tédio exagerado e conhecido.

- Hold it, even though it kills you slowly, explosions, hidden when we're in the open… - a voz da minha irmã tornava qualquer música um cântico dos deuses. - Keep on smiling, till it's over, hold it, even though it kills you slowly... - ela se interrompeu arqueou uma sobrancelha e sugestiva apontou para mim e piscou.

Essa definitivamente era a música da minha vida. E eu sorri em direção antes de soltar uma gracinha.

- Eu sempre tenho a impressão que você canta melhor do que realmente canta...

Ashley riu e me chutou por baixo da mesa me lançando o olhar que eu tanto ignorava.

- Estou esperando você ser homem e me dizer que estamos fazendo aqui...

Tomei um gole da cerveja e rolei os olhos. Era difícil mentir para ela.

- Eu não sei do que você está falando...
- Ok! Estamos vindo aqui no Luke todas as quartas feiras, ficamos por volta desde as cinco até nove. E se eu tiver certa, e eu sempre estou, vai fazer cinco semanas consecutivas... - continuei bebendo minha cerveja quieto. - Achou que eu não fosse perceber?
- São quatro semanas e seis dias, não cinco semanas. Não me torne obsessivo.

Ash rolou os olhos bufando.

- A cerveja daqui tem um gosto bom...
- Nao fode, . Vai tentar a mentira número dois?
- Eu gosto dessa mesa e a da forma que nos divertimos...

Ok! Agora os olhos dela estavam irritados e clínicos. Não existia a menor chance desse assunto não se prolongar.

- Quem é?
- Calma! - meus olhos foram para o relógio e eu sorri olhando para as portas. - Vai ser a qualquer momento.

Não foi preciso de muito na verdade, ela era conhecida por ser previsível - pelo menos neste ponto. A silhueta que eu já conhecia entrou esboçando o maior sorriso em seu rosto e fazendo um trabalho inútil tentando se proteger da chuva. E como das outras vezes a fiel escudeira ruiva estava ao seu lado rolando os olhos irritada. Ambas pararam na entrada por um breve momento se sacudindo e secando-se.
Eu sabia que Ashley ainda estava me encarando e ansiando por respostas, mas eu a ignorei prontamente. Minha atenção era toda, total e consciente para a menor das duas garotas. Morena, não tão magra com ombros retos, um queixo que esboçava fielmente uma postura confiante e o olhar bastante penetrante. E sinceramente eu estava observando há um tempo que beirou a falta de noção suficiente para saber as exatas palavras que usava “responsabilidade”, “imprudente”, “sem chances.” O que não me dizia nada.
Ela jogou o cabelo para o lado e sorriu com mais entusiasmo, o que me deixou arfando já que o ato deixou parte da curva se sua clavícula exposta e por Deus... Eu queria escorregar a boca por seu ombro e beijar aquela parte que me faltasse o ar.
obsessivo.
Eu já tinha memorizado uma crescente lista das coisas que descobria sobre essa criatura peculiar. Ela era uma leitora voraz, mas quando estava com a amiga servia de ouvinte. Seu café preferido era bem quente e puro. E ela aparentemente não comia direito...
Mas qualquer dos pensamentos sumiram da minha cabeça porque ela estava perto demais.
Luke levou as duas em nossa direção e minha análise obsessiva parou.
Eu me curvei, o mais discretamente que pude e abaixei o chapéu um pouco mais tentando cobrir meu rosto.

- Limpa aqui… - Ashley chamou minha atenção com um sorriso de escárnio. - Tá escorrendo!

Durante as quatro semanas eu me certifiquei de que ela não tivesse motivos plausíveis para olhar o seu caminho. A figura inefável normalmente sentava com o queixo fino apoiado nos dedos entrelaçados e ouvia atentamente tudo que a ruiva falava por horas e horas.
Mas, aparentemente hoje o destino estava brincando comigo. Quando levantei os olhos a menina estava perto demais sentada a algumas poucas mesas de nós.
A minha sensação era de ansiedade generalizada que quase me fez rir, ao contrário de Ashley que ria descontroladamente.

- Quando foi a última vez que você sentiu esse nervosismo de adolescente por ter sido pego no ato?
- Você sabe que eu jogo com segurança. Quando eu finalmente me apresentar eu vou criar a ilusão de que estou encontrando pela primeira vez, entende? Tem que parecer aleatório.

Os olhos de Ashley faiscaram em reprovação, mas eu não liguei, eu tinha todos os passos premeditados. O anjinho do bom senso em seu ombro foi amarrado e silenciado, pois o que me conduzia era o meu próprio bel prazer. Eu tinha um plano, o coração do plano estava a metros de distância, eu só não tinha coragem para começar a colocar em prática.
Eu não conseguia tirar os olhos de cima dela. Hoje estava mais forte do que qualquer outro dia, o encanto dela era palpável. Ela era tão bonita que chegava a doer. As pernas longas com o passo cauteloso e imponente, as características marcantes bem aparentes, uma risada de melodia envolvente.
Absolutamente tudo extremamente convidativo a queda. Senti uma vontade desvairada de beijar seus lábios quando outro sorriso festejou por sua boca e se abriu ainda mais.

- Cansei de você! - a cadeira dela rangeu chamando a minha atenção. - Eu c-a-n-s-e-i de você!

Tomei outro gole de café e quase engasguei quando minha irmã levantou da cadeira e foi em direção à outra mesa.

Puta. Que. Pariu.

- Oi… desculpe interromper o papo de vocês, mas… tá vendo aquele ali? Ele é meu irmão e ele está mais do que interessado em você!

Abaixei a cabeça devagar desejando que um buraco enorme me engolisse, mas a conversa penetrou ainda mais em seus pensamentos. A risada calorosa da menina chamou minha atenção e quando eu olhei seus olhos estavam fixados em mim com uma atenção definitiva.
E no segundo seguinte ela vinha em minha direção.
O mais interessante era que há um minuto atrás eu tinha as coisas sob controle.
Passei as mãos pelos cabelos e sorri tentando recobrar a consciência do que fazer e a guerra de desejos lutou dentro de mim em direções opostas. Meio segundo depois ela chegou.
Ela limpou a garganta e sorriu ainda mais.

- Então você é o meu admirador secreto?

Porra! Ela era mais bonita de perto, seus olhos estavam expressivos e uma sensação roedora apareceu na boca do meu estômago. Os traços dela lembravam uma arte renascentista, com um nariz assimétrico e as sardas que a tornava ainda mais encantadora. E o cabelo rebelde e bagunçado dava um ar de leoa selvagem.

- Não tão secreto assim...
- … - ela esticou a mão e sorriu.
- !

era uma das mais agradáveis companhias que um dia eu vá conhecer, e eu acrescentei a minha lista de manias dela o efeito de bater o dedo à boca em um gesto brincalhão. Aquilo chamava minha atenção para seus lábios que em minha opinião eram chamativos e sensuais. Era prazeroso estar na companhia dela. Eu conhecia a sensação, era a minha parte que foi trancada por tanto tempo e se soltou na presença dela, e eu sentia uma estranha satisfação de estar perto dela. E isso me fazia querer ter mais contato.
Mas o mundo ficou um pouco menos colorido quando a amiga dela chamou a atenção dizendo que precisava ir.
Vá sozinha!

- Acho que está na minha hora…

É, isso não me agradou. A ideia dela ir embora trouxe uma dor impaciente e eu não me lembro de não se sentir desta forma por um longo tempo.

- Eu estava pensando em te sequestrar da conversa interminável de sua amiga. Você seria minha cúmplice, pois minha irmã não vai me deixar em paz pedindo os detalhes.

Meus olhos caíram em sua boca, e pensei no prazer beijá-la.

- Não estava em meus planos fugir com caras que eu conheço a meia hora.
- Talvez um cara que você conheceu, digamos, há trinta minutos e cinco segundos? Esse cara teria mais chances?

Para minha surpresa e alívio, ela riu. E aquela melodia virou a minha música preferida.

- Na verdade, trinta e cinco não é o meu número de sorte.
- E qual seria esse numero?

mordeu o lábio e balançou a cabeça sem responder.

- Está entre um e cem? - ela assentiu com a cabeça. - Vamos fazer um acordo… Se eu acertar, você e eu vamos para um passeio, você escolhe o dia, diga sim. É simples!

Ela segurou o olhar um longo momento, e então cedeu com um sorriso mais acolhedor. Fechei os olhos com força e me senti um idiota. Eu estava pensando que era o que? Um mágico?

- Os dotes telepáticos estão ruins?
- Nove! Seu número da sorte é nove - pois é o meu, e seu eu tiver sorte, será o nosso.

A boca dela se abriu em um enorme O em surpresa e meu sorriso se escancarou ainda mais.

- Então temos um encontro?

- Fui mais rápida que você...

balançou a cabeça desconfiada e sorriu levantando e saindo da mesa, e em seu lugar restou apenas um papel amassado com o número de celular. Eu não reprimir o sorriso de alívio que apareceu em meus lábios, mesmo após ter Ashley de volta para a mesa. Ele não pretendia virar e acompanhar a Kirsten até a porta, mas foi isso que aconteceu e para minha surpresa ela estava me olhando também, mas ao contrário de antes, seus olhos cinzas traziam uma pergunta que iria assombrar para sempre.


Capítulo 3 - Viciado

Hold it, even though it kills you slowly
Explosions, hidden when we're in the open
Keep on smiling, till it's over
Hold it, even though it kills you slowly


Dias atuais.



Era como se tivesse acabado de acontecer, a lembrança do momento em que eu me dei conta do que iria significar para mim invadiu minha mente sem pedir licença. A dor tomava conta de tudo quando isso acontecia e se alastrava até minhas entranhas, trazendo o sentimento de amargura e nojo de mim.
por muito foi a minha salvação, foi o fluxo de ar quente em meu coração. Ela me deu o melhor presente que eu poderia receber. Ela me tornou uma pessoa melhor, mas tudo acabou muito rápido.
A lembrança dela me ainda me atingia como uma bomba e não há nenhuma palavra violenta o suficiente para encapsular a força que meu coração partia a cada vez que eu pensava nela. E todos os meus desejos era que a dor se tornasse forte o bastante para me matar.
Eu era o perdedor sem alma. E ela era a minha salvação. Não havia nada mais nesse mundo além dessa verdade. Eu sentia uma sede que queimava a minha garganta como brasa e imaginei há quanto tempo eu estaria sem beber água. Meu estômago revirou com a fome me lembrando de que por mais fudido que eu estivesse, eu precisava me alimentar. Meus músculos se contraiam e descontraiam tão frenéticos que doíam.

- ? - minha irmã apareceu na porta e acompanhou com o olhar preocupado.

Foi aí que eu percebi outra coisa, eu arrumei cicatrizes que iam desde minhas mãos até o topo dos meus ombros, e pelo ferimento era bem recente, feitas pelos meus próprios dedos.
O quão pilhado eu deveria estar para conseguir tal fato? E aposto que teria conseguido se não fosse por Ashley, e ela também sabia e esperava que eu tentaria de novo se tivesse uma única oportunidade, que foi descartada quando eu observei que estava amarrado.
O monstro estava dentro da jaula de novo.

- Eu também sinto falta dela… Todos os dias eu sinto falta da amiga que eu tive.

Minha irmã entrou um pouco receosa e sentou ao meu lado estendendo as mãos sob a minha e soltando as amarras. A sensação era reconfortante. E pela primeira vez em meses eu prestei mais atenção a ela. A felicidade da pequena Ashley agora era apenas uma sombra da pessoa que ela foi, agora estava mais próxima a um personagem dos filmes de terror. E olhando ela, eu tive a certeza de que eu deveria estar centenas de vezes pior. Era vergonhoso.

- Acredite, te compreendo mais do que pensa e sei que não dá para esquecer as lembranças que temos dela. Mas por favor, não se apegue apenas na infelicidade, eu sei que há lembranças boas também e você não quer enxergá-las porque está imerso na culpa. Mas você não tem…
- Fique quieta.

Eu me recusava a escutar tudo aquilo. Ash balançou a cabeça penosamente e ficou quieta sem dizer mais nada. Cada segundo naquele quarto pareciam horas intermináveis e não me impedia de nada de me lembrar de sua morte.
Eu me lembrava nitidamente de quando veio a notícia. Era primavera na cidade e eu estava sentado no mesmo café de sempre esperando minha irmã e chegarem. Então Ashley apareceu como uma bomba relógio em minha frente, sua face desfigurada em dor e horror com lágrimas fortes. Eu soube antes mesmo que ela pudesse pronunciar:

- morreu.

A princípio eu não acreditei, na realidade eu não quis acreditar, mas só foi preciso um telefonema para eu acreditar. Eu perdi a cabeça, o juízo, a vida. E tudo que eu queria naquele momento era morrer também, mas existia outra pessoa minúscula para eu cuidar.
A minha filha.
E isso se foi também quando eu cheguei ao hospital e encontrei o corpo de minha amada morta, e o de minha filha ao lado.
"Não conseguimos fazer o parto."
Eu urrava de dor, meu mundo se tornou poeira e se despedaçou, se tornou destruído. Eu só conseguia me lembrar da sensação do toque dela, de minhas mãos passando por seu corpo macio, de meu coração acelerar sempre em sua presença e depois desacelerar. Das palavras dela sussurrando que me amava...
Eu não iria ver o nascimento de minha filha, os primeiros passos, as primeiras palavras, o primeiro sorriso… Eu não iria mais ser pai.
Eu não pude fazer o enterro da minha própria filha.

Stewart

29. 07. 1991 - 04. 10. 2021

"Plus que ma propre vie"
(mais do que a minha própria vida)


A vida foi me deixando aos poucos e deu espaço para o eterno vazio doloroso da minha alma. Eu me torturava cada vez que me lembrava de todas essas coisas, e merecia isso. Todos os dias tento me convencer que mesmo sem a sua presença, eu posso ser feliz, o que era mentira. Fechei os olhos para me lembrar de sua voz com sucesso e tive o privilégio de ouvir frase mais maravilhosa que havia ouvido dela invadir minha cabeça.

“- Seus dotes telepáticos estão enferrujados?"

Virei o rosto e encarei os olhos cinza fixos nos meus sorrindo cada vez mais.

- Perdi a prática, anjo. - sorriu e colocou a cabeça em meu ombro murmurando

"- Mais do que a minha própria vida, meu amor...”

Minha mente rodopiou e eu comecei a me sentir um zonzo. E tudo ficou escuro.


Capítulo 4 - Inquebrável

Then we act like we're good again
I do things I can't defend
And even when you hold it in


[..]

Hold it, even though it kills you slowly



Minha mente era tão submersa como se eu tivesse em um oceano de lembranças, e eu me afogava nelas, sem nunca conseguir encontrar a superfície.
Antes eu me perguntava qual seria a força de um primeiro amor. Eu achava que o efeito era infinito. Hoje eu me pergunto se fiz o bastante para que nós dois realmente ficássemos juntos. despertou em meu coração os mais maravilhosos sentimentos, posso dizer que foi a primeira que acreditou em minha transformação e trouxe um real sentido para minha vida. Eu não fazia ideia que podia nutrir tantos sentimentos por ela, e duvidei quando pensei que a amava, só para semanas depois ter a certeza.
Meu peito guardou todas as nossas imagens juntos, e não reprimir o sorriso lacrimoso ao me lembrar dela parada em frente ao espelho sorrindo enquanto acariciava sua enorme barriga de grávida. Nós fomos tão felizes.
Não posso tentar descrever o sentimento que passou pelo meu corpo quando me lembrei de sua morte, nenhuma dor que eu já tinha sentido se comparou. E eu já tinha tomado a minha decisão.
Não demorou muito. E também não houve dor ao rasgar a pele de meu pescoço com a unha.

- Uma vida é curta para te amar só uma vez, prometo te procurar na próxima vida, anjo.

E enfim terminou meu sofrimento, meu purgatório.




Fim.



Nota da autora: Eu não sei qual foi o ponto em que eu percebi que essa história teria um final tão trágico e nostálgico e decidi que ia fazer sobre um casal que eu AMO!
Essa história surgiu de um sonho na verdade, e eu só sosseguei quando passei tudo isso para o papel (literalmente). Acho que foi a primeira experiência que eu tive de escrever algo tão trágico e digo isso com lágrimas nos olhos pois só percebi a profundidade dos capítulos quando eu li, e por essa profundidade eu optei por fazer algo de mais fácil leitura, nada muito grande, pois apesar de todo cuidado sei que pode ter gatilhos enormes para algumas pessoas… Apesar de tudo, foi uma perspectiva interessante escrever e sair da minha bolha de comodidade, isso literalmente abriu meus pensamentos para outras coisas.
E deixo explícito também que se você estiver passando por um período negro e triste de sua vida, pode me mandar mensagem que eu vou adorar ajudar.

Espero de coração que vocês gostem tanto quanto eu, pois escrevi com muito amor para esse álbum lindo.

Com amor e carinho, Analua.





Outras Fanfics:
Between Secrets: Originais, Em Andamento, Restrita.
The Take: Baseado na música de Tory Lanez, Finalizada, Restritas.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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