FFOBS - 11. London Boy, por Ana Mendes

Finalizada em: 15/05/2020

Capítulo Único

- Você quer dizer que a seleção da Inglaterra é melhor que a francesa? – Gail indagou com olhos arregalados em um sotaque francês carregado. deu de ombros e disse:
- Acho, mas a seleção inglesa é arrogante demais. – Sussurrou a última parte, confidenciando para as quatro colegas dentro de um pub cheio de ingleses patriotas. A mulher tomou mais um gole de sua água com gás e jogou os cabelos cacheados para o lado. Os olhos estavam divididos entre o telão montado apressadamente no meio do pub ao ar livre e a mesa com as colegas de profissão.
- Ei, vocês viram ali atrás? – Genevive chamou a atenção das colegas para uma mesa ao lado esquerdo de onde estavam. seguiu o olhar da amiga até uma mesa cheia de homens com postura rígida e firme.
- São policiais? – Questionou Gail.
- Hm, não. Acho que são do Exército Real. – Comentou enquanto tomava outro gole da água. Balançou o corpo devido ao frio de janeiro.
Dois dias antes, quando ainda estava em Oxford, havia tido sua primeira reunião com o Departamento de Estudos Clássicos e Vernáculos da Universidade de Oxford, seu novo local de trabalho. Havia sido chamada para lecionar como professora temporária até que achassem um substituto para o cargo do antigo professor de Estudos da Literatura Grega Helenística. Estava na Europa há duas semanas, mas ainda não sabia bem como se portar sem parecer uma estrangeira, majoritariamente porque, bem, é estrangeira. A sensação de ser alguém sem pátria já a acompanhava há muito tempo, então simplesmente não se importava mais com os olhares estranhos que recebia por ser mestiça. A mãe negra e iraniana a havia dado todos os traços, menos os olhos, que puxaram ao pai, um coreano de cinquenta anos que lhe dera o que denunciava totalmente a mistura mais bela que poderia existir, de acordo com a mãe de .
- Como você sabe como são as pessoas do Exército Real? – Gail recostou sobre a cadeira e cruzou as pernas.
- Não são detetives, não teriam uma postura tão rígida. E aquele ali, o mais alto, ele parece ser o superior, já que está no canto da mesa e quando ele fala, os outros abaixam um pouco a cabeça, mas quando algum dos outros fala, o da ponta não abaixa a cabeça e nenhum dos outros também. – deu de ombros com os olhares chocados das colegas.
- Como você sabe de tudo isso só por olhar?
- Convivência. – Murmurou e tratou de mudar o assunto para algo que professores de idiomas clássicos e vernáculos amavam - Vocês viram a nova tese do professor de Harvard sobre os achados de Safo?
A partir dali todas entraram em um diálogo acirrado sobre os novos achados sáficos (um total desperdício, na opinião de Gail, já que não foram achados no mesmo local que outros, portanto uma cópia).
voltou os olhos para a mesa com os homens supostamente do Exército Real, mas teve sua atenção subitamente atraída para os gritos de alguns do pub ao ver o gol, aparentemente impedido, do time britânico sobre o outro.
- Foi impedimento. – Um homem gritou. concordou. Dois segundos depois, o impedimento foi anunciado. A mulher começou a prestar atenção no jogo, abstraindo da conversa das colegas.
Em certo ponto, já havia se juntado aos outros torcedores do Chelsea contra o Manchester City e esperava ansiosa pelo final do segundo tempo. As outras meninas também estavam mais atentas ao jogo. Todo o pub estava em tensão, os garçons haviam parado para assistir aos cinco minutos finais. O telão no meio do pub era o dono de todas as atenções, nem mesmo as luzes nos postes ovais chamavam a atenção naquele momento, nem ao menos a estética com a fachada vermelha em letras douradas, ou às árvores frondosas. Tudo ali se resumia ao futebol.
- Aposto que vai ser 4x3 no pênalti pro Manchester. – afirmou para um dos homens perto de si.
- Aposto que o Chelsea vai virar nos acréscimos. – Um garçom se aproximou com uma bandeja.
- Querem entrar na aposta? Foi iniciada por aquela mesa. – Virou o queixo e apontou para a mesa dos subordinados do Exército. suspirou e tirou uma nota da carteira. As colegas pareciam chocadas.
- Sério ?
- Quem não arrisca não petisca. – Abriu um sorriso audacioso e colocou as duas notas sobre a bandeja. O garçom anotou seu nome, o telefone e a quantidade apostada, além do placar.
- Eu quero apostar no mesmo que a moça. – O homem ao lado piscou para ela e sorriu. retribuiu um sorriso com uma piscada de olho. O torcedor era bem bonito, poderia usar o dinheiro para levá-lo a um restaurante legal depois.
- Acréscimos! – Gritou alguém no meio das vozes nervosas e ansiosas. virou o olhar e observou um dos integrantes da mesa, o que estava no meio, virar para ela com certa aspereza, se é que era possível ser áspero através do olhar, mas era o que parecia.
- No que aquela garota apostou? – ouviu a voz levemente elevada vinda da mesa dos subordinados. Não virou os olhos, mas atentou-se a eles. Parecia ser o áspero – Essa é a aposta dela? Bem, o que se esperar de uma mulher que finge saber de futebol para tentar conseguir um pouco de sexo no fim da noite? Será que ela não sabe que isso só nos afasta? – O garçom deu uma risada estrondosa com a frase machista do homem de voz áspera e olhos azuis, como constatou ao virar os olhos para ele, fitando-o diretamente.
- E no que você apostou? – Questionou sem desviar o olhar e tentando ao máximo não trancar o maxilar. O soldado pareceu levemente incomodado. Ela precisou levantar um pouco a voz para que fosse ouvida por cima dos gritos. Estavam a duas mesas de distância, mas havia um pequeno arbusto os dividindo.
- Dois pênaltis para o Chelsea e um para o Manchester. – assentiu – Por quê? Quer mudar a aposta agora que ouviu um homem falar? – De repente, fez-se um silêncio perturbador no bar. Apenas algumas vozes dos que estavam distantes da cena continuaram a ser ouvidas.
- Não, quero aumentar minha aposta em vinte libras. – Anunciou para o garçom.
- Aumento a minha em cinquenta. – Rebateu o soldado. não subiria mais ainda, sabia que a arrogância derrubava quem chegava ao máximo – Não consegue subir mais, princesa?
- Quero que você vá à merda, mas dê meu dinheiro antes. – Houve uma explosão de risadas na mesa das professoras universitárias. Gail estava vermelha de raiva.
- Nós vamos te denunciar, seu babaca! – Anunciou a professora com muita audácia. Os outros soldados da mesa estavam quietos, e o que se sentava na ponta, o mais alto, havia sumido.
- Tente. – A ameaça foi feita em um tom tão amigável que poderia parecer brincadeira, mas os olhos violentos assustaram Gail. quis gritar, mas sabia que mexer com um soldado em um país que não era seu, do qual não conhecia perfeitamente a Constituição, não daria certo.
- Ignorem, meninas. – Confidenciou com a voz denunciando a raiva – Vou ganhar essa aposta.
- Vamos embora antes que eles, ok? Ir depois é um risco. – Genevive comentou e todas concordaram – Já ouvi histórias de que os oficiais britânicos podem ser bem abusivos fora do horário de trabalho. Na França também é assim.
- Em que lugar do mundo não é assim? – bufou e observou o jogo chegar aos pênaltis.
O grito de vitória que saiu de sua boca ao ver o quarto pênalti do Manchester atingir o gol não pôde ser contido em seus lábios. Pulou em cima dos braços de Genevive e aguardou, com as mãos trêmulas, o último pênalti. Se o jogador do Chelsea perdesse aquele gol, ela perderia, se acertasse, a aposta era sua.
- MEU DEUS DO CÉU! – Berrou exasperada ao ver a bola entrando no gol. Comemorou com as amigas ao perceber que ganhara pelo menos trezentas libras naquela noite. Pensou em virar para o soldado e mostrar o dedo do meio para ele, sabia que ele merecia aquilo, mas tinha medo do que um homem – provavelmente armado – poderia fazer com ela caso o provocasse – Garçom, meu dinheiro, por favor! – Exclamou enquanto as amigas riam e brindavam com suas cervejas.
- Dividimos entre a senhora e o cavalheiro ao lado. – O garçom sorriu e entregou duzentas e cinquenta libras em sua mão. sorriu para o britânico que havia seguido seu palpite.
- Você é meu amuleto agora. – Ele comentou com um sorriso entre os gritos dos torcedores.
- Gosto desse cargo. – Retribuiu, mas foi cortada por uma figura alta em sua frente. Elevou o olhar e encontrou os olhos do soldado arrogante. Imediatamente, os olhos semicerraram e levantou-se da cadeira – Posso ajudar?
- Como você sabia do placar?
- Sergeant*, vamos embora. – Um dos colegas do homem apareceu ao seu lado. Todos eram do Exército Real mesmo, pelo que observou.
- Eu não sabia, foi um palpite baseado nos outros jogos.
- Duvido que assista futebol.
- Por quê? – Rosnou contra o rosto do oficial, os lábios já trêmulos de ódio.
- É óbvio que assiste futebol para conseguir uma dedada digna no final da noite. – pareceu perder diante de si o foco, os pulsos flexionaram e sentiu vontade de chorar de ódio. Não podia fazer nada.
- Vamos pedir que se retirem. – O garçom das apostas se colocou no meio dos dois com a bandeja.
- Peça que essa vadia volte para o país dela.
- Essa vadia imigrante vai abrir um processo contra você.
- E vai postar na Internet esse vídeo também. – Gail levantou ainda mais o celular – Aposto que o Exército Real vai amar um escândalo com um de seus oficiais em suas plataformas.
- Você não tem o menor direito de ser um xenófobo e um machista de merda! – Genevive exclamou apontando o dedo na cara dele – Tente encostar o dedo nela e eu quebro a sua cara!
- Sério, vamos embora, a noite já acabou. – O outro oficial tentou puxar o homem pelo ombro, mas isso apenas o irritou mais.
- Preciso dizer uma coisa para ela antes. – Rosnou e aproximou-se mais de , os rostos praticamente colados e sussurrou:
- Meu pai é o Tenente-Comandante do Exército, querida. – Sua voz parecia um zumbido – Tente me processar. Eu te tiro do país em dois segundos, não me importa se você tenha todos os documentos legais. Vou te fazer sumir igual o inseto que você é. – permaneceu estupefata enquanto via o homem sair praticamente arrastado pelo colega para fora do estabelecimento. Quando percebeu, já estava sentada à mesa e tentava segurar ao máximo as lágrimas.
- Vamos postar amanhã em algum horário que tenhamos mais visualizações. – Genevive e as outras começaram a discutir sobre o vídeo, sobre a situação. Tentaram consolar , mas seu coração estava saindo pela boca.
- , você está muito vermelha. Sinto tanto pelo que aconteceu, mas vamos denunciar esse abusado.
- Não. – afirmou – Ele é filho do Tenente-Comandante do Exército, pelo visto. – Murmurou, algumas lágrimas desceram sozinhas – Ele ameaçou me deportar. Só tenho o visto temporário de trabalho. Preciso manter meu visto.
- Você tem certeza? – Genevive tentou argumentar.
- Sim. Eu não posso perder esse emprego, não posso voltar para os Estados Unidos. Larguei tudo lá. Agora não tem mais volta.
O silêncio tomou conta da mesa. Ninguém mais sentia vontade de comemorar, nem mesmo com as duzentas e cinquenta libras na mão de .
- Meninas, vou para casa. Desculpa, não tenho mais ânimo. – Todas concordaram com e decidiram ir embora – Podem ir primeiro. Preciso conversar com o garçom e com o gerente. Pedir desculpas e tudo mais.
- Você não precisa pedir desculpa por nada, Ani. – Gail elevou o tom de voz levemente – Você sofreu xenofobia e machismo na frente de todo mundo e ninguém fez nada!
- Preciso da ajuda deles caso eu decida processar o oficial. – Gail balançou a cabeça, entendendo aonde a colega queria chegar.
- Ok. Você é muito esperta. Meninas, todas mandem mensagem quando chegarem em casa, por favor. Boa noite, cuidem-se.
Todas se despediram com sorrisos tristes e foram para casa. Menos .
- Gostaria de pedir desculpas pela cena. – A professora abordou o garçom quando ele parou perto da cozinha para esperar o próximo pedido.
- A senhorita não está errada. – Comentou o jovem.
- Gostaria de saber se ajudaria a dar seu testemunho caso eu decida processar aquele homem. – O garçom engoliu em seco e olhou para os lados antes de voltar seu olhar para a mulher.
- Meu supervisor não é a favor dessa política. O bar não pode tomar partido em discussões.
- Calma, mas você disse que eu estava certa!
- Eu preciso pagar minhas contas no final do mês, senhora. Aquele homem é do Exército, já o conheço. Briga com todo mundo, mas o pai dele vem e resolve tudo. Não podemos fazer nada. – o encarou embasbacada.
- Você é imigrante? – O homem negou com a cabeça.
- Não, mas meus pais são.
- E você vai virar as costas assim para o que acontece aqui?
- Contanto que não aconteça comigo, é o que posso fazer.
- Eu não acredito no que estou ouvindo. – Murmurou entredentes – Oro para que você não seja pego, de verdade, porque se for e encontrar alguém exatamente igual a você, está ferrado. – Balançou a mão com descaso e saiu marchando para fora do pub. O celular em sua mão tremia ao parar a gravação que fazia com seu celular.
O frio a fez tremer mais ainda. Observou seu carro alugado quase no fim da rua. Havia algumas pessoas para o lado contrário, mas naquela para a qual olhava não havia uma alma viva sequer. Os ombros travaram com o pensamento de que o oficial poderia estar ali esperando por ela. Fechou os pulsos dentro do sobretudo e correu até o carro, o vento frio misturado com as lágrimas frustradas. Ao chegar perto do carro, agachou na calçada e chorou.
Os ombros tremiam e os soluços ficaram incontidos por longos segundos. Sabia que qualquer um poderia vê-la ali, mas já estava distante do pub e pareceria somente estar procurando algo no chão. Não que se importasse se alguém a visse naquela situação.
Havia anos que não sentira o olhar de desprezo daquela maneira. A ameaça tão crua e livre, e mal pôde defender-se. Esperava que algum cidadão britânico a salvasse porque não poderia fazer aquilo sozinha. E sabia que jamais seria auxiliada. O que sobrava era outra história para contar aos britânicos e deixá-los chocados com a maldade do ser humano enquanto juram ser diferentes. Nenhum deles era diferente e mal precisou de um mês ali para saber que, em mais um país, estaria sozinha.
- Como era a mulher? – levantou a cabeça rapidamente ao ouvir uma voz aproximando-se pela rua, vinda da direção do pub. Sentiu os joelhos reclamarem ao colocar-se em pé rapidamente. Era o homem mais alto da mesa, provavelmente o superior do sergeant – Vocês estão indo para o apartamento? Ótimo. Podem ir dormir. Quero o Sergeant Wilson RM de pé agora. Vou pensar em uma punição. – tentou fazer as mãos pararem de tremer enquanto pegava a chave do carro, mas os dedos não pareciam ter controle próprio. As lágrimas já estavam praticamente secas pelo vento frio – Qual roupa ela usava?
A voz já estava praticamente do seu lado quando soltou um guincho ao conseguir abrir o carro.
- Com licença, poderia falar com a senhorita? – A professora praticamente tropeçou nos próprios pés devido ao susto. Virou-se e observou o dono da voz do oficial. Precisou olhar um pouco para cima. Se estivesse de salto, alcançaria a altura dele.
- Não. – Respondeu rispidamente e abriu com força a porta do carro. Precisava ir embora o mais rápido possível. Quanto mais distância da polícia, melhor.
- Você é a mulher que brigou com o meu integrante da tropa lá dentro? – A mulher precisou virar-se para respondê-lo.
- Briguei? Seu soldado me ameaçou, me difamou e me xingou ali dentro. O que eu fiz não foi brigar, mas o que eu vou fazer, ah, isso sim é outra história. – O superior balançou a cabeça. já estava com um dos pés dentro do carro, mas o colocou para fora. O superior não parecia ser rude, talvez pudesse pegar algumas informações dele. Pegou o celular para fingir ver as horas e ligou o gravador novamente, já que havia sido o último app aberto.
- Não posso pedir desculpas pela ação individual do meu subordinado, mas posso pedir desculpas em nome do que ele representou, a Royal Navy*. – tentou esconder o choque em seu olhar. Não era apenas do exército, era da Marinha Real. A organização mais antiga de todas as divisões de defesa britânica.
- Você tem poder para pedir desculpas por algo tão antigo e poderoso?
- Não creio que isso seja relevante. Mas gostaria de saber quais medidas a senhorita deseja tomar. Preciso estar a par do que reportar.
- Você não pode receber essa informação, já que não vem representando a ação individual de seu subordinado. Não vou denunciar a Marinha, vou denunciar o... Hm, qual o nome? Sergeant Wilson.
- A senhorita está bem? – cruzou os braços.
- Você não vai me convencer a não tomar providências.
- Não é meu objetivo. Se o Sergeant Wilson errou, que seja punido por tal. – A mulher tentou manter a postura na defensiva, a voz grossa e firme do oficial a ajudava, mas estava ficando cansada, a noite estava arruinada e só queria ir para casa chorar em paz.
- Você é realmente o superior dele? – O homem assentiu.
Pela primeira vez após a adrenalina começar a diminuir, observou atentamente o rosto do oficial. A pele escura escondia alguns detalhes na rua ainda mais escura. Os olhos eram claros, castanhos. Os lábios grossos estavam levemente ressecados e os ombros poderiam bloquear um jogador de futebol facilmente. percorreu todo seu tronco a procura de algo que pudesse denunciar seu cargo, mas não achou. Voltou os olhos para o cabelo. Era ralo, mas não careca. Parecia levemente estiloso, o que apenas reforçou seu estereótipo sobre o nível social daquele homem. O sobretudo preto caía por fora de um moletom cinza. A calça jeans preta terminava em um tênis esportivo.
- Posso saber o que a senhorita está fazendo?
- Procurando algo em você que denuncie quem você é de verdade. – Respondeu honestamente.
- Senhora, gostaria de me ater aos fatos do que aconteceu ali dentro.
- Não sou obrigada a responder um cidadão comum, mas a uma figura de autoridade, talvez. – Deu de ombros. Parecia ter perdido completamente o filtro devido à adrenalina. E ao copo de vinho também. Era extremamente fraca com álcool.
- Se eu disser meu cargo, você me dirá o que aconteceu ali dentro, é isso?
- Sim.
- Sou o Capitão , da Terceira Divisão dos Royal Marines da Coroa Britânica. – assentiu.
- Isso é acima ou abaixo do Major?
- A minha resposta primeiro.
- Justo. – Deu-se por vencida – Se eu falar o que aconteceu, responde à pergunta?
- Não estava envolvido no acordo.
- Qual é, eu não quero saber sobre você, só a sua posição. – O rosto do capitão enrijeceu e pigarreou. Estava abusando da sorte – Ok, vamos lá.
Enquanto contava em detalhes sobre como havia chegado ao país há duas semanas (achou relevante para a narrativa), sobre como amava futebol e acompanhava o futebol europeu há alguns anos e por isso fez aquele chute da aposta, e terminou com a ameaça do sergeant. Não falou sobre ter gravado a conversa, sobre o vídeo da amiga ou sobre o garçom.
Reparou que o capitão permanecia com as mãos para trás, o maxilar rígido sem a barba por fazer, parecia um verdadeiro militar. Arrepiou com o pensamento de um homem daqueles encarando-a no tribunal, ou a ameaçando. Ou com a boca em seu pescoço.
- Você pretende denunciar meu soldado com base em quê?
- Vou contatar um advogado primeiro.
- Ok. Se quiser que os superiores saibam disso, deve levar o pedido até o trabalho dele. – inclinou a cabeça levemente para o lado e franziu o cenho.
- Você é superior dele e o está sabotando? Que tipo de superior é esse?
- O tipo que acredita que a justiça deve ser feita, não importa qual a minha relação com a pessoa. Um crime é um crime e deve ser tratado como tal.
- Você me parece justo demais.
- Agradeço seu julgamento precoce. – A mulher arqueou a sobrancelha.
- Acabou de desdenhar de um elogio?
- Ser justo não é elogio.
- Nos dias de hoje, sim, é sim. – Capitão permaneceu em silêncio por alguns segundos.
- Então, agradeço o elogio. – sorriu e encarou a ponta da bota – Agora, uma pergunta...
- Não preciso responder mais nada, não é? – A mulher provocou com um estalo no céu da boca.
- Responda isso e respondo sua pergunta anterior.
- Fechado! – Soltou um guincho animado e arrependeu-se em seguida. O capitão mal expressou reação. Uma porta teria demonstrado mais empolgação.
- Está bem? Ele chegou a fazer mal a você fisicamente? – ponderou as motivações de sua pergunta. Talvez quisesse saber para sumir com seu corpo e se livrar das provas de corpo de delito.
- Não, não me machucou fisicamente. Isso teria sido mais fácil. – O choque cruzou rapidamente os olhos do capitão. Não creio que esperava ouvir aquilo.
- Como assim?
- Não preciso responder a isso. – Desconversou – Responda minha pergunta.
- Abaixo. Não sou superior ao Major. – assentiu, dando-se por vencida. Todo o contexto da denúncia girava a favor de Wilson. Se o pai dele fosse realmente um figurão do alto escalão, ela estava em maus lençóis.
- Essa é uma grande decepção. – Suspirou – Desculpa, pensei alto, não tem nada a ver com você.
- Queria que eu fosse superior para puni-lo e passar por cima do pai dele, o Major? – mordeu o canto esquerdo do lábio e assentiu – Sinto muito. Mas isso não significa que você não possa fazer nada. A verdade precisa vir de algum lugar, não é porque você é inferior que não possa fazer nada.
- Você acabou de dizer que sou inferior a ele?
- Em uma escala hierárquica na Marinha, sim, quanto ao caráter, não posso dizer, seria injusto com o adjetivo que você me deu. – A mulher ficou levemente chocada com as palavras dele. Parecia um robô da literatura inglesa.
- Todos os britânicos são iguais a você?
- Não preciso responder a isso. – sorriu e fungou – Obrigado pela disposição. Posso esperar te ver na base da Marinha Real em alguns dias?
- Ainda preciso considerar o processo.
- Pode tentar um processo interno na Marinha. Não posso dizer qual tem mais chances de sucesso, não é meu papel dizer isso.
- É engraçado a Marinha ter alguém como você e alguém como o Sergeant Wilson.
- Não sou melhor que ele, não são dois pesos e duas medidas.
- Ok, sua modéstia não vai me fazer mudar de ideia. Obrigada pelo tempo, obrigada por perguntar como eu estava. Foi o primeiro. – Abriu novamente a porta do carro, dessa vez, sem a menor pressa de entrar.
- Até mais... Ah, qual o seu nome? Acabei esquecendo de perguntar. – O capitão parecia levemente atordoado.
- .
- Como nome ou sobrenome?
- Não preciso responder a isso, Capitão . Você só me deu um de seus nomes, eu só te dei um dos meus. – O capitão sorriu e assentiu, os braços finalmente descruzando atrás somente para cruzá-los sobre o peitoral.
- Justo. Adeus, Srta. . Espero que tome a decisão correta. – O celular do capitão começou a apitar no bolso, e a última coisa que ouviu antes de acelerar com o carro pelas ruas de Londres, foi: - Oi, Valerie. Sim, vou te esperar no escritório durante a tarde.
deixou o sorriso murchar um pouco. É, homens atraentes são complicados. E geralmente comprometidos.
Mas ela sentira que o veria novamente. Torcia para isso. Afinal de contas, não se acha um homem londrino como aquele em qualquer bar de Londres. Não, aquele homem específico havia despertado nela o que ela não conseguia decifrar, mas estava ansiosa para fazê-lo.
*Sergeant = Sargento [não tem a mesma conotação que no português, por isso não é traduzido no texto]
*Royal Navy = Marinha Real


Fim



Nota da autora: Hola, guapas! Se você gostou de ler até aqui, então deve ficar sabendo que a fic tem continuação! Começou como uma shortfic e virou long rapidinho hahaha. A história se chama “Amerish” e está postada aqui no Fanfic Obsession. Espero que possam continuar acompanhando essa história 😉
Se não acharem ou tiverem algum comentário, podem me achar no twitter também!
Beijinhos e até a próxima. 😊



Outras Fanfics:
Amerish | Originais

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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