Capítulo Único
I know you said
(Eu sei o que você disse)
That you don’t like it complicated
(Que você não gosta disso complicado)
That we should try to keep it simple
(Que deveríamos tentar manter isso simples)
But love is never ever simple, no
(Mas o amor nunca é simples, não)
O vestido longo que usava era de um tom vermelho profundo, que marcava as suas curvas e a embelezava diante de todos os olhos que a encaravam, mas alguns olhos simplesmente eram cegos demais para alguns detalhes, enquanto eu os podia enxergar perfeitamente. Olhos. Olhos que eu amava e que estavam imersos em tristeza, que naquele instante anulavam toda a beleza de sua dona. Olhos que denunciavam o fracasso desse relacionamento? Isso eu não sei. Eu tinha a plena certeza de que era sortudo por ter ela ao meu lado, mas, às vezes, me perguntava se ela também compartilhava da mesma certeza que eu.
- Onde está a ? – ela disse assim que cumprimentou ao entrar.
- A última vez que a vi estava no bar, talvez você devesse começar por lá. – ele respondeu, e depois que viu ela se afastar, se virou para mim – O que aconteceu?
- Não tenho a mínima ideia. – respondi, dando de ombros.
- Você está parecendo com quem precisa de um drink. – disse, me dando o copo de uísque que ele tinha em mãos.
- Você acha? – respondi ironicamente e em seguida engoli toda a bebida, sentindo o ardor descer queimando pela minha garganta.
Já havia passado mais ou menos três horas desde que chegamos à festa de aniversário de e a feição de já havia melhorado, tudo isso graças aos esforços de em retirar um sorriso do rosto daquele ser teimoso, que eu tinha o prazer de chamar de meu. As duas estavam fortemente concentradas em uma conversa que parecia não ter fim, enquanto eu não dava a mínima para o que e diziam ao meu redor, afinal, toda a minha atenção naquela noite estava virada para ela. E somente para ela.
Sem ligar se pareceria mal educado ou não, tomei todo meu uísque do copo, sentindo novamente aquele ardor descer pela minha garganta, enquanto algumas lágrimas subiam para meus olhos, e fui em direção à mesa onde e estavam sentadas, deixando eles falando sozinhos. O que me incomodava era justamente o fato de precisar de outra pessoa para fazê-la sorrir, aquele era o meu dever, o meu prazer e de mais ninguém.
- Melhorou? – perguntei a assim que me aproximei da mesa.
- Eu nunca estive mal. – ela respondeu, dando de ombros.
- Bem... Você estava com um puta mau humor quando chegamos aqui, então não adianta falar que não tinha nada errado com você, sou mais esperto do que isso, .
- Eu vou tomar um drink. – disse, saindo da mesa e eu me sentei no lugar dela.
Esperei um tempo para tentar formular melhor minha abordagem em relação a ela, não tinha obtido muito êxito jogando as cartas na mesa.
- Você sabe que pode me contar qualquer coisa, não é? – falei suavemente, encarando-a e passando as minhas mãos nas suas.
- É... Eu sei. – ela respondeu, desviando o olhar e começou a ficar desconfortável – Eu só... Não é nada.
- Você sabe que não é essa resposta que eu quero, .
Ela continuou olhando para longe e quebrou o contato entre nossas mãos e eu entendi aquele sinal.
- Você quer ir embora e conversar a respeito disso lá em casa?
- Sim.
I know you said, that you don’t like it complicated
(Eu sei que você disse que não gosta disso complicado)
That you are tired of all the changes
(Que você está cansada de todas as mudanças)
Well love is always, always changing
(Bem, o amor está sempre, sempre mudando)
Levantamos da mesa, em seguida nos despedimos de , pegamos nossos casacos e seguimos em direção ao carro. A neve já havia coberto grande parte da rua e minha mente já não estava mais tão clara assim por conta dos copos de uísque que havia tomado, então entreguei as chaves do carro para . Assim como na ida, a volta também estava marcada pelo silêncio profundo em ambas as partes e só o barulho da neve caindo em cima do carro como uma distração. Então resolvi ligar o rádio para afastar o silêncio.
- WE COULD STEAL TIME JUST FOR ONE DAAAY! WE CAN BE HEROES! FOR EVER AND EVER! WHAT DO YOU SAY?? – comecei a cantar a música que tocava no rádio imitando David Bowie e recebendo uma revirada de olhos como resposta, então desliguei o rádio – Sabe, eu estou tentando fazer você rir um pouco aqui...
- Você não precisa fazer isso, .
- Preciso, sim, porque eu não estou aguentando esse silêncio, , está completamente insuportável.
Para meu desespero, ela sequer tirou os olhos da rua, apenas apertou com mais força o volante e deixou o meu apelo ficou sem resposta até chegarmos em casa. Ela estacionou o carro em nossa garagem, parou e suspirou por um momento. Desceu do veículo, abrindo o zíper do vestido e o tirou ali mesmo e subiu, apressada, para o nosso quarto. Recolhi o vestido do chão sem entender porque ela estava agindo daquele jeito. Não tinha sentido algum naquele comportamento louco que ela estava tendo. Subi as escadas correndo, adentrei nosso quarto e ela estava sentada na beirada da nossa cama com lágrimas nos olhos e a maquiagem já um pouco borrada.
- Em algum momento você vai me contar o que está acontecendo com você? Porque, , eu já estou cansado de tentar ficar adivinhando. – e pela primeira vez na noite inteira ela me encarou de verdade – Você não tem noção de quantas hipóteses eu já formulei durante aquela merda de festa, para saber o que eu fiz para te deixar desse jeito.
- Você se lembra quando nós assistimos Antes do Amanhecer? – ela disse e eu acenei com a cabeça – Você se lembra do que o Jesse diz para a Céline para ela descer do trem com ele?
- Pra ela se imaginar no futuro, quando ela estivesse casada e quando ela passasse a culpar o seu marido por tudo o que desse errado na vida dela. Para que ela olhasse para trás e visse que todos aqueles caras que ela conheceu, eram portas abertas cheias de oportunidades para um futuro completamente diferente do que ela estava tendo naquele momento...
E foi aí que eu entendi toda a causa dessa mágoa repentina de .
Dúvida.
O pior tipo de dúvida que poderia existir na vida de um casal. Aquele “E se...” constante que flutuava pelos pensamentos que poderiam destruir tudo o que já foi construído em anos de cumplicidade. Aquele “E se...” filho da puta que te colocava na linha de frente da pior batalha que alguém poderia enfrentar dentro de uma relação. Eu nunca tinha levado a sério o poder destrutivo que a dúvida, que um “E se...” tinha.
Até agora.
Eu encostei na parede e a fiquei encarando por muito tempo. Ela é tão linda, tão pequena e ao mesmo tempo tão altiva, que naquela situação estava sendo engolida pela dúvida, que a corroia e a destroçava. E eu, como um bom espelho que era, tinha como reflexo a mesma corrosão e destruição que lhe era causada.
- Você está olhando para trás? – falei em um tom de voz sufocado.
- ...
- Eu já não sou mais o suficiente pra você? É isso o que você quer dizer, não é?
- Eu não estou falando isso, eu só não estou... Eu não estou...
- Não está feliz comigo. – completei a frase pra ela, com lágrimas nos meus olhos e como se todo o peso do mundo se descarregasse sobre mim, escorreguei e me sentei no chão. Pequeno, desamparado. Um completo nada.
Tá aí... Era isso que eu era, um nada. A ausência de ser e de realidade. Um NADA. Coisa nenhuma, zero, sem existência. NADA.
- Eu não estou falando que não estou feliz com você, eu sou feliz. Eu sei disso. Às vezes eu penso que não sou, que falta aquela pequena parte pra você ser tudo o que eu sempre quis, mas fica tudo tão confuso e embaralhado na minha cabeça que eu duvido dos meus sentimentos por você. – ela disse com a voz fraca e rosto brilhando coberto pelas lágrimas – Mas é que algumas coisas mudaram e eu não estou lidando muito bem com isso.
- Bem, não sei se isso é uma surpresa pra você, , mas as coisas mudam com o tempo. É a ordem natural da vida, mudanças ocorrem e você se adapta a elas, é uma forma natural de sobrevivência dos seres.
- Não precisa ser irônico e amargo.
- E você não precisa ter medo da vida.
- Eu não estava falando em um sentido geral da vida, , eu estava falando de nós dois.
- E o que mudou entre a gente?
- Eu não sei... Não tem mais aquele fogo de antes, não tem mais aquele sexo animal de antes, não tem mais aquela espontaneidade, aquela paixão escaldante. Não tem mais impulsividade e eu sinto falta disso. Você está o tempo todo no trabalho, eu mal te vejo direito e além do mais não me valoriza mais como você fazia antes, eu sinto falta dessas coisas. E por tanto tempo eu guardo tudo isso dentro de mim, que chega uma hora que eu não consigo mais e explodo, . Eu precisava tirar tudo disso do meu peito.
- Então tá... Nós vamos resolver isso em um segundo. Se você quer sexo animal, nós vamos fazer sexo animal, se você quer espontaneidade nessa relação, nós vamos trabalhar com isso. Quer impulsividade? Vamos ter impulsividade!
- Não fala assim!
- Assim como, ? - gritei o mais alto que pude e ela se encolheu mais ainda na cama - Desculpa se eu ainda estou tentando fazer alguma coisa pra salvar esse relacionamento.
- Como se fosse a coisa mais prática do mundo resolver isso, como se tudo fosse resolver em um piscar de olhos. – ela respondeu num sussurro – Não é por meio da agressividade e da ira que você vai resolver algo, , na verdade isso só piora as coisas entre nós. Nada é tão simples assim, isso não é simples.
- Mas o que está acontecendo aqui, dentro dessas quatro paredes, é simples de resolver, sim, você que não enxerga isso! O amor passa por mudanças, , ele cresce, amadurece. Não fica estagnado naqueles primeiros anos de relacionamento em que tudo é impulsivo, simples e ardente, ninguém no mundo aguentaria isso... Assim como as pessoas evoluem, o amor também evolui, então não espere que tudo vá ser estável na sua vida, , porque não vai ser, o quanto antes você aceitar isso, melhor pra você. – passei minhas mãos no meu rosto para enxugar as lágrimas de raiva e de dor que caíam, respirei algumas vezes pra tentar, sem sucesso, me acalmar – Eu sei que eu te amo e eu te quero, , todos os dias da minha vida, o que mais eu preciso fazer pra te provar isso?
- Não fale como se você também não estivesse satisfeito com nossa relação como está agora! – ela falou mais alto.
Isso já era a gota d’água.
- Não tente, em hipótese alguma, jogar a culpa em cima de mim para tentar ganhar alguma coisa aqui nessa discussão. Se você não está satisfeita com nossa relação, não se comporte como uma criança mimada e seja mulher o suficiente para dizer que você não está satisfeita. Mas nunca, , nunca coloque palavras em minha boca. Nunca tente jogar a bomba para o meu lado. Não tente transferir a sua insatisfação e infelicidade para o meu lado, porque eu não mereço isso de você e eu sei que você é melhor do que isso.
E em uma tempestade de cólera saí do quarto correndo e batendo a porta atrás de mim, podia escutar ela gritar o meu nome e outras coisas depois dele, mas eu não tinha vontade de voltar pra lá. Não agora. Peguei as chaves do carro e entrei no veículo rapidamente, em seguida liguei para . Foda-se a sua festa de aniversário, foda-se o mundo, eu precisava do meu amigo para conversar, eu tinha o direito de ser egoísta agora.
Here we go again
(Aqui vamos nós de novo)
Another go around for all of my friends
(Outra rodada para todos os meus amigos)
Another night stopped, will it ever end?
(Outra noite interrompida, isso nunca vai acabar?)
- … - disse cuidadosamente com medo do meu tom de voz me entregar.
- Aaaaah não, ... – é... Definitivamente tinha me entregado – Você sabe que eu ainda estou na minha festa de aniversário, né? Só uma por ano e coisa e tal. – disse indignado do outro lado da linha.
- Cara, eu preciso de você agora, não vai demorar nada. Prometo.
- Ok, no Skydale’s em quinze minutos. – ele disse depois de bufar.
Assim que desliguei o telefone dei a partida no carro e saí em direção ao bar. Já não estava mais ligando se tinha álcool ou não no meu sistema, se as ruas estavam cobertas de neve, e que um acidente de carro ali era algo quase certeiro, eu só queria sair dali o mais rápido possível. Precisava pensar, conversar, socar alguma coisa se fosse o necessário. Só precisava tirar toda essa confusão da minha cabeça.
Estacionei o carro em frente ao bar que e eu frequentamos desde que começamos a ter idade o suficiente para beber. Então entrei no lugar que sempre era aconchegante para mim, olhei ao redor e as mesmas luzes amareladas decoravam o local, que tinha uma aparência bem rústica e amadeirada. O barulho das mesas de sinuca, o cheiro de cerveja, a gritaria típica de um bar e a televisão sempre ligada em um jogo de futebol ou rugby faziam daquele lugar uma segunda casa para mim.
- ! – Joe disse sorrindo atrás do balcão ao me ver – O de sempre, chefe?
- O de sempre, Joe! – disse esperando que ele pegasse minha garrafa de cerveja, enquanto avistei já na mesa de sinuca me aguardando – Obrigado, cara.
Comecei a caminhar em direção a mesa de sinuca, enquanto God’s Gonna Cut You Down do Johnny Cash tocava no fundo e não pude deixar de me sentir um cowboy foda ao entrar em um saloon do Velho Oeste, quando atravessei o local cumprimentando a todos como velhos amigos. Pode parecer besta, mas acho que era por isso que gostava de frequentar o Skydale’s, não importava o que acontecesse, eu sempre me sentia foda e importante aqui. Esse era o meu território.
- Você tem dez minutos, . – disse, me jogando um taco e eu o peguei no ar – E eu tenho que dizer que eu sou o melhor amigo do mundo por deixar a minha festa de aniversário pra vir aqui.
- Sim, você é. – disse, revirando os olhos e arrumando as bolas em um triângulo em uma ponta da mesa. – Pode estourar.
- Então, vai me contar o que rolou entre você e a ? – ele disse, mirando o taco e o acertando com força e então todas as bolas começaram a correr pela mesa.
- Estava tão claro assim? – falei, recebendo um olhar de aprovação em resposta, enquanto rodeava pela mesa tentando arranjar um bom ângulo – Sei lá, ela deu a louca, disse que já não estava mais tão satisfeita assim com nosso relacionamento, que queria mais sexo selvagem e...
- Uuuuh... Essa doeu. – ele disse e eu não sabia se ele estava se referindo ao que disse ou por eu ter errado a caçapa então resolvi continuar o assunto.
- Eu sei! Eu sou um homem, nenhum homem gosta de ouvir isso! A autoestima vai lá embaixo e você se sente pior do que um monte de merda. Enfim, ela enlouqueceu e eu precisava do meu tempo sozinho.
- Às vezes deve ser por isso que ela esteja agindo como uma “louca”... – ele disse, acertando uma bola dentro da caçapa e marcando no quadro de giz.
- Isso o quê?
- O fato de você sempre fugir pro seu lugarzinho aconchegante, enquanto ela precisa de um pouco atenção, de você fugir quando está sob pressão e ter sempre que ser o machão insensível que não sabe lidar com os problemas de uma mulher.
- Você acha isso mesmo?
- Sinceramente? Acho sim, você não tem jeito nenhum com mulheres ou qualquer tipo de ser que precise de algum tipo de atenção ou sensibilidade.
- Porra, !
- Eu sou seu melhor amigo, eu conheço você mais do que eu conheço o meu próprio irmão. Eu estou nessa situação como um observador do lado de fora, você pediu a minha opinião e eu estou a dando, se você não fosse o meu melhor amigo não estaria falando nada disso pra você.
- É, , mas a não é uma das pessoas mais fáceis do mundo pra lidar. – eu disse, mirando uma bola e acertando a caçapa.
- E quem é, ? – ele tinha razão – Não é fácil ter uma relação com ninguém, , nem tudo vai ser um unicórnio saltitante que peida arco-íris e todo mundo sabe disso, mas por alguma razão todo mundo simplesmente se recusa ver a parte feia de um relacionamento, ou de qualquer coisa que seja. Existem partes complicadas e mesquinhas em uma relação, partes que vão querer fazer você matar a outra pessoa, mas ainda assim você está lá por ela, porque você a ama não somente por tudo o que ela é, mas também apesar de todos e quaisquer os defeitos que ela tenha.
Someday, you’re gonna see the things that I see
(Algum dia, você vai ver as coisas que eu vejo)
You’re gonna want the air that I breathe
(Você vai querer o ar que eu respiro)
You’re gonna wish you never left me
(Você vai desejar nunca ter me deixado)
- Eu só queria falar pra ela que...
- A oportunidade é agora. – disse, indicando com a cabeça a direção da porta.
Assim que me disse aquilo eu me virei na mesma direção que ele apontava e então eu a vi. Era como se eu tivesse entrado em um túnel do tempo e visse pela primeira vez, ela usava a mesma minissaia que vestia no dia em que nos conhecemos, eu nunca na minha vida esqueceria aquela minissaia, uma blusa colada e uma bota que batia no joelho. Ela foi em direção ao bar, pegou duas cervejas com Joe e veio caminhando em direção a mim, e durante todo esse percurso todos os olhares do recinto se viravam em direção a . Seria natural que eu ficasse possuído pelo ciúme, mas aquele momento estava sendo especial demais pra eu o estragar com um sentimento tão tosco. entregou o seu taco para e foi se sentar no balcão junto de Joe, me deixando sozinho com ela na área das sinucas.
- Primeira coisa, está um frio da porra lá fora e eu estou começando a me arrepender de ter vindo com a merda dessa saia. Então você já pode perceber o esforço que eu estou fazendo só para estar aqui nesse momento, deixa eu terminar de falar, . – ela disse assim que eu ameacei a falar alguma coisa e colocou a cerveja na minha mão – O esforço é enorme, então só leva isso em consideração. Segunda coisa, só joga o jogo, ok?
- Ok. – respondi, enquanto a observava recolher todas as bolas das caçapas e passava a reorganizá-las de novo na mesa.
- Pode estourar.
Então peguei a bola branca e a coloquei no centro da mesa, em seguida a mirei com o taco e a acertei em cheio fazendo com que as outras bolas começassem a sair correndo. Do outro lado da mesa começava a andar vagarosamente como uma felina tentando me desconcentrar, ela nem precisava fazer esforço algum, aquela minissaia por si só fazia todo o trabalho de forma espetacular.
- O que um homem como você está fazendo num lugar como esse? – ela disse, se inclinando na mesa para poder fazer a sua jogada. Jogo baixo, , muito baixo.
- Por que eu te diria uma coisa desse tipo sendo que eu nem sei o seu nome? – respondi.
- Angelina Jolie, 25 anos.
- O quê? – eu devia estar com a maior cara de pateta.
- Angelina Jolie, 25 anos.
- Ok... Se é assim... Bruce Wayne, 27 anos. – falei, me apoiando no taco.
- Bruce Wayne, sério?
- O que foi?
- É um pouco demais pra você, não?
- Ah ta, você pode ser a Angelina Jolie, mas eu não posso ser o Batman?
- Ok, Bruce Wayne... Agora você pode me responder o motivo de um homem tão charmoso como você estar em um lugar como esse?
- O que uma mulher, assim como você – falei a encarando de cima a baixo e demorando meu olhar em suas pernas, aquelas pernas – Está fazendo em um lugar como esse?
- Briguei com o meu namorado.
- Já temos alguma coisa em comum então. – disse, mirando novamente e acertando a caçapa – Porque eu acabei de ter uma briga do caralho com minha namorada.
- Então você tem uma namorada.
- Sim.
- E qual é o nome dela? – ela disse, errando sua tacada.
- Harkness.
- Lindo nome. - ela disse com um sorriso travesso - E como você a conheceu?
- Criaturinha curiosa, você. – falei fazendo a minha tacada – Bem... Foi há oito anos, eu estava quase completando 19 anos e eu pensei em me dar de aniversário um vinil muito antigo do Hendrix, Are You Experienced. – dei um pequeno sorriso quando ela fez um som de aprovação ao meu ídolo - Então eu fui a uma das minhas lojas favoritas de CDs e vinis, e quando eu o achei ali na estante, parado, só esperando por mim, uma fedelha foi mais rápida do que eu e pegou o meu vinil. Na hora eu estava cego de raiva, Angelina, porque a filha da puta tinha pego o meu vinil, juntei dinheiro por dois anos pra comprar aquela merda e a filha da puta pegou na minha frente. Você não tem noção da minha ira naquele momento.
- Eu posso imaginar. De verdade. – ela disse, se sentando em cima da mesa e bebendo a cerveja da garrafa.
- Então eu comecei a observar de longe e notei que, com exceção ao Jimi Hendrix, o gosto musical dela não era lá um dos melhores. Mas, além disso, eu comecei a notar outras coisas mais a respeito dela, ela usava uma minissaia bem parecida com essa sua, por sinal, e as pernas delas ficavam bem à mostra e aquilo me deixou doido na hora. Eu nunca tinha visto nada igual às pernas dela e nem vou falar do corpo, porque aquelas curvas poderiam deixar qualquer homem doido. Bem, não eram curvas de uma mulher mais adulta, eram juvenis, mas o meu eu de 18 anos amou aquilo e se eu a visse novamente na minha frente agora com certeza ia amar a visão de novo. Eu já estava pouco me fodendo se ela tinha um gosto musical ruim ou se ela tinha roubado meu vinil, o eu de 18 anos só pensava em transar com ela.
- O mais estranho de ouvir da boca de um homem uma versão de qualquer história de relacionamento é que tudo vai se resumir em sexo. – ela disse com incredulidade.
- Desculpa, amorzinho, mas nem Hollywood nem a Disney conseguiram fazer uma lavagem cerebral com a mente dos garotos. As garotas crescem assistindo as princesas da Disney e todos aqueles romances baratos de Hollywood e passam a acreditar em príncipes encantados, amor à primeira vista, romance, cavalheiros, finais felizes e ficam presas a esse mundo completamente colorido. Vocês aprendem a brincar de boneca desde cedo, e assim vão aprendendo a “manter uma família”. Nós garotos nunca tivemos esse mundo fechado imposto a nós, de alguma maneira sempre fomos livres dessa obrigação de amar e ser amado, de manter uma família, brincamos com carrinhos, dali passamos para revistas em quadrinhos, videogames e depois revistas de mulher pelada, simples assim. Sem sentimentos profundos.
- A Disney realmente cagou nas nossas cabeças. – ela disse com uma risada baixa – Mas por que você continua com ela se você não tem essa “obrigação”?
- Pra te responder isso eu tenho que terminar a história.
- Vá em frente.
- Obrigado. Continuando a história, eu tentei de todas as maneiras convencer aquela garota a deixar eu levar o meu vinil pra casa, eu cheguei a implorar pra ela, mas ela estava irredutível. Então, já que eu não tinha mais o meu vinil eu parti para o plano B, veja bem, eu sou um homem e homens têm princípios, se vemos uma garota bonita, movemos mundos e fundos para poder sair com ela. Eu a chamei para tomar um café comigo em um dos meus bares favoritos, e durante o tempo que ficamos conversando, eu percebi que além da aparência, ela tinha um jeito tão esquisito de ser, que eu fiquei completamente encantado. Era uma mistura de sagacidade e humor sarcástico com uma tagarelice sem fim, me dei conta de que eu não queria mais simplesmente dormir com ela, mas vê-la novamente.
- Amor à segunda vista? – ela disse ironicamente.
- Ah não, não diria amor, cedo demais pra isso. Eu acredito que amor cresce com o tempo, eu estava encantado, não queria que aquilo acabasse logo. Mas continuando, ao final do café ela disse que iria fazer uma cópia do vinil pra mim em um CD, e apesar de não ficar muito feliz com isso, porque eu queria o vinil, eu aceitei a oferta, já que isso significava que eu a veria de novo e isso pra mim era o mais importante de tudo. Eu passei o meu telefone pra ela e nós marcamos de nos ver de novo em um fliperama que tinha perto da casa dela, e eu achei aquilo fantástico porque ninguém jamais iria pensar que uma garota como ela iria marcar um encontro em um fliperama, era imprevisível demais. Ela não levou a minha cópia de CD naquele dia, mas ao levá-la de volta pra casa nós demos o nosso primeiro beijo, e eu lembro que eu estava completamente assustado porque foi em frente à casa dela e temia que o pai dela saísse de lá a qualquer momento, me matasse, vendesse todos os meus órgãos no mercado negro e talvez queimasse a carcaça que sobrasse, mas para o bem da magia da noite ele não saiu e eu continuo vivo. Nós continuamos saindo mais vezes e no nosso sexto encontro eu percebi que estava ficando cada vez mais fodido.
- Por quê? – ela disse com os olhos brilhando e eu sabia que eu tinha que terminar de contar tudo pra ela.
- Porque a cada segundo a mais que eu passava com , maior o meu amor por ela ficava. – uma lágrima cortou o seu rosto – No nosso nono encontro nós dormimos juntos pela primeira vez e foi sensacional, eu nunca conseguiria me esquecer daquela noite. Com três meses eu a pedi em namoro e foi muito engraçado, porque eu tinha todo um plano formado com lanche da tarde no parque, passeio pela parte da cidade que ela mais gostava que terminava em um dos pontos em que o pôr-do-sol fica inigualável e depois nós voltaríamos pra casa e eu faria um chocolate quente pra ela e aí sim eu pediria. Mas acabou que choveu no dia, ela estava de TPM, tivemos uma briga e no meio da briga eu gritei pra ela se ela queria namorar comigo. me chamou de três coisas antes de aceitar o meu pedido, de estúpido por tê-la pedido em namoro no meio de uma briga, de carinhoso por fazer todo o plano por ela e de idiota por ter ficado bravo porque todo o dia não tinha saído como o planejado, ela me disse que nem tudo sai sempre como queremos, e que os acontecimentos inesperados são aqueles que moldam os momentos mais incríveis para aqueles que sabem enxergar.
Quando eu notei ficar sem nitidez, percebi que era eu que estava chorando agora, ela segurava levemente minha mão. Foda-se carros, ouro, dinheiro e mulheres, Harkness era tudo o que eu precisava, talvez tudo o que o mundo precisasse. Melhor de tudo, ela era o meu mundo.
- Quando nós tivemos a nossa primeira grande briga eu vi o quão mesquinha e orgulhosa ela podia ser, quando eu conheci a família dela eu vi o quão amorosa e querida ela era e o tanto que ela valoriza as pessoas que fazem parte da sua vida. Quando ela saiu pela primeira vez sozinha pra fora do país, eu vi nela a independência e a coragem que eu ainda não tinha achado em mim mesmo, mas ela me ajudou a achar com o tempo. Quando os pais delas se separaram e ela correu pra minha casa para fugir daquele ambiente pesado, eu percebi que apesar dela ser independente, eu ainda era necessário na vida dela para as pequenas coisas que fazem a diferença, que meu abraço pode ser o melhor lugar do mundo. Ela comeu o último pedaço do meu bolo de aniversário, e nisso eu vi egoísmo, ela trata a moça que limpa lá em casa como alguém da família, e nisso eu vejo bastante humildade. não sai de casa sem maquiagem, até pra padaria, e isso é um pouco parte da vaidade que ela tem, mas ela sempre deixa o congelador cheio de sorvete pra mim, apesar dela ser alérgica, e isso pra mim é carinho e zelo. Ela é teimosa, pirracenta, barulhenta, não para de falar um minuto, é um pé no saco, mas eu a amo apesar de tudo isso. Eu a amo porque ela é atenciosa, carinhosa, humilde, linda, minha e só minha.
Quando eu terminei de falar isso ela segurava meu rosto com suas mãos e secava as minhas lágrimas, mas eu tinha que continuar falando, eu tinha que colocar tudo pra fora. Pequenas palavras não ditas escondidas por muito tempo ou são esquecidas e o arrependimento de não tê-las falado vem momentos mais tarde, ou explodem e saem em momentos nem sempre oportunos e nem sempre da maneira que você queria dizê-las. Eu tinha que aproveitar minha chance de falar tudo para ela ali e agora.
- Eu posso ser um garoto e ter crescido longe das “obrigações” de ter uma família consolidada, e de não acreditar no amor à primeira vista, almas gêmeas ou em finais felizes como nos filmes. O que acontece é que a não só me fez acreditar no amor, como ela é a primeira pessoa por quem eu me apaixonei na minha vida, mas durante todos os dias desses oito anos que eu passei com ela, meu amor por ela se renovou e cresceu diariamente. Eu continuo me apaixonando por ela, e espero continuar me apaixonando por ela todos os dias por ainda muitos anos. Eu tento falar com ela que o amor passa por mudanças, amadurece, mas eu gostaria de falar agora pra ela que apesar de o amor mudar sempre, uma coisa nele permanece constante. O meu amor por ela. Isso nunca vai mudar, nem hoje, nem amanhã, nem daqui a cinquenta anos.
We’re never coming back down
(Nós nunca voltaremos para baixo)
We’re looking down on the clouds
(Nós estamos olhando para baixo nas nuvens)
- Eu sei que eu deveria.
- Harkness, 25 anos.
- , 27 anos.
Eu segurei pela cintura, com toda a minha força tirei ela de cima da mesa e ainda a sustentando fora do chão a beijei com todo o sentimento que tinha no meu corpo, se ela duvidasse do meu amor por ela agora era a hora de mostrar que não tinha nenhum motivo pra dúvida aqui. Eu a amo e ponto final. Eu a beijei como se não tivesse amanhã, afinal, sem ela o meu amanhã não tem alegria, não tem sentido, não tem vida. Eu era um descrente, pra mim o amor não era formado por um ser resultante da união de dois, isso para mim era impossível não só fisicamente como também no meu imaginário, mas era formado de dois seres individuais que tinham uma relação entre si e apenas isso. Mas me fez crer na possibilidade de dois virarem um, e agora eu entendo, agora eu acredito porque eu sei que eu sem ela não seria nada, meus dias não teriam felicidade e eu seria um ser vazio. Por ela eu acredito. Por ela eu creio no amor, não da maneira como os filmes mostram, completamente feliz e sem problemas que no final tudo se encaixa e dá certo, mas da maneira que ele verdadeiramente é, da maneira que eu sinto como deve ser, da melhor maneira de todas, da maneira real.
- Eu ainda quero o meu vinil. – falei, quando separei o nosso beijo.
- Acho que você nunca entendeu que ele já é seu há oito anos, .
Todo ser humano busca o amor, busca amar e ser amado, isso pra mim é claro. Amor é o tema que move o mundo, que escreve milhares de canções, de inspira escritores e geram os melhores livros, que vai para as telas do cinema. O amor leva as pessoas a fazerem loucuras, a cometerem crimes, a mudarem de país, de cultura e de sobrenome. O amor pra mim tem nome e sobrenome, Harkness, e por causa dela eu amo e sou amado. Por causa dela eu sou um ser humano completo que depois de muito tempo perdido já achou o que buscava, o seu destino e sua casa, por causa dela eu vivo nas nuvens.
E eu não planejo descer aqui tão cedo.
FIM
Carols.
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