História por Rafaela C. Julich | Revisão por Gabriella


Capítulo 14.
                                          I’m free as a bird



Certo.

O que eu faria agora...


Estava defronte aos portões de bronze da mansão, de olhos fechados e respirando profundamente, aspirando o máximo de ar que meus pulmões conseguiam em uma inútil tentativa de me acalmar. Eu realmente não sabia o que faria. Pensei em até voltar para a casa rindo e dizer: “AHÁ! Te peguei, Marry!” e lhe dar alguns tapinhas nas costas. Obviamente eu não o faria.
Moraria debaixo de alguma ponte ou nos becos de Bolton, pedindo esmola em semáforos e envergonhar Marry ainda mais. Seria engraçado, entretanto.

Mexi nervosamente em meu cabelo e desci minhas mãos para minha testa, forçando-me a pensar em uma solução.
Arrumei a alça da mochila em meu ombro, e coloquei meus pés para andarem em direção à qualquer telefone público próximo.
Na verdade, meu desespero meu fez praticamente correr pela White River Street. Ainda era relativamente cedo e as donas-de-casa aguavam seus jardins enormes, aproveitando enquanto o inverno não chegava para arrasá-los. Também aproveitavam o momento para xeretar a vida das outras moradoras. Essas riquíssimas donas-de-casa – as quais não tinham nada para fazer além de rezarem para que seus maridos enriquecessem mais – competiam entre si sobre quem possuía o jardim mais verde, com as flores mais caras e coloridas, o jardineiro mais bonitão... Aproveitavam essa época já que, no inverno rigoroso do Reio Unido, tudo fica debaixo de neve e os jardineiros tiram suas folgas.

Algumas me olharam com certa curiosidade, criando hipóteses sobre meu estado físico aparente: roupas largadas e uma feição desesperada. Isso me fez apertar ainda mais meu passo.
Dois quarteirões para frente encontrei um típico telefone público londrino e não tardei a entrar dentro da cabine vermelha. Coloquei uma libra no lugar indicado e pensei por alguns instantes antes de discar um número.

Eu não poderia ligar para . Sua mãe não era muito diferente da minha, além de serem grandes amigas. Imagine eu, chegando em sua residência de mala, cuia e um espírito rebelde? Ligaria para Marry desesperada, e esta me buscaria com um rifle em mãos.

Não podia ligar para . Isso era óbvio.

Jamais ligaria para . Razões óbvias, idem.

e eram boas opções...

Disquei então um número que veio em minha mente e aguardei atenderem.





Alô?” escutei uma voz do outro lado que fez minhas pernas perderem um pouco de controle e minhas mãos tremerem. O desespero enfim tomou conta de mim.
?” sibilei vacilante. Eu piscava freneticamente.
?” o garoto perguntou, e pude a surpresa em seu tom. “Você está bem?” seu tom mudara para preocupação.
“E-eu... Eu não sei! Eu estou confusa, acabei de sair de casa, Benjamin estava lá e Marry...” comecei a falar sem pausas, atropelando todas as palavras.
Espere. Benjamin estava em sua casa?” o tom era de incredulidade. Impressionante como ele podia mudar suas emoções a cada instante.
“Estava!” bufei ainda raivosa. “E então eu saí de lá imediatamente! Mas... Agora não sei o que fazer e...”
Onde você está?” o garoto me interrompeu, impaciente.
“No telefone público da White River com a Major Avenue.”
Certo, estou indo te buscar. Não saia daí, entendeu? soou autoritário e desligou o telefone sem escutar minha resposta.
Eu não tinha para onde ir, de qualquer maneira.




Em menos de vinte minutos, vi estacionar sua moto lentamente perto da calçada que eu estava sentada.
Usava uma jaqueta de couro preta, um jeans com um rasgado no joelho e nos pés, um All Star igualmente surrado. Tirou seu capacete – o qual não me deixava ver seu rosto por tampá-lo totalmente e o pequeno vidro da frente ser esfumaçado – ofuscando meus olhos com aqueles cabelos . Eles, obviamente, estavam mais bagunçados que o normal devido ao capacete, mas era incrível como continuava... Indefectível. Sua testa estava enrugada e suas sobrancelhas arqueadas, deixando claro seu aborrecimento. Perfeito.
Saltou de sua moto e veio em minha direção sem olhar para mim. Olhava para trás, sabia que à algumas quadras era minha casa e, quem sabe, procurava por um carro conhecido. Bufou e me encarou assim que chegou à poucos centímetros de mim. Não se sentou, por isso tive que olhar para cima para poder vê-lo, mas arrependi no momento seguinte que os feixes de luz começaram a irritar meus olhos.
“O que aquele filho da mãe queria?” disse entre dentes e uma enorme vontade de rir me abateu. Ele ficava um tanto quanto charmoso naquele estado...
“Olá para você também, ” falei descontraída, vendo-o relaxar os músculos logo após. Suspirou alto e se sentou ao meu lado no meio-fio. Ficamos em silencio alguns instantes.
“Não vai me contar?” ele disse irritado, mas com um singelo sorriso.
“Não sei o que ele queria. Saí de casa antes que ele pudesse dizer qualquer coisa” adiantei, e um leve desespero me dominou novamente. Eu – quase – havia esquecido que era uma sem-teto agora.
“Hum” não pareceu se convencer e começou a me encarar desconfiado, talvez tenha percebido meu desconforto. Levei a mão até minha nuca, esfregando-a nervosamente.
“Bem, na verdade eu meio que... Fugi... Não foi exatamente uma fuga, já que falei em alto e bom som à Marry que estava saindo de casa para nunca mais voltar...” ri nervosa sem encarar . Estava envergonhada por ser parecer tão infantil. Qualquer pessoa pensaria isso de mim.
Senti os olhos do garoto sobre mim, analisando-me cautelosamente.
“Então agora você é uma sem-teto?” ele disse divertido. Não achei graça, mas não me manifestei.
“Basicamente” falei simplesmente, ainda sem o encarar.
“Como aqueles jovens rebeldes que andam aparecendo na Tv?” percebi que ele se esforçou para conter um riso. Acho que seria um ótimo alvo para eu descarregar minha raiva daquele dia.
Apenas dei de ombros.
Vi, pelo canto do olho, abrir e fechar a boca, tentando dizer algo.
“Admiro você, ” falou, dessa vez sério. Virei meu rosto sutilmente em sua direção, sem aparentar muito interesse, mas curiosíssima para saber o porquê dele me admirar.
“Claro, há muito o que se admirar em uma sem-teto rebelde” disse sarcástica, voltando a encarar uma casa qualquer à minha frente. se aproximou um pouco mais de mim.
“Eu falo sério. São poucas as pessoas hoje em dia que têm coragem de enfrentar algo que pareça errado... A maioria só consente...” ele se explicou, ainda com os olhos fixos em mim.
Senti-me lisonjeada, devo admitir. Não tinha pensado por esse lado, para mim, eu era apenas uma patética riquinha, mimada e rebelde.
“A maioria tem onde morar...” rebati, relembrando-o da minha situação. riu. Rir da desgraça alheia realmente nos faz bem.
“Já falou com ?” ele sugeriu.
“A mãe dela é melhor amiga de Marry...” respondi alheia, já chegando à conclusão de que eu estava encurralada. ficou em silencio, pensativo. Provavelmente chegara à mesma conclusão que eu. Bolton Bridge, aí vou eu.
“Você poderia... Você sabe...” ele pigarreou. Arqueei as sobrancelhas, incentivando-o a continuar. “Sabe... Passar um tempo comigo... Quero dizer, na minha casa...” vi suas bochechas corarem e meu estômago afundar. Imagine eu, , vivendo sob o mesmo teto que ! Parecia, ao mesmo tempo, uma ótima e absurda idéia. Mas vamos combinar, eu não tinha muitas opções...
“Não sei, ...” mostrei minha indecisão. Seria muito inconveniente da minha parte aceitar. Mudar toda a rotina da família, abusar da hospitalidade, comer, gastar energia elétrica...
“Vamos, ... Onde você pretende ficar?” ele pareceu apreensivo. Dei de ombros e o garoto passou seus braços pela minha cintura. Não nego que encolhi e senti minhas bochechas inflamarem.
“Não vou incomodar?” perguntei um pouco tímida, ainda incerta.
“Nunca” ele disse simplesmente, me encarando profundamente.
“Mas e seu pai?” rebati, procurando motivos para rever sua proposta. Eu queria aceitar, em contrapartida, meu bom senso me reprimia.
Seria um prazer receber a filha do grande John em minha humilde residência.” ele forçou uma voz grave que, no caso, presumi ser de seu pai, o senhor Lewis.
“Eu... Eu prometo que ajudo nas despesas até encontrar um apartamento para mim...” cedi. Parecia-me uma coisa descente a se fazer, se era para eu aceitar. levantou os braços e gritou Aleluia! para o nada.
“Não se preocupe com essa parte ” ele disse após cessar algumas risadas. “Você pode ficar o tempo que quiser” assim que terminou sua frase, não me agüentei, tive que envolver meus braços em seu pescoço, apertando-o contra meu corpo em um abraço forte. Senti uma intensa gratidão naquele momento. Há um tempo atrás, seria a ultima pessoa a qual eu esperaria – ou pediria – ajuda.
“Muito obrigada, . De verdade” apertei-o mais ainda mais. Ele pareceu responder, já que suas mãos continuavam firmes ao redor da minha cintura e sua respiração batia quente no meu pescoço.
Não sei quanto tempo ficamos daquele jeito, mas foi suficiente para não querer largá-lo tão cedo.
cheirava tão bem... Não usava perfume, mas exalava um cheiro de sabonete de lavanda entorpecente.
Meu rosto estava mergulhado em seu pescoço e, sem ter controle sobre meus atos, depositei um sutil beijo no local. No mesmo instante, vi se encolher um pouco e não contive um sorriso.
E então, após alguns segundos, ele lentamente moveu seu rosto, e eu fui obrigada a deslocar o meu de seu pescoço.
Meus olhos, que antes estavam fechados, se abriram vagarosamente e deram de cara com os de , que estavam cerrados,entretanto continuavam intensos e penetrantes.
Minha respiração falhou e eu me perguntei por que diabos esse garoto conseguia me deixar assim apenas com um olhar. Era insano! Inexplicavelmente insano!
Meu coração acelerou subitamente e batia tão forte contra meu peito que, pela nossa proximidade, tinha certeza que poderia escutar. Engoli seco.
Vi uma das mãos do garoto virem de encontro com a minha bochecha e acariciar sutilmente a mesma, me fazendo fechar os olhos automaticamente. Meu estômago afundava em nervosismo.
Era estranha aquela sensação. Assustadora, na verdade. Parecia que eu poderia ter um ataque cardiovascular a qualquer momento!
Algo dentro de você pulsa intensamente, fazendo sua respiração falhar, suas mãos suarem ou tremerem, e às vezes os dois. Sua boca saliva, suas pernas parecem que não vão te agüentar por muito tempo, e é praticamente impossível encarar certos olhos e se manter em sã consciência.

Mas como de costume, algo a fundo dispersou minha atenção. Dessa vez me fazendo saltar quando percebi que o barulho era uma buzina conhecida: a do Pontiac.
“Oh meu Deus” exclamei baixinho, vendo se levantar bruscamente, com uma feição para poucos amigos.
Benjamin saiu do carro batendo a porta brutalmente e veio, com a mesma expressão de , em nossa direção.
, sua mãe está desesperada” Ben disse curto e grosso, encarando , o qual mantinha seus olhos fixos no garoto alto de topete bem moldado e olhos incrivelmente azuis. “Venha comigo, por favor.”
Aquilo não me parecia um pedido ou uma súplica. Era mais uma ordem.
“Ela não vai a lugar nenhum com você, Benjamim” disse vorazmente, fechando as mãos em punho.
“O que está fazendo aqui afinal, ?” disse com desaprovação, olhando dos pés à cabeça num ato de superioridade.
“Não lhe interessa, . Apenas vá embora daqui, pois não irá com você” manteve-se firme diante do mais velho. Ben soltou uma risada cínica e estridente.
“E quem vai me impedir de levá-la? Você?” ele se aproximou ameaçadoramente e, pelos punhos, pude perceber que a paciência de estava por um triz.
“Se for preciso...” respondeu entre dentes, vendo Benjamin se aproximar cada vez mais de onde estávamos. se posicionou à frente de mim, como se quisesse me proteger de um mal que se aproximava.
“Não seja tolo, . Aquela ameaça de tempos atrás não foram suficientes pra você?” Benjamin disse em um sussurro, tentando não me fazer escutar. Talvez pensasse que eu não sabia. Isso me irritou profundamente, e eu nunca havia sentido tanto ódio quanto naquele momento.
“Você vai ter que fazer melhorar suas chantagens para me afastar de .” se aproximou do garoto, e vi que os dois estavam a poucos centímetros um do outro. Aquilo não era bom.
E de repente, num piscar de olhos, vi sendo afastado com um murro em cheio em seu rosto, fazendo-o cambalear e bater em sua moto.
!” gritei automaticamente e fui em direção do garoto, totalmente desesperada. Ele não parecia ter sentindo coisa alguma, já que levantou imediatamente e foi na direção de Benjamin, dando-lhe um soco no rosto de volta. Instantaneamente, um desespero enorme tomou conta de mim. Não havia coisa que mais me tirava do sério que uma briga.

Antes que eu pudesse pensar em fazer algo – apesar de não ter idéia alguma – Ben atingiu a barriga de , fazendo-o encolher de dor.
“PAREM VOCÊS DOIS!” berrei mas nenhum pareceu escutar. Eu estava completamente invisível naquele antro de ódio.
se recompôs e empurrou Ben contra a porta do Pontiac de forma tão brutal, que pude escutar o vidro da janela trincar.
“Eu poderia ficar o dia inteiro te dando uma surra sem ao menos me cansar, mas prefiro gastar meu tempo de maneiras melhores, como tratando do jeito que ela merece ser tratada disse entre dentes, mantendo firmemente Benjamin contra o vidro rachado do carro. “E eu vou fazer de tudo para que isso aconteça, e então é melhor que você fique longe dela” o garoto terminou num tom extremamente ameaçador. Mas é claro que Benjamin não deixaria barato.
“Espera, ... Espera só eu acabar com você” Ben disse no mesmo tom. “Eu vou fazer de tudo para que nada dê certo pra você.”
“Pode tentar de tudo, . Você nunca vai conseguir acabar comigo, porque quem já está acabado aqui é você. E agora eu repito” pareceu apertar Ben ainda mais contra o vidro, e eu vi que ele poderia quebrar a qualquer momento. “Fique-longe-dela.”
E então o soltou, dando as costas imediatamente e agarrando minha mão, me levando em direção à moto. Eu estava totalmente alheia àquela situação, não sabia o que falar, como agir, eu não tinha certeza se tudo tinha sido real e se eu realmente escutara todas aquelas palavras, tantas as vindas de Benjamin quanto as de se arriscando para me proteger. Ou o que fosse.
Ele subiu na moto e eu fiz o mesmo, colocando o capacete e em um segundo, a moto já estava arrancando e deixando a imagem de Benjamin furioso para trás.


A casa de era em um lugar bem distante da cidade. Na verdade era um sítio simples afastado de tudo e de todos. A família de sempre fora muito simples, sem muitas frescuras ou luxos. Pouco para eles era suficiente para serem felizes. Regalias demais nunca era sinal de coisa boa.
Então assim pegamos a rodovia principal de saída de Bolton.
O vento batia com mais intensidade que antes devido à alta velocidade em que a moto andava. Eu havia colocado um casaco antes, justamente para não morrer congelada. Aquele ruído do vento em meus ouvidos e jogando meus cabelos bruscamente para trás, me dava uma sensação incrível, nunca antes sentida por mim, de liberdade. Minhas mãos estavam firmemente postas na cintura de , apertando-o como nunca contra mim. Mas naquele instante, permiti-me soltá-lo e meus braços abriram-se como se eu pudesse pegar vôo a qualquer momento.

Gritei.
Gritei toda a repressão antes entalada em minha garganta, dando lugar a uma nova sensação. Eu era livre. E não havia sentimento melhor do que aquele.
Talvez a presença de melhorasse - muito - as coisas.
E então gargalhei.
Eu estava realmente feliz. Feliz como nunca! Todas aquelas emoções novas e confusas não me martirizavam nem um pouco, apenas aumentavam meu gosto por aventuras. Viver intensamente, esse era meu novo lema. Bem vindos ao Carpe Diem. Pelo retrovisor pude ver sorrindo abertamente, mostrando sua satisfação. Eu podia ver a alegria transbordar de seus olhos e aquilo me contagiava ainda mais, se é que era possível.
As árvores passavam rapidamente por nós, todas com copas imensamente verdes, transformando aquela estrada em um lugar reconfortante.
Envolvi novamente com meus braços e recostei meu queixo em um de seus ombros, observando os riscos amarelos pintados no asfalto passarem abaixo de nós em uma velocidade incrível. Olhei no velocímetro da moto: 120 quilômetros. E eu não me importava. Pediria para que ele até aumentasse mais a velocidade. Era visível a quantidade de adrenalina que percorria minhas veias, misturada com uma dose incrível de endorfina e serotonina.

Estava tudo maravilhosamente maravilhoso.



O caminho até o sítio de durou exatos vinte minutos. Quinze minutos de asfalto e os outros cinco de estrada de terra, e admito que o medo tomou conta de mim novamente com aquele monte de buracos e pedregulhos. A paisagem de árvores mudara para um vasto capim onde certo gado pastava. E mais à frente eu pude avistar um casebre de madeira pintado todo de branco no meio do gramado. Uma rede estava presa em dois pilares na pequena varada, dando àquele lugar um toque ainda mais aconchegante. Não havia barulhos de carros, nem aquele cheiro forte que saía dos escapamentos, nem lojas amontoadas. Era tudo limpo... Natural...
Um pequeno lago podia ser visto mais adiante e me lembrei de certa vez ter sido traga por John para pescar ali... Ele e o senhor eram grandes amigos desde sempre. Eu contei exatamente onze cachorros enquanto a moto ia perdendo velocidade.
Cachorros de todas as raças, cores e tamanhos, os quais vieram correndo em direção do dono assim que ele recostou sua moto em uma cerca que separava a casa do vasto pasto dos bois.
“Hey Bradock!” disse sorridente ainda em cima da moto. Bradock era um cachorro enorme da raça boxer e fiquei até assustada quando o mesmo pulou e ficou em cima de suas duas patas traseiras, fazendo-o ficar do tamanho de . Os outros dez cachorros pulavam ao nosso redor, latindo e abanando seus rabos para chamar nossa atenção.
desceu da moto e me deu a mão para eu fazer o mesmo.
Uma vergonha enorme me abateu obviamente, e eu empaquei onde estava enquanto continuava andando.
“Hey!” ele me gritou assim que notou a minha ausência. Eu olhava para o meu tênis desgastado e apertava firmemente as alças da minha mochila, repensando no que eu estava prestes a fazer. Talvez tudo não passava de um engano. Eu não poderia abusar da bondade de e seu pai dessa maneira! Não era certo!
“O que foi?” se aproximou de mim e perguntou apreensivo, me olhando docemente. Fraquejei. E isso me fez pensar que tudo aquilo era realmente uma péssima idéia. Aquele frio na barriga não era normal, e eu tinha certeza de que pioraria se eu continuasse ali mais um segundo.
“Nada...” me rendi àqueles olhos. Era impossível não se sentir tranqüila quando eles me encaravam. Eu poderia ficar perdida neles e recusar ajuda para me achar novamente.

então estendeu sua mão e continuou a me encarar apreensivo. Olhei-a e um milhão de coisas passaram pela minha cabeça. E um bilhão de sentimentos. Eu não os entendia. Nenhum romance explicava o que eles eram, e eu nunca tive a mínima noção do que eles seriam.
Segurei sua mão e vi um sorriso abrir em seu rosto, me fazendo abrir um sem pensar duas vezes.
Andamos a passos largos em direção a casa com os cães aos nossos calcanhares. Subimos os quatro degraus da frente e alcançamos a porta. Assim que a abriu, um cheiro delicioso invadiu minhas narinas e fez meu estomago roncar.
“Pai?” chamou pelo senhor Lewis mas sem receber resposta.
Passei os olhos pelo interior da casa. Estávamos em uma salinha com dois sofás, uma estante em frente dos mesmos com uma grande vitrola, entretanto sem televisão. e seu pai não eram chegados em modernidades.
Não haviam paredes separando aquele cômodo da cozinha, havia apenas um balcão de pedra.
“PAI?” chamou mais alto, indo já em direção ao corredor mais à frente. De repente vimos um homem aparecer como um vulto atrás de nós. Ele tinha cabelos e bigodes grisalhos, era alto e seu corpo era atlético para sua idade. Usava uma calça jeans rasgadas no joelho e suja de terra, uma camisa xadrez vermelha e uma botina marrom com manchas de lama nos pés.
! Como é bom te ver!” o pai de disse com uma expressão verdadeira de felicidade. Eu percebi pelo seu enorme sorriso.
O senhor veio de braços abertos em minha direção, me dando um forte abraço ao chegar perto de mim, rindo feliz em meu ouvido.
“É bom te ver também, senhor ” falei sincera, retribuído o abraço na mesma intensidade.
“Como você está bonita!” o mais velho disse me analisando dos pés a cabeça. “Até mais do que costuma comentar...” falou por fim e pela minha expressão totalmente envergonhada – juntamente com minhas maçãs do rosto avermelhadas – ele riu. Olhei para e o garoto olhava para os pés, tão tímido quanto eu. Sorri singelamente. Senhor Lewis pigarreou.
“Bem, disse que estava indo te buscar não sei onde, então tratei de fazer um almoço especial para você” ele depositou uma mão em meu ombro direito e começou a me conduzir até a cozinha. Novamente olhei o garoto de relance e este deu de ombros, rindo.
“Não precisava se incomodar, tio Lewis” a cada hora que passava eu ficava ainda mais envergonhada com a minha falta de vergonha por abusar de toda aquela hospitalidade.
“É um prazer receber a filha do grande John em minha humilde residência. Isso é o mínimo que posso fazer” tio Lewis rebateu apreensivo, como se estivesse me dando um sermão.
“Exatamente o que eu disse” entrou no clima do pai, me fazendo rolar os olhos. “Espero que goste de purê de batata. É a minha especialidade” pai deu uma piscadela.
“Adoro” sorri e vi tio Lewis rir satisfeito.
“Pai, a vai passar uns tempos aqui em casa...” nem ao menos pediu ou esperou eu ir a algum outro lugar para que ele pudesse pedir permissão ao pai. Quis morrer.
“Isso vai ser ótimo!” o mais velho nem ao menos perguntou o porquê, simplesmente começou a bater palmas. Se eu fosse ele, me expulsaria dali por ser tão abusada. “Leve-a ao antigo quarto de sua irmã” dirigiu-se ele a . “Sinta-se à vontade, ” sorriu abertamente, me fazendo relaxar meus músculos do ombro gradativamente.
Então segui pelos outros cômodos da casa, passando por um pequeno corredor com diversos quadros relativamente abstratos pendurados. Mais tarde eu os observaria de perto...
Então no fim daquele estreito corredor, abriu uma porta de madeira, dando lugar a um pequeno quarto. Era perfeito. Uma cama, uma escrivaninha, um guarda-roupa e uma janela para a vasta natureza daquele sitio. Eu não precisava de mais nada.
Joguei minha mochila – que por falar nisso já pesava em meus ombros tensos – na cama e fui observar a vista da persiana. Um vento percorreu meus cabelos, fazendo-me inspirar o máximo de ar que meus pulmões podiam agüentar. Os cachorros brincavam livremente pelo pasto, correndo atrás de galinhas e eu podia até escutar o senhor Lewis gritar com os mesmos da cozinha.
Olhei pelo meu ombro e vi colocando uma roupa de cama em cima da escrivaninha.
“Aqui tem toalha, lençol, essas coisas...” ele mexeu despreocupado nos cabelos, deixando-os ainda mais desarrumados.
“Muito obrigada ... De verdade” sibilei gratificada.
“Pare de agradecer, . Você é de casa agora” ele respondeu no mesmo tom apreensivo do pai a minutos atrás, sorrindo logo após.
Olhei para meus pés e o vi se aproximar, tirando uma mexa de cabelo que tampava meu rosto e colocá-la atrás de minha orelha. Como a típica covarde que eu era, não fui capaz de olhá-los nos olhos, entretanto pude sentir seus lábios quentes tocarem minha testa.
“Vou te deixar um pouco a sós com seu novo aposento. Daqui a pouco te chamo para o almoço...” o garoto disse quase num sussurro e saiu do meu novo quarto logo após.



O almoço foi de longe o mais engraçado da minha vida. Tio Lewis era o maior palhaço e me fazia jorrar suco para fora da boca toda vez que me fazia rir. Falou mal da família real britânica – chamando-os de parasitas – do ridículo ideal-político bipolar dessa nova geração, falamos de Lord Byron à Shakespeare – assunto que me interessou e me fez falar mais que a língua – enfim, aquele tipo de conversa cultural e com fundamentos.
Depois da refeição, e seu pai se ofereceram a me mostrar toda a extensão do sitio, contando casos do mais novo em cada canto do lugar, incluindo algumas que envolviam meu pai e eu. Um fato que eu ao menos lembrava, certa vez fui me aventurar pelo lago congelado pelo inverno rigoroso, patinando e fazendo piruetas sobre ele. Até que pulei sobre uma parte não tão rígida e cai sobre a água extremamente gélida e quem pulou imediatamente para me salvar, fora – seguido de meu pai.
Enquanto o senhor Lewis contava, observava a grama que pisávamos, os pássaros que voavam, os patos que nadavam no lago, tudo para evitar o contato com meus olhos indagadores sobre ele a cada palavra de seu pai, o qual falava subjetivamente de uma paixão de infância que tivera por mim. Ao invés de me sentir envergonhada, senti uma profunda curiosidade em saber se era verdade.

E após longos minutos – que passaram rápidos até demais – vimos o sol se pôr, dando lugar a um céu ofusco e cheio de pontinhos brilhantes, então nos dirigimos à casa novamente. Tio Lewis nos preparou um sanduíche rápido e enquanto comíamos, escutávamos um vinil antigo do Louis Armstrong e a casos da juventude do pai de . Eu estava vidrada em todas as histórias que o mais velho contava sobre a segunda Grande Guerra, a qual participou, e sobre o que fazia para não ficar maluco ou se matar como seus grandes companheiros de batalhas fizeram.
Hora e outra eu podia sentir os olhos do filho sobre mim, e quando via que o mesmo mudara o rumo de seu olhar, tratava de observá-lo.
No final da conversa, recolhi os pratos e os levei até a cozinha, lavando-os em seguida – e escutando e o pai resmungarem e quase me baterem para tirar a louça de minhas mãos.

“Anda, vamos dormir” me empurrava para fora da cozinha e não escutava aos meus protestos. Aquilo era o mínimo que eu podia fazer!
“Você também não facilita pra mim, né !” falei entre dentes assim que ele me empurrou para dentro do quarto.
“Ah, pelo amor de Deus, ! Você é nossa visita” o garoto disse com o cenho franzido numa expressão de braveza.
“Mas você disse que eu sou de casa” rebati e dei de ombros. Qual seria sua resposta agora?
“E você por acaso lavava os pratos na sua casa?” ele questionou, e ao invés de fazê-lo ficar sem graça, que ficou assim fui eu.
“Peste” rolei os olhos e lhe dei um murro em seu braço, fazendo-o rir e se encolher. Um silêncio se instalou no cômodo assim que nossas risadas cessaram, então eu tratei de procurar algo para fixar os meus olhos.
“Boa noite, se aproximou do meu rosto, e enquanto eu esperava por um simples beijo na bochecha, senti aqueles lábios familiares tocarem o canto da minha boca e meu coração palpitou como nunca havia feito antes.
Eu assustei. Assustei com os milhares de sentimentos que formigaram em meu corpo no mesmo segundo. Não seria capaz de descrevê-los.

Quis fugir.
Quis agarrá-lo.
Meu coração acelerava;
E depois parava bruscamente.
Fiquei sem ar;
E depois ofegante.
Era tudo certamente errado.
Estava tudo confusamente claro.

No momento em que o garoto se afastou e olhou-me com ternura, tive coragem de encará-lo de volta pela primeira vez em tempos e cheguei à uma conclusão: estava colocando minha vida de cabeça para baixo.
E naquela noite, ele invadiu meus sonhos.
Invadiu meus sentimentos.
Invadiu meu coração...


Capítulo 15.
                                          Take me to your heart


Acordei confusa e, por alguns segundos, estranhei o lugar em que me encontrava. Mas nos outros instantes, todos os acontecimentos do dia anterior passaram pela minha cabeça rapidamente, e então suspirei.
Levantei-me lentamente e espreguicei. Arrumei a cama e em seguida fui em direção ao banheiro que havia me apresentado, o qual era em frente ao meu quarto.
Quando cheguei no batente da porta, percebi que o garoto estava lá dentro apenas com uma toalha amarrada em sua cintura e arrumava o cabelo - se é que passar a mão insistentemente por ele para deixá-lo bagunçado se chamava arrumação. Fiquei estática.
Eu já vira o tórax de descoberto milhares de vezes, mas nenhuma delas me atraiu tanto quanto aquela. Eu obviamente estava o vendo com olhos diferentes. Eu não negaria isso a mim.
Seu corpo era incrível. Indefectível é a palavra certa. Assim como o todo que consistia aquele garoto. Seu abdome era perfeitamente moldado pelos tantos esportes que praticava, seus braços eram relativamente fortes e se contraiam à medida que ele os dobrava para levar até a cabeça.
Enfim, eu estava babando. Literalmente babando. Minha boca entreaberta mostrava minha fascinação e eu me peguei pensando se todos os dias eu acordaria com aquela visão. Eu seria feliz para o resto da vida...
Como se percebesse que alguém o observava, olhou em minha direção naturalmente, fazendo-me assustar e em um ato infantil corri para dentro do quarto. Como eu era patética, não me canso de repetir. Ao invés de disfarçar e fingir que não havia percebido sua presença ali, fui criança a ponto de me esconder.
Comecei a mexer em minha mochila, procurando algo que eu nem ao menos sabia o que era, apenas para simular um falso auto-controle.
Senti que ele havia entrado no quarto, mas obviamente não ousei olhá-lo. Minha vergonha era maior do que à vontade de observar aquele corpo perfeito novamente.
“Bom dia ” disse o garoto com um senso de humor incrível, e eu sabia que ele estava se segurando para não rir da minha situação ridícula.
“Bo-bom dia...” cocei minha nunca e continuei a (fingir) procurar qualquer coisa na mochila. v “O que está procurando?” indagou ele,ainda com aquele sorriso na voz.
“Er... Minha escova de.. de dentes...” falei a primeira coisa que me veio à cabeça e dessa vez o escutei dando um risinho.
“Não seria essa que está no bolso da sua bermuda?” apontou para a peça de roupa no meu corpo, a qual realmente continha minha escova. Eu simplesmente devia aprender a mentir melhor. Então meu estômago se afogou em minha mácula.
“Oh! Achei!” ri nervosa, pegando a escova do bolso da minha bermuda e balançando-a no ar. “Obrigada ...” falei rapidamente e passei pelo garoto numa velocidade incrível até chegar ao lavabo.
Tratei de colocar a pasta dental na escova e a enfiei na boca para que eu não soltasse nenhuma outra baboseira que pudesse me deixar ainda mais envergonhada.
“Venha tomar café depois que terminar ai, okay?” o escutei falar vagamente, já que fiquei encarando a privada ali perto. Apenas chacoalhei minha cabeça e o garoto me deixou a sós com a minha ignomínia.


Quando eu finalmente cheguei na cozinha, levei um novo susto ao ver John (sim, meu pai) sentado no sofá da saleta dos .
“Pai?” eu demonstrei surpresa, mas na verdade eu estava incrivelmente feliz por vê-lo. Eu havia saído de casa tão impulsivamente que nem ao menos tive tempo de me despedir ou dar uma explicação.
“Oh, minha pequena” o homem se levantou ligeiramente do sofá e veio em minha direção, abraçando-me fortemente em seguida. Retribui com toda a força que eu tinha e senti que a qualquer momento eu poderia desabar em choro ali mesmo. “Você quase me matou do coração, querida” John continuou, colocando minha face entre suas duas enormes mãos e me analisou, como se procurasse alguma coisa errada.
“Me desculpe, papai. Eu simplesmente perdi a cabeça e ainda não tive tempo de pensar em tudo que aconteceu...” falei sincera, deixando uma lagrima indesejada rolar pela minha maçã do rosto. John novamente me envolveu com seus braços e uma vontade gritante de voltar para casa com ele me abateu. Não que eu fosse uma ingrata ou que quisesse voltar a morar no mesmo teto que Marry, mas aquele homem na minha frente era tudo de mais importante que eu tinha na vida, e agora que repensei em tudo que eu havia feito, deixá-lo sem nenhuma explicação me pareceu um ato imperdoável.
“Meredith me contou tudo o que aconteceu. Eu mesmo estou pasmo com sua mãe, ela está totalmente pirada! A mulher surtou de vez!” meu pai fazia tudo aquilo parecer uma grande piada com aquele tom de voz despreocupado e eu não pude conter um riso debochado. “Discutimos muito no dia. O que ela fez simplesmente passou dos limites! Já falei com meu advogado, ele está preparando os papéis do divorcio agora mesmo...” ele continuou, mas meu coração apertou naquele instante. Eu havia escutado direito? Escutei mesmo a palavra divórcio?
“O-o que?” meus olhos arregalaram e senti uma falta de ar repentina. Certo, eu não suportava Marry em alguns aspectos, mas aquela mulher não deixava de ser minha mãe! E eu não queria ver minha mãe e meu pai separados! E por minha culpa! “O senhor não pode fazer isso por minha causa, pai!” alterei minha voz sem ao menos perceber, e em instantes, já estava andando de um lado para o outro totalmente descontrolada.
“Filha, isso não é por sua causa! Quero dizer, em parte é, mas eu já venho pensando nisso há muito tempo! Isso só foi mais um motivo para eu ter certeza de que não agüento mais as loucuras de Marry!” ele colocou as mãos sobre meus ombros, me fazendo parar e olhá-lo nos olhos. “Isso é uma coisa natural filha... E além do mais, divórcios estão na moda...” o homem deu de ombros fazendo-me questionar sua sanidade mentalmente. Após alguns segundos refletindo, simplesmente ri e cheguei à conclusão de que toda a família era louca. Cada louco com sua mania. Ou moda.

Tio Lewis nos chamou para tomar um cafezinho e comer cookies, então meu pai e eu nos direcionamos a mesa no centro da sala. Tomamos café tranqüilamente, eu ria sem parar das piadas sem graça de John e Lewis, cada uma era pior que a outra. Meu pai me pediu para voltar para casa, mas eu o convenci que não voltaria mais, que eu finalmente havia encontrado um rumo e uma nova motivação para minha vida: ser independente. Apesar dos meus dezessete anos, me achava responsável o suficiente para viver a minha própria vida. Ele concordou comigo e se ofereceu para me ajudar a achar um apartamento o quanto antes, apesar da insistência do senhor para que não tivéssemos pressa, que eu poderia ficar ali o quanto eu quisesse. Mas eu simplesmente não queria colocar o fardo das minhas ações inconseqüentes nos ombros de mais ninguém.
No meio da conversa, comentou sobre um churrasco que aconteceria ali no sitio naquele mesmo dia, então meu pai ofereceu carona até a cidade para que pudéssemos comprar os suprimentos necessários e pegaria cada um dos nossos amigos em suas respectivas casas, já que John estava de caminhonete.
Então após estarmos bem servidos, ligou para , , e para que se preparassem para buscarmo-los. Os demais convidados viriam depois das duas da tarde.
Partimos na caminhonete vermelha de John até Bolton escutando Jerry Lee Lewis em um volume estrondoso, seguido da voz de meu pai em cada música.


“Certo, então vamos” colocou a ultima caixa de cervejas na carroceria da e todos os seis pularam na mesma.
“Todos prontos?” John perguntou com a cabeça para fora da janela e todos nós concordamos.
Estávamos em frente ao mercado principal da cidade, e havíamos comprado dez caixas de cerveja e alguns petiscos. Um boi já havia sido preparado no sítio e a função de assá-lo ficaria para o senhor .
“Prontos!” gritou e bateu no capo de latão. Meu pai então engatou a caminhonete e no outro segundo já estávamos em movimento.
Nós seis, , , , , e eu respectivamente, estávamos sentados na beirada da carroceria e sentíamos o vento cortante passar pelas nossas faces enquanto bagunçava bruscamente nossos cabelos.
“Aumenta o som aí, tio !” gritou e meu pai imediatamente aumentou o volume, e reconheci Shake, Rattle and Roll imediatamente. Todos nós gritamos no exato momento e não tardamos a cantar, juntamente com nosso rei e com toda voracidade de nossa alma.
Não há como explicar toda aquela áurea boa que nos rondava, especialmente quando estávamos juntos. Separados, sempre tínhamos a sensação de que algo faltava, alguma parte de nós estava incompleta.
E quando nos encontrávamos, podia ser cinco minutos ou cinco anos, que nada entre nós mudava. Era sempre aquela mesma alegria, a mesma gritaria, a animação, os assuntos totalmente desconcertados e sem sentido algum, ou quando resolvíamos levar algo a sério, falávamos desde política a estudos.
I SAID SHAKE, RATTLE AND ROLL! SHAKE RATTLE AND ROLL!” gritávamos com toda a avidez que conseguíamos, fazendo até John entrar em nosso clima e cantar junto.

Uma observação que devo fazer, é sobre as trocas de olhares constantes entre e eu. Eu já não conseguia evitar ou me controlar. Eu havia me tornado descarada mesmo. Não tinha culpa se somente agora eu havia reparado no quão fascinante aquele garoto era. Eu me surpreendia mais e mais a cada minuto que passava, cada palavra sua dita era um mistério a ser desvendado, cada olhar me causava uma sensação diferente, cada sorriso me fazia delirar... Principalmente aquele sorriso que dançava apenas no canto de seus lábios, fazendo com que apenas pequenas partes de seus dentes aparecessem. Apesar daquele onde todos eles apareciam em uma gargalhada estrondosa era realmente encantador...

“TIO JOHN, PARE A CAMINHONETE!” um grito de nos fez parar de cantar no mesmo momento e todos olharam-na assustados. Meu pai obviamente freou o veículo bruscamente, e saiu rapidamente do mesmo.
“O que foi, meu amor?” segurou a garota pelos ombros, totalmente desorientado pelo grito que sua namorada havia dado.
“Olhe só aquele bezerro!” apontou para um animal deitado na beira do acostamento do asfalto. Todos nós olhamos na direção em que ela apontara. “, não acredito que você nos deu esse susto para mostrar um bezerro!” disse furioso, com o tom de voz totalmente alterado.
“Olhe só a cara dele! Olhe como ele está abatido... E sozinho!” ela fez uma cara de total pobre-coitada, fazendo-nos todos quase perder o controle com a garota. tinha essa incrível mania ambientalista de sentir extrema pena de animais isolados, maltratados e afins. Mas nos assustar daquela forma fora realmente loucura.
“E daí? É a lei natural da vida! Alguns animais nasceram para viver sozinhos!” rebateu, fazendo gestos bruscos com a mão.
“Não seja tolo, ! Bois e vacas não nasceram para viverem sozinhos! E este pobre bezerro está sem sua mãe e seus amigos! Olhe como está desnutrido!” ficou de pé e agora os dois engataram uma discussão totalmente sem nexo e , , , John e eu ficamos apenas assistindo àquela cena absorta. Aqueles dois eram realmente loucos.
“Como você sabe? É capaz de ler mentes de bezerros? Espero que não possa ler a minha, porque estou xingando você de todos os nomes possíveis nesse momento!” continuava com seus gestos expressivos e estava ficando vermelho de tanto falar.
“Respira, disse alheio, achando total graça daquela cena. e estavam discutindo sobre um bezerro. E nós parados no meio de uma rodovia. Morreríamos e o bezerro continuaria ali desnutrido e sozinho.
“Vamos logo levar a droga do bezerro com a gente” cochichou aos que não estavam discutindo e então nós pulamos da carroceria sem que ao menos os dois inúteis notarem nossa ausência. John veio atrás totalmente empolgado com nossa idéia benfeitora.
Assim que chegamos perto do bezerro branco cheio de manchas pretas, o mesmo se assustou mas não teve forças para se levantar e fugir. Sorte a dele é que queríamos ajudá-lo.
John se abaixou junto com os outros três garotos e todos fizeram um esforço para levantar o animal e colocá-lo na carroceria.
Meu pai até voltou a dirigir e os benditos, e , continuavam a discutir, mas agora sobre vegetarianismo.
“CÉUS, O QUE ESSE BICHO ESTÁ FAZENDO AQUI?” berrou após olhar o animal desnutrido deitado ali no meio.
“Estamos salvando essa pobre alma” disse com uma feição imaculada. se encolheu no canto, com medo de que o pobre bezerro pudesse atacá-lo. Mas a situação do bichinho era realmente de dar dó.
“Oun, pobre bezerrinho” se agachou e acariciou a cabeça do animal, que estava estatelado e parecia mal conseguir abrir os olhos.
“A partir de hoje ele é o nosso mascote” disse animado, olhando de um e um para analisar nossas feições.
“Acho uma ótima idéia” eu opinei, totalmente alegre com o fato de termos um mascote. Era uma idéia bastante original. E o animal no final das contas precisava de ajuda mesmo...
“Temos que arranjar um nome pra ele...” fez uma cara de pensativo, como se procurasse no fundo de sua mente um nome – provavelmente sem nexo – ao bezerro. “Que tal Churrasquinho?” ele arregalou os olhos feliz, totalmente cheio de si pelo super nome. Que na verdade era totalmente maldoso.
“ESTÁ LOUCO? QUER COLOCAR O NOME DO BEZERRO DE CHURRASQUINHO?” resmungou como previsto, dando um tapa estralado nas costas de do namorado.
“Voto pelo Churrasquinho” levantou a mão, recebendo um olhar furioso de . Deu de ombros.
“Dois votos pro Churrasquinho” foi a vez de desaforar nossa amiga, deixando-a cada vez mais vermelha de raiva.
“Agora são três” disse alheio, sem ao menos encarar . Todos olharam para mim ansiosos.
?” me pressionou e o olhar assassino dela me deu medo. Se eu votasse pelo Churrasquinho – que era realmente engraçado – me mutilaria. Se eu não votasse, os meninos me mutilariam. Eu seria esquartejada de qualquer maneira, então que se danasse.
“Seja bem-vindo, Churrasquinho” sibilei olhando para o bezerro que agora tinha os olhos fechados, e tudo que escutei foram os gritos graves dos garotos em vitória, e percebi a cara de esterco que minha melhor amiga fez.


O sítio já estava lotado. Havia pessoas em todos os lados, na beira do lago, em cima das porteiras, dentro do curral...
Tio Lewis e John se divertiam enquanto assavam uma carne de carneiro e bebiam, e meus amigos e eu estávamos sentados na grama jogando ‘Eu não bebo’ com tequila. O jogo era simples: cada um trocava de nome com outra pessoa, por exemplo, eu trocava de nome com o , o trocava de nome com o , o trocava de nome com o , o trocava de nome com a , a trocava de nome com o , e o trocava de nome comigo.
“O não bebe, quem bebe é o ” eu disse com um copo de tequila na mão. No caso, a teria que responder, já que ela havia trocado de nome com o . Se o menino respondesse, ele teria que beber a tequila.
Obviamente eu estava perdendo. Antes de termos começado a brincadeira, já havia bebido quatro latinhas de cerveja com meu pai, então as coisas começavam a ficar confusas. Eu sempre respondia quando alguém dizia meu nome, ou esquecia de responder quando diziam o nome do . Já havia perdido a conta de quantos copos eu já havia virado.
“O não bebe, quem bebe é a disse, e como meu cérebro já estava todo atrapalhado, fui incapaz de lembrar que agora eu era o .
“A NÃO BEBE!” gritei bem alto, levantando o copo para cima e deixando gotas de tequila caírem em e que estavam do meu lado.
“EU SOU A !” gritou me dando um empurrão e me fazendo cair no ombro de . Todos nós disparamos a rir e eu tampava meu rosto de vergonha pela minha ‘tontura’.
“VIRA! VIRA! VIRA! VIRA!” todos começaram a gritar e eu mandava língua de volta. “Enche essa merda!” gritei e entreguei o copo a , que colocou tequila até o final do pequeno copo. Virei todo aquele liquido garganta abaixo, sentindo-o rasgá-la e queimar meu estômago no final. Não contive a careta após ingerir aquela bebida amarga. Estávamos bebendo-a pura, sem sal ou limão.
“A não bebe, quem bebe é o disse e eu deitei minha cabeça no ombro de . Fechei meus olhos e no momento seguinte desejei não o ter feito. Tudo girava na velocidade da luz e cheguei a sentir meus pés saírem do chão.
!” todos gritaram e eu abri meus olhos assustada, sentindo minha mente rodar ainda mais veloz.
“MERDA!” bufei após perceber que eu havia esquecido de responder. “Vocês estão fazendo de propósito” fiz uma cara – bêbada – emburrada enquanto enchia meu copo rindo.
“Você é quem está fazendo de propósito, alcoólatra” ela disse após terminar e me entregou a bebida novamente. Meu estômago embrulhou assim que senti o cheiro da tequila invadir minhas narinas e tive que prender minha respiração para ser capaz de jogar todo aquele álcool novamente para dentro de mim.
“AAH!” gritei enraivecida após o gosto amargo me invadir novamente, e fiz menção de levantar-me dali, caindo em cima de na mesma hora.
“Calma ai, !” o garoto disse rindo enquanto eu envolvia seu pescoço com meus braços, totalmente fora de mim.
Havia esquecido até do fato de que meu pai estava ali, mas ele provavelmente estava pouco importando já que estava no mesmo estado que eu.
“Chega pra você, né?” forjou uma cara de brava e eu simplesmente peguei a garrafa da bebida que estava no meio da roda, levantei rapidamente e saí correndo, escutando os risos misturados a gritos logo atrás de mim.
“Volte aqui com essa garrafa, sua alcoólatra!” gritou, e percebi que agora todos corriam atrás de mim, enquanto eu não era capaz de parar de rir ou realizar como eu estava conseguido correr.
Estávamos no meio do pasto verde, o céu extremamente azul acima de nós e eu nada via além de borrões na minha frente.
“AAAAAAAAAAH” escutei um berro atrás de mim, e sem eu ao menos poder fugir, meu corpo estava no ombro de , o qual agora corria feito louco.
Senti que eu poderia cair, voar, regurgitar, desmaiar, tudo ao mesmo tempo. O álcool que eu havia ingerido há minutos foi todo para minha cabeça e eu nunca me senti tão bêbada em toda a minha vida. Deixei a bebida cair na grama, e no mesmo instante a pegou e começou a virar o liquido puro.
ainda corria comigo em seu ombro, enquanto eu me debatia e implorava para que ele parasse, entretanto não conseguia parar de rir.
O garoto foi diminuindo a velocidade e no momento seguinte me colocou deitada na grama, deitando-se ao meu lado de imediato.
Eu mantinha meus olhos fechados, mas ainda ria sem motivo. Minha barriga já começava a doer.
“Acho que nunca fiquei tão bêbada na minha vida...” falei com dificuldade e abri meus olhos lentamente, sentindo a luz do sol fazê-los doer.
“Você já ficou sim. Mas é que sempre fica bêbada demais para perceber” o garoto disse alheio, também tropeçando nas palavras e rindo logo após de dizê-las. Era possível escutar meus amigos gritando a fundo. Virei um pouco minha cabeça para trás e pude vê-los correndo atrás de a fim de pegar a garrafa de tequila da mão do garoto.
Soltei uma risada e movi meu rosto na direção que o de se encontrava, pegando aqueles olhos intensos me encarando. Eu estava totalmente fora de mim, isso eu não podia negar. Ainda via tudo embaçado e desfocado, mas aqueles olhos continuavam a me dar medo e a perfurar toda minha alma. Eu tinha a certeza absoluta que podia ler minha mente tamanha era a força que seus olhares tinham sobre mim. Talvez ele também pudesse me controlar...
“Você sabe o que eu estou pensando, não sabe?” perguntei, encarando-o profundamente e sentindo o álcool me confundir a cada segundo.
“Bem que eu queria...” o garoto respondeu embaralhado, deitando-se de lado e apoiando sua cabeça em uma das mãos. “No que você está pensando?” ele perguntou baixinho, franzindo o cenho e esperando pela minha resposta.
Eu, em sã consciência, ficaria calada, coraria e sairia correndo. Mas toda aquela cena estava muito engraçada a meu ver, e uma coragem – ou tolice – incrível me dominava. Eu poderia ficar eternamente alcoolizada.
“Penso que você é lindo” falei sem pensar e sem me arrepender, observando cada traço do rosto de , analisando-o com uma audácia que nunca tive antes. Vi um sorriso singelo e quase imperceptível brotar no canto de seus lábios perfeitos e convidativos e não evitei falar mais. “Seu nariz é lindo” passei a ponta do meu dedo em toda extensão de seu nariz perfeitamente esculpido sob medida para ele. “Seus olhos são os mais lindos que eu já vi...” falei quase em um sussurro, subindo meu dedo sobre as pálpebras do garoto, o qual as fechou no exato momento, me deixando traçar o desenho de seus olhos. “Abra-os” sussurrei assim que terminei de examiná-los, e vi o garoto obedecer em seguida. Eram definitivamente os mais lindos que eu já vira em toda a minha vida. Eu cheguei à conclusão de que queria sempre aquele olhar sobre mim. Que não sentiria mais intimidada sobre eles, que iria devolver toda a intensidade depositada em mim.
Naqueles olhos haviam coisas que eu não podia entender, segredos que eu desejava desvendar, desejos que eu queria realizar, pensamentos que eu queria escutar... Eles eram misteriosos, não me respondiam os milhares de questionamentos que pulsavam na minha mente.
“No que você está pensando?” foi minha vez de querer saber. Já que eu não podia lê-lo de maneira alguma, poderia ao menos escutar vindo dele mesmo.
Vi fechar os olhos e suspirar profundamente. Ficou em silêncio por longos minutos e uma agonia persistia em me abater.
“Nesse momento tudo está confuso...” ele disse tão baixinho que tive que me esforçar para ouvir. “Mas eu posso te afirmar uma coisa... Você é o pensamento constante da minha mente...” disse num sussurro e abriu os olhos lentamente. Não sei se era a bebida... Não sei se eram aqueles olhos em cima de mim... Mas tudo desapareceu em um segundo. Minhas emoções estavam embaralhadas então não seria capaz de descrevê-las com a devida complexidade que elas mereciam. Engoli seco.
...” chamei-o com toda a força que meu ser permitia, e ainda me pareceu pouco. Meus olhos se fecharam sem minha permissão e minha respiração descompassada começava a me entorpecer.
“Sim...” escutei o garoto responder no mesmo tom calmo e palpitante que eu. Senti minha respiração vacilar novamente e um gemido indesejado sair da minha garganta.
“Você também anda sendo meu pensamento constante...” tirei aquele peso de cima de mim, que andava me torturando nos últimos tempos. Eu admiti naquele momento, não só para mim, mas como para o torturador. Não tinha mais como fugir daquilo que eu sentia mas negava sentir. Não tinha mais como ignorar o frio na barriga constante, as gotas de suor que caiam da minha mão ao escutar sua voz, do coração querendo partir as costelas...
Naquela hora, minha coragem havia se fugido para algum lugar longe, então não fui capaz de abrir meus olhos. Mas pude escutar o garoto soltar uma risada baixinha.
Antes que eu pudesse protestar, ele disse:
“Você não tem idéia do quão bom é escutar isso de você...”
Eu apenas sorri, sem entender muito bem o que aquelas palavras significavam. Ainda de olhos fechados, senti a mão do garoto encostar-se à minha, e envolvê-las de tal maneira que pareciam peças encaixadas de um quebra-cabeça.
No instante seguinte, senti seus lábios tocarem de leve a minha mão. Repetiu o movimento algumas vezes, dando vários beijos na mesma e me entorpecendo ainda mais.
Aquele garoto estava fazendo minha razão se embaralhar de uma forma absurda, bagunçando meus sentidos e minhas emoções de uma forma já irreversível. Era tudo novo, confuso, abstrato, intenso...
“O que você está fazendo comigo?” minha voz vacilou. Eu precisava daquela resposta. Eu precisava de ajuda. Ajuda para entender tudo que estava acontecendo.
“O que você sempre fez comigo” o escutei responder. Sua voz estava perto, seu hálito de tequila misturado com menta batia no pé do meu ouvido. Nossas mãos entrelaçadas tocavam nossos troncos, mostrando o quão próximos estávamos.
Senti seu nariz tocar o meu. Senti seus lábios roçarem os meus. Senti minha respiração embaralhar com a sua. Senti minha mão livre envolver seu rosto com firmeza. Senti meus olhos abrirem e encontrarem os seus a postos para me encarar com veemência. Deixei-o lê-los e perceber que eu esperava uma atitude sua, que eu queria senti-lo de uma maneira diferente. Sim, eu queria aquilo com todas as forças da minha alma.
Nossas testas se encostaram. Vi seus olhos se fecharem e seus pulmões soltaram um suspiro agonizante. Com algum estimulo inexplicável, juntei nossos lábios de uma vez. Meus dedos entrelaçaram em seus cabelos e meu corpo foi empurrado contra o dele com força.
Em meio de um suspiro, movimentei minha cabeça de modo que nossos lábios também se movimentassem.
A língua do garoto invadiu minha boca, tocando a minha em seguida e fazendo o desejo borbulhar em meu sangue.
Nada pensava naquele instante, queria apenas aproveitar aquele momento, sentir todas aquelas correntes elétricas faiscarem cada parte do meu corpo...
Meu peso caiu sobre , fazendo-o deitar totalmente na grama, sem ao menos partirmos nossa boca.
Eu estava inconsciente. Mergulhada em desejo e paixão. Fogos de artifício agitavam meu estômago. Minha boca parecia tão perfeitamente encaixada na do garoto que era difícil até lembrar de respirar.
Minha mão grudada em sua face nos separou, e eu depositei um leve beijo naqueles lábios perfeitos e vermelhos.
Palavras fugiam da minha mente na hora de tentar descrever aquele momento, meus sentimentos embaralhados eram incapazes de me fazer entender o que se passava dentro de mim, e meus olhos ficados nos de palpitavam por respostas.
Selei nossos lábios mais uma vez. Suspirei, deixando extravasar a tensão do meu coração.
Olhei para o garoto novamente e a surpresa saltava de suas órbitas. Podia sentir – por cima dele – seu peito movendo rapidamente para cima e para baixo, ofegante. Eu não sabia o que falar. O álcool havia me abandonado há muito tempo. Prevenindo-me de ter que dizer qualquer coisa, deitei-me novamente na grama ao seu lado, mais especificamente sobre seu tórax. Entrelacei nossas mãos novamente e escutei seu coração palpitar fortemente contra seu peito, fazendo um sorriso se abrir indecentemente em meus lábios.
Era aquilo. Não precisávamos de palavras. Nossos atos falavam por si sós.


Capítulo 16.
                                          Baby, if you’ll give me all of your love


Minha cabeça latejava. Minha têmpora palpitava fortemente, me fazendo levar a mão até a testa e apertá-la fortemente na inútil tentativa de fazê-la parar de doer. O quarto rodou algumas vezes e uma ânsia me invadiu.
Lembrete: exagerar na tequila nunca é bom. E não havia ressaca pior do que a dessa bebida, definitivamente.
Levantei lentamente tentando evitar uma dor maior, mas fracassei. Olhei para os lados. Não tinha a mínima idéia de como havia parado ali. Não me lembrava de ter entrado no quarto, de ter colocado minha camisola, não lembrava de...
CÉUS! O que eu havia feito ontem? Fora um sonho ou eu realmente havia beijado ?
Meu estômago revirou com a possibilidade e no instante em que percebi que não seria capaz de guardar todas aquelas coisas ruins dentro de mim, corri em direção ao banheiro, batendo a porta ferozmente e me joguei no chão em frente à privada. Joguei tudo aquilo que me fazia mal para fora, sentindo um gosto terrível em minha boca logo após.
Lembrete: nunca mais beber tequila. Ou beber tequila e beijar impulsivamente as pessoas.
? Tá tudo bem ai?” escutei a voz de vindo do outro lado da porta. Meu estômago se voltou contra mim novamente e não pude conter o vômito novamente.
?!” o garoto repetiu, batendo insistentemente na porta. Eu jamais sairia dali novamente. Era meu lar permanente a partir daquele momento.
Bati em minha cabeça, inconformada com a minha burrice. Eu beijei o ! Eu havia o beijado! Beijei o garoto que vivia sobre o mesmo teto que eu! “, vamos lá, me responda!” seu tom de preocupação era perceptível. Cheguei à conclusão que eu seria a pessoa mais infantil – se já não era – se não encarasse aquela situação com maturidade. Lide com seus atos e as conseqüências dele. Ninguém mandou você ser uma bêbada louca e impulsiva. Levantei-me do chão e fui em direção a pia para escovar os dentes e tirar aquele gosto horrível da boca. Joguei água fria em meu rosto, a fim de acordar definitivamente e me dar um pouco de razão para encarar toda aquela situação. Com que cara eu o olharia? O que eu diria?
Eu estava perdida... Era melhor começar a procurar um apartamento naquele instante ou dormir no curral com o Churrasquinho e companhia.
“Oi... Eu estou bem...” falei com a voz vacilante assim que abri a porta do banheiro e vi um apenas de samba-canção, fazendo meus pensamentos se embaralharem ainda mais.
“Tem certeza?” ele me encarou profundamente, procurando a verdade em meus olhos. Será que eu era tão previsível assim?
Afirmei com a cabeça e andei a passos largos até o quarto, fechando a porta com força em seguida.
Fechei uma pálpebra contra a outra fortemente. Eu queria que tudo desaparecesse. E que no momento seguinte em que eu abrisse meus olhos, eu repararia que tudo não passava de um sonho confuso e sem nexo.
Os abri. Merda. Eu realmente estava perdida.
Eu queria esquecer tudo que havia acontecido, mas a cena de com seu corpo semi-nu estava dificultado.
O cheiro dele parecia estar grudado em mim desde ontem, seu beijo perseguia cada pensamento pacífico meu, o som do seu coração batendo contra seu peito batucava em meu ouvido, e seus olhos me impediam de ter qualquer razão naquele momento. Eu podia sentir todas as sensações de ontem ao fechar os olhos. E meu coração dançava inquieto dentro de mim.
Eu na verdade não queria esquecer. Queria guardar aquela cena – por mais distante e obliqua que me parecia – para sempre.
Venha tomar café, ” ouvi novamente a voz grave do garoto me chamando do lado de fora do cômodo. Eu realmente não teria paz. Eu jamais seria capaz de esquecer.
Suspirei profundamente e vesti um jeans de cós alto e uma camisa branca, a qual amarrei as bordas até o umbigo.
Abri a porta e fui em direção à cozinha em passos vacilantes e indecisos. Encarar sóbria não seria uma tarefa fácil.
“Bom dia” ele disse sorridente assim que coloquei os pés no cômodo. O garoto fazia algumas panquecas e aquele avental o caíra incrivelmente bem.
“Dia...” falei simplesmente, sentando-me na mesa e mantendo cabeça baixa. cantava uma musica que não pude reconhecer, demonstrando total alegria naquele dia. Eu poderia fazer o mesmo se a timidez não estivesse me controlando. Notei que tio Lewis não se encontrava ali, o que me fez afundar em discórdia por ter que encarar sozinha.
“Fiz panquecas de banana. Espero que goste” ele veio em minha direção com uma frigideira na mão, e colocou a comida em um prato posto à minha frente. Sorri vergonhosamente enquanto ele colocava uma panqueca para si e sentava na cadeira oposta a mim.
“Hoje tem festa na casa do disse alheio, e percebi sua tentativa de quebrar aquele clima pesado entre nós.
“Hm” enfiei um grande pedaço de panqueca na boca, evitando ter que dizer – ou fazer – qualquer besteira.
A vontade de olhá-lo estava me consumindo por dentro e tudo aquilo me parecia uma tortura horrível. Ao mesmo tempo em que tudo parecia muito errado, uma sensação de que era mais que o certo me atordoava.
Eu odiava essa bipolaridade.
...” me chamou após alguns minutos constrangedores e silenciosos, onde escutávamos apenas o barulho dos talheres trincando nos pratos.
“Sim?” respondi alheia, tentando não transparecer meu nervosismo.
“Sobre ontem...” gelei. Meus músculos travaram no mesmo instante em que as palavras do garoto atingiram meus ouvidos.
“Esqueça ” falei imediatamente, interrompendo qualquer oração que possivelmente sairia da boca dele. “Nós dois estávamos bêbados, não devemos levar em conta esses atos inconseqüentes. Você me chamou para morar aqui, e para isso dar certo, não devíamos ter feito o que fizemos ontem. Está errado!” eu vomitei as palavras em uma velocidade incrível, ficando até mesmo sem ar. Coloquei uma mão em minha testa, esfregando-a nervosamente.
Eu estava lutando contra mim mesma dizendo aquelas palavras. Tive vontade de sair correndo daquela casa e morar debaixo de uma ponte só para repetir o acontecimento da noite anterior.
Meu coração parecia chamar por ele, meus lábios formigavam para ir de encontro com os dele...
não disse uma palavra. Não me encarava também. Sua cabeça estava escorada no pulso e seu olhar direcionado ao centro da mesa. Uma expressão vazia em sua face, a qual triturou todos meus órgãos vitais. Parecia que quanto mais eu queria remediar aquela situação, mais besteiras eu fazia. Eu merecia morrer, essa era a grande verdade universal.
“Me desculpe” falei em meio de um suspiro. “Eu só estou muito confusa, . Tente entender. São milhares de coisas acontecendo ao mesmo tempo ultimamente, e o que eu menos preciso no momento é de uma complicação a mais...”
“Eu entendo. Fique tranqüila, . O que eu menos quero é tornar as coisas mais difíceis pra você...” ele disse, ainda encarando o centro da mesa.
Abaixei minha cabeça, me sentindo uma total idiota. Como eu poderia tratá-lo daquela maneira? Que tipo de pessoa eu era?

Terminei de comer minha panqueca e levei minha louça até a pia, lavando-a em seguida. Totalmente sem graça, fui silenciosamente até o quarto em que estava hospedada. Joguei-me na cama, de modo que meu rosto ficasse totalmente escondido pelo travesseiro.
Eu não sabia o que fazer, e estava cansada de não saber de nada. Cansada de não saber definir meus sentimentos, de não saber o que eu realmente queria. Cansada de ser tão racional a ponto de esquecer minhas emoções.
Você é uma verdadeira idiota, meu subconsciente me dizia, e não havia como negar.
Após alguns minutos me martirizando, fui em direção à janela – que antes estava fechada – e a abri. O sol radiante invadiu todo o quarto e uma paisagem em especial chamou minha atenção.
sentado debaixo da copa de uma grande árvore, com os joelhos dobrados apoiando uma folha de papel, uma caneta em uma mão e um cigarro na outra. Bradock deitado ao seu lado fazia força para manter os olhos abertos.
O garoto deu uma tragada profunda e encostou a cabeça no troco da planta, fechando os olhos em seguida.
Instigava-me o que ele poderia estar pensando. Provavelmente me amaldiçoava em pensamento, ou simplesmente procurava por um momento de paz, sem minhas palavras sem nexo para atordoá-lo.
Abriu os olhos e expirou a fumaça do tabaco, começando a escrever algo na folha de papel em suas pernas. Colocou o cigarro em seus lábios, e ao mesmo tempo em que escrevia, inspirava o fumo. Ele parecia ainda mais charmoso daquela maneira misteriosa.
Seu rosto nada aparentava como sempre, e uma vontade louca de poder ler o que escrevia me abateu. E outra de correr em sua direção e agarrá-lo novamente, sem pudor algum. Entretanto me contentei a observá-lo de longe, sozinho em sua abundante perfeição.



“Obrigada, . Até na festa” entreguei o capacete a ele e fui em direção aos grandes portões da casa de . Escutei o motor da moto roncar e soltar uma grande quantidade de fumaça assim que ganhou movimento.
Eu havia combinado com minha amiga de nos aprontarmos juntas para a festa na casa de , enquanto os garotos arrumavam todos os preparativos.
A minha tarde fora bastante silenciosa e torturante. e eu não trocamos mais palavras durante o dia todo e eu me arrependi de ter dito tanta coisa. Mas era melhor daquele jeito. Daqui uns dias eu arranjaria meu apartamento e tudo mudaria.
O porteiro me deixou entrar e eu trilhei o caminho conhecido por entre os jardins até a entrada principal da casa. me esperava na porta com um grande sorriso e me abraçou fortemente assim que estávamos a poucos centímetros de distância. “Como está, cachaceira?” ela disse entre risos enquanto me empurrava para dentro da casa.
“Se melhorar estraga” falei irônica e aos risos, já subindo as escadas em direção ao quarto da garota. Nenhum sinal da mãe de e eu agradeci mentalmente por isso. Com todos os conflitos internos eu não seria capaz de escutar todas as baboseiras moralistas e me comportar educadamente. E o que eu menos precisava naquele momento era que fosse proibida de andar com a filha revoltada dos . Minha amiga me emprestaria uma roupa de festa, já que tudo o que eu havia levado da minha casa eram roupas velhas.
No mesmo tempo em que nos trocávamos, me contara que todos haviam visto a minha cena com e ficaram radiando de felicidades. Bem que eu escutei vários gritos exaltados enquanto nos beijávamos... Contou também que eu adormeci no peito do garoto de tão alcoolizada que estava, e o mesmo me carregou em seu colo até o quarto, me deitando com todo o carinho e cuidado do mundo, de acordo com as palavras da minha amiga.
Claro que não pude deixar de sorrir abobadamente e meu coração saltou só de lembrar de tudo
“Não vai acontecer de novo, ” falei um tanto desapontada, sabendo que não precisava fingir seriedade perto dela. Eu poderia ser sincera e demonstrar o quão chateada eu estava com aquela situação.
“Pare de besteira, ! Por que não?” me perguntou inconformada enquanto terminava de colocar uma meia-calça nas pernas.
“Não é certo, ” falei um pouco alheia, procurando alguma roupa que me agradasse no guarda-roupa da garota. “Eu estou sob o mesmo teto que ele, o que você espera disso?” perguntei, pegando um vestido vermelho e preto e colocando-o em frente ao meu corpo.
“Um amor louco, intenso e selvagem” ela forjou uma cara sonhadora, me fazendo cair na risada e jogar uma almofada em sua cabeça.
“É disso que eu estou falando! O que eu não preciso agora é algo louco ou intenso e muito menos selvagem!” comecei a me despir para colocar a roupa escolhida. era realmente uma sonhadora louca, aquelas típicas mocinhas de livros românticos.
“Você é muito boba, isso sim. Eu com um garoto louco por mim daquele jeito, estava feita!” ela se jogou na cama. Rolei os olhos.
“Você tem um garoto louco por você para começar. E outra, não é louco por mim. Foi uma coisa de momento , tire essa ilusão da sua cabeça” eu queria me convencer de que aquilo era tudo ilusão, apenas para não ter que encarar o fato de ser uma idiota e estar correndo de algo que era tudo o que eu sonhava.
“Não vou mais discutir com você. Quando se realizar da burrada que está fazendo, a gente conversa” se deu por vencida e agradeci mentalmente por não ter que me torturar com aquele assunto por mais algum tempo. Se já não bastasse toda a minha alma se revoltar contra mim, agora também se rebelava. Era melhor deixar tudo como estava, e em questão de minutos eu já teria esquecido o assunto. Assim eu esperava.


A casa estava lotada, como era de se esperar. Todas as festas que os quatro garotos lançavam eram sempre um sucesso. Não havia um adolescente que perderia se embebedar e dançar loucamente quando eram chamados. A geração inconseqüente.
Havia um grupo bratinado¹ no jardim de entrada da mansão, os quais fumavam haxixe em um bong. Reparei que estava sentado na roda do tal grupo e pegou o bong das mãos de um garoto alto, roupas desgastadas e de rastafari no cabelo. Inalou a fumaça de dentro do objeto, jogando a cabeça para trás com uma expressão de total prazer. “Já começou” sibilou entre dentes, enquanto reparávamos no movimento antes de entrarmos.
Ao passar os olhos pelo movimento da rua, totalmente alheia, meus músculos travaram assim que avistei um carro conhecido.
Aquele carro que sempre me passava serenatas em minha casa estava estacionado em frente à casa de . Tentei digerir aquela informação, um possível porquê daquele veiculo estar ali, mas nada veio em minha mente. Não fazia sentido ele estar ali, afinal, não tinha conhecimento de nenhuma pessoa que fosse do circulo social do meu amigo e que possuísse aquele carro.
!” puxei-a pelo braço e apontei em direção ao veículo.
“O que tem?” ela perguntou desentendida.
“É o carro que sempre me passa serenata!” eu gritei, totalmente chocada e nervosa.
Escutei soltar um gritinho chocado e apertou minha mão. Olhei-a desesperada e ela me devolveu igual.
Ela me puxou pelo braço e passamos rapidamente pelo jardim e adentrando a casa. A música estridente pulsava das caixas de som, uma luz vermelha fora colocada no teto, deixando aquele ambiente ainda mais boêmio.
“DO YOU LOVE ME?” gritava enquanto passava por entre as pessoas. Eu andava na ponta dos pés e esticava o pescoço a procura de um rosto desconhecido. Eu teria que achá-lo! Era como se minha vida dependesse daquilo. Eu precisava conhecer aquele que melhorava minhas noites.
Vi George Stuart, o galã da Windsor School e primo de vir com dois copos de bebidas em nossa direção, empurrando-as em nossas mãos. George era realmente bonito. Alto, cabelos ligeiramente loiros e bagunçados, olhos verdes e um corpo admirável. Sua camisa branca estava aberta e a gravata envolvia seu pescoço, dando-o um ar ainda mais descolado.
“Como estão, garotas?” ele gritou, passando um braço em meu ombro e o outro no de . Senti seu hálito forte, com uma mistura de álcool e erva.
“Muito bem” minha amiga respondeu, tomando toda a vodka no copo em um só gole, dando um rugido logo após. “MAIS!” ela gritou veemente, levantando o copo para cima e indo em direção ao bar.
“Que animação é essa?” George fez uma careta confusa, ainda olhando se afastar. Eu também não sabia o que havia acontecido com minha amiga, então simplesmente dei de ombros. me assusta às vezes.
“Onde está todo mundo?” perguntei, não vendo um sinal nos meus amigos ali no hall da bagunça. Tudo que pude ver era um emaranhado de pessoas loucas. Garotas em cima das mesas, outros fumavam narguilé num tapete ali perto, os garotos corriam atrás das garotas, nada de muito diferente.
“Ali fora, para variar” o garoto apontou para a varanda com a cabeça e eu rolei os olhos. Obvio, meus amigos tinham essa incrível mania de não se misturarem. Não que fosse frescura, nós simplesmente preferíamos curtir isoladamente.
Fui em direção aos fundos, com George ao meu alcance. Dei um grande gole na bebida que ele me dera e meus olhos continuavam ágeis, passando por todos os cantos da casa. Nenhum sinal de um estranho candidato.
“RAFINHA!” escutei alguém gritar pelo meu nome e um corpo escurecer minha visão com um abraço.
“Como vocês são rápidos!” falei após sentir o bafo de cerveja de em meu rosto. O garoto tinha os olhos confusamente bêbados e imaginei que eles estariam bebendo desde a hora que viera para arrumar os preparativos.
“Sempre somos. Agora é a hora da bêbada mestre se juntar à nós” ele disse me puxando pelo braço e me levando à beira da piscina, onde todos da turma estavam sentados em torno de um bong como o que vi na entrada da casa.
estava inalando a substancia e vi uma expressão de prazer e relaxamento tomar conta de seu rosto. Soltou um grito logo após. Vi uma caixa de isopor ao lado do garoto e presumi que havia (muitas) bebidas ali dentro.
Tomei rapidamente todo o álcool do meu copo e fui rapidamente em direção à caixa, enchendo-o novamente de vodka pura.

[coloquem essa música para tocar agora]

“Oh, você só pode estar brincando!” gritei assim que A voz invadiu meus ouvidos. “).toUpperCase()), EU TE AMO!” apontei para meu amigo, que estava do lado da vitrola que tocava a musica. O garoto riu e veio em nossa direção.
Vi todas as pessoas de dentro do cômodo se movimentarem lentamente de acordo com a musica. Umas garotas se moviam sensualmente para os meninos, outras simplesmente se mexiam sozinhas, curtindo o som abalar seus sentidos.
Well, since my baby left me, I found a new place to dwell” cantei lentamente, seguindo a voz do meu Rei e movendo meus quadris de acordo com os acordes do piano. Fechei meus olhos e deixei-a simplesmente me levar.
It's down at the end of lonely street at Heartbreak Hotel” minhas mãos percorriam meu corpo involuntariamente, e eu não tinha a mínima noção de como as pessoas estavam me vendo naquele momento. Eu queria apenas sentir aquela música tomar conta de mim.
Tomei mais um grande gole da vodka, sentindo-a rasgar minha garganta como sempre.
Senti um cheiro forte de maconha ali perto e vi um baseado entre os dedos de . Apenas estendi minha mão e o garoto entregou o fumo a mim.
Fechei os olhos e traguei o quanto pude do fumo enrolado em papel de palha e estendi-o de volta para .
Meus quadris continuavam a se movimentar e eu pude sentir que estava flutuando. Não contive um sorriso em meu rosto, seguido de uma gargalhada. Tudo estava mais leve, suave, e tive a certeza de que nada poderia me afetar naquele momento.
Senti duas mãos envolverem minha cintura em movimento e logo em seguida, um corpo sendo colado ao meu. Meus sentidos estavam totalmente vagos, mas o sexto me dava a certeza de quem estava ali. Seu cheiro era inconfundível. Seu toque era único.
Se antes meu coração já palpitava confuso, agora ele queria sair do meu peito, de tão forte que batia.
Seu corpo se movimentava na mesma sincronia que o meu, e eles pareciam se encaixar perfeitamente.
Sua respiração falha batia de segundo em segundo no meu pescoço descoberto. Meu corpo tinha vontade própria, minha mente havia sido completamente embaralhada pelo efeito do baseado e eu simplesmente cedi às vontades do meu coração escandaloso.
Envolvi os braços de – os quais permaneciam firmes envolta da minha cintura – e entrelacei nossas mãos. Joguei minha cabeça para trás, encaixando-a no ombro do garoto. Estava tudo cada vez mais embaralhado, e meu corpo ficava cada vez mais leve. Tive medo que a gravidade pudesse me tirar dos braços de .
You make me so lonely baby” o escutei sussurrar bem próximo do meu ouvido, fazendo todos os cabelos da minha nuca se arrepiarem. “I get so lonely, I get so lonely I could die” depositou alguns leves beijos por trás da minha orelha, e o toque de seus lábios úmidos e quentes me fez delirar. Tive medo de não ter controle sobre minhas ações nos próximos minutos.
“Por que está fazendo isso comigo?” me permiti sussurrar, ainda de olhos fechados e sentindo sua boca me causar sensações incríveis. Escutei o garoto soltar um riso abafado pelo meu pescoço.
“Eu sou um tremendo egoísta, ” ele disse no mesmo tom, apertando-me ainda mais contra si. “Eu simplesmente não consigo ficar longe de você...” sibilou calmamente, beijando meu ombro dessa vez. Cravei minhas unhas em suas mãos.
“Mas... Não é certo” as palavras pareciam ser um mero suspiro. Milhares de coisas passavam pela minha cabeça, mas elas simplesmente me pareciam confusas demais. Minha língua estava mole, o que dificultava ainda mais minha tentativa de falar.
“Se fosse errado, meu coração não estaria dizendo que isso é a coisa mais certa da minha vida...” outro beijo. Me encolhi.
Por mais tonta e confusa que eu estivesse, suas palavras encaixaram-se em mim perfeitamente. Meu corpo gritava para ficar perto do dele, minhas mãos imploravam para estarem entrelaçadas nas dele, meus lábios pulsavam pelos dele. “Me prova que isso não é errado...” sussurrei, virando-me de frente à ele, encarando o mar de perfeição que eram aqueles olhos.
olhou para nossas mãos ainda entrelaçadas, e levou a minha direita até seus lábios. Depois, simplesmente me deixou ali sozinha, totalmente confusa e absorta, sentindo meu coração se debater contra mim. Falou algo para , e , os quais riram e o seguiram para dentro da casa. Passaram pela multidão e subiram a escada que ficava no meio do hall. Encarei , que estava visivelmente bêbada e totalmente bratinada, e ela simplesmente gargalhou. Impressionante como lombrados² são incrivelmente felizes. Meu olhar passava ansioso pelo salão, encontrando apenas pessoas incrivelmente animadas. Nenhum sinal dos garotos. Meus pés já batiam impacientes contra o chão.
Resolvi acabar com aquela vodka em meu copo e colocar mais. Ela pelo menos me acalmava.
Após longuíssimos cinco minutos – que não só pelo efeito do baseado, realmente pareciam longos – vi uma movimento dos garotos dentro da sala. Apertei meus olhos para ver melhor, mas enxergava apenas alguns borrões.
Algumas pessoas se afastaram, rodeando os garotos. E eu ainda não descobrira o que diabos eles estavam fazendo.
Vi subir em cima do sofá com uma guitarra em mãos, assim como e . estava de pé com uma máquina fotográfica mãos. Eu não entendi aquela cena muito bem, até escutar falar em um microfone improvisado.
“Olá pessoal” ele disse e todos gritaram e levantaram seus copos para o ar. “Estou aqui apenas para cantar uma musica especial para a garota mais linda dessa festa” gritou e olhou em minha direção. Meu queixo foi até o chão e minhas mãos tremeram. Vi correr em minha direção e dar me dar um leve empurrão. Todos da sala direcionaram seus olhares à mim, me deixando extremamente envergonhada.
começou os primeiros acordes de uma musica que eu ainda não havia reconhecido, e corri para dentro do hall, empurrando qualquer pessoa que se pusesse na minha frente sem a menor educação.

l send you red roses by the dozen
I’ll call you sweet little things like turtle dove
I’ll whisper pretty things in your ear
The kinda things a girl likes to hear
Baby, if you’ll give me all of your love


Ele começou com aquela música animada, e assim que cheguei à uma distancia relativamente próxima, não contive um grito surpreso e alegre.

I’ll bring you pounds and pounds of chocolate candy
To prove it’s you that i’ve been thinking of
Tear up all the pictures i own of every pretty girl i’ve ever known
Baby, if you’ll give me all of your love


cantava e olhava diretamente em minha direção, com um sorriso dócil e maroto ao mesmo tempo, enquanto suas mãos ágeis tocavam a guitarra. Pude perceber os olhares incrédulos garotas ao meu redor, mas eu pouco me importava. Minha atenção estava totalmente voltada para o garoto perfeito à minha frente.

I’ll take you dancin’ every night until you’re ready to drop
I’ll kiss your sweet red cherry lips until you holler stop
Every night i’ll serenade you ‘neath your window
If you need me just a whistle and i won’t need a shove
I’ll hug you squeeze you tight as i can
It ain’t gonna be no one-night stand
Baby, if you’ll give me all of your love


Os flashes da câmera de eram constantes, e hora ou outra se dirigiam à meu rosto atônito. Eu não sabia se ria, se gritava, se pulava – nos braços de – se cantava... Todos ao meu redor dançavam loucamente – a não ser certas meninas que ainda me olhavam chocadas, provavelmente se mordendo de inveja por ter um garoto como cantando para mim – e tudo o que eu queria era me jogar em seus braços.

If you will give me, if you will give me all your love

Eu definitivamente daria tudo, tudo o que ele quisesse.
Não tive controle sobre meus atos, e assim que colocou a guitarra em cima do sofá, me vi correndo em sua direção e pulando em seu colo.
“Você não pode ser lindo desse jeito” eu disse, vendo os flashes de baterem sobre nós. Eu não me importava. Que esse momento fosse registrado não só em minha mente, como nas fotos.
As mãos do garoto envolveram minha cintura fortemente, e eu – com o pouco espaço que me restava – segurei seu rosto em minhas mãos.
Com sua face a milímetros de mim, sibilei:
“A partir de hoje, meu amor é todo seu” sussurrei e juntei nossos lábios sem pedir permissão.
Todas as sensações do primeiro beijo, por mais que o álcool percorresse minhas veias, bombardearam-me de uma vez só. Já não conseguia explicar a força com a qual meu coração pulsava dentro de mim, o frio cabuloso que meu estômago passava, os milhares de impulsos nervosos que percorriam cada parte do meu corpo, fazendo-me levar alguns choques elétricos ao longo dos segundos.
Nunca me senti tão leve, tão viva, tão completa... Tão livre. Em eu tinha minha expressão de liberdade... Eu acabara de chegar àquela conclusão.
“Me leve para casa...” falei após partir – com muito esforço – nossos lábios. “Quero dizer, para sua casa” ri baixinho.
soltou um risinho e me apertou ainda mais contra seu corpo, afundando seu rosto em meu pescoço. O senti respirar profundamente e soltar o ar ali mesmo, fazendo-me contrair.
“Isso está acontecendo mesmo ou eu fumei demais e estou delirando?” ele perguntou divertido. Não contive o riso.
“Bom, se não for real eu devo ter fumado tanto quanto você e só me lembro de ter dado um simples trago” envolvi meus dedos em seus cabelos e os puxei levemente, fazendo carinho.
Estávamos em cima de um sofá e não nos importávamos. Haviam dezenas de pessoas ao nosso redor e não nos importávamos. Nada parecia importar, tudo parecia muito banal...
Senti uma de suas mãos vagarem pelo meu braço lentamente até chegar na minha mão, agarrando-a firmemente. Suspirou.
“Vamos” me encarou com ternura antes de descer do sofá e me ajudar a fazer o mesmo.
Pessoas e mais pessoas batiam em seu ombro enquanto ele passava por elas, riam e o parabenizávam, enquanto eu mantinha minha cabeça baixa, totalmente tímida perante aquela situação. Temia que os olhares ferozes das garotas me matassem... Ou tirasse de mim.

Já no jardim, após andar rapidamente pelo hall e chegar aos risos, caminhamos de mãos dadas até a calçada. Procurei por sua moto tão conhecida por mim, mas nenhum sinal dela.
“Onde está sua moto?” perguntei alheia, vendo-o mexer em um dos bolsos da jaqueta de couro.
“Não estou de moto” ele disse simplesmente, com um pequeno sorriso escondido em seus lábios. Olhei-o confusa. , então, simplesmente puxou-me pela mão e continuou a andar pela calçada. Eu continuava absorta e confusa.
, como pretende nos levar embora?” perguntei curiosa, rindo de sua expressão divertida. O garoto andava muito rápido e eu já estava sem fôlego por tentar acompanha-lo.

Após algumas passadas, parou de andar subitamente e tirou de dentro do casaco uma chave de um carro. O vi então andar em direção a um veículo. Congelei. Soltei suas mãos enquanto o via encaixar a chave na fechadura do carro. Senti minhas pernas bambearem e minha cabeça girar.
Eu realmente havia fumado mais do que devia e não me lembrava por isso. Eu estava tendo um delírio, essa era a única explicação.
“O que foi?” ele disse marotamente, com um sutil e divertido sorriso na face. Analisava minha expressão totalmente chocada com delicadeza.
“Esse... Esse carro... É... Seu?” as palavras pareciam ser mais difíceis de serem ditas do que nunca e eu pensei ter pedido o poder da fala. Um nó havia sido feito em minha garganta. Olhei para o lado, dando de cara com a placa do veiculo, apenas para constatar que aquilo era uma verdadeira alucinação. Eu estava certa. Era o carro. balançou a cabeça negativamente, me deixando ainda mais confusa.
“É do meu tio, na verdade. Mas eu sempre o pego para dar voltas à noite...” ele disse se aproximando de mim lentamente.
“Dar voltas... Aonde?” me atrevi a perguntar, enquanto o garoto continuava a se aproximar e me deixar cada vez mais tonta.
“Eu costumo sempre parar em frente a uma casa...” ele continuou maroto, com os olhos penetrados nos meus. Estremeci.
“E o que você faz?” minha voz saiu num sussurro. O rosto de estava a milímetros do meu, e falar alto me pareceu extremamente desnecessário. Eu tinha certeza que, há essa altura do campeonato, ele já podia escutar a zona que meu coração fazia dentro de mim.
“Tento mostrar à uma pessoa o quão difícil parece ser não me apaixonar por ela...” seus lábios sussurraram próximos aos meus, calando todas as dúvidas que eu possuía até aquele momento.

era o autor das serenatas.
era quem me dava paz em noites turbulentas.
era quem me acalmava após me rebelar com Marry.
Era por ele que meu chamava o tempo todo, mesmo nos momentos em que eu me forçava a não escutar...


Capítulo 17.
                                          This time the girl is gonna stay for more than just a day


“Bom dia...” eu disse ainda sonolenta assim que vi atrás do balcão com uma frigideira em mãos.
“Bom dia” ele respondeu todo sorridente. Não pude deixar de reparar em seu físico semi-nu, de boxers e sem camisa, com apenas um avental tampando seu tórax. Um barulho do lado de fora me despertou do transe, e pela porta aberta, vi o senhor gritar e correr atrás de uma galinha.
“Não se assuste. Ele está correndo atrás do nosso almoço” o garoto sussurrou perto de mim, e eu nem havia percebido sua proximidade. Beijou minha bochecha e fez aquele local formigar de uma maneira intensa. Assim como meu estomago e minhas mãos.
“Dormiu bem?” me perguntou. Muito bem, na verdade, pensei.
“Aham” falei simplesmente. Ele não podia saber que eu demorei duas horas para conseguir dormir. Rolava e rolava na cama, pois não conseguia afastá-lo dos meus pensamentos e poder dormir em paz. E quando finalmente peguei no sono, foi ele quem me perseguiu em meus sonhos. Seria ridículo. Ele pensaria que eu era uma criança de dez anos. Ou menos.
“Qual vai ser a programação de hoje?” me arrisquei a perguntar, seguindo-o até a cozinha e recostando meus ombros na bancada que separava este cômodo da sala.
“Os garotos estavam pensando em ir para Dover acampar...” disse, concentrado nos bacons que fritava.
Fazia tempos que não acampávamos nas praias de Dover. Era quase que um ritual, ou uma parada obrigatória nem que fosse uma vez ao ano.
Eu ia vez ou outra, quando conseguia convencer Marry a me deixar dormir na casa de .

“Mas que galinha danada!” tio Lewis entrou na sala, totalmente descabelado e com a ave se debatendo em suas mãos.
Não contive minha gargalhada ao ver aquela cena. O pai de era a pessoa mais louca e divertida que eu já havia conhecido.


“I’M A LITTLE SHOOK UP BUT I FEEL FINE” gritávamos dentro do fusca vermelho de . Estávamos todos apertados, estava quase em meu colo. Mas tudo estava bem. Espaço nunca foi um problema para a gente, de qualquer maneira.
batucava o volante do fusca de acordo com as batidas da musica e ora colocava a cabeça para fora do automóvel e cantava para o nada ora dava um trago em um baseado que estava passando de mãos em mãos.
Estávamos em plena estrada, com nada exceto o asfalto à nossa frente.
Nossas mochilas estavam amontoadas no porta-malas, entretanto não levávamos nada mais que o necessário. Duas barracas, lanternas, repelentes, blusas de frio e roupa de banho. Não precisávamos de nada mais que isso.
Eu estava um pouco tonta, e tomei isso como desculpa para recostar minha cabeça no ombro de . Não havíamos, ainda, comentado sobre o dia anterior. Ou feito nada como no dia anterior. Mas aquele clima constrangedor não pairava sobre nós. Quando fosse a hora, tocaríamos no assunto, naquele instante simplesmente não víamos necessidade nisso. Parecia que um podia ler isso no outro. Eu não precisava perguntá-lo ou olhá-lo para saber que ele me entendia. E aquilo me assustava.
Ele fazia um leve cafuné em meu ombro descoberto – já que eu usava um tomara que caia florido – e eu senti que poderia adormecer ali a qualquer instante.
“Senti que seremos os candelabros dessa viagem, disse fingindo disfarce, e nos olhando pelo canto do olho. olhou para trás pelo retrovisor e gargalhou alto.
“Quero ser a vela do e da . e são chatos demais, só beijam e não conversam. ODEIO CASAIS ASSIM” gritou bem alto, fazendo , que por acaso beijava , mostrar o dedo do meio ao garoto.
“Vamos deixar os dois excluídos e formar um verdadeiro lustre para e disse finalmente, batendo na minha perna e me fazendo rir de leve devido a sonolência.
Alguma musica da radio tomou-lhes a atenção, mas naquela altura do campeonato, eu já não prestava atenção. Adormeci.



Senti leves beijos tocarem minha testa e me perguntei se aquilo era um sonho. Como era bom sentir o toque dos lábios de sobre a minha pele.
“Acorda, linda. Chegamos” o escutei sussurrar em meu ouvido, e só então percebi ser tudo realidade. Não reclamei, aquilo era ainda melhor que um sono.
Sorri sutilmente e me levantei de seu ombro, me espreguiçando logo após. e já saiam do carro, assim como e . Olhei pelo vidro e percebi que estávamos na praia, e eu a reconhecia completamente. O farol de Chadwick estava lá adiante como eu me lembrava, com aquelas largas listras vermelhas.
Levantei o banco da frente e sai do veiculo, sendo seguida por . Tínhamos que descer uma ladeira por entre as falésias da praia, até que chegássemos a uma escada e descêssemos. Era um caminho cansativo, mas que valia totalmente a pena.
Os garotos já corriam feito loucos pelas pedras da praia quase deserta, tirando as camisas pelo caminho e jogando-as pelo ar. Ri da cena e involuntariamente comecei a correr, agarrando a mão de e arrastando-o comigo. Os garotos jogavam água em , a qual chiava e ria ao mesmo tempo. pegou-a pelas pernas e a jogou no mar logo em seguida, despertando risadas de todos.
Eu via a cena de longe, e à medida que eu me aproximava do mar, meu sorriso ia alargando.
Assim que meus pés tocaram as águas gélidas do mar, uma onda de calmaria me dominou e uma felicidade ainda maior me contagiou ao ver que minha mão ainda estava grudada à de . O garoto havia tirado a camisa – fato que não posso deixar de citar – e corríamos com dificuldade até o resto da turma.
Parecíamos um bando de crianças, já que jogávamos água para cima ou uns nos outros. A alegria era visível ali, e tenho certeza que, até mesmo quem assistia a cena de longe, era contagiado com nossa infantilidade.
Vi afundar a cabeça de dentro d’água e os dois começarem uma batalha sobre quem afogava mais o outro. havia me colocado em suas costas, assim como fizera com , e agora começávamos a brincar de briga de galo. Quando e terminaram sua batalha, começaram a torcer por cada casal. obviamente – ou não – gritava para que eu derrubasse , e fora obrigado a gritar pela outra amiga.
“VOU TE POR NO CHÃO, VADIA!” eu gritei, forçando minhas mãos contra as de , fazendo-a rir das caras e bocas que eu fazia.
“VAMOS LÁ, !” escutei a voz de ao meu lado, o que me estimulava cada vez mais.
“AAAAAAAAAH!” gritei assim que coloquei todas minhas forças na mão para, finalmente, derrubar minha amiga e .
“YEAAAAAAAAAAAH!” gritava animado. “SOMOS OS MELHORES NA BRIGA DE GALO!” ele berrava para a praia inteira ouvir, inclusive apontava para algumas pessoas que observavam.
“O ROUBOU!” um totalmente furioso e engasgado acabara de levantar debaixo d’água.
“Oh, vamos lá, , aceite a derrota! Não seja tão maricas!” contrapôs, rindo debochadamente do outro garoto que tossia constantemente. não estava diferente.
“Você me paga” forçou uma cara ameaçadora, nos fazendo gargalhar ainda mais da situação.


O sol já se punha e as pessoas da praia começavam a ficar cada vez mais escassas. Vez ou outra um casal caminhava à nossa frente, ou velhinhas passeavam com seus cães.
Estávamos sentados eu, , e , enquanto e tinham ido comprar bebidas num boteco do outro lado da falésia. Conversávamos alheios sobre assunto nenhum, já que nossos papos – na maioria das vezes – nunca fazia sentido.
, por que você não pega os violões?” sugeriu, apontando com a cabeça para os cases que estavam à dez metros de distância.
“Por que você nunca os pega e sempre sugere para eu pegar?” falei meio brava.
“Ah, vamos lá, você é a mais gordinha da turma, logo tem que pegar as atividades mais pesadas” ele respondeu, dando de ombros. Não me contive e dei um murro relativamente forte em seu ombro. “Outch!” se encolheu.
Ri e me levantei indo em direção às nossas coisas e recolhi os dois cases dos violões dos garotos. Luau sem musica ao redor de uma fogueira não é luau. Entreguei-os aos meninos, enquanto via se aproximar com engradados de cerveja em cada uma das mãos.
Não pude deixar de observá-lo.
Sorria abertamente de alguma (bobagem) coisa que havia dito. Como seu sorriso era perfeito... Era aquele tipo que você vê e não consegue não rir junto. Os fracos feixes de luz que ainda persistiam batiam em seu rosto, fazendo com que ele fechasse sutilmente os olhos, a fim de protegê-los.
Ainda estava sem camisa e, só de olhar para seu tórax, me faltava ar nos pulmões.
Presumo que o garoto percebeu que estava a observá-lo, já que direcionou seus lindos olhos à mim. Percebi um sorriso bem singelo brotar no canto de seus lábios, o que fez meu estômago revirar – como se isso fosse uma novidade – e virar o rosto para qualquer outra direção. Ele me pegou observando seu físico! Vergonhoso...

Colocaram as cervejas em uma caixa de isopor cheia de gelo, e claro, cada um já pegou a sua. O sol já quase não dava sinais de vida, tudo que se podia ver era um pequeno riso laranja ao fundo do oceano.
Era a hora de montar as barracas. Fora uma verdadeira bagunça, já que não tinha a mínima noção de como montar uma e derrubava os ferros dela toda hora que tentava fazer algo direito. Até que cansamos de remontá-la e mandamos a garota sentar. Depois de – no mínimo – uma hora, muitas risadas e sacrifícios, as duas barracas estavam perfeitamente montadas. Já haviam feito uma fogueira, e agora estávamos sentados em torno da mesma, escutando e afinarem os violões.
“Certo, a gente vai tocar uma música que o compôs há uns dias atrás...” anunciou e começaram a tocar os primeiros acordes da canção. Eu estava totalmente entusiasmada para escutar a nova musica de . Não só por ser dele, mas eu simplesmente ficava toda animada quando envolvia os garotos tocando.

Well I met this girl, just the other day,
I hope I don't regret, the things that I said now
And when we're laughing and joking with each other now,
I’m glad I met this girl, She didn't walk away,
I think she was impressed and was having a good time,
And when we're laughing joking with each other,
Spending all our time together...


me cutucava ao longo da musica, mas eu não precisava dela para ficar atônita diante dela. não me olhava, mantinha sua atenção nas cordas, mas eu encarava os movimentos de sua boca ao longo da canção, sentindo o mundo todo sumir de repente, e restar apenas nós dois.

“When she walks in the room my heart goes boom!
Ba ba ba ba ba da ba,
I tried to take her home but she said,
You're no good for me...”


Eu estava totalmente sem palavras. Eu não poderia ser tão egocêntrica a ponto de pensar que aquela musica era direcionada a mim, mas em decorrência dos recentes acontecimentos, tudo me fazia acreditar que sim. Eu queria acreditar que sim.

“She's got a pretty face, such a lovely name,
I don't want my friends to see, they might take her away from me,
She's one I won't forget, in a long long long time,
Now I really want the world to see,
That she is the one for me”


Ele era perfeito até cantando. Queria descobrir um jeito que ele não era tão indefectível... Chegava a ser irritante. Eu me pegava a pensar o que diabos ele encontrou em mim, enquanto ele poderia ter a garota que quisesse com aquela perfeição.

“The first time that I saw her she stole my heart,
And if we were together, nothing could tear us apart”



Nothing could tear us apart, repeti aquele verso na minha mente. Eu concordava. Algo dentro de mim gritava, dizendo que nada seria capaz de nos separar. Quero dizer, todo aquele bombardeio de sentimentos por eram tão recentes, mas ao mesmo tempo, tão intensos, de uma forma que nunca havia sentido igual. A cada instante, cada sorriso, cada palavra, uma nova onda de emoções me acertava, me deixando ainda mais confusa. Eu não entendia tudo o que estava sentindo, justamente por nunca tê-los sentido antes, e isso me assustava muito. Eu, às vezes, pensava que tudo aquilo era um exagero, que eu não poderia sentir tudo o que eu sentia por uma pessoa em tão pouco tempo. Não era racional. Não era possível.

Alguns fios da franja de caiam sobre seus olhos concentrados, dando-lhe uma feição angelical. Seus dedos ágeis continuavam a tocar, e sua boca a cantar. Sua voz era tão linda que eu poderia escutá-la para sempre.

“When she walks in the room my heart goes boom,
Ba ba ba ba ba da ba
I tried to take her home but she said you're no good for me
Ba ba ba ba ba da ba”



Fui a primeira a bater palmas, assim que eles terminaram os acordes da canção. olhou-me meio cabisbaixo, como se esperasse pela minha aprovação. Sorri abertamente e vi suas bochechas corarem, o que era algo totalmente novo. Eu nunca – ou talvez quase nunca – vira envergonhado, ou sem graça por algum motivo. Achei uma graça.

“Agora vou tocar uma para o meu moranguinho” disse com um biquinho, fazendo suspirar ao meu lado. Começou os acordes de I’ve Got You, a musica que ele sempre tocava para a namorada, a qual nunca enjoava de escutá-la. E sempre tinha as mesmas reações de euforia, detalhe.
agora tocava olhando para mim, com aquele conhecido ‘pequeno-sorriso’ nos lábios, o qual me fazia delirar. Hora e outra olhava para as cordas do violão, voltando a me encarar no mesmo instante.
Eu bebia minha cerveja tranquilamente – quando me lembrava – e os garotos ao meu lado ( e ) fumavam um baseado, para variar. Davam a desculpa que esse mundo era muito repressor e que precisavam de uma válvula de escape. Diziam também que lhes inspiravam mais... já confirmara essa afirmação.
Vez ou outra eu tragava, apenas para relaxar e entrar no clima retardado dos meus amigos.
Confesso que já nem prestava atenção na musica que cantavam. Eu estava mais preocupada em reparar nos movimentos que a boca de fazia a escutar I’ve Got You pela milésima vez. Eu já a sabia de cor e salteado, de qualquer maneira.
Cantaram mais algumas musicas, de Elvis à Little Richard, enquanto os loucos (digo, e ) pulavam e dançavam. , ainda encantada pelo namorado, mexia-se lentamente de um lado para o outro. Eu queria tirar dali e levá-lo para algum lugar onde pudéssemos ficar a sós.

E, do nada, vi meus amigos correndo em direção ao mar, tirando suas roupas – sim, inclusive as partes de baixo – e adentrarem o mesmo aos gritos. Até mesmo havia entrado no meio da loucura.
“YEAAAAAAAAAAAAAAAH!” os escutava gritar em liberdade, e pela escuridão, não era capaz de saber o que estavam fazendo. Tive vontade de tirar as roupas e correr em direção ao oceano, mas no momento seguinte vi que eu não estava sozinha. Pensei que aquele seria o momento perfeito para ficar sozinha com .
O silencio predominava entre nós, sem ser algo que nos incomodava. Na verdade ele às vezes era muito bem vindo.
“Quer dar uma volta?” o garoto disse calmo, e então encarei sua face. Não havia luzes além da que vinha do farol e do luar, mas ainda sim podia ver o brilho de seus olhos. Acenei com a cabeça e peguei a mão estendida de . O menino me ajudou a subir as escadas, subindo logo em seguida e então começamos a andar pela ladeira. Se eu olhasse para o lado, me depararia com, além da linda paisagem do oceano, meus amigos nus gritando feito loucos lá em baixo.
Chegamos ao topo da falésia onde se encontrava o farol. Devo admitir, aquela vista parecia muito mais bonita à noite.
As ondas do mar estavam calmas e a lua era perfeitamente refletida nas águas. me conduzia em direção ao farol, e rapidamente já estávamos dentro do mesmo, subindo as escadas espirais.
O garoto abriu uma porta, a qual deu em um quartinho vazio. Eu pude sentir o cheiro de mofo, o que nos deixava chegar à conclusão de que ninguém vinha ali há muito tempo. Havia uma cama empoeirada no canto de uma parede, uma escrivaninha no canto de outra, com uma lamparina em cima da mesma e vários papéis amarelados. Um banheiro podia ser visto também mais a frente.
À medida que pisávamos no assoalho de madeira, podíamos escutá-lo ranger, e um sentimento de que poderíamos cair a qualquer momento me assombrou, me fazendo apertar ainda mais a mão de .
Finalmente chegamos a uma sacada. Ela tinha a mesma vista da falésia, só que ainda mais ampla. Lá em baixo, as ondas batiam fortes contra o paredão de pedra, e eu podia sentir alguns respingos e um forte cheiro de oceano nos abater. As grades da sacada foram visivelmente corroídas pelo sal do mar, o que as tornava enferrujadas e dava àquele local, um cenário ainda mais rústico e bonito.
“O que achou?” me perguntou apreensivo, encarando a imensidão a nossa frente.
“É tudo muito lindo...” respondi sincera. Não tinha como tudo ficar mais perfeito. Vi um sorriso abrir no rosto dele, e me perguntei quando eu pararia de ficar hipnotizada por cada sorriso seu.
se sentou e foi só ai que percebi que estava com um violão em mãos, o qual ele recostou na parede. Sentei-me junto a ele.
O silêncio caiu sobre nós novamente, permitindo-nos escutar apenas as ondas se quebrarem e, de longe, nossos amigos gritarem.
Repentinamente, senti a mão de pegar a minha, e colocá-las uma sobre a outra como se estivesse as medindo. Se fosse isso, perceberia que minha mão era duas vezes menor que a dele.
?” chamei-o, tirando sua atenção de nossas mãos.
“Sim?” ele respondeu imediatamente. Respirei fundo.
“O que você sente por mim?” tirei toda a coragem do meu ser ao fazer essa pergunta. Eu precisava saber. Eu precisava saber se ele sentia o mesmo que eu, precisava entender aquilo que sentia, inclusive.
riu baixinho e olhou para frente. Não entendi muito bem essa sua reação, mas continuei apreensiva por sua resposta.
“Você acreditaria...” ele começou baixinho e depois respirou fundo. Olhei-o curiosa. “Se eu dissesse que meu coração acelera só de ouvir seu nome?” finalmente me encarou. Me encarou tão profundamente que me fez sentir um pouco tonta. Era como se ele procurasse uma verdade em meus olhos. Tremi quando meu cérebro digeriu suas palavras.
Como o efeito de ação e reação, o meu coração acelerou. Se eu fosse taquicardia ou algo assim, já estaria morta e poderiam prender como culpado.
“É isso que eu sinto, . Não consigo te demonstrar de outro modo que não seja esse” ele disse, diminuído seu tom de voz gradativamente, à medida que se aproximava do meu rosto.
Colocou uma de suas mãos em minha nuca, e a outra envolveu minha cintura. Só de sentir seu cheiro tão perto de mim fez minha cabeça delirar.
Meus olhos se fecharam rapidamente, e eu esperava ansiosa para sentir seus lábios se chocarem contra os meus.
Entretanto, esperei em vão.
Primeiramente, senti seu hálito quente em meu ombro, fazendo cada parte minha arrepiar. Seus lábios úmidos me tocavam tão suavemente que me faziam suspirar e meu peito subir e descer rapidamente devido a minha respiração totalmente falha. Sua boca foi subindo em uma velocidade vagarosa, passando demorada pelo meu pescoço e indo em direção à minha orelha.
I just can’t help believin’ when she smiles up soft and gentle with a trace of misty morning and the promise of tomorrow in her eyes” o escutei sussurrar com aquela voz esplêndida em meu ouvido, enquanto suas mãos passeavam livremente por minhas costas.
Minha boca estava entreaberta, esperando apenas o momento em que encontraria com a de . Eu estava delirando. Aquela voz me fazia delirar. Aquelas mãos me faziam delirar.
I just can’t help believin’ when she’s lying close beside me and my heart beats with the rhythm of her sighs. This time the girl is gonna stay for more than just a day” minhas mãos cravaram em seus cabelos, e como um ato de suplico, puxei seu rosto para mais perto do meu, fazendo com que nossas bocas finalmente se chocassem.
Aquela boca sim, me fazia delirar. Fazia todo o mundo abaixo dos meus pés desaparecer. Fazia com que nada mais existisse além de nós dois.
puxou-me mais para perto de si, de modo com que nossos corpos se chocassem. Não era um beijo calmo. Era mais tendencioso que o primeiro, entretanto, sem perder sua doçura. Sua língua brincava com a minha, fazendo com que eu tivesse o desejo de nunca mais separá-las por se darem tão bem.
Minhas mãos puxavam os cabelos do garoto levemente, fazendo-o soltar sua respiração pesada pelo nariz. Já as suas mãos apertavam minha cintura veemente, como se quisesse juntar ainda mais nossos corpos se fosse possível.
Após alguns minutos a minha necessidade por oxigênio irritante me forçou a separar de . Estávamos ofegantes, pude perceber. Soltávamos o ar de nossos pulmões de forma totalmente desajeitada .
Minhas mãos ainda estavam grudadas em seus cabelos, e as dele se mantinham firmes em minha cintura. Nossos narizes colados.
Peguei sua mão livre e levei-a lentamente em direção ao lado esquerdo do meu peito. Eu queria que ele sentisse o que era capaz de fazer comigo.
“Uau” falou em um suspiro e não contive o riso falho. Meu coração batia totalmente atrapalhado, e a culpa era toda e exclusivamente dele.
“Pois é...” debochei. Não me contive em selar nossos lábios em um beijo rápido.
“Por que isso não aconteceu antes, ?” quis saber. Abri meus olhos e dei de cara com os dele, instigantes e curiosos. Suspirou.
“Porque antes não era a hora, ” ele respondeu simplesmente. “Porque talvez antes não fosse tão certo como agora...” completou. Sorri.
estava certo. O agora nunca me pareceu tão certo antes...



Capítulo 18.
                                          You're just a natural born beehive filled with honey to the top


Morar com passara a ser uma tarefa difícil. Por uma razão lógica, não nos expúnhamos em frente ao seu pai, apesar de termos a absoluta certeza de que ele sabia de alguma coisa. Então passamos a dar alguns beijos escondidos nos momentos em que tio Lewis não estava em casa, ou saia para pescar ou qualquer outra coisa relacionada. Beijávamos-nos quando ele não estava olhando, e disfarçávamos rapidamente quando chegávamos a um fio de sermos pegos. Estava um tanto quanto divertido... Toda aquela aventura... E convenhamos que tudo que é escondido e/ou perigoso é muito mais excitante.
Já havia se passado uma semana desde o ocorrido no farol e nada parecia ter mudado. Toda a paixão continuava, e cada vez mais intensa.
Pegava-me de minuto a minuto a pensar em . Na escola não conseguia me concentrar, pois contava as horas para vê-lo. Até já havia encrencado comigo, dizendo que não agüentava mais escutar o nome de . E eu não me cansava de pronunciá-lo.
Naquele dia, nós havíamos combinado de ir ao autocine naquela noite, o qual passaria o suspense Um Corpo que Cai, estrelando James Stewart e Kim Novak, dirigido por Alfred Hitchcock, o gênio do suspense.
me buscaria na escola e de lá iríamos para a praça Bergan, onde aconteceria o cinema ao ar livre.


“Até mais, ” me despedi de minha amiga assim que o sino da escola tocou, liberando-nos para irmos embora. Eu não via a hora de encontrar ... Sai correndo pelos jardins da Ladywood com os cadernos em mãos, ultrapassando e esbarrando qualquer garota que se pusesse em meu caminho sem ao menos me desculpar.
!” gritei assim que o vi de braços cruzados e escorado sobre seu carro charmosamente velho. Num impulso joguei os cadernos no chão e pulei em seu colo, chamando a atenção de meio mundo que passava ali. Atraindo inclusive os olhares repressores dos pais das puras garotas.
Dei milhares de selinhos no garoto, vendo sorrir entre eles. Eu estava morrendo de saudades, e nem parecia que nos vimos de manhã, quando ele me deixou no colégio.
“Vamos?” ele disse após eu cessar meus beijos. Simplesmente concordei com a cabeça e pulei de seu colo. abriu a porta do carona para que eu entrasse e foi para o lado do motorista em seguida. “Só não vale ficar com medo durante o filme, hein?” ele me olhou apreensivo antes de dar partida no carro.
“Eu não tenho medo” rolei os olhos. “E afinal, eu tenho você pra poder agarrar se acaso ficar, não é mesmo?” encarei-o sugestiva. O garoto riu.
“Sempre” ele piscou e deu partida no carro, que fez um barulho estrondoso antes de ganhar velocidade.


“Meu Deus!” falei chocada, assim que descobri que Madeleine estava possuída pelo espírito de sua avó, Carlotta. A cada minuto do filme, eu ficava mais e mais tensa. Apesar de estar ali do meu lado, eu não conseguia desgrudar os olhos do telão. Havia em torno de quatro fileiras de carros na nossa frente, então tínhamos uma ótima visão. Senti beijar meu pescoço, mas não dei muita atenção, já que estava vidrada no filme.
“Vamos prestar atenção, !” sussurrei entre dentes, um pouco irritada com a falta de interesse do garoto. Então ele se afastou e – fingiu – passou a prestar atenção na tela em sua frente.
Passados cinco minutos, ele começa a me beijar novamente.
“Mas que fogo, hein?” forjei uma cara brava, fazendo-o rir abafadamente em meu pescoço.
Não tinha como não ceder aos encantos de , então simplesmente me deixei levar.
A boca do garoto passou a descer pelo meu ombro, e foi ai que me lembrei de estarmos em um lugar público.
! Tem pessoas ao nosso redor! E dezenas delas!” empurrei-o bruscamente. “Ah, vamos lá, . Acha mesmo que estão prestando atenção na gente?” ele fez uma cara de extremo cachorro sem dono. Olhei para os lados e reparei que todos mantinham seus olhos grudados à tela, como antes eu mantinha os meus. Corei levemente, vendo que eu não teria outra opção a não ser me entregar à lábia de .
Quando o garoto viu que havia vencido, sorriu abertamente e me puxou para perto dele.
“Vem cá, emburradinha” ele fez uma voz fofa e começou a distribuir beijos por toda minha face, me fazendo rir.
Após a crise, passou a me observar. Observava-me tão profundamente que chegava a me deixar tímida. Passou, então, as pontas de seus dedos sobre minhas maçãs do rosto, fazendo com que meus olhos se fechassem involuntariamente. Em seguida, pude sentir seus lábios irem de encontro aos meus, fazendo com que todo o meu ser se revirasse, como se fosse a primeira vez. Tudo com ele parecia a primeira vez.
se debruçou um pouco sobre mim, fazendo com que o espaço sobre nós fosse mínimo. Nosso beijo foi ganhando intensidade ao longo dos segundos e eu já sentia minha respiração ficar falha. Uma de minhas mãos puxava-lhe os cabelos de leve, enquanto a outra se posicionava firme em suas costas bem definidas.
voltou sua atenção ao meu pescoço, beijando-o veemente e me fazendo suspirar inconscientemente. Ele sabia que ali se concentrava meu ponto fraco e sabia como se aproveitar disso.
Suas mãos não se decidiam entre minha coxa ou minha cintura e isso estava me deixando aflita. Até que elas, agora em meu cós, começaram a subir gradativamente e um susto me atingiu.
“Hey!” afastei-o com força, vendo-o me olhar assustado. Meus olhos estavam arregalados de horror. Quero dizer, eu jamais havia chegado naquele nível de intimidade com alguém antes!
“Me... Me desculpe, ” ele disse tão assustado quanto eu após recuperar seu fôlego. “Eu me precipitei, desculpa de verdade!” ele parecia desesperado.
Não o encarava, talvez eu tivesse vergonha... Chame-me de tola se quiser, eu apenas não estava acostumada com aquele tipo de situação!
“Eu é quem peço desculpas, ... Por ser tão infantil” desabafei, encarando meus dedos que brincavam com a barra da minha saia.
“Nunca, ! Você não é infantil! É só que... Não consegui me controlar” tocou meu queixo, de modo que eu o encarasse. “Isso não vai mais acontecer, tudo bem?” me olhava apreensivo. Sorri sutilmente.
“Eu quero que aconteça...” falei totalmente corada e sem graça. Ele me olhou surpreso. “Só que com o tempo... Se é que me entende...”
“Eu te entendo, linda” falou finalmente, compreensivo, e depositou um beijo minha testa. “Vamos voltar nossas atenções ao filme, certo?” e eu concordei com a cabeça. Então pulei para seu banco, de modo que pudéssemos terminar de assisti-lo bem juntinhos. Encostei minha cabeça em seu peito, o qual se movia ainda descompassado.

xxxx


“Este seu lago anda muito ruim de peixe, Lewis” meu pai reclamou, após uma hora estendido abaixo do sol com uma vara de pescar na mão. Ele e o tio Lewis estavam vestidos como se fossem para uma expedição em uma floresta tropical. Quando dois malucos se juntam...
“Você é que não tem a técnica, John” retrucou o tio, irritando ainda mais meu pai. Ele simplesmente não suportava estar por baixo das coisas, já que o senhor havia pescado três peixes. Fez cara feia e voltou a se concentrar no lago a sua frente.

Eu estava debaixo de uma das árvores ali, curtindo uma sobra fresca para ler um livro, já que estava preparando o almoço. John havia trago o resto das minhas roupas e me contara as novidades de casa. Marry continuava pirada e agora descontava suas angustias em Meredith. Pobre Mere... Eu precisava resgatá-la daquele inferno o quanto antes. Assim que eu achasse meu apartamento, a levaria para morar comigo.
“O almoço tá pronto, cambada!” apareceu na varanda da casa. Tirei minha atenção do livro pra dedicá-la a ele. Escutei os dois homens murmurarem algo que não dei importância, e então os segui.
havia preparado uma macarronada e só pelo cheiro, eu poderia dizer que ela estava deliciosa.

“Hm” meu pai resmungou. “ está pronto para casar” ele exclamou após a ultima garfada. Vi corar e eu ri instantaneamente.
“Só o deixo casar se for com a ” tio Lewis disse divertido e foi minha vez de corar bruscamente e rir. Meu pai, por sua vez, engasgou-se com a comida, tossindo compulsivamente.
“Não diga bobagens, Lewis. Você me deixa preocupado, com esses dois morando juntos!” ele se mostrou irritado. Puro ciúme.
Se soubesse que e eu estávamos juntos teria um ataque do coração ali mesmo.

O almoço correu tranquilamente após esse incidente. Meu pai e tio Lewis discutiram como sempre, sobre algo sem importância, enquanto e eu trocávamos olhares discretos. Seus olhares sempre me faziam tremer as bases, era incrível. Depois de nos deixar a sós, as crianças começaram uma guerra de macarrão, lambuzando não só a nos mesmos como a sala inteira. Meu cabelo escorria molho vermelho, e minha blusa estava toda manchada. não estava diferente, tinha até almôndegas em suas orelhas.
Depois de relativamente nos limparmos, fomos para umas das arvores ali. Eu ia escutar tocar alguma coisa. Escutá-lo tocar tornou-se meu hobbie. Não havia algo que me deixasse mais feliz ou em paz.
Quando víamos que ninguém nos observava, trocávamos alguns beijos e carícias divertidas. Era incrível como eu ainda podia sentir uma tempestade em meu estômago a cada beijo. E incrível como eu não me cansava de observá-lo tocar, totalmente alheio. Como todos os simples gestos do garoto me hipnotizavam. E quando ele me olhava nos olhos? Oh, parecia que tudo poderia desaparecer a qualquer momento.
Melhor ainda era quando ele percebia meus olhos insistentes sobre cada movimento seu, suas maçãs do rosto avermelhavam-se e um sorriso tímido brotava em seus lábios rosados.
Deitei minha cabeça em seu ombro, sem me importar em como isso podia parecer aos olhos do meu pai ou do tio Lewis. Eu simplesmente queria que o mundo desaparecesse, de qualquer maneira.

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Os feixes de luz insistiam em me irritar. Apesar de ser apenas uma soneca da tarde, relutei ao máximo para não abrir meus olhos, mas não adiantava, eu teria que abri-los. Assim que o fiz, assustei-me a deparar com a figura de um sentado em uma cadeira em frente à minha cama, com uma perna apoiada na mesma e encarando um pedaço de papel. Senti minhas bochechas queimarem e então cobri meu rosto com o lençol.
Assustei-me ainda mais ao perceber que estava apenas de lingerie.
“Não se cubra” o escutei dizer num tom divertido. Fechei meus olhos com força, desejando que tudo aquilo fosse um pesadelo muito embaraçoso. O que ele estava fazendo ali, afinal?
“O que você está fazendo aqui, ?” me atrevi a perguntar, ainda com o rosto coberto. soltou um risinho baixo.
“Estou escrevendo” respondeu simplesmente, ainda com um tom divertido na voz. Certo, isso não esclareceu muita coisa.
“Mas por que aqui?” reforcei. Escutei ele colocar o caderno sobre o colo e dar um suspiro. Esperei ansiosa por sua resposta.
“Porque você me inspira” escutei. Como se fosse uma novidade, meu coração disparou como se tivesse vida própria. Lentamente, descobri meu rosto, encarando aqueles olhos que eu tanto conhecia. Analisavam-me cautelosamente. Eu tinha certeza que ele podia ver mais ali que qualquer pessoa normal.
“O-o que você está escrevendo?” perguntei, tentando o distrair de mim.
Olhou para seu caderno e voltou para mim em seguida.
“Uma musica” sorriu. E eu, derreti.
“Sobre o-o que?” perguntei curiosa. Ele riu divertido, olhando para o caderno novamente.
“O que mais poderia ser?” me olhou. “Sobre você” deu de ombros e recostou-se na cadeira. “Como sempre.”
Prendi a respiração.
“O que você quer dizer com como sempre?” eu podia ser realmente lerda algumas vezes. Ou simplesmente gostava de ouvir as palavras saírem de sua boca.
“Quero dizer que tudo o que eu sempre escrevo é para você” se levantou da cadeira e veio lentamente em minha direção, enquanto eu o encarava totalmente alheia e abobada. Sentou-se então ao meu lado.
“Sempre?” reforcei, querendo escutar aquelas palavras novamente. Era como um sonho, ou algo assim.
“Sempre” sorriu singelo, e eu podia dizer que aquele era meu sorriso preferido, entre tantos maravilhosos.
Minha mão foi em direção ao seu rosto automaticamente e alisaram sua face perfeita. E então seus olhos se fecharam. E meus lábios foram ansiosos de encontro aos seus, encaixando-os e sentindo todas aquelas sensações que eu sabia de cor. A língua de causava coisas incríveis em mim, e um desejo insaciável de sempre querer mais e mais. Eu não me cansava de seu gosto.
Quando já ficávamos ofegantes, separei nossas bocas para que pudéssemos respirar.
“Não há jeito melhor de acordar...” falei com um sorriso maroto no rosto, vendo seus olhos abrirem lentamente e um risinho baixo sair de sua boca.
Ficamos em silêncio por alguns instantes, os olhos penetrantes de sobre os meus, e suas mãos carinhosas mexiam nos meus cabelos.
...” falei calmamente e o escutei balbuciar algo inaudível. “Você pode ler meus pensamentos ou algo assim?” ao terminar minha frase, o garoto soltou uma risada incrivelmente gostosa de ouvir. Ri um tanto sem graça, vendo o quão idiota foi minha pergunta.
“Eu queria...” ele disse, ainda com um sorriso no rosto e o olhar penetrante. “Por quê?”
“Você me olha tão profundamente que acho que pode lê-los às vezes...” olhei para minhas mãos espalmadas em seu peitoral.
“Eu gosto dos seus olhos” levantou meu rosto levemente pelo queixo. “Eles me acalmam...” sorriu, fazendo-me abrir um também. Eu amava o jeito como ele me tratava. Eu amava todo aquele jeito carinhoso. Ficava pensando se ele era assim com todas as meninas que ele já teve, e convenhamos, não foram poucas. Se sempre fora assim, não é a toa que sempre teve todas que queria, inclusive eu. Só torcia para que eu não fosse só mais uma como as outras foram.
novamente tocou nossos lábios de forma gentil, com as mãos coladas em minha face.
Estava começando achar que minha vida havia se tornado um livro.

xxxx

O pub do tio Lewis estava lotado. Fazia séculos que eu não dava as caras lá, e me bateu uma nostalgia enorme assim que pisei meus pés no local. Havia um palquinho montado mais a frente, onde bandas independentes sempre tocavam, um balcão com cadeiras e atendentes, e outras mesas no canto da parede. E óbvio, uma pista de danças e milhares de luzes cintilantes. e eu entramos de mãos dadas no local, e vimos nossos amigos sentados em uma das mesas, bebendo e sendo escandalosos como sempre.
“O casal!” gritou, levantando o copo de bebida pra cima e todos viraram a cabeça para nos encarar. Eu queria correr obviamente.
“E aí, deu um tapa na cabeça do amigo, fazendo todos rirem e darem espaço para que nos sentássemos. Abracei , que estava do meu lado, e logo pedi um destilado para o primeiro atendente que apareceu.
Os meninos iriam tocar ali hoje, então o pub estava bastante lotado. O McFLY era bem famoso nas redondezas de Bolton e ninguém se atrevia a perder um show deles. Principalmente as garotas, devo frisar. Os garotos tinham muitas fãs, digamos, fieis. Isso nunca havia me incomodado antes, eu até me sentia orgulhosa por eles, mas os olhares insinuantes das garotas da mesa do lado estavam me irritando um pouco. Eu tentava me controlar, mas fiz questão de encostar minha cabeça em seu ombro e ver se elas, ao menos, disfarçavam.
Assim que minha primeira bebida chegou, foi impossível parar. tomava uma cerveja e beijava minha bochecha ou pescoço de vez em quando, arrancando-me suspiros. Às vezes nos realizávamos que estávamos em um lugar publico apenas quando insistia em nos lembrar. Ele era um invejoso, isso sim.
Nossas mãos se desgrudaram apenas quando tio Lewis anunciou que era a vez deles tocarem. Subiram no palco, aos gritos de várias garotas histéricas, e cada um foi para seu devido instrumento. Fazia certo tempo que eles não se apresentavam em publico, e eu senti falta daquela sensação de ser um deles. Acho que e eu ficávamos mais ansiosas que os próprios integrantes. Minhas mãos suavam, minha barriga gelava e meus olhos brilhavam. Tudo no mesmo tempo.
Eles ficavam incrivelmente lindos sobre aquele palco, e eu sempre me sentia incrivelmente orgulhosa. Ver todas aquelas pessoas gritando por eles, mesmo as groupies, me fazia muito feliz. Uma coisa que começou por brincadeira se tornava algo cada vez mais sério.
“Boa noite, pessoal” começou animado, e as pessoas levantaram seus copos de bebida e gritaram. “Senti saudades de vocês. Bom, vamos começar com uma que todos vocês conhecem. Surfer Babe!” eu gritei histérica. Eu adorava aquela musica!
Eu e estávamos bem em frente o palco, recebendo todos os olhares dos nossos garotos e dançando muito. Meu coração parou quando tocou Met This Girl e ainda por cima dedicou à menina mais apaixonante desse pub. Eu me derreti toda, não posso negar.
O show durou uma hora, com direito a muito Elvis. Os garotos sabiam – obviamente – da minha louca paixão, e faziam questão de cantar. Não sei se preferia as musicas nas vozes dos meninos ou no próprio Elvis.

Fiz questão de dar um beijo longo e intenso no momento seguinte que desceu do palco, arrancando não só suspiros de mim, como de todas as garotas ali. Não queria causar inveja, mas naquele momento, ele era meu mesmo...
Ele era meu... Isso soava um pouco estranho. Eu não sabia o que nós éramos para falar a verdade. Não fazia questão de saber também. Não era daquele tipo de garota histérica por ter o garoto ajoelhado aos seus pés e a pedindo em namoro. Eu não precisava daquilo. Estava satisfeita por simplesmente tê-lo ao meu lado. Enquanto eu tivesse isso, não importava o que nós éramos.
“Eu to suado, !” ele disse rindo durante o beijo, e eu simplesmente me joguei mais ainda em seus braços.
“E quem disse que eu importo?” dei língua e ele me apertou pela cintura, beijando-me veemente em seguida.
Eu queria congelar aquele momento. Sinceramente, queria ter esse poder. Eu nos congelaria ali e ficaria daquela maneira para sempre. Com o suor de em meu corpo, aquele cheiro ainda assim entorpecente, suas mãos me tocando... Era tudo muito surreal. Havia instantes em que eu não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo comigo e puxava para um beijo, apenas para constatar que não estava sonhando. Eu não podia estar sonhando. Seria uma tremenda tortura se um dia eu acordasse e tudo aquilo desaparece.

Sentamos-nos novamente, e voltamos à rotina boemia, esperando apenas os garotos descansarem. Claro que dezenas de pessoas foram até a nossa mesa para cumprimentar os garotos e tudo mais, deixando-me ainda mais orgulhosa. Ali, eles eram as celebridades. E eu me sentia importante por tê-los por perto.
Após alguns instantes, sem nem mesmo pedir, simplesmente puxei pela mão, levando-o em direção à pista de dança. Ele me seguia aos tropeços, mas sem reclamar uma vez se quer. Penso que ele talvez visse que eu sentia falta de dançar. Sem meu par rotineiro, Benjamin, fazia séculos que eu não dançava. E dançar e ficar com empatavam para ver quem era o mais importante.
Roll Over Beethoven invadiu meus ouvidos, me deixando ainda mais animada. Não sabia se me acompanharia, então não faria passos complexos. Só queria meu corpo junto ao dele movendo em uma sincronia só nossa.
Passei meus braços em sua nuca, fazendo questão de entrelaçar os dedos em seus cabelos sedosos. Suas mãos abraçaram minha cintura e me levaram para mais perto de seu corpo, acabando com qualquer possibilidade de espaço entre nós. Balançávamos-nos lentamente, apesar da musica ser bastante agitada. Não queríamos arrasar na pista, queríamos apenas curtir a presença um do outro, sentir os arrepios que nossos corpos davam ao se chocarem, e a incrível sensação de estarmos juntos. Eu sorria bobamente, eu tinha certeza. Não me importava o quão patética eu poderia parecer, ele me fazia sentir assim... Patética. Alucinada. E o principal: Feliz.
possuía o mesmo sorriso alheio e um brilho nos olhos que me contagiava. Eu não cansava de admirar sua beleza. Era algo de outro mundo. Aqueles olhos me alucinavam, aquela boca perfeita, seus cílios pequenininhos, sua sobrancelha fina, suas bochechas levemente rosadas, e seu nariz tão bem moldado. Ah, como eu amava aquele nariz.
Não me contive e juntei nossos narizes, roçando-os suavemente. O sorriso aumentou nos lábios do garoto, permitindo-me analisar seus dentes tão brancos. então movimentou sua cabeça um pouco mais para frente, de modo que nossos lábios se tocassem. Ficamos daquele jeito por um longo período, apenas com as bocas encostadas, sem nos movermos. Eu sentia sua respiração misturar com a minha, seus olhos estavam tão perto que quase se tornavam um só. Em um impulso, mordi seu lábio inferior levemente, fazendo-o suspirar.
Minhas mãos estavam presas em seus cabelos e, vez ou outra, moviam-se para fazer um carinho de leve. Nossos corpos ainda se moviam como se fossem um só, e eu não era mais capaz de decifrar qual música saía da jukebox. Com , eu perdia noção de tempo e espaço. Parecia-me completamente normal.
Colei nossas bocas novamente e, dessa vez, pedi passagem aos seus lábios para que nossas línguas se encontrassem. Elas se moviam lentamente, mal poderiam os outros perceber que estávamos nos beijando. Era tudo tão intenso e calmo ao mesmo tempo, o que me deixava totalmente confusa. Meus sentimentos com poderiam ser totalmente antônimos às vezes. Como isso era possível?

Capítulo 19.
                                          Now and then there's a fool such as I am over you


Novidade da semana:

Após e eu nos separarmos com muita dificuldade, obrigados por que dizia precisar embora de tão bêbado que nem ao menos lembrava-se de seu nome. Precisei contar toda sua vida, desde o dia em que nasceu até quando pediu em namoro. E ele ria de cada parte da história que escutava. E , claro, fazia um escândalo ao meu lado devido à falta de memória do namorado. Estava engraçado.
Voltando, sobre . Eu e o meu incrível poder persuasivo, convencemos a participar do Dancing Days. Sim, o maior concurso de dança da região. Aquele que eu participaria com Benjamin. E, por questões óbvias, precisava de um novo par. Eu havia me esquecido do concurso até ser lembrada por um cartaz que faltavam apenas vinte e cinco dias. Míseros vinte e cinco dias.
Infelizmente, eu era obrigada a concordar que não era o mesmo dançarino que Ben, e treiná-lo em vinte e cinco dias seria uma tarefa difícil. Mas eu confiava no potencial do garoto. Completamente.

Ele ainda chiava um pouco quando eu comentava sobre o tal concurso, mas sempre que eu o ameaçava com um dos meus olhares assassinos totalmente convincentes, calava a boca imediatamente.
Então hoje seria nosso primeiro ensaio, no barracão das galinhas. levou um radinho de pilha para lá e, se déssemos sorte, a rádio tocaria uma música que nos agradasse o suficiente para dançarmos.
Eu estava completamente animada. Radiante, por assim dizer. Vesti um macacão jeans com uma blusinha branca por baixo e amarrei meu cabelo com duas trancinhas. Totalmente infantil, eu sei. Era o momento que me contagiava. That's All Right Mama começou a tocar e não me contive em gritar. Ela não era a música perfeita para se dançar, então resolvi nos aquecer enquanto uma mais boogie woogie não aparecia.
ria compulsivamente dos passos ridículos que eu inventava. Chamei-o com o dedo e ele olhou para os lados, me ignorando totalmente.
“É com você mesmo, Senhor ” forjei uma voz engraçada e fui em sua direção, puxando-o pela gola de sua camisa xadrez.
Ele me pareceu totalmente desengonçado e envergonhado, o que eu achei uma graça. Envolvi seu pescoço com meus braços e passei a jogar minhas trancinhas de um lado para o outro, e movendo meus quadris – que estavam sobre posse das mãos do garoto – freneticamente.
That's All Right Mama, anyway you do” Cantávamos juntos, mexendo os pés lentamente, encontrando um ritmo em que ficássemos em sincronia, não como dois marrecos desengonçados.
Só depois que Be Bop a Lula começou a tocar, percebi que a rádio fazia um especial Elvis Presley. Nem preciso comentar o quanto amei, espero. Se somente Elvis não bastasse, Jerry Lee Lewis também arrasava meu coração.

Perdi a conta de quantas músicas dançamos por diversão, inventando passos engraçados e desleixados, rindo um da cara patética do outro. me fazia ter ataques.
Tutti-Frutti na voz do Rei começou a tocar, e apesar de amar Chuck Berry, tudo na voz de Presley ficava melhor.
Achei que aquela seria a melhor música para dançarmos para valer. Um tom de boogie woogie perfeito, e as idéias de passos não paravam de passar por minha mente.
Foi difícil para entrar no meu ritmo, entretanto.
, eu nunca vou conseguir dançar como você” o garoto falava desanimado, enquanto eu tentava fazê-lo mexer os pés na mesma velocidade que eu.
“Claro que consegue, ! Vamos lá, só mais um pouquinho de esforço!” tentei o encorajar, dessa vez me movendo mais lentamente, para que ele pudesse memorizar os passos. “Mova seus pés dessa maneira” apontei para meus próprios pés, vendo-o tentar imitar. “ISSO! Viu como você consegue?” me joguei em seus braços, dando-lhe um beijo como recompensa.
“Se eu for ganhar um beijo a cada passo que acertar, vou me esforçar mais...” disse ele com um sorrisinho maroto, recebendo um tapa em seu ombro.
“Vamos lá, de novo” peguei em sua mão e comecei a mover meus pés rapidamente, sendo seguida por , que, apesar de se atrapalhar às vezes, estava indo muito bem. Ele me girou, me fazendo cair em seus braços e depois voltando a minha posição inicial, sem deixar de sapatear um segundo.
“Desculpa dizer, , mas vamos arrasar” dei uma piscadela, pulando em seu colo e no chão em seguida, em um passo rápido.


“Não é assim, , já te falei milhões de vezes!” falei um pouco exaltada, vendo o garoto sapatear de maneira errada. Eu tinha quase a absoluta certeza de que ele estava fazendo de propósito, apenas para me ver irritada.
“Te falei que sou uma droga!” vi que ele tentava conter um risinho, o que me deixava ainda mais brava. Se ele queria me ver naquele estado, estava conseguindo. Bufei.
“Vamos, mais uma vez” peguei em sua mão, girei, e comecei a sapatear. , após alguns segundos movendo os pés de maneira correta, pisou em minha sapatilha novamente.
“DROGA, !” eu estava vermelha de raiva, e o garoto agora não conteve a risada, o que me irritou ainda mais. “POR QUE VOCÊ NÃO PODE LEVAR ISSO A SÉRIO? É IMPORTANTE PARA MIM!” eu já não controlava mais meu tom de voz e continuava a rir. “Benjamin estaria fazendo tudo certo!” soltei, e me arrependi no momento seguinte que a risada de acabou, sendo substituída por uma expressão totalmente surpresa.
“O que você disse?” ele perguntou franzindo o cenho, totalmente absorto.
“Nada, esquece. Vamos continuar” balancei a cabeça, me martirizando em pensamento. Que diabos havia me dado para dizer uma besteira daquelas? Peguei na mão de , o qual a afastou de mim imediatamente.
“Não, eu faço questão que você repita!” seu tom de voz começou a se exaltar e eu nunca desejei tanto poder voltar no tempo.
“ESQUECE, !” insisti, vendo seu rosto tomar uma cor vermelha, a mesma que eu possuía antes.
“ESQUEÇO COISA NENHUMA, ! VOCÊ ESCUTOU O QUE DISSE?” já gritávamos um com o outro, e as galinhas ali começaram a correr desorientadas.
“ESCUTEI, GAROTO! VOCÊ ESTÁ ERRANDO OS PASSOS DE PROPÓSITO, APENAS PARA ME IRRITAR!” eu já havia deixado o arrependimento de lado e o transformado em raiva.
“VOCÊ FALOU DE BENJAMIN, ! DE BENJAMIN!” ele repetiu inconformado, gesticulando veemente com as mãos e me ignorando totalmente.
“QUAL A GRAÇA EM ME VER IRRITADA, HEIN? ME DIGA, VAMOS!” foi minha vez de ignorá-lo, indo para cima do garoto e lhe dando alguns empurrões.
“COMO VOCÊ TEM A CARA-DE-PAU DE MENCIONAR O NOME DELE PARA MIM?” ele continuava a gritar, agora se desvencilhando das minhas tentativas de estapeá-lo. Se alguém estivesse nos assistindo, provavelmente estaria gargalhando da cena. Parecíamos um casal de irmãos brigando por um controle remoto. Mas naquela hora, para mim, não havia graça alguma.
“VOCÊ É UM IDIOTA, !” gritei, dando-lhe um tapa em sua face, em cheio. O galpão ficou em silêncio profundo, exceto pelas galinhas agitadas que insistiam em bater suas asas idiotas. Otárias, elas nem ao menos podiam voar!
me encarou, totalmente chocado e surpreso pelo meu tapa. Pude ver a marca dos meus cinco dedos estampados em sua cara. Eu estava ofegante e preparada para mais um ataque a qualquer momento.
O garoto veio em minha direção e eu fechei meus punhos imediatamente. Assustei-me um monte quando ele me envolveu com seus braços fortes e me beijou ferozmente. Sim, ME BEIJOU! Que problema esse garoto tinha? Estávamos no meio de uma discussão - a nossa primeira, devo frisar -, eu havia lhe dado um tapa e ele agora me beijava?

[coloquem essa música para tocar agora]


Não cedi de começo, tentando me soltar de seus braços que me deixavam imóvel. Nem ao menos abri minha boca para que pudéssemos realmente nos beijar. Entretanto, depois de um tempo vendo o quão inútil seria brigar contra seus braços fortes, me rendi aos seus encantos bipolares.
Agarrei seu pescoço com força e pulei em seu colo, vendo-o colocar as mãos em minhas coxas em seguida.
O garoto caminhou, cambaleando, em direção a um dos pilares que sustentavam o galpão e senti minhas costas baterem ali com força.
Puxei seus cabelos sem dó alguma, vendo-o apertar minha cintura da mesma maneira.
Beijávamos-nos ferozmente, como se aquele fosse ser o último momento de nossas vidas. Eu, vez ou outra, mordia seu lábio inferior apenas para escutá-lo suspirar. agora beijava meu pescoço, dando alguns chupões no local e me fazendo puxar cada vez mais seus cabelos. Meus olhos se fecharam imediatamente, permitindo-me sentir com mais prazer àquela carícia.
Minhas mãos agora arranhavam seus ombros rígidos e a atenção de agora voltara para minha boca. Beijávamos-nos com a mesma voracidade de antes, sem ao menos nos importarmos com o barulho irritante que as aves faziam ou com o simples fato de seu pai estar em casa.
Já ofegantes demais, fomos obrigados a nos separar em busca de um pouco de ar. Meu peito se movia rapidamente, mostrando o cansaço que aquela pequena seção me causou. , com lábios extremamente vermelhos, não estava diferente.
Suas mãos ainda estavam espalmadas em minhas coxas, enquanto um das minhas estava em sua nuca e a outra segurava seu rosto, na parte onde havia antes lhe atingido.
“Podemos brigar sempre se você quiser” eu falei após conseguir um pouco de ar, ainda tendo dificuldades para respirar. Ou colocar as palavras em ordem correta. havia embaralhado completamente minha cabeça. Ele riu, soltando um ar pesado de suas narinas.
“Eu adoraria brigar sempre com você” ele disse, me dando um selinho rápido. Apertei ainda mais minhas pernas em sua cintura e envolvi seu pescoço em um abraço.
“Me desculpe por antes...” sussurrei, bem perto de seu ouvido. Depositei um leve beijo ali mesmo. Suas mãos subiram para minhas costas, apertando-me contra seu corpo. Beijou levemente meu pescoço.
“Esquece, . Eu estava errado por não levar a sério algo que você gosta tanto...” disse baixinho com a cabeça enterrada em meu pescoço.
Direcionei meu rosto à sua boca, dando um beijo suave e demorado. Como eu gostava sentir aquele corpo colado ao meu, aquela boca colada na minha...
“É melhor continuarmos. Eu realmente quero ganhar esse concurso” me forcei a descer de seu colo, puxando-o pela mão até o meio do galpão e espantando algumas aves do local. “1, 2, 3, vai!”


Capítulo 20.
                                          Oh please don't ask what is on mind, I'm a little messed up but I feel fine


“Vamos logo, !” gritou e bateu na porta de madeira pela milésima vez.
Eu encarava meu guarda-roupa, totalmente descrente por ver que nada parecia dar certo em mim. Tudo parecia me engordar cinco quilos ou mais. Pensei em abrir a porta e dizer ao garoto que eu havia desistido de sair.
me chamara para um encontro, alegando que nunca havia me levado em um, oficialmente. Então saíriamos para jantar, mas o lugar estava rondado pelo mistério que fazia.
“Eu sou horrível, ! Nada parece cair bem em mim!” resmunguei, escondendo meu rosto desanimado entre as mãos. Através da porta, pude escutar uma risada estridente.
“Você não está mesmo dizendo isso para mim, está?” o tom debochado em sua voz era visível. “Você nunca é horrível, ” agora adiquiriu um tom sério. Pelo seu timbre, podia perceber que estava sorrindo. E eu, que não podia conter um a cada gesto seu, não contive um singelo sorriso no canto de meus lábios.
Voltei meus olhos ao guarda-roupa, procurando algo descente. Era injusto fazer esperar todo aquele tempo pelo meu ego totalmente pessimista. Se ele não me achava horrível, era isso que importava. Meus olhos pousaram sobre um vestido vermelho e ele me pareceu perfeito por alguns instantes.
Após vestida, fui em direção ao espelho pendurado em cima da escrivaninha. Maquiei-me de forma simples, sem muitos exageros. Uma sobra clara nas pálpebras, rímel para alongar meus cíclios e um blush para me dar um toque corado. Por fim, predi meu cabelo em um rabo-de-cavalo alto, deixando minha nuca e a abertura da frente de meu vestido à mostra, sem esquecer do perfume.
Respirei fundo, já sentindo o nervosismo me atacar. Eu estava indo para um encontro. Um encontro com . Se me contassem, no passado, que isso aconteceria, eu provavelmente riria da pessoa louca com a imaginação fértil. Destranquei a porta e girei a maçaneta lentamente, com o coração palpitando dentro de mim.
Dei de cara com a figura perfeita de recostado na parede em frente ao meu quarto, de braços cruzados e feição relaxada. Usava uma camisa social preta, de mangas dobradas até o cotovelo e com dois botões da frente desabotoados, mostrando parte de seu peitoral forte. A calça larga e rasgada nos joelhos desmanchava toda aquela expressão formal, assim como o coturnos nos pés. Os cabelos foram propositalmente bagunçados, deixando-o ainda mais charmoso Para completar, um sorriso brincava no canto de seus lábios, e seus olhos conquistadores me observavam cautelosos. Da cabeça aos pés. Admito que a timidez me acertou em cheio, com aqueles olhos brilhantes e insistentes sobre mim.
“Como você tem a capacidade de dizer que é horrível?” perguntou ele, indignado. Olhei para minhas sapatilhas vermelhas, vendo o garoto se aproximar de mim, tomando meu queixo em suas mãos e me obrigado a encará-lo. “Você está linda. Como sempre” sorriu, dando-me um selinho em seguida, sem se importar em estarmos dentro de casa. “Pronta?”
Assenti e então fomos em direção à saida da casa. Tio Lewis estava na sala, sentado no sofá e com um cachimbo em mãos. Escutava Billie Holiday, totalmente alheio a qualquer coisa que pudesse acontecer a sua volta.
“Pai, estamos saindo, okay?” parou em frente ao sofá, sendo ignorado pelo pai, que olhava para um ponto fixo na parede, sem expressão alguma no rosto “Pai?” chamou-o novamente, vendo agora o mais velho encará-lo com surpresa.
“Sim?” sorriu abertamente, como se estivéssemos acabado de chegar ali. Olhei para , que agora substituira o olhar divertido de antes, por um totalmente... triste.
“Estamos saindo...” olhou para a vitrola, depois para os pés e depois para o pai.
“Oh sim! Divirtam-se!” acenou com a cabeça e voltou a olhar para qualquer lugar, tragando profundamente o cachimbo.
se dirigiu à porta e eu o segui. Quando eu já estava na varanda, vi o garoto encostado em um pilar, com a cabeça apiada no braço. Eu não podia ver seu rosto, mas não precisava fazê-lo para saber que não estava bem.
Olhei para trás, vendo tio Lewis com a mesma expressão de antes, e eu duvidava que ele estava prestando atenção em qualquer outra coisa que não fosse a parede. Então coloquei minha mão em seu ombro direito e recostei minha cabeça no esquerdo, sentindo um perfume incrível vir de seu pescoço. Pela pouca iluminação e o braço que tampava, não podia ver seu rosto muito bem.
Abaixei minhas mãos para sua cintura, abraçando-o fortemente.
“Não agüento mais vê-lo assim...” falou fracamente. “Desde a morte da minha mãe, chega uma hora do dia que ele simplesmente... sai desse mundo” sua voz mostrava toda sua agonia e era como se eu pudesse sentir tudo o que sentia, já que meu coração parecia estar comprimido dentro de mim. Lembro-me bem do dia em que Rose, a mãe de , faleceu. Não fazia mais que dez meses...

Era uma noite chuvosa e os três - Rose e Lewis - voltavam da cidade para o sítio. Um caminhão desgovernado atravessara a pista e, tio Lewis para desviar, jogara o carro em direção ao acostamento. Devido ao asfalto molhado, acabou por derrapar e perder totalmente o controle do carro. O pai quebrara a clavícula e teve alguns cortes profundos no braço, mas, infelizmente, a mulher não teve tanta sorte... Meu pai, John, foi o primeiro a saber. E o primeiro a nos contar. Estávamos todos em minha casa, na piscina, apenas os seis, conversando sobre tudo e nada, totalmente alheios ao mundo.
Foi a cena mais triste da minha vida. pareceu perder o chão, o brilho pareceu sumir de seus olhos. No começo, não acreditou. Após alguns instantes, vendo que John não estava brincando, desabou em choro ali mesmo, sendo abraçado por todos nós.
teve que o segurar pelos ombros para que seus joelhos não cedessem.

“Não precisamos sair, se você não quiser...” sussurrei perto de seu ouvido. suspirou. Finalmente desencostou a cabeça do braço e me encarou.
“Não. Eu quero sair com você. Quero muito” segurou meu rosto com suas mãos. “Você me faz esquecer disso tudo. Que isso tudo acontece ou... aconteceu...” seus olhos estavam extremamente vermelhos. Agora foi a vez das minhas mãos irem de encontro com seu rosto. Não gostava de vê-lo naquela situação, não gostava nenhum pouco. fechou os olhos e eu colei nossas testas, de modo que nossas respirações se misturaram.
“Então vamos. Afinal, esse é o nosso primeiro encontro. Temos que estar animados!” fiz uma careta, fazendo-o sorrir e me dar um beijo na testa em seguida.
“Vamos” estedeu a mão e eu a peguei sem hesitar.
Andamos em direção ao carro amarelo e entrei assim que abriu a porta do mesmo para mim. Ao invés de virar a esquerda em direção à Bolton, o garoto virou a direita e eu fiquei sem entender. Olhei-o desentendida, e o garoto apenas sorriu de lado e me olhou pelo canto do olho, tentando prestar atenção na estrada.
Já estava escuro e não havia muito movimento.
ligou o rádio e me contagiei com a voz de Johnny assim que eu a escutei.
“Love is a burning thing” começamos a cantar juntos. “And it makes a firery ring bound by wild desire” me olhou rapidamente. “I fell in to a ring of fire” com uma mão ele fazia gestos engraçados e a outra manobrava o volante. Eu não conseguia parar de rir das caras e bocas que o garoto fazia.
Eu não tinha a mínima ideia de onde ele estava me levando, entretanto, amava todo aquele clima de suspense. De uma coisa eu sabia: não seria em Bolton. Obviamente. O que me deixava ainda mais intrigada.
não desencaixou sua mão da minha uma hora sequer, apenas quando precisava trocar de macha para frear ou algo assim.
Eu gostava do modo como elas ficavam bem encaixadas.
O olhei de esgoela, e o vi encarar a estrada com um sorriso simples, mas que fazia todo o meu mundo paralisar...


Reconheci Salford antes mesmo de ver a placa com um grande ‘Welcome to Salford’. Uma cidade à 16 quilômetros de Bolton, no máximo. Era um pouco menor que nossa cidade, mas eu podia afirmar que era melhor. Fazia divisa com Manchester, sendo separadas apelas pelo rio Irwell, e as pessoas dali eram muito mais legais que as de Bolton. Quero dizer, pelo menos são mais liberais e não se metem tanto na sua vida. Não posso generalizar, entretanto, tendo em vista que todos que eu conhecia eram bratinados e de esquerda.
Meus olhos se surpreenderam e encararam os de imediatamente, e ele apenas deu de ombros.
O carro foi parando, após alguns minutos, em frente à um restaurante chamando Actal’s Restaurant, um recinto muito fino e famoso por ter as melhores massas da região. É um restaurante tipicamente romântico, onde noventa e oito por cento dos clientes são casais.
Eu continuava com o olhar surpreso, totalmente atônita pelo fato de ele ter me levado àquele lugar. Quero dizer, ele precisava me tirar de Bolton apenas para me levar a um encontro? Isso me soava exagero...
O restaurante era todo de vidro, com luzes amarelas e mesas decoradas.

“Reserva para , por favor” ele falou com a atendente loira que ficava atrás de um pequeno balcão na entrada. Pediu para aguardarmos enquanto olhava em um caderno.
, não acredito que me trouxe aqui!” sussurrei entre dentes. “Esse restaurante é muito chique! E caro!” ele riu.
“Nosso primeiro encontro tem que ser... Romântico, ” continuou rindo e eu rolei os olhos. “Também seria romântico se você me levasse para um piquenique no parque!” rebati. O garoto passou o braço pelos meus ombros e beijou minha bochecha, sem mais palavras.
“Podem me seguir, por favor” a atendente sorriu e a seguimos até uma mesa perto do blidex, o qual possuía uma vista para o rio Irwell.
Como eu previa, havia apenas casais – todos muito finos – e havia um saxofonista tocando em um pequeno palco ali perto, tocando um blues apaixonante.
A mesa era decorada com forros brancos e vermelhos, com um arranjo de velas e flores em cima.
Sentamos-nos e a moça já nos entregou o cardápio. Espantei-me ao ver os preços absurdos e encarei imediatamente, e ele mantinha uma expressão tranqüila... Divertida, até.
“Vou querer um Hacienda Monasteiro, por favor” o garoto pediu um vinho com um sorriso e me espantei ao ler o preço do mesmo. Quando a garçonete terminou de anotar os pedidos e foi em direção ao balcão, me virei para o garoto.
“Um vinho de duzentas e setenta libras? Está louco ou ganhou na loteria?” perguntei entre dentes, com a sobrancelha arqueada.
“Dá para largar de ser chata e não estragar nosso encontro?” ele disse em meio de risos e eu bufei. “Só curta o momento, deu uma piscadela e sorriu sapeca. Dei de ombros e em seguida pedi bruschettas com tomate e manjericão. Nosso vinho chegou e começamos a bebê-lo no mesmo instante.
contava-me suas historias de criança, de quando beijava todas as menininhas e depois puxava seus cabelos. Totalmente louco, devo acrescentar.
Eu contei de quando eu era totalmente viciada no filme A Bela e a Fera e sempre atrapalhava o namoro das minhas tias no sofá da minha avó. Eu sempre fazia birra para que elas – juntas dos namorados – vissem o filme comigo. Totalmente mimada, por sua vez.
Perdi a conta de quantas taças já havíamos tomado. Acho que já tínhamos tomado demais... Acho não, tenho plena certeza. Já gritávamos e riamos escandalosamente, fazendo todos os casais requintados nos olharem com reprovação, e isso nos fazia sussurrar coisas nada agradáveis sobre os mesmos.
“Bando de caretas!” sussurrou, não tão discretamente. “Acham que são os donos do mundo, esses burgueses idiotas.” Eu adorava esse jeito esquerdista do garoto. Ele era tão idealista quanto eu, e se brincar era até mais. Tinha tanta vontade de mudar o mundo que desejava ser americano para participar da guerra que começava no Vietnã. Completamente louco, penso eu.
“Não esqueça que eu faço parte dessa sociedade, ” brinquei e ele fez uma careta engraçada.
“Você não é como eles. Na verdade, você não é nem um pouco burguesa, vamos combinar, . Exceto pelas roupas que você usa, talvez. E pelo modo educado que você come e fala...” forjou uma cara pensativa. “Certo, talvez você seja, mas não é como eles! Vamos lá, eles não são felizes seguindo todas aquelas regras ridículas e sem sentido! NEM AO MENOS FICAM BÊBADOS!” ele gritou, atraindo ainda mais olhares chocados.
Rebeldes, eles deviam pensar. Provavelmente se perguntavam por que diabos jovens tão “sem classe” como nós estavam no mesmo restaurante que eles, tão etiquetados.
“Senhores, poderiam falar um pouco mais baixo? É que vieram reclamar...” a mesma moça que antes nos atendeu, agora nos reprimia um tanto receosa. Talvez temia que nós a atacássemos.
Olhei para . Ele olhou para mim. Sustentamos o olhar por um tempo, sabendo o que viria depois. Gargalhamos tão alto no momento seguinte, e com tanta veemência que, se eu estivesse sóbria, repreenderia os escandalosos.
A atendente olhava para os lados, totalmente assustada com a situação, o que nos fazia rir ainda mais.
A mulher nos deixou tendo ataques e entrou em um cômodo perto do balcão.
“Acho que ela vai nos expulsar” disse entre risos, e eu era realmente anormal por achar graça naquela cena. Era meu primeiro encontro com o garoto e seriamos expulsos do restaurante.
“Vamos embora” sugeri e já fui me levantando da cadeira, enquanto me encarava surpresa. “Vamos logo!” o puxei pela gola da camisa e ele me seguiu aos tropeços.
“Espera!” ele me freou e eu o observei ir até a mesa. Tirou uma nota do bolso traseiro de sua calça e colocou em cima da mesa. Em seguida tirou a garrava de vinho do balde de gelo e veio correndo em minha direção.
“Saudações! Desculpem-nos por envergonha-los e estragar a maravilhosa noite de vocês” ia falando e, assim que vi a garçonete voltar com um homem alto e robusto, puxei seu braço e começamos a correr em direção ao carro. Sabíamos que nenhum dos dois tinha a minha condição de dirigir, mas simplesmente tínhamos que fugir dali.
Entramos no carro às pressas e aos risos, vendo o segurança correr em nossa direção, no mesmo instante em que deu a partida no carro e uma fumaça saía dos pneus que cantavam no chão. O carro andava em grande velocidade e apenas a diminuiu quando tínhamos certeza de estar bem distantes do Actal’s “MEU DEUS!” gritei em meio de risos, sentindo meu coração disparado por tanta adrenalina. ainda ria e parou assim que o sinaleiro mais a frente se tornou vermelho. “Quanto de dinheiro você deixou na mesa?” perguntei curiosa.
“Cinco libras” ele deu de ombros e meus olhos saltaram das órbitas. Quero dizer, só o vinho que pedimos era duzentas e poucas libras! “Não mereciam mais que isso mesmo...” rolou os olhos, me fazendo concordar e cair no riso. O relógio do rádio indicava três horas da manhã e não havia sinal de uma alma viva na cidade.
“Quer voltar para Bolton agora?” ele me perguntou alheio, enquanto eu olhava atentamente para o farol, esperando-o mudar sua cor para o verde. Voltei minha atenção para o garoto.
“Acho que seria perigoso pegarmos a estrada agora... Além de estar tarde, nossas condições não são das melhores...” falei apreensiva, vendo o garoto fazer uma careta e dar de ombros.
ligou o rádio, em uma estação que tocava um especial ‘Flashback’, com música da década de 20. A voz de Louis Armstrong consumiu todo o silencio do carro, e eu continuava a observar o garoto do meu lado, que me olhava na mesma intensidade. Acho que o sinal já havia ficado verde, mas não nos importávamos. Não havia um movimento sequer, de qualquer maneira.
“Quer dançar comigo?” disse calmamente, com a voz um pouco falha. Seus olhos estavam vermelhos e seus cabelos mais bagunçados do que nunca e um pouco suados.
“Aonde?” perguntei confusa, vendo o garoto encostar a cabeça na beirada do banco, bem próximo de mim.
“Na rua...” ele disse despreocupado, com um sorriso no canto dos lábios. “Agora?” hesitei. já se moveu do banco e saiu do carro, rodeando-o e parando do lado da minha porta. Eu o encarava atônita através do vidro e o vi abrir a minha porta, erguendo sua mão para que eu saísse do veiculo.
“Você é louco, ” ri e segurei sua mão. Antes que pudéssemos ir para o meio da rua, aumentou o som num volume não permitido pela Lei do Silêncio, e eu reconheci Dream a Little, Dream of Me do Louis. Era um blues totalmente gostoso de se ouvir, e dançar com me pareceu muito convidativo naquele momento. Estávamos bêbados e o mundo não nos importava. Já havíamos infringido varias regras naquele dia, mais uma não iria fazer a mínima diferença.
Ele me conduziu até o meio da rua, em frente ao carro e em cima da faixa de pedestres.
Fez uma reverência, curvando-se. Eu peguei as pontas de minha saia e devolvi o gesto com um sorriso.
Ele se aproximou lentamente de mim, colocando sua mão delicadamente em minha cintura, enquanto a outra se encaixava na minha.
Toquei seu ombro com sutileza e encostei nossos rostos gentilmente. Começamos a mover nossos corpos lentamente de acordo com o ritmo que a musica nos permitia. Girávamos com cautela e sem pressa, sentindo os ventos frios do outono tocarem nossa pele, nos fazendo colar ainda mais nossos corpos.
A respiração quente do garoto batia em minha bochecha, fazendo meus olhos se fecharem lentamente. Seu cheiro era entorpecente e sentir seu hálito entrar em contato com a minha pele me deixava ainda mais tonta.
Aconcheguei meu rosto em seu pescoço, e escutando seus suspiros em meu ouvido à medida que eu depositava leves beijos ali.
Suas mãos apertavam minha cintura levemente e nossos pés continuavam a se mover na mesma sintonia.
A rua seria demasiada escura se não fosse pelas luzes do semáforo que mudavam constantemente.
Movi minha mão, que antes se encontravam no ombro forte do garoto, para seus cabelos, entrelaçando-os em meus dedos.
moveu seu rosto, beijando lentamente meu lóbulo, depois minha maçã do rosto, passando pela minha mandíbula e, por fim, tocou meus lábios com doçura.
Sua respiração se misturava com a minha, devido à proximidade de nossas faces, e eu não ousei abrir meus olhos... Estava tudo perfeito daquela maneira. Passamos a nos beijar lentamente, sentindo nossos gostos se misturarem e nossas línguas se encontrarem com calma. tinha gosto de vinho, o que deixava aquele beijo ainda melhor...
As mãos do garoto agora passeavam pelas minhas costas, e se já não bastasse, me causava arrepios gostosos.
Dei uma mordida de leve em seu lábio inferior antes de nos afastar.
O garoto me abaixou lentamente, com as mãos firmes em minha coluna, em um passo encantador. Voltou-me à posição normal, deixando nossos rostos próximos novamente. Meu nariz estava encostado no seu, e eu os rocei levemente.
Senti os lábios de tocarem os meus novamente, separando-os no mesmo instante. Ele trilhou o mesmo caminho de antes até chegar em meu pescoço, onde beijava sem pressa. Eu suspirava baixinho em seu ouvido, e aquilo parecia o estimular. Minha respiração já começava a se descompassar, e minhas mãos agora puxavam seus cabelos com certa força. me puxou ainda mais contra seu corpo, e estremeci ao senti-lo tão perto de mim.
Senti algo gelado tocar meus joelhos e percebi que havíamos chegado perto do carro. Nossa dança havia parado, mas continuava com o corpo colado no meu. Sentei no pára-choque do veículo e abri um pouco as pernas para que o garoto ficasse entre elas.
Puxei seus cabelos, de modo que o garoto deixasse meu pescoço e me encarasse. Olhei profundamente naqueles olhos maravilhosos antes de colar nossos lábios pela milésima vez. Nosso beijo foi tomando velocidade ao longo dos segundos e o corpo de já forçava bastante contra o meu, então me deitei no capô. Dobrei uma de minhas pernas, em uma posição mais agradável, e senti o peso do corpo do garoto sobre o meu.
Partiu o beijo e me encarou, seus olhos cheio de desejo e paixão. Sua mão,que antes se encontravam em meu pescoço, desceu lentamente pelo meu corpo, explorando cada parte do mesmo. Andou por meu colo, barriga, até parar em minhas coxas.
Voltou a me beijar, e eu mantinha minhas mãos estavam espalmadas em seu peito. As do garoto começaram a subir, trilhando um caminho por debaixo do meu vestido. Eu não me importava. Estava até segura por atingir esse ‘novo nível’. Eu simplesmente estava com uma incrível atração física naquele momento, e meu corpo implorava para estar colado no do garoto.
Suas mãos passaram lentamente por uma de meus glúteos, demorando um tempo considerável ali. Depois subiram para a minha cintura, apertando-a com acuidade. Nossos corpos se moviam de acordo com nosso beijo, o que me permitia sentir a paixão de mais embaixo.
O garoto passou a beijar meu pescoço, arrancando suspiros pesados da minha garganta. Meu coração, assim como minha respiração, estava totalmente descompassado, decidindo se continuava a bater ou não.
desceu seus lábios lentamente, dando atenção agora para meu colo descoberto devido ao decote. Com a mão livre, ele desabotoou mais um botão, deixando agora parte do meu sutiã vermelho à mostra. Beijava com desejo a parte descoberta de meus seios, me deixando um tanto quanto entorpecida. Tanto que eu já fazia movimentos contra seu corpo, mostrando o quanto eu estava gostando daquela situação.
Puxei novamente seus cabelos, trazendo sua boca de volta, eu precisava daqueles lábios contra os meus, eu precisava sentir seu gosto novamente.
Senti sua mão, que antes estavam em minha cintura por debaixo do meu vestido, se juntar com a outra em um trabalho de desabotoar outro botão do meu vestido. Certo, eu estava adorando aquele momento. Estava louca de paixão e desejo, mas o fato de estarmos no meio da rua e, para piorar, em cima do capô de um carro, me fez despertar de toda aquela loucura entorpecente. Separei nossos lábios.
...” tentei começar, mas o garoto colou nossas bocas novamente. Ri no meio do beijo, mas não desisti.
, estamos no meio da rua” falei rapidamente, antes dele me interromper novamente. Ele riu contra meus lábios.
“Quem se importa?” ele disse ligeiro, apenas para poder me beijar novamente.
“Eu não me importo... Mas já está tarde e...” hesitei por um instante. me olhou penetrante e eu olhei para seus lábios vermelhos e inchados. “Estamos indo rápido demais...” o que não era mentira. Se continuássemos daquele ritmo, não sabia quando pararíamos mais e como aquilo acabaria... Na verdade, sabia sim.
fechou os olhos e suspirou pesadamente. Encostou a testa em meu peito descoberto, tentando ceder ao meu pedido.
Sorri e comecei a acariciar seus cabelos suados.
“Às vezes é difícil, ...” ele sussurrou abafadamente. “Digo... Me controlar perto de você” concluiu e eu abri ainda mais meu sorriso devido ao desabafo. levantou a cabeça e me encarou.
Levei uma mão até seu rosto, alisando sua bochecha carinhosamente, vendo seus olhos se fecharem.
“Vamos. Ainda temos que achar um hotel...” empurrei-o de cima de mim com cuidado e lhe dei um selinho antes de me dirigir até a porta do carro.
permaneceu estático por alguns segundos, como se ainda tentasse restabelecer seu autocontrole. Eu não podia deixar de rir daquela situação.
Bagunçou nervosamente os cabelos e finalmente entrou no carro.
“Você ainda vai me matar, ” ele disse, balançando a cabeça negativamente e dando partida no carro.



Capítulo 21.
                                          We are in trouble but we don’t care...


Depois do episódio na rua que eu não me lembro o nome, e eu começamos uma maratona atrás de um hotel. O primeiro que encontramos, Floats Hotel, e posso dizer que nunca vi um moquifo tão... Moquifo quanto aquele. Uma velha de bigode e verruga no queixo nos atendeu e nos entregou uma chave de um quarto do terceiro andar. Só pelo estado da recepção – teias de aranhas nos cantos do teto, mofo no sofá e poeira em todos os lugares possíveis – já tive uma imagem de como seria o quarto. Não reclamei ou tive um ataque burguês porque estava bêbada demais e com sono demais para poder ter alguma reação.
Subimos escadas – porque aquele lugar ainda não conhecia algo chamado elevador - em direção ao terceiro andar, quarto 307.
Já no corredor, o carpete era o mais sujo que eu já havia visto na minha vida, paredes descascadas e portas pintadas com uma cor azul celeste.
“Chegamos” disse meio morto, tão acabado quanto eu. Um cheiro de fumaça chegou às minhas narinas e mude perceber que vinha do quarto ao lado e nem quis imaginar o que poderia estar acontecendo ali.
O quarto era... Bem, não há descrições que possam definir meu estado de espírito ao adentrar aquele quarto. Pensei em pirar de vez e fazer um escândalo, tirando de lá pelos cabelos, mas pela expressão tranqüila do garoto preferi ficar calada e agüentar aquilo... Por ele.
O garoto me olhou, dando de ombros e fazendo uma cara inocente, como se pedisse desculpas pelo olhar. Forcei um sorriso. Apesar de eu amar passar meu tempo com , preferia passar, não sei... Quem sabe no carro? Aquele lugar era um desespero!
O garoto, visivelmente bêbado, saiu correndo quarto adentro e pulou com força em cima da cama. Tudo que pude ouvir foi um estralo enorme e no momento seguinte, – e a suposta cama – estavam no chão. Não pude deixar de soltar uma risada escandalosa ao ver a cara de espanto do menino, que pareceu perder todo o álcool em seu organismo e olhar assustado para os lados.
Tive até que me sentar no batente da porta por tanto rir e não estar me agüentando de pé. Minha barriga já começava a doer e tudo que se escutava ali no cômodo era minha risada estridente que, em segundos, se juntara com a de .
“Esse... É o melhor... Hotel que eu... Já fui” ele falava pausadamente, entre risos e suspiros.
Em um impulso me levantei, e corri em direção à cama, pulando nela em seguida e caindo nos braços de . Ela já estava no chão mesmo, um peso a mais não faria diferença. Pelo menos ela caíra enquanto estávamos acordados...
“Só você mesmo para me fazer ficar num lugar desses” falei após cessar as risadas e o agarrei pela cintura.
“Se quiser procurar outro, podemos ir...” ele disse alheio, passando um braço por um de meus ombros. Suspirei.
“Não... Vai ser divertido” falei antes de morder seu pescoço e tê-lo fazendo cócegas em minha barriga.
E a noite se estendeu com muita conversa, barulho vindo dos demais andares, e risadas sobre tudo e nada ao mesmo tempo...


xxxx

Eu já estava no backstage e nunca me senti tão nervosa em toda minha vida. Minhas mãos tremiam de tal maneira que tinha duvidas se conseguiria subir naquele palco. Eu revisava em pensamentos todos os passos da minha apresentação, enquanto os outros candidatos ensaiavam e se alongavam nas penteadeiras. Eu não conseguiria nem mover os dedos do pé. E quer saber o pior de tudo? não havia chegado.
Ele não podia amarelar agora, por Deus, não agora! Ele não seria capaz de me deixar nessa situação, seria?
Eu olhava por uma fresta da cortina que tampava o palco, e o ginásio Passerby se enchia cada vez mais. Eu havia chamado todos meus amigos e vi que chegavam naquele exato minuto.
carregava consigo um enorme sorriso e dava pulos de alegria enquanto se dirigia às cadeiras em frente ao palco da área restrita. Restrita aos poderosos da cidade e suas famílias. Hipócrita, mas o que eu podia fazer...
conversava animado com e rindo de alguma (bobagem, provavelmente) que dissera.
A cidade inteira estaria ali. O prefeito , as socialites, as garotas da escola, as famílias dos meus amigos... Só esperava que Marry não resolvesse sair de casa hoje. Pensaria: “O que diabos minha filha está fazendo ali?”
Eu provavelmente a ‘envergonharia’, já que lugar algum era decente o suficiente para sua cria.

Quando o salão já estava cheio, o apresentador do Dancing Days abriu a cortina e uma multidão de aplausos, eu pude ouvir. Uma montanha russa se formou em meu estomago e a ausência de fez tudo piorar. Seriamos o sexto casal a se apresentar e onde aquele moleque havia se enfiado? Queria me matar do coração, era isso? Se fosse, estava conseguindo lentamente!
Respirei fundo enquanto via o primeiro casal entrar no palco. Eu não olharia a desempenho dos concorrentes, não queria me sentir intimidada e ter que fugir. Aquela era minha primeira aparição em publico, mostrando uma habilidade que, até então, era desconhecida por mim, e isso me deixava extremamente nervosa. O fato de não estar ali, piorava tudo ao quadrado.

O segundo casal se dirigiu animadamente ao palco.
Fui com as pernas bambas em direção a uma penteadeira e bufei assim que me sentei. Olhei-me no espelho e vi uma garota de olhos tensos e pálida devido ao nervosismo. Peguei um blush que estava em cima do móvel e passei em minhas maçãs do rosto tentando disfarçar minha tensão.

Depois de quatro minutos, o terceiro casal foi se apresentar. E eu queria matar aquele ser chamado . Como ele podia fazer isso comigo? Ele sabia o quão importante era esse concurso para mim, estávamos treinando há quase um mês e ele me parecia tão certo quanto a participar! O que diabos estava acontecendo?


’s POV


Eu nunca soube como dar um nó em gravatas. Estava para surgir algo mais complicado a se fazer do que isso. Desisti e, por fim, resolvi apenas colocar o terno branco sobre a camisa amarela. queria que eu parecesse com Elvis Presley e isso era obvio. Olhei-me uma ultima vez no espelho e peguei a chave da minha moto, saindo de casa em seguida. Faltava uma hora e meia para o inicio do festival e se eu me atrasasse um segundo, ficaria louca, eu tinha certeza.
Demoraria dez minutos para que eu chegasse ao centro da cidade, andando a 120 quilômetros por hora. Multas seriam conseqüência. Como programado, cheguei em frente ao ginásio Passerby. Eu estava mais nervoso do que quando fiz minha primeira aparição com o McFLY. Primeiro porque foi apenas para cem pessoas e esse concurso teria, no mínimo, oito mil pessoas... Segundo, eu estaria frente a frente com , imagine se eu esquecesse algum passo e a fizesse passar vergonha? Se eu pisasse em seu pé? Droga, eu estava perdido!

E, quando estava prestes a entrar no ginásio, senti uma mão puxar-me pelo ombro e um hálito de álcool muito forte chegou ao meu nariz. Surpreendi-me ao ver Benjamin parado em minha frente, com uma cara furiosa. Engoli seco. Por mais que eu não tivesse medo daquele idiota, eu estava surpreso por sua aparição após anos luz.
“O que quer, ?” falei firme, tirando sua mão do meu ombro brutalmente e o encarei com raiva. “Você não imagina, ...” ele sibilou com dificuldade e o cheiro de álcool saindo da sua boca. “O ódio que eu sinto de você” falava entre dentes.
“Que bom que seus sentimentos são correspondidos” falei no mesmo tom. De repente, senti meu corpo ser empurrado com força e gemi fracamente ao sentir minhas costas baterem na parede.
“Agora não tem ninguém para gritar por você, ...” ele foi se aproximando, deixando seus olhos vermelhos mais visíveis à medida que chegava mais perto.

End of ’s POV


“Droga!” exclamei após a milésima vez que olhei em meu relógio de pulso. Aquela demora não estava normal! E cheguei à conclusão de que jamais me deixaria esperando daquela maneira se nada tivesse acontecido.

Fui em direção às cortinas, onde o quarto casal se apresentava e procurei por na platéia. Comecei a fazer gestos bruscos para chamar sua atenção, sem sucesso por alguns instantes, já que ele olhava atento à apresentação. Vi cutucá-lo e apontar para mim, fazendo-me agradecê-la mentalmente.
“Cadê o ?” falei, esperando que ele fizesse leitura labial.
“O quê?” li em seus lábios. Bufei nervosa.
!” insisti. Ele continuou sem entender, com aquela cara de palerma. Por que diabos meus amigos eram tão lerdos? “DOUGIE!” gritei, e alguns olhares foram direcionados em minha direção, fazendo-me esconder.
Olhei para novamente e, finalmente, ele pareceu entender. Cutucou e , e os três se levantaram em direção à saída.

’s POV


“Eu adoraria perder meu tempo com você, Benjamin, mas tenho um festival para participar...” falei sarcástico e me desvencilhei em direção à saída. Entretanto, a mão de novamente me puxou, prensando-me, mais uma vez, contra a parede. Rolei os olhos.
“Festival que eu teria que participar!” Ben rangia os dentes e aquele showzinho já estava me cansando. E o fato que mais me preocupava era que já estaria ficando louca.
“Bom que você sabe conjugar verbos, Ben, vamos terminar logo com isso!” falei com um tom entediado.
“Como quiser, ” ele disse divertido e, no momento seguinte, senti sua mão entrar em contato com meu nariz. Bicho, não tinha algo que doesse mais do que um soco no nariz. Certo, um chute nas partes baixas ganhava.
Não contive o grunhido de dor e, então, senti um liquido escorrer até minha boca e eu reconheci o gosto de ferro enferrujado.
Meu instinto animal despertou no mesmo instante e, sem que eu ao menos mandasse estímulos de raiva ao meu cérebro, meu punho se fechou em direção à maçã do rosto do . O garoto se desequilibrou um pouco para a direita, se recuperando após alguns segundos. Olhou para o lado e fez um singelo aceno com a cabeça. Forcei um pouco a visão e vi três garotos, tão grandes quanto Benjamin, se aproximarem. Presumi que eram as prostitutas de Benjamin .
“Precisa das suas amiguinhas para dar conta de mim?” ri irônico, antes de sentir meu estômago ser afundado por um murro na barriga. Contrai com grande dor. Esperei todos os flashes da minha vida passarem pela minha mente, já que eu morreria naquele momento. Dizem que isso sempre acontece, não é mesmo? Ótima hora de ser espancado, justo quando a cidade inteira se concentrava no mesmo lugar, deixando a rua deserta.
No momento em que me levantei, preparado para deixar estéril, um mais novo murro acertou em cheio minha bochecha direita. E depois a esquerda. E a barriga.
Eu não sentia dor alguma devido à santa adrenalina que borbulhava em minhas veias e, quando um dos capangas – que mais parecia um chipanzé – ia me atacar, desvencilhei-me de seu braço e dei-lhe um chute forte no joelho do capanga que parecia uma hiena, fazendo-o cair no chão. Agora faltavam três e eu agradecia o senhor por ter me obrigado a fazer karatê até os quinze.
Dei um murro rápido na barriga do chipanzé, mas fui surpreendido por trás, quando o outro capanga segurou meus braços. Ben, então, deu dois murros seguidos em minha barriga. Dessa vez, a adrenalina me abandonou. Chapa, eu senti que podia vomitar a qualquer momento. Jogaria tudo na cara do .
“Co-covarde!” juntei fôlego e força para dizer, sendo atingido no rosto em seguida.
“Você rouba a garota dos outros”, murro na barriga. “E espera sair ileso?” murro no rosto. Naquele momento, sangue já saia de todos os cantos do meu rosto e eu não sabia se poderia ficar de pé por se um dos carrascos não estivesse me segurando. E apesar disso, tudo que eu conseguia pensar, era em . Eu tinha que me manter firme para ela, não podia decepcioná-la. Sabia o quão importante aquele concurso era para ela. Com seu sorriso lindo em minha mente, tentei me desvencilhar do garoto que me segurava, sem sucesso, entretanto. Aparentemente, só aumentei o ódio de Benjamin.
“Você não vai a lugar nenhum, !” escutei vagamente antes de ter meu rosto atingido pela vigésima vez.

“BENJAMIN?” escutei uma voz ao longe e vi, vagamente, o garoto se virar surpreso para a porta do ginásio.
“Saia daqui, bro! Isso não tem nada a ver com você!” Ben falou apreensivo para o irmão que se aproximava.
“Que diabos você está fazendo?” a voz de se elevou e ele parecia incrédulo apesar de eu não conseguir ver sua fisionomia. Minhas pernas não me agüentavam mais e eu me sentia cada vez mais tonto, cada vez menos sensato.
, tire ele daqui!” Benjamin ordenou furioso e desesperado, enquanto meus três amigos se aproximavam cada vez mais. Escutei um estralo e vi que havia batido em seu próprio irmão, e cai no chão assim que o capanga me largou para ajudar seu cafetão. Por tanta pancada, meus sentidos estavam destroçados, assim como diversas partes do meu corpo. Eu estava estatelado no chão e minhas pernas não recebiam as ordens para que se levantassem. Pude ver meus amigos brigando com as prostitutas de Benjamin. batia no que antes me segurava, com o chipanzé e Ben ordenara que a hiena nada fizesse, já que em seu irmão ninguém tocaria.
“Por que você fez isso, Benjamin?” gritava no meio da confusão.
“Esse seu amigo é um verme! Isso é o que ele merece!” Ben gritava de volta.
“Merece o que, Benjamim? O que você tem na cabeça?” deu um empurrão no mais velho, que se manteve imóvel.
“Esse idiota roubou minha namorada!” Ben apontava o dedo indicador ameacadoramente contra , que balançava a cabeça, totalmente incrédulo.
“Ninguém roubou nada de você! Você afasta as pessoas, você ficou com a melhor amiga da , é tudo você! Tudo SUA culpa!” o mais novo já havia perdido o controle. “Vá embora...”
, você...”
“VÁ EMBORA!” gritou. estava furioso e, por mais acabado que eu estivesse, percebia que jamais o vira com tanto ódio. Nem quando os garotos da oitava série colocaram sua cabeça na privada, por volta da quarta serie, ele ficara nesse ódio como agora. Ben respirava rapidamente, talvez contendo a vontade de bater no irmão. O mais velho olhou furiosamente para suas prostitutas, que agora o encaravam, e acenou com a cabeça. Deu uma ultima olhada em mim e se virou, sumindo assim que dobrou a esquina. Meus três amigos vieram rapidamente em minha direção e me levantaram. passou um braço em minha cintura, fazendo-me apoiar em seu ombro, enquanto fazia a mesma coisa do outro lado.
“Você está bem, mate?” perguntou, encarando-me cautelosamente. Tossi, vendo gotas de sangue saírem da minha boca e uma feição de pena apareceu no rosto do meu amigo.
“Nunca estive melhor” sorri alheio, arrancando risadas dos três.
foi na frente e ia abrir a porta do ginásio quando o interrompeu:
“O que está fazendo, ? Temos que levá-lo ao Pronto Socorro!” ele apontou para mim com a cabeça. ponderou por alguns instantes, suspirando pesadamente no final.
“Vamos chocar essa cidade...” ele falou serio e eu ri fracamente. Ele sempre lia meus pensamentos.
“De que adianta levar uma surra dessas se não se pode mostrar para todo mundo?” sibilei fracamente, com as ultimas forças que me restavam, vendo os três rirem novamente.
Isso sim era amizade. Conseguiam rir até quando um dos amigos atingiu o ultimo nível da desgraça.
“E além do mais, a família tem que ser desmascarada...” falou vagamente, mas com firmeza.
...” chamou. “Você se lembra que é um , não lembra?”
“Sim, . Eu infelizmente me lembro” falou antes de abrir a porta e encarar Bolton inteira em um só lugar.

End of ’s POV



Capítulo 22.
                                          I smell T-R-O-U-B-L-E


“Casal seis, por favor, no palco!” o apresentador falou com alegria no microfone e pude escutar uma série de gritos e aplausos.
Meu Deus, eu estava perdida. P-E-R-D-I-D-A.
Após alguns segundos sem resposta, ele voltou a chamar:
“Casal seis no palco!”
Os aplausos se cessaram e eu senti a tensão no ar. Respirei fundo. Eu iria no palco, contaria alguma piada enquanto os garotos não voltavam com e, assim que o festival acabasse, estaria a seis palmos abaixo do chão.
Passei pelas cortinas. Vi todos aplaudindo novamente e pude até achar o rosto da minha mãe no meio daquela multidão, com uma visível feição de choque. Abaixou o rosto envergonhado, inclusive. Meu pai, em contrapartida, batia palmas euforicamente.
Meu estomago dava voltas e mais voltas, e senti que poderia jogar tudo para fora a qualquer minuto. Minhas mãos tremiam como nunca e jurei que cairia a qualquer momento de tão bambas que minhas pernas estavam.
Fui em direção ao apresentador baixinho, rosa e gordo, e roubei o microfone de sua mão.
Meu estomago dava voltas e mais voltas e senti que poderia vomitar.
“Er... Olá!” minha voz ecoou no salão. O silencio era absoluto, exceto por uma pessoa que tossia compulsivamente na arquibancada. “Bom, meu nome é e...” olhei para que me encarou confusa e pesarosa; sorri nervosa. “Olá mamãe”, é, eu estava enlouquecendo. Eu tinha que ganhar tempo e a imagem de Marry envergonhada me pareceu um ótimo meio. Afinal, irritá-la foi o motivo pelo qual Deus me mandara para a Terra.
Uma multidão de olhares foi direcionada à loira, que usava um coque prendendo seus cabelos sedosos, tinha as bochechas coradas e colocou um sorriso murcho nos lábios.
“Então... Aconteceu um imprevisto e...” minha voz foi interrompida quando a porta do ginásio foi aberta bruscamente e meu coração foi comprimido no momento em que vi meus quatro amigos adentrando o recinto.
na frente, com a feição mais amedrontadora que eu já vira em toda minha vida. No entanto, no instante que meus olhos pousaram nos três de trás, deixei o microfone cair no chão, fazendo-o soltar um ruído estridente e insuportável. Todos moveram suas cabeças para trás num movimento sincronizado e, na escadinha que ficava paralela ao palco, desci na velocidade da luz.
!” deixei minha garganta soltar um grito de desespero quando vi o estado do garoto. Andava com ajuda de e , ainda com as pernas arrastadas. Vários cortes espalhados por seu rosto - na sobrancelha, canto da boca, nariz; o olho esquerdo estava inchado e roxo... As pessoas deixavam grunhidos de choque escaparem de suas bocas, mas nenhuma estava mais intrigada que eu.
“O que aconteceu?” minha voz soou extremamente desesperada e eu não sabia se olhava para , ou o próprio por explicações.
Vi, de relance, andar no corredor que as cadeiras faziam, e indaguei-me o porquê dele não estar ajudando o amigo. Encarei seus movimentos e vi que ele procurava por alguém no meio da platéia.
“Está vendo, Sr. Prefeito?” gritou para um ponto fixo no meio da multidão, que reconheci por sendo seu próprio pai. Todas as cabeças curiosas se voltaram para aquele ponto, despejando sussurros e exclamações. apontava freneticamente para , espumando rancor de suas entranhas.
“Está vendo? Isso é tudo obra do seu querido filho, Benjamin!” ele gritou e cinco quintos dos presentes - incluindo à mim - soltaram interjeições incrédulas.
“Benjamin fez isso?” minha voz explodiu em raiva, e eu encarei o pouco de olhos que ainda estavam expostos de ousei. O garoto pareceu estar desacordado, portanto me dirigi à , esbanjando ódio por todos meus poros. “BENJAMIN FEZ ISSO?” repeti em alto e ameaçador som. apenas acenou positivamente com a cabeça, o que fez meus punhos se fecharem de raiva.

, o que você está fazendo?” Charles, pai de , perguntou com uma expressão nítida de embaraço e inquietude.
“Estou mostrando o quão perfeito seu filho é, bem do jeito que todos pensam! Quero que todos vejam a educação impecável que ele recebeu!” o menino fazia gestos exacerbados com as mãos, enquanto seu rosto já tomava uma cor avermelhada.
Joanne se levantou, colocando a mão no ombro do marido, preparando-se para acobertá-lo.
, meu querido, agora não é hora de falar sobre isso, o que acha de irmos embora para discutir sobre o assunto?” ela disse com um sorriso forçado.
“EU NÃO VOU A LUGAR ALGUM!”

“Oh meu Deus, temos que levar daqui!” me agachei um pouco, ficando da altura do garoto - que já não se agüentava sobre suas pernas - e coloquei seu rosto delicadamente entre minhas mãos. Fez um pouco de esforço para me encarar.
A discussão entre a família continuava, mas eu já não prestava atenção.
“Vai ficar tudo bem, ! Nós vamos te tirar daqui e eu vou cuidar de você” olhei-o profundamente, tentando passar uma falas segurança, já que eu estava desesperada por dentro. Levantei-me e encarei os dois garotos que o seguravam. “Vamos, eu estou de carro!” Fui à frente, andando devagar para que e me acompanharem. Eu estava arrebatada; minha testa suava de nervosismo e demorei cinco minutos para achar as chaves do meu carro dentro da minha pequena bolsa de mão.
“Coloquem-no aqui” ordenei, abrindo a porta dos bancos de trás. Meus amigos deitaram ali em seguida.
, por favor, leve-nos para minha casa” joguei o molho de chaves ao garoto, que a pegou de imediato e foi para o banco do motorista. Eu, no entanto, sentei-me ao lado de , colocando sua cabeça em meu colo. Pedi para que me explicassem exatamente o que acontecera e, a cada parte da historia, eu me sentia mais e mais culpada.
“Me desculpa por isso, ...” sussurrei perto de seu ouvido, no mesmo tempo em que arfava-lhe os cabelos. Eu estava massacrada por ver seu estado, todos aqueles ferimentos que foram causados, nem que indiretamente, por mim. Vi o garoto tentar dizer algo, contudo aquilo parecia ser uma tarefa extremamente difícil. Beijei sua testa com sutileza, podendo enfim, escutar o som que tentava sair com esforço da boca do menino.
“Eu apanharia... De novo...” sua voz era falha e pesada. Respirou fundo. “Se fosse por você...”
Quis sorrir, apesar de aquele momento ser totalmente importuno para tal ato.
“Não diga isso! Ninguém merece ser espancado por causa de qualquer garota...” contrapus, mapeando seu rosto carinhosamente com a ponta dos dedos.
“Você não é uma garota qualquer...” disse com dificuldade, suas pálpebras mal conseguiam manterem-se abertas. “E se for pra te ter fazendo carinhos em mim em cada briga que eu me meter, Benjamin que me aguarde...”
No fim de sua frase, tanto eu quanto os dois garotos do banco da frente, caímos na gargalhada. tentou desfrutar do mesmo prazer, mas acabou tossindo e se contraindo de dor.
“Esse é o nosso ! Garanhão até mesmo após um bode¹!” falou em meio de risos.
Quando cessei minhas risadas, curvei-me um pouco, de modo que ficasse na altura de seu ouvido e sussurrei:
“Você não precisa ter apanhado para receber meus carinhos...”
simplesmente esboçou um sorriso enorme - e com sangue nos dentes -, fazendo-o arrepender-se de o ter feito em seguida.



“Obrigada garotos. , leve meu carro que amanhã eu o busco na sua casa...” falei já dentro de casa, depois que os dois me ajudaram a carregar para dentro. Despedi-me deles e os acompanhei com o olhar até que desaparecessem pelo enorme jardim. Por mais que aquela casa me trouxesse algumas lembranças pesarosas, uma saudade enorme me abateu no momento em que cruzei os portões de ferro da mansão. Os tempos em que eu corria com John pelo jardim e outros em que subia nas arvores e colocava Meredith desesperada.
“Mere?” gritei em meio daquele vazio. Minha voz ecoou pelo grande salão de entrada. gemeu ali do meu lado, onde se apoiava em meus ombros e em um móvel cheio de porta-retratos.
“MEREDITH?” gritei novamente, vendo a luz do corredor que dava para a cozinha ser acesa.
?” ouvi sua voz preocupada ao longe, e seus passos assoarem no chão de mármore. “Oh meu Deus, !” um sorriso enorme se formou em seu rosto redondo e moreno. Veio ao meu encontro e me abraçou, sem ao menos notar a presença de . Só pareceu notá-lo quando este gemeu de dor ao ser tocado acidentalmente.
“Santo Deus, o que aconteceu com o pequeno ?” o chamou como costuma meu pai, e passou a analisar seus ferimentos.
“Benjamin aconteceu...” falei com ódio só de lembrar o nome do dito cujo. Meredith soltou um grunhido de choque.
“O que está acontecendo aqui...” uma voz surgiu no pé da escada e foi perdendo intensidade aos poucos. “Pelas barbas de Merlin, o que aconteceu com o pequeno ?” John se mostrou tão chocado quanto Mere e desceu as escadas como um relâmpago. Sem que eu precisasse abrir a boca, Meredith se pronunciou com desgosto:
“Benjamim foi o que aconteceu...” repetiu minhas palavras até na entonação exasperada.
“Benjamin é um xexelento²...” papai mexeu a cabeça negativamente e fez uma cara pensativa ao analisar . Ri da expressão que usara; John sempre gostava de estar antenado na modernidade, inclusive nas gírias da mocidade.
“Papai, me ajuda a levá-lo pro meu quarto?”
Não precisou que eu repetisse e John já ofereceu o ombro para que se apoiasse.
“Mere, pegue a caixa de primeiros socorros que você guarda debaixo da sua cama...” falei apressada, enquanto começava a subir a escada.
“Eu sabia que esse Benjamin era um mal elemento...” meu pai começou com desgosto na voz. “Cada osso do meu corpo era contra seu namoro com aquele pivete...”
“Deveria ter me impedido...” falei alheia assim que entramos em meu velho refúgio.
Acendi as luzes, dando lugar às paredes em tom rosa claro; a cama de casal com varias almofadas e ursos de pelúcia, a enorme escrivaninha de madeira envernizada, com dezenas de porta-retratos, livros e bonecas de porcelana.
“Deite-o ali” apontei para minha cama e papai o fez em seguida. Pouco depois, Meredith apareceu com a caixinha que guardava para emergências, tais como quando eu caia de um balanço, esfolava o joelho, era arranhada por um gato...
“Trouxe também uma toalha umedecida em água burricada...” entregou-me tudo em mãos. Agradeci brevemente antes de correr para a cama e me sentar ao lado de .
“Bom...” papai pigarreou. “Vamos deixá-los a sós... Se precisar de alguma coisa...” antes de terminar a frase, os dois já haviam deixado o quarto.
Peguei a toalha e passei levemente sobre os ferimentos no rosto de , vendo-o se contrair com agonia.
“Desculpe...” falei receosa e voltei a tocá-lo, agora com o maior cuidado do mundo.
O garoto me encarava com o olho que não estava inchado. Continuou a me observar por longos segundos enquanto eu limpava seus ferimentos.
“Se continuar assim, não vou conseguir fazer meu trabalho direito...” senti minhas bochechas idiotas corarem em um ato involuntário. O garoto riu de leve; Seus olhos sempre me perseguiram tanto, sempre estremeceram cada parte do meu corpo. Mesmo com o olhar fraco e debilitado, eles continuavam minuciosos e cativantes. Peguei um anti-séptico e molhei um algodão.
“Vai doer...” avisei com uma feição de dor, como se eu pudesse sentir o que o garoto estava prestes a sentir. Toquei seus ferimentos com delicadeza, e se contraiu como previsto. Depois de limpar todos os cortes, passei a observá-lo ternamente. Como alguém tinha a capacidade de fazer mal àquela criatura? O rancor que pulsava em minhas veias era enorme. Estava tudo acumulado, toda a aversão por Benjamin, de tudo que ele tinha me feito e agora fazia com . O que este tinha a ver com tudo isso? Não era como se ele tivesse me roubado de Ben, o próprio me fez afastar! Como ele podia ser tão hipócrita?
“Agora sou eu quem vai ficar envergonhado...” o menino falou calmamente, e eu não contive meu sorriso.
apoiou sua cabeça em meu colo, e eu passei a mexer em seu cabelo.
“Preciso ir embora...” disse após alguns minutos, aparentemente sonolento.
“Não precisa...” beijei sua testa sutilmente. “Você vai ficar aqui essa noite” desci meus lábios para sua boca.
“Sua mãe vai pirar...” falou com um sorriso atrevido no rosto.
“Eu sei como lidar com a fera...” ri, ainda mexendo em seu cabelo úmido de suor. “E além do mais, estou fazendo uma boa ação...” dei de ombros.
“Como você é boazinha...” se ergueu com dificuldade, sentando-se e apoiando suas costas nas minhas milhares de almofadas. “Que tal você ser um pouquinho mais boazinha e...” o garoto se aproximou, fazendo-me rir bobamente e eu, então, acabei com o pouco espaço que nos distanciava. Beijava-o calmamente, com medo de causar-lhe mais alguma dor.
Em toda a minha vida, eu experimentara o beijo de apenas três pessoas, ainda assim, eu podia afirmar que o de era o melhor de todos. Era como se nossas bocas se encaixassem de modo indefectível. E eu não sabia se eu atingia as expectativas dele da mesma maneira que ele fazia comigo.
“Espero que sua mãe não apareça no quarto de surpresa...” o garoto disse entre o beijo, fazendo-me rir em seguida.
“Você vai... Err... Dormir aqui? Comigo?” ele disse demoradamente, olhando para as mãos enquanto isso. Coloquei seu rosto entre minhas mãos e o beijei, sorrindo em seguida.
“Não senhor” falei divertida e forjou uma cara triste.
“Você não é mais tão boazinha assim...” afundou seu rosto em meu pescoço e eu me contrai ao arrepiar pelo toque de seus lábios.
“Já vou agora... Marry já deve ter chegado e tenho que me preparar para escutar muito” tentei levantar da cama, mas não tirou as mãos da minha cintura. “, é sério!” tentei me levantar novamente e o garoto me apertou ainda mais contra seu corpo. “Quer que Marry me coloque em uma jaula?”
“Hm” ele fechou os olhos. “Só se ela me colocar lá também...” ri de sua cara meiga e beijei-lhe a testa.
“Boa noite...” falei com calma. “Durma com os anjos...” sorri docemente e toquei os lábios do garoto de forma sutil.
Levantei-me da cama e fui em direção à porta, mas, antes de abri-la, lancei um último olhar ao garoto, sentindo um grande pesar por ter que sair daquele quarto.

Assim que saí do cômodo, Marry estava de braços cruzados, encostada na parede de fronte à porta do meu quarto. Apesar dos pesares, eu sentia falta da minha mãe. Como isso era possível? Queria que tivéssemos uma relação mãe/filha como todas as outras; que eu chegasse em casa após um baile e pudesse correr para seus braços e contar do meu paquera da vez, e então ela me daria conselhos. No entanto, algumas pessoas - como eu - não têm essa sorte.
Aquele garoto está aqui?” ela falou com aquele típico tom de desprezo que te faz arrepiar de tanto desgosto.
Aquele garoto se chama !” retruquei entre dentes.
“O que ele está fazendo aqui?” continuou com seu tom desprezível, sem dar a mínima para o que eu havia dito. Como ela conseguia ser tão hipócrita?
“Não viu o estado em que ele se encontrava?” minha voz começava a se alterar e meu roto tornava-se vermelho de raiva. “Não viu o que seu querido Benjamin lhe fez?”
“Foi merecido...” seus olhos se apertaram em uma expressão ameaçadora, a qual não me colocava medo algum.
“Como você pode ser tão nojenta?” não agüentei toda aquela situação e deixei que minhas emoções tomassem conta de mim. A expressão de Marry era de choque extremo. O que era de se esperar, já que burguês algum suporta escutar a verdade.
“Esse garoto está te envenenando!” ela agora também perdia as estribeiras. “Você nunca foi assim! Rebelde!”
Era como se cuspisse as palavras, acusando sem ao menos conhecê-lo. E ainda por cima, culpando-o pelos meus próprios atos. Eu não precisava de ninguém para abrir meus olhos e me fazer realizar do ninho de cobras em que eu vivia!
“Por que você sempre tem que culpá-lo? Isso não tem nada a ver com ele, mãe!” Eu fazia gestos desesperados com as mãos, mostrando que meu controle estava indo para os infernos.
De repente, escutei a porta do quarto se abrir atrás de mim e sair por ela. Levei um susto, já que havia até esquecido do fato de estar a uma parede de mim, escutando toda a calúnia vinda da boca de Marry.
“Err... , acho que eu deveria ir embora...” o garoto apareceu no corredor com as mãos nos bolsos e uma expressão extremamente envergonhada em seu rosto.
“É garoto, você realmente deveria ir...” Marry começou, olhando dos pés à cabeça e pensava: Bom feito, Benjamim..., era previsível só pela sua expressão. “O NOME DELE É !” explodi em ódio, fazendo com que Marry se assustasse com minha raiva repentina.
abriu a boca para falar algo, porém desistiu no ultimo minuto. Abaixou a cabeça, derrotado, e começou a andar sem mais palavras, causando uma discórdia enorme dentro de mim.
“Você não vai a lugar algum!” falei com firmeza, puxando-o pelo braço. “, não penso que isso seja...” o garoto começou, provavelmente tentaria me convencer de que aquilo era o melhor, mas eu não deixaria Marry sair ganhando nessa. Ela teria que aceitar a partir de agora, e não havia escapatória!
“Entre no quarto” ameacei-o com o olhar. Ele juntou as sobrancelhas, como se tentasse - ainda - me convencer do contrário. “Agora” falei entre dentes. deu de ombros e entrou, enquanto eu mirava meus olhos nos de minha mãe, sentindo que poderia pular em seu pescoço a qualquer momento.
“O que pensa que está fazendo, questionando minha autoridade desse jeito?” aproximou-se de mim, olhando profundamente em meus olhos.
“Hey, o que está acontecendo aqui?” meu pai apareceu no corredor apenas de penhoar, com uma feição irritada e olhos pequenos de sono.
“Pai, está machucado, totalmente impossibilitado de ir embora, e Marry quase o expulsou daqui!” caminhei em sua direção, soltando toda minha raiva para cima dele.
“O garoto se ofereceu a ir embora!” foi a vez dela de se aproximar e se defender, dirigindo-se a John.
“Se ofereceu a ir embora por causa das barbaridades que você estava falando!” gritei e continuei com os gestos robustos e raivosos com as mãos.
“Não falei mais que a verdade...” forjou a cara mais cínica já vista na face da Terra e olhou para suas unhas grandes e vermelhas.
“PAI!” encarei o homem, perplexa. Marry estava passando todos os limites, a ponto de me fazer querer arrancar seus olhos com meus próprios dedos. “FAÇA ALGUMA COISA!” John bufou e rolou os olhos.
“Marry, deixe o garoto em paz...” falou calmamente, encarando a mulher de forma despreocupada.
“John, esse...” já ia chamar por algum xingamento, mas John a reprimiu com o olhar. “ está em nossa casa! No quarto da nossa filha! Perdeu o juízo?”
“Oh, se fosse Benjamin você não veria problema!” continuei gritando as palavras na cara de Marry, sem me importar se eu estava ultrapassando ou não os limites da educação.
“Não , eu não veria problema!” HIPÓCRITA, HIPÓCRITA! Deus me perdoaria se eu cometesse homicídio contra minha mãe?
“Me explique! Por favor, me diga o porquê!”
“O pai desse garoto” apontou para o meu quarto. “É UM LUNÁTICO! Dono de um bar! Qual seria a educação dele?” abaixou seu tom de voz. Não que se importasse se estaria escutando ou não. “Ele não tem futuro!”
“Olha aqui” aproximei-me da mulher, apontando o dedo indicador para seu rosto. “A educação que ele recebeu foi uma bem melhor que a recebida por Ben !” Marry abrira a boca para contestar, entretanto eu a interrompi antes que ela pudesse dizer mais alguma bobagem. “E eu não me importo com o que você pensa! Eu estou com agora, é ele quem eu gosto, ele está machucado e vai passar a noite aqui!” impus minha voz, tentando parecer mais convincente.
“Vai deixar que ela fale assim comigo?” virou para John, deixando-o sem reação. O homem gaguejou, entretanto não emitiu som algum. Marry bufou furiosa e passou por mim como um trovão, quase me derrubando; bateu a porta do fim do corredor com força, por fim.
“Você sempre me coloca em situações difíceis, ...” meu pai balançou a cabeça e pousou a mão sobre a testa.
“Não pedi pra você me colocar no mundo...” dei de ombros e deixei um pequeno sorriso surgir em meus lábios. John não conseguiu conter uma risada e veio em minha direção, abraçando-me e depositou um leve beijo no topo da minha cabeça. Envolvi sua cintura com meus braços, afundando meu rosto em seu peito seminu. Sua pele exalava o cheiro de algum sabonete, muito bom por sinal, e não pude deixar de sorrir. Eu sempre tinha reflexões em momentos como esse. Sempre me lembrava de agradecer por tê-lo comigo. Enquanto Marry era o anti-Cristo, John era um arcanjo. Era a mãe em corpo de pai.
“Obrigada, papai” falei num suspiro, apertando-o ainda mais contra meu corpo.
“Apesar da crise que você acabou de causar no meu casamento... De nada” soltei uma risadinha. “Boa noite, meu anjo.”
“Noite” sorri e dei as costas, indo em direção ao meu quarto. Suspirei e ponderei a opção de entrar ou não ali. O que eu diria? com certeza escutara a discussão e eu, naquele momento, sentia vergonha pelas coisas que Marry havia dito.
Dei uma olhada para John, que continuava parado no meio do corredor. O mais velho fez um gesto positivo com a cabeça e seu olhar passava segurança. Foi tudo o que bastou para me encorajar.
Abri a porta, a ponto de ver sentado na ponta da cama com a cabeça entre as mãos.
Olhei para meus pés, ainda incerta do que fazer, e aproximei-me lentamente do garoto, sentando ao sei lado. Passei o braço sobre seus ombros e deitei a cabeça no direito. não moveu um músculo, o que me fez agarrar sua mão.
“Desculpa...” sussurrei pesarosa, acariciando a palma de sua mão. “Não queria que você presenciasse isso...”
O garoto suspirou pesadamente e encaixou seus dedos entre os meus.
“Sua mãe tem razão, sabe...” ele falou baixinho. “Eu não tenho futuro...” concluiu tristemente.
“Não dê ouvidos ao que ela diz, !” bufei.
“O que se pode esperar de mim?” levantou a cabeça. “Eu provavelmente não vou pra faculdade e vou simplesmente arrumar um emprego qualquer na cidade e pronto!”
, eu não importo com o que você vai fazer da sua vida! Eu realmente não me importo! Eu importo com o que você é, só isso! E você é melhor do que qualquer coisa que você possa fazer...” fui diminuindo meu tom à medida que as revelações saiam da minha boca. levantou seu olhar, de modo que ele se encontrasse com o meu.
“É sério?” falou com simplicidade e um meio sorriso nos lábios. Agarrei-me em seu pescoço.
“Uhum...” murmurei e encostei meu nariz em sua bochecha. “Você pode ser... Sei lá... Pedreiro...” ri da minha falta de criatividade. “Que você vai continuar sendo lindo...” beijei sua bochecha. “Fofinho...” desci para seu queixo. “Essas coisas...”
soltou uma risada abafada e virou seu rosto em minha direção, encostando seu nariz no meu.
“Ainda assim, acho que você merece algo melhor” sibilou com os lábios irresistivelmente próximos aos meus. Já pude sentir minha respiração se afobar.
“O que te faz pensar que eu seja tão boa a ponto de merecer algo melhor?” vi minha voz falar e ceguei a me perguntar o porquê de sempre me sentir atordoada perto de .
Estávamos naquela situação há um tempo considerável, as coisas já deviam estar normalizadas dentro de mim...
“Eu nunca tive alguém como você... Quero dizer...” ele pareceu se enrolar com as palavras. “Alguém que se importasse tanto e... Que me fizesse sentir desse jeito...” encarava seus joelhos, talvez muito envergonhado. Homens sempre se enrolavam na hora de falar de sentimentos, eu sabia disso. Mas só de vê-lo tentar, com as bochechas avermelhadas e a voz falha, valia como uma perfeita declaração.
“Desse jeito?” tentei o incentivar, com um olhar insinuante sobre ele. O garoto suspirou e olhou para o teto.
“Não sei como explicar... Eu nunca havia sentido antes...” falou rapidamente, pegando uma das minhas mãos e brincando com meus dedos. “Sei lá... Eu penso em você quase o tempo todo, até sem perceber... É loucura, não?” encarou-me como se esperasse que eu confirmasse. Sorri, entretanto. “Eu até paro em frente ao espelho, quando a gente vai sair por exemplo, e fico imaginando se está tudo bom o suficiente pra você...” balançou a cabeça e eu imaginei se meus lábios suportariam um sorriso maior. “Isso não é estranho?”
“É...” ri levemente e ele bufou. “Mas é um estranho bom...” murmurou algo e concordou com a cabeça, olhando para nossas mãos entrelaçadas.
“Isso não responde a minha pergunta...” falei alheia. Ele me encarou sem entender e sorriu depois de realizar.
“Não sei, ... eu te vejo naqueles bailes chiques, com o braço dado a um cara com roupas sofisticadas e nariz empinado. Vocês se casam e se mudam para uma mansão, onde terão cinco ajudantes e quatro carros...” não pude deixar de rir de sua imaginação fértil. Ele via um futuro o qual eu rezava todas as noites para não ter. Era divertido.
“Eu me vejo de mãos dadas com um garoto de calça rasgada, All-Star surrado nos pés, entrando em um baile no bar do Lewis . Quem sabe nos casamos e vamos morar em um sítio no campo e andar de moto para todo canto...” rebati e vi abrir um sorriso meigo em seu rosto. Toquei suas bochechas com a mão. “Você deveria me ver assim também...”
“Vou tentar...” ele sorriu. Retribui e, sem pensar duas vezes, selei nossos lábios. Era sempre uma sensação nova, como se cada beijo fosse diferente.
“Vai dormir aqui agora? Acho que eu mereço, hein?” disse divertido. Balancei a cabeça em negação, achando graça em sua insistência. Acho que eu poderia dar esse agrado à ele, não é verdade? O garoto havia levado uma surra por minha causa e depois ainda escutara grande baboseira sobre sua pessoa.
“Dormir, entendeu, ?” apontei o dedo indicador em seu rosto ameaçadoramente. O garoto fechou os olhos e forjou uma feição angelical. Afastei-me do garoto, deitando minha cabeça no monte de almofadas e o vi fazer o mesmo, virando o corpo em minha direção.
“Apague a luz ali atrás da cômoda do telefone...” apontei para o móvel do lado da cama e o fez no momento seguinte. O quarto estaria completamente escuro se não fossem as luzes do jardim que o invadiam através da janela.
se deitou novamente ao meu lado e agarrou uma de minhas mãos, levando-a em direção de sua boca em seguida; depositou um leve beijo na mesma.
Eu não queria fechar meus olhos. Queria ficar o resto da noite encarando os de como eu fazia naquele momento. Nossa expressão era serena, nossos olhares eram inofensivos. Era como se quiséssemos apenas sentir a presença um do outro.
Relutei o máximo a não fechar meus olhos quando o sono bateu; mas o que me deixou aliviada foi que, mesmo de olhos fechados, ainda podia vê-lo. Em meus sonhos, como sempre.


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“Como você é teimosa, !” continuava com seu tom irritado. Eu estava no volante do Fusca de e ele no banco carona.
O rádio estava no último volume e, para completar, e estavam no banco de trás gritando os acordes das músicas e cantando cada garota da calçada.
, eu já estou abusando da hospitalidade de vocês. Eu tenho senso, okay?” rebati no mesmo tom, sem desviar minha atenção da avenida. bufou e apoiou a cabeça nas mãos.
“Você sabe que não está abusando! Bem que eu queria que estivesse...” disse com um sorriso maroto e eu não me contive em dar um tapa em seu braço. “Meu pai te adora, você sabe disso! Diz que você trouxe o toque feminino que a casa precisava” imitou a voz do Sr. Lewis.
“Você sabe que eu ficaria se pudesse... Mas eu realmente preciso achar meu canto...” arqueei minhas sobrancelhas e balançou a cabeça com desgosto.
“É, , pensa pelo lado bom...”
“Vai nessa, ... Minha casa não vai ser lugar para suas orgias” cerrei os olhos e lancei-o um olhar mortal pelo retrovisor. Estávamos rodando as ruas de Bolton a procura de algum apartamento habitável. John havia me dado carta branca para que eu pudesse achar um lugar para morar após ver que eu não voltaria a viver no mesmo teto que Marry.
Eu queria que estivesse ali comigo para me ajudar a escolher, mas ela e estavam comemorando um ano de namoro em alguma praia a qual não me recordava o nome. Três marmanjos não era o que se podia chamar de especialistas nesse assunto. Qualquer lugar que tivesse um quarto, um banheiro e uma sala em que eles pudessem beber era suficiente. Por isso, visitamos os lugares mais improváveis. Cortiços alagados, apartamentos habitados por ratos, condomínios caindo aos pedaços... E a cada lugar que parávamos, tentava me convencer de ficar mais um tempo no sítio, no mesmo tempo em que batia em por tentar me convencer a ficar no cortiço, ou na colônia de ratos. estava mais empolgado que eu. Assustador.
“Vira aqui!” disse extasiado, apontando para a esquina da direita. Não entendi o surto repentino, mas virei no local indicado. Uma placa continha um 'Lafayette' escrito indicava o nome da rua. Havia apenas um prédio cercado de bares, pequenas lojas e um restaurante de massas, portanto, era um tanto quanto movimentado.
“Já vim num strip-club nessa rua...” disse pensativo, olhando para os recintos como se procurasse algo.
“Você quer que eu more perto de um strip-club?” perguntei brava, observando o edifício que se aproximava. Ele era apresentável. Ponto, já que os outros nem isso eram.
“Bom que você pode ir lá a hora que quiser e ficar mais experiente...” deu de ombros.

Estacionei em frente a uma lanchonete e desci do carro sem dar importância aos comentários idiotas dos dois de trás. me seguiu e colocou um braço ao redor dos meus ombros. Sorrimos e entramos na portaria do prédio 'Lafayette' - nome muito criativo por sinal - e com os dois patetas ao nosso alcance.
Conversei com o síndico, que nos levou até o terceiro andar, onde havia um apartamento vago. O prédio estava em ótimo estado - comparado com os outros -; possuía elevador, pintura conservada, e o corredor que levava até os apeteós³, tinha móveis decorativos de bom gosto.
O homem ia falando a história do prédio - algo envolvendo seu tataravô - mas eu não dava atenção. O êxtase percorria-me, a idéia de independência, de autonomia... Além de ter minha própria casa, eu começaria a trabalhar e depois de alguns meses eu estaria na minha almejada faculdade de Literatura. Tudo estava nos devidos eixos e eu não poderia estar mais feliz. Tudo bem que eu havia deixado todo o conforto da minha antiga casa para começar uma vida totalmente incerta, sem a proteção integral dos meus pais e eu devia estar amedrontada por isso. No entanto, o que é a vida sem riscos? Uma vida incerta é muito mais excitante de se viver. Ter um amanhã sempre diferente dos outros me dá a sensação de que se há sempre algo novo a se aprender.
, é aqui que você tem que ficar!” escutei dizer ao entrar no apartamento, antes mesmo de eu entrar no local.
Assim que eu o adentrei, fiquei encantada. Não tinha móveis, a pintura estava descascada, havia algumas teias de aranha... Mas minha imaginação fértil foi ativada no mesmo momento. Vi os móveis, vi as paredes pintadas, vi os meninos caídos no chão com cervejas na mão, vi eu e cozinhando...
Aquilo tudo era perfeito demais!


Passamos os outros cinco dias pintando as paredes do apartamento e cada cômodo possuía uma cor diferente. A sala de entrada (onde também seria a sala de TV) era vermelha. Ela tinha uma porta de blindex a qual levava para uma sacada com uma linda vista para o centro comercial de Bolton. Também havíamos enchido as paredes com pôsteres do Elvis (pôster¹, pôster²); depois dessa, havia um cômodo mediano com uma janela grande que nos permitia ver o telhado de um restaurante lá embaixo. Este cômodo foi pintado de amarelo e seria uma sala de refeições - que no fim das contas serviria para nossos jogos de cartas -; para a direita, havia uma porta de madeira - a qual pintamos de roxo - que levava para a cozinha. Ela era coberta de azulejos azuis que pintamos de branco e eu, para dar um toque mais feminino no meio de tantos machos, pintei algumas flores em uma fileira de azulejos em cima da pia. À esquerda da sala de refeições havia um corredor pequeno com dois quartos e um banheiro.
Ao longo da semana, meu pai e Mere (juntamente com a tropa inteira) me ajudaram a levar os móveis do meu antigo quarto para meu novo recanto. Além disso, roubara alguns enfeites de sua casa, arranjara talheres, comprara pufes de couro para a sala e
Em minha antiga casa, havia uma geladeira velha, a qual Marry trocara por uma mais moderna, então John a trouxe para mim. Ganhei um fogão de duas bocas, um ventilador, um relógio de parede...
A TV do meu antigo quarto agora estava na sala vermelha, enquanto os pufes de ficavam envolta da mesma. Enfim, tudo que uma casa necessitava fora arranjado.
Dentre tudo, o melhor presente de todos quem me deu foi .


“Arruma essa mesinha aí...” pediu com um nítido esforço na voz. A cor vermelha tomava conta de seu rosto pela força que fazia ao carregar minha TV. Arrumei o suporte de madeira que estava no meio da parede vermelha, e então colocou o aparelho ali com um suspiro de alivio.
“Sabia que aboliram a escravidão há séculos atrás?” falou ofegante enquanto apoiava as mãos nos joelhos.
“Não seja frangote, vai!” empurrei-o levemente, aos risos.
No momento seguinte, John entrou no apartamento do mesmo modo que (e com caixas cobrindo até seu rosto). “Agora virei seu escravo?” falou ao depositar as caixas no chão. cerrou os olhos, como se me desse um sermão por eles.
“Vocês são uns frescos...” rolei os olhos e me joguei no chão, abrindo cada uma das caixas em seguida.
Um mar de memórias e momentos passaram com ondas violentas sobre mi, relembrando-me e atingindo-me com nostalgia. Bonecas da minha infância, retratos em tom amarronzados (tirados com máquinas dos anos trinta) “Oh, pai!” chamei-o com a mão. “Olhe só essa foto!” falei com entusiasmo, estendendo a tal fotografia. Ela era minha favorita. John usava um boné qualquer, sua barba estava malfeita, conjunta com seu sorriso enorme e típico. Eu, no entanto, beirava meus quatro anos de idade. Usava um vestido floral e uma tiara nos cabelos; também tinha o dedo indicador na boca, dando-me um tom ainda mais angelical e infantil. Estava no colo de John, mas o que mais me chamava a atenção era o fato de Marry estar a fundo, como se estivesse aproximando de nós, com a boca aberta (provavelmente gritando algo).
“Marry com seu humor fantástico de sempre...” papai exclamou com ironia, fazendo - que havia se aproximado para também ver a foto - e eu rirmos. John suspirou e se abaixou para mexer na caixa. E como muitas vezes, peguei-me imaginando as razões pelas quais ele se casara com Marry. Desde que eu me lembro, ela sempre foi ansiosa, impaciente e autoritária. Que ser humano agüentaria outro assim? Não podia ser por dinheiro, já que John era um dos mais afortunados economicamente da cidade.
“Por que vocês se casaram, pai? Quero dizer, por que você se casou com ela?” me atrevi a perguntar. John novamente suspirou pesadamente. Analisava uma foto de nós três, uma das únicas em que Marry sorria.
“Não escolhemos a quem amar, ...” balbuciou quase inaudivelmente, quase como um suspiro pesaroso. “O amor nasce nas, das e pelas pessoas mais inusitadas e inimagináveis...” completou pensativo, analisando outras fotografias.
Eu, no entanto, movi meus olhos timidamente na direção dos de e tive a surpresa de tê-los me encarando. Fora um ato inesperado, contudo cheio de cumplicidade. Sabia exatamente o que meu pai queria dizer. Você não comanda seus sentimentos e deveria agradecer a Deus, Buda, Alá ou seja qual for sua entidade maior de admiração. O amor é uma semente plantada por esse ser superior antes mesmo de atingirmos a Terra. Semente a qual fora criada a partir de um pedaço do coração de outra pessoa e depositada dentro de ti; e quando encontrar alguém que te complete e te sustente de modos irracionais, uma vez que você não é capaz de explicá-los por nenhuma teoria científica, saiba que este alguém é a parte semeada por Deus dentro do seu coração.
Por conseguinte, apesar de nunca ser capaz de verbalizar as confusões sentimentais que me causava, eu começava a entender o que se passava dentro de mim. A semente, que antes estava adormecida, começava a aflorar e crescer, e dentro do meu coração eu sentia ele.
Após alguns minutos de silêncio, papai pigarreou e levantou-se do chão.
“Me ajuda a trazer a mesa, ?” o mais velho pediu. concordou vorazmente, quebrando seu contato visual comigo e seguiu meu pai até o elevador.

A tarde assim se seguiu: monótona e sem mais estardalhaços. Vez ou outra, John soltava uma frase exacerbada fazendo-nos rir. Até que chegou o momento em que ele precisava ir embora, quando, às sete e meia, o sol começava a se esconder por entre as montanhas de Bolton. Oferecera carona à , que recusou alegando ter que arrumar mais algumas coisas para mim. John o olhou desconfiado - e divertido ao mesmo tempo - e se despediu.
se jogou nos pufes da sala vermelha e suspirou de forma cansada em seguida.
“Me lembre de nunca sair do sítio para morar noutro lugar e ter que passar por tudo isso de novo...” disse com os olhos fechados, mas com um sorriso nos lábios. Sentei-me ao seu lado, sentindo meu corpo afundar nos pufes de . Coloquei a cabeça em seu peito relativamente suado, sentindo-a ir e vir de acordo com sua respiração pesada. “Tenho que comprar um tapete bem extravagante para colocar nessa sala...” falei absorta, encarando o chão de madeira roliça. nada disse, mas começou a acariciar meus cabelos.
Dentre o silêncio que se apoderou de nós, enquanto o garoto descansava o corpo e a mente do trabalho que eu o obrigara a fazer, eu refletia nos pensamentos de horas atrás... Meu coração palpitava só de imaginar... Todo meu corpo gritava, implorando para que eu tomasse aquela decisão. O que havia de demais naquilo?
...” chamei-o calmamente, do modo que eu sempre fazia ao interromper nosso diálogo silencioso e perene. O garoto emitiu um 'hm' e eu me obriguei a não fraquejar. Eu era uma garota determinada e decidida, todavia insegura em certos assuntos. Em especial aqueles que envolviam garotos e suas complexidades.
“Quer jantar aqui?” como previsto por mim, não fui capaz de pedir ou dizer o que queria. Havia um nó em minha garganta que a deixava seca, de modo a não me deixar falar o que realmente queria.
“Claro, meu bem” respondeu doce e sem mais delongas.
Após meia hora de poucas palavras e muito carinho, ele foi para casa alegando ter que tomar banho e voltaria assim que terminasse. Como eu sabia que essa ida até o sítio demoraria e torno de uma hora e meia, aproveitei para descer até o restaurante vizinho. Vantagens de se morar no coração da cidade.
Uma hora e meia não me deixava com muitas opções, então pedi um macarrão ao molho Alfredo: prático e rápido. Ainda com a pouca variedade de artefatos decorativos, enfeitei a mesa de plástico de quatro cadeiras que ficava no centro da sala amarela com uma vela feia que John me dera. 'Não se sabe quando pode ter uma tempestade que faça cair a energia desse prédio, então mantenha sempre essa vela com você', ele justificou. Papai talvez não sabia que algo chamado lanterna foi inventado. Tentei deixar o lugar romântico conforme ele permitia. Então sobraram-se dez minutos para minha própria arrumação. Coloquei um vestido qualquer e passei apenas um rímel nos cílios.
Como previsto, bateu na minha porta no momento em que eu acendia as velas em cima da mesa. Devo frisar que meu estômago deu voltas e eu pensei em me esconder e simplesmente não abrir a porta. Quero dizer, qualquer uma ficaria nervosa após tomar uma decisão como a que eu tomara, certo? Pelo menos eu estava nervosa. Muito nervosa por sinal.
Respirei profundamente e fui em direção à porta, ajeitando meu vestido no caminho e suspirando novamente antes de girar a maçaneta.
Ao ver o semblante do garoto parado na minha frente, toda minha tensão extravasou. Encostado na parede do corredor, tinha as pernas cruzadas e as mãos mantidas dentro dos bolsos da calça, o famoso All Star preto surrado e uma blusa social roxa. Tão lindo que me tirava o fôlego só de olhá-lo.
Ele abriu um enorme sorriso ao me ver, arrancando um de mim no exato momento. Fomos um na direção do outro numa velocidade espantosa, chocando nossos corpos em um abraço. Ele cheirava tão bem...
Ao envolver seus cabelos com meus dedos, percebi que eles estavam bem úmidos. Estremeci ao senti seus lábios tocarem levemente meu pescoço.
“Você está lindo” sussurrei no pé de seu ouvido, vendo-o afastar-se de mim no momento seguinte. Observou-me dos pés à cabeça, mantendo o sorriso aberto nos lábios.
“Preciso mesmo comentar sobre você? Vou me sentir um pouco humilhado...” fez uma careta e voltou a me abraçar, levando nossos corpos para dentro da casa e fechando a porta em seguida. “Deus, isso tudo é pra mim?” ele disse com uma cara espantada, olhando fixamente para a mesa mais a frente.
Virei meu pescoço para olhar e meus pensamentos foram confirmados: ele também não se importava com a simplicidade do lugar. Até mesmo uma mesa de plástico parecia extremamente luxuosa a nossos olhos.
“Tudinho pra você” sorri e juntei nossas bocas em um beijo rápido. Ele sorriu e eu então o puxei pela mão, indicando a cadeira para que ele sentasse.
“Foi você que cozinhou?” perguntou, enquanto eu me dirigia a cozinha ali perto.
“Acha mesmo que eu teria a capacidade de cozinhar alguma coisa com um fogão de duas bocas?” zombei, escutando-o rir enquanto pegava a bandeja com o macarrão. Peguei também o whisky de
“Pelo menos o cheiro está bom” disse ele, espionando a bandeja que eu acabara de depositar na mesa.
“Então vamos fingir que foi eu quem cozinhou” fiz uma careta e me sentei em frente ao garoto.
“Whisky, senhorita?” vi se levantar e pegar a bebida, vindo em minha direção em seguida. Sorri.
“Por favor”
Então ele colocou o liquido na minha taça – a qual eu havia pedido emprestada de , já que eram muito caras para eu comprar naquele momento – e me beijou.
Entrelacei meus dedos em seus cabelos
“Vamos comer, estou com fome” resmunguei no meio do beijo, vendo-o rir e rolar os olhos. “Chatinho, teremos muito tempo para fazer isso...” ao terminar a frase, uma frente fria me bateu em cheio. Como eu era engraçada.
“Bom mesmo” balbuciou baixinho e voltou a se sentar na cadeira, servindo-se de whisky.
Enquanto comíamos, me contava como andava o sítio sem mim. Disse que estava tudo extremamente chato sem sua fonte de inspiração para poder escrever. Disse também que Bradock estava tão triste quanto ele sem a minha presença. era um besta, isso sim.
Mas eu também estava um tanto triste por isso. Quero dizer, eu sabia que não podia morar lá para sempre, eu tinha meu senso, mas foram dias incríveis que passaram tão rápido... De vez em quando eu me pegava lembrando como era bom acordar e dar de cara com os olhos do garoto sobre mim. Até mesmo acordar com os latidos dos cachorros era bom... Pelo menos era melhor do que buzinas de carros.
Nunca conseguíamos comer em silencio, o que era uma falta de educação de acordo com as normas de etiqueta. Pouco nos importava, para falar a verdade.
Qualquer burguês ficaria pasmo quando nos visse fazendo uma guerra com o resto do macarrão que comemos.

No fim, eu estava totalmente lambrecada. e eu podíamos ser muito crianças quando queríamos, era impressionante.
“Depois dessa tenho que tomar um banho” resmunguei, me desvencilhando dos últimos grãos de arroz que jogava em mim.
“Ah, vamos lá! Você está gostosa!” ele disse entre gargalhadas e eu forjei uma cara chocada.
“Mais respeito, !” dei um tapa em sua cabeça.
“Ei! Gostosa por estar coberta de macarrão, oras! Afinal, ele estava bom mesmo...” deu de ombros e me puxou pelo braço, fazendo com que eu caísse em seu colo.
Ele estava igualmente sujo, com macarrão e molho em todos os lugares possíveis. Tirei uma ervilha de seus cabelos, sentindo suas mãos firmes em minha cintura.
“Vai lá, enquanto isso, vou arrumando essa bagunça...” ele disse alheio e eu observei a comida espalhada pelo chão.
“Eu não vou deixar você limpar tudo sozinho!” rebati e o garoto soltou minha cintura, empurrando-me pelos cômodos até chegar à porta do banheiro.
“Vai sim. Essa é minha retribuição pelo jantar maravilhoso” completou com seu sorriso esplêndido e eu não discuti mais. Roubei-lhe um beijo e entrei no banheiro. Procurei demorar o máximo possível, até o ponto de ver meus dedos quase definharem de tão enrugados.
Sem mais delongas, vesti uma lingerie com um robe por cima e saí do banheiro, empurrando para fazer o mesmo em seguida.
Então agora era a hora.
Peguei a vela que antes estava na mesa e levei até o quarto vago, já que o meu estava com um cheiro de tinta horrível. Levei meu colchão até lá e o coloquei no chão. Eu improvisaria o nosso cantinho, afinal, o lugar era o que menos importava naquele momento.
Quando eu menos esperava, batera na porta do quarto.
Congelei.
O que diabos eu estava fazendo? Milhares de coisas passavam na minha cabeça, mas nenhum pensamento superava o que me dizia que não havia nada mais certo a se fazer.
Dizem que o amor é algo inexplicável. Um sentimento tão abstrato que você não é capaz de saber se o sente ou quando o sente. Era isso que estava acontecendo comigo? Tudo que eu podia ter certeza era que eu queria os lábios de tocando os meus imediatamente. Que eu queria seus braços perfeitamente esculpidos envolvendo-me, mostrando-me que nada poderia nos acontecer enquanto estivéssemos juntos. Que meu estomago dava voltas e voltas só de ter seus olhos sobre os meus. Seus olhos azuis hipnotizantes, que podiam me levar à loucura a qualquer instante. As famosas borboletas eram incessantes, não cansavam de bater as asas dentro de mim. Tinha certeza também de que meu sorriso era maior quando eu encontrava o dele. Eu estava ficando louca? Já eram os sinais sublimes da loucura? Se sim, eu não via problema em ser levada a um hospício, desde que pudesse ter todas essas sensações que somente me causava. Isso era possível? Era possível uma só pessoa no mundo inteiro fazer seu coração parar e, em um piscar de olhos, fazê-lo bater desesperadamente no momento seguinte?
“Po-pode entrar...” gaguejei, me sentei no colchão e tirei o robe, ficando apenas de sutiã e calcinha. Eu estava a mil. Minha respiração estava falha.
Vi a porta se abrir em câmera lenta, juro que vi. Nessa imagem vagarosa, vi entrar somente de samba-canção e uma toalha em mãos, secando os cabelos com ela. Seus olhos me encontraram e no momento seguinte a toalha caiu de suas mãos lentamente até o chão. Sua boca se entreabriu e seus olhos percorreram meu corpo seminu com cautela e confusão. Havia algo de errado?
Resolvi então me levantar e ir em direção a sem pressa. Nossos olhos estavam compenetrados um nos outros; eu sentia meu peito subir e descer rapidamente; meu coração parecia querer saltar de dentro de mim.
Quando a distância entre nós era mínima, envolvi sua nuca úmida com meus dedos trêmulos e o puxei, de modo que nossos lábios se encontrassem pela milésima vez. Nossos beijos possuíam uma sincronia perfeita, como se minha boca fosse moldada para ser encaixada na dele. As mãos de se posicionaram firmemente em minha cintura, levando meu corpo a se chocar com o dele. Gemi vagamente ao sentir o peitoral ligeiramente molhado contra meu colo descoberto e apertei um de seus braços fortes com veemência.
Pulei em seu colo de surpresa e senti as mãos do garoto apertarem as minhas coxas, de modo a me segurar; elas passeavam por toda região, enquanto eu puxava seus cabelos com força e com a mínima dó.
Eu estava completamente entorpecida com o cheiro de sabonete que sua pele exalava. Minha mente estava vazia e eu agradecia por isso.
Parti nosso beijo, segurando o rosto de entre as minhas mãos. Seus olhos estavam absortos de desejo e me encaravam como se pedissem por mais. Eles eram tão maravilhosos...
Então, vi o garoto se mexer e começar a andar vagarosamente até a cama improvisada. Com delicadeza ele me deitou no colchão e se deitou por cima de mim. Seus olhos continuavam cravados nos meus como se nada pudesse partir o contato entre eles. Eu, no entanto, o parti no momento em que o puxei novamente para um beijo. se encaixou entre as minhas pernas e levou uma de suas mãos até minha coxa, enquanto a outra se apoiava no colchão, de modo a não deixar seu peso cair sobre mim.
Nosso beijo ia se intensificando a cada segundo e eu não podia mais controlar o meu desejo. Eu queria . Eu precisava de mais do que tudo naquele momento.
O garoto desceu seus beijos para o meu pescoço, fazendo-me cravar as unhas em suas costas em resposta. Sua língua ia me enlouquecendo à medida que descia do pescoço até meu peito. Desceu para a minha barriga, dando pequenos beijos espalhados por toda a região.
Empurrei o garoto e me sentei em seu colo, tirando meu sutiã em seguida. Ele ficou extasiado e estático ao mesmo tempo. Olhava para o meu corpo com atenção, no mesmo tempo em que suas mãos passeavam por minhas costas totalmente descobertas.
“Você é linda...” sua voz saiu falha, ao contrário de seus olhos que estavam certeiros, analisando cada parte do meu corpo.
Minhas bochechas não tinham como estar mais coradas. Beijei-o novamente, não só com a intenção de fazê-lo parar de me encarar, mas também para poder sentir seu gosto novamente.
Eu não sabia se percorria suas costas perfeitamente esculpidas ou vagava por seus braços contraídos.
Então, novamente me deitou. Fazia movimentos insinuantes sobre mim, e eu podia sentir todo o êxtase e excitação vindos de todas as partes de seu corpo. Seus dedos agora percorriam meu colo enquanto os meus desceram até sua cintura, apertando-o ainda mais contra mim.
Minha respiração estava totalmente descoordenada, mas eu não queria parar para respirar; isso me parecia superficial naquele momento.
“Tire sua samba-canção” falei entre nosso beijo, mais ofegante impossível. me encarou assustado, seus olhos muito abertos e sua boca deixando escapar os suspiros de desejo e confusão. “O-o que?” balbuciou com dificuldade. Suspirei profundamente e sussurrei bem perto de seu ouvido:
“Eu te quero, ... Te quero agora”
Por alguns longos segundos, o garoto apenas me encarou. O quarto que antes estava preenchido por nossos suspiros, agora deu lugar a um silêncio profundo, não absoluto apenas por nossas respirações descompassadas.
encostou sua testa na minha e fechou os olhos. Não tinha a mínima idéia do que se passava em sua mente e mesmo se soubesse, não entenderia. Eu mal conseguia coordenar os meus pensamentos... Em um ato inusitado, o garoto desceu suas mãos até a única peça de roupa que possuía. Observei-o tirá-la lentamente, gravando cada detalhe de seu corpo. Quando terminou, voltou a me encarar. Seus olhos transpareciam toda a segurança que eu poderia precisar. Transpareciam tudo o que o garoto sentia. Era um olhar totalmente novo.
Levei minha mão até seus lábios e os contornei com a ponta dos meus dedos. Subi para seu nariz; depois para suas sobrancelhas.
“Você é maravilhoso” falei com certeza. Um sorriso singelo e perfeito brotou em seus lábios. “Me faça sua. Agora”
O garoto olhou-me profundamente como nunca havia feito antes. Tive a impressão de que ele podia ler meus pensamentos ou algo além disso. Meu coração batia ritmado, não mais nervoso ou ansioso. Aqueles olhos sobrenaturais fizeram toda minha insegurança extravasar. É assim que devíamos nos sentir?
Um segundo depois, pude sentir dentro de mim e um suspiro exaltado escapar da minha garganta. Meus dedos cravaram em seu braço e meus lábios se afundaram em seu pescoço.
Apesar do pequeno incomodo que suas investidas me causavam eu nunca me senti tão certa de algo: eu estava completa. Não sei como, não sei o porquê. E dentre todas as coisas, algo pulsava em mim. Aquele foi o único momento em minha existência que meu cérebro e meu coração conciliaram-se sobre um fato: Eu amava, e como amava, .



Capítulo 23.
                                          I was the one you always dreamed of…


Eu andava pelas ruas de Bolton com o sol escaldante sobre minha cabeça. O braço de estava entrelaçado no meu e olhávamos as vitrines com os últimos lançamentos da moda londrina.
Estávamos indo para o Nonna’s encontrar os garotos, mas aproveitávamos para tocar nos assuntos especificamente femininos. Eu, obviamente, já havia lhe contado do acontecimento com e de como havia sido lindo ao acordar com o corpo quente do garoto colado no meu e seus braços firmes em torno da minha cintura. Ela fez um escândalo no meio da rua, deixando-me completamente envergonhada quando falou chocada e em alto e bom som: “Não acredito que você fez amor com !”
Abraçou-me, parabenizou-me e eu fiquei sem saber o porquê de toda aquela festa.
Chegamos finalmente na sorveteria, onde uma musica agitada saia da jukebox e havia pessoas andando de um lado para o outro, rindo histericamente, falando alto e curtindo o sábado como podiam; as garçonetes zanzavam sobre patins e com bandejas nas mãos contendo os diversos pedidos das pessoas.
Passei os olhos pelo local a procura dos meus amigos e achei uma mesa perto do grande vidro vitrine do lugar. conversava algo animadamente com , enquanto – que tinha o braço sobre os ombros de uma garota – falava com .
...
Uma vergonha me abateu de leve e perguntei a se aquilo era normal e ela respondeu que sim. Menos mal.
“Respira fundo, , tudo vai dar certo...” colocou a mão em meu ombro e me empurrou lentamente. “O máximo que pode acontecer é ele ficar muito ciumento...”
“O que é isso, conseqüência do sexo?” perguntei absorta, fincando meus pés no chão para que não conseguisse me tirar do lugar.
“Mais ou menos... Quero dizer, é lenda...” deu de ombros e puxou meu braço fortemente. “ ficou impossível nos primeiros meses” falou com descaso.
Suspirei e me rendi, indo rapidamente até nossa mesa. Em certo momento, os olhos de se deslocaram dos de e, por coincidência talvez, encontraram-se com os meus. Como um simples olhar podia tirar seus pés do chão? Seus olhos sorriam de alguma maneira, sem que seus lábios se movessem.
Quando eu estava perto o suficiente da mesa, se afastou para que eu sentasse ao lado de . O mundo parou por alguns segundos. tocou minha maça do rosto com uma das mãos e a acariciou brevemente. Seus olhos continuavam fixos em mim e os meus, entretanto, fecharam-se ao sentir o seu toque. No momento seguinte senti seus lábios macios e úmidos tocarem os meus.
“Olá...” sua voz suave soou divertida e me atrevi a abrir os olhos.
“Oi...” respondi timidamente, colando nossos lábios novamente.
“Oi, , se lembra que tem amigos?” disse, jogando um pedaço de palito partido em minha cabeça.
“Lembro, ... É que você é insignificante demais...” dei de ombros e tirei o palitinho dos meus cabelos, jogando de volta no garoto.
“E ai, , quando vai ser a festa de inauguração do seu apeteó?” , como sempre interessado em uma festa, perguntou. Todos pareceram direcionar as atenções a mim, igualmente interessados.
“Veremos isso mais tarde, . Tenho medo da minha residência novinha ser destruída por vocês...” rolei os olhos e em seguida procurei por uma garçonete e fiz um aceno logo que achei. “Um Milk Shake de coco e um cachorro-quente, por favor” pedi assim que ela chegou em nossa mesa.
“Uma cerveja” começou, mas todos os garotos se manifestaram. “Quatro cervejas, por favor” ele sorriu maroto à garçonete, que abaixou a cabeça envergonhada e anotou os pedidos. Direcionou-se à em seguida.
“Uma porção de batatas fritas e um mega sundae de baunilha” sorriu.
“Certo, já trago seus pedidos” ela disse simpática e voltou a deslizar sobre os patins pela sorveteria.

Começamos uma conversa sobre o que faríamos mais a noite e todos – inclusive , que insistiu fervorosamente – me convenceram a dar uma festa no meu apartamento. A princípio seria apenas uma reunião com nós seis, depois de alguns dias me fizeram prometer que faria uma maior. Já pude prever a destruição do meu apartamento, os pufes rasgados, vômito nas paredes, cerveja no tapete... Eu faria – a cabeça da conspiração – limpar metade sozinho.
Vinte minutos depois – as cervejas haviam chegado antes – o meu pedido e o de chegaram e tratei de devorar meu cachorro-quente completo e com mostarda. Delicioso.
Vi pegar um canudinho no suporte no centro da mesa e o colocou na minha taça. Encarei-o divertida, levando minha boca lentamente até o canudo e o vendo fazer o mesmo. Começamos a tomar o líquido no mesmo instante, com os olhos fixos um no outro. Aquilo era divertido!
Soltei o canudo e com os lábios gelados toquei a bochecha de .
“Meu cérebro congelou” ele fechou os lábios com força e levou a mão até a testa. Não contive minha risada e envolvi seu pescoço, dando um leve em sua nuca, fazendo-o estremecer.
“Olha se não é o casal mais lindo de Bolton...” escutei uma voz masculina ao fundo e senti todos meus músculos se enrijecerem, assim como os de . Vi todos da nossa mesa – como as aos arredores da nossa – se calarem e um clima de tensão estabelecer entre nós. Soltei e me virei lentamente, podendo ver o semblante de Benjamin bem à nossa frente. O garoto tinha um sorriso demasiadamente cínico em seus lábios.
Com todos os acontecimentos desde o nosso término, eu não conseguia mais ver beleza alguma no garoto. Tudo foi pro ralo assim que sua personalidade maldosa aflorou.
“Benjamin, eu já falei para você ficar longe da gente” ouvi dizer entre dentes, sua feição se tornara de extrema raiva e tinha as mãos fechadas em punho.
“Calma, maninho... Eu não vou fazer nada...” sorriu para o irmão, ainda cínico.
“O que você quer Benjamin?” eu falei ameaçadoramente, vendo seus olhos se fixarem em mim com uma força tremenda. Não me deixei fraquejar, e continuei a ameaçá-lo com o olhar. O garoto se agachou ficando da minha altura e senti a mão de segurar a minha por debaixo da mesa.
“Eu quero você, . Não vê que é isso que eu quero? Que tudo isso é por você?” seu tom não era mais cínico, mas eu sabia que era falso.
“Você tem a ...” olhei para a mesa onde a garota estava sentada – a qual percebi no momento em que entrei no Nonna’s – e essa tinha os braços cruzados e uma feição irritadíssima. Ben também olhou na mesma direção e se voltou pra mim em seguida.
“Quem se importa com ?” deu de ombros e tocou meu rosto com a palma da mão, sem se importar com o fato de estar bem do meu lado. E o senti apertar ainda mais minha mão.
“Chega Benjamin!” falou entre dentes ao meu lado e nessa hora a sorveteria inteira prestava atenção em nossa discussão. Até mesmo as garçonetes pareciam ter parado de trabalhar. Ben direcionou seus olhos ao do mais novo lenta e tediosamente.
“Quer apanhar de novo, ?” falou tranquilamente com um sorriso pequeno em seus lábios.
“Você que não se atreva a chegar perto dele de novo” apontei o dedo de forma ameaçadora em seu rosto e pareceu se divertir com isso.
“Agora precisa que uma garota te defenda, ?” ele disse com o olhar fixo em mim e vi se levantar bruscamente da mesa e Ben também se levantou do chão, de modo que os dois ficassem cara a cara com o outro. , e ficaram alertas no mesmo instante, e eu fiquei com medo de que qualquer outra briga começasse.
“Se lembra de quando a fugiu de casa e você veio correndo atrás dela? Se lembra quem levou a surra? O problema é que você é covarde demais para me encarar e teve que chamar suas vadias para dar conta do recado” disse firme, com os olhos fixos no mar azul de Benjamin. Este pareceu se irritar ainda mais e mostrou os dentes em fúria e fechou as mãos em punho.
“Não me provoque, ” falou com os dentes cerrados e nem ao menos mudou sua expressão facial serena.
“Vamos, Benjamin. Agora que suas vadias não estão aqui, podemos lutar de igual para igual, aí todos vão ver o quão covarde você é” continuou.
“Pare com as provocações, !” eu sussurrei ali do seu lado, desejando com todas as forças que aquilo acabasse logo.
“Fica esperto, garoto” Ben falou em baixo tom e deu um leve empurrão no peito de , e quando vi que este iria enfrentá-lo, segurei-o pelo braço. Benjamin o lançou um último olhar mortal e se afastou.
Aos poucos os murmúrios de fofocas foram tomando conta da sorveteria e tudo voltou ao normal.
“Você não pode ceder às provocações dele, sussurrou por cima da mesa, quando o garoto já havia se sentado, bufando raiva pelas narinas. Suas mãos ainda estavam fechadas em punho em cima da mesa, e eu as toquei levemente a fim de relaxá-lo.
“Você viu o que ele falava para a , ? Quer que eu me controle diante daquilo?” ele disse ainda visivelmente irritado. Olhou para a avenida movimentada pelo vidro.
ficou calada diante de seu argumento, já que se alguma garota fizesse o que Benjamin fez comigo só que com , ela provavelmente arrancaria seus olhos com uma colher.

Ao longo do tempo, os meninos faziam piadas para tentar amenizar a tensão entre nós, mas nada parecia relaxar , que passou maior parte do tempo encarando o vidro ou quebrando palitos de dentes. Certa hora eu havia deitado minha cabeça em seu ombro e ele apenas dera um beijo breve no topo da mesma. Não trocamos mais palavras desde então, já que minhas tentativas eram em vão ao tentar puxar assunto e ele apenas assentir.
Decidimos que era hora de ir embora e eu me voluntariei a ir pagar a conta. Recolhi o dinheiro de todos – depois de uma briga entre e (como sempre), um acusando o outro de estar pagando menos – e fui em direção ao balcão. Rapidamente paguei e, quando estava voltando para a mesa, fiquei surpresa ao ver alguém esbarrar em mim, e o pior: senti algo gelado ser derramado sobre minha blusa branca. Quando meus olhos subiram para ver o feitor daquela obra maravilhosa, espantei-me mais ainda ao ver parada em minha frente com um olhar totalmente maldoso. Pronto, aquele era o dia que todos queriam brigar!
“Oh querida, me desculpe!” ela disse, totalmente falsa e cínica, fazendo uma expressão de choque. “Como eu sou desastrada!” ela fez menção de limpar minha roupa, mas acabou derrubando – propositalmente – ainda mais sorvete de chocolate sobre minha roupa. Tentei me controlar, pois como não queria que arranjasse uma briga, eu não faria o mesmo. Fiz menção de ir novamente para minha mesa, mas ela bloqueou todos os caminhos que tentei fazer. não estava colaborando com a minha paciência.
“Você poderia me dar licença?” mantive minha educação, incapaz de encará-la nos olhos por medo de perder meu autocontrole.
“Não” ela respondeu com um sorriso na voz.
“Você realmente ‘tá dificultando isso pra mim, ...” fechei os olhos e respirei fundo, contando até cinco mentalmente.
“Isso o quê?” perguntou ainda cínica. Eu podia até mesmo imaginar seu rosto nojento em minha mente, e só assim sentia vontade de regurgitar.
“Isso” antes que ela – ou eu – pudesse ter qualquer reação, minha mão foi como um canhão em seu rosto, explodindo todo o ódio estocado dentro de mim por todas as vadiagens que ela havia feito comigo. Novamente o silencio de choque invadiu o Nonna’s, e levantou o rosto com a mão sobre o local que eu havia lhe esmurrado.
“VOCÊ ENLOUQUECEU?” a garota gritou, fazendo com que sua voz ecoasse no local.
“Droga!” escutei a voz de a fundo, mas não dei a mínima importância.
“Não, , só estou lhe dando o que merece!” falei ferozmente com os dentes cerrados. Que se dane tudo! Eu já havia jogado tudo para o alto, qual seria o problema de bater em alguém agora?
“Ah garota, você me paga!” ela disse ameaçadoramente e sem que eu realizasse, suas mãos já estavam puxando meus cabelos assim como as minhas tentavam arrancar tufos de sua cabeça. Nossos gritos invadiram o restaurante inteiro, e eu agora já estapeava sua cabeça e tentava lhe dar chutes na canela. conseguiu acertar meu rosto em cheio, e acho porque ela estava de anel um corte se formou no canto da minha boca e pude sentir o gosto de sangue imediatamente. Passei a dar múltiplos tapas na garota e consegui acertar sua canela, fazendo-a gritar de dor. A raiva era tão grande dentro de mim naquele momento que ela me dominava, tomando toda a razão de mim, fazendo-me esquecer de tudo e de todos. Eu queria acabar com a raça daquela garota e eu o faria! Queria vê-la cheia de hematomas e gritando de dor no chão!
, pára!” vi se aproximar, mas ignorei o garoto totalmente, tentando agora acertar a barriga de .
, segure a !” o escutei gritar e no momento seguinte senti dois braços me envolverem por trás e me puxarem de , e fizeram o mesmo com ela. Eu esperneava e tentava ainda chutar a garota, enquanto esta tentava se desvencilhar dos braços de .
“ME SOLTA, !” gritei furiosa, tentando sair dos braços fortes do garoto que me envolviam.
“Calma, !” ele sussurrou no meu ouvido, mas eu estava eufórica demais para escutar.
“ME SOLTA, ME DEIXA EU ACABAR COM ESSA PIRANHA!” continuei gritando, me debatendo vorazmente.
“É, , DEIXA SUA VADIAZINHA VIR APANHAR DE MIM” ela gritou cínica, soltando uma risada logo após.
Consegui – ainda não sei como – me desvencilhar dos braços de e fui rapidamente até , dando um tapa fortíssimo em seu rosto antes de me prender novamente.
“Por favor , se acalme!” sussurrou novamente no meu ouvido, forçando seus braços ainda mais contra mim, como se quisesse me proteger de algo. “Se acalma...” repetiu em uma espécie de feitiço, que parecia estar funcionando, já que minha respiração se normalizava ao passar dos segundos. Vi ele acenar com a cabeça para , e este levou dali.
“VOCÊ ME PAGA, !” ela gritou se debatendo nos braços de .
“Não responda. Se acalma” continuou com sua hipnose, seus lábios bem próximos do meu ouvido. Mesmo depois de ter levado a garota, continuava com seus braços firmes entorno de mim. Todos me encaravam estáticos, entretanto eu pouco me importava com suas presenças.
“Está bem?” o garoto perguntou baixinho no meu ouvido e eu, ainda com a respiração pesada, assenti. “Vamos sair daqui...” ele continuou com seu tom sutil e o vi acenar para e os outros.
Quando chegamos ao lado de fora da sorveteria, abaixei-me e apoiei meu corpo nos joelhos, respirando profundamente e tentando me acalmar.
“Foi você quem me pediu para não brigar, huh?” disse com um pequeno sorriso nos lábios. Lancei-o um olhar mortal e o garoto fechou seu sorriso e abaixou a cabeça.
Limpei o pouco de sangue no canto da boca.
... Você está bem?” perguntou, pesarosa. Confirmei com a cabeça.
Todos me encaravam apreensivos, como se esperassem por uma convulsão q qualquer momento.
“Pessoal, eu estou bem!” falei irritada com os olhares dos cinco insistirem sobre mim. Todos disfarçaram e eu bufei. havia acabado com meu dia e agora eu era a pessoa mais purgante¹ da face da Terra.
“Pelo amor de Deus, vamos comprar bebidas e começar com essa festa agora...” falei ainda mais irritada e comecei a andar na frente de todos, escutando sussurros atrás de mim. Queria começar a beber logo, encher o caco² e esquecer-se do mundo. Ressaca era sempre conseqüência de uma noite boa – ou nem tanto.
Virei com fúria a ponto de ver a cara de espanto dos meus amigos. Provavelmente pensaram que eu os iria espancar.
“Oh gente, me desculpem!” senti lagrimas se formarem nos meus olhos e me perguntei o que diabos estava acontecendo comigo. Seria o efeito das bolinhas³ que me dera final de semana passado?
Abracei , que olhou para os lados, enquanto todos começaram a rir histericamente. De repente, senti um punhado de braços me envolvendo e já não pude conter meu pranto. Aqueles eram meus melhores amigos e eu havia sido a maior vaca com eles.
“Como vocês conseguem me aturar?” perguntei manhosa, ainda encolhida nos braços de .
“Somos obrigados...” escutei dizer e não pude evitar em dar um leve murro em seu ombro.
“Ainda não desisti da idéia de começar com essa festa agora” desgrudei do meu amigo e os encarei carrancuda.
“Então vamos logo antes que esses transtornos bipolares ajam sobre a novamente...” disse sério e veio me abraçando no momento seguinte como um pedido de desculpas. Forjei uma cara brava e, quando eu menos esperava, estava sendo carregada no ombro do .

A casa já estava uma bagunça. Dezenas de garrafas de bebidas espalhadas pelo chão, a segunda garrafa de whisky que dera foi aberta, e na mesa da sala amarela havia uma garrafa de tequila. Ainda tínhamos dezenas de cervejas na geladeira. Eu já havia visto o fim daquela noite: todos ficariam bêbados demais para acharem o caminho de casa e ficariam por ali mesmo. Eu não achava nem um pouco ruim, já que acordar rindo das caras de ressaca de e sempre valia à pena.

E como eu já havia previsto, a mesa que – supostamente – era para ser uma mesa de jantar, estava cheia de cartas e cinzeiros.
Os garotos gritavam histericamente no jogo, um acusando o outro de trapacearia, batiam na mesa e eu e apenas riamos de cada cena. era o mais estressadinho. Nunca conseguia chegar até o fim de qualquer partida sem apelar e gritar com todo mundo.
Nós – e eu – conseguimos no final convencê-los de largar as cartas e se juntarem a nós nos pufes, para que pudéssemos conversar sobre nada e brincar de qualquer coisa inútil.
deu a idéia de jogarmos a brincadeira dos ‘Dez Anos’. Cada um tinha que dizer como se via daqui a dez anos. Coisa simples, mas gostosa de fazer.
“Bom, eu me vejo fazendo turnês pelo mundo e ficando com uma garota a cada lugar que eu parasse...” disse com uma cara de pensativo, acendendo um Marlboro em seguida.
“Eu... Bom, eu não sei, cara. Quero estar bêbado e com duas gêmeas no meu colo.” Ah, sim. O fetiche de , tinha até me esquecido.
“Eu quero ter um ateliê famoso em Londres e estar casada com o disse com um sorriso enorme e deu um beijo na bochecha do namorado em seguida. Todos nós soltamos sons como ‘Oun, que graça’, fazendo com que os dois se envergonhassem. Agora todos olhavam atentamente para , esperando sua resposta.
“Não consigo me ver daqui a dez anos...” ele disse após alguns segundos pensando. Meu estomago revirou, e todos continuaram vidrados, esperando por uma explicação. “Bicho, pensa comigo: Eu não tenho muitas perspectivas. Não tenho dinheiro pra faculdade nem nada. O máximo que pode acontecer comigo é eu continuar com o bar do meu pai...” ele continuou naturalmente, sem se importar com nossas caras de espanto.
“Chapa, já te falei que você pode conseguir bolsa!” falou após soltar a fumaça do cigarro.
“E daí se eu conseguir? O que eu iria fazer? Odeio escola, você sabe. Não gosto de fazer nada, só de tocar. Quais são minhas habilidades?” ele disse como se fosse obvio. Preferi ficar calada.
“Céus, como você é pessimista!” fez uma careta.
“Ah, tanto faz. Não gosto desses assuntos. Passo pro disse meio irritado, acendendo um cigarro em seguida.
O disse alguma coisa que eu não dei atenção, envolveria provavelmente. Na minha hora eu disse o que todos sabiam, fazer faculdade de literatura e publicar livros. Todos continuaram bebendo e conversando coisas sem nexo, até que levantei e fui para a cozinha. Algo me incomodava.
Seria egoísmo demais da minha parte admitir que queria escutar dizendo que queria estar comigo daqui a dez anos como e ? Será que ele não via futuro no nosso relacionamento ou talvez pensasse que era algo passageiro?
Neguei com a cabeça os meus próprios pensamentos e acabei com o resto de whisky que tinha no meu copo; abri a geladeira e peguei o whisky, despejando o liquido no meu copo.
Eu com certeza era egoísta. O quão importante eu pensava que era para ter pensamentos assim?
“Oi” escutei sua voz bem próxima do meu ouvido e seus braços envolverem minha cintura. Admito que me arrepiei dos pés à cabeça.
“Oi...” falei timidamente, tomando um gole da bebida no meu copo.
“Está tudo bem?” perguntou, ainda aquele tom doce e suave. Respondi através de um aceno com a cabeça. “Tem certeza?” insistiu. Ele lia meus pensamentos ou algo assim?
“Aham...” confirmei um pouco incerta. O garoto me virou com sutileza, de modo que eu o encarasse. Eu o fiz, tentando não demonstrar meus pensamentos através do meu olhar.
“Você pode não acreditar, mas eu te conheço...” ele disse com uma feição convencida e um pequeno sorriso.
Congelei. O pior: eu sabia que ele conhecia...
“É só que... Ah, nada, besteira minha!” sorri levemente e o abracei pela cintura, afundando meu rosto em seu pescoço. Não usava perfume, mas seu cheiro natural exalava pelos poros. Seria estranho dizer que era melhor que qualquer perfume francês?
“Posso te contar um segredo?” sussurrou.
“Claro...”
“Na brincadeira dos dez anos, eu menti...” ele começou a dizer calmamente, e eu já senti tudo dentro de mim se agitar. “Eu consigo me ver daqui a dez anos...”
“Ah é?” gaguejei um pouco, sem desgrudar minha face de seu pescoço.
“Aham... E nele eu estou deitado na grama com uma garota linda nos meus braços... Ela está mais velha, obviamente, mas ainda mais maravilhosa...” ele continuou, dando leves beijos em minha orelha.
“É verdade?” passei-me por desentendida, a fim de que ele falasse mais. Massagens no ego eram ótimas. Ainda mais vindas do garoto que você mais gostava.
“É sim. Na verdade eu não me vejo com ela só por mais dez anos... Por mais trina, cinqüenta, até quando ela me aturar... Se me aturar por mais algumas horas, é claro...”
“Ah, eu tenho certeza que ela quer...” falei com um sorriso, beijando sutilmente seu pescoço.
“Tem certeza?” perguntou com um tom divertido na voz.
“Sim, eu tenho... Ela me contou...” ri de leve e afastei meu rosto de seu pescoço, com intuito de encontrar seus olhos.
Eles sempre me faziam tão bem... Sempre me davam tanta paz... Era bem difícil encontrar alguém que conseguisse sustentar seu olhar por muito tempo sem desviar, e era uma das únicas pessoas que passava segurança pelo olhar.
Senti os lábios do garoto tocarem os meus suavemente e suas mãos saíram da minha cintura e pousaram no meu rosto.
“Posso te contar outra coisa?” ele perguntou com nossos lábios colados. Afirmei com a cabeça. “Eu te amo...
Meu mundo parou. E depois girou com uma velocidade absurda. tinha um pequeno sorriso nos lábios, tão sutil e maravilhoso ao mesmo tempo. Tão simples e avassalador...
De todos os sentimentos que eu já havia sentido, nenhum se comparava àquele. Eu não seria capaz de explicar a complexidade... Não seria capaz de descrever os milhares de pensamentos...
Meu rosto ainda estava entre suas mãos, e seu sorriso ainda tomava conta de sua feição. Seus olhos perseguiam os meus em uma caçada implacável, e o ar que faltava em meus pulmões deixava-me tonta.
Não fui capaz de responder verbalmente, mas no momento em que beijei com toda minha fúria, sabia que ele entendeu tal ato como uma resposta. Ele não precisava de palavras para saber que eu o amava com todas as forças que meu corpo tinha. Ele não precisava de palavras para saber que eu era completamente dele...
Nosso beijo foi tomando velocidade e voracidade, até que me colocou sentada na bancada da cozinha.
Entrelacei minhas pernas em sua cintura e o trouxe para mais perto de mim. Separei nossas bocas, sentindo a respiração ofegante do garoto bater em minha boca.
“Quarto?” ele sussurrou ainda de olhos fechados. Ri baixinho.
“Quarto...” beijei-o novamente e me tirou da bancada, levando-me em seu colo, às cegas, até o quarto. Passamos pela sala amarela e pudemos escutar gritos dos nossos amigos sobre nós. Quando finalmente chegamos em meu quarto, o qual possuía paredes em tons rosas, me deitou gentilmente na cama. E eu me preparei para outra melhor noite da minha vida.


¹ - chato
² - beber demais
³ - droga


Capítulo 24.
                                          You are always on my mind


Minha cabeça doía. Só para variar. Doía tanto que friccionei minhas mãos em minha testa, a fim de acabar com aquela tortura... Em vão, entretanto. Minha garganta estava seca e meu corpo pedia por água com urgência. Os meros feixes de luz que minha janela não bloqueava me incomodavam e me fizeram perceber que eu estava deitada no chão sobre um edredom, com o braço de em minha cintura e seu rosto estava em meu ombro nu. Levei minha mão até seus cabelos e os afaguei calmamente. Eu precisava me levantar, mas onde ficaria a preguiça? Eu queria ir até a padaria lá embaixo comprar pães e café, já que eu tinha certeza que todos meus amigos haviam dormido ali. Dei um beijo sutil na testa de e o empurrei para o lado com delicadeza, escutando murmúrios desgostosos vindos do garoto, entretanto ele não acordou. Fui até o banheiro e fiz minha higiene matinal, peguei uma camiseta de que estava jogada no chão e amarrei-a para cima da cintura; coloquei um short jeans para arrebatar. Passei pelo corredor, vendo a porta do quarto azul aberta e lá estavam e abraçados. Na sala amarela estava em cima da mesa, de bruços e babando. Visão do inferno.
Havia latas e garrafas de cerveja espalhadas por todo o chão. Fui até a cozinha, tomando o cuidado de não pisar em nenhuma e causar um estrago. Tomei um copo d’água e preferi não pensar na bagunça naquele momento. Passei pela sala vermelha a ponto de ver espalhado pelos pufes, roncando em alto e bom som.
Abri a porta despreocupada e me assustei ao ver um garoto saindo pela porta de frente ao meu apartamento. Eu morava ali há mais de uma semana e não conheci nem um dos meus vizinhos. Como eu era desleixada...
“Olá...” o garoto disse simpático. Que voz!
“Oi...” respondi timidamente, fechando a porta atrás de mim.
“Prazer... Julian” ele estendeu a mão com um sorriso enorme de dentes perfeitos. Sua pele era bem clara, seus olhos eram um azul extremo e cabelos castanho-claros. Era muito alto e seu corpo – pelo que a camisa pólo permitia ver – era perfeitamente moldado. Devo frisar que seus bíceps tiraram um pouco da minha concentração... Proibi-me de olhá-lo por qualquer outro segundo após perceber o quão descarada eu estava.
“Er... Prazer, ” sorri de volta e peguei em sua mão.
“Vejo que está morando no lugar da Sra. Anderson... Bem melhor...” o tal Julian disse divertido, colocando as mãos nos bolsos da calça.
“Quem é Sra. Anderson?” perguntei curiosa, ignorando sua quase-cantada.
“Uma velhinha que morava aí...” apontou para o meu apartamento. “Ela era rabugenta e tinha uns dez gatos... Foi descer pelo elevador e o mesmo travou. A coitada teve um ataque do coração e faleceu... Trágico” disse com uma cara pesarosa e divertida ao mesmo tempo. Um silêncio se instalou entre nós e então realizei do meu propósito ali.
“Bom, preciso ir à padaria...” falei calmamente, e ele mostrou uma feição espantada, talvez receosa por ter me prendido ali.
“Eu estava indo para a rua... Posso te acompanhar?” Julian perguntou educado e eu concordei veemente.
Fomos conversando o caminho todo; expliquei-lhe o porquê de ter mudado para ali, ele contou rindo que escutou nossa festa a noite toda e eu me desculpei pelo transtorno.
Na hora que chegamos à padaria, Julian se despediu todo galanteador e partiu. Admito que gostei de tê-lo conhecido. Além de simpático – em todos os sentidos – era divertido e educado...
Fui para o prédio novamente e em seis minutos eu já estava no meu apartamento. estava com um avental e uma vassoura em mãos; estava quase dormindo em pé, enquanto varria o chão lerdamente.
apareceu na sala vermelha com um saco de lixo nas mãos e catava as latas espalhadas pelo chão.
“Bom dia, ...” ela disse preguiçosa.
“Bom dia! Trouxe café!” falei animada em meio de tanta ressaca. Fui até a sala amarela, onde limpava a mesa quadrada apenas de samba-canção.
“Oh, achei minha camiseta!” ele disse divertido, vindo em minha direção e envolvendo minha cintura com as mãos.
“Admita... Ela fica bem melhor em mim...” fiz uma careta e lhe deu um selinho. “Não tenho duvidas disso...” sorriu e me beijou.
“Ei! Não é hora de namoricos! Vamos trabalhar!” apareceu irritada, fazendo-nos rir.
“Cadê o , ?” rolei os olhos.
“Aquele retardado ainda está dormindo!” ela começou irritada. “Tentei acordá-lo de todas as maneiras, desde beijinhos a tapas e o garoto não acorda!” bufou e pegou um copo de café, saindo da sala batendo os pés. Peguei um café e um cookie e sentei na mesa, vendo chegar e se juntar a nós.
Passamos a manhã inteira limpando o apartamento, até que por volta do meio-dia, todos foram embora.
me chamou para lanchar no sítio para que ele pudesse me apresentar ao seu pai.
Mas eu já conheço seu pai!, aleguei rindo.
Mas ele não te conhece como minha namorada!, ele rebateu.
Ótimo. Eu iria ‘conhecer’ meu sogro. Se fossemos um casal convencional, eu estaria preocupada, já que na última vez que fui levada para conhecer os pais de um namorado, tudo acabou em briga. Graças a Deus tio Lewis era o homem mais legal – depois de John – que eu conhecia.
Tomei um banho e fiz um macarrão instantâneo para o almoço. Assisti um pouco de TV, vendo as passeatas e revoltas que estavam acontecendo em Londres e no mundo todo contra a opressão capitalista/socialista. Estávamos no auge da Guerra Fria e Bolton parecia não ter sido atingido pela crise. Ainda.
Não vi o tempo passar e quando eu menos esperava a campainha tocou. Surpreendi ao ver Julian parado na porta com uma vasilha nas mãos.
“Hey” falei surpresa e o garoto sorriu.
“Hey... Te trouxe isso...” entregou a vasilha. Eu a abri e vi um punhado de donuts coloridos. “Presente de boas vindas, sabe como é...” ele disse timidamente, mexendo nos cabelos.
“Oh, obrigada!” ri, envergonhada. No mesmo instante, apareceu. Tinha um buquê de flores em mãos e uma feição serena no rosto ao ver Julian.
“Er, Julian, esse é...” pigarreei. “Meu namorado, ” falei envergonhada. “, esse é Julian, meu vizinho...” sorri nervosa e Julian estendeu a mão a . O garoto ponderou a opção de apertá-la ou não, mas quando viu minha feição brava, o fez.
“E ai...” falou carrancudo.
“Bom... Obrigada pelos donuts, Julian!” falei simpática, pegando na mão de , que ainda encarava Julian com uma feição de poucos amigos, e o fui puxando para dentro do apartamento. Meu vizinho sorriu e eu fechei a porta finalmente.
“Como você é educado, hein, senhor ?” fingi estar brava. O garoto mexeu em seus cabelos nervosamente e fechou a cara. Aproximei-me devagar e envolvi seu pescoço com as mãos.
“Esse garoto estava de gracinha para cima de você...” ele falou em tom baixo, quase inaudível. Parecia uma criança mimada e reclamona, o que me fez rir.
“Ele não estava de gracinha! Veio me dar um presente de boas vindas!” rebati, dando um beijo em sua bochecha.
“Vulgo gracinha” me olhou de cara feia e eu achei graça de seu primeiro ataque de ciúmes. Será que a teoria de era verdadeira?
“Agora me explica as flores...” perguntei, tentando o distrair e fazê-lo esquecer daquele ataque de ciúmes.
“Ah...” olhou para as flores em suas mãos. “São lírios... Acho que rosas são muito clichê...” ele deu de ombros e me entregou o buquê sem emoção. Rolei os olhos. “É assim que você vai me entregar?” coloquei as mãos na cintura.
“Desculpa. Esse tal de Julian tirou minha concentração.” O garoto se recompôs, respirou fundo e começou de novo. “Tem três espécies aí. Lírios amarelos, que de acordo com a dona da floricultura significa estar andando nas nuvens” ele imitou um tom de voz feminino, fazendo-me rir. “Tem uma tal de Eucharis, que significa mulher fascinante. Não me pergunte a conexão entre as flores e os significados porque nem a dona iria saber...” ele disse apreensivo, apontando para a tal espécie Eucharis, que eram brancas. “E essas aqui são os Lírios do Vale, que significam você completa a minha vida disse a ultima frase quase em um sussurro.
Não contive o sorriso em meu rosto e peguei o buquê assim que ele me entregou. Era simplesmente maravilhoso. Havia também um envelope médio de cor bege, o qual eu peguei e o abri imediatamente.

I could ride around the world in an old oxcart
And never let another girl thrill my heart
I could meet a hundred girls and have loads of fun
My huggin’ and my kissin’ belong to just one
If you gave me nine lives like a tommy cat
I’d give ‘em all to you and never take one back
I’m putting on my Sunday suit and I’m goin’ downtown
But I’ll be kissin’ your lips before the sun goes down

Reconheci a musica de Elvis Presley imediatamente. Era Ain’t That Loving you Baby.
“Gostou?” ele perguntou.
“Tá brincando?” falei chocada, pulando em seus braços em seguida. Entrelacei minhas pernas entorno de sua cintura e lhe dei múltiplos beijos.
“Bom... Vamos?” ele disse com um meio sorriso e eu concordei.


“Olá, !” tio Lewis cumprimentou alegremente e me abraçou.
“Pai, você fez tudo errado! Tem que me deixar apresentá-la!” disse bravo para seu pai. O Sr. rolou os olhos e suspirou. “Pai, essa é a minha namorada, ” O garoto falou diverido, apontando para mim. Tio Lewis estendeu sua mão e eu a agarrei.
“Como minha nora é linda...” o mais velho disse com humor.
“Eu tenho o melhor sogro do mundo...” me gabei e Lewis me abraçou pela cintura, levando-me para dentro da casa. Lá dentro, a mesa da cozinha tinha alguns vasos com flores e um pano bonito. Encarei e ele sorriu abertamente de volta. Sr. arrastou uma cadeira e me fez sentar.
“Temos panqueca e o ali fez um bolo... Mas nem queira imaginar a baderna que ele aprontou...” tio Lewis disse e eu não pude deixar de rir ao imaginar de avental e todo lambuzado de calda de chocolate.

Comemos tranquilamente, exceto quando eu tinha algum ataque de riso pelas vezes que tio Lewis entregava algum vexame de na infância.
, fique aqui até mais tarde! Vamos fazer um churrasco com os vaqueiros das fazendas vizinhas... Também chamei seu pai” o mais velho me convidou.
“Claro” aceitei sorridente.
No final do lanche eu e resolvemos dar uma volta. Andamos tanto que chegamos ao Jumbles Reservoir, um lago artificial que dividia o sítio com outro. Estávamos praticamente em sua nascente, já que a água ali era escassa. Havia dezenas de árvores e o clima ali era extremamente confortável. Sentamos debaixo de uma, enquanto eu fiquei entre as pernas de , e ficamos ali por longos minutos; até Bradock, o boxer, apareceu.
“Sabe, eu tenho uma confissão a fazer...” o garoto começou e eu recostei minha cabeça em seu ombro. Seu tom era calmo e despreocupado. “Quando minha mãe morreu, eu fiquei arrasado... Até pouco tempo eu não via muito sentido nas coisas. Não sei você lembra, mas eu estava bebendo e fumando mais que o normal, não dava a mínima para coisa alguma. E depois, você começou a namorar Benjamin. Então tudo pareceu desmoronar. Isso eu me culpo, já que nunca tive coragem de te dizer nada... Você provavelmente nem deve ter notado o quão acabado eu estava...”
E eu realmente não havia notado. Estava não apaixonada por Ben que era incapaz de ver um palmo ao meu redor.
“Eu bebia, ficava baratinado¹ o tempo todo, só para tentar esquecer você, Benjamin, minha mãe...” seu tom foi entristecendo e meu coração apertando. “Mas na primeira vez que você me olhou de maneira diferente... Não sei, , algo pareceu se completar... Depois da morte da minha mãe, você foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido...” seus braços me apertaram contra seu corpo. Beijei sua mão que estava entrelaçada à minha.
Eu não tinha palavras. Eu me lembrava do qual mal o garoto havia ficado após a morte de sua mãe, mas pensar que eu era uma das causas para piorar seu estado me fazia sentir a pior das pessoas.
“Você sabe que, a partir do momento em que eu te olhei de maneira diferente, me teria pro que precisasse, não sabe?” encarei seu rosto que estava de perfil. Ele olhava para a correnteza do rio, com expressão serena e os mínimos raios de luz que as copas das arvores deixavam entrar iluminavam sutilmente seu rosto. Virou-se lentamente a ponto de me encarar.
“Agora eu sei” respondeu com um pequeno sorriso nos lábios. Seus olhos tinham um brilho diferente. É como se, por eles, estivesse agradecendo por algo. Levei uma mão até seu queixo, acariciando-o com doçura. No momento seguinte, o garoto aproximou seu rosto lentamente. Fiquei por um tempo observando seus lábios entreabertos e toquei-os com a ponta do indicador em seguida. Não havia nada que me fizesse sentir mais viva do que aqueles lábios sobre os meus.
“Ei, ! Seu pai mandou chamá-los! O pessoal já está todo lá no sitio” um homem moreno apareceu mais a frente na beira do lago, chamando nossa atenção. mexeu nos cabelos com vergonha e assentiu.
“Vamos?” ele disse sorridente.
“Vamos” sorri de volta, selando nossos lábios carinhosamente.

).toUpperCase())!” escutei a voz de John assim que ele apareceu em meu campo de visão. Soltei a mão de e corri em sua direção, pulando em seu colo no momento seguinte.
“QUE SAUDADE!” falei sincera, abraçando-o com todas as minhas forças; há dois meses eu havia saído de casa e a falta de John ainda me afligia.
“Como você está, minha pequena?” ele perguntou, colocando-me no chão.
“Tudo bem, e o senhor?” sorri e esperamos nos alcançar. Os dois se cumprimentaram alegremente e caminhamos em direção a casa, onde um blues era tocado.
Meu pai já estava completamente animado, já que mexia os pés animadamente.
“Grande !” Lewis aclamou feliz, abraçando John assim que o viu; os dois engataram uma conversa extasiada.
Os amigos do senhor eram quem tocavam a música contagiante de Robert Johnson; uma sanfona, uma gaita, um violão, uma bateria improvisada e um violoncelo. Tudo muito caseiro e maravilhoso.
Havia outras mulheres ali, provavelmente esposas de todos aqueles homens ali. Elas dançavam incrivelmente bem, deixando-me até com vergonha. Moviam seus corpos sensualmente, de olhos fechados e bocas entreabertas.
e eu nos entreolhamos e sorrimos simultaneamente. Eu sabia o que ele queria.
Pegou em minha mão novamente e me arrastou até onde os homens tocavam. O garoto piscou para o vocalista e me puxou rapidamente contra seu corpo. Ri coloquei uma mão em seu ombro, enquanto a outra já estava entrelaçada à sua. Nossos pés começaram a mover de acordo com os acordes do violão. Em instantes uma roda se formou ao nosso redor e todos nos observavam com atenção e um misto de admiração. sorria abertamente e seus olhos não se desgrudavam dos meus. Sua mão estava firme em minha cintura e se mexia de acordo com meus movimentos.
Nossos corpos estavam colados e eu podia até sentir seu êxtase me contaminar. Rodamos lentamente e me segurou para que eu pudesse curvar as costas para trás em um movimento e voltar rapidamente, chocando nossos tórax.
Colei nossos rostos, de modo que nossas bochechas se encostassem e a respiração do garoto batesse em meu ouvido.
Fazia um bom tempo que não dançávamos e só ali eu havia percebido o quanto aquilo me fazia falta.
A dança acendia nossos corações, interligava nossos corpos de uma maneira que nem mesmo o sexo podia interligar.

Quando a musica lançou seus últimos acordes, todos começaram a aplaudir e eu abracei . O garoto me rodou e não consegui segurar minha gargalhada ao me sentir tonta.
Tio Lewis apareceu com dois copos de cerveja e os entregou a nós. parecia estar com sede, já que tomou toda a bebida em duas goladas.
“Woohoo!” o garoto gritou animadamente e eu bebi todo o álcool em seguida.
Todos dançavam acalorados, como se não existisse mundo a suas voltas. Envolvi o pescoço de com meus braços e voltei a mexer meu corpo, só que dessa vez em um ritmo bem mais lento. Ninguém nos dava atenção agora, todos envolvidos demais com seu próprio entusiasmo, e isso nos deixava mais a vontade. Colei nossos lábios em uma fração de segundo, e os mantive juntos por um bom tempo.
O céu começava a escurecer, tendo varias cores em sua paisagem.
As mãos de exploravam minhas costas e as minhas já se fincavam em seus cabelos. Joguei meu pescoço para trás, deixando com que a música me hipnotizasse e nos tirasse dali. Por um momento, era como se nada existisse além de e eu.
Sua boca foi de encontro ao meu pescoço e o beijaram sem pudor ou pressa. Sua língua deixava rastros e atiçava cada parte do meu corpo. Puxei seus cabelos levemente, demonstrando todo meu deslumbramento naquele ato.
Quando voltei à minha posição inicial, atrevi a abrir os olhos e encarar . O garoto sorria totalmente absorto, e suas mãos foram de encontro ao meu rosto, envolvendo-o completamente.
“Vamos sair daqui” sussurrei contra seus lábios, ainda sem a menor concentração ou razão.
Puxei-o lentamente pela mão e andei contra o fluxo de pessoas ali no gramado. Eu andava sem rumo, sem a mínima noção do que fazia ou do que queria.
Na verdade eu sabia: queria o corpo de contra o meu, queria suas mãos vagando por mim sem pudor, sua boca explorando a minha sem um pingo de compostura.
Quando percebi, estávamos no fundo da casa, onde o som da banda era vago, assim como todo o fuzuê das conversações.
Eu estava bêbada. Bêbada de paixão e desejo.

Empurrei contra a parede de madeira, sem o mínimo de dó, mas ele não pareceu se importar com a brutalidade. Aquilo só fez seu sorriso crescer.
Juntei meu corpo ao dele rapidamente e senti uma de suas mãos tocar minha bunda e a outra entrelaçar em meus cabelos. Não nos beijamos a principio, apesar de nossas bocas estarem quase coladas.
Minha respiração era falha, deixando claro todo o meu anseio.
Minhas mãos desceram de seus ombros para seu tórax lentamente, e de seu tórax para seu abdome. As coloquei por debaixo de sua camisa social e envolvi sua cintura; sua pele estava quente. As subi vagarosamente por suas costas definidas, sentindo o calor de sua pele contatar com meus dedos cheios de luxuria.
O garoto pareceu não agüentar, já que colou nossos lábios com fúria e começou um beijo cheio de paixão e zero de delicadeza.
Ele apertava meu glúteo com fúria, fazendo-me puxar seus cabelos com a mesma compaixão.
Eu queria poder fundir nossos corpos com os movimentos que fazia, entretanto isso parecia ser impossível.
Baixei meus lábios para seu pescoço e o explorei com toda vontade. Seu cheiro parecia me contaminar ainda mais.
“Você me deixa louco...” escutei a voz de sair falha. “Em todos os sentidos” Sorri levemente e grudei nossos lábios mais uma vez.
“É, eu sei Lewis, mas...” escutei a voz de John se aproximar e, como se tivesse tomado um choque e acordado, desgrudei-me de . “Oh! Vocês! Er...” meu pai disse totalmente embaraçado, mas não mais que eu. Olhei de relance e o garoto parecia estar tão envergonhado quanto eu, já que mexia incessantemente nos cabelos.
“Pai! Que surpresa!” ri nervosa e encarei minhas sapatilhas boladas. John pigarreou.
“Er... Eu estava procurando um lugar para fazer xixi, mas... Er, existe banheiro para isso, certo?” ele riu inquieto, e coçou a nuca. “Continuem a... Expressar o amor de vocês e finjam que eu não apareci aqui” ele disse rapidamente e saiu correndo pelo mesmo lugar onde havia aparecido.
e eu nos entreolhamos.
Certo, o que foi isso?
Não agüentamos, caímos na gargalhada. Meu pai acabou de me pegar amassando com ! Que pai normal faria o que John acabara de fazer?
Riamos escandalosamente, minha barriga chegava a doer.
“O que foi isso?” perguntou entre risadas. Eu não sabia o que responder. Aquele fora o momento mais constrangedor – e engraçado – da minha vida.
Quando nossas risadas cessaram, o silencio se instalou sobre nós.
Encaramo-nos por alguns segundos.

“Onde paramos mesmo?” o garoto disse com um sorriso maroto, vindo em minha direção e me prensando contra a parede.



xxxx


A semana havia passado lenta e preguiçosamente. Minha rotina era acordar, ir à escola, voltar para casa, almoçar; então depois ia para minha casa, tínhamos algumas horas de paz até o resto da tropa chegar. Ficávamos acordados até tarde, vendo televisão ou jogando cartas. Às vezes um jogo de tabuleiro. Fumávamos, deitávamos no chão da sacada e ficávamos observando o céu como seis pessoas alienadas e sem ter o que fazer.


Mas algo diferenciou aquela semana. Eu havia feito minha entrevista para a Universidade. O ensino superior para as mulheres ainda era muito restrito, e eram poucas as Universidades que aceitavam mulheres. A minha melhor – e quase única – opção era me inscrever na Girton College, uma faculdade constituinte da Universidade de Cambridge. Como o meu colégio, a Girton era uma Universidade para mulheres. Eu não entendia o verdadeiro motivo de deixarem mulheres separadas de homens. Na verdade, eu não entendia bulhufas. Havia cursos que eram quase uma extensão do papel da mulher na família: o de educadoras, o de cuidar do outro. Então o principal curso era pedagogia. Claro que existiam as médicas, as advogadas, mas nenhuma tinha o respeito que o homem tinha. Isso me irritava profundamente.
Para ser admitida na Girton, eu precisava passar por uma entrevista.
Se eu estava nervosa? Imagine...
me obrigou a fumar antes de ir até o local da entrevista, que seria na Hertha School, para que eu ficasse mais tranqüila.
Todos me acompanharam até a Hertha. foi dirigindo seu fusca vermelho, enquanto eu estava sentada no banco carona. , , e estavam nos bancos de trás, formulando frases para que eu pudesse passar uma imagem séria e respeitada aos entrevistadores. O que eles entendiam sobre seriedade? Isso me fazia rir a cada frase mal formulada e sem nexo que eles diziam.
A entrevista duraria uma hora e meia, e meus amigos iriam me esperar na porta da escola.
A entrada do local parecia um castelo, o que fez meu nervosismo crescer. Olhei para trás, vendo os cinco fazerem expressões encorajadoras. Respirei fundo e adentrei o colégio. Não havia muitas garotas ali, talvez eu fosse uma das poucas que não queria ter a vida da minha mãe ou da minha avó. Eu não queria ser uma ‘rainha do lar’, eu queria mais. Eu queria minha autonomia e meu direito de escolher a vida que eu queria. Eventualmente eu me casaria e teria filhos, mas minha vida não seria só aquilo.
Minha avó, mãe e eu fomos criadas para serem boas esposas, boas donas-de-casa, submissas ao dinheiro do marido... Mas, para minha sorte, nada daquela bobagem entrara na minha cabeça. Eu iria provar que nós, mulheres, éramos mais que escravas do lar.

Sorri à atendente que ficava atrás de um enorme balcão de mármore e passei a observar a decoração do local, tentando não pensar no fato de estar á frente do momento mais importante da minha vida.
“Você é a próxima, querida” a mesma atendente, de cabelos ruivos presos num coque perfeito, me alertou. Assenti nervosamente e continuei encarando o teto da escola, que parecia uma réplica da Capela Sistina. Uma réplica malfeita, acrescento.
Passaram-se alguns minutos e uma garota saiu da grande porta de madeira que ficava mais afundo. Ela estava claramente nervosa. Abanava as mãos com voracidade e suas bochechas estavam vermelhas. Talvez por timidez, ou por saber que havia reprovado na entrevista.
“Vamos?” a ruiva colocou a mão sobre meu ombro e sorrindo. Talvez fosse tão simpática por saber que estava me levando para a forca. Queria me passar segurança antes que outra pessoa envolvesse a corda no meu pescoço.
Arrumei minha saia – que era um pouco abaixo do joelho –, ajeitei alguns fios do meu rabo-de-cavalo e acompanhei a ruiva até a grande porta de madeira. Suspirei, fechei os olhos, e deixei a calmaria me contagiar. Eu não estragaria tudo. Eu provaria a todos do que eu era capaz.


Após uma hora de entrevista, os cinco entrevistadores da banca de Cambridge – todos muito marrentos e céticos – me liberaram. Disseram, sem muita emoção, que uma carta chegaria à minha residência entre vinte e quatro a quarenta e oito horas.
“E ai? Como foi?” perguntou entusiasmado no momento em que sai do castelo que chamavam escola.
Minha cara, pela expressão no rosto dos meus amigos, não era das melhores. Não considero a entrevista como um fiasco. Respondi a todas as perguntas com segurança, consegui bolar resoluções para os problemas diversos que eles me apresentaram, coloquei minha criatividade em prática com algumas cartas que eles me fizeram formular... Mas... Era impossível saber se eu havia ido bem! Aqueles caras não tinham expressão! Era impossível saber o que eles estavam pensando. “Agora é esperar...” falei simplesmente, abrindo a porta do carona e me enfiando dentro do carro sem mais palavras.


Agora estávamos todos encarando aquele envelope bege, com um ‘Girton College’ escrito na frente, todo desenhado.
A carta estava na minha mão, e estávamos sentados em circulo na sacada.
“Passa o cigarro” ordenei, sem tirar os olhos do envelope. Senti o papel que enrolava o fumo contatar com a minha mão, e imediatamente o traguei. Fechei os olhos para sentir a onda de calma passar por mim, e então os abri novamente. Encarei meus amigos. Todos me encaravam apreensivos de volta.
“Okay. Vamos lá” suspirei e vi a maré de tensão nos atingir. Eu tinha certeza que os cinco se sentiam nervosos como eu.
Abri o envelope com cuidado, deixando com que minha aflição aumentasse a cada segundo.
Puxei a carta lá de dentro e suspirei novamente antes de abri-la por completo.
“Anda, ! Você está me matando!” escutei dizer, como se aquela carta descrevesse o destino de todos nós.
Abri-o.
“E então?” perguntou aflito.
“Eu... Eu...” não conseguia dizer. Estava paralisada. Não sabia se gritava, se chorava...
“EU PASSEI!” gritei. Todos meus amigos gritaram junto, levantaram-se e começaram a pular. Eu não entendia como eles podiam se envolver tanto um com o outro, com as conquistas do outro. Era magnífico e inexplicável a conexão que tínhamos.
Levantei-me também e senti vários braços me abraçando no mesmo tempo. “! ! ! !” eles gritavam em coro e pulavam ao meu redor.
A felicidade que me contagiava e percorria meu corpo era tão grande que eu estava tonta. Não sabia se ria, chorava, gritava, me calava...
“Finalmente alguém dessa turma vai virar gente!” disse empolgado, abraçando-me pela cintura.
“Não seja bobo, !” dei um tapinha em sua cabeça.
Era indescritível a minha empolgação. Era como se eu tivesse conquistado o meu primeiro de muitos objetivos.
“Parabéns, minha linda!” foi a vez de me parabenizar. Veio em minha direção e me abraçou com uma ternura imensa.
“Ei pessoal, que tal abrirmos algumas cervejas e comemorarmos?” sugeriu, mas eu sabia que ela queria dar à mim e um momento a sós. Os garotos concordaram e a seguiram até a cozinha aos gritos.
“Obrigada” sorri sincera, levando minhas mãos até seu rosto, acariciando-o. “O problema é que eu vou pra Cambridge...” lembrei desse detalhe, abaixando meu rosto.
“Isso não vai ser problema, eu prometo” o garoto começou, colocando meu rosto entre suas mãos e me fazendo encará-lo. “Vou te ver todos os finais de semana, e não vou desgrudar de você um segundo. Será que você vai enjoar de mim?” forjou uma cara pensativa, me fazendo sorrir.
“Jamais...” selei nossos lábios. Como era possível beijar uma pessoa só varias vezes e nunca se enjoar? Nunca perder a emoção, as sensações? “E se você arranjar alguém pra me substituir?” fiz bico.
“Te substituir?” ele deu uma risadinha debochada “Pára, vai” fez uma careta e me apertou contra seu corpo.
“E toda aquela história de que relacionamentos à distância não funcionam?” rebati, um tanto quanto pessimista. Não sei por que estava dizendo aquelas coisas, mas algo dentro de mim me apertava.
“Nós somos uma exceção” ele disse calmamente, depositando um beijo terno em minha testa.
Era isso.
Éramos uma exceção. Em todos os sentidos.


Capítulo 25.
                                          Just pretend I'm holding you love...


O cheiro de frango assado invadiu todo o apartamento em segundos.
Meu tempo livre – quando não estava preocupada com algo da faculdade ou arrumando as bagunças dos meninos – agora era dedicado à culinária. Era uma sensação extraordinária a de cozinhar. Uns pintavam, outros cantavam – como os McFLY – eu, cozinhava.
Uma maré de calmaria me atingia enquanto eu picava uma cebola ou fazia um molho branco.
Se eu não fosse apaixonada por palavras e poemas, procuraria um restaurante para trabalhar; Era um bom segundo plano.

A campainha despertou-me dos pensamentos mirabolantes. Abaixei a temperatura do forno – se meu frango queimasse, eu provavelmente teria um ataque de nervos. Tirei as luvas protetoras e fui até a porta de entrada do apartamento. Deparei-me com um completamente abatido no batente. Antes de analisar sua feição com cuidado, meus olhos se prenderam na mala ao lado de suas pernas. Arqueei as sobrancelhas e indaguei mentalmente o que aquilo significava.

“Acho que entendo por que você fugiu de casa...” ele começou, com o olhar perdido. “Eu não podia mais conviver com a hipocrisia da minha família e todo aquele cinismo de Benjamin...” agora me encarou nos olhos; Eles tinham uma dor imensurável, eu pude perceber. Abaixo deles, olheiras fundas e escuras. Vi sua agonia e quis abraçá-lo, a fim de tentar consolá-lo.
Deixei-o terminar, no entanto.
“E... Não consegui pensar em ninguém mais para me ajudar a não ser você...”
“Vamos, entre!” o interrompi antes que ele pudesse falar algo mais.
“Me desculpe, ... Prometo que procurarei um lugar para morar assim que arranjar um emprego... Não quero incomodar!”
, do que você ‘tá falando?” intercedi novamente, incrédula com suas palavras. Me incomodar? “Desde quando você me incomoda?” toquei seus ombros com as mãos. “Você pode ficar aqui o quando quiser, sem se importar! Pode ficar no quarto azul. Só tem um colchão no chão, mas...”
“Perfeito, ” ouvi o tom de gratidão em sua voz. Seus olhos agora tinham um brilho que até então não possuíam, e um singelo – quase imperceptível – sorriso brotou em seus lábios.

E o abraço que antes quisera eu lhe dar, agora havia acontecido. envolveu-me com seus braços, apertando-me contra seu peito. Tentei retribuir o obrigado subliminar que continha naquele gesto, apertando-o com toda minha força. me soltou, já com seu velho sorriso feliz e contagiante no rosto, e fez uma careta faminta. O cheio do frango era abundante em todo o lugar.
“Eu previ inconscientemente que você viria e preparei um banquete” brinquei, deixando na sala enquanto me dirigia à cozinha. Vi pelo canto do olho que ele foi par ao quarto azul cantarolando.

Quando você menos espera, a vida te reviravolta e te surpreende até com pequenos acontecimentos.
Eu sabia que, a partir dali, minha rotina seria completamente mudada. E, em uma nova perspectiva, para melhor.
A água fria batia em minha pele como mil navalhas. Escorria por toda extensão do meu corpo, arrepiando-me, e precisou de mais alguns segundos até que eu me acostumasse.
Agora a água me relaxava.
Meu pensamento constante naquele momento – e em todos os outros – era Cambridge. Minha ansiosidade era visível à todos, e eu não me atrevia a escondê-la. John e eu já havíamos ido até Cambridge olhar os dormitórios da Universidade, acertamos a matricula e tudo estava pronto.
Só não sabia se eu estava pronta.

Conscientemente, aquele era meu sonho. Não havia – nem nunca houve – algo que eu mais quisesse do que ingressar na faculdade. Comparecer àquelas paletras de especialistas em Shakespeare ou Miguel Cervante Saavedra, e poder escrever teses sobre os mesmos. Afundar-me em livros e, no final, dizer com orgulho que e, , havia cursado a Universidade de Cambridge; Algo que ainda era raro entre as mulheres da minha sociedade.
Seria a maior conquista da minha vida.

Por outro lado, meu coração era comprimido por alguns segundos, e eu indagava se aquilo era mesmo o que eu queria.
Não, obviamente era o que eu queria; Mas eu teria que abrir mão das coisas mais preciosas da minha vida: meus amigos e minha família. Pode parecer dramático, e talvez realmente seja, mas centenas de milhas importavam. No fundo importavam...
Eu não teria resmungando sobre qualquer coisa, embebedado, as mulheres de destruindo meu apartamento, brigando com ... Mas principalmente, eu não teria sempre comigo.
Ele dissera que me visitaria sempre que pudesse; Mas ele não poderia abandonar seu pai a torto e a direita. Ele era tudo o que o Sr. Lewis tinha, e o mais velho precisava da ajuda do garoto em suas plantações e no pub.
E, apesar de insistir que nada mudaria em nossa relação, eu sabia que muita coisa mudaria. Ainda que todos me garantirem que distancia nada atrapalhava, eu não me dava por vencida. Tudo mudava.
Conversaríamos raramente por telefone, somente quando ele fosse para o centro de Bolton procurar um telefone público. As cartas demorariam até dias para chegarem, e nos veríamos – no máximo – uma vez por mês.
E então perderíamos o contato e a relação esfriaria. Era uma lógica plausível!
certa vez perguntara se eu não confiava em nosso amor o suficiente para não deixar aquilo acontecer.
Eu não soube responder.
Não por ter duvidas sobre o meu amor, mas exatamente por não saber se ele era o suficiente para tantas mudanças.

E analisando as argumentações, parecia-me tolice desistir da faculdade por um amor... Não parecia?
Ia contra todos os meus princípios sobre liberdade e independência...
Todas aquelas indagações deixavam-me enlouquecida. Algo que antes parecia tão certo, agora era um amontoado de pontos de interrogação.

A fumaça de duvida que pairava sobre mim se dissolveu quando escutei a porta do banheiro se abrir.
Assustada, enrolei-me no cortinado que separava o chuveiro da privada e da pia.

?!” gritei ao ver o garoto entrar descabelado e parar em frente à pia. Nem sequer pareceu notar minha presemça.
O garoto se virou moribundamente para mim, e então pude ver suas feições claramente: ele havia acabado de acordar.
O garoto estava morando comigo há duas semanas, e muita coisa havia mudado em minha rotina, como previra.
Ainda em aulas, eu o acordava e o levava para a escola – somente porque eu sempre passava na padaria que era no caminho. Quando as aulas acabavam, passava no mercado do centro e trazia ingredientes para o almoço.
No quesito limpeza, ele lavava a louça e os banheiros, e eu ficava com o resto.
De tardezinha jogávamos cartas ou algum jogo de tabuleiro até que ou chegassem para que jantássemos ou jogássemos papo fora.

havia amado o fato de estar morando comigo. De acordo com ela, a casa dos era assustadora, e ela tinha vontade de assassinar Benjamin toda vez que o via. Eu não sentiria a mínima falta se ela tivesse o feito.

, não vê que estou tomando banho?” usei meu tom mais agressivo para tentar expulsá-lo; Em vão, entretanto.
“Não há nada que eu possa ver que vai me fazer sentir... Tesão por você, ...” o menino disse sonolento, e começou a Escobar os dentes. Arregaleu os olhos. Então eu não era atraente?
“Quero dizer, você é a mulher do . E mulher de amigo meu... Bom, se tornam um...” ele rolou os olhos, pensativo. “Sei lá, um dragão?”
“Quer dizer que eu sou horrorosa?” gritei, ainda atrás do cortinado.
bufou impaciente.
“O que eu quis dizer, sua maluca, é que eu não consigo te olhar com esses olhos, por você ser do , entende?” ele tirou a escova dos dentes, me encarando com inquietude. “Além de ser minha melhor amiga!” deu de ombros. “Seria nojento...”
“Agora sou nojenta?” protestei, agora entrando novamente debaixo do chuveiro. Para falar a verdade, eu estava rindo escandalosamente por dentro.
“Você é impossível...” disse por fim, num tom derrotado.


Eu iria encontrar hoje à tarde, e eu estava levemente ansiosa. Por quê?
Essa ansiedade e as borboletas no estômago já deveriam ter passado a tempos!
Elas passavam, não?
Pelo menos eu pensava que sim.
Eu já deveria ter me acostumado com todas aquelas sensações, e então tudo pareceria normal, como se fossem parte do pacote quando se apaixonava.

Mas elas estavam longe de serem normais. Eu sentia uma coisa diferente a cada beijo, a cada toque, cada palavra...
Todas elas tinham algo em comum: todas me entorpeciam, me hipnotizavam como mágica... Faziam-me querer mais: mais beijos, mais toques, mais palavras. As borboletas eram incansáveis.

Coloquei uma calça jeans e uma regata branca qualquer e me olhei no espelho uma ultima vez. Era impossível não notar o sorriso que escapava dos meus lábios sem eu perceber. Era um desses pequenos atos que me faziam analisar toda aquela situação.
Analisar como tudo mudou desde que percebera que estava apaixonada por .
Eu era feliz antes, reconhecia isso. Mas assim que ele declarou todos seus sentimentos e demos o primeiro beijo no sítio, minha vida virou-se de cabeça para baixo. No sentido literal.
Nada mais fora o mesmo.
Eu precisava de seus olhos procurando pelos meus, precisava de seus braços me envolvendo, precisava de sua boca tocando a minha...
Queria, pelo menos um segundo do dia, saber o que se passava em sua mente. Se eu não era a única maluca a sentir todos aqueles estardalhaços.

Mas, sobre todos os pensamentos, o que prevalecia era aquele que me fazia perceber que meu coração se acalmava perto dele. Meu coração disparava como se aquela vez que nos víamos, fosse a primeira vez em anos.
Assustava-me não ter o controle sobre meus próprios sentimentos, sobre meu próprio coração. Pensava eu que, se não fosse a pessoa integra que era, teria picado-lhe em mil pedacinhos minúsculos.
Mas não, ele continuava cultivando meu amor diariamente, fazendo-me amá-lo e desejá-lo mais e mais a cada dia que passava.

Mas que culpa eu tenho se quando tento fugir desse sentimento é para os braços dele que eu quero correr? Se ninguém me faz sentir do jeito que eu sinto quando estou com ele? Se eu preciso de seu carinho, de seu toque? Se ele tem uma maneira só dele de me surpreender e encantar a cada instante? Se nada mais me importa quando sei que ele está ao meu lado?

Poderiam ser indagações extremamente adolescentes e passageiras, mas era aquilo que eu me perguntava a cada dia. Não podia ser normal, podia?


No final das contas, fiquei satisfeita do jeito que estava e deixei o quarto.
e emaranhavam-se nos pufes coloridos e riam escandalosamente.
Pigarreei para chamar a atenção.
“Estou indo me encontrar com ” expliquei, olhando para o teto. A imagem de e se amassando não era a que eu queria assistir. murmurou algo que não dei importância, e simplesmente dei as costas.
Esbarrei com Julian quando esperava o elevador chegar e apenas o cumprimentei formalmente. Estava louca para encontrar e matar aquela saudade repentina que eu sentia.

Engatei o carro e sai do estacionamento do prédio, pegando a via principal para a saída da cidade. Eu o pegaria no sítio e então andaríamos de bicicleta pelo campo. me mostraria o resto do sítio que eu ainda não conhecia e faríamos qualquer coisa que nos viesse à cabeça. Provavelmente deitaríamos em alguma clareira, nos beijaríamos e...

Bom, resolvi prestar atenção à estrada. My Babe tocava no ultimo volume da rádio e eu deixava o vento bagunçar meus cabelos em uma alegria repentina.
Era aquela felicidade que te atinge sem razão, trazendo um sorriso sem explicações. Eu não precisava de motivos quando o assunto era .

Virei na estrada de terra à quarenta milhas de Bolton e continuei o caminho até ver a natureza me acolher. Em menos de dez minutos eu avistaria a casinha do sítio dos e saltaria alegremente do carro.
Quando vi tio Lewis sentado na escadaria que dava à pequena varanda, parei o carro e fui imediatamente em sua direção.
“Boa tarde, Sr. !” expressei minha alegria em minha voz e vi que o mais velho não me encarei. Arqueei uma sobrancelha, abismada diante daquele fato.
Lewis era sempre a primeira pessoa a me dar boas vindas quando eu chegava no sítio. Sempre espalhando seu sorriso pelos cantos.
“Está tudo bem, tio Lewis?” perguntei apreensiva, vendo-o me encarar finalmente. Sua expressão era preocupada.
Mantinha uma mão no queixo e o cenho franzido.
Suspirou e voltou a encarar a grama sobre meus pés.
“Sr. ... Está tudo bem?” insistir, já sentindo meu coração bater mais forte contra meu peito. O que estava acontecendo? Por que ele não me lançara aquele sorriso contagiante de sempre? Por que não me abraçara e me dera boa tarde como sempre fazia?
O homem de cabelos grisalhos balançou a cabeça. Negativamente.
Suspirei pesadamente, tentando manter a calma para continuar aquela conversa.
Onde estava ? Por que ele não viera me cumprimentar quando ouvira o barulho do meu carro?
“Sr. ...” continuei mais desesperada que antes. “ Sr. ... O que aconteceu?” minha voz tentava ser firme, e eu quis atropelá-lo para poder passar pela escada que ele intercedia. estava lá dentro. estava lá dentro e algo acontecia com ele!
...” ele pronunciou o nome com a voz abatida. Prendi a respiração. De olhos arregalados, eu tinha medo da próxima sentença. “ foi para o hospital, porque...”
está no hospital?” o interrompi. Minha respiração estava falha e todo meu autocontrole já havia indo embora. Eu agora me abanava com as próprias mãos e meus joelhos cediam.
“John estava aqui, , e de repente...”
“John estava aqui?” a calma que Lewis tentava ter na voz, era perdida completamente quando eu começava a falar em meu tom desesperado.
Então meu pai esteve ali? Meu pai levara ao hospital? Mas que diabos estava acontecendo?
“Em que hospital ele o levou?” perguntei urgentemente.
, não acho que seja o melhor você ir até lá agora...”
“Em que hospital, Sr. ?” o interrompi pela milésima vez. Quando tudo estivesse bem, eu o pediria desculpas pela falta de educação. Se é que aquilo importava.
“Saint Gabriel’s Hospital” ele respondeu na mesma urgência.

Eu nem ao menos disse outra coisa. Corri para meu carro e o engatei com dificuldade.
Minhas mãos tremiam, minha cabeça girava.
Eu estava com a míninima condição para dirigir, mas não me importava naquele momento.
Forcei o máximo que meu acelerador podia agüentar e me irritei ao ver apenas cem quilômetros por hora.
Milhares de pensamentos passavam por minha cabeça como borrões.

O que havia acontecido com ? Estaria ele machucado? Algo grave? Algo que ele escondia de mim? E por que John estava lá?
Eu sabia que John era amigo do Sr. , mas por que fora ele ao hospital e não Lewis?

Vamos lá!, eu implorava ao meu carro e ao pequeno transito na estrada. Aquela rodovia era sempre vazia, por que diabos estava tão movimentada justo hoje?

Buzinei para alguns carros que atrapalhavam minha passagem e forcei ainda mais o acelerador.
Aquela joça iria colaborar comigo.
Eu realmente não sabia como conseguia dirigir. Talvez fosse o excesso de adrenalina e nervosismo que conduziam o volante.

Quando cheguei à entrada da cidade, dei graças à Deus pelo hospital ser por ali perto e não dentro do centro da cidade.
Freei bruscamente assim que vi a placa indicando “Saint Gabriel’s Hospital” e ignorei os murmúrios raivosos sobre minha péssima baliza. Guinchassem meu carro, o que fosse!

Fiquei surpresa ao ver todos meus amigos na recepção do hospital. Aquilo fulminou uma raiva dentro de mim.
Por que todos sabiam do acontecimento previamente?
Talvez foi o tempo de eu sair do sítio e eles chegarem lá antes de mim. Claro.
“Alguém pode, pelo amor de Deus, me contar o que está acontecendo?” exigi furiosamente, antes que qualquer pessoa falasse algo sobre a minha presença.
Todos mantinham uma expressão séria e nada falaram.
tinha os lábios pressionados um no outro, esfregava a testa com as mãos, franzia o cenho em uma expressão de pesar.
Foi que aproximou-se de mim.
, prometa-me que não vai gritar, ou desabar aqui” ela começou apreensiva, colocando as mãos sobre meus ombros.

Ela não queria que eu enlouquecesse? Então por que não foi direto ao assunto? Por que me afligia daquela maneira?

“O que aconteceu com ?” perguntei, mantendo meu tom desesperado que me perseguia fazia longos minutos.
Não conseguia conter as lagrimas que antes não se manifestaram. Agora, no entanto, corriam pelo meu rosto com urgência.
Eu não continha o medo que apertava meu peito.
Por que, nem Sr. Lewis nem me diziam o que acontecia?

... ... O que está acontecendo?

Minha mente não parava de trabalhar um minuto, e eu sabia que podia desabar a qualquer instante.
Mas antes eu precisava saber se ele estava bem.

“Nada aconteceu comigo...” escutei aquela voz familiar. Meu coração – novamente – congelou.
Era aquela voz. A voz que eu estava familiarizada.
Aquilo era uma ilusão?
Quero dizer, ele estava no hospital, não estava?

Espere um minuto... Talvez ele não estava...

?” procurei por seu rosto, até vê-lo perto do balcão.
Sua expressão estava tão pesarosa quanto a dos outros.
Ele não me encarava, como todos os outros.
...” me aproximei lentamente, deixando todo o resto para trás.
Eu sabia que ele me responderia.
, o que está acontecendo?” mantive meu tom desesperado, mas agora um pouco mais baixo que o normal. Um sussurro urgente, talvez... “, por que eu fui até o sítio e seu pai disse que você estava no hospital?” perguntei apreensiva.

Ele não me olhou. Continuou encarando o nada. Quis sacudi-lo. Quis pegar seu rosto entre as mãos e o fazer encarar meus olhos.

John estava aqui, , e de repente...

NÃO! Não! Não, aquilo não tinha absolutamente nada a ver com John.

! Me fale o que aconteceu!” dessa vez eu gritei. Não contive a urgência da minha voz. Não contive o horror, o desespero constante...
...” ele agora colocou as mãos em meus ombros. “Seu pai estava no sítio e de repente ficou branco como papel... No segundo seguinte seus joelhos cederam e ele caiu no chão, e não conseguia levantar!” tentava manter seu tom calmo, mas eu sabia que ele estava tão absorto quanto eu. “Eu tentei colocá-lo de pé, mas ele parecia uma pedra! Então meu pai e eu conseguimos levantá-lo e o colocar dentro do carro... Então eu o trouxe aqui e...”

Eu não escutava mais nada. John braço como papel? John caído como uma pedra?

As lagrimas pararam de repente de cair. Elas engataram a marcha um e caiam lentamente, quase imperceptíveis. Meus olhos estavam arregalados, absortos, apreensivos.
Eu já não mais escutava a voz de .
Era tudo um vazio.

John... John... Meu pai...

“Onde ele está?” perguntei urgentemente, tentando me livrar de seus braços.
Pela primeira vez, os braços de sufocavam-me, impediam-me de pensar, de correr, de me libertar.
“ONDE ELE ESTÁ?” gritei para todos que estavam lá.
olhou para o chão.
Por que eles não me respondiam? Por que eles não me encaravam?

“Está na UTI, quarto quarenta” escutei uma voz distante.
Consegui me livrar dos braços que me seguravam e corri.
Corri.
Corri.

O ar faltava em meus pulmões, e apesar de eu inspirar o tanto que eu normalmente precisaria, não parecia suficiente. Eu precisava de mais. Ou não precisava de nada.

Eu escutava passos atrás de mim. Intuitivamente eu sabia de quem eram. Mas eu não ousaria olhar para trás. Eu não queria olhar para trás.

“RAFINHA!” o escutei gritar.

Minha vista estava embaçada.
Meu coração estava parando.

John... John... Por favor...

“RAFINHA!”

Quando cheguei ao quarto, uma dor totalmente nova afligia meu coração. Uma sensação de perda. Eu estava ali, vendo-o frágil, como se sua vida estivesse por um fio e pudesse se corromper a qualquer minuto. Se eu o perdesse, perderia junto o rumo.


Capítulo 26.
                                         You don’t have to say you love me…


’s POV

Tio John estava cada dia pior. Ele pediu que o levassem para casa e que fosse tratado lá. Ele foi diagnosticado com câncer nos rins e, por não ter sido diagnosticado mais cedo, havia se espalhado por outros órgãos vitais. Não havia muito o que se fazer, pois o câncer ainda era uma doença que os médicos pouco sabiam sobre.

Não tinham contado à ainda, mas o médico lhe dera, no máximo, dois meses. Ela ficaria inconsolável se soubesse dessa noticia, então chegamos à conclusão – Marry, que por incrível que pareça estava, no mínimo, sociável, e eu – que era melhor que curtisse seu pai ao máximo, na medida do possível.
Eu imaginava o que passava em sua cabeça. Eu estava completamente confuso e atordoado com aquela situação tão repentina, imagine . Seu pai era seu chão, seu herói, e eu sabia como era perder alguém que amamos muito e nos espelhamos. Doía, e como doía. Uma parte de nós se perdia.
Não queria que ela tivesse que passar por aquela situação. Vê-la tão frágil, debilitada e completamente desesperada também me doía. Era como se eu pudesse sentir sua dor, sofrer com ela...
E o pior de tudo era que eu sabia que não podia fazer nada para melhorar sua situação. Eu estava completamente inútil. Tentava consolá-la com um abraço, um colo, um beijo, mas nada parecia acalmá-la.
Fazia semanas que ela não saia daquela casa e, eu e os garotos, fizemos de tudo para tentar fazê-la sair um pouco dali, nem que fosse para dar apenas uma volta no jardim, mas nada a convencia de sair um segundo que fosse do lado de John.

, naquele momento, estava dentro do quarto de seu pai, e eu estava escorado na parede do grande corredor, apenas escutando seus soluços e suspiros.
Senti a presença forte da Sra. se aproximar, mas não ousei procurar por seu olhar. Apesar de parecer um pouco menos ameaçadora naquele momento, ela ainda me assustava. Eu tinha certeza que ela poderia me matar com apenas um olhar.
Vi de esgoela que a mulher também se recostou à parede e cruzou os braços na altura da cintura.

“Obrigada, .”

Não acreditei a principio no que ouvira. Tive que encarar sua feição arrasada para perceber que ela realmente falara aquilo. Eu nada disse, afinal, o que haveria de falar num momento como aquele? Tão surpreendente e mórbido?

“Sei que sou uma megera, assim como diz , mas sou muito grata ao que vem fazendo por ela” a loira de expressão doente, ainda assim clássica, disse num suspiro. “Então... Obrigada.”

Eu queria dizer que eu não fazia aquilo por ela, mas sim por , portanto não tinha o que agradecer. No entanto, já sabia o quanto aquela família já penava, eu não tinha o direito de piorar toda a situação.
“Vou continuar fazendo tudo por pelo tempo que ela permitir...” limitei-me a dizer uma verdade menos cruel.

Voltei a encarar a porta de madeira com desenhos esculpidos à mão, respirando aquele ar carregado de tensão e luto. Parecia que eu estava dentro de uma das músicas deprimidas de Frederick Chopin, e cada acorde era uma lufada de angústia inerente em meu rosto.
Escutei a porta ranger e se abrir lentamente, mostrando a figura de uma completamente devastada. Olheiras profundas e escuras contornavam olhos caídos e inchados; suas bochechas estavam afundando em seu roso pálido, indicando que ela provavelmente estava sem comer a dias. Os cabelos desgrenhados e sujos. Ela tentava manter um pouco de sua sanidade (talvez tentando não aparentar tão mal quanto realmente estava) pelas roupas, que continuavam tão impecáveis quanto às que usava dois meses atrás.

Sua feição agravara o nó entalado no meio da minha garganta. Eu queria abraçá-la, mas não sabia se deveria.

“Como ele está?” perguntou Mary retoricamente. Nós sabíamos como ele estava. Seu estado de saúde era refletido em .

“Está melhorando...” a voz de pareceu sair com dificuldade. Era quase inaudível, quase como um sussurro, uma súplica. Ela me olhou de relance, mas desviou assim que encontrou meus olhos. Vi um reflexo de vergonha em seu olhar; talvez ela não quisesse que eu a visse naquele estado. Eu realmente não queria ver, não queria que ela estivesse passando por tudo aquilo para começar. Eu via também a esperança em suas palavras, o seu desejo mais profundo que elas fossem verdade.

saiu por completo do quarto, fechando a porta com o maior cuidado possível. Lançou-me outro olhar rasteiro e começou a andar lentamente pelo corredor. Movimentava-se com demasiada dificuldade, talvez estivesse sem forças por estar a tanto tempo sem se alimentar.
Tratei de acompanhá-la; levei uma mão à sua cintura e a segurei firmemente, guiando-a até seu quarto. Ela ainda não me olhava diretamente, esforçava-se para não fazê-lo, e me senti triste por ela pensar que eu talvez fosse sentir incomodado com sua situação. Eu queria que ela soubesse que a partir do momento em que eu abrira meu coração para ela entrar, eu a aceitaria e, principalmente, estaria ao seu lado até mesmo no fim do mundo. E aquele era um pequeno apocalipse para ela. E lá estava eu.
A ajudei a se deitar na cama e puxei a colcha florida que jazia ali para cobri-la. Acariciei seu rosto sofrido e a observei por alguns instantes.

“Desculpe...” começou a falar com dificuldade. “Não queria que você me visse nesse estado.”

É, eu sabia que não queria.

“Não me importo. Você continua a mesma linda de sempre” eu rebati. E realmente continuava. Mas sua beleza, naquele momento, me doía. Uma beleza mórbida e penosa. sorriu, me levando a sorrir também, inconscientemente. Fechou então os olhos e apertou minha mão.
Tirei meus tênis e me enfiei debaixo da colcha, aconchegando meu corpo ao dela carinhosamente. Ela encaixou suas pernas entre as minhas e me abraçou fortemente. Eu não via, mas sabia que ela chorava. Um choro silencioso e mil vezes mais desesperado. A apertei ainda mais contra meu corpo, tentando fazer com que aquela dor passasse para mim.

Meu Deus, passe um pouco para mim!

Não queria que ela carregasse todo aquele fardo, não queria que ela sofresse tanto. Eu estava revoltado de certo modo por não poder fazer com que aquela dor parasse. Mas eu sabia muito bem que nada, nem ninguém, era capaz de fazer isso.
Após alguns minutos de silencio, percebi que finalmente dormira. Continuei alguns instantes a abraçá-la, talvez por medo de soltá-la e a ver se despedaçar diante dos meus olhos. Mas depois de um tempo, finalmente tirei meus braços de seu corpo e sai da cama lentamente, tomando o maior cuidado do mundo para não despertá-la. Sai do quarto e, assim que entrei no corredor, um angustia aterrorizante estapeou meu rosto.
O doente era John , um segundo pai para mim. A pessoa mais alegre e divertida que eu conhecia, a que tinha o maior amor pela vida e por viver. E era terrível pensar que a vida seria tirada de alguém como ele. Era algo tão injusto!
John fora quem dera o maior apoio à minha família quando também perdemos alguém que amávamos muito. Acho que ele foi uma das principais causas do meu pai não ter caído em depressão, já que ia praticamente todos os dias ao sitio ocupar a mente de meu pai com alguma alegria.
E agora...
Meu pai já havia vindo visitá-lo, tão mórbido quanto , mas tentando aparentar força, tentando transparecer essa força a John. Os dois ainda conseguiram trocar piadas e rirem como se nada estivesse acontecendo, e John não saia da cama apenas por preguiça.
Escorei minha cabeça na parede e não contive em deixar lágrimas desesperadas caírem de meus olhos. Eu tampei minha boca com força para não deixar escapar os soluços histéricos.
Cada parte do meu corpo doía de pensar em como seria os meses depois daquele...
Tentei me acalmar, me recompor e tirar forças de algum lugar bem fundo dentro de mim, forçar que eu queria passar à .
Fui ao final do corredor, abrindo lentamente a ultima porta. Escutei imediatamente o barulho daquele medidor de batidas cardíacas e vi o aparelho que ajudava John a respirar.
Sentei-me na cadeira ao lado de sua cama e deixei minha cabeça vagar, observando-o e rezando para que aquilo fosse mentira, apenas um pesadelo.
Segundos depois vi sua mão se estender com dificuldade e tocar meu braço. Levantei-me de imediato, ficando ao seu lado e o encarando com apreensão.
“Tudo bem, tio John?”
Que pergunta ridícula. Era óbvia a resposta.
O homem ainda conseguiu sorrir e fazer as covinhas aparecerem sutilmente em suas bochechas.
Ele apertou minhas mãos com o pouco de força que lhe restava e abriu sua boca para dizer algo. Sentei-me na berada da cama para que pudesse escutá-lo melhor. “Pequeno ...” ele sussurrou, ainda com o sorriso no rosto. “Sabe que gosto muito de você, não sabe?”
Sorri ao escutar tais palavras, e apertei um pouco sua mão em agradecimento.
“Sei sim. Também sabe que sinto grande admiração pelo senhor...” falei sorrindo.
“Eu... Eu queria te pedir uma coisa...” o mais velho falou com dificuldade, arranjando forças para continuar falando. Parou um pouco e respirou profundamente. “Eu sei que você gosta muito de ... Sei também que ela gosta muito de você... E quando eu for embora... Quando eu for embora , ela... Eu não gosto nem de pensar. O que mais me dói nesse momento nem é o fato de todos os meus órgãos estarem falhando. É o fato de pensar no quanto vai sofrer...” vi uma lagrima sorrateira escorrer dos olhos de John, e conseqüentemente, dos meus. “Eu sei que é pedir demais, mas... Por favor , não deixe que ela perca essa alegria que ela tem... Cuide dela... Por favor, cuide dela...” Tio John suplicava com dificuldade, e nós chorávamos na mesma intensidade.
“Nem precisa pedir, tio John. Eu estarei do lado de pro que der e vier, eu prometo. Prometo que cuidarei dela. Prometo que darei o meu melhor pra fazê-la feliz...”
E ele sabia que eu faria. Eu só não sabia o que eu precisaria fazer para mantê-la feliz. Eu já havia enfrentado uma perda tão grande quanto à dela; e fora ela, , quem trouxera o sorriso de volta à minha boca, a vontade de viver. Mas e se eu não fosse o suficiente para ela?

End of ’s POV

Eu nunca havia sentido dor tão grande. Não existia dor tão grande. Tudo dentro de mim era comprimido, até que no fim não restasse nada.
Era um vazio, um penhasco enorme. Como se alguém tivesse roubado uma parte de mim.
Se não estivesse do meu lado o tempo inteiro, eu provavelmente já teria desabado milhares de vezes. E apesar de não ver sentido em nada, apesar de não ter vontade de nada, eu ainda conseguia visualizar uma luz no fim do túnel em seus olhos, entretanto não sabia como chegar até lá.

Estávamos dentro de um carro preto alugado, e uma fileira de outros carros nos seguiam pela rua principal de Bolton. Minha mãe estava no banco da frente, ao lado do motorista, e estava atrás comigo. Minha cabeça estava escorada em seu ombro e ele fazia caricias em meus cabelos.
Por incrível que pareça, eu não chorava. Talvez por não restar uma lágrima sequer para cair. Talvez eu estivesse tão fraca a ponto de não conseguir chorar.
Apenas segurava firmemente a mão livre de .
Eu rezava todas as noites e, ao mesmo tempo em que indagava desesperada o porquê de Deus estar levando uma parte de mim, agradecia veemente por ele ter acrescentado outra parte á mim, mesmo que sendo de um tamanho diferente e não tampasse completamente o buraco que John deixara.

Era uma passeata fúnebre em direção ao cemitério. Todos aqueles carros e as pessoas dentro deles queriam mostrar seu apoio, sua compaixão. Afinal, John era uma grande figura naquela cidade, e fora uma perda terrível para todos.
Não tão terrível quanto para mim.

Eu ainda não conseguia entender. Entender porque ele havia partido tão repentinamente. Tentava achar razões plausíveis. Era a hora dele partir, todos diziam, mas aquela resposta simplesmente não me contentava. Não devia haver hora certa para uma pessoa tão boa quanto meu pai ser levado assim, do nada.
E aquela pergunta sem resposta corroia tudo dentro de mim, fazia um monstro gritar desesperado para ser libertado, trazendo junto consigo uma revolta avassaladora.

O carro finalmente parou, e eu saí de lá assim que a porta foi aberta. Não ousei olhar para o carro da frente, o que continha o caixão de John.
O caixão.
Andei a passos largos em direção a onde ele seria enterrado, com Mary e aos meus calcanhares.
O local foi enchendo à medida que o tempo passava e que o padre falava. Eu conseguia apenas olhar para a foto que jazia em cima de seu caixão. Uma foto em preto e branco, que ainda assim reluzia seu sorriso maravilhoso e suas covinhas.
E quando eu achava que não conseguiria derramar mais uma lagrima, surpreendi-me ao ver varias caindo sem a minha permissão, desesperadas para saírem dos meus olhos. Soluços começaram a ser disparados da minha garganta e um desespero me corroia à medida em que via John ser posto dentro daquele buraco na terra.
Senti uma mão de apertar a minha com força e agradeci mentalmente. No momento seguinte, minha outra mão foi envolvida. Olhei de esgoela e vi ao meu lado, olhando-me com um sorriso pequeno, como se dissesse ‘estou aqui, não se esqueça’. Dei uma olhada rápida ao meu redor, ainda com lágrimas embaçando meus olhos inchados. de mãos dadas com , também me encarando com apreensão. estava ao lado de , e os dois também estavam de mãos dadas. Olhei para o lado de , que deixava algumas lágrimas escaparem de seus olhos, mas limpava com as costas de suas mãos livres. Eu sabia que ele queria se parecer forte para mim. Vi também as mãos de nos ombros de .

E se eu não os tivesse? E se eu não tivesse aqueles cinco ali comigo?
Uma dor ainda mais atingiu meu peito, e as lagrimas caíam ainda mais frenéticas.
Apertei ainda mais as mãos entrelaçadas às minhas.
“Obrigada...” sussurrei, mais para mim do que para qualquer um ao meu redor. “Muito obrigada...” continuei entre lágrimas, agradecendo tanto a eles, quanto a Deus por não me deixar sozinha.

xxxx

Após uma semana que enterramos John, eu sabia que minha vida jamais seria a mesma. Eu não teria mais as risadas de John, os abraços, os conselhos, sua áurea de anjo, as palavras certas nos momentos certos. E em cada vez que pensava nisso, algo se rebelava dentro de mim. Aquele mesmo monstro agitava tudo, me fazia gritar, me descabelar, afundar o rosto no travesseiro, dormir e desejar não acordar.

Apesar de amar meus amigos, agora acima de tudo, eu havia me afastado naquela semana. Eu precisava de um pouco de tempo e de espaço para poder me adaptar à nova – se é que podíamos chamá-la assim – vida. Precisava colocar minha cabeça no lugar, encontrar uma luz, uma solução, ou simplesmente tentar acordar daquele pesadelo. Mas nem os tapas, os beliscões, o álcool excessivo e as drogas me faziam acordar daquele sonho horrível.
Meu apartamento estava uma zona, e mesmo com Meredith vindo todos os dias arrumá-lo, eu não me continha em bagunçá-lo novamente, espalhando latas e mais latas de cerveja por todos os cantos, jogar tocos de cigarros nos tapetes, folhas de fumo de maconha sobre minha cama.
Minha mãe ainda insistia para que eu voltasse para sua casa, mas viver sobre o mesmo teto de Mary ainda não era uma opção para mim. A morte do meu pai talvez parecia uma boa razão para fazermos às pazes e tentarmos nos unir, já que a minha dor era a dela. Mas eu não queria isso. Eu não queria voltar para aquela casa cheia de lembranças que me assombrariam como fantasmas. Eu não podia voltar, não agora.

Já havia decidido que não iria para Cambridge. Eu não tinha as mesmas vontades de antes, os mesmos anseios e sonhos de meses atrás. Para falar a verdade, nem sabia se ainda possuía algum sonho.
Eu sabia que John iria querer que eu fosse para a faculdade, realizasse meu grande sonho de ser independente e ser a primeira mulher da família a cursar uma faculdade. Mas essa não era mais a minha vontade. Faculdade não era uma opção. Eu queria que Shakespeare se ferrasse.
tentara me convencer a ir, dizendo que aquela era uma oportunidade única, mas me irritava todas as vezes que ele fazia isso.
Eu sabia que ele tentava me ajudar, me animar, me fazer ver uma luz no final do túnel. E eu também sabia que era a pior pessoa do mundo por estar tratando-o daquela maneira, já que ele era a luz no fim do meu túnel. Mas era como se cada vez que eu tentava ir para a luz, a escuridão era mais forte e agarrava as minhas pernas, trazendo-me de volta para o fundo do poço.

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estava deitado nos pufes, roncando baixinho. Eu estava encostada no móvel da TV, acabando com o ultimo Marlboro do maço. Fazia tempos que não conseguia dormir, então substituía o sono por cigarros e cafés. Se não fosse por , eu provavelmente também não comeria, mas ele aparecia todas as manhãs com muffins e cookies para que eu forrasse o estomago.
Às vezes conseguia me arrastar até o sitio para que pudesse comer algo que tio Lewis cozinhara, ou simplesmente para passear comigo pelo gramado. Mas no final da tarde, eu sempre voltava para meu apartamento sombrio e deixava que a escuridão já amiga me acolhesse.
Naquela tarde, viera ao apartamento e estávamos assistindo um filme na TV. Ele dormira após dez minutos, e eu apenas via as imagens passando, não as assistindo de verdade.

E agora o filme já havia acabado, e eu observava ressonar. Desejei profundamente que pudéssemos voltar a ser o que éramos; aquele casal apaixonado e inconseqüente, sem medo do amanhã.
Mas agora, nós dois tínhamos medo. tinha medo de eu não acordar no amanhã, e eu, às vezes egoisticamente, desejava que não houvesse amanhã.
Depois me arrependia por ter tais pensamentos, agarrava-me ao garoto e chorava compulsivamente.
Como eu podia pensar em não ter um amanhã? Ele era meu amanhã. Ele era a razão por eu ainda ter um motivo para acordar. Por isso tentava ao máximo não deixar com que a rebeldia e escuridão me agarrassem por completo.

E quando meu apartamento estava me sufocando com toda aquela fumaça de cigarros, resolvi que era hora de sair um pouco. Levantei-me calmamente, não querendo acordar de seu sono pacifico. Vai saber a quanto tempo ele também não dormia? Escrevi um bilhete e coloquei em cima da TV, dizendo que daria uma volta no parque do final da rua.
Quando adentrei o corredor, vi Julian de relance e no segundo seguinte nossos corpos se chocaram com força. Os folhetos que antes ele carregava estavam por todos os lados, e nós dois estavam no chão.
Uma gargalhada explodiu da minha garganta, e eu ria com ferocidade como não fazia há tempos. Nós havíamos caído tão desengonçadamente que não tinha como não rir.
“Me desculpe!” falei entre risos, tentando me levantar e ajudar Julian a se levantar, o qual também estava estatelado no chão entre gargalhadas.
Quando ele se levantou, comecei a ajudá-lo a recolher os folhetos amarelos que estavam em todos os lugares.
“Como eu posso ser tão distraído e estabanado?” ele dizia ainda entre risos.
Apenas depois de ter recolhido uns dez folhetos foi que eu li o conteúdo escrito neles.

Estamos em pleno século XX, e vivemos como se ainda estivéssemos no XIX.
Chega de repressão! Chega de censura! Chega de guerras!
Diga sim à liberdade, e junte-se ao Movimento Estudantil Universal.
Para mais informações, Rua Garamond, número 1115.

Entreguei os folhetos a Julian e o encarei com curiosidade. Esqueci-me completamente do mundo que me cercava e do que estava acontecendo nele. A corrida bélico-espacial entre União Soviética e Estados Unidos ainda era acirrada, assim como a luta entre socialismo e capitalismo. John Kennedy era o novo presidente dos Estados Unidos. Um novo remédio havia sido criado, uma pílula anticoncepcional para as mulheres. Eu ainda não havia a experimentado, mas a idéia de poder tomar um remédio que evitaria uma gravidez me soou extremamente libertadora. Quero dizer, agora, mais do que nunca, nós mulheres tínhamos poder sobre nosso próprio corpo, sobre nossas decisões. Agora, oficialmente, mostrávamos que não nascíamos apenas para procriar e cuidar de lares e maridos. Podíamos escolher se queríamos ou não ter filhos, queríamos ou não nos casar. As universidades davam cada vez mais espaço para nós e, mesmo que eu não fosse freqüentar uma, comemorava pela vitória.
A Guerra do Vietnã estava no auge, causando a revolta de todos os estudantes e idealistas espalhados pelo mundo.
A repressão, apesar de não estar escancarada, estava em todo lugar. O Reino Unido apoiava os Estados Unidos na Guerra fria, obviamente. E por conseqüência, tentava manter o capitalismo em alta em nossa nação.

Ao perguntar a Julian sobre o que jazia no panfleto, ele me explicou melhor a situação. Apesar de parecer um país completamente livre, e tentar não se mostrar repressor quanto o comunismo da União Soviética, a polícia inglesa sempre dava um jeito de sumir e repreender aqueles que idealizavam uma nação mais justa e igualitária. Julian contou que vários de seus amigos foram pegos em Londres depois de fazerem passeatas, e que jamais foram vistos novamente.

“E não acha que se sair distribuindo esses panfletos pela cidade não vai acontecer o mesmo com você?” perguntei preocupada e cínica ao mesmo tempo. Julian deu de ombros.
“Eu realmente não me importo. Quero apenas ver se consigo abrir os olhos das pessoas. Quero que elas acordem para a vida, olhem para o mundo ao redor delas! Uma guerra mal acabou e já tem outra tão horrível quanto acontecendo bem embaixo dos nossos narizes! E além do mais, todos nós devíamos ter o direito de acreditar e lutar pelo que quiséssemos! Sabia que um muro está sendo construído bem no meio da cidade de Berlim?” neguei com a cabeça. “Pois é! Isso é um absurdo... Estão acontecendo milhares de revoltas em toda a Europa... E nos Estados Unidos! A Irlanda, bem do nosso lado, está fazendo passeatas maravilhosas e libertadoras. Claro que ainda tem os conflitos de sempre entre os católicos e protestantes, mas ainda assim muitos jovens estão lutando por um mundo melhor!”

Os olhos de Julian brilhavam ao falar de seus ideais, e sua empolgação me contagiava. O modo como ele falava de eu idealismo, de seu anseio por um mundo de paz e igualdade, era completamente contagiante.
Eu sempre gostara dos ideais marxistas, mas apenas lia seus livros e imaginava como o mundo seria melhor se não houvesse tanta desigualdade. Mas jamais pensara em colocar as mãos na massa, tentar realmente mudar o mundo. Sempre estive ali, cercada por uma bolha que me impedia a ver mais de dois palmos à minha frente. Nem me lembrava da Guerra do Vietnã, e que centenas de pessoas morriam todos os dias. Nem me lembrava que o mundo todo ainda estava abalado pela Segunda Grande Guerra, e que estávamos prestes a ter uma Terceira a qualquer momento. Vivíamos em uma agonia, sabendo que os Estados Unidos e a União Soviética tinham a capacidade de destruir o planeta dezenas de vezes tamanho era seus poderes bélicos. Vivíamos na tensão de que, a qualquer momento, uma bomba atômica poderia cair bem ao lado de sua casa.

Nem mesmo percebi que havíamos saído do prédio e agora andávamos na calça da Rua Lafayette, com Julian discursando e distribuindo panfletos. Ele oferecera a me levar ao comitê do movimento, onde vi uma dúzia de jovens de todos os sexos e raças reunidos, conversando animados sobre a próxima passeata que fariam.
Eu estava completamente extasiada pelo momento, pela possibilidade de poder participar de algo tão grandioso.
Decidi que estava farta de apenas ficar me martirizando pelo em casa, e podia fazer algum bem para a sociedade. John gostaria que eu o fizesse.

Sentei-me ao lado de Julian, e acenei a todos quando ele me apresentou. Escutei-o discursar sobre as estratégias da passeata da semana que vem, que teria de ser ainda mais grandiosa e estrondeante que a ultima. Seria na rua principal de Bolton, a Packard Road. Várias pessoas já haviam os procurado, interessados em participar da manifestação. Ela seria completamente pacífica, tocariam músicas, fariam bonecos enormes segurando placas com Liberdade, Igualdade, Fraternidade, o lema da Revolução Francesa, e que agora caía como luva para a nossa causa.

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Assim que cheguei em casa, contei a novidade a . Ele parecia tão animado quanto eu ao escutar minha empolgação. Eu sabia que ele ficaria feliz em me ver finalmente... Renovada. Ou pelo menos parecendo renovada. Convenci-o e meus amigos a participarem da passeata e todos pareciam muito empolgados com a idéia. Eu ia todos os dias ao Comitê junto com , e alguns dias , , e também iam. Eu tinha certeza que ia apenas por causa do baseado grátis que fumava no final de cada reunião.

Eu finalmente havia acordado. Havia conseguido sair do túnel com a luz tão distante em que sempre tentava me tirar. Às vezes até íamos à mansão de Mary visitá-la. Ela parecia uma nova pessoa. Ainda tinha o olhar cínico sobre , mas tentava ao máximo – e eu percebia – parecer que o suportava. Eu já havia perdido as contas de quantas vezes ela me pedira desculpas. Ela também havia acordado, de modo que visse que status realmente não era nada, e se martirizava todos os dias por ter sido sempre tão rude comigo e com John.
Essa nova personalidade de Mary às vezes. Tinha medo de que a qualquer momento ela poderia acordar e voltar a ser o demônio que era.

“Tenho medo de perder você também” ela dizia com lágrimas borbulhando seus olhos. “E depois me realizar que, além de péssima esposa, fui uma péssima mãe...”

E depois eu sorria tristonha pelo fato de ter sido preciso algo tão drástico acontecer conosco para que pudéssemos finalmente tratar-nos como mãe e filha.

Algumas noites eu dormia com no sitio. Ele insistia em não me deixar sozinha, e agora eu também agradecia por não estar e não querer ficar sozinha. Ele não podia estar sempre deixando tio Lewis sozinho, por isso dormia uma noite em meu apartamento, e nas três noites seguidas eu passava no sítio dos .
e eu estávamos deitados no gramado de mãos dadas, encarando o céu sardento de estrelas sobre nós, e com Bradock ressonando alto em nossos ouvidos. Rolei meu corpo, de modo que pudesse ficar deitada no peito de . O garoto ainda encarava o céu, e eu agora observava a pouca luz iluminar seu lindo rosto. Aquele sempre fora meu hobbie favorito, encarar seus traços indefectíveis, curvá-los com meus dedos somente para guardar na memória cada detalhe. E por estar tão distante dele – mesmo ele estando sempre ao meu lado – fazia um bom tempo que não o observava.

Seus lábios se curvaram em um sorriso quando percebeu que eu o analisava, mas continuou olhando para cima. Depositei um beijo leve em seu maxilar.
“Obrigada, ...” sussurrei em seu ouvido, aconchegando-me novamente em seu peito, e sentindo o garoto envolver-me com todo seu corpo em um abraço. Beijou o topo da minha cabeça e colou nossas testas em seguida.
“Não tem porque me agradecer, ” ele disse sereno, de olhos fechados e roçando seu nariz no meu. Entrelacei minha mão na sua.
“Tenho sim, e por muito...” sibilei e o vi abrir os olhos lentamente, observando-me com cautela, esperando por mais explicações. “Tenho que agradecer por não ter desistido de mim...” sorriu sutilmente.
“Eu nunca vou desistir de você, ...” ele disse num sussurro, fazendo-me fechar os olhos ao escutar tais palavras com tantas sinceridades. Segurei-me para não despejar uma lagrima.
“Eu sei... É por isso que te agradeço...” substitui as lagrimas por um sorriso. Abri os olhos ainda marejados, e encarei o mar de perfeição que era os dele.
“Eu te amo tanto, ...” suspirei e me rendi ao pranto, sentindo o garoto apertar ainda mais seu corpo contra o meu. “Te amo tanto, tanto, tanto...”
Abracei-o com todas as minhas forças e afundando meu rosto em seu pescoço, aspirando aquele cheiro natural e entorpecente que exalava de seus poros.

Levantei novamente meu rosto, encarando-o. Ele limpou o rastro que as lágrimas deixaram em meu rosto com as mangas de seu moletom e sorriu. Em um impulso, o beijei. Fazia tempo que não sentia o gosto maravilhoso de sua boca; na verdade nem me lembrava qual fora a ultima vez em que nos beijamos. Então fiz questão que beijá-lo com ferocidade, puxando seu corpo para cima do meu.
O sítio estava todo silencioso e escuro, o único som que escutávamos era o do vento balançando veemente a copa das árvores.
O nosso beijo, além do gosto usual, foi completado por um diferente. Como se fosse o gosto do mar invadindo nossas bocas, um gosto salgado devido às lágrimas que agora paravam de cair.

Eu tinha um novo desejo fulminando dentro de mim. Eu queria sentir , queria fazer amor como se fosse o ultimo dia da minha vida. Eu estava morrendo de saudades das sensações esplendidas que ele me causava ao preencher todas as lacunas vazias com seu amor. De poder agarrar-lhe os cabelos, arranhar suas costas, escutar meu nome sair como uma súplica de sua garganta.

Coloquei as mãos por dentro de seu moletom e passei as unhas por cada centímetro de pele de seu abdome, vendo-o contrair a tal ato. Tirei a peça de roupa em um piscar de olhos, beijando seu pescoço e ombros nus com urgência. Senti suas mãos invadirem meu vestido e tirarem minha calcinha com velocidade.
Procurei novamente por sua boca, beijando-o e puxando seus cabelos energeticamente. Nossas mãos se embaralharam quando nós dois fomos em direção ao botão de sua calça jeans. Ele deixou que eu a desabotoasse e a abaixasse um pouco.
me abraçou fortemente, e eu cravei minhas unhas em seus braços torneados, esperando ansiosamente para senti-lo. Nossos rostos estavam grudados e nossas respirações completamente embaralhadas.
Então finalmente me senti preenchida por prazer, e deixei que toda aquela luxuria nos envolvesse.

Nossos corpos se moviam em sincronia, nossos suspiros abafados eram uma sinfonia perfeita e nossos olhos fixos um no outro aumentava ainda mais a intensidade e insanidade do momento.
Desenhei com as unhas a curva de sua coluna, enquanto segurava minha coxa com furor.
A cada movimento eu me sentia mais completa, mais entorpecida... Cada vez que gemia meu nome contra a curva do meu pescoço, me sentia mais enlouquecida. E quando senti cada músculo do meu corpo se contrair diante da forma máxima de prazer, grudei nossos lábios para que eu não gritasse ao ar livre e meus gemidos desesperados não ecoassem dentro do quarto de tio Lewis.

Abracei-o ainda mais forte, impedindo-o de sair de dentro de mim. Eu queria nossos corpos encaixados pelo máximo de tempo que eu conseguisse.
Os olhos de ainda estavam presos sobre os meus, vidrados como os de um louco.
Ele não tardou a sair de cima de mim, puxando-me para seu peito, e me abraçou pela cintura.
Fechei meus olhos lentamente, rendendo-me ao cansaço. Mas, pela primeira vez em dias, fechei os olhos com segurança, tendo a certeza de que acordaria no outro dia sabendo que tudo estaria daquela mesma maneira, que estaria do meu lado. E realizei-me também que, apesar dele saber claramente de meus sentimentos, aquela fora a primeira vez em que eu os verbalizara.

Aproximei minha boca de seu ouvido e, depois de beijar seu lóbulo sutilmente, sussurrei:

“Eu te amo...”



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