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Capítulo 25
Achei que ela fosse deixar a frase no ar, então busquei a informação, curiosa.
- O que aconteceu? - pus o cartonado e a tesoura de lado, na grama, prestando atenção nela. Pensei em esticar o braço na direção do seu ombro, mas minha timidez não permitiu.
- Tive medo, - assumiu com a voz baixa, e eu percebi naquele momento que seríamos mais amigas a partir dali. Eu estava entrando em um lugar onde praticamente ninguém tinha estado antes. Punha minha mão no fogo como essa informação era exclusiva. - Sei exatamente pelo que você passou, exceto pelo fato que... Quando eu estava com medo, não tinha ninguém lá.
Assim como podia não ter tido ninguém comigo, quando pediu ajuda para descer. E podia não ter sido uma escada.
As engrenagens do meu cérebro finalmente deram as patas e voltaram com todo o vapor. Eu estava finalmente entendendo. Abracei-a com carinho, como se fosse minha irmã. A irmã que o Collin nunca seria, porque era macho demais para. Afinal, tinha sido por isso que não tinha me julgado ao ouvir meu relato?
Se me perguntassem, eu diria que nem por um segundo ela pareceu mais fraca, mas uma lágrima solitária escapou pelo seu olho. No instante seguinte, ela já inspirava novo ar e sorria para mim. Abraçou-me de volta. E eu que quase acabei chorando, tanta a emoção que aquele momento exalava.
- Tudo bem, - passei a mão pelo seu ombro, numa forma de tentar lhe passar conforto. Não posso garantir se funcionou, de fato, mas esperava que surtisse efeito.
- Eu sei que somos amigas há pouco tempo, mas é como se a gente se conhecesse há vidas - ela disse e eu concordei com um aceno de cabeça e um murmúrio. - E eu me preocupo com você, , então não me leve a mal por te testar mais cedo. Eu sei como é ruim ser posta à prova, eu só... Queria que você enfrentasse o problema, porque nem sempre vamos estar na altitude do mar.
No meio do momento família, eu percebi alguém se aproximando ao longe, mas talvez eu não tivesse tempo o suficiente para acalmar . Surpreendentemente, ela também notou a pessoa e se desvencilhou sem pressa do meu abraço lateral. Num gesto simples, limpou a lágrima, como se estivesse tirando um pouco de excesso de maquiagem.
A tempo do garoto se aproximar o suficiente para falar, ela já sorria:
- Bom dia, Tyler, precisa de alguma coisa?
Isso foi surpreendente.
- Bom dia - ele riu, suas sobrancelhas arqueadas denunciando que ele não esperava aquele tipo de cumprimento. - Meninas, na verdade, preciso sim.
E aí ele apontou os cartões na grama.
- Ah, é, certo... Já estamos acabando - avisei.
- Assim que acabarmos, levamos até você - deu o assunto por encerrado.
- Sem problemas? - adicionei, sorrindo amarelo enquanto voltava a pegar a tesoura para cortar logo as letras.
- Nenhum - Tyler fez joinha com as duas mãos, sorrindo sincero. Ou como se não desse a mínima se aquilo estivesse na mão dele naquele instante ou na semana seguinte. - Estarei no quinto estande à direita.
- Então ok.
Tyler apontou os recortes, antes de voltar com as mãos para o bolso do moletom.
- Não esqueçam - se virou de costas, voltando de onde veio.
- Não esquecerei, meu amor - ironizei, mas ele não ouviu. Seus passos nem vacilaram.
Voltei minha atenção à , que ainda estava com o olhar avaliativo grudado em Tyler. Ou talvez na sua bunda.
Ok, menos, , você é uma garota com princípios.
Ela fingiu que nada aconteceu e nem tocou mais no assunto anterior.
Parecia a que eu sempre conheci, de novo. Não a delicada e sensível que tinha uma história nunca antes compartilhada com as amigas. Nesse dia eu passei a entender que a gente não sabe tanto assim sobre as pessoas quanto pensa. Que todas as pessoas que você vai conhecer tem um medo, um desejo, e todas sofreram alguma perda.
Pena que não fosse a melhor hora para filosofar.

Assim que entreguei os recortes à Tyler, senti o celular vibrar no bolso do moletom. Tirei-o dali rapidamente ao que a ligação caiu. Entendi que era mesmo só um toque e, assim que tirei o aviso de chamada perdida da tela, pude abrir a mensagem de .
Fui me encontrar com ele atrás do...
- ACHEI!
DEUS DO CÉU, PAI DE CRISTO, EU JURO QUE NÃO FUI EU!
Berrei de volta para quem quer que tivesse me matado do coração. Tentei apoiar as costas na parede, mas devo ter esquecido que ela tinha passado a estar ao meu lado, desde que tomei um susto maléfico. Portanto, apoiei no vento, caindo para trás.
Isso aí, , esse é o caminho da vitória.
- Ficou doida? - eu, né? Era a . Pelo menos me ajudou a levantar. - Necessito compartilhar as novidades com você! - em seguida, ela se esforçou para me deixar surda. - A Bree conseguiu uma bolsa em Belfast!
Belfast era uma universidade, o Instituto Belfast. Lindo, poderoso, com 43 mil estudantes em cursos desde o curso de alfabetização e numeracia até toda a área vocacional e todos aqueles níveis loucos de graduação que todos sempres esquecem que existem. Cheio de firula.
O único problema era que ser no norte da Irlanda. Longe para caramba.
Mas, o segundo probleminha que eu enxergava na equação era... Bom, eu não fazia ideia de quem poderia ser Bree.
- Sim! A pequenina, da ponta dos cabelos vermelhos, está indo para Belfast! - e ela continuou tagarelando. Meu cérebro fazia o maior esforço desde as provas e eu ainda não lembrava quem era a tal Bree.
- Ah! Uau, que linda! - tentei demonstrar entusiasmo, porque achei que fosse o mínimo que eu pudesse fazer para retribuir. - Dê os parabéns para ela...
Como eu diria que o que eu desejava mesmo era que ela me desse licença? Não falaria, simples.
- Aham, dou sim! - por um segundo, achei que ela me daria licença, aí lembrei que ela daria os parabéns... - Ah! E sabe o que eu acabei de descobrir?
- O QUÊ? - perguntei, já surtando de nervoso. Infelizmente, só acabei parecendo cômica. - Você está cheia de descobrir as coisas, menina.
- Que eu não sou uma boa aluna! - pedi aos céus que ela continuasse tão perdida dentro de si a ponto de não notar minha expressão de pastel. - Sou uma ignorante, vou reprovar de ano e não vou entrar em uma boa universidade - ela ia enumerando nos dedos, conforme recitava o que parecia ter decorado por ouvir em excesso alguém dizer. Ou de dizer tudo aquilo a todas as almas vagantes da arrumação do festival. - Ferrou toda a minha vida!
Silêncio.
- Uau - eu ainda tava mastigando a informação, quando tentei falar. - De onde saiu tudo isso? - passei uma mão na testa, para ver se eu estava delirando.
Eu já achava que podia estar com febre. Sabe como é, muita febre faz a gente delirar. Isso é, se eu estivesse com febre. Por isso estava checando... Voltei a falar, tentando acalmá-la e ser uma amiga melhor ao mesmo tempo.
- Calma, respira, conta tudo devagar. Nós só estamos na metade da metade do ano. Ainda dá tempo de entrar em vários clubes, voltar para a torcida, fazer uns extracurriculares legais e... - fui interrompida.
estava com os nervos surtados, mesmo. Será que algum namorado nerd, como o , tinha dado alguma indireta nela? Ou algum professor tinha dito um monte de verdades? Porque coitada, a podia até estar na sala B sem merecer - pelas notas -, mas ela realmente era muito esforçada. Então, pelo esforço, eu julgava que ela merecia.
- , que vários clubes, o quê! E eu não quero voltar para a torcida! - pai amado, achei que ela fosse ter um colapso. - E eu não estudo todos os dias. Mas eu tenho tentado melhorar! Passei minhas férias preparando meu projeto do final do ano, que eu não terminei aliás. E ainda tenho feito dezoito exercícios por dia. De matemática.
Respirei no final da frase, sentindo como se eu que tivesse tagarelado tanto e ficado sem ar.
- Espera. Férias... As férias mesmo, ou aquela semana de feriado do ano novo?
- É, as férias, mesmo, antes do ano novo - antes que eu pudesse contestar a falta de sentido, ela retomou. - O trabalho é difícil, vai ser o melhor da feira. Além disso, olha só, são cento e oitenta exercícios no total - comecei a me perder na conversa, ficando irritada. Quase perguntei se ela tinha tomado café de uma forma não muito delicada. - E quer saber mais? - foi preciso muita força de vontade para não fazer careta. - Sou ignorante, mesmo e olha que nem sou dessas loiras albinas. Olha que trágico!
Queria saber que diferença teria no intelecto dela, se ela o fosse.
- Hm, é... Trágico! - respondi rápido assim que percebi que tinha ficado desligada e era minha vez de responder. - Mas não é normal? Praticamente todo mundo estuda todos... Os dias. Não é?
- Ah, sim, claro! Todo mundo estuda todos os dias! Exceto eu! PORQUE EU NÃO PRESTO - ela continuou berrando, quase me tirando do sério. Até que no fim da frase, eu podia jurar que sua voz se tornou embargada. Foi o suficiente para me fazer esquecer o quanto ela estava me atrasando falar com , e me lembrar o quanto ela é mais importante que qualquer menino. Porque é minha amiga.
Passei um braço ao redor do ombro dela, abraçando-a. Um intrínseco abraço de urso.
- , tem alguma coisa errada aqui, não tem? - tentei falar com mais calma, por mais que meus nervos tivessem saído do normal. - Quem te disse que você é burra e que não consegue ingressar em uma universidade?
Caramba, quem é essa pessoa da voz doce falando por mim? Sou eu, mesmo?
demorou alguns segundos a dar a resposta.
- Eu estou quase chorando! - ela disse, estourando de repente. E se desvencilhou do meu abraço, mas tão carinhosamente que eu só percebi quando ela já estava a alguns passos de mim, apoiando lateralmente na parede. Ela não carregava nenhum livro, só uma pasta que eu não ousaria descobrir do que era. Olhei pelo ombro dela, se tinha um por ali. Inútil procurar, até porque, se tinha, ouviu os berros e saiu correndo.
Decidi insistir na minha amiga.
- , linda, bebê, presta atenção. Você não é burra, porque se fosse, estaria na sala C e a Alaina na sala B, no seu lugar - tentei fazer graça. Não deu muito certo, não.
- Mas ela não quer escala na minha sala. Porque é de B de burro - o choro sairia a qualquer instante, se eu não agisse rápido. E se não fosse tão trágico, teria sido divertido rir do B de burro.
Pareceu por um instante que eu falava com uma criança birrenta. Respirei fundo, esperando ter inspirado bastante paciência em uma única lufada de ar.
- Calma. Respira. Aproveita esse ar... A brisa... Sente - respondi como se nada dos berros dela tivesse me afetado. Como se nem tivesse ouvido. - Você não é burra e isso eu posso prometer, ok? O B da sua sala é porque B é a segunda letra do alfabeto... Por isso que a letra A vem antes.
- , eu não estou no primário - ela alfinetou.
Olha, não parece,não.
- Eu sei. Mas lembre de que muita gente da minha sala foi para a sua. Além de as salas A e B terem o mesmo nível de interesse e aproveitamento. E ainda assim, mesmo a galera da sala A, teve que ter aula extra, lembra? - nem dei tempo para ela pensar, já respondi logo. - Você não vai chorar por isso. Acontece.
demorou mais alguns segundos até me responder, mas finalmente ergueu o queixo e falou:
- Sabe, eu não estudo sempre, mas ralo para passar de ano... Cento e oitenta exercícios de matemática já me ajudam a não esquecer a fórmula de Bháskara.
Ignorei a ênfase no número de exercícios, deixando para contar em outra oportunidade como o número dos exercícios era irrelevante, se ela não relia a teoria. Porque eu a conhecia. E sabia muito bem que ela não relia.
- Viu? - encorajei-a instantaneamente, como se fosse muito importante eu provar que estava certa.
Me aproximei dela, ainda apoiando a lateral do corpo na parede.
- É... Acho que você tem razão... - decidiu, fungando de repente. Ou minhas amigas choram mais silenciosamente do que uma geladeira faz gelo, ou eu sou muito avoada, mesmo. - Eu não devia ficar triste por isso. Afinal, eles nos separam porque você é uma zona quando está com a gente.
O quê?
Abri a boca para protestar, mas deixei quieto. Ela merecia aquele desconto, depois de se achar burra e todas aquelas tosquices. Além de tudo, eu estava me sentindo, sabe-se lá por que motivo, uma péssima amiga. Por mais que algo me dissesse que era por estar escondendo dela o encontro com , eu preferia acreditar que fosse meu inferno astral.

Quando consegui ir atrás de e encontrá-lo em uma sala esquecida, naquele mesmo último prédio onde encontrei minha amiga minutos antes, já era um pouco tarde. Normalmente, terminamos de arrumar a escola em torno das seis, para dar tempo de sairmos do colégio antes do sol se por, já que a maioria dos alunos volta por conta própria. Já eram seis horas, o sol começava a ir embora. Cá entre eu e meu subconsciente, seria uma delícia ir falar com o , banhados à luz fraca do sol se pondo.
- Finalmente, - ele deu uma risada fraca, largando o joguinho do celular e se virando para mim. - Estava quase indo embora.
Forcei minha garganta a soltar uma risada baixa, meio convencida.
- Você não iria embora.
- Já estava indo - levantou da mesa num salto, exibindo seu tamanho não tão grande, mas maior que o meu o suficiente para me fazer pensar duas vezes antes de tentar fugir dele. Isso é, caso um dia eu quisesse cometer essa loucura. - Estou muito cansado e com frio.
Fez uma cara manhosa.
Não desmaie agora.
- Que menino sempre cansado.
Cruzei os braços, sorrindo.
- As meninas daqui me cansam demais - e aí ele forçou uma risadinha cínica, mas cafajeste.
Meu humor foi dar uma volta nesse instante. Acho que parei de respirar. Queria dar um soco na cara dele e daquela arrogância repentina. Aquele não era o . Por que aquele dia estava do avesso?
- Poxa, mas que legal. Deveria ter ficado com uma delas. Será que não tem nenhuma disponível? - e depois de surtar como uma ciumenta louca, sendo que havíamos acabado de voltar e nem era um namoro, eu já estava me virando de costas para sair por onde entrei. me segurou pelo braço, puxando-me em seguida para perto de si. Não ofereci resistência.
- Mas não estou a fim - me provocou, sorrindo agora bem próximo de mim. - Não agora.
Obrigada, seu bastardo, por acabar com o momento romântico. Missão cumprida!
- Bom para você - continuei encarando sua boca alguns segundos, até me tocar que o beijo não se realizaria.
- De que adianta ter todas as garotas do mundo, se eu quero apenas uma? - franzi a sobrancelha, torci o nariz e olhei para cima, absolutamente certa de que ele tinha dito isso no intento de me agradar.
Funcionou.
- Hm, que pena. Se for quem eu estou pensando, ela está por aqui de ciúmes - o orgulho perdeu de dez a zero nessa rodada.
A essa altura, ele tinha soltado meu braço, curioso com a minha reação.
- Ah, é? - foi a vez dele de agir cético. - Ela nem tem porque de ficar assim.
Sua mão me pegou de surpresa, alisando minhas costas.
- Não sei, não. Ela é chata, e meio possessiva - e enrolei uma mecha de cabelo no dedo. - Se eu fosse você, fugiria.
Mas nem em um milhão de anos eu esperaria essa resposta dele. sorriu, pressionando minhas costas e me impulsionando para a frente ao mesmo tempo em que tirouo uns fios que caíram no meu rosto saberia Deus quando.
- Ela tem que ser mais confiante, porque eu também sou ciumento.
O quê?
- Ah, vou falar tudo isso para ela, pode deixar comigo - eu esperava não ter gaguejado tanto quanto meus ouvidos diziam. - Você, providencie mais tempo para ela, encontros às escondidas normalmente não duram muito, ainda mais no inverno, e isso é ruim - falei demais, sincera demais. Minhas bochechas começaram a queimar, enquanto eu passava a mão na mecha que antes eu enrolava na ponta do dedo, alisando-a repetidas vezes, olhando para baixo na tentativa de amenizar a vergonha.
- Você fala para ela que eu quero ela só para mim? - com a mão livre, ergueu meu queixo. Desejei intensamente já ter voltado à cor normal. - Não sei se vai fazer diferença, mas dá o recado pelo menos.
- Ah, eu... - tentei pensar em alguma coisa inteligente para falar, mas nenhuma palavra chegou à minha boca.
Mas foi porque ele não esperou:
- Agora é sério, sem terceira pessoa - e pôs as mãos no meu rosto, me fazendo sentir pela primeira vez como se eu fosse frágil. - Eu quero você.
Com ênfase. Eu estava precisando me beliscar.
Acabei sem responder nada, mesmo, sorrindo abobalhada. Pus as mãos com urgência na sua nuca e o puxei para mim, a fim de finalmente selar nossos lábios. Nossas bocas se encontraram rápido e o beijo foi, para variar, maravilhoso. O ritmo que tínhamos era perfeito, sabia me puxar para si e não atrapalhar enquanto nossas línguas - por mais nojento que possa parecer - faziam o trabalho delas. Acariciei sua nuca, passei a ponta dos dedos pela raiz dos seus cabelos macios e puxei-os um pouquinho. Ele respondeu me apertando com mais força contra si. Fiquei sem ar por um segundo, mas não me atrevi a parar o beijo por nada no mundo. mordeu meu lábio inferior e depois puxou com um pouquinho de força. Não a ponto de doer. A ponto de me deixar louca. No impulso, levei o rosto junto, enquanto ele puxava minha boca e assim que soltou, ganhei um selinho. Nesse mesmo instante, eu apertava seu ombro, relutante em soltá-lo, até que ele pressionou minha nuca em sua direção, voltando a um beijo.

. Evoque. Despedida. Sábado. Noite. Vestido de festa. Salto agulha. Casa cheia de gente. Bebidas. Eu sozinha. Frio. Céu estrelado. Lua!
É, ia ser difícil ficar sóbria naquela noite.
A lua, à tardezinha, manifestava-se discretamente, prometendo abrir aquele sorriso que ia perfeitamente ao estilo Cheshire Cat, mas confesso que fiquei surpresa, ao vê-la sorrir tão brilhante e abertamente para mim. A cada hora que eu a olhava, era como se fosse a primeira na noite, e algo naquele sorriso cúmplice me dava forças para fazer o que tinha que ser feito ali.
Que, recapitulando, era entregar um casaco. Não devia ser tão difícil assim.
A casa parecia tremer a cada batida da música. E fazia as outras casas tremerem também, eu tinha certeza. Ou de repente aquela marcha de tambores fosse só meu coração rumbando dentro de mim. Porque, se as outras casas estivessem de fato tremendo, os vizinhos teriam chamado a polícia.
Atentei-me para ver se conhecia alguém naquela festa, ou se Alaina só tinha chamado a galera das boates, mesmo, vulgo aquelas réplicas exageradas de modelos que se intitulam suas amigas, mas que são mais mortas do que o olhar de um peixe.
Conner foi o primeiro que eu vi. Ele era uma biba afetada do cabelo sedoso, com quem eu já tinha estudado no primeiro ano do ensino médio e fiz uma boa amizade, mas que desminhocou a andar com umas pessoas muito diferentes de mim, me obrigando a tomar um caminho diferente. Como nesse ano já tínhamos ido a uma festa juntos, decidi que era melhor do que nada.
- OI, AMOR! LINDA, PERFEEEITA - ê, intimidade. Olhei para os lados, enquanto ele gritava, esperando não encontrar ninguém da sala A ou B. - NOOOSSA, QUE SAUDADE! SOCORRO, ME COME.
Seria mentira se eu dissesse que consegui ficar séria.
- Você nem lembra de mim, sua falsa, está falando o quê?
Conner sabia do meu gosto por chamar meus amigos gays com o artigo no feminino.
Continuei dando uma olhada em volta, tomando o mínimo cuidado para não parecer uma espiã em missão logo na entrada. Além do time de futebol, eu só conhecia algumas líderes de torcida boazinhas, ali. O resto devia ser da turma C ou D.
- VEM, VAMOS PARA DENTRO. AI, AMIGA, ESTOU SUPER ANIMADA, JÁ.
Eu sabia que ele era homem, ele também tinha noção disso, mas esse era Conner sendo... Ele mesmo. Veja bem, eu não estou dizendo que todos os gays são assim. Estou dizendo que Conner, a pseudomoça que eu adorava e por quem até tive uma quedinha no primeiro ano em seus dias héteros - até que na semana seguinte eu comecei a me perguntar qual era o meu problema e o que eu tinha visto nele - era uma biba afetada. E não tinha nada de mal nisso.
Ignorando o óbvio fato de que eu tinha praticamente sido obrigada a ir à tal festa - tanto por motivos de sobrevivência quanto pela chantagem de Alaina, embora eu não ligasse para o segundo motivo - acabei entrando finalmente na suntuosa casa. Algo me dizia que já era um bom começo ter sido pela porta da frente.
O combinado era eu ligar para quando terminasse o esquema, mas tarde o suficiente para manter a discrição, e aí ele me buscaria.
Não que eu não pudesse ligar para a qualquer segundo: ele mesmo se dispôs a me vigiar na festa, mas conseguiu convencê-lo de que seria mais na cara do que se ele de fato comparecesse à festa. Ainda assim, ele insistiu para que, ao menor sinal de problema, eu ligasse. No fundo, eu sabia que isso seria o mesmo que gritar que fracassamos e dançar como uma galinha.
Resumindo, eu estava ali por conta própria.
Com Conner.
- O que tem de bom por aqui para beber, Connie? - pedi, sentindo que precisava me animar antes de seguir para o ofício. Apesar de ser a garota mais controlada do planeta, eu precisava relaxar um pouco.
- Ai, tem de tudo, linda! Você não sabia? As festas dessa Alaina tem de tu-do! - e aí ele surtou, sacudindo a cabeça e, consequentemente, o corpo todo.
Passou pela minha cabeça se de repente, ele tinha usado algum tipo de droga.
- Ah, não quero beber agora, não se preocupa, não - menti, na tentativa de me focar prioritariamente no que eu tinha ido fazer. Conner me acompanhou enquanto eu descobria a sala de estar com o teto mais alto que eu já vira, e me ofereceu novamente seu copo.
- Ai, amor, mas eu já estou bêbada, quer um pouco? - não parei de andar, mas me inclinei enquanto andava para tentar sentir o cheiro da bebida.
Estava difícil confiar naquele copo azul com bebida azul.
- Hm, o que é isso? - e o bom de gente bêbada é que você pode ser insensível ou desconfiada, que eles nem vão reparar. Porque estão bêbados. Eu sabia porque já estive nesse barco.
- Só uma batida... De pinga! - e depois ele fez um barulho meio onomatopeico que eu nem sei reproduzir com palavras. - Com abacaxi.
O número um para a morte rápida, pensei.
- Quero só um gole - nessa hora eu já estava pegando o copo da mão dele.
Confortei-me na desculpa de que estava com sede. De vingança, de álcool, de água...
Parei de respirar, decifrando o gosto da bebida, segurando teatralmente a mão no peito.
- Credo, tem certeza que isso é uma batida com pinga? - eu estava quase cuspindo os pulmões. Meu estômago deu umas três voltas, enquanto meu rosto lutava para vencer a vontade de se retorcer e manter a pose para sempre. Conner tinha o copo a salvo, novamente, me observando. A salvo porque eu o teria jogado no chão.
Conner riu da minha desgraça. Trouxa.
- Ai, amor, se você é fraca com isso, imagina com o ponche daqui - quando ele disse isso, reparei que já estávamos dentro de uma sala de TV. Passei por um momento de admiração à grande tela, na qual passava um clipe da minha banda preferida. Como era possível? Alaina devia ser detestável em todos os detalhes, isso estava errado.
Quando dei por mim, desprendendo os olhos da tela, Conner não estava mais à vista. Me espremi entre algumas pessoas que dançavam sem ligar para os esbarrões e encontrei uma mesa. Com comida. Bolinhos, macarons, whoopies, almôndegas - por mais que eu achasse inapropriado -, doces irreconhecíveis e incomíveis. Resumindo, parecia mais um casamento.
Quase indaguei se estava na festa errada, mas uma mão veio por trás de mim, cortando o fluxo de pensamentos.
Alaina não parecia feliz em me ver, por mais que eu ainda lembrasse bem até demais do convite vindo da sua própria boca.
- Estava mesmo procurando você - me surpreendi falando com tédio na voz.
Precisei me controlar para não enfiar a mão na bolsa que eu tinha trazido e pegar o casaco de . Felizmente, peguei o presente certo, alguma coisa embrulhada que a comprou - e estiquei o braço na direção dela.
- Pega. Agora me deixa em paz.
- Você não muda, ... - Alaina desdenhou, apertando os olhos e pegando o presente com calma. - Tente não me matar de vergonha hoje - aí, me deu as costas e eu fiquei louca de vontade de pular em cima daquela cretina.

Por outro lado, a vida continuava bonita. A mesa de comidas e bebidas estava atraente, então voltei a prestar atenção na mesma. Tinha ponche. Ponche!
Peguei a concha e enchi um copo, interrogando-me há quanto tempo eu não colocava um gole dessa mistura completamente bebível no meu sistema sanguíneo. E o porquê, claro.
Bebi empolgadíssima, até que meu rosto se retorceu inconsolavelmente, sentindo o sabor do álcool. Era forte! Todos os ponches que eu costumava beber eram de vinho, mas esse era de Rum. Eu estava certa!
Sentindo-me preparada, comecei a conjeturar maneiras de subir ao quarto de Alaina sem ser vista, porque ela ainda estava lá embaixo e não estava bêbada. Quase ninguém na festa estava realmente bêbado, ainda. O que significava que eu tinha que esperar. Foi quando, irritada com a minha falta de opção, fui para o jardim espiar os passos da Alaina, tudo para não esperar sozinha. Não que no jardim, eu estivesse acompanhada. Mas como convidada, já não era preciso ficar me esgueirando entre os arbustos.
Alaina falou com algumas meninas, flertou com uns mil caras, eu certo momento jurei que ela ia dar um selinho na amiga dela e até preparei o celular, mas aí ela pôs a mão na boca, tentando dar uma de inocente. Estava ficando estranho até para mim ficar observando a menina, mas basicamente era a única coisa que eu podia fazer. Não queria por udo a perder de novo, com .
Dei graças aos céus quando virei o copo e nenhum líquido chegou à minha boca. Dois motivos: Rum estava ficando enjoativo. Mas olhar a Alaina era mais enjoativo ainda.
Corri para dentro da casa na medida do possível, e acabei tropeçando na porta. Parei de quase cair apenas quando o Conner me segurou, naquele estilo de filme romântico que eu sempre quis que o tal me segurasse. Aparentemente, Conner era a única pessoa por ali que eu conhecia ou que simpatizava de volta comigo.
- Opa! Ah, você de novo - ele disse com a voz meio risonha, ainda me segurando. Se não soubesse que ele era gay, pensaria que estava flertando. Não dei bola para o que pensei, porque uma parte de mim sabia que meus pensamentos estavam meio desconexos, a essa altura.
Percebi que estava começando a ficar bêbada. Solução? Beber mais antes de realmente ficar bêbada.
- Eu de novo - dei de ombros, entrando na casa e puxando-o pelo braço para não me desvencilhar por completo dele. - Preciso de álcool. Cadê os pais dessa Alaina?
Resolvi investir no papo, aproveitando o pano de fundo da nossa amizade, que era o primeiro ano. Mas não deu tempo, ele mudou de assunto. Rápido no gatilho, um pouco demais.
- Quem liga? - deu de ombros, rindo. - Está querendo esquecer o quê, ?
Ajeitei a bolsa no ombro, olhei para ele me fazendo de ofendida. Pensei. Não consegui pensar em nada. Dei uma risada.
- Se eu estivesse tentando esquecer alguma coisa, já consegui - ergui as mãos para o alto.
Ele deu uma risada alta, de volta.
- Claro, está perto do mestre Bold. Ai, vem comigo, vamos à cozinha.
- O que tem de especial, lá? - perguntei num impulso, sentindo uma leve tontura dar as caras. Uma luz vermelha piscou atrás dos meus olhos: os efeitos do ponche sobre mim. Era rum. E até onde eu bem lembrava, rum era bebida de pirata.
- Tem... - notei que ele ia falar, mas mudou de ideia e de assunto. - Ai, vamos logo que eu te mostro, amor - deu um surtinho. - Você vai amar!
Eu não conseguia imaginar o que eu tanto amaria na cozinha da Cooper... Até chegar nela.

Eles tinham tequila naquela casa! Ok. Sem problemas. Eu não tinha prometido a que não beberia, na verdade eu convenientemente esqueci de tocar no assunto. Portanto, tomaria uma dose ou duas, o tempo passaria mais rápido, Alaina logo estaria bêbada - como sempre - e eu poderia fazer o que deveria, ligar para o e ir embora.
Meu cérebro piscada nas cores do México. E ele sussurrava gentilmente, como numa dança suave e sensual: tequila.
Arriscar ir à cozinha foi a melhor coisa que eu fiz!
- Não dá para acreditar! - comecei a me sentir fora do corpo, depois de alguns segundos ouvindo minha própria voz animada. Depois do momento em que entrei na cozinha e abri a geladeira, foi como se eu estivesse observando meu corpo fazer as coisas e estivesse meio longe dele, mas ainda muito consciente para achar que estava perdendo o controle. - Me dá! Me dá agora!
Afinal, eu só estava me divertindo.
Conner deu um gritinho, segurando a garrafa e seu sorriso se alargou ao máximo. Adorava ver alguém desesperado e ter a fonte da felicidade. Mas ao menos pegou a garrafa, procurou um copo no armário - um de plástico, pois quando alegou que eu não estava em condições, e eu ri ao invés de me defender, ele ganhou a discussão - e encheu com uma dose ou um pouco mais para mim.
Virei o primeiro copo, sentindo-me o Chandler, quando voltou a fumar, como se uma parte de mim tivesse voltado. Uma parte que eu tinha quase certeza já ter enterrado algumas festas atrás, quando exagerei. Mas eu não ia exagerar.
Contava nos dedos o que já tinha tomado quando Conner se aproximou sorrateiro de mim. Uma parte da minha visão o tinha captado, mas a maior porção do meu cérebro escolheu continuar fazendo as contas, garantindo que minha sanidade dependeria do número de bebidas ser baixo.
- Shhhh, sinta o momento - Conner tentou me calar com o dedo na minha boca e com urgência. Seus olhos ficaram a maior parte da frase fechados, abrindo só para ver se eu ainda estava ali. Conner Bold não estava muito melhor do que eu. - Não chame a atenção de ninguém, o José é só nosso.
Dei uma gargalhada.
- Quero mais, Connie - voltei a usar o apelido que eu tinha dado a ele no primeiro ano e que desde então todos se apropriaram. O qual ele odiava.
Ele me olhou, sorriu meio enviesado, passou o braço ao redor do meu ombro e com essa aproximação, levou a garrafa até a minha boca e a virou com um pouco de velocidade para o que o meu sistema nervoso conseguia assimilar. Tomei dois goles e comecei a tossir. Mas percebi que não precisava tossir, porque não ficava sem respiração, como quando tomava vodca.
Eu não estava mais sentindo o gosto da tequila.
- Agora chega, né? - ele deu uma risada, tomou mais um gole e tampou a garrafa.
Nem respondi. Eu assistia, lá, brisando com um sorriso no rosto, enquanto ele a levava de volta à geladeira e guardava. Meu sorriso murchou e então, algo de súbito me fez mexer o corpo até a geladeira. Só percebi que estava levando meu copo quando abri a porta, procurando a garrafa, o que não era uma atitude nada boa, se em comparação ao que eu devia ter ido fazer ali. Naquele momento eu nem lembrava.
Se me perguntassem, eu também não saberia responder por que tinha voltado à geladeira. Sabia que não precisava de mais bebida. Precisava esperar o efeito passar e estar sóbria o suficiente para...
Conner não me fez largar a garrafa. Por um segundo, tudo ficou preto e quando as memórias voltaram, eu segurava o gargalo da garrafa com a mão direita, a garrafa atrás do corpo de Conner, que estava (acredite em mim!), colado ao meu. Conner está me beijando!
Sem saber como tinha ido parar naquele beijo, mas desejando com todas as células conscientes do meu corpo nunca ter nem começado, uni todas as forças que tinha e coloquei a garrafa entre nós dois, a mão esquerda empurrando seu peito. Consegui.
Falei qualquer merda para fingir que precisava falar e distraí-lo.
- E você não era gay?
- Ai, amor, você era minha paquera antes de eu virar gay - ele soltou uma risada, e eu tentei não rir, porque de certa forma chegava a ser legal. - Por você, eu sou hétero até namorando.
Mas eu precisava fazer o que eu tinha que fazer. Que era...
- Ah, uau, nossa... - mesmo mais consciente com o choque, ainda não sabia o que dizer. Comecei a sentir o corpo meio agitado e mole ao mesmo tempo. O coração batia rápido demais e os movimentos estavam lentos demais. Eu só rezava para não terminar a noite em um hospital, enquanto me concentrava por alguns segundos em respirar mais rápido. Se eu oxigenasse o cérebro, tudo melhoraria, não? A imagem de passou pela minha cabeça, um vislumbre rápido o bastante para me obrigar a cumprir alguns movimentos. - Você precisa me desculpar, mas hoje eu sou do Señor Cuervo - mudei de assunto, sem evitar sorrir.
Ele ergueu as duas mãos para cima.
- Tudo bem, ninguém vai ficar sabendo - e aí fez uma cruz por cima do coração, como que jurando. - Só aquele cara e aquela menina que estão quase se... Você sabe, ali no canto.
Sorri, não dando a mínima para o casal que dava muito menos atenção para nós. Voltei a tomar alguns goles da tequila. Não sentia já a diferença entre um golinho e um gole generoso. E aí aconteceu. O primeiro blecaute.
Isso mesmo. Num momento, eu estava com Conner, na solitária cozinha e, de repente, eu estava em um banheiro, com a porta trancada, me olhando no espelho com a expressão curiosa e as duas mãos apoiadas no mármore da pia. Quando me dei conta de não conseguir preencher com memória o espaço entre a cozinha e o banheiro, sem nem fazer ideia de como tinha ido parar ali. Tudo o que eu sabia era que estava sozinha, sabe-se lá em que andar, no banheiro, me olhando no espelho e com a bolsa no chão. Ah, a bolsa!
Ao tentar recordar dos últimos acontecimentos e só poder me conectar ao momento com Conner, não consegui evitar uma risada. A situação era tão ridícula que eu precisava rir. Falta de memória, no banheiro, ainda zonza. Olhei no relógio, só para descobrir que já era 1:42 da manhã.
E jurei ao meu reflexo no espelho que ia me vigiar para não ter outro blecaute. Tentei ficar alerta e, me lembrando do que fui fazer ali, abri a porta do banheiro, para dar de cara com uma salinha nunca antes vista por mim. Peguei o celular na bolsa ao que percebi ter guardado ali a garrafa de tequila. Dei uma golada nela, assim que saí da sala para um corredor, também desconhecido, iluminado apenas pela luz agora entristecida da lua.
O corredor estava vazio, mas eu ouvia a música alta. Jurava que estava no andar de cima, já que vi uma árvore na janela. Procurei pelo quarto de Alaina e sabendo que poderia encontrar pessoas em outros quartos, que não o dela, achei uma boa ideia ter uma bebida na mão. Afinal, quem ia desconfiar de uma bêbada andando por aí com uma garrafa de tequila, falando coisas sem sentido?
O celular em uma mão - com a discagem rápida gravada para o meu amor -, a garrafa em outra, e noite adentro.

E, de repente, eu abri os olhos. Era domingo e eu queria dormir. Minha cabeça começou a latejar levemente a partir do momento em que recobrei a consciência.
Não sabia explicar por que motivo acordei, se o sonho estava tão bom. Para ser sincera, não sabia se ainda estava sonhando e foi então quando me esforcei para lembrar da última coisa que aconteceu.
Tudo foi se conectando lentamente na minha cabeça. Levantei da cama num pulo.
Meu quarto estava escuro demais e, por esse mesmo motivo, olhei ao redor, forçando com desespero meus olhos a decodificarem logo o que viam. Eu não podia estar cega! Só fiz isso para me arrepender, claro. Talvez, ficar cega fosse a menos assustadora das hipóteses. Que quarto escuro era aquele? Eu via um papel de parede legal, meio azul, ou talvez cinza. Não dava para dizer a cor, a única luz que se entranhava pela janela era fraca demais, desde que a mesma estava fechada.
Onde eu estou? foi a única pergunta que eu consegui me fazer. Definitivamente, não era meu quarto.
Passei a mão pelo pulso, para acender a luz do meu relógio, só para perceber que eu não o usava mais. E, ao abaixar a cabeça, em desespero crescente, percebi que não usava a mesma roupa que a noite anterior também.
Minha mãe vai me matar.
As roupas que eu usava não pertenciam a uma menina. Aquele não era meu vestido, mas de modo algum. Muito pelo contrário, era uma camiseta grande e velha do AC/DC que cobria até minhas coxas, mas só. Ao menos lingerie eu ainda usava. E ainda conseguia ficar em pé, apesar da tontura marcando presença na minha cabeça.
Eu apaguei? Fui estuprada? Não consegui prestar muita atenção no quarto - exceto pelo fato de vários pôsteres de bandas pregados na parede, porque destoava no papel de parede - indo até a janela, olhando de milésimo em milésimo de segundo para a porta, ansiosa por perceber caso alguém viesse. Mas não parecia que alguém chegaria para me ver tão logo. Abri-a devagar e, apesar de achar horrível ter luz demais naquele quarto, pelo menos eu conseguia enxergar melhor.
Aquele com certeza não era o quarto da Alaina.
- Eu estou... Ferrada - as palavras mal saíam da minha boca.
Apoiei as costas no parapeito, olhando para o quarto com os olhos quase saltando das órbitas, as mãos tremendo atrás do corpo. Eu precisava encontrar minhas roupas. Precisava lembrar como tinha ido parar ali. E lembrar como tinha acabado a noite anterior, parecia uma peça fundamental naquele quebra cabeça.
Precisava, primeiramente, saber onde estava.
- Por que eu sou tão inconsequente? Céus! - me sentei na beirada da enorme cama, murmurando com o rosto afundado nas mãos, sem saber por onde começar.
O quarto tinha duas portas. Fui à que estava entraberta primeiro, o banheiro, e chequei minha imagem. Nada bom. Resumidamente, a única coisa boa em mim era meu cabelo que, de alguma forma mágica, resolvera ficar apresentável no dia seguinte. E isso significava bonito, quando se tratando de mim, .

Não gastei muito tempo analisando o quarto. A cada segundo que gastava ali, sentia um misto de ansiedade que mal deixava o ar entrar nos meus pulmões. Sentindo o coração acelerar, toquei a maçaneta e abri a porta. Pelas paredes e pela decoração, não se parecia nada com a que eu estava na noite anterior.
Então, de quem era?
Desci as escadas, sem prestar muita atenção a todos os papéis de paredes e fotos de parentes. Não ajudaria em nada, ainda mais estando na casa de um possível doente mental que poderia ter me estuprado.
Por outro lado, a casa era tão bem decorada, que eu não podia gastar todo o tempo olhando para os meus pés enquando descia os frondosos degraus de carvalho. Se eu caísse, seria um problema, mas também não seria sinônimo de sucesso, caso eu nem apreciasse meu redor. Talvez eu estivesse sonhando.
Parei de frente a um arco, ao fim das escadas, que dava em uma ampla sala de jantar. Não pude, contudo, prestar muita atenção no cômodo, e dessa vez nem deu tempo de me sentir sonhando, nem nada. Não pude sentir muito. Meus batimentos caíram consideravelmente. Eu não acreditava.
Havia alguém ali.
De costas. Costas que eu conhecia bem de ver tirar a camiseta no treino do futebol.
Estava mesmo sem camiseta.
Ao reconhecer aqueles cabelos, aquele corpo e até aquele distraído folhear de páginas - o que poderia significar que, por estar de costas, ainda era possível sair correndo -, um misto de alívio e desespero passou por mim. Por mais óbvio que fosse, não podia acreditar e nem consegui me segurar quando seu nome irrompeu pela minha boca:
- ?

Capítulo 26 ( | Aniversário da . Festa da Alaina.)
Onze da noite e eu estava na porta da casa dela. Claro, eu tinha a mais perfeita noção de que seria bem mais romântico se eu saísse do carro para pegá-la na porta de casa, mas no momento que me dispus a isso, lembrei de que ela não estava indo a um encontro comigo e travei. Eu estava buscando-a apenas para deixá-la em uma festa. A da minha ex.
Eu não sei dizer com que cabeça estava pensando, quando concordei e me deixei convencer ser melhor ela ir. Claramente, ela não queria. E eu também não queria que ela fosse sozinha. E uma parte de mim se irava porque, porra, se nenhum dos dois quer que ela vá, por que ela vai, mesmo assim? Porque éramos idiotas.
E eu, um idiota do pior tipo, querendo incriminar e manchar a vida da ex-namorada a qualquer custo, mas com motivos. Do tipo que esconde todos os sentimentos possíveis, mas também com um motivo por trás disso. Do tipo que prefere machucar alguém a ter que se expor. Egoísta. E do tipo que pode ser bastante rancoroso e vingativo. Ao menos eu tenho consciência do que eu sou.
Resumindo, não havia nada a salvar em mim. Ou foi o que a vida me levou a crer.
Mas prefiro falar dela. estava deslumbrante quando saiu de casa. Não tinha ninguém se despedindo dela, então concluí que estivesse sozinha em casa. E me arrependi por não tê-la buscado na porta.
- Oi, - ela mesma abriu a porta, entrou e se sentou. Cumprimentou-me com um selinho e eu aproveitei enquanto tinha tempo com ela, para beijá-la de verdade.
Sabe, não aquele beijinho. Um beijo, mesmo.
Soltei o câmbio e o volante e encaixei uma mão na sua cintura para puxá-la para mim e outra em sua nuca. Enrosquei o dedo nos seus cabelos e com isso já garanti que seu rosto ficasse próximo o suficiente para que eu só a soltasse quando cansasse do beijo. O que ia demorar.
Ou não. Mas não por minha causa. Ela pôs a mão no meu ombro e me empurrou levemente. Fiz que nem senti e ainda puxei-a para mais próximo de mim. Ela cedeu um pouco, mas novamente, acho que isso não foi o que ela queria, porque ela soltou um gemido que não era de prazer.
- , já estou atrasada - ela disse ainda com os lábios perto demais dos meus.
E me deu um selinho. Se era para se desculpar, deu certo. Depois de uns segundos, recomposta, ainda não me olhava diretamente nos olhos. E nem tinha se afastado de mim o suficiente para que eu a soltasse. Eu que estava inclinado na sua direção.
Fiz, mais uma vez, como se nada tivesse acontecido. Tratei de por um sorriso no canto do rosto, mantendo a vontade insaciada sob controle.
Juntei todo meu humor e soltei essa ao passo que dava partida:
- Casa da ex, madame?

Naquela mesma manhã, eu tinha ido com os caras jogar um pouco de futebol. Tomei uns carrinhos, ganhei uns hematomas... Foi uma merda, aliás. Eu jogava muito bem, mas devido às circunstâncias, só estava tomando dribles do , que, pelo contrário, não estava com nenhuma preocupação. Tinha uma menina lá que ficou torcendo o tempo todo para mim. Na hora que o jogo acabou, lógico, ela veio falar comigo. Como eu a conhecia, brinquei de dar uma chave de pescoço nela e ganhei um monte de arranhões no braço, os quais eu torcia para que não visse.
Almocei em casa mesmo e depois de enrolar bastante na minha cama, fui para a casa de , com e . não estava lá, devia estar comprando um presente de última hora. estava atrasado com . Era aniversário da e faríamos uma festa surpresa para ela, só nós. Mas quando liguei para ela, antes do almoço, foi só para confirmar se iríamos passar a tarde na casa do . Fingi que esqueci o aniversário dela, coitada.
Depois de conferir se estava tudo certo no , lá pelas três horas, a busquei, continuando meu teatro pouco convincente que a convenceu mais do que deveria e, até chegarmos aos fundos da casa do - eu torcendo silenciosamente por já ter chegado -, ela manteve a expressão cautelosamente feliz. Quero dizer que, só depois de perceber que não a esquecemos, ficou verdadeiramente feliz.
Não reparei muito no que as outras pessoas deram a ela, mas eu comprei um colar de prata com um pingente. Ela pareceu gostar bastante, me deu um abraço carinhoso e quis até que eu colocasse nela, na hora. Não neguei.
O dia passou de um jeito leve, mas rápido demais. Estava um clima bom de amigos, mas lá pelas oito, nove horas, eu tive que levar ela em casa porque o infeliz, aqui, tinha marcado outro compromisso para ela. E não era um restaurante numa área nobre da cidade. Era a festa da Alaina, bem no aniversário dela. Me senti um pouquinho menos culpado quando lembrei que tínhamos acabado de comemorá-lo e que tínhamos acabado de deixar nossos amigos saberem que estávamos ficando. já sabia, mas e ainda tinham muito chão para me zoar.
Não notei muita surpresa da parte das amigas delas. Ou estava muito na cara, ou já tinha contado, mas eu não ia tocar no assunto.
Então, na hora da festa, eu já estava esperando na porta da casa dela. E como eu mesmo tinha concordado que ela fosse, era bom eu não atrasar.
Depois voltei para a casa de e ficamos lá, comendo, bebendo e jogando Devil May Cry até dar a hora da me ligar para voltar para a casa dela. A fiz prometer que me ligaria o mais rápido possível. E esse foi o meu dia, completamente resumido.
Foi só pensar nela que...
- E a , ? - foi o , balançando a cabeça na minha direção com tom de provocação. Ele se referia a termos assumido entre nossos amigos estarmos ficando.
- E a , ? - devolvi do mesmo modo, num riso que na verdade não tinha humor.
Conferi o relógio de pulso e já passava da meia noite. Nada dela. praticamente declarou não saber do que tínhamos feito ainda, pela pergunta:
- Calma, cadê a ? O que vocês fizeram com ela? Achei que ela tivesse ido para casa, saído com os pais, sei lá, afinal é aniversário dela.
riu em deboche. Porque a , ultimamente, estava muito lenta. E ele sabia que não seríamos capazes de fazer coisa alguma com ela.
Eu só não sabia o que ainda estava fazendo naquela reunião inútil, em vez de olhar por ela na festa.
- Foi à festa da Alaina - disse, de um jeito que acabou com o assunto. Acho que ele percebeu que se continuasse falando, teríamos que explicar porque ela quis ir à festa da Cooper. Novamente, não que ela quisesse. Ela tinha ido atender a um pedido egoísta e resolver nosso problema.
Era melhor eu começar a pensar em várias maneiras de recompensá-la, se quisesse me livrar da culpa.
Além disso, eu devia ter ido na dele e calado minha boca, mas para que facilitar, se podemos complicar? Sendo 2:15 da manhã meu cérebro já não funcionava muito bem.
- Aliás, estou esperando para buscá-la.
Valeu, cérebro. Valeu, língua solta.
Recebi um 'hm' coletivo. Apoiei a cabeça no sofá atrás de mim, numa risada, esperando as zoações. Pausei o videogame assim que a primeira pessoa se manifestou:
- Então, o casal enrolado finalmente se ajeitou? - foi a primeira a trazer o assunto à tona. De novo. Como se ela já não soubesse, pensei, tão amiga da que era. - Mas hein, o primeiro encontro é ela lá e você aqui? - caçoou.
- Talvez seja a hora de vocês saberem que esse não é o primeiro.
Quis dar tiro de chumbinho no meio da virilha do quando ele abriu a boca, até porque, mesmo entre risadas, dava para perceber que era verdade, especialmente porque minha expressão me delatava.
Por sorte meu celular tocou, me dando a deixa perfeita para sair de perto.
- ? - não ouvi a voz dela de volta. - ? Alô?
Fiquei que nem um panaca falando sozinho. Encostei na parede do corredor que antecede a sala de TV de , reavaliando a situação. Não conseguia mais admitir para mim mesmo que não estava preocupado. Afinal, de quantas horas ela precisava para deixar um casaco na bolsa da Cooper e sair?
Decidido a fingir que tudo estava mais do que bem, voltei à sala e notei todos me olhando interrogativamente. Dei a resposta que todos, e até eu, queriam ouvir.
- Não foi nada. Ela deu só um toque e caiu. Vou ligar de volta - encerrei a frase quando percebi que estava começando a falar rápido e parecer desesperado e, só para constar, falei por cima de todos que nem esperaram e já foram dando voz às dúvidas. Até no rosto de vi preocupação, e olha que ele normalmente era o que menos se importava, depois de mim. E, no meu caso, antes da aparecer.
Notei que estava numa situação de vínculo sem volta quando me vi ligando de volta no instante seguinta ao que saí da sala. Ninguém atendeu. Da segunda vez, caiu a linha antes de a caixa postal dar sinal de vida. Eu já estava mais do que alerta. Se ela não atendia, quem garantia que fosse se dar o trabalho de abrir mensagens de voz? Na quinta ligação, e eu sabia que nunca tinha ido tão longe, o telefone foi dado como desligado ou fora da área de cobertura, pela operadora.
Não me restou opção senão ir até lá.
Passei pela sala como um foguete e só porque tinha deixado minhas chaves lá, na cômoda perto da televisão, senão meu impulso teria me empurrado pela porta da cozinha. Por outro lado, preferia que ninguém viesse atrás de mim, então acho que fiz o melhor, mesmo. Dei uma explicação geral, dizendo que a ligação tinha caído mesmo, e que eu ia buscá-la porque seus pais estavam loucos, que quase todos caíram.
foi a exceção.
Fiz que não notei e mantive os ombros relaxados, tão confiante quanto possível, como se estivesse tudo sob controle. Até porque eu não tinha tempo para convencê-lo com minha precária atuação.

Já de carro, enquanto cruzava a cidade, fiquei montando possibilidades para o que poderia ter acontecido e se ela estava bem. Não gostei de absolutamente nenhuma delas e aumentei o rádio com a intenção de me distrair. Não aguentei uma música e desliguei novamente.
A casa de Alaina estava do jeito que eu lembrava: tão podre como sempre. Talvez fosse só eu, mas aquele lugar fedia ao perfume dela, mesmo que do jardim. Aproveitei, aliás, para ver do carro se ela ou não estavam por perto.
Enquanto dentro dos vidros negros, eu estava seguro de ser reconhecido ali e de estragar todo o plano de ficar escondido com a . Ou talvez isso só durasse até reconhecerem meu carro, mesmo.
Nem me dei o trabalho de estacionar longe e corri para dentro da casa, começando a busca pela sala. Depois a outra sala, que era ligada à primeira por um arco gigante e, então, a copa.
Sem grandes novidades, todos estavam bêbados. Menos mal que não estivesse no meio deles. Da copa, corri até a cozinha, onde mais alguns adolescentes sem pudor se pegavam nos mais variados lugares, assim como a porta da geladeira, mas aquilo era tão baixo que saí de lá fingindo nunca ter visto. Tudo era baixo demais e se eu já não estivesse arrependido, estaria agora com certeza por ter deixado pisar ali.
- Você viu a ? - perguntei ao que estava mais próximo de sóbrio. Pareceu ter se passado uma eternidade até que ele meneasse negativamente a cabeça.
Evitei socá-lo porque aí perderia mais tempo. E de perder eu já estava perdendo muita coisa. Por exemplo, tempo.
Será que eu não consigo fazer nada que preste? Onde essa menina se meteu? Puta que pariu, fiquei me culpando mentalmente. E se Alaina tivesse feito algo com ? A culpa seria integralmente minha.
Com esse pensamento, parei de vasculhar o térreo e corri para as escadas. Ao topo, uma silhueta lá fora me chamou a atenção quando olhei pelo vidro. Tão previsível, Alaina estava na grama, montada num reserva do time. Brian ou Joey, não tive tempo de distinguir.
Se embaixo eu pensava que a festa já estava pela metade, no primeiro piso dava para perceber que a festa estava apenas começando. Todos os quartos que passei, somando os banheiros, estavam a ponto de explodir. A maioria dos casais não estava se importando em dividir o quarto, a cama ou o chão e parecia que alguns ainda estavam em estágio pré-sexo. Pareciam completamente fora de si e eu não duvidava que a bebida não fosse adulterada, como todas as outras vezes.
Merda, a bebida adulterada!
- Caralho! - até meu berro parecia um sussurro, com a música tão alta.
Avancei o pouco que faltava até o último quarto. Girei a maçaneta e, sem dificuldade, a porta cedeu. À primeira vista, fiquei pasmo, não porque o quarto estava escuro como todos os outros, mas porque estava quase nos conformes e, para o meu desespero não tinha ninguém nele.
Eu sei, ninguém entrava no quarto da Alaina nas festas por medo, mas... tinha que estar em algum lugar, não tinha? Foi a hora perfeita para acreditar que ela tivesse sido raptada.
Foi só ir até a janela, dar uma olhada como que para garantir que eu tinha mesmo revirado todo o jardim, incluindo arbustos, que ouvi um gemido baixo. De desaprovação. E um "Para" que eu conhecia melhor do que gostaria.
Nem consegui pronunciar seu nome, foi mais rápido que eu correr na direção do quarto de roupas (não dava para chamar aquilo de armário) e abrir a porta com afobação. Meus olhos já tinham acostumado à falta de luz, então de primeira reconheci a silhueta dela. Ela estava no chão, o vestido mais para cima do que eu me lembrava, e seus braços empurravam a outra sombra na altura dos ombros com aspereza, mas parecia não surtir efeito algum e isso só fez meu sangue ferver mais ainda no topo da minha cabeça.
- ! - exclamou aliviada, assim que irrompi no cômodo.
O demônio a falar no ouvido dela estava tão entretido que mal reparou quando eu, com uma mão, puxei para perto de mim, com a outra segurando o ombro dele para impedi-lo de vir junto, ao que o cara já dizia, atrevido a reagir:
- Ei, vai procurar sua mina.
E ele não estava nada bêbado.
Eu não conseguia falar. Nem tentei. No rápido olhar de desculpas que dei na direção de , atrás de mim, vi-a tentando desesperadamente subir a meia-calça. Minha reação imediata foi voltar um soco na maçã do rosto do imbecil ao que um grunhido escapou de mim, em ódio. Uma lufada de ar deve ter saído dele, mas eu ainda não tinha tido o suficiente. E eu não ia descansar até que ele estivesse desacordado.
Ou morto.
- Que isso, cara? - ele gritou do chão, confuso, com a mão no local onde minha mão esteve.
- Você não percebe - enterrei um soco no seu estômago e quando ele se contorceu, me fazendo abaixar o olhar e perceber seu cinto desafivelado, tomei um impulso rápido e ergui o joelho no nariz dele com força. - Que ela é minha? - minha voz saiu entre grunhidos mais uma vez e por um segundo eu me toquei do que tinha falado.
Parei por um décimo de segundo, me deliciando com a pose do cara, contorcido no chão e também me recompondo. Dei um passo atrás e já tinha subido a meia-calça escura e arrumava o vestido, mesmo que não precisasse mais arrumá-lo, apoiada na porta aberta. Seu olhar estava tão perdido e confuso, seu delicado corpo tão pressionado contra a porta, tudo o que eu queria era tirá-la dali. Ela se assemelhava bastante a um animal encurralado e só sei isso porque acompanhei meu pai quando ia caçar, algumas vezes.
Fui até ela e pus as duas mãos no seu rosto e o ergui na direção do meu.
- Para, me solta. Me solta! ! O está vindo. Preciso ligar para ele. Me solta! Não... Não me toca! - ela dizia incessantemente, como se sua vida dependesse de não deixar ninguém lhe tocar.
- Shhh... - constatei ao segurar seus pulsos que ela não tinha forças para me empurrar. Minha raiva aumentou mais ainda.
Como alguém poderia sequer pensar em tentar abusar dela?
- Shh, calma, sou eu... - dei-lhe um beijo na testa, demorado e outro na sua boca, pouco me importando se o outro canalha a tinha tocado antes. Ela era minha. E estava nos meus braços. E eu finalmente ia fazer o que era certo e ia cuidar dela.
Sua respiração saiu entrecortada e ela mal correspondeu ao beijo, mas me puxou contra si e me abraçou com o que eu julguei ser toda a força restante dela. Levei isso como um agradecimento e, com o coração pesado de culpa, abracei-a de volta com vontade, enterrando minha mão em seus cabelos.
- Ei, , olha para mim - deixei uma mão em volta do seu ombro e com a outra, tornei seu rosto para cima com carinho. Precisava que ela me olhasse. - , vai ficar tudo bem. Eu estou aqui. Não aconteceu nada, certo? Eu não deixei. Eu o tirei daqui.
E quando falei a última frase, pareceu ser a gota d'água para que ela começasse a chorar. Ou eu não tinha reparado em seus olhos mareados, ou eles se encheram rápido demais de um segundo para o outro.
- Me tira daqui - ela pediu baixo e, mesmo que olhasse para mim, seus olhos não pareciam focar nos meus.
No mesmo instante, passei a mão atrás das suas omoplatas e a ergui assim que encaixei o outro braço na parte de trás dos seus joelhos. Seu corpo leve cedeu e ela passou uma mão em volta do meu pescoço, me causando uma sensação boa de conseguir passar segurança para ela. Por um tempo, parou de chorar. Isso não me ajudava a sentir melhor.
Nas escadas, a coisa complicou e eu tive que colocá-la em pé. estava tão bêbada que mal conseguia descer sequer um degrau sem perder o equilíbrio. Com a mão firme em sua cintura, ficou mais fácil descer as escadas do que com ela no colo, já que o espaço ficou ligeiramente estreito, devido às pessoas amontoadas ali. Continuei guiando até a entrada, ainda segurando sua cintura contra mim, com força. Não podia arriscar perdê-la de novo naquela zona.
Concluí que o melhor seria pegá-la no colo mais uma vez, até o carro. Então, com ela nos braços e os dedos firmemente encaixados nos vãos das suas costelas, corri e destravei as portas através do controle, depois abri e a coloquei no banco do carona. Senti sua respiração quente contra mim quando a deixei sentada, e, não com surpresa, reparei ter muito álcool em seu hálito.
Passei a mão no seu rosto e tirei o cabelo suado da frente dos seus olhos. Seu olhar encontrou o meu pela segunda vez, mas estava tão nublado quando antes.
- , que foi? Aquele bastardo te fez alguma coisa? - e ela voltou a soluçar. Boa, ! Passei o braço pelo seu ombro e ela se inclinou na direção do meu peito, chorou um pouco, me abraçando mais uma vez, negando com a cabeça. Respirei aliviado. Fiz menção de soltá-la para dar a volta no carro e irmos embora, mas ela me segurou com a ponta dos dedos e eu parei no mesmo instante.
Eu não queria admitir, mas estava muito bêbada. Em vez de ficar bravo com ela, por ter ingerido alguma coisa, não me ligado antes ou qualquer outro motivo que aliás eu poderia ter usado de motivo, foi inútil unir forças contra aquele rosto inocente.
Ela balbuciou um monte de coisas incompreensíveis, mas me esforcei e eis que consegui entender algo com bolsa e celular. E aí ela voltou a chorar.
- , pega para mim - com isso, ela enroscou a mão no meu cabelo, entre soluços.
Não há nada que ela peça chorando que eu não faça sorrindo.
- Minha bolsa...
- Onde ficou?
Momentos de silêncio enquanto eu conferia os arredores da Evoque.
- Não sei... Pega? Pega para mim, , por favor. Eu deixei na cama da Alaina ou perto - a última frase dela deve ter sido isso, porque foi preciso pensar muito para entender o que ela queria dizer.
- Prometa que não vai sair daqui - me vi falando enquanto já passava o cinto nela. Tranquei as portas e corri para dentro.

Quando voltei com seu celular e a bolsa que eu achava que ela tinha ido para a festa, porque era a única jogada naquele quarto e que cabia um casaco dentro, lembrei que deveria ter pensado um pouco melhor e vasculhado aquele quarto. Devia ter procurado em todo canto, porque aquilo tinha que estar em algum lugar. Notei que estava desacordada, então o caminho até minha casa seria silencioso.
Minha casa porque eu não a deixaria na casa dos nesse estado. Contudo, me enganei, se por instância pensei que a noite terminaria cedo.

Tive que carregar escadas acima se não quisesse deixá-la no carro, mas não foi novidade, visto que eu já a tinha carregado algumas vezes na mesma noite e meu corpo estava se acostumando ao contato com o dela. Aproveitei que ela não tinha acordado e deixei para acordá-la no meu quarto. Abri a porta com algum esforço e entrei, mas foi impossível impedir a porta de bater. De qualquer jeito, ao menos meus pais não acordaram. Pensei em colocá-la no quarto livre, mas não pareceu uma boa ideia.
Coloquei-a na minha cama, do lado oposto ao que costumo deitar, pois se mudasse de ideia, poderia deixá-la ali e dormir, sem problemas. Não percebi se ela estava tremendo ou não, mas puxei o edredom por cima do seu corpo, antes de resolver descer as escadas.
Enquanto eu descia até a cozinha, procurava razões para acreditar que estava finalmente na minha cama e só não as encontrei porque, quando subi com um copo de água e um pouco de açúcar, ainda foi um choque vê-la ali.
Sentei ao lado dela, passei o braço debaixo do seu pescoço e o ergui um pouco.
- ... - chamei baixo. - ... - continuei chamando e a mexendo até que acordasse.
Me respondeu num murmúrio.
- Toma, eu trouxe isso para você - e outro murmúrio interrogativo. - É água. Trouxe para você.
- ? - finalmente, algo inteligível.
- Isso, sou eu. Abre os olhos, olha para mim - insisti. - E toma a água.
Acho que só quando se esforçou para abrir os olhos, que ela caiu na real. Ou ainda não.
- Ah, você trouxe água para mim, ? - e sorriu. - Nossa, você é realmente muito perfeito. Muito obrigada, você é mesmo tudo que eu sempre quis.
E se ergueu nos cotovelos sem muita força e me abraçou de lado. Tentei ignorar que ela ainda estava sob efeito das bebidas de Alaina e a fiz tomar água.
- Só mais um pouco - pedi. Ela negou com a cabeça. - Só mais um pouco, você está indo bem.
me empurrou devagar e pelos gestos, entendi que ela precisava vomitar, mas graças a Deus isso não aconteceu. Apenas tossiu, mas eu estava por perto para garantir que ela não engasgasse sério. Ela tentou levantar, meio desajeitada, aí caiu de novo na cama, sentada. Se esticou para tirar as sandálias de salto e estava indo na direção da porta do quarto. Abriu, olhou e fechou, ainda com cara de interrogação. Olhou em volta e achou a porta do banheiro e foi para lá.
Claro que a segui.
- Não entra, vou usar o banheiro - ela disse, parecendo até brava com a minha intromissão.
- Ahm... Certo - ergui as mãos na altura dos ombros. - Me avisa quando terminar, então. Vou esperar aqui fora - lógico, babaca, onde mais?
Pouco tempo depois, ela deu umas batidinhas na porta e eu a abri, mesmo que não precisasse dessa cerimônia toda. Dava para perceber que ela tinha tentado lavar o rosto, mas sem muito sucesso, pois seus olhos estavam com borrados em preto, que eu achei que só podiam ser da maquiagem.
Me senti na obrigação de cuidar dela como ela merecia.
- Vem cá, , termina de lavar o rosto. Seca direito.
Ela me seguiu sem pestanejar e eu não consegui evitar segurá-la pela cintura, enquanto se inclinava. Acho que lavar o rosto foi a melhor coisa que ela fez, porque até conseguia andar da porta à pia sozinha, mesmo que não fosse muito longe, sem ajuda. Lavou o rosto mais uma vez e eu a entreguei a toalha.
Depois de seco, ela virou de costas para mim e veio com essa:
- Abaixa o zíper do vestido para mim?
Parei de reagir e cheguei a quase rir da cara dela. Talvez a embriaguez tivesse passado e ela estivesse me testando. Já era um grande ato de bondade eu deixar essa garota dormir na minha cama - não por ela ser insuportável, mas por exigir muito autocontrole de mim - aí ela pede para eu tirar o vestido dela? Porra, eu sou homem.
O que tornava tudo ainda mais difícil.
Pensando que talvez aquilo fosse parte de um sonho e que eu devia aproveitar a chance que o destino estava me dando, no segundo seguinte ao que ela estava de costas para mim, eu já abaixava o zíper do seu vestido ao que estava com a boca colada no seu pescoço.
Ela soltou um suspiro baixo no mesmo instante em que o vestido caiu da sua cintura. No entanto, nem se moveu para tirar os pés dele. Não que eu me importasse, já que agora eu puxava seu corpo contra mim e subia lentamente minha mão, da sua barriga direto para o seu seio. E foi o momento em que ela me parou abruptamente, se virou para mim, chutando o vestido para trás. Ela usava um sutiã sem alças e cheio de detalhes, mas mal pude reparar em sua calcinha, porque ela trouxe o rosto na minha direção e me beijou com força. Senti um arrepio percorrer minha espinha e uma vontade incontrolável de puxá-la para mim. De tê-la tão próximo quanto fosse possível. Passei uma mão na sua cintura, descendo à linha da calcinha e outra na altura das omoplatas, erguendo sem pressa para o pescoço, usando o antebraço para pressionar suas costas contra mim. Em resposta, ela intensificou o beijo e levou a mão às minhas costas, arranhando de baixo para cima, de um jeito tão diferente que, se não posso dizer que me excitou para caralho, era bom demais e de volta, eu apertei sua coxa com vontade.
Desci os beijos ao seu pescoço enquanto ela soltava gemidos baixos, puxando os cabelos da minha nuca e dando mordidas no lóbulo da minha orelha. Eu deixei o ar escapar sofregamente perto da orelha dela enquanto a empurrava na direção da parede. Passei as mãos na parte de trás das suas coxas e a ergui, prensando-a em seguida contra a parede. Por mim, eu faria ali mesmo, no banheiro, mas ela - provavelmente num lampejo de sanidade - me pediu quase sem voz que fôssemos para a cama.
Sentindo que ela tinha laçado as pernas ao redor da minha cintura, me afastei da parede e voltei para o quarto, deitando-a na cama com pressa. Eu não tinha feito aquilo muitas vezes - conhecia quem tivesse feito mais - e normalmente era rápido demais porque eu mesmo não suportava as meninas que eu escolhia, mas com ela, de alguma forma, eu queria que durasse. E por um segundo, eu achei péssimo que ela tivesse ficado bêbada antes. E, no segundo seguinte, isso me atingiu em cheio. Enquanto eu pensava - mas tentava fingir não ponderar - entre avançar ou não, continuava a beijá-la o pescoço e descia os beijos para seu colo, perto do sutiã, então perto da sua cintura e até para os quadris, que foi quando ela levou as mãos até meu rosto e me afastou.
- Chega, para - disse entre dois suspiros, ainda me empurrando decidida. Eu respirava confuso, tentando me situar de onde tinha errado. Ela se arrastou até a ponta da cama, sentando-se com as pernas de lado. Deu uma olhada para mim, virando apenas o rosto na minha direção e depois se levantou, bem menos cambaleante do que na primeira vez. Seus passos foram firmes e sem pressa até o banheiro, confiantes como se ela estivesse vestindo algo mais do que calcinha e sutiã e ela fechou a porta assim que adentrou-o. Alguns segundos depois, eu ouvi o chuveiro ser ligado e a nuvem de excitação e confusão da minha cabeça começou a se desfazer pouco a pouco com a pequena decepção.
E embora pareça obsessivo o que eu vou dizer, tudo o que aconteceu e também o que não aconteceu ficou passando e repassando na minha mente, de várias formas diferentes.

E então, enquanto eu folheava uma revista, eu a tinha atrás de mim, chamando meu nome.
Mesmo assim, recomposta, eu a via como a menina frágil da noite anterior. Não a garota independente que me deixou na cama e foi tomar banho, mas a menina que precisava de mim, na casa da Alaina e que eu pude carregar no colo e proteger. Por coincidência, a mesma que, depois do banho, queria minha companhia.
Levantei quando percebi que ela tinha ficado estática na entrada da cozinha. Eu não sabia bem como abordar o tema que dormimos na mesma cama e não fizemos nada. Não era sonoro. E não sabia se devia explicar de cara como ela pegou minha roupa. Até porque eu nunca tinha dormido com uma menina sem fazer nada, então se isso não fosse pioneirismo, seria uma vergonha para mim.
Será que ela se lembra de alguma coisa?, a dúvida surgiu quando vi seu olhar impreciso sobre mim e reparei seu pé casualmente pousado atrás do eixo do corpo, como se nem tivesse terminado de dar a última passada.
A boca dela estava um pouco escancarada, como que aberta para falar, mas as palavras tivessem sido esquecidas no caminho para a boca.
Achei que fosse melhor eu ficar quieto, então esperei perto da cadeira, que ela falasse.
- O... O q-que aconteceu? - fez uma pausa e adicionou. - Ontem? - mais uma pausa. - E... Nós dois...?
Eu entendi a pergunta, então tentei deixar as coisas menos desconfortáveis para ela e respondi logo. Desconfortável na base do possível, porque meus pais levantariam impreterivelmente às nove, isso dava a ela ainda uma hora para tomar café ou mesmo ficar no meu quarto. Não que eu soubesse o que ela pensava disso.
- O que você acha que aconteceu?
Não resisti, fiz um teste com um sorriso sacana. Eu precisava ver a cara dela, em choque. Logo o olhar dela voltou para mim preocupado e constrangido ao mesmo tempo. Entendi que ela não se lembrava de muita coisa. Ou talvez de nada.
- ? , como você... Nossa... ...
Senti o estômago revirar por ter que explicar a verdade. E por ela pensar que eu faria ou deixaria alguma coisa acontecer com ela. Eu realmente devia estar com uma péssima imagem.
- Não fizemos nada, não precisa ficar preocupada.
- Mas... - apontou pras roupas que usava. - E como você explica isso? O que eu fiz?
A roupa aíra perfeitamente no seu corpo e eu sentia vontade de tirá-la de novo, como fiz com o vestido. A blusa era gigante a ponto de lhe parecer um vestido curto, mas também era curta o suficiente para o caso de ela se mexer demais. Eu teria dado um shorts à ela, se ela não tivesse recusado. De qualquer maneira, não é como se eu nunca tivesse visto nada parecido, então controlei meus olhos.
- É uma história um pouco mais longa - brinquei e, vendo que isso não a agradou em nada, enquanto dava um passo para a frente, simplifiquei: - Você quis tirar o vestido e tomar banho. Você esqueceu?
Ela levou a mão à boca e seu rosto foi rapidamente se tornando vermelho fogo.
- Tomamos banho juntos?
Não respondi. Me senti cruel naquela manhã. Ela deu alguns passos na minha direção e segurou meus ombros.
- , responde. Se foi nossa primeira vez juntos e eu não lembrar, eu nunca vou me perdoar - apertou as sobrancelhas. - E te esbofeteio também, por ter feito isso justo ontem! - aí ela fez uma cara tão piedosa, que eu me arrependi de ter brincado.
Me limitei a por a mão carinhosamente no seu rosto e dar-lhe um selinho.
- Não aconteceu nada, eu juro. Senta aqui comigo - indiquei a cadeira perto da que eu estava sentado, para que ao menos tomássemos café.
Depois de tudo explicado, ela começou a lembrar pequenas coisas, como quando ela voltou do banheiro e afastou minha mão das suas pernas e a segurou firmemente perto do peito, entre suas pequenas mãos, antes de dormir. Perto demais. E lembrou até do cara da casa da Alaina. Meu humor piorou nesse instante e o dela também, mas por motivos diferentes. Eu sentia ódio. E ela devia estar se sentindo constrangida, a julgar pelo seu olhar que fugia do meu. Estava óbvio que ela não queria que isso tivesse acontecido e, com tanto ogro na festa, eu não podia culpá-la muito. E o pouco que podia, nem podia tanto assim, afinal tudo não teria acontecido se não fosse por mim. Aliás, não falei sobre a bebida ser adulterada, porque já sabia do ódio que ela tinha pela Alaina. provavelmente não hesitaria em gastar seu réu primário na loira.
Tomamos café da manhã rápido e ela fez poucas perguntas, quieta na maior parte do tempo, respondendo quando eu lhe dirigia a palavra. Esforcei-me para não ser insuportável e perguntar a todo segundo o que se passava pela sua cabeça e acho que me saí bem porque, em vez de sair correndo, ela aceitou voltar ao meu quarto para se trocar.
- Eu ainda não acredito que fiquei de calcinha e sutiã - ela disse quando saiu do banheiro, com a roupa da noite anterior, pondo as mãos no rosto. Eu não sabia como mãos tão pequenas conseguiam cobrir seu rosto.
Sorri, tentando confortá-la.
- Tudo bem, eu dormi de cueca também.
E ela riu, se explicando em seguida:
- Como se eu lembrasse. Aí, não faz diferença, mesmo, .
Dei de ombros, rindo também e indo na direção dela. Nós nos beijamos por um bom tempo, mas depois ela teve que ir embora e o domingo continuou como deveria ter sido: um saco.

Eu disse que queria acabar com a vida da Alaina a qualquer custo e que não era à toa. Ainda tinha uma promessa a cumprir comigo mesmo. Também disse que escondo todos os sentimentos possíveis e não estava mentindo. E meus motivos, aliás, eram nobres. Eu precisava consertar um erro, um peso que arrastava os meus dias desde o primeiro colegial. Aliás, desde antes.
Fazia algum tempo que eu vinha me convencendo de já ter passado da hora de ser vingativo e inescrupuloso e também fazer o que eu deveria ter feito desde o início. Meu alvo já estava decidido. Sabia que chamar uma só pessoa de alvo chegava a ser errado. Eu não queria culpar a pessoa mais óbvia, a que tinha começado toda a bagunça. Porque a partir daqueles primeiros dias, minha vida virou do avesso. Mas por outro lado, foi só porque eu deixei. Nada mais justo que eu começasse a retomar a situação com os próprios punhos.
Mal cheguei à escola e fui direto à secretaria. Dei meu melhor sorriso para Beth H, a secretária e já perguntei:
- Olá, Beth, o que tem de novo para mim?
Ela me olhou com a expressão dividida entre surpresa e deboche. Claro que nunca teria nada para mim, mas eu queria saber o que acontecia de novo. Tinha ouvido . me contou, em uma de suas últimas tentativas de falar de Alaina, que ouviu as duas conversando algo que poderia significar um passo no plano de .
Beth abriu a boca para falar, mas fechou-a de novo e voltou a digitar no seu velho computador de secretária.
- Beth... - chamei, num tom mais manso, esperando que funcionasse.
Se inclinou na direção do balcão, na minha direção e respondeu em tom conspiratório:
- Certo, mas não fui eu quem disse. Parece que roubaram as provas desse bimestre. As câmeras foram desligadas de repente, então eles vieram conferir e parece que pegaram alguém.
Como planejado.
- Quem? - me certifiquei que minha voz saísse surpresa e baixa o suficiente para que só ela escutasse, quando me inclinei também na sua direção.
Mas ela não respondeu. Em vez disso, seus olhos se arregalaram e, por um segundo eu achei que ela sabia o que eu sabia, antes de desviar o olhar. À minha direita, Alaina apareceu.
Vestida com o meu casaco, andando como se fosse um troféu.
Endireitei as costas e me apoiei de lado no balcão, como se eu não fizesse ideia do estrago que ela estaria fazendo, aparecendo ali. Eu sabia - porque não sou burro - que Alaina acabaria, nessa obsessão por irritar , usando o casaco que eu mal pude usar no ano passado até que ela tomasse conta dele. Depois de algum tempo, eu o peguei de volta escondido, negando quando ela me perguntou, dizendo que ela devia ter perdido em casa.
Em um segundo, reparei que Beth já estava sentada de novo, mas encarava a direção de Alaina, a qual no momento a lançar seu olhar de ódio, fez a secretária abaixar a cabeça, como se não estivesse ali.
Alaina vinha falar comigo.
- Preciso falar com você.

- Melhor você falar logo, a aula vai começar daqui a pouco - falei para apressá-la.
Já estávamos atrás da quadra externa e ela nem para abrir a boca.
- Caramba, ela te mudou, mesmo. Você nem ligava para a aula - na verdade, eu não ligava era para mais nada, corrigi.
Alaina deu uma risada falsa, olhando para baixo. Fumaça saiu da sua boca quando ela riu.
- Você me chamou para falar da , de novo? - cortei-a, seco. - Se for, eu já fiquei cansado disso.
Ela abaixou a cabeça e eu achei que fosse ficar em silêncio. Já estava calculando a minha saída quando ela retomou:
- Ela não precisa se esforçar em nada! - finalmente, ela me olhou, como se esperasse uma resposta.
- Ela se esforça em muito - emendei mais do que rápido. - Eu vejo isso em cada uma das atitudes dela. Você fez o que pôde para adiar isso, mas você sabia desde que começou, que não iríamos longe. Nós não fomos feitos um para o outro, não é novidade.
- Mas eu me esforcei muito com você, também - ela continuou dizendo, se aproximando de mim. Recuei um passo e olhei por cima do seu ombro. Dava para ver o pátio, e ele começava a esvaziar. Eu me perguntava onde a estaria. - Eu sou boa o bastante para você.
- Eu sinto muito, Alaina, desde o início, foi ela - cortei, não realmente sentindo muito, esperando que isso terminasse o assunto. - Mas você já sabia disso. E se aproveitou.
- Desde o início, tinha que ser eu, ! - rebateu, quase suplicante. Nunca vi Alaina assim, com a guarda tão baixa. E por isso mesmo me mantive o mais alerta possível.
- Alaina, nunca foi você - olhando-a a fundo nos olhos, eu segurei seus pulsos, tirando-os dos meus ombros. - Nem nunca vai ser. Você devia parar de tentar incomodar a - ao mesmo tempo em que soltei seus pulsos, desviei o olhar do seu e troquei a mochila de ombro. - Eu tenho que ir para a aula. A gente se vê.
- Mas... - quando percebeu que eu passei por ela para ir à aula, sua voz se elevou e de tímida e chateada, tornou-se amarga e irritadiça. - , não me dê as costas! Eu ainda tenho aquilo contra você!
Parei de andar por um segundo, tendo certeza que um sorriso se formou no rosto dela. Ameaça era o único jeito de ela conseguir o que queria. Mas eu não deixaria mais. Ela podia ter aproveitado da fraqueza de um cara tímido, com medo do passado e do futuro e sem confiança nos próprios atos. Mas ela não conhecia esse novo cara com quem falava.
Eu sabia que, se quisesse me defender dessa vez, deveria agir diferente. Precisava agir rápido e com confiança, mostrar que as coisas tinham mudado. Que eu mudei.
Me virei para ela, que, claro, tinha o sorriso que eu já imaginava.
- Eu cresci, Alaina - exagerei na confiança. - Cresce, também. Eu não vou perder a , de novo, por sua causa - seu sorriso, como previsto, murchou assim que eu terminei de falar.
Eu sabia o que ela poderia fazer contra mim, mas estava disposto a sofrer as consequências dos meus atos. Pela .
Eu estava disposto a fazer tudo como devia ter feito há muito tempo.

Capítulo 27
- Não sei, para mim ela está parecendo um burrito - concluí, encerrando a discussão. Eu e estávamos na sala B, elaempoleirada na sua carteira e eu na mesa, observando enquanto Georgina desfilava com sua versão tubinho do conjunto escolar. Quer dizer, a escola requeria blazers, sem exceção, mas ela tirou-o e exibia um suéter duas vezes menor que o seu tamanho, uma gravata - não sei como - encurtada e a social por baixo era quase inexistente, visto que nem marcava o suéter. A saia estava, com certeza, um palmo acima do joelho, no mínimo. Parecia embalada à vácuo.
Se ela pretendesse cursar algum curso a ver com moda, talvez se desse bem, porque o conjunto parecia um tubinho moderno. Novamente, nem era possível ver as dobrinhas da social por baixo do suéter!
Quer dizer, a minha social sempre ficava toda amassada por baixo do meu suéter, razão pela qual eu raramente o tirava. Quando usava o blazer, as coisas pareciam melhores, mas nada excepcional. Acabava parecendo que eu dormira com o uniforme e viera direto à escola da mesma forma.
- Eu acho que é proibido levar as roupas num alfaiate - disse em tom conspiratório.
- Não seja boba, claro que não é - retifiquei rapidamente, não contendo um riso baixo em seguida. - Mas devia ter gasto dinheiro com esteticista em vez disso, não?
soltou um riso agudo que fez senão todo, pelo menos metade do alarido da sala se calar e muitas cabeças lançarem olhares a nós.
Abaixamos a cabeça, controlando o riso ao mesmo tempo em que o sinal tocou.
Nos encaramos com as sobrancelhas erguidas, sem acreditar que o tempo tivesse passado tão rápido. Aceitei meu destino, resignada.
- Droga. Eu volto depois.

Tínhamos um trabalho extra para entregar de História, mas como minha sorte estava em alta - e eu ainda não sabia se isso era irônico ou não - meu grupo seria o último a se apresentar. O penúltimo estava terminando a sua apresentação e eu já agitava a perna, naquela recém-adquirida e ridícula mania, louca para apresentar logo e poder relaxar. Mas percebi que parei na hora que a porta se abriu e a cabeça de Beth se pôs para dentro.
- Com licença, professor, você pode me emprestar a ?
- , eu? - falei, antes de sequer pensar que eu não precisava parecer tão desesperada. Nem imaginei a expressão de vergonha que estaria fazendo, junto com .
Até porque, só tinha eu de na sala.
- É - Beth fez um sinal para eu ir. Não me levantei até que o Sr. Davery, lento como uma lesma, respondesse.
No fundo, eu esperava que ele discordasse.
- Claro, claro - e fez um gesto com a mão para que eu fosse logo.
Apertei os lábios, lançando um olhar rápido para , mas ele estava ainda mais perdido do que eu.
- Mas... E o meu trabalho? - comecei a ficar aflita.
Sr. Southall significava problema.
- Quem é o seu grupo? - o Sr. Davery perguntou, depois de alguns segundos, erguendo os olhos do seu bloco de anotações. Ele parecia uma cópia barata de Freud.
Apontei e , agora com o olhar alarmado, apesar da visível tentativa de manter a expressão vazia. Seus dedos tamborilavam discretamente a mesa.
- Com eles. Mas eu tenho uma parte para falar.
não entendia o porquê de tanta afobação, mas por outro lado não parecia feliz de pegar mais partes para falar na frente da sala toda.
- Deixe que eles falem por você - inclinou o rosto na direção de Beth, erguendo a sobrancelha e ainda me avaliando. - Está liberada.
Sabendo que já tinha enrolado tudo o que podia, lancei um último olhar, dessa vez a , que mordia o lábio, tenso. A expressão da secretária ficava cada vez mais impaciente. Eu a segui até a porta e de lá até a sala do Sr. Southall.
- Você tem alguma ideia de por que está aqui? - ela perguntou, sua voz indicando não ter interesse algum na informação, mas eu sabia por experiência que estava em alguma encrenca. Grande. Portanto era lógico que aquela conversa não era casual.
- Não.
Não fiz esforço para fazê-la acreditar em mim. Continuamos andando, até chegar ao corredor que eu mais vinha frequentando naquela escola.
- Você fica aqui fora. Vou avisar ao diretor que você está aguardando.
Concordei com um aceno de cabeça e me encostei na parede, me levantando em seguida. Não conseguia ficar parada. Alguma coisa estava errada. Passei e repassei tudo o que tinha feito de errado nas últimas semanas.
Já entrando em pânico, meu coração começou a pulsar mais rápido e eu sentia o sangue bater com força nas têmporas, na garganta, nos pulsos, na ponta dos dedos, basicamente no corpo todo. Estiquei a mão, como se precisasse de garantia para saber que estava tremendo.
Quando a secretária voltou da sala do diretor, eu senti que ia desmaiar.
- Pode entrar, Senhorita . Senhorita ? - ela precisou dizer duas vezes. Devia estar me achando uma autista.
Forcei-me a adentrar a sala o mais rápido possível. O resultado verdadeiro foi que eu me arrastei, com uma expressão que poderia ser interpretada como tortura, até a porta entreaberta. Só dava para ver a mesa de mogno do diretor pela fresta e, antes de empurrar a porta, não consegui ouvir barulho algum. Nenhuma prévia do que viria a seguir. Minha mão alcançou a maçaneta tremendo visivelmente e eu me forcei mais uma vez a parecer forte, concentrando todas as minhas energias - que eu não tinha - para parecer inabalável, confiante e inocente. Principalmente inocente.
Não foi exatamente em sobressalto que encontrei Alaina Cooper ali. Pelo que era comentado no colégio, ela tinha virado sócia da mesa do diretor. A visão que eu tinha era a prova disso.
Notei que o casaco que deixei na casa dela, sábado, repousava no seu colo. Todo embolado. Reconheci pela cor, sabendo que só poderia ser ele.
Só que algo estava terrivelmente errado. Não era para eu estar nesse cenário.
- Sente-se - a voz do diretor soou rígida como rocha e eu me senti intimidada, mas me esforcei para não transparecer.
Sentei, sem opção.
- Sr. Southall - comecei a observar a mesa do diretor e tentar me distrair, observando o cômodo. Não havia chance de o diretor achar que eu estava em estado de choque, dessa vez, mas ele também não poderia me agredir verbalmente caso eu bancasse a autista até o último segundo.
Na mesa dele, além das coisas para mim inúteis, havia uma placa de prata, escrita em alto relevo, em duas linhas. A primeira dizia, em letras maiores 'Coragem' e em letra inclinada, em seguida 'Coraticum'. Na linha de baixo, vinha em letras menores, em caixa baixa, 'agir com o coração'.
Não sabia exatamente o valor que isso deveria ter para quem estivesse na frente daquele diretor velho e de aparência cansada. Não pude gastar muito tempo pensando sobre isso porque o diretor iscou minha atenção de volta, pigarreando.
- Temos uma acusação contra você, - nem minha mãe me chamava por nome e sobrenome. Imaginei o que pudesse ser, preparando o psicológico. - Tivemos uns problemas com as câmeras de segurança... - ele mesmo se interrompeu e olhou para Alaina. - Pensei que já lhe tivesse dito poder sair.
Ela murmurou umas desculpas baixinho, embolou o casaco nas mãos e saiu, fechando a porta atrás de si com cuidado.
- Como eu dizia, temos aqui uma acusação contra você, senhorita - preferi ficar quieta e deixá-lo falando. Quanto mais eu falar, mais eu vou me ferrar, mesmo. - As câmeras de segurança detectaram alguém copiando as provas da semana passada na xerocadora da sala dos professores. Nós queremos descobrir quem fez isso.
Quase perguntei por que demoraram tanto tempo para irem atrás disso.
- Estou sendo contratada? - fiz esforço para que minha voz saísse debochada, não temerosa. - Então, você acha que fui eu? É por isso que eu estou aqui?
Sabendo que era uma acusação grave, ele mantinha a postura calma.
- Eu não sei quem foi, é por isso que você está aqui.
- Você vai interrogar aluno por aluno, então? Eu não me sinto confortável com isso - apoiei as mãos na mesa, do mesmo modo que tinha visto uma garota fazer em um seriado. - Você não pode fazer isso, baseado em absolutamente... - nada veio na minha cabeça, então, foi o que eu disse. - Em nada!
- Entendo seu ponto e que se sinta ofendida, mas se eu estivesse interrogando todos os alunos, acredite, você não seria a primeira deles, - suas íris estavam sérias por trás dos óculos, agora abaixados. - Eu tive que chamar você aqui porque Alaina apontou você como a causa do problema.
- QUÊ? - não consegui segurar esse berro. - Não é você que vive dizendo que acusações são graves?
- E são, . E são - ele me cortou. Recostei de volta na cadeira, tentando manter a calma. - O casaco que ela está usando é o que está nas gravações. Por isso a chamei aqui.
Mordi a língua, me obrigando a ficar um momento em silêncio em respeito à minha capacidade de estar a um passo de ser expulsa. E nem estava no meio do ano ainda. Ele finalmente tirou os óculos e o apoiou na mesa, esfregando o rosto e a calvície, preocupado.
- Eu não sei como lidar com isso, , é algo além do que eu fui contratado. Eu dirijo essa escola, dou ordem aos coordenadores, passo uma imagem séria, mas... - tomou um ar para respirar, porque agora quem parecia exasperado e indignado era ele. - Eu não leio mentes, . Responda, você teve alguma participação nisso?
Quase confirmei que sim, quase me dispus a contar toda a verdade, mas o impulso que me deixou com dó dele e sua baixa guarda, também me segurou, porque podia ser uma armadilha. E eu não gostaria de ser expulsa ou ir presa.
- Não! Eu nunca faria isso. E eu tenho meus álibis - fiz-me o mais indignada possível. - Minhas notas são merecidas!
Me dei conta de que estava com o corpo inclinado na direção da sua mesa, em pose incisiva. Não recolhi as costas dessa vez. Ele estava inclinado do outro lado, na minha direção, a sua calvície já brilhando com uma fina camada de suor. Tentei me concentrar nos olhos azul-claros dele, nas suas pálpebras com tique, que dava uma quase piscada a mais, a cada par de piscadas. Reparei até nos cílios, um ou outro branco, decidida a não falar mais do que o necessário e não deixá-lo ler minha alma.
- , eu não tenho muito tempo para lidar com você! Alaina foi vista nas gravações usando o mesmo casaco que usa hoje. Eu duvido muito que, se ela tivesse usado esse casaco para roubar as provas - justo -, ela o usaria hoje e viria até a secretaria, para ser vista pelos funcionários.
Eu é que não acreditava como ela decidia usar aquele casaco depois de tanto tempo. Ela realmente achou que o tinha finalmente encontrado no closet?
- Espera... - recapitulei. - Você quer que eu assuma algo que eu não fiz só porque acha que ela seria burra demais se fizesse isso?
- Eu quero que você assuma os seus erros, !
Arfei.
- Não fui eu! - eu não podia parar de repetir isso. Senão eu mesma não conseguiria mais mentir.
E mais alguns segundos ele ficou em silêncio, raciocinando sobre a minha persistência. Pareceu tempo de menos para que eu me acalmasse e de mais para que o pesadelo acabasse.
- Eu não sei mais o que fazer com você e a Alaina, - recostou-se na poltrona ao que voltava a colocar os óculos, o semblante derrotado. - Eu e todo o corpo docente já entendemos que vocês tem algum problema, e olha o que eu fiz por vocês! Coloquei-as em salas mais distantes ainda - isso explica ela ter ido parar na sala C -, mas eu não posso pedir em troca apenas para vocês resolverem seus problemas fora dessa escola? Do portão para fora? - ele fez um gesto com as duas mãos, de forma a ilustrar o que dizia. Sua voz parecia demonstrar sua guarda baixa, mais uma vez. - Eu não sei mais o que fazer com vocês, sempre que aparece você por aqui, é algo com a Alaina. Sempre que ela aparece aqui, ela passa a bola para você. E vocês duas sempre estão nos mesmos problemas... Vocês duas sempre são o problema!
Ergui o olhar, que agora repousava em minhas próprias mãos, cutucando minhas próprias cutículas. O olhar dele era contundente.
- Por que, ?
Eu me fazia a mesma pergunta todos os dias.
Dei de ombros, decidindo que o melhor era calar a boca para evitar denotar minha culpa no cartório. O Sr. Southall suspirou, claramente abatido. Imaginei se ele poderia ser um pai de família, bondoso e amigável quando em casa. Mas ele atrapalhou minha reflexão e apertou um botão no seu telefone de mesa, que soltou um bipe alto, antes que ele falasse: Beth, quero Alaina aqui novamente.
Ninguém respondeu e eu senti a curiosidade me vencendo:
- O que você vai fazer?
Ele começou a anotar algumas coisas e não expressou emoção.
- Suspensão para vocês duas.
- Você não pode fazer isso, é injusto! Eu não fiz nada e você nem pode confirmar que eu fiz. Muito menos porque ela me colocou no meio! - até parece que eu defendo a Alaina, assim.
- Aí que você se engana. Eu posso. Posso fazer o que eu quiser e vou fazer o que quero. Essa é a única saída para que vocês duas parem de se meter em encrencas.
Como se tivesse resolvido dar suspensão para Alaina algumas semanas antes.
- A sua obrigação nessa escola é por a ordem e servir de exemplo, não fazer o que você quer! - alfinetei, sabendo que tocar no ponto da tirania poderia fazê-lo voltar atrás.
- Eu nunca disse que tínhamos uma democracia aqui - ele finalizou, mostrando que eu estava errada. Ele pouco se importava com o que os outros pensariam. Ele provavelmente não tinha família alguma e o anel em seu dedo poderia ser a recordação de uma família que ele decapitou e jogou na lareira, no inverno passado.
Eu já estava zonza quando Alaina chegou à sala. Era quase possível ver seu rabo entre as pernas.

O diretor passou mais algum tempo tentando tirar alguma informação de nós, mas eu me mantive irredutível. Alaina parecia suspeita, mas não soltava nenhuma informação, alegando saber menos do que eu mesma acreditava.
Eu queria dizer que a Alaina me odiava porque eu finalmente tinha conseguido o cara que eu sempre quis e por isso estava com ódio, querendo ferrar com a minha vida, mas isso ia contra o que eu disse há algum tempo ao diretor, quando menti que eu e o Tyler namorávamos e que eu não dava a mínima bola para , que sempre me quis. O que aliás ele se recusou a acreditar de primeira. Ele não perdoaria uma segunda mentira.
Quando cansou de tentar entender aquela bagunça, enfiou um acordo de paz entre nós que, no fim das contas, só visaria paz a ele mesmo. Sr. Southall daria uma espécie de trabalho complementar para nós duas fazermos juntas no final do ano, mas Alaina agiu a tempo e ele concordou, contrariado. Fiquei lá, devastada na minha cadeira, enquanto o diretor discutia com Alaina sobre um castigo bom o bastante, porque - claro - suspensão não era o suficiente para ele.
Pensei no tanto de vezes que meus pais me matariam e ressuscitariam só para ter o prazer de me torturar até a morte mais uma vez, ao saberem do caso.
- Talvez nós devêssemos esquecer isso - sugeri. - É só Alaina ficar longe de mim.
Mencionei isso porque era o termo do intitulado acordo de paz.
- Talvez - ele imitou meu tom de voz e eu já não gostei disso -, você queira esquecer para se livrar da culpa.
Cruzei os braços, ofendida com seu rancor em resposta à minha petulância.

O saldo do dia foi um pseudo acordo de paz que só garantia que eu não enfiasse a mão na cara de Alaina durante o horário escolar e uma suspensão de três dias que pouco provavelmente não mancharia meu currículo. E isso porque ele não conseguia achar o verdadeiro culpado (que na verdade era , se olharmos por outro ângulo).
A parte boa veio quando estávamos saindo da sala - eu de cabeça baixa, minha moral se arrastando no chão encerado - e Alaina abriu a boca:
- Sabe, diretor, já que o senhor está tão bonzinho e eu estava mesmo querendo falar com o senhor... - como é meio que parte da obrigação dele nos ouvir, ele balançou a cabeça para que ela falasse. - Ah, então. É que eu tenho estudado muito, sabe? E eu queria mudar de sala. Eu não aguento a bagunça que é a C, minhas notas foram boas demais. Mereço a sala A ou a B, que pelo menos tem mais ordem e pessoas empenhadas no estudo, como eu.
Parei com a mão na maçaneta e senti os nervos começarem a ceder. Eu desmaiaria. Eu morreria. Estava tremendo. Eu estava completamente ciente de só não ter tomado expulsão por falta de provas de quem fez essa burrada! E por isso mesmo eu estava abusando do meu direito de ficar quieta, deixando a poeira baixar porque eu sabia ter o rabo preso. Mas ela estava se prendendo mais ainda a cada segundo. Usava o casaco que usamos para incriminá-la e ainda--
- Alaina, como amigo, espero que você vá muito mal nas provas - ele tirou os óculos, para limpá-los na social. - Pois como diretor, se você for muito bem, já que você nunca vai, acreditarei que você foi criativa o suficiente para roubar as provas, vir com o mesmo casaco aqui e achar que pode incriminar alguma colega pelo que você fez - e aí ele olhou para mim e eu gelei.
Abri a porta antes que ele nos desse uma nova permissão para sair e dei de cara com Beth, a secretária curiosa. Sem querer, bati o rosto na sua tentativa fracassada de decote antes que eu pudesse perceber, mas a empurrei em seguida por reflexo, saindo correndo dali.
Consegui ouvir um segundo antes de correr o diretor dizendo que ainda ia descobrir o que essas duas - eu e Alaina - tinham. Eu esperava que não.

Parei para respirar direito quando cheguei ao pátio, com meus pulmões queimando pela corrida desesperada e inesperada. O intervalo já havia começado e eu nem tinha escutado o alarme.
Sob olhares de curiosos da minha turma e da turma C, que desde que meus problemas com Alaina começaram, passaram a me observar melhor, cheguei até as meninas e lhes contei tudo o que aconteceu na sala do diretor.
e não sabiam disso, e a cada vez parecia mais seguro assim. Quanto menos pessoas soubessem, melhor.
me olhava com olhar de piedade.
também.
estava o pior.
Era meio que culpa de todos eles eu ter sido o alvo da culpa. E talvez mais ainda do , por ter namorado aquela ridícula e ter me feito ficar com raiva dela por tanto tempo que, quando fui demonstrar o que eu sentia por ela, só tinha ódio e desprezo.
Talvez agora eu devesse contratar alguém para fazer uma montagem dela em um corpo nu, aliás, distribuir panfletos com a tal foto e... Ok, não. Eu precisava de ar.
- , você está bem? - estava preocupada.
- Não, imagine, estou ótima - a grosseria saiu sem querer e todos da roda ficaram em silêncio. - , me desculpa, é só muita coisa para uma pessoa só lidar.
Com isso, aproveitei para deixá-los com suas especulações e ir até minha sala. Para minha carteira. Esqueci-me de contar sobre o acordo de paz e suas restrições, mas achei melhor contar só para , quando estivéssemos sozinhas. Já era humilhante o suficiente receber punição por algo que eu nem sequer planejei.
Entrando na sala A, me arrastei até minha cadeira e escorreguei em meu assento, apoiando o rosto nos antebraços.
- Ei... - ouvi uma voz fraquinha à minha frente, quase um sussurro. Ergui a cabeça para dar de cara com , que agora alisava meu braço, como que para me acalmar.
Controlei o ímpeto de esbofeteá-la.
- Oi - murmurei de volta, sem ânimo. era a que mais me via assim. Sem máscaras, sem aquele esforço para parecer pelo menos oitenta por cento o tempo todo. E isso era bom na maior parte do tempo, exceto quando era com ela que eu estava puta e não conseguiria disfarçar.
Bom, eu tinha que ficar com raiva de alguém. Eu não podia ficar a vida inteira com raiva de mim mesma.
De canto de olho, vi que o Tyler passou na porta e até me lançou um olhar, mas quando a olhou para trás a fim de ver o que me entretinha tanto, ele deve ter desistido de falar comigo. Acho que ele já sabia a essa altura sobre o que tinha acontecido. Alaina sempre dava um jeito de contar tudo para todo mundo. O importante era ser a estrela.
- Eu estou me sentindo meio culpada... - declarou baixo, claro, não queria que ninguém escutasse. Não queria a suspensão que talvez, só talvez, devesse ser dela. - Desculpa?
Olhei na direção dela, pensando se deveria mesmo responder.
- Uhum - foi mais um murmúrio que algo falado. O som ficou meio gutural, então eu tossi e disse. - Tudo bem.
- Não, sério, desculpa mesmo. Eu jurava que... - e falou mais baixo ainda, quase que eu não ouço. - Eu jurava que o plano daria certo. Em todas as partes.
- Oh, bem, pena que não deu, não? - torci a boca, realmente infeliz.
Eu não sei exatamente o motivo de eu estar sendo tão ignorante, imaginei que fosse o orgulho ferido.
Em resposta, ela torceu o nariz, fazendo uma cara de fuinha preocupada. Esperei que não fosse com ela mesma.
- Eu não vou dormir a noite se você não me perdoar.
Quase ri.
- Vai sim.

tinha conseguido me distrair até meu humor melhorar e nós gastamos a aula de literatura - já que a Srta. Sheady liberou para adiantarmos o trabalho dela -, no pátio próximo à quadra coberta. Já tínhamos chegado perto de concluir, então comecei a brincar de destruir uma folhas, desfiando-as com muita habilidade. Cumprindo bem o papel feminino de fazermos mais de uma tarefa ao mesmo tempo, estávamos conversando sobre o quão babacas as pessoas podiam ser. O que, basicamente, era fofocar.
Finalizando as últimas linhas, começou a fazer o dever para a próxima aula.
- Hm... Vai, verdadeiro ou falso... - começou a ler no livro. - A amplitude da oscilação vale 1,0s...
- Não sei, nem começa.
Ergui uma sobrancelha, desconfiada.
- Vai, verdadeira ou falsa? - insistiu.
Joguei o resto de folha de lado, achando melhor escolher alguma alternativa.
- Falsa, mas não me culpe se estiver errado - mal falei e ela foi anotar. Não sei se foi colocar o oposto do que eu disse, mas eu tive que esticar o pescoço para conferir. - Prefere abrir o gabarito a acreditar em mim?
- E...xata. Que sorte, hein? - comentou, rindo.
- Com cinquenta por cento de chance, é fácil - ouvi uma voz conhecida masculina atrás de nós duas ao mesmo tempo em que notei uma sombra a mais.
- Tyler, está fazendo o que aqui? - o sol me cegou quando eu tentei olhar para ele, então eu voltei a olhar . Isso não o ofendeu e ele veio sentar conosco, ao meu lado, formando uma meia lua.
Ele estava com as mãos cheias de cartolinas enroladas, então supus que estivesse fazendo um favor para algum professor. Mas aí ele apontou as cartolinas e minha suposição se mostrou real.
- É, trabalho... - e olhou para a frente, como se tivéssemos um horizonte além da quadra para admirar. - Fiquei sabendo sobre a Alaina.
- Ah, quem não ficou sabendo?
- Foi você, mesmo? - tentei não me ofender com a pergunta.
- Lógico que não - suspirei. - Deve ter sido ela, mesmo. E deve ter vindo com o mesmo casaco só para dizer que não seria tão burra a esse ponto e, por fim, poder incriminar outra pessoa - me senti um pouco culpada, repetindo as mesmas palavras que o diretor proferiu mais cedo.
- Tem razão. Você não é esse tipo - ele sorriu.
Eu sorri de volta.
- Ela largou do seu pé, então?
Comecei a arrancar o esmalte da unha, a fim de gastar a ansiedade em algum lugar.
- É, parece que ela tem outras coisas para pensar agora - deu uma risada fraca enquanto terminava de falar. Depois olhou , apertou os lábios e voltou a falar, meio cúmplice, mais baixo. - Não é nada sério, mas você acha que a gente pode conversar?
- Claro - confesso que dei de ombros, me levantando. Ele ficou surpreso, provavelmente não esperando uma reação instantânea. - Ou agora ou daqui a três dias - me expliquei.
Como se possível, ele ficou mais surpreso ainda.
- Você também foi suspensa?
- Acabaram as surpresas, prometo.
Até porque não dá para piorar.
fingiu que não notou que nos levantamos e continuou fazendo a tarefa, fingindo nem existir. Continuando a sua atuação, eu chamei sua atenção e avisei que já voltava.
Mal começamos a andar, Tyler voltou a falar.
Ele se virou de frente para mim e andou na minha frente, de costas. E eu lá, olhando o chão por ele, porque ele estava perto de mim e eu não era bem sinônimo de amuleto. Ainda mais para quem anda de costas.
- Sabe o que é? Eu conheci uma garota - ele sorria, todo bobo. Dessa parte eu lembro, Tyler, pensei. Antes que ele continuasse a falar e andar de costas, o que resultaria mais cedo ou mais tarde nas suas costas impactando o chão, eu o interrompi, fiz parar e sentar no banco mais próximo, na sombra de uma árvore.
- Espera, eu quero saber dela, mas e a Alaina? Eu lembro que você estava todo ferrado, ela tinha algumas coisas contra você... Aí a gente se afastou e eu não fiquei sabendo o fim da história.
- Acho que ela tem coisas melhores para se preocupar, tipo você - começou a mexer nas cartolinas. - Eu, se fosse você, dormiria com um olho aberto.
- Ai, credo.
Resolvi prender o cabelo com uns grampos que lembrei ter deixado no bolso interno do blazer. Puxei uma mecha de cada lado e prendi atrás.
- É, ela é perigosa, mesmo. Nunca mais me meto com aquela menina - encarei-o de soslaio, ainda com os braços para cima.
- O que você fez de tão errado, Tyler?
Ele ficou em silêncio, pensando. Respirou fundo.
- Nem convém lembrar - decidiu. - Você lembra que ela se achava a jornalista e era stalker profissional aqui? Pelo menos lembra que eu disse? - concordei com a cabeça, finalmente abaixando os braços. - Então. O problema é que ela sabia demais de mim. Só isso. Mas são águas passadas.
O queria dizer que, quando fosse a hora, ele diria.
- Certo - girei o corpo na direção dele, sentando sobre uma perna dobrada e descansando a outra sobre ela. - Me conta sobre essa nova garota que eu te conto do - falei, empolgada com a nova perspectiva de amizade que tínhamos.
Tyler escancarou a boca e riu, verdadeiramente contente.
- Você tinha dito sem mais surpresas, .

Em casa, recebi uma mensagem de texto de , tentando amainar meus problemas.
"Meu aniversário está chegando! Vamos à praia de novo?"
O aniversário dela só chegaria nas férias que precediam o Natal, o que tornava a data um pouco mais complicada de comemorar, no sentido de festas. Tínhamos criado umas várias tradições desde que começamos nossa amizade e uma delas era que nossos aniversários deveriam ser sempre comemorados entre amigos e só amigos. O difícil era fazer todos os amigos não viajarem com a única finalidade de dar uma festa para . Outra tradição, só para dar um exemplo, era tomarmos café da manhã todo sábado juntas, mas claro que nesse ano isso foi impossível. Ou seja, era meio que importante manter pelo menos uma tradição, já que já tínhamos destruído a maioria.
Como eu comunicaria aos meus pais sobre a suspensão? E pior, quase inocente? O que eles fariam quando soubessem que a culpa, a ideia e a execução tiveram o dedo - e o corpo todo - da ? Será que me fariam afastar nossa amizade?
Descartei a possibilidade quando me lembrei que nem mesmo o irredutível e aparentemente sabe-tudo Southall tinha imaginado que poderia ter o nome de na história.
Da mesma forma, assim que desci as escadas na intenção de contar sobre o problema, tive que ouvir um sermão longuíssimo de meus pais sobre o quanto eu desonraria meu currículo escolar, se continuasse assim e sobre como eu até poderia desonrar o nome da família.
A melhor parte foi que eu não precisei falar. O lado negativo foi que o diretor disse para ela que eu era suspeita de invadir a sala dos professores, roubar provas e xerocá-las, esquecendo-se convenientemente de que tudo era baseado em desavenças anteriores com Alaina e uma acusação sem provas.

No jantar, acreditando que seria uma ótima oportunidade para dizer à como eu não poderia sair de casa nas férias do Natal, perguntei para minha mãe sobre o assunto.
- Em Lincolnshire? - ela deu uma olhada na direção do meu pai, que deu de ombros, se distraindo com a comida. - Claro, mas só se você começar a se comportar melhor.
- é uma ótima menina - papai adicionou.
Respirei fundo para não dar um grito quando Collin deu uma risada nasalada, como que para contestar a informação.
E eu achando que mamãe fosse falar um não bem bonito, que eu merecia um castigo, mas nããão, minha mãe tinha que tirar a bendita internet por uma semana, em vez disso, e me obrigar a fazer algumas tarefas de casa. pode, mas nada de stalkear o pela internet.

Nem meia hora depois, pude dar adeus à TV e ao computador, mas pelo menos ainda tinha o celular. No fim das contas minha mãe ainda gostava de mim. Mas talvez tudo isso fosse porque ela nem desconfiasse da existência do 3G.
O celular bipou de novo antes que eu pudesse fazer conexão.
", acho que você esqueceu minha última mensagem... Vamos? Hein??? Xxxxx"
Suspirei. Forcei-me a responder que sim. Forcei-me a ser simpática, também, afinal era minha melhor amiga com quem eu estava falando.

Foi na sexta-feira, nos primeiros dias de novembro, que as coisas finalmente pareceram um pouco melhores em casa. Fazia exatamente um mês que arriscamos nossas peles no plano, e minha mãe finalmente havia me deixado ir sozinha até a sorveteria e e eu havia reconquistado o direito de fazer ligações do telefone de casa - já que o meu quase sempre estava sem créditos, o que me obrigava a usá-lo -, além de usar a internet antes de dormir, por uma hora. Meu pai também decidiu ser legal e prometeu que logo me ensinaria a dirigir. Minha vida parecia mais um presídio, mas na real, ela era, mesmo. Então, eu até que estava feliz por ter conseguido essas pequenas regalias.
O assunto era que toda sexta de manhã o jornal semanal ficava em um mostruário para quem quisesse pegar. Eu normalmente não pegava porque ele fazia uma recapitulação dos principais momentos da semana, como se eles fossem realmente importantes...
Eu sempre me perguntava quem precisava ler aquela porcaria, mas naquele dia acabei pegando depois que ouvi todo mundo comentar sobre uma nova coluna. Uma coluna anônima, na terceira página.
Ui, coluna anônima. Como se alguma coisa naquela escola conseguisse ficar no anonimato.
Sentei no meu lugar de costume, deixei a bolsa no chão e abri o jornal do jeito que eu via meu pai fazer aos domingos de manhã, que era quando ele exclusivamente tinha tempo para tomar café com a família e aproveitava para ler o jornal e nos ignorar até que a comida da mesa acabasse ou que deixássemos ele lá. O que acontecesse primeiro.
Mas eu também não consegui imitá-lo e o jornal quase rasgou, já que eu tentei abri-lo com força demais. Fina demais, uma dama.
Fiquei um pouco desconfiada quando li a coluna. Era escrita da maneira que eu escrevia meu diário. Quer dizer, estava na cara que era um diário. A escrita era meio prosa, o que levava a crer que quem escreveu estava muito confortável enquanto xingava o irmão por ele ser gay e dizia ter ódio dele por isso.
Um diário secreto. Certo. Ainda não era nada anormal para esse bafafá todo. Tudo bem que, em primeira instância, eu poderia jurar terem roubado meu diário e dado umas remexidas nele. Aí vi que o assunto era completamente diferente.
- Ei, .
- Oi, - respondi automaticamente, ainda concentrada em entender qual era a daquele jornal.
- Tenho más notícias - não levantei o olhar, notando que a voz dela parecia um pouquinho pior que a minha no quesito animação. Vendo que eu fiquei quieta, resolveu brincar. - Tudo bem, sem pressa, vou acabar contando do mesmo jeito.
Desisti de tentar entender o jornal.
- Pode falar, estou até deixando meu super importante jornal semanal de lado para te ouvir. Só não me diga que a viagem morreu e vamos ter que acampar no quintal de alguém, de novo. É sempre um desastre.
- Acho que o está me traindo... - os olhos dela estavam um pouco mais arredondados do que de costume, o que a fazia parecer ainda mais inofensiva.
- O ? De novo? - nem deixei o jornal de lado, soquei ele na mesa, mesmo. - Como assim?
- Quem me disse foi a...
Nessa hora, a Valerie entrou pela porta da sala. Não que ela fosse da minha sala.
Nas duas últimas semanas, ela e a irmã, sempre tão sumidas, começaram a ter um espacinho na vida dos Drayton Manors quando começaram a andar com a Alaina. De repente, Alaina decidiu dar atenção às duas castanhas-sem-graça que, por coincidência, começaram a fazer luzes também e alisaram o cabelo.
O pior é que eu esperava mais da Valerie e da Loreli, porque elas eram - ou eu achava que fossem - mesmo inteligentes demais para ficar perto de alguém como Alaina. Se fosse para temer alguém, eu as temeria, não a Alaina cérebro de minhoca.
De qualquer maneira, o Trio Elétrico, como eu gostava de chamá-las por causa das luzes no cabelo e por serem três, estava formado. E o fato de ter abaixado a voz para o momento de Valerie entrar na sala só poderia indiciar uma coisa.
Uma das duas estava pegando o namorado da minha melhor amiga.
E, pior, meu melhor amigo.
Apostei as fichas em Loreli, porque Valerie parecia para mim ser mais inteligente, ou ambiciosa. Ela sonhava mais alto, mesmo que fosse para cair de cara no chão. E eu baseava tudo isso na conversa do supermercado, quando ela foi tão impetuosa como ninguém nunca fora comigo.
E o , apesar de idiota, era um pouco criterioso. A Loreli era bem legalzinha, até, menos surtada que a irmã.
Quanto à mim, eu tinha que assumir que as duas estavam mesmo mais bonitas. As luzes no cabelo combinavam com elas, o que era horroroso de se admitir, e com o cabelo liso - ou menos crespo -, o rosto delas ficava muito mais suave.
Alaina já era bonita, seu câncer era seu caráter. E como o caráter deixa a pessoa feia.
O que sobrava a meu favor era que Valerie ainda usava os óculos estranhos de armação rosa transparente, que aliás parecia ter sido chupada por um bebê até perder o tom rosa escuro e ficar esse meio que rosa babento, quase transparente. Loreli usava lentes, se não me engano, ou deu sorte.
Acho que gastei tempo demais falando das duas. Só queria expor as coisas bem claramente, sob meu ponto de vista dessas quase duas semanas que passei meio em órbita. E o resumo é que as duas garotas comportadinhas de repente começaram a fazer alarde. Blá, blá, blá, eu já sabia onde isso ia dar.
O Trio Elétrico estava na minha mesa, quando me dei conta.
Não disseram nada para , nem para mim. Mas aquele olhar na direção da coitadinha provavelmente ia fazê-la chorar antes de dormir. Até eu ia ficar mal, se fosse comigo. Ainda bem que meus dias de glória chegaram. E falando neles, passou pela porta.
O efeito daquele menino era arrebatador! Foi ele entrar, que o Trio dispersou.
suspirou aliviada, mas não pudemos comentar muitas coisas mais, porque quando o chega, ultimamente, é quando a aula está para começar. O motivo é que tinha ido dormir tarde nos últimos dias, porque ficou trocando mensagens de texto comigo até tarde e depois não conseguia acordar cedo.
Eu, pelo menos, tinha a praga do meu irmão para me acordar e trazer. fazia mais o tipo independente, meio tentando seguir os passos do , exceto pelo fato que o realmente fazia tudo sozinho. Aliás, eu mal tinha o visto. A verdade é que eu quase nunca falei com ele, nosso esquema sempre foi saber das fofocas um do outro através dos nossos amigos. Às vezes eu ficava sabendo uns detalhes sórdidos, mas sempre dei meu melhor para esquecer, porque não duvidava que contasse algo de vez em quando.
teve que se retirar enquanto o arrastava a carteira dele para parear com a minha. A aula a seguir era meio zoneada, então eu já puxei um assunto.
- E aí, já leu o jornal? - perguntei depois do beijo rápido. Foi a primeira coisa que me veio à cabeça. - Parece que tem uma coluna super misteriosa e nova. Aposto que você vai querer ler.
- Quem lê esse jornal? - estava com o maior descaso do mundo e já rindo de mim, tanto que revirei os olhos e estendi o rolinho de papel reciclado. - Ah, é, você.
- Eu não, me respeita - ele riu do meu jeito tonto. - Mas vê essa coluna nova. Vê se não te lembra de alguém.
No caso, eu.
A partir da minha última frase, ele ficou meio receoso, mas pegou mesmo assim. Desenrolou e procurou. Leu rápido. Levantou o olhar devagar.
- Isso é uma piada?


Capítulo 28
- Também achei que fosse, vê se pode. Parece até que alguém roubou meu diário - meu tom era de brincadeira, mas o parecia realmente ofendido. - Ei, calma, leão. Eu não estou falando de você.
- Quem escreve diário hoje em dia? E quem é aqui? - devolveu o jornal rapidamente na minha mesa, meio amassadinho. não devia ser o tipo que leria jornal todo domingo de manhã, já que mal sabia pegar em um sem destruí-lo.
Pelo menos eu não passaria o café da manhã de domingo sozinha.
- Eu não sei, , é uma coluna fantasma. Como eu vou saber?
Ele me olhou cético.
- Todo mundo sabe tudo nessa escola - e sem humor.
As noites sem sono dele o estavam deixando meio mal humorado. Minha culpa.
- Aprendeu rápido, campeão - mas eu ainda estava bem humorada.
- Quer parar com esses apelidos estranhos?
- Credo, que bicho te mordeu hoje? Só estou tentando ser legal - arregalei os olhos e soltei essa antes que ficasse realmente ofendida.
Esperava que o problema dele fosse com outra pessoa que não eu, porque ele era a última pessoa com quem eu precisava brigar.
- Desculpa. Eu fiquei meio bolado com essa coisa...
- O jornal? É meio preconceituoso, mas relaxa, acho que é brincadeira. Esse povo só quer chamar a atenção, mesmo, mas não sabe como - dei de ombros.
Quis me bater por, na minha chance de agir brava e ofendida com ele, já o tratar bem na primeira vez que ele pedia desculpas.
Ele deu uma risada fraca. O professor Davery chamava a atenção de alguns alunos e ele deu uma olhada para a frente, simulando atenção. Olhei para baixo, na direção do meu caderno, na expectativa de entender alguma coisa. voltou a falar, mais baixo e eu olhei de lado para a carteira dele, percebendo que ele sacudia o lápis.
- E você ficaria com alguém assim? Você é toda certinha e tal.
- Eu, hein, que papo é esse? - até larguei a caneta. - Desde quando eu sou toda certinha? - dei uma risada baixa e um pouco forçada, me xingando mentalmente por ter sido um pouquinho honesta demais.
- Mas não ficaria?
Eu não estava gostando daquele papo.
- Não - olhei para ele, que arregalou um pouco os olhos. Com certeza me achou preconceituosa, mas eu dei um sorriso entre os lábios e estiquei a mão até a dele, apertando-a com carinho por motivos de respeito ao velho Davery. - Não, porque estou ficando com você.
E por falar em ficar, ficou por isso mesmo.

- Sua terceira perna está um pouco grande - declarei, avaliando o primeiro desenho primitivo que fez de nós.
- Você sabe que não é minha perna - mal ele disse e já estava dando uma gargalhada.
Fiquei admirando, deitada com a cabeça apoiada no seu braço e ombro. Toda patética.
- É que é por isso que está grande demais - e eu ri.
Estávamos na cama dele. Vestidos, caso a dúvida apareça.
- Está certo. Ainda bem que isso aqui não é aula de artes. Você estaria morrendo de vergonha - continuou rindo de mim, mas pelo menos apagou a terceira perna.
- Meu Deus, vocês não estão falando do que eu acho que vocês estão falando... Estão? - parecia transtornada, aparecendo de repente.
Na verdade, a probabilidade dela aparecer - e de qualquer outra pessoa, aliás - era grande, visto que tinha chamado minhas amigas para a casa dele. A desculpa era porque eu poderia gostar de ter companhia, caso ele me trocasse pelos amigos, que aliás ele só fez porque conheceu minhas amigas, mas não toquei no assunto. Eu sabia que não costumava ter amigos antes de e seus dois comparsas, mas, novamente, esses últimos também só se tornaram amigos porque suas namoradas são melhores amigas. De qualquer forma, eu ainda achava surpreendente como eles tinham se dado tão bem, tendo características em sua maioria tão diferentes.
E tentava não pensar sobre como era curioso nunca ter tido amigos na escola. Eu mesma não pensaria duas vezes antes de aceitar a amizade dele.
Lá embaixo, os meninos ficaram na churrasqueira e as meninas na sala, fofocando. Fomos para a casa gigantesca de na sexta-feira, aproveitando a tarde livre.
Eu estava exatamente nos únicos quinze minutos em que consegui roubar dos amigos, até que a nos encontrou.
Nós dois só olhamos para ela com uma cara meio... Não sei o , mas eu estava meio atordoada, tentando entender quem a chamou ali, por mais que ela fosse uma das minhas melhores amigas.
- Bom, antes falar do que fazer - concluiu, sozinha, revirando os olhos e dando uns passos para trás até a porta do quarto. - A está precisando das amigas e nós demos pela sua falta... Sabe?
Suspirei, entendendo do que se tratava.
- Ok, já estou indo - cortei-a, encurtando ao máximo as chances de poder entender o assunto.
Porque se houvesse uma chance mínima do não ter contado aos meninos, ou de ele ter outras pessoas para quem contar suas puladas de cerca e de, no final, o não saber, eu devia aproveitar. Se entendesse do que falávamos, soubesse a versão de e resolvesse me contar, eu ia pirar e não ia ajudar como as outras meninas.
Por isso é tão difícil ser melhor amiga de duas pessoas que se amam. É quase impossível ser neutra.
- Antes que ela encontre o estoque de bebida dos pais do , já terei descido. Certo?
- Está ótimo, estamos no aguardo - contente, ela fez joinha com as duas mãos e voltou a fechar a porta, que só fez um clique mínimo ao se fechar.
Mal deu tempo de ela sair e eu comecei a juntar as coisas um pouco rápido demais. Eu não queria que o me contasse nada. Nem que soubesse. Só queria evitar isso.
- Tudo isso de pressa? - ouvi a risada dele atrás de mim, relaxado com as costas na cabeceira. Soltei as coisas devagar e respirei fundo. Olhei para trás e não pensei mais.
Ele estava apoiado com as mãos apoiadas atrás da cabeça. A pose dele não influenciava ao menos um pensamento cristão na minha cabeça.
- Pressa, que pressa? - dissimulei e ele deu uma risada, esticando um braço na minha direção.
Na mesma hora me aproximei e ele passou a mão para a minha cintura, que cedeu e colou à dele bem logo. Imediatamente toquei aqueles lábios que desejei por tanto tempo e que, finalmente, eram meus.
ia esperar mais um pouco.

- Mas dizem que homem não liga para essas coisas. Os homens, mesmo, nem sabem a diferença entre celulite e estria - era a voz experiente de , quase no limite da arrogância.
- Não ligo para celulites e estrias, elas querem dizer que eu sou gostosa em braile - , a mais inocente, sempre fazendo piada.
- Homem quer saber se você faz direito e pronto - .
Se não soubesse pela voz, saberia pelo desprezo empregado que era ela.
- Vocês tem noção de que não estão falando nada baixo, ou era a intenção? - falei me pondo para dentro da sala. As três deram um pulinho assustado, como se a conversa fosse muito particular. Claro, a começar pelo tom de voz delas. - Ainda bem que o foi pelo outro lado.
e não ligaram de falsificar um suspiro aliviado, mas nem se mexeu.
- A situação está tensa, assim? - perguntei, caminhando até perto delas.
- Tensa? - ergueu uma sobrancelha enquanto apertava uma almofada contra si.
Apontei com a cabeça. que respondeu:
- Ah, é só porque até agora o não veio falar com ela. Quer dizer, ele veio...
- Mas, aparentemente, as investidas dele não foram criativas o suficiente para que ela deixasse ele se explicar - interveio.
Analisei , que tinha o rosto afundado nas mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos, enquanto soltava um murmúrio de compreensão às meninas.
Pesarosa, sentei ao lado dela.
- Olha, ... Se você não deixar ele se explicar, nunca vai saber o que ele tem a dizer... - olhei as outras duas, que, aliás, não me deram nem uma dica ou apoio pelo olhar. - E você nunca vai saber a coisa certa se ligar para o Trio Elétrico...
- Quem? - perguntou instantaneamente. começou a cochichar no ouvido dela, explicando.
- E se ficar ouvindo os boatos... - terminei, ao mesmo tempo em que começava a rir descaradamente. Como se a piadinha do Trio Elétrico fosse a melhor do mundo.
- O não presta, mesmo - comentou, enquanto sacava uma lixa da sua mini bolsa. Esse era o jeito dela de largar o assunto de lado, quando ela considerava o assunto um pouco sem importância ou quando não sabia lidar. Era o que ela fazia com as aulas de geometria analítica, pelo menos.
Engoli o impulso de chamá-la de negligente.
- Ah, gente, não vamos cair no mesmo assunto de novo - pedi, cansada de falar sobre isso. - Vocês sabem o que eu penso disso.
- Não é porque ele já era seu melhor amigo antes de nos conhecer, que você vai esquecer que a é nossa melhor amiga - pressionou. - Ou é?
- Gente, gente, não é isso! - falei um pouco mais alto do que deveria, tentando reter a revolta. - Eu só não quero tomar partido aqui. O erro foi com ela, não comigo. não tinha nenhum compromisso comigo.
- Muito mente aberta, você - disse e eu dei um sorriso sincero, acreditando no que ela dizia. - Mas eu adoraria ver se o teatrinho continuaria, se fosse com o . Eu te protegeria.
Ela queria por a mim na situação dela? Quando tudo o que eu vinha fazendo era tentar dar apoio sem ser uma amiga falsa e vazar informação dos dois lados? E mais, ela por acaso teria se colocado na minha situação quando eu tomei uma suspensão, me ferrando bonito?
- Bom, eu não lembro de você ter se colocado no meu lugar ou mesmo me protegido, quando eu tomei uma suspensão - dei voz aos meus pensamentos. Me arrependi enquanto falava, mas ela tinha que ouvir.
escancarou a boca do tamanho da Lua.
- Aquela suspensão? O que eu tenho a ver com isso? - disfarçou na cara de todo mundo.
- Ah, agora a e a não podem saber a todo custo? Nós não somos melhores amigas? Por que não fala para elas que você criou esse plano, ? Que quem aparece naquele vídeo é você e quem na verdade se ferrou fui eu? Por que essa parte da história fica em off, ?
Não bastou arreganhar a boca dessa vez, precisou dar uma tremida no olho e no canto da boca também. Ela poderia estar desenvolvendo uma Síndrome de Tourette instantânea que meu coração não amoleceria.
Eu sabia seu próximo passo. Ia apelar, claro. É o que toda menina inteligente faz. Exceto pela tonta da , aqui.
Quando encarei e , percebi pelo olhar delas que não acreditavam em mim, além de acharem que eu tinha pegado pesado. Eu não tinha a menor e nem mais remota chance de fazê-las acreditarem em mim. Do jeito que eu tinha falado e justamente o momento em que eu falei, eu tinha feito parecer que só tinha tentado incriminar ela por algo que eu mesma fiz e ainda colocar as meninas do meu lado. Como se houvesse um lado, para começar. O pior é que eu falei a verdade! Não é justo!
forçou os olhos até que começou a chorar e as outras duas foram acalentá-la. O drama que inicialmente não chamava a atenção das duas e me mobilizou a tranquilizá-la, fazia o contrário agora.
Que palhaçada.
- Você não tem coração, ? - choramingou, toda pomposa. - Tudo isso porque agora está toda bem com o ?
Decidi ficar quieta a comentar sobre sua hipocrisia no momento em que essa mesmíssima amiga precisava de apoio e ela lixava as unhas.
ficou mais na dela, mas não me deu uma palavra de apoio. Só um olhar um pouco triste que dizia que ela estaria no time vencedor, e não havia nada que eu poderia fazer a respeito.
- , não existe essa coisa de lados. Nós estamos todos juntos nessa, não estamos? E eu não acredito que vocês puxaram o assunto - tentei manter a voz baixa o suficiente para não atrair mais público. - Vocês sabem melhor do que ninguém como a minha vida amorosa é um circo e quando eu tenho uma chance de fazer tudo dar certo, eu devo me sentir culpada por estar meio resolvida?
Quando ninguém me respondeu, me levantei e de novo joguei tudo para o alto, porque era o que eu fazia de melhor.
- Sabe de uma coisa? Eu não sei o que deu em você, , mas você sabe bem onde está errando. E você não querer encarar a realidade é só mais um reflexo de você não querer mudá-la - falar diretamente com ela amenizou o choro dela por um segundo, tempo suficiente para ela me ouvir, fingir mais tristeza e voltar a fungar. Desviei a atenção para as outras. - E vocês duas - apontei para e , que ficaram imóveis. - Vocês piraram.

Nem mais um minuto e eu já estava do lado de fora ouvindo discorrer sobre videogames de futebol e coisas chatas de meninos. Mas estar ali era ainda melhor do que estar na sala.
Ou talvez eles tivessem começado a falar de videogames de futebol quando eu abri a porta que dava para os fundos. Aí me viram, ficaram tensos sobre eu ouvir a história real e se viraram para achar outro assunto. O que os coitados não sabiam era que eu cheguei sem a menor intenção de sair dali.
estava do meu lado (eu estava com os cotovelos apoiados no balcão, bancando a Miss Desânimo) e ele todo perto de mim, com a mão ao redor da minha cintura, acariciando devagar. E os outros três nem tinham feito piada ainda. Talvez estivessem com dó do tempo de abstinência que eu tive até ficar com ele e estavam dando um tempo antes de voltarem a ser os idiotas de sempre. Ou... Tivessem amadurecido, mesmo.
ficava perguntando coisas baixo no meu ouvido entre uma conversa e outra deles. Do tipo se eu estava com fome, se eu estava entediada... Na verdade, eu percebi depois que isso era uma tática de descobrir o que tinha acontecido lá dentro que tinha me deixado tão triste. Quando eu não aguentei mais me fazer de feliz, ouvir ele sendo fofo demais para o meu desânimo, acabei dizendo, manhosa.
- , só me deixa - falei baixo, fazendo bico. - As meninas acabaram de brigar comigo lá dentro, quero ficar quietinha - e fiz mais cara de piedade, para incentivá-lo a não ficar com raiva de mim por ter pedido espaço.
- Ah, então foi isso que aconteceu! - disse de súbito, enquanto eu apoiava a cabeça no ombro de .
- Por que vocês brigaram? - perguntou, ainda baixo, como tinha falado até então comigo.
- Elas estavam metendo o pau no - fitei-o nessa hora, mas ele não mudou de expressão. - Eu sei que você não é o melhor namorado do mundo, mas como é meu amigo, fui defender. Elas não gostaram muito - revirei os olhos. - A mandou eu me por no lugar dela, praticamente - ficou estático, talvez surpreso por eu tê-lo defendido das minhas amigas.
Não que importe, mas acho que éramos o grupo de amigas mais venenoso da escola, no páreo com o atual Trio. Ir contra elas era raro, porque eu sempre concordava com elas.
- Então... - continuei amuada, sentindo fez um carinho reforçado na minha cintura. - Falei que se fosse assim, ela devia ter se colocado no meu lugar quando eu tomei aquela suspensão.
, que mexia com as carnes, parou e virou-se para nós. Seu celular fez um bipe, mas ele o guardou no bolso na hora. já estava interessado havia um tempo.
- E ela? - instigou.
virou a cerveja de uma vez goela abaixo. Ouvi o barulho nada discreto do copo batendo no balcão de mármore.
- Fez drama. Disse que não tinha nada a ver com isso e não assumiu o que aconteceu de verdade - nessa hora, me abraçou de lado. Não entendi se foi por fofura ou porque ele não queria que eu contasse a verdade aos meninos. - Aí as meninas piraram, agiram como se eu fosse a pior pessoa do mundo por falar isso para ela. E eu ainda fui a vaca da história, só porque não queria tomar partido.
- Meninas são um perigo, eu disse - comentou, dando uma risada fraca.
Pelo menos tentou fazer piada para amenizar o clima.
- Eles já sabem do que aconteceu - disse meio distraído. A informação foi uma surpresa para mim. - Eles sabem que a culpa não é sua. Mesmo que não apoiem, pelo menos nós contamos - apontou para si e , num movimento de mão. - Vai ver a está preocupada com a reputação dela.
- Ela faz tudo para ser a menina perfeita - observou, fazendo uma careta ao fim da frase.
- Tão bom que por aqui a coisa seja diferente... - brincou. - Totalmente oposta.
- É, nem sabemos o que é reputação e, se não tiver álcool, nem queremos - concordou, erguendo sua caneca. Os outros três concordaram com aqueles grunhidos masculinos de comemoração e ergueram suas canecas também, rindo.
Senti uma pontada de inveja, que eu tentei disfarçar:
- Amizade de meninos, fazer o quê...
- Espera as coisas esfriarem, aí você fala com elas - disse, tentando dar um conselho sincero. Mas eu não tinha a menor vontade de ir atrás delas depois do que aconteceu. QUeria era que elas se ferrassem por não me ouvirem. - De cabeça quente, você não vai conseguir nada além de mais problema.
E pior, não quis assumir o que fez por medo de e julgarem-na. Mas elas, quando entenderam - mesmo que erroneamente - que tudo tinha sido eu, também não me julgaram. Me perguntei se ela teria reparado nisso.
- Não estou muito a fim. Vou passar um tempo a mais com vocês, posso? O clima aqui está melhor - dei de ombros, como que me desculpando.
se virou para a churrasqueira, tão concentrado na carne quanto antes de entrar na conversa. e sorriram, acenando com a cabeça.
- Claro que pode - disse baixo e me deu um beijo na bochecha.
- Opa que sim! - respondeu também, um pouco mais alto e animado. Trouxe um pouco de carne para o balcão; exalava um cheiro maravilhoso. - Toma, come um pouco com a gente.
- Obrigada - aproveitei.
se levantou para pegar outra garrafa de cerveja.
- É, foda é a gente mudar de assunto - brincou, inclinando sua caneca vazia ao amigo.
- Isso é só porque toda hora ele insiste em falar besteira - ralhou, logo enchendo sua própria caneca. - Mas eu o faço parar.
Eu disse que ele era bom, como amigo.
- Quem tava falando até agora da--
- Viu só, já está falando besteira! - quase berrou e eu comecei a rir, me sentindo mais confortável.
ergueu as duas mãos para o alto inconformado e deu uma risada. Depois se virou para mim e disse, cúmplice, provocando riso em todos, até mesmo no próprio .
- Faz a besteira e depois não quer assumir. Tal , tal .

Primeiramente, eu não consideraria cheio, mas se o primeiro bimestre foi cheio de eventos, o segundo bimestre foi o completo oposto. Pelo menos o início.
Passei a semana toda esperando o Trio Elétrico armar alguma para cima da , mas não houve muita badalação do lado delas. Com sorte, eu me ferrei em algumas provas e Alaina acabou indo bem, mesmo, o que rendeu para ela mais uma advertência, porque segundo as más línguas, seus pais deram um jeito no diretor. O curioso foi que o colégio trocou todos os equipamentos de química na semana seguinte.
Eu não gostava de Alaina, não era novidade, mas não desejava todas as noites que ela fosse expulsa, senão eu teria que me preocupar com o que eu deveria me preocupar de verdade, que eram meus estudos. De uma forma, ela acabava sendo minha distração.
Logo quando eu finalmente tinha resolvido as coisas da Alaina e outras com o e já passei dos dias negros em casa, resultado da suspensão do diretor maldito, acabei por brigar com todas as minhas poucas e boas amigas de uma vez só. Se as coisas continuassem assim, por outro lado, eu poderia esquecer Anderby Creek, mas a essa altura do campeonato, isso era uma vantagem.
Foi em um sábado de sol que voltei a pensar no que o disse. Aquela última frase dele, super célebre. "Faz besteira e depois não assume. Tal , tal ".
Durante a semana toda, eu vinha tendo pensamentos vertiginosos que envolviam e Alaina e me dava muita vontade de perguntar se eles já tinham feito aquilo. Meus pensamentos colidiam, confusos.
Passei o intervalo com Alyssa, para variar um pouco. A verdade era que eu meio que acabei abandonando-a quando meu quarteto fantástico voltou a existir e voltei quando elas se tornaram o trio maravilha e eu sobrei. Ou porque eu estivesse me sentindo orgulhosa o suficiente para pedir desculpas por algo que não fiz.
Não que fosse completamente mentira, mas também não era inteiramente verdade que eu só ficava perto de Alyssa quando precisava de alguma coisa.
Alyssa era uma alma boa que, apesar de um pouco brutinha, não fazia mal a ninguém que não mexesse com ela. E, como eu já disse, e já me convenci, nossa amizade era saudável. Isenta de cobranças, de excesso de meiguice, necessidade de compartilhar segredos e todas aquelas firulas de meninas.
- Mas então, o que aconteceu? - Lyssa estava insistindo no caso das meninas.
Talvez eu estivesse errada.
Me perguntei como ela não ficou sabendo pelas fofocas. Não era possível que ninguém tenha falado isso perto dela.
Falei do mesmo modo, apesar de fazer minha voz parecer mais cansada de falar sobre isso do que realmente estava:
- Elas piraram. O que você ouve por aí - fiz um gesto com a mão - é só especulação.
- Boatos - ela disse, em um tom que me corrigia.
- É, tanto faz - dei de ombros, dando uma mordida generosa na minha deliciosa barrinha de cereal, que, aliás, acabou bem aí. - Mas não se preocupe, uma hora a verdade vem à tona. E eu estou doida para ver o que a vai fazer quando isso acontecer.
- O que você quer dizer com isso? - ela deu um sorriso sombrio, enquanto se levantava porque o sinal tinha acabado de tocar.
- Não, não, credo. Não é o que você está pensando, chega de me meter em encrenca - balancei a cabeça, dissipando esse tipo de pensamento. - Vou deixar o destino cuidar dessa.
- Ah... - Lyssa ficou meio desapontada, mas sorriu em seguida. Já estávamos andando em direção ao nosso corredor. - Mas se precisar de uma ajudinha... - e sorriu. Eu dei uma risada, antes de entrar na minha sala. Sim, deixei no ar.
Apesar de não querer a ajuda da Alyssa para desmascarar minha própria melhor amiga, nada me impedia de não declinar sua oferta por mantê-la por perto.
De volta à aliada perfeita.

Depois do treino dos meninos, eu estava indo ao vestiário masculino, pretendendo fazer uma surpresa ao , que ainda devia estar se arrumando, quando ouvi uns tapas. Do tipo que soavam como quando eu batia nos braços dos meus amigos. Porque as amigas não aguentariam um tapa forte desse naipe.
Em seguida, uns gritos.
Enquanto eu estava mais longe, a uns passos do vestiário, não tinha percebido que o barulho levemente agudo saía de lá. E que era a voz da Alaina Cooper. Na verdade, eu não aguentava mais nem lembrar o nome dela na minha cabeça, parecia que eu teria um colapso a qualquer segundo.
Na hora em que pisei dentro do vestiário, meu cérebro começou a me bombardear de perguntas: por que raios essa menina está aqui, a essa hora? O treino dela - e meu! - seria em meia horas! E o treino do já tinha acabado, razão pela qual estava indo lá. Ele sempre demorava para sair do vestiário porque era um dos únicos que tomava banho depois do treino e... O banho dele, claro!
E se Alaina tivesse ido espioná-lo tomar banho?
- POR QUE VOCÊ GOSTA DELA? - Alaina rodava pela milésima vez o mesmo disco da rejeição.
Minhas pernas estavam formigando para andar, sinal de que eu estava louca para saber se estava vestido ou de toalha. E se eu deveria arrebentar a cara de alguém ou se eu deveria chamar a Alyssa para isso.
- Porque ela não é você - quando parei no corredor, de frente para os dois, aliás, frente a frente, parou de falar. Estava curvado, segurando-a pelos ombros. Tive a impressão que, se eu demorasse um segundo, ele poderia sacudi-la e jogá-la na parede mais próxima. Notei que não tinha mais nenhum menino lá, então eles deviam ter saído quando a beldade loira sintética chegou.
- É uma boa resposta - eu me ouvi falar, enquanto um sorriso se formava nos meus lábios. Sentindo confiança correndo nas veias, caminhei na direção deles, me apoiando na parede atrás de . Cooper tinha a aparência de ter perdido o ar e ao passo que eu estava perto o suficiente, soltou-a e ela deu um passo atrás. - Você não tem nada melhor para fazer?
Percebi que me lançou um olhar que variava entre a surpresa e a diversão, mas não saí da minha pose, apoiada na parede, bancando a fodona. Torci para que, se ele risse da minha postura, o fizesse depois de eu conseguir tirá-la dali.
Ao invés de parecer completamente revoltada, Alaina pareceu seriamente ofendida.
- , você não faz ideia do tipo de pessoa com quem está se envolvendo - apontou o dedo na minha direção. Depois disso, ela se virou para sair, mas parou, virou para nós. - Você ainda vai me dar razão, de qualquer maneira.
Rolei os olhos enquanto ela terminava de falar e podia jurar que tinha bocejado.
- Pronto, acho que ela já foi - falei, finalmente reparando nele. Vestia uma camiseta preta de aparência desgastada, não tanto quanto sua expressão, jeans e toalha no ombro. - Nossa, dispensar ela te cansa tanto assim? - dei uma risadinha, esperando que estivesse errada. Se cansasse, ele preferiria não dispensá-la para não cansar, certo?
Mas me surpreendeu com uma risada fraca de volta.
- É cansativo ficar perto dela - e só então, quando ele levou a toalha ao rosto para secar o cabelo que eu me toquei que ele já tinha tomado banho. Quando olhei para baixo, fiquei pensando se Alaina chegou a vê-lo nu, mas tentei não pensar mais nisso, embora imagens dos dois me atordoassem de cinco em cinco segundos a partir disso.
Percebi que ele continuou falando quando largou a toalha no banco.
- O quê? Desculpa, me distraí - olhei diretamente nos olhos dele, para que ele pensasse que estivesse admirando-o, não gastando tempo ficando noiada.
Funcionou e ele riu, abrindo a bolsa grande de esportes para pegar os sapatos. Sentou-se no banco e eu praticamente joguei meu corpo ao seu lado.
- Espero que você não leve o que Alaina diz a sério.
- Ah, bom, é fácil - dei de ombros, reparando enquanto ele amarrava o cadarço. - E... Qual o tipo de pessoa que eu estou me envolvendo? - perguntei em tom de piada, até porque não levei mesmo como verdade absoluta o que a ex dele disse. Uma imagem mental de e Alaina atravessou meus pensamentos e eu voltei a olhar para frente, tentando me concentrar, ao mesmo tempo em que ele puxou meu rosto pela nuca, me dando um beijo perto da orelha que me acalmou de vez.
- O tipo ciumento para cacete.

Peguei o jornalzinho, já quase tão desejado quanto um tablóide - para dar uma lida na sexta-feira. Tentei manter na consciência que teria que tomar cuidado com isso, ou poderia virar um esporte pegar o jornalzinho e ficar rindo das colunas estúpidas e não pegaria bem. Exceto que todo mundo - mesmo - pegava o bendito jornalzinho Drayton Manor Semanal para conferir, assim como eu, a seção do Diário Anônimo.
Um nome podre, considerando que os alunos daquela escola tinham tanto dinheiro que poderiam até comprar criatividade.
"Meu irmão é um gay" encabeçava o texto. Não sei como esse tipo de palavreado era permitido em uma escola tão anti-bullying e moderna. "Sério. Não dá, assim. Não consigo assumir que tenho um irmão. Quase uma irmã. Coitado." E aí entendi algo que na verdade eu não tinha lido. O diário não tinha nada de piada. "As crianças odeiam ele. E eu me odeio." Porque era real, e a vida real não é divertida. "Eu vou mudar de escola. (...) Por meus pais. E por causa dele. Ele vai embora." E eu não sabia se devia me sentir melhor ou pior com isso.
Não seria possível que alguém odiasse o irmão pela orientação sexual dele. Eu detestava o Collin em vários momentos, mas se ele fosse gay, eu não conseguiria amá-lo menos.
Fechei o jornal excessivamente cheio de folhas e o amassei, enfiando dentro da bolsa. Tinha que ler isso com calma depois. Mostrar para minha mãe, de repente, o tipo de colégio que o Drayton Manor estava se tornando, e que nunca deveríamos por nossos netos lá.
sentou ao meu lado bem a tempo do sinal tocar. Não tive tempo de abrir a boca, o professor Davery já entrou. Estava para ser criado algo que eu odiasse mais do que professor pontual.
Escrevi um bilhete e passei para ele.
Sorveteria hoje?
Ele pareceu tenso e respondeu logo abaixo, com sua caligrafia nada elegante.
Pub...
Olhei para ele, mas não encontrei sinal que explicasse como seria nossa noite.
Chique! Você me pega?
A resposta que eu recebi foi um pouco direta demais. Talvez se ele tivesse usado uns rodeios e floreios, eu não tivesse achado ruim.
Vou com os caras.
Ai! Doeu.
Amassei o bilhete imaginando que fosse a cabeça de e o enfiei no estojo, junto com os outros papeizinhos que eu guardava ali, por preguiça de ir até o lixo e me declarar culpada por trocar bilhete na sala de aula.
Quando olhei para , um pouco fula da vida, arranquei mentalmente suas pálpebras no momento que ele deu de ombros meio sem jeito, piscou para mim, sibilando:
- Amanhã? - num jeito que dizia indiretamente que era uma proposta melhor do que nada.
Maldito, eu deveria ter sibilado de volta.
Se ele achava que estava em posição de trocar uma noite com a gata sensual por uma noite do clube do Bolinha, estava muito enganado.

Eu sabia que o era meio tímido. Digo, ele tinha traços de timidez, por mais que eu visse lampejos de um garanhão louco para se libertar, de vez em quando. Então eu resolvi usar isso contra ele, porque me disseram que o Pub era um lugar sensual para se levar alguém.
Convenci a ir ao Pub comigo, ao invés da tranquila e velha sorveteria, no dia seguinte. Essa foi a parte mais fácil. Até conseguir uma identidade mais velha foi fácil.
O difícil foi conseguir sair de casa.
- , tem que ser esse vestido? - foi meu pai quem perguntou, descrente. Só faltou me chamar pelo sobrenome.
Concordei com a cabeça, cansada de dizer mentalmente que SIM, PAI, VOCÊ QUE O COMPROU, AGORA EU TENHO QUE USAR SE NÃO QUISER QUE ELE SEJA COMIDO PELAS TRAÇAS. Respirei fundo e assisti enquanto meu irmão parava ao seu lado, na porta do meu quarto.
Eu estava sentada na minha penteadeira. Não bem nela. Na bela cadeira de frente para ela. A penteadeira, aliás, era nova, toda branca e era muito mais legal me arrumar ali, entre três espelhos, do que no banheiro, onde todos os produtos ficavam espalhafatosamente jogados em cima da pia. A penteadeira, talvez por ser nova, tinha um quê de organização.
Collin, da minha visão pelo espelho, estava apoiado de um lado do batente, e meu pai estava do outro. Tão parecidos. Depois de observá-los por um segundo, tive uma ideia genial.
- Pai, posso falar com o Collin um segundo?
Eu só esperava não estar cavando minha própria sepultura, mas é que percebi que eles eram tão parecidos que, se eu convencesse um a me deixar em paz, acabaria convencendo o outro por tabela.
Collin observou enquanto nosso pai saía do quarto. Depois fechou a porta atrás de si e se sentou na minha cama.
- Que que você quer? - claro, ele perguntou muito desconfiado.
- Só uma conversinha de irmãos - esclareci toda singela, enquanto fazia sinal de silêncio, me levantava e ia praticamente na ponta dos pés até a porta. Abri-a muito rápido para checar se meu pai tinha ficado por perto para ouvir a conversa.
- Saaabe o que é? - comecei, fechando a porta e trancando atrás de mim. A chave nunca deixava a porta.
- Sabia - ele disse, sem humor. - Quer cobertura ou dinheiro?
- Hã? - balancei a cabeça, nem parando para avaliar o que ele disse. - É que eu preciso, preciso muito sair hoje. E você sabe como o papai é... - a partir daí, a expressão dele mudou para cafajeste aproveitador de irmãs. - Quando você quer, faz ele concordar com tudo que você diz.
- Então...
Ah, ele queria que eu dissesse? Eu diria. Mas com todas as letras.
- Filho da mãe, eu te pago. Que é que você quer? Dinheiro, lição pronta, uma namorada nova?
Alguém precisava ver o olhar de descrença que ele me devolveu. Como se eu não conhecesse alguém bonita o suficiente para ser namorada dele.
- Que tal a ?
- Aquela sua amiga problemática? - Collin, sempre meigo, esse é meu irmão. - Prefiro a lição.
Lembrando que ele fazia faculdade.
- Preferia que você escolhesse dinheiro - assumi, voltando à penteadeira.
- Já sei de uma fonte melhor que você - e o maldito ainda riu da minha cara. - Duas semanas ou você fica em casa hoje.
- Nem ferrando! - eu, que já tinha sentado e estava toda bonitinha, surtei. - Quer dizer - recompus-me -, se você pedir duas semanas, como eu posso te oferecer isso de novo na semana que vem?
- É... - e começou a coçar o queixo, numa mania muito chata, que eu reparei ser recém-adquirida.
- Viu, você sai ganhando muito mais - afirmei rapidamente, antes que ele repensasse as vantagens do nosso acordo, que para ele seriam desvantagens, por outro ângulo.
- Você começa amanhã.
Dane-se.
- Feito.


Ninguém acreditaria se eu dissesse o que aconteceu no Pub.
A banda que tocava lá no primeiro palco fazia um cover de Plastiscines, cantando From Friends to Lovers.
As meninas cantavam bem, mesmo sendo música local. Ouvindo conversa alheia, soube que elas tiveram que arrumar tudo sozinhas e que eram meio temperamentais e brigaram com o produtor naquele mesmo dia. "Quase não fizeram o show hoje", disse um cara. Parei de prestar atenção nos beberrões atrás de mim e me concentrei em procurar com os olhos.
Varri o Pub com o olhar e nada dele. Nem uma guanina de DNA daquela peste.
Enfim, biologia à parte...
- Está sozinha? - até que o bêbado de trás tentou falar comigo. Girei no banco, encarando-o. Devia ter uns 18 anos.
- Não - e não me dei o trabalho de dizer mais nada. Minha sorte é que o voltou.
Eu estava sentada num banco alto, agora de frente para um bar com dois barmans que corriam de um lado para o outro. Atrás deles, havia uma parede cheia de uísques, vodcas e outros destilados com nomes que eu nunca vi na vida. Ao lado, havia quatro refrigeradores cheios de cervejas com mais nomes que eu nunca, nunca mesmo, vi na vida. E eu achando que sabia tudo, há há há... Que bucólica.
Acima, havia decorações. Quadros, entalhos, alguns com piadinhas, alguns levando a sério a história da cerveja. E, acima da minha cabeça, acima do balcão onde eu apoiava meus braços descobertos, jaziam vários copos que eu julgava pelo olhar serem só de vidro (cristal nunca duraria num lugar como aquele), que, antes de começar os drinks e chopps, os barmans pegavam.
disse que tinha que ir ao banheiro, que, aliás, era a apenas vinte passos, à direita de onde eu estava. Ele apareceu pela esquerda, mas eu julguei que fosse culpa do mar de gente, afinal a onda poderia o ter levado além. Tudo bem, eu já tinha feito minha parte, levado ele a um lugar sensual, usava um vestido bronze de renda e pedras, bem curto e um salto gigante, fino. Sentia-me a Cinderela a cada passo. Meu rosto estava com uma maquiagem leve, mas marcante. Parecia natural, mas eu podia garantir como nunca tinha usado mais maquiagem na vida. Meus os olhos estavam incrivelmente destacados, e isso - a coisa dos olhos e a maquiagem falsamente natural - fazia parecer que eu tinha beleza natural. O que era muito elegante.
- Demorei? - ele perguntou quando se aproximou o suficiente para me dar um beijinho.
Claro que sim, , dez minutos é demais para um banheiro!, tive vontade de dizer.
- Não, não! Eu tava distraída olhando esses negócios - apontei a parede à minha frente, a das bebidas, com frases engraçadas. leu uma e soltou uma risada.
Olhei em volta. O local era todo forrado, a maioria das paredes era de tijolos à vista, e as que não eram pareciam ser forradas com veludo verde. Em alguns pontos, eram visíveis pilares de sustentação também com tijolos à vista, e alguns quadros aleatórios.
- Então, vamos para a nossa mesa?
- Você fez reserva? - meus olhos brilharam. Não deu para esconder que não aguentava mais ficar do lado daquele cara de 18 anos e bafo de 81.
- Era disso que eu tava cuidando - ele sorriu de volta e eu não consegui ficar mais feliz.
contou a primeira mentirinha para mim. E eu estava feliz.
Estou tão ferrada.
- Você é tão incrível, não vá embora nunca - falei sem berrar dessa vez, e felizmente ele não me ouviu.
A música estava alta e eu meio que torcia para que ela entrasse e fizesse efeito na cabeça dele, que andava ao meu lado. Ou pelo menos tentava, visto que tanta gente esbarrou nele, que ele foi obrigado a me colocar à sua frente e manter o braço no meu ombro.
- Então, foi aqui que você veio ontem? - tentei puxar assunto. Percebi que a música parava e as meninas estavam juntando os instrumentos porque seu show tinha acabado. Pelo que eu tinha lido no folheto, o próximo show começaria em uma hora no segundo palco, que dava para ver muito bem de onde eu estava sentada.
Para mim estava ótimo, especialmente porque eu podia descansar os pés, mas onde estava a parte sensual?
- Pois é. Nada de mais, já deu para notar... - notei que enquanto ele falava, colocou o braço ao redor do meu ombro. Com essa mão, bem do lado do meu rosto, ele apontou mais ou menos onde tinha me dito que eram os banheiros, mais cedo. - E ali fica a sinuca. A gente ficou lá.
- Hmm. Ganhou todas? - arrisquei um sorriso.
Ele riu.
- Não fiquei com ninguém, - e acariciou meu rosto.
Senti o rosto esquentar pelo jeito que ele disse.
- Eu estava falando das partidas.
O que passou pela minha cabeça e me deixou puta é que se ele agiu na defensiva, é porque fez algo errado. Ou eu que era mesmo neurótica.
- Ah - relaxou as costas na cadeira, mas ainda ficou com o braço ao redor do meu pescoço. - Fomos bem. Ganhamos a maioria.
Dei um sorrisinho e apoiei o rosto no seu braço, erguendo os olhos na direção dos dele.
- Você e quem?
- O - e ele já parecia um pouco aborrecido. E eu não conseguia nem entender por quê. Como se eu devesse entender suas frases pela metade.
não disse mais nada, só aproximou o rosto do meu e... Algo dentro de mim me dizia que algo estava errado. Eu estava com um péssimo pressentimento. Ignorei a sensação ruim de ter visto algo na visão periférica.
Fechei os olhos e iniciei o beijo um pouco mais rápido do que aquele jogo de sedução devia ter sido.
A sensação piorou, parecia que eu ia ser engolida por aquilo se eu não cuidasse logo. Mas ela crescia enquanto eu continuava o beijo, embora eu soubesse não ser culpa do beijo - muito menos de . Era alguma coisa que estava faltando. Alguma coisa que eu tinha esquecido.
Terminei o beijo numa sequência de selinhos, fazendo abrir os olhos, sem entender, mas ainda sorrindo entre os lábios.
- Esqueci suas cervejas, vou buscar - ele sorriu mais ainda quando me ouviu dizer isso.
Buscar com minha recém-adquirida cara de maior de idade, claro.

Capítulo 29
O ponto mais surpreendente da minha noite foi que, no caminho para o bar, avistei Tyler, e alguma coisa me dizia que não era uma coincidência.
Parei no caminho para o bar, assim que o vi. Conferi atrás, mas não conseguia mais ver , ou nossa mesa. Tyler já tinha me visto, então eu não tinha muita opção senão andar até ele. Ou ao bar, estrategicamente atrás dele.
Sorri amarelo, cumprimentando-o.
- , olha você por aqui - ele sorria o mesmo sorriso que usou na festa dele, quando me encontrou. Quando, segundo , ele já planejava me beijar.
- É...
E novamente: não era uma coincidência. Por que ele fazia parecer que era?
Quase caí do salto quando vi a cabeça de Loreli ao lado dele. Como eu não tinha reparado que era ela?
Fiquei esperando que mais duas cabeças aparecessem ao redor dela, até que reparei que ela estava sozinha com ele. Porque era um encontro. Um encontro! Finalmente alguns fios começaram a se ligar no meu cérebro.
A música de fundo, para preencher o espaço entre uma banda e outra, parecia mais alta do que eu conseguia lembrar. Comecei a ficar zonza. Não acreditei. Olhei para trás garantindo mais uma vez que não estaria por perto, então puxei Tyler, depois de um sorrisinho cortês para Loreli, criado com muito esforço.
- O que você pensa que está fazendo? - acusei-o, enquanto me lembrava da nossa conversa naquela manhã. Foi ele quem me convenceu a levar ao Pub, porque, segundo ele, era um lugar de gente sensual.
Eu devia testar se ele acha sensual meu punho no nariz dele!
- O quê? - eu nem tive tempo de responder, ele mesmo já disse, com escárnio. - Ah, o Pub é seu, agora?
- Você sabe que não é isso. Você sabe que o não confia em você. E ele não gosta que nós sejamos amigos - falei entredentes, esperando que ele sacasse.
Sei que comecei a tentar ser amiga dele, e já comecei péssima como amiga, mas Tyler não era bom exemplo, mesmo, e nós nunca fizemos muita coisa que prestasse, quando juntos. Era pelo bem da nação.
- Talvez seja hora de você falar para ele que nós somos amigos, então - ele deu ênfase. Olhou para trás e continuou, mudando de assunto. - Olha, a Loreli quis vir aqui hoje, então, sim, é e não é uma coincidência.
- Explique-se - cruzei os braços, dando um passo atrás.
Afinal, ou era ou não era uma coincidência. A não ser que...
Ele passou a mão nos cabelos, que voltaram ao lugar sem esforço e quando uma mulher passou entre nós dois, ele deu um passo à frente, ocupando o lugar, irritado.
- Olha só. Eu sabia que você viria e até queria saber se correria tudo bem. Não é bom saber que você tem a quem recorrer, se não der nada certo?
- E por que, exatamente, não daria nada certo? Só porque nunca deu certo? - ele só ficou me encarando, depois olhou para a própria garrafa de cerveja e bebeu do gargalo, mesmo. - Tyler, eu confiei em você, eu te disse o quanto eu estou feliz com isso.
- , não é isso, você sabe mais do que qualquer um que eu tenho um carinho especial e eu sempre torço por você...
- Sim, e se você está do meu lado, como diz, por que está saindo com a Loreli? Cadê a menina de quem você tinha falado, todo feliz?
Ele ficou quieto, fitando-me surpreso, um segundo, dois, três...
- Espera, é ela?
Ele ficou incrédulo. Imaginei que fosse derrubar a cerveja.
- Você não tinha entendido?
- Você não tinha dito - me defendi. Ou tinha?
Remexi os pés, desconfortável.
- Como se fosse fácil fazer você ouvir qualquer coisa, quando tem na sua cabeça - a voz alta dele me acusou.
Talvez por ironia, fingi que não o ouvi e passei por ele a fim de ir até o bar. Notei que Loreli nos encarava.
Espremi-me entre duas pessoas e depois de entregar uma bebida a uma mulher elegante do meu lado direito, o bartender me deu atenção. Senti a respiração - que eu esperava que fosse - de Tyler atrás de mim e achei melhor não ingerir álcool, não com ele por perto.
- Duas cervejas!
Tyler sobrepôs sua voz alegre à minha, mais irritadiça. Virei a tempo de vê-lo fazer gestos que indicavam que ele queria tamanho grande.
- Tyler, eu já entendi. Minha noite tem tudo para acabar mal. E eu estou super feliz por você estar aqui com a gêmea do mal da filha do diabo, aquela que ficou com o e tirou ele da . Obrigada! - me virei de costas e tornei de novo para ele, como se tivesse me desligado daquela personagem. - Era o que você queria ouvir?
- , me escuta. Eu não tenho culpa se você não ouviu sobre ela - voltou a passar as mãos nos cabelos, apoiando um braço no balcão em seguida com ar cansado. - E, sobre vir... Aqui, ela que quis vir. Eu não vim só para te espionar, senhora protagonista.
Pensando bem, era daí que eu conhecia Loreli. Tinha visto ela nas câmeras com Tyler, depois ele falou dela, e falou de novo... Como eu não me dei conta? Foi ela a garota para quem Alaina tentou fazer a caveira de Tyler. Por isso Tyler teve que terminar comigo em público e queimar minha fita com .
Outras ideias surgiram nos meus pensamentos, uma atrás da outra. Aquela não era uma coincidência e nunca seria. No máximo, Tyler deixou escapar que...
- Você contou nossa conversa para ela? - quis saber, depois de alguns segundos em órbita. - Sobre o .
Em vez de responder, ele apontou atrás de mim com o queixo e... As cervejas tinham chegado. Entreguei o cartão, que recebeu um bipe e me voltei para ele, esperando resposta.
- Claro que não! - ih, ficou ofendido. Então errei, mesmo. - Mas ela estava insegura pelo que a Alaina falou - eu lembrava bem -, perguntando se nós dois tínhamos mesmo terminado - e então adotou um tom confidencial. - E eu não podia falar que era armação da tão amiga dela... - e voltou a falar normalmente, meio berrando para eu poder ouvir. - Aí eu falei para ela que você e o estavam bem, estavam até saindo juntos. Ela quis ter certeza e como o Pub é um lugar legal...
- Vocês vieram para cá - completei. - Mas, Tyler...
- O quê? - o tom dele insinuava estar cansado do assunto.
Como se eu fosse parar de contestar tão rápido.
- Não foi uma coincidência.
Eu disse de um jeito que parecia uma confirmação, mas torcendo por uma possibilidade remota de estar errada. O que não mudava muita coisa, já que ele vinha tornando difícil ter confiança nele ultimamente.
Tyler deu de ombros, não concordando, mas não podendo dizer o contrário.
- Quer saber? - disse, decepcionada. - Vai lá com a Loreli, ela já deve estar enjoada de ficar sozinha com aqueles bêbados. Se você está feliz, é o que importa.
Tyler apertou os lábios, balançou a cabeça e se virou, quase me obedecendo.
Entre ele e eu não havia ciúme, nada além de amigos, mas essas vezes que havia faíscas entre a gente me fazia repensar se nós éramos esse mínimo, amigos, ou se estávamos forçando a barra, quando já devíamos ter voltado a ser só conhecidos.
Voltei para a mesa um pouco mais exausta do que tinha saído dali. Agora eu tinha uma sensação real de que não estava em segurança. Não confiava nem em um fio de cabelo de Loreli, especialmente por suas amizades. Mas como dizer isso ao Tyler de uma maneira que ele me desse ouvidos? E como dizer ao que eu queria sair dali, sem que parecesse que eu precisava de uns pegas, ou senão... Sexo?
Simples, não tinha jeito. Eu não tinha saída.
Decidi também parar de tentar chamar a atenção de para mim. Para aquele vestido curto e colado. Para fora de seus próprios pensamentos. Afinal, devia estar mais seguro lá dentro de sua cabeça, do que comigo.

Eu gostaria de poder falar que a Alaina já foi minha amiga e que depois foi para o outro time, o lado negro da força. No estilo que acontece todos os dias, por aí. Duas amigas de infância que se separam depois de tomar caminhos diferentes, aí uma vira a super popular e a outra fica popular por tabela, conhecida por seus desastres, por se ferrar e por ser ferrada por essa ex-amiga. Sério, eu gostaria mesmo, porque aí eu poderia dizer, no fim, que nós nos resolveríamos e poderíamos até voltar a ser amigas. Mas eu temia estar um pouquinho longe de resolver essa história. Porque, na verdade, nunca fomos amigas. Só por isso. E ver que ela estava se unindo à Loreli e Valerie só diminuía minhas esperanças na raça humana.
A escola estava se tornando um pesadelo, principalmente em razão da minha desconfiança e capacidade de discutir com quase todos, e enquanto o drama das minhas amigas passava lentamente, eu voltei a andar com Alyssa, todos os dias, e com , quando ele não passava tempo com os meninos. Eles, aliás, não passavam mais os intervalos com as meninas, provavelmente como consequência da briga de com e o aparente término decisivo deles.
Nosso grupo estava completamente desestruturado. Parecia que tínhamos voltado à estaca zero. A hora do almoço era a mais confusa. sentava com o time, comigo e Alyssa, , e em uma mesa e e em outra do lado.
Passei o domingo desejando que segunda chegasse - especialmente porque teria a tarefa mais legal do Collin para fazer, vi na agenda dele que ele tinha História da Arte -, mas o chato é que na segunda que chegou, nada tinha mudado e antes de encontrar Alyssa no nosso lugar de sempre no intervalo, resolvi dar uma volta pelo colégio.
A parte legal era ouvir da boca das outras pessoas a especulação "Será que eles estão juntos, mesmo?", quando se referiam ao mais recente casal, e . Achava um saco quando era sobre a que falavam. Mesmo que não estivesse falando muito com ela, me deixava mal falarem assim dela, porque quando eu estava no corredor e ela passava, os comentários eram que ela e o nunca mais voltariam.
Pior. De que ele estava com Valerie.
Cansada de ouvir coisas ruins, saí correndo e abri meu armário com a desculpa mental que eu precisava do caderno para a próxima aula e guardar outro que estava na minha mão, mesmo sabendo que o intervalo não era tão curto a ponto de precisar correr. Mal abri, um papel caiu do armário. Olhei para os lados, antes de me abaixar e pegá-lo.
"Biblioteca, agora". Eu conhecia aquela caligrafia. E não tinha visto aquela pessoa desde que a primeira aula terminou.
Fechei o armário com pressa e corri, sabendo que para isso, o intervalo não seria tão grande assim.

Qual não foi minha surpresa quando encontrei, no último corredor, , , e a pessoa que escreveu o bilhete - - lá.
, a mentora do crime, veio na minha direção, com os olhos brilhando.
- Finalmente! Achei que você não viria mais.
- Senta aqui - disse, dando tapinhas ao lado de onde estava sentada.
Antes que eu pudesse pensar que aquilo era uma conspiração, traduzir isso em "FOGO, FOGO!" e sair berrando isso pela escola feito uma doida desvairada, voltou a falar:
- Já pode falar, .
Mas ela não disse de um jeito estúpido, foi delicada. E estava calma. Eu estava tudo, menos calma.
- Desculpa - eu podia jurar que ouvi dizer isso, mesmo sendo tão baixinho...
- Pronto, agora que tal perdoar a , assim a gente volta a se falar e passar os intervalos juntas e saber uma da vida da outra sem que seja por fofocas? Já faz duas semanas que estamos assim, gente!
Foi , a frufru, quem despejou isso de maneira tão delicada.
- Tinha até trazido a boneca da verdade, mas acho que a gente não vai precisar - começou a dizer, rindo de si mesma.
E mostrou a boneca, tirando só a cabeça dela para fora da bolsa.
- Ah, por favor, - cortou, com humor - essas duas brigam sempre, essa não é a primeira nem a última reconciliação delas.
Eu dei uma risada, mas acho que foi de nervoso. Em seguida, meu celular apitou. Vi que era mensagem do meu irmão e resolvi abrir na hora.
- Ah, mas como é idiota - deixei escapar.
- Que foi? - arriscou perguntar. Deu para perceber que a voz dela tava meio receosa, apesar de curiosa.
- É só meu irmão... Sendo meu irmão - dei de ombros. E como ninguém perdeu o interesse com essa frase, mesmo contrariada, tive que falar. - Mandou mensagem para avisar que eu tenho dever dele a fazer.
fingiu que limpou a orelha.
- Eu ouvi direito?
Dei de ombros, recostando na cadeira.
- É, para você ver... As coisas que eu faço para poder ver o ...
- Não está fácil... - zoou.
- Mas, então, agora vocês sabem a verdade? - perguntei, mas me referindo ao plano da . As duas entenderam e mexeram a cabeça afirmativamente. arregalou um pouco os olhos, provavelmente com medo de que eu dissesse algo alto, mas não se pronunciou.
- Ótimo! Por que a gente não sai hoje, depois da aula? - voltei a falar, toda animada.
O grupo fez umas coisas estranhas.
coçou o nariz.
inspirou fundo.
disse que não dava.
- Sinto muito, marquei um compromisso com o ...
- Mas ele não está trabalhando? - perguntou. Para nem ela ter certeza, imagine o quanto elas estavam se falando, sem minha companhia.
- É, ele arrumou um emprego - confirmou, olhando para mim, como que para explicar a parte que eu devia não saber. E não sabia mesmo. - Mas também arrumou um tempo para mim.
E piscou, contente. Nós rimos, em cumplicidade.
- Bom, ela tem uma desculpa. E vocês duas? - intimidei-as, mas já checando o relógio, para não perder aula demais.
- Você primeiro - disse para , que deu de ombros, como se fosse um fardo gigante dizer o seguinte:
- Vou para casa estudar.
Não consegui conter uma gargalhada.
- Você? Fala sério, você não estuda nem para as provas mais importantes - à medida que eu ia terminando de falar, percebia que era verdade. - O que aconteceu?
- As notas das provas passadas foram péssimas, não sei o que me deu - mexeu nos cabelos, desconfortável. - Eu vou ter que estudar, todo dia, até as férias - sua voz não podia ter soado mais monótona, mesmo que ela quisesse.
- Minha vez. O melhor fica para o final! - entusiasmada e, quem sabe, orgulhosa, começou a falar. - Tenho aula de violino.
- Ó, que legal! - comemorei, mas voltei à questão, porque era o que realmente me interessava. - Quer dizer que amanhã todas podem?
Elas meio que concordaram, enquanto eu levava um tapinha da .

Claro que no dia seguinte, acabou caindo fora, mas nós entendemos que a culpa não era dela, em parte. Acabou ficando tudo meio que bem, porque ela foi substituída pela Alyssa.
Não é o que parece.
Na aula, antes do almoço, Alyssa me disse por mensagem de texto que nós deveríamos sair para andar de bicicleta à tarde, porque o pai dela buscaria a dela no conserto e ela finalmente voltaria a perder algum peso. De qualquer forma, concordei, até animada. Quase nunca fazíamos atividades juntas.
Meu erro foi esquecer completamente das meninas.
"Então, bicicleta, mesmo?" ela mandou.
Ao que eu enviei, toda inocente "Claro, é sua vez de decidir". Eu só precisava lembrar de, na minha vez, pedir uma coisinha mais calma. Tipo colar giz numa tela e passar o secador de cabelos ligado no quente, para eles derreterem. Ou qualquer coisa tão simplória quanto isso.
Alguém devia ter gravado a reação das meninas ao me ouvirem falar que andaríamos de bicicleta naquela tarde, e - mais choque - com Alyssa.
Eu ainda me lembrava da tentando dar apoio moral às meninas:
- Pelo menos não é a Alaina.
Na verdade, alguém deveria ter aparecido um pouco antes e gravado a minha expressão ao ver que marquei um compromisso em cima do outro. E pior, que ainda tentei juntar os dois como se fosse um combo muito bom de cinema.
Ok, eu consigo. Eu consigo. Vai dar tudo certo.
Será que, repetindo o mantra mais umas sete, nove vezes, eu conseguiria acreditar?
Eu consigo. Está no papo. Elas vão se adorar.
E ainda vão me agradecer por isso.
Elas vão se adorar.
De repente eu comecei a imaginar o que realmente poderia acontecer. E as imagens mentais que me vieram foram de Alyssa pulando em cima da coitada da toda frufru, que fez algum comentário infeliz.
Elas vão se matar, concluí. Isso, se não me matarem primeiro.

Juntando a cara e a coragem, lá estávamos nós.
- E o ? - Alyssa continuou perguntando. Mesmo sendo menos assustadora do que no dia que nos conhecemos, as meninas ainda tinham medo de interagir com ela.
E eu estava disposta a provar que esse era um medo bobo. Como? Cutucando a onça com vara curta, claro.
- A gente pode brincar de seguir todos os meninos - decidi, por fim.
- A uma distância razoável - corrigiu. - Senão eles descobrem e perde a graça.
Estávamos na saída do colégio.
- Você está ficando esperta demais para o meu gosto - devolvi. Ela deu uma risadinha e mudou de assunto.
- Então... Como a minha casa é normalmente a última que vocês passam, melhor eu já ir.
Depois disso, só acenou e foi em direção a saída, com um sorriso discreto.
- Você não acha que ela... - começou a falar e fez um gesto no ar para ela nem terminar a frase.
- Melhor nem pensarmos nisso.
- Peraí, nisso o quê? Acho que nós estamos meio fora de sintonia, aqui - me ouvi falando, até um pouco desesperada. Alyssa não se mexeu.
olhou para ver se estava longe o suficiente e se voltou para nós, em tom acusatório:
- Não acredito que vocês não repararam! Que tipo de amigas vocês são?
Eu e meio que balbuciamos nessa hora.
A única coisa que eu consegui reparar de imediato, com nos acusando, foram suas olheiras.
- nunca concordaria com esse tipo de coisa! - ela continuou falando como se estivesse tão óbvio que nós só poderíamos ser burras por não ver.
- Seguir os meninos? - eu e indagamos juntas.
Coloquei uma mão na cintura, porque com a outra ainda segurava um livro.
- Mas isso é completamente normal - tentei defendê-la.
- Gente, essa não é a . Ela nunca concordaria em fazer isso porque ela é or-gu-lho-sa - separou as sílabas enquanto falava. - E, no topo disso tudo, ela não se importa tanto assim para ir atrás de um cara.
De repente, as coisas começaram a se conectar.
- Você acha que ela está desconfiada do ?
- Bom, já tem tanta coisa dando errado, que eu não a culpo - retrucou.
- É, vai que uma das gêmeas do mal resolve que quer ele ou o ou o meu ?
Contive o impulso de torcer o nariz para .
- Ah, sobre isso... - comecei olhando para Alyssa, mas terminei falando para .
- Eu vi a Loreli com o Tyler, no sábado. Não pode ter sido ela a ficar com o - e só então consegui encarar , mantendo a expressão tão neutra quanto morta.
- Como assim? Num encontro? - Alyssa confirmou ao que eu concordei com uma balançada de cabeça. - Até ele? Mas ele não era apaixonado por você?
Dei de ombros e ficamos em silêncio, até que tirou o celular, que apitava, do bolso e deu de ombros também.
- E se ela estiver com o e o Tyler? - arriscou. - Simultaneamente.
Nem pensei muito. Arrumei a mochila no ombro, sentindo o peso começar a me incomodar. Alyssa já trocava o peso do corpo de um pé para o outro.
- Não pode ser - bati as pestanas um pouco rápido demais. - Eu vi ela com Tyler outras vezes, e foi por ela que ele terminou comigo.
- Mesmo sem vocês nem terem começado - Alyssa concluiu.
Fiquei espantada com o quanto ela sabia, mas concordei.
- Acho que ela está mesmo com ele, mas não duvido que Alaina esteja pronta para separá-los a qualquer segundo.
suspirou pesadamente.
- Já era, meninas, perdemos. A gente devia é trazer uma bandeira branca e sacudi-la, antes que tudo exploda de verdade.
Nós só suspiramos. Eu não tinha muito conforto a acrescentar, mesmo.
- Preciso ir, meu pai chegou.
Depois que a perdi de vista, resolvi tirar uma dúvida com :
- Não era a mãe dela que a buscava?
- Era - e rolou os olhos, como se isso a irritasse. - Mas os pais dela resolveram brigar e inverter as tarefas. Parece que é para um valorizar mais as coisas dos outros. Ou as próprias - deu de ombros, repentinamente tranquila. - Problemas em casa, acontecem nas melhores famílias.
- Espero que funcione - tentei sorrir, encorajadora. - Então, vamos? - disse, me virando para Alyssa, que já tinha se distraído com o celular. - Larga disso, menina. Vamos almoçar.
acenou enquanto saíamos de perto dela, mas eu não sabia dizer pela sua expressão se ela estava conformada ou planejando uma fuga da nossa tarde.

- Oh, merda - disse primeiro. Na mesma hora, eu fui levada de volta ao dia que eu vi ficando com Alaina, mas só por um segundo.
estava na frente, na nossa fila indiana organizada da investigação. Tínhamos deixado nossas bicicletas um pouco atrás, escondidas nos arbustos da frente da casa de . Por isso, é meio lógico que estivesse na frente. O interesse dela era maior.
Com o que disse, eu só fiquei mais curiosa para saber o que se passava. Meu primeiro impulso foi me inclinar sobre seu ombro para ter a mesma visão que ela teve.
Oh, não.
- O que vocês estão vendo? - era o sussurro de Lyssa. Ela viu a mesma coisa que nós e não tinha entendido nada. Ficou na curiosidade de entender por que aquilo era tão importante.
Olhei para trás a fim de checar ao mesmo tempo em que ouvi sua voz vindo do outro lado. De dentro. Da garagem. Do .
- !
Nunca imaginei que fosse ouvir gritando, mas pelo que a vida vinha me ensinando, tudo tinha uma primeira vez.
- Adeus, disfarce - deixei escapar ao mesmo tempo que ouvia outro berro.
- ! - o outro grito veio no ritmo de um susto.
Sem contar o grito assustado de , claro.
Ninguém esperava a ali. Ou o resto de nós. E muito menos Alyssa.
Mas, pior ainda, ninguém esperava a super controlada ali, descontrolada.
- SURPRESA! - gritei por cima, seguindo o caminho até e , mas mantendo uma distância razoável caso eu precisasse correr.
- ? - largou o que fazia ao que eu me toquei. Ele estava tocando.
Tudo começou a fazer sentido. Instrumentos. Música. Garagem.
estava matando um dia importante no trabalho para se tornar um delinqüente musical. Ele queria abandonar tudo o que conquistou, trabalho e escola e chances de ir à faculdade!
Felizmente, antes que eu pusesse tanta abobrinha para fora, berrou, em resposta à . E ele nunca, absolutamente nunca, berrava.
- É MEU DIA DE FOLGA!
O silêncio na garagem não durou mais do que quinze segundos. Surgiu um novo impasse.
- E por que não me avisou? - sua voz saiu chateada.
Essa não era a que eu conhecia.

Depois de minutos de conversa constrangedora entre os dois...

No sofá da sala do , eu demorei um pouco para me sentir confortável, já que ainda conseguia ouvir a conversa do casal, que tinha se movido para a cozinha. Felizmente, a conversa estava baixa o suficiente para que eu pudesse me distrair, se me esforçasse.
- Então... - tentou fazer piada. - Por que eu não estou surpreso com vocês aqui? De todas as doidas possíveis da nossa escola!
Não respondi porque, mesmo prestando atenção, de alguma forma estava com a cabeça em outro lugar. Demorei demais para responder e, quando pensei em fazer isso, o que eu tinha a acrescentar havia se tornado irrelevante.
Alyssa devia estar constrangida demais para falar.
deve ter odiado o que ele disse, até porque estava acostumada com ele ser só dela e não ter mais do que 3 amigas, mas ignorou, mudando de assunto:
- Ah, estou tão orgulhosa de você! - todos ficamos em estado de espera. Orgulhosa do quê? De ele estar na estrada para ser um astro do rock da escola e trocá-la de vez por uma vadiazinha peituda? - Você continuou treinando. Fez o perder o dia de folga com a , claro - nessa hora ela revirou os olhos, em desaprovação -, mas...

- Que desculpa você ia dar quando eu perguntasse por que não poderíamos nos ver? Ia cobrir um turno, de novo?
Nos entreolhamos, sem entender como o som conseguiu escapar da cozinha.
- Ah, ótimo, agora você vai desconfiar de tudo!
Voltamos ao silêncio sepulcral.
- Não é como se eu não tivesse motivos - a voz de bradou de volta. Me senti a criança do casal que tem que ficar longe para não ouvir as brigas e enlouquecer.
- Acorda, ! O dia que eu te trair, você me dá esse sermão!


- Pode apostar que vai ser bem pior que esse, - sibilou, distraída.
Inspirei fundo, pensando que aquela tinha sido a pior ideia da semana.
- Mas já está tudo bem, certo? Tudo ótimo de novo! Eu vou lá checar as bicicletas! - Alyssa, praticamente correu até a porta principal, para não ouvir nossa resposta.
- Está todo mundo estranho, mas olha, vamos dizer que não está tudo tão ruim assim - interferiu.
Me ouvi dizendo:
- Você diz isso porque...
- Porque é importante treinar - ela rolou os olhos, lotados de sombra azul na região próxima ao delineador. também revirou os olhos, impaciente com o mistério que fazia desnecessariamente.
- Ela quer que que meu projeto na feira de talentos seja música - esclareceu.
- Você acha ruim?
- Só não gosto de público, você sabe - ele respondeu, parecendo calmo.
Em vez de dar incentivo, e por não saber o que falar, fiz joinha para ele.

Eu até queria continuar a investigação e ir atrás de , mas achei que com e sabendo que estávamos nesses esquemas, eles poderiam arruinar tudo. Então fiz o que faço de melhor e atormentei o um pouquinho, assim que tive um tempo.
- Oi.
- Oi, .
- Que que você está fazendo? - perguntei instintivamente. Fechei os olhos, me arrependendo.
Mau começo. Parecia que estava fiscalizando a vida dele.
- Estou... Fazendo nada. E você?
- Com quem? - respirei fundo, lembrando que eu parecia uma caçadora de recompensas, atrás dele.
E pior, tecnicamente, eu não tinha motivos para isso.
- Com... A TV?
Concluindo que estava fazendo papel de ridículo, quase desliguei de vergonha, quando ele teve a gentileza de perguntar de volta.
- E você?
E as duas palavras me fizeram ficar.
- Ah, estou com as meninas.
- Fazendo?
Stalkeando.
- Andando de bicicleta.
- Doida... - a voz dele pareceu risonha, por isso mesmo eu não entendi. - Está dirigindo e falando ao celular? - ele deu uma risada, mas ficou quieto em seguida. - Olha, , eu tenho que desligar, mas a gente se fala mais tarde, ou amanhã, ok?
Mas o que...
- Até amanhã.
Alguém me explica esse ?
saiu da casa de e me encontrou no jardim. Alyssa me encarava com cara de interrogação por causa da minha ligação. Em vez de dar uma explicação a elas ou pedir algum conselho, resolvi dessa vez, só dessa vez, manter meus problemas comigo e tentar resolver sozinha.
- E a ?
Guardei o celular no bolso. Eu precisava desviar a atenção delas de mim.
- Ah, ela está se despedindo do .
- Faz dez minutos - observei.
- Eu sei - ela deu de ombros, sorrindo. O que indicava que tudo tinha se resolvido.

Voltando para casa desse dia cheio, resolveu abrir a boca. Todo o comportamento dela se explicou em uma frase.
- Acho que eu gosto de verdade do .
soltou uma risadinha. Eu engasguei. Alyssa foi a única que não perdeu o equilíbrio mental.
- Eu sabia! Você está morrendo de ciúmes dele! - acusei, mesmo.
Fizemos uma curva.
- Claro que não - ela tentou reivindicar, mas desistiu da ideia, depois de alguns segundos. - Ai, estou mesmo. Depois que ele começou a trabalhar na loja de música eu só fiquei mais preocupada.
- E agora com ele tocando, vai ficar mais preocupada, ainda.
Se não curtiu muito a nota da Lyssa, não deixou transparecer.
- Eu só espero que isso não interfira na gente como casal, sabe?
- Relaxa, essas inseguranças acontecem. Mas eu duvido que o troque você por qualquer uma daquela escola. Não é como se alguém fosse tão boa quanto você para ele - foi Alyssa que respondeu. Fiquei em silêncio, um pouco espantada com sua gentileza.
Os olhos de se enobreceram. Ela foi toda meiga agradecer, quando quase bateu a bicicleta em um poste.
Tudo bem, ela desviou a tempo e, em pouco tempo, chegamos à casa de Alyssa, que se despediu e foi para os fundos por causa da bicicleta. A casa dela não só era grande, como também tinha um jardim bonito e bem cuidado. Do tipo que, se eu fosse vizinha, iria achar o dela mais verde que o meu.
Depois de um tempo de volta às ruas, resolvi perguntar:
- Tudo bem agora? Entre vocês dois...
- É, eu vou ter que viver com isso - riu sozinha. Só que não era divertido.

O dia seguinte pareceu um daqueles em que tudo o que eu tentava fazer, dava errado. estava distante, as meninas pareciam irritadas, não foi à aula e o Trio Elétrico parecia mais ocupado do que um relógio, sumindo de mim. A comparação parecia tosca, mas veja bem, um relógio funciona o dia todo.
Por fim, resolvi ligar para o , depois da última aula. Caiu na caixa postal.
Caixa postal é uma coisa assim, comigo. Se é alguém chato me ligando, eu deixo cair na caixa postal. Se não quero encarar a situação, caixa postal. Se briguei, a caixa postal também serve para fazer a pessoa se sentir culpada. Mas é absolutamente inaceitável quando alguém faz isso comigo.
Quer dizer, eu não mereço a abominável caixa postal! Mereço? Sou tão boa menina. Papai Noel me ama.
De qualquer forma, eu só me dei o trabalho de erguer o dedo até onde fica o botão vermelho do celular, apertá-lo e guardar o aparelho de volta na bolsa. Juntei minhas coisas para sair da sala e, indo para o estacionamento, onde tinha combinado de encontrar para pegar carona até em casa, encontrei Alaina.
- Como se meu dia não pudesse piorar.
- , como você está... Bem! - mas na verdade ela foi sarcástica. - Se veio procurar o - e aí ela tomou uma postura pseudocomovida -, é melhor eu te avisar que ele já foi embora.
Eu não ia cair nessa.
- Claro, claro - respondi, sem realmente dar atenção para ela, só para ela ter uma resposta e me deixar em paz.
Mas ela continuou acompanhando meus passos.
Respirei fundo para não testar minhas belas habilidades de soco na mandíbula dela, ali mesmo, no estacionamento.
- E por acaso você está vendo alguma Range Rover preta por perto?
Ignorei a pergunta, pensando em alguma saída.
- Ele estaciona mais para a frente - respondi, por fim, andando a passos um pouco mais lentos.
De repente, eu começava a suar frio e a minha pressão ameaçava cair, porque já tinha passado da área que costumava estacionar. Alaina também sabia disso. Só continuei falando porque estava tão nervosa que, se não gastasse o nervosismo, poderia chorar.
- E você já pode ir prepararando seu discurso chateado para ele, por ele ter deixado a senhora beldade por alguém tão horrível quanto eu - dei de ombros tão forte quanto pude.
- Ah, ... - ela disse, com um tom de voz que seria bondoso e condescendente, se não se tratasse dela.
Senti o choro emergindo quando chegamos ao fim do estacionamento. Fiquei de costas para ela, já que estava à frente e fechei os olhos. Respirei fundo, me controlando para não berrar que era tudo culpa dela, como eu costumava fazer quando alguém dizia algo que acabava acontecendo. Porque eu não era mais criança para fazer isso.
Então, eu só me virei de frente para Alaina, revirei os olhos e fingi que estava tudo ok. Como se eu e tivéssemos combinado de não nos encontrarmos ali. Embora sorrateiramente, eu soubesse que ela tinha noção do que estava acontecendo, e ela estava no controle. E isso me matava de medo.
- Não quer uma carona para casa? - ela ainda teve a audácia de perguntar.
E foi quando meu choro quase despencou. Olhei para todos os lados, tentei vasculhar os portões com os olhos, mas nenhum rosto amigável apareceu. Ninguém. Eu teria que encarar aquilo sozinha, mesmo que já tivesse perdido toda minha força.
Que maravilha. Obrigada, mundo.
Mas mesmo com a voz já embargada, sentindo que o mundo conspirava contra mim e que toda essa tristeza podia ser sinônimo de TPM, eu consegui responder, com toda a dignidade que consegui reunir em uma frase só:
- Eu prefiro ser atropelada no caminho de volta para casa a voltar de carona com você e seu carro imundo.
Frases de efeito são assim, não é? Você diz e cai fora. Foi o que eu fiz.

Capítulo 30
Meu celular tocou a tarde toda. E eu? Choraminguei a tarde toda. Ou o que sobrou dela. Fiquei repassando todos os momentos críticos e notando que as lágrimas já apareciam e escorriam sem dó.
Sou menina e meninas são assim, gostam de sofrer. Têm um pacto secreto com a dor. Adoram procurar motivos para se chatear, serem as coitadas. E o que há de mal em aproveitar o que a própria natureza fez de você? Eu só estava sendo eu mesma, chorando sozinha, enquanto fazia o trabalho do meu irmão. O que me deixava mais triste ainda, porque me lembrava de que eu tinha ainda três dias de tarefa desse traste nomeado Collin.
A vida é uma droga.
Em certo ponto da tarde, o esperto do resolveu me mandar mensagens, porque percebeu que não havia chance de ele ser atendido.
", desculpa! :/ desculpa mesmo. Deixa eu falar com você, eu posso explicar isso =///".
Não sabendo dizer se os emoticons eram para dar um ar cômico e me fazer rir e perdoá-lo, ou se para fazê-lo parecer mais dramático e coitado e então receber perdão, não respondi.
O celular apitou de novo.
"Por favor, pelo menos me ouve..."
Desisti de olhar o computador e me joguei na cama. Pude ouvir, nem três minutos depois, o celular tocando mais uma vez. Deixei que a ligação caísse. De novo. E de novo. Até que eu cansasse, por enjoar do toque e do barulho levemente irritante, resultado do celular vibrando contra a madeira, e me levantasse.
Apareceu mais uma mensagem. devia estar realmente arrependido.
". Por favor."
Respondi com um "ok".
Meu celular tocou segundos depois, e eu testei minha voz antes para garantir que não pareceria de choro.
- Oi - minha voz saiu tão seca quanto possível.
- ! - a voz dele, por incrível que pareça, saiu aliviada. Eu não ficaria aliviada se soubesse o quanto eu estava chateada, nervosa e de TPM. - Então, sério, desculpa. Não, primeiro... - ele respirou um segundo, achei pouco e bom demais ele se embananando todo nas palavras. - Primeiro, desculpa. Não, eu... Eu, sério, tudo bom? Você está bem? Desculpa? - respirou de novo. - Olha, eu posso explicar. Você ainda está aí na linha, né? ?
Respirei um pouco mais fundo para ele saber que eu estava ali, mas ao mesmo tempo que ele começava a falar, falei:
- Eu não sei o que você vai falar, mas eu espero que... - e ainda falava por cima, então falei mais alto. - Espero que... - e ele parou de falar - a sua desculpa seja boa o suficiente.
Até passou pela minha cabeça falar a cena humilhante do estacionamento, mas era tão humilhante que eu preferi não contar.
A resposta foi mais confusa do que eu esperava.
- Olha, , eu... Não posso te falar por enquanto - respirou alguns segundos. - Mas... Eu vou te falar logo, eu te prometo. Eu...
Interrompi, descrente.
- Você não pode falar?
- Eu-não-desculpa! - ele gaguejou. - Não é isso, . Eu... Eu vou te contar. Mas não posso te falar agora. Eu juro que logo eu vou te explicar tudo!
Lembrar da fazendo a mesma coisa e esperando que eu fosse compreensiva e agora ver a história se repetir foi a gota d'água para que toda a minha frustração explodisse em gritos. Por que todos insistiam em cometer erros idiotas como esse?
Eu podia jurar que tinha afastado o rosto do telefone.
- AH, VOCÊ NÃO PODE FALAR? MAS ME DEIXAR SOZINHA NAQUELE ESTACIONAMENTO, AGUENTANDO HUMILHAÇÃO, ISSO VOCÊ PODE, NÉ, . ENTÃO, EU ACHO QUE VOCÊ PODE FICAR UM POUQUINHO SOZINHO COM OS SEUS PENSAMENTOS TÃO CULPADOS.
Antes que eu tivesse a chance de me arrepender, desliguei na cara dele, jogando o celular a poucos centímetros de mim na cama, com força.
O aparelho voltou a tocar, ainda não contente com minha derrota. Atendi com receio.
- - ouvi a respiração pesada dele bater no telefone. - Você entende que você vai ter que me ouvir mais cedo ou mais tarde, não entende? - murmurei para ele continuar falando. - Eu só estou pedindo para você ter um pouco de paciência e me desculpar por esse deslize.
Ele falou como se fosse tão simples, que precisei segurar o ímpeto de materializá-lo na minha frente para destruí-lo imediatamente.
- Deslize, . Claro, deslize. Erros são deslizes, certo? - tentei ver se ele acompanhava minha linha de raciocínio. - Será que eu posso considerar ter ficado com o Tyler um deslize? Será que foi um deslize você ter ficado com a Alaina, na festa que tinha originalmente me chamado para ir? E será que--
- Você está misturando as coisas! Isso é coisa séria, não é uma brincadeirinha de colegial!
Fiquei muda.
Aí, já era demais.
- Você sabe que eu não quis dizer isso.
- ...
Comecei a desenhar na própria perna, numa forma de me distrair e não ser mais desequilibrada do que tinha sido até então.
- Você sabe, , nós não--
- Brincadeirinha - minha voz saiu cortante, e isenta de emoção em seguida. - Acho que isso explica muita coisa.
ficou quieto por meio segundo, antes de tentar corrigir as coisas.
- , você sabe que eu não quis dizer isso, eu--
Desliguei o telefone, esperando que ele entendesse que dessa vez não teria uma segunda chance de se explicar. Foi bem a tempo antes que eu voltasse a chorar e, dessa vez, com o como espectador.
Fonespectador?
Que merda.
Chorei mais ainda quando reparei que nem minhas piadas eram boas.
Minha vida não ia bem.
Minhas piadas não iam bem.
Será que dava para eu simplesmente parar de pensar nisso? Não existiria um meio de apagar o que acabara de acontecer da memória?
A voz de ribombava na minha cabeça a última dose de humilhação do dia.
Brincadeirinha de colegial.
Agora dava para entender o motivo de ele ter me chamado para a festa e ficado com a Alaina no momento em que achou que não iria me ver lá. Dava para entender ele ter brincado de me seduzir na festa da piscina. E ter tido que tomar muita bebida para isso. Ter tentado me beijar. E de novo e de novo, até conseguir. Então, eu era apenas isso. Um jogo. Uma mera brincadeirinha de colegial. As idas e vindas. Tirar-me daquela festa da Alaina, no dia do meu próprio aniversário! Era para ele ser um herói, então, mostrar que ele é forte, que tem malhado os bíceps? Porque eu podia jurar que ele só me tirou de lá porque se importava comigo. E os poucos flashbacks que eu tinha me diziam que ele tinha se importado de verdade. Ele até me levou para o quarto dele. Ele disse que cuidou de mim! Porra, ! Como que eu acreditei, por tanto tempo, que você realmente se importava? Porra, coração burro.
Então foi por isso que ele não hesitou em me deixar esperando na saída. Porque eu não tinha a menor importância real para ele. Claro, alguma importância eu tinha, ou ele não ligaria pedindo desculpas, mas passei a me sentir tão importante quanto um brinquedo.

- A culpa não é sua, - eu repetia para mim, enquanto me olhava no espelho do banheiro, ao mesmo tempo em que tirava a roupa para tomar uma ducha. Uma que lavasse o de mim, de preferência.
Mas todo mundo sabe que água tira sujeira, não pensamentos. Então, seria burrice, mesmo que por teoria, tentar tirar a sensação de beijar alguém escovando bem a língua, ou tirar o pensamento de alguém por passar um xampu anti-resíduos.
- A culpa é totalmente sua, . Quem mandou se apaixonar por ele? Quem mandou acreditar?
Paixões platônicas foram feitas para ficar longe, no alto. Amores não correspondidos não eram correspondidos por um motivo.
E eu lá chorando debaixo do chuveiro, enquanto o celular, depois da última rodada, ficava quietinho. Nunca me senti mais idiota e usada.
E se não fosse para ser, eu e ele? E se desde o início, eu tivesse ignorado todas as leis do universo e isso fosse apenas a realidade finalmente me alcançando?
Aproveitei para chorar mais um pouco, em luto pela minha felicidade ilusória.

Meu irmão, coitada de mim, me seguiu até meu quarto depois da janta, obrigando-me a entregar para ele suas tarefas.
- Até que você está sendo rápida - Collin pegou, todo orgulhoso, três páginas de pesquisa. - Parabéns, por enquanto.
Dei de ombros, sonhando com o momento em que ele sairia pela porta e eu poderia voltar a mergulhar em autopiedade no meu travesseiro, olhando as nuvens cobrirem a lua através da janela.
Collin estava saindo do quarto, sem ao menos tirar os olhos dos papéis, quando parou no batente e se virou para mim. Ele estava com papéis nas duas mãos, mas ergueu-as, como parte da pergunta:
- Tem alguma coisa errada, Bolinha?
Já dá para saber o meu formato quando eu era criança e, consequentemente, meu apelido. De qualquer maneira, agradeci mentalmente por Collin ter a noção de nunca falar isso na frente dos meus amigos.
- O quê?
- O que aconteceu? - e ele fechou a porta assim que perguntou, se sentando na beirada da minha cama em seguida.
De um jeito que dizia claramente que ele sabia.
- Nada. Por que a pergunta? - mas meu orgulho falava mais alto.
Ele ergueu uma sobrancelha, apoiando o braço atrás de si na cama.
- Para cima de mim, ? Sério? - ele mal terminou de falar e eu já estava sentindo os olhos arderem, sendo levada pela emoção e contando toda a história, nos mínimos detalhes. Quando terminei, ele me abraçou, com o olhar de piedade carinhosa que só nele eu sabia identificar.
Enquanto o abraçava, olhei para baixo, em algum segundo que abri os olhos. Notei que os papéis que entreguei a ele tinham algumas bolinhas onduladas, resultado de marcas de lágrimas. Apesar de tudo, não consegui evitar um sorriso de canto.
Collin provavelmente teria que digitar tudo de novo, mas nem jogou isso na minha cara.
- E esse que sonhe em chegar perto de você de novo, bô.

Nem cinco minutos depois, Collin deixou o quarto. Quando vi que ficou disponível na internet, mudei meu status para offline, mas continuei falando com e as meninas do mesmo jeito.
A essa altura, eu já tinha contado para elas. Aproveitei o fim da noite para chorar e meter o pau até a última geração .

Saindo no intervalo, coloquei música no último volume.
É isso que eu ganho quando deixo meu coração ganhar (do cérebro).
UOOOOHOOOUOOO-OOOAAH.

- Ah, que susto! - berrei, por ser cutucada bem quando eu fazia o ritmo da música de boca fechada.
Era , fazendo um gesto para que eu tirasse os fones. Juntei minha mágoa por ele ter me evitado tanto tempo e soltei: - Eu consigo te ouvir - acabou sendo uma tirada, ou grosseria, o que encaixasse melhor. - Droga. Calma aí. O fato era que, na verdade, não conseguia ouvi-lo tão bem assim. Fui obrigada a tirar um fone.
- Você vai ficar surda com esse tipo de música, é tão chato - ele debochava.
Bufei e mesmo sem um fone, me virei para sair de perto dele. Senti sua mão me parando pelo ombro.
- Ei, espera. Desculpa. , espera.
- O quê?
Perguntei, aborrecida.
- Espera...? - ele repetiu a coisa errada.
- A outra coisa - fiz um gesto com a mão, em seguida tirando o outro fone para parar de me distrair com a música.
- Desculpa?
- É, agora diz como se deve - pedi, unindo as sobrancelhas. Eu realmente devia estar sentimental.
Só aí a ficha dele caiu.
- Desculpa, , desculpa. E me desculpa, mesmo.
- Tudo bem.
Eu sorri, mas tentando ser fiel aos meus pensamentos que me diziam que eventualmente todos vinham me deixando, acabei voltando a andar. Não sabia nem onde teria parado se ele não tivesse corrido e parado na minha frente. E se minhas pernas fossem um pouquinho mais rápidas e funcionais.
- , não exagera. Eu sei que eu tenho estado ocupado, mas não é de propósito. Quer dizer, claro que é, só que eu tenho tirado péssimas notas e só agora estou me esforçando nisso.
- Ah, decidiu entrar na faculdade? Bom para você - desviei dele, depois de ser parada por alguns segundos.
Embora tivesse soado grossa, no fundo eu tinha esperança de que ele ignorasse o sarcasmo na minha frase.
Ele continuou andando do meu lado no caminho até a minha sala. Que, aliás, era a dele.
- Pelo amor, ! Você viu que os professores finalmente estão gostando da minha participação. Eu estou estudando feito um camelo!
Seria uma ótima justificativa... Se camelos estudassem.
- Mas, , a gente estuda na mesma sala e você nem mais olha na minha direção. Você nem me cumprimenta - sabia que estava falando como se fosse um sacrilégio, mas para mim, era mesmo. - Você passa reto, toda manhã. E ninguém vê você na hora do almoço, são poucas as vezes em que eu vejo você com os meninos. Você está virando algum tipo de cara foda demais para conversar comigo ou com qualquer pessoa que tinha amizade com você antes de você de repente decidir que queria ser um nerd?
Reparei que enquanto eu falava esse parágrafo, deu tempo de chegar na sala, então me preparei para voltar a ser ignorada no momento que entrássemos.
me seguiu até a minha carteira. Sim, minha, porque a dele ultimamente era do outro lado da sala, na janela, de frente para a mesa do professor.
- Você acha que eu gosto de sentar ali? De ficar com a cabeça tão cheia de contas matemáticas que eu mal penso? O Sr. Southall me chamou na sala dele e me deu um ultimato.
Arregalei os olhos.
- Eu não imaginava, ...
- Lógico que não, ! E tudo o que você faz é olhar seu próprio umbigo e, claro, em vez de perguntar como estão as coisas, você vem acusando. É a sua cara, mesmo!
Fiquei sem ação, por um segundo.
- Minha cara? É minha cara fazer isso? - e abri a boca, indignada. - , eu tenho tentado te ligar quase todos os dias. Minhas ligações vão para a caixa postal e, como eu já disse, você passa reto por mim. Desse jeito como eu vou poder falar com você? - nós dois estávamos tentando não gritar, mas nós éramos o show da sala, a essa altura.
- Olha... - ele decidiu abaixar o tom de voz porque era o mais racional de nós dois. - Desculpa, mas você... - e respirou fundo. Pressenti coisas ruins. Senti vontade de chorar ali, mesmo. O que mais poderia ir mal? - Você não pode agir mais assim, . Não é mais o primeiro ano, nós não somos mais crianças.
- Sei disso, ... - admiti baixo.
- Eu posso ter dado mancada quando me esqueci de falar para você que meus pais tiraram meu celular, mas acho que também não tenho toda a culpa, já que nenhuma vez você veio à minha mesa e tentou falar comigo.
- Claro, você nem olhava na minha cara! - tentei mais uma vez provar meu ponto, mas já entendendo onde ele queria chegar.
Eu estava errada. E era uma filha da puta egoísta, mesmo. Só esperava o coitado vir falar comigo, mas nem uma única vez levantei para perguntar o que acontecia com ele.
Abaixei a cabeça e só a levantei quando tive mais coragem, o que levou alguns longos segundos.
- Desculpa, . Desculpa, do fundo do meu coração - e pela primeira vez, eu não estava sendo irônica ao dizer isso. - Eu não sei quando eu me tornei essa hipócrita, mas eu... Eu acabo sendo assim, sempre.
- Tudo bem - ele deu um sorriso aliviado, finalmente. Deu de ombros. - Me culpe. Eu bem podia ter vindo falar com você e te avisar também, mas minha cabeça estava tão cheia que--
E o cortei:
- Claro que não. Eu fui egoísta também, esperando que você se mexesse para falar comigo. Deixando tudo para você, sem nem saber o que se passava. Eu só não sabia que você estava num momento tão difícil. Quer dizer, claro, eu vi você passando reto por mim com uma cara perdida e fiquei com dó, mas... Voltando para esse momento, esse dia... Eu lembro que eu não tentei falar com você.
- Sempre fugindo do problema - completou o que eu estava pensando. Eu ri baixo, pelo nariz.
- Amigos de novo? - perguntei, estendendo a mão.
Acho que ele achou muito patética a frase, então só concordou com a cabeça e me deu um abraço. O abraço mais gratificante em um bom tempo.

Seguinte ao fatídico dia, enquanto eu estava no intervalo com os meninos - com exceção de - , e , ouvi as duas falando alguma coisa sobre as gêmeas, que de repente estavam em todas as conversas, então resolvi prestar atenção. Veio o seguinte:
- E eu ouvi que a Valerie estava com você! O que aconteceu? - , perguntou cheia de segundas intenções para o , que respondeu rápido:
- Quem é Valerie?
Não aguentei ficar séria. Disparei a rir e quando parei para respirar, percebi que e se matavam de rir também. segurava o riso para fingir seriedade para a piada, enquanto tentava imitá-lo, provavelmente para não ficar queimada com , que não se encontrava em sua melhor situação.
- ... - ela começou gentilmente, quando todos haviam se recuperado. - Eu estou falando sério.
- Eu também - e finalmente deu a gargalhada que queria dar desde o início, trazendo todos às risadas, de novo. Exceto por , claro. - Ok, ok. O que tem ela?
- Ela e a irmã dela disseram que você traiu a ... Disseram para a ...
Explicou devagar como se ele fosse analfabeto.
- Ah, achei que tivesse aparecido alguma outra coisa.
- Mas... - começou a falar.
- O que aconteceu? - falou por cima.
- A terminou comigo - ele deu de ombros, sabendo que todos já tínhamos conhecimento dessa parte. - Mas ela sabe a verdade. Achei até que tivesse falado para vocês.
- Aquela vaca... - começou a falar baixo, mas voltou a investigar. - Mas todo mundo está pensando que você traiu a com... Com uma das duas.
Até eu achava.
- E ninguém tinha contado a verdade para nós! - parecia puta da vida.
Não que eu estivesse realmente absorta à situação, mas não estava tão irritada assim. Eu tinha outras coisas na cabeça.
- É, por que vocês guardam tantos segredos, hein? - perguntou com cara de bobo apaixonado, abraçando . Concluí que eles finalmente estavam entrando no ritmo certo.
Isso me fez lembrar de . E em seguida de como eu estava chateada com ele.
- Mas a verdade é que... Você não traiu a ? - voltou a tocar no assunto.
- Dessa vez, não - deu de ombros, torcendo a boca. - Mas nós estamos ficando, às vezes. É só que ultimamente está muito corrido para mim e para ela. Não sei se vocês perceberam, mas só eu e ela nos demos mal demais nas provas.
Então por isso ela tinha decidido estudar tanto. Talvez o Southall a tivesse chamado em seu gabinete também.
- Castigo divino - comentou, fazendo sorrir tranquila.
- E acabou que percebemos que está muito melhor assim - continuou falando como se não tivesse sido interrompido. Nesse momento, avistei se aproximando e juntei os lixos do que eu tinha acabado de comer, com a desculpa de jogar fora. - Estamos conseguindo lidar um pouco melhor com a escola, quem sabe passaremos numa boa faculdade e sem contar que, ficar escondido... Vocês não tem ideia de como fica mais fácil.
- Bem pensado. Tenho que jogar isso no lixo - talvez eu tenha falado um pouco rápido demais.
Teria sido bem menos hipócrita dizer que o motivo de eu jogar metade de uma fruta fora era o estar se aproximando, já que todos perceberam. Notei que o seu semblante se abateu um pouco quando me viu levantar para sair dali, mas não tinha mais volta. Fui procurar Alyssa.

Foi a última vez na semana que realmente vi o , mas o momento foi tão marcante que acabou ficando na minha cabeça até a hora de dormir e, honestamente, eu me culparia para sempre se não comentasse nem um pouquinho sobre ele.
Foi assim: eu estava na sala, pouco antes da última aula. As coisas estavam meio resolvidas com o , então eu ainda pisando em gelo fino enquanto falava com ele.
apareceu na porta da sala no mesmo segundo que eu olhava para lá. Isso me deixou um pouco constrangida, porque estava acontecendo mais do que o habitual, mais do que quando eu não estava evitando olhar na direção dele. Pensando bem, acho que isso começou a acontecer com frequência porque eu comecei a observar os lugares com mais atenção, exatamente para evitá-lo. Que vida.
Ele aproveitou que trocamos um olhar e fez um sinal com a cabeça para que eu fosse falar com ele, lá fora. Pega no flagra, minha reação foi ir.
- , fala logo, o que foi? - acabei soltando num estrilo, quando vi que ele continuava e continuava andando.
Afinal, aonde ele queria ir? Ao Jardim do Éden?
De qualquer forma, ele conseguiu ser educado:
- Eu sei - sorriu. - Temos aula juntos, lembra? - o sorriso continuava ali e eu fui obrigada a olhar para o chão se não quisesse sorrir junto. - Então, eu queria... Achei que falando com você, a gente pudesse resolver... Isso - gesticulou na última palavra.
- Isso...? - parafraseei.
- Nós - corrigiu com pressa. - Nós e essa bagunça.
Continuei fitando-o e foi um esforço tremendo não cruzar os braços. Porque eu sabia que mais do que isso ia ser impossível reagir.
- Sabe, você... Eu...
E ele não era muito melhor que eu na arte da comunicação.
- Sei. E essa bagunça toda - repeti o que ele disse.
- É.
- Essa brincadeira toda - dei de ombros, me virando sabe-se lá por que motivo, já que o que eu mais queria era ficar ali com ele, abraçá-lo, beijá-lo e dizer que o perdoava.
- , olha... - recomeçou, me convencendo a ficar, sem nem precisar pedir. - Você gosta de mim. E eu também gosto de você. Eu só preciso que você confie em mim. Por que você não facilita as coisas e me desculpa?
Mas ele colocar as coisas assim, como se ele soubesse o que eu sentia, que o que eu sentia estava garantido, me deixou furiosa.
Torci para não ter ninguém escondido atrás de algum arbusto , ouvindo a conversa.
- Gostar de você? Eu poderia até ter gostado de você. Poderia até ter pensado que te amava ao longo do caminho - os olhos dele se abriram mais nesse ponto. Talvez essa não fosse a melhor forma de admitir que eu o amava. - Mas isso é passado. O que eu sinto por você fica longe disso agora.
Estava assustado com minha grosseria com a minha grosseria ao mesmo tempo que suas sobrancelhas se uniram, em uma descrença óbvia. Foi aí que eu pensei que merda é essa que eu estou fazendo?
Antes que ele pudesse gritar, me xingar, falar que era mentira - porque era - e me desmentir ali, mesmo, dei as costas a ele e saí correndo, torcendo para que ele não me impedisse.
Foi a última investida dele na semana e, bem, quem poderia culpá-lo? Talvez estivesse certo e eu tivesse me tornado uma pessoa egocêntrica e sem coração, mesmo.

Capítulo 31
Alyssa estava reclamando que seus antigos amigos estavam um pouco ocupados e queria sair.
- Não aguento mais ficar em casa - ela rabiscava um banco com seu estilete.
Eu mal conseguia pensar com a lâmina tão próxima de mim. Em retorno, eu falava de porque era o que vinha me aborrecendo.
- Pelo menos você não é a brincadeira de colegial de alguém. E ele ainda queria que eu o perdoasse.
- Deixa ele comigo, . Eu já te falei - ela sorriu, erguendo o possível instrumento de tortura.
Me encolhi no meu canto do banco.
- Você sabe que isso é arma branca, não sabe? - olhei para os lados, conferindo se algum Southall poderia surgir. Era o fim do almoço e a maioria dos alunos tinha entrado para suas respectivas salas. - Eu realmente não acho que eles permitem estiletes nessa escola.
- Tive uma ideia - ela disse de súbito, me causando um mini surto que me fez esconder atrás do blazer. - Calma, não vou te acertar. Eu estou precisando me distrair, você também - antes que eu protestasse, ela levantou a lâmina, com ar mais brincalhão. - Vamos a uma reserva florestal.
- Sério? - ela ergueu uma sobrancelha, não entendendo o motivo do meu desprezo. - Quer dizer, parece realmente legal.
A amizade com Alyssa podia ser definida em uma palavra: difícil.

Muito. Difícil.
Por exemplo, quando ela decidiu sair do caminho de uma trilha, em uma brincadeira em uma reserva florestal, relativamente perto de Londres. Em primeiro lugar, eu não entendia por que existia trilha em um lugar tão cheio de folhas. Devia ser sacrilégio algum humano tocar aquelas áreas verdes e cheias de musgo, porque, sinceramente, estávamos completamente perdidas. Claro que ninguém ia ali há anos! Parecia tão intocado que só podia ser um lugar agressivamente amaldiçoado! Ninguém devia conseguir chegar lá com vida. Nós tínhamos sorte demais e devíamos parar de abusar dela.
- Ótimo, estamos perdidas - anunciei.
Não era muito a minha praia me fazer de ingrata, mesmo porque até então o passeio tinha sido legal, mas rodar em círculos? Não nasci para ser pião.
- Claro que não estamos - defendeu-se apenas.
- Ah, é? Qual a diferença entre essa árvore oca e a outra que passamos faz uns cinco minutos?
Eu também não entendia por que não tínhamos ido com guias.
Ela não respondeu, mas apertou os lábios com uma expressão de dar pena e voltou sua atenção ao mapa de emergência.
- Alyssa, não pode ser por aqui... - concluí, olhando do pequeno mapa para ela, me tocando que seria muito mais útil ter levado um GPS. Isso é, se ele mesmo não se perdesse.
- Por que não? - ela finalmente parou para me encarar, fincando suas botas grandes na lama.
Continuei andando e passei por ela enquanto respondia.
- Talvez porque as pegadas do grupo anterior tenham acabado? - juro, era para ter sido uma pergunta super inocente, só um pouco irônica, mas talvez usar ironia em uma floresta também fosse pecado, porque acabei pisando em um pedaço de lama tão, mas tão mole, que afundei minha perna toda (isso mesmo!) na lama. - Ah, espera, acabei de fazer uma pegada bem grande, talvez seja por aqui.
E lá se foram meus nervos da perna, todos estropiados.
Certo, meu problema também era a humilhação, mas eu não sabia ser ecológica a esse ponto. Reciclar é uma coisa, brincar de trilha e andar no meio da selva como se eu fosse o Tarzan fêmea era outra completamente distinta.

Houve outro episódio, na segunda seguinte. No sábado eu precisei ir à pedicura, depois do sofrimento da combinação lama e botas. Para piorar, a moça acabou me machucando, então eu não conseguiria colocar sequer um tênis por um tempinho. Coloquei uma sandália e pareceu uma boa ideia até que eu tive que sair com Alyssa.
- Lyssa, vamos comprar alguma coisa para comer, estou quase morrendo de fome - declarei, saindo da minha sala, com ela em meu encalço.
As outras meninas já haviam saído e, tendo eu percebido que era um erro misturar Alyssa às outras três, já que finalmente percebi que elas ficavam extremamente irritadas com Alyssa por perto. O pior é que não podia culpá-las. Tentei dar mais atenção para Alyssa, já que eu já passava quase todas as tardes com as meninas. Saindo da sala, porém, com minha bela sandália estilo rasteirinha, de repente me vi colada ao chão. Confesso que fiquei confusa por um segundo.
Foi assim. Tentei sair, mas Alyssa andava tão colada em mim, vai saber por que, que pisou na sola do meu sapato e não tirou o pé de lá enquanto eu não perdi o equilíbrio e caí.
E também tinha o fato que ela era meio desajeitada, então antes de tentar me ajudar a levantar, ela esbarrou em mim enquanto eu me levantava sozinha, piorando a situação.
- Ai, meu Deus, desculpa! - e depois de me derrubar pela segunda vez consecutiva. - , foi sem querer, me desculpa!
Episódios que eu ainda me esforçava para esquecer.

Claro, foi realmente engraçado me ver espalhando os membros do corpo como uma estrela-do-mar e metendo a fuça no chão. Eu teria rido, se não fosse comigo. Mas o pior é que foi comigo e ela fez sem querer, mesmo, mas vai explicar isso para a meia dúzia de alunos que te viram comer o chão e agora riem do seu nariz, por mais que seu tombo seja o mais clichê do mundo.
Alyssa era tão grande e tão inocente quanto um ogrinho verde e desastrado.
Também teve a vez que ela me obrigou a ir com ela em um negócio de abelhas, como forma de se desculpar pelo episódio da trilha.
Honestamente, não gosto nem de lembrar.
Como dava para ver, a última semana não tinha sido nada fácil, ainda mais se somássemos tudo isso ao fato que não havia se arriscado mais do que duas vezes a falar comigo, até esse dia em que caí.
Sim, houve uma parte boa na semana. Depois de desistir de falar comigo pessoalmente, ele me deixou alguns recados... Que na verdade eram trechos da minha música preferida de Bowling For Soup, Me With No You e que adicionaram pequenos pontos de luz à minha semana negra.
O primeiro foi "Eu sou uma fotografia precisando de zoom. Me sinto longe, não consigo enxergar o rosto... Está tudo embaçado desde que você se foi", escrito atrás de uma foto revelada que tiramos no dia da feira de verão, nas árvores atrás da escola, depois que todo mundo foi embora. E ela tinha ficado, mesmo, meio borrada. Quase desabei ali mesmo, mas me limitei a guardar a foto comigo. Agora, ela estava no meu mural.
No dia seguinte, quando abri o armário do treino, tinha uma pulseira lá. Como ele conseguiu fazer isso, já comecei a duvidar que fosse ideia das meninas. A pulseira era daquelas cheias de pedrinhas que, se não são verdadeiras, imitam Swarovski. Com ela, tinha outro bilhete. "Sou um círculo incompleto, sou um coração que mal bate. Todas as memórias ficam para sempre como tatuagens". E no dia que se seguiu, "Sou uma estrela sem céu, eu sou oi sem um tchau", me fazendo ter vontade de abrir todos os armários todos os dias. O último foi "Eu sou os sonhos que tivemos que nunca vão se realizar, esse sou eu sem você", junto com uma rosa presa do lado de fora, próximo ao cadeado. Honestamente? Bom trabalho, . Avance 20 casas para o meu coração.
Então, quando sexta-feira voltou, eu fiz a dança da vitória assim que saí do chuveiro. Tentei evitar ter esperanças sobre à medida que o tempo passava, mas nada mudava o fato que era sexta, e eu poderia descansar de pensar nele, nos seus bilhetes e nas maluquices de Alyssa.
Recebemos um calendário informando que as novas provas chegariam em três semanas, o que era um aviso para nos prepararmos.
Já aproveitei para me despedir da minha felicidade.

- Bolinha, tudo bem aí? - adivinha se não era o Collin, batendo na porta do meu quarto.
Fiquei quieta o suficiente para fazê-lo ficar preocupado com meu possível suicídio e abrir a porta.
- Odeio quando você abre sem bater - ele ignorou meu comentário sem lógica, mas pelo jeito pensou que eu estava bem até demais, tanto que já podia até xingar. Prova disso foi a expressão de desprezo quando seu rosto adentrou o quarto.
- Só vim avisar que a sua amiguinha está aí... Alyssa.
E fechou a porta.
O que Alyssa foi fazer em casa, na verdade, não era tão importante assim. Ela só queria pedir desculpas pela semana desastrosa que eu tive e se oferecer para me ajudar a estudar, se eu quisesse. Claro, nas matérias que nossas salas estivessem iguais porque, às vezes, uma sala ficava mais à frente do que a outra.
Acabamos lanchando juntas, mas ela quis ir embora antes do jantar e, bom, para cortar as partes em que me martirizei - antes e depois do jantar - fiquei estudando. Mas dei uma escapada para internet, em uma necessidade de escapar da realidade e aproveitar o início do meu desanimador final de semana. Foi aí, quando a noite caiu, que eu senti a atmosfera mudar, mas não dei muita bola para os arrepios nas minhas costas.
Eu estava lá, super de boa em um site para garotas adolescentes, quando encontrei a seção de testes! Fiz o primeiro, que julgava o fato de eu estar ou não pronta para namorar. Ali dizia que eu estava prontíssima, minha personalidade era ótima e que meu namoro seria incrível. A vida discorda. Não me abalei.
O segundo disse que eu não me parecia nem um pouco com o Brian, aquele cara dos Backstreet Boys, que isso dificultaria nosso namoro, mas que, de repente, os opostos se atrairiam. Descendo na lista de testes, encontrei um que decodificaria as ações da minha amiga para saber se ela estaria a fim de mim.
Perturbada com o tipo de porcaria eu estava fazendo com a minha vida, antes que eu pudesse clicar no link para outro teste, ouvi pedras na janela. Decidi que eu só podia estar delirando, até que, encarando a mesma, notei que outra pedrinha voou nela.
Na verdade, de primeira eu não soube que eram pedras, mas achei mais poético assim. Alguém queria chamar minha atenção e eu tinha expectativas quanto ao alguém.
Quando ouvi uma voz de menina testando o som da sua voz, a primeira coisa que pensei foi Não acredito que não é o , ainda sentada na minha cadeira de rodinhas, depois pensei Claro que é o , quem mais seria? e então, quando tentei encaixar o som alto na história: Ele trouxe um carro de som para cá! Mas, em parte, ele tinha feito pior. Muito pior. Mal sabia eu.

Mais cedo, naquela mesma sexta feira nublada, havia usado a desculpa de precisar estudar para não chegar perto de mim, assim como vinha fazendo quase todos os dias, exceto por esse. e se grudaram com super cola e foram passar todos os horários possíveis na sala de música, com a desculpa de que precisavam de silêncio para fazer um trabalho. Uma pena que eu não me toquei e contestei na hora sobre não haver jeito de as duas fazerem trabalhos juntos, sendo que nem era da nossa sala. e ? Do mesmo jeito que , nas semanas passadas. Nem sombra. Enquanto abria minha janela, notei que a música ficou mais alta e então, ligando os pontos, entendi que todos - com exceção do pobre , que teve que ficar estudando na minha presença porque aí seria abandono demais - sumiram pelo mesmo motivo.

Agora, à uma da manhã, em uma madrugada estrelada, eles estavam no meu jardim, acompanhados de bateria, guitarras e um baixo. Fazendo meu coração quase saltar pela boca.
Ok, na verdade, a bateria era mais um projeto de bateria, mais semelhante a um bumbo. Os meninos usavam roupas no estilo mexicano, com sombreros e bigodes muito, preciso admitir, sensuais, por mais que a combinação não passasse muita firmeza a outros mortais. As meninas estavam de vestidos vermelhos para combinar e usando, sem exceção, o blazer dos meninos. Achei bonito.
Procurei o blazer de , pensando por um segundo se não estaria com alguma das meninas, mas conclui que ele decidiu ir sem. Ou talvez estivesse tão nervoso que não precisasse de casaco, por estar com calor. Era o que eu preferia pensar.
Todos meio que cantavam. estava na frente, claro, para me ver melhor, até porque tinha uma árvore meio perto da minha janela, o que não deixava a serenata 100% visível se eles ficassem bem para trás. No fim, isso ia para o bem, por os trazer mais perto.
Também era bom ressaltar o fato que a voz que eu mais ouvia era a de , o que não era nada mais do que justo, porque era a única voz que eu queria ouvir, mas que menos tinha ouvido a semana inteira, por mais que eu o tivesse ignorado.
Fiquei debruçada na janela, com os olhos já começando a encher de lágrimas. Só não me joguei de lá porque a queda seria muito dolorida. Para pular do andar de cima, só indo pelo quarto do meu irmão, mesmo. "Não termine isso apenas pelo fato que desculpa não é bom o bastante". Meu Deus, . Dava para você achar alguma frase melhor? Algumas coisas não eram muito verdadeiras, mas só eu sabia o quanto aquelas frases estavam falando tudo o que eu estava precisando ouvir.
A primeira frase tinha a palavra amor! já estava falando em amor. Ou isso, ou as meninas que deram essa ideia para ele.
Quando ele começou a dizer "Você disse que nunca me deixaria, esteja lá para me abraçar e agradar", eu já estava novamente quase me jogando da janela, direto para os braços dele, só para constar, então decidi fazer algo melhor. Não consegui evitar um sorriso, então acho que isso deu uma dica de que o que eu ia fazer não tinha a ver com deixá-los ali e ir dormir com música de fundo.
Saí do meu quarto, corri a passos leves para não acordar meu irmão - não que eu acreditasse mesmo quando ele dizia que estaria em casa e, se estivesse, era melhor mesmo eu nem chegar perto do quarto dele -, desci as escadas a tempo de o refrão da música, tão bonito, acabar. Deu para ouvir, bem abafado, até que...
Até que cheguei no fim dessa parte, sentindo o timbre deles desanimar "Mas todos cometem erros e isso é o que nós fazemos", no segundo em que abri a porta da frente. Enquanto isso, , , e tocavam e cantavam, sorrindo. Para mim. As meninas também sorriam. Estavam todos se divertindo, inclusive eu.
Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo.
começou a andar na minha direção. Claro, eu demorei um pouco para sair da porta, não por receio, mas porque, de repente, tinha me esquecido de como se movimentava as pernas, mesmo. Quando ele chegou perto o suficiente para que eu pudesse sentir sua respiração, também senti um formigamento onde sua respiração batia. Ele tinha parado de cantar alto e sussurrava as palavras a seguir, enquanto os meninos cantavam com as meninas.
- No que eu estava pensando?
Não deu tempo de ficar triste por estar em um lado oposto a , lembrei em seguida que eles estavam um pouco mais resolvidos do que nós. Apreciei enquanto cantarolava olhando nos meus olhos, sentindo o corpo estrilar de desejo por ele.
Caralho, eu não sou normal. Minha sorte não é normal. está na minha frente praticamente implorando para que eu não mude e não termine com ele.
Os meninos continuaram a cantar enquanto ele sussurrava "Não mude" na minha orelha.
Os braços dele já estavam ao redor da minha cintura. Eu não perguntaria, porque já sabia. Ninguém no mundo conseguiria resistir a isso. Ganhei o beijo mais perfeito da minha vida. acariciou meu rosto enquanto ouvíamos nossos amigos ainda tocando e fazendo um barulho que provavelmente irritaria a vizinhança.
- Desculpas tem que ser bom o bastante - ele disse baixinho, com a boca colada no meu ouvido.
Sentindo um arrepio, repeti um trecho da música.
- Eu não vou mudar - puxei seu rosto em direção ao meu, acariciando sua nuca com vontade.
Naquele momento percebi uma coisa. Eu nunca mudaria. Nunca abriria mão daquele garoto. Nunca daria as costas para ele, não importando o quanto ele fosse idiota. Não importando quantas vezes ele falasse alguma idiotice ou fizesse algo errado.
Se ele se arrependesse e pedisse desculpas (e que desculpas, cá para mim), eu estaria ali. Ele tinha o que eu procurava, fazer o quê? Ele tinha aquela coisa nele, que simplesmente o tornava único. Aquele jeito de garoto idiota mas de coração bom. Meio homem, meio garoto. Meio problemático, mas ainda assim, meio bom demais para existir.
Percebi que havia ficado desnorteada e fora da realidade enquanto ele sussurrava, o que melhorou, claro, quando a música acabou e ele disse, um pouco mais alto, que eles haviam feito aquela música para mim. Nossos amigos - mais unidos do que eu me lembrava - pareciam estar em transe de ano novo.
- Na verdade, foi o quem escreveu - dedurou, fazendo o grupo todo rir. Respondi automaticamente com um sorriso de lado, mesmo sem entender como ela havia escutado.
não quis perder tempo.
- , brincadeira de colegial, isso era da parte da Alaina que eu falava, não da minha. Sério, me desculpa. Eu sempre levei a gente a sério, por mais que você ache difícil de acreditar - eu sorri, sentindo sua mão acariciando meu pescoço, enquanto seu nariz delineava meu maxilar, me dando arrepios.
- , eu acredito em você - afastei o rosto, querendo encará-lo e provar através do olhar, mas não foi possível, já que ele continuou com o rosto vagando pelo meu pescoço, área sensível demais para que eu pensasse.
- Eu gosto muito de você - sua respiração bateu com força perto do meu ouvido. Abri uns olhos um segundo e notei que todos os nossos amigos ainda estavam ali. - E eu sei que você não conhece nem metade do meu passado, mas eu também não sei tudo do seu... A gente pode descobrir isso junto.
Ele não podia ter escolhido palavras que me convencessem melhor.
- É, ele vai te contar tudo, eu prometo - berrou ao fundo.
- Vocês continuem gritando e meus pais acordam - falei um pouco alto, para eles. Notei, depois que terminei de falar, que só falei isso porque fiquei irritada com a interrupção. Por mais que fosse .
- Nós vimos que eles saíram de casa - alfinetou.
Como eu mesma não tinha reparado nisso?
- Meu irmão ainda está aqui - falei em tom normal, erguendo uma sobrancelha para . Ele deu a resposta em forma de um beijo rápido, me encarando em seguida, esperando minha reação.
- Seu irmão? - foi que perguntou, sem entender.
Acho que congelou depois do tal beijo. Isto é, ele que tinha motivos para ficar com medo. Se é que passou pela cabeça dele que meu irmão era, mesmo, meu fiel escudeiro, quando não estava ocupado sendo, bem, ele mesmo.
- Relaxa, ele já deve ter dormido - dei de ombros, erguendo as mãos para os ombros de , em seguida deixando uma mão repousar lá, enquanto passava a outra por seu rosto, acariciando-o com o polegar.
O sorriso que ele deu quando fiz isso me matou de vontade de beijá-lo. Na hora, apenas dei-lhe um selinho demorado, prensando seu rosto contra o meu.
- Ei, encrenca... - chamou, mais uma vez usando do artifício de sussurrar no meu ouvido e de acabar com as minhas defesas. E funcionava, mesmo para um apelido tão problema. - Namora comigo?
Apenas arregalei os olhos, deixando a boca entreaberta. E não no sentido de esperar um beijo.
Ouvi direito?
- Você aceita? Namorar comigo? - o sorriso tímido dele foi crescendo conforme o meu aparecia e minha cabeça ainda estava em choque. - Eu entendo que você possa querer pensar sobre isso...
- Diga que sim! - berrou, mais indiscreta, impossível.
Se eu achei que o momento anterior tinha sido o mais perfeito da minha vida, acho que errei, porque esse superou. Saindo de transe, eu finalmente o beijei, como parte de minha resposta positiva.
- Claro que sim, babaca.
sorriu, da mesma forma que e , e e também e .
Foi simplesmente acima de perfeito.

Ah, se eu tivesse expirado na sexta, quando aceitei namorar com debaixo do céu estrelado, quando tudo estava perfeito... Talvez não fosse adequado sequer lembrar de Tyler logo em seguida a algo tão perfeito, mas ele foi a primeira pessoa conhecida que vi assim que voltei a pisar na escola. Eu até teria sido idiota e corrido até ele para dar as novidades, mas felizmente, a segunda cabeça dele - também conhecida como Loreli - me lembrou que isso não daria certo, já que ele estava conectado a Loreli, que tinha uma irmã, e ambas eram amigas de Alaina.
Então eu desviei e, para não dar muito na cara que queria dar meia volta, entrei na primeira porta que vi. Era a porta grande da biblioteca, situada no térreo. Pude perceber, através das sombras, que alguém havia me seguido.
- Tyler! - quase gritei, assustada, quando me virei.
Ouvi um "Shhh" vindo de onde a bibliotecária poderia estar. Ignorei, encarando-o. Tyler não me respondeu de imediato, provavelmente gastando algum tempo enquanto pensava em quê resultaria cada palavra dele. O que algumas pessoas resumiriam apenas dizendo que ele mediu as palavras.
- Não saia correndo! - estendeu as mãos na minha direção.
Segurei o riso irônico e fiquei em silêncio, esperando que ele entendesse minha concordância.
- Olha, eu só queria - arfou. - Falar com você em particular - arfou. Fiquei desconfiada. Nem eu tinha me cansado! - Achei que não ia dar tempo de te alcançar.
Depois de uns segundos de silêncio e dele se recompondo, resolvi falar:
- Quando estiver pronto...
Ele olhou para os lados mais uma vez, abaixando a voz ao mesmo tempo em que inclinava o corpo na minha direção.
- Acho que sei quem posta no jornal. Naquela coluna anônima.
- Descobriu de quem é? - foi como num passe de mágica. Fiquei interessada instantaneamente, afinal era a maior fofoca da escola.
Se eu soubesse antes que , seria quase como uma mudança no curso do sistema solar.
- Não... - ele balançou a cabeça e fez gestos com os braços, parecendo levemente irritado. - Descobri quem publica a coluna.
Precisei pensar um pouco.
- Quer dizer que isso não significa necessariamente que essa pessoa... Cria o conteúdo? Tyler Shelford, fale agora ou pare de me deixar ansiosa! - soltei um sussurro exasperado, sabendo que a biblioteca já era quieta o suficiente. Eu não precisava gritar e espalhar a informação.
Tyler cruzou os braços, aborrecido e inconformado.
- Até parece que você não pôde pensar nisso, esse tempo todo - como se fosse possível, sua voz se tornou ainda mais confidencial. - É a Alaina.
Ele disse e fez uma pausa dramática.
Conferi os lados, antes de falar, em tom conspiratório:
- Você já disse que ela já trabalhou no jornal - fiz minha pausa dramática também. - Mas como você usou o verbo no passado, eu presumi que ela já tivesse saído do posto.
Encostou-se na estante atrás de si, parecendo calmo o suficiente, mas foi só para pegar impulso e sair dali.
- Uma vez Alaina, sempre Alaina - ele deu de ombros. - Só quis te avisar.
- Espera aí, você não pode ir saindo assim! O que isso quer dizer? - eu o puxei de volta, sem pensar duas vezes.
- , eu tenho que ir, vai saber se elas não me seguiram aqui? E você, vê se encontra algum lugar para se esconder e sair daqui a alguns minutos, aí ninguém nos vê juntos.
- Como se você tivesse pensado nisso quando saiu correndo atrás de mim até aqui - devolvi, sem pensar. Segurei seu pulso. - Fala, caramba! Por que você tem tempo para falar esse enigma todo, mas não pode explicar?
Acima de tudo, eu estava confusa.
- Porque eu não sei mais! - e aí ele pareceu atordoado, mas resolveu ceder, depois de pensar por um segundo. - Certo. Só sei que foi Alaina. Loreli ajuda no jornal também, mas em outra coluna. Eu fui visitá-la de surpresa e encontrei Alaina lá. Deu para ver que a seção que ela editava era exatamente onde fica aquela seção - despejou.
De surpresa? Quando? Que horas?
- Mas é ela quem escreve? Eu não estou entendendo.
- Isso eu não sei. Chega de conversa, não posso ficar me arriscando aqui com você.
Antes que eu pudesse contestar sua declaração sem sentido, o celular dele apitou. Ele o pegou rapidamente, conferiu o visor e pareceu ainda menos tranquilo.
- Droga, , eu tenho que ir. Loreli chegou.
Acenou e saiu correndo tanto quanto seus pés puderam, sem fazer barulho. Em dois tempos, eu estava mais uma vez sozinha com meus pensamentos, completamente zonza. Sentei no chão mesmo para engolir mais rápido todas as informações novas.
Claro, eu percebi que não estava nada contente quando leu o jornalzinho. Cada vez mais, ele estava afiado com minhas brincadeiras, mais estúpido, mas agora eu entendia o motivo. A pessoa que escrevia aquela coluna era Alaina e era o maior sucesso, nos termos da escola. Tão sucesso quanto se poderia ter numa seção polêmica e estúpida como aquela.
Mas eu ainda não entendia o principal. Por que isso o irritava tanto? E por que Alaina faria isso, se já nem trabalhava no jornal? Eu sentia que era como se o motivo estivesse tão na minha cara, mas tão perto, que fosse esse o motivo a me impedir de enxergá-lo.
Lembrei outro pedaço do que Tyler disse, sobre não poder se arriscar. Eu ainda não tinha descoberto o que aquilo significava e provavelmente demoraria algum tempo até conseguir. A única coisa que ficou clara foi que alguém o estaria ameaçando. Claro que eu arriscaria Alaina, mas por quê? O que ele tinha feito de tão grave?
Antes que eu pudesse decidir o que fazer a respeito disso, o sinal tocou, adiando minha decisão. Me ergui com resignação e, indo para a sala, encontrei .
Tudo o que havia passado nos últimos minutos pela minha cabeça dispersou com a facilidade que alguém apaga uma vela e eu finalmente relaxei, abraçando-o. retribuiu o abraço, parecendo mais feliz do que em semanas.
- Não sei o que eu faria se não tivesse você, minha encrenca - acho que, nessa hora, o apelido se tornou oficial. Abracei-o mais forte, amando a declaração e entrando em aula em seguida.
Sussurrei.
- Babaca.

Até que as novas provas chegassem, os poucos dias se arrastaram, passando como tortura. Os professores exigiam cada vez mais de nós, quando tudo o que eu mais podia pensar era no Natal, enquanto nós puxávamos do outro lado da corda, querendo liberdade.
Eu mal via sombra de , só no almoço, mesmo. eu só via na sala. passava algumas tardes estudando comigo e outras aprendendo com e , que estudavam quando não estavam tocando alguma música, fazendo algum vídeo de cover musical para por na internet. Já e estudavam comigo quase todos os dias, até que ficamos o que consideramos boas o suficiente em todas as matérias. O que, devo dizer, tomou tanto tempo que só paramos de estudar dois dias antes de cada prova, que foi quando conseguimos ficar realmente afiadas na matéria.
Saí da última prova na sexta, sentindo que poderia voar de tão leve. Andei com cuidado até meu armário, deixei meu estojo lá dentro e respirei fundo, como não fazia há algum tempo, batendo a porta do armário com uma espécie de alegria e alívio.
Eu estava exausta. Parecia que tinha corrido uma maratona por 21 dias seguidos. Só que era apenas a escola. Eu precisava de férias.
E aí vinham elas.

Capítulo 32
Anderby Creek, Lincolnshire. Reino Unido.
Casa de Praia da .
10 dias até o Natal


10:24AM
O supermercado não era o mais completo, mas eu sabia que tinha exatamente o que precisávamos, exatamente porque já o conhecia. Era a segunda quinzena do mês de dezembro e passaríamos a próxima semana e mais um pouco na casa de praia dos pais de , que nos foi cedida gentilmente para comemorar o aniversário dela. O tempo estava milagrosamente bom, com poucas nuvens e razoavelmente quente para o Natal, o que permitiria que aproveitássemos a praia ao menos um pouco. Estávamos viajando juntos. Tudo estava ótimo. O único problema era que queríamos comemorar com um bolo e a despensa já estava com teias, resultado de tanto tempo vazia.
Vendo que não tínhamos saída a não ser pescar se não quiséssemos passar fome, resolvemos fazer compras num supermercado próximo. Eu estava concentrada em uma caixinha de bolo e outra de cobertura para fazer em casa quando brotou do meu lado. Levantei os olhos, num sobressalto, reparando num vulto atrás dela. Quando tentei olhar, não tinha nada ali. Normal, vinha acontecendo depois da última noite, quando eu decidi clarear o cabelo, fazendo mechas nas pontas.
tinha adorado. disse que eu não precisava ter feito isso. achou a última moda.
Mas agora a me chacoalhava para respondê-la.
- Hein, podemos levar isso?
Dei uma olhada no que se tratava.
- Nós não precisamos de vodca, - tentei manter o tom sério, como uma boa mãe faria.
Só que a apareceu nesse momento, toda feliz, complementando e distorcendo toda minha fala:
- Até porque nós já temos! - e exibiu uma garrafa igualzinha na própria mão. Afundei o rosto no saquinho de mistura para cobertura.
Instantaneamente, minha opinião não valia nada.
- Maravilha. A noite promete! - exclamou , convencida.
E foi assim que conseguimos vodca, quando devíamos comprar bolo.

19:17PM
Do outro lado, bateu na porta, parecendo um pouco desesperada.
- É para hoje? - já era a quinta vez em menos de dez minutos.
Estávamos todos na mesma casa, parecia um sonho. Eu, , , , , , e . Só teria que ficar algum tempo fora porque queria passar mais tempo com os pais, que aliás moravam perto de Anderby Creek, na costa noroeste do país. Anderby Creek é meio que um vilarejo nessa área norte de Lincolnshire, com poucas e seletivas casas de veraneio, pouco comércio e muita praia. Se aquele tempo bom desse trégua, passaríamos o resto dos dias dentro de casa, fazendo chocolate quente e aquecendo as mãos na lareira.
Quem estava no banheiro comigo era , se maquiando - como adorávamos zoar - como uma Cooper. Os olhos dela estavam entupidos de corretivo a fim de esconder as olheiras que ela jurava que tinha. Suas olheiras, aliás, já estavam um pouco mais claras que o resto do rosto em resultado disso, mas ela disse que era moda, então eu fiquei quieta (mesmo que de outro ponto de vista parecesse que ela tinha tomado sol com óculos escuros). As bochechas dela estavam bem marcadas com blush e a boca ostentava um batom caro que ela pegou da mãe, em tom vermelho vivo. Ah, claro, os cílios estavam carregados de rímel e eu também já não sabia como ela conseguia abrir os olhos depois de cada vez que os piscava.
De resto, estava perfeita como toda garota deveria estar em seu aniversário. Seu vestido era preto, de renda, de um jeito que marcava o corpo, mas aparentemente confortável. Seu salto era um Louboutin que ganhou de aniversário como recompensa por ter ido tão bem nas provas do fim do semestre e seu cabelo estava impecável. Liso, com um pouco de volume na raiz, enrolado nas pontas.
Não deu tempo de sentir inveja, porque a voltou a bater na porta. Contando, era a sexta vez. Olhei para , tentando entender como ela ignorava aquilo. Ela fez um gesto com a mão para que eu esperasse enquanto dava mais uma mão de rímel nos olhos.
Tentei abrir a porta, mas me disse para esperar.
- , faz dez minutos que você está pronta e não quer sair desse banheiro - alertei-a, tentando conter o nervoso, até porque já estava incomodada em também ficar presa ali. - O que há de tão errado com ser você mesma?
- Ai, - ela respondeu com a voz esganiçada e a cara meio chorosa, mas não estava chorando. - É que hoje tem que ser perfeito!
- Eu sei, mas você já está linda, todo mundo está arrumado! Só falta você, noiva! - brinquei, disfarçando minha grosseria anterior.
uniu as sobrancelhas, como se pensasse muito numa resposta.
- Você não entende - me olhou nos olhos, deixando o rímel de lado na pia. - Tem que ser tudo perfeito.
E aí eu entendi, enquanto ela fechava o rímel e o guardava. .
- , não é uma maquiagem que vai...
- Eu sei, eu sei! - quando viu que tinha me cortado e que eu não voltaria a falar, suspirou e falou mais baixo. - É só que... Eu não sei, não sei o que eu pensei.
- Você ainda gosta dele.
Minha voz saiu num fio, parecendo estar com pena.
- O que você acha? - ela respondeu desolada, largando toda a maquiagem sobre a pia. - E agora que está dando tudo certo, eu não posso mais vacilar.
- , ele também gosta de você... Você sabe disso. É só que... Não é uma maquiagem que vai fazer ele... Não foi a maquiagem que fez...
- Eu sei disso! Droga, não precisa me lembrar - respondeu, olhando para baixo, em seguida guardando o que sobrou para fora do estojo de maquiagem. - Nós é que precisamos confiar mais um no outro. Estamos trabalhando nisso.
- Desculpa - não sou de pedir desculpas, mas meio que era uma emergência. Talvez ela precisasse, mas naquele dia não merecesse ouvir a verdade. Até porque ela estava finalmente caindo na real. Até porque, se eu me lembrava bem, ela só entrou para o time da torcida porque ele foi aceito no time de futebol.
Ouvimos mais batidas na porta. ergueu a cabeça, decidida.
- Melhor irmos logo.

22:33PM
Claro, eu não acreditava que estava com inveja do meu namoro com , até porque ela o via como um amigo - às vezes, menos -, mas também não conseguia aceitar a ideia que ela estava completamente realizada por mim. Depois que comecei a namorar , o que fazia apenas três semanas, ficou um pouco mais apagada. Acho que ver que a única amiga que nunca namorava estava, finalmente, namorando assustou-a um pouco. E talvez, só talvez, a tivesse lembrado que ela e o tinham decidido manter o relacionamento deles privado. Isso dizia, nas entrelinhas, que eles não anunciariam o compromisso tão cedo.
E agora achava que estar mais linda do que nunca faria pedi-la em namoro ali mesmo, reatarem como se nunca tivessem se separado. Ela já sabia que não era isso que faltava, mas ainda não conseguia admitir o fato em voz alta. E se ela não o conseguia, não seria eu a lembrá-la.

Usamos a sala de visitas para fazer a festa de aniversário.
Na mesa de centro, havia o de sempre... Bem, havia o que tinha sobrado, digamos assim. Aconteceu que alguns amigos de infância de que sempre passavam as férias em Anderby Creek também estavam lá, com mais amigos, alguns acompanhados de namoradas. A festa, que tinha começado com a ideia de ser uma reuniãozinha, acabou tendo em torno de 50 pessoas. Então, na mesa já não tinha todas as guloseimas que arrumamos, o ponche já estava pela metade, a geladeira era atacada a todo instante e a dispensa com certeza voltaria a ver aranhas, em pouco tempo.
A única coisa que vinha na minha cabeça era que a casa estaria uma bagunça no dia seguinte e que sobraria para mim arrumar tudo, até que identifiquei o rosto de - que tinha me largado, justificando ir pegar alguma bebida - e assim que ele sinalizou para que eu o seguisse até o jardim, fui.
Nós ficamos lá algum tempo, aproveitando enquanto nada dava errado, curtindo a presença um do outro.

23:08PM
apareceu bêbada, depois de mais uma briga com . Ela trazia uma bebida na mão e me obrigou a tomar alguns goles.
me olhou enviesado, esperando que eu parasse , quando me toquei que eu mesma sentia falta daquilo, de respirar um pouco e de aproveitar a noite, já que nos últimos dias a única coisa que eu pensava era sobre contas, literatura, química e amigos que brigavam e terminavam e voltavam.
- Tudo bem, , eu resolvo com ela - tranquilizei-o. - A gente se encontra depois.
Encorajei-o a ir com os amigos dele e saí pela festa com em meu encalço. No fundo, eu sabia que não era minha melhor escolha, mas ela ficou feliz pela atenção que recebeu. Se eu soubesse que isso a faria tão feliz, só de relembrar os velhos tempos, já teria feito.
- É tão estranho você namorando - admitiu, em meio à música alta.
Dei uma risada nervosa, subitamente irritada.
- Por que está falando isso?
Ela deu de ombros, sacudindo o corpo, dançando.
- Porque normalmente sou eu que namoro, você me dá conselhos... Lembra? - ela me lançou um olhar nostálgico. Sorriu em seguida, rindo sozinha, batendo com o quadril no meu em seguida. - E agora... Você namora, nem precisa mais de mim!
Ela disse isso e gargalhou. Depois dizia que não estava alterada.
- Qual foi o motivo da briga, dessa vez? - reassumi o papel que eu vinha fazendo no ano passado e retrasado, tentando reconciliar os dois só porque eu ainda insistia ver algum potencial neles.
apontou a si mesma.
- O que você fez? - perguntei no mesmo instante que ela enfiou mais bebida pela minha garganta, parando de dançar para engolir. - Eca, isso é forte!
- Tequila, querida - e depois de brincar, resolveu responder a sério, tão sério quanto uma pessoa alterada conseguiria responder. - Eu queria um relacionamento sério, ! Namorar de verdade!
- Vocês sempre namoraram de verdade! - reclamei, sentindo uma pontada de um misto de inveja e raiva, por eu mesma nunca ter tido isso e nunca ter aproveitado enquanto teve.
- Nós nunca soubemos valorizar isso - ela deu de ombros, como se 2 anos atrás fosse tão mais criança que nem valesse a pena falar sobre. - Mas agora é diferente.
Fiquei esperando resposta. Enquanto dançávamos, fomos nos arrastando pela casa dela e eu já havia encontrado e no sofá e, logo adiante, e apoiados na mesa não parecendo tão interessados assim na bebida. Me preocupava pensar que poderia estar com , fazendo sabe-se lá o quê, sozinhos em uma casa de praia cheia de meninas de roupas escandalosas, com peitos que mal cabiam nas roupas e, para arrematar: a maioria solteira.
Pensando nisso e tentando me obrigar a não fazer papel de louca ciumenta tão cedo, resolvi virar um pouco mais de tequila.
protestou, dizendo que eu devia maneirar, quando notou que eu não tomei pouco.
- Há, olha quem fala - devolvi, sem humor. - Doze horas atrás você estava me implorando por vodca.
Ela não deu atenção, enquanto passávamos pela porta dos fundos, admirando o quintal, onde, por algum motivo muito pessoal, os pais dela resolveram por uma piscina, sabendo que aquela era uma casa de praia. Eu sempre preferia imaginar que fosse por questão de privacidade, não capricho.
- Enfim, agora sou outra , mais madura. Sei o que quero - ela mal terminou a frase e já gargalhava, com as mãos na cintura.
acabou de ver as pessoas pulando na piscina, deu um berro e correu também. A lembrança a seguir, com tudo se movimentando rapidamente na minha direção, provava que eu fui atrás dela.

01:14AM
Tive apenas um flash dessa hora. Eu havia acabado de conferir o relógio, quando vi falando com uma menina idêntica a Loreli, parecendo interessado na conversa. Não, era Loreli. devia estar sendo simpático demais para aceitar trocar algumas palavras com ela, agora que ela era amiga de Alaina.
Só alguém tão cretino quanto Loreli para ter a indecência de nos seguir até Anderby Creek, a três extensas horas de Londres, para dar em cima de . E ela não estava com Tyler? Já que ela foi tão descarada a ponto de nos seguir, tive a coragem de ir atrás dos dois e me jogar nos braços de , exatamente para mostrar que o coitado tinha dona e que ela - no caso, eu - não perderia tempo.
- Mas você já não está satisfeita com o Tyler, quer o também?
Loreli se limitou a olhar através de mim, como se eu não existisse. Eu virei o rosto, procurando o que tomou tanto sua atenção, e vi vindo na minha direção.
- , vem comigo que eu tenho uma coisa para você! - lancei um olhar confuso para confirmar com , que parecia tranquilo.
Ele sorriu para me acalmar.
- A gente se encontra daqui a pouco.
Aquilo não fazia sentido, mas eu não estava em minhas melhores condições para avaliar a situação e muito menos rebater. Concordei com um aceno de cabeça, ao que o rosto de veio na minha direção para me dar um beijo, em seguida sentindo meu pulso ser puxado por na direção oposta. E eu nunca descobri o que aquela coisa era.

03:41AM
Enquanto descia as escadas, comecei a perceber que o efeito do álcool começava a passar. A pior parte era que eu nem tinha percebido que estava tão alcoolizada assim, até que tentei descer as escadas e fiquei tonta. E, claro, já que - por experiência - eu só ficava tonta quando o efeito estava passando...
Me perdoei mentalmente por ter ficado insuportável e chata enquanto cheia de álcool no sangue e até mesmo por ter esquecido alguns pedaços da noite. Era o aniversário da minha melhor amiga, esses detalhes poderiam esperar.
Eu descia as escadas porque tentava me parar pela quinta vez de levá-lo para cima, ao nosso quarto. E, aparentemente, era só segundo eu mesma. Ele disse algo sobre não deixar acontecer assim, com uma festa embaixo de nós e vários outros motivos que eram completamente razoáveis, levando em conta que eu estava, mesmo, meio fora de mim.
Achei muito responsável da parte dele, por mais que quisesse naquele momento que ele fosse às favas com a responsabilidade.
Mas pelo menos dessa vez, mesmo que estivesse fora de mim, estava com meu namorado. Eu nunca conseguiria me cansar de dizer isso.

06:44AM
Do sofá, eu observava enquanto as pessoas se arrastavam para fora. Já tinham surgido os primeiros raios da manhã e meu corpo cansado só me permitia pequenos gestos. Abri um sorriso quando apareceu na porta, sorrindo de boca fechada. Segui-o com os olhos quando ele passou na minha frente e me levantei para ir atrás dele assim que ele fez um gesto para subirmos.
Normalmente, dormiríamos em quartos separados, mas como já estava com em um quarto e com em outro, sobrava apenas um quarto. Eu e finalmente optamos pelo quarto de casal.
Depois de tomar um banho rápido, porque estava com no mesmo quarto que eu, me esperando para dormir, me troquei no banheiro e, com uma roupa casual que não pijama, porque ele certamente não ia gostar dos pijamas puritanos que levei, me joguei na cama com ele. Notei que ele também tinha ido tomar banho, eu só não sabia em qual chuveiro, e cheirava a sabonete.
Ele fez um gesto me chamando e eu não consegui não parecer ansiosa. Me aninhei com pressa nos braços dele, me sentindo confortável. Tentei tagarelar um pouco, mas estava tão exausta que acabei falando uma frase ou duas, até que me disse boa noite. Foi a última coisa que ouvi.

14:11PM
- VAMOS ACORDAR! - berrava. - Já passa das duas!
- A pilha dela não acaba nunca? - perguntou, com a voz rouca e arrastada. Acho que soltou um muxoxo.
Só abri os olhos quando percebi que tinha caído no sono e que agora todos meus amigos poderiam estar ao meu redor, observando enquanto eu babava na cama. Pior, em . Me virei num sobressalto, procurando-o. estava do outro lado do colchão, na maior pose jogada, dormindo inabalável. Como uma pedra.
Eu não fazia ideia de como ele conseguia dormir com seis adolescentes ao nosso redor, falando alto e andando para lá e para cá, fazendo barulho no piso. já estava sentada na cama de casal.
Puxando as cobertas por impulso, me sentei, mas não tinha nada que precisasse cobrir em mim, e eu estava com calor. Larguei os edredons, de novo.
Observando as silhuetas que eram formadas como resultado da luz filtrada da janela ainda fechada - o que estava bom demais, se ninguém resolvesse abrir a janela - o quarto estava meio como eu lembrava antes de dormir. Meio escuro, acolhedor... Exceto que tínhamos companhia, claro.
No momento que resolveu destruir minhas retinas e abrir as janelas, recebi uma rajada de luz. Mesmo com o Sol lá fora, a brisa que entrou foi boa o bastante para me lembrar que ainda estávamos no inverno. Porém, assim que a luz bateu no meu rosto, algo piscou na minha mente.
As cortinas esvoaçaram com o ar novo, e ver o semblante dela iluminado trouxe como que a lembrança de um sonho. Foi exatamente essa a impressão que tive. De ter lembrado de um sonho. Nele, Loreli estava na janela e o sol estava nascendo. Ela me dava um sorriso duro e eu, de raiva - e pela infeliz mania de querer dar tapa na cara dos outros usando palavras - acabei falando que toda aquela pose dela e da irmã com Alaina não durariam para sempre.
Não conseguia formar a voz dela perguntando o motivo, mas conseguia lembrar do seu rosto curioso se inclinando na minha direção, como se eu tivesse falado baixo demais.
Em seguida, eu falei algo sobre Tyler ser manipulado por Alaina e me vi distorcer um pouco a história, afirmando que ele preferia mil vezes estar comigo, mas como Cooper não gostava de vê-lo feliz de qualquer forma, mandou que ele terminasse comigo. Por isso era mais seguro estar com ela.
Não lembrava as palavras exatas, mas tinha certeza de nunca ter contado tanta mentira. Tanto que a expressão horrorizada dela foi extrema. Parecia que ia correr de mim a qualquer instante!
Tudo isso veio tão rápido quanto uma lembrança qualquer. Não tive tempo de pensar sobre, rodeada de amigos. Acabei rindo do sonho estranho.
pulou em cima de , obrigando-o a acordar. Os outros meninos fizeram o mesmo, e vendo que a farra havia começado, decidi descer com para logo prepararmos algo para todos comermos.
- Nossa, tive um sonho muito estranho - comecei a rir assim que me lembrei. - A Loreli estava aqui.
Acabei comentando todo o meu sonho com ela, quando já estávamos lá embaixo. Não contei todos os detalhes porque eu mesma não tinha entendido todos os detalhes, nem por que raios teria me exibido sobre Tyler, já que a própria exibição era uma mentira.
me encarou séria.
- ...
- Vish, lá vem! - forcei uma risada, perdendo a tranquilidade. - Vai me dar bronca pelo sonho, agora?
- Eu lembrei de uma coisa... - ela disse, parecia que tentava me alertar com o olhar, as pálpebras mais altas do que o necessário. Virei para trás, mas não tinha ninguém atrás de mim. - Loreli... Eu sabia que vinha esquecendo de te contar alguma coisa.
- ... - chamei em tom de advertência. - Se isso for alguma piada...
- Não, não é! - assegurou-me de primeira. - Eu sei, desculpa, esqueci! - e ela parecia arrependida, embora irritada. - Mas nunca achei que fosse importante.
- , fala logo - pude sentir o rosto empalidecendo.
- Quando eu era criança...
Mal ela terminou a palavra, falei por cima, nervosa, tropeçando nas palavras:
- Não é hora de falar da infância!
E ela, inquieta, continuou falando, como se eu nem tivesse interrompido:
- Eu passava as férias aqui, com Loreli e Valerie.

Quando se recebe uma bomba dessas, é de se esperar duas reações, em situações normais. Eu, por exemplo, poderia tanto ter ficado em choque e desmaiado, quanto ficado louca, puta da vida por não ter me dito uma coisa dessas antes. O que ninguém poderia prever, cotudo, era que eu risse.
Dei a minha maior gargalhada desde que chegara ali.
- Não acredito! , você quase me pegou nessa!
Continuei rindo, quase a ponto de sentir dor na barriga, mas não ouvi a risada de junto. Parei de rir aos poucos, encarei-a e percebi que ela não estava brincando. Senti como se tivesse morrido, de repente.
Mal consegui formular uma pergunta.
abriu a boca para explicar, mas eu já havia entendido de primeira. Só não consegui acreditar, antes:
- Elas também têm uma casa de praia aqui - concluí, pasma. - Quer dizer que elas não nos seguiram.
Apoiei-me no balcão atrás de mim para evitar cair, inutilmente tentando me recompor.
- Em Anderby Creek! - continuei falando sozinha. - Como você as via todo dia com a Alaina e nunca dizia nada? Elas te passam informações? É por isso que você não reclama delas, só olha torto?
Eu já começava a pensar que o olhar torto era encenação. estava estrategicamente quieta.
- Você está me dizendo que... Você, , minha melhor amiga, tem uma casa de praia... Na mesma cidade que a Loreli e a Valerie? - passei a gesticular, incrédula. - De toda a costa... De todos os bairros...
- Sim, eu--
- E nunca me contou isso...
- Não... - concordou com a voz baixa.
- Porque... - insisti.
- Porque eu esqueci! - estrilou. - Droga, , me desculpa!
- Tem mais alguma coisa aí - não me dei por vencida.
Ela fechou os olhos por um segundo, evitando olhar nos meus olhos.
- O que é? - mais um pouco e eu arrancaria meus fios, um por um, da cabeça. - , me diz logo!
Ouvimos passos no andar de cima. Acharam que estávamos nos matando, provavelmente. Eu bem que queria estar morrendo, seria mais benéfico.
sabia que não tinha muito tempo, então aproveitou para ficar quieta e não arriscar. Fez um sinal indicando que me contaria depois, me deixando lá, sofrendo só para respirar, enquanto foi avisar às outras pessoas que os gritos foram no vizinho e que estava tudo regularmente bem. Razoavelmente bem. Quase bem.

O tempo mais ou menos bom já ameaçava ir embora, então ficamos em casa. À noite esfriou bastante, o que nos obrigou a acender a lareira também.
- E acho que até hoje ela guarda um pouco de rancor por causa delas - segredou a mim, esticando-se na minha direção e deixando o fogo de lado. - A Loreli era amiga dela, mas elas pararam de conversar uns meses antes de você aparecer. Até aí, a achou normal, amigos seguem direções opostas, às vezes - dei de ombros, concordando com a cabeça. - É! Só que depois, a Loreli...
- Mas, calma. Então, a não esqueceu?
- É possível que tenha se esquecido de nos alertar, mas esquecer que elas tem uma casa aqui? - ela fez um barulho estranho com a boca, de descrença. - Impossível, elas passaram a infância juntas.
- E depois, o que a Loreli fez? - lembrei o que ela disse, arrependida por tê-la interrompido.
mal pôde abrir a boca, já ouvimos passos descendo as escadas e, visto que estávamos em uma posição suspeita e conspiratória, ela teve que se endireitar. Ao que acabou de voltar ao seu lugar, apareceu com , no grande arco. Também ajudou ouvir a voz levemente mais alta de , resultado do temperamento levemente alterado possivelmente por culpa do .
Só então entendi por que ficou tão abatida com a suposta traição de com elas. Porque, provavelmente, Loreli e Valerie eram as últimas pessoas de quem ela esperava que isso viesse. Mas aí vinha outra coisa que me assustava. Por que alguém que passou a infância inteira com faria isso?
Elas carregavam duas panelas, uma de frutas picadas, outra com marshmallows coloridos.
- Trouxemos comida - sorriu, exibindo os garfinhos que usaríamos para aquecer a comida diretamente no fogo. Enquanto elas começavam a tagarelar, decidi sair à francesa e ver o que os meninos estavam fazendo. Do corredor, ouvi um barulho conhecido, no mesmo instante já sabendo onde eles estavam. Apertei o passo, desinteressada em andar devagar no escuro, e assim que cheguei à sala, me joguei no sofá.
nem se mexeu, de tão concentrado que estava no videogame. Não reparei em e porque não deu tempo. , que estava à toa, me olhou no instante que eu cheguei e me lançou um sorriso, acabando com todos os meus problemas de uma vez só.

Uma hora de jogos depois, reparei que não parava de virar a cabeça na direção da porta, quando ouvia qualquer som. Somado ao fato que também estava estranha, fiquei curiosa para saber o que se passava entre os dois, mas acabei me distraindo desse pensamento. Considerando que estávamos em uma viagem, eu não conseguia me acostumar ao fato que não demonstrasse querer aquilo comigo. Mesmo que fosse controlado demais para deixar transparecer, ele ainda tinha hormônios. Além disso, estando na mesma casa, tendo dormido na mesma cama, com nossos pais a pelo menos umas 100 milhas de nós, nada acontecera. Onde estava o garanhão que eu sempre sonhei?
Não sabia se os meninos tinham reparado na minha tensão quando comecei a massagear casualmente os ombros de , mas tinha certeza de que ele, ao menos, havia percebido. A princípio, enrijeceu, mas depois cedeu a meus encantos. A essa hora, ele estava sentado no chão, com o controle do videogame e muito possivelmente tentando seu máximo não dar na cara que estava completamente atraído por minhas mãos de fada. Bom, era essa a historinha que eu vinha criando na minha cabeça, imaginando até que ele se levantaria, me guiaria até o quarto e...
- AAAAH, VENCIIII!
Ele gritou.
Por mais que ele tivesse levantado e que isso fosse bom, minha imaginação não computava com também levantando para comemorar. Tentei esconder a frustração com uns gritinhos, tão animados quanto pude, quando percebi que minhas mãos ainda estavam lá, na mesma altura de antes. Porque, ao que tudo indicava, nem ao menos sentiu minha massagem, de tão concentrado que estava. Se sentiu, teriam sido aqueles dois segundos em que seu corpo enrijeceu. Ou talvez ele só tivesse ficado em segundo lugar, na corrida.
Enquanto eu me xingava mentalmente por minha admirável burrice, ouvi passos e berros e, pronto, sabia que era , acompanhada da tropa já alimentada.
- Olha só o que a gente achou! - disse, exibindo o que tinha nas mãos. O que era, basicamente, um tapete com bolinhas coloridas.
- Twister! Faz tanto tempo que eu não jogo - articulava, animada, com dando gritinhos ao fundo. - Vamos jogar agora!
- É, chega de videogame - fez beicinho, parando de repente.
Não pude me controlar.
- Ah, eu quero - berrei, saltando do sofá, na clara intenção de ser notada por , que estava justamente terminando de comemorar com e nos lançando um olhar curioso, que me leva a crer que ele só então havia reparado em 4 meninas em pé na sala, segurando um tapete. Fingi que não reparei, porque eles tinham acabado de fazer umas dancinhas estranhas.
- Certo! Precisamos de duas pessoas! - disse, com ênfase nas últimas palavras. - Quem quer vir?
Um silêncio constrangedor se apossou da sala enquanto meu namorado e meu melhor amigo decidiam aquietar os ânimos.
- Nossa, um de cada vez, dá para todo mundo jogar! - brincou, colocando o cabelo atrás da orelha, nervosa.
Preferi não me mexer, já que não havia notado nem minha tentativa de massagem.
- Vem, - pediu, fazendo beicinho outra vez. - Você adorava isso.
Todos olhamos para , esperando sua reação. Foi engraçado, já que a 1ª reação dele foi ficar vermelho, a 2ª foi tossir e, finalmente, a 3ª foi dizer:
- , não vê que eu estou jogando?
Desculpa, , mas ele é fofo demais. Olha só, está querendo parecer um homenzinho! Vou adotar ele.
- Isso é só na frente dos outros - bufou, sabendo que não adiantaria muito insistir.
não se deu por vencida:
- , vem jogar comigo, é divertido.
Ele olhou com desdém. Pude ver pelo olhar dele que ele ponderava entre o jogo, a reputação de dono do relacionamento e agradar à sua -Maravilha.
- Ok. Só vou jogar mais essa e jogo com você, combinado?
Não sei como pude me surpreender, sabendo que já era conhecido por sabaer conciliar coisas, ser mais adulto do que nós na maioria das vezes. Ele nem ligou quando os meninos ficaram zoando, porque ele também via na cara de todos eles que só estavam com inveja por quererem jogar também.
Foi isso o que me motivou a seguir. Sabendo que todos os meninos zoavam para não serem zoados, mas que queriam participar daquele joguinho idiota, calculei rapidamente se daria tempo de passar pelos quatro e chegar ao videogame. Concluí que tinha alguns segundos, então corri até o videogame, desplugando-o da tomada.
Foi mais fácil do que eu pensava.
A gritaria foi unânime. Metade concordava, querendo construir um altar para mim, enquanto a outra metade desejava me ver morta nele.
- , você me paga - me arrancou dali a tempo de pular em cima de mim, por motivos que: - Destruiu a minha melhor jogada em décadas!
Não que ele fosse realmente me bater, mas cócegas e o peso dele em cima de mim também poderiam ser tortura.
- Mas esse jogo foi lançado no ano passado, - me defendeu.
De olhar nos olhos de , dava para ver como estava puto, mas também eu podia jurar que dava para ver um sorriso ali, doido para ser formado no canto da sua boca.
Aproveitei a vibe carinhosa, lembrando que ele me puxou com os dois braços firmes ao redor da minha cintura, no maior estilo Diário de Uma Paixão, e sorri para ele, ignorando , que travava uma discussão desnecessária com .
- Agora você pode jogar com a gente, babaca.
- Você é doidinha, mesmo - por fim, ele riu, ao que eu relaxei visivelmente. Voltou a falar, ainda não tão alto que chamasse a atenção dos outros, ainda a gastar tempo discutindo, rindo e gritando. - Certo, você venceu, encrenca. Vamos todos jogar.

A intenção das meninas era nos entrosarmos um pouco, visto que ainda estávamos divididos entre o Clube do Bolinha e o da Luluzinha, na maior parte do tempo. O que era justo.
Estávamos em oito, e o tapete não era o suficiente para 8 pessoas. Então, nos dividimos em duas equipes; eu, , e e, na outra, , , e . Para cada disputa, era mandada uma dupla da equipe, para jogar com a outra dupla. A última pessoa a sobrar ganhava pontos - um tracinho bem primata, daqueles da época da descoberta do fogo - para a sua equipe.
Pelo menos parecia simples.
estava bem enrolado de um lado do tapete com , não curtindo muito. estava toda enroscada com um braço no espaço que sobrava entre as pernas dobradas de e uma perna por cima de , que chiava toda vez que ela soltava o peso, relaxando a perna. Eu tinha ficado com a função de girar a roleta e tinha acabado de pegar para o uma coisa que o mandaria para perto de .
- Mão direita, vermelho - proclamei, como se tivesse lido uma lei.
- Ok... - ele disse mais para si mesmo, tentando passar por trás de , com o cuidado de manter os pés onde estavam e trocar a mão, sendo que a outra também já tinha um lugar não muito fácil, no tapete. - Ok. Calma... Quase...
achou a cena bonita, enquanto eu já via nos olhos de o que ela planejava.
- Ah, vocês estão tão pertinho, que casal fofo! Por que não se beijam?
Achei maldade. Até eu que era mais lenta que uma lesma correndo de costas sabia o que ela estava tramando. Já e ...
Os dois deram um sorriso, como se uma lâmpada tivesse sido acesa acima de suas cabeças. Só que tinha um porém. e estavam perfeitamente alinhados... Em volta de . Quando o casal foi dar o beijinho da vitória, gritou, sem se mover, o que infelizmente foi o suficiente para atordoá-los:
- AGORA, HARRY, NEM SONHE EM CAIR!
Talvez não fosse o grito de o que desconcentrou o casal. As chances deles caírem eram grandes, considerando que havia um corpo entre eles, além de estar todo espalhado no tapete, mantendo o equilíbrio prioritariamente em uma perna e um braço. , para ajudar, não tinha o melhor equilíbrio corporal do mundo. Melhor, da sala.
deu uma bamboleada, mas se manteve firme, sem ceder à eventual queda de e , ambos em volta dele. Quando e caíram, junto com , ele lançou um olhar para trás, ainda se erguendo com as forças que restavam e deu um sorriso para , antes de soltar o peso do corpo em cima da perna de , que descansava ali há centésimos de segundos.
- Uau! - berrou, já correndo para dar um toque no ar com nossos comparsas. - PARABÉNS, MUITO BOM!
Fiquei estática com a roleta colorida nas mãos, sem saber se comemorava ou se fazia a justa. Afinal, quem era eu para falar de justiça?
estava assim como eu, estática, mas ela parecia esperar calcular se esse era o tipo de coisa que eu e faríamos na nossa vez. Quase tranquilizei-a, dizendo que nunca pensaria como a . Tratando-se de sapatos e de vencer disputas - o que era quase a mesma coisa, se falando de promoções do interesse dela - o pensamento de era implacável.
Não haveria ninguém na NASA que pensaria tão rápido quanto ela, quando motivada a ganhar.
- Vocês que sonhem aprontar isso, hein - me disse, antes que fôssemos para o ringue.

estava quase pisando na minha mão, por não aguentar deixar o pé tão longe, quando finalmente decretou que eu deveria trocar aquela mão de lugar. Quase cantei o hino de aleluia.
Só que quando fui esticar a mão, o inexplicável aconteceu. Estávamos espremidos o suficiente naquele tapetinho de Twister, já era algo para se levar em consideração... E, pior, eu estava nele. E, em se tratando de sorte, o nome nunca foi muito mencionado.
O melhor jeito de explicar o que aconteceu era por meio de fotos, porque quase ninguém entendeu o que aconteceu. estava com as duas mãos no vermelho, um pé no amarelo do outro lado do planeta, e um azul, no fim do tapete, um à frente desse amarelo do outro pé. Por mais que fosse mais provável o azul, era o pé do amarelo que estava quase me matando. Eu sentia aquela meia esmagando meus dedinhos a qualquer momento, se eu não saísse logo dali.
- ! - chamou minha atenção, explanando em seguida: - Mão esquerda, vermelho.
Tirei a mão esquerda do amarelo, grata por salvá-la da compressão, até porque o peso do meu corpo já estava me incomodando, contando que minha perna direita estava como se fosse de cócoras, no vermelho, enquanto a esquerda se esticava no azul à frente, embaixo das costas de . Minha mão direita cruzava meu corpo, apoiando-se estranhamente na bolota azul, logo abaixo do bumbum de , que era o mesmo lugar onde tinha colocado a mão direita. Se isso era permitido, pelas regras, eu já não sabia.
- Socorro, vou acabar escorregando! - chiou. - Vai logo.
- Calma, menina! - reclamei de volta, tentando fingir que estava super calma. - Tem que se posicionar bem.
Mas quando fui colocar a mão esquerda sobre o vermelho, não calculei bem a tarefa, no desespero. Com a mão direita me joguei um pouco para cima, esmagando um pouco a mão de . Isso me deu o tempo justinho de por a mão esquerda no vermelho logo atrás de onde eu estava com o pé direito, me dando um ângulo muito estranho e difícil para ter equilíbrio.
Eu ia cair. E era só uma questão de tempo.
Nem deu tempo até que eu jogasse de novo e...
- , cuidado! - reclamou, um pouco tarde demais.
O peso do meu tronco acabou tombando, irremediavelmente, contra as pernas dela, fazendo minha mão esquerda inútil atrás das minhas costas, minha mão direita já amassada pelo corpo dela que caíra em cima do meu com meu tombo. , que estava em uma jogada, não reparou muito quando veio pendendo para cima dele. , aliás, estava com o pé esquerdo no azul, embaixo das costas de , dividindo o mesmo lugar onde meu pé estivera antes que eu caísse e o puxasse por instinto. Instinto de não tê-lo quebrado com uma amiga em cima do mesmo. acabou caindo em cima de , que perdeu o equilíbrio das duas pernas como efeito dominó e, antes que notássemos, ele estava totalmente no chão, como todos nós.
Quase todos nós.
Foi assim que eu fiz ganhar a jogada de Twister.

Deixando os meninos novamente com seus videogames, voltamos à sala com lareira, na intenção de fofocas mais.
- Hmm, olha o nível que eles já estão - , se possível dizer de uma maneira pouco babaca, caçoou de mim e de , assim que expliquei que o fiz ganhar sem querer.
Na cabeça dela, eu fiz isso por ter atingido um nível de amor implacável, pelo qual até nos comunicávamos por telepatia.
- Menos, - disse, quando finalmente se tocou que eu não estava muito confortável com ter que explicar que não era bem assim a situação, que ela é que ainda não tinha aceitado o fato de eu ser uma desastrada, mesmo. - Ah, , onde você dormiu ontem?
Tentei lembrar a que dia ela se referia, até que me toquei que essa era a noite da festa. Noite passada. Parecia que fazia um século que tinha acontecido, de tanto que eu tinha a escondido das minhas lembranças.
De repente, me peguei prestando atenção na conversa, curiosa para saber a resposta de :
- Ah, vocês sabem, por aí - ela deu de ombros, numa resposta não só mais vaga porque não era possível.
- Onde? - insistiu, pondo mais leite em sua xícara.
- No sofá-cama - assumiu.
Eu me senti aliviada, como se o peso do mundo tivesse saído de cima de meus ombros, porque eu já estava pensando que ela tinha ido para casa das irmãs do mal.
- Não acredito! Não faça mais isso! - surtou.
Aparentemente, ficar feliz com essa informação fazia de mim uma amiga pouco hospitaleira.
- É, de jeito nenhum! A casa é sua e as doidas das suas amigas ficam ocupando os quartos? Ai, ! E ainda tinha cama vazia! - parecia até ofendida, se não fosse dizer demais.
Fiz barulho ao sorver o leite, acrescentando essa como minha parte à conversa.
- Ah, não se preocupem, eu fiquei bem - ela sorriu no fim, sugestiva.
De repente me toquei que estava bem acompanhada. Abaixei a xícara, boquiaberta.
- Não acredito, sua malandra!
E aí as outras duas entenderam, soltando exclamações.
deu detalhes da conversa com , que variava entre o habitual amor e a vontade de só aproveitar o momento, porque todo mundo sabia como estava difícil manter um relacionamento na escola.
- Ah, sinto muito, - sempre sabia exatamente o que falar. - Olha só... Pelo menos vocês não estão mais brigando. Pense nisso como uma forma de começar do zero. Vocês estão tendo uma segunda chance. Não acha isso bom?
A outra respondeu com um aceno de cabeça e um meio sorriso quase conformado, levando o chá à boca.
- Nós estamos torcendo por vocês, está bem? - reafirmou, enquanto confirmava murmurando ao fundo e esticando a mão para dar apoio ao apertar a da amiga.
Eu já havia dito tantas vezes tudo o que pensava, que não conseguia mais fazer como e ver as coisas de um ponto de vista diferente.
Ainda muito presa entre a situação que acontecia à minha frente e meus pensamentos, fiquei submersa nas minhas preocupações ao mesmo tempo em que tentava prestar atenção nas conversas. Decidi não contar ainda sobre minhas frustrações com o , na noite anterior, exatamente para não roubar o holofote de , que estava adorando tagarelar e ter vários pontos de vista de tudo que tinha falado, suas expressões, falas, tons de voz e mais infinitas situações. O que, aliás, eu entendia muito bem, afinal era basicamente o que eu fazia quando tudo o que eu tinha era meu platonismo por .

Capítulo 33
Nos últimos dias, eu vinha pensando sobre Loreli, se ela acabaria contando a sobre o quanto Tyler era apaixonado por mim, e calculando se alguém seria manipulável o suficiente para acreditar. Porque, claro, Loreli só poderia ter acreditado, para ter ficado tão aterrorizada.
Meu estômago fez um barulho retorcido, de repente, discreta e elegantemente, o que me lembrou que eu estava a ponto de morrer de fome. Tomei um pouco do suco, ainda vidrada em um ponto nulo.
- Pensando na vida, cabeção? - surgiu de repente. Ignorei-o por alguns segundos, mas ele não parecia disposto a sair dali, então eu dei uma resposta muito inteligente.
- Ah... É...
Não intimidado pela resposta vaga, sentou-se à minha frente no balcão, sorrindo.
- Está gostando? - ele se referia à viagem.
Eu estava adorando tanto que não tinha como pôr em palavras. Só estávamos lá há quatro dias, mas eu nunca tinha estado tão feliz.
- Lógico, tem sido os melhores dias de férias - pensei numa maneira de devolver a atenção da conversa para ele. Depois percebi que era exatamente o que ele queria. - Aproveitando bastante?
- Claro! Adoro esse lugar - inclinou-se na minha direção. - Mas está quieta demais.
- Antigamente, você preferia assim - observei.
Ele me deu um olhar severo e eu achei que talvez devesse ter ficado calada.
- Ela está escondendo alguma coisa de mim.
Ergui uma sobrancelha, desconfiada.
- Como o quê?
- Não sei, - sua expressão finalmente relaxou, ainda que com um toque preocupado. - Ela está tensa. Talvez seja um segredo. Talvez seja paranoia minha.
- Ou estresse. Não sei se você se lembra, mas o que ela mais gosta é de ser oficialmente sua namorada - antes que ele me olhasse torto, voltei a perguntar. - Já tentou perguntar para ela?
- É, acho que pode ser isso... - quando o encarei curiosa, ele se explicou. - Mas a me disse que as gêmeas Campbell tem uma casa aqui. Eu sei que elas já foram problema para a , mas não sei o quanto.
Achei estranho ouvir o sobrenome das gêmeas. Lembrei do meu encontro com elas no mercado. Não era uma lembrança sobre a qual eu pensava com frequência, mas percebi ainda ganhar arrepios com ela.
- As gêmeas são só a ponta do iceberg - ouvi outra voz, atrás de mim. Não tive que me virar para saber que era . - Eu sei que tem muito mais vindo por aí. Eu posso sentir isso.
não deu muita bola para o momento oráculo dela, mas forçou um sorriso otimista.
- É exatamente sobre elas que eu quero saber. Se elas têm algo a ver com isso, por que ela não me fala? E por que ela ficaria assim, justo nas férias? Ela te disse alguma coisa?
me encarou, também esperando uma resposta.
- Essa pergunta foi para você - devolvi, voltando a atenção para . - Ela te disse alguma coisa? Eu tenho muitas suspeitas para cima dessas irmãs, só piorou quando a Loreli veio à festa sem ser convidada.
- Todo mundo aqui faz isso - ele rebateu.
- Só eu não sabia? - escandalizei. - Tem certeza que não falou nada sobre as gêmeas?
Ele balançou a cabeça em negativa.
, de algum lugar dos fundos, o chamou.
- Tenta falar com ela - segurei-o pela mão, impedindo que se levantasse. concordou com a cabeça, sério.
Por fim, se levantou, ao que o chamava novamente.
- Vou tentar agora.
Assim que saiu de perto, e eu nos entreolhamos, ela mais tensa do que eu.

Na manhã seguinte, disposta a descobrir onde Loreli morava, fui falar com . Se alguém sabia onde elas moravam, essa pessoa era ela.
se ocupava, no quarto dos meninos, ajudando a fazer as malas. Ele havia decidido, junto com a opinião de todos da casa porque nós sempre dávamos opinião em tudo, que o melhor seria passar quatro dias com seus pais e voltar um dia antes da véspera de Natal, porque partiríamos na véspera.
- - chamei discretamente. - Vem aqui.
Ela me olhou, desconfiada, mas veio até o corredor.
- O que foi?
Percebi que ela estava tentando ajudar a arrumar as malas do . Pensei que gostaria de algo mais excitante.
- Descobriu o que tinha?
- ainda não me disse nada - respondeu, entendendo em seguida. - O que você descobriu?
- Nada - assegurei-lhe, assumindo tom confidencial em seguida. - Mas acho que sei de uma coisa que pode nos ajudar.

Era tão óbvio que eu nem sabia por que duvidei sobre saber onde as gêmeas moravam. Aproveitamos o momento de distração de todos, focados na dificuldade de de encontrar um par de meias - por algum motivo muito especiais para seus pais - e saímos da casa.
Não era muito longe, mas a experiência foi cansativa o suficiente para eu lembrar de nunca mais andar a pé numa cidade praiana com uma ansiosa que se sentia em um filme de ação. A cada segundo eu ficava mais nervosa e, com ela falando sem parar, as coisas só pioravam.
- Ah, finalmente, chegamos - anunciou.
Finalmente. Eu que o diga.
Já de frente, dava para dizer que a casa era gigante, ainda maior que a de . Era difícil não se sentir diminuída ali, ainda mais quando a casa aspirava a modernismo e eu, em contrapartida, vestia uma camiseta azul um pouco puída coberta por um moletom e um short jeans velho.
Respirei fundo e toquei a campainha, porque não julguei adequado ir entrando, como sugeriu.
- Nós podíamos tê-las pego de surpresa - reclamou.
- Eu não ficaria surpresa se parássemos na polícia depois disso - retruquei, fazendo sinal de silêncio com urgência quando ouvi a porta da frente se abrindo.
Loreli parecia mais bonita do que quando a vi na festa.
- ? ? Que surpresa.
Veio até nos e abriu o pequeno portão. , que de repente estava muito ocupada com suas unhas, apenas ergueu a cabeça para cumprimentá-la com um sorriso e entrar. O que dizia nas entrelinhas que sobraria para mim, resolver a bronca.
Eu começava a me perguntar o que tinha ido fazer no covil do inimigo.
Toda a coragem que eu tinha antes de sair de casa sumiu no instante em que ela fechou a porta, com o mesmo sorrisinho no rosto.
- Não cobramos nada pelo sofá - Loreli apontou a mobília, com um sorriso montado no canto dos lábios. - Podem sentar.
Meio a contragosto, sentei. agora examinava a ponta dos pés, de chinelo. No fundo eu esperava que ela estivesse com frio nos pés, como pequeno pagamento por não me ajudar.
- Então... Onde está sua irmã?
Tentei encontrar uma maneira sutil de começar a conversa.
- Saiu - fez um gesto com a mão, se sentando também. - O que fazem aqui?
Não sabia se eu me sentia mais confortável ou ameaçada com a ausência da irmã dela.
- Bem, eu... Nós... - comecei a dizer.
- Viemos falar de - me interrompeu. Loreli ergueu uma sobrancelha, interessada. Ou simplesmente bolando mentalmente um plano instantâneo de assasinato. - Eu lembro que vocês eram amigas, mas tudo o que sei é que vocês brigaram. E que você esteve na festa, na casa dela.
Loreli assentiu.
- Suponho que queiram saber o motivo da briga, certo? - e, novamente, eu não sabia se ela estava sendo sincera ou extremamente cínica. - Não posso dizer que não estou curiosa para saber o motivo de não ter compartilhado com vocês.
- Não é isso - desconversei.
- nem sabe por que vocês brigaram - interveio antes que Loreli falasse. Isso fez com que ela fechasse a boca e pensasse numa nova resposta, o que eu não sabia se era bom.
- Ah, não sabe? - tive vontade de me esconder atrás do sofá, nessa hora, mas por fim ela optou por rir. Achei que ela fosse pirar com tanto cinismo. - é uma figura, mesmo. Faz as coisas e depois foge. Combina com ela.
Eu, por outro lado, ainda estava com o rabo preso com a história de ter inventado uma mentira gigante para Loreli, então era melhor eu ficar na minha mais um pouco, ou ela poderia me assar viva no próprio quintal e meus pais nunca ficariam sabendo.
Em seguida, ela se virou para mim.
- Quer saber? Eu vou fazer um chá para nós.
Mas ela não estava sendo amigável.
- Eu vou tomar um ar - anunciou, se levantou sem cerimônia e saiu da sala. Ao mesmo tempo, Loreli se levantou e foi até onde eu achava que era a cozinha.
Eu fiquei sozinha, tentando me recompor e descobrir como falar de Tyler, desfazer aquela bagunça e descobrir a fofoca, tudo o mais cedo possível. De preferência, sem sabendo sobre a parte que envolvia Tyler.
Minha mente começou a vagar e eu reparei na sala, me distraindo. Era espaçosa e de teto alto, em formato redondo e com uma parede inteira de vidro, dando para a frente da casa. Imaginei se o vidro poderia ser blindado. Os sofás, cinzas e macios, ficavam próximos à parede de vidro, de frente para uma TV de plasma, na parede oposta. Também tinha uma poltrona reclinável perto de uma mesa de vidro, no meio da sala, com algumas revistas de moda e jornais. A mesa combinava com o lustre de cristais. À frente, perto da TV, estavam empilhados alguns pufes quadrados, talvez para quando tivesse muita visita ou uma festa.
Antes que eu pirasse, fui atrás de Loreli, na cozinha.
A cozinha não me surpreendeu nem um pouquinho. Três palavras: espaçosa, cara e tecnológica. Loreli estava no balcão, de frente para a janela. Havia mais um entre nós, que devia servir como bar. Acima, haviam duas luminárias pendentes. Percebi também haver um carrinho de levar comida, no canto, logo após o balcão.
Sentei em um dos bancos altos, fazendo um barulho discreto, apenas para ela perceber minha presença.
- .
- Loreli...
Virou-se para mim, de repente.
- Já passou pela sua cabeça por que eu me afastei da ?
Percebi que ela estava mais ansiosa do que eu esperava, então tive que ser cautelosa.
- Aconteceu alguma coisa? - arrisquei.
Loreli pareceu ponderar se valia a pena ou não me contar. Por fim, voltou-se para a chaleira, diminuindo o fogo.
- A não é tão confiável quanto você pensa - franzi as sobrancelhas. - Claro, você não vai acreditar. Nem espero que acredite, para ser franca - deu de ombros, se sentando em um banco do outro lado da bancada, de frente para mim. - Mas já que decidiu ser amiga dela, talvez você mereça saber.
Pensei se demoraria para voltar.

Saí de dentro da casa com Loreli a meu encalço, descobrindo em seguida por que demorou tanto. Ela estava conversando com Valerie. Sem a menor intenção de parar para conversar com ela, apenas dei um aceno de cabeça, arrastando comigo.
Não olhei para trás nem uma vez, mas podia sentir os olhares das irmãs quase perfurando nossas costas.
- Não acredito que você me puxou de lá - reclamava, mas ainda me seguindo. - Que tremenda falta de educação com a Valerie.
- Como se você fosse educada com quem não gosta.
Ela deu de ombros.
- É justo. Mas achei que pudesse descobrir qualquer coisa sobre isso.
- Algum sucesso?
- Não - ela balançou a cabeça, desanimada. - O que só pode dizer que ela sabe de alguma coisa.
Quando viramos o quarteirão, sentei-me na calçada, exausta como se tivesse corrido uma maratona. Só então, eu havia parado para pensar no que Loreli tinha me contado. Era uma acusação grave.
Ela provavelmente havia me contado isso para me deixar com o pé atrás em relação à . Fiquei tão atordoada que não desfiz o mal-entendido-Tyler.
- , vai me contar? - me chamou para a realidade.
- Loreli me disse que sabotou o projeto final dela da oitava série - praticamente vomitei as palavras.
piscou repetidas vezes.
- Que projeto? - massageou as têmporas. - Espera, o da feira de conclusão do ano?
Encarei-a, perdida.
- É uma feira que só o último ano do fundamental tem - explicou.
- Ah. Creio que sim - fiz uma pausa, pensando no problema seguinte. - Tem mais.
Ela se aprumou na calçada, de frente para mim.
- , você não acha que a ...
- Vai escutando - respondi, convencendo-a em um segundo a prestar atenção em mim. - Apesar disso, Loreli conseguiu ganhar do mesmo jeito. Teve a maior nota, eu não sei.
- Eu sei, eu estudava naquele colégio, lembra? Não era amiga de , mas também concorri e vi quando ela ganhou. Aposto que os professores ficaram com dó.
Ergui uma sobrancelha, esperando que isso a fizesse pensar como a informação era irrelevante.
- Também lembro que elas tinham feito uma aposta. Sei, disso eu sei, foi a única coisa que me contou. Apostaram um café da manhã - fez um gesto no ar, para que eu prosseguisse. - Achei que tivessem parado de se falar por causa da aposta.
- Loreli me disse que provavelmente não queria pagar o café, mas isso não é muito a cara da . Acho mais provável ela não ter conversado com Loreli porque ficou com preguiça... Não foi atrás, aí a outra desencanou. Ou vai ver ela viajou. Ou...
- Ou ela simplesmente traiu a Loreli - supôs. Encarei-a, surpresa. - Qual é? Vai dizer que não passou pela sua cabeça que ela pode ter sabotado o projeto da Loreli?
Por mais que fosse exatamente o que a garota tivesse me contado, eu não queria acreditar nisso. Acabei me lembrando do fim da história, a parte mais incriminadora de todas.
- Ah! E depois disso, ela ainda ligou na casa da Loreli e avisou a mãe delas que elas tinham experimentado cigarro. Disse até onde tinha um maço guardado no quarto dela.
me encarou com espanto.
- Ela não faria isso.
- Fez, segundo a Loreli - corrigi. - Tem noção? E o tempo todo, eu achando a Loreli uma vaca.
Dessa vez ela foi mais racional.
- Não se esqueça que ela está com o Tyler e que você só ouviu um lado da história.
- Eu nunca quis aquele traste, mesmo - mas não contestei mais sobre .
- Hoje à noite, antes de dormir, nós falamos com ela - decidiu, e eu concordei com um gesto de cabeça. - Sem falta.

Depois de escovarmos os dentes, fomos para o quarto, trancamos a porta e nos certificamos que prestasse mais atenção em nós do que no removedor de maquiagem e no espelho.
- , tem uma coisa que nós queremos falar com você - tomei a frente.
Não achei legal fazer isso porque depois quem ia tomar na cabeça, era eu, mas como eu tinha ficado muito mais íntima dela do que qualquer uma, sobrou para mim.
- O que foi? - ela mal dava bola, até caminhar até a cama dela e encará-la. Parecia meu cachorro, Apollo, quando pedia atenção. - Nossa, assim vocês me assustam.
observava a cena, enquanto eu começava a contar detalhadamente sobre nossa aventura à tarde. empalideceu ao fim da história:
- Então, foi isso!
Fiquei em silêncio, sem entender.
começava a se distrair com a caixinha de maquiagem. Dei um tapa na sua mão, trazendo-a de volta à realidade.
ainda não tinha entendido:
- Como assim, é isso? Então é verdade, o que aconteceu?
- É, e não é - vendo-se obrigada a explicar, continuou. - Não foi bem assim. Eu falei brincando, não acredito que ela levou minha aposta tão a sério. Digo, a parte de pagar a aposta era séria, mas...
- , nós não estamos entendendo nada - revirei os olhos sem querer. - O que realmente aconteceu?
Ela apertou os lábios, encarando rapidamente a todas nós.
- Eu nunca sabotaria algo dela para ganhar, nós éramos melhores amigas. E eu sabia que podia vencer, tanto é que eu dei início a essa aposta - suas sobrancelhas quase se uniram no alto da testa. - Só que, por algum motivo, o trabalho da Loreli praticamente foi pelos ares.
- Foi você? - me senti um pouco estúpida perguntando, mas eu tinha que confirmar.
- Não, claro que não, mas pelo jeito ela acha que sim - respondeu ofendida. - E sobre os cigarros, ninguém mais sabia disso, era uma coisa só nossa. E isso é muito estranho.
- Elas nunca te contaram?
Ela deu de ombros.
- Fiquei sabendo muito por cima, em algumas das vezes que tentei retomar a amizade, ou entender o que tinha acontecido. Elas mal olhavam na minha cara. Digo, Loreli, nunca fui muito amiga da irmã dela.
- Mas... Depois... - tentei retomar a parte em que não tinha ido atrás da então amiga.
- Não tem 'mas' - pareceu irritada, mas se recompôs em seguida. Suspirou. - Depois da feira, meus pais tiveram que viajar às pressas, por conta de morte na família. Eu estava tão atordoada que esqueci de avisar Loreli.
- Então isso levou ela a acreditar que só podia ter sido você, com raiva por perder, ligando para a mãe dela - concluiu. - Mas ainda falta descobrirmos quem foi, se não foi você.
De repente fez sentido Loreli e Valerie me odiarem. Eu era inimiga delas por tabela desde o inicio, só porque havia se tornado mesmo sem saber, inimiga delas, incriminada injustamente.
Não consegui evitar expressar minha frustração.
- Isso está completamente errado. Nós precisamos fazer alguma coisa.
tentou mudar minha cabeça, mas já me olhava com a cumplicidade que eu precisava para não desistir, não importando o que ela falasse.
- Não, , está tudo bem. Se não voltamos a nos falar mesmo depois de tantas tentativas, talvez seja melhor assim.

Era tardezinha e eu e as meninas estávamos caminhando com nossas bugigangas para a praia. Por mais que o tempo já estivesse frio, nada nos impediria de acender uma fogueira e comer olhando o mar.
estava lá com os meninos, e se ele esperava ver algumas bundas, eu estava feliz de saber que o tempo frio o impediria. Por outro lado, se ele tivesse conseguido, eu tentaria não ligar para isso. Tudo o que eu queria era que alguma coisa continuasse dando certo, e eu faria o possível para isso ser nós dois.
Por um segundo, a vida pareceu mais fácil, mas só por um segundo, até eu ver uma menina bronzeada e linda se aproximando de , segurando a bola para entregar a ele. Senti o coração pesar, junto com um impulso fortíssimo de largar as esteiras no chão e sair correndo até eles. Ou sair correndo até eles e bater na bronzeadinha com as cadeiras. O que fosse mais efetivo.
riu quando percebeu minha expressão.
- Está com ciúmes?
Alguém sempre tinha que zoar.
- Quem, eu? - fiz de desentendida. Não sou obrigada.
- Eu também sou ciumenta. Qualquer ser que tenha buracos, perto do , é um perigo - se adiantou. Agradeci com um sorriso malfeito.
- Credo, vocês não têm confiança? - ajeitou a tiara no alto da cabeça, carregando no ombro duas sacolas com pães e salsicha para os cachorros-quentes, que, aliás, pareciam super levinhas.
- Eu também - disse, fazendo a esnobe. Ela levava na sacola jornais, madeira e álcool para acendermos a fogueira. - Orgulho é uma benção e eu não estou disposta a abrir mão disso.
Nós rimos, mesmo sabendo que ela estava se tornando uma ciumenta irremediável. E apesar de ter sentido vontade de alfinetá-la, decidi não falar mais nada.

Deixei as duas últimas esteiras caírem no chão, ao lado de , encarando com muito glamour a garota que falava sobre água de coco e saúde, com ele. Minha presença e meu rosto angelical deram um jeito na danada e, rapidinho, ela saiu de lá. Só não voou porque vacas não têm asas.
provavelmente reparou, mas fingiu que nem tinha conversado com a senhora bronzeamento artificial. Só podia ser, porque estava impossível pegar sol naqueles dias.
Ele viu minha expressão e decidiu pegar leve.
- Ei.
Levantou, espalmou as mãos na bermuda para tirar a areia e me cumprimentou com um beijo rápido, espreguiçando-se em seguida.
- Ei - respondi ainda meio travada de ciúmes.
Estendi a esteira e sentei, encarando o mar e ouvindo ao fundo e discordando sobre como fazer a fogueira, mas não dei bola.
- Nós vamos passar a noite aqui?
Engraçado ele perguntar, porque eu tinha acabado de chegar. Caso ele não pudesse ter notado. Pensando nisso, não consegui ser delicada.
- Por quê?
- Eu estava pensando em voltar para casa... - voltou a sentar, agora na minha esteira, nem se importando de estender a própria. Seus braços me envolveram em um abraço e ele inspirou fundo no meu pescoço. O corpo dele estava quente e eu atribuí isso a ele ter ficado jogando futebol a tarde toda. - Esqueci uma coisa lá.
Eu podia apostar como era a vergonha.
- Vem comigo? É rápido.
Seria triste admitir que nem precisou jogar muito charme, já fui de primeira.
Ele me abraçou, encostou o rosto no meu pescoço e eu já estava toda derretida. Quando me beijou, em seguida, eu estava quase falando os votos de casamento. É que quando se está carente e de repente tem te abraçando, beijando e falando praticamente para ir a um lugar mais reservado, e que está carente, fica meio difícil resistir. Ainda mais porque na maior parte do tempo ele era um lerdo, então eu era obrigada a aproveitar essas ocasiões.
Aproveitamos que realmente esqueceu de trazer os refrigerantes e dissemos que iríamos pegar, ignorando os olhares que recebemos especialmente de e . Apostamos corrida pelos dois quarteirões até a casa de , até que eu cometi a delicadeza de cair bem na porta de entrada. Ou teria caído, se não tivesse me segurado pelo abdômen, para que eu não esborrachasse o rosto. Entre risadas e beijos, chegamos às escadas e ele me pegou no colo.
Ao topo da escada, vendo o corredor de salas e quartos, quis brincar comigo. Soltou minhas pernas, olhou para mim e disse, com um sorriso canalha.
- Sabe, acho melhor eu ir dormir, fiquei o dia todo no sol... - quase perguntei que sol, se estava frio. - Fiquei cansadão.
E me beijou em seguida, para a minha surpresa. Vai ver que o excesso de sol tinha acabado com a cabeça dele. Ou então ele quis ver minha reação, mas não conseguiu esperar o suficiente, porque às vezes eu conseguia ser mais lerda que ele e aí o resultado era pior ainda.
Mas, ignorando todas as leis da física e do universo, eu fui esperta. Passei as mãos nas suas costas, puxando seu corpo na direção do meu.
Imediatamente, ele encaixou a mão na minha nuca e outra na minha cintura, apoiando o dedão no furinho nas minhas costas.
Eu sorri, inclinando o rosto na direção da sua orelha, sussurrando.
- Então, é melhor você vir dormir.
Pode-se assumir que ele curtiu o que eu disse, porque em seguida ele me pressionou com mais força ainda contra o próprio corpo, mordiscando o lóbulo da minha orelha e beijando meu pescoço com vontade em seguida.
Andamos pelo corredor na base do tato, sem interromper o beijo uma única vez. As mãos dele emaranhavam-se no meu cabelo, aprofundando o beijo. Eu arranhava seus ombros e o abdômen com a leveza que conseguia administrar, enquanto ele respondia me apertando com mais desejo, com a outra mão fazendo um barulho estranho.
Notei que ele estava girando a maçaneta. Entramos no quarto, apagando a luz e fechando a porta em seguida. Por fim, levei para a cama.

Capítulo 34
O sol, se não totalmente filtrado pelas nuvens, estaria naquele ponto em que não estaria nem trazendo a tardezinha, mas também não seria meio dia. Algumas pessoas poderiam afirmar ser em torno das três da tarde. De qualquer forma, estava tão nublado e repentinamente frio que, mesmo no piquenique, debaixo de uma árvore do quintal, estávamos agasalhados. Aproveitávamos os últimos dias na companhia apenas de amigos, sem pais, obrigações, problemas...
Em parte, porque os meninos estavam lá a contragosto e, como se não bastasse, e brigavam por algum motivo completamente fútil, como "por que escolhemos morangos, não amoras?", o que conferia uma bruta harmonia ao grupo.
Primeiro, ouvimos o barulho do carro. Em seguida, saiu correndo. Foi rápido demais para mim, mas no fim eu consegui compreender que tinha voltado. Aquele era também um lembrete silencioso de que iríamos embora logo.
Desistindo da discussão sobre morangos, se virou para mim, falando baixo.
- Já sei o que eu vou fazer.
Meu coração deu um pulinho desgovernado. Até ela sabia o que fazer e eu não. Que animador.
- Sobre o quê? - se meteu, apoiando os cotovelos nas minhas pernas.
Ela estava do meu outro lado.
- Loreli - fez, então, uma pausa dramática e depois contou como descobriria quem tinha armado para ela.
Dessa vez, ao menos, o plano só tendia a fazer bem para todos. O que era um começo promissor.

Eu não sabia dizer se era meu medo, minha desnecessariamente baixa autoestima ou se era apenas a dura realidade, mas Loreli parecia mais bonita do que antes. Assim que olhei para ela, tive vontade de perguntar se tudo aquilo era para Tyler, mas lembrei que eu não estava em posição de brincar com o perigo. Ainda mais na toca dele.
Eu quero matar a .
- ! - exclamou, parecendo surpresa, vindo até o portão. - Não esperava sua visita hoje.
Como se algum dia esperasse.
A fim de ir embora logo, decidi ir direto ao ponto.
- Vamos dar uma festa amanhã à noite, quer vir? Logo estamos voltando para Londres e queremos aproveitar enquanto podemos - talvez eu pudesse ter dado alguns leves rodeios. Não acharia estranho se a irmã dela estivesse observando a conversa pelo vidro que, agora eu percebia, tinha filtro para que fosse impossível enxergar lá dentro durante o dia.
- Festa? - ergueu a sobrancelha. - E você veio me chamar?
Achei sua desconfiança justa, por isso não a julguei.
Infelizmente, o sucesso de descobrir o que tinha interferido na amizade de Loreli e era equivalente ao sucesso dessa festa.
- Também acho que diplomacia não é meu forte - concordei, dando de ombros. - Mas ainda não comprei a história que fez tantas coisas ruins.
- Está insinuando que menti para você? - ela continuou na defensiva. - , veio à minha casa para me acusar de blasfêmia?
Falando assim, eu pareço uma troglodita.
- De modo algum! - fiquei irritada a ponto de ficar com calor. Remexi no cabelo, tirando alguns fios da nuca. - Olha só, você está entendendo tudo errado!
- Ah, agora eu sou burra! Entendi errado? - eu não sabia diferenciar se ela estava brincando comigo ou se estava mesmo ofendida.
Eram mais mal-entendidos do que eu conseguia lidar.
- Não acredito que está dando ouvidos a ela de novo! - uma terceira voz se juntou à conversa. Corri os olhos pelo lugar e encontrei Valerie na varanda, que, provavelmente, era do quarto dela, me encarando com, no mínimo, irritação.
Resisti à vontade de escalar a parede e jogá-la de lá.
- Loreli, você precisa me deixar explicar! - tentei trazer sua atenção de volta para mim. Com a irmã ali, parecia ainda mais difícil fazê-la acreditar na natureza boa da festa. - Olha, se você não quer voltar a ter a amizade da , tudo bem, é sua opção. Também acho errado que alguém queira interferir.
Olhei para Valerie nessa hora, me certificando de que ela ouvisse e pegasse a indireta.
- Loreli, venha para dentro! - Valerie berrou.
A mais nova apenas olhou-a com a expressão vaga e voltou a me encarar:
- Estou ouvindo...
Ao mesmo tempo, Valerie voltou para dentro, não se aguentando de ódio. Fiquei imaginando que ela poderia ser o tipo de menina que comeria a melhor coxa do peru no dia de Ação de Graças e ainda acusaria a irmã, só para poder pegar a que sobrou. Se tivéssemos Ação de Graças em Londres, claro.
Eu tinha desistido de explicar a situação.
- Vamos fazer a festa do mesmo jeito. O convite já está feito. Seria bobeira não aceitar, considerando que é uma chance e tanto de reconciliação. Se a amizade de vocês era tão boa, por que jogar tudo fora?
Arrisquei, mesmo pensando que ela não compraria aquela ideia.
- Se nossa amizade era tão boa, por que ela destruiu tudo? - ponderou.
- Mas como resiste - murmurei. - É tão difícil acreditar em mim? Há várias coisas que você não sabe, Loreli.
Tentei falar isso de modo a convencê-la que a melhor opção era ir para a festa, mas cooperar certamente não era seu forte.
- Todos temos segredos, não é, ?
Odiei sua resposta condescendente, como se lesse meus pensamentos. Senti a garganta fechar.
- Olha, sobre o Tyler, eu gostaria de dizer que...
Ela tomou a palavra, não querendo ouvir o fim e fazendo um gesto com a mão para que eu poupasse minhas desculpas.
- , eu quero acreditar em você. Eu consigo ver que você tem boas intenções, mas você não passou pelo que eu passei. Tem ideia de como meus pais são rigorosos? Eles quase me mandaram para um internato na Suíça, tudo por causa de uma ligação!
Bufei.
- É sua chance, Loreli! Já disse, acho que você merece ouvir o outro lado da história. Pense bem nisso, depois não diga que eu não avisei.
Loreli assentiu, entendendo que essa era minha bandeira branca. Estava desistindo de convencê-la. Até porque, quem sairia perdendo era ela.

Mais tarde, tentei ligar para o meu irmão, em desespero, mas a chamada caiu e, como Collin não era o irmão mais exemplar, não retornou minha ligação. O que só me dava mais e mais felicidade por ter uma família relapsa como a minha.
Nos dois últimos dias, desde o fato consumado, eu tinha dormido na mesma cama que . Ninguém comentava nada, mas o tempo todo, recebíamos olhares sugestivos. Eu achava ótimo, claro, mas apesar de tantas coisas boas, não conseguia relaxar. Era como se eu estivesse ligada na tomada o tempo todo. Não conseguia parar quieta, sentia uma ansiedade sensacionalmente grande tomando conta de mim o tempo todo e ao mesmo tempo, um medo terrível de perder, a qualquer instante, tudo o que tinha conquistado. Se Loreli pirasse, contasse minhas mentiras ao e ele acreditasse, ele provavelmente daria um jeito de descobrir como voltar no tempo e desfazer até nosso primeiro beijo.
Eu sabia que ele não aguentava mais ouvir falar no Tyler, então quando perguntava o que estava errado, eu sorria, dava um beijo e falava alguma bobagem. Em retorno, ele fazia o seu papel, sorrindo de volta e mudando de assunto. Vinha sendo assim até que resolveu olhar nos meus olhos e dizer assim, bem direto, me tirando da realidade.
- Sabia que eu amo você?
Voltando um pouco!
Alguns segundos antes, não queria me passar o pote de geleia. Claro, ele estava brincando, mas meu pavio curto quase destruiu o momento.
- . Por favor. A geléia.
Não sei de onde ele tirou energia para sorrir e me dar um beijo na ponta do nariz. Minha cara devia estar feia demais para isso.
- Vem pegar - então, o bonitinho pegou o pote e escondeu atrás de si.
Estávamos na cozinha, em bancos altos. Tendo péssima experiência com a combinação banco e equilíbrio, tomei o maior cuidado para me esticar até ele, na vã intenção de caçar o pote de volta. De alguma maneira, eu consegui derrubar meu banco, o que já causou certo escândalo na cozinha, cair em cima de com as pernas em volta das coxas dele, que só piorou o escândalo e, então, quase derrubá-lo junto.
Porém, como era muito mais equilibrado do que eu em várias vertentes, ele me segurou e manteve nosso equilíbrio, ainda sorrindo. Por questão de equilíbrio, a mão com a geleia já estava apoiada novamente no balcão de mármore, ao nosso lado.
Antes que eu pudesse sorrir, pegar e sair de cima dele, ele segurou o pote, me atrapalhando mais um pouco. Fiz cara de brava, puxei de volta e deu uma risada.
Sem saber se ele estava rindo de mim, ou da minha infantilidade, fiz a maior carranca.
- Que foi, hein?
Só que eu esquecia que meu namorado era o melhor do mundo. Ele sorriu e, em vez de responder "nada", dessa vez, disse:
- Sabia que eu amo você?
E aí, como sempre que era pega de surpresa, soltei algo muito inteligente, enquanto tentava não fazer papel de boba, com minhas expressões mais bobas.
- Tiãtabem.
Que foi uma tentativa desesperada da minha língua de dizer que o amava também, antes que meu cérebro tapado tivesse dado o comando.
Meus amigos estavam todos à nossa volta, na expectativa que eu respondesse certo, mas não foi de propósito. Perdi o fôlego, esqueci como mexer a língua, não sabia mais me mover.
Enquanto eles desandavam a rir, os olhos de me encararam confusos. Em seguida, eu consegui sair de transe, sorrir, dar um beijo nele e redizer, antes de voltar à minha posição inicial com a geleia.
- Também amo você. Muito.

Foi logo depois dessa comilança, quando Collin finalmente resolveu me dar sinal de vida. Eu já estava ficando mais do que fora de mim, mas fiquei chateada quando ele me informou que só ligou para garantir que eu estivesse viva e nada mais.
- Collin, não acredito que você não se importa a esse ponto - falei descrente, como se estivesse brincando, mas se eu fosse ele, notaria logo o rancor em minha voz.
- Mamãe me deu obrigações e eu estou cumprindo, garantindo que você esteja viva.
Meus pais quiseram que Collin viesse comigo, já que, dessa vez, eu estava namorando. Afinal, pelas leis da natureza, ele deveria ser super protetor e cuidar de mim na viagem toda. Porém, assim que nossa mini frota de veículos virou a esquina, meu belo irmão me fez descer do carro e ir para o carro de trás, com e as meninas. Agora, onde Collin foi passar as férias ainda era um mistério.
Mesmo depois que contei toda a história, ele se recusou a me dar uma resposta direta.
- É por que eu não te ajudei no tombo da banheira, quando a gente era criança? Eu teria te ajudado, se você pedisse - arrisquei, a voz uma oitava acima. - E você nem ficou tão feio sem o dente da frente!
- Hã? Não! , o que está acontecendo aí é muito diferente de um tombo. Você tem que entender que, não importa a direção que eu aponte, você precisa escolher o próprio caminho.
- Para mim você está falando grego! De que livro você tirou isso?
- , você é a minha irmãzinha. Apesar de tudo, eu me importo com você. Mas não posso te dizer o que fazer e acho que, no fundo, você sabe qual é a melhor alternativa.
Nunca ouvi Collin tão sério.
- Mas você sabe que eu estarei aqui, se der tudo errado - e por fim tentou me confortar por não ajudar de maneira clara.
Já eu, tentei terminar a conversa de modo que não parecesse ingrata pelos enigmas, que ele deu como se fossem dicas valiosas.
- Tudo bem, então...
Já ia desligando, quando sua voz me chamou.
- Ah, Bolinha?
Meu rosto se iluminou, na esperança de uma resposta mais digna.
- Não se esqueça de me encontrar na rua de trás de casa. Para você voltar no meu carro.
Desliguei na cara dele.
- "Para você voltar no meu carro", nhé - murmurei, guardando o celular de volta no bolso do shorts, sabendo no fundo, bem no fundo, que Collin estava certo.

me puxou de lado e deu um jeito de me zoar porque percebeu que eu dormi no quarto dos pais dela, com . A festa estava começando, mas a zoação, por outro lado, parecia não ter fim.
e também sabiam, claro. O único que não devia saber ainda era , mas nada que uma conversa com os meninos não resolvesse. Não pude deixar de perceber como ficou verdadeiramente feliz por mim, que já estava achando que era uma espécie de homem que, bem... Não faz aquilo. Nunca fiquei tão satisfeita em estar errada.
Sobre a noite, Loreli chegou atraindo olhares curiosos, só de passar pela porta de entrada. E sozinha, ainda.
Vê-la sozinha ali, indo contra as vontades da irmã, que presenciei mais cedo, me fazia imaginar o que tinha acontecido depois que eu a deixei no portão.
Loreli começou bem cuidadosa, sendo atenciosa com as meninas, mas não falando mais do que o necessário. Eu cuidava para não exagerar na bebida e me meter na mesma encrenca uma segunda vez. Por outro lado, esperava que ela não tomasse esse cuidado.

Em certo ponto da noite, perto da meia noite, encontrei a dupla mais importante da noite. Minha cabeça ficou como bola de pingue pongue, variando de Loreli para , enquanto eu estava apoiada no batente da porta, esperando que elas me notassem.
- Ok, então como pode explicar o meu vulcão literalmente explodindo? - Loreli reclamava. Foi fácil perceber que ambas estavam meio alteradas, no sentido químico.
- Eu não sei nem do que você está reclamando. Você ganhou do mesmo jeito! Sinal que aquela porcaria estava realista o suficiente.
Campbell pôs as mãos na cintura.
- Nossa, obrigada! Mas se não fosse por você, não teria sido tão real assim.
- Já disse que não fui eu! - disse, entre algumas palavras que eu esperava nunca mais ouvir da boca dela. - Por que você veio aqui, se nem está disposta a acreditar em mim?
Isso pegou Loreli de surpresa. Seu momento pensando em uma resposta deu força total à .
- Você sabe que não fui eu. No fundo, você sabe! Você só não quer admitir que você errou na fórmula da lava.
- A fórmula - ironizou - vem pronta, querida.
Esperei pular no pescoço dela por ter sido chamada de "querida", mas isso não aconteceu. Porque eu me vi as interrompendo.
- Então, alguém estragou. O que causou o estouro?
Ambas me olharam como se eu fosse um alienígena. Foi arrependimento instantâneo.
- O quê? - Loreli perguntou com desdém.
Sentindo-me burra demais para estar ali, arrisquei uma pergunta inteligente.
- O problema foi mecânico, ou alguma peça que sumiu? - aproveitei para reformular a pergunta de modo mais amplo. Lembrando de algumas aulas que precisei aprender para ajudar Alyssa, lembrei também que uma pequena pecinha poderia fazer o maior estrago, se no lugar errado. - Qual foi o problema?
- Foi mecânico. Como você sabe? - Loreli assumiu, desmontando a postura agressiva.
Apertei os olhos.
- É, o vulcão dela espirrou até o teto. Forte como uma cachoeira - a outra acrescentou.
Eu não sabia se estava pasma ou impressionada.
- Não pode ter sido - concluí, entendendo tudo.
A gêmea do mal não se deu por vencida.
- Como pode ter tanta certeza?
- Isso, eu não esperava de você - não sabia se a chamava de desatenta ou má amiga, mesmo. - Como você não viu isso antes? Se fosse para tirar alguma peça, vá lá, mas nunca teve aula de mecânica. Ela nem entende como funciona um interruptor - protestou rapidamente. - Sem ofensa.
Quase consegui ver as engrenagens funcionando na cabeça das duas e o momento em que Loreli arregalou os olhos, me dando razão silenciosamente.
- Eu preciso ir.
O quê?
Ela se levantou tão rápido, que eu só tive tempo de bloquear a porta, se é disso que se poderia chamar quando alguém fica parecendo estátua na frente da única saída, tentando decidir como agir.
- Mas, Loreli, nem resolvemos isso ainda! - levantou-se atrás dela. A outra parou por um segundo, à minha frente, impedida.
- Você estava certa. Eu sinto muito.
Gelei, repensando se não tinha acusado ninguém, para Loreli decidir sair correndo dali. Ponderei se valia a pena estar certa, naquela situação.
- E, , me desculpe. Ainda temos a segunda parte a resolver, mas perdão, por enquanto.
E saiu. Esbarrou em mim, já que eu ainda estava fazendo cosplay de estátua.
estava pasma. Eu também.
- Tudo bem aí? - perguntei, quando ela se sentou na cadeira, afundando o rosto nas mãos. Ela murmurou, cansada. Não parecia querer sair dali tão cedo. - Certo. Eu estarei... Por aqui... Qualquer coisa... - fiz a sugestão e deixei-a aproveitando seu momento complicado da semana.
Decidi que o melhor seria tentar relaxar pelo resto da noite, e assim que fechei a porta, fui procurar .

Minha intenção, quando saí da cama, era fazer a higiene matinal. Agora, pergunta para o se isso é possível.
- Fica mais cinco minutos - pediu, com a voz rouca. - É nosso último dia aqui.
Como eu poderia negar?
Passados alguns minutos, quando ele notou que eu ficaria, seus braços afrouxaram em minha cintura e sua respiração voltou a ficar pesada. O corpo de estava espalhado em cima de mim. Não inteiramente em cima, mas perto demais para que eu saísse sem ser notada ou sem acordá-lo de novo.
Mais dez minutos de luta, e então consegui sair da cama e escapar para o banheiro.
me esperava, os olhos semicerrados, quando voltei. Sorrateiramente, andei até a cama, sentando de frente para ele, pensando sobre como eu poderia observá-lo para sempre, sem me cansar por um segundo.
- 'Tá me encarando, aí - a voz rouca dele só conseguiu pronunciar isso. Ele quis dizer algo como "O que você está me encarando, aí?".
- Nada - respondi, voltando a me deitar ao seu lado, virada de frente para ele.
Seu polegar passou a acariciar a minha bochecha.
- Sabia que é feio?
Antes que eu pudesse dar uma resposta à altura, no entanto, ele me puxou e me deu um beijo na testa, em seguida dizendo que já voltava.

Meu coração acelerou. Eu precisava falar sobre a mentira do Tyler antes que outra pessoa o fizesse.
- Sabe, tenho que te contar uma coisa - disse, quando ele voltou.
- Eu também - para a minha surpresa, foi isso o que ele respondeu. - Eu primeiro.
Nem hesitei. Já que ele queria falar, melhor que falasse.
- Pode ir.
Só que no momento em que abria a boca para começar a falar, irrompeu no quarto, segura que estaríamos dormindo. Eu sabia disso só de ver que ela estava acompanhada de todos os outros, munidos de panelas e colheres de pau.
Quer dizer, se eles não pretendessem nos linchar, provavelmente iriam nos acordar.
parou no meio do seu berro, parecendo tão confusa quanto se tivesse entrado em uma dimensão errada. Todos os outros trombaram entre si, mas ainda adentrando o recinto.
- Como vocês já acordaram?
- É, ainda nem são dez horas - completou, frustrada.
Dei um sorriso, olhando rapidamente na direção de , que deu de ombros, silenciosamente dizendo que o que quer que ele fosse dizer, teria que esperar.
- Achei que vocês ainda nem tivessem acordado - admiti, empurrando as cobertas. Ao que me levantei, sentindo frio, peguei um casaco esquecido no chão.
- Estávamos esperando você para nos ajudar com a comida - sorriu, apertando os lábios e desistindo das panelas. - não sabe fazer nada.
- Só torradas - acrescentou. - E isso é com a torradeira.
- Foi exatamente por isso que trouxemos as panelas - concluiu.
O que disse a seguir me fez duvidar se eles realmente precisavam de ajuda para a comida.
- E não para acordar vocês.
Com casaco, uma blusa por baixo e shorts, decidi descer, com a desculpa de estar morrendo de fome.
- Espera aí, eu vou com você - ia vir atrás, e até levantou da cama, mas o interceptou, sempre curiosa, começando a fazer perguntas.
- Não, não, . Espera aí, nós queremos conversar primeiro.
Lancei para ele um olhar de piedade, mas sorri em seguida, fugindo do quarto.
acabou vindo comigo, certamente como resultado de ainda estar ocupada demais, curtindo .
- O café já está pronto - me avisou, assim que me alcançou ao fim das escadas. - E eu que fiz.
Apostamos uma corrida rápida até a cozinha, onde quase derrubei uma xícara.
- Perdão, perdão - mas devia ter algum motivo para estar feliz, pois nem me olhou torto por isso. - Olha, panquecas! - soltei um agudo, correndo para o balcão e puxando um banco em seguida.
A outra sorriu satisfeita.
- Viu só, tudo intriga da oposição - referiu-se às ofensas dos nossos amigos.
Devolvi uma expressão teatralmente curiosa, primeiro para ela, depois para a comida, que eu já devolvia ao prato.
- Sério? O que você colocou aqui? Ela parece tão amigável.
- Boba, come logo!
Se aquilo não me matasse em segundos, estava explicado por que ela estava tão feliz. Eram as melhores panquecas que ela tinha feito para mim na vida.
- Isso é dos deuses! - elogiei. - Você precisa ir morar comigo. Quando eu chego na cozinha - continuei falando de boca cheia -, o Collin já comeu tudo.
- Eu disse que era ótima na cozinha - exibiu-se, rindo.
- Nunca comigo - dei mais duas mordidas soberbas.
Enquanto eu me preparava para atacar a segunda panqueca e atirar cobertura de chocolate nela, a campainha tocou.
- Mas a essa hora? - olhou para o relógio da cozinha, marcando quase dez da manhã. - Quem poderia ser?
- Não deve ser importante - balbuciei, ainda cega pelo amor à panqueca. - Quer um pedaço?
A campainha tocou mais uma vez, insistente.
- Acho que eu vou lá.
- Alguém vai descer e vai - gemi, forçando-a a ficar comigo.
Convencida, ela voltou a relaxar. Depois de, mais ou menos, quinze segundos, a campainha tocou de novo.
Grunhi, irritada por ter que largar meu maravilhoso café da manhã, mas um pouco contente por ter conseguido engolir a segunda panqueca, mesmo que não a tivesse aproveitado como gostaria.
- Você venceu, campainha, estamos indo!
não parecia mais tão calma enquanto andávamos até a porta de entrada. Já que a casa de não tinha muro, era lá que os infelizes tinham que apertar a campainha.
Minha amiga ficou pálida depois de ver pelo olho mágico, o que acabei levando como mau prenúncio. Mesmo intimada, destranquei em cima e na chave e abri a porta.
Tudo para ver Loreli, com cara de poucos amigos. E sua caminhonete com algumas malas atrás de si.

Meu queixo só não caiu porque ainda estava colado ao resto do rosto. Meus pensamentos começavam a colidir uns nos outros, a velocidades incríveis. E se aquela louca estivesse se mudando para a casa de ? De mala e cuia? Ela gostou tanto do que eu disse para defender a que quis morar com ela?
Comecei a bolar esquemas de fuga e de assassinato quando Loreli notou a paranoia nos meus olhos e pareceu ler meus pensamentos. Na verdade, ela só seguiu a linha do meu olhar.
- Ah, eu estou de partida. Estamos voltando para Londres - explicou-se. - Logo é Natal e nossos pais querem que passemos com eles.
- Entendo - respondi, meio alheia.
Reparei que havia uma sombra no carona, que provavelmente era sua irmã. Eu esperava que Valerie não abandonasse a irmã na intenção que déssemos carona a ela.
Como forma de defesa por ser descoberta tão facilmente, dei um risinho nervoso, olhando dela para . Na verdade, eu só estava esperando minha deixa para sair dali, embora, ao mesmo tempo, quisesse ouvir a conversa. Por algum motivo, Loreli preferiu dizer tudo na minha cara, mesmo.
- Eu devo desculpas a vocês - Loreli disse como se fosse fácil proferir essas palavras. Ela fazia parecer fácil.
travou.
- Acho que ela quer dizer que está tudo bem - falei em seu lugar.
- Ótimo - a outra aceitou fácil, mas voltou à vida tão repentinamente quanto havia se desligado.
- Não! - e só para nos causar espanto. - Digo, sim. Tudo bem. Acho. Mas... O que... Como isso aconteceu?
É, como você decidiu que eu estava certa? E por que você saiu correndo depois do que eu disse?
Em vez de falar, fiquei quieta, trocando o olhar de uma para a outra.
- Eu... - a voz de Loreli pareceu fraquejar por um segundo. Achei bom vê-la como humana, pelo menos uma vez. - Lembrei de um fato - fez uma pausa breve. - Valerie não teve aulas de mecânica, é verdade, mas se interessava por isso quando era mais nova. Chegou a estudar com meu pai a mecânica automotiva e adorava mexer nos carros.
- Não duvido que ela faça seu banco te ejetar, quando você voltar - comentei, apontando a caminhonete com o queixo.
Loreli riu, mas sem humor.
- Ela aprendeu a mexer com as bombas. Sabe muito bem de mecânica, para quem não fez aulas.
Suspirou.
Decidi dar uma olhada para a caminhonete, repensando minha teoria e garantindo que Valerie não aprontasse com o banco do motorista, para expelir a irmã.
- Não sei como não havia me lembrado disso antes! - disse, como se fosse a coisa mais fantástica do mundo.
Disfarcei um sorriso diabólico, fruto da minha vontade de rir da sua distração, com uma tossida grosseira.
- Então, foi só isso? Você lembrou da sua infância, decidiu que a culpa não é mais minha - estalou os dedos, para demonstrar rapidez - e agora decidiu ir embora? Uau, eu devia ter chamado a para essa conversa um pouco antes.
- Não foi apenas isso. Valerie e eu tivemos uma briga.
Loreli disse séria, como se isso fosse o cúmulo dos problemas familiares. Novamente, precisei tossir, ou ia dar uma gargalhada da dramatização dela.
- Nossa, me perdoe - por um segundo, me enganou, parecendo sincera. - Vocês brigaram por minha causa? Parece que eu já vi esse filme antes - pensou um pouco. - Ah, não, espera. Era o contrário. Você tinha brigado comigo antes, por causa dela - sua voz não poderia ser mais sarcástica. - Mas prossiga, ciente de que estou muito pesarosa pela sua situação.
Se houve um segundo em que Loreli perdeu a compostura, foi nesse. Ela provavelmente não admitia que alfinetassem sua família, por mais que a mesma merecesse. Ou que só sua irmã merecesse.
- , o que estou falando é sério. Escute.
Minha amiga endireitou-se, mas não ouviu.
- Escute você, Loreli. Essa é a minha... - ela ia falar casa, mas olhou para baixo, viu que Loreli estava do lado de fora e mudou de ideia. - Minha vida. Pode ser fácil entrar e sair de casa, da cidade, da caminhonete e até de brigas, mas eu não vou aceitar que você passeie entre estar na minha vida e fora dela.
- Eu não estou...
Entendendo. Eu sei. Nem eu.
- Vou chegar aí, Cabeça de Miojo - eu teria rido, mas fuzilava-a tão fixamente que eu fiquei com medo de perder o momento em que os lasers sairiam de seus olhos e me mantive focada.
- , eu estou... - horrorizada. Era isso o que ela estava.
- Não terminei ainda! Todos esses anos, eu passei sem entender por que você tinha podado minha amizade com a mesma facilidade que poda o jardim - e eu me perguntava o porquê de dizer essa frase. - Mas não, agora você aparece toda arrependida, finalmente juntando todas as peças desse quebra-cabeça. E adivinha? O lobo, Loli, mora na sua própria casa, debaixo do mesmo teto que você. Quão extraordinário é isso?
Comecei a entender.
- , me desculpe - Loreli disse, a expressão dura como pedra.
- Todos esses anos, e eu pensando que poderia mesmo ter feito algo tão terrível para nem ser digna de sua amizade. Três anos, Loreli! E você ao menos se importou?
Ouvi um burburinho atrás de mim e descobri, sem precisar conferir, que tínhamos público. Eu não me surpreenderia se estivesse do outro lado do olho mágico.
- Desculpe, , eu já disse. Claro que me importei! - a outra insistia, mas agora eu via sua expressão se abrandando e em seguida se contorcendo em uma careta. - Me desculpe!
Mas não estava interessada em parar. E eu, no fundo, acreditava que ela ainda não tinha acabado com a lavação de roupa suja.
- Você era minha única amiga.
O que eu estou dizendo é, ACABA COM ESSA VADIA! Mas o que me ouvi dizendo, foi:
- Tudo bem, o show acabou. Você tem que começar a se tocar sobre a deixa de saída! - exclamei para Loreli, que me lançou um olhar de irritação. Ergui as mãos na altura do rosto. - Ou talvez vocês queiram discutir mais um pouco.
- Mas e sobre a ligação? - Loreli pediu, me ignorando, e eu vi finalmente uma lágrima escorrer do seu olho direito. Humana!
Eu tinha certeza que ia incriminar Valerie, porque foi coincidente demais a buzina tocar na mesma hora e todos ouvirmos aquela voz detestável:
- Vamos, não temos o dia todo!
Eu poderia afogá-la, se me deixassem. Em vez disso, tentei restabelecer a paz mais uma vez.
- Melhor deixar essa discussão para outro dia. está exausta e você... - tomei um segundo para fingir que a avaliava. - Você não está nada bem. Vamos deixar isso para depois.
Pude ver a boca da ex-Cabeça-de-Miojo se abrir para rebater, mas a própria estava sem argumentos. Chorava o mais quieta que podia, mas seus olhos pareciam mergulhados em raiva e, possivelmente, rancor. Loreli retirou o que ia dizer, abaixando a cabeça. Ela murmurou algo parecido com desculpas, mas não tive tempo de assimilar.
No instante seguinte, ela corria de volta para a caminhonete, limpando suas lágrimas nas quais eu nunca acreditaria. Enquanto isso, eu confortava a pobre com um abraço.

Fiquei até contente por não perguntar demais sobre a briga, afinal eu mesma havia ficado um pouco abalada com tantas descobertas, mas ainda fui obrigada a falar o mínimo. Claro, eu era a única - em tese - mais recomposta a saber da história toda, era meu dever espalhar a fofoca.
foi um gênio, resolveu fazer uma Tarde Doce para nós. Não vi nenhum problema em atrasar o problema. Da mesma forma, o clima ficou pesado e nós ainda teríamos que fazer as malas e pegar a estrada de volta para casa, afinal, já era véspera de Natal.

e voltaram comigo, na Evoque de . Notei que dormia no colo de , que dormia com o rosto apoiado no vidro, acabei sorrindo. Eu acreditava que aqueles dois logo se resolveriam, e eu seria a pessoa mais orgulhosa a ter a amizade dos dois, porque era muito difícil ser a melhor amiga de um casal. Se me pedissem, eu nunca poderia escolher entre um dos dois, por mais que conhecesse há muito mais tempo.
Voltando o rosto para a frente, aproveitei para esclarecer algo que não saía mais da minha cabeça.
- ?
- Hm?
Respondeu quase de imediato, mas sem tirar os olhos da estrada.
- Sobre o que você ia falar, no outro dia, na cama - olhei para trás, para conferir se os dois ainda dormiam. - O que você ia dizer?
- Ah, isso? - ele me lançou um olhar antes de voltar a prestar total atenção à nossa frente. - Não era nada. Por quê?
- Nada?
Ergui uma sobrancelha.
- Na verdade... - falou como se lembrasse de alguma coisa. - Ia perguntar se a tia tá bem.
E caiu na gargalhada.
Maldito.
Dei um tapa em seu ombro, tentando parecer brava. Ele riu, mandando beijo no ar.
- Babaca.
Só então, tranquila, consegui relaxar no banco do carona. Talvez eu devesse mesmo parar de me estressar e aproveitar mais.
- , olha - me tirou do rápido devaneio. - Está nevando.
E entrelaçou sua mão na minha por um tempinho, sorrindo quando eu depositei um beijo na sua bochecha. Ficamos assim, aproveitando o silêncio enquanto não acordava, curtindo o pequeno tempo que ainda tínhamos até Londres.

Capítulo 35
Pela primeira vez, pareceu estranho pisar de volta na escola.
Apesar das boas expectativas trazidas pelo ano novo, foi pisar lá que todas as lembranças voltaram rapidinho, como numa enxurrada. O jornal. O estresse contínuo de que agora parecia só ter dado um descanso nas férias, em vez de sumir. Tyler. Loreli. Aquele mal entendido não explicado.
Eu me perguntava se ia conseguir chegar até a formatura, nesse ritmo.

Felizmente, a manhã passou bem rápido e as aulas do período da tarde estavam para terminar.
Eu nunca reparava quando o saía correndo assim que acabava a aula, mas dessa vez fui atrás dele, aproveitando não ter nada para fazer. Não me surpreendi quando minha busca terminou nele se encontrando com , num dos jardins, próximo à saída.
- Isso mesmo - murmurei, me sentindo idiota por tê-lo seguido. - Faça o que é certo.
Mas na hora que me virei, vi Tyler passando. Sem querer, ele me viu e então decidiu vir na minha direção.
- Ei.
Pensei se ele tinha me seguido casualmente, afinal eu estava num lugar um pouco afastado.
- Onde estão suas guarda costas? - tentei olhar por cima do seu ombro, mas ele era mais alto, então não deu certo.
- Eu vim falar uma coisa importante - o sorriso sumiu de seus lábios.
Imediatamente, eu fiquei séria também, imaginando que fosse algo de Loreli. Adiei ao máximo.
- O que é? Espera, aqui não - comecei a andar, até porque não queria ser flagrada por ou . Eu não saberia dar uma desculpa para ter ido parar ali com Tyler. - Pronto, fala.
- É sobre Alaina - ao que ele disse, até respirei melhor.
- Ah... - cruzei os braços, satisfeita. - Ficar com a Loreli tem rendido, hein? - ele revirou os olhos. - O que você ficou sabendo?
- Eu realmente gosto da Loreli - explicou-se. - Descobrir o que descobri foi consequência do acaso. Não é como se eu estivesse com a Loreli só para saber coisas da Alaina.
Apertei os olhos.
- Desembucha, florzinha.
Tyler me olhou atravessado, se contendo de avançar e me matar. Restringiu-se a falar:
- Você é mesmo muito mal agradecida. Melhor ficar na cola da Alaina, ela tem passado o horário depois da última aula, nos computadores.
Ele provavelmente teria me dado a informação mais completa, se eu não o tivesse chamado de florzinha.
- Impossível, eles fecham as salas!
Foi a vez dele cruzar os braços.
- Não é bem por aí. Dá uma conferida.
- Por que você não me falou isso antes, na biblioteca? - passei o cabelo atrás da orelha. - E o que isso significa?
- Eu não sabia que era uma atividade frequente dela - respondeu como se fosse óbvio. - Loreli confirmou para mim assim que voltou de férias.
- Você quer dizer, Anderby Creek?
Apertei mais o casaco contra o corpo, sentindo arrepios de frio.
- Como você sabe?
- tem uma casa de praia lá, foi a maior confusão até eu entender que ela também tinha e não estava nos seguindo.
Tyler desdenhou do meu ódio gratuito.
- Se tem alguém que você deve não gostar, é a Valerie. Para começar, ela fez de tudo para Loreli e eu não ficarmos juntos, é a pessoa mais infeliz que eu já conheci.
Comecei a bolar teorias de conspiração.
- Será que foi por isso que ela virou amiga da Alaina? Às vezes, nenhuma das duas queria que você ficasse com Loreli, por isso inventaram que você ainda estava comigo.
O celular de Tyler bipou.
- Falando na Loreli... Eu tenho que ir - sorriu para mim antes de sair correndo, soltando fumaça pela boca por culpa do frio. - Se te falo essas coisas, é porque pelo menos um pouco eu gosto de você. Não esqueça disso.
Tentei me convencer de que isso era bom o suficiente ou, ao menos, melhor do que nada.

Matando a última aula, no dia seguinte, eu já aguardava na sala dos computadores, escondida. A sala dos computadores era relativamente grande e eu tinha noção que Alaina podia acabar sentando em qualquer lugar, até no canto em que eu estava escondida, mas decidi arriscar assim mesmo.
- Não vou demorar muito, não se preocupe - a voz dela de repente estava na sala.
Não sabia o porquê, mas eu sentia um frio terrível na espinha. Com a minha sorte, as chances de ser descoberta em um segundo beiravam a casa dos três dígitos.
Tentei respirar o mais baixo que pude, já que a sala estava o mais silenciosa possível. Seria quase fácil demais ser descoberta ali, debaixo das mesas, não fosse pela proteção da frente da mesma, cheia de furinhos, o que facilitava enxergar de dentro para fora, mas tornava quase impossível o oposto.
Alaina se sentou na primeira fileira, deixando duas filas de computadores entre nós. Era impossível enxergar a tela que ela usava.
Do meu canto, não consegui não conjecturar sobre como ela driblava as câmeras. Se aquele fosse um computador a ficar no ponto cego das câmeras - motivo pelo qual o diretor não saberia nada da postagem no jornal, isso é, se não tivesse preguiça de olhar as câmeras -, ela deveria ficar no mesmo todos os dias.
Alguns minutos mais tarde, quando ela saiu, corri para o computador.
Antes que eu pudesse abrir a tela inicial, reparei que havia um livrinho de couro em cima da mesa. Olhei para os lados, sentindo o coração bater descompassado, em êxtase com a nova pista. No momento que estendi a mão para tocá-lo, ouvi o nítido som de passos virem do corredor. Desesperada, sem poder ir muito longe, corri para debaixo da mesa do último computador, na mesma fila, apenas a alguns passos de onde Alaina estava antes e voltou, segundos depois. Foi tudo tão rápido que acabei em dúvida se ela tinha me visto ou não. Por garantia, me encolhi mais no canto, contra a madeira, evitando ser vista.
Meu coração batia tão forte que fiquei com medo de Alaina me descobrir pelos meus batimentos.
Porém, tão rápido quanto veio, ela decidiu sair. Sem me descobrir.
A garota era tão odiável que pegou a maior pista que eu já tinha encontrado na vida e foi embora. E eu não podia fazer nada.
Daquele momento, eu sabia que não teria mais volta. Compromissei-me mentalmente, teria que descobrir do que aquilo se tratava.

e eu tínhamos combinado de ir a uma espécie de reunião na casa de . Precisávamos comemorar que tudo tinha ido mais ou menos bem em Anderby Creek, e quem sabe provar para a mãe dela que nós éramos totalmente normais e que não tínhamos destruído a casa de veraneio deles. De qualquer maneira, lá estávamos nós. Juntos. De novo.
A festa em si, foi como sempre. O importante foi algo que encontrei no celular de .
Eu sabia que era terrível, mas as circunstâncias me obrigaram a isso.
Quando foi com os meninos conferir a nova adega que os pais de tinham instalado lá, reparei que apenas as meninas ficaram. e esqueceram o celular, já que todos saíram correndo porque fez um alarde tremendo.
Se não fosse por , me dizendo que ela também fuçaria o celular de e assim teríamos um segredo cúmplice, eu teria resistido. A pior ideia que eu já tive na vida foi aceitar um segredo cúmplice.
Por fim, fucei.
normalmente não tirava muitas fotos e, mesmo que tirasse, não tinha nada nele que eu não teria visto, então corri para as mensagens.
Segurei minha boca para não deixar o queixo bater no chão, porque assim que abri a pasta, encontrei uma conversa com Alaina. Senti uma leve tontura quando vi esse nome na tela. Ainda assim, percebendo que não tinha mais como voltar atrás, decidi abrir a pasta e ler as mensagens.
O que li, recebido de Alaina, foi "Quer tentar de novo?".
A mensagem datava daquela manhã. E resposta tinha sido dada poucos minutos depois, indicador que já estava certo do que queria.
"Vou até o inferno pra pegar o que é meu de volta".
Não havia mais mensagens.
Havia uma chamada de Alaina registrada. Duração de 4:54min. Meu coração esqueceu de dar uma batida quando reparei que foi quem fez a ligação.
Do meu ponto de vista, meu namorado ficou cinco minutos no celular com a ex, depois que a mesma se ofereceu para tentarem (eu já até sabia o quê!) de novo.
- Ei, meninas - pedi, com a voz a ponto de embargar. - Olhem isso.

Não sabia se me sentia confortável ou desesperada por dividir um segredo com , e , todas juntas.
Quer dizer, eu confiava plenamente nas três, mas principalmente quando estavam sozinhas. Mas todas elas, juntas? Era como se elas fossem radioativas, quando unidas. De modo que, o que elas sabiam e falavam parecia exalar, não sendo preciso se esforçar muito para entender. De passar perto, já dava para saber.
Era só juntar o que uma tentou falar baixo, com a linguagem corporal da segunda, mais a confirmação desacreditada da terceira, também não muito baixa. Era o combo perfeito para nenhum segredo estar a salvo.
Não que falar com Alaina devesse ser um segredo. Ele devia é ter me contado que porcaria era essa acontecendo aqui. E por que essa menina sempre era a cruz da minha vida.
Eu tinha certeza que teria que tirar isso a limpo o mais cedo possível. O problema era isso ser impossível, sem acabar contando por tabela para , que fucei em seu celular.
Vai, burra. Procura sarna para se coçar...
Fiquei lá me dando bronca, até os meninos voltarem. As meninas cessaram o burburinho imediatamente, sem nem se preocuparem com a discrição.
Quando voltou a se sentar do meu lado, vendo o celular exatamente na mesma posição que antes, até apertou as sobrancelhas.
- Nossa, nem lembrava que tinha o deixado aqui - pegou o aparehlo e colocou no bolso da calça.
nem me olhava. , ao seu lado, franziu a sobrancelha discretamente, tanto que quase não percebi. parecia em alfa com .
Não ouvi comentar sobre o celular, e foi quando eu me toquei que e estavam juntos há tanto tempo que o celular de ambos devia ser quase público.
A história deles era diferente.
Desde o primeiro ano, quando se tornou minha amiga por descarado interesse em na festa de boas vindas, assisti enquanto fazia a santa casamenteira de . Nas semanas seguintes, ela precisava fazer um trabalho e quis fazer com um nerd, por causa da nota. Só que ele era o nerd mais legal que aquela escola já tinha visto. Não era completamente fechado dentro de si e até que gostava de festas, só era muito inteligente, gostava de videogames e era um pouquinho mais na dele. O que, para , podia ser suicídio social. Quando viu que ela, a prestes a ser líder de torcida, estava ficando afim de um nerd, desistiu do trabalho. Então, e eu armamos para os dois ficarem juntos, até porque era visível que ele também estava completamente apaixonado por ela.
Não foi fácil fazer notar que a reputação deveria ser a última das suas preocupações, que o importante era estar com quem se amava, mas se deu bem ajudando nessa. Depois de convencê-la, veio me contar a ideia da segunda parte do plano, em que enganaria aos dois dizendo que o outro tinha torcido o pé. Para isso, ela precisava da minha ajuda e, claro, eu iria ajudar, mas não sem contestar sobre como a ideia era fraca. De qualquer forma, ela conseguiu fazer com que os dois se enfiassem em um banheiro masculino, e foi incrível ver como nenhum dos dois sequer pensou em rebater a mentira. Ou, no caso de , como ela não deveria entrar naquele banheiro.
Os dois foram correndo imediatamente em direção ao banheiro. Depois disso, nós os prendemos lá, segurando a porta, e juramos só soltá-los quando eles marcassem um encontro.
Foi uma história linda. Desde então, eles não se desgrudaram mais, por mais que tivessem tantas diferenças.

Não era bem o que tinha comigo. Nessa época, aliás, eu nem tinha notado ainda.
Meu estômago começou a revirar quando me beijou, por não conseguir evitar imaginá-lo beijando Alaina. Por lembrar das coisas horríveis pelas quais eu tinha passado, esperando que ele terminasse o namoro com ela. Fiz o papel de moça sofrida e me culpei um pouco por ser tão burra. Ele nunca tinha parado de gostar dela e agora me traía com a ex.
As meninas provavelmente sentiam pena de mim.
Depois de algum tempo, meu estômago começou a doer, me fazendo perceber que eu tinha conseguido uma linda gastrite. Apesar de quase me contorcendo de dor, agradeci mentalmente por isso, afinal era uma boa desculpa para ir embora e para só pensar naqueles problemas no dia seguinte.

Passei uma semana tentando esquecer o que tinha visto no celular de , mas não tinha mais tanta certeza de quanto tempo aguentaria sem explodir. As meninas estavam fazendo como podiam, e eu estava muito grata por elas não terem deixado nada escapar. Até estava achando estranho, e eu conseguia perceber isso e como era injusto eu não dizer o que realmente me afligia, mas sempre que as mensagens voltavam à minha cabeça, eu precisava desviar do assunto e sair de perto.
A vez que cheguei mais perto de explodir foi quando eu estava pensando naquele caderno que eu tinha visto antes, e se eu estava sonhando quando vi aquilo na mesa. A única coisa que me fazia pensar que era realidade, era lembrar que prova disso era que Tyler tinha me dado a dica.
- , vamos? - passou a mão na minha cintura, me impulsionando para a frente.
Estávamos a alguns passos da Evoque e eu já não sabia por que tinha parado de andar.
- Vamos - concordei, passando o cabelo atrás da orelha, até que um atleta que eu não conhecia passou correndo por mim e derrubou meus cadernos.
Encarei, atônita, o cara que parou por uns segundos para nos encarar, abrir os braços, dar um sorriso e voltar a correr.
- Mas o que... - comecei a falar, até ouvir a voz de Alaina rindo.
Eu estava contando os segundos para ir atrás dela e arrancar suas cordas vocais com a unha do mindinho, quando pegou meus cadernos.
- Deixa ela para lá - disse, indo em direção ao carro para guardar meus materiais.
Uma pequena parte racional dentro de mim me dizia que estava apenas sendo sensato, deixando essas coisas pequenas de lado.
Minha parte emocionalmente fraca e machucada não concordava.
- Mas, , ela... - Alaina ainda sorria, do outro lado do estacionamento, chegou até a acenar, por trás dos óculos escuros. Liguei os pontos e concluí o óbvio. - Não acredito, . Você vai defendê-la, agora?
- O quê? - ele parou no meio do caminho, enquanto ia fechar a porta do carro. - Do que você está falando?
- Você está encobrindo todas as merdas que ela faz - levei a mão à cabeça para tirar a franja que caía sobre os olhos, sem sucesso. - Ela me atormenta toda hora, e o que você faz? O que você faz, ?
Ele deu um passo para trás, fechando a porta traseira da Range Rover.
- Eu não estou entendendo o que você quer dizer. Você quer que eu vá lá dar uma surra nela, é isso?
Pisquei inúmeras vezes.
- Não, . Primeiro, ela arma para mim, então ela te beija, depois inventa aquilo do Tyler, e aí ela manda um cara, que, aliás, é do seu time, esbarrar em mim. Se ela me matar de burca, será que você vai fazer alguma coisa ou culpar os grupos xiitas?
- , você está exagerando - ele passou as mãos pelos cabelos, perdendo a paciência. - Não é como se eu não fizesse nada por você.
- Mas você sabe que ela faz essas coisas - me aproximei, apoiando o corpo de lado no carro. - Você sabe que ela me detesta, e por que você não faz nada?
me olhou com uma impotência que eu nunca tinha visto nas suas íris.
- , não é assim - uniu as sobrancelhas, dando um passo na minha direção. - Por favor.
Tentei ao máximo evitar pensar nas mensagens, mas eram os únicos pensamentos que apareciam na minha cabeça. As imagens dos dois vinham em flashes, sem parar. Eu tentava ao máximo controlar os nervos, mas estava ficando impossível.
- Você gosta dela?
- O quê? - sua voz subiu uma oitava. - , nem um pouco, de onde você está tirando isso?
- Você nunca a esqueceu, não é? - eu conseguia sentir o choro imergindo. Abaixei a cabeça, fingindo precisar mexer nos botões do casaco. - , eu... Se você gosta dela...
- , pelo amor de Deus, para - ele me segurou pelos ombros, me encarando suplicante. - Eu estou pedindo para você. Nunca mais pensa uma coisa dessas - mordi o lábio, erguendo o rosto. - Se você quiser que eu espanque o cara que você quiser, eu espanco. Eu só não achei que ela conseguisse te incomodar a esse ponto - e aí ele começou a beijar minha testa, me abraçando contra si.
- Mas, , isso é tão complicado - confessei, afundando o rosto no seu peito ao que puxava-o para mim pela jaqueta de couro. Seu polegar acariciou minha bochecha.
De repente o resto do mundo não existia mais.
- Eu sei, me desculpa por isso. Não quero mais que você sequer pense uma coisa dessas - ele me deu um beijo na testa, em seguida me apertando mais contra si. - Eu amo você.
- Eu também amo você - admiti, erguendo o rosto, ao que ele se curvou para me beijar na boca.
- Esquece ela, está bem? - outro beijo rápido, enquanto eu assentia. - Eu te amo.
Bastou para me acalmar por mais alguns dias.

Outra vez a coluna do jornal apareceu para infernizar nossa vida, ou pelo menos a de , que estava cada vez mais incomodado com a popularidade de Alaina. Ou era assim que eu interpretava. Tentei falar discretamente com e sobre isso e nenhum dos dois entendia por que justo ficava tão irritado.
- , deve ser impressão sua - insistia.
- É, o deve estar cansado - dedilhou o violão, relendo a partitura. - É sexta-feira, tudo o que ele mais quer deve ser a cama dele.
- E não fofocas... - completei, pensativa. - , o não falou nada disso com você? - confirmei.
balançou a cabeça em negativa, sincero. De qualquer forma, ele estava mais preocupado em decorar as notas da música nova que ele e compunham, então os deixei em paz logo.
Dessa vez o jornal dizia alguma coisa sobre alguém fugindo de casa, vizinhos incomodando, e todo um drama familiar que eu mesma não consegui ler e reler a ponto de entender. Alaina tinha o dom de deixar um texto confuso. Eu me perguntava quando o diretor, já que era tão moralista, ia tomar alguma atitude e proibí-la de continuar postando, mesmo que "anonimamente".

Na sala de aula, afundei o rosto na carteira, esperando que o chão me engolisse. Quando se sentou na cadeira em frente à minha, de frente para mim, não ficou quieto um segundo.
- O que foi dessa vez? - sua mão acariciava meu braço, estendido sobre a mesa.
Ergui a cabeça e apoiei o queixo no outro punho.
- .
- De novo? - franziu o nariz. - O que foi dessa vez?
Levei o braço que ele passava a mão até minha bolsa, no chão e tirei o jornal de lá. Coloquei-o na minha mesa. o encarou, sabendo do que se tratava.
- Se você sabe que isso o incomoda, por que puxa esse assunto toda vez? - ergueu uma sobrancelha.
Às vezes eu detestava como me conhecia, mas tentei contornar mesmo assim.
- Dessa vez eu não puxei. Eu estava lendo, ele veio - apontei o lugar ao meu lado na bancada de química. - Eu acabei comentando. Não foi como se eu virasse para ele e falasse "Ei, , qual seu problema com a fama da Alaina através de uma coluna anônima?", sabe?
mordeu o lábio, pensativo.
- Deixa eu ler isso aqui. Talvez não seja a Alaina o problema.
Dois minutos depois, ele me encarava mais confuso ainda.
- Entendeu do que eu estou falando? - bati as pestanas. - é filho único, nem fala da família. Por que isso o ofenderia tanto?
- Eu vou falar com ele - deu um tapinha no meu ombro e se levantou.
Ele e só voltaram quando o sinal para a aula tocou, abraçados como dois rappers fariam na abertura de um show importante.

Ao fim da aula, me deu um beijo na testa.
- Preciso pegar uns papéis com a Beth, mas a gente se encontra na próxima aula.
Sorri de volta, apertando seu braço levemente. Assim que ele sumiu no corredor, surgiu ao meu lado.
- O que você descobriu? Ele pareceu dar uma melhorada.
- Nada, só falei com ele - deu de ombros, de um jeito que eu não soube dizer se era verdade ou não.
Ajeitei os materiais no colo, segurando apressada o estojo que quase pulou para o chão.
- Mas ele admitiu que estava errado, ou não?
- Acho que você estava exagerando - passou um braço em torno do meu ombro. - Às vezes, você exige demais do .
- Você está defendendo ele? - confirmei, mas não consegui ficar irritada.
ergueu as duas mãos na altura do peito, juntando-se a que estava um pouco à frente de nós no corredor.
- De modo algum, é só um conselho de melhor amigo.

Claro, não foi depois daquela conversa que eu consegui simplesmente apagar Alaina da minha vida. fez um bom trabalho me acalmando e me certificando de que tudo entre nós estava seguro, mas, por outro lado, eu ainda queria aquele caderno de couro que Alaina detinha em seu poder. Reparei nos dias seguintes que ela não desgrudava da bolsa. Aquilo só podia significar uma coisa.
Estávamos na quadra poliesportiva, sentadas no topo da arquibancada, observando enquanto os meninos jogavam um pouco de basquete. Como ainda era a hora do almoço, e o juiz era um dos amigos de Tyler - sem muita credibilidade, aliás - acabávamos assistindo mais às discussões do que ao jogo.
Eu ainda não tinha engolido a ligação que fez para Alaina, mas também não tinha cara-de-pau o suficiente para assumir que mexi em seu celular, então decidi que o melhor era ficar na minha.
Para todos os efeitos, e já que nem todo mundo sabia disso, eu tinha ido à quadra com a desculpa que queria ver jogar, mas na verdade eu queria era supervisionar Alaina. E eu estava uma pilha de nervos. A cada quicada da bola, meu corpo dava uma tremulada. Não conseguia deixar de encarar Alaina, esperando que ela descuidasse da bolsa, mas também não me parecia possível desgrudar os olhos de .
Se fosse para analisar bem, eu estava numa espécie de transe, prestes a ter uma convulsão.
- Gente, olha só - chamou minha a atenção para Alaina, como se eu já não estivesse olhando para lá. - Ela não larga daquela bolsa.
Tentei agir como se fosse novidade.
- Estranho, não é? Todo mundo deixa a bolsa na sala, mas essa aí passeia com ela.
- Ainda se fosse uma Prada!
- Vai ver ela está naqueles dias, tem que ficar com o absorvente sempre por perto - soltei uma maldade, mas foi mais para tentar me convencer.
A curiosidade sobre aquele caderno marrom estava me matando.

, pelo que eu podia notar, mantinha um olho em mim e o outro em Alaina, eventualmente. Decidi que estava delirando quando considerei essa possibilidade. Há poucos dias ele havia dito na minha cara que não gostava dela nem um pouco, seria insanidade acreditar que ele estaria de olho nela. Não, enquanto namorasse comigo.
Mas aí o ar ficou preso entre os meus pulmões e minha traqueia.
Quando Alaina saiu de perto das amigas, saindo da quadra coberta, passou a mão pelos cabelos, como se lembrasse de algo e gritou para Mark substituí-lo. Alaina deu uma olhada para trás nesse instante, se demorando um segundo no portão grande da quadra. Em seguida, com tudo organizado no time, correndo. Meu cérebro, de ponta a ponta, especulava todos os motivos de ter decidido sair do time naquele instante. Algo me dizia que não era uma enxaqueca repentina. Tudo o que eu via era correndo até a saída, sem olhar para trás, quando Alaina tinha passado por ali mais ou menos um minuto antes.
Não consegui pensar muito. Senti em um momento a mão de me segurando, mas no outro eu ia atrás deles.

- Espera aí - disse, ofegante. - Já está bom de Missão Impossível, não acha?
Até esqueci que estava com ela. Só então reparei que havia aproveitado o transe e saído correndo na maior pose de 007, só para ser seguida pela minha melhor amiga, que assistiu de camarote à minha pobre encenação.
- O que você está fazendo aqui? - perguntei, soando mais confusa do que grosseira.
Tinha perdido os dois e corria a esmo, então não haveria mal em parar e respirar.
- Eu? O que você esperava? - apontou para si, ainda sem ar. - Que eu ficasse na arquibancada, bonitinha, te esperando enquanto você brinca de polícia e ladrão?
Pensando por esse lado, e lembrando com vergonha da desculpa fraca que dei para , fazia sentido não poder esperar que aguardasse por mim, sentada na arquibancada. Aproveitei que disse isso ainda com um pouco de humor e ri de volta.
- É que eu sou o bandido, tenho que fugir.
- Você não pode fugir de mim - deu seu melhor sorriso. - E aí, de quem a gente está se escondendo?
A palavra "escondendo" desencadeou várias lembranças, tanto que tive que me segurar para não me esconder no arbusto mais próximo, já que ainda nem tínhamos entrado no prédio de aulas. pegou meu olhar.
- Hã-hã. No arbusto, não.
Rolei os olhos, tentando convencê-la e abandonando a ideia.
- Pelo amor, , até parece que eu sou de fazer essas coisas.
- Você não vai falar?
Cruzei os braços, vendo que não tinha saída.
- Falo, claro.
Mas eu sabia que não devia. Nem eu sabia com o que estava lidando e agora Tyler nem queria ser visto comigo, para evitar problemas com Alaina. Ela parecia ser muito mais problema do que o rosto denunciava.
- Então... - ela insistiu, dando alguns passos até mim.
- Tem uma coisa que eu preciso te contar - falei, apertando os lábios em seguida, no exato momento em que vi passar o que deveria ser a figura de . - Mas eu mesma ainda não entendi... Ah, meu Deus!
Meu coração bateu apertado no peito, reforçando a discussão que tivemos alguns dias antes.
- O que foi? - berrou e arregalou os olhos, parecendo estar à beira do infarto.
Coloquei a mão contra o peito, tentando impedir meu próprio coração de sair pelas costelas.
- Não acredito - minha voz não saiu aos berros, como imaginei que pudesse. Perdi toda a força, saiu um sussurro terrível de fraco.
simplesmente não podia estar se encontrando com Alaina. Ele não podia ter ido atrás dela. Quer dizer, eu já tinha visto todos achando estranho sair correndo no meio do jogo, quando o time dele estava perto de vencer. Também estranhei ver dizendo que Mark nem era tão péssimo atacante assim porque ele vinha tomando o lado de nos últimos dias. Mas, ainda assim, alguma parte minúscula de mim tinha esperanças que ele tivesse tido uma enxaqueca repentina.
Só se enxaqueca fizesse as pessoas correrem por aí parecendo piradas.
- , me desculpa, eu prometo te explicar logo.
Uni as mãos em sinal de clemência e saí correndo na direção de onde o vira passar, no prédio de aulas, antes que ela pudesse responder.

A biblioteca ficava no fim do corredor, no térreo, e eu apostava naquela direção. Quer dizer, era a minha primeira opção, já que eu vi entrando naquele prédio. A biblioteca não estava muito longe de mim, mas parecia que, quanto mais eu corria, mais ela ficava longe. Se eu estivesse mesmo perdendo as forças nas pernas, eu teria que me esforçar mais para chegar lá pelo menos antes de desmaiar. Isso é, se não tivesse saído da escola antes que eu pudesse ver. O que, a essa altura, era uma possibilidade.
Ouvi a voz de ao fundo, ainda não convencida das minhas desculpas, mas depois de alguns passos correndo e ignorando-a, ela desistiu. Quando virei à direita, percebi que o elevador estava no andar de cima. Sem saber se estava parado no andar ou ainda subindo, por falta de sinalização, decidi mudar de ideia e subir as escadas, na vã esperança de conseguir chegar mais cedo do que se esperasse que o elevador descesse de novo.

Mas eu era a pessoa mais sedentária do universo. Não era possível subir seis lances de escada e ainda sorrir ao final. Comecei subindo como um foguete, só faltei fechar os olhos para ver se ia mais rápido.
Primeiro andar.
Força, eu consigo!
Segundo andar.
Eu vou morrer.
Os pensamentos já não eram formados por inteiro. Minhas pernas e pulmões ardiam em resposta ao excesso de esforço. Meu peito não cabia em mim. Não havia ar o suficiente.
Apoiei as costas na parede ao lado das escadas, observando o andar completamente vazio, perfeito para um encontro às escondidas. Eu não conseguia acreditar nas imagens de e Alaina que meu cérebro traiçoeiro me trazia, então tentei normalizar minha respiração, enquanto ignorava a enorme sala de estudos, vazia, iluminada apenas pela luz dura do fim da manhã ensolarada. Assim que se subia as escadas, se tomasse a esquerda, eu cairia direto na sala de estudos, mas pegando a direita, restariam duas opções: seguir reto e virar à direita novamente e dar de cara com o elevador, ou virar à esquerda e encarar um último corredor, com poucas salas e provavelmente um almoxarifado no fim. Disso, não tinha certeza, porque nunca havia conferido.
Chequei a lacuna ao lado do elevador, onde normalmente ficava uma planta e o bebedouro. Não havia ninguém. O elevador também não estava mais naquele andar.
Talvez fosse a falta de oxigenação no meu cérebro, mas eu tinha certeza que o painel indicava o elevador estar subindo. De novo.
Mesmo sabendo que não era possível ele ainda estar subindo, e nunca ter ninguém chegando, o fato não me pareceu relevante de imediato. Passou pela minha cabeça o visor de subir e descer do elevador ter quebrado, assim como o do térreo.
Assim, só me restava o corredor e as salas.
Não demorou trinta segundos, e ouvi o elevador abrir. Não tive tempo de me esconder em nenhuma das salas, porque percebi que todas elas estavam trancadas e sem nenhum som vindo de dentro. Aparentemente, todos haviam ido almoçar. Exceto algum desavisado que chegava pelo elevador, que me pegaria com a mão na massa e que provavelmente me delataria ao diretor ou, se eu tivesse sorte, a algum monitor.
A maior surpresa do mundo foi quando me virei e encontrei ali, parado no elevador, me encarando com a mesma expressão pasma que eu tinha.
- ? - chamei, não acreditando. - ?
Ele acenou de volta, um passo para fora do elevador, que fechava a porta. Voltei a sentir tudo que meu corpo fingia que não estava sentindo para manter o luxo que era me segurar em pé.
Aquele era . Ele estava indo se encontrar com Alaina.
Minha cabeça dava voltas.
Só faltava a Alaina ali.
Não consegui manter a pose inalcançável e poderosa. Tive que perguntar antes que entrasse em colapso, mesmo que a voz saísse trêmula.
- Quer começar a se explicar? - perguntei.
ergueu uma sobrancelha, não parecendo gostar muito disso, mas tentando manter a expressão neutra. Ele devia saber que, se eu o segui, foi porque eu, e todos os amigos dele, o vimos sair correndo logo em seguida de Alaina. Mal pude me perguntar outra vez onde ela estava.
Ouvimos passos nas escadas atrás de . Ele se virou na direção do barulho, mas eu estava atordoada. Algum milagre me manteve em pé quando vi Alaina subir até o último degrau, parecendo ofegante.
- Nossa, essa escada é realmente cansativa - se impediu de continuar falando ao me ver, levando as mãos à boca. - !
Meu olhar voltou para , definitivamente esperando uma resposta.
A boca dele se abriu enquanto ele dava um passo na minha direção.
- , não é isso que está parecendo - e então ele se virou para Alaina. - O que você está fazendo aqui?
Ela se fez horrorizada.
- Vai agir como se não soubesse agora, ?
Fui dando passos para trás até encontrar alguma superfície sólida. Eu tinha certeza que ia desmoronar ali mesmo. Meu coração batia acelerado e eu piscava, esperando que aquele pesadelo se desfizesse diante dos meus olhos o mais cedo possível.
O corredor pareceu mais gelado conforme eu dei um passo para mais longe dos dois.
- , me escuta, eu sei que isso parece estranho... - suas mãos estavam estendidas na minha direção, mas eu me colei à parede.
- PARECE? - explodi, usando os restos das forças que tinha, não aguentando mais o sorriso diabólico de Cooper sobre mim. - O que você acha que eu estou pensando? - ele ficou sem reação. - Você sai correndo do basquete, deixa metade da arquibancada confusa com a sua atitude, e eu te encontro aqui, justamente onde ela aparece logo em seguida - Alaina cruzava os braços, visivelmente entediada. - E você ainda quer que eu ache isso completamente normal? Você tem alguma explicação sublime para isso?
Ele passou as mãos pelo rosto, levando os cabelos para trás por um instante. parecia mais aturdido do que irritado.
- , pelo menos me dá uma chance de me explicar - seus olhos estavam mais abertos do que de costume, suplicantes.
- Acaba logo com isso, - Alaina reclamou, ao fundo. - Não tenho o dia todo.
Eu já estava sentindo as lágrimas chegarem aos meus olhos. Minhas mãos começaram a tremer de nervoso. O próximo passo seria sentir as pernas bambas, e era a última coisa que eu queria. Era completamente desnecessário me mostrar ainda mais frágil do que eu já me sentia.
- Então por que você não se explica, ? - dei de ombros, abrindo os braços como num convite. - Essa é a sua chance.
- Eu... Eu vim atrás da Alaina, mas não pelos motivos que você pensa.
- Que motivos, então, ? - Alaina perguntou, cruzando os braços, impaciente. Duas lágrimas subiram e encheram meus olhos. A do olho direito escorregou antes que eu me desse conta.
- Alaina tem algo que é meu e eu só vim pegar de volta! - ele se defendeu, exasperado. - Não é possível que você escolha acreditar nela!
Eu não conseguia acreditar. tinha literalmente corrido atrás de Alaina.
- Você fica me dizendo para esquecer que ela existe - encarei a loira. - Mas você torna tudo isso tão difícil, . Por que você teria que vir atrás dela? Pegar algo que é seu? Justo aqui?
deu um passo na minha direção, mas eu estendi a mão com a palma aberta, em sinal para que ele parasse.
- , por favor, confie em mim.
- E o que eu vou ganhar com isso? Eu confiei em você da última vez, - uni forças para ir até Alaina e encarei-a de cima a baixo. Sem salto, ela conseguia ser um pouquinho menor do que eu. - Parabéns, você venceu. Aqui, pegue o seu prêmio - enchi minha mão o máximo que pude e dei o tapa mais forte da minha vida no rosto dela. Ela puxou o ar, indignada. Uma lágrima gorda escapou quando soltou uma exclamação e eu me voltei para ele por um único segundo antes de descer as escadas, decidida. - Nem experimenta me seguir. Acabou, .

Capítulo 36
Quando voltei, notei que estava praticamente no mesmo lugar, me esperando sentada. Assim que me viu, se levantou. As lágrimas já rolavam sem piedade, o que acabou assustando ela mais ainda. Tentei secá-las antes que chegassem a cair, mas cheguei a um ponto em que isso se tornou impossível.
- , o que aconteceu? - ela me abraçou, tentando olhar para mim, mas eu abaixei o rosto. - , você está me assustando.
Eu não conseguia arquitetar as palavras.
- ... Ele... A Alaina - fiz um grunhido, irritada por me deixar afetar por coisas tão bobas. Claro que era possível que não fosse nada, mas seria muita burrice minha acreditar que eles realmente precisavam se encontrar em um lugar tão escuro e vazio para um escambo qualquer.
- O que tem os dois? - agora ela passava a mão nas minhas costas, me apertando contra si. Eu sentia o corpo todo tremular com os soluços.
Ouvi uma voz familiar me chamando ao fundo. Não consegui olhar para trás, continuei abraçada a .
- Agora, não, - ela pediu, a voz baixa.
- , você não entende, eu tenho que...
Ele parecia desesperado, mas eu ainda não queria nem olhar na cara dele.
- , por favor - insistiu.
Com meu cabelo ainda caindo no rosto, observei enquanto os pés de se afastavam de nós, em passos hesitantes. Por fim, ele foi para onde quer tivesse que ir.
- Ei, vamos sair daqui - ela disse, por fim.
Dei uma fungada, limpando os olhos com as costas da mão.
- Pega o meu material para mim? Eu vou chamar um táxi - minha voz saiu estranha pelo choro. Meus olhos deviam estar vermelhos.
Ela assentiu pesarosa, pôs meu cabelo por trás da orelha e me deu um beijo na testa.
- Me espera no portão, eu logo vou para lá.
Concordei com a cabeça, indo até a secretaria pedir permissão para ir embora.

À noite, na casa de , fiz o que eu sabia fazer de melhor. Chorar.
Depois de muito reclamar e de dar as versões mais possíveis e impossíveis do que ocorreu pela manhã, do encontro às escondidas de , as meninas já tinham quase decorado a cena. Eu tinha detalhado todos os ângulos possíveis e ainda assim, elas tinham paciência para continuar me ouvindo e dando opiniões, exatamente como quando a situação envolvia apenas minha paixão platônica, no primeiro colegial.
- Eu ainda acho que ela fingiu isso - insistia, cruzando os braços. se esticou para pegar dois pãezinhos na mesa de jantar. - Ela pode ter seguido ele e aparecido depois só para fingir que estava com ele.
- Mas isso é coisa de filme, . Na vida real, nós temos que nos ater aos fatos - deu de ombros, enchendo os pães com carne. - O estava em um corredor vazio, no último andar da escola, na hora do almoço. Você ainda acha que foi coincidência a Alaina subir ali?
- Ele estava indo atrás dela - insistiu, perdendo o interesse em seu copo. - Alguma coisa ele queria.
ergueu uma sobrancelha, sugestiva.
- Isso é péssimo - concluí, frustrada. - Nenhuma das possibilidades é alguma coisa boa.
Confusa, mordeu o lábio.
- Voltando... Se ele estava indo atrás dela, por que ela só apareceu depois?
Era uma ótima pergunta.
- Alguma coisa deu errado. A não estava seguindo o e se perdeu dele? Então. - disse, mais sugestiva do que eu achava necessário, ainda não cansada de bancar a sabe tudo. - Talvez se alguém ainda fosse amiga da Loreli, poderíamos aproveitar alguma informação, agora que ela está grudada na Alaina.
entendeu a pressão de primeira.
- Quando eu voltar minha amizade com a Loreli, não vai ser por interesse.
- Certo - a outra rebateu. - Mas e se ela te ajudasse por livre e espontânea vontade? Não seria tão ruim assim, não é? - pareceu ponderar, ao que decidiu. - , ligue para o Tyler. Você ainda tem o número dele, não tem?
- Tenho... - pareceu mais com uma pergunta. Eu ainda não tinha entendido aonde ela queria chegar.
Saquei o celular mesmo assim.
- Ligue para ele, que nós vamos resolver esse problema da Loreli.

No primeiro dia de solteira, não consegui evitar perceber sobre como antes os murmúrios " e " eram positivos, e agora eram o total oposto. Eu era a nova solteira. Traída. Coitada. E o pior é que, por outro lado, se a escola toda sabia disso, era porque Alaina tinha feito um ótimo trabalho e eu sinceramente não queria ouvir sobre ele.
Fui cabisbaixa até meu armário, onde o Trio Elétrico já me aguardava.
Valerie se fez de surpresa por eu estar ali. Eu sabia que o armário delas nem era perto do meu, então não dei bola para o teatrinho.
- Ah, , desculpa - colocou a mão no colo, abrindo levemente a boca.
As três estavam em volta justamente do meu armário. Não dava para acreditar que era simples coincidência, ainda mais quando Loreli abaixou a cabeça, como se não quisesse participar daquela situação.
- Não se preocupem - eu sorri de volta. - Adoro um bom comitê de boas vindas.
Ergui as sobrancelhas, esperando que Alaina se tocasse e saísse dali, o que não aconteceu. Em vez disso, ela abriu a boca para me irritar mais.
- Como está sua nova fama?
- Solteira, como você mesma providenciou - abri o cadeado e peguei alguns livros. - E a sua? - e assim que os ajeitei no colo, fechei o armário. - Sabe, eu não tinha ideia sobre você ser o tipo que gosta de apanhar. O tapa de ontem não foi o suficiente?
Ela demonstrou surpresa ao que Loreli erguia a cabeça, curiosa, e Valerie rebatia o olhar entre nós duas.
Ergui mais uma vez as sobrancelhas, esperando que ela se tocasse que aquela era, sim, uma ameaça. Por fim, Alaina bufou.
- Isso não acabou, .
E saiu de perto, seguida pelas gêmeas.
Bufei também, me apoiando contra a desconfortável parede cheia de cadeados dos armários, seguindo-a com o olhar.
- Você nem imagina.

Depois do treino, me levou até a casa de , que tinha faltado. Ele também queria ver a amada, então nós achamos que seria o mais lucrativo a se fazer.
Durante todo o trajeto, ele não tocou no nome de . Conhecendo-me melhor do que muitos, ele sabia que eu só ficaria pior de tocar no assunto sem poder resolvê-lo. havia tentado contato naquela manhã e ficou fixamente me olhando jogar na Educação Física, e eu estava fazendo um papel regular fingindo que ele não existia.
Assim que estacionou o Cadillac na casa de , eu saltei do carro. Ao que ergui a mão para bater na porta, a mesma se abriu e Loreli foi a primeira pessoa que vi.
- Mas o que... ? - chamei, confusa. - Me explica isso? - ela nem se deu o trabalho de ficar surpresa, só abriu mais a porta.
- , eu já ia... - Loreli ia sair, mas eu espalmei minha mão no ombro dela.
- Pode ficar, eu preciso mesmo falar com você.
- Tem certeza? - ouvi a voz de atrás de mim. Concordei com um aceno de cabeça, já entrando.

- Loreli veio aqui para esclarecermos algumas coisas - explicou. - Depois que você ligou para o Tyler, ele disse as mesmas coisas para ela. E ela entendeu que o melhor seria nós tentarmos entender isso juntas.
- Certo. Já que não foi você que a delatou - tentei me inteirar no assunto rapidamente -, alguma outra pessoa foi.
Todos concordaram, exceto que estava um pouco distraído com o celular. deu um tapa na mão dele e ele o guardou.
- Então, tudo o que temos até agora são especulações - Loreli informou. - Sobre a lava, acho que nós nunca descobriremos - e lançou um olhar preocupado a . - Mas sobre a ligação, os cigarros... Ninguém mais sabia.
- Sabia - discordei imediatamente. - Se alguém dedurou você e não foi a , alguém mais sabia.
Loreli apertou os lábios, me encarando com tédio.
- Ela está certa. A não tem problema em admitir os erros que comete - decidiu entrar na discussão. - Digo, tem alguns problemas, mas ela sempre assume o que faz.
Ele tomou um tapa no ombro.
- Eu já desconfiei muito da e quem acabou perdendo fui eu - confessei, a lembrança do mal entendido com a Alaina, alguns meses antes, voltando à tona.
- Vocês estão esquecendo um ponto aqui - Loreli expôs, cansada. - Aquela foi uma experiência só minha e de , na minha própria casa. A não ser que alguma pessoa... - parou, olhando para um ponto nulo. - Lembra daquele candelabro que caiu sozinho?
Minhas suspeitas começaram a surgir.
- Aquele candelabro pode ter te dedurado? Acho difícil - retorquiu, passando a apoiar as costas no sofá.
Fiz questão de dar um tapa na coxa dela para que ela parasse de falar besteira.
- Continue lembrando. Tinha algum primo seu na casa? Você dividia o quarto com alguém? - perguntei. - Qualquer coisa pode ajudar, Loreli - insisti.
- Na verdade, não... - ela apertou os olhos, como que tentando lembrar. Massageou as têmporas, mordendo o lábio em seguida. - Não dá, não tinha ninguém em casa.
- Mas aquele candelabro não caiu sozinho, caiu? - instigou. - Nem se todas as janelas estivessem abertas, um vento não derrubaria um objeto desses...
Loreli se levantava, desistindo da sessão, quando seus olhos se arregalaram de repente.
- Não... Não, é muito improvável - recostou-se no pufe. Olhou diretamente para . - Valerie. Ela estava em casa. Nós não estávamos sozinhas, .
- Mas ela é sua irmã - rebateu. - Ela não faria uma coisa dessas, faria?
Eu só respirei mais fundo, não sabendo exatamente como reagir àquela informação.
- Agora eu me lembro de ter ido pelo corredor e encontrado ela no quarto. Ela estava com os fones ouvindo música, de luz apagada.
- Que mórbida - acrescentou.
- O quarto estava iluminado pelo luar. Ela gosta disso - Loreli deu de ombros, inconscientemente defendendo a irmã. - Mas por que ela faria isso? Ela era a única pessoa que saberia.
Algumas perguntas são boas demais para terem resposta. Pelo jeito, essa era uma delas.
- Talvez porque ela seja a pessoa com quem você mora, portanto, pode mexer no seu quarto quando bem entender?
Fiz joinha para a tentativa passivo-agressiva da minha amiga.
- E como a gente faz a Valerie confessar? - perguntou do mesmo modo que eu perguntaria se já podia cortar o bolo, concluindo que era essa nossa decisão final.
A gêmea Campbell ergueu a mão timidamente.
- Eu tenho uma ideia. Pode não dar certo, mas é uma ideia. Primeiro eu tenho que falar com ela.

Naquela mesma semana, num surto de má sorte, esbarrei com Alaina enquanto mexia no celular. Para arrematar, derrubei todos os livros dela no chão. Ela ficou resmungando enquanto eu a ajudava a pegar alguns.
- Já pode parar de reclamar, você já pegou todos de volta - entreguei o último, voltando-me para o caminho que faria antes. Corrigi-me. - Digo, tudo.
E voltei a andar.
- Ei, .
Comecei a me amaldiçoar por abrir a boca. E lá vamos nós.
- Você realmente não desiste - não me virei, então falei alto o suficiente para não ser preciso repetir. - Você já tem o , o que mais você quer?
Alaina veio andando até o meu lado, ignorando tudo o que eu disse.
- Eu não sei o que você está tramando - ela sibilou. - Mas Valerie está tendo alguns problemas com Loreli. E ela sempre foi tão submissa quanto possível com a irmã.
Olhei na direção dela, sem virar o rosto. Abaixei a cabeça, buscando forças para desistir de pular em cima dela ali, mesmo.
- O que te faz pensar que eu tenho algo a ver com isso? - antes que ela pudesse responder, me virei na direção dela, incisiva. - Não, pior. O que faz você pensar que você pode sequer vir falar comigo depois de tudo o que você me fez? - ela abriu a boca para se defender, mas eu voltei a falar. - E, Cooper, se eu fosse você, eu cuidaria das minhas próprias amigas, porque do jeito que você é, essas aí também vão te abandonar.
- Elas não são minhas amigas. E as outras não me abandonaram! - ela chiou de volta. Ergui uma sobrancelha, interessada. Ela percebeu que falou demais. - Argh, eu odeio você.
- Grande coisa! - proferi antes que ela se afastasse o suficiente.

- Tenho certeza que está dando certo. Alaina não reclamaria com você se não tivesse algo errado com as irmãs - decidiu.
chegou com a bandeja cheia de comida, se sentando ao lado de .
- O que eu perdi?
- Além do almoço todo? - sorriu.
Eu enrolava uma mecha de cabelo no dedo, com o olhar perdido.
- Alaina veio reclamar agora a pouco que Valerie e Loreli estão em conflito - atualizei-a. - O que quer dizer que estamos na direção certa.
- Claro - ela concordou, abrindo o próprio suco com dificuldade, o que o fez voar um pouco. - Opa.
- Calma aí, devagar - foi ajudar. - O que você tem hoje?
finalmente parou tudo o que estava fazendo, pegou a pasta que eu nem tinha notado que ela carregava, abriu e expôs um papel pardo na mesa. Em seguida, abriu-o e tirou de lá uma partitura.
- Tenho novidades - eram todas iguais, ela distribuiu entre nós três. - Demorei porque estava falando com . Ele e os meninos estão planejando tocar na nossa formatura.
tinha um sorrisinho orgulhoso.
- Mas eles podem? - interferiu. - Achei que eles contratassem alguma banda para isso.
- Se eles forem bons o suficiente, eles podem - a outra estava confiante.
Cruzei os braços na mesa, pensando sobre a informação. Fazia tempo que eu não ouvia nada sobre o . Isso significaria que eles estava usando o tempo livre para ensaiar junto com os meninos? E nesse tempo que eu não falava com , ele estaria sentindo minha falta? Porque depois de um tempo ele simplesmente parou de vir atrás de mim. parecia saber exatamente o que se passava na minha cabeça, porque me olhava com expressão de solidariedade.
- E, pelo jeito, eles são bons o suficiente - concluí, ao que sorria em concordância. - Bom, pelo menos alguém está se dando bem.
- Mas, ei - disse. - Eu estava pensando. Vocês acham que Loreli pode saber alguma coisa?
- Se ela anda com a Alaina, alguma coisa ela deve ouvir - abriu a barrinha de chocolate, não resistindo.
Comecei a brincar com a embalagem da minha sobremesa quando notei que não sabia nem do exato assunto em pauta.
- Mas ela disse que não sabia nada quando nós perguntamos na casa da .
- Claro - respondeu como se fosse óbvio. - Ela nem tinha acreditado que a irmã era tão traiçoeira. Vocês precisam dar algum tempo a ela, logo ela estará confiando em nós.
Se entupindo de suco, quase engasgou.
- Acha mesmo que vai ser fácil assim?
Ao que respondeu, mais confiante do que eu esperava.
- Ela não vai simplesmente nos contar na frente das outras duas - notei que não gostava do jeito que falávamos sobre Loreli, então evitei olhar diretamente para ela até o fim da conversa. - Mas ela está vulnerável agora, ela confia em Tyler, e ele está do nosso lado. Se enganarmos Alaina e Valerie, fazendo-as pensarem que a bruxa boa do leste, vulgo Loreli, está do lado delas, pode dar certo.
novamente tinha uma ideia que deixava todos surpresos. E eu, boquiaberta.
- Eu já disse o quanto adoro essa sua mania de vencer?

Já havia se passado um pouco mais de uma semana desde o término, e eu não ouvia nada sobre , a não ser por outras pessoas. Pelas conversas da , pelo que deixava escapar já que ele evitava mencionar o nome dele, até que eu fui à casa da e estava jogando videogame com ele. Imediatamente, pausou o jogo, se levantando.
- - sua voz se perdeu antes que ele pudesse falar mais.
Acabei respondendo por impulso, tão boba quanto pude.
- ...
Eu não tinha ido ali de surpresa, então eu não estava exatamente esperando encontrar . Fiquei sem reação. , do chão, ainda segurava o controle, o olhar variando entre mim e , calculando a hora que teria que apartar a briga. Eu tive que lutar contra a vontade de correr na direção dele e pular no seu colo. Ficou só um pouco mais fácil quando eu tentei por a imagem de Alaina à minha frente e lembrar por que tínhamos terminado.
Mal pude dizer mais alguma coisa - nós dois ficamos perdidos naquele olhar que para mim pareceu durar uma existência -, veio me puxar pelo braço, ao que tentava recobrar a atenção dele com sua voz brincalhona.
- , eu vou vencer e não aceito revanche.
- , estou morrendo de vontade de chá, você não? - tentou também. Eu ainda mantinha as pupilas pregadas nas íris brilhantes dele. - Deve ter um pouco na cozinha, vamos.
Ele demorou a responder e eu saí da sala praticamente arrastada, com o pescoço virado para trás quase imitando um filme de terror.
- Hã? Claro... Claro - dissemos mais ou menos a mesma coisa. Só desisti de olhar quando vi que ele se sentou, me lançando um último olhar antes que eu chegasse à porta.
E apenas quando conseguiu me levar ao corredor, eu pude respirar direito. Foi como se tivesse passado os últimos dias respirando debaixo de um travesseiro. Meu rosto, minha expressão curvada e abatida pediam alguma explicação.
- Eu não vi a Evoque lá fora - me expliquei. - Eu teria voltado para casa.
fez um gesto com a mão para que eu esquecesse isso.
- pegou ele no caminho para cá. Eu não sabia que ele viria e não tive tempo de avisar você. A culpa é minha.
- Você não armou isso, armou, ? - franzi as sobrancelhas, seguindo-a até a cozinha.
Ela estava de costas, mas sua voz pareceu bem convincente, de início.
- Eu? Não, ! Juro. Por que eu faria isso com você? Só porque você é apaixonada por ele? Só porque eu acho que foi um mal entendido?
- !
A outra parou no meio do caminho, se virando e falando baixo em tom conspirativo.
- Certo, talvez eu tenha armado uma pequena parte - revirou os olhos, voltando a andar. - tinha combinado comigo de jogar videogame aqui em casa, e realmente foi ideia dele chamar o ... Eu só esqueci de te avisar desse detalhe.
- "Esqueceu" - parafraseei. - Pelo menos o chá não é armação?
Chegamos à cozinha enquanto eu perguntava isso. parou por um segundo, deu um sorriso de canto e pôs o cabelo sensualmente atrás da orelha.
- Você nunca saberá.
Não consegui conter uma gargalhada.
- Boba - ameacei jogar um saquinho de grãos que estava ao lado do micro-ondas. Apoiei-me contra o balcão, pensando. - Você acha que ele sente a minha falta?
parou tudo que estava fazendo, que consistia em colocar a água para ferver na chaleira vermelha. Na verdade, ela terminou de acender o fogo e se virou para mim, perplexa.
- Você está brincando? - jogou a franja para trás. - Tudo o que o faz é ficar com aquela cara fechada, o dia todo! E eu não lembro de ele ficar mal humorado, assim, um dia que estava com você - ao que eu protestei rapidamente sobre os dias dos jornais, caso que eu ainda não tinha desvendado. - Não, não. Nem aqueles jornais conseguiram o irritar tanto assim. Eu garanto.
- Então por que ele não tem tentado falar comigo?
- Vai ver porque ele sabe que não vai adiantar fazer uma serenata no seu quarto dessa vez - ela começou a procurar por alguma comida no armário. - O não é tão extrovertido como a gente pensava. E todo mundo tem medo de ser rejeitado, é normal.
Cruzei os braços.
- Como você sabe tudo isso?
- Eu ouvi - apontou os ouvidos. - Ele tem inseguranças como qualquer outro ser humano. Você deveria dar uma chance para ele se explicar.
- , você é tão sensata, eu... - tentei falar, mas ela me silenciou com um sinal na boca, fechando os olhos, segurando o pote de bolachas na outra.
Foi até a mesa, colocou o pote no centro e se voltou para mim. Ela tomou ar antes de começar a falar.
- Você não precisa fazer isso agora, mas me prometa que, quando sentir que é necessário, vai dar a ele a chance de se explicar - franzi as sobrancelhas ao ouvir isso.
Saí do meu apoio na bancada e fui até ela, ajudando a pegar alguns pratos para dispor na mesa. Um pensamento me atravessou a mente.
- O que você sabe?
Ela balançou a cabeça rapidamente, acabando com as minhas suspeitas de uma vez só.
- Nada, eu juro. Só me prometa. Porque eu sei que você ia querer uma chance de se explicar, se estivesse na situação dele - me encarou, séria, comendo uma rosquinha. não conseguia parecer muito séria comendo rosquinhas.
- Está bem, eu prometo.

Depois disso, eu liguei para o Collin e, quando soube dos motivos, foi imediatamente me buscar. Até evitou resmungar no caminho de volta. Eram novos tempos na família .
me ligou no meio do caminho. Supus que a máfia já tivesse a atualizado sobre o que acabara de acontecer.
- Olha, eu saí de lá porque ia ser demais para mim, ficar encarando ele e não poder fazer nada - despejei.
- Opa, opa, do que você está falando? - ela devolveu, e eu me arrependi instantaneamente de ter falado demais. - Lá onde? Encarando quem?
Espalmei a mão no rosto, em luto pela minha burrice. Expliquei tudo sucintamente.
- Na casa da . Ela praticamente armou para eu passar a tarde vendo o e o jogarem videogame. Eu sei, maravilhoso. Acabei de sair de lá. Momento constrangedor.
- Uau, é realmente bastante informação - mas ela não parecia tão interessada assim. - Vou querer saber disso mais tarde com detalhes. O importante agora é que Loreli vai logo fazer aniversário e vai dar uma festa.
Tomei um susto quando Collin brecou de repente, voltando a andar em seguida. Pus a mão no microfone do celular, sussurrando para ele.
- Ficou louco? - ao que ele revirava os olhos em resposta. Tirei a mão do fone. - A Loreli? E a Valerie? E como isso é bom?
- O bom é que nós vamos! - ela parecia animada. Explicou-se. - É um bom sinal, significa que ela confia em nós.
- É, eu não sei até que ponto isso pode ser considerado bom - admiti. Notei que meu irmão prestava atenção demais na nossa conversa e decidi deixar para depois. - Olha, eu tenho que desligar, a gente se encontra lá em casa depois, pode ser?
- Sim, claro, vou ver se o me leva - aceitou na hora. Concordei e desliguei com pressa, fingindo prestar mais atenção na paisagem do que em Collin reclamando de como eu não desgrudava do celular.
Eu não via Loreli como uma ameaça, até porque ela estava com Tyler e isso a colocava o nosso lado, mas eu ainda não sabia a quantas andava sua amizade com ou mesmo Alaina, o que, por outro lado, me deixava um pouquinho preocupada.

Quando eu já estava quase indo dormir, em torno de nove horas, decidiu chegar. Primeiro recebi a ligação de , e aí quando a mensagem da outra chegou, eu notei que não ia poder fingir que aquela noite não existia e dormir mais cedo. Desci as escadas para abrir a porta para eles.
Não pude deixar de notar como eles pareciam um casal, entrando na minha casa, tirando o casaco e se sentando juntos no sofá.
- Seus pais estão em casa?
- Porque se não, nós podemos subir para o seu quarto - ele completou.
Até falavam sincronizados como um casal. Quanto tempo mais até eles se tocarem e oficializarem?
- Estão, mas eles estão no quarto deles - fiz um gesto despreocupado. Vendo que eles continuaram na defensiva, decidi sentar. - E meu irmão saiu. Podem falar.
Eles se entreolharam, me causando mais nervoso, provavelmente decidindo qual dos dois falaria. Tentei manter a calma, ou eu realmente pularia no pescoço do mais fraco ali. Mantive a atenção pregada nos dois, ainda um pouco assustada para abrir a boca e ao mesmo tempo sentindo que eles estavam armando alguma coisa. mexeu no celular, e em seguida eu ouvi um clique na porta de entrada, o que me fez sair de transe.
- Espera aí, acho que o meu irmão chegou.
Me levantei e fui até o corredor de entrada, me deparando com a porta aberta.
Aqueles não eram os sapatos de Collin, aquela não era a calça de Collin e, principalmente, aquele não era o rosto de Collin.
- ? O que você está fazendo aqui?

Capítulo 37 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- MÚSICA
Todas as imagens que envolviam revolveram na minha cabeça, num passe de mágica. Antes que eu pudesse pensar em cambalear, sair correndo e realmente trucidar ou - o que estivesse mais distraído - respirei fundo. Os dois provavelmente estariam escutando a conversa de agora em diante e saberiam fugir antes que eu pensasse em matá-los.
Lembrei da promessa que eu fiz à . Conveniente demais.
Além de tudo, agora eu tinha certeza que já tinha trancado a porta, mas desde que tinham armado tudo isso, o melhor ir até o fim. Deixaria falar o que ele tinha para falar por pura consideração à promessa de , porque é claro que eu não queria nem ouvir a voz dele.
Eu estava quase me convencendo disso.
- Me desculpa por vir assim à sua casa - ele fechou a porta atrás de si. - Eu tenho tentado te deixar em paz nesses últimos dias, mas... Depois que eu te vi hoje, na casa da ...
- Foi ideia sua? - as palavras escaparam da minha boca, ainda que esperançosas. Quis me bater por fazer uma pergunta tão ridícula.
Apoiei as costas no aparador de madeira.
- Importa? - ele balançou a cabeça, falando baixo.
Não, não importava de fato.
Balancei a cabeça negativamente, em resposta. Eu estava sem fala, como eu sempre ficava quando era pega de surpresa. Ele tirou um papel do bolso de trás da calça e eu me atentei, os pensamentos a mil tentando recordar de onde reconhecia aquela folha rosa.
- A verdade é que eu te amo. Que eu penso em você com a mesma frequência que o meu coração bate - meu coração deu um salto. Eu tinha escrito aquelas frases. - E que a única coisa que eu desejo nesse momento, é você aqui comigo.
Eu tinha lido e relido aquelas mesmas frases tantas e tantas vezes que poderia dizê-las ao avesso, se me pedissem. Era basicamente o meu mantra quando namorava Alaina. Agora as palavras vinham frescas à minha mente, como se eu nunca as tivesse parado de ler.
- Mas o destino não cooperou e acabou fazendo você encontrar outra pessoa e se apaixonar por ela - recitei, olhando-o nos olhos. Notei que a história havia se repetido. - E o meu coração dói tanto, porque eu percebo que essa pessoa não te merece.
- Mas eu não posso fazer nada, porque a escolha é sua...
Mordi o lábio, sentindo um pesar no coração que não sentia desde que e eu terminamos.
- E quem sabe um dia você perceba que eu estive aqui todo o tempo, bem na sua frente. Nos seus momentos tristes e felizes. Fazendo chuva ou fazendo sol. Com um sorriso no rosto toda vez que te via, mesmo que estivesse chorando por dentro - ele leu, só erguendo o olhar ao final. Eu tinha a mão à frente da boca para evitar mostrar como ela estava se contorcendo, quase em choro.
- E quando esse dia chegar, eu vou fazer valer a pena esse tempo que você teve que esperar por alguém que te entendesse e te amasse de verdade. E eu te prometo, - ele olhou para mim nesse instante. - Eu te prometo que, mesmo que não dure muito, ou que o destino interfira novamente...
- Eu vou para sempre precisar de você - completei, com as vistas embaçadas e a voz embargada.
- Vou sempre te amar. E se um dia você precisar de ar, eu paro de respirar. Porque, sério... - ele olhou para cima, e eu notei que seus olhos também estavam marejados.
Eu sabia o que viria a seguir.
- Eu te amo - sussurrei, sem interromper enquanto ele lia.
A voz de já saía meio tremida, mas eu não conseguia lembrar de outra vez em que sua voz soou tão bonita.
- Eu morreria por você. Eu te amo tanto que isso está me matando - ele guardou a folha novamente no bolso, terminando a citação. - Ficar longe de você de novo está me matando.
Agora eu precisava levar as duas mãos à boca, ou eu com certeza ia começar a soluçar. Por mais que tivessem invadido minha privacidade e praticamente jogado isso na minha cara, nunca haviam feito algo tão lindo por mim.
Eu não conseguia falar.
- Ah, ...
Ele deu um passo na minha direção, as sobrancelhas unidas em uma expressão que quase me fez abraçá-lo e dar mil beijos nele ali mesmo. Contudo, eu me mantive estática.
- Você disse que ia fazer valer a pena, .
Eu não conseguia acreditar. Tudo isso significava que ele sentia as mesmas coisas que acabara de ler? Exatamente as mesmas coisas que eu sentia?
Consegui falar num fio de voz, emocionada, limpando uma lágrima com as costas da mão.
- Mas também disse que o destino poderia interferir mais uma vez - lembrei.
- E quem é esse? - ele ergueu ligeiramente os ombros, e eu não soube responder. deu mais um passo na minha direção, parecendo mais desesperado do que eu conseguia lembrar. - , tem alguma parte em você, alguma parte que seja, que ainda gosta de mim?
- , eu..
Que pergunta imbecil, lógico que sim! Todas elas!
Mas ele não entendeu o que isso queria dizer. Mordeu o lábio, fechando os olhos por um segundo, antes de invadir minha alma com aquelas órbitas brilhantes.
- Por favor.
Forcei-me a responder rápido.
- Claro que sim, , mas por quê?
Parecia que isso era tudo que ele precisava que eu falasse para despejar o que veio a seguir:
- Então me dá essa chance - tive certeza que ele ia se ajoelhar ali, na minha frente, mas ele só segurou minhas mãos, impedindo-me de continuar tapando a boca. - Me dá essa chance e eu não vou falhar! Eu juro.
Meu cérebro parou de funcionar por uns segundos. tinha ficado pouco mais de uma semana sem ao menos falar comigo, e, quando voltava, queria uma chance? Pior, por mais que tivesse usado uma folha do meu adorado diário, que nem eu lembrava mais onde estava, ele havia usado aquela com as melhores palavras para me mostrar o quanto o que eu sentia por ele era muito mais profundo do que eu mesma podia entender. E, de alguma forma muito insana, compartilhava do mesmo sentimento. Senão, ele não estaria ali, na minha frente, certo?
Foi com esse pensamento que eu voltei à realidade, notando que ele ainda me encarava, com o olhar interrogativo.
- Mas que inferno, - eu disse, por fim, sentindo uma lágrima escorrer pela bochecha e sorrindo. - Claro que sim.
Ele me olhou por meio segundo antes de dar um sorriso aliviado e se aproximar de mim num ímpeto, me puxando pela cintura contra ele.
- Eu não vou falhar dessa vez - ele disse baixo, com o rosto tão próximo do meu, que eu podia sentir o ar que saía da sua boca, batendo na minha. Sua mão segurava minha nuca, minha testa encostada na dele tornava quase impossível manter os olhos abertos.
Meus braços estavam apoiados nos ombros dele, e eu via sua boca se tornar milimetricamente próxima da minha a cada piscada. Inspirei fundo, numa tentativa de controlar os hormônios.
- Odeio você, babaca - e no segundo seguinte, me beijou, satisfeito, acariciando minha nuca e pressionando minha cintura ao mesmo tempo.
- AHÁ, EU SABIA! - surgiu, como inicialmente eu imaginei que fosse, atrás de mim.
- Eu te disse, .
Era a voz de , realizada. Eu podia jurar que ela tinha os braços cruzados e um sorriso soberbo no rosto.
Abri os olhos e afastei cuidadosamente a tempo de ver estourar uma garrafa de champagne bem no hall na minha casa. A rolha voou para o teto, quase acertando a lâmpada e ricocheteou, só parando em um canto perto da porta.
- Qual o problema com vocês? - sibilei, sendo interrompida por uma voz.
- Filha, está tudo bem aí? - minha mãe gritou ao fundo. Encarei com minha melhor expressão de ódio e passei pela sala, indo até o pé da escada, gritando de volta que estava tudo bem.
Voltei de braços cruzados, querendo saciar algumas curiosidades enquanto os três abriam a bebida e faziam a maior festa.
Pensei se só meus amigos eram pirados, assim.
- Então, onde você pegou essa bebida? - apontei, olhando para .
Ele me olhou imediatamente, não parando de encher uma das taças do conjunto da minha mãe na mão de .
- Ah, essa? Peguei na adega do meu pai - deu de ombros, passando para a taça na mão de . - Ele nem vai dar pela falta.
- Nesse caso - me ouvi falando. - Vou querer um pouco.
As mãos de se enlaçaram na minha cintura, ao que ele falou no meu ouvido.
- Tem mais uma coisa.
- O quê? - perguntei, sorrindo, o rosto próximo ao dele. Assim que ele falasse, eu o beijaria.
- ... É melhor nós não sermos vistos na escola.
Beijaria se ele não me desse esse tipo de informação.
Afastei-o com a mão espalmada em seu ombro, querendo poder enxergá-lo direito.
- O que deu em você? Por que você está fazendo isso?
Eu sabia que minha expressão tinha se tornado repentinamente chateada, mas era um pouco tarde para mudar isso.
e ficaram quietos; o provavelmente porque tinha alguma culpa no cartório. Se estava tendo aquelas ideias moderninhas, alguma influência ele teve, e eu sabia muito bem de quem.
segurou meu rosto com as mãos, de certo temendo que eu saísse correndo da minha própria casa.
- Por favor, o que eu acabei de pedir sobre confiar em mim?
Precisei de mais força de vontade do que nunca para não revirar os olhos ou deixar o choro emergir ali mesmo.
- Você dificulta as coisas, .
Meus olhos estavam um pouco mais saltados do que o habitual, e os de se viam apertados. Eu ia sair de perto para quem sabe me trancar no quarto, mas ele foi mais rápido e me puxou contra si. Ele respirava pesado quando me abraçou e murmurou.
- Eu prometo que logo eu te explico tudo.
Finalmente retribuí o abraço, ainda que com a cabeça nublada, evitando tirar mais conclusões.

- Mas como você sabia onde o meu diário estava? - decidi perguntar, já que eu e finalmente estávamos sozinhas. Era em torno de onze horas e e trocavam algumas ideias curiosas sobre jogadas importantes do futebol na parte externa dos fundos.
- Escrevi nas notas do celular - ela respondeu como se fosse óbvio, mas se viu obrigada a dar uma explicação melhor em seguida. - Você repetiu tanto naquela semana, para decorar, que eu acabei pensando que ia ser importante um dia.
Virei um pouco do que sobrou do champagne na taça, colocando a mesma na mesinha de centro em seguida.
- Bela amiga.
Ela piscou de volta, verdadeiramente feliz.
- Por nada! - estendeu as mãos como se na intenção de mostrar as unhas, fazendo pose. - Agora, sobre a festa da Loreli...
Porém, pelo que eu descobri naquela madrugada, foi todo aquele dia foi ideia da , que a executou sorrateiramente à tarde, e depois a para terminou de executar o plano, fingindo que ela só iria em casa para me dar detalhes da festa. Embora realmente tivesse dado.
, como boa cooperadora, caiu perfeitamente nessa armadilha. E desde que eu caí de amores por , eu nunca fiquei tão feliz por "cair" em algo.

No dia seguinte, eu chegava perto do meu armário quando ouvi duas vozes conhecidas e me senti obrigada a espreitar a conversa.
- Estou confiante porque eu posso. Você não viu a reação dela antes de sair correndo como uma criança chorona.
Tinham duas meninas desconhecidas no corredor em que eu estava, mas elas estavam mais ocupadas com a própria vida. As vozes nas quais eu estava interessada vinham do corredor perpendicular.
- Mas você não acha que eles vão acabar voltando a se falar?
- Ela já ficou dois anos longe dele, vai ficar bem depois dessa - Alaina afirmava para Loreli, distraída. - Ele também, eu garanto.
Ela só podia estar falando sobre e eu.
Loreli encarava a loira com a expressão desanimada.
Vão sonhando, pensei.
Talvez Loreli soubesse, por intermédio de , da verdade. Digo, do que realmente estava acontecendo. Mas minha amiga confiava nela o suficiente para saber que ela nunca espalharia uma informação desse porte. Portanto, uma parte de mim acreditava que Loreli só estava ali colhendo informações.
- Além do mais - Alaina voltou a falar, mais interessada em sua revista. - Eu não acho que ela vai perdoar ele dessa vez. Foi óbvio demais. Até eu teria acreditado - encarou a outra de cima para baixo. - Ela nunca daria a ele a chance de se explicar.
Por fim, para completar a perfeita cena de vilã, Alaina deu uma risada cheia de si.
Mordi o lábio, lembrando de um ponto crucial que deixei passar batido, e minha cabeça deu ainda mais voltas.
As mensagens no celular de . Porque se Alaina apenas o atraiu para o terceiro andar, então o que aquelas mensagens significavam? Alguma coisa não estava batendo naquela história.
Antes que eu pudesse concluir qualquer outra coisa, senti um tapinha no ombro e, se não fosse por um autocontrole inerte a mim, teria dado um grito que me delataria até para Beth, na secretaria.
- , quer me matar do coração? - pus a mão no peito, arfando. Ela tentou olhar por cima do meu ombro e eu a empurrei de volta para onde era seguro. Eu não queria arriscar sermos vistas.
Falando baixo, reproduzi a conversa que acabara de ouvir, omitindo meus pensamentos perturbados.
- Sabia! não é culpado! - ela realmente disse como se tivesse defendido essa tese desde o início.
- Se eu me lembro bem, foi exatamente o contrário do que você disse, em primeira instância... - apertei os olhos, tentando relembrar suas exatas palavras, sem sucesso. - Mas, é, defender ele? Não, você não fez isso...
deu de ombros.
- Detalhes. Só vim te avisar que a marcou para irmos até a casa dela mais tarde - piscou. - Podíamos fofocar um pouco.
Concordei com a cabeça, observando enquanto ela se afastava. às vezes podia ter a cabeça tão leve, desprendida de preocupações, pensando em fofoca quando o mundo estava a ponto de explodir. Eu, por exemplo, não conseguia ser assim. Meu cérebro vivia nublado, às vezes atrapalhando os cálculos nas aulas, de tanto que eu pensava e repensava as situações em que estava.
e eu não poderíamos ter algo assumido tão logo.
Eu mal o tinha dado a chance de... A chance de quê? Nem eu sabia. Não sabia o que éramos. Só sabia que tinha cegamente dado a ele a chance de tentar de novo. O que quer que fosse.
Queria ajudar , Loreli, , precisava esclarecer inúmeras coisas com . Mas a última coisa que eu conseguia pensar era fofoca.

Loreli estava se tornando uma agente dupla, assim como e . Estava ficando difícil me lembrar de quem nós realmente éramos.
passava as manhãs fingindo que eu não existia, ocupado com o time de futebol que ele descobriu que estava louco para levar para as finais. O jogo seria no final da próxima semana e seria decisivo para a final do campeonato.
passava o tempo comigo, já que também fingia não estar com na escola. No fundo, eu sabia que ele realmente gostava dela, mas percebia que ele estava acomodado com a situação, por mais que ele me garantisse não estar saindo com mais ninguém. Eu ainda não sabia se isso era bom ou ruim.
Indo para o estacionamento, pegar carona com , lembrei de uma coisa.
- Você sabe o que o ... - sacudi a cabeça, reformulando a questão. - O que a Alaina tem, que pertence ao ?
Encarei-o firmemente, disposta a não perder um segundo de reação.
nem piscou, mas respondeu rápido demais.
- Não, o quê?
- Eu sei que você sabe alguma coisa, conheço você há anos, - frisei as últimas palavras. - Você não teria voltado defendendo ele, naquela sexta-feira. Você sabia que ele estava errado e alguma coisa te fez mudar de ideia.
Ele abriu a porta e entrou no Cadillac, esticando-se para destrancar a outra porta.
- , você não vai me falar? - me contorci para por o material no banco de trás, só depois que já tinha sentado e passado o cinto. - Olha, eu sei que vocês estão escondendo alguma coisa.
Deu partida e nós começamos a sair do estacionamento. Só quando estávamos na rua, ele voltou a falar.
- , eu não tenho certeza se você quer se meter nisso.
- Eu sabia que tinha algum rolo! - me controlei em seguida, pigarreando. - O que aconteceu entre vocês dois?
Paramos no sinal e ele pôde me encarar, quase suplicante para que eu acreditasse nele de primeira.
- Tudo que eu posso te contar é que você vai ter que confiar nele - antes que eu perguntasse mais alguma coisa, ele apertou os lábios numa linha fina, voltou a olhar para a frente e voltamos a andar. - E, por favor, dessa vez você precisa confiar em mim, eu estou falando sério.
Confiar em . Confiar em . Eu não fazia mais ideia do que estava acontecendo. Alguém tinha tomado o controle da minha vida e o escondido, era a única resposta.
Fiquei mais tranquila quando cheguei em casa e, cumprindo sua promessa, meu pai me esperava para começar a me ensinar a dirigir.
Meus dias de glória estavam voltando.

"Você tá livre depois do treino?", mandou por mensagem. Ele estava na minha diagonal, bem atrás da .
"Tenho um compromisso inadiável com os livros do Sr. Davery" enviei e conferi sua expressão. Olhando para baixo, lendo a mensagem no celular, esboçou um sorriso.
Meu celular vibrou.
"Esse trabalho não era para depois de amanhã? Eu posso te ajudar", respondeu, ao que eu apenas confirmei com um sorriso, ao notar que ele mirava na minha direção.

Algumas horas mais tarde, quando eu pulava dentro da Evoque ainda com as roupas sujas do treino porque o só me deixou andar duas quadras até me dar carona, ele já me olhava de cima a baixo.
- Você caiu? - apontou meus joelhos, manchados de terra.
Balancei a cabeça negativamente, sorrindo.
- Estávamos jogando na quadra aberta - esclareci. - E eu teria tomado banho, se alguém não estivesse morrendo de pressa e me deixasse me arrumar em casa.
Ele deu um sorrisinho, como se não fosse com ele. Coloquei os materiais no banco de trás, me contorcendo.
- Culpado - e deu partida só quando eu passei o cinto. - Eu peguei alguns livros na biblioteca, talvez possam nos ajudar - apontou atrás de si, no banco. Era uma pilha considerável de livros.
- Acho que tem um pouco mais do que o professor indicou, ali! - exclamei divertida, ao que ele pegou minha mão no ar e a apertou levemente, voltando logo a prestar atenção no volante.
Não podia negar que estava animada por passar a tarde com ele, ainda mais quando ele tinha tido o cuidado de ir atrás dos livros que o professor indicou. Eu nem sabia que ele anotava o que o professor falava.
- Eu disse que seria de grande ajuda, pode começar a me agradecer - sorriu.

Assim que trancamos a porta dos fundos, adentrando a cozinha, começou a ficar agitado. O que começou a despertar em mim certo instinto de que algo estava errado. Primeiro, ele estava batucando no volante do carro, e eu preferi relevar, afinal eu nem tinha certeza se o conhecia tão bem a ponto de dizer que ele não costumava fazer isso. De qualquer forma, acreditei ter feito a coisa certa, porque na cozinha, ele se acalmou um pouco.
Ele deixou a mochila e os livros no balcão, sem olhar para trás, enquanto eu apertava a alça da mochila, observando-o.
- Está com fome? - perguntou, abrindo a geladeira.
Apoiei o corpo de frente no balcão, repousando a mochila no tapete.
- Um pouco - admiti. Minha outra opção era deixar que ele descobrisse, quando meu estômago fizesse um estrondo faminto, então achei melhor assumir logo.
- O que você quer? Suco, torta, lasanha... - ele ia olhando a geladeira e eu comecei a rir. - Eu posso sair para comprar alguma coisa também.
- !
Voltou-se para a minha direção, também rindo.
- Certo, vou pegar o que eu sei que você gosta. Você pode ir deixando nossos materiais no meu quarto?
Ele já pegava leite, suco e água quando dizia isso. Revirei os olhos, não contendo um sorriso. Abaixei-me para pegar a minha mochila e ao ver que ainda tinha que levar a dele e os livros que ele deixou no balcão, notei não muito contente que teria que fazer duas viagens.
- Ok, se apresse aí - sorri. - Eu volto daqui a pouco.

Nós comemos juntos e pouco tempo depois de termos começado o trabalho, eu - não muito interessada em sentar na cadeira - fiquei no tapete próximo à janela, lendo um dos livros que pegou e fazendo anotações. Reparei em um barulho repetitivo, e nem me comovi ao ver que era ele batendo a ponta do lápis contra o livro que lia, apoiado contra a cama, do outro lado do tapete.
Eu já tinha ignorado por muito tempo o jeito esquisito que ele vinha agindo.
- , o que você tem hoje?
Ele uniu as sobrancelhas, dando de ombros em seguida.
- Só não consigo me concentrar.
Revirei os olhos, vendo que teria que descobrir sozinha. vinha agindo estranho e sempre que eu perguntava o que tanto o deixava inquieto, ele desconversava. Dessa vez, ele teria que falar. Estava mais do que evidente que algo não estava certo. Deixei o livro de lado, sabendo que aquilo tomaria tempo, indo para perto dele.
- Porque... - disse, esperando que ele completasse minha frase com a resposta. Ele continuou lendo o livro até que eu estivesse ao seu lado, e o pusesse de lado, ainda sem me encarar. - , o que foi? - cruzei os braços para mostrar impaciência.
No entanto, a feição dele parecia tão apreensiva que me desarmou. Então, ele aproveitou que eu afrouxei a guarda e começou a procurar informações em outros livros, não chegando a parar em nenhuma página. Se ele achava que estava me enganando, estava um pouco equivocado.
- ! - chamei sua atenção. Virou a cabeça quase instantaneamente. - Você está enrolando. Não quer me contar o que houve? - ele apertou os lábios quando eu levei as mãos ao seu rosto, preocupada, finalmente estabelecendo contato visual comigo. - Aconteceu alguma coisa grave? Seus pais estão bem?
- Estão, não se preocupe - balançou a cabeça. - Não é nada - suspirou, desistindo de fingir que ainda tinha interesse no livro, fechando e jogando-o de lado. Ele se levantou e sentou na beirada da cama atrás de nós. Fui obrigada a fazer o mesmo. - Eu estava lembrando daquela sua folha de diário que a me deu... Só isso.
- Você não gostou do que leu? - arrisquei.
Se fosse analisar bem, eu tinha escrito aquilo quando estava no primeiro colegial, insanamente apaixonada por um cara que - logo depois que eu achei que daríamos certo - foi beijado pela loira mais adorada daquela escola, começando imediatamente a namorar com ela. Era um pouquinho estranho da minha parte e eu realmente esperava que ele não notasse isso ou me achasse uma psicopata.
- , eu adorei - segurou minhas mãos, beijando-as em seguida e me deixando sem reação, senão agradecer baixinho. - É sério. Eu amei. Eu amo tudo em você, tudo - olhou-me a fundo e eu tive que me concentrar para entender o quão sério era o que ele dizia, porque do jeito que ele falava, era quase como se ele não conseguisse expressar em palavras. - Mas eu fiz várias coisas erradas, coisas que você não vai gostar de ler.
- Ler? - fiquei confusa um instante, sentindo como se tivesse perdido um pedaço do assunto.
- Eu disse saber - ele me corrigiu de repente, parecendo mais estranho ainda.
Franzi o cenho, determinada.
- Eu tenho certeza que ouvi "ler" - apontei os livros. - E eu tenho a impressão de que você não se refere aos livros de história.
afundou o rosto nas mãos e justo quando eu decidi acariciar a sua nuca para acalmá-lo, ele ergueu a cabeça novamente.
- Você vai me odiar por isso - inspirou fundo, passando a mão pelos cabelos, que voltaram ao lugar sem problemas. - Lembra quando eu disse que a Alaina tinha...
- Alguma coisa sua, e que eu espero que sejam só as lembranças, mas lembro - adiantei, percebendo que não estava o acalmando em nada. - Desculpa, continue.
nem respirou fundo antes de despejar essa.
- É um diário, .

Capítulo 38
provavelmente esperava que eu me transformasse em fogos de artifício, um lobisomem ou qualquer coisa bizarra, porque até apertou os olhos em seguida, como se estivesse na iminência de impacto com um meteoro. Se eu devesse mesmo ter essa reação, então eu ainda não tinha entendido o que ele queria dizer. Porque, até onde eu sabia, eu tinha um diário - o qual ele lera em voz alta com meus dois melhores amigos de plateia e eu ainda achei o ato mais romântico da minha vida -, além de todas as minhas amigas saberem dele. Então não era mentira dizer que eu ainda não sabia onde ele queria chegar com essa frase.
- Certo - concordei cuidadosamente. - E onde se encaixa o meu ódio?
Ele se remexeu desconfortável na cama.
- É ele que Alaina tem postado no jornal, às sextas-feiras.
Pisquei duas vezes, não entendendo. Meu cérebro começou a dar os primeiros sinais de querer declarar falência.
- Espera, que diário é esse?
- O meu diário, - contou. - É ele que você e toda a escola têm lido ultimamente.
Então meu cérebro virou ameba de vez. , filho único desde o primeiro colegial, com essa declaração, afirmava ter um irmão. Eu sabia que a última coisa que eu devia fazer seria contestar - o que no momento poderia demonstrar que eu não apoiava a situação e estava fugindo de aceitar que fosse verdade -, mas foi impossível ficar quieta. Minha cabeça estava em um debate interminável, inconformada com o fato. Não era possível. Era?
- Mas você nem tem um irmão... Tem? - mal terminei de falar, tive a sensação de estar redondamente enganada. Sim, era possível. - , me explica isso? Como ninguém sabia sobre esse irmão?
- Você não vai me julgar e sair correndo depois? - ele deu de ombros com um sorriso cínico, mas eu percebia o esforço empregado naquele sarcasmo.
Bom, eu já não entrei em combustão espontânea de primeira...
- E eu alguma vez fiz isso com você? - revirei os olhos, lembrando contra a minha vontade que incontáveis vezes eu saí correndo. - Certo, talvez isso já tenha acontecido, mas a situação era completamente diferente.
Ele sorriu fraco, apoiando as duas mãos atrás do eixo do corpo, na cama.
- Eu queria ter dito isso antes... - inspirou fundo, me encarando. - O nome dele é Prescott...
"Caso você pense que isso seja resultado de uma infância conturbada, descarto agora a possibilidade. Aliás, nossa vida não podia ser melhor. Ele nunca foi uma criança diferente. Quando eu tinha treze anos e ele completou dezessete, decidiu se assumir gay, para todos de casa, da família, para quem quisesse ouvir. Claro que não foi de repente. Prescott vinha mudando o tipo de relacionamento que tinha com as meninas e com os meninos, formando sua própria opinião sobre o que ele realmente queria e gostava. Meus pais fingiam não ver, como se isso fosse só uma fase. Chegou a um ponto que eles agiam quase como se Prescott não existisse, não tomando decisões sobre a vida dele, apenas quando se tratava de não deixar que nenhum, nenhum dos amigos dele, viesse para cá.
"Eu estaria completamente ok com isso, se não fosse pelo fato de Prescott berrar isso pelos quatro cantos, sempre que alguém ameaçava perguntar se ele tinha tendências homossexuais. O problema não parava aí. Ele sabia chamar a atenção. E com tantos grupos homofóbicos, não seria novidade dizer que ele apanhou inúmeras vezes, e junto com ele, eu, que o defendia, também. Quando eu comecei a me machucar com isso, meus pais resolveram interferir. Eles me colocaram em um psicólogo legal, mas que me incentivava a escrever no diário quando ficasse irritado, para extravasar a raiva, já que em casa era impossível conversar sobre o assunto. Foi assim que começou essa história de diário.
"Mas agora eu penso, e acho que eu tinha raiva é dos meus pais, de deixarem isso acontecer com ele. Digo, de darem as costas para ele quando ele mais precisava de apoio. Eu não via isso antes, mas eu comecei a pensar sobre isso ultimamente. Talvez fosse raiva de mim por nunca ter batido de frente com meus pais.


- É uma história e tanto, . Ele devia ser muito corajoso. E deve ter sido muito difícil para você - eu não sabia se o abraçava ou não. Não sabia o que ele esperava que eu dissesse. - Mas por que ele não está mais aqui?
- Teimoso, também. Ele foi morar com uns tios nossos, da Itália - mordeu o lábio, apreensivo. - Prescott quis morar com eles de qualquer maneira, são artistas e ele adora isso - respirou fundo, abaixando a cabeça por longos segundos. - Eu briguei muito com ele, . Hoje eu me arrependo, vejo que deveria ter feito alguma coisa e não assistido enquanto meus pais praticamente o expulsavam de casa.
- Mas você disse que ele queria morar lá - contestei, confusa.
Ele explanou como se fosse óbvio.
- Meus pais também tiveram influência na escolha dele.
- Entendo. Mas, , não seja tão duro consigo mesmo. Você era muito mais novo, nem entendia essas coisas direito, e... - estiquei a mão até a dele e a acariciei, tentando apoiá-lo de alguma forma. Suspirei. - Ele está bem agora?
- Está - ele se desvencilhou suavemente, indo até o criado mudo. Abriu a segunda gaveta e tirou uma foto de lá. Estendeu a mão para mim. - Esse foi nosso último Natal juntos.
Era um cartão de Natal de família. Reparei em um clipe na lateral do cartão, unindo-o a outros dois atrás, parecendo mais antigo. O da frente, datado do último ano, era composto apenas por e os pais, tão formal que quase não pareciam familiares. O de trás tinha um garoto a mais, parecendo no máximo três anos mais velho do que , ao lado dele, com um sorriso medido. Tinham traços parecidos, então presumi que fosse Prescott. O terceiro cartão era um postal da Itália, com uma foto de Prescott sorridente, um casal de adolescentes e os possíveis tios, colada na parte de trás. Quando li os dizeres atrás da foto, percebi que eram os primos dele.
- Quando ele foi embora? - eu já não conseguia disfarçar a piedade na minha expressão, e isso provavelmente incomodou .
- Antes que eu entrasse na Drayton Manor - olhou para os lados antes de me encarar, virando de frente para mim na cama. - , eu ia te dizer isso, eu juro que ia, mas todas as pessoas reagiram de um jeito tão... Difícil. Detenções, brigas, humilhação. As pessoas conseguem fazer um inferno na Terra quando querem.
Incapaz de continuar olhando para ele sem fazer nada, o abracei esperando que isso fosse o suficiente para confortá-lo. Ele retribuiu o abraço imediatamente, até com mais força.
- Ah, . As pessoas são complicadas - franzi a sobrancelha, me afastando o suficiente para enxergar melhor seu rosto. Minha voz saiu mais chateada do que eu planejava. - Fico surpresa de você pensar que eu seria como essas pessoas. Um irmão é algo grande.
- Eu tentei te manter longe disso o máximo possível, era só o que eu estava tentando fazer - respondeu, voltando a me puxar contra si, meu rosto apoiado perto da curva do seu pescoço.
Aninhada no seu abraço, só precisei olhar para cima.
- E como a Alaina chegou perto desse diário? Do jeito que você diz, você parecia disposto a defender ele com a própria vida.
Ele me olhou com receio.
- É... Nunca esteve nos meus planos deixar ele sozinho.
"Naquele dia, eu fui atrasado para o treino. Como eu ainda não dirigia, eram meus pais quem me buscavam, e mesmo que sem uso por Prescott ter ido embora, a Range Rover era inicialmente um presente para o meu irmão, então eu não poderia pegá-la de qualquer jeito. Eu tinha ido para o psicólogo em um horário encaixado porque o primeiro caderno tinha chegado ao fim, e ele ia me dar outro.
Fazia seis meses que as aulas tinham começado, quase o mesmo tempo que Alaina me seguia esporadicamente pelos arredores da escola. Eu ainda não tinha feito outras amizades, apesar de conversar com outros caras, já que o trauma de o passado se repetir ainda era recente, então eu acabava andando sozinho na maior parte do tempo. Não aprofundava nenhuma amizade e tentava não me incomodar com isso. Por outro lado, se Alaina estava feliz na minha companhia, já era mais do que eu estava acostumado.
Mas esse dia foi um dia especial, de certa forma. Alaina vivia me dizendo como ela tinha tudo o que queria e como nada escapava dessa regra. Nesse dia, a conversa tomou um rumo diferente.
- Nada, mesmo? - instiguei, distraído. Ela balançou a cabeça em resposta, sorrindo diabolicamente. Estávamos almoçando juntos pela primeira vez em dias, porque ela não largava do grupo de amigas dela na época.
- Nada. E sabe do que mais? - fiz um movimento com o queixo para mantê-la falando. - Nem você - e eu parei de mastigar instantaneamente.
- O que você quer dizer?
A confiança dela não se abalou.
- Eu e você. Nós vamos ficar juntos - disse, decidida. - Você é diferente.
Engoli a comida com dificuldade, pela primeira vez tendo que lidar com algo do tipo.
- Alaina, eu não... Não acho que vai dar certo - o sorriso se desfez no seu rosto.
- Como assim?
Coloquei a comida de lado, perdendo a fome. Peguei minha mochila sobre a mesa e a coloquei no ombro.
- Eu já estou gostando de outra pessoa - peguei minha mochila sobre a mesa, coloquei-a no chão e conferi por dentro. As roupas do treino estavam ali para mais tarde. - Sinto muito.
Me levantei, colocando a mochila no ombro.
- ! - ela exclamou, já de pé, não se importando com as pessoas ao redor olhando. Andou até mim, com uma expressão irritada que eu nunca tinha visto nela antes. - Você vai se arrepender por isso.
- Pelo quê? Nós ainda podemos ser amigos - uni as sobrancelhas, confuso.
Ela cruzou os braços, a mensagem corporal dizendo que minha oferta não era o suficiente para que ela mudasse de ideia.
- Guarde minhas palavras, .


- Algo me diz que ela não mudou de ideia, mesmo - falei, me intrometendo.
concordou com a cabeça, terminando a história.

"Mais tarde, depois da aula, eu fui para o psicólogo só para por algumas coisas em dia e pegar um diário novo. Todos eles eram iguais. Eu tinha saído uma aula mais cedo para dar tempo de ir e voltar para o treino, porque eu queria uma vaga no time, então o treinador tinha que gostar de mim. Na ida, minha mãe me levou no horário certo, só que meu pai foi me buscar e se atrasou por causa do trabalho, me atrasando junto.
Indo para o vestiário, acabei passando primeiro na quadra aberta, onde já tinha gente na arquibancada e se aquecendo. O treinador gritou para que eu fosse logo e eu voei para o vestiário e me troquei correndo. Na pressa, e pensando que nenhum cara teria a malícia para entrar no vestiário e revirar todas as bolsas atrás de algo que incriminasse alguém, acabei nem pensando em por no armário. Deixei ali, no banco, encostada na parede.
Depois de algum tempo de jogo, a garota que eu estava interessado caiu da arquibancada. A garota que em outra ocasião praticamente rolou lá, e que de alguma forma milagrosa saiu praticamente ilesa. Dessa vez, foi só um tropeço, mas não achei errado ir ver se ela estava bem. Fui até ela.
- Oi? - ela disse, parecendo um pouco assustada com a minha proximidade.
E eu respondi sorrindo, tentando parecer amigável, em seguida tentando puxar algum assunto para deixá-la menos desconfortável comigo.
- Fiquei sabendo que você derrubou a Alyssa.
"Depois de trocarmos poucas palavras, lembrei que o professor ainda estava no meio da quadra, esperando que eu voltasse, por mais que o jogo não tivesse parado.
- Eu tenho que voltar para o treino. A gente se vê por aí.
Dei um sorriso e corri antes que recebesse um apito do treinador e alguma punição.
Quase dez minutos de jogo depois, mal eu tinha feito um gol, Alaina atravessou a quadra, adorando ser o centro das atenções. Os caras pararam para ver enquanto ela desfilava, mas alguma coisa no seu olhar pregado no meu me dizia que ela não tinha esquecido a conversa de mais cedo. E que vinha acertar contas.
Ela caminhou todo o caminho que nos separava e me beijou. Contudo, antes que eu pudesse planejar uma reação, ela afastou o rosto do meu e sibilou.
- Parabéns, quarterback - sorriu, abrindo o blazer só o suficiente para mostrar que tinha o meu diário no bolso interno dele. E referiu-se à nossa conversa mais cedo. - Agora você não pode dizer não.


- Foi o dia que ela te beijou no meio da quadra - falei com a mão na boca, antes que ele precisasse explicar. - Eu nunca ia imaginar...
Mesmo sem olhar diretamente para ele, percebi que concordava com a cabeça.
- Eu sabia que ela era manipuladora! - voltei a falar, mais para mim mesma dessa vez. - Mas como eu não enxerguei isso antes? Como fui burra! - me afastei dele, sentindo a raiva bombeando meu sangue. me olhou com curiosidade. - Tyler me disse que Alaina estava cuidando do jornal, mas como eu não sabia que você era a pauta, vi aquele caderno marrom e nunca o peguei.
- Caderno marrom? Você viu o meu diário? - ele virou o corpo na minha direção, interessado. - Faz sentido, ela não podia simplesmente criar aqueles textos da cabeça dela.
Senti os músculos do maxilar se retesando contra a minha vontade.
- Quer dizer que ela... Copiou o que você escrevia?
não precisou pensar muito para negar. Inspirou fundo, relaxando o maxilar.
- Não, ela faz umas modificações... - começou a juntar os livros. - Postar anonimamente é a maneira dela de me ameaçar, mostrar como as pessoas ainda ficam chocadas com o jeito que eu pensava. E mostrar que ela pode acabar com tudo o que eu conquistei em um segundo.
Rebati enquanto sentia que meu cérebro trabalhava em segundo plano para por os principais tópicos em ordem.
- Não! Ela não pode! Ninguém vai acreditar nela, eu não vou deixar! - então meu cérebro voltou às funções normais e eu me dei conta de outra coisa. - Espera... Eu... Eu era a garota?
Meus olhos se arregalaram, e enquanto desistia de juntar os livros para me lançar um olhar, eu senti mais uma vez aquele arrepio que só sentia com ele. Um arrepio inebriante de alegria. Ele tinha acabado de se declarar indiretamente? E ele achava que eu tinha ficado apavorada com ele? Pelo jeito, ainda tinha muita coisa que o precisava saber sobre mim.
Ele concordou com a cabeça, sorrindo. Puxei seu braço para beijá-lo, rapidamente firmando a outra mão no seu pescoço para mantê-lo próximo.
Foi exatamente quando a porta fez um clique e se abriu sem rodeios.
- ? - a cabeça de uma mulher com o cabelo preso em um penteado elegante se pôs para dentro. - Querido?
- Mãe? Eu não te ouvi chegar! - praticamente se jogou para o outro extremo da cama, ao que ela escancarava a porta e eu permanecia na mesma pose, exceto que com a boca levemente aberta. Notei que ele tentava ficar entre nós duas, mas a outra dificultava, movimentando a cabeça. Dei um aceno com a mão sorrindo amarelo, ainda da cama. Odiei-me por não ter escondido o rosto a tempo e...
- Essa é a ?
Eu? Espera, como...
- Mãe! - ele a censurou, ainda de frente para ela.
- Minha nora - concluiu, dando um passo para trás, sorrindo. - Desça conosco, ainda não jantamos.
Mas será possível que...
- fala de você, mas eu já estava começando a acreditar que não existia - brincou, dando uma risada leve, ao que o filho desistia de interpelar o caminho, suspirando baixo e derrotado.
É, é sim.
Olhei para os dois, interessada em quantas vezes meu nome teria aparecido naquela casa sem meu consentimento. Fiquei, mais do que surpresa, extasiada de saber que falavam de mim. E agora que tinha sido pega no flagra, portanto estava em descrédito, precisava pelo menos aguentar a situação com minha recém-conhecida sogra Sra. e parecer normal.
- Venha comigo - ela me chamou com um gesto gentil e sem pensar duas vezes, eu fui. Ela me conduziu à sala de estar, onde o Sr. estava. Quando olhei para trás com os olhos quase saltando das órbitas, erguia os ombros de um jeito que dizia sentir muito, mas em contrapartida, não poder fazer nada.
Que ótimo.
O Sr. era como nas fotografias que eu vira pela casa, e sua esposa também. Estava na cozinha, lavando verduras, quando a Sra. me apresentou como um troféu. À parte do fato que eu nunca imaginara um empresário lavando verduras na pia, parecia que realmente não aparecia com muitas namoradas por ali. Tentei me lembrar de elogiá-lo mais tarde por isso.
Enquanto parecia arquitetar um meio de nos tirar daquela situação, seu pai me olhava por cima dos óculos, vestido em uma camiseta simples e calça de moletom.
- Ah, filho - a Sra. sorriu, e foi aí que notei como ela estava vestida elegantemente, enquanto eu ainda usava o uniforme suado do treino.
- , é? - estendeu-me a mão, sorrindo amigável. Estendi a mão de volta no mesmo instante. Ele não parecia tão robusto quanto nas histórias que eu acabara de ouvir de .
- Muito prazer - falei em troca, finalmente sentindo um par de mãos no meu ombro. Eu sabia exatamente de quem eram. Já estava dando graças a Deus.
- Pai, . , pai. E mãe, que aliás já se apresentou - sorriu, me dando um beijo na bochecha, e tentando me puxar em seguida. - Já vamos subindo.
Sra. o segurou pelo ombro em um gesto leve. parou por pura educação e eu nunca achei tão errado que ele fosse educado.
- Não, filho, nem vai apresentar sua namorada? - talvez fosse um pouco de arrogância concluir isso, mas sua mãe parecia realmente chateada de não me conhecer direito. Pensei se ela sabia que da estação "namorada", eu já tinha ido para a "ex" e agora fazia uma pontinha em "namorada escondida" ou "ficante secreta", aquilo que arranhasse menos minha reputação.
acabou me abraçando de lado e eu percebi que não era só eu que não praticava essa cordialidade de apresentações com frequência. Sua mão passava freneticamente do meu ombro ao meu cotovelo.
- Mas eu acabei de apresentar - pigarreou, notando o olhar severo do pai em resposta. - Estamos juntos há algum tempo e ela não é nada como a Alaina.
- Oh, graças a Deus - sua mãe, apesar de meu novo símbolo instantâneo de elegância, pareceu ter vontade de perder as estribeiras aí. Colocou a mão na boca, como se o que estivesse prestes a dizer fosse um sacrilégio. - Não gostava daquela menina só de ouvir o nome.
Quando a Sra. percebeu minha leve careta ao mencionarem Alaina, tive quase certeza de ver um sorriso cúmplice se formar no canto da sua boca. O Sr. não se pronunciou, só deu de ombros, sorrindo satisfeito.
- Bem, muito prazer, . Esperamos que você possa ficar para o jantar para nos conhecermos melhor.
Talvez em trajes melhores eu considere a chance.
- Claro, espero que sim - tentei sorrir e parecer realmente grata pela aparentemente boa aceitação deles, enquanto me puxava de maneira sutil para fora da sala.
Ele parou ao pé da escada e, ao que eu subia um degrau, me girou pelo pulso e murmurou.
- Desculpa! - me deu um beijo, segurando minha cintura com as duas mãos, girando meu corpo em seguida para que subíssemos as escadas. Lá em cima, de frente para o quarto dele, ele voltou a falar. - Eu esqueci completamente que meus pais estariam aqui, eu só realmente precisava falar com você. Já vinha adiando há muito...
- Entendo... Não se preocupe com isso - o interrompi, apenas para que ele não tivesse que tocar naquele assunto. Ele já punha a mão na maçaneta do quarto quando eu conferi o relógio de pulso dele, lembrando de outra coisa. - Falando em pais, , eu tenho que ir para casa. Você acha que pode me deixar lá?

- Já tentou gritar no meio do pátio que ela roubou o seu diário? - arrisquei, dentro do carro.
- Sério? - ergueu uma sobrancelha, me avaliando. - Esqueceu mesmo da parte que já é estúpido o suficiente eu ter um?
Revirei os olhos para me impedir de dizer que isso era bobeira, mas com palavras não tão doces.
- E mexer na bolsa dela?
- Câmeras na escola. E ela nunca leva o diário... - falou vagamente e sua voz flutuou no ar. Desviou a atenção do trânsito por um segundo. - Você me disse que viu o diário. Onde?
- Na sala dos computadores - então concluí o que ele devia estar pensando. - O que quer dizer que ela voltou a levar! Mas então...
O que me lembrava outra coisa: se Alaina sabia toda a história de o tempo todo e só o queria para provar um argumento, por que nunca disse nada a ninguém? Pra que manter com ela um diário de alguém que ela mesma não queria mais? Afinal, foi por isso que ela o traiu, não foi? Por outro lado, ele realmente ficou em torno de um ano com ela mesmo sem gostar dela nem um pouquinho? E se os pais dele sabiam da Alaina, o que eles sabiam dela?
Estávamos a poucas quadras da minha casa e eu ainda tinha tantas perguntas para fazer, mas precisava agir como se não estivesse ansiosa por isso. já havia demorado três anos para falar abertamente da sua história com alguém. Eu é que não ia querer ferrar tudo.
- Estou te perdendo para que planeta dessa vez? - quando ele interrompeu meus pensamentos, estávamos em frente à minha casa. Notei que eu olhava pela janela distraidamente.
Não estava acostumada a mentir para ele, mas a outra opção traria uma consequência ainda pior.
- Só pensei se mais alguém sabe disso... Digo, da sua parte.
Sorri entre os lábios, me inclinando na direção dele para me despedir com um beijo, sem realmente esperar uma resposta.
Mas enquanto eu abria a porta, ele me puxou pelo pulso para si.
- Contei apenas para você e o - me deu vários beijos rápidos de volta. - Até amanhã, encrenca.
E então fez sentido o ter voltado defendendo o naquela sexta, com o "conselho de melhor amigo".

Depois que decidiu dividir o passado dele comigo, nossa vida ficou mais fácil. Eu entendia porque ele ficava tão irritado na sexta-feira - o que passou a me deixar irritada também -, sabia que ele tinha um irmão, e isso era mais do que a maioria das pessoas que achavam que eram amigas dele sabiam. Mas embora isso mudasse bastante minha perspectiva, as novas dúvidas permaneceram intactas o tempo todo. Por que ela o traiu? E se foi ideia de Alaina terminar, por que continuar chantageando-o? Por que eles duraram tanto tempo? Vindo de Alaina, burrice seria desconsiderar qualquer possibilidade, mas nenhuma delas fazia o menor sentido. Todas as hipóteses que eu criava tinham alguma falha.
Com o jogo se aproximando, não tive tanto tempo assim para focar nessas questões, sabia que essas minhas inseguranças eram uma pressão que não estava precisando.
Enquanto sentava na arquibancada, a fim de ver os meninos treinarem as jogadas novas que e trouxeram para o grupo - mais precisamente, direto da minha varanda dos fundos -, uma ideia, tão óbvia que eu não sabia como não tinha pensado nela antes, surgiu na minha cabeça.

- Só tem um impasse - falei, concentrada, louca para concluir logo o que eu vinha falando. - , está prestando atenção? Pode pelo menos dizer minhas últimas palavras?
- Impasse, - ele retomou, fazendo um gesto como se quisesse que eu terminasse logo de falar. Continuou olhando na direção do campo, ainda se mexendo em pulinhos para não perder o calor do corpo. - Até aí eu entendi tudo.
- Não tem treino no dia que tem jornal - observei.
Ele bufou, sua testa se franzindo como se não tivesse pensado nisso antes.
- Sabia. Alguma coisa tinha que dar errado - mais um pouco e eu jurava que ele ia começar a fazer polichinelos. - Isso porque nós nem tentamos ainda.
- A e a seriam ótimas aqui... - suspirei, tirando o cabelo do rosto.
lançou um olhar avaliativo e quase acusatório na minha direção. Ergui as mãos para fazê-lo crer que eu não faria isso.
- Nem pense - finalmente ele parou de pular e eu quase agradeci por ele ter feito o sangue circular no cérebro. - A não ser que... Nas semifinais, !
Apertei os olhos, trocando a mochila de ombro e arregaçando as mangas em seguida.
- Eu devo ter piscado. O que eu perdi aqui?
- Não tem problema - sorriu, segurando minha cabeça com as duas mãos para me deixar um beijo na testa. - A gente se fala depois, tenho que voltar para lá. Mantenha a boca fechada.
Fiz o zíper na boca para garantir que eu era mais segura do que um túmulo. Porque eu precisava ser, ainda que quisesse tanto falar com as meninas sobre o caso.

Mesmo sabendo que precisaria ir embora para casa logo, depois do treino resolvi tomar banho e secar o cabelo, ato que normalmente era visto como luxo para mim. Mas como o não podia ser visto o tempo todo comigo e estava mais pirado do que nunca - e ambas as situações apontavam para uma livre para fazer o que quisesse pela escola -, decidi gastar algum tempo comigo mesma.
E com , claro. Ela ficou esperando no vestiário depois do treino, só porque é a praia dela demais se emperiquitar toda.
Eu tinha os cabelos ensopados, envoltos precariamente por uma toalha de modo que eu parecia algo entre uma freira rebelde e uma muçulmana desleixada, toda a atenção concentrada em ir de chinelos até o espelho, na intenção de não tomar choque.
Segundos depois, desejei ter me preocupado um pouco menos comigo.
se virou no exato momento em que conectei o plugue na tomada. Alguma parte de mim me dizia para prestar atenção nas feições dela que foram mudando dramaticamente e tirar a mão dali o mais rápido possível. Em vez disso, eu levei a mão até o secador e o liguei...
O aparelho negro fez um som estarrecido e metálico, antes de fazer outro som que se parecia com uma engrenagem se recusando a rodar. Não tive nem tempo de entender o que acontecia, até que o aparelho emitiu uma luz rápida e amarelada, sincronizada com um estouro. Forte e alto.
que, percebi, tinha tentado me alertar, levou a mão ao rosto em indignação, sua boca aberta em um "O".
- Em minha defesa... - apontei a tomada com a mão livre, meus olhos reparando em algum sinal pequeno com números. - O aviso de duzentos volts está minúsculo.
Eu ainda parecia flutuar na realidade. Meu secador tinha acabado de estourar na minha mão? Só então notei que ele ainda estava ligado à eletricidade e puxei seu fio da tomada o mais rápido possível, lembrando finalmente da minha própria segurança.
- Já em minha defesa, antes que eu seja alvo... - voltou a atenção ao espelho, onde segundos atrás estava concentrada aplicando base. - Tentei avisar - deu de ombros.
Observando o já falido secador, sem querer me dei conta que algumas meninas ainda observavam com curiosidade a situação. E de repente me lembrei de quando queimei, no ano anterior, uma chapinha, naquele mesmo vestiário, pelo mesmo motivo. E um súbito incômodo se apossou de mim enquanto eu era absorvida pela lembrança, uma pequena parte de mim questionando se da mesma forma que eu não tinha tirado nada da lição anterior, eu também não teria aprendido com outras coisas e continuava errando sem saber. Quando notei que a questão estava indo fundo demais no meu psicológico e que os danos poderiam custar caro, decidi pelo menos fazer piada do ocorrido.
- Duzentos e vinte, a tomada perfeita para queimar todos os meus eletrônicos. Vamos chamar aquele canal de compras agora mesmo, eles precisam saber disso.
- Bivolt é a nova ordem - ela me deu uma olhada rápida pelo espelho. - Tudo duplo é puro sucesso. Bivolt, bicolor, encontros duplos - insinuou, erguendo uma sobrancelha, já sem olhar para mim.
- Ou anfíbios, você sabe - murmurei. - Podem te perseguir tanto pela água quanto pela terra - tirei a toalha do cabelo, repousando-a no ombro e dando uma sacudida leve para tirar o excesso de água da cabeça. - E quem diria que estaríamos em pleno século vinte e um, ansiosos por imitar animais?
- Ai, que retrocesso de pensamento.
Continuei como se ela não tivesse falado nada, em tom épico.
- Quem diria que a evolução lançaria tendência um dia? Eu também não dava nada para aquelas aulas de biologia.
Ela rolou os olhos e voltou a se concentrar no espelho, provavelmente revirando o rosto atrás de algum pedaço que não tivesse recebido tratamento VIP da sua esponja de base. Mas ela só estava pensando em uma resposta igualmente afiada.
- Engraçado, achei que de biologia você só entendesse de anatomia.
- Isso é a mesma coisa que ficar surpresa por alguém que entende de música, saber canto. Um está dentro do outro - falei categoricamente, adicionando rapidamente em seguida. - E me poupe das suas piadinhas com palavras.
deu uma risada, como que comprovando que isso foi exatamente o que passou pela sua cabeça, mas como pedido, não disse nada.
Olhei para o secador na minha mão e depois para a imagem de no espelho, relaxada. Tão unidas acima de tudo, independente de tudo o que estivesse acontecendo e, no entanto, eu não podia fazer a menor coisa que estava ao meu alcance, simplesmente inteirá-la na minha vida. Outras promessas haviam entrado no caminho da nossa amizade. Quando eu deixei isso acontecer? Agora eu tinha que cumprir o prometido a e até o fim, e precisava ficar quieta. Eles contavam comigo, tanto quanto eu sabia que podia contar com , embora não pudesse nem alertá-la ou dar a menor ideia sobre o que estava acontecendo.
Então o que eu me ouvi dizendo foi:
- Você trouxe o seu secador?
A dois dias do jogo, estava impossível falar com . Agradeci aos céus por ele ter me contado o plano antes que estivesse pirado com as jogadas ensaiadas, comemorações combinadas, estatísticas de sucesso e fracasso e até com as ordens ao time de torcida para que tudo, absolutamente tudo cooperasse para um jogo perfeito. Porque, sim, ele estava piradíssimo.
Eu não sabia mais se daria certo ter apenas nós três na jogada.
- Você não falou mesmo com a ? - insisti, desolada.
- Perca as esperanças. Nós precisamos agir o mais normal possível. e eu já decidimos as jogadas de hoje e eu trouxe a câmera.
- Agora só falta você fazer a sua parte no quesito normal.
Não adiantou ter falado algumas trinta vezes antes, a cada vez que eu me distraía o assunto dele virava uma salada mista dos dois que mais rodeavam sua cabeça.
- Certo, eu vou tentar ligar para o , já que nós nem estamos nos falando direito na escola.
- E não é muito melhor assim? - agora ele deu um sorriso faceiro. - Quando e eu paramos de aparecer juntos, vários problemas cessaram... Claro que eu sinto falta de poder ficar perto dela o tempo todo...
Dei uma tossida bruta para me impedir de bufar. Ele tinha conhecimento do que eu pensava a respeito, repetir seria desrespeito com minha própria saliva.
- Eu só quero que tudo isso se resolva logo.
- Relaxa, vai dar tudo certo - ele me deu um tapinha leve no ombro, olhando o relógio na mesma mão em seguida. - , preciso ir. Combinei de me encontrar com os caras do time... Cinco minutos atrás.
Logo ele já estava correndo pelo gramado, o que me dava novamente a liberdade de revirar os olhos e voltar para a classe. Contudo, antes que eu pudesse entrar no prédio das salas, me interceptou.
- quer falar com você - me olhou de cima a baixo. - Por que não está atendendo seu celular?
Ergui uma sobrancelha.
- Eu não... - ia me defender, mas lembrei que realmente ignorei as ligações dela. Se a atendesse enquanto tentava falar com , perderia o tempo que eu já não tinha para falar com ele. - Não é permitido usar celulares na escola.
- Não que isso algum dia a tenha impedido - observou, passando a andar e eu que fui obrigada a acelerar para me manter ao meu lado.
- De qualquer forma, o que aconteceu? - perguntei.
conferiu os lados antes de soltar o segredo.
- Era verdade sobre Loreli e Valerie - falou baixo. - me disse que foi mesmo Valerie quem ligou para os pais dela delatando a própria irmã. E, bomba!, ela também sabotou o vulcão da Loreli. Ah, detalhe! - adicionou, se lembrando de um pequeno detalhe. - Só não sabemos o motivo.
- Só isso? - repeti, notando que de repente eu não estava tão interessada no assunto. Subimos as escadas devagar para poder manter a voz baixa. - Reparou em como e estão estressados?
Ela arqueou uma sobrancelha, como se não acreditasse que eu não soubesse das últimas novidades do futebol.
- Claro, as semifinais são nessa sexta-feira. Até o está ficando louco com isso. Terão olheiros aqui e ele resolveu ajudar nas estratégias, estatísticas, algo assim.
Tentei redirecionar a conversa.
- Lógico, eu sabia. Os olheiros, a final chegando, a possível bolsa... Mas também achei que eles pudessem estar irritados com a festa da Loreli que é no dia seguinte. Ela chamou praticamente todas as salas do último ano. O que inclui a Alaina, a Valerie...
O que eram, na verdade, quatro salas. Um número considerável de alunos se eu quisesse enfiá-los na minha casa.
- Ah, a festa! - algo de repente despertou nela e até começou a falar mais alto. - Vamos para a minha sala, está lá com a e nós precisamos rever alguns detalhes sobre isso - franzi o cenho, não entendendo a que ela se referia. - As fantasias. Você sabe que é uma festa à fantasia, não sabe?
- Não...? - balancei a cabeça negativamente, pensando se de repente eu tinha apagado a informação da minha cabeça. Ela me puxou pelo braço, impaciente.
- Demorou, então! Aliás, precisamos comprar as nossas. não vai querer ir comigo e eu preciso do meu amuleto, ou seja, você.
Revirei os olhos, rindo, mas surpresa com a memória dela, já que essa lembrança era do segundo colegial, quando eu consegui duas peças caras quase pelo preço de uma, por conta de um erro da funcionária.
- Nunca mais vão nos aceitar naquela loja - lembrei.
- Encontraremos outra - piscou, quase quicando de alegria. - E usaremos as melhores fantasias que os reles mortais daquela festa já viram! Você vai ver só. Essa vai ser a festa do ano!
Nós nem fazíamos ideia do quanto.

No dia da semifinal, eu parecia menos equilibrada do que o próprio . Estávamos estacionados em um lugar distante da entrada do colégio para aproveitar o tempo restante.
- , a gente vai ter que confiar um no outro. Muito mais do que todas as vezes juntas - eu repeti pela enésima vez, esperando que dessa vez entrasse na cabeça dele e ele me dissesse o que eu precisava ouvir.
- Vai dar tudo certo, , eu confio em você - ele me avaliou, sério. - Parece que você é quem não está confiando.
Decidi parar de vez de insistir no assunto. Eu ia ter que lidar com meu mau pressentimento sozinha.
- Claro que estou - disfarcei, sorrindo e apoiando as mãos nos seus ombros, admirando seu rosto que eu mesma tinha feito questão de pintar para o futebol. - E ansiosa, só isso.
Rapidamente, ele pôs as mãos na minha cintura. Respirou fundo, pressionando minha nuca na sua direção. No instante seguinte, sua boca se colou à minha e ele me deu um beijo apaixonado que eu poderia todas as vezes insistir que era o primeiro, de tantas sensações que era capaz de me proporcionar.
Meu corpo reagiu instantaneamente e eu enrosquei os dedos no seu cabelo, puxando-o com mais força para mim. Tão próximo quanto era possível, estando dentro de um carro. Suas mãos percorreram a lateral das minhas costas, até minha coxa e me apertou com urgência, sem desistir do beijo que já se tornava quase selvagem.
- ... - quando ele sussurrou meu nome, eu já sabia onde aquilo ia acabar. E, sinceramente, me dava ainda menos vontade de parar. Ainda mais com seu corpo inclinado completamente para cima de mim, me deixando sem opção de fuga.
Encaixei a mão no seu pescoço, acariciando-o e puxando-o para mim ao que com a outra mão apertava seu ombro e então descia a mão pelo seu peito definido, que ainda vestia apenas uma camiseta branca.
- Eu amo você - sussurrei, tentando manter o controle ao lembrar que ele deveria ir para o jogo em uma hora. - Vai dar tudo certo.
- Eu também amo você - ele sussurrou de volta, me apertando nas costas contra si uma última vez antes de me dar um beijo e encostar nossas testas. - E eu confio em nós.
Um sorriso confiante surgiu nos seus lábios e eu fui obrigada a sorrir. Se até ele tinha forças para acreditar, o que diabos eu estava fazendo carregando aquele medo?

Eu e vínhamos fingindo, quase bem demais, que não estávamos juntos, mas eu tinha certeza que em um momento ou outro alguém conseguia reparar nos olhares que acabávamos trocando. Porque, se até conseguia notar, então certamente não éramos tão bons quanto acreditávamos. Lógico que eu atribuí isso a não termos segredos entre nós e à de fato saber que estávamos juntos.
De qualquer forma, Alaina era quem não poderia suspeitar, e eu tinha esperanças que isso não tivesse mudado.
Assim que adentrei a grande quadra aberta, notei uma figura conhecida na arquibancada. Uma pessoa que eu não tinha visto ultimamente, cuja ausência foi explicada com um olhar.
Alyssa, acompanhada de um garoto.
Apesar da distância e de ser noite, ela me notou e acenou para mim. Olhei para trás para garantir que era comigo mesmo e, depois de confirmar, devolvi o sorriso e o aceno, esperando que ela visse minhas sobrancelhas subindo e descendo rápida e sugestivamente. Não pude conversar com ela através de gestos por muito tempo, pois chegou quicando ao meu lado.
- Dá para acreditar que eu estou mais nervosa do que o ?
- Sabe que dá? - brinquei, apoiando a mão em seu ombro. Falei, mais para mim mesma. - Fica calma, vai dar tudo certo.
Ela se retorceu, o que me fez pensar que ela precisava urgentemente usar o banheiro. Sua frase a seguir só comprovou isso.
- Já volto, . Guarde um lugar na arquibancada para mim.
Assenti com a cabeça, apertando o casaco contra o corpo enquanto procurava um lugar mais ou menos onde tinha combinado com . Antes que eu pudesse subir até onde pretendia, meu olhar cruzou com o de Alaina. O rosto dela parecia infeliz, suas sobrancelhas unidas me provavam - se eu duvidasse, para começar - que ela realmente tinha algo contra mim. Eu esperava que essa fosse sua mal calculada expressão de maldade, pelo simples motivo de que dessa vez eu precisava da maldade dela. E, claro, de Daniel ter feito a parte dele.
e eu chegamos a um consenso, junto com . Já que estávamos mantendo as aparências de solteiros, decidimos que poderia ser bom ele fingir que tinha voltado a escrever um diário. Eu não estive por perto quando ele pôs isso em prática, mas conseguimos com seu psicólogo um igual ao anterior, o que daria a ideia que ele realmente tinha voltado à escrita. Eu esperava que Alaina tivesse acreditado nisso e, mais ainda, quisesse conferir a bolsa dele durante o jogo, novamente.
Além disso, garantiu que saberia falar com ela através das mensagens e até um pouco ao vivo, para ser mais convincente. Eu precisei confiar.

Depois de meia hora de jogo, ela se levantou. estava concentrado, em seu uniforme oficial de atacante, então nem reparou. Quarterback, corrigi-me com desgosto, imaginando a voz de Cooper chamando-o assim. Ela podia estar apenas indo ao banheiro, mas como meu único trabalho era segui-la, fui atrás dela mesmo assim e no meio do caminho, ao reparar que ela ia até os vestiários, imediatamente peguei o celular do bolso.
Consegui começar a gravar quando estava a poucos metros do vestiário, e deu tempo de pegá-la entrando no local vazio. Tomei o cuidado de não andar próxima demais a ela, e, por sorte ou não, ela nem sequer olhou para trás. Nem uma única vez. Eu não sabia se estava intrigada ou contente.
O vestiário estava silencioso. Esperei do lado de fora alguns segundos, para dar tempo de ela encontrar a bolsa de e mexer nela. Quando finalmente decidi adentrar o recinto, fui surpreendida com uma luz ofuscante diretamente nos meus olhos que veio de algum lugar da direita. Desnorteada com a súbita luz, dei alguns passos desesperados para a frente, dando de cara com um objeto e perdi o equilíbrio logo em seguida, derrubando meu celular. Poucos segundos depois, piscando rapidamente, eu retomava a visão, e assistia Alaina me encarando do alto.
- Você realmente acha que eu sou tão idiota? - me empurrou pelos ombros, garantindo que eu ficasse no chão. Eu estava ajoelhada e a dor na patela me dava certeza de ter pelo menos ralado o joelho. - Vocês pensam que eu sou burra?
Eu definitivamente não estava em posição de responder essa.
Na mão, ela tinha um celular, o qual ela finalmente desligou o flash que usava como lanterna. Alaina era o tipo que ia querer o inimigo vivo e enxergando bem, só para presenciar sua vitória. E como eu estava finalmente "vendo" que não seria possível contornar a situação dessa vez, resolvi ser direta.
- Eu sei tudo sobre o diário. Sei que você veio aqui pegar o novo, Alaina, não importa o que você fale - encarei-a sem medo. - Você acha que vai chegar aonde com isso? Devolva o antigo!
Suas sobrancelhas vincaram.
- Ah, ... Se eu fosse você, desistiria dele - ela disse simplesmente, lançando um olhar para o meu celular, a alguns metros de mim, indo até ele. Mas eu tinha a impressão que ela não falava sobre o celular. - Você tomou um susto e tanto, não foi? Precisava ver a sua cara, antes de ir para o chão.
Levantei-me tão rápido quanto foi possível e fui na direção dela, no intento de salvar meu celular e o pouco que tinha gravado. Eu já começava a repensar minhas intenções com aquele vídeo, mas Alaina foi mais rápida e pegou o aparelho, segurando-o atrás do corpo e me impedindo de chegar mais perto com a outra mão. Eu esperava que ela não soubesse fazê-lo parar de gravar ainda.
- Se você me der o celular, eu posso te mostrar como é fácil te assustar - respondi grosseira e ela deu um riso sisudo, voltando ao assunto.
Se continuássemos nesse ritmo, eu começaria a me perder nos tópicos.
- Então, você sabe sobre o diário? Eu gostaria de saber mais sobre isso...
Estiquei a mão por cima do seu ombro, mas ela continuou sendo mais ágil. Pela primeira vez, senti vontade de ser tão rápida quanto ela. Com a câmera do meu celular ainda podendo estar em atividade, lembrei de manter algumas informações em segredo, caso o vídeo pudesse vir a público.
- Sei, sim - decidi dizer. - E não adianta mais fazer chantagem, Alaina. Acabou. Agora me devolva o celular.
Tentei uma nova investida, mas dessa vez ela me empurrou com força para o chão. Eu caí, despreparada, com os olhos arregalados.
- Ainda não - sorriu sádica. - Há coisas que você não aguentaria saber. Coisas que nem mesmo o consegue dizer em voz alta.
Se ela ia apelar para a violência, então eu também poderia.
- Acho que eu já passei por coisa o suficiente para afirmar sem dúvidas que nada mais me surpreende.
Ela deu de ombros com complacência, como se eu não soubesse o que dizia. Meu momento de fúria ao ver sua expressão tão ridiculamente calma me obrigou a pular em cima dela. Alaina tombou, mas depois de quase se estabilizar, jogando o peso de volta para mim, acabou caindo - o que eu achei péssimo, porque eu realmente não queria me esborrachar no chão justo com ela -, mas eu finalmente consegui pegar meu celular nas mãos. Seu rosto pareceu empalidecer por alguns segundos com o susto, mas depois ela mudou de ideia e se esticou para pegá-lo de volta das minhas mãos, quase conseguindo.
- Você vai cansar de me afastar uma hora - alertou, erguendo uma sobrancelha, apontando com o queixo meu antebraço, que estava contra o tórax dela.
Pressionei mais forte, resistindo e sentindo o corpo tomado pela ira.
- Nunca.
Alaina não pareceu se abalar, mesmo no chão. Mesmo sob mim. Mesmo sendo empurrada pelo meu antebraço no meio disso tudo.
- Todos aqueles textos, no jornal às sextas-feiras, o que você acha que eram? - ela tornou a falar.
- Textos - respondi instantaneamente, tentando novamente não incriminar .
Sabia que, se parasse naquele segundo para me concentrar em parar o vídeo de ser gravado, Alaina retomaria o controle da situação. Eu é que não ia ser cega de novo pela lanterna cosplayer de supernova daquele celular. Não, mesmo!
- Doentios, não? - insistiu, do chão.
- Por que isso importa? É você quem escreve, de qualquer forma.
Ela sorriu, mas eu vi um brilho perverso passar por seus olhos.
- Você está sempre tão perto de descobrir a verdade, mas nunca consegue. Eu sou o obstáculo que você nunca supera.
Antes que eu pudesse responder que estava, literalmente, em cima dela, o que deveria significar que alguma coisa eu superei, esqueci de manter meu antebraço em seu tórax com força, o que incentivou Alaina a brincar de ser felina e se engalfinhar comigo, invertendo nossas posições no chão que, naquele espaço, ainda era de cimento.
Ignorando a dor instantânea e latejante na minha cabeça, minha reação foi me virar para proteger o celular, mas fazer isso e tentar levantar o braço novamente, não funcionou. Enquanto eu me esquivava, o corpo dela começava a pender em cima de mim.
Claro que eu poderia tirá-la de cima de mim. E foi o que tentei fazer, mas com uma mão meio inválida, ficou mais difícil. Ela não segurava mais o celular, mas eu nem pensei nisso. Tentava me defender ao que percebi que ela começava a forçar meu rosto para trás. A parte mais louca é que não havia espaço atrás de mim, estando eu no chão.
Entre gritinhos histéricos de ambas, em uma jogada de sorte, consegui dar um tapa forte o suficiente para atordoá-la, então eu voltei a ter o controle da situação e, vendo-a de cima, forcei seus ombros no chão ao mesmo tempo em que ela forçava meu rosto de volta para trás.
- Nossa, você é forte para uma menina pequena assim - precisei dizer. Eu sentia meu rosto ser distorcido em diferentes posições. - Por que não fez isso com a Alyssa?
- Ela fez aulas de krav magá - respondeu entre grunhidos. - Eu só comecei o caratê.
- Posso garantir que isso não tem nada a ver com caratê - tentei afastar sua mão do meu rosto, inutilmente.
Só então eu lembrei que nenhuma de nós estava com meu celular. Tentei olhar ao meu redor como era possível e notei que meu aparelho estava a quase dois metros de nós. Odiei-me por ter me distraído nesse momento crucial. No segundo seguinte, ela estava em cima de mim, pressionando o antebraço no meu pescoço, seu olhar pairando entre o meu sofrimento e meu celular, à distância. Eu provavelmente teria muitos hematomas nas costas no dia seguinte.
- Chega, Alaina!
E não fui eu quem disse isso.
Olhei para cima, do meu falido campo de batalha, avistando . Achei que ele ainda foi muito bonzinho de usar a voz para mostrar sua presença. Aliás, a bondade não durou muito, pois, mesmo com Alaina sendo uma menina, no segundo seguinte se atirou para cima dela. E não no sentido romântico.
- Mas como... - indaguei, voltando a respirar direito. - Como você veio para cá?
não respondia, apenas segurava a loira no chão, com seu corpo em cima dela imobilizando-a. Visto a fúria que tomou conta de seus olhos, ele não parecia disposto a soltá-la tão cedo. nem sequer olhava para os lados, mantinha seus olhos cravados no objeto já cor de rosa que à sua frente se retorcia. Foi quando alguma parte do meu cérebro, mais prudente do que eu gostaria, tomou conta de mim e me obrigou a me atirar em cima de . Claro que o impacto do meu corpo mal o balançou, mas eu o trouxe de volta à realidade.
- Não vale a pena, solta ela - pedi, ainda sem tirar as mãos dele, ajoelhada com o corpo colado na lateral do dele, o abraçando como podia. - , por favor. Você não precisa disso.
Vi o momento em que ele começou a afrouxar as mãos do pescoço da loira.
- Você nunca vai se livrar disso, - a voz dela saiu distorcida, meio rouca. - Não adianta. Você já tentou tantas vezes, mas nunca vão ficar juntos - e aí olhou para mim, deixando claro que não estava falando do diário. - Vai ser inútil, .
Ela grasnou por ar e eu decidi que ele tinha voltado a enforcá-la. Eu nunca tinha lidado com alguém fora de controle, mas nem por um segundo fiquei com medo de realmente fazer algo ruim. Até porque, se ele quisesse, poderia ter torcido o pescoço dela sem esforço. A parte mais maldosa de mim achava que Alaina bem que merecia aquela pequena tortura, como troco.
- , já chega - e a parte sensata insistia que ela deveria ficar viva, porque eu queria me formar no colégio antes de ir presa. - Por favor.
Maravilha, nunca imaginei matar alguém em um vestiário, junto com meu namorado (agora amante, porque não estávamos oficializados), o qual resolveu ter um ataque psicótico extremo e deixar a cabeça no espaço, enquanto enforcava a própria ex, minha declarada inimiga. A situação não podia melhorar.
Apertei-o mais forte, mantendo viva a esperança de trazê-lo de volta à si.
Quando minhas expectativas de sair dali sem escolta policial estavam quase esgotadas, notei um borrão novo se aproximando de nós e chamando por . Não tendo funcionado, a figura se aproximou e fez pouco esforço para tirar suas mãos do pescoço da loira, finalmente conseguindo.
- - consegui pronunciar. - O que você está fazendo aqui? Já é o intervalo?
Por favor, que o time não esteja todo vindo para o vestiário. Por favor.
- Não, é daqui a pouco - explicou, ajudando Alaina a se sentar. - foi derrubado e ia ficar no banco um pouco, mas simplesmente sumiu. Então eu vim atrás dele - encarou-o, ainda estando perto demais de Alaina.
Como combinado, fingimos que chegou ali por acaso. Claro que devíamos fingir que também tinha ido ali por acaso, mas Alaina era esperta demais e refutaria a questão se nos apegássemos a isso, então evitamos colocar no assunto quem não merecia.
Eu segurava com os braços em torno do seu pescoço. Em resposta, ele apertava minha cintura contra si com urgência. Sua respiração estava baixa, mas seu peito subia e descia veloz.
- Precisamos sair daqui rápido - decidi, observando a loira engatinhar para pegar o próprio celular. Com o choque, ela não dizia nada, apenas conferia a própria respiração, os olhos ainda esbugalhados.
também parecia em choque, no chão, apesar de ainda responder com movimentos frenéticos na minha cintura.
- Eu levo Alaina - avisou e então apontou meu celular, do outro lado, perto de um armário. - Pegue o seu celular e deem o fora também.
Ela já estava de pé, ainda amparada por meu amigo, mas seu rosto estava coberto de rancor e pavor.
- Você quase me matou - disse diretamente para .
- Ele não ia te matar, você sabe disso - respondi, ainda abraçada a ele. finalmente reagiu, balançando a cabeça em negativa, mas ainda fixo em algum ponto nulo.
Ainda sendo guiada, quando chegou à porta do vestiário a loira se freou e virou a cabeça na nossa direção, displicente, quase recomposta.
- Por que não leva seu celular na festa da Loreli, amanhã? Aposto que vou encontrar alguma utilidade para ele.
- Você pode apostar que sim - eu disse.
Assim que ela saiu escoltada, eu me virei para , tirando o cabelo do seu rosto e tentando trazê-lo de volta à vida.
- Você se machucou? - dei um beijo na sua bochecha, outro no nariz e outro na outra bochecha. - Eu sei que você não ia fazer nada com ela, eu confio em você...
Ele virou o rosto para mim e eu quase suspirei de alívio. Mantive as mãos no seu rosto.
- Quando eu vi que você não estava mais na arquibancada, aproveitei para sair do campo na primeira oportunidade, porque eu sabia que já tinha começado - seus olhos lampejaram, tristes. - Sabia que só podia ter ido atrás de Alaina, mas eu não achei que...
Mas o horror em seu rosto mostrava que apesar de estar combinado que ele me daria cobertura, não prevíamos aquele desfecho.
- Ela sabia, ... Eu não sei como, mas ela sabia - contei.
Quis me bater por dar mais notícias ruins em vez de conforto. Ele se levantou, me estendendo a mão em seguida para me ajudar. Aceitei, porque sabia que minhas pernas deviam estar muito bambas.
- Ela quase matou você. , isso passou demais dos limites - ele passou a mão pelos cabelos. - Se eu não tivesse chegado... A situação que eu te coloquei, ! Você está machucada?
Ele estava desnorteado, falando as palavras umas por cima das outras.
- Eu estou bem, juro - falei, tentando convencê-lo de vez.
- E se eu não tivesse chegado? - ele olhou para cima, não parecendo o confiante que eu achava que conhecia. - Agora você entende por que eu queria você longe disso? Eu nunca mais vou arriscar a sua vida assim, eu não posso. Foi imprudência demais.
- , isso não importa! - falei mais alto do que ele, mais preocupada com o que viria a seguir do que com o que poderia ter acontecido. - O que importa é que ela sabia tudo! - insisti, vendo que ganhei sua atenção.
- Do quê?
- De nós - falei num sussurro, não querendo acreditar naquilo, em como fomos inocentes. Em como não previmos tanta coisa óbvia. - Ela sabe que estamos juntos.
O que, em outras palavras, significava que embora tivéssemos tentado dar um passo à frente dela, Alaina mais uma vez equilibrava o placar. Nós havíamos tentado nosso trunfo, nossa última chance, e ela havia acabado de ir pelo ralo. Não parecia ter jeito de ganhar, nunca. E isso era frustrante de uma forma que eu não conseguia nem expressar.

Passamos cinco minutos do lado de fora dos vestiários, até que uma tropa de garotos adolescentes veio correndo na nossa direção. Entendi que era o intervalo, e desejei não existir quando o treinador veio carrancudo na nossa direção, com certeza assumindo que fugiu do temporário banco de reservas para me ver. Superficialmente, ele estava certo.
Mesmo antes de ter a chance de explicar que o caso era mais preocupante do que uma crise de hormônios, o treinador nos encarou tão friamente no caminho para dentro do vestiário que achamos melhor ficarmos quietos.
- , tente manter a calma - coloquei as mãos com pressa em torno do seu rosto, dando-lhe um beijo rápido. - Esse jogo é mesmo importante, não deixe essa menina entrar na sua cabeça.
- Eu sei - ele deu um sorriso duro, me apertando com tanta força que foi quase impossível respirar. - Eu não suportei imaginar que ela poderia... - ele não conseguiu terminar a frase. - Eu te amo tanto.
Dei outro beijo nele, contente por ter a sorte de tê-lo.
- Espero que você não tenha mais nenhuma ex psicótica assim.
- Tenho uma atual que... - ele ia falar, mas eu bati no seu ombro, rindo.
riu também, esticando o rosto na minha direção. Ele encostou o rosto na curva do meu pescoço, mas não pudemos ficar muito tempo assim, porque ouvimos seu nome ser chamado, como previsto.
Ele foi o primeiro a falar.
- Eu tenho que ir.
- Eu vou ficar bem. E quero você dê tudo de si no segundo tempo - admiti, repensando imediatamente se não o estava pressionando demais. Tentei reformular minha frase de apoio. - Eu te conheço desde o primeiro ano. Sei que você é bom nisso.
Ele sorriu, se deleitando com a lembrança também.
- Que anos difíceis - concluiu, balançando a cabeça. - Quero ver você na arquibancada. Você sempre foi minha melhor torcedora.
Sorri de volta, ligeiramente tonta com o lisonjeio.
- Sério? - e ele concordou com a cabeça. - Achei que você pensasse que eu era louca ou algo do tipo... - revirei os olhos, rindo. riu também, mas seu riso foi cortado em seguida.
- Não que eu não pense - ele sorriu, acariciando meu rosto. Foi preciso muito esforço para que eu não voltasse a beijá-lo violentamente.
Certo, talvez também tivéssemos um problema com os hormônios.
- ! - a voz retumbou, e eu senti que seria a última vez que o treinador o chamaria. me apertou com mais força, ergueu uma mão com pressa à minha nuca e me beijou com voracidade. Acariciei seu rosto, por fim deixando nossos rostos próximos demais. Falei quase sem desencostar a boca da dele.
- Bom jogo, amor - eu sorri, finalmente me despedindo.

Capítulo 39
Eu estava feliz e de certa forma até realizada por ter tido um segundo tempo ótimo no jogo. e também ganharam reconhecimento, já que trabalharam em equipe nas jogadas e foram eles a alavancar o time com as estratégias; isso tudo segundo a garota fanática que estava ao meu lado e parecia saber mais sobre os movimentos de em campo do que eu poderia imaginar. , do meu outro lado, não gostou muito, mas se esforçou para ficar quieta. A festa de Loreli provavelmente seria a última antes da formatura, então eu presumi que ela tinha coisas mais sérias para se preocupar do que uma possível caloura. Prova disso é que assim que o jogo acabou, desapareceu na multidão e eu a perdi de vista rapidamente.
Dei um pulo quando alguém falou atrás de mim.
- Pelo menos eu cheguei a tempo e aconteceu tudo o que planejamos. Tecnicamente - tentava me confortar. Enquanto o time comemorava e minha amiga devia estar doida procurando por ele, aqui estava , conferindo meu pescoço.
- Nós vamos dar um jeito nisso - disse, sem realmente crer nisso. - Pela primeira vez nós empatamos, isso deve contar para alguma coisa.
- Claro, significa que três cérebros humanos pensam tão bem quanto o de um único demônio.
tentava chegar até mim desde que o jogo acabou, uns quinze minutos atrás, mas sendo o capitão do time, todos queriam uma palavrinha ou foto com o vencedor.
- Não foi exatamente o que eu pensei, mas isso resolve umas dúvidas minhas - e então deixei o tom brincalhão de lado. - Amanhã as coisas parecem ficar piores, na festa das gêmeas.
- Por quê? Vai acabar virando uma festa de comemoração do time, mesmo - falou distraído. - Aliás, , tem uma coisa que eu queria te contar...
Comecei a não gostar do rumo daquela conversa.
- O que foi? Vai me dizer que você também mora perto da casa delas e convenientemente nunca se lembrou de me contar? - cruzei os braços.
- Não, eu... - mas ele não conseguiu terminar de falar, porque surgiu em seus braços. Eu vi que ela estava chegando, mas tive um atraso para avisar, porque estava mais curiosa do que preocupada. No momento em que ela o abraçou de lado, ele começou a agir como se a conversa nunca tivesse existido. - ! Você viu o jogo?
- Óbvio que sim, e você jogou muito bem! Parabéns, ! - ela sorria de orelha a orelha e, depois de hesitar, não resistiu e deu um beijo estalado na bochecha dele.
Ele a abraçou de volta pela cintura e, com um sorriso que entendia que aquela conversa ficaria para depois, eu me despedi.
Voltei a vagar perto do campo, sendo atingida por algumas fitas roxas e brancas. Não vi Alaina novamente, mas também tentei não procurar por ela. Também nem vi sombra das gêmeas. estava animadíssima do outro lado, como eu tinha visto há alguns minutos, com , e . Eles acenaram, e eu devolvi o cumprimento, mas a pessoa com quem eu queria falar não estava lá. terminava de falar com um cara engravatado e o treinador e eu sorri, entendendo o que acontecia.
Uns três minutos depois, eles terminaram a conversa e , em uma virada que deu, me encontrou estática, de braços cruzados para me defender do frio. Ele se despediu, recebendo alguns tapinhas no ombro e veio na minha direção. Claro, não sem antes dar mais alguns toquinhos no ar com outro jogador que eu lembrava ter feito uma jogada sensacional com ele e em seguida trocou umas duas palavras com uma menina que eu nunca vi na vida.
- Como é difícil chegar até você - ele sorriu, me abraçando forte pela cintura.
Retribuí imediatamente, enlaçando seu pescoço com meus braços e sentindo meu corpo literalmente levitar.
- Eu poderia dizer o mesmo. Parabéns pelo jogo, campeão.
Ele me encarou de baixo, ainda me segurando no alto. Meus antebraços agora se apoiavam em seus ombros.
- Essas foram as semifinais, fofinha - sorriu, me pondo no chão, mas sem soltar minha cintura. - As finais serão na semana que vem.
- Fofinha?
- Não? Vou continuar tentando - ele sorriu.
- Mas então, você teve boas notícias com o engravatado ali - apontei o lugar onde ele estava anteriormente com o queixo, o rosto erguido na sua direção. Ele me deu um beijo antes de fingir pensar se me contava ou não sobre o que tinha acontecido.
- Aquele é o cara que - eu já estava quase pulando, mas pôs a mão em meu rosto para me acalmar - pode, mas não necessariamente vai me ajudar, então não podemos ter certeza... - seu tom de voz, de apreensivo tornou-se contente. - De que eu posso conseguir uma bolsa para a faculdade!
- Ah, eu não acredito! - sorri, mais feliz ainda. Não consegui segurar a tempo o impulso de beijá-lo. Quando dei por mim, estava com os lábios colados aos dele. Para maior surpresa ainda da minha parte, não me afastou. Ele me beijou de volta com a mesma ou quem sabe maior intensidade.
Quando eu começava a levar minha mão aos seus cabelos para puxar sua nuca contra mim, me lembrei que ainda estávamos no ambiente escolar e, mesmo contra a minha vontade, o soltei lentamente. Ele mostrou alguma relutância, o que me fez repensar se devíamos mesmo ligar para as regras de conduta.
Foi quando uma voz masculina passou por nós.
- Parabéns, cara!
Enquanto eu sentia o braço de se mover atrás de mim, e eu esperava que fosse para mostrar o dedo do meio ao infeliz, nós nos afastamos o suficiente para olharmos um no rosto do outro.
- Tenho certeza que você vai conseguir - falei ainda amaldiçoando mentalmente o imbecil que tinha se enfiado no meu momento. - Eu acredito em você.
Ele segurou minha mão que estava em seu ombro e a beijou, sorrindo.
- Obrigado, - meu rosto se retorceu em dúvida e ele continuou falando, abusando do poder de fazer o resto das pessoas ali se tornarem apenas parte do cenário. - Por estar aqui hoje, por ter me apoiado tanto, por ser essa pessoa maravilhosa que você é. Você esteve comigo mesmo quando eu não acreditava em mim. E você continuou insistindo em mim, por motivos que eu mesmo nunca vou entender.
- Ah, ... - eu sussurrei, sabendo que minha voz falharia se falasse mais alto. Ele me silenciou com um abraço mais forte.
Continuou falando baixo no meu ouvido.
- Posso agradecer a você por existir? Obrigado por me fazer tão feliz, .
- , eu amo você - foi tudo que eu consegui dizer, abraçada a ele.
Chorar não estava nos meus planos, então com a mão que estava mais fácil de alcançar o rosto, cuidei de enxugar os olhos e piscar rápido para as lágrimas teimosas secarem antes mesmo de caírem, assim que ele voltou a me olhar, com um sorriso intensamente inebriante. Minhas mãos voaram em direção ao seu rosto e eu senti o peito quase explodir de felicidade quando ele devolveu:
- Eu também te amo, . Te amo tanto! - balançou a cabeça, seus olhos faiscando enquanto ele sorria, me causando arrepios. - E, eu sinto muito, mas agora não tem mais volta.
Como se isso fosse ruim.

Mais tarde naquela noite, ainda parecia um pouco atordoado com o que aconteceu mais cedo com Alaina, então fui com ele até a sua casa e nos seguiu até lá, prometendo fazer a bondade de me levar até em casa.
- Tem certeza que vai ficar bem? - perguntei uma última vez. já estava no carro me esperando e eu agradecia mentalmente por cada momento que ele evitava buzinar para me apressar.
- Claro, vai tranquila - me deu um beijo na testa, me segurando pela cintura. - Me liga quando chegar em casa.
O avaliei por uns segundos, para ter certeza se ele estava falando sério. Meu coração estava pesando de deixá-lo ali e ir embora.
- É melhor eu ir antes que a bondade dele passe - apontei para trás, como um modo de pedir desculpas. - Vou pedir pro Collin me trazer amanhã aqui, aí nós vamos juntos para a festa.
Ele concordou com a cabeça, ainda sem me soltar. Pelo contrário, ainda me apertou e apoiou o rosto no meu pescoço, murmurando.
- Vai lá, vem cedo amanhã. Meus pais ainda querem te conhecer melhor - ele foi subindo o rosto, fazendo uma trilha de beijos até a minha boca. - Eles adoraram você.
- Então antes eles não gostavam?
- Não acho que antes eles acreditassem na sua existência.
Um arrepio de alegria e prazer passou por mim. Alguma coisa eu tinha que estar fazendo certo.
- Se cuida e descansa - minha voz saiu quase numa súplica enquanto eu dava nele um beijo apaixonado -, que amanhã eu vou passar o dia todo aqui.
Ele concordou com um sorriso, e nós nos despedimos com mais um beijo.
Corri até o Cadillac, com medo de ter caído no sono.
- Desculpa pela demora, eu estava garantindo que aquele ali se cuid... - passei o cinto com pressa, notando que ele estava meio fora de órbita. - O que foi?
me fitou com cuidado antes de dar partida.
- Lembra que eu precisava falar com você? - concordei com um murmúrio. Ele imediatamente enfiou a mão no bolso da calça de esportes que usava. - Então... Eu comprei isso para a .
Ele me mostrou uma caixinha de veludo e meu coração disparou, entendendo o que aquilo significava. Nem esperei que ele abrisse, tirei da mão dele e admirei o objeto que ela abrigava.
O anel de ouro brilhava tanto que parecia ter sido polido naquela manhã e mesmo sendo noite, os diamantes que enfeitavam metade da aliança reluziam.
- , é lindo. Quando vocês... - perdi as palavras, admirando o anel. - Como eu não notei...?
- Eu ainda não toquei no assunto com ela, vou entregar amanhã - explicou rapidamente, e me olhou como se pedisse minha aprovação. - Mas acho que ela merece.
O corrigi, com um sorriso gigante no rosto.
- Acho que vocês dois merecem isso.
Entreguei a caixinha de volta na mão dele, evitando um comentário capitalista. a admirou um pouco, mas sua voz saiu apreensiva.
- Mas eu não sei como pedir para nós voltarmos. Digo, oficialmente - corrigiu-se rapidamente. - Ela aguentou tanto por mim, e nós passamos por tanta coisa. Eu não quero que o colegial acabe e... Nós também - me olhou nos olhos, buscando compreensão. - Sabe? Eu quero que ela continue na minha vida. Para valer, dessa vez.
- Você realmente gosta dela - afirmei, sorrindo. - Por que você não fala isso que acabou de me dizer?

***


A casa das gêmeas Campbell era razoavelmente grande, mas com portas mais altas, largas e luxuosas do que o normal. Logo na sala, as luzes da festa já eram tão fortes que eu comecei a calcular quanto Loreli ia pagar de energia por aquele excesso de holofotes coloridos. O som reverberava por cada célula do meu corpo e eu me sentia tremer ligeiramente, no mesmo ritmo da música.
Eu ainda estava no carro de . Ele passou a tarde toda me convencendo que não teria problema sermos vistos juntos porque, já que Alaina sabia, então não tínhamos mais o que esconder. E no fundo eu sabia que tinha que ir à festa porque, pela primeira vez, se eu não fosse, iria mesmo assim. Ele queria resolver isso de uma vez por todas.
- Não é como se Alaina soubesse que até nossa fantasia é um casal - ele deu um sorriso bem convincente.
Claro, porque essa é minha maior preocupação.
- É, eu não achava que ela tivesse assistido a esse filme mesmo... - concluí, sem mais argumentos, seguindo para fora do carro.
foi a primeira a nos encontrar. Ela estava com um leve exagero de acessórios, mesmo para uma Princesa de Mônaco, seu traje.
- Como você convenceu esse cara a vir? - apontou para , vestido de Han Solo.
Mais cedo eu disse que não iria por causa dele para me livrar da culpa, tudo porque eu não podia contar a verdade sobre a noite anterior. E também porque eu não queria lidar com ver a Alaina e minhas amigas no mesmo ambiente, nem encarar todas as possibilidades que aquela festa tinha de dar errado.
- Bom ver você também, - ele a cumprimentou com um aceno, sorrindo, sabendo previamente disso.
- Pode mesmo ser bom que você esteja aqui - avaliou-o com o olhar. - está querendo ir embora e as fofocas estão só começando.
Ela me encarou sugestivamente.
- Onde ele está?
Resolvi agir como se não soubesse a que fofocas ela se referia.
- Nos fundos, perto da piscina, se enchendo de cerveja - apontou para trás de si. - É o único príncipe - falou, gostando de como a ambiguidade da palavra soava.
- Sabia que devia ter escolhido a fantasia de caubói de brinquedo - murmurei, imaginando com roupas xadrez.
Felizmente, com a música alta, ninguém ouviu. achava sensacional que eu estivesse de Princesa Leia para fazer par com ele.
- Vou lá com eles, então - disse, se despedindo de mim com um beijo um pouco demorado. Ele passou as mãos pela minha cintura e me pressionou com tanta vontade contra si que cheguei a pensar que aquela seria a última vez que faríamos isso. Não consegui evitar segurar seu rosto o máximo de tempo possível. Quando me soltou, ainda me deu uns beijos rápidos antes de dizer que logo voltaria.
estava com a cara propositalmente amarrada.
- Acabou a sessão amasso? - então, seu rosto se suavizou até demais. - Então vamos, que ainda temos muita coisa a fazer.

Passamos pelo corredor para chegar até a biblioteca, que era um cômodo espaçoso com duas estantes em paredes opostas, cheias de livros do chão até o teto. Alguns pufes tornavam o local mais aconchegante e duas poltronas estavam ocupadas por dois jogadores de futebol, tipicamente acomodados com duas garotas, uma em cada perna. E era esse o lugar onde disse que as coisas realmente estavam acontecendo. Escolhi confiar.
Avistamos bem no canto, conversando com e, enquanto íamos em direção à elas, algo brilhante nos interceptou.
- Alaina - não consegui pronunciar seu nome sem descaso.
Pelo que ela tinha dito na noite anterior, ela só podia querer resolver as coisas de na festa, mas não tive tempo de tangenciar o assunto, ela rapidamente sorriu e apontou meu cabelo, com um sorriso debochado.
- Belo penteado, .
Coisa que eu normalmente não ligaria de ouvir, se eu mesma não tivesse detestado. percebeu como fiquei inexpressiva e revidou por mim.
- Nossa, linda, que roupa reflexiva, digo, brilhante! Veio vestida de papel de bala? - e respondeu antes que Alaina pudesse pensar em uma resposta, bombardeando-a. - Não, espera, eu consigo adivinhar. Homem de lata? Combina com você, ele também não tem coração.
- Noite de Réveillon - sua voz saiu com desgosto.
Podia ser nojo de nós duas, mas eu imaginava que fosse da própria roupa.
- Sério? - respondeu desapontada. - Está mais para Papel Aluminión.
Alaina abriu a boca para responder, mas provavelmente percebeu que não valia a pena gastar sua energia e passou entre nós duas, batendo os ombros.
O vestido dela mal passava da bunda.
- Jajá ela arruma um menino para apagar os "fogos" dela - brinquei, dando batidinhas no ombro de , que parecia concentrada em se segurar de esganar o pescoço da loira, mas acabou rindo com a piada.
- Tomara - revirou os olhos, indo até a . - Mas sabe que eu estou achando que aquele vestido de Réveillon está precisando de champagne?
Nos aproximávamos de , que ficou interessada na maldade.
- Vestido de quem?
- Alaina. Acabamos de encontrá-la - expliquei, com um gesto que dizia para deixar isso de lado só para evitar mais confusão.
estava vestida de Marilyn Monroe. Fiquei pensando se teria ido com alguma fantasia que combinasse, ao lembrar o que ele tinha me contado na noite anterior. Notei que ainda não usava o anel de diamantes, então comecei a calcular o que poderia ter acontecido para não ter entregado o anel.
- Amei sua fantasia - falei, apontando seu cabelo em seguida. - Como conseguiu fazer isso?
- Ah, essa peruca? - mexeu nos cabelos, loiros e enrolados, dando de ombros. - Porque sozinha, nunca que eu conseguiria deixar meu cabelo assim.
Olhei para e sua facilmente identificável fantasia de... De...
- Sandy, eu estou de Sandy.
Continuei processando por uns cinco segundos, quando minha ficha caiu:
- Grease! - e ouvi exclamações sobre como eu fui lerda. - E o , veio à caráter?
- Lógico, ele adora o filme. Precisa ver o topete dele.
Ela parecia inflada de tanto orgulho. Eu sorri junto.
- Se fosse por nós, essa seria uma festa à fantasia de casais famosos - riu, puxando em seguida. - Vamos pegar uma bebida.
aproveitou estarmos sozinhas.
- Então, aconteceu alguma coisa?
- Que tipo de coisa?
Eu imaginava o que fosse, mas preferi não arriscar ali.
- Você sabe... Alaina, Valerie...
- Nada, ainda. Não consegui falar com Alaina, só aquilo mesmo - confessei, desanimada. - O que você tem aí? - peguei o copo da sua mão, dando um gole sôfrego. - Isso está extremamente forte.
Tomou um gole para conferir, dando de ombros em seguida.
- Olha, minha amizade com a Loreli está finalmente voltando a ser como era - revirou os olhos, se corrigindo. - Digo, não exatamente como era, mas perto disso. Valerie nunca foi legal comigo, mas eu também jamais pensei que ela poderia fazer uma coisa dessas. E, sério, assumir para a Loreli o que fez? Por que ela faria alguma coisa para me ajudar, agora?
Senti a hipocrisia agarrando minhas vísceras e tentando me jogar no chão. Nem eu acreditava no que diria:
- Talvez ela tenha decidido mudar.
ergueu a sobrancelha, descrente. Virou o copo de vodca com suco de pêssego e eu que senti arrepios.
- Mas só se for de estratégia. Eu vou lá falar com ela.

Saí correndo atrás de , mas estava ficando complicado com aquela fantasia de Princesa Leia. Perdi a conta de quantas pessoas me pararam no caminho, fazendo piadinhas sobre as guerras intergalácticas da minha personagem. Coisas que o deveria estar respondendo com o maior orgulho, aliás, em algum lugar daquela casa.
Parece brincadeira se eu contar, mas assim que cheguei ao corredor, perdi de vista. O corredor tinha mais quatro portas, e eu não tinha tempo para testar se ela tinha mesmo bebido o suficiente para criar a maior confusão, muito menos para conferir todas aquelas portas. Em algum momento, eu notei uma figura completamente vestida de negro, inclusive máscara e chapéu, me lembrando de um filme e tive quase certeza que seu olhar estava cravado em mim. Um segundo depois, eu olhei novamente e quem quer que fosse, não estava mais ali.
Tentei não focar nisso, até porque eu ainda estava com o coração na mão em relação à Alaina. Se irritasse Valerie e ela fosse mesmo tão amiga da loira... Eu não gostaria nem de pensar se alguma dessas coisas poderia prejudicar . Sabia que era um pensamento egoísta, e no fundo eu me culpava por isso, mas também não conseguia tomar nenhuma atitude diferente. Não conseguia fazer nada que não fosse tentar protegê-lo e cheguei a um ponto que nem eu mesma entendia isso.
Decidi ir onde eu sabia que poderia encontrar Loreli: nos cômodos mais cheios, afinal ela era uma das aniversariantes. Comecei pela sala, passei pela cozinha, onde encontrei a que só podia ser sua irmã - afinal, elas não eram tão idênticas assim - e fui para os fundos, onde encontrei Loreli abraçada com .
Meus batimentos cardíacos pareciam fora de controle. O mesmo se aplicava às minhas pernas. Quando vi, estava a poucos passos das duas. Foi exatamente quando percebi que não tinha cumprimentado a anfitriã.
- Loreli! - acenei, dando um sorriso.
- , vem aqui! - berrou de volta, enquanto a outra sorria e acenava discretamente. - Eu estava agora mesmo contando para a Loreli que ela devia tirar satisfações com essa irmã dela. Uma verdadeira irmã não age com competição desse jeito.
Tarde demais, . Pode voltar para casa.
- , temos que lembrar desse assunto justo hoje? - perguntei, vendo Loreli revirando os olhos.
- O pior é que ela fica com essa ideia maluca que eu devia tirar satisfação com ela. Hoje.
Eu já não achava a ideia tão maluca assim.
- Loreli, não foi a que te ajudou a descobrir sobre quem te dedurou? - por mais que estivéssemos nos fundos, a música ainda estava alta o suficiente para incomodar a conversa. - Você sabe que a sempre tem boas ideias, pode confiar.
- O quê? - Loreli perguntou na hora, não entendendo nada.
Quis bater no DJ que deixou a música insuportavelmente alta.
- Acho que vocês precisam ter essa conversa, mas não agora!
- Ela mora na sua casa, é psicótica, controladora e está sempre de olho em você. Quer mesmo continuar fingindo que não liga para isso?
Por mais que fosse tudo verdade, a voz arrastada e o hálito carregados de álcool tiravam mais ou menos duzentos por cento da credibilidade de .
Loreli me encarou como se pedisse apoio.
Não precisei checar o celular para saber que a festa já estava acabada horas antes do previsto. E já que estava acabada, por que não terminar com chave de ouro?
- Loreli, eu odeio ter que estourar sua bolha, mas é tudo verdade - e acrescentei em seguida, porque tinha esquecido de terminar a frase. - Eu sei que os últimos dias têm parecido um pesadelo, acredite, também está difícil para mim, mas...
De repente eu não sabia como usar as palavras. Sabia exatamente o que queria dizer, mas não sabia como exteriorizar o que pensava.
tomou a dianteira, não tão eufemista como eu poderia ter sido.
- Ela é uma cobra, traiu você. Ela pode até ser sua irmã, mas de que adianta? São as ações dela que dizem quem ela é.
Loreli permanecia estática, eu estava contando os segundos para ela pirar e sair correndo.
- E o que você quer que eu faça? - perguntou exasperada. - Já falei com ela, e ela ainda se vitimizou. Ela pediu desculpas imediatamente, disse que não sabia o que deu nela.
- Agora fala o que ela deixou escapar da segunda vez - disse com voz de tédio.
- Da segunda vez ela fez menos sentido ainda. Ela disse que eu tinha começado com isso - Loreli declarou.
Como previsto, tudo fez menos sentido ainda.
- Por que a gente não junta todo mundo agora e resolve? - se inclinou na minha direção e, graças ao som alto, mais ninguém ouviu. Mas a música acabou no instante seguinte, enquanto a outra se manifestava.
- Então a ideia que vocês estão me dando é que eu... Espera, eu sei por que ela... Não pode ter sido isso.
não estava mais se contendo.
- O quê você lembrou?
Nesse instante, notei que a outra gêmea se aproximava, mas não consegui formular um sinal rápido o bastante para avisá-las.
- A Valerie... Isso só pode ser por causa de um menino.
A música voltou a soar alta quando a mesma pôs a mão no ombro da irmã.
Como se alguma das duas fosse maior.
- Acertou, irmãzinha. Será que você consegue lembrar quem é? - chegou perto o suficiente para enfrentar a outra a centímetros. - Até que eu fui de grande ajuda, te dando um motivo concreto para odiá-la...
Loreli me encarou com desespero e eu notei pelo jeito que suas mãos se erguiam e baixavam que ela não conseguia decidir se escondia ou não o rosto com as mãos. Ou então estava se segurando de estrangular alguém.
apertou os olhos, curiosa. Depois eu entendi que essa foi sua expressão de quem tinha finalmente juntado todas as pistas, e que elas faziam sentido. Ela tinha entendido tudo antes que eu mesma entendesse.
- Foi o , não foi? - a garota sem óculos não devolveu o olhar, muito menos respondeu. - Foi por isso que você disse que estávamos melhores separadas de qualquer jeito, não foi? E por isso todos aqueles olhares significativos para ele! Como eu fui burra! Achei que você o odiasse! Quando vocês ficaram? Aposto que foi quando aqueles boatos ficaram rodando por aí - ela pôs as mãos na cabeça, desorientada. - Minha nossa, aqueles boatos! Foram isso.
- , eu tenho a impressão que... - tentei falar, mas eu mesma não conseguia concluir o que eu pensava.
Afinal, o que eu sabia? Nada.
- Nós nos conhecemos em uma festa na oitava série - explicou, lançando um olhar à irmã. - Valerie me disse que estava interessada nele. O único problema é que ela me contou bem depois que eu fiquei com ele! Não adiantou nada explicar que ele ficou com outras meninas naquela noite.
- Então os boatos vieram mesmo de vocês - eu disse. Era a única opção, sendo elas eram as únicas sabendo do ocorrido. não tinha contado aquilo nem para mim, então não contaria para mais ninguém. - Mas por quê?
Loreli encarou a irmã, também buscando a resposta. Então, Valerie, a única pessoa que poderia nos dar uma explicação plausível deu de ombros.
- Ele não nasceu para ter relacionamentos sérios, eu só ia ajudá-lo a continuar na vida que merece.
Eu conseguia acreditar nisso. Sabia que várias outras meninas adorariam dar uma lição em . Mesmo com minha supervisão, ele era o maior canalha até conhecer . E mesmo depois de conhecê-la, tinha sido um pouquinho. Mas era mais do que injusto fazer esse acerto de contas com na jogada. Só então eu entendi o quanto ela sofreu com essa informação distorcida e atrasada.
Seus olhos, aliás, estavam brilhando, mas com lágrimas. Virei o corpo na direção dela, mas ela se voltou rapidamente na outra direção.
- Não acredito que você me deixou acreditar nisso! - esbravejou, não se importando em parecer sóbria. - Não consigo acreditar que eu fiz de tudo para te ajudar a descobrir o que essa louca fez com você! Ela te traiu! Depois de tudo isso, você ainda está do lado dela? Você ainda acha que eu sou o seu inimigo?
Loreli estava sem palavras.
- Eu sou a família dela - Valerie respondeu. - Não importa quantas vezes eu erre, sou eu quem ela vai perdoar.
Notei que um vestido brilhante começou a aparecer na cena e não precisei olhar diretamente para ter certeza de quem era.
- Então, nossa amizade não significa nada para você? Nunca significou nada! - levou as mãos à cabeça, pirando. - E só a louca aqui não notou. Por que você deixou que ela soltasse aqueles boatos?
- Foi a Alaina quem soltou. Eu achei que fosse melhor ficar longe de você - assumiu, a voz baixa. - , não é como você está pensando...
Ela cruzou os braços, rebatendo instantaneamente.
- Ah, é? Diz o que eu estou pensando!
- Eu não sabia que não tinha sido você a ligar para os meus pais e falar dos cigarros - falou como se estivesse se desculpando. - Não era minha intenção te magoar, .
Nisso eu não conseguia acreditar.
- Deixa eu ver se eu entendi - resolvi entrar de cabeça na conversa. - Loreli, você ficou com o e isso faz uns bons anos. Valerie era afim dele, mas nunca tinha te contado, aí ela sabotou você por isso, um motivo que nem chega a ser razoável, sendo vocês irmãs. Depois ela te afastou da sua única amiga verdadeira, quase te mandou para um internato na Suíça, e você ainda acha que ela merece outra chance?
Falei tudo em um fôlego só. Até Alaina arregalou os olhos. Notei nessa hora que tínhamos público.
- Olhando por esse ponto de vista... - Loreli começou, mas seus olhos carregados de lágrimas denotaram que ela não terminaria a frase sem a voz tremular. - Você foi a pessoa que mais me traiu. E ainda fingiu ser minha melhor amiga. Eu confiei tanto em você, Val.
Valerie nem balançou.
- Vocês são todas loucas! Foi um favor que me fizeram ao se afastarem de mim - exclamou, limpando as lágrimas. Fiz menção de ir na direção dela, mas ela limpou as lágrimas com pressa, antes de sair dali. - Eu vou ficar bem, , não se preocupe - então ela voltou a olhar para Loreli. - A parte mais triste de quando uma amizade acaba, não é quando é por um erro, ou um mal entendido. É quando uma das pessoas desiste, Lori. É quando a gente vê que não sobrou mais nada, só cinzas, e não tem mais o que salvar. Como nós. O que nós temos? Nada, e agora você não tem nem a mim.
Voltei minha atenção para Loreli, que ainda estava fora de si. Achei ter visto a sombra negra mais uma vez, mas em menos de um segundo, ela não estava mais ali, me provando que talvez eu não devesse ter tomado a bebida de .
- Sabe de uma coisa? Eu também não preciso disso. Até aquele internato na Suíça teria sido melhor. Eu nem consigo lembrar por que quis ficar! - ela deu um tapa no rosto da irmã, que provavelmente não previa esse desfecho quando começou aquela bagunça toda, e saiu batendo o pé.
De frente para Valerie e Alaina, a segunda deu um passo à frente como que para mostrar que estava ali para o barraco. No mesmo instante, chegou ao meu lado, me abraçando lateralmente. Eu tinha até esquecido que estava fantasiada, e vê-lo maravilhosamente vestido não me fez sentir muito melhor sobre minha própria imagem.
- Veio apoiar sua amiguinha? - sentindo-me protegida novamente, dirigi-me à loira, na clara intenção de provocá-la.
A resposta que obtive foi de fazer o queixo cair da cara.
- Amiga? - ela ecoou, revirando os olhos. - Ela não é minha amiga.
Valerie fitou-a perplexa, estática como se acabasse de ver uma aberração.
- O que você quer dizer?
Pareceu uma pergunta óbvia, pela cara que a outra fez ao responder. Mas a resposta estrilante foi mais do que inesperada.
- Se você não é leal nem à própria irmã, o que me faria acreditar que seria comigo?
- Talvez todos aqueles testes para provar que eu poderia ser sua amiga?
Alaina a olhou de cima a baixo. Eu, nessa situação, já teria quebrado o nariz dela.
- Ah, claro... As tarefas, os trabalhos, respondeu meu nome na chamada... E daí? - concluiu, como se não entendesse o que mais ela poderia querer. - Deixei você andar comigo quase o semestre todo.
Nesse ponto, eu a teria feito em pedaços e jogado no Atlântico.
- Mas... Nós somos amigas. Eu busquei nossos vestidos para essa noite! E desde o início do colegial...
Alaina pigarreou, cortando-a.
- Não é porque você queria ser minha amiga desde que me conheceu que eu iria simplesmente aceitar. Minha reputação ia ficar como, andando com alguém como você? Aliás, é melhor eu parar agora.
Valerie não tinha mais nem resquícios da pose decidida de antes. não parecia menos curioso do que eu por ver como aquela conversa terminaria. Valerie finalmente estava conhecendo o fundo do poço. Talvez estivesse sendo rápido demais para eu mesma poder apreciar seu pagamento pelos erros, mas era alguma coisa.
- Nem sonhe em me dar as costas, Alaina Cooper! - Valerie gritou. A outra hesitou. - Você gostaria que todo mundo ouvisse sobre as joias?
Agora todos os presentes nos fundos observavam a cena com curiosidade. Dava para ler o que se passava na cabeça deles: confusão, barraco, oba, segredos!
A palavra "joias" despertou alguma coisa dentro de mim. Pelo jeito, em Alaina também, porque ela ficou branca como uma nuvem em dia ensolarado.
- Você não ousaria - apontou o dedo na direção dela.
Apertei o braço de levemente.
- , acho que as coisas estão saindo um pouquinho fora do controle. Por que nós não aproveitamos para dar o fora daqui?
Foi inútil.
- E como seu namoro com o terminou? Você nunca contou isso para ninguém - Valerie parecia disposta a por até o que não tinha a perder em jogo. - Será que é porque você o traiu e depois ele não quis saber de você? Ou será que ele tinha alguma outra coisa, como...
- Estava mesmo demorando para a discussão chegar na gente - falei.
A garota fantasiada de ovo de páscoa brilhante emburrou de um modo que eu nunca tinha visto. Alaina sempre chantageou , mas ao menos ela nunca espalhou nada pela escola inteira. Exceto pelo jornal, embora também nunca tenha colocado o nome dele, então tecnicamente ela tinha conquistado uns pontos a mais de sensatez do que Valerie.
- Eu não o traí! - interrompeu-a. - Todo mundo sabe que aquele imbecil me beijou à força quando eu estava bêbada! - ergueu as sobrancelhas, provocando-a, desviando do assunto. - Já você, traiu sua irmã não uma, nem duas, mas três vezes e na frente de todos!
O público reagiu unânime em vaias.
Era possível ver no olhar de Valerie que ela ainda tinha muito a falar, mas os olhos soberanos de Alaina demonstravam silenciosamente que ela sabia mais ainda, e, pior, era mestre na arte da manipulação. Prova disso é que ela desviou o foco rapidamente.
- Você é uma cobra! - Valerie bateu o pé do mesmo jeito que sua irmã fez alguns segundos mais cedo e saiu espumando, mas eu podia jurar que ela choraria em alguns minutos.
Alaina parecia contente, vencedora da discussão.
- Está querendo alguns podres revelados também, ? Ou só veio me assistir de camarote porque sentiu minha falta mesmo?
Ele precisou por a mão na frente da minha cintura para me impedir de avançar nela.
- Por que não, Alaina? Acabe com isso de uma vez - os olhos dele faiscavam desafiando-a.
Ela sorriu, notando a mão dele em torno de mim. A dor brincou no seu olhar, mas ela não cedeu.
- Eu poderia começar falando sobre o seu passado. Aposto que ninguém aqui conhece, não é?
Evitei ver a resposta da plateia que se formou ao nosso redor. Notei que nem a música tocava mais e comecei a pensar se o DJ de repente tinha ido assistir ao nosso show particular.
- Aposto que não, Alaina - ele confirmou, enfático. - Vá em frente.
- , o que você está fazendo? - sussurrei, sem soltar suas mãos em torno de mim, mas minha voz saiu um pouco mais alta em seguida. - Não era assim que nós íamos resolver isso.
- Resolver? - Alaina riu. - Não há mais saídas, . Vocês não podem mais resolver nada. Será que alguém vai continuar te achando o melhor capitão que esse time já viu, quando vir que você escrevia um...
- Quem liga, Alaina? Ele tinha 15 anos! - gritei por cima, não dando a mínima se desejava ser defendido ou não. A causa tinha se tornado minha. - Eu duvido que os seus namoros durassem mais do que um banho, com essa idade.
Tentei desviar o assunto para ganhar tempo, mas assim que ela se recompusesse eu não teria mais o que dizer. Se ela o defendeu por tanto tempo, por que estava tão obcecada em destruí-lo, agora?
Então, aparentemente, na cabeça dela, só ela poderia atacá-lo, mais ninguém.
- E como é que você sabe? Você tem provas? Porque eu tenho provas aqui... - ela se aproximou, sinuosa.
- Para, isso é sério. É mais do que a sua chantagem barata - segurei-a pelo ombro, forçando-a a me olhar.
- O que você tem a dizer, ? Você não gosta mais de mim? - ela fez beicinho. - Não contou para ela todas as nossas noites juntos? Aposto que essa parte você fez como se nem existisse.
Meu coração deu um salto triplo e eu precisei tossir para senti-lo normalizar. Eu provavelmente estava tendo um ataque cardíaco, e à moda antiga, na base de sustos de alto nível.
Encarei-o, sentindo aquela pequena distância entre nós, que eu fingia com todas as forças não existir, crescer ligeiramente.
Ele não me retornou o olhar.
- Alaina, dá um tempo.
O que ele não queria que eu soubesse?
- Claro, eu darei. Estou me sentindo generosa, hoje - ela sorriu, sádica, fazendo-me soltar o braço dela. Disse alto o suficiente para que apenas nós dois ouvíssemos. - Seu amontoado de página está bem seguro, em algum lugar dessa casa... Boa sorte, vocês tem até meia noite.
Imediatamente conferi o relógio, sentindo o mau pressentimento quase a me afogar em angústia. Nós tínhamos pouco mais de meia hora.

Capítulo 40
A multidão começou a se dissipar com empurrando a maioria das pessoas e com gritando que o show tinha acabado. Para mim, a festa também.
Todos os meus medos voltaram numa enxurrada, ainda que estivesse ao meu lado, me amparando.
- Desculpe por te arrastar no meio disso - sua voz soou realmente arrependida. - Eu vou procurar aquilo e você fica aqui, e por favor, dessa vez eu quero que você fique em um local seguro.
- De jeito nenhum, eu estou nessa há muito tempo, , até parece que eu vou ficar aqui enquanto você salva a pátria.
- , escuta! É sério. Eu não gosto nem de lembrar do que aconteceu da última vez! - ele colocou a mão no bolso da calça, procurando alguma coisa. - Vai pro meu carro, fica lá escondida - tirou as chaves do bolso com pressa, colocando-as na minha mão e fechando meus dedos em torno do objeto. - Eu vou estar na correria por aqui e se eu me distrair de você de novo e ela fizer alguma coisa...
- Não! - eu o segurei no braço, meio perdida. - Eu quero ir com você.
- , não faz isso... Ela só vai estar esperando a gente se distrair para aprontar alguma.
- Do que você está falando? Ela sempre apronta alguma coisa. Isso, se a gente já não estiver seguindo o plano dela, porque você acha mesmo que o que acabou de acontecer foi espontâneo?
- Você fica aqui.
- Não, da última vez...
- Da última vez, você viu do jeito que as coisas acabaram - ele respirou fundo. - Eu não quero que ela tenha a chance de encostar em você de novo.
E eu percebi que estava tomando o pouco de tempo que ele não tinha, dificultando as coisas. E eu percebi que podia jogar pelas regras da Alaina.
- Então... Vai - eu disse, rezando para ser convincente. - Eu vou ficar bem, pode ir - e como ele hesitou por um segundo, insisti. - Vou ficar com as meninas.
- Prometa que vai ficar em um lugar seguro.
Eu o abracei, sentindo meu coração afundar pelo que eu estava prestes a fazer.
- Nada mais seguro que o seu carro.
abriu a boca, mas a fechou em seguida. Ele ficou me encarando alguns segundos, procurando a verdade nos meus olhos. Fiz algum esforço para sustentar aquele olhar.
- Você não vai ficar parada, não é? - ele disse. - Sei como você é.
- , eu juro que...
- Eu amo você - ele disse, me dando um beijo rápido. - Por isso me preocupo. Entendo que você queira se envolver, mas fique com as suas amigas, é tudo que eu te peço.
- Eu também amo você - respondi, segurando seu rosto para devolver o beijo e soltando logo em seguida. - Agora vai. Boa sorte.
Não totalmente convencido do meu bem estar, mas sem tempo para ponderar o que seria o certo a se fazer, ele me deu um beijo carinhoso na testa e saiu correndo em direção a casa logo em seguida. Inclinei o pescoço e para acompanhar até que ele saísse da minha vista e então ergui o vestido até a altura dos joelhos e corri na direção oposta, tentando o melhor que pude para não cair, ignorando e me chamando ao fundo e perguntando sobre . Cheguei cambaleando à porta de entrada, em uma busca ensandecida por . Felizmente, e provavelmente por sorte pura, encontrei a ele e sentados em um banco de jardim. Embora o espaço estivesse mal iluminado, reconheci a peruca dela.
- do céu, você está bem? Você tinha saído chorando de lá - eu montava a situação a mil por hora, tentando entender por que os dois estavam ali.
- Estou, eu... - ela ficou pálida, vendo que eu estava sem ar. - O que aconteceu depois que eu saí?
- Nada de mais - tranquilizei-a, ainda tentando controlar a respiração. - A festa parou um pouco, aconteceu aquele barraco, as meninas estão te procurando feito loucas, saiu correndo... - me lançou um olhar significativo de preocupação ao ouvir essa parte. - O de sempre.
Só então eu notei um brilho extra naquela cena. Direcionei o olhar para as mãos de , notando o anel. Levei a mão à boca, não me contendo.
- Ah, é tão lindo! - minha voz começou a tremer, as lágrimas querendo dar as caras. - Eu não acredito que cheguei justo agora. Desculpa, eu não queria interromper.
- Tudo bem, , não é sua culpa - ela tentou me acalmar. - Vamos resolver tudo, você vai ver.
- Não vamos! Está todo mundo pirado lá dentro, um verdadeiro pandemônio!
não durou mais do que dois segundos pensando, logo segurou o rosto de , deu um beijo nele e disse alguma coisa que eu percebi estar zonza demais para prestar atenção.
- Depois a gente termina isso - sorriu, se virando para mim. - Onde as meninas estão?
- Nos fundos.
- Eu vou atrás delas.
Então ela se levantou e correu por fora da casa, desaparecendo rapidamente de vista. Consegui sentir uma pontada de inveja pelo vestido dela favorecer o movimento dessa forma.
Assim que ela desapareceu de vista, também se ergueu, inquieto, mas eu sentei no lugar onde eles estavam no banco, pronta para despejar tudo.
- Onde ele está? Eu vou atrás dele.
- Não, espera - segurei seu pulso. - Presta atenção. Alaina disse que o diário está em algum lugar dessa casa, e eu não quero imaginar o que pode acontecer se alguém encontrar isso antes dele.
- Como assim?
- Tínhamos público, não sei se alguém ouviu, ou se tem alguém bêbado o bastante para começar o diário em voz alta caso o encontre.
- Se um bêbado encontrar o diário, o menos improvável é que consiga ler, já viu a letra do ?
Eu dei uma risada nasalada.
- Nós precisamos encontrar antes da meia noite.
Ele assentiu, as pálpebras mais arregaladas que o normal enquanto pensava com o olhar perdido em algum lugar do jardim.
- Então, eu procuro dentro da casa? Imagino que o não queira você nessa, depois de ontem.
- Bom, ele não está aqui para decidir nada, está? - falei me erguendo do banco novamente. - Vamos, temos um diário a encontrar.
Mas ele me surpreendeu, colocando as duas mãos nos meus ombros.
- O que ele disse?
- Que precisa de você lá - eu sabia que, embora fosse verdade, não era o que ele tinha dito. - Por favor, ele não confia em mais ninguém, .
Ele respirou fundo, antes de afirmar com a cabeça.
- Você fica aqui! Vou falar para a ou a virem para cá - ele balançou a cabeça, lutando com os próprios pensamentos. - Melhor, liga para elas. Você tem seu celular aí?
Comecei a revistar o vestido, lembrando que o minúsculo bolso que ele tinha abrigava apenas as chaves de . Foi com um leve ataque cardíaco que eu discordei com a cabeça. Comecei a repensar a última vez em que tinha pegado nele, e só consegui me lembrar do carro de .
- Esqueci no carro - bufei. - Vou lá pegar - falei, e isso pareceu acalmá-lo. Incrível como os dois tinham a mesma ideia de segurança. - Quando eu te ligar, me atenda!
Ele concordou com a cabeça, virando-se de costas na direção da casa. Eu me virei na direção contrária e, segurando o vestido na altura dos joelhos mais uma vez, corri.

Abri com pressa a porta da Evoque, com o som alto do alarme ainda soando na minha cabeça. Eu não me lembrava do som ser tão forte, então liguei isso ao meu estado de estresse. Pulei no banco do carona e fechei a porta atrás de mim. Coloquei a chave na ignição e girei o suficiente para poder acender as luzes dentro do carro.
- Vamos, vamos... Onde está você... - abri o porta luvas, encontrando apenas CDs e um fone de ouvido.
Conferi a porta sem sucesso e quando voltei a cabeça ao descanso do banco, um brilho metálico me chamou a atenção. Dois, na verdade, tanto que cheguei a imaginar que um deles fosse minha imaginação. Um segundo depois de perceber que meu celular estava perto dos meus pés, e concluir que ele devia ter caído quando me levantei para sair do carro, reparei melhor no brilho metálico que se movia à minha frente, tão discretamente que ninguém mais poderia ter visto, a não ser que estivesse na rua.
No momento em que Alaina dava um giro para conferir se alguém a estava observando, reparei em um objeto na sua mão e me abaixei com pressa e aproveitei para pegar meu celular. Percebi com atraso que, embora não precisasse ter me escondido, sendo os vidros escuros, a luz estava acesa. Quando me ergui novamente, tendo isso em mente, o fiz devagar. Primeiro apenas as mãos, e então os olhos.
E Alaina não estava mais lá.
Dois carros à frente, as luzes traseiras se acenderam, indicando que alguém dava partida. Meu sangue começou a bombear freneticamente por todo meu corpo enquanto meus neurônios pareciam se chocar uns contra os outros indecisos sobre o que fazer.
Comecei a abrir o celular na mão quando vi o carro fazer a manobra e sair. Foi quando percebi que ela tinha o diário e estava saindo com ele. Se ela ficasse todo o tempo restante até a meia noite dando voltas, então o nunca o encontraria e...
Pulei para o banco do motorista, em seguida passando o cinto de segurança.
O próximo passo foi um pouco mais complicado. Eu sabia ligar o carro, até sabia como tirá-lo dali e definitivamente tinha aprendido a mudar as marchas e andar. Só tinha um probleminha: meu pai sempre estava junto.
Com as mãos no volante, lembrei de girar a ignição até o fim. Havia um pedal a menos do que eu estava acostumada, então concluí que o carro era automático, e me perguntei por que nunca reparei nisso antes.
- Ah, claro, afinal o sempre está dirigindo e eu não preciso notar isso - murmurei. - Marcha, ponto morto, retrovisores...
O carro de Alaina estava no segundo quarteirão, então dei partida com pressa, e depois de um minutos quase batendo nos carros à minha frente e atrás de mim, consegui sair, acelerando à toda para compensar o atraso, sem nem me importar com o barulho que o motor fez. Ela estava muito à minha frente, mas pouco a pouco o vislumbre do seu carro se tornou mais claro.
Quase oito blocos depois, meu celular começou a vibrar, no banco ao meu lado. Calculei mentalmente como conseguiria alcançar o celular e manter o volante estável. Com o olhar dividido entre o celular e a rua à minha frente, estiquei o braço mais um pouco e, a poucos segundos de cair, atendi a ligação.
- Onde você está? Você jurou que ficaria em segurança! Eu me viro de costas e o que é a primeira coisa que você faz? - a voz bradou, nada contente, enquanto eu colocava com pressa o celular no viva voz e o deixava no colo. - , aonde você foi?
- Estou viva - respondi apenas, tentando me concentrar em não bater o carro, manter a velocidade constante e ainda mudar a marcha, porque o motor pareceu reclamar.
- Onde você foi? - ele repetiu.
- Para o seu carro, como você pediu.
- Ah, é, ? Então me explica por que meu carro não está no meio da rua. E, por favor, me diga que ele foi roubado e você se escondeu dentro da casa antes que isso acontecesse.
Pensei em ficar em silêncio, mas com certeza não era o que precisava no momento.
- Você prefere ouvir isso? Eu não posso voltar agora.
Talvez eu tenha piorado a situação. Tentei manter a calma quando Alaina fez uma curva, me obrigando a copiar o movimento para continuar a perseguição.
- Você ao menos sabe dirigir? - ele disse com urgência. - Digo, deu tempo de aprender? Pára esse carro agora mesmo e eu vou com o carro do te buscar. Em que rua...
- EU NÃO POSSO. SERÁ QUE VOCÊ PODE ME OUVIR UM SEGUNDO? A ALAINA FUGIU COM O SEU DIÁRIO, ! ELA ENGANOU TODOS NÓS!
Justamente quando eu acabei de berrar, a linha ficou em silêncio, mas antes que eu pudesse conferir se a ligação tinha caído, uma cabeça loira se pôs para fora do carro, me desnorteando um pouco com os próprios berros. E também me provando que eu devia ter dito minha última frase uns três tons mais baixo.
- Veio fazer o que aqui, ? Acha que está salvando a pele do seu namoradinho? Por que você não desiste?
Não tive tempo de pensar em uma resposta. Ela deu uma brecada rápida e eu precisei seguir seu movimento, ainda que precariamente. Afundei os dois pés no freio ao mesmo tempo segurando o volante com força enquanto um berro escapava dos meus pulmões. O carro não teve tempo de ficar parado, ela acelerava novamente. O celular, no meu colo, voou para os meus pés. Xinguei alto, ouvindo a voz de mais apavorada do que nunca.
- ? O que aconteceu? - ele não ouvia minhas respostas, embora o barulho do motor fosse suave. - , me responde! Você está bem?
- Estou! - gritei de volta, torcendo para que ele ouvisse. - O celular caiu! - olhei para baixo rápido, notando uma luz brilhando debaixo do banco.
Talvez eu pudesse alcançar.
- , me responde! - ele gritou de volta, o desespero em sua voz me deixando sem forças. E então ele ficou em silêncio. Inclinei o pescoço para conseguir ver, a ligação havia caído.
Foquei-me em manter os olhos adiante e calculei como poderia alcançar o aparelho sem arriscar morrer, ou parar o carro no meio da rua. Para a minha sorte, Alaina fez outra curva e eu a segui, o que trouxe o celular para mais perto, mas ainda assim, eu teria que me esticar um pouquinho.
- Um, dois... Três! - contei um pouco alto, me esticando para pegar o aparelho de uma vez, quando notei as luzes vermelhas do carro de Alaina se tornando mais próximas. Apertei mais uma vez com pressa o freio, enquanto meu rosto se aproximava do painel, graças à inércia, e minha mão finalmente alcançava o aparelho, ao mesmo tempo em que minha bochecha acionava a buzina. Foi rápido demais. Assim que alcancei o aparelho, pude me levantar e estabilizar o motor. Alaina tinha voltado a andar.
Meu celular tocava novamente.
- ? Você ouviu sobre o diário? Está com ela.
- Dane-se o diário, só volte logo para cá! - ele disse. - Eu não ligo, só quero que você volte a salvo para mim. É a última coisa que eu te peço.
A súplica em sua voz tornou aquele momento mais pesado do que eu jamais poderia imaginar.
Mas ainda assim, tinha uma angústia na minha garganta que só sairia quando eu tirasse algo a limpo.
- , eu estava pensando... Você... Você nunca sentiu desejo por ela? - Alaina fez outra curva, mas dessa vez o celular não escapou das minhas pernas, e, encontrando-se em uma rua perfeitamente plana, ela acelerou.
Com hesitando mais do que dois segundos para responder, meus impulsos me obrigaram a ir com mais pressa atrás dela, por mais que a situação gritasse "perigo". Pisei com os dois pés no acelerador.
- Que ótima resposta, .
Sua voz reagiu instantaneamente.
- , não! Não é isso! Esse não é o tipo de conversa que a gente pode ter por telefone. Muito menos agora!
- Eu passei esse tempo todo acreditando que você tinha nojo por ela, e só agora passou pela minha cabeça como eu fui burra - eu estava frustrada comigo mesma, mas evitei chorar. - Como eu sou idiota!
Imaginar os dois juntos era simplesmente algo que não podia ser, não estava certo. Não! Não, não, não, não, não!
- , eu sou homem...
- Não, não me venha com essa desculpa. É a desculpa mais esfarrapada desde a invenção da escrita! O é quem fala esse tipo de coisa!
- Você nem me deixou terminar de falar! - sua voz saiu quase mais exasperada do que durante a conversa toda.
Um medo irracional de perdê-lo tomou conta de mim, uma sensação de que eu estava fazendo tudo aquilo à toa, de que eu ainda era apenas a garota desastrada demais para atrair a atenção de alguém como ele. Ainda assim, nada me fez brecar aquela Evoque.
- , eu gostei de você desde o início. Eu sempre soube que você era especial. Nem tem como comparar você à Alaina. É só que... - ele parou alguns segundos para escolher cuidadosamente as palavras. - Como homem, eu fiquei com ela... Eu não achei que você nem soubesse que eu existia.
Eu ainda estava surda para a verdade.
- Ah, claro. Afinal, ela é loira, tem as medidas perfeitas, linda, maravilhosa. Realmente, que homem não aceitaria?
Entramos em uma rotatória e eu tive que tomar cuidado redobrado, ao desviar de um carro nela. Ignorei o homem me xingando freneticamente quando quase raspei o carro de no dele.
- , você fala como se não fosse linda! Além disso, a beleza dela nunca conseguiria despertar em mim metade do que você conseguiu simplesmente sendo você! - reafirmou. - Eu já te contei tudo! Você sabe disso, eu não queria que tivesse acontecido assim. Porque quando eu vejo, quando eu vi você pela primeira vez, eu nunca achei que eu tivesse uma chance. Você era a menina mais linda que eu tinha visto, sempre com esse sorriso lindo, com esse jeito especial de falar com os outros, de ser você. Desde então eu quis fazer parte da sua vida.
Minha voz por pouco não saiu. Já as lágrimas...
- ...
Me obriguei a continuar piscando para não nublar a visão. Notei que estávamos voltando para o bairro. Talvez Alaina estivesse desistindo de fugir com o diário. E talvez as pessoas do bairro pensassem que estávamos apostando um racha, uma Evoque negra e um utilitário prateado do tamanho de um trator.
Passei uma mão nos cabelos, tentando me distrair de chorar. De qualquer modo que eu olhasse a situação, eu me achava errada, e isso estava tirando minha estabilidade. Meu lábio já tinha começado a tremer e eu sentia que ia desmontar a qualquer segundo, o que não seria nada bom naquela situação.
- Acho que é tão difícil aceitar isso porque, se eu admitir isso... - deixei a relutância de lado e parei para pensar no assunto, fazendo mais uma curva quase malsucedida. - Se eu admitir que você, em algum ponto, achou a Alaina interessante, o que te impede de voltar a achar, em algum outro momento?
ficou em silêncio sepulcral e eu senti que viria bomba.
- Ela não significa nada para mim, - assumiu, a voz baixa. - Eu amo você, quando você vai entender isso? Quando você vai entender que tudo isso é para poder ficar com você? Que você é a pessoa que eu mais confio nesse mundo? - sua voz saiu desarmada. - Sempre gostei de você, , você nunca vai entender?
Involuntariamente, um sorriso se formou no canto da minha boca e uma lágrima correu livre pela minha bochecha. Limpei com as costas da mão e instantaneamente, eu tinha um novo horizonte à minha frente. Como eu pude duvidar por tanto tempo do que sentia? É claro que ele me amava! Se pôde ir contra tanta coisa e esperar tanto tempo até ficar comigo, eu precisava abrir uma exceção. Eu precisava admitir o mesmo.
- Eu também amo você - sorri, acelerando para apavorar a loira à minha frente. - Não sei o que deu nela, mas estamos voltando.
- Não acredito que você foi atrás dela por minha causa - ele disse. - Você é pirada.
Dei uma risada sem humor.
- Acredite, eu dirigindo está o menor dos nossos problemas.

Nem o vento forte com a janela aberta foi o bastante para destruir aquele penteado horrendo de Princesa Leia. Assim que Alaina estacionou o carro de qualquer jeito, saiu correndo com o diário na mão. Não que eu tivesse feito um serviço melhor, afinal eu ainda tive que estacionar, trancar o carro e correr atrás dela. Apressei-me para alcançar a garota.
Notei com angústia que era meia noite, enquanto a seguia para dentro da casa com o celular na mão. Precisava atrasá-la.
- Por que você fez isso? - foi minha voz, gritando atrás dela. - Eu poderia ter morrido! Nós duas poderíamos ter morrido em um acidente horrível!
- Ninguém mandou você estragar tudo, ! - ela gritou de volta, sem parar de correr. - Agora você vai pagar por isso! Se o não é meu, não é de mais ninguém! Ninguém!
Era o que eu temia.
- Alaina, isso não vai dar certo, o não vai ser feliz!
- Eu o amo - seus olhos faiscaram. Finalmente alcancei a sua mão e a parei a poucos metros da porta, fechada. Era possível ouvir o som alto vindo de dentro, sendo minimamente barrado pela grandiosa porta. - Eu o amo, . Ele é a melhor coisa que apareceu na minha vida e eu não vou perdê-lo. Muito menos para você. Se for para perdê-lo, eu farei isso com as próprias mãos. Eu vou acabar com ele. O não vai nem querer ver você de novo, porque você vai ter falhado. Você falhou, .
Ela ainda segurava o diário atrás de si. Pensei que, diante disso, o melhor seria agir com calma, como quando eu queria pegar meu cachorro e ele saía correndo pela sala. Não que eu ainda estivesse com muita calma. Minhas sinapses estavam começando a correr de modo inverso, eu mal tinha certeza do que estava fazendo.
- Alaina, esse é o . Ele não merece isso, ele não faz mal para ninguém - tentei olhar no fundo dos seus olhos, buscando a parte mais sã da sua cabeça. - Por que tudo isso?
Novamente, não que eu esperasse ainda haver parte consciente em uma pessoa que acabou de brincar de Velozes e Furiosos versão Londres.
- Eu só estava distraindo você. Já é quase meia noite, ele deve estar desesperado - ela deu uma risada, que foi tão natural que eu realmente acreditei que ela estivesse feliz com seu desespero.
- Por que fazer isso com ele? Ele nunca te fez nada! - as palavras se debatiam ao sair da minha língua.
- É por isso mesmo - ela deu de ombros em desalento, e eu finalmente entendi uma coisa crucial. Ela deu um sorriso demente. - É melhor que ele continue sozinho de novo.
- Alaina. Espera - chamei mais uma vez, e a parte mais racional de mim me perguntava com deboche até quando eu achava que podia adiar aquilo. - Você não vai ganhar nada com isso.
A outra só me olhou com o mesmo olhar de desprezo, voltando a dirigir-se à porta, fechada para não parecer um convite a qualquer um que passasse. Por mim, eu ficaria parada, com meu cérebro virando uma papa, mas um impulso cheio de ódio me fez movimentar no instante seguinte. Quando ela abria a porta, vitoriosa, eu me joguei na direção dela.

Nós caímos no chão, em uma cena familiar. A diferença, tão sutil, era que dessa vez o público era muito maior. Todos os terceiranistas.
Ela gritava, me empurrando com as mãos que eu sempre julguei frágeis. Tive vertigem ao entender que ela tinha sérios problemas e que talvez ela precisasse de tratamento médico. Talvez por isso ela estivesse fraca dessa vez. Ou talvez fosse porque ela quisesse se inocentar.
E foi o que me fez usar a força novamente.
- Alaina, ainda dá tempo de desistir - falei o mais baixo possível. - Entrega o diário e deixa a gente ir embora.
- Não, me solta! - ela gritou. Eu segurava os pulsos dela acima da sua cabeça, mas as mãos estavam separadas. O diário não estava nas mãos dela. Quando me movi para alcançá-lo logo acima da cabeça dela, ela me empurrou com os joelhos na barriga.
- Você disse que amava ele - eu disse com o pouco fôlego que me sobrou, me contorcendo de dor.
- O amor faz isso com as pessoas, - Alaina disse, se erguendo com o caderno marrom em mãos. Em vez de dizer mais alguma coisa, ela ergueu as sobrancelhas sugestivamente, como se dissesse que o show ia começar.
Imediatamente estiquei as mãos até os calcanhares dela e os segurei firmemente.
- Vai fazer agora o que fez no vestiário? Nós temos testemunhas, .
Mas eu não deixei que ela continuasse falando. Unindo todas as forças que eu ainda tinha, puxei com um impulso só as duas mãos, fazendo com que ela balançasse e, mesmo de saltos altos... Ela não caiu.
Fechei as mãos em punhos rapidamente e bati com força contra seus dedos do pé.
Alaina soltou um grito horrível, ajoelhando-se em seguida. Para revidar ou se porque estava sem forças, eu não sabia. Mas era o momento para atacar.
- Então você admite que roubou esse diário do ? - ele teria que me perdoar por falar tudo isso alto. - Tudo isso porque ele não quis você!
Alaina deu uma risada alta, de certo adorando sua entrada triunfal. Até a música havia parado, me fazendo sentir pena da festa de Loreli.
- Roubei, sim, mas agora eu o entrego. E faria tudo de novo! - tentou me empurrar, mas eu apertava seus pulsos no chão, meu corpo em cima do dela. - Ele nunca devia ter me deixado, aquele bastardo!
O diário estava acima da sua cabeça, ainda em seu poder, mas não tentei mais pegar. Se todos estivessem gravando, como eu imaginei que poderiam estar - afinal, aquela era a festa do ano, e o celular com câmera já existia -, eu poderia quem sabe usar os vídeos para mantê-la longe dele. Eu encontraria um meio.
- O que você pretende fazer, Alaina? - insisti, rangendo os dentes. - Você o protegeu o ano todo para isso? Vai culpar ele por não te amar? Isso é desespero demais até para você.
Seu rosto se contorceu em uma careta horrível, antes que ela deixasse uma lágrima escapar. Toda a força que eu sabia que ela tinha deu as caras. Alaina empurrou os pulsos com facilidade, tirando meu equilíbrio e me jogando para o chão.
Foi como se eu piscasse e nossas posições se invertessem.
- Você não entende. Eu o amo - era a primeira lágrima que eu via nela. - Se todos o odiarem, ele vai voltar para mim. Eu sei que vai.
Aquela foi a declaração mais estranha que eu tinha visto alguém fazer na vida.
- Não. Isso não é amor. E você nunca mais vai obrigar o a fazer nada - rangi os dentes, forçando meus pulsos para cima, na intenção de derrubá-la de novo, mas era inútil. - Não enquanto eu estiver por aqui.
Havia uma roda de pessoas ao nosso redor, porque onde eu encarava, notava que a cabeça dos alunos estava um pouco distante, alguns deles soltando exclamações sobre a briga. Que, eu agradecia à minha sorte, consistia basicamente em imobilização.
Até aí.
Um segundo antes de receber um tapa no rosto, vi sendo segurado por alguns caras do time, que certamente estavam apaixonados pela briga. Não perdi muito tempo depois disso, me sacudi até consegui mexer direito os joelhos e a atingi como pude, em seguida libertando um braço e dando um soco enviesado nela. Era minha intenção, pelo menos, mas como ela não estava tão debilitada assim, conseguiu desviar o rosto e eu, no ódio e na falta de usar as habilidades motoras tão bem quanto gostaria, acabei por socar o ar.
Ô, derrota.
Antes que a adrenalina me deixasse chegar a sentir desespero por perder tempo, contudo, notei luzes azuis e vermelhas adentrando a sala ao mesmo tempo em que Alaina vestia meu pescoço com suas mãos e prendia meu olhar com o seu, sanguinário. Vários alunos ficaram em polvorosa daí em diante. Pés passaram com pressa ao nosso redor e eu continuei me debatendo, louca para me localizar e entender o que acontecia ali. surgiu entre aquelas pessoas e me ajudou a imobilizar Alaina, fazendo isso com facilidade. O diário ainda estava perto dela.
Tentei ficar em pé, ainda que zonza, olhando para todos os lados em busca de . Um segundo antes de notá-lo na multidão - vindo ao meu encontro - reparei em uma figura vestida com uma máscara preta de bico longo. A garota ao seu lado era a velha conhecida da minha melhor amiga. Loreli. A máscara negra foi erguida e o rosto de Tyler sorriu na minha direção, e eu entendi quem - e até por que - tinha chamado a polícia.

Alaina tentou usar todos os argumentos que surgiram em sua cabeça doentia. Pelo que eu podia entender, ela o amava, mas queria destruí-lo. O queria de volta, mas nem sabia explicar os porquês. Nem os policiais entenderam direito, mas com tantas testemunhas e - quase dei saltos de alegria nessa parte - os vídeos não tão ruins dos celulares, não foi difícil fazer com que eles acreditassem no que contamos. Eles a levaram logo depois que mostrou a própria foto no fundo do diário, que aliás, ela não soltou até o último segundo. Acabou ajudando a provar sua loucura. explicou as circunstâncias, disse que chamaria os pais se preciso, mas ao mencionar quem seus pais eram, as coisas abrandaram. Tentei não analisar muito isso.
Logo na segunda, quando me acompanhava até a entrada, Beth chamou nossa atenção.
- e - sua voz não parecia menos tediosa do que como qualquer outra manhã, mas seus olhos tinham um brilho diferente. - O diretor Southall deseja falar com vocês.

- É claro que eu sabia que algo estava errado com aquela garota - admitiu, sustentando algo a mais no olhar do que a frustração. - Mas eu nunca poderia imaginar uma coisa dessas, . Gostaria que nossa escola pudesse ter sido de maior utilidade nesse caso, e por isso eu sinto muito. Quero que se sinta confortável para falar comigo sobre qualquer problema - então, dirigiu-se à mim. - Creio que eu também não tenha passado muita confiança a você.
Sorri, sem jeito.
- Sei como é... Não tenho sido das alunas mais exemplares.
Ele balançou a cabeça.
- Eu devia ter ligado Alaina ao jornal de primeira - abriu uma gaveta do gabinete, tirando alguns papéis de lá. Contudo, não nos mostrou. Sua voz saía mais cansada do que nunca. - Bastava uma olhada atenta em seu histórico e eu saberia... Mas eu só os chamei aqui para pedir desculpas.
- Desculpas? - ecoei.
- Sim - sorriu humildemente. - Eu já devia ter imaginado que devia acreditar em você. Alaina já levou mais de uma detenção por se infiltrar no jornal, quando eu pessoalmente a havia exonerado. Bem, talvez esse termo seja muito jurídico para a situação... - passou a mão pelo que sobrou dos cabelos, sorrindo amarelo. - Eu devia ter ficado com o curso de Direito.
- Mas, diretor, e a Alaina? - perguntei. - Ela não vai voltar?
Não que eu estivesse ansiosa para vê-la.
Ele balançou a cabeça gentilmente.
- Mesmo se pudesse, eu precisaria convidá-la a se retirar da nossa instituição. Além de tudo, roubar é um crime, e creio que tenha sido o que ela fez, não?
- Por que... Por que ela não poderia? - arriscou, mas não consegui encontrar interesse em sua voz. Ele pareceu perguntar apenas para trazer o assunto.
As sobrancelhas do diretor Southall vincaram.
- Então, vocês não sabem? Ela foi internada em um hospital psiquiátrico - e pareceu ainda mais consternado em seguida. - Eu não deveria estar passando essas informações a vocês.
- Espera - pedi, notando que aquela era a deixa dele para nos expulsar da sua sala. - Hospital psiquiátrico? E você sabe o problema dela? O que ela tem?
já se levantava, até tentou me puxar pelo pulso, mesmo que delicadamente.
- , assuntos particulares assim, eu não devo... - o diretor começou a falar.
- Não deve falar? Por quê? - precisei de muito esforço para não erguer a voz. - Essa menina quase me matou duas vezes, uma delas dentro dessa mesma escola. Acho que, no mínimo, eu tenho o direito de saber por que ela me atacava tanto.
Além do motivo .
O diretor trocou um olhar com e por um segundo, quase pensei que ele também soubesse, mas descartei a ideia.
- Alaina desenvolveu um... Hã... Distúrbio - certo, essa parte eu já sei. - Por . Nós não sabemos exatamente o que desencadeou esse processo... Pode ter sido uma série de fatores.
Juro que tentei o máximo possível não soar ácida. até olhou para baixo, provavelmente com vergonha.
- Do que, exatamente, chamam isso?
- Suspeitam de neurose obsessiva afetiva - com um olhar duro, encerrou aquele assunto, enquanto eu digeria aquelas palavras. - , chamei seus pais, resolveremos todos os pormenores o mais rápido possível - o telefone na mesa dele começou a tocar. - Ora, mas eu avisei que precisava de privacidade... - sua atenção balançou entre o aparelho gritando na mesa e nós. Por fim, sua mão alcançou o telefone. - Devo atender essa ligação. Mais uma vez, peço desculpas a vocês, mas não se esqueçam de que as portas desse escritório estão sempre abertas.
e eu assentimos, nos virando para ir embora.
- Você acha que ela vai sair logo de lá? - perguntei para , depois de fechar a porta atrás de mim.
Ele balançou a cabeça.
- Não tão cedo - deu de ombros. - E mesmo que saia, não vai poder nem chegar perto de você. Eu mesmo cuidei disso.
Tentei não analisar isso também.
Nós dois ficamos em silêncio algum tempo, andando sem rumo, com as informações colidindo na cabeça. Pelo menos era o que acontecia na minha, até Alyssa aparecer do outro lado do corredor, acompanhada por um rosto que vinha se tornando conhecido.
- ! - ela chamou, correndo na minha direção. Aquela era a primeira vez que eu via Alyssa em velocidade rápida. Na minha direção. E me abraçando! - Fiquei sabendo do que aconteceu. Você não tem ideia de como me assustou, sua inconsequente!
Tomei um tapinha no ombro. Notei o garoto que estava com ela, andando na nossa direção.
- Eu estou bem, juro - retribuí o abraço, inclinando a cabeça enquanto o cumprimentava. - Quem é esse?
- Ah, - ela sorriu, estendendo o braço ao garoto. - Esse é o Enzo. Enzo, essa é a , uma das melhores pessoas dessa escola. Apesar de ser uma irresponsável encrenqueira.
riu, e eu sabia muito bem o motivo.
- Olha quem fala - respondi de imediato. - Fico feliz de saber que está tudo bem - ergui a sobrancelha na direção dos dois, sugestivamente. Ela sorriu.
- Nós temos que ir, , daqui a pouco a aula começa - ela me abraçou novamente. - Prometa se cuidar direito.
Ouvi a voz de responder por mim, com leveza, fazendo até Alyssa sorrir.
- Ela promete, sim.

- Então era isso o que ela tanto escondia? - não consegui não parecer exasperada. - É só um diário! Não acredito que ela te chantageou por tão pouco.
Não era nada, absolutamente nada como o que Alaina escrevia no jornal. Quanto mais eu passava as páginas, mais me convencia que era apenas uma criança inocente que não entendia direito o que estava acontecendo ao seu redor, enquanto escrevia aquilo. Era possível ler em cada linha que, apesar de toda aquela confusão, ele amava o irmão a todo custo. Nem Alaina não conseguiria ver isso.
não ficou incomodado com meu comentário.
- Será que dá para a gente voltar no tempo e você me falar isso no início do primeiro ano?
- Acho que não... - fiz manha, pondo o diário marrom de lado, no sofá. Ele ficou confuso. - Quer dizer... É que, se fosse assim, as coisas teriam sido diferentes - imaginei a situação. - Minha reação não seria abraçar alguém, se essa pessoa viesse me falando algo sobre o meu diário.
Ele fingiu pensar.
- Que curioso, não foi exatamente o que você fez quando eu li aquela página do seu?
Minha mão voou no seu braço.
- Engraçadinho.
- Vem cá, tem alguém aqui em casa que eu quero que você conheça - ele sorriu.
Fiquei desconfiada.
- Você, por acaso, deixa alguém preso no armário? Porque eu tenho certeza que conheci seus pais...
- É o Prescott, meu irmão - ele explicou. - No meio de toda essa confusão, meus pais ligaram para ele a fim de se reconciliarem. Ele chegou ontem.
Depois de quinze minutos de conversa com Prescott, que descobri ser uma pessoa incrível, já ganhava créditos comigo simplesmente por ser irmão de quem era. Descobri que ele realmente estava feliz na Itália, pelo modo que falava de lá, e que não tinha nada de errado em estar em outro lugar, se era onde se era realmente feliz.

Tyler nunca esteve tão feliz, principalmente por não ter mais problemas com Alaina, ou Alaina como problema. O motivo eu nunca consegui descobrir.
Os meninos conseguiram tocar na formatura, como previra com tanto gosto. Quer dizer, apesar de não ter exatamente nenhuma competição, eu tinha certeza que a mão de certo diretor tinha culpa no cartório. Depois da formatura, nada nos impediu de dirigir novamente até a costa, até a casa de , fazer um luau com direito a músicas próprias, Twister e até um piquenique. Ir para Anderby Creek nunca mais não me lembraria aquelas duas irmãs malucas. Loreli e Valerie não nos deram muitas notícias. Valerie pareceu ficar bastante arrependida depois de notar que não ganharia nada traindo a própria irmã, e jurou que ia mudar a partir de então. Tyler me prometeu, mesmo que eu não tivesse pedido, que faria ela cumprir o juramento à risca, tudo para deixar Loreli mais feliz.
Eu tinha a cômoda sensação de que tudo finalmente ia ficar bem.

Quatro anos depois...
Apesar de manterem a amizade, e duraram até o terceiro ano da faculdade, enquanto e terminaram pouco tempo depois da formatura, mas voltaram ao descobrir que foram aceitos em faculdades na mesma cidade. Algo me dizia que aqueles dois ainda teriam muita história juntos, assim como e . Depois do anel que ele deu para ela, as coisas só melhoraram. Claro que ainda tinha que melhorar muito sua habilidade em relacionamentos e até mesmo o ciúmes. , por mais que fosse incrível e quase fabuloso de se acreditar, mantinha os olhos apenas em . Eu, por outro lado, sabia que ia ser muito complicado ser melhor amiga de um casal, mas com mais nada no nosso caminho, até apartar - o que, infelizmente, eu ainda fazia - as brigas deles ficou mais fácil. Eu nunca tinha visto os dois tão bem. disse, só depois que eu jurei manter segredo, que eles noivariam ao final da faculdade, mas eu não tinha certeza que ele aguentaria esperar tanto tempo para fazer o pedido.
E claro, eu e ... Ele conseguiu a bolsa que tanto queria. Não estávamos na mesma faculdade, mas continuamos na mesma cidade. Continuamos juntos. A cada vez que eu pensava em tudo o que passamos e em como superamos todos os obstáculos, todas as outras brigas pareciam pequenas e superáveis, e o meu coração quase não cabia em tanta felicidade. Ele parecia prestes a explodir de orgulho a cada vez que andávamos juntos, ou que eu o acompanhava em algum jogo, ou mesmo quando alugávamos um filme. Meu apelido, contudo, continuou o mesmo.
- Vamos nos atrasar - ele buzinava. - Se cancelarem nossa reserva, juro que eu vou entrar pelo teto!
Eu dei uma risada escandalosa, abrindo a porta da Evoque.
- Ah, , você não teria coragem - ele não respondeu. Ergui os olhos para vê-lo com a boca entreaberta. - O que é? Você me disse que o restaurante era caro!
- Você... Voc... Você está linda, amor.
Achei melhor assim.
- Obrigada - sorri, sentindo as bochechas arderem violentamente, mesmo depois de tanto tempo. - Você também não está nada mal.
Ele vestia uma camisa social dobrada e calça jeans. Eu estava com um vestido branco soltinho que ia até as coxas, cuja alça pegava um ombro só.
sorriu em forma de agradecimento, dando partida.
Na porta do restaurante, antes que algum empregado pudesse se oferecer para levar o carro para o estacionamento, travou as portas e me olhou apreensivo. Esperei para ver o que ele ia fazer.
- Eu ia esperar, mas acho que eu não quero arriscar que você engula o champagne... - ele tirou uma caixinha de veludo do bolso enquanto falava. - Com isso.
Abri a boca e fechei diversas vezes, incrédula. nem tinha aberto a caixinha e eu já estava toda derretida. Eu esperava que não fosse uma brincadeira. Não podia ser.
- , eu...
Mas ele se adiantou em dizer.
- Eu sei que pode ser um pouco apressado para você, e eu posso esperar - inclinou-se na minha direção, sorrindo. Um sorriso involuntário também brincou no meu rosto. - Mas eu tenho certeza de que é você quem eu quero. É você, , e não dá para ser mais ninguém.
- Isso é lindo - respondi, admirando enquanto ele ostentava a aliança de ouro, com um solitário maior do que eu achava que pudesse existir.
Certo, nem tão grande assim.
Mas era magnífico.
Minha cabeça balançava em sinal de sim, enquanto eu sentia uma lágrima escapar do olho direito. Amaldiçoei-a mentalmente, secando o rosto rapidamente para não destruir a maquiagem.
- Desculpa por não aguentar esperar, se você quiser eu faço o pedido de novo lá dentro - ele voltou a falar. - Fala alguma coisa.
- Sim, babaca, lógico que sim! - eu sorri, sentindo a felicidade explodindo no peito. - Como você poderia duvidar que sim? - sorriu também, soltou meu cinto com pressa e me segurou pela cintura, me dando um beijo tão apaixonado quanto aquele primeiro beijo na minha cozinha. Só que menos desastroso.
O empregado deu uns toquinhos cuidadosos no vidro, com a expressão de quem sabia estar atrapalhando um momento crucial e se sentia culpado em avanço.
- Vamos comer - eu sorri, segurando o rosto de com uma mão. - Estou morrendo de fome.
Ele concordou com a cabeça, me dando um beijo na testa, então eu juntei minha bolsa e já abria a porta do carro quando a voz dele me chamou mais uma vez.
- . Esqueci de falar uma coisa.
Coloquei a cabeça para dentro de novo, ainda segurando meu pé a centímetros do chão.
- O quê?
- Só queria saber se a tia tá bem.
Um riso bobo e infantil escapou dos meus lábios.
- Você sempre vai ser esse babaca.
- E você, não importa o que aconteça - sorriu cúmplice, enfatizando com gosto a próxima palavra. - Sempre vai ser a minha encrenca.





N/AOK! Hora para os lenços! Embora a história estivesse finalizada desde o ano passado, é realmente muito difícil postar tudo de uma vez. Mesmo que eu quisesse *e eu confesso meu medo é aqui*, não teria como. Então por essa demora, perdão, perdão!
Mas, por outro lado! Aqui estamos nós, no último capítulo. Quem acompanhou a história pouco a pouco, acompanhou comigo meu crescimento na escrita. Eu comecei a escrever essa história por hobby em 2009, se não me engano, e sempre no tempo livre. Às vezes chegava perto do impossível, essa coisa de conciliar tempo livre e criatividade. Parece que comigo os dois vivem em desacordo. E, bom, sei que agora eu to enrolando *não quero fechar o arquivo de Fail, não quero que acabe e que eu não tenha que fazer mais nenhuma modificaçãozinha ou encher o saco das betas*, mas agora é a hora de agradecer. Primeiro adoraria agradecer à minha família, minha mãe é a pessoa que mais me apoia, dá a maior força, e se tem alguém por quem eu tirei forças para terminar isso, dá pra falar que foi ela (e minha vó e tia, conta né?). Depois, as betas! Minhas amigas e betas. Não tenho nem como falar o tanto de gente que me ajudou de alguma forma a dar continuidade a essa história. Marii-Marii, lá no começo, me dando ideias, surtando comigo, Lara, Abby me aguentando na betagem! Obrigada! Leeh me aguentando também na betagem, na vida real, por telefonema, ao vivo, com histórias do arco da véia! Eu não seria nada sem a sua ajuda! Mayara Bacelar, Mayara Nunes (que aguentou muito surto meu e ainda me aguenta ao vivo falando de coisas nonsense e bandas o tempo inteiro). Brucks, que me ajudou a começar. Ingrid, que me deu ideias e umas boas revisadas nos textos de Fail! E aí no fim eu vejo que, na verdade, eu não fiz nada disso sozinha. A história acaba, mesmo sem querer, tendo um pedacinho de cada uma de vocês (e muito mais pessoas que eu esqueci e com certeza vou lembrar quando estiver no banho ou quando estiver quase dormindo, e me odiar por isso). Eu só quero agradecer por terem segurado firme nessa montanha russa que foi essa fanfic, e chegado até aqui. Obrigada pelo apoio, obrigada pela força, obrigada a você que participou de qualquer forma nessa fanfic. Obrigada até a você, Valerie M.
Você, leitora, que chegou até aqui, é uma guerreira. Muito obrigada pelos comentários, pela ajuda, por me acompanhar nessa jornada. Vocês são o maior motor para me incentivar a voltar a escrever, a postar, seja me berrando no face, na caixa de comentários, onde for. Sem o incentivo de vocês desde o início, essa fic só teria chegado ao fim do diário (sim, o cap 10).
E nossa, eu realmente estou com o coração na mão de terminar. É isso? Acabou mesmo? Não tem mais nada? HAUHAUHAUH
De coração, muito obrigada. (sou manteiga derretida mesmo, midexa)

Twitter pra falar de fics/betagem @izzywords
Twitter pessoal pra tagarelar, falem comigo @whoeversheizzy


Nota da Beta: Erros? Envie diretamente para mim pelo email awfulhurricano@gmail.com ou através de um tweet para @AbbyCJ (lembrando que eu NÃO sou a autora da fic). Não use a caixinha de comentários, por favor. xx Abby



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